a inconstitucionalidade do usucapiao especial urbano por ...
Usucapiao de Programa de Computador
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MUNDO JURÍDICOartigo de Álvaro Borges de Oliveira
USUCAPIÃO DE PROGRAMA DE COMPUTADOR
Álvaro Borges de OliveiraBacharel em Ciência da Computação, Mestre e Doutor (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), Bacharel em Direito (Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI), Doutorando em Ciência Jurídica (Curso de Pós-Graduação em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI), Professor da Disciplina de Informática Jurídica e Propriedade (UNIVALI) e da Disciplina Direito Internacional e Privado: problemas suscitados pela informática (CPCJ). Autor das Seguintes obras: Introdução a Programação: algoritmos; Métodos de Ordenação Interna; Noções sobre a Pena e sua Forma de Aplicação; Novos Direitos: direito de informática e tributação de Programa de Computador; Novo Código Civil: artigos comparados.
Tenho convicção de que depois deste pequeno ensaio muitos trabalhos
científicos ocorrerão acerca do assunto, pois a idéia aqui é justamente esta, trazer uma
discussão jurídica pontual, o usucapião de programa de computador, dentro duma nova área
do Direito, a Informática Jurídica, tão pouco legislada e que ao mesmo tempo pode e deve
socorrer-se à política jurídica.
Antes de iniciar a discussão propriamente dita a respeito do assunto, é leitura
propedêutica alguns assuntos a respeito de programas de computador, a exemplo de sua
natureza jurídica e sua definição.
Não tenho dúvidas quanto a natureza jurídica do programa de computador ser a
mesma dos direitos autorais, pois a lei é expressa neste sentido, como se observa no art. 7º,
inciso XII, da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9610/98) e da própria lei que dispõe sobre a
Propriedade Intelectual de Programa de Computador (Lei 9609/98), em seu art. 2o.
Neste sentido nossa legislação foi suficientemente inteligente para seguir a
tendência internacional, tanto que o Brasil é signatário de convenções que em seu bojo tratam
sobre o assunto, como: Convenção de Berna (Decreto número 75.699/75), Aspectos
Comerciais dos Direitos à Proteção Intelectual (TRIPs – Decreto número 1.355/94),
Convenção Inter-Americana (Decreto número 26.675/49), Convenção Internacional de Roma
(Decreto nº 57.125/65), Convenção Universal sobre o Direito de Autor em Obras Literárias,
Científicas e Artísticas (Decreto número 76.905/75).
Perdoem-me os que insistem em incorrer no equivoco de que programa de
computador possui outra natureza jurídica, tentando traçar por meio de muita criatividade,
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pois tem como objetivo sublinear atrair impostos1 aos programas de computador, neste
sentido vê-se alguns procuradores do Estado e outros autores dos mais desvairados gêneros.
Por conseguinte traz-se à baila o conceito de programa de computador, que
deve ser definido sob ótica jurídica e não técnica, embora desta não possa se dispersar.
Mesmo tendo conhecimento que a Lei 9609/98, em seu art. 1o, o tenha definido, prefere-se o
seguinte2: programa de Computador (fonte ou objeto3) é criação da psique, descrita em um
conjunto de instruções (comandos) em linguagem natural ou compilada, dispostas numa
seqüência lógica, finita, por meio de técnica digital ou análoga, materializada num suporte
físico de qualquer natureza, com a finalidade de automatizar informações (conhecimento),
com os atributos de indivisibilidade4, intangibilidade5, mobilidade6, fungibilidade7 e corpus-
bit8, passível de apropriação simultânea e de caráter temporário.
Destarte, aduz-se para o objeto proposto deste ensaio, asseverando ser o
programa de computador um bem móvel por força do art. 3o da Lei 9610/96. Por conseguinte,
é, também, um bem passível de comércio conforme os arts. 28 e 49 da Lei 9610 e do art. 9o da
Lei 9609/98, o que possibilita, a priori, de se utilizar o instituto do usucapião para programa
de computador.
Há de se deixar claro que não se “compra” um programa de computador, mas
sim, adquire-se para uso, por isso os arts. 28, 49 e 9o, supra, tratarem de contratos de licença
de uso, concessão e cessão (doravante chamaremos simplesmente de contratos). Não
discutirei aqui estas espécies de contratos, por não ser o mérito principal e, mesmo porque iria
me alongar demais, deixo como que fazer para o leitor.
1 Uma discussão científica a este respeito pode ser vista em OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Novos Direitos: direito de informática e a tributação de programa de computador. Florianópolis: Momento Atual, 2002.
2 Extraído este conceito de OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Novos Direitos: direito de informática e a tributação de programa de computador. Florianópolis: Momento Atual, 2002.
3 Para entender o que venha a ser Código Fonte e Objeto, bem como uma classificação a respeito veja em OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Novos Direitos: direito de informática e a tributação de programa de computador. Florianópolis: Momento Atual, 2002.
4 Conforme art. 88 do Código Civil.5 Aqui Intangibilidade é no sentido literal, isto é, que não se pode tocar, apalpar, incapaz de ser definido ou
determinado com certeza ou precisão. A intangibilidade, por sua vez, pode ser também analisada num sentido lato, isto é, do ponto de vista da percepção, de se sentir e, se assim fosse analisada, o Programa de Computador seria tangível, pois quando se esta diante de um jogo de computador, por exemplo, interagindo com este sente-se emoção como a raiva, ódio, alegria, sentimento de perda ...
6 Conforme arts. 82 e 83 do Código Civil e art. 3º da 9610/98.7 Conforme art. 85 do Código Civil.8 Uma discussão sobre o assunto pode ser vista em GRECO, Marco Aurélio. Intenet e Direito. São Paulo:
Dialética, 2000, 223 p. definida o termo em OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Novos Direitos: direito de informática e a tributação de programa de computador. Florianópolis: Momento Atual, 2002.
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No entanto, deixo claro que, mesmo numa cessão total, não há “compra” do
programa de computador, por parte do cessionário (usuário ou a distribuidora do programa de
computador), pois não se transfere no negócio jurídico em questão, por exemplo, os Direitos
Morais, a que se refere o art. 10, § 1o, I e II, da Lei 9609/98, bem como outras questões que
podem advir do contrato (art. 4o da lei 9610, tempo, partes ...) e, ainda, não há na maioria dos
contratos, principalmente no mais comum, os de licença de uso, a transferência para o usuário
do código fonte. Assim, só ocorre a “venda” (repito, não seria este o termo, escrevo como
forma de esclarecimento) de um programa de computador quando há transferência de
tecnologia, como dispõe o art. 11 da Lei 9609/98. Equivoca-se aquele que diz: comprei um
programa de computador, pois é impossível fazê-lo no todo.
No parágrafo anterior, mencionou-se cessionário como sendo usuário e
distribuidor, no entanto, para este ensaio trataremos somente do usuário de programa de
computador, como sendo aquele que adquiriu uma cópia de programa de computador para uso
(direitos reais sobre coisas alheias), podendo ser uma pessoa física ou jurídica possuidora de
tais direitos, dos quais serão os objetos do usucapião.
Com a finalidade didática exemplifica-se de como poderia ocorrer o usucapião
de programa de computador. Considere “A” o autor do programa de computador “xyz” e “B”
o cessionário do programa de computador “xyz”. Para que haja o usucapião há necessidade de
um terceiro, o usucapiente, no caso “C”. Vamos supor ainda que “B” seja uma empresa, e esta
tenha um empregado, “B1”, e que tenha acesso a cópia do programa de computador “xyz”.
Sabendo que a empresa “B” possuía o programa de computador em questão, “C” pede para
“B1” para fazer a instalação em seu computador pessoal de uma cópia e prontamente “B1”
permite.
Observe que a situação exposta acima, não é nada incomum, digamos que ela é
corriqueira, e me aventuro a dizer que atire a primeira pedra quem já não o fez, ou
assemelhado.
Nesta relação, passado o período aquisitivo de três anos, não haveria a
possibilidade de usucapião ordinário de bem móvel de que trata o art. 1260 do Código Civil,
por não existir o requisito justo título. Mas, passado o período aquisitivo de cinco anos, não
vejo o porque de “C” não ter a possibilidade de usucapir o programa de computador “xyz”.
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Resta saber contra quem será proposta a usucapião, contra “A”, “B” ou “B1”? Veja a figura
abaixo exemplificando, graficamente, a relação jurídica.
O que se pode observar é que quando “B” adquiriu o programa de computador
“xyz”, recebeu de “A” um número serial (exemplo: MICTMR1121G33), que grosso modo
equivale ao chassi de automóvel, e que sem aquele não pode fazer a instalação e pelo qual a
empresa “A” reconhece como cessionário “B”.
Ao ser disponibilizado o programa de computador “xyz” por “B1” a “C”, este
necessitou do serial MICTMR1121G33 para instalação, pois sem serial não faria a instalação.
Tudo que expus até então é para dizer que se fará o usucapião deste serial e,
quem tem a concessão é a empresa “B”, e “A” nada tem haver com a relação que se formou
entre “B” e “C”. O que “C” fará é um usucapião dos direitos adquiridos por “B”. O usucapião
é ao direito real de uso do programa de computador “xyz”, e não do programa de computador
“xyz” que pertence à “A” (concessionária).
Não estou escrevendo sobre posse de direitos, pois é incorreta esta assertiva,
embora se tenha perfeita compreensão na doutrina, estou a me referir de poderes contidos no
direito de propriedade, no estado fático da posse, naquele em que o art. 1196 do Código Civil
se refere, isto é, aos poderes inerentes ao domínio ou à propriedade.
Com intuito de mais uma vez exemplificar, trago a tona dois exemplos que
servirão de corolário, o primeiro, a usucapião de linhas telefônicas, ponto pacificado no
pretérito pela súmula 193 do STJ, e das diversas jurisprudências que se encontra (RE 41611-
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1/RS, RT 623/187, RT 476/89, RT 500/109, RT 591/137, RT 476/90, JTACSP 78/100,
JTACSP 91/22, JTACSP 116/94).
O segundo exemplo é o que se refere a posse de bens incorpóreos quando
suscetíveis de uso e apropriação, como ocorre com a marca comercial e os símbolos que a
acompanham (RT 626/45, RE 7196/RJ).
Não há que se afastar a possibilidade de manifestação de domínio no que foi
suscitado, usucapir programa de computador, como errônea interpretação pode sugerir, além
do que da teoria objetiva da posse se concebe como possuidor todo aquele que no âmbito das
relações patrimoniais exerça um poder de fato sobre um bem9.
Algumas considerações ainda me restam, porque por mais que escreva não
esgotarei o assunto, haja vista os problemas instigados nessa relação jurídica, bem como as
conseqüências que surtirão em outras áreas do direito, assim, penso por bem enumerar
algumas que me ocorrem:
a) Sendo o usucapião passível de ser argüido como matéria de
defesa, um usuário (empresa por exemplo) que possui vários seriais, que
não são seus, e presentes os requisitos do usucapião, sendo questionado
pela Fazenda poderá fazê-lo.
b) E se a “A” for uma empresa pública, seria passível de
usucapião o programa de computador?
c) Qual a responsabilidade civil, penal e trabalhista de “B1”?
d) Se “B1” cobrou de “C”, ou fez a base de favores, caberá o
usucapião ordinário, e qual a situação de “B1” nesta relação, será
penalmente responsável?
e) Há necessidade de intervenção do Ministério Público?
f) Qual o efeito da sentença e como deve proceder o
usucapiente para o registro?
9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. Vol. 5, ed. 3a. São Paulo: Atlas, 2003.
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g) E quando se tratar de um serial de uma empresa estrangeira,
sem filial no Brasil, sem vínculo algum no Brasil, a exemplo dos seriais
que se encontram a disposição na Internet, como proceder?
h) Como proceder quando não se sabe de quem é o serial?
Alguns dos questionamentos, embora pareçam óbvios, não o são, pois ao
analisar o conceito de programa de computador vê-se que é o único bem, que eu conheço,
passível de apropriação simultânea, sem caracterizar composse, isto é de complexo
entendimento, já que “B” usava o mesmo programa, o mesmo bem, que “C”.
Como mencionado no início, alguns trabalhos científicos decorrerão da idéia
lançada, o que contribuirá deveras, pois o mercado de programas de computador envolve
muito dinheiro, não estamos aqui nos referindo a uma licença do Word, de cifra
insignificante, mas de várias licenças do Word ou de um programa que gerencie uma empresa
desde a entrada da matéria prima até o produto final, passando pelo chão de fábrica que sua
licença custa algumas dezenas ou centenas de milhares de dólares. Colocado desta forma
começou-se a se ter um nicho interessante!!!
COMO CITAR ESTE ARTIGO:
OLIVEIRA, Álvaro Borges de. Usucapião de programa de computador. Disponível na
Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em xx de xxxxxxxx de xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site)
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