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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO INTENÇÃO E ACÇÃO Luis Alberto dos Santos Antunes (Licenciado) Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Electrotécnica e de Computadores Julho de 1993

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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOAINSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO

INTENÇÃO E ACÇÃO

Luis Alberto dos Santos Antunes(Licenciado)

Dissertação para obtenção do grau de Mestre emEngenharia Electrotécnica e de Computadores

Julho de 1993

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Dissertação realizada sob a orientação do

Professor Doutor Helder Manuel Ferreira Coelho

Professor Catedrático

do Departamento de Matemática do

Instituto Superior de Economia e Gestão

Universidade Técnica de Lisboa

e do

Professor Doutor Nuno João Neves Mamede

Professor Auxiliar

do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e Computadores do

Instituto Superior Técnico

Universidade Técnica de Lisboa

- v -

Resumo

Nos últimos anos, as mudanças que ocorreram ao nível das sociedades e dasorganizações tornaram inevitável a perda de influência dos agentes esistemas isolados. Esta dissertação insere-se no contexto da abertura, daintegração e da distribuição dos sistemas e visa o estudo de sociedades commúltiplos agentes inteligentes, onde estes devem possuir facetas bemdiferentes dos sistemas que viviam em mundos fechados. Os agentesinteragem uns com os outros e com o ambiente formando diferentes padrõesde comportamento individual e social. Quer se trate de agentes reais ou deagentes artificiais, é importante obter explicações e previsões para estescomportamentos. Só assim podemos entender os mecanismos que estão na suabase e fornecer pistas sobre a arquitectura que os possibilita. Um talobjectivo é imprescindível para enfrentar com êxito a mudança, pois a buscade empresas inteligentes, onde aquelas sociedades se inserem, tornou-se umdesejo importante para assegurar a competitividade de tais organizações.

Nesta dissertação vamos encarar o problema da perspectiva tradicional,racionalista, para depois evoluir para uma visão intencional sobre asarquitecturas mentais. O comportamento dos agentes é usualmente descritoem termos de acções. Assim, apresentamos uma concepção sobre a naturezada acção. Fornecemos os conceitos que permitem descrever uma mente eexplicamos como as relações entre eles conduzem aos comportamentosobservados. A noção de intenção e o seu posicionamento em relação aosoutros estados mentais são cuidadosamente inspeccionados. Comoresultado, o conceito de intenção é colocado no centro da arquitectura damente, como o guia que conduz o comportamento. Finalmente, seleccionamose estudamos algumas instâncias de modelos de agentes, com o propósito deconfrontar as concepções apresentadas.

Palavras Chave

Acção; Arquitecturas de Agentes; Inteligência Artificial Distribuída;Intenção; Filosofia da Mente; Sociedades Artificiais.

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Abstract

In recent years, the changes that occurred in societies and organizationsmade inevitable the loss of influence from isolated agents and systems.The context of this dissertation is that of the opening, integration anddistribution of systems. This dissertation aims at studying societies ofmultiple agents, where these must have characteristics rather differentfrom the ones that inhabited closed worlds. The agents interact with eachother to form different patterns of individual and social behaviour. Whendealing with either real or with artificial agents, it is important to obtainexplanations and predictions of these behaviours. Only in this way can weunderstand their underlying mechanisms and provide clues to thesubsuming architecture. A goal like this is necessary to successfully facethe change, since the search for intelligent enterprises, where thosesocieties are inserted, has become an important requirement to ensure thecompetitiveness of such organizations.

In this dissertation we will deal with this problem from the traditionalstandpoint, namely rationalism, and evolve towards an intentional visionof mind architectures. The behaviour of the agents is usually described interms of actions. We provide the concepts which allow the description of amind and explain how the relations among them lead to the observedbehaviours. The notion of intention and its positioning among other mentalconcepts are carefully inspected. As a result, we put the idea of intention inthe centre of the architecture of the mind, as the main guide to behaviour.Finally, we select and study some instances of agent models, in order tofurther analyse the conceptions we presented.

Keywords

Action; Agent Architectures; Artificial Societies; Distributed ArtificialIntelligence; Intention; Philosophy of Mind.

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Índice

Resumo............................................................................................. v

Palavras Chave ......................................................................... v

Abstract ........................................................................................ v i i

Keywords................................................................................ v i i

Índice.............................................................................................. ix

Agradecimentos............................................................................ x i i i

1 Introdução 1

1.1 Agentes Inteligentes.................................................................... 2

1.2Descrição da Dissertação............................................................. 6

2 Contexto 9

2.1Racionalidade ............................................................................ 9

2.2A Posição Intencional ................................................................. 11

2.3 A Aproximação Baseada em Projecto........................................... 15

3 Acção 19

3.1Acções, Acontecimentos e Comportamento.................................... 20

Onde estão as acções?................................................................. 23

Acções básicas............................................................................ 24

Teorias volicionais .................................................................... 29

3.2Agência ..................................................................................... 32

4 Intenção 39

4.1Funções da Intenção .................................................................... 42

4.2Em Direcção a uma Definição de Intenção .................................... 49

- x -

5 Intenção e Acção 53

5.1A Visão Simples........................................................................ 54

Argumento contra a Visão Simples............................................. 57

Sobre a relação intenção-crença.................................................. 59

Aspectos temporais ................................................................... 61

Mais sobre intenções e crenças: as expectativas ........................... 63

Regresso à Visão Simples .......................................................... 68

Ponto da situação ...................................................................... 71

5.2O Lugar da Intenção ................................................................... 72

Esquema da mente ..................................................................... 72

A satisfação de intenções........................................................... 76Caso 0. Sistema clássico de raciocínio................................... 78Caso 1. Sistema baseado em intenções................................... 80

Caso 2. Mais perguntas que respostas.......................................... 82

6 Modelos de Comportamentos 89

6.1Objectivos persistentes............................................................... 90

Formalização de intenção.......................................................... 91

Discussão.................................................................................. 92

6.2AOP: decisões e obrigações ......................................................... 96

Os agentes................................................................................. 96

Propriedades ............................................................................ 98

Discussão.................................................................................. 99

6.3ABLE ....................................................................................... 101

Representação explícita de comportamentos.............................. 102

Discussão................................................................................. 106

7 Conclusões 111

7.1Resumo..................................................................................... 111

7.2Trabalho Futuro ....................................................................... 113

7.3Conclusões ................................................................................ 116

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Referências 119

Bibliografia 125

Bibliografia Adicional 129

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Agradecimentos

No percurso que conduziu a esta dissertação, muitas são as dívidas degratidão que contraí. Sem querer eximir-me à total responsabilidade quetenho no trabalho aqui presente, não posso deixar de tentar diminuir essasdívidas, expressando o meu reconhecimento.

Ao meu orientador, Prof. Helder Coelho, pelos graus de liberdadeconcedidos e também pelas restrições impostas, pela amizade e em especialpor ser um Professor. Ao brevemente Mestre Luis Moniz, companheiro de hámuito, agradeço o apoio e a amizade, as críticas e a colaboração. Com osEngenheiros Paulo Urbano e Milton Corrêa, tive longas e esclarecedorasdiscussões, que muitas vezes abriram novos horizontes sobre temas menos aomeu alcance. A todos envio votos de que a nossa ligação se possa manter emelhorar, em termos de trabalho e nos outros.

Ao Prof. Nuno Mamede, agradeço a pronta disponibilidade com que acedeua ficar responsável pela orientação desta dissertação.

Quero ainda agradecer às pessoas que de um modo ou outro contribuírampara a minha formação, fazendo de mim a pessoa que sou hoje. Entre estescontam-se sem dúvida os meus pais, Zé Casimiro e Maria Antónia, o meuirmão, Zé-Tó, e uma parte muito significativa dos meus professores.

Um agradecimento muito especial vai para a minha mulher Guida, pormais razões do que poderia aqui enumerar.

Agradeço finalmente a todos quantos leram versões ou partes destetrabalho e apresentaram comentários e críticas que me permitirammelhorá-lo, na forma e no conteúdo. Entre eles contam-se Luis Moniz,Helder Coelho, Paulo Urbano, Guida Antunes, Paulo Costa, Nuno Barreiro,Michael Bratman, Carlos Picoto e Isabel Picoto.

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O trabalho que gerou esta dissertação foi parcialmente desenvolvido com oapoio da JNICT (Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica),através de uma bolsa de mestrado, com o número BM/930/90-IA.

Devo ainda agradecer às duas instituições com as quais estou afiliado e como apoio das quais este trabalho foi desenvolvido. São elas o INESC(Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores) e o ISEG (InstitutoSuperior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa).

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A todos os meus amigos, por essa ordem…

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«Ah…! Que está a acontecer?

Hã, desculpe. Quem sou eu?

Está a ouvir-me?

Porque estou aqui? Qual é o meu objectivo na vida?

Que quero eu dizer com a pergunta quem sou eu?

Tenho que me acalmar, então… oh! Que sensação tão interessante. Que será?É uma espécie de… formigueiro de vazio, no meu… no meu… bem, suponhoque é melhor começar a dar nomes às coisas, se quiser avançar no quechamarei um argumento em favor do que chamarei vida… chamemos-lhe entãoo meu estômago.

Óptimo. Ooooh, está a ficar cada vez mais forte. Ei, e que som sibilante eatroador é este que passa pelo que decidi apelidar de minha cabeça? Talvez lhepossa chamar… vento! Será um bom nome? Por enquanto fica assim… talvezlhe arranje uma designação melhor quando descobrir para que serve. Mas deveser muito importante, senão a barulheira não era tanta! Ei! Que coisa é esta?Esta… chamemos-lhe cauda. Sim, cauda. Ei! Consigo abaná-la muito bem deum lado para o outro, não consigo? Uau! Uau! Que bom! Mas não parece termuita utilidade. Mais tarde descobrirei para que serve. Bom… será que jáconstruí alguma imagem coerente?

Não.

Não interessa. Ei, isto é mesmo excitante. Tantas coisas para descobrir, tantascoisas para ambicionar! Esta espera põe-me tonto…

Ou será o vento?

Parece que se tornou mais forte, não foi?

E… uau! Ei! Que é aquilo que vem tão depressa na minha direcção? Vemmesmo muito depressa. É tão grande, liso e redondo, que merece um nomegordo e sonante… ão… hão… chão! É isso! Um bom nome: chão.

Quererá ser meu amigo?»

Depois de um baque, fez-se silêncio.

Douglas Adams, Uma Boleia para a Galáxia

Intenção e Acção 1 Introdução

1 Introdução

A racionalidade tem sido ao longo dos tempos o sinal distintivo dainteligência. O homem sobressai de entre os outros animais e plantas, nãopela sua particular inteligência, também detectável em alguns daqueles,mas sim pela sua racionalidade. A racionalidade é a inteligência boa,aquela que permitiu o progresso científico e tecnológico, a construção danossa sociedade actual.

Por outro lado, a racionalidade conduz-nos por um caminho que se tornacada vez mais perverso. Se o sucesso de uma sociedade se mede pela suasobrevivência, o futuro da sociedade humana precisa de ser acauteladoagora. Onde está a inteligência então? Os milhares de espécies de insectosparecem muito bem sucedidos em termos de sobrevivência, será que está aí asua inteligência?

No entanto, a racionalidade está na base das nossas interacções sociais. Aracionalidade fornece-nos uma poderosa abstracção com que olhamos paraos actores do nosso mundo, independentemente da sua estrutura interna ecom conhecimentos mínimos sobre eles [Singh 91a]. A atribuição deracionalidade é o passo decisivo para adoptar a posição intencional [Singh91a, Dennett 71, 87], permitindo fazer previsões mais ou menos precisas docomportamento de agentes supostos racionais, através da atribuição decrenças e intenções a esses agentes [McCarthy 79].

Esta dissertação incide sobre a estrutura mental desses agentes, e asassociações que podemos traçar entre essa estrutura e o seu comportamento

Intenção e Acção 2 Introdução

visível. A caracterização que fazemos da mente baseia-se em conceitosmentais intencionais, seguindo a perspectiva tradicional da Filosofia daMente. Ou seja, a nossa descrição baseia-se em conceitos como intenção,crença ou desejo. Quanto ao comportamento, este é descrito em termos deacções.

A disciplina na qual esta dissertação se insere primordialmente é aInteligência Artificial. Este facto tem vários tipos de consequências. Àpartida, e até por uma questão de formação, a perspectiva com queabordamos as questões. Mesmo quando as questões encaradas são maisfilosóficas, elas são posicionadas num cenário em que se tem em vista acompreensão, investigação e resolução de problemas concretos. Além disso,a Inteligência Artificial procura obter um equilíbrio entre duas posições quese complementam: a descrição e explicação de certos fenómenos que seobservam e a construção de sistemas artificiais que possam reproduzir essesfenómenos, ou outros relacionados. Este trabalho procura situar-se numponto próximo desse ponto de equilíbrio. Se por vezes oscilámos na direcçãoda primeira vertente, foi devido à necessidade que sentimos dedesenvolver um trabalho mais básico, mais fundamental. Este trabalhonão tem muito de experimental, mas agora, ao atingir este estádio, temos asensação de que a experiência é finalmente possível e faz sentido.

Na primeira secção deste capítulo vamos apresentar o núcleo do trabalhoque desenvolvemos. Procurarmos motivar as razões da necessidade dessetrabalho e apontar o seu fim último. Na secção seguinte, descrevemos aorganização do texto em capítulos e secções.

1.1 Agentes Inteligentes

A sociedade moderna torna-se progressivamente mais dependente desoluções tecnológicas para resolver os problemas. Cada vez esperamos maisdo nosso processador de texto, do nosso telefone, do nosso cartão de crédito.As interacções sociais que ocorrem nas organizações são cada vez menosexclusivamente entre pessoas. Agora, devemos considerar todos os

Intenção e Acção 3 Introdução

intervenientes na organização, independentemente da sua natureza física.E esta tendência deverá manter-se e mesmo intensificar-se no futuro.

Para podermos dar resposta às aspirações dos actores sociais, temos queencarar o problema das interacções nas organizações a partir de váriasperspectivas. Uma delas é sem dúvida a perspectiva da tecnologia pura, ouseja, a existência dos métodos práticos de engenharia para construir ossistemas que cumprem as tarefas desejadas. Uma outra é o estudo dasinteracções de um ponto de vista sociológico, para tentar tirar o máximoproveito das tecnologias existentes e orientar a criação das tecnologiasfuturas. A Inteligência Artificial Distribuída procura dar respostas a estetipo de questões, através de uma aproximação multi-disciplinar queintegre os resultados da Psicologia, Filosofia, Epistemologia, InteligênciaArtificial e Robótica, mas também da Sociologia, Ciência Cognitiva e atéEtologia e Genética.

As aproximações tradicionais à definição de agentes inteligentes, sãobaseadas na associação entre a inteligência e a racionalidade. Mas quandopretendemos exigir mais dos agentes que definimos, nomeadamente emtermos de flexibilidade, de robustez e de adaptabilidade, verificamos quea aproximação puramente racionalista à inteligência é demasiadolimitativa. Uma alternativa consiste em adoptar a estratégia de atribuirintencionalidade aos agentes, ou seja, considerar os agentes em função deestados intencionais, como desejos ou crenças.

O trabalho que efectuámos está intimamente ligado com o estudo edefinição de tais agentes. O contexto deste trabalho é o de uma sociedadecom múltiplos agentes, interagindo entre si. Os agentes que se pretendemprojectar e construir são artificiais, socialmente inteligentes e devemactuar autonomamente e contudo cooperativamente [Werner 91].

Uma estratégia para efectuar a construção eficiente de agentes artificiaiseficientes é começar por estudar em sociedades reais os casos de agentes bemsucedidos de uma forma ou de outra. No nosso caso, debruçámo-nos sobre asociedade humana, e os seus actores principais, os seres humanos. E quandoolhamos para os seres humanos, do ponto de vista da nossa busca de agênciainteligente, encontramos o conceito de mente como fundamental. Esta é umaconvicção básica, mas que pode, e deve, ser discutida. No entanto, não cabeaqui discuti-la, vamos antes adoptá-la.

Intenção e Acção 4 Introdução

Quando analisamos a nossa noção usual de mente, encontramos conceitoscomo crenças, desejos, intenções, objectivos, expectativas, planos, interesses,preconceitos, preferências, promessas, responsabilidades, compromissos,votos, etc. Estes conceitos recebem o nome geral de estados mentais. Umoutro conceito básico é o conceito de acção. Uma pergunta que mais uma veznão será devidamente discutida, é se o conceito de acção é um conceitomental. Vamos assumir que não, que as acções existem no mundo, de formaindependente. São conjuntos de acontecimentos que existem realmente quevão constituir as acções. No entanto, os agentes têm a sua própria visãodessas acções, filtrada através dos seus estados mentais.

As contribuições centrais desta dissertação prendem-se com o estudo darelação entre intenção e acção. Ou seja, tentámos fornecer uma resposta àpergunta sobre como é que o comportamento pode ser explicado por conceitosmentais como os enumerados acima. Do nosso ponto de vista, a intenção é umconceito fundamental quando se pretende modelizar comportamentosinteligentes, incluindo transacções, conversas, negociações e cooperações[Coelho et al 92]. Estes comportamentos são normalmente definidos emtermos das acções executadas pelos intervenientes na sociedade.

A opção usual na utilização de intenções para a construção de agentes,consiste em associar as intenções à execução de acções. Ou seja, tal como oconteúdo de uma crença é uma proposição, o conteúdo de uma intenção énormalmente uma acção. Neste documento, e inspirando-nos em trabalhosde [Cohen and Levesque 90a] e de [Corrêa and Coelho 93], fazemosclaramente uma opção pela associação entre uma intenção e o estado domundo a obter pelo agente que formula essa intenção.

No fulcro da relação entre intenção e acção existe, segundo a maioria dosautores que consultámos, um único fenómeno. Não é evidente que essefenómeno seja a própria intenção. Outras possibilidades existem, como porexemplo a decisão, a escolha, ou a volição, um acto de vontade. Estaspossibilidades são estudadas, para finalmente se escolher a tese simples,que afirma que é realmente a intenção que liga a intenção à acção. Ou seja,na base da execução intencional de uma acção1 está sempre uma intenção.

1Portanto, uma acção não executada por acaso, por acidente, ou um acto reflexo.

Intenção e Acção 5 Introdução

Com esta opção filosófica em mente, propomos então a nossa visão daestrutura de uma mente que conduza o comportamento de um agente.

O trabalho que deu origem a esta dissertação foi realizado no Grupo deInteligência Artificial do INESC (Instituto de Engenharia de Sistemas eComputadores), inserindo-se no projecto de Inteligência ArtificialDistribuída. Num paralelo mais do que temporal, desenvolveram-se nesseprojecto dois outros trabalhos, que irão originar duas dissertações ([Corrêa93] e [Moniz 93]). Como pano de fundo deste texto, temos ainda dois outrostrabalhos e respectivas dissertações ([Caldas 92] e [Gaspar 93]).

Na tese de doutoramento [Gaspar 93], Graça Gaspar propõe um modeloformal de agente inteligente autónomo, integrando capacidades deraciocínio limitado, comunicação, acção e evolução. Este modelo pode serutilizado como base construtiva para a implementação de tais agentes e asimulação de diferentes padrões de sociedades de agentes. O modelo éconstituído por várias componentes, nomeadamente o modelo de crenças, omodelo de intenções e o modelo de evolução. Os dois primeiros baseiam-sena definição de um conjunto de fórmulas (eventualmente inconsistente)representando hipóteses de crenças ou de objectivos, uma relação de ordemque representa preferências entre essas hipóteses, e um conjunto de regras deinferência, a partir dos quais é escolhido um subconjunto maximal preferidode crenças ou intenções básicas consistentes. O modelo de evolução permite,face a uma mensagem recebida, definir as possíveis alterações dasrestantes componentes do modelo do agente receptor, nomeadamente ainclusão de novas fórmulas nos conjuntos de hipóteses e a dedução de novasrelações de ordem de preferência entre essas fórmulas. Para isto, éutilizada informação sobre os factores de credibilidade e autoridadeatribuídos pelo agente em causa aos restantes agentes da sociedade comquem contacta.

A dissertação de mestrado de José Castro Caldas [Caldas 92] insere-se naárea de Economia Experimental. Caldas utiliza os resultados de umaexperiência laboratorial sobre o comportamento de agentes humanos nolugar de produtores numa situação de duopólio para modelizar agentesartificiais. Para Caldas, os agentes artificiais são agentes autónomosdotados de capacidade de assimilação do contexto dinâmico do mercado,cujo comportamento evolui em resultado da aprendizagem.

Intenção e Acção 6 Introdução

No seu trabalho de doutoramento [Corrêa 93], Milton Corrêa defende que aarquitectura dos agentes é um pré-requisito para entender a estrutura dainteligência nas conversas e que as conversas são baseadas em acçõesintencionais. Além disso, Corrêa afirma que alguns estados mentais, crença,desejo, intenção e expectativa, devem ser posicionados no núcleo do modelodo agente, de modo a estruturar a sua arquitectura. Estes estados mentaisinfluenciam fortemente a capacidade de interacção de um agente. Qualquerestrutura de interacção é construída relacionando as noções-chave deagente, contexto conversacional e padrão conversacional com os estadosmentais do agente. Corrêa define a arquitectura MSGN, que associa a cadaestado mental um agente local activo, com arquitectura GN [Geneserethand Nilsson 87], o que permite estudar isoladamente as características decada estado mental, as interacções entre estados mentais e a concorrênciaentre as suas atitudes.

Na sua dissertação de mestrado [Moniz 93], Luis Moniz propõe umaestrutura de bancada de experimentação de agentes autónomos. Essaestrutura garante a portabilidade da bancada, permitindo a sua instalaçãoem diferentes suportes físicos. Moniz define uma arquitectura genérica paraagentes, que permite descrever qualquer tipo de agente na sua bancada,através de uma linguagem de definição de agentes. Moniz defende aindaque a proposta apresentada é suficientemente genérica para poder suportardiversos agentes, com arquitecturas diferentes. Finalmente, apresentaalgumas experiências onde realiza simulações com agentes autónomos emambientes dinâmicos. Essas experiências permitiram-lhe ilustrar autilização da bancada, quanto à forma de concretizar agentes, bem comotestar o seu comportamento.

1.2 Descrição da Dissertação

O texto encontra-se dividido em sete capítulos. Após esta introdução,vamos procurar envolver o trabalho desenvolvido no seu contexto. Ou seja,no capítulo 2, intitulado precisamente “Contexto,” incidimos com maiordetalhe no problema da racionalidade e contrapomos a posição intencionalde Dennett como alternativa ao estudo e desenvolvimento de seres

Intenção e Acção 7 Introdução

inteligentes. Consideramos esta posição filosófica e as suas vantagens einconvenientes. Analisamos algumas questões metodológicas que delaresultam. Finalmente, expomos a aproximação baseada em projecto, deSloman e situamos nela o trabalho que desenvolvemos.

No capítulo 3, “Acção,” vamos seguir a aproximação de Carlos Moya àprocura da definição de agência. Ou seja, como podemos distinguir as coisasque nos acontecem das coisas que fazemos acontecer. Moya desenvolve a suateoria de acção, primordialmente fundamentada no conceito de acção comsignificado, intencional. Agência, intenção e compromisso aparecem-nosassim ligadas por laços que determinam o comportamento dos seresinteligentes.

No capítulo seguinte, intitulado “Intenção,” analisamos as intenções deuma perspectiva pluri-disciplinar. Procuramos complementar a abordagemtradicional da Filosofia da Acção com a perspectiva que nos é dada pelaInteligência Artificial, em particular, mas não só, no que diz respeito àconstrução de agentes. Apresentamos o papel, que consideramos primordial,das intenções na condução do comportamento dos agentes inteligentes.Apresentamos os papéis funcionais atribuídos às intenções, bem como aspropriedades e restrições a serem respeitadas pelos agentes racionais. Emseguida, discutimos uma definição de intenção que não obrigue a umaligação directa à acção, mas antes considera a intenção para agir (aintenção de executar determinada acção) como um caso particular deintenção. No caso mais geral, a intenção está associada ao estado do mundodesejado pelo agente. As intenções para agir são vistas assim a uma outraluz: o agente não tem já a intenção de executar determinada acção, mas simtem a intenção de estar num estado do mundo em que está a executar essaacção.

No quinto capítulo, “Intenção e Acção,” debruçamo-nos sobre o problema dedeterminar a relação entre intenção e acção. Para este fim, vamos seguir deperto a análise feita por Michael Bratman em [Bratman 84]. Bratmanapresenta inicialmente o que ele chama a Visão Simples, para depoisproduzir um contra-exemplo que a invalida. Analisa em seguida outraspossibilidades, antes de apresentar a sua visão sobre a relação entre acçãoe intenção, que se baseia no potencial motivacional de uma intenção.Defendemos que o argumento de Bratman contra a Visão Simples não éválido. Afirmamos que não há razões para não adoptar a Visão Simples eexpomos uma perspectiva sobre a relação entre intenção e acção que nela se

Intenção e Acção 8 Introdução

baseia, envolvendo o conceito de plano como uma acção composta e oconceito de objectivo como uma acção (ou plano) potencial. Em seguida,exploramos um pouco as relações entre os vários conceitos mentais com quelidamos. Vamos ver como a relação entre a intenção e a acção vai terconsequências nas formas como colocamos os restantes conceitos queconsideramos na nossa arquitectura mental, as crenças, os desejos, asexpectativas.

O sexto capítulo, intitulado “Modelos de Comportamentos,” apresenta opanorama dos sistemas de modelização e simulação de agentes, com o fimde nele situar a concepção de agente que adoptámos. Dos vários modelos deagentes que se encontram na literatura, seleccionámos três para apresentar.São eles os trabalhos de Philip Cohen e Hector Levesque, devido aoespecial relevo e relativo pioneirismo que assumem, os de Yoav Shoham,que nesta altura poderá ser o melhor candidato a fornecer um sistema ondebasear as nossas experiências, e os de Peter Wavish e David Connah,devido a apresentarem uma perspectiva radicalmente diferente das usuaise que retrata métodos que hoje em dia assumem crescente importância. Apósapresentar estes sistemas e algumas das suas extensões, confrontamo-loscom as nossas ideias e tecemos considerações sobre uns e as outras, em que sepoderiam adaptar e como, ou porque o não poderiam fazer. Procuramosassim fazer uma primeira tentativa de confrontação dos trabalhosdescritos neste texto.

Finalmente, o capítulo 7 contém as conclusões do trabalho desenvolvido.Fazemos um resumo do trabalho, expomos algumas sugestões para trabalhofuturo e apresentamos as conclusões finais.

Intenção e Acção 9 Contexto

2 Contexto

Neste capítulo, vamos procurar estabelecer um contexto para envolver otrabalho desenvolvido. Assim, vamos incidir com maior detalhe noproblema da racionalidade e contrapomos a posição intencional de Dennettcomo uma alternativa ao estudo e desenvolvimento de seres inteligentes.Consideramos esta posição filosófica, as suas vantagens e inconvenientes eanalisamos algumas questões metodológicas que dela resultam.Finalmente, expomos a aproximação baseada em projecto, de Sloman esituamos nela o trabalho que desenvolvemos.

2.1Racionalidade

A racionalidade está na base das interacções que podemos identificar nassociedades humanas. Assumindo racionalidade nos actores sociais, obtemosuma poderosa ferramenta de abstracção, que nos permite interpretar o seucomportamento mesmo que o nosso conhecimento sobre a sua estrutura sejamínimo. É um passo pequeno, aquele que nos leva a extrapolar esta atitudedos seres humanos para todo o género de intervenientes sociais, sejam elesanimais, aparelhos ou sistemas.

De acordo com a posição de Dennett [Dennett 87, Shoham 93], a questão dedecidir o que é um agente pode ser substituída pela questão sobre que

Intenção e Acção 10 Contexto

entidades podem ser visionadas como tendo estados mentais. E a resposta éque qualquer coisa pode ser assim descrita, embora isso nem sempre sejavantajoso. Assumindo a posição intencional (“intentional stance”),podemos atribuir qualidades mentais a sistemas. Não é fundamentaldeterminar se um sistema é realmente intencional, mas sim se esse sistemapode ser coerentemente visto como tal. Também [McCarthy 79] distingueentre a legitimidade de atribuir qualidades mentais a máquinas e autilidade de o fazer.

Se os agentes forem suficientemente autónomos, podem actuar da forma quedesejarem. Mas com agentes racionais, se soubermos em que situação seencontram, podemos ter uma ideia razoável de como irão actuar. Aracionalidade restringe as opções disponíveis para os agentes. Isto faz comque seja possível predizer o seu comportamento com alguma precisão,atribuindo intenções e crenças aos agentes.

Em [Singh 91a], Munindar Singh nota no entanto, que a exigência deracionalidade entra em conflito com o facto de os agentes serem limitados.Os agentes da vida real, e também os agentes artificiais, têm recursosnecessariamente limitados. Isto é particularmente importante quandoqueremos que os nossos agentes se insiram em ambientes complexos,dinâmicos e com múltiplos agentes. Martha Pollack, em [Pollack 92], referea concepção de agente racional de Herbert Simon [Simon 55, 57, 82]:

Um agente racional não é aquele que escolhe sempre a acção quemaximiza a satisfação dos seus objectivos, dadas as suas crenças.Um agente racional simplesmente não tem os recursos paradeterminar sempre qual é a acção óptima. Em vez disso, os agentesracionais devem tentar apenas decidir satisfatoriamente acerca dassuas acções, embora de forma possivelmente não óptima.

Singh resume esta ideia considerando que a racionalidade num agente é acapacidade para agir de forma efectiva, apesar das suas limitações, aodecidir cursos óptimos de acção. Este é um novo sentido a atribuir àracionalidade, que admite que até agentes com recursos limitados possamser racionais [Singh 91a].

Intenção e Acção 11 Contexto

2.2A Posição Intencional

Quando queremos estabelecer teorias de racionalidade em agentesracionais, podemos adoptar dois tipos de estratégia [Singh 91a]. Umateoria descritiva considera os agentes inteligentes existentes,primordialmente humanos, e descreve como é que eles conseguem actuarapesar das suas limitações. Uma teoria prescritiva define critérios pelosquais um agente possa ser projectado de modo a que exiba inteligênciaapesar das suas limitações.

Como vimos acima, ao adoptar a posição intencional [Dennett 71], estamosa fugir um pouco a esta classificação. Não estamos a descrever os agentesreais, porque Dennett não se preocupa em justificar que os agentes reais sãorealmente como a sua teoria descreve. Por outro lado, a posição intencionalnão é puramente prescritiva, completa o seu carácter prescritivo com umajustificação descritiva dos agentes que adereça.

Com a posição intencional, temos uma teoria descritiva em função de umobservador e uma teoria prescritiva em função da sua utilidade. Vejamosuma passagem de [Dennett 87]:

a estratégia intencional consiste em tratar o objecto cujocomportamento se quer predizer como um agente racional comcrenças e desejos e outros estados mentais exibindo (…)intencionalidade.

(…) qualquer sistema cujo comportamento é bem previsto atravésdesta estratégia é um (…) sistema intencional, um sistema cujocomportamento é previsível através da estratégia intencional, deforma fiável e extensa.

Mais adiante, Dennett explica como funciona a estratégia intencional:

primeiro, decide-se tratar o objecto cujo comportamento se querpredizer como um agente racional; em seguida, descobre-se quecrenças esse agente deve ter, dado o seu lugar no mundo e o seupropósito. Então descobre-se que desejos ele deve ter, dadas asmesmas considerações, e finalmente pode-se predizer que esteagente racional irá actuar para promover os seus objectivos à luz dos

Intenção e Acção 12 Contexto

seus desejos. Um pouco de raciocínio prático a partir do conjuntoescolhido de crenças e desejos levará em muitos casos — mas nãotodos — a uma decisão sobre o que o agente deve fazer; é assim quese prediz o que o agente irá fazer.

Esta estratégia é descritiva, mas a descrição é sempre feita em termos doobservador que a utiliza. Por exemplo, quando se atribui a um agente ascrenças que ele deve ter, quem diz quais são essas crenças é o observador queinterpreta e pretende predizer o comportamento do agente. Por outro lado,a noção de utilidade desta estratégia está sempre presente. Dennett afirmaque certa ou errada, esta estratégia permite predizer com eficiência ocomportamento dos agentes, principalmente humanos. Quanto ao poder deprescrição desta teoria para a construção de agentes artificiais, não nosvamos aqui alongar mais, por ser de tal forma evidente a grandequantidade de sistemas construídos respeitando esta teoria.

Esta estratégia dá uma resposta a uma pergunta fundamental que devemoscolocar quando queremos atribuir estados mentais a agentes artificiais.Essa pergunta é ‘porque fazê-lo?’ A resposta a esta pergunta passa porresponder a uma outra: ‘e porque atribuímos estados mentais a humanos?’ Ea resposta final dada por Dennett é que é útil, permite-nos fazer boaspredições.

Quando Dennett descreve a posição intencional, descreve também duasoutras: a atitude de projecto (“design stance”) e a atitude física (“physicalstance”) [Dennett 87]. A atitude de projecto, baseia-se num conhecimentoexacto do projecto do objecto cujo comportamento queremos estudar. Estaatitude baseia-se na noção de função, que é uma noção teleológica, eutiliza-se geralmente para fazer predições sobre objectos mecânicos. Paraadoptar esta atitude, temos que nos colocar na posição do projectista, parapelo menos ter conhecimento teleológico sobre o objecto a estudar.

Segundo a atitude física, as predições são baseadas no estado físico real doobjecto e são construídas a partir do conhecimento que tenhamos sobre asleis da natureza. Apenas adoptando esta atitude podemos detectar erros defuncionamento dos sistemas, visto que quer a posição intencional quer aatitude de projecto dependem de certas suposições de base sobre o sistema,nomeada e respectivamente que o sistema pode ser encarado como umagente racional e que o sistema foi projectado tendo em vista o cumprimentode certos fins (que são os que nós conhecemos).

Intenção e Acção 13 Contexto

Dadas as dificuldades de conhecer a arquitectura dos agentes inteligentes,nomeadamente humanos, o conceito de mente e os conceitos a ele associados,surgiram como uma tentativa de estruturar e entender, do ponto de vista docomportamento, esses agentes. O estudo do comportamento humano é assimfeito assumindo a existência destas qualidades mentais, através daconstrução de modelos formais de representação e raciocínio.

Quando pretendemos construir agentes artificiais, e mentes artificiais,nada mais natural do que basear as nossas tentativas nos estudos eparadigmas usados no caso humano. E usar os conceitos mentais que vêmaparecendo ao longo de séculos, tanto na linguagem comum como nasinvestigações científicas sobre a inteligência.

Além disso, à falta de melhores pistas sobre a arquitectura a definir paraos nossos agentes, recorremos a estes conceitos que formam, de certa forma, aparte visível da arquitectura dos agentes humanos. Foi certamente este ocaso dos primeiros paradigmas de computação, o que é visível até nautilização de expressões como ‘cérebros electrónicos’ ou ‘memória.’ Maisrecentemente, outros paradigmas são desenvolvidos a partir da observaçãode fenómenos aos quais atribuímos a característica comum de inteligência.Podemos citar como exemplos as experiências com redes neuronais[Rumelhart et al 86], a partir de descobertas no campo da neuro-fisiologia,os algoritmos genéticos [Goldberg 89] (paradigma evolucionista), asexperiências com mercados computacionais [Miller and Drexler 88](paradigma económico da computação), etc.

Por outro lado, podem-se fazer algumas críticas à adopção da posiçãointencional para a descrição e construção de agentes. A posição intencionaldepende em grande parte dos estados mentais do observador. Ou seja,qualquer descrição do agente é feita utilizando os conceitos disponíveis aoobservador. Isto pode provocar problemas de diversos tipos1. Por exemplo,na transmissão ou partilha de conhecimentos sobre o objecto entre váriosobservadores. Este problema é ainda agravado quando queremos construirsistemas que consigam interagir uns com os outros, portanto que devam elespróprios adoptar a posição intencional. A pergunta fulcral passa neste casoa ser: ‘Como será possível entender a posição intencional de forma a

1Na terceira secção do capítulo 6 alongamo-nos um pouco mais sobre alguns dosproblemas que esta exigência acarreta.

Intenção e Acção 14 Contexto

conseguir formalizá-la e modelizá-la para finalmente podermos construirsistemas automáticos que a exibam?’

Um outro problema é a distinção entre as três atitudes propostas porDennett, física, de projecto e intencional. Não vemos que haja umadiferença de fundo entre as três posições, no sentido em que todas elasdependem dos conceitos escolhidos pelo observador. As diferenças sãofunção do nível de abstracção com que olhamos para as coisas. Claro que separtirmos do princípio que os conceitos mentais existem, e que quando ascoisas são projectadas, são projectadas com um fim. Mas se quisermosquestionar estes pressupostos, então não vemos porque não teremos quequestionar outros também, por exemplo a própria existência das coisas, ou oconhecimento que temos delas [Guitton et al 91]. Resumindo, parece-nosnecessário que haja um pouco mais de realismo e de cuidado quando sepretende encarar o estudo ou a construção de agentes. Se o que fazemos, aoadoptar cada uma destas atitudes é definir um conjunto de conceitosprimitivos e interpretar as nossas percepções sobre os agentes à luz dessesconceitos, então temos a obrigação de dizer que é isso o que fazemos. Se anossa descrição dos sistemas, adoptando qualquer das três atitudes, só fazsentido se incluirmos o nosso próprio sistema cognitivo, formando assim umsuper-sistema completo e coerente (e só esse é que é completo e coerente),devemos dizer isto claramente, para que não haja dúvidas no resultadofinal das nossas investigações, ou, como também diz Dennett, na nossaprópria vida.

Finalmente, parece-nos que a principal limitação da posição intencional éa sua pouca ambição. A utilidade não chega. Não há uma tentativa paraentender a arquitectura ou mesmo os mecanismos dos sistemas quepretendemos estudar. Portanto, quando usamos a teoria como prescritiva, oúnico guia de que dispomos são as nossas próprias intuições, obtidas à custade introspecção, de como julgamos que a nossa cognição decorre. O que ateoria nos dá não é um conjunto de conceitos e relações que podemos utilizarna construção de artefactos. A posição intencional apenas nos diz que osconceitos e relações que conseguimos intuir para poder aplicar nessaconstrução são suficientes!

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2.3 A Aproximação Baseada em Projecto

Adoptando uma posição próxima da atitude de projecto de Dennett, AaronSloman, em [Sloman 93], descreve a sua aproximação baseada em projecto(“design-based approach”) para o estudo da mente. Esta aproximaçãocontrasta com a aproximação baseada em semântica e a aproximaçãobaseada em fenómenos.

As teorias baseadas em semântica tentam descobrir como as pessoasinterpretam as palavras e orações, da língua comum, que descrevem estadose processos mentais. A fonte de informação sobre os processos mentais érestringida assim ao estado corrente do senso comum, com todos os seus errose limitações. As investigações baseadas em fenómenos pressupõem que já éconhecido e compreendido claramente o que se está a falar quando se referealgum fenómeno, por exemplo, consciência, emoção, motivação, etc. Então,investigam-se outras coisas que estão correlacionadas com o fenómeno dealguma forma, por exemplo, causas ambientais, causas fisiológicas, efeitospsicológicos, respostas comportamentais ou processos cognitivos. Ascorrelações podem ou não incluir variáveis manipuladasexperimentalmente. Na maior parte dos casos, as teorias baseadas emfenómenos não mostram porquê ou como os mecanismos identificadosproduzem os seus alegados efeitos: apenas se dedicam a obter correlaçõesempíricas entre o comportamento e os processos internos.

Quanto à aproximação baseada em projecto, preocupa-se não com as origens(por exemplo, um projectista ou um processo evolutivo), mas sim com o queestá na base e explica as capacidades de um sistema em operação. Estessistemas não têm necessariamente que ser artificiais. É possível analisar oprojecto de um sistema biológico quer investigando as suas capacidades e asrestrições com as quais ele tem que funcionar, quer explicando como é queestes requisitos de funcionamento são satisfeitos, através da suaarquitectura e dos mecanismos usados, quer ainda mostrando como é queestas características implicam a satisfação desses requisitos.

Na prática, uma explicação completa baseada em projecto é muitoraramente conseguida. Optimamente, uma teoria completa baseada emprojecto tem, para Sloman, cinco componentes:

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(i) a análise de requisitos;

(ii) a especificação de projecto de alto nível;

(iii) os detalhes de implementação;

(iv) a análise de como o projecto satisfaz os requisitos;

(v) a exploração de alternativas e revisão de compromissos.

Segundo Sloman, as três primeiras componentes são lugar-comum emengenharia. Para a ciência, são também necessárias as componentes (iv) e(v). A componente (v) é também útil quando em engenharia se pretendefazer avaliação de opções de projecto. Devemos salientar que estascomponentes não são fases. Elas podem ou não ser sobrepostas no tempo, einclusivamente ser recursivas. Por exemplo, a componente (ii) pode incluiruma recursão dos pontos (i) a (v) para algumas das suas partes.

A aproximação baseada em projecto, que aqui descrevemos sucintamente,cobre uma gama variada de estratégias de investigação alternativas ecomplementares. O trabalho descrito nesta dissertação pode ser inserido naaproximação baseada em projecto. As contribuições principais são semdúvida nas componentes (i) e (ii), mas pensamos que contribui também umpouco para as componentes (iv) e (v). Por outro lado, devemos registar umainfluência forte da posição intencional de Dennett. Mas, pelo que foiexposto acima, essa influência tem obrigatoriamente que se notar. Pois égraças à posição intencional que nós próprios conseguimos interpretar eproduzir as interacções que estão na base da nossa vida.

A nossa linguagem não é perfeita, mas permite-nos comunicar. Os conceitosque utilizámos derivam em grande parte da utilização que fazemos delesna linguagem corrente. Mas de que outra forma poderíamos falar deles? Sepensarmos no fim último da compreensão e construção de um agenteinteligente autónomo, estamos ainda a uma grande distância. Mas aesperança expressa em [Sloman 93] é de que das várias linhas deinvestigação possam emergir resultados sólidos que permitam um diaatingir essa meta.

É possível construir sistemas inteligentes, baseados em estados mentais,que utilizem conceitos diferentes daqueles que estudámos. Ou que utilizem

Intenção e Acção 17 Contexto

conceitos análogos aos nossos (atenção que a questão aqui não é o nome que selhe atribui, ver [McDermott 78], citado por [Shoham 93]). Ou que utilizemos mesmos conceitos mas estabelecendo diferentes relações entre eles. Émesmo possível descurar completamente uma análise cuidada dos estadosmentais e suas inter-relações e mesmo assim construir sistemas que secomportem de maneira eficiente em ambientes reais ou simulados. Agora,pensamos que esta atitude não é a mais correcta. Ao proceder às nossasinvestigações, devemos cuidadosamente estabelecer uma teoria e procurarrespeitá-la nos sistemas que desenvolvemos. Se não, pode um dia alguémdescobrir que há uma maneira muito mais fácil de resolver os nossosproblemas e, olhando para trás, não encontrar sentido no nosso trabalho.

Intenção e Acção 19 Acção

3 Acção

Neste capítulo vamo-nos preocupar com o estabelecimento de um critériopara descrever o comportamento dos agentes que consideramos. Numtrabalho em que a nossa perspectiva mantém sempre presente a questão dasescolhas que se fazem quando se pretende, em particular, construir sistemasinteligentes artificiais, esta abordagem tem sentido, ainda mais quandoessas escolhas determinam a maior parte das vezes não só o que se podefazer, mas também — e não menos importante — a justificação do que sefaz. O núcleo da abordagem que adoptamos é devido aos trabalhos sobreFilosofia da Acção de Carlos Moya e está descrito em [Moya 90]. Outrasreferências fundamentais são a perspectiva intencional de Dan Dennett[Dennett 71, 87] e, progressivamente menos filosóficas e mais ligadas àInteligência Artificial, os trabalhos de Michael Bratman [Bratman 84, 90]e de Yoav Shoham [Shoham 93].

O comportamento de um agente pode definir-se como o conjunto da suamacro-actividade observável. O comportamento é, em grande parte devidoa os cientistas serem humanos e à sua visão antropomórfica da realidade (oque não é necessariamente errado), descrito em termos de acções. A acção évulgarmente encarada como a unidade básica de comportamento. Istoporque as pessoas vêem-se a si próprias como agentes. Assim, na primeirasecção vamos expor algumas teorias sobre como podemos, num mundo deacontecimentos, isolar aqueles a que normalmente chamamos acções. Nasegunda secção encaramos o conceito de agência, e estabelecemos um critériopara a determinar. Este critério vai basear-se fundamentalmente na

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existência de acções sem ligação a acontecimentos físicos e na atribuição designificado a essas acções.

3.1Acções, Acontecimentos e Comportamento

Na nossa vida diária, temos tendência para contrastar aquilo que fazemoscom o que simplesmente nos acontece. Esta polaridade conceptual éimportante, desempenha um papel fundamental na forma como nosconcebemos a nós próprios e aos outros como agentes, bem como no valor queatribuímos às nossas vidas. Pensemos por momentos na maneira comoencararíamos as coisas se não conseguíssemos distinguir entre agentes emeros objectos, nem entre acções e acontecimentos. Será que existiriamsentido e valores sem agentes? A usual resposta negativa explicaparcialmente a importância de nos encararmos como agentes. Esta ideia deque somos agentes, e portanto de que existem agentes, é uma convicçãobásica que atravessa a nossa vida, dando suporte, e sendo suportada poroutras convicções igualmente básicas.

Encontramos uma ligação directa entre o conceito de acção e conceitos comoresponsabilidade, culpa, mal e bem. Se há alguma coisa pela qual somosresponsáveis, então parece que deve existir alguma coisa que dependia denós, alguma coisa que nós podíamos ou não fazer. Se estas palavras têm umsentido, então nem tudo deve depender de circunstâncias, merosacontecimentos. Nós queremos que elas tenham significado, logo nósqueremos que existam acções.

A distinção entre as nossas actividades e os acontecimentos contingentes éessencial se não queremos ter uma visão de nós próprios como vítimasindefesas da evolução geral do mundo. Temos consciência de que pelo menosalgumas coisas, mesmo que poucas, estão dependentes de nós. Ou seja,pensamos que podemos de alguma forma influenciar o curso dosacontecimentos, através da acção. Nós pensamos que somos agentes, nãoapenas seres passivos.

Intenção e Acção 21 Acção

A própria existência das acções é à partida questionável. Esta afirmação,apesar de parecer bizarra, tem que ser encarada. As coisas evidentes nemsempre são verdadeiras, para mantermos uma atitude aberta devemosprocurar ter uma visão que vá além da superficialidade das coisas. Seexistem ou não acções não é uma questão que possa ser respondida porobservação directa. As pessoas que duvidam da existência de acções nãoestão a questionar o que qualquer um se pode aperceber. Antes, estão ainterrogar-se sobre se os conceitos que usamos normalmente para interpretare descrever essas observações são apropriados e em última instânciaconsistentes. Se acção for um conceito inconsistente, então não podem existiracções.

Reparemos que uma aproximação científica à explicação da realidadepode originar suspeitas sobre a consistência do conceito de acção, bem comosobre a distinção entre acções e acontecimentos. As perspectivas científicasestão satisfeitas com os acontecimentos, explicados por outrosacontecimentos prévios ou contemporâneos com a ajuda de leis. Mas sepensarmos em nós próprios como agentes, concebemo-nos como sendo capazesde iniciar mudanças, independentemente da história passada do mundo.Portanto, agentes e acções encontram provavelmente dificuldades emencontrar lugar numa construção científica.

A ideia de agência entra em conflito com a nossa convicção básica (hoje emdia) de que o universo é uma rede de eventos relacionados causalmente,onde não se consegue encontrar espaço para agentes, seres capazes de iniciarnovas cadeias causais.

As atitudes suspeitas ou cépticas sobre acções podem tomar várias formas,desde propostas eliminativas até propostas reducionistas mais ou menosradicais. Para termos uma ideia de como é uma atitude reducionista, vamosdar um exemplo de um episódio que ninguém hesitaria em classificar comouma acção.

Exemplo 1.

Suponhamos o evento de beber um copo de água. Com que direitopodemos chamar a este evento uma acção e não um meroacontecimento? Onde está o carácter accional do episódio? A águaentrou na boca por efeito da gravidade. A água entrar na bocaconstitui um simples acontecimento. Este acontecimento, por sua

Intenção e Acção 22 Acção

vez, foi causado pelo movimento do copo. Onde está a acção nisto?Bom, podíamos dizer que o agente que bebe a água causou omovimento, logo actuou. Mas vejamos, este movimento pode-sedizer que foi causado pelo movimento do braço e mão, o qual foi porsua vez causado por algumas contracções de músculos, as quais porsua vez foram causadas pelo disparo de alguns neurónios e assimsucessivamente.

A acção como tal parece dissolver-se e reduzir-se a uma sequência deacontecimentos. A nossa clara distinção comum entre acções eacontecimentos parece esbater-se: parece que o que nós chamávamos acçãoera na realidade uma série de acontecimentos relacionados causalmente. Orecurso aos desejos não funciona. No exemplo, o desejo de água é um estadopresumivelmente causado por carência orgânica. A cadeia de causasestende-se mais e mais no passado e parece não haver nada que nós, comoagentes, iniciamos, nenhuma acção, apenas mais acontecimentos. As acçõesparecem, portanto, ser apenas sequências específicas de acontecimentos.

Uma versão ligeiramente modificada deste tipo de argumento dá origemao que foi chamado o problema do retorno (“the regress-problem”) emteoria da acção. Conduz também ao cepticismo sobre as acções. O ponto departida é o facto de que a ocorrência de certos acontecimentos é implicadalogicamente por muitas acções. Por exemplo,

Exemplo 2. O problema do retorno.

Não pode ser verdade que um agente mova o seu braço a não serque o seu braço mova. O que explica este movimento? O mover dobraço por parte do agente não pode contar como explicação factualou informativa da ocorrência do acontecimento, pois eles estãologicamente relacionados. Devemos encontrar alguma acçãodiferente para explicar esse acontecimento. Mas se essa acção tiverpor sua vez um acontecimento específico como sua parte essencial,rapidamente precisaremos de executar um número infinito deacções para executar uma acção que seja. E como não podemosexecutar um número infinito de acções, não actuamos de todo.

Mais uma vez, só os acontecimentos permanecem e acção é apenas umamaneira de nos referirmos a acções.

Intenção e Acção 23 Acção

Onde estão as acções?

Observemos em maior detalhe um outro exemplo:

Exemplo 3.

(i) Uma pessoa pega numa arma, aponta cuidadosamente ao alvo,puxa o gatilho e dispara a arma.

(ii) A pessoa chega a casa e põe a arma na mesa. Enquanto está apousar a arma ela, inesperadamente, dispara.

De acordo com a nossa intuição, é de esperar que todos concordem em como noprimeiro caso disparar a arma foi uma acção, enquanto no segundo caso odisparo foi um acontecimento. Portanto, podemos reescrever o exemplo daseguinte forma:

Exemplo 3’.

(iii) Alguém disparou a arma.

(iv) O disparo da arma aconteceu, ou a arma disparou-se.

O que distingue (iii) de (iv)? O problema em desenhar a distinção reside nofacto de um acontecimento do tipo específico transmitido por (iv) estátambém envolvido em (iii). Se alguém disparou a arma, o disparo da armaaconteceu. De facto, ‘alguém disparou a arma’ implica logicamente ‘a armadisparou.’ A recíproca, no entanto, não é verdadeira: ‘a arma disparou’ nãoimplica logicamente ‘alguém disparou a arma,’ como o caso (ii) mostra. Oacontecimento é uma condição necessária mas não suficiente da acção.

Se o disparo aconteceu, então (iv) é automaticamente verdadeiro, mas não(iii). Algo tem que ser adicionado ao disparo da arma para (iii) serverdadeiro. Este elemento em falta é o que traria agência a este quadro.

Uma sugestão natural seria que no primeiro caso, mas não no segundo, odisparo da arma foi provocado por alguém, alguém causou a sua ocorrência.Em (iv) o disparo simplesmente ocorreu. Em (iii) ele foi provocado,causado. A acção, então, seria o causar ou provocar do disparo da arma.

Intenção e Acção 24 Acção

Uma acção do tipo descrito em (iii) pode ser concebida como o provocar deum acontecimento.

Apesar de útil e largamente aceite, esta formulação não tem sucesso nacaptura do que é específico na acção. Certamente nem sempre que umacontecimento é causado temos uma acção. Por exemplo, suponhamos que noexemplo (ii) o disparo da arma provocou que a bala se alojasse na parede.Não houve acção aqui. Temos apenas uma cadeia causal de acontecimentos.Mais ainda, se alguém pede a outra pessoa que dispare a arma, está acausar o disparo da arma, mas não está a disparar a arma. Portanto, amaneira como uma mudança ou acontecimento é causada é essencial paraque esse causar, ou provocar, ou acarretar seja um caso de acção.

Se admitirmos que ‘alguém disparou a arma’ significa ‘alguém acarretou odisparo da arma,’ teremos que especificar a maneira como o acontecimentofoi acarretado. Se ‘alguém disparou a arma’ descreve uma acção, aespecificação terá que referir uma acção dessa pessoa. Caso contrário,devíamos dizer que alguém disparou a arma se tivesse caído em cima delae a arma se tivesse disparado. A especificação seria, por exemplo,‘puxando o gatilho.’ Assim, ‘alguém disparou a arma’ quereria dizer‘alguém acarretou que a arma disparasse, puxando o gatilho.’

E novamente encontramos o problema do retorno: puxar o gatilho envolveessencialmente um acontecimento, nomeadamente o gatilho ser puxado, damesma forma e no mesmo sentido em que o disparar da arma. E podemosaplicar o mesmo argumento. Portanto teríamos que encontrar outra acção talque a pessoa em causa acarretasse o puxar do gatilho executando essaacção. Mas então poderíamos iterar este argumento um número infinito devezes, obrigando à execução de um número infinito de acções, para executaruma acção de todo. Ora, então não actuamos mesmo, pois não podemosexecutar um número infinito de acções.

Acções básicas

O problema do retorno parece ser o que leva alguns filósofos a postularacções básicas. Uma forma de ultrapassar o problema do retorno, e o seuconsequente cepticismo em relação às acções, pode ser encontrar acções quenão envolvam nenhum acontecimento específico como condição logicamente

Intenção e Acção 25 Acção

necessária. Esta foi uma importante motivação para o desenvolvimento deteorias volicionais da acção, ou seja, teorias que identificam acções comactos mentais como volições ou tentativas. Segundo estas teorias, actuar équerer ou tentar devidamente, o resto são apenas antecedentes econsequentes causais deste único acto genuíno. É fácil ver como esta posiçãoé suposta parar a recursão infinita, nomeadamente através daindividualização de um acto de vontade puro, que não envolve nenhumacontecimento físico1 .

Foi Danto que primeiro introduziu o conceito de acções básicas na teoria daacção. Vamos ver um trecho de [Danto 68] citado em [Moya 90]:

suponhamos que cada acção era um caso de o agente causar oacontecimento de algo. Isto significa que de cada vez que ele faz a,ele tem que independentemente fazer b, que causa o acontecimentode a. Mas então, para fazer b , ele tem que independentemente fazerc, que causa o acontecimento de b… Isto rapidamente acarreta que oagente não possa realizar uma acção que seja. Se, de acordo comisto, existem de todo algumas acções do tipo descrito por ‘causar oacontecimento de algo,’ têm que existir acções que não são causadaspelo homem que as executa. E estas são acções básicas.

Assim, podemos analisar ‘alguém puxou o gatilho’ em termos de ‘alguémacarretou que o gatilho fosse puxado, movendo o seu dedo.’ Então e‘movendo o seu dedo?’ Isto, segundo Danto seria uma acção básica, desdeque o agente não tenha acarretado o movimento do seu dedo fazendo outracoisa, por exemplo movendo-o com a outra mão. Segundo Danto ([Danto 66],citado em [Moya 90]):

1Pelas razões aqui expostas ou por outras, a utilização de acções básicas tem sidoseguida nos sistemas de raciocínio tradicionalmente desenvolvidos emInteligência Artificial. É estipulado um certo conjunto de acções primitivas(normalmente de uma vez por todas, o que é até apontado pelos críticos comolimitativo devido à rigidez assim imposta aos comportamentos) e a partir destassão construídas outras, que assumem usualmente o nome de planos. Não éevidente que sejam as teorias volicionais as usadas quando se pretende utilizaracções básicas. No entanto, há casos em que isso com maior ou menor clareza évisível, por exemplo em [Shoham 93] e [Moniz 93]. A existência de sistemasconcretos que adoptam perspectivas como a que vimos a descrever torna aindamais relevante esta discussão, ou seja, o problema de determinar o que inicia ascadeias de acontecimentos a que chamamos acções e que formam ocomportamento.

Intenção e Acção 26 Acção

Definição 1. Acção básica.

a é uma acção básica de m se a é uma acção e não existe qualqueroutra acção distinta de a e executada por m , que se posicione emrelação a a como a causa em relação ao efeito. Se b é o efeito de umaacção distinta de si própria, e b é executada por m , então b é umaacção não básica de m. Levantar o braço é uma acção básica de m,se m não causa que o seu braço se levante; se ele realmente causaque o braço se levante, então é uma acção não básica.

No nosso exemplo, supondo que a pessoa em questão não moveu o dedoexecutando qualquer outra acção, o seu mover do dedo foi uma acção básica.Não podemos analisar a acção de mover o dedo nos termos em queanalisámos ‘alguém disparou a arma’ ou ‘alguém puxou o gatilho.’ Nãopodemos dizer que ‘alguém moveu o seu dedo’ significa ‘alguém provocouque o seu dedo movesse…’ porque se ele disparou a arma puxando o gatilhoe puxou o gatilho movendo o seu dedo, ele não moveu o seu dedo fazendoqualquer outra coisa. As acções básicas são assim projectadas e construídaspara parar a recursão infinita e para permitir a existência das outrasacções. As acções básicas são a fonte da agência, elas transmitem agência àsoutras coisas que fazemos. É esta a razão porque Danto diz “se existemquaisquer acções de todo, existem acções básicas.”

No entanto, segundo Carlos Moya, as acções básicas não resolvem oproblema do retorno. Se elas iluminam a estrutura da agência humana, éporque apontam para o que chamamos as condições naturais da agência.Consideremos que a capacidade para nos movermos espontaneamente eteleologicamente está pressuposta em todos os processos de ensinar eaprender como executar novas acções. Pensemos em alguém que está aensinar outra pessoa como usar uma arma. Esta pessoa tem que saber comofazer certas coisas, por exemplo mover os seus dedos. Isto não pode serensinado, mas é pressuposto ao ensinar. E a não ser que a pessoa em questãopossa fazer certos movimentos espontaneamente (isto é, semaprendizagem), ele não será capaz de aprender a, por exemplo, dispararuma arma. Alguns destes movimentos fazêmo-los desde a nascença, outrosadquirimos naturalmente durante o processo de crescimento e ainda outrosaprendemo-los, mas apenas através de treino ou prática.

Como executamos estes movimentos é algo que não pode ser explicado daforma como, por exemplo, a maneira de jogar Xadrez pode. Isto sugere que

Intenção e Acção 27 Acção

não há conceitos envolvidos nessa execução. Parece que não há regras que agovernem, nós simplesmente movemos o braço ou não movemos, podemos ounão fazê-lo. Mas não há razão para criticar se esse movimento foi bem oumal feito, ao contrário do que acontece, por exemplo, ao jogar Xadrez.

Mas Danto quer que as suas acções básicas façam mais do que isto. Elepretende que elas sejam aquelas acções através das quais qualquer outraacção pode ser executada, pois elas evitam a necessidade de executarinfinitas acções para poder executar uma acção de todo. Moya defende queesta tarefa não pode ser desempenhada pelas acções básicas, no sentido queDanto lhes atribui. O problema do retorno infinito aparece pelo facto deque certos acontecimentos eram essencialmente (logicamente) envolvidos naexecução de certas acções. Não podemos dizer que disparámos a arma a nãoser que a arma tenha disparado, tal como não podemos dizer que puxámos ogatilho a não ser que o gatilho tenha sido puxado. Mas então, pela mesmarazão, não podemos dizer que movemos o dedo a não ser que o dedo se tenhamovido. O ‘disparo da arma,’ o ‘puxar do gatilho’ e o ‘mover do dedo’podem descrever meros acontecimentos. De facto, o movimento do dedopode ter sido causado sem que nós o tenhamos movido, devido a, porexemplo, um espasmo. Recorrendo a um exemplo usado em cima, podemosdizer que existe uma diferença entre os dois seguintes casos:

Exemplo 3’’.

(iii’) Alguém moveu o seu dedo.

(iv’) O dedo de alguém foi movido, ou moveu-se.

Se o dedo se move, (iv’) é verdadeiro, mas não (iii’). Por outro lado, se (iii’)é verdadeiro, (iv’) tem que o ser também. Então o que acrescenta (iii’) a(iv’)? É natural pensar que quando (iii’) é verdadeiro, foi o agente queacarretou o movimento do seu dedo, enquanto quando (iv’) mas não (iii’) éverdadeiro, não foi o agente que acarretou esse movimento. Mas, como omovimento do dedo é um acontecimento, o elemento de acção tem que estarno acarretar desse movimento. Este acarretar tem que incluir uma acção.Então a recursão não foi parada. Então o problema agora é que parece nãohaver acção que façamos de modo a acarretar ou provocar o movimento dodedo. Portanto, encaramos um dilema:

Intenção e Acção 28 Acção

(i) ou a causa do acontecimento é o próprio agente, e assim adoptamos aconcepção de acção em termos do que o agente causa (“agent causation1”);

(ii) ou a causa do acontecimento é outro acontecimento, e voltamos a estarpróximos de dissolver acções em meras sequências de acontecimentos.

O problema com o primeiro ramo do dilema não é que seja falso, mas sim quenão vai além da concepção de acção intuitiva e não analisada:

dizer que ao agir o agente é causa das suas próprias acções não érealmente muito diferente de dizer que agir é não meramente sofrermudanças, mas iniciá-las, o que por sua vez é a própria noção deagência que a teoria da acção é suposto clarificar.

Causar as suas próprias acções não é uma noção muito mais clara do queagir. Não sabemos o que ‘causar’ significa aqui. Então, o primeiro ramo dodilema não exclui a possibilidade de que agir possa ser analisado emtermos do segundo. Este segundo, então, o que diz? Existe uma diferençaentre (iii’) e (iv’), mas um acontecimento do tipo descrito em (iv’) estálogicamente envolvido em (iii’). A diferença entre os dois reside namaneira como esse acontecimento é provocado. Mas parece não haver maisnenhuma acção pela qual nós provocamos o movimento do nosso dedo. Adiferença, portanto, pode simplesmente residir na sequência causal(neurológica, muscular) que dá origem ao movimento do dedo em cada caso.Então, descreveríamos como acções o que são simplesmente configuraçõesespecíficas de sequências causais de acontecimentos. A distinção entreacções e acontecimentos não seria mais do que uma convenção para nosreferirmos aos diferentes tipos de sequências causais de merosacontecimentos. Por exemplo:

Exemplo 4.

A acção de disparar uma arma é uma sequência causal dosseguintes acontecimentos: processos neurológicos e musculares

1Moya refere [Chisholm 76] sobre esta concepção, resumindo-a da seguinteforma: é o próprio agente, e não as suas motivações, desejos ou o que for, que é acausa das suas acções.

Intenção e Acção 29 Acção

normais — movimento do dedo — puxar do gatilho — disparo daarma.

Uma maneira de obviar estes problemas seria ser capaz de identificaralguma acção através da qual nós provocássemos o movimento do nossodedo mas de tal forma que essa acção não envolvesse essencialmente umacontecimento a propósito do qual fizesse sentido perguntar como é que elefoi provocado. E é esta a resposta dada pelas teorias volicionais.

Teorias volicionais

A resposta dada pelas teses volicionais ao problema do retorno infinito é aseguinte: quando mover o nosso dedo é uma acção, nós provocamos omovimento do dedo querendo-o ou tentando movê-lo. É assim que nóscausamos o movimento do dedo, e é isto que provoca a diferença entre (iii’)e (iv’): em (iii’), mas não em (iv’), o agente quis que o dedo se movesse, outentou movê-lo.

Para que as volições, ou tentativas, possam parar a regressão infinita eevitar o colapso das acções em acontecimentos, devem ser demonstradasduas coisas em relação a elas: em primeiro lugar, as volições ou tentativasnão devem envolver essencialmente acontecimentos, para que a diferençaentre (iii’) e (iv’) não apareça neste caso. Em segundo lugar, as volições outentativas devem ir ao encontro da nossa ideia intuitiva de acção, devemosdemonstrar que são acções, e não acontecimentos.

Se estas duas condições forem verdadeiras, as volições e tentativaspoderiam ser a resposta à questão fundamental desta secção: elas seriam amarca e fonte da agência. Se elas são mentais, como parecem ser, então elasexplicam aquele conhecimento que nós parecemos ter quando dizemos comcerteza que tropeçar numa pedra não foi uma acção, mas apenas algo que nosaconteceu: nós não quisemos tropeçar, nem tentámos tropeçar e sabemosdisso com a mesma certeza com que sabemos que desejamos algo ou que temosdores. Mais ainda, deste ponto de vista, mover o dedo — ao contrário do queDanto diz — não é uma acção básica, pois a causa do movimento do dedoocorrer foi a nossa vontade ou tentativa de o fazer. Querer e tentar serão asacções básicas próprias, as únicas que nós executamos sem fazer qualqueroutra coisa.

Intenção e Acção 30 Acção

Segundo Hugh McCann [McCann 74], as volições são pensamentos, processosmentais. Como tal, são intencionais: têm um conteúdo ou objecto intencionalque tem um carácter proposicional, nomeadamente que o resultado de umtipo específico ocorre.

Exemplo 5.

A volição que causa o resultado1 da acção levantar o braço, temcomo conteúdo que o levantar do braço ocorra. Como podemosquerer que o nosso braço levante sem que isso aconteça (devido porexemplo a uma paralisia), o levantar do braço não é um resultado danossa volição, apenas uma consequência causal.

Como são pensamentos, as volições não podem ter resultados, mas apenasconsequências causais, o que permite evitar o problema do retorno. Por outrolado, as volições, para além de pensamentos, têm um carácter accional, sãoactos executivos em relação a desejos e intenções. Segundo Moya, McCanndefende que o conteúdo das intenções e desejos são descrições de acções (sobreisto ver a secção 4.2). As volições executam as intenções provocando oresultado das acções tencionadas. São as iniciações daqueles movimentosque, por serem assim causados, se qualificam como resultados das acções.Portanto, as volições são as acções causalmente mais básicas. Sem elas nãopoderia haver acções, pois elas elas transmitem agência às outras acçõesatravés da causa dos seus resultados.

As volições são acções porque elas partilham as características intuitivasdas acções, excepto a de ter um resultado: elas são comportamento, elas sãointencionais, os agentes são responsáveis por elas e são eles que ascontrolam. A vantagem da concepção de acções básicas de McCann sobre ade Danto é que uma volição (um querer) não pode ocorrer sem que alguémtenha essa vontade (queira), enquanto um movimento corporal pode ocorrersem que ninguém o tenha executado. As volições são acções puras, nãoenvolvem qualquer acontecimento como resultado. É por isso que podemparar a regressão infinita.

1Atenção que resultado e consequência são conceitos diferentes, segundoMcCann. Resultados de uma acção são os acontecimentos que estãoessencialmente (logicamente) envolvidos nas acções. As consequências não estãointrinsecamente ligadas à acção. Antes são causadas por ela.

Intenção e Acção 31 Acção

E é por esta razão que McCann defende que a crítica de Melden está errada.Em [Melden 68] Melden afirma que parece haver diferença entre aocorrência de um acto de volição e a sua execução. Se assim é, quererqualquer coisa não é suficiente, temos que querer o querer dessa coisa e assimsucessivamente até ao infinito.

Mas Moya defende que esta vantagem tem um preço demasiado elevado. Seas volições não envolvem qualquer acontecimento, como podem elas causaracontecimentos, resultados de acções? As volições são pensamentos,mentais, não envolvem acontecimentos físicos. Só assim podem resolver oproblema do retorno. Mas executar uma acção é um processo físico, logoprecisa de acontecimentos físicos na sua origem. Assim as voliçõesdeveriam poder causar movimentos do corpo (as acções básicas de Danto).

Como McCann, Brian O’Shaughnessy [O’Shaughnessy 73], defende opostulado de eventos não accionais que estão relacionados com as acções.O’Shaughnessy afirma que, quando executamos uma acção física, o nossocontributo para a acção é a tentativa de a executar, o resto fica ao cargo domundo1. O acto de tentar uma coisa dá origem ao “act-neutral event” dessacoisa ocorrer, parando assim a regressão infinita.

Tentar apresenta as seguintes características: é um evento, é uma acção, émental na medida em que mostra intencionalidade, é uma acção intencionale, finalmente, é a causa de um movimento corporal. Tentar estabelece aponte entre a mente e o corpo.

Moya observa que as tentativas de O’Shaughnessy estão relacionadas nãocom quaisquer acções (incluindo as que mais tarde chamaremos decompostas), mas apenas com as acções constituídas por movimentoscorporais, as acções básicas de Danto. A principal objecção que ele tem aacrescentar em relação a esta aproximação, é que tentar movermo-nosadvém da nossa capacidade natural para nos movermos, não precede nemcausa o nosso movimento, é o movimento, o exercer dessa capacidade.

E conclui, sobre as teses volicionais, que não conseguem resolver o problemado retorno, pois não conseguem identificar acções que não envolvam

1 Uma aproximação próxima desta, quanto ao importante tema dasconsequências das acções, é usada em [Moniz 93].

Intenção e Acção 32 Acção

essencialmente a ocorrência de acontecimentos. Se volições e tentativas nãosão físicos, encontramos o problema que Moya chama interaccionismo: comopodem actos puramente mentais causar acontecimentos físicos? Para evitareste problema, podíamos pensar as tentativas como físicas, mas então elasenvolveriam na sua essência acontecimentos físicos ou seriam mesmoidentificadas com acontecimentos físicos, e a separação (que procuramos)entre acções e acontecimentos desvanescer-se-ia.

3.2Agência

Moya propõe uma estratégia para evitar o problema do retorno e justificaruma distinção forte entre acções e acontecimentos que se baseia também naprocura de acções que não envolvam acontecimentos específicos comocondições logicamente necessárias. Mas em vez de adoptar uma perspectivaatomística, procurando episódios de acção pequenos e internos como asvolições, a sua proposta é olhar acções como grandes pedaços do nossocomportamento comum. Esta proposta consiste em examinar algumas acçõeshumanas específicas, nomeadamente aquelas que têm algum significado,devido a terem e transmitirem um conteúdo simbólico. Por exemplo, acçõescomo casar, votar ou licitar. Estas acções não estão logicamente associadasà ocorrência de qualquer tipo específico de acontecimento: elas mostram onosso conceito intuitivo de acção de uma forma pura, que não depende deacontecimentos, e podem portanto parar o retorno infinito, sem o recurso àsvolições.

Não existe diferença real de conteúdo entre os membros dos seguintes paresde frases:

Exemplo 6.

(i) ‘Alguém licitou num leilão’ e ‘uma licitação ocorreu, num leilão.’

(ii) ‘Alguém deu uma aula’ e ‘uma aula ocorreu.’

Intenção e Acção 33 Acção

No entanto, existe uma diferença real de conteúdo entre os membros dosseguintes pares:

Exemplo 7.

(iii) ‘Alguém matou uma pessoa’ e ‘a morte de uma pessoa ocorreu.’

(iv) ‘Alguém levantou o braço’ e ‘o levantamento de um braçoocorreu.’

As acções com significado são portanto um bom ponto de partida paramostrar a consistência da nossa noção comum de acção como oposta à noçãode acontecimento e irredutível a esta. Ao identificarmos o que dá a(algumas) acções com significado a sua independência lógica de tiposespecíficos de acontecimentos, estaríamos a dar um passo fundamental naclarificação das fundações e justificação da distinção que procuramos.

A pista para identificar o aspecto accional das acções com significado éobservar que as acções cuja concepção envolve logicamente tipos específicosde acontecimentos, podem ser executadas não intencionalmente, na medidaem que os acontecimentos envolvidos podem ser provocados pelo agente nãointencionalmente. Pelo contrário, as acções cuja concepção não envolve tiposespecíficos de acontecimentos, devem ser intencionalmente executadas.Moya argumenta portanto que as acções com significado podem escapar aoproblema do retorno graças ao seu carácter necessariamente intencional. Eassim, a intencionalidade é apresentada como o critério geral de agência:em qualquer caso de acção, ser intencional está de alguma forma envolvido,como a marca que distingue esse caso de um mero caso de ocorrência de umacontecimento.

Mas a intencionalidade das acções tem que ser analisada. Se essas acçõesque são necessariamente intencionais não podem ser analisadas em termosde acontecimentos, então a sua intencionalidade tem que estar relacionadacom um elemento essencialmente activo.

Observemos que as acções com significado, necessariamente intencionais,não podem ser executadas excepto pelos agentes que têm algum sentido deque tipo de coisas são requeridas no futuro por aquilo que eles estão a fazerno presente. Por outras palavras, alguma capacidade para se

Intenção e Acção 34 Acção

comprometerem para com certas maneiras mais ou menos específicas de secomportarem no futuro.

As acções com significado, necessariamente intencionais, envolvem certoscompromissos da parte do agente. No entanto, os compromissos sãofaçanhas essencialmente activas, envolvendo o agente como um ser activo.É por isto que essas acções não podem ser analisadas em termos deacontecimentos e podem parar a regressão infinita: porque elas envolvemcompromissos e estes não podem simplesmente ocorrer, eles não podem sermeros acontecimentos.

Assim, partimos da distinção entre acções e acontecimentos para aquelasacções que, sendo logicamente independentes de tipos específicos deacontecimentos, são necessariamente intencionais, e destas paracompromissos como sendo o que fornece o seu carácter necessariamenteintencional e puramente accional. Esta relação é generalizada, sustentandoque o critério de agência é ser intencional e que uma acção completamenteintencional é um pedaço de comportamento que segue um compromisso daparte do agente. A agência humana é uma capacidade para se comprometera fazer coisas no futuro e é esta capacidade que justifica uma distinçãoprecisa entre acções e acontecimentos. Agentes são seres que são capazes dese comprometerem a si próprios para agir.

A forma mais simples de alguém se comprometer a agir é formar umaintenção futura1 para o fazer. Moya considera que uma intenção futura é umcompromisso do agente para tornar o seu conteúdo verdadeiro, agindo elepróprio. Uma acção intencional é assim concebida como o seguimentocorrecto de uma intenção futura racional, por parte do agente. Isto inclui ocaso em que uma acção é intencional por ser o cumprimento de um voto,decisão ou promessa, pois estes implicam intenções futuras.

Moya distingue ainda entre diversos tipos de intenções: intençõesimediatas (adiante chamadas intenções orientadas para o futuro),intenções com que (adiante referidas como segundas intenções, ou “furtherintentions”) e as intenções futuras. E defende (tal como a maior parte dosautores actuais, por exemplo Bratman ou Harman):

1Ou intenção orientada para o futuro. Ver capítulo 4.

Intenção e Acção 35 Acção

Os seres humanos não desejam e acreditam e agem por causa dosseus desejos e crenças. Entre estas atitudes e o comportamento queexibem, podemos encontrar uma estrutura normativa que tem a suaexpressão mais clara e simples na intenção futura como umcompromisso para agir. As intenções futuras e outras formas decompromisso1 estão entre o pano de fundo de razões e a acção.

Uma característica que devemos salientar é o carácter normativo dasacções intencionais, no sentido em que as descrevemos em cima. Ou seja, estecarácter normativo está implicado no conceito de acções intencionais como oseguimento de uma intenção (ou, mais geralmente, de um compromisso). Semesta capacidade para seguir normas não é possível um agente assumir umcompromisso.

E é esta razão que Moya utiliza para afirmar que as acções com significado,intencionais, não dependem de acções básicas, e portanto podem evitar oproblema do retorno. Podemos responder à crítica de que sem acções básicasnão poderia haver acções intencionais da seguinte forma. Quandoexecutamos acções intencionais, assumimos que existem relações causaisadequadas, governando o nosso movimento. A falha desta condição não éum erro na execução da acção (pensemos numa pessoa que após sinalizaruma viragem fique repentinamente paralizada). Isto mostra que a condiçãonão pertence à natureza desse tipo de acção, apesar de que muitas acçõesque executamos perderiam a razão de ser se a sua falha não fosse aexcepção.

É neste sentido que nós, como agentes, dependemos da natureza e somosimpotentes contra repentinas alterações de certas condições. Mas estas nãosão componentes das acções intencionais, com significado, pelo menos nãoda maneira que normas e compromissos são. Esta diferença também évisível na multiplicidade de realização das acções intencionais.

1Estas outras formas de compromisso foram exemplificadas como votos oudecisões ou promessas. No entanto, é discutível se estes conceitos não poderãoser eles próprios reduzidos a intenções. Na realidade, é esta a tese defendidaneste texto, e as razões para tal vêm descritas no capítulo 5. Já [Werner 88]defende que definir intenções por escolha e compromisso é uma definiçãocircular, e portanto os compromissos parecem não resolver todos os problemasligados às intenções. Mas a conclusão de Moya pode manter-se: a origem dasacções está na mente, agência e mente estão intimamente ligadas.

Intenção e Acção 36 Acção

Exemplo 8.

Uma pessoa que não possa estender o seu braço pode sinalizar umaviragem de outro modo, mas uma pessoa que não seja capaz deentender o que é uma norma não pode.

As acções básicas são instrumentais em relação às acções com significado,necessariamente intencionais. As normas não são!

A descrição de Moya de acção intencional humana inclui o ponto de vistasubjectivo de um agente reflectivo. A capacidade para se comprometer paracom um acto está intimamente relacionada com a capacidade para fazer ospróprios desejos e outras espécies de razões objectos de reflexão eavaliação. Isto impede que a acção humana seja uma variável dependente,cujo valor possa ser fixado através da medida objectiva do valor de outrasvariáveis, independentes. Este é um sentido em que os agentes se podemdizer a fonte das suas próprias acções, independentemente da históriapassada do mundo.

Vamos finalizar esta secção e este capítulo expondo sucintamente o pontode vista sobre acções, agentes e agência seguida por Yoav Shoham para odesenvolvimento do seu paradigma de programação orientada por agentes[Shoham 93]. Shoham tem uma perspectiva sobre estes assuntos orientadapara questões muito pragmáticas, de construção de agentes e de linguagensde programação. Ou seja, uma perspectiva de engenharia. Isto não éminimamente criticável, só fazendo coisas se podem testar opções. Mas umaposição deste género justifica ainda mais um trabalho do tipo do descritoneste texto, em que as escolhas e suas justificações procuram sercuidadosamente ponderadas.

Segundo Shoham, o termo agente é tradicionalmente usado em InteligênciaArtificial querendo dizer:

Intenção e Acção 37 Acção

Definição 2. Agente.

Um agente é uma entidade que funciona continuamente eautonomamente num ambiente em que decorrem outros processose existem outros agentes.

O sentido a atribuir à expressão autonomia não é consensual, mas aideia geral é a de que as actividades dos agentes não precisam deintervenção ou condução humana constante. Por vezes, estaautonomia pode ser considerada como autonomia completa, nosentido que seria atribuído a um sistema robótico movimentando-selivremente no mundo. Neste caso, assuntos como entradassensórias, controlo motor e limitações de tempo sãofrequentemente considerados.

Outras suposições são feitas frequentemente, por exemplo assumirque o ambiente é um ambiente físico e parcialmente imprevisível.Os agentes são também usualmente considerados entidades de altonível, no sentido de existência de representação simbólica e defunções cognitivas.

A concepção de agente adoptada por Shoham é especificada ainda maisexplicitamente:

Definição 3. Agente segundo [Shoham 93].

Um agente é uma entidade cujo estado é visto como consistindo decomponentes mentais como crenças, capacidades, escolhas ecompromissos.

Estas componentes são definidas de maneira precisa, e correspondemgrosseiramente às suas correspondentes no senso comum. Aliás, este é um dosrequisitos invocados por Shoham para admitir a atribuição de qualidadesmentais a sistemas artificiais (ver [Shoham 93, McCarthy 79]). Desteponto de vista, a agência está na cabeça do programador.

A questão de determinar o que é um agente é agora substituída pela questãode determinar as entidades que podem ser vistas como tendo estado mental.A resposta que ele dá está de acordo com as posições de Dan Dennett[Dennett 87] ou John McCarthy [McCarthy 79]. Ou seja,

Intenção e Acção 38 Acção

Qualquer entidade pode ser descrita como tendo estado mental,embora nem sempre seja vantajosa essa descrição. A questão não ése um sistema é verdadeiramente intencional, mas se podecoerentemente ser visto como tal [Dennett 87].

Quanto à acção, Shoham determinou que os seus agentes actuem emdiferentes pontos no tempo (este é considerado discreto e indexado pelosnúmeros inteiros). Dependendo das circunstâncias da altura em que asacções são executadas, elas terão certos efeitos. No entanto, pelo menos noestádio de desenvolvimento expresso em [Shoham 93], não são distinguidasacções de factos. A ocorrência de uma acção é representada pelo factocorrespondente ser verdadeiro.

Exemplo 9.

Em vez de dizer que o robô executou a acção levantar-braço no pontode tempo t, dizemos que a frase levantar-braço(robô)t é verdadeira.

Para manter o conceito de agência atrás da acção, Shoham introduz a noçãode decisão, juntando-se assim aos que defendem o postulado de acçõesbásicas, nomeadamente na sua vertente de teorias volicionais, para aconcepção de acções.

Intenção e Acção 39 Intenção

4 Intenção

No trabalho de investigação em Inteligência Artificial, em que vamospasso a passo descobrindo o caminho que percorremos, enquanto definimosentidades cuja estrutura nos é à partida quase completamentedesconhecida, é-nos útil a utilização de conceitos conhecidos, da nossa vidadiária, que podemos caracterizar e de que podemos falar e relacionar unscom os outros.

Assim nos deparamos com o conceito mental de intenção. Este conceito,podemos encontrá-lo investigado ao longo do tempo e do espaço dedisciplinas científicas. Teoria do Direito, Filosofia Moral e Ética sãoalgumas das disciplinas onde podemos encontrar referências importantes.Mais recentemente, junta-se-lhes a Inteligência Artificial e CiênciaCognitiva, ligado às áreas de planeamento e sistemas multi-agentes.

Quando pretendemos modelizar uma mente artificial, apercebemo-nos deque os tradicionais conceitos de conhecimento, crença e objectivo não sãosuficientes. Os comportamentos que os nossos sistemas exibem são rígidos,óbvios e até falsos. Uma forma de enriquecer esses sistemas é estender a suaarquitectura, de forma a que possamos caracterizar a sua mente de umaforma similar à forma como caracterizamos a nossa e assim obtermotivações para inspirar essas arquitecturas. Nas nossas vidas, a intençãoparece ser o guia geral que conduz o nosso comportamento, ou pelo menos aparte do comportamento que nos habituámos a classificar de inteligente, ouracional.

Intenção e Acção 40 Intenção

Este conceito aparece como uma extensão natural do conceito de objectivo,tradicionalmente utilizado em Inteligência Artificial. Na nossalinguagem comum, é mesmo frequente a confusão entre os dois conceitos. Noentanto, mesmo quando consideramos casos simples, parece-nos que aconfusão não é possível. Podemos construir um plano para alcançardeterminado objectivo e no entanto nunca executar esse plano. E portanto,claramente nunca ter a intenção (ou escolha, ou …) de alcançar esseobjectivo, executando esse plano (ver secção 5.2).

Aliás, é mais frequente a utilização da palavra ‘objectivo’ de que dapalavra ‘intenção’, para caracterizar o estado mental que caracteriza oprocesso de escolha do estado que o agente quer obter, e do tipo muitoespecial de empenhamento que envolve os processos de raciocínio ligadosàs tentativas de obtenção desse estado. E se se pode justificar a utilizaçãodo conceito de objectivo como estado mental, a partir da utilização que sefaz da palavra na língua corrente, não deixa de ser verdade que autilização corrente é muitas vezes abusiva, com o sentido real queatribuímos a intenção. Pois também utilizamos objectivo para caracterizarum programa, ou um livro, um objecto, por exemplo um telecomando detelevisão.

Na nossa língua comum, é corrente falar de intenções (ouintencionalidade… ver [Dennett 71]) com o sentido de segundas intenções(“further intentions”) [Pörn 77]. A utilização da palavra querendo dizer ‘oque vou fazer’ ou ‘o que pretendo fazer’ ou ainda ‘o que decidi fazer’ não écomum. O que é comum é sim utilizar a palavra objectivo para caracterizaro propósito directo de uma acção e utilizar intenção para caracterizar o ouos propósitos indirectos, mais escondidos, que se quer menos mostrar.Observemos o seguinte exemplo, extraído de um relato de um jogo defutebol.

Exemplo 1.

Avançando rapidamente pela faixa esquerda do rectângulo, omédio progrediu em direcção à baliza. Quando se aproximava dobico da grande-área, notando o adiantamento do guarda-redes, esempre com o golo como objectivo, desferiu um pontapé cheio deintencionalidade…

Intenção e Acção 41 Intenção

Apesar de tudo, a utilização de facto das palavras não justifica que não seprocure um esclarecimento formal do sentido que se lhes associa. Até porqueesta utilização é muitas vezes confusa e de qualquer forma pouco adequadaaos fins a que nos propomos (ver um argumento análogo em [Sloman 87]).

Em todo o caso, é sempre possível objectar que a arquitectura escolhida édeterminante para a caracterização dos sistemas que estudamos, ou queconstruímos. E que uma vez escolhida em torno de alguns conceitos mentais,ficará fixado o espaço de comportamentos que poderemos obter,parametrizado pelos estados mentais escolhidos. Mas, prosseguindo aexposição encetada em cima, quando procuramos num espaço tão grande depossíveis arquitecturas [Sloman 93], precisamos de pistas para construirheurísticas que orientem a busca. E se isto não é razão suficiente, outras nosaparecem ainda evidentes: a vontade de esclarecer os termos da línguacorrente, levando a uniformização da terminologia nesta área, anecessidade de conhecer e compreender os conceitos mentais reais queencontramos em agentes não artificiais, mesmo que apenas através daperspectiva da psicologia popular (“folk psychology”) (ver, a propósito,[Dennett 87]).

Neste capítulo vamos analisar as intenções de uma perspectiva pluri-disciplinar. Procuramos complementar a abordagem tradicional daFilosofia da Acção com a perspectiva que nos é dada pela InteligênciaArtificial, em particular, mas não só, no que diz respeito à construção deagentes. Na primeira secção, apresentamos o papel, que consideramosprimordial, das intenções na condução do comportamento dos agentesracionais. Apresentamos os papéis funcionais atribuídos por Bratman (eaceites em várias instâncias notáveis da literatura) às intenções, bem comoas propriedades e restrições a serem respeitadas pelos agentes racionais.

Na secção 4.2, discutimos uma definição de intenção que não obrigue a umaligação directa à acção, mas antes considera a intenção para agir (aintenção de executar determinada acção) como um caso particular deintenção. No caso mais geral, a intenção está associada ao estado do mundodesejado pelo agente. As intenções para agir são vistas assim a uma outraluz: o agente não tem já a intenção de executar determinada acção, mas simtem a intenção de estar num estado do mundo em que está a executar essaacção.

Intenção e Acção 42 Intenção

4.1 Funções da Intenção

O que é afinal a intenção? O que a caracteriza? Qual o seu papel no quadrodo comportamento racional? Uma referência actualmente fundamental é otrabalho de Michael Bratman [Bratman 84, 87, 90]. Parte deste esforçopara caracterizar intenção centra-se à volta da distinção entre intençãocomo característica da mente e intenção como característica da acção. Ouseja, por um lado, a maior parte das nossas acções são acções intencionais, eexecutadas com certas intenções subjacentes. Por outro lado, nós temosintenções de executar acções, o que tem consequências na forma como o nossocomportamento é determinado.

A relação entre a acção intencional e a intenção para agir é analisada emdetalhe em [Bratman 84] e pode ser acompanhada pela discussão da secção5.1. O fundamental do ponto de vista de Bratman é que no centro dessarelação não está, como se poderia à primeira vista pensar, a intenção, comoa característica unificadora entre acção intencional e intenção. Por outrolado, também não reside na volição (como defende, por exemplo, Grice em[Grice 71]) para agir o estado comum que faz essa ligação.

Segundo Bratman, é no potencial motivacional que encontramos a ligaçãoentre intenção e acção. Este define-se da seguinte forma:

Definição 1. Potencial motivacional.

A acção a está no potencial motivacional da nossa intenção para b ,dados os nossos desejos e crenças, no caso de ser possível nósintencionalmente a no decurso da execução da nossa intenção parab .

O facto de o potencial motivacional conter a (apesar de não existir intençãode a) não explica a razão de a acção a ser executada intencionalmente.Apenas marca o facto de a intenção b poder aparecer na execuçãointencional de a. Os detalhes da explicação da relação entre acção eintenção são deixados em aberto. Nessa explicação, a noção de potencialmotivacional é substituída pelas especificações detalhadas das váriascondições suficientes para a conduta intencional.

Intenção e Acção 43 Intenção

Quando nos voltamos para as intenções para agir, encontramos ainda doistipos diferentes de intenção: as intenções orientadas para o presente e asintenções orientadas para o futuro. Ou seja, intenções de executardeterminada acção imediatamente a seguir ao momento da formulação daintenção1, e intenções de executar uma acção em algum tempo no futuro.Enquanto estas guiam o planeamento dos agentes e condicionam a suaadopção de novas intenções, as intenções orientadas para o presente têmuma função causal na produção do comportamento [Bratman 87, Cohen andLevesque 90a].

Bratman atribui um papel prioritário, do ponto de vista metodológico, àsintenções orientadas para o futuro. Também da nossa perspectiva, são estasas que mais nos vão interessar2 . Estas intenções estão tipicamenteassociadas a elementos em planos. Estes planos ajudam a coordenar asacções no tempo e ajudam a coordenar as acções de um agente com as dosoutros agentes. Para este fim, devemos coordenar as intenções com outrosestados mentais, como por exemplo crença e desejo, e também comactividades e processos psicológicos relevantes, como raciocínio prático, esuas entradas e saídas: percepção e acção.

Isto é necessário tanto quanto queremos considerar um agente isolado como,e principalmente, quando queremos que os nossos agentes se relacionem comoutros agentes e com o ambiente, exibindo um comportamento social, que

1Veja-se a propósito deste tipo de intenções a caracterização disponibilizada pelalógica modal definida em [Cohen and Levesque 90a]. Mas atente-se também naobservação de Michael Bratman numa nota de rodapé em [Bratman 84], pág. 379e discutida um pouco mais no capítulo 5 deste texto. Aqui é questionada apossibilidade das intenções orientadas para o presente, pelo menos no que dizrespeito a acções instantâneas. Finalmente, repare-se também no facto de asintenções orientadas para o presente tornarem mais incisiva a problemática darelação entre intenção e acção (ver secção 5.1). Se executamos intencionalmentedeterminada acção, é contra-intuitivo que não tenhamos a intenção (orientadapara o presente) de executar essa acção.2Podemos argumentar que este tipo de intenções caracteriza melhor o conceitode intenção, em particular se as generalizarmos da forma como é apresentada nasecção 4.2, e que já tinha sido incluída na caracterização de [Cohen and Levesque90a] (operador INTEND2 ). As intenções orientadas para o presente poderiam serdescritas através de volições (actos de vontade). Mas esta é uma discussão quenão cabe aqui. Algumas indicações podem ser encontradas em [Bratman 84], pág.390, e no capítulo 3 deste documento.

Intenção e Acção 44 Intenção

inclua comunicação para realizar negociação, competição ou cooperação.Quando consideramos, como no caso presente, um agente formado por váriaspartes com diferentes funções, precisamos ainda de especificar como essaspartes comunicam, como se relacionam, como juntas conseguem evidenciar ocomportamento global que observamos no agente.

O papel fundamental das intenções nos nossos processos de raciocínio estáligado à condução das acções. Isto pode ser encarado do ponto de vista daconstrução de planos, normalmente em arquitecturas deliberativas. É aperspectiva adoptada por Bratman, e também em [Pollack 91], [Ferguson92], [Goldman and Lang 93] e [Cohen and Levesque 90a]. Já no trabalho deEric Werner [Werner 88, 91], a intenção é associada primordialmente a umaestratégia para a sua concretização. A noção de intenção é fundamentadanos conceitos de possibilidade e capacidade, que assentam numa teoria deinformação. Esta abordagem contribui fortemente para a arquitectura deagentes apresentada em [Corrêa and Coelho 93].

O comportamento racional não pode ser analisado só em termos de crenças edesejos. (O conceito de objectivo aparece um pouco como a concretização, emsistemas de raciocínio, do conceito de desejo, mais genérico. Podemos decerta forma dizer que um objectivo é um desejo restringido.) As teoriasfilosóficas mais recentes, bem como as suas principais adaptações àInteligência Artificial, defendem que necessitamos do conceito de intenção.Em primeiro lugar, porque os agentes têm recursos limitados(nomeadamente em termos de tempo disponível para raciocínio). Bratmanargumenta que nenhum agente pode continuamente aferir os seus desejos emcompetição e crenças relevantes, para decidir o que fazer a seguir. Emalguma altura o agente terá que determinar um estado de coisas paraatingir. Esta decisão provoca um certo empenhamento em obter esse estadode coisas, uma forma (limitada) de compromisso.

Em segundo lugar, os agentes sentem a necessidade de coordenar o seucomportamento futuro. Uma vez decidido um acto futuro, os agentestipicamente decidem sobre o seu comportamento futuro, considerando esseacto como fixado, assente. É assim possível, através das intençõesformuladas, tomar decisões sobre outras intenções a formular. As intençõesformuladas influenciam este processo de raciocínio de várias formas:fornecendo restrições implicadas pelas decisões tomadas [Bratman 90],permitindo fazer a sobreposição de acções tencionadas por forma adiminuir a necessidade de raciocinar sobre novas intenções [Pollack 91].

Intenção e Acção 45 Intenção

As funções da intenção que vamos apresentar em seguida recebem umconsiderável consenso na literatura que investigámos. Representam o núcleodo que se pode exigir para caracterizar o conceito de intenção quando seconsidera quer a construção de sistemas artificiais quer o estudo de sistemasintencionais1 em geral.

(i) As intenções normalmente colocam problemas que o agente tem queresolver, de modo a determinar uma forma de as satisfazer. Como disseram[Goldman and Lang 93], as intenções servem como uma espécie de plano dealto nível para os agentes2 .

(ii) As intenções fornecem um “écran de admissibilidade” para a adopçãode outras intenções. Enquanto normalmente se admite a existência dedesejos inconsistentes, isso não acontece com as intenções. Os agentes nãoadoptam intenções que acreditam entrar em conflito com as suas intençõespreviamente adoptadas.

(iii) Os agentes monitorizam o sucesso das suas tentativas de satisfazer assuas intenções. Uma intenção dá ao agente uma indicação sobre quecaracterísticas do mundo são relevantes para permitir essa monitorização[Werner 91]. Por um lado, como notam [Cohen and Levesque 90a], os agentesnão só se preocupam com a determinação do sucesso das suas tentativas, mastambém estão dispostos a re-planear para alcançar os efeitos tencionadosse essas tentativas falharem. Por outro lado, não podemos deixar de notarque essa monitorização deve também considerar o caso do sucessoinesperado, ou prematuro. Ou seja, deixa de ter sentido executar raciocínioe acções para alcançar o estado especificado por uma intenção se esseestado foi já atingido3 .

(iv) Um agente é capaz de fazer previsões sobre o comportamento dos outrosagentes baseado no que é conhecido sobre as suas intenções. Este argumento éfundamental na exposição feita por Dan Dennett em defesa da posiçãointencional [Dennett 71]. Segundo Dennett, é pelo facto de encararmos os

1No sentido atribuído por Dan Dennett [Dennett 71, 87].2Sobre o grau de abstracção com que consideramos os planos, ver a exposição em[Bratman 90], pág. 19.3Esta observação tem especial relevo para o argumento apresentado na próximasecção.

Intenção e Acção 46 Intenção

outros actores do nosso mundo como agentes intencionais que conseguimoslidar com a complexidade desse mundo. Esta perspectiva vai além deconsiderar as intenções, inclui também as crenças, desejos, etc. dos outrosagentes. (Melhor, o que acreditamos sobre as crenças, o que acreditamossobre os desejos, etc. dos outros agentes.)

Além destas funções, as intenções devem respeitar as seguintespropriedades. Se um agente tem a intenção i de executar uma acção a, paraatingir um objectivo p (estado desejado, descrito através de umaproposição), então:

(v) O agente acredita que a é um meio exequível e aplicável de atingir p.Em particular, o agente acredita que p é possível.

(vi) O agente não acredita que irá acarretar um estado em que a já não sejaexequível ou p não atingível.

(vii) Em certas condições, o agente acredita que irá acarretar p, através daexecução da acção a.

(viii) Os agentes não têm necessariamente que ter como intenções todos osefeitos secundários das suas intenções, mesmo aqueles que são por siesperados.

Atentemos por um instante nas propriedades (v) e (vi). A segunda pareceser uma exigência perfeitamente natural. Quanto à primeira, pensamos queseria preferível que tivesse uma formulação análoga à segunda. Ou seja:

(v’) O agente não acredita que a não seja um meio exequível e aplicável deatingir p. Em particular, o agente não acredita que p não seja possível.

A exigência apresenta-se assim menos forte, o que permite lidar com ummaior número de situações. Podemos ter a intenção de obter um determinadoestado do mundo e não saber se isso será possível. E portanto nãonecessariamente acreditar que é possível atingir esse estado do mundo.Para o nosso comportamento ser racional, basta que não acreditemos queesse estado é impossível.

Intenção e Acção 47 Intenção

Exemplo 2.

Um exemplo natural é a intenção que podemos formular de sermosricos. Claramente, é-nos difícil dizer qual a acção a executar paraatingir este fim. Além disso, escolhida uma acção, é difícil termos acerteza de que realmente a sua execução permitirá cumprir essaintenção. Finalmente, é difícil dizer que a nossa intenção é possívelde ser cumprida. Por outro lado, se não soubermos que é impossívelsermos ricos, podemos sempre manter presente essa intenção eexecutar acções que, embora não nos assegurem sucesso, podem vira contribuir para o cumprimento dessa intenção. Ou estarespecialmente atentos ao aproveitar de oportunidades que nosapareçam.

No exemplo acima, a expressão ‘manter presente’ pode ler-se como ‘tomarconsciência de,’ no sentido de ‘tomar em consideração.’ É esta a principalrazão que nos leva a objectar contra a formulação de (v). O problema daconsciência (“consciousness”), apesar de não poder ser tratado neste estudo,assume uma importância capital. Este problema tem-se tornado cada vezmais visível quando se observam com alguma atenção os desenvolvimentosmais recentes em termos da literatura e das discussões científicas. Opróprio termo a utilizar levanta polémica [Sloman 91b]. No sentido a queaqui me refiro, ele está intimamente relacionado com o processamento dofoco de atenção. Assim, o que principalmente nos contraria em (v) é que oagente tenha que explicitamente acreditar em qualquer coisa para poderformular a sua intenção. Isto parece-nos pouco natural e pouco flexível.Mesmo a exigência de não acreditar em qualquer coisa parece excessiva.Supomos que bastaria que o agente não tenha a crença relevante na suamemória (ou memória de trabalho) associada ao processo mental que está adecorrer, neste caso a formulação de uma intenção.

Atentemos agora na propriedade (viii). Segundo Bratman, as intenções deum agente são um subconjunto das suas escolhas. Suponhamos que um agenteescolhe um desejo a realizar de entre os seus vários desejos. Se o agenteacredita que as suas acções vão ter certos efeitos, então o agente escolheutambém estes efeitos1 . Ou seja, o agente escolheu um cenário, um mundo

1Dentro da linha da exposição do parágrafo anterior, parece-nos muito “lógica”esta conclusão. E muito pouco realista. Quantas vezes nós executamosdeterminada acção, sabemos que essa acção vai ter determinada consequência

Intenção e Acção 48 Intenção

possível, o que Bratman chama um “package.” No entanto, o agente nãotenciona tudo nesse cenário (apesar de que se ele provocar efeitos comoconsequência da sua acção tencionada, ele provocou-os intencionalmente).Os efeitos secundários não desempenham os mesmos papéis que as intençõesno planeamento dos agentes. Em particular, eles não são objectivos cujosucesso o agente vá monitorizar. Se o agente não os alcançar não vai demodo algum re-planear e tentar novamente.

Um agente racional deve ainda submeter-se a um conjunto de restriçõesquanto à relação entre o seu estado mental e o seu comportamento [Cohenand Levesque 90a, Goldman and Lang 93]:

(ix) O agente não hesita eternamente. Ou seja, o agente vai realmenteactuar para cumprir as suas intenções. Não nos interessa que o nosso agentemantenha as suas intenções em mente e, não sentido a necessidade prementede actuar para atingir essas intenções (por exemplo, por questões deurgência com elas relacionadas), adie constantemente a sua actuação nessesentido. Repare-se que este comportamento pode ser considerado consistente(não existe contradição) ou mesmo racional (as pessoas indecisas existem).

(x) O agente é persistente na tentativa de alcançar os seus objectivos,dependendo, é claro, de restrições de racionalidade. Por exemplo, nãoqueremos que os nossos agentes sejam fanáticos, não desistindo de tentaralcançar um estado até que ele seja ou atingido ou acreditadocompletamente impossível.

(xi) O agente desiste de objectivos quando determina que eles não precisamde ser alcançados, quer seja por já terem sido verificados (por exemplo,como resultado de alguma acção de outro agente), quer por se descobrir quenunca poderão ser alcançados, quer pelas condições em relação às quaisesses objectivos foram adoptados terem sido alteradas.

(porque, por exemplo, já a realizámos no passado) e no processo de escolha eexecução não tomamos essa consequência em consideração? E depois aoobservar o efeito, subitamente tudo nos vem à cabeça?… A avaliação dasconsequências do que se faz resulta de um processo moroso, de aprendizagem.Existem pessoas mais ponderadas e pessoas mais impulsivas, e quaisquer delaspodem ser consideradas racionais.

Intenção e Acção 49 Intenção

4.2Em Direcção a uma Definição de Intenção

Toda a teoria construída sobre intenções e intencionalidade é baseadanormalmente na suposição que as intenções estão associadas a acções[Bratman 90]. Nesta secção analisamos essa atitude e propomos umaalteração na perspectiva com que encaramos as intenções. Ou seja, é nossaopinião que a visão tradicional das intenções como intenções para agir éuma visão demasiado restritiva e redutiva do carácter das intenções e seupapel na determinação do comportamento.

No entanto, as intenções de executar determinada acção não são de modonenhum desprezáveis quando se pretende lidar com agentes racionais. Osagentes executam acções, tanto internas, com consequências nos seus estadosmentais, como externas, com consequências no mundo exterior, mas tambémnas suas mentes e nas mentes dos seres que os rodeiam. E essas acções são nasua maioria acções intencionais, não simples reacções, ou acções reflexas.Ora por muito que se discuta o carácter da relação entre acção intencional eintenção de agir [Bratman 84], essa relação existe. A intenção para agirassume um papel fundamental na planificação das nossas acções.

De um modo mais geral, uma intenção é algo que pretendemos. De algummodo fazemos uma escolha e assumimos para com essa escolha umcompromisso. No exemplo 3 ilustramos o conceito de intenção associado aum estado do mundo pretendido, por contraste com a associação entre aintenção e a acção que conduz a esse estado do mundo.

Exemplo 3.

Podemos ter a intenção de comprar um novo candeeiro para a sala.Mas é discutível se esta é realmente a nossa intenção, ou melhor, seesta é a forma correcta de formular a nossa intenção. Será que o quepretendemos é realmente o acto de comprar o candeeiro, ou seja, irprocurar uma loja de candeeiros, seleccionar uma entre as queencontrámos, dentro dela procurar o candeeiro que queremos,inquirir sobre o seu preço, decidir se é aceitável e finalmenteconcretizar a compra? Ou será que o que pretendemos ésimplesmente ter o candeeiro? Ou seja, o que queremos é estarnum estado do mundo em que a nossa sala tem lá o candeeiro comopretendemos?

Intenção e Acção 50 Intenção

Por outro lado, existem casos em que a intenção está realmente associada auma acção, ou seja, a nossa intenção é de executar determinada acção e nãode obter algum estado do mundo relacionado com essa acção. No exemplo 4mostramos um tal caso.

Exemplo 4.

Suponhamos que decidimos ir ao cinema. A nossa intenção é verum filme. Neste caso não temos a intenção de ‘ter visto o filme.’ Anossa intenção, o que é tencionado é a acção de ver o filme, não oefeito que isso vai ter sobre nós (ou o efeito que acreditamos que issovai ter sobre nós). Poderia ser este o caso se nós fossemos ver o filmecomo um meio para melhorar a nossa cultura, ou para nos distrairou outro tipo de segunda intenção. Mas não supondo nada disto, aintenção que nós tínhamos era uma intenção para uma acção: ver ofilme.

Estabelecemos assim a continuação da necessidade de considerar intençõespara agir. Mas estas intenções são agora consideradas como intenções deestar num estado do mundo em que a acção está a ser praticada. Destaforma podemos continuar a considerar este tipo específico de intenções,preservando e aproveitando todo o trabalho já feito sobre elas. Elas sãointegradas numa definição mais geral de intenções, que as associa ao estadodo mundo que se deseja obter.

Vejamos um exemplo de [Bratman 84] à luz desta teoria. Bratman usa esteexemplo para demonstrar um caso em que podemos ter dois desejoscontraditórios, apesar de sabermos que, para o nosso comportamento serracional, no máximo apenas um deles poderá gerar uma intenção. Não vaiser esse o nosso fim, mas antes demonstrar os dois tipos de intenção queconsideramos. Eis o exemplo:

Exemplo 5.

Suponhamos que temos o desejo de acabar este artigo esta tarde.Suponhamos também que temos o desejo de jogar basquetebol estatarde. É evidente que não poderemos fazer as duas coisas. Só umadelas se poderá tornar uma intenção. Vejamos o desejo de jogarbasquetebol. A intenção de jogar basquetebol é uma intenção deexecutar uma acção (de estar num estado do mundo em queestamos a executar a acção de jogar basquetebol). Não vamos jogarbasquetebol com a intenção de ficar cansados, ou de ter as nossas

Intenção e Acção 51 Intenção

sapatilhas gastas, ou de ter aquele cesto cheio de bolas. Podemosjogar basquetebol com a intenção de estar em boa forma física. Masneste caso podíamos ter formulado uma intenção para qualqueroutra acção, correr por exemplo. Ora nós temos a intenção é dejogar basquetebol, e era esse o nosso desejo.

Consideremos agora o desejo de acabar de escrever o artigo. Aintenção que formulamos a partir deste desejo pode ser uma deduas. Podemos formular a intenção de (executar a acção de)escrever o artigo. Mas parece-nos que o mais natural é formular aintenção de ter o artigo escrito. Ou seja, o que queremos não éescrever o artigo, mas sim tê-lo escrito. Escrevê-lo, ou seja, a acçãoque executamos com o fim de cumprir a intenção de escrever oartigo é apenas uma maneira (neste caso, possivelmente a única) deter o artigo escrito.

No exemplo 5, vimos como os nossos desejos se podem concretizar emintenções quer para agir quer para obter um estado do mundo. Neste últimocaso, pode haver alguma confusão proveniente do facto de existir uma únicaacção cuja execução conduz ao estado do mundo desejado. No exemplo queapresentamos a seguir isso já não acontece, o que torna mais visível autilidade e naturalidade desta definição de intenção.

Exemplo 6.

Se temos intenção de ter a nossa casa pintada podemos cumpriressa intenção de várias formas. Podemos decidir pintá-la nóspróprios, e formular essa intenção. Reparemos que não énecessariamente esse o nosso desejo. Podemos decidir fazê-lo porser mais barato, ou por outra razão qualquer. Mas o nosso desejo éapenas ter uma pintura nova, e é essa a nossa intenção. Podemoscumpri-la de outras formas. Contratando uma empresa de pinturas.Pedindo ajuda aos nossos amigos. Todas estas formas de agirlevarão ao cumprimento (se tudo correr normalmente) da intençãoque formámos. Mas parece-nos reducionista dizer que ‘temos aintenção de pintar a casa,’ apesar de ser a forma como nosexprimimos normalmente, e ser a forma mais natural e intuitiva deformular a nossa intenção. Mas devemos ter presente que a nossaverdadeira intenção é ‘ter a casa pintada.’ E muito felizes ficaríamosse acordássemos uma manhã e descobríssemos que durante a noiteum bando de gnomos tinha cuidado disso.

Intenção e Acção 52 Intenção

Com esta visão sobre as intenções temos maior liberdade sobre a maneiracomo as decidimos realizar. As intenções são assim assumidas comoautênticos guias para a acção, mas de um ponto de vista mais abstracto doque as intenções para agir. Aliás, esta linha de pensamento não se desviada traçada por, por exemplo, Bratman, quando considera a intenção umplano geral, incompleto e não totalmente especificado [Bratman 90].Subindo um pouco mais no nível de abstracção considerado, a intenção éassociada a uma estratégia, que conduz à obtenção do estado do mundodesejado (ou pretendido).

Intenção e Acção 53 Intenção e Acção

5 Intenção e Acção

Neste capítulo observamos com alguma atenção o problema de determinara relação entre intenção e acção. Não é demais reafirmar aqui osparâmetros com os quais vamos caracterizar os conceitos exactos com quelidamos. Ou seja, a intenção que vamos aqui considerar é a intenção deexecutar determinada acção, a intenção para agir. Isto é admissível,mesmo tendo em conta a última secção do capítulo anterior, porque aintenção para agir tem uma relevância especial (tanta que na maioria doscasos é a única considerada). As acções consideradas são acçõesintencionais, não reacções, ou acções reflexas. Isto é, acções que têm umconteúdo, que fazem parte do conjunto de acções que formam ocomportamento racional.

Para este fim, vamos seguir de perto a análise feita por Michael Bratmanem [Bratman 84]. Bratman apresenta inicialmente o que ele chama a VisãoSimples, para depois produzir um contra-exemplo que a invalida. Analisaem seguida outras possibilidades, antes de apresentar a sua visão sobre arelação entre acção e intenção, que se baseia no potencial motivacional deuma intenção (ver definição na secção 4.1).

O que esperamos mostrar é que o argumento de Bratman contra a VisãoSimples não é válido, e portanto não temos, desse ponto de vista,justificação para a rejeitar. Mais ainda, afirmamos que (pelo menos emprincípio) não há razões para não adoptar a Visão Simples e expomos umaperspectiva sobre a relação entre intenção e acção que nela se baseia,

Intenção e Acção 54 Intenção e Acção

envolvendo o conceito de plano como uma acção composta e o conceito deobjectivo como uma acção (ou plano) potencial.

Em seguida, exploramos um pouco as relações entre os vários conceitosmentais com que lidamos. Vamos ver como a relação entre a intenção e aacção vai ter consequências nas formas como colocamos os restantes conceitosque consideramos na nossa arquitectura mental, as crenças, os desejos, asexpectativas.

5.1 A Visão Simples

Mas as primeiras coisas primeiro. Vamos percorrer [Bratman 84], tentandoabordar os problemas nele tratados com maior ou menor profundidade,dependendo da relevância deles para esta exposição. Seguindo as linhasdesse artigo, vamos procurar elaborar sobre a estrutura mental dos agentes,prolongando essas linhas pelas direcções que consideramos correctas,alterando as suas trajectórias no caso contrário, ou mesmo cortando-asquando tal se justificar.

A ideia central do artigo de Bratman passa pelo estabelecimento darelação entre acção intencional e intenção. Ou seja, Bratman procuradistinguir intenções como características das acções praticadas e intençõescomo estados mentais. Conforme advertimos acima, as intenções de quevamos falar são “intentions to act,” ou seja intenções de executardeterminada acção. Vimos já que não é essa a visão das intenções queconsideramos mais adequada. No entanto, e como vimos também em cima,continuamos a defender a necessidade da existência das intenções para agirna modelização da mente dos agentes.

Há duas aproximações seguidas na literatura. Em primeiro lugar, o modelodesejos-crenças, em que se vê a acção intencional como acção que mantémrelações apropriadas com as crenças e desejos do agente. Este modelo éredutivo, na medida em que reduz as intenções a certas combinações dedesejos e crenças (para uma análise desta posição ver [Moya 90]). Asintenções formam, de direito próprio, estados mentais distintos, que não se

Intenção e Acção 55 Intenção e Acção

podem reduzir a combinações de outros, neste caso desejos ou crenças[Bratman 84, McCarthy 79, Dennett 87]. São as intenções que vão ter umpapel fundamental na planificação das nossas vidas, nos planos queconstruímos e que permitem coordenar as nossas acções [Bratman 90].

Assim, devemos distinguir entre intenções orientadas para o futuro(“future-directed intentions”) e intenções orientadas para o presente(“present-directed intentions”). Se temos uma intenção orientada para opresente de executar certa acção, não quer dizer que essa acção sejaexecutada. Mas se executamos uma acção intencionalmente é plausívelsupor que essa intenção exista. Suponhamos que a acção envolvida é ligar ocarro. Ao ligar o carro certamente temos intenção de fazer algo. Como o quefazemos intencionalmente é ligar o carro é lícito supor que as nossasintenções incluem ligar o carro.

E isto sugere o que o Bratman chama a Visão Simples (“Simple View”), queestabelece uma solução geral para o nosso problema de relacionar intenções(sempre para agir) com acções intencionais:

Definição 1. Visão Simples.

Sendo a uma acção, para intencionalmente a nós temos que ter aintenção de a. Ou seja, os nossos estados mentais ao tempo daacção devem ser tais que a esteja entre as coisas que nóstencionamos.

As duas faces da intenção destacadas por Bratman são a acção intencional eos planos de coordenação. As intenções (e Bratman associa um papelprioritário, do ponto de vista metodológico, às intenções orientadas para ofuturo) são tipicamente elementos em planos. Estes planos ajudam acoordenar as acções no tempo e ajudam a coordenar as acções de um agentecom as dos outros agentes. Ora este conceito de coordenação provoca algumapressão no sentido da unificação das nossas várias intenções. Assim,devemos conseguir colocar as nossas intenções em conjunto num só plano demaior escala que possa servir bem este papel de coordenação. Mas esteplano deve então ser, pelo menos, internamente consistente. Mais ainda,este plano deve ser executado no mundo em que nós nos encontramos, logo,assumindo que temos crenças consistentes, este plano deve ser consistentecom essas crenças.

Intenção e Acção 56 Intenção e Acção

Definição 2. Consistência fraca e forte.

Dizemos que as nossas intenções são fracamente consistentes seelas podem ser colocadas em conjunto num plano geral que sejainternamente consistente.

As nossas intenções são fortemente consistentes em relação àsnossas crenças, se podem ser colocadas em conjunto num planogeral que é consistente com essas crenças.

Um agente racional, deve assim manter intenções fortemente consistentes,de forma a servirem bem o papel de coordenação da acção. Esta exigênciade consistência forte distingue ainda intenções de desejos. Um agente pode,sem irracionalidade, desejar duas coisas diferentes sabendo que não podeobter as duas. No entanto, só um desses desejos se pode tornar uma intenção,devido à exigência de consistência forte.

A Visão Simples é um caso especial de uma concepção mais geral, a Visãodo Fenómeno Único (“Single Phenomenon View”).

Definição 3. Visão do Fenómeno Único.

A acção intencional e o estado mental intenção envolvem ambosum certo estado comum, e é a relação de uma acção com esseestado que torna a acção intencional.

O que a Visão Simples adiciona a esta concepção mais geral é a exigênciade que o estado envolvido seja apenas uma intenção de agir dessa forma.

Bratman vê virtudes na adopção da Visão Simples. Em primeiro lugar, emais importante, a Visão Simples reconhece a diferenciação das intençõesem relação a outros estados mentais. Por outro lado, fornece uma descriçãoplausível da relação entre acção intencional e intenção. A Visão Simples éintuitiva e provém directamente do senso comum aplicado a este problema.Além disso, muitas das discussões em filosofia moral que incidem sobreintenções adoptam-na implicitamente. Podemos ainda acrescentar que estadescrição parece adequada à maior parte dos casos. A única proposta deexcepção (fornecida por Bratman) vamos apresentá-la e demonstrar quenão o constitui realmente.

Intenção e Acção 57 Intenção e Acção

Outras alternativas seriam a redução de intenções a volições: TeseVolicional. Esta é discutida com algum detalhe, podendo assumir váriasformas, nomeadamente a Tese de Necessidade (ou seja, a volição para agir,requerida pela Tese Volicional, é pelo menos uma componente necessáriapara a intenção orientada para o presente para executar essa acção) e aTese de Identificação (que se define por considerar que a volição éexactamente uma intenção orientada para o presente). Em últimainstância, Bratman rejeita a Tese Volicional, para aceitar a utilização doconceito de potencial motivacional no estabelecimento da relação entre aintenção e a acção. Mas a rejeição dessa tese baseia-se pelo menosparcialmente no argumento utilizado para rejeitar a Visão Simples.Portanto justifica-se uma análise cuidada desse argumento. Para esteefeito, utilizamos os exemplos dos jogos de vídeo, apresentados porBratman.

Argumento contra a Visão Simples

Consideremos o seguinte exemplo.

Exemplo 1.

Vamos jogar um jogo de vídeo em que devemos guiar um míssil aoencontro de determinado alvo. Apesar de termos bastantehabilidade para estes jogos, o jogo é difícil e temos dúvidas quantoao sucesso da minha missão. Vamos supor que apontamos ao alvo eacertamos.

Em primeiro lugar, acertar no alvo não foi uma questão de sorte, mas simdependeu da nossa habilidade neste tipo de jogos. Além disso, acertar noalvo era o que nós pretendíamos fazer, não estávamos a apontar para oalvo como um meio de assegurar que o míssil acertasse noutro lugar. Poroutro lado, a nossa tentativa de acertar no alvo é guiada pela percepçãodeste. É a percepção de termos acertado no alvo que faz terminar a nossatentativa. Finalmente, ao fazer a nossa tentativa, não tínhamos a certezade ter sucesso. Apesar disto, se nós tentamos e acertamos no alvo, nósacertamos-lhe intencionalmente. Neste caso, pela Visão Simples, nóstemos a intenção de acertar no alvo. Ora, pelo que se disse até agora, esteresultado é aceitável e não viola necessariamente a exigência deconsistência forte.

Intenção e Acção 58 Intenção e Acção

Exemplo 2.

Suponhamos agora que adicionamos um novo jogo que tambémenvolve acertar com um míssil num alvo. Suponhamos que somosambidextros e podemos jogar um jogo com cada mão. Assim,decidimos jogar os dois jogos simultaneamente. Como antes, ambosos jogos são difíceis, logo temos dúvidas de obter sucesso emqualquer deles. O que acontece é que falhamos o alvo 2 masacertamos no alvo 1. Novamente, parece-nos que acertamos no alvo1 intencionalmente. O facto de estar a tentar acertar no alvo 2 semsucesso não nos impede de acertar intencionalmente no alvo 1.

Mais uma vez, pela Visão Simples, temos que dizer que temos intenção deacertar no alvo 1. E o que se passa com as nossas intenções em relação aoalvo 2? Nós estávamos a tentar acertar no alvo 2 de uma forma igualmenteárdua e com iguais capacidades, bem como com igual falta de confiança nosucesso. Pela simetria dos casos parece claro que se temos intenção deacertar no alvo 1 também temos intenção de acertar no alvo 2. Claro que nãoacertamos no alvo 2, enquanto realmente acertamos no alvo 1. Mas estadiferença não nos impede de ter a intenção de acertar no alvo 2.

Para construir o argumento contra a Visão Simples, Bratman prossegue comum terceiro exemplo:

Exemplo 3.

Vamos supor agora que os dois jogos estão de tal forma ligados queé impossível atingir ambos os alvos. Suponhamos que se os doisalvos forem atingidos simultaneamente, a máquina se desliga.Ambos os alvos são visíveis e nós podemos ver em qual dos doisacertamos. Há um prémio para atingir qualquer um dos dois alvos,mas não se pode acertar nos dois simultaneamente. No entanto,como é difícil acertar em qualquer dos alvos, decidimos jogar os doisjogos simultaneamente. O risco de desligar a máquina écompensado pelo aumento das probabilidades de acertar em umdos alvos. Suponhamos que acertamos no alvo 1, da maneira queestávamos a tentar.

Novamente, parece que acertamos no alvo 1 intencionalmente. Logo, pelaVisão Simples, nós tínhamos intenção de acertar no alvo 1. Dada asimetria dos casos, nós também tínhamos intenção de acertar no alvo 2.

Intenção e Acção 59 Intenção e Acção

Mas, dado o nosso conhecimento de que não podemos acertar nos dois alvos,estas duas intenções não podem ser fortemente consistentes!

E Bratman prossegue concluindo que a Visão Simples é falsa, pois aexistência das duas intenções não é compatível com o conhecimentoexistente, conduzindo à impossibilidade de consistência forte. Logo, aVisão Simples impõe uma ligação demasiado forte entre a intenção e aacção intencional.

Sobre a relação intenção-crença

Suponhamos que tencionamos ir ao concerto hoje à noite. Alguns filósofos[Grice 71, Harman 76] aceitam a tese forte (“strong belief requirement”) quenós agora temos que acreditar que iremos. Uma vez que aceitemos esta teseforte em relação às intenções orientadas para o futuro, também temos queaceitá-la para as intenções orientadas para o presente.

Aceitando portanto esta tese forte, temos um novo argumento contra a VisãoSimples. As premissas deste argumento são a tese forte e a constatação deque uma pessoa pode fazer uma coisa intencionalmente apesar de estar comdúvidas que o está a fazer, ao tempo da acção.

Vejamos então: dado a exigência de acreditar que cumpriremos as nossasintenções, quando nós agimos intencionalmente de uma maneira em que nãoacreditamos que estejamos a agir, então nós não temos intenção de assimagir. Ou seja, a tese forte diz:

intend(X) -> believe(will-do(X)).

A segunda premissa diz-nos que

do-int(A) e doubt(do-int(A)).

Logo concluímos

not intend(A),

o que contraria a Visão Simples:

do-int(X) -> intend(X).

Intenção e Acção 60 Intenção e Acção

O argumento parece claramente correcto. Estudemos então as suaspremissas. Em primeiro lugar, a tese forte. É o próprio Bratman que começapor questionar esta tese.

Exemplo 4.

Nós podemos ter agora a intenção de parar na livraria ao ir hojepara casa e no entanto, devido a conhecermos a nossa tendênciapara sermos esquecidos, não acreditarmos que o faremos. Não éque acreditemos que não iremos parar. A nossa intenção é parar e onosso plano é parar. Mas se nós reflectirmos um pouco sobre isso,chegamos à conclusão que não acreditamos que iremos parar.

Bratman fornece ainda um outro contra-exemplo para a tese forte [Bratman87]. Neste caso, um agente acredita que tentará executar a acção tencionadamas também acredita que irá falhar.

Exemplo 5.

Uma pessoa pode tentar mover um tronco extremamente pesado,apesar de duvidar se será, de facto, suficientemente forte paramover o tronco.

Bratman afirma que o agente tenciona mover o tronco, apesar de nãoacreditar que o irá fazer. Mas nós podemos contrapor que o agente nãotenciona mover o tronco, tenciona tentar mover o tronco.

De qualquer forma, ao negar a premissa da tese forte, o argumento ficaautomaticamente destruído. E a Visão Simples pode novamente ser aceite.Ou seja, a conclusão a que chegamos é agora mais fraca: dada a segundapremissa como hipótese, concluímos que a Visão Simples e a tese forte sãomutuamente exclusivas.

Analisemos então a segunda premissa. Segundo Bratman, é possívelexecutar intencionalmente uma acção não acreditando que se o está a fazer.Ou seja, “The second [premise] is the observation that a person can dosomething intentionally even though, at the time of action, he is in doubtwhether he is so acting.” A possibilidade de a dúvida ser sobre aintencionalidade ou não da acção executada é excluída pelo exemplo dado:“I might intentionally hit the target even while being doubtful of success.”

Intenção e Acção 61 Intenção e Acção

Portanto, a segunda premissa deve ser interpretada: Uma pessoa podeexecutar uma acção intencionalmente apesar de estar céptica sobre o seusucesso, ao tempo da acção. Ora aqui podemos aplicar o argumento queusámos em cima. Podemos defender que a pessoa, se tem dúvidas sobre osucesso da sua acção, não está de facto a executá-la mas sim a tentarexecutá-la (melhor, executar a tentativa). Uma maneira de ter algumaperspectiva do que dizemos é olhar as acções no passado. No exemploanterior, a pessoa tenta mover o tal tronco e não consegue. A seguir nósperguntamos-lhe: “O que estiveste a fazer?” Segundo Bratman, a respostaseria “Estive a mover este tronco.” Ora a nós parece-nos que a resposta seria“Estive a tentar mover este tronco.”

Aspectos temporais

A noção de tempo parece-nos aqui mais importante do que Bratman concede.Pensemos no exemplo acima: “I might intentionally hit the target evenwhile being doubtful of success.” Os vários eventos aqui envolvidos têmtempos diferentes. Será que nos reportarmos ao tempo da acção, como noenunciado da premissa, é sempre correcto? E será que isso vai fazerdiferença no argumento construído? Encaremos estas questões.

Quanto à primeira, analisemos os vários eventos e os tempos envolvidos.Em primeiro lugar, a acção que nós executamos não é acertar no alvo. Asnossas acções iniciais são apontar e disparar o míssil. Suponhamos queestas acções são executadas nos instantes t1 e t2 , respectivamente. Nestecaso, a acção acertar no alvo1 será executada no instante t3 . Olhemos agorapara os nossos estados mentais nestes instantes. Em t1 nós estamos cépticossobre se seremos ou não capazes de acertar no alvo. Podemos caracterizareste estado (grosseiramente, sem entrar em grandes formalismos) como:

doubt(do-int(acertar)),

1Vamos considerar isto ainda uma acção da nossa autoria, para simplificar oraciocínio. Não queremos aqui considerar as relações de causa e efeito das nossasacções, embora seja matéria bastante interessante. De qualquer forma, é opróprio Bratman que considera como atómico este evento e portanto como aúnica acção envolvida no exemplo. Cremos estar a raciocinar correctamentequando atribuímos portanto essa acção ao agente e cremos também não serdescabida a nossa decomposição dessa acção em sub-acções.

Intenção e Acção 62 Intenção e Acção

mas também

bel(do-int(tentar(acertar))).

No instante t2 , podemos estar num de dois estados. Ou acreditamos quedisparámos um bom tiro ou, pondo a mesma hipótese que Bratman,continuamos no mesmo estado:

doubt(do-int(acertar)).

Finalmente em t3 , dada a nossa percepção de que acertámos, temos quedizer

bel(acertar),

logo dificilmente podemos dizer

doubt(do-int(acertar)).

Neste instante, temos que dizer

bel(do-int(acertar)).

Resumindo:

t1 t2 t3

apontar disparar acertar

bel(apontar) bel(disparar) doubt(acertar)?

doubt(acertar) doubt(acertar) bel(acertar)?

Portanto, a nossa conclusão é que não é possível afirmar que uma pessoapode executar uma acção intencionalmente não acreditando, ao tempo daacção, que o está a fazer. O que é possível é tentar executar uma acção, comintencionalidade, não acreditando no entanto que a tentativa seja bemsucedida.

Passemos à segunda questão. Quais as consequências disto no argumentocontra a Visão Simples? Do nosso ponto de vista destrói-o. Se não vejamos:em nenhuma altura nós podemos dizer que executámos uma dada acçãointencionalmente sem que acreditemos que o fizemos. Isso seriainconsistente e irracional da nossa parte. E basta, como atrás, olhar aposteriori para verificar a veracidade desta conclusão.

Intenção e Acção 63 Intenção e Acção

Mais sobre intenções e crenças: as expectativas

Para finalizar este raciocínio, vamos ainda esclarecer o que parececonduzir a uma contradição. Para contrariar a primeira premissa, ou seja, atese forte que relaciona intenções com crenças, o argumento utilizado foi queum agente pode ter uma intenção sem no entanto acreditar que irá cumpriressa intenção. Ao refutar a segunda premissa, já dizemos que não é possívelexecutar uma acção intencionalmente não acreditando que se o está a fazer.Ou seja, ao executar intencionalmente uma acção, o agente sempre terá acrença de que o está a fazer. A contradição é, evidentemente, aparente. Seresolvermos o nosso problema inicial de relacionar acções intencionais comintenções para agir, essa aparência dilui-se imediatamente.

Mas aproveitemos a nossa intuição inicial de contradição para esmiuçar umpouco mais a relação que procuramos. Se pensarmos em termos de tempo, eentendermos intenções como intenções orientadas para o futuro, essaintuição de contradição desaparece. Basta pensar nos exemplos acima. Oque resta então? Restam as intenções orientadas para o presente. Mas é opróprio Bratman que relega estas para segundo plano, chegando mesmo apôr em dúvida a sua existência, pelo menos no caso instantâneo: “I doubtwhether it is even possible to have a present-directed intention to performan instantaneous action.” Adiado o estudo das intenções presentes, todas asintenções a tratar são então intenções orientadas para o futuro. E o tempomenor ou maior de que dispomos para em tempo útil cumprir essas intençõesé (antes, devia ser) uma restrição de primeira prioridade para aelaboração de planos a isso adequados.

No fim das contas, em que ficamos? Sobre a relação entre intenções ecrenças, o que podemos dizer? Na nossa opinião, a uma acção intencionalcorresponde sempre uma crença. Isto não quer dizer necessariamente que asconsequências da nossa acção sejam por nós correctamente previstas. Masquando executamos uma acção a, nunca podemos afirmar que duvidamos queestejamos a executar a.

Quanto às intenções, o problema é mais complicado. Sem dúvida quepodemos tencionar executar determinada acção sem no entantoacreditarmos que a executaremos. De modo mais geral, podemos dizer quepodemos ter determinada intenção sem acreditar que ela será cumprida. Noentanto, o caso mais frequente é sem dúvida o caso em que tencionamos e

Intenção e Acção 64 Intenção e Acção

acreditamos que faremos aquilo que tencionamos. Aliás, é frequente, quandouma intenção é formulada, de certo modo proceder imediatamente a umaplanificação mínima das acções que nos levarão a cumprir essa intenção.Não quer dizer que acontecimentos subsequentes não possam vir a alteraresses planos. Mas na maior parte dos casos, tiramos partido do raciocínio jáfeito para escolher as nossas intenções (com todas as estratégias, técnicas,restrições, etc. que isso envolve) para desenvolver um plano, ainda muitogeral, ainda muito incompleto, possivelmente errado, mas que é umprimeiro passo no sentido de cumprir essas intenções [Bratman 90]. Do pontode vista de agentes artificiais, isto não será menos correcto. O contexto queenvolve os processos mentais (uma espécie de interacção connosco próprios)em que se escolhem as intenções é pelo menos de uma forma geral parecidoque o contexto em que as vamos tentar realizar (aqui numa interacção com omundo exterior). Ora neste processo é vulgar fazer escolhas de certas acçõesa serem realizadas, ou outras intenções a serem formuladas. Estas escolhassó podem ser feitas se acreditarmos realmente que iremos de alguma formaser fiéis às nossas intenções. A equação intenção = escolha + compromisso[Cohen and Levesque 87], apesar de, do nosso ponto de vista, redutiva,reflecte de certa forma esta noção intuitiva sobre as nossas intenções: elassão para cumprir, em princípio. Além disso, se um papel fundamental dasintenções é participar na construção de planos de coordenação, muito donosso esforço de planificação seria desperdiçado se o abandonar das nossasintenções fosse um evento frequente.

Justificamos assim a introdução de um novo conceito mental: a expectativa.Porque não, como defende Pollack (“Expectations are simply beliefs aboutfuture activities and circumstances.” [Pollack 91]), considerar estas apenascrenças? Bom, já vimos em cima as dificuldades que isso acarretaria. Semquerermos fazer aqui a defesa da necessidade das expectativas paramodelizar a estrutura mental de um agente racional, ficamo-nos apenaspela demonstração da sua utilidade.

Com este novo conceito podemos exprimir algum do nosso conhecimentosobre factos futuros que têm a ver com o nosso comportamento intencional.Ao escolher e formular determinada intenção, é também formulada umaexpectativa de que essa intenção será cumprida. Mesmo no caso redutivo emque as intenções são só intenções para agir, podemos formular a expectativade que a acção mencionada na intenção será executada. Além disso, aoescolher executar certas acções, podemos formular expectativas sobre oresultado dessas acções. Pense-se, por contraste, no que seria formular

Intenção e Acção 65 Intenção e Acção

crenças sobre as acções que vamos executar. As circunstâncias podem mudar,as próprias acções escolhidas podem ser revistas ou executadas sob umaperspectiva diferente.

Por outro lado, e como vimos na secção 4.1, a intenção tem associada umaideia de compromisso. Ou seja, quando formulamos uma intenção, temos umcompromisso para connosco próprios em como iremos cumprir essa intenção.É evidente que nem o nosso mundo é estático nem os nossos agentes sãofanáticos [Cohen and Levesque 90a, Goldman and Lang 93]. Assim, estecompromisso tem limites, consoante os factores envolvidos na acção real,por exemplo a determinação dos agentes, a exequibilidade das intenções oua sua persistência.

Portanto, sempre existem casos em que, apesar de termos formado umaintenção, ela não será cumprida. E logo não podemos, ao formar a intenção,formar a crença irrevogável de que iremos cumprir essa intenção. Mas noentanto, na maior parte dos casos, iremos realmente cumprir a intenção queformámos. Ou pelo menos tudo fazer para conseguir isso. Sem querer entrarem grandes considerações sobre revisão de crenças, vamos adoptar oconceito mental de expectativa como o mais adequado a este tipo específicode crenças.

Porque precisamos realmente de crer que vamos atingir as nossas intenções.Pois se as intenções servem como guia para para a acção, é claro que asintenções que formamos devem ser em princípio respeitadas. Assimpodemos reduzir o espaço de possíveis acções a escolher [Werner 91]. Ouseja, as intenções que formamos constrangem a formação de novas intenções,facilitando o processo de deliberação. Formando a expectativa de quecumpriremos as intenções que formamos, podemos ter consciência dessasintenções e tirar pleno partido disso no raciocínio que fazemos.

Além disto, as acções que tencionamos têm consequências. Ou melhor nósacreditamos que determinada acção tem determinadas consequências. Aoformar uma intenção i, que implique a execução de uma acção a, comconsequências c1 e c2 , é evidente que vamos considerar estas consequênciasnos processos de raciocínio que desenvolvemos subsequentemente. Masreparemos: apesar de formarmos a intenção i, não é evidente que iremosrealmente cumprir i. Nem é evidente que a maneira de o fazer seja em todosos casos a. E mesmo que seja, podem existir casos em que as consequênciasesperadas não são as consequências que realmente ocorrem. Tudo isto

Intenção e Acção 66 Intenção e Acção

contribui para que, além das intenções formadas, consideremos tambémcomo expectativas as consequências das acções que tencionamos executar.

É importante distinguir entre as diversas categorias de expectativas.Segundo Martha Pollack [Pollack 91], existem três tipos de expectativas:as primárias, que derivam directamente das intenções do agente, ou seja,expectativas de que o agente executará as acções que tenciona. Assecundárias, que prevêem efeitos secundários das acções tencionadas,resultados que, apesar de previstos, não são tencionados. As expectativasindependentes não dizem respeito directamente à ocorrência quer de acçõestencionadas quer de acções que se espera executar ao fazer o que se tenciona.E é a própria Pollack que responde às nossas questões: “[The agents] expectto perform the actions they intend. They expect side-effects of the actionsthey intend to occur. And they expect many other, independent events tooccur as well.”

Entre as expectativas independentes, podemos incluir as expectativas quetemos sobre o comportamento dos outros agentes no nosso ambiente. Paraesta formulação, contribui o conhecimento que temos sobre as intençõesdesses outros agentes. O método mais simples de conhecer essecomportamento é ele ser-nos comunicado pelos próprios agentes, o que énatural num contexto de cooperação. Mas noutros contextos menos amigáveis(ou no caso da comunicação das intenções exigir um esforço de raciocíniogrande, ou no caso em que as capacidades linguísticas são diferentes entre osvários agentes) temos que obter informação sobre as intenções dos outrosagentes através de métodos mais complexos, por exemplo reconhecimentode planos (veja-se por exemplo [Pollack 91], ou a exposição sobrepredictabilidade em [Goldman and Lang 93]).

Ainda sobre a relação estre intenções, crenças e expectativas, devemosassinalar que a tarefa de percepção do mundo, é também guiada (emboranão exclusivamente) pelas tentativas de satisfazer as intenções, quefornecem um filtro (focalizam a atenção [Bratman 90]) sobre quecaracterísticas do mundo devem ser observadas de modo a alcançar sucessonessas tentativas. Isso é bem patente na arquitectura definida em [Corrêaand Coelho 93], na qual as tarefas de percepção (e também as de acção) sãofiltradas através da unidade encarregada do tratamento das intenções.

Quanto às crenças, podemos agora retirar a exigência da tese forte, segundoa qual devemos acreditar naquilo que tencionamos. Repare-se que a tese

Intenção e Acção 67 Intenção e Acção

forte representa na verdade uma pré-condição que um agente deve verificarantes de poder formular uma intenção. Na nossa nova formulação, a pré-condição que devemos verificar, se quisermos que as nossas intenções sejamracionais, é que as nossas crenças não sejam inconsistentes com a crença emcomo executaremos as acções que tencionamos1 . Ora isto parece-nosclaramente mais aceitável em termos de sistemas artificiais de raciocínio,e mais próximo da forma como os humanos realmente actuam. Se quisermosestar ainda mais próximos do raciocínio humano, podemos aindaenfraquecer a noção de consistência2 tanto quanto queiramos, eventualmenteaté detectarmos inconsistência só quando temos duas crenças explicitamentecontraditórias. Se, por um lado, isto reduz grandemente a quantidade decálculo envolvido na verificação da pré-condição, não é menos verdade queos próprios humanos nem sempre exploram exaustivamente as possíveisconsequências dos actos que tencionam.

Além desta mudança para uma pré-condição mais fraca e mais razoável,existe ainda a vantagem de não ter que considerar como crenças as pós-condições das nossas intenções. O facto de acreditarmos, em princípio, quevamos executar as acções que tencionamos adequa-se menos à condição decrença do que da de expectativa. Isto é, nós esperamos ir executar essasacções (de modo mais geral, esperamos vir a cumprir as nossas intenções),mas não acreditamos cegamente que o iremos fazer.

Apesar disto, estamos de acordo com Bratman quando ele diz que aexigência de consistência forte é mais difícil de evitar. Esta restrição estáfirmemente relacionada com uma característica básica das intenções, o seupapel na coordenação dos planos de acção.

Ou seja, mais uma vez Bratman concluiu que devemos manter a exigência deconsistência forte e logo rejeitar a Visão Simples. Ora, se concordamos coma consistência forte, não podemos estar de acordo com a rejeição da VisãoSimples. Para clarificar as nossas razões, vamos seguir mais uma vez oartigo do Bratman, na sua secção de objecções e respostas.

1Tal como defendemos no capítulo 4.2Mais uma vez, veja-se a discussão no capítulo 4 sobre foco de atenção.

Intenção e Acção 68 Intenção e Acção

Regresso à Visão Simples

O argumento contra a Visão Simples depende de duas afirmações sobre oúltimo exemplo dos jogos de vídeo. São elas:

(i) Se neste caso nós tínhamos intenções orientadas para o presente que nãosão fortemente consistentes com as nossas crenças, então nós somoscriticavelmente irracionais.

(ii) Nós atingimos o alvo 1 intencionalmente.

A primeira série de objecções é delineada de modo a enfraquecer o primeiroponto do seu argumento. A objecção mais forte é a de que as intenções podemnão ser fortemente consistentes, mas neste caso específico existem razõesválidas para nós procedermos como procedemos e logo não estamos a serirracionais.

Bratman responde: “To best pursue the reward, I don’t need to intend to hiteach target. I need to try to hit each target. Perhaps I must intendsomething, to try to hit each target, for example.” Se respondecorrectamente à objecção, tal como foi formulada, Bratman não observaapesar de tudo que está a apresentar exemplos que enfraquecem o seuargumento. Ou seja, no jogo 1, porque é que nós temos intenção de atingir oalvo 1? Porque não podemos dizer só que vamos tentar atingir o alvo 1? E setemos que ter uma intenção, porque não ter a intenção de tentar atingir oalvo 1? Mas se isto for verdade, então a Visão Simples é mesmo falsa, ouseja, acerto no alvo 1 intencionalmente sem com isso ter a intenção deatingir o alvo 1, só tenho a intenção de tentar! Ou seja, regressamos à TeseVolicional.

A resposta às questões colocadas aponta-a mais uma vez Bratman,enquanto refuta as objecções ao segundo ponto do seu argumento: nósatingimos o alvo 1 intencionalmente. A objecção é: o que nós atingimosintencionalmente é um de dois alvos.

Bratman enuncia aqui uma série de casos em que esta afirmação éverdadeira mas defende que o seu exemplo é diferente daqueles. Noprimeiro caso, é-nos apresentado um alvo e nós não sabemos qual deles é.Atiramos e acertamos no que descobrimos ser o alvo 1. Acertámos

Intenção e Acção 69 Intenção e Acção

intencionalmente em um de dois alvos, mas não acertámos intencionalmenteno alvo 1.

No segundo caso supomos que os dois alvos estão muito próximos um do outroe nós só temos uma arma. Atiramos para as vizinhanças do par de alvostentando acertar em um dos dois. Suponhamos que acertamos no alvo 1.Mais uma vez, acertámos intencionalmente num de dois alvos, mas nãoacertámos intencionalmente no alvo 1. Aqui parece-nos que Bratmannavega muito perto da costa sem a conseguir ver.

Defende ele que no caso dele está a tentar acertar em cada alvo, sem noentanto tentar acertar nos dois. Cada um dos alvos guia separadamente atentativa de lhe acertar. Mais, se nós acertamos com sucesso no alvo 1, anossa tentativa de lhe acertar vai ser terminada pelo conhecimento de queacertámos nesse mesmo alvo.

Isto está errado! A tentativa de acertar num alvo é dependente datentativa de acertar no outro. Prova disto é que a nossa tentativa de acertarno alvo 1 também termina se nós acertarmos com sucesso no alvo 2. Ora, istoinvalida a demonstração que ele faz em seguida:

Bratman diz que acertou intencionalmente no alvo 1 porque:

(i) “Ele queria acertar no alvo 1 e assim está a tentar fazê-lo.” Errado: nóspodemos dizer que queremos é acertar em um dos dois alvos. Podemos mesmodizer que queremos acertar em exactamente um dos dois alvos.

(ii) “A sua tentativa de acertar no alvo 1 é guiada especificamente pelasua percepção desse alvo e não pela percepção de outros alvos. Osajustamentos relevantes no seu comportamento são especificamentedependentes da sua percepção desse alvo.” Errado: se nós observarmos queacertámos em outro alvo, dado o nosso conhecimento do jogo, deixamos detentar acertar no alvo 1, porque caso contrário corremos o risco de desligar amáquina.

Os dois objectivos estão mesmo de tal forma relacionados que se nós virmosque disparámos um tiro muito bom em direcção ao alvo 2, achando portantoque existe uma grande probabilidade de acertar no alvo 2, certamente queparamos de tentar acertar no alvo 1. Ou seja, nem precisámos de ter apercepção de acertar no alvo 2 para automaticamente cancelar as

Intenção e Acção 70 Intenção e Acção

tentativas de acertar no alvo 1. Bastou-nos ter a ideia de que poderíamosacertar no alvo 2 para logo pararmos as tentativas de acertar no alvo 1.Portanto, o raciocínio de Bratman está errado. Não podemos afirmar que asduas tentativas são separadas.

(iii) “Ele realmente atinge o alvo 1.”

(iv) “É a sua percepção de que atinge o alvo 1, e não a sua percepção de queatingiu um alvo, que termina a sua tentativa de o atingir. Claramente, seem vez disso ele tivesse atingido o alvo 2, isso também terminaria a suatentativa de atingir o alvo 1, dado o seu conhecimento de como os dois jogosestão ligados.” No entanto, Bratman continua a defender que é a percepçãode que acertou no alvo 1 que termina a sua tentativa de acertar nesse alvo.Ora isto é errado, pelas razões que já vimos em cima.

Gilbert Harman, em [Harman 86], apresenta também algumas críticas àVisão Simples. Vamos aqui abordá-las sucintamente, pois isso por um ladovai-nos permitir analisar os seus argumentos para repensar a nossaadopção da Visão Simples e, por outro lado, vai levantar algumas questõesque devem ser respondidas, quer queiramos ou não adoptar essaperspectiva.

Harman começa por defender que a Visão Simples é uma das fontes daperspectiva sobre as intenções que afirma que estas estão meramenteimplícitas em outros estados, nomeadamente desejos e crenças. Ora estaconclusão é liminarmente rejeitada por Bratman em [Bratman 84]. A VisãoSimples é mesmo apresentada como especialmente adequada aoreconhecimento da diferenciação das intenções em relação ao modelocrenças-desejos.

Um outro argumento contra a Visão Simples, é o de que as coisas que oagente faz, como consequências previstas ou esperadas das intenções quetem, contam por vezes como intencionais sem serem tencionadas.

Bom, partindo da definição de acção apresentada no capítulo 3, essesefeitos esperados não são intencionais. Mas mesmo de uma perspectivadiferente, dificilmente podemos atribuir intencionalidade a uma simplesconsequência levada em linha de conta quando da formulação da intenção.Essa consequência será apenas sempre uma expectativa, pela qual o agentetem sem dúvida responsabilidade, devido às escolhas que fez, mas é

Intenção e Acção 71 Intenção e Acção

abusivo atribuir-lhe intencionalidade. Pensemos por exemplo numaconsequência não prevista da intenção formulada. Será que é intencional?Não podemos dizê-lo, mesmo que essa consequência seja uma derivaçãológica imediata da acção executada com o fim de cumprir a intenção1. Entãoo que distingue os actos intencionais dos actos não intencionais é o facto de oautor estar deles consciente? Claramente a resposta não pode ser positiva.

Harman apresenta ainda um outro argumento, que procura na dúvida sobreo sucesso de uma acção, encontrar razões para afirmar que essa acção, se bemsucedida, não foi tencionada: antes foi tencionada a sua tentativa deexecução.

É evidente que sempre podemos ter a intenção de tentar executardeterminada acção. Mas para a satisfação dessa intenção basta executar atentativa, realmente tentar! E a acção que é intencionalmente executada éa tentativa. É indiferente se a acção foi ou não executada com sucesso. Sefoi, então a execução dessa acção seria intencional? Parece-nos que aresposta é positiva, mas, de qualquer forma, como poderia uma tentativade algo ser executada (ou seja, como poderíamos formular a intenção defazer uma tentativa) se não fosse a intenção principal obter esse algo? Ouseja, se temos a intenção de tentar obter um estado é porque temos a intençãode obter esse estado.

Harman contesta, de forma análoga à que fizemos acima, o argumento dosjogos de vídeo de Bratman. Mas conclui a secção do seguinte modo: “I do notknow under what conditions it is true or appropriate to say someone doessomething intentionally, but the conditions of intentional action seem tohave only a loose relation to the conditions of intended action.”

Ponto da situação

Como conclusão principal desta secção afirmamos que não temos razõespara rejeitar a Visão Simples sobre a relação entre a intenção e a acção.Para além disso, aproveitámos a nossa análise dos argumentos utilizadospara tentar rejeitar essa tese para investigar algumas relações entre

1Ver final da próxima secção.

Intenção e Acção 72 Intenção e Acção

conceitos do nosso ponto de vista relevantes para o estudo da mente.Estabelecemos assim algumas relações entre intenção e crença, introduzimoso conceito de expectativa e abordámos alguns aspectos temporais, emboranão exaustivamente.

Vamos agora aprofundar essas relações e completar o quadro da estruturamental de um agente. Expomos uma perspectiva sobre a relação entreintenção e acção que se baseia na Visão Simples e envolve o conceito deplano como uma acção composta e o conceito de objectivo como uma acção (ouplano) potencial. Vamos ver como a relação entre a intenção e a acção vaiter consequências nas formas como colocamos os restantes conceitos queconsideramos na nossa arquitectura mental, as crenças, os desejos, asexpectativas.

5.2O Lugar da Intenção

Nesta secção vamos procurar descrever em maior profundidade as relaçõesentre estruturas mentais que identificamos na mente dos agentes, e que seriadesejável encontrar nos agentes artificiais que construímos. O papel centralé atribuído às intenções. São elas que então no centro de decisão da mente.Isto não contempla as acções de tipo reactivo, que são processadas eexecutadas em paralelo, de forma independente e ainda nãocompletamente esclarecida. Mas as acções chamadas intencionais estãoassociadas a intenções, em particular intenções para agir, da forma quedefendemos na secção anterior.

Esquema da mente

O esquema mental que pretendemos construir está associado à explicação docomportamento dos agentes. Essa explicação é sempre feita em termos deum observador [Dennett 71], ou seja, não existe a explicação absoluta docomportamento. Na realidade, quando consideramos o comportamento deum agente, nem sequer podemos absolutizar as unidades que o compõem: asacções. Dependendo do ponto de vista de quem observa, e do nível de

Intenção e Acção 73 Intenção e Acção

abstracção considerado, podemos ou não chamar acções aos acontecimentosobservados (ver [Moya 90] e capítulo 3). Estabelecido isto, podemos alargareste argumento aos restantes conceitos mentais intencionais.

Assim como é perigoso não considerar flexível a distinção entre acções eacontecimentos, também vai ter os seus perigos olhar para o tempo comoconstituído por um conjunto de instantes discretos. Como queremosconsiderar as intenções para agir como intenções de estar num estado domundo em que estamos a executar determinada acção, não queremos correr orisco de discretizar o tempo de um modo que faça coincidir a progressão notempo com a execução de acções. Ou seja, o mundo não progride no tempocomo resultado da execução das nossas acções, progride por si próprio. Isto éfundamental quando pretendemos construir agentes que estão preparadospara actuar num mundo dinâmico, no mundo real. Reparemos ainda que esteproblema não é resolvido quando reduzimos a granularidade da definiçãode acção.

Apesar de tudo, e pelas razões vistas em cima, parece-nos que podemosidentificar na mente um núcleo composto por desejos, intenções,expectativas e crenças. Estes conceitos vão manter uma relaçãoprivilegiada com o conceito de acção. As acções podem ser encaradas comotransformação dos estados mentais do agente, ou como acções decomunicação ou ainda como acções físicas [Corrêa and Coelho 93]. No centrodeste núcleo colocamos as intenções. São as intenções que conduzem ocomportamento e é a actividade mental desencadeada para obter asatisfação de uma intenção que agrupa a informação relevante para esseprocesso. Esta informação é traduzida em termos dos conceitos mentaisfornecidos pela arquitectura.

Não é fácil de resolver o problema de organizar e representar a informaçãonecessária à determinação do comportamento (sequência de acções) quecontribui para a satisfação de uma intenção. Logo à partida determinar queinformação é relevante e que informação pode ser desprezada pode terconsequências determinantes no sucesso ou insucesso do cumprimento daintenção. Reparemos: quando iniciamos uma interacção para satisfazeruma intenção, é criada uma estrutura para suportar essa interacção. Estaestrutura não é à partida vazia. Contém histórias passadas relacionadascom a intenção em causa. É esta estrutura que permite fixar certosparâmetros, fixar o foco com que observamos (um certo conjunto deacontecimentos que formam) as acções. Ou seja, sem ela não temos acções: só

Intenção e Acção 74 Intenção e Acção

podemos apercebermo-nos de acontecimentos crus, nos quais dificilmentedetectamos agência [Moya 90, Corrêa and Coelho 93].

Mas como aparecem as intenções? Em primeiro lugar, as intenções nascem dedesejos. Um determinado estado do mundo, objecto de um desejo, pode, nascondições certas, tornar-se (o objecto de) uma intenção. Estas condiçõespodem ser, por exemplo, a modificação dos nossos estados mentais: crençasou expectativas. Esta modificação pode ser gerada por novas percepções oupor acções com consequências no mundo interno do agente.

Também de intenções se geram intenções. A intenção está associada a umplano geral [Bratman 90] ou estratégia [Werner 91] que orientam a acção demodo a satisfazer a intenção [Corrêa and Coelho 93]. Este plano (ouestratégia) é geral e incompleto, apenas parcialmente especificado. Logo,para determinar as acções de modo efectivo, terá que ser mais específico,mais concreto. E assim um plano geral pode gerar sub-planos. E a intençãopara a qual o plano concorre é subdividida em (sub-)intenções que no seuconjunto a cumprem. Estas sub-intenções estão inter-relacionadas, e tambémrelacionadas com a intenção-mãe.

A consciência da intenção-mãe nem sempre é perfeita. Quantas vezes nãoacontece termos que fazer um esforço de reflexão para explicar a nossaactividade corrente? E feito esse esforço, descobrir (melhor, reparar) queessa actividade (já normalmente descrita não do ponto de vista [Dennett71] das acções executadas mas da intenção a cumprir) faz parte de um outroplano (também normalmente descrito em termos da intenção para queconcorre). Vejamos por exemplo o seguinte diálogo:

Exemplo 6.

— O que estás a fazer?

— Estou a serrar esta tábua.

— Para quê?

Já observámos em cima as relações entre intenções, crenças e expectativas. Enesse estudo não estabelecemos limites para o que considerámos ser aintenção. Ou seja, apesar de essas relações terem sido observadas à luz daintenção vista como intenção para agir, a extrapolação é fácil e não cria

Intenção e Acção 75 Intenção e Acção

conflitos com a nova visão de intenção. No que se refere aos desejos, atransição é trivial. Quando nós desejamos, desejamos estar em determinadoestado do mundo, não desejamos executar a acção que leva a esse estado. Anão ser que seja realmente esse o objecto do desejo, da maneira que vimosacima. E portanto, quando de um desejo nasce uma intenção, é o objecto dodesejo que se torna objecto da intenção.

Vimos também em cima de que forma se podem formar expectativas. Restadizer que as expectativas podem elas próprias gerar desejos e crenças. Porexemplo, no caso das crenças, quando uma expectativa realmente seconcretiza. No caso dos desejos, quando uma expectativa que tínhamos nãose concretiza ao tempo em que esperávamos, pode ser gerado um desejo sobreessa expectativa.

As duas figuras que seguem sintetizam a nossa visão da mente. Na primeirasão mostradas as relações entre estados mentais, como descrevemos acima.

CrençasDesejos

ExpectativasIntenções

Fig. 1: Diagrama de estados mentais.

A segunda figura mostra as trocas de informação necessárias para que osprocessos de raciocínio que descrevemos possam decorrer.

Intenção e Acção 76 Intenção e Acção

CrençasDesejos

Fig. 2: Diagrama de fluxo de informação.

Expectativas

Percepções

Intenções

Acções

A satisfação de intenções

Segundo [Cohen and Levesque 87], intenção é escolha e compromisso. Aescolha é tradicionalmente utilizada em sistemas de raciocínio. Vêmo-lanos jogadores de Xadrez quando procuram a próxima jogada, vêmo-la nossistemas de planeamento assumindo o nome de deliberação. Quandoqueremos modelizar comportamentos, por pouco complexos que sejam, aescolha aparece como um conceito imprescindível. Por outro lado, a nossaideia intuitiva de intenção inclui uma certa persistência: vamos emprincípio tentar obter o cumprimento das intenções que escolhemos. Ou seja,temos um compromisso para com as nossas intenções. Este compromisso podeassumir várias facetas. A importância de obter o cumprimento de umadeterminada intenção, a urgência com que uma intenção deve ser cumpridasão exemplos dessas facetas. Outros seriam a maior ou menor dificuldadecom que desistimos das nossas intenções, o tipo de circunstâncias que levamà formação de intenções (ou sub-intenções) a partir de outras intenções, etc.

Vamos desde já estabelecer a diferença entre os conceitos de intenção eobjectivo. Um agente pode raciocinar sobre determinado objectivo, mesmoque não tenha intenção de perseguir esse objectivo. Ou seja, podemosraciocinar para construir um plano de acção que nos permita atingir umobjectivo sem que necessariamente tenhamos que executar esse plano, ousequer ter a intenção de o fazer. Vejamos um exemplo.

Intenção e Acção 77 Intenção e Acção

Exemplo 7.

Suponhamos que prevemos a hipótese de ir ao Porto. Não temos acerteza de que teremos que ir ao Porto, não temos o desejo de ir aoPorto, não formulamos a intenção de ir ao Porto. Mas existe apossibilidade de termos que ir ao Porto. De acordo com asconsiderações de [Bratman 90, Pollack 91] sobre limitação derecursos, nada mais natural do que tentarmos construir um plano,mesmo que incompleto, prevendo a eventualidade de receber anotícia de que temos que ir ao Porto. Esse plano, a existir, tem comoobjectivo ir ao Porto1.

No exemplo acima vimos um caso em que temos conceito de objectivo sem queobrigatoriamente isso se reflicta na existência de uma intenção associada.Portanto, já vimos que ter o objectivo x não implica necessariamente ter aintenção x. Mas será que podemos dizer que se temos a intenção x entãotemos também o objectivo x? Vamos fornecer um possível argumento a favorde uma resposta negativa, baseados num exemplo da literatura [Bratman84] e já abordado neste texto. Em seguida vamos clarificar o exemplo à luzdos conceitos utilizados e refutar o argumento, aceitando a visão intuitivade que de uma intenção procede um objectivo.

Pensemos no terceiro exemplo dos jogos de vídeo (exemplo 3 deste capítulo).Bratman afirma que atingimos intencionalmente o alvo 1, logo (pela VisãoSimples) temos a intenção de atingir o alvo 1. Pela similaridade dos casos,e apesar de não atingirmos o alvo 2, existe também a intenção de atingir oalvo 2. A nossa resposta, como vimos na secção anterior, é que o que fazemosintencionalmente é atingir o alvo 1 ou o alvo 2, mas não os dois. E portanto,pela Visão Simples, é essa a nossa intenção. Ou seja, a nossa intenção é ouatingir o alvo 1 ou atingir o alvo 2. Isto é, ‘atingir alvo 1 xor atingir alvo 2.’E este ligação parece-nos tanto mais evidente quanto a percepção dos doisalvos orienta as nossas tentativas para atingir cada um deles.

Que plano elaboramos então para cumprir a nossa intenção, seja x1 xor x2 .Após cuidada análise do risco de desligar a máquina, decidimo-nos(decidiu Bratman) por tentar simultaneamente atingir os dois alvos. Ou

1Como expusemos em 4.2, seria melhor dizer que o objectivo é chegar ao Porto,ou estar no Porto.

Intenção e Acção 78 Intenção e Acção

seja, o plano escolhido vai ter como objectivo atingir o alvo 1 ou atingir oalvo 2: x1 or x2 . Através deste exemplo, pode-se argumentar que a nossaintenção x1 xor x2 não obrigou ao objectivo x1 xor x2 . O objectivo decorrentedessa intenção foi x1 or x2 .

Mas a objecção a este argumento é simples. O que chamámos processo deelaboração do plano para cumprir a nossa intenção x1 xor x2 era já adeliberação sobre o que havia a fazer para cumprir essa intenção. Aescolha de x1 or x2 como objectivo do plano, não pertence na verdade aoprocesso de raciocínio que levará ao cumprimento da intenção x1 xor x2 , masé sim parte do plano que permite atingir essa intenção. O objectivo x1 or x2é um sub-objectivo de x1 xor x2 , e o plano que levará ao seu cumprimento éum sub-plano do plano que permitirá cumprir x1 xor x2 .

Investigamos agora a forma como vamos proceder ao cumprimento dasnossas intenções. Ao adoptarmos a Visão Simples, na secção anterior,comprometemo-nos a adoptar como intenções todas as nossas acçõesintencionais. Ou seja, todas as acções que executamos intencionalmente sãoresultado da tentativa de cumprimento de uma intenção. Vamos ver agoracomo poderemos fazer sentido dessa posição à partida filosófica numcontexto em que nos preocupamos já com a construção de sistemas artificiais.

Pelo que vimos acima, de uma intenção advém um objectivo. Se formoslimitar as diligências para o cumprimento da intenção a tentar atingir esseobjectivo, então estamos a perder toda a caracterização de intenções quefizemos em favor de uma visão dos sistemas inteligentes maistradicionalista e menos flexível. Tendo isto presente, vamos começar porconsiderar um caso simples de satisfação de intenções, paraprogressivamente ir aumentando a complexidade.

Caso 0. Sistema clássico de raciocínio

No caso a que vamos chamar caso 0, vamos observar um sistema deraciocínio conhecido, à luz da teoria que vimos desenvolvendo neste texto.O exemplo escolhido é a linguagem de programação em lógica Prolog[Sterling and Shapiro 86]. Deixemos de lado certos mecanismos próprios daconstrução de uma linguagem (por exemplo o mecanismo de instanciação) econcentremo-nos no algoritmo utilizado para implementar o raciocínio.

Intenção e Acção 79 Intenção e Acção

Dado um objectivo a satisfazer, g, é examinada a base de factos, que contémo conhecimento, para determinar de que forma ele pode ser satisfeito. Se g éimediatamente verdadeiro, então a prova acabou e o objectivo foicumprido. Caso contrário, sejam g1 , g2 , g3 as possibilidades de satisfação deg. g1 é proposto como (sub-)objectivo e o método é repetido. Se g1 não puderser provado, então tentar-se-á g2 e assim sucessivamente até não havermais alternativas, caso no qual a prova falha.

Moldemos agora o sistema descrito de forma a se adaptar a outraterminologia. Vamos pretender fazer cumprir uma intenção i, cujo objecto ég. As formas de atingir este objectivo são g1 , g2 e g3. Chamemos a g1 , g2 e g3planos para atingir g [Werner 91]1 . Estes planos são à partidacompletamente não especificados [Bratman 90]. Um pouco como dizer queum plano para (cumprir o objectivo) estrelar ovos é: estrelar os ovos. Àmedida que o nosso comportamento, orientado para atingir i, evolua, vaihaver pelo menos um destes planos progressivamente mais concreto.Suponhamos que, à maneira do Prolog, escolhemos o plano g1 para executar.Formulamos nesse instante a intenção associada i1 , não é necessário que osobjectivos g1 , g2 e g3 dêem todos origem a intenções. Escolhemos i1 e é essa aúnica sub-intenção de i que formulamos, sendo g1 o objecto de i1 . Pode dar-seo caso de uma intenção ser trivialmente cumprida, o seu objectivo serverdadeiro. De modo geral, quando (ou trivialmente ou iterando o método)cumprirmos g1, podemos dizer que executámos a acção g1 . Se esta execuçãofoi não trivial, dizemos que esta acção é uma acção composta e a suaexecução foi também composta, no sentido em que passou por diferentesrefinamentos, diferentes níveis de abstracção. Dependendo do nível a queobservamos podemos ter diferentes granularidades das acções do agente.

Um sistema como o Prolog, observado deste modo, pode dizer-se um sistemade cumprimento de intenções. O agente que segue este algoritmo é de certomodo fanático, pois tenta exaustivamente cumprir as intenções e sub-intenções que lhe são propostas, até atingir sucesso ou até chegar àconclusão de que esse sucesso será impossível.

1Reparemos que neste caso g 1 or g2 or g3 é também um plano que cumpre g .

Intenção e Acção 80 Intenção e Acção

Caso 1. Sistema baseado em intenções

O sistema que descrevemos em cima, ou antes a visão que demos acima deum sistema conhecido, apresenta as primeiras sugestões do que vai ser paranós um sistema de raciocínio baseado em intenções e solidamente alicerçadonuma posição filosófica coerente.

No entanto, notamos ainda alguma confusão entre conceitos. Ou seja, alinguagem Prolog não nos fornece uma boa instância do sistema quepretendemos descrever. A aplicação de um sistema noutro não é bijectiva.Alguns dos conceitos que vamos querer que o sistema inclua vão ser visíveisno Prolog em apenas um conceito, apesar de termos apresentado diferentesfacetas dele. Na exposição que se segue vai ser melhor clarificado o papelque esses conceitos vão desempenhar.

Mais uma vez, começamos por considerar uma intenção i a satisfazer. Estaintenção estipula um estado desejado g. Este estado, tal como no Prolog,pode ser descrito em termos de uma proposição especificando um objectivo.

Este objectivo pode ser cumprido através de um plano p. p pode serconsiderado um plano que obtém g, da forma que vimos acima, no caso 0.

Quando é feita a escolha de executar este plano, é adoptada umaexpectativa de que será executado. Esta expectativa pode tornar-se maisforte, através da formulação de uma intenção i’ de executar p, ou seja, umaintenção para agir, da forma que vimos em 4.2.

Intenção I Objectivo G

Plano P

Intenção I'

Fig. 3: O cumprimento de intenções.

A execução de p não é diferente da execução de uma qualquer acção. p é umaacção, uma acção composta. Como vimos no capítulo 3, o que chamamosacção é discutível, pois pode-se decompor uma acção numa sequência deacontecimentos, que por sua vez podem ser considerados acções e assim pordiante. De acordo com o critério aí estabelecido, p é uma acção desde que

Intenção e Acção 81 Intenção e Acção

associada a um compromisso, por exemplo uma intenção, como no casopresente. Os vários estádios da execução de p podem ser descritos atravésda especificação de sub-objectivos g1 , g2 , …, gn.

A execução (intencional) da acção p está associada à existência de umaintenção, i’, de executar p, de acordo com a Visão Simples (ver secção 5.1). Aexecução de p vai permitir (ou pelo menos o nosso sistema acredita nisso1)obter a satisfação de g, e portanto de i.

Mas o que significa executar p? p é um plano, que pode ser decomposto emsub-objectivos. Quando executamos p, esses objectivos são transformados emintenções i1 , i2 , …, in, que por sua vez serão tratadas de forma análoga à quedescrevemos.

Plano P

Objectivo G1 Objectivo Gn…

Intenção I1 Intenção In…

Fig. 4: Execução de acções compostas.

E quando termina esta recorrência? Reparemos que para o cumprimento deuma intenção do tipo de i’ basta executar p. Portanto, quando a intenção quepretendemos cumprir tem uma única forma de ser cumprida, através daexecução de uma só acção, não composta, bastará executar essa acção.

1Apesar do que dissemos no capítulo 4, na discussão sobre foco de atenção, nãoestamos preparados neste momento para tomar em devida consideração esseconceito. Hoje em dia, este é um tema-chave na investigação e não há aindaresultados seguros sobre ele. Algumas indicações podem ser encontradas nostrabalhos de Aaron Sloman e seu grupo, por exemplo [Sloman 87] e [Beaudoin andSloman 93].

Intenção e Acção 82 Intenção e Acção

Caso 2. Mais perguntas que respostas

Nesta última descrição do que consideramos ser um sistema que implementeuma mente artificial, vamos aumentar a complexidade da abordagemconsiderada. A finalidade desta tarefa é a de conseguir captar melhortoda a riqueza possibilitada pelas teorias que expusemos no texto. Paraisso, vamos observar problemas e pontos deixados em aberto nos casos 0 e 1,e procurar encontrar soluções para eles. Infelizmente, é muito maior onúmero de perguntas do que o número de respostas que podemos fornecer.Mas mesmo assim, importa fazê-las, pois fazer uma pergunta é a únicaforma de encontrar a resposta. Além disso, quando não temos respostas adar, fazer perguntas é a única forma de validar as respostas previamentedadas, e assim as respectivas perguntas. Alguns dos problemas quelevantamos aqui estariam por direito incluídos na secção sobre trabalhofuturo. Outros, não temos a pretensão de o fazer, de tal forma nos pareceárdua a tarefa. Mas a construção científica não é feita por um só operário.O que é preciso é encarar a obra de frente.

Dissemos no caso 1 que, para terminar a recorrência, basta cumprir i’,executando p. O sistema acredita que assim terá i cumprida. Mas isto podenão ser verdade. Será razoável terminar assim a recorrência de uma formaque eventualmente pode não atingir o objectivo inicial, que acarretaria ocumprimento da intenção inicial? Bom, a vida é mesmo assim e os actosfalhados existem. Mas há que distinguir entre o acto falhado em si (caso noqual se incluiria a falha na execução de uma acção), do caso em que o acto éexecutado com sucesso, mas essa execução não acarreta de facto ocumprimento da intenção. Ou seja, o plano foi mal construído, o que épossível e admissível.

Vamos agora voltar a reflectir sobre um assunto que já foi mencionado: aquestão do foco de atenção. Este é um tópico cujas implicações ultrapassamos problemas que abordámos atrás, nomeadamente em relação à ligaçãoentre intenções, crenças e conhecimento. Rapidamente voltemos amencioná-lo.

Quando é formulada uma intenção de obter determinado estado do mundo,devemos, de acordo com [Bratman 84] exigir determinadas restrições deconsistência. Em particular, poder-se-ia exigir que esse estado do mundo éobtenível. Ou que o agente acredite que o vai conseguir obter, ou que

Intenção e Acção 83 Intenção e Acção

acredita que o vai conseguir obter, executando determinada acção(composta ou não, não vem aqui ao caso). Pode-se também exigir que aintenção formulada não contradiga1 outras intenções prévias, como noexemplo de acabar o artigo ou jogar basquetebol (exemplo 5 do capítulo 4).

Claramente estas exigências parecem ser excessivas e contra-intuitivas,pois obrigariam a proceder a uma bateria de verificações quando se formauma intenção. Uma alternativa será não exigir que o agente acrediteexplicitamente em coisas. Basta-nos exigir ao agente uma certaracionalidade: por exemplo, que o agente não acredite que não vai conseguirobter o estado expresso na sua intenção. Ou que o agente não acredite que aintenção que está a formar contradiz intenções anteriores. Isto é, vamosexigir que não haja contradição entre a intenção formulada e as crenças,expectativas e outras intenções do agente.

Esta exigência de não obrigar a crenças explícitas parece mais natural. Masreparemos que verificar a existência de uma contradição não exige menosem termos de raciocínio do que verificar se realmente acreditamos numfacto. Pelo contrário: suponhamos que queremos exigir dos nossos agentesque não acreditem que não vão atingir determinado objectivo. Paraverificar se a restrição é satisfeita teríamos que examinar todas as crençasdo agente. Enquanto para ver se o agente tinha explicitamente a crençabastaria verificar no máximo todas as crenças.

Este problema complica-se ainda mais se pensarmos que as contradiçõespodem não ser evidentes. Ou seja uma contradição pode existir e não serexplícita, necessitar de algum raciocínio para aparecer. E pode-se portantopôr a questão se se deve ou não executar esse raciocínio e que quantidade deraciocínio se deve executar.

Uma possível resposta a essa questão é não raciocinar de todo. Se acontradição existe e é visível então é detectada. Se ela existe mas não évisível imediatamente, não é detectada nessa altura. Se algum raciocínioposterior vier a revelar a contradição, ela será então tratada. Esta soluçãonão é totalmente descabida se observarmos a forma como os humanos se

1Talvez fosse melhor dizer que o agente acredita que a nova intenção nãocontradiz intenções prévias.

Intenção e Acção 84 Intenção e Acção

comportam. Muitas vezes, mesmo as contradições mais evidentes não sãodetectadas.

Mas uma solução mais adequada ao tipo de raciocínio que fazemoscomummente seria examinar, mesmo que brevemente, os conceitosrelevantes para o problema em causa. Ou seja, o que [Corrêa and Coelho 93]chamaram o contexto da interacção do agente para a satisfação daintenção. Este conceito de contexto responde um pouco à nossa necessidadede determinar o foco com que abordamos os problemas. Para cada interacçãocom vista à satisfação de uma intenção, seria formado um contexto. Nessecontexto existe informação relevante para a satisfação da intenção, sejaela constituída por crenças, desejos, expectativas, etc. Em particular, seuma intenção é subsidiária de outra (ou seja, a sua satisfação contribui paraa satisfação de outra) então essa informação deve estar contida no contexto.[Corrêa and Coelho 93] defendem mesmo que um dos componentes docontexto é uma estratégia geral para a satisfação da intenção. Estamos decerta forma de acordo com a ideia que está na base desta definição, ou seja,a de que quando formamos uma intenção (e o seu contexto associado), oraciocínio deliberativo executado para essa formação pode seraproveitado para estabelecer pelo menos algumas considerações préviassobre o processo a ser usado para satisfazer a intenção.

Como dissemos antes, este não é um problema fácil de atacar. Logo àpartida determinar que informação é relevante e que informação pode serdesprezada pode ter consequências determinantes no sucesso ou insucesso documprimento da intenção. Quando iniciamos uma interacção parasatisfazer uma intenção, é criado um contexto para suportar essainteracção. Este contexto não é à partida vazio. Contém histórias passadas[Werner 91] relacionadas com a intenção em causa. Quando no decorrer doprocesso de satisfação dessa intenção se dá origem a uma sub-intenção, écriado um sub-contexto associado a essa sub-intenção.

A estratégia apresentada no caso 1 para satisfação de intenções é simplistaporque não encara com realismo o problema das sub-intenções. Não podemoslimitarmo-nos a satisfazer as sub-intenções de uma intenção por uma ordempré-fixada (por exemplo, o Prolog procura satisfazê-las usando procura emprofundidade), que é o que se passa na maior parte dos sistemas deraciocínio. Devemos ter em atenção questões como:

Intenção e Acção 85 Intenção e Acção

(i) Quando decorre um processo para satisfazer uma sub-intenção i1 de umaintenção i, devemos constantemente observar se a intenção i não está jásatisfeita. E se se verificar que sim, devemos possivelmente retirar a sub-intenção i1 , a não ser que a sua tentativa de cumprimento continue a fazersentido.

(ii) Pode inesperadamente aparecer uma oportunidade de cumprir commenor dispêndio de recursos uma sub-intenção que só estava programadapara mais tarde.

(iii) Quando é que os sub-objectivos g1 , …, gn se transformam em sub-intenções? Quando o plano p é expandido? Mas não será prematuro estar jáa assumir uma intenção (sub-intenção, por exemplo in) que eventualmentenem terá que ser cumprida, ou só mais tarde, ou só de uma forma quedepende dos processos conduzidos para cumprir as restantes sub-intenções?Por outro lado, também não faz sentido formar cada intenção à medida quea anterior é satisfeita. Pois neste caso perdiam-se as vantagens deconsiderar como intenções os estados que tentamos obter.

(iv) Quando consideramos determinada intenção por si própria, até queponto não devemos considerar essa intenção como sub-intenção de umaoutra, mais geral? E já agora, como podemos lidar com estas intenções maisgerais no caso em que elas não são super-intenções da intenção queconsideramos? Vejamos um exemplo.

Exemplo 8.

Suponhamos que temos a intenção i de ir de carro para Benfica.Consideremos dois planos p1 e p2’ para chegar a Benfica. p 1 estipulaque vamos pela Segunda Circular e p2’ estipula que se a SegundaCircular estiver engarrafada então vamos pela Estrada da Luz.

Suponhamos ainda que temos uma intenção, seja i’, mais geral, denão gastar muito tempo no trânsito.

Encaremos a primeira questão que fizemos acima. Quando estamos aexecutar o plano p1 , podemos pensar qual a razão de querer ir para Benfica.E a super-intenção aparece imediatamente, ou vamos para casa, ou vamosvisitar um amigo, etc. Mas podemos então nos interrogar sobre as razões

Intenção e Acção 86 Intenção e Acção

dessa intenção: porque vamos para casa no fim de um dia de trabalho, quala razão de irmos visitar o nosso amigo, etc., e novas intenções surgirão.

A nossa perspectiva é considerar toda a acção conduzida porintenções. Estas intenções são subsidiárias de outras intenções,formando assim uma rede hierárquica de intenções que contribuemumas para as outras. Quais são então os limites desta rede? O limitesuperior (em termos de generalidade) é desconhecido. Conhecê-locorresponderia a descobrir a intenção última das nossas vidas, osentido da vida. A resposta a esta questão é, neste momento, dadaapenas pelas religiões. O limite inferior é também desconhecido,mas por diferentes razões. Até uma certa granularidade, podemosidentificar intenções, que dependem da observação que fazemos donosso comportamento. Portanto, diferentes pessoas terão diferentesexplicações. De um certo ponto em diante, as nossas capacidadesde percepção e o nosso conhecimento científico deixam de poderdetectar e explicar os fenómenos. E logo, perde-se a capacidade deatribuir intenções.

Passemos agora à segunda questão. A intenção i’, embora mais geral do quea intenção i, não é sua super-intenção. Se a nossa intenção fundamental énão gastar muito tempo no trânsito, nunca iríamos de carro para Benfica.No entanto, podemos dizer que as duas intenções são compatíveis, entramem conflito mas não em contradição. Mas não podemos considerar i’ apenasum desejo: ela influencia realmente o nosso raciocínio, nomeadamentequando procuramos um plano para cumprir i. Esta é uma intenção a terpresente quando lidamos com problemas que envolvam tráfego. Nãopodemos no entanto dizer que vamos fazer a sobreposição (“overloading,”ver [Pollack 91]) das intenções i e i’. Será certamente uma intenção a incluirno contexto da interacção para cumprir a intenção i.

Consideremos ainda um problema relacionado. Moya diz-nos que parahaver acções tem que haver intencionalidade, ou seja, são compromissoscomo as intenções que nos permitem pegar em pedaços do nossocomportamento, sequências de acontecimentos, e lhes chamar acções. Mas sepensarmos um pouco, verificamos que grande parte do nosso comportamentodecorre de uma forma que em princípio não podemos classificar deintencional. Vejamos alguns exemplos:

Intenção e Acção 87 Intenção e Acção

Exemplo 9.

(i) Num jogo de ténis, um dos jogadores envia a bola na nossadirecção. Para não sermos atingidos erguemos o braço e agarramosa bola.

(ii) Vamos de carro numa rua com bastante trânsito. Chegamos acerto local em que um carro estacionado bloqueia parcialmente apassagem. Instintivamente avaliamos a situação e sem pararultrapassamos o carro.

Nestes exemplos podemos ver acção claramente racional, mas não é fácildiscernir a intenção subjacente à acção. Estas acções parecem quaseinstintivas, reflexos. Mas não são. Por um lado, conseguimos, pensandonelas a posteriori (o que acontece muitas vezes quando somos interrogadossobre elas), identificar as intenções, mesmo se de nível mais alto, que lhesterão dado origem. No caso da bola, poderia ser a intenção de evitar a dorprovocada pelo impacto da bola. Por outro lado, não devemos confundir aexistência de intenção com a nossa consciência dela. Vejamos um extracto de[Moya 90]:

Eu estou consciente de que a minha proposta em relação à acçãointencional choca com visões largamente aceites, especialmenteapós os ataques de Ryle e alguns Wittgensteinianos contra actos eepisódios mentais. Essas visões podem ser representadas peloseguinte texto de Gustafson: ‘Muito do que nós fazemosintencionalmente, fazêmo-lo sem ter tido intenções futuras de ofazer. Logo, seria um erro afirmar que as acções intencionais sãofuturas intenções realizadas.’1 Agora, a minha definição pareceimplicar precisamente isso, nomeadamente que em cada uma dasacções intencionais de uma pessoa, ela está a seguir uma intençãofutura, uma intenção formada previamente. Parece ver os agenteshumanos como constantemente planeando o seu futuro, como seresque calculam. E isto é impossível. A minha resposta é a seguinte. (…)As intenções futuras não são necessariamente episódios mentaisconscientes, mesmo que por vezes o sejam. Se, enquanto chego àUniversidade, como faço todos os dias, alguém me pergunta se eutinha a intenção de vir para a Universidade nesse dia, euresponderei sim, e é verdade que eu tinha essa intenção, embora eu

1Ver [Gustafson 86].

Intenção e Acção 88 Intenção e Acção

possa não me lembrar de ter passado por um processo de formaçãodessa intenção. É igualmente verdade que tenho a intenção de virpara a Universidade amanhã e depois de amanhã, mas novamenteisso não significa necessariamente que eu tenha passado por umprocesso consciente de formação ou consideração dessa intenção,apesar de eu poder ter passado por um: essa intenção ésimplesmente parte das minhas obrigações normais comoprofessor. Mas é verdade que eu a tenho e que se eu sigo essaintenção e venho para a Universidade, esta é uma acção intencionalda minha parte. As intenções futuras adquirem tipicamente umaforma consciente no processo de deliberação. Por exemplo, eutenho que ir ao médico num dia da semana, logo isso é incompatívelcom a minha ida para a Universidade nesse dia. Eu posso formar aintenção de ir ao médico amanhã. Mas para fazer isso, eu desisto daminha intenção de ir para a Universidade amanhã, porque eu tinhaessa intenção antes, apesar de não ter decorrido nenhum processode deliberação, resultando nessa intenção. As intenções futurastomam forma consciente, tipicamente, quando nós quebramos ospadrões habituais de comportamento, mas também existemintenções futuras nesses padrões, pois nós cancelamos essespadrões ao formar intenções diferentes.

Podemos ainda pensar no problema em termos de tempo, mesmo não estandosujeita a deliberação consciente, em alguma altura as intenções se devemter formado. Mas como, se tudo se passa tão rapidamente? Parece-nos quepoderão existir diferentes graus de intencionalidade nas nossas acções. Oproblema está longe de estar resolvido. É mais difícil descobrir comodecorrem os processos de raciocínio não conscientes, pois perdemos umaferramenta preciosa: a introspecção.

Ao finalizar este capítulo deixamos ainda em aberto mais algumasquestões: O que influencia a percepção? E como? A percepção pode serencarada como uma acção, um acto de perceber? Como se constrói umcontexto por forma a incluir a informação relevante para a satisfação deuma intenção? E como lidar nesse caso com as sub-estruturas associadas asub-intenções? Como é que a formação de intenções é influenciada pelasmotivações? Qual é o papel que as emoções desempenham nesse processo:deve-se ou não considerar estas como fazendo parte e influenciando ocomportamento racional?

Intenção e Acção 89 Modelos de Comportamentos

6 Modelos de Comportamentos

Neste capítulo vamos observar o panorama dos sistemas de modelização esimulação de agentes, com o fim de nele situar a concepção de agente queadoptámos.

Esta técnica pode ser considerada como um primeiro passo no sentido dedesenvolver concretamente um sistema de agentes baseado nessa concepção.Com o desenvolvimento de um tal sistema, poderíamos confrontar as nossasconcepções teóricas com a realidade da construção de agentes, obtendo ummeio experimental privilegiado (porque construído e controlado por nós)para teste e refinamento.

Além disso, ao pôr em prática as opções teóricas adoptadas, teremosprovavelmente que encarar um conjunto de questões que não se nosdepararam do ponto de vista teórico. Isso é também uma vantagem nofortalecimento das concepções desenvolvidas. Mas, por outro lado, nãodevemos deixar de ter em consideração que é possível que a tecnologia dedesenvolvimento de agentes (no presente caso, programas em ambientes desimulação) não esteja ainda à altura das concepções que apresentámos. Eportanto devemos ser cuidadosos na observação dos resultados dasexperiências de desenvolvimento que fazemos.

Certamente que haveria outros passos a dar, mas não poderão ser aquiexplicitamente dados. Por exemplo, a adopção última de um modelo,baseado ou não em algum dos modelos já existentes, e sua adaptação àsnecessidades dos nossos agentes. O desenvolvimento de agentes nesse

Intenção e Acção 90 Modelos de Comportamentos

modelo, de acordo com as ferramentas nele postas à disposição. Ademonstração da plausibilidade da nossa concepção de agente, ou da suautilidade para resolver problemas reais, ou ainda a concepção deproblemas que possamos tentar resolver com esta concepção (por exemploproblemas de Ciências Sociais ou Humanas).

Quer explicita quer implicitamente, podemos encontrar modelos de agentesnuma série de referências importantes. Nomeadamente, [Pollack 91, 92],[Ferguson 92], [Sloman 87, 91a] e [Beaudoin and Sloman 93], [Werner 88, 91],[Wavish and Connah 90], [Cohen and Levesque 87, 90a], [Corrêa andCoelho 93] e [Corrêa 93], [Moniz 93] ou [Shoham 93].

Seleccionámos três instâncias para aqui apresentar. São elas os trabalhosde Philip Cohen e Hector Levesque, devido ao especial relevo e relativopioneirismo que assumem, os de Yoav Shoham, que nesta fase poderá ser omelhor candidato a fornecer um sistema onde basear as nossas experiências,e os de Peter Wavish e David Connah, devido a apresentarem umaperspectiva radicalmente diferente das usuais e que retrata métodos quehoje em dia assumem crescente importância.

O capítulo está assim dividido em três secções, nas quais apresentamosestes sistemas e algumas extensões, confrontamo-los com as nossas ideias etecemos considerações sobre uns e as outras, em que se poderiam adaptar ecomo, ou porque o não poderiam fazer. Procuramos assim fazer umaprimeira tentativa de confrontação dos trabalhos descritos neste texto.

6.1 Objectivos persistentes

A referência mais completa para o trabalho de Cohen e Levesque é [Cohenand Levesque 90a], e é nela que a apresentação que fazemos se baseiafundamentalmente. Para tal, seguimos o resumo [Cohen and Levesque 87],que foca os pontos que os próprios autores consideram mais relevantes.Neste último trabalho, Cohen e Levesque apresentam a sua equaçãoIntention = Choice + Commitment, que dá nome ao artigo.

Intenção e Acção 91 Modelos de Comportamentos

O propósito central de Cohen e Levesque é o de modelizar formalmenteintenção. Para tal definem uma lógica modal de primeira ordem. Esteformalismo serve de fundação a uma teoria de actos de discurso [Cohen andLevesque 90b] e aplica-se, de forma geral, a situações de interacçãoracional nas quais a comunicação pode ter lugar numa linguagem formal.

Formalização de intenção

A intenção é modelizada como um conceito composto, especificando o que oagente escolheu e como o agente está comprometido com essa escolha. Osagentes escolhem de entre os seus desejos (possivelmente inconsistentes)aqueles que mais preferem. Chamem-se a estes desejos escolhidos, poralto1 , objectivos.

A seguir, considere-se que um agente tem um objectivo persistente quandotem um objectivo que ele acredita ser correntemente falso e que permaneceescolhido, pelo menos enquanto certas condições se verificarem. Apersistência envolve o compromisso interno do agente para com as suasescolhas, através do tempo. Este compromisso não é um compromisso social,embora Cohen e Levesque reservem a sua opinião sobre se este tipo decompromisso pode ser definido a partir do compromisso individual,interno.

No caso mais simples, um agente fanático apenas desiste do seucompromisso quando acredita que o objectivo foi atingido ou que éimpossível de atingir. Finalmente, uma intenção é modelizada como umtipo de objectivo persistente: um objectivo persistente para fazer umaacção, acreditando que se está prestes a fazê-lo.

Tanto as crenças como os objectivos são modelizados em termos de mundospossíveis. Assim, o formalismo não lida com os desejos escolhidos de umagente directamente, mas apenas com os que são verdadeiros em todos osmundos escolhidos, ou seja, os mundos que são compatíveis com esses desejos.Como é usual, este tipo de modelo não distingue entre objectivos (ou crenças)logicamente equivalentes. Mais ainda, estes mundos escolhidos são

1Nas referências que consultámos, Cohen e Levesque usam aqui sempre amesma expressão: “loosely.”

Intenção e Acção 92 Modelos de Comportamentos

assumidos como compatíveis com as crenças do agente. Ou seja, se o agenteescolheu mundos em que p é verdadeiro, e se ele acredita que p implica q,então ele escolheu mundos em que q é verdadeiro.

Apesar destas condições de fecho, o modelo captura uma propriedadecrucial das intenções: um agente pode ou não acreditar nas consequênciasesperadas das suas intenções. Esta é apenas uma das propriedades que sãonormalmente exigidas, para as intenções, na bibliografia, nomeadamente[Bratman 84, 87, 90]. Em particular, ao explicitar as condições nas quais umagente abandona os seus objectivos, ou seja, especificando como o agente estácomprometido para com os seus objectivos, o formalismo satisfaz as funçõesdas intenções descritas atrás, em 4.1. Aliás, como vimos, este trabalho deuorigem a grande parte das exigências que estipulámos em 4.1 para asintenções.

Discussão

Pensamos que não cabe aqui a definição exaustiva do formalismo de Cohene Levesque, que pode ser consultada nas referências. Mas certamentedevemos discutir aqui algumas das suas características mais relevantes eanalisá-las em confronto com outras abordagens.

Comecemos por alguns comentários e extensões ao formalismo. James Allen,em [Allen 90], clarifica a interpretação que se deve dar ao operador modalGoal. Essencialmente, a fórmula Goal(x, p), não afirma que o agente x tem pcomo objectivo, no sentido intuitivo da palavra. Antes, ela afirma que pserá verdadeiro em qualquer mundo onde os objectivos do agente sejamatingidos. De certa forma, a expressão ‘consequência dos objectivos’ poderiaser um melhor nome para o operador.

Podemos assim entender melhor a característica de fecho lógico dooperador para os objectivos, uma noção à partida pouco intuitiva. Dado umconjunto de mundos que são possíveis de acordo com as crenças do agente, umsubconjunto desses são mundos em que os objectivos do agente são atingidos.Logo, Bel(x, p) implica Goal(x, p).

Vejamos já aqui algumas considerações sobre a utilização deste operador. Àluz das exigências enumeradas em [Shoham 93] para a adopção de

Intenção e Acção 93 Modelos de Comportamentos

categorias mentais, devia obrigar-se ao seu uso em correspondência com ouso que o senso comum faz delas. Além disso, devia-se demonstrar que opapel dos termos mentais adoptados é não trivial na análise ou projecto dosistema. A objecção que destacamos é, no entanto, aquela que levou Allen ater que clarificar a interpretação a dar a Goal . Não é intuitivo esteoperador, nem em termos de senso comum, nem nos termos técnicos usuais.Não tem correspondência para uma categoria mental usual. Portantoperdem-se alguns benefícios de interpretação do comportamento do sistemapor parte das pessoas com que ele irá contactar, visto que essas pessoasutilizam interpretações intencionais para explicar e prever ocomportamento dos sistemas com quem interactuam [Dennett 87].

Mas não é apenas esta a razão da nossa crítica. O operador poderia teroutro nome, ou poderíamos definir uma nova categoria mental associada aeste operador. O que nos parece é que não existe nenhum suportefundamental à adopção de (deste) objectivo, ou mesmo de objectivospersistentes, para estabelecer a ligação entre intenção e acção. E se osuporte filosófico do trabalho de Cohen e Levesque é a teoria de intençõesde Michael Bratman, seria de esperar encontrar o conceito de potencialmotivacional estabelecendo essa ligação. Não só não encontramos, comotambém não encontramos nenhum dos conceitos defendidos pelos váriosfilósofos que tratam este problema: intenção, volição, etc. Porquê então esteconceito de objectivo? Cohen e Levesque não respondem a esta questão.

James Allen observa ainda com alguma atenção o problema de diferenciaras intenções das consequências esperadas dos actos tencionados [Bratman90]. Cohen e Levesque afirmam que dado o objectivo persistente P-Goal(x, p)só se poderá derivar P-Goal(x, q) no caso em que p e q são logicamenteequivalentes. Allen contesta que o formalismo possa suportar todos os casoscorrectamente. Porque, em alguns casos (nomeadamente quando é necessárioque o agente acredite que p sempre implicará q e quando é logicamenteverdadeiro que p implica q), a conclusão P-Goal(x, q) não é possível pelo queparecem ser as razões erradas. Ou seja, porque o agente pode acreditar que oefeito secundário (q) já se verifica, violando a primeira parte da definiçãode objectivo persistente. E Allen apresenta um contra-exemplo quedemonstra que a definição de intenção baseada neste operador não respeitaas conclusões de Bratman a este respeito.

Finalmente, Allen termina os seus comentários afirmando que a maiorlacuna do trabalho de Cohen e Levesque tem a ver com aspectos temporais.

Intenção e Acção 94 Modelos de Comportamentos

Robert Goldman e Raymond Lang, em [Goldman and Lang 93], tentamresolver alguns destes problemas, através da utilização de uma teoria detempo mais rica, baseada precisamente na lógica temporal de Allen. Emparticular, conseguem lidar com acções intencionais com prazos limite.

Além disso, Goldman e Lang introduzem uma caracterização de sucesso efalha das acções intencionais e defendem o uso de uma teoria sintáctica decrenças de forma a acomodar uma teoria de acção mais descritiva. Paraeles, um agente ter um objectivo é ter na mente uma proposição acerca domundo que gostaria que fosse verdadeira. É uma noção de objectivo maisintuitiva do que a original de Cohen e Levesque, e cuja adopção se baseia naseguinte suposição: Uma teoria de acções intencionais é necessariamenteuma teoria de acções orientadas para objectivos. Ora, pelo que vimos noscapítulos 4 e principalmente 5, esta afirmação não é necessariamentecorrecta.

De forma análoga a Cohen e Levesque, Goldman e Lang definem intenção apartir de objectivo persistente. Para além da definição de objectivopersistente de Cohen e Levesque, Goldman e Lang obrigam o agente aacreditar que eventualmente se irá comprometer a executar alguma acçãoque provoque a verificação desse objectivo. E assim a definição de intenção(de executar uma acção) vem: uma acção é tencionada se o agente acreditaque a acção é exequível e aplicável a um objectivo persistente e estácomprometido para com essa forma de tornar verdadeiro o objectivo.

Um agente desiste de uma intenção quando deixa de acreditar que a acçãocumprirá o seu objectivo, quando o agente passa a acreditar que a acção nãopode ser executada, quando o objectivo é cumprido ou quando a acção éexecutada. Encontramos aqui uma maior flexibilidade e sensibilizaçãopara a ligação intenção-acção do que no trabalho de Cohen e Levesque.Nomeadamente, sai fortalecida a relação entre intenção e estado do mundodesejado, como vimos na secção 4.2, embora tenhamos ainda de formaexplícita uma acção específica como forma de atingir esse estado. Na nossaperspectiva, não seria preciso tanto, pelo menos na fora mais geral deintenção, embora seja sem dúvida um passo necessário na concretização dosestados desejados. É preciso agir, não se pode hesitar (ou calcular) parasempre!

Como é visível na definição de objectivo persistente, é exigido na definiçãode acção intencional que exista um evento no qual os agentes se

Intenção e Acção 95 Modelos de Comportamentos

comprometem para com as acções tencionadas. Que evento é este, noentanto? Trata-se de uma intenção, como afirma a Visão Simples? Ou deuma volição, um acto de vontade? Goldman e Lang ficam-se na sua respostapelo estabelecimento de um compromisso, o acto de se comprometer. E semmaiores esclarecimentos sobre o ponto de vista filosófico por eles adoptado,não nos podemos aqui decidir sobre o que realmente eles querem dizer comisso e quais as razões e consequências dessa escolha.

Muitos outros trabalhos se basearam, comentaram ou estenderam otrabalho de Cohen e Levesque. Devemos aqui mencionar Julia Galliers[Galliers 88]. Para os efeitos específicos desta secção, devemos destacar asseguintes propriedades dos agentes:

(i) Os agentes têm preferências, definidas como um tipo de relações entrecrenças e objectivos. Uma preferência é uma crença de que face a duassituações contraditórias sobre o futuro, o agente irá gerar um objectivo parauma delas.

(ii) Os agentes autónomos têm controlo sobre a sua aquisição de estadosmentais, ou seja a adopção de crenças e objectivos. Os agentes decidemadoptar objectivos de outros agentes baseados nas suas preferências, e nãona sua benevolência. Em relação à adopção de crenças, há uma condiçãoadicional. Quando uma crença é comunicada ao agente, este procuraevidências, no mundo, de que essa crença é verdadeira.

(iii) Os agentes têm interesses, ou seja, objectivos que o agente não sóacredita que são realizáveis, mas acredita que serão, mais tarde ou maiscedo, realizados.

Também merece destaque o trabalho de Munindar Singh [Singh 91a]. Singhataca directamente conceitos que de certa forma podem ser consideradosmais fundamentais do que os tratados usualmente: o conceito decompromisso e pré-compromisso. Segundo ele, estes conceitos sãocomponentes importantes de qualquer teoria descritiva de racionalidadeem agentes limitados, como os humanos. Isto motiva o uso destes conceitosem teorias prescritivas para agentes artificialmente inteligentes, cujaslimitações de recursos não podem ser ignoradas. Singh propõe que oscompromissos sejam analisados como os recursos que o agente deve alocar àsdiferentes tarefas.

Intenção e Acção 96 Modelos de Comportamentos

Um trabalho que está também relacionado com o de Cohen e Levesque é o deYoav Shoham [Shoham 93]. No entanto, dada a sua especial relevância,apresentamo-lo numa secção separada.

6.2AOP: decisões e obrigações

No seu artigo [Shoham 93], Yoav Shoham apresenta uma especializaçãodo paradigma da programação orientada por objectos, a que chamouprogramação orientada por agentes (AOP: “agent-oriented programming”).Este novo paradigma promove uma visão social da computação. Jáapresentámos no capítulo 3 alguns aspectos sobre os conceitos de agente eacção segundo Shoham.

Os agentes

O estado de um agente consiste de componentes como crenças, decisões,capacidades e obrigações, por isso é chamado o estado mental do agente.Este estado é descrito formalmente através de uma extensão às lógicasepistémicas normais: além de temporizar os operadores de conhecimentocrença, a AOP introduz operadores para obrigação, decisão e capacidade.

Um agente é uma entidade cujo estado é visto como consistindo decomponentes mentais como crenças, capacidades, escolhas e compromissos.Neste sentido, a agência está na mente do programador. Quanto às acções,elas não são distinguidas de factos. A ocorrência de uma acção érepresentada pelo facto correspondente ser verdadeiro.

Para manter o conceito de agência atrás da acção, Shoham introduz a noçãode decisão, juntando-se assim aos que defendem o postulado de acçõesbásicas, nomeadamente na sua vertente de teorias volicionais, para aconcepção de acções.

Intenção e Acção 97 Modelos de Comportamentos

Uma computação em AOP consiste em uma série de agentes informarem,requererem, oferecerem, aceitarem, rejeitarem, competirem e assistirem unsaos outros. Um sistema de AOP completo inclui três componentes primárias.

(i) Uma linguagem formal restrita, com sintaxe clara e semântica paradescrever o estado mental. Este é definido unicamente através de váriasmodalidades, como crença e compromisso.

(ii) Uma linguagem de programação interpretada, na qual definir eprogramar agentes, com comandos primitivos como Request e Inform. Asemântica da linguagem de programação deve ser fiel à semântica doestado mental.

(iii) Um “agentificador,” que converta dispositivos neutros em agentesprogramáveis.

Vamo-nos debruçar sobre as opções de Shoham quanto ao estado mental. Aocontrário do que é mais usual na investigação em Inteligência Artificial,Shoham não usa as três modalidades que estão na base das arquitecturasBDI para agentes: crenças (“Beliefs”), desejos (“Desires”) e intenções(“Intentions”). A sua proposta baseia-se em modalidades que são, segundoele, mais modestas e mais básicas.

As acções de um agente são determinadas pelas suas decisões, ou escolhas.Podemos de certa forma ver aqui as volições, ou actos de vontade, que jádiscutimos. As decisões são restringidas logicamente, embora nãodeterminadas, pelas crenças do agente. Estas crenças referem-se ao estadodo mundo (passado, presente ou futuro), ao estado mental de outros agentese às capacidades de outros agentes e do próprio. As decisões são tambémrestringidas por outras decisões.

Assim, Shoham introduz duas categorias mentais básicas, crença e decisão,e uma terceira categoria, capacidade, que classifica de não puramentemental. No entanto, em vez de escolher decisão como categoria básica, elecomeça com a noção de obrigação ou compromisso e trata a decisãosimplesmente como uma obrigação para com o próprio.

Intenção e Acção 98 Modelos de Comportamentos

Propriedades

Nesta secção vamos examinar as propriedades que restringem as váriasmodalidades definidas no sistema de Shoham. Ele faz a advertênciaprévia de que considera que não existe nenhuma colecção de propriedades(ou de categorias mentais) objectivamente correctas. Devemos ter em contaque o que Shoham pretende é desenvolver um sistema com uma linguagemde programação. E portanto não está preocupado em dizer qual é o projectocorrecto para um agente. Limita-se a fornecer primitivas que osprogramadores nessa linguagem possam usar. Segundo ele, diferentesaplicações em AOP exigirão diferentes propriedades sobre crença,compromisso e capacidade. As propriedades que aqui apresentamos sãobastante fracas (para assegurar que o interpretador é utilizável numagama vasta de aplicações), mas suficientes para justificar a terminologiaempregue, e necessárias para o projecto do interpretador da linguagem.

(i) Consistência interna. O conjunto de crenças e o de obrigações sãointernamente consistentes.

(ii) Boa fé. É assumido que os agentes apenas se comprometem para com oque acreditam que têm capacidade de concretizar. Note-se que Shoham usaum operador modal primitivo (Can) para representar capacidades. Estaopção é também a escolhida por Eric Werner [Werner 91], e contrária àopção de Cohen e Levesque, cujo operador Competent é definido a partir dosoperadores primitivos para crença e conhecimento [Cohen and Levesque90a].

Além disso, quando os agentes se comprometem para com qualquer coisa,eles acreditam que a vão obter. Ora, como vimos no capítulo 4, nem sempreisto será uma exigência razoável.

(iii) Introspecção. Embora em geral não seja assumido que os agentes têmcapacidades introspectivas totais, é assumido que eles conhecem as suasobrigações. Por outro lado, não se assume que eles conhecem os compromissosde outros agentes para com eles.

(iv) Persistência do estado mental. Podem ser consultadas em [Shoham 93]as linhas gerais que fornecem as restrições relacionadas com a manutençãoou alteração dos estados mentais com o decorrer do tempo. Esta matéria tem

Intenção e Acção 99 Modelos de Comportamentos

interesse suficiente para justificar uma análise mais cuidada do que a quepoderíamos fazer aqui. Por essa razão não a iremos focar.

(v) A natureza contextual das proposições modais. Shoham defende que osenso comum sugere que as modalidades utilizadas deviam ser sensíveis aocontexto. Segundo um documento não publicado ([McCarthy 91], a que nãopudemos ter acesso), John McCarthy defende que todas as proposições, e nãoapenas as modais, devem ser consideradas em contexto.

Esta é uma questão muito interessante e a que nos referimos já nestedocumento. Infelizmente, mais uma vez temos a sensação de que chegámos aum local que valeria a pena explorar, mas não podemos fazê-lo aqui. Noentanto, há actualmente muito trabalho a decorrer (por exemplo, Shohamcita [Shoham 91]) sobre a formalização de contextos e sua utilização eesperamos em breve poder ter mais ideias e resultados que nos permitamavançar sobre esse problema que neste momento nos parece difícil deatacar.

Discussão

Em primeiro lugar, reparemos que, e ao contrário de Singh, que também usaa noção de compromisso, a noção de compromisso para Shoham identifica-se com a noção de obrigação. E esta noção é uma noção social. Isso é bemvisível na forma como Shoham formaliza as obrigações: um agente temuma obrigação para com outro agente. As obrigações individuais sãotratadas como obrigações de um agente para consigo próprio. Ora paraSingh (seguindo Bratman e Harman), compromisso é uma noção individual,mental.

Ao usar obrigações, Shoham junta-se a autores como Ingmar Pörn [Pörn 77],para quem esta noção é também básica. Embora o não assumaexplicitamente, e mais uma vez de acordo com pensadores como Moya[Moya 90], esta noção de compromisso tem um carácter normativo. Deixarde cumprir um compromisso ou obrigação é algo errado.

Precisamos de saber se Shoham consegue modelizar uma obrigação emrelação a um grupo, por exemplo toda a sociedade. Podemos pensar de queforma é que essas obrigações se revestem. Normalmente, diríamos que as

Intenção e Acção 100 Modelos de Comportamentos

regras sociais, que induzem essas obrigações, são interiorizadas ao longo deum período de aprendizagem, transformando as obrigações à partidasociais em obrigações internas, individuais.

A noção de compromisso não pôde neste texto receber a devida atenção. Noentanto, é nossa convicção que é uma noção importante e básica em relação ànoção de intenção. Esta convicção baseia-se no facto de claramente ocompromisso ser uma faceta da intenção. No entanto, não podemosidentificar os dois conceitos, pois, como Moya bem repara, nem todos oscompromissos são intenções. Por exemplo, votos ou promessas dão tambémorigem a compromissos. Por outro lado, pode-se também considerar que é anoção de intenção que é básica em relação à de compromisso. Este é umassunto que necessita de mais estudo.

Assim, é nossa conjectura que a opção de Shoham não é errada à partida.Postular compromissos para daí formar intenções pode ser um bom caminhoa seguir. Aliás, já Singh tenta um pouco fazer isso, derivando o conceito deintenção a partir do de compromisso.

Mas, por outro lado, Shoham não nos explica porque dá o passo de deixarde considerar decisões e passar a considerar obrigações. Segundo ele,decisões ou escolhas são categorias mentais básicas. No entanto, naconstrução da sua linguagem, ele considera o conceito de compromisso econstrói decisões de compromissos. Supomos, portanto que o compromissoserá uma noção ainda mais fundamental do que decisão. Mas porquê? Doponto de vista filosófico isso não nos parece necessário. Do ponto de vistada construção do sistema mental, Shoham não nos explica porque o faz, nemquais os benefícios.

Resumindo, apesar de algumas escolhas não justificadas, pelo menos nãojustificadas por mais do que razões de engenharia de sistemas, parece-nosque o sistema de Shoham seria o melhor candidato a suportar as ideias queexpusemos neste texto. Isto apesar de algumas opções tomadas seremfrontalmente adversas à implementação do nosso agente. Por exemplo, otratamento dado às acções não é o mais adequado, como vimos no capítulo 3.Apesar disso, supomos que serviria, pelo menos numa primeira fase. Atéporque seria possível (mas não intuitivo) adaptar o conceito de acção deShoham para querer dizer algo muito similar ao que pretendemos na secção4.2, quando associámos intenções a estados desejados em vez de acções.

Intenção e Acção 101 Modelos de Comportamentos

Para utilizar o sistema de Shoham podíamos adoptar uma de duasposições. Ou adoptamos a Tese (Volicional) de Identificação, que não nosdeixa muito longe da Visão Simples, através da identificação entreintenções orientadas para o presente com volições. Outra hipótese éestabelecer uma relação entre intenções e compromissos e formalizar assimdirectamente o nosso agente no esquema fornecido por Shoham. Nãoestamos preparados para neste momento fazer esta escolha.

6.3ABLE

Peter Wavish e David Connah [Wavish and Connah 90] identificam doisproblemas relacionados com o trabalho em sistemas multi-agentes. Emprimeiro lugar, qual a arquitectura que os agentes devem ter de forma ainteragir fluentemente uns com os outros e com o ambiente. Em segundolugar, qual a metodologia que deve ser usada para desenvolver sistemas deagentes inteligentes.

Nos Laboratórios Philips em Redhill, o trabalho sobre a arquitectura deagentes tem sido focado em agentes de acção situada, cujo comportamento éconduzido pelas suas circunstâncias imediatas, em vez de planos ouprogramas internos. Quanto à metodologia, ela consiste em embeber osagentes num ambiente simulado, de forma a que as interacções possam serestudadas.

O trabalho de Wavish e Connah está de certa forma relacionado com o deShoham, na medida em que ambos apresentam uma linguagem que forneceum suporte para desenvolver programas mais ou menos gerais, mas quebeneficiem de uma interpretação intencional por parte do programador.

Nesta secção vamos portanto examinar a linguagem de especificação deagentes ABLE (“Agent Behaviour Language”). Observamos as opçõestomadas na definição de agentes e ambientes e confrontamo-las com as deShoham. A linguagem ABLE apresenta características radicalmentediferentes do que é habitual em sistemas clássicos, e que valem a penaapresentar e discutir.

Intenção e Acção 102 Modelos de Comportamentos

Representação explícita de comportamentos

A linguagem ABLE é baseada na ideia de representar o comportamentoexplicitamente. Este tipo de descrição tem a vantagem da uniformidadesobre representações em termos de, por exemplo, conhecimento: tantoobjectos inanimados como agentes inteligentes podem ser descritos atravésdo mesmo formalismo.

Segundo Wavish e Connah, evitam-se assim muitos dos problemas teóricosassociados com a representação de conhecimento, por exemplo, os quederivam da omnisciência lógica. Reparemos que a solução sugerida porShoham para este problema, com a qual temos tendência a concordar, é autilização de contextos para classificar os conceitos presentes na mente dosagentes. Mas o problema da omnisciência lógica volta a colocar-se, dentrode cada contexto.

A questão fundamental com que Wavish e Connah lidam é a de construirsistemas de agentes que podem interagir produtivamente. Estes sistemassão inspirados em sistemas multi-agentes naturais, por exemplo, tecidoscelulares, colónias de insectos sociais ou a sociedade humana. É essencialque essa interacção se dê dentro e através do mundo. O mundo é um recursoque os agentes usam para comunicação. Esta preocupação de colocar osagentes no mundo, fazendo com que a actividade de um agente dependafortemente do mundo e da actividade dos outros, contrasta com o trabalhoem áreas tradicionais da Inteligência Artificial, onde os agentes sãoseparados do seu ambiente físico e da actividade dos outros agentes.

Uma outra preocupação, que Wavish e Connah consideram uma expressãode optimismo, é o princípio da parcimónia:

Definição 1. Princípio da parcimónia.

Será possível encontrar uma arquitectura simples para um agenteartificial que fará com que ele seja capaz de muitas actividadesdiferentes, como navegar no mundo e manter um diálogo comoutros agentes.

Assim, os agentes não devem ser compostos de módulos, como planeadores emódulos de linguagem, mas antes a funcionalidade associada aoplaneamento e à comunicação deve partilhar os recursos e a estrutura

Intenção e Acção 103 Modelos de Comportamentos

dentro do agente. Este requisito não pode ser satisfeito se essasfuncionalidades forem descritas de formas diferentes.

Todo o comportamento do agente, desde o seu comportamento físico até aocomportamento cognitivo deve ser representado de maneira uniforme, paraum todo coerente ser atingível. Mais ainda, a colocação do agente no seuambiente deve ser descrita da mesma forma. A linguagem ABLE fornece ummeio de conseguir isto, modelizando a forma como as interacções sãoapercebidas, no mundo real e físico.

A linguagem ABLE está centrada numa base de dados que contém estruturassimbólicas. Estas representam, para o projectista, o mundo a modelizar.Cada estrutura simbólica corresponde a uma instância de comportamento.

Um sistema ABLE mantém uma relação por analogia com o sistema querepresenta. Ou seja, é um modelo, grosseiramente simplificado, com umarelação imprecisa e incompleta do sistema que representa. Os únicos pontode semelhança são aqueles que o projectista considera serem relevantes. Umsistema ABLE apenas se assemelha ao mundo em alguns aspectos, nãoafirma verdades sobre ele.

Uma questão interessante tem a ver com o problema de atribuir significadoem ABLE, de modo a que diferentes projectistas possam ter umacompreensão comum sobre um dado conjunto de estruturas simbólicas emABLE. Wavish e Connah pretendem obter uma forma de estabelecermapeamentos das estruturas simbólicas no mundo físico, de modo a queessas estruturas possam ser entendidas em termos do que realmenterepresentam, em vez de o serem em termos de um modelo abstracto do queelas representam.

A forma proposta para conseguir isto é através dos processos normais pelosquais as pessoas desenvolvem uma compreensão comum do mundo. Essesprocessos incluem um fundo comum de conhecimento e processos sociais com ofim de comunicar significado e corrigir mal-entendidos. A relação entre omodelo e o mundo é entendida pelo projectista (humano) do sistema ABLEparticular. Dois ou mais projectistas podem chegar a um entendimentocomum de um conjunto de estruturas simbólicas em ABLE através deprocessos sociais como a documentação, treino e discussão. Isto não dependede uma redução ao que é auto-evidente (como os sistemas tradicionais), masde processos comunicativos normais.

Intenção e Acção 104 Modelos de Comportamentos

Um dos corolários destra aproximação ao significado, é que as estruturassimbólicas do sistema ABLE devem ser interpretadas do ponto de vista doprojectista e não do ponto de vista do agente simulado que as possui. Outrocorolário é que a linguagem ABLE é mais adequada para modelizarsistemas que não são fáceis de formalizar, como o comportamento físicousual do mundo ou o comportamento dos agentes humanos.

O comportamento que é representado em ABLE não tem uma definiçãoprecisa. Este é um problema que Wavish e Connah evitam, assumindo que anoção de comportamento utilizada é a noção usual transmitida pelapalavra comportamento, o comportamento observável das pessoas, objectose do mundo em geral. Ou seja, por esta vez é utilizado o recurso a umadefinição auto-evidente.

Mesmo os objectos estáticos do mundo são representados através do seucomportamento. Este comportamento aparece em função de mudanças nomundo. Mas mesmo num estado de repouso, os objectos exibemcomportamento, como reflectir luz ou exercer força sobre o solo. Em ABLE, oscomportamentos são representados explicitamente, permitindo prediçõessobre as interacções dos objectos e simulações de processos no mundo físico.

Wavish e Connah reconhecem a existência de comportamentos comdiferentes granularidades, tanto em termos temporais como espaciais.Assim, a representação do comportamento em ABLE não deve ser confinadaao ponto de vista de apenas um observador, mas deve incluir estesdiferentes graus de granularidade. Como não é sempre possível predizer ocomportamento emergente num nível, a partir da descrição detalhada dasinteracções nos níveis inferiores, é mais simples e eficiente representar oscomportamentos explicitamente nos diferentes níveis.

Como resultado destas opções, a aproximação do ABLE à representação deintencionalidade, segue de forma bastante fiel a perspectiva de Dennett.Ou seja, a intencionalidade é algo que é atribuído a um agente, e não algoque lhe é necessariamente inerente. Crenças e objectivos são conceitos que oobservador usa para explicar o comportamento que percepciona nos agentes,independentemente da forma como esse comportamento é realmenteproduzido.

Assim, as crenças e objectivos são representados explicitamente em ABLE,como qualquer outro comportamento. Os comportamentos intencionais não

Intenção e Acção 105 Modelos de Comportamentos

são construídos em ABLE, logo a existência de um objectivo não provoca porsi própria qualquer outro comportamento do agente. A relação entre umobjectivo e o comportamento subsequente deve ser ela própria definidaexplicitamente.

Para demonstrar a representação de mundos multi-agentes em ABLE,Wavish e Connah segmentam o comportamento desses mundos em três áreasdistintas:

(i) Objectos: os objectos físicos no mundo e o seu comportamento.

(ii) Agentes: os agentes são objectos físicos, mas normalmente sãoconsiderados mais complexos do que os objectos físicos comuns e podem sermodelizados em termos intencionais.

(iii) Leis físicas: estas modelizam comportamentos do mundo que ouagrupam os comportamentos internos de objectos e agentes (por exemplo,percepção, acção ou comunicação) ou então modelizam fenómenos físicos quenão são atribuídos a objectos físicos localizados (por exemplo, a força dagravidade, ou o vento).

Como se esperava pela exposição acima, a linguagem ABLE não fornecequaisquer facilidades especiais para representar agentes como tal. Osagentes são representados como quaisquer outros objectos. A distinção entreuns e outros está nos olhos do observador: os agentes têm tendência aapresentar comportamento mais activo e complexo, incluindo várias formasde comportamento social. Além disto, é muitas vezes apropriadomodelizar os agentes em termos intencionais.

Existem três formas para conseguir obter este tipo de modelização. Aprimeira, é a aproximação clássica da Inteligência Artificial. Ou seja,desenvolver uma lógica de crenças, objectivos e acções. Em segundo lugar, épossível definir explicitamente como os diferentes objectivos, crenças eacções são relacionados causalmente de uma forma que depende do seuconteúdo.

Finalmente, para evitar a utilização de representações explícitas, pode-seimplementar a actividade de percepção e acção dentro do agente, a umnível mais baixo de granularidade. O agente é visto como um sistema físicoembebido no mundo. A sua actividade interna corresponde à situação em

Intenção e Acção 106 Modelos de Comportamentos

que se encontra, mas de forma complementar a ela. Agentes deste tipo,estruturados de forma adequada, são capazes de exibir comportamentointencional, sem nenhuma representação interna explícita dos seusobjectivos ou crenças. Wavish e Connah afirmam-se convencidos de que estaaproximação conduzirá ultimamente a agentes que conseguem aperceber-sedos seus próprios objectivos e crenças e podem imaginar os mundos aos quaisesses objectivos e crenças dizem respeito.

Discussão

O primeiro comentário incide sobre o princípio da parcimónia. Não nos éevidente que este princípio seja verdadeiro. Pelo contrário, a nossa opiniãoé a de que não será verdadeiro. Esta é uma matéria que ultrapassa o âmbitodeste documento. Tem a ver com questões fundamentais e primordiais sobrecomo cada um encara a vida e a ciência. A nossa convicção é que as coisassimples são raras. Um homem, por exemplo, seja qual for a perspectiva soba qual é observado, é uma entidade extremamente complexa. Mas mesmoadmitindo que há uma explicação simples que hoje em dia nos édesconhecida, o princípio da parcimónia parece-nos estabelecer um idealdemasiado restritivo quando percorremos caminhos que nos são ainda tãodesconhecidos.

Sobre a aproximação ao significado em ABLE, várias questões se levantam.Em primeiro lugar, não é claro o que é uma coisa ser auto-evidente, porcontraste com resultar de processos comunicativos normais. A evidência dascoisas muitas vezes engana, mas é sempre fruto de processos comunicativosnormais. Mais uma vez não nos queremos alongar sobre isto. Mas umexemplo pode ajudar a esclarecer o que queremos dizer. O céu ser azul não éuma coisa auto-evidente. É um contrato estabelecido entre os váriosmembros de uma sociedade através de processos de comunicação.

Na linha desta crítica vem a seguinte objecção. Não é especialmentemarcante a diferença entre o significado em ABLE ou em qualquer outrosistema. É importante o reconhecimento do papel do observador naatribuição de significado. Nos sistemas clássicos esse papel é apenasimplícito, podendo talvez haver a ilusão do seu desaparecimento atravésda utilização comum de modelos do mundo real. Mas estes modelos são

Intenção e Acção 107 Modelos de Comportamentos

ainda apenas modelos do mundo real na medida em que existe umobservador para lhes atribuir significado.

A questão da representação dos comportamentos também levanta algunsproblemas. Em ABLE, os comportamentos são representados de formaexplícita. Se o programador quiser considerar vários níveis degranularidade, tem liberdade para fazê-lo, sempre descrevendoexplicitamente cada nível considerado. Ora, vimos no capítulo 3 adificuldade que existe quando se pretende sequer definir o conceito deacção. Como é que um projectista de um sistema é suposto definir os váriosníveis com que pretende trabalhar? E uma vez definidos, como deve eledescrever os comportamentos em cada um desses níveis? E como deve entãoestabelecer as relações entre os comportamentos dos vários níveis? Oproblema é que é difícil à partida ter certezas sobre como as coisas sepassam no mundo real, mesmo se apenas consideramos o aspecto físico,quanto mais o social. Este problema é ainda agravado quando se pretendefazer uma representação através de estruturas simbólicas dessescomportamentos, uma vez que estas representações não vão apresentar aflexibilidade que as interacções sociais apresentam. Ou seja, quando umapessoa tenta transmitir qualquer coisa a outra, o esforço de comunicação émútuo. Segundo Wavish e Connah, “o comportamento do mundo físico é elepróprio efectivamente ad hoc, e a linguagem ABLE apenas fornece um meiode representar e simular este comportamento ad hoc” [Wavish and Connah90]. Esta saída parece-nos a mais fácil, evitando a complexidade da tarefade tentar entender e modelizar o mundo real. É preciso arriscar. Encarar asquestões de frente e tentar dar-lhes respostas. Certas ou erradas, o tempo odirá.

Um comentário importante tem a ver com a definição de comportamentosintencionais. A aproximação seguida de não incluir nenhuma primitiva quevise fazer o tratamento desse tipo de comportamentos, só por si justifica otrabalho descrito neste documento. Ou seja, remeter o problema dedescrever os comportamentos — e descrevê-los explicitamente — para oprojectista do sistema, obriga a que esses comportamentos devam serestudados e descritos numa linguagem passível de ser convertida para alinguagem ABLE.

O nosso último comentário diz respeito à definição de agentes intencionaisatravés do paradigma da acção situada. Estes agentes poderão exibircomportamento intencional sem no entanto ter alguma representação

Intenção e Acção 108 Modelos de Comportamentos

interna de objectivos ou crenças. Mas já é difícil conseguir modelizaragentes com comportamento intencional mesmo quando se procurarepresentar realmente os conceitos mentais intencionais. Não será umtrabalho ainda mais complexo pretender obter esse comportamento atravésde outro tipo de representações? E que representações serão estas? Se nãosão intencionais vão ter que conter uma infinidade de casos queespecifiquem as relações causais de baixo nível que constituem ocomportamento. Mas não existe uma metodologia para ajudar à construçãodesta teia de relações causais.

Resumindo, se queremos definir essas relações causais de baixo nível, isso éperfeitamente admissível. Mas o que não concordamos é que se espere comesta técnica vir a obter comportamentos intencionais. Para este fim,defendemos que a modelização em termos intencionais será sempre maisútil. Agora, é possível construir os sistemas como queremos, e ver emergirfenómenos inesperados, talvez mesmo comportamentos intencionais. Masorientar o projecto de baixo nível de um sistema para esse objectivo parece-nos contraproducente.

Para concluir, algumas palavras sobre a expectativa de Wavish e Connahde vir, com esta estratégia, a obter agentes que se apercebam dos seuspróprios objectivos e crenças. O conceito de objectivo, ou de crença, ouqualquer outro conceito mental intencional, é, no presente estádio dedesenvolvimento do sistema ABLE, percepcionado pelo projectista dosistema. Esses conceitos não existem intrinsecamente dentro dos agentes.Ora, como é que alguma vez os agentes podem vir a ter esse conceito por si,sem ser na mente do seu observador? Onde está a capacidade para vir aobter esses conceitos? Uma possível resposta é dizer que esses conceitospodem vir a emergir dentro dos agentes, através da sua contínuapermanência num mundo em evolução. Mas não nos parece correcta estaresposta. O que é possível é que os comportamentos ocorram, de formaemergente, e sejam detectados pelo observador do sistema. Mas aespecificação do ABLE não nos permite pensar que o salto de criar um novoconceito ocorra.

Intenção e Acção 109 Conclusões

7 Conclusões

Com este capítulo concluímos esta dissertação. Vamos na primeira secçãoresumir brevemente a dissertação, para na segunda apresentar as nossasideias para trabalho futuro. Finalmente, na terceira secção, apresentamosas conclusões principais deste trabalho.

7.1 Resumo

Nesta dissertação procurámos lançar alguma luz sobre o problema dosagentes inteligentes. Para isso, investigámos a sua estrutura mental, e asassociações que podemos traçar entre ela e o comportamento visível dosagentes. Para a caracterização da mente, usamos o conceito de estadomental, conceitos intencionais tais como desejos, intenções ou crenças. Ocomportamento dos agentes é descrito em termos de acções.

O conceito de acção foi precisamente o primeiro dos temas tratados. Apesarde ser uma noção intuitiva comum, não é evidente distinguir entre o queacontece a um agente do que o agente faz acontecer. Apresentámos o conceitode acção devido a Moya, que se fundamenta no conceito de acção comsignificado, acção intencional, no sentido em que concorre para umaintenção. Segundo Moya, o conceito de agência está intimamente ligado ao

Intenção e Acção 110 Conclusões

conceito de mente e depende fundamentalmente das noções de intenção ecompromisso.

Em seguida, abordámos o conceito de intenção. Apresentámos os papéisfuncionais atribuídos às intenções na literatura, bem como as propriedadese restrições a serem respeitadas pelos agentes. Discutimos uma definição deintenção que não obriga a uma ligação directa à acção, mas antes consideraa intenção para agir (a intenção de executar determinada acção) como umcaso particular de intenção. No caso mais geral, a intenção está associadaao estado do mundo desejado pelo agente. As intenções para agir são vistasassim a uma outra luz: o agente não tem já a intenção de executardeterminada acção, mas sim tem a intenção de estar num estado do mundoem que está a executar essa acção.

Debruçámo-nos em seguida sobre o problema de determinar a relação entreintenção e acção. Apresentámos o que Bratman chama a Visão Simples, queestabelece que qualquer acção intencional tem na sua base uma intenção.Analisámos os argumentos de Bratman e outros contra a Visão Simples,para finalmente os rejeitar. Assim, expusemos uma perspectiva sobre arelação entre intenção e acção que se baseia na Visão Simples, envolvendo oconceito de plano como uma acção composta e o conceito de objectivo comouma acção potencial. Em seguida, explorámos as relações entre os váriosestados mentais considerados. Vimos como a relação entre a intenção e aacção tem consequências nas formas como colocamos os restantes conceitosque considerámos na nossa arquitectura mental. Estudámos a questão dasatisfação de intenções, e analisámos alguns problemas que surgem quandose pretende construir um sistema concreto que utilize os estados mentais queinvestigámos.

Finalmente, apresentámos alguns sistemas de modelização e simulação deagentes, com o fim de nele situar a concepção de agente que adoptámos.Seleccionámos os trabalhos de Philip Cohen e Hector Levesque, os de YoavShoham e os de Peter Wavish e David Connah. Após apresentar estessistemas e algumas das suas extensões, confrontámo-los com as nossas ideiase tecemos considerações sobre uns e as outras, em que se poderiam adaptar ecomo, ou porque o não poderiam fazer. Procurámos assim fazer umaprimeira tentativa de confrontação dos trabalhos descritos neste texto.Concluímos que o sistema de Yoav Shoham poderá nesta altura ser omelhor candidato a fornecer um sistema onde basear as nossas experiênciascom agentes artificiais num ambiente simulado.

Intenção e Acção 111 Conclusões

7.2Trabalho Futuro

Longe de relatar um trabalho acabado, esta obra descreve um começo. Nãoé muito claro neste momento o que foi que começámos. Ou melhor, chegadosonde chegámos, não é evidente o sítio último para onde queremos ir. Nestemomento, estamos no caminho para estabelecer uma teoria de intenção eacção. Trilhámos já a primeira parte desse caminho, na qual identificámosalguns dos conceitos envolvidos, investigámos várias perspectivasfilosóficas e ousámos mesmo fazer algumas escolhas.

Podemos agora seguir em várias direcções, e são alguns dos passos queconsideramos mais interessantes em cada uma dessas direcções que vamosdescrever nesta secção.

Em primeiro lugar, a Filosofia. Poderia talvez justificar-se uma revisitados lugares onde passámos, esperando descobrir novas paisagens.

Fizemos a hipótese, na secção 6.2, de adoptar a Tese de Identificação, queidentifica intenções presentes com volições, ou decisões. Isto permitir-nos-ia adoptar pelo menos parcialmente o sistema de Shoham. A partir daquiseria possível examinar esse sistema e tentar adaptá-lo melhor às nossasconcepções. Outra hipótese seria estabelecer a relação entre intenção ecompromisso e formalizar assim directamente o nosso agente no esquemafornecido por Shoham. Qualquer destas hipóteses é viável, mas a escolharequer uma nova e cuidada análise. Em qualquer dos casos, a noção decompromisso pareceu-nos fundamental no estudos das intenções. Julgamosassim necessário voltar atrás e investigá-la, o que pode acarretaralterações nas opções e concepções desenvolvidas.

Uma outra matéria que merece certamente mais atenção é a adopção daVisão Simples1 . O material bibliográfico sobre a relação entre acçãointencional e intenção é de tal forma extenso que certamente deixámos algode fora, e portanto justifica-se uma análise mais cuidada. Apesar de osargumentos analisados contra a Visão Simples terem sido refutados, podemexistir vantagens na adopção de outras posições. Por exemplo, a noção de

1Ou “Putative Principle That Intentional Acts Are Always Intended” [Harman 86].

Intenção e Acção 112 Conclusões

potencial motivacional, de Bratman, parece razoável. Resumindo,pensamos que esta questão necessita ainda de mais alguma reflexão einvestigação.

Outra tarefa interessante diz respeito ao conceito de acção. A tese de Moyapareceu-nos especialmente adequada ao trabalho que nos propusemos e àsteorias que expusemos. No entanto, julgamos ser útil uma exploraçãoulterior de trabalhos filosóficos clássicos sobre este tema. Umapossibilidade a considerar, e que recentemente começa a aparecer emalgumas aplicações em Inteligência Artificial, é a Teoria de ControlePerceptual, de William Powers [Powers 73, Rodrigues and Lee 93]. Segundoesta teoria, o comportamento não é constituído por acções, mas pelo controledas percepções.

Em segundo lugar, a Inteligência Artificial. Uma possibilidade forte é a deseguir em frente, ou seja, aceitar o resultado destas investigações comoválido e prosseguir em direcção a um sistema operacional. Baseados naconstrução filosófica que fizemos, podemos definir agora metasrelacionadas com a construção de sistemas. Esta é uma boa forma (e a formatradicional em Inteligência Artificial, inserindo-se na metodologiadescrita no capítulo 2) de testar e validar as concepções teóricasdesenvolvidas.

Assim, poderíamos proceder à construção do sistema descrito no caso 1 etentar progredir para o caso 2. Nesta tentativa encontraríamos certamentemuitos obstáculos, sugeridos acima nas questões e problemas quelevantámos. Alguns problemas poderíamos resolver e outros não. Mas sócom um grande empenhamento em relação a essa tarefa poderemos algumavez aspirar a resolver esses problemas. Ou pelo menos, encarando-os, terdeles de alguma forma a medida certa.

O resultado de uma tal abordagem levaria certamente a uma observaçãodas dificuldades encontradas de um novo ponto de vista, o da engenhariade desenvolvimento de sistemas. Ao procurar soluções para as ultrapassar,devemos manter presente a possibilidade de refinar ou alterar as ideiasdesenvolvidas neste texto.

Uma possibilidade alternativa é estudar melhor algum ou alguns dossistemas descritos no capítulo 6, ou outro descrito na literatura. A partirdaí, podemos adaptar o sistema para aceitar as opções que fizemos, se for

Intenção e Acção 113 Conclusões

caso disso. Começando por utilizar o sistema com exemplos simples,passaríamos eventualmente a problemas reais, na medida do possível.

Um caso interessante que gostaríamos de estudar e que esperamos possafornecer bastantes resultados é o comportamento durante a condução de umautomóvel. Existem várias razões para este poder ser um caso de estudoespecialmente frutuoso. A condução é uma actividade que só se aprendenuma idade que já permite um melhor conhecimento dos processos deaprendizagem envolvidos. Isto facilita as tarefas de introspecçãoessenciais à compreensão desses processos. Por outro lado, a conduçãoenvolve essencialmente tarefas de percepção, de acção e de raciocínio comdiversos níveis de abstracção e diferentes granularidades. Claramente,este raciocínio nem sempre decorre de forma consciente e explícita, o queapresenta vantagens quando se pretende estudar as diversas formas de quese reveste o raciocínio humano. Além disso, o comportamento humano aovolante de uma viatura é fortemente influenciado por regras e normassociais. Estas assumem a forma de leis, regras de trânsito (que,paradoxalmente, pelo menos do ponto de vista racional, nem sempre sãocumpridas), mas também a forma de regras de comportamento socialimplícitas, influenciadas por valores como por exemplo o senso comum. Aosintervenientes é essencial um fundo comum de conhecimento, suposições pordefeito, reconhecimento de planos e intenções alheias, cooperação etambém competição.

Este último caso já se poderia inserir na última categoria de temas deinvestigação que vamos apresentar: as Ciências Sociais, Humanas eCognitivas, de modo geral. Defendemos que as ideias que sustentámos nestedocumento têm aplicações potencialmente interessantes nestes domínios.Exigindo menos do ponto de vista de engenharia de um sistema queapresente as características que descrevemos, podemos focar a nossaatenção em experiências de simulação de situações reais, como a acimadescrita.

Algumas das questões que consideramos mais interessantes têm a ver comsimulações de sociedades e de situações sociais reais, de modo a observar ocomportamento dos agentes. O facto de executarmos uma simulação permiteobservar a evolução dos estados mentais dos agentes, o que nunca poderiaser feito numa situação real. O trabalho descrito em [Caldas 92] está dentrodesta linha, para o caso concreto da economia experimental. Mas existemmuitas outras possibilidades de experiências, por exemplo na área de

Intenção e Acção 114 Conclusões

tutores inteligentes, em especial na modelização de alunos, em sociologia,em ecologia, em planeamento urbano, etc.

Por exemplo, poderia definir-se uma situação em que um grupo de agentesdefinidos como eleitores escolheria entre dois agentes para ocupardeterminado cargo. A caracterização desta situação acarreta situaçõesmuito interessantes no que diz respeito à sua formulação em termos deintenções de cada um, do grupo como um todo (sociedade) e intenções de umagente por via indirecta de um outro ou do grupo, ou seja, delegação deintenções. Defendemos que o estudo de simulações deste género pode não sóauxiliar a clarificar e formalizar conceitos nas ciências sociais, como trazerpara a área dos sistemas multi-agentes perspectivas valiosas sobreconceitos como intenções e compromissos sociais, de grupo.

O mesmo se poderia dizer em relação a experiências com linguagensmentais e sociais e a área da Linguística. Gostaríamos de definir agentescujas capacidades de expressão fossem radicalmente diferentes dascapacidades de raciocínio. Para além dos resultados imediatos,esperaríamos obter alguma visão sobre a conjectura da linguagem dopensamento.

7.3Conclusões

As contribuições principais desta dissertação prendem-se com o estudo darelação entre intenção e acção. Ou seja, tentámos fornecer uma resposta àpergunta sobre como é que o comportamento pode ser explicado por conceitosmentais como intenção, desejo e crença. Do nosso ponto de vista, a intenção éum conceito fundamental quando se pretende modelizar comportamentosinteligentes, incluindo transacções, conversas, negociações e cooperações.Estes comportamentos são normalmente definidos em termos das acçõesexecutadas pelos intervenientes na sociedade.

A opção usual na utilização de intenções para a construção de agentes,consiste em associar as intenções à execução de acções. Ou seja, tal como oconteúdo de uma crença é uma proposição, o conteúdo de uma intenção é

Intenção e Acção 115 Conclusões

normalmente uma acção. Neste documento, fazemos claramente uma opçãopela associação entre uma intenção e o estado do mundo a obter pelo agenteque formula essa intenção.

No fulcro da relação entre intenção e acção existe um único fenómeno. Não éevidente que esse fenómeno seja a própria intenção. Outras possibilidadesexistem, como por exemplo a decisão, a escolha, ou a volição, um acto devontade. No entanto, escolhemos adoptar a tese simples, que afirma que érealmente a intenção que liga a intenção à acção. Ou seja, na base daexecução intencional de uma acção está sempre uma intenção. Ocomportamento intencional de um agente inteligente é determinado pelassuas tentativas de satisfazer as suas intenções. Portanto, na nossa propostade visão de mente, a intenção assume o papel principal, constituindo onúcleo do centro de decisão do agente, e assim conduzindo o seucomportamento.

Não fizemos de forma alguma justiça à gigantesca quantidade deliteratura escrita sobre os assuntos aqui tratados e que teria relevânciapara este documento e o trabalho de investigação que lhe deu origem. Istodeve-se mais a razões concretas de acessibilidade física e disponibilidadede tempo do que a razões de vontade de ler e investigar e procurar econfrontar as nossas opiniões com as opiniões e conclusões de outros. Assim, eenquanto concluímos a escrita desta dissertação, continuamos a encontrarreferências que gostaríamos de ler e onde quase de certeza iríamos encontraraquela resposta que nos falta, e aquela pergunta que não nos ocorreu.Algumas dessas referências listamo-las na secção “BibliografiaAdicional.” É um pouco um guia para o leitor poder procurar novas leituras,mas também, e talvez acima de tudo, uma declaração de intenções (ou dedesejos?…) para este leitor privilegiado que é o autor.

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