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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL Graziela Cavalcante Costa Sandréia Regina dos Santos A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares Governador Valadares 2009

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

Graziela Cavalcante Costa

Sandréia Regina dos Santos

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA

Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares

Governador Valadares

2009

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Graziela Cavalcante Costa

Sandréia Regina dos Santos

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA

Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito obrigatório para obtenção do grau em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce.

Orientador: Ronan Costa

Governador Valadares

2009

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Graziela Cavalcante Costa

Sandréia Regina dos Santos

A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA

Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito obrigatório para obtenção do grau em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares, 12 de dezembro de 2009

Banca Examinadora:

__________________________________________ Prof. Ronan César Godoy da Costa - Orientador

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________ Profª. Angelita Dolores Basilato Mazega

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________ Profª. Jakeline Gonçalves Bonifácio Universidade Vale do Rio Doce

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela inspiração de encontrar minha verdadeira vocação e por não

permitir que em nenhum momento eu tivesse dúvidas, pois Ele esteve sempre em meu

caminho.

Sou muito grata ao meu querido pai pelo apoio incondicional, por ser tão amoroso e

amigo estando sempre pronto a me ouvir e orientar em todos os momentos que

precisei. Pai, eu te amo e desejo me realizar nesta profissão e dar muito orgulho à

minha família.

Às minhas amadas filhas, meu muito obrigado pela compreensão quando estive

ausente. Perdoem-me por todos os beijos e abraços que deixei de dar; a mamãe sente

muito. Obrigada, minhas filhas, pelo incentivo quando fiquei desanimada

e pelo carinho dedicado à realização deste sonho.

Agradeço aos meus irmãos, que amo tanto, por todo o apoio, quando se dispuseram a

me ouvir, na minha euforia ou na minha frustração, durante vários momentos desta

trajetória.

Em especial dedico a realização deste trabalho a minha mãe, que está no céu e que

deixou muitas saudades, mas que sei que sempre me olhou para que não permitisse

que eu desanimasse. E foi sempre pensando nela que busquei forças para continuar,

quando muitas vezes fui tomada por um sentimento fatalista, sentindo-me perdida e

inquieta. Nos momentos em que fui tomada pela contradição que se expressa no

Serviço Social, busquei forças nos ideais da minha querida mãe, para que eu não

desistisse, pois sei que ela sempre desejou que eu realizasse algo que me fizesse feliz.

Enfim, hoje estou feliz, e sei que minha mãe está me acompanhando e está contente

com esta minha vitória.

Graziela Cavalcante Costa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus que sempre direcionou minha vida, ensinado-me a capacidade de

lutar e não desistir, guiando meus passos para que eu pudesse alcançar esta vitória.

Aos meus queridos pais, que me deram ensinamento de não fraquejar diante dos

obstáculos que encontraria em minha vida. À minha mãe que é um exemplo de mulher,

guerreira e fortaleza para mim, que contribuiu e apoiou os meus projetos de vida.

Aos meus queridos irmãos e sobrinho, que me mostraram que sou capaz de superar

obstáculos, incentivando-me e acompanhando-me nesta caminhada.

Aos meus avós e tios, que estiveram ao meu lado, fortalecendo-me quando pensei em

desistir. A todos vocês, minha eterna gratidão.

Aos amigos que me acompanharam nesta caminhada e torceram pelo meu sucesso,

muito obrigada.

Sandréia Regina dos Santos

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RESUMO

A situação do adolescente em conflito com a lei não se restringe à aplicação dos

princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que compete ao Estado, à

sociedade e à família, dedicar a máxima atenção e cuidado a este público. Porém,

incluir a família neste processo, exige uma análise sobre como estas famílias estão

sendo assistidas na Política de Assistência Social, sendo que a assistência ainda se

encontra em processo de consolidação como política de direito. No campo da

Assistência Social, alerta-se para a importância de iniciativas que afirmem a

centralidade da família. Em Governador Valadares, o CREAS, no acompanhamento da

medida socioeducativa de Liberdade Assistida, apresenta-se como objeto de estudo

desta pesquisa, sob uma análise da participação da família no processo de

ressocialização do adolescente em conflito com a lei. Esta análise é abordada através

do processo histórico do tratamento dispensado à infância e à juventude brasileiras,

transversal à política de atendimento à criança e ao adolescente, e sua articulação com

a Política de Assistência Social neste período de precarização da sociedade, marcado

pelo direcionamento da política neoliberal.

Palavras-chave: medida socioeducativa, liberdade assistida, família, política de

assistência social.

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ABSTRACT

The adolescent's situation in conflict with the law doesn't limit to the application of the

beginnings of the Child's Statute and of the Adolescent, so that it competes to the State,

to the society and the family, to dedicate the maxim attention and care to this public.

However, to include the family in this process, it demands an analysis on as these

families they are being attended in the Politics of Social Attendance, and the attendance

still finds in consolidation process as right politics. In the field of the Social Attendance,

they are alerted for the importance of political initiatives that you/they affirm the

headquarters of the family. In Governador Valadares, CREAS it accompanies the

execution of the partner-educational measure of Attended Freedom, being the object of

study of this research, to look for to contemplate about the participation of the family in

the adolescent's attendance in that condition. The analysis presented here, it

approached the theme with views to the historical process of the treatment to the

childhood and Brazilian youth, the traverse character of the service politics to the child

and the adolescent and his/her articulation with the Politics of Social Attendance in this

period of precarious of the society marked by the direction of the neoliberal politics.

Word-key: family, adolescent in conflict with the law, Politics of Social Attendance.

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LISTA DE SIGLAS

CF- Constituição Federal do Brasil de 1988

CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

CRAS- Centro de Referência de Assistência Social

CREAS- Centro de Referência Especializado de Assistência Social

DCA - Direitos da Criança e do Adolescente

ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente

FEBEM- Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor

FUNABEM- Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

LA- Liberdade Assistida

LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MP – Ministério Público

PAIF – Programa de Atenção Integral à Família

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PNCFC – Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária

NOB- Norma Operacional Básica

SAM- Serviço de Assistência ao Menor

SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos

SGD- Sistema de Garantia de Direitos

SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SUAS- Sistema Único de Assistência Social

VIJ – Vara da Infância e Juventude

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................09

CAPÍTULO I: UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL.

1.1 As primeiras ações da sociedade e a postura do Estado diante da questão da delinqüência juvenil....................................................................................................13

1.2 O código de menores e sua proposta de intervenção...............................................15

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente: a mudança de paradigma.......................18

CAPÍTULO II: O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A PROTEÇÃO ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE: O CREAS E O ATENDIMENTO ÀS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 2.1 O SUAS e a reorganização da gestão da política de assistência social...................23

2.2 O CREAS de Governador Valadares: a medida socioeducativa de Liberdade Assistida e as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo................................................................................................................27 CAPÍTULO III: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DA LIBERDADE ASSISTIDA, ATENDIDA NO CREAS DE GOVERNADOR VALADARES. 3.1 A centralidade da família – e a questão social..........................................................40

3.2 A medida socioeducativa de Liberdade Assistida e a convivência familiar...............45

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................58

ANEXOS.........................................................................................................................61

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INTRODUÇÃO

Com esta pesquisa, buscamos realizar uma análise da atividade constituída por

acompanhamento de adolescente em cumprimento de Liberdade Assistida – LA, a fim

de ressaltar a efetividade dessa medida socioeducativa, como ação de caráter protetivo

instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Para tanto, elaboramos um

estudo de caso no Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS

de Governador Valadares, órgão responsável pelo atendimento aos adolescentes em

conflito com a lei, neste município.

Este estudo visa, também, analisar a participação da família no processo de

ressocialização do adolescente, de maneira a fomentar a discussão acerca da

importância da convivência familiar para a efetividade da medida de Liberdade

Assistida, já que este tema vem sendo alvo de atenção nos mais diversos espaços de

debate sobre os direitos da criança e do adolescente. Por assumir lugar central na ação

do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, a matricialidade da família tornou-se

um grande desafio para a consolidação da Política Nacional de Assistência Social –

PNAS.

Portanto, esta discussão originou-se do interesse em compreender como o

CREAS de Governador Valadares, como instituição de referência na proteção social de

média complexidade, vem se organizando para dar efetividade ao SUAS e,

concomitantemente, atender aos pressupostos do ECA.

De forma mais ampla, nossa análise privilegia a necessidade de se apreender a

concepção da família na política de Assistência Social, considerada como parte do

processo de garantia da proteção integral à infância e à juventude, o que requer um

olhar crítico a respeito da ampliação das responsabilidades da família. Sobretudo, para

analisar a questão da participação do núcleo familiar nos esquemas de proteção social,

consideramos o recorte neoliberal, a fim de problematizar a redescoberta da família

como substituto privado do Estado no provimento dos direitos sociais básicos.

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Nosso estudo foi organizado em três capítulos, os quais compreendem o

reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito, em condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento, com prioridade absoluta.

No primeiro capítulo, diante da questão social que vem vitimando os

adolescentes em conflito com a lei, organizamos uma análise da trajetória histórica do

tratamento dispensado à infância e à juventude no Brasil, desde as primeiras ações a

isso destinadas, passando pelo Código de Menores e pela FEBEM, até chegar à

promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Refletir sobre o atendimento

prestado ao adolescente autor de ato infracional, significa pensar a própria história da

infância e adolescência e mostrar as concepções que historicamente dominam o

conceito relativo aos adolescentes em conflito com a lei. A partir daí dá-se a reflexão

sobre a mudança de paradigma no processo de consolidação do ECA, para identificar a

questão da co-responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em geral, em

busca da garantia dos direitos da criança e do adolescente, com ênfase na

especialidade do acompanhamento socioeducativo da medida de Liberdade Assistida.

Abordando, de forma transversal, as diretrizes do SUAS e a reorganização da

gestão da política de Assistência Social, o segundo capítulo traz uma análise do

CREAS de Governador Valadares, particularmente quanto à aplicação da medida de

Liberdade Assistida, conforme as diretrizes estipuladas pelo Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo - SINASE. Pretendemos, ainda, fomentar a discussão a

respeito do que propõe a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, que prevê a

articulação em rede, pela qual todos os equipamentos públicos devem desenvolver um

trabalho de garantia de direitos, em sua totalidade.

Além disso, argumentamos acerca de orientação específica do SINASE, que dá

preferência à aplicação das medidas socioeducativas de meio aberto e, em particular, a

de Liberdade Assistida, em detrimento das medidas restritivas de liberdade, o que

demonstra o reconhecimento da importância da convivência familiar e o papel

fundamental da família para o desenvolvimento do adolescente. Numa análise crítica,

verificamos as ações desenvolvidas pelo CREAS de Governador Valadares, destinadas

a incluir as famílias no processo de ressocialização de adolescentes em cumprimento

de Liberdade Assistida. Procuramos debater, também, os aspectos que, eventualmente,

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têm contribuído para dificultar a participação dessas famílias no processo de

ressocialização dos adolescentes, com destaque para a necessidade de que o CREAS

de Governador Valadares, como espaço privilegiado, detentor de referência na

aplicação da medida de Liberdade Assistida, busque alternativas para incentivar e

fortalecer essas famílias.

Ainda no segundo capítulo, fazemos referência à entrevista que realizamos com

a Assistente Social da Vara da Infância e Juventude de Governador Valadares, o que

nos possibilitou compreender o sistema de atendimento desses adolescentes e

respectivas famílias, naquele órgão. A partir daí, analisamos a postura das famílias dos

adolescentes, a definição da medida socioeducativa e os principais apontamentos da

equipe interprofissional da Vara da Infância e Juventude, considerando sua parceria

com o CREAS de Governador Valadares.

O terceiro capítulo discorre sobre a centralidade da família e a questão social,

espaço no qual discorremos sobre como os serviços da política de assistência social

incluem a atenção à família, diante dos embates das diversas expressões da questão

social que envolvem a organização familiar. Destacada como um grande desafio para

os equipamentos públicos, a centralidade da família, principalmente frente à política de

proteção da criança e do adolescente, apresenta-se como um impasse na questão do

adolescente em conflito com a lei. Neste sentido, nossa análise foi realizada sem perder

o foco da realidade na qual o CREAS, orientado pelo SINASE, está inserido na atual

conjuntura do modelo de administração pública neoliberal. As mudanças econômicas e

políticas, que delineiam o novo cenário social e promovem o acirramento da questão

social, são fatores que estão implícitos em toda esta discussão e contemplam, na

família, os maiores problemas e a mais intensa privação e violação de direitos.

Nesta análise procuramos, então, questionar as condições de participação dadas

a essas famílias, ocupando-nos em ressaltar a exigência de urgente implantação de

uma política comprometida com a promoção da igualdade social. Apresentamos,

também, a necessidade de problematizar o comportamento típico da adolescência, no

intuito de compreender os conflitos inerentes a essa parcela da população e como esse

fator, agravado pela violência que acontece em todo o território nacional e,

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consequentemente, pelo eventual cometimento de ato infracional, influencia a

convivência familiar.

A medida socioeducativa de Liberdade Assistida e a convivência familiar são

prerrogativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sabendo-se das

várias dinâmicas que envolvem a organização da família, na rotineira busca do sustento

de seus membros, a efetividade da convivência familiar, como alento para a medida

socioeducativa de Liberdade Assistida, foi diagnosticada como fator preponderante para

a ressocialização do adolescente, pelo que se percebe que as questões advindas do

cenário nacional vigente pedem urgência nos debates e nas propostas para o

enfrentamento da diversidade de demandas conferidas aos adolescentes em conflito

com a lei.

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CAPÍTULO I

UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO ATENDIMENTO

AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL.

1.1 As primeiras ações da sociedade e a postura do Estado diante da questão da

deliquência juvenil.

Na busca de uma referência para esta pesquisa foi feita a apropriação dos

estudos da autora Irene Rizzini, por considerar que ela apresenta uma análise que

revela, de forma crítica e minuciosa, a conjuntura social que incidiu sobre a questão do

tratamento dado ao adolescente infrator, sendo possível, então, realizar uma

retrospectiva histórica a partir das primeiras leis produzidas no Brasil, que tinham por

alvo a infância e a juventude.

Desta forma, de acordo com a referida autora, em 1822, as preocupações

destinavam-se apenas às crianças órfãs e enjeitadas, tendo por base a preexistência

de um trabalho de recolhimento dessas crianças, pelas chamadas Casas dos

Expostos1. Após vinte anos, na tentativa de implementar uma ação mais educativa, a

área jurídica da época, em associação com os interesses do poder público e da Igreja,

regulamentou a “Casa de Correção”. Propunham criar uma ala para os “menores

delinquentes”, que deveriam ser condenados à prisão com trabalho, separados

daqueles que já possuíam a maioridade, em uma ala destinada à divisão criminal.

Naquela época, a criminalização da pobreza2 era fato concreto na sociedade brasileira

1 Sabe-se que em 1775, o alvará emitido pelo ministro Sebastião Jose de Carvalho e Mello, veio a regulamentar o recolhimento de Crianças enjeitadas. A primeira Casa dos Expostos, teria sido fundada em 1726, na Bahia e, em 1738, no Rio de Janeiro. Estas casas eram conhecidas como “Roda dos Expostos”, devido a uma espécie de roleta na qual a criança era depositada e adentrava na instituição sem que identificasse quem a conduzira até o local. (Rizzini, 2000) 2 A criminalização da pobreza é um processo histórico imposto pela sociedade burguesa, que adota uma prática ostensiva de exclusão, num sentido bem amplo. A classe dominante compreende a miséria como

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e o Estado ainda dava início às discussões sobre esta questão, já que a atenção era só

da igreja e do sistema judiciário.

Neste caminho, desenvolveram-se os debates sobre a legislação para a infância

brasileira, que teve seu marco no final do século XIX, em seguida à Proclamação da

República, com o que a criança recebeu destaque central nas Assembléias das

Câmaras Estaduais e do Congresso Federal. Assim, criou-se relevante número de leis,

na tentativa de transformar a situação dessa população que se tornara um “problema”

para o Estado.

A elite, instrumentalizada pela prática da filantropia e associada à Igreja, aos

intelectuais e aos políticos, fazia discursos inflamados em defesa da criança. Contudo,

esses discursos e a legislação, dentro do contexto da época, não se desprendiam de

uma intervenção disciplinadora, de ajuste social em prol de uma sociedade segura,

contra a ameaça constante de uma classe que “perturbava a ordem”. Solicitavam,

assim, uma medida corretiva, pela qual o Estado transformaria “os menores” em

cidadãos “úteis para a nação”, que não prejudicassem a “moral da sociedade”.

Conforme a autora, em 1906 ocorreu a elaboração do primeiro projeto

regulamentado que tratava da infância como “moralmente abandonada e delinqüente”.

Nos vinte anos seguintes, intensificaram-se as discussões sobre o tema, como, por

exemplo, a autoridade judiciária, a questão do Pátrio Poder, a idade criminal, a questão

da capacidade de discernimento3 e a criação de instituições para menores. No ano de

1912 houve um avanço nessas discussões, quando se instituiu que o “menor”, até a

idade de 16 anos, que cometesse um ato infracional, deveria ser “posto” à disposição

do Estado e não seria objeto de procedimento penal, propondo-se, dessa forma, o

afastamento da área penal e a tutela do Estado, que deveria exercer o papel de

interventor, na forma de regime educativo.

um fator que fatalmente se associa à criminalidade. Este fato, embora criticado nos dias atuais, ainda são reproduzidos. 3 Discernimento entendido como sendo a capacidade do indivíduo de ter consciência de seus atos. A condição em que o “menor” tivesse realizado o delito, em qual nível ele sabia ou não as conseqüências de seus atos. Então os “menores” que tivessem cometido crime com discernimento deveriam ser recolhidos em estabelecimentos especiais com fins correcionais e com penas iguais à de um adulto. O discernimento era o critério para a distinção entre adulto e infância quanto à questão penal. (Ver: Rizzini I. 1997 O século perdido: raízes históricas das políticas para a infância no Brasil.)

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Percebe-se, então, que a área jurídica, naquela época, já contava com um

tribunal específico para a infância, porém, já se pensava na necessidade de se designar

o Estado como responsável pela “reeducação” desses adolescentes. Esse fato foi um

salto de grande importância para o desenvolvimento da política de assistência à criança

no Brasil. Todavia, Rizzini aborda a questão da configuração do Estado como

interventor no controle da instituição familiar, mediante a destituição e a restituição do

pátrio poder. Conforme a autora, o Estado buscava impor maior vigilância e mais

controle sobre a família, colocando o “menor” à disposição do Governo, que investigaria

seus antecedentes no tribunal juvenil e decidiria o encaminhamento indicado para cada

caso.

Este histórico revela a questão das dificuldades que ocorrem ainda nos dias de

hoje para a efetivação das políticas públicas destinadas aos adolescentes em conflito

com a lei, o que permite, nesta pesquisa, traçar um paralelo entre as primeiras

intervenções do Estado e a atual política de proteção social, que estão correlacionados.

1.2 O Código de Menores e sua proposta de intervenção.

Ao longo de duas décadas, lentamente deu-se curso à regulamentação da

legislação especial de menores que, em 1927, foi consolidada com o Código de

Menores, que reuniu as leis de assistência e proteção à infância e à juventude. O

Código tratava a questão da “delinqüência juvenil” de forma bem detalhada, mas sem

modificações ao tratamento que já vinha sendo dado à infância nos anos anteriores.

Naquela época, a referida legislação consistia em grande protecionismo do

Estado, com intenção de controle total da população, o que, conforme Rizzini,

condicionava a apreensão do jovem diante de qualquer suspeita ou desconfiança de

sua atitude, de seu biotipo ou até de sua vestimenta. O tratamento regulamentado pelo

Código de Menores, consequentemente, provocava discussões que propunham a

humanização da Justiça e do sistema penitenciário, o que tornava evidente a urgência e

a necessidade de se reformar a lei do “menor” no Brasil, buscando-se seu afastamento

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da área penal. Iniciou-se, então, um amplo movimento com o propósito de “salvar a

criança”, o que, como apresenta a autora, tinha a seguinte visão:

“Salvar essa criança era uma missão que ultrapassava os limites da religião e da família e assumia a dimensão política de controle, sob a justificativa de que havia que se defender a sociedade em nome da ordem e da paz social.” (Rizzini, 2000:35)

Nos discursos, via-se que a preocupação era, principalmente, com a criança

“moralmente abandonada”, cuja família era julgada “inadequada” para cuidar dos filhos.

Pretendiam levar a intervenção do Estado ao espaço privado da família. Para isso,

justificavam-se pelo pensamento do dever patriótico de “vigiar” a infância. As famílias

que não o fizessem eram taxadas como “infratoras” e cometiam o “terrível crime de

desencaminhar os próprios filhos, perdendo para o poder público a paternidade dos

filhos” (2000:36).

Ao considerar tal período histórico cabe uma análise crítica no âmbito da atual

política de proteção social de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, com

o que vêm à evidência os resquícios culturais que ainda existem no tratamento

destinado a esses adolescentes e suas famílias. Ressalte-se que, no modelo neoliberal,

o Estado tende a se retrair em suas responsabilidades e busca a família como principal

instrumento de proteção.

Nessa histórica análise, Rizzini discorre sobre a criação do Juizado de Menores

e a promulgação do Código de Menores, os quais nasceram de algumas das ações

Estatais usadas para intervir na situação cada vez mais urgente da criança pobre e

desvalida, valendo-se, para isso, do Serviço de Assistência ao Menor – SAM. Este

serviço foi criado para ajustar o que foi instituído no Código e tinha como objetivo

sistematizar e orientar os serviços de assistência aos menores abandonados e aos

“delinquentes” internados em estabelecimentos oficiais e particulares.

Esse exame revela que a implantação do SAM destinou-se, muito mais, a

responder à preocupação do Governo com a instituição de uma nova ordem social do

que buscar assistir àquelas crianças que necessitavam de apoio material e educacional.

Então, esse Serviço foi apontado como incapaz de proporcionar a “recuperação” dos

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adolescentes e era visto como uma instituição que promovia exatamente o contrário, ou

seja, contribuía para a marginalização e a criminalidade, com seus métodos repressivos

e arbitrários.

Na década de 1950, o SAM passou a ser alvo de várias denúncias feitas por

diferentes atores sociais e sua extinção tornou-se uma exigência da sociedade, pois o

serviço não contemplava critérios precisos de ação para atender à questão dos

adolescentes em conflito com a lei. Por este motivo, o governo propôs reformá-lo, o que

levou à elaboração do anteprojeto de criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor - FUNABEM, que foi aprovado em 1964, extinguindo-se o SAM.

Para Rizzini, a FUNABEM trouxe, para a história da assistência à infância do

país, outras propostas de intervenção que, entretanto, não podem ser consideradas

como um avanço sob o ponto de vista da mudança na atenção a ser dispensada ao

público infanto-juvenil. Em seu processo de implantação, a FUNABEM criou a

Fundação Estadual de Bem-Estar do Menor - FEBEM, que consistia num sistema de

internatos estaduais, que funcionavam como prisões de meninos e meninas. Porém,

esses internatos contemplavam aspectos de uma política assistencialista e produziam

uma prática de repressão e de continuidade ao tratamento desumano do SAM, agora,

sob nova fachada.

Seguiu-se que, nova pressão da sociedade, decorrente de denúncias sobre

maus tratos ocorridos nos sistemas da FEBEM, o Código de Menores sofreu nova

reformulação no ano de 1979, quando passou a considerar que toda criança, antes tida

como abandonada, delinquente ou infratora, dentre outros termos, era, na verdade,

fruto de carências individuais e de sua família, o que a colocava, portanto, em situação

irregular.

Este fato foi usado como justificativa para a alteração do Código, revendo-se

assim a necessidade de medidas de proteção para suprir as carências do “menor” e de

suas famílias, as quais expressavam questões sobre assistência, proteção e vigilância

de “menores”. O novo entendimento de “menor em situação irregular”, apesar de

elaborado e aprovado em um processo de discussões e debates entre juristas e

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atuantes da FUNABEM e do Ministério Público, foi rigorosamente criticado4. Deste

modo, o Código de Menores de 1979, por ter ignorado o contexto internacional, que

demonstrava ser mais favorável ao respeito à vida das crianças e dos adolescentes,

permaneceu em vigor por pouco tempo, sendo suprimido pela nova conjuntura política5

do país.

1.3 Estatuto da Criança e do Adolescente: a mudança de paradigma.

A década de 1980 é marcada por intensas lutas pela redemocratização do país,

quando surgiram novos atores6 no meio político nacional, que articulavam debates a

respeito do processo constituinte e da defesa dos direitos humanos. A criação do

Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos

da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), em 1988, tornou-se o principal articulador

da ampla mobilização social pela inclusão da emenda relativa aos direitos da criança e

do adolescente na Constituição Federal. Desta forma, o Fórum DCA assume a tarefa de

articular a elaboração de um anteprojeto de regulamentação do artigo 227 da

Constituição7. Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal e com base no

4 “Participaram deste grupo Juízes de Menores, membros do Ministério Público e da FUNABEM. Entre eles sobressaíam o jurista João Benedito de Azevedo Marques e Mario Altenfelder, presidente da FUNABEM. As posições das duas frentes de liderança evidenciam divergências que extrapolam o plano jurídico, para abarcar as tendências políticas mais conservadoras ou liberais de seus atores”. (Rizzini, 2000:66) 5 No final da década de 70 e meados da década de 80 o país viveu um intenso movimento de forças civis e políticas que marcou o processo de redemocratização do Brasil. E o Código de Menores de 1979 por ter características e normas repressivas, não comungava com as novas propostas e conquistas de direitos na qual originou a constituição de 1988. “Não teria longa duração desta vez a lei vigente no final da década de 70. Novos ares inaugurariam os anos 80, trazendo transformações significativas no campo político-social brasileiro, com importantes conseqüências para a legislação relativa à infância”. (Rizzini, 2000:73) 6 “Passada a era das ditaduras violentas que assolaram vários países do continente latino-americano, no Brasil a abertura política avançou a passos largos. Seus reflexos no caso da infância marginalizada foram velozmente perceptíveis”.(Rizzini,2000:73) 7 “O artigo 227, baseado nos postulados da Declaração Universal dos Direitos da Criança e detonador do processo que culminou na elaboração de uma nova lei, o Estatuto da Criança e do Adolescente, versava sobre os direitos universais da pessoa humana: ‘É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

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artigo supracitado, organizou-se a defesa do movimento denominado “A Criança e a

Constituinte”, processo este que deu origem à elaboração do Estatuto da Criança e do

Adolescente - ECA, posteriormente aprovado como a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990,

que definiu, em suas disposições, a garantia de proteção integral de crianças e

adolescentes, com absoluta prioridade, conforme as seguintes disposições:

“Art. 2º - Considera-se criança, para os efeitos Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. “6º - Na interpretação da lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” (ECA, 1990)

A mudança de paradigma no processo de consolidação do ECA, amplia o

compromisso e a co-responsabilidade da família, do Estado e da sociedade em geral,

na busca por recursos eficientes, eficazes e efetivos para o acompanhamento

socioeducativo. Dessa forma, a Lei os responsabiliza por assegurar aos adolescentes a

oportunidade de acesso aos direitos, considerando-se sua condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento e com prioridade absoluta.

Essa co-responsabilidade, tendo em vista o adolescente em cumprimento de

medida socioeducativa, exige que os direitos estabelecidos em lei devem repercutir

diretamente na materialização de políticas sociais que potencializem e reconheçam a

importância da participação da família no processo de ressocialização do adolescente.

E é isso o que ordena o texto da Constituição Federal ao estabelecer que a “família é a

base da sociedade” (Art. 226) e, portanto, compete a ela, juntamente com o Estado, a

comunidade e a sociedade em geral, “assegurar à criança e ao adolescente o exercício

de seus direitos fundamentais” (Art. 227).

além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’”. (Rizzini 2000:77)

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Entre os avanços que diferenciam o ECA do antigo Código de Menores,

destacam-se mudanças quanto ao objetivo da Lei, que passa a entender a criança e o

adolescente como sujeito de direitos. Rizzini destaca alguns pontos que diferenciam a

nova legislação, destacando-se, dentre eles, o Pátrio Poder, pois a pobreza não é mais

condição de intervenção na família; a detenção de “menores”, já que não mais é

permitida a prisão cautelar de adolescentes autores de ato infracional; o direito de

defesa, uma vez que a nova Lei estabeleceu a garantia de assistência judiciária

gratuita, pela qual o adolescente tem o direito de ser ouvido por autoridade competente,

na presença dos pais; a internação de “menores”, que agora seria aplicável somente a

adolescentes autores de ato infracional grave, obedecidos os princípios da Lei; a

posição do magistrado, em que há significativa mudança no papel do Juiz de Menores,

pela limitação de poder estabelecida pela garantia do direito à defesa; e, por último, os

mecanismos de participação da sociedade civil, criando-se instâncias socioeducativas e

organismos como os Conselhos de Direitos e Tutelares.

Com o Estatuto, o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei passa a

ter caráter educativo, mais adequado à sua condição peculiar de ser humano em

desenvolvimento8. Como categorias de medidas socioeducativas, o ECA definiu a

advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a

liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade e a internação em

estabelecimento educacional.

As mudanças ocorridas após a promulgação do Estatuto são consideradas por

vários estudiosos, como Rizzini (2000), Sales e Alencar (1997) e Volpi (1997), um

grande avanço no atendimento à criança e ao adolescente no Brasil. Porém, este

progresso apresenta, também, dificuldades para a implementação do Estatuto. Essas

dificuldades decorrem de fatores tais como os comentários contra o ECA, que, em sua

maioria, estão relacionados com a situação do adolescente autor de ato infracional e o

desconhecimento do que trata a Lei ou de sua interpretação equivocada pela sociedade

em geral.

8 É necessário esclarecer que a nova percepção do adolescente como pessoa em situação peculiar de desenvolvimento não pode servir como justificativa para uma visão tutelar do revogado Código de Menores, que negava a condição de sujeito de direitos e colocava o adolescente em uma posição de inferioridade. (PNCFC,2006)

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Esses fatos, que podem ser obstáculos para a efetividade dos princípios do ECA,

fazem parte da própria trajetória histórica, política e cultural do país, e da conjuntura do

processo de redemocratização do qual ele se originou, o que contribui para o

surgimento de resistências quanto ao novo modelo de intervenção do Estado.

Na verdade, o que se vê é uma dificuldade de mudança de paradigma, já que,

antes, a sociedade, habituada à política de um Estado interventor e controlador, passou

a incorporar uma nova concepção apresentada pelo novo modelo de atuação, pautado

no neoliberalismo9, na transferência e retração do Estado quanto à garantia dos direitos

sociais, terminando por requisitar responsabilidade da família no âmbito da garantia dos

direitos sociais. Percebe-se, assim, que a família passa a ter um papel importante na

proteção social da criança e do adolescente, como enfoca Pereira (2004):

“Desde a crise economica mundial dos fins dos anos 1970, a família vem sendo redescoberta como um importante agente privado de proteção social....Há portanto, na atualidade, um amplo arco de políticas, articuladoras de um expressivo contingente de atores e recursos, contemplando a família.” (Pereira, 2004:26)

Antes, a antiga lei funcionava como instrumento de controle, transferindo para o

Estado a tutela dos "menores inadaptados", o que justificava a ação dos aparelhos

repressivos. Ao contrário, o ECA serve como instrumento de exigibilidade de direitos

para aqueles que estão em situação vulnerável, compreendendo-se, nessa finalidade, a

convocação de novos parceiros, quais sejam, a comunidade e a família, sob novas

formas de atendimento, como se vê no artigo 4º do citado Estatuto:

“Art 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, á profissionalização, à cultura, á dignidade, ao respeito, á

9 A adesão do Brasil à política neoliberal na década de 1990, se faz em meio a um cenário de agravamento da questão social e portanto do aumento da precarização do trabalho, desemprego, etc., frutos da sociabilidade capitalista que tem em sua gênese a desigualdade social. Essa realidade sinaliza um aumento da requisição por uma Política de Assistência Social ampla e efetiva, o que pressupõe investimento e intervenção eficiente por parte do Estado. O sistema neoliberal reduz significativamente a responsabilidade do Estado com a garantia dos direitos sociais, transferidos tanto para a esfera privada quanto para o terceiro setor. Quadro que retrocede a Política de Assistência Social, e recupera a perspectiva assistencialista e filantrópica negando a Assistência como direito.

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liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (ECA, 1990)

Dessa forma, após a promulgação do Estatuto, as políticas públicas vêm

avançando na tentativa de realizar programas e projetos sociais que interajam

globalmente entre família, sociedade e Estado, reforçando um redirecionamento dos

papéis desses atores, no intuito de garantir, como prioridade absoluta, os direitos da

criança e do adolescente, tal como define a Lei.

Como aponta Sales e Alencar (1997), o citado Estatuto promoveu uma

expressiva mudança na gestão da política voltada para a criança e o adolescente, o

que implicou uma reorganização na relação entre União, Estados e Municípios. Como

mecanismo destinado a assegurar a melhor aplicação da proteção à infância, o ECA

prevê a articulação de ações governamentais e não-governamentais, o que requer um

reordenamento no âmbito das políticas públicas destinadas a esta parcela da

população. Ainda, o ECA estabelece novas diretrizes, pautadas na descentralização

político-administrativa, pelo que as normas gerais cabem à esfera federal, enquanto a

coordenação e a execução das pertinentes ações cabem às esferas estadual e

municipal, garantindo-se a participação popular na formulação e no controle das

políticas de direito, com o apoio do Ministério Público.

Este novo arranjo vem sendo consolidado por meio da ampliação da Política de

Assistência Social e tem sua organização na Lei Orgânica de Assistência Social -

LOAS, o que levou à realização de conferências nacionais que resultaram na

organização do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. A consolidação da

Assistência Social, como política pública e direito social, exigiu o enfrentamento de

desafios. Para isto, implementa-se a Política Nacional de Assistência Social - PNAS,

que executa a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS, determinando e direcionando a

efetivação da Assistência Social brasileira.

Logo, os avanços conquistados, desde a promulgação da Constituição de 88 e

do ECA, inclui, nesta pesquisa, o estudo das diretrizes do SUAS, suas diversidades e

peculiaridades no que tange à consolidação dos direitos da criança e do adolescente,

como se verá no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO II

O SISTEMA ÚNICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E A PROTEÇÃO ESPECIAL DE

MÉDIA COMPLEXIDADE: O CREAS E O ATENDIMENTO ÀS MEDIDAS

SOCIOEDUCATIVAS.

2.1 O SUAS e a reorganização da gestão da política de assistência social.

O conceito de assistência social passou a ter uma conotação diferente por

influência da Constituição Federal de 1988. Essa nova conotação deve-se às mudanças

ocorridas no âmbito da proteção social, que foram determinadas por transformações

estruturais e políticas, advindas da luta pela redemocratização do país. Para Pereira

(2000), a assistência deixa de funcionar como assistencialismo ou como forte

mecanismo de controle e de mendicância e passa a ter um compromisso explícito com

a satisfação das necessidades sociais.

A assistência social é direito do cidadão, independentemente de sua contribuição

prévia, e deve ser provida pela contribuição de toda a sociedade. O reconhecimento da

assistência como direito social, pela Constituição Federal de 1988, e sua

regulamentação pela Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, em 1993, significa

responsabilizar o Estado por assegurar o financiamento, o planejamento e a execução

da Política de Assistência Social.

O princípio organizativo da Assistência Social aponta para a ruptura do

assistencialismo10, da benemerência e de ações fragmentadas, consolidando-se como

uma política pública, de dever do Estado e direito de todos os cidadãos, com a

afirmação do controle social por parte da sociedade civil.

10 Ainda existem muitos enganos acerca do direto a assistência social, que podem ser confundidos com clientelismo, assistencialismo, caridade ou ações pontuais, que nada têm a ver com políticas públicas e com o compromisso do Estado com a sociedade.

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Avançando no desenvolvimento dessa política, registra-se a implantação do

Sistema Único de Assistência Social - SUAS, por ocasião da V Conferência Nacional de

Assistência Social realizada em dezembro de 2005, onde foi apresentada uma nova

agenda política para a Assistência Social. Conforme a Política Nacional de Assistência

Social –PNAS, que dispõe sobre a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS, tem um

modelo de gestão descentralizado e participativo, sendo compartilhada e co-financiada

pelas três esferas governamentais. O SUAS apresenta suas diretrizes com base na

definição e organização dos eixos estruturantes, com destaque para a matricialidade

sociofamiliar, a descentralização político-administrativa e a territorialização, o

financiamento, o controle social, os recursos humanos e a informação, o monitoramento

e a avaliação. Sua atuação é definida por território e tem como referência a vigilância

social, a proteção e a defesa social, (PNAS, 2004:39)

Este Sistema trata de estruturar uma rede11 de atendimento, qualificando os

serviços e estabelecendo melhor aplicação dos recursos, bem como o monitoramento

dos resultados das intervenções. A construção do SUAS representa um esforço coletivo

que, desde a publicação da LOAS, vem se empenhando na tarefa de colocar a

Assistência Social brasileira no campo da garantia dos direitos sociais.

A implantação do SUAS objetiva o rompimento com a fragmentação das políticas

públicas e a articulação e a provisão de proteção social básica e especial para os

segmentos populacionais usuários da política de Assistência Social no país. Seus

princípios e diretrizes apontam para a universalização do sistema; a padronização dos

serviços; a integração de objetivos, ações, serviços, benefícios, programas e projetos; a

garantia da proteção social; a substituição do paradigma assistencialista e a articulação

de ações e competências com os demais sistemas de defesa de direitos humanos, com

as políticas sociais e as esferas governamentais.

Assim, a proteção social vinculada à política de Assistência Social ocupa-se das

vitimizações, fragilidades e vulnerabilidades, que são sequelas da questão social, em 11 Assim, a operacionalização da política de assistência social em rede, com base no território, constitui

um dos caminhos para superar a fragmentação na prática dessa política. Trabalhar em rede, nessa concepção territorial significa ir além da simples adesão, pois há necessidade de se romper com velhos paradigmas, em que as práticas se construíram historicamente pautadas na segmentação, na fragmentação e na focalização, e olhar para a realidade, considerando os novos desafios colocados pela dimensão do cotidiano, que se apresenta sob múltiplas formatações, exigindo enfrentamento de forma integrada e articulada.

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decorrência de imposições sociais, econômicas e políticas e de ofensas à dignidade

humana.

Portanto, o SUAS caracteriza-se por uma nova lógica de organização das ações,

com a definição de níveis de complexidade: Proteção Social Básica e Proteção Social

Especial de média e alta complexidade, com a referência no território, considerando-se

as especificidades das regiões e os portes dos municípios, com centralidade na família.

A Proteção Básica tem como foco a família e os indivíduos que vivem em

condições de vulnerabilidade social, o que se traduz pelas situações de pobreza,

ausência de renda, acesso precário aos serviços públicos, fragilização dos vínculos

afetivos relacionais e de pertencimento social. Nesta perspectiva, a família é o foco do

atendimento realizado mediante programas de atenção integral a família, geração de

trabalho e renda, centros de convivência para idosos e serviços de atendimento para

crianças e adolescentes, articulados pelo Centro de Referência de Assistência Social -

CRAS12.

A Proteção Especial destina-se a proteger as famílias e os indivíduos cujos

direitos tenham sido violados ou em relação aos quais já tenha ocorrido o rompimento

dos laços familiares e comunitários. O objetivo da Proteção Especial é prover atenções

socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontrem em situação de risco

pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos ou psíquicos, abuso

sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas,

situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras, e é de responsabilidade do

Centro Especializado de Assistência Social – CREAS.

Na organização do atendimento à Proteção Especial há, também, os níveis de

complexidade, que se dividem em média e alta, sendo a de média complexidade

destinada a pessoas que tiveram seus direitos violados mas ainda possuem vínculos

familiares e comunitários, enquanto a de alta complexidade visa a atender a pessoa

que se encontra sem referência ou em situação de ameaça e necessita ser afastada de

seu núcleo familiar e comunitário.

12 No CRAS realiza-se o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos, conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada. Deve incluir e organizar as atividades em rede, de modo a inseri seus usuários nas diversas ações ofertadas. O CRAS também deve organizar a vigilância da exclusão social de sua área de abrangência, em conexão com outros territórios.

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Nesse contexto, faz parte da política de Proteção Especial de Média

Complexidade, o atendimento ao adolescente em conflito com a lei, por ocasião da

aplicação da medida socioeducativa de Liberdade Assistida prevista no Estatuto da

Criança e do Adolescente. Por conseguinte, é no segmento de proteção de média

complexidade, cujo atendimento é organizado pelo CREAS, que estão as implicações

desta análise, isto é, a participação das famílias dos adolescentes em cumprimento de

Liberdade Assistida no município de Governador Valadares, o que se faz

transversalmente à atual conjuntura da política de governo.

O atendimento da medida socioeducativa realizado no CREAS deve ser

efetivado de acordo com os parâmetros do SUAS, que visa a garantia de proteção

social ativa, isto é, não submete o usuário ao princípio de tutela. O objetivo, pois, é que

a pessoa conquiste autonomia e sustentabilidade, para que tenha acesso a

oportunidades, capacitações, serviços, condições de convívio e socialização, de acordo

com suas capacidade, dignidade e projeto pessoal e social.

A proposta ordenada pela PNAS prevê um trabalho de articulação em rede, com

todos os equipamentos públicos desenvolvendo um trabalho de garantia de direitos, na

sua totalidade, tais como educação, saúde, segurança, habitação, lazer, esporte e

cultura. Porém, de acordo com Carvalho (1995), o trabalho em rede está fragilizado e

sem articulação, pois desenvolve uma política fragmentada e muitas vezes paliativa.

Há, portanto, um intenso embate político no âmbito da Assistência Social, em face do

processo histórico, econômico e cultural do Brasil, havendo dificuldades para a atuação

de acordo com o que determinam as disposições legais, realidade da qual Governador

Valadares não está livre e que se reflete sobre o processo de consolidação do CREAS,

no município.

De acordo com Yasbek (2005), a nova Política de Assistência Social apresenta

aspectos positivos em relação à incorporação das demandas da sociedade na área da

assistência social, a inovação em trabalhar com a noção de território, a centralidade da

família e sua proteção. Porém, a autora aponta dois aspectos negativos, o primeiro,

quanto à visão de que a família pobre precisa ser reestruturada do ponto de vista moral

e afetivo, sem considerar o quadro econômico mais amplo, como se o problema de

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miséria fosse da família, e o segundo no que se refere à desconsideração de que essa

população pertence a uma classe social e que a questão social é uma questão política.

Cabe, então, destacar que as políticas públicas são compostas por políticas

econômicas e sociais e têm no Estado o seu formulador e executor. No Brasil,

historicamente, as políticas sociais estiveram submetidas às necessidades da política

econômica, a serviço dos interesses das elites e do processo de produção capitalista. E

este fator é inerente ao processo que vai desenvolver-se nos atendimentos da proteção

especial ao adolescente em conflito com a lei e à sua família, dentro do contexto

organizacional do CREAS de Governador Valadares, respectivamente nos arranjos das

demais políticas públicas municipais.

2.2 O CREAS de Governador Valadares: a medida socioeducativa de Liberdade Assistida e as diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.

Como já foi contemplado anteriormente, a Proteção Especial de média

complexidade é organizada no Centro de Referência Especializado de Assistência

Social - CREAS e dentre os serviços prestados conta-se o atendimento às medidas

socioeducativas em meio aberto, foco de atenção deste estudo. Este acompanhamento

é realizado em parceria com a rede de atendimento municipal13, para a promoção dos

direitos dos adolescentes e de sua família, como forma de potencializar o

desenvolvimento pessoal e social do atendido, buscando-se superar a violação de seus

direitos.

Em Governador Valadares, o CREAS foi implantado em agosto de 2008 e conta

com uma equipe técnica multiprofissional especializada, que desenvolve suas ações

em articulação com o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o

Conselho Tutelar, com as demais políticas públicas e as organizações não

13 Considerando o trabalho utilizando a rede municipal o CREAS desenvolve uma articulação intersetorial

com outras políticas sociais, como as de Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Emprego, Habitação, entre outras, para que as ações não sejam fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade dos serviços para todas as famílias e indivíduos.

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governamentais, sempre no intuito de estruturar uma rede efetiva de proteção social,

tendo como eixo a matricialidade sociofamiliar.

O atendimento dispensado ao acompanhamento da Liberdade Assistida no

CREAS de Governador Valadares conta com atividades psicopedagógicas, projetos

profissionalizantes, terapia de grupo e atendimento psicológico à dependência química,

além de atendimento individual e interdisciplinar, na orientação e no monitoramento da

medida. No que tange à reflexão da atuação do CREAS, no que se refere ao

acompanhamento da Liberdade Assistida, é necessário, primeiramente, elucidar o

regulamento desta medida, qual a sua expectativa como processo ressocializante, seu

impacto e seu poder de coerção na prática do ato infracional.

O ECA aponta as medidas aplicadas aos adolescentes que cometeram ato

infracional, o que, de acordo com o artigo 103, daquele instituto legal, é a “conduta

descrita como crime ou contravenção penal”. Para esses casos, o Estatuto designa

medidas socioeducativas de cunho progressivo, que vão desde a advertência até a

internação, conforme o artigo 112, incluindo-se a Liberdade Assistida que, conforme o

artigo 118, é adequada aos casos que necessitem de acompanhamento, auxílio e

orientação e tem como objetivo promover a convivência familiar, comunitária, social,

educacional e profissionalizante.

Por meio da análise dos documentos e registros do CREAS de Governador

Valadares, foi feito o levantamento dos atendimentos ali realizados no período de

janeiro a julho de 2009, num total de 104 adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa, extraindo-se um diagnóstico psicossocial14 desses adolescentes, o que

proporcionou subsídio para o desenvolvimento deste estudo.

Desse diagnóstico, ressalta-se, primeiramente, a questão da incidência na

aplicação da Liberdade Assistida, apontando que esta medida é aplicada, geralmente,

nos casos de posse ou uso de drogas ilícitas (23,46%), envolvimento com “gangues” e

tráfico de drogas (21,9%), porte de armas (14,06%) e furtos, roubos ou assaltos

(12,5%). Estes representam os casos de maior gravidade, que somam 71,92% dos

atendimentos.

14 Este diagnóstico está representado no quadro 1 em anexo - página 62

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A Liberdade Assistida estende-se, também,,a adolescentes que sofrem ameaças

de agressão à integridade física ou mesmo de morte, o que os torna necessitados de

proteção, e é aplicada aos adolescentes advindos de medida de internação ou de

semiliberdade, situações estas que representam 28,08% dos casos atendidos.

Com a finalidade de melhor aplicabilidade das medidas socioeducativas, foi

aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –

CONANDA, em junho de 2006, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –

SINASE15, que regulamenta as medidas socioeducativas, aponta a prioridade de

municipalização das medidas de meio aberto, além de orientar a articulação das

políticas intersetoriais em nível local e a constituição de redes de apoio nas

comunidades.

A municipalização dessa política constitui um avanço para o atendimento aos

direitos e deveres assegurados aos adolescentes, pois visa o pleno atendimento dele e

de sua família, ressaltando a importância do serviço de rede do município. Neste

processo, o SINASE justifica sua exigência quanto à priorização das medidas em meio

aberto, como se vê a seguir:

“De um lado, priorizou-se a municipalização dos programas de meio aberto, mediante a articulação de políticas intersetoriais em nível local, e a constituição de redes de apoio nas comunidades.” (SINASE, 2006: 44)

O SINASE argumentou sobre a preferência das medidas socioeducativas de

meio aberto em detrimento das medidas restritivas de liberdade,16 demonstrando que a

prioridade destas medidas abarca o reconhecimento da importância da convivência

familiar e comunitária e seu papel fundamental para o desenvolvimento do adolescente.

O cumprimento da medida de Liberdade Assistida, como já foi dito, tem como

base a formação profissionalizante e pedagógica do adolescente, visando sua inserção

15 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, é coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA. 16 Medidas socioeducativas em meio aberto são: Prestação de Serviço a Comunidade e Liberdade Assistida, e as restritivas são: Semiliberdade e Internação e estas somente devem ser aplicadas em caráter excepcional.

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no mercado de trabalho17 e a elaboração de seu projeto de vida, de forma a estimular o

adolescente a pensar sobre a necessidade de traçar seus objetivos para o futuro.

Neste aspecto verifica-se, conforme explica Volpi (1997), que a Liberdade Assistida é

uma medida que possibilita um trabalho para além do caráter de responsabilização,

principalmente ao assumir ações que visam a emancipação dos sujeitos.

“Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos.” (Volpi, 1997:24)

A opção pela medida de Liberdade Assistida é compreendida como forma de

superação do caráter punitivo muitas vezes relacionado ao atendimento do adolescente

autor de ato infracional, o que pode proporcionar um trabalho mais aproximado com a

garantia dos direitos do adolescente como pessoa em desenvolvimento e com

prioridade absoluta. Dentre as outras medidas socioeducativas estabelecidas pelo

ECA, a Liberdade Assistida diferencia-se pela possibilidade de potencializar a família

na promoção do seu protagonismo diante da proteção ao adolescente. É

principalmente na família que, como se refere Volpi (1997), a intervenção produz

potencialidades para o processo de ressocialização e de desenvolvimento do

adolescente, além de ser o referencial para sua convivência comunitária e inserção no

mercado de trabalho.

“As medidas de proteção à criança e ao adolescente preconizadas pelo ECA, bem como as medidas socioeducativas previstas para o adolescente, não possuem caráter punitivo, visando, antes, a reinserção social, mediante o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. As medidas socioeducativas representam um

17 A inserção no mercado de trabalho compreendida a esta parcela da população é legislada pelo ECA no art.60 “é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”, completa o art.65 “ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos de idade, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”, conforme o art. 69 “o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros; I – respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; II – condição profissional adequada ao mercado de trabalho”.

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avanço, porque incorporam a discussão que se realiza, em nível mundial, de que a privação de liberdade só deve ser adotada em casos extremos, já que é comprovada a ineficácia do sistema penal tradicional – baseado na prisão – para a reintegração do jovem na sociedade.” (Volpi, 1997:63-64)

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC, elaborado em 2006,

discute sobre a metodologia de trabalho dos programas de auxilio e proteção à família.

Destaca a importância dos programas com ações bem planejadas, voltadas para a

inclusão, o auxilio e a proteção da família. Desta forma, “tais programas, se disponíveis

e bem estruturados, podem lograr a superação das dificuldades vivenciadas pela

família e a restauração de direitos ameaçados ou violados” (PNCFC 2006:49).

O Plano de Convivência Familiar e Comunitária ressalta a importância da

interdisciplinaridade e a intersetorialidade que são, também, características importantes

dos programas de apoio sociofamiliar, devendo articular diferentes políticas sociais

básicas, em especial a saúde e a educação – mediante estreita parceria com o Sistema

de Garantia de Direito – SGD18, e buscar a intensificação desta articulação.

Neste contexto, considerando que a Vara da Infância e Juventude – VIJ de

Governador Valadares integra a rede de parceiros do CREAS, torna-se necessário

entender a dinâmica do atendimento que aquela repartição presta aos adolescentes e

suas famílias durante o processo de aplicação da medida socioeducativa. Este

entendimento foi buscado mediante a realização de entrevista19 com a Assistente Social

da citada Vara, com o objetivo de analisar o caráter legal da co-responsabilidade20 e

18 Sistema de Garantia de Direitos (SGD), é um conjunto de órgão, entidades, autoridades, programas e serviços de atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar de forma articulada e integrada, na busca de sua proteção integral, nos moldes do previsto pelo ECA e pela Constituição Federal. Nele incluem-se princípios e normas que regem a política de atenção a crianças e adolescentes cujas ações são promovidas pelo Poder Público e pela sociedade civil, sob três eixos: promoção, defesa e controle social. (PNCFC, 2006: 133) 19 Roteiro para entrevista direcionada à Vara da Infância e Juventude, anexo página nº 65. 20 O ECA estabelece co-responsabilidade entre família, comunidade e Estado, todos atuando de forma

interativa no desenvolvimento do adolescente, percebemos a necessidade de intervir particularmente na participação da família na aplicação das medidas socioeducativas. Conforme o Art. 4º “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. (ECA,1990)

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compreender a postura das famílias dos adolescentes, diante do cumprimento da

Liberdade Assistida.

A Assistente Social que concedeu a entrevista relatou que a equipe

interprofissional21 da Vara da Infância e Juventude foi implantada na Comarca de

Governador Valadares em 1993 e é responsável por subsidiar o juiz, mediante a

elaboração de laudos técnicos ou por manifestação verbal, conforme o disposto no art.

150 do ECA. Neste procedimento, segundo determinação da autoridade judiciária, a

equipe daquela Vara pode desenvolver trabalhos de orientação e encaminhamento,

dentre outros.

Ao questionamento sobre a dinâmica das atividades da equipe profissional em

relação à medida socioeducativa de Liberdade Assistida, a entrevistada esclareceu que

a interação da equipe com os adolescentes e suas famílias é bastante restrita, haja

vista que os procedimentos não se caracterizam como acompanhamento, ou seja, não

há uma expectativa de continuidade do atendimento. Destacou que a equipe

multiprofissional da Vara da Infância e Juventude realiza o atendimento a esse público

restringindo-se a uma entrevista inicial, para subsidiar a determinação da sentença,

pelo Juiz, ao que se segue o encaminhamento do adolescente para o cumprimento da

medida que lhe foi aplicada, sendo que, em se tratando de medida de meio aberto, o

adolescente é encaminhado para atendimento no CREAS. Essa é a oportunidade na

qual a Assistente Social, da Vara da Infância e Juventude, esclarece ao adolescente e à

sua família quais são os direitos, os deveres e as atribuições de cada um, levando-os a

refletir quanto à importância de se cumprir a determinação do Juiz.

De acordo com o que foi contemplado nessa entrevista, considerando-se o

acirramento da questão social diante do atual modelo econômico, sabe-se das

determinantes que levam o adolescente ao cumprimento de Liberdade Assistida e

destacam-se as dificuldades de se efetivar a co-responsabilidade da família no

acompanhamento do adolescente.

21 A equipe é composta atualmente por treze profissionais, sendo oito Assistentes Sociais e cinco psicólogos, que distribuídos em quatro setores, além da coordenação, atendem além da Vara da Infância e Juventude, todas as Varas implantadas na Comarca de Governador Valadares. Esta equipe interprofissional, ainda se subdivide por áreas de especialidade, havendo uma equipe responsável para o atendimento à demanda dos adolescentes em conflito com a lei, a qual conta com 2 Psicólogos e 2 Assistentes Sociais.

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Para a Assistente Social da Vara da Infância e Juventude, é possível perceber

que a maioria das famílias “não se sentem responsáveis por exercer um referencial de

autoridade para os filhos, podem até ter conhecimento sobre o envolvimento dos

adolescentes com a criminalidade, mas banalizam a violência e não percebem o seu

importante papel para intervir nessa situação”. Neste ponto argumentou que são

necessárias algumas considerações e ressaltou que, em alguns casos, os pais ou

responsáveis sentem-se impotentes diante dos conflitos trazidos pelo ato infracional do

adolescente, havendo casos em que as famílias preferem até mesmo que o

adolescente seja apreendido, pois entendem que é uma forma de garantir a proteção

que ele necessita e que elas não conseguem mais proporcionar.

Diante da efetivação da participação da família no cumprimento da medida de

Liberdade Assistida, a Vara da Infância e da Juventude, em sua dinâmica de

atendimento, não está orientada para fazer acompanhamento efetivo e contínuo dessas

famílias, o que limita a atuação de sua equipe multiprofissional e torna-se um desafio

para a consolidação da articulação com o CREAS.

Conforme aborda Paiva (2009), faz-se necessário ressaltar que esta questão

percorre caminhos que não são apenas definidos na área da Assistência Social,

quando reconhecido que, em particular a proteção de média complexidade, por tratar

da violação de direitos, abarca intervenções advindas do sistema judiciário e com ele

todos os limites e pragmatismos inerentes a esta área.

“O Tribunal de Justiça ou Fórum, enquanto órgãos jurídicos capaz de julgar e aplicar a lei deve primar pela efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao judiciário não cabe a execução de políticas públicas, ou a operacionalização da Liberdade Assistida e das demais medidas socioeducativas ( a execução fica a cargo do poder executivo). Nem mesmo o (a) assistente social no sistema judiciário conseguirá,com êxito, operacionalizar as medidas, se não contar com uma rede de atendimento”. (Paiva, 2009:281)

Esta reflexão levou à questão sobre quais os fatores determinantes comuns para

a aplicação da Liberdade Assistida e quais as contribuições da equipe profissional para

esta decisão, considerando-se que esta medida tem sido objeto de discussão e é

apresentada como a mais eficiente, por seu caráter pedagógico e promocional.

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Com isso, foi discorrido que a equipe interprofissional apresenta um relatório ao

Juiz e neste relatório sugere ou indica qual a medida mais adequada para a situação

apresentada. Ao indicar a Liberdade Assistida, a entrevistada relata que a equipe

considera, sobretudo, “seu caráter pedagógico, as atividades que lhe são inerentes, a

capacidade do adolescente de envolver-se de fato em seu cumprimento e possibilidade

da família também se envolver nesse processo”. Nestes parâmetros, deve haver uma

interação com a equipe do CREAS, no sentido de buscar saber o que tem sido

oferecido para a aplicação da medida.

Para a continuidade desta reflexão, a par do conhecimento de como é o

procedimento da atuação da equipe multiprofissional na Vara da Infância e da

Juventude de Governador Valadares, faz-se necessário problematizar este tema,

debatido na perspectiva dos atendimentos do CREAS deste município. Para isso,

também foi realizada uma entrevista22 com as profissionais que, atualmente, são

referência na medida socioeducativa daquele Centro. Conforme dito anteriormente, a

equipe técnica do CREAS utiliza, como instrumento de atuação, entrevistas e visitas

domiciliares, durante as quais são utilizados roteiros de entrevista para orientar o

atendimento do adolescente e de suas famílias. Esses instrumentos destinam-se a

subsidiar os estudos psicossociais23 e o encaminhamento de adolescentes autores de

atos infracionais à rede de assistência do município.

No CREAS de Governador Valadares o acompanhamento da medida de

Liberdade Assistida vem sendo consolidado por meio de modificações e estratégias que

visam promover a profissionalização dos adolescentes. Isso se deve ao fato que os

adolescentes que estão em cumprimento de Liberdade Assistida têm, em sua maioria,

idade entre 16 e 18 anos, o que corresponde a 84,65% dos atendimentos no primeiro

semestre desse ano24. Assim, nos debates interdisciplinares realizados no CREAS,

prevalecem a necessidade e o anseio desses adolescentes, para sua inserção no

22 Roteiro para entrevista direcionada à equipe de referência do CREAS de Governador Valadares, anexo, páginas nºs. 63-64. 23 Para a realização dos estudos sociais, os Assistentes Sociais utilizam um roteiro de entrevista, elaborados pelas próprias profissionais, para orientar a entrevista com o adolescente em conflito com a lei e suas famílias. Esta equipe é formada por 02 psicólogos e 02 Assistentes Sociais. 24 Veja quadro 1, página 62

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mercado de trabalho, o que é diagnosticado nas análises psicossociais de cada um

deles.

Além desse caráter profissionalizante o CREAS vem desenvolvendo atividades

de terapia e grupos de reflexão, por meio do desenvolvimento das habilidades dos

adolescentes, mediante trabalhos manuais, tais como desenho, pintura, colagem ou

recortes. Essas atividades objetivam intervir no cotidiano do adolescente, buscando

uma interação que os leve a refletir a respeito da conseqüência do cometimento do ato

infracional, e visam, ainda, potencializar a promoção dos adolescentes de acordo com

as relações construídas com a equipe interdisciplinar do CREAS.

Nesse caminho, a equipe do CREAS diagnosticou considerável índice de

evasão, na participação dos adolescentes nas reuniões e atividades elaboradas para o

segmento da Liberdade Assistida, o que representou 68% dos casos atendidos, e

percebeu que essa evasão, ou descompromisso com o cumprimento da medida, é uma

questão que deve ser enfrentada juntamente com a participação das famílias desses

adolescentes. Portanto, a intervenção do CREAS não tem se mostrado efetiva para

garantir a permanência do adolescente nos projetos vislumbrados pela Liberdade

Assistida, o que revela fragilidades no sistema de atendimento e comprometem os

resultados da medida socioeducativa.

Durante a entrevista concedida, a Assistente Social do CREAS relatou que as

realidades desses adolescentes evidenciam aspectos complexos, que necessitam de

uma investigação de natureza empírica, para balizar a metodologia de atendimento. Isto

se dá porque as famílias vêm expondo diversas expressões da questão social, que

envolvem as formas de organização de sua subsistência. A procedência dessas

modificações e dificuldades enfrentadas pelas famílias, conforme análise da profissional

entrevistada, está motivando “o pouco comprometimento com a medida socioeducativa,

pois muitas vezes os pais não se “interessam” em saber se os seus filhos estão

cumprindo ou não a medida”.

Nos atendimentos do CREAS, conforme citado na entrevista, é possível

diagnosticar “logo no primeiro contato com a família, se ela vai contribuir na orientação

do filho. É visível a diferença do comportamento da família que dispõe de atenção à

situação da medida”. A profissional entende que esses pais ou responsáveis têm

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dificuldades de colocar referências25 para os adolescentes, e esta questão é de ordem

histórica da família, “são casos de reprodução de um modo de convivência que já vem

de gerações, ou seja, ao verificar a ocorrência de negligência, fatalmente vem de pais

que também foram negligenciados”. Com esta reflexão, a Assistente Social do CREAS

ressaltou tal fato como dificultador para a intervenção profissional, já que o prazo para

se “trabalhar” com a família é insuficiente. Esse prazo pode variar entre seis meses a

um ano de Liberdade Assistida, porém, deve-se entender a urgência, em se tratando da

proteção do adolescente que, muitas vezes, está em situação de risco de vida e não

pode dispor de intervenções a longo prazo.

Com isto, por intermédio do orientador comunitário26, o CREAS tem buscado

uma intervenção transitória, para que seja resguardada a proteção e a ressocialização

do adolescente. Esse artifício, para viabilizar o acompanhamento da medida, é de

orientação do SINASE, razão pela qual o CREAS, por meio de um projeto que vem

sendo executado desde agosto deste ano, tem feito uma divulgação no seio das

comunidades, com o objetivo de encontrar pessoas que tenham o perfil adequado para

exercer a atividade de orientador comunitário, cuja função, contudo, não substitui o

papel da família no que concerne a sua co-responsabilidade com a garantia dos direitos

do adolescente.

Por perceber que, muitas vezes, elas não são conhecedoras da importância de

sua participação e não se reconhecem como fundamental espaço de proteção para os

adolescentes, o CREAS vem desenvolvendo um projeto destinado especialmente a

essas famílias, com o objetivo de incentivar sua ativa participação no acompanhamento

da medida socioeducativa. 25 A definição pelas relações consangüíneas de quem é “parente” varia entre as sociedades podendo ou não incluir tios, tias, primos de variados graus, etc. Isto faz com que a relação de consangüinidade, em vez de “natural”, tenha sempre de ser interpretada em um referencial simbólico e cultural. Referência de afeto, proteção e cuidado, nela os indivíduos constroem seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções, desenvolvem a autonomia, tomam decisões, exercem o cuidado mútuo e vivenciam conflitos. Significados, crenças, mitos, regras e valores são construídos, negociados e modificados, contribuindo para a constituição da subjetividade de cada membro e capacidade para se relacionar com o outro e o meio. Obrigações, limites, deveres e direitos são circunscritos e papéis são exercidos. (PNCFC, 2006:42) 26 Em se tratando da medida de Liberdade Assistida, o SINASE prevê a Liberdade Assistida Comunitária (LAC), onde o programa de acompanhamento da medida buscará na comunidade a pessoa mais indicada, que deverá ser capacitada a acompanhar o cotidiano do adolescente dentro da comunidade, buscando inseri-lo em projetos sociais que envolvam atividades pedagógicas e culturais. Cada orientador comunitário terá sob seu acompanhamento e monitoramento o máximo de dois adolescentes simultaneamente.

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Dessa forma, a ação do CREAS pretende promover a informação da família

acerca dos trabalhos realizados naquela instituição, bem como os direitos e os deveres

do adolescente e de sua família, buscando estabelecer o envolvimento dos pais ou

responsáveis com o processo de ressocialização do adolescente em cumprimento de

medida socioeducativa.

Na intervenção realizada pelo CREAS foram desenvolvidas palestras com

abordagens propositivas a respeito dos direitos e deveres e da co-responsabilidade da

família, do Estado e da sociedade no acompanhamento do adolescente. Esta é uma

estratégia do projeto, já que são reconhecidas as dificuldades e os anseios dessas

famílias. A equipe do CREAS desenvolve reuniões com os pais ou responsáveis dos

adolescentes, na tentativa de esclarecê-los sobre sua importância, como forma de

buscar a adesão e o envolvimento da família no propósito da medida socioeducativa.

Ao acompanhar jovens em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade

Assistida, espera-se que a medida e o acompanhamento tenham alcance efetivo, que a

prática de atos infracionais seja rompida e novas perspectivas de vida sejam traçadas.

Neste sentido, espera-se que as famílias façam o acompanhamento do adolescente,

juntamente com a equipe do CREAS, para que as ações dos profissionais tenham

efeito, a violação seja superada e os laços familiares fortalecidos.

A ação do CREAS inclui, também, a oferta de um espaço de escuta, que

possibilita que as famílias manifestem suas questões. É neste espaço que se

estabelece o vínculo e se lança o convite à reflexão, o que gera, no processo de

acompanhamento, o empenho de esforços para que riscos, pessoal e social, venham a

ser minimizados e novos projetos sejam construídos.

O CREAS organizou grupos de vivência, em que são discutidos temas como

adolescência, dependência química, violência e convivência familiar, além de temas

que podem ser trazidos pelas próprias famílias. Essa atividade até que foi muito bem

aceita pelas famílias, especialmente em se considerando que há certo receio em tratar

de alguns problemas, pois os pais ou responsáveis, muitas vezes, não se sentem

confortáveis em admitir e falar sobre os aludidos assuntos, têm dificuldade em assumir

que eles existem, sentem-se constrangidos ou não reconhecem a necessidade de

conversar sobre tais matérias.

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Para que as famílias sejam encorajadas e fiquem à vontade para fazer suas

observações, as reuniões são realizadas como forma de troca de saberes, instigando

debates e, ao mesmo tempo, oferecendo respaldo técnico para o enfrentamento das

dificuldades. Revelar às famílias seu papel protetivo diante das necessidades do

adolescente em conflito com a lei e enfatizar a co-responsabilidade atribuída aos três

atores sociais são ações de promoção dessas famílias. Assim, após ser acolhida e

centralizada nas ações do CREAS, informada e instrumentalizada, a família tem a

oportunidade de se reconhecer como merecedora de atenção, o que está viabilizando a

interação das famílias com a equipe que atua na medida socioeducativa.

Nos atendimentos às famílias é utilizada uma linguagem simples e, sempre que

possível, recursos áudio-visuais, tais como desenhos, música e cartazes, a fim de

facilitar a comunicação. Também, como forma de interagir com qualidade, a equipe

tenta relacionar a história das famílias com o contexto do território em que vivem, a fim

de fortalecer seu sentimento de pertencimento e de coletividade, entretanto, com o

cuidado de resguardar a intimidade e o sigilo de informações, encontrando a “justa

medida” entre os atendimentos coletivos e individuais.

O projeto conta com a aplicação de material informativo elaborado pela equipe

técnica do CREAS, o que é um facilitador na procura pelo melhor aproveitamento das

palestras ali promovidas. Com esse instrumento, solicita-se aos pais ou responsáveis

uma atuação conjunta com a equipe que acompanha o adolescente. Então, o

acompanhamento da medida, realizado pela equipe técnica, passa a contar com os

esclarecimentos, as informações e as intervenções da família no cotidiano do

adolescente.

Para tanto, são formulados e esclarecidos os meios e os instrumentos para a

realização da tarefa da família, as atribuições do CREAS quanto ao amparo necessário,

e o fornecimento de informações acerca do processo do adolescente. As tarefas

designadas às famílias são estipuladas de acordo com suas possibilidades e a elas são

fornecidos instrumentos constituídos por material de acompanhamento e pelo apoio

especializado da equipe multidisciplinar do CREAS.

A equipe interdisciplinar do CREAS analisa as informações trazidas pelas

famílias, fornece resposta às questões apresentadas e ressalta seu empenho, positivo

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ou negativo, como uma forma de fortalecer, cada vez mais, o envolvimento dos

familiares do adolescente com as atividades propostas. Para a efetivação dessa

participação, os pais ou responsáveis são sempre lembrados de sua responsabilidade,

o que visa a motivá-los e a evitar que se dispersem de seu papel de protetor do

adolescente. Esse tem sido um trabalho contínuo da equipe do CREAS, que não abdica

de responsabilizar-se pelo respaldo que, necessariamente, deve ser dispensado a

essas famílias.

Dessa forma, à medida que se consolidam, o CREAS vem estruturando suas

ações, sempre com foco na centralidade da família, de maneira a materializar a Política

Nacional de Assistência Social e ampliar o compromisso do Estado com a inclusão

social do adolescente em conflito com a lei.

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CAPÍTULO III

A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DA

LIBERDADE ASSISTIDA, ATENDIDA NO CREAS DE GOVERNADOR VALADARES.

3.1 A família na política de assistência e a questão social

A família, cuja participação efetiva, no processo de ressocialização do

adolescente autor de ato infracional, pode contribuir para o sucesso da medida

socioeducativa, é tema predominante nos espaços de discussão sobre a efetivação

das políticas públicas pertinentes. Como destaque, essas discussões trazem a

abrangência dos serviços, incluindo-se a atenção à família devido à relevância27 de

seu papel na proteção do adolescente. O grande desafio, no entanto, é estruturar

serviços públicos que incluem atenção à família, dada a sua centralidade nesse

processo. Desta forma, como destaca Pereira (2004), faz-se pertinente, neste estudo

acadêmico, fomentar a discussão sobre esta questão.

“De par com a sua redescoberta política, a família também se tornou importante objeto de interesse acadêmico-científico, especialmente pelo ângulo da sua relação com o Estado em ação, isto é, com o Estado promotor de políticas públicas. É por esse prisma que se observa, nos últimos anos, uma crescente valorização da entidade familiar como tema de pesquisas subsidiadoras de políticas voltadas para essa entidade”. (Pereira, 2004:27)

Diante desse desafio, a perspectiva dos impactos da intervenção aplicada no

CREAS de Governador Valadares, mediante o artifício processual da medida

27 O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está expresso no artigo 226 da Constituição Federal do Brasil, na Convenção sobre os Direitos da Criança, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei Orgânica da Assistência Social e na Declaração dos Direitos Humanos, além do Sistema Único de Assistência Social, entre outros documentos e legislações.

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socioeducativa, exige uma reflexão sob os aspectos adequados para contribuir com a

mudança da realidade desses adolescentes e de suas famílias, principalmente

supondo-se que esta intervenção esteja apenas realizando o cumprimento de termos

legalísticos, o que permitiria a constância da mesma condição de vulnerabilidade que

vitimiza os adolescentes e suas famílias. A isto se acrescenta, conforme Daniel (2008),

a importância de se pensar sobre a política de atendimento à medida em meio aberto e

à atenção integral às necessidades desses jovens e suas famílias.

“Garantir direitos aos adolescentes com processos por prática de atos infracionais requer atenção especial à sua inclusão e de seus familiares em políticas sócio-assistenciais, com proteção integral, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades, facultando-lhes o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social”. (Daniel, 2008: 93)

A intervenção adotada para o acompanhamento da medida socioeducativa de

Liberdade Assistida deve privilegiar ações coletivas que favoreçam e potencializem a

construção de um projeto de vida, mas sem estabelecer um controle de identidade dos

adolescentes e de suas famílias. A abordagem desta questão refere-se à emancipação

e ao protagonismo frente à condição de subalternidade social dessa população, como

explica Silveira (2009), ao discutir os serviços prestados pelo SUAS.

“As abordagens e as estratégias profissionais adotadas são definidoras do sentido sociopolítico dos serviços socioassistenciais. Independente das questões teóricas consubstanciadas no arcabouço conceitual do SUAS, o significado dos serviços prestados deve ser direcionado à garantia de direitos. Tal assertiva se contrapõe às ações pragmáticas ou tradicionais que manipulam comportamentos e reforçam, pela repetição de valores e aconselhamento baseado no senso comum, padrões ideais de relações e famílias”. (Silveira,2009:352-353)

Então, o propósito da integração da família no processo de acompanhamento do

adolescente em cumprimento de Liberdade Assistida deve ser pensado de acordo com

a conjuntura sociopolítica que cerca a própria família. A questão do ato infracional tem

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predominância em famílias de baixa renda28, fato que ressalta da análise dos registros

psicossociais das famílias acompanhadas pelo CREAS de Governador Valadares. Os

documentos e relatórios psicossociais de atendimentos feitos no período de janeiro a

julho de 2009, registram o diagnóstico de que 96,03% das famílias dos adolescentes

em cumprimento de Liberdade Assistida enfrentam dificuldades para garantir sua

sobrevivência, apresentando necessidades e demandas por serviços complementares

que lhes possibilitem o acesso a direitos.

O citado diagnóstico foi obtido por intermédio de uma avaliação na qual se

considerou o nível de escolaridade, as condições de emprego e a renda da família. As

condições de moradia também são um indicador das privações que cercam esses

núcleos familiares e os dados29 levantados pelo CREAS mostram que 35,93% deles

moram em casas próprias ou cedidas, enquanto 64,07% residem em condições

precárias ou mesmo adversas, isto é, não têm infraestrutura adequada para moradia,

não têm espaço suficiente para seus membros e não têm condições de permanecer

muito tempo no mesmo endereço, pois, conforme as necessidades de subsistência são

forçados a mudar-se. A realidade das condições de sobrevivência ou de necessidades

básicas dessas famílias é evidenciada no âmbito de suas relações com a medida

socioeducativa. Quando discorre sobre medidas socioeducativas em meio aberto,

Daniel (2008) destaca essa realidade.

“A infra-estrutura formal de atendimento às necessidades básicas da criança e do adolescente devem ser qualitativa e quantitativamente adequada, porém ainda cabe às famílias a parcela maior de seu provimento, ao mesmo tempo em que ela própria, em seu conjunto, enfrenta dificuldades para garantir sua sobrevivência. Na especificidade do adolescente em conflito com a lei, é acentuada a existência de demandas desse seguimento por serviços que respondam a essas necessidades. (Daniel, 2008:94)

No contexto capitalista, conforme discussões de Alencar (2004), o

desenvolvimento econômico, há muito tempo e de maneira esmagadora, vem

28 No Brasil a questão da pobreza relacionada à violência e a eminência do ato infracional, é uma questão histórica “o que ainda não se reconheceu suficientemente e que precisa ser continuamente lembrado e argumentado é que, muito além de ser “atual”, (...) as crianças e adolescentes pobres sempre enfrentam os riscos e as práticas de exclusão e exploração social”. (PNCFC 2006:62) 29 Veja quadro 1, anexo página 62

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influenciando a organização da família30 brasileira. Isso porque nem sempre o Estado

adota políticas públicas destinadas a oferecer o amparo necessário para a superação

das mazelas sociais que emergem contemporaneamente. Pensar a política de média

complexidade assumida pelo CREAS em Governador Valadares e o enfrentamento da

realidade apresentada pelas famílias dos adolescentes em cumprimento de Liberdade

Assistida exige uma análise da conjuntura atual do modelo de administração

governamental. Com isto, Alencar (2004) fala sobre a retração do Estado e a

valorização da família como ente privado da proteção social.

“Assim, na atual conjuntura, em que mais do que nunca o Estado tende a se desobrigar da reprodução social, persiste a tendência de transferir quase que exclusivamente para a família responsabilidades que, em nome da solidariedade, da descentralização ou parceria a sobrecarregam. Todavia é importante considerar que, se no Brasil a família sempre funcionou como anteparo social, diante do vazio institucional de políticas publicas que assegurassem a reprodução social, as mudanças sociais nas últimas décadas, e em particular na última década, modificaram profundamente o cenário social no qual se movem as famílias. Cumpre, pois, refletir se a família, no atual contexto da sociedade brasileira, tem condições efetivas para funcionar como anteparo social”. (Alencar, 2004:64)

As mudanças econômicas e políticas em curso no Brasil, principalmente a partir

dos anos 1990, que delinearam o novo cenário social, promovem o acirramento da

questão social31 e concentram o desemprego, a precarização do trabalho e a miséria,

30 Os diversos arranjos familiares devem ser respeitados e reconhecidos como potencialmente capazes de realizar as funções de proteção e de socialização de suas crianças e adolescentes. “A família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consangüinidade, aliança e de afinidade. Esses laços são constituídos por representações, práticas e relações que implicam obrigações mútuas. Por sua vez, estas obrigações são organizadas de acordo com a faixa etária, as relações de geração e de gênero, que definem o status da pessoa dentro do sistema de relações familiares.(...) A primeira definição que emerge desta realidade social é que , além da relação parentalidade/filiação, diversas outras relações de parentesco compõem uma “família extensa”, isto é, uma família que se estende para além da unidade pais/filhos e/ou da unidade do casal, estando ou não dentro do mesmo domicílio: irmãos, meio-irmãos, avós, tios e primos de diversos graus”. (...) “Analisando os dados demográficos já se tornou comum reconhecer que a família brasileira contemporânea apresenta arranjos diversos, e que a maioria das famílias que têm mulheres como figuras de referência está entre os mais pobres”.(PNCFC 2006: 38 e 62) Sendo assim, a família, independente de seu formato, é a mediadora das relações entre o adolescente e a comunidade e é determinante para a integração social e a construção do seu projeto de vida. 31 “Considerada como expressão das desigualdades inerentes ao processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras e sua organização – o que se encontra na base

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como apresenta Alencar (2004) em sua análise acerca da questão social no âmbito

familiar.

“A família põe em evidencia a multiplicidade de possibilidade e experiência de vida, organizadas pelos indivíduos com vistas à reprodução biológica e social. Se o desemprego, o trabalho desqualificado e as remunerações insuficientes estruturam o cenário potencial de precariedade de vida, é na família que essas condições adquirem materialidade e são transformadas, delineando o modo como as situações adversas, relacionadas à pobreza, se inscrevem no cotidiano familiar.” (Alencar, 2004:63)

A desigualdade social, que vitimiza essas famílias, as colocam em condições de vulnerabilidade32, o que contribui para a ausência ou a fragilidade de vínculos entre

seus membros, fato que, muitas vezes, abrange diretamente a participação ativa da

família no acompanhamento e na atenção à condição peculiar do adolescente em

conflito com a lei. Já que a família é posta como uma nova fonte privada de proteção

social, ela requer políticas de assistência com vistas à sua emancipação como

provedora de bem-estar social de seus membros, não devendo portanto, “ser

pressionada para que assuma responsabilidades além de suas forças e de sua alçada”

Pereira (2004). Nestes parâmetros há uma contradição nas esferas políticas voltadas

para a família, pois sabe-se que o Estado não vem promovendo condições e amparo

para a prática dessa “nova” responsabilidade e não oferece alternativas reais de

emancipação.

Portanto, ao pensar a família como instrumento para a promoção e inclusão

social do adolescente, deve-se partir da realidade da família que, eventualmente, pode

da exigência de políticas sociais públicas - a questão social não é um fenômeno recente típico do esgotamento dos chamados 30 anos gloriosos da expansão capitalista. Trata-se, ao contrário, de uma “velha questão social” inscrita na própria natureza das relações sociais capitalistas, mas que, na contemporaneidade, se reproduz sob novas mediações históricas e, ao mesmo tempo, assume inéditas expressões espraiadas em todas as dimensões da vida em sociedade”. (Iamamoto, 2007: 161) 32 A situação do adolescente que está em cumprimento da medida socioeducativa, independente de sua classe social ou convivência sociofamiliar, o coloca diretamente em situação de vulnerabilidade. Mesmo compreendendo que a grande maioria destes adolescentes é de famílias que estão na linha de pobreza, este não é o fator que defini a situação de vulnerabilidade que esta em debate. Neste caso a condição de risco existe por ensejo do próprio ato infracional, que coloca o adolescente na linha de frente da criminalidade e violência que pode estar instalada em sua comunidade. Então, mesmo se tratando de ocorrência de atendimentos socioeducativos em famílias que estão fora da linha de pobreza, ainda assim o adolescente está em condição de vulnerabilidade, e este fato não pode ser desprezado durante seu acompanhamento.

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encontrar-se desprovida de meios para realizar esse papel. Contudo, considera-se

importante que a família seja co-participante no processo de ressocialização do

adolescente autor de ato infracional. É necessário que sejam pensadas e adotadas

medidas de promoção da instituição sociofamiliar e seu acesso a condições para

protegerem seus filhos. Vale dizer que, compreender a fragilidade da família e, ainda, a

deficiência do Estado, não significa desconsideração da chamada “solidariedade

informal e do apoio primário, próprios da família, mas, sim, a consideração de que

essas formas de proteção não devam ser irreais a ponto de lhes serem exigidas

participações descabidas e impraticáveis”. (Pereira, 2004:40) O Estado não pode

simplesmente devolver para a família a responsabilidade com a reprodução social.

Portanto, cabe ao Estado colocar a família como referência central nos programas

sociais, tornando-as alvo de políticas que realmente levem em consideração as novas

configurações da questão social no país.

Com esta reflexão, especificamente focada nas famílias de adolescentes em

cumprimento de Liberdade Assistida, deve-se buscar alternativas de enfrentamento

para efetivar a participação dessas famílias, com o objetivo de alcançar o sucesso no

processo de ressocialização desses mesmos adolescentes. Afinal, há um esvaziamento

institucional de políticas públicas de proteção social e o modelo de intervenção não é

organizado de acordo com a realidade dessas famílias, isto é, as políticas são

elaboradas sem avaliar as formas de organização e transformação da instituição

familiar, sem levar em conta as alterações impostas pelo sistema capitalista.

3.2 A medida socioeducativa de Liberdade Assistida e a convivência familiar.

A medida socioeducativa de Liberdade Assistida, como já foi elucidado, tem

como objetivo estabelecer um processo de acompanhamento, auxílio e orientação ao

adolescente, e deve ser estruturada com ênfase em sua vida social, englobando a

família, a escola, o trabalho, a profissionalização e a comunidade, de forma a

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possibilitar o estabelecimento de relações positivas, que formam a base de sustentação

do processo de inclusão social. (SINASE, 2007:78)

A importância da convivência familiar, para o adolescente em cumprimento de Liberdade Assistida, revela a demanda pela necessidade da preservação dos vínculos

familiares para o seu desenvolvimento. Essa demanda requer ações que devem ser

ajustadas a partir do contexto familiar, onde os direitos inerentes devem ser garantidos

e os cuidados exigidos devem ser de qualidade. Conforme o Plano Nacional de

Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência

Familiar e Comunitária - PNCFC, a questão dos vínculos familiares tem impacto no

processo de ressocialização do adolescente em cumprimento de medida

socioeducativa.

“(...) as situações de risco na família e na sociedade podem levar a violações de direitos e podem acarretar dificuldades ao seu desenvolvimento e, dentre tais situações encontra-se a ruptura dos laços familiares e comunitários. Assim, torna-se fundamental refletir sobre as situações caracterizadas como violação de direitos de crianças e adolescentes no contexto familiar, com o impacto sobre os vínculos e as formas de atendimento devidas em cada caso”. (PNCFC, 2006: 41)

O SINASE discorre sobre a necessidade da prevalência da ação socioeducativa

e explica a concepção básica da medida que tem uma natureza sancionatória, isto é,

são processos que responsabilizam judicialmente os adolescentes, “estabelecendo

restrições legais e, sobretudo, uma natureza sócio-pedagógica, haja vista que sua

execução está condicionada à garantia de direitos e ao desenvolvimento de ações

educativas que visem à formação da cidadania”. (2007: 85)

Logo, o acompanhamento da medida socioeducativa de Liberdade Assistida,

pensada a partir de seus objetivos de caráter pedagógico, devem ser realizados,

obrigatoriamente, em consonância com os princípios desse Sistema. Com isto, segundo

as diretrizes do SINASE, o acompanhamento do adolescente em Liberdade Assistida

deve ser desenvolvido, de modo compartilhado, entre equipe interdisciplinar,

adolescentes e famílias. Também, conforme o mencionado Sistema, “é fundamental

que o adolescente ultrapasse a esfera espontânea de apreensão da realidade para

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chegar à esfera crítica da realidade, assumindo conscientemente seu papel de sujeito”.

(2007:85-86) Esse processo de “conscientização”, que significa a reflexão sobre seu

contexto social, acontece por meio de uma participação crítica dos adolescentes na

elaboração e avaliação de suas próprias ações permitindo assim, o exercício da

responsabilidade e do seu protagonismo como sujeitos sociais.

Para tanto, a família deve participar ativamente dessa experiência

socioeducativa, sendo fundamental para a consecução dos objetivos da medida de

Liberdade Assistida. Como já foi contemplado no decorrer deste estudo, para que o

CREAS desenvolva a participação das famílias no acompanhamento do adolescente

em Liberdade Assistida, ele deverá ofertar condições reais para superar as dificuldades

que, eventualmente, estejam sendo vivenciadas por essas famílias.

Diante do exposto, destaca-se a necessidade de se refletir sobre os desafios

enfrentados na adolescência, buscando-se compreender as relações de conflitos que

incidem no comportamento inerente a esta fase de desenvolvimento. Esta discussão é

abordada no Plano de Convivência Familiar e Comunitária, que elucida a respeito da

contradição vivida na adolescência.

“(...) este vivencia intensamente o processo de construção de sua identidade, sendo fundamental a experiência vivida em família e a convivência com os pais, irmãos, avós e outras pessoas significativas. Uma atitude de oposição a seu modelo familiar e aos pais é parte inerente do processo de diferenciação em relação a estes e de construção de seu próprio eu”. (PNCFC, 2006: 43)

É necessário entender que o adolescente, gradualmente, vai desenvolver sua

autonomia e que, em vários momentos, precisará recorrer a referências no ambiente da

família. Desse modo, a base necessária para a segurança de seu desenvolvimento

apresenta-se na convivência familiar, motivo pelo qual a fragilização dos vínculos

familiares, principalmente nesse período, pode tornar esse amadurecimento muito mais

conflitante e doloroso e revelar um comportamento agressivo.

A adolescência é considerada momento crucial do desenvolvimento humano, da

constituição do sujeito em seu meio social. As relações sociais, culturais, históricas e

econômicas da sociedade são decisivas na constituição do sujeito. Portanto, para o

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pleno desenvolvimento nesta fase da vida é essencial que sejam fornecidas referências

durante seu crescimento e que se respeite suas individualidades.

A falta de referência, devida à fragilização dos vínculos familiares, no contexto da

condição do adolescente em processo de ato infracional, permite observar, também, a

concomitância da questão da violência que predomina na sociedade atual, o que pode

agravar a condição de exclusão social desse segmento. Analisando o diagnostico feito

no CREAS de Governador Valadares, nota-se essa realidade pois, de janeiro a julho

deste ano, de um total de 104 adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa, apenas 14 cumpriram a medida, o que representa apenas 13,5% do

total, enquanto que 48,85% reincidiram no ato infracional e 2,88% foram assassinados.

São números que realçam a urgência de se implementar estratégias e desenvolver

políticas que garantam a efetividade da proteção de crianças e adolescentes.

O SINASE concentra-se na abordagem desse tema, que envolve principalmente

os adolescentes em conflito com a lei, e, por sua natureza reconhecidamente complexa

e polemica, alerta para a necessidade de se fomentar estudos que apontem estratégias

de enfrentamento das situações de violência.

As conseqüências da desigualdade social e da pobreza, que tem como resultado

a “produção social de crianças vitimadas pela fome, (...) por morar em habitações

precárias, por falta de escolas, por doenças contagiosas, por inexistência de

saneamento básico” (PNCFC,2006:63), refletem-se diretamente na relação entre

criança, adolescente e violência no cotidiano de famílias brasileiras.

Aqui dois fatores se encontram de maneira trágica. De um lado, as situações estressantes que podem contribuir para a negligência ou os maus-tratos contra a criança e o adolescente. De outro lado, os valores de uma sociedade onde a violência se banalizou e onde ainda a cultura admite a existência de agressão física como forma de disciplina e socialização. (PNCFC,2006:63)

A violação de direitos de crianças e adolescentes é um fenômeno complexo que

deve ser abordado de maneira mais aprofundada. Ocorre em todas as classes e grupos

sociais, atinge crianças e adolescentes, e é provocada tanto dentro da família quanto

na sociedade.

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Deve-se associar essa violência a fatores determinantes de ordem

macrossocietárias, no contexto das mudanças contemporâneas no mundo do trabalho,

que, conforme Filho (2008), incide diretamente na população jovem.

“Com relação à violência em geral, as mudanças na organização do trabalho, a guerra econômica e o consumismo imposto pela mídia, assim como a carência de relações face a face, substituídas pela impessoalidade têm sido freqüentemente apontadas como importantes causas de seu incremento, principalmente entre os jovens”. (Filho,2008:118)

No Brasil, constata-se o reconhecimento da violência como fenômeno peculiar

que aponta, sem dúvida, a falta de políticas públicas e sociais, tais como emprego,

moradia, educação, saúde, segurança, cultura, esporte e lazer. São fatores

responsáveis pelo desencadeamento da banalização33 da violência, que é fatalmente

evidenciada na infância e na adolescência brasileiras.

Esta questão, considerada diante dos conflitos vivenciados pelas famílias desses

adolescentes, implica uma análise que pode substanciar a questão do pouco

envolvimento das famílias no processo de cumprimento da medida socioeducativa, qual

seja, se a violência já se tornou parte do cotidiano dessas famílias, possivelmente elas

não se consideram como elemento de importância para se envolver e contribuir com o

momento em que o adolescente está cumprindo medida socioeducativa.

Tomando-se essa constatação como fato, até para fomentar a discussão

inerente, é oportuno evidenciar a possibilidade de que os familiares de adolescentes em

cumprimento de Liberdade Assistida já tenham naturalizado o cometimento de ato

infracional, de tal forma, que se tornaram indifirentes a essa situação, banalizaram a

violência e criaram, ainda que involuntariamente, um ambiente de impotência, que leva

à inércia e se confunde com negligência ou desinteresse. Cabe acrescentar que essa

33 As áreas onde verificam maiores ocorrências de cometimento de atos infracionais, coincidem com áreas pobres, chamadas periferias. Os jovens de família de baixa renda, que sofrem privação de seus direitos básicos, são, assim, as principais vítimas da violência criminal, seja devido às conseqüências dos conflitos travados com a polícia, da ação de grupos com rixas pessoais ou entre gangues. A violência se torna banalizada, pela freqüência de mortes e crimes com crueldade, pela constância do evento, se torna invisível pelo fato de a ocorrência não produzir manifestações públicas ou reivindicações políticas para reverter este quadro. (Fraga, 2008:86) – Em Governador Valadares as áreas de maior incidência de atos infracionais são os bairros: Planalto, Altinópolis, Lourdes, N. Sª. das Graças e Turmalina.

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“confusão” incide diretamente na atuação das instituições que acompanham a

Liberdade Assistida, o que contribui para o insucesso da medida socioeducativa.

Conforme a reflexão de Lossaco (2008), os adolescentes que compõem a

população de maior vulnerabilidade social são aqueles que estão sujeitos aos

comportamentos de risco de vida e, consequentemente, a cometimento de atos

infracionais. Após ter cometido o ato infracional, o adolescente estabelece novas

relações que deverão garantir, por meio do processo legal, o redirecionamento

necessário para sua ressocialização. Dessa maneira, se, até então, esse adolescente

era desassistido pela rede sócio-assistencial e suas relações aconteciam apenas com o

meio familiar, escolar e comunitário, agora ele passa a se relacionar também com

representantes da segurança pública, da promotoria e da defensoria, do poder judiciário

e dos operadores de medida socioeducativa, os Assistentes Sociais e Psicólogos.

A reflexão da autora busca compreender a necessidade de, em primeiro lugar,

entender a convivência desses adolescentes com a violência e a criminalidade

circunscritas ao seu cotidiano. Em segundo lugar, é necessário apreender que essas

novas relações, impostas ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa,

trazem, como perspectiva, a oportunidade de fortalecimento da identidade pessoal,

ampliando os horizontes e possivelmente mediando os conflitos existentes na

convivência familiar e na comunidade. Por esses parâmetros, verifica-se o potencial

existente na medida socioeducativa, fator que não pode ser desprezado, exigindo-se,

por isso, total comprometimento dos atores envolvidos nesse processo.

Para tanto, a atuação do CREAS em relação à questão da convivência familiar,

com o propósito do envolvimento da família no processo de acompanhamento da

Liberdade Assistida, deve perseguir uma análise que possibilite a ampliação do

conceito de família e realizá-la com o intuito de propiciar trabalhos de integração entre

adolescentes e respectivos familiares, especialmente com o desenvolvimento de

discussões acerca da importância dessa interação.

O SINASE aponta para que se desenvolvam ações contidas no Plano Nacional

de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescente à Convivência

Familiar e Comunitária, promovendo-se orientação e conscientização das famílias sobre

seus direitos e deveres. É notável o impacto social desses trabalhos perante as famílias

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atendidas, apesar de envolver questões subjetivas como, por exemplo, empoderamento

e autonomia.

Em Governador Valadares, os adolescentes que estão em cumprimento da

medida de Liberdade Assistida trazem costumes e convivências que são complexos e

inconstantes. No primeiro semestre de 2009, apenas 23,44% dos adolescentes

atendidos moravam com o pai e a mãe, enquanto 64,06% residiam com a mãe ou a avó

e 12,5% moravam com a mãe e com o padrasto34. Ao analisar esse levantamento,

deve-se considerar a instabilidade da organização familiar, sendo muito comum que os

adolescentes se mudem para a casa de outros parentes porque, devido à fragilidade

dos vínculos familiares, eles não encontram impedimentos para se afastar da família.

Por isso, ao se investir no conhecimento das implicações da organização e da

convivência familiar, tem-se como perspectiva a observação da complexidade que

abrange o cotidiano dessas famílias, com a convicção de que este tema é merecedor

de intenso estudo. Nas situações de risco e de enfraquecimento dos vínculos familiares,

as estratégias de atendimento devem esgotar as possibilidades de preservação desses

elos, “aliando o apoio socioeconômico à elaboração de novas formas de interação e

referências afetivas no grupo familiar.” (PNCFC, 2006:27)

É necessário efetivar a rede de atendimento social para encontrar soluções e

para encaminhamento das necessidades dos adolescentes e de seus familiares. Na

execução da Liberdade Assistida, a ação socioeducativa consiste em exigência e

compreensão, para potencializar as capacidades e habilidades dos adolescentes e

reconhecê-los como sujeitos com a possibilidade de superar suas limitações. No

entanto, a compreensão deve sempre anteceder a exigência. É preciso conhecer cada

adolescente e compreender seu potencial e seu estágio de crescimento pessoal e

social.

Esse movimento, de exigir e compreender, fica comprometido quando não há

participação da família no processo. A equipe multiprofissional que acompanha o

adolescente encontra limites para sua intervenção, pois existem obstáculos no

processo de ressocialização que somente na intimidade da convivência familiar

encontram-se as possibilidades para a requerida superação. Para isto, o atendimento à

34 Ver quadro 1, anexo página 62

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medida de Liberdade Assistida tem que estimular a participação das famílias no

planejamento, na execução, na avaliação e em todas as atividades nas quais elas

possam ser envolvidas, de forma a promover seu protagonismo. Valorizar a relação de

convivência, estimular as trocas afetivas no âmbito familiar e fortalecer o diálogo são

ações que fazem parte da proteção dos adolescentes.

Por fim, construir mediações perante as famílias, de modo a superar as sequelas

da questão social, exige renúncia às práticas estigmatizantes e preconceituosas,

buscando-se explorar toda a forma de conhecimento dessas famílias, seus modelos de

organização e de sociabilidade, e respeitando-se suas expectativas e demandas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento em que pensamos sobre a participação da família no

acompanhamento do adolescente em conflito com a lei, tivemos a inquietação de

explanar a respeito dos equívocos que se assentam sobre a necessidade de “ajustar”

essas famílias, para que elas possam cumprir este papel. Ora, não é a família que tem

que se ajustar, mas sim, a forma de o Estado intervir nesse ambiente privado, ouvindo e

respeitando as experiências trazidas por essas famílias, retirando-se da condição de

possuidor absoluto do saber e abstendo-se de todos os preconceitos e “fórmulas” pré-

definidas.

Durante esta investigação, considerando a densidade do tema, foi necessário

ficarmos atentas, em todos os momentos, para que não nos afastássemos de nosso

objeto, diante de tanta complexidade que o cerca. Um “turbilhão” de dúvidas foram

colocadas no procedimento deste estudo, provocando questões que, de início, nós

consideramos secundárias, no entanto, no decorrer dos trabalhos, mediante pesquisa

mais aprofundada, essas questões foram apresentando-se como fundamentais para

nossas conclusões. Portanto, com a disposição de realizar uma análise com base no

desafio ético-político do Serviço Social, que traz em sua gênese o caráter criativo e

propositivo, cumprimos esta empreitada com a preocupação de não recair em anseios

conservadores.

Com isso, ao abordarmos este tema elucidamos algumas indagações, tais como:

Qual é o tratamento dado ao adolescente em conflito com a lei? Qual a importância e

os limites da ação familiar? Como estão sendo respeitados os direitos da criança e do

adolescente? A família compreende seu papel no acompanhamento do adolescente em

Liberdade Assistida? E, principalmente: Como a Política de Assistência Social vem

incluindo as famílias neste processo?

Como resposta a estas questões, verificamos, primeiramente, que a legislação

brasileira vigente reconhece que a família é um ambiente privilegiado para respostas às

necessidades imediatas do adolescente, como espaço vital à humanização e à

socialização do indivíduo. Outro ponto importante foi o reconhecimento da Assistência

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Social como política pública de direito, que muito já avançou desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988.

Porém, ainda há muito por se fazer, uma vez que esse direito precisa estar

presente na dinâmica dos benefícios, serviços, programas e projetos

socioassistenciais, como o CREAS e os demais programas da rede municipal. Os

cidadãos precisam contar com locais onde possam manifestar-se quanto à violação de

seus direitos. O paradigma da universalização do direito à proteção social supõe a

ruptura com as idéias tutelares e de subalternidade, que identificam os cidadãos como

carentes, necessitados, pobres, discriminando-os e apartando-os do reconhecimento

como sujeitos de direito.

Neste entendimento, trazendo esta reflexão para o contexto do adolescente em

Liberdade Assistida, esta medida tem como objetivo estabelecer um processo de

acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente. Sua intervenção e ação

socioeducativa devem ser estruturadas com ênfase na vida social do adolescente, ou

seja, família, escola, trabalho, profissionalização e comunidade, para possibilitar o

estabelecimento de relações positivas, que são a base de sustentação do processo de

inclusão social que se busca. Desta forma, o CREAS deve ser um programa

dinamizador que promova a inclusão social para os adolescentes.

De forma geral, esses aspectos devem persistir no objetivo do fortalecimento da

família, a partir de sua participação no acompanhamento de medidas socioeducativas.

É necessário que haja programas ou projetos promocionais para a família, que

valorizem sua capacidade de encontrar soluções para os problemas enfrentados, com

apoio técnico-operacional. Os programas, como o CREAS com referência na medida

socioeducativa, devem abarcar a superação de vulnerabilidades sociais decorrentes da

privação de direitos e da fragilização dos vínculos familiar e social. O trabalho em rede,

articulado com as demais políticas, é fundamental para que sejam compreendidas

todas as demandas trazidas pelo seu público alvo.

No decorrer de nossos estudos, abordamos a importância do fortalecimento do

vínculo com a família na fase de desenvolvimento inerente à adolescência. Tendo em

vista que essa ação tem sido apontada como uma das alternativas de enfrentamento

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das várias expressões da questão social, cabe aos atores que estão à frente desta

política, buscar um maior aprofundamento das questões que a cercam.

O Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária orienta que os

programas devem buscar meios para que a família tenha acesso à informação,

orientando-as quanto ao adequado acompanhamento das propostas da medida

socioeducativa. As informações devem expressar os termos de proteção e cuidados a

serem dispensados ao adolescente, “mantendo uma abordagem dialógica e reflexiva”

(2006:49). Além disso, devem buscar intervenções que possibilitem a superação de

conflitos relacionais a partir da mobilização das redes sociais e orientação jurídica,

quando necessário.

Deve haver reciprocidade entre a equipe técnica do CREAS e a família

envolvida, onde estão implicados os direitos e deveres do adolescente em conflito com

a lei, salientando-se a atribuição de cada um dos atores envolvidos e sempre

ressaltando o adolescente como prioridade absoluta. Com este recurso, por meio de um

trabalho interdisciplinar, a equipe buscará o fortalecimento dos vínculos familiares do

adolescente, articulando o atendimento com os segmentos da rede de assistência do

município.

O apoio às famílias e a seus membros deve ser concretizado na articulação

eficiente da rede de atendimento das diferentes políticas públicas, garantindo-se o

acesso a serviços de educação, de saúde, de geração de trabalho e renda, de cultura,

de esporte, de assistência social, dentre outros. Nas situações de risco e

enfraquecimento dos vínculos familiares, as estratégias de atendimento deverão

favorecer a reconstrução das relações no grupo familiar e a elaboração de novas

referências. Estas estratégias visam potencializar a família para o exercício de suas

funções de proteção e socialização e o desenvolvimento de sua autonomia.

Deve-se acrescentar, ainda, a necessidade de se criar mecanismos de ações,

com características que promovam uma participação ativa e qualitativa da família no

processo socioeducativo, de forma a fortificar vínculos e incluir o adolescente nos

ambientes familiar e comunitário. “Tudo que é objetivo na formação do adolescente é

extensivo à sua família. Portanto, o protagonismo do adolescente não se dá fora das

relações mais intimas”. No processo de acompanhamento do adolescente em

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cumprimento de Liberdade Assistida, o alcance da “cidadania não acontece plenamente

se ele não estiver integrado à comunidade e compartilhando suas conquistas com a sua

família”. (SINASE, 2007:89)

A efetividade do trabalho social com famílias está vinculada à capacidade de

articulação da política de Assistência Social. Trata-se de um desafio que envolve

acertos e desacertos, com a necessidade de se criar parcerias que abranjam os demais

segmentos das políticas sociais. Acreditamos ser este o propulsor necessário para o

enfrentamento e a superação de práticas focalizadas e fragmentadas.

Por isso, desenvolver políticas, programas ou projetos que buscam a mobilização

da família, a fim de torná-la protagonista no processo de ressocialização do

adolescente em Liberdade Assistida, só será possível e realmente viável num Estado

efetivamente voltado ao bem comum, por administrações seriamente comprometidas

com o desenvolvimento de políticas de promoção da igualdade social.

Consideramos que as políticas sociais, na ordem burguesa, terão sempre limites

decorrenes do próprio sistema capitalista. Portanto, é preciso compreender os limites e

possibilidades de avanço da Política Nacional de Assistência Social. No Brasil, o atual

governo que, historicamente, tem suas raízes fincadas em bandeiras democrático-

populares, foi coerente no campo da Assistência Social, quando possibilitou a

aprovação da PNAS e a construção do SUAS, mas, contraditoriamente, permanece

com ações dicotômicas, que separam a política social da política econômica,

subordinando os direitos sociais à lógica mercantil.

Portanto, diante de situações de risco social e vulnerabilidades vividas pelas

famílias brasileiras, principalmente por pressões geradas pelos processos de exclusão

social e cultural, essas famílias precisam ser apoiadas pelo Estado e pela sociedade,

para que possam cumprir suas responsabilidades. Esse apoio visa à superação de

vulnerabilidades e riscos vividos por cada família, favorecendo e ampliando os recursos

sócio-culturais, materiais, simbólicos e afetivos que contribuem para o fortalecimento

desses vínculos.

Diante disso, a centralidade da família no âmbito das políticas públicas constitui

importante mecanismo para a efetiva garantia do direito de crianças e adolescentes à

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convivência familiar e comunitária e demonstra a primazia da responsabilidade do

Estado no fomento de políticas integradas de apoio à família.

Por fim, como esta pesquisa se fez ainda nos espaços de graduação acadêmica,

nós a concluímos com a ambição de almejar a nossa formação. E com este exercício,

alicerçado nos conhecimentos empíricos, refletimos sobre a importância do domínio

metodológico para a realização de uma pesquisa.

Este trabalho proporcionou-nos muito mais do que apenas a conclusão de um

curso, pois, para nós esta investigação representou um aprendizado que nos conduzirá

no decorrer de nossas carreiras profissionais, com a certeza de estarmos prontas para

enfrentar novos desafios, entendendo que o aprendizado não se encerra no ambiente

acadêmico.

O alcance e contemplação do tema foi para nós um desafio dominado pela

vertente do materialismo histórico, que nos possibilitou uma análise dialética, com o

rigor necessário para a realização de um projeto de pesquisa. Por isso acreditamos que

este trabalho está apto a fazer parte e subsidiar outros debates acerca dos direitos de

crianças e adolescentes brasileiros.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, Mônica Maria Torres de. “Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 61-80. CARVALHO, Maria do Carmo Brant, GUARÁ, Isa Maria Ferreira da Rosa: As redes de base local e a proteção integral à criança e ao adolescente. Gestão Municipal de Atenção à Criança e ao Adolescente. Série: Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: IEE PUC – SPI - CBIA, 4, p.13-26,1995. COSTA, Bruno Lazzarotti Diniz. Política, instituições e estratégia de implementação. Elementos para a análise e projetos sociais. In: Gestão Social, o que há de novo? – Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2004. (Volume 2 – Elementos para a ação) DANIEL, Heloisa Helena. As medidas sócio-educativas em meio aberto e a rede de atenção. In: Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto – São Paulo: Fundação Telefônica, 2008, p. 93-98. GUEIROS, Dalva Azevedo. “Família e proteção social: questões atuais e limites da solidariedade familiar”, in: Serviço Social e Sociedade nº 71. São Paulo: Cortez, 2002, pp. 102-121. IAMAMOTO, Marilda Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Cortez, 2007. IANNARELLI, Rosimery e SIQUEIRA, Sônia Lopes. A atuação do Assistente Social na política pública de assistência social: desafios do trabalho na proteção social especial. In: Nas trilhas dos direitos humanos para combater as desigualdades / CRESS 6ª Região (org.). Belo Horizonte: 2009. LOSACCO, Silvia. Educação e medida sócio-educativa em meio aberto. In: Medida Legal: a experiência de 5 programas de medidas sócio-educativas em meio aberto – São Paulo: Fundação Telefônica, 2008, p. 73-83. MIOTO, Regina Célia Tamaso. “Novas propostas e velhos princípios: a assistência às famílias no contexto de programas de orientação e apoio sociofamiliar”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 43-60. MIOTO, R. C. T. Família e Serviço Social: contribuições para o debate. In Serviço Social & Sociedade, nº55. São Paulo: Cortez, 1997. PAIVA, Joseane Nadir da. “O Serviço Social no tribunal de justiça de Minas Gerais: alguns apontamentos no atendimento ao adolescente autor de ato infracional. In: Nas

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trilhas dos direitos humanos para combater as desigualdades / CRESS 6ª Região (org.). Belo Horizonte: 2009. PEREIRA, Potyara A. P. Assistência Social na Perspectiva dos Direitos – Crítica aos Padrões de Proteção aos Pobres no Brasil. Brasília. Ed. Thesaurus, 1996. PEREIRA, Potyara Amazoneida Pereira. “Mudanças estruturais, política social e papel da família: critica ao pluralismo de bem-estar”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 25-42. RIZZINI, Irene. A Criança e a Lei no Brasil, revisitando a história (1822-2000). Brasília, DF: UNICEF; Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária, 2000. RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas para a infância no Brasil 1997. Rio de Janeiro USU Ed. Universitária, 1997. SALES, Mione Apolinário. “Política e direitos de crianças e adolescente: entre o litígio e tentação do consenso”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 207-242. SALES, Mione Apolinário e ALENCAR, Mônica Torres de. “O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Política Social para a Infância e Juventude”, in: Em Pauta, Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ, nº 11, 1997: 13-49. SILVEIRA, Jucemeri Isolda. Sistema Único de Assistência Social: institucionalidade e processos interventivos, In: Revista Serviço Social & Sociedade – ano XXX - nº 98 São Paulo: Cortez, 2009 (p.335-361). VOLPI, Mário. O Adolescente e o ato Infracional 2º edição. São Paulo: Cortez 1997. YASBEK, M. C. Entrevista com a professora Maria Carmelita Yasbek, sobre Sistema Único de Assistência Social e a Política de Assistência Social no governo Lula. Caderno Especial nº 5 /dezembro/janeiro de 2005. Disponível em www.assistentesocial.com.br – Acesso em 03/11/2009. RESOLUÇÃO CFESS n. 273, de 13 de março de 1993 -Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais REVISTA CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social – Ano 2, n.1,2008 – Brasília: MDS, 2008. SMAS - Secretaria Municipal de Assistência Social - REGIMENTO INTERNO DO CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social –Governador Valadares/MG – Secretaria Municipal de Assistência Social, 2009. BRASIL. Constituição 1988: Constituição da República Federativa do Brasil: Brasília, Senado Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988.

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_______. ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8,069, 1990. _______. Convenção Sobre os Direitos da Criança – 20 de Novembro de 1989, in: ECA, edição 2005, MEC –Brasil, p.60. _______. Secretaria Especial dos Direitos Humanos: Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC. Brasília/DF, 2006. _______. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Brasília: CONANDA. Parâmetros para Criação e Funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente – 2005. _______. Secretaria Nacional de Combate à Fome, Brasília: PNAS – Política Nacional de Assistência Social – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004. _______. Secretaria de Desenvolvimento Social: SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.– Governo do Estado de Minas Gerais, 2007. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica - NOB/SUAS, Construindo as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, julho de 2005. _______. Lei n 8.742 de 07 de dezembro de 1993. LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social. _______. Ministério da Assistência Social. PAIF - Plano Nacional de Atendimento Integral à Família. Brasília: 2003.

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ANEXOS

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QUADRO 1

Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS

Governador Valadares

Dados estatísticos do acompanhamento das Medidas Socioeducativas

Período: Janeiro a Julho 2009

Total de Adolescentes: 104

Atos infracionais com maior incidência: Pose/uso drogas ilícitas Envolvimento/gangues/tráfico de drogas Porte de arma. Furto/ roubos

ou assaltos.

23,46% 21,9% 14,06% 12,5%

Sofrem ameaça ou egressos da medida de Internação ou semiliberdade: 28,08%

12 a 13 anos 3,85%

14 a 15 anos 11,50% Faixa etária:

16 a 18 anos 84,65%

Concluíram a medida: 13,5%

Descumpriram a medida 34,77%

Foram assassinados: 2,88%

Reincidiram no ato infracional: 48,85%

Planalto 23,30%

Altinópolis 20,10%

Lourdes 18,30%

Nossa Sª Graças 11,80%

Turmalina 10,50%

Bairros com maior incidência

de ato infracional:

Outros 16,00%

Pai e mãe 23,44%

Mãe ou avó 64,06% Reside com:

Mãe e padrasto 12,50%

Próprias ou cedidas 35,93% Condições de moradia:

Alugadas (condições precárias) 64,07%

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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANS E SOCIAIS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL - PESQUISA REALIZADA PARA CONSTRUÇÃO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO.

ALUNAS:

Graziela Cavalcante Costa Sandréia Regina dos Santos

TEMA: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO ACOMPANHAMENTO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares ENTREVISTA DIRECIONADA À EQUIPE DE REFERÊNCIA DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DO CREAS DE GOVERNADOR VALADARES. Data:____/____/______.

Entrevistada: _________________________________________________________.

1) No CREAS, como é composta a equipe de referência no atendimento à medida socioeducativa de Liberdade Assistida (L.A.)? 2) Na dinâmica das atividades da equipe do Serviço Social em menção à medida socioeducativa de Liberdade Assistida, como se dá a interação e orientação do adolescente e sua família e em que momento ou com que freqüência? Qual a metodologia utilizada no atendimento da L.A.? Quais instrumentos são utilizados? 3) Como o CREAS, na coordenação e monitoramento de suas atividades, norteados pelas diretrizes do SINASE, compreende a participação da família do adolescente no acompanhamento da Liberdade Assistida? 4) No processo de acompanhamento do adolescente em cumprimento de L.A., qual a importância da participação da família para a efetivação da medida socioeducativa e qual a expectativa da equipe de atendimento quanto ao interesse e comprometimento da família neste processo? 5) Considerando as transformações na organização sócio-familiar em face do acirramento da questão social diante do atual modelo econômico, sabe-se dos determinantes que colocam a família contemporânea em situação de vulnerabilidade e fragilização dos vínculos afetivos, fator inerente a grande parte dos adolescente que estão em cumprimento de processo por prática de ato infracional (Alencar 2004). Diante disto quais as principais dificuldades para a efetivação da co-responsabilidade da família no acompanhamento do adolescente? 5) Frente a realidade da vulnerabilidade social mencionada na questão anterior, a qual se encontra as famílias dos adolescentes em cumprimento de L.A., quais estratégias de

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intervenção a equipe de referencia do CREAS, tem utilizado para garantir a participação das famílias no processo de desenvolvimento do adolescente em L.A.? Quais orientações e encaminhamentos são observados e dispensados à família? O que o CREAS tem oferecido ou buscado em meio à rede de políticas públicas, para a superação das diversidades? 6) A família é considerada um espaço de socialização e proteção primária para seus membros (PNCFC, 2006). Nesta afirmativa, quais a considerações ou as principais dificuldades encontradas pela equipe no que se refere a questão da participação das famílias como espaço privado de proteção do adolescente em cumprimento de L.A.? 5) A medida de Liberdade Assistida tem sido discutida e apresentada como a mais eficiente por seu caráter pedagógico e promocional – “o protagonismo do adolescente” – (Volpi 1997). Nesta perspectiva, qual (quais) a preocupação e ação que têm sido discutidas no CREAS ou na SMAS, para a consolidação do atendimento à medida socioeducativa de L.A., na garantia que esta venha alcançar os objetivos propostos?

Obrigada. ALENCAR, Mônica Maria Torres de. “Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 61-80. VOLPI, Mário. O Adolescente e o ato Infracional 2º ed. São Paulo: Cortez 1997. BRASIL, Secretaria de Defesa Social: Plano de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária: Brasília – IDF dezembro de 2006.

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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANS E SOCIAIS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL - PESQUISA REALIZADA PARA CONSTRUÇÃO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO.

ALUNAS:

Graziela Cavalcante Costa Sandréia Regina dos Santos

TEMA: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO ACOMPANHAMENTO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. Estudo de caso: CREAS de Governador Valadares

ENTREVISTA DIRECIONADA A VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE GOVERNADOR VALADARES. Data: ____/____/______.

Entrevistada: __________________________________________________________.

1) Como é formada e qual a metodologia de trabalho da equipe que compõe o Serviço Social na Vara da Infância e Juventude na referência ao atendimento do adolescente autor de ato infracional? Quais instrumentos são utilizados? 2) Em qual momento e/ou como procede a interação do Juiz com o Serviço Social? Quais as competências (operações) e intervenções são solicitadas (pareceres/laudos/diagnósticos)? 3) Na dinâmica das atividades do Serviço Social em menção à medida socioeducativa de Liberdade Assistida, como se dá a interação e orientação do adolescente e sua família e em que momento ou com que freqüência? 4) Considerando as transformações na organização sociofamiliar em face do acirramento da questão social diante do atual modelo econômico, sabe-se dos determinantes que colocam a família contemporânea em situação de vulnerabilidade e fragilização dos vínculos afetivos, fator inerente a grande parte dos adolescente que estão em cumprimento de processo por prática de ato infracional (Alencar 2004). Diante disto quais as principais dificuldades para a efetivação da co-responsabilidade da família no acompanhamento do adolescente? Quais orientações são observadas à família (pais ou responsável)? 5) A medida de Liberdade Assistida tem sido discutida e apresentada como a mais eficiente por seu caráter pedagógico e promocional – “o protagonismo do adolescente” – (Volpi 1997). Nesta perspectiva, qual (quais) o determinante comum, para a prioridade da aplicação da Liberdade Assistida em relação a de Prestação de Serviço à Comunidade (ou de Internação ou Semi-liberdade)? E quais as contribuições do Serviço Social para a decisão do Juiz?

Obrigada. ALENCAR, Mônica Maria Torres de. “Transformações econômicas e sociais no Brasil dos anos 1990 e seu impacto no âmbito da família”, in: Política Social, Família e Juventude: uma questão de direitos São Paulo : Cortez, 2004: 61-80. VOLPI, Mário. O Adolescente e o ato Infracional 2º ed. São Paulo: Cortez 1997.