Ushuaia, a cidade do fim do mundo

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Ushuaia, a cidade do fim do mundo A cidade do fim do mundo fica numa ilha do sul da argentina, no extremo da Terra do Fogo, na fronteira com o Chile a mil km da Antártida e a 3.200 km ao sul de Buenos Aires. Quase polar, ela está cercada pelos Andes, que lá desabam no oceano, formando fiordes como os da Noruega, picos de neves eternas como nos Alpes, glaciares, icebergs e ilhas habitadas por multidões de gaivotas, leões-marinhos e pinguins. Essa cidade, onde fica o Farol do Fim do Mundo, que inspirou o romance de Júlio Verne, chama-se Ushuaia e hoje tem um dos mais impressionantes complexos de esqui do mundo, que rivaliza com Bariloche e Las Leñas, as estações de esqui mais próximas conhecidas pelos brasileiros, e com as pistas de neve fofa do Alasca e do Canadá e as paisagens dos Alpes europeus. A diferença é que em Ushuaia o inverno termina mais tarde, fornecendo neve para esquiar até o mês de outubro por causa

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cidade argentina que fica mais ao sul do continente sul-americano, Ushuaia fica muito perto do Pólo Sul e é possível visitar de barco ilhas onde vivem pinguins, leões-marinhos, ver geleiras deslizando, o espetáculo é indescritível, fora as pistas de esqui, para quem gosta.

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Ushuaia, a cidade do fim do mundo

A cidade do fim do mundo fica numa ilha do sul da argentina, no extremo da Terra do Fogo, na fronteira com o Chile a mil km da Antártida e a 3.200 km ao sul de Buenos Aires. Quase polar, ela está cercada pelos Andes, que lá desabam no oceano, formando fiordes como os da Noruega, picos de neves eternas como nos Alpes, glaciares, icebergs e ilhas habitadas por multidões de gaivotas, leões-marinhos e pinguins. Essa cidade, onde fica o Farol do Fim do Mundo, que inspirou o romance de Júlio Verne, chama-se Ushuaia e hoje tem um dos mais impressionantes complexos de esqui do mundo, que rivaliza com Bariloche e Las Leñas, as estações de esqui mais próximas conhecidas pelos brasileiros, e com as pistas de neve fofa do Alasca e do Canadá e as paisagens dos Alpes europeus. A diferença é que em Ushuaia o inverno termina mais tarde, fornecendo neve para esquiar até o mês de outubro por causa da proximidade do Pólo Sul. E a vantagem é que a cidade agora está em baixa estação, com preços até 40% mais baixos que no auge do inverno, quando argentinos e estrangeiros lotam os hotéis, as estações de esqui e os cafés e night clubs da cidade. As temperaturas agora oscilam entre 1 grau negativo e 3 graus positivos (no inverno, no auge da temporada de esqui, podem chegar a 20 graus negativos, com sensação térmica de 30 graus negativos, por causa dos fortes ventos). Outra diferença com os demais complexos de esqui é a altitude, pois Ushuaia, cidade portuária no meio de Canal Beagle, entre o Atlântico e o Pacífico, fica praticamente ao nível do mar, embora cercada de montanhas que chegam

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abruptamente a 2 mil metros e têm neves eternas. Para chegar à neve que ainda cobre quase totalmente as montanhas, não é preciso muito mais que caminhar alguns metros fora da estrada, em direção aos vales e glaciares onde estão as estações de esqui. A mais impressionante, Cerro Castor, fica a 26 quilômetros da cidade. De seu topo, onde é conduzido por teleférico a mil metros de altura, o esquiador pode escolher 15 pistas com diferentes níveis de dificuldade. Um lugar ideal para praticar snowboard, pois a neve que recobre o gelo e as rochas é muito fofa. Existem mais seis estações de esqui nas vizinhanças da cidade e três na área ocupada pelo município. Uma das atrações dessas pistas são os trenós puxados por cachorros, tema de concorridas corridas A paisagem é sempre fantástica, com a grande Cordilheira dos Andes finalmente desabando no mar num movimento abrupto de 90 graus na direção leste (Ushuaia é a única cidade transandina da Argentina, pois todas as outras situam-se à direita dos Andes e essa fica à esquerda, depois deles). São os cumes dessas montanhas que formam os estreitos golfos e canais marítimos (fiordes) onde se refugiaram belas e diversificadas formas de vida, como os bosques entre montanhas que no inverno estão cobertos de neve e, de repente, na primavera, a partir de outubro, revestem-se de flores de rara beleza exclusiva, só encontráveis nessa região do mundo muito pouco percorrida pelo homem. Por causa das nevascas e do clima inóspito, que afastou os predadores humanos, a região abriga os únicos e últimos bosques antárticos do planeta, testemunhos de um mundo que esfriou, onde vivem animais como o guanaco, um tipo de lhama pequeno, e o zorro patagônico (um tipo de raposa).

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Lá existem árvores como o calafate, de porte arbustivo, que agora começa a produzir suas belas flores amarelas, seguidas por deliciosas frutas azuis, colhidas em fevereiro. Outra árvore típica é a lenga, que forneceu a madeira com que os índios faziam suas fogueiras de 10 mil anos para cá, e que o homem branco quase extinguiu em pouco mais de cem anos, desde que começaram a chegar militares da Marinha (por causa da importância estratégica do local para a navegação entre o Atlântico e o Pacífico) e foi construído o presídio cujas condições inóspitas num inferno de gelo apavoraram os criminosos argentinos do começo do século. Além das estações de esqui, Ushuaia tem muitas outras atrações, como o passeio do Trem do Fim do Mundo, que aproveita uma ferrovia construída pelos presidiários para trazer lenha dos bosques gelados. São belíssimas as paisagens de vales, rios de glaciares através dos quais se derrete o gelo de geleiras formadas há mais de 10 mil anos, e montanhas de neves eternas. Adaptado ao turismo, o trem que atravessa os vales e os picos do fim do mundo é agora calafetado e faz algumas paradas, inclusive na estação, onde existe um hospitaleiro café e um pequeno museu ferroviário. Esses bosques de clima frio, agora transformados no Parque Nacional da Terra do Fogo, crescem muito lentamente e ainda não conseguiram se recompor dos cortes de árvores feitos pelos presidiários há quase um século. As árvores só brotam durante alguns meses por ano, do final de outubro ao final de maio, quando as temperaturas são mais amenas. Mesmo secas, elas fornecem alimento, pois nas cascas dessas árvores cresce um musgo que produz vistosas bolotas verdes parecidas com frutos e outrora muito apreciadas pelos

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índios fueguinos, o que valeu a esses cogumelos o nome de pão-de-índio. São também imperdíveis os passeios de carro seguidos de caminhadas pelas montanhas. Uma dica é o Lago Escondido, a cerca de 15 quilômetros da cidade. Esse lago está sendo totalmente coberto por turfa, um aglomerado de musgos que ali se acumula há milhares de anos e pode ser explorado comercialmente como substrato para orquídeas. Não é à toa que lá, no verão, podem ser encontradas várias orquídeas em forma de chinelinho brotando dos campos encharcados do lago, que parecem esponjas e dificultam ou até mesmo impedem a caminhada como as armadilhas de areia movediça. O porto de Ushuaia também é o ponto de partida para emocionantes aventuras a bordo de veleiros, barcos maiores ou catamarãs panorâmicos com calefação, que percorrem as ilhas, baías e enseadas do fim do mundo e chegam até os últimos refúgios da vida, antes da Antártida, mais ao sul, onde em muitos lugares os ventos são tão fortes e as temperaturas, tão baixas, que a própria vida se torna inviável. Partindo do porto de Ushuaia, considerada a porta de entrada da Antártida, podem ser agendados passeios de barco que duram de algumas horas a vários dias, descortinando o continente antártico. Um mundo que começa pelo arquipélago da Terra do Fogo e pelo rendilhado de ilhas nas costas chilenas, em que fiordes e geleiras se esgueiram entre montanhas e grandes blocos de gelo vão se soltando no mar com estrondo. O passeio nos catamarãs que saem pela manhã e à tarde do porto de Ushuaia leva até um labirinto de ilhas entre o Atlântico e o Pacífico, navegando um pouco acima do Cabo

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Horn, pelo Canal Beagle, que homenageia o navio no qual viajou o cientista inglês Charles Darwin, o autor da teoria da evolução. Naquele mar frio e inóspito, sujeito a repentinas rajadas de vento gelado, é emocionante ver como a vida se refugiou nas ilhas formadas pelos cumes das montanhas andinas. Algumas são habitadas só por leões-marinhos, que podem ser vistos bem de perto em seu hábitat natural, onde alguns machos imensamente gordos se refestelam nas pedras, cercados por haréns de fêmeas muito menores. Outras pequenas ilhas são habitadas por aves típicas da região, como os cormorones, um tipo de gaivota, que lá fazem seus ninhos. Navegando entre as ilhas subantárticas também podem se ver dezenas de espécies de baleias que vivem ou passam pela região nas suas migrações. Imagens inesquecíveis de um mundo de fronteira, onde a vida se adaptou a condições inóspitas.

Cidade tornou-se um agitado centro turístico

O centro de Ushuaia também é uma atração à parte para os passeios, pois tem uma rua comercial movimentada, a Av. Simon Bolívar, equipada com lojas, cafés, restaurantes e confeitarias muito animados. Até os anos 60 e 70, Ushuaia era um vilarejo pacato e desconhecido, com pouco mais de 10 mil habitantes quando começou a ser descoberta pelo turismo e passou a receber incentivos do governo argentino, que atraiu para lá indústrias como a da Coca-Cola, que lá é feita com água derretida do gelo milenar dos glaciares. Hoje

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a cidade do fim do mundo tem pouco mais de 60 mil habitantes, o que lhe confere uma vida agitada, com muitas opções de hotéis, pousadas, lojas, cafés, restaurantes e rotisseries. Vale a pena experimentar o carneiro assado à moda fueguina (ele é esticado ao lado do fogo e não sobre ele, como se costuma fazer por aqui) e os peixes e frutos do mar, como a merluza-negra e a centolla (um caranguejo gigante). O consumo de crustáceos e frutos do mar da região exige cuidados, pois ocorrem marés tóxicas causadas por algas – as famosas e mortais “marés vermelhas”. Também vale a pena visitar os museus da cidade, principalmente o Museu Marítimo, que ocupa o prédio do Presídio de Ushuaia construído no final do século passado e desativado entre 1947 e 1950, quando de lá saíram os últimos prisioneiros condenados a trabalhos forçados. O visitante pode percorrer dois dos cinco longos corredores cercados de celas que se irradiam em dois andares a partir do prédio principal. As pequenas celas, de luzes apagadas que só se acendem quando o visitante entra, guardam surpresas: bonecos de cera mostrando os antigos prisioneiros, vigiados por outros bonecos que fazem as vezes de guardas nos estreitos corredores. Algumas celas exibem biografias de prisioneiros famosos, de assaltantes reincidentes, de assassinos e presos políticos como anarquistas do começo do século. Uma ala do presídio, ocupada pelo Museu Marítimo, exibe miniaturas de navios famosos que passaram por aquela região e lembram importantes exploradores do passado, mostrando como eram e como viviam os índios que primeiro habitaram Ushuaia e a epopéia dos colonizadores brancos. O museu também tem

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coleções de animais empalhados e objetos de uso cotidiano dos índios e dos primeiros exploradores. Outras coleções imperdíveis são a do Museu do Fim do Mundo, perto do porto – com animais da região empalhados (alguns quase extintos, como o pingüim-rei, que chega quase à altura de uma pessoa) e objetos dos colonizadores, como proas de navios esculpidas em forma de mulher – e a do Museu de Maquetes, algumas quadras adiante - que reproduz cenas do passado e mergulha na vida dos nativos fueguinos. Ushuaia também é sede de instituições científicas como o Cedic, que estuda as plantas e animais marinhos da região e faz medições do rombo provocado na camada de ozônio por gases poluentes emitidos pelos países industrializados. Esse buraco na fina camada de ozônio que reveste o planeta e protege os seres vivos dos raios ultra-violeta, está aumentando – tem atualmente mais de 11 milhões de quilômetros – e fica justamente sobre a Antártida, estendendo-se pela Terra do Fogo e Patagônia até o Sul do Brasil. É importante usar protetor solar nessa região, mas não têm sido registrados índices anormais de câncer de pele na área (provavelmente pelo fato de as pessoas andarem mais vestidas por causa do frio). Incidências maiores de câncer de pele por causa do buraco na camada de ozônio têm sido relatadas em praias, inclusive do sul do Brasil. Ozone é justamente o nome de um dos mais animados night clubs da cidade, que fica no começo da Av. Simon Bolívar, perto do porto. Turistas e ushuaianos se preparam para curtir a noite: eles prolongam a siesta que normalmente vai da hora do almoço até as 4 ou 5 da tarde, quando todas as lojas ficam fechadas, e avançam o sono pela noite. Dá para levantar, servir-se de um brunch, tomar banho e, graças aos

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sistemas de calefação das casas e hotéis, esquecendo de que a sensação térmica lá fora é de menos 10 graus quando está ventando nesta época do ano. E ainda sobra tempo para uma boa produção, pois as pessoas começam a chegar depois da 1h da madrugada. É lá que as gatas e gatos argentinos encontram seus equivalentes do mundo todo, de norte-americanos a espanhóis e japoneses, saltitando ritmos technos.

Os homens do fogo do fim do mundo

Remonta ao passado remoto a história dos bosques que resistem ao gelo e das inumeráveis formas de vida da região de Ushuaia e da Terra do Fogo andina, que incluem algas com folhas de até dois quilômetros e muitos peixes, mamíferos e aves marinhas. Há mais de 200 milhões de anos, quando o Brasil ficava mais próximo da linha do equador e ainda estava unido à África, a Antártida era bem mais quente e fazia parte da Gondwana, a parte sul do supercontinente da Pangéia, o único bloco de terras emerso no começo da história do planeta. Lá existiram grandes florestas, que, depois do esfriamento, viraram fósseis, minérios e petróleo. O emblemático pinheiro-do-paraná, que formava florestas no sul do Brasil e hoje está praticamente extinto na natureza por causa do diminuto número de exemplares, replantados em geral na beira das estradas “para inglês ver”, está entre esses fósseis encontrados na Antártida. O pinheiro-do-paraná resistiu à separação dos continentes, ao esfriamento da Antártida e do sul do continente americano, aos terremotos e vulcões provocados pelo

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surgimento da Cordilheira dos Andes (há 120 milhões de anos, a mais recente do planeta), que ele próprio começou a colonizar pelos vales, chegando até o sul do Brasil. Só não conseguiu resistir ao homem. Mas a história da ocupação humana na Terra do Fogo, que tem sua capital em Ushuaia, a última cidade do fim mundo, antes da Antártida, remonta há 12.600 anos, quando a região começou a ser ocupada pelos índios fueguinos (assim batizados por fazerem fogueiras permanentes no inverno ou talvez por terem feito várias fogueiras de aviso quando avistaram as caravelas dos primeiros navegadores europeus, na expedição de Fernão de Magalhães, em 1520). Ainda não se sabe se esses primeiros homens da Terra do Fogo seriam descendentes de migrantes da Ásia que teriam chegado à América do Norte há pelo menos 40 mil anos, pelo Estreito de Behring, ou se descenderiam de populações da Austrália e Oceania, vindas por mar, em épocas talvez posteriores. Em praias perto de Ushuaia existem sambaquis (concheros) de mais de 6 mil anos, atestando a presença humana no local por imensos aglomerados de conchas e ossos de animais como leões-marinhos e pingüins, que serviam de alimento para povos que já construíam objetos de pedra. O estudo desses sambaquis também fornece valiosas informações sobre como era o clima no planeta há 6 mil anos. Ao que tudo indica, aquela região já era fria quando o homem chegou, mas foi quente em outras eras do planeta, quando os dinossauros ainda não tinham sido extintos. Os gelados bosques subantárticos forneram madeira e alimentos em abundância para os índios, que se autodenominavam Yamana e dividiam-se em quatro tribos nômades. Duas delas viviam nas partes leste e sul da ilha e

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eram chamadas pelos espanhóis de “homens a pé”, pois dedicavam-se à caça de lhamas patagônicas (guanacos), roedores e raposas, em terra firme: os ona (na região de Rio Grande) e os haush (a leste de Ushuaia). As duas outras tribos eram chamadas de “homens de canoa” e compunham-se basicamente de pescadores que se distribuíam da região de Ushuaia até o recortado litoral do Chile: eram os yahganes (região de Ushuaia e litoral sul do Chile) e os alacaluf (litoral chileno). A indumentária era parecida: protegiam-se do frio vestindo mantas de peles de animais e andavam nus quando o clima permitia. Quando os navegadores europeus avistaram os fueguinos, ninguém se interessou por colonizar suas frias terras e eles foram deixados em paz. Mas foi por causa dos fueguinos que o arquipélago que forma a parte meridional da América do Sul passou a ser chamado de Terra do Fogo. Acabou dividido entre o Chile (Província de Magalhães) e a Argentina (Terra do Fogo, ao sul da Patagônia). Ushuaia, a capital da província argentina, é uma palavra yamana e quer dizer, apropriadamente: “baía que mergulha no poente”, “baía onde o sol se põe”. O clima frio conseguiu impedir a colonização até o século 19, mas mesmo assim os nômades fueguinos se ressentiram da presença dos brancos, que para lá passaram a mandar crescentes levas de navios caçadores de baleias e lobos-marinhos, principalmente a partir do final do século 18, diminuindo sua oferta de alimento. Expedições científicas também visitaram a região, como a do capitão Fitz Roy, a bordo do Beagle, que descobriu o canal que leva o nome de seu navio.

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O fato é que a população de fueguinos era estimada em cerca de 10 mil homens quando chegaram os primeiros europeus e estava reduzida a pouco mais de 350 pessoas no começo deste século, números que têm diminuído a cada ano e referem-se a índios aculturados, que vivem como caseiros em estâncias rurais espalhadas pelo sul da Argentina e do Chile. Embora não tenha havido um confronto direto com os yamana pela posse do território, o desequilíbrio na competição por alimentos e as doenças transmitidas pelos homens brancos foram fatais, pois o sarampo e a gripe provocavam epidemias mortais entre as tribos. Em 1977, a pesquisadora Natalie Goodall, que vive em Ushuaia e escreveu o melhor livro sobre a geografia e a história da Terra do Fogo, fez um levantamento dos últimos sobreviventes fueguinos, com nome e endereço de 18 descedentes de onas e haush e 14 yahgans e alacalufes. “Tratamos de cuidar para que espécies vegetais e animais não desapareçam, mas ninguém conseguirá salvar essas tribos da extinção porque elas já estão extintas na medida em que sua cultura praticamente desapareceu”, diz a pesquisadora. Ela lamenta que a cultura fueguina tenha se extinguido, com sua ciência e sua arte, sem ter sido devidamente estudada e ressalta o trabalho dos últimos pesquisadores que estudam essas tribos. Mas adverte: “Há muitos livros escritos sobre nossos índios por pessoas que nunca visitaram a Terra do Fogo. Há duas maneiras de saber se um livro é correto: se fala de caciques entre os fueguinos ou se fala de deuses e religião organizada não é correto porque eles careciam de ambos.”

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Os fueguinos dividiam tudo o que possuíam e tinham vida sexual livre, que escandalizava os primeiros missionários. A história de Ushuaia começa a esboçar-se justamente em 1869, com a chegada do missionário anglicano Stirling, cuja tarefa de evangelizar os aborígenes foi prosseguida anos mais tarde pelo reverendo Thomas Bridges. Foi o golpe de misericórdia nos índios, pois além de privá-los de alimentos os brancos passaram a contaminá-los com suas doenças por causa da maior proximidade. Alguns índios levados para a Europa foram trazidos de volta porque lá ficaram doentes. Em 1882, o governo argentino decidiu construir uma colônia penal na extremidade sul do país para garantir a soberania sobre a área inóspita e remota. A Marinha estabeleceu um posto na região em 1884, fazendo surgir oficialmente a cidade, na época um pequeno vilarejo. Nesse mesmo ano foi instalado o presídio, numa ilha vizinha, que depois seria transferido para o prédio que atualmente é museu. Foram os presos condenados a trabalhos forçados nessa Sibéria argentina que construíram a cidade. Eles fizeram até uma pequena ferrovia (que hoje é trem turístico, o famoso Trem do Fim do Mundo) para extrair a dura madeira dos bosques. Em 1947, quando o presídio começou a ser desativado e o prédio foi comprado pela Marinha, a cidade tinha 2.182 habitantes. A estagnação continuaria até os anos 70, quando o governo argentino criou leis para atrair indústrias para a região, permitindo um fantástico aumento populacional – hoje a cidade tem cerca de 60 mil habitantes – e um incremento de ofertas de um confortável estilo de vida aos turistas, que se nota na diversificação dos serviços da cidade, capaz de atender bem os visitantes mais exigentes.

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Banho de esqui em Cerro Castor

A temporada de esqui em Cerro Castor, que fica a 26 km de Ushuaia, começou no dia 17 de junho e vai até o dia 15 de outubro. Com temperaturas de menos 5 graus a 0 grau no inverno, a estação tem 5 meios de elevação de última geração (três cadeiras quádruples, uma delas com cúpula, um telesqui de 350 metros e um bambylift de 100 metros) que permitem o acesso ao cume da montanha numa área esquiável de 400 hectares, com 15 pistas de esqui que se estendem por 17 quilômetros. As pistas do alto de Cerro Castor estão a quase mil metros do nível do mar, enquanto as da base da montanha não ultrapassam 200 metros de altura. Uma máquina pisa-pistas Kassbohrer é usada para definição dos trajetos e acerto das pistas. Algumas pistas são fáceis até para iniciantes, mas outras chegam a oferecer perigo de vida para os inexperientes, com perigosas curvas sob abismos de gelo. Roupas para esquiar podem ser alugadas, assim como esquis e pranchas de snowboard que permitem surfar na neve. O Centro de Esqui de Cerro Castor possui também refúgio e restaurante, com capacidade para 350 pessoas, além de escola de esqui e snowboard. Além de Cerro Castor, existem, nas imediações de Ushuaia, outras seis estações de esqui: Altos del Valle, a 19 km, onde se pode praticar esqui de fundo, andar de trenó puxado por cães e visitar o canil de huskies siberianos e do Alasca; Solar del Bosque, a 20 km, ótimo para snowboard e safáris fotográficos com pernoite em cabanas; Valle de los Huskies,

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a 20,5 km (momentaneamente fechado), Tierra Mayor, a 22 km, passeios em snowcats, em trenós puxados por cães, patinação no gelo e esqui de fundo; Las Cotorras, a 26 km, passeios em snowcats ou trenós puxados por cães ou travessias de um dia inteiro; Haruwen, a 35 km, passeios em troikas e trenós puxados por cães, caminhadas sobre raquetes de neve, patinação. Dentro dos limites de Ushuaia existem outras três estações de esqui: Pista de Esqui Alpino Wolfang Wallner, a 3 km do centro, com superfíce esquiável de quase 1 km e inclinação de 30 graus; a Pista de Esqui de Fundo Francisco Jerman, no caminho do Glacial Martial, a 5 km do centro da cidade, com pistas de 2,5 km e 7,5 km e passeios em trenós puxados por cães; e o Centro de Esportes Invernais Glacial Martial, a 7 km do centro de Ushuaia, no fim do caminho que conduz ao glacial, com superfície esquiável de pouco mais de 1 km. De todas, é a de Cerro Castor que figura entre as sete melhores da Argentina, ao lado de Cerro Catedral (a 19 km de Bariloche), Caviahue (uma pequena vila na província de Neuquén, a 357 km de Ciudad Capital), Cerro Bayo (a 9 km de Villa La Angostura), Cerro Chapelco (a 20 km de San Martín de los Andes) e La Hoya (a 15 km de Esquel, na província de Chubut).

O QUE FAZEREstações de esquiExistem refúgios e restaurantes nas três estações na área da cidade e nas sete das imediações. Todas possuem escolas de esqui e alugam roupas. O aluguel de uma roupa térmica fica em US$ 15 por dia, botas térmicas saem a US$ 5,

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equipamento para esqui de fundo, US$ 15, snowboard, US$ 15. Passeios em moto de neve ou em trenós puxados por cães saem a US$ 20. Os passes nos teleféricos saem a uS$ 10 para adultos e US$ 5 para crianças. Caminhadas diurnas e noturnas com guia saem entre US$ 20 e US$ 30 por pessoa.Cerro Castor – A estação de esqui mais famosa de Ushuaia fica aberta das 10h às 16h45, nos meses de junho e julho, até as 17h30 em agosto e até as 18h em setembro e outubro. Oferece aulas para iniciantes, esquiadores que querem se aprimorar e crianças. Cerro Castor S.A., tel. (54) 2901-422244, fax (54) 2901-430680, e-mail [email protected]. Passeios na cidadeMuseu Marítimo e Museu do Presídio de Ushuaia, Rua Yaganes esquina com a Rua Governador Paz, diariamente das 10h às 13h e das 15h às 20h, ingressos a US$ 7 (adultos) e US$ 1 (crianças até 12 anos).Museu do Fim do Mundo, Rua Rivadavia esquina com Av. Maipú, de segunda a sábado, das 15h às 19h, ingressos a US$ 5, estudantes, aposentados e professores pagam US$ 2. Museu de Maquetes Mundo Yamana, Rua Governador Campos, 267, diariamente das 10h às 19h, ingressos a US$ 2. Menores de 12 anos não pagam.Teleférico que sobe o Glacial Martial, diariamente das 10h às 18h, última subida às 17h30, ingressos a US$ 10 (adulto) e US$ 6 (crianças maiores de 6 anos).Passeios de barco pelo Canal Beagle até as Ilhas dos Lobos e dos Pássaros e o Farol Les Eclaireurs podem ser agendados no porto. Custam US$ 35, por duas horas em catamarã (saídas diárias às 15h), US$ 30 em passeio de três horas no Patagônia Adventure (saídas às 9h30 e 15h) e US$ 25 por

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passeio de três horas na Motonave Barracuda (saídas às 14h30). O Trem do Fim do Mundo, que percorre o Parque Nacional da Terra do Fogo, em passeio de três horas a partir da cidade, custa US$ 25 para adultos e US$ 10 para crianças. Os turistas são levados até o trem de ônibus que saem diariamente da esquina das Ruas 25 de Maio e Maipú às 9h15, 11h15 e 14h15.

HISTÓRIA DA TERRA DO FOGO

A história da ocupação humana na Terra do Fogo, que tem sua capital em Ushuaia, a última cidade do fim mundo, antes dos desertos de gelo da Antártida, remonta há 12.600 anos, quando a região começou a ser ocupada pelos índios fueguinos, homens americanos descendentes de migrantes da Ásia que teriam chegado à América do Norte há pelo menos 40 mil anos, pelo Estreito de Behring, ou que teriam vindo por mar, da Austrália e Oceania. Em praias perto de Ushuaia existem sambaquis (concheros) de mais de 6 mil anos, atestando a presença humana no local por imensos aglomerados de conchas e ossos de animais como leões-marinhos e pingüins, que serviam de alimento para povos que já construíam objetos de pedra. Apesar de fria, essa região fornecia madeira e alimentos em abundância para os índios, que se autodenominavam Yamana e dividiam-se em quatro tribos nômades: duas delas eram conhecidas pelos espanhóis como “homens a pé”, pois viviam da caça de lhamas patagônicas (guanacos), roedores e raposas, em terra firme: os ona (que ocupavam quase toda a

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porção leste da Ilha Grande, onde fica a cidade de Rio Grande) e os haush (a tribo mais antiga, que ocupava a ponta sul da ilha, a leste de Ushuaia). Duas outras tribos de nômades canoeiros ocupavam o litoral da Argentina e do Chile, vivendo às margens dos fiordes: os yahganes (cujo território se estendia pelo litoral sul da Ilha Grande, passando por onde atualmente fica Ushuaia, e pelas ilhas ao sul, subindo pelo Chile até o final da Ilha Grande) e os alacaluf (cujo domínio se estendia por todo o multirrecortado litoral sul do Chile). A indumentária era parecida: protegiam-se do frio vestindo mantas de peles de animais e andavam nus quando o clima permitia. Por fazerem fogueiras permanentes no inverno ou talvez por terem feito várias fogueiras de aviso quando avistaram as caravelas dos primeiros navegadores europeus, na expedição de Fernão de Magalhães, em 1520, foram chamados pelos espanhóis de fueguinos. Ninguém se interessou por colonizar essas frias terras do fim do mundo e os fueguinos foram deixados em paz. Por causa dos fueguinos, o arquipélago que forma a parte meridional da América do Sul é chamado de Terra do Fogo e foi dividido entre o Chile (Província de Magalhães) e a Argentina (Terra do Fogo, ao sul da Patagônia). Ushuaia, a capital da província argentina, é uma palavra yamana e quer dizer: “baía que mergulha no poente”. O clima frio conseguiu impedir a colonização até o século 19, mas mesmo assim os nômades fueguinos se ressentiram da presença dos brancos, que para lá passaram a mandar crescentes levas de navios caçadores de baleias e lobos-marinhos, principalmente a partir do final do século 18, diminuindo sua oferta de alimento. Expedições científicas

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também visitaram a região, como a do capitão Fitz Roy, a bordo do Beagle, que descobriu o canal que leva o nome de seu navio. O fato é que a população de fueguinos era estimada em cerca de 10 mil homens quando chegaram os primeiros europeus e estava reduzida a pouco mais de 350 pessoas no começo deste século, número que tem diminuído a cada ano e refere-se a índios aculturados, pois vivem como caseiros em estâncias rurais espalhadas pelo sul da Argentina e do Chile. Embora não tenha havido um confronto direto com os yamana pela posse do território, o desequilíbrio na competição por alimentos e as doenças transmitidas pelos homens brancos foram fatais, pois o sarampo e a gripe provocavam epidemias mortais entre as tribos. Em 1977, a norte-americana Natalie Goodall, que vive em Ushuaia e escreveu o melhor livro sobre a geografia e a história da Terra do Fogo, fez um levantamento dos últimos sobreviventes fueguinos, com nome e endereço de 18 descedentes de onas e haush e 14 yahgans e alacalufes. “Tratamos de cuidar para que espécies vegetais e animais não desapareçam, mas ninguém conseguirá salvar essas tribos da extinção porque elas já estão extintas na medida em que sua cultura praticamente desapareceu”, diz a pesquisadora. Ela lamenta que a cultura fueguina tenha se extinguido, com sua ciência e sua arte, sem ter sido devidamente estudada e ressalta o trabalho dos últimos pesquisadores que estudam essas tribos. Mas adverte: “Há muitos livros escritos sobre nossos índios por pessoas que nunca visitaram a Terra do Fogo. Há duas maneiras de saber se um livro é correto: se fala de caciques entre os fueguinos ou se fala de deuses e

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religião organizada não é correto porque eles careciam de ambos.” Os fueguinos dividiam tudo o que possuíam e tinham vida sexual livre, que escandalizava os primeiros missionários. A história de Ushuaia começa a esboçar-se justamente em 1869, com a chegada do missionário anglicano Stirling, cuja tarefa de evangelizar os aborígenes foi prosseguida anos mais tarde pelo reverendo Thomas Bridges. Foi o golpe de misericórdia nos índios, pois além de privá-los de alimentos os brancos passaram a contaminá-los com suas doenças por causa da maior proximidade. Alguns índios levados para a Europa foram trazidos de volta porque lá ficaram doentes. Em 1882, o governo argentino decidiu construir uma colônia penal na extremidade sul do país para garantir a soberania sobre a área inóspita e remota. A Marinha estabeleceu um posto na região em 1884, fazendo surgir oficialmente a cidade, na época um pequeno vilarejo. Nesse mesmo ano foi instalado o presídio, numa ilha vizinha, que depois seria transferido para o prédio que atualmente é museu. Foram os presos condenados a trabalhos forçados nessa Sibéria argentina que construíram a cidade. Eles fizeram até uma pequena ferrovia (que hoje é trem turístico, o famoso Trem do Fim do Mundo) para extrair a dura madeira dos bosques. Em 1947, quando o presídio começou a ser desativado e o prédio foi comprado pela Marinha, a cidade tinha 2.182 habitantes. A estagnação continuaria até os anos 70, quando o governo argentino criou leis para atrair indústrias para a região, permitindo um fantástico aumento populacional – hoje a cidade tem cerca de 60 mil habitantes – e um incremento de ofertas de um confortável estilo de vida aos

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turistas, que se nota na diversificação dos serviços da cidade, capaz de atender bem os visitantes mais exigentes.

Banho de esqui em Cerro Castor

A temporada de esqui em Cerro Castor, que fica a 26 km de Ushuaia, começou no dia 17 de junho e vai até o dia 15 de outubro. Com temperaturas de menos 5 graus a 0 grau no inverno, a estação tem 5 meios de elevação de última geração (três cadeiras quádruples, uma delas com cúpula, um telesqui de 350 metros e um bambylift de 100 metros) que permitem o acesso ao cume da montanha numa área esquiável de 400 hectares, com 15 pistas de esqui que se estendem por 17 quilômetros. As pistas do alto de Cerro Castor estão a quase mil metros do nível do mar, enquanto as da base da montanha não ultrapassam 200 metros de altura. Uma máquina pisa-pistas Kassbohrer é usada para definição dos trajetos e acerto das pistas. Algumas pistas são fáceis até para iniciantes, mas outras chegam a oferecer perigo de vida para os inexperientes, com perigosas curvas sob abismos de gelo. Roupas para esquiar podem ser alugadas, assim como esquis e pranchas de snowboard que permitem surfar na neve. O Centro de Esqui de Cerro Castor possui também refúgio e restaurante, com capacidade para 350 pessoas, além de escola de esqui e snowboard. Além de Cerro Castor, existem, nas imediações de Ushuaia, outras seis estações de esqui: Altos del Valle, a 19 km, onde se pode praticar esqui de fundo, andar de trenó puxado por cães e visitar o canil de huskies siberianos e do Alasca; Solar

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del Bosque, a 20 km, ótimo para snowboard e safáris fotográficos com pernoite em cabanas; Valle de los Huskies, a 20,5 km (momentaneamente fechado), Tierra Mayor, a 22 km, passeios em snowcats, em trenós puxados por cães, patinação no gelo e esqui de fundo; Las Cotorras, a 26 km, passeios em snowcats ou trenós puxados por cães ou travessias de um dia inteiro; Haruwen, a 35 km, passeios em troikas e trenós puxados por cães, caminhadas sobre raquetes de neve, patinação. Dentro dos limites de Ushuaia existem outras três estações de esqui: Pista de Esqui Alpino Wolfang Wallner, a 3 km do centro, com superfíce esquiável de quase 1 km e inclinação de 30 graus; a Pista de Esqui de Fundo Francisco Jerman, no caminho do Glacial Martial, a 5 km do centro da cidade, com pistas de 2,5 km e 7,5 km e passeios em trenós puxados por cães; e o Centro de Esporter Invernais Glacial Martial, a 7 km do centro de Ushuaia, no fim do caminho que conduz ao glacial, com superfície esquiável de pouco mais de 1 km. De todas, é a de Cerro Castor que figura entre as sete melhores da Argentina, ao lado de Cerro Catedral (a 19 km de Bariloche), Caviahue (uma pequena vila na província de Neuquén, a 357 km de Ciudad Capital), Cerro Bayo (a 9 km de Villa La Angostura), Cerro Chapelco (a 20 km de San Martín de los Andes) e La Hoya (a 15 km de Esquel, na província de Chubut).