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Anais do II Simpósio Gênero e Políticas Públicas,ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina,18 e 19 de agosto de 2011. GT1 Gênero e Políticas Públicas Coordenadora Elaine Ferreira Galvão. A política de assistência social no Brasil: seu modelo protetivo e a permanência da família burguesa Cleide de Fátima Viana Castilho * 1 Cássia Maria Carloto ** 2 Resumo O objetivo deste trabalho é discutir a permanência da família burguesa na gestão e operacionalização da política de assistência social, apesar das mudanças no conceito de famílias preconizadas nas legislações, normativas e orientações técnicas pertinentes. O debate apresenta resultados preliminares de uma pesquisa em andamento sobre a operacionalização da matricialidade sociofamiliar na política de assistência social do município de Maringá-PR, como requisito para o curso de Mestrado. O texto aborda a proteção social e a família tendo como eixo temático a tríade: Estado, mercado e família no modelo protetivo e seu caráter familista ancorado nos papéis tradicionais de pai e mãe, a sobrecarga feminina e o reforço a desigualdade de gênero. Palavras- chave família, proteção social, política social. 1 *Discente do Programa de Mestrado em Serviço Social e Políticas sociais da Universidade Estadual de Londrina- UEL. E-mail- [email protected]. 2 **Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina- UEL. [email protected].

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GT1 – Gênero e Políticas Públicas – Coordenadora Elaine Ferreira Galvão.

A política de assistência social no Brasil: seu modelo protetivo e a permanência da

família burguesa

Cleide de Fátima Viana Castilho *

1

Cássia Maria Carloto ** 2

Resumo O objetivo deste trabalho é discutir a permanência da família burguesa na gestão e

operacionalização da política de assistência social, apesar das mudanças no conceito de

famílias preconizadas nas legislações, normativas e orientações técnicas pertinentes. O

debate apresenta resultados preliminares de uma pesquisa em andamento sobre a

operacionalização da matricialidade sociofamiliar na política de assistência social do

município de Maringá-PR, como requisito para o curso de Mestrado. O texto aborda a

proteção social e a família tendo como eixo temático a tríade: Estado, mercado e família

no modelo protetivo e seu caráter familista ancorado nos papéis tradicionais de pai e

mãe, a sobrecarga feminina e o reforço a desigualdade de gênero.

Palavras- chave – família, proteção social, política social.

1 *Discente do Programa de Mestrado em Serviço Social e Políticas sociais da Universidade Estadual de

Londrina- UEL. E-mail- [email protected]. 2**Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina- UEL.

[email protected].

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1 Introdução

Estudiosos como Saraceno (1995); Palier (2010) e Esping- Andersen

(1995) em suas análises a respeitos dos modelos protetivos constitutivos dos modelos de

Estados de Bem-Estar Social gestados no pós segunda guerra, apontam que eles se

sustentam na tríade Estado, mercado e família e o que os diferencia é basicamente o

papel desempenhado pela família nesta parceria.

Se dentro desta tríade, a família ocupa o papel principal é um modelo

de proteção social familista3, cuja sustentabilidade depende do desempenho de papéis

“tradicionais” de pai e de mãe (pai-provedor e mãe dona de casa e cuidadora.

(SUNKEL, 2006), (MIOTO, 2008) (SARACENO ,1997).

Segundo Pereira (2006, p. 29) no Brasil “a instituição familiar sempre

fez parte integral dos arranjos de proteção social”. Para a autora, “os governos

brasileiros sempre se beneficiaram da participação autonomizada e voluntarista da

família na provisão do bem-estar de seus membros.

Na cena contemporânea apesar das alterações nos conceitos de

família, na carta constitucional vigente e nas legislações sociais reconhecendo os novos

arranjos e rearranjos familiares, a família permanece como a principal provedora de

proteção entre seus membros. No caso específico da política de assistência social têm

como uma de suas diretrizes a matricialidade sociofamiliar, apontando que todas as

ações desta política devem ter centralidade na família e que para tanto esta família deve

ser protegida pelo Estado para que possa ser protetora.

A operacionalidade desta diretriz é o objeto da pesquisa de mestrado

(em andamento), no município de Maringá-Pr, tendo como sujeitos da pesquisa– os

Assistentes Sociais dos Centros de Referência de Assistência Social- CRAS,

profissionais que se encontram entre os operacionalizadores da política. Já realizadas

três das oito entrevistas, cujos primeiros resultados apresentamos neste trabalho.

3 As análises de Sunkel referem-se às políticas sociais da América Latina, enquanto Mioto (2008) traz-nos

a partir de análise conjunta com Campos (2003) e com Campos e Lima (2006) uma análise do Brasil.

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2 A política de assistência social: seu modelo protetivo e a família

O modelo de proteção social constitutivo da política de assistência

social no Brasil, conforme a NOB/SUAS4 compreende as modalidades de proteção

social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. Na modalidade de

proteção social básica, o Centro de Referência da Assistência- CRAS é o equipamento

público referência para as ações voltadas às famílias no território de sua abrangência,

objetivando a prevenção do rompimento de vínculos e o fortalecimento da convivência

familiar e comunitária.

A proteção social especial de média e alta complexidade tem no

Centro de Referência Especializado da Assistência Social- CREAS, o equipamento

público de referência para as ações voltadas às famílias e indivíduos, na primeira

modalidade com direitos violados, mais sem rompimento de vínculos e na segunda já

com os vínculos rompidos.

De acordo com esta normativa, para operacionalização e gestão tanto

da proteção social básica, quanto da especial, toma como unidade de medida - a família,

ou seja, a “família referenciada” 5, elencando as situações de vulnerabilidades e os

meios pelos quais os indivíduos e famílias devem ter assegurado em cada tipo de

segurança. Exigindo, para tanto, uma rede socioassistencial preconizada na NOB/SUAS

como um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que ofertam

benefícios, serviços, programas e projetos de forma articulada entre todas as unidades

de proteção social por nível de proteção.

Para compreender quem é esta família recorremos aos conceitos de

família da Constituição Federal, da Política Nacional de Assistência Social- PNAS/2004

e da NOB/SUAS/2005. O conceito de família na constituição vigente, em seu artigo

226, §§ 3º e 4º, abrange diversos arranjos: como a união formada por casamento; a

4 NOB/SUAS- Norma Operacional Básica/Sistema Único de Assistência Social - É a normativa que

oferece parâmetros para gestão e operacionalização da política de assistência social. 5 Família referenciada segundo a NOB/SUAS “é aquela que vive em áreas caracterizadas como de

vulnerabilidade, definidas a partir de indicadores estabelecidos por órgão federal, pactuados e

deliberados. Esta unidade de referência foi escolhida em razão da metodologia de fortalecimento do

convívio familiar, do desenvolvimento da qualidade de vida da família na comunidade e no território

onde vive”. (CAPACITASUAS, vol.1, 2008, p.112).

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união estável entre homem e mulher e a comunidade formada por qualquer um dos

genitores.

Na PNAS/2004 a família é entendida como “um conjunto de pessoas

que se acham unidas por laços consangüíneos, afetivos e, ou, de solidariedade”. E a

NOB/SUAS (2005, p. 90) compreende o conceito de família para além de uma unidade

econômica, entendendo-a “como núcleo afetivo, vinculado por laços consangüíneos, de

aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas

em torno de relações de geração e gênero”.

Além da alteração nos conceitos de família, as demandas sociais

emergentes, tais como: a longevidade, a inserção da mulher no mundo do trabalho

(remunerado), a redução do tamanho das famílias, a inserção cada vez maior da mulher

no mundo do trabalho e a migração das famílias demandam das famílias novas

estratégias para garantir a proteção dos seus membros e uma nova forma de intervenção

do Estado.

Entendemos que a PNAS/2004 reconhece esta necessidade, ao

preconizar que a concretude da centralidade na família (na política se refere à proteção

da família para que a mesma possa ser protetora), só ocorrerá se houver a articulação

entre transferências de recursos e oferta de serviços públicos suficientes para garantir

esta proteção, destacando inclusive a esfera dos cuidados, conforme segue:

[...] a centralidade na família é garantida à medida que na assistência social,

com base em indicadores das necessidades familiares, se desenvolva uma

política de cunho universalista, que para além da transferência de renda em

patamares aceitáveis se desenvolva, prioritariamente em rede de proteção

social que suportem as tarefas cotidianas de cuidado, e que valorizem a

convivência familiar e comunitária. (PNAS, 2004, p.14).

A respeito desta imprescindível articulação entre as transferências de

rendas em patamares compatíveis e a oferta de serviços públicos para dar concretude a

centralidade na família, conforme preconizado na PNAS/2004. A Professora Marta

Campos no documento- Cooperação Internacional para proteção social de crianças e

adolescentes, o direito à convivência familiar e comunitária (s/data, p.21) comenta que

este modelo de proteção social das políticas sociais no Brasil tem “como conseqüência a

superioridade do investimento em transferências financeiras sobre a oferta de serviços

sociais, enquanto instrumento, de política social” e, aponta que a insuficiência de

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serviços sociais para “amparar” as famílias na criação dos filhos e nos cuidados com

seus dependentes demandam das famílias novas estratégias para assegurar a proteção de

seus membros.

Não com o propósito de generalizar, mas a análise de estudiosos como

Mioto (2008), Campos (2010) - respaldada pelos dados do IBG e de Goldani (2006) e a

realidade (dados coletados na pesquisa empírica), apontam em direção contrária a

proposta pela PNA/2004, sinalizam que a política de assistência social, ou esta

centralidade na família em seu modelo protetivo, não tem conseguido “proteger às

famílias” como explicitada no texto da PNAS/2004, (citação acima).

3 A operacionalização da matricialidade sócio familiar na política de assistência:

algumas fragilidades e a permanência da família burguesa

O que se observa é que a operacionalização e sustentabilidade das

políticas sociais no Brasil ancoram-se na parceria entre a família e a comunidade e seu

modelo protetivo familista delega à família, o papel de principal provedora de proteção

social. Para Campos (s/data, p.25) esta forte expectativa quanto à participação familiar

na provisão de proteção social, neste tipo de sociedade vigente no país “contribui para a

definição de um modelo de família intensamnte marcado pela desigualdade no

tratamento de gênero”.

Goldani (2006), a partir das análises de Barros e Mendonça (1995), no

Brasil, nos aponta que a família é fundamental “no processo de distribuição de recursos

na sociedade e no bem-estar de seus membros” e a “pobreza estaria intimamente ligada

ao mercado de trabalho via qualidade e remuneração dos empregos”, ou seja, neste

modelo protetivo, cabe primeiramente á família a qualidade do bem-estar de seus

membros, pela socialização de recursos pelo trabalho, pelo solidarismo ou voluntarismo

privado ou por transferências diretas de rendas via Estado. A família é o sustentáculo

deste sistema de proteção social à medida que contribui para a redução dos gastos

públicos na provisão do bem-estar e na garantia dos direitos dos indivíduos.

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O Benefício de Prestação continuada- BPC pode ser situado enquanto

exemplificação da corporificação da responsabilidade considerada “nata” da família na

proteção e na socialização dos recursos aos seus membros mais fragilizados. Pois, antes

de ser um direito do indivíduo (idoso sem renda ou à pessoa com deficiência), recorre-

se ao papel da família na garantia e na qualidade da proteção aos seus membros. E

somente se esta família enquanto “grupo” for considerado incapaz de prover o bem-

estar deste membro fragilizado, por possuir uma per capita inferior à ¼ do salário

mínimo é que o Estado “socorre” via recurso monetário esta família, por meio de um

beneficio socioassistencial de (1 salário mínimo) ao seu membro “fragilizado”. De

acordo com Campos (2010), “está claro aí o caráter subsidiário da assistência social

estatal em relação à responsabilidade familiar no seu sustento” (p.12).

Apesar do reconhecimento legal na PNAS/2004, normativas e

orientações técnicas das mudanças nos formatos e na dinâmica familiar interna e nas

demais relações sociais, ao naturalizar os papéis tradicionais de pai e de mãe, delegando

à mulher o papel de “cuidadora nata”, evidenciado nos programas sociais, tanto no

acesso, quanto na gestão e socialização dos recursos, como o Programa Bolsa Família,

no qual cabe à mãe a administração e gestão dos recursos e o cumprimento das

condicionalidades.

Para Sunkel (2006) este tipo de programa ao considerar a mulher

como cuidadora dos membros da família e, portanto responsável pelo cumprimento das

condicionalidades pode até contribuir para a redução da pobreza, mas não contribui para

equidade de gênero, na medida em que aumenta a sobrecarga feminina na esfera dos

cuidados.

As famílias do Programa Bolsa Família dentro desta proposta de

gestão do Sistema Único de Assistência Social - SUAS merecem atenção prioritária da

equipe técnica dos CRAS, que deve entre outras coisas acompanhar o cumprimento das

condicionalidades da educação, e esta sobrecarga feminina fica evidente nas falas dos

técnicos entrevistados, conforme segue:

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“A gente cobra da mãe. Mãe você não levou seu filho prá pesar. Mãe olha tá

faltando na escola, o que tá acontecendo. Porque ele faltou?...” Técnica CRAS2

“Olha o Bolsa Família... as orientações em reuniões...é mais garantido que

chegue prá mulher. Tem indicativos assim observados empiricamente que a

mulher não vai abandonar os filhos, e vai fazer com que esse benefício seja

gasto pelos filhos”. CRAS 3

Também a análise dos primeiros dados visibilizam na

operacionalização da política de assistência social a permanência da família nuclear

burguesa (pai-provedor e mãe dona de casa e cuidadora) ,quando no CRAS, a mulher é

a referência para o acesso ao serviço e as cobranças ainda centradas nas funções

“tradicionalmente” compreendidas como da mulher. A fala abaixo ilustra esta

compreensão na gestão e operacionalização da política de assistência social, quando se

pensa na sustentabilidade de um modelo protetivo com a família desempenhando os

papéis tradicionais.

“A gente tem um histórico de famílias, aquela questão que a mulher é que

tem responsabilidade perante os filhos e daí essa questão vai se concretizar

realmente no momento do atendimento ou das visitas que a gente faz, (...)

proposta do Cadastro único, (...) porque é uma garantia que o beneficio saí

daqui chegue realmente para a família” Técnico CRAS 1

Ainda a respeito da sobrecarga feminina há que se ter clareza que na

esfera cuidados e dos trabalhos domésticos, apesar das alterações nas famílias quanto ao

formato, dinâmica interna e das novas demandas sociais a serem enfrentadas pelo grupo

familiar, cabe à “mulher” o trabalho do cuidado. Conforme segue: na citação e na fala

de um sujeito da pesquisa.

Na realidade esse trabalho denominado de „cuidado‟ será feito pela mãe, ou,

em geral por delegação desta, pelas filhas, e hoje, cada vez mais, pelas avós,

dado o aumento da expectativa de vida no país. O fato é evidenciado tanto no

curso dos programas sociais, como por estudos e estatísticas correntes. O

encargo pelo trabalho doméstico segue a linha feminina, com uma

participação masculina em ascensão lenta, mais direcionada ao convívio com

os filhos. (CAMPOS, 2010, p. 25).

“A gente percebe assim, uma fragilidade realmente, uma sobrecarga feminina. É a avó que cuida dos netos porque a filha é dependente química e

sumiu no mundo”. Técnica CRAS 2

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Apesar de apresentar no texto da PNAS/2004, que a proteção social à

família só se efetivará com a articulação de transferências de rendas compatíveis e da

oferta de serviços na esfera dos cuidados. A oferta de serviços públicos na esfera dos

cuidados, conforme as análises de Campos (2010) com fontes do IBGE e os primeiros

dados da nossa pesquisa no município referido, atestam uma distância entre o legal e o

real.

O fragmento abaixo apresenta dados importantes, referentes aos

cuidados, apontando que a falta de serviços públicos nesta esfera, penalizam mais as

mulheres de famílias mais empobrecidas, à medida que “atrapalha” a inserção delas no

mercado de trabalho e aumenta o tempo de trabalho (não remunerado) na reprodução

dos membros da família e ainda limita a cidadania feminina.

Em relação aos serviços de creches, para o total de crianças de zero a três

anos de idade, segundo o IBGE (2006), a freqüência era de apenas 13,3%.

Este acesso era ainda mais restritivo às famílias pobres, com rendimentos de

até 1/2 salário mínimo per capita, com um percentual de 8,6%, bem abaixo

da média, enquanto que, para as crianças de famílias com rendimento acima

de três salários mínimos a taxa chegava a 35,8%. Este é certamente um fator

de restrição ao trabalho das mulheres no mercado e de ampliação da sua

carga horária semanal de serviços domésticos. Isso sem contar a insuficiência

de serviços domiciliares de atendimento aos idosos dependentes, crianças

com deficiência, serviços de ocupação do tempo livre, de socialização, de

formação para a cidadania, de capacitação para o mercado de trabalho para jovens, adultos sem emprego, dentre outros eventuais membros das famílias.

(CAMPOS, 2010, p. 26).

No município pesquisado, nas falas dos técnicos – Assistentes Sociais

dos CRAS é consenso que as ofertas de serviços na esfera dos cuidados não atendem a

demanda do município, todos apontam a falta de vagas nos Centros de Educação

Infantil e nos serviços direcionados aos idosos. Conforme as falas abaixo:

“Os CEMEIs (Centro de Educação Infantil) não têm vagas. Impossível.

Quarenta pessoas na lista, e ai a gente tem casos assim de extremo risco.

Criança em contato de... em ambientes de dependência química, de

drogadição, e a gente não consegue vaga, e daí não consegue fazer um

trabalho com essa mãe, ou com esse pai”. Técnica CRAS 2

“As demandas de vagas em Maringá é enorme... A demanda de Centros Dias

para os idosos, também não dá conta, deveria.... No meu ponto de vista ... A

centralidade na família deveria ter uma política que ampara, ter creche para

criança, ter o centro dia, o centro de convivência para o idoso. Mais isso ainda não acontece”. Técnico CRAS 3

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Entendemos ser interessante apontar que o município lócus da

pesquisa é habilitado em gestão plena na política de assistência social, com a

responsabilidade de organizar a proteção social básica e especial. Município com

357.117 mil habitantes (Fonte: IBGE) 6, e, dentro da classificação dos municípios na

PNAS/2004 classifica-se como de grande porte (de 100.001 a 900.000 hab).

Mesmo sendo um município de grande porte e tendo iniciado a

implementação no primeiro semestre do ano de 2006, os dados da pesquisa de campo

apontam algumas fragilidades (consenso entre os sujeitos pesquisados) na

operacionalização da matricialidade sociofamiliar nos CRAS, tais como: -

desconhecimento da rede de serviços socioassistencial do território dos CRAS; - a área

de abrangência muito extensa dificultando o acesso dos usuários dos bairros mais

distantes; - o horário de atendimento dos CRAS; -a oferta de serviços públicos na esfera

dos cuidados- especialmente crianças e idosos; - A falta de um veículo de uso exclusivo

do CRAS apontado como imprescindível para o conhecimento da rede serviços

socioassistenciais e para a busca ativa; - a falta de indicadores para aferição da

qualidade do trabalho ofertado e uma melhor qualificação de todos os trabalhadores do

SUAS.

4 Considerações finais

A interlocução com os autores que trouxemos para a construção da

argumentação teórica, e os primeiros dados da pesquisa de campo, nos permite sinalizar

a permanência da família nuclear burguesa na gestão e operacionalização da política de

assistência social. Pois, apesar das mudanças legais apontadas neste trabalho quanto ao

conceito de família, do reconhecimento legal das novas demandas sociais e da

necessidade do Estado na proteção dos grupos familiares articulando transferências de

rendas e oferta de serviços públicos existe uma distância entre o legal e o real.

6 Disponível em : <HTTP//: WWW.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo 2010/default.sht>

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A política de assistência ao eleger a família como principal parceira na

tríade protetiva, não tem garantido a oferta necessária de serviços públicos para atender

as demandas sociais das mesmas, sobrecarregando-as, especialmente a mulher, quando

não assegura serviços suficientes na esfera dos cuidados, e ao mesmo, continua a exigir

das mulheres – mães e avós que desempenhem os “papéis tradicionais”- de cuidadoras

natas.

Concluímos que este modelo de proteção social constitutivo da

política de assistência social sustenta-se na naturalização dos papéis tradicionais, de

homem e de mulher na família. Bem como, as fragilidades apontadas na

operacionalização e gestão da matricialidade sociofamiliar sinalizam que a família não

está sendo protegida para que possa ser protetora, conforme a proposta da própria

política. E ainda, que a permanência da família burguesa no modelo protetivo e as

fragilidades apontadas aumentam a sobrecarga feminina e reforça a desigualdade de

gênero.

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