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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Eliete Cíntia Cesario REPARAÇÃO DO DANO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Eliete Cíntia Cesario

REPARAÇÃO DO DANO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

CURITIBA 2010

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REPARAÇÃO DO DANO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

CURITIBA 2010

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Eliete Cíntia Cesario

REPARAÇÃO DO DANO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar.

CURITIBA 2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

Eliete Cíntia Cesario

REPARAÇÃO DO DANO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______ de___________________ de 2010.

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Orientador: Prof. Dr. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

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Gostaria, de dedicar este trabalho, ao meu amado filho Luiz Eduardo, que mesmo sem saber, foi quem me deu coragem para continuar, quando não mais existia força.

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AGRADECIMENTOS

Cada vitória, o reconhecimento devido a Deus, pois só ele é digno de toda honra,

glória e louvor. Senhor, obrigada pelo fim de mais esta etapa.

A minha família, embora longe, está sempre presente em meus pensamentos e em

meu coração.

Aos, meus queridos amigos, de perto e de longe, por não terem desistido de mim,

minha eterna gratidão.

Aos meus mestres, que muito ensinaram não apenas sobre a graduação, mas, pelas

lições e exemplos de vida.

Em especial, ao meu orientador Prof. Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, por todo seu

carinho e dedicação. Inspirações para toda a vida.

Sem vocês nada disso seria possível.

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Tenho o temor de ver montanhas, e o dever de escalá-las me atormenta.

Alguma coisa estará por lá, a além de. Aqui, uma saudade sem memória, o caráter-

mor de meus sonhos. A saudade que a gente nem sabe que tem.

Sei, mesmo em mim, que houve uma anterioridade, e que a há, porvindoura.

João Guimarães Rosa

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RESUMO Trata-se da analise do novo instituto adotado por nossos legisladores, e inserido através da Lei nº 11.719 de 20 de junho 2008, por intermédio do inciso IV do art. 387 e art. 63, parágrafo único no Código de Processo Penal. Versam sobre a fixação do valor mínimo de reparação de danos na sentença penal condenatória, visando reparar os prejuízos causados pela infração ao ofendido. Abordaremos as questões atinentes ao conflito entre o juízo criminal e cível e a aplicação nos Tribunais com relação ao tema. Não há dúvidas que a reparação de danos é uma inovação na seara criminal, a qual possibilita resgatar o papel da vítima no processo penal. Estando o magistrado convencido dos fatos e do direito do ofendido, fixará de imediato na própria sentença penal condenatória um valor mínimo que ao transitar em julgado formará o título executivo, o qual será executado no Juízo cível. Palavras chaves: ofendido, reparação de danos, sentença condenatória, ação ex delicto.

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ABSTRACT

This is the analysis of the new institute adopted by our legislators, and inserted by Law No. 11,719 of June 20, 2008, through IV of Article. 387 and art. 63, sole paragraph in the Code of Criminal Procedure. Dealing with the setting of the minimum value of repairing damage to the penal sentence in order to repair the damage caused by the violation to the victim. We will address the issues surrounding the conflict between civil and criminal trial and implementation in the courts on the issue. There is no doubt that the repair of damage is an innovation in criminal harvest, which allows to recover the role of victims in criminal proceedings. Being convinced the judge the facts and the law of the victim, shall immediately in itself a criminal sentence to the minimum value that has been handed an enforceable form, which will run in civil court. Keywords: hurt, damage repair, conviction, action ex delicto.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................10

2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL .....................................................................................................................12

2.1 DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL......................................14

3 DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA .........................................................16

3.1 CONCEITO GENÉRICO DE SENTENÇA..........................................................16

3.1.1 Conceito de sentença penal condenatória ......................................................17

3.2 DOS REQUISITOS DA SENTENÇA ..................................................................17

3.3 DOS EFEITOS ...................................................................................................18

3.3.1 Efeito extrapenal genérico...............................................................................20

3.3.2 Efeito extrapenal específico ............................................................................20

3.4 PAPEL DO JUIZ.................................................................................................21

4 DA AÇÃO CIVIL EX DELICTO .............................................................................23

4.1 DA INDENIZAÇÃO CIVIL...................................................................................24

4.2 DA LEGITIMIDADE ............................................................................................27

4.3 DA COMPETÊNCIA ...........................................................................................28

5 DA APLICABILIDADE DO INC. IV DO ART. 397 E ART. 63, PARAGRÁFO

ÚNICO DA LEI 11.719/2008 ....................................................................................30

5.1 DO PEDIDO PARA FIXAÇÃO DA REPARAÇÃO DE DANOS...........................32

5.2 ABRANGÊNCIA DA REPARAÇÃO....................................................................34

5.3 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA .............................................................35

5.4 APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO ......................................................................39

5.5 DO PAPEL DA VÍTIMA NA AÇÃO PENAL.........................................................40

5.6 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO .............................................................43

5.7 DO TÍTULO EXECUTIVO...................................................................................43

5.7.1 Execução da pena versus a execução do mínimo indenizatório .....................45

6 DO RECURSO ......................................................................................................47

6.1 RECURSO CONTRA O CAPÍTULO DA SENTENÇA QUE FIXAR A

INDENIZAÇÃO CIVIL...............................................................................................48

7 DO PROJETO DE LEI Nº 156/2009......................................................................50

7.1 COMENTÁRIO À NOVA REFORMA..................................................................52

8 CONCLUSÃO .......................................................................................................54

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................55

9 ANEXOS ...............................................................................................................58

ANEXOS I ................................................................................................................58

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1 INTRODUÇÃO

O Código de Processo Penal foi oriundo do Decreto Lei nº 3.914 de 09 de

dezembro de 1941, no decorrer dos anos sofreu várias alterações tópicas, dentre as

mais recentes estão o P.L. nº 4.203/2001 que se transformou na Lei nº. 11.689/08,

que implementou modificações relativas ao procedimento do júri; o P.L. nº

4.205/2001 que deu origem a Lei nº. 11.690/2008, que alterou entre outros artigos os

relativos às provas; por fim o P.L. nº 4.207/2001 dando origem a Lei nº. 11.719/08

que trata sobre a suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libeli e

procedimentos, além de ter sido inserido o inciso IV, no art. 387 e o art. 63,

parágrafo único, ao Código de Processo Penal, dispositivos que versam sobre a

fixação mínima da reparação de danos na sentença penal condenatória, instituto

objeto deste trabalho.

Tratar-se de uma recente inovação inserida no Código de Processo Penal,

para sua melhor compreensão serão analisadas as questões mais importantes,

assim como, apontar os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre o tema.

Iniciaremos o trabalho realizando um rápido relato do contexto histórico em

que o Código de Processo Penal foi editado. As várias tentativas de realizar uma

reforma geral restaram inexitosa, acabando por permitir que várias reformas tópicas

fossem realizadas com o intuito de possibilitar sua aplicação as realidades sociais do

Brasil até os dias atuais, quase 70 anos após a sua edição.

Abordaremos pontos fundamentais, para compreender a aplicação prática

da inovação em nosso ordenamento jurídico. Ressaltaremos o conceito de sentença

penal, dando ênfase ao conceito genérico e estrito; da mesma forma apontaremos

os seus requisitos e efeitos; além de estudarmos a ação civil ex delicto abordando

pontos como a legitimidade e competência para sua propositura.

Num terceiro momento abordaremos o instituto em si, disposto no inciso IV,

do art. 387 e do art. 63, parágrafo único, inseridos pela Lei 11.719/2008 no Código

de Processo Penal. Esta inovação trazida pelos reformistas, autoriza o juiz criminal a

fixar na sentença penal condenatória um valor mínimo para reparação de danos,

com base nos prejuízos causados a vítima pelo acusado.

Discutiremos pontos que se refere à abrangência da indenização, ou seja,

qual espécie de dano deve ser objeto de reparação na sentença penal condenatória,

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assim como, dá necessidade de ser realizado pedido para tal fixação, tanto pelo

Ministério Público, como pelo assistente de acusação.

Ainda, discorreremos a partir de qual momento deve ser aplicado o instituto;

sobre o papel do Ministério Público; da vítima e sua valorização no processo penal;

das peculiaridades do título executivo; dos recursos, contra sentença que fixar o

quantum indenizatório.

Por derradeiro, analisaremos brevemente o PLS 156/2009, que se refere à

edição de um Código de Processo Penal inteiramente novo. Atualmente, este projeto

se encontra no Senado Federal, para discussão.

Com relação ao PLS 156/2009, nos restringiremos a analisar quais as

alterações propostas para o instituto objeto deste estudo, qual seja, a fixação

mínima da reparação de danos na sentença penal condenatória, com o intuito de

aprimorar e facilitar sua aplicação.

Dentre as alterações relevantes propostas, estão à inserção do instituto da

“Parte Civil”, responsável por requerer a fixação da reparação de danos na sentença

penal e a especificação do Dano Moral para ser objeto de indenização na esfera

criminal.

.

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2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CÓDIGO DE PROCESSO

PENAL

O Código de Processo Penal, em vigor, foi editado através do Decreto-Lei nº

3.689, em 03 de outubro de 1941, sob a influência da autoritária, policialesca e

retrógrada Constituição de 1937. Na época, o então presidente Getulio Vargas,

formou uma comissão de reforma para elaborar a nova lei processual penal,

composta por renomados juristas, como Florêncio de Abreu, Vieira Braga, Roberto

Lyra e Nelson Hungria.

Na exposição de motivos elaborada pelo então Ministro da Justiça Francisco

Campos, observa-se que o principal “propósito da reforma, segundo a visão ditatorial

do Governo Vargas, era eliminar as garantias concedidas aos acusados pelo Código

de Processo Criminal de 1832, escrito sob influência filosófica liberal, dos

pensamentos difundidos por Cesare Beccaria, autor do livro intitulado, dos delitos e

das penas.” (SILVA JUNIOR, 2009, p. 1).

Neste período, Getulio Vargas governava o Brasil, com forte centralização

de poderes, denominado período de Estado-Novo e, ainda, sob a influência do

Códice Rocco italiano de 1930, promulgou a legislação processual penal brasileira,

maculada em muitos dispositivos pelo sistema inquisitório, como bem descreve Silva

Junior:

Seguindo a linha do Código de Processo Penal italiano de 1930 de índole fascista, o Código de 1941, além de se apresentar mais como um estatuto repressivo do que como um estatuto das liberdades, com perfil nitidamente policialesca, concebeu um sistema processual marcadamente burocrático, com o viés inquisitivo bastante acentuado. Foi um código que já nasceu velho e ultrapassado. (2009, p. 1).

Devido ao perfil nitidamente repressivo em que o Código foi criado, nas

décadas de 50, 60, 70 alterações tópicas foram realizadas, mas, somente em 1975

encaminhou-se ao Congresso Nacional um projeto para edição de um novo Código

de Processo Penal, elaborado por Frederico Marques, mas sem êxito, já que apenas

foi votado na Câmara Federal em 1984, o que motivou sua retirada do Congresso

Nacional.

Outra comissão foi nomeada, desta vez presidida pelo então Ministro do

Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira, a estratégia adotada foi à

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elaboração de vários anteprojetos de lei, com o intuito de realizar uma reforma

“significativa, ou seja, por meio de alterações tópicas, promoverem a edição de um

novo sistema criminal”. (SILVA JUNIOR, 2009, p. 2).

Os novos projetos foram encaminhados em 1994, para o Congresso

Nacional, entretanto, novamente resultaram inexitosa, pois que, “o próprio Executivo

novamente solicitou a retirada das propostas para aperfeiçoá-las.” (GRINOVER,

2001, p. 304).

Mediante Aviso 1.151, de 29 de outubro de 1999, assumiu o Ministério da

Justiça José Carlos Dias, convidando o Instituto Brasileiro de Direito Processual a

apresentar uma proposta de reforma do Código de Processo Penal, para posterior

encaminhamento ao Congresso Nacional.

Nos termos da Portaria 61/2000, o Ministro da Justiça nomeou a nova

comissão encarregada de elaborar os projetos de lei no prazo de 90 dias. A

comissão foi formada pelos seguintes juristas Ada Pellegrini Grinover (presidente),

Petrônio Calmon Filho (secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antonio

Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Junior, Nilzardo Carneiro

Leão, René Ariel Dotti (posteriormente substituído por Rui Stoco), Rogério Lauria

Tucci e Sidnei Beneti.

Os trabalhos estavam avançando quando o Ministro José Dias, retirou-se,

com posterior nomeação como titular da pasta do Dr. José Gregori, através da

portaria 371/2000, que acabou por confirmar a comissão anteriormente formada.

Desta vez, após inúmeros encontros e incansáveis debates, a comissão de

reforma apresentou em dezembro de 2000 sete anteprojetos, que originaram:

Projetos de Lei 4.203/2001, transformado na Lei 11.689, de 09 de junho de 2008,

(tribunal do júri); 4.204/2001, transformado na Lei 10.792, de 2003 (interrogatório e

defesa efetiva); 4.205/2001, transformado na Lei 11.690, de 09 de junho de 2008

(provas); 4.206/2001 (recursos e ações de impugnação); 4.207/2001, transformado

na Lei 11.719, de 20 de junho de 2008 (suspensão do processo, emendatio libelli,

mutatio libelli e procedimentos); 4.208/2001 (prisão e medidas cautelares, fiança e

liberdade); e 4.209/2001 (investigação criminal).

Importante ressaltar, que com a promulgação da Carta Republicana, em

1988, houve uma profunda ruptura com o antigo sistema de governo, trazendo

várias inovações, dentre as quais a mais significativa foi o estabelecimento de

direitos e garantias individuais e coletivos.

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Considerando que o Código Processual Penal era anterior a Constituição

Federal, tornou-se indispensável à necessidade de atualizá-lo e adequá-lo ao

Estado Democrático, conforme preleciona Lenza:

[...] a densidade principiológica da Constituição Federal de 1988, notadamente em relação às declarações dos direitos fundamentais, que passaram a ser conhecidos na qualidade de normas jurídicas elevadas à potência máxima, revogou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, ao tempo em que determinou uma (re) leitura e (re) interpretação de seus dispositivos com esteio nessa nova ordem jurídica, o que recomenda e exige uma modificação substancial da legislação infraconstitucional criminal, a fim de adequá-la ao paradigma do Estado constitucional, o qual possui como meio e fim os direitos fundamentais. (2009, p. 30-31).

O principal objetivo da reforma, ainda que tópica, era modernizar toda a

estrutura o Código de Processo Penal, a luz dos direitos fundamentais

constitucionais, além de fortalecer o sistema acusatório; reforçar as garantias do

acusado; imprimir celeridade a todos os atos processuais; buscar efetividade a

prestação jurisdicional e revalorização do papel da vítima.

Impende ressaltar que todas estas alterações imprimidas, visavam atender

preceitos constitucionais, oriundos do artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal de

19881, que contempla o princípio da celeridade processual, visando a razoável

duração do processo, bem como os princípios da eficácia e da eficiência.

No entanto, este trabalho, não aspira à realização de uma análise ampla

sobre as citadas reformas processuais penais, mas, a específica análise do inciso IV

do art. 387 e do art. 63, parágrafo único, inseridos no Código de Processo Penal

através Lei nº. 11.719/08, que disciplinam a reparação de danos na sentença penal

condenatória.

2.1 DA REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Inicialmente, convém fazer referência aos motivos que encejaram a

realização a reforma tópica realizada no Código de Processo Penal.

A comissão de reforma, com o intuito de justificar a realização de reformas

tópicas no CPP, mencionou na exposição de motivos dos anteprojetos de lei que a

1 “Art. - 5º - Inc. LXXVIII CF/88: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

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realização de uma “reforma global, com posterior organização de um novo código,

seria inviável e operacionalmente inexeqüível”. (GRINOVER, 2001, p. 304).

Ademais, há que se considerar outro fator que contribui com tal inviabilidade,

a morosidade da tramitação legislativa própria para aprovação de um código, ante

as dificuldades do Congresso Nacional, em aprovar um estatuto inteiramente novo,

uma vez que existem as atividades legislativas parlamentares habituais, que

demandam tempo, dificultando e arrastando demasiadamente a sua aprovação.

Neste contexto, constata-se da leitura conjunta dos sete projetos

apresentados pela comissão de reforma em 2001, que a reforma proposta embora

tópica, é ampla. Além de abranger todo o processo de conhecimento, cautelar, fases

pré-processuais, postulatória, probatória, decisória e recursal, propô-se a modificar

toda a estrutura do Código de Processo Penal, adequando-o a Constituição Federal

a partir do modelo acusatório, como bem ilustra Silva Junior:

[...] com a mudança do modelo inquisitivo para o tipo acusatório, tem-se em mente a adoção de um sistema simplificado, transparente, oral, sendo o Ministério Público concebido como parte e assim tratado na relação processual, com substancial preocupação com as garantias do acusado, especialmente em relação à defesa efetiva, ao direito ao silêncio, a presunção de não-culpabilidade e a invalidade das provas obtidas por meio ilícito, sem se descurar de resguardar o juiz para o desempenho propriamente da função de julgador, sem se imiscuir naquelas reservas a quem é o autor da ação. (2009, p. 48).

A inserção do modelo acusatório no Código de Processo Penal demonstra o

novo momento social ao qual o país atravessa, além de realçar as características da

“separação de funções, o juiz julga, o Ministério Púbico acusa e o acusado exerce

sua defesa, sempre respeitando o princípio da publicidade, do livre convencimento,

imparcialidade, contraditório e da ampla defesa.” (RANGEL, 2010, p. 53).

Dentre a reforma, o ponto que a seguir passa a ser analisado consiste na

inovação inserida pelo inciso IV, art. 387 e art. 63, parágrafo único, da Lei

11.719/2008, que autoriza o juiz criminal a fixar valor mínimo para reparação dos

danos na sentença penal condenatória.

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3 DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

Para compreendermos a amplitude da reforma, ora em estudo, importante

analisarmos inicialmente o conceito de sentença penal, tanto no aspecto genérico

quanto no estrito.

3.1 CONCEITO GENÉRICO DE SENTENÇA

A doutrina define sentença como sendo “o ato jurídico que põe termo ao

processo” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 788).

Segundo a concepção de Lopes Jr., a sentença no processo penal:

[…] é o ato jurisdicional por antonomásia, uma resolução judicial paradigmática, a qual se encaminha todo o processo. Somente sentença resolve, com plenitude, acerca do objeto do processo penal, que, como vimos anteriormente é a pretensão acusatória (cujo elemento objetivo é o caso penal). [...] como aquele ato jurisdicional que põe fim ao processo, pronunciando-se sobre os fatos que integram seu objeto e sobre a participação do imputado neles, impondo-se uma pena ou absolvendo-o, como manifestação do poder jurisdicional atribuída ao Estado. (2009, p. 368).

Em continuação, esclarece:

O processo se encerra com a sentença, que é o ato praticado pelo juiz mediante o qual, com pronunciamento sobre o mérito da questão, se põe fim a relação processual instaurada com o ajuizamento da ação penal. (2009, p. 266).

Em se tratando de natureza jurídica da sentença, Goldschmidt apud Lopes

Jr., (2009, p. 365) “preleciona que a sentença consiste na declaração de vontade do

juiz, segundo o que acredita ser justo. Por outro lado será injusta a sentença que

reconhecer um direito que não é realidade. Assim, a sentença é um resultado de

uma atividade mental do juiz, por onde expressa sua vontade e poder, que por

conseqüência pode ser justa ou injusta”.

Quanto aos efeitos da sentença penal, pode gerar decisões com eficácia

meramente declaratória, por exemplo, extinção da punibilidade pela concessão de

perdão judicial ou prescrição; as absolutórias, (nos procedimentos comuns, ordinário

e sumário, e no rito do tribunal do júri); e as condenatórias. Caso ocorra a

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insatisfação da parte, esta poderá promover sua reforma, junto ao órgão jurisdicional

hierarquicamente superior.

3.1.1 Conceito de sentença penal condenatória

Em sentido estrito, a sentença penal condenatória é o momento em que o

magistrado “julga procedente a pretensão punitiva do Estado, fixando exatamente a

sanção penal devida, até então abstratamente prevista, a ser exigida do acusado.”

(NUCCI, 2008, p. 657).

Helton complementa, ao afirmar que:

[...] a sentença condenatória é um ato jurídico objetivo, porque os efeitos produzidos não derivam da vontade do juiz, mas da lei. Portanto, a sentença como ato processual, para ser prolatada, depende de vontade do juiz; mas, os efeitos da condenação são os previstos na lei penal. (2009, p. 6).

Da mesma forma, oportuno transcrever o entendimento de Tourinho filho:

Quando o juiz julga a denúncia ou queixa procedente, fala-se em sentença condenatória. Com a sentença condenatória o juiz julga procedente o jus puniendi, afirmando a responsabilidade do acusado e inflingindo-lhe a sanction júris. (2009, p. 797).

Como visto, a sentença penal condenatória consiste na materialização do

poder punitivo do Estado, ao ocorrer fragrante violação das normas impostas por

este, com conseqüente aplicação de pena correspondente à gravidade do delito

cometido.

3.2 DOS REQUISITOS DA SENTENÇA

Cumpre esclarecer que a função essencial da sentença é “declarar o direito,

quando o juiz procede à subsunção do fato a norma, aplicando o direito à espécie

concreta”. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 789).

O juiz ao proferir a sentença penal condenatória deve observar o disposto no

artigo 3812 do CPP, denominados de requisitos intrínsecos, sendo que, a ausência

2 Art. 381. A sentença conterá:

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destes requisitos, poderá tornar viciada a decisão, ocasionando até mesmo, sua

nulidade, conforme dispõe o artigo 564, IV do CPP3.

Dos requisitos supramencionados, três formam a estrutura básica da

sentença, quais sejam: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, que devem

estar descritos de forma clara e precisa pelo magistrado, que por sua vez, lhe é

conferido liberdade para julgar, inclusive em sentido diverso da denúncia do

Ministério Púbico, como bem explica o dispositivo 385 do CPP4.

Por derradeiro, importante destacar que ao ser proferida a sentença penal

condenatória, regras específicas contidas no artigo 387 do CPP5, também devem ser

observadas, como a do inciso IV (fixação mínima da reparação de danos), objeto do

presente trabalho.

3.3 DOS EFEITOS

Vários efeitos derivam da sentença penal condenatória, que por sua vez, são

“todos aqueles que, de modo direito ou indireto, atingem a vida do condenado por

sentença penal irrecorrível”. (PRADO, 2004, p. 721).

I - os nomes das partes ou quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa; III - a identificação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; V - o dispositivo; VI - a data e assinatura do juiz. 3 Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

IV - por omissão de formalidades que constitua elemento essencial do ato 4 Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o

Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. 5 Art. 387 o Juiz, ao proferir sentença condenatória: I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja existência reconhecer; II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título Xl deste Livro; VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1o, do Código Penal). Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

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Estes efeitos não se restringem a esfera penal, ao contrário, conforme o

caso atinge também a esfera extrapenal, como a do direito cível, administrativo,

trabalhista, político.

O principal efeito decorrente da condenação consiste na aplicação da

sanção penal (pena privativa de liberdade, restritiva de direito e/ou multa, ou medida

de segurança), mas, a incidência de outros efeitos secundários, de natureza penal

ou extrapenal, não são afastadas.

A respeito dos efeitos secundários extrapenais, ensina Prado:

[...] abrangem várias esferas como: a cível (obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, confisco e incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela – arts. 91, I, II; 92, II, CP); administrativo (perda de cargo ou função pública, inabilitação para dirigir veículo – arts. 92, I, 1ª parte, III, CP); político (perda do mandado eletivo – arts. 92, I, um fine, CP) e trabalho (justa causa para rescisão de contrato de trabalho – art. 483, c,

e, f, CLT). (2004, p. 722).

A partir da prolação da sentença penal condenatória e do seu trânsito em

julgado, emergem os efeitos secundários penais, dentre os quais, segundo Prado

destaca-se:

a) revogação, facultativa ou obrigatória, do sursis anteriormente concedido do (art. 81, CP) ou vedação de eventual concessão deste, se caracterizada estiver à reincidência em crime doloso (art. 77, I, CP); b) revogação, obrigatória ou facultativa, do livramento condicional (arts. 86 e 87); c) aumento ou interrupção do prazo de prescrição da pretensão punitiva executória, evidenciada e reincidência (arts. 110, caput, e 117, VI, CP); d) caracterização da reincidência se houver crime posterior; e) revogação da reabilitação, quando comprovada a reincidência (art. 95 CP); f) a caracterização da reincidência, caso o condenado já tenha sido condenado por sentença condenatória irrecorrível (art. 63 e 64, CP); g) possibilidade de reconhecimento da reincidência na hipótese de prática de novo crime; h) impedimento da concessão de vários privilégios (arts. 155, parágrafo 2º - furto privilegiado; 170 – apropriação indébita privilegiada, 171, parágrafo 1º - estelionato privilegiado); i) a caracterização da contravenção penal prevista no artigo 25 da Lei de Contravenções Penais, tendo o réu em seu poder gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não provada destinação legítima, na hipótese de condenação irrecorrível por crime de furto ou roubo; j) impossibilidade de eventual concessão de suspensão condicional do processo (art. 89, Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais); l) inscrição do nome do réu no rol dos culpados (art. 393, II, CPP). (2004, p. 722).

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Os efeitos extrapenais, ainda, podem ser divididos em genéricos e

específicos, como a seguir será demonstrado.

3.3.1 Efeitos extrapenais genéricos

Os efeitos extrapenais genéricos estão disciplinados no artigo 91 do Código

Penal6, e são produzidos automaticamente, ou seja, transitado em julgado a

sentença penal condenatória, passa a produzir efeitos, independente de qualquer

ato decisório, além de abrangerem todos os tipos penais. Como bem ensina Nucci:

Efeito genérico de tornar certa a obrigação de reparar o dano: trata-se de efeito automático, que não necessita ser expressamente pronunciado pelo juiz na sentença condenatória e destina-se a formar título executivo judicial para a propositura da ação civil ex delicto. (2009, p. 469).

O efeito genérico garante a vítima o direito de propor ação civil ex delicto,

com o intuito de ver seus prejuízos reparados, conforme dispõe o art. 935, CC, e o

artigo 91, I, CP, assim como, executar na esfera civil a sentença penal condenatória,

pois com o trânsito em julgado, torna-se título judicial, segundo o artigo 475-N, inciso

II, do CPC.

No entanto, com o advento da Lei 11.719/08, em seu artigo 387, IV, c/c art.

63 do CPP, há a possibilidade do magistrado fixar o mínimo indenizatório

diretamente na sentença penal condenatória.

Desta forma, a vítima de imediato poderia proceder ao cumprimento da

sentença perante o juízo cível, ou, caso entenda necessário, poderá promover a

liquidação, para apurar a diferença do dano efetivamente sofrido. Verifica-se que um

novo efeito genérico extrapenal, surge para ampliar o rol.

3.3.2 Efeitos extrapenais Específicos

6 Art. 91 São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

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Quanto aos efeitos extrapenais específicos, dispostos no artigo 92 do

Código Penal7, estes devem ser descritos e motivados na sentença penal

condenatória.

Referem-se a efeitos de natureza administrativa, que ocasionam à perda de

cargo, da função pública ou do mandado eletivo, ainda, a inabilitação para dirigir

veículos.

Outro efeito decorrente, este de cunho civil, consubstancia-se na

incapacidade para o exercício do pode familiar, tutela ou curatela.

3.4 PAPEL DO JUIZ

O juiz como sujeito da relação processual, “desempenha a função de aplicar

o direito ao caso concreto, provido que é do poder jurisdicional. [...] Atua como órgão

imparcial, acima das partes, fazendo atuar a lei e compondo os interesses do

acusador e do acusado, até a decisão final”. (NUCCI, 2008, p. 538).

Assim sendo, recebida a denúncia, não tendo sido entendido pela

absolvição sumária, o magistrado designará audiência de instrução e julgamento,

que deverá ser uma, visando atender o princípio da oralidade e da concentração dos

atos processuais. Este procedimento além de garantir a proximidade do fato ao

julgamento, preserva as impressões causadas pelo contato visual e físico entre o

juiz e o acusado, durante a produção das provas.

Trata-se da figura da identidade física do juiz, inserido através da lei

11.719/2008, por intermédio do artigo 399 parágrafo 2º8, inexistente até então no

processo penal. Desta forma, o juiz que presidir a audiência de instrução e

7 Art. 92 São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício de o pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado. III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. 8 Art. 399 - Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. Parágrafo 2º O juiz que presidir a instrução deverá proferir a sentença.

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julgamento ficará obrigado a proferir a respectiva sentença penal, em virtude do

contato direto que manteve com as provas, no decorrer do processo.

Ou seja, ao proferir a sentença penal o magistrado, manifesta o sentimento

do Estado-juiz, garantindo a sociedade resolução do litígio, de uma forma que a

estabilidade e a segurança social sejam asseguradas.

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4 DA AÇÃO CIVIL EX DELICTO

Quando ocorre à violação do bem jurídico penalmente tutelado, pela norma

penal incriminadora, várias lesões podem ser causadas, gerando efeitos em mais de

uma esfera, que podem ensejar intervenções judiciais diversas, diante da pluralidade

de graus de ilicitude decorrentes.

Assim, quando a repercussão atingir o campo da responsabilidade civil, a

medida cabível será a “ação civil ex delicto, que consiste na ação ajuizada pelo

ofendido na esfera cível, para obter indenização pelo dano sofrido.” (NUCCI, 2008,

p. 233).

Ou ainda, entendida como sendo o “procedimento judicial voltado à

recomposição do dano civil causado pelo crime”. (OLIVEIRA, 2009, p. 187).

Devido ao fato de prevalecer no Brasil, o sistema de separação de

instâncias9, a ação penal destina-se apenas a condenar pela prática de crimes,

enquanto que, a ação cível tem a finalidade de determinar a reparação do dano, nos

termos do artigo 935 do Código Civil10,

Visando o ressarcimento do dano sofrido, a vítima poderá intentar no cível a

ação de reparação de dano, antes mesmo de ser proposta a ação penal, para tanto,

basta ter sofrido um dano efetivo, observando que, neste caso não existirá o título

executivo, sendo iniciado uma ação de conhecimento, com posterior execução.

Outra forma, de obter a reparação de danos consiste em mover uma ação

cível paralelamente à ação penal. Mas, diante da subordinação11, em algumas

matérias, de uma instância a outra, no caso, do juízo cível para o juízo criminal, o

juiz do cível poderá suspender o curso desta até o final da ação penal, com

fundamento no artigo 64, parágrafo único, do Código de Processo Penal12.

9 Sistema da Separação das relações entre ação penal e civil, em que o provimento penal exerce nenhuma ou limitada influência na área cível. 10 Art. 935 - A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. 11 Segundo o entendimento de Oliveira, a subordinação de instancias, trás a dependência do juízo cível para o juízo criminal, uma vez que a verdade processual é obtida a partir de critérios mais rigorosos e não simplesmente através de uma alegação (art. 302, CPC). 12 Art. 64 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra autor do crime, se for o caso, contra o responsável cível. Parágrafo Único – Intentada a ação penal, o juízo da ação civil poderá suspender o custo desta, até o julgamento definitivo daquele.

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Contudo, segundo o entendimento de Oliveira, a suspensão não poderá

ultrapassar um ano, confirme dispõe o artigo 265, IV, parágrafo 5º do CPC13.

Por derradeiro, a vítima pode valer-se da sentença penal condenatória

transitada em julgado, para intentar a ação cível, nos termos do artigo 475-N, II, do

Código de Processo Civil14, e do artigo 91, I do Código Penal15 que disciplina os

efeitos genéricos16 da sentença, e, conjuntamente asseguram o dever do condenado

de reparar o dano causado pelo crime, ao ofendido.

Esta hipótese foi ampliada, já que o juiz criminal poderá fixar o mínimo da

reparação dos danos, diretamente na sentença penal condenatória, evitando que a

vítima tenha que buscar no juízo cível a liquidação, assegurando a celeridade

processual.

4.1 DA INDENIZAÇÃO CIVIL

O legislador ao estabelecer, que o juiz criminal deverá além da sanção

penal, instituir a sanção civil (indenização), correspondente ao dano causado pelo

acusado, faz com que a vítima, que até então, estava em segundo plano, seja

valorizada, considerando que a “lide penal, se consubstancia, basicamente, no

conflito entre a pretensão punitiva do Estado e a pretensão à liberdade do acusado”.

(MOREIRA, 2001, p. 135).

No mesmo sentido, elucida Silva Junior:

De toda sorte, a doutrina nacional, forte na concepção de justiça restaurativa, de há muito, vinha reclamando para que o processo penal também fosse instrumento mais eficaz no atendimento dos interesses da vítima, orientação, aliás, adotada pela Comissão de Reforma. (2009, p. 271).

13 Art. 265 - Suspende-se o processo: IV – quando da sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente; b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo. c) tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente. Parágrafo 5º - Nos casos enumerados nas letras a, b, c do n. IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir no processo. 14 Art. 475-N – São Títulos executivos judiciais: II – a sentença penal condenatória transitada em julgado 15 Art. 91 - São efeitos da condenação: I - Tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. 16 Efeito automático da condenação.

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Quando o juiz, entender que existem no processo, subsídio para fixar a

indenização patrimonial na sentença penal condenatória, fará com que à vítima

mesmo que parcialmente tenha seus prejuízos ressarcidos, sem ter que aguardar as

delongas de um processo civil de liquidação.

Embora, a reparação de danos na sentença penal, tenha sido uma

inovação em nosso ordenamento, verifica-se que há muito, este entendimento vem

sendo difundido em outros ramos do direito, através de variadas leis, como a seguir

demonstraremos.

Está disposição encontra-se expressa artigo 5º, V, da Constituição

Federal, que assim dispõe: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao

agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Direito igualmente assegurado pelo artigo 927 do Código Civil, que dispõe

sobre a obrigação de indenizar: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar

dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Outra disposição que não deixa dúvidas quando ao dever do autor do

delito de reparar a vítima e seus herdeiros e/ou familiares pelo dano causado, é o

artigo 948 do Código Civil, que assim dispõe:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. (2008, p. 239).

Além, do que já foi mencionado, há no código penal brasileiro, dispositivos

que estabelecem como efeito da condenação a obrigação de reparar: o art. 16,

causa de diminuição de pena a restituição da coisa ao ofendido; art. 65, III, b,

atenuante genérica; art. 78, parágrafo 2º, substituições de condições genéricas da

suspensão condicional da pena por condições especificas; art. 83, IV, condição para

livramento condicional; art. 94, III, condição para reabilitação; art. 312, parágrafo 3º,

extinção de punibilidade em caso peculato culposo.

A possibilidade de indenização diretamente no juízo criminal, também está

disposto nos artigos 74 e 75 da Lei 9.099/19995 (Juizados Especiais Civis e

Criminais), os quais asseguram a possibilidade da composição dos danos civis,

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desde que homologado pelo juiz, terá valor de título executivo e poderá ser

executado no juízo cível.

Ainda, o artigo 297 caput, da Lei 9.503/1997 do Código de Trânsito

Nacional, estabelece que o juiz criminal, além de impor a pena, pode fixar

ressarcimento a vítima. Valor que deve ser pago a vítima ou aos seus sucessores,

mediante depósito judicial, calculado conforme o parágrafo 1º do art. 49 do Código

Penal (NUCCI, 2008, p. 234).

Igualmente a Lei nº. 9.605/98 que disciplina os Crimes Ambientais, em seu

artigo 2017, estabelece a fixação do mínimo indenizatório para infrações ao meio

ambiente.

Outro disciplinamento encontrado está na Lei 11.340/2006 (Violência

domestica e familiar contra a mulher), além de dispor sobre a competência

cumulativa cível e criminal, em seu artigo 14, assegura a esposa, caso agredida pelo

marido, decretação de separação de corpos, medidas cautelares como a fixação de

alimentos provisórios e provisionais, além da regulamentação de visitas.

Logo, deve ser considerado como intenção do legislador ao inserir a

reparação de danos como requisito essencial da sentença penal condenatória, a

relação existente entre o juízo cível e criminal, conforme esclarece Silva Junior:

O processo penal, por conseguinte, sempre serviu para equacionar não apenas a responsabilidade penal quanto a civil, tornar certa, na hipótese em que a sentença é condenatória, o dever de indenizar pelos danos causados. Como se vê, o nosso sistema normativo, previa que a sentença criminal, além de definir a responsabilidade penal, tornava certa, igualmente, a responsabilidade civil. (2009, p. 270-271).

Como demonstrado, ao longo do tempo a legislação brasileira procurou

proporcionar formas para que a vítima obtivesse ressarcimento dos prejuízos

sofridos, e assim, valorizá-la. Ao inserir o inciso IV do art. 387 do CPP, o legislador

tenta enfatizar tal posicionamento, fazendo com que a vítima, obtenha ressarcimento

dos prejuízos sofridos, sem ter que intentar nova ação, o que causaria mais

delongas e menor confiabilidade na justiça.

17 Art. 20 - A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambientes. Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

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4.2 DA LEGITIMIDADE

Possuem legitimidade para propor a ação civil ex delicto o ofendido, pessoa

que diretamente foi prejudicada pelo fato delituoso, seus herdeiros, se o ofendido

não mais existir, e seu representante legal em caso de incapacidade (menoridade,

alienação mental, etc.), segundo o art. 63, caput do Código de Processo Penal.

Entretanto, por força do art. 68 do CPP, nos casos em que o titular do direito

for pessoa pobre18 e requerer ao Parquet, este terá legitimidade, na condição de

substituto processual, para promover a ação de reparação de danos, seja para

ingressar com a execução do título judicial, valendo-se da sentença penal

condenatória, como para intentar a ação de conhecimento.

Mendonça defende o posicionamento de que excepcionalmente o Ministério

Público poderia recorrer a favor do ofendido, na hipótese:

[...] em que o Ministério Público possui legitimidade para intentar a ação civil ex delicto. Como se sabe, se a vítima for pobre, requerer ao Parquet e não houver defensoria Pública instalada na localidade, o Ministério Público poderá intentar ação civil ex delicto, nos termos do art. 68 do CPP. (2008, p. 245).

E prossegue complementando, que o Ministério Público também estará

legitimado para interpor recurso, quando requerer a fixação de um valor mínimo da

indenização na sentença penal:

Se o Parquet possui legitimidade para propor a própria ação civil, no juízo civil, parece-nos claro que também poderá interpor recurso para que este valor seja, de logo, fixado no âmbito penal. Se pode o mais, que é propor a própria ação civil, poderá o menos, que será recorrer da sentença penal condenatória com o intuito de fixar o valor mínimo da indenização, bem como o quantum desta. (2008, p. 245).

No entanto, não terá legitimidade para interpor recurso contra sentença penal,

no que se refere a sua parte civil, segundo o entendimento do mencionado

doutrinador:

Entendemos que, em princípio, o Parquet não possui interesse recursal para interpor recurso sobre questão da indenização civil fixada na sentença a título de indenização civil, seja a favor do ofendido, seja a favor do acusado. Referida questão está no âmbito da disponibilidade das partes.

18 Art. 32. Parágrafo 1º - Considerar-se-á pobre a pessoa que não puder prover às despesas do processo, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família.

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Quem deve discutir se o valor deveria ser fixado ou, ainda, se o quantum foi ou não corretamente fixado, são o ofendido e o acusado. Não pode o Ministério Público se imiscuir nesta seara, por se tratar de questão cujo interesse é exclusivamente patrimonial e, portanto, disponível. (2008, p. 244).

Diversamente, há entendimento que o Ministério Público detém legitimidade

para postular, somente quanto ao ressarcimento do dano moral, no que se referem

aos crimes contra a honra, por tratar-se de questão de ordem pública. (SILVA

JUNIOR, 2009, p. 272/273).

O assistente de acusação, que precisamente será o ofendido ou seu

representante legal, devidamente representado por um advogado, também é

legitimado para conjuntamente com o Ministério Público, requerer a aplicação da

sanção penal ao autor do delito. Assim como, para requerer seja fixado o quantum

de indenização correspondente ao dano que sofreu.

Por sua vez a ação civil ex delicto deve ser proposta contra o autor do

delito, seus representantes legais ou seus herdeiros, diferentemente da ação penal

que somente pode ser proposta contra o autor do delito. Esta diferença ocorre

porque a “responsabilidade civil tem função essencialmente indenizatória,

ressarcitiva ou reparadora, só acessória ou secundariamente assumindo caráter

punitivo”. (MOREIRA, 2001, p. 159).

4.3 DA COMPETÊNCIA.

São competentes para fixar o valor da indenização ex delicto tanto o juiz

cível quanto o juiz criminal, aquele mediante interposição de ação civil ex delicto no

juízo cível, e este na forma do inciso IV, do art. 387 do Código de Processo Penal.

Conforme esclarece Hertel:

De qualquer sorte, a possibilidade de o juiz criminal fixar o valor mínimo da indenização cível cria mais um caso de competência concorrente. É que o juízo cível continua detendo competência para fixar eventual indenização em sede de liquidação ou mesmo de ação civil ex delicto. Assim, tem-se aqui um caso de competência concorrente em que tanto o juízo criminal como cível detêm competência para fixação de indenização pelos danos decorrentes do crime. (2009, p. 4-5).

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Caberá ao ofendido optar, em qual juízo irá pleitear o ressarcimento

patrimonial, devendo considerar que são matérias completamente distintas e

independentes, como a seguir explica Tourinho Filho:

A ação penal e a actio civilis ex delicto não se confundem: a ação penal tem por escopo realizar o Direito Penal objetivo, isto é, visa à aplicação de uma pena ou medida de segurança ao criminoso: a actio civilis tem por objetivo precípuo e único a satisfação do dano produzido pela infração. (2009, p. 259).

Sendo que a observância pelo juiz, do inciso IV do artigo 387, ao proferir a

sentença penal condenatória fixar o mínimo indenizatório, se houver sido

comprovado o dano efetivamente sofrido, “agilizará a indenização do dano causado

a vítima. [...]. Desse modo, a vítima poderá ser satisfeita, embora, que parcialmente,

sem necessidade de aguardar as delongas do processo civil de liquidação”.

(MENDONÇA, 2008, p. 240).

Entretanto, ao fixar a indenização no cível, o magistrado deve considerar o

quantum indenizatório anteriormente fixado no juízo criminal, sob pena de incorrer

em bis in idem, o que ocasionaria uma distorção da pretensão legislativa.

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5 DA APLICABILIDADE DO INCISO IV, DO ART. 387 E ART. 63, PARÁGRAFO

ÚNICO, DA LEI 11.719/2008

Em agosto de 2008 entrou em vigor a Lei 11.719/2008, trazendo diversas

alterações para os dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689/1941 – Código de Processo

Penal. Entre as inovações encontra-se a do inciso IV, de art. 387 e art. 63, parágrafo

único, que versa sobre a fixação mínima da reparação de danos na sentença penal

condenatória.

Visando uma melhor compreensão da amplitude da inovação inserida no

Código de Processo Penal, segue quadro comparativo com a redação anterior e a

atual dos dispositivos em análise:

Redação Anterior Redação Atual

Não havia

Art. 63. [...]

Parágrafo único. Transitada em

julgado a sentença condenatória, a

execução poderá ser efetuada pelo

valor fixado nos termos do inciso IV

do caput do art. 387 deste Código

sem prejuízo da liquidação para a

apuração do dano efetivamente

sofrido. (Incluído pela Lei nº 11.719,

de 2008).

Art. 387. [...]

IV - declarará, se presente, a

periculosidade real e imporá as medidas

de segurança que no caso couberem;

(Redação dada pela Lei nº 6.416, de 2

4.5.1977).

Art. 387. [...]

IV - fixará valor mínimo para

reparação dos danos causados pela

infração, considerando os prejuízos

sofridos pelo ofendido; (Redação

dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

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Extrai-se do comparativo que, anteriormente a reforma não havia a previsão

do magistrado criminal, fixar o quantum indenizatório na sentença penal

condenatória, segundo os danos sofridos pelo ofendido.

A inovação confere ao juiz criminal, a possibilidade de fixar além da sanção

penal a sanção civil ao condenado, contudo, o legislador deixou de inserir

ferramentas processuais capaz de proporcionar subsídios ao magistrado para aferir

o mínimo indenizatório a ser fixado.

O inciso IV do art. 387 combinado com ao art. 63, parágrafo único,

asseguram ao ofendido a possibilidade de iniciar a fase cumprimento de sentença

no juízo cível, nos termos do artigo 475-J do CPC, a partir do transito em julgado a

sentença penal condenatória. Garantindo, mesmo que parcialmente, a liquidez da

sentença penal condenatória, e evitando que o ofendido inicie um processo de

liquidação no juízo cível para apurar o valor real do dano sofrido, o que torna o

processo mais célere e eficaz, como expõe de forma elucidativa, Mendonça:

A reforma, alterando o artigo em estudo e o art. 63 do CPP, visou afastar este longo caminho de liquidação da sentença penal condenatória. Determina, assim, que o magistrado deve fixar um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Este valor mínimo torna o título executivo líquido, ao menos em parte, a permitir que a vítima, desde logo, proceda ao cumprimento da sentença perante o juízo cível. Completa o art. 63, parágrafo único, do CPP que este valor mínimo fixado na sentença condenatória não impedirá a parte de buscar a liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (2008, p. 239).

Vale mencionar o art. 64 do Código de Processo Penal, anterior à reforma,

mas que assegura a propositura da ação no cível para o ressarcimento de danos a

pedido da vítima, de seus ascendentes e/ou descendentes, a partir do trânsito em

julgado da sentença penal condenatória, conforme esclarece Mendonça:

O título executivo judicial representado pela sentença condenatória transitada em julgado poderá dar ensejo, concomitantemente, à execução de um valor líquido e outro ilíquido, e apenas este último passará pela fase de liquidação. Importante deixar claro que o título executivo será executado sempre no juízo civil, jamais no criminal (art. 475- P, inc. III do CPC). (2008, p. 240).

Embora, exista a possibilidade de fixar reparação de danos na sentença

penal condenatória, esta, não exauriu as alternativas, sendo que o ofendido poderá

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“postular a liquidação da sentença no cível, sem que se discuta a causa de pedir,

mas apenas o quantum a mais da indenização”. (LOPES JR, 2009, p. 415).

5.1 DO PEDIDO PARA FIXAÇÃO DA REPARAÇÃO DE DANOS

O legislador, ao inserir o instituto da fixação mínima indenizatória na

sentença penal condenatória, de certa forma foi omisso, já que, deixou de disciplinar

a forma que deveria ser observado em sua aplicação, instigando diferentes

entendimentos. Discute-se se há ou não necessidade de conter na denúncia pedido

para a fixação mínima da reparação de danos ma sentença penal condenatória?

Nesse impasse, há quem entenda que independe de pedido explícito para o

magistrado criminal fixar o mínimo indenizatório, por tratar-se de um comando ao

juiz, posicionamento defendido por Mendonça:

[...] independentemente de qualquer pedido, no âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título executivo. O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso de quem quer que seja. (2008, p. 240).

Opinião igualmente defendida por Silva Junior, ao destacar que:

[...] o juiz pode, e deve, em consonância com os elementos contidos nos autos, fixar a quantia. Isso porque a pretensão acusatória esboçada com o ajuizamento da denúncia abrange, igualmente, a condenação em quantia líquida, pelo menos em seu valor mínimo. (2009, p. 273).

Oportuno mencionar que este é o posicionamento adotado neste trabalho,

como dito anteriormente, trata-se de um comando dado ao juiz, como pode ser

verificado, “inc. IV, art. 387do CPP - fixará valor mínimo para reparação dos danos

causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”.

Nesse sentido, há decisões do Tribunal de Justiça do Paraná, como a seguir

demonstrado:

APELAÇÃO CRIMINAL ATENTADOS VIOLENTOS AO PUDOR PERPETRADOS CONTRA 03 VÍTIMAS ABSOLVIÇÃO DO RÉU QUANTO A UMA DELAS (3º FATO ARTS. 214 C/C 224, "A" E 226, III, C/C ART. 71, TODOS DO CP) CONDENAÇÃO EM RELAÇÃO AOS DELITOS PRATICADOS EM FACE DE DUAS MENORES, IRMÃS GÊMEAS (1º E 2º FATOS ARTS. 214 C/C 224, "A", C/C ARTS. 71 E 69, TODOS DO CP) RECURSO PRELIMINARES DE NULIDADE: ALEGAÇÃO DE

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INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA ESPECIALIZADA DE CRIMES CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO INOCORRÊNCIA ART. 2º DA RESOLUÇÃO 15/2007 E ART. 6º, § 1º, DA RESOLUÇÃO 07/2008, AMBOS EMANADOS DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJPR ALTERAÇÃO DO RITO PROCESSUAL PELA LEI 11.719/2008 DESNECESSIDADE DE NOVA CITAÇÃO DO RÉU PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA LEI PROCESSUAL QUE TEM APLICAÇÃO IMEDIATA, ALCANÇANDO OS FEITOS NA FASE EM QUE SE ENCONTRAM VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS SOB A ÉGIDE DA LEI ANTIGA CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTÊNCIA RÉU E SEU CAUSÍDICO DEVIDAMENTE INTIMADOS DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS DISCUSSÃO ACERCA DOS LAUDOS PERICIAIS MATÉRIA ANALISADA QUANDO DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO RECURSAL MÉRITO: AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE DEMONSTRADAS NARRATIVAS DETALHADAS DAS OFENDIDAS EM CONSONÂNCIA COM AS DE SEUS GENITORES, BEM COMO COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBANTES COLHIDOS NOS AUTOS VÍTIMAS MENORES VALIDADE DAS DECLARAÇÕES DISPENSABILIDADE DE LAUDO PERICIAL DE EXAME DE ATO LIBIDINOSO CONCLUSIVO CRIME QUE NECESSARIAMENTE NÃO DEIXA VESTÍGIOS MATERIAIS PENA-BASE ESTABELECIDA UM POUCO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 93, INC. IX, DA CF -MANUTENÇÃO DAS REPRIMENDAS IMPOSTAS CRIME CONTINUADO CONFIGURAÇÃO PLEITO PELA REDUÇÃO DA FRAÇÃO ATINENTE AO ART. 71 DO CP ) ACOLHIMENTO CRITÉRIO NÚMÉRICO DE DELITOS PRATICADOS AUMENTO DA SANÇÃO CORPÓREA QUE SE REVELOU EXASPERADA DIMINUIÇÃO PARA O PATAMAR DE ¼ VALOR INDENIZATÓRIO DEVIDAMENTE FIXADO EM A R. SENTENÇA INTELIGÊNCIA DO ART. 387, INC. IV, DO CPP RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. VI. A indenização independe de pedido da vítima, por tratar-se, na espécie, de norma imperativa. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC 0581194-5 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dês. Antônio Martelozzo - Unânime - J. 04.02.2010) – Em: 09 jul. 2010. [grifo nosso].

Diversamente, há quem adota o posicionamento de que não deve ocorrer a

fixação mínima à indenização, sem que exista pedido específico, “sob pena de

afrontar o contraditório e a ampla defesa e, em especial, o princípio da correlação

entre acusação e a sentença”. (RANGEL, 2010, p. 582).

Ressalta, ainda, que caso o magistrado criminal opte por condenar o

acusado, por algo que não consta no pedido inicial, estará julgando extra petita,

como a seguir se observa:

Se houver, portanto, sentença condenatória pelo fato crime e condenação a um quantum mínimo como dever de indenizar, sem que haja pedido, a sentença estará eivada de error in procedendo (julgamento extra petita) autorizando sua declaração de nulidade, de pleno direito, e, conseqüente cassação em grau de recursos; ou, em não havendo recurso da defesa, mas sim do MP, a concessão de habeas corpus ex officio para declarar a nulidade da sentença. (2010, p. 583).

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Outro doutrinador defende o mesmo posicionamento sob o argumento de

“que somente o ofendido poderia solicitar a indenização e o juiz não teria condições

de fixá-la de ofício, sem nenhum pedido”. (NUCCI, 2008, p. 235).

5.2 ABRANGÊNCIA DA REPARAÇÃO

Outro ponto que provoca controvérsias, devido à falta de esclarecimento do

legislador, refere-se ao âmbito de abrangência da indenização, ou seja, qual espécie

de dano causado a vítima poderá ser objeto de indenização na sentença penal

condenatória? O dano material, moral ou estético?

Bem, devemos considerar que não foi “previsto nenhum procedimento para

apuração dos danos, nem o seu grau de abrangência (material ou moral)”. (NUCCI,

2008, p. 235).

Pois bens, ao ser inserido o dispositivo que autoriza a fixação mínima dos

danos na sentença penal condenatória, observa-se que o legislador não impôs

limites, apenas especificou que o dano sofrido pelo ofendido deve ser reparado em

seu valor mínimo. “Não se trata de fixação do valor total da recomposição

patrimonial, mas, apenas valor mínimo suficiente para recompor os prejuízos já

evidenciados na ação penal” (OLIVEIRA, 2009, p. 583).

Atualmente, o alcance da reparação de danos é amplo, porém, a ideologia

dos reformistas ao inserir este instituto no Código de Processo Penal, era com que a

vítima obtivesse uma resposta jurisdicional mais rápida e eficaz, tendo o mínimo

reparatório fixado de imediato na sentença penal, mas, deixando a possibilidade, da

mesma, buscar no juízo cível a liquidação do efetivo dano. Ou seja, almejava-se a

economia processual e a afetividade do processo.

Contudo, esta falta de delimitação da espécie de dano a ser reparado, por

ser muito abrangente permite interpretações variadas, o que de certa forma

inviabiliza a concretização do instituto. Assim, concluímos que a lei permite com que

todo e qualquer tipo de indenização seja fixado na sentença penal condenatório.

Suprindo a lacuna deixada pela lei, há doutrinadores que defendem a idéia

de que devem ser reparados apenas os danos materiais, e, por outro lado há quem

entenda que a reparação deve abranger também o dano moral, vejamos.

Conforme explanado, para alguns a fixação dos danos devem restringir-se

aos danos materiais, uma vez que “eventuais acréscimos da responsabilidade civil,

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sob a rubrica dos lucros cessantes e eventuais danos morais, serão fixados na

instância cível”. (OLIVEIRA, 2009, p. 583).

Seguindo o mesmo referencial, aduzindo que dá para restringir-se a uma

espécie de dano e excepcionalmente abarcar outras espécies de indenizações,

ressalta Silva Junior, que:

[...] é mais natural que o pronunciamento criminal se dê, apenas, em relação ao ressarcimento quanto ao dano material. Porém, em alguns casos, como nos crimes contra a honra, a indenização deve ser de ordem moral. (2009, p. 272).

Diversamente, referindo-se sobre a súmula 37 do STJ19, que versa sobre a

cumulação de reparação de danos material e moral no processo civil, salienta Nucci:

[...] não é cabível ao juiz criminal a fixação do dano moral, muito embora cumuláveis as indenizações, como já visto na súmula acima, mas apenas aquelas que daquele que esteja informado pelas peças de investigação que instruíram o oferecimento da denúncia, que será apenas o dano material. (2008, p. 259).

Enfim, há diversos entendimentos, mas todos trabalham para a adequação

do processo penal ao novo instituto inserido, com a preocupação de superar os

obstáculos que surgem e concretizar instituto da reparação de danos na sentença

penal condenatória, para tanto se ressalta o entendimento de Rangel:

É claro que em se tratando de dano moral (e também o material) o processo criminal não é a seara adequada para apurar sua efetiva ocorrência, pois não se presta a este mister. Mas como o art. 387, IV CPP estabeleceu essa possibilidade, há que se mudar o perfil das sentenças criminais para moldá-las a nova sistemática, mas sem violar as regras básicas de um processo penal justo: princípio da ampla defesa, do contraditório e, principalmente, da correlação entre acusação e a sentença. (2010, p. 583).

5.3 SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

O magistrado criminal ao proferir a sentença condenatória deve observar

aos requisitos que estão dispostos no artigo 387 do CPP, in verbis:

Art. – 387 O Juiz, ao proferir sentença condenatória:

19 São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

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I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja existência reconhecer; II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título Xl deste Livro; VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1o, do Código Penal). Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. (2008, p. 619). [grifo nosso].

Para o presente trabalho, nos restringiremos ao estudo do inciso IV, o qual

autoriza o juiz criminal, ao proferir a sentença condenatória fixar o valor mínimo da

reparação de danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo

ofendido.

Este dispositivo deve ser entendido como um verdadeiro comando, o qual

determina que o magistrado fixe o valor mínimo. Mas, diante da falta de regramentos

processuais específicos que propiciam a comprovação do dano e o convencimento

do magistrado, este poderá eximir-se de fixar, conforme salienta Mendonça:

[...] em situações excepcionais, devidamente justificadas, poderá ocorrer de o magistrado não ter elementos suficientes para fixar o valor da indenização, sequer em seu mínimo legal. Nestas situações, deverá mencionar tal impossibilidade, expondo os motivos pelos quais assim decide (complexidade da causa falta de provas para fixar o valor do dano, entre outros). (2008, p. 242).

Complementa, aduzindo que “o magistrado deve se manifestar sobre o valor

do dano, mesmo que seja para indicar os motivos pelos quais ficou impossibilitado

de fixá-lo”. (ibid, p. 242).

Outro ponto a ser analisado se refere ao “valor mínimo”, ao qual a lei

menciona, sem, no entanto, estabelecer parâmetros que possibilitem sua fixação.

Com referencia a este impasse, coadunamos com o posicionamento de Fuher:

Por “valor mínimo” se deve entender aquele incontroverso que poderia ser reclamado razoavelmente pela vítima com base naquilo que emergiu da prova trazida aos autos e seria fixado por um juiz conservador. Este valor

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deve considerar não só a extensão e a grandeza efetiva do dano, como também as condições econômicas e sociais da vítima. (2008, p. 22).

Quando o legislador deixou de especificar a forma de apuração do quantum

indenizatório, transferiu ao magistrado poder discricionário para tanto. Sendo que,

existem casos em que o magistrado não terá dificuldades em fixar o "valor mínimo"

da reparação dos danos, exemplo, nos crimes contra o patrimônio, tendo em vista,

que o valor é facilmente apurado no decorrer do processo, qual seja a diminuição

patrimonial sofrida pela vítima em virtude do delito cometido pelo seu ofensor.

Mas, em outros casos será difícil a apuração, devendo ser o magistrado

informado pelo ofendido do valor do prejuízo sofrido, que, por exemplo, poderá ir de

uma internação hospitalar, com seqüelas deixadas pela prática de ato ilícito, até

possíveis gastos com o sepultamento da vítima, entre outros. Nestes casos, o juiz

fixará um valor que corresponda ao dano sofrido.

Reafirmando, há necessidade de comprovação do dano efetivamente

sofrido pela vítima, para que o magistrado possa seguramente fixar o mínimo

indenizatório.

Para corroborar com o posicionamento adotado, utiliza-se do entendimento

defendido através do acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, a seguir exposto:

EMBARGOS INFRINGENTES. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. INDENIZAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA DE ACORDO COM AS ALTERAÇÕES DO ART. 387 DO CPP. AUSÊNCIA DE PROVA DA EXTENSÃO DOS DANOS. EXCLUSÃO. PLEITO DE ALTERAÇÃO DO REGIME FIXADO. IMPOSSIBILIDADE. DELITO CONSIDERADO COMO HEDIONDO. PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. 1. A fixação de indenização civil no processo penal (art. 387, IV) não pode ser realizada aleatoriamente, sem um parâmetro razoável ou sem proporcionar todos os meios de provas admissíveis ao réu, para que este possa demonstrar o que seria, em tese, devido. 2. O estupro e o atentado violento ao pudor, ainda que cometidos na sua forma simples e mesmo com violência presumida, são considerados crimes hediondos. Precedentes do STF. (...) (REsp. nº 334.150-RS, 5ª Turma, real.Min.GilsonDipp). (TJPR - 3ª C.Criminal em Com. Int. - EIC 0567644-8/01 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dês. Marques Cury - Unânime - J. 04.02.2010) – Em: 09 de julh. 2010. [grifo nosso].

Contudo, se o magistrado criminal encontrar subsídios que possibilitem a

comprovação do dano, deverá fixa a indenização na sentença penal condenatória,

permitindo com que o ofendido vá ao juízo cível, apenas, para pleitear o

cumprimento da sentença.

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Mas, como já mencionado no presente trabalho, não haverá sido excluído a

possibilidade do ofendido de pleitear no juízo cível o valor real do dano sofrido.

Insatisfeito com o valor arbitrado, este, poderá pleitear em sede de liquidação ou até

mesmo propondo uma ação civil ex delicto, a satisfação do prejuízo sofrido.

No entanto, ao ser fixado a reparação de danos, surge uma questão

interessante, quando se tratar de tráfico de drogas pergunta-se, tendo sido

condenado os traficantes de drogas, quem será o beneficiário da indenização?

Pois bem, já houve decisão neste sentido, trata-se dos autos A.C. nº

2008.61.19.01009-6 (integra decisão no anexo I), como a seguir notícia Santos:

O Juiz Federal da 7ª Vara Criminal de São Paulo que obrigou um traficante a pagar gastos do estado com tratamento de usuários de drogas, reparando, assim, os danos que eles mesmos têm causado à saúde pública e à sociedade, que é onerada com os tributos respectivos. Trata-se do Excelentíssimo Senhor Juiz Ali Mazloum, o qual imputou o dever de indenizar a dois acusados de tráfico de drogas: o nigeriano Chukwuemeka Frank Okoli-Igweh e a brasileira Maria das Graças da Silva. A brasileira Maria das Graças da Silva, que disse trabalhar como diarista, e o nigeriano Chukwuemeka Frank Okoli-Igweh, que disse que viera comprar materiais de construção no Brasil, foram condenados a cumprir pena em regime fechado durante, respectivamente, cinco anos, dois meses e 15 dias (ela) e seis anos e três meses (ele) de reclusão, sem direito a recorrer em liberdade, pelo crime de tráfico de droga. A decisão deu-se em sentença (24/6) proferida pelo juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal, na capital e tem uma peculiaridade. Os acusados deverão pagar, cada um, o valor de R$ 3 mil, a título de reparação dos danos causados à saúde pública (Lei 11.719/2008; art.387, inciso IV). O juiz esclarece que o valor foi apurado após consultar os sites do Jornal da Cidade de Rio Claro e do Governo do Estado de São Paulo, como "o custo mensal que a Secretaria da Saúde repassa, por paciente/mês, para clínica de reabilitação de viciados". O juiz determinou, ainda, o perdimento, em favor da União, dos aparelhos celulares e do dinheiro, em moeda nacional e estrangeira em poder dos acusados, "por considerar que tais bens e valores foram utilizados na prática do crime". Segundo a denúncia, a Delegacia Especial do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, recebera informação de que um homem e uma mulher estavam organizando a remessa de entorpecente, a ser enviado ao exterior, em um hotel na cidade de São Paulo (26/11/08). Policiais federais foram ao local - rua do Gasômetro, 809 - e encontraram os suspeitos e várias caixas contendo tubos de aço e furadeiras. Examinados por equipamento de raio-X do aeroporto, foi constatado que os tubos continham 2.970 gramas de cocaína e os dois foram presos em flagrante. (2009, p. 24).

Por se tratar de danos causados a saúde pública e a sociedade, sendo

impossível delimitar quem (usuário de drogas) foi prejudicado, nada mais justo do

que direcionar o quantum indenizatório fixado, em favor do Estado, responsável por

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custear as instituições públicas que fornecem atendimento direcionado a reabilitação

das vítimas.

5.4 APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

Por inteligência do art. 5º, incisos XXXIX e XL da Constituição Federal20,

que confere a aplicabilidade da lei mais benéfica ao acusado, vige o efeito retroativo

da lei penal, determinando que nos processos criminais acobertados pela coisa

julgada prevalecem as normas processuais em favor do acusado, em atenção aos

princípios da legalidade e retroatividade.

No Brasil, adota-se o princípio da imediatidade21, sendo que o importante é

o momento em que se praticam os atos processuais, ainda, por “expressa

disposição legal, a lei processual penal nova aplica-se, desde logo, ao processo em

curso, sem prejuízo, naturalmente, da validade daqueles atos já realizados sob a

vigência da lei anterior (art. 2º do CPP)”. (SILVA JUNIOR, 2009, p. 55).

Quanto à aplicação da lei que disciplina a fixação do mínimo indenizatório

na sentença penal condenatória, “entendemos que a disposição deve ser aplicada

imediatamente, [...] em todas as sentenças proferidas após a entrada em vigor da

referida lei”. (MENDONÇA, 2008, p. 245).

Entendimento igualmente defendido por Silva Junior, ao esclarecer que:

[...] em relação à fixação, na sentença condenatória, de valor mínimo liquido para fins de ressarcimento dos prejuízos, só deve ser aplicada em relação aos processos nos quais, quando de sua entrada em vigor, não houvesse sido ultrapassada, ainda, a fase das razões finais. Isso porque, na primeira instância, os momentos para a defesa a respeito desse tema são na resposta e nas razões finais. Ultrapassada a fase das alegações finais sob a regência da lei anterior, a lei nova não pode ser aplicada, sob pena de supressão de instância quanto à discussão da matéria em primeiro grau. (2009, p. 57-58).

Posicionamento reafirmado no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Paraná:

20

Art. - 5º Inc. XXXIX - Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação penal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 21 Não importa a data da prática do crime, mas, o momento em que se proferirá a sentença.

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APELAÇÃO CRIMINAL ATENTADOS VIOLENTOS AO PUDOR PERPETRADOS CONTRA 03 VÍTIMAS ABSOLVIÇÃO DO RÉU QUANTO A UMA DELAS (3º FATO ARTS. 214 C/C 224, "A" E 226, III, C/C ART. 71, TODOS DO CP) CONDENAÇÃO EM RELAÇÃO AOS DELITOS PRATICADOS EM FACE DE DUAS MENORES, IRMÃS GÊMEAS (1º E 2º FATOS ARTS. 214 C/C 224, "A", C/C ARTS. 71 E 69, TODOS DO CP) RECURSO PRELIMINARES DE NULIDADE: ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA ESPECIALIZADA DE CRIMES CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO INOCORRÊNCIA ART. 2º DA RESOLUÇÃO 15/2007 E ART. 6º, § 1º, DA RESOLUÇÃO 07/2008, AMBOS EMANADOS DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJPR ALTERAÇÃO DO RITO PROCESSUAL PELA LEI 11.719/2008 DESNECESSIDADE DE NOVA CITAÇÃO DO RÉU PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA LEI PROCESSUAL QUE TEM APLICAÇÃO IMEDIATA, ALCANÇANDO OS FEITOS NA FASE EM QUE SE ENCONTRAM VALIDADE DOS ATOS PRATICADOS SOB A ÉGIDE DA LEI ANTIGA CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTÊNCIA RÉU E SEU CAUSÍDICO DEVIDAMENTE INTIMADOS DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS DISCUSSÃO ACERCA DOS LAUDOS PERICIAIS MATÉRIA ANALISADA QUANDO DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO RECURSAL . OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 93, INC. IX, DA CF MANUTENÇÃO DAS REPRIMENDAS IMPOSTAS CRIME CONTINUADO CONFIGURAÇÃO PLEITO PELA REDUÇÃO DA FRAÇÃO ATINENTE AO ART. 71 DO CP ) ACOLHIMENTO CRITÉRIO NÚMÉRICO DE DELITOS PRATICADOS AUMENTO DA SANÇÃO CORPÓREA QUE SE REVELOU EXASPERADA DIMINUIÇÃO PARA O PATAMAR DE ¼ VALOR INDENIZATÓRIO DEVIDAMENTE FIXADO EM A R. SENTENÇA INTELIGÊNCIA DO ART. 387, INC. IV, DO CPP RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. V. O inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal, com a redação da Lei 11.719/2008, é explícito ao estatuir que "o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". Sendo uma norma de direito processual a presente, aplica-se desde logo (CPP, art. 2º). Segundo ensina Frederico Marques, "toda norma de processo obedece ao princípio geral do efeito imediato, princípio que muitos confundem com a chamada retroatividade" ("Tratado de direito processual penal", vol. I Saraiva 1980, p. 68). VI. A indenização independe de pedido da vítima, por tratar-se, na espécie, de norma imperativa. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC 0581194-5 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Dês. Antônio Martelozzo - Unânime - J. 04.02.2010) – Em: 09 de julh. 2010. [grifo nosso].

Desta forma, não há o que questionar já que se trata de disposição

constitucional e encontra-se disposto expressamente no Código de Processo Penal,

sendo assim, observa-se que a lei que disciplina a fixação mínima do quantum

indenizatório na sentença penal, deve ser aplicada a todos os casos, após sua

vigência, por tratar-se de uma norma processual.

5.5 DO PAPEL DA VÍTIMA NA AÇÃO PENAL.

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Um dos pontos centrais da reforma foi estabelecer normas que resgatassem

e preservassem os interesses da vítima e de seus familiares no processo penal,

como a seguir, enfatiza Nucci:

O que se trouxe também com essa reforma foi a redescoberta da figura da vítima que passou por várias fases, como a da época do protagonismo ou da idade de ouro, a vingança era privada e a reparação era comprada através de pagamento direto à vítima na chamada clemência remunerada. [...] Essa idéia foi afastada e o estado passou a assumir o papel central e a vítima por sua vez passou a um plano secundário. (2008, p. 255).

A legitimidade da vítima para atuação no processo penal, consiste, em um

dos maiores desafios da atualidade, diante do esquecimento ao qual foi submetido

no sistema criminal.

Com o intuito de enfatizar a real finalidade do processo penal, para com

toda a sociedade, ressalta Silva Junior:

[...] a finalidade do processo penal não é atender aos fins dos governantes, porém aos lídimos interesses da sociedade, não se pode perder de vista a necessidade de que a resposta como resultado final do processo, na medida do possível, não se descure em satisfazer o sentimento de justiça do ofendido. (2009, p. 53).

No processo criminal a lesão ao bem jurídico, raramente é satisfeita

integralmente por intermédio do processo, sendo a vítima deixada em segundo

plano, sem que seus direitos básicos fossem respeitados. Foram iniciados inúmeros

estudos no Direito Comparado22, sobre a vítima no processo penal, que resultaram

na “Assembléia Gera das Nações Unidas de 29 de novembro de 1985, tendo sido,

proclamada a Declaração dos Direitos Fundamentais da Vítima” (SILVA JUNIOR,

2009, p. 54).

Estes estudos realizados na seara processual penal receberam o nome de

justiça restaurativa23, ideal adotado pelos reformistas ao tratar do capítulo “Do

22 O direito comparado é o ramo da ciência jurídica que estuda as diferenças e as semelhanças entre os ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, agrupando-os em famílias. Embora, auxilie no estudo de diversos ramos do direito, é no direito internacional privado que a disciplina do direito comparado exerce papel essencial: as instituições jurídicas estrangeiras são estudadas por meio da comprovação entre ordenamentos jurídicos. 23 Movimento que propõe o estabelecimento de um sistema complementar ao processo criminal, a fim de conceber programas de segurança e auxílio não apenas as vítimas, mas igualmente às testemunhas e aos acusados.

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Ofendido” e o da fixação mínima para reparação de danos, segundo o inciso IV do

art. 387 do CPP, inseridos através da Lei 11.719/2008.

Desta forma, a vítima deve ser tratada como uma espécie de testemunha

especial24 e não apenas como um meio para as atividades das agências criminais,

policiais, do Ministério Público e Judicial, a qual lhe é “dado uma resposta com foros

de legitimidade, passando a ser um meio de prova.” (SILVA JUNIOR, 2009, p. 221).

Segundo o movimento abolicionista25, o principal defeito do sistema punitivo

é o tratamento dispensado a vítima. Defendem a idéia de que a “vítima deve receber

maior apoio econômico, quando necessário, do Estado. Um apoio simbólico em

situação de pesar e luto. Ou seja, a vítima deve receber amparo proporcional à

agressão sofrida”. (SILVA JUNIOR, 2009, p. 222).

Percebe-se a preocupação dos reformistas em resguardar os interesses da

vítima no processo penal, ao inserir o dispositivo da fixação mínimo para reparar os

danos sofridos, nos termos do inciso IV do art. 387 do CPP, através da Lei nº

11.719/2008. Assim como foi inserido um capítulo denominado “O Ofendido” através

do art. 201 e parágrafos da Lei nº 11.690/200826, com o intuito de ampliar e

resguardar seus direitos.

24 Nomenclatura utilizada por Silva Junior, para identificar a importância da Vítima no processo penal. 25O Movimento Abolicionista é uma vertente da Criminologia Critica, que tem como proposta acabar com as prisões e com a abolição do próprio Direito Penal, substituindo ambos por ações para as situações-problema (que substitui a definição de crime), tendo por base o dialogo, a concórdia e a solidariedade dos grupos sociais, de modo que sejam decididas as questões sobre as diferenças, choque e desigualdades, com o uso de instrumento que podem levar à privatização dos conflitos, no que o juiz penal seria transformado em um juiz civil. 26 Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. § 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. § 2o O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. § 3o As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico. § 4o Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido. § 5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. § 6o O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

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5.6 DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A função do Ministério Público advém do art. 127 da Constituição Federal,

que lhe atribui “tríplice atividade: a defesa da ordem jurídica, a do regime

democrático e dos interesses sociais individuais indisponíveis. É na defesa da ordem

jurídica, que o Ministério Público, mostra todo o seu esplendor”. (TOURINHO FILHO,

2009, p. 390).

Como função institucional, o Ministério Público atua em caráter privativo na

ação penal, nos moldes do artigo 129, I da CF, conforme nos ensina Nucci:

[...] a promoção, em caráter privativo, da ação penal pública, na forma legal. Por isso, ocupa, no processo penal, o Ministério Público a posição de sujeito da relação processual, ao lado do juiz e do acusado, além de ser também parte, pois defende interesse do Estado, que é a efetivação de seu direito de punir o criminoso. (2008, p. 257-256).

Foi direcionado ao Ministério Público, um capítulo próprio no Código de

Processo Penal, a partir do artigo 257, o qual autoriza sua atuação no processo

penal como parte e fiscal da lei, este, por exemplo, na execução da pena e da

medida de segurança, aquele, promovendo a ação penal. Aos promotores de

Justiça, como representantes da sociedade frente ao Estado, é garantido o dever de

fiscalização, para que a lei seja cumprida em seus estritos termos.

Quanto à atuação do Ministério Público, na fixação mínima da reparação de

danos na sentença penal condenatória, entende-se que “não há pedido da parte,

seja do Ministério Público ou da vítima, sendo efeito automático da sentença. [...]

existe apenas um efeito genérico da sentença penal condenatória”. (MENDONÇA,

2008, p. 241).

Logo, caberá ao Ministério Público, somente a interposição da ação civil

para reparação de danos, quando a parte for pobre na acepção jurídica da palavra,

nos termos do artigo 68 do CPP.

5.7 DO TÍTULO EXECUTIVO

Fixado o valor da indenização cível na sentença penal condenatória e

ocorrendo seu trânsito em julgado, poderá o ofendido promover-lhe a execução, pois

terá força de título executivo judicial, nos termos do artigo 475-N, II do Código de

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Processo Civil. Restando, apenas que a vítima vá ao juízo cível requerer a fase de

cumprimento de sentença, nos moldes do artigo 475-J do mesmo diploma.

Nesta fase, não mais se discutirá a culpa do autor do delito, já que mesmo

parcialmente, o título será líquido.

Por outro lado, estando à vítima insatisfeita com o quantum fixado, o

parágrafo único do artigo 63 do CPP, assegura a possibilidade de preitear no juízo

cível, um montante maior que o fixado na sentença penal condenatória,

considerando que se trata de um valor mínimo de indenização. Conforme esclarece

Tourinho Filho:

Transitado em julgado a sentença penal condenatória, está valerá, por força de lei, como título certo e ilíquido, em favor do titular do direito à indenização. [...]. Assim, não se sabendo o quantum devido, haverá necessidade de se proceder, previamente, à liquidação da sentença penal condenatória, nos termos do art. 475-A do CPC. [...] Ressalva-se, apenas, a execução quanto ao valor fixado pelo juiz na sentença condenatória quando esta transitar em julgado, nos termos do parágrafo único do art. 63 do CPP, já citado. (2009, p. 226).

O citado artigo refere-se à hipótese em o juiz criminal não fixar a reparação

de danos na sentença penal condenatória, o que ocorrerá quando não forem

atendidos os requisitos mínimos para sua fixação. Situação em que a vítima em

poder do título, poderá mover ação de liquidação no juízo cível, para apurar o valor

que lhe é devido a título de reparação de danos.

Por outro lado, indaga-se sobre a possibilidade de ser promovido

simultaneamente, a liquidação da parte ilíquida da sentença, assim como a

execução da parte liquida da sentença penal condenatória transitado em julgado.

Questionamento esclarecido por Hertel:

Não há qualquer entrave em relação a essa possibilidade. Poderá, com efeito, ser promovida de modo simultâneo a execução da sentença penal condenatória com a sua respectiva liquidação. O Código de Processo Civil, no art. 475-I, § 1º contempla essa possibilidade, in verbis: Art. 475-I, § 1º. Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta. (2009, 4).

Ou seja, não há óbice a realização simultânea de execução da sentença

penal condenatória quanto ao mínimo indenizatório e a liquidação para apurar o

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valor residual do dano, desde que sejam promovidas em ações distintas, sendo uma

de liquidação e outra de cumprimento de sentença.

5.7.1 Execução da pena versus execução do mínimo indenizatório

Com relação à execução da pena e a execução do mínimo indenizatório na

esfera cível, nos cumpre tecer algumas ponderações, no intuito, de apontar uma

solução para que não ocorram conflitos caso seja interposto recurso ou iniciado o

cumprimento da sentença.

Para tal impasse a solução apontada segundo Dinamarco, consiste na:

[...] definição de capítulos de sentença, diante do direito positivo brasileiro, como unidades autônomas do decisório da sentença. É no isolamento dos diversos segmentos do decisório que residem critérios aptos a orientar diretamente a solução de diversos problemas, quer no tocante aos recursos, quer em todas as demais áreas de relevância. (2002, p. 35).

Adotando o aludido entendimento e considerando que, tanto a fixação da

pena correspondente ao crime cometido, quanto à fixação da indenização

equivalente aos prejuízos sofridos pela vítima, são partes integrantes do dispositivo

da sentença, para que não ocorram conflitos quer na interposição de recurso,

quanto, no cumprimento dos pontos mencionados, importante estejam dispostos em

capítulos distintos.

Conforme se pode observar “a questão da indenização civil deve ser objeto

de capítulo próprio da sentença penal condenatória. Esta constatação terá

conseqüências praticas”. (MENDONÇA, 2008, p. 243).

As referidas conseqüências consistem no caso do ofendido ou do acusado,

entenderem indevido o valor mínimo indenizatório fixado, poderão recorrer deste

capítulo, sem, no entanto, impedir a expedição da guia definitiva da execução da

pena quando este capítulo transitar em julgado, conforme explica Mendonça:

[...] se o condenado ou a vítima não se confirmarem com o valor da impugnação e recorrerem apenas deste capítulo da sentença, os demais capítulos – que digam respeito ao aspecto penal – não precisarão aguardar o resultado final do recurso relativo à indenização. (2008, p. 243).

Complementa, aduzindo que:

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Do contrário, se o magistrado tiver que aguardar o trânsito em julgado da questão meramente cível para somente executar o capítulo da pena, não só haverá incentivo à impunidade, em razão da prescrição, como também se estará contrariando um dos princípios da reforma, que é justamente a celeridade. (2008, p. 244).

O inverso, no entanto, não merece a mesma solução, caso o condenado

recorra apenas do capítulo da pena não será possível à execução do capítulo da

indenização. Devido ao fato de que, a sentença penal condenatória deve transitar

em julgado, para ter força de título executivo, esta, subsistirá somente no caso de

ser mantido a condenação à indenização, na sentença penal condenatória. (ibid., p.

244).

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6 DO RECURSO

No que concerne à interposição de recurso contra a sentença penal

condenatória que fixar o valor mínimo de reparação de danos, previsto no art. 387,

inc. IV do Código de Processo Penal, entendemos que somente o ofendido ou

mesmo o acusado podem fazê-lo. Por trata-se “exclusivamente de interesse

patrimonial, sendo permitido apenas a eles dispor deste direito”. (MENDONÇA,

2008, p. 244).

Desta forma, havendo a interposição de recurso, surge à questão, qual será

o órgão competente no Tribunal para apreciar a questão? Será o órgão criminal ou o

órgão cível?

A questão insere-se no contexto da chamada competência funcional

vertical. O Código de Processo Civil, ao tratar da competência funcional, tanto a

horizontal como a vertical, o fez no seguinte dispositivo, in verbis:

Art. 93 do CPC. Regem a competência dos tribunais as normas da Constituição e de organização judiciária. A competência funcional dos juízes de primeiro grau é disciplinada neste Código. (2008, p. 598).

Observa-se do dispositivo, que na primeira parte aponta-se a solução para o

problema de competência envolvendo instâncias diversas, enquanto que, na

segunda, refere-se à identificação do órgão competente em sede de instâncias do

mesmo nível.

Importante compreendermos que a “competência funcional é determinada

pela função que o órgão jurisdicional deve exercer. (...) pode ser determinada a

partir do objeto do próprio juízo, da hierarquia e das distintas fases do processo.”

(WAMBIER, 2007, p. 98).

O Poder judiciário é hierarquicamente disposto em graus diferentes, sendo

que a competência funcional em função da hierarquia esclarece qual órgão julgará a

lide em caso de recurso.

Feitas estas considerações, deve-se compreender que a competência do

Tribunal é determinada pelas normas da Constituição e da organização judiciária de

cada Estado. Deste modo, há necessidade de recorrer há estas disposições para

sabermos qual órgão será competente para julgar o eventual recurso interposto

contra a sentença criminal que fixar a indenização cível.

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Sendo assim, as normas de organização judiciária e o regimento interno do

tribunal estabelecem a competência do órgão criminal ou do cível, a partir do

processamento da apelação, no qual, se hostilizar a sentença criminal que fixou

indenização. “Nada impede que a competência seja seccionada, de uma forma que

o órgão criminal analise a matéria relativa ao crime e, o órgão cível analise a matéria

relativa ao valor mínimo da indenização cível. Mas, nesse caso, haverá uma

dificuldade de operacionalização do processamento, já que um mesmo recurso

poderia ser apreciado por dois órgãos do tribunal.” (HERTEL, 2009, 4.6).

6.1 RECURSO CONTRA O CAPÍTULO DA SENTENÇA QUE FIXAR A

INDENIZAÇÃO CIVEL

Vários questionamentos surgem, mas, não foram respondidos pela

comissão de reforma, quando se questiona o que acontecerá se houver a

interposição de recurso contra capítulo da sentença penal condenatória que fixar um

valor mínimo a título de indenização cível.

Primeiramente surge à questão, como se dará a progressão de regime27

para o acusado, quando tiver sido interposto recurso e encontrar-se pendente de

julgamento, sendo que o condenado já cumpriu a pena mínima para ter o benefício?

Semelhante dúvida surge quando se trata do livramento condicional, nos

termos do art. 83, IV do Código Pena28, que se remete ao art. 91, I do Código Penal,

garantindo a vitima a possibilidade de propor ação civil ex delicto, com o título

formado pela sentença penal condenatória.

Contudo, nada é mencionado na reforma com relação a esta indagação,

logo, estando pendente de julgamento um recurso contra o mínimo indenizatório

fixado na sentença, poderá o acusado ser beneficiário do livramento condicional?

Outra questão interessante que surge, refere-se ao ajuizamento da revisão

criminal (art. 621 do Código de Processo Penal), tendo sido, julgado procedente.

27 Lei 7.210/84 - Art. 112 - A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o prezo tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão (Redação dada pela Lei 10.792, de 01.12.2003). 28 Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração.

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Neste impasse, nos reportamos ao entendimento de Nucci, quanto à

procedência da revisão criminal, salienta que esta:

[...] terá o condão de eliminar o título executivo, que é a sentença condenatória proferida anteriormente. Logo, se ainda não iniciada a execução, não mais pode ocorrer; caso tenha começado, deverá o juiz extingui-la por inexigibilidade do título. E, derradeiramente, se já tiver sido pago a indenização - uma vez que não houve processo de conhecimento para apurar a culpa na esfera cível - caberia ação de restituição, onde se poderia então debater a culpa do pretenso autor do ato ilícito. (2008, p. 237).

São pontos interessantes, levantados a partir da análise do instituto da

fixação mínima da reparação de danos na sentença penal condenatória, mas, que

não foram totalmente esclarecidos pelo legislador, inclusive, por tratar-se de uma

inovação, pouco tem sido abordado pela doutrina e jurisprudência.

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7 DO PROJETO DE LEI Nº 156/2009

Desde a edição do Decreto-Lei 3.689/1941 (Código de Processo Penal),

foram várias as tentativas, sem êxito, de editar um Código de Processo Penal

inteiramente novo, mas, devido a infindáveis motivos, entre os quais, à dificuldade

própria para tramitação legislativa, até então não havia sido possível concretizar tal

ideal, ocasionando a realização de inúmeras reformas pontuais.

No entanto, após muitos esforços conjuntos de todo os operadores do

direito e até mesmo de outras classes, ainda, próximo ao Código de Processo Penal

atual completar 70 anos de idade, foi instalada uma comissão de reforma que

organizou um anteprojeto visando à edição de um novo código, sendo que em

14.04.2009 foi entregue ao presidente do Senado, se transformando no PLS

156/2009.

O novo Código de Processo Penal foi pensado a partir das premissas

constitucionais, sendo que a “mudança mais importante, sem dúvida alguma, é a

que introdução do sistema acusatório, superando, em definitivo, o sistema

inquisitório vigente dentre nós desde sempre.” (COUTINHO, 2009, p. 24).

Dentre as alterações sugeridas pelo projeto, vamos nos restringir a tecer

algumas ponderações sobre as referentes ao instituto da fixação da reparação de

danos na sentença penal condenatória, objeto deste trabalho, inserido no código

vigente, através da Lei nº. 11.719/08, pelo art. 387, inc. IV e o art. 63, parágrafo

único.

Atualmente, o instituto da fixação mínima da reparação de danos, não prevê

a formulação do pedido, somente, determina ao juiz criminal que proceda a fixação

ao proferir a sentença penal condenatória.

Também, não há uma determinação da espécie de dano sofrido pela vítima,

que deve ser objeto de indenização. Da mesma forma, não esclarece quem tem

legitimidade para requerer a indenização no juízo criminal.

Quanto ao objetivo dos reformistas de valorizar a vítima no processo penal,

pode-se dizer que muito foi feito, pois, com o trânsito em julgado da sentença

criminal e a formação do título executivo judicial, a vítima poderá promover sua

liquidação no juízo cível, ou simplesmente, proceder ao cumprimento de sentença.

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Todavia, as inovações propostas pelo PLS 156/2009, além de aperfeiçoar o

instituto, pode-se dizer que, insere um novo modelo de reparação de danos para o

Direito Brasileiro.

A proposta, mantém a figura do assistente de acusação e amplia sua

atuação, assegurando ao ofendido o direito de obter o ressarcimento do dano

sofrido, além de, trazer um instituto novo, a constituição da “Parte Civil”.

O instituto denominado de “Parte Civil” assegura que a parte legítima (vitima,

assistente ou parte civil, ou se menor ou incapaz seu representante legal, em caso

de morte, os herdeiros) se habilite no processo penal, para requerer a indenização

por dano moral decorrente da infração penal, no prazo de 10 (dez) dias, contados da

data da notificação judicial a ser realizada após o oferecimento da Denúncia.

Para compreendermos melhor, importante diferenciarmos a figura do

assistente de acusação ao da parte civil, segundo Carvalho:

[...] a diferença entre as duas intervenções é que o assistente tem interesse na constituição do título executivo penal de modo genérico, para promover sua execução no cível, enquanto que a parte civil postula, desde logo, o reconhecimento do dano moral pela própria sentença penal. (2010, p. 318).

A “Parte Civil” terá as mesmas faculdades e deveres que o assistente, com

autonomia recursal da matéria tratada na adesão. Também assegura a fixação da

reparação do dano moral, e a condenação do acusado em honorários advocatícios

ao patrono da Parte Civil, observando as regra estabelecida através do artigo 20 do

Código de Processo Civil, segundo o que dispõe o art. 80, caput e parágrafo único

do projeto 156/200929.

Outro ponto, aperfeiçoado no instituto da reparação de danos, consiste na

inserção do pedido da indenização, denominado de sistema da comunhão.

Destacando-se, as “possibilidades de cumulação obrigatória, em que se soma o

pedido da indenização ao da condenação penal; e o da cumulação facultativa, em

que a vítima poderá optar por postular o pedido no processo penal ou somente na

esfera cível.” (BARROS, 2010, p. 324).

O projeto assegura o pedido para a indenização no processo penal ou

isoladamente no cível, e ainda mantém os efeitos civis da sentença penal

29 http://www.senado.gov.br

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condenatória, garantindo a vítima valer-se desta, no juízo cível, mediante liquidação,

para apurar o quantum debeatur, a que acredita ter direito.

Outra importante inovação sugerida pelo PLS 156/2009, consiste na

possibilidade da realização de composição do dano, por conta das mudanças

propostas quanto ao procedimento sumário. No entanto, este instituto não garante a

participação da vítima, mas, do Ministério Público e do acusado, o que “ocasionará à

exclusão do direito a indenização na esfera penal, sendo que, a solução será a

discussão no juízo cível.” (BARROS, 2010, p. 329).

Mas, com certeza a proposta de alteração mais significativa, consiste na

determinação da espécie de dano a ser reparado, como a seguir se observa no

inciso IV, do artigo 418 do PLS 156/2009, senão vejamos:

Art. 418. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV – arbitrará o valor da condenação civil pelo dano moral, se for o caso. (2010, p. 136). 30

O dispositivo menciona tão somente o dano moral, excluindo por completo a

reparação de danos quanto às outras espécies, como por exemplo, material e

estético. A alteração se deve, porque em tese, a fixação do dano moral é mais fácil

de fixar, já que não há necessidade de comprovar o valor do prejuízo causado, mas

a ocorrência e conseqüência emocional do dano, para com a vítima.

7.1 COMENTÁRIO À NOVA REFORMA

Observa-se, que a idéia central da edição do novo Código de Processo

Penal, consiste em sua adequação à Constituição de 1988. Mas, sem esquecer a

complexidade e a importância do aprimoramento da legislação criminal, fundamental

para buscar amenizar a lentidão e a efetivação do processo penal, ressalta-se que

“não se deve perder de vista a função simbólica da política e do direito31, teoria

desenvolvida por Marcelo Neves.” (VALLE, 2010, p. 18).

30 www.senado.gov.br 31 Segundo esta Teoria, todo texto legal, possui além da eficácia jurídica, uma função simbólica, de caráter político-ideológico. Que na reforma do código de processo penal se traduz na prevenção e repressão dos delitos, contudo, não deve ser esquecida a função jurídico-instrumental, nem tão pouco desviar o foco das demais políticas criminais, sendo certo que edições de leis não são suficientes para solucionar a criminalidade crescente no país.

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Fundamental ressaltar, que a criminalidade advém da carência, do

desamparo, da falta de igualdade e oportunidades entre os cidadãos brasileiros. A

atuação Estatal é mínima comparada a premente necessidade de adequação

existente, principalmente no que se refere à distribuição de renda. Não basta editar

um novo código de processo penal, políticas púbicas urgentes e efetivas devem ser

adotadas.

A desigualdade social existente na sociedade brasileira, não pode ser

esquecida, ou até mesmo escondida. Deve sim, ser solucionada através de políticas

públicas adequadas, capaz de ampliar e tornar eficaz os órgãos ligados à segurança

pública, além de proporcionar investimentos maciços em educação, que acabam por

formar a base estrutural de todo ser humano, além de garantir conhecimentos e

oportunidades, para todos.

A reforma geral da legislação processual penal é imprescindível, mas, não

deve vir sozinha, consigo, deve trazer uma efetiva proteção à dignidade da pessoa

humana.

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8 CONCLUSÃO

A inovação inserida pelo art. 387, inc. IV e art. 63, parágrafo único, no

Código de Processo Penal, através da Lei 11/719/2008, visa atender aos princípios

da celeridade processual e da razoável duração dos processos, previsto na carta

constitucional vigente. Além de buscar resgatar a vítima no processo penal, que até

então estava esquecida, propiciar a ela uma oportunidade de ter seus prejuízos

ressarcidos de uma forma mais célere e efetiva, assim, obtendo uma rápida resposta

do Estado.

Para tanto, o instituto autoriza o juiz criminal, a fixar na sentença penal

condenatório o valor mínimo da reparação de danos, utilizando como base os danos

causados a vítima e devidamente comprovados no decorrer do processo.

Por se tratar de um instituto novo, propiciou variada alteração na sistemática

processual penal, inclusive, alterou a rotina dos aplicadores do direito, devido às

brechas deixadas pelo legislador. Ficando a cargo da doutrina, assim como, da

jurisprudência estabelecer formas para solucionar os impasses que surgirem como

também suprir as lacunas deixadas pelo legislador ao inserir o instituto da fixação

mínima da reparação de danos na sentença penal condenatória.

Mas, jamais se deve perder de vista o principal foco da nova lei, qual seja, a

adequação do Processo Penal a Constituição Federal, assim como, assegurar a

instrumentalização do processo penal de forma adequada e eficaz, garantindo a

proteção à vítima, a reabilitação do acusado e a celebração da justiça.

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9 ANEXOS

ANEXO I

Autos n° 2008.61.19.01009-6

Autor Ministério Público Federal

Acusados MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA e outro

1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

I - RELATÓRIO

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Publico Federal contra MARIA DAS

GRAÇAS DA SILVA e CHUKWUEMEKA FRANK OKOLI-IGWEH, qualificados nos

autos, pela pratica, em tese, do crime descrito no artigo 33, caput, c.c. art. 40, I, da

Lei 11.343/2006.

Narra à denúncia que no dia 26.11.2008, a Delegacia Especial do Aeroporto

Internacional de São Paulo, localizada na cidade de Guarulhos, recebeu notitia

criminis segundo a qual una mulher e um nigeriano estariam organizando, em um

hotel situado na Rua do Gasômetro, n. 809, na cidade de São Paulo/SP, uma

remessa de substância entorpecente.

Descreve a acusação, ainda, que com o escopo de averiguar a veracidade dessa

informação, agentes de Polícia dirigiram-se hotel, em cujo estacionamento avistaram

os acusados carregando caixas de papelão, que disseram conter maquinário e

furadeiras para serem remetidas a Lagos, Nigéria. Entretanto, ao abrirem as

referidas caixas, os policiais constataram no interior tubos de aço e furadeiras,

sendo que um dos policiais suspeitou do conteúdo e levou todo o material

encontrado para examiná-lo no raio-X do Aeroporto de Guarulhos. Assim, verificou-

se a presença de matéria orgânica no interior dos tubos. A perícia concluiu pela

existência de cocaína em nove tubos metálicos de 43 cm de comprimento, peso de

bruto de 35.650 gramas, droga essa que os acusados pretendiam remeter ao

exterior, razão pela qual foram presos em flagrante delito.

Em decisão fundamentada, foi recebida a denúncia em 04.03.2009 (fls. 167/169),

designando-se audiência de instrução e julgamento e determinando-se a citação dos

acusados. Na audiência, colheram-se interrogatórios dos acusados e as oitivas de

duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 292/303), abrindo-se prazo para

memoriais.

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Em memoriais escritos, o Ministério Público Federal pediu a condenação dos

acusados ao argumento de estar comprovada a imputação, ao passo que as

Defesas pleitearam a absolvição, suscitando tratar-se de tentativa. As Defesas,

alternativamente, pugnaram pela aplicação da pena no mínimo legal (fl. 377/383 e

384/394).

Certidões de antecedentes criminais dos acusados as fls. 270/271, 307/309,

318/319, 331/332 e 354/355.

É o relato do essencial.

DECIDO.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Não há questões preliminares aventadas pelas partes, ressaltando-se que a

alegação de o fato narrado na denúncia descrever crime tentado refere-se ao mérito.

No mérito, a ação penal é procedente.

A materialidade delitiva está satisfatoriamente demonstrada pelo auto de exibição e

apreensão da droga e laudo preliminar de constatação (fl. 07, 27/29, 32, 33),

confirmado pelo Laudo definitivo de fl. 177/180, que demonstra tratar-se de 2970

gramas de cocaína o produto apreendido, de uso proscrito no Brasil, capaz de

causar dependência física e/ou psíquica, de acordo com a Portaria 344-SVS/MS, de

12 de maio de 1998 (publicada no DOU de 01.02.1999), bem como na Resolução

ANVISA/MS RDC n. 79 de 04/11/2008.

A autoria deve ser imputada aos acusados.

Com efeito, a droga (2.970 gramas de cocaína) estava acondicionada no interior de

tubos de ago encontrados em poder dos acusados.

Anote-se que embora os acusados tenham negado a acusação, as versões que

apresentaram não convencem.

Em Juízo, a acusada disse que:

"que trabalha como diarista. Recebeu um telefonema de uma pessoa cujo nome não

se recorda, mas que tinha pouco conhecimento dele, pois o mesmo seria um

conhecido do marido da interroganda, que está preso pela prática de tráfico de

entorpecentes. Essa pessoa pediu a interroganda que telefonasse para o servi^o de

transporte do aeroporto para carregar mercadorias de um conhecido dele. A

interroganda não queria fazer isso, pois tinha que trabalhar. Essa pessoa perguntou

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quanto a interroganda ganha por dia, tendo ela respondido R$ 100,00, muito embora

ganhasse apenas R$ 50,00. Respondeu dessa forma, para ver se a pessoa desistia

de contrata-la, mas ela insistiu. A interroganda resolveu ir ao metrô São Bento, onde

seria feito o telefonema ao Aeroporto, conforme orienta?ao da referida pessoa.

Foram passadas as características e vestimentas do acusado, com quem se

encontraria no metro. Encontrou-se com o acusado no local combinado, pessoa que

nunca tinha visto antes. A pessoa que telefonou para a interroganda não estava ali.

A interroganda pediu informações pelo "102", tendo obtido telefone do Aeroporto. Ali

disseram que não podiam enviar transporte naquele horário, mas apenas as

17h30min. A interroganda comunicou-se com o acusado, pois o mesmo falava um

pouco o idioma português. Eram muitas caixas pequenas. Resolveu contratar um

carreto para levar as caixas até o hotel onde o acusado estava hospedado, na rua

do Gasômetro, que ficava próximo a estação do metrô. Carregou uma parte das

mercadorias, pois não cabia tudo. A interroganda levou essa primeira carga ao hotel,

enquanto o acusado ficou aguardando na estação com o restante do produto.

Esclarece que havia solicitado as notas iscais ao interrogando para verificar se não

havia nada errado, tendo deixado essas notas em sua bolsa. A interroganda

retornou com o carreto para levar o restante da carga ao hotel, juntamente com o

acusado. Recebeu do acusado R$ 50,00, tendo ele afirmado que pagaria o restante

depois que trocasse o dinheiro. A interroganda queria sair dali, tendo retornado a

estação do metrô. Quando ia pagar a passagem, percebeu que as notas fiscais

estavam em sua bolsa. Resolveu retornar ao hotel para devolvê-las ao acusado. As

mercadorias já estavam todas na perua do aeroporto. A interroganda foi direto para

o quarto do acusado, onde deparou-se com policiais. Explicou que estava ali apenas

para entregar as notas fiscais ao acusado, mas os policiais não quiseram ouvir a

interroganda. A interroganda não entendia o que estava acontecendo, pois queria ir

para casa Era aniversário de sua neta e precisava comprar um presentinho para ela.

A interroganda não ajudou a acondicionar os produtos nas caixas, nem carregar as

caixas na perua. A interroganda afirma que não sabia o que havia nas caixas. O

telefonema que recebeu da pessoa mencionada acima foi no próprio celular da

interroganda, no momento em que estava trabalhando na casa da patroa. A

interroganda afirma que essa pessoa ofereceu R$ 100,00 e não R$ 1.000,00 como

constou na denúncia. Esclarece que essa pessoa disse que estava telefonando para

a interroganda, pois estava fora de São Paulo e ela era a única pessoa que ele

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conhecia. A interroganda chegou a duvidar se o seu interlocutor conhecia de fato o

seu marido. Seu interlocutor indicou algumas características de seu marido, como

uma alergia nas costas e outros dados, que confirmavam ser conhecido de seu

marido. O telefonema dessa pessoa para a interroganda ocorreu por volta de

12h30min".

A versão da acusada restou ilhada e é deveras fantasiosa, registrando que o fato de

o seu marido encontrar-se preso por tráfico de drogas é um indicativo a mais para

afastar da acusada a condição de pessoa ingênua. A análise das notas fiscais

demonstra que não se trata de simplória, mas de alguém que teve potencial

conhecimento da ilicitude do fato. Ela demonstrou ter pleno conhecimento do

conteúdo das caixas. Empenhou-se na realização do serviço a que foi incumbida.

Fez carreto, levou mercadorias ao hotel e retornou a estação onde correu a

aguardava.

O acusado também negou a acusação em Juízo, apresentando a seguinte versão:

"Afirma que em dezembro de 1992 os seus pais faleceram em um acidente na

Nigéria. O interrogando sofreu vários ferimentos e tem marcas das cicatrizes.

Estudava direito em Lagos/Nigéria. Depois disso, ficava hospedado com um Padre

Reverendo e não tinha mais condições de continuar os estudos. Passou a

comercializar materiais de construção, em pequenas quantidades. Depois, passou a

viajar para países vizinhos para fazer esse comercio de materiais. Viajou para Dubai

e Camboja. Esclarece que em 2005 obteve o seu primeiro passaporte. Na Nigéria

viu uma furadeira que era fabricada no Brasil, tendo despertado seu interesse por

ela. Era uma furadeiras de placas de aço grossa. Foi pedir visto na embaixada

Brasileira na Nigéria. Solicitou do interrogando certidão negativa de imposto de

renda, certidão de que não tinha envolvimento com drogas ou crimes assemelhados

e certidão do registro de sua empresa. Disseram que em 21 dias lhe dariam o visto.

Após investigação da embaixada, obteve o visto de entrada ao Brasil, sendo certo

que solicitaram informações sobre o local onde ficaria hospedado. O interrogando

informou o "Hotel Formula 01" no metrô Paraíso. Não conhecia ninguém no Brasil.

Em Dubai, no próprio aeroporto é comum encontrar pessoas oferecendo serviços.

Aqui no Brasil não viu serviço similar. Não fala a língua portuguesa. Dirigiu-se a uma

loja de câmbio no Aeroporto para trocar dinheiro, tendo perguntado onde poderia

pegar um táxi. Foi conduzido até o estacionamento onde apanhou o táxi, tendo

pagado R$ 95,00 para ser levado até o referido hotel. Esclarece que ao deixar o

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Aeroporto, a sua esposa havia sido conduzida ao Hospital para dar à luz. Chegou no

dia 19 de novembro de 2008, um feriado. Dando algumas voltas na cidade, foi a um

restaurante. Ali foi abordado por uma pessoa que se apresentou como "Mike" e

perguntava se o interrogando falava inglês. "Mike" indagou ao interrogando se ele

era novo na cidade e o que estaria fazendo aqui. O interrogando respondeu que veio

comprar material de construção. Indagado, disse que estava no "Hotel Formula 01",

já há dois dias. "Mike" disse que esse hotel era muito caro, tendo levado o

interrogando a um hotel mais barato de nome "City Center", cujo endereço

desconhece. Nesse hotel pagou cinco diárias. "Mike" levou o interrogando para dar

volta nas lojas e comprar o que precisava. O interrogando adquiriu um laptop e três

televisores de plasma de 21 polegadas. Esses produtos foram deixados por "Mike"

no restaurante, de onde seriam retirados posteriormente. O interrogando informou

que precisava comprar caixas grandes de papelão para acondicionar os produtos

que tinha comprado. Perguntou a "Mike" se o mesmo poderia levá-lo ao Aeroporto,

tendo este respondido que não teria condições e que enviaria uma pessoa para

ajudá-lo. Esclarece que "Mike" entrou em uma loja e retornou com um saco ou

sacola com alças contendo os produtos fotografados a fls. 33 dos autos. O

interrogando indagou o que seria isso, tendo "Mike" explicado que eram peças para

reparos em máquina de lavar roupas. O interrogando havia deixado seu endereço e

telefone com "Mike", de modo que assim que retornasse a Nigéria, "Mike" que

também para lá iria, o procuraria para retirar essas peças fotografadas a fls. 33. O

interrogando acreditou e não sabia que "Mike" estava planejando algo errado.

Depois disso, "Mike" e o interrogando foram a uma estação de trem ou metrô para

encontrar a pessoa que o ajudaria a embalar os produtos nas caixas e levá-lo até o

Aeroporto. Ali encontrou-se com a corré, que não conhecia, a quem pagaria R$

100,00 pelo serviço. O interrogando e a corré foram até o hotel onde começaram a

embalar todos os produtos nas caixas. "Mike" não apareceu mais nesse hotel, sendo

certo que ele ficou de retirar o laptop e os três televisores do restaurante para

entregá-los no hotel. O interrogando e a corré, deixaram o hotel e estavam

embarcando as mercadorias no ônibus que os levaria ao Aeroporto. Neste momento,

policiais chegaram ao local. Realizaram uma revista e indagaram sobre os produtos

fotografados a fls. 33, tendo o interrogando prestado as informações a respeito. Os

policiais indagaram se podiam cortar as peças, tendo o interrogando respondido

afirmativamente, pois estava com a consciência limpa. Foram conduzidos com as

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mercadorias até a Delegacia do Aeroporto, onde o interrogando autorizou cortar

aquelas peças. Quando cortaram, viram que havia drogas dentro. O interrogando

não sabia, e começou a chorar. Não sabia o que dizer. Disse aos policiais que a co-

ré era inocente e nunca havia visto ela antes. Os recibos do hotel e dos produtos

que comprou foram apreendidos pela Polícia Federal. Reafirma que não sabia da

existência da droga naquelas peças fotografadas a fls. 33, muito embora estivessem

sobre sua custódia. Alega que foi usado e agora está nessa situação. Sua esposa

está na Nigéria e não tem como se sustentar. Afirma que tinha três filhos e no dia de

sua viagem sua esposa teve gêmeos, somando 05 filhos. Informa que comprou um

cartão de telefone aqui no Brasil e que o mesmo pode ser rastreado. Foi a primeira

vez que veio ao Brasil. Pede para que a Justiça tenha piedade. Afirma que não foi o

interrogando que comprou o produto que descrito na nota fiscal de fls. 39, pois

quando compra algum produto costuma assinar a nota fiscal. O interrogando não

comprou nenhum produto semelhante ao fotografado a fls. 33. No momento da

abordagem, não citou o nome "Mike". Apenas disse que um homem nigeriano havia

apresentado a co-ré, que não tinha nada a ver com os fatos. O interrogando não se

prontificou a indicar a localização do mencionado homem nigeriano, pois estava em

estado de choque. O condutor do ônibus ajudou a carregar as mercadorias."

A versão do acusado também não se sustenta. Pelo que se infere de seu

interrogat6rio, trata-se de pessoa que chegou a estudar Direito na capital da Nigéria,

que conheceu outros países e culturas (Dubai, Camboja e Brasil) e que, portanto,

pode-se presumir conhecedor das consequências de levar materiais de um país

para outro a pedido de uma pessoa que acabara de conhecer. Não e verossímil a

versão do acusado e a defesa nada trouxe para a alicerçar.

Ressalte-se que das notas fiscais apreendidas com os tubos de aço constam, no

campo descrição do produto, o termo "eixo entalhado", o que condiz com os tubos

de aço encontrados pelos policiais com os acusados, sendo certo que eixo, segundo

o Dicionário Aurélio, é "peça em torno da qual giram as rodas de um veículo ou de

uma máquina ou qualquer peça cilíndrica sobre a qual gira qualquer órgão" e

entalhado consiste em "coberto com cortes em madeira ou outro material". As peças,

pois, são as mesmas adquiridas pelo acusado.

O relato das testemunhas de acusação (um agente de Polícia Federal e um agente

de proteção da empresa MP Express) também corrobora a acusação, no sentido de

que os acusados foram abordados por policiais federais no bairro do Brás, São

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Paulo/SP e com eles encontradas as caixas com tubos de aço contendo em seu

interior cocaína, o que foi constatado, inicialmente, com a utilização do aparelho de

raio-X do Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos.

As testemunhas de defesa, por sua vez, nada souberam esclarecer a respeito dos

fatos.

Portanto, quanto ao transporte e posse da droga pelos acusados, dúvida não há da

realização objetiva e subjetiva do crime de tráfico de drogas.

Também restou comprovada a transnacionalidade do delito, seja pela versão do

acusado em Juízo no sentido de que pretendia levar, a pedido de "Mike", as caixas

(onde foram encontrados os tubos contendo droga) para a Nigéria, seja pelo teor do

visto do acusado (fl. 35), que indica que o acusado poderia permanecer no Brasil

apenas 30 dias a partir de 10.11.2008.

Assim, não resta a menor duvida de que os acusados pretendiam transportar a

droga para o exterior, devendo incidir a causa especial de aumento de pena do

artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.

Também não se pode falar em tentativa de trafico de entorpecentes, pois os

acusados estavam na efetiva posse da cocaína que pretendiam transportar para o

exterior. A mera posse ou o ato de guardar já consuma o delito, ainda que não tenha

havido efetivo transporte. Vale lembrar que, tratando-se de crime de ação múltipla, o

agente responde por crime único mesmo que pratique várias das ações incriminadas

(JULIO FABBRINI MIRABETE, in "Manual de Direito Penal", v. III, 19a ed. São

Paulo: Atlas, p. 213).

Ressalte-se, também, o correto posicionamento de LUIZ FLAVIO GOMES sobre a

inadequação da figura do conatus nesta espécie delitiva:

"Consuma-se o crime com a prática de qualquer um dos núcleos trazidos pelo tipo,

não se exigindo efetivo ato de tráfico. Deve ser lembrado que algumas modalidades

são permanentes, protraindo o seu momento consumativo no tempo e no espaço

(por exemplo, expor a venda, trazer consigo, manter em depósito, guardar etc.). A

multiplicidade de condutas incriminadas parece inviabilizar a tentativa" (in "Nova Lei

de Drogas Comentada", São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 152).

Nota-se, por fim, que nada foi alegado ou demonstrado sobre eventual estado de

necessidade, porquanto não se logrou demonstrar que a conduta dos acusados fora

praticada para salvaguardar direito próprio, diante de perigo atual ou iminente.

Eventual dificuldade financeira só aproveitaria em face de demonstração inequívoca

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de que a vida ou a saúde dos acusados ou de terceiros estivesse diretamente

ameaçada por tal circunstância, como ocorre no chamado furto famélico. Não é o

caso.

O estado de necessidade, como excludente da ilicitude do fato, exige a ocorrência

de perigo atual e concreto, não preenchendo a discriminante a mera possibilidade de

lesão futura. A jurisprudência tem assinalado: "O estado de necessidade exige, para

seu reconhecimento, prova cabal da existência da atualidade do perigo, a sua

inevitabilidade, a involuntariedade em sua causação e a inexigibilidade do sacrifício

do bem ameaçado" (TACrimSP, AC, Rel. Onei Raphael, JTACrimSP, 32:373).

Frise-se, ainda, que os acusados não demonstraram não ter condições de exercer

atividade licita na época dos fatos. Neste sentido: "Impossível reconhecimento do

estado de necessidade se o agente se encontrava em perfeitas condições para o

exercício de trabalho honesto" (TACrimSP, AC, Rel. Macedo Bittencourt,

JTACrimSP).

Posto isto, comprovados os fatos imputados na denúncia, os acusados devem ser

condenados pela prática do crime previsto no artigo 33, "caput", da Lei 11.343/2006,

c.c. o art. 40, I, da mesma lei, ressaltando-se a primariedade e bons antecedentes

dos acusados, bem como a ausência de elementos indicativos de participação em

atividades criminosas ou em organização criminosa a ensejar a incidência da causa

de diminuição de pena do § 4° do artigo 33 da Lei de Drogas. A redução será

efetuada no mínimo legal, levando-se em conta as circunstâncias do crime,

especificamente o fato de a droga (cerca de três quilos de cocaína) estar

acondicionada em tubos de aço, a demonstrar tratar-se de tipo penal muito bem

arquitetado na sua realização.

Passo à dosimetria da pena.

Fixo à acusada MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA a pena-base de 05 (cinco) anos de

reclusão, mínimo legal, pois favoráveis as circunstâncias do artigo 59 e do artigo 42

da Lei de Drogas.

Reconheço a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n

11.343/2006 (internacionalidade), de modo a elevar a pena em 1/4 (um quarto), o

que resulta em 06 (seis) anos e 03 (três) meses. Aplicada a causa de diminuição do

§ 4° do art. 33, em 1/6, e não havendo outras variantes, torno definitiva a pena

corporal para acusada Maria das Graças de 05 (cinco) anos, 02 (dois) meses e 15

(quinze) dias de reclusão.

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A acusada não poderá apelar em liberdade, pois se mostra necessária a sua prisão

cautelar para garantia da ordem pública e porque incide a regra do artigo 2°, § 2°, da

Lei 8.072/90, salientando-se que o delito imputado e de inegável gravidade, havendo

nos autos fato concreto a demonstrar a necessidade da medida constritiva, devendo,

portanto, ser a acusada recomendada na prisão em que se encontra. Oficie-se.

Nos termos do artigo 33, §§ 2° e 3°, do CP e artigo 44 da Lei 11.343/2006, o regime

inicial de cumprimento de pena será o fechado, sendo incabível sursis ou a

substituição da pena privativa por restritivas.

Quanto à pena pecuniária, seguindo a mesma proporção adotada para a pena

privativa, estabeleço à acusada a pena pecuniária de 520 (quinhentos e vinte) dias-

multa, cada dia-multa no valor unitário mínimo, tendo em vista o baixo poder

econômico demonstrado pela acusada, cu j a correção monetária se dará a partir do

trânsito em julgado da sentença.

Fixo ao acusado CHUKWUEMEKA FRANK OKOLI-IGWEH a pena-base de 06 (seis)

anos de reclusão, acima do mínimo legal, pois assim recomendam os arts. 59,

caput, do Código Penal, e artigo 42 da nova Lei de Drogas. As circunstâncias e

conseqüências do crime valem dizer, cidadão estrangeiro vir ao Brasil para realizar

tráfico de drogas deve receber maior censurabilidade, para desestimular tal prática.

Ademais, o comércio de drogas é a demonstração cabal de péssima conduta social.

Reconheço a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº

11.343/2006 (internacionalidade), de modo a elevar a pena em 1/4 (um quarto), o

que resulta em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses. Aplicada a causa de diminuição do

§ 4° do art. 33, em 1/6, e não havendo outras variantes, torno definitiva a pena

corporal de 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão.

O acusado não poderá apelar em liberdade, pois se mostra necessária a sua prisão

provisória para garantia da ordem pública e porque incide a regra do artigo 2°, § 2°,

da Lei 8.072/90, salientando-se que o delito imputado e de inegável gravidade,

havendo nos autos fato concreto, reconhecido nesta sentença, a demonstrar a

medida constritiva é imprescindível, devendo-se, portanto, ser o acusado

recomendado na prisão em que se encontra. Oficie-se.

Seguindo a mesma proporção adotada para a pena privativa de liberdade, fixo ao

acusado, ainda, pena pecuniária de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada

um no valor unitário mínimo, considerando a falta de informações sobre maior

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capacidade econômica, cuja correção monetária se dará a partir do trânsito em

julgado da sentença.

Em face do que dispõe a novel regra instituída no inciso IV do artigo 387 do CPP

(Lei 11.719/2008), fixo o cada acusado, a título de reparação dos danos causados à

Saúde Pública, o valor mínimo de R$ 3.000,00 (três mil reais), que é o custo mensal

que a Secretaria da Saúde repassa, por paciente/mês, para clínica de reabilitação

de viciados, conforme consulta na página eletrônica na Internet do Governo do

EstadodeSãoPaulo:http://www.sãopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=20019

0enosítioeletrônicodoJornaldaCidadedeRioClaro(http://jomalcidade.uol.com.br/rioclar

o/seguranca/drogas/40280SPganhaclinicapublicaparaadultoalcoolatrasedependente

s-de-drogas). É inegável que o Governo tem um gasto considerável no tratamento,

através do sistema público de saúde, de dependentes químicos e outras vítimas do

narcotráfico. O prejuízo ao Estado deve, pois, ser suportado não apenas pela

sociedade civil, mas também pelos condenados por crimes relacionados com o

tráfico de entorpecentes.

III - DISPOSITIVO

Diante disso, com base nos motivos expendidos, e o mais que dos autos consta,

JULGO PROCENDENTE o pedido deduzido na denúncia para:

a) condenar MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA, qualificada nos autos, pela prática do

crime descrito no artigo 33, caput,c.c. art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à pena privativa

de liberdade de 05 (cinco) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a

ser cumprida em regime fechado, na forma anteriormente mencionada, e à pena

pecuniária de 520 (quinhentos e vinte) dias-multa, cada qual à razão de um

trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo o valor ser corrigido

a partir do trânsito em julgado da sentença; e

b) condenar CHUKWUEMEKA FRANK OKOLI-IGWEH, qualificado nos autos, pela

prática do crime descrito no artigo 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei 11.343/2006, à

pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão, à ser

cumprida em regime fechado, na forma anteriormente mencionada, e à pena

pecuniária de 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa, cada qual à razão de um

trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo o valor ser corrigido

a partir do trânsito em julgado da sentença.

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Os acusados não poderão apelar em liberdade, incidindo a regra do artigo 2° § 2º,

da Lei 8.072/90, salientando-se que o delito imputado é de inegável gravidade,

conforme os fatos concretos reconhecidos nesta sentença, que indicam a

necessidade da prisão cautelar dos sentenciados para garantia da ordem pública.

Em face do que dispõe a novel regra instituída no inciso IV do artigo 387 do CPP

(Lei 11.719/2008), fixo a cada acusado a título de reparação dos danos causados à

Saúde Pública, o valor mínimo de R$ 3.000,00 (três mil reais), que é o custo mensal

que a Secretaria da Saúde repassa, por paciente/mês, para clínica de reabilitação

de viciados, conforme consulta na página eletrônica na Internet do Governo do

EstadodeSãoPaulohttp://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id:==2001

90enosítioeletrônicodoJornaldaCidadedeRioClaro(http:/jomalcidade.uol.com.br/riocla

ro/seguranca/drogas/40280SPganhaclinicapublicaparaadultosalcoolatrasedependent

es-de-drogas). Após o trânsito em julgado da sentença, (i) lancem-se os nomes dos

acusados no rol dos culpados, (ii) devolva-se o passaporte ao acusado estrangeiro,

cabendo ao Ministério Público Federal adotar as medidas cabíveis para a expulsão,

(iii) oficie-se a Justiça Eleitoral em cumprimento ao disposto no artigo 15, III, da

Constituição Federal, quanto à sentenciada brasileira.

Oficie-se a Embaixada Nigéria no Brasil, comunicando-se a presente decisão, desde

quando o acusado nigeriano encontra-se preso e o estabelecimento prisional onde

ele se encontra recolhido. Instrua-se ofício com cópia desta sentença, da denúncia e

do auto de prisão em flagrante.

Nos termos do artigo 63 da Lei 11.343/2006, determino o perdimento, em favor da

União, dos aparelhos celulares e do numerário em moeda nacional e estrangeira

apreendido em poder dos acusados, por considerar que tais bens e valores foram

utilizados na prática do crime. Transitada em julgado a sentença, expeçam-se os

ofícios necessários para seja dada destinação legal. Por ora, nos termos do art. 270,

III e IV, do Provimento COGE 64/05, encaminhe-se o numerário em moeda nacional

corrente à CEF, para depósito judicial com remuneração na forma do art. 1° do

Decreto-lei 1.737/79, com termo de depósito, o numerário em moeda estrangeira ao

BACEN, para que lá permaneça custodiado, e os celulares ao Depósito da Justiça

Federal. Expeçam-se os ofícios, com urgência.

Fls. 206/209: Autorizo a incineração da droga requerida pela Autoridade Policial a fl.

50, devendo-se resguardar quantidade necessária para eventual contraprova. Oficie-

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se ao DPF para que proceda a incineração da droga, no prazo de 10 dias, enviando

a este Juízo o respectivo termo.

Observe a Secretaria à necessidade de tradução para o idioma inglês de peças dos

autos para formalizar as intimações pessoais do acusado, o qual não domina o

idioma português (fl. 294-verso). Oficie-se.

Sobrevindo recurso contra a presente sentença, expeçam-se guias de recolhimento

provisório, em atenção ao disposto na Súmula 716 do STF.

Custas ex lege.

P.R.I.C.

São Paulo, 24 de junho de 2009.

ALI MAZLOUM

Juiz Federal da 7ª Vara Criminal

São Paulo