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1 Universidade de Évora Notas para a disciplina Análise Matemática III Leccionada às licenciaturas em Engenharia: Civil, Informática, Geológica, Mecatrónica, Quimica e Recursos Hídricos Luís Manuel Ferreira da Silva Outubro de 2006

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Universidade de ÉvoraNotas para a disciplina

Análise Matemática IIILeccionada às licenciaturas em Engenharia: Civil, Informática, Geológica,

Mecatrónica, Quimica e Recursos Hídricos

Luís Manuel Ferreira da Silva

Outubro de 2006

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• Programa de referência

1. Elementos de Geometria Diferencial em R3

2. Integrais de Linha e de Superfície

3. Números Complexos

4. Séries de Fourier

5. Sistemas de Equações Diferenciais

6. Séries de Fourier

Estas notas foram compiladas para servirem de apoio bibliográfico à disci-plina de Análise Matemática III, das licenciaturas em Engenharia Civil, En-genharia Informática, Engenharia Geológica, Engenharia Mecatrónica, En-genharia Química e Engenharia de Recursos Hídricos da Universidade deÉvora. A necessidade da sua realização surgiu com o programa de referência,concebido pelo Departamento de Matemática em conjunto com as comissõesde curso respectivas, no contexto das reestruturações das licenciaturas, lev-adas a cabo no ano lectivo de 2002/2003, nesta Universidade. O autor nãoteve qualquer pretensão de originalidade na exposição, nem de exaustão dostemas. Teve sim como única intensão, a de organizar um texto coerente,focando os diferentes tópicos constantes do programa, com o grau de pro-fundidade possível, tendo em conta as limitações temporais impostas pelocalendário escolar. Assim, o leitor interessado em aprofundar os seus con-hecimentos sobre qualquer um dos temas abordados, encontrará nas obrascitadas na bibliografia, as quais foram intensamente utilizadas na preparaçãodo texto, material adequado.

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Índice

1 Elementos de Geometria Diferencial em R3 51.1 Curvas em R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.2 Comprimento de arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61.3 Tangente e plano normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.4 Fórmulas de Frenet-Serret, curvatura e torção . . . . . . . . . 121.5 Representações paramétricas de uma porção de superfície . . . 151.6 Plano tangente e normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.7 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2 Integrais de linha e de superfície 272.1 Campos vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.2 Integrais de linha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282.3 Independência das curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.4 Teorema de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342.5 Circulação e o Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . 382.6 O Fluxo e o Teorema da Divergência . . . . . . . . . . . . . . 442.7 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

3 Números Complexos 573.1 Funções de uma variável complexa . . . . . . . . . . . . . . . 573.2 Funções harmónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.3 Os problemas de Dirichlet e de Neumann . . . . . . . . . . . . 723.4 Aplicações conformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 733.5 Aplicação das aplicações conformes à equação do calor, à elec-

trostática e à hidrodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 783.6 Representação em série . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 853.7 Resíduos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 903.8 Cálculo de integrais impróprios . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

3

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4 ÍNDICE

3.9 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

4 Sistemas de Equações Diferenciais 1034.1 Funções matriciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1054.2 Exponencial de uma matriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1054.3 A equação diferencial matricial F ′(t) = AF (t) . . . . . . . . . 1064.4 Métodos para calcular etA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1104.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

5 Séries de Fourier 1175.1 Formulação matemática do problema da condução do calor . . 1175.2 Funções periódicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1225.3 Convergência uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1235.4 Coeficientes de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1245.5 Série de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1255.6 Séries de Fourier de funções pares e ímpares . . . . . . . . . . 1285.7 Cálculo de algumas séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . 1305.8 Forma complexa das séries de Fourier . . . . . . . . . . . . . . 1325.9 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

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Capítulo 1

Elementos de GeometriaDiferencial em R3

1.1 Curvas em R3

Chamemos trajectória ou caminho a uma aplicação contínua

F : [a, b] ⊂ R→ R3 (a < b)

aplicação esta que pode ser representada por

x = f(t)y = g(t)z = h(t)

, a ≤ t ≤ b.

ou, mais simplesmente,

r = F (t), (a ≤ t ≤ b).

Chamamos linha de R3 (ou curva ou arco) à imagem C = F ([a, b]),considerando:

A orientação, considera-se a linha descrita no sentido dado pela variaçãode t de a até b, assim diz-se que F (a) e F (b) são os extremos da curva, F (a)a origem e F (b) a extremidade. A curva diz-se fechada se F (a) = F (b).

A multiplicidade, dizemos que um ponto tem multiplicidade k se cor-responder à imagem de k valores distintos de t ∈ [a, b], intuitivamente umponto tem multiplicidade k se a curva passar por ele k vezes. Os pontos com

5

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6CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

multiplicidade 1 dizem-se simples e uma curva diz-se simples se todos os seuspontos forem pontos simples.

Note-se que diferentes trajectórias podem conduzir à mesma curva, porexemplo F (t) = (1, 1, t), t ∈ [0, 4], G(t) = (1, 1, t2), t ∈ [0, 2] e H(t) =(1, 1, 1 + 2t), t ∈ [−1/2, 3/2], todas têm a mesma imagem, orientação emultiplicidades, nesse caso diz-se que as trajectórias são equivalentes, maisespecificamente diz-se que duas trajectórias F : [a, b] → R3 e G : [c, d] → R3

são equivalentes se existir uma aplicação bijectiva e crescente Φ : [a, b] → [c, d]tal que F (t) = G(Φ(t)) para todos os t ∈ [a, b].

Chamamos representação paramétrica ou parametrizaçãode uma curva,a qualquer trajectória que a defina (sendo assim uma curva admite diversasrepresentações paramétricas).

Dada a curva C com parametrização r = F (t), t ∈ [a, b], chamamos curvainversa de C, à curva −C com parametrização r′ = F (a + b − t) (a curvacorrespondente é descrita em sentido inverso).

Dadas duas curvas C1 e C2, com parametrizações r1 = F1(t), t ∈ [a, b] er2 = F2(t), t ∈ [c, d] tais que F1(b) = F2(c), chama-se soma ou justaposiçãode C1 e C2 à nova curva C1 + C2, parametrizada por

r = F (t) =

{F1(t) se a ≤ t ≤ bF2(t− b + c) se b ≤ t ≤ d + b− c

(Ver Figura 1.1).

1.2 Comprimento de arco

Consideremos uma curva de classe C1 dada por uma parametrização

r = r(t), t ∈ [a, b].

Definição 1 Chama-se comprimento de arco da curva r entre os pontos r(a)e r(b), ao integral

s =

∫ b

a

||r′(t)||dt.

Nota 2 Consideremos uma partição a = t1 < t2 < · · · < tn = b do intervalo[a, b], chama-se diâmetro da partição ao maior dos valores ti+1−ti. Podemos

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1.2. COMPRIMENTO DE ARCO 7

Figura 1.1: Soma ou justaposição de duas curvas r1 e r2

então considerar a linha poligonal inscrita na curva r, formada pelos segmen-tos que ligam os pontos r(ti) a r(ti+1), i = 1, · · ·n− 1, obviamente esta linhapoligonal tem comprimento

L∆ =n−1∑i=1

||r(ti+1)− r(ti)||,

verifica-se então que s é igual ao limite, quando o diâmetro da partição con-verge para 0, dos comprimentos L∆.

Nota 3 Na definição de comprimento de arco de uma curva, utilizámos umaparametrização da curva. Então, para que este conceito esteja bem definido,necessitamos demonstrar que ela não depende da parametrização escolhida:Sejam F1 : [a, b] → R3 e F2 : [c, d] → R3 duas parametrizações da mesmacurva, a que nos referiremos como r1 e r2 conforme a parametrização con-siderada. Temos então uma bijecção crescente Φ : [a, b] → [c, d] que verificaF1(t) = F2(Φ(t)) (isto é, r1(t) = r2(Φ(t))), daí integrando por substituição eusando o facto de Φ′(t) > 0, obtemos

s2 =∫ d

c||r′2(t)||dt =

∫ b

a||r′2(Φ(t)||Φ′(t)dt

=∫ b

a||(r2(Φ(t))′||dt =

∫ b

a||r′1(t)||dt = s1.

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8CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Concluímos assim que o comprimento de arco não depende da parametrizaçãoescolhida.

Nota 4 No caso em que ||r′(t)|| 6= 0, podemos considerar a aplicação Φ(t) =s(t) =

∫ t

a||r′(τ)||dτ , obtendo assim uma aplicação Φ : [a, b] → [0, s(b)], estri-

tamente crescente (logo bijectiva) e de classe C1 sempre que r(t) é de classeC1. Podemos então utilizar esta aplicação para obter uma representaçãoparamétrica

r = r(Φ−1(s)),

equivalente à primeira, na qual o parâmetro é o comprimento de arco.A esta parametrização chama-se parametrização pelo comprimento de

arco e possui a notável propriedade

∥∥∥∥dr

ds

∥∥∥∥ = 1,

o que a torna de extrema importância para a Geometria Diferencial.

Exemplo 5 Consideremos a hélice circular

r = (a cos t, a sin t, bt), (−∞ < t < ∞),

com a > 0 e b constantes. Temos então, tomando o ponto r(0) = (a, 0, 0)para origem dos arcos, que

s(t) =

∫ t

0

√a2 + b2dτ =

√a2 + b2t.

Logo Φ−1(s) = s/√

a2 + b2 e obtemos assim a parametrização pelo compri-mento de arco

r = (a coss√

a2 + b2, a sin

s√a2 + b2

,bs√

a2 + b2).

(Verifique como exercício, que ||drds|| = 1).

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1.3. TANGENTE E PLANO NORMAL 9

Figura 1.2: A direcção da tangente é dada pelo limite das direcções dassecantes.

1.3 Tangente e plano normal

Consideremos uma curva r = r(t), a ≤ t ≤ b e seja P0 = r(t0), a < t0 < b.É claro que o vector (r(t)− r(t0)/(t− t0) tem a direcção da recta que passapor P0 e pelo ponto genérico r(t) da curva, daí conclui-se facilmente que

r′(t0) = limt→t0

r(t)− r(t0)

t− t0

nos define a tangente à curva no ponto P0, caso o limite exista e seja diferentede zero (ver Figura 1.2).

Nota 6 Se pensarmos numa curva r = r(t) como o movimento de umapartícula ao longo do tempo t, é imediato interpretar a velocidade como ataxa de variação do comprimento de arco em função do tempo. Temos entãoque v = ds/dt = ||r′||, e o vector v = r′(t0) dá-nos a direcção do deslocamentono momento t0, daí chamamos vector velocidade no momento t0 ao vectorv = r′(t0) e velocidade no momento t0 a v = ||r′(t0)||, assim, o comprimentode arco é o integral da velocidade em relação ao tempo, ou seja, representa adistância total percorrida pela partícula. Na mesma linha chamamos vectoraceleração no momento t0 ao vector a = r′′(t0) e aceleração no momento t0a a = ||r′′(t0)||.

Uma trajectória r = r(t), a ≤ t ≤ b de classe C1 diz-se regular se r′(t)nunca se anula no intervalo [a, b]. Por sua vez uma curva diz-se regular seadmitir uma parametrização regular. De agora em diante, salvo indicação

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10CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

em contrário, todas as curvas consideradas, e respectivas parametrizações,serão regulares.

Temos então a equação vectorial da recta tangente à curva r, no pontoP0, dada por

T = P0 + λr′(t0).

Conclui-se imediatamente que o plano que passa por P0 e é perpendicularà tangente, é definido pela equação

〈r′(t0), (N − P0)〉 = 0,

a este plano chamamos plano normal a r em P0.Chama-se recta normal a r em P0, a qualquer recta no plano normal a r

em P0, que passe por P0. A qualquer plano que contenha a tangente a r emP0, chama-se plano tangente a r em P0.

Temos pois que uma curva regular simples, tem em cada ponto uma tan-gente e um plano normal bem determinados e por outro lado tem infinitosplanos tangentes e infinitas rectas normais. De entre os planos tangentes indi-vidualizaremos um, a que chamaremos plano osculador e individualizaremoscom o nome de normal principal a normal que nele existe e com o nome debinormal a normal que lhe é perpendicular. Obteremos assim um sistema dereferenciais ortonormados que se desloca ao longo da curva (tangente, normalprincipal e binormal), a que chamaremos triedro de Frenet-Serret, que nospermitirá extraír bastante informação sobre a curva.

Finalmente, chamaremos plano rectificante ao plano tangente que é per-pendicular à normal principal (e que contém, portanto, a tangente e a binor-mal).

De agora em diante, vamos utilizar sempre parametrizações pelo compri-mento de arco, as quais vimos atrás (Nota 4) que existem desde que a curvaseja regular.

Tomemos entãor = r(s); α ≤ s ≤ β

e seja P0 = r(s0).O plano πQ definido por r′(s0) (tangente à curva em P0) e por um ponto

Q = r(s) 6= P0 terá por equação

〈O − P0, r′(s0)× (Q− P0)〉 = 0.

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1.3. TANGENTE E PLANO NORMAL 11

Variando Q, variará (em geral) πQ; e é à sua posição limite quando Q →P0 (desde que este limite exista) que chamaremos plano osculador da curvano ponto P0.

Vamos agora deduzir a equação do plano osculador. Suponhamos que ré de classe C2, então:

Q− P0 = r(s)− r(s0) = (s− s0)r′(s0) +

(s− s0)2

2!r′′(s0) + o((s− s0)

2),

daí πQ define-se pela equação

〈O − P0, r′(s0)× ((s− s0)r

′(s0) +(s− s0)

2

2!r′′(s0) + o((s− s0)

2))〉. = 0

Mas r′(s0)× sr′(s0) = 0 e, quando Q → P0, s → s0 e o((s− s0)2) → 0, logo

o plano osculador πosculador é dado pela equação

〈O − P0, r′(s0)× r′′(s0)〉 = 0.

desde que esta igualdade represente efectivamente um plano, o que acontecedesde que r′(s0)× r′′(s0) 6= 0.

Mas ||r′(s)|| = 1∀s, logo 〈r′, r′〉 = 1 e (〈r′, r′〉)′ = 2〈r′, r′′〉 = 0, o quesignifica que r′ e r′′ são ortogonais, daí o seu produto externo só se pode anularse r′′(0) = 0, caso em que chamamos ao ponto P0, ponto de inflexão. Podemosfinalmente afirmar que, para uma curva de classe C2, o plano osculador existeem cada ponto P = r(s) que não seja de inflexão e é dado pela equação

〈O − P, r′(s)× r′′(s)〉 = 0.

Se P0 é um ponto de inflexão, mas r(s) admite o desenvolvimento deTaylor

r(s) = r(s0) + (s− s0)r′(s0) +

(s− s0)k

k!r(k)(s0) + o(sk)

para algum k > 2, podemos repetir o raciocínio anterior e obter

〈O − P0, r′(s0)× r(k)(s0)〉 = 0,

para equação do plano osculador.

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12CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Se tivermos uma parametrização r = r(t) que não seja pelo comprimentode arco, basta observar que

dr

ds=

dr

dt

dt

dse

d2r

ds2=

d2r

dt2

(dt

ds

)2

+dr

dt

d2t

ds2

para concluír que a equação do plano osculador, neste caso é dada por

〈O − P0, r′(t0)× r′′(t0)〉 = 0

ou, se o ponto for de inflexão,

〈O − P0, r′(t0)× r(k)(t0)〉 = 0.

Determinado o plano osculador, estamos em condições de determinartodos os elementos do referencial ortonormado atrás referido. Com efeito,T = r′ dirige-se segundo a tangente; a binormal terá a direcção do vectorB = r′ × r′′ (ou r′ × r(k) se o ponto for de inflexão), o qual é perpendicularao plano osculador; e a normal principal terá a direcção do produto externoN = B × T que é perpendicular a ambos.

Temos então que os vectores T, N,B são perpendiculares dois a dois.Para obtermos um referencial ortonormado basta-nos então tomar os versoresdestes vectores t = 1/||T ||T , n = 1/||N ||N e b = 1/||B||B. Para efeitos decálculo, das fórmulas do produto externo é imediato concluír que n = b× t.

Temos então, em cada ponto de uma curva regular, um referencial orto-normado directo (triedro de vectores unitários, ortogonais dois a dois e queobedecem a uma propriedade de orientação). A este triedro chamamos triedrode Frenet-Serret (ver Figura 1.3).

1.4 Fórmulas de Frenet-Serret, curvatura e torçãoA propriedade fundamental do triedro de Frenet Serret t,n,b é que as suasderivadas em ordem ao comprimento de arco se exprimem em função dospróprios elementos do triedro, através das chamadas fórmulas de Frenet-Serret que vamos deduzir em seguida.

Em primeiro lugar, derivando a igualdade 〈t,t〉 = 1, obtemos 〈t′, t〉 = 0,o que mostra que t′ é perpendicular à tangente, mas por outro lado t′ = r′′,

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1.4. FÓRMULAS DE FRENET-SERRET, CURVATURA E TORÇÃO 13

Figura 1.3: Triedro de Frenet-Serret, plano rectificante e plano osculador.

então t′ jaz no plano osculador e estes dois factos em conjunto implicam quet′ se dirige segundo a normal principal. Podemos então escrever

t′ = kn

com k escalar, a que chamamos curvatura. Esta igualdade constitui a primeirafórmula de Frenet-Serret.

Para a binormal também temos que b′ é ortogonal a b (〈b, b〉 = 1 im-plica que (〈b, b〉)′ = 2〈b, b′〉 = 0); por outro lado, derivando a igualdade〈b, t〉 = 0, obtemos 0 = 〈b′, t〉+〈b, t′〉 = 〈b′, t〉+〈b, kn〉 = 〈b′, t〉. Conclui-se que b′ é simultaneamente perpendicular a t e a b, o que nos permiteescrever

b′ = −τn

com τ escalar a que chamamos torção. Esta igualdade é a segunda fórmulade Frenet-Serret (o sinal "-" é apenas uma convenção).

Para obter a expressão de n′, atendendo a que na sucessão t,n,b,t,n,...cada vector é o produto externo dos anteriores, temos que n′ = (b × t)′ =b′ × t + b× t′ = (−τn)× t + b× (kn) = τb− kt.

Obtemos então as expressões

t′ = knn′ = −kt + τbb′ = −τn

que constituem as fórmulas de Frenet-Serret.

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14CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Nota 7 A expressão r(s) = sr′(0) + s2

2!r′′(0) + o(s2) permite interpretar geo-

metricamente a curvatura: |k| = ||t′|| = ||r′′|| é tanto maior (em P0) quantomais a linha se afasta da tangente na vizinhança do ponto de contacto; acurvatura mede, pois, a rapidez com que a tangente varia de direcção à me-dida que o ponto de contacto se desloca sobre a curva. Da mesma forma,a torção dá-nos indicações sobre a variação de b e, portanto, sobre a formacomo roda o plano osculador (que lhe é perpendicular) ao longo da curva.Em conformidade com estas interpretações podemos demonstrar o seguinte.

Proposição 8 1. Uma curva é uma recta sse k = 0 em todos os seuspontos.

2. Uma curva (que não seja uma recta) é plana sse τ = 0 em todos osseus pontos.

Dem. Para a primeira propriedade, tomemos a equação vectorial de umarecta r = u+sv, com u e v vectores constantes, e, portanto, t′ = r′′ = v′ = 0qualquer que seja o ponto da recta. Reciprocamente, k = 0 ⇒ t′ = 0 ⇒ t =r′ = v(constante)⇒ r = u + sv com u e v constantes.

Quanto à segunda propriedade, se a curva é plana, então existem doisvectores u e v 6= 0 constantes tais que 〈r−u, v〉 = 0 qualquer que seja o pontoda curva r. Derivando esta igualdade obtemos 〈r′, v〉 = 〈t, v〉 = 0, derivandode novo obtemos 〈t′, v〉 = k〈n, v〉 = 0 e, como k 6= 0, 〈n, v〉 = 0, logo v ésimultaneamente perpendicular a t e a n, daí v = αb. Finalmente, derivandoa igualdade 〈n, v〉 = 0, obtemos 〈−kt+τb, v〉 = τ〈b, v〉 = τα = 0, logo τ = 0.Reciprocamente, τ = 0 ⇒ b =constante⇒ (〈b, r〉)′ = 〈b, r′〉 = 〈b,t〉 = 0 daítemos 〈b, r〉 =constante, que é a equação de um plano onde deve existir acurva.

Exemplo 9 Se analisarmos o vector aceleração d2r/dt2 de uma curva r(t),obtemos

d2r

dt2=

d

dt

(dr

ds

ds

dt

)= v2t′ + tv′ = kv2n + v′t.

Interpetando a curva como a trajectória de um corpo ao longo do tempo(pensemos por exemplo num percurso de automóvel), concluímos que a acel-eração tem uma componente directamente proporcional à curvatura e aoquadrado da velocidade na direcção da normal e uma componente directa-mente proporcional à derivada da velocidade na direcção da tangente (se

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1.5. REPRESENTAÇÕES PARAMÉTRICAS DE UMA PORÇÃODE SUPERFÍCIE15

pensarmos no percurso de automóvel é fácil compreender a razão de muitosacidentes quando se abordam curvas demasiado fechadas, ou seja, de cur-vatura elevada, com demasiada velocidade).

Exercício 1 Verifique que as equações k = 1, τ = 0, caracterizam todas ascircunferências de raio 1.

Nota 10 Recordemos que usámos uma parametrização pelo comprimento dearco (com velocidade unitária) para deduzir as fórmulas de Frenet-Serret, asquais se deveriam escrever

dtds

= kndnds

= −kt + τbdbds

= −τn

Se a parametrização não tiver velocidade unitária, temos então

dtdt

=dtds

ds

dt= vkn.

Analogamente,dndt

=dnds

ds

dt= −vkt + vτb

edbdt

=dbds

ds

dt= −vτn.

Concluímos então que, caso a curva não tenha velocidade unitária, asfórmulas de Frenet-Serret são

t′ = kvnn′ = −kvt + τvbb′ = −τvn

1.5 Representações paramétricas de uma porçãode superfície

Chamaremos porção de superfície de classe Cm (m ≥ 1) à imagem r(D) deum aberto D de R2 por uma aplicação

r : D ⊂ R2 → R3,

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16CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

r = r(u, v), (u, v) ∈ D que verifica a propriedade

∂r

∂u× ∂r

∂v6= 0.

Uma superfície é normalmente composta pela "colagem" (respeitando cer-tas regras) de porções de superfície e a técnica seguida para se fazer o estudoglobal de uma superfície é verificar as propriedades localmente e seguida-mente utilizar as regras de colagem para ver que as propriedades se verificamglobalmente.

Para simplificar, vamos restringir o nosso estudo às porções de superfície.Tal como para as linhas, chamaremos a r = r(u, v), (u, v) ∈ D, uma rep-

resentação paramétrica da porção de superfície e dadas duas representações

r1 = r1(u, v), (u, v) ∈ D1

er2 = r2(u, v), (u, v) ∈ D2,

de classe Cm, diremos que elas são equivalentes sempre que exista uma apli-cação biunívoca, Φ de D1 sobre D2, de classe Cm e jacobiano positivo (a razãodesta restrição tem a ver com a preservação de propriedades de orientação)e tal que

r1(u, v) = r2(Φ1(u, v), Φ2(u, v))

Consideremos a superfície r(D) ⊂ R3. Se em D considerarmos o subcon-junto γ = {(u, v) : u = ξ(t), v = η(t)} com α ≤ t ≤ β e ξ e η de classe Cm

(pelo menos), a sua imagem por r será uma curva Γ de classe Cm, pertencenteà superfície, e de representação paramétrica r = r (ξ(t), η(t))), α ≤ t ≤ β.

Às curvas que se obtêm fixando uma das coordenadas e variando a outra,chamamos curvas coordenadas ; estas curvas serão parametrizadas por

r = r(u, v0)

com v0 constante (só varia o parâmetro u)

r = r(u0, v)

com u0 constante (só varia o parâmetro v.)Aos parâmetros u e v também se dá o nome de coordenadas curvilíneas

sobre a superfície.

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1.5. REPRESENTAÇÕES PARAMÉTRICAS DE UMA PORÇÃODE SUPERFÍCIE17

Figura 1.4: Curvas coordenadas.

Exemplo 11 Consideremos a porção de superfície parametrizada por

x = r sin u cos vy = r sin u sin vz = r cos u

(0 < u0 ≤ u ≤ u1 < π e 0 ≤ v < 2π),

Trata-se de uma porção da superfície esférica de raio r e centro (0, 0, 0).As curvas coordenadas u = constante são circunferências que existem emplanos de nível (paralelos da superfície) e as linhas v = constante obtêm-seintersectando a esfera com semiplanos passando pelo eixo Oz (são, portantosemimeridianos da superfície)(ver Figura 1.5).

As coordenadas curvilíneas são, portanto, a colatitude e a longitude sobrea esfera considerada.

Exemplo 12 Consideremos a porção de superfície parametrizada por

x = r cos uy = r sin uz = z

(0 ≤ u < 2π),

trata-se de uma superfície cilíndrica de raio r, centrada no eixo Oz. Ascurvas coordenadas u = constante obtêm-se intersectando o cilindro comsemiplanos passando pelo eixo Oz (são, portanto meridianos da superfície)e as curvas coordenadas z = constante são circunferências que existem emplanos de nível (paralelos da superfície)(ver Figura 1.5).

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18CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Figura 1.5: Porção de superfície esférica, as curvas u = u0 são os paralelos eas curvas v = v0 são os meridianos

1.6 Plano tangente e normal

Consideremos uma porção de superfície r = r(u, v) (u, v) ∈ D, e seja P0 =r(u0, v0) um dos seus pontos.

Se considerarmos uma curva regular parametrizada por r = r(u(t), v(t))traçada sobre a superfície e passando por P0 (P0 = r(u(t0), v(t0)), temos

(dr

dt

)

t0

=

(∂r

∂u

)

P0

(du

dt

)

t0

+

(∂r

∂v

)

P0

(dv

dt

)

t0

(1.1)

e este vector é, como vimos atrás, tangente em P0 à curva considerada.Assim, se considerarmos as curvas coordenadas rv0 = r(u, v0) e ru0 =

r(u0, v), temos que(

∂r∂u

)P0

e(

∂r∂v

)P0

dirigem-se segundo as tangentes às curvascoordenadas u = u0 e v = v0, respectivamente.

Concluímos então da equação 1.1, que todos os vectores tangentes emP0, a todas as curvas regulares da superfície que passam por P0, se escrevemcomo combinação linear dos dois vectores fixos

(∂r∂u

)P0

e(

∂r∂v

)P0.

É então razoável definir o plano tangente à superfície r = r(u, v), no

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1.6. PLANO TANGENTE E NORMAL 19

Figura 1.6: Porção de superfície cilindrica, as curvas z = z0 são os paralelose as curvas u = u0 são os meridianos

ponto P0, como o conjunto

M = P0 + λ

(∂r

∂u

)

P0

+ µ

(∂r

∂v

)

P0

(1.2)

Nota 13 Temos assim que um plano tangente é um espaço afim de dimen-são dois. Para que isso aconteça é necessário que os vectores

(∂r∂u

)P0

e(

∂r∂v

)P0

sejam linearmente independentes, ou seja, que(

∂r∂u

)P0× (

∂r∂v

)P06= 0 tal como

tínhamos exigido na definição de porção de superfície. Esta questão está di-rectamente relacionada com a ideia intuitiva que temos de superfície, comoum objecto "bidimensional" (tal como uma curva é um objecto "unidimen-sional"), ou seja, que em torno de cada ponto pode ser aproximado por umplano (tal como uma curva pode ser aproximada por uma recta na vizinhançade cada ponto).

Uma vez que o plano tangente é gerado pelos vectores(

∂r∂u

)P0

e(

∂r∂v

)P0,

então o vector(

∂r∂u

)P0× (

∂r∂v

)P0

será perpendicular a este, dizemos então queo versor deste vector é a normal à superfície no ponto P0.

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20CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Temos ainda que a equação 1.2 do plano tangente pode assumir a forma

〈M − P0,

(∂r

∂u

)

P0

×(

∂r

∂v

)

P0

〉 = 0.

Exemplo 14 Consideremos uma região D no plano xy e uma função f , declasse C1 em D. A equação z = f(x, y) define uma superfície com parame-trização r = (x, y, f(x, y)). Logo o plano tangente será gerado pelos vectores

∂r

∂x= (1, 0,

∂f

∂x) e

∂r

∂y= (0, 1,

∂f

∂y)

e a normal será o versor do vector

(1, 0,∂f

∂x)× (0, 1,

∂f

∂y) = (−∂f

∂x,−∂f

∂y, 1).

Recordemos o seguinte teorema fundamental da análise:

Teorema 15 (das funções implícitas) Se P0 = (x0, y0, z0) fôr uma soluçãoda equação

F (x, y, z) = 0

com F de classe C1 num aberto D de R3 contendo P0, e se ∂F/∂z(x0, y0, z0) 6=0, então existe uma vizinhança V (x0, y0) ⊂ R2 e uma função f de classe C1

em V (x0, y0), tal que f(x0, y0) = z0 e F (x, y, f(x, y)) = 0 em V (x0, y0).Além disso,

∂f

∂x= −

∂F∂x∂F∂z

e∂f

∂y= −

∂F∂y

∂F∂z

.

Consideremos então a equação F (x, y, z) = c. Aplicando o Teorema dasfunções implícitas a F (x, y, z)−c = 0, podemos tomar r(x, y) = (x, y, f(x, y)),temos então

∂r

∂x= (1, 0,

∂f

∂x) e

∂r

∂y= (0, 1,

∂f

∂y),

logo ∂r/∂x × ∂r/∂y 6= 0 e, como (x, y, f(x, y) é de classe C1 em V (x0, y0),temos que r(x, y); (x, y) ∈ V (x0, y0) define uma porção de superfície. Dizemosque as superfícies definidas desta forma, são definidas implicitamente.

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1.7. EXERCÍCIOS 21

Utilizando o exemplo anterior, observamos que a direcção da normal serádada por

(−∂f

∂x,−∂f

∂y, 1

)=

(∂F∂x∂F∂z

,

∂F∂y

∂F∂z

, 1

)=

1∂F∂z

(∂F

∂x,∂F

∂y,∂F

∂z

)

ou seja,

∇F =

(∂F

∂x,∂F

∂y,∂F

∂z

)

é normal à superfície.Da mesma forma concluímos que o espaço tangente é gerado pelos vectores

(∂F

∂z, 0,−∂F

∂x

)e

(0,

∂F

∂z,−∂F

∂y

)

e a sua equação é dada por

〈M − P0,∇FP0〉 = 0.

1.7 ExercíciosExercício 2 Quais das seguintes trajectórias são equivalentes?

T1 ≡

x = cos 2ty = sin 2tz = 0

, (0 ≤ t ≤ π)

T2 ≡

x = cos τy = sin τz = 0

, (0 ≤ τ ≤ 2π)

T3 ≡

x = cos 2θy = sin 2θz = 0

, (0 ≤ θ ≤ 2π)

Exercício 3 Determine o comprimento de arco das seguintes curvas:

1. (cos t, sin t, t), 0 ≤ t ≤ π.

2. (1, 3t2, t3), 0 ≤ t ≤ 1.

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22CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

3. (t + 1, 2√

23

t3/2, 12t2), 1 ≤ t ≤ 2:

Exercício 4 Para a curva α(t) = (2t, t2, t3/3), determine:

1. o vector velocidade, a velocidade e a aceleração, para t arbitrário e parat = 1.

2. a função comprimento de arco s = s(t) baseada em t = 0, e determineo comprimento de α entre t = −1 e t = 1.

Exercício 5 Considere a curva α(t) = (2t, t2, log t) em I : t > 0. Mostreque esta curva passa pelos pontos p = (2, 1, 0) e q = (4, 4, log 2) e determineo seu comprimento de arco entre estes pontos.

Exercício 6 Mostre que uma curva tem velocidade constante se e só se oseu vector velocidade é ortogonal ao seu vector aceleração.

Exercício 7 Considerando um corpo de massa m em movimento no espaço,a força total F actuando sobre o corpo em cada instante está relacionadacom a aceleração através da segunda lei de Newton

F = ma.

Determine a aceleração e a força total a actuar sobre um corpo de massam a mover-se sobre uma curva plana circular de raio r0 e com velocidadeconstante v.

Se considerarmos o movimento de um planeta em torno do Sol, consider-ado como origem, temos a lei da gravitação de Newton

F = −GmM

‖r‖3r,

onde r(t) é o vector que vai do Sol para a posição do planeta no instante t,M é a massa do Sol, m a massa do planeta e G a constante de gravitaçãouniversal (G = 6.67× 10−11newton/m2/kg2).

Supondo um satélite a mover-se com velocidade v numa órbita circular rem torno de um planeta com massa M , a força calculada no exercício anteriordeve igualar a obtida através da lei de Newton, logo

v2

r20

r =GM

r30

r ⇔ v2 =GM

r0

.

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1.7. EXERCÍCIOS 23

Se T fôr o período de revolução, ou seja, o tempo que o satélite demora adar uma volta completa, então

v =2πr0

T

(distância/tempo=velocidade), substituindo na equação anterior obtemos

T 2 = r30

(2π)2

6M

(o quadrado do período é proporcional ao cubo do raio), que é uma das trêsleis descobertas empiricamente por Kepler antes de terem sido formuladasas leis de Newton. Esta lei permite-nos determinar o período de um satélitedada a velocidade ou vice-versa.

Exercício 8 Consideremos um satélite em órbita circular em torno da Terra,de forma a que se mantenha fixo no céu sobre um ponto no equador. Qualdeve ser o raio dessa órbita? (a massa da Terra é de 5.98× 1024kg).

Exercício 9 Para cada uma das curvas, determine os vectores velocidadee aceleração, e as equações da recta tangente e do plano normal no pontoespecificado.

1. (6t, 3t2, t3); t = 0.

2. (sin 3t, cos 3t, 2t3/2); t = 1.

3. (cos2 t, 3t− t3, t); t = 0.

4. (t sin t, t cos t,√

3t; t = 0.

5. (√

2t, et, e−t); t = 0.

6. (2 cos t, 3 sin t, t); t = π.

Exercício 10 Determine o triedro de Frenet-Serret relativamente às curvasdo exercício anterior.

Exercício 11 Determine t, n, b, k, τ referentes à curva de velocidade unitária,β(s) = (4/5 cos s, 1− sin s,−3/5 cos s). Mostre que esta curva é uma circun-ferência e determine o seu centro e o seu raio.

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24CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

Exercício 12 Considere a curva

β(s) =

((1 + s)3/2

3,(1− s)3/2

3,

s√2

)

definida em I : −1 < s < 1. Mostre que β tem velocidade unitária e deter-mine as entidades de Frenet-Serret correspondentes.

Exercício 13 Suponhamos que uma partícula segue a trajectória (et, e−t, cos t)até que, em t = 1, salta da curva para a sua tangente. Qual é a posição dapartícula em t = 2?

Exercício 14 Determine a curvatura, a torção e o triedro de Frenet-Serretda seguinte curva:

1√2(cos t, sin t, t).

Exercício 15 Se uma curva estiver definida por r = r(t); α ≤ t ≤ β e nãotiver velocidade unitária, demonstra-se que a curvatura e a torção são dadasrespectivamente pelas fórmulas

k =‖r′ × r′′‖‖r′‖3

e τ =〈r′ × r′′, r′′′〉‖r′ × r′′‖2

.

Determine a curvatura e a torção das curvas do Exercício 9.

Exercício 16 Verifique que o vector d = τt + kb é perpendicular a n esatisfaz as igualdades

t′ = d× t, n′ = d× n e b′ = d× b.

Exercício 17 Uma partícula move-se na circunferência unitária do planoxy segundo a trajectória (x, y, z) = (cos(t2), sin(t2), 0); t ≥ 0.

1. Determine o vector velocidade e a velocidade da partícula como funçõesde t.

2. Em que ponto da circunferência devemos libertar a partícula para estaatingir um alvo no ponto (2, 0, 0)?

3. Qual o primeiro momento t em que devemos libertar a partícula?

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1.7. EXERCÍCIOS 25

4. Qual o momento da intersecção com o alvo?

Exercício 18 Seja σ = σ(t) uma curva no espaço e n a sua normal princi-pal. Considere a curva paralela µ(t) = σ(t) + n(t).

1. Sob que condições, poderá µ(t) ter velocidade nula para algum t0?

2. Determine uma representação paramétrica para a curva paralela à elipse(1/4 cos t, 4 sin t, 0).

Exercício 19 Deduza uma fórmula para a curvatura do gráfico y = f(x),em função de f e das suas derivadas.

Exercício 20 Uma parametrização com velocidade unitária de uma circun-ferência é dada por

γ(s) = C + r cos(s/r)e1 + r sin(s/r)e2

com 〈ei, ej〉 = δij.Se β é uma curva com velocidade unitária e k(0) > 0, mostre que existe

uma e só uma circunferência γ que aproxima β em torno de β(0), no sentidoem que

γ(0) = β(0), γ′(0) = β′(0) e γ′′(0) = β′′(0).

Mostre que γ jaz no plano osculador de β em β(0) e determine o seucentro C e raio r. A circunferência chama-se circunferência osculadorae C o centro de curvatura de β em β(0).

Exercício 21 Determine a equação do plano tangente à superfície 3xy+z2 =4 no ponto (1, 1, 1).

Exercício 22 Determine a equação do plano tangente e uma normal unitáriada superfície no ponto indicado.

1. xyz = 8; (1, 1, 8).

2. x2y2 + y − z + 1 = 0; (0, 0, 1).

3. cos(xy) = ez − 2; (1, π, 0).

4. exyz = e; (1, 1, 1).

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26CAPÍTULO 1. ELEMENTOS DE GEOMETRIA DIFERENCIAL EM R3

5. x2 + 2y2 + 3z2 = 10; (1,√

3, 1).

6. xyz2 = 1; (1, 1, 1).

7. x2 + 2y2 + 3xz = 10; (1, 2, 1/3).

8. y2 − x2 = 3; (1, 2, 8).

9. xyz = 1; (1, 1, 1).

10. e−(x2+y2+z2) = e−3; (1, 1, 1).

Exercício 23 Suponha que uma partícula é ejectada a partir da superfíciex2 +y2−z2 = −1 no ponto (1, 1,

√3), segundo uma direcção normal à super-

fície nesse ponto, a uma velocidade constante de 10 unidades por segundo.Onde e quando intersecta a partícula o plano xy?

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Capítulo 2

Integrais de linha e de superfície

2.1 Campos vectoriaisChama-se campo vectorial a uma aplicação F : D ⊂ Rn → Rn que a cadaponto x ∈ D faz corresponder um vector F (x) ∈ Rn (normalmente considera-se o vector F (x) com origem em x).

Sendo f : D ⊂ R3 → R uma função de classe C1 num domínio D ⊂ R3,então o gradiente ∇f(x, y, z) =

(∂f∂x

, ∂f∂y

, ∂f∂z

)determina um campo vectorial.

Por outro lado, se para um campo vectorial F de Rn existir uma funçãof : Rn → R tal que F = ∇f , diz-se que f é um potencial de F e que F é umcampo potencial. Sendo F = (F1, F2, · · · , Fn), temos que f é um potencialde F sse Fi = ∂f/∂xi, i = 1 · · ·n.

Na teoria dos campos vectoriais, são de particular importância as noçõesde divergência e rotacional.

A divergência de um campo vectorial F = (F1, · · · , Fn) define-se como

divF = 〈∇, F 〉 =∂F1

∂x1

+ · · ·+ ∂Fn

∂xn

.

O operador divergência tem um significado físico importante: considerandouma trajectória r = r(t), então a função que a cada ponto r(t) da trajectóriaassocia o seu vector velocidade v = r′(t), é um campo vectorial sobre a curvar (campo de velocidades). Supondo que r(t) representa a trajectória de umfluido ao longo da curva r, então div v fornece uma medida da expansão dofluido, em particular no caso de um fluido incompressível temos div v = 0,

Se mergulharmos um pequeno corpo permeável num fluido de velocidadev, a condição div v > 0 significa que o excesso de fluido que saíu do corpo,

27

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28 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

relativamente ao que entrou, é positivo, neste caso diz-se que v é um campocom fontes. Se se verificar div v < 0, diz-se que é um poço.

Exemplo 16 Seja f uma função escalar em R3, calculemos então div(∇f).Temos então

div(∇f) = div(

∂f

∂x,∂f

∂y,∂f

∂z

)=

∂2f

∂x2+

∂2f

∂y2+

∂2f

∂z2= 4f.

A este operador 4f (ou ∇2f), chama-se laplaciano da função f e às funçõesque verificam 4f = 0, chamamos funções harmónicas.

Sendo F = (F1, F2, F3) um campo vectorial em R3, definimos o rotacionalde F como

rotF = ∇×F =

∣∣∣∣∣∣

i j k∂∂x

∂∂y

∂∂z

F1 F2 F3

∣∣∣∣∣∣=

(∂F3

∂y− ∂F2

∂z

)i−

(∂F3

∂x− ∂F1

∂z

)j+

(∂F2

∂x− ∂F1

∂y

)k.

Se F = (F1, F2) é um campo vectorial em R2, então rot F = ∂F2

∂x− ∂F1

∂y.

Um campo vectorial F para o qual se verifica rotF ≡ 0, diz-se irrotacional.

Exemplo 17 Sendo f uma função escalar de classe C2 em R3, calculemosrot∇f :

Temos que ∇f =(

∂f∂x

, ∂f∂y

, ∂f∂z

), logo

rot∇f =(

∂∂y

∂f∂z− ∂

∂z∂f∂y

)i− (

∂∂x

∂f∂z− ∂

∂z∂f∂x

)j +

(∂∂x

∂f∂y− ∂

∂y∂f∂x

)k

=(

∂2f∂z∂y

− ( ∂2f∂y∂z

)i−

(∂2f∂z∂x

− ( ∂2f∂x∂z

)j +

(∂2f∂y∂x

− ∂2f∂x∂y

)k = 0.

Temos então que ∇ f é um campo irrotacional.

2.2 Integrais de linhaA integração de campos vectoriais ao longo de curvas é de fundamental im-portância, quer para a matemática quer para a física.

Vimos atrás que podemos descrever o movimento de um objecto atravésda parametrização de uma curva r = r(t), e nesse caso temos:

v = drdt

= r′(t) =vector velocidade no instante t.

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2.2. INTEGRAIS DE LINHA 29

v = ||v|| = ||r′(t)|| =velocidade no instante t.a = dv

dt= r′′(t) =vector aceleração no instante t.

De acordo com a segunda lei de Newton, temos que F = ma, onde F é aforça total que actua sobre o objecto e m a sua massa. Além disso, define-sea energia cinética como K = 1/2mv2 = 1/2m〈v, v〉.

Para estudar a relação entre a força e a energia cinética, diferenciamos Kem ordem a t, obtendo assim

dK

dt=

1

2m

(〈dv

dt, v〉+ 〈v,

dv

dt〉)

= m〈dv

dt, v〉 = 〈ma, v〉 = 〈F, v〉.

A variação total da energia cinética entre o instante t1 e o instante t2 é ointegral de dK/dt, assim

4K =

∫ t2

t1

dK

dtdt =

∫ t2

t1

〈F, v〉dt =

∫ t2

t1

〈F,dr

dt〉dt.

Ao integral

W =

∫ t2

t1

〈F,dr

dt〉dt,

chamamos trabalho efectuado pela força F ao longo da curva r entre osinstantes t1 e t2.

Suponhamos agora que a força F no instante t depende apenas da posiçãor(t). Ou seja, assumimos que existe um campo vectorial Φ tal que F =Φ(r(t)). Podemos então escrever o integral anterior como

W =

∫ t2

t1

〈Φ(r(t)), r′(t)〉dt.

Exemplo 18 Determinemos o trabalho efectuado pelo campo de forças Φ(x, y, z) =(y,−x, 1), conforme uma partícula se desloca entre os pontos (1, 0, 0) e (1, 0, 1)ao longo da curva r(t) = (cos t, sin t, t/2π); 0 ≤ t ≤ 2π.

Temos que (1, 0, 0) = r(0) e (1, 0, 1) = r(2π), logo t1 = 0 e t2 = 2π, daí

W =∫ 2π

0〈(sin t,− cos t, 1), (− sin t, cos t, 1

2π)〉dt

=∫ 2π

0− sin2 t− cos2 t + 1

2πdt

= 1− 2π

.

Podemos então definir o integral de linha, usando a fórmula anterior,abstraída da sua interpretação física.

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30 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Definição 19 Seja Φ um campo vectorial definido numa região de R3, e sejar = r(t), t ∈ [t1, t2] uma curva com imagem nessa região.

Chamamos integral de linha do campo Φ ao longo da curva r, ao integral∫ t2

t1

〈Φ(r(t)), r′(t)〉dt.

Podemos então dizer que o trabalho efectuado por um campo de forçassobre uma partícula em movimento é igual ao integral de linha do campo aolongo da curva percorrida pela partícula.

O próximo teorema estabelece que o integral de linha não depende daparametrização da curva.

Teorema 20 Dados um campo vectorial Φ e uma curva r = r(t); t1 ≤ t ≤ t2com imagem contida no domínio de definição de Φ, sendo f(u) = t umafunção diferenciável no intervalo [u1, u2], tal que f(u1) = t1 e f(u2) = t2.Então, tomando a parametrização equivalente r1(u) = r(f(u)), temos que

∫ u2

u1

〈Φ(r1(u)), r′1(u)〉du =

∫ t2

t1

〈Φ(r(t)), r′(t)〉dt.

O Teorema anterior mostra-nos que o integral de linha de um campovectorial ao longo de uma curva fica bem definido (não depende da parame-trização mas apenas da imagem da curva). Considerando então uma curvaC, podemos representar o integral de linha de um campo vectorial Φ ao longoda curva C, por ∫

C

Φ =

∫ t2

t1

〈Φ(r(t)), r′(t)〉dt

onde r = r(t); t1 ≤ t ≤ t2 é uma parametrização qualquer de C.Temos a seguinte versão das propriedades usuais do cálculo integral:

Proposição 21 Seja Φ um campo vectorial e sejam C, C1 e C2, curvas nodomínio de Φ tais que a extremidade de C1 coincide com a origem de C2,então:

1.∫−C

Φ = − ∫C

Φ

2.∫

C1+C2Φ =

∫C1

Φ +∫

C2Φ

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2.3. INDEPENDÊNCIA DAS CURVAS 31

2.3 Independência das curvas

Vimos que um integral de linha de um campo vectorial ao longo de uma curvaentre um ponto A e um ponto B não depende apenas dos pontos A e B mastambém da curva que os une. No entanto existe uma classe importante decampos vectoriais, para os quais os integrais de linha são independentes dascurvas.

Um campo vectorial Φ diz-se conservativo se, para quaisquer duas curvasC1 e C2 no domínio de Φ, que tenham a mesma origem e a mesma extremi-dade, se der a igualdade

∫C1

Φ =∫

C2Φ.

Observemos em primeiro lugar que, um campo vectorial é conservativose e só se o seu integral de linha ao longo de qualquer curva fechada no seudomínio é sempre nulo.

A justificação desta observação prende-se com o facto de a Figura 2.1se poder interpretar de duas formas diferentes. Por um lado, se C1 e C2

forem duas curvas ligando o ponto P ao ponto Q, então consideramos acurva C = C1 + (−C2), que é fechada, logo se o integral do campo Φ fornulo ao longo de qualquer curva fechada, temos pela proposição anterior que0 =

∫C

Φ =∫

C1+(−C2)Φ =

∫C1

Φ− ∫C2

Φ e daí∫

C1Φ =

∫C2

Φ.Por outro lado, sendo C uma curva fechada, podemos tomar em C dois

pontos P e Q tais que C = C1 + (−C2) e então, se o campo for conservativo,temos que

∫C1

Φ =∫

C2Φ, logo 0 =

∫C1

Φ− ∫C2

Φ =∫

C1+(−C2)Φ =

∫C

Φ.

Figura 2.1: C1 e C2 têm os mesmos extremos quando C = C1 + (−C2) éfechada.

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32 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Exemplo 22 Seja Φ um campo conservativo, e consideremos o quadrado devértices (−1,−1), (1,−1), (1, 1), (−1, 1), orientado pela ordem dos vértices.Suponhamos que o integral de linha de Φ ao longo da diagonal (−1,−1), (1, 1)é igual a 3, o que podemos dizer sobre os integrais de linha de Φ ao longo daslinhas quebradas: (a) (−1,−1), (−1, 1), (1, 1), (b) (1, 1), (1,−1), (−1,−1),(c) (−1,−1), (1,−1), (1, 1), (−1, 1).

(a) Como as linhas (−1,−1), (1, 1) e (−1,−1), (−1, 1), (1, 1) têm a mesmaorigem e a mesma extremidade, então este integral é igual a 3.

(b) Como a linha tem os mesmos extremos que (−1,−1), (1, 1) mas comorientação inversa, temos que o integral será igual a −3.

(c) Como a linha é fechada este integral será nulo.

Os campos conservativos tornam-se assim fáceis de integrar, uma vez quepodemos substituír curvas complicadas por curvas simples, mas continuamosa não saber como reconhecer se um campo é ou não conservativo. O próximoteorema é um passo nesta direcção.

Teorema 23 Se Φ é um campo potencial, isto é, Φ = ∇f para algum f ,então para qualquer curva C com origem no ponto P e extremidade no pontoQ, ∫

C

Φ = f(Q)− f(P ).

Dem. Seja r = r(t); t1 ≤ t ≤ t2 uma parametrização de C, então

C

Φ =

∫ t2

t1

〈Φ(r(t)), r′(t)〉dt =

∫ t2

t1

〈∇f(r(t)), r′(t)〉dt.

Pela regra da cadeia, 〈∇f(r(t)), r′(t)〉 = (d/dt)(f(r(t)), logo, uma vez quef(r(t)) é uma função real de variável real, podemos usar o Teorema funda-mental do cálculo, para obter

C

Φ =

∫ t2

t1

d

dt(f(r(t))dt = f(r(t2))− f(r(t1)) = f(Q)− f(P ).

É consequência imediata deste teorema que todo o campo potencial éconservativo.

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2.3. INDEPENDÊNCIA DAS CURVAS 33

Exemplo 24 Calculemos∫

CΦ, onde Φ(x, y) = (y, x) e C é parametrizada

por r(t) = (t9, sin9(πt/2)); 0 ≤ t ≤ 1.Temos que Φ(x, y) = ∇f com f(x, y) = xy, a curva vai do ponto (0, 0)

ao ponto (1, 1), logo, pelo teorema anterior,∫

C

Φ = f(1, 1)− f(0, 0) = 1.

Notemos que a fórmula∫

C

∇f = f(Q)− f(P )

é o análogo, neste contexto, ao Teorema fundamental do cálculo. Por analogiacom o caso unidimensional, é usual chamar à função f tal que ∇f = Φ, aprimitiva ou antiderivada de Φ. Uma diferença fundamental entre o caso dedimensão superior a 1 e o caso de dimensão 1 é que, enquanto em dimensão1 qualquer função contínua é primitivável, em dimensão superior apenas oscampos conservativos o são. De facto, o próximo teorema diz-nos que todosos campos conservativos são primitiváveis.

Teorema 25 Se Φ é um campo conservativo definido numa região D, entãoexiste uma função f definida em D tal que Φ = ∇f.

Exemplo 26 Determinemos o trabalho realizado ao mover uma massa mde uma distância r1 para uma distância r2 da origem, no campo gravita-cional de massa M que produz o campo de forças F = −(GMm/(x2 + y2 +z2)3/2)(x, y, z) estando a massa M localizada na origem.

Seja V = −GMm/||(x, y, z)||, é imediato verificar que F = −∇V . Tomemosentão uma curva C que una os pontos P e Q a distâncias r1 e r2 da origem,respectivamente. O trabalho efectuado por F é então determinado por

W =

C

F = −∫

C

∇V = −(V (Q)− V (P )) = GMm(1

r2

− 1

r1

).

Continuamos a não saber como dizer directamente se um campo vectorialé ou não conservativo, nem ter um método eficiente para encontrar primitivas.O Teorema seguinte fornece-nos esse método.

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34 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Teorema 27 Um campo vectorial F (x, y, z) = (f1(x, y, z), f2(x, y, z), f3(x, y, z))é conservativo se e só se

∂f3

∂y=

∂f2

∂z,

∂f3

∂x=

∂f1

∂ze

∂f1

∂y=

∂f2

∂x.

No caso bidimensional Φ(x, y) = (f1(x, y), f2(x, y)), a condição equiva-lente ao campo ser conservativo, é

∂f1

∂y=

∂f2

∂x.

Exemplo 28 Tomemos o campo vectorial F (x, y) = (2x + 3y3, 9xy2 + 2y).

∂f1

∂y= 9y =

∂f2

∂x,

logo o campo é conservativo, podemos ainda calcular a sua primitiva f : Comof1(x, y) = 2x + 3y3 = ∂f/∂x, então f(x, y) = x2 + 3xy3 + g(y). por outrolado f2(x, y) = 9xy2 +2y = ∂f/∂y = 9xy2 + g′(y) o que permite concluír queg′(y) = 2y, isto é, g(y) = y2 + c e, finalmente, f(x, y) = x2 + y2 + 3xy3 + c.

2.4 Teorema de Green

O teorema de Green relaciona o integral de linha de um campo vectorial aolongo de uma curva fechada, com o integral duplo de uma certa função sobrea região delimitada pela curva.

Entre as múltiplas aplicações deste teorema, destaca-se uma fórmula parao cálculo da área de uma região, através de um integral de linha ao longo dasua fronteira.

Teorema 29 (Green) Sejam Φ(x, y) = (P (x, y), Q(x, y)) um campo vecto-rial sobre o plano, com as derivadas parciais de P e Q contínuas, D umaregião sobre o plano delimitada pela curva C, então

C

Φ =

∫ ∫

D

(∂Q

∂x− ∂P

∂y

)dxdy,

onde C é percorrida no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio.

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2.4. TEOREMA DE GREEN 35

Vamos demonstrar este teorema apenas para certas regiões (que são si-multâneamente do tipo 1 e do tipo 2). A demonstração no caso geral, prende-se com o facto de que qualquer região do plano, delimitada por uma curva,poder ser decomposta em regiões deste tipo.

Consideremos uma região do tipo 1, caracterizada pela figura 2.4:

Figura 2.2: Região do tipo 1: D = {(x, y) : a ≤ x ≤ b, φ1(x) ≤ y ≤ φ2(x)}.

A fronteira desta região é a curva fechada C = C1 + C2 + C3 + C4,orientada no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio. Temos que C1 eC3, são porções das rectas verticais l1 (x = a) e l2 (x = b) e que C2 e C4 sãoporções dos gráficos de y = φ1(x) e y = φ2(x). O próximo lema é uma versãopreliminar do Teorema de Green:

Lema 30 Seja D uma região do tipo 1 e C a curva que constitui a suafronteira. Seja Φ = (P (x, y), 0) um campo vectorial em que P (x, y) temambas as derivadas parciais contínuas em D

⋃C, então

C

Φ = −∫ ∫

D

∂P

∂ydxdy.

Dem. Temos que

∫ ∫D

∂P∂y

dxdy =∫ b

a

∫ φ2(x)

φ1(x)∂P∂y

dydx

=∫ b

aP (x, φ2(x))− P (x, φ1(x))dx.

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36 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Para determinar o integral de linha, parametrizemos cada um dos segmentosde C:

C1 : (x, y) = (a,−t); t ∈ [−φ2(a),−φ1(a)].C2 : (x, y) = (t, φ1(t)); t ∈ [a, b].C3 : (x, y) = (b, t); t ∈ [φ1(b), φ2(b)].C4 : (x, y) = (−t, φ2(−t)); t ∈ [−b,−a].

Agora,∫

CΦ é a soma dos integrais sobre os Ci’s. Como sobre C1 e C3, temos

dx/dt = 0, então os integrias sobre estas curvas são nulos. Os integrais sobreC2 e C4 são dados por

C2

Φ =

∫ b

a

〈Φ(t, φ1(t)), (1, φ′1(t))〉dt =

∫ b

a

P (t, φ1(t))dt.

e ∫C4

Φ =∫ −a

−b〈Φ(−t, φ2(−t)), (−1,−φ′2(−t))〉dt

= − ∫ −a

−bP (−t, φ2(−t))dt = − ∫ b

aP (t, φ2(t))dt.

Temos então que∫

CΦ =

∫ b

aP (t, φ1(t))dt− ∫ b

aP (t, φ2(t))dt

= − ∫ b

a(P (t, φ2(t))dt− P (t, φ1(t))) dt

= − ∫ ∫D

∂P∂y

dxdy.

De forma totalmente análoga, podemos demonstrar que, se D é umaregião do tipo 2 (figura 2.4), tendo como fronteira uma curva C, então paraΦ = (0, Q(x, y)), com as derivadas parciais de Q contínuas, temos

C

Φ =

∫ ∫

D

∂Q

∂xdxdy.

Uma vez que (P,Q) = (P, 0)+(0, Q), obtivémos assim uma demonstraçãodo Teorema de Green para regiões que sejam simultâneamente do tipo 1 edo tipo 2.

Exemplo 31 Seja Φ(x, y) = (y,−x) e seja C a circunferência de raio r,percorrida no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Vamos escrever∫

CΦ como um integral duplo, usando o Teorema de Green.Temos que ∂Q

∂x− ∂P

∂y= −2 e que D é o círculo de raio r, logo

C

Φ =

∫ ∫

D

−2dxdy = −2(área D) = −2πr2.

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2.4. TEOREMA DE GREEN 37

Figura 2.3: Região do tipo 2: D = {(x, y) : a ≤ y ≤ b, φ1(y) ≤ x ≤ φ2(y)}.

Exemplo 32 Seja C a fronteira do quadrado [0, 1]× [0, 1] orientada no sen-tido dos ponteiros do relógio.

Calculemos ∫

C

(y4 + x3, 2x6) :

Temos então que D é o quadrado unitário. limitado pelas linhas x = 0, y =0, x = 1, y = 1, então pelo Teorema de Green temos

∫C(y4 + x3, 2x6) = − ∫

−C(y4 + x3, 2x6)

= − ∫ ∫D

∂∂x

2x6 − ∂∂y

(y4 + x3)dxdy

= − ∫ ∫D

12x5 − 4y3dxdy

= − ∫ 1

0

∫ 1

012x5 − 4y3dxdy

= − ∫ 1

02− 4y3dy = −1.

Corollário 33 (Área de uma região) Seja C uma curva plana fechada,então a área da região D, delimitada por C, é dada por

A =1

2

C

(−y, x).

Dem. Seja Φ = (−y, x), então pelo Teorema de Green temos que

1

2

C

(−y, x) =1

2

∫ ∫

D

∂x

∂x− ∂(−y)

∂ydxdy =

∫ ∫

D

dxdy

que é a área de D.

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38 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

2.5 Circulação e o Teorema de Stokes

Sendo Φ um campo vectorial definido numa região do plano e C uma curvacom imagem nessa região, a expressão "circulação de Φ em torno de C" évulgarmente usada para designar o número

∫C

Φ. Esta terminologia teveorigem nas aplicações do Teorema de Green à dinâmica de fluxos. Vamos emseguida discutir de forma breve essas aplicações.

Imaginemos um fluxo em movimento sobre um plano. Cada partícula dofluido (ou partícula de poeira em suspensão no fluido) tem uma velocidadebem definida. Se num dado momento associarmos a casa ponto (x, y) doplano, a velocidade V (x, y) da partícula do fluido que passa em (x, y) nessemomento, obtemos um campo vectorial V no plano. O integral

∫C

V , de Vem torno de uma curva fechada C, representa, intuitivamente, a soma dascomponentes tangenciais de V em torno de C. Então, supondo que C éorientada no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, se

∫C

V > 0, ofluxo na vizinhança de C circula com esta orientação e se

∫C

V > 0 o fluxocircula no sentido dos ponteiros do relógio. Isto explica a origem do termocirculação e é ilustrado na figura 2.5.

Figura 2.4: Circulação de um campo em torno de uma curva

Interpretámos atrás, o conceito de integral de linha de um campo deforças ao longo de uma curva, como o trabalho efectuado pela força sobreuma partícula percorrendo a curva. Notemos que o conceito matemáticode integral de linha está sujeito a diferentes interpretações, dependendo daquantidade física representada pelo campo vectorial.

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2.5. CIRCULAÇÃO E O TEOREMA DE STOKES 39

O integrando do lado direito do Teorema de Green,

∂Q

∂x− ∂P

∂y,

é importante porque, quando integrado sobre uma região cuja fronteira é C,produz a circulação de Φ em torno de C.

Recordemos que, sendo Φ = (P,Q) um campo vectorial sobre o plano,chamámos à expressão anterior, o rotacional de Φ, temos então que o Teo-rema de Green se pode escrever como

C

Φ =

∫ ∫

D

rot Φdxdy,

onde C é a fronteira de D. Tomemos agora um ponto P0 do plano e sejamDρ e Cρ, respectivamente, o círculo e a circunferência de raio ρ em torno deP0. Pelo Teorema do valor médio,

∫ ∫

rot Φdxdy = [rot Φ(Pρ)][área Dρ]

para algum ponto Pρ em Dρ. Dividindo por área Dρ e fazendo ρ → 0,obtemos

rot Φ(P0) = limρ→0

(1

área Dρ

Φ

),

isto é, o rotacional pode ser interpretado como a circulação por unidade deárea.

Um fluido em movimento no espaço representa-se através de um campovectorial Φ(x, y, z) em três variáveis. A generalização do Teorema de Green aeste caso chama-se Teorema de Stokes. Vamos em primeiro lugar demonstrarum caso particular deste Teorema.

Consideremos uma região D no pano xy e uma função f , de classe C1,definida em D. Sabemos do Exemplo 14 que a equação z = f(x, y) defineuma superfície sobre D e que o vector (−∂f

∂x,−∂f

∂y, 1) é normal à superfície,

logo a normal unitária é dada por

n =(−∂f

∂x,−∂f

∂y, 1)√

1 +(

∂f∂x

)2+

(∂f∂y

)2.

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40 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

À expressão

dA =

√1 +

(∂f

∂x

)2

+

(∂f

∂y

)2

dxdy,

chamamos elemento de área na superfície. Temos então

ndA = (−∂f

∂x,−∂f

∂y, 1)dxdy

e definimos o integral de superfície da seguinte forma:

Definição 34 Sejam Φ = (P, Q,R) um campo vectorial sobre o espaço R3

e S uma superfície definida pela equação z = f(x, y), então o integral desuperfície de Φ sobre S é o integral da componente normal de Φ sobre S:

∫ ∫

S

〈Φ, n〉dA =

∫ ∫

D

−P∂f

∂x−Q

∂f

∂y+ Rdxdy

onde D é a projecção de S sobre o plano xy.

Exemplo 35 Seja Φ = (x2, y2, z). Determinemos∫ ∫

S〈Φ, n〉dA, onde S é o

gráfico da função z = x + y + 1 sobre o rectângulo [0, 1]× [0, 1]:Pela definição de integral de superfície temos

∫ ∫S〈Φ, n〉dA =

∫ ∫D−x2 − y2 + (x + y + 1)dxdy

=∫ 1

0

∫ 1

0x + y + 1− x2 − y2dxdy = 4

3.

Recordemos que, sendo Φ = (P,Q, R) um campo vectorial em R3, definimoso rotacional de Φ como

rotΦ = ∇×Φ =

∣∣∣∣∣∣

i j k∂∂x

∂∂y

∂∂z

P Q R

∣∣∣∣∣∣=

(∂R

∂y− ∂Q

∂z

)i−

(∂R

∂x− ∂P

∂z

)j+

(∂Q

∂x− ∂P

∂y

)k.

Estamos agora em condições de enunciar o Teorema de Stokes que, talcomo o Teorena de Green, relaciona um integral sobre uma superfície comum integral em torno de uma curva.

Teorema 36 (Stokes) Seja D uma região do plano (à qual se aplica o Teo-rema de Green) e S a superfície definida pela equação z = f(x, y), com fde classe C2. Sejam ∂D a fronteira de D percorrida no sentido contrário ao

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2.5. CIRCULAÇÃO E O TEOREMA DE STOKES 41

Figura 2.5: Quando percorremos ∂S no sentido contrário ao dos ponteirosdo relógio, a superfície situa-se à nossa esquerda

dos ponteiros do relógio e ∂S o correspondente bordo de S (ver Figura 2.5).Se Φ é um campo vectorial continuamente diferenciável no espaço, então

∂S

Φ =

∫ ∫

S

〈rot Φ, n〉dA

Dem. Sejam Φ = (P,Q, R) e rot Φ =(

∂R∂y− ∂Q

∂z

)i − (

∂R∂x− ∂P

∂z

)j +(

∂Q∂x− ∂P

∂y

)k. Temos então, da definição de integral de superfície,

∫ ∫S〈rot Φ, n〉dA =

∫ ∫D

[(∂R∂y− ∂Q

∂z

) (− ∂z∂x

)

+(

∂P∂z− ∂R

∂x

) (−∂z

∂y

)+

(∂Q∂x− ∂P

∂y

)]dxdy.

(2.1)

Por outro lado, tomando σ(t) = (x(t), y(t)), t ∈ [a, b] uma parametrizaçãode D, então η(t) = (x(t), y(t), f(x(t)), f(y(t))) é uma parametrização de ∂Sque preserva a orientação, logo

∂S

Φ =

∫ b

a

Pdx

dt+ Q

dy

dt+ R

dz

dtdt;

mas, pela regra da cadeia,

dz

dt=

∂z

∂x

dx

dt+

∂z

∂y

dy

dt.

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42 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Substituindo esta expressão na igualdade anterior, obtemos

∫∂S

Φ =∫ b

a

(P + R ∂z

∂x

)dxdt

+(Q + R ∂z

∂y

)dydt

dt

=∫

∂D

(P + R ∂z

∂x, Q + R ∂z

∂y

).

Aplicando o Teorema de Green temos então∫

∂S

Φ =

∫ ∫

D

(∂(Q + R∂z/∂y)

∂x− ∂(P + R∂z/∂x)

∂y

)dxdy.

Finalmente, uma vez que P,Q, R são funções de x, y, x e z é função dex, y, usamos a regra da cadeia para obter

∫∂S

Φ =∫ ∫

D

[(∂Q∂x

+ ∂Q∂z

∂z∂x

+ ∂R∂x

∂z∂y

+ ∂R∂z

∂z∂x

∂z∂y

+ R ∂2z∂x∂y

)

−(

∂P∂y

+ ∂P∂z

∂z∂y

+ ∂R∂y

∂z∂x

+ ∂R∂z

∂z∂y

∂z∂x

+ R ∂2z∂y∂x

)]dxdy.

Os últimos dois termos em cada um dos parênteses anulam-se mutua-mente e os restantes podem ser rearrajados de forma a obter o integral dolado direito da igualdade 2.1

Tal como o Teorema de Green, o Teorema de Stokes é válido para umaclasse muito mais geral de superfícies para além dos gráficos de funções deR2 em R, mas por uma questão de simplicidade apenas aqui tratámos essecaso.

Exemplo 37 Seja Φ = (yez, xez, xyez). Vejamos que o integral de Φ emtorno de uma curva simples fechada C que seja o bordo de uma superfície S(que seja o gráfico de uma função) é 0:

Pelo Teorema de Stokes temos∫

∂S

Φ =

∫ ∫

S

〈rot Φ, n〉dA.

Mas rot Φ = 0, logo obtemos imediatamente o resultado.

Tal como para o rotacional de um campo sobre o plano, podemos mostrarque 〈rot Φ(P0), n〉 corresponde à circulação por unidade de área em torno deP0 no plano que passa por P0 e é ortogonal a n.

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2.5. CIRCULAÇÃO E O TEOREMA DE STOKES 43

De facto, seja Dρ o disco com raio ρ centrado em P0, que jaz no planoortogonal a n e seja ∂Dρ a sua fronteira. Pelo Teorema de Stokes temos

∫ ∫

〈rot Φ, n〉dA =

∂Dρ

Φ.

Pelo Teorema do valor médio, existe então um ponto Pρ em Dρ tal que∫ ∫

〈rot Φ, n〉dA = 〈rot Φ(Pρ), n〉(área Dρ),

logo

〈rot Φ(Pρ), n〉 =1

πρ2

∂Dρ

Φ

e daí〈rot Φ(P0), n〉 = lim

ρ→0

1

πρ2

∂Dρ

Φ

como queríamos demonstrar.

Exemplo 38 Sejam E um campo eléctrico e H um campo magnético noespaço, ambos dependentes do tempo. Seja S uma superfície com bordo C.Define-se: ∫

C

E = voltagem em torno de C,

∫ ∫

S

〈H, n〉dA = fluxo magnético através de S.

A lei de Faraday estabelece que a voltagem em torno de C é igual a menosa taxa de mudança do fluxo magnético através de S. Vejamos que a lei deFaraday se pode deduzir da equação diferencial

rot E = −∂H

∂t

(uma das equações de Maxwell).Simbolicamente, a lei de Faraday pode escrever-se

∫C

E = −(∂/∂t)∫ ∫

S〈H, n〉dA.

Pelo Teorema de Stokes, e assumindo que podemos passar ∂/∂t para fora dosinal de integração, obtemos

C

E =

∫ ∫

S

〈rot E, n〉dA =

∫ ∫

S

〈−∂H

∂t, n〉dA = − ∂

∂t

∫ ∫

S

〈H, n〉dA.

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44 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

2.6 O Fluxo e o Teorema da DivergênciaSeja V um campo de velocidades de um fluxo em movimento sobre um plano.Na secção anterior explicámos a razão pela qual o integral de linha de V emtorno de uma curva fechada C se chama circulação de V em torno de C. Ointegral de linha é o integral da componente tangencial de V . O integral emtorno de C da componente normal de V também se reveste de significadofísico.

Imaginemos primeiro que V é constante e que C é um segmento de recta(ver Figura 2.6).

Figura 2.6: A quantidade de fluido que atravessa C por unidade de tempo éo produto entre a componente normal de V e o comprimento de C. Note-seque d cos θ = 1

Consideremos um paralelogramo consistindo numa unidade de área dofluido, a área sombreada na Figura 2.6. A base do paralelogramo consistenuma unidade de comprimento ao longo de C e no outro lado paralelo a V .Como a área é 1, o outro lado tem comprimento d = 1/ cos θ, onde θ é oângulo entre n e V . Este paralelogramo demora t = d/||V || = 1/(cos θ||V ||)unidades de tempo para atravessar C. Então o fluido é atravessado porcos θ||V || unidades quadradas do fluido em cada unidade de tempo. Como ntem comprimento unitário, esta taxa iguala 〈V, n〉.

Se imaginarmos agora C constituída por segmentos de recta, sendo Vconstante ao atravessar cada um deles, podemos interpretar o integral

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2.6. O FLUXO E O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA 45

da componente normal de V ao longo de C,∫

C

〈V, n〉ds,

como a quantidade de fluxo que atravessa C por unidade de tempo.Este integral é o fluxo de V atravessando C.

Seja C parametrizada por σ(t) = (x(t), y(t)). Então um vector tangenteunitário é dado por

t =x′ + y′√x′2 + y′2

,

O elemento de comprimento é

ds =√

x′2 + y′2dt

e uma normal unitária én =

(y′,−x′)√x′2 + y′2

.

Escolhemos n de forma a que, se C fôr uma curva fechada percorrida nosentido contrário ao dos ponteiros do relógio, n será a normal unitária queaponta para a parte exterior da curva. Se V = (P, Q) então usando asfórmulas anteriores para n e ds, obtemos

〈V, n〉ds = (Py′ −Qx′)dt.

Isto leva-nos à seguinte definição:

Definição 39 O fluxo de um campo V = (P,Q) atravessando uma curva Cparametrizada por σ(t) = (x(t), y(t)) t ∈ [a, b], define-se como sendo

C

〈V, n〉ds =

C

Pdy −Qdx =

∫ b

a

P (x(t), y(t))dy

dt−Q(x(t), y(t))

dx

dtdt.

O Teorema da divergência relaciona o fluxo de um campo vectorial atrav-essando uma curva fechada C que limita uma região D, com a divergênciade V sobre D.

Relembremos que definimos atrás a divergência div V de um campo vec-torial V = (P,Q) como

div V = 〈∇, V 〉 =∂P

∂x+

∂Q

∂y.

Temos então o Teorema de Gauss da divergência no plano.

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46 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Teorema 40 (Gauss) Seja D uma região do plano à qual se aplica o Teo-rema de Green e seja C a sua fronteira percorrida no sentido contrário aodos ponteiros do relógio, então

C

〈V, n〉ds =

∫ ∫

D

div V dxdy.

Dem. Temos que, sendo V = (P,Q),∫

C

〈V, n〉ds =

C

Pdy −Qdx =

C

(−Q,P )

que, pelo Teorema de Green é igual a∫ ∫

D

∂P

∂x− ∂(−Q)

∂ydxdy =

∫ ∫

D

div V dxdy.

Exemplo 41 Calculemos o fluxo do campo V = (x cos y,− sin y) ao atrav-essar a fronteira do quadrado unitário com vértices (0, 0), (1, 0), (1, 1), (0, 1).

A divergência de V é

∂x(x cos y) +

∂y(− sin y) = cos y − cos y = 0,

logo, pelo Teorema da divergência, o fluxo ao cruzar qualquer curva fechadaé zero.

Como vimos atrás, diz-se que um campo vectorial é incompressível sedivV = 0. Esta terminologia provém do Teorema da divergência e do exemploem que V é a velocidade de um fluido. De facto, o Teorema da divergênciaimplica que o fluxo ao cruzar curvas fechadas, é zero, ou seja, a diferençaentre a área de fluido que entra e que sai da região limitada por C é nula.Para um fluido compressível, pode acontecer que o fluxo dentro de C sejacomprimido, de forma a que a área de fluxo que sai seja inferior à que entra,neste caso div V será negativo. Analogamente, se o fluxo fôr expansivo,teremos div V > 0.

Exemplo 42 A Figura 2.6 mostra-nos algumas das linhas de fluxo de umfluido em movimento sobre um plano com campo de velocidades V . O queserá que podemos especular sobre o sinal de div V nos pontos A,B, C, D?

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2.6. O FLUXO E O TEOREMA DA DIVERGÊNCIA 47

O fluido parece expandir-se a partir de pequenas regiões em torno de A,Be C, logo é razoável esperar que, nestes pontos, div V > 0. Por outro lado,na vizinhança do ponto D as linhas de fluxo parecem convergir, o que pareceindicar que o fluxo se comprime, daí é razoável esperar que, em D, divV < 0.

Figura 2.7: Determinar o sinal de div V .

Vimos atrás que o Teorema de Green se pode generalizar ao espaço, gen-eralização esta que consiste no Teorema de Stokes e se baseia na ideia decirculação. É natural esperar que também o Teorema da divergência se possageneralizar à dimensão três.

Seja V um campo vectorial definido em R3. Raciocinando como fizémosno plano, vemos que, se V representar o campo de velocidades de um fluidoe S fôr uma superfície, então o integral de superfície

∫ ∫S〈V, n〉dA é o volume

de fluido atravessando S na direcção da normal n, por unidade de tempo.Denominamos então

∫ ∫S〈V, n〉dA como fluxo de V atravessando S.

Se V = (P, Q,R), lembremos que

div V =∂P

∂x+

∂Q

∂y+

∂R

∂z.

Vamos agora enunciar, sem demonstrar, o Teorema de Gauss, da Di-vergência no espaço.

Teorema 43 (Gauss) Seja W uma região no espaço, limitada por uma su-perfície ∂W . Consideremos a normal unitária n que aponta para o exteriorde W . Então, sendo V um campo vectorial definido em W , temos que

∫ ∫ ∫

W

div V dxdydz =

∫ ∫

∂W

〈V, n〉dA.

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48 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Textualmente, o teorema diz-nos que o fluxo total atravessando a fronteirade W é igual à divergência em W .

Exemplo 44 Calculemos∫ ∫

S

〈F, n〉dA, onde F (x, y, z) = (xy2, x2y, y)

e S é a superfície que limita o cilindro W definido por x2 + y2 ≤ 1, −1 ≤z ≤ 1.

Este integral pode ser calculado directamente, mas é bastante mais fácilse utilizarmos o Teorema da Divergência.

Como S limita a região W , pelo Teorema da Divergência temos que∫ ∫

S

〈F, n〉dA =

∫ ∫ ∫

W

div Fdxdydz,

masdiv F =

∂x(xy2) +

∂y(x2y) +

∂z(y) = x2 + y2,

logo∫ ∫ ∫

Wdiv Fdxdydz =

∫ ∫ ∫W

(x2 + y2)dxdydz

=∫ 1

−1

(∫ ∫x2+y2≤1

(x2 + y2)dxdy)

dz

= 2∫ ∫

x2+y2≤1(x2 + y2)dxdy.

Mudando as variáveis para coordenadas polares, obtemos

x = r cos θ, y = r sin θ, x2 + y2 = r2, dxdy = rdrdθ, 0 ≤ r ≤ 1, 0 ≤ θ ≤ 2π,

o que faz com que∫ ∫

x2+y2≤1

(x2 + y2)dxdy =

∫ 2π

0

∫ 1

0

r3drdθ =1

2π.

Temos então finalmente,∫ ∫

S

〈F, n〉dA =

∫ ∫ ∫

W

div Fdxdydz = π.

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2.7. EXERCÍCIOS 49

Exemplo 45 Uma lei fundamental da electrostática, diz-nos que um campoeléctrico E no espaço, satisfaz div E = ρ, onde ρ é a densidade de carga.Vejamos que o fluxo de E ao atravessar uma superfície fechada, é igual àcarga total na região delimitada pela superfície.

Seja então W uma região do espaço, delimitada pela superfície S. PeloTeorema da divergência,

fluxo de E ao atravessar S =∫ ∫

S〈E, n〉dA

=∫ ∫ ∫

Wdiv Edxdydz

=∫ ∫ ∫

Wρ(x, y, z)dxdydz,

como ρ é a carga por unidade de volume,

Q =

∫ ∫ ∫

W

ρ(x, y, z)dxdydz

é a carga total em W .

2.7 ExercíciosExercício 24 Calcule o trabalho efectuado pelo campo de forças Φ(x, y, z) =(x, y, 0) quando uma partícula é movida ao longo da trajectória (3t2, t, 1); 0 ≤t ≤ 1.

Exercício 25 Calcule o trabalho efectuado pelo campo de forças do exercícioanterior quando a partícula é movida ao longo do segmento de recta que ligao ponto (0, 0, 1) ao ponto (3, 1, 1).

Exercício 26 Considere o campo gravitacional definido por

Φ(x, y, z) =−1

(x2 + y2 + z2)3/2(x, y, z), (x, y, z) 6= (0, 0, 0).

Mostre que o trabalho efectuado pela força gravitacional para uma partículase mover de (x1, y1, z1) para (x2, y2, z2) depende apenas dos raios R1 =

√x2

1 + y21 + z2

1

e R2 =√

x22 + y2

2 + z22.

Exercício 27 Mostre que, se uma partícula é movida ao longo de uma curvafechada, então o trabalho sobre ela efectuado pelo campo gravitacional é nulo.

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50 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Exercício 28 Considere o campo de forças Φ(x, y) = 1/(x2 + y2)(−y, x), aactuar no plano (sem a origem). Calcule o trabalho efectuado por esta forçaao longo de cada uma das trajectórias:

1. (cos t, sin t); 0 ≤ t ≤ π.

2. (cos t,− sin t); 0 ≤ t ≤ π.

3. (cos t, sin t); 0 ≤ t ≤ 2π.

4. (− cos t, sin t); 0 ≤ t ≤ π.

Exercício 29 Seja Φ(x, y, z) = (x2,−xy, 1). Calcule o integral de linha deΦ ao longo de cada uma das seguintes curvas:

1. O segmento de recta que vai de (0, 0, 0) para (1, 1, 1).

2. A circunferência de raio 1 centrada na origem que jaz no plano yz,percorrida no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio, se observadaa partir da parte positiva do eixo dos x.

3. A parábola z = x2, y = 0, entre os pontos (−1, 0, 1) e (1, 0, 1).

Exercício 30 Calcule ∫

C

(x, xy, 1),

sendo C parametrizada por σ(t) = (t, t2, 1), 0 ≤ t ≤ 1.

Exercício 31 Seja Φ um campo vectorial conservativo no plano. Considerea Figura 2.7 e suponha que o integral de Φ ao longo de AOF é 3, ao longode OF é 2 e ao longo de AB é −5. Calcule os integrais de Φ ao longo dasseguintes curvas:

1. AODEF .

2. FEDO.

3. BOEF .

4. BAODEF .

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2.7. EXERCÍCIOS 51

Figura 2.8:

Exercício 32 Calcule os seguintes integrais ao longo das respectivas curvasfechadas para concluír que os campos dados não são conservativos.

1. Φ = (y, y, 1), C é a curva composta pelos segmentos de recta que ligamos pontos (0, 0, 0), (0, 1, 0), (1, 1, 0) e (0, 0, 0).

2. Φ = (3, x), C é a circunferência unitária.

3. Φ = (y,−xy), C é a circunferência unitária.

Exercício 33 Interprete os seguintes campos vectoriais como gradientes euse essa expressão para calcular os integrais.

1.∫

C(2xy, x2), C a curva parametrizada por x = cos 8t y = 5 sin 16t, 0 ≤

t ≤ π/4.

2.∫

C(yexy, xexy), C a curva parametrizada por x = 5t3 y = −t3, −1 ≤

t ≤ 1.

3.∫

C(3x2y2, 2x3y), C a curva parametrizada por x = 3t2 + 1 y = 2t, 0 ≤

t ≤ 1.

Exercício 34 Um certo campo de forças exercido sobre uma massa m é dadopor F = −(JMm/‖r‖5)r. Determine o trabalho efectuado ao mover a massam de uma distância r1 para uma distância r2 > r1.

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52 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

Exercício 35 Verifique se os seguintes campos são conservativos e em casoafirmativo determine uma antiderivada.

1. (2xy, x2 + cos y).

2. (x2y, 12x3 + yey).

3. (2xy sin(x2y), ey + x2 sin(x2y)).

4. (4x cos2(y/2),−x2 sin y).

Exercício 36 Verifique a validade do Teorema de Green para as seguintesregiões e os seguintes campos vectoriais:

1. A região entre as curvas y = x2 e y = x, entre x = 0 e x = 1, com− ∗ xy e Q = x.

2. D é o disco de raio r e centro em (0, 0), P = xy2 e Q = −yx2.

Exercício 37 Usando o Teorema de Green, escreva∫

CΦ como um integral

duplo e calcule-o:

1. C é a elipse x2/a2 + y2/b2 = 1 e Φ = (xy2,−yx2).

2. C é a circunferência de raio 1 e Φ = (2y + ex, x + sin(y2)).

Exercício 38 Seja C a fronteira do rectângulo com lados x = 1, y = 2, x =3, y = 3. Calcule os seguintes integrais:

1.∫

C(2y2 + x5, 3y6).

2.∫

C(xy2 − y3,−5x2 + y3).

3.∫

C

(2y+sin x

1+x2 , x+ey

1+y2

).

Exercício 39 Determine o rotacional dos seguintes campos vectoriais planos.

1. V (x, y) = (y,−x).

2. V (x, y) = (xy,−exy).

3. V (x, y) =(

xx2+y2 ,

yx2+y2

).

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2.7. EXERCÍCIOS 53

Exercício 40 Calcule os integrais de superfície dos campos vectoriais seguintes,sobre as superfícies indicadas.

1. Φ = (3x2,−2yx, 8) e S é o gráfico de z = 2x − y sobre o rectângulo[0, 2]× [0, 2].

2. Φ = (x,−2y, xz) e S é o gráfico de z = −x− y − 1 sobre o rectângulo[0, 1]× [0, 1].

3. Φ = (0, 0, x) e S é o círculo x2 + y2 ≤ 1 no plano xy.

Exercício 41 Calcule o rotacional dos seguintes campos vectoriais:

1. F (x, y, z) = (ez,− cos(xy), z3y).

2. Φ(x, y, z) = (xz cos x,−yz sin x,−xy tan y).

3. Φ(x, y, z) =(

yzx2+y2+z2 ,

xzx2+y2+z2 ,

xyx2+y2+z2

).

4. F (x, y, z) = (∇× Φ)(x, y, z), onde Φ é o campo vectorial da alínea 2.

Exercício 42 Demonstre a identidade rot (fΦ) = frot Φ +∇f × Φ.

Exercício 43 Calculando cada um dos lados da equação separadamente,mostre que, no caso Φ = ∇f o Teorema de Stokes se reduz a 0 = 0.

Exercício 44 Demonstre a identidade∫ ∫

S

〈∇f ×∇g, n〉dA =

∂S

f∇g = −∫

∂S

g∇f.

Exercício 45 Seja Φ = (yzex +xyzex, xzex, xyex). Mostre que o integral deΦ em torno de qualquer curva simples orientada C que seja o bordo de umasuperfície S é zero.

Exercício 46 Calcule os seguintes integrais de linha, usando o Teorema deStokes.

1. Φ = (2x,−y, x + z), C é a curva que consiste nos segmentos que unemos pontos (1, 0, 1), (0, 1, 0), (0, 0, 1).

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54 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

2. Φ = (xy, yz, xz), C é a curva que consiste nos segmentos que unem ospontos (2, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 3).

Exercício 47 Seja Φ um campo vectorial perpendicular ao campo vectorialtangente do bordo ∂S de uma superfície S, mostre que

∫ ∫

S

〈rot Φ, n〉dA = 0.

Exercício 48 A lei de Ampere diz-nos que, se a densidade da corrente eléc-trica fôr descrita por um campo vectorial J e o campo magnético induzido fôrH, então a circulação de H em torno do bordo C da superfície S é igual aointegral de J sobre S. Mostre que este resultado é consequência da equaçãode Maxwell, rot H = J .

Exercício 49 Demonstre as seguintes igualdades vectoriais.

1. div (fΦ) = 〈∇f, Φ〉+ fdivΦ.

2. div (rot Φ) = 0.

Exercício 50 Calcule o fluxo dos seguintes campos vectoriais ao atraves-sarem as curvas indicadas.

1. Φ(x, y) = (x2,−y3), ao cruzar o perímetro do quadrado de vértices(−1,−1), (1,−1), (1, 1), (−1, 1).

2. Φ(x, y) = (3xy2, 3x2y), ao cruzar a circunferência unitária.

3. Φ(x, y) = (y, ex), ao cruzar o perímetro do quadrado de vértices (0, 0), (1, 0), (1, 1), (0, 1).

Exercício 51 Calcule o fluxo dos seguintes campos vectoriais ao atraves-sarem as superfícies indicadas.

1. Φ(x, y, z) = (3xy2, 3x2y, z3), ao cruzar a esfera unitária

2. Φ(x, y, z) = (x, y, z), ao cruzar a esfera unitária.

3. Φ(x, y, z) = (1, 1, z(x2 + y2)2), ao cruzar a superfície que delimita ocilindro x2 + y2 ≤ 1, 0 ≤ z ≤ 1.

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2.7. EXERCÍCIOS 55

Exercício 52 Suponha que um campo vectorial V é tangente ao bordo deuma região W no espaço. Mostre que, nesse caso,

∫ ∫ ∫

W

div V dxdydz = 0.

Exercício 53 Demonstre a igualdade

div (F × Φ) = 〈Φ, rot F 〉 − 〈F, rot Φ〉.

Exercício 54 Usando o Exercício 49, demonstre que∫ ∫ ∫

W

〈∇f, Φ〉dxdydz =

∫ ∫

∂W

〈fΦ, n〉dA−∫ ∫ ∫

W

fdiv Φdxdydz.

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56 CAPÍTULO 2. INTEGRAIS DE LINHA E DE SUPERFÍCIE

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Capítulo 3

Números Complexos

3.1 Funções de uma variável complexaO sistema dos números reais,R, surgiu a partir da busca de um sistema (umconjunto abstracto sujeito a certas regras), que incluísse os números racionais,Q, mas que fornecesse soluções para certas equações polinomiais, tais comox2 − 2 = 0.

Historicamente, uma consideração análoga deu origem a uma extensãodos números reais. No Século XVI, Gerónimo Cardano considerou equaçõespolinomiais do tipo x2+2x+2 = 0, que não são satisfeitas por nenhum númeroreal x. A fórmula resolvente x = −b±√b2 − 4ac fornece expressões formaispara as soluções, mas estas podem envolver raízes quadradas de númerosnegativos, por exemplo, para a equação anterior obtemos x = −1 ± √−1.Cardano notou que, se estes "números complexos" fossem encarados comonúmeros normais, com o acrescento da regra

√−1√−1 = −1, eles forneciam

soluções para todas as equações deste tipo (e mais).Convencionou-se então designar a expressão

√−1 por unidade imag-inária e representá-la pelo símbolo i (a regra anterior expressa-se então i2 =(√−1)2 = −1). Temos então:

Definição 46 O sistema dos números complexos, denotado por C, é o con-junto de todos os números da forma z = x+iy, onde x e y são números reais,com as habituais regras de adição e multiplicação escalar por um número reala:

(x1 + iy1) + (x2 + iy2) = (x1 + x2) + i(y1 + y2);

a(x + iy) = ax + iay

57

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58 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

e a operação de multiplicação complexa, definida por

(x1 + iy1)(x2 + iy2) = (x1x2 − y1y2) + i(x1y2 + y1x2).

Nota 47 A regra da multiplicação complexa, pode facilmente ser deduzidada expressão i2 = −1, juntamente com as propriedades dos números reais:

(x1 + iy1)(x2 + iy2) = x1(x2 + iy2) + iy1(x2 + iy2)= x1x2 + ix1y2 + iy1x2 + i2y1y2

= (x1x2 − y1y2) + i(x1y2 + y1x2).

Dado um número complexo z = x + iy, dizemos que x é a componentereal e representamos pr x = Re z; e que y é a componente imaginária de ze representamos por y = Im z. Ao número complexo z = x− iy, chamamosconjugado de z.

Podemos representar os números complexos por meio de pontos no planocomplexo ou plano de Argand, associando a z = x + iy, o ponto (x, y) doplano. Com esta interpretação, a soma complexa e a multiplicação escalar,não são mais que a soma vectorial e a multiplicação escalar em R2.

É fácil verificar que o sistema C dos números complexos, obedece a to-das as regras algébricas do sistema dos números reais, por exemplo, é fácilverificar que, dado z = x + iy 6= 0, então

z−1 =x

x2 + y2− i

y

x2 + y2

é o inverso multiplicativo de z, isto é, que zz−1 = z−1z = 1. Podemos então,dado w 6= 0, escrever z/w e referir-nos ao quociente de z por w para repre-sentar zw−1. Mais ainda, identificando cada número real x com o númerocomplexo x+ i0, observamos que o sistema dos números complexos contém osistema dos números reais (no plano de Argand, os números reais correspon-dem ao eixo dos x).

Com o auxílio de coordenadas polares, costruímos a representação trigonométricados números complexos(ver Figura 3.1):

z = x + iy = |z|(cos θ + i sin θ),

onde |z| =√

x2 + y2 =√

zz se designa por módulo de z e θ = arg z =arccos(x/|z|) = arcsin(y/|z|) se designa por argumento de z. Devido à peri-odicidade das funções trigonométricas, os valores θ e θ + 2nπ, com n inteiro,

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3.1. FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA 59

Figura 3.1: Representação trigonométrica dos números complexos

definem o mesmo número complexo. Para simplificar, convencionamos que−π < θ < π.

As seguintes propriedades são de fácil verificação que deixamos comoexercício:

Teorema 48 Sejam z, z1 e z2 números complexos, então:

1. z1 + z2 = z1 + z2.

2. z1z2 = z1 z2.

3. Se z2 6= 0, então z1/z2 = z1/z2.

4. zz = |z|2, daí se z 6= 0 temos z−1 = z/|z|2.5. z = z se e só se z ∈ R.

6. Re z = z+z2

e Im z = z−z2.

7. z = z.

Teorema 49 Sejam z, z1 e z2 números complexos, então:

1. |z1z2| = |z1||z2|.

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60 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

2. arg (z1z2) = arg z1 + arg z2.

3. Se z2 6= 0, então |z1/z2| = |z1|/|z2|.4. −|z| ≤ Re z ≤ |z| e −|z| ≤ Im z ≤ |z|.5. |z| = |z|.6. |z1 + z2| ≤ |z1|+ |z2|.7. |z1 − z2| ≥ ||z1| − |z2||.A partir dos dois primeiros itens do teorema anterior, concluímos ime-

diatamente que, dado dois números complexos z1 = r1(cos θ1 + i sin θ1) ez2 = r2(cos θ2 + i sin θ2), então a representação trigonométrica do seu pro-duto, obedecerá à fórmula

z1z2 = r1(cos θ1 + i sin θ1)r2(cos θ2 + i sin θ1)= r1r2(cos(θ1 + θ2) + i sin(θ1 + θ2)),

(3.1)

que nos permitirá demonstrar o seguinte resultado fundamental:

Teorema 50 (Fórmula de de Moivre) Se z = r(cos θ + i sin θ) e n é uminteiro positivo, então

zn = rn(cos nθ + i sin nθ).

Dem. Pela fórmula 3.1, temos que z2 = r2(cos 2θ + i sin 2θ). Multi-plicando de novo por z obtemos z3 = r3(cos 3θ + i sin 3θ). Aplicando oMétodo de indução a este procedimento, obtemos o resultado desejado, zn =rn(cos nθ + i sin nθ).

Seja w um número complexo, usando a Fórmula de de Moivre vamosresolver a equação zn = w, em ordem a z. Supondo que w = r(cos θ +i sin θ) e z = ρ(cos ψ + i sin ψ), temos zn = ρn(cos nψ + i sin nψ). Concluímosimediatamente que ρn = r = |w| e que nψ = θ+2kπ, com k inteiro. Podemosentão enunciar o seguinte teorema, que nos dá a fórmula geral das raízesíndice-n de qualquer número complexo:

Teorema 51 Seja w 6= 0 um número complexo com representação trigonométricaw = r(cos θ + i sin θ), então as raízes índice-n de w são dadas pela fórmula

zk = n√

r

(cos

n+

2kπ

n

)+ i sin

n+

2kπ

n

)), k = 0, 1, · · · , n− 1.

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3.1. FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA 61

Como caso especial desta fórmula, note-se que as n raízes índice-n de 1(ou seja, as n raízes índice-n da unidade) são 1 e n− 1 pontos equidistantessobre a circunferência unitária.

Sabemos da Análise Real, que as funções trigonométricas, seno e coseno,se podem definir através das suas séries de potências:

sin x = x− x3

3!+

x5

5!− · · · , cos x = 1− x2

2!+

x4

4!− · · · .

Analogamente, a função exponencial, ex, pode ser definida como

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+ · · · .

Vamos em seguida extender estas funções ao plano complexo, ou seja,vamos definir estas funções em C de forma a que as suas restrições à rectareal coincidam com as usuais sin x, cos x e ex.

Vamos começar pela exponencial. Tomando um número real x, sabemosque

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+ · · · .

Parece então natural definir eiy, para y ∈ R, como

eiy = 1 + iy +(iy)2

2!+

(iy)3

3!+ · · · .

Notando que i4n = 1, i4n+1 = i, i4n+2 = −1 e i4n+3 = −i para qualquernatural n (exercício), é fácil rearranjar a série anterior na forma

eiy =

(1− y2

2!+

y4

4!− · · ·

)+ i

(y − y3

3!+

y5

5!− · · ·

).

Mas esta expressão é simplesmente cos y + i sin y, daí definimos

eiy = cos y + i sin y.

Nesta altura já definimos ex no eixo real e no eixo imaginário, para exten-der esta definição a todo o C, recordemos que pretendemos que esta extensãopreserve o máximo possível de propriedades da exponencial usual, como porexemplo ea+b = eaeb, daí é natural a seguinte definição:

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62 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Definição 52 Seja z = x + iy um número complexo, definimos então aexponencial de z, ez, como

ez = ex+iy = ex(cos y + i sin y).

Note-se que, na forma exponencial, a representação trigonométrica de umnúmero complexo fica

z = |z|eiarg z,

que se pode abreviar comoz = reiθ,

a que damos o nome de representação exponencial do número complexo z.As propriedades fundamentais da função exponencial encontram-se re-

sumidas no próximo teorema, cuja demonstração (fácil) deixamos como ex-ercício.

Teorema 53 1. ez+w = ezew, para quaisquer z, w ∈ C.2. ez 6= 0, ∀z∈C.

3. Se x ∈ R, então ex < 1 se x < 0 e ex > 1 se x > 0.

4. |ex+iy| = ex.

5. eiπ/2 = i, eiπ = −1, e3iπ/2 = −i, e2iπ = 1.

6. ez é periódica com período 2iπ.

7. ez = 1 sse z = 2niπ para algum número inteiro n.

A extensão da exponencial ao plano complexo, sugere-nos uma forma deextender as definições do seno e do coseno. Como eiy = cos y + i sin y, então

sin y =eiy − e−iy

2ie cos y =

eiy + e−iy

2.

Mas, como eiz está agora definida para qualquer número complexo z, somoslevados a formular a seguinte definição:

Definição 54

sin z =eiz − e−iz

2ie cos z =

eiz + e−iz

2.

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3.1. FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA 63

De novo estas definições coincidem com as definições usuais de seno ecoseno reais. O próximo teorema, (cuja demonstração deixamos como ex-ercício), resume algumas das propriedades destas funções que agora estãodefinidas em todo o C e não apenas em R.

Teorema 55 1. sin2 z + cos2 z = 1.

2. sin(z + w) = sin z cos w + cos z sin w.

3. cos(z + w) = cos z cos w − sin z sin w.

Gostaríamos agora de definir o logaritmo de forma a que a nossa definiçãocoincida com a definição usual de log x, quando x pertence ao semi-eixopositivo do eixo real. Neste caso, o logaritmo pode ser definido como ainversa da exponencial, ou seja, log x = y é a solução de ey = x. Quandotomamos z a variar sobre todo o C temos que ter cuidado, pois como vimosatrás, a exponencial é periódica, logo não é injectiva e não tem inversa. Alémdisso, a exponencial nunca se anula logo não podemos esperar poder definiro logaritmo na origem. Temos então que ser cuidadosos com a escolha dodomínio em C, onde iremos definir o logaritmo. O próximo teorema indica-nos como fazê-lo.

Teorema 56 Seja y0 ∈ C e tomemos o conjunto

Ay0 = {x + iy|x ∈ R e y0 ≤ y < y0 + 2π}.Então ex transforma Ay0, de forma bijectiva, em C\{0}.

Dem. Se ez1 = ez2 , então ez1−z2 = 1, logo z1 − z2 = 2inπ para alguminteiro n. Mas, uma vez que tanto z1 como z2, pertencem ambos a Ay0 , ondea diferença entre as partes imaginárias de quaisquer dois pontos é menor que2π, temos necessariamente z1 = z2, logo ez restringida a Ay0 é injectiva.

Para demonstrar a sobrejectividade, basta-nos verificar que, tomandoqualquer w ∈ C\{0}, a equação ez = w tem solução em Ay0 . Tomandoz = x + iy, a equação ex+iy = w é equivalente às duas equações ex = |w|e eiy = w/|w|. A solução da primeira é x = log |w|, onde log é o logaritmoreal. A segunda equação tem infinitas soluções y, diferindo por múltiplosinteiros de 2π, mas uma e apenas uma se encontra no intervalo [y0, y0 + 2π].Este y é simplesmente arg w com o domínio da função argumento fixado em[y0, y0 + 2π].

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64 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Figura 3.2: ex transforma Ay0 de forma bijectiva em C\{0}.

Na demonstração do teorema anterior, obtivémos uma expressão para ainversa de ez, restringida à faixa y0 ≤ Im z < y0 + 2π e esta expressão seráestabelecida formalmente na seguinte definição.

Definição 57 A função log : C\{0} → C, com contradomínio y0 ≤ Im log z <y0 + 2π, define-se como log z = log |z|+ iarg z, onde arg z toma valores em[y0, y0 + 2π[ e log |z| é o logaritmo real de |z|.

Esta função é normalmente referida como o ramo do logaritmo em {x +iy|y0 ≤ y < y0 + 2π}. Realçamos que o logaritmo só fica bem definidoquando fixamos um ramo, isto é, quando fixamos um intervalo decomprimento 2π onde arg z toma valores. Por exemplo, suponhamosfixado o ramo [0, 2π[, então log(1 + i) = log

√2 + iπ/4. Se o ramo fixado fôr

[π, 3π[, então log(1 + i) = log√

2 + i9π/4.A função log z é a inversa de ez no seguinte sentido:

Teorema 58 Para qualquer ramo do logaritmo, temos elog z = z. Recip-rocamente, se escolhermos o ramo [y0, y0 + 2π[, então se z = x + iy comy ∈ [y0, y0 + 2π[, temos log(ez) = z.

Dem. Como log z = log |z|+ iarg z, então

elog z = elog |z|eiarg z = |z|eiarg z = z.

Reciprocamente, seja z = x + iy com y ∈ [y0, y0 + 2π[. Por definiçãolog ez = log |ez| + iarg ez, mas |ez| = ex e, pela nossa escolha do ramo,arg ez = y, logo log ez = log ex + iy = x + iy.

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3.1. FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA 65

O logaritmo definido em C\{0}, comporta-se da mesma maneira em re-lação aos produtos, que o logaritmo real, como veremos no próximo teorema,cuja demonstração deixamos como exercício.

Teorema 59 Sejam z1, z2 ∈ C\{0}, então log(z1z2) = log z1 + log z2 (amenos da adição de múltiplos inteiros de 2iπ).

Exemplo 60 Vamos determinar log[(−1−i)(1−i)] com o contradomínio doargumento fixado em [0, 2π[. Então log[(−1−i)(1−i)] = log(−2) = log 2+iπ.Por outro lado, log(−1− i) = log

√2 + i5π/4 e log(1− i) = log

√2 + i7π/4,

logo log(−1− i)+ log(1− i) = log√

2+ i5π/4+ log√

2+ i7π/4 = log 2+3iπ,o que faz com que neste caso o logaritmo do produto tenha uma diferença de2iπ para a soma dos logaritmos.

Da mesma forma que para as variáveis reais, dado A um subconjuntode C, uma função f : A → C pode ser entendida como uma regra queassocia a cada número complexo z = x + iy ∈ A um outro número complexow = f(z) = u(x, y)+ iv(x, y). Temos então que u(x, y) = Ref(z) e v(x, y) =Im f(z).

Nota 61 Identificando C com R2, sendo z = x + iy, então |z|em C

= ||(x, y)||em R2

o

que faz com que a métrica em C coincida com a métrica em R2, por isso, deagora em diante, os conceitos topológicos em C, tais como aberto, fechado,vizinhança, etc. coincidem com os respectivos conceitos em R2, fazendo arespectiva identificação.

Definição 62 Seja f definida numa vizinhança de z0, que pode não conterz0. A expressão

limz→z0

f(z) = a

significa que, para qualquer ε > 0, existe um δ > 0 tal que, se |z − z0| < δentão |f(z)− a| < ε.

Tal como em R, os limites em C verificam as seguintes propriedades:

Proposição 63 Se limz→z0

f(z) = a e limz→z0

g(z) = b, então

1. limz→z0

(f(z) + g(z)) = a + b.

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66 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

2. limz→z0

(f(z)g(z)) = ab.

3. Se b 6= 0, limz→z0

(f(z)/g(z)) = a/b.

Definição 64 Sejam A ⊂ C um aberto e f : A → C uma função. Dizemosque f é contínua em z0 ∈ A se e só se

limz→z0

f(z) = f(z0)

e f é contínua em A se fôr contínua em todos os pontos de A.

Definição 65 Seja f : A → C, onde A é um aberto de C. Então f diz-sediferenciável em z0 ∈ A se existe o limite

limz→z0

f(z)− f(z0)

z − z0

.

A este limite chamamos derivada de f em z0 e denotamo-lo por f ′(z0) ou pordf/dz(z0). Dizemos que f é analítica ou holomorfa em A se fôr diferenciávelem todos os pontos de A. Dizemos que f é uma função inteira, se fôr analíticaem C.

Notemos que, apesar da definição ser similar ao caso real, o caso daderivação complexa é bastante mais rico. Por exemplo, veremos à frente que,se uma função é diferenciável na vizinhança de um ponto, então ela seráinfinitamente diferenciável, sendo esta a razão por que chamamos analíticaa uma função diferenciável no sentido complexo. De qualquer forma, aspropriedades elementares da diferenciação real mantêm-se, como veremosnos próximos resultados, cuja demonstração deixamos como exercício.

Teorema 66 Se f é diferenciável em z0, então é contínua em z0.

Teorema 67 Sejam f e g analíticas no aberto A de C, então

1. Para quaisquer complexos a e b, af +bg é analítica em A e (af +bg)′ =af ′ + bg′.

2. fg é analítica em A e (fg)′ = f ′g + fg′.

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3.1. FUNÇÕES DE UMA VARIÁVEL COMPLEXA 67

3. Se g(z) 6= 0 para todos os z ∈ A, então f/g é analítica em A e(

f

g

)′=

f ′g − gf ′

g2.

4. Qualquer polinómio a0+a1z+· · ·+anzn é analítico em C e tem derivada

a1 + 2a2z + · · ·+ nanzn−1.

5. Qualquer função racionala0 + a1z + · · ·+ anzn

b0 + b1z + · · ·+ bmzm

é analítica no aberto A que consiste em C exceptuando os pontos (nomáximo m) onde o denominador se anula.

Teorema 68 (Regra da Cadeia) Sejam A e B abertos de C, f : A → Ce g : B → C funções analíticas tais que f(A) ⊂ B, então g ◦ f : A → C éanalítica e

(g ◦ f)′(z) = g′(f(z))f ′(z).

Tomemos uma função f : A → C definida por f(x + iy) = u(x, y) +iv(x, y). Identificando C com R2, temos que f ≡ f(x, y) = (u(x, y), v(x, y))pode ser encarada como uma função de R2 em R2, daí faz sentido questionarmo-nos sobre a relação entre a diferenciabilidade de f como função de R2 e adiferenciabilidade de f no sentido complexo. Essa relação é estabelecida nopróximo teorema, cuja demonstração pode ser consultada, por exemplo em[4].

Teorema 69 (Equações de Cauchy-Riemann) Seja f : A → C umafunção, onde A é um aberto de C. Então f é diferenciável em z0 = x0+iy0 ∈A no sentido complexo, se e só se f é diferenciável em (x0, y0) no sentidoreal e neste ponto são verificadas as chamadas equações de Cauchy-Riemann:

∂u

∂x=

∂v

∂ye

∂u

∂y= −∂v

∂x.

Logo, se ∂u∂x

, ∂u∂y

, ∂v∂x

e ∂v∂y

existirem , forem contínuas em A e satisfizerem asequações de Cauchy-Riemann, então f é analítica em A.

Se f fôr diferenciável em z0, então

f ′(z0) = ∂u∂x

+ i ∂v∂x

= ∂v∂y− i∂u

∂y.

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68 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Podemos concluír imediatamente o seguinte resultado fundamental.

Corollário 70 Se f ′(z) fôr constante igual a zero, então f é constante.

São agora de fácil verificação os seguintes resultados:

Teorema 71 A função f : C→ C, z 7→ ez é uma função inteira e

dez

dz= ez.

Dem. Por definição, f(z) = ex(cos y + i sin y), então u(x, y) = ex cos y ev(x, y) = ex sin y. Como estas funções são infinitamente diferenciáveis, f édiferenciável no sentido real. Para demonstrar que f é analítica, basta-nosentão verificar as equações de Cauchy-Riemann. Mas

∂u∂x

= ex cos y, ∂u∂y

= −ex sin y∂v∂x

= ex sin y, ∂v∂y

= ex cos y.

Temos que as equações de Cauchy-Riemann são verificadas, logo f é analíticaem C e

df

dz=

∂u

∂x+ i

∂v

∂x= ex(cos y + i sin y) = ez.

Recordemos que log z é inversa de ez quando ez é restringida a uma faixa{x + iy|y0 ≤ y < y0 + 2π}. No entanto, quanto à diferenciabilidade, odomínio de log z terá que ser mais pequeno que C\{0}. A razão é simples,log z = log |z|+ iarg z, para 0 ≤ arg z < 2π, mas a função arg é descontínua,dá um salto de 2π de cada vez que cruzamos o semi-eixo dos reais positivos.Se removêsse-mos o eixo dos reais, estaríamos a excluír os reais positivos,onde nos interessa ter definido o logaritmo. É então conveniente usar o ramo−π < arg z < π e um conjunto apropriado onde log z é analítica será dadoem seguida.

Teorema 72 Consideremos o aberto A = C\{x + iy|x ≤ 0, e y = 0}, ouseja, C exceptuando o semi-eixo real negativo com o zero. Definimos o ramodo logaritmo em A por

log z = log |z|+ iarg z, −π < arg z < π,

chamado o ramo principal do logaritmo, então log z é analítica em A com

d

dzlog z =

1

z.

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3.2. FUNÇÕES HARMÓNICAS 69

A demonstração envolve a expressão em coordenadas polares das equaçõesde Cauchy-Riemann, que se obtém facilmente. Tomando (x, y) = (r cos θ, r sin θ),temos ∂x/∂r = cos θ, ∂x/∂θ = −r sin θ, ∂y/∂r = sin θ e ∂y/∂θ = r cos θtemos imediatamente as equações de Cauchy-Riemann em coordenadas po-lares:

∂u

∂r=

1

r

∂v

∂θ,

∂v

∂r=−1

r

∂u

∂θ.

Usando esta versão das equações de Cauchy-Riemann a demonstraçãoreduz-se a uma verificação análoga à do anterior teorema, que deixamos aocuidado do leitor.

Quando log z aparecer em composições, temos que ter cuidado para nosmantermos no seu domínio. Por exemplo, consideremos g(z) = log(z2), us-ando o ramo principal do logaritmo.

Esta função é analítica em A = {z|z 6= 0 e arg z 6= ±π/2} pelo seguinte.Sabemos que z2 é analítica em todo o C. A imagem de A através da aplicaçãoz 7→ z2 é precisamente C\{x + iy|x ≤ 0, y = 0}, que é o conjunto onde estádefinido e é analítico, o ramo principal do logaritmo. Logo, pela regra dacadeia, z 7→ z2 é analítica em A.

Com a fórmula da diferenciação da exponencial e com a regra da cadeia,é agora fácil derivar as funções trigonométricas.

Teorema 73 As funções sin z e cos z são funções inteiras, com derivadas

d

dzsin z = cos z e

d

dzcos z = − sin z.

Dem. Vamos apenas deduzir a fórmula para o seno, uma vez que afórmula para o coseno é análoga.

d

dzsin z =

d

dz

eiz − e−iz

2i=

ieiz + ie−iz

2i=

eiz + e−iz

2= cos z.

3.2 Funções harmónicasUma função u : A ⊂ C→ R diz-se harmónica se é duas vezes continuamentediferenciável e o seu Laplaciano verifica

∇2u =∂2u

∂x2+

∂2u

∂y2= 0.

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70 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

As funções harmónicas desempenham um papel fundamental nos exemplosfísicos que apresentaremos mais à frente, mas, por agora, limitemo-nos adeterminar algumas das suas propriedades do ponto de vista matemático.

Teorema 74 Seja A ⊂ C e u : A → R uma função duas vezes continua-mente diferenciável, então u é harmónica em A se e só se é a parte real dealguma função f , analítica em A.

Dem. Seja f = u + iv uma função analítica em A, então sabemos queu e v são infinitamente diferenciáveis. Por outro lado, pelas equações deCauchy-Riemann temos

∂2u

∂x2=

∂x

∂u

∂x=

∂x

∂v

∂y=

∂2v

∂x∂y

e∂2u

∂y2=

∂y

∂u

∂y=

∂y

(−∂v

∂x

)= − ∂2v

∂y∂x,

logo

∇2u =∂2u

∂x2+

∂2u

∂y2= 0

e u é harmónica. Note-se que analogamente se verifica que v é harmónica.A demonstração da recíproca utiliza resultados directamente relacionados

com a fórmula integral de Cauchy, que saem do âmbito destas notas, portantovamos omiti-la.

Quando existe uma função analítica f tal que f = u + iv, dizemos que ue v são conjugados harmónicos. Como if também é analítica, então −v e utambém são conjugados harmónicos.

Podemos concluír do Teorema anterior que qualquer função harmónicanuma dada região de C, tem um conjugado harmónico nessa região, o qual éfacilmente determinado utilizando as equações de Cauchy-Riemann.

Exemplo 75 Seja u(x, y) = x2 − y2, vamos verificar que u é harmónica edeterminar o seu conjugado harmónico.

Temos imediatamente que ∂2u∂x2 = 1 e ∂2u

∂y2 = −1, logo ∇2u = 0 e u éharmónica.

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3.2. FUNÇÕES HARMÓNICAS 71

Para determinar o conjugado harmónico, observemos que

∂u

∂x= 2x =

∂v

∂y,

logo, integrando v em ordem a y, temos que v = 2xy + g(x). Por outro lado,

∂v

∂x= 2y + g′(x) = −∂u

∂y= 2y

logo g′(x) = 0 e v(x, y) = 2xy + c.

O teorema seguinte descreve uma propriedade dos conjugados harmóni-cos, que terá mais à frente uma interpretação física importante.

Teorema 76 Sejam u e v conjugados harmónicos numa região A. Supon-hamos que as equações

u(x, y) = constante = c1

eu(x, y) = constante = c2

definem curvas suaves. Então as intersecções entre estas duas curvas, sãoortogonais.

Dem. Sabemos de trás que basta verificar que grad u e grad v são per-pendiculares. O seu produto interno é

〈u, v〉 =∂u

∂x

∂v

∂x+

∂u

∂y

∂v

∂y,

que é zero pelas equações de Cauchy-Riemann.Terminamos esta secção com o enunciado do seguinte resultado funda-

mental sobre as funções harmónicas.

Teorema 77 (Princípio do máximo para funções harmónicas) Seja Aum subconjunto aberto, conexo e limitado de C e seja u : A → R uma funçãocontínua e harmónica em A. Seja M o máximo de u em fr(A), então

• u(x, y) ≤ M para todos os (x, y) ∈ A.

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72 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

• se u(x, y) = M para algum (x, y) ∈ A, então u é constante em A.

Uma vez que, se u é harmónica então −u também é harmónica e max u =min−u, também é verdadeiro o princípio correspondente para o mínimo:Seja m o mínimo de u em fr(A), então

• u(x, y) ≤ m para todos os (x, y) ∈ A.

• se u(x, y) = m para algum (x, y) ∈ A, então u é constante em A.

3.3 Os problemas de Dirichlet e de Neumann

O problema de Dirichlet e o problema de Neumann, são dois problemasextremamente importantes, quer em matemática quer em física.

Seja A uma região aberta e limitada de C e seja u0 uma dada função realcontínua sobre fr(A). O problema de Dirichlet consiste em determinar umafunção real u em A, que seja contínua em A, harmónica em A e que seja iguala u0 em fr(A).

Existem teoremas que estabelecem que, se fr(A) fôr suficientemente reg-ular, então existe sempre uma solução. Estes Teoremas são muito difíceis,contudo é muito fácil demonstrar que a solução, quando existe é sempreúnica.

Teorema 78 A solução do problema de Dirichlet é única (assumindo queexiste solução).

Dem. Sejam u e v duas soluções. Então φ = u− v é harmónica e φ = 0em fr(A), então pelo princípio do máximo φ ≤ 0 em A, mas, analogamente,pelo princípio do mínimo, φ ≥ 0 em A , logo φ = 0.

O problema de Neumann consiste em determinar uma função harmónicau sobre uma região aberta e limitada A, com ∂u/∂n especificado sobre fr(A),onde n é a normal exterior a fr(A), isto é, a normal unitária a fr(A) que"aponta para o exterior" de A e ∂u/∂n = 〈grad u, n〉.

Note-se que o problema de Neumann não faz sentido para uma funçãoqualquer ϕ = ∂u/∂n, pois se tal função existe teremos necessariamente que

fr(A)

∂u

∂n= 0.

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3.4. APLICAÇÕES CONFORMES 73

Para demonstrar isto, basta observar que, pelo Teorema de Gauss dadivergência, temos

fr(A)

∂u

∂n=

fr(A)

〈grad u, n〉 =

∫ ∫

A

div grad u =

∫ ∫

A

∇2u = 0.

Dada uma condição de fronteira ϕ sobre fr(A) com∫

fr(A)ϕ = 0, temos

então.

Teorema 79 Numa região limitada simplesmente conexa, o problema deNeumann tem solução e esta é única a menos da adição de uma constante.

É conveniente reforçar que, para ambos os problemas, em regiões nãolimitadas não temos unicidade. Por exemplo se considerarmos A sendo osemi-plano superior, então u1(x, y) = x e u2(x, y) = x+y têm o mesmo valorem fr(A) (y = 0), são ambas harmónicas e não são iguais.

Os problemas de Dirichlet e de Neumann também podem surgir de formacombinada, ou seja, u pode ser especificada sobre uma parte da fronteira e∂u/∂n sobre outra.

Os métodos usuais para resolver os problemas de Dirichlet e de Neumannsobre uma dada região A passam por transformar a região A numa regiãomais simples B onde o problema possa ser resolvido e em seguida transportaros resultados para A. O "meio de transporte" utilizado são as aplicaçõesconformes, que estudaremos de seguida.

3.4 Aplicações conformes

Em termos genéricos, uma aplicação conforme é uma aplicação que preservaos ângulos entre as curvas que se intersectam, ou seja, que simplesmente rodae estica os vectores tangentes às curvas.

Definição 80 Uma aplicação f : A → C diz-se conforme em z0 se existirum ângulo θ ∈ [0, 2π[ e r > 0 tais que, para qualquer curva diferenciávelc(t) contida em A com c(0) = z0 e v = c′(0) 6= 0 (v é o vector tangente ac no ponto z0), temos que a curva d(t) = f(c(t)) é diferenciável e, fazendou = d′(0), temos |u| = r|v| e arg u = arg v + θ( mod 2π).

Temos que esta é uma das propriedades das funções analíticas.

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74 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Teorema 81 Se f : A → C é analítica e se f ′(z0) 6= 0, então f é conformeem z0 com θ = arg f ′(z0) e r = |f ′(z0)|.

Dem. Usando a notação da definição anterior e a regra da cadeia, temosque u = d′(0) = f ′(z0)c

′(0) = f ′(z0)v. Então arg u = arg f ′(z0) + arg v(mod 2π) e |u| = |f ′(z0||v|, como queríamos.

Podemos então pensar em aplicações conformes, como aplicações analíti-cas com derivada diferente de zero. Os pontos z tais que f ′(z) = 0 para umafunção analítica f , chamam-se pontos singulares de f .

Teorema 82 1. Se f : A → B é conforme e bijectiva, então f−1 : B → Atambém é conforme.

2. Se f : A → B e g : B → C são conformes e bijectivas, entãog ◦ f : A → C é conforme e bijectiva.

Dem.

1. Como f é bijectiva, existe f−1. Pelo Teorema da função inversa f−1

é analítica com df−1(w)/dw = (1/df(z))/dz onde w = f(z), logodf−1(w)/dw 6= 0 e f−1 é conforme.

2. Como g e f são analíticas e bijectivas, também g ◦ f o é, além disso aderivada de g ◦f(z) é dada por g′(f(z))f ′(z) 6= 0, logo g ◦f é conforme.

A propriedade (1) do teorema anterior é de extrema importância no es-tudo dos problemas de Dirichlet e de Neumann para uma dada região A. Ométodo consiste em encontrar uma aplicação conforme bijectiva f : A → B,onde B é uma região mais simples onde o problema poderá ser resolvido.Para obter a resposta em A, em seguida transportamos a resposta obtida emB para A através de f−1.

Necessitamos então que funções harmónicas permaneçam harmónicas quandocompostas com aplicações conformes.

Teorema 83 Sejam u harmónica numa região B e f : B → A analítica.Então u ◦ f é harmónica em A.

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3.4. APLICAÇÕES CONFORMES 75

Dem. Se u é harmónica, então existe uma função analítica f tal queu = Re(g), então u ◦ f = Re(g ◦ f) mas, se g e f são analíticas, então g ◦ ftambém é analítica, logo u ◦ f é harmónica.

Vamos agora apresentar formas de obter aplicações conformes entre duasregiões. Não existe uma metodologia geral para a obtenção destas aplicações,contudo, após adquirir alguma prática, é suposto o estudante ser capaz decombinar aplicações bilineares (que estudaremos em seguida) com outrasaplicações com as quais já se encontra familiarizado (como z2, ez ou sin z),de forma a poder lidar com um leque razoável de situações.

Uma transformação linear fraccionária (também conhecidas como apli-cações bilineares ou de Möbius) é uma aplicação da forma

T (z) =az + b

cz + d

onde a, b, c, d são números complexos fixos. Precisamos assumir que ad−bc 6=0, porque de outra forma T seria uma constante (porquê?).

As propriedades destas aplicações serão resumidas nos proximos quatroteoremas.

Teorema 84 Uma aplicação linear fraccionária T é bijectiva e conforme de

A =

{z : z 6= −d

c

}em B =

{w : w 6= a

c

}.

De facto, a inversa de T também é linear fraccionária e é dada por

T−1(w) =−dw + b

cw − a.

Dem. É óbvio que T é analítica em A e que S(w) = (−dw + b)/(cw− a)é analítica em B. Para demonstrarmos que T é bijectiva basta demonstrarque T ◦ S = S ◦ T = Id, calculemos então:

T (S(w)) =a(−dw+b

cw−a )+b

c(−dw+bcw−a )+d

= −adw+ab+bcw−ab−cdw+bc+dcw−da

= (bc−ad)wbc−ad

= w.

Analogamente, ST (z) = z. Finalmente, T ′(z) 6= 0 porque

d

dzS(T (z)) =

d

dzz = 1

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76 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

logoS ′(T (z))T ′(z) = 1

e daí T ′(z) 6= 0.As transformações fraccionais lineares são de grande utilidade, devido às

suas propriedades geométricas, isto é ilustrado no próximo teorema, o qualnão demonstraremos.

Teorema 85 Qualquer aplicação conforme do disco D = {z : |z| < 1} em sipróprio, é uma aplicação linear fraccionária da forma

T (z) = eiθ (z − z0

1− z0z

para algum z0 ∈ D fixo e θ ∈ [0, 2π[, por outro lado, qualquer T com estaforma é uma aplicação conforme de D em si próprio.

Então a única forma de aplicar um disco em si próprio através de umaaplicação conforme, é utilizando uma aplicação linear fraccionária. Mas estaaplicações têm ainda duas propriedads adicionais, como veremos nos doisteoremas que se seguem.

Teorema 86 Seja T uma transformação linear fraccionária. Se L ⊂ C fôruma recta e S ⊂ C uma circunferência, então T (L) é uma recta ou umacircunferência, tal como T (S).

Dem.Podemos escrever T na forma T4 ◦ T3 ◦ T2 ◦ T1, onde T1(z) = z + d/c,

T2(z) = 1/z, T3(z) = (bc − ad)z/c2 e T4(z) = z + a/c (Se c = 0, ficasimplesmente T (z) = (a/d)z + b/d). É óbvio que T1, T3 e T4 transformamrectas em rectas e circunferências em circunferências, logo basta-nos verificara proposição para T2(z) = 1/z. Sabemos da geometria analítica que umarecta ou uma circunferência, são determinadas pela equação

Ax + By + C(x2 + y2) = D,

para constantes A,B, C, D, não todas nulas. Sejam z = x + iy 6= 0 e 1/z =u + iv onde u = x/(x2 + y2) e v = −y/(x2 + y2), temos então que a equaçãoanterior é equivalente a

Au−Bv −D(u2 + v2) = −C

que representa igualmente uma recta ou uma circunferência.

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3.4. APLICAÇÕES CONFORMES 77

Teorema 87 Dados dois conjuntos de pontos distintos, z1, z2, z3 e w1, w2, w3

(isto é, tais que z1 6= z2, z1 6= z2, z2 6= z3, w1 6= w2, w1 6= w3 e w2 6= w3, maspodemos ter z1 = w1 e por aí adiante), existe uma única transformação linearfraccionária T que transforma zi 7→ wi, i = 1, 2, 3. De facto, se T (z) = w,então

w − w1

w − w2

w3 − w2

w3 − w1

=z − z1

z − z2

z3 − z2

z3 − z1

.

Dem. A fórmula anterior define uma transformação linear fraccionáriaw = T (z) e por substituição directa vemos que tem as propriedades desejadas(T (zi) = wi). Vejamos que é única. Seja

S(z) =z − z1

z − z2

z3 − z2

z3 − z1

.

Então S é uma transformação linear fraccionária que transforma z1 em 0, z3

em 1 e z2 em ∞ (z2 é a singularidade de S). Seja R outra transformaçãolinear fraccionária, R(z) = (az + b)/(cz + d) com R(z1 = 0, R(z3) = 1e R(z2) = ∞ (isto é, cz2 + d = 0). Então az1 + b = 0, cz2 + d = 0 e(az3 + b)/(cz3 + d) = 1. Obtemos então a = −b/z1 e c = −d/z2, daí a últimacondição dá b(z1 − z3)/z1 = d(z2 − z3)/z2. Substituindo em R, concluímosapós simplificação que R = S.

Vamos usar este resultado para demonstrar que T é única. Seja T umaqualquer transformação linear fraccionária que transforma zi em wi, i =1, 2, 3. A transformação linear fraccionária ST−1 transforma w1 = Tz1 em0, w3 = Tz3 em 1 e w2 = Tz2 em ∞. Então, como vimos atrás, ST−1

é unicamente determinado e logo T é unicamente determinado, pois T =(ST−1)−1S.

Podemos então transformar quaisquer três pontos distintos em quaisqueroutros três ponstos distintos. Três pontos distintos jazem, ou numa rectaou numa circunferência, então, pelo teorema anterior a transformação trans-forma a recta ou a circunferência que passa por z1, z2, z3 na recta ou circun-ferência que passa por w1, w2, w3.

Tal como foi anteriormente mencionado, as transformações linares frac-cionárias podem ser combinadas com outras transformações de forma a obteruma vasta classe de aplicações conformes, as quais permitem transformaruma vasta classe de conjuntos, noutros. A figura seguinte contém uma pe-quena lista de aplicações conformes, bem como os seus efeitos geométricos,que será suficiente para lidar com um número razoável de situações.

FIGURA

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78 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

3.5 Aplicação das aplicações conformes à equaçãodo calor, à electrostática e à hidrodinâmica

O método básico para resolver o problema de Dirichlet e o de Neumann numaregião A é como se segue. Toma-se a região A dada e transforma-se através deuma aplicação conforme numa região B mais simples, onde o problema podeser resolvido. Este procedimento é justificado pelo facto de que, atravésde uma aplicação conforme, as funções harmónicas são transformadas denovo em funções harmónicas. Após resolvermos o problema em B, podemostransformas a resposta de novo para A.

Em relação ao problema de Dririchlet são fornecidos os valores de fronteirasobre fr(A). Estes valores obviamente são aplicados nos correspondentesvalores de fronteira em B (assumimos que a aplicação conforme está definidana fronteira). A especificação de ∂u/∂n é mais complicada, contudo, é fácilem alguns casos. Seja u ◦ f = u0 a solução procurada, ou seja, u0(x, y) =u(f(x, y)). Vamos ver que ∂u0/∂n = 0 se e só se ∂u/∂n = 0 nas regiõescorrespondentes. Isto é verdade porque ∂u0/∂n = 0 e ∂u/∂n = 0 significaque os conjugados são constantes nestas regiões, e se v é o conjugado de uentão v ◦ f = v0 é o conjugado de u0. Estes são os únicos tipos de condiçõesde fronteira para ∂u/∂n com que lidaremos neste texto.

Para usar este método, precisamos então de ser capazes de resolver oproblema numa região B mais simples.

A seguinte situação é utilizada para ilustrar o método e será utilizada nosexemplos seguintes. Consideramos o semi-plano superior H e o problema deencontrar uma função harmónica que tome os valores de fronteira constantesc0 em ] −∞, x1[, c1 em ]x1, x2[, ..., cn em ]xn,∞[ onde x1 < x2 < · · ·xn sãopontos do eixo real. Vamos ver que uma solução será dada por

u(x, y) = cn +1

π[(cn−1 − cn)θn + · · ·+ (c0 − c1)θ1] (3.2)

onde θ1, · · · , θn são os ângulos indicados na proxima figura, 0 ≤ θi ≤ π.Isto é fácil de ver. Primeiro, como u é a parte real de

cn +1

πi[(cn−1 − cn) log(z − xn) + · · ·+ (c0 − c1) log(z − x1)],

então é harmónica e, por outro lado, é fácil verificar (exercício) que u éconstante igual a ci nos intervalos ]xi, xi+1[.

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3.5. APLICAÇÃODAS APLICAÇÕES CONFORMES À EQUAÇÃODOCALOR, À ELECTROSTÁTICA E À HIDRODINÂMICA79

Figura 3.3: Problema de Dirichlet no semi-plano superior.

Como já foi mencionado, a solução do problema de Dirichlet não é nec-essariamente única, neste caso, por exemplo, se adicionássemos y à soluçãodada, continuaríamos a ter uma solução. A questão então é: porque é queescolhemos esta solução?

A resposta é que esta solução é limitada e isso é bastante relevante doponto de vista físico.

Condução do calor

Dizem-nos as leis da física que, se uma região bidimensional fôr mantidaa uma temperatura estável T (ou seja, a temperatura não varia com o tempoe é fixa nas paredes), então T é uma função harmónica.

O simétrico do gradiente de T representa a direcção em que o calor flui.Podemos então, usando o Teorema 76, interpretar as curvas de nível do con-jugado harmónico ϕ de T , como sendo as curvas ao longo das quais o calorflui e a temperatura diminui e são chamadas linhas de fluxo. As linhas de Tconstante são chamadas isotérmicas.

Então, dizer que T é dado numa porção da fronteira, significa que essaporção é mantida a uma temperatura fixa (por exemplo com um dispositivo

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80 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Figura 3.4: Condução do calor.

de aquecimento) . A condição ∂T/∂n = 0 significa que a linha de fluxo (ou−grad T ) é paralela à fronteira (não há fluxo de calor a cruzar a fronteira).

Exemplo 88 Consideremos como A, o primeiro quadrante, o eixo dos xx émantido com T = 0 enquanto que o eixo dos yy é mantido com T = 100. De-terminemos a distribuição da temperatura em todo o quadrante (fisicamente,podemos pensar nesta região como uma folha de metal muito fina).

Solução: Vamos transformar o primeiro quadrante no semi-plano supe-rior através de z 7→ z2 (ver figura??).

É fisicamente razoável que a temperatura seja uma função limitada, poisde outra forma obteríamos temperaturas arbitrariamente elevadas ou arbi-trariamente baixas. Então, no semi-plano superior a solução será dada pelafórmula 3.2:

u(x, y) =1

π(100 arg z) =

100

πtan−1

(y

x

).

Então a solução que procuramos é

u0(x, y) = u(f(x, y)),

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3.5. APLICAÇÃODAS APLICAÇÕES CONFORMES À EQUAÇÃODOCALOR, À ELECTROSTÁTICA E À HIDRODINÂMICA81

Figura 3.5:

onde f(x, y) = z2 = x2 − y2 + 2ixy = (x2 − y2, 2xy)., logo

u0(x, y) =100

πtan−1

(2xy

x2 − y2

)

é a resposta desejada, tomando tan−1 no intervalo [0, π]. Outra forma daresposta é

u0(x, y) = u(z2) =100

πarg(z2) =

200

πarg z =

200

πtan−1

(y

x

).

As linhas de fluxo e as isotérmicas são representadas na figura ???.

Exemplo 89 Seja A a metade superior do círculo unitário. Determinemosa temperatura dentro de A, sabendo que a porção de circunferência verifica∂T/∂n = 0 e no eixo real a temperatura é mantida a T = 0 para x > 0 eT = 10 para x < 0.

Solução: Para este tipo de problema, onde existe uma porção da fronteiraonde ∂T/∂n = 0, é conveniente transformar a região em meia faixa. Istopode ser feito para A através de log z usando o ramo principal, veja as figuras???. Na semi-faixa B obtemos, através de observação directa, a solução

T0(x, y) =10y

π.

(Note que ∂T0/∂n = ∂t0/∂x = 0)

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82 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Figura 3.6:

Então a nossa resposta será

T (x, y) = T0(log(x + iy)) =10

πtan−1

(y

x

).

FIGURAS

Potencial eléctrico

Em física aprendemos que, se um potencial elétrico ϕ fôr determinado porcargas eléctricas estáticas, então ϕ tem que satisfazer a equação de Laplace,ou seja, tem que ser harmónica. A função conjugada Φ de ϕ interpreta-se daseguinte forma: As curvas ao longo das quais Φ é constante são as curvas aolongo das quais viaja uma pequena carga de teste, e são chamadas linhas defluxo. Os vectores tangentes a estas curvas são dados por −gradϕ = E e sãodesignados como campo eléctrico.

Então as linhas de fluxo e as curvas equipotenciais (linhas para as quaisϕ é constante) intersectam-se transversalmente.

O problema de Dirichlet surge de forma natural na electrostática, uma vezque a fronteira é normalmente mantida com um dado potencial (por exemploatravés do uso de uma bateria ou de uma ligação à terra).

Exemplo 90 Consideremos a circunferência unitária. O potencial eléctricoé mantido em ϕ = 0 na semi-circunferência inferior e em ϕ = 1 na semi-circunferência superior, determinemos ϕ no interior do círculo.

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3.5. APLICAÇÃODAS APLICAÇÕES CONFORMES À EQUAÇÃODOCALOR, À ELECTROSTÁTICA E À HIDRODINÂMICA83

Solução: vamos usar o procedimento geral para resolver o problema deDrichlet, de transformar a região dada no semi-plano superior. Neste casopodemos utilizar uma transformação linear fraccionária.

Tal como em relação à temperatura, é fisicamente razoável que o potencialeléctrico seja limitado. Então, pela fórmula 3.2, a solução no semi-planosuperior será dada por

ϕ0(x, y) = 1− 1

πtan−1

(y

x

),

então a solução no círculo unitário é

ϕ(x, y) = ϕ0(f(x, y)),

onde f(z) = (z − 1)/i(z + 1) = u + iv, com

u =2y

x2 + y2 + 2x + 1

ev = − x2 + y2 − 1

x2 + y2 + 2x + 1.

Temos finalmente que a solução é

ϕ(x, y) = 1− 1

πtan−1

(1− x2 − y2

2y

).

As linhas de fluxo e as linhas equipotenciais são exibidas na figura???

FIGURAS

Hidrodinâmica

Se tivermos um fluxo incompressível e não viscoso, interessa-nos deter-minar o seu campo de velocidades, V (x, y). Sabemos de trás que "incom-pressível" significa que a divergência div V = 0 (dizemos que V é livre dedivergência). Vamos também assumir que V é livre de circulação, ou seja,que V = gradϕ para algum ϕ a que chamaremos potencial de velocidade. Ob-viamente ϕ é harmónica, pois ∇2V = div grad ϕ = 0. Então, se resolvermoso problema em relação a ϕ obtemos imediatamente V através de V = gradϕ.

Considerando o conjugado harmónico ψ de ϕ, à função analítica F =ϕ + iψ chamamos potencial complexo. As curvas de ψ constante, têm V

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84 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

como tangente (porquê?), então estas linhas podem ser interpretadas comoas linhas ao longo da quais se movem as partículas do fluido (ver figura ???).

A condição de fronteira natural é que V deve ser paralelo à fronteira (ofluido flui paralelo às paredes). Isto significa que ∂ϕ/∂n = 0, temos então oproblema de Neumann em relação a ϕ.

Consideremos de novo o semi-plano superior. Um movimento fisicamenteaceitável obtém-se fixando V (x, y) = α = (α, 0) ou ϕ(x, y) = αx = Re(αz),com α real. O fluxo correspondente a a V é paralelo ao eixo real, comvelocidade α. Note-se que neste caso ϕ não é limitado, pois o comportamentono infinito para fluxos, temperaturas e potencial eléctrico, é distinto devidoàs suas características físicas.

Então para determinar o fluxo numa região devemos transformar a regiãoso semi-plano superior e usar a solução ϕ(x, y) = αx, sendo α especificadocomo a velocidade no infinito. É claro que, se f é uma aplicação conforme daregião dada no semi-plano superior, então o potencial complexo pretendidoé dado por F (z) = αf(z).

Exemplo 91 Determinemos o fluxo em torno da metade superior do cťr-culo unitário, considerando a velocidade paralela ao eixo real e igual a α noinfinito.

solution Vamos primeiro transformar a região considerada, no semi-plano superior, através da aplicação conforme z 7→ z + 1/z (Figura???).Então Fα(z) = αz, é o potencial complexo no semi-plano superior, então opotencial complexo pretendido é

F (z) = α(z +1

z.

É conveniente usar coordenadas polares r e θ para expressar ϕ e ψ. Temosentão

ϕ(r, θ) = α

(r +

1

r

)cos θ

e

ψ(r, θ) = α

(r − 1

r

)sin θ.

(Ver figura???)

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3.6. REPRESENTAÇÃO EM SÉRIE 85

3.6 Representação em série

Existe uma forma alternativa muito importante de definir função analítica.Uma função f é analítica sse se pode representar, localmente, como umasérie de potências convergente. A esta série chamamos série de Taylor de f .Também nos interessa investigar a representação em série de uma função queé analítica numa vizinhança de um ponto excepto nesse ponto, dizemos entãoque a função tem uma singularidade isolada nesse ponto. A série resultante,chamada série de Laurent, fornece informações muito importantes sobre ocomportamento das funções perto das suas singularidades e este comporta-mento é a chave para o estudo dos resíduos e das suas aplicações. De agoraem diante, até final deste capítulo, remetemos todas as demonstrações quenão efectuarmos aqui para a referência [4], Caps. 3 e 4.

Definição 92 Diz-se que uma sequência zn de números complexos convergepara um número complexo z0 e denota-se zn → z0 se, para qualquer ε > 0,existe um inteiro N tal que n > N implica que |zn − z0| < ε. Uma sérieinfinita

∑∞k=1 ak diz-se convergente para S e escreve-se

∑∞k=1 ak = S se a

sequência das somas parciais sn =∑n

k=1 ak convergir para S. Diz-se aindaque a série

∑∞k=1 ak é absolutamente convergente se a série dos módulos∑∞

k=1 |ak| fôr convergente.

Definição 93 Seja fn : A → C uma sucessão de funções, todas definidas noaberto A de C.

Diz-se que fn converge pontualmente para uma função f e escreve-se fn →f pontualmente se, para cada z ∈ A, fn(z) → f(z).

Diz-se que fn converge uniformemente para uma função f e escreve-sefn → f uniformemente se, para qualquer ε > 0 existir N tal que n > Nimplica que |fn(z)− f(z)| < ε para qualquer z ∈ A.

Uma série de funções∑∞

k=1 gk(z) converge pontualmente se a correspon-dente sucessão das somas parciais sn(z) =

∑nk=1 gk(z) convergir pontual-

mente e converge uniformemente se a correspondente sucessão das somasparciais sn(z) =

∑nk=1 gk(z) convergir uniformemente.

Uma série de potências é uma série do tipo∑∞

n=0 an(z − z0)n, onde an

e z0 são números complexos fixos. Estas séries são de extrema importância,pois, como vimos atrás no caso das funções elementares, representam funçõesanalíticas.

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86 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Teorema 94 Seja∑∞

n=0 an(z−z0)n uma série de potências. Existe um único

número 0 ≤ R ≤ +∞, chamado o raio de convergência da série, tal que se|z − z0| < R a série converge, e se |z − z0| > R a série diverge. Maisainda, a convergência é uniforme e absoluta em cada disco fechado contidoem A = {z ∈ C||z − z0| < R}. Não existe nenhum resultado geral sobre ocaso |z − z0| = R.

Ao círculo A = {z ∈ C||z − z0| < R} chamamos círculo de convergênciada série.

Temos então que, para cada z no interior do círculo de convergência, asérie

∑∞n=1 an(z − z0)

n converge para um número complexo f(z), definindoassim uma função f : A → C.

Teorema 95 Uma série de potências f(z) =∑∞

n=0 an(z−z0)n é uma função

analítica no interior do seu círculo de convergência, a sua derivada é dadapor f ′(z) =

∑∞n=1 nan(z− z0)

n−1 e esta série tem exactamente o mesmo raiode convergência que a inicial. Mais ainda, os coeficientes an são dados poran = f (n)(z0)/n!.

Vamos agora indicar alguns métodos muito simples para determinar oraio de convergência R.

Teorema 96 Consideremos a série de potências∑∞

n=0 an(z − z0)n.

1. Se existir o limite

limn→∞

|an||an+1| ,

ele é igual a R, o raio de convergência da série.

2. Se existir o limiteρ = lim

n→∞n√|an|,

então R = 1/ρ. (Se ρ = 0 então R = ∞ e se ρ = ∞ então R = 0).

Temos então que qualquer série de potências define uma função analíticano interior do seu círculo de convergência, mas será que qualquer funçãoanalítica pode ser representada por uma série de potências? O próximoteorema dá uma resposta positiva a esta questão.

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3.6. REPRESENTAÇÃO EM SÉRIE 87

Teorema 97 (Teorema de Taylor) Seja f uma função analítica numa regiãoA. Seja z0 ∈ A e seja Ar = {z||z − z0| < r} o maior disco possível centradoem z0 e contido em A (se r = ∞, Ar = A = C) (ver Figura 3.6). Então,para cada z ∈ Ar),

∞∑n=0

f (n)(z0)

n!(z − z0)

n

converge em Ar (ou seja, tem raio de convergência ≥ r), e temos

f(z) =∞∑

n=0

f (n)(z0)

n!(z − z0)

n.

Chamamos a esta série, série de Taylor de f em torno de z0.

Figura 3.7: Teorema de Taylor

Por exemplo, consideremos f(z) = ez. Sabemos que f é inteira e quef (n)(z) = ez para qualquer n, logo f é analítica em 0 e f (n)(0) = 1 paraqualquer n. Temos então que

ez =∞∑

n=0

zn

n!,

que é válida para qualquer z ∈ C, uma vez que f é inteira.A série de Taylor em torno do ponto z0 = 0 é conhecida como série de

Mac-Laurin. Na tabela seguinte encontraremos as expansões de Mac-Laurinde algumas funções elementares.

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88 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Função Série de Mac-Laurin Validadeez

∑∞n=0

zn

n!C

sin z∑∞

n=1(−1)n+1 z2n−1

(2n−1)!C

cos z∑∞

n=0(−1)n z2n

(2n)!C

log(1 + z)(ramo principal)

∑∞n=1(−1)n−1 zn

n!|z| < 1

Quando f é analítica em torno de z0, a série de Taylor permite-nos obterpara f(z) em torno de z0, uma expansão em série de potências convergente.Mas a série de Taylor não se aplica a funções tais como f(z) = 1/z ouez/z2, em torno de z0 = 0, pois elas não são analíticas nesse ponto. Paratais funções existe outra expansão, a expansão de Laurent, que usa potênciasinversas de z em vez de potências de z. Esta expansão é particularmenteimportante no estudo dos pontos singulares das funções e leva-nos a outroresultado fundamental da Análise Complexa, o Teorema dos Resíduos, queenunciaremos mais à frente.

Seja h : [a, b] ⊂ R → C uma função, portanto podemos escrever h(t) =u(t) + iv(t), definimos então

∫ b

a

h(t)dt =

∫ b

a

u(t)dt + i

∫ b

a

v(t)dt.

Queremos extender esta definição a integrais de funções ao longo de curvasem C, sendo que uma curva em C é, por definição, uma aplicação de classeC1, γ : [a, b] → C.

Definição 98 Seja f : A ⊂ C → C contínua e seja γ : [a, b] → C umacurva, com γ([a, b]) ⊂ A, definimos o integral de f ao longo de γ como

γ

f =

∫ b

a

f(γ(t))γ′(t)dt.

Temos então

Teorema 99 (Teorema de Laurent) Sejam r2 > r1 ≥ 0 e z0 ∈ C. Con-sideremos a região A = {z ∈ C|r1 < |z − z0| < r2} (veja a Figura 3.6).São permitidos r1 = 0 ou r2 = ∞ ou ambos. Seja f analítica em A, entãopodemos escrever

f(z) =∞∑

n=0

an(z − z0)n +

∞∑n=1

bn

(z − z0)n

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3.6. REPRESENTAÇÃO EM SÉRIE 89

(a expansão de Laurent de f), onde ambas as séries no lado direito da equaçãoconvergem absolutamente em A. Os coeficientes são dados por

an =1

2iπ

γ

f(τ)

(τ − z0)n+1dτ, n = 0, 1, 2, · · ·

ebn =

1

2iπ

γ

f(τ)(τ − z0)n−1dτ, n = 1, 2, · · ·

onde γ é uma qualquer circunferência com centro em z0 e raio r, r1 < r < r2.

Figura 3.8: Região de aplicação do Teorema de Laurent com z0 = 0.

Interessa-nos especialmente o caso em que r1 = 0. Nesse caso, f éanalítica em {z|0 < |z − z0| < r2}, ou seja, no círculo de centro em z0 eraio r2, excluindo o ponto z0. Chamamos a este tipo de vizinhança, vizin-hança apagada de z0. Neste caso dizemos que z0 é uma singularidade isoladade f . Podemos então expandir f em série de Laurent

f(z) = · · · + bn

(z−z0)n + · · ·+ b1

z−z0+ a0 + a1(z − z0) + a2(z − z0)

2 + · · · ,

válida para 0 < |z − z0| < r2.

Definição 100 Se f é analítica numa região A que não contém z0 mas quecontém uma vizinhança apagada de z0, diz-se que z0 é uma singularidadeisolada de f .

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90 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Se z0 é uma singularidade isolada de f , tal que apenas um número finitode coeficientes bn na expansão de Laurent de f em torno de z0 são não nulos,então z0 é um polo de f . Se k é o maior inteiro tal que bk 6= 0, diz-se quez0 é um polo de ordem k. Aos polos de primeira ordem, chamamos polossimples. Se um número infinito de bk’s fôr não nulo, z0 é uma singularidadeessencial.

Chamamos a b1, o resíduo de f em z0.Se todos os bk’s forem nulos, dizemos que z0 é uma singularidade re-

movível.Uma função que é analítica em A excepto nos polos em A, diz-se mero-

morfa em A, e diz-se meromorfa se fôr meromorfa em C.

Então f tem um polo de ordem k em z0 se e só se a sua expansão deLaurent em torno de z0 fôr da forma

bk

(z − z0)k+ · · ·+ b1

z − z0

+ a0 + a1(z − z0) + · · · .

A parte bk

(z−z0)k + · · · + b1z−z0

, chamada parte principal de f em z0, diz-nos o"quão singular" é f em z0.

Se f tiver uma singularidade removível em z0, então

f(z) =∞∑

n=0

an(z − z0)n

é uma série de potências convergente. Daí, se fizermos f(z0) = a0, f ficaanalítica em z0. Por outras palavras, f tem uma singularidade removível emz0 se e só se puder ser definida em z0 de forma a ficar analítica nesse ponto.

3.7 Resíduos

Seja f analítica numa região A e seja z0 ∈ A. Dizemos que f tem um zerode ordem k em z0 se e só se f(z0) = · · · = f (k−1)(z0) = 0 e f (k)(z0) 6= 0.

Como veremos mais à frente, determinar a expansão de Laurent não étão importante como calcular o resíduo b1 e este cálculo pode ser feito semdeterminar a série de Laurent, usando as técnicas do teorema seguinte.

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3.7. RESÍDUOS 91

Teorema 101 Seja f meromorfa numa região A com um polo em z0 ∈ A,então podemos determinar a ordem do polo e o resíduo de f em z0, atravésda seguinte tabela:

Função Teste Tipo deSingularidade

Fórmula para oresíduo em z0

Res(f, z0) =1-f(z) lim

z→z0

(z − z0)f(z) = 0 removível 0

2-f(z) = g(z)h(z)

g e h têm zerosda mesma ordem removível 0

3-f(z)limz→z0

(z − z0)f(z)

existe e é 6= 0

polosimples lim

z→z0

(z − z0)f(z)

4-f(z) = g(z)h(z)

g(z0) 6= 0, h(z0) = 0,h′(z0) 6= 0

polosimples

g(z0)h′(z0)

5-f(z) = g(z)h(z)

g tem um zerode ordem ke h de ordem k + 1

polosimples (k + 1) g(k)(z0)

h(k+1)(z0

6-f(z) = g(z)h(z)

g(z0) 6= 0h(z0) = 0 = h′(z0)h′′(z0) 6= 0

polo deordem 2 2 g′(z0)

h′′(z0)− 2

3g(z0)h′′′(z0)

[h′′(z0)]2

7-f(z) = g(z)(z−z0)2

g(z0) 6= 0polo deordem 2 g′(z0)

8-f(z) = g(z)h(z)

g(z0) = 0, g′(z0) 6= 0,h(z0) = 0 = h′(z0)= h′′(z0), h′′′(z0) 6= 0

polo deordem 2 3 g′′(z0)

h′′′(z0)− 3

2g′(z0)h(iv)(z0)

[h′′′(z0)]2

9-f(z)

k é o menor inteirotal que ∃ lim

z→z0

ϕ(z)

ondeϕ(z) = f(z)(z − z0)

k

polo deordem k

limz→z0

ϕ(k−1)(z)(k−1)!

10-f(z) = g(z)h(z)

g tem um zerode ordem le h de ordem l + k

polo deordem k

limz→z0

ϕ(k−1)(z)(k−1)!

ondeϕ(z) = (z − z0)

kf(z)

O Teorema dos resíduos, que enunciaremos em seguida, é um dos resul-tados mais importantes da análise complexa e leva-nos rapidamente a apli-cações importantes, algumas das quais apresentaremos na próxima secção.

Teorema 102 (Teorema dos resíduos) Seja A uma região com z1, · · · , zn ∈

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92 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

A. Seja f analítica em C\{z1, · · · , zn} (portanto z1, · · · , zn ∈ A são as sin-gularidades isoladas de f em A). Seja γ uma curva fechada, que se podedeformar continuamente num ponto em A e tal que nemhum dos zi lhe per-tence. Então ∫

γ

f = 2iπn∑

i=1

Res(f, zi)I(γ, zi),

onde I(γ, zi) é o número de voltas dado pela curva γ em torno do ponto zi,multiplicado pelo sinal + caso sejam efectuadas no sentido anti-horário e pelosinal − caso sejam efectuadas no sentido horário (ver Figura 3.7).

Figura 3.9: Índice de uma curva em relação a um ponto.

Exemplo 103 Consideremos∫

γdz/(z2− 1), onde γ é a circunferência com

centro em 0 e raio 2 percorrida no sentido anti-horário. A função 1/(z2−1) =1/[(z − 1)(z + 1)] tem singularidades nos pontos −1 e 1. Aplicando 3 doTeorema 101, temos que são ambos polos simples e que

Res(f,−1) = limz→−1

z + 1

z2 − 1= −1

2,

da mesma forma temos Res(f, 1) = 1/2. Por outro lado, I(γ,−1) = I(γ, 1) =1, logo ∫

γ

1

z2 − 1dz = 2iπ

(−1

2+

1

2

)= 0.

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3.8. CÁLCULO DE INTEGRAIS IMPRÓPRIOS 93

3.8 Cálculo de integrais impróprios

Nesta secção vamos descrever alguns métodos, baseados no Teorema dosresíduos, para calcular integrais impróprios de funções reais de variável real.Parte destes métodos encontram-se resumidos na tabela contida no teoremaseguinte.

Teorema 104 São válidos os resultados resumidos na tabela seguinte.

Tipo de integral Condições Fórmula

1-∫∞−∞ f(x)dx

f tem um número finitode polos em C, nenhumdos quais no eixo real e|f(z)| ≤ M/|z|2para |z| suf. grande

∫∞−∞ f(x)dx =

2iπ∑

resíduos de fno semi-planosuperior

2-∫∞−∞

P (x)Q(x)

dxP e Q polinómios;grau Q ≥ grau P + 2Q não tem zeros reais

∫∞−∞

P (x)Q(x)

dx =

2iπ∑

resíduos de P/Qno semi-planosuperior

3a-∫∞−∞ eiaxf(x)dx

a > 0; |f(z)| ≤ M/|z|para |z| suf. gde. e fnão tempolos no eixo real;ou f(z) = P (z)/Q(z)com grauQ ≥ 1+grau P eQ não tem zeros reais

∫∞−∞ eiaxf(x)dx = I =

2iπ∑

res. de eiazf(z)no semi-planosuperior

Se a < 0, I =

−2iπ∑

res. de eiazf(z)no semi-planoinferior

b-∫∞−∞ cos(ax)f(x)dx∫∞−∞ sin(ax)f(x)dx

f real no eixo real∫∞−∞ cos(ax)f(x)dx = Re I∫∞−∞ sin(ax)f(x)dx = Im I

4-∫ 2π

0R(cos θ, sin θ)dθ

R racional eR(cos θ, sin θ)contínua em θ

∫ 2π

0R(cos θ, sin θ)dθ = 2iπ×

∑ (res. de f "dentro"do círculo unitário

)

f(z) =1iz

R(

12

(z + 1

z

), 1

2i

(z − 1

z

)).

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94 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

5-∫∞0

xa−1f(x)dx

a > 0 e f tem um númerofinito de polos, nenhumdos quais no eixo realpositivo; |f(z)| ≤ M/|z|bpara |z| suf. grande, e|f(z)| ≤ M/|z|d, d < a,para |z| → 0 ouf = P/Q e Q não temzerosno eixo real positivo;0 < a < deg Q− deg Pe nQ − nP < a onde nQ

é a ordem do zero de Qem 0 e nP a ordem dozero de P em 0

∫∞0

xa−1f(x)dx = −πe−πai

sin(πa)×

res. de za−1f(z)nos polos de fexcluíndo 0

usando o ramo0 < arg z < 2π

6-∫∞−∞ f(x)dx

O mesmo que em (1)excepto que são permitidospolos simples no eixo real

∫∞−∞ f(x)dx =

2πi∑

res. de f nosemi-planosuperior

+πi∑

(res. no eixo real)

7-∫∞−∞

P (x)Q(x)

dx

O mesmo que em (2)excepto que sãopermitidos polossimples no eixo real

∫∞−∞

P (x)Q(x)

dx =

2πi∑

res. de P/Qno semi-planosuperior

+πi∑

(res. no eixo real)

8a-∫∞−∞ eiaxf(x)dx

O mesmo que em (3)excepto que sãopermitidos polossimples no eixo real

i. a > 0.∫∞−∞ eiaxf(x)dx =

I = 2πi×∑ (

res. de eiazf(z) nosemiplano superior

)

+πi∑

(res. no eixo real)ii. a < 0. I = −2πi×∑ (

res. de eiazf(z) nosemiplano inferior

)

+πi∑

(res. no eixo real)

b-∫∞−∞ cos(ax)f(x)dx∫∞−∞ sin(ax)f(x)dx

f real no eixo real;são permitidos polossimples no eixo real

∫∞−∞ cos(ax)f(x)dx = Re I∫∞−∞ sin(ax)f(x)dx = Im I

Se a < 0, usa-se osemiplano inferior

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3.9. EXERCÍCIOS 95

3.9 ExercíciosExercício 55 Escreva os seguintes números complexos na forma a + bi:

1. (2 + 3i) + (4 + i).

2. (2 + 3i)(4 + i).

3. 2+3i4+i

.

4. (8 + 6i)2.

5. 1i+ 3

1+i.

Exercício 56 Considerando z = x + iy, determine a parte real e a parteimaginária dos seguintes números complexos:

1. 1z2 .

2. 13z+2

.

3. z+12z+5

.

4. z3.

Exercício 57 Mostre que, para qualquer k ∈ Z, temos

i4k = 1, i4k+1 = i, i4k+2 = −1, i4k+3 = −i.

Exercício 58 Resolva as seguintes equações:

1. z5 − 2 = 0.

2. z4 + i = 0.

Exercício 59 Determine o conjugado complexo de

(3 + 8i)4

(1 + i)10.

Exercício 60 Escreva cos 5z e sin 5z em função de sin z e cos z.

Exercício 61 Calcule todos os valores de: log 1, log i, log−i, log(1 + i).

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96 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

Exercício 62 Para que valores de z temos que (eiz) = ei z?

Exercício 63 Usando a representação trigonométrica, demonstre que a apli-cação z 7→ z + 1/z transforma a circunferência |z| = 1 no intervalo [−2, 2]do eixo real.

Exercício 64 Determine os conjuntos onde as seguintes funções são analíti-cas e calcule as suas derivadas.

1. (z + 1)3.

2. z + 1z.

3.(

1z−1

)10.

4. 1(z3−1)(z2+2)

.

Exercício 65 Demonstre que, se f = u+ iv é inteira e ∂u/∂x+∂v/∂y = 0,então f ′ é constante.

Exercício 66 Derive e indique o domínio de analiticidade das seguintesfunções:

1. z2 + z.

2. 1/z.

3. sin z/ cos z.

4. ez3+1z−1 .

Exercício 67 Determine se existem os seguintes limites complexos e, emcaso afirmativo, determine o seu valor.

1. limz→0

ez−1z

.

2. limz→0

sin |z|z

.

Exercício 68 Será verdade que | sin z| ≤ 1 ∀z ∈ C?

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3.9. EXERCÍCIOS 97

Exercício 69 Determine os conjugados harmónicos de cada uma das seguintesfunções:

1. u(x, y) = log√

x2 + y2.

2. u(x, y) = ex cos y.

Exercício 70 Verifique directamente que as curvas de nível de Reez e Imez

se intersectam ortogonalmente.

Exercício 71 Considere f = u+iv, onde u(x, y) = 2x2+y2 e v(x, y) = y2/x.Mostre que as curvas de nível de u e v se intersectam ortogonalmente, masque f não é analítica.

Exercício 72 Considere a função harmónica u(x, y) = 1 − y + x(x2 + y2)no semi-plano superior (y > 0). Qual é a função harmónica correspondenteno primeiro quadrante (x > 0, y > 0), através da transformação z 7→ z2?

Exercício 73 Prove que, se T1 e T2 forem ambas transformações linearesfraccionárias, então T1◦T2 também é uma transformação linear fraccionária.

Exercício 74 Sendo a, b, c, d números reais tais que ad > bc, mostre queT (z) = (az + b)/(cz + d) deixa invariante o semi-plano superior.

Exercício 75 Encontre uma aplicação conforme que transforme:

1. {z : 0 < arg z < π/8} no círculo unitário.

2. C\{x + iy : x ≤ 0, y = 0} em {z : −π < Im z < π}.3. A = {z : Re z < 0, 0 < Im z < π} no primeiro quadrante.

4. A = {z : |z − 1| < 1} em B = {z : Re z > 1}.

Exercício 76 Considere uma transformação linear fraccionária da forma

f(z) = a

(z − b

z − d

).

Demonstre que

1. As circunferências pelos pontos b e d são transformadas em rectas quepassam pela origem.

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98 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

2. As circunferências de Apolónio, com equação |z− b|/|z−d| = r/|a| sãotranformadas em circunferências de raio r, centradas na origem.

Exercício 77 Obtenha uma fórmula para determinar a temperatura na região{z : 0 ≤ arg z ≤ π/4} sujeita aos valores de fronteira T = 0 no semi-eixoreal positivo e T = 1 na semi-recta {z : arg z = π/4}.

Exercício 78 Determine o potencial eléctrico no primeiro quadrante, sujeitoàs condições de fronteira: ϕ = 1 no eixo imaginário, ϕ = 0 no eixo real àesquerda de 1 e ϕ = 1 no eixo real à direita de 1.

Exercício 79 Determine o potencial eléctrico na meia faixa {x+iy : −π/2 <x < π/2, y > 0}, sujeito às condições de fronteira: ϕ = 1 nas semi-rectasx = ±π/2 e ϕ = 0 no eixo real, entre −π/2 e π/2.

Exercício 80 Determine o fluxo em torno do círculo unitário, se o fluxofizer um ângulo θ com o eixo real e tiver velocidade α no infinito.

Exercício 81 Obtenha uma fórmula para determinar o fluxo ilustrado napróxima figura, com velocidade α no infinito.

Exercício 82 Determine o raio de convergência de cada uma das seguintesséries de potências:

1.∞∑

n=0

nzn.

2.∞∑

n=0

zn

en .

3.∞∑

n=0

n! zn

nn .

4.∞∑

n=0

zn

n.

Exercício 83 Determine a série de Taylor das seguintes funções em tornodos pontos indicados (indique apenas os primeiros termos quando apropri-ado).

1. sin z2, z0 = 0.

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3.9. EXERCÍCIOS 99

2. e2z, z0 = 0.

3. sin zz

, z0 = 1.

4. z2ez, z0 = 0.

5. ez sin z, z0 = 0.

Exercício 84 Derive a expansão de Taylor de 1/(1 − z) para obter as ex-pansões de

1

(1− z)2e de

1

(1− z)3

Exercício 85 Determine a expansão de Laurent das seguintes funções emtorno de z0 = 0:

1. sin(

1z

).

2. 1z(z+1)

.

3. zz+1

.

4. ez

z2 .

Exercício 86 Determine a expansão de Laurent de 1z(z−1)(z−2)

nas seguintesregiões:

1. 0 < |z| < 1.

2. 1 < |z| < 2.

Exercício 87 Determine os resíduos das seguintes funções nos pontos indi-cados:

1. 1z2−1

; z = 1.

2. zz2−1

; z = 1.

3. ez−1z2 ; z = 0.

4. ez−1z

; z = 0.

5. ez2

z−1; z = 1.

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100 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

6. ez2

(z−1)2; z = 0.

7.(

cos z−1z

)2; z = 0.

8. z2

z4−1; z = e

iπ2 .

Exercício 88 Determine todas as singularidades das seguintes funções e cal-cule os resíduos nesses pontos:

1. 1ez−1

.

2. sin(

1z

).

3. 1z3(z+4)

.

4. 1z2+2z+1

.

5. 1z3−3

.

Exercício 89 Se f1 e f2 tiverem polos simples em z0, mostre que f1f2 temum polo de segunda ordem em z0. Determine uma fórmula para o resíduo.

Exercício 90 Calcule os seguintes integrais:

1. ∫

γ

dz

(z + 1)3,

onde (a) γ é o quadrado com vértices 0, 1, 1 + i, i; (b) γ é a circunfer-ência de raio 2 centrada em 0.

2. ∫

γ

z

z2 + 2z + 5dz,

onde γ é a circunferência unitária.

3. ∫

γ

dz

ez − 1,

onde γ é a circunferência de raio 9 centrada em 0.

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3.9. EXERCÍCIOS 101

4. ∫

γ

5z − 2

z(z − 1)dz,

onde γ é qualquer circunferência de centro em 0 e raio maior que 1.

5. ∫

γ

e−z2

z2dz,

onde γ é o quadrado com vértices −1− i, 1− i,−1 + i, 1 + i.

Exercício 91 Calcule os seguintes integrais:

1.∫

|z|=1/2

dz(1−z)3

.

2.∫

|z+1|=1/2

dz(1−z)3

.

3.∫

|z−1|=1/2

ez

(1−z)3dz.

4.∫

|z|=1/2

dzz(1−z)3

.

Exercício 92 Calcule os seguintes integrais impróprios:

1.+∞∫−∞

dxx2−2x+4

.

2.+∞∫0

dx1+x6 .

3.+∞∫0

cos mx1+x4 dx.

4.+∞∫0

x sin x1+x2 dx.

5.+∞∫0

xa−1

1+x3 dx, 0 < a < 3.

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102 CAPÍTULO 3. NÚMEROS COMPLEXOS

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Capítulo 4

Sistemas de Equações Diferenciais

O estudo de equações diferenciais de ordem superior pode ser reduzido ao casode ordem 1, através da introdução de sistemas de equações. Por exemplo, aequação de segunda ordem

y′′ + 2ty′ − y = et

pode transformar-se num sistema de duas equações de primeira ordem intro-duzindo duas funções incógnitas y1 e y2, onde

y1 = y e y2 = y′1.

Ficamos com y′2 = y′′1 = y′′ e a equação anterior pode escrever-se como osistema de duas equações de primeira ordem:

{y′1 = y2

y′2 = y1 − 2ty2 + et.

As equações não podem ser resolvidas separadamente pelos métodos dasequações de primeira ordem, pois cada uma envolve duas funções incógnitas.

Neste capítulo vamos considerar siatemas de n equações diferenciais deprimeira ordem envolvendo n funções incógnitas y1, · · · , yn. Estes sistemastêm a forma

y′1 = p11(t)y1 + p12(t)y2 + · · ·+ p1n(t)yn + q1(t)...

y′n = pn1(t)y1 + pn2(t)y2 + · · ·+ pnn(t)yn + qn(t).

(4.1)

103

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104 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

As funções pik e qi são funções dadas, definidas num intervalo J e as funçõesy1, · · · yn são as funções incógnitas a determinar. Os sistemas deste tipochamam-se sistemas lineares de primeira ordem.

Uma equação diferencial linear de ordem n pode sempre ser transformadanum sistema linear de primeira ordem. Consideremos a equação

y(n) + a1y(n−1) + · · ·+ any = R(t),

onde os coeficientes ai são funções dadas. Para transformar esta equaçãonum sistema basta-nos fazer

y1 = y, y2 = y′1, · · · , yn = y′n−1

e reescrever a equação como o sistema

y′1 = y2

y′2 = y3...

y′n−1 = yny′n = −an(t)y1 − an−1y2 − · · · − a1(t)yn + R(t).

O estudo dos sistemas pode ser consideravelmente simplificado pelo usode notação matricial. Consideremos o sistema geral 4.1 e as funções

Y (t) = (y1(t), · · · , yn(t)), Q(t) = (q1(t), · · · , qn(t)), P (t) = [pij(t)].

Identificando os vectores com matrizes coluna do tipo n×1, podemos escrevero sistema 4.1 como

Y ′ = P (t)Y + Q(t).

Um problema de valor inicial para este sistema corresponde a determinaruma função vectorial Y que o satsifaça e que satisfaça uma condição inicialdo tipo Y (a) = B onde a ∈ J e B = (b1, · · · , bn) é um vector n-dimensional.

No caso n = 1 sabemos da Análise II que, se P e Q forem contínuas emJ , todas as soluções são dadas explicitamente pela fórmula

T (x) = eA(x)Y (a) + eA(x)

∫ x

a

e−A(t)Q(t)dt, (4.2)

onde A(x) =∫ x

aP (t)dt, e a é um ponto qualquer de J . Vamos mais à frente

verificar que esta fórmula pode ser generalizada aos sistemas, ou seja, quandoP (t) é uma função matricial do tipo n× n e Q(t) é uma função vectorial n-dimensional. Para fazer isto, temos primeiro que dar significado a integraisde matrizes e exponenciais de matrizes.

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4.1. FUNÇÕES MATRICIAIS 105

4.1 Funções matriciais

A generalização dos conceitos de integral e de derivada para funções matri-ciais é imediato. Se P (t) = [pij(t)], definimos o integral

∫ b

aP (t)dt através

de ∫ b

a

P (t)dt =

[∫ b

a

pij(t)dt

].

Ou seja, o integral da matriz P (t) é a matriz dos integrais das entradas deP (t). É fácil verificar (exercício) que as propriedades de linearidade dosintegrais se mantêm para as funções matriciais.

Analogamente, dizemos que uma função matricial P = [pij] é contínuaem t se cada entrada pij fôr contínua em t. Da mesma forma, uma funçãomatricial é diferenciável se todas as suas entradas o forem e a derivada P ′

define-se derivando cada uma das entradas,

P ′(t) = [p′ij(t)].

É fácil verificar (exercício) que se mantêm as regras de derivação para somase produtos, ou seja,

(aP + bQ)′ = aP ′ + bQ′ e (PQ)′ = P ′Q + PQ′,

sempre que as operações estejam definidas. A regra da cadeia também per-siste, ou seja, se F (t) = P (g(t)), onde P é uma função matricial e g umafunção escalar, ambas diferenciáveis, então

F ′(t) = g′(t)P ′(g(t)).

4.2 Exponencial de uma matriz

Seja A = [aij] uma matriz do tipo n × n com entradas reais ou complexas.Queremos definir a exponencial eA, de forma a que se mantenham as pro-priedades fundamentais das exponenciais real e complexa usuais, em partic-ular, que

etAesA = e(t+s)Apara quaisquer reais t e s

e quee0 = I,

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106 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

onde 0 e I são respectivamente a matriz nula e a matriz identidade do tipon×n. Poderia parecer natural definir eA como sendo a matriz [eaij ], mas taldefinição é inaceitável, pois não satisfaz nenhuma das propriedades anteriores.Em vez disso, vamos definir eA através da expansão em série de potências.

Definição 105 Sendo A uma matriz do tipo n × n com entradas reais oucomplexas, definimos a exponencial eA como sendo a matriz n× n dada pelasérie de potências

eA =∞∑

k=0

Ak

k!.

Para que esta definição faça sentido, é necessário que a série de potênciasdefina realmente ume matriz, isto é dado pelo seguinte teorema, o qual nãodemonstraremos aqui.

Teorema 106 Seja A uma matriz do tipo n×n com entradas reais ou com-plexas,então a série de potências

∞∑

k=0

Ak

k!

é convergente, no sentido em que cada uma das suas entradas é uma sérienumérica convergente.

Note-se que esta definição implica que e0 = I, onde 0 é a matriz nula eI a matriz identidade. Mais propriedades da exponencial de matrizes serãoem seguida desenvolvidas com a ajuda de equações diferenciais.

4.3 A equação diferencial matricial F ′(t) = AF (t)

Seja t um número real e A uma matriz do tipo n × n, e seja E(t) a matrizdada por

E(t) = etA.

Note-se que A é uma matriz constante, portanto E é uma função de t.

Teorema 107 Para qualquer número real t a função matricial E definidapor E(t) = etA satisfaz a equação diferencial matricial

E ′(t) = E(t)A = AE(t).

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4.3. A EQUAÇÃO DIFERENCIAL MATRICIAL F ′(T ) = AF (T ) 107

Dem. Da definição de exponencial de uma matriz, temos que

E(t) =∞∑

k=0

(tA)k

k!=

∞∑

k=0

tkAk

k!.

Seja c(k)ij a entrada ij de Ak. Temos então que

∞∑

k=0

tkAk

k!=

[ ∞∑

k=0

tkc(k)ij

k!

].

Cada entrada desta matriz é uma série de potências de t convergente paratodos os t, logo a sua derivada existe para todos os t e é dada pela série

∞∑

k=1

ktk−1

k!c(k)ij =

∞∑

k=0

tk

k!c(k+1)ij .

Isto mostra que a derivada E ′(t) existe e é dada pela série de potências

E ′(t) =∞∑

k=0

tk

k!Ak+1 =

( ∞∑

k=0

tk

k!Ak

)A = E(t)A.

Na última equação usámos a propriedade Ak+1 = AkA, mas como A comutacom Ak, podíamos ter escrito Ak+1 = AAk para obter E ′(t) = AE(t).

Para demonstrarmos o Teorema de Unicidade que caracteriza todas assoluções da equação diferencial F ′(t) = AF (t) necessitamos do seguinte re-sultado que não vamos aqui demonstrar.

Lema 108 Para qualquer matriz A do tipo n×n e qualquer escalar t, temosque

etAe−tA = I.

Daí etA é invertível e a sua inversa é dada por e−tA.

Teorema 109 (da Unicidade) Sejam A e B matrizes constantes do tipon× n. Então a única matriz do tipo n× n que satisfaz o problema de valorinicial

F ′(t) = AF (t), F (0) = B

para −∞ < t < +∞ éF (t) = etAB.

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108 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

Dem. É imediato verificar que etAB é solução. Seja agora F uma soluçãoqualquer e consideremos a função matricial

G(t) = e−tAF (t).

Derivando este produto obtemos

G′(t) = e−tAF ′(t)− Ae−tAF (t) = e−tAAF (t)− e−tAAF (t) = 0.

Logo G(t) é uma matriz constante e

G(t) = G(0) = F (0) = B.

Ou seja, e−tAF (t) = B. Multiplicando por etA obtemos o resultado desejado.

A equação diferencial vectorial Y ′(t) = AY (t) onde A é uma matriz con-stante do tipo n× n e Y é uma função vectorial n-dimensional (identificadacom uma matriz coluna n×1) diz-se um sistema linear e homogéneo com coe-ficientes constantes.Estamos agora em condições de demonstrar um teoremade existência e unicidade de solução para sistemas deste tipo.

Teorema 110 Seja A uma matriz constante do tipo n×n e seja B um vectorde dimensão n. Então o problema de valor inicial

Y ′(t) = AY (t), Y (0) = B,

tem uma solução única no intervalo −∞ < t < +∞. Esta solução é dadapela fórmula

Y (t) = etAB.

Mais geralmente, a única solução do problema de valor inicial

Y ′(t) = AY (t), Y (a) = B,

é dada porY (t) = e(t−a)AB.

Dem. Derivando a igualdade Y (t) = etAB obtemos Y ′(t) = AetAB =AY (t). Como Y (0) = B esta função é solução da equação.

Para demonstrarmos que é a única solução, tomemos Z(t) outra funçãovectorial que satisfaça Z ′(t) = AZ(t) com Z(0) = B, e seja G(t) = e−tAZ(t).

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4.3. A EQUAÇÃO DIFERENCIAL MATRICIAL F ′(T ) = AF (T ) 109

É fácil verificar que G′(t) = 0, logo G(t) = G(0) = Z(0) = B, ou seja,e−tAZ(t) = B e Z(t) = etAB = Y (t). A demonstração do caso geral comvalor inicial Y (a) = B processa-se exactamente da mesma forma. A leidos expoentes eA+B = eAeB nem sempre se verifica para exponenciais dematrizes. No entanto não é difícil demonstrar que se verifica no caso em queas matrizes A e B comutam.

Teorema 111 Sejam A e B duas matrizes do tipo n × n que comutam,AB = BA. Então

eA+B = eAeB.

Dem. Da equação AB = BA deduzimos que

A2B = A(BA) = (AB)A = (BA)A = BA2,

ou seja, B comuta com A2. Por indução, B comuta com qualquer potência deA. Escrevendo etA como uma série de potências concluímos que B tambémcomuta com etA para qualquer real t.

Seja então F a função matricial definida pela equação

F (t) = et(A+B) − etAetB.

Derivando F (t) e usando o facto de que B comuta com etA temos que

F ′(t) = (A+B)et(A+B−AetAetB−BetAetB = (A+B)(et(A+B−etAetB) = (A+B)F (t).

Pelo Teorema da unicidade temos que

F (t) = et(A+B)F (0).

Mas F (0) = 0, logo F (t) = 0 para todos os t, ou seja, et(A+B) = etAetB e comt = 1 concluímos o resultado.

Exemplo 112 Como as matrizes sA e tA comutam para quaisquer escalaress e t, temos que

esAetA = e(s+t)A.

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110 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

4.4 Métodos para calcular etA

O Teorema 110 fornece uma fórmula explícita para as soluções de sistemashomogéneos com coeficientes constantes, contudo mantém-se o problema decalcular a matriz exponencial etA. Para calcular directamente etA a partirda definição teríamos que calcular todas as potências Ak de A para k =0, 1, 2, · · · e depois determinar a soma de cada série

∑∞k=0 tkc

(k)ij /k!, onde c

(k)ij

é a entrada ij da matriz Ak. Geralmente isto é uma missão impossível, anão ser que A seja uma matriz cujas potências sejam fáceis de calcular. Porexemplo, se A fôr uma matriz diagonal, digamos

A = diag(λ1, · · · , λn),

então cada potência Ak de A é a matriz diagonal

Ak = diag(λk1, · · · , λk

n).

Daí, neste caso etA é a matriz diagonal dada por

etA = diag

( ∞∑

k=0

tk

k!λk

1, · · · ,

∞∑

k=0

tk

k!λk

n

)= diag(etλ1 , · · · , etλn).

Outro caso fácil de lidar é quando A é uma matriz diagonalizável, ou seja,se existir uma matriz invertível C tal que C−1AC é uma matriz diagonal,digamos C−1AC = D, temos então que A = CDC−1, de onde se deduz que

A2 = CDC−1CDC−1 = CD2C−1

e, mais geralmente,Ak = CDkC−1.

Temos então que, neste caso,

etA =∞∑

k=0

tk

k!Ak =

∞∑

k=0

tk

k!CDkC−1 = C

( ∞∑

k=0

tk

k!Dk

)C−1 = CetDC−1.

Aqui a dificuldade está em determinar C e a sua inversa, pois uma vezque estas matrizes sejam conhecidas, é fácil calcular etA. Infelizmente nemtodas as matrizes são diagonalizáveis.

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4.4. MÉTODOS PARA CALCULAR ETA 111

Exemplo 113 Vamos determinar a solução do sistema linear{

y′1 = 5y1 + 4y2

y′2 = y1 + 2y2

sujeito às condições iniciais y1(0) = 2, y2(0) = 3. Em forma matricial osistema fica

Y ′(y) = AY (t), Y (0) =

[23

], onde A =

[5 41 2

].

Pelo Teorema 110 a solução é Y (t) = etAB, daí temos que calcular etA.Esta matriz tem valores próprios λ1 = 6, λ2 = 1, existe então uma matriz

invertível C =

[a bc d

]tal que C−1AC = D, onde D = diag(λ1, λ2).Para

determinar C escrevemos AC = CD, o que dá[

5 41 2

] [a bc d

]=

[a bc d

] [6 00 1

].

Multiplicando as matrizes, vemos que esta equação é satisfeita por quaisquerescalares a, b, c, d que satisfaçam a = 4c e b = −d. Tomando b = d = 1ficamos com

C =

[4 −11 1

]e C−1 =

1

5

[1 1−1 4

].

Daí

etA = CetDC−1 = 15

[4 −11 1

] [e6t 00 et

] [1 1−1 4

]

= 15

[4e6t + et 4e6t − 4et

e6t − et e6t + 4et

].

Concluímos finalmente que a solução do sistema é dada por[

y1

y2

]=

1

5

[4e6t + et 4e6t − 4et

e6t − et e6t + 4et

] [23

],

isto é,y1 = 4e6t − 2et, y2 = e6t + 2et.

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112 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

Existe um método geral para calcular etA, chamado Método de Putzer.Contudo este método é um pouco complicado, existindo métodos mais sim-ples em alguns casos específicos. No resto desta secção vamos apresentarmétodos expeditos para calcular etA nos seguintes casos especiais. (a) Quandotodos os valores próprios de A são iguais; (b) quando todos os valores própriosde A são distintos; (b) Quando A tem exactamente dois valores próprios, umdos quais com multiplicidade 1.

Teorema 114 Seja A uma matriz do tipo n × n com todos os seus valorespróprios iguais a λ, então

etA = eλt

n−1∑

k=0

tk

k!(A− λI)k.

Teorema 115 Seja A uma matriz do tipo n × n com n valores própriosdistintos λ1, λ2, · · · , λn, então

etA =n∑

k=1

etλkLk(A),

onde

Lk(A) =n∏

j = 1j 6= k

A− λjI

λk − λj

para k = 1, 2, · · · , n.

Estes polinómios têm o nome de coeficientes de interpolação de Lagrange.

Teorema 116 Seja A uma matriz do tipo n × n (n ≥ 3) com dois valorespróprios distintos λ e µ, tais que λ tem multiplicidade n− 1 e µ tem multi-plicidade 1. Temos então que

etA = eλt

n−2∑

k=0

tk

k!(A−λI)k+

{eµt

(µ− λ)n−1− eλt

(µ− λ)n−1

n−2∑

k=0

tk

k!(µ− λ)k

}(A−λI)n−1.

Com base nestes resultados, vamos em seguida enunciar as fórmulas ex-plícitas para o cálculo de etA quando A é uma matriz quadrada de dimensãon ≤ 3.

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4.5. EXERCÍCIOS 113

Caso 1 (A do tipo 2× 2, com ambos os valores próprios iguais a λ)

etA = eλt(1− λt)I + teλtA.

Caso 2 (A do tipo 2× 2, com dois valores próprios distintos, λ e µ)

etA =λeµt − µeλt

λ− µI +

eλt − eµt

λ− µA.

Se λ e µ forem complexos conjugados,

λ = α + iβ e µ = α− iβ, β 6= 0,

a fórmula anterior fica

etA =eαt

β((β cos βt− α sin βt)I + sin βtA) .

Caso 3 (A do tipo 3× 3 com todos os valores próprios iguais a λ)

etA = eλt(I + t(A− λI) +1

2t2(A− λI)2).

Caso 4 (A do tipo 3× 3 com três valores próprios distintos λ, µ, ν)

etA = eλt (A− µI)(A− νI)

(λ− µ)(λ− ν)+ eµt (A− λI)(A− νI)

(µ− λ)(µ− ν)+ eνt (A− λI)(A− µI)

(ν − λ)(ν − µ).

Caso 5 (A do tipo 3× 3 com valores próprios λ, λ, µ, λ 6= µ)

etA = eλt(I + t(A− λI)) +eµt − eλt

(µ− λ)2(A− λI)2 − teλt

µ− λ(A− λI)2.

4.5 ExercíciosExercício 93 Verifique que a propriedade de linearidade dos integrais, semantém para integrais de funções matriciais.

Exercício 94 Verifique as seguintes regras de diferenciação de funções ma-triciais, assumindo que P e Q são diferenciáveis e que os tipos das matrizessão de forma a que as operações em causa tenham significado. Além disso,em (3) e (4) assumimos que a matriz Q é invertível.

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114 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

1. (P + Q)′ = P ′ + Q′.

2. (PQ)′ = PQ′ + P ′Q.

3. (Q−1)′ = −Q−1Q′Q−1.

4. (PQ−1)′ = −PQ−1Q′Q−1 + P ′Q−1.

Exercício 95 Sejam P uma função matricial e g uma função escalar, ambasdiferenciáveis. Defina a função composta F (t) = P (g(t)) e demonstre a regrada cadeia, F ′(t) = g′(t)P ′(g(t)).

Exercício 96 Seja D uma matriz diagonal do tipo n × n, digamos D =diag(λ1, · · · , λn). Demonstre que a série matricial

∑∞k=0 Dk/k! é convergente

e a sua soma é a matriz diagonal,

∞∑

k=0

Dk

k!= diag(eλ1 , · · · , eλn).

Exercício 97 Em cada uma das seguintes alíneas resolva o sistema Y ′ = AYsujeito às condições iniciais indicadas.

1.

A =

[1 22 −1

], Y (0) =

[c1

c2

].

2.

A =

[ −5 3−15 7

], Y (0) =

[11

].

3.

A =

3 −1 12 0 11 −1 2

, Y (0) =

1−12

.

4.

A =

2 0 00 1 00 1 1

, Y (0) =

c1

c2

c3

.

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4.5. EXERCÍCIOS 115

5.

A =

0 1 00 0 1−6 −11 −6

, Y (0) =

100

.

6.

A =

−2 2 −32 1 −6−1 −2 0

, Y (0) =

800

.

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116 CAPÍTULO 4. SISTEMAS DE EQUAÇÕES DIFERENCIAIS

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Capítulo 5

Séries de Fourier

5.1 Formulação matemática do problema da con-dução do calor

Sejam L > 0, R a semi-faixa do plano (x, t), determinada por 0 < x < Le t > 0 e R o fecho de R. A fronteira de R é formada pelas semi-rectas{(0, t) : t > 0}, {(L, t) : t > 0} e pelo segmento {(x, 0) : 0 ≤ x ≤ L}.O problema da condução do calor consiste em determinar uma função realu(x, t) definida em R que satisfaça a equação do calor

∂u

∂t= K

∂2u

∂x2(5.1)

em R (K é a difusibilidade térmica), com a condição inicial

u(x, 0) = f(x), 0 ≤ x ≤ L, (5.2)

onde f : [0, L] → R, e, finalmente, que satisfaça às condições de fronteiradadas.

Comecemos com o caso em que as temperaturas nas extremidades dabarra constantes iguais a zero, isto é,

u(0, t) = u(L, t) = 0. (5.3)

Estamos então perante um problema de valores inicial e de fronteira.O denominado Método de Fourier consiste em, primeiramente, usar sep-

aração de variáveis e procurar soluções do problema, com a forma

u(x, t) = F (x)G(t). (5.4)

117

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118 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

A ideia, neste momento, é procurar, de forma informal, uma ou maisfunções que se constituam candidatos razoáveis à resolução do problema.Uma vez encontrado o candidato, tentaremos demonstrar de forma rigorosaque este constitui a solução do problema.

Substituindo 5.4 na equação do calor, obtemos

F (x)G′(t) = KF ′′(x)G(t) (5.5)

ou1

K

G′(t)G(t)

=F ′′(x)

F (x). (5.6)

(Notemos que, para passar de 5.5 para 5.6 devemos supôr G(t) e F (x) nuncase anulam, mas de momento não nos preocuparemos com isso.)

Mas, enquanto o lado esquerdo de 5.6 é apenas função de t, o lado direitodepende apenas de x, logo ambos os lados da equação serão independentestanto de x como de t, ou seja, existirá um parâmetro σ, independente de x ede t, tal que

F ′′(x)

F (x)= σ e

1

K

G′(t)G(t)

= σ, (5.7)

Da primeira equação em 5.7 obtemos que F deve satisfazer a equaçãodiferencial ordinária

F ′′(x)− σF (x) = 0 para 0 < x < L, (5.8)

e, como u(0, t) = u(L, t) = 0, deve também satisfazer as condições iniciais

F (0) = F (L) = 0, (5.9)

pois, caso contrário, como u(0, t) = F (0)G(t), teríamos necessariamente G ≡0 o que implicaria que u ≡ 0 e a função nula, apesar de staisfazer a equaçãodo calor, não satisfaz a condição inicial u(x, 0) = f(x), a menos que f ≡ 0.

Vejamos agora as soluções de 5.8:Se σ > 0, a solução geral de 5.8 é da forma

F (x) = c1e√

σx + c2e−√σx.

Portanto, para uma tal F satisfazer as condições iniciais 5.9, o par (c1, c2)deve ser solução do sistema

{c1 + c2 = 0

c1e√

σL + c2e−√σL = 0

,

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5.1. FORMULAÇÃOMATEMÁTICA DO PROBLEMADACONDUÇÃODOCALOR119

mas a única solução deste sistema é c1 = c2 = 0, o que implica que F ≡ 0 elogo u ≡ 0, o que não nos interessa.

Se σ = 0, a solução gereal de 5.8 é da forma

F (x) = c1x + c2,

e, para satisfazer às condições iniciais, devemos ter

c2 = 0 e c1L + c2 = 0,

0 que implica c1 = c2 = 0 e, portanto, F ≡ 0.Se σ < 0, fazemos σ = −λ2, e a solução geral de 5.8 é da forma

F (x) = c1 cos λx + c2 sin λx.

Para que uma tal F satisfaça as condiçoes iniciais, devemos ter

c1 = 0 e c2 sin λL = 0.

Como não queremos c2 = 0, teremos então

sin λL = 0,

o que implica que λL = nπ, com n = ±1,±2, · · · ). Aos valores de −σ = λ2:

λ2n =

n2π2

L2, (5.10)

chamamos autovalores do problema dado em 5.8 e 5.9, e às funções

Fn(x) = sinnπx

L, (5.11)

chamamos autofunções. Não há necessidade de considerar os valores nega-tivos de λn, pois estes conduziriam apenas a autofunções diferindo apenas nosinal em relação às outras obtidas com os λn positivos.

Vejamos agora a segunda equação diferencial ordinária em 5.7. A suasolução geral é da forma

G(t) = eσKt. (5.12)

Logo, para cada n = 1, 2, 3 · · · , temos uma função

un(x, t) = e−n2π2Kt/L2

sinnπx

L, (5.13)

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120 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

a qual satisfaz a Equação 5.1 e as condições de fronteira 5.3.O único problema é que, sendo

un(x, 0) = sinnπx

L,

un(x, t) só será solução de 5.1, 5.2 e 5.3 se a função dada f(x) tiver a forma

f(x) = sinnπx

L.

Assim, a solução de 5.1, 5.2 e 5.3 com f(x) = sin 5πx/L é a função

u5(x, t) = e−25π2Kt/L2

sin5πx

L.

Suponhamos agora que f(x) = 3 sin 5πx/L. Um bom candidato a soluçãodo nosso problema, será

u(x, t) = 3e−25π2Kt/L2

sin5πx

L(5.14)

e, de facto, é trivial verificar que o é.Se suposermos agora que

f(x) = 4 sin2πx

L+ 3 sin

5πx

L,

é natural considerarmos o candidato

u(x, t) = 4e−4π2Kt/L2

sin2πx

L+ 3e−25π2Kt/L2

sin5πx

L(5.15)

e, de facto, como no caso anterior, podemos verificar que todas as condiçõessão satisfeitas.

É fácil verificar que a Equação 5.1 é linear, ou seja, que, se u(x, t) e v(x, t)forem soluções de 5.1, então também o será qualquer solução da forma

au(x, t) + bv(x, t),

com a e b constantes.Portanto, qualquer expressão da forma

N∑n=1

cnun(x, t),

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5.1. FORMULAÇÃOMATEMÁTICA DO PROBLEMADACONDUÇÃODOCALOR121

onde os cn são constantes e os un são as funções definidas em 5.13, é soluçãode 5.1 e 5.3. Consequentemente, se a condição inicial fôr da forma

N∑n=1

cn sinnπx

L

então, nesse caso, a solução de 5.1, 5.2 e 5.3 será

u(x, t) =N∑

n=1

cne−n2π2Kt/L2

sinnπx

L.

A questão natural que se põe agora é: "E se f não tiver a forma acima?"É nesta questão que está a motivação para estudarmos as Séries de

Fourier. A ideia é: se não pudéssemos escrever f como uma soma finita,mas mesmo assim a pudéssemos escrever como uma série infinita do tipo

f(x) =∞∑

n=1

cn sinnπx

L, (5.16)

então teríamos um bom candidato a solução de 5.1, 5.2 e 5.3, em

u(x, t) =∞∑

n=1

cne−n2π2Kt/L2

sinnπx

L. (5.17)

Se, em vez do problema dado por 5.1, 5.2 e 5.3, considerarmos agora oproblema dado por

ut = Kuxx, em R,ux(0, t) = ux(L, t) = 0, para t > 0,

u(x, 0) = f(x), para 0 < x < L,

e procedermos como anteriormente, obtemos que é conveniente que f(x)possa ser expressa como

f(x) =∞∑

n=0

cn cosnπx

L.

É, pois, importante considerar a questão geral seguinte: "quais as funçõesf : R→ R que podem ser expressas na forma

f(x) =1

2a0 +

∞∑n=1

(an cos

nπx

L+ bn sin

nπx

L

)?”

A justificação para 12a0 em vez de a0, deve-se apenas a simplificações de

cálculos.

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122 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

5.2 Funções periódicas

Diz-se que uma função f : R→ R é periódica de período T , se f(x+T ) = f(x)para todo o x.

Por exemplo, a função sin x é periódica de período 2π.Se f fôr periódica de período T , então também é periódica de período

2T , poisf(x + 2T ) = f(x + T + T ) = f(x + T ) = f(x),

e da mesma forma é periódica de período kT , onde k é um inteiro não nulo.Ao menor período positivo, chamamos período fundamental.

Exemplo 117 Consideremos f(x) = sin nπx/L. Então,

sinnπ(x + T )

L= sin

nπx

L∀x∈R,

equivale a

sinnπx

Lcos

nπT

L+ cos

nπx

Lsin

nπT

L= sin

nπx

L.

Para x = L/2n, obtemos

sinπ

2cos

nπT

L= sin

π

2,

o que implica

cosnπT

L= 1

e, daí, usando a fórmula fundamental da trigonometria, obtemos

sinnπT

L= 0.

O período fundamental será então o menor T que satisfaça simultane-amente as duas últimas igualdades, obtemos então nπT/L = 2π Ou seja,T = 2L/n.

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5.3. CONVERGÊNCIA UNIFORME 123

5.3 Convergência uniformeRecordemos que uma série de funções

∑∞n=1 un(x), onde un : I → R são

funções reais definidas num subconjunto I de R, converge pontualmente se,para cada x0 ∈ I fixado, a série

∑∞n=1 un(x0) convergir. Isso equivale a dizer

que, dados ε > 0 e x0 ∈ I, existe um inteiro N , que depende de ε e de x0, talque ∣∣∣∣∣

m∑j=n

uj(x0)

∣∣∣∣∣ < ε,

para todos os n < m tais que n ≥ N .Uma série de funções

∑∞n=1 un(x) converge pontualmente, se, dado ε > 0,

existir um inteiro N , dependendo apenas de ε (e não de x), tal que∣∣∣∣∣

m∑j=n

uj(x)

∣∣∣∣∣ < ε,

para todos os x ∈ I e m > n ≥ N .O seguinte critério é extremamente útil, pois reduz o problema de verificar

a convergência uniforme de uma série de funções, ao da convergência de umasérie numérica.

Teorema 118 (Teste M de Weierstrass) Seja∑∞

n=1 un(x) uma série defunções un : I → R definida num subconjunto I de R. Então, se existiremconstantes Mn ≥ 0 tais que |un(x)| ≤ Mn para todo o x ∈ I, a série defunções

∑∞n=1 un(x) converge uniformemente em I.

Para a demonstração, pode ver, por exemplo, [1].A razão do estudo da convergência uniforme, é que as séries que gozam

desta propriedade gozam de outras que são muito úteis. Vejamos algumasdelas, que enunciamos em seguida sem demonstração.

Proposição 119 Se as funções un(x) forem contínuas e a série∑∞

n=1 un(x)convergir uniformemente, então a sua soma u(x) =

∑∞n=1 un(x) também é

contínua.

Proposição 120 Se as funções un(x) forem integráveis num intervalo I e asérie

∑∞n=1 un(x) convergir uniformemente, então

I

( ∞∑n=1

un(x)dx

)=

∞∑n=1

I

un(x)dx.

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124 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

Proposição 121 Suponhamos que as funções un(x), definidas num inter-valo I, são continuamente deriváveis e que a série

∑∞n=1 u′n(x) das derivadas

converge uniformemente. Suponhamos ainda que, para um dado x0 ∈ R, asérie

∑∞n=1 un(x0) converge, então

d

dx

( ∞∑n=1

un(x)

)=

∞∑n=1

u′n(x).

5.4 Coeficientes de FourierSe uma função f(x) fôr expressa na forma

f(x) =1

2a0 +

∞∑n=1

(an cos

nπx

L+ bn sin

nπx

L

), (5.18)

é de esperar que os coeficientes estejam intimamente ligados à função f .Vamos em seguida estabelecer essa expressão. Para isso, vamos supôr que

a igualdade 5.18 se verifica e que, além disso, a série converge uniformemente.Da Proposição 119 temos que f é contínua; além disso, como todas as funçõesque constam da série são periódicas de período 2L, f deve ser periódica deperíodo 2L. Assim, usando a Proposição 120, podemos integrar ambos oslados de 5.18, para obter

∫ L

−L

f(x)dx =1

2a0

∫ L

−L

dx +∞∑

n=1

(an

∫ L

−L

cosnπx

Ldx + bn

∫ L

−L

sinnπx

Ldx

)

e, daí, como ∫ L

−L

cosnπx

Ldx =

∫ L

−L

sinnπx

Ldx = 0,

temos

a0 =1

L

∫ L

−L

f(x)dx. (5.19)

Para obter os demais coeficientes, exploramos a mesma ideia, e explo-ramos as relações de ortogonalidade:

∫ L

−L

cosnπx

Lsin

mπx

Ldx = 0, se n,m ≥ 1; (5.20)

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5.5. SÉRIE DE FOURIER 125

∫ L

−L

cosnπx

Lcos

mπx

Ldx =

{L, se n = m ≥ 10, se n 6= m,n, m ≥ 1;

(5.21)

∫ L

−L

sinnπx

Lsin

mπx

Ldx =

{L, se n = m ≥ 10, se n 6= m,n, m ≥ 1;

(5.22)

Agora, multiplicando 5.18 por cos mπx/L, para m ≥ 1 fixado, e inte-grando, obtemos ∫ L

−L

f(x) cosmπx

Ldx = amL. (5.23)

De modo semelhante, obtemos∫ L

−L

f(x) sinmπx

Ldx = bmL. (5.24)

Finalmente, de 5.20, 5.23 e 5.24, obtemos

an =1

L

∫ L

−L

f(x) cosnπx

Ldx, n ≥ 0 (5.25)

e

bn =1

L

∫ L

−L

f(x) sinnπx

Ldx, n ≥ 1. (5.26)

Note-se que, a introdução do 1/2 antes do a0, nos permitiu obter umafórmula única para todos os an.

Seja então f : R → R uma função periódica de período 2L, integrável eabsolutamente integrável em cada intervalo limitado. Aos números an paran ≥ 0 e bn para n ≥ 1 definidos em 5.25 e 5.26, chamamos coeficientes deFourier da função f .

5.5 Série de FourierDada uma função f : R → R periódica de período 2L, integrável e abso-lutamente integrável, podemos então calcular os seus coeficientes de Fourieratravés das expressões 5.25 e 5.26 e, assim, escrever

f(x)” = ”1

2+

∞∑n=1

(an cos

nπx

L+ bn sin

nπx

L

), (5.27)

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126 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

e à expressão do lado direito, chamamos série de Fourier de f.A questão que surge naturalmente, é sobre qual será a relação entre f e

a sua série de Fourier? O ideal seria que fosse igualdade. Infelizmente nemsempre esse é o caso. Pode ainda acontecer algo mais grave, que é a série deFourier divergir. Vamos em seguida estudar condições suficientes para queuma função seja igual à sua série de Fourier.

Uma função f : R→ R diz-se seccionalmente contínua, se tiver apenas umnúmero finito de descontinuidades, todas de primeira espécie, em qualquerintervalo limitado. Em outras palavras, se, dados quaisquer a < b, existirema ≤ a1 < a2 < · · · < an ≤ b, tais que f é contínua em qualquer intervaloaberto ]aj, aj+1[, j = 1, · · · , n− 1, e existem os limites laterais

f(x−) = limx→a−j

f(x) e f(x+) = limx→a+

j

f(x).

É claro que todas as funções contínuas são seccionalmente contínuas. Poroutro lado, a função f(x) = 1/x não é seccionalmente contínua pois nãoexistem os limites laterais em x = 0.

Exercício 98 Diga, justificando, se as seguintes f são seccionalmente con-tínuas.

1.

f(x) =

1, se x ≥ 11/n, se 1/(n + 1) ≤ x < 1/n, n = 1, 2, · · ·−1, se x < 0.

2.

f(x) =

+1, se x > 00, se x = 0−1, se x < 0.

3.

f(x) =

+1, se 0 ≤ x < π0, se − π ≤ x < 0e periódica de período 2π.

4.

f(x) =

{ |x|, se |x| ≤ 1e periódica de período 2.

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5.5. SÉRIE DE FOURIER 127

Uma função f : R → R será seccionalmente diferenciável, se tanto fcomo como a sua derivada f ′ forem seccionalmente contínuas. Observe quea drivada f ′ não está definida em todos os pontos: Com certeza f ′(x) nãoexiste nos pontos de descontinidade de f , mas, para além disso, pode nãoexistir, mesmo em alguns pontos onde f é contínua.

A seguinte função é contínua, mas não é seccionalmente diferenciável:

f(x) =

{ √1− x2, se |x| ≤ 1,

e periódica de período 2,

pois, nos pontos onde f ′ é descontínua, f ′ não possui limites laterais.O seguinte resultado fornece-nos condições suficientes para a convergência

da série de Fourier de uma função f .

Teorema 122 (Teorema de Fourier) Seja f : R → R uma função sec-cionalmente diferenciável, de período 2L. Então a série d Fourier da funçãof converge, em cada ponto x, para 1

2(f(x+) + f(x−)), isto é,

1

2(f(x+) + f(x−)) =

1

2a0 +

∞∑n=1

(an cos

nπx

L+ bn sin

nπx

L

). (5.28)

A demonstração deste teorema, pode ser consultada, por exemplo, noCapítulo 3 de [3].

Exemplo 123 Vamos calcular a série de Fourier da função

f(x) =

+1, se 0 ≤ x < π0, se − π ≤ x < 0e periódica de período 2π.

Temos que

a0 =1

π

∫ π

−π

f(x)dx =1

π

∫ π

0

dx = 1.

Para n 6= 0, temos

an =1

π

∫ π

−π

f(x) cos nxdx =1

π

∫ π

0

cos nxdx = 0,

bn =1

π

∫ π

0

sin nxdx =1

nπ(1− cos nπ,

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128 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

entãob2k = 0 e b2k−1 =

2

(2k − 1)π, k = 1, 2, · · · .

A série de Fourier será, então,

f(x) =1

2+

∞∑n=1

2

(2k − 1)πsin(2k − 1)x.

Podemos agora usar estes resultados para obter uma expressão em sériepara o número π:

No ponto x = π/2, pelo Teorema de Fourier, a série de Fourier é igual a1, logo

1 =1

2+

∞∑

k=1

2

(2k − 1)πsin

((2k − 1)

π

2

),

ou seja,π

4=

∞∑

k=1

1

(2k − 1)sin

((2k − 1)

π

2

),

finalmente, temos

π

4= 1− 1

3+

1

5− 1

7+− · · · =

∞∑

k=1

(−1)k−1

2k − 1,

que é conhecida como a série de Leibniz.

5.6 Séries de Fourier de funções pares e ím-pares

Uma função f : R → R é par se f(−x) = f(x), para todos os x ∈ R.Analogamente f é ímpar se f(−x) = −f(x) para todo os x ∈ R.Exemplo 124 As funções f(x) = cos nπx/L e f(x) = x2n, para n =1, 2, · · · , são funções pares.

As funções f(x) = sin nπx/L e f(x) = x2n−1, para n = 1, 2, · · · , sãofunções ímpares.

Temos as seguintes proposições sobre funções pares e ímpares, cujasdemonstrações são exercícios fáceis.

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5.6. SÉRIES DE FOURIER DE FUNÇÕES PARES E ÍMPARES 129

Proposição 125 1. A soma de duas funções pares é uma função par.

2. A soma de duas funções ímpares é uma função ímpar.

3. O produto de duas funções pares é uma função par.

4. O produto de duas funções ímpares é uma função par.

5. O produto de uma função par por uma função ímpar é uma funçãoímpar.

Proposição 126 1. Se f : R → R fôr uma função par, integrável emqualquer intervalo limitado, então

∫ L

−L

f = 2

∫ L

0

f.

2. Se f : R → R fôr uma função ímpar, integrável em qualquer intervalolimitado, então ∫ L

−L

f = 0.

Das duas proposições anteriores, concluímos então que, f fôr uma funçãopar, periódica de período 2L, integrável e absolutamente integrável, então

an =2

L

∫ L

0

f(x) cosnπx

Ldx e bn = 0,

portanto, a série de Fourier de uma função par é uma série de cosenos.Por outro lado, se f fôr uma função ímpar, periódica de período 2L,

integrável e absolutamente integrável, então

an = 0 e bn =2

L

∫ L

0

f(x) cosnπx

Ldx,

portanto, a série de Fourier de uma função ímpar é uma série de senos.

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130 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

5.7 Cálculo de algumas séries de Fourier- Seja f1 : R → R periódica de período 2L e definida por f1(x) = x, para−L ≤ x ≤ x. Como f1 é ímpar, temos uma série de senos cujos coeficientessão

bn =2

L

∫ L

0

x sinnπx

Ldx.

Fazendo a mudança de variável y = nπx/L, obtemos

bn =2L

n2π2

∫ nπ

0

y sin ydy.

Integrando por partes, temos

bn =2L

nπ(−1)n+1.

Portanto, a série de Fourier da função f1(x), é

f1(x) =2L

π

∞∑n=1

(−1)n+1

nsin

nπx

L.

Note-se que, em virtude da propriedade de convergência estabelecida noTeorema de Fourier, no caso das funções f contínuas, podemos passar autilizar o sinal =, em vez de ” = ”.

- Seja f2 : R→ R, periódica de período 2L e definida por{

L− x se 0 ≤ x ≤ L;

L + x se − L ≤ x ≤ 0.

Como f2 é uma função par, temos uma série de cosenos, cujos coeficientessão

a0 =2

L

∫ L

0

(L− x)dx = L,

e

an =2

L

∫ L

0

(L− x) cosnπx

Ldx.

Fazendo uma mudança de variáveis como no exemplo anterior, e integrandopor partes, obtemos

an =2L

n2π2(1− (−1)n),

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5.7. CÁLCULO DE ALGUMAS SÉRIES DE FOURIER 131

ou seja,

a2k = 0, a2k−1 =4L

(2k − 1)2π2, k = 1, 2, · · · .

Portanto, a série de Fourier da função f2 é

f2(x) =L

2+

4L

π2

∞∑

k=1

1

(2k − 1)2cos

(2k − 1)πx

L.

- Deja f3R→ R periódica de período 2L e definida por f3(x) = x2, para−L ≤ x ≤ L. Como f3 é par, teremos uma série de cosenos, cujos coeficientessão:

a0 =2

L

∫ L

0

x2dx =2L2

3

e

an =2

L

∫ L

0

x2 cosnπx

Ldx.

Fazendo a mudança de variável y = nπx/L e integrando por partes, obtemos

an = − 4L2

n3π3

∫ nπ

0

y sin ydy

e, usando o resultado obtido no primeiro exemplo,

an = − 4L2

n2π2(−1)n.

Portanto, a série de Fourier da função f3 é

f3(x) =L2

3+

4L2

π2

∞∑n=1

(−1)n

n2cos

nπx

L.

Nota 127 Em todas as séries de Fourier calculadas anteriormente, a funçãofoi dada em toda a recta, de facto, definimos f num intervalo fundamental]−L,L] e estabelecemo-la periódica de período 2L. Se agora definirmos f numintervalo [0, L] e não dissermos nada sobre o período, teremos a liberdade deescolher um período qualquer T > L, e de definirmos a função da forma maisconveniente no interval ]L, T [.

Vejamos um exemplo:

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132 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

Exemplo 128 Dada f(x) = x, para 0 ≤ x ≤ π, vamos escrever f comouma série de senos.

Para obter uma série de senos, devemos definir f para outros valores dex, de modo a obter uma função ímpar. Portanto, tomemos f(x) = x para−π < x ≤ π, e periódica de período 2π. A série de Fourier de uma tal f foicalculada no primeiro exemplo, e é

2∞∑

n=1

(−1)n+1

nsin nx.

Consequentemente, pelo Teorema de Fourier, temos

x = 2∞∑

n=1

(−1)n+1

nsin nx para 0 ≤ x < π.

De facto, a igualdade é verdadeira para −π < x < 0.

Exercício 99 Observe a igualdade anterior não é verdadeira para x = π.Porque é que isto não contraria o Teorema de Fourier?

5.8 Forma complexa das séries de FourierUsando a representação exponencial dos números complexos,

eiθ = cos θ + i sin θ,

e as funções seno e coseno complexos,

cos θ =eiθ + e−iθ

2e sin θ =

eiθ − e−iθ

2,

podemos escrever

an cosnπx

L+ bn sin

nπx

L=

(an

2+

bn

2i

)einπx/L +

(an

2− bn

2i

)e−inπx/L

Logo, o coeficiente cn de einπx/L é dado por

cn =an

2+

bn

2i=

1

2(an − ibn) =

1

2L

∫ L

−L

f(x)(cos

nπx

L− i sin

nπx

L

)dx,

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5.9. EXERCÍCIOS 133

ou seja,

cn =1

2L

∫ L

−L

f(x)e−inπx/Ldx.

Definimos também

c0 =a0

2=

1

2L

∫ L

−L

f(x)dx.

Resumindo, demonstrámos que, se f : R→ R fôr periódica de período 2L,integrável a absolutamente integrável, então a série de Fourier de f poderáser escrita na forma ∞∑

−∞cneinπx/L,

onde

cn =1

2L

∫ L

−L

f(x)e−inπx/Ldx, para n = 0,±1,±2, · · · .

5.9 Exercícios1. Defina uma função periódica de período 2 e igual a x2 no intervalo

aberto ]0, 2[. Há mais do que uma resposta? E se a função pedida fosseigual a x2 no intervalo [0, 2[?

2. Se f e g forem periódicas de período T , mostre que f + g e fg serãotambém periódicas de período T .

3. Se f fôr periódica de período T , mostre que λf será periódica com omesmo período, onde λ é um número real dado.

4. Se f fôr uma função diferenciável, de período T , mostre que f tambémé periódica com o mesmo período.

5. Mostre que sin ax + sin bx é periódica se e só se a/b é racional.

6. Calcule a série de Fourier da função f(x) = sin2 x.

7. Calcule a série de Fourier da função f(x) = cos5 x.

8. Calcule a série de Fourier da função

f(x) =

{sin x se sin x ≥ 0

0 se sin x = 0.

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134 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

9. Calcule a série de Fourier da função

f(x) =

{ex se − π ≤ x < π,

periódica de período 2π.

10. Mostre que, se f é uma função par, e f(x) 6= 0 para todos os x, então1/f é uma função par. Mesmo problema para funções ímpares.

11. Mostre que, se f fôr par e diferenciável, então f ′ será ímpar, e que, sef fôr ímpar e diferenciável, então f ′ será par.

12. Determine a série de Fourier de f(x) = | sin ax|.

13. Quais são as relações entre os coeficientes de Fourier da função f(x),periódica de período 2L, e da função g(x) = f(x + α), onde α é umaconstante?

14. Quais são as relações entre os coeficientes de Fourier da função f(x), eda função g(x) = f(x) + α, onde α é uma constante?

15. Quais são as relações entre os coeficientes de Fourier das funções f, g eαf + βg, onde α e β são constantes?

16. Qual é a relação entre os coeficientes de Fourier da função f(x), per-iódica de período 2L, e da função g(x) = f(kx), onde k é uma constantepositiva?

17. Escreva a série de Fourier da função

f(x) = 2x, −π ≤ x < π

e periódica de período 2π.

18. Escreva a série de Fourier da função

f(x) = x, 0 ≤ x < π

e periódica de período 2π.

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5.9. EXERCÍCIOS 135

19. Se α não fôr inteiro, use a forma complexa para obter as séries deFourier das funções

f(x) = cos αx, −π ≤ x < π,

e periódica de período 2π; e

f(x) = sin αx, −π ≤ x < π,

e periódica de período 2π.

20. Use a forma complexa para obter a série de Fourier das função

f(x) = eαx, −π ≤ x < π,

e periódica de período 2π

21. Determine as ťfunções cujas séries de Fourier são as abaixo indicadas:

∞∑n=1

αn cos nx

n,

∞∑n=1

αn sin nx

n,

∞∑n=1

αn cos nx

n!,

∞∑n=1

αn sin nx

n!.

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136 CAPÍTULO 5. SÉRIES DE FOURIER

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Bibliografia

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[2] Dias Agudo, Fernando, Análise Real, Vols I e II.

[3] Figueiredo, Djairo G., Análise de Fourier e Equações Diferenciais Par-ciais.

[4] Marsden, Jerrold E., Basic Complex Analysis.

[5] Marsden, Jerrold E., Weinstein, Alan, Calculus, Vols I, II e III.

[6] O’Neill, Garrett, Elementary Diferential Geometry.

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