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XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 USO DA ÁGUA DE CHUVA: uma alternativa para enfrentar a escassez de água na Ilha do Maranhão-MA Sergio Barreto de Sousa 1 RESUMO: A Ilha do Maranhão, localizada na Província Costeira, ao norte da Bacia do Parnaíba, está situada em uma bacia sedimentar, que faz parte das sub-províncias hidrogeológicas São Luis/Barreirinhas. Os mananciais são muito vulneráveis à poluição e as fontes de abastecimento são escassas, principalmente por se tratar de uma ilha costeira. A região abrange uma extensão de 1.409 km² e é ocupada por 1.211.270 habitantes, concentrando o equivalente a 19,8% da população do Estado do Maranhão em apenas 0,42% do seu território. O clima é equatorial semi-úmido, com uma estação úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). A precipitação média anual de 2.009 mm, de longo período, gera excedentes hídricos em torno de 979 mm/ano. Apesar do balanço hídrico favorável, há déficit na distribuição de água para o abastecimento humano em vários bairros e povoados dos municípios da Ilha do Maranhão (São Luis, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar). Como uma alternativa para mitigar a escassez de água são apresentadas algumas sugestões para o aproveitamento da água de chuva em áreas rurais e urbanas da região. ABSTRACT --- The Maranhão Island located in the Coastal Province, north Parnaíba Basin, is placed in a sedimentary basin, that is part of the hydrogeological sub-provinces of São Luís/Barreirinhas. The spring waters are very vulnerable to the pollution and sources of provisioning are scarces, mainly for treating of a coastal island . The area covers about 1.409 km² , is taken up for 1,211,270 inhabitants, concentrating the equivalent to 19.8% of Maranhão State population on 0.42% of your territorial extension. The climate is equatorial semi-humid with a wet season (January to June) and a dry season (July to December). The annual precipitation 2009 mm, of long period, generates water surplus around 979 mm/year. Despite the favorable water balance, the distribution of freshwater for the human provisioning is deficient in several neighborhoods and villages of the municipal districts of Maranhão Island (São Luis, São José de Ribamar, Raposa and Paço do Lumiar). As an alternative to mitigate the repressed water demand, some suggestions is presented for the use of rain water in rural and urban areas of the region. Palavras-Chave – água de chuva, uso da água, Ilha do Maranhão. 1 Professor Adjunto do IFMA,DCC, Av. Getulio Vargas, 4 – Monte Castelo- 65025-001 São Luis-MA E-mail: [email protected]

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XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1

USO DA ÁGUA DE CHUVA: uma alternativa para enfrentar a escassez de

água na Ilha do Maranhão-MA

Sergio Barreto de Sousa1

RESUMO: A Ilha do Maranhão, localizada na Província Costeira, ao norte da Bacia do Parnaíba, está situada em uma bacia sedimentar, que faz parte das sub-províncias hidrogeológicas São Luis/Barreirinhas. Os mananciais são muito vulneráveis à poluição e as fontes de abastecimento são escassas, principalmente por se tratar de uma ilha costeira. A região abrange uma extensão de 1.409 km² e é ocupada por 1.211.270 habitantes, concentrando o equivalente a 19,8% da população do Estado do Maranhão em apenas 0,42% do seu território. O clima é equatorial semi-úmido, com uma estação úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). A precipitação média anual de 2.009 mm, de longo período, gera excedentes hídricos em torno de 979 mm/ano. Apesar do balanço hídrico favorável, há déficit na distribuição de água para o abastecimento humano em vários bairros e povoados dos municípios da Ilha do Maranhão (São Luis, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar). Como uma alternativa para mitigar a escassez de água são apresentadas algumas sugestões para o aproveitamento da água de chuva em áreas rurais e urbanas da região.

ABSTRACT --- The Maranhão Island located in the Coastal Province, north Parnaíba Basin, is placed in a sedimentary basin, that is part of the hydrogeological sub-provinces of São Luís/Barreirinhas. The spring waters are very vulnerable to the pollution and sources of provisioning are scarces, mainly for treating of a coastal island . The area covers about 1.409 km² , is taken up for 1,211,270 inhabitants, concentrating the equivalent to 19.8% of Maranhão State population on 0.42% of your territorial extension. The climate is equatorial semi-humid with a wet season (January to June) and a dry season (July to December). The annual precipitation 2009 mm, of long period, generates water surplus around 979 mm/year. Despite the favorable water balance, the distribution of freshwater for the human provisioning is deficient in several neighborhoods and villages of the municipal districts of Maranhão Island (São Luis, São José de Ribamar, Raposa and Paço do Lumiar). As an alternative to mitigate the repressed water demand, some suggestions is presented for the use of rain water in rural and urban areas of the region.

Palavras-Chave – água de chuva, uso da água, Ilha do Maranhão.

1 Professor Adjunto do IFMA,DCC, Av. Getulio Vargas, 4 – Monte Castelo- 65025-001 São Luis-MA E-mail: [email protected]

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1- INTRODUÇẴO

A Ilha do Maranhão, localizada na Província Costeira, ao norte da bacia sedimentar Parnaíba,

está situada na porção central da folha São Luis (SA.23-Z-A), entre as coordenadas UTM 560000mE, 608000mE, 9692000mN e 9736000mN (figura 1).

Figura 1 – Localização da Ilha do Maranhão (modificado da imagem satélite SPOT, WRS 711/355)

Fonte: GERCO-MA, 1994

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A região abrange uma extensão de 1.409 km² e é ocupada por 1.211.270 habitantes,

concentrando o equivalente a 19,8% da população do Estado do Maranhão em apenas 0,42% do seu

território (IBGE, 2007).

O clima na região, situada na transição entre o superúmido da Amazônia e o semiárido do

Nordeste, caracteriza-se como quente semi-úmido do tropical de zona equatorial, com uma estação

úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). A precipitação média anual de

2.009 mm é caracterizada por um padrão de chuvas unimodal com um máximo oscilando entre

março e abril, em torno de 450 mm/mês e um mínimo de 12 mm/mês, ocorrendo entre setembro e

novembro. A estação seca não é marcada por estiagens severas, porém a insuficiência hidrológica é

bastante para caracterizar a existência de um período em que as águas são deficientes.

A região está localizada em uma bacia sedimentar, que faz parte das sub-províncias

hidrogeológicas São Luis/Barreirinhas. Os mananciais são muito vulneráveis à poluição e as fontes

de abastecimento são escassas, principalmente por se tratar de uma ilha costeira.

Não se tem uma dimensão exata da disponibilidade hídrica dos municípios da Ilha do

Maranhão (São Luis, São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar), pelo fato de não se ter um

cadastro de poços e pontos de água completo e atualizado.

Baseado em informações da Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (CAEMA), a

população do município de São Luis é servida pela rede de distribuição de água dessa maneira:

42,34% dos habitantes são abastecidos pelos mananciais subterrâneos (poços tubulares) e os

57,56% restantes, pelos mananciais de superfície (sistemas produtores do Sacavém e Italuís). Por

falta de um inventário hidrológico, não se tem dados da população dos outros municípios que se

abastece de rios, de poços tubulares e de outras fontes (poços escavados, cacimbas, açudes).

O fato inelutável é que a região tem uma demanda de água reprimida em vários bairros e

povoados da Ilha do Maranhão.

Objetivando atenuar o problema de escassez de água doce, a população que não tem acesso a

água potável deve ser instruída a buscar alternativas, tais como a coleta de água de chuva em

cisternas, cacimbas, pequenos açudes. E mesmo a população que tem acesso a água potável deve ser

estimulada a economizá-la através do aproveitamento da água de chuva nas áreas urbanas.

Este trabalho apresenta as condições hidroclimatológicas e aspectos hidrológicos relacionados

à degradação da qualidade das águas dos mananciais, finalizando com algumas sugestões para a

captação e armazenamento de água de chuva em áreas rurais e urbanas da Ilha do Maranhão, como

uma alternativa para enfrentar a escassez.

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2- ASPECTOS CLIMATOLÓGICOS E HIDROLÓGICOS

O clima da Ilha do Maranhão, situada na transição entre o superúmido da Amazônia e o

semiárido do Nordeste, caracteriza-se como quente semi-úmido do tropical de zona equatorial, com

uma estação úmida (janeiro a junho) e uma estação seca (julho a dezembro). O período de

exposição solar diária apresenta em média 2.350 horas/ano. Março e agosto são os dois meses do

ano de menor e maior período de exposição solar para a área, com os valores de 107 e 260

horas/mês, respectivamente. Os valores máximos são encontrados no período de junho a dezembro,

quando a nebulosidade é mais reduzida. A variação da umidade relativa do ar média anual é

pequena, apresentando uma oscilação em torno de 80 a 90%. Em decorrência da intensa insolação, a

temperatura do ar média anual da Ilha é 26,7o C, oscilando entre os valores extremos de 34,4o C e

17,9o C. A evaporação anual média, medida pelo evaporímetro de Piche, é de 1.020 mm, sendo que

os valores mais altos ocorrem no período de agosto a dezembro, durante a estação seca (Sousa,

1993).

O cálculo do balanço hidrológico sequencial mensal indicou uma altura de precipitação de

2.009 mm/ano, evapotranspiração potencial de 1.497 mm/ano, evapotranspiração efetiva de 1.030

mm/ano, déficit hídrico de 467 mm (período de julho a dezembro) e superávit hídrico de 979 mm

(período de janeiro a junho) (figura 2).

Analisando a série histórica dos dados pluviométricos da estação meteorológica do INMET

em São Luís-MA (020 32’ S/440 18’ W – altitude 51 m), representativa da região, é possível

observar a ocorrência de anos chuvosos e de estiagem, caracterizados por alguns desvios anuais

negativos em relação à média, da ordem de 60% (figura 3).

A análise das normais da precipitação revelou uma distribuição mensal das chuvas seguindo

um padrão unimodal caracterizado por um máximo oscilando entre março e abril, em torno de 450

mm, e um mínimo próximo de 12 mm, ocorrendo entre setembro e novembro (figura 4).

A estação úmida, que vai de janeiro a junho, precipita 85% do total da chuva anual,

enquanto que a estação seca, que vai de julho a início de dezembro, não se caracteriza por estiagens

severas. Durante a estação seca podem ocorrer dias de chuva, porém sua insuficiência hidrológica é

bastante para caracterizar a existência de uma época em que as águas são deficientes (figura 5).

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0

50

100

150

200

250

300

350

400

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

(m

m )

Precipitação Evapotranspiração efetiva Evapotranspiração potencial

Superávit hídrico

Déficit hídrico

Figura 2 - Balanço hidrológico mensal da ilha do Maranhão-MA (Sousa, 1997)

-80

-60

-40

-20

0

20

40

60

80

100

1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

% D

esvio

Figura 3 – Desvio da precipitação anual em relação à média

(períodos: 1913-1943 e 1966-2005) em São Luis-MA (Fonte: INMET)

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altura de precipitação mensal (mm) (período 1931-1960) altura de precipitação mensal (mm) (período 1961-1990)

Figura 4- Precipitação mensal (mm) em São Luis-MA (Fonte: INMET)

Precipitação Máxima 24 h (mm) período 1931-1960 Precipitação Máxima 24 h (mm) período 1961-1990

Figura 5 Alturas de precipitação máxima de 24 horas em São Luis-MA (Fonte: INMET)

Tomando-se por base os dados apresentados na Tabela 1, verifica-se que nas sete principais

bacias hidrográficas da região o balanço hídrico é bastante positivo. Isto se justifica em virtude de

que a precipitação anual média de 2.009 mm de longo período gera excedentes hídricos em torno de

979 mm/ano.

A parcela do excedente hídrico que escoa pela superfície, estimada em 676,9 mm/ano, é

responsável pelo regime dos rios da região. Por sua vez, a parcela do excedente hídrico que se

infiltra nos terrenos areno-argilosos, estimada em 306,9 mm/ano, dá suporte ao fluxo de base e

alimenta os reservatórios de água subterrânea (Sousa, 1997).

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Admitindo-se os valores dessas parcelas e a área de recarga avaliada em 687,3 km2, chegou-se

as contribuições de superfície (465,23 hm3/ano) e subterrânea (210,93 hm3/ano). A soma destas

duas parcelas corresponde à potencialidade hídrica estimada em 676,16 hm3/ano (Sousa, 1997).

Tabela 1 - Potenciais de água das principais bacias hidrográficas da Ilha do Maranhão

Escoamento (mm/ano) Bacia hidrográfica Área (km²) Chuva (mm/ano)

superficial subterrâneo

Tibiri 112,7 2.000 124,7 53,4

Cachorros 62,6 2.200 69,2 29,7

Bacanga 104,7 2.200 115,8 49,6

Paciência 146,8 2.000 138,6 92,4

Santo Antônio 101,1 1.850 116,7 47,9

Anil 41,7 2.100 55,7 9,8

Jeniparana 51,5 1.850 56,2 24,1

621,1 (*) 2.009 (**) 676,9 (*) 306,9 (*)

Fonte: Sousa, 1997 (*) valor total (**) valor médio

Vale salientar que a potencialidade hidrogeológica, avaliada em 210,93 hm3/ano, já não

satisfazia a demanda de água de 220,85 hm3/ano, desde a década de 90. Porém, ao se considerar que

a demanda hídrica de 346,45 hm3/ano (prevista para 2010), as contribuições de superfície

(estimadas em 465,23 hm3/ano) poderiam de algum modo atender as necessidades de água da

população (Sousa, 1997).

Como ficou demonstrado, as condições hidroclimatológicas da região não podem ser

responsabilizadas pelo atual quadro de escassez de água, que já vem se desenhando desde a década

de 90.

3- QUALIDADE DAS ÁGUAS

Sem uma visão adequada do crescimento urbano e sem ordenamento do uso do solo, os

problemas que implicam na deterioração da qualidade das águas doces da região são inevitáveis,

quais sejam: Degradação e contaminação dos mananciais de superfície; Explotação desordenada

dos aqüíferos, com risco de rompimento do sistema hidráulico e a conseqüente contaminação dos

aquíferos litorâneos pelas águas marinhas circunvizinhas; Contaminação das águas subterrâneas, em

grande parte atribuída ao sistema de disposição local de lixo e efluentes sem tratamento.

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Pelo fato da explotação desordenada das águas subterrâneas no setor situado na extremidade

noroeste da Ilha, (área do Itaqui), há ocorrência de elevados teores de cloretos que atingem valores

da ordem de 780mg/l (CAEMA, 1993). Esta evolução hidroquímica setorial é comandada pela

maior permeabilidade, no sentido paralelo à estratificação de camadas horizontais e sub-horizontais,

favorecendo o fluxo da água salina, agilizado pela variação de carga a que fica submetido o

aqüífero por ocasião do superbombeamento dos poços situados próximos da linha da costa.

Outro fator limitante que afeta a qualidade das águas dos aqüíferos costeiros é a dissolução de

sais (cloretos, carbonatos) contidos nas camadas confinantes (argilas, calcário, calcarenito),

resultando em “água dura”, de sabor salobro. Entretanto, no contexto geral, as águas são

classificadas como muito moles a moles, visto que a média de dureza é de 4,93 0F (graus franceses),

sendo que apenas 15% das amostras se enquadram como águas duras.

No sistema aquífero Barreiras há uma predominância do íon cloro, apresentando uma

predominância dos cátions sódio e magnésio. Para as águas do sistema aquífero Itapecuru há

equivalência entre os íons cloro e carbonato com predominância do tipo sódica.

O pH médio se situa entre 5,86 e 6,95, porém alguns valores extremos extrapolam os limites

de potabilidade boa, atingindo faixas além de passável e medíocre.

Este padrão geral de comportamento da geoquímica das águas é alterado localmente pela

ocorrência de elevados teores de ferro nos aqüíferos costeiros da Formação Barreiras, atingindo

valores da ordem de 20,75 mg/l (GERCO/MA, 1994).

Nas bacias hidrográficas da ilha do Maranhão, a qualidade das águas superficiais é o fator

limitante para sua utilização doméstica. Desde a segunda metade da década de 90, altos valores dos

índices de coliformes (>104 NMP/100 ml) já indicavam o comprometimento da qualidade das águas

dos principais rios da região. Os altos valores de condutividade elétrica das águas dos rios Bacanga,

Cachorros e Tibiri, superiores a 17 mS/cm, mostravam a influência das águas marinhas

(GERCO/MA, 1994).

Como não existe monitoramento da qualidade das águas superficiais e subterrâneas, não se

conhece os níveis de agentes contaminantes desses mananciais por metais pesados (MPs) e nitratos.

E isto é motivo de preocupação, uma vez que os resultados de análises realizadas por Campos e

Nunes (2008) no igarapé Sabino, afluente do rio Tibiri, evidenciaram a presença de cobre (Cu) e

mercúrio (Hg) nas suas águas e nos sólidos em suspensão, durante todos os meses do período de

coleta de amostras (fevereiro/2006 a janeiro/2007). Os resultados apresentados são alarmantes, visto

que os teores desses MPs, na água e nos sólidos em suspensão, em todo o período de coleta de

amostras, se mantiveram acima do que permite a Resolução CONAMA, 357, de 17/03/2005.

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Torna-se evidente a necessidade urgente de estudos que conduzam a uma avaliação dos níveis

de contaminação por cloretos, nitratos e metais tóxicos nos principais cursos de água e aquíferos da

Ilha do Maranhão.

Por essa razão, a crescente degradação da qualidade das águas dos mananciais, pela

explotação desordenada das águas subterrâneas e pelo lançamento de efluentes industriais e

domésticos, aumenta a perspectiva de diminuição na disponibilidade hídrica da região.

Tabela 2- Características químicas das águas subterrâneas

Aqüífero Parâmetro

Itapecuru Barreiras

Dureza (0F)

Médio

Máximo

Mínimo

4,93

24,00

0,16

2,30

9,20

0,80

pH

Médio

Máximo

Mínimo

6,95

8,92

4,90

5,86

8,30

5,20

Resíduo seco (mg/l)

Médio

Máximo

Mínimo

214,00

1.297,00

6,00

104,00

309,00

28,00

Condutividade elétrica (µΩ/cm)

Médio

Máximo

Mínimo

257,00

2.500,00

50,00

237,00

1.000,00

50,00

Fonte: CPRM, 1994

4- APROVEITAMENTO DE ÁGUA DE CHUVA

Até os anos 30, no Brasil, não eram raras as casas com reservatórios para armazenamento de

água de chuva, porém este método tornou-se obsoleto com as construções das redes de

abastecimento (Rebello, 2004, apud Peters, 2006, p. 37).

Nos últimos 20 anos, o aproveitamento de água de chuva ressurge como uma alternativa para

diminuir os problemas com a escassez e contribuir com o desenvolvimento sustentável dos recursos

hídricos. Alguns exemplos de utilização da água de chuva no meio urbano podem ser visualizados

na tabela 3.

Atualmente o sistema de coleta e armazenamento de água de chuva no Brasil é uma técnica

popular, principalmente nas regiões semi-áridas do nordeste brasileiro, onde as médias anuais são

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baixas e necessita-se armazenar água para suprir principalmente as demandas potáveis (Gnadlinger,

2004).

Tabela 3- Exemplos de utilização de água de chuva, no meio urbano, no Brasil

Obra Cidade UF Área de captação (m²)

Volume da cisterna (litro)

Super Mercado Angeloni Joinville SC 5.150 167.330 Templo da Igreja Universal Santo André SP 3.600 50.000 Super Mercado BIG Camboriú SC 4.859 162.000 Hotel IBIS Blumenau SC 569,5 16.000 Primavera Tennis Florianópolis SC 3.200 60.000 Polland Química Xerém RJ 3.000 140.000 Univille Joinville SC 1.100 45.000 Auto Posto BIG Esteio RS 2.800 77.000 Auto Posto NASATO Timbó SC 800 60.000 (Compilado e modificado de Peters, 2006)

Na região do semi-árido brasileiro, existem várias experiências de tecnologias de sucesso de

captação e manejo de água de chuva para uso humano, para criação de animais e produção de

alimentos, na sua maioria desenvolvida por agricultores familiares, as quais podem ser

multiplicadas e das quais algumas são citadas, a seguir, por Gnadlinger (2006):

• Cisternas para uso humano em áreas rurais:

O Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), iniciado em 2002, partindo de uma iniciativa de

ONGs do Semi-Árido Brasileiro (ASA - Articulação do Semi-Árido), em 5 anos já construiu cerca

de 220 mil unidades (Nóbrega et al. 2008). Segundo Santos et al. (2008), cada cisterna custa em

média R$1.500,00, estimando-se o custo final do projeto em torno de R$ 1 bilhão. A maior parte

das cisternas construídas no âmbito dos programas Fome Zero e P1MC é do tipo cisterna semi-

enterrada feita com placas pré-moldadas (figura 6). O tratamento necessário dependerá do uso que

se dará a essa água.

Figura 6 – Cisterna do Programa Fome Zero Cisterna do Programa P1MC

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• Cacimba:

É um poço raso, provido de tampa de madeira ou laje de concreto armado, que pode ser

construído com anéis pré-moldados ou blocos de cimento. Para diminuir riscos de contaminação, o

poço deve ser localizado convenientemente afastado de qualquer foco de contaminação (fossas,

sumidouros, currais, pocilgas etc.) e ter pelo menos, os três primeiros metros da base do poço

revestidos e impermeabilizados. Pode fornecer água para uso humano, animal e agrícola (figura 7).

Figura 7 – Poço escavado (cacimba) (Foto: Viero, 2005)

• Pequeno açude:

É um reservatório de água de chuva, construído com trator em depressões naturais do terreno.

Para prevenir perdas pela evaporação, é recomendável arborizar as margens do açude e providenciar

que o mesmo seja construído com uma boa profundidade (figura 8). O dimensionamento hidráulico

do sangrador não deve ser negligenciado, para que o barramento não se rompa durante a ocorrência

das chuvas intensas.

Figura 8 - Açude da Ponte Velha, (Ago/2005) vista da margem esquerda

Fotos disponíveis em <http://www.kompanhiadasaguas.com/Otr.Rios.htm>

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• Cisternas para uso humano em áreas urbanas:

A superfície para captação de água de chuva considerada são os telhados das residências. É

necessário a colocação de calhas, condutores verticais, coletores horizontais e a construção dos

reservatórios de autolimpeza e de acumulação da água de chuva (Tomaz, 2003). Uma grade deve

ser colocada antes que a água chegue ao reservatório de autolimpeza, para reter galhos, folhas e

outras impurezas grosseiras. As primeiras chuvas levam a maior parte dos detritos e impurezas que

estão depositadas no telhado. As impurezas finas que passaram pela grade, são separadas e

descartadas. Com esse propósito é utilizado o dispositivo para desviar as primeiras águas de chuva

para um pequeno reservatório, e que quando está cheio faz com que a água passe para o reservatório

de água de chuva (figuras 9 e 10). No dimensionamento do sistema de captação, transporte e

armazenamento da água de chuva são fundamentais o conhecimento da área de captação, da

pluviometria local, do coeficiente de aproveitamento da água pluvial e do volume de água potável a

ser substituída por água pluvial na residência em que se executará o sistema.

Segundo Tomaz (2003), a chuva pode precipitar materiais que estão em suspensão na

atmosfera e que se depositarão no fundo do reservatório, criando uma pequena camada de lama. Os

microorganismos que vieram do telhado e dos encanamentos, se desenvolverão no reservatório,

colocando a saúde em risco daqueles que usarem a água de chuva para fins não potáveis, podendo

causar doenças.

A NBR 15527, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) fornece os requisitos

para o aproveitamento de água de chuva de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis.

Aplica-se a usos não potáveis em que as águas de chuva podem ser utilizadas após tratamento

adequado como, por exemplo, descargas em bacias sanitárias, irrigação de jardins, lavagem de

veículos, limpeza de calçadas e ruas, limpeza de pátios, espelhos d’água e usos industriais.

• Drenagem pluvial:

A condução do escoamento das águas pluviais para bacias de infiltração pode se constituir

numa importante fonte de recarga para as águas subterrâneas. Um estudo realizado em Nova York,

EEUU, apresentou bons resultados para uma área com taxa de impermeabilização de 20 a 30%,

aumentando de 12% na recarga e elevando de 1,50 m o nível hidrostático (Ku, 2004, apud Melo,

2001, p. 124).

Segundo Gnadlinger (2004), a cidade de Bangalore, Índia, utiliza centenas de poços

construídos para facilitar a infiltração das águas pluviais no solo, para elevar o nível do lençol

freático (figura 11).

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Figura 9 - Esquema de coleta água de chuva (modificado de Peters, 2006).

Figura 10- Reservatório de auto-limpeza (modificado de Peters, 2006).

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5- CONCLUSÃO

As condições hidroclimatológicas não podem ser responsabilizadas pelo atual quadro de

escassez de água na Ilha do Maranhão, que vem se agravando desde a década de 90.

A população da região não pára de crescer e vem ocupando desordenadamente o espaço

territorial que ainda resta, engendrando a destruição da cobertura vegetal remanescente das áreas de

proteção dos mananciais.

A perda progressiva da cobertura vegetal das áreas de recarga e das matas ciliares dos rios, o

despejo de efluentes in natura nas suas águas são os responsáveis pela degradação das bacias

hidrográficas, resultando na redução da qualidade das águas.

Os riscos de contaminação das águas doces são elevados e já existem algumas evidências de

que isso já está acontecendo, podendo acarretar sérios impactos na saúde dos habitantes da Ilha do

Maranhão.

Diante desses problemas, são necessárias adaptações organizacionais e estruturais para

amenizar a escassez de água atual nos municípios da Ilha do Maranhão. Entre essas, se destaca, o

aproveitamento de água de chuva, hoje promovido em diversas regiões brasileiras, particularmente

no nordeste do semi-árido brasileiro.

Figura 11 - Poço de recarga do lençol freático em Bangalore, Índia (Modificado de Gnadlinger, 2004)

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O uso de água de chuva, apesar de não ser uma panacéia, desponta como uma alternativa para

o abastecimento da população da Ilha do Maranhão, em áreas onde as outras fontes de água

disponíveis são escassas e/ou de qualidade inadequada. Igualmente, o aproveitamento de água de

chuva pode ser uma estratégia a ser aplicada para fins não potáveis, em residências urbanas e

indústrias que possuem água encanada, muito favorecendo o enfrentamento da crise da falta de

água.

O uso eficiente e integrado da água disponível na região – captação de água de chuva, rios,

poços, cacimbas, pequenos açudes, águas de reuso, principalmente – pode vir a ser uma experiência

de sucesso com possibilidade de se atender demandas hídricas crescentes, atuais e futuras.

Entretanto, convém ressaltar que o uso da captação de água de chuva em regiões diferentes

exige levar em consideração os fatores tecnológico, biofísico, hidrológico, ecológico, social,

cultural, econômico e político de cada região.

Considerando todos esses fatores, é imprescindível que o governo estadual inclua a educação,

a proteção ambiental e o gerenciamento dos recursos hídricos nos projetos de desenvolvimento

social da população maranhense como um todo.

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