Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A...

19
Uso da An´ alise Dimensional na F´ ısica MecˆanicaQuˆantica2012/2013 Jos´ e Lu´ ıs Martins, T´ ecnico, Lisboa 10 de Outubro de 2012

Transcript of Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A...

Page 1: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Uso da Analise Dimensional na Fısica

Mecanica Quantica 2012/2013Jose Luıs Martins, Tecnico, Lisboa

10 de Outubro de 2012

Page 2: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Sumario

1 Introducao a Analise Dimensional 21.1 Unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2 Constrangimentos das Solucoes de um Problema Devido as

Unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3 Unidades Naturais e Expressoes Adimensionais . . . . . . . . . 61.4 Caso geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Exemplo de Fısica Classica 92.1 Potencia do Motor de um Carro . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

3 Exemplos de Mecanica Quantica 123.1 Unidades Atomicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123.2 Viscosidade da Agua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133.3 Constante de von Klitzing . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143.4 Quanta de Fluxo Magnetico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1

Page 3: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Capıtulo 1

Introducao a AnaliseDimensional

A analise dimensional e um dos utensılios mais uteis da Fısica e da Enge-nharia. Da uma quantidade enorme de informacao sobre um problema comum mınimo de trabalho. No entanto muitas vezes os alunos da cadira deMecanica Quantica do curso de Fısica do Tecnico tem dificuldade em usaressa ferramenta.

Estas breves notas destinam-se a ajudar os alunos de Mecanica Quanticaa manejar essa ferramenta. Em particular vamos ver como a analise di-mensional nos permite obter estimativas de ordens de grandeza de algumasquantidades, e nos da uma indicacao se estamos a observar um fenomenoquantico num resultado experimental sem precisarmos de saber os detalhesdessa experiencia.

1.1 Unidades

A Fısica e uma Ciencia experimental, e a grande maioria das quantidadesque sao medidas nao tem significado se nao forem especificadas as unidades.Dizer que se mediu uma velocidade v = 5 nao quer dizer absolutamentenada, se nao se acrescentar que foram metros por segundo, quilometros porhora, ou leguas por semana. Um exemplo conhecido de erro de unidades foia desintegacao em 1999 a chegada a Marte do “Mars Climate Orbiter”, umasonda espacial que custou 327.6 milhoes de dolares, porque um dos gruposque escreveu o software de navegacao usou as unidades SI de impulso (N s)emquanto o outro usou unidades imperiais inglesas (lbf s). . .

Quando se combinam se multiplica ou divide duas quantidades para obteruma terceira, as unidades tambm fazem parte da respectiva operacao. Se um

2

Page 4: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

corredor fez os 100 m em 9.83 s, entao a sua velocidade media foi

v =100 m

9.83 s≃ 10.17 m s−1.

Se quisermos converter em quilometros por hora, pode-se usar o metodo da“regra de tres” do secundario, mas e mais simples e seguro multiplicar oresultado por uma fraccao em que o numerador e denominador tem unidadesmas cujo valor e o numero 1,

v ≃ 10.17 m s−1 = 10.17 m s−13600 s

1 h

1 km

1000 m≃ 36.6 km/h.

Recomendo fortemente este metodo de multiplicacao por 1 para fazer mu-dancas de unidades. A grande vantagem de fazer as contas com as unidadese que permite detectar “distraccoes”, o que e extremamente util em examese testes. O tempo que leva a escrever as unidades e mais que compensadoquando se detecta um erro. Escrever no exame que se chegou a um resul-tado, que esta errado, mas nao se teve tempo de voltar atras para encontraro erro, tem certamente mais cotacao parcial do que o mesmo resultado semcomentario.

Como se obtem novas unidades com operacoes algebricas levanta-se aquestao de quais sao as unidades fundamentais. O sistema internacional re-conhece 3 + 1 unidades fundamentais a partir das quais se definem todas asoutras: as tres mecanicas que sao o comprimento em metros, o tempo emsegundos e a massa em kilogramas, e uma associada aos fenomenos electricosque e a corrente em Amperes. A definicao dessas unidades depende da tec-nologia, e portanto varia no tempo. O segundo comecou por ser definidopor observacoes astronomicas usando como relogio a rotacao da Terra emrelacao as estrelas. Quando se construıram relogios “atomicos” que erammais estaveis e precisos que a rotacao da Terra, a definicao do segundo pas-sou a usar um desses relogios. Esses relogios sao tao precisos que a definicaodo metro e obtida atribuindo um valor fixo a velocidade da luz no vacuo,em vez da distancia entre dois tracos numa regua. E um “escandalo” queno princıpio do seculo XXI a unidade de massa ainda seja definida a partirde um objecto fabricado em 1879 a partir de outro objecto padra do seculoXVIII, em vez de ter uma definicao “atomica” que pode ser reproduzida emqualquer laboratorio de metrologia.

3

Page 5: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

1.2 Constrangimentos das Solucoes de um Pro-

blema Devido as Unidades

Quando se obtem uma expressao final para a solucao de um problema, essaexpressao tem que ser consistente do ponto de vista das unidades. Em par-ticular os argumentos de qualquer funcao especial que apareca na solucaotem que ser adimensionais. A esta afirmacao exacta e “matematica” (nosentido que e tautologica) ha ainda uma regra “fısica” (no sentido que ajudaa compreensao do resultado) de que as constantes numericas da solucao saoda ordem da unidade. Nao ha nada como um exemplo para ilustrar o quequeremos dizer com regra “fısica”.

Vamos analisar o pendulo. Temos uma massa m suspensa de um fio decomprimento l e queremos saber o perıodo τ de oscilacao desse pendulo nolimite das pequenas amplitudes de oscilacao. O terceiro dado que ainda faltano problema e a constante de aceleracao gravitacional g. O resultado finalvai ter que assumir a forma

τ = C(m, l, g)mαlβgγ (1.1)

onde C(m, l, g) e uma expressao sem unidades que so pode depender dascombinacoes adimensionais de m, l, e g, e os valores de α, β, e γ sao determi-nados por consistencia das dimensoes. Usando T para indicar a unidade detempo, L para a unidade de comprimento e M para o comprimento (em SIseriam segundo, metro e kilograma, mas nao ha necessidade de escolher umsistema particular de unidades), e usando os parentese rectos para indicaras unidades, temos que,[τ ] = T , [l] = L, [m] = M e [g] = LT−2. podemosreescrever a equacao 1.1 como

[τ ] = [C][m]α[l]β[g]γ

ou sejaT = MαLβLγT−2γ (1.2)

igualando os expoentes de T , L e M entre os dois lados na equacao 1.2obtemos

1 = −2γ

0 = β + γ

0 = α

que tem como solucao

α = 0, β =1

2, γ = −1

2

4

Page 6: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

ou seja a analise dimensional diz-nos que a solucao vai ter a forma

τ = C(m, l, g)

√l

g.

onde C e adimensional. Mas como nao ha nenhuma combinacao dos dadosdo problema que nao tenha unidades, C tem que ser uma constante, e temosfinalmente

τ = C

√l

g. (1.3)

A analise dimensional nao nos pode dizer qual e o valor da constante C.Resolvendo a equacao diferencial do movimento pendulo obtem-se que C =2π. Este coeficiente nao esta longe da unidade. em acordo com a regra“fısica” acima enunciada. A independencia do perıodo na massa tambem seobtem da analise dimensional.

O problema do pendulo torna-se mais interessante quando consideramoso caso em que a amplitude nao e pequena. Se introduzirmos mais umavariavel no problema, a altura h a que o pendulo vai subir, passamos a terque o resultado deve ter a forma

τ = C(m, l, g, h)mαlβgγhδ,

Escrevendo a expressao qua da a igualdade das unidades dos dois lados destaequacao obtemos

T = MαLβLγT−2γLδ.

Igualando os expoentes de T , L e M dos dois lados obtemos tres equacoes aquatro incognitas que tem uma famılia de solucoes

α = 0, β =1

2, γ + δ = −1

2.

Do ponto de vista da Matematica nao ha uma solucao que seja preferıvel aoutra. Mas em Fısica a nossa “intuicao” sugere que se relacione este casocom o anterior, o que se obtem com a escolha do caso particular δ = 0, o queda

τ = C(m, l, g, h)

√l

g.

onde mais uma vez C(m, l, g, h) e uma funcao arbitraria sem dimensoes.Para nao ter dimensoes essa funcao so pode depender das combinacoes adi-mensionais dos dados do problema. So a combinacao h/l e semelhantes e

5

Page 7: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

adimensional, pelo que vamos ter o resultado final da analise dimensional

τ = C(hl

)√ l

g, (1.4)

onde agora C e uma funcao de uma variavel. A compatibilidade com o casodas pequenas oscilacoes (Eq. 1.3) implica que C(0) = 2π.

Resolvendo a equacao diferencial obtemos que

τ(l, g, h) = 4

√l

gK(sin

(12arccos(1−h

l)))

K(y) =

∫ π/2

0

1√1− y2 sin2 u

du.

(1.5)Neste exemplo de uma expressao complicada, vemos que temos a combinacaode dados que da a dimensionalidade certa, e uma funcao de combinacoes adi-mensionais dos dados do problema. As constantes numericas que aparecemsao todas da ordem da unidade.

Note que na literatura experimental se encontra por vezes uma quebra daregra que o argumento de uma funcao transcendente tem que ser adimensi-onal para o caso da funcao logaritmo. Como log(a b) = log(a) + log(b) tal epossıvel matematicamente, mas deve ser fortemente desencorajado.

1.3 Unidades Naturais e Expressoes Adimen-

sionais

Como o sistema internacional (SI) foi definido de modo a estar feito a escalahumana, raramente encontramos a necessidade de usar “unidades naturais”para um problema. Mas quando saımos dessa escala, e sempre util traba-lharmos com um sistema de unidades naturais escolhidas de acordo com oproblema.

Voltando ao exemplo do pendulo, vamos supor que queremos descrevercomo e que no caso da amplitude finita de oscilacao desvia do limite daspequenas amplitudes. Para cada comprimento de pendulo l e para cadaplaneta g vamos ter um resultado diferente visto que temos que τ e umafuncao de l, g, e h. representar graficamente uma funcao de tres variaveis esempre complicado, e sem uma boa representacao grafica dificilmente temosa compreensao do problema. Mas se em vez de medirmos as distancias emmetros, medirmos em unidades de l e em vez de medirmos os intervalos detempo em segundos medirmos em unidades de

√l/g, ou seja passamos a

ter um perıodo τ = τ/√l/g e uma altura h = h/l, a expressao para a

6

Page 8: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

dependencia do perıodo na amplitude passa a ser

τ = C(h) = 4K(sin

(12arccos(1− h)

))K(y) =

∫ π/2

0

1√1− y2 sin2 u

du.

(1.6)ou seja uma simples funcao τ(h) que podemos facilmente representar numgrafico.

Podemos dizer que τ e o valor numerico do perıodo nas unidades naturaisde tempo, ou que o perıodo e τ unidades naturais de tempo.

1.4 Caso geral

Vamos supor que queremos obter uma equacao que nos da o valor de umaquantidade b, o “resultado” em funcao de n “dados” a1, . . . , an. Parasimplificar vamo-nos restringir ao caso mecanico, ou seja sem grandezaselectricas. Queremos saber quais sao as combinacoes algebricas ax1

1 ax22 . . . axn

n

que tem as mesmas dimensoes que b. Sejam [b] = MβMLβLT βT as dimensoesde b, e [ai] = MαMiLαLiTαTi as dimensoes de ai. De [ax1

1 ax22 . . . axn

n ] = [b]vamos obter que(MαM1LαL1TαT1

)x1(MαM2LαL2TαT2

)x2

. . .(MαMnLαLnTαTn

)xn

= MβMLβLT βT .

(1.7)Igualando os expoentes de M , L, e T , dos dois lados da equacao 1.7 obtemosum sistema de 3 equacoes lineares a n incognitas

αM1x1 + αM2x2 + . . .+ αMnxn = βM

αL1x1 + αL2x2 + . . .+ αLnxn = βL

αT1x1 + αT2x2 + . . .+ αTnxn = βT .

(1.8)

Geometricamente este problema corresponde a encontrar a interseccao de treshyper-planos num espaco de n dimensoes. Nesse espaco os vectores VM =(αM1, αM2, . . . , αMn), VL = (αL1, αL2, . . . , αLn) e VT = (αT1, αT2, . . . , αTn)sao perpendiculares a esses tres planos. As equacoes1.8 podem ser reescritasVM · X = βM , VL · X = βL, e VT · X = βT , onde X = (x1, x2, . . . , xn) e ovector das solucoes.

A solucao d0 sistema de equacoes 1.8 e bem conhecida. O subespacogerado pelos vectores VM , Vl, e VT tempode ter a dimensao m = 1, 2, ou 3.Nos casos m = 1 ou m = 2, o sistema pode nao ter solucoes, o que indicauma ma escolha dos dados. No caso m = 3 ou de haver uma solucao para

7

Page 9: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

m = 1, 2, esta e

X = X(0) +n−m∑i=1

γiY(i)

a soma de uma solucao particular X(0) com as n − m solucoes linearmenteindependentes Y (i) = (y

(i)1 , y

(i)2 , . . . , y

(i)n ) do sistema homogenio,

αM1y1 + αM2y2 + . . .+ αMnyn = 0

αL1y1 + αL2y2 + . . .+ αLnyn = 0

αT1y1 + αT2y2 + . . .+ αTnyn = 0,

(1.9)

com coeficientes γi arbitrarios. A Matematica nao nos diz qual e “melhor”escolha para a solucao particular, mas na discussao do pendulo vimos quepode haver uma solucao preferıvel do ponto de vista da Fısica.

As solucoes do sistema homogenio dizem-nos quais sao as combinacoesdos dados que sao adimensionais. Vamos definir as grandezas adimensionais

c(i) = ay(i)1

1 ay(i)2

2 . . . ay(i)n

n

Mais uma vez a matematica nao nos diz qual e a “melhor” escolha dassolucoes linearmente independentes, mas a Fısica vai indicar que certas esco-lhas sao mais uteis que outras. A expressao do resultado desejado em funcaodos dados do problema vai ter a forma

b = ax01

1 ax02

2 . . . ax0n

n f(c(1), c(2), . . . , c(n−m))

onde a funcao f(c(1), c(2), . . . , c(n−m)) nao e especificada, mas onde podemosesperar pela Fısica que os coeficientes numericos que nela aparecem devemser da ordem da unidade.

8

Page 10: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Capıtulo 2

Exemplo de Fısica Classica

2.1 Potencia do Motor de um Carro

Para ilustrar a utilidade da analise dimensional vamos calcular a potenciaP que um carro precisa para vencer a resistencia do ar a uma velocidadev = 100 km/h. O carro precisa de “afastar” o ar do caminho, pelo queprecisamos de usar a sua densidade ρ = 1.2 kg m−3, e tambem precisa devencer o efeito da viscosidade do ar η = 18 × 10−6 Pa s. A resistencia doar vai depender do tamanho e forma do carro, Vamos usar para a dimensaotıpica de um carro, l = 2 m. Como referencia, um Ferrari formula 1 actualtem cerca de 550 kW, enquanto que o menor motor do FIAT seicento tinha29 kW.

A lista das dimensoes do resultado e dos dados (excluindo a lista dasdimensoes que descrevem a forma do carro) e

[P ] = ML2T−3

[v] = LT−1

[l] = L

[ρ] = ML−3

[η] = ML−1T−1.

A combinacao adimensional dos 4 dados tem a forma geral(η/ρvl

)λcom

λ arbitrario, nao nulo. A combinacao mais geral que da as dimensoes depotencia e ρ1−µl2−µv3−µηµ com µ arbitrario.

A matematica nao nos vai indicar qual e a melhor escolha de λ e µ paraanalisar o problema. Mas a “intuicao Fısica” pode-nos ajudar. Os dadosv e l dizem respeito ao carro, e portanto sao “importantes”. Precisamosde escolher um terceiro dado entre ρ e η como “importante”. Escolher ρ

9

Page 11: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

como “importante” corresponde a usar µ = 0 e λ = 1, porque a viscosidadedesaparece da nossa escolha da combinacao com a dimensao de potencia,e a combinacao adimensional e proporcional a viscosidade, representandoportanto o seu valor em “unidades naturais”. Escolher η como importantecorresponde a usar µ = 1 e λ = −1.

Fazendo a escolha de ρ como “importante” vamos ter

P = ρ1l2v3f( η

ρvl, “forma”

)com

ρ1l2v3 ≃ 1.2 kg m−3(2 m)2(28 m/s)3 ≃ 1× 105 kg m2s−3 ≃ 100 kW

ρvl≃ 18× 10−6 Pa s

1.2 kg m−328 m/s2 m≃ 0.0012.

Como este parametro e pequeno, podemos assumir uma serie de Taylor paraa funcao f ,

P = ρ1l2v3f(0, “forma”) + ρ1l2v3η

ρvlf ′(0, “forma”) + . . . (2.1)

onde os coeficientes f(0, “forma”) e f ′(0, “forma”), sao da ordem da unidade.A analise dimensional indica que a potencia do motor de um carro tem de serda ordem dos 100 kW, e que a viscosidade do ar e uma pequena correccao,o que e confirmado pela experiencia.

Se tivessemos feito a escolha da viscosidade como “importante” terıamosencontrado que o coeficiente ρvl

ηera muito maior que a unidade indicando

que a escolha era ma do ponto de vista da analise do problema.O coeficiente f(0, forma) e fornecido pelos fabricantes de automoveis (com

um faxtor 2 extra, e com l a raiz quadrada da seccao do carro vista de frente)e e conhecido como o factor cx ou cd.

(http://en.wikipedia.org/wiki/Automobile drag coefficient)Note que para formas extremamente compridas, como um aviao ou um

comboio, nao podemos supor que f ′(0, “forma”) e da ordem da unidade por-que existem razoes entre dimensoes que sao grandes, e nesses casos a visco-sidade do ar tambem e importante.

Se tivessemos feito esta mesma analise com a gota de oleo da experienciade Millikan, chegarıamos a conclusao que o dado “importante” era a viscosi-dade porque v e l sao pequenos.

Se na analise tivessemos encontrado que a grandeza adimensional era daordem da unidade, qualquer das escolhas era justificavel, mas nao poderıamos

10

Page 12: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

assumir que os primeiros termos da serie de Taylor dessem uma aproximacaorazoavel.

Enquanto que as solucoes das equacoes1.8 e 1.9 para este problema podemser feitos pelo metodo geral, podemos rapidamente encontra-las sem ter queescrever o sistema de equacoes. Escolhendo ρ como dado “principal”, vemosque a dimensao T so aparece em v e a dimensao M em ρ pelo os coeficientesdessas quantidades sao obtidos directamente.

11

Page 13: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Capıtulo 3

Exemplos de MecanicaQuantica

3.1 Unidades Atomicas

A ligacao quımica entre atomos e feita por electroes. As principais carac-terısticas dos electroes sao a sua massa me e a sua carga −|e|. A pricipalforca entre electroes e electrostatica, sendo a constante de acoplamento e2

4πε0.

Finalmente a ligacao quımica e um fenomeno quantico pelo que temos queter em conta a constante da natureza ~ (constante de Planck).

Com estas quatro constantes podemos construir um sistema de “unidadesatomicas” que nos vai dar a ordem de grandeza de tudo o que tem a ver coma ligacao quımica, ou seja tudo o que tem a ver com materiais e moleculas.Incluindo a interaccao dos materiais com a luz estamos a considerar quasetoda a fısica com implicacoes tecnologicas! (A principal area que da fısicatecnologica que nao tem a ver com electroes ou fotoes e a Fısica Nuclear.)

Olhando para as combinacoes destas quatro constantes podemos obtermuitas ordens de grandeza dos fenomenos atomicos. A combinacao com adimensao de energia e

EH =me

(e2

4πε0

)2

~2≃ 43.60× 10−19 J ≃ 27.212 eV (3.1)

e e conhecida como a constante de energia de Hartree. A energia de ionizacaodo atomo de hidrogenio e EH/2, e o valor tıpico da energia das ligacoesquımicas sao da ordem de alguns eV. Vemos assim que EH nos da a escalade energia dos fenomenos quımicos.

Para passar a fenomenos electricos obtemos facilmente a escala da tensao,EH/|e| ≃ 27.212 V, ou seja da ordem do Volt. A tensao das pilhas, dos

12

Page 14: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

dıodos, ou dos transistores e da ordem do Volt. E uma combinacao destasquatro constantes que marca a escala das tensoes na electronica que nosrodeia..

A combinacao com a dimensao de comprimento e

a0 =~2

mee2

4πε0

≃ 0.529× 10−10 m ≃ 0.529 A (3.2)

e e conhecido como o raio de Bohr. Os comprimentos de ligacao quımicasao da ordem de alguns Angstroms, ou seja da ordem da unidade atomica decomprimento.

A combinacao com a dimensao de velocidade e

e2

4πε0

~≃ 2.19× 106 m/s. (3.3)

Este valor e cerca de duas ordens de grandeza inferior a velocidade da luz.Isto indica que os efeitos relativistas sao normalmente pequenos, mas naodesprezaveis. Nalgumas circunstancias os efeitos relativistas ate sao impor-tantes, como seja o caso da quımica dos elementos pesados.

A combinacao com a dimensao de tempo e

~EH

=~3

me

(e2

4πε0

)2 ≃ 1.0546× 10−34 J s

43.60× 10−19 J≃ 2.42× 10−17 s (3.4)

que nos da a escala dos tempos tıpicos dos fenomenos atomicos.Quando consideramos a interaccao dos materiais com a luz, temos de

considerar as propriedades dos fotoes. A principal caracterıstica dos fotoese a sua velocidade c, outra constante da Natureza. Com a velocidade daluz e as 4 constantes acima mencionadas podemos construir uma grandezaadimensional

α =e2

4πε0

~c≃ 1

137.036(3.5)

que e conhecida como a constante de estrutura fina, e e a razao entre avelocidade tıpica anteriormente calculada e a velocidade da luz. As correccoesrelativistas vao ser da ordem de α2. O proprio valor da constante de Hartreee EH = α2mec

2.

3.2 Viscosidade da Agua

Vamos ver um exemplo de uma grandeza macroscopica onde nao e obvioque a sua ordem de grandeza contem um factor ~, e como tal seja um valor“quantico”.

13

Page 15: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

A viscosidade da agua a temperatura ambiente e da ordem de η =10−3 N s m−2. Este valor e usado por engenheiros civis, mecanicos, quımicos,que nunca se questionam sobre a origem da ordem de grandeza dessa pro-priedade. Mas nas interaccoes microscopicas subjacentes aos fenomenos deviscosidade aparecem as constantes associadas aos electroes.

Olhando para as dimensoes do resultado, η e dos dados temos que

[η] = ML−1T−1

[~] = ML2T−1

[e2

4πε0] = ML3T−2

[me] = M

de onde obtemos que a combinacao com a dimensao de viscosidade e

m3e

(e2

4πε0

)3

~5≃ (9.11× 10−31 kg)3(2.307× 10−28 J m)3

(1.0546× 10−34 J m)5≃ 0.0007 kg m−1s−1.

que e da ordem de grandeza da viscosidade da agua a temperatura ambi-ente. Olhando para as potencias de 10 na expressao anterior, dificilmenteeste resultado poderia ser uma coincidencia. Este exemplo mostra como aconstante de Planck esta por detras de muitas das ordens de grandezas daspropriedades dos materiais usadas pelos engenheiros.

3.3 Constante de von Klitzing

A figura 3.1 mostra a resistencia de uma amostra de grafeno em funcao datensao aplicada numa “gate” para 4 valores do campo magnetico aplicadoperpendicularmente a amostra. Observam-se varios patamares de resistenciaque foram interpretados como um fenomeno quantico. Trata-se do efeito Hallquantico cujos detalhes necessitam de conhecimentos que um aluno de umacadeira de introducao a Mecanica Quantica ainda nao tem. No entanto comanalise dimensional podemos compreender porque e que o nome do efeitocontem o adjectivo “quantico”.

Na figura temos as grandezas resistenciaR, tensao Vg e campo magneticoB.

14

Page 16: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Figura 3.1: A resistencia de uma amostra de grafeno em funcao da tensaoaplicada numa “gate” e mostrada para 4 valores do campo magnetico apli-cado perpendicularmente a amostra. Observam-se varios patamares de re-sistencia. A escala vertical e logarıtmica.

Olhando para as dimensoes destes “resultados” e dos “dados” temos que

[R] = ML2T−1Q−2

[Vg] = ML2T−2Q−1

[B] = MT−1Q−1

[~] = ML2T−1

[e2

4πε0] = ML3T−2

[me] = M

[e] = Q

de onde obtemos que a combinacao com a dimensao de resistencia e

RK

2π=

~e2

≃ 1.0546× 10−34 J s

(1.602× 10−19 C)2≃ 4.1× 103 Ω,

15

Page 17: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

que corresponde a escala de valores vertical, e onde RK e conhecida como aconstante de von Klitzing.

Os patamares observados para a resistencia sao da boa ordem de grandezapara corresponderem a um efeito quantico, e a nossa analise dimensional dao valor desses patamares (multiplos inteiros de RK) a um factor de 2π. Emamostras de melhor qualidade estes patamares sao tao precisos, que ha quemqueira definir a unidade de massa numa proxima revisao do sistema SI apartir deste efeito.

Para a tensao ja tınhamos visto que a escala relevante era 27.212 V, demodo que estamos na escala certa para termos saltos.

Para o campo mgnetico a combinacao dos dados que tem a dimensaoapropriada e

m2e

(e2

4πε0

)2

|e|~3=

meEH

~|e|≃ (9.11× 10−31 kg)2(2.307× 10−28 J m)2

1.602× 10−19 C(1.0546× 10−34 J s)3≃ 2.35×105 kg/Cs

que e muito maior que os valores da figura. O que isto quer dizer e que esta-mos no limite dos pequenos campos magneticos e que se vıssemos um “filmedos dados” em que o campo magnetico fosse aumentado continuamente, ob-servarıamos que as curvas se moviam sem saltos.

3.4 Quanta de Fluxo Magnetico

Outro exemplo de um fenomeno quantico macroscopico em grafeno pode serobservado na Fig. 3.2 tirada da revista Science de 7 de Setembro de 2012. Asgrandezas que aparecem na figura sao a densidade superficial de portadores n,com valores tıpicos de 1015 m−2, o campo magnetico perpendicular a amostra,B, que vai ate aos 12 T, e a derivada do potencial quımico µ em relacao adensidade que vai ate cerca de 5 × 10−17 eV m2. Tal como no caso anterioresta-se a observar um efeito de Hall quantico, e sem entrar nos detalhes doefeito, so queremos analisar a figura para justificar o adjectivo “quantico”.

Da figura ve-se que ha algo de especial com certos declives B/n na figura,de modo que vamos incluir tambem este declive nos resultados que queremos

16

Page 18: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Figura 3.2: A resistencia de uma amostra de grafeno em funcao da tensaoaplicada numa “gate” e mostrada para 4 valores do campo magnetico apli-cado perpendicularmente a amostra. Observam-se varios patamares de re-sistencia. A escala vertical e logarıtmica.

analisar. Olhando para as dimensoes dos resultados e dos dados temos que

[n] = L−2

[B] = MT−1Q−1

[dµ

dn] = ML4T−2

[B

n] = ML2T−1Q−1

[~] = ML2T−1

[e2

4πε0] = ML3T−2

[me] = M

[e] = Q

17

Page 19: Uso da An alise Dimensional na F sica · Cap tulo 1 Introdu˘c~ao a An alise Dimensional A an´alise dimensional ´e um dos utens´ılios mais uteis´ da F´ısica e da Enge-nharia.

Usando os resultados das seccoes anteriores temos que o valor tıpico de por-tadores por unidade de area e

a−20 ≃ 3.6× 1020 m−2

pelo que os valores da densidade superficial sao pequenos. Tınhamos vistoanteriormente que a unidade atomica do campo magnetico era 2.35× 105 Tpelo que os valores de B tambem sao pequenos. Ambos os eixos da figurasao numa escala pequena, explicando porque so vemos rectas nessa figura.Para a derivada do potencial quımico em relacao a densidade dos portadoresde carga temos que a correspondente combinacao das constantes e

~2

me

≃ (1.0546× 10−34 J s)2

9.11× 10−31 kg≃ 1.22× 10−38 J m2 ≃ 7.6× 10−20 eV m2

pelo que o que se observa tem uma escala maior do que a correspondenteunidade atomica.

Para o declive das rectas vamos ter a simples combinacao

Φ0

π=

~|e|

≃ 1.0546× 10−34 J s

1.602× 10−19 C≃ 6.58× 10−16 J s C−1

onde Φ0 e o quanta de fluxo magnetico. Do grafico vemos que a recta indicadacom “1” o campo magnetico toma um valor de 9 T para uma densidade de2 × 1015 m−2 o que da um declive de aproximadamente 4.5 × 10−15 m2 quea um factor de 2π e o valor obtido acima. Estamos portanto na escala certapara vermos “saltos” nos resultados associados ao declive, que e o que seobserva na figura.

Em experiencias com materiais supercondutores obtem-se um valor muitoestavel de Φ0. Combinando Φ0 = 2π~/|e| com RK = 2π~/|e|2, vemos que2π~ = Φ2

0/RK . Num futuro sistema de unidades SI em que a massa naovai ser definida por um objecto, o mais provavel e serem escolhidos valoresexactos para duas das quatro constantes |e|, 2π~, Φ0 = 2π~/|e| ou RK =2π~/|e|2, da mesma maneira que no actual sistema SI a velocidade da luz temum valor exacto. Como Φ0 e RK sao reprodutıveis com enorme precisao tudoaponta que sejam estas as constantes escolhidas para numa futura revisao dosistema SI.

18