UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ BIANCA BENEDUZI...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
BIANCA BENEDUZI POZZATTO
REFLEXÕES SOBRE A CONCRETIZAÇÃO DE PROJETOS
CULTURAIS: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA
CURITIBA
2015
BIANCA BENEDUZI POZZATTO
REFLEXÕES SOBRE A CONCRETIZAÇÃO DE PROJETOS
CULTURAIS: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA
Monografia apresentada ao curso de Especialização em Gestão e Produção Cultural, da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão e Produção Cultural.
Orientador: Prof. ESP. Luiz Roberto Meira
CURITIBA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
BIANCA BENEDUZI POZZATTO
REFLEXÕES SOBRE A CONCRETIZAÇÃO DE PROJETOS
CULTURAIS: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de
especialista em Gestão e Produção Cultural no Curso de Gestão e Produção
Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba, 29 de Junho de 2015
Pós Graduação em Gestão e Produção Cultural
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Prof. ESP. Luiz Roberto Meira
UTP – FCHLA
Banca: Profª. MS. Sônia Izabel Wawziniak
UTP - FCHLA
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus pela constante luz que me guiou neste
período de investigação e de descoberta dentro da universidade.
Agradeço também, de todo coração, ao corpo docente do curso de Pós
Graduação em Gestão e Produção Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná
pela acolhida e o compartilhamento de seus conhecimentos preciosos, me
impulsionando a infinitos caminhos de possibilidades, conflitos e crescimento.
Agradeço especialmente ao professor Luiz Roberto Meira pela
orientação desta pesquisa. Obrigada também a professora Sônia Izabel
Wawziniak e a professora Elisa Kiyoko Gunzi pela leitura atenta e os
apontamentos de grande valia a este trabalho.
Agradeço a minha família, de modo especial a minha mãe, pelo incentivo
e apoio, me ensinando sempre a “escutar o que o coração manda”.
Obrigada a todos os meus amigos da turma de 2013. Cada momento
com vocês foi de muito crecimento e compartilhamento de experiências.
Obrigada Christopher Michael Souza, pelas conversas sinceras e o
apoio carinhoso nas horas mais difíceis. Com bases firmes caminhamos.
Agradeço com muito carinho a todos que direta ou indiretamente
tornaram possível a realização deste trabalho, e que me acompanhem nos
próximos passos.
Obrigada.
O que te escrevo não tem começo: é uma continuação.
Das palavras deste canto que é meu e teu, evola-se um
halo que transcende as frases.
Clarice Lispector
RESUMO
A presente pesquisa busca ampliar os conceitos de gestão e produção cultural no teatro profissional de Curitiba a partir da análise e entendimento dos processos que envolvem a concretização de um projeto. O estudo surge a partir do desejo de ampliar o registro de fatos, nomes, projetos e realizações que atuam na construção da identidade cultural da cidade. Pretende-se identificar a situação presente do aparelho financiador e o modo de estruturação profissional na área artística da região. Para isso, analisou-se os conceitos de mercado e sua influência na arte teatral contemporânea na região para compreender as características do teatro desenvolvido em Curitiba. Investigou-se também os aspectos da produção teatral brasileira e a interrelação artista-produtor-aparelho financiador. Dessa forma, foi possível identificar o crescimento de uma ferramenta relativamente nova em termos de financiamento cultural, o crowdfunding. Popular no Brasil através de programas de arrecadação de dinheiro para crianças carentes, o crowdfunding agora encontra seu lugar em plataformas online, onde a comunicação em rede o torna uma ferramenta de grande potencial para concretização de projetos culturais. O desenvolvimento da pesquisa foi baseado na leitura e análise de bibliografia específica.
Palavras-chave: Economia Criativa, Financiamento Coletivo, Produção Cultural,Teatro.
ABSTRACT
This current research aims to broaden the concepts of cultural management and production in professional theatre of Curitiba via the analysis and understanding of the processes which involve the realization of a project. The study emerges from the desire to amplify the register of facts, names, projects and realizations which take part in the construction of the cultural identity of the city. It is intended to identify the current situation of the financing agents and professional mode of structuring in the artistic field of the region. In order to do so, analysis was made on the concepts of market and its influence on contemporary theatrical art in the region to better comprehend the characteristics of the theatre practice developed in Curitiba. Investigation was also carried out on the aspects of the theatrical production in Brazil and the interrelation of the artist, producer and financing agent. This way, it was possible to identify the increase of a slightly new tool in terms of cultural financing, crowdfunding. This is popular in Brazil through programs of fundraising for needy children, crowdfunding now takes place on platforms online, where the net communication makes it a tool of great potential for the realization of cultural projects. The development of the research was based on readings and analysis of specific bibliography.
Keywords: Creative Economy, Crowdfunding, Cultural Production, Theatre.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10
2 A PRODUÇÃO TEATRAL BRASILEIRA NO SÉCULO XX ............................... 12
2.1 ASPECTOS DO TEATRO CURITIBANO ............................................................. 15
3 CONCEITOS DE MERCADO E SUA INFLUÊNCIA NA ARTE TEATRAL......... 20
4 O AVANÇO DA ARRECADAÇÃO CULTURAL – CROWDFUNDING ...............30
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................35
REFERÊNCIAS....................................................................................................39
10
1 INTRODUÇÃO
O processo de elaboração desta pesquisa teve início em 2013, quando
iniciei meus estudos no curso de pós graduação em Gestão e Produção
Cultural da Universidade Tuiuti do Paraná. Foi neste trabalho inicial de
reconhecimento e profundidade dos princípios técnicos e históricos que regem
o cenário cultural em que vivo que identifiquei duas questões principais e que
hoje guiam meu estudo na presente pesquisa. A primeira questão se situa no
entendimento da história do teatro paranaense para compreender algumas
formas de gestão no presente. A segunda questão envolve o entendimento do
nosso aparelho financiador e a relação que o artista estabelece com ele.
Desta forma, a presente monografia tem como objetivo coletar
informações que fomentem a discussão sobre o lugar que o produtor cultural
ocupa como aquele que propicia a realização de um projeto e sua relação com
a comunidade em que vive. Por outro lado, penso na relação que o artista tem
com a produção e a disseminação de sua arte, atuando de forma crítica e
questionadora para que além de inserir-se no mercado ele possa propor novos
desdobramentos para ele.
O levantamento e a escolha dos princípios desta pesquisa têm como
base o processo de reflexão que eu enquanto artista me coloquei ao confrontar
minha ideologia em relação a arte e a realidade mercadológica e econômica
que nos cerca. Portanto, o primeiro capítulo é uma abordagem da produção
teatral no Brasil, buscando entender fundamentalmente as características das
ações artísticas geradas no nosso país a partir do século XX, a partir da leitura
de João Roberto Faria e Joana Ribeiro da Silva Tavares em suas amplas
abordagem sobre os aspectos do teatro brasileiro. O capítulo também fala
sobre as características deste processo em Curitiba, onde relata-se sobre sua
origem e sua relação com o processo de fomento da cultura paranaense.
No segundo capítulo apresento os conceitos de mercado e sua
influência na arte teatral, que servem como orientação para reconhecermos
11
qual o lugar que ocupamos e como ele foi criado. Estes princípios são
introduzidos por palavras-chave como: indústria cultural, do ponto de vista de
Adorno e Horkheimer, economia criativa e produção cultural, com base nos
escritos de Rômulo Avelar e Maria Helena Cunha e teatro sob o panorama
desenvolvido por Benedito Nicolau dos Santos Filho, Marta Morais da Costa e
Ignácio Dotto Neto.
No último capítulo é apresentado uma das propostas de
desenvolvimento e ampliação do mercado cultural, o Crowdfunding, onde a
tecnologia e a comunicação em rede misturam-se à necessidade de inovação e
autonomia em relação aos nossos mecanismos de fomento a cultura. As
informações a respeito deste assunto foram pesquisadas e encontradas em
sites e artigos publicados na internet por criadores de plataformas
Crowdfunding brasileiras como Luís Otavio Ribeiro, Daniel Weinmann e Diego
Reeberg, criadores do site Catarse e Diogo e Candice Pascoal, fundadores do
site Kickante. Nas considerações finais estão reunidas as reflexões em torno
do trabalho desenvolvido, avaliando os elementos que surgiram e que podem
servir de agentes impulsionadores de ações futuras.
Este momento é um divisor de águas e apresenta-se como um
amadurecimento do meu olhar sobre o que é ser profissional na área artística.
Tenho consciência de que esse processo de complexidade acontece
gradativamente durante todo o processo de trabalho e pesquisa de uma vida.
Este recorte que apresento é resultado de um pequeno passo em direção a um
caminho concretizador de palavras e transformador do humano, onde é
fundamental a visão e a atenção aberta. Dessa forma, para abrir-se ao que nos
rodeia, devemos antes reeducar nosso olhar para nós mesmos.
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2 A PRODUÇÃO TEATRAL BRASILEIRA NO SÉCULO XX
O teatro produzido na primeira metade do século XX se caracteriza pela
prática comercial. A comédia de costume cultivou seu sucesso até a década de
1930. Era um teatro ligeiro, sem definição estilística e formal, o que levou
muitos críticos e historiadores a falar em decadência. Porém nessa época deu-
se grande crescimento no número de empresas dramáticas e na consciência
nacionalista contra as companhias estrangeiras que voltavam ao Brasil no final
da guerra (FARIA, 2012).
Os grandes destaques das companhias, para além de suas produções
artísticas eram os chamados “primeiros atores” que ocupavam os papéis
principais e comandavam os seus grupos. As relações de poder dos grandes
atores eram amenizadas quando por trás existia um grande dramaturgo, como
Oduvaldo Viana, que se aliou, por exemplo, a grandes intérpretes, como
Procópio Ferreira e Dulcina Moraes. Oduvaldo é ainda o introdutor da paródia
brasileira no teatro, atrelada até então a falas aportuguesadas (FARIA, 2012).
Outros nomes de destaque deste período são: Coelho Neto, Cláudio de
Souza, Gastão Tojeiro e Armando Gonzaga. Em 1927, surgiu o Teatro de
brinquedo de Eugênio e Álvaro Moreira, que projetou Joraci Camargo e sua
peça “Deus lhe Pague”. Neste período o teatro brasileiro começou a sofrer
mudanças em relação as suas produções. Era o início de uma fase onde as
produções poderiam ser consideradas melhor desenvolvidas. Foi com a obra
“Vestido de Noiva”, escrito por Nelson Rodrigues, dirigido por Ziembinski e
encenado pelo grupo “Os Comediantes” que o teatro nacional começou a
mostrar aspectos de seu progresso. As peças passaram a ser ensaiadas,
aboliu-se o caco- improvisação na fala, muito comum até então- e criou-se um
conceito de cenografia e iluminação, o que dialogava com as efervescentes
teorias modernas (FARIA, 2012).
É inaugurado em São Paulo, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC);
inicialmente uma casa de espetáculos criada para abrigar um grupo de
13
amadores. Dois desses grupos estão à frente da renovação do teatro brasileiro:
o Grupo de Teatro Experimental (GTE), de Alfredo Mesquita e o Grupo
Universitário de Teatro (GTU), de Décio Almeida Prado. No ano seguinte, o
TBC se profissionaliza, com a contratação de atores e do diretor italiano Adolfo
Celi. Um repertório eclético constituído de grandes textos clássicos e
modernos, além das comédias de bom nível, torna-se a tônica dessa
companhia, que liderada por Franco Zampari em seu período áureo, marca
uma das mais importantes fases do teatro brasileiro (FARIA, 2012).
O TBC encerra as suas atividades em 1964. Outras companhias se
formam nos seus moldes: o Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa, a
Cia. Nydia Lícia-Sérgio, o Teatro Cacilda Becker e a Cia. Tônia-Celi-Autran.
Alfredo Mesquita funda a Escola de Arte Dramática (EAD), em São Paulo, um
dos principais centros de formação de atores. José Renato funda o Teatro
Arena, também em São Paulo (TAVARES, 2010).
O Brasil, em meados do século XX, sofria influência direta dos
movimentos de ruptura e desenvolvimento das teorias modernas tanto no
teatro como na dança, através das constantes viagens ao exterior de figuras
atuantes no nosso teatro. A citar alguns exemplos: Flávio Rangel (1934-1988) e
Augusto Boal (1931-2009), que fizeram estágios e viagens nos Estados
Unidos. Os líderes do Teatro Oficina (SP), José Celso Martinez Corrêa (1937),
Fernando Peixoto (1937), Renato Borghi (1937) e Ítala Nandi (1942), visitaram
constantemente a Europa, além de, na década de 1970, promoverem a vinda
do Living Theatre (EUA) para o Brasil (TAVARES, 2010).
O teatro brasileiro da década de 1960 encontrava-se em constante
necessidade de contestação devido à repressão política dos anos de regime
militar instaurado em 1964. Esse período de grande mutabilidade caracterizava
a atmosfera vivida tanto social quanto artisticamente. Os atores eram invadidos
pela necessidade de reconstrução de suas linguagens, diante da
transformação do seu entorno social, político e artístico (TAVARES, 2010).
Neste período, iniciou-se a construção de um movimento teatral
brasileiro fortemente influenciado pelas correntes europeias que aqui
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chegavam. Buscava-se a renovação do espaço de representação, que deveria
aproximar o ator do espectador em palcos alternativos, como o fizeram o
Teatro de Arena e o Teatro Oficina, assim como o estudo da gestualidade
brasileira e sua linguagem, problematizadas por meio do estudo de novas
técnicas de interpretação (TAVARES, 2010).
Essa era de inovação no teatro, acaba sendo responsável pela
introdução de elementos transformadores na dramaturgia e na encenação
brasileira. A montagem de “Eles Não Usam Black Tie”, de Gianfrancesco
Guarnieri, em 1958 pelo grupo Teatro de Arena sob a direção de José Renato
introduz a luta de classes como tema a ser refletido. Sob a liderança de
Augusto Boal, o Teatro Arena inicia a formação de novos atores e a partir daí,
além de buscar uma dramaturgia nacional, passou a incentivar a
nacionalização dos clássicos, para que estes abrissem espaço para a
encenação baseada na realidade brasileira. O Teatro Arena termina em 1970
(FARIA, 2013).
Em 1958, Zé Celso Martinez Corrêa, Renato Borghi, Carlos Queiroz
Telles a Amir Haddad fundam um grupo chamado Teatro Oficina. O Teatro
Oficina foi local de grande parte da experiência cênica internacional, que reuniu
de Brecht, Sartre ao Living Theatre. Foi neste lugar que foi lançado um
importante manifesto da cultura brasileira, o Tropicalismo, versão na década de
sessenta do movimento antropofágico de Oswald de Andrade. Este influenciou
músicos, poetas e outros artistas. Dentre os destaques do grupo na época
estão: “Os Pequenos Burgueses” (1963) de Maxi Gorki e logo após, a
antológica montagem de “O Rei da Vela” (1967) de Oswald de Andrade
(FARIA, 2013).
Neste período o Brasil vivia um momento político conturbado, sob a
ditatura militar. Os meios de expressão artísticos eram muito visados por sua
capacidade de comunicação e mobilização. Dessa maneira a censura começou
a fazer vigilância intensa sobre os textos dramáticos. Isso influenciou muito na
dramaturgia da época que passou a se expressar por meio de metáforas.
Apesar disso, Fauzi Arap escreve peças que refletem sobre o teatro, as opções
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alternativas de vida e a homossexualidade. Surgem diversos grupos teatrais
formados por jovens atores e diretores. No Rio de Janeiro destacam-se
Asdrúbal trouxe o Trombone, cujo espetáculo “Trate-me Leão” retrata toda uma
geração de classe média, e o Pessoal do Despertar, que adota esse nome,
após a encenação de “O Despertar da Primavera”, de Frank Wedekind (FARIA,
2013).
Em 1974 estreia “Macunaíma”, pelo Grupo Pau-Brasil, com direção de
Antunes filho. Em 1979 a censura deixa de ser prévia e volta a ter caráter
apenas classificatório. A peça “Rasga Coração”, de Oduvaldo Viana filho, é
liberada e encenada no Rio de Janeiro, a qual fora premiada num concurso do
Serviço Nacional do Teatro e em seguida proibida (FARIA, 2013).
A diversidade é o principal aspecto do teatro dos anos 80. O período se
caracteriza pela influência do pós-modernismo, movimento marcado pela união
da estética tradicional à moderna. O expoente dessa linha é o diretor e
dramaturgo Gerald Thomas. Montagens como “Carmem com Filtro”, “Electra
com Creta” e “Quarttet” apresentam um apuro técnico inédito. Na dramaturgia
predomina o Besteirol-comédia de costumes que explora situações absurdas.
O movimento cresce no Rio de Janeiro e tem como principais representantes
Miguel Falabella e Vicente Pereira. Em São Paulo surgem nomes como Maria
Adelaide Amaral, Flávio de Souza , Alcides Nogueira, Naum Alves de Souza e
Mauro Rasi (FARIA, 2013).
2.1 ASPECTOS DO TEATRO CURITIBANO
Ao analisar e estudar a história do teatro curitibano é possível perceber
que, apesar de não se encaixar no eixo de destaque da produção nacional (o
que parece ser limitado ao eixo Rio-São Paulo), a forma de se trabalhar com
teatro na região sofreu bastante influência das teorias modernas que entravam
no país e das condições econômicas que se estabeleciam na época enquanto
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fomento e profissionalização. Vale ressaltar que em escalas e condições
diferenciadas.
Segundo Ignácio Dotto Neto e Marta Morais da Costa (2000, p. 03), em
seu livro “Entreatos, teatro em Curitiba de 1981 a 1995”,
“[...] o teatro curitibano da segunda metade do século XX é dividida em três fases distintas: o amadorismo dos anos 50, a profissionalização nos anos 60 e a vanguarda da década de 1970”(COSTA, 2000, p. 03).
Vale ressaltar que esta pesquisa está focada no processo de profissionalização
teatral que iniciou-se nos anos 60 e 70 e que desencadeou processos de
fomento e sustentação econômica no teatro.
Como já citado nas páginas acima, o teatro paranaense começa a
receber uma determinada verba do governo para suas produções teatrais,
porém os baixos valores disponibilizados caracterizaram as apresentações da
época como sendo de baixa qualidade. A necessidade de captação de verbas
maiores para a sustentação do trabalho com teatro fez com que os artistas
precisassem especializar-se para arrecadar verbas junto aos órgãos públicos,
ficando a preocupação estética em segundo plano.
Diante desta situação algumas pessoas ligadas ao teatro da época
começaram a criticar a postura dos artistas em relação a arrecadação de
verbas. Manoel Carlos Karam, um dos mais atuantes homens de teatro ao
longo da década de 1970, cita que a postura do artista deste período estaria se
tornando mendicante, “[...] onde o pessoal do teatro estaria se especializando
em pedir dinheiro e buscar verbas públicas do que ensaiando”. Já o produtor e
ator da época José Maria Santos discorda das opiniões de Karam, afirmando
que “[...] muitos produtores trabalham arduamente para reverter a situação”
(NETO; COSTA, 2000, p. 04).
Decorrente de opiniões adversas e da intensa discussão em torno da
arte e seu valor comercial, ocorre neste período e já adentrando os anos 80 a
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chamada “Síndrome de São Francisco”. O nome atribui-se a determinados
artistas da época que julgavam incompatível o sucesso econômico com
qualquer atividade artística. Tal atitude condenava a prática comercial
envolvendo a arte. Não existem relatos ou registros sistematizados a respeito
desta prática, porém acredita-se que a síndrome tenha sido amenizada com o
crescimento do teatro empresarial dos anos 90 (NETO; COSTA, 2000).
Defende-se que na cidade de Curitiba dos anos 80 e 90 não houve
prática ou pesquisas relacionadas a arte experimental que justificasse qualquer
condenação á prática comercial. Uma explicação para a ausência de iniciativas
mais ousadas no teatro é dada pelo cineasta e publicitário Sérgio Segall:
A sociedade paranaense e curitibana basicamente têm três raízes na aristocracia rural. E a aristocracia jamais arriscaria a discutir seus valores e tradições. Por outro lado, não dá para entender uma produção artística que se contenta apenas com a tradição aceita. Precisa questionar, incomodar, levantar a problemática da identidade, por exemplo (SEGALL, 1984 apud NETO; COSTA, 2000).
Para além das questões econômicas e de tradição, outro elemento é
considerado importante no desenvolvimento e abrangência do teatro curitibano:
a influência da imprensa na produção teatral local. Afirma-se que a imprensa
local dedicava pouca atenção às obras feitas em Curitiba. Os poucos
comentários que existiram foram tecidos após a obra obter algum sucesso. Não
havia atenção dedicada ao lançamento de novos artistas da região, o que
enfraquecia o surgimento de novos trabalhos. Dessa forma, com pouca
informação, o público não era incentivado a assistir as peças de teatro da
cidade que muitas vezes apareciam nos jornais ofuscadas pelos anúncios das
estreias de obras com atores globais que vinha do eixo Rio-São Paulo (NETO;
COSTA, 2000).
Apesar de falhas e omissões apontadas por parte da imprensa local,
esta não deixa de ser uma fonte importante de pesquisa sobre a história do
teatro paranaense. Enquanto buscava referências para esta pesquisa percebi
que a maioria das informações e materiais disponíveis se caracterizavam como
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materiais de imprensa, matérias de jornais, publicações em revistas e
periódicos.
Adentrando os anos 80, a realidade estética do teatro curitibano começa
a sofrer modificações, o que coloca algumas exceções às afirmações de Segall
nas citações acima. O teatro curitibano que se desenvolveu a partir dos anos
80 apresentou dois traços marcantes. O primeiro é o da multiplicidade estética,
característica também do que acontecia com o teatro no Rio de Janeiro e São
Paulo. A difusão de novas técnicas e práticas teatrais possibilitou um
crescimento gradativo das experiências realizadas no palco. De acordo com
NETO e COSTA,
Há três momentos em que a linguagem cênica incorporou novos elementos: “Do outro lado da paixão”, texto e direção de Marcelo Marchioro (1987), “New York por Will Eisner”, texto e direção de Edson Bueno (1990) e “Trecentina”, texto de Enéas Lour e Mario Schoemberger, direção de Felipe Hirsch (1994) (NETO; COSTA, 2000, p. 09).
As produções passam a se atentar para a relação dinâmica entre palco,
plateia e atores. Isso claro acompanhado de um processo moderno de direção
com o suporte de um texto diferenciado como no caso de “Do outro lado da
paixão”. Outras fontes textuais passam a ser desenvolvidas no palco, para
além do texto dramático, o que acontece em “New York por Will Eisner”, que
trabalhou com a transposição da linguagem dos quadrinhos para o palco o que
resultou “[...] num espetáculo dinâmico e provocador, que, pela fragmentação e
multiplicidade de efeitos, rompe com padrões cênicos habituais” (NETO;
COSTA, 2000, p. 09).
E por fim o espetáculo “Trecentina” com sua produção baseada na
Commedia Dell’Arte, traz de volta a interpretação dinâmica e a precisão de
movimentos que favorecem o jogo e o tempo cômico. Essa retomada estimula
e favorece o aparecimento desse modelo artístico nos espetáculos de
comédias produzidos dali em diante, cuja produção aumenta significamente
após essa data (NETO; COSTA, 2000).
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Além da diversidade estética dos espetáculos, outra realidade sofre
transformações: a econômica. Diferente do período da “Síndrome de São
Francisco”, o teatro agora aproxima-se mais do mercado e da mentalidade
empresarial. O artista que anos atrás precisava desenvolver habilidades para
potencializar as verbas de produção, começa a colocar em prática seu
conhecimento de mercado, o que resulta em um aumento do número de teatros
particulares, mantidos por companhias estáveis ou instituições privadas. Tal
prática apresenta uma nova maneira de encarar o teatro, que passa a ser visto
como fonte de renda que precisa ampliar sua visibilidade e pode gerar lucro.
Dessa forma, concretiza-se a profissionalização da função do produtor e o
surgimento do produtor-empresário (NETO; COSTA, 2000).
Percebe-se que a tragetória da figura do produtor cultural e da
realização de produções artísticas está intrinsecamente ligada a prática e ao
conhecimento adquirido do “fazer”, do exercício do trabalho com a arte.
Considerando que na época não havia cursos de formação para produtores e
gestores culturais, o surgimento deste profissinal adveio da necessidade de
organização e estruturação da classe artística para viabilizar o acesso as
verbas de fomento a cultura e assim estabelecer-se no mercado econômico e
profissional.
Atualmente, na cidade de Curitiba existem alguns cursos de formação na
área de produção e gestão cultural em diferentes níveis. No nível técnico existe
o curso de Produção Cultural oferecido pelo Colégio Estadual do Paraná, que
pode ser frequentado por pessoas que terminaram ou ainda estão cursando o
ensino médio. No nível superior tecnológico existe o curso de Produção Cênica
da Universidade Federal do Paraná. Em nível de pós graduação latu sensu a
Universidade Tuiuti do Paraná oferece o curso de Especialização em Gestão e
Produção Cultural, a Pontifícia Universidade Católica oferece o curso de
Especialização em Produção da Arte e Gestão da Cultura.
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3 CONCEITOS DE MERCADO E SUA INFLUÊNCIA NA ARTE TEATRAL
O termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez no livro
Dialektik der Aufklarung (A dialética do esclarecimento), publicado por Adorno e
Horkheimer em 1947, em Amsterdã. Este conceito pode ser considerado uma
substituição do termo cultura de massa, com o objetivo de afastar possíveis
interpretações que o relacionam com as manifestações da cultura popular
(ADORNO; HORKHEIMER, 1995).
A indústria cultural tem seus laços fortemente criados na dinâmica do
mercado e na aplicação de capital a partir da circulação e da reprodução de
suas mercadorias, cuja origem baseia-se nas necessidades do público das
massas. Portanto seus produtos originam-se segundo o princípio de sua
comercialização e não segundo o seu próprio conteúdo e sua figuração
adequada (ADORNO; HORKHEIMER, 1995).
Esse processo afoito de fazer circular e vender mercadorias exige que a
indústria cultural mantenha seu repertório sempre renovado, o que caracteriza
um de seus pontos de progresso. Sendo assim, ela procura oferecer o novo e
instiga o aumento da comercialização e a ascendência do lucro sobre a criação
espiritual. Portanto a indústria cultural está sempre a serviço de seus
consumidores (ADORNO; HORKHEIMER, 1995).
O surgimento de tal movimento cultural gerou discussões devido ao seu
grande impacto sobre a formação da consciência de seus consumidores.
Dessa forma, os cientistas sociais e filósofos pensam sobre o assunto de modo
a desenvolver uma posição crítica diante de tal processo, evitando a
possibilidade de curvarem-se diante de monopólio (ADORNO; HORKHEIMER,
1995).
O conceito de Indústria Cultural permanece atual, e nos faz refletir sobre
a lógica da mercadoria e a relação que esta estabelece com a cultura. Esse
termo revela em si um sistema de produção, padronização e de divisão de
trabalho que implica em um processo de universalização da matéria. Essa
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dinâmica influencia determinantemente o processo de produção artística e sua
relação com o público, uma vez que pressupõe uma debilitação da
individualidade e das particularidades subjetivas.
As ideias que a indústria cultural incute estão ligadas às do status quo.
Elas são aceitas pelas massas sem análise, que se submetendo a essa
influência, tornam-se parte de um sistema de manipulação e poder, onde o
conformismo substitui a consciência.
A partir do desenvolvimento de seu sistema alienatório, a indústria
cultural impede o desenvolvimento de indivíduos autônomos, independentes e
capazes de decidir conscientemente. E então esses serão os que constituirão a
base de uma sociedade democrática, que apenas avança rapidamente por
conta de seus homens e mulheres mal informados e alienados.
O conceito de indústria cultural que surgiu em meados dos anos 40 está
fortemente ligado à ideia de difusão e consumo de bens padronizados e
destinados a grandes demandas da massa. Em relação à arte, este processo
fez com que obras artísticas perdessem seu caráter artesanal e passassem a
ser industriais, suprimindo sua função crítica e degradando o papel da obra
artística (ADORNO; HORKHEIMER, 1995).
O caráter plural da indústria cultural na contemporaneidade vem a
complementar a obra de Adorno e Horkheimer; é possível compreender a
indústria cultural com suas diversas facetas. A disseminação de produtos,
ideias e valores culturais atualmente ocorre de modos e maneiras variadas.
Hoje em dia o caráter alienatório e de entretenimento das indústrias
culturais vem sofrendo transformações. As empresas vêm usando da estratégia
de divulgar suas marcas por meio de financiamento a eventos culturais, de
modo a aliar seus valores com a arte o que garante quase sempre uma
imagem positiva e de preocupação com a disseminação de cultura. Essa
prática, além de transformar a indústria cultural que surgiu nos anos 40, cria
também novos conceitos que se aproximam mais da ideia artística do que da
ideia comercial.
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No final da década de 90 surge o termo indústria criativa. O primeiro
Fórum Internacional das “Indústrias Criativas”, organizado na cidade de St.
Petersburg, na Rússia, em setembro de 2002, definiu como “Indústrias
Criativas”:
[...] aquelas que têm sua origem na criatividade individual, habilidades e talentos que têm potencial de riqueza e criação de empregos através da geração e da exploração da propriedade intelectual. Assim, “Indústrias Criativas” é o termo utilizado para descrever a atividade empresarial na qual o valor econômico está ligado ao conteúdo cultural. “Indústrias Criativas” une a força tradicional da chamada cultura clássica com o valor agregado do talento empresarial e os novos talentos da mídia eletrônica e da comunicação (ECONOMIA CRIATIVA, 2014).
Indústria Criativa é parte do conceito de Economia Criativa. “Economia
Criativa” é uma expressão de uso recente, sendo encontrada em estudos e
publicações sobre o tema a partir dos anos 2000. O termo “Economia Criativa”
é abrangente dependendo de interpretações e dos contextos onde é utilizado.
A primeira definição foi desenvolvida pelo autor inglês John Howkins no livro
The Creative Economy, publicado em 2001. Dentre as definições para o termo,
o autor aponta que “[...] as diversas atividades que compõem essa economia
têm uma coisa em comum: são os resultados de indivíduos exercitando a sua
imaginação e explorando seu valor econômico” (ECONOMIA CRIATIVA, 2014).
Acredito que desde o surgimento do termo indústria cultural até o
desenvolvimento da ideia de economia criativa, um elo foi criado
desencadeando novas propostas e atualização de conceitos. Com vistas a
investigar a influência de um conceito no outro e o que isso deixa de
contribuição para o que entendemos hoje como produção cultural é que faço
esse apanhado de conceitos.
No Brasil, a partir dos anos 2000, a cultura começou a ser usada como
meio de desenvolvimento econômico. Começou-se a explorar a capacidade
mercadológica que as atividades culturais têm em termos de geração de
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trabalho, emprego e renda, além de sua ligação com a formação social do
indivíduo por meio da inclusão, disseminação da arte e educação.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam
que no Brasil 320 mil empresas estão voltadas para a produção cultural (quase
6% do total de empresas no País). Estas empresas empregam formalmente
cerca de 3,7 milhões de pessoas e são responsáveis por 8,5% dos postos de
trabalho. Porém a área cultural ainda precisa de investimento em infraestrutura,
porque atualmente 21% das cidades brasileiras contam com salas de teatro e
apenas 9% possuem salas de cinema, segundo o instituto (ECONOMIA
CRIATIVA, 2014).
Para que a cultura possa de fato aquecer a economia, é necessário que
o governo desenvolva ações diferenciadas de fomento e apoio. Isso vem
acontecendo por meio de Leis de Incentivo a Cultura, programas de fomento e
difusão de atividades culturais. No âmbito nacional temos a Lei Rouanet que
surgiu nos anos 90 e vem sofrendo modificações de acordo com o contexto
artístico e mercadológico do país. Leis de fomento e editais de apoio de
semelhante princípio acontecem também em âmbito estadual e municipal
(ECONOMIA CRIATIVA, 2014).
Quando falamos da área cultural enquanto potencial econômico
retomamos mais uma vez os princípios que surgiram desde dos anos 40 com
Adorno e Horkheimer até o que Howkins coloca como Economia Criativa. A
partir de agora insere-se outro termo, que apresenta maior proximidade com
este trabalho de pesquisa, Produção Cultural.
Para Rômulo Avelar (2010), em seu livro “O Avesso da Cena”, a
expressão produção cultural pode ser entendida de diversas formas, entre elas,
pode fazer referência a um conjunto de coisas ou obras artísticas realizadas
por indivíduos, sozinhos ou em grupo, num determinado espaço e tempo.
Dessa forma, pode-se afirmar que produção cultural é, então, produção de
cultura, criando-se dois sentidos amplos para a mesma expressão. Considera-
24
se que seu significado se aplica a obra produzida ou o próprio ato de produzir
(AVELAR, 2010).
No final da década de 80, a expressão produção cultural tornou-se mais
conhecida no Brasil decorrente do surgimento das leis de incentivo e de
fomento a cultura. O termo neste contexto aliou-se a práticas ligadas a
organização, administração e gestão de atividades culturais. Com ênfase nessa
definição é que dou continuidade a pesquisa do surgimento deste processo na
cidade de Curitiba, restringindo o recorte ao desenvolvimento da arte teatral.
O surgimento do profissional de produção cultural em Curitiba não se
encontra definido em nenhuma referência bibliográfica ou pesquisa que eu
tenha tido acesso até o momento. O que mostram alguns livros sobre a história
do teatro paranaense é que o surgimento dessa profissão pode ser apontado
de duas formas: a primeira configura-se através da experiência artística,
decorrente da necessidade que o artista sentiu de organizar-se diante das
questões financeiras que rodeavam os grupos teatrais curitibanos no final da
década de 70, onde a classe artística reivindicava maior participação do
governo enquanto incentivador e financiador do teatro local. A segunda,
intimamente ligada com a primeira, seria sua forma oficial que apareceu nos
anos 90 com o surgimento da Lei Rouanet, que será explicada nos parágrafos
seguintes (NETO; COSTA, 2000).
O processo de profissionalização e atuação do gestor cultural vem
acompanhado de uma transformação gradativa da estrutura sobre a qual ele
trabalha. Tendo como foco a área teatral paranaense, é importante ressaltar
que na década de 80 inicia-se um processo de profissionalização e
normatização das ações do Estado em relação à classe teatral (NETO;
COSTA, 2000).
A partir desse momento começa a surgir a possibilidade dos artistas
viverem com o dinheiro gerado pela sua arte, o que caracterizou um período de
efervescência por apresentar alguns financiamentos que vinham do governo, o
que exigiu que os grupos de atores e atrizes se organizassem para ter acesso
a essa possibilidade. Muitos dos nossos gestores de hoje vêm de uma prática
25
artística com a qual tiveram que desenvolver um processo autônomo de busca
por subsídios para o sustento e continuidade de sua produção e carreira
artística (NETO, COSTA, 2000).
Houve nesta época uma mobilização por parte dos artistas da região em
relação à regulamentação profissional dos trabalhadores em Artes Cênicas.
Reuniões de comissões, promoção de encontros entre confederações e
associações como a CONFENATA1 e a APETEDEP2, mais tarde transformada
em SATED3, reivindicavam a participação ativa da classe artística nas decisões
do governo e que este assumisse o papel de produtor e mantenedor do teatro
paranaense, divulgando suas obras e subsidiando produções de companhias
locais (NETO; COSTA, 2000).
Essa mobilização da parte dos artistas, não somente dos paranaenses,
mas também dos demais estados brasileiros que sentiram a possibilidade de
lutar por seus direitos com o abrandamento da ditadura, desencadeou uma
série de ações governamentais em nível federal, estadual e municipal. Porém,
em se tratando do governo do Estado do Paraná, essas ações não
configuraram uma abertura e fomento para os artistas locais (NETO; COSTA,
2000).
A Secretaria de Esporte e Cultura da época atuou promovendo estreias
nacionais em Curitiba, a realização do Festival Nacional de Teatro Infantil e o X
Festival Brasileiro de Teatro de Bonecos, o que foi altamente criticado pelos
artistas locais que alegavam que esses eventos nada deixavam de resultado
para o teatro local, além de serem investimentos de alto custo para o governo.
A promoção de estreias nacionais, vindas de outros estados (principalmente do
eixo Rio-São Paulo) na capital paranaense, caracterizou um período de crise
para os atores e diretores da época que tinham acesso restrito ao
financiamento, pois sua maior parte era destinada a essas estreias e ainda
viam-se em uma situação de falta de público, pois este era atraído para as
grandes produções financiadas pelo governo (NETO; COSTA, 2000).
1 Confederação do Teatro Amador. 2 Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculo. 3 Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões.
26
As demandas que surgiam na classe artística lançavam propostas de
uma participação mais ativa do governo como incentivador e produtor de
atividades teatrais locais, porém faltava ainda chamar a atenção da iniciativa
privada que neste período mantinha-se distante e pouco interessada no
assunto (NETO; COSTA, 2000).
Em 1986 é promulgada a Lei de Incentivo Fiscal à Cultura, ou Lei
Sarney, buscando propor uma solução para a falta de recursos financeiros para
a área da cultura. A lei propunha incentivo fiscal ao empresário que investisse
em algum projeto artístico, caracterizando-se como um sistema de mecenato.
Porém, mais uma vez o foco são os grandes projetos artísticos vindos das
grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo e a falta de investimento em
projetos de grupos menores e independentes permanece. Dessa forma,
diminui-se a verba que o governo pretendia arrecadar para beneficiar este
público, reduzindo a abrangência da Lei a grandes eventos produzidos por
nomes consagrados (NETO; COSTA, 2000).
Os anos 90 foram marcados pelo surgimento da Lei Rouanet, que
apresentava a proposta de abatimento de 2% para pessoa física e de 10% para
pessoa jurídica no imposto de renda, delimitando um teto de renúncia de 84, 6
milhões de UFIRs (Cr$ 709, 7 bilhões, em 21 de Janeiro de 1993). A lei surgiu
como mecanismo de apoio à cultura nacional com o objetivo de estimular a
produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais por meio de
investimento da iniciativa privada. A grande questão que surge neste momento
é o mercado ter o aval do governo para escolher o quê e quanto pagar em
relação a projetos culturais, utilizando-se do dinheiro público (NETO; COSTA,
2000).
Para atuar neste mercado que estava se desenvolvendo em torno da
produção artística, os profissionais de teatro depararam-se com a necessidade
de lidar com questões burocráticas, políticas e que exigiam formatação
específica de seu trabalho para participar desta parcela de financiamento que
estava sendo oferecida. Inicia-se então um processo administrativo dentro do
teatro, envolvendo planejamento, organização, controle de orçamento. O artista
27
encontrava-se a busca de recursos para viabilizar seu processo criativo,
fazendo uma ponte entre expectativa e produto cultural, entre possibilidade e
concretização de um projeto.
O conceito de gestão começa a ser cultivado dentro do teatro, no que se
refere a trabalhar de maneira organizada com ferramentas específicas
administrativas com o objetivo de desenvolvimento do que está sendo
gestacionado. Assim surge um mediador que interliga a ação cultural com o
financiamento de três denominações distintas: produtor cultural, gestor cultural
e agente cultural. Pretende-se identificar as características de cada um e
identificar uma forma adequada de utilização desses termos de forma mais
aprofundada no decorrer da pesquisa.
Em um periódico organizado por Celise Helena Niero em 2000, intitulado
“Discutindo Gestão Cultural”, é apresentado um texto pelo governo municipal
de São Paulo contendo Ideias para Ação Municipal, e uma delas tinha como
foco a formação dos chamados Agentes Culturais. Nesse momento aparece a
iniciativa governamental de investir na formação de profissionais para trabalhar
com a disseminação da ação cultural na comunidade fazendo um elo entre o
poder público e a sociedade (NIERO, 2000).
O Agente Cultural seria, portanto, um cidadão tanto de poder público
(agentes culturais públicos) como da sociedade civil (agentes culturais
comunitários), que se relaciona com as práticas e ações culturais no município.
O agente cultural não é um mero administrador de atividades culturais, mas
deve ter uma sensibilidade voltada para o sociocultural, exercendo ativamente
sua função de elo entre o poder público e as comunidades (NIERO, 2000).
O produtor cultural também pode ser considerado um agente cultural,
sendo um membro da comunidade que dinamiza as potencialidades culturais
do local onde atua, incentivando, mobilizando e criando condições para
práticas artísticas, viabilizando o acesso aos materiais criativos e contribuindo
para a formação e experiência sensível da comunidade a sua volta (NIERO,
2000).
28
É de grande importância tanto a formação quanto a atuação deste
profissional no mercado de trabalho, uma vez que ele é a peça chave da
relação mercado-financiamento-artista. Um produtor cultural deve estar apto a
entender a temática cultural de cada localidade ou grupo de pessoas com as
quais trabalha, deve entender o funcionamento cultural do poder público e da
sociedade civil, deve elaborar projetos culturais e estar por dentro de questões
relacionadas à Gestão Pública da Cultura. Por outro lado, também sente-se a
necessidade de um Estado melhor estruturado em vista das demandas e do
crescimento do impacto que a economia criativa vem causando na sociedade.
A autora Maria Helena Cunha discute em seu livro “Gestão Cultural
Profissão em Formação” os múltiplos perfis do profissional de gestão cultural. A
pesquisa feita por meio de relatos e entrevistas com profissionais da área,
demonstra que existe certa dificuldade na definição de um perfil específico,
colocando em questão conceitos que definem e diferenciam um gestor de um
produtor na área da cultura. Ela afirma que “geralmente as classificações
recorrem à descrição de funções, habilidades e categorizações genéricas”,
mostrando por meio dessas definições a amplitude da atuação do produtor
cultural (CUNHA, 2007).
O produtor cultural é a figura que atua diretamente no desenvolvimento
de projetos e eventos culturais, intermediando a relação entre o artista e
demais profissionais da área com o Poder Público. O gestor cultual caracteriza-
se pela administração de grupos e instituições culturais, desenvolvendo o
mesmo papel de mediação entre a parte artística e o Poder Público, porém
vincula-se a ação projetada em longo prazo, visando continuidade e suporte a
realização de projetos.
Pode-se observar que existe um processo de complexificação do papel
do produtor cultural ao longo do tempo e isso influencia diretamente na maneira
como a arte teatral vem se desenvolvendo em grandes centros, como Curitiba,
delimitando e criando padrões que se influenciam em uma via dupla que vai
das demandas do mercado ao artista e vice-versa (CUNHA, 2007).
29
Com o passar do tempo fica cada vez mais claro que a cultura engloba
um mercado de trabalho que cresce a cada ano, enriquecendo a comunidade
em todo sentido. O mercado cultural movimenta a economia diretamente
através da comercialização de telas, esculturas, atividades teatrais, etc.
Indiretamente atua no desenvolvimento de serviço como o de hotelaria,
restaurante, equipamentos de som e iluminação (NIERO, 2000).
Levando em consideração todo o aparelho oficial e artístico com o qual
trabalha o produtor cultural, entende-se que esse profissional deve ter uma
visão e análise do mercado, porque é este conhecimento que o torna capaz de
mapear suas possibilidades de atuação no campo cultural, fazendo com que
essa pesquisa torne possível reconhecer a abrangência de sua atuação no
mercado de trabalho e quais processos interferem na sua forma de atuação
profissional (CUNHA, 2007).
A presente pesquisa busca, por meio do entendimento deste contexto
que envolve o mercado cultural, identificar qual a influência que este exerce na
maneira de se trabalhar com teatro na cidade de Curitiba, objetivando
compreender as características do teatro que vem sendo desenvolvido e
analisar a estrutura profissional que sustenta essa prática artística.
30
4 O AVANÇO DA ARRECADAÇÃO CULTURAL – CROWDFUNDING
O debate acerca da profissionalização do trabalho com produção cultural
está fortemente ligado com as informações apresentadas por mapeamentos de
cursos de formação voltados aos gestores culturais (ou profissionais com
nomes assemelhados – animadores culturais, administradores culturais,
produtores culturais, dentre outros) a partir das ações do Ministério da Cultura,
ao organizar cursos de curta e de longa duração, em parceria com instituições
públicas e privadas, em diferentes estados do país, bem como junto às
Universidades que desenvolvem cada vez mais cursos de graduação e pós
graduação na área de Gestão e Produção Cultural.
Outro elemento a ser considerado no avanço do trabalho do produtor
cultural é o aumento das ações culturais no país – em especial do ramo
artístico das ações culturais. Essas ações desenvolveram-se de forma a
integrar-se a organização econômica do país, conta de um necessidade de
usufruir de um recurso que possibilita seu desenvolvimento. As ações
artíisticas caracterizadas como independentes, experimentais, de pesquisa, de
vanguarda, também sentiram necessidade de organizar-se e fazer parte deste
mercado cultural.
Essa aceleração dos artistas e produtores em busca desse recurso vem
desencadeando uma outra forma de arrecadação de dinheiro, (uma vez que o
aumento de concorrência pela captação de recursos torna-a mais difícil) por
meio de criação de plataformas de crowdfunding, onde a internet torna-se uma
ferramenta facilitadora para solicitar financiamento de projetos culturais
independentes por meio da comunicação em rede.
O empresário norte-americano Michael Sullivan criou o termo
crowdfunding do inglês que significa “financiamento pela multidão”. Ele renovou
o conceito de financiamento coletivo encontrado na internet, o qual possibilita
que um número maior de pessoas possam estar conectadas e transações
financeiras sejam feitas a longa distância por sistemas de micropagamento
31
viáveis e de baixo custo. Entretanto, tal prática de financiamento não se
originou nas plataformas virtuais (PRÁTICAS DE CROWDFUNDING, UMA
FORMA DE FINANCIAMENTO COLETIVO ORGANIZADA NA INTERNET,
2015).
Um primeiro uso de financiamento coletivo para artistas foi numa
campanha realizada pela banda britânica Marillion4 para produzir álbuns e
financiar suas turnês a partir de 1997. Semelhantes projetos aconteceram na
indústria cinematográfica, com o filme The Age of Stupid produzido pelos
franceses Guillaume Colboc e Benjamin Pommeraud. O brasileiro Walter
Carvalho pretende utilizar esta forma de financiamento para o documentário
Raul – O Início, o Fim e o Meio. Uma outra produção brasileira de longa-
metragem, Colegas, utilizou o método de financiamento pedindo ao público
ajuda para arrecadar R$ 100 mil, porém apenas 10% foi recebido. Com essa
experiência, segundo o diretor, Marcelo Galvão conclui que o financiamento
coletivo seria mais indicado a ser usado para pequenos projetos. Tal ideia é um
tanto questionável (PRÁTICAS DE CROWDFUNDING, UMA FORMA DE
FINANCIAMENTO COLETIVO ORGANIZADA NA INTERNET, 2015).
No Brasil, o financiamento coletivo na arrecadação de fundos para
filantropia já é usado há um tempo considerável. Exemplos relativamente
recente são as iniciativas como o Teleton5 e Criança Esperança6. Dentre outros
exemplos estão as campanhas de arrecadação de dinheiro para as regiões
atingidas por chuvas e enchentes: Santa Catarina (2008), Nordeste (2010) e
4 Banda de Rock Progressivo formada em 1979 no Reino Unido. Apesar de uma grande
rotatividade de integrantes a banda continua em atividade até o presente.
5 O programa foi criado nos Estados Unidos em 1966 pelo comediante Jerry Lewis. Sua versão
brasileira é produzida pela primeira vez em 1998 pelo canal SBT (Sistema Brasileiro de
Televisão) e se repete anualmente para arrecadação de fundos para o tratamento de pacientes
da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).
6 Campanha nacional de mobilização social para arrecadação de fundos em prol dos direitos da
criança e do adolescente organizada pela Rede Globo anualmente em parceira com a UNICEF
(Fundo das Nações Unidas para a Infância) e com a UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
32
Rio de Janeiro (2011) (PRÁTICAS DE CROWDFUNDING, UMA FORMA DE
FINANCIAMENTO COLETIVO ORGANIZADA NA INTERNET, 2015).
Há diferentes modelos de crowdfunding adotados pelas empresas
consolidadoras. Um é o modelo “tudo ou nada” (Kickstarter), a verba é
transferida ao proponente somente se o prazo e a meta financeira do projeto
forem atingidos. Outro é o “fica com tudo” (IndieGoGo7), a verba é
imediatamente repassada ao projeto, sem considerar prazo e meta. Um modelo
chamado “tudo e mais” é do RocketHub8, sendo uma variação do “fica com
tudo” mas premiando os proponentes que atingirem a meta. Tais prêmios
podem ser um suporte de um serviço tubo incubadora de empresas (POR QUE
ESCOLHEMOS O “TUDO OU NADA?, 2015).
Os modelos têm suas vantagens e desvantagens. No caso do “fica com
tudo”, os criadores de projetos ao receberem toda a arrecadação de verba,
mesmo com o risco de faltar uma porcentagem da verba para atingirem sua
meta financeira, confiantes no potencial do projeto, facilita sua alavancagem.
Já os adeptos ao “tudo ou nada” argumentam que o modelo vem a proteger
ambos o criador e o financiador por que a obrigação de implementar o projeto
depende da meta de arrecadação necessária ser atingida. Isso é sabido de
antemão pelas partes envolvidas. Assim o processo de financiamento se torna
mais transparente assegurando o destino da verba injetada ao projeto. Evita-se
com este último modelo que os recursos sejam parcialmente entregues ao
criador que poderá prejudicar o projeto como um todo caso não consolide o
prazo e meta. Denigra a reputação e credibilidade do site se isso ocorrer além
de decepcionar os investidores (COMO DEFINIR AS CONTRAPARTIDAS
(RECOMPENSAS) PARA OS APOIADORES DE PROJETOS DE
CROWDFUNDING?, 2015).
7 Plataforma online de Crowdfunding criada nos Estados Unidos em 2008 por Danae
Ringelmann, Eric Schell e Slava Rubin.
8 Plataforma online de Crowdfunding criada nos Estados Unidos em 2010 por Brian Meece,
Vlad Vukicevic, Jed Cohen e Alon Hillel-Tuch.
33
A prática de crowdfunding, como financiamento para projetos artísticos,
foi inaugurada em 2011 no Brasil pelo site catarse.me, desenvolvido por Diego
Borin Reeberg e Luís Otávio Ribeiro que na época de desenvolvimento desta
plataforma eram dois estudantes de Administração de Empresas. Eles
reproduziram a ideia que já era praticada nos Estados Unidos pelo site
kickstarters.com que vem desenvolvendo atividades de financiamento coletivo
desde 2009 e apresenta arrecadação de mais de 1 bilhão de dólares desde
então.
A contrapartida é a base para o funcionamento das plataformas de
crowdfunding – sem exceção. Uma vez feita uma doação, as partes doadoras
ganham um papel interacional e até mesmo integradora ao projeto. A
contribuição retorna de alguma forma ao apoiador do projeto assim como numa
transação comercial. Ainda, uma justa troca é buscada conforme a contribuição
dada; seja ela espontânea ou pré-estabelecida. O crowdfunding preza pela
necessidade coletiva acima do marketing individual – por vezes favorecido pela
Lei Rouanet ou Lei de Incentivo à Cultura (COMO DEFINIR AS
CONTRAPARTIDAS (RECOMPENSAS) PARA OS APOIADORES DE
PROJETOS DE CROWDFUNDING?, 2015).
No Brasil percebe-se um tímido afloramento de atitudes que nem
sempre toma como base a contrapartida. Alguns grupos e indivíduos se unem
em prol de algum projeto por livre e espontânea vontade de fazer parte de um
movimento cultural mais integrador. Dentro da cultura digital e redes sociais de
nossa época gera uma lógica com base em mútua ajuda e confiança.
Associado à lógica da contrapartida em doses justas, a (in)viabilidade de
projeto artístico situa-se em uma abrangência maior de possibilidades de
interação entre a obra e o público alvo e financiador.
As plataformas de crowdfunding brasileiras apresentam um
desenvolvimento significativo pois acompanham a evolução das relações de
financiamento cultural proposto pela era da internet e da comunicação em rede.
As negociações são diretas, pelo intermédio apenas da plataforma online. As
transações são simples e sem burocracia atendendo à necessidade de todas
34
as partes envolvidas. O idealizador do projeto tem a chance de lançar seu
trabalho na rede com grande expectativa de ser apoiado, àqueles que
contribuem o fazem de forma simples e acessível e recebem algo útil em troca
e os administradores da plataforma intermediadora ganham uma porcentagem
de 5% em cima do valor financiado.
Nosso país tem no crowdfunding um verdadeiro potencial de
crescimento. Precisamos otimizar a capacidade do brasileiro de se solidarizar e
acreditar em projetos. O Brasil está em evidência na plataforma
americana Kickstarter, sendo um dos países que mais tem contribuído para as
suas campanhas. O crowdfunding no Brasil é sim uma ferramenta de
empreendorismo, realizações e promoção criativa e empresarial. Uma
ferramenta que tem muito a ampliar e contribuir não só para o fortalecimento da
economia mas para o fortalecimento de projetos ligados a área da cultura.
O avanço da forma de se produzir cultura na contemporaneidade reflete
aspectos de uma revolução que estamos vivendo baseada nas redes digitais. A
velocidade da comunicação, a interação, a troca, a construção coletiva são
alguns elementos que se evidenciam nos procedimentos mencionados acima,
o que traz a tona a possibilidade de autonomia do artista e do produtor em
relação a realização de um projeto idealizado por meio de suas conexões
digitais.
35
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredito que a formação do produtor cultural está em constante
transformação. Trabalhamos com ações que são permanentes
independentemente da duração de um projeto. O efeito do nosso trabalho na
sociedade é e deveria ser melhor reconhecido como princípio de construção e
reconhecimento do humano. Acredito que dentre essas ações existem
categorias que se alinham melhor com determinados tipos de formação como
por exemplo, quando investe-se em ações de longa duração e projetos
complexos é evidente que é requerido do produtor , muitas vezes uma
formação especializada. Por outro lado, ás vezes trabalhamos com projetos
efêmeros e que exigem (na maioria das vezes) o conhecimento adquirido da
prática e do fazer.
Hoje em dia vivemos uma realidade em que a profissão de Produtor
Cultural vem crescendo e assumindo-se de forma consistente. O
reconhecimento da profissão reflete em investimento no processo de formação
deste profissional, o que vemos acontecer a curtos passos, porém de forma
promissora e acompanhando o crescimento tecnológico da sociedade.
Acredito que a maturidade e a qualidade de como se desenvolve o
trabalho com produção cultural no Brasil não representa um quadro
comparativo direto com seu processo de formalização nas universidades. Ainda
há muito o que melhorar, mas acredito que o processo de amadurecimento
pela experiência e pelo fazer são tão valiosos quanto a aquisição de
conhecimento em cursos de graduação e pós graduação. Acredito que um
evolui e cresce em detrimento do outro.
Os procedimentos de captação de recursos e financiamento da cultura
não são ações recentes e nem se trata de algo novo, mas percebe-se que
estão em evolução em termos de conceito e prática, cada região ou local deve
adaptar-se a seu “conceito” fazendo escolhas, traçando estratégias de acordo
36
com sua realidade. A economia criativa vem estabelecendo-se diante da
realidade do mercado cultural, onde a fusão de informação, a capacidade de
transformação social pela criatividade, as propostas de inovação e a conexão
com novas tecnologias, juntas são capazes de transformar o meio para atender
as “necessidades” dos homens que vivem em um mundo competitivo e
globalizado.
Acredito que independente da forma como é produzida, as ações
culturais são um meio de transformação social. Agregar pessoas, produzir
conhecimento, criar possibilidades de trabalho, de renda, de desenvolvimento
intelectual e sensível, ampliar o campo de experiências e de vivências de uma
comunidade por meio da arte é com certeza um caminho que abre inúmeras
possibilidades de reflexão e concretização de uma sociedade mais humana.
As discussões em torno do que é ser profissional, do que é considerado
um trabalho profissional ocupa hoje um espaço mais amplo. Considerar apenas
aqueles que estão atuando no mercado estabelecido e regrado pelas vias da
economia me parece um tanto reducionista. Como vimos no último capítulo
novas formas de financiamento e de captação de recursos vêm se
desenvolvendo e mostrando uma tendência mais autônoma dos produtores e
artistas.
Por outro lado, existe uma tendência em reduzir o trabalho artístico que
se constrói no mercado cultural a algo que se submete a economia capitalista e
rende-se apenas a uma veia mercadológica, que pode caracterizar-se como
contraditória ao campo das artes. Esse ponto de vista também considero
reducionista, uma vez que muitos setores artísticos vêm organizando-se e
desenvolvendo maneiras de entrar neste mercado, ou criar condições de
subsídio para a sobrevivência de seu grupo artístico. Afinal está mais do que
claro que a área das artes tem potencial econômico e vem se afirmando,
construindo e ampliando suas relações com outras áreas do mercado.
Além dos profissionais da cultura, hoje em dia cresce o interesse de
outras áreas que direta ou indiretamente beneficiam-se deste setor. A
37
economia criativa avança rapidamente, instigando mais pesquisas e reflexão
do seu papel na contemporaneidade. O aumento do contigente de produções
culturais em nossa região mostra que o que antes eram propostas, agora
deixam o campo do discurso para tornarem-se práticas efetivas.
Para mim a questão é encontrar uma forma de trabalho dentro da
autonomia artística que dialogue com as necessidades do mercado através da
vivência de experiências, enfrentando desafios e buscando alternativas e
espaço para que o artista se comunique através de suas ideias e sua
expressão artística, mas que também conquiste a consolidação de uma
profissão que garanta seu sustento e desenvolvimento.
Dessa forma abre-se a possibilidade de reflexão sobre o que eu faço
como artista e qual a relação que eu quero estabelecer com o mercado. É
importante considerar que cada trabalho reflete sua relação e conexão com o
mundo. Os incentivos fiscais, as formas de financiamento e todo o aparato da
economia criativa não pode colocar o artista em uma posição estagnada ou de
submissão. E colocar-se criticamente diante de seu trabalho tanto como
produtor quanto como artista é ampliar ideias e fugir do reducionismo e da
categorização.
Assim, acredito que é de fundamental importância o papel dos
produtores culturais na apresentação de oportunidades para realização de um
projeto, porém estas são construções coletivas. É importante saber quais
possibilidades existem e o que podemos fazer para avançar e propor
transformações em nosso meio. Claro que leis de incentivo, de fomento são
importantes; claro que auxílios vindos de outras fontes são importantes. Mas
não se pode restringir a possibilidade de ação cultural, de ação artística
unicamente por meio de leis e auxílios externos.
Não proponho com este trabalho uma consolidação de um conceito mas
sim a exposição de um ponto de vista em construção e que acompanha as
plataformas móveis dos temas aqui explorados. É evidente que existem muitos
questionamentos e algumas afirmativas, mas isso é tão somente a visão de
38
alguém que pensa sobre cultura e é uma artista no mercado, ou buscando seu
espaço.
Escolho concluir este trabalho expondo como me coloco diante do
mercado e da atuação profissional como artista. Acredito que estamos
desafiados a encontrar formas alternativas àquelas estabelecidas para
viabilizar programas, projetos ou atividades, porém isso não se dá pela forma
de negação de uma ou de outra forma de trabalho. Acredito que temos que nos
formar e informar para além do que o momento pede e que a consciência de
nosso papel enquanto transformadores é a linha guia para toda essa reflexão.
Há que se pensar na situação em que vivemos de forma coletiva, unindo
o pensamento de artistas, produtores, críticos, para que possamos fazer uma
avaliação do presente e pensarmos sobre um planejamento para o
desenvolvimento de novas ações culturais. Para isso é fundamental o exercício
da reflexão, da pesquisa, do olhar crítico sobre o próprio trabalho e que isso
seja disseminado e tratado coletivamente, porque para pensar em quaisquer
ações futuras é indispensável que conheçamos nosso próprio entorno.
39
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