URSULA DIAS PERES ARRANJO INSTITUCIONAL DO …

298
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ECONOMIA DE EMPRESAS DE SÃO PAULO CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO URSULA DIAS PERES ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL: Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de São Paulo no período de 1997 a 2006. SÃO PAULO 2007

Transcript of URSULA DIAS PERES ARRANJO INSTITUCIONAL DO …

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ECONOMIA DE EMPRESAS DE SÃO PAULO

CURSO DE DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO

URSULA DIAS PERES

ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL:

Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de São Paulo no período de 1997 a 2006.

SÃO PAULO 2007

URSULA DIAS PERES

ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL:

Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de São Paulo no período de 1997 a 2006.

Tese apresentada à Escola de Economia de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para a obtenção do título de Doutora em Economia de Empresas. Orientador: Prof. Dr. Marcos Gonçalves Fernandes da Silva

SÃO PAULO 2007

Peres, Ursula Dias. Arranjo Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental no Brasil: Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de São Paulo no período de 1997 a 2006. / Ursula Dias Peres. - 2007. 298 f. Orientador: Marcos Fernandes Gonçalves da Silva Tese (doutorado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 1. Educação - Financiamento. 2. Política e educação - Brasil. 3. Educação - Custos. 4. Ensino fundamental. I. Silva, Marcos Fernandes Gonçalves da. II. Tese (doutorado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título.

CDU 37.014.5(81)

URSULA DIAS PERES

ARRANJO INSTITUCIONAL DO FINANCIAMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL:

Considerações sobre os municípios brasileiros e estudo de caso do município de São Paulo no período de 1997 a 2006.

Tese apresentada à Escola de Economia de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para a obtenção do título de Doutora em Economia de Empresas. Data de aprovação: _____________ Banca Examinadora: Prof. Dr. Marcos Gonçalves Fernandes da Silva FGV-EESP Profa. Dra Marta Arretche USP-FFLCH Prof. Dr. Arthur Barrionuevo FGV-EASP Prof. Dr. Paulo Roberto Arvate FGV-EESP Prof. Dr. Renaldo Antonio Gonçalves PUC-SP

DEDICATÓRIA

Ao Cassio, pelo amor e companheirismo,

À pequena Laura, por me ensinar a importância da vida,

E aos meus pais, Creusa (em memória) e José, por me ensinarem a importância da Educação.

AGRADECIMENTOS Gostaria inicialmente de agradecer às organizações que me possibilitaram o apoio financeiro e institucional necessário à realização desta tese, assim agradeço à Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Agradeço também ao meu orientador prof. Marcos Fernandes, ao prof. Ramón Fernández, além dos outros professores da EESP, pelos ensinamentos ao longo do programa de doutorado.

Aos professores e amigos Francisco Vignoli, Clovis Bueno e Fernando Garcia agradeço especialmente pela paciência em ler meu texto e pelas importantes observações feitas. Aos amigos Paulo Fiorilo e Selma Rocha, agradeço as indicações de leitura e as importantes considerações para o desenvolvimento da tese.

Não posso deixar também de agradecer a amiga Luciane Alves pelo apoio durante toda a empreitada da tese e principalmente pela revisão do texto. Aos amigos Roberto Garibe, Marcos Barreto e Luís Fernando Massonetto por todas as discussões sobre as implicações políticas do orçamento da educação. Às amigas Lígia, Cristiane e Maria Gabriela agradeço pela importante ajuda com os dados da tese. À Vera Lion, Cenise Vicente e equipe do Programa Banco na Escola, ao Sérgio Sampaio, Eduardo Marques, Rafael Oliva, Ivan Prado, Marcos Antônio Cintra, Renato Cymbalista e Renata Milanesi agradeço por indiretamente terem me apoiado nesta empreitada.

Aos secretário(a)s municipais, vereadores e às assessorias técnicas entrevistadas agradeço as informações e dados concedidos. Aos pais, mães, diretores, professores e alunos das oficinas de discussão do orçamento da educação agradeço sua participação e debates.

Agradeço também à minha família, irmãos e cunhados, e especialmente à Sil, por toda sua ajuda e ao meu pai por todo empenho em me estimular a estudar e a fazer o doutorado.

À minha pequena Laura por toda alegria que trouxe em sua chegada que compensou o esforço e a dedicação para a elaboração desta tese.

E finalmente ao meu querido companheiro Cassio, por todo seu carinho, companheirismo, paciência e pela ajuda providencial com a finalização do texto.

RESUMO O ambiente institucional do financiamento do ensino fundamental no Brasil sofreu diversas modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 1990. Com o objetivo de aliar a priorização do ensino fundamental à descentralização das políticas públicas de educação para o nível municipal, o governo federal promoveu uma reforma profunda nas normas legais para a execução dessas políticas, inclusive através de emendas constitucionais, que passaram a constituir importantes regras para o financiamento do ensino.

Uma das principais alterações foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, destinado ao financiamento do ensino fundamental no Brasil.

Apesar das reformas ocorridas, a situação do ensino fundamental no Brasil é ainda bastante precária. Esta não condiz com as necessidades de sua população, e nem com as possibilidades econômicas do Estado brasileiro.

Do ponto de vista analítico, com base no referencial teórico da Nova Economia Institucional, a criação da vinculação de verbas para a política educacional é considerada a principal regra de financiamento do ensino fundamental e serviu à redução de vários custos de transação. Esses custos estão relacionados à descontinuidade de ações e ao comportamento oportunista dos atores envolvidos no cenário das políticas públicas. Dentre esses atores estão os representantes do poder público, executivo e legislativo, a burocracia estatal e a sociedade civil.

Esta tese busca avaliar se o conjunto de estratégias de financiamento do ensino criado a partir das vinculações orçamentárias de receitas, em especial para o ensino fundamental, é condição suficiente para a obtenção de eficiência na condução das políticas de educação, ou se há outros elementos, ligados ou não a essa estratégia, que contribuem para a manutenção de ineficiências.

O enfoque teórico utilizado na tese é o da Nova Economia Institucional, baseado, principalmente, nos trabalhos de North (1988 e 1990), Williamson (1985) e Miller (1992). Esse referencial teórico fundamenta-se no papel central das instituições na avaliação de problemas sócio-econômicos.

Dessa maneira, a primeira parte da tese é dedicada à descrição dos elementos centrais dessa teoria, como, por exemplo, os conceitos de regras formais e informais, custos de transação e estruturas de governança. Com base nessa estruturação inicial é construído o modelo teórico utilizado na tese que pode ser entendido como uma adaptação da abordagem da Nova Economia Institucional para organizações do setor público. Esse modelo leva em consideração elementos e características importantes das instituições, atores e estruturas de governança, fundamentais na análise das organizações públicas.

A partir desse modelo teórico é realizada uma análise pormenorizada do arranjo institucional desenvolvido para o financiamento do ensino fundamental nos municípios brasileiros, abrangendo o ambiente institucional, isto é, as regras do jogo, assim como o comportamento dos agentes frente a essas regras. Como forma de testar empiricamente os pressupostos teóricos utilizados na tese, é também realizado um estudo de caso para o Município de São Paulo.

Esta tese busca contribuir com as discussões acerca das mudanças necessárias na construção das políticas de educação no Brasil, chamando atenção para a importância da adequação institucional entre as regras formais estabelecidas para as políticas e as características, valores e capacitação dos atores envolvidos na implantação dessas regras.

A própria teoria institucional antecipa que a não consideração desses fatores implica a possibilidade de ocorrência de custos de transação associados aos custos de controle dos gestores públicos e ao comportamento oportunista dos agentes no cenário das políticas públicas. Com isso, mesmo existindo recursos vinculados não estará garantida uma condução eficiente das políticas públicas de ensino.

Palavras-chave: financiamento público da educação, processo orçamentário, educação, custos de transação, estrutura de governança.

ABSTRACT The institutional environment of elementary education funding in Brazil suffered several modifications in the last decades, mainly during the 1990's. In order to join the prioritization of elementary education to the decentralization of educational public policies – leading it to local level – the federal government promoted a deep reform in the legal framework, even through constitutional amendments that became important rules for education funding. One of the major changes was the creation of the “Elementary Education Development and Maintenance and Teachers Valorization Fund” (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF) destined to the financing of elementary education in Brazil.

Despite these reforms, the situation of elementary education in Brazil is still extremely precarious: neither does it fulfills the needs of its people, nor is compatible with Brazilian State economical capacities.

From the analytical standpoint, with basis on the "New Institutional Economy" theoretical reference, the creation of earmarked revenues for education policies is considered the main financing rule for elementary education, and served to reduce several transaction costs. These costs are associated to the discontinuity of actions and to the opportunistic behavior of the players involved in the public policies’ scenario. Among these players are representatives of the executive, legislative and public powers, state bureaucracy and civil society.

This thesis seeks to evaluate if this set of education financing strategies - created by earmarked revenues mainly for elementary education - is sufficient condition to achieve the efficiency required to carry out those education policies, or if other effects, linked to the strategy or not, contribute to the maintenance of inefficiencies.

This thesis uses as theoretical reference the "New Institutional Economy", which is mainly based in the works by North (1988 and 1990), Williamson (1985) and Miller (1992). This reference focuses on the central role of institutions in the evaluation of social-economical problems.

Thus, the first session of the thesis aims at describing the core elements of this theory, such as the concepts of formal and informal rules, transaction costs and governance structures.

Based on this initial structure, the theoretical model used in the thesis is built and can be considered as an adaptation of the New Institution Economy approach for organizations in the public sector. This model takes into consideration important elements and characteristics of institutions, players and governance structures that should be accounted for when analyzing public organizations.

Under the light of this theoretical model, the institutional array developed for elementary education financing in Brazilian cities is analyzed into further detail; comprehending the institutional scenario, that is, the rules of the game, and the behavior of the players face to these rules. In order to empirically test the theoretical assumptions of this thesis, a case study is carried out in the city of São Paulo.

The present thesis aims at contributing to the discussions on the necessary changes on education policies, with special emphasis in the institutional adequacy between the formal rules established to the policies and the characteristics, values and skills of the players involved in the implementation of these rules.

The very institutional theory anticipates that the disregard of these factors implies the possibility of occurring transaction costs associated to public manager control costs and to the opportunistic behavior of the players involved in the public policies’ scenario. Therefore, even in the existence of earmarked revenues, the efficient conduction of public education policies will not be guarantied.

Key-words: public education funding, budgetary process, education, transaction costs, governance structures.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadros, Figuras, Gráficos e Tabelas

Quadro 1 - Ambiente Institucional 38

Quadro 2 – Estruturas de Governança 47

Quadro 3 - Custos de Transação e Estrutura de Governança no Setor Público 62

Quadro 4 – Regras do financiamento do Ensino Fundamental nos municípios: receitas 105

Quadro 5 – PPA – Educação - 2002/2005 229

Quadro 6 – PPA – Ensino Fundamental – 2006/2009 231

Figura 1 – Fluxo do Orçamento Programa 67

Figura 2 – Fluxograma do Processo Orçamentário Municipal 79

Tabela 1 - Carga tributária global e Divisão Federativa - 1960/2005 82

Tabela 2 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef e a base legal - de 1997 a 2005 92

Tabela 3 - Receita Real Média de Impostos Próprios e Transferências Municípios Brasileiros por Estado (1998 - 2005) 107

Tabela 4 - Evolução das Receitas Adicionais do Fundef - Acréscimo e Redução entre Estados e Municípios - 1998/2005. 109

Tabela 5 - Despesa Real Média com Ensino Fundamental dos Municípios Brasileiros por Estado – (1998-2005) 110

Tabela 6 - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005. 113

Tabela 7 -Taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por grandes regiões - 1995/2005. 117

Tabela 8 - Número Médio de Anos de Estudo das Pessoas de 10 anos ou mais de Idade 1999/2004 – Brasil. 118

Tabela 9 – Tempo médio de anos de estudo para conclusão do Ensino Fundamental no Brasil e Regiões – 1995-2004 118

Tabela 10 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais de Ensino Fundamental no Brasil e Regiões - 1999-2004 119

Tabela 11 - Taxa de Escolarização Bruta e Líquida - Série Ensino Fundamental no Brasil e Regiões - 1980/2000 120

Tabela 12 - Faixas de remuneração dos DME 138

Tabela 13 - Mecanismos de seleção de diretor das escolas municipais, por UF e Região 140

Tabela 14 - Situação dos professores da rede municipal por UF e região 141

Tabela 15 – Vereadores eleitos por partido no Brasil – 1996, 2000 e 2004. 147

Tabela 16 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef em valores nominais e reais 188

Tabela 17 - Taxa de Participação nas Matrículas de Ensino Fundamental por Rede de Ensino no Município de São Paulo – 1996/2005 205

Tabela 18 - Evolução do Número de Matrículas de Ensino Fundamental Regular na Rede Municipal de São Paulo – 1993/2005 205

Tabela 19 - Recursos Adicionais do Fundef - Município de São Paulo - 1998/2006 207

Tabela 20 - Evolução das Receitas de Impostos e Transferências destinadas à Educação no Município de São Paulo - 1997/2006 213

Tabela 21A - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito LDB) 214

Tabela 21B - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito Educação Inclusiva) 215

Tabela 22 - Receitas do Fundef – Município de São Paulo – 2006 216

Tabela 23 – Despesa com a Subfunção Ensino Fundamental e Custo Aluno/Ano – Município de São Paulo - 1997/2006. 217

Tabela 24 - Número de Funcionários – Docentes e Não-Docentes da Secretaria Municipal de Educação - Prefeitura do Município de São Paulo – 1996/2004 218

Tabela 25 - Evolução da Média do Número de Alunos por classe no Ensino Fundamental Regular – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 220

Tabela 26 - Evolução da Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Abandonos no Ensino Fundamental – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 221

Tabela 27 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil 2005 - Brasil e Município de São Paulo 223

Tabela 28 - Evolução da Aplicação de Outras Receitas da Educação (FNDE e QESE) no Município de São Paulo – 1999/2006 226

Tabela 29 - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental no Município de São Paulo - 1999/2006 227

Tabela 30 – Percentual de Remanejamento Orçamentário – Prefeitura do Município de São Paulo – 2006. 237

Tabela 31 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Programas - 2006. 237

Tabela 32 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Projetos – 2006. 238

Tabela 33 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento das Atividades – 2006. 239

Tabela 34 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Elementos de Despesa – 2006. 240

Tabela 35 – Vereadores por Partido ou Coligação - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 1996 260

Tabela36 – Vereadores por partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2000. 262

Tabela 37 – Vereadores por Partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2004. 263

Gráfico 1 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais – Brasil e regiões – 2004. 119

Gráfico 2 – Média em Língua Portuguesa da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. 124

Gráfico 3 – Média em Língua Portuguesa da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. 124

Gráfico 4 – Média em Matemática da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. 125

Gráfico 5 – Média em Matemática da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. 126

Gráfico 6 - Evolução do Número de Matrículas na Rede Municipal de São Paulo - Ensino Fundamental Regular – 1993/2005 206

Gráfico 7 - Evolução da Quantidade de EMEI e EMEF em atividade – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 219

Gráfico 8 - Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Afastados por Abandono no Ensino Fundamental no município de São Paulo – 1993/2004 222

Gráfico 9 - Rigidez Orçamentária no município de São Paulo - 2006/2007 245

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APEOESP Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

APM Associação de Pais e Mestres

CAE Conselho de Alimentação Escolar

CEB Câmara de Educação Básica

CEPAL Comissão Econômica para América Latina e o Caribe

CEU Centro Educacional Unificado

CF Constituição Federal

CGU Controladoria Geral da União

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CMEs Conselhos Municipais de Educação

CNE Conselho Nacional de Educação

CONAE Coordenação dos Núcleos de Ação Educativa

DCT Disposições Constitucionais Transitórias

DEAs Despesas de Exercícios Anteriores

DIFIN Diretoria Financeira do FNDE

DME Dirigentes Municipais de Educação

EC Emenda Constitucional

EJA Educação de Jovens e Adultos

EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino

FPE Fundo de Participação dos Estados

FPM Fundo de Participação dos Municípios

FUNDEB Fundo de Manutenção e Valorização do Ensino Básico

FUNDEF Fundo de Manutenção e Valorização do Magistério

GDE Gratificação de Desenvolvimento Educacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

INEP Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IPIEXP Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações

IPVA Imposto sobre Veículos Automotores

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LDO Leis de Diretrizes Orçamentárias

LOA Lei Orçamentária Anual

LOM Lei Orgânica Municipal

LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

MEC Ministério da Educação

MF Ministério da Fazenda

MP Ministério Público

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OP Orçamento Programa

PAED Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência

PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

PIB Produto Interno Bruto

PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PME Plano Municipal de Educação

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNATE Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar

PNE Plano Nacional de Educação

PPA Planos Plurianuais de Ação

PPBS Planning and Programming Budget System

QESE Quota Estadual do Salário Educação

RCL Receita Corrente Líquida

SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEF MEC Secretaria de Ensino Fundamental do MEC

SFCI Secretaria Federal de Controle Interno

SINPEEM Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo

SME Secretaria Municipal de Educação

STN Secretaria do Tesouro Nacional

TCU Tribunal de Contas da União

UF Unidade da Federação

UNDIME União dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18 Capítulo 1 – Nova Economia Institucional ....................................................................... 28

1.1 Ambiente institucional............................................................................................. 30 1.1.1 Regras formais .................................................................................................. 35 1.1.2 Regras informais ............................................................................................... 37

1.2 Análise microinstitucional - economia dos custos de transação......................... 38 1.2.1 Pressupostos comportamentais ...................................................................... 39 1.2.2 Custos de transação ......................................................................................... 40

1.3 Estruturas de governança, coordenação e eficiência. .......................................... 42 1.4 Custos de transação e estruturas de governança no setor público .................... 47

1.4.1 Atores................................................................................................................. 47 1.4.2 Custos de transação ......................................................................................... 49 1.4.3 Características especiais das estruturas de governança no setor público .. 52 1.4.4 Oportunismo político e a vinculação orçamentária no setor público ........... 59

Capítulo 2 – O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental...... 64

2.1 Regras do jogo na programação dos gastos públicos: processo orçamentário 65 2.1.1 Processo orçamentário no Brasil .................................................................... 65

2.2 Regras do jogo no financiamento do Ensino Fundamental.................................. 79 2.2.1 Constituição de 1988 ........................................................................................ 79 2.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB ................................. 84 2.2.3 Emenda Constitucional 14/96........................................................................... 88 2.2.4 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – Fundef ......................................................................... 90 2.2.5 Salário-educação............................................................................................. 101 2.2.6 Outras receitas ................................................................................................ 103 2.2.7 Quadro resumo do financiamento do ensino fundamental.......................... 105

2.3 Impacto da mudança de regras da educação ...................................................... 106 2.3.1 Reflexo nas finanças públicas municipais .................................................... 106 2.3.2 Evolução dos indicadores de fluxo e acesso................................................ 111 2.3.3 Indicadores de qualidade do ensino.............................................................. 121 2.3.4 Comparações internacionais.......................................................................... 126 2.3.5 Avaliando os resultados ................................................................................. 127

Capítulo 3 - Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios........................................................................................................................ 132

3.1 Estrutura de governança do ensino fundamental nos municípios: os atores... 132 3.1.1. Poder Executivo ............................................................................................. 132 3.1.2 Dirigentes municipais e burocracia da educação......................................... 136 3.1.3 Poder Legislativo ............................................................................................ 144 3.1.4 Sociedade civil ................................................................................................ 149

3.2 Características das organizações do ensino fundamental no município .......... 155 3.2.1 Multiplicidade de principais............................................................................ 156 3.2.2 Multiplicidade de tarefas e de objetivos ........................................................ 157 3.2.3 Complexidade na motivação dos agentes..................................................... 158 3.2.4 Reduzida competitividade .............................................................................. 160

3.3 Custos de transação, controle externo e eficiência do sistema de ensino ....... 160 Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental ................. 164

4.1 As disjunções do processo orçamentário na formulação e implementação de políticas públicas......................................................................................................... 165

4.1.1 Falhas do processo orçamentário ................................................................. 165 4.1.2 Limites do modelo de orçamento-programa ................................................. 177

4.2 As falhas na concepção da reforma do ensino fundamental.............................. 183 4.2.1 O Fundef e as relações entre os níveis de ensino ........................................ 184 4.2.2 O impacto sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de governo ..... 185 4.2.3 O impacto nas relações federativas............................................................... 188

4.3 As disjunções da estrutura federativa no Brasil e seu impacto no arranjo institucional do ensino ................................................................................................ 190

4.3.1 Estrutura federativa no Brasil ........................................................................ 190 4.3.2 Federalismo e arranjo institucional do ensino no Brasil.............................. 197

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006 ................................................................................................. 203

5.1 Ambiente institucional do ensino fundamental no município de São Paulo ..... 203 5.1.1 O impacto da reforma federal do ensino fundamental ................................. 204 5.1.2 As alterações na legislação municipal .......................................................... 208 5.1.3 Receitas e gastos com ensino fundamental e indicadores de ensino no período de 1997 a 2006 ............................................................................................ 212 5.1.4 Falhas nas regras formais do financiamento do ensino no município de São Paulo ......................................................................................................................... 223

5.2 Estrutura de governança e custos de transação no financiamento do Ensino Fundamental no município de São Paulo .................................................................. 242

5.2.1 Atores............................................................................................................... 242 5.2.2 Características ................................................................................................ 264 5.2.3 Custos de transação ....................................................................................... 267

5.3 Conclusão .............................................................................................................. 269

Considerações Finais...................................................................................................... 273

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 282

Introdução

18

INTRODUÇÃO

“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhes podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade”. (MANIFESTO, 1932, p.1)

Era esse o início do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” em 1932. Um

grupo de intelectuais e educadores que se organiza para redigir um documento que

se tornaria histórico na luta pela priorização do ensino no Brasil. De acordo com os

participantes do grupo, após mais de 40 anos da proclamação da República

continuava a existir na educação pública uma total dissociação entre sua evolução e

a do investimento econômico, o que lhes parecia totalmente descabido e desprovido

de uma estratégia nacional de crescimento para o país.

Segundo o que clamavam os manifestantes, a educação no Brasil deveria ser

eminentemente pública, gratuita, de qualidade e universal. A mesma evolução que

se percebia na economia e na sociedade deveria ser refletida na educação pública,

o que implicava, na sua opinião, a necessidade de uma reestruturação das

instituições ultrapassadas. Era o momento de trabalhar por meio de planos político-

sociais, as questões escolares que até então estavam restritas ao terreno

administrativo.

Dessa maneira, o Manifesto culminava com a necessidade de desenvolvimento de

um Plano Nacional de Educação que deveria definir os princípios e diretrizes da

educação no país. Esse plano buscaria combinar as tarefas do Estado de forma que

fosse possível um arranjo entre as ações do governo central, bem como as dos

estados em seus territórios, de maneira coerente e harmoniosa, visto que em sua

visão a descentralização coordenada das ações era uma necessidade brasileira.

Introdução

19

Apesar de ter sido escrito há 75 anos, é possível perceber que o “Manifesto dos

Pioneiros da Educação” mantém sua atualidade quando vemos que, no início deste

ano de 2007, o governo federal resolveu apresentar à sociedade brasileira o Plano

de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo objetivo básico é promover, em todas

as esferas administrativas, um esforço por uma educação pública universal e de

qualidade1.

É bem verdade que nesse ínterim, entre o Manifesto de 32 e o novo PDE, muitas

alterações ocorreram com a educação no Brasil, em termos de estruturas legais e

institucionais. Segundo Piletti e Piletti (2002), após as discussões da década de

1930, no período de 1946 até 1964, com o fim do Estado Novo, é adotada uma nova

Constituição que determinaria a obrigatoriedade do ensino primário, dando

competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional,

inclusive estabelecendo que a educação seria um direito de todos, conforme o

requerido no Manifesto dos anos 30.

Esse período foi muito fértil em termos de Educação, havendo a criação do

Ministério da Educação e Cultura (MEC) e, em 1962, são criados o Plano Nacional

de Educação e o Plano Nacional de Alfabetização, este último baseado no Método

Paulo Freire.

A ditadura militar, contudo, aborta várias dessas iniciativas, taxadas de subversivas

pelos líderes golpistas. Nesse período, em 1971, é estabelecida a Lei 4.024, Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cuja principal característica era a

preocupação com a formação educacional profissionalizante, preocupação essa,

condizente com o espírito da época de formar contingentes de pessoas para um

parque industrial crescente (PILETTI e PILETTI, 2002).

Com a reabertura democrática, há uma ebulição dos desejos e necessidades

reprimidos durante anos de ditadura na área social e principalmente na educação.

Recomeça a discussão sobre a necessidade de um novo Plano Nacional de

Educação e uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

1 Conforme informações obtidas no http://portal.mec.gov.br, em 20/03/2007.

Introdução

20

Em 1986, um primeiro passo dessa reestruturação é dado com a aprovação da Lei

Calmon, que fixou recursos obrigatórios para o investimento em educação pelas três

esferas de governo. Mais tarde, em 1988, a nova Constituição reforça essa

determinação ao estabelecer a vinculação constitucional da educação, dividindo

responsabilidades para os ensinos fundamental, médio e superior, entre União,

estados e municípios, passando os últimos a serem unidades federativas

autônomas. A partir da Constituição de 1988 e nos anos mais recentes, várias

políticas educacionais foram criadas, partindo-se de um princípio de

descentralização do ensino básico (CASTRO, 2001).

Segundo Vasconcellos (2004), o Estado brasileiro vem desde então ampliando sua

responsabilidade relativa à educação, por meio do aumento da vinculação de

recursos para a área e da elevação do número de anos de estudo obrigatório,

tornando a despesa com ensino prioridade de todas as esferas de governo. Exemplo

disso foi a revisão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em

1996, após vários anos em tramitação legislativa, e o Fundo para Manutenção e

Valorização do Magistério e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef),

criado no mesmo ano e cuja intenção principal era a melhoria e a municipalização do

ensino fundamental.

Porém, mesmo com todas as reformas por que passou a educação nos períodos

citados, a situação do ensino no Brasil é ainda bastante precária, não condizente

com as necessidades de sua população e nem com as possibilidades econômicas

do Estado brasileiro. Apesar do clamor do Manifesto de 32, a educação pública

brasileira não conseguiu avançar no intuito de tornar-se universal e de qualidade.

Devemos reconhecer que houve avanço no que diz respeito às taxas de acesso à

escolarização e incremento na média de anos de estudo da população brasileira2.

Apesar disso, a maior parte das crianças e jovens inseridos na escola pública

apresenta, ao final dos ciclos fundamental e médio, dificuldades básicas de leitura,

soma e subtração, conforme apontam as análises do Sistema de Avaliação do

Ensino Básico (Saeb) , no período de 1995 a 2003, e da Prova Brasil, realizada em

2005 pelo MEC. As dificuldades de aprendizagem levam as crianças brasileiras a ter

Introdução

21

restrito seu horizonte de possibilidades pessoais, de crescimento intelectual e

profissional, além do grande prejuízo causado à construção de uma nação justa e

igualitária.

Em meio às preocupações a respeito do desenvolvimento e implantação de políticas

públicas na área da educação, a discussão sobre o modelo de financiamento dessas

políticas é crucial, visto que a estrutura jurídico-normativa e financeira pode acelerar,

ou não, a solução dos graves problemas da educação no país (CASTRO, 2001).

Dentre os vários níveis de ensino que compõem a educação, é particularmente

importante o estudo do financiamento do ensino fundamental, em função de dois

motivos principais.

Em primeiro lugar, porque o ciclo fundamental é considerado no Brasil obrigatório e

a qualidade de seu ensino e aprendizagem será determinante para a continuidade

da vida escolar dos alunos nos demais ciclos, bem como terá reflexos na vida

profissional e pessoal dos estudantes.

A segunda razão está ligada ao fato de que a Constituição Federal de 1988 reforçou

a importância desse nível de ensino, em especial nos municípios, ao garantir seu

financiamento por meio da manutenção de regras de vinculação orçamentária.

O ambiente institucional do financiamento do ensino fundamental brasileiro sofreu

diversas modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 1990. Com o

objetivo de aliar a descentralização das políticas públicas de educação para os

municípios e priorizar o ensino fundamental, o governo federal promoveu uma

reforma profunda das normas legais para a execução dessas políticas, inclusive por

meio de emendas constitucionais, que passaram a constituir importantes regras de

financiamento do ensino. Uma das principais alterações ocorridas foi a criação do

Fundo de Manutenção do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério - Fundef,

destinado ao financiamento do ensino fundamental no Brasil.

Do ponto de vista analítico, com base no referencial teórico da Nova Economia

Institucional, a vinculação de verbas para a política educacional é considerada a

2 Estas questões serão tratadas no capítulo 2 desta tese.

Introdução

22

principal regra de financiamento do ensino fundamental e serviu à redução de vários

custos de transação relacionados à descontinuidade de ações e ao comportamento

oportunista dos atores envolvidos no cenário das políticas públicas. Dentre tais

atores, estão os representantes do poder público, executivo e legislativo, a

burocracia estatal e a sociedade civil.

Esta tese busca avaliar se o conjunto dessas estratégias de financiamento é

condição suficiente para a obtenção de eficiência na condução das políticas de

educação, ou se há outros elementos, ligados ou não a essa estratégia, que

contribuem para a manutenção de ineficiências.

O estudo do financiamento do ensino fundamental no Brasil implica a compreensão

de regras de finanças públicas, como as estabelecidas pela Constituição Federal por

um lado e, por outro, também pressupõe que se avalie de que maneira essas regras

são determinantes ou não do comportamento dos atores envolvidos em sua

implantação.

O conjunto das regras formais do financiamento do ensino fundamental, que são as

leis e regras constitucionais, compõe um arcabouço institucional importante para as

políticas públicas de educação. Esse arcabouço, juntamente com as regras informais

que derivam dos valores e comportamento reativo dos agentes frente às regras

formalmente constituídas, determina o ambiente institucional das políticas públicas

do ensino fundamental (NORTH, 1990).

Dessa forma, neste estudo será realizada uma análise pormenorizada do arranjo

institucional desenvolvido para o financiamento do ensino fundamental que abrange

o ambiente institucional, isto é, as regras do jogo, assim como o comportamento dos

agentes frente a essas regras.

O estudo do arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental será

realizado a partir do enfoque teórico da Nova Economia Institucional. Esse

referencial está focado no papel central das instituições na avaliação de problemas

sócio-econômicos. Dessa maneira, o primeiro capítulo desta tese dedica-se a

Introdução

23

descrever elementos centrais da referida teoria, como a compreensão das

instituições em dois níveis: macro e microinstitucional.

Principalmente a partir dos trabalhos de North (1988 e 1990), Williamson (1985) e

Miller (1992), será apresentada a abordagem teórica nos níveis macro e

microinstitucional. Buscaremos ressaltar para o primeiro nível a importância das

regras do jogo, formais e informais, na construção das instituições. Para o segundo,

o intuito será o de descrever elementos característicos das estruturas de

governança, constituídas para coordenar o comportamento dos agentes a partir das

regras do jogo, com propósito de reduzir os custos de transação existentes nos

ambientes econômico, institucional e social das organizações.

Feita essa estruturação inicial, buscaremos construir o modelo teórico utilizado na

tese que, por sua vez, pode ser considerado uma adaptação da abordagem da Nova

Economia Institucional para organizações do setor público. Para isso, serão

utilizados, fundamentalmente, os trabalhos de Dixit (2002), Frant (1996) e Horn

(1995), que trazem elementos e características importantes das instituições, dos

atores e das estruturas de governança, de modo a serem considerados na análise

das organizações públicas.

Esse modelo será utilizado na avaliação de elementos comprobatórios da seguinte

hipótese: a vinculação orçamentária de receitas para o financiamento do ensino

fundamental público não é suficiente para garantir a eficiência na condução dessa

política pública, uma vez que existem falhas nesse arranjo institucional, tanto nas

regras do jogo, quanto no comportamento dos agentes, que dificultam a busca de

resultados eficientes nesse nível de ensino.

Nesta tese pretende-se avaliar as conseqüências do arranjo institucional do

financiamento do ensino fundamental adotado a partir de 1996 para as redes de

ensino dos municípios brasileiros. Dessa forma, foram levantados dados referentes a

receitas e despesas municipais com ensino, bem como indicadores de ensino no

período avaliado.

Introdução

24

Com referência aos dados de finanças públicas, as fontes utilizadas são os bancos

de dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA), isto é, o Ipeadata, assim como as informações relativas

às receitas do Fundef, disponibilizadas pela Secretaria de Ensino Fundamental

(SEF)3 do MEC.

Os indicadores de ensino utilizados foram obtidos por meio do banco de dados da

educação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira (Inep), o EDUDATA BRASIL, da Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), e dos

dados do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb).

Foram também realizadas entrevistas com ex-secretários de educação e finanças,

bem como ex-vereadores municipais de quatro municípios dos estados do Rio de

Janeiro e São Paulo.

Além da análise global dos municípios brasileiros, a análise empírica do modelo

teórico construído na tese contou ainda com a realização do estudo de caso do

município de São Paulo, abrangendo o período de 1997 a 2006.

A realização desse estudo de caso teve o objetivo de verificar, a partir da

experiência concreta do município paulistano, quais são as falhas existentes no

arranjo institucional do financiamento de ensino fundamental público. O caso de São

Paulo foi escolhido por duas razões. Em primeiro lugar, está o fato de ser o

município com maior orçamento dentre os municípios brasileiros, o que garante a

existência de receitas próprias destinadas ao ensino, para além das transferências

federais e estaduais. Em outras palavras, o estágio atual da qualidade do ensino

fundamental de um município que dispõe de condições reais – e vultosas – de

recursos financeiros poderia servir como exemplo dos benefícios trazidos pela

vinculação orçamentária à educação. A garantia de recursos para a educação no

município de São Paulo poderia ser vista como o exemplo máximo da eficácia de

uma regra formal que se fundamenta no repasse financeiro obrigatório. Por essa

razão, o estudo sobre a cidade de São Paulo traz elementos importantes para

3 Atual SEB – Secretaria de Ensino Básico do MEC.

Introdução

25

verificar empiricamente a análise realizada em um primeiro momento para todo o

país. Uma segunda razão para abordar o caso paulistano é a maior disponibilidade e

possibilidade de acesso aos dados necessários ao estudo.

Para o desenvolvimento desta tese, foram levantados dados de finanças públicas do

município por meio das publicações oficiais de Balanços e Balancetes

Orçamentários, bem como Demonstrativos de Aplicação de Recursos da Educação,

publicados no Diário Oficial do Município. Além desses, foram também utilizadas

informações e indicadores referentes ao ensino fundamental municipal disponíveis

no banco de dados da Secretaria Municipal de Educação.

Finalmente, foram realizadas entrevistas com ex-secretários e assessores das

secretarias municipais de educação, finanças e gestão pública; vereadores e

técnicos da assessoria parlamentar e assessoria de finanças e orçamento da

Câmara Municipal de São Paulo, além de técnicos da assessoria geral de orçamento

do município.

O período de análise desta tese abrange as mudanças empreendidas na reforma do

ensino fundamental de 1996, a partir da Emenda Constitucional 14/96, e da

implantação do Fundef até o ano de 2006. Dessa forma, não está em foco a

compreensão do arranjo institucional antes da vigência dessas modificações

constitucionais, bem como não serão analisadas as mudanças trazidas pelo novo

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação (Fundeb) e nem aquelas propostas no Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE).

Também não se pretende com esta tese a discussão sobre a qualidade do ensino e

aprendizagem, no que diz respeito a métodos pedagógicos, currículos básicos,

formação de docentes, nível de escolaridade dos pais e mães, e outras questões

ligadas a causas e soluções da questão. A qualidade do ensino será tratada apenas

de forma indireta, a partir dos resultados dos sistemas federais de avaliação, na

medida em que esta é um importante indicador de desempenho das políticas

públicas.

Introdução

26

Esta tese está estruturada em cinco capítulos, além desta introdução e das

considerações finais sobre o estudo. O capítulo 1 apresentará o modelo teórico a ser

utilizado na tese, que é baseado na abordagem da Nova Economia Institucional.

Nesse capítulo serão mencionados alguns conceitos básicos desse referencial

teórico, como as regras do jogo, custos de transação e estruturas de governança. A

partir desses conceitos será desenvolvida a adaptação da teoria para o setor

público, com especial ênfase na análise de seus atores, custos de transação e

outras particularidades relevantes para a definição de sua estrutura de governança.

Como forma de equacionar parte dos custos de transação presente no setor público,

especialmente o oportunismo político, no final do capítulo descreve-se e analisa-se a

racionalidade por trás das estratégias de vinculação orçamentária, como a utilizada

para a educação no Brasil.

No capítulo 2 haverá uma descrição das regras formais existentes para o

financiamento de políticas públicas no Brasil, especialmente às referentes ao ensino

fundamental. Dessa forma, o capítulo apresenta inicialmente as regras concernentes

ao planejamento e à orçamentação de receitas e despesas públicas, em seguida

são definidas as regras do financiamento do ensino fundamental público no Brasil,

com foco nas mudanças realizadas a partir da Emenda Constitucional 14/96. O final

do capítulo será dedicado à análise dos reflexos das regras formais do

financiamento do ensino municipal nas finanças públicas municipais e nos

indicadores do ensino público.

A estrutura de governança existente nos municípios brasileiros para o

gerenciamento das receitas e despesas referentes ao financiamento das políticas

públicas de ensino será analisada no capítulo 3. Nesse sentido, serão avaliadas as

motivações e características dos principais atores envolvidos nessa estrutura de

governança, bem como as regras informais adotadas por estes na condução das

políticas públicas de ensino. Essa análise buscará compreender até que ponto esses

atores reúnem as condições necessárias para a implementação das regras formais

adotadas para o financiamento do ensino fundamental.

O capítulo 4 será dedicado a analisar as razões que levam à ausência de aderência

das regras formais frente à estrutura de governança constituída nos municípios.

Introdução

27

Essa ausência estabelece o que denominaremos de falhas institucionais, as quais

serão avaliadas sob três aspectos: i) as falhas existentes no processo de

planejamento e orçamentação no Brasil, ii) os problemas na concepção da reforma

do ensino fundamental e iii) as falhas geradas a partir do modelo federativo

brasileiro.

O capítulo 5 buscará, com base na análise macro e microinstitucional apresentada

nos capítulos anteriores, avaliar aspectos do arranjo institucional do financiamento

do ensino fundamental em São Paulo que corroborem a hipótese principal desta

tese. Nessa análise serão então considerados os reflexos das mudanças

constitucionais realizadas a partir de 1996 para o município de São Paulo. A partir

desse marco serão avaliadas as políticas públicas de ensino fundamental

empreendidas nas três gestões eleitas desde então.

Nas considerações finais, buscaremos apresentar os principais argumentos e dados

empíricos levantados durante o desenvolvimento da tese que justificam por que o

arranjo institucional de financiamento do ensino fundamental baseado na vinculação

orçamentária de receitas não é suficiente para garantir a eficiência dessas políticas

públicas.

Esta tese pretende contribuir com as discussões acerca das mudanças necessárias

na construção das políticas de educação no Brasil, chamando a atenção para a

importância da adequação institucional entre as regras formais estabelecidas para

as políticas e as características, valores e capacitação dos atores envolvidos na

implantação dessas regras.

A própria teoria institucional antecipa que a não consideração de tais fatores implica

a possibilidade de ocorrência de custos de transação associados aos custos de

controle dos gestores públicos e ao comportamento oportunista dos agentes no

cenário das políticas públicas. Com isso, mesmo existindo recursos vinculados, não

estará garantida uma condução eficiente das políticas públicas de ensino.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

28

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

Este estudo tem como foco o financiamento do ensino fundamental público, gerido

pelos municípios, no Brasil, à luz do arranjo institucional concebido a partir da

Constituição de 19884. Para o desenvolvimento desta tese, buscou-se identificar na

literatura econômica o referencial teórico mais adequado à análise das questões

relativas ao financiamento do ensino público.

Para a exata compreensão do assunto, é importante tanto a identificação dos atores

responsáveis pelo financiamento do ensino e a forma como estes interagem com os

agentes públicos e privados envolvidos no processo, quanto a investigação das

regras gerais que regem as despesas e as receitas ligadas ao ensino público

fundamental. Dessa forma, faz-se necessária uma investigação microanalítica do

problema, o que ajudará a entender a lógica dos agentes organizacionais,

apontando-se os sistemas de incentivos existentes e as estruturas de governança

construídas por tais agentes. Além disso, devem-se conhecer quais as instituições

de estado que determinam o espaço de atuação do financiamento do ensino

fundamental e quais as interações de agentes econômicos, sociais e políticos, nas

esferas pública e privada, que interferem nesse processo.

Sendo indispensável tanto o entendimento da lógica do funcionamento das

organizações, isto é, suas estruturas de governança, como também a identificação

das macroinstituições - o ambiente institucional no qual está inserida a questão do

gasto com ensino fundamental -, optou-se pela utilização do arcabouço teórico neo-

institucionalista.

O neo-institucionalismo é uma corrente de pensamento que tem se fortalecido nos

últimos anos dentro das ciências sociais, principalmente na economia e na ciência

política. Apesar de apresentar várias ramificações teóricas, todas enfocam o papel

central das instituições na avaliação de problemas socioeconômicos.

4 A Constituição de 1988 representa um importante marco para o financiamento da educação pública, pois a partir desta é fortalecido o processo de

municipalização do ensino fundamental no Brasil, o que gera um aumento substancial de recursos para os municípios, já que ocorrem transferências

intergovernamentais vinculadas, a maioria, à educação. Essa questão será tratada em detalhe no capítulo 2.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

29

Esta tese orienta-se, justamente, a partir de uma dessas ramificações, qual seja a da

abordagem da Nova Economia Institucional que, assim como apresentado por

Azevedo (2000), analisa o papel das instituições em dois níveis. O primeiro,

contempla as macroinstituições, isto é, aquelas que estabelecem as bases para as

interações entre os seres humanos; e o segundo, trabalha as microinstituições, que

regulam as transações específicas.

Ambos os campos partem de uma base referencial comum - o estudo realizado por

Coase (1937) – e a seguir se estruturam de forma distinta. No tocante à análise

macroinstitucional, tem-se principalmente o enfoque de Douglas North; já quanto às

microinstituições, destaca-se o trabalho de Oliver Williamson (AZEVEDO, 2000).

Na área econômica, Douglas North representa um dos principais teóricos da

abordagem institucional. As relações humanas, para ele, são muito mais complexas

do que a resultante da ação de indivíduos racionais, na busca da maximização de

seu bem-estar. O autor defende que o comportamento humano vai além do

imaginável na visão neoclássica e que o peso das instituições, entendidas como as

“regras do jogo”, independe de sua eficiência econômica e tem grande relevância no

cálculo da incerteza e custos de transação (NORTH, 1990).

Para North (1990), são essas regras que estruturam as relações individuais e entre

grupos, ao colocarem limites e incentivos às trocas. Elas são responsáveis pela

forma e pelo caminho traçado para o crescimento ou não de uma sociedade,

apresentando-se, por vezes, como facilitadoras ou obstáculos a mudanças de

paradigmas. Acima de tudo, as instituições podem reduzir as incertezas da vida

cotidiana.

Corroborando essa visão, Gary Miller (1992) relata em Managerial Dilemmas que, ao

contrário do previsto na teoria neoclássica, o comportamento maximizador, que

busca sempre o resultado mais eficiente, não é automático na firma e na economia

como um todo. Isso dependerá, como colocado por North (1990), do ambiente

institucional. Em situações complexas com alta interdependência individual, a

importância das instituições é enorme, pois possibilitam aos indivíduos a projeção do

comportamento de outros e, a partir disso, facilitam uma tomada de decisão em

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

30

ambiente de informação assimétrica. Assim, é fundamental entender como as

instituições moldam e condicionam as escolhas individuais (North, 1988).

Já segundo Williamson (1985), os custos de transação formam um conceito-chave

na teoria da Nova Economia Institucional, pois estão presentes na obtenção de

informações, na medição da qualidade das mercadorias, na negociação de

contratos, enfim, em toda a transação econômica. Por ser o mercado um ambiente

de competição imperfeita, ressalta-se a importância do referido conceito e das

estruturas de governança que são construídas com o intuito de reduzir tais custos.

A partir principalmente dessas duas visões, este capítulo será destinado a uma

apresentação do referencial teórico utilizado pela Nova Economia Institucional. Em

primeiro lugar serão analisados aspectos da abordagem macroinstitucional como

regras formais e informais que compõem o ambiente institucional; em seguida, serão

avaliadas características da abordagem microinstitucional. Nesse sentido, os custos

de transação, bem como os sistemas de incentivos e as estruturas de governança,

criadas para o controle desses custos, serão objeto de estudo.

Além disso, será traçado um modelo analítico que permita entender como os

conceitos de custos de transação e as estruturas de governança podem ser

aplicados ao setor público, com o escopo de construir a lógica dos arranjos

institucionais e as estruturas de governança existentes nas organizações estatais. A

partir desse modelo, será realizada a pesquisa acerca do arranjo institucional do

financiamento do ensino fundamental público no Brasil, nos últimos anos.

1.1 Ambiente institucional

Segundo Azevedo (2000), o estudo do ambiente institucional é indispensável para a

compreensão do desempenho das organizações, sejam estas privadas ou públicas,

destacando-se o papel das macroinstituições, nas quais ocorre a inter-relação entre

membros da mesma sociedade. Nessa avaliação, é importante a compreensão do

papel do Estado, visto que, conforme pontuado por Bresser (1995, p. 6):

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

31

“o Estado é a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato social ou de um pacto político, que garante legitimidade ao governo. Em outras palavras, (...) o Estado é o aparato organizacional e legal que garante a propriedade e os contratos.”

Há três teorias básicas que explicam o surgimento do Estado, segundo Bresser

(2004). A primeira, é a histórica; cuja origem está ligada a Aristóteles, mas tem como

representantes, Vico, Hegel e Marx. A segunda, é a normativa; representada por

Maquiavel, Montesquieu e Madison. A terceira, é a contratualista de Hobbes,

desenvolvida também por Locke, Rousseau e Kant, e mais recentemente revisitada

pelos novos institucionalistas como Olson (1999) (BRESSER, 2004).

De acordo com a primeira teoria, o Estado é criado para atender às necessidades

dadas pela evolução do modelo econômico pré-capitalista, no qual um grupo

dominante se apropria do excedente econômico, ou seja, a chamada acumulação

primitiva de capital, que possibilitaria, por seu turno, a produção. Essa apropriação

de alguma forma valeu-se do uso da força, dada a associação do grupo dominante

com senhores de guerra, os quais futuramente tornar-se-iam senhores feudais e

monarcas. No entanto, segundo a teoria normativa, a preocupação volta-se ao

“dever ser” em vez da explicação do surgimento do Estado. Assim, procura-se

descrever as características que justificam e orientam a existência e a presença do

Estado. Por fim, a visão contratualista parte do pacto voluntário entre os indivíduos

que cedem sua liberdade em troca de proteção e ordem providas pelo Estado - aqui

representado por um grupo detentor de força. Na visão de Olson (1999), esse

contrato inicial pode ser, na verdade, forçado pelo grupo ou pelo indivíduo detentor

de força – bandido itinerante – que primeiro reprime e assusta para depois vender a

proteção5 (BRESSER, 2004).

Bresser (2004) discorda da visão de Olson (1999) na medida em que o monarca ou

o chefe do Estado parece ser movido simplesmente pelo auto-interesse: sua

preocupação com o bem-estar e com o desenvolvimento da sociedade dá-se apenas

5 Olson (1999) argumenta que a criação do Estado parte do auto-interesse dos governantes, metaforicamente apresentados como “bandidos”, em controlar

a sociedade para seu ganho pessoal. Assim, o bandido se aproveita da riqueza da sociedade para crescer com ela, roubando-a. Enquanto itinerante, ele

não se preocupa com o bem-estar, visto ser movido pela intenção de seu próprio enriquecimento. Porém, com a evolução da sociedade, ele percebe que

pode, ao invés de roubar sempre em um novo território, estabelecer uma faixa determinada de roubo em uma comunidade, permitindo que esta cresça sem,

contudo, livrar-se dele, assim, torna-se estacionário. Isso ocorre pois ficar e enriquecer à custa do crescimento econômico é muito mais interessante que se

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

32

se for beneficiado individualmente. Para o autor, há outras motivações que regem os

chefes de Estado e esclarecê-las ajudaria a explicar o desenvolvimento das

instituições e das nações de formas diferenciadas entre os países.

De toda maneira, qualquer das visões entende o surgimento do Estado como uma

forma de normatizar as relações dos indivíduos com a sociedade e com o mercado,

que iniciava também sua formação. Desde então, o Estado tem evoluído e alterado

sua relação e intervenção na economia e na sociedade.

O Estado moderno tem em sua base uma variedade de instituições, além de

políticas econômicas desenvolvidas segundo a estrutura econômica e social, as

quais refletem valores e crenças prevalentes no sistema cultural. Esses sistemas

são complexos e sua legitimidade se dá por meio da forma de tomada de decisão

política e principalmente de sua adaptação à estrutura e à cultura social (BRESSER,

2004).

Com suas atribuições majoradas, o que implicou no direcionamento de suas ações

para além da defesa e da segurança 6 , o Estado hoje intervém na parte

administrativa, nas questões macroeconômicas e em políticas de bem-estar social.

Sob a perspectiva de evolução e crescimento do setor público nos últimos séculos, é

importante, contudo, retomar as principais funções do Estado. Na visão de Musgrave

(1974), as funções clássicas do Estado seriam: a alocação de recursos, a

distribuição de renda e a manutenção da estabilidade econômica.

A função alocativa visa assegurar que a utilização de recursos na economia se dê

de forma eficiente, quando o mecanismo de preços do mercado não for capaz de

fazê-lo satisfatoriamente. No caso da função distributiva, a intervenção do governo

busca maior justiça na distribuição de renda, a qual não é garantida pelo mero ajuste

alocativo do mercado. Por último, a função de manutenção da estabilidade

econômica tem por objetivo controlar e manter o nível da demanda agregada, de

forma a adequar inflação e emprego. (REZENDE, 2001 e STIGLITZ, 1988).

deslocar sempre. Nessa visão, assim formaram-se os Estados: a partir de indivíduos e de grupos de repressão que se mantiveram por meio da extorsão de

riqueza compensada com a proteção; como uma máfia que, quando se estabelece, não deixa mais ninguém roubar naquele território.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

33

Essas três funções determinam a base da atuação do Estado na economia, o que

pode se dar de formas diferentes, com diversas combinações. A atuação do Estado

para buscar crescimento, estabilidade econômica e distribuição de renda pode

ocorrer por meio da intervenção direta ou indireta, por exemplo. Contudo, deve-se

ter a determinação dos objetivos que se pretende atingir e os instrumentos que

deverão ser usados para isso; pois sem que haja planejamento e controle da ação, é

possível que um objetivo entre em conflito com outro, como nos casos clássicos de

busca por crescimento econômico e estabilidade, ou crescimento econômico e

distribuição de renda. A coordenação da ação do Estado deve também se preocupar

com a articulação administrativa e institucional dos objetivos a atingir, pois muitas

vezes a intervenção depende do trabalho coordenado de diversos órgãos e esferas

de governo que, se superpostos, podem contribuir ou obstar o alcance de uma meta.

(REZENDE, 2001)

As instituições desempenham um papel fundamental na busca pelo cumprimento

das funções do Estado, como a garantia do desenvolvimento e do crescimento

econômico, porque sustentam e apóiam, ou não, as estratégias e as políticas

nacionais de desenvolvimento capitaneadas em primeiro plano pelo Estado,

entendido por Bresser (2004) como agente fundamental da ação coletiva. Assim,

essas teriam um peso grande ao contrabalançar o auto-interesse do chefe do

executivo, ou do bandido estacionário, segundo a metáfora de Olson (1999) já

referida.

É relevante diferenciar as instituições das organizações. Estas são agrupamentos de

indivíduos que compartilham dos mesmos objetivos e são criadas em função das

instituições e com vistas a influenciá-las. Já aquelas são indispensáveis para se

entender a forma de operacionalização do Estado, pois influenciam a sociedade e a

economia e podem provocar ou reduzir custos de transação e de produção

(BRESSER, 2004)

Nesse sentido, as instituições determinam as relações entre Estado e sociedade, e,

para compreender como isso acontece, é preciso que se esclareça, antes, o

6 As visões histórica e contratualista entendem que a defesa e a segurança são as primeiras preocupações do Estado, no cumprimento de sua função de

proteção dos indivíduos de uma sociedade. Com o tempo, a necessidade de estruturação do Estado leva ao surgimento de outras funções (BRESSER, 2004

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

34

funcionamento das primeiras, na medida em que podem ser determinantes do

desenvolvimento ou do fracasso econômico, por exemplo.

Uma das principais contribuições de North (1990) na economia institucional foi a

descrição do conceito de path dependence, isto é, a idéia de que muitas sociedades

dependem das relações estabelecidas com instituições, por vezes ineficientes, o que

não se consegue mudar em função destas estarem de tal forma arraigadas na

cultura e na estrutura econômica e social, impedindo a construção de novos

caminhos. Todavia, pode-se perguntar se, numa realidade em que há uma busca

constante pela eficiência e pela maximização de ganhos, de lucro e de bem-estar,

faria sentido a existência de tais instituições?

De acordo com o autor, muitas vezes os agentes econômicos e sociais percebem a

necessidade de se alterar essa forma de transacionar. Porém, a informação é

imperfeita e assimétrica e, dado o costume na construção de determinado caminho,

coloca-se um obstáculo enorme à mudança. Além disso, sob o ponto de vista da

instituição, há muitos atores, grupos de interesse7 e organizações que vivem em

função da ineficiência e, portanto, maximizam suas operações sob esse formato,

impedindo que outros grupos atingidos diretamente modifiquem o percurso.

Bresser (2004) acrescenta a essa análise o fato de que por refletirem valores e

crenças presentes na sociedade, as instituições são complexos sistemas legitimados

por sua adaptação às estruturas sociais e culturais. Dessa forma, na maioria das

vezes, uma renovação no modo de transacionar não é algo banal. A imposição de

qualquer mudança não compactuada ou a importação de novas regras tendem a

fracassar caso não sejam compreendidas no seio da sociedade a que se destinam.

A busca pela eficiência institucional pode ser um processo lento e difícil.

Conforme mencionado, essas instituições nem sempre têm a eficiência esperada em

um modelo de competição perfeita. Isso ocorre porque não são necessariamente

a e REZENDE, 2001).

7 Segundo OLSON (1999), um grupo de interesse é formado por um conjunto de indivíduos ou de empresas que tenha interesses em comum e se reunem

com o intuito de pressionar o governo a trabalhar na direção de seus objetivos. A formação e permanência de tais grupos de interesse não se explicam,

contudo, pelos objetivos comuns de seus membros, mas pela capacidade destes em exercerem a coerção e conseguirem incentivos seletivos para ação

individual.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

35

criadas para serem-no, mas sim para servirem a interesses de grupos que têm poder

de barganha para estabelecer as regras do jogo (NORTH, 1990). Se não houvesse

custo de transação, esse poder de barganha de nada serviria. Contudo, como se

sabe, existem falhas de mercado e informações imperfeitas que permitem a essas

instituições permanecerem ineficientes e a alguns grupos monopolizarem ganhos.

Partindo-se, então, do pressuposto de que as instituições são vitais para a

compreensão da eficiência das políticas públicas, serão destacados, neste estudo,

dois aspectos macroinstitucionais de grande relevância para o entendimento do

ambiente institucional: as regras formalmente constituídas e as restrições informais.

1.1.1 Regras formais

As regras formalmente constituídas são a parte mais evidente das macroinstituições,

tais como a Constituição e as legislações complementares que existem para o

funcionamento dos mais diversos setores da economia e da sociedade. No caso da

educação, são exemplos de regras formais: a vinculação de impostos à área,

prevista pela Constituição de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef). Estas últimas foram constituídas

como base das regras formais do ensino fundamental no Brasil, entre meados da

década de 1990 até 2006, e serão analisadas, em detalhe, no capítulo 2.

A definição de regra formal é bastante evidente, contudo, segundo Azevedo (2000),

a maior contribuição da nova economia institucional está em, para além de

demonstrar a importância da regra institucional formal, avaliar o modo como os

agentes relacionam-se a partir desta e os conflitos gerados com outras regras

formais ou informais.

A credibilidade de uma regra, se colocada em risco, pode comprometer todo o

ambiente institucional no qual está inserida. Nesse sentido, é de grande importância

avaliar a previsibilidade e a funcionalidade da regra. A partir da observação da

instância tomadora de decisão sobre a escolha de determinada regra, é possível

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

36

avaliar sua adequação ao ambiente e eventual sujeição à ação de grupos de

interesses (CLUNE, 1987).

Para Azevedo (2000), se uma regra específica contrariar algum grupo de interesse

ou mesmo dificultar a ação da burocracia estatal, encarregada de sua

implementação e execução, é possível que venha a ser alterada ou nunca seja de

fato cumprida, o que leva a descrença em sua potencial indução de investimentos e

coloca em dúvida sua eficiência. Assim, na prática, o resultado da regra será a

geração de mais incerteza, comprometendo todo o ambiente institucional, além do

desenvolvimento econômico e social desejado.

Desse modo, a escolha da regra formal é extremamente importante, apesar de,

segundo Clune (1987), ser subjetiva. O autor afirma que as decisões sobre as

políticas públicas e a determinação de suas regras, cujo intuito é alcançar resultados

substantivos, de ordenamento econômico e social, sempre envolvem uma escolha

do tomador de decisões. Por exemplo, a definição de que o governo federal atuará

supletivamente no ensino fundamental, uma vez que a responsabilidade por este

será dos municípios brasileiros, é uma escolha institucional, determinada pela

Constituição.

A escolha da instituição por um tomador de decisão é essencial na decisão política,

pois a capacidade de se atingir objetivos é duramente pautada pelas características

das instituições disponíveis. Nesse sentido, em um processo de escolha, dois

aspectos gerais das instituições são relevantes: a concordância nos objetivos

substantivos e a capacidade de alcançá-los (CLUNE, 1987).

A primeira característica é fundamental, pois do contrário é difícil ter o suporte

necessário à implementação da política. Portanto, quando da decisão pela

municipalização do ensino fundamental, houve uma redistribuição tributária aos

municípios, definida pela Constituição de 1988, senão seria pouco provável sua

aceitação. Mesmo assim, apenas após a adoção de uma nova regra formal, o

Fundef, é que a municipalização desse nível de ensino passa a se concretizar de

fato (MELCHIOR, 1997). O apoio à regra não garante, contudo, a capacidade de

implementá-la. Este segundo aspecto pode ser extremamente complexo,

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

37

dependendo da política pública, e pode pôr em questão a credibilidade da regra,

levando às conseqüências previstas por Azevedo (2000).

A capacidade que um nível de governo tem de influenciar outro é algumas vezes

discutida em termos de vantagem comparativa e limitação de ordem política, como a

existência de mandatos e de descontinuidade administrativa. A lógica, ou o método

de escolha institucional, é chamada de vantagem institucional comparativa, cuja

idéia é comparar instituições, ou seja, as regras formais, para definir a mais

adequada, começando por um processo de “desconfiança institucional” (CLUNE,

1987).

A desconfiança institucional é a percepção de que um possível tomador de decisão,

fundamental na execução da regra formal, pode não estar comprometido ou

capacitado para assumi-la; por exemplo, avaliar se os governos municipais estavam

aptos a implementar o Fundef. Mas uma comparação acurada requer ir além da

desconfiança. Partindo do princípio de que nenhum tomador de decisão é perfeito, é

possível que sua desconfiança seja infundada, então esta deve ser pesada frente a

outras avaliações, isto é, a lógica da escolha institucional deve começar pela

desconfiança, porém deve-se seguir até uma avaliação superior (CLUNE, 1987).

A idéia da vantagem comparativa institucional implica também a busca pela

implementação ideal de uma política, ou regra formal. No mundo real, todavia, há

instituições imperfeitas que representam uma escolha menos pior frente à

impossibilidade do ideal. É importante averiguar a leitura que os agentes fazem

dessa escolha.

No processo de definições de regras formais, o tomador de decisão, além dos

indivíduos e das organizações afetados por esse arcabouço institucional deparam-se

com facilidades ou restrições informais que podem ser tão ou mais importantes que

as próprias regras em questão.

1.1.2 Regras informais

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

38

Segundo Azevedo (2000), o comportamento humano está condicionado também por

regras informais, as quais, por serem muitas vezes ocultas, não são facilmente

administradas por ações estratégicas ou políticas públicas. Essas regras repousam

sobre valores culturais, religiosos, familiares, entre outros, e formam um conjunto

institucional de extrema relevância para a condução das relações sociais. Deve-se

ressaltar, contudo, que essas regras ou restrições informais muitas vezes são

criadas independentemente e até em oposição ao desejo social; podem também ter

origem nas brechas de regras formais, as quais facilitam ou dificultam as relações

humanas, reduzindo ou não os custos de transação (NORTH, 1990).

Regras Formais Regras Informais

Cara

cte

rísticas São as regras do jogo,

estabelecidas por meio da Constituição Federal, de leis

complementares e de políticas públicas, que determinam as transações entre os agentes interna e externamente às

organizações.

São valores culturais, religiosos ou familiares, códigos de conduta de

classes profissionais, entre outros, que determinam de

maneira importante o comportamento dos

indivíduos. Quadro 1 - Ambiente Institucional Fonte: Elaboração da autora, a partir de NORTH (1990) e AZEVEDO (2000).

Em suma, o conjunto de regras formais, respaldado no aparelho do Estado, como

colocado por Bresser (2004), e aquelas informais, estruturadas nos sistemas de

valores e na cultura de uma sociedade, constituem o ambiente macroinstitucional.

Este é determinante na relação de firmas e organizações, privadas e públicas,

facilitadoras ou não das transações dos agentes, e também para a criação de

sistemas de incentivos e de estruturas de governança que busquem o melhor

desempenho e eficiência tanto no setor privado quanto no público. Isso revela a

importância do que será avaliado a seguir: a concepção microanalítica da Nova

Economia Institucional.

1.2 Análise microinstitucional - economia dos custos de transação

Nesta análise microinstitucional, o enfoque é o da teoria dos custos de transação,

cuja preocupação é a busca da maximização dos resultados a partir do

comportamento dos indivíduos dentro de uma organização e a forma como estes

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

39

são coordenados, isto é, o estabelecimento de estruturas de governança que

procurem, em última instância, minimizar tais custos.

Dados esses aspectos, é importante pontuar quais os pressupostos da teoria dos

custos de transação, definir seus conceitos elementares e apresentar as possíveis

estruturas de governança que são criadas nesse contexto.

1.2.1 Pressupostos comportamentais

A economia dos custos de transação parte de dois pressupostos básicos: o primeiro,

implica a assunção de que os indivíduos são oportunistas e o segundo, de que sua

racionalidade é limitada.

Williamson (1985) considera que, diferentemente do assumido pelo modelo

neoclássico, a racionalidade dos indivíduos não é completa e maximizadora. Isso se

dá visto que há restrições em sua capacidade cognitiva em processar todas as

informações disponíveis. Essa questão é agravada em um ambiente de incertezas e

de assimetria de informações, o que dificulta aos indivíduos a avaliação e a

compreensão total dos problemas.

Contudo, de acordo com Azevedo (2000), é importante destacar que o conceito de

racionalidade limitada é distinto do conceito de incerteza, pois este decorre da

assimetria de informações. O primeiro é uma característica dos agentes, enquanto o

segundo é uma prerrogativa do ambiente. Mesmo na presença de informações

perfeitas, não é totalmente possível aos indivíduos a dedução de vários problemas

complexos ao mesmo tempo, dado o limite de sua capacidade cognitiva.

Em função dessa limitação da racionalidade, torna-se difícil prever todas as

situações possíveis em uma transação, o que leva à possibilidade de quebra de

compromissos e à necessidade de renegociação constante de contratos, implicando

a importância da construção de estruturas de governança que possam coordenar tal

comportamento.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

40

Já o oportunismo dos indivíduos ocorre a partir do entendimento de que estes têm

interesses próprios e podem, em sua busca, usar todos os artifícios de que dispõem,

inclusive a trapaça, gerando conflitos e custos de transação nas relações

contratuais. O oportunismo é reforçado pela assimetria de informações, ao

possibilitar, por exemplo, que, em determinada negociação, uma das partes tenha

maior informação que a outra; não havendo incentivo para se agir de outra forma,

prevalece esse tipo de comportamento, cujo resultado é uma barganha ineficiente.

(MILLER, 1992).

Assim, segundo Williamson (1994), a partir dos dois pressupostos apresentados,

tem-se que: i) contratos complexos são necessariamente incompletos e ii) o contrato

não garante a confiança entre as partes, pois sempre há o risco do comportamento

oportunista. Logo, é necessária a construção de formas organizacionais, isto é, de

estruturas de governança que possibilitem controlar o problema da racionalidade

limitada, além da criação de salvaguardas ao comportamento oportunista.

(AZEVEDO, 2000 e FAGUNDES, 1998).

1.2.2 Custos de transação

O enfoque da teoria dos custos de transação, conforme mencionado, está na busca

da maximização de resultados eficientes, a partir do comportamento dos indivíduos

dentro de uma organização e da forma como estes são coordenados (AZEVEDO,

2000). Nesse sentido, é importante a compreensão do funcionamento das

organizações e, para isso, a unidade fundamental de análise é a transação, por meio

da qual as pessoas interagem ao procurarem bens e serviços (MILGROM e

ROBERTS, 1992). É necessário entender como se dá a transação e qual o

comportamento dos indivíduos, dado que uma das principais tarefas da organização

econômica é coordenar as ações das pessoas, na tentativa de reduzir os custos de

transação e, assim, promover o equilíbrio econômico desejado.

Essa teoria é construída a partir da assunção de que a economia real opera de

forma diferente da prevista no modelo neoclássico. Segundo o modelo neoclássico

de equilíbrio geral Arrow-Debreu, em um ambiente de competição perfeita, o

equilíbrio (preços, alocação de produção e consumo) permite aos consumidores e

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

41

firmas maximizarem o bem-estar e garante que a quantidade oferecida pelos

vendedores, dado um preço estabelecido, é a mesma que os compradores desejam

adquirir. Dessa forma, maximiza-se o excedente total da economia (MILGROM e

ROBERTS, 1992).

Há, porém, situações em que o mercado não opera em condições de competição

perfeita e, com isso, não é garantido o equilíbrio de Pareto, havendo perda de bem-

estar: essas situações são chamadas de falhas de mercado (STIGLITZ, 1988). A

partir da análise de Stiglitz (1988), há seis grandes tipos de falhas de mercado, três

deles fundamentais para a compreensão dos custos de transação: o poder de

mercado, as externalidades e a assimetria de informações (MILLER, 1992).

O primeiro tipo de falha de mercado engloba uma dificuldade a ser enfrentada na

economia vis-à-vis a existência de competição imperfeita. Esta se dá quando

algumas firmas detêm poder de mercado sobre outras, formando, no caso extremo,

os chamados monopólios. O poder de mercado, segundo Williamson (1975),

possibilita que, em uma negociação, uma ou ambas as partes estejam vulneráveis a

atitudes oportunistas, visto que há tendência à concentração de informações

privilegiadas.

Outro bloco analisado por Stiglitz (1988) diz respeito às externalidades, isto é, as

ações de indivíduos ou de firmas que geram sobre outros algum efeito indireto não

captado pelo mecanismo de preços do mercado. Externalidades positivas

acontecem quando uma ação individual ou de uma firma gera benefícios para

outros; já a negativa, quando uma ação gera um custo para outros indivíduos ou

agentes (REZENDE, 2001; STIGLITZ, 1988). A externalidade ocorre também em

uma produção de equipe, em que a produtividade de um indivíduo afeta a dos

demais, dificultando o controle da remuneração individual por desempenho e

incentivando o comportamento oportunista.

Além das externalidades, há ainda um último bloco relevante de falhas de mercado,

qual seja a assimetria de informação, que ocorre quando a informação sobre dada

transação é maior para uma das partes envolvidas, tornando difícil estabelecer uma

troca justa na relação contratual. Por sua característica, essa falha está bastante

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

42

relacionada ao poder de mercado: quanto maior o poder, maior a assimetria de

informações (MILLER, 1992; STIGLITZ, 1988).

As circunstâncias discutidas acima indicam um cenário de funcionamento das

organizações em ambiente diverso do da competição perfeita, prevista pelo modelo

de equilíbrio geral neoclássico. Na prática, há falhas de mercado que afetam o

princípio da maximização do valor e geram custos de transação (MILGROM e

ROBERTS, 1992). Desse modo, sempre que houver custos em negociar, monitorar

e coordenar o comportamento dos indivíduos, as transações tornar-se-ão onerosas e

os mercados falharão em alcançar um equilíbrio eficiente (COASE, 1937).

Para Fagundes (1998), os custos de transação correspondem ao dispêndio de

recursos econômicos com a finalidade de planejamento, adaptação e monitoramento

das interações entre os agentes, para que o cumprimento dos termos contratuais

seja satisfatório às partes e compatível com a sua funcionalidade econômica. E, em

razão da existência e da importância desses custos, há a necessidade de

construção de estruturas de governança que permitam lidar com a incerteza e com a

variabilidade de resultados, reduzindo o comportamento oportunista e atenuando os

custos de transação (AZEVEDO, 2000).

1.3 Estruturas de governança, coordenação e eficiência.

A coordenação é uma construção dos agentes econômicos para reduzir os custos de

transação. Segundo Williamson (1985), os agentes criam determinados

mecanismos, chamados de estrutura de governança, para lidar com os custos de

transação. Não existe a priori uma estrutura de governança superior às demais. O

conceito de eficiência se apóia na adequação da estrutura de governança em

questão às características da transação específica.

A partir dos pressupostos de racionalidade limitada e oportunismo dos agentes, tem-

se que o estabelecimento de contratos para regulamentação das transações é

complexo e incompleto, visto que não é possível prever em um instrumento de

validade jurídica todas as situações possíveis (AZEVEDO, 2000). Contudo, apesar

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

43

de os agentes terem uma limitação em sua racionalidade, é certo que buscam

sempre o resultado mais eficiente em uma transação e, sendo assim, existe o

impulso para a construção de estruturas de governança que possam lidar com a

situação de contratos incompletos e situações imprevistas.

Segundo Fagundes (1998), as estruturas de governança apresentam propriedades

diferenciadas que as fazem mais ou menos aptas a coordenar as transações entre

os agentes, minimizando custos de transação e buscando a eficiência dos

resultados. Essas propriedades referem-se a sistemas de incentivos, controle de

conduta e flexibilidade/adaptabilidade a novas situações. A partir da descrição de

Williamson (1985), pode-se observar basicamente três tipos de estruturas de

governança: a que se dá através do mercado, a estrutura hierárquica e uma forma

híbrida das duas primeiras.

A estrutura de governança de mercado tem um controle menor sobre o

comportamento dos indivíduos e o sistema básico de ajuste é por meio dos

preços/remunerações. A híbrida é a forma de coordenação dos indivíduos por meio

de sistemas de incentivos e contratos que permitam o controle da racionalidade

limitada e do comportamento oportunista. Já a estrutura hierárquica se dá quando há

a internalização total das atividades em uma única organização (WILLIAMSON,

1985). O objetivo das estruturas de governança é sempre minimizar os custos de

transação. Há, porém, dificuldades nesta questão: nem sempre é simples isolar os

custos de transação de outros custos, e a minimização de custos não implica

necessariamente eficiência.

Como antecipado na teoria de Coase (1937), a mudança institucional do mercado

para a hierarquia – partindo dos dois extremos possíveis de estruturas de

governança – tem impacto bastante significativo no comportamento individual. As

instituições simultaneamente determinam as regras do jogo e condicionam as

escolhas individuais sob essas regras. Ao se considerar um ambiente de informação

perfeita, o comportamento dos indivíduos deverá se apresentar como o de agentes

maximizadores de resultados; será diferente, porém, em outros tipos de ambiente

institucional (numa hierarquia, por exemplo). Miller (1992) acredita que, dependendo

do nível de incerteza e de assimetria de informações do ambiente no qual uma

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

44

organização está inserida, a coordenação desta se dará mais em razão do

direcionamento hierárquico do que pelo mecanismo de preços ou por sistemas de

incentivos.

A hierarquia, para o autor, é a autoridade definida de forma incompleta e assimétrica

de um ator para dirigir as atividades de outros. Numa estrutura de governança

hierárquica, os direitos dos empregados são, em geral, vagos e mais ainda suas

responsabilidades. Em troca do salário, ele reconhece o direito do empregador de

definir tarefas, estabelecer padrões de desempenho, determinar condições de

trabalho e ditar códigos de conduta (MILLER, 1992). Numa hierarquia, a informação

é escassa, são necessárias outras habilidades individuais para o relacionamento

interdependente entre os membros da organização e, assim, o comportamento será

distinto do previsto no modelo neoclássico. Em tal tipo de organização, importa a

visão de mundo e as crenças ideológicas dos indivíduos e do líder, em especial; ou

seja, regras informais têm impacto relevante no comportamento dos indivíduos

(NORTH, 1990).

Os tipos de incentivos utilizados para motivar os indivíduos mudam de uma

instituição para outra. Diferentemente do equilíbrio de mercado, na organização

hierárquica, chefes e subordinados podem passar anos construindo uma relação de

troca adaptada às características individuais de ambos, e a remuneração acertada

entre eles pode não se basear em critérios de eficiência e maximização de resultado,

mas sim em projeção social, prestação de serviços e interesses sociais, entre outros

fatores. Segundo North (1988), a motivação dos indivíduos é bem mais complexa do

que a maximização de riquezas; esta pode ser trocada por outros valores, em cuja

escolha há enorme influência das instituições (MILLER, 1992).

Para Miller (1992), as hierarquias, ao contrário dos mercados, institucionalizam

compromissos de longo prazo que possibilitam trocar riqueza por aceitação social e

estima. Na coordenação da hierarquia, o mecanismo de ajuste de preços não é

fundamental. A tomada de decisão de um diretor pode estar respaldada nos

objetivos políticos de um grupo e não necessariamente assegurar a eficiência dos

resultados. Nesse sentido, é importante ressaltar que é complexa a análise de

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

45

eficiência em um ambiente em que a definição das informações, os incentivos, a

coordenação e os direitos de propriedade são dados institucionalmente.

Apesar dessa complexidade e da existência de outros atributos que não são

passíveis de controle racional, as estruturas hierárquicas de governança podem ser

mais vantajosas que as estruturas de mercado ou as híbridas (MILLER, 1992). Isso

ocorre devido à existência de falhas de mercado. Ainda segundo o autor, a

existência de informação assimétrica, de externalidades e de poder de mercado

possibilitam a vantagem comparativa de uma estrutura hierárquica de governança

frente às demais.

Porém, os mesmo fatores que permitem ser vantajosa a construção de estruturas

hierárquicas de governança, entre os quais a informação assimétrica, dificultam o

controle hierárquico. A informação assimétrica ocorre interna e externamente à

organização. Com isso, internamente há também incentivo ao comportamento auto-

interessado e oportunista, levando provavelmente à persistência de resultados

ineficientes. A hierarquia não permite um perfeito alinhamento do indivíduo com

grupos de interesses.

Na visão de Miller (1992), a hierarquia é uma estrutura eficiente quando é o melhor

que os indivíduos auto-interessados conseguem fazer sobre um arranjo institucional

possível. Para Williamson e Ouchi (1981), não existe um arranjo institucional que

elimine os dilemas sociais, mas há forças que levam os indivíduos a acharem o

melhor arranjo para a minimização de perdas e a maior eficiência possível.

Miller (1992) argumenta que, no caso de uma estrutura de governança hierárquica,

as forças capazes de ajustar o arranjo institucional existente e de minimizar perdas

são externas; isto é, o controle externo da hierarquia fará com que o comportamento

do corpo gerencial seja direcionado à busca de resultados eficientes, mais do que à

satisfação de seus próprios interesses. As forças externas serviriam como um

compromisso para resolver a tensão entre o gerente auto-interessado e a eficiência

organizacional.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

46

Se, por um lado, há o reconhecimento de que a presença de forças competitivas de

mercados conduz a hierarquia para ganhos de eficiência, há, de outro, limitações

lógicas na habilidade hierárquica para realizar esses ganhos por meio da

manipulação de contratos e sistemas de incentivos formais. Não obstante, os

arranjos contratuais e sistemáticos de controle, criados na busca de eficiência, não

eliminam os incentivos para que ao menos um indivíduo continue a ter um

comportamento que leva à ineficiência. Segundo Miller (1992), um esforço

determinado de seguir a análise econômica em suas conclusões leva à confirmação

da persistência da ineficiência organizacional.

Ainda assim, observa-se que as forças de mercado premiam organizações

hierárquicas que conseguem atingir ganhos de eficiência, apesar da existência do

comportamento auto-interessado. Segundo o autor, as organizações que

aparentemente têm os mesmos tipos de contratos, sistemas de incentivo e

estruturas hierárquicas apresentam, de fato, diferentes performances, em razão de

seus arranjos institucionais, em que a natureza das expectativas e as crenças

individuais, as normas sociais e a liderança constituída desempenham papel

fundamental. Sob esse enfoque, a chave para a compreensão do desempenho

eficiente de algumas hierarquias está muito mais nas diferenças políticas das

organizações do que nas econômicas. Na opinião de Miller (1992), a organização

deve ser encarada como uma arena para a liderança política, ideológica e de

definição de objetivos, e não apenas como a manipulação gerencial de incentivos

econômicos e de estruturas formais.

A partir do exposto, depreende-se que, dependendo do ambiente econômico e

institucional, e da existência de maiores ou menores custos de transação, a estrutura

de governança tenderá a ser mais hierárquica do que contratual ou híbrida. Essa

escolha em si não implica que a organização é eficiente ou não. A eficiência

depende de como as falhas de mercado, isto é, a assimetria de informações, as

externalidades e o poder de mercado, afetam a organização interna e externamente

e de como sistemas de incentivo externos podem controlar o comportamento auto-

interessado dos agentes.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

47

MERCADO HÍBRIDA HIERÁRQUICA

CA

RA

CT

ER

ÍST

ICA

S

Neste tipo de estrutura de governança os incentivos são fortes e o ajuste se dá via preços. Há pouca necessidade de controles administrativos e os contratos são cumpridos sem riscos de comportamento oportunista.

Nesta estrutura, os incentivos são médios, visto que existem falhas de mercado que impossibilitam ajustes autônomos via preço. É então necessária a coordenação dos indivíduos dentro de sistemas de incentivos e contratos que coíbam o comportamento oportunista e possam reduzir os custos de transação em ambiente de informação assimétrica.

Na estrutura hierárquica, os incentivos são fracos e existe forte impacto das falhas de mercado, a ponto de prejudicar o cumprimento de contratos sujeitos sempre à ação oportunista dos agentes. Nesse ambiente, a barganha pode ser ineficiente e há necessidade de coordenação e de imposição da autoridade política para a busca de resultados eficientes.

Quadro 2 – Estruturas de Governança Fonte: Elaboração da autora, com base em Williamson (1991) e Miller (1992).

1.4 Custos de transação e estruturas de governança no setor público

Tendo em vista que esta tese trata do arranjo institucional do financiamento do

ensino público fundamental, é importante entender como se dá a discussão acerca

de custos de transação e de estruturas de governança nas organizações do setor

público.

A análise mais estrita de como se dá a gestão do financiamento do ensino público

fundamental e suas estruturas de governança será feita nos capítulos 2 e 3. Nesta

seção, o intuito é apresentar um modelo analítico a partir da abordagem da

economia dos custos de transação para análise de organizações do setor público.

Partindo dos mesmos pressupostos apontados na seção 1.2.1, serão pontuados

aqui os atores relevantes para as transações, os custos existentes, algumas

características peculiares da governança em organizações do setor público e, por

fim, a assunção da regra de vinculação orçamentária no setor público como possível

solução para a existência de oportunismo político dos agentes.

1.4.1 Atores

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

48

Apesar da infinidade de cenários que se pode construir envolvendo transações no

setor público - a partir da administração direta ou de agências reguladoras e

empresas públicas - e os mais diversos atores, preocupa-se neste trabalho

principalmente com quatro atores. Esses atores estão representados aqui pelos

poderes executivo e legislativo, a burocracia estatal e a sociedade civil, que atuam e

transacionam interna e externamente com as organizações públicas da

administração direta do Estado.

Poder Executivo8 – os chefes do poder executivo são políticos eleitos e que trazem

consigo um grupo de pessoas (políticos ou não) para ocupar cargos de gestão nas

administrações das diferentes esferas de governo, tendo sob seu controle a

burocracia estatal. São movidos pelo auto-interesse9 e pela busca de reeleição. Sua

sustentação pode se dar por meio de um partido ou coligação partidária, sujeitando-

os a maior ou menor pressão de grupos de interesses, dependendo do grau de

coesão da coligação e de representação destes no poder legislativo e na sociedade

civil.

Poder Legislativo – os representantes da sociedade civil são eleitos nas diferentes

esferas de governo. Têm como responsabilidade principal o controle das ações do

executivo e a avaliação e proposição de leis. Sofrem também pressão de diversos

grupos de interesse e suas ações são calculadas em função da quantidade de votos

que podem render, tendo em vista o objetivo da reeleição.

Burocracia10 – a burocracia estatal constitui-se no corpo gerencial do aparelho do

Estado para a execução das políticas públicas. Sob o comando político, formulam,

executam e avaliam processos. São funcionários, em geral, dotados de capacidades

específicas para seus cargos e com estabilidade constituída como forma de

8 É fato que não se pode tomar o poder executivo por um corpo único e homogêneo, sabe-se também que este não é apenas determinado pelos interesses

e visões de mundo de seu chefe, eleito pela sociedade civil. Contudo, nesta análise está se buscando compreender as relações entre os atores existentes e

suas principais motivações, na medida em que estas são importantes para determinar custos de transação ou não, no ambiente das políticas públicas.

Nesse sentido, neste capítulo, será utilizada a análise das motivações e relações do chefe do poder executivo como indicador da importância desse ator.

Nos capítulos 3 e 5, quando se analisarão mais especificamente as políticas públicas de educação, outros representantes desse poder serão analisados,

como os dirigentes municipais de ensino.

9 Na construção analítica dos custos de transação para o setor público, parte-se também do pressuposto de auto-interesse dos agentes. É importante

ressalvar, porém, que pode fazer parte da satisfação dos interesses dos quatro atores destacados, o comprometimento com o bem público, a depender da

análise subjetiva de cada ator.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

49

preservação contra perseguição e descontinuidade político-administrativa. Esses

agentes, segundo a teoria da escolha pública 11 , agem racionalmente e são

motivados pelo auto-interesse. Nessa visão, a busca da burocracia seria a satisfação

de seus interesses, como a permanência nos cargos, status e poder decisório. Isso

resulta muitas vezes em comportamentos e estratégias oportunistas, que são

analisados por essa teoria a partir de modelos principal-agente (BORSANI, 2004).

Sociedade civil – segundo Horn (1995), os representantes da sociedade civil são

afetados pelas políticas públicas, tanto por seus benefícios, como por seus custos.

Assim como os outros atores, têm racionalidade limitada e participam da vida política

na busca de interesses individuais. Sua participação, contudo, se dá apenas quando

o benefício dessa ação compensa o custo do tempo empregado na atividade. Assim,

a maioria das pessoas permanece racionalmente ignorante do que se passa no

processo político, a maior parte do tempo. O custo de organizar e manter uma ação

coletiva é, neste caso, particularmente importante. Grandes grupos de interesses

difusos encontram maior dificuldade de sustentar sua participação no processo

político ou de exercer influência sobre as administrações públicas do que pequenos

grupos, cujos membros demonstram um interesse específico em uma determinada

lei ou política pública (HORN, 1995).

1.4.2 Custos de transação

As transações no setor público, dentro do espectro estudado nesta tese, estão

relacionadas à criação, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas, a

partir da interação dos atores apontados. Existem vários custos envolvidos nessas

transações, optou-se, todavia, por relacionar alguns de extrema relevância, a partir

da análise de Horn (1995).

Um primeiro custo de transação está associado ao tempo e ao esforço gastos pelos

políticos, tanto do poder executivo quanto no legislativo, na busca de acordo sobre

determinada política pública. A existência de conflito e de incerteza aumenta o custo

10 A burocracia estatal não é um ator homogêneo, principalmente na área de estudo desta tese, que é a educação. Assim, o papel dos gestores, dos

diretores e dos professores tem importância distinta. Essa diferenciação ficará mais clara, no entanto, nos capítulos 3 e, principalmente, no 5, por tratar do

estudo de caso específico.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

50

de definição de regras claras e detalhadas, além de cria uma tendência à promoção

de leis e de políticas públicas vagas. Estas, por sua vez, trazem consigo outros

problemas que precisarão ser balanceados, sendo necessário, por exemplo, um

maior acompanhamento dos supostos beneficiários de determinada política para que

se constate se os objetivos declarados foram de fato atingidos.

Outro custo de transação reside no fato de que a duração dos benefícios propostos

por uma política pública é afetado por problemas de compromisso de longo prazo.

Tais problemas existem em função da maior ou menor habilidade de legisladores e

do poder executivo em alterar, emendar e substituir leis e regras. Em uma

democracia, não existe garantia de que a mudança de legislatura não leve à revisão

de regras de qualquer política pública. Segundo MOE (1990), isso causa incerteza

política:

“In democratic polities (and most others), public authority does not belong to anyone. It is simply “out there,” attached to various public offices, and whoever succeeds under the established rules of the game in gaining the control of these offices has the right to use it….While the right to exercise public authority happens to be (with existing office holders) today, other political actors with different and perhaps opposing interests may gain that right tomorrow, along with legitimate control over the policies and structures that their predecessors put in place. Whatever today’s authorities create, therefore, stands to be subverted or perhaps completely destroyed – quite legally and without any compensation whatever – by tomorrow’s authorities.” (MOE, 1990, apud HORN, 1995, p. 17).

Esse processo representa um custo político de transação, visto que não é possível

garantir à sociedade civil a durabilidade dos benefícios de uma política pública.

Outro custo vem do fato de a administração burocrática, às vezes, não compartilhar

das mesmas intenções que o poder executivo sobre a implementação de

determinada política pública. Os benefícios de uma política em específico podem

não se concretizar porque não necessariamente o poder executivo, o poder

legislativo, a burocracia e sociedade civil têm o mesmo entendimento, compromisso

e energia para implementar, administrar, monitorar e avaliar as políticas públicas.

Isso implica um custo de agência, principalmente entre poder executivo e burocracia.

11 Para uma descrição mais detalhada da teoria da escolha pública, ver Borsani (2004).

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

51

Em um modelo principal-agente aplicado à burocracia, o problema pode ser

analisado de duas formas. A primeira, relaciona os objetivos do ator principal, por

exemplo, o político, e os objetivos e motivações do ator subordinado, a burocracia.

Nesse primeiro modelo, deve haver um desenho de estrutura de governança em que

o ator principal consiga controlar o agente, a burocracia, no intuito da execução de

seus objetivos, isto é, a execução das políticas públicas do modo como foram

concebidas em seu governo e, para isso, será necessário o uso de um sistema de

incentivos que permita tal indução. Este sistema de incentivos tem uma

complexidade específica, visto que - conforme será descrito no item motivação dos

agentes - a burocracia tem uma função de utilidade diferente daquela dos agentes

econômicos numa estrutura de mercado; assim, incentivos ligados puramente a

incrementos financeiros em contrapartida ao desempenho individual têm pouca

eficácia no controle das ações burocráticas.

Na segunda forma proposta, o principal seria a sociedade civil, receptora da política

pública, e o agente seria a organização como um todo, composta pelos políticos e

pela burocracia estatal. Nesse modelo existe uma sutil mudança de conceito, pois

não necessariamente a política pública de interesse da sociedade civil é aquela

idealizada politicamente. Ou ainda, a idealização pode ser distinta da execução,

constituindo-se a sociedade civil num importante ator no controle do comportamento

do agente12.

Segundo Pzerworski (1995), essa abordagem alternativa de estudo da burocracia,

por meio do conceito principal-agente, está fundamentada no fato de que na

administração, seja pública ou privada, é difícil fiscalizar o comportamento do

agente. Essa é uma questão, portanto, de supervisão e controle do comportamento

dos agentes que podem agir de forma oculta. Na medida em que a eficiência da

administração pública depende do comportamento de agentes (burocratas), nem

sempre fiscalizáveis, o principal (sociedade) fica à mercê da perda de controle sobre

a máquina pública (BORSANI, 2004). Tem-se, então, um custo relevante relacionado

ao monitoramento da burocracia com a criação de um sistema de incentivos e de

12 Esse modelo pode ser ainda mais complexo se for analisado sob o ponto de vista de múltiplos principais, conforme Dixit (2002). A questão será discutida

no item 1.4.3.1.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

52

sanções assegurador de que esta aja no sentido de proteger os interesses daqueles,

que, afinal, devem ser os beneficiários da política pública (HORN, 1995).

Um último tipo de custo de transação, aqui relacionado, existe em função da falta de

clareza a respeito dos benefícios privados ou dos custos associados à determinada

política pública por parte da sociedade civil. Essa falta de clareza é maior quando o

financiamento de uma política se dá totalmente em função do pagamento de

impostos, cujo ônus recai sobre boa parte da sociedade de forma não

individualizada. Nessas circunstâncias, o apoio à política pública dependerá da

aversão ao risco do cidadão; quanto maior esta, menor a tendência a apoiar novas

políticas (HORN, 1995).

1.4.3 Características especiais das estruturas de governança no setor público

Na opinião de Dixit (2002), a redução e o controle dos custos de transação no setor

público dependerão da construção de estruturas de governança que criem sistemas

de incentivo aos atores relevantes no processo, para que otimizem a implementação

e a execução de políticas públicas. Nessa construção, contudo, algumas

características importantes das organizações do setor público precisam ser

pontuadas para se entender como a questão dos incentivos afeta a estrutura de

governança. Dentre essas características, Dixit (2002) ressalta a existência da: i)

multiplicidade de principais; ii) multiplicidade de tarefas ligadas às políticas públicas;

iii) reduzida competição; e iv) complexidade na motivação dos agentes.

1.4.3.1 Multiplicidade dos principais

A multiplicidade dos principais existe visto que as ações do governo realizadas por

meio da administração direta ou indireta afetam grande parte da sociedade, fazendo

com que as pessoas estejam em posição de influenciar as políticas públicas. Isso se

dá em função de muitos serviços serem caracteristicamente bens públicos, gerarem

externalidades ou ainda serem providenciados por subsídios fiscais13 (DIXIT, 2002).

13 O subsídio aqui entendido significa a produção de bens e serviços via cobrança de impostos dos contribuintes e não pela taxação direta dos serviços e

dos bens oferecidos.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

53

Ao lado disso, há uma série de grupos de interesse preocupados não só com os

resultados do governo, mas com os insumos e a forma como o governo os produz.

Nesse sentido, fornecedores se preocupam em influenciar os processos de compras

públicas; sindicatos de trabalhadores, importantes atores e principais nas estruturas

de governança públicas preocupam-se com as condições de trabalho e com os

próprios sistemas de incentivos criados internamente. Os representantes do poder

legislativo são também principais interessados tanto na forma quanto nos resultados

de uma política, visto que cabe a eles a fiscalização das ações do executivo. Desse

modo, tem-se vários grupos de interesse engajados em uma barganha política

multidimensional. Dentro desse jogo, a busca dos grupos pela preservação de seus

interesses pode levar a existência de uma atividade em específico, que tem grande

influência nas organizações públicas, a atividade rent seeking, caçadora de renda

(SILVA, 2002).

A atividade caçadora de renda está estreitamente relacionada ao conceito de

ganhos monopolistas. Essa ação designa o comportamento que visa obter do

Estado privilégios de mercado. As atividades de organização de um lobby para atuar

no Congresso, a contratação de advogados e o uso de propagandas e entrevistas

forçando o Estado a tomar determinada decisão que beneficie um grupo de

interesse específico, são atividades típicas do comportamento caçador de renda,

segundo Silva (2002).

Essas atividades resultam em geral no aumento de custos para a sociedade. Nesse

sentido, rent seeking é quase o oposto da criação de renda. Segundo Buchanan

(1967), o termo descreve comportamentos em âmbitos institucionais, nos quais os

esforços individuais em maximizar ganhos geram custos sociais também adicionais.

Segundo Krueger (1974) e Tullock (1967), os agentes econômicos têm uma

motivação básica: a busca do lucro econômico positivo sempre. Essa busca se dá

dentro de um arcabouço de regras definidas e, por vezes, depende e se aproveita de

falhas institucionais14. Não é incomum, os agentes perseguirem o lucro, ainda que

14 As falhas institucionais aqui compreendidas são principalmente as lacunas e a permissividade existentes em regras formais, tais como definido no item

1.1.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

54

desconsiderem a regra estabelecida e levem à perda do bem-estar coletivo (SILVA,

2004).

O custo dessa atividade tem uma dimensão qualitativa muito importante, pois,

apesar de improdutiva, é bastante rentável, e isso faz com que a renda alocada em

atividades produtivas seja transferida para as ações dos caçadores de renda,

tornando as atividades produtivas muito custosas. Além disso, esse comportamento

gera uma proteção de outros indivíduos, não beneficiados, que se vêem ameaçados

e se organizam para impedir a regulação e os privilégios dados pelo governo ao

grupo de pressão; dessa maneira, mais recursos são gastos na proteção ao

comportamento caçador de renda (SILVA, 2004).

Pensando em uma democracia, esse tipo de atividade se efetua como num jogo em

que vários grupos tentam exercer seu poder de pressão sobre os governos, com o

intuito de transferir a renda em seu benefício. A conseqüência de uma sociedade

dividida entre grupos de interesse que jogam pelos recursos públicos tenderá a ser

Pareto-inferior, ou seja, os custos da atividade caçadora de renda são maiores que

os benefícios privados obtidos por alguns agentes ou grupos (SILVA, 2004).

Nesse sentido, quanto maior a informação assimétrica e a incerteza envolvendo

determinado setor do governo, e quanto maior o poder de barganha de pequenos

grupos de poder, maior sua possibilidade de maximizar ganhos de bem-estar,

valendo-se de falhas institucionais e da falta de controle interno e externo à

organização pública.

Na visão de Dixit (2002), a depender da área governamental que se analise, podem-

se entender as administrações públicas como estruturas com vários principais

agindo em um jogo não-cooperativo, em que cada qual tenta influenciar as ações

conforme seu auto-interesse. Considerando que alguns grupos têm poder de

barganha suficiente para dominar instituições ineficientes, conclui-se que podem,

inclusive, dominar o Estado. É possível que isso aconteça, na medida em que esses

grupos dominam seu aparelho estatal, ou melhor as instituições do Estado

(PZERWORSKY, 1995; BRESSER, 2004).

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

55

No processo de perda de autonomia do Estado e sua captura por um ou mais

grupos de interesse, é fundamental a influência da burocracia. Isso porque, partindo-

se do pressuposto mencionado de que o agente público, o burocrata, é movido por

interesses privados e sujeito também a pressões de grupos de interesses, e

somando-se a esse fato a assimetria de informação existente entre o agente e o

principal, tem-se o ambiente perfeito, em não havendo controles eficazes, para a

cooptação desses agentes para uma ação específica de um grupo de interesse,

podendo resultar em clientelismo e até em corrupção15 (PZERWORSKY, 1995).

Segundo Silva (2004), a corrupção na máquina pública está ligada ao fato de que

não se pode comparar a administração gerencial do Estado e suas estruturas de

incentivo com aquelas utilizadas pelo mercado. É importante ter-se em mente que as

escolhas públicas não são puramente técnicas ou gerenciais. Não é possível uma

decisão de política pública totalmente neutra em relação a todo e qualquer grupo de

interesse, dentro e fora do Estado. Ao se analisar o processo de orçamento público,

vê-se que desde seu início esse se mostra um instrumento tanto técnico quanto

político. Não é possível querer diminuir ou desconsiderar a natureza eminentemente

política do processo, sob o risco de proceder a análises totalmente equivocadas.

Dessa forma, deve-se levar em consideração na análise das estruturas de governo

no setor público que estas estão sujeitas a critérios políticos. A simples existência do

Estado fiscal cria a possibilidade de alocação política de recursos escassos por meio

de critérios diversos. O Estado arrecada recursos e os transfere, legal ou

ilegalmente, à sociedade, via produção de bens e serviços públicos. Os segmentos

da sociedade se organizam na forma de grupos de pressão, na tentativa de

maximizar essa transferência. Assim, na opinião de Silva (2004), não é possível

imaginarmos um Estado gerencial puro (SILVA, 2004; OLSON, 1965).

Ainda segundo o autor, o problema da supervisão é, então, crucial na busca de

eficiência e de eficácia no gerenciamento público. Essa supervisão deve ser

administrada dentro de uma estrutura de governança que consiga trabalhar um

15 Sobre esta questão, cabe a ressalva de que, a depender do governo que se analise, o papel da burocracia de Estado será fundamental na prevenção da

atividade rent seeking. Isto porque, por vezes, esta se comportará como protetora dos interesses do Estado, buscando coibir e impedir práticas de

privatização dos bens públicos, que podem ocorrer na relação da cúpula do governo com grupos de interesses. Em outras situaões, pode se dar o inverso, o

que demonstra a complexidade de identificação dos principais.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

56

sistema de incentivos que vise redimensionar o comportamento do agente para um

resultado mais próximo do ideal, do ponto de vista do principal. Os incentivos devem

ser concebidos de modo a levar o agente a agir de forma transparente e a arcar com

as conseqüências de suas ações.

A grande dificuldade, na visão apresentada por Dixit (2002), é definir o principal e, a

partir disso, conseguir trabalhar uma estrutura de governança adequada, conforme

indicado por Silva (2004). Nesse contexto multidimensional, quanto maior a

multiplicidade de principais, maior a complexidade do jogo não-cooperativo, o que

aumenta a chance de captura do Estado por atividades rent seeking, ou mesmo de

ocorrência de corrupção, levando a perda de bem-estar. Para sair dessa armadilha,

é preciso que outros grupos sociais, prejudicados pela perda de seu bem-estar,

percebam a possibilidade de ganhos para a sociedade como um todo, com a

modificação de regras institucionais e das estruturas governamentais e, além disso,

construam um novo modelo principal-agente, via barganha e pressão também,

porém, dentro de um jogo cooperativo (SILVA, 2004).

1.4.3.2 Multiplicidade de tarefas

Segundo Dixit (2002), em organizações do setor público, a multiplicidade de tarefas

existe na medida em que se espera das administrações públicas o alcance de uma

série de objetivos. Dependendo do tipo de organização pública, esta questão pode

ser mais ou menos complexa. A interação dos objetivos não necessariamente é

clara dentro da organização e tampouco é priorizada de forma a otimizar agentes,

insumos e processos.

O controle dos objetivos e tarefas das organizações públicas tem uma complexidade

variável em função do tipo de organização avaliada. Nesse sentido, é interessante a

distinção de tipos de organização pública feita por Wilson (1989). A partir de sua

descrição, pode-se destacar três tipos de organizações importantes para esta

análise: as procedurais, as especialistas (craft) ou as reativas (coping). As

organizações procedurais são aquelas em que é mais fácil controlar as ações do que

os resultados, pois estes parecem vagos e difusos para a população. Funcionam de

forma oposta às organizações craft, onde é possível verificar os resultados, sem,

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

57

contudo, conseguir controlar as ações. O terceiro tipo é o mais complexo dos três,

pois nas organizações coping nem as ações e tampouco os resultados são

facilmente verificáveis pelos principais (DIXIT, 2002).

Segundo Dixit, (2002) a busca de sistemas de incentivos que levem a resultados

eficientes deverá ser adequada ao tipo de organização em questão. Em uma

organização coping, por exemplo, incentivos explícitos podem ser muito fracos. O

principal pode até conseguir verificar os resultados, mas não controlá-los, o que leva

ao enfraquecimento de incentivos internos por resultados. A preocupação dos

agentes será maior com a possibilidade de ascensão continuada na carreira. Como

é difícil controlar as ações, é bastante provável que essa seja uma estrutura de

governança hierárquica, em que os agentes têm restrito espaço de atuação, há

grande conflito e informação assimétrica entre a gerência e subordinados. Nesse

contexto, quanto maior o número de principais, maior a possibilidade de conflito de

interesses.

1.4.3.3 Reduzida competitividade

A oferta de bens e serviços pelo setor público de forma monopolista, ou quase, pode

incorrer em problemas relacionados à reduzida competitividade nesses setores.

Esse fato às vezes dificulta o controle de custos e de qualidade dos resultados e

trazer menor resposta às preferências da sociedade. A privatização não é solução

muitas vezes em função do tipo de bem em questão, ainda mais quando há

aspectos multidimensionais, como principais e tarefas, e, dependendo do tipo de

organização e dificuldade de verificação de resultados, pode haver indução a altos

custos de transação e comportamento oportunista pelas firmas, como já

apresentado, sem garantia de uma atuação eficiente socialmente. Esse problema é

agravado em setores em que nem mesmo existe apelo para atuação privada,

reforçando a perversidade dos incentivos na ausência de competição (DIXIT, 2002;

HORN, 1995).

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

58

1.4.3.4 Motivação dos agentes

A questão da motivação dos agentes numa estrutura de governança pública é de

extrema importância, visto que os sistemas habituais de incentivos baseados no

incremento de renda, em função do desempenho individual, têm uma aplicabilidade

bastante complexa. Assim como na estrutura de governança hierárquica,

apresentada no item 1.3, há fatores internos à organização, como a estabilidade

funcional, e externalidades entre membros de uma equipe, que dificultam a leitura

correta do desempenho individual. Além disso, em uma estrutura de governança

pública, mais do que em estrutura privada, há uma motivação ligada às questões

ideológicas e de crença individual, dificilmente mensuráveis, que independem de

qualquer sistema de incentivo e podem induzir o comportamento dos agentes em

direção ao cumprimento, ou não, de tarefas. Assim, a motivação na burocracia

muitas vezes depende mais de fatores ideológicos e políticos, como identificação do

corpo burocrático com a política pública a ser implementada, do que com sistemas

de remuneração especificamente criados, como gratificações por desempenho

(MILLER, 1992; HORN, 1995; DIXIT, 2002).

É importante também mencionar que nas organizações constituídas por classes de

profissionais16 existe forte tendência ao comportamento corporativo, seguindo bases

definidas por associações e sindicatos. Esse profissionalismo tem uma sensível

correlação com preocupações de carreira, ou seja, incentivos implícitos, muito mais

do que com aqueles baseados em remuneração por produtividade (DIXIT, 2002).

Em suma, a existência de complexos custos de transação, associados a

características específicas do setor público, levam organizações da administração

direta - em que há grande dificuldade em medir resultados, definir objetivos das

políticas públicas e identificar como esses objetivos serão mais bem atingidos - a

serem administradas dentro de uma estrutura hierárquica. Essa estruturação é

também resultado da existência de reduzida competição e de incentivos internos

fracos à motivação e ao direcionamento do comportamento da burocracia (DIXIT,

2002; MILLER, 1992).

16 No entendimento de Wilson (1989) um profissional seria definido como alguém que recebe importante prêmio ocupacional de um grupo de referência,

cuja associação é limitada àquelas pessoas que receberam formação educacional específica e seguem um código de conduta definido pelo grupo.

Poderíamos identificar as classes dos médicos e professores no setor público a partir desta caracterização.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

59

1.4.4 Oportunismo político e a vinculação orçamentária no setor público

Da análise anterior decorrem duas questões fundamentais: como os gestores

públicos podem superar as dificuldades supracitadas? Ou ainda, em que medida

arranjos institucionais – vinculação orçamentária – podem criar incentivos para

promover a boa gestão pública? Frant (1996) concorda com a visão de Dixit (2002)

de que no setor público os incentivos tendem a ser fracos, como em uma hierarquia,

conforme descrito por Miller (1992). Assim, considera-se que a política é a base para

a alocação de recursos no setor público e o desejo político de reeleição faria o papel

de um incentivo forte. Contudo, para que esse incentivo leve a uma política pública

eficiente, é necessário que haja informação suficiente sobre o desempenho no setor

público, pois na existência de informação assimétrica, há dificuldade de a sociedade

avaliar os resultados da política pública, o que pode induzir ao oportunismo político.

O comportamento oportunista na política visa à reeleição e, ao se agir com esse

intuito, pode haver o direcionamento de recursos para áreas visíveis do governo,

que não são necessariamente aquelas desejadas pela sociedade (FRANT, 1996).

Seguindo a linha de raciocínio desse mesmo autor, uma forma encontrada de lidar

com o comportamento oportunista na política é a redução dos incentivos fortes,

assim como acontece no setor privado. Quando existem fortes incentivos de

mercado que induzem ao comportamento oportunista dos agentes econômicos, há

dificuldade na negociação das transações pelo risco de contratos incompletos. Isso

leva, muitas vezes, à construção de estruturas de governança hierárquicas menos

sujeitas a tais incentivos, ou seja, estruturas em que os incentivos são fracos e há

menor competição.

De acordo com Frant (1996), no setor público uma possível solução para o acirrado

comportamento oportunista é a construção de estruturas de governança protegidas

da política. Isso possibilitaria que a atividade pública estivesse menos sujeita ao

alcance do processo político normal. Segundo Horn (1995), essa lógica advém do

fato de que no setor público é ainda mais difícil assegurar o comprometimento da

outra parte às ações contratadas, uma vez que, de um mandato para outro, é

possível anular leis e alterar orçamentos. Assim, em sua opinião, assegurar que

parte do processo fique fora do alcance da política pode reduzir custos de transação

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

60

e garantir que as ações contratadas aconteçam. Nesse sentido, Frant (1996) aponta

a existência de um movimento que visa a proteger a implementação de políticas

públicas do oportunismo: a vinculação de receitas. Essa vinculação é a reserva de

certos itens de arrecadação para alocação em despesas específicas que estão além

do processo normal de discussão orçamentária.

A vinculação orçamentária é, em princípio, uma violação das regras clássicas da

teoria orçamentária, visto que dificulta o planejamento e a alocação ótima de

recursos, reduzindo os graus de liberdade do planejador em privilégio de uma área

especifica. Ao lado disso, conforme pontuado por Frant (1996), a vinculação implica

que tanto o poder executivo quanto o legislativo abram mão de sua prerrogativa de

definir a alocação orçamentária dos recursos do Estado. Isso se dá na busca de

redução do oportunismo, algo bastante ligado aos fortes incentivos políticos que

existem no processo orçamentário, principalmente nas áreas em que a sociedade

tem dificuldade de monitorar a qualidade do gasto público.

Segundo Horn (1995), a construção de um processo de vinculação de receitas

ocorre em razão do receio dos legisladores de que haja falta de compromisso futuro

com a política pública. Por meio da vinculação, busca-se assegurar que os

benefícios e a direção das políticas sejam duráveis. Horn (1995) considera, ainda,

que a vinculação pode ser uma solução para o problema da incerteza e da falta de

compromisso com a política, quando existe um baixo custo de agência. Desse modo,

a maior eficiência de uma vinculação orçamentária, em sua opinião, está em áreas

em que há pouca margem de manobra dos administradores, executivos e da

burocracia.

Assim, nas áreas em que existe um importante custo de agência, isto é, de

supervisão do comportamento dos agentes, e em que é necessário reduzir a

incerteza e o oportunismo político, ressalta-se a necessidade da estrutura de

governança e das regras formais e informais que buscam assegurar o controle do

gasto público e a proteção dos interesses dos beneficiários da política em questão.

Fazendo um paralelo com a área de educação no Brasil, mais especificamente com

o ensino fundamental, para a qual foi criada uma vinculação especial por meio do

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

61

Fundef, como já mencionado; é preciso reconhecer que houve a busca da

priorização dessa política pública ao garantir um fluxo assegurado e crescente de

recursos nos últimos anos. Apesar disso, o desempenho e a qualidade do ensino

fundamental são ainda bastante questionáveis, como se depreende dos resultados

dos sistemas de avaliação federais. Para além do fato de que se possa considerar

que o volume atual de recursos seja ainda insuficiente, deve-se investigar se a atual

estrutura e o arranjo institucional existentes para o financiamento do ensino

fundamental tendem ou não à construção de políticas públicas de ensino eficientes.

O ensino fundamental é uma área na qual é possível constatar as características

mencionadas na seção 1.4.317, isto é, a existência de multiplicidade de principais se

dá pela sobreposição de interesses de diversos atores: pais, mães e alunos,

professores e sindicatos, os poderes executivos das diversas esferas, além dos

poderes legislativos e a sociedade civil como um todo, responsáveis pela

fiscalização do funcionamento de todo o sistema e das organizações municipais de

ensino18.Da existência desse número expressivo de principais decorre também a

incidência de uma multiplicidade de tarefas incumbidas à organização do ensino

fundamental.

Além das duas características anteriores, o ensino fundamental municipal constitui-

se também para muitos brasileiros na única opção de ensino, o que implica a

terceira característica, isto é, a baixa competitividade da organização. E por fim, a

complexidade na motivação dos agentes está centrada na constituição do corpo

funcional dessas organizações, que são estruturas formadas em geral por um

grande contingente de professores e diretores, com incentivos muito mais voltados a

ações de longo prazo e planos de carreira do que simplesmente ganhos pecuniários.

De toda forma, é possível perceber que a coordenação desses agentes e de todos

os principais envolvidos na organização do ensino fundamental em torno de uma

política pública eficiente é bem mais complexa que a mobilização para garantir

recursos financeiros suficientes. Essa complexidade é ainda majorada pela

existência de grande assimetria de informação entre os agentes, fator este que,

17 A análise dessas características na organização do ensino fundamental será mais profundamente realizada no capítulo 3.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

62

juntamente com as características apresentadas, contribui para a estruturação

hierárquica dessa organização de ensino.

Nesse tipo de estrutura, na existência de dificuldade de controle externo adequado,

corre-se inclusive o risco de que a vinculação orçamentária, ao invés de proteger os

recursos do oportunismo político, ao contrário, reforce essa prática. Isso se dá na

medida em que a educação passa a ser a área de maior concentração de recursos

do município, tornando-se sujeita a ação de diversos grupos de interesse.

Nessa situação, não é demais relembrar que, como pontuado por Miller (1992), a

busca de resultados eficientes, em uma estrutura de governança hierárquica, passa

pelo controle de elementos externos a esta, implicando a necessidade de existência

de accountability dessas organizações (SILVA, 2004). Sem isso, não há como

garantir que a vinculação e o aumento de volume de recursos levarão

necessariamente a uma melhor qualidade de ensino.

Custos de transação

Tempo de negociação entre atores; custo de agência – supervisão dos agentes; problemas de compromisso de longo prazo – oportunismo político.

Atores Poder Executivo, Poder Legislativo, burocracia e sociedade civil.

Características Multiplicidade de principais e tarefas, reduzida competitividade e complexidade na motivação dos agentes.

Incentivos e Estrutura de Governança

Estrutura de governança hierárquica, na qual incentivos internos são fracos e há complexidade para coordenação e motivação dos agentes, em função de características da burocracia estatal e da reduzida competitividade do setor público. A possibilidade de reeleição pode significar um incentivo forte para os executivos nas organizações públicas, induzindo ao oportunismo político. Nessa situação, a vinculação orçamentária pode ser adotada como solução; contudo, torna ainda mais importante a questão de accountability no setor público.

Quadro 3 - Custos de Transação e Estrutura de Governança no Setor Público Fonte: Elaboração da autora, com base em Horn (1995), Frant (1996) e Dixit (2002).

18 A interrelação das esferas federal e estadual no processo de descentralização do ensino fundamental no Brasil traz um cenário ainda mais complexo de

multiplicidade de principais, comparativamente ao modelo analítico apresentado na seção 1.4.3.1. Essa interrelação será analisada no capítulo 4.

Capítulo 1 – Nova Economia Institucional

63

O quadro acima resume questões importantes que descrevem características de

organizações no setor público e da complexidade das estruturas de governança

cridas na busca de resultados eficientes socialmente. Sabendo que essas questões

são profundamente influenciadas pelas regras do jogo existentes nas diversas áreas

do aparelho estatal, considera-se relevante discutir agora, à luz desse enfoque

teórico, as regras formais e informais existentes quanto ao financiamento do ensino

fundamental público no Brasil, bem como a estruturação das administrações

municipais e sua relação com as demais esferas de governo no processo de

execução das políticas de ensino fundamental. Dessa forma, estas questões serão

discutidas no âmbito dos próximos capítulos.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

64

Capítulo 2 – O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

Segundo Castro (2001) a discussão sobre o financiamento da educação é crucial

para o desenvolvimento e a implantação de políticas públicas nessa área, visto que

a estrutura jurídico-normativa e financeira pode significar um impulso para a solução

dos graves problemas da educação no Brasil.

Dentre os vários níveis de ensino que compõem a educação, o interesse desta tese

está voltado para o ensino fundamental, entendido como escolarização obrigatória

no país, o qual envolve oito anos de estudo, isto é, da 1ª à 8ª série19. O ambiente

institucional do financiamento do ensino fundamental no Brasil sofreu diversas

modificações nas últimas décadas, principalmente nos anos 90. Com o objetivo de

acelerar a descentralização das políticas públicas de educação e priorizar o ensino

fundamental, o governo federal promoveu uma reforma profunda das normas legais

para a execução dessas políticas, inclusive por meio de emendas constitucionais.

Contudo, é importante, antes da descrição das regras formais especialmente

formuladas para o ensino fundamental, apresentar as principais características do

processo orçamentário brasileiro. Como qualquer política pública, a elaboração e

implementação das políticas de educação passam obrigatoriamente por um

processo orçamentário, isto é, pelo planejamento e orçamentação de recursos e

despesas públicas da educação. A compreensão das regras orçamentárias é,

portanto, indispensável ao entendimento do financiamento das políticas públicas,

pois o êxito deste depende fortemente do processo orçamentário.

Em função disso, na primeira parte deste capítulo serão expostas as regras do

processo orçamentário no Brasil, à luz das principais alterações ocorridas nos

últimos anos com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em seguida, serão

analisadas as regras estabelecidas a partir da Constituição Federal de 1988, da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e da criação do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

19 A partir de 2006, começou a ser implementada a mudança no ensino fundamental de oito para nove anos de estudo, conforme previsto na Lei no.

9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Leis nº. 11.114/2005 e 11.274/2006. Porém, está ainda em regulamentação, com prazo de

ajuste até 2010. Esta tese contudo concentra-se no estudo do arranjo institucional compreendido dos anos 90 até 2006.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

65

(Fundef), para o financiamento do ensino fundamental no Brasil. Na última parte do

capítulo, os principais resultados das referidas regras serão apresentados, no que

diz respeito ao volume de recursos orçamentários dos municípios para o ensino

fundamental e às despesas destes no tocante a área, bem como as mudanças nos

indicadores de ensino no período.

2.1 Regras do jogo na programação dos gastos públicos: processo orçamentário

Segundo Musgrave (1974), o orçamento público tem o objetivo primordial de ser o

instrumento de execução das funções de Estado, isto é, as funções alocativa,

distributiva e de manutenção da estabilidade econômica. É nele que se fixam

prioridades e se alocam recursos em programas e projetos do setor público. Dessa

forma, o orçamento público é o locus da execução das políticas públicas, um

instrumento a serviço da política fiscal do governo e do planejamento público.

As políticas de ensino fundamental só se concretizam uma vez que estão inseridas

no processo orçamentário e sua eficácia e eficiência dependem então da própria

eficácia e eficiência desse processo. A compreensão do sistema orçamentário é

fundamental visto que em seu interior há a produção de ganhos e de perdas,

induzindo a comportamentos que podem melhorar ou piorar a estrutura de

financiamento e aplicação de todas as políticas, inclusive as de educação (RIBEIRO,

2003).

2.1.1 Processo orçamentário no Brasil

Os primeiros registros de controle da contabilidade pública no Brasil datam da vinda

da família real, no início de século XIX. Porém, até início do século XX, não havia

padronização das normas e formas de classificação dos orçamentos dos três níveis

de governo. Desde então, vários projetos foram apresentados buscando uma

normatização do orçamento que resultasse em maior controle das contas públicas.

Muitos desses projetos sofreram influência dos modelos orçamentários

desenvolvidos e implementados nos EUA como o Sistema de Planejamento

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

66

Programação e Orçamento – PPBS (Planning and Programming Budget System).

Giacomoni (1997) faz uma descrição dessa técnica:

“A nova concepção ambiciosa integra de forma sistemática: os diagnósticos e prognósticos, os objetivos, a análise de cursos alternativos, os programas e projetos com suas metas, os recursos a serem empregados, a indicação de custos, bem como os esquemas de avaliação e controle. O Planejamento teria o papel mais saliente em todo o processo, e isso seria possível devido ao estágio alcançado pelas modernas técnicas de informação que visam auxiliar a análise e a tomada de decisão” (Id. p. 63).

Posteriormente, foi desenvolvido também o modelo de Orçamento Base Zero (Zero

Base Budget). Essa técnica foi desenvolvida inicialmente em organizações privadas

e baseava-se no controle dos custos indiretos e na avaliação de resultados do

orçamento em curso ao final do exercício.

No Brasil, a partir da discussão desses vários projetos, foi desenvolvida a Lei n.º

4.320/64, que abriu caminho para a implementação do Orçamento-Programa (OP) e

sofreu em sua formulação grande influência das técnicas orçamentárias norte-

americanas, incorporando os conceitos do PPBS e também de princípios do

Orçamento Base Zero, que aqui chegaram principalmente por meio da Comissão

Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL).

Essa lei chegou com a missão de padronizar o orçamento dos três níveis de

governo, mas inicialmente foi implantada apenas para o governo federal. Após

alguns anos de implementação da classificação por programas na área federal, o

processo foi formalizado e estendido aos outros níveis de governo, estadual e

municipal, via Portaria n.º 09/74 20 baixada pelo Ministério do Planejamento e

Coordenação Geral (GIACOMONI, 1997).

A Lei 4.320/64 definiu então o formato de orçamento-programa (OP) para todas as

esferas administrativas brasileiras. A caracterização do orçamento-programa é de

extrema importância para o funcionamento do planejamento e orçamentação, pois a

eficácia e eficiência do modelo orçamentário dependem da forma de construção das

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

67

políticas, com especial atenção às análises de custo-benefício, à descentralização

das ações e à centralização do controle.

O OP está inserido em um modelo orçamentário denominado “racional

compreensivo”. As políticas públicas que o utilizam visam à maximização dos

objetivos perseguidos. O OP atende aos requisitos de um planejamento racional, no

qual os objetivos e as metas de um governo, a longo prazo, são traduzidos

anualmente em programas divididos em projetos e atividades a serem

desempenhados por órgãos pré-definidos, seguindo uma prioridade de gastos

estabelecida quando da identificação dos objetivos e cumprindo diversos estágios de

decisão hierarquizados.

As componentes desse modelo orçamentário podem ser visualizadas, de forma

simplificada, na figura abaixo:

O B J E T IV O

P R O D U T OF IN A L

M ED ID A D E

D E S EM P EN H O

P R O G R A M A

C U S T O

Figura 1 – Fluxo do Orçamento Programa Fonte: GIACOMONI (1997, p.144)

Segundo Giacomoni (1997), teríamos o seguinte processo de implementação do OP:

“O primeiro passo do Orçamento-Programa seria o estabelecimento de programas e atividades significativos para cada função confiada a uma organização ou entidade, a fim de indicar exatamente os objetivos perseguidos pelos diversos órgãos. Segundo, o sistema de contas e de gestão financeira passa a ser correlacionado com essa classificação. Terceiro, em relação a cada programa e suas subdivisões operacionais, estabelecem-se medidas de programas e de trabalho que permitam avaliar o rendimento” (Id. p.144).

20 Recentemente as Portarias 42/1999 e 163/2001 alteraram novamente os códigos de classificação de receitas e despesas definidos na Portaria 09/74,

visando facilitar e destacar o espírito de contabilidade nacional do orçamento, obrigando a maior padronização de funções e elementos econômicos nos

orçamentos descentralizados (REZENDE, 2001).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

68

Esse modelo de orçamento tem como requisitos técnicos: a necessidade de

levantamento dos custos de cada programa que atenderá aos objetivos pré-

definidos; a relação insumo-produto e o sistema de medição e controle de

resultados.

Além disso, o OP também possui alguns requisitos gerenciais tais como a

determinação das linhas de autoridade e de responsabilidade (identificação dos

responsáveis); todos os agentes do processo, independentemente do cargo e

função, devem conhecer os objetivos, metas políticas e padrões de rendimento. A

devida importância deve ser dada a todas as fases do orçamento, de forma a não

ocorrer a desarticulação de todo o processo. Para atender a esses requisitos

gerenciais, há a exigência de um contingente qualificado de recursos humanos nas

áreas de análise, contabilidade de custos, avaliação de gestão, análise econômica,

financeira e social de projetos e acompanhamento físico (BRASIL, 1993).

Dessa forma, o processo orçamentário envolve a descentralização de decisões e

atitudes, ou seja, as grandes formulações, objetivos, políticas e metas afixadas no

topo da organização devem ser compreendidas e estar representadas nas ações e

tarefas desempenhadas nos níveis operacionais e administrativos inferiores. Por

outro lado; nesse processo, não deixa de existir também uma tendência à

centralização que é dada pela agregação dos vários programas, que formam o

orçamento das diversas instituições, e deve refletir o plano global de ação da cúpula.

A racionalidade econômica do processo necessita, então, que, ao mesmo tempo em

que as ações são descentralizadas buscando assim melhor cumprir os objetivos da

organização, haja todo um controle central para verificar o cumprimento e a

adequação das ações (BRASIL, 1993).

Para além da Lei 4.320/64 que definiu o formato de orçamento-programa,

caracterizando o processo operacional das receitas e despesas públicas, o marco

legal do orçamento, com definição de prazos e responsabilidades, é dado pela

Constituição de 1988 e mais recentemente pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

69

2.1.1.1 Definições da Constituição de 1988 e a LRF

A Constituição de 1988 determina que as atribuições relativas ao processo

orçamentário devem ser divididas entre os poderes executivo e legislativo. Dessa

forma, cabe ao executivo elaborar, executar e avaliar o cumprimento dos objetivos e

metas definidos nos planos e orçamentos, assim como a eficácia da utilização dos

recursos públicos por meio de seus órgãos de planejamento e controle. Já ao poder

legislativo cabe, além da apreciação e aprovação dos instrumentos orçamentários, o

acompanhamento e a fiscalização da execução orçamentária, para assegurar o

cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos em lei.

Além da definição de responsabilidades no processo orçamentário, a Constituição

de 1988 buscou fortalecer a concepção de planejamento e orçamento interligados,

tornando obrigatória a elaboração dos Planos Plurianuais de Ação (PPA) e criando

as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que deveriam servir como elo entre o

PPA e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Em 2000, com a aprovação da Lei de

Responsabilidade Fiscal - LRF, nº. 101/2000, esses instrumentos foram reforçados a

partir da obrigatoriedade de apresentação de metas fiscais e quadro de

compatibilização entre PPA, LDO e LOA. Dessa forma, ter-se-ia, então, no Brasil,

um sistema de planejamento e orçamento nos moldes do PPBS e uma estrutura

orçamentária baseada no OP.

As constituições estaduais, bem como as leis orgânicas municipais, devem prever

também os três instrumentos no processo orçamentário de estados e municípios

brasileiros, além da obrigatoriedade de seguirem a normatização dada pela Lei de

Responsabilidade Fiscal – LRF, a partir de 2000. A seguir, estudam-se as

características desses instrumentos para o processo orçamentário municipal.

PPA – Planos Plurianuais de Ação

A Constituição de 1988 estabelece regras para o PPA nos artigos 165, 166 e 167;

assim como a LRF trataria deste plano em seu artigo 3º, não tivesse este sido

vetado, quando da sanção da lei. Sendo assim, continuam valendo as

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

70

determinações da Constituição quanto à elaboração, tramitação e execução do PPA

(VIGNOLI et al., 2002).

Seguindo as definições constitucionais, o PPA inicia o processo orçamentário. O

intuito deste é ser um plano de quatro anos, de longo prazo dentro da perspectiva

orçamentária, e deve pautar o planejamento do município em todas as áreas de

atuação do governo. Sua elaboração é realizada durante o primeiro ano de gestão e,

uma vez aprovado, passa a valer a partir do segundo ano até o primeiro ano do

mandato seguinte. Conforme o § 1º. do artigo 165 da Constituição, o PPA deve

conter as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para as

despesas de capital e outras delas decorrentes, e para as despesas relativas aos

programas de duração continuada.

Ressalte-se aqui a importância do PPA para a educação nos municípios, uma vez

que, entre as áreas sociais, esta é sem dúvida a de maior prioridade para a

administração pública municipal, haja vista a existência de vinculação de impostos e

de transferências 21 . Isto implica a necessidade destas políticas públicas serem

meticulosamente planejadas, devendo as diretrizes, os objetivos e as metas

definidas na área para o PPA, serem compatíveis e adequadas àquelas definidas no

Plano Municipal da Educação22.

Nos municípios, a elaboração do PPA é em geral tarefa que compete a uma

secretaria de planejamento ou de gestão, devendo haver a participação, entretanto,

de todas as secretarias e órgãos municipais responsáveis pela execução de

despesas públicas compreendidas no plano.

O PPA é encaminhado à Câmara de Vereadores no mesmo prazo de

encaminhamento da Lei Orçamentária Anual, ou seja, no primeiro ano de gestão do

prefeito, devendo ser apreciada pelos vereadores, por meio da Comissão de

Finanças e Orçamento, e pela realização de audiências públicas.

LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias

21 A vinculação orçamentária da educação será tratada na segunda parte deste capítulo.

22 Este plano é previsto pela Lei 10.172/01, que estabelece o Plano Nacional de Educação e será tratado no item 2.2 deste capítulo.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

71

A Constituição de 1988 previu a inclusão da LDO como um dos três instrumentos no

processo orçamentário, com o intuito de que essa lei pudesse fazer a ligação

necessária entre as determinações de diretrizes e metas de longo prazo e a

priorização de ações do orçamento anual. Assim, segundo o disposto no § 2º. do

artigo 165 da Constituição, a LDO compreende as metas e prioridades da

administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício

financeiro subseqüente; orienta a elaboração da lei orçamentária anual; dispõe

sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das

agências financeiras oficiais de fomento.

Para as administrações municipais houve, é claro, uma adaptação dessa disposição,

com referência às suas prioridades e sem o estabelecimento de política para

agências de fomento.

A LRF inovou em relação a esta lei, dotando-a de características próprias de um

instrumento balizador do planejamento publico, incluindo, dentre suas disposições,

que a LDO deveria também tratar do equilíbrio entre receita e despesa no

orçamento, principalmente durante sua execução, adotando para isso critérios de

limitação de empenho23 da despesa, no caso de haver frustração na arrecadação de

receitas, o que pode levar o município a um déficit.

Além dessa disposição, a LRF determina também que a LDO deveria esclarecer as

normas para controle de custos e avaliação dos programas da administração pública

previstos no orçamento, além de ser acompanhada de um Anexo de Metas Fiscais e

outro de Riscos Fiscais.

O intuito do Anexo de Metas Fiscais é o controle do superávit primário de todos os

entes da federação, inclusive dos municípios. Estes passam então a apresentar na

LDO obrigatoriamente a previsão de receitas e despesas, o resultado nominal e

primário para o ano em curso e os dois subseqüentes, antecipando assim as

previsões a serem enviadas no orçamento anual e criando um compromisso para os

23 Empenho é uma das fases da despesa pública. Conforme a Lei 4.320/64, o processo da despesa pública se inicia com a previsão orçamentária, que uma

vez aprovada pelo poder legislativo constituí-se em dotação orçamentária O passo seguinte do gasto implica a reserva desta dotação com intuito de

realização de licitação pública, sendo o empenho, o momento de confirmação por parte do poder público de que o fornecedor ou o contratado possui um

crédito que deverá ser liquidado e pago, concluindo-se assim o processo da despesa (GIACOMONI, 1997).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

72

outros exercícios com a busca de equilíbrio orçamentário. Já a proposta de

especificação de riscos fiscais era a de prevenir que algum passivo contingente

pudesse comprometer o alcance das metas fiscais previstas na lei, devendo com

isso ser antecipada uma possível solução dos riscos.

Percebe-se, com tais mudanças, que a LDO ganha um peso importante a partir da

LRF, o que reduz sobremaneira o caráter vago que a determinava na Constituição

de 1988. A partir da LRF, a LDO é sem dúvida um instrumento de planejamento e de

controle das contas públicas, que visa instituir normas e transparência para as

despesas orçamentárias, com destaque para a introdução de um sistema de custos

e para o Anexo de Metas Fiscais.

Quanto à exigência de implantação de um sistema de custos, deve-se ressaltar que

essa iniciativa é um grande avanço no sentido da concretização do orçamento-

programa. Como apresentado, o planejamento e a operacionalização do orçamento-

programa dependem da análise custo-benefício das diversas ações a serem

executadas pelo poder público e possibilitam também que se proceda a avaliação de

resultados dos programas e que se decida por sua continuidade.

LOA – Lei Orçamentária Anual

A LOA é o orçamento propriamente dito, instrumento em que são previstas as

receitas anuais e fixadas as despesas da administração pública. Esse é o

documento no qual se discriminam os recursos financeiros destinados à execução

de programas, projetos, atividades e operações especiais24 (VIGNOLI et al., 2002).

A LOA, assim como o PPA e a LDO, segue regras definidas pela Constituição

Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal, além dos mandamentos previstos

pela Lei 4.320/64.

24 Essa discriminação diz respeito à classificação programática do orçamento. Existem cinco tipos de classificação orçamentária de despesas, conforme

definido pela Lei 4.320, pela Portaria 9/74, alterada pela Portaria 42/99. Segundo estas, a despesa orçamentária deve ser classificada por i) instituições -

que definem os órgãos e unidades responsáveis pelos gastos; ii) funções - que visam definir a finalidade do gasto e possibilitar a agregação das despesas

para efeitos de contabilidade nacional; iii) programas - o que possibilita a organização das ações do governo em torno de objetivos mensuráveis por

indicadores de resultados; iv) natureza de despesa ou econômica que divide os gastos entre correntes e de capital; e, por fim, v) elementos de despesa -

que permitem identificar as modalidades de aplicação dos gastos, por exemplo: despesas de pessoal ativo, serviços de terceiros, entre outros (GIACOMONI,

1997; REZENDE, 2001 e VIGNOLI, 2004).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

73

Segundo o que define a Constituição Federal, o poder executivo deve anualmente

enviar ao poder legislativo a proposta orçamentária que refletirá o programa de

governo para o ano subseqüente, devendo ser compatível com os objetivos e metas

previstos no PPA e na LDO. A LOA não conterá matéria estranha à previsão de

receita ou à fixação de despesa, podendo, entretanto, prever a abertura de créditos

suplementares para as despesas e a possibilidade de realização de operações de

créditos.

A Constituição determina ainda que para além do princípio da anualidade, a LOA

siga os princípios da unidade, da universalidade e da publicidade. O primeiro

princípio implica o envio ao poder legislativo de um orçamento que componha todos

os programas da administração pública referentes a sua política fiscal, os

investimentos das empresas públicas e o orçamento da seguridade social, isto é,

todos as políticas públicas a serem executadas pelo executivo devem compor a peça

orçamentária a ser apreciada e votada pelo legislativo.

O segundo princípio, o da universalidade, complementa o primeiro, no sentido de

que qualquer receita ou despesa orçamentária deve ser prevista no orçamento para

que possa ser executada. Dessa forma, se o governo municipal pretende realizar um

convênio com o Ministério da Educação (MEC) para o recebimento de recursos do

Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), a receita de

transferência da União deve estar prevista no orçamento, bem como a despesa

respectiva. Isso deve ser feito ainda que o valor exato de repasse só venha a ser

definido após a aprovação do orçamento municipal, caso contrário, não havendo

previsão orçamentária, é necessária a aprovação de lei específica na Câmara de

Vereadores, autorizando a realização das despesas durante o ano.

Já o princípio da publicidade preconiza que todos os atos envolvendo o orçamento

público, desde a elaboração da proposta orçamentária até a prestação de contas

após a execução do orçamento, devem ser dispostos nos Diários Oficiais ou, em sua

ausência, devem ser publicados em jornais. Além disso, os governos têm procurado

utilizar a via eletrônica, ao publicarem quadros e tabelas da elaboração e execução

orçamentária na internet.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

74

A Constituição Federal define, no artigo 167, uma série de vedações relativas ao

orçamento anual que buscam coibir o comportamento irregular quanto a receitas e

despesas orçamentárias e salvaguardar o papel do poder legislativo de aprovar as

definições contidas no orçamento, o que fica claro, por exemplo, quando a CF

determina que são vedados, entre outros, os seguintes itens:

• O início de programas ou projetos não incluídos na LOA;

• A realização de despesas ou outras obrigações que excedam os créditos

orçamentários ou adicionais;

• A abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa

e sem indicação dos recursos correspondentes;

• Transposição, remanejamento ou transferência de recursos de uma categoria de

programação para outra, ou de um órgão para outro, sem prévia autorização

legislativa.

Já a Lei de Responsabilidade Fiscal acrescenta outras obrigações à LOA, além das

já determinadas na CF e na Lei 4.320/64, determinando a apresentação de

(VIGNOLI et al., 2002):

• Anexo de compatibilização do orçamento anual com as metas fiscais

previstas na LDO;

• Anexo definindo a compensação necessária a uma possível renúncia de

receita25;

• Deverá também ser prevista uma reserva de contingência para a provisão de

recursos necessários ao encaminhamento de passivos contingentes previstos no

Anexo de Riscos Fiscais da LDO.

A partir das disposições da Constituição Federal de 1988, percebe-se a intenção de

reforçar, ao mesmo tempo, o processo de planejamento e orçamento-programa e

fortalecer as prerrogativas do poder legislativo, buscando um equilíbrio entre

poderes. A LRF, por sua vez, mostra o propósito de controlar o processo

25 A Constituição Federal já previa em seu artigo 165 que o poder executivo deveria encaminhar em conjunto com a proposta orçamentária, demonstrativo

regionalizado do impacto da renúncia de receitas. A inovação da LRF está na obrigatoriedade de compensação da renúncia, medida esta que busca evitar o

desequilíbrio fiscal.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

75

orçamentário, buscando o equilíbrio fiscal e impedindo abusos e irregularidades com

os recursos públicos.

2.1.1.2 Ciclo orçamentário – da elaboração à prestação de contas do orçamento

O processo de elaboração orçamentária se inicia com o desenvolvimento do PPA26.

Nessa peça, conforme mencionado, são definidas as diretrizes de receitas e

despesas para quatro anos. Assim, uma vez definidas as receitas, o município

deverá, para cada área da administração pública, definir os objetivos e metas, bem

como indicadores de resultados.

Para que o planejamento seja adequado ao orçamento, é importante que atenda à

classificação funcional das despesas, definida pela portaria 42/99 e que altera a

09/74, mencionada anteriormente. A classificação funcional tem o intuito de analisar

a despesa segundo sua contribuição para as diversas funções de governo como a

educação, a saúde e a segurança, entre outras.

A Portaria 42/99, além de definir e de classificar as despesas por funções,

padronizadas para todas as unidades da federação, institui também subfunções,

como, no caso da educação:

1122 –– FFuunnççããoo EEdduuccaaççããoo

1122..336611 –– SSuubbffuunnççããoo EEnnssiinnoo FFuunnddaammeennttaall

1122..336655 –– SSuubbffuunnççããoo EEdduuccaaççããoo IInnffaannttiill

1122..336677 –– SSuubbffuunnççããoo EEdduuccaaççããoo EEssppeecciiaall

Dessa maneira, no planejamento municipal serão utilizados os códigos acima para a

elaboração do PPA de qualquer município brasileiro. A partir destes, o município

definirá os programas referentes a cada subfunção, bem como as ações a serem

desenvolvidas no âmbito de cada programa. Ressalte-se que o detalhamento das

ações será dado anualmente no orçamento, pela LOA, conforme a priorização

definida pela LDO. No PPA, além da definição funcional e programática, deverão ser

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

76

fixadas metas físicas e financeiras que serão acompanhadas por indicadores de

resultados.

Um exemplo de meta física pode ser, relativamente a um programa de capacitação

de recursos humanos, dentro da subfunção ensino fundamental, o aumento de 10%

ao ano do número de professores com formação superior, para a qual corresponderá

uma meta financeira e que poderá ser acompanhada pelo controle da evolução das

funções docentes do município. Finalmente, é importante também que haja, para

cada programa, um responsável pela execução e controle das metas indicadas.

A partir da elaboração e aprovação do PPA, a LDO deverá hierarquizar as

prioridades anuais dentre as metas definidas no plano. A idéia é anualmente cumprir

o disposto no planejamento em função da efetiva arrecadação de receitas. A LOA

deverá, desse modo, seguir o pré-definido no PPA e na LDO, apresentar o

orçamento classificado por órgãos, funções, subfunções, programas e detalhar as

ações em projetos e atividades até o nível de elementos de despesa27 necessários

para a execução orçamentária, além, é claro, da previsão das despesas de custeio

não abordadas pelo PPA.

Uma vez elaborada a proposta orçamentária, esta é enviada até 30 de setembro à

Câmara de Vereadores para apreciação até 31 de dezembro 28 . Durante esse

período, a Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara avalia a proposta,

podendo alterá-la ou não; o relatório da comissão é enviado ao plenário da Câmara,

onde há a apreciação de todos os vereadores que podem aceitá-lo ou não, como

podem também apresentar emendas à proposta do executivo, desde que: i) sejam

compatíveis com o PPA e a LDO; ii) Indiquem os recursos necessários para a

cobertura das emendas, isto é, a anulação de outras despesas, excluídas as

relativas a gastos com pessoal, serviço da dívida e transferências constitucionais, e

iii) sejam relacionadas a erros e omissões.

26 Em função dos prazos anuais para o envio dos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentérias ao poder legislativo, no primeiro ano de gestão, a LDO é o

primeiro instrumento orçamentário e deverá, no entanto, ser coerente com o PPA a ser enviado no segundo semestre, visto que este trará o planejamento

dos quatro anos da administração pública.

27 Conforme mencionado, o orçamento deverá trazer tabelas descritivas das receitas e despesas, sendo que estas últimas deverão apresentar as

classificações institucional, funcional, programática, natureza de despesa e elementos econômicos.

28 Esses prazos poderão ser distintos, dependendo do previsto na Lei Orgânica de cada município.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

77

Quando a proposta orçamentária é votada e sancionada pelo prefeito, tem início a

fase de execução orçamentária, na qual, segundo o que define o artigo 8º da LRF:

ºAté trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º29 , o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.

Parágrafo único – Os recursos legalmente vinculados à finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”.

Dessa forma, para que o orçamento seja efetivamente um instrumento de execução

do planejamento concebido pelos municípios, é necessário programar a execução

orçamentária do ano. A distribuição de cotas de desembolso mensais é normalmente

determinada pela secretaria de finanças ou planejamento, levando em consideração

a expectativa de arrecadação orçamentária para o ano e a sazonalidade das

receitas públicas. Essa programação e suas regras são estabelecidas a partir da

publicação do Decreto de Execução Orçamentária, de acordo com as determinações

da LRF, e devem ser avaliadas pelas secretarias para melhor adequação de seu

plano de trabalho.

Com relação à educação, cabe a ressalva de que o repasse de recursos precisa

atender ao previsto pela LDB e pela lei do Fundef 30 , não devendo existir

contingenciamento da área, além disso, sempre que arrecadação de receitas de

impostos for superior ao previsto, haverá reajuste orçamentário e de cotas de

desembolso para a educação.

Para assegurar o cumprimento do que foi previsto no orçamento, não apenas em

termos quantitativos, mas também se as metas físicas dispostas no PPA estão

sendo alcançadas e se o que foi programado está de acordo com as necessidades

de cada área, o acompanhamento da execução orçamentária é fundamental.

29 Essa alínea foi vetada quando da sanção da LRF.

30 Essas regras são apresentadas no item 2.2 deste capítulo.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

78

A avaliação da execução orçamentária é obrigação tanto do poder executivo, por

parte de seus órgãos internos de controle, quanto de cada órgão executor, mas

também do poder legislativo, conforme definição constitucional. Este, por meio do

auxílio do Tribunal de Contas31, deve verificar a legalidade dos atos orçamentários, a

regularidade das contas, além da eficiência e eficácia do planejamento e execução

orçamentária.

O poder executivo deve prestar contas da execução por meio de publicações

mensais, quando houver legislação municipal que as exija;, bimestrais (Relatório

Resumido da Execução Orçamentária - artigos 52 e 53 da LRF); quadrimestrais

(Relatório de Gestão Fiscal, artigos 54 e 55 da LRF) e anuais (Balanço Anual).

Nesse aspecto, é interessante ressaltar que o espírito da LRF foi aumentar o

controle social sobre a matéria orçamentária na medida em que obriga, pelo artigo

49, a disponibilização das contas públicas para a consulta e apreciação de cidadãos

e instituições da sociedade civil. Além disso, é requisitada a ampla divulgação da

prestação de contas, inclusive em meios eletrônicos.

Além das citadas, o poder executivo municipal deverá fazer outras publicações

previstas pela Lei Orgânica do Município e, no tocante à educação, há que se

cumprir os prazos de publicação definidos na LDB e na Constituição Federal, que se

verá posteriormente.

No caso específico da educação, é ainda necessária a avaliação da prestação de

contas pelos Conselhos de Educação e pelo Fundef, além de outros conselhos

constituídos na área, pelas esferas administrativas. A questão será tratada, porém,

na próxima seção.

Ressalta-se, por fim, que a avaliação do processo orçamentário deve ocorrer

continuamente e possibilitar que desvios sejam corrigidos e programas inadequados

sejam repensados para o ciclo seguinte. (GIACOMONI, 1997). Como apresentado, é

pressuposto de um processo de orçamento-programa, a avaliação constante, pois

31 Para a maioria dos municípios brasileiros a fiscalização dos orçamentos e balanços é realizada pelos Tribunais de Contas Estaduais (TCE). No caso dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro existem Tribunais de Contas Municipais.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

79

apenas a identificação dos melhores resultados e dos menores custos pode

assegurar a correta implementação das políticas públicas através dos objetivos,

metas e programas definidos no PPA, na LDO e na LOA (VIGNOLI et al., 2002).

A figura abaixo sistematiza o fluxo orçamentário municipal, tendo como eixo os três

instrumentos do processo orçamentário, discutidos nesta seção, conforme definições

da Constituição de 1988 e da LRF.

Figura 2 – Fluxograma do Processo Orçamentário Municipal Fonte: Elaboração da autora, a partir da CF de 1988 e da LRF de 2001.

2.2 Regras do jogo no financiamento do Ensino Fundamental

2.2.1 Constituição de 1988

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

80

A base legal do financiamento do ensino fundamental no Brasil está dada pela

Constituição de 1988, que estabelece a vinculação de recursos obrigatórios para o

ensino nos três níveis de governo. Segundo Castro (2001), a vinculação de impostos

para a educação é uma das mais importantes políticas públicas para a garantia da

responsabilidade do Estado na área.

Pinto (2000) relata que essa medida assegurada pela Constituição Federal teve

início na Carta de 1934, sendo abolida no Estado Novo e reiniciada em 1946, no

artigo 169 da Constituição, que garantia 20% de comprometimento dos municípios

para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Essa determinação foi novamente

revogada no período militar. Em 1983, o Congresso promulgou a Emenda

Constitucional (EC) 24/83, conhecida como Emenda Calmon.

Segundo a discussão da época, a volta da vinculação era necessária, visto que em

sua ausência os recursos aportados para a educação haviam sido sistematicamente

reduzidos (MELCHIOR,1997). Assim, a Emenda Calmon determinava a inserção de

um novo parágrafo ao artigo 176 da Constituição Federal, que segue transcrito a

seguir:

Art.176 – “Anualmente a União aplicará nunca menos de treze por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

O cumprimento da EC 24/83, contudo, não foi automático, pois a interpretação do

que era a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) sempre deu margem a

muita polêmica.

A Constituição Federal de 1988 renovou o debate sobre a questão e aumentou a

vinculação para a educação, passando a parte referente à União de treze para

dezoito por cento. Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 212, ficou definido

que:

Art. 212 – “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos,

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

81

compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino”.

Essa alteração foi uma clara declaração de prioridade dada à educação, uma vez

que se cogitava à época a eliminação das vinculações de receita e, dentre várias

áreas requisitadas pelos constituintes, como saúde e previdência, apenas a

educação teve a vinculação mantida, além de contar ainda com a elevação do

percentual mínimo por parte da União (CASTRO, 2001).

Também passava a ser obrigatório, conforme definido no artigo 60 das Disposições

Constitucionais Transitórias (DCT), que 50% dos recursos vinculados pelo artigo 212

da CF deveriam ser aplicados na eliminação do analfabetismo e na universalização

do ensino fundamental, pela União, durante os dez primeiros anos de promulgação

da Constituição.

No entanto, apesar das alterações que visavam aumentar o volume de recursos

aplicados pela União, estados e municípios no ensino, continuou pendente o marco

legal que definiria o que era ou não especificamente entendido como MDE,

aguardava-se ainda a legislação que regulamentaria a Emenda Calmon (CASTRO,

2001).

Em relação à aplicação do artigo 60 das DCT, houve uma interpretação da norma

pela União distinta da vontade do legislador, pois para aquela o cumprimento do

artigo englobava as três esferas, isto é, o gasto dos municípios e dos estados

também seria calculado para efeito da aplicação de 50% no analfabetismo e no

ensino fundamental. O Tribunal de Contas da União, porém, discordava dessa

interpretação e apontava que os orçamentos da União estavam claramente

desrespeitando a regra constitucional (CASTRO, 2001; MELCHIOR, 1997).

O intuito principal da mudança constitucional era, entretanto, o de influenciar o

processo de descentralização das ações na área de educação. Essas mudanças,

associadas ao aumento da carga tributária para os municípios, visavam aumentar a

disponibilidade de recursos orçamentários nas instâncias locais de gasto

(RODRIGUEZ, 2001).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

82

Tabela 1 - Carga tributária global e Divisão Federativa - 1960/2005 Conceito abrangente (contas nacionais). Anos selecionados Fonte: AFONSO (2007, p.14)

A tabela 1 mostra um importante crescimento da carga tributária, principalmente da

receita disponível dos governos locais a partir da Constituição de 1988. Apesar

disso, segundo Rodriguez (2001), o aumento da oferta de serviços educacionais nos

municípios foi aquém do esperado e muito focalizado no ensino pré-escolar;

processo este acompanhado pelos estados que supriam, em conseqüência, as

necessidades do ensino fundamental.

Ainda de acordo com o autor, havia por parte de várias administrações municipais o

uso de uma série de artifícios contábeis que lhes permitiam cumprir a definição

constitucional, apesar da tímida oferta de serviços. Assim, muitos recursos podiam

ser desviados do setor educacional para outras áreas, encontrando respaldo para tal

procedimento na falta de clareza do que constituía de fato a manutenção e o

desenvolvimento do ensino.

Quanto a tal processo, é importante ressaltar que a vinculação orçamentária da

educação, existente há décadas - porém tratada de forma cíclica, entrando e saindo

do cenário político-institucional brasileiro - foi uma conquista dos movimentos

educacionais. Com base em Frant (1996), pode-se inferir que o fato de se ter

afirmado a necessidade de recursos especiais para a área, dentre todas as outras,

representava a busca de vários atores, com o respaldo dos poderes executivo e

legislativo federal, de que o ensino deveria ser protegido dos incentivos fortes da

política. Incentivos esses que poderiam provocar o desvio dos recursos públicos

para outras áreas de interesse.

Central Estadual Local Total Central Estadual Local Total

1960 11,14 5,58 0,70 17,42 63,95% 32,03% 4,02% 100,001980 18,31 5,31 0,90 24,52 74,67% 21,66% 3,67% 100,001988 16,08 5,74 0,61 22,43 71,69% 25,59% 2,72% 100,002005 26,62 10,13 2,19 38,94 68,36% 26,01% 5,62% 100,00

1960 10,35 6,05 1,01 17,42 59,41% 34,73% 5,80% 100,001980 16,71 5,70 2,10 24,52 68,15% 23,25% 8,56% 100,001988 13,48 5,97 2,98 22,43 60,10% 26,62% 13,29% 100,002005 22,43 9,82 6,68 38,94 57,60% 25,22% 17,15% 100,00

Arrecadação Direta

Receita Disponível

Carga - % do PIB Composição - % do TotalConceitos

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

83

Contudo, percebe-se um problema de coordenação e de agência, pois havia o

desejo social de que a educação fosse priorizada por meio de um processo de

descentralização de recursos para o ensino fundamental que se daria com o

respaldo do governo federal e ações dos municípios. Havia, então, certa idealização

das políticas centralizada na esfera federal, para uma execução descentralizada,

porém com muito pouco controle e transparência.

Nesse processo, conforme indicado por Azevedo (2000) e Miller (1992), havia

evidentemente um problema de informação assimétrica, que dificulta e muitas vezes

impossibilita o controle do comportamento dos agentes, até porque esta implica a

falta de clareza das regras 32 e também a ausência de sintonia nos objetivos

(CLUNE, 1987). Isso porque para alguns municípios, principalmente os do Sudeste

do país, interessava bem mais continuar ofertando o ensino pré-escolar, pois para

isso contavam com o apoio das redes estaduais de ensino; e para outros, com

destaque para a região nordeste, já havia sido iniciado um processo de oferta

massiva do ensino fundamental, com recursos significativamente mais escassos. As

disparidades e desigualdades regionais juntamente com os problemas de

informação e agência deixavam claro o cenário crítico do ensino fundamental no

país.

A possibilidade de controlar a aplicação de recursos por meio de manobras

contábeis e a inexistência de maiores conseqüências para aqueles que deixam de

fazê-lo constituíam um cenário de fracos incentivos para a ação coordenada e

levaram ao oportunismo de usar os recursos da forma como melhor conviesse nas

diferentes realidades brasileiras (FRANT, 1996).

Segundo Castro, Barreto e Corbucci (2000), existe uma avaliação de que os

processos de descentralização, ocorridos ao longo dos anos 80 e início dos 90,

foram desprovidos de um estratégia concertada que pudesse ter claros os objetivos

das políticas públicas a que estavam sendo repassadas, assim como a forma de

transição destas. Esse problema deve-se em grande parte à omissão do governo

federal em coordenar de fato esses processos, especialmente com relação ao

repasse gradual de poder, de competências e de responsabilidades entre as

32 A legislação não trazia claramente o que podia ou não ser entendido como despesa com manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

84

diferentes esferas administrativas. A conseqüência disso foi a ineficiência e as

sobreposições de tarefas e atribuições entre níveis de governo, além da criação de

ambiente para o comportamento oportunista relativamente à utilização dos recursos

da educação em diversos locais do país, nas três esferas de governo (CASTRO,

BARRETO e CORBUCCI, 2000).

Foi esse cenário, segundo Rodriguez (2001), que possibilitou a intervenção da União

para mudar sua postura e alterar as regras para o financiamento do ensino público.

A posição oficial passou a ser a de priorizar o ensino fundamental, a partir de uma

descentralização efetiva das ações nessa área, sob sua coordenação.

Assim, após quase dez anos de vigência da Constituição de 1988, o governo federal

decidiu fazer uma reforma nas regras formais do ensino buscando, dentre outros

objetivos, principalmente: alterar o sistema de incentivos existentes, induzir um

processo de descentralização de fato do ensino fundamental para os municípios e

regulamentar as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino. Dessa

forma, passou à discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB) e da Emenda Constitucional 14/96, que deu origem ao Fundo de Manutenção

e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef).

2.2.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB

Até a mudança na legislação de ensino dada pela nova LDB, a concepção de

sistema escolar passava por uma série de fragmentações, segundo Melchior (1997).

Essa concepção era dada pela Lei 4.024/61, que havia sido reiteradamente alterada

pelo regime militar. Por exemplo, em 1968, é proposta a Lei 5.540, que dispunha

sobre ensino superior; em 1971, a Lei 5.692, que abrangia o ensino de 1º e 2º graus,

além de outras normas e decretos referentes ao ensino.

A Lei 9.394 de 1996, que tramitou oito anos no Congresso Nacional, alterou a

legislação, fixando novas diretrizes e bases para a educação nacional. Essa lei foi

fruto de um anteprojeto elaborado pelo senador Darcy Ribeiro e pelo MEC, que

aproveitou e modificou diversos itens do anteprojeto do deputado Jorge Hage

(MELCHIOR, 1997).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

85

A nova LDB manteve os percentuais de vinculação, descritos na Constituição de

1988, e avançou na definição do conceito de manutenção e desenvolvimento do

ensino, tema extremamente polêmico e questionável nas diferentes esferas de

governo, cuja falta de clareza, como já apontado, permitia uma série de desvios

contábeis da educação33.

A busca de definição clara para o conceito de MDE na LDB está respaldada em,

basicamente, dois artigos da lei que tratam do que pode (art. 70) e o que não pode

(art. 71) ser entendido como despesa com manutenção e desenvolvimento do

ensino, utilizando os recursos da vinculação de impostos. Esses artigos são

transcritos a seguir:

Art. 70 – “Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais de educação;

II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III - uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando principalmente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;

V - realização de atividades-meio, necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI - concessão de bolsas de estudo aos alunos de escola pública e privada;

VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

VIII - aquisição de material didático escolar e manutenção de programas de transporte escolar;

Art.71 - Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:

33 Segundo Melchior (1997), após a promulgação da Emenda Calmon, em 1983, quando a vinculação orçamentária da educação retornou para as três

esferas de governo, a lei 7.348 de 1985 buscou melhor definir MDE. Porém, apesar de alguns avanços, havia brechas legais que permitiam uma série de

desvios. A partir da Constituição de 1988, houve um agravamento da situação, pois a Lei 7.348/85 referia-se à Constituição de 1969 e criava-se assim um

vácuo legal. Isso possibilitou, por exemplo, que em alguns municípios onde não havia rede de ensino municipal, metade dos recursos fosse gasto com

merenda escolar de escolas estaduais; o asfalto de ruas próximas às escolas era também realizado sob a denominação de infra-estrutura escolar, assim

como obras de saneamento básico. Mesmo na esfera federal desvios aconteciam: gastos em programas de outros ministérios inseridos no orçamento do

Mec, despesas com escolas fazendárias e formação de diplomatas são exemplos disso (MELCHIOR, 1997).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

86

I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;

II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;

III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;

VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.”

A partir dos artigos acima se pode notar, por exemplo, que a utilização dos recursos

vinculados para programas de atendimento alimentar e a saúde do aluno foi vedada,

além de não haver permissão expressa para a inclusão da despesa com inativos da

educação. Essa é uma das grandes polêmicas existentes nessa área, visto que

tampouco foi expressamente vedada sua inclusão. Assim, a omissão do texto deu

margem à grande discussão e às mais variadas interpretações por parte dos

Tribunais de Conta Estaduais, Municipais e Ministério Público.

De toda forma, a partir das definições da LDB, esclareceu-se uma série de questões

e ficaram impedidos vários dos desvios cometidos nas despesas com educação,

principalmente as relativas à infra-estrutura, saneamento básico, assistência social e

merenda escolar.

Além das definições de MDE, a LDB reiterou os parâmetros mínimos de vinculação

estabelecidos pela CF, mas possibilitou que esses valores pudessem ser

considerados o valor fixado nas respectivas Constituições Estaduais e Leis

Orgânicas Municipais 34 . Essa lei adotou também critérios de publicação de

informações referentes às receitas e despesas de MDE, aumentando a

transparência e o controle dos recursos, e estabeleceu que as diferenças apuradas

34 Diversos estados e municípios adotavam desde 1988 percentuais mais elevados do que o previsto na CF, em geral 30% dos impostos e transferências

era definido para o ensino. Havia, contudo o questionamento legal sobre o que era válido, se o definido na CF ou o percentual estabelecido pelas

Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

87

entre a receita obrigatória da educação e as despesas efetivamente realizadas

deveriam ser corrigidas a cada trimestre e não mais anualmente, como

anteriormente definido.

A LDB prevê o acompanhamento periódico da prestação de contas por órgãos de

controle interno e externo às três esferas administrativas. Esse acompanhamento

deve priorizar a fiscalização do cumprimento da vinculação constitucional, prevista

no artigo 212, e da subvinculação criada pelo Fundef, que será assunto do próximo

item. Nesse acompanhamento periódico deve haver, segundo a LDB, um controle da

receita prevista e efetivamente arrecadada, pois toda vez que esta for superior à

previsão orçamentária, a despesa deverá ser coerentemente ajustada, possibilitando

que a vinculação constitucional seja corretamente cumprida.

Com relação a padrões de qualidade, a nova LDB não os estabelece claramente,

citando tão somente que:

Art. 74 – “A União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo e oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade.

Parágrafo único – O custo mínimo de que trata este artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano subseqüente, considerando variações regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades de ensino.”

Assim supõe-se, segundo Melchior, (1997) que esse custo definido é na verdade um

custo médio mínimo, de caráter nacional, apesar de considerar “variações regionais”.

Podemos entender também que na intenção do legislador a fixação de um custo-

mínimo por aluno deveria induzir a um padrão de gasto que garantisse a qualidade

nas redes de ensino público.

A priorização do ensino fundamental na nova LDB é orientada pelo artigo 5º ao

definir que, em todas as esferas administrativas, o poder público assegurará em

primeiro lugar esse nível de ensino e em seguida as demais modalidades. No

entanto, a lei estabelece que cabem à União as funções normativa, redistributiva e

supletiva; os estados deverão assegurar o ensino fundamental e priorizar o ensino

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

88

médio e, por fim, os municípios oferecerão o ensino infantil e, com primazia, o ensino

fundamental (MELCHIOR, 1997).

Os objetivos de priorização e descentralização do ensino fundamental para os

municípios foram assegurados na Constituição Federal pela Emenda 14/96, que,

entre outras mudanças, criou o Fundef.

2.2.3 Emenda Constitucional 14/96

A Emenda Constitucional 14/96 foi aprovada após uma série de questionamentos e

de modificações propostos por grupos de interesses distintos, atuantes no governo

federal e no Congresso Nacional; todavia, modificou os artigos 34, 208, 211 e 212

da Constituição Federal de 1988, além de dar nova redação ao artigo 60 das

Disposições Constitucionais Transitórias.

A emenda passou a indicar claramente as funções de municípios e estados para

com o ensino, de forma alinhada ao definido pela LDB. Dessa forma, o artigo 211

passou a estabelecer as funções da União, estados e municípios, como segue:

Art. 211 (...)

“§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios.

§ 2º Os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

§ 3º Os estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.”

No tocante à União, as definições quanto às suas responsabilidades relativamente

ao ensino fundamental são menos específicas, restringindo–se à organização do

sistema e às funções redistributiva e supletiva, como já visto. Segundo Melchior

(1997), uma das principais preocupações do governo federal com a Emenda 14/96

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

89

era regularizar os gastos da União com o ensino fundamental; que deveriam,

conforme definido no artigo 60 das DCT, corresponder a 50% dos recursos

estipulados no artigo 212 da CF. Esta definição, , foi então alterada, passando a

seguinte redação:

Art. 60 (...)

“§ 6º A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino fundamental, inclusive na complementação a que se refere o § 3º, nunca menos do que o equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal.”

Com essa redação, possibilitou-se a regularização da situação orçamentária da

União que reiteradamente aplicava recursos inferiores aos 50% definidos, além

disso, ao se definir que o valor seria “equivalente a 30% dos recursos”, permitiu-se a

utilização de outros recursos que não os vinculados, como, por exemplo, os relativos

ao salário-educação35 (MELCHIOR, 1997).

Quanto à aplicação de recursos dos estados e municípios, os percentuais de

vinculação definidos pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 212, foram

mantidos pela emenda para a manutenção e desenvolvimento do ensino e criou-se a

obrigatoriedade de que, a partir de 1998, esses entes passassem a alocar 60% dos

recursos no ensino fundamental, por meio do estabelecimento de uma

subvinculação de 15% das receitas, conforme o artigo 60 das DCT, transcrito a

seguir (CASTRO, BARRETO e CORBUCCI, 2000):

Art. 60. “Nos dez primeiros anos da promulgação desta emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal, a manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério.

§ 1º A distribuição de responsabilidades e recursos entre os estados e seus municípios a ser concretizada com parte dos recursos definidos neste artigo, na forma do disposto no art. 211 da Constituição Federal, e assegurada mediante a criação no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e

35 A definição legal de salário-educação será apresentada no item 2.2.5.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

90

desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério, de natureza contábil.

(...)

§ 3º A União complementará os recursos dos fundos a que se refere o § 1º, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.”

A grande alteração dessa emenda está, contudo, no § 1º do artigo transcrito, pois

cria o Fundef. A Emenda 14/96 determinou que cabe aos estados, ao Distrito

Federal e aos municípios, a constituição de recursos necessários à formação do

Fundef. No entanto, em função da grande disparidade socioeconômica existente nas

diversas regiões brasileiras, foi estabelecido que a União complementaria os

recursos do Fundo sempre que algum estado ou Distrito Federal não alcançasse o

custo mínimo definido nacionalmente. Cabe à União o cálculo anual desse valor

(op.cit.).

São questões fundamentais para o funcionamento do Fundo: a definição do custo-

mínimo nacional, a forma de distribuição dos recursos entre os municípios, o

controle dos repasses e a complementação da União. Essas questões foram

definidas pela Lei 9.424/96 que regulamentou o Fundef.

2.2.4 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – Fundef

Como apresentado, o Fundef foi criado com o intuito de valorizar o ensino

fundamental e assegurar a normatização de políticas públicas relativas a esse nível

de ensino. Segundo Castro (2001), seus principais objetivos foram assim

determinados: i) Melhorar o gerenciamento financeiro e orçamentário dos recursos

da educação; ii) Aumentar o volume de recursos para a educação; iii) Fazer uma

política redistributiva, buscando reduzir disparidades regionais; iv) Aumentar a

transparência no trato dos recursos públicos da educação; v) Valorizar o corpo

docente do ensino fundamental.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

91

2.2.4.1 A composição dos recursos do Fundef

Em relação aos recursos, de acordo com a determinação legal, são devidos ao

Fundef 15% da arrecadação de impostos e transferências constitucionais relativas

ao:

i) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, inclusive a parte

concernente ao ressarcimento pela desoneração de exportações de que trata a Lei

Complementar nº 87/96 – (Lei Kandir); ii) Fundo de Participação dos Estados -FPE;

iii) Fundo de Participação dos Municípios -FPM e iv) Imposto sobre Produtos

Industrializados, proporcional às exportações – IPIexp. Além disso, haverá, quando

necessário, complementação de recursos pela União, como já apontado (MEC,

2004).

A distribuição dos recursos do Fundo é disposta pelo artigo 2º da Lei 9.424/96. Esta

determina que os recursos sejam distribuídos, automaticamente, entre governo

estadual e os governos municipais, em conformidade com o número de matrículas

do ensino fundamental, calculado anualmente em função dos cadastros das redes

de ensino, sendo, para isso, considerados os alunos da 1ª à 8ª séries de ensino

fundamental, presencial, inclusive os de educação especial.

O controle do número de alunos do ensino fundamental é feito pelo censo escolar,

realizado todo ano pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais –

(Inep), órgão ligado ao MEC, juntamente com os governos municipais e estaduais.

O cálculo da distribuição de recursos nos estados para cada município leva em

consideração o número de alunos da 1ª à 4ª séries e da 5ª à 8ª séries do ensino

fundamental regular e especial, além da estimativa de novas matrículas36. O valor

total de alunos e de estimativas é dividido pelo número total de alunos e de

estimativas para o estado como um todo, chegando ao Coeficiente de Distribuição –

CD37.

36 É importante ressaltar que há um diferencial de 5% no valor por aluno/ano para o segmento de 5ª à 8ª do ensino fundamental regular e todas as séries da

educação especial, relativamente ao segmento da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular (MEC, 2004).

37 Para informação da fórmula de cálculo detalhada do CD, ver MEC (2004, p.9).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

92

No âmbito de cada estado, o valor aluno/ano será calculado a partir da previsão de

receitas do Fundef e do número total de alunos do ensino fundamental, ou seja, do

regular e especial, da rede municipal e estadual. Assim, por exemplo, em um

município cuja receita estadual do Fundef seja de R$ 85 milhões e haja 120 mil

alunos da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular; 110 mil da 5ª à 8ª. séries do

ensino fundamental regular e 5.605 alunos do ensino fundamental especial; o valor

por aluno/ano da 1ª à 4ª séries será R$ 352,1338 e o valor por aluno da 5ª à 8ª e de

todas as séries da educação especial será R$ 369,74, isto é, um valor 5% superior

ao do aluno da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental regular (MEC, 2004).

A Lei também definiu um valor mínimo nacional por aluno, que é assegurado pelo

governo federal àquelas unidades da federação onde a receita do Fundo,

relativamente ao total de matrículas da rede de ensino fundamental, for inferior ao

valor mínimo. O primeiro valor estabelecido pela lei, em 1997, foi de R$ 300,00, e,

partir de então, passou a ser fixado por Decreto Federal. Do ano 2000 em diante, há

uma diferenciação de valores para os alunos de 1ª à 4ª e para o restante do ensino

fundamental, coerente com a regra do diferencial de 5%. A partir de 2005, passou

também a existir uma diferenciação de valores complementares entre os alunos da

zona urbana e os da zona rural. A tabela a seguir apresenta os valores fixados entre

1997 e 2005:

Tabela 2 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef e a base legal - de 1997 a 2005 Fonte: Difin/FNDE (1997 a 2005)

38 Esse valor é obtido a partir da divisão: R$ 85.000.000,00/ (120.000 + 1,05 (110.000+5.605).

em R$

Urbana%

(período)Rural

% (período)

Urbana%

(período)Rural

% (período)

1997 300 100 300 100 300 100 300 100 Lei 9.424/96 (§ 4° - art. 6°)

1998 315 105 315 105 315 105 315 105 Dec. 2.440/97

1999 315 105 315 105 315 105 315 105 Dec. 2.935/99

2000 333 111 333 111 350 117 350 117 Dec. 3.326/99

2001 363 121 363 121 381 127 381 127 Dec. 3742/01

2002 418 139 418 139 439 146 439 146 Dec. 4,103/02

2003 446 149 446 149 468 156 468 156 Dec. 4.580/03

2004 565 188 565 188 593 198 593 198 Dec. 5.299/04

2005 621 207 633 211 652 217 664 221 Dec. 5.374/05

Base LegalValor

mínino por aluno

1ª a 4ª série 5ª a 8ª série

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

93

Os repasses de recursos do Fundo são feitos automaticamente, todos os meses, em

função da data de arrecadação dos impostos que os compõe; o crédito deve ser

feito em contas do Banco do Brasil. Dada a característica dos impostos, os

municípios recebem, em datas distintas, transferências da União (FPM e IPIexp) e

complementação, quando for o caso, e do estado (ICMS e Lei Kandir).

É importante ressaltar que o repasse mensal dos recursos pode e provavelmente

será distinto de um mês para outro, visto que a receita tributária da União e dos

Estados é sujeita a alterações durante o ano, bem como a sazonalidades. Além

disso, é bastante possível que a previsão de receita contida na peça orçamentária

seja diferente da efetiva arrecadação, por ser elaborada em setembro do ano

anterior 39 . Sendo assim, é fundamental o controle periódico da receita e o

conseqüente ajuste das despesas decorrentes para que se possa atender a regra de

aplicação anual dessas receitas, conforme destacado pelo próprio Manual do Fundef

elaborado pelo MEC (MEC, 2004, p.27):

“É importante destacar que os recursos vinculados à educação (inclusive o FUNDEF) devem ser aplicados no respectivo exercício a que se referem (em que são arrecadados e distribuídos ou creditados), tendo em vista o critério da anualidade estabelecido na Constituição Federal (art.212).

(...)

Os critérios e limites estabelecidos pela legislação, com relação ao uso dos recursos do FUNDEF (e da manutenção e desenvolvimento do ensino), devem ser observados e cumpridos tomando-se como referência cada exercício. Assim, não se pode transferir para outro exercício a obrigação que, por força legal, deve ser cumprida em cada exercício”40.

A contribuição dos municípios e estados para formar a receita do Fundo é

automática, havendo retenção de 15% dos impostos definidos anteriormente das

contas dos entes no Banco do Brasil. Além da contribuição e do crédito dos recursos

do Fundo serem feitos no Banco do Brasil, toda a movimentação financeira da conta,

39 Esse processo segue o fluxo apresentado na figura 2 do item 2.1.1.2.

40 Apesar da regra estar embasada na Constituição Federal e na LDB, Lei 9.424/96, é forçoso lembrar que a LRF, em seu artigo 8º, parágrafo único, prevê

que os recursos vinculados só poderão ser utilizados em sua finalidade específica ainda que em exercício distinto da arrecadação, como mostrado na seção

2.1.1.2 . Na prática, essa regra suscita um conflito legal e uma permissividade à não aplicação segundo o princípio constitucional da anualidade, como se

verá no capítulo 5, no caso de São Paulo.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

94

inclusive aplicação dos recursos, também deverá se dar nesse banco, para que seja

garantida a transparência, sendo possibilitado seu acompanhamento pelos órgãos

de controle (MEC, 2004)

Da comparação entre as receitas transferidas a um determinado município e sua

contribuição ao Fundef depreende-se que o município pode ter uma receita líquida

positiva, nula ou negativa, a qual dependerá sempre do número de alunos

matriculados na rede de ensino fundamental41. A lógica desse mecanismo é que

haverá maior receita para o ente que tenha maior número de alunos matriculados no

ensino fundamental. Assim, se o município não possuísse rede de ensino

fundamental e seus alunos estivessem apenas na rede estadual, sua receita de

contribuição ao fundo migraria para o estado ou outros municípios de seu estado

com rede própria. Com isso, criou-se um impulso de municipalização, justamente

para retenção das receitas.

2.2.4.2 Aplicação dos recursos do Fundef

A utilização dos recursos do Fundef é uma questão relevante tratada na lei 9.424/96.

Segundo esta, os recursos devem ser empregados exclusivamente na manutenção

e desenvolvimento do ensino fundamental público e, em especial, na valorização do

magistério; conforme o artigo 7º, 60% devem ser destinados anualmente à

remuneração dos profissionais da área, em efetivo exercício no ensino fundamental

público, o que compreende tanto professores, quanto profissionais que executam

atividades de suporte pedagógico, pertencentes ao regime jurídico único ou regidos

pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), além dos contratados em caráter

temporário.

Nesse sentido, os recursos não podem ser utilizados para o pagamento de

profissionais de outros níveis de ensino; de inativos, mesmo que tenham sido parte

do corpo de profissionais do ensino fundamental42; de profissionais da educação não

41 A constatação dos ganhos e das perdas entre estados e municípios a partir da implementação do Fundef pode ser vista no item 2.3.1 deste capítulo.

42 Essa é uma questão bastante polêmica, pois devido a não explicitação da vedação na LDB, esses profissionais aposentados continuam a fazer parte das

despesas de prefeituras dentro dos recursos vinculados à educação, ainda que não sejam pagos com recursos do Fundef. O peso dessas despesas para

os Tesouros Municipais e o desequilíbrio dos sistemas previdenciários nessas esferas dificultam uma solução que possibilite sua retirada do cômputo, sem

que isso represente um ônus às outras áreas de atuação das prefeituras.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

95

ligados ao magistério; de profissionais do magistério em desvio de função, por

exemplo, no setor administrativo (MEC, 1994).

Uma vez garantida a aplicação dos 60% para a remuneração do magistério, os 40%

restantes podem ser utilizados nas demais despesas da educação, compreendidas

pelo artigo 70 da LDB, transcrito anteriormente. É exceção a essa regra, o uso de

recursos para concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas privadas, pois

apesar de permitido pela LDB, contraria a definição da subvinculação dada pela

Emenda 14/96, que exige a utilização dos recursos para o ensino fundamental

público e gratuito. Além disso, não é permitido que sejam destinados para as

despesas vedadas pelo artigo 71 da LDB, conforme apresentado.

2.2.4.3 Valorização do magistério e formação de recursos humanos

Um dos principais objetivos do Fundef é a formação e a valorização do profissional

do ensino fundamental, de tal forma que para isso ficou reservado 60% do total de

seus recursos, em cada município. Nesse sentido, é importante verificar os reflexos

da lei no tocante a duas questões em especial: a formação profissional dos

professores e o estabelecimento de planos de carreira e remuneração.

A primeira questão é essencial para a qualidade do ensino fundamental, pois a

escolaridade dos professores é fator de extrema relevância para o desempenho dos

alunos43. Conforme definido pelo artigo 62 da LDB, os docentes da educação básica,

incluídos os de nível fundamental, devem ter nível superior; mas se admite que para

o ensino infantil e as primeiras séries, 1ª à 4ª, o professor tenha, no mínimo, o nível

médio. A expectativa era de que todos os professores, ao longo do tempo,

passassem a ter a licenciatura plena; porém, não foi estabelecido nenhum prazo

para que os sistemas de ensino estejam adaptados a essa questão. Deve haver

constante formação e aperfeiçoamento dos profissionais do ensino e, para isso,

podem ser usados os 40% restantes, após a remuneração do magistério.

43 Pesquisas econométricas mostram que esse fator tem uma correlação positiva com o desempenho dos alunos, principalmente os de menor nível

socioeconômico (ALBERNAZ, FEREIRA e FRANCO, 2002).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

96

Quanto a isso, é importante destacar as indicações do Plano Nacional de Educação

– PNE, Lei 10.172/01, cuja finalidade foi a de estabelecer objetivos e metas de longo

prazo para a educação nacional, em todos os níveis e modalidades de ensino, para

todas as esferas administrativas de governo, buscando principalmente: i) A elevação

da escolaridade da população; ii) A melhoria da qualidade de ensino; iii) A redução

das desigualdades sociais e regionais, relativas ao acesso e à permanência, com

sucesso, na educação pública e; iv) A democratização na gestão do ensino público.

Nesse contexto, relativamente à formação de docentes, o PNE traz um diagnóstico

de que havia, no final da década de 90, um grande contingente de docentes cuja

formação estava abaixo da qualificação mínima exigida para o nível de ensino

fundamental44, o que corroborava a necessidade de formação inicial e continuada

dos profissionais do magistério em todo o Brasil. O PNE apontava ainda a

importância do diagnóstico da situação do magistério em cada sistema de ensino,

por meio da elaboração dos Planos Estaduais e Municipais de Educação e, a partir

destes, a criação de propostas adequadas para a formação docente. Dessa forma, o

PNE determinou o prazo de um ano para que estados e municípios desenvolvessem

seus planos para de educação, com destaque para definição de objetivos e de

metas a cada nível de ensino, além de todas as ações e recursos financeiros

necessários para sua implementação no âmbito de cada esfera administrativa.

Com relação aos planos de carreira, a segunda questão de relevância aqui

apontada, o artigo 9º da Lei 9.424/96 previu que estados e municípios deveriam, no

prazo de 6 meses, elaborar novos planos de carreira e de remuneração do

magistério, para assegurar a remuneração adequada aos professores do ensino

fundamental e garantir a qualidade do ensino. O PNE reforça essa demanda e

estabelece que, a partir do primeiro ano de sua vigência, deveriam ser implantados

os planos de carreira e remuneração, caso isso ainda não houvesse ocorrido. Tal

Plano acrescenta, ainda, que os níveis de remuneração teriam suas diretrizes

estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e assegurariam a

promoção por mérito.

44 Segundo levantamento do PNE, em 1998, calculava-se que pelo menos 94 mil professores da 1ª à 4ª séries precisavam obter diploma de formação de

ensino médio, modalidade normal, e cerca de 160 mil, de 5ª a 8ª séries, necessitavam de formação com nível superior (Lei 10.172/2001, p. 65).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

97

Conforme determinação da LDB e da Resolução 03/97 da Câmara de Educação

Básica (CEB)/CNE, o ingresso na carreira deve ser por concurso e prova de títulos;

sua evolução deve se dar a partir de critérios claros e objetivos, considerando os

incentivos de progressão em função da qualificação do trabalho docente, no tocante

a: dedicação exclusiva, avaliação de desempenho, qualificação em instituições

credenciadas, tempo de serviço e avaliações periódicas de conhecimentos (MEC,

2004).

No que diz respeito à definição do piso salarial dos professores, as normas federais

não estabelecem nacionalmente o valor da remuneração docente, cabendo essa

tarefa aos distintos sistemas de ensino, municipais e estaduais, a partir de critérios

definidos por suas normas legais, locais e pelos próprios Planos de Carreira e

Remuneração, o que dependerá sobremaneira do montante de recursos disponíveis

no Fundef de cada Unidade da Federação45.

Ainda no tocante à esta questão, é ressaltado pelo Manual do Fundef que não há

impedimento para a realização de aumentos salariais antes da implementação do

Plano, porém, é de extrema relevância que sejam feitos em função de um cálculo

adequado, para que possam ser permanentes e que sejam futuramente adaptados

na evolução da carreira docente.

Tal avaliação é relevante, pois a utilização dos recursos do Fundef para pagamento

de bônus e de gratificações anuais ou pontuais aos docentes estaria fora do espírito

da LDB, da lei do Fundo e do PNE; portanto, não contribui para a construção de uma

estrutura de governança condizente com o objetivo de controle da carreira e da

qualidade da função docente.

As últimas questões levantadas, sobre a utilização dos recursos do Fundef com a

finalidade de remuneração, planos de carreira e formação de docentes, evidenciam

o papel das secretarias de educação. A LDB e o Fundef colocam-nas no papel

central da gestão das políticas públicas de educação, em especial do ensino

fundamental, e no controle e utilização dos recursos do ensino. Dois temas surgem

45 A definição de um piso salarial nacional é um dos pontos do novo Plano de Desenvolvimento da Educação que está ainda em discussão.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

98

em função disso: a importância do relacionamento com os estados na administração

de responsabilidades perante o ensino fundamental e o controle e a gestão dos

recursos do ensino (MEC, 2004).

Quanto ao primeiro tema, visto que, conforme determinação da emenda

Constitucional 14/96, o município deve priorizar o ensino fundamental e o estado, o

ensino médio, deverá haver entre essas duas esferas de governo uma colaboração

para a definição de responsabilidades relacionadas ao atendimento das demandas

do ensino fundamental. Isto implica a assunção do atendimento pelo município e,

por conseqüência, que a este sejam destinados os recursos correspondentes ou que

haja um convênio com o estado, para que o atendimento seja feito pelas escolas

estaduais e, assim, o recurso seja transferido a estas. O entendimento entre as duas

esferas em questão passa por um diagnóstico das condições de ambas as redes de

ensino, professores, instalações e outras questões relevantes, visando o

atendimento mais adequado possível da demanda por ensino fundamental. O papel

do secretário de educação no diagnóstico da situação do ensino e na proposição de

um esforço colaborativo com o estado para a construção da rede mais adequada é

fundamental.

Conjuntamente com esse processo de coordenação e de colaboração entre esferas,

o secretário de educação deve preocupar-se com a administração interna da pasta,

pois gerir tanto a vinculação constitucional de impostos, quanto a subvinculação do

Fundef faz do (a) secretário (a) de educação um dos maiores gestores de recursos

do município. Isso implica controle sobre a previsão e a efetiva arrecadação dos

recursos, planejamento e gestão do orçamento da educação, do corpo

administrativo e dos profissionais do magistério, em atendimento às normas e às

diretrizes constitucionais e federais, bem como ao aparato legal do próprio

município.

2.2.4.4 Gestão e controle dos recursos do fundo

A administração dos recursos do Fundef deve ser planejada levando-se em conta a

necessidade de alocação e de execução dos recursos vinculados ao exercício, como

já dito, em cumprimento ao princípio da anualidade previsto pela Constituição

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

99

Federal. Deve, ainda, atender às permissões e às vedações da LDB, além das do

próprio Fundef, buscando o alcance das metas de longo prazo determinadas pelo

PNE e pelos respectivos planos municipais de educação, os quais precisam ser

coerentes com os instrumentos de política orçamentária do município: o Plano

Plurianual Anual (PPA), a Lei de Diretrizes Anual ( LDO) e a Lei Orçamentária Anual

( LOA).

Para o sucesso da política de priorização do ensino fundamental e garantia de

educação de qualidade nas distintas regiões do Brasil, há que se ter uma gestão

adequada dos recursos (MEC, 2004). Essa questão passa pela compreensão do

processamento orçamentário das receitas e despesas do município, assunto

abordado no item 2.1.

Para o correto controle da repartição, transferência e aplicação dos recursos do

Fundo, a legislação do Fundef prevê o acompanhamento e o controle social

exercidos por Conselhos, de acordo com o §1º do artigo 4º:

Art. 4º. (...)

§1º “Os Conselhos serão constituídos, de acordo com norma de cada esfera editada para esse fim:

(...)

I – nos Municípios, por no mínimo quatro membros, representando respectivamente46:

a) a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente;

b) os professores e os diretores das escolas públicas do ensino fundamental;

c) os pais de alunos;

d) os servidores das escolas públicas do ensino fundamental;

O referido Conselho foi empoderado e teve suas atribuições majoradas pela Medida

Provisória 173/2004, que modifica a lei do Fundo, passando a ser responsável por

acompanhar e controlar recursos de outros programas criados pelo MEC para

aplicação no ensino fundamental do município, especialmente voltados para

pessoas portadoras de deficiência - Programa de Complementação ao Atendimento

Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (PAED) e

46 Se o município tiver Conselho Municipal da Educação, este também deverá estar representado no Conselho do Fundef (MEC, 2004).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

100

educação de jovens e adultos, além de programas de transporte escolar - Programa

Nacional ao Transporte Escolar (PNATE). Além disso, tais conselhos deverão

elaborar a prestação de contas dos programas e controlar o censo escolar anual

(MEC, 2004)47.

Sob o ponto de vista da esfera federal, espera-se que os Conselhos Municipais do

Fundo cobrem as informações necessárias para a compreensão de toda

movimentação financeira e orçamentária dos recursos; exijam a elaboração e

execução do Plano de Carreira do Magistério; discutam relatórios e demonstrativos

do Fundo, atestando-os antes do devido encaminhamento aos órgãos de controle

das contas municipais, e controlem os repasses, os planos e a devida utilização dos

recursos dos demais programas federais. Em função do cumprimento de tais

atribuições, a lei 9.424/96, prevê que:

Art. 5º “Os registros contábeis e os demonstrativos gerenciais, mensais e atualizados, relativos aos recursos repassados, ou recebidos, à conta do Fundo a que se refere o art. 1º ficarão, permanentemente, à disposição dos conselhos responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização, no âmbito do estado, do Distrito Federal ou do município, e dos órgãos federais, estaduais e municipais de controle interno e externo”.

Fica claro, desse modo, que é grande a responsabilidade e o envolvimento esperado

do Conselho do Fundef no controle e no acompanhamento dos recursos, inclusive

para a tomada das providências necessárias no caso de irregularidades envolvendo

os recursos, ou seja, acionar os órgãos de controle competentes: Câmara de

Vereadores, Tribunais de Contas e Ministério Público.

No que tange à comprovação da correta aplicação dos recursos do Fundef e à

prestação de contas, a Constituição Federal, a LDB e a Lei do Fundef prevêem que

haja um controle: i) mensal, por parte do Conselho de Acompanhamento e Controle

Social do Fundef e demais órgãos de controle; ii) bimestral, a partir de publicação do

poder executivo que detalhe as receitas vinculadas e as despesas com manutenção

e desenvolvimento do ensino, destacando as relativas aos recursos do Fundef; e iii)

anual, por meio da Prestação de Contas Anual do Governo, encaminhada ao

47 Esses programas são elaborados e administrados em nível federal, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino – FNDE/MEC.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

101

Tribunal de Contas responsável, demonstrando o devido cumprimento das

legislações do ensino (MEC, 2004).

A Lei do Fundef prevê ainda que os órgãos responsáveis pelos sistemas de ensino,

além dos Tribunais de Contas, criem mecanismos de controle para o cumprimento

das regras de utilização dos recursos do Fundef, bem como daqueles definidos no

artigo 212 da Constituição Federal. O descumprimento legal implica a sujeição dos

estados à intervenção da União e dos municípios à intervenção dos estados,

conforme definido no artigo 11 da Lei 9.424/96; nos termos do artigo 34, inciso VII,

alínea “e”, e do artigo 35, inciso III, da Constituição Federal48.

2.2.4.5 Fundo de Manutenção do Ensino Básico - Fundeb

Por fim, a última questão a ser tratada com referência à legislação do Fundo é a

recente aprovação da nova legislação que estende o mecanismo do Fundef para a

Educação Básica. Essa mudança ocorreu porque, nos últimos anos, houve

crescente dificuldade dos municípios, dadas as vinculações de recursos da

educação terem se concentrado no ensino fundamental, em atender outras

modalidades de ensino, em especial o infantil e a alfabetização de jovens e adultos.

A questão foi bastante polemizada e levou à criação do Fundo de Manutenção e

Valorização do Ensino Básico (Fundeb), que busca ampliar a atuação do Fundef.

Nessa medida está, por exemplo, a reivindicação de estados e municípios para o

custeio dos alunos do ensino supletivo presencial com recursos do fundo.

Esta tese, contudo, restringe sua avaliação à operacionalização do Fundef, até

2006; como a implantação do Fundeb será iniciada a partir de 2007, está fora do

escopo desta avaliação.

2.2.5 Salário-educação

Seguindo uma determinação constitucional foi criado, na década de 40, o salário-

educação e regulamentado posteriormente pela Lei 440/64, que definia uma

48 Relativamente a essa questão, é interessante notar que, apesar de estabelecer sanções aos estados e municípios, a União fica isenta do mesmo critério

de controle, o que é no mínimo injusto ou. nas palavras de Melchior (1997), “uma discriminação insustentável.”

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

102

contribuição compulsória das empresas destinadas ao ensino público (CASTRO,

2001). Posteriormente, o Decreto 87.043/82 estabeleceu que o recolhimento do

salário-educação seria de 2,5% sobre a folha de pagamento dos empregados das

empresas, sendo este recurso arrecadado pelo INSS ou pelo Fundo Nacional para o

Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao MEC.

A Constituição de 1988 canaliza explicitamente os recursos do salário-educação ao

ensino fundamental, pois estabelece no parágrafo 5º, do artigo 212, que:

“o ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes”.

Segundo Melchior (1997), inicialmente os recursos do salário-educação financiavam

o sistema público de ensino e algumas escolas de empresas que faziam sua

aplicação direta e assim deixavam de recolher o salário-educação, o que era

legalmente permitido. Contudo, com o passar o tempo, essa aplicação começou a

ser alterada pelas empresas, que destinavam os recursos para bolsas de estudos a

empregados, filhos destes e também para a comunidade, a tal ponto que cerca de

50% dos recursos destinados às escolas públicas passou a ficar com as empresas.

A fiscalização era difícil mesmo depois da criação do FNDE, durante o regime militar,

o que implicava a existência de uma série de fraudes envolvendo os recursos

aplicados e as bolsas de estudos. Isso levou à necessidade de reestruturação da

fonte de recursos, o que inicialmente foi feito por meio de medida provisória, sendo

depois incorporado à LDB (MELCHIOR, 1997).

A LDB alterou a legislação do salário-educação retirando a possibilidade de dedução

por parte das empresas da aplicação de recursos para empregados e dependentes.

Os recursos do salário-educação somente poderão ser aplicados em escolas

públicas, confessionais, filantrópicas e comunitárias. Assim, as escolas privadas

estão excluídas do repasse e, como visam ao lucro, devem recolher também o

salário-educação.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

103

No que se refere à distribuição dos recursos, também houve mudanças com a LDB,

visto ter ficado estabelecido, institucionalmente, que uma quota estadual de dois

terços do valor arrecadado é transferida automaticamente para cada Unidade da

Federação e o restante é destinado ao FNDE, que tem a incumbência de administrar

os recursos em programas de iniciativa do MEC.

Essa cota de 1/3 a partir da redação dada pela Emenda 14/96 ao artigo 60 das DCT

passou a fazer parte dos 30% que a União deve, obrigatoriamente, aplicar em

ensino fundamental (MELCHIOR, 1997).

Em relação à quota estadual, é repassado o recurso de modo proporcional ao que

foi arrecadado, sendo pelo menos 50% distribuído entre o governo do estado e os

municípios, em função do número de matrículas no ensino fundamental de cada

localidade. Essa alteração foi um avanço em relação à prática anterior, quando os

municípios recebiam até 25% da quota federal do salário-educação, porém, segundo

Melchior (1997), os recursos eram negociados e assim sujeitos à interferência

política.

Em termos comparativos, esse valor é bem inferior à parcela resultante da

vinculação de impostos, pois, na década de 90, atingiu o patamar de 5,5% dos

recursos orçamentários do MEC. Ressalte-se, contudo, que esse é um recurso de

destinação exclusiva para o ensino fundamental.

2.2.6 Outras receitas

Além dos recursos constitucionalmente definidos para o ensino fundamental

apresentados nos itens anteriores, existem também outras transferências aos

municípios e estados, consideradas voluntárias da União, a partir de programas

criados e coordenados pelo FNDE, que além de realizar o repasse das quotas

estadual e municipal do salário educação, é responsável pela transferência de

recursos voltados à complementação e assistência técnica e financeira dos Estados

e Municípios. Dentre os programas administrados pelo FNDE, alguns dependem de

convênios entre a unidade da federação e o MEC para possibilitar o repasse; outros

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

104

são automaticamente repassados em função, principalmente, do número de alunos

da rede de ensino.

Alguns desses programas destacam-se porque representam um impacto financeiro

significativo nas receitas municipais para o ensino fundamental, como o Programa

Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional de Apoio ao

Transporte Escolar (PNATE) e o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).

PNAE

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) procura garantir, por meio da

transferência de recursos financeiros, a alimentação escolar dos alunos do ensino

fundamental e também do ensino infantil matriculados em escolas públicas e

filantrópicas.

O Pnae tem caráter suplementar, como prevê o artigo 208, incisos IV e VII, da

Constituição Federal. O repasse é feito diretamente aos estados e municípios, com

base no censo escolar realizado no ano anterior ao do atendimento. O programa é

acompanhado e fiscalizado diretamente pela sociedade, por meio dos Conselhos de

Alimentação Escolar (CAEs), pelo FNDE, pelo Tribunal de Contas da União (TCU),

pela Secretaria Federal de Controle Interno (SFCI) e pelo Ministério Público.

PDDE

O principal objetivo do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) é dar assistência

financeira às escolas públicas do ensino fundamental das redes estaduais,

municipais e do Distrito Federal e às escolas de educação especial, qualificadas

como entidades filantrópicas ou por elas mantidas. Os recursos podem ser utilizados

para despesas de custeio, de manutenção e de pequenos investimentos, sendo

vedadas as despesas com pessoal.

PNATE

O Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) realiza transferência

automática de recursos financeiros, com o intuito de custear despesas com a

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

105

manutenção de veículos escolares pertencentes às esferas municipal ou estadual e

também com a contratação de serviços terceirizados de transporte. A base de

cálculo para o repasse é o quantitativo de alunos transportados e informados no

censo escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais (Inep) relativo ao ano anterior ao do atendimento.

Além desses programas, o FNDE realiza outros para o fortalecimento e a

capacitação dos municípios na área de formação de recursos humanos para a

educação.

2.2.7 Quadro resumo do financiamento do ensino fundamental

A partir das regras apresentadas nos itens 2.2.1 a 2.2.6, pode-se afirmar que

existem três principais fontes públicas de recursos para o ensino fundamental nos

municípios: os recursos provenientes de impostos vinculados; os provenientes da

subvinculação ao Fundef e os recursos provenientes do salário-educação e de

outros repasses do FNDE49, que estão divididos em três categorias, como ilustra o

quadro abaixo:

Quadro 4 – Regras do financiamento do Ensino Fundamental nos municípios: receitas Fonte: Elaboração da autora, a partir da Constituição de 1988, da LDB, da Lei 9.424/96 e de outras normas legais. *Este percentual pode ser diferente em função do definido pela Lei Orgânica Municipal.

Todas as regras colocadas resultaram em um quadro diferenciado de recursos para

o ensino fundamental nos municípios, advindos principalmente da mudança do

Fundef no final dos anos 90. Essas modificações de fato alteraram a estrutura das

49 Para além dessas fontes, há ainda recursos ordinários do Tesouro Federal, recursos da COFINS e CLL e possivelmente de operações de crédito, porém,

comparativamente, são fontes de menor relevância para o custeio de políticas públicas.

1. Orçamentárias 2.Transferências 3. Outras Receitas1.1) Vinculação da receita de impostos (25%) para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino* (Destes recursos 60% devem ser aplicados no ensino fundamental); 1.2) Subvinculação do Fundef.

2.1) Salário-educação - quota estadual; 2.2) Orçamentárias do estado (Fundef - ICMS); 2.3) Orçamentárias da União (Fundef - FPM, IPI-exp); 2.4) Repasses do salário educação-quota federal e outros do FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino.

Operações de Crédito e outras receitas, como doações, por exemplo.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

106

receitas e das despesas municipais com educação, refletindo também em uma

variação nos indicadores de ensino. Na próxima seção, discutem-se as principais

mudanças ocorridas a partir da alteração das regras de financiamento do ensino

fundamental.

2.3 Impacto da mudança de regras da educação

2.3.1 Reflexo nas finanças públicas municipais

As alterações nas regras do ensino fundamental trazidas pela Emenda 14/96, pela

LDB e principalmente pelo Fundef modificaram de forma significativa as finanças

municipais a partir de 1998. Isso porque o mecanismo de redistribuição de recursos

entre estados e municípios, criado pelo Fundef, de fato, aumentou as receitas

municipais vinculadas à educação (SEMEGHINI, 2001). Em decorrência, esse

processo influenciou sobremaneira a municipalização das matrículas do Ensino

Fundamental. A seguir, vê-se de forma pormenorizada alguns indicadores desse

processo.

A tabela 3 apresenta a evolução das receitas de impostos e de transferências dos

municípios no período de 1997 a 2005. Essas receitas são a base de cálculo da

vinculação orçamentária em educação, como estudado no item 2.2.1. A partir da

análise deste quadro, é possível perceber que houve um aumento importante de

receitas municipais decorrentes de impostos e transferências no período. No quadro,

não estão inclusas as transferências estaduais e federais do Fundef e, mesmo

assim, percebe-se um ganho real de recursos em todas as regiões brasileiras. É

importante ressaltar que não é objetivo desta análise comparar as receitas entre as

regiões e os estados, até porque a partir dos dados da Secretaria do Tesouro

Nacional (STN) este tipo de avaliação não é possível, dada a diferença da base

amostral de cada estado, conforme nota explicativa da tabela 3. A preocupação foi a

de verificar a tendência evolutiva da receita média municipal em cada estado.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

107

Tabela 3 - Receita Real Média de Impostos Próprios e Transferências Municípios Brasileiros por Estado (1998 - 2005) Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados da STN (1) – 1998-2005 *Dados atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006. (Obs) O cálculo das receitas foi feito a partir da base de dados municipais da STN, considerando-se em cada estado uma amostra de municípios que tivesse conformidade nos três anos analisados, constituindo-se, assim, de 3.227 municípios, isto é, 59% dos municípios brasileiros, inclusive as capitais dos estados apresentados. È importante ressaltar que os dados das regiões Sul e Sudeste têm uma amostragem maior que os das outras regiões, alcançando cerca de 80% dos municípios, e que na região Norte esta amostra abrange cerca de 30% dos municípios dos estados, em média, constituindo-se na menor base amostral, dentre as regiões. A partir dessas receitas, foi calculada a receita média em cada estado. Como a base amostral das regiões Norte e Nordeste é menor que a das regiões Sul e Sudeste a receita das duas primeiras regiões é mais influenciada pelas capitais e municípios de grande porte. Os estados de Roraima e Amapá não puderam ser considerados, pois as amostras não eram significativas. A receita média do Rio de Janeiro está subestimada em função da ausência de informações da capital do estado, relativas às cotas-parte de ICMS, IPVA e IPI, no ano de 2005. Em função disso, foram considerados os valores de 2004 para as receitas da capital, que subestimam o crescimento no período, no entanto. É também importante ressaltar que na amostra de municípios considerada nesse estado (55% do total), o peso das receitas de impostos da capital é de

em R$ mil*

Norte 80.460,9 103.335,3 134.149,7 67%Rondônia 5.966,6 8.666,7 12.380,6 108%Acre 9.232,6 12.917,2 17.838,4 93%Amazonas 25.818,8 31.729,8 42.302,1 64%Pará 33.409,8 38.952,1 54.755,5 64%Tocantins 6.033,1 11.069,4 6.873,0 14%Nordeste 89.459,1 115.277,9 146.497,4 64%Maranhão 10.985,7 15.465,2 20.836,9 90%Piauí 4.094,5 5.148,6 6.960,1 70%Ceará 16.814,7 21.256,2 26.114,3 55%R. G. do Norte 8.796,8 11.784,1 14.638,9 66%Paraíba 3.376,9 4.528,5 5.726,1 70%Pernambuco 15.082,1 18.699,3 23.339,7 55%Alagoas 9.058,9 11.880,3 15.428,0 70%Sergipe 8.800,8 11.139,5 14.570,9 66%Bahia 12.448,7 15.376,3 18.882,5 52%Sudeste 188.138,8 224.750,4 253.331,0 35%Minas Gerais 9.834,4 12.081,5 15.061,4 53%Espírito Santo 20.526,6 24.134,5 32.151,8 57%Rio de Janeiro 116.701,8 138.961,2 147.659,8 27%São Paulo 41.076,0 49.573,1 58.458,0 42%Sul 30.551,8 36.842,4 47.586,2 56%Paraná 11.751,3 13.859,5 17.850,6 52%Santa Catarina 8.175,9 10.083,6 13.766,2 68%R. G. do Sul 10.624,6 12.899,3 15.969,4 50%Centro-Oeste 34.332,6 45.983,9 60.050,7 75%M. G. do Sul 13.518,5 17.418,7 23.503,4 74%Mato Grosso 10.107,1 14.400,1 19.596,9 94%Goiás 10.707,0 14.165,2 16.950,3 58%

Var. %2005UF e Regiões 1998 2001

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

108

aproximadamente 66% do total, o que leva a uma receita média municipal significativamente superior a dos outros estados.

Relativamente às receitas do Fundef, a tabela 4 a seguir permite perceber que

houve significativa evolução do montante de recursos envolvidos no Fundo,

principalmente para os municípios. Como mostra essa tabela as receitas municipais

adicionais do Fundef passaram de R$ 1,6 bilhões em 1998, para cerca de R$ 7,6

bilhões em 2005, uma variação de 371%, em termos reais, com a conseqüente

perda de receitas por parte dos estados.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

109

Tabela 4 - Evolução das Receitas Adicionais do Fundef - Acréscimo e Redução entre Estados e Municípios - 1998/2005. Fonte: SEF/MEC (Fundação Seade/SP e STN/MF) – 1998-2005. * Valores em R$ milhões atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006. ** Foi excluído o Distrito Federal, pois não há redistribuição de recursos entre Governos. Obs. São considerados os valores de complementação da União, o que explica as diferenças entre o total dos estados e municípios

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

110

Em função da evolução da receitas citadas, advindas de impostos e do Fundef, as

despesas municipais com educação também cresceram no período. Esse

crescimento foi concentrado no ensino fundamental em função das restrições de

aplicação dos recursos do Fundef a essa área e dada a necessidade de

cumprimento do artigo 60 das DCT, que obriga estados e municípios a aplicarem

60% do que dispõe o artigo 212 da CF no ensino fundamental.

Tabela 5 - Despesa Real Média com Ensino Fundamental dos Municípios Brasileiros por Estado – (1998-2005) Fonte: Elaboração da autora a partir dos dados da STN – 1998-2005. * Valores atualizados pelo IPCA/IBGE para 2006. (Obs.1) O cálculo das despesas com ensino fundamental tem como base a receita média municipal de impostos e transferência (conforme tabela 3), e considera-se a regra constitucional de aplicação

em R$ milhões*

Norte 15,1 22,4 31,3 108%Rondônia 1,2 2,3 3,6 200%Acre 2,4 3,5 4,8 99%Amazonas 4,5 6,4 9,5 111%Pará 5,9 8,3 11,8 99%Tocantins 1,0 1,9 1,5 54%Nordeste 20,9 28,5 38,1 83%Maranhão 3,2 4,1 5,7 78%Piauí 1,1 1,4 2,0 90%Ceará 3,9 5,2 6,8 75%R. G. do Norte 1,6 2,4 3,2 99%Paraíba 0,8 1,2 1,6 98%Pernambuco 3,1 4,3 5,6 81%Alagoas 2,6 3,3 4,3 65%Sergipe 2,0 2,9 4,2 111%Bahia 2,7 3,8 4,8 80%Sudeste 34,3 44,4 52,9 54%Minas Gerais 1,2 2,0 2,6 122%Espírito Santo 3,0 4,6 7,0 138%Rio de Janeiro* 25,1 30,4 33,1 32%São Paulo 5,0 7,4 10,2 102%Sul 5,1 6,7 9,0 76%Paraná 2,1 2,6 3,4 63%Santa Catarina 1,3 1,7 2,6 107%R. G. do Sul 1,8 2,4 3,0 69%Centro-Oeste 5,4 8,4 12,0 123%M. G. do Sul 2,3 3,3 5,0 123%Mato Grosso 1,6 2,8 3,8 136%Goiás 1,5 2,3 3,2 108%

Var. % 05/98

Unidade da Federação

1998 2001 2005

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

111

de 60% da vinculação orçamentária de 25% dos impostos e transferências, no ensino fundamental. A esse valor foi acrescida a receita adicional do Fundef, calculada também pela média municipal, a partir da tabela 4. (Obs.2)A variação da despesa com ensino fundamental no estado do Rio de Janeiro está subestimada em função das receitas, conforme explicação da tabela 3.

A tabela 5 demonstra a evolução dessas despesas. Dada a impossibilidade de

acesso à série histórica dos gastos com a subfunção ensino fundamental nos

municípios brasileiros, que só passou a ser controlada pela STN a partir de 2004,

optou-se por realizar aqui um cálculo aproximado dessas despesas, com os dados

de receitas de impostos e transferências dos municípios50.

A partir da análise das despesas médias com ensino fundamental nos municípios,

observa-se que houve um considerável aumento em todos os estados analisados,

de forma coerente com o crescimento das matrículas nesse nível de ensino, nas

redes municipais, no entanto, em vários estados, esse aumento foi inclusive

bastante superior, como se verá na próxima seção.

2.3.2 Evolução dos indicadores de fluxo e acesso

Conforme a afirmação anterior, a evolução dos recursos do Fundef para os

municípios veio atrelada ao aumento da rede de ensino fundamental nessas

unidades da federação. A tabela 6 a seguir deixa claro este processo. Em 1998, a

participação da rede estadual no ensino fundamental era de 59%, enquanto a

municipal era de 41%. Em oito anos, essa relação se inverteu passando os estados

a uma participação de 40% e os municípios de 60%.

50 O cálculo realizado é uma aproximação e assume que os municípios aplicam no ensino fundamental 60% dos 25% das receitas de impostos e

transferências, além do acréscimo da receita do Fundef. Essa aproximação está sujeita a erro, visto que os valores aqui assumidos representam o mínimo

que os municípios deveriam aplicar conforme a CF, porém, existem vários municípios cujo gasto com ensino fundamental ultrapassa esse percentual em

função da determinação de suas Leis Orgânicas. Por outro lado, é também possível que vários municípios descumpram a determinação constitucional e

gastem menos que o mínimo. Contudo, o que se busca nesta análise é o entendimento da tendência da disponibilidade de recursos para o ensino

fundamental, a partir das regras criadas e/ou adequadas durante a década de 90, o que reduz a significância do erro.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

112

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

113

Tabela 6a - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005. Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005. Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

114

Tabela 6b - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005. Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005. Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

115

Tabela 6c - Comparativo das Matrículas do Ensino Fundamental por UF, Região e Esfera Governamental - 1997/2005. Fonte: MEC (Censo Escolar) – 1997-2005. Obs.Dados relativos aos alunos do ensino fundamental regular e educação especial.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

116

Segundo o relatório de gestão da Secretaria de Educação Básica do MEC, esse

crescimento das matrículas foi maior nos primeiros anos de vigência do FUNDEF,

alcançando 6%, isto é, quase dois milhões de crianças ingressaram nas escolas. A

partir de 2000, há uma inversão nesse processo e registra-se uma tendência de

redução do número de matrículas. O dado preliminar do censo de 2006 aponta um

total de 29,9 milhões de matrículas, havendo, portanto uma queda de cerca de 1%

em relação a 2005.

Essa inversão é decorrência da transição demográfica pela qual passa o país, em

razão da queda na taxa de natalidade dos brasileiros. Em função disso, a população

na faixa etária de 5 a 14 anos caiu de 34, 5 milhões em 1991, para 33,9 milhões em

2000 (isso significa uma diminuição de 1,7%, frente a um aumento populacional total

de 17,7%). Desse modo, houve uma redução da participação das crianças dessa

faixa etária de 24,2% para 20% da população total (MEC, 2003c).

Esse processo de mudança demográfica, conjugado às novas regras do ensino

fundamental possibilitou o aumento da cobertura nas matrículas desse nível de

ensino e, conseqüentemente, permitiu o acesso de crianças das camadas mais

pobres da população à escola. A taxa de atendimento de crianças de 7 a 14 anos,

isto é, do ensino fundamental, que em 1994 era de 92,7%, teve grande aceleração

logo nos primeiros anos do Fundef, chegando a 97% em 1999 (MEC, 2003c).

Juntamente com o aumento do número de matrículas e da taxa de atendimento no

ensino fundamental ocorreu uma importante mudança no perfil da oferta que passou

a ser fortemente municipalizada. O aumento no número de municípios que ofereciam

atendimento no ensino fundamental foi de 3,5% de 1997 a 2001, passando de 5.206

para 5.387 municípios (MEC, 2003c).

O crescimento das matrículas municipais foi mais acelerado nos estados mais

pobres das regiões Norte e Nordeste, nos quais, já em 1999, as matrículas nas

redes municipais eram superiores a 50%. Hoje, nessas regiões, os municípios são

responsáveis por mais de 70% das matrículas; enquanto nas regiões Sul e Sudeste,

esta participação é de cerca de 50%. O que não deixa de representar um forte

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

117

processo de municipalização, visto que, nesta última, a participação do estado na

oferta de ensino fundamental em 1997 era superior a 70%.

Além da profunda alteração no acesso ao ensino fundamental, outros indicadores de

ensino merecem destaque no período analisado: a taxa de analfabetismo e os

indicadores de fluxo, isto é, rendimento e movimentação escolar.

A partir da análise desses indicadores constata-se também o avanço ocorrido na

educação nos últimos anos. Ao avaliar, por exemplo, os dados do IBGE para a taxa

de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais, vê-se que esta caiu de 14,7%

em 1995, para 10,1% em 2005. É interessante notar que essa queda ocorreu em

todas as regiões do país, ainda que na região Nordeste a atual taxa seja de 20%,

seu patamar era próximo aos 30%, em 1995.

Ano Brasil (1)

Grandes Regiões

Norte urbana

Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

1995 14,7 11,5 29,4 8,4 8,2 12,0

2001 11,4 9,7 22,2 6,8 6,4 9,2

2005 10,1 8,2 20,0 6,0 5,4 8,0

Tabela 7 -Taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por grandes regiões - 1995/2005. Fonte: IBGE/PNAD - 1995/2005. (1) Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Apesar do problema do analfabetismo ser preocupante, ainda mais se analisadas as

diferenças regionais dessa taxa, sua redução não deixa de ser significativa e

coerente com o processo de universalização do ensino fundamental ocorrido nos

últimos anos. Esse processo possibilitou também um importante incremento na

média de anos de estudo da população que, em 1999, era de 5,8 e, em 2004,

passou a 6,6 para as pessoas de 10 anos ou mais, segundo dados da Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE, apresentados na tabela 8 a

seguir.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

118

Tabela 8 - Número Médio de Anos de Estudo das Pessoas de 10 anos ou mais de Idade 1999/2004 – Brasil. Fonte: IBGE/PNAD - 1999/2004. Nota: Exclusive as pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. (1) Inclusive as pessoas com idade ignorada.

Porém, apesar dos avanços ocorridos, há ainda graves problemas na área da

educação, conforme apontado pelos indicadores de rendimento e movimentação

escolar. Uma questão relevante diz respeito ao fluxo escolar, que faz com que os

alunos fiquem na escola mais tempo que o necessário.

No ensino fundamental, objeto de nosso estudo, os dados do Inep/MEC apontam

que essa ainda é uma questão a ser solucionada, pois os alunos ficam em média 8,5

anos51 nessas séries e quando chegam a concluir o ensino fundamental, o fazem em

10 anos, em média, como mostra a tabela 9 a seguir (ARAÚJO e LUZIO, 2005).

Tabela 9 – Tempo médio de anos de estudo para conclusão do Ensino Fundamental no Brasil e Regiões – 1995-2004 Fonte: Inep/MEC – 1995-2004.

51 Dados do Inep/Mec, obtidos na página: http://www.edudatabrasil.inep.gov.br/.

Grupos de idade

10 a 14 15 a 17 anos 18 ou 19 anos 20 a 24 anos 25 anos ou mais1999. 5,8 3,7 6,3 7,4 7,5 5,82000. 6,1 3,9 6,6 7,9 8,0 6,02002. 6,3 4,0 6,8 8,1 8,3 6,22003. 6,5 4,1 7,0 8,2 8,6 6,32004. 6,6 4,1 7,1 8,4 8,8 6,5

Total (1)ANO

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

119

Essa questão está ligada aos indicadores de rendimento52 dos sistemas de ensino,

em especial à repetência. Analisando os dados específicos das redes de ensino

municipal no Brasil, percebe-se que a reprovação é ainda um problema a se

resolver.

Tabela 10 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais de Ensino Fundamental no Brasil e Regiões - 1999-2004 Fonte: Inep/MEC – 1999-2004.

Os dados do Inep na tabela 10 mostram que a reprovação ainda atinge cerca de

15% dos alunos brasileiros nas redes municipais, sendo que essa taxa é próxima a

18% nas regiões Norte e Nordeste. A partir do gráfico 1 abaixo vê-se, em destaque,

que também a questão do abandono é um problema grave, pois em algumas regiões

do país, como a Norte e Nordeste, este atingiu mais de 14% dos alunos das redes

municipais, em 2004:

-10,020,030,040,050,060,070,080,090,0

Brasil

Norte

Nordes

te

Sudes

te Sul

Centro

-Oes

te

Aprovação

Reprovação

Abandono

Gráfico 1 – Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono nas Redes Municipais – Brasil e regiões – 2004. Fonte: Elaboração da autora, a partir de Inep/MEC de 2004.

52 Taxa relativa à aprovação, reprovação e abandono.

Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono Aprovação Reprovação Abandono

Brasil 74,6 13,1 12,3 76,2 13,2 10,6 76,7 14,0 9,3 75,4 15,0 9,6

Norte 65,3 16,3 18,4 67,8 16,6 15,6 69,8 17,0 13,2 67,7 17,8 14,5

Nordeste 68,1 15,8 16,1 69,7 16,0 14,3 69,5 16,9 13,6 67,4 18,3 14,3

Sudeste 84,6 8,8 6,6 86,0 8,8 5,2 86,1 10,0 3,9 85,6 10,6 3,8

Sul 84,9 11,1 4,0 85,8 10,9 3,3 86,7 11,0 2,3 85,5 12,4 2,1

Centro-Oeste 72,5 11,7 15,8 75,8 11,9 12,3 77,5 12,3 10,2 77,8 12,7 9,5

Brasil e Regiões

2003 20041999 2001

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

120

Segundo Araújo e Luzio (2005), há um enorme prejuízo com a ineficiência causada

pelo problema do fluxo escolar: prejuízo humano, com os jovens que não

conseguem se formar, e financeiro, com o desperdício de recursos causado tanto

pelo abandono, quanto pela reprovação escolar.

A reprovação também tem impacto nas taxas de escolarização do ensino

fundamental. Esse dado pode ser avaliado pela evolução da taxa de escolarização

líquida e bruta nas últimas décadas. A taxa bruta de escolarização é medida pela

razão entre a quantidade de alunos, independentemente de sua idade, e a faixa

etária esperada nesse nível de ensino; enquanto a taxa líquida considera apenas os

que estão na faixa etária esperada (Vasconcellos, 2004). A tabela 11, a seguir,

mostra a evolução nas taxas de escolarização bruta e líquida no ensino

fundamental, nos últimos anos, comparadas a 1980.

Tabela 11 - Taxa de Escolarização Bruta e Líquida - Série Ensino Fundamental no Brasil e Regiões - 1980/2000 Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Inep/MEC – 1980/2000.

Como se vê pela tabela, a taxa de escolarização líquida teve um aumento importante

nesse período, passando de 80,1% em 1980, para 94,3% em 2000, o que significa

um aumento considerável do atendimento. Já a taxa bruta tem superado os 100% no

ensino fundamental, em todas as regiões, o que indica uma quantidade expressiva

de alunos fora da série indicada para sua idade. A discrepância entre as duas taxas

é muito alta, logo, este é um indicador de que parte dos alunos está atrasada,

freqüentando ainda uma série anterior relativamente à sua idade.

A distorção idade-série, isto é, o grande contingente de estudantes cursando séries

fora de sua idade ideal é um problema preocupante, agravado nas regiões mais

pobres do país. Segundo relatório do Inep/MEC (2003b), indicadores do Sistema de

Avaliação do Ensino Básico de 2001 apontam que na 4ª série do ensino

fundamental, por exemplo, cuja idade esperada é 10 anos, há uma defasagem na

bruta líquida bruta líquida bruta líquida bruta líquida bruta líquida bruta líquidaBrasil 98,3 80,1 105,8 83,8 110,2 87,5 128,1 95,3 130,5 95,4 126,7 94,3

Norte 88,4 69,9 99,9 75,8 106,9 81,5 133,6 90,4 139,2 93,2 123,7 90,4

Nordeste 89,7 69,1 96,0 72,0 104,5 77,3 147,4 90,0 142,2 92,8 141,2 92,8

Sudeste 106,1 89,2 111,4 91,3 113,0 94,4 134,5 97,4 122,5 97,6 119,8 96,1

Sul 98,5 84,3 110,2 92,1 111,8 93,8 124,0 96,2 117,9 96,6 112,0 95,6Centro-Oeste 103,0 80,1 118,6 90,6 122,7 92,0 140,6 93,9 136,5 95,6 132,4 94,1

1980 1991 1994 1999 2000Brasil e Regiões

1998

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

121

região Nordeste de 58%, enquanto no Sul e Sudeste, esta cai para 25% e 32%

respectivamente. A partir do desempenho dos alunos, é possível perceber que,

quando há defasagem, a proficiência destes é sempre menor (MEC,2003 b).

Esse tipo de problema compromete a qualidade do ensino, colocando outro tema

importante: como tem evoluído o aprendizado escolar no Brasil. Para responder a

isso, é necessária uma avaliação dos testes de proficiência existentes no país.

2.3.3 Indicadores de qualidade do ensino

A importância da avaliação do ensino reside no fato de que esta gera medidas que

permitem verificar a efetividade ou não dos sistemas de ensino e quanto estes

contribuem para o processo evolutivo da educação no país. (ARAÚJO e LUZIO,

2005). Para os governos, como demonstrado no início deste capítulo, a avaliação é

crucial, pois indica se a direção adotada para o uso dos recursos públicos é correta e

se estes têm proporcionado ganhos de qualidade, constituindo-se como fase

fundamental do processo de orçamento e planejamento.

A partir da análise dos dados apresentados pelo Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica (Saeb), nos anos de 1995 a 2003 53 , é possível averiguar a

evolução no nível de aptidão dos alunos do ensino básico em português e em

matemática, o que nos permite ter uma idéia da evolução qualitativa do ensino no

país54.

A amostra de alunos utilizada nessa avaliação representa o universo dos sistemas

estaduais e municipais de ensino, além da rede particular de educação. Na

constituição da amostra, são analisadas algumas subpopulações, dentre as quais i)

4ª e 8ª séries do ensino fundamental e a 3ª do ensino médio; ii) Unidades da

Federação; iii) em cada unidade, as dependências administrativas; iv) localização da

53 O Saeb é um sistema de avaliação elaborado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas do Ministério da Educação – Inep/MEC , fundado na década de 30.

Desde 1990 é realizada a avaliação bianual do Saeb, sendo que a última data de novembro de 2003. A partir de 2005, passou a ser realizada a Prova Brasil,

cujo intuito é também avaliar os resultados do sistema, contudo, diferentemente do Sseb que é amostral, essa prova é realizada para todas os equipamentos

de ensino fundamental e médio do país.

54 Apesar do Saeb ter permitido a análise da evolução, no período de 1995 a 2003, dos ensinos fundamental e médio ofertados pelas três esferas de

governo e rede particular, nossa preocupação neste estudo é com a evolução do ensino fundamental ofertado pela rede pública municipal.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

122

escola, zona rural ou urbana e v) tamanho da escola, são sorteadas as turmas e os

alunos que farão os testes (ARAÚJO e LUZIO, 2005).

O principal objetivo do Saeb é apoiar as três esferas administrativas na formulação

de políticas de ensino adequadas à realidade brasileira e que busquem o

aprimoramento da qualidade. As informações coletadas permitem esclarecer as

virtudes e defeitos dos atuais sistemas e possibilitam pensar os ajustes necessários

para uma ação mais efetiva55.

A análise dos resultados nos testes de português e de matemática é realizada pelo

MEC a partir do enquadramento dos resultados em cinco categorias, construídas

com base no Saeb 2001, quais sejam: muito crítico, crítico, intermediário, adequado

e avançado. A categoria muito crítico, por exemplo, em português, para a 4ª série do

ensino fundamental, significa que o desempenho da criança não demonstra o

desenvolvimento da habilidade de leitura, ou seja, ela não foi alfabetizada de forma

adequada. Já o desempenho avançado reflete a situação de crianças com

habilidades além das esperadas para a 4ª série (MEC, 2003b).

As cinco categorias são utilizadas também para o desempenho em testes de

português dos alunos da 8ª série do ensino fundamental e da 3ª série do ensino

médio, assim como para os testes de matemática. O raciocínio é sempre o mesmo:

classificar aqueles alunos que não conseguem ter a habilidade mínima exigida para

a série e nível de ensino avaliado e identificar os demais desempenhos

gradualmente até o nível avançado.

Em suma, no que tange ao ensino fundamental, os resultados do Saeb de 2003

apontam uma situação complicada relativamente ao desempenho dos alunos da 4ª e

8ª séries. Os resultados coletados assinalam, por exemplo, que das crianças

cursando a 4ª série, 55% estavam concentradas nos estágios muito crítico e crítico

de proficiência em leitura, e 52% no mesmo estágio em matemática56. Cerca de 27%

dos alunos da 8ª série se apresentavam nos estágios crítico e muito crítico de

55 Portal do Inep: http://www.inep.gov.br/basica/saeb/default.asp. 56 Esse resultado piora para a região Nordeste, sendo então 75% das crianças incluídas nos estágios muito crítico e crítico para leitura e 69% em

matemática.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

123

construção de competências em língua portuguesa e mais de 57% estava na mesma

situação em matemática (ARAÚJO e LUZIO, 2005).

O significado de índices como o dos alunos da 4ª série do ensino fundamental é que

após anos de estudo, mais da metade se encontra em situação de risco

educacional, sem conseguir ler textos simples e nem efetuar problemas de soma ou

de subtração (op.cit).

A seguir, mostra-se mais detalhadamente a evolução do desempenho dos alunos do

ensino fundamental nos testes do Saeb de 1995 a 2003, em relação às médias

gerais do país e aos alunos das redes municipais de ensino, em português e

matemática.

2.3.3.1 Análise dos resultados em Língua Portuguesa

O próximo gráfico apresenta as médias de proficiência em Língua Portuguesa na 4ª

série do ensino fundamental. O valor mínimo esperado de pontos para 4 anos de

escolaridade é de 200. De 1995 a 2003, como se percebe, os resultados estiveram

abaixo dessa pontuação, sendo que, em 1995, atingiu-se o total de 188 pontos e,

em 2003, essa média baixou para 169 pontos.

Na análise de Araújo e Luzio (2005), houve um significativo aumento do hiato entre a

nota atingida e o mínimo necessário, o que mostra uma queda progressiva na

proficiência média. Essa piora é ainda mais grave para as redes municipais de

ensino que, em 1995, obtiveram uma média de 180 pontos, caindo para 161 em

2003.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

124

Gráfico 2 – Média em Língua Portuguesa da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003.

Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Inep/MEC,1995-2003.

Para a 8ª série do nível fundamental, o resultado também foi muito parecido com o

da 4ª série, porém, o mínimo exigido no teste de proficiência são 300 pontos. Nesse

caso, também se verificou que, em todo o período analisado, o desempenho dos

estudantes mostrou-se abaixo do mínimo, com uma piora de 2003 em relação a

1995, sendo que se observa uma estabilidade na pontuação em relação a 1999. Nas

redes municipais de ensino, todavia, a queda é contínua, acumulando uma piora de

24 pontos ente 1995 e 2003, como se vê pelo gráfico a seguir:

Gráfico 3 – Média em Língua Portuguesa da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003.

Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Inep/MEC, 1995-2003.

188187

171

165169

180177

165

158161

140

145150

155160

165170

175180

185190

195

1995 1997 1999 2001 2003

Brasil

Municípios

256

250

233235

232

247242

233229

223

200

210

220

230

240

250

260

1995 1997 1999 2001 2003

Brasil

Municípios

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

125

Da análise dos resultados de proficiência em leitura, nota-se que as médias do Brasil

e principalmente da rede municipal de ensino fundamental estão abaixo do mínimo

necessário para uma escolarização de qualidade; além disso, na passagem do

primeiro para o segundo ciclo, a distância piora, aumentando o hiato em relação à

nota mínima e acumulando problemas que terão reflexo inclusive no ensino médio.

Isso coloca um importante destaque para a requalificação necessária do ensino

fundamental, pois o reflexo desta seria percebido em toda a escolarização básica.

2.3.3.2 Resultados em Matemática

Os testes de proficiência em Matemática também são aplicados na 4ª e 8ª séries do

ensino fundamental. Para a 4ª série, espera-se uma proficiência mínima de 200

pontos em matemática. Como se observa no gráfico abaixo, em todos os anos a

média brasileira é insatisfatória, havendo um aumento da distância de 10 pontos

para 23, entre 1995 e 2003.

Gráfico 4 – Média em Matemática da 4ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb – Ineo/MEC, 1995-2003.

Nas redes municipais, novamente, as médias são inferiores às nacionais, saindo de

um patamar de 182 pontos, em 1995; para 168 em 2003.

Já para a 8ª série do ensino fundamental, nos resultados dos testes de matemática,

apesar de apresentarem também em todos os anos resultados abaixo do mínimo de

191 191

181

176 177

182 182

175

168 168

155

160

165

170

175

180

185

190

195

1995 1997 1999 2001 2003

Brasil

Municípios

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

126

300, que é a exigência para a série, houve um alargamento menos acentuado da

distância entre 1995 e 2003, sendo aumentada de 47 para 55 pontos. Contudo, há

que se ressaltar que a distância do mínimo nessa série é maior e mais preocupante

do que na 4ª, demonstrando o acúmulo do déficit de ensino, que se acentua em

matemática pela existência de uma série de pré-requisitos colocados aos alunos a

cada ano escolar. Nesse sentido, tem-se o mesmo problema para as redes

municipais de ensino, pois obtiveram média de 233 pontos, em 2003; contra a média

de 243, obtida em 2005.

Gráfico 5 – Média em Matemática da 8ª série do ensino fundamental - Brasil e rede municipal – 1995/2003. Fonte: elaboração da autora, a partir dos dados do Saeb Inep/MEC, 1995-2003.

2.3.4 Comparações internacionais

O Brasil participou em 2000 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos

(PISA), cujo objetivo é avaliar conhecimentos e habilidades usados no cotidiano dos

estudantes.

Em sua primeira avaliação, que enfatizou a leitura, o Brasil ocupou as últimas

posições. Em 2003, houve pequenos avanços em matemática e em ciências, e

péssimos resultados em leitura. Essa ligeira melhoria obtida é atribuída à redução na

distorção idade-série.

253

250

246

243245

243240

235233

239

220

225

230

235

240

245

250

255

1995 1997 1999 2001 2003

Brasil

Municípios

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

127

Os resultados da avaliação internacional são coerentes com a avaliação do Saeb. O

PISA é realizado por jovens de 15 anos, dos países membros da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de alguns países convidados,

como o Brasil. Em 2000, foi realizada uma avaliação com 32 países e o Brasil ficou

em último lugar na prova de leitura (Vasconcellos, 2004).

2.3.5 Avaliando os resultados

Durante a década de 90, vivemos um processo de rearranjo institucional do ensino

fundamental no Brasil. Nesse processo, houve destaque para a participação dos

municípios que passaram a ser os agentes principais para a oferta desse nível de

ensino. Para isso, houve uma mudança significativa na repartição de recursos

públicos entre estados e municípios e alteração de atribuições, marcadas

principalmente pela aprovação da LDB e do Fundef, além da Emenda Constitucional

14/96.

Como demonstrado, isso trouxe um aumento significativo de receitas e despesas

municipais na área da educação e, especialmente, no ensino fundamental. Em

decorrência, foi possível no período de poucos anos aumentar sobremaneira o

atendimento no ensino fundamental, com um acréscimo expressivo de matriculas, o

qual permitiu praticamente a universalização desse nível de ensino.

No entanto, ao se analisar os indicadores educacionais e, em especial, os de

desempenho dos alunos, que buscam uma avaliação da qualidade dos sistemas de

ensino, vê-se que, apesar de alguma evolução nos indicadores de rendimento e de

movimentação escolar, houve uma considerável piora na qualidade do sistema,

conforme os desempenhos apurados no Saeb.

Os dados do Saeb demonstram que mais da metade dos alunos chegam à 4ª série

do ensino fundamental sem saber ler e escrever, e cerca de 90% dos alunos da 8ª,

não dominam os conteúdos mínimos exigidos em língua portuguesa. Tais

resultados, tanto dos testes de matemática, quanto dos de língua portuguesa,

mostram que a educação nacional no ensino fundamental não tem alcançado a meta

de promoção da eficiência e de eqüidade.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

128

Sabe-se, contudo, que o problema da qualidade de ensino no Brasil depende tanto

do sistema educacional como de condições econômicas, sociais e regionais do país.

A questão da qualidade do ensino é algo extremamente complexo, que sofre

influência de uma série de variáveis, não podendo ser relacionada a uma em

específico. Dessa forma, não é fácil explicar por que o sistema tem falhado em

promover um ensino de qualidade e, além disso, procurar solucionar a questão com

foco em uma única variável (MEC, 2003b e 2003e).

Segundo Fernandes e Natenzon (2003), essa piora na qualidade do ensino captada

pelos testes do Saeb é bastante controversa. Os autores argumentam que a

universalização ocorrida no período da análise mascara os resultados em função do

acesso ao sistema de um grande contingente de crianças mais pobres, com menor

nível de escolaridade, o que, conseqüentemente, puxa as médias para baixo57.O

trabalho dos dois autores busca analisar a evolução do ensino fundamental em anos

recentes, com uma metodologia diferente da utilizada pelo Saeb.

Na opinião deles, a queda nas médias apuradas nas avaliações do Saeb, de 1995 a

1999, pode refletir tanto mudanças do perfil dos alunos avaliados, como mudanças

das oportunidades que o sistema de ensino oferece. Isso pode envolver desde a

qualidade do ensino, quanto a infra-estrutura fornecida à educação.

Para que se busque uma avaliação mais precisa, é importante, para os autores,

identificar mudanças na qualidade do sistema de ensino; procurar, durante a

avaliação, comparar diferentes gerações e não o desempenho de determinadas

séries em anos distintos. Segundo eles, com esse método seria possível comparar

crianças de diferentes gerações na mesma idade e ver como se deu seu

desempenho ao longo do tempo.

Com o objetivo de comparar o desempenho escolar entre gerações sucessivas, os

autores, a partir dos dados das PNAD’s dos respectivos anos e dos dados do Saeb,

constroem novas tabelas de pontuações, considerando gerações de alunos e não

séries; restringindo a análise à 4ª série do ensino fundamental. O resultado

57 O trabalho desses autores é baseado nas avaliações do Saeb de 1995, 1997 e 1999; não considerando, portanto, as duas últimas avaliações realizadas.

Por ser colocado um enfoque metodológico diferente do utilizado pelo Saeb para avaliar a evolução dos estudantes, considerou-se importante sua

contribuição para este trabalho.

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

129

alcançado com essa mudança de método foi de uma pequena melhora no

rendimento escolar das gerações mais novas.

Segundo Fernandez e Natezon (2003), não é possível, por meio dessa pesquisa,

afirmar que essa melhora está ligada a um aumento de qualidade dos serviços

educacionais disponíveis; por outro lado, eles acreditam que a melhoria no

aprendizado, observada na análise geracional, é influenciada pela redução ocorrida

no atraso escolar dos alunos58.

Os resultados alcançados pelos autores mostram a importância de se considerar, na

análise de qualidade, o novo contingente de alunos que ingressou no sistema de

ensino fundamental, principalmente entre 1998 e 2000. Esse contingente, resultante

da maciça universalização, coloca novas questões para a dinâmica do sistema de

ensino fundamental, principalmente o municipal. Contudo, a reiterada queda nas

médias dos testes de 2001 e 2003 e, mais recentemente, os resultados da Prova

Brasil59 demonstram que há outros problemas no sistema de ensino fundamental,

para além do nível socioeconômico e de escolaridade dos alunos ingressantes no

final da década de 90.

Essa situação deixa patente que ainda se está longe de alcançar um nível adequado

de qualidade de ensino fundamental. Há um baixo nível de aprendizado dos alunos

brasileiros, bastante evidenciado pelas comparações internacionais, além de uma

crítica desigualdade regional desse aprendizado.

Segundo os relatórios do MEC (2003b e 2003e), os estudantes com desempenho

abaixo do esperado, muitas vezes, estudam em escolas com péssimas condições de

ensino, sem laboratórios, sem bibliotecas, com um corpo docente mal remunerado e

não devidamente capacitado. A partir disso, pode-se imaginar que a solução do

problema passa pelo aumento mais intenso no volume de recursos destinados ao

ensino fundamental, de forma a melhorar a estrutura física e humana do sistema de

58 Esse redução no atraso escolar é devida, segundo os autores, à adoção da progressão automática pelas redes de ensino. 59 A Prova Brasil é uma avaliação que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e é desenvolvida e realizada pelo Inep, sendo

mais extensa que os testes realizados pelo Saeb de 1995 a 2003. Seu objetivo é mapear o ensino oferecido por município e escola, de todo país,

individualmente, com o intuito de auxiliar a tomada de decisão das esferas públicas sobre a implantação de políticas e o direcionamento de recursos

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

130

ensino. Isso levaria a questionar se a mudança na repartição dos recursos para a

oferta do ensino fundamental a partir do Fundef foi insuficiente, ainda que, conforme

exposto, tenha sido significativa para garantir que esse ensino fosse oferecido com

qualidade.

Partindo desse pressuposto, chegar-se-ía à conclusão de que o aumento reiterado

de recursos para os municípios, vinculado à oferta de ensino fundamental, levaria

conseqüentemente à melhoria contínua do sistema e do desempenho dos alunos.

Porém, essa aposta não necessariamente é correta. Os dados aqui evidenciados

mostram que, apesar do aumento já ocorrido na vinculação de despesas com o

ensino fundamental, a proficiência das crianças piorou. Ainda que se considere o

argumento de que o contingente recém-ingressado de crianças tem um nível

socioeconômico mais baixo que reduz dessa forma o desempenho, as médias dos

alunos avaliados pelo Saeb, em 2001 e 2003, após estabilização e queda do número

de matrículas, mostram que houve inflexão significativa nas curvas de desempenho,

apesar do maior fluxo de recursos. Evidentemente, é possível argumentar que o

tempo decorrido não foi suficiente para o ajuste do sistema. Contudo, algumas

pesquisas econométricas realizadas recentemente com dados do Saeb e da Prova

Brasil fazem crer que os recursos financeiros não são o único problema na busca de

eficiência do sistema.

O trabalho realizado por Menezes (2006), busca apontar que o desempenho dos

alunos na Prova Brasil de 2005, comparado aos gastos com o ensino fundamental

dos municípios brasileiros, permite perceber que não há correlação automática entre

gastos e qualidade de ensino. A análise do autor mostra que os resultados mais

elevados no teste de português não estão necessariamente ligados a maiores

gastos por aluno no ensino fundamental.

A grande questão que se coloca é por que o aumento de recursos do sistema de

ensino fundamental não leva a uma melhoria do desempenho? Conforme já

apresentado, acredita-se que para responder a esta pergunta é necessário

técnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da

qualidade do ensino. A primeira edição da Prova Brasil foi feita em 2005 (http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/).

Capítulo 2 - O Ambiente Institucional do Financiamento do Ensino Fundamental

131

investigar a existência nos sistemas municipais de ensino fundamental de

importantes falhas institucionais, relativas ao seu financiamento, quer nas regras

formais de gasto com educação, quer nas estruturas de governança das

organizações municipais de ensino, que contribuem para a ineficiência do sistema.

A partir dessas constatações, nos próximos capítulos, serão discutidas as falhas

existentes no atual arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental

público e na própria construção de políticas públicas, que dificultam a busca de

eficiência do sistema de ensino e, por conseqüência, sua qualidade, para além das

questões financeiras.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

132

Capítulo 3 - Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

No Capítulo 2, foram descritas as regras formais que regem as políticas públicas do

ensino fundamental no Brasil. A eficácia e eficiência dessas regras dependem,

contudo, de sua aderência ou disjunção (Gonçalves, 2006) ao arcabouço cultural e

social dos agentes, que constituem as regras informais, como apontado por Azevedo

(2000), e dependem também da estrutura de governança do ensino fundamental.

Neste capítulo, buscar-se-à, então, analisar esses elementos da análise institucional

que condicionam o êxito da aplicação das regras formais às políticas públicas

voltadas ao ensino fundamental, isto é, a estrutura de governança presente nos

municípios e as regras informais existentes e/ou adotadas nessas administrações.

3.1 Estrutura de governança do ensino fundamental nos municípios: os atores

Assim como descrito no modelo teórico apresentado no primeiro capítulo desta tese,

nos interessa conhecer na estrutura de governança estabelecida nos municípios,

para a organização do ensino fundamental, os principais atores responsáveis pelas

transações decorrentes das políticas públicas de ensino fundamental. Nesse

sentido, buscaremos apresentar características socioeconômicas e motivações

políticas dos quatro principais atores considerados no modelo: poder executivo,

burocracia estatal, poder legislativo e sociedade civil60.

3.1.1. Poder Executivo

O poder executivo municipal é representado pela figura política do prefeito e, ele,

juntamente com o dirigente municipal da educação, isto é, o secretário de educação

têm a incumbência de planejar e implementar as políticas públicas de ensino

fundamental no município, em atendimento às regras institucionais existentes.

60 Conforme ressaltado na seção 1.4.4, é possível considerar que os poderes executivos das esferas federal e estaduais são também atores importantes na construção da estrutura de governança do ensino fundamental nos municípios. No entanto, para facilitar a análise, trataremos da interrelação entre as esferas federativas no capítulo 4.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

133

Partindo do arcabouço teórico dos custos de transação, sabe-se que o chefe do

poder executivo age combinando sua racionalidade limitada e o oportunismo, e que

sua principal variável motivadora é a reeleição ou, ao menos, a garantia de

continuidade política pessoal ou partidária (FRANT, 1996). Dessa forma, vale fazer

aqui algumas caracterizações sobre as prerrogativas do poder executivo local que

nos permitirão melhor visualizar a estrutura de governança do ensino fundamental

nos municípios.

Nesse sentido, é importante pontuar que o poder executivo local, no Brasil, a

exemplo do que ocorre nas demais esferas de poder, mantém uma supremacia

inegável perante o poder legislativo, dentro do estabelecido pela Constituição

Federal e pelas Leis Orgânicas Municipais, que lhe permite governar e decidir a

alocação dos recursos de forma bastante imperativa.

Isso acontece, na visão de Figueiredo e Limongi (2001), porque ao mesmo tempo

em que a Constituição Federal possibilitou a retomada de poderes retirados do

legislativo no período militar, manteve prerrogativas legislativas ao executivo. Essas

prerrogativas, segundo Fiorilo (2006), seriam a possibilidade de legislar por meio de

decretos e portarias 61 ; além do poder de vetar parcial ou totalmente projetos

aprovados pelo legislativo; do poder de agenda, que são as prerrogativas exclusivas

do executivo para dar início à discussão de determinado projeto de lei e ainda

solicitar, se assim interessar, pedido de urgência em sua tramitação.

Com essas prerrogativas legislativas, o executivo mantém vantagens comparativas

na determinação do jogo político local relativamente ao poder legislativo. É evidente,

contudo, que continua a depender da aprovação parlamentar para seus projetos e,

desse modo, o parlamento transforma-se, nas palavras de Fiorilo, (2006, p.50) “(...)

num espaço para a busca de coalizões majoritárias ou para negociações pontuais,

principalmente para garantir a harmonia entre os poderes”. Nesse jogo, o que

importa, tanto aos vereadores quanto ao chefe do poder executivo, é sem dúvida a

manutenção do poder e da carreira política de cada um, seja pela reeleição ou outra

forma de inserção política.

61 No caso do poder executivo federal, há ainda a possibilidade de utilização de Medidas Provisórias.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

134

Em relação ao poder executivo local, tem grande importância o estudo de Mendes e

Rocha (2004), em que se analisam quais são os principais fatores associados à

reeleição de prefeitos nos municípios brasileiros62. Segundo os autores, o prefeito é

o principal gerente dos serviços públicos locais e seu desempenho, no que se refere

aos problemas de infra-estrutura urbana, bem como aos serviços de educação, são

mais facilmente observados pelos eleitores do que as ações do Presidente da

República.

Mendes e Rocha (2004) apresentam quatro conclusões importantes. A primeira

delas afirma que o desempenho dos prefeitos é, na maioria dos casos, apenas

parcialmente percebido pelos eleitores, assim, a influência de seu desempenho nos

resultados do pleito municipal tende a ser reduzida. Variáveis relacionadas a fatos

amplamente divulgados pela mídia, como escândalos de corrupção ou o

reconhecimento pela imprensa de uma boa gestão, são significantemente relevantes

para reeleição. Contudo, há um monitoramento parcial do desempenho dos prefeitos

no setor educacional, por exemplo. Tais variáveis não estão correlacionadas

diretamente com o resultado eleitoral ou impactam apenas as chances do prefeito

em se candidatar novamente, com menor efeito sobre a reeleição.

A segunda questão relevante trazida à tona pelo estudo é que existe uma correlação

importante entre a expansão das despesas municipais e as chances de reeleição de

um prefeito. Essa correlação é positiva para a taxa de crescimento das despesas

municipais e também para a expansão das transferências intergovernamentais para

o município, ou seja, o eleitorado valoriza o prefeito que consegue dinamizar e

ampliar as disponibilidades financeiras, a partir de um bom entrosamento,

principalmente com o Presidente da República.

As duas conclusões seguintes estão associadas às primeiras. Isso porque os

autores mostram que prefeitos de municípios recém-criados têm mais chance de

reeleição do que a média. O que provavelmente está associado ao fato de que,

nesses municípios, ao mesmo tempo em que não há dívidas acumuladas, há um

montante já determinado de transferências garantidas para o gasto municipal.

62 Mendes e Rocha (2004) trabalharam dados de 5360 dos 5561 municípios brasileiros, estimando um modelo de escolha binária com seleção e um modelo

tradicional de seleção de Heckman (1979).

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

135

Por fim, o estudo constata que nas regiões Norte e Nordeste há um padrão

diferenciado de postura do eleitorado para a reeleição municipal, em comparação às

regiões Sul e Sudeste. Nas primeiras, a influência do Presidente da República para

a determinação do prefeito é preponderante e o impacto de escândalos envolvendo

o chefe do executivo local tem menor influência para que seja punido eleitoralmente.

Já nas regiões Sul e Sudeste, há uma punição maior de candidatos acusados de

crimes e, também, é menor a importância dada ao peso do Presidente para a

determinação da reeleição (MENDES e ROCHA, 2004).

A partir das conclusões da pesquisa de Mendes e Rocha (2004) e considerando as

regras formais do ensino fundamental, é possível que parte significativa dos prefeitos

busque em seus governos gastar os recursos disponíveis para o ensino, de tal forma

que isso lhes traga dividendos políticos em primeira instância. Com isso, a

preocupação com o ajuste da qualidade do sistema será menor, visto que esta tende

a ser apenas parcialmente controlada pela população. Dessa forma, pode-se inferir

que programas de impacto na educação, que possam chamar a atenção da mídia e

da sociedade civil, são importantes instrumentos no processo de reeleição de um

prefeito.

Nesse processo, a educação, enquanto área concentradora da maior parte dos

recursos municipais, é também indutora de muitos incentivos políticos para o

prefeito, pois a expansão dos gastos municipais está correlacionada à maior ou

menor possibilidade de reeleição e, apesar de todo o regramento existente para o

ensino fundamental, dependendo da forma de gestão dos recursos e do

posicionamento de outros atores importantes, como o poder legislativo e os

Conselhos Municipais de Educação e do Fundef, é possível que tais recursos sejam

utilizados mais em função do oportunismo político dos agentes do que dos

interesses e necessidades da população.

Por isso, é de fundamental importância a escolha do Dirigente Municipal da

Educação pelo prefeito, pois é uma peça-chave tanto para o prefeito, quanto para a

execução de uma política educacional que almeje a busca da qualidade de ensino

fundamental.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

136

3.1.2 Dirigentes municipais e burocracia da educação

A análise do perfil dos Dirigentes Municipais de Educação (DME) é indispensável

para o entendimento da estrutura de governança da educação nos municípios e da

eficiência e eficácia da gestão municipal da educação. Como vimos, as regras

formais do ensino dão ao município prerrogativas e responsabilidades que impõem

para sua execução a presença local de gestores qualificados para a condução da

política municipal de educação.

Em função da compreensão desse fato e preocupados com o ajuste dos municípios

ao processo de municipalização, a Undime (União dos Dirigentes Municipais de

Educação)63 e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura), resolveram realizar uma pesquisa - publicada em 2000, sobre o

perfil desses dirigentes nos diversos municípios brasileiros - cujos principais pontos

serão aqui utilizados para a caracterização desse ator, DME.

A pesquisa inicialmente abrangeu a totalidade dos municípios brasileiros, por meio

de questionários; havendo, contudo, o retorno de 1.973 municípios, o que representa

uma amostra significativa de 35% do total (WAISELFISZ e SILVA, 2000).

Os dados recolhidos revelam informações bastante interessantes sobre os DME.

Cerca de dois terços deles, ou seja, 68,4%, são mulheres, com idade próxima aos

40 anos e, aproximadamente, 81% têm nível superior de escolaridade. Com relação

a esse aspecto, Waiselfisz e Silva (2000) salientam que o nível de escolaridade dos

DME estava ainda abaixo do mínimo exigido, visto que cerca de 19% deles não

possuía nível universitário. Quanto às áreas de formação dos dirigentes, existe uma

forte concentração em educação e pedagogia, assim como a especialização,

quando realizada, também em mais de 71%, é voltada para a mesma, em especial

no campo da didática, seguido da administração educacional.

A partir dos dados de escolaridade dos DME, os autores avaliam que “não há uma

preocupação efetiva em imprimir-se um caráter mais técnico e científico à gestão

63 A Undime foi criada a partir do 1º. Encontro Nacional de Dirigentes Metropolitanos de Educação em 1986. Desse encontro foi assinada a Carta de Recife

onde assumiu-se o objetivo de congregar os dirigentes municipais de ensino de todo o Brasil, bem como promover o processo de descentralização da

eduação brasileira. Além disso, a Undime tem como principal objetivo, a formulação coletiva de políticas educacionais. (WAISELFISZ, 2000).

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

137

das políticas públicas educacionais de base local” (WAISELFISZ e SILVA, 2000, p.

66). Eles consideram que há a necessidade de mudança na política de acesso ao

cargo de DME, com a busca da universalização da formação universitária. Além

disso, chamam atenção para a importância de criação de programas permanentes

de apoio à capacitação técnica dos DME, visto que as funções de gestão do sistema

municipal de ensino são mais complexas e abrangentes do que o trabalho

acadêmico e o dia-a-dia de uma unidade escolar. Essa questão fica evidente quando

lembramos que o secretário é o gestor dos recursos do Fundef e também daqueles

resultantes da vinculação constitucional para educação, devendo elaborar, planejar,

executar e avaliar os Planos Municipais de Ensino, o PPA, a LDO e a LOA, com

referência à educação.

No tocante ao preparo para o cargo, é relevante a informação de que cerca de 60%

desses dirigentes exerciam o cargo pela primeira vez; dos 40% que haviam exercido

o cargo antes, a maioria tinha sido na própria secretaria de educação. A

remuneração dos DME é bastante heterogênea entre os diversos municípios, como

mostra a tabela 12 a seguir; o que implicava uma média de R$ 1.069,36 em 2000.

Outra informação importante, é que a remuneração desses dirigentes tinha pouca

correlação com o tamanho do município ou com a dimensão da rede escolar, ou

mesmo pela escolaridade dos DME. A partir da investigação dos pesquisadores,

verificou-se que a correlação mais significativa (r=0,74) do salário dos DME, era com

o dos vereadores do município.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

138

Tabela 12 - Faixas de remuneração dos DME Fonte: WAISELFISZ e SILVA (2000)

A grande variação salarial encontrada demonstra a inexistência, até o momento da

pesquisa, de uma identidade profissional dos DME, o que, no entender de Waiselfisz

e Silva (2000), está bastante associada à quantidade de administrações municipais

(são mais de 5.500); à elevada heterogeneidade regional em diversos aspectos, não

só econômico, como político e social, o que implica que a importância dada ao cargo

dependerá do estágio de desenvolvimento do município e, por fim, às questões

conjunturais, ligadas aos mandatos políticos mais do que a referências profissionais

exigidas para o cargo.

Essa avaliação é coerente com o nível de exigência técnica e acadêmica necessária

para o cargo, requisito que conta com um grau de priorização menor, em boa parte

das administrações, principalmente de pequenos municípios, do que os fatores de

ordem política, de fidelidade pessoal ou de vinculação familiar, por exemplo

(WAISELFISZ e SILVA, 2000).

Nesse sentido, a dimensão política do cargo dos DME ganha um destaque

importante. A pesquisa revelou que existe uma grande e importante associação da

filiação partidária com a definição do cargo de secretario da Educação, visto que

62,4% dos DME pesquisados são filiados a partidos políticos e, destes, 83,8%

pertencem a um partido que compõe a base política do governo numa coalizão ou

são do partido que governa diretamente o município. Dos filiados, apenas 11%

haviam mudado de partido nos últimos três anos, com o objetivo de passar a integrar

partidos da base governamental. Esse fato traz à baila uma questão importante

ligada ao cargo de DME, visto que este é fruto de uma indicação política, mais do

Faixa no. %até R$ 399,99 117 6,2%de R$ 400,00 até R$ 699,99 522 27,4%de R$ 700,00 até R$ 999,99 441 23,2%de R$ 1.000,00 até R$ 1.499,99 472 24,8%de R$ 1.500,00 até R$ 1.999,99 186 9,8%de R$ 2.000,00 até R$ 2.999,99 97 5,1%de R$ 3.000,00 até R$ 4.999,99 58 3,0%mais de R$ 5.000,00 9 0,5%Total 1.902 100,0%

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

139

que uma prerrogativa de preenchimento técnico, no sentido apontado pelos dados;

isso mostra que, apesar de toda as regras institucionais criadas para vinculação de

recursos e determinação de gastos em educação, não é possível tornar esta área

isenta da política, isto é, como qualquer outra secretaria de governo, a pasta está

sujeita às definições de natureza política.

Dos partidos indicados, ressalte-se a participação do PMDB, com 24,3% das

filiações; o PSDB, com 18,3%; o PFL, com 17,4% e o PPB, com 10,6%, todos,

partidos de grande representação congressual e nacional naquele momento

(WAISELFISZ e SILVA, 2000). Esses dados reforçam a forte dimensão política do

cargo e apontam para uma provável associação das definições nacionais na

construção da institucionalidade local.

Se de fato a associação política entre as esferas de maior poder existe, isso pode

ser um obstáculo à construção de novas formas de gestão local, que busquem a

integração de novos atores, maior participação da comunidade escolar e do

espectro da sociedade civil que tenha relevância para o ensino. A construção da

institucionalidade local não pode ser apenas uma imposição de cima para baixo,

antes, deve vir da caracterização local e passar por uma construção cooperativa do

sistema de ensino, como é previsto na Constituição.

Na opinião de Waiselfisz e Silva (2000) a pesquisa mostra que os DME, em sua

maioria, estavam amplamente vinculados à política partidária local, estadual ou

nacional. Assim, segundo os autores, ainda que, em sua avaliação pessoal, os

dirigentes pudessem discordar da forma de gestão predominante, isso representaria

mais uma tensão cotidiana e uma instabilidade para a secretaria do que uma

possibilidade real de implantação de práticas inovadoras de administração, se não

estivessem ao menos sendo compartilhadas pelos prefeitos.

No que tange à organização do corpo gestor das secretarias municipais de ensino, a

tabela 13, a seguir, revela que mais de 2/3 dos diretores das unidades escolares

ainda eram indicados nos municípios à época da pesquisa, sendo apenas 7,1%

deles eleitos pela comunidade; 2,9%; eleitos por colegiado e 12,6%, por concurso.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

140

Tabela 13 - Mecanismos de seleção de diretor das escolas municipais, por UF e Região Fonte: WAISELFISZ e SILVA (2000).

Com referência ao corpo docente, a tabela 14 a seguir mostra que 2/3 dos

professores da rede, isto é, 62,4%, eram estatutários; 16,6%, celetistas e 17,3%,

tinham contrato temporário. Existem regiões onde os celetistas têm uma expressão

mais relevante, porém, com exceção dos municípios do Acre e do Piauí, na maioria

o percentual de estatutários supera o de professores celetistas (WAISELFISZ e

SILVA, 2000). O grande percentual de professores concursados é certamente uma

decorrência das exigências colocadas pela LDB e pela própria legislação do Fundef.

UF e Regiões concurso eleição comunidade

eleição colegiado

concurso eleição

indicação outros total

Acre 0,0 33,3 0,0 0,0 66,7 0,0 100,0Amazonas 10,0 14,1 0,0 0,0 75,9 0,0 100,0Amapá 0,0 0,0 10,0 0,0 90,0 0,0 100,0Pará 21,3 9,9 4,0 5,9 54,8 4,2 100,0Rondônia 4,4 11,1 0,0 0,0 84,4 0,0 100,0Roraima 0,0 0,0 0,0 0,0 100,0 0,0 100,0Tocantins 13,1 2,4 0,0 0,0 80,9 3,6 100,0NORTE 11,8 9,1 1,1 1,4 74,2 2,3 100,0Alagoas 27,7 3,8 0,0 10,8 57,7 0,0 100,0Bahia 12,3 2,1 2,2 2,5 76,4 4,5 100,0Ceará 15,2 2,6 1,3 1,0 77,9 2,0 100,0Maranhão 30,0 3,6 0,0 2,6 60,5 3,3 100,0Paraíba 9,9 3,3 0,0 3,4 80,0 3,4 100,0Pernambuco 11,7 1,5 0,7 1,0 82,3 2,7 100,0Piauí 13,8 3,5 0,0 0,0 80,2 2,5 100,0Rio Grande do Norte 5,3 0,0 0,0 0,0 92,8 1,9 100,0Sergipe 0,7 0,8 0,2 3,5 92,3 2,5 100,0NORDESTE 13,0 2,2 0,8 2,2 78,8 3,0 100,0Espírito Santo 0,0 7,5 8,3 16,2 63,8 4,2 100,0Minas Gerais 6,8 14,0 2,5 7,8 63,9 4,9 100,0Rio de Janeiro 8,0 10,5 6,0 7,8 60,2 7,5 100,0São Paulo 21,0 1,4 5,2 2,4 61,8 8,2 100,0SUDESTE 12,9 7,7 4,3 5,8 62,8 6,5 100,0Paraná 10,1 16,6 5,1 12,4 51,5 4,4 100,0Rio Grande do Sul 15,9 11,3 4,7 9,0 57,1 1,9 100,0Santa Catarina 8,9 3,0 3,0 1,5 80,1 3,5 100,0SUL 12,7 11,8 4,6 8,9 58,9 3,0 100,0Goiás 14,6 2,4 1,4 7,5 71,6 2,4 100,0Mato Grosso do Sul 0,0 19,7 1,7 5,7 69,7 3,1 100,0Mato Grosso 12,6 14,0 7,8 11,6 53,0 1,0 100,0CENTRO-OESTE 10,6 9,5 3,2 8,1 66,4 2,2 100,0BRASIL 12,6 7,1 2,9 5,4 68,0 3,8 100,0

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

141

Tabela 14 - Situação dos professores da rede municipal por UF e região. Fonte: WAISELFISZ e SILVA, 2000.

Essas informações são relevantes na construção de uma prática de gestão mais

centralizada do que participativa e a constituição do corpo burocrático sob fortes

bases estatutárias revela também a tendência à associação profissional e

corporativista nos moldes apresentados por Dixit (2002), no capítulo 1.

Com relação à forma de gestão das secretarias municipais de ensino, a pesquisa

traz ainda outras informações interessantes, no sentido da pouca prevalência da

gestão participativa. Os dados coletados com referência ao eixo de gestão

demonstraram que 26,6% dos dirigentes adotam um eixo eficientista; seguido por

outro que enfoca a autonomia escolar, adotado por 25% dos dirigentes, e apenas

4,2% dos pesquisados escolhem como eixo, a gestão participativa; o restante DME

UF e Regiões estatutário CLT contrato temporário

sem contrato

outros total No. de casos da amostra

Acre 33,3 57,5 9,2 0,0 0,0 100,0 6Amazonas 50,3 4,1 37,5 8,1 0,0 100,0 16Amapá 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 100,0 1Pará 45,8 7,1 39,4 4,5 3,2 100,0 19Rondônia 66,7 18,2 15,1 0,0 0,0 100,0 11Roraima 33,3 0,0 0,0 33,3 33,3 100,0 3Tocantins 54,8 6,5 37,6 0,6 0,5 100,0 33NORTE 51,9 10,8 31,6 3,8 2,0 100,0 89Alagoas 60,1 25,6 13,3 0,3 0,7 100,0 29Bahia 47,9 20,2 24,5 3,8 3,6 100,0 148Ceará 46,8 32,9 15,4 2,3 2,6 100,0 52Maranhão 64,9 7,9 24,9 1,9 0,5 100,0 40Paraíba 73,0 17,4 7,5 0,8 1,3 100,0 72Pernambuco 77,4 6,0 9,4 0,8 6,4 100,0 70Piauí 38,3 40,6 17,3 1,3 2,5 100,0 55Rio Grande do Norte 74,8 8,0 15,6 0,2 1,5 100,0 65Sergipe 59,4 19,0 6,1 2,5 13,0 100,0 23NORDESTE 59,2 19,2 16,5 1,8 3,2 100,0 554Espírito Santo 51,4 14,4 32,0 0,0 2,2 100,0 25Minas Gerais 60,5 9,5 26,3 0,1 3,6 100,0 212Rio de Janeiro 64,2 23,8 12,0 0,0 0,0 100,0 25São Paulo 45,8 38,6 12,9 0,0 2,6 100,0 216SUDESTE 53,5 23,7 19,8 0,1 2,9 100,0 478Paraná 83,4 9,9 3,5 0,0 3,2 100,0 145Rio Grande do Sul 76,4 13,5 8,7 0,0 1,4 100,0 200Santa Catarina 54,4 14,9 29,5 0,3 1,0 100,0 86SUL 74,4 12,5 11,1 0,1 1,9 100,0 431Goiás 79,9 0,7 14,9 1,5 3,0 100,0 93Mato Grosso do Sul 69,2 4,1 23,9 0,0 2,8 100,0 34Mato Grosso 62,1 0,1 34,5 0,0 3,3 100,0 41CENTRO-OESTE 73,4 1,3 21,5 0,8 3,0 100,0 168BRASIL 62,4 16,7 17,3 0,9 2,7 100,0 1720

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

142

adota mais de um eixo de gestão. Na análise dos dirigentes sobre os valores de

gestão mais importantes em sua visão, apareceram predominantemente a

organização administrativa eficiente, a melhoria da qualidade do ensino e a

autonomia administrativa das escolas.

Waiselfisz e Silva (2000) percebem uma incoerência nas respostas dos dirigentes

sobre os eixos de gestão escolhidos e seus valores principais, ao apontar uma

preocupação dos DME em buscar administração eficiente e autonomia escolar sem,

contudo, adotar preceitos de gestão participativa. Os autores atribuem esta

incoerência à correlação dos dirigentes a um ambiente político ideológico não afeito

a práticas participativas, ao mesmo tempo em que colocam projetos inovadores na

área educacional, com o intuito de dar autonomia às escolas. Consideramos,

contudo, que esses projetos inovadores, apesar de existirem em várias

municipalidades nas últimas gestões, são em grande parte fruto das políticas do

FNDE/MEC, que visam dar à unidade escolar uma nova dimensão financeira e

administrativa, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, por

exemplo, mais do que por iniciativas da própria administração municipal.

A análise da opinião dos DME traz outra caracterização relevante para seu perfil: ao

serem questionados sobre os principais problemas do ensino no município, eles

apontam três grandes: a insuficiência financeira, o despreparo dos professores e a

baixa aprendizagem dos alunos. Essas questões, apesar de serem mencionadas em

municípios de todo Brasil, atingem sobretudo as regiões Norte e Nordeste

(WAISELFISZ e SILVA, 2000).

É importante ressalvar que os dados apontam um consenso entre os dirigentes ao

reconhecerem a existência de uma insuficiência financeira na área, a qual dificulta a

administração e o ganho de qualidade no sistema. Essa visão é interessante, pois,

conforme apresentado no capítulo 2, apesar da alteração no volume de recursos

reservados para educação municipal, a partir de fins da década de 1990, pouco

impacto houve sobre os indicadores da melhoria da qualidade de ensino. Sem

discutir se a quantidade de recursos destinada à educação é suficiente ou não para

a estruturação de um sistema de ensino fundamental de qualidade, não se pode

deixar de reconhecer que dentre as diversas áreas de atuação municipal é a esta

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

143

que se reserva o maior percentual de recursos, conforme definido na Constituição

Federal. Em função disso, cabem algumas indagações: até que ponto o DME tem

total noção dos recursos reservados ao ensino em seu município? O DME tem real

autonomia para administrar esses recursos? Esses dirigentes estão efetivamente

capacitados para essa administração, que em sua opinião deve ser eficientista?

Nesse sentido, segundo Waiselfisz e Silva (2000), a pesquisa revela que era muito

pequeno o número de dirigentes que possuía autonomia administrativo-financeira

para gestão dos recursos da educação, inclusive o Fundef; apesar de a legislação

assegurar a eles essa prerrogativa. Na opinião dos autores:

“Aqui, como de resto em outros programas da administração pública, vive-se a duplicidade de papéis na gestão das políticas públicas, ou seja, a permanente alternância entre o real e o formal. Dadas as diferenças socioculturais e políticas entre as regiões, é possível encontrar municípios em que os dirigentes educacionais apenas cumprem papéis formais na gestão orçamentária e financeira dos recursos vinculados ao Fundef e à educação globalmente, quando muito assinando papéis para efeitos legais, praticamente sem qualquer poder decisório sobre o destino daqueles recursos” (WAISELFISZ e SILVA, 2000, p.78).

Nas localidades onde isso acontece, o DME torna-se, assim, uma peça chave na

estrutura do sistema de ensino para viabilizar o processo de municipalização em seu

sentido formal, muito mais do que real. A partir da complexidade federativa existente

no financiamento do ensino fundamental, o município acaba por ser o receptor de

uma série de políticas e normas, as quais se teve pouco acesso à discussão, assim

como à formação e à capacitação (no caso de muitos municípios de pequeno porte),

mas é, contudo, o responsável por sua implantação. Nessa estrutura, a figura de

um gestor do sistema de ensino é cobrada dos municípios que buscam resolver o

problema sem de fato construírem uma nova lógica de administração de recursos

públicos e de relacionamento com a população. Em vários municípios brasileiros, há

a continuidade de práticas clientelistas e fisiológicas, com a administração

centralizada em um dirigente com pouca autonomia, mas ligado ao chefe do poder

executivo municipal por laços políticos, de confiança ou mesmo familiares.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

144

Dessa forma, tem-se nas secretarias municipais de educação um quadro complexo,

em que há a composição de um núcleo burocrático heterogêneo com ações

divididas principalmente entre o dirigente municipal de ensino e a cúpula da

secretaria, o corpo de diretores e o dos docentes. A formação, a motivação e os

interesses desses atores são distintos.

O DME, em muitas localidades, deparou-se com a difícil tarefa de administrar uma

municipalização acelerada do ensino, no contexto do arranjo institucional que

priorizou o ensino fundamental nos últimos anos, e, simultaneamente, teve de lidar

com as características organizacionais próprias de seu cargo e da secretaria

municipal de ensino. Dentre tais características, destacam-se: a necessidade de

conhecer e de discutir regras institucionais complexas, sendo os dirigentes, em boa

parte dos pequenos e médios municípios brasileiros, por razões históricas,

auxiliados por um quadro profissional de baixa estruturação interna; gerenciar uma

organização de ensino em que ainda prevalecem práticas paternalistas para

indicações e preenchimento de cargos de direção; coordenar e motivar um corpo

docente que apresenta uma forma de constituição em grande parte estatutária, o

que torna mais complicada a criação de sistemas de incentivo ao desempenho; e,

por fim, a pouca autonomia e capacitação administrativa, financeira e gerencial dos

dirigentes para a execução de suas funções (WAISELFISZ e SILVA, 2000).

3.1.3 Poder Legislativo

O poder legislativo municipal é um ator essencial no processo de discussão e de

implementação das políticas públicas de educação. Cabe ao poder legislativo,

conforme dispõem o capítulo I, título IV e o capítulo II, título VI da Constituição

Federal, a apreciação e votação dos planos e orçamentos municipais, assim como

os específicos do ensino. Dentre estes últimos estão o Plano Municipal de

Educação, previsto na Lei 10.172/01, e todo projeto de lei de autoria do executivo

que disponha sobre criação ou alteração financeira, administrativa ou de

organização interna do sistema de ensino municipal. Além disso, os vereadores

também devem acompanhar e fiscalizar a implantação e execução financeira,

orçamentária e física dos planos e programas empreendidos pelo poder executivo,

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

145

contando para esta tarefa com o apoio dos Tribunais de Contas Estaduais e

Municipais, conforme as definições da Constituição Federal e da LRF.

Essas atribuições evidenciam que o papel do poder legislativo é vital para que possa

haver um bom empreendimento das políticas públicas da educação, preocupando-se

inicialmente com a coerência das propostas municipais às regras institucionalmente

concebidas e às necessidades da população local, a quem representa em primeira

instância.

Os vereadores têm a possibilidade sempre de discutir com a comunidade as

propostas de políticas públicas do poder executivo, podendo, para isso, utilizar-se

das Audiências Públicas previstas pela Constituição Federal e pela LRF; por meio

das quais podem aperfeiçoar projetos de lei que, por ventura, estejam em desacordo

com as reais necessidades da comunidade escolar ou em desacordo com as regras

formais concernentes ao ensino municipal. Os ajustes das propostas do poder

executivo podem ser feitos via emendas parlamentares, como mencionado no

segundo capítulo desta tese.

Para a execução das prerrogativas previstas pela Constituição Federal e pela LRF

são necessários, contudo, alguns requisitos. Os vereadores devem, em primeiro

lugar, conhecer suas atribuições e o funcionamento das regras formais, as quais

devem apreciar, votar, acompanhar e fiscalizar. Além disso, devem conhecer a

realidade local, os principais problemas do município na área de educação, os

equipamentos e a infra-estrutura existente, para que possam julgar a adequação dos

planos e orçamentos. Para tanto, devem contar com sua capacitação pessoal e, uma

vez eleitos, com a estrutura técnica-administrativa da Câmara que os ajuda na

tarefa, além do apoio do Tribunal de Contas para o acompanhamento e fiscalização

da execução dos planos e orçamentos do ensino.

Porém, nos atuais 5.500 municípios brasileiros, entre as definições legais acerca do

papel do poder legislativo e a prática real da vereança, há um vale que impede a

realização do processo de discussão e implementação de políticas públicas de

educação com equilíbrio entre os poderes, conforme os preceitos da reforma

constitucional de 1988.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

146

Neste estudo, pretende-se discutir três razões que colaboram para a essa situação

de descompasso entre os preceitos legais e a prática do poder legislativo. A primeira

relaciona-se com as características socioeconômicas e políticas dos vereadores; a

segunda diz respeito à prevalência do executivo sobre o legislativo; e a terceira

refere-se ao novo desenho institucional do ensino fundamental, que prevê a

articulação de distintos atores a partir da criação dos Conselhos do Fundef.

A pesquisa realizada por Kerbauy (2005) permite a análise do perfil dos vereadores

nos municípios brasileiros, nas três últimas eleições: 1996, 2000 e 2004. Uma

primeira característica importante dos ocupantes do poder legislativo municipal é

serem em sua maioria homens (89%), com, no máximo, o segundo grau completo.

Para a legislatura de 2004, o percentual de vereadores homens com nível superior

completo era de 25% e o de mulheres, 15,84%. A escolaridade dos vereadores varia

também em função da região do país, aparecendo nas regiões Sul e Sudeste o

maior número de vereadores com nível superior incompleto ou completo em relação

às demais. Na região Nordeste, percebe-se uma quantidade superior de vereadores

que apenas lêem e escrevem (cerca de 10% dos homens e 4% das mulheres).

Ressalte-se que os dados nada mais são que um reflexo do próprio sistema de

ensino brasileiro, que concentra significativas disparidades regionais e baixa

escolaridade da população, em geral.

Quanto à ocupação, os vereadores constituem-se em grande parte de trabalhadores

rurais, empregados da indústria, profissionais liberais, auxiliares administrativos,

empresários do setor primário e da indústria. Destes, ganham destaque na eleição

de 2004 os profissionais liberais e os servidores públicos.

Em relação aos partidos políticos de filiação, à época da eleição de 2004, nota-se o

PMDB, com 14,28% dos vereadores eleitos; o PSDB, com 12,67%; o PFL, com

11,73% e o PPB, com 10,53%. Ressalte-se que estes são também os partidos de

maior filiação dos DME. Destaca-se ainda o crescimento, nas últimas legislaturas,

das bancadas do PT, PL, PPS e PSB. Apesar de terem sido citados os partidos de

maior representação nas eleições, deve ressaltar a presença de vereadores eleitos

pelos inúmeros partidos existentes no Brasil, como demonstra o quadro a seguir:

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

147

Tabela 15 – Vereadores eleitos por partido no Brasil – 1996, 2000 e 2004. Fonte: KERBAUY (2005, p. 346).

O grande número de partidos com representação local indica a fragmentação

partidária no Brasil, o que além de ter impacto decisivo nas eleições municipais, terá

na opinião de Kerbauy (2005), reflexos na atuação das câmaras municipais. Nesse

sentido, a relação da Câmara com o poder executivo será pautada pela busca de

alternativas a essa fragmentação, as quais possibilitem governabilidade ao executivo

municipal, podendo, para isso, influenciar a troca partidária com vistas à construção

de uma bancada de vereadores que lhe permita ter maioria na Câmara (FIORILO,

2006).

Esse processo acontece em função da prática de se buscar uma construção política

local que permita ao poder executivo planejar e implementar políticas públicas de

Partidos 1996 Part. % 2000 Part. % 2004 Part. %PPB (PP) 6.238 13,14% 6.805 12,27% 5.457 10,53%PDT 3.311 6,97% 3.332 6,01% 3.252 6,28%PT 1.546 3,26% 2.234 4,03% 3.679 7,10%PTB 3.029 6,38% 4.450 8,02% 4.176 8,06%PMDB 11.389 23,99% 10.647 19,19% 7.399 14,28%PSTU 0 0,00% 2 0,00% 902 1,74%PSL 260 0,55% 429 0,77% 506 0,98%PSTU 148 0,31% 359 0,65% 0 0,00%PTN 25 0,05% 80 0,14% 0 0,00%PSC 561 1,18% 646 1,16% 724 1,40%PCB 0 0,00% 2 0,00% 60 0,12%PL 2.350 4,95% 2.490 4,49% 3.806 7,34%PPS 384 0,81% 2.292 4,13% 2.745 5,30%PFL 8.164 17,19% 9.050 16,31% 6.076 11,73%PAN 2 0,00% 29 0,05% 84 0,16%PSDC 55 0,12% 212 0,38% 826 1,59%PRTB 21 0,04% 198 0,36% 228 0,44%PCO 0 0,00% 0 0,00% 12 0,02%PGT 3 0,01% 28 0,05% 0 0,00%PSN/PHS 7 0,01% 110 0,20% 346 0,67%PMN 332 0,70% 318 0,57% 519 1,00%PRN 51 0,11% 56 0,10% 0 0,00%PSB 956 2,01% 1.553 2,80% 1.805 3,48%PSDC 1.173 2,47% 1.472 2,65% 0 0,00%PV 164 0,35% 310 0,56% 782 1,51%PRP 340 0,72% 391 0,70% 596 1,15%PSDB 6.754 14,22% 7.690 13,86% 6.566 12,67%PRONA 33 0,07% 26 0,05% 131 0,25%PC do B 86 0,18% 138 0,25% 273 0,53%PT do B 100 0,21% 134 0,24% 317 0,61%PTC 0 0,00% 0 0,00% 210 0,41%TOTAL 47.482 100,00% 55.483 100,00% 51.819 100,00%

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

148

forma bastante centralizada, e ao poder legislativo contar com o apoio do governo

para manter a votação em sua base eleitoral por meio da troca de favores, tais como

nomeações de cargos, pequenas obras, emendas orçamentárias e outras práticas

clientelistas e patrimonialistas (SOUZA, 2004). Segundo Kerbauy (2005), essas

práticas predominam nos municípios rurais, onde é baixa a possibilidade de

renovação das elites políticas; já nos urbanos, a maior possibilidade de renovação

aumenta a competitividade política, reduzindo o impacto da prática de troca de

favores.

Vale destacar que, mesmo nos municípios maiores e predominantemente urbanos,

existe uma tendência à supremacia do executivo perante o legislativo, além da

busca de construção de bancadas de maioria, sejam estas constantes durante o

mandato ou apenas para votações importantes, como fica evidente no trabalho de

Fiorilo (2006) sobre o município de São Paulo. Nessa influência há um aspecto

pouco discutido: a baixa capacitação dos vereadores para a execução de suas

atribuições, relativas aos planos e orçamentos. Nesse aspecto pesa a busca

insuficiente por uma compreensão das regras formais dos orçamentos e das

referentes à legislação do ensino fundamental, por parte dos membros do poder

legislativo. Mesmo em municípios de grande porte, onde há maior número de

vereadores e possibilidade de contar com um corpo burocrático especializado,

poucos são os que se preocupam em dominar as regras institucionais existentes,

para assim poder exercer de fato sua função fiscalizadora. Esse comportamento dos

membros do poder legislativo existe dada a própria forma estabelecida de se fazer

política local, como também a complexidade das regras, que são de difícil domínio

até por parte de membros do poder executivo, como os Dirigentes Municipais de

Educação.

As mudanças institucionais ocorridas no ensino fundamental trouxeram para a arena

de decisão política novos atores coordenados pelo Conselho de Acompanhamento

do Fundef, além de outros criados pela Constituição de 1988 e, em alguns

municípios, pelo Conselho do Orçamento Participativo. A idéia de constituição dos

conselhos muda um pouco a forma de tratar a política em relação ao sistema

representativo; além disso, o estímulo à participação social vem justamente ao

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

149

encontro do desejo de se reduzirem as práticas rotineiras entre executivo e

legislativo, as quais freqüentemente levam ao clientelismo.

Segundo a pesquisa engendrada por Kerbauy (2005), apesar dos conselhos terem

permitido a incorporação de novos atores no processo de discussão e

implementação de políticas públicas, estes ainda enfrentam muitas dificuldades para

mudar a velha forma de fazer política. Estes muitas vezes servem para reduzir

prerrogativas antes pertencentes ao poder legislativo e concentrar o poder de

decisão no executivo local, na medida em que se tornam, por vezes, apenas um

instrumento legitimador das decisões do executivo.

Essas questões trazem à tona a importância de novos atores no processo de

discussão e implementação das políticas públicas de ensino fundamental nos

municípios, os Conselhos Municipais de Educação e de Acompanhamento do

Fundef.

3.1.4 Sociedade civil

Conforme apresentado no capítulo 1, os representantes da sociedade civil são

afetados pelas políticas públicas, tanto por seus benefícios, como por seus custos.

Sua participação na vida política e no controle das políticas públicas se dá na

medida em que estas lhes afetam e quando tal envolvimento produz mais benefícios

que custos (HORN, 2005).

Será analisada aqui a participação da sociedade civil por meio dos conselhos

setoriais de políticas públicas, particularmente os Conselhos Municipais de

Educação e do Fundef, além da participação da comunidade, mais especificamente

pais e mães, no controle da prestação dos serviços de ensino que são oferecidos a

seus filhos.

Segundo Sampaio (2006), os conselhos setoriais de políticas públicas são definidos

pela literatura como espaços públicos, institucionalizados pelo Estado, que objetivam

a participação da sociedade civil tanto na formulação quanto no controle das

políticas públicas. A composição dos conselhos é feita por representantes do poder

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

150

executivo e da sociedade, constituindo-se dessa forma em instituições híbridas. No

entender de Tatagiba (2004), apesar de se estabelecerem como parte da estrutura

institucional do Estado, os conselhos seriam espaços públicos plurais, nos quais:

“(...) representantes da sociedade e do Estado, disputam, negociam e, ao mesmo

tempo, compartilham a responsabilidade pela produção das políticas públicas em

áreas específicas” (Id. p. 348).

Os conselhos passaram a ser formalizados no Brasil com o processo de

redemocratização e foram consolidados pela Constituição de 1988, configurando-se

como um novo arranjo institucional, capaz de permitir a construção de políticas

públicas de forma participativa e democrática e garantir controle e avaliação externa

dos usuários, aproximando, dessa forma, a política de seu beneficiário final64.

A expressividade quantitativa dos conselhos é grande, podendo chegar a 169,3 mil

representantes não governamentais, número bastante significativo quando

comparado ao de vereadores existentes no país em 2004, cerca de 51,8 mil65

(SAMPAIO, 2006). Segundo dados apresentados por Sampaio (2006), os Conselhos

Municipais de Educação já foram instalados em aproximadamente 73% dos

municípios brasileiros.

No que tange ao aparato legal dos Conselhos Municipais de Educação (CME)66 e do

Conselho de Acompanhamento do Fundef, é importante ressaltar que a criação do

primeiro se deu com a Lei n° 5.692/71, sendo reforçado após a Constituição de

1988, quando os CMEs foram regulamentados por legislação municipal específica e

por sua homologação nas Leis Orgânicas Municipais. Já o Conselho do Fundef,

como apresentado no capítulo 2, foi constituído a partir da reforma institucional do

ensino fundamental em 1996.

Existem, porém, algumas questões legais que prejudicam a eficácia dos conselhos.

A primeira delas está ligada ao fato de que, com a criação do Conselho do Fundef, a

64 Para uma discussão detalhada do processo de criação e formação dos Conselhos no Brasil ver TATAGIBA (2002).

65 Esses números foram extraídos da dissertação de mestrado de Sergio Sampaio, apresentada em 2006, tendo como fontes o IBGE e o TSE.

66 Segundo informações do Portal MEC, o CME é um órgão colegiado de caráter técnico, normativo e decisório do sistema municipal de ensino, que

assessora a Secretaria Municipal da Educação, de forma a assegurar a participação da comunidade no aperfeiçoamento da educação municipal. É

integrado por, pelo menos, 12 conselheiros, escolhidos entre pessoas de reconhecido espírito público e competência na área de educação, representantes

de associações e entidades da área educacional do município.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

151

educação passa a dispor de dois espaços de participação, sendo um voltado

exclusivamente para o acompanhamento e o controle dos recursos Fundo, o que

traz certo esvaziamento e fragmentação do poder dos conselheiros no âmbito da

educação (ROCHA, 2003). O modo como foi criado o Conselho do Fundef reduz a

eficácia dos conselhos, na medida em que:

“(...) a participação da sociedade na garantia da aplicação dos recursos da educação seria tanto mais eficaz se voltada a analisar o conjunto dos recursos e sua aplicação, sem a fragmentação de organismos e competências” (ROCHA, 2003 p.30).

Rocha (2003) aponta outro problema concernente aos Conselhos da Educação, qual

seja a falha na representação, uma vez que a legislação não prevê qualquer

mecanismo que garanta a relação entre representante e representados. Sendo

assim, é difícil garantir que a representação seja efetiva, na medida em que muitos

representantes podem ter condutas individuais e pouca vinculação com os grupos

responsáveis por suas indicações, levando assim à perda do objetivo principal, que

é o controle público das políticas (ROCHA, 2003).

Há ainda outra inadequação referente aos conselhos de modo geral, ou seja, não

exclusivamente aos vinculados à educação, que diz respeito ao caráter deliberativo

referente às políticas públicas. Não existe clareza legislativa e institucional sobre o

real poder decisório dos conselhos, o que dificulta a ação de seus membros. Sobre

essa questão, Tatagiba ressalta algumas falhas na regras legais de constituição dos

conselhos:

“(...) a divisão das funções entre Conselhos e as instituições administrativas e burocráticas quanto à definição, execução e/ou acompanhamento das políticas públicas não está resolvida no âmbito da legislação pertinente. (...) Dessa institucionalização incompleta dos Conselhos decorrem dificuldades em definir até onde as suas deliberações possuem poder vinculante. Não é consenso, no âmbito da literatura pertinente, se deve ou não o Estado acatar as decisões dos Conselhos”. (TATAGIBA, 2004, pp 365-366).

Além dessas dificuldades, Mendes (2004) constata que a partir de uma análise

amostral, feita pela Controladoria Geral da União (CGU), de 67 municípios, dentre os

mais pobres do país, os Conselhos de Acompanhamento do Fundef foram

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

152

totalmente ineficazes na garantia do uso regular dos recursos do Fundo para a

finalidade de desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério.

Nessa análise foi constatado que em 73% dos municípios os conselhos não tinham

funcionamento regular e sofriam, em sua constituição, influência determinante dos

prefeitos na escolha de seus membros. Segundo o autor, em muitos municípios de

pequeno porte, que são a base da amostra avaliada, os conselheiros sequer se

reúnem para a discussão das questões concernentes ao Fundef ou, se o fazem,

simplesmente assinam documentos de envio obrigatório para prestação de contas

ao poder legislativo e ao MEC.

Além do problema de cooptação dos conselheiros, existe outro que leva da mesma

forma à perda de eficácia das políticas, qual seja a falta de capacitação necessária

por parte dos conselheiros para o acompanhamento das políticas públicas,

principalmente no que diz respeito ao processamento e execução das despesas.

Como vimos, a legislação que cria o Fundef obriga, no âmbito dos municípios, a

prestação de contas aos conselhos de acompanhamento do Fundo sobre a

utilização dos recursos. Esses demonstrativos são documentos complexos para boa

parte dos conselheiros, para não dizer incompreensíveis. Assim, qual a garantia que,

mesmo não dominados pelo poder público, esses conselheiros estejam aptos a

examinar os documentos e assim evitar o desvio de recursos67?

As matérias referentes a planos e orçamentos no Brasil apresentam um grau de

dificuldade incompatível com o grau de organização de boa parte dos municípios

brasileiros 68 . Para vários deles, a carência de recursos financeiros, materiais e

humanos pode sujeitar, de forma consentida ou não pelos prefeitos, a administração

dos recursos do ensino fundamental a uma série de irregularidades e desvios, que

provavelmente não serão captados pelos conselhos de educação, visto que muitas

vezes nem mesmo o corpo burocrático da administração municipal tem

conhecimento e capacitação para isso. Na opinião de Mendes, essa situação nos

municípios mais carentes implica a necessidade de apoio por parte dos governos

estaduais e federal para programas de capacitação gerencial e organização contábil

e financeira, além da aprovação dos conselhos.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

153

Em muitos municípios brasileiros, a atual situação dos Conselhos da Educação e do

Fundef aumenta a possibilidade de desvios programáticos e financeiros, além de

comprometer a eficácia da estratégia de “priorização” das políticas do ensino

fundamental. A postura dos conselhos, conforme mencionado, acaba por ser mais

legitimadora das ações do executivo do que controladora dos recursos e resultados

das políticas. Essa situação frustra a expectativa de que possam aumentar a

transparência e a permeabilidade das políticas públicas, servindo como o elemento

de controle externo necessário à busca de maior eficiência de organizações públicas

tipicamente hierárquicas, conforme a definição de Miller (1992).

A postura dos pais e mães frente aos serviços de ensino fundamental é outra forma

de relacionamento da sociedade civil com a organização de ensino municipal.

Segundo Pacheco e Araújo (2005), existe evidência educacional e acadêmica sobre

a importância da origem familiar na explicação do desempenho escolar. Dessa

forma, a compreensão de como pensam as famílias e de como percebem o

processo educacional dos filhos, é de extrema relevância no controle da eficiência

do aprendizado.

Dessa forma, os autores realizaram, a pedido do Instituto Nacional de Ensino e

Pesquisa (Inep), uma importante pesquisa sobre a opinião dos pais acerca da escola

pública no Brasil69. Algumas das conclusões apresentadas são reveladoras da visão

que os pais têm da organização do ensino e seus agentes. Dentre estas se

destacam o que pensam sobre:

a qualidade das escolas - De maneira geral, a avaliação é de que o ensino

público fundamental é bom, porém especificamente a escola de seus filhos

tende a ter mais aspectos negativos.

os diretores escolares - Segundo os pais, são agentes fundamentais no

funcionamento das escolas. Apesar de, em geral, atenderem aos anseios dos

pais e mães, há uma expectativa de que tenham maior autoridade perante os

67 Aqui é importante ressaltar que apesar dos problemas de capacitação dos conselheiros serem primordialmente detectados em municípios menores,

mesmo nos de médio e grande porte há ainda muito o que se trabalhar nesse aspecto.

68 Uma análise detalhada sobre as disjunções das regras formais do orçamento público será realizada no próximo capítulo

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

154

alunos. Acreditam que a autoridade escolar está sendo confrontada

diariamente e que a firmeza do diretor é determinante na qualidade da

educação oferecida aos filhos. Segundo os entrevistados, falta “pulso firme”.

os professores - Estes ocupam o centro da atenção dos pais, mães e alunos.

Em sua opinião, dependem deles a qualidade do ensino, a disciplina na sala

de aula, a motivação dos alunos e seu sucesso ou fracasso escolar. A opinião

geral é que, por serem admitidos por concurso, os professores da rede pública

são considerados mais capacitados do que os da iniciativa privada. Por outro

lado, pelo mesmo motivo existe a compreensão de que usufruem de privilégios

e regalias inexistentes para os profissionais do mercado privado, visto que não

são funcionários públicos. Dentre essas vantagens estão a falta constante e a

possibilidade de fazer greve. Quanto a isso, Pacheco e Araújo (2005)

constataram uma grande insatisfação dos pais com os professores, por esses

não comparecerem às aulas. A avaliação existente é de que os professores,

em geral, têm direito a abonos excessivos, realizam greves sistemáticas, não

sofrem punições e tampouco são responsabilizados por suas falhas. Ao

faltarem e não terem suas aulas devidamente substituídas por outras

atividades, causam transtornos ao cotidiano das famílias, geram preocupações

e insegurança, elemento marcante de julgamento. Apesar disso, seus salários

são reconhecidos como insuficientes ou injustos.

as coordenações e orientações - A pesquisa revela que os pais têm pouco interesse

ou, mais provavelmente, pouco conhecimento sobre tais cargos.

clima social e educacional da escola - Existe a percepção de que a escola pública

atual é tida como o espaço da indisciplina, da transgressão e da desordem; o lugar

onde mais houve esvaziamento de autoridade na sociedade. “Uma terra de

ninguém”, na opinião de alguns entrevistados. Decorre daí a perda de esperança de

que a escola possa assumir o papel central no processo de socialização e de

construção de cidadania.

69 Para isso foi realizada pelos autores uma pesquisa qualitativa, com grupos focais escolhidos em todas as regiões brasileiras no ano de 2004 (PACHECO

e ARAÚJO, 2005)

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

155

valorização do processo democrático na escola: A opinião dos pais é de que há uma

grande valorização da eleição direta para a direção da escola, mecanismo percebido

como a melhor forma de garantir um trabalho produtivo na instituição. Contudo,

poucos participam das eleições, e fazem uma espécie de mea culpa pelo

desinteresse. Outros afirmam que, tal como os políticos tradicionais, os candidatos

costumam fazer promessas que não cumprem, o que denota uma certa descrença.

as secretarias de educação: A opinião dominante na pesquisa é de que são

organismos “omissos” e “apáticos”. Às secretarias são atribuídos a

insegurança, a indisciplina, o mau estado de conservação das escolas, o

crescente abandono do uso do uniforme, as faltas excessivas dos professores,

o desrespeito de professores com alunos, entre outros fatores de queda de

qualidade do ensino.

a opinião dos pais e mães acerca da qualidade do ensino público, colhida por meio

das entrevistas, apresenta um cenário importante e de certa forma contraditório. Eles

tendem a crer que o ensino público em geral é bom, apesar de acharem que a

escola na qual seus filhos estudam não é adequada, principalmente pela falta de

empenho dos professores e pela ausência de um ambiente disciplinador. Acreditam

também serem extremamente importantes os processos democráticos de

participação na escola, porém admitem que não têm disponibilidade para participar

destes. Tais pensamentos trazem à tona a dificuldade e a complexidade envolvidas

no controle e acompanhamento do ensino público por parte desses atores.

Para além das questões ligadas á caracterização dos atores até aqui descritos, faz-

se necessário mencionar ainda alguns aspectos da organização do ensino nos

municípios, a partir do modelo analítico construído por Dixit (2002) e apresentado no

primeiro capítulo desta tese, com o intuito de ampliar a compreensão da estrutura de

governança do ensino fundamental municipal no Brasil.

3.2 Características das organizações do ensino fundamental no município

Conforme demonstrado no capítulo 1, a possibilidade de controlar e reduzir os

custos de transação existentes no sistema de ensino fundamental depende da

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

156

construção de estruturas de governança que busquem sistemas de incentivo aos

atores destacados anteriormente, visando a otimização da implementação e da

execução de políticas públicas de ensino. Nesse processo, Dixit (2002) ressalta

algumas características relevantes das organizações públicas na formação de suas

estruturas de governança, quais sejam i) a multiplicidade de principais; ii) a

variedade de tarefas ligadas às políticas públicas; iii) a reduzida competição; e iv) a

complexidade na motivação dos agentes. No deteremos a seguir em cada uma

delas.

3.2.1 Multiplicidade de principais

A educação, como uma das áreas de maior prioridade para qualquer governo,

possui uma série de principais que acompanham seu desenvolvimento de forma

parcial e compõem uma arena política complexa e contraditória.

Pais, mães e alunos formam um grupo de principais diretamente atingido pela

qualidade do ensino fundamental público, visto serem usuários finais do sistema.

Professores e sindicatos têm também interesses de principais, pois seu retorno, seja

pecuniário, seja profissional ou ideológico, depende do funcionamento do sistema. O

poder executivo municipal, tanto na figura do prefeito, quanto na do secretário

municipal da educação, é principal frente à organização do ensino, podendo ou não

ter os mesmos objetivos em relação ao sistema. Os poderes executivos federais e

estaduais são também principais nesse sistema e principalmente o governo federal

articula incentivos como a criação do Fundef, buscando controlar o comportamento

das organizações municipais de ensino. O poder legislativo local, o ministério público

e os conselhos de educação procuram controlar o desenvolvimento e os resultados

da organização de ensino dentro das responsabilidades pertinentes a cada um. Por

fim, a sociedade civil como um todo que pretende também ter controle sobre o

sistema, podendo usar para isso o poder do voto em políticos mais ou menos

comprometidos com a educação.

As expectativas desses vários principais a respeito da organização do ensino em

geral são distintas frente à multiplicidade de tarefas e objetivos a serem cumpridos

pela educação. A intenção do prefeito quanto à organização escolar em determinado

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

157

período pode, por exemplo, ser cobrar o aumento no atendimento de alunos no

ensino fundamental, buscando uma parcela maior de repasses federais. Já o desejo

dos professores é que haja mais recursos para sua formação profissional, além da

possibilidade de trabalharem com classes com menor número de alunos e lhes

serem proporcionadas melhores condições de trabalho. Já os pais e mães querem

que seus filhos sejam matriculados na escola pública e que lá possam aprender e ter

um nível de escolaridade superior aos seus70.

Assim, a partir de seus próprios objetivos e da bagagem cultural, além do arranjo

institucional existente, que determina a cada um dos principais um papel perante o

sistema de ensino, dá-se a interação desses agentes em uma complexa estrutura de

governança.

3.2.2 Multiplicidade de tarefas e de objetivos

À educação é imputada uma série de objetivos e tarefas como possibilitar o

investimento em capital humano, fundamental para a formação da nação e para a

produtividade da economia; formar mão-de-obra para as empresas; dotar as

crianças de conhecimentos que lhes permitam ser cidadãos conscientes, saudáveis,

possibilitando a redução da pobreza, de doenças e da violência (DIXIT, 2002).

Ao ensino fundamental, cabe, como o próprio nome diz, uma parte significativa

dessas tarefas, pois é nesse período que se formam as habilidades necessárias em

português, matemática e ciências, para a construção de futuros profissionais. Nessa

fase, são desenvolvidos também os conceitos de cidadania e nação. Segundo o que

determina a LDB e o Plano Nacional de Educação, deveriam ser objetivos das

organizações de ensino, quanto ao nível fundamental: a universalização do acesso;

a ampliação para nove anos de duração do ensino obrigatório; a melhoria dos

indicadores de eficiência e rendimento, entre outros. A universalização do acesso,

combinada à melhoria de qualidade e eficiência do sistema formam metas bastante

complexas e ambiciosas, na medida em que se deve encará-las como a

possibilidade, além de matricular alunos, de adequar o ensino tanto aos alunos mais

70 Essa é uma questão importante, pois o nível de instrução dos pais pode possibilitar ou não que ele cobre uma educação de qualidade para seus filhos,

visto que tem condições de avaliar se a escola é boa dada sua própria escolarização.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

158

capazes, quanto àqueles com mais dificuldades de aprendizado, fruto de famílias

com menor escolaridade. Além disso, não se pode deixar de mencionar que, em

geral, o mesmo corpo administrativo e de coordenação da organização, envolvido

com o ensino fundamental, tem também que se ocupar dos outros níveis e

modalidades de ensino, contando, porém, com montantes bem menos expressivos

de recursos.

Segundo Dixit (2002), apesar desses objetivos estarem conectados e não serem

contraditórios, em função da escassez de recursos humanos e materiais, é provável

que a organização do ensino priorize alguns em detrimento de outros. A priorização

dos objetivos depende dos anseios e da força dos principais envolvidos. Sua

identificação e controle não são, contudo, garantidos, visto que muitos desses

objetivos são de difícil mensuração. Na opinião de Dixit (2002), mesmo quando se

consegue medir os resultados, raramente se sabe quanto é devido ao desempenho

dos alunos ou à organização de ensino e aos professores.

3.2.3 Complexidade na motivação dos agentes

Muitos professores entram nas organizações de ensino por razões idealistas ou

vocacionais. Uma vez na organização, sua motivação passa por uma grande

preocupação com a carreira, que tende a ser longa, mais do que com incentivos

ligados ao desempenho de curto prazo. Essa é, então, uma questão bastante

complexa, visto que para estruturar incentivos ao desempenho dos agentes é

necessário que se consiga verificar essas ações, o que nem sempre é possível nos

sistema municipal de ensino. Os professores e demais agentes da burocracia da

educação têm uma identificação de classe, no sentido definido por Dixit (2002) e

Wilson (1989), conforme apresentado no capítulo 1, o que fortalece o

comportamento corporativo desses agentes e reduz a eficácia de incentivos

baseados em produtividade.

Quanto a isso, é interessante notar a definição do Conselho Nacional de Educação

(CNE), no que diz respeito à progressão na carreira do ensino, conforme definido no

art. 6º, item VI da Resolução nº 3/97:

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

159

Art. 6º. (...)

“VI – constituirão incentivos de progressão por qualificação de trabalho docente:

a) a dedicação exclusiva ao cargo no sistema de ensino;

b) o desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo parâmetro de qualidade do exercício profissional, a serem definidos em cada sistema;

c) a qualificação em instituições credenciadas;

d) o tempo de serviço na função docente;

e) avaliações periódicas de aferição de conhecimentos na área curricular em que o professor exerça a docência e de conhecimentos pedagógicos.”

Como se vê, os incentivos à carreira são direcionados ao tempo de dedicação do

professor à organização, ao mesmo tempo em que a menção à avaliação de

desempenho é vaga e determinada em cada sistema de ensino, podendo, a partir de

então, assumir característica de análise subjetiva dos gestores de cada sistema.

A implementação do Fundef reforçou a configuração de incentivos internos à

burocracia do ensino, na medida em que houve um aumento do volume de recursos

para valorização do magistério. Esse fato, em muitas municipalidades, resultou em

aumentos salariais, sendo que em parte significativa destas não se preocupou

devidamente com a construção de planos de carreira e estruturas de incentivo que

pudessem levar a um direcionamento do processo e a um desempenho mais

proveitoso em termos de qualidade de ensino e desempenho dos alunos. Essa

questão é constatada ao lembrarmos que, no período analisado de implementação

do Fundef, isto é, entre 1995 e 2003, o desempenho dos alunos caiu.

Quanto a essa questão é importante evidenciar o estudo de Menezes e Pazello

(2004), sobre a elevação de salários dos professores da rede pública pelo Fundef.

Segundo os autores, o incremento salarial dos professores antigos não melhorou o

resultado dos alunos no Saeb; contudo, ao analisarem uma amostra de docentes

novos, que teriam sido atraídos para a rede pelos melhores salários, percebem a

correlação positiva entre remuneração e desempenho dos alunos.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

160

Esse é um dado interessante relativo ao peso da estrutura de governança sobre os

professores mais antigos, isto é, o salário não se mostra incentivo para um melhor

desempenho. Resta saber se mantendo a estrutura igual, não haverá desmotivação

dos jovens professores, ainda que se tenham incrementos salariais perenes.

3.2.4 Reduzida competitividade

Apesar de haver, em alguns estados, certa competição entre as redes municipal e

estadual de ensino, em função dos recursos do Fundef, como se viu no capítulo 2,

nos últimos anos, houve forte tendência à municipalização do ensino fundamental.

Assim, para a grande maioria da população, a escola pública municipal é a única

opção de ensino fundamental disponível.

3.3 Custos de transação, controle externo e eficiência do sistema de ensino

A descrição dos atores e das características da organização do ensino fundamental

nos municípios aponta para uma estrutura de governança hierárquica. Isso fica

evidente ao se constatar, por exemplo, que os incentivos internos à organização são

fracos e há uma situação de significativa complexidade para coordenar e motivar os

agentes, em função de características da burocracia estatal e da reduzida

competitividade do setor público. É evidente que há maior correlação de fatores

pessoais, ideológicos e de carreira para a construção da relação interna na

organização, do que incentivos de progressão ligados ao desempenho, o que é

reforçado pelo fato de um ator importante na coordenação da burocracia do ensino,

o diretor, ser, em geral, indicado nos mais variados municípios brasileiros.

A assimetria de informações é também presente na organização, visto que o

interesse do chefe do executivo, muitas vezes pontuado pelo oportunismo político, é

distinto daquele da burocracia do ensino, preocupada com suas condições de

trabalho e com outras questões relativas à organização interna do ensino. Entre

esses dois atores, existe o Dirigente Municipal de Ensino, que, em geral, tem

identificação política com o prefeito e comanda a burocracia municipal de ensino,

muitas vezes, sem capacitação e autonomia para a gestão, seja gerencial ou

financeira. Dessa forma, há uma grande tendência para que a negociação entre os

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

161

atores seja marcada pela desconfiança e pela baixa permeabilidade, características

da informação assimétrica, o que leva a altos custos de transação interna. Essa

constituição organizacional coloca o sistema de ensino em uma forma híbrida entre

procedural e coping, na visão de Dixit (2002), pois há um difícil controle sobre as

ações e mais ainda sobre os resultados.

Os DME reforçam essa estrutura de governança hierárquica, na medida em que têm

um comprometimento político com o governo e baixa autonomia para a gestão.

Dessa maneira, a organização do ensino municipal está sujeita ao oportunismo

político do chefe do executivo, que não é o único principal no controle da

organização. A possibilidade de reeleição do prefeito pode significar um incentivo

forte para a eficiência no ensino, apenas se a comunidade reconhecer a boa gestão

e a qualidade da educação como prioridade. Se confirmada a tendência apontada

por Mendes e Rocha (2004), de que o bom desempenho do prefeito é apenas

parcialmente percebido pelos eleitores, a educação poderá se constituir em arena

política para a construção de projetos de grande visibilidade e, dessa forma, a

possibilidade de que a vinculação orçamentária possa proteger a organização do

oportunismo político fica reduzida.

Assim, nessa estrutura de governança hierárquica, em que se dá margem ao

comportamento oportunista por parte dos atores políticos e à assimetria de

informações, há dificuldade no controle e na avaliação externa, que poderiam levar a

uma maior eficiência e transparência da gestão.

O controle externo da organização do ensino fundamental é comprometido de início

pelo posicionamento do poder legislativo municipal, visto que os vereadores

responsáveis pela fiscalização do financiamento e pela execução das políticas

públicas da educação são, muitas vezes, omissos na atividade e se utilizam dessa

atitude como forma de barganha com o poder executivo. Também os Conselhos

Municipais de Educação e os de Acompanhamento do Fundef são, em boa parte,

ineficazes e apenas formais. Além desses fatos, o próprio controle realizado pelo

MEC é bastante reduzido. Isso fica evidente quando Mendes (2004) relata que, após

receber os relatórios que a Controladoria Geral da União (CGU) encaminha,

apontando as irregularidades na utilização dos recursos do Fundef e a ineficácia dos

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

162

conselhos nesse tipo de controle, o MEC limitou-se a repassá-los ao Ministério

Público e aos Tribunais de Contas Estaduais. Segundo o autor, não pareceu haver

uma preocupação do MEC para, em conjunto com os órgãos de fiscalização, apurar

as denúncias e esclarecer as causas mais típicas, com o intuito de reformular as

regras do Fundo, por exemplo, e buscar garantir o bom uso dos recursos, além de

aprimorar o funcionamento dos conselhos.

Da mesma forma que o controle externo dos recursos, também a avaliação externa

sobre a qualidade do sistema não tem garantido a possibilidade de eficiência da

organização de ensino municipal. Isso porque, se nos detivermos sobre a avaliação

de desempenho dos alunos, realizada pelo Saeb, verificaremos que, apesar de

bianualmente ocorrer um grave declínio nos desempenhos das crianças da 4ª à 8ª

séries do ensino fundamental, pouco parece ter mudado no sentido de reverter esse

quadro.

Com relação a essa questão, Waiselfisz e Silva (2000) apontam que o número de

dirigentes municipais de ensino que teria tido acesso aos resultados do Saeb de

1995 e 1997, é baixo e, mesmo os que o tiveram, pouco fizeram com as informações

recebidas. Os autores comentam que o acesso aos dados ensejou pouquíssimas

ações, sendo a maioria de caráter limitado:

“Também nessa seção percebe-se que as ações executadas não atingiram diretamente a estrutura e a organização escolares, pois, a rigor, limitaram-se a reuniões com os diretores/diretores e professores (9,6%) e a estudos internos nos órgãos municipais de educação (26,5%), ou a outras formas não especificadas (13,9%).” WAISELFISZ e SILVA (2000).

Isso reforça a ausência de seriedade nas preocupações - quando elas existem -

relacionadas à avaliação acadêmica e institucional para a melhoria dos resultados

do ensino público71. O que, por sua vez, fragiliza a possibilidade de controle desse

tipo de estrutura de governança hierárquica, na qual, segundo Miller (1992), é

71 Durante o segundo semestre de 2006 e nos primeiros meses de 2007, houve grande divulgação dos resultados do desempenho dos alunos de 4a a 8a

séries do ensino fundamental na Prova Brasil, ocorrida em 2005. Segundo informações do Inep/MEC, esses resultados foram enviados a todas as

administrações municipais do país. Esse fato, porém, por ser muito recente, não nos permite avaliar qual foi o uso efetivo que as administrações locais

fizeram dessas informações, no sentido de repensar e reestruturar seus sistemas de ensino. A proposta do MEC de criar o Ideb (Índice de Desenvolvimento

do Ensino Básico), que visa avaliar e melhorar esse ensino no país, pode ser uma mudança importante na questão do acompanhamento do ensino

municipal; no entanto, esta questão está fora do alcance desta pesqisa.

Capítulo 3 – Estrutura de Governança e Regras Informais do Ensino Fundamental nos Municípios

163

fundamental contar com a accountability e a avaliação externa. A postura da

sociedade civil, na figura de pais e mães de alunos, de maneira geral, não ameniza

a situação, na medida em que seu envolvimento nos processos democráticos da

escola é baixo e sua avaliação do sistema é boa, apesar da crítica à escola do

próprio filho.

Dessa forma, a estrutura de governança do ensino fundamental que se apresenta

em vários municípios tem aspectos de assimetria de informações e complexidade de

coordenação dos agentes, além da baixa transparência e permeabilidade, que

representam, por sua vez, grandes custos de transação no gerenciamento e controle

das políticas públicas do ensino fundamental. Esses custos são ainda majorados

pela existência de outras falhas institucionais, resultantes da concepção e da

aplicação das regras formais relativas ao financiamento do ensino no Brasil,

conforme se verá no próximo capítulo.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

164

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

Como apontado por North (1990), as regras do jogo não se dão apenas pela

imposição de instituições e normas legais que devem ser seguidas e que organizam

a vida em sociedade. A percepção que os agentes têm dessas regras e a forma

como as reconhecem, a partir de seus valores culturais e anseios sociais,

possibilitarão ou não que estas se tornem realmente um ordenamento viável,

reduzindo incertezas, facilitando as trocas e, dessa maneira, diminuindo custos de

transação.

Nesse sentido, foi importante a análise da estrutura de governança, por meio da

avaliação do poder público – poder executivo, incluindo a sua burocracia, e o poder

legislativo – e da sociedade civil, para compreender o ambiente institucional, social e

econômico existente na formulação das regras do jogo, pois, para que haja de fato

aderência, é necessário saber se os agentes que estarão sujeitos a essas regras

reúnem as condições necessárias para sua implementação e se estas serão

captadas pela sociedade como viáveis e coerentes com seus anseios. Do contrário,

é possível que o arranjo institucional elaborado esteja sem sustentação e, ao invés

de reduzir, crie mais incertezas e assimetria de informações, além de levar à

construção de regras informais destinadas, muitas vezes, a burlar restrições legais

(CLUNE, 1987).

Neste capítulo, pretende-se analisar as razões que levam à ausência de aderência

das regras formais frente à estrutura de governança, relatadas respectivamente no

segundo e terceiro capítulos desta tese.

Denominadas aqui como falhas institucionais, em função das implicações

indesejadas que a ausência de aderência tem para a implantação de políticas

públicas, garantidoras de qualidade no ensino fundamental, este capítulo terá como

foco a análise das seguintes disjunções: i) falhas existentes no processo de

planejamento e orçamentação no Brasil, ii) problemas na concepção da reforma do

ensino fundamental e iii) falhas geradas a partir do modelo federativo brasileiro.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

165

4.1 As disjunções do processo orçamentário na formulação e implementação de políticas públicas

No capítulo 2, o processo orçamentário foi descrito a partir das regras definidas pela

Constituição Federal, pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei nº 4.320/64,

além de outras normativas federais. Neste capítulo, o processo orçamentário será

analisado, focando-se principalmente duas questões. A primeira, relativa às brechas

existentes nas regras formais do orçamento, que permitem a construção de regras

informais na condução do planejamento e implementação de políticas públicas. A

segunda questão está relacionada às limitações inerentes à regra formal do modelo

de orçamento-programa (OP) adotado no país, isto é, não se trata apenas da forma

como o modelo é gerenciado pelos atores socioeconômicos, mas também da

adequação do modelo ao nosso ambiente econômico e institucional.

4.1.1 Falhas do processo orçamentário

Das reformas ocorridas nas regras de finanças públicas no Brasil nos últimos anos, a

Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) constituem-se, sem

dúvida, nas mais importantes e trouxeram uma série de inovações, como discutido

no capítulo 2. Contudo, apesar de toda a construção complexa dessas regras, ainda

se verificam brechas no funcionamento do sistema orçamentário brasileiro que são

extremamente relevantes para a construção de políticas públicas eficazes e

eficientes.

De acordo com Nunes (2006), o aperfeiçoamento da legislação sobre finanças

públicas no Brasil segue um processo gradual e cumulativo, resultado da interação

entre os agentes econômicos e sociais que buscam limites de sua atuação a partir

da consolidação de regras para seu relacionamento. Nesse processo, a reforma

empreendida pela Constituição Federal e pela LRF objetivou alterar padrões de

comportamento até então vigentes; entretanto, para que as novas regras sejam

aplicáveis precisam emergir de um consenso dos atores envolvidos, sobre a forma

de um pacto na direção dessa mudança, o que é muitas vezes extremamente

complexo.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

166

Algumas das dificuldades institucionais que levam a inadequações e distorções do

processo orçamentário, causando a insuficiência administrativa, são originárias da

falta de regulamentação de certos dispositivos constitucionais. Isso porque foi

previsto na Constituição de 1988, no capítulo das Finanças Públicas, que seriam

editadas, para toda a federação, leis complementares para o ordenamento da

matéria. A primeira lei, referida no artigo 163, teria características de impacto

macroinstitucionais e preocupação com o controle do equilíbrio financeiro dos entes,

questões trabalhadas pela LRF. A outra, presente no artigo 165, § 9º, cujo objeto

seria a normatização da elaboração e controle orçamentário, inclusive com previsão

e atualização de normas contábeis para fiscalização e avaliação do sistema, visando

a revisão da Lei 4.320/64, resta pendente no campo legal.

Apesar de várias discussões já terem acontecido em torno desta lei complementar,

inclusive sobre o Projeto de Lei Complementar 135/1996, que visa suprir esta

lacuna, não se chegou a um consenso sobre diversos pontos, dentre os quais se o

orçamento deveria continuar autorizativo ou se tornar impositivo, e em que grau72.

Assim, em função da falta de regulamentação, permanece vigente a Lei 4.320/64,

com algumas atualizações nas formas de classificação das receitas e despesas,

feitas por meio de portarias da Secretaria do Tesouro Nacional, como mencionado

no capítulo 2 desta tese.

A idéia de que grande parte das ineficiências ainda existentes no processo

orçamentário deriva da falta de implementação da Lei Complementar de Finanças

Públicas é corroborada por Serra (1993). Para o autor, é

“[...] fácil compreender que a ausência dessa lei incentiva as improvisações, estimula as mudanças de regras a cada ano (ou dentro do mesmo ano) e dificulta a correta utilização dos novos instrumentos criados pela Constituição.” (SERRA, 1993, p. 145).

A regulamentação da Lei Complementar de Finanças Públicas implica o sucesso das

políticas públicas, que além de recursos depende da gestão de programas, isto é, do

72 O orçamento no Brasil é autorizativo, isto é, uma vez votadas as Leis Orçamentárias pelo poder legislativo, o poder executivo está autorizado a cumpri-

las, não estando obrigado, contudo, a executar o orçamento em sua íntegra, podendo assim contingênciá-lo, ou seja, manter despesas congeladas,

executando apenas parte deste. Já um orçamento impositivo obriga a execução daquilo que foi proposto, o que implica a necessidade de real planejamento

dos gastos.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

167

modo como são construídos e executados para o alcance de determinados

objetivos. Em um ambiente de poucos recursos, é ainda mais necessária a

priorização da política alocativa e a eficiência no gerenciamento dos programas.

Assim, é preciso um esforço dos agentes ao estabelecerem um consenso, que

supere os obstáculos institucionais para a promoção de mais uma reforma

orçamentária na direção da Lei Complementar de Finanças Públicas (NUNES,

2006).

A falta de regulamentação põe em risco os avanços gerenciais acumulados por uma

administração, principalmente durante uma transição de governo. Quando isso se

dá, a incerteza e a freqüente mudança de regras internas à organização são

potencializadas pela falta de experiência administrativa da nova cúpula de governo,

o que leva, possivelmente, à perda institucional, pois impede, na ausência de

sistematização, que o acúmulo de experiências anteriores possa ser usado na

avaliação e melhoria de programas.

Essas brechas ou lacunas legais, dadas em função da falta de regulamentação da

lei de finanças públicas, existem em todo o processo orçamentário, isto é, nas três

peças que o compõem: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias

(LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Conforme mencionado, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a elaboração

das três peças do sistema orçamentário: o PPA, a LDO e a LOA, cuja inter-relação

só passou a ser reforçada com o estabelecimento das regras da LRF. Ao tornar

obrigatória o PPA, a LRF ressaltou a importância do planejamento no processo

orçamentário; pois, apesar de estar previsto na Constituição de 1988, suas

definições são extremamente vagas. Além disso, segundo Nunes (2006), muitos

interpretaram que a obrigatoriedade cabia apenas ao governo federal; já que, em

várias passagens da Constituição, o texto trata da matéria orçamentária relativa à

“administração pública federal”, assim, vários municípios, principalmente os

pequenos, na inexistência de sanção expressa na Constituição para a não

elaboração do PPA, não o faziam. Com a determinação da LRF, essa situação

mudou, na medida em que cria, expressamente no artigo 5º, a obrigação de

elaboração do projeto de lei orçamentária, compatível com o PPA e com a LDO,

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

168

além de considerar ilegal a ordenação de despesa orçamentária incompatível com o

plano (LRF, art. 16; VIGNOLI et al, 2002).

Dessa forma, só a partir de 2001, na vigência da LRF, todos os municípios passam

a ser obrigados a elaborarem o PPA. Contudo, é importante ressaltar que o formato

do plano - tal como descrito anteriormente, com definição de objetivos e metas por

área, associação a indicadores de resultados e responsáveis pelos programas - é

uma orientação prática, advinda do PPA federal e disseminada junto às

administrações públicas municipais; pois não há, no texto constitucional e nem

mesmo na LRF, a descrição de seu conteúdo73, fazendo com que, na prática, não se

possa obrigar sua elaboração e acompanhamento pelos municípios dentro de um

formato gerencial74.

O Plano Plurianual, em tese, seria um instrumento de planejamento estratégico do

governo, uma vez que traria um esboço do campo de atuação da administração

pública e seria também indicador para o setor privado. Não obstante, na prática, o

plano não difere muito do antigo orçamento plurianual de investimentos, sendo, em

boa parte das administrações, ineficaz. Como não foi definida a forma de elaboração

do PPA e nem determinada de forma rígida a sua hierarquização, o que tem

acontecido nas várias esferas de governo é a generalidade com que é elaborado, o

que permite contínuas alterações de suas diretrizes, pouco depois de sua aprovação

(NUNES, 2006).

O que se vê, na verdade, é a elaboração de PPAs em termos excessivamente

abrangentes, que abrem a possibilidade de execução de qualquer ação desejável,

tornando-os inócuos enquanto delimitadores da ação governamental. Nesse sentido,

o PPA tem primado por omitir os diagnósticos dos vários problemas a serem

enfrentados pela ação governamental. Isto é, na maioria das vezes, em sua

elaboração, principalmente pelos municípios, não são utilizados indicadores

qualitativos e quantitativos que possibilitariam a definição precisa dos investimentos

73 A proposta original do PL da Lei de Responsabilidade Fiscal detalhava o PPA, criando novos instrumentos que acompanhariam o plano. No entanto,

quando da sanção da Lei, o artigo 3º, que tratava do PPA, foi vetado e isso implicou que a elaboração do plano deve seguir apenas o descrito na

Constituição Federal (VIGNOLI et at, 2002).

74 È importante reconhecer que houve extenso trabalho do BNDES, após a aprovação da LRF, em desenvolver um modelo de Plano Plurianual que

pudesse ser adotado em todos os municípios brasileiros, inclusive com a edição de cartilhas e manuais descritivos, além da realização de palestras e cursos

de capacitação de gestores. O respaldo legal, da Constituição Federal ou mesmo da LRF, para esses modelos de plano não existe, no entanto.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

169

públicos e serviços a serem realizados, bem como sua distribuição temporal e

geográfica, tornando, assim, quase impossível a avaliação da oportunidade de cada

programa.

Outras vezes, mesmo ocorrendo a elaboração do PPA em sua completude e rigor,

com definição de metas e indicadores para os programas dentro de uma prioridade

pré-definida, não é incomum que, do segundo ano de governo em diante, o plano

racionalmente detalhado perca toda sua eficácia, com o desenvolvimento de novas

políticas públicas que não foram pensadas à época de sua elaboração e passam a

ser o principal programa de governo municipal. A conseqüência disso é a

obrigatoriedade de revisão do PPA para adequá-lo à nova política e proposta

orçamentária. Essa prática, levada ao limite, significa revisões anuais do PPA para

adequação aos orçamentos anuais, o que constitui total disparate e inversão de

papéis em termos de planejamento e orçamentação75.

Uma dificuldade que se percebe nas administrações, na opinião de Nunes (2006), é

a definição de metas físicas e financeiras para os programas, talvez porque haja

uma linha tênue entre um plano orientador da política pública e o engessamento dos

orçamentos anuais da administração pública. Isso se dá porque a definição

detalhada dos recursos e despesas dos programas será dada nos orçamentos, e as

metas do PPA servem para priorizar, dentre os recursos disponíveis, a alocação em

programas selecionados. Contudo, se inexiste um sistema de controle de custos76

que permita calcular as metas financeiras e, além disso, se há uma prática de

pulverizar os recursos em um sem número de programas, buscando resolver os

mais diferentes problemas, é provável que as metas sejam inconsistentes ou

ineficientes77, ou ambos. Por essa razão, muitas vezes as administrações optam em

não detalhar as metas financeiras e físicas ou passam a descumpri-las e revisá-las

anualmente, de acordo com a real possibilidade de execução, perdendo-se, assim,

todo o sentido do plano.

75 Esse problema não é característico apenas das esferas municipais, tendo ocorrido, por exemplo, com o PPA federal 2004/2007.

76 Em relação ao sistema de controle de custos dos programas da administração pública, é importante ressaltar que apesar da determinação de sua

criação, a partir da promulgação da LRF, é forçoso reconhecer que poucos são os municípios que de fato desenvolveram tal sistema. O que se vê mais

comumente é a grande disparidade de custos dos projetos entre sua elaboração e execução, ou mesmo, entre duas secretarias de um mesmo município

relativamente a projetos ou atividades de natureza econômica semelhante.

77 Entende-se por eficiência, a contribuição das ações para o alcance do objetivo definido pelo programa. Já a consistência implica a compatibilidade entre

o valor dos projetos e as atividades e o custo das metas físicas correspondentes (NUNES, 2006).

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

170

A execução do PPA é outro problema existente, pois, quando se elaboram objetivos

e metas de programas, são definidos também os responsáveis pelo seu controle, no

entanto, muitos dos programas dependem de uma integração multissetorial. Na

educação, por exemplo, para a execução de programas que visem, por um lado a

melhoria das instalações físicas das escolas e por outro, a formação e treinamento

de docentes, muito provavelmente haverá a necessidade de coordenação e

interação entre as Secretarias da Educação, Obras e Administração, além, é claro,

da Secretaria de Finanças, que controla todo o fluxo dos recursos vinculados à

educação. Muitas vezes, porém, existe resistência das várias secretarias em

trabalharem de forma integrada; essa falta de empenho pode estar associada a uma

importância menor atribuída, pelas secretarias, para o alcance de metas de outras

áreas.

Assim como ocorre com o PPA, a indefinição legal e a ausência de um sistema de

planejamento institucionalizado prejudicam também a eficácia da LDO, que seria,

como afirmado, um dos mais importantes instrumentos de planejamento criado pela

Constituição de 1988, colocado à disposição do poder legislativo para priorizar a

alocação dos recursos públicos. A LRF também reforçou sua importância e criou

uma integração de planejamento e orçamento, ao determinar a obrigatoriedade de

apresentação do Anexo de Metas Ficais para os três exercícios78. A partir dessa

indicação de metas da LDO, é que há o detalhamento orçamentário na LOA. O que

tem acontecido, porém, é que da mesma forma que se permite a alteração ou a

revisão anual do PPA durante a execução do orçamento, as metas fiscais

predefinidas na LDO são alteradas para, no ano seguinte, serem justificadas quanto

à sua não-execução ou execução parcial (NUNES, 2006). Não raro, o resultado final

da meta fiscal proposta é o mesmo, porém com alterações nos tipos de despesas

realizadas - a redução de investimentos e o aumento de gasto corrente têm sido

uma tônica durante a execução orçamentária.

Além disso, a eleição de prioridades anuais na LDO, dentre os programas

estabelecidos no PPA, também é prejudicada. Novamente, a falta da lei

complementar possibilita a elaboração de LDOs extremamente genéricas, que

78 A lei obriga a apresentação das metas do ano e de dois exercícios subseqüentes; além disso, há também a apresentação do ocorrido em três exercícios

anteriores, conforme artigo 4º da LRF, § 1º e § 2º.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

171

permitem a inclusão de qualquer projeto ou atividade na Lei Orçamentária Anual

(LOA), sem distinção de prioridades.

Em conseqüência das inadequações no PPA e na LDO, a LOA também perde, na

prática, sua especificidade de instrumento de planejamento e concretizador das

metas físicas e fiscais do PPA e LDO. A elaboração orçamentária deve atender,

como visto, às regras constitucionais, às definidas pela Lei 4.320/64, àquelas

determinadas pela LRF, bem como às das portarias federais que tratam da

contabilização e classificação orçamentárias. Todas essas regras visam consolidar o

processo orçamentário dentro de uma concepção integrada de planejamento e

orçamento-programa. Assim, a LOA deveria ser elaborada a partir dos objetivos e

metas do PPA priorizados no ano pela LDO, buscando cumprir metas físicas e

financeiras predefinidas (VIGNOLI, 2004). Contudo, já nesta fase, na elaboração

orçamentária, alguns problemas são percebidos.

Pelo formato do PPA não ser uma regra legal, mas sim um exemplo prático do

governo federal que pode ou não ser seguido, não necessariamente haverá uma

definição clara de metas físicas e financeiras para ser detalhada na elaboração da

LOA (NUNES,2006).

Nesse sentido, o processo de elaboração orçamentária se inicia, muitas vezes,

dissociado de qualquer planejamento de longo ou médio prazos, tendo como diretriz

as intenções de ordenamento político do poder executivo para o ano em questão,

além das imposições colocadas pela necessidade de manutenção de programas,

projetos e atividades, já em andamento.

Em geral, o processo de elaboração orçamentária é capitaneado pela Secretaria de

Finanças ou de Planejamento, pois são as responsáveis pelo estabelecimento de

regras para a elaboração anual do orçamento, publicadas em decreto, no diário

oficial. A partir dessas regras, as outras secretarias devem elaborar seus

orçamentos.

Relativamente às receitas e despesas da educação, apesar da indicação legal de

que os secretários de educação devem ser os gestores da área, em muitos

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

172

municípios no Brasil, as Secretarias de Educação não têm um corpo burocrático

responsável pela elaboração e controle orçamentário, ficando a tarefa ao encargo

das Secretarias de Finanças. Isso é reforçado pela baixa autonomia da maioria dos

dirigentes municipais de ensino para matérias orçamentárias e administrativas, como

descrito no terceiro capítulo desta tese.

Ainda que os DMEs tenham autonomia para que o orçamento seja efetivamente

elaborado pela Secretaria de Educação, com base nas necessidades e demandas

calculadas a partir dos indicadores municipais de ensino, isto é, em atendimento ao

Plano Municipal de Educação79, a palavra final sobre o orçamento é, em geral, da

Secretaria de Finanças e, nesse sentido, muitas vezes ocorrem ajustes, com vistas

ao “equilíbrio orçamentário”, ainda que dentro das regras constitucionais e legais80

(PATINKIN, 1993).

Um exemplo desse tipo de ajuste é a subestimação de despesas de pessoal e

aumento da previsão de investimentos em obras civis ou na aquisição de bens,

como construção de escolas e equipamentos escolares, durante a elaboração

orçamentária. Esse tipo de alteração tem grande importância para tornar o

orçamento mais interessante para ser apreciado pelo poder legislativo, ainda que

isso não implique, necessariamente, que essas alterações na elaboração do

orçamento sejam de fato executadas. Isso porque, em primeiro lugar, o orçamento é

autorizativo e assim não há obrigatoriedade de cumpri-lo na íntegra. Além disso,

existe na lei orçamentária a possibilidade de inclusão de um percentual de

remanejamento de recursos, isto é, de abertura de créditos orçamentários

adicionais, durante a execução orçamentária, por meio de decreto, sem que haja

necessidade de autorização legislativa pontual para cada crédito, visto que a

autorização legal já é dada na própria LOA (MACHADO Jr., e REIS, 2003).

79 Com relação aos Planos Municipais de Educação, que deveriam ser elaborados a partir de 2001, como previsto pela Lei 10.172/01 que cria o Plano

Nacional de Educação, é importante a constatação de que, até o final de 2004, a maioria dos municípios não havia ainda elaborado seus PMEs, sendo que

em apenas 28,3% dos municípios brasileiros, este estava concluído. Destes, pouco menos da metade havia de fato implementado o plano. Ests situação

mostra uma fragilidade do planejamento de médio e longo prazos para o ensino municipal, que deveria pautar a elaboração do PPA para a condução de um

processo orçamentário na educação, coerente com as reais necessidade da comunidade escolar (SILVA, 2006).

80 Essa busca de equilíbrio orçamentário pela Secretaria de Finanças ocorre porque as várias áreas-fim da administração pública como a educação, saúde,

transportes, entre outras, tendem a requisitar mais recursos do que é possível acomodar no orçamento. No caso da educação, ainda que tenha recursos

vinculados, é possível que sua elaboração orçamentária supere esses montantes, ou ainda, que o tipo de gasto planejado pela secretaria possa, de alguma

forma, comprometer o equilíbrio orçamentário controlado pela Secretaria de Finanças. Exemplo disso é a previsão de aumentos constantes da despesa de

pessoal que, dependendo de sua magnitude, podem ultrapassar os limites colocados pela LRF. Ainda que na educação especificamente haja recursos

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

173

A possibilidade de abertura de créditos adicionais está prevista nos artigos 7º, inciso

I e 43 da Lei 4.320/64, além do artigo 167, §8º da Constituição Federal, os quais

permitem que a utilização dos créditos em três classificações, como segue descrito

no artigo 41 da Lei 4.320/64, transcrito a seguir:

Art. 41 – “Os créditos adicionais classificam-se em:

I. suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária;

II. especiais, os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica;e

III. extraordinários, os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública.”

A idéia da existência de um percentual de remanejamento no âmbito da lei

orçamentária é para assegurar a possibilidade de ajustes necessários em casos de

erros ou omissões nas previsões, além de evitar que haja um engessamento

orçamentário e administrativo. Contudo, na prática, os créditos adicionais são

utilizados em sua maioria com a finalidade de suplementação de dotações de

projetos ou atividades, cuja previsão foi feita desprovida de um adequado processo

de planejamento. A ausência de planejamento fica clara ao se perceber que, em

muitas administrações, no primeiro dia de exercício fiscal já é emitido decreto com

vistas a criar algum tipo de crédito suplementar, o que passa a ocorrer em

praticamente todos os dias úteis do ano. Esse processo acaba por levar a uma

reformulação da elaboração orçamentária. Com isso, nas palavras de Machado Jr. e

Reis (2003), se “deturpa a expressão das necessidades constantes do orçamento e

decorrentes do processo de planejamento”81. Assim, é reduzida a importância de

uma elaboração orçamentária precisa, com cálculo apurado de custos reais de

projetos e atividades, visto que sempre se pode mudar tudo durante a execução

orçamentária.

Esse tipo de “brecha legal”, possibilitada pelo percentual de remanejamento, faz com

que o orçamento no Brasil siga muito mais regras tácitas e rotineiras, baseadas em

usos e costumes, do que aquelas advindas do desenvolvimento de um sistema de

vinculados para isso, é possível que o quadro geral do funcionalismo municipal não permita aumentos, o que levará a uma complicada intervenção da

Secretaria de Finanças.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

174

planejamento e avaliação, como pressupõe a lógica do Orçamento-Programa - OP

(PISCITELLI, 1988).

Para Piscitelli (1988), essa disfunção do modelo orçamentário adotado fica evidente

quando se percebe que, durante a fase de elaboração do orçamento, na qual há a

discussão com os órgãos técnicos para a fixação da despesa, é dada maior

importância para a distribuição dos recursos entre os elementos da despesa, do que

para as metas do governo, o que dificulta a priorização do gasto. Na discussão das

áreas técnicas, o foco está em definir qual é o teto para se gastar. Sendo assim, não

havendo um embasamento em critérios programáticos predefinidos e consistentes,

passa a valer pura e simplesmente o critério político para a distribuição dos recursos.

Então, nesse processo, o orçamento teria sua administração baseada em critérios

pessoais, políticos e clientelísticos, nos quais primaria a incerteza e a falta de dados

consistentes e confiáveis. Tal formato prejudicaria tanto a estruturação de um corpo

burocrático quanto de um sistema técnico para levantamento, acompanhamento e

avaliação dos gastos públicos necessários para o cumprimento da função alocativa

do Estado, que faria do orçamento, de fato, um instrumento de planejamento

público.

Dessa forma, a liberação dos recursos orçamentários depende em última instância

da habilidade pessoal do representante de cada área, principalmente junto à

secretaria de finanças e ao chefe do executivo, sendo “mais comum do que se

pensa arranjarem-se programas para as disponibilidades, em vez de recursos para

as necessidades.” (PISCITELLI, 1988, p. 96).

Com isso, a execução orçamentária representa a fase em que são definidas as

despesas e, assim, o percentual de remanejamento torna-se uma questão chave na

aprovação do orçamento na Câmara de Vereadores. Isso porque a possibilidade de

alterar a LOA durante a execução orçamentária permitirá ao poder executivo uma

importante margem de manobra durante o ano, independentemente da necessidade

de autorização por parte do legislativo a cada mudança que se queira fazer.

81 Esse problema é potencializado em função do percentual que se permite remanejar. Há municípios onde se aprova na LOA um remanejamento de 50%

do total do orçamento. No município de São Paulo, o percentual é de 15% (LOA de 2006), porém a existência de várias exceções legais permite que este

chegue a mais de 40%, como se verá no capítulo 5.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

175

Para que isso seja realmente possível, é necessária a formulação bastante

abrangente e aberta do PPA e da LDO, dando a flexibilidade requerida à LOA, visto

que a LRF obriga que todas as despesas orçamentárias sejam compatíveis com o

PPA e a LDO. Além disso, é imprescindível, obviamente, o consentimento dos

vereadores para que seja incluído na LOA um percentual que dê ampla flexibilidade

ao poder executivo durante a execução orçamentária, isto é, quanto maior o

percentual mais interessante politicamente. Por que o fariam os vereadores?

O poder legislativo, conforme referido, tem como incentivo forte a possibilidade de

reeleição, assim, lhe interessa, em geral, poder retornar à sua base eleitoral com a

garantia de implementação de projetos que a beneficiem. Dessa forma, a

possibilidade de aprovação de emendas, indicação de obras, cargos públicos e

outros benefícios passíveis de serem barganhados com o poder executivo, permite

que haja negociação em torno da aprovação do orçamento e do percentual de

remanejamento (FIORILO, 2006).

Em função disso, no processo de apreciação da LOA pelo poder legislativo, durante

a fase de tramitação orçamentária, há um número excessivo de novos subprojetos

resultantes de emendas dos parlamentares. Tal comportamento permite a

negociação da aprovação do orçamento, porém gera, na opinião de Dall’Acqua e

Guardia (1995), graves inconvenientes, como a pulverização de recursos escassos

num número de ações que excede a capacidade operacional dos órgãos executores.

Os recursos pulverizados são insuficientes para executar todos os novos subprojetos

e suficientes para comprometer a execução dos subprojetos que foram cancelados.

Além disso, muitas vezes essas emendas individuais dos parlamentares têm

características paroquiais que não contribuem para a melhoria da qualidade do

orçamento, servindo apenas para demarcar politicamente a atuação do vereador ou

atender a interesses específicos nas bases eleitorais, junto a grupos de interesses

ligados a empresas ou a empreiteiras.

Depois de aprovado o orçamento, na fase de execução orçamentária, ocorre então a

possibilidade de alteração de grande parte do que foi elaborado e aprovado pelo

poder executivo. Essa possibilidade decorre tanto da falta de regras mais rígidas

para a elaboração do PPA, da LDO e da LOA, de forma que o ordenamento de

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

176

despesas planejado fosse de fato previsto e executado, como também da grande

flexibilidade que o poder executivo tem durante a implementação do orçamento.

Essas alterações podem muitas vezes desfigurar totalmente o orçamento elaborado

e aprovado pelo poder legislativo, conforme as palavras de Angélico (1981):

”O orçamento-programa está institucionalizado no Brasil [...] Mas seu conteúdo é fictício, nada está programado. A execução orçamentária desenvolve-se ao sabor das necessidades emergentes [...] Na verdade, a execução segue ainda os mesmos procedimentos usados antigamente na execução dos orçamentos ortodoxos. A prova deste fato está na fartura de suplementações e reduções desenfreadas de créditos orçamentários, desfigurando totalmente o orçamento final” (ANGÉLICO apud PISCITELLI, 1988, p.94).

Com isso, verifica-se a incoerência entre a divisão de poderes instituída pela

Constituição de 1988 e o aparato legal no qual está inserido o processo

orçamentário. Apesar da Constituição ter intentado aumentar o poder do legislativo

para opinar sobre os gastos públicos, seguindo preceitos democráticos, a legislação

que regulamenta a matéria orçamentária dá considerável flexibilidade ao poder

executivo para alterar o orçamento. A isso se somam os incentivos políticos da

reeleição, existentes para os dois poderes, que transformam o orçamento numa

arena para barganhas políticas (FIORILO, 2006).

Todas as falhas do processo orçamentário brasileiro acabam por se traduzir em

custos de transação que dificultam o desenvolvimento do planejamento público e o

uso do orçamento enquanto instrumento desse planejamento. Na verdade, o que

tem acontecido no Brasil, nos vários níveis de governo, é que o orçamento sofre

muitas alterações em sua execução. As prioridades de gasto são revistas e, dessa

forma, a lei orçamentária brasileira tem pouca utilidade em termos de planejamento

e definição de gastos públicos.

Abrucio e Loureiro (2004) concordam que a grande concentração de poder no

executivo dificulta o controle e a transparência do orçamento, contribuindo para que

este seja menos efetivo em termos de instrumento de planejamento e de execução

de políticas públicas; além disso, pontuam que a fragilidade nos canais de

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

177

comunicação e participação da sociedade civil colaboram para as falhas que

acontecem nesse processo, também na fase de avaliação e controle.

Em relação aos mecanismos de controle do orçamento, os autores chamam a

atenção para o fato de que as indicações para os Tribunais de Contas são, em sua

maioria, políticas, o que reduz muito a isenção necessária ao julgamento das contas

públicas82. Esse julgamento, ao ser exercido pelo poder legislativo, é pressionado

pela bancada governista, em geral, que pode usar do método de distribuição de

cargos e outros benefícios em troca de apoio parlamentar.

Todas as inadequações legais e institucionais mencionadas, além da criação de

regras informais para a elaboração e execução dos instrumentos do processo

orçamentário, representam custos de transação para a implementação de qualquer

política pública e, em especial, no ensino fundamental público, área prioritária para

aplicação de recursos vinculados. A falta de planejamento ou a execução

inadequada do que foi planejado traz enormes prejuízos para uma política que deve

responder aos anseios de vários principais e cumprir múltiplas tarefas.

4.1.2 Limites do modelo de orçamento-programa

As críticas apresentadas ao processo orçamentário e a constatação da pouca

eficácia que esse instrumento representa como indutor de políticas públicas

eficazes, para muitos autores, como Cintra (1977), têm origem no próprio conceito

do orçamento-programa (OP). Como definido no capítulo 2, o OP é baseado na

integração de planejamento e orçamento, em que critérios técnicos e econômicos

são utilizados para a elaboração dos programas, projetos e atividades; além de

enfatizar o controle da avaliação destes, para verificar se os objetivos estão sendo

cumpridos e assim, otimizar recursos.

Segundo os críticos desse modelo, no processo do OP há uma contradição

organizacional inerente ao modelo racional-compreensivo, por requerer uma postura

centralizante, que enseje uma ampla capacidade de coordenação da máquina

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

178

pública, para atingir os objetivos definidos pelo primeiro escalão. Entretanto, o OP

necessita, também, de uma estratégia descentralizante, marcada pela agilização e

dinamização da máquina burocrática, para a implementação de um modelo

orçamentário orgânico (CINTRA, 1977).

Como corolário desse processo, tem-se que a avaliação dos objetivos e das políticas

sofre interferências subjetivas que, por sua vez, explicitam a dificuldade de

relacionamento das várias unidades administrativas (secretarias, no caso dos

municípios) com o executivo e o legislativo, pois é marcado por uma grande

assimetria de informações.

Críticos do modelo racional-compreensivo afirmam que, nesse processo, a

elaboração de políticas e a tomada de decisões tornam-se muito distantes dos

órgãos executores. Segundo Brasil (1993, p. 137), existe uma “dicotomia agir-

pensar” que seria resultado do distanciamento entre os planejadores de políticas e

os responsáveis pela sua execução.

No entender de Wildavsky (1991), os sistemas orçamentários originados do modelo

racional-compreensivo pretendem enquadrar as grandes decisões em processos

que seguem uma racionalidade apenas econômica e científica, o que lhe parece

descabido, pois isso significa subestimar as forças dos grupos de pressão e

influência política envolvidas no processo decisório. Em contraposição ao modelo

racional-compreensivo, teóricos como Wildavsky (1991) apresentaram a visão do

Orçamento Incremental (BRASIL, 1993).

A vertente incrementalista procura descrever um ambiente de elaboração e

execução do planejamento permeado por conflitos políticos e cheio de ambigüidades

e mutações. A conseqüente dificuldade de planejar leva a um apego ao conhecido, a

uma tendência de que o planejamento seja uma repetição do que foi estabelecido

para os exercícios anteriores. Os teóricos desse modelo acreditam que, nessas

circunstâncias, o orçamento é incremental, ou seja, é marcado pela tentativa dos

vários grupos de interesse, que orbitam ao redor dos recursos públicos, de aumentar

82 Aqui é importante ressalvar, contudo, que as inicações para os Tribunais de Contas são em geral tratadas no âmbito dos estados, visto que os únicos

municípios que possuem este órgão auxiliar do poder legislativo são os de São Paulo e Rio de Janeiro. Os demais têm suas contas avaliadas pelos

Tribunais de Contas Estaduais e votadas pelas Câmaras Municipais.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

179

suas dotações, sendo estas definidas apenas politicamente83. Na prática, portanto,

não está presente a racionalidade econômica necessária à implementação de um

modelo do tipo do OP.

A visão incrementalista do processo orçamentário, na descrição sintetizada por

BRASIL (1993), mostra a existência de “um componente conflitivo”, em que grupos e

pessoas de interesses diversos influenciam o processo e, por meio de seu poder de

barganha, garantem recursos públicos para a implementação de programas

constantes do orçamento. Muitos desses programas, uma vez implementados na

peça orçamentária, passam a se repetir por vários exercícios sem que se realize

uma necessária revisão, no sentido de avaliar a eficiência e eficácia dos resultados,

como deveria ocorrer em um modelo de OP.

Tal procedimento existe porque o orçamento público é, e sempre será,

eminentemente um instrumento político. Quando um programa é criado,

instauraram-se expectativas acerca de sua continuação por parte dos grupos de

interesse favorecidos. Além do suporte político que esses grupos conquistam para a

implantação de certos programas, há também a interação política para a sua

perpetuação.

Essa característica do orçamento legitima a sua conotação política; assim, o

orçamento-incremental tem como características: a crença de que

[...] “uma política será boa se houver concordância com ela, independentemente da existência de uma análise que a selecione; [...] as decisões são frutos de rotinas que deixam de considerar todas as alternativas e informações importantes; não são debatidos grandes objetivos sociais, mas são privilegiadas as aquisições específicas imediatas por órgãos particulares, ao invés de benefícios a longo prazo para a sociedade. [Assim, esse modelo] deixa de lado a perspectiva funcional e sistêmica, [constituindo-se num] instrumento de controle legal e político de escasso valor gerencial e econômico”. (BRASIL, 1993, p. 139-40).

Em função do processo orçamentário ser algo fundamentalmente político, há muita

dificuldade de implantação do OP, ou de outras técnicas de orçamentação baseadas

83 Analogamente, num contexto de recessão, o orçamento seria “decremental”, ou seja, marcado pela tentativa dos grupos de se protegerem dos cortes de

dotação SCHICK, Allen, (1991).

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

180

em modelo de racionalidade puramente econômica, na administração pública, pois

há matérias que dependem de avaliação subjetiva e política.

O problema é ainda agravado quando se trata de países de economias periféricas,

conforme a descrição de, Caiden e Wildavsky (1974), sobre a dificuldade em se

adotar o modelo racional nesses países. Para os autores84, o subdesenvolvimento é

por demais complexo, uma vez que os países pobres não apenas sofrem pela falta

de recursos financeiros, como também pela falta de recursos humanos qualificados,

de dados úteis e de capacidade governamental para a mobilização dos recursos

existentes. Os autores fazem uso das idéias de Landau (1969), para demonstrar que

uma das características do subdesenvolvimento é a ausência de redundância.

A redundância caracteriza-se por ser o excesso ou a fluidez de alguns elementos.

Segundo Landau (1969), esta, ao contrário do que geralmente se acredita, nem

sempre representa desperdício ou ineficiência, pois pode também representar a

probabilidade de que determinada função seja desempenhada. O autor desenvolve

a tese de que a redundância é fator necessário à eficiência dos processos

administrativos, na medida em que,

[...] “a redundância tem várias funções vitais na condução da administração pública. Essa propicia elementos seguros, permite respostas flexíveis para situações anômalas e também um potencial de criatividade para aqueles que são capazes de percebê-la. Se não há duplicação, se não há sobreposição, se não há ambigüidade, uma organização não é capaz de suprimir um erro nem tampouco de gerar uma rota de ação alternativa” (LANDAU, 1969, p. 356, tradução da autora).

Para Caiden e Wildavsky (1974), os países pobres são aqueles onde a falta de

redundância em pessoas, recursos financeiros e instituições serve como obstáculo

para que as organizações funcionem de forma a terem êxito na realização de tarefas

complexas.

As incertezas por que passam esses países complicam a implementação de

projetos, uma vez que a falta de informações e de técnicos treinados para a tarefa

dificultam a previsão a cerca do efeito multiplicador de um projeto em termos de

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

181

geração de renda. Dessa forma, a equipe envolvida enfrenta muito mais desafios do

que em países ricos, como a possibilidade de ter os recursos cortados antes do

término da implementação. (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974, pp. 47-48).

Fazendo uma analogia do problema aos municípios brasileiros mais pobres, deduz-

se que para estes é ainda mais difícil, em comparação aos mais ricos, implementar e

gerir políticas dentro do processo de planejamento e orçamento. Essa visão é

respaldada pela análise de Miranda e Mendes (2004), segundo a qual há um forte

indício de que:

“as circunstâncias presentes nas comunidades pobres não possibilitam o uso adequado dos recursos públicos para a melhoria das condições de vida da maioria da população, pois a incapacidade transformadora do poder público local é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência das contingências da pobreza. Faltam-lhes a disposição política, a capacidade institucional e o apoio político para a reversão do quadro de baixo nível de bem estar e de ausência de perspectivas para os grupos sociais excluídos do exercício da cidadania” (MIRANDA e MENDES, 2004, p. 6).

Em um contexto em que há incapacidade gerencial e institucional, além de

dificuldades políticas, é difícil pensar na implementação do modelo racional-

compreensivo para o desenvolvimento das tarefas de planejamento e orçamentação.

As circunstâncias de pobreza implicam diversos desafios e determinam pouca

flexibilidade em termos de recursos, técnicos e informações para enfrentá-los. De

acordo com Caiden e Wildavsky (1974), o modelo racional tem como um de seus

principais requisitos o processo orçamentário confiável, porém, nesse contexto de

incerteza, o que se observa é a síndrome do "disappearing budget"85.

Esse problema está ligado ao tempo necessário para a preparação do orçamento,

pois em um ambiente de mudanças e de incerteza do cenário econômico, a peça

orçamentária perde rapidamente seu propósito, tornando-se de pouca valia durante

a fase de execução. Nessa fase, como os recursos são escassos e todos os órgãos

84 A descrição da obra dos autores realizada nesta seção foi influenciada pela leitura de CINTRA e ANDRADE (1976) e CINTRA (1977).

85 Segundos os autores, isso se dá tanto porque o orçamento é em grande parte refeito durante o ano, quanto pelo fato de que a maioria dos recursos

orçamentários já está comprometida antes mesmo da elaboração orçamentária (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974). Esse comprometimento dos recursos se dá

em função das vinculações existentes no orçamento e também de outras despesas consideradas incomprimíveis, como pessoal e encargos, dívidas e

precatórios decorrentes de sentenças judiciais. Um exemplo claro do grau desse comprometimento e rigidez orçamentária será apresentado no capítulo 5.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

182

querem assegurar uma fatia do orçamento, há um conflito distributivo envolvendo os

diversos órgãos de despesas e a área financeira.

Nesse cenário de insegurança, os agentes participantes do processo orçamentário,

tanto o órgão financeiro quanto os diversos órgãos setoriais, tentam se proteger de

alterações futuras usando, para isso, de variadas estratégias como a subestimação

das receitas; o estabelecimento de tetos para as despesas dos órgãos; a alteração

dos valores orçados durante o exercício e a retenção da liberação financeira (no

órgão de finanças); a informação incorreta sobre a real necessidade de verba; o

estabelecimento de fundos de despesa específicos; a vinculação de tributos e a

criação de agências descentralizadas (por parte dos órgãos setoriais). Segundo

Caiden e Wildavsky, nesse processo, em que a incerteza, a assimetria de

informações e o oportunismo, de todos os agentes, são regra, há grande ineficiência

e se gasta mal e tardiamente (CAIDEN e WILDAVSKY, 1974, pp. 75-79).

Em função do exposto, depreende-se que, além das brechas legais existentes nas

regras formais de planejamento e orçamento das políticas públicas no Brasil, existe

uma inadequação institucional, conforme a definição de Clune (1987), do modelo

orçamentário adotado à realidade de maioria dos municípios brasileiros – sem entrar

no mérito da questão para os demais entes da federação. O grau de complexidade

exigido para o planejamento e orçamentação do PPA, da LDO e da LOA implica a

existência de sistemas de custos, avaliação e controle que não são ainda uma

realidade.

O ambiente de incertezas e de fortes incentivos políticos é reforçado e não reduzido

nessa situação, pois, dada a dificuldade de compreensão das regras orçamentárias,

torna-se mais fácil criar regras informais para geri-lo, em benefício de um ou outro

interesse específico. Diante disso, as organizações públicas concebem dentro de

sua estrutura de governança modos de proteger seus recursos durante o processo

orçamentário e, diante disso, a burocracia orçamentária passa a ser peça chave,

pois domina regras desconhecidas da maioria e facilita processos.

Quanto às políticas de ensino fundamental, ressalta-se que a baixa autonomia e/ou

capacitação dos dirigentes municipais de ensino referente ao orçamento e à gestão

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

183

de recursos públicos da educação torna ainda mais improvável a eficiência das

políticas, tendo em vista os problemas pontuados nesta seção.

Mesmo que se conte com a vinculação de recursos orçamentários, como analisado,

é possível haver a canalização destes para programas, projetos e atividades que

não são de fato prioritários para elevar a qualidade de ensino, mas que seguem uma

racionalidade política importante do ponto de vista do poder executivo, legislativo ou

ainda de outros principais 86 com força política suficiente para determinarem o

direcionamento de recursos orçamentários.

Ao lado dos aspectos orçamentários, que constituem considerável falha institucional

para a implementação de políticas de ensino fundamental eficientes, há ainda outras

questões relevantes, relativas às regras instituídas com a reforma do ensino

fundamental ocorrida no final da década de 90, conforme apresentado no segundo

capítulo desta tese. A próxima seção será destinada à análise das falhas nessas

regras.

4.2 As falhas na concepção da reforma do ensino fundamental

No entender de Rocha (2003), a reforma do ensino de 1996, pautada pela Emenda

Constitucional 14/96, e a criação das Leis 9.324/96 (LDB) e 9.424/96 (Fundef), foi

proposta sem um planejamento nas diversas esferas administrativas que pudesse

apontar as reais necessidades financeiras, administrativas e técnico-pedagógicas

para os diferentes níveis de ensino. Na opinião da autora, as mudanças

constitucionais dessa época ensejaram em matéria educacional uma restrição do

direito à educação por priorizarem o ensino fundamental regular, sem nenhuma

proposta para o atendimento da educação infantil, ao mesmo tempo em que foi

prevista a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio,

sem contudo ter havido fixação de prazos para isso.

Rodriguez (2001) concorda com essa visão ao considerar que a reforma alterou

profundamente o cenário criado por vários municípios, no início dos anos 1990, e

86 Esses principais podem ser grupos de interesse econômico, como empreiteiras, que buscam o comprometimento de recursos para obras, ou sindicatos

ligados ao funcionalismo público, que tentam vincular os recursos para aumentos salariais, entre outros.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

184

gerou uma tensão permanente entre níveis de ensino. Dessa forma, é importante

avaliar as conseqüências da implantação do Fundef a partir de três tipos de

impactos acarretados ao sistema de ensino, assim como às relações entre as

esferas de governo. Na opinião de Rodriguez (2001), estes seriam exercidos: na

relação entre os níveis de ensino, sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de

governo e nas relações federativas.

4.2.1 O Fundef e as relações entre os níveis de ensino

A situação de vários municípios após a Constituição de 1988 era a de concentração

da oferta do ensino infantil. A implementação do Fundef gera certa tensão, na

medida em que retira recursos da pré-escola para a priorização do ensino

fundamental, introduzindo um caráter competitivo entre os diferentes níveis do

ensino básico87.

Segundo Rodriguez (2001), isso criou uma fratura entre os níveis de ensino e levou

à diminuição significativa da oferta de matrículas no ensino infantil, por exemplo, no

estado de São Paulo. Na opinião de Rocha (2003), as mudanças trazidas pela

Emenda Constitucional 14/96 e pela LDB contribuíram simultaneamente para a

municipalização do ensino fundamental e para que a oferta de ensino infantil fosse

secundarizada. Além disso, a instituição do Fundo excluiu outras modalidades de

ensino, visto que as matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ficaram fora

do cálculo para o devido repasse.

Tal processo proporcionou um impacto na oferta de vagas dos níveis e modalidades

de ensino não previstos pelo Fundef e, também, na estrutura organizacional dos

municípios. Isso ocorreu porque, enquanto o município recebia mais recursos para a

valorização dos professores do ensino fundamental, permitindo a construção de

planos de carreira e novas estruturas, os professores do ensino infantil e da

educação de jovens e adultos viam diminuir a parcela relativa às despesas dessas

áreas. Na opinião de Azevedo (2002), isso contribuiu sobremaneira para uma piora

no clima organizacional da educação nos municípios.

87 Ver capítulo II, seção I a V, da LDB (Rodriguez, 2001).

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

185

Essa visão é corroborada pelo diagnóstico do Plano Nacional de Educação (PNE),

Lei 10.172/01, a respeito das conseqüências do Fundef para a remuneração dos

professores. Segundo o PNE, o Fundef promoveu alterações significativas nos

estados e municípios onde a remuneração do corpo docente estava muito abaixo da

média nacional, inclusive inferior ao salário mínimo. Contudo, nas localidades onde

os salários eram mais altos, não houve melhoria da remuneração, ao contrário do

que se esperava.

4.2.2 O impacto sobre a mobilidade das matrículas nas esferas de governo

Conforme visto no capítulo 2, a oferta de ensino fundamental sofreu mudanças com

a introdução do Fundef. Os estados, que eram responsáveis, até 1997, por cerca de

60% das matrículas, passaram a 39,7%, em 2006; e os municípios passaram a

ofertar cerca de 60%. Há que se atentar para o fato de esta mudança ter ocorrido

principalmente de 1997 a 1999, ou seja, em um curto espaço de tempo, mais de 4

milhões de crianças passaram a integrar a rede de ensino fundamental dos

municípios brasileiros. Nos estados do Sul e Sudeste, onde havia uma menor

concentração de redes de ensino fundamental, a alteração foi ainda mais

impactante.

A realidade é que a maioria dos municípios não estava preparada política,

administrativa ou pedagogicamente para tais mudanças, como mostrado no capítulo

3. Castro (2001) já apontava que a questão da estruturação gerencial dos

municípios para a recepção de responsabilidades e de recursos majorados era

essencial para a eficiência e eficácia da política. O autor acrescentava ainda que a

indução à municipalização do ensino fundamental de forma abrupta, por meio de

incentivo financeiro, sem que houvesse adequada coordenação, poderia levar ao

uso impróprio dos recursos e a sérios prejuízos à manutenção e desenvolvimento do

ensino. Some-se a isso, o fato ressaltado por Monlevade (1998) de que os maiores

receptores de matrículas de ensino fundamental foram os municípios de pequeno

porte, mais desestruturados e mais dependentes de transferências

intergovernamentais.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

186

Parte importante do processo de municipalização deu-se basicamente em função da

estrutura de incentivos criada pelo Fundef. A principal modificação do Fundo, como

visto, é a redistribuição de recursos atrelada ao número de alunos matriculados na

rede de ensino, municipal ou estadual. Dessa forma, é natural que, um município, ao

perceber a perda imediata de recursos por estar fortemente estruturado em rede de

ensino infantil, buscasse uma reorganização em torno da oferta do ensino

fundamental.

Segundo Rodriguez (2001), a possibilidade de receber dinheiro, mesmo para

municípios com redes mais avançadas de ensino fundamental, foi um importante

chamariz para intensificar a municipalização do ensino e caminhar para a

universalização das matrículas. Isso acorreu mesmo sem a análise da viabilidade

futura da manutenção com qualidade do sistema, visto que, para muitas

administrações municipais, a situação de precariedade financeira torna qualquer

nova entrada de recursos vantajosa de imediato, ainda que implique em custos

inviáveis para o próximo governante.

Os municípios de menor porte, por sua posição e fragilidade política, ficaram mais

sujeitos que os demais a ceder em um processo de municipalização sem

planejamento e estruturação. A análise dos números mostra que grande parte do

crescimento das matrículas está em municípios pequenos (AZEVEDO, 2002).

Nesse sentido, segundo Azevedo (2002), devem-se destacar algumas

peculiaridades da malha municipal brasileira. Esta é composta por 74,7% de

municípios com até 20 mil habitantes; destes, 25,6% tem até 5 mil habitantes e

23,9% de 5.001 a 10 mil habitantes. Existe, segundo a autora, uma relação muito

próxima entre o tamanho do município e os níveis de pobreza nele encontrados.

Assim, quanto menor o município, mais dependente será de repasses federais e

estaduais 88 . Em várias localidades de até 20 mil habitantes, as transferências

correntes chegam a representar 90% da receita total, o que as torna fundamentais

para que os municípios dêem conta do atendimento da demanda por educação.

88 Dentre os repasses federais e estaduais destaca-se, para muitos municípios, o peso do Fundo de Participação dos Municípios, cuja transferência,

diferentemente do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), não está

atrelada à capacidade tributária local.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

187

Dessa feita, o Fundef realmente contribuiu para o processo de universalização do

ensino fundamental, contudo, a precariedade financeira dos municípios pequenos89,

na opinião de Azevedo (2002), levou ao aumento de matrículas sem a expansão

necessária da rede física e com a conseqüente queda de qualidade de ensino, ou

seja, mais alunos por sala de aula e piora das condições de trabalho dos docentes.

Já os municípios maiores das regiões Sudeste e Sul tiveram uma postura diferente

no processo de municipalização. Campinas, Londrina e Maringá, por exemplo,

posicionaram-se contrariamente à assunção das matrículas no formato esperado

(RODRIGUEZ, 2001). Essa atitude está ligada a um outro problema: o modo de

relacionamento com a instância estadual no processo de municipalização.

A postura dos estados nesse processo foi, em muitos casos, a de basicamente

livrar-se de um problema, repassando estruturas físicas e recursos humanos aos

municípios sem, contudo, providenciar a assistência e os preparos técnicos

necessários à mudança. Tal posicionamento é explicado pela normatização do

Fundo, que redistribui recursos, em sua maior parte estaduais, para os municípios,

buscando a equalização das matrículas e do custo por aluno por estado90. Não

houve um consenso entre União, estados e municípios para que os recursos fossem

repassados de forma cooperativa, e com estes fossem reformulados os respectivos

sistemas de ensino.

Desse modo, é natural o esgarçamento das relações entre as três esferas de

governo, visto que, na opinião de Rodriguez (2001),

(...) “sempre que um ator governamental perde recursos em benefício dos outros, sem sua anuência, a estabilidade política da relação federativa estará assentada em cenários conflituosos e não cooperativos” (RODRIGUEZ, 2001. p 49).

89 A precariedade financeira dos municípios implica, como visto na seção anterior, uma precariedade de recursos humanos, além de baixa capacidade

institucional e política.

90 Na opinião de Castro (2001), esse processo de redistribuição de recursos estaduais foi especialmente problemático para alguns estados do Nordeste e

para o Rio de Janeiro, pois essas unidades da Federação se encontravam em uma situação de restrição fiscal, tendo em vista os acordos de

refinanciamento de dívidas com a União, além da obrigatoriedade de contenção de depessas de pessoal (inicialmente, em função da Lei Camata e, mais

tarde, por conta da LRF); assim, o processo de municipalização nesses locais veio como forma de alívio de um custeio pesado do ensino, causando,

entretanto, a redução de receitas estaduais.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

188

Esse conflito será ainda mais intensificado, em função da postura da União diante da

coordenação do processo; pois, apesar de apregoar a mudança de regras em

direção à priorização do ensino fundamental, existe, ao mesmo tempo, a instituição

de normas legais que permitem ao governo federal se eximir ou reduzir suas

responsabilidades nisso, criando um ambiente de incerteza e desconfiança entre os

entes da federação, como se verá a seguir.

4.2.3 O impacto nas relações federativas

Um dos principais papéis da União, no arranjo instituído pelo Fundef, era o de

redistribuir recursos, buscando a redução das desigualdades regionais. Uma vez que

o Fundo foi constituído internamente em cada estado, não havendo transferências

entre estes, a possibilidade de equalização viria do repasse da União, ao assegurar

o valor mínimo de custo por aluno para os estados que não conseguissem alcançá-

lo com recursos próprios.

A tabela 14 a seguir mostra, todavia, que os valores, definidos anualmente por

decreto da União, ficaram abaixo do valor real em muitos anos, o que levou a uma

necessidade de repasse inferior à devida.

Tabela 16 - Valores mínimos anuais por aluno da complementação da União ao Fundef em valores nominais e reais Fonte: Difin/FNDE * Valores atualizados para 1997 pelo IPCA/IBGE.

Urbana (R$ nominais)

Urbana (R$ de 1997)

Rural (R$

nominais)

Rural (R$ de 1997)

Urbana (R$ nominais)

Urbana (R$ de 1997)

Rural (R$ nominais)

Rural (R$ de 1997)

1997 300 300 300 300 300 300 300 300

1998 315 305 315 305 315 305 315 305

1999 315 291 315 291 315 291 315 291

2000 333 287 333 287 350 302 350 302

2001 363 293 363 293 381 308 381 308

2002 418 311 418 311 439 327 439 327

2003 446 290 446 290 468 304 468 304

2004 565 344 565 344 593 361 593 361

2005 621 354 633 361 652 371 664 379

Valor mínino por

aluno

1ª a 4ª série 5ª a 8ª série

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

189

Com os valores fixados, a União deixou de aportar volumosos recursos ao sistema,

reduzindo o número de estados que teriam acesso à equiparação e, dessa forma, a

possibilidade de uniformização regional ainda é crítica - o que se sabe pelos dados

apresentados no capítulo 2 -, havendo uma gritante disparidade entre o Norte e

Nordeste, comparativamente às regiões Sul e Sudeste91.

Segundo Melchior (1997) e Rodriguez (2001), as manobras da União para se eximir

de responsabilidades tiveram início na Emenda Constitucional 14/96, com a

mudança do percentual de vinculação de recursos da esfera federal para o ensino

fundamental, que passou de 50% para 30%, segundo artigo 60 das Disposições

Constitucionais Transitórias (DCT), conforme apresentado anteriormente. Esse fato

revela não apenas uma redução de aporte financeiro aos estados e municípios, mas

também um descolamento do discurso oficial com a normatização. Isso porque as

reformas implementadas na segunda metade da década de 1990 traziam em seu

bojo a idéia de que, para avançarmos enquanto nação, era fundamental o

investimento em capital humano e, naquele momento, no Brasil, tal investimento

seria iniciado com a priorização da etapa obrigatória da educação, isto é, o ensino

fundamental. Para tanto, foi organizado todo o arranjo institucional, apresentado

nesta tese, cujo eixo principal é o Fundef. Ora, como fazer crer aos outros entes da

federação que o ensino fundamental é uma prioridade nacional se a própria União,

idealizadora da reforma, toma medidas reduzindo seu espaço enquanto agente do

processo?

A legislação do Fundef permitiu, ainda, à União, a intervenção federal em municípios

e estados que não cumpram as regras definidas, havendo uma série de sanções e

penalidades aos entes em caso de descumprimento legal; porém, o mesmo não

existe para o descumprimento de regras pela União.

No entender de Rodriguez (2001), esse disparate cria o que se pode chamar de

desequilíbrio institucional, pois gera desconforto entre os entes da federação e leva

os subgovernos a questionarem a real intenção das regras e a legitimidade do

91 Segundo Castro (2001), haveria pelo menos dois focos de resistência ao reajuste do valor mínimo condizente com as variações regionais, conforme

determina o art. 74 da LDB. O primeiro foco seria a própria necessidade de maior repasse para os sub-governos, pois implicaria uma complementação maior

da União, levando obrigatoriamente a um orçamento maior para o MEC e acirraria o conflito distributivo entre este ministério e a Fazenda;,isso seria

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

190

governo federal enquanto coordenador e interventor do processo de priorização do

ensino fundamental.

A real possibilidade de implementação de um sistema estruturado e descentralizado

de ensino fundamental é colocada em dúvida devido a tal situação. Em função disso,

ocorre uma fragmentação do que deveria ser a coordenação do sistema, deixando-

se evidentes as falhas existentes na estrutura federativa do Brasil, o que torna

necessária a explicitação destas e como comprometem o avanço no sistema de

ensino brasileiro.

Para se tratar dessa questão, serão analisadas, na próxima seção deste capítulo, as

principais regras e suas disjunções existentes no federalismo brasileiro e de que

forma impactam a estrutura do ensino fundamental nos municípios.

4.3 As disjunções da estrutura federativa no Brasil e seu impacto no arranjo institucional do ensino

As análises referentes às falhas na concepção da reforma do ensino revelam a

presença de um importante esgarçamento nas relações federativas, o qual se tornou

evidente na questão do ensino fundamental, a partir da implementação do Fundef. A

origem desse esgarçamento é, contudo, mais antiga do que a reforma do ensino

empreendida no final da década de 90. Para compreendê-lo, vale inicialmente

apresentar os elementos essenciais da estrutura federativa brasileira, com base no

trabalho de Gonçalves (2006), para a partir daí serem apontadas suas principais

falhas institucionais e conseqüências para o ensino fundamental.

4.3.1 Estrutura federativa no Brasil

Segundo Araújo (2003), o federalismo pode ser definido a partir da combinação

entre autonomia e interdependência utilizadas pelas unidades da federação como

forma de organização. A autora pontua que ao se estudarem os 16 países que

adotaram o federalismo em diferentes formatos conceituais, é possível identificar

três matizes fundamentalmente: o federalismo dual, formato implementado

extremamente complicado, dada a política de ajuste fiscal vigente. O segundo foco seriam os efeitos colaterais do reajuste nos estados em uma nova

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

191

originalmente nos EUA; o federalismo centralizado, em que, valendo-se de uma

transformação do modelo dual, as unidades subnacionais tornam-se agentes

administrativos do governo central; e o federalismo cooperativo, modelo existente na

Alemanha, no qual tanto a unidade central, quanto as subnacionais agem

conjuntamente e têm autonomia.

No Brasil, a Constituição de 1988 definiu a base do Estado federativo a partir de um

preceito de divisão de competências em formato cooperativo, no qual haveria a

coexistência de competências privativas, concorrentes e suplementares entre as

diversas unidades da federação, e isso se daria em três aspectos, quais sejam os

políticos e legais, os econômicos e os administrativos (ARAÚJO, 2003).

Segundo a análise de Gonçalves (2006), os aspectos políticos tratam das relações

verticais de poder, da legitimidade das instituições e da efetiva capacidade do

Estado de realizar a coordenação política. Já os aspectos econômicos estão focados

na política fiscal e tributária e na forma de implementação das políticas públicas

relativas à educação. Os aspectos administrativos, por sua vez, apresentam a

distribuição entre os entes da federação das competências decisórias, executória,

financeira e fiscalizadora.

As relações políticas, econômicas e administrativas dentro de uma federação

permitem, na opinião de Gonçalves, perceber o ordenamento social e cultural de

uma sociedade e o quanto este reflete a distância ou proximidade entre as regras

formais e informais. Isso implica, conforme apontado por North (1990), a existência

ou não de um descolamento entre essas duas regras ou, nas palavras do primeiro

autor, a ocorrência de disjunções.

Na caracterização política, o federalismo brasileiro apresenta cinco atributos

elencados por Abrucio e Soares (2001), que são: a existência de heterogeneidades

regionais, a adoção de prática e discurso defensores da unidade na diversidade, o

pacto na forma de Constituição, a autonomia dos entes da federação combinada

com sua interdependência e a associação de elementos de competição e

cooperação (GONÇALVES, 2006).

repartição de recursos, porque, da mudança dos valores mínimos, surgiriam novas relações entre governos estaduais e municipais.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

192

Apesar dessas características estarem presentes, necessariamente, em uma

estrutura federalista, são insuficientes para esclarecer o formato institucional do

federalismo brasileiro. Para Gonçalves, é importante uma análise histórica que

resgate os arranjos políticos originais da República Brasileira, os quais refletem,

hoje, em uma estrutura federalista cercada de disjunções.

Desde a formação da República, há uma constituição de nação e de Estado, a partir

da visão das elites brasileiras que, uma vez no poder, se esforçaram por criar uma

federação na qual as unidades federadas recebessem autonomia. É interessante

ressaltar que esse processo se deu a despeito da participação popular, isto é,

ocorreu de cima para baixo, sendo praticamente imposto ao povo, que desconhecia

o processo por que passava o Estado brasileiro. A falta de percepção e de

participação refletirá em uma distorção importante, qual seja o fato de a maior parte

da sociedade brasileira desconhecer as instâncias de decisão política do país e sua

respectiva capacidade de resolução de conflitos, visto que a população, de modo

geral, espera que as soluções para seus problemas venham da União

(GONÇALVES, 2006).

Outro aspecto político decisivo instaurado na primeira República foi o uso dos

recursos públicos com o intuito de construir uma subordinação política dos entes da

federação à União em última instância, havendo também uma supremacia dos

estados em relação aos municípios. No que diz respeito à educação, desde o início

da formação da República, os gastos públicos na área eram utilizados para a

solidificação da governabilidade dos entes, mais do que com a preocupação de

implementar políticas de ensino para a construção de uma nação. O objetivo de

eleger governadores, presidentes e representantes legislativos era perseguido sem

qualquer cuidado com a criação das estruturas burocráticas necessárias para a

implementação dos programas de governo (GONÇALVES, 2006).

Na mesma linha de raciocínio, é importante salientar que não houve, a partir da

definição de maior autonomia de arrecadação e gastos por parte dos subgovernos, a

determinação pela União de uma estratégia de coordenação entre os estados e

municípios com o objetivo de equalizar as disparidades regionais do país. Ao

contrario, em distintos momentos, o governo central favoreceu determinados

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

193

estados, mais ricos, como São Paulo e Minas Gerais, durante o período da política

“café com leite”, majorando assim as diferenças regionais.

Dessa forma, a política dos estados perpassava por um jogo de interesses com o

governo central, o qual governadores e presidentes manteriam ao longo dos séculos

seguintes determinando alianças estratégicas e criando bases de governabilidade,

utilizando-se de práticas patrimonialistas e clientelistas na construção das relações

público-privado, gerando uma herança na administração pública brasileira com

reflexos até os dias atuais92 (Gonçalves, 2006).

Tais práticas têm efeitos nefastos nas instituições brasileiras por diversos motivos.

Em primeiro lugar, porque demonstram a prevalência dos incentivos fortes da

política, nas palavras de Frant (1996), que subjulgam os programas e as políticas

públicas em nome da governabilidade. Segundo, criam no imaginário popular o

conceito de que tudo o que é público é de todos, isto é, passível de “privatização”,

levando dessa forma, como descrito por Gonçalves (2006), a uma descrença na

democracia e, conseqüentemente, facilitando o emprego de regimes autoritários.

A partir da primeira República, tem-se um histórico de centralização e

descentralização do regime, em função dos períodos autoritários nos quais há a

redução da autonomia dos entes. Esse movimento pendular ocorrerá também entre

os poderes executivo, legislativo e judiciário, ocorrendo, em alguns momentos

históricos, a submissão dos dois últimos ao executivo; e, em outros, havendo uma

inversão da subordinação. Ressalte-se, contudo, que na maior parte do tempo e

para a maioria das questões existe uma supremacia quase inabalável do poder

executivo sobre os demais.

Essa supremacia é possibilitada, entre outros motivos, por uma postura recorrente

do poder judiciário de se eximir dos conflitos políticos, distanciando-se assim do

Estado e da sociedade civil. O poder legislativo, por sua vez, em períodos

democráticos, apesar de, em algum momento, representar forte oposição ao poder

executivo, principalmente da União, tende a se portar como coadjuvante do governo.

92 Ambas as práticas visam ao voto por meio da troca de favores, uilizando-se para isso de cargos de confiança, de facilidades na contratação de bens e

serviços para empresas ou amigos, privatizando-se, assim, a administração pública.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

194

Nessa postura faz uso de seu poder político de barganha para construir maiorias

que facilitam a vida dos chefes do executivo, em troca de favores que vão da

indicação de cargos públicos a emendas, passando pela compra e venda de votos

(logrolling93).

O desequilíbrio entre os poderes é refletido em todos os setores, prejudicando a

construção de políticas públicas que favoreçam o crescimento econômico e o bem-

estar social. Da mesma forma, esse desequilíbrio afeta as políticas de ensino, tanto

na construção de seus arranjos e normas institucionais, quanto no processo de

implementação de políticas públicas, no qual a supremacia do poder executivo se

faz perceber, sobretudo, no planejamento e execução orçamentários, como visto em

outras passagens desta tese. A relação dos poderes executivo e legislativo nesse

processo, cuja combinação de forças implica uma omissão do poder legislativo,

prejudica tanto a implementação quanto a fiscalização das políticas de educação.

Na análise dos aspectos econômicos da federação brasileira, fica clara a existência

de uma centralização no governo nacional das atividades ligadas à arrecadação e à

distribuição de recursos, ao mesmo tempo em que existe certa confusão e

ambigüidade na definição de papéis relativos aos gastos e à implementação das

políticas em cada esfera de poder, bem como há grande centralização na figura do

chefe do executivo. Segundo Gonçalves (2006), esse centralismo é uma herança,

ainda do período do Império, que se disseminou com o passar do tempo para a

Constituição da República.

Em relação ao perfil tributário, houve, ao longo do tempo, a criação de transferências

e fundos de recursos para estados em municípios, visando à redução de conflitos

regionais. Pelo lado dos gastos, boa parte das políticas públicas, como as referentes

à educação, foi bastante descentralizada, passando à competência dos estados e

depois também dos municípios.

Quanto ao regime fiscal brasileiro, pode-se afirmar que este detém um alto grau de

complexidade tanto para a administração pública, quanto para o contribuinte; pois,

apesar dos impostos passíveis de cobrança pelos entes serem definidos na

93 Para uma descrição de logrolling, ver BORSANI (2004).

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

195

Constituição Federal, há a possibilidade de alteração de alíquotas, isenções e outros

benefícios a contribuintes que são indicados regionalmente. Isso implica a existência

de inúmeros sistemas tributários em cada estado brasileiro, o que, somado à

quantidade expressiva de tributos vigentes, obriga o gerenciamento de complexos

aparelhos burocráticos de gestão tributária (REZENDE, 2001).

A falta de integração entre os sistemas federal, estadual e municipal é outra

característica desse regime que causa, além da dificuldade cotidiana na vida da

sociedade civil, um elevado custo de transação entre as esferas federativas, na

busca da implementação de políticas públicas coordenadas, resultando, em geral,

na baixa coordenação entre as esferas de governo (GONÇALVES, 2006).

Os estados e municípios têm em suas receitas várias rubricas derivadas de

transferências constitucionais, que foram bastante majoradas pela Constituição de

1988, revertendo em uma importante autonomia financeira para esses entes.

Segundo Gonçalves (2006), esse formato de transferências tributárias automáticas

cria significativas distorções no sistema federativo, na medida em que implica, por

exemplo, a algumas unidades da federação dispor de um comprometimento

orçamentário muito superior ao potencial de arrecadação própria e ter reduzido

incentivo para aumentá-la.

O arranjo institucional que conjuga inúmeras transferências e prevê autonomia de

gastos para todos os entes, inclusive os municípios, faz do Brasil, na opinião de

Prado (2001), um sistema federativo com mais de 5.500 orçamentos independentes.

Segundo Araújo (2003), a organização federativa brasileira é um caso único, em que

o município constitui um terceiro ente da federação, com protagonismo no processo

de descentralização, em especial, na municipalização do ensino. No entender do

autor, isso possibilitou a princípio garantir a possibilidade de acesso e participação

da sociedade na construção dessas políticas; contudo, trouxe também uma maior

dificuldade para o equilíbrio federativo e para a eqüidade na prestação de serviços

de educação nas distintas realidades brasileiras.

A falta de orquestração entre os entes, visto não haver exigência legal de que os

orçamentos sejam conjuntamente potencializados, e ausência de iniciativa, seja da

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

196

União, seja no âmbito de cada estado, de coordenar as ações e gastos públicos,

levam à possibilidade de implantação de ações concorrentes e contraditórias entre

as diversas unidades da federação; além, é claro, da dispersão e da pouca eficácia

dos recursos em função da implantação de ações isoladas dos subgovernos, que

reduzem o alcance das políticas.

Em relação aos aspectos administrativos, uma característica que chama a atenção

no federalismo brasileiro é a grande autonomia decisória dos entes federativos para

gastar. No ensino fundamental, conforme analisado, existem regras definidas pela

LDB e pela própria Lei do Fundo, o que não impede a possibilidade de cada

governante utilizar os recursos para a construção de projetos inadequados. Atitudes

semelhantes são possíveis, graças à baixa coordenação e padronização na oferta

de serviços, associada à pouca fiscalização dos gastos.

Nessa questão é fundamental relembrar que apesar de ser obrigatória a

implementação de um sistema de custos em todas as administrações orçamentárias

do país, esse detalhe pouco caminhou e não foi devidamente cobrado pelos

Tribunais de Contas. Esse fato é dificultado também pela não criação do Conselho

de Gestão Fiscal, previsto na LRF, mas até o momento não implementado. Contudo,

o grande obstáculo para a implantação de um sistema de custos nas administrações

públicas brasileiras é ainda o receio, por parte de gestores públicos e dos atores

políticos, da transparência que geraria sobre os processos e a execução do recursos

públicos Com um sistema de custos funcionando em todas as administrações, seria

extremamente mais fácil controlar gastos e as reais necessidades de recursos para

cada área de governo, bem como realizar análises de desempenho dos programas

orçamentários. A inexistência de tal sistema impede, por exemplo, uma avaliação

criteriosa do custo por aluno em cada localidade, o que poderia levar à padronização

da oferta de ensino fundamental nos municípios e estados.

Quem deveria ser o responsável pela coordenação e padronização desses serviços?

Essa é uma questão indefinida e complexa em nossa estrutura federativa. A

autonomia dos entes implica o direito de decidir sobre seus gastos, o que ,somado à

complexidade do processo orçamentário, com sua baixa permeabilidade, permite

que os recursos possam ter um incrível desvio de finalidade, ainda que sejam

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

197

integralmente gastos dentre da classificação funcional-programática prevista em lei

federal.

Nesse processo, quanto maior o potencial de recursos de uma unidade federal,

maior sua capacidade de definir as marcas de governo, com relativa independência

das transferências intergovernamentais. Já os municípios mais dependentes têm

menor grau de liberdade e maior necessidade de articulação política, visando às

transferências voluntárias para projetos específicos (GONÇALVES, 2006).

4.3.2 Federalismo e arranjo institucional do ensino no Brasil

Na opinião de Gonçalves (2006), o Brasil seria constituído por um sistema híbrido de

gestão do ensino público, sendo que cada nível de poder tem autonomia de criar seu

próprio subsistema autônomo. O governo federal, além da definição do aparato legal

geral, como visto no capítulo 2, não interfere em outras determinações

administrativas. Os estados e municípios têm também três tipos de competências na

área da educação; a legislativa, que é adicional à federal, isto é, vai além do

atendimento mínimo definido em nível federal; a executória e a fiscalizatória.

A reforma do ensino, para muitos autores, como Araújo (2003), resultou na redução

das competências dos entes federativos, na medida em que reduziu sua autonomia.

De acordo com de Araújo e Luzio (2005), apesar da vinculação orçamentária

constitucional e da subvinculação do Fundef, associadas às regras de gastos e de

organização definidas pela LDB, terem efetivamente restringido o princípio da

autonomia dos entes federados e focalizado o gasto, sobretudo no ensino

fundamental, não há um direcionamento dessas políticas para a redução das

desigualdades regionais, no que concerne à equalização das oportunidades de

ensino.

Isso acontece pelas próprias regras de transferências constitucionais e,

principalmente, pela definição dos repasses do Fundef, cuja abrangência é intra-

estadual, possibilitando a equalização dos municípios apenas dentro do mesmo

estado. Como a complementação da União tem sido extremamente reduzida, pouco

tem influído para que haja um efeito compensatório de redistribuição de recursos.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

198

Segundo Duarte (2005), as reformas no arranjo institucional do ensino fundamental,

alavancadas a partir da EC 14/96, articularam, na realidade, meios e competências

desiguais, na busca de concretização dos projetos do governo central. O grande

desafio desse novo marco regulatório do ensino era possibilitar a construção de

relações entre os entes federados que permitissem alinhar os interesses dos

estados e municípios àqueles do governo central (DUARTE, 2005).

Nesse processo, constata-se uma dupla movimentação da União: por um lado, se

exime da prestação de serviços e do financiamento direto ao sistema; por outro,

assume o controle e a avaliação dos sistemas estaduais e municipais, permitindo-se

intervir nos mesmos, se assim for necessário (DUARTE, 2005).

Segundo Rocha (2003), o espírito da reforma do ensino fundamental foi o de

reforçar o papel normativo 94 da União e, ao mesmo tempo, reduzir sua

responsabilidade de financiamento, respaldando-se em uma função supletiva,

prioritariamente no ensino fundamental.

A diretriz assumida pela União na nova política institucional foi a de articular uma

série de medidas e programas indutores de modificações nas políticas estaduais e

municipais de ensino fundamental, a partir das transferências constitucionais

obrigatórias e, também, dos repasses do salário-educação, realizados pelo FNDE. O

critério utilizado nessa nova política foi o repasse vinculado ao número de alunos

matriculados no ensino fundamental. Esse critério, associado ao fato de que a

maioria dos municípios brasileiros é dependente das transferências

intergovernamentais, possibilitou a promoção e a focalização em projetos de

ampliação do atendimento nos diversos municípios brasileiros.

Na opinião de Arretche (2004), a estratégia adotada pelo governo federal visou

reduzir as incertezas quanto ao recebimento dos recursos vinculados à oferta de

matrículas. Isso se deu em função de sua baixa capacidade institucional para

coordenar os objetivos nacionais da política de educação, cuja responsabilidade é

de estados e municípios, de forma concorrente. Propondo-se a alcançar o objetivo

94 Segundo Rocha (2003), o papel normativo permitia à União a centralização e padronização das diretrizes pedagógicas e técnicas a serem seguidas por

estados e municípios.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

199

nacional traçado, isto é, a universalização das matrículas e a valorização do salário

dos professores, o governo federal se utilizou de uma emenda constitucional para a

aprovação do Fundef (ARRETCHE, 2004).

Esse processo, segundo Duarte (2005), desvinculado de projetos político-

pedagógicos de ensino/aprendizagem, resultou na ampliação do acesso ao sistema

de muitas crianças antes excluídas, sem haver, contudo, a melhoria na

aprendizagem, no conhecimento e nas competências que configuram de fato seu

direito à educação. Assim, Duarte (2005, p. 828) conclui que:

“[...] o governo federal introduziu suas orientações de prioridades políticas e procedimentos de gestão a partir de um mecanismo – transferências constitucionais obrigatórias – originalmente destinado a assegurar maior autonomia aos entes subnacionais.”

Na opinião de Azevedo (2002), para se entender a lógica do processo de

municipalização do ensino fundamental orquestrado pela União, é preciso

contextualizá-lo no processo de descentralização da ação do Estado, que tomou

corpo na década de 199095. Para a autora, a universalização da educação é, nesse

sentido, uma externalidade do processo de descentralização da ação do Estado.

A educação em si é de extrema importância na ação do Estado e obriga a um

desenho federativo complexo, visto que esta é fundamental para o poder central,

sem a qual fica comprometida a meta de desenvolvimento econômico e social do

país. Porém, no contexto da política educativa, nunca foi tão necessário deixar para

o poder local, para as escolas e professores a gestão escolar (AZEVEDO, 2002).

Segundo Azevedo (2002), na nova lógica de ação do Estado, a descentralização é

um instrumento gerencial de gestão, usada com o intuito de promover a eficácia e

eficiência nos serviços públicos. Ela possibilitaria otimizar gastos e alcançar o

objetivo da qualidade do ensino, dentro de uma ótica de Estado reduzido a funções

essenciais. Essa descentralização garantiria maior democracia e eficácia ao poder

local.

95 De acordo com Azevedo (2002), o novo padrão de ação do Estado aparece com maior nitidez durante o primeiro governo de FHC, apesar dessa lógica já

estar se delineando desde fins da década de 1980.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

200

Azevedo pontua que a lógica da descentralização na década de 1990, contudo, foi

muito mais economicista-instrumental do que participativa, pois para a última, seriam

necessários canais de comunicação Estado-sociedade, criados apenas

parcialmente96.

Esse modelo começa ser empregado por se entender que a administração

burocrática implementada nos anos 1930 era um dos obstáculos para suplantar a

crise fiscal e econômica e, assim, para o enquadramento do país na nova ordem

econômica mundial. Na educação, a adoção do estilo burocrático de gestão foi

iniciada com a própria criação do Ministério de Educação e Cultura – MEC. Porém,

dadas as peculiaridades do desenvolvimento capitalista brasileiro, a administração

burocrática vai ser aprofundada a partir dos anos 1960, nos governos militares. Esse

regime ficou então conhecido como “burocrático autoritário”, no qual o planejamento

das políticas de educação estava subordinado aos planos econômicos concebidos

pela alta tecnoburocracia estatal (AZEVEDO, 2002).

As políticas eram, dessa forma, extremamente centralizadoras, bem como os

recursos, atendendo a prerrogativas de interesses econômicos de grupos

específicos, dando margem a práticas clientelistas. Com a redemocratização, no

início dos anos 1980, herda-se um quadro complexo de gestão na educação e uma

enorme demanda social contida por anos. Nessa nova ordem, ganha peso a

discussão da descentralização política, administrativa e financeira. Foi, todavia, mais

especificamente a partir do primeiro governo FHC que a nova gestão gerencial da

educação foi concebida.

O modelo gerencial, segundo Azevedo (2002), diferentemente do burocrático, tem,

em tese, uma concepção democrática e plural do Estado e da sociedade, ao

considerar conflitos, cooperação, incertezas e defesa de interesses dos cidadãos.

Assim, o gerencialismo, que é uma das marcas da reforma educativa, implica uma

nova postura dos gestores, que se tornam responsáveis pelo delineamento, pela

normatização e pela instrumentalização da comunidade escolar para alcançar seus

objetivos. Esse modelo surge para a educação, entretanto, de forma diferente da

96 Dentre os canais de comunicação Estado-sociedade criados nessa lógica estão os conselhos, em especial os Conselhos Municipais de Educação e de

Acompanhamento do Fundef, que têm, contudo, um efeito mais legitimador das política, do que deliberativo, como visto no capítulo 3.

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

201

solicitada pelos movimentos sociais da década de 1990. A descentralização é

ressignificada na visão de Azevedo (2002) e a participação e concepção plural são

reduzidas.

Na análise de Azevedo (2002), a educação, vista como área estratégica dentre os

setores sociais, tem, simultaneamente, sido alvo de políticas descentralizantes e

sofrido o aumento de controles do poder central. Para além das regras de vinculação

de recursos, a política do MEC, no final dos anos 1990, foi a de criar programas de

ações supletivas e redistributivas para dar assistência técnica e financeira,

principalmente aos municípios. Esses programas têm sido gerenciados pelo FNDE –

Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino, como apresentado no capítulo 2.

Não tem sido fácil para os municípios, contudo, seguirem a normatização do FNDE,

pois a obtenção de informações para a elaboração dos programas requer um

caminho obscuro; além disso, a muitas localidades faltam quadros técnicos

capacitados, sendo impossível, por vezes, arcar com contrapartidas locais, que

podem reduzir o acesso a esse tipo de convênio.

Assim, ao que parece, os processos de descentralização das políticas educativas,

do modo como impulsionados pelo poder central, parecem desconhecer as

diversidades regionais do país. Seguindo uma lógica economicista-instrumental, as

medidas de políticas deixam de considerar o grau de desarticulação social existente

nas localidades e o arcaísmo remanescente em muitas de suas estruturas de poder,

grande parte disso, é fruto da enorme pobreza de vários municípios (AZEVEDO,

2002).

Os padrões de financiamento preestabelecidos de forma centralizada para o

atendimento a projetos sociais, apesar da capacidade de universalizar a educação,

arrebanhando um contingente cada vez maior de alunos para a escola, pouco têm

contribuído para o fornecimento das condições necessárias à escolarização de fato.

Dessa forma, a estrutura federativa organizada para a prestação de serviços

públicos de ensino fundamental combinou elementos de centralização normativa e

descentralização gerencial, sem, contudo, ter havido um esclarecimento das

Capítulo 4 – Disjunções no Arranjo Institucional do Ensino Fundamental

202

necessidades técnicas, administrativas, financeiras e até políticas dos entes

municipais, para que o processo pudesse se dar efetivamente, com eficiência e

participação popular.

Criou-se, em conseqüência, um arranjo institucional do ensino complexo que,

atrelado às dificuldades inerentes à realização de políticas públicas, isto é, o

planejamento e processamento orçamentário, levou ao acirramento do oportunismo

político dos agentes na esfera municipal e à criação de regras informais, implicando

vários custos de transação e a construção de estruturas de governança que não são

eficientes no controle dos custos e nem dos incentivos ao oportunismo político.

Como resultado, os municípios não lograram dar mais eficiência às políticas públicas

de ensino fundamental, como era a expectativa da nova lógica de ação do Estado,

arquitetada no final dos anos 1990.

No próximo capítulo desta tese, haverá a análise, a partir do estudo de caso do

município de São Paulo, das principais conseqüências das mudanças legais na área

do ensino fundamental e suas relações com as regras formais e informais até aqui

apresentadas, com o intuito de esclarecer algumas das falhas apontadas nesse

arranjo institucional.

.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

203

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

A partir da análise macro e microinstitucional realizada nos capítulos anteriores, este

capítulo dedica-se a estudar aspectos do arranjo institucional do financiamento do

ensino em São Paulo que corroborem a hipótese principal desta tese de que existem

falhas institucionais que contribuem para a baixa eficácia do sistema de ensino

fundamental municipal. Esta análise será realizada com base nas mudanças

empreendidas com a promulgação da LDB e do Fundef, ou seja, no período de 1997

a 2006.

Na primeira parte do capítulo buscaremos apresentar aspectos relativos às regras

formais referentes ao financiamento do ensino fundamental no município, com foco

nas características da legislação municipal do ensino e no processo de

planejamento e orçamento das políticas públicas. A segunda parte do capítulo está

voltada à discussão da estrutura de governança constituída para a organização do

ensino municipal, a partir da análise das características e motivações dos principais

atores envolvidos, à luz do modelo analítico engendrado nos capítulos 1 e 3. A

terceira parte, por fim, traça algumas conclusões para o estudo de caso do município

de São Paulo com base nos dados analisados.

5.1 Ambiente institucional do ensino fundamental no município de São Paulo

O município de São Paulo é o maior município brasileiro, tanto em termos

populacionais, quanto orçamentários. Sua receita orçamentária, em 2006, foi de

aproximadamente R$ 17,1 bilhões, sendo que, desse total, R$ 13,2 bilhões foram

referentes a impostos e transferências97. A maior parte das receitas de impostos e

transferências do município é fruto de arrecadação própria; desse modo, em São

Paulo há menor dependência de repasses federais, relativamente à maioria dos

municípios brasileiros. A título de exemplo, em 2006, a receita da cota-parte do

Fundo de Participação dos Municípios representou para São Paulo cerca de 0,58%

de sua receita anual.

97 Dados do Balanço Orçamentário da Prefeitura do Município de São Paulo, disponíveis na página da Secretaria de Finanças do Município:

www.prefeitura.sp.gov.br/finanças.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

204

Não obstante a relativa independência financeira do município paulistano, este,

assim como os demais municípios brasileiros, está sujeito às regras determinadas

pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

para a oferta de ensino público. Além dessas determinações, o município pode

estabelecer regras adicionais em sua Lei Orgânica Municipal (LOM) e também

dispor de regulamentações por meio de legislação ordinária, desde que não haja

conflito com a Legislação Federal.

Em relação ao processo de planejamento e orçamentação das políticas de

educação, São Paulo deve seguir as definições constitucionais para o processo

orçamentário, isto é, para a elaboração do PPA, da LDO e da LOA, podendo, para

isso, engendrar seu próprio sistema de planejamento e determinar a organização

dos órgãos municipais envolvidos nessas tarefas.

Para que se possa entender o funcionamento das políticas de ensino fundamental

no município de São Paulo, analisaremos nesta seção: i) os principais impactos da

reforma federal do ensino fundamental em São Paulo; ii), os aspectos das regras

formais do ensino fundamental no município; iii) os dados relativos às receitas,

despesas e indicadores de ensino do município; e iv) as principais características do

processo orçamentário na cidade de São Paulo e suas conseqüências para o ensino

fundamental.

5.1.1 O impacto da reforma federal do ensino fundamental

Segundo Rocha (2003), a reforma do ensino fundamental ocorrida no final da

década de 1990 teve impacto importante no ordenamento das matrículas de ensino

fundamental em São Paulo. Esse reflexo pode ser percebido pela tabela 17 abaixo,

na qual se vê, a partir dos dados do Censo Escolar (MEC), do período de 1996 a

2005, a mudança no perfil das matrículas, que migraram da rede estadual para a

municipal.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

205

Tabela 17 - Taxa de Participação nas Matrículas de Ensino Fundamental por Rede de Ensino no Município de São Paulo – 1996/2005 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Censos MEC 1996 a 2005

Tabela 18 - Evolução do Número de Matrículas de Ensino Fundamental Regular na Rede Municipal de São Paulo – 1993/2005 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos Anos 1996 a 2005 - Censos MEC

AnosTotal de

MatrículasMatrículas

1ª a 4ªMatrículas

5ª a 8ª1993 507.666 280.714 226.952

1994 509.696 276.337 233.359

1995 501.323 270.402 230.921

1996 516.202 279.678 236.524

1997 531.302 289.603 241.699

1998 536.871 296.668 240.203

1999 554.628 311.137 243.491

2000 546.218 307.990 238.228

2001 550.954 309.425 241.529

2002 551.263 309.121 242.142

2003 552.792 304.450 248.342

2004 556.489 301.877 254.612

2005 549.091 292.405 256.686

Anos Estadual 1ª a 8ª Municipal 1ª a 8ª Particular 1ª a 8ª

1996 55,18% 28,14% 16,68%

1997 53,73% 29,56% 16,71%

1998 52,95% 30,56% 16,49%

1999 51,70% 32,06% 16,24%

2000 50,94% 32,55% 16,50%

2001 49,32% 33,80% 16,87%

2002 48,31% 34,48% 17,20%

2003 47,40% 35,07% 17,53%

2004 47,10% 35,32% 17,57%

2005 47,45% 34,85% 17,69%

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

206

Gráfico 6 - Evolução do Número de Matrículas na Rede Municipal de São Paulo - Ensino Fundamental Regular – 1993/2005 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos Anos 1996 a 2005 - Censos MEC

A ampliação da oferta de ensino fundamental pela rede municipal, no período, foi de

32.889 matrículas, conforme apresentado na tabela 18, o que implica um aumento

de 6,4% de 1996 a 2005. Ao se considerar o ano de 1988 como base, o impacto

torna-se maior, pois naquele momento havia 421.526 alunos matriculados (Rocha,

2003) e, em 2005, 549.091; resultando em um crescimento de 30,26%. O

incremento das matrículas no ensino fundamental sobreveio no período de 1997 a

1999, como se nota-se pelo gráfico 6; depois disso, houve uma redução seguida de

certa estabilização no número de matrículas, repetindo um comportamento nacional.

A mudança da oferta de ensino fundamental acontece principalmente com o

aumento da participação da rede municipal que passou de 28,14%, em 1996; para

34,85%, em 2005, e a conseqüente queda nas matrículas da rede estadual, de

55,18% para 47,45%, respectivamente.

Evolução do Número de Matrículas no Ensino Fundamental Regular

-

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

350.000

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Matrículas1ª a 4ª

Matrículas5ª a 8ª

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

207

Porém, mesmo com o crescimento do número de alunos na rede municipal, a rede

estadual mantém-se como principal ofertante do ensino fundamental 98 ,

diferentemente do ocorrido com boa parte dos municípios brasileiros, como se

depreende dos dados apresentados no capítulo 299.

O crescimento da oferta de ensino fundamental foi acompanhado do aumento da

receita municipal, sobretudo advinda do Fundef. No período de 1999 a 2006, de

acordo com a tabela 19, a seguir, o município de São Paulo passou a contar com

uma receita líquida do Fundef da ordem de R$ 170,5 milhões, inicialmente, e de R$

496,4 milhões, no último ano; um crescimento real de 191%. Esses recursos foram,

em sua maioria, gastos com pagamento de pessoal100.

em R$ mil*Ano Valor

1998 170.5421999 205.5422000 267.7072001 293.0932002 403.4582003 379.1442004 404.3782005 460.6172006 496.383

Tabela 19 - Recursos Adicionais do Fundef - Município de São Paulo - 1998/2006 Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo de 1998 a 2006. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.

Além das alterações nas regras formais do financiamento do ensino fundamental

trazidas pela reforma federal de 1996, que impactou a oferta de matrículas entre

redes, São Paulo teve também outras mudanças nas regras formais do

financiamento do ensino fundamental. Essas ocorreram em função de emendas à

Lei Orgânica Municipal e da criação de legislação ordinária sobre ensino municipal,

que foram engendradas no ano de 2001, com vistas à construção de um novo

98 Chama a atenção na análise desses dados o crescimento da oferta de ensino fundamental pela rede particular. Esta questão, no entanto, está fora do

foco desta tese.

99 Possivelmente a manutenção da predominância de oferta estadual nas matrículas do ensino fundamental está ligada à relativa independência de São

Paulo em relação às transferências intergovernamentais, e ao fato de que a rede municipal já contava com número significativo de matrículas, o que teria

tornado o ganho adicional do Fundef menos atrativo do que para outros municípios. Com isso, o efeito indutor do Fundo para a municipalização teria sido

amenizado.

100 A questão será vista em maior detalhe na seção 5.1.3.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

208

arranjo institucional do ensino no município. A seguir, os principais pontos dessas

mudanças.

5.1.2 As alterações na legislação municipal

Em São Paulo, até o ano de 2001, a determinação da LOM era a de que deveria ser

aplicado em educação 30% das receitas resultantes de impostos e transferências,

conforme o artigo 208 da lei, promulgada em 4 de abril de 1990, conforme a

transcrição101.

Art. 208 – “O Município aplicará, anualmente, no mínimo 30% (trinta por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e da educação infantil, nos termos do art. 212, § 5º da Constituição da República.”

Entretanto, essa determinação foi por muitos anos descumprida, segundo os

balanços publicados pela Secretaria de Finanças, além da análise do Tribunal de

Contas do Município 102 . De acordo com Rocha (2003), a situação de

descumprimento legal chegou a tal ponto que, em 1997, o então prefeito promulgou

a Lei n.º 12.340, que determinava um pagamento adicional à educação de R$

280.729.940,00 até o ano 2000103.

A despeito da apresentação da Lei 12.340 em 1997, o executivo municipal continuou

a descumprir a aplicação de 30% dos recursos de impostos e transferências na

educação municipal durante a gestão de 1997 a 2000104.

Em 2001, foram realizadas alterações na Lei Orgânica Municipal com base na

proposta do poder executivo de aumentar o percentual de vinculação legal para

101 Até a promulgação da LOM, a regra vigente para aplicação de recursos na educação no município de São Paulo, assim como para os demais

municípios brasileiros, era a vinculação orçamentária de 25% de impostos e transferências, conforme previsto inicialmente na Lei Calmon e, depois, na

Constituição Federal de 1988, conforme apresentado no capítulo 2.

102 Na próxima seção será feita uma análise desses demonstrativos de gastos no ensino.

103 A aprovação da lei, conforme ressalta Rocha (2003), não compensaria os prejuízos causados à educação no período anterior, visto que o fluxo de

alunos do passado, por razões óbvias, não poderia ser corrigido, bem como a ausência de estruturas e planejamento decorrentes do não emprego de

recursos implicaria em um gasto a mais de tempo e recursos humanos, na tentativa de recuperar o que se havia perdido.

104 Esse fato ensejou inclusive a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito pela Câmara Municipal de Vereadores em 1999. A CPI, no entanto,

não chegou a concluir seus trabalhos de forma aprofundada, em função da pressão política exercida pelos vereadores governistas, membros da Comissão,

e o relatório final nada concluiu sobre a questão que estava sendo investigada (BASSI, 1999.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

209

educação de 30% para 31%. Essa mudança foi feita por meio da Emenda à Lei

Orgânica n.º 24/01, a qual modificou artigos da LOM, estabelecendo que a educação

no município de São Paulo seria organizada a partir do Plano Municipal de

Educação, que, por sua vez, atenderia à LDB (Lei 9.394/96). Da mesma maneira, o

percentual estabelecido pela LOM que ultrapassasse aquele definido no artigo 212

da Constituição Federal deveria seguir as determinações de lei ordinária municipal,

como mostra o artigo 200 da LOM, transcrito a seguir, com a redação dada pela

Emenda 24/01.

Art. 200 – “A educação ministrada com base nos princípios estabelecidos na Constituição da República, na Constituição Estadual e nesta Lei Orgânica, e inspirada nos sentimentos de igualdade, liberdade e solidariedade, será responsabilidade do Município de São Paulo, que a organizará como sistema destinado à universalização do ensino fundamental e da educação infantil.

§ 4º O Plano Municipal de Educação atenderá ao disposto na Lei Federal nº 9.394/96 e será complementado por um programa de educação inclusiva cujo custeio utilizará recursos que excedam ao mínimo estabelecido no artigo 212, § 4º, da Constituição Federal. (Acrescido pelo artigo 5º da Emenda nº 24, de 26/12/01).

§ 5º A lei definirá as ações que integrarão o programa de educação inclusiva referido no parágrafo anterior”.

Dessa forma, no município de São Paulo passou a ser obrigatória a aplicação de

31% das receitas de impostos e transferências em duas partes: nunca menos de

25%, conforme as determinações da Lei 9.424/96 (LDB) e os 6% restantes105 seriam

aplicados segundo a legislação municipal ordinária. A determinação da legislação

municipal está explicita no § 2º do artigo 208, conforme transcrição a seguir:

Art. 208 – “O Município aplicará, anualmente, no mínimo 31% (trinta e um por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, da educação infantil e inclusiva (Redação dada pelo artigo 1º da Emenda nº 24, de 26/12/01).

§ 1º - O Município desenvolverá planos e diligenciará para o recebimento e aplicação dos recursos adicionais, provenientes da contribuição social do salário-educação de que trata o artigo 212, § 5º da Constituição da República, assim como de outros recursos, conforme o artigo 211, § 1º da Constituição da República (Redação dada pelo artigo 1º da Emenda nº 24, de 26/12/01).

105 É importante ressaltar que esse percentual adicional pode ser inferior a 6%, caso se aplique mais que 25%, conforme as determinações da LDB, o que

não é permitido é aplicar percentual inferior a 25% nesse tipo de despesa e tampouco pode ser aplicado menos de 31% no cômputo geral.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

210

§ 2º - A lei definirá as despesas que se caracterizam como manutenção e desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, bem como da educação infantil e inclusiva.”

Assim, foi promulgada a Lei 13.245/01, com a proposta de regulamentar os gastos

com educação no município, acatando a divisão proposta de aplicação de 25% e 6%

das receitas de impostos e transferências municipais. O artigo 2º dessa lei prevê que

os recursos decorrentes da parcela de 25% sejam aplicados nas mesmas despesas

previstas no artigo 70 da LDB106. Já seu artigo 3º, transcrito a seguir, visa atender o

§ 5º do artigo 200 e o § 2º do artigo 208, vistos anteriormente, que prevêem as

despesas consideradas para efeito dos gastos da parcela de 6%, ou o que exceder

à aplicação mínima prevista na CF e na LDB.

Art. 3º - “Serão consideradas como despesas relativas à educação inclusive para fins do disposto do § 5º do artigo 200 da Lei Orgânica do Município:

I - programas voltados à educação de jovens e adultos que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria;

II - programas de reinserção educacional da criança e adolescente em situação de risco pessoal ou social;

III - programas especiais para educação de crianças e adolescentes com deficiência;

IV - programas voltados para a educação profissionalizante visando o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva;

V - programas que fortaleçam a inclusão de crianças e adolescentes na ação educacional do município;

VI - custos de produção e transmissão de programas de educação promovidos ou patrocinados pelo Poder Público Municipal, veiculados em emissoras de rádio e televisão;

VII - manutenção e criação de centros integrados de educação e cultura, instalação de telecentros para acesso a novas tecnologias de informação e comunicação, em específico, às redes municipais e mundiais de conhecimento; bem como, instalação de bibliotecas públicas infanto-juvenis em apoio à rede municipal de ensino;

VIII - provisão de alimentação em creches, escolas de educação infantil, ensino fundamental e supletivo.”

As modificações acarretadas pela Emenda à Lei Orgânica e pela Lei 13.245/01

merecem destaque em alguns aspectos. O primeiro deles é ter implicado

106 Com exceção do item IX, que prevê a possibilidade de inclusão das despesas com pessoal inativo da educação, item este que não se encontra

explicitamente previsto na LDB, como foi já comentado no capítulo 2 desta tese.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

211

concretamente o aumento do volume de recursos destinado à educação no

município, pois, de fato, 1% a mais passou a ser alocado, ainda que em uma

caracterização de despesas mais ampla, conforme estipula o artigo 3º da lei

transcrito (ROCHA, 2003).

Esse artigo passou a permitir os gastos com a chamada “educação inclusiva” em

São Paulo e, dentre os itens dispostos depois da alteração sobressaem aqueles que

visam à inclusão da criança e do adolescente nas ações educacionais. Assim,

sendo, programas como o bolsa-escola e o renda-mínima surtem efeito, na análise

de Araújo e Luzio (2005), especialmente em famílias cuja carência leva

inexoravelmente à evasão escolar e ao trabalho infantil precoce.

A previsão de realizar gastos com programas para jovens e adultos também é

importante diante das constatações da reforma federal do ensino fundamental que

reduziu a possibilidade de investimentos nessa modalidade de ensino. Contudo,

deve-se destacar que, não obstante o mérito, alguns itens do artigo 3º foram

inseridos com um grau de generalidade que admite a inclusão de ações variadas e

não necessariamente aquelas que constavam da intenção do legislador.

Segundo Rocha (2003, p. 38), o texto referente aos incisos II, III e V pode ensejar,

futuramente: “ações fragmentadas e pontuais que não concorram, por seu conteúdo

e forma, para a proteção da criança e para sua permanência na escola.” Aqui é

forçoso ressaltar que existe um tênue limite entre ações que visam ao ensino - e

para isso faz uso de programas de inclusão associados à escola - e aquelas de

cunho meramente assistencial, cuja iniciativa não deveria ser vinculada aos recursos

da Educação.

Nesse sentido, deve-se considerar que a intenção do legislador, e em especial do

governo que propõe determinada legislação, não necessariamente será aquela de

quem avalia a lei e de quem a executa anos mais tarde, visto que, como lembra

CLUNE (1987), a escolha institucional é sempre subjetiva. Dessa forma, a chance da

regra ser alterada ou subvertida será proporcional à fragilidade institucional com a

qual é constituída. Quanto menor a clareza da regra, maior a probabilidade de

derivação de regras informais a partir desta. Assim, como se tem insistido ao longo

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

212

desta tese, as brechas legais e a possibilidade de múltiplas interpretações dão

origem a regras informais, que passam a ser seguidas pelos agentes.

5.1.3 Receitas e gastos com ensino fundamental e indicadores de ensino no período de 1997 a 2006

Neste tópico buscaremos apresentar alguns dados relativos às receitas e despesas

com manutenção e desenvolvimento do ensino no município de São Paulo, com

destaque para o ensino fundamental. A análise dos dados tem o intuito de avaliar

qual foi a evolução das receitas e despesas no período de 1997 a 2006, isto é, após

as mudanças da reforma federal para o ensino fundamental, e também de

compreender o impacto das mudanças na legislação municipal de ensino, a partir de

2001. Ademais, será importante avaliar se houve alterações significativas nos

indicadores de rendimento e desempenho escolar no período e, para isso, serão

apresentados alguns indicadores de ensino do município de São Paulo.

Para a análise das receitas e despesas serão utilizadas inicialmente três tabelas: a

tabela 20 demonstra as receitas de impostos e transferência do município no período

em questão; a tabela 21A a mostra as despesas com manutenção e

desenvolvimento do ensino em São Paulo, segundo o que determina a LDB; e a

tabela 21B expõe as despesas com educação inclusiva no município paulistano,

geradas depois das alterações legais ocorridas em 2001, conforme descrição

anterior.

A partir da tabela 20, podem-se acompanhar alguns elementos relevantes acerca

das receitas e despesas do ensino fundamental em São Paulo nos últimos anos. A

primeira questão que chama atenção é a evolução das receitas de impostos e

transferências consideradas para efeito do cálculo dos gastos com ensino

fundamental, que cresceu de forma significativa no período, passando de R$ 7,3

bilhões, em 1997, para R$ 13,1 bilhões, em 2006; um crescimento de 78,7% em

termos reais. Essa expansão é fruto principalmente da arrecadação do IPTU, do ISS

e da quota-parte do ICMS.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

213

Tabela 20 - Evolução das Receitas de Impostos e Transferências destinadas à Educação no Município de São Paulo - 1997/2006 Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006. (1) As receitas referentes à Lei Kandir e à multa e juros de mora de impostos só passaram a ser incluídas nos Demonstrativos da Educação em 2001. (2) Essa receita tem uma significativa variação de um ano para outro em função do eventual parcelamento de débitos realizado pela prefeitura em alguns anos. (3) Conta de ajuste contábil para arrecadação dos impostos da prefeitura, os quais são depois classificados corretamente no Balanço Anual nas devidas rubricas, sua contabilização, contudo, não altera a nossa análise. (4) A aplicação legal é a vinculação de impostos e transferência para a educação, sendo que, até 2001, o percentual de cálculo é 30% e, a partir daquele ano, passa a 31%. (5) Nesse total são consideradas além das receitas de impostos e transferências, as receitas adicionais do Fundef e outras, como os repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino e do Salário Educação (FNDE).

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

214

Tabela 21A - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito LDB) Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006. (1) Gasto referente ao pagamento de servidores aposentados comissionados. Em 2002, esse pagamento passou para a função Trabalho. (2) Gasto referente ao pagamento de servidores aposentados comissionados e parte do contrato da PRODAM para o sistema de processamento de dados da Educação. Em 2002, o gasto com a Prodam passou à subfunção Tecnologia da Informação na própria função Administração e, em 2006, passou à subfunção Tecnologia da Informação dentro da função Educação. (3) Gasto referente ao pagamento de benefícios a servidores aposentados comissionados. Em 2002, esse pagamento passou para a função Trabalho. Em 2005, voltou a ser contabilizado na função Administração, subfunção Proteção e Benefícios ao Trabalhador. (4) Essa função era designada anteriormente como Assistência e Previdência, sendo desdobrada, a partir de 2002, passando a constituir duas funções: Assistência (função 08) e a Previdência (função 09). (5) Gasto contabilizado até 2001 nas despesas consideradas para efeito do cumprimento da LDB. Nesses gastos estavam incluídas despesas administrativas da Secretaria da Assistência para a operação e manutenção de creches, inseridas na subfunção ensino infantil. Passaram a ser administrados pela Secretaria da Educação em 2002. Além desses gastos, até 2000 eram incluídas nessa subfunção despesas assistenciais como a atividade "Manutenção de Menores em Centros de Juventude Conveniados", o que era proibido pela LDB. (6) Esses gastos são da antiga função Saúde e Saneamento, que passou a ser função Saúde. Referem-se às despesas com parte da subvenção ao Hospital do Servidor Público. O financiamento dessas despesas com recursos da Educação era proibido pela LDB. (7) Despesas referentes à manutenção e operação de bibliotecas. Em 2002, por determinação do TCM, passaram a ser incluídas nos gastos com educação inclusiva. (8) Despesas referentes ao subsídio para tarifa de ônibus dos estudantes do ensino fundamental. (9) Despesas referentes ao pagamento de sentenças judiciais de funcionários da educação (precatórios alimentares). (10) Despesas referentes ao pagamento de despesas que não tiveram seu processamento adequado no ano de sua execução (DEAs - Despesas de Exercícios Anteriores).

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

215

Tabela 21B - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino no Município de São Paulo - 1997/2006 (Conceito Educação Inclusiva) Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo nos Diários Oficiais da época e Pareceres do Tribunal de Contas do Município, publicados no Diário Oficial do Município em 29/09/01. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006. (1) O gasto com merenda escolar, classificado na subfunção Alimentação e Nutrição, foi contabilizado em 3 funções distintas: Saúde, Assistência e Agricultura até ser inserido na própria função Educação. Em 2006, foram realizados também gastos com utensílios para merenda na subfunção ensino infantil. (2) Despesa referente ao gasto com a implantação e operação de telecentros, que passou depois a ser executado na subfunção Tecnologia da Informação, da função Educação. (3) Gasto referente ao Programa de Renda Mínima e à Alfabetização de Jovens e Adultos. (4) Gasto referente ao Programa Bolsa Trabalho para profissionalização de jovens. (5) Despesas referentes ao subsídio para tarifa de ônibus dos estudantes de outros níveis de ensino, excluído o fundamental.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

216

Porém, ainda em relação ao crescimento das receitas, há que se levar em

consideração também o fato de que, até o ano 2001, algumas rubricas importantes,

como a Transferência da Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) e a Receita de Multa

e Juros de Mora de Impostos107, não eram consideradas na base de cálculo das

receitas com ensino108.

Outra questão relevante da tabela 20 é o crescimento da receita adicional do

Fundef, como comentado no item 5.1.1, reflexo da mudança da legislação federal.

Essa receita adicional demonstra que o município de São Paulo, em função do

grande número de matrículas no ensino fundamental, recebe mais recursos do

Fundo do que contribui, o que fica claro na demonstração das receitas para o

exercício de 2006:

em R$ 1,001 Receitas 1.031.228.5821.1 Transferências de recursosdo Fundef 1.025.958.134 - União 89.170.254 - Estado 936.787.8801.2 Receitas de Valores mobiliários 5.270.448Fundos de Investimentos - Fundef 5.270.4482 Contribuições - 15% sobre o total arrecadado 534.845.7052.1 Cota Parte do Fundo de Participação dos Municípios 14.994.1442.2 Transferência referente à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) 5.384.5742.3 Cota Parte do ICMS 509.749.1362.4Cota Parte da Participação Estadual da Arrecadação do IPI 4.717.851

3 Receita Adicional do Fundef (1-2) 496.382.877 Tabela 22 - Receitas do Fundef – Município de São Paulo – 2006. Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo de 1998 a 2006. Quanto às despesas municipais com educação, apresentadas nas tabelas 21A e

21B, é importante ressaltar que, enquanto nos anos de 1997 a 2000, o percentual de

gastos em ensino ficava abaixo dos 30% definidos pela LOM109, a partir de 2001,

após a mudança na Lei Orgânica Municipal, esse patamar passou a superar os 31%

fixados. As alterações na lei, associadas à evolução das receitas de impostos e

transferências no município de São Paulo e às receitas adicionais do Fundef,

107 A Receita de Multas e Juros de Mora de Impostos advem do pagamento em atraso de impostos.

108 Havia uma discussão jurídica acerca da obrigatoriedade ou não de inclusão destss receitas, por se tratarem de receitas acessórias do imposto, em

função de atraso em seu pagamento. Por serem originadas em impostos, o TCM entendeu que são também devidas à educação municipal na proporção da

vinculação determinada na LOM (CALLEGARI, 1997)

109 Em 1999, o percentual de aplicação de recursos em Educação apresentado pela prefeitura era de 30,25%, porém, há a inclusão de despesas não

permitidas pela LDB como gastos com Saúde e Assistência Social, além de despesas com ensino supletivo (BASSI, 1999).

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

217

permitiram que as despesas com educação saltassem de R$ 2,2 bilhões, em 1997,

para R$ 4,2 bilhões, em 2006110; um crescimento real de R$ 2 bilhões, conforme

apresentado na tabela 21B.

Já no que concerne às despesas com ensino fundamental, a partir dos dados

apresentados nas tabelas 21A, percebe-se que passaram de R$ 987,9 milhões, em

1997, para R$ 1,4 bilhão, em 2006111. A tabela 23, a seguir, traz a média de gasto

anual da prefeitura com a subfunção ensino fundamental, nas três gestões

analisadas, em comparação ao número médio de matrículas por gestão, isto é, um

cálculo aproximado do custo aluno/ano em cada período.

Período Gasto Médio/Ano Custo Aluno/Anoem R$ mil* em R$*

1997-2000 979.906 1.4822001-2004 1.045.156 1.8902005-2006 1.375.546 2.505

Tabela 23 – Despesa com a Subfunção Ensino Fundamental e Custo Aluno/Ano – Município de São Paulo - 1997/2006. Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação da Prefeitura Municipal de São Paulo e dados do Inep/MEC, no período de 1997 a 2006. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006. *Nesse período foram também consideradas as matrículas do ensino fundamental supletivo, pois eram consideradas no total da despesa apresentada pela prefeitura até 2000.

Como se pode observar, houve um incremento progressivo do custo aluno/ano no

período, o qual está associado ao maior volume de gasto e também à redução das

matrículas no ensino fundamental, conforme apontado no início deste capítulo.

Apesar do aumento no custo aluno, o crescimento das despesas da subfunção

ensino fundamental, de 42,9%, foi inferior ao aumento geral das despesas com

educação, que totalizaram um salto de 103% no período. Isso ocorreu dada a

evolução de outras despesas, como as administrativas e previdenciárias, além da

inclusão das despesas relativas à educação inclusiva, transportes e encargos

especiais, como se nota nas tabelas 21A e 21B.

110 Esses valores de despesas não incluem os gastos com os programas do FNDE, como PNAE e PNATE.

111 Aqui estão sendo consideradas apenas as despesas na subfunção ensino fundamental consideradas para efeito do cumprimento da LDB, não se

considera então os gastos com os programas Renda Mínima e Educação de Jovens e Adultos que constam do quadro B das despesas.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

218

A evolução das despesas com a subfunção ensino fundamental deve ser avaliada

em relação a indicadores importantes como o número de professores, a média de

alunos em sala de aula e os indicadores de rendimento escolar. A análise desses

indicadores, apresentados a seguir, não se propõe a explicá-los, a intenção é

verificar se foram alterados significativamente no período analisado.

O aumento supracitado, de 42,9% de despesas na subfunção ensino fundamental,

deu-se, em parte, pela contratação e efetivação de funcionários na Secretaria

Municipal de Educação (SME). A tabela 24 mostra que em 1997, havia na secretaria

24.968 professores de ensino fundamental; em 2004, passaram a 31.098, entre

efetivos e não efetivos, um crescimento de 25%112.

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004Var. % 04/96

Docentes

Educação Infantil 7.772 8.077 8.179 8.074 8.267 8.431 17.528 20.885 20.922 169%

Ensino Fundamental 24.968 26.259 27.485 27.196 28.242 29.134 29.900 30.158 31.098 25%

Ensino Médio e outros 214 263 279 270 232 252 282 242 238 11%

Total 32.954 34.599 35.943 35.540 36.741 37.817 47.710 51.285 52.258 59%

Não-Docentes

Total 14.454 14.190 14.754 15.597 14.117 14.501 19.109 21.605 21.471 49%

Total Geral de Funcionários 47.408 48.789 50.697 51.137 50.858 52.318 66.819 72.890 73.729 56% Tabela 24: Número de Funcionários – Docentes e Não-Docentes da Secretaria Municipal de Educação - Prefeitura do Município de São Paulo – 1996/2004 Fonte: PMSP- SME-ATP/Centro de Informática (data base 31/05/2006). Contudo, tal expansão foi inferior à ocorrida no quadro geral do funcionalismo da

Secretaria de Educação, que foi, no mesmo período, de cerca de 56%, impulsionada

pela contratação de não-docentes, 49% e, principalmente, pelos professores de

ensino infantil, 169%. No que tange ao último dado, o aumento aconteceu

majoritariamente em função da incorporação dos quadros de funcionários de

creches e pré-escolas, que, até 2002, estavam na Secretaria de Assistência Social.

A mudança ocorreu em atendimento ao previsto pela LDB de que o ordenamento da

rede de ensino infantil, de pré-escolas e creches, deveria ser feito pelas Secretarias

Municipais de Educação.

112 Apesar desse crescimento, segundo relato da cordenadoria de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação, o quadro do magistério da

educação está defasado em cerca de 10%, considerando os cargos vagos e a necessidade de professores calculada em função das matrículas.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

219

Entre 1997 e 2004, o número de escolas de ensino fundamental no município

cresceu 22,7%, passando de 378 para 464, enquanto as escolas de ensino infantil

tiveram um aumento de 25,0%, de 367 para 459, como mostra o gráfico 7 a seguir.

Gráfico 7 - Evolução da Quantidade de EMEI e EMEF em atividade – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 Fonte: PMSP- SME-ATP/Centro de Informática (data base 31/05/2006)

Apesar da contratação de professores e do incremento no número de escolas, a

média de alunos por classe de 1a a 8a séries permaneceu praticamente inalterada,

nos últimos anos, em 36 alunos, como mostra a tabela 25 a seguir.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

220

Tabela 25 - Evolução da Média do Número de Alunos por classe no Ensino Fundamental Regular – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos Anos 1996 a 2004 - Censos MEC

Os dados seguintes são indicadores de rendimento escolar relacionados às taxas de

aprovação, reprovação e abandono no ensino fundamental do município de São

Paulo113 no período de 1993 a 2004. A primeira coluna da tabela 26 mostra a

evolução da taxa de aprovação no município que, entre 1994 e1996, apresenta uma

piora e depois há uma melhora progressiva até 1999114, caindo novamente em 2000

e, a partir daí, há certa estabilidade.

113 Nesta análise não se pretende explicar o comportamento das taxsa de rendimento escolar, mas antes sim verificar se no período analisado, houve

alteração nessas nessas taxas.

114 É provável que essa alteração da taxa de aprovação no período de 1996 a 1999 seja decorrente da adoção da progressão automática dos alunos na

gestão iniciada em 1996. O mesmo efeito é percebido na taxa de reprovação.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

221

Tabela 26 - Evolução da Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Abandonos no Ensino Fundamental – Rede Municipal de São Paulo – 1993/2004 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos Anos 1996 a 2004 - Censos MEC De forma complementar às taxas de aprovação, a reprovação no município de São

Paulo para o ensino fundamental é alta entre 1994 e1995; havendo um decréscimo

até 1999; em 2000, ocorre um aumento e, após essa data, mantém-se certa

estabilidade. Por fim, os dados de abandono no ensino fundamental mostram uma

tendência declinante até 2001 e, a partir de então, há estabilidade nos índices.

AnosTaxa de Alunos

AprovadosTaxa de Alunos

Reprovados

Taxa de Alunos Afastados por

Abandono1993 92,64% 7,36% 5,48%

1994 87,94% 12,06% 4,81%

1995 87,22% 12,78% 4,88%

1996 88,53% 11,47% 4,42%

1997 90,85% 9,15% 1,69%

1998 93,61% 6,39% 2,07%

1999 96,00% 4,00% 2,37%

2000 94,67% 5,33% 2,17%

2001 95,39% 4,61% 1,50%

2002 95,88% 4,12% 1,47%

2003 95,61% 4,39% 1,50%

2004 94,70% 5,30% 1,50%

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

222

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

100,00%

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Taxa de Alunos Aprovados

Taxa de Alunos Reprovados

Taxa de Alunos Afastados porAbandono

Gráfico 8 - Taxa de Alunos Aprovados, Reprovados e Afastados por Abandono no Ensino Fundamental no município de São Paulo – 1993/2004 Fonte: SME-ATP/Centro de Informática Anos 1993 a 1995 - Sistema Síntese de Alunos Anos 1996 a 2004 - Censos MEC

Os indicadores acima permitem perceber que, apesar do maior fluxo de recursos

financeiros disponibilizados para o ensino no município, especialmente para o

ensino fundamental, no período de 1997 a 2006, pouco reflexo houve nos

indicadores de rendimento nos anos mais recentes. A pequena variação no número

médio de alunos por sala de aula também chama a atenção pois, no período, houve

de fato um incremento no número de docentes contratados.

Somam-se à baixa variação desses indicadores, os resultados do município nas

avaliações do ensino básico, que mostram um desempenho bastante fraco. Exemplo

disso foi o desempenho dos estudantes da rede municipal de São Paulo na Prova

Brasil realizada em 2005. Como é possível perceber pela tabela 27 abaixo tanto em

português, como em matemática, na 4ª e 8ª séries, a média alcançada ficou aquém

da nacional.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

223

Língua Portuguesa Matemática4a. Série 8a. Série 4a. Série 8a. Série

Média Nacional 173 223 180 237Média São Paulo 166 220 173 232 Tabela 27 - Desempenho dos alunos na Prova Brasil 2005 - Brasil e Município de São Paulo Fonte:Inep/ MEC, maio/2007.

Ante a constatação do aumento expressivo do volume de recursos disponibilizado

para o ensino municipal, em especial, o ensino fundamental, e a variação pouco

significativa dos indicadores de rendimento e desempenho dos alunos da rede,

buscar-se-á, nas próximas seções, apresentar alguns fatores importantes referentes

a falhas nas regras formais do financiamento do ensino e a características da

estrutura de governança do ensino municipal, que podem ter contribuído para a

baixa eficiência da organização do ensino fundamental em São Paulo.

5.1.4 Falhas nas regras formais do financiamento do ensino no município de São Paulo

Na análise das falhas nas regras formais, algumas questões precisam ser apontadas

com respeito às regras do financiamento do ensino fundamental em São Paulo, bem

como às relativas ao planejamento e orçamentação das políticas públicas do ensino

no município.

Falhas na legislação municipal do ensino

Em relação à legislação municipal de ensino é importante frisar, como já

apresentado, que durante o período compreendido de 1997 a 2000 houve um claro

descumprimento da legislação vigente para a aplicação de 30% das receitas de

impostos e transferências no ensino, o que resultou em prejuízos também para o

ensino fundamental. A transgressão envolveu a não consideração de itens de

receitas no montante de cálculo, o que implicou a redução das receitas disponíveis

para a educação, além da inclusão de gastos não permitidos pela LDB, como

despesas de assistência social. Embora fosse evidente, isso não ensejou a rejeição

da prestação de contas do governo municipal na maior parte do período115. Tal

115 Em alguns anos, como 1996, 1997 e 1998, o Tribunal de Contas Municipal apresentou relatório final do Balanço Municipal em claro desacordo com o

parecer da área técnica desse órgão. Os técnicos apontavam o descumprimento dos gastos com ensino e, apesar disso, o parecer dos Conselheiros do

TCM sugeria à Câmara de Vereadores a aprovação das contas Em 1999, após todas as discussões ocorridas na CPI da Educação e da pressão política e

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

224

situação revela que, entre 1997 e 2000, houve um grave problema no município, no

que diz respeito ao ensino, em função do reiterado descumprimento da legislação

municipal e federal.

Ademais, deve-se ressaltar que não havia preocupação com a transparência dos

dados de prestação de contas do ensino, descumprindo-se a obrigatoriedade de

publicação dos Demonstrativos de Ensino até 30 dias após o fim do bimestre116,

além da não informação acerca do detalhamento das despesas consideradas para o

cálculo do percentual aplicado. O demonstrativo das despesas era apresentado

apenas no nível de função e subfunção, o que impossibilitava o controle do

andamento de projetos e atividades ligados ao ensino117.

No período seguinte, de 2001 a 2004, houve a mudança da legislação que permitiu o

incremento das receitas e também elevou o montante de despesas com ensino,

passando o percentual de vinculação da educação a 31%. Essa legislação deu

maior flexibilidade, no entanto, ao uso dos recursos, permitindo, por exemplo, que o

gasto com merenda tivesse um papel mais destacado. Nesse período, houve,

porém, em mais de um exercício, o descumprimento da aplicação da receita líquida

do Fundef. Em 2001, por exemplo, apenas 41% dessas receitas foram aplicadas no

ano, restando R$ 125,1 milhões depositados em conta bancária118.

Esse recurso, como se sabe, é de uso obrigatório para o ensino fundamental e

preferencialmente para a valorização do corpo docente. Na cidade de São Paulo,

optou-se pela sua utilização para o pagamento da despesa de pessoal do ensino

fundamental. Existe, porém, até hoje, uma dificuldade de coordenação dessa fonte

juntamente com os recursos vinculados, o que fez com que, por mais de uma vez,

esses recursos tenham “sobrado” na conta-corrente, sem que se tenha conseguido

utilizá-los no exercício de sua vigência. Essa dificuldade está relacionada a

problemas existentes tanto no processo orçamentário quanto na estrutura de

governança do ensino municipal, que se verá posteriormente.

social que acompanhou o caso, o TCM decidiu por um parecer rejeitando as contas parcialmente em função da educação, que foi aprovado pela Câmara.

As contas de 2000 ainda não foram apreciadas pelo legislativo.

116 Conforme pode ser observado pelo acompanhamento dos Diários Oficiais do Município, entre os anos de 1997 e 2000.

117 O demonstrativo só passou a ser apresentado de forma detalhada a partir do exercício de 2001, quando tornou-se possível acompanhar projetos e

atividades, além dos órgãos responsáveis por sua gestão.

118 Dados do Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação, publicado Diário Oficial do Município de São Paulo, em 30/01/2002.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

225

Na atual gestão, iniciada em 2005, algumas questões também merecem destaque,

no que diz respeito ao cumprimento das regras formais, referentes ao ensino

fundamental no município. Em primeiro lugar, nota-se que nessa gestão passou a

ser adotada uma visão diferente das despesas relativas à parcela referente à

educação inclusiva, descrita pela Lei Municipal 13.245/01. Conforme comentado,

alguns itens do artigo 3º, da referida lei, que estabelece o que é considerado gasto

com educação inclusiva, foram expressos com demasiada ambigüidade e poderiam

dar margem à inclusão de despesas de caráter assistencial, contrariando o espírito

da lei. Isso de fato ocorreu no exercício de 2005 e de 2006, quando passaram a

fazer parte do Demonstrativo de Aplicação dos Recursos em Educação as despesas

com assistência ao portador de deficiência e com assistência à criança e ao

adolescente, administradas pela Secretaria Municipal de Assistência Social. Essas

despesas não constavam do Demonstrativo de Gastos com Ensino, aprovado na Lei

Orçamentária para o exercício de 2005, sendo incluídas no último bimestre do

exercício. Tal fato pode ser explicado em função da mudança de gestão, pois o

orçamento de 2005 foi elaborado pela administração anterior, sendo a atual

concepção de gastos, interpretação da nova administração. O interessante, contudo,

é que no exercício de 2006, os gastos com assistência social também não

constavam do Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação aprovado

pela Lei Orçamentária para 2006 e, durante a execução orçamentária, ao final do

exercício, foram novamente incluídos119.

Além da despesa com assistência social, há os gastos relativos ao transporte

coletivo urbano, que foram incluídos na parcela referente às despesas que seguem

a determinação da LDB. Nesse caso, também houve uma ampliação da

interpretação da lei que permite ao município empregar os recursos vinculados com

transporte escolar. O transporte coletivo urbano incluído no demonstrativo refere-se

aos gastos com passe de ônibus dos estudantes do ensino fundamental (incluídos

na tabela 21A) e de outros níveis de ensino (incluídos na tabela 21B) que são

subsidiados pela prefeitura. Assim, além do gasto com as peruas escolares, houve a

inserção, nas despesas com ensino, dos gastos da Secretaria de Transportes com

119 Esses dados foram obtidos a partir da publicação da proposta orçamentária da PMSP e das prestações de contas bimestrais da Aplicação de Recursos

em Educação, no Diário Oficial do Município, nos anos de 2005 e 2006.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

226

subsídio à tarifa de ônibus, que é dado para o passe escolar. Esse item também só

foi incluído no final do exercício.

Ainda que haja uma interpretação de legalidade dessas despesas dentro do que

prevê a legislação do ensino, na prática, estas reduzem a amplitude possível dos

gastos com ensino fundamental administrados diretamente pela Secretaria Municipal

da Educação.

Nos exercícios de 2005 e 2006, os recursos relativos aos programas do FNDE/MEC

e da cota-parte do salário-educação (QESE)120, recebidos pelas transferências da

União e do estado, não foram utilizados na íntegra nos programas municipais,

restando saldos significativos no final do exercício, como se observa na tabela 28 a

seguir:

em R$ mil1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Receitas 48.769,0 63.763,5 80.638,7 87.054,6 95.080,2 182.541,8 252.034,2 280.449,8Despesas 48.769,0 63.763,5 78.888,7 93.242,6 95.570,9 186.024,4 212.812,4 190.832,6Aplicação a maior/menor 0,0 0,0 1.749,9 -6.188,0 -490,7 -3.482,6 39.221,8 89.617,2 Tabela 28 - Evolução da Aplicação de Outras Receitas da Educação (FNDE e QESE) no Município de São Paulo – 1999/2006 Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo, nos Diários Oficiais da época.

Novamente, nesta gestão, a aplicação da parcela adicional do Fundef não foi

cumprida em sua totalidade ao final do exercício. Em 2006 restou um saldo de R$

111,9 milhões121 de recursos do Fundef a aplicar122.

A não utilização da totalidade dos recursos do Fundef implicou o descumprimento da

legislação federal, que determina a aplicação de 60% da vinculação orçamentária

definida no artigo 212 da CF, além dos recursos adicionais do Fundef; assim, mais

120 Os programas com recursos do FNDE/MEC e verba QESE foram apresentados no capítulo 2.

121 Dados apresentados no Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação, no Diário Oficial do Município de São Paulo, de 16/03/2007.

122 O descumprimento da aplicação dos recursos do Fundef fere o princípio constitucional da anualidade, apesar de haver para isso respaldo em um brecha

legal criada pelo art. 8º da LRF, que permite a aplicação de recursos vinculados em exercixio distinto de sua arrecadação, conforme descrito no capítulo 2.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

227

uma vez, os recursos destinados ao ensino fundamental ficaram abaixo da cota

estipulada pela Constituição Federal123, como se nota na tabela29:

Tabela 29 - Evolução das Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental no Município de São Paulo - 1999/2006 Fonte: Elaboração própria, a partir das publicações dos Demonstrativos de Aplicação de Recursos em Educação, da Prefeitura Municipal de São Paulo, nos Diários Oficiais da época. *Dados atualizados pelo IPC/Fipe para 2006.

Questões como essas mostram que nos últimos anos houve reiteradas vezes o

descumprimento de algumas das regras do financiamento do ensino no município,

com impacto importante para o ensino fundamental, principalmente no que concerne

à aplicação dos recursos do Fundef e à cota prevista para esse nível de ensino. A

não execução das regras se deu sem que houvesse maiores problemas processuais

junto aos órgãos de controle, tanto os municipais, quanto os federais124.

Falhas no processo orçamentário

Conforme mostrado no capítulo 4, apesar da importância dos instrumentos

constituídos para a implementação do processo orçamentário no Brasil, isto é, o

Plano Plurianual de Ações (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei

Orçamentária Anual (LOA), existem disjunções nas regras orçamentárias que as

123 Conforme jvisto no capítulo 2, a Constituição Federal determina que no mínimo 60% da aplicação obrigatória, de 25%, prevista no artigo 212, seja

aplicado no ensino fundamental.

124 Quanto a isto vale lembrar que além da avaliação do poder legislativo do município, inclusive o Tribunal de Contas Municipal, e os Conselhos Municipais , também os órgãos de controle federal como o TCU e o Conselho Nacional de Educação têm como responsabilidade o controle dos repasses federais e do Fundef. Além disso, faz parte dos controles criados pela Lei de Responsabilidade Fiscal o acompanhamento pela STN e Senado Federal do cumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos em educação e no ensino fundamental.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

228

tornam pouco eficientes, prejudicando o processo de implementação e gestão de

políticas públicas no Brasil.

Esses problemas ocorrem também no município de São Paulo e são verificáveis nos

três instrumentos do ciclo orçamentário. No período de análise das políticas públicas

do ensino fundamental, de 1997 a 2006, apesar da existência de diferentes tipos de

gestões administrativas, dadas por três distintos mandatos políticos, há problemas

semelhantes nas peças do processo orçamentário.

O município teve três PPAs no período analisado: o primeiro com vigência de 1998 a

2001; o segundo de 2002 a 2005 e o terceiro, em andamento, de 2006 a 2009.

Durante esse tempo, observa-se uma evolução na forma de elaboração desse

instrumento. O primeiro PPA apontado não apresentava metas nem indicadores de

acompanhamento dos programas, tampouco gestores. O grau de generalidade da

Lei 12.571/98 que instituiu esse plano permitia a inclusão de variados tipos de

despesas na LDO e na LOA, sem que houvesse a necessária adequação ao PPA.

Como este foi elaborado antes da vigência da LRF, a preocupação tanto do poder

executivo quanto do legislativo com sua elaboração era mínima.

Já nos dois últimos planos, instituídos pelas leis 13.257/01 e 14.123/05, houve a

construção de diretrizes e prioridades para a Administração Pública, com a

apresentação de metas físicas e financeiras para as diversas áreas da administração

municipal, além de indicadores de desempenho.

No que toca à educação, a Lei 13.257/01, que instituiu o PPA para 2002-2005,

estabeleceu como objetivo geral para o ensino, a aplicação dos recursos

obrigatórios da educação, como pode ser visto no quadro abaixo. Foram, além disso,

estabelecidos seis programas de ensino: o ensino fundamental, o infantil, a

educação especial, o atendimento a jovens e adultos, a garantia de acesso e

permanência e, por fim, a democratização da gestão e qualidade social. Quanto ao

ensino fundamental, está apresentado a seguir o principal objetivo do programa.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

229

Objetivo Geral

Principais Secretarias envolvidas: Secretaria Municipal de Educação, Secretaria de Desenvolvimento Trabalho e Solidariedade, Secretaria Municipal de Transportes, Secretaria municipal de Esportes, Secretaria Municipal da Cultura e Secretaria Municipal de Meio Ambiente Aplicação dos recursos resultantes de 30% das receitas de impostos e transferências no desenvolvimento do ensino infantil e fundamental, além da aplicação dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, respeitando a legislação vigente. (...)

Programa 1: Educação de crianças e adolescentes de 07 a 14 anos

Objetivo: atendimento à demanda de 07 a 14 anos, através de construção e reforma de escolas municipais de ensino fundamental, garantindo a formação permanente de seus profissionais, sua manutenção, seus equipamentos, inclusive na área de informática, materiais permanentes e de consumo, assim como projetos pertinentes à ação educativa, à qualidade e à gestão. Valores Propostos para o Programa no Período 2002 a 2005

2002 2003 2004 2005 Total

Recur-sos

36,1 40 59 59,4 194,5

Ação: Construção, reforma e ampliação de Escolas de Ensino Fundamental Meta: Expansão de 36 mil vagas no ensino fundamental

Indicador: aluno atendido

Quadro 5 – PPA – Educação - 2002/2005 Fonte: Lei 13.257/01 - Plano Plurianual da Prefeitura Municipal de São Paulo – 2002/2005 – Anexo II

A partir do quadro acima, percebe-se que para o ensino fundamental a expectativa

era, principalmente, a de aumentar o atendimento de alunos, por meio da construção

de EMEFs.

Contudo, apesar de representar avanços, esse plano revelou-se de pouco eficácia

para o planejamento do ensino fundamental, visto que, no final de 2001, foi realizada

a alteração na LOM, aumentando o percentual e a forma de aplicação de recursos

no ensino, questões não previstas no PPA. Além disso, no ano seguinte à

aprovação, a administração municipal decidiu adotar como principal projeto na área

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

230

da educação a implantação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), proposta

que também não foi prevista no PPA125.

O PPA relativo ao quadriênio 2006-2009, estabelecido por meio da Lei 14.123/05, foi

também elaborado seguindo os conceitos de diretrizes, objetivos e metas para todas

as áreas do governo. Em relação ao ensino fundamental, o plano estabelece como

principal objetivo: “assegurar o acesso, a permanência e a melhoria da qualidade do

Ensino Fundamental”. Para isso, foram estabelecidas metas físicas e financeiras,

apresentadas a seguir:

125 Quanto a esta questão, é importante ressaltar que a permissão para a inclusão de novos programas, bem como a revisão ou modificação do PPA é

permitida pela própria lei que instituiu o plano, em seus artigos 4º e 5º. Com isso, o ordenamento proposto nas metas indicativas, físicas e financeiras, foi

todo revisto, na medida em que esse projeto abrangeu financeiramente parte significativa dos recursos de investimentos.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

231

Quadro 6 – PPA – Ensino Fundamental – 2006/2009 Fonte: Plano Plurianual da Prefeitura Municipal de São Paulo - 2006/2009 - Anexo I

Em relação às metas, pode-se perceber, em primeiro lugar, que não foi estabelecida

uma prioridade entre essas, o que dificulta o ordenamento das ações na Lei de

Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Anual. Além disso, é importante ressaltar

que esse planejamento não foi realizado em consonância com o Plano Municipal de

Educação (PME), previsto pela Lei Orgânica Municipal, devendo fixar metas para o

acesso, permanência e progresso nos vários níveis de ensino no município. Na

realidade, o PME não foi ainda aprovado no município de São Paulo, apesar de já se

terem passado mais de 6 anos da determinação federal.

Ademais, os dois últimos PPAs permitem em seu artigo 4º a revisão e modificação

do plano em função de “alterações de prioridades ou do contexto econômico,

financeiro, social ou urbano”. Assim, é perceptível que tanto a Lei 13.257/01, quanto

Código do Programa: 0158 Descrição: Ensino FundamentalObjetivo: Assegurar o acesso, a permanência e a malhoria da qualidade do Ensino Fundamental

Despesas Correntes

Despesas de Capital

Total

5.979.293.260 392.221.611 6.371.514.871Órgão: 16 - Secretaria Municipal de Educação

41-71 Conjunto das Subprefeituras

Descrição da MetaUnidade de

Medida2006 2007 2008 2009

Construir Escolas Municipais de Ensino Fundamental

EMEFs construídas e equipadas 11 20 23 19

Repassar recursos a Associações de Pais e Mestres de Escolas (APM) de Ensino Fundamental

APMs atendidas 496 509 524 539

Fornecer Uniformes e material escolar a alunos do Ensino Fundamental

Alunos atendidos 670.000 700.000 717.000 742.000

Realizar serviços de conservação nos equipamentos de Ensnino Fundamental (Subprefeituras)

Equipamentos conservados 462 473 493 516

Fornecer equipamentos e utensílios para a merenda escolar do Ensino Fundamental

Escolas atendidas 482 495 510 525

Prover o transporte dos alunos do Ensino FundamentalAlunos Transportados 52.400 52.400 52.400 52.400

Reformar, ampliar e adequar a acessibilidade de Escolas Municipais de Ensino Fundamental

EMEFs reformadas, ampliadas e/ou adequadas 25 40 20 20

Operar o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE/FNDE)APMs atendidas 482 495 510 525

Operar e Manter as Escolas Municipai de Ensino Fundamental (EMEF)

EMEFs operadas e mantidas 462 473 493 516

Premiar alunos e escolas com coleção de livrosEscolas atendidas 476 489 504 519

Construir Escolas Municipais de Ensino Fundamental para subtituição de instalações

EMEF construída e substituída 5 2

Valor 2006-2009

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

232

a 14.123/05 deixam ampla margem para definições futuras de prioridades e ações,

fazendo com que o poder norteador do instrumento seja enfraquecido no processo

de planejamento e implementação de políticas públicas.

Nesse sentido, chama a atenção o fato de que nenhum dos três planos traz

indicadores de custo unitário para implementação das ações, projetos e atividades.

Quanto custa, afinal, a implantação de uma EMEF? E sua operação e manutenção?

É compreensível, no entanto, a dificuldade de estabelecer metas financeiras para

cada um dos projetos e atividades constante do PPA, para cada ano, sem que isso

implique seu engessamento, principalmente em um país onde ainda há instabilidade

relativa às perspectivas de crescimento econômico e de receitas públicas. Apesar

disso, é indispensável que se criem condições de trabalhar um sistema de

informações que permita saber com clareza os custos dos projetos e atividades da

administração pública, para que se possa decidir e optar sobre prioridades, dado o

volume de recursos disponível (NUNES, 2006 e VIGNOLI, 2004). Da forma como os

PPAs vem sendo apresentados, é difícil avaliar se o recurso previsto na meta

financeira é suficiente ou não à meta programática, sendo mais difícil ainda avaliar

se a execução orçamentária é adequada frente às metas estabelecidas no plano.

O segundo instrumento do ciclo orçamentário, visto no capítulo 2, é a Lei de

Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria estabelecer principalmente as

prioridades anuais da administração pública municipal, além de dar diretrizes para a

elaboração do orçamento anual, a legislação tributária e a política de pessoal.

No município de São Paulo, a exemplo do que ocorre em boa parte das

administrações municipais do país e também das outras esferas de governo, as Leis

de Diretrizes Orçamentárias guardam a generalidade necessária para a flexibilização

do orçamento anual, seguindo a mesma política de elaboração do PPA. Como se

verá, alguns elementos constantes dessas leis asseguram essa flexibilidade.

A Lei 12.395/97 que estabeleceu a LDO para o exercício de 1998 trazia, por

exemplo, a definição das seguintes prioridades na área de educação:

Art. 14 – Constituem prioridade da Administração Pública Municipal:

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

233

II – programas sociais, com ênfase às áreas de Educação, Saúde e Bem-Estar:

a) assistência à educação escolar fundamental e pré-escolar;

b) aplicação de recursos adicionais na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de educação infantil, visando compensar os valores não aplicados em 1995 e 1996, conforme Projeto de Lei específico a ser submetido à Câmara Municipal;

(...)

c) distribuição de merenda escolar e intensificação do Programa Leve-Leite.

A partir dessa priorização observa-se que, com exceção do item b), que trata

justamente de correção da não aplicação de recursos em anos anteriores, não há

qualquer precisão na diretriz colocada para o ensino, pois inúmeros projetos ou

atividades podem estar compreendidos no item a). Quanto ao c), além de sua

generalidade, representa despesas que não podem ser executadas com os recursos

da vinculação de impostos e transferências.

Já a Lei 13.261/01, que instituiu a LDO para o exercício de 2002, avançou na

definição de prioridades para o orçamento anual, ao propor o processo participativo,

contando com a realização de audiências públicas para a indicação de demandas da

população. Dessa feita, houve a definição do Anexo I da Lei com 21 prioridades, das

quais a educação consta em quatro posições, conforme transcrito a seguir:

Anexo I

A- Atividades Ligadas a Programas

3. Programas na área de educação, com ênfase na melhoria do ensino infantil e fundamental e implementação do período integral, onde for possível;

(...)

B- Projetos Ligados a Programas

3. Construção e reforma de creches

8. Construção de EMEIs

12. Construção de EMEFs

Apesar da relevância da iniciativa, esta não eliminou a pouca efetividade deste

instrumento para a definição de políticas públicas; pois, na medida em que não há

indicação quantitativa, financeira e geográfica, há extrema flexibilidade para o

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

234

cumprimento das premências. Ademais, a lei assegurou no § 2º do artigo 2º, que

versa sobre as prioridades anuais da administração municipal, que “a execução

orçamentária do ano de 2002 deverá respeitar tais prioridades, sem que isso

comprometa a efetiva programação das despesas”. Esse parágrafo, portanto, dá

respaldo legal para que a elaboração e execução orçamentárias possam ser feitas

com independência das determinações do PPA e LDO.

No mesmo sentido de generalidade e flexibilidade, foi estabelecida a Lei 14.036/05,

que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2006. Nessa lei, o

poder executivo inovou ao não definir anexo de prioridades para a administração

pública municipal, indicando que seriam estabelecidas no PPA. Essa decisão tem

sua lógica pautada no fato de que o prazo de encaminhamento das diretrizes

orçamentárias à Câmara de Vereadores é 15 de abril e o do PPA é 30 de setembro

do primeiro ano do mandato; o que significa determinar prioridades orçamentárias,

no primeiro ano de gestão, sem a existência ainda do PPA. Dessa forma, é

compreensível que, em função do processo de planejamento, as metas estivessem

ainda em discussão quando do encaminhamento da LDO. Contudo, isso implicaria

que o PPA mostrasse claramente o grau de prioridade de cada ação, o que não foi

feito. Além disso, evidenciam-se dois fatos relativos à priorização de metas. O

primeiro é que os vereadores municipais, diante da falta de priorização da LDO,

inseriram emendas parlamentares para indicar as prioridades, que foram vetadas. O

segundo fato é que a Lei 14.190/06, que estabelece as diretrizes orçamentárias para

2007, também não apresentou as prioridades anuais para a administração pública

municipal, em evidente descumprimento legal, além de haver novamente veto às

tentativas do poder legislativo de estabelecê-las via emenda parlamentar.

Como se percebe dessa análise, as LDOs municipais têm pouca eficácia para

instaurarem a priorização anual das políticas públicas da administração municipal,

em geral, e, em particular, relativas ao ensino. Ressalte-se também que, mesmo

com a determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal a respeito da

obrigatoriedade do estabelecimento de sistemas de controle de custos, sobre os

quais a LDO deveria versar, não houve qualquer posicionamento da administração

municipal referente a essa questão nesses instrumentos nos últimos anos. Tal

omissão gera uma grande dificuldade tanto no estabelecimento quanto na

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

235

verificação de metas físicas e financeiras para projetos e atividades, como já

comentado.

A Lei Orçamentária Anual (LOA), apresentada no capítulo 2, é o instrumento no qual

são anualmente previstas as receitas e fixadas as despesas orçamentárias, em

atendimento às normas da LDO e com o intuito de cumprir as metas definidas no

PPA. Como reflexo dos formatos assumidos pelo PPA e pela LDO, a LOA ganha

grande flexibilidade para sua elaboração, tornando-se quase independente das

demais.

Ainda assim existem restrições legais que devem pautar a elaboração orçamentária,

para além do PPA e da LDO, como as regras formais da educação já discutidas.

Dessa forma, anualmente são previstas as receitas e despesas relativas aos

recursos vinculados à educação, em função dos impostos e transferências, do ganho

adicional do Fundef e outros programas. Essa previsão não implica, contudo, que a

execução orçamentária seguirá esse ordenamento; porque, conforme explicado no

quarto capítulo, o orçamento é uma lei autorizativa, cujas dotações não

necessariamente precisam ser executadas em sua totalidade e porque existe

também a possibilidade de alteração do que foi previsto no orçamento aprovado,

usando-se o percentual de abertura de créditos suplementares para remanejamento

das dotações.

O fato de a LOA ser autorizativa e de haver a possibilidade de remanejamento está

ligado à necessidade de ajustes dinâmicos em uma realidade econômica e fiscal

instável. O problema maior desses mecanismos, entretanto, é a permissividade

criada para alterar as prioridades aprovadas na lei orçamentária as quais, em tese,

obedeceriam ao ordenamento do PPA e da LDO. O uso em excesso dessas

prerrogativas acaba por transformar a execução orçamentária no locus de fato de

decisão das políticas públicas, reduzindo, assim, a importância do planejamento e a

possibilidade de interferência e controle do poder legislativo e da sociedade civil.

Nesse sentido, serão analisadas algumas LOAs aprovadas no período em questão.

A Lei 12.783/98 que fixou a LOA para 1999 previa, por exemplo, a possibilidade de

abertura de créditos suplementares até o limite de 15% da despesa fixada na lei,

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

236

conforme definido pelo artigo 18. Além desse percentual, que garantia a

possibilidade de alteração de R$ 1,5 bilhão - valor superior, à época, às dotações da

Secretaria de Educação, Esportes e Cultura juntas - a lei previa ainda que poderiam

ser abertos créditos adicionais para suprir despesas de pessoal, serviço da dívida,

precatórios, entre outras exceções, sem onerar o limite. Com essas permissões,

facilmente se poderia remanejar cerca de 50% do orçamento sem necessidade de

nova autorização legislativa126.

Essa possibilidade legal já existia em exercícios anteriores e mantém-se até o

presente momento. Exemplo disso é que na Lei 14.126/05, que aprovou o

orçamento para 2006, há também a previsão, no artigo 13, da abertura de créditos

adicionais até o limite de 15% das despesas, a exemplo do ocorrido em 1998. Além

de várias exceções contidas no artigo 14, que não oneram o montante de

remanejamento, foi previsto no artigo 15 que:

Art. 15. “Fica o Poder Executivo, observadas as normas de controle e acompanhamento da execução orçamentária, com a finalidade de facilitar o cumprimento da programação aprovada nesta lei, autorizado a remanejar recursos, no âmbito de cada órgão, entre elementos do mesmo grupo de despesa e entre atividades e projetos de um mesmo programa, sem onerar o limite estabelecido no art. 13 desta lei.”

Com isso, no ano de 2006, além de se poder remanejar cerca de R$ 2,6 bilhões,

sem contar despesas de pessoal, dívida, precatórios e outras, era possível, dentro

de cada programa, rever as definições de projetos e atividades, majorando assim a

margem percentual de mudanças orçamentárias. Para se ter um exemplo desse

impacto, a tabela 30 abaixo revela o total remanejado do orçamento em 2006 e

quanto isso representou na educação127.

126 Não é demais lembrar que são os vereadores que aprovam na Lei Orçamentária Anual o percentual de remanejamento e suas exceções.

127 Para o cálculo do percentual de remanejamento efetivo da PMSP foram utilizados dados do Sistema de Execução Orçamentária da Prefeitura – Novo

Seo, assim como informações relativas aos decretos de créditos suplementares, abertos em 2006 para educação, com as devidas suplementações e

reduções, publicados diariamente no Diário Oficial do Município.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

237

Tabela 30 – Percentual de Remanejamento Orçamentário – Prefeitura do Município de São Paulo – 2006. Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.

Observa-se que houve alteração em quase 1/3 do orçamento da Secretaria da

Educação. As tabelas a seguir dão maior especificidade às mudanças e seus

impactos para a efetiva execução de cada programa. A primeira traz a execução por

programas da Secretaria da Educação, sendo possível perceber, por exemplo, que

ao mesmo tempo em que houve uma execução de cerca de 87% do programa

ensino fundamental, o gasto com suporte administrativo alcançou 133%.

Tabela 31 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Programas - 2006. Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP - 2006.

Analisando as tabela 32 e 33 sobre execução por projetos e atividades, pode-se

observar mais claramente as alterações de suplementação e redução, além de notar

que houve um movimento de execução maior das atividades previstas no orçamento

da secretaria, em detrimento dos gastos com projetos, isto é, o gasto com custeio da

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

238

secretaria foi ampliado, enquanto o investimento previsto foi reduzido. Dos vários

projetos propostos no orçamento (muitos originários de emendas parlamentares,

como mostra o símbolo E ao lado da denominação dos projetos), a execução foi

concentrada em alguns, entre os quais a construção de unidades educacionais

integradas.

Tabela 32 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Projetos – 2006. Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

239

Tabela 33 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento das Atividades – 2006. Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.

Ao se analisarem as mesmas despesas pelo enfoque da natureza econômica, vê-se,

na tabela 34, a seguir, que a maior concentração de mudanças esteve ligada ao

aumento das despesas de pessoal e à redução dos gastos de investimentos, o que

é coerente com a análise das tabelas de projetos e atividades.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

240

Tabela 34 – Execução Orçamentária da Secretaria Municipal de Educação da PMSP – Detalhamento dos Elementos de Despesa – 2006. Fonte: Novo SEO - Sistema de Execução Orçamentária da PMSP – 2006.

Tamanha movimentação ocorreu de forma independente a um cenário de contenção

de receitas, que em geral leva a mudanças de prioridades e maior restrição de

gastos. Ao contrário disso, as receitas consideradas para o cálculo da aplicação em

educação, isto é, a arrecadação de impostos e transferências, no ano de 2006,

ficaram 5,59% acima do previsto em termos nominais128 e, além disso, houve “sobra”

de recursos do Fundef e do FNDE, conforme apontado.

O quadro de alterações na execução orçamentária, principalmente da educação, é

bem mais complexo do que uma reação a mudanças no contexto socioeconômico

ocorridas durante o ano. Como se tem buscado demonstrar, tais alterações não

aconteceram em um exercício isolado, pois são, de fato, um processo constante na

execução orçamentária do município de São Paulo, no período analisado e,

provavelmente, em anos anteriores também. Esse processo é possibilitado pelas

128 Dados apresentados no Demonstrativo de Aplicação de Recursos em Educação da PMSP, publicado no Diário Oficial do Município de 16/03/07.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

241

brechas legais do arranjo institucional orçamentário e pelas regras informais criadas

para o PPA, LDO e LOA. A legislação do ensino também permite uma flexibilidade

grande para os gastos em educação que, associada à falta de clareza em sua

prestação de contas e ao baixo controle interno e externo resultam no

comprometimento da execução dos recursos financeiros da educação.

O fato de se saber de antemão que será possível alterar processos, programas e

projetos, durante o exercício orçamentário, desacredita o esforço pelo planejamento

adequado das políticas. Ademais, a elaboração orçamentária é também prejudicada

pela assimetria de informações entre as secretarias, em especial as áreas-fim, como

a educação, e as responsáveis pela concretização dos planos e orçamentos, as

secretarias de finanças e planejamento, o que leva a um jogo não cooperativo.

Nesse jogo, as áreas de controle buscam “esconder” a receita129 , até o último

momento, enquanto as secretarias das áreas-fim usam de vários estratagemas

visando à proteção de suas despesas. Com isso, é normal que a elaboração

orçamentária por parte da Secretaria da Educação apresente proposta de gastos

superiores às receitas vinculadas, já antecipando o possível corte das áreas de

controle. A assimetria de informações e a desconfiança mútua levam, em geral, a um

orçamento mal-elaborado, com cortes em programas importantes e sobras em

outros menos prioritários, como previsto por Caiden e Wildavsky (1974). Esse

processo incorpora inúmeros custos de transação ao planejamento dos recursos e

torna a execução orçamentária, uma fase de reelaboração do orçamento.

No entanto, durante a execução orçamentária a assimetria de informações continua

a existir. Pois, apesar da educação ter recursos vinculados para seus programas, o

controle das receitas, tanto de impostos, quanto as receitas dos fundos (Fundef,

FNDE e QESE, entre outros) vinculados à educação, é realizado pela Secretaria de

Finanças e sua disponibilização depende também da liberação de cotas pela

Secretaria de Planejamento130. Assim, muitas vezes, embora tenha recursos, a SME

não pode gastá-los até que haja uma liberação dessas pastas. Outro fator

129 É interessante notar que isto se dá mesmo sendo a educação uma área de receita vinculada, pois há nesse processo a busca de controle do déficit e

também de decisão de prioridades, concentradas nas áreas de controle junto aos prefeitos. Assim, é reduzida a autonomia da secretaria de educação sobre

estes recursos. Em função disso, esta secretaria recebe informações reduzidas e controladas, evitando que a mesma avance nas despesas e comprometa

um volume além daquele que a cúpula do governo considera ideal.

130 Esta é a formatação atual do controle orçamentário. Nas gestões anteriores as receitas e o orçamento eram controlados pela secretaria de Finanças.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

242

importante é a prática das áreas de controle de segurarem as cotas orçamentárias e

congelarem os projetos, isto é, os investimentos, no início do ano, visto haver muita

incerteza acerca do comportamento da arrecadação anual. Do meio para o final do

ano, quando há mais segurança sobre o cenário econômico e fiscal, há a liberação

das cotas, porém, nesse momento, pode já não ser mais possível executar o

orçamento. Apesar de ser uma prática costumeira nas diversas esferas de governo,

essa retenção pode ser muito prejudicial para uma área complexa como a educação,

em uma cidade como São Paulo, o que, de certa forma, ajuda a explicar parte das

grandes alterações ocorridas na execução orçamentária e também as “sobras” de

receitas.

A complexidade do processo de gastos da educação em São Paulo é ainda maior

devido ao envolvimento de outras secretarias, também responsáveis por programas

executados com recursos vinculados à educação. A existência de vários atores

envolvidos e a grande assimetria de informações entre eles são algumas das

características da estrutura de governança do financiamento do ensino fundamental

na cidade, como se verá na próxima seção.

5.2 Estrutura de governança e custos de transação no financiamento do Ensino Fundamental no município de São Paulo

Para a compreensão da estrutura de governança do financiamento do ensino

fundamental em São Paulo, seguindo o modelo analítico apresentado no capítulo 1,

é necessário o entendimento, em primeiro lugar, das principais motivações dos

atores envolvidos no processo, para depois avaliar a existência ou não das

características apresentadas por Dixit (2002), no que concerne às organizações do

setor público. Por fim, faremos uma leitura de como a interação existente entre os

atores e algumas características próprias dessa estrutura de governança, no cenário

institucional estudado, levam ao incremento dos custos de transação existentes no

sistema de ensino municipal.

5.2.1 Atores

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

243

Os atores a serem destacados nessa estrutura de governança são os mesmos vistos

até aqui: poder executivo, burocracia, poder legislativo e sociedade civil.

5.2.1.1 Poder executivo

Em relação ao poder executivo, além da importância do prefeito e do Dirigente

Municipal de Educação (DME), apresentados no capítulo 3, é importante ressaltar,

no estudo referente ao município de São Paulo, o papel dos secretários de outras

pastas, cujos programas fazem parte dos recursos da educação ou cujas ações são

fundamentais para a execução.

O chefe do poder executivo da cidade de São Paulo, diferentemente da maioria dos

municípios brasileiros, tem uma visibilidade e uma importância na política nacional,

muitas vezes, passível de ser comparada à de um governador de estado. O

município tem um dos maiores PIBs dentre as esferas de governo subnacionais e

um orçamento que gira em torno de R$ 17 bilhões. Isso torna o cargo um dos mais

disputados, fazendo com que tenha havido uma significativa alternância política da

coalizão majoritária nos últimos anos.

Nas três últimas gestões municipais, analisadas nesta tese, houve mudanças

importantes no perfil da coalizão vencedora e na gestão política adotada. A coalizão

governante de 1997 a 2000 norteou-se por uma composição de partidos de direita,

capitaneada pelo PPB - Partido Progressista Brasileiro, fortalecida pelo legado do

prefeito anterior, que “apadrinhou” seu sucessor, garantindo o sucesso de sua

eleição. Na gestão de 2001 a 2004, o foco foi a renovação política em que o PT –

Partido dos Trabalhadores, principal opositor do governo anterior, ganhou a eleição

em uma coalizão de partidos de esquerda. Já nesta última gestão, focou-se na

necessidade de renovação administrativa e gerencial no município e saiu vencedora

a coalizão do PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira e PFL - Partido da

Frente Liberal, na qual houve uma mudança importante, pois o prefeito eleito, do

PSDB, governou por apenas 1 ano e 4 meses, sendo sucedido por seu vice, do PFL.

Essa alternância no poder executivo municipal implica uma alternância também dos

segmentos sociais de apoio às coalizões e que são por estas contempladas nos

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

244

programas de governo. Verifica-se em São Paulo, por parte do chefe do poder

executivo, como ocorre na maioria dos municípios brasileiros, uma grande

preocupação com a aprovação do governo e a aceitação dos projetos de cada

mandato, pois isto significa para o prefeito a possibilidade ou não de reeleição ou de

projeção para outros cargos políticos.

Como mostrado no capítulo 1, esse incentivo forte da política (FRANT, 1996) pauta o

comportamento do ator em questão na estrutura de governança do ensino

fundamental. A enorme visibilidade, associada ao maior acirramento político dentre

os eleitores da capital, e a características próprias do orçamento de São Paulo

tornaram a educação uma área estratégica de governo.

Isso acontece não apenas pelos motivos costumeiros ligados à sua importância na

construção da cidadania, na qualificação de mão-de-obra e na possibilidade de

geração de renda individual e nacional, mas justamente pela existência de recursos

vinculados, que foram criados, por sua vez, para protegê-la dos incentivos forte da

política.

Conforme analisado no capítulo 3, o fato dos eleitores terem racionalidade limitada e

um acompanhamento apenas parcial dos programas de governo permite ao prefeito,

em muitas localidades, concentrar-se em ações de visibilidade, mais do que em

programas estruturantes e de planejamento de longo prazo (MENDES e ROCHA,

2004). Essa realidade associada ao comportamento de outros atores como os DME

e os vereadores, além das questões ligadas às regras formais do ensino, concede

ao chefe do poder executivo grande flexibilidade para o uso dos recursos vinculados

ao ensino fundamental, por exemplo.

Nesse sentido, em São Paulo, essa situação é complexa, sendo os recursos

vinculados ao ensino ainda mais importantes, dada a peculiaridade do orçamento

municipal e a rigidez de suas despesas. Por ser esta última questão a chave para a

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

245

compreensão da importância dos recursos da educação, a seguir tem-se um gráfico

explicativo dessa rigidez orçamentária no município paulistano131.

Educação28%

RecursosDisponíveis

8%

Dívidas18%

Limpeza eIluminação Pública

6%

Pessoal Ativo e*Inativo

20%

Saúde17%

Multas de Trânsito2%

Op. Crédito0%

Convênios Sociais1%

Gráfico 9 - Rigidez Orçamentária no município de São Paulo - 2006/2007 Fonte: elaboração própria, a partir do Balanço Orçamentário de 2006 e da Lei Orçamentária Anual 2007 do município de São Paulo.

O gráfico acima, elaborado segundo as informações municipais de receitas e

despesas orçamentárias para os exercícios de 2006 e 2007, considera as definições

legais, federais e municipais, para vinculações orçamentárias e despesas

incomprimíveis.

O primeiro item de destaque do gráfico é o próprio gasto em educação, que

representa 28% do total das receitas orçamentárias. Esse valor tem como base a

vinculação de recursos de impostos, os recursos adicionais do Fundef e os repasses

131 Argumentar a respeito da rigidez orçamentária, ao mesmo tempo em que demonstramos a grande flexibilidade existente no processo e legislação do

orçamento, parece paradoxal. No entanto, o orçamento é rígido pela existência de despesas incomprimíveis, além de vinculações constitucionais e legais

antepostas ao processo orçamentário. Porém, o controle dessas despesas é feito relativamente a seus totais, isto é, a preocupação do controle é voltada

para “quanto” se gasta e não “como” se gasta. Assim, se por um lado o orçamento municipal deve conter recursos para pagamento de dívidas e despesas

de pessoal, além de outras obrigações das quais não é possível fugir; por outro, há que se gastar 31% de impostos em educação. A falta de clareza e de

amarras para o modo de se gastar esse montante, faz com que a área seja vista como uma possível forma de flexibilizar o orçamento frente às outras

despesas rígidas.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

246

de outras verbas vinculadas à educação, como os repasses do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE), calculados como proporção da receita total.

O segundo montante expressivo diz respeito aos gastos com pessoal ativo e inativo

da administração municipal, aí excluídos os funcionários da educação e o pessoal

ativo da saúde, pagos por suas respectivas vinculações orçamentárias. A despesa

de pessoal, apesar de vultosa (em torno de R$ 7,5 bilhões o total do gasto e cerca

de R$ 3,5 bilhões, excluindo saúde e educação), está abaixo dos limites legais da

LRF, que permite que o município gaste até 60% das Receitas Correntes Líquidas

(RCL) com pessoal132, o que somaria algo em torno de R$ 10 bilhões, utilizando a

RCL calculada em dezembro de 2006133.

Já o terceiro bloco de despesa é o destinado ao pagamento de dívidas, no qual

foram calculadas três tipos de obrigações. A primeira diz respeito ao Contrato de

Refinanciamento da Dívida Municipal134 com a União, que obriga o município ao

pagamento mensal de 13% de sua RCL ao Tesouro Nacional, pelo menos até 2030.

A segunda obrigação refere-se ao pagamento de sentenças judiciais (precatórios)

alimentares e decorrentes de desapropriação, que hoje somam cerca de R$ 6,7

bilhões e há anos tem seus pagamentos postergados por insuficiência de

disponibilidade financeira e orçamentária do município 135 . Por fim, a terceira

obrigação é a relativa às Despesas de Exercícios Anteriores (DEAs), que são dívidas

referentes a despesas realizadas sem o devido processamento orçamentário, à

época de sua contratação, e que são pagas em exercícios posteriores, quando não

em gestões posteriores.

Por fim, o quarto grupo de despesas é o da saúde, cujo montante resulta da

vinculação legal de 15% das receitas de impostos (Emenda Constitucional nº 29/00)

132 O município tem o limite de 60% da RCL para gastos com pessoal, sendo 54% para o poder executivo e 6% para o poder legislativo, inclusive o TCM,

conforme o artigo 20, item III da LRF.

133 Dados apresentados nos demonstratives da Lei de Responsabilidade Fiscal, na página: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/financas/lrf

134 Esse contrato de refinanciamento foi firmado em função da situação de inadimplência do município com os pagamentos de sua dívida mobiliária,

principalmente com o Banco do Brasil e Banespa, no ano de 2000, depois de uma ciranda financeira de mais de 6 anos, resultado da emissão irregular de

títulos para pagamento de sentenças judiciais (precatórios). Para maiores informações sobre o contrato, ver a Resolução do Senado Federal nº 26/2000.

135 Os valores de sentenças judiciais que têm constado, nos últimos anos, nos orçamentos municipais, apesar de representarem um peso financeiro para o

município, não atendem à regra constitucional para pagamento de precatórios, dado o expressivo volume de seu estoque. Tal situação segue sem solução e

sem intervenção judicial, desse modo, a cada ano paga-se uma pequena parcela do estoque.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

247

e de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), transferidos pelo estado e

União136, o que leva a um gasto de cerca de 17% das receitas municipais.

Com esses quatro grandes grupos, tem-se 83% do orçamento vinculado. Esse

montante somado a outras despesas de destinação rígida, tais como convênios

sociais, principalmente os recursos do Fundo Municipal de Assistência Social; multas

de trânsito (existe a obrigação legal de aplicação no trânsito); despesas com limpeza

pública e iluminação, que representam um dos maiores contratos de manutenção da

cidade, cuja rigidez é dada pela essencialidade da despesa e pela força dos lobbies

privados aí envolvidos, chega-se a 92% da receita comprometida. Com os 8%

restantes, há que se programar a manutenção da máquina administrativa municipal

com todos os outros órgãos não relacionados e das subprefeituras, sem deixar de

buscar investimentos em infraestutura, habitação e meio ambiente.

Apesar desses dados terem sido calculados com base nos orçamentos recentes,

essa situação existe pelo menos desde o ano 2000. A dificuldade de manobra dos

recursos representa para o chefe do poder executivo, além de uma dificuldade

administrativa de gestão, para dar conta de todas as necessidades da capital, uma

dificuldade política para atender os interesses envolvidos na coalizão de governo e

na composição de maioria na Câmara, assim como para garantir governabilidade e,

sobretudo, boas perspectivas de reeleição. Com tudo isso, é mais fácil compreender

os interesses fortes, na visão de Frant (1996), envolvidos na gestão dos recursos do

ensino.

Com base na exposição desse cenário, a construção da estrutura de governança do

ensino no município será de grande complexidade, buscando viabilizar o

atendimento das regras formais existentes para o ensino e o planejamento da

Secretaria Municipal de Educação, mas, sobretudo, os interesses do chefe do

executivo, que tentará uma coordenação direta dos recursos. Diante desses

interesses e da rigidez orçamentária, efetiva-se, por meio da alteração da referida

Lei Orgânica do Município, a construção de uma estrutura de gastos que atenda

outras áreas, além da Secretaria de Educação, e que programas prioritários do

136 Esse calculo é baseado no limite legal, contudo, nos últimos anos, a área da saúde tem extrapolado esse limite e utilizado mais de 15% dos impostos e

recursos do SUS.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

248

governo sejam aí executados, bem como outros gastos possam ser otimizados

dentro desse arranjo institucional.

Dessa forma, a estrutura de governança do ensino fundamental em São Paulo é

mais complexa que aquela discutida no capítulo 3. Pois, além das figuras do prefeito

e do secretário de educação como os principais responsáveis pelo planejamento e

implantação das políticas públicas de ensino fundamental no município, existe a

interação com outras várias secretarias municipais, que são também responsáveis

por parte dos recursos vinculados ao ensino, tal como definido no arranjo

institucional municipal. Dentre essas secretarias, destacam-se a Secretaria Municipal

de Gestão, que controla os gastos de pessoal ativo e inativo da educação, além dos

gastos com merenda escolar137; a Secretaria de Municipal de Assistência Social,

responsável pelos programas de educação inclusiva138, como o Programa de Renda

Mínima; a Secretaria Especial para Participação e Parcerias, responsável pela

operação de telecentros139 ; Secretaria Municipal de Transportes140 , responsável

pelos transportes coletivos urbanos; Secretaria Municipal de Cultura, responsável

pelas despesas com bibliotecas infanto-juvenis141 e, finalmente, as Secretarias de

Planejamento e Finanças, responsáveis pelo controle das receitas e despesas

relacionadas ao ensino, bem como sua prestação de contas142.

É evidente que diante da interação de todas essas pastas a administração dos

recursos ganhe maior complexidade. Nessa estrutura existe um jogo de poder que,

dependendo da clareza ou não da orientação do prefeito, pode suscitar disputas

internas por fatias do recurso vinculado, em que cada parte tenta bloquear

informações importantes das outras pastas, buscando maior espaço orçamentário e

agregando custos de transação ao processo de gastos. Nesse cenário, a posição da

Secretaria da Educação é fundamental, pois sua gestão, autonomia política e

137 Durante a gestão 2001-2004, essa despesa era atribuição da Secretaria Municipal de Abastecimento.

138 Na gestão de 2001-2004, essas despesas estavam a cargo da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. A Secretaria Municipal de

Assistência, durante a gestão 1997-2000, era responsável pela execução do programa de creches.

139 Essa despesa, na gestão 2001-2004, era responsabilidade da Secretaria de Governo, Unidade do Governo Eletrônico.

140 Essa Secretaria, na gestão 2001-2004, era responsável pelo transporte escolar.

141 Na gestão 1997-2000, essa despesa fazia parte dos gastos alocados à conta dos 30% de impostos que deveriam atender ao disposto pela LDB. Por

indicação do Tribunal de Contas do Município, na gestão 2001-2004, essas despesas passaram a pertencer à parcela de gastos com educação inclusiva.

142 Nas gestões 1997-2000 e 2001-2004, esse controle era exercido apenas pela Secretaria de Finanças, que agregava a Assessoria Geral do Orçamento,

hoje subordinada à Secretaria de Planejamento.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

249

administrativa e a velocidade de seus gastos determinarão seu espaço nessa

estrutura de gastos.

5.2.1.2 Secretaria Municipal de Educação

Conforme destacado, a Secretaria Municipal da Educação não é a única secretaria

com competência para determinar e planejar os gastos vinculados ao ensino. Aliás,

sua autonomia no período analisado parece ser bastante limitada, não só pela

existência de gastos de outras pastas, que devem ser conjuntamente coordenados,

mas porque esta não parece ter a prevalência sobre o controle dos recursos

vinculados e sobre suas cotas de despesas, a despeito do que determina a LDB.

Essa é uma questão importante desde a promulgação da LDB e do Fundef. O

primeiro secretário da educação do município, na gestão 1997-2000, que vinha a ser

o vice-prefeito, em depoimento aos vereadores da Câmara Municipal denunciou que

os recursos da educação eram reiteradamente congelados pela Secretaria de

Finanças e nunca repassados em atendimento ao artigo 69 da LDB, que determina

prazos para esse repasse143. Durante a CPI da educação na Câmara Municipal, em

1999, também ficou comprovada a baixa autonomia dos secretários da educação, no

que diz respeito aos recursos, levando inclusive ao descumprimento reiterado da

aplicação naquela gestão.

Nas gestões seguintes parece ter havido aumento do entrosamento dos secretários

de educação, finanças e planejamento, mas a informação sobre recursos continuou

concentrada em na Secretaria de Finanças e, mais recentemente, na de

Planejamento. A autonomia relativa transparece, por exemplo, nos demonstrativos

bimestrais e anuais de gastos em educação, que são feitos pelas pastas

supracitadas, sem que, por vezes, o secretário de educação sequer tome

conhecimento disso.

Além desse fato, não pode ser desprezado o impacto da grande descontinuidade

política da pasta de educação. Em dez anos, de 1997 a 2006, houve, em São Paulo,

143 Essas informações constam de notas taquigráficas dos depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos recursos vinculados à educação,

instaurada na Câmra Muncipal de São Paulo em 1999.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

250

nove secretários144. Essa descontinuidade enfraquece politicamente a pasta, cujo

comando administrativo fica comprometido, pois a cada troca de secretários há

também a mudança da cúpula da secretaria, fazendo com que se passe a sensação

de insegurança ao corpo burocrático, com reflexos óbvios nos programas de

educação, que nesse período sofreram muitas mudanças de direção.

Essas questões associadas às dificuldades de planejamento e orçamentação,

comentadas na seção 5.1.4, e a algumas características do corpo burocrático da

secretaria, que serão analisadas posteriormente, implicam uma complexa gestão

dos gastos realizados por esta pasta. Os processos de compras e aquisições que

dependem de licitações complexas e as contratações que se dão em função de

concursos públicos necessitam de um grau de planejamento e de coordenação

administrativa, que são incompatíveis com o cenário de grande rotatividade dos

gestores, o que pode levar à inércia na execução de programas de ensino.

Finalmente, não se pode deixar de mencionar que a baixa autonomia se dá também

pelo fato de que a Secretaria da Educação, em vários de seus processos, inclusive

para realizar gastos de sua pasta, depende da ação de outras secretarias, como

para a contratação de pessoal, havendo o envolvimento das Secretarias de Gestão,

Finanças e Planejamento; para a contratação de obras, questão ligada à Secretaria

de Obras e, também, à Secretaria de Negócios Jurídicos.

5.2.1.3 Burocracia

A Secretaria Municipal da Educação conta com um corpo de cerca de 73 mil

funcionários, dos quais 91%, 66 mil, são efetivos. Do total, 72%, ou seja, 52 mil, são

professores. A estrutura da SME não compõe um corpo burocrático homogêneo, ou

antes, é possível identificar três grupos importantes, cuja lógica de atuação é

distinta. O primeiro grupo é formado pelo secretário municipal de educação, pelo

dirigente municipal do ensino e pelos gestores do gabinete, que comporiam, por

assim dizer, o núcleo duro da pasta. O segundo grupo é composto por 13

144 Foram três secretários de educação na gestão 1997-2000, quatro na gestão 2001-2004 e dois na atual gestão, o que implica, até agora, uma média de

três secretários por gestão.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

251

coordenadores145 e os diretores das escolas, que são também gestores, mas com

poder de decisão bem mais limitado sobre as políticas. Esse grupo posiciona-se

intermediariamente entre o núcleo gestor do secretário e o terceiro grupo

burocrático, que é composto pelos professores e outros funcionários administrativos

das escolas, sendo este, sem dúvida, o grupo mais numeroso.

Nessa estrutura bastante hierárquica, tem-se no gabinete do secretário as

assessorias técnicas e a Coordenação dos Núcleos de Ação Educativa (Conae) -

responsável pelo controle administrativo e financeiro (Conae 1); pelas políticas de

recursos humanos (Conae 2); pela coordenação de obras da secretaria (Conae 3) e

pelas diretrizes e orientações técnicas e pedagógicas (Conae 4) - as quais

administram cerca de 87% do orçamento da SME. As 13 coordenadorias,

responsáveis pelas unidades de ensino nas diversas regiões da cidade, são

subordinadas à Conae, mas com orçamento próprio, que implica no controle de 13%

dos recursos orçamentários da SME146.

As escolas, desse modo, não são unidades orçamentárias autônomas, apesar de

receberem recursos diretamente pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e

pelo adiantamento bancário, recursos destinados a pequenos serviços e compras147.

O organograma da Secretaria Municipal de Educação foi reestruturado em 1989 e, a

partir de então, sofreu diversas alterações, com criação de cargos, descentralização

e recentralização de políticas, além das regras formais determinadas pelas leis e

decretos que o alteraram e também das informais, graças aos usos e costumes dos

funcionários da secretaria. Um exemplo desse tipo de regra informal é o fato de que

a área de Recursos Humanos (Conae 2), formalmente subordinada ao Conae, na

prática, responde diretamente ao secretário.

Em função das regras informais, não são muito nítidas, para a avaliação externa,

quais as reais linhas de comando da secretaria, visto que esse organograma,

145 A Secretaria Municipal de Educação conta com 13 coordenadorias regionais de ensino que dividem a responsabilidade pelas escolas e demais

equipamentos de ensino, bem como todas as ações locais da secretaria em todos os distritos da capital.

146 Essa é a atual estrutura da SME, que já foi mais descentralizada no final da gestão anterior, quando parte de seu orçamento passou a ser administrado

pelas subprefeituras. Essa experiência, contudo, não será aqui analisada, por sua duração curta, que não chegou a mudar efetivamente a cultura da SME e

porque, na maior parte do período analisado, a estrutura da secretaria manteve-se com grau de centralização semelhante ao atual.

147 Essa questão será discutida na análise da sociedade civil.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

252

construído ao longo do tempo, não está à disposição do público. A compreensão da

hierarquia se dá apenas por quem está na organização e ainda assim, dependendo

de sua proximidade da cúpula gestora. Nas unidades mais descentralizadas não há

clareza de quem é quem no gabinete, o que é também em parte justificado pela

intensidade de alterações ocorridas nos cargos gestores em função da troca assídua

de secretários de educação no município. Esse processo reforça a assimetria de

informações entre gabinete, coordenadorias e unidades escolares, cuja distância,

por vezes física, por vezes ideológica, dificulta a comunicação interna.

No que diz respeito à definição de cargos na estrutura da secretaria, sabe-se que,

no gabinete, o corpo técnico e gestor das assessorias e do Conae é indicado em

cargos de comissão. Com relação às unidades descentralizadas, isto é, às

coordenadorias e diretorias das unidades escolares, os primeiros, os 13

coordenadores, são indicados pelo secretario148, a partir dos quadros funcionais da

carreira. Já os diversos diretores de unidade escolares são nomeados dentre os

cargos de carreira e mediante posição em concurso, seguindo então processo

interno de preenchimento de vagas.

Nessas unidades está a grande parte do corpo funcional da secretaria, cuja maioria,

como se viu, é formada por professores. Esse corpo docente segue normas

previstas no estatuto do servidor e sua progressão na carreira é dada em função do

tempo de serviço e provas de títulos, além de avaliação de desempenho, conforme

as definições das Leis municipais 13.695/03, 13.652/03 e 13.758/04. As últimas, em

conjunto com o Decreto 45.090/04 e a Portaria 487/SGP-G/04, alteraram as regras

para a avaliação de desempenho do funcionalismo municipal, prevendo que esta

seria vinculada à definição de um plano de metas elaborado em cada unidade de

trabalho por seu gestor e equipe, com base nas diretrizes definidas pelo PPA e pela

LDO, bem como àquelas dos programas da própria Secretaria da Educação.

Quanto a isso, é interessante tecer alguns comentários. Em primeiro lugar, a

vinculação do plano de metas de uma equipe de trabalho, ou mesmo individual, às

diretrizes do PPA e da LDO trará conseqüências significativas à avaliação de

148 Essa indicação nem sempre é livre para o secretário que, seguindo a lógica da relação executivo-legislativo, por vezes cede à indicações políticas

externas.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

253

desempenho dos funcionários, visto que o grau de generalidade e descumprimento

dessas leis torna tal avaliação, ineficaz. Além disso, as normas previstas nessa

avaliação de desempenho são bastante complexas e visavam claramente dar um

caráter mais técnico e organizativo à atribuição de notas aos funcionários; pois, no

método anterior, a constatação geral era de que as chefias simplesmente avaliavam

todos os funcionários pela nota máxima, independentemente de sua produtividade.

O problema, contudo, é que pelo formato da regra e pela própria cultura

organizacional, a mudança não ensejou alterar a prática de nivelamento de todos

pela nota mais alta149.

Além dessas regras de progressão na carreira, que implicarão o acréscimo gradual

dos vencimentos, a educação dispõe ainda para seu corpo de funcionários a

Gratificação de Desenvolvimento Educacional (GDE), que, desde 2001, faz uso, em

boa medida, dos recursos do Fundef. Essa gratificação, concedida aos servidores

das unidades escolares da rede municipal de ensino e também dos Núcleos de Ação

Educativa, era concedida em geral no final do exercício, mudando recentemente, em

2006, para o pagamento em duas parcelas, uma no meio do ano e outra no final.

São considerados para pagamento da GDE o desempenho da unidade escolar e

também o número de faltas dos servidores, podendo ocorrer um desconto de até

metade da gratificação em função disso.

Apesar da existência desse mecanismo, a questão da falta dos servidores tem sido

um grave problema da administração de pessoal da SME. Em 2000, segundo

informação da própria secretaria, cerca de 98% dos servidores fizeram uso de 90%

das possibilidades de faltas e abonos150. O maior nível dentre todas as secretarias

da administração pública municipal. Nos últimos anos, segundo cálculos da SME,

cerca de 56% dos professores faltam, em média, 9 dias, sem contar as licenças

médicas.

149 Alguns diretores de unidade confessam ser muito difícil não dar a nota máxima para algum subordinado, pois isso implicaria perda salarial e um

conseqüente atrito pessoal, levando a piora do clima entre os funcionários. A pressão pela manutenção dessa regra informal impede a avaliação de fato,

mesmo entre diretores novatos que se sentem “obrigados” a entrar no jogo para serem aceitos pelo grupo e conseguirem trabalhar. Há casos em que o

diretor já recebe a ficha de seus funcionários com a avaliação preenchida para simples assinatura.

150 Segundo o Estatuto do Servidor Público, o funcionário pode ter 10 abonos no ano, além de 5 faltas justificadas sem prejuízo dos vencimentos, desde

que haja autorização do chefe.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

254

Ainda uma questão interessante nesse tema é o grande número de faltas/aula

realizadas pelos docentes. Esse tipo de falta significa que das aulas que o professor

deveria dar no dia, houve falta em algumas horas. Como a falta é parcial, ele não

perde o dia de trabalho, tendo apenas parte do salário descontada. O Conae 2, no

entanto, é obrigado a colocar à disposição da escola um professor substituto para

que os alunos não percam essas horas. Assim, na análise da secretaria, paga-se

praticamente duas vezes pela mesma aula151.

Essa situação torna a administração de pessoal na Secretaria da Educação uma

tarefa que ocupa boa parte do tempo dos gestores, pois além de contar com um

número defasado de docentes, especialistas e quadro de apoio, segundo cálculos

da coordenadoria de RH, é necessário fazer reiteradamente a contratação de

professores temporários para atuarem como substitutos.

A defasagem de quadros existe segundo a SME por dois principais motivos, em

primeiro lugar pelo represamento das contratações realizado pelas áreas de

controle: Secretaria de Gestão, responsável pela política de pessoal; Secretaria de

Planejamento, responsável pela liberação das cotas orçamentárias e Secretaria de

Finanças, responsável pela liberação de cotas financeiras que, em geral, seguram

ou negam a maioria dos pedidos de contratação de pessoal. O segundo motivo é a

grande rotatividade de professores e especialistas nos quadros do magistério.

Assim, quando se termina um concurso e o preenchimento de vagas, dado o longo

tempo decorrente entre a autorização, realização e efetivação, já há nova

defasagem, seja porque o funcionário se desligou da prefeitura, ou pediu

afastamento, mudança de secretaria ou mesmo de área dentro da educação. É

bastante comum, por exemplo, os pedidos de afastamento ou mudança das

unidades escolares localizadas na periferia de São Paulo, segundo informações da

SME.

Diante disso, a coordenadoria de RH tem pouco tempo disponível para se preocupar

com o investimento na formação dos quadros, o que é, em geral, feito

individualmente por professores ou funcionários. Estes se preocupam em cuidar de

151 Essa situação poderia ajudar a entender que, apesar da maior contratação de professores de ensino fundamental no período analisado, não houve

grande impacto na média de crianças por sala de aula.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

255

seus planos de carreira e com uma formação que possa ajudá-los na progressão

salarial. Muitas vezes, os professores e demais funcionários contam também com a

ajuda do sindicato nessa tarefa; Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino

Municipal de São Paulo (Sinpeem) e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do

Estado de São Paulo (Apeoesp). Os sindicatos constituíram-se nos últimos anos em

um importante canal de comunicação para os funcionários da educação no que diz

respeito aos seus direitos e também em relação à aplicação das regras do ensino

por parte da prefeitura. Segundo a própria SME, o fortalecimento da relação dos

funcionários com os sindicatos está relacionado à própria postura do poder executivo

municipal com os funcionários da educação. O fato dos salários e das contratações

não terem crescido na mesma medida da disponibilidade de recursos, de ter havido

descumprimento da aplicação dos recursos vinculados ao ensino em gestões

passadas, de terem sido instituídos programas de educação inclusiva na legislação

municipal de ensino e, finalmente, de ter havido muitas mudanças de gestão nos

últimos anos desagradaram o corpo funcional e aumentaram sua desconfiança em

relação às políticas municipais de ensino. Esse processo ajudou a fortalecer o

discurso dos sindicatos que cobram aumentos salariais e melhores condições de

trabalho.

Ainda de forma a complementar à caracterização desses atores importantes na

estrutura de governança do ensino municipal, é forçoso ressaltar que na visão das

outras secretarias que dividem a gestão dos recursos do ensino, em especial as de

controle, a SME parece estar mais ocupada com as questões concernentes a

contratações de pessoal, aumentos e gratificações do que com a gestão e o

desempenho dos programas da pasta. Seguindo essa visão, se fosse possibilitado à

secretaria o total controle sobre os recursos do ensino, estes seriam

majoritariamente utilizados para despesas de pessoal, comprometendo o equilíbrio

orçamentário e político do governo.

5.2.1.4 Sociedade civil

A participação da sociedade civil no controle do financiamento da educação se dá de

forma direta como usuária do sistema, de modo a ser fundamental a ação de pais e

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

256

mães de alunos, e também por meio do Conselho Municipal da Educação e do

Conselho de Acompanhamento do Fundef.

Pais e mães participam tanto na demanda e avaliação da oferta do serviço de

educação, quanto no controle dos recursos utilizados diretamente na escola, por

meio da Associação de Pais e Mestres (APM)152.

Com relação ao controle da oferta e qualidade dos serviços, não se tem

conhecimento acerca de pesquisa realizada especificamente em São Paulo sobre o

envolvimento de pais e mães na questão do ensino municipal. Apesar disso, há

informações de educadores e comunidade escolar que indicam que a participação

dos pais e mães no município está aquém da que eles julgam necessária para um

controle efetivo dos recursos da escola e da qualidade do ensino153. Há regiões da

cidade onde há um maior acompanhamento por parte dos pais e mães, mas, de

forma geral, os diretores de escola e professores se ressentem da falta de

acompanhamento periódico e mesmo da baixa cobrança por melhores condições da

escola. Alguns diretores, por exemplo, apontam que a maior preocupação dos pais

na hora da matrícula do aluno se dá com a possibilidade de recebimento do “Leve-

Leite” (programa municipal que consiste na distribuição gratuita de leite em pó aos

alunos) e do uniforme escolar e não com o professor indicado para a série do seu

filho ou com o currículo escolar.

Por outro lado, os pais e mães se ressentem da falta de compromisso dos

professores públicos do município, que, em sua opinião, faltam em demasia. Além

disso, esse público tem a sensação de que há desperdício dos recursos com

educação, principalmente na merenda municipal. Os pais e mães alegam que não

participam mais da vida escolar por falta de tempo.

152 Em São Paulo as unidades escolares recebem recursos que são administrados na escola, por meio do Conselho da APM com a participação dos

diretors, professores, pais e mães de alunos, como o PDDE –Programa Dinheiro Direto na Escola, apresentado no capítulo 2 e também os recursos para

manutenção da rede escolar e repasses do PTRF - Programa de Transferência de Recursos Financeiros às APMs das Unidades Educacionais da Rede

Municipal de Ensino, criado em 2005

153 Parte das informações apresentadas nesta seção foram obtidas por meio de oficinas com educadores - dentre os quais professores, diretores,

auxiliares de ensino e agentes escolares – além da comunidade escolar formada por pais, mães e alunos. Essas oficinas foram realizadas nos anos de 2006

e 2007 e contaram com a participação de aproximadamente 110 pessoas, em sua maioria de zonas periféricas das regiões norte, sul, leste e oeste da

cidade de São Paulo. É importante ressaltar que, apesar do número expressivo de atores envolvidos e da provável fidedginidade das informações obtidas,

as oficinas não foram organizadas segundo uma amostragem estatística.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

257

A participação no Conselho da Escola e no da APM é uma questão de suma

importância para os pais participantes, estes entendem esse espaço como uma

possibilidade de melhoria da escola de seu filho e reconhecem que são poucos os

pais comprometidos. Entendem ainda que essa situação decorre da falta de tempo e

excesso de trabalho, mas também da falta de visão dos pais sobre a importância de

estar presente e controlar os recursos e a qualidade da educação dos filhos. No

controle dos recursos que vão direto para escola, os pais criticam a complexidade

das regras para gastá-los, que além de difíceis tecnicamente, mudam muitas vezes

em função de alterações na legislação municipal e federal. Eles vivenciam, assim, o

dilema entre executar os recursos do adiantamento direto e o receio de serem

questionados na prestação de contas. Essa preocupação não é só dos pais, mas

também dos diretores e outros funcionários da administração escolar, que temem

ser processados e/ou exonerados, por algum problema no uso dos recursos. Há

casos em que os diretores dizem preferir “compras mais fáceis”, ou até mesmo não

gastar o recurso, do que se comprometer em um processo complexo de despesa.

Muitos apontam a falta de informação e as dificuldades na comunicação com a SME,

como um dos problemas relacionados ao controle dos recursos.

No que concerne à participação nos outros conselhos, vale a análise de algumas

questões. O Conselho Municipal de Educação foi criado em São Paulo, em 1988,

sendo referendado na Lei Orgânica do Município, em 1990, e alterado depois por

meio de decretos municipais. Segundo Rocha (2003), os principais problemas

referentes ao funcionamento do conselho seriam: i) sua definição como órgão de

assessoramento do executivo municipal e não como fiscalizador e responsável por

elaboração de propostas a partir das demandas dos diversos setores sociais; ii) até

hoje, apesar da previsão da LDB e LOM, o conselho não foi regulamentado por lei,

mas apenas por decreto, o que o mantém em desacordo legal; iii) não ter como

atribuição o papel de fiscalização dos recursos orçamentários da educação, o que

reduz sua importância enquanto ator com poder de intervenção na área; e iv) a

representação da maioria de seus membros é dada por indicação do executivo154.

154 Dos nove membros que compõem o Conselho, apenas 3 são representantes da comunidade, indicados por entidades representativas dos diversos

segmentos da cidade, mas escolhidos pelo executivo a partir de lista tríplice (ROCHA, 2003).

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

258

Tais questões apontam a existência de falhas na organização e operacionalização

dos Conselhos de Educação, possíveis soluções para estas parecem ainda

inconclusas, conforme apresentado no capítulo 3, até porque não há clareza nesse

debate se, por exemplo, em uma democracia representativa, os conselhos devem ou

não ser deliberativos (TATAGIBA, 2004).

Com referência ao Conselho do Fundef, criado em 1998, em atendimento à

legislação federal, como visto no capítulo 2, deve estar encarregado de efetuar o

acompanhamento e controle social sobre a divisão e transferência dos recursos do

Fundo, acompanhar e supervisionar o censo escolar anual que é informado ao MEC

e apreciar a prestação de contas da utilização dos recursos recebidos e executados

na conta do Fundo no município (ROCHA, 2003).

Além desses dois conselhos e dos conselhos de escola, é importante mencionar que

foi criado também um Conselho da Alimentação Escolar, com sete membros,

representantes do poder executivo, legislativo, dos professores, pais e alunos e um

representante do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A partir dessa legislação existente para os conselhos na área de educação no

município de São Paulo, Rocha (2003) argumenta que a multiplicidade destes

dificulta o acompanhamento por parte da sociedade civil, impedindo, por vezes,

diversos de seus segmentos de interferirem de fato na política educacional e

obviamente na discussão dos recursos da educação.

A fragmentação decorrente dessa situação leva a uma baixíssima, senão

inexistente, visão de conjunto das políticas de educação. Essa visão só é possível

ao poder executivo e, mesmo assim, somente a uma cúpula, pois mesmo na SME

boa parte dos servidores (docentes ou não) não tem a compreensão do processo

como um todo. Essa fragmentação, isto é, a falta de relação entre os conselhos,

segundo Rocha (2003), reduz a possibilidade de a sociedade civil poder exercer de

fato sua participação, fiscalizando, cobrando, denunciando e formulando propostas

para o aperfeiçoamento das políticas de educação.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

259

Além desse problema, a democratização do processo é prejudicada também por

questões de representatividade e pela complexidade das regras legais. Quanto à

representatividade, como adiantado no capítulo 3, a força da indicação do poder

executivo dilui a possibilidade de uma representação paritária, de fato, com a

sociedade civil 155 ; ademais, a falta de regras para o representante e seus

representados torna a ação do primeiro muito mais individual e voluntarista do que

efetiva em relação aos anseios dos diversos segmentos sociais. Com respeito às

regras legais, a dificuldade de compreensão das leis e processos, principalmente

ligados ao orçamento, receitas e despesas da educação, distancia muito a

interpretação da sociedade civil sobre o que está acontecendo com os recursos do

ensino no município e da própria escola. Há uma grande carência de informação e

capacitação para estes representantes nos conselhos, para que possam realmente

fiscalizar e acompanhar as políticas.

5.2.1.5 Poder legislativo

O poder legislativo, descrito no capítulo 1 e analisado no capítulo 3, deveria ter como

compromisso o acompanhamento e a fiscalização das ações do poder executivo,

visando garantir a adequação legal no uso dos recursos e a adequação

programática das políticas públicas às necessidades da comunidade representada

por estes. Esse processo diz respeito a todas as áreas de governo e em especial à

educação, área de prioridade programática nacional, em que a vinculação de

recursos orçamentários deve ser acompanhada também pelos vereadores, havendo

uma comissão temática exclusiva para tratar de educação na Câmara Municipal.

Apesar disso, no entanto, percebe-se que nos anos estudados parte dos problemas

e falhas nas regras formais do ensino e do orçamento ocorreu no município a

despeito do controle que deveria ser exercido pelos vereadores. Em nosso entender,

isso se deu na medida em que o apelo pela construção de uma política de

aproximação entre executivo e legislativo, baseada em barganhas individuais e

também na compra e venda de votos entre membros do poder legislativo –

155 Quanto à representação paritária entre sociedade civil e governo pode haver questionamentos se esta é devida frente ao fato de que os governos são

legitimamente eleitos para governar. Contudo, se o questionamneto estiver correto é preciso repensar as regras formais de criação dos conselhos que,

legalmente, os constituíram de forma paritária, no intuito de aumentar a participação social nas política públicas, apesar de que, na prática, esta não se

verifica.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

260

logrolling156, teve reflexo importante para reduzir um trabalho profundo e sistemático

de fiscalização e controle dos atos da administração pública municipal.

Durante as três gestões analisadas, o poder legislativo municipal manteve

comportamentos distintos na relação com o executivo, sendo que se observa uma

constância da prerrogativa individual do vereador mais do que um comportamento

partidário, isto é, boa parte dos vereadores paulistanos é suscetível a apoios

individuais às iniciativas do executivo, em troca de benefícios pessoais e para sua

base eleitoral (FIORILO, 2006).

As negociações entre executivo e legislativo foram necessárias e importantes nas

três gestões, visto que em nenhuma delas o prefeito conseguiu eleger os vereadores

de sua coligação em número suficiente para garantir aprovação de seus projetos na

Câmara Municipal. Com relação à gestão realizada entre os anos de 1997 e 2000, a

tabela 35, a seguir, apresenta a composição legislativa eleita em 1996.

Tabela 35 – Vereadores por Partido ou Coligação - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 1996 Fonte: Fiorilo (2006, p.76)

Como se vê no quadro acima, na gestão 1997–2000, o PPB, partido do prefeito à

época, obteve 19 cadeiras legislativas. O grupo de partidos que apoiavam o governo

(PDT-PL-PST; PMDB-PSDC; PTB-PAN-PSP; PFL, PRONA), contudo, obtinha um

total de 36 votos, o que permitiria, a princípio, ao executivo uma tranqüilidade de

aprovações na Câmara (FIORILO, 2006). O prefeito buscou, no entanto, alterar a

lógica da relação política com os vereadores da base, existente no governo anterior,

156 Para uma descrição de logrolling, ver BORSANI (2004).

Partido No. Vereadores EleitosPPB 19PT - PCdoB - PSB - PMN - PCB 11PSDB - PPS - PV - PSL 8PDT - PL - PST 7PMDB - PSDC 4PTB - PAN - PSP 3PFL 2PRONA 1TOTAL 55

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

261

que era pautada pela possibilidade de os vereadores influenciarem decisivamente a

organização das Administrações Regionais (ARs). A mudança tentava reduzir o

controle das ARs pela legislativo, medida que desagradou a base governista. Esse

fato, somado à inexperiência e à baixa representatividade política daquele prefeito,

provocou uma ruptura do equilíbrio até então existente na relação executivo-

legislativo. O poder executivo passou a ser, de certa forma, o lado mais frágil da

relação, cedendo muitas vezes a pressões fisiológicas, o que levou à grande

instabilidade política nas votações do período (FIORILO, 2006).

Na gestão de 2001 a 2004, o PT assume novamente o comando da cidade, após

oito anos fora da administração pública local. O cenário era de desgaste político e a

Câmara havia sofrido grande renovação de vereadores. Na visão de Fiorilo (2006), a

estratégia de governabilidade assumida pelo executivo, na busca de maioria

legislativa, passou a considerar uma concepção ampliada de alianças políticas e de

partidos, quando comparado ao governo petista anterior. Essa estratégia contou

com a possibilidade de nomeação de pessoas indicadas pelos partidos aliados para

o segundo escalão do governo e, mais adiante, para as AR’s, depois, subprefeituras.

Essa estratégia se deu ao mesmo tempo em que o PT preservava para os partidos

membros da coligação principal (PT–PC do B) o cargo de titular das secretarias

(FIORILO, 2006).

Com isso, procurou-se criar uma maioria estável para o governo, visto que, da

mesma forma que ocorrera na gestão anterior, a coligação eleita para o poder

executivo não conseguiu um número de cadeiras na Câmara suficiente para a

aprovação dos projetos do governo, como mostra a tabela 36 a seguir.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

262

Tabela36 – Vereadores por partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2000. Fonte: Fiorilo (2006, p.99).

A política de governabilidade conseguiu manter uma maioria legislativa para votação

de todos os projetos prioritários de governo, garantindo estabilidade política com os

partidos aliados. Nesse processo, apesar da importância da negociação partidária

para os apoios, parte das alianças dependia da negociação e intervenção individual

de alguns vereadores que, sem grande pressão ou fidelidade partidária, apoiaram o

governo. Como contrapartida esses vereadores contavam com a possibilidade de

indicação de cargos, obras e serviços em sua região eleitoral, ou mesmo de

indicação de emendas orçamentárias pontuais que lhes possibilitassem dividendos

políticos rumo à reeleição ou projeção política para outros cargos eletivos (FIORILO,

2006).

Esse tipo de vereador, na análise de Fiorilo (2006), é característico do modelo

distributivista, no qual a principal motivação é a busca da reeleição e de mecanismos

internos à Câmara Municipal que favoreçam e dêem poder de barganha com o

executivo. Na tradução da relação política executivo-legislativo feita por Wadih

Mutran, antigo vereador paulistano, encontra-se o vereador típico apenas

mencionado:

“O que o prefeito faz é sempre ter um bom relacionamento com a Câmara Municipal, porque todos os vereadores têm interesse em resolver o seu problema na região. É um asfalto, é uma iluminação, é uma canalização de córrego, enfim, é um campo de futebol, então, nós, como vereadores, queremos ter um bom

Partido No. de Vereadores Eleitos

PT 16PSDB 8PPB 6PMDB 6PCdoB 3PTB 3PL 3PRONA 2PSB 2PPS 2PDT 2PSDB 1PFL 1TOTAL 55

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

263

relacionamento na nossa região e o prefeito sabendo dominar essas condições, ele terá sempre a maioria aqui na Câmara Municipal. Eu sempre participei de governo que ajuda o povo.” (FIORILO, 2006, p.119)

A atual gestão, iniciada em 2005, também a exemplo das demais, não conseguiu

eleger um número de vereadores na coligação principal que garantisse maioria na

Câmara Municipal. Como se vê na tabela 37 abaixo, os vereadores dos partidos

PSDB-PFL somaram 17 cadeiras.

Tabela 37 – Vereadores por Partido - Câmara Municipal de São Paulo – Eleição de 2004. Fonte: Assessoria Técnica da Câmara Municipal de Vereadores (2007).

A estratégia inicial deste governo para a construção de maioria e atração de partidos

aliados foi pela não participação desses partidos nos quadros de primeiro escalão e

também não parece ter havido abertura para as subprefeituras. Essa última diretriz

foi alterada posteriormente, com algumas indicações pontuais, não se constituindo,

contudo, como política de governabilidade. A decisão da atual gestão parece ter sido

a de abrir mão de uma maioria estável e trabalhar a busca de maioria nas votações

dos projetos de interesse. Essa estratégia tem certa instabilidade política e implica

negociações relativas a concessões nos próprios projetos votados na Câmara e

discussões individuais com os parlamentares na barganha por benefícios regionais.

Partido No. de Vereadores Eleitos

PT 13PSDB 13PP 4PC do B 1PL 3PMDB 4PPS 2PDT 2PFL 4PV 2PTB 6PSB 1TOTAL 55

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

264

Dessa forma, é mais difícil ter clareza de qual a base governista, que varia conforme

o momento político157.

Diante dessa situação, é possível perceber, na Câmara de Vereadores do município

de São Paulo, apesar de sua grande visibilidade e da possibilidade de

acompanhamento público dos atos do legislativo via imprensa, o comportamento

individualizado de boa parte dos vereadores paulistanos dentro de uma política que

tende a ser paroquial. Essa se dá ao sabor da barganha com o executivo, reduzindo

em conseqüência as prerrogativas legislativas da Câmara enquanto órgão

fiscalizador das políticas públicas locais. Dessa forma, os projetos de planos e

orçamentos, além do controle dos recursos da educação, têm sua fiscalização

reduzida, resultado da ausência desse poder em cumprir seu papel constitucional.

É ainda forçoso afirmar que esse cenário só é completo pela atuação conjunta do

Tribunal de Contas do Município de São Paulo que, enquanto órgão auxiliar da

Câmara de Vereadores, tem a prerrogativa de acompanhar, avaliar e controlar a

legalidade e a eficiência dos atos da administração pública municipal, tecendo

pareceres para o julgamento dos vereadores. Este, contudo, em muitos episódios,

tem sido omisso na avaliação dos processos, o que colaborou para o

descumprimento da legislação do ensino em vários anos, sem maiores

conseqüências. Em outras vezes, há que se ressaltar que, a despeito do parecer da

área técnica do Tribunal apontar problemas na gestão de recursos, o parecer final

dos conselheiros158 tende a amenizar os problemas mencionados pelos técnicos, em

um posicionamento bastante questionável.

5.2.2 Características

As características básicas apresentadas no modelo de análise de estruturas de

governança no setor público, constante no capítulo 1 desta tese, também estão

presentes nessa estrutura de governança do ensino fundamental do município de

157 Não se percebem, contudo, dificuldades de apoio legislativo, visto que o governo conseguiu votar, por exemplo, a reforma previdenciária municipal,

projeto extremamente polêmico e impopular entre o funcionalismo público. Outro exemplo são os vetos relativos à priorização de políticas pública nas Leis

de Diretrizes Orçamentárias, comentado na seção 5.1.4, que não foram derrubados na Câmara.

158 Os conselheiros do Tribunal de Contas do Município são indicados pelo prefeito municipal para o cargo vitalício.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

265

São Paulo, isto é, a multiplicidade de tarefas e de principais, a baixa competitividade

e a complexidade na motivação dos agentes.

Com relação à primeira questão, a multiplicidade de tarefas a ser enfrentada pela

organização, além dos pontos enfocados no capitulo 3 referentes aos municípios

brasileiros em geral, tem-se, em São Paulo, algumas dificuldades a mais nessa

questão. Isso acontece porque as unidades escolares assumiram novas tarefas, em

função do redesenho do arranjo institucional do ensino no município, e passaram a

controlar os programas relativos à educação inclusiva, como o Bolsa-Escola, a

distribuição de uniformes e o “Leve-Leite”, entre outros. Tais tarefas, muitas vezes,

sobrecarregam os diretores e professores que devem dividir parte do seu tempo

também com o controle desses programas.

A multiplicidade de principais é também potencializada no município de São Paulo,

pois para além dos atores clássicos discutidos nos capítulos 1 e 3, tem-se aqui uma

série de outros atores, representantes dos interesses das demais secretarias da

administração municipal que administram parte dos recursos vinculados ao ensino,

como a Secretaria Municipal de Assistência Social, a Secretaria Municipal de

Transportes e as demais citadas.

A baixa competitividade nesse nível de ensino se dá por alguns motivos. Em

primeiro lugar está o fato de que apesar da maior parte da oferta de vagas no

fundamental ser ainda da rede estadual, a participação da rede municipal é muito

significativa e crescente nos últimos anos. Além disso, não há, no cômputo geral,

excesso de ofertas, na medida em que as duas redes, estadual e municipal,

trabalham para o atendimento da necessidade existente de vagas159. A oferta de

vagas na rede privada não é opção para boa parte das famílias, pois estas não têm

condições de pagar uma escola particular e, ainda que haja em algumas regiões da

cidade a possibilidade de vagas em uma escola pública municipal e estadual, não há

transparência e controle da qualidade de ensino oferecido por ambas, que

pudessem clarificar a escolha das famílias. Na rede municipal, a partir da análise

realizada, é possível perceber um modelo de organização coping, segundo a visão

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

266

de Wilson (1989), apresentada no capítulo 1, no qual é difícil o controle das ações

dos agentes e resultados, dificultando sua avaliação externa e caracterizando uma

baixa competitividade. Soma-se a essa característica, a postura dos pais e mães

que têm uma visão apenas parcial da educação, sendo que grande parte não

acompanha de perto o desempenho escolar dos filhos.

A complexidade na motivação dos agentes acontece na justa medida da intrincada

estrutura de governança construída no município, em particular, na Secretaria

Municipal de Educação. O desempenho individual é bastante obscurecido pelas

construções coletivas dos servidores, motivadas muitas vezes pelo corporativismo,

em uma intensidade que dependerá do governo e da gestão. Além disso, as regras

de controle do desempenho individual são falhas, na tentativa de reduzir

comportamentos corporativistas ou descomprometidos com a gestão dos programas

da educação.

As regras de valorização do funcionalismo da educação, além de pouco claras e

instáveis, sofrem o controle rígido das Secretarias de Finanças e Planejamento, que

evitam tanto os aumentos quanto as novas contratações, dentro de um espírito de

controle financeiro. Ainda que por vezes haja um arbítrio do prefeito, possibilitando

uma liberação de gratificação ou concurso, no período analisado, percebe-se a

inconstância dessa política e o crescimento dos cargos docentes, em especial no

ensino fundamental, aquém da disponibilidade de recursos.

Em virtude disso, a burocracia da educação, seja o núcleo intermediário ou o de

professores, tende a antecipar que sua remuneração não será proporcional ao

crescimento das receitas disponíveis para o ensino. É possível, a partir disso, que

seu comprometimento e expectativa individuais sejam afetados, dando margem a

que o comportamento oportunista individual seja superior ao comprometimento com

o interesse público.

Além dessas constatações, é ainda relevante analisar que a existência de grande

rotatividade na cúpula da Secretaria Municipal de Educação enfraquece seu poder

159 Segundo informações da SME, a coordenação nesse processo é relativa, pois apesar de haver atendimento global, em algumas regiões existe excesso de vagas e em outras há falta, nas duas redes..

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

267

hierárquico, conforme a visão de Miller (1992). As várias regras informais de gestão

de cargos, a dificuldade nos canais de comunicação interna da secretaria e a

ausência de um sistema adequado de incentivos ao desempenho individual

constituem também elementos que, somados aos anteriores, fazem dessa estrutura

de governança hierárquica uma construção inadequada à redução da informação

assimétrica entre os agentes e ao controle dos custos de transação existentes no

sistema municipal de políticas públicas do ensino em São Paulo.

5.2.3 Custos de transação

A partir da análise do arranjo institucional do ensino fundamental no município de

São Paulo e sua estrutura de governança, é possível verificar a existência de

diferentes tipos de custos de transação, com base no modelo apresentado no

primeiro capítulo.

O primeiro custo de transação existente origina-se na busca de negociação das

políticas públicas entre os poderes executivo e legislativo e ocorre a cada discussão

de projeto de lei que envolva mudança institucional, como a aprovação da Lei

12.340/97, que permitiu parcelar as dívidas com educação de governos anteriores, e

as mudanças na Lei Orgânica Municipal, que alteraram o padrão de gasto com

ensino, por meio da Emenda 24/01. Para além dessas mudanças, a cada

negociação do PPA, da LDO ou da LOA há também outros custos de negociação

envolvidos que serão proporcionais sempre ao número de vereadores que compõe a

base governista na Câmara e a forma escolhida de governabilidade. Em função

disso, as mudanças ou aprovações de projetos demorarão mais ou menos tempo na

tramitação legislativa e sofrerão ou não alterações e emendas.

Um segundo custo de transação é relacionado à incerteza e à descontinuidade das

políticas públicas. Como observado nos últimos anos, a partir da análise das tabelas

de receitas e despesas do ensino no município de São Paulo, houve uma série de

alterações na política de gastos com ensino, havendo, em cada gestão, e mesmo

dentro das gestões, a inclusão ou retirada de programas, projetos e atividades

implicando a interrupção das políticas públicas de ensino. A própria alteração no

comando da SME, com a passagem de 9 secretários em 10 anos, reflete esse

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

268

processo. O custo dessas alterações e a incerteza aí envolvida refletem-se na falta

de eficiência das políticas públicas que, muitas vezes, não são planejadas e

implantadas a tempo de obterem os resultados desejados e também têm reflexo na

estrutura de governança, pois o comportamento dos agentes será o de se precaver

e desconfiar de novas políticas. Os atores, principalmente a burocracia da educação,

envolvidos no processo, antecipam que a cada mudança de governo é provável que

tudo seja recomeçado, além de não terem garantia de que as conquistas de classe,

como gratificações e planos de carreira, serão mantidos. Assim, esses atores

tornam-se mais reticentes em se comprometer com a execução de novos programas

e projetos, o que dificulta a busca de resultados e eficiência. Essa incerteza e

volatilidade trazem também um custo de transação político importante, visto que não

há garantia para a comunidade de que uma determinada política pública terá ou não

continuidade.

Há ainda outro tipo de custo de transação que é determinado pelo tempo gasto no

monitoramento da burocracia para a execução das políticas públicas. Como

apresentado no capítulo 1, tem-se aqui um problema principal-agente, com um alto

custo de agência, tanto no que diz respeito ao monitoramento da administração

pública pela sociedade civil, quanto no controle pelo poder executivo do

desempenho da burocracia. No caso analisado, mostramos a extrema complexidade

desse processo em São Paulo, visto que a estrutura de governança construída para

o ensino e que se reflete para o ensino fundamental, envolve várias secretarias e

órgãos e, por decorrência, diferentes corpos burocráticos, como gestores públicos,

professores, procuradores e contadores entre outros. As dificuldades de

relacionamento entre esses corpos burocráticos e a complexidade das transações

entre estes implica custos no monitoramento dos processos, nos quais por vezes

não se identifica quem é o responsável pela execução e desempenho dos

programas.

A sociedade civil em geral só consegue perceber a prestação de serviços na ponta

do processo e não tem perfeito conhecimento de “quem” presta o serviço. Os atores

mais próximos e, obviamente, mais cobrados são os professores e os diretores

escolares. Estes, contudo são apenas uma parte da estrutura existente por trás das

políticas públicas. Mesmo assim, é difícil o controle do desempenho desses atores

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

269

pelos pais e mães, em função das possibilidades de faltas e licenças dos

professores, da noção parcial sobre a qualidade de ensino oferecida e das

dificuldades existentes no processo de participação na escola por meio dos

conselhos, como apresentado. Nesse cenário, há uma grande assimetria de

informação entre esses atores que torna falho o que poderia ser o controle externo

desta estrutura de governança.

Quanto ao monitoramento da burocracia pelo poder executivo também existem

grandes falhas em função das relações construídas a partir das regras do jogo,

formais e informais. O processo de avaliação de desempenho é um exemplo da

dificuldade de se controlar os agentes, que criam suas próprias regras de auto-

proteção, ao estabelecerem, por exemplo, que todos terão avaliação de 100% de

cumprimento das metas. Na compreensão desses agentes, essa é uma forma de

garantir as gratificações por desempenho que compensariam os baixos salários (na

opinião da burocracia) pagos pela administração. Na visão do poder executivo, esse

comportamento conjugado com as faltas e licenças excessivas tornam os salários de

fato muito elevados. Como já afirmado, esse comportamento torna o sistema de

incentivo ao desempenho dos agentes de ensino (sejam diretores, professores ou

auxiliares) ligado puramente a gratificações financeiras, ineficaz, na medida em que

não se consegue, a partir deste, controlar de fato as ações e o comprometimento

dos agentes.

5.3 Conclusão

A análise do arranjo institucional do financiamento do ensino fundamental, em São

Paulo, nos permite perceber que existem peculiaridades tanto das regras formais do

financiamento do ensino fundamental, quanto da estrutura de governança do ensino

no município, que não contribuem para que essa política pública seja realizada

segundo planejamento e execução adequados aos recursos disponíveis e às

necessidades da comunidade escolar. A mudança constitucional que priorizou o

ensino fundamental em 1996, por meio da promulgação da LDB e da Emenda 14/96

e que deu origem ao Fundef, beneficiou o município de São Paulo financeiramente,

no sentido de que este passou a contar com uma considerável receita adicional do

Fundo. O fortalecimento do processo de municipalização da rede de ensino foi, no

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

270

entanto, realizado, a exemplo de vários outros municípios brasileiros, sem o devido

planejamento da rede, concentrado, nesse período, principalmente entre os anos de

1997 a 1999. O ganho adicional do Fundef, por opção do município, parece ter

servido mais para compensar a folha de pagamentos já existente no ensino

fundamental e, assim, liberar os recursos da vinculação de impostos para outras

despesas, do que para novas contratações e valorização dos docentes.

A falta de controle efetivo sobre as regras do ensino no município, por parte do

poder legislativo, conjugada com a grande flexibilidade permitida pelas regras do

processo orçamentário, possibilitou que, por vários anos, se descumprisse a

aplicação mínima de recursos em educação prevista na Constituição Federal e na

Lei Orgânica do Município. Também a aplicação de recursos adicionais do Fundef e

de outras receitas do ensino fundamental mantém-se até hoje prejudicada.

A estrutura de governança criada para a organização do ensino no município é

bastante complexa e, apesar de ter como base principal a SME, várias outras

secretarias participam desse processo, como responsáveis por parte do gasto ou

como atores necessários para o planejamento e execução das despesas.

Nessa estrutura, é fundamental o papel do chefe do executivo. Por ser a maior área

de concentração de receitas do município, a educação suscita interesses políticos

fortes (FRANT, 1996) que poderão fazer com que haja a busca de realização de

programas de grande visibilidade política para o governo, por vezes em detrimento

de programas estruturantes para a educação. É também relevante ressaltar que, no

município de São Paulo, tem peso para a construção dessa estrutura de

governança, a existência de rigidez orçamentária. Esse fato faz com que possa

haver o posicionamento do governo pela realização de programas de outras

secretarias com os recursos da educação, de forma a reduzir a rigidez na utilização

dos recursos. A decisão sobre o grau de alocação de recursos do ensino nesse tipo

de programas, projetos e atividades dependerá, em última instância, do chefe do

executivo e de seu núcleo estratégico de governo. Nas gestões avaliadas, isso

ocorreu reiteradamente, com a importante diferenciação de que, a partir de 2001, as

inclusões deram-se dentro do aparato legal definido no município, ao contrário da

gestão anterior.

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

271

O controle da funcionalidade e eficiência desses programas é ainda uma questão

chave a ser resolvida. A análise custo-benefício para a decisão de quais deles irão

compor as políticas públicas de ensino é precária, como também não há uma cultura

de avaliação programática. Não existe à disposição dos gestores das políticas

públicas um sistema de controle de custos integrado da administração municipal,

que permita essa avaliação e, muito menos, o acesso da comunidade escolar e da

sociedade civil como um todo.

Dessa feita, a fiscalização externa é prejudicada pela falta de informações e também

pela baixa transparência e permeabilidade do orçamento público e das prestações

de contas dos recursos da educação, que, apesar de permitir o acesso a quanto se

gasta, não permite ainda saber “onde”, “como” e “por que” se gasta. Esse controle

carece também de maior organicidade visto que tanto o poder legislativo,

responsável legal por essa tarefa, quanto a sociedade civil, não a exercem ainda na

sua integralidade.

A Câmara Municipal, como se viu, com base em uma série de características e de

interesses próprios, abre mão de sua prerrogativa de fiscalizar os planos,

orçamentos e prestações de contas do poder executivo, em função da barganha

política, partidária e principalmente individual. A sociedade civil, por sua vez, tem

grande dificuldade em exercer seu poder fiscalizador, tanto da qualidade do serviço

prestado, quanto da utilização dos recursos da educação por meio dos vários

conselhos existentes. Essa dificuldade está associada à fragmentação do controle

em um grande número de conselhos, com baixa representatividade efetiva e

também a participação aquém do necessário, de pais e mães, na vida escolar.

A baixa visibilidade existente das ações dos atores escolares, como professores e

todo corpo funcional da educação, é reforçada pela falta de controle externo sobre

os resultados do ensino. Com isso, a estruturação fortemente hierárquica dessa

secretaria, na qual convivem diferentes grupos burocráticos, tende a ser ineficiente,

pois seus sistemas de incentivo são falhos, além de apresentar dificuldade em

direcionar o comportamento dos agentes para a ação idealizada pela cúpula da

organização. Os canais de comunicação internos são prejudicados pela existência

Capítulo 5 – Estudo de Caso do Município de São Paulo: Financiamento da Educação no período de 1997-2006

272

de grande assimetria de informações entre os grupos e entre as diversas secretarias

com as quais a educação se relaciona.

Nesse processo, nota-se a existência de diversos custos de transação que são, na

verdade, acirrados pela estrutura de governança criada e não reduzidos, o que faz

com que seja extremamente difícil controlar essa organização, da mesma forma

como seus recursos.

Dessa maneira, a partir da análise realizada neste estudo de caso, é possível

perceber que no município de São Paulo, o arranjo institucional criado para o

financiamento das políticas públicas de ensino possui falhas tanto na definição de

suas regras formais, quanto na constituição da estrutura de governança da

organização do ensino. Dessas falhas derivam as regras informais criadas para

permitir aos agentes lidar com as amarras existentes no arcabouço legal. A estrutura

de governança constituída de forma hierárquica não consegue, pelos motivos

expostos, controlar o comportamento oportunista dos agentes e reduzir a assimetria

de informações e os custos de transação existentes no processo de construção e

execução das políticas públicas de ensino no município de São Paulo.

Considerações Finais

273

Considerações Finais

O objetivo desta tese foi estudar a existência de falhas no arranjo institucional do

financiamento do ensino fundamental no Brasil que contribuem para que a

vinculação orçamentária de receitas seja uma regra insuficiente para garantir a

eficiência das organizações desse nível de ensino público nos municípios brasileiros.

Para realizar essa avaliação, partiu-se do referencial teórico da Nova Economia

Institucional, que propõe uma análise institucional em dois níveis, macroinstitucional

e microinstitucional. Assim, à luz dessa abordagem teórica, os municípios brasileiros

e, principalmente, São Paulo, como o estudo de um caso concreto, foram

analisados.

No que concerne à análise macroinstitucional, buscou-se avaliar as regras formais e

informais relativas ao financiamento do ensino fundamental. Essas regras estão

primordialmente estabelecidas pela Constituição Federal, que determina como

devem ser planejados e executados os recursos públicos como um todo e, em

particular, os da educação.

Com relação ao planejamento e execução dos recursos públicos no Brasil, foram

estudadas as mudanças introduzidas pela Lei 101/2000, a Lei de Responsabilidade

Fiscal, que visa a regulamentar algumas questões tratadas de forma vaga pela

Constituição Federal, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esta tese procurou

mostrar que apesar das regulamentações da LRF terem trazido maior transparência

ao processo de financiamento público, permitindo o acompanhamento das receitas e

despesas dos entes federados, esses entes ainda têm muito a avançar em termos

de planejamento das receitas e despesas referentes às políticas públicas, inclusive

às da educação.

Buscou-se demonstrar na tese que, mesmo com todo o regramento formal instituído

por meio do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei

Orçamentária Anual, ainda existe uma grande tendência nos governos a

concentrarem as decisões do financiamento das políticas públicas na execução

orçamentária. Esse deslocamento da tomada de decisão de gasto é permitido pela

regra existente na Lei 4.320/64, que regula os orçamentos no país e prevê que o

Considerações Finais

274

poder executivo pode contar com um percentual de remanejamento dos recursos

orçamentários durante o ano, para melhor adequação das despesas. Uma regra

criada para dar flexibilidade orçamentária, necessária ao ajuste dinâmico das

políticas públicas, principalmente em ambientes de instabilidade econômica, na

prática, constitui-se como importante regra informal para refazer boa parte do

orçamento durante o exercício. A utilização excessiva dessa regra informal fragiliza o

processo de planejamento e as instituições responsáveis pela elaboração e

aprovação das políticas públicas.

Esse processo só pode existir, contudo, em função do posicionamento do poder

legislativo que permite a excessiva flexibilidade do processo orçamentário, em razão

de seus próprios interesses e devido também a outras duas questões. A primeira é o

fato de o orçamento não ser impositivo no Brasil. A segunda advém da falta de

transparência e controle externo das metas de desempenho físico e financeiro dos

programas e políticas. Essas questões fazem do PPA um plano muitas vezes

ineficaz e da LDO e LOA instrumentos de controle mais financista do que de política

alocativa, isto é, a preocupação primordial passa a ser apenas o equilíbrio

orçamentário e o cumprimento de metas de superávit fiscal.

Em relação ao fato do orçamento ser apenas autorizativo, essa regra é alterada no

caso da educação, para a qual há a previsão de vinculação orçamentária de

recursos, especialmente no caso do ensino fundamental, que contou, no período de

1998 a 2006, com a subvinculação do Fundef. Essas regras criadas para o ensino

fundamental possibilitaram o incremento do acesso às escolas, aumentando o

número de matrículas, sobretudo nas redes municipais. Apesar disso, os indicadores

de eficiência e rendimento, além do desempenho dos alunos, mostram que a

qualidade do ensino não é adequada para a formação das crianças e jovens nos

requisitos mínimos de português e matemática, por exemplo. Parte desse problema

está associada às falhas citadas anteriormente no processo de planejamento e

orçamentação das políticas, visto que também aqui a preocupação com o

cumprimento de metas de desempenho é baixa, e até mesmo a elaboração do Plano

Municipal de Educação, que deveria nortear os objetivos e diretrizes dos municípios

na área, não foi cumprida por boa parte dos municípios.

Considerações Finais

275

Porém, vimos que houve outras falhas nas regras formais, que também colaboraram

para a pouca eficiência dos sistemas municipais de ensino, no que diz respeito à

qualidade deste e ao desempenho de seus alunos. Buscamos mostrar que a própria

construção da reforma do ensino fundamental, centralizada no governo federal, e os

traços predominantes do federalismo brasileiro tiveram grande influência no

processo de reforma do ensino fundamental, com foco na municipalização. Como

descrito por Rodriguez (2001), a municipalização do ensino fundamental deu-se de

forma acelerada, pois foi concentrada em cerca de 3 anos, com baixa cooperação

entre as redes estaduais e municipais e pouco controle externo, seja das

organizações oficiais de fiscalização ou da sociedade civil.

A elaboração da política não esteve focada para as disparidades regionais

existentes entre os vários municípios brasileiros, além de não ter havido grande

preocupação com a capacidade institucional dos atores que seriam os principais

responsáveis por sua implementação, principalmente, as secretarias municipais de

educação. A maioria dos municípios brasileiros, apesar de ser de fato unidade da

federação com autonomia orçamentária e legal, tem pouca redundância, nos termos

da análise de Landau (1969) e de Caiden e Wildavsky (1974), para a construção de

políticas públicas eficientes e transparentes. E aqui percebemos que a escolha do

formato da reforma do ensino fundamental teve em sua origem uma falha

institucional importante, de acordo com Clune (1987), pois os atores envolvidos não

estavam devidamente capacitados para a mudança estabelecida, além da estrutura

federativa também não propiciar a coordenação e o controle necessários. Assim, a

municipalização ocorreu praticamente em razão da garantia dos repasses

financeiros do Fundef e não pela construção de uma rede municipal adequada à

formação dos novos alunos ingressos.

Além das falhas nas regras formais relativas ao financiamento das políticas públicas,

a análise microinstitucional do comportamento dos atores envolvidos no processo

nos revela importantes disjunções que levam a uma construção de estrutura de

governança com baixa capacidade de redução dos custos de transação e com

pouca permeabilidade ao controle externo, caracterizando-se como uma estrutura

hierárquica, conforme descrição de Miller (1992).

Considerações Finais

276

Nessa estrutura de governança, deve-se destacar que a vinculação orçamentária

criada para o ensino tinha como objetivos iniciais a redução dos incentivos fortes da

política, seguindo o raciocínio de Frant (1996), e a proteção da educação frente ao

comportamento oportunista dos atores políticos. O intuito dessa construção

institucional era garantir um fluxo constante e crescente de recursos para o ensino.

Apesar disso, as falhas institucionais nas regras formais já citadas e as

características internas dessa estrutura de governança hierárquica dificultam o

alcance do objetivo em sua totalidade.

Conforme esses elementos da estrutura de governança, temos que, além da

existência do comportamento oportunista por parte dos agentes do poder executivo

e legislativo, dado em função da busca “natural” de manutenção de poder político,

há também a baixa autonomia dos dirigentes municipais de ensino, que são atores

chave na condução da política de ensino fundamental. Essa baixa autonomia dos

DME, na cidade de São Paulo, por exemplo, está atrelada à complexidade da

estrutura de governança constituída para o controle e execução dos recursos do

ensino, em especial, os relativos ao ensino fundamental. A existência de várias

secretarias e unidades responsáveis por programas que fazem uso dos recursos da

educação, além de reduzir a capacidade de governança do secretário municipal de

educação, torna mais complicada a coordenação de pessoas e de recursos na

busca de eficiência nos resultados.

Em relação a outros municípios brasileiros, a pesquisa realizada por Waiselfisz e

Silva (2000) revela que os dirigentes municipais de ensino, além da dificuldade de

não terem total controle dos recursos, devem lidar também com a heterogeneidade

do corpo burocrático da educação, associada à complexidade em sua motivação

(DIXIT, 2002). Esses elementos são ainda mais complicados pelo fato das políticas

públicas sofrerem grande descontinuidade administrativa e pouco controle externo.

No caso do município de São Paulo, a questão da descontinuidade administrativa e

de planejamento fica clara nas três últimas administrações do ensino. A troca

constante do núcleo de comando da secretaria, as mudanças nas diretrizes previstas

e executadas relativas aos programas prioritários do governo na área e,

principalmente, a ausência até o momento do Plano Municipal de Educação dão a

Considerações Finais

277

dimensão do problema. Ressalte-se que isso tem ocorrido a despeito da existência

de regras formais que garantem recursos vinculados à educação e ao ensino

fundamental.

Outro assunto relevante para a estrutura de governança dessas organizações diz

respeito à avaliação das políticas públicas no Brasil. Em relação especificamente ao

ensino, vemos que esta é ainda bastante precária, apesar do visível avanço trazido

com a implementação do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), cujo

principal foco é o desempenho dos alunos em português e matemática, sendo

realizado por amostragem nas regiões, estados e municípios. A Prova Brasil avança

um pouco mais ao controlar todas as redes de ensino e avaliar cada unidade

escolar. Falta, contudo, avaliar a organização de ensino como um todo e não apenas

parte deste como o professor, o aluno e as instalações da escola. O modo de

implementação das políticas, seus programas, sua gerência, suas metas, seus

custos unitários e o retorno do recurso investido precisam ser avaliados, pois são

fundamentais para a construção de uma política adequada de ensino e para que se

possa ter parâmetros de comparação entre as regiões do país, marcadas pela

desigualdade econômica e social.

Como vimos no estudo de caso do município de São Paulo, uma avaliação global da

organização de ensino, feita por órgãos de controle interno, em conjunto com a

comunidade escolar, de forma perene e abrangente, é inexistente. Excetuando-se as

avaliações dos alunos mencionadas, o foco recai sobre o desempenho individual

dos funcionários, o qual é, todavia, prejudicado por elementos característicos da

estrutura de governança hierárquica do ensino. Exemplos disso são a grande

assimetria de informação entre cúpula e base da organização e a pressão existente

entre grupos de funcionários, professores, diretores e coordenadores, com vistas a

reforçar a cultura de avaliação positiva de forma generalizada entre indivíduos e

equipes. Além disso, a própria falta de comprometimento da administração com o

cumprimento dos programas propostos no mandato a cada ano, torna a avaliação de

desempenho uma atividade desacreditada, pois, muitas vezes, os projetos e

atividades não chegam nem sequer a acontecer, uma vez que seus orçamentos são

deslocados ou anulados.

Considerações Finais

278

Os órgãos oficiais de controle assumem freqüentemente um comportamento mais

político do que técnico em relação à fiscalização do desempenho das administrações

públicas no que tange ao ensino. Isso ocorre tanto no que diz respeito ao

cumprimento das normas legais e formais, quanto ao desempenho qualitativo e

programático.

O caso do município de São Paulo deixa perceber que, mesmo em uma metrópole

onde há intensa cobertura jornalística acerca dos atos públicos e inúmeras

organizações não governamentais preocupadas com o controle das políticas

públicas, a possibilidade de comportamento oportunista dos vereadores da Câmara

Municipal faz-se presente. Eles se omitem de uma análise e fiscalização adequadas

dos planos e orçamentos da educação, apoiados, não raro, pelo Tribunal de Contas

do Município, em função de um jogo de interesses existente com o poder executivo e

da “compra e venda de votos” entendida como logrolling entre os membros do

legislativo.

Esse comportamento possibilita, então, que haja descumprimento das regras

referentes ao ensino fundamental, sem grandes conseqüências para a

administração pública municipal. Mesmo o controle federal, realizado por meio do

MEC, por exemplo, é bastante omisso com relação a isso. Essa omissão também é

constatada no trabalho de Mendes (2004) referente às irregularidades no uso de

recursos do Fundef, pois apesar de ter havido um levantamento extenso de

irregularidades em vários municípios, não houve um posicionamento adequado do

Ministério que deveria ser guardião dos recursos do Fundo.

Além disso, assim como constatado na pesquisa realizada por Pacheco e Araújo

(2005), a sociedade civil e principalmente a comunidade escolar estão muito

ausentes do controle das políticas públicas de ensino. Isso acontece em função das

mudanças sociais e no mundo do trabalho, as quais, conseqüentemente, reduziram

o tempo disponível para participação na escola dos filhos, e também pela dificuldade

de construção de canais claros de comunicação entre pais, mães, alunos e poder

público. Como vimos em São Paulo, a sobreposição de inúmeros conselhos ligados

à educação, juntamente com a complexidade das regras formais, leva a uma

Considerações Finais

279

fragmentação da participação social no processo que redunda em pouca eficácia do

controle social na educação.

Dessa feita, a avaliação e o controle externos, que constituiriam um elemento

importante na determinação da eficiência na execução das políticas públicas, em

uma estrutura hierárquica, conforme apontado por Miller (1992) e Horn (1995), ficam

prejudicados. Os custos de transação existentes, dada a grande assimetria de

informação entre os agentes, e decorrente também das disjunções das regras

formais de financiamento da educação, mantêm essa estrutura em um modelo

coping, no qual há dificuldade para controlar as ações e os resultados dos agentes,

conforme Wilson (1989).

A partir da análise realizada nesta tese, não é possível afirmar que os elementos

identificados no município de São Paulo ocorrem em todo país. Podemos, todavia,

inferir, a partir das informações levantadas para os outros municípios, que no

financiamento das políticas públicas de ensino fundamental, apesar das regras

formais terem permitido uma elevação real das despesas, de forma contínua, não se

conseguiu garantir uma universalização desse nível de ensino combinada com a

melhoria no desempenho dos alunos, que pudesse indicar aprimoramento da

qualidade do ensino.

Como procuramos mostrar, essa questão está ligada a falhas na concepção da

própria política que induziu a um processo acelerado de municipalização das

matrículas, de forma descoordenada entre os entes da federação, sem garantia de

planejamento prévio e sem a devida capacitação institucional dos municípios para o

desafio colocado pelo governo federal. A estrutura federativa brasileira não prevê

uma coordenação adequada dos agentes para agirem solidariamente nas políticas

públicas de ensino, apesar dessa questão estar colocada tanto na Constituição

Federal, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Nesse processo, a existência de multiplicidade de principais envolvidos na definição

de prioridades e programas leva a uma multiplicidade de tarefas colocadas para o

ensino e torna ainda mais complexo o cenário dessas políticas públicas. Como

grande parte da população tem no ensino público fundamental, hoje principalmente

Considerações Finais

280

municipal, a única opção de educação para seus filhos, essa organização enfrenta

pouca competitividade, o que reforça o difícil trabalho de motivar e controlar a

burocracia do ensino.

A sobreposição dessas características da organização de ensino às falhas nas

regras formais do financiamento do ensino fundamental serve a uma situação em

que os custos de transação existentes e o comportamento oportunista dos atores

políticos não são reduzidos e não há garantia de que o volume de recursos

disponibilizado ao ensino seja utilizado de forma eficiente. O maior volume de

recursos leva, ao contrário, a que a área de educação seja mais alvo do

comportamento oportunista do que protegida pela vinculação. A inexistência de

coordenação do processo e, sobretudo, de elementos externos de avaliação e

controle do uso dos recursos e das ações e desempenho das organizações

municipais de ensino são elementos essenciais que permitem a ocorrência desse

tipo de procedimento.

Dessa forma, com o intuito de melhorar a situação do ensino fundamental e da

educação pública como um todo, as regras formais precisam ter em conta que o

arranjo institucional compreende variáveis para além das regras específicas do

ensino e que a alteração na estrutura de governança das organizações de ensino

nos municípios é fundamental na busca da eficiência dessas políticas públicas.

A mudança de regras deve focar o controle da qualidade do gasto público,

dimensionando, além do controle financeiro, o desempenho físico e programático

das despesas públicas. Porém, mesmo que se criem novas regras para isso ou se

aperfeiçoem as já existentes, a partir, por exemplo, da votação da Lei Complementar

de Finanças Públicas prevista na Constituição Federal, é preciso rever o

comportamento dos atores envolvidos no processo, dentro das estruturas de

governança criadas para a execução e controle dos recursos do ensino nos

municípios.

Há a necessidade de controlar e reduzir o comportamento oportunista dos agentes

com relação aos recursos da educação. Como se procurou demonstrar, a vinculação

de recursos não é suficiente nesse controle, apesar de ser extremamente importante

Considerações Finais

281

para priorizar a educação, pois é fato que todos os países que conseguiram

revolucionar seus sistemas de ensino aplicaram fortemente nessa área. É preciso,

além disso, reforçar as regras para a accountability e responsabilização política da

área. Essa mudança passa não só por uma maior transparência na prestação de

contas, mas também por mudanças na coordenação do sistema e no controle social.

Quanto à coordenação do sistema, pode-se perceber que o atual arranjo federativo

não colabora para um ajuste e padronização do sistema de ensino nas diversas

regiões brasileiras e tampouco garante a integração das redes de ensino,

principalmente as estaduais e municipais. Por isso, é fundamental que sejam

revistos e/ou elaborados os planos estaduais e municipais de educação, de modo a

que sejam coerentes e interligados. É necessário criar a obrigatoriedade de

planejamento em conjunto e que haja, de fato, coordenação entre os entes da

federação de todo o sistema.

O controle local precisa ser reforçado por meio da simplificação dos Conselhos de

Educação, tendo em vista uma representação e participação social efetiva. Mudar as

regras para a indicação dos representantes, criar cursos de capacitação e garantir o

acesso a todas as informações é fundamental.

A maior clareza nas regras, a existência de avaliação de resultados programáticos e

o efetivo controle social poderão facilitar também o dinamismo no ambiente interno

da organização de ensino, envolvendo os dirigentes, coordenadores, supervisores,

diretores e professores. É possível, nesse aspecto, conseguir ganhos no

desempenho dos agentes ao melhorar o relacionamento com a comunidade escolar

e assim garantir que a participação externa no planejamento das ações e na

avaliação do desempenho dos alunos permita dar maior transparência ao trabalho

de professores, diretores e outros funcionários.

Esses elementos, trabalhados de forma conjunta com mudanças nas regras formais,

podem colaborar para a construção de organizações de ensino municipais que

possibilitem um aprimoramento da qualidade do ensino público no Brasil.

Referências Bibliográficas

282

Referências Bibliográficas

ABRAHÃO, Jorge; FERNANDES, Maria Alice Cunha. Sistema de Informações sobre os Gastos Públicos da Área de Educação – SIGPE: Diagnóstico para 1995. Textos para Discussão nº 674. Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada, Brasília: 1999.

ABRUCIO, Fernando Luiz e SOARES, M. Redes federativas no Brasil: cooperação intermunicipal no Grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001

ABRUCIO, Fernando Luiz e LOUREIRO, Maria Rita. “Finanças Púbicas, democracia e accountability”, In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

AFONSO, José Roberto R. et al. Análise da Atual Sistemática de Planejamento e Orçamento e Sugestões para seu Aperfeiçoamento. In: MATTOS Filho, A., Reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. São Paulo, DBA - Dórea Books and Art, 1993. (vol. 2)

AFONSO, José Roberto R. Descentralização fiscal, políticas sociais, e transferência de renda no Brasil. CEPAL - Serie Gestión pública, nº 63. Santiago, Fev. 2007.

ALBERNAZ, Ângela; FERREIRA, Francisco H.G.; FRANCO, Creso. Qualidade e Equidade na Educação Fundamental Brasileira. Texto para Discussão nº 455. Departamento de Economia, PUC-RIO, Rio de Janeiro, 2002.

ALESINA, Alberto; DRANZEN, Allan. “Why are stabilizations delayed?” in American Economic Review, v.81, n.5, p. 1170-1188, Dec. 1991.

AMADEO, Edward J., CAMARGO, José Márcio. Mercado de Trabalho e Dança Distributiva. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 11, n. 3 (43), p 13-28, Jul-Set/1991.

AMARAL Sobrinho, José. Descentralização da Educação Básica: Lições da Experiência. Texto para Discussão no. 362, IPEA, Rio de Janeiro, 1995.

ANDRÉ, Maristela Afonso de. “A efetividade dos Contratos de Gestão na Reforma do Estado” in: SIMPOI, I, 24 e 25, set/1998, São Paulo. (Promovido pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo-EAESP/FGV).

ANGÉLICO, João. Contabilidade Pública. São Paulo. Atlas, 5ª edição. 1981.

Referências Bibliográficas

283

ARANDA, Fernanda; PORTELLA, Andréa. Todos os dias, 2.356 deixam de dar aula na rede municipal. O Estado de São Paulo, São Paulo, 15 abr. 2007, p. A27.

ARAÚJO, Carlos Henrique; LUZIO, Nildo. Avaliação da Educação Básica: em busca da qualidade e eqüidade no Brasil. Brasília. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005.

ARAUJO, Gilda Cardoso de. Federalismo e direito à educação no Brasil: entre a autonomia e a igualdade de oportunidades. In: 26a reunião anual da ANPED, 2003, Poços de Caldas. Trabalhos completos. Rio de Janeiro: ANPED, 2003.

ARRETCHE, Marta. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 11, n. 31, p. 44-66, jun. 1996.

_______. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 2, 2004.

ARVATE, Paulo R. Instituições e resultados fiscais do governo federal brasileiro. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

ASSEMBLÉIA Municipal Constituinte. Lei Orgânica do Município de São Paulo, 1990.

AZEVEDO, Janete Maria Lins de. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. Educação Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, 2002.

AZEVEDO, Neroaldo Pontes de. A UNDIME e os desafios da educação municipal. Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 42, 2001.

AZEVEDO, Paulo Furquim. Nova economia institucional: referencial geral e aplicações para a agricultura. São Carlos: UFSCar, 2000.

BACHA, Edmar L. “Moeda, inércia e conflito: reflexões sobre políticas de estabilização no Brasil” in Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, v.18, n.1, p.1-16, abr/1988.

_______. “O fisco e a inflação: Uma interpretação do caso brasileiro” in Revista de Economia Política, São Paulo, v. 14, n. 1(53), p. 5-17, jan-mar/1994.

Referências Bibliográficas

284

BARRIONUEVO F., Arthur e LUCINDA, Cláudio Ribeiro de. Teoria da Regulação. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BARROS, Ricardo Paes et al. Determinantes do Desempenho Educacional no Brasil. Textos para Discussão nº 834. Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada, Brasília: 2001.

BARROSO, João. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, 2005.

BARZEL, Yoram. Measurement cost and the organization of markets. Journal of Law and Economics, v. 25, pp. 27-48, April, 1982.

BASSI, Marcos Edgar (coord.), GIL, I-Juca-Pirama Camargo. A municipalização do ensino no Estado de São Paulo : impactos do Fundef no atendimento municipal. São Paulo : Ação Educativa, 1999. 222 p. Relatório final (pp 189-222).

BECKER, Gary. Human Capital. New York: Columbia University Press, 1964.

BISMUT, Claude. “Déficits publics français: Quelles explications? Quelle réponses?” in Chroniques Economiques, Paris, n.2, 15-Fev/1996, p.65-70.

BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política, 5ª ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1990, v. 1, p.124-136 e p.562-570, trad. por Carmen C. Varriale.

BORSANI, Hugo. “Relações entre Política e Economia: Teoria da Escolha Pública”, in: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL, Haroldo G. “Processo Decisório e a Questão Orçamentária: Uma Analogia” in Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.27, n.3, p.116-146, jul-set/1993.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. São Paulo: Atlas, 1997.

BRESSER PEREIRA, Luiz C. & NAKANO, Yoshiaki. “A Origem Política dos Problemas Econômicos” in Revista de Economia Política, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 10-23, abr-jun/1995.

Referências Bibliográficas

285

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Estado, aparelho do Estado e sociedade civil. Brasília: ENAP, 1995. 28 f. (Texto para discussão, 4).

_______. Instituições, Bom Estado e Reforma da Gestão Pública. In ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRUBAKER, Earl R. The Tragedy of thePublic Budgetary Commons. The Independent Review, Vol. I, No.3, Winter 1997, ISSN 1086-1653, Copyright © 1997, pp. 353–370.

BUCHANAN, James M. Public Finance in Democratic Process: Fiscal Institutions and Individual Choice. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1967.

BURKHEAD, Jesse. Orçamento Público. Rio de Janeiro, FGV editora, 1971, trad. por Margaret Hanson Costa.

CAIDEN, Naomi, WILDAVSKY, Aaron. Planning and Budgeting in Poor Countries (Comparative Studies in Behavioral Science). Nova York, Willey Interscience Publication, 1974.

CALLEGARI, Cesar. As verbas da educação: a luta contra a sonegação de recursos do ensino público no Estado de São Paulo. São Paulo, Ed. Entrelinhas. 1997

CASTRO, Jorge Abrahão de. Financiamento da educação no Brasil. Em Aberto - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Brasília, v. 18, n. 74, p. 11-32, dez. 2001.

CASTRO, Jorge Abrahão de; BARRETO, Angela Rabelo e CORBUCCI, Paulo Roberto. A reestruturação das políticas federais para o ensino fundamental: descentralização e novos mecanismos de gestão. Texto para Discussão nº 745. IPEA, Rio de Janeiro, jul. 2000, 31p.

CATANZARO, Waldir e TRAVOLO, Maria A. Governadoria e Orçamento Público. Cadernos Fundap, São Paulo, Ano 8, n. 15, p. 73-82, abr. 1988.

CHARLOT, B. La territorialization des politiques educatives: enjeux sociaux. Colloque défendre et tranformer l’école pour tout, Marsaille, IUFM, 1997. Cd-rom.

CINTRA, Antônio O. e ANDRADE, Luiz A. Goma de. Planejamento e Desenvolvimento: Notas sobre o Caso de Minas Gerais. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, p. 221–240 abr-jun/1976.

Referências Bibliográficas

286

CINTRA, Antônio Otávio. Sistema de Planejamento, modernização e comportamento inovador na administração. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, p. 41 –53, out-dez/1977.

CLUNE, William H. Institutional Choice as a Theoretical Framework for Research on Educational Policy. Educational Evaluation and Policy Analysis, Vol. 9, No. 2 (Summer, 1987), pp. 117-132.

COASE, Ronald H. The nature of the firm. Economica, nº 4, pp. 386-405, 1937.

_______. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, v. 3, pp. 1-44, 1960.

COSTA, Jean Mário Araújo. A competência dos entes federativos e o financiamento na educação brasileira. Publicado 7/09/2006. Disponível em http://www.webartigos.com/articles/291/1/As-Competencias-dos-Entes-Federativos-e--Financiamento-na-Educacao-Brasileira/Pagina1.html/print/291 Acessado em fevereiro de 2007.

CUNHA FERRAZ, Anna Cândida de. Constituições do Estado de São Paulo – Quadro Comparativo, Secretaria Estadual dos Negócios da Justiça, Imprensa Oficial do Estado – Imesp, 1976.

DALL´ACQUA, Fernando M. e GUARDIA, Eduardo R. Análise do Sistema Orçamentário no Brasil. São Paulo, FGV-SP, 1995. (Pesquisa apresentada ao Núcleo de Pesquisa e Projetos da EAESP –FGV).

DALL’ACQUA, Fernando M. A Crise dos Bancos Estaduais: O caso do Banespa. FGV/Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1998 (Tese, Livre Docência, Finanças Públicas)

DIXIT, Avinash. Incentives and Organizations in the Public Sector: An Interpretative Review. In: The Journal of Human Resources, vol. 37, nº 4 (Autumn, 2002), pp. 696-727.

_______. Power of Incentives in Private versus Public Organizations. The American Economic Review, Vol. 87, no. 2, Papers and Proceedings of the Hundred and Fourth Annual Meeting of the American Economic Association, May, 1997, pp. 378-382.

DUARTE, Marisa Ribeiro Teixeira. Regulação sistêmica e política de financiamento da educação básica. Educação & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, 2005.

Referências Bibliográficas

287

ESTUDO Analítico Descritivo Comparativo do Setor Educacional do Mercosul (1996-2000) Brasília, Inep. Junho de 2005.

EVANS, Peter. Beyond. Além da "Monocultura Institucional": instituições, capacidades e o desenvolvimento deliberativo. Sociologias, Porto Alegre, nº. 9, 2003.

FAGUNDES, Jorge. Economia Institucional: custos de transação e impactos sobre política de defesa da concorrência. Revista de Economia Contemporânea, UFRJ, Rio de Janeiro, vol. 2, 1998.

FERNANDES, R.; NATENZON, P. E. A evolução recente do rendimento escolar das crianças brasileiras: uma realização dos dados do Saeb. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 28, p. 3-22, jul./dez. 2003.

FERNANDEZ, Marcia V. A Reestruturação da Dívida no Governo do Estado de São Paulo, promovida no período 1995-1997. São Paulo, FGV/Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1998. (Dissertação, Mestrado, Economia).

FERREIRA, Denise de Queiroz. Recursos orçamentários vinculados: O programa de alimentação escolar do Estado de Minas Gerais. Artigo apresentado no III Congresso USP de Controladoria e Contabilidade, realizado nos dias 1 e 2 de outubro de 2003.

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. 2ª edição, Editora FGV, Rio de Janeiro, 2001.

FINANCIAMENTO da Educação Básica: Um Estudo de Receitas e Gastos das Redes de Ensino da Bahia: 1998. Universidade Federal da Bahia: Faculdade de Educação/Programa de Pos-Graduaçao em Educação, Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público -ISP.

FIORILO, Paulo R. A Relação entre Executivo e Legislativo no Governo Petista de Marta Suplicy, 2001-2004. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006 – Dissertação de mestrado.

FLETCHER, P. R. e RIBEIRO, S. C. A educação na estatística nacional. Trabalho apresentado no Seminário de Avaliação das PNADs de 1980, ABEP, Nova Friburgo, 13-15 de junho de 1988.

Referências Bibliográficas

288

FRACALANZA, Paulo Sérgio. A gestão do Ensino Fundamental pelo governo do estado de São Paulo: Uma análise do financiamento e dos indicadores sociais de educação (1980-1993). Educação & Sociedade, Campinas, v. 20, n. 69, 1999.

FRANT, Howard. High-Powered and Low-Powered Incentives in the Public Sector. In: Journal of Public Administration Research and Theory: J-PART, vol. 6, nº 3 (Jul., 1996), pp. 365-381.

GIACOMONI, James. Orçamento Público. 7ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 1997.

GONÇALVES, Renaldo A. Educação e Federalismo no Brasil. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006 – Tese de Doutorado em Ciências Sociais.

GOUVÊA, Gilda Portugal. Um salto para o presente: a educação básica no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 1, 2000.

_______. Burocracia e Elites Burocráticas no Brasil. São Paulo, Editora Paulicéia, 1994.

GUARDIA, Eduardo R. Orçamento Público e Política Fiscal: Aspectos Institucionais e a experiência recente 85/91. Campinas, Unicamp, 1993. (Dissertação, Mestrado, Economia/Finanças públicas).

GUEDES, Odilon. As distorções na Execução Orçamentária no Município de São Paulo 1993-1996. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 1998. (Dissertação, Mestrado, Economia Política).

HANEKE, Uwe. A Inflação Brasileira e a Teoria dos Jogos. Revista de Economia Política, São Paulo, v.15, n.4 (60), p. 84-98, out-dez/1995.

HORN, Murray J. Political Economy of Public Administration: Institutional Choice in the Public Sector. Series: Political Economy of Institutions and Decisions. Cambridge University Press, [1995] 2002.

HOWARD, S. Kenneth, Planning and Budgeting: Who’s on first? in: HYDE, Albert C. Goverment Budgeting. California, Brooks/Cole Publishing Company, 1991, cap. 4, p.349-357.

INSTITUTO Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Relatório Nacional Saeb 2003 / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília: O Instituto, 2006.

Referências Bibliográficas

289

JONES, Charles Irving. Introdução à teoria do crescimento econômico. Trad. de Maria José Cyhlar Monteiro, Rio de Janeiro: Campus, 2000.

KERBAUY, Maria Teresa M. As câmaras municipais brasileiras: perfil de carreira e percepção sobre o processo decisório local. Opinião Pública, Campinas, v.XI, no. 2, out. 2005. (pp 337-365).

KOMESAR, N. K. In search of a general approach to legal analysis: A comparative institutional alternative. Michigan Law Review, v. 79, n. 1350, 1981.

_______. Taking institutional seriously: Introduction to a strategy for constitutional analysis. University of Chicago Law Review, 51, pp. 366-446, 1984.

KRUEGER, Anne. The political economy of rent-seeking society. American Economic Review, nº 64, pp. 291-303, 1974.

LANDAU, Martin. Redudancy, Racionality, and the Problem of Duplication and Overlap. Public Administration Review, p.346-358, Jul-Ago/ 1969.

LANGONI, Carlos Geraldo. Distribuição de Renda e desenvolvimento econômico do Brasil. 3ª. ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.

LEI de diretrizes e bases da educação nacional: Lei no. 9.394, de 20.12.1996 (lei Darcy Ribeiro) – Plano Nacional de Educação: Lei no. 10.172, de 10 de janeiro de 2001 e legislação correlata e complementar/supervisão editorial Jair Lot Vieira/2ª. ed., Bauru, SPÇ EDIPRO, 2001.

LONGO, Carlos A. Estado Brasileiro. Diagnósticos e Alternativas. São Paulo, Atlas, 1990.

_______. O Processo Orçamentário: tendências e perspectivas. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 14, n. 2 (5), p. 40-52, abr –jun/1994.

MACHADO Jr., J. Teixeira e COSTA REIS, Heraldo. A Lei 4320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal, Rio de Janeiro: IBAM, 2002/2003, 31ª. Ed.

MACHADO Jr., José Teixeira de. “Evolução Histórica do Orçamento” in JAMESON, Samuel H., Textos Selecionados de Administração Pública: Orçamento e Administração Financeira. Rio de Janeiro, FGV editora, 1963, v. 2, p.51-54.

Referências Bibliográficas

290

MAILLARD, Didier. L’impossible Équation Budgétaire, Chroniques Economiques, Paris, n.4, p.150-156, Abr/1996.

MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova, 1932. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm. Acesso em: 19 nov. 2006.

MARINO Jr., João. A Estrutura dos Gastos Públicos do Estado de São Paulo. São Paulo, FGV/Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 1991 (Dissertação, Mestrado, Finanças Públicas)

MARTINS, Angela Maria. A municipalização do ensino: algumas questões sobre o poder local. Revista da organização dos Estados Ibero Americanos, Espanha, v. 33, n. 2, 2004.

MARTINS, Luciano. Estado Capitalista e Burocracia no Brasil/ pós 64. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1985.

MAZZUCCHELLI, Frederico M. “A Constituinte Estadual e o Orçamento” in A Nova Constituição Paulista: Perspectivas, São Paulo, Fundação Prefeito Faria Lima – CEPAM, Fundação do Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP, 1989, p.81-88.

MELCHIOR, José Carlos de Araújo. Mudanças do Financiamento da Educação no Brasil. Autores Associados, Campinas, 1997. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v. 57).

MENDES, Marcos J. Descentralização da educação fundamental: avaliação de resultados do FUNDEF. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 2001. Disponível em: <http://www.undime.org.br/htdocs/download.php?form=.pdf&id=61 >. Acesso em: 19 mar. 2007.

_______. Análise das irregularidades na administração municipal do FUNDEF: Constatações do programa de fiscalização a partir de sorteios públicos da Controladoria-Geral da União. São Paulo, Transparência Brasil, dez. 2004.

MENDES, Marcos J.; ROCHA, C. Alexandre A. O que reelege um prefeito? Consultoria Legislativa do Senado Federal. Textos para Discussão 7. Brasília: abril, 2004.

MENEZES FILHO, Naércio.A.; PAZELLO, E. Does Money in Schools Matter? Evaluating the Effects of FUNDEF on Wages and Test Scores in Brazil. Seminários EPGE/FGV, 2004.

Referências Bibliográficas

291

MENEZES FILHO, Naércio A. Os Determinantes do Desempenho Escolar no Brasil. Quais as políticas educacionais que realmente funcionam? IFB, IBMEC São Paulo e USP. São Paulo. Agosto, 2006.

________. A evolução da educação no Brasil e seu impacto no mercado de trabalho. Rio de Janeiro: Instituto Futuro Brasil, p. 28, 2001.

MENEZES, Raul Miranda. Processo de gasto e descentralização na política educacional brasileira. Em Aberto, Brasília, DF, v. 18, n. 74, p. 58-71, dez. 2001.

MILGROM, P. R. e ROBERTS, J. Economics, Organizations and Management. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice Hall, 1992.

MILLER, Gary. Managerial dilemmas: the political economy of hierarchy. Canada: Cambridge University Press, 1992.

MINISTÉRIO da Educação (MEC). A Educação do Brasil na Década de 90. Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 2003 a.

________. Qualidade da Educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 4ª série do Ensino Fundamental. Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), abr. 2003 b.

________. FUNDEF – Relatório sintético 1998 – 2002. Brasília. 2003c.

________. Relatório Técnico do SAEB 2003. Brasília, 2003d.

________. Qualidade da Educação: Uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental. Brasília, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), dezembro de 2003e.

________. FUNDEF – Relatório sintético 1999 – 2003. Brasília. 2004.

________. Relatório de Atividades. Brasília, FNDE/MEC (2004-2005), 2005.

________. Relatório de Gestão. Brasília, Secretaria de Educação Básica/MEC (1998-2006), dez. 2006.

Referências Bibliográficas

292

MINISTÉRIO da Educação (MEC); UNICEF. Aprova Brasil: O Direito de Aprender Boas práticas em escolas públicas avaliadas pela Prova Brasil, Brasília, MEC, 2006.

MIRANDA, Ricardo N. de; MENDES, Marcos. Municípios em Extrema Pobreza: só Dinheiro não Resolve. Consultoria Legislativa do Senado Federal. Coordenação de Estudos Textos para Discussão 15, Brasília, outubro / 2004.

MOE, Terry M. Political Institutions: The Neglected Side of the Story. In: Journal of Law, Economics & Organization, vol. 6, Special Issue [Papers from the Organization of Political Institutions Conference, April 1990]. 1990, pp. 213-253.

MONLEVADE, J. Ferreira E. O Fundef e seus pecados capitais. Ceilândia (DF): Idéa Editora, 1998

MOOJEN, Guilherme. Conceito Histórico de Orçamento. In JAMESON, Samuel H. Textos Selecionados de Administração Pública: Orçamento e Administração Financeira, Rio de Janeiro, FGV editora, 1963, v. 2, p.55-71.

MORLEY, Samuel A. & FISHLOW, Albert. “Deficits, Debt and Destabilization” in Journal of Development Economics, North-Holand, n. 27, p.227-244, 1987.

MUSGRAVE, Richard A. Teoria das Finanças Públicas. São Paulo: Atlas, 1974.

NORTH, Douglass C. Institutions and a transaction cost theory of exchange. St. Louis: Washington. University Political Economy Working Paper no. 130, 1988.

________. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press, 1990.

NOVICK, David. What Program Budgeting is and is not. In: HYDE, Albert C. Goverment Budgeting, California, Brooks/Cole Publishing Company, 1991, cap. 4, p. 342-348.

NUNES, Selene P. A Reforma do Processo Orçamentário sob a Égide da LRF: a urgência de uma nova lei de finanças públicas. Brasília: ESAF, 2006. 54p. Monografia premiada em 3º lugar no XI Prêmio Tesouro Nacional – 2006, Lei de Responsabilidade Fiscal, Brasília (DF).

O'CONNOR, James. USA: A Crise do Estado Capitalista. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977.

Referências Bibliográficas

293

OLIVEIRA, Romualdo Portela. O direito à educação na Constituição Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de justiça. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: ANPEd, mai-ago, p. 61-74, 1999.

OLSON, Mancur. A Lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999.

________. The Logic of Collective Action. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965.

PACHECO, Eliezer; ARAÚJO, Carlos Henrique. Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a Escola Pública na opinião dos pais. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), maio de 2005.

PARA onde caminha a educação no Brasil? - Entrevista de Carlos Gimenes com o filósofo Mário Sérgio Cortella. Disponível em: http://www.revistavortice.hpg.ig.com.br/ecortella.htm. Acessado em 19 março de 2007.

PARAGUASSÚ, Lisandra. Novo índice será usado para avaliar desempenho. Folha de São Paulo, São Paulo, 09 fev. 2007. p. A16.

PATINKIN, Don. Israel’s Stabilization program of 1985, or Some Simple Truths of Monetary Theory. Journal of Economics Perspectives, v. 7, n. 2, p. 103-128, Spring 1993.

PERES, Ursula Dias. A influência da inflação no processo orçamentário brasileiro. Estudo de caso: Execução Orçamentária do Estado de São Paulo de 1991 a 1997. Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) - Fundação Getúlio Vargas. Dissertação de Mestrado, 1999.

PILETTI, N & PILETTI, C. História da Educação. 7 ed. São Paulo, Editora Ática, 2002.

PINHEIRO, Vinícius C. Inflação, poder e processo orçamentário no Brasil – 1988 a 1993. Revista do Serviço Público, Brasília, Ano 47, v. 120, n. 1, p. 141-165, jan-abr/1996.

PINTO, José M. R. Os recursos para a educação no Brasil no contexto das finanças públicas. Brasília : Ed. Plano, 2000. 181 p.

Referências Bibliográficas

294

PISCITELLI, Roberto B. O processo de elaboração e execução orçamentária no Brasil: algumas de suas peculiaridades. Revista de Economia Política, São Paulo, v.8, n.3, p. 88-100, jul-set/1988.

POGGI, Gianfranco. A Evolução do Estado Moderno. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1991.

PRADO, Sérgio. Transferências fiscais e financiamento municipal no Brasil. São Paulo : EBAP/ K. Adenauer ( trabalho elaborado para o projeto “Descentralização fiscal e cooperação financeira intergovernamental” sob a coordenação do Prof. Fernando A. Resende), 2001 (mimeo).

PREFEITURA da Cidade de São Paulo. Plano Plurianual PPA 2006 – 2009.

PRZEWORSKI, Adam. Estado e Economia no Capitalismo, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995, trad. por Argelina Cheibub Figueiredo e Pedro Paulo Zahluth Bastos.

REIS, Heraldo da Costa, MACHADO Jr., José Teixeira. A Lei 4320 Comentada. Rio de Janeiro, IBAM, 28 ed. rev. Atual., 1997.

REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando da (coordenadores). Disciplina Fiscal e Qualidade do Gasto Público: fundamentos da reforma orçamentária, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

REZENDE, Fernando. Avaliação do setor público na economia brasileira: estrutura funcional da despesa, 2. ed., Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1974.

_______. Finanças Públicas. São Paulo: Atlas, 2001. 2ª. ed.

REZENDE, Flávio da Cunha. Descentralização, Gastos Públicos e Preferências Alocativas dos Governos Locais no Brasil: (1980-1994). Dados., Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997.

RIBEIRO, J. A. C. Financiamento e gasto do Ministério da Educação nos anos 90. Em Aberto, Brasília, v. 18, n. 74, dezembro de 2001. p. 33-42.

RIBEIRO, Renato Jorge Brown. Possibilidades de Transformações no Sistema de Planejamento e Orçamento no Brasil. Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Panamá, 28-31 Oct. 2003.

Referências Bibliográficas

295

ROCHA, Selma. Fundos públicos e sistemas de ensino na Cidade de São Paulo. São Paulo, Instituto Pólis / PUC-SP, 2003. 56p. (Observatório dos Direitos do Cidadão: acompanhamento e análise das políticas públicas da cidade de São Paulo, 13)

RODRIGUEZ, Vicente. Financiamento da educação e políticas públicas: o Fundef e a política de descentralização. Cadernos CEDES., Campinas, v. 21, n. 55, 2001.

RUBIN, Irene S. Budget Theory and Budget Practice: How good the fit? In: HYDE, Albert C. Goverment Budgeting, California, Brooks/Cole Publishing Company, 1991, cap. 1, p. 81-94.

SACHS, Jeffrey & TANZI, V. A Inflação Brasileira e o “Plano Real”. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 15, n. 2 (58), p. 26-49, abr-jun/1995.

SAMPAIO, Sergio B. de A. O olhar governamental sobre os conselhos de políticas públicas: o caso do conselho municipal de saúde de São Paulo no período de 2001 a 2004. São Paulo, Fev. 2006, EAESP/FGV – Dissetação de mestrado.

SANCHES, Osvaldo M. Processo Orçamentário Federal: problemas, causas e indicativos de solução. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.29, n.3, p. 122-156, jul-set/1995.

SANT’ANNA e SILVA, Sebastião de. Enumeração dos Princípios Orçamentários. In: JAMESON, Samuel H. Textos Selecionados de Administração Pública: Orçamento e Administração Financeira. Rio de Janeiro, FGV editora, 1963, v. 2, p.115-146.

SANTANA, Edvaldo Alves de. “Economia dos custos de transação, direito de propriedade e a conduta das empresas no setor elétrico brasileiro”. Artigo apresentado no. XXXIV Encontro Nacional de Economia (Encontro da ANPEC), 5 a 18 de dezembro de 2006.

SÃO PAULO (Estado) Constituição do Estado de São Paulo, Imprensa Oficial do Estado – Imesp, 1989

SÃO PAULO (Estado) Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Economia e Planejamento, Coordenadoria de Programação Orçamentária, O Sistema Orçamentário do Estado de São Paulo – 1998, São Paulo, 1998.

SCHICK, Alan. Incrementtal Budgeting in a Decremental Age. In: HYDE, Albert C. Goverment Budgeting, California, Brooks/Cole Publishing Company, 1991, cap. 5, p. 410-425.

Referências Bibliográficas

296

SCHMITTER, Philippe C. Interest Conflict and Political Change in Brazil. California, Stanford University Press, 1971.

SCHWARTZMAN, Simon. Educação: A Nova Geração de Reformas. In GIAMBIAGI Fábio; REIS, José Guilherme; URANI, André (orgs). Reformas no Brasil: Balanço e Agenda, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2004, pp. 481-504.

SEMEGHINI, Ulysses cidade. Fundef : corrigindo distorções históricas. Em aberto, Brasília: v. 18, n. 74, dez.2001, p. 43-57.

SERRA, José. “As vicissitudes do orçamento” in Revista de Economia Política, São Paulo, v. 13, n. 4 (52), p. 143-149, out-dez/1993.

________. Orçamento no Brasil: as origens da crise. São Paulo, Atual Editora, 1994.

SILVA, José Afonso da. Orçamento-Programa no Brasil. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1973.

SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves da. A economia política da corrupção no Brasil. São Paulo: Editora Senac SP, 2002.

________. Corrupção e Produção de Bens Públicos. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

SILVA, Maria do Pilar L. A. 2º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília, UNDIME, Maio de 2006.

SOUZA, R. B. Clientelismo e Voto na Califórnia Fluminense. XXVIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 2004. Cd-rom.

STIGLITZ, Joseph E. Economics of the Public Sector. Nova Iorque, 2ª ed., W. W. Norton & Company, 1988.

TABELLINI, Guido, ALESINA, Alberto. Voting on The Budget Deficit. American Economic Review, v.80, n. 1, p. 37-52, Mar., 1990.

TATAGIBA, Luciana. A institucionalização da participação: os conselhos municipais de políticas públicas na cidade de São Paulo. In: A participação em São Paulo. AVRITZER, Leonardo (org.). São Paulo: Editora Unesp, 2004.

Referências Bibliográficas

297

________. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, Evelina (org). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. pp. 47-103, 2002.

TULLOCK, Gordon. The Welfare Costs of Tariffs, Monopolies and Theft. Western Economics Journal, Oxford, (volume 5), 1967, (pp. 224-230).

UNIÃO Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Experiências Municipais Transformando a Escola. 2º Fórum Nacional Extraordinário dos Dirigentes Municipais de Educação. Brasília, 2006.

VASCONCELLOS, Lígia. “Economia da Educação” in: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

VIGNOLI, Francisco Humberto (coord.) et al. A Lei de Responsabilidade Fiscal comentada para municípios. São Paulo, FGV/EAESP, 2002.

VIGNOLI, Francisco Humberto. “Legislação e execução orçamentária” in: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

WAISELFISZ, Julio J.; SILVA, Raimundo N. P. Dirigentes Municipais de Educação: um perfil. UNESCO, UNDIME, Fundação Ford, Brasília, 2000.

WALDMAN, Amy. “Reading, Writing, Resurrection” in State of the Union the Innovators. The Atlantic p 88-103. January/February 2007.

WILDAVSKY, Aaron. The Politics in Budget Reform. In: HYDE, Albert C. Goverment Budgeting, California, Brooks/Cole Publishing Company, 1991, cap. 5, p. 426-440.

WILLIAMSON, Oliver E. Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives. Administrative Science Quarterly, v. 36, pp. 269-96, Jun. 1991.

_______. Markets and hierarchies. New York: Free Press, 1975.

________. Strategizing, Economizing, and Economic Organization. In: RUMELT, R.; SCHENDEL, D.; TEECE, D. Fundamental Issues in Strategy. Harvard Business School Press, 1994.

Referências Bibliográficas

298

________. The economic institutions of capitalism. London: Free Press, 1985.

WILLIAMSON, Oliver E.; OUCHI, W. G. The markets and hierarchies perspective: Origins, implications, prospects. In: VAN DE VEN, A.; JOYCE, W. F. Assessing organization design and performance. New York: Wiley, 1981.

WILSON, J. Q. Bureaucracy: What Government Agencies Do and Why They Do It. New York: Basic Books, 1989.