USO DA ÁGUA DE CHUVA: uma alternativa para enfrentar a ...€¦ · Estado do Maranhão em apenas...
Transcript of USO DA ÁGUA DE CHUVA: uma alternativa para enfrentar a ...€¦ · Estado do Maranhão em apenas...
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1
USO DA ÁGUA DE CHUVA: uma alternativa para enfrentar a escassez de
água na Ilha do Maranhão-MA
Sergio Barreto de Sousa1
RESUMO: A Ilha do Maranhão, localizada na Província Costeira, ao norte da Bacia do Parnaíba, está situada em uma bacia sedimentar, que faz parte das sub-províncias hidrogeológicas São Luis/Barreirinhas. Os mananciais são muito vulneráveis à poluição e as fontes de abastecimento são escassas, principalmente por se tratar de uma ilha costeira. A região abrange uma extensão de 1.409 km² e é ocupada por 1.211.270 habitantes, concentrando o equivalente a 19,8% da população do Estado do Maranhão em apenas 0,42% do seu território. O clima é equatorial semi-úmido, com uma estação úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). A precipitação média anual de 2.009 mm, de longo período, gera excedentes hídricos em torno de 979 mm/ano. Apesar do balanço hídrico favorável, há déficit na distribuição de água para o abastecimento humano em vários bairros e povoados dos municípios da Ilha do Maranhão (São Luis, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar). Como uma alternativa para mitigar a escassez de água são apresentadas algumas sugestões para o aproveitamento da água de chuva em áreas rurais e urbanas da região.
ABSTRACT --- The Maranhão Island located in the Coastal Province, north Parnaíba Basin, is placed in a sedimentary basin, that is part of the hydrogeological sub-provinces of São Luís/Barreirinhas. The spring waters are very vulnerable to the pollution and sources of provisioning are scarces, mainly for treating of a coastal island . The area covers about 1.409 km² , is taken up for 1,211,270 inhabitants, concentrating the equivalent to 19.8% of Maranhão State population on 0.42% of your territorial extension. The climate is equatorial semi-humid with a wet season (January to June) and a dry season (July to December). The annual precipitation 2009 mm, of long period, generates water surplus around 979 mm/year. Despite the favorable water balance, the distribution of freshwater for the human provisioning is deficient in several neighborhoods and villages of the municipal districts of Maranhão Island (São Luis, São José de Ribamar, Raposa and Paço do Lumiar). As an alternative to mitigate the repressed water demand, some suggestions is presented for the use of rain water in rural and urban areas of the region.
Palavras-Chave – água de chuva, uso da água, Ilha do Maranhão.
1 Professor Adjunto do IFMA,DCC, Av. Getulio Vargas, 4 – Monte Castelo- 65025-001 São Luis-MA E-mail: [email protected]
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2
1- INTRODUÇẴO
A Ilha do Maranhão, localizada na Província Costeira, ao norte da bacia sedimentar Parnaíba,
está situada na porção central da folha São Luis (SA.23-Z-A), entre as coordenadas UTM 560000mE, 608000mE, 9692000mN e 9736000mN (figura 1).
Figura 1 – Localização da Ilha do Maranhão (modificado da imagem satélite SPOT, WRS 711/355)
Fonte: GERCO-MA, 1994
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3
A região abrange uma extensão de 1.409 km² e é ocupada por 1.211.270 habitantes,
concentrando o equivalente a 19,8% da população do Estado do Maranhão em apenas 0,42% do seu
território (IBGE, 2007).
O clima na região, situada na transição entre o superúmido da Amazônia e o semiárido do
Nordeste, caracteriza-se como quente semi-úmido do tropical de zona equatorial, com uma estação
úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). A precipitação média anual de
2.009 mm é caracterizada por um padrão de chuvas unimodal com um máximo oscilando entre
março e abril, em torno de 450 mm/mês e um mínimo de 12 mm/mês, ocorrendo entre setembro e
novembro. A estação seca não é marcada por estiagens severas, porém a insuficiência hidrológica é
bastante para caracterizar a existência de um período em que as águas são deficientes.
A região está localizada em uma bacia sedimentar, que faz parte das sub-províncias
hidrogeológicas São Luis/Barreirinhas. Os mananciais são muito vulneráveis à poluição e as fontes
de abastecimento são escassas, principalmente por se tratar de uma ilha costeira.
Não se tem uma dimensão exata da disponibilidade hídrica dos municípios da Ilha do
Maranhão (São Luis, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar), pelo fato de não se ter um
cadastro de poços e pontos de água completo e atualizado.
Baseado em informações da Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (CAEMA), a
população do município de São Luis é servida pela rede de distribuição de água dessa maneira:
42,34% dos habitantes são abastecidos pelos mananciais subterrâneos (poços tubulares) e os
57,56% restantes, pelos mananciais de superfície (sistemas produtores do Sacavém e Italuís). Por
falta de um inventário hidrológico, não se tem dados da população dos outros municípios que se
abastece de rios, de poços tubulares e de outras fontes (poços escavados, cacimbas, açudes).
O fato inelutável é que a região tem uma demanda de água reprimida em vários bairros e
povoados da Ilha do Maranhão.
Objetivando atenuar o problema de escassez de água doce, a população que não tem acesso a
água potável deve ser instruída a buscar alternativas, tais como a coleta de água de chuva em
cisternas, cacimbas, pequenos açudes. E mesmo a população que tem acesso a água potável deve ser
estimulada a economizá-la através do aproveitamento da água de chuva nas áreas urbanas.
Este trabalho apresenta as condições hidroclimatológicas e aspectos hidrológicos relacionados
à degradação da qualidade das águas dos mananciais, finalizando com algumas sugestões para a
captação e armazenamento de água de chuva em áreas rurais e urbanas da Ilha do Maranhão, como
uma alternativa para enfrentar a escassez.
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4
2- ASPECTOS CLIMATOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS
O clima da Ilha do Maranhão, situada na transição entre o superúmido da Amazônia e o
semiárido do Nordeste, caracteriza-se como quente semi-úmido do tropical de zona equatorial, com
uma estação úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). O período de
exposição solar diária apresenta em média 2.350 horas/ano. Março e agosto são os dois meses do
ano de menor e maior período de exposição solar para a área, com os valores de 107 e 260
horas/mês, respectivamente. Os valores máximos são encontrados no período de junho a dezembro,
quando a nebulosidade é mais reduzida. A variação da umidade relativa do ar média anual é
pequena, apresentando uma oscilação em torno de 80 a 90%. Em decorrência da intensa insolação, a
temperatura do ar média anual da Ilha é 26,7o C, oscilando entre os valores extremos de 34,4o C e
17,9o C. A evaporação anual média, medida pelo evaporímetro de Piche, é de 1.020 mm, sendo que
os valores mais altos ocorrem no período de agosto a dezembro, durante a estação seca (Sousa,
1993).
O cálculo do balanço hidrológico sequencial mensal indicou uma altura de precipitação de
2.009 mm/ano, evapotranspiração potencial de 1.497 mm/ano, evapotranspiração efetiva de 1.030
mm/ano, déficit hídrico de 467 mm (período de julho a dezembro) e superávit hídrico de 979 mm
(período de janeiro a junho) (figura 2).
Analisando a série histórica dos dados pluviométricos da estação meteorológica do INMET
em São Luís-MA (020 32’ S/440 18’ W – altitude 51 m), representativa da região, é possível
observar a ocorrência de anos chuvosos e de estiagem, caracterizados por alguns desvios anuais
negativos em relação à média, da ordem de 60% (figura 3).
A análise das normais da precipitação revelou uma distribuição mensal das chuvas seguindo
um padrão unimodal caracterizado por um máximo oscilando entre março e abril, em torno de 450
mm, e um mínimo próximo de 12 mm, ocorrendo entre setembro e novembro (figura 4).
A estação úmida, que vai de janeiro a junho, precipita 85% do total da chuva anual,
enquanto que a estação seca, que vai de julho a início de dezembro, não se caracteriza por estiagens
severas. Durante a estação seca podem ocorrer dias de chuva, porém sua insuficiência hidrológica é
bastante para caracterizar a existência de uma época em que as águas são deficientes (figura 5).
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
(m
m )
Precipitação Evapotranspiração efetiva Evapotranspiração potencial
Superávit hídrico
Déficit hídrico
Figura 2 - Balanço hidrológico mensal da ilha do Maranhão-MA (Sousa, 1997)
-80
-60
-40
-20
0
20
40
60
80
100
1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
% D
esvio
Figura 3 – Desvio da precipitação anual em relação à média
(períodos: 1913-1943 e 1966-2005) em São Luis-MA (Fonte: INMET)
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6
altura de precipitação mensal (mm) (período 1931-1960) altura de precipitação mensal (mm) (período 1961-1990)
Figura 4- Precipitação mensal (mm) em São Luis-MA (Fonte: INMET)
Precipitação Máxima 24 h (mm) período 1931-1960 Precipitação Máxima 24 h (mm) período 1961-1990
Figura 5 Alturas de precipitação máxima de 24 horas em São Luis-MA (Fonte: INMET)
Tomando-se por base os dados apresentados na Tabela 1, verifica-se que nas sete principais
bacias hidrográficas da região o balanço hídrico é bastante positivo. Isto se justifica em virtude de
que a precipitação anual média de 2.009 mm de longo período gera excedentes hídricos em torno de
979 mm/ano.
A parcela do excedente hídrico que escoa pela superfície, estimada em 676,9 mm/ano, é
responsável pelo regime dos rios da região. Por sua vez, a parcela do excedente hídrico que se
infiltra nos terrenos areno-argilosos, estimada em 306,9 mm/ano, dá suporte ao fluxo de base e
alimenta os reservatórios de água subterrânea (Sousa, 1997).
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 7
Admitindo-se os valores dessas parcelas e a área de recarga avaliada em 687,3 km2, chegou-se
as contribuições de superfície (465,23 hm3/ano) e subterrânea (210,93 hm3/ano). A soma destas
duas parcelas corresponde à potencialidade hídrica estimada em 676,16 hm3/ano (Sousa, 1997).
Tabela 1 - Potenciais de água das principais bacias hidrográficas da Ilha do Maranhão
Escoamento (mm/ano) Bacia hidrográfica Área (km²) Chuva (mm/ano)
superficial subterrâneo
Tibiri 112,7 2.000 124,7 53,4
Cachorros 62,6 2.200 69,2 29,7
Bacanga 104,7 2.200 115,8 49,6
Paciência 146,8 2.000 138,6 92,4
Santo Antônio 101,1 1.850 116,7 47,9
Anil 41,7 2.100 55,7 9,8
Jeniparana 51,5 1.850 56,2 24,1
621,1 (*) 2.009 (**) 676,9 (*) 306,9 (*)
Fonte: Sousa, 1997 (*) valor total (**) valor médio
Vale salientar que a potencialidade hidrogeológica, avaliada em 210,93 hm3/ano, já não
satisfazia a demanda de água de 220,85 hm3/ano, desde a década de 90. Porém, ao se considerar que
a demanda hídrica de 346,45 hm3/ano (prevista para 2010), as contribuições de superfície
(estimadas em 465,23 hm3/ano) poderiam de algum modo atender as necessidades de água da
população (Sousa, 1997).
Como ficou demonstrado, as condições hidroclimatológicas da região não podem ser
responsabilizadas pelo atual quadro de escassez de água, que já vem se desenhando desde a década
de 90.
3- QUALIDADE DAS ÁGUAS
Sem uma visão adequada do crescimento urbano e sem ordenamento do uso do solo, os
problemas que implicam na deterioração da qualidade das águas doces da região são inevitáveis,
quais sejam: Degradação e contaminação dos mananciais de superfície; Explotação desordenada
dos aqüíferos, com risco de rompimento do sistema hidráulico e a conseqüente contaminação dos
aquíferos litorâneos pelas águas marinhas circunvizinhas; Contaminação das águas subterrâneas, em
grande parte atribuída ao sistema de disposição local de lixo e efluentes sem tratamento.
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 8
Pelo fato da explotação desordenada das águas subterrâneas no setor situado na extremidade
noroeste da Ilha, (área do Itaqui), há ocorrência de elevados teores de cloretos que atingem valores
da ordem de 780mg/l (CAEMA, 1993). Esta evolução hidroquímica setorial é comandada pela
maior permeabilidade, no sentido paralelo à estratificação de camadas horizontais e sub-horizontais,
favorecendo o fluxo da água salina, agilizado pela variação de carga a que fica submetido o
aqüífero por ocasião do superbombeamento dos poços situados próximos da linha da costa.
Outro fator limitante que afeta a qualidade das águas dos aqüíferos costeiros é a dissolução de
sais (cloretos, carbonatos) contidos nas camadas confinantes (argilas, calcário, calcarenito),
resultando em “água dura”, de sabor salobro. Entretanto, no contexto geral, as águas são
classificadas como muito moles a moles, visto que a média de dureza é de 4,93 0F (graus franceses),
sendo que apenas 15% das amostras se enquadram como águas duras.
No sistema aquífero Barreiras há uma predominância do íon cloro, apresentando uma
predominância dos cátions sódio e magnésio. Para as águas do sistema aquífero Itapecuru há
equivalência entre os íons cloro e carbonato com predominância do tipo sódica.
O pH médio se situa entre 5,86 e 6,95, porém alguns valores extremos extrapolam os limites
de potabilidade boa, atingindo faixas além de passável e medíocre.
Este padrão geral de comportamento da geoquímica das águas é alterado localmente pela
ocorrência de elevados teores de ferro nos aqüíferos costeiros da Formação Barreiras, atingindo
valores da ordem de 20,75 mg/l (GERCO/MA, 1994).
Nas bacias hidrográficas da ilha do Maranhão, a qualidade das águas superficiais é o fator
limitante para sua utilização doméstica. Desde a segunda metade da década de 90, altos valores dos
índices de coliformes (>104 NMP/100 ml) já indicavam o comprometimento da qualidade das águas
dos principais rios da região. Os altos valores de condutividade elétrica das águas dos rios Bacanga,
Cachorros e Tibiri, superiores a 17 mS/cm, mostravam a influência das águas marinhas
(GERCO/MA, 1994).
Como não existe monitoramento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, não se
conhece os níveis de agentes contaminantes desses mananciais por metais pesados (MPs) e nitratos.
E isto é motivo de preocupação, uma vez que os resultados de análises realizadas por Campos e
Nunes (2008) no igarapé Sabino, afluente do rio Tibiri, evidenciaram a presença de cobre (Cu) e
mercúrio (Hg) nas suas águas e nos sólidos em suspensão, durante todos os meses do período de
coleta de amostras (fevereiro/2006 a janeiro/2007). Os resultados apresentados são alarmantes, visto
que os teores desses MPs, na água e nos sólidos em suspensão, em todo o período de coleta de
amostras, se mantiveram acima do que permite a Resolução CONAMA, 357, de 17/03/2005.
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 9
Torna-se evidente a necessidade urgente de estudos que conduzam a uma avaliação dos níveis
de contaminação por cloretos, nitratos e metais tóxicos nos principais cursos de água e aquíferos da
Ilha do Maranhão.
Por essa razão, a crescente degradação da qualidade das águas dos mananciais, pela
explotação desordenada das águas subterrâneas e pelo lançamento de efluentes industriais e
domésticos, aumenta a perspectiva de diminuição na disponibilidade hídrica da região.
Tabela 2- Características químicas das águas subterrâneas
Aqüífero Parâmetro
Itapecuru Barreiras
Dureza (0F)
Médio
Máximo
Mínimo
4,93
24,00
0,16
2,30
9,20
0,80
pH
Médio
Máximo
Mínimo
6,95
8,92
4,90
5,86
8,30
5,20
Resíduo seco (mg/l)
Médio
Máximo
Mínimo
214,00
1.297,00
6,00
104,00
309,00
28,00
Condutividade elétrica (µΩ/cm)
Médio
Máximo
Mínimo
257,00
2.500,00
50,00
237,00
1.000,00
50,00
Fonte: CPRM, 1994
4- APROVEITAMENTO DE ÁGUA DE CHUVA
Até os anos 30, no Brasil, não eram raras as casas com reservatórios para armazenamento de
água de chuva, porém este método tornou-se obsoleto com as construções das redes de
abastecimento (Rebello, 2004, apud Peters, 2006, p. 37).
Nos últimos 20 anos, o aproveitamento de água de chuva ressurge como uma alternativa para
diminuir os problemas com a escassez e contribuir com o desenvolvimento sustentável dos recursos
hídricos. Alguns exemplos de utilização da água de chuva no meio urbano podem ser visualizados
na tabela 3.
Atualmente o sistema de coleta e armazenamento de água de chuva no Brasil é uma técnica
popular, principalmente nas regiões semi-áridas do nordeste brasileiro, onde as médias anuais são
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 10
baixas e necessita-se armazenar água para suprir principalmente as demandas potáveis (Gnadlinger,
2004).
Tabela 3- Exemplos de utilização de água de chuva, no meio urbano, no Brasil
Obra Cidade UF Área de captação (m²)
Volume da cisterna (litro)
Super Mercado Angeloni Joinville SC 5.150 167.330 Templo da Igreja Universal Santo André SP 3.600 50.000 Super Mercado BIG Camboriú SC 4.859 162.000 Hotel IBIS Blumenau SC 569,5 16.000 Primavera Tennis Florianópolis SC 3.200 60.000 Polland Química Xerém RJ 3.000 140.000 Univille Joinville SC 1.100 45.000 Auto Posto BIG Esteio RS 2.800 77.000 Auto Posto NASATO Timbó SC 800 60.000 (Compilado e modificado de Peters, 2006)
Na região do semi-árido brasileiro, existem várias experiências de tecnologias de sucesso de
captação e manejo de água de chuva para uso humano, para criação de animais e produção de
alimentos, na sua maioria desenvolvida por agricultores familiares, as quais podem ser
multiplicadas e das quais algumas são citadas, a seguir, por Gnadlinger (2006):
• Cisternas para uso humano em áreas rurais:
O Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), iniciado em 2002, partindo de uma iniciativa de
ONGs do Semi-Árido Brasileiro (ASA - Articulação do Semi-Árido), em 5 anos já construiu cerca
de 220 mil unidades (Nóbrega et al. 2008). Segundo Santos et al. (2008), cada cisterna custa em
média R$1.500,00, estimando-se o custo final do projeto em torno de R$ 1 bilhão. A maior parte
das cisternas construídas no âmbito dos programas Fome Zero e P1MC é do tipo cisterna semi-
enterrada feita com placas pré-moldadas (figura 6). O tratamento necessário dependerá do uso que
se dará a essa água.
Figura 6 – Cisterna do Programa Fome Zero Cisterna do Programa P1MC
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 11
• Cacimba:
É um poço raso, provido de tampa de madeira ou laje de concreto armado, que pode ser
construído com anéis pré-moldados ou blocos de cimento. Para diminuir riscos de contaminação, o
poço deve ser localizado convenientemente afastado de qualquer foco de contaminação (fossas,
sumidouros, currais, pocilgas etc.) e ter pelo menos, os três primeiros metros da base do poço
revestidos e impermeabilizados. Pode fornecer água para uso humano, animal e agrícola (figura 7).
Figura 7 – Poço escavado (cacimba) (Foto: Viero, 2005)
• Pequeno açude:
É um reservatório de água de chuva, construído com trator em depressões naturais do terreno.
Para prevenir perdas pela evaporação, é recomendável arborizar as margens do açude e providenciar
que o mesmo seja construído com uma boa profundidade (figura 8). O dimensionamento hidráulico
do sangrador não deve ser negligenciado, para que o barramento não se rompa durante a ocorrência
das chuvas intensas.
Figura 8 - Açude da Ponte Velha, (Ago/2005) vista da margem esquerda
Fotos disponíveis em <http://www.kompanhiadasaguas.com/Otr.Rios.htm>
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 12
• Cisternas para uso humano em áreas urbanas:
A superfície para captação de água de chuva considerada são os telhados das residências. É
necessário a colocação de calhas, condutores verticais, coletores horizontais e a construção dos
reservatórios de autolimpeza e de acumulação da água de chuva (Tomaz, 2003). Uma grade deve
ser colocada antes que a água chegue ao reservatório de autolimpeza, para reter galhos, folhas e
outras impurezas grosseiras. As primeiras chuvas levam a maior parte dos detritos e impurezas que
estão depositadas no telhado. As impurezas finas que passaram pela grade, são separadas e
descartadas. Com esse propósito é utilizado o dispositivo para desviar as primeiras águas de chuva
para um pequeno reservatório, e que quando está cheio faz com que a água passe para o reservatório
de água de chuva (figuras 9 e 10). No dimensionamento do sistema de captação, transporte e
armazenamento da água de chuva são fundamentais o conhecimento da área de captação, da
pluviometria local, do coeficiente de aproveitamento da água pluvial e do volume de água potável a
ser substituída por água pluvial na residência em que se executará o sistema.
Segundo Tomaz (2003), a chuva pode precipitar materiais que estão em suspensão na
atmosfera e que se depositarão no fundo do reservatório, criando uma pequena camada de lama. Os
microorganismos que vieram do telhado e dos encanamentos, se desenvolverão no reservatório,
colocando a saúde em risco daqueles que usarem a água de chuva para fins não potáveis, podendo
causar doenças.
A NBR 15527, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) fornece os requisitos
para o aproveitamento de água de chuva de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis.
Aplica-se a usos não potáveis em que as águas de chuva podem ser utilizadas após tratamento
adequado como, por exemplo, descargas em bacias sanitárias, irrigação de jardins, lavagem de
veículos, limpeza de calçadas e ruas, limpeza de pátios, espelhos d’água e usos industriais.
• Drenagem pluvial:
A condução do escoamento das águas pluviais para bacias de infiltração pode se constituir
numa importante fonte de recarga para as águas subterrâneas. Um estudo realizado em Nova York,
EEUU, apresentou bons resultados para uma área com taxa de impermeabilização de 20 a 30%,
aumentando de 12% na recarga e elevando de 1,50 m o nível hidrostático (Ku, 2004, apud Melo,
2001, p. 124).
Segundo Gnadlinger (2004), a cidade de Bangalore, Índia, utiliza centenas de poços
construídos para facilitar a infiltração das águas pluviais no solo, para elevar o nível do lençol
freático (figura 11).
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 13
Figura 9 - Esquema de coleta água de chuva (modificado de Peters, 2006).
Figura 10- Reservatório de auto-limpeza (modificado de Peters, 2006).
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 14
5- CONCLUSÃO
As condições hidroclimatológicas não podem ser responsabilizadas pelo atual quadro de
escassez de água na Ilha do Maranhão, que vem se agravando desde a década de 90.
A população da região não pára de crescer e vem ocupando desordenadamente o espaço
territorial que ainda resta, engendrando a destruição da cobertura vegetal remanescente das áreas de
proteção dos mananciais.
A perda progressiva da cobertura vegetal das áreas de recarga e das matas ciliares dos rios, o
despejo de efluentes in natura nas suas águas são os responsáveis pela degradação das bacias
hidrográficas, resultando na redução da qualidade das águas.
Os riscos de contaminação das águas doces são elevados e já existem algumas evidências de
que isso já está acontecendo, podendo acarretar sérios impactos na saúde dos habitantes da Ilha do
Maranhão.
Diante desses problemas, são necessárias adaptações organizacionais e estruturais para
amenizar a escassez de água atual nos municípios da Ilha do Maranhão. Entre essas, se destaca, o
aproveitamento de água de chuva, hoje promovido em diversas regiões brasileiras, particularmente
no nordeste do semi-árido brasileiro.
Figura 11 - Poço de recarga do lençol freático em Bangalore, Índia (Modificado de Gnadlinger, 2004)
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 15
O uso de água de chuva, apesar de não ser uma panacéia, desponta como uma alternativa para
o abastecimento da população da Ilha do Maranhão, em áreas onde as outras fontes de água
disponíveis são escassas e/ou de qualidade inadequada. Igualmente, o aproveitamento de água de
chuva pode ser uma estratégia a ser aplicada para fins não potáveis, em residências urbanas e
indústrias que possuem água encanada, muito favorecendo o enfrentamento da crise da falta de
água.
O uso eficiente e integrado da água disponível na região – captação de água de chuva, rios,
poços, cacimbas, pequenos açudes, águas de reuso, principalmente – pode vir a ser uma experiência
de sucesso com possibilidade de se atender demandas hídricas crescentes, atuais e futuras.
Entretanto, convém ressaltar que o uso da captação de água de chuva em regiões diferentes
exige levar em consideração os fatores tecnológico, biofísico, hidrológico, ecológico, social,
cultural, econômico e político de cada região.
Considerando todos esses fatores, é imprescindível que o governo estadual inclua a educação,
a proteção ambiental e o gerenciamento dos recursos hídricos nos projetos de desenvolvimento
social da população maranhense como um todo.
BIBLIOGRAFIA
ASA – Articulação do Semi-Árido Brasileiro. Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br>. Acesso em 27/04/2009 BITTENCOURT, J.B. et al. Perfil estadual do litoral maranhense. Relatório Nº. 007/94-CPE/GERCOMA, 1994. São Luis-MA. CAMPOS, A. E. L., NUNES, G. S. (2008). “Metais pesados provenientes do aterro da Ribeira contaminam o riacho do Sabino, afluente da bacia do Tibiri, em São Luis-MA”. Revista Inovação n.08, pp.57-59. CPRM. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. São Luís-Cururupu – folhas SA.23-ZA e SA.23-X-C. Estado do Maranhão. Brasília, 1994. GNADLINGER, J. Relatório da oficina internacional sobre captação e manejo de água de chuva, Landzou, China 16 de junho-31 de agosto 2004. Disponível em: <http://www.abcmac.org.br/docs/relatchina.pdf> Acesso em 27/04/2009. GNADLINGER, J. et al. Tecnologias de captação e manejo de água de chuva para o semi-árido brasileiro, 2006. Disponível em: http://www.unizar.es/fnca/america/docu/3607.pdf Acesso em 27/04/2009 MELO, J. G. (2001). Águas subterrâneas em ambientes urbanos – o caso da cidade de Natal-RN. in Anais do IV Simpósio de Hidrogeologia do Nordeste e XII Encontro Nacional de Perfuradores de Poços, ABAS, Olinda-PE, pp. 53-63. NÓBREGA, R. L. B. et al. (2008) Articulação de políticas públicas e vulnerabilidade dos recursos hídricos: o caso do aproveitamento da água de chuva em zonas rurais. in: Anais IX Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, Salvador-BA. PEREIRA, S. (1997) Experiência de gerenciamento de programas de cisternas no município de Campo Alegre de Lourdes – BA. In Anais I Simpósio Brasileiro de Captação e Manejo de Água de Chuva, Petrolina, PE.
XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 16
PETERS, M. R. Potencialidade de uso de fontes alternativas de água para fins não potáveis em uma unidade residencial. Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PGEA0263.pdf>. Acesso em: 29/04/2009. Programa Cisternas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Disponível em: http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricional-san/cisternas Acesso em: 03/05/2009 SANTOS, M. J. et al. Captação de água de chuva: modelo conceitual e tecnológico do Programa Um Milhão de Cisternas rurais – P1CC. In: Anais IX Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, Salvador-Ba, 2008. SOUSA, S. B. Caracterização climatológica da zona costeira do Maranhão. São Luis: Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Maranhão, 1993. 36 p. e 55 mapas escala 1:2.000.000. (Publicação 002-93- GERCO/MA) SOUSA, S. B. Recursos hídricos da Ilha do Maranhão. Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-graduação em Geologia Ambiental da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1997. TOMAZ, P. Aproveitamento de água de chuva. São Paulo: Navegar Editora, 2003. Programa Um Milhão de Cisternas – Articulação do Semi-Árido Brasileiro (ASA). Disponível em http://www.rts.org.br/noticias/mais-do-que-um-milhao-de-cisternas Acesso: 03/05/2009 VIERO, A. P. Poços tubulares (artesianos) em áreas urbanas e contaminação de aqüíferos. UFRGS/CREA/RS. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/ambiente/arquivos/apresentacao1.pdf. Acesso em: 03/05/2009