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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS LYDIA MARINA FONSECA DIAS BARBOSA As Catilinárias de Cícero: tradução e estudo retórico (Versão corrigida) São Paulo 2019

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

LYDIA MARINA FONSECA DIAS BARBOSA

As Catilinárias de Cícero: tradução e estudo retórico

(Versão corrigida)

São Paulo

2019

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LYDIA MARINA FONSECA DIAS BARBOSA

As Catilinárias de Cícero: tradução e estudo retórico

(Versão corrigida)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas, sob a orientação do Prof. Dr. Adriano Scatolin.

São Paulo

2019

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Nome: BARBOSA, Lydia Marina Fonseca Dias

Título: As Catilinárias de Cícero: tradução e estudo retórico

Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas.

Aprovado em: 26/03/2019

Banca Examinadora

Prof. Dr. ____________________________ Instituição: _______________

Julgamento: ___________ Assinatura: ______________

Prof. Dr. ____________________________ Instituição: ________________

Julgamento: ___________ Assinatura: ______________

Prof. Dr. ____________________________ Instituição: _______________

Julgamento: ___________ Assinatura: ______________

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meioconvencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na PublicaçãoServiço de Biblioteca e Documentação

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

BB983cc

Barbosa, Lydia Marina Fonseca Dias As Catilinárias de Cícero: tradução e estudoretórico / Lydia Marina Fonseca Dias Barbosa ;orientador Adriano Scatolin. - São Paulo, 2019. 124 f.

Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de SãoPaulo. Departamento de Letras Clássicas eVernáculas. Área de concentração: Letras Clássicas.

1. Retórica. 2. Oratória. 3. Discursos consulares.4. Cícero. 5. Catilina. I. Scatolin, Adriano, orient.II. Título.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE F FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

ENTREGA DO EXEMPLAR CORRIGIDO DA DISSERTAÇÃO/TESE

Termo de Ciência e Concordância do (a) orientador (a)

Nome do (a) aluno (a): LYDIA MARINA FONSECA DIAS BARBOSA

Data da defesa: 26/03/2019

Nome do Prof. (a) orientador (a): ADRIANO SCATOLIN

Nos termos da legislação vigente, declaro ESTAR CIENTE do conteúdo deste EXEMPLAR

CORRIGIDO elaborado em atenção às sugestões dos membros da comissão Julgadora na

sessão de defesa do trabalho, manifestando-me plenamente favorável ao seu

encaminhamento e publicação no Portal Digital de Teses da USP.

São Paulo, 23/05/2019

___________________________________________________

(Assinatura do (a) orientador (a)

Adriano Scatolin
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A todos aqueles que um dia pensaram em desistir...

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AGRADECIMENTOS

A Deus e aos orixás, pelo axé.

Ao meu queridíssimo e caríssimo orientador, prof. Dr. Adriano Scatolin, pelo apoio

incondicional a qualquer hora do dia, pelos conselhos acadêmicos ou não, pela amizade

e, sobretudo, por ter acreditado em mim antes de mim mesma.

Ao meu marido, Eduardo, pela compreensão, companheirismo, paciência e,

principalmente, por ter sabido esperar e me empurrar para frente quando eu precisava.

Aos meus pais, pelo apoio moral e financeiro.

Às minhas irmãs, pelas conversas e apoio nas madrugadas.

À profa. Dra. Isabella Tardin, pela indicação fundamental do orientador.

Aos examinadores desta banca, profs. Dr. João Batista T. Prado, Dr. Paulo Sérgio de

Vasconcellos e Dra. Marly de B. Matos, pela disposição em participar da banca e avaliar

meu trabalho com olhar cuidadoso. Estendo meus agradecimentos ao prof. Paulo e à

profa. Marly, pela participação também em minha banca de qualificação e pelas sugestões

valiosas ao trabalho.

Às minhas amigas Anna Luiza e Fernanda, pelo ombro amigo e palavras essenciais nos

últimos momentos.

À USP, pelo acolhimento.

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O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de

Financiamento 001.

This Study was financed in part by the “Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)” – Finance Code 001.

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As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender”.

Elena Ferrante

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RESUMO

As Catilinárias são compostas por quatro discursos, sendo o primeiro e quarto proferidos

no Senado, e o segundo e terceiro, na assembleia popular, entre os dias oito de novembro

e cinco de dezembro de 63 a.C., ano do consulado de Cícero.

Nosso trabalho se divide em duas partes: a primeira apresenta a tradução completa da

obra e a segunda consiste em uma análise retórica, examinando os discursos

individualmente por temáticas. No primeiro, tratamos da invectiva no Senado; no

segundo, da invectiva a Catilina; no terceiro, da autopromoção ciceroniana e, no quarto,

da prudentia no tribunal estabelecido pelo cônsul no Senado.

Palavras-chave: Cícero. Catilina. Oratória. Retórica. Discursos consulares. Vituperatio.

Laus. Prudentia.

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ABSTRACT

The Catilinarians are composed of four speeches; the first and fourth were delivered to

the Senate, and the second and third were delivered to the popular assembly, between

November 8 and December 5 of 63 BC, the year of Cicero’s consulate.

This dissertation is divided into two parts: the first part presents the complete translation

into portuguese and the second part consists of a rhetorical analysis, examining the

speeches individually by theme. In the first speech, we consider the use of invective in

general within the Senate; in the second speech, we concentrate on invective towards

Catiline; in the third speech, we observe the Ciceronian self-promotion and, in the fourth

speech, we consider the use of prudentia in the “senate court” established by the consul.

Keywords: Cicero. Catiline. Oratory. Rhetoric. Consular speeches. Vituperatio. Laus.

Prudentia.

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Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11

TEXTO LATINO E TRADUÇÃO ............................................................. 16

IN CATILINAM I ......................................................................................... 16

IN CATILINAM II ........................................................................................ 32

IN CATILINAM III ...................................................................................... 46

IN CATILINAM IV ...................................................................................... 60

Cat. 1 - Invectiva no Senado ....................................................................... 73

Cat. 2 e 3 – Invectiva a Catilina e autopromoção ciceroniana .................... 82

Cat. 4 – O tribunal de exceção no Senado ................................................ 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 118

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INTRODUÇÃO

Iniciaremos nosso trabalho apresentando pontualmente a vida de Catilina e de

Cícero, sua trajetória oratória até 63, monstrando também um breve panorama histórico

e cronológico do contexto em que as Catilinárias estão inseridas, tendo como base dados

apresentados por Dyck (2008). Logo após, traremos o texto latino amparado na edição da

Teubner, de Maslowski, juntamente à nossa tradução dos quatro discursos. Por fim,

apresentaremos nosso estudo retórico, após termos delimitado com análises e releituras

as possíveis temáticas de cada discurso. Abordaremos, portanto, as formas de invectiva,

na Primeira e Segunda Catilinária, o autoelogio, na Terceira e a prudentia, no que

denominamos tribunal de exceção da Quarta.

Os discursos intitulados “As Catilinárias”, de Marco Túlio Cícero, continuam,

ainda hoje, sendo objeto de estudo em trabalhos de referência das Letras Clássicas; isso

devido às suas múltiplas temáticas - é possível observar temas de interesse ao direito, à

linguística, à oratória, à retórica - o que torna o conjunto da obra inesgotável. Nossa

abordagem tanto na tradução quanto na análise segue por um viés da retórica e oratória.

Embora já existam outras boas traduções desse texto para o português, neste caso,

em específico, houve, primeiramente, uma preocupação em traduzir os quatros discursos

ponderando seu caráter retórico, observando não apenas os aspectos linguísticos do texto

– a gramática latina, suas normas e especificações – mas também a harmonia, o ritmo, e

principalmente, o contexto temporal e histórico em que estavam inseridos; quem era o

orador; qual era a sua posição social; quais eram as suas habilidades discursivas; quem

eram os seus oponentes (transformados em réus); quais as características físicas e morais

daqueles, etc, o que acaba por influenciar a estrutura do discurso tanto na estética quanto

no seu conteúdo.

Para atingirmos uma tradução retórica, atentamo-nos para a escolha vocabular,

levando em conta a intenção retórica do orador ao optar por um termo em vez de outro.

Por ex.: Cícero não se referia à conspiração como guerra, mas como apenas uma agitação;

o termo bellum seria utilizado apenas para se referir a ataques dirigidos à República, como

foi o caso de Mário e Sula e, mais tarde, César e Pompeu; ou optava por adjetivos

hiperbólicos para definir o caráter de Catilina, referindo-se a ele como animal e

destacando suas características condenáveis à moral dos romanos de bem.

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Nestes discursos, podemos encontrar uma elocução ornamentada, em que o orador

preza pela abundância, harmonia e variedade. A propriedade vocabular demonstra, então,

quem é o orador, quais são as suas intenções com o texto, possibilitando ainda mudanças

na recepção do mesmo. Tanto é que Cícero altera as palavras e o modo como se refere à

plateia, suas expressões, de acordo com as características da mesma – diante do Senado

(discursos 1 e 4), possui um tom mais formal, vocabulário e expressões mais rebuscados,

apresenta fatos para provar e deixar os presentes cientes sobre a conspiração que

desenrolava “ali mesmo dentro dos muros de Roma”, colocando-se na posição de um

quase juiz, honrando, então, seu papel de cônsul, segundo ele mesmo parecia acreditar

que a função exigia; já diante do povo (discursos 2-3), o orador procura apresentar uma

espécie de relatório sobre o que vinha ocorrendo em Roma e acaba por usar de um tom

mais passional e afetado para, por meio do pathos, convencer seu público de que a sua

decisão de executar cidadãos romanos era legítima, ainda que tecnicamente ilegal, porque

ele, enquanto cônsul, deveria proteger a todos e guardar Roma, o que deixa muito claro

por quase todos os discursos ao afirmar que coloca a República e seus interesses acima

dos dele próprio e até mesmo de sua família.

Para entendermos melhor a estrutura e os pormenores das Catilinárias,

acreditamos ser importante, primeiro, conhecermos os personagens principais: Catilina e

Cícero, além de Roma e o contexto em que estavam inseridas.

Lúcio Sérgio Catilina nasceu em família tradicional de patrícios, provavelmente

em 108 a.C, e acabou por seguir a tradição do serviço militar. É possível que, no início

de sua carreira, tenha lutado na guerra de Sulla e matado seu cunhado, Q. Cecílio.

Enfrentou processo em 73 por ter assediado a Vestal Fábia, prima ou meia-irmã de

Terência, esposa de Cícero, sendo defendido por Q. Lutácio Cátulo. Fora pretor em 68 e

designado propretor em África, em seguida. De volta a Roma, fora impedido de disputar

a eleição, por motivos técnicos, provavelmente por estar sendo processado de repetundis,

por seus supostos abusos durante sua administração.

A chamada “primeira conspiração”, anterior a de 63, em que supostamente

Catilina e Pisão teriam planejado o assassinato de optimates, como forma de tomar o

poder, pode ter sido um dos motivos de Cícero fazer suas alegações após aquele ter

perdido as eleições de 64. O cônsul temia que todas as tentativas frustradas de chegar ao

consulado seriam motivos suficientes para o levante liderado por Catilina contra a

República. A biografia disponível de Catilina é restrita e um tanto tendenciosa, talvez por

suas fontes serem basicamente Salústio e o próprio Cícero. O que chegou até nós foi que

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ele comandou a chamada Conjuração de Catilina, no ano de 63, ano do consulado de

Cícero e Antônio, tendo ordenado que incendiassem a cidade e assassinasse cidadãos,

dentre eles, o cônsul. Deixou Roma, por sugestão de Cícero, após a sessão do Senado em

que o primeiro discurso foi proferido.

Em 106 a.C. nasce, em Arpino, Marco Túlio Cícero, que iria se destacar como

orador e político ao passar por todos os cargos do cursus honorum e atingir a posição

mais alta, o consulado, em 63, apesar de ser um homo nouus, sem antepassados

senatoriais.

Depois de sua família se mudar para Roma no ano 100, Cícero teve acesso aos

estudos superiores de filosofia grega, no curso do acadêmico Filão e o epicurista Fedro,

pôde cursar direito com Cévola, bem como acompanhar grandes oradores no Fórum por

alguns anos. Vivendo no consulado de Sula, pôde estrear nos tribunais e exercitar sua

oratória ao defender Róscio Amerino contra Crisógono, liberto de Sula, já que seu

oponente era o célebre Hortênsio, um orador de renome. Em 79, após a renúncia de Sula

e o triunfo de Pompeu, Cícero decide partir para Grécia, a fim de seguir com seus estudos.

Ali, passa por Atenas, Rodes e Ásia, podendo ter contato direto com grandes filósofos.

Em 77 retorna a Roma e se casa com Terência, de família ilustre. Em 76 nasce sua

filha Túlia. Naquele mesmo ano, inicia sua carreira política como questor, em Lilibeu, na

Sicília. Em 70, é eleito edil. Nesse ano, dirige a primeira acusação contra Verres, pretor

acusado de corrupção. No verão de 67, é eleito pretor, graças ao apoio dos cavaleiros

favoráveis ao seu posicionamento contra Verres.

65 foi um ano marcado por proferimentos de discursos e de grandes defesas. Em

64, ocorre a eleição para o consulado. Catilina, Antônio Híbrida e Cícero concorriam a

duas cadeiras. Cícero, apoiado pelos optimates, acreditava que poderia, enfim, realizar a

concordia ordinum, porém o apoio só aconteceu porque ele era a melhor opção dentre

populares como César, Crasso, o próprio Catilina, e Clódio.

63, o ano em que as Catilinárias foram proferidas e ano do consulado de Cícero,

que, enfim chega ao cargo mais alto da sua carreira e do cursus honorum. Durante esse

ano, uma sequência de eventos de conspiradores que, possivelmente, agiam contra a

República, levaram o arpinate a se dirigir ao Senado e ao povo para revelar a conjuração,

explaná-la, mostrar as ações e intenções dos que a encabeçavam, e, principalmente,

convencer sua plateia de que agia de acordo com sua posição, a de cônsul, sempre em

nome da pátria. Em 23 de setembro daquele ano, Cícero convoca o Senado e denuncia

uma possível conspiração de Catilina. No entanto, é desacreditado. Em 21 de outubro,

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após Crasso receber por carta ameaças de morte, o cônsul convoca uma assembleia

emergencial, colocando os senadores e a República em estado de alerta. É nesse contexto

que o Senado acaba por aprovar o senatus consultum ultimum, dando plenos poderes ao

cônsul para agir diante das ameaças dos conjurados. Diante dessa conjuntura, e ainda com

a tentativa de assassinato do cônsul, supostamente a mando de Catilina, Cícero reúne

novamente o Senado e profere a Primeira Catilinária.

O decorrer de eventos anteriores àquela sessão do Senado, juntamente com a

habilidade oratória de Cícero, levou o cônsul a aproveitar o momento para revelar as

intenções conspiratórias de Catilina, o comandante, e mais, denunciar que tinha planos de

destruir a República, colocando sempre em relevo suas características morais, com

destaque para sua falta de caráter. Por isso, dirige-lhe ataques, as invectivas que

destacamos na análise do 1º e 2º discursos, a fim de, ao meu ver, não só mostrar os fatos

e os responsáveis pela conjura mas também angariar apoiadores para a sua causa e,

principalmente, estabelecer-se na memória de todos como aquele cônsul que, no exercício

de sua função, não mediu esforços para salvar a vida dos romanos. Pelo bem da República

e por seu próprio, Cícero utiliza o discurso apologético como forma de justificar suas

ações frente à conspiração e aos conspiradores – iria, mais tarde, ordenar a execução de

alguns deles, por exemplo – depois de ter pré-estabelecido, nos dois discursos, que

Catilina e seus comparsas eram inimigos da pátria, já que era o que seu caráteres

permitiam e suas ações demonstravam. Além disso, entendo também que as índoles

daqueles era como uma moeda de troca para o orador, que podia sustentar suas ações,

mesmo que não totalmente dentro da lei, apelando para a moral e bons costumes do povo

romano, o que seria execrável naquela estrutura de sociedade, i.e. recorrer à falta de

ligação com a família por parte de Catilina, acusando-o de parricida, ironizar sua suposta

opção por meninos é a instituição do que não é esperado nem aceito, o que o ajudaria a

levantar apoio e, até mesmo, garanti-lo para um futuro. As imagens, por meio das

comparações, metáforas e metonímias, são utilizadas para reforçar sua opinião em relação

a Catilina. A Segunda Catilinária foi proferida em nove de novembro e, logo após,

Catilina deixa Roma.

Elevar sua própria persona era uma forma de se sobrepor aos seus oponentes ou

até mesmo se mostrar como o oposto daquilo que foi delineado. Isso é tarefa dos oradores

e o que também observamos na Terceira Catilinária, que foi proferida em 3 de dezembro,

após os alóbroges denunciarem o pedido de ajuda de Catilina a eles.

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Cícero precisava se reafirmar (e, provavelmente, fixar-se na História) como o

cônsul que salvara Roma e seus concidadãos de um grande mal acometido ali e precisava

fazê-lo se colocando no grupo das pessoas de bem, diferentemente dos conspiradores, que

estavam excluídos no grupo das escórias. O orador precisava, então, destacar seu ethos,

i.e. sua qualidade moral, enquanto cidadão, e sua credibilidade, enquanto orador e cônsul,

como forma de conquistar sua plateia, garantindo-lhe o devido apoio diante das atitudes

tomadas na conjuração. Para isso, precisava mencionar sua opção por sobrepor a salvação

da República a dele e de sua família inúmeras vezes, deixando em relevo as suas

qualidades, sobretudo as morais, que lhe sustentariam naquele posicionamento. O apoio

da plateia era o ideal, mas a garantia de sua sobrevivência (futura) parece ser aqui o que

almejava verdadeiramente.

Em 5 de dezembro, a Quarta Catilinária foi proferida. Cícero manda, então,

executar os cúmplices de Catilina, presos no Tuliano, após praticamente transformar o

Senado em um tribunal (podemos observar duas posições contrastantes, como a de Silano

e César; a favor e contra a pena de morte), que deveria julgar o caso dos conspiradores

ou, como acredito, sustentar sua decisão, além de garantir que seu posicionamento ainda

fosse bem aceito e compreendido na posteridade, quando ele já estivesse na posição de

consular. Por isso, utiliza o recurso da retórica, utilizado por oradores, para demonstrar,

sobretudo, seu domínio da situação, sua capacidade de prever as ações dos outros,

principalmente em discursos, e poder agir de modo a vencer a causa, chamado de

providentia, a antecipação. Acredito que Cícero a utiliza implícita e explicitamente (por

meio do vocabulário – uso de uideo, por ex., já no início do discurso), tendo o bem-estar

da República como sustentação argumentativa. Dentre alguns argumentos patéticos,

Cícero demonstrava até que daria sua vida em troca da salvação de Roma e de seu povo.

Porém, somos também levados a acreditar que também temia um julgamento futuro do

povo romano por suas ações contra cidadãos, como percebemos na peroração (seções 23-

24), na súplica ciceroniana pela memória dos presentes sobre seu sacrifício.

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TEXTO LATINO E TRADUÇÃO

IN CATILINAM I

1. quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? nihilne te nocturnum praesidium Palati, nihil urbis vigiliae, nihil timor populi, nihil concursus bonorum omnium, nihil hic munitissimus habendi senatus locus, nihil horum ora voltusque moverunt? patere tua consilia non sentis, constrictam iam horum omnium scientia teneri coniurationem tuam non vides? quid proxima, quid superiore nocte egeris, ubi fueris, quos convocaveris, quid consili ceperis quem nostrum ignorare arbitraris?

2. o tempora, o mores! senatus

haec intellegit, consul videt; hic tamen vivit. vivit? immo vero etiam in senatum venit, fit publici consilii particeps, notat et designat oculis ad caedem unum quemque nostrum. nos autem fortes viri satis facere rei publicae videmur, si istius furorem ac tela vitemus. ad mortem te, Catilina, duci iussu consulis iam pridem oportebat, in te conferri pestem istam quam tu in nos omnis iam diu machinaris.

3. an vero vir amplissumus, P.

Scipio, pontifex maximus, Ti. Gracchum mediocriter labefactantem statum rei publicae privatus interfecit: Catilinam orbem terrae caede atque incendiis vastare cupientem nos

1. Afinal, Catilina, até quando abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo esse teu furor ainda zombará de nós? Até que ponto tua audácia sem freios se voltará contra nós? Nem a guarda noturna do Palatino, nem as patrulhas da cidade, nem o medo do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão protegido onde o Senado se reúne, nem os rostos e expressões destas pessoas te perturbaram? Não percebes que teus planos foram revelados? Não vês que tua conspiração já está contida e reprimida pelo conhecimento que todos já têm dela? Quem de nós realmente acreditas desconhecer o que fazias na noite de anteontem, na de ontem; onde estiveste, com quem te reuniste e que resoluções tomaste?

2. Ó tempos! Ó costumes! O Senado

sabe de tudo isso. O cônsul observa. No entanto, esse homem ainda continua vivo. Vivo? Na verdade, até vem ao Senado, participa de um conselho público, nota e designa com os olhos cada um de nós para matar-nos. Quanto a nós, homens corajosos, cremos que, para satisfazer a República, bastará evitarmos o furor e as armas desse homem. Catilina, já há algum tempo, convinha que, por ordem do cônsul, fosses sentenciado à morte e que a desgraça que já há muito maquinas contra todos nós, fosse lançada contra ti.

3. Ou será que um homem tão

importante, Públio Cipião, pontífice máximo, quando era um simples cidadão matou Tibério Graco por ter apenas tentado enfraquecer a constituição da República; nós, que somos cônsules, suportaremos Catilina, que deseja arruinar o mundo

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consules perferemus? nam illa nimis antiqua praetereo, quod C. Servilius Ahala Sp. Maelium novis rebus studentem manu sua occidit. fuit, fuit ista quondam in hac re publica virtus ut viri fortes acrioribus suppliciis civem perniciosum quam acerbissimum hostem coercerent. habemus enim senatus consultum in te, Catilina, vehemens et grave; non deest rei publicae consilium neque auctoritas huius ordinis: nos, nos, dico aperte, consules desumus.

4. decrevit quondam senatus uti L.

Opimius consul videret ne quid res publica detrimenti caperet: nox nulla intercessit; interfectus est propter quasdam seditionum suspiciones C. Gracchus, clarissimo patre, avo, maioribus, occisus est cum liberis M. Fulvius consularis; simili senatus consulto C. Mario et L. Valerio consulibus est permissa res publica: num unum diem postea L. Saturninum tribunum plebis et C. Servilium praetorem mors ac rei publicae poena remorata est? at vero nos vicesimum iam diem patimur hebescere aciem horum auctoritatis. habemus enim eius modi senatus consultum, verum tamen inclusum in tabulis, tamquam in vagina reconditum, quo ex senatus consulto confestim te interfectum esse, Catilina, convenit. vivis, et vivis non ad deponendam sed ad confirmandam audaciam. Cupio, patres conscripti, me esse clementem, cupio in tantis rei publicae periculis me non dissolutum videri, sed iam me ipse inertiae nequitiaeque condemno.

5. castra sunt in Italia contra

populum Romanum in Etruriae faucibus conlocata, crescit in dies singulos hostium numerus; eorum autem castrorum imperatorem

com assassinatos e incêndios? Por ora, deixo de lado casos antigos demais, como o de Gaio Servílio Ahala, que matou com suas próprias mãos Espúrio Mélio só por desejar uma revolução. Havia, outrora, nesta República, havia a virtude de homens corajosos castigarem um cidadão funesto com punições mais severas do que se infligia ao mais cruel dos inimigos. Temos um decreto do Senado contra ti, Catilina, rigoroso e grave; não falta à República conselho nem autoridade desta Ordem; somos nós, sim, nós, os cônsules, digo-o abertamente, que estamos em falta.

4. Outrora, o Senado decretou que o

cônsul Lúcio Opímio tomasse precauções para que a república não sofresse algum prejuízo. Não passou uma noite sequer. Gaio Graco, de pai, avô e ancestrais ilustríssimos, foi morto por causa de certas suspeitas de sedições. O consular Marco Fúlvio foi morto com seus filhos. Com um decreto semelhante do Senado, a República foi entregue aos cônsules Gaio Mário e Lúcio Valério. Terá demorado um único dia a mais a pena de morte, imposta pela República ao tribuno da plebe Lúcio Saturnino e ao pretor Gaio Servílio? Nós, em contrapartida, já há 20 dias, permitimos que a espada de autoridade destes homens se enfraqueça. De fato, temos, um decreto senatorial desse tipo, porém, guardado nos arquivos como se escondido na bainha. E, por esse decreto, convém que sejas morto imediatamente, Catilina. Estás vivo e estás vivo não para abandonar, mas para consolidar tua audácia. Desejo, senadores, ser clemente, desejo não parecer descuidado em meio a tão graves perigos que a República corre, mas já condeno a mim mesmo por inação e inércia.

5. Há acampamentos na Itália,

posicionados nos desfiladeiros da Etrúria, contra o povo romano; aumenta, a cada dia, o número de inimigos; porém, vemos o comandante desses acampamentos

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ducemque hostium intra moenia atque adeo in senatu videtis intestinam aliquam cotidie perniciem rei publicae molientem. si te iam, Catilina, comprehendi, si interfici iussero, credo, erit verendum mihi ne non potius hoc omnes boni serius a me quam quisquam crudelius factum esse dicat. verum ego hoc quod iam pridem factum esse oportuit certa de causa nondum adducor ut faciam. tum denique interficiere, cum iam nemo tam inprobus, tam perditus, tam tui similis inveniri poterit qui id non iure factum esse fateatur.

6. quam diu quisquam erit qui te

defendere audeat, vives, et vives ita ut nunc vivis, multis meis et firmis praesidiis obsessus, ne commovere te contra rem publicam possis. multorum te etiam oculi et aures non sentientem, sicut adhuc fecerunt, speculabuntur atque custodient. Etenim quid est, Catilina, quod iam amplius expectes, si neque nox tenebris obscurare coeptus nefarios nec privata domus parietibus continere voces coniurationis tuae potest, si inlustrantur, si erumpunt omnia? muta iam istam mentem, mihi crede, obliviscere caedis atque incendiorum. teneris undique; luce sunt clariora nobis tua consilia omnia, quae iam mecum licet recognoscas.

7. Meministine me a.d. XII. Kal. Nov.

dicere in senatu fore in armis certo die, qui dies futurus esset a.d.VI. Kal. Nov., C. Manlium, audaciae satellitem atque administrum tuae? num me fefellit, Catilina, non modo res tanta, tam atrox tamque incredibilis, verum, id quod multo magis est admirandum, dies? Dixi ego idem in senatu caedem te optimatium contulisse in a.d. V. Kal. Nov., tum cum multi principes

e chefe dos inimigos entre nossas muralhas e até no Senado, maquinando diariamente algum atentado civil contra a República. Se agora, Catilina, eu ordenar que sejas preso, que sejas morto, meu maior temor, imagino eu, deverá ser não que todos os homens de bem digam que eu fiz isso muito tarde, mas que alguém fale que agi cruelmente. Porém, uma determinada razão me leva a não fazer ainda o que deveria ter sido feito já há muito tempo. Só serás morto quando não se puder encontrar alguém tão desonesto, tão dissoluto, tão parecido contigo que não confesse que isso foi feito justamente.

6. Enquanto houver alguém que ouse te

defender, viverás e viverás assim como agora vives: cercado por minhas muitas e sólidas guarnições para que não possas agir contra a República. Além disso, os olhos e ouvidos de muita gente te observarão e vigiarão, sem que percebas, como fizeram até agora.

Ademais, Catilina, o que mais esperas agora, se nem a noite pode apagar com suas trevas teus desígnios abomináveis, nem tua própria casa consegue abafar com as paredes os rumores da conjuração, se tudo está às claras, se tudo já veio à tona? Muda já esse juízo, acredita em mim, esquece da matança e dos incêndios. Estás cercado por todos os lados; todos os teus planos são mais claros que a luz; podes passar em revista comigo.

7. Não te lembras que eu, no dia 21 de

outubro, disse no Senado que, em certo dia, 27 de outubro, Gaio Mânlio, servidor e colaborador da tua audácia, pegaria em armas? Será que me enganei, Catilina, não só quanto a tão grande, tão terrível e tão inacreditável fato, mas, o que é ainda muito mais admirável, quanto ao dia? Eu também disse no Senado que marcaras o dia 28 de outubro como o da matança dos Optimates, precisamente quando muitos líderes

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civitatis Roma non tam sui conservandi quam tuorum consiliorum reprimendorum causa profugerunt. num infitiari potes te illo ipso die meis praesidiis, mea diligentia circumclusum commovere te contra rem publicam non potuisse, cum tu discessu ceterorum nostra tamen qui remansissemus caede contentum te esse dicebas?

8. Quid? cum te Praeneste Kal. ipsis

Nov. occupaturum nocturno impetu esse confideres, sensistin illam coloniam meo iussu meis praesidiis, custodiis, vigiliis esse munitam? nihil agis, nihil moliris, nihil cogitas quod non ego non modo audiam sed etiam videam planeque sentiam. Recognosce mecum tandem noctem illam superiorem: iam intelleges multo me vigilare acrius ad salutem quam te ad perniciem rei publicae. dico te priore nocte venisse inter falcarios – non agam obscure – in M. Laecae domum; convenisse eodem compluris eiusdem amentiae scelerisque socios. num negare audes? quid taces? convincam, si negas. video enim esse hic in senatu quosdam qui tecum una fuerunt.

9. O di immortales! ubinam gentium

sumus? quam rem publicam habemus? in qua urbe vivimus? hic, hic sunt nostro in numero, patres conscripti, in hoc orbis terrae sanctissimo gravissimoque consilio, qui de nostro omnium interitu, qui de huius urbis atque adeo de orbis terrarum exitio cogitent. hos ego video consul et de re publica sententiam rogo et quos ferro trucidari oportebat eos nondum voce volnero. fuisti igitur apud Laecam illa nocte, Catilina,

da cidade fugiram de Roma, não tanto para se pouparem, mas para conter teus planos. Acaso podes negar que, exatamente naquele dia, cercado pelas minhas guarnições, pelo meu cuidado, não pôdes agir contra a República, quando dizias que, diante da partida dos demais, no entanto, te contentavas com a matança dos que tínhamos permanecido?

8. Ora, uma vez que estavas confiante de

que ocuparias Preneste, no dia primeiro de novembro, num ataque noturno, percebeste que, por minha ordem, aquela colônia fora fortificada com minhas guarnições, meus guardas e minhas vigílias? Não há nada que faças, nada que maquines, nada que penses, que eu não apenas ouça, como também veja e perceba claramente. Recorda comigo, enfim, a noite de ontem. Logo perceberás que velo pela segurança da República de modo muito mais enérgico que tu pela sua destruição. Digo que, na noite passada, foste à casa de Marco Leca, na rua dos fabricantes de foice. Falarei abertamente: reuniram-se no mesmo lugar vários cúmplices da mesma demência criminosa. Será que ousas negar? Por que te calas? Se negares, provarei. Pois estou vendo que certos indivíduos que estavam contigo, encontram-se aqui no Senado.

9. Ó deuses imortais! Em que lugar do

mundo estamos? Que República possuímos? Em que cidade vivemos? Estão aqui, senhores senadores, aqui, em meio a nós, neste que é o conselho mais sagrado e importante do mundo, aqueles que pensam na morte de todos nós, na destruição dessa cidade e até do mundo! Eu, como cônsul, vejo-os aqui e vos peço vosso parecer sobre a República e ainda não ataco com minha fala aqueles que convinha trucidar com a espada! Estiveste, portanto, na casa de Leca naquela noite, Catilina;

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distribuisti partes Italiae, statuisti quo quemque proficisci placeret, delegisti quos Romae relinqueres, quos tecum educeres, discripsisti urbis partis ad incendia, confirmasti te ipsum iam esse exiturum, dixisti paulum tibi esse etiam nunc morae, quod ego viverem. reperti sunt duo equites Romani qui te ista cura liberarent et se illa ipsa nocte paulo ante lucem me in meo lecto interfecturos esse pollicerentur.

10. haec ego omnia vixdum etiam

coetu vestro dimisso comperi; domum meam maioribus praesidiis munivi atque firmavi, exclusi eos quos tu ad me salutatum mane miseras, cum illi ipsi venissent quos ego iam multis ac summis viris ad me id temporis venturos esse praedixeram. Quae cum ita sint, Catilina, perge quo coepisti, egredere aliquando ex urbe; patent portae: proficiscere. Nimium diu te imperatorem tua illa Manliana castra desiderant. educ tecum etiam omnis tuos, si minus, quam plurimos; purga urbem. magno me metu liberabis, modo inter me atque te murus intersit. nobiscum versari iam diutius non potes; non feram, non patiar, non sinam.

11. Magna dis immortalibus habenda

est atque huic ipsi Iovi Statori, antiquissimo custodi huius urbis, gratia, quod hanc tam taetram, tam horribilem tamque infestam rei publicae pestem totiens iam effugimus. non est saepius in uno homine summa salus periclitanda rei publicae. Quam diu mihi consuli designato, Catilina, insidiatus es, non publico me praesidio sed privata diligentia

distribuíste as regiões da Itália; estabeleceste para que lugar convinha cada um partir; escolheste quem deixarias em Roma, quem levarias contigo, atribuíste regiões da cidade para os incêndios, garantiste que mesmo logo partirias, disseste que te demorarias um pouco por eu ainda estar vivo. Foram encontrados dois cavaleiros romanos para te livrar dessa preocupação, com a promessa de que eles me matariam no meu próprio leito, naquela mesma noite, um pouco antes do amanhecer.

10. Eu fiquei sabendo de tudo isso ainda

mal encerrada tua reunião. Protegi e fortifiquei minha casa com guarnições maiores, expulsei aqueles que tinhas enviado de manhã para me saudarem, como tinham vindo os mesmos que já previra a numerosos e excelentes homens que viriam a mim, naquela ocasião. Sendo assim, Catilina, prossegue com o que começaste: sai de vez da cidade. Os portões estão abertos: parte. Faz muito tempo que aquele teu exército manliano sente saudades de seu general. Retira todos os teus. Ou, pelo menos, o maior número possível. Expurga a cidade. Livrar-me-ás de um enorme medo, desde que haja entre mim e ti um muro. Já não podes viver conosco por mais tempo. Não tolerarei. Não suportarei. Não permitirei.

11. Grandes graças devem ser dadas aos

deuses imortais e a este Júpiter Estátor, antiquíssimo guardião desta cidade, porque já nos livramos tantas vezes dessa tão abominável, tão terrível e tão perigosa destruição da República. A suprema salvação da República não deve ser posta em perigo tão amiúde por um único homem. Catilina, enquanto armavas ciladas para mim, cônsul designado, defendia-me não com guarnições públicas, mas com meu empenho

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defendi. cum proximis comitiis consularibus me consulem in campo et competitores tuos interficere voluisti, compressi conatus tuos nefarios amicorum praesidio et copiis nullo tumultu publice concitato. denique, quotienscumque me petisti, per me tibi obstiti, quamquam videbam perniciem meam cum magna calamitate rei publicae esse coniunctam.

12. nunc iam aperte rem publicam

universam petis; templa deorum immortalium, tecta urbis, vitam omnium civium, Italiam denique totam ad exitium et vastitatem vocas. qua re, quoniam id quod est primum et quod huius imperi disciplinaeque maiorum proprium est, facere nondum audeo, faciam id quod est ad severitatem lenius, ad communem salutem utilius. nam si te interfici iussero, residebit in re publica reliqua coniuratorum manus; sin tu, quod te iam dudum hortor, exieris, exhaurietur ex urbe tuorum comitum magna et perniciosa sentina rei publicae.

13. quid est, Catilina? num dubitas id

me imperante facere quod iam tua sponte faciebas? exire ex urbe iubet consul hostem. interrogas me, num in exilium? non iubeo sed, si me consulis, suadeo. Quid est enim, Catilina, quod te iam in hac urbe delectare possit? in qua nemo est extra istam coniurationem perditorum hominum qui te non metuat, nemo qui non oderit. quae nota domesticae turpitudinis non inusta vitae tuae est? quod privatarum rerum dedecus non haeret in fama? quae libido ab oculis, quod facinus a manibus umquam tuis, quod flagitium a toto corpore afuit? cui tu adulescentulo quem

particular. Quando nos últimos comícios consulares desejaras matar a mim, o cônsul, no campo de Marte, e a seus concorrentes, contive as tuas tentativas criminosas com o apoio e tropas de amigos, sem provocar nenhuma perturbação pública. Em suma, todas as vezes que me atacaste, só eu resisti, mesmo percebendo que minha morte estava ligada a uma grande perda para a República.

12. Agora já atacas abertamente toda a

República. Convocas para a ruína e devastação os templos dos deuses imortais, as casas da cidade, a vida de todos os cidadãos, a Itália inteira. Por isso, visto que não ouso fazer ainda o que é o principal e que é próprio deste poder e do princípio dos antepassados, farei aquilo que é mais moderado à severidade e mais vantajoso à salvação de todos. Pois se eu ordenar que sejas morto, restará na remanescente República o bando de conspiradores; se pelo contrário partires, o que eu já há algum tempo te aconselho, a escória de teus companheiros, grande e perigosa para a República, seria retirada da cidade.

13. O que foi, Catilina? Porventura

hesitas em fazer o que ordeno, uma vez que já o farias espontaneamente? O cônsul ordena que o inimigo saia da cidade. Perguntas-me se para o exílio. Não ordeno, mas, se me consultas, recomendo. Então, ó Catilina, o que ainda pode te deleitar nesta cidade? Nela, não há ninguém fora dessa conjuração de homens desprezíveis, que não te tema, que não te odeie. Que indício da torpeza familiar não foi marcado tua vida? Que vergonha de fatos particulares não está ligada à tua reputação? Que desejo esteve afastado dos teus olhos, que crime esteve longe alguma vez das tuas mãos, que escândalo ficou longe de todo o teu corpo? A que jovenzinho,

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corruptelarum inlecebris inretisses non aut ad audaciam ferrum aut ad libidinem facem praetulisti?

14. quid vero? nuper cum morte

superioris uxoris novis nuptiis domum vacuefecisses, nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulasti? quod ego praetermitto et facile patior sileri, ne in hac civitate tanti facinoris immanitas aut exstitisse aut non vindicata esse videatur. praetermitto ruinas fortunarum tuarum quas omnis impendere tibi proximis Idibus senties: ad illa venio quae non ad privatam ignominiam vitiorum tuorum, non ad domesticam tuam difficultatem ac turpitudinem sed ad summam rem publicam atque ad omnium nostrum vitam salutemque pertinent.

15. potestne tibi haec lux, Catilina, aut

huius caeli spiritus esse iucundus, cum scias esse horum neminem qui nesciat te prid. Kal. Ian. Lepido et Tullo consulibus stetisse in comitio cum telo, manum consulum et principum civitatis interficiendorum causa paravisse, sceleri ac furori tuo non mentem aliquam aut timorem tuum sed fortunam populi Romani obstitisse? ac iam illa omito – neque enim sunt aut obscura aut non multa commissa postea –: quotiens tu me designatum, quotiens vero consulem interficere conatus es! quot ego tuas petitiones ita coniectas ut vitari posse non viderentur parva quadam declinatione et, ut aiunt, corpore effugi! nihil agis, nihil adsequeris neque tamen conari ac velle desistis.

que envolveras com teus encantos de depravações, não revelaste o ferro para a audácia ou a tocha para a luxúria?

14. Que há, na verdade? Há pouco,

como tinhas esvaziado a casa com a morte da tua última esposa para te casar de novo, porventura ainda não completaste este crime com outro crime incrível? Omito e permito que passe em silêncio para que não pareça que nesta cidade a crueldade de tamanho crime existiu ou não foi vingada. Desconsidero todo colapso de tua fortuna, que sentirás te ameaçar nos próximos idos: chego àquilo que é pertinente – não à vergonha particular dos teus vícios, não a tua dificuldade e torpeza doméstica, mas à toda república, à vida e à conservação de todos nós.

15. Esta luz, Catilina, ou o ar deste céu

pode ser agradável a ti, sabendo que não há ninguém destes que desconheça que tu estiveras no comício com uma arma, na véspera de 1º de janeiro, no consulado de Lépido e Tulo, que prepararas um bando com a incumbência de assassinar o cônsul e os principais cidadãos, que nenhum pensamento ou temor teu se opôs ao teu infortúnio e furor, mas o destino do povo romano? E já omito esses fatos – pois não são obscuros ou poucos foram cometidos depois – quantas vezes tentaste me matar, a mim, cônsul designado? Quantas vezes, na verdade, a mim, o cônsul? Quantos ataques feitos de forma tal que pareciam não poder ser evitados; eu me esquivei, me afastando um pouco com o corpo, como dizem! Nada fazes, nada alcanças, nem contudo desistes de tentar e de querer.

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16. quotiens iam tibi extorta est ista sica de manibus, quotiens vero excidit casu aliquo et elapsa est! tamen ea carere diutius non potes. quae quidem quibus abs te initiata sacris ac devota sit nescio, quod eam necesse putas esse in consulis corpore defigere. Nunc vero quae tua est ista vita? sic enim iam tecum loquar, non ut odio permotus esse videar quo debeo, sed ut misericordia quae tibi nulla debetur. venisti paulo ante in senatum. quis te ex hac tanta frequentia, tot ex tuis amicis ac necessariis salutavit? si hoc post hominum memoriam contigit nemini, vocis exspectas contumeliam, cum sis gravissimo iudicio taciturnitatis oppressus? quid, quod adventu tuo ista subsellia vacuefacta sunt, quod omnes consulares qui tibi persaepe ad caedem constituti fuerunt, simul atque adsedisti, partem istam subselliorum nudam atque inanem reliquerunt, quo tandem animo hoc tibi ferundum putas?

17. servi me hercule mei si me isto

pacto metuerent ut te metuunt omnes cives tui, domum meam relinquendam putarem: tu tibi urbem non arbitraris? et si me meis civibus iniuria suspectum tam graviter atque offensum viderem, carere me aspectu civium quam infestis omnium oculis conspici mallem: tu cum conscientia scelerum tuorum agnoscas odium omnium iustum et iam diu tibi debitum, dubitas, quorum mentes sensusque volneras eorum aspectum praesentiamque vitare? si te parentes timerent atque odissent tui neque eos ratione ulla placare posses, ut opinor, ab eorum oculis aliquo concederes. nunc te patria quae communis est parens omnium nostrum odit ac metuit et iam diu nihil te iudicat nisi de parricidio suo cogitare: huius tu

16. Quantas vezes esse teu punhal já te foi arrancado das mãos, quantas vezes ainda escapou por algum acidente e escorregou? Contudo, não podes mais carecer dele. Na verdade, não sei em quais cultos, ele foi iniciado e consagrado por ti, pois julgas ser necessário cravá-lo no corpo do cônsul. Agora, de fato, que vida é essa a tua? Pois agora falarei assim contigo, não para que pareça ser movido pelo ódio, como deveria, mas pela misericórdia, a qual não deveria ser destinada a ti. Vieste um pouco antes ao Senado. Quem dentre esta tamanha multidão, quem de tantos amigos teus e parentes te saudou? Se isso não aconteceu a ninguém na história humana, esperas a repreensão da voz, estando sufocado por tão grave juízo do silêncio? Que direi sobre essas cadeiras se esvaziarem com a tua chegada; que dizer do fato de todos os consulares, que foram tantas vezes escolhidos por ti para morrerem, deixarem essa parte dos assentos vaga e vazia, logo que te sentaste; com qual espírito, entretanto, supões que deverias suportar isso?

17. Por Hércules! Se meus escravos me

temessem do mesmo modo como todos os teus concidadãos te temem, pensaria em abandonar minha casa: tu não pensas que a cidade deveria ser abandonada por ti? E se eu me visse injustamente suspeito e detestado tão gravemente pelos meus concidadãos, preferiria ser privado da presença deles a ser visto com olhares hostis de todos: tu, como admites pelo sentimento de culpa dos teus crimes, que o ódio de todos é justo e destinado a ti há muito tempo, hesitas em evitar o olhar e a presença dos homens cujos espíritos e pensamentos feres? Se teus pais te temessem e odiassem e tu não pudesses acalmá-los de forma alguma, desaparecerias, imagino eu, para algum lugar longe dos olhos deles. Agora a Pátria, que é mãe comum de todos nós, te odeia e teme, e julga que há muito tempo tu não pensas em nada a não ser seu parricídio; tu nem respeitarás sua

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neque auctoritatem verebere nec iudicium sequere nec vim pertimesces?

18. quae tecum, Catilina, sic agit et

quodam modo tacita loquitur: "Nullum iam aliquot annis facinus exstitit nisi per te, nullum flagitium sine te. tibi uni multorum civium neces, tibi vexatio direptioque sociorum impunita fuit ac libera. tu non solum ad neglegendas leges et quaestiones verum etiam ad evertendas perfringendasque valuisti. superiora illa, quamquam ferenda non fuerunt, tamen ut potui tuli. nunc vero me totam esse in metu propter unum te, quicquid increpuerit, Catilinam timeri, nullum videri contra me consilium iniri posse quod a tuo scelere abhorreat non est ferendum. quam ob rem discede atque hunc mihi timorem eripe; si est verus, ne opprimar, sin falsus, ut tandem aliquando timere desinam."

19. Haec si tecum ita ut dixi patria

loquatur, nonne impetrare debeat, etiam si vim adhibere non possit? Quid, quod tu te in custodiam dedisti, quod vitandae suspicionis causa ad M. Lepidum te habitare velle dixisti? a quo non receptus etiam ad me venire ausus es atque ut domi meae te adservarem rogasti. cum a me quoque id responsum tulisses, me nullo modo posse isdem parietibus tuto esse tecum qui magno in periculo essem, quod isdem moenibus contineremur, ad Q. Metellum praetorem venisti. a quo repudiatus ad sodalem tuum, virum optimum, M. Metellum, demigrasti quem tu videlicet et ad custodiendum diligentissimum et ad suspicandum sagacissimum et ad vindicandum fortissimum fore putasti. sed quam longe videtur a carcere atque a vinculis abesse

autoridade, nem obedecerás a suas decisões, nem temerás sua força?

18. Ela se dirige assim a ti, ó Catilina, e,

de certa maneira, fala em silêncio: “Já faz alguns anos que não há nenhum ato criminoso, a não ser o cometido por ti; nenhuma torpeza aconteceu sem ti; só tu ficaste impune e isento das mortes de muitos cidadãos, do vexame e da pilhagem dos aliados; tu não somente triunfaste em ignorar as leis e tribunais, na verdade ainda as aboliste e as destruíste. Agora, que eu esteja toda temerosa só por tua causa, que Catilina seja temido ao menor rumor, que não se empreenda nenhum plano contra mim que não conte com a participação de um crime teu, não se deve suportar. Por isso, parte e me livra desse temor; se isto for verdade, poderei não ser destruída, se falso, poderei enfim deixar de temer”.

19. Se a Pátria fala contigo essas coisas,

assim como eu disse, não é verdade que ela deva alcançar seus fins, ainda que não possa aplicar a força? Que direi quanto ao fato de tu mesmo te colocares sob custódia; que direi sobre o fato de, para evitares suspeita, tu teres dito que desejavas morar na casa de Marco Lépido? – que não te recebeu –. Então, ousaste ainda vir até mim e pedir que eu te guardasse na minha casa. Como também tinhas recebido de mim como resposta eu não poderia de modo algum ficar em segurança contigo nas mesmas paredes – eu que estava em grande perigo, porque estávamos encerrados nos mesmos muros – foste então à casa do pretor Quinto Metelo, que te repudiara. Tu te retiraste para a casa de teu amigo Marco Metelo, um homem excelente, o qual tu evidentemente pensaste que seria atentíssimo na tua guarda, habilíssimo em conjecturar e fortíssimo para castigar. Mas quão

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debere qui se ipse iam dignum custodia iudicarit?

20. Quae cum ita sint, Catilina,

dubitas, si emori aequo animo non potes, abire in aliquas terras et vitam istam multis suppliciis iustis debitisque ereptam fugae solitudinique mandare? ‘Refer’, inquis ‘ad senatum’; id enim postulas et, si hic ordo placere sibi decreverit te ire in exsilium, optemperaturum te esse dicis. non referam, id quod abhorret a meis moribus, et tamen faciam ut intellegas quid hi de te sentiant. egredere ex urbe, Catilina, libera rem publicam metu, in exsilium, si hanc vocem exspectas, proficiscere. Quid est? ecquid attendis, ecquid animadvertis horum silentium? patiuntur, tacent. quid exspectas auctoritatem loquentium, quorum voluntatem tacitorum perspicis?

21. at si hoc idem huic adulescenti

optimo, P. Sestio, si fortissimo viro, M. Marcello, dixissem, iam mihi consuli hoc ipso in templo senatus iure optimo vim et manus intulisset. de te autem, Catilina, cum quiescunt, probant, cum patiuntur, decernunt, cum tacent, clamant, neque hi solum quorum tibi auctoritas est videlicet cara, vita vilissima sed etiam illi equites Romani, honestissimi atque optimi viri, ceterique fortissimi cives qui circumstant senatum, quorum tu et frequentiam videre et studia perspicere et voces paulo ante exaudire potuisti. quorum ego vix abs te iam diu manus ac tela contineo, eosdem facile adducam ut te haec quae vastare iam pridem studes relinquentem usque ad portas prosequantur.

longe do cárcere e dos grilhões parece dever ficar aquele mesmo que agora se diz digno de prisão?

20. Sendo assim, Catilina, hesitas, se não

podes morrer com resignação, em partir para outras terras e confiar essa vida livrada de muitos castigos justos e devidos ao exílio e solidão? Tu dizes: ‘comunica ao Senado:’ pedes então isso e, se essa Ordem decretasse que sua decisão era que fosses para o exílio, dizes que obedecerias. Não mencionarei aquilo que está em contradição com os meus costumes, entretanto farei que compreendas o que eles pensam de ti. Sai da cidade, Catilina, liberta a República do medo, parte para o exílio, se é essa palavra que esperas, parte. O que há? Acaso prestas atenção; acaso vês o silêncio destes? Suportam, por isso se calam. Por que esperas que expressem pela fala sua autoridade aqueles cuja vontade, mesmo calados, estás percebendo?

21. Mas se eu tivesse dito a mesma coisa

a este excelente jovem, Públio Séstio, se tivesse dito ao bravíssimo Marco Marcelo, o Senado já teria lançado contra mim, o cônsul, as mãos e a força neste mesmo templo com toda a justiça. Quando porém estão quietos, Catilina, demonstram; quando suportam, decidem; quando se calam, gritam; e não somente estes cuja autoridade te é evidentemente cara e a vida tão vil, mas também aqueles cavaleiros romanos, homens honestíssimos e ótimos e os outros bravíssimos cidadãos que rodeiam o Senado, dos quais tu pudeste, um pouco antes, ver a multidão, reconhecer os desejos e compreender as vozes. Conduzirei facilmente os mesmos cujas mãos e armas há muito tempo preservo com dificuldade, longe de ti, para que te acompanhem até os portões quando deixares este lugar que há muito tempo desejas devastar.

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22. Quamquam quid loquor? te ut ulla res frangat, tu ut umquam te conligas, tu ut ullam fugam meditere, tu ut ullum exsilium cogites? utinam tibi istam mentem di immortales duint! tametsi video, si mea voce perterritus ire in exsilium animum induxeris, quanta tempestas invidiae nobis, si minus in praesens tempus recenti memoria scelerum tuorum, at in posteritatem impendeat. sed est tanti, dum modo tua ista sit privata calamitas et a rei publicae periculis seiungatur. sed tu ut vitiis tuis commoveare, ut legum poenas pertimescas, ut temporibus rei publicae cedas non est postulandum. neque enim is es, Catilina, ut te aut pudor a turpitudine aut metus a periculo aut ratio a furore revocarit.

23. quam ob rem, ut saepe iam dixi,

proficiscere ac, si mihi inimico, ut praedicas, tuo conflare vis invidiam, recta perge in exsilium: vix feram sermones hominum, si id feceris; vix molem istius invidiae, si in exsilium iussu consulis ieris, sustinebo. sin autem servire meae laudi et gloriae mavis, egredere cum importuna sceleratorum manu, confer te ad Manlium, concita perditos civis, secerne te a bonis, infer patriae bellum, exsulta impio latrocinio, ut a me non eiectus ad alienos, sed invitatus ad tuos isse videaris.

24. quamquam quid ego te invitem, a

quo iam sciam esse praemissos qui tibi ad Forum Aurelium praestolarentur armati, a quo sciam pactam et constitutam cum Manlio diem, a quo etiam aquilam illam argenteam quam tibi ac tuis omnibus confido perniciosam ac funestam futuram, cui domi tuae sacrarium constitutum fuit, sciam

22. Mas que digo eu para que alguma coisa te abata; para que tu, alguma vez, te corrijas, para que tu planejes alguma fuga, para que tu cogites algum exílio? Que os deuses imortais te concedam esse pensamento! Embora veja que minha voz te aterrorizaria a ponto de te convencer a ires ao exílio, vejo quão grande tempestade de ódio pairaria sobre mim, senão no tempo presente, sendo recente a lembrança de teus crimes, mas talvez na posteridade. Mas é tão importante que essa desgraça seja particular e esteja separada dos perigos da República. Porém, não é pretendido que tu sejas movido contra teus vícios, que receies as penas das leis, que te submetas às circunstâncias da República. Pois tua natureza não é do tipo que, Catilina, a vergonha afasta alguma vez da torpeza, o medo do perigo ou a razão do furor.

23. Por isso, como já disse várias vezes,

parte, e se desejares excitar o ódio contra mim, teu inimigo, como declaras, prossegue direto para o exílio: dificilmente suportarei os rumores dos homens, se o fizeres; mal sustentarei o fardo desse ódio, se fores para o exílio, como ordenado pelo cônsul. Se, porém, preferes servir ao meu louvor e glória, afasta-te com o perigoso bando de criminosos; junta-te a Mânlio; excita os cidadãos perdidos; separa-te dos bons; lança uma guerra contra a Pátria; orgulha-te do ímpio latrocínio para que pareças ter ido não expulso por mim para junto de estranhos, mas convidado, para junto dos teus.

24. Contudo, por que eu convido a ti, que

enviaste, como sei, homens para que te esperassem armados no Fórum Aurélio; sei que por ti foi combinado e decidido com Mânlio o dia; sei também que foi enviada adiante aquela águia de prata, na qual acredito que há de ser perniciosa e funesta a ti e a todos os teus, e para a qual foi construído um santuário na

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esse praemissam? tu ut illa carere diutius possis quam venerari ad caedem proficiscens solebas, a cuius altaribus saepe istam impiam dexteram ad necem civium transtulisti? ibis tandem aliquando quo te iam pridem tua ista cupiditas effrenata ac furiosa rapiebat;

25. neque enim tibi haec res adfert

dolorem sed quandam incredibilem voluptatem. ad hanc te amentiam natura peperit, voluntas exercuit, fortuna servavit. numquam tu non modo otium sed ne bellum quidem nisi nefarium concupisti. nactus es ex perditis atque ab omni non modo fortuna verum etiam spe derelictis conflatam improborum manum.

26. Hic tu qua laetitia perfruere,

quibus gaudiis exsultabis, quanta in voluptate bacchabere, cum in tanto numero tuorum neque audies virum bonum quemquam neque videbis! ad huius vitae studium meditati illi sunt qui feruntur labores tui, iacere humi non solum ad obsidendum stuprum verum etiam ad facinus obeundum, vigilare non solum insidiantem somno maritorum verum etiam bonis otiosorum. habes ubi ostentes tuam illam praeclaram patientiam famis, frigoris, inopiae rerum omnium quibus te brevi tempore confectum esse senties.

27. tantum profeci, cum te a consulatu

reppuli, ut exsul potius temptare quam consul vexare rem publicam posses atque ut id quod esset a te scelerate susceptum latrocinium potius quam bellum nominaretur. Nunc, ut a me, patres conscripti, quandam prope iustam patriae

tua casa? Como tu podes ficar sem ela por muito mais tempo, ela que costumavas venerar ao seguir para os assassinatos, e tu que frequentemente fizeste cair essa ímpia destra dos altares para o massacre dos teus concidadãos? Irás, enfim, um dia, para onde essa tua ambição desenfreada e furiosa já há muito te arrasta;

25. Na verdade, esse fato não te traz dor,

mas uma espécie de prazer incrível. A natureza te gerou, a vontade te atormentou, a sorte te guardou para essa loucura. Tu nunca desejaste não só paz e nem sequer a guerra, a não ser a abominável. Achaste um bando de criminosos constituído por seres desprezíveis e destituídos não somente de toda a fortuna, mas também até de esperança.

26. De qual alegria tu gozarás aqui; de

que alegria tu estarás cheio; que grande deleite celebrarás quando, com tantos dos teus, não ouvires nem vires nenhum dos homens de bem! Aqueles teus labores que são reportados – lançar-te à terra não só para cercar a desonra, mas também para praticar um crime; vigiar não só preparando ciladas contra o sono dos maridos, mas também aos bens dos ociosos – foram pensados para o desejo dessa vida. Tens onde ostentes aquela tua evidente tolerância à fome, ao frio, à falta de todas as coisas, por causa das quais perceberás em pouco tempo que serás exterminado.

27. Tive tamanho êxito quando te repeli

do consulado para que pudesses, como exilado, perturbar a República, de preferência a devastá-la enquanto cônsul; e aquilo, que havia sido admitido por ti de modo criminoso, fosse chamado de latrocínio em vez de guerra. Agora, senhores

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querimoniam detester ac deprecer, percipite, quaeso, diligenter quae dicam et ea penitus animis vestris mentibusque mandate. etenim si mecum patria quae mihi vita mea multo est carior, si cuncta Italia, si omnis res publica sic loquatur: ‘M.Tulli, quid agis? tune eum quem esse hostem comperisti, quem ducem belli futurum vides, quem exspectari imperatorem in castris hostium sentis, auctorem sceleris, principem coniurationis, evocatorem servorum et civium perditorum, exire patiere, ut abs te non emissus ex urbe sed immissus in urbem esse videatur? nonne hunc in vincla duci, non ad mortem rapi, non summo supplicio mactari imperabis?

28. quid tandem te impedit? mosne

maiorum? at persaepe etiam privati in hac re publica perniciosos civis morte multarunt. an leges quae de civium Romanorum supplicio rogatae sunt? at numquam in hac urbe qui a re publica defecerunt civium iura tenuerunt. an invidiam posteritatis times? praeclaram vero populo Romano refers gratiam qui te, hominem per te cognitum, nulla commendatione maiorum tam mature ad summum imperium per omnis honorum gradus extulit, si propter invidiam aut alicuius periculi metum salutem civium tuorum neglegis.

29. sed si quis est invidiae metus, non

est vehementius severitatis ac fortitudinis invidia quam inertiae ac nequitiae pertimescenda. an, cum bello vastabitur Italia, vexabuntur urbes, tecta ardebunt, tum te non existimas invidiae incendio conflagraturum?’ His ego

senadores, para que eu afaste e remova de mim certa queixa da Pátria quase justa, percebei, peço-vos diligentemente, as coisas que direi e gravai isso no mais fundo dos vossos corações e mentes. Com efeito, se a Pátria, que é para mim muito mais cara que minha vida; se toda a Itália; se toda a República falasse assim comigo: “Marco Túlio, o que estás fazendo? Tu, por acaso, permitirás que aquele que descobriste ser inimigo, aquele que vês que será o comandante da guerra, aquele que percebes ser esperado como general nos acampamentos dos inimigos, autor do crime, príncipe da conjuração, evocador dos escravos e destruidor dos cidadãos, parta para que pareça não ter sido expulso da cidade por ti, mas enviado contra a cidade? Não ordenarás que este seja jogado na prisão, conduzido à morte, sacrificado com tão grande suplício?

28. Então, que te impede? Por acaso é o

costume dos antepassados? Mas, muitíssimas vezes, nesta República, até mesmo em caráter privado, os mesmos homens também condenaram à morte os cidadãos perniciosos. Acaso as leis foram propostas sobre o suplício dos cidadãos romanos? Porém, nunca nesta cidade, quem abandonou a República, manteve os direitos de cidadão. Porventura temes o ódio da posteridade? Distinto é, na verdade, o reconhecimento que mostras ao povo romano, que tão cedo elevou a ti, um homem conhecido por ti próprio, sem nenhuma recomendação dos antepassados, a tamanho poder em todos os graus das magistraturas, quando negligencias a conservação dos teus concidadãos por causa do ódio ou do medo de qualquer perigo.

29. Mas, se há algum medo do ódio, não

se deve temer mais o ódio pela severidade e firmeza do que pela inércia e frouxidão. Acaso quando a Itália for devastada pela guerra, as cidades forem assoladas, as casas estiverem em chamas, não julgas que então hás de arder no incêndio do

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sanctissimis rei publicae vocibus et eorum hominum qui hoc idem sentiunt mentibus pauca respondebo. Ego, si hoc optimum factu iudicarem, patres conscripti, Catilinam morte multari, unius usuram horae gladiatori isti ad vivendum non dedissem. etenim si summi viri et clarissimi cives Saturnini et Gracchorum et Flacci et superiorum complurium sanguine non modo se non contaminarunt sed etiam honestarunt, certe verendum mihi non erat ne quid hoc parricida civium interfecto invidiae in posteritatem redundaret. quod si ea mihi maxime impenderet, tamen hoc animo fui semper ut invidiam virtute partam gloriam, non invidiam putarem.

30. Quamquam non nulli sunt in hoc

ordine qui aut ea quae imminent non videant aut ea quae vident dissimulent. qui spem Catilinae mollibus sententiis aluerunt coniurationemque nascentem non credendo conroboraverunt. quorum auctoritatem secuti multi non solum improbi verum etiam imperiti, si in hunc animadvertissem, crudeliter et regie factum esse dicerent. Nunc intellego, si iste quo intendit, in Manliana castra pervenerit, neminem tam stultum fore qui non videat coniurationem esse factam, neminem tam improbum qui non fateatur. Hoc autem uno interfecto intellego hanc rei publicae pestem paulisper reprimi, non in perpetuum comprimi posse. Quod si se eiecerit secumque suos eduxerit et eodem ceteros undique conlectos naufragos adgregarit, exstinguetur atque delebitur non modo haec tam adulta rei publicae pestis verum etiam stirps ac semen malorum omnium.

ódio? Responderei poucas coisas a estas palavras tão puras da República e às mentes dos homens que sentem o mesmo”. Se eu, senhores senadores, julgasse que o melhor a se fazer seria que Catilina fosse condenado à morte, não teria dado a esse gladiador nem mais uma hora de vida. Com efeito, se tão nobres homens e tão distintos cidadãos não só não se mancharam, mas também se dignificaram com o sangue de Saturnino, dos Gracos, de Flaco e de muitos mais antigos, certamente não era para eu temer que algum ódio recaísse sobre mim na posteridade, com a morte deste parricida de cidadãos. Mesmo se ele pairasse enormemente sobre mim, eu acreditaria sempre que o ódio vindo da bravura não era ódio, mas glória.

30. No entanto, existem alguns nesta

Ordem que ou não veem aquilo que é iminente, ou encobrem aquilo que veem. Os que alimentaram a esperança de Catilina com sentenças brandas e nutriram a conjuração levantada, não acreditando nela. Diriam que agira de modo cruel e tirânico, se eu o tivesse punido, com a autoridade dos muitos seguidores não só crueis, mas também inexperientes. Agora percebo que se esse homem chegasse ao acampamento manliano, para onde intenta ir, ninguém seria tão tolo que não visse que a conjuração foi executada, ninguém tão cruel que não confesse. Porém, estando morto este único, percebo que esta desgraça da República pode ser detida durante pouco tempo, não contida para sempre. Pois se ele tivesse se lançado e levado consigo os seus e reunido no mesmo lugar o restante dos arruinados que recolhera de todas as partes, não só esta calamidade tão desenvolvida da República seria extinta e destruída, mas também a raiz e origem de todos os males.

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31. etenim iam diu, patres conscripti, in his periculis coniurationis insidiisque versamur, sed nescio quo pacto omnium scelerum ac veteris furoris et audaciae maturitas in nostri consulatus tempus erupit. hic si ex tanto latrocinio iste unus tolletur, videbimur fortasse ad breve quoddam tempus cura et metu esse relevati, periculum autem residebit et erit inclusum penitus in venis atque in visceribus rei publicae. ut saepe homines aegri morbo gravi cum aestu febrique iactantur, si aquam gelidam biberunt, primo relevari videntur, deinde multo gravius vehementiusque adflictantur, sic hic morbus qui est in re publica relevatus istius poena vehementius reliquis vivis ingravescet.

32. qua re secedant improbi,

secernant se a bonis, unum in locum congregentur, muro denique, quod saepe iam dixi, secernantur a nobis; desinant insidiari domi suae consuli, circumstare tribunal praetoris urbani, obsidere cum gladiis curiam, malleolos et faces ad inflammandam urbem comparare. sit denique inscriptum in fronte unius cuiusque quid de re publica sentiat. polliceor hoc vobis, patres conscripti, tantam in nobis consulibus fore diligentiam, tantam in vobis auctoritatem, tantam in equitibus Romanis virtutem, tantam in omnibus bonis consensionem ut Catilinae profectione omnia patefacta, inlustrata, oppressa, vindicata esse videatis.

33. Hisce ominibus, Catilina, cum

summa rei publicae salute, cum tua peste ac pernicie cumque eorum exitio qui se tecum omni

31. Pois, há muito tempo, senhores senadores, encontramo-nos nestes perigos e ciladas da conjuração, mas não sei de que maneira a maturidade de todos os crimes e do antigo furor e audácia surgiu no tempo do nosso consulado. Então, se esse único homem for eliminado por tão grande latrocínio, pareceremos talvez estar aliviados por um breve tempo do cuidado e do medo, porém o perigo permanecerá e ficará encerrado profundamente nas veias e vísceras da República. Como frequentemente os doentes com grave moléstia quando são perturbados pelo calor e febre, se beberem água gelada, primeiro parecem estar aliviados, depois são atormentados mais gravemente e veementemente, assim, esta doença que está na República, aliviada pelo castigo desse, aumentará mais fortemente com o restante vivo.

32. Portanto, que os ímprobos se

afastem, que se separem dos bons, que sejam reunidos em um único lugar, enfim, como já disse amiúde, que fiquem separados de nós por um muro; desistam de armar ciladas para o cônsul em sua casa, de cercar o tribunal do pretor urbano, de bloquear o Senado com espadas, de preparar projéteis incendiários e tochas para incendiar a cidade. Em suma, que seja escrito na testa de cada um o que acha da República. Prometo-vos isto, senhores senadores: que tão grande zelo exista em nós, cônsules, que tamanha autoridade em vós, que tão grande coragem nos cavaleiros romanos, que tamanho acordo em todos os bons para que vejais que com a partida de Catilina, tudo foi descoberto, tudo se tornou evidente, tudo foi destruído e vingado.

33. Com esses presságios, Catilina,

parte para a guerra ímpia e nefária com a máximasalvação da República e com a destruição

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scelere parricidioque iunxerunt, proficiscere ad impium bellum ac nefarium. tu, Iuppiter, qui isdem quibus haec urbs auspiciis a Romulo es constitutus, quem Statorem huius urbis atque imperi vere nominamus, hunc et huius socios a tuis ceterisque templis, a tectis urbis ac moenibus, a vita fortunisque civium omnium arcebis et homines bonorum inimicos, hostis patriae, latrones Italiae scelerum foedere inter se ac nefaria societate coniunctos aeternis suppliciis vivos mortuosque mactabis.

daqueles que se uniram a ti em todo crime e parricídio. Tu, ó Júpiter, que foste constituído por Rômulo aos mesmos auspícios desta cidade – a quem chamamos, com razão, de Estátor desta cidade e deste império – afastarás este e os comparsas dele dos outros templos teus, das casas e das muralhas da cidade, da vida e das fortunas de todos os cidadãos e punirás com suplícios eternos os vivos e mortos, os inimigos dos homens de bem, os inimigos da Pátria, os ladrões da Itália unidos entre si por um tratado de crimes e por um pacto nefário.

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IN CATILINAM II

1. Tandem aliquando, Quirites, L. Catilinam furentem audacia, scelus anhelantem, pestem patriae nefarie molientem, vobis atque huic urbi ferro flammaque minitantem ex urbe vel eiecimus vel emisimus vel ipsum egredientem verbis prosecuti sumus. abiit, excessit, evasit, erupit. nulla iam pernicies a monstro illo atque prodigio moenibus ipsis intra moenia comparabitur. atque hunc quidem unum huius belli domestici ducem sine controversia vicimus. non enim iam inter latera nostra sica illa versabitur, non in campo, non in foro, non in curia, non denique intra domesticos parietes pertimescemus. loco ille motus est, cum est ex urbe depulsus. palam iam cum hoste nullo impediente bellum iustum geremus. sine dubio perdidimus hominem magnificeque vicimus, cum illum ex occultis insidiis in apertum latrocinium coniecimus.

2. quod vero non cruentum mucronem ut voluit extulit, quod vivis nobis egressus est, quod ei ferrum e manibus extorsimus, quod incolumis civis, quod stantem urbem reliquit, quanto tandem illum maerore esse adflictum et profligatum putatis? iacet ille nunc prostratus, Quirites, et se perculsum atque abiectum esse sentit et retorquet oculos profecto saepe ad hanc urbem quam e suis faucibus ereptam esse luget. quae quidem mihi laetari videtur, quod tantam pestem evomuerit forasque proiecerit.

1. Enfim, povo romano, expulsamos da cidade, deixamos sair, acompanhamos com palavras aquele mesmo que partia, Lúcio Catilina, que enfurecido pela audácia, respirando o crime, maquinando nefandamente a ruína da pátria, ameaçava a vós e a esta cidade com ferro e fogo. Partiu, foi-se embora, fugiu, desapareceu. Agora, nenhuma destruição contra as próprias muralhas será planejada dentro dos muros por aquele monstro e tormento. E, sem questionamento, vencemos o único comandante dessa guerra intestina. De fato, aquele punhal já não estará voltado para o nosso lado; não o recearemos no Campo, nem no Fórum, nem na Cúria, nem, enfim, na intimidade de casa. Ele foi removido de seu posto quando foi expulso da cidade. Já faremos abertamente uma guerra justa contra um inimigo, sem ninguém o impedindo. Sem dúvida, perdemos um homem e vencemos magnificamente, quando o lançamos das ciladas ocultas para o banditismo visível.

2. Na verdade, porque não levou a

espada ensanguentada, como desejou, porque saiu, deixando-nos vivos, porque lhe tiramos o ferro das mãos, porque deixou os cidadãos sãos e salvos, porque deixou a cidade de pé, julgais finalmente quão grande pesar o afligiu e abateu? Agora, ele jaz prostrado, povo romano, não só sente que foi derrotado e derrubado, mas também volta os olhos realmente muitas vezes para esta cidade que julga ter sido arrancada de suas garras; ela, na verdade, parece-me se alegrar por ter vomitado tamanha desgraça e a arremessado para fora.

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3. ac si quis est talis qualis esse

omnis oportebat, qui in hoc ipso in quo exsultat et triumphat oratio mea me vehementer accuset, quod tam capitalem hostem non comprehenderim potius quam emiserim, non est ista mea culpa, Quirites, sed temporum. interfectum esse L. Catilinam et gravissimo supplicio adfectum iam pridem oportebat, idque a me et mos maiorum et huius imperi severitas et rei publicae utilitas postulabat. sed quam multos fuisse putatis qui quae ego deferrem non crederent, quam multos qui etiam defenderent, quam multos qui propter stultitiam non putarent, quam multos qui propter improbitatem faverent? ac si illo sublato depelli a vobis omne periculum iudicarem, iam pridem ego L. Catilinam non modo invidiae meae verum etiam vitae periculo sustulissem.

4. sed cum viderem, ne vobis quidem omnibus etiam tum re probata si illum, ut erat meritus, morte multassem, fore ut eius socios invidia oppressus persequi non possem, rem huc deduxi ut tum palam pugnare possetis cum hostem aperte videretis. Quem quidem ego hostem, Quirites, quam vehementer foris esse timendum putem, licet hinc intellegatis, quod etiam illud moleste fero quod ex urbe parum comitatus exierit. utinam ille omnis secum suas copias eduxisset! Tongilium mihi eduxit quem amare in praetexta calumnia coeperat, Publicium et Minucium quorum aes alienum contractum in popina nullum rei publicae motum adferre poterat; reliquit quos viros, quanto aere alieno, quam valentis, quam nobilis!

3. Se for oportunidade tal qual é a

todos, de me acusar veementemente naquilo que meu discurso exalta e triunfa: de eu não ter prendido um inimigo tão capital antes de expulsá-lo – não é minha culpa, povo romano, mas das circunstâncias. Convinha que Lúcio Catilina fosse morto e há muito punido com um suplício muito rigoroso – o costume dos antepassados, a severidade da ordem e o interesse da República exigiam isso de mim. Mas, pensais, quantos foram aqueles que não acreditaram no que eu revelava, quantos não me julgavam por causa de sua estupidez, quantos o apoiavam por sua perversidade? E se eu julgasse, estando ele destruído, que todo o perigo estivesse afastado de vós, há muito eu teria suprimido Lúcio Catilina, risco não só a minha impopularidade mas também a minha vida.

4. Mas, ao ver o que aconteceria se eu o

condenasse à morte, como era merecido, então, tendo o feito ainda não sido provado certamente para todos vós, oprimido pelo ódio, eu não poderia perseguir os seus cúmplices,- conduzi a discussão até aqui, para que então pudésseis lutar publicamente quando virdes abertamente o inimigo. Na verdade, povo romano, quão intensamente eu mesmo julgue que esse inimigo deve ser temido estando fora, podeis compreender a partir disto: pelo fato de que suporto também com dificuldade que ele tenha saído da cidade pouco acompanhado. Que ele tivesse levado consigo todas as suas tropas! Levou-me a Tongílio, já iniciada a pretexta acusação, quando Catilina por ele se apaixonou, a Publício e Minúcio, cujas dívidas contraídas na taberna não poderiam trazer nenhuma perturbação à República; deixou para trás aqueles homens, com tamanhas dívidas, tão valentes, tão nobres!

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5. itaque ego illum exercitum prae Gallicanis legionibus et hoc dilectu quem in agro Piceno et Gallico Q. Metellus habuit et prae his copiis, quae a nobis cotidie comparantur magno opere contemno conlectum ex senibus desperatis, ex agresti luxuria, ex rusticis decoctoribus, ex iis qui vadimonia deserere quam illum exercitum maluerunt; quibus ego non modo si aciem exercitus nostri verum etiam si edictum praetoris ostendero, concident. Hos quos video volitare in foro, quos stare ad curiam, quos etiam in senatum venire, qui nitent unguentis, qui fulgent purpura, mallem secum suos milites eduxisset; qui si hic permanent, mementote non tam exercitum illum esse nobis quam hos qui exercitum deseruerunt, pertimescendos. atque hoc etiam sunt timendi magis, quod quid cogitent me scire sentiunt neque tamen permoventur.

6. video cui sit Apulia attributa, quis

habeat Etruriam, quis agrum Picenum, quis Gallicum, quis sibi has urbanas insidias caedis atque incendiorum depoposcerit. omnia superioris noctis consilia ad me perlata esse sentiunt. patefeci in senatu hesterno die. Catilina ipse pertimuit, profugit: hi quid exspectant? ne illi vehementer errant, si illam meam pristinam lenitatem perpetuam sperant futuram. Quod expectavi iam sum adsecutus, ut vos omnes factam esse aperte coniurationem contra rem publicam videretis; nisi vero si quis est qui Catilinae similis cum Catilina sentire non putet. non est iam lenitati locus; severitatem res ipsa flagitat. unum etiam nunc concedam: exeant, proficiscantur, ne patiantur desiderio sui Catilinam miserum tabescere. demonstrabo iter: Aurelia via

5. E, assim, eu considero muito desprezível, em comparação com as legiões dos gauleses e com o recrutamento que Quinto Metelo fez no campo Piceno e no Gálico, e, antes, com estas tropas que são preparadas todos os dias por nós, aquele exército reunido de velhos desesperados, da luxúria campestre, de rústicos arruinados, daqueles que preferiram desertar do tribunal do que daquele exército; aos quais basta eu mostrar não só a linha de frente de nosso exército como até mesmo o edito do pretor, que eles sucumbirão. Preferiria que ele tivesse levado consigo seus soldados, estes que vejo irem e virem ao fórum, que ficam parados perto da cúria, que ainda vêm ao Senado, que brilham com unguentos, que luzem com a púrpura; se eles permanecem aqui, lembrai-vos de que aquele exército não deve ser tão temido como devem ser temidos estes que desertaram. E que devem ser mais temidos por isto, porque percebem, que eu sei o que pensam, entretanto, não se abalam.

6. Vejo a quem foi atribuída a Apúlia,

quem tem a Estúria, quem o campo Piceno, quem o Gálico, quem reclamou para si estas insídias urbanas de massacre e incêndios. Percebem que todos os planos da noite precedente chegaram a mim; revelei-os ontem no Senado. O próprio Catilina que receava muito, fugiu: o que eles esperam? Certamente, eles se enganam completamente se acham que aquela minha bondade antiga durará para sempre. Já consegui o que queria: que todos vós vísseis que uma conjuração foi feita abertamente contra a república; a não ser, na verdade, que haja alguém que não pense que os semelhantes a Catilina pensam como Catilina. Já não há lugar para bondade; esse mesmo assunto exige severidade. Ainda concederei uma coisa agora: que saiam, que partam, que não permitam que o infeliz Catilina se consuma com saudades suas. Mostrarei o caminho: ele partiu pela via Aurélia; se

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profectus est; si accelerare volent, ad vesperam consequentur.

7. O fortunatam rem publicam, si

quidem hanc sentinam urbis eiecerit! Vno me hercule Catilina exhausto levata mihi et recreata res publica videtur. quid enim mali aut sceleris fingi aut cogitari potest quod non ille conceperit? quis tota Italia veneficus, quis gladiator, quis latro, quis sicarius, quis parricida, quis testamentorum subiector, quis circumscriptor, quis ganeo, quis nepos, quis adulter, quae mulier infamis, quis corruptor iuventutis, quis corruptus, quis perditus inveniri potest qui se cum Catilina non familiarissime vixisse fateatur? quae caedes per hosce annos sine illo facta est, quod nefarium stuprum non per illum?

8. iam vero quae tanta umquam in ullo

iuventutis inlecebra fuit quanta in illo? qui alios ipse amabat turpissime, aliorum amori flagitiosissime serviebat, aliis fructum libidinum, aliis mortem parentum non modo inpellendo verum etiam adiuvando pollicebatur. nunc vero quam subito non solum ex urbe verum etiam ex agris ingentem numerum perditorum hominum conlegerat! nemo non modo Romae sed ne in uno quidem angulo totius Italiae oppressus aere alieno fuit quem non ad hoc incredibile sceleris foedus asciverit.

9. atque ut eius diversa studia in

dissimili ratione perspicere possitis, nemo est in ludo gladiatorio paulo ad facinus audacior qui se non intimum Catilinae, nemo in scaena levior et nequior qui se non eiusdem prope sodalem fuisse commemoret. atque idem tamen stuprorum et

quiserem se apressar, o alcançarão ao cair da tarde.

7. Ó República afortunada, se ao menos expulsasse essa escória da cidade! Por Hércules! Depois de retirado um só Catilina, a República me parece liberta e curada. Pois que mal ou crime poderá ser inventado ou cogitado, que ele não tenha concebido? Que envenenador, que gladiador, que ladrão, que assassino, que parricida, que falsificador de testamentos, que trapaceiro, que devasso, que libertino, que adúltero, que mulher infame, que sedutor da juventude, que corrupto, que perdido pode ser encontrado em toda a Itália que não confesse que viveu intimamente com Catilina? Que assassinato não foi cometido senão por ele nesses anos, que estupro nefário também por ele?

8. De fato, que sedução da juventude

existiu em algum outro tão grande quanto a que existia nele? O mesmo que amava uns, de modo muito vergonhoso, servia de modo muito infame ao amor dos outros, prometia a uns o fruto libidinoso, a outros a morte dos pais não só instigando mas também ajudando. Agora, na verdade, o quão subitamente tinha se reunido um imenso número de homens perdidos não só na cidade como no campo! Não houve ninguém que não tivesse sido esmagado por dívidas não só em Roma, mas de fato em um único canto da Itália, que ele não chamasse para esse incrível pacto de crime.

9. E para que vós possais perceber a

diversidade de seus interesses em campos diferentes, não há ninguém no combate gladiatório um pouco mais audacioso no crime que não confesse ser íntimo de Catilina, ninguém, na cena, mais pérfido e mais devasso que não mencione ter sido amigo próximo do próprio. E, no entanto, ele mesmo, acostumado à

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scelerum exercitatione adsuefactus frigore et fame et siti et vigiliis perferendis fortis ab istis praedicabatur, cum industriae subsidia atque instrumenta virtutis in libidine audaciaque consumeret.

10. Hunc vero si secuti erunt sui

comites, si ex urbe exierint desperatorum hominum flagitiosi greges, o nos beatos, o rem publicam fortunatum, o praeclaram laudem consulatus mei! non enim iam sunt mediocres hominum libidines, non humanae et tolerandae audaciae. nihil cogitant nisi caedem, nisi incendia, nisi rapinas. patrimonia sua profuderunt, fortunas suas obligaverunt; res eos iam pridem, fides nuper deficere coepit: eadem tamen illa quae erat in abundantia, libido permanet. quod si in vino et alea comissationes solum et scorta quaererent, essent illi quidem desperandi, sed tamen essent ferendi; hoc vero quis ferre possit, inertis homines fortissimis viris insidiari, stultissimos prudentissimis, ebriosos sobriis, dormientis vigilantibus? qui mihi accubantes in conviviis conplexi mulieres impudicas, vino languidi, conferti cibo, sertis redimiti, unguentis obliti, debilitati stupris eructant sermonibus suis caedem bonorum atque urbis incendia.

11. quibus ego confido impendere

fatum aliquod et poenam iam diu improbitati. nequitiae, sceleri, libidini debitam aut instare iam plane aut certe appropinquare. quos si meus consulatus, quoniam sanare non potest, sustulerit, non breve nescio quod tempus sed multa saecula propagarit rei

prática de estupros e crimes, tendo o frio, a fome, a sede e as insônias sido tolerados, foi exortado por eles a ser forte, já que destruiria do esforço as reservas e os meios de virtude com libido e audácia.

10. Sem dúvida, se seus comparsas o

seguirem, se os bandos flagiciosos de homens desesperados saíssem da cidade, ó felizes de nós, ó República afortunada, ó louvor distinto do meu consulado! Pois já não há mediocridade para a devassidão dos homens, não há audácias humanas e toleráveis, não projetam nada a não ser mortes, a não ser incêndios, a não ser rapinas. Gastaram desmedidamente seus bens, comprometeram suas fortunas; recentemente começou a lhes faltar crédito; recentemente, a esperança começou a desaparecer; entretanto, aquela mesma, que existia em abundância, a devassidão, permanece. E se, em sua embriaguez e no jogo procurassem apenas orgias e prostitutas, sem dúvida, não haveria nada a esperar deles, mas seriam toleráveis; mas quem poderia suportar que homens preguiçosos armem emboscadas a homens tão corajosos, os de tamanha estupidez aos tão previdentes, os bêbados aos sóbrios, os que dormem aos vigilantes? Aqueles que, reclinados sobre a mesa de refeições, abraçados com mulheres impudicas, amolecidos pelo vinho, empanturrados com comida, ornados de coroas, cobertos de perfumes, enfraquecidos pelos estupros, vomitam com suas palavras a morte dos homens de bem e incêndios da cidade.

11. Eu acredito que alguma desgraça

está prestes a acontecer a eles e que a pena devida pela improbidade, perversidade, crime, devassidão já, há muito, ameaça abertamente ou certamente se aproxima. Se meu consulado os eliminasse, visto que não pôde curá-los, não sei por quanto tempo, não seria breve, mas por muitos séculos isso se prolongaria

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publicae. nulla est enim natio quam pertimescamus, nullus rex qui bellum populo Romano facere possit; omnia sunt externa unius virtute terra marique pacata: domesticum bellum manet, intus insidiae sunt, intus inclusum periculum est, intus est hostis: cum luxuria nobis, cum amentia, cum scelere certandum est. huic ego me bello ducem profiteor, Quirites; suscipio inimicitias hominum perditorum. quae sanari poterunt quacumque ratione sanabo; quae resecanda erunt non patiar ad perniciem civitatis manere. proinde aut exeant aut quiescant aut, si et in urbe et in eadem mente permanent, ea quae merentur exspectent.

12. At etiam sunt qui dicant, Quirites,

a me eiectum in exsilium esse Catilinam. quod ego si verbo adsequi possem, istos ipsos eicerem qui haec locuntur. homo enim videlicet timidus aut etiam permodestus vocem consulis ferre non potuit; simul atque ire in exsilium iussus est, paruit. Quid ut hesterno die, Quirites, cum domi meae paene interfectus essem, senatum in aedem Iovis Statoris convocavi, rem omnem ad patres conscriptos detuli: quo cum Catilina venisset, quis eum senator appellavit, quis salutavit, quis denique ita aspexit ut perditum civem ac non potius ut importunissimum hostem? quin etiam principes eius ordinis partem illam subselliorum ad quam ille accesserat nudam atque inanem reliquerunt.

13. Hic ego vehemens ille consul qui

verbo civis in exsilium eicio, quaesivi a Catilina, in nocturno conventu apud M. Laecam fuisset necne. cum ille homo audacissimus conscientia convictus primo reticuisset,

pela República. Não existe nenhum povo que temamos, nenhum rei que possa guerrear com o povo romano; tudo o que é externo está em paz, por terra e por mar, pela virtude de um só: a guerra doméstica permanece, dentro há as emboscadas, dentro há o perigo encerrado, dentro há o inimigo; devemos resistir à luxúria, à demência e ao crime. Eu me declaro comandante desta guerra, povo romano; exponho-me às inimizades dos homens degenerados: repararei de qualquer maneira o que puder ser reparado; não admitirei que permaneça para a ruína dos cidadãos, o que deveria ser suprimido. Por isso, saiam ou se aquietem, ou, se permanecerem na cidade, ou com a mesma ideia, aguardem as coisas que merecem.

12. Mas ainda há os que dirão, povo

romano, que Catilina foi enviado ao exílio por mim. Porque se eu pudesse conseguir tal coisa com palavras, enviaria esses mesmos que falam isso. Pois, sem dúvida, um homem tímido e também muito modesto não pôde suportar a voz do cônsul; logo que foi ordenado que fosse para o exílio, obedeceu. Ontem, povo romano, como eu quase fui assassinado em minha casa, convoquei o Senado para o templo de Júpiter Estátor, denunciei todo o fato aos senadores: uma vez que Catilina tinha vindo aqui, que senador o chamou, quem o saudou, quem, enfim, o considerou um cidadão dissoluto e não, de preferência, um inimigo tão inoportuno? Além disso, os soberanos dessa Ordem deixaram abandonado e vazio aquele lado dos bancos do qual ele tinha se aproximado.

13. Então, eu, esse cônsul enérgico, que

manda cidadãos para o exílio com sua palavra, perguntei a Catilina se ele estivera ou não na casa de Marco Leca na reunião noturna. Como ele, homem extremamente descarado, convicto de sua consciência, tinha se calado primeiro, revelei também as

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patefeci cetera: quid ea nocte egisset, ubi fuisset, quid in proximam constituisset, quem ad modum esset ei ratio totius belli descripta edocui. cum haesitaret, cum teneretur, quaesivi quid dubitaret proficisci eo quo iam pridem pararet, cum arma, cum securis, cum fascis, cum tubas, cum signa militaria, cum aquilam illam argenteam cui ille etiam sacrarium domi suae fecerat scirem esse praemissam.

14. in exsilium eiciebam quem iam

ingressum esse in bellum videbam? etenim, credo, Manlius iste centurio qui in agro Faesulano castra posuit bellum populo Romano suo nomine indixit, et illa castra nunc non Catilinam ducem exspectant, et ille eiectus in exsilium se Massiliam, ut aiunt, non in haec castra confert. O condicionem miseram non modo administrandae verum etiam conservandae rei publicae! nunc si L. Catilina consiliis, laboribus, periculis meis circumclusus ac debilitatus subito pertimuerit, sententiam mutaverit, deseruerit suos, consilium belli faciendi abiecerit, et ex hoc cursu sceleris ac belli iter ad fugam atque in exsilium converterit, non ille a me spoliatus armis audaciae, non obstupefactus ac perterritus mea diligentia, non de spe conatuque depulsus sed indemnatus innocens in exsilium eiectus a consule vi et minis esse dicetur; et erunt qui illum, si hoc fecerit, non improbum sed miserum, me non diligentissimum consulem sed crudelissimum tyrannum existimari velint!

15. Est mihi tanti, Quirites, huius

invidiae falsae atque iniquae tempestatem subire, dum modo a vobis huius horribilis belli ac nefarii periculum depellatur. dicatur sane

outras coisas: o que tinha feito naquela noite, aonde fora, o que tinha decidido na noite passada, mostrei de que maneira o plano de toda a guerra tinha sido definido por ele. Como titubeava, como se sentisse enleado, perguntei por que hesitava em partir para lá, para onde já há muito tempo se preparava, quando eu soube que armas, machados, feixes, trombetas, insígnias militares, aquela águia de prata, para a qual ele ainda havia construído um santuário em sua casa, tinham sido enviados antes.

14. Eu mandava para o exilio quem eu via

já dentro da guerra? Na verdade, acredito que o capitão Mânlio, que possuía acampamentos no campo Fesulano, declarou guerra ao povo romano em seu nome e, agora, aqueles acampamentos não esperam o comandante Catilina, e ele, mandado ao exílio, se dirigirá a Marselha, não àqueles acampamentos, como dizem. Que condição infeliz de não só administrar a República mas também de conservá-la! Agora, se Lúcio Catilina, cercado e impedido por meus conselhos, esforços e perigos, de repente, tivesse muito medo, mudasse a opinião, deixasse os seus, abandonasse o plano de fazer guerra e voltasse o seu rumo deste caminho de crime e guerra para fuga e exílio, seria dito não que ele foi privado por mim das armas da audácia, não que ficou atordoado e aterrorizado com o meu zelo, não que tinha frustrado as esperanças e esforços de todos, mas um inocente, condenado sem julgamento, jogado no exílio, sob violência e ameaças do cônsul; e haverá aqueles que desejarão que ele seja considerado, se tiver feito isto, não ímprobo, mas infeliz e, eu, não um cônsul de tamanha devoção, mas um tirano de tão grande crueldade.

15. Vale a pena para mim, povo romano,

suportar a tempestade desta hostilidade falsa e injusta, desde que o perigo desta horrível e nefária guerra seja afastado de vós. Diga-se,

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eiectus esse a me, dum modo eat in exsilium. sed mihi credite, non est iturus. numquam ego ab dis immortalibus optabo, Quirites, invidiae meae levandae causa ut L. Catilinam ducere exercitum hostium atque in armis volitare audiatis, sed triduo tamen audietis; multoque magis illud timeo ne mihi sit invidiosum aliquando quod illum emiserim potius quam quod eiecerim. sed cum sint homines qui illum, cum profectus sit, eiectum esse dicant, idem, si interfectus esset, quid dicerent?

16. Quamquam isti qui Catilinam

Massiliam ire dictitant non tam hoc queruntur quam verentur. nemo est istorum tam misericors qui illum non ad Manlium quam ad Massiliensis ire malit. ille autem, si me hercule hoc quod agit numquam antea cogitasset, tamen latrocinantem se interfici mallet quam exsulem vivere. nunc vero, cum ei nihil adhuc praeter ipsius voluntatem cogitationemque acciderit nisi quod vivis nobis Roma profectus est, optemus potius ut eat in exsilium quam queramur.

17. Sed cur tam diu de uno hoste

loquimur et de eo hoste qui iam fatetur se esse hostem et quem, quia, quod semper volui, murus interest, non timeo: de his qui dissimulant, qui Romae remanent, qui nobiscum sunt nihil dicimus? quos quidem ego, si ullo modo fieri possit, non tam ulcisci studeo quam sanare sibi ipsos, placare rei publicae, neque id quare fieri non possit, si me audire volent, intellego. exponam enim vobis, Quirites, ex quibus generibus hominum istae copiae comparentur; deinde singulis medicinam consili atque orationis meae, si quam potero, adferam.

sem dúvida, que eu o tenha expulsado, contanto que vá para o exílio. Mas acreditai em mim, ele não irá. Eu nunca pedirei aos deuses imortais, povo romano, com o pretexto de aliviar meu ódio, que vós ouçais que Lúcio Catilina conduz um exército de inimigos e que agita-se com armas, mas ouvireis, contudo, em três dias; temo muito mais que, qualquer dia, aquilo me seja odioso, que eu o tenha deixado escapar antes de expulsá-lo. Mas como haverá homens que dirão que ele foi expulso em vez de ter partido; os mesmos, se ele fosse morto, o que diriam?

16. De resto, esses que repetem que

Catilina vai a Marselha, não o lastimam tanto quanto temem. Deles não há ninguém tão misericordioso que não prefira que ele vá a Mânlio do que aos marselheses. Mas, por Hércules, se ele não tivesse planejado antes isso que vem fazendo, preferiria, contudo, morrer pilhando a viver exilado. Mas, como nada lhe aconteceu até agora a não ser o que era de sua própria vontade e que fazia parte de seu plano, exceto que tenha partido de Roma e nos deixado vivos, escolheremos que vá para o exílio em vez de lamentarmos.

17. Mas por que falamos de um só inimigo

há tanto tempo, do inimigo confesso e a quem não temo porque existe uma muralha entre nós, coisa que sempre desejei: por que não dizemos nada sobre aqueles que dissimulam, que permanecem em Roma, que estão entre nós? Se de algum modo isto pudesse acontecer a eles, na verdade, eu não desejo puni-los tanto quanto desejo curar os mesmos para si e acalmá-los para a República; não entendo por que isso não pode acontecer, se desejam me escutar. Então, exporei a vós, povo romano, de que espécie de homens estas tropas estão compostas; depois, para cada um trarei o remédio de meu conselho e discurso, se assim o puder.

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18. Unum genus est eorum qui magno

in aere alieno maiores etiam possessiones habent quarum amore adducti dissolvi nullo modo possunt. horum hominum species est honestíssima – sunt enim locupletes – voluntas vero et causa impudentissima. tu agris, tu aedificiis, tu argento, tu familia, tu rebus omnibus ornatus et copiosus sis, et dubites de possessione detrahere, adquirere ad fidem? quid enim exspectas? bellum? quid ergo? in vastatione omnium tuas possessiones sacrosanctas futuras putas? an tabulas novas? errant qui istas a Catilina exspectant. meo beneficio tabulae novae proferentur, verum auctionariae. neque enim isti qui possessiones habent alia ratione ulla salvi esse possunt. quod si maturius facere voluissent neque, id quod stultissimum est, certare cum usuris fructibus praediorum, et locupletioribus his et melioribus civibus uteremur. sed hosce homines minime puto pertimescendos, quod aut deduci de sententia possunt aut, si permanebunt, magis mihi videntur vota facturi contra rem publicam quam arma laturi.

19. Alterum genus est eorum qui,

quamquam premuntur aere alieno, dominationem tamen exspectant, rerum potiri volunt, honores quos quieta re publica desperant perturbata se consequi posse arbitrantur. quibus hoc praecipiendum videtur, unum scilicet et idem quod reliquis omnibus, ut desperent se id quod conantur consequi posse: primum omnium me ipsum vigilare, adesse, providere rei publicae; deinde magnos animos esse in bonis viris, magnam concordiam maxima in multitudine, magnas praeterea militum copias; deos

18. Uma espécie é daqueles que, mesmo

estando muito endividados, têm posses ainda maiores, pelas quais estão atraídos passionalmente e das quais não podem se separar de jeito algum. A aparência destes homens é extremamente distinta – pois são ricos – mas, por outro lado, o desejo e o interesse extremamente descarados. Provido e copioso de terras tu és, tu és de edifícios, tu és de prata, tu és de grupo de escravos, tu és de todas as coisas e hesitas em rebaixar as posses e aumentar o seu crédito? O que esperas realmente? Uma guerra? O quê? Pensas que tuas posses serão invioláveis em meio à devastação de todos? Ou novos registros? Quem os espera de Catilina, está cometendo um erro. Novos registros serão apresentados com a minha ajuda, porém estarão em hasta pública. Pois nem aqueles que têm posses poderão ser salvos por qualquer outra razão. Se tivessem querido fazê-lo antes e não combater a usura com os rendimentos de suas propriedades, o que é muito estúpido, teríamos hoje mais ricos e melhores cidadãos. Mas, considero estes homens muito pouco temíveis; porque podem ser dissuadidos de sua opinião ou, se continuarem, mais parecerá para mim que estão fazendo votos do que carregando armas contra a República.

19. A outra espécie é daqueles que,

embora estejam cheios de dívidas, ainda esperam pelo poder; desejam apossar-se de bens; julgam que, perturbada a República, podem obter os cargos que, estando ela pacificada, não têm esperanças de obter. Aos quais parece que se deve recomendar isto, evidentemente a única e mesma coisa que a todos os demais: que percam as esperanças de obter o que estão tentando. Primeiramente, que eu mesmo que vigio, estou presente, velo pela República; depois, que existe grande coragem nos homens de bem, grande harmonia numa imensa multidão e uma grande quantidade de soldados; finalmente, os deuses imortais, que

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denique immortalis huic invicto populo, clarissimo imperio, pulcherrimae urbi contra tantam vim sceleris praesentis auxilium esse laturos. quod si iam sint id quod cum summo furore cupiunt adepti, num illi in cinere urbis et in sanguine civium, quae mente conscelerata ac nefaria concupiverunt, consules se aut dictatores aut etiam reges sperant futuros? non vident id se cupere, quod si adepti sint, fugitivo alicui aut gladiatori concedi sit necesse?

20. Tertium genus est aetate iam

adfectum, sed tamen exercitatione robustum. quo ex genere iste est Manlius cui nunc Catilina succedit. hi sunt homines ex iis coloniis quas Sulla constituit. quas ego universas civium esse optimorum et fortissimorum virorum sentio, sed tamen hi sunt coloni qui se in insperatis ac repentinis pecuniis sumptuosius insolentiusque iactarunt. hi dum aedificant tamquam beati, dum raedis, lecticis, familiis magnis, conviviis apparatis delectantur, in tantum aes alienum inciderunt ut, si salvi esse velint, Sulla sit iis ab inferis excitandus. qui etiam non nullos agrestis homines tenuis atque egentis in eandem illam spem rapinarum veterum impulerunt. quos ego utrosque in eodem genere praedatorum direptorumque pono, sed eos hoc moneo, desinant furere ac proscriptiones et dictaturas cogitare. tantus enim illorum temporum dolor inustus est civitati ut iam ista non modo homines sed ne pecudes quidem mihi passurae esse videantur.

21. Quartum genus est sane varium et

mixtum et turbulentum. qui iam pridem premuntur, qui numquam emergunt, qui partim inertia, partim male gerendo negotio,

estão presentes, trarão auxílio a este povo invencível, a esta tão distinta pátria e a esta cidade de tamanha beleza contra tão grande força do crime. E se já tiverem obtido isso que, com extremo furor, desejaram? Acaso eles esperavam ser cônsules, ditadores ou até reis sobre as cinzas da cidade e o sangue dos cidadãos; o que desejaram ardentemente com seu caráter criminoso e depravado? Eles não percebem que desejam aquilo que, se conseguissem, seria necessário conceder a qualquer fugitivo ou gladiador?

20. A terceira espécie já é afetada pela

idade, mas, ainda, forte pelo exercício. E é dela que faz parte Mânlio, a quem Catilina agora sucede. Estes são os homens das colônias que Sula constituiu. Eu percebo que todas elas são de cidadãos ótimos e homens fortíssimos, mas, eles são agricultores que se gabaram do modo mais dispendioso e insolente de seu dinheiro inesperado e repentino. Enquanto construíam como ricos, enquanto se deleitavam com as carroças, com as leiteiras, com numerosos grupos de escravos e com os banquetes preparados, caíram em tamanhas dívidas que, se quisessem ser salvos, deveriam invocar do inferno Sula. Aqueles que ainda instigaram alguns camponeses, homens humildes e pobres, à mesma esperança de antigas rapinas. Os quais eu coloco, um e outro, no mesmo gênero de ladrões e saqueadores, mas, advirto-os de que deixem de ser loucos e de pensar em proscrições e ditaduras. Pois tamanha dor daqueles tempos foi infligida à cidade, que já me parecem que não suportariam tais coisas não apenas os homens mas nem mesmo os animais.

21. A quarta espécie é, sem dúvida,

variada, mista e agitada. São aqueles que, há muito, são oprimidos; aqueles que nunca se elevaram; aqueles que não podem pagar dívidas antigas, em

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partim etiam sumptibus in vetere aere alieno vacillant, qui vadimoniis, iudiciis, proscriptione bonorum defetigati permulti et ex urbe et ex agris se in illa castra conferre dicuntur. hosce ego non tam milites acris quam infitiatores lentos esse arbitror. qui homines quam primum, si stare non possunt, conruant, sed ita ut non modo civitas sed ne vicini quidem proximi sentiant. nam illud non intellego quam ob rem, si vivere honeste non possunt, perire turpiter velint aut cur minore dolore perituros se cum multis, quam si soli pereant, arbitrentur.

22. Quintum genus est parricidarum,

sicariorum, denique omnium facinerosorum. quos ego a Catilina non revoco. nam neque ab eo divelli possunt et pereant sane in latrocínio, quoniam sunt ita multi ut eos carcer capere non possit. Postremum autem genus est non solum numero verum etiam genere ipso atque vita quod proprium Catilinae est, de eius dilectu, immo vero de complexu eius ac sinu. quos pexo capillo nitidos aut imberbis aut bene barbatos videtis, manicatis et talaribus tunicis, velis amictos, non togis. quorum omnis industria vitae et vigilandi labor in antelucanis cenis expromitur.

23. in his gregibus omnes aleatores,

omnes adulteri, omnes inpuri impudicique versantur. hi pueri tam lepidi ac delicati non solum amare et amari neque saltare et cantare sed etiam sicas vibrare et spargere venena didicerunt. qui nisi exeunt, nisi pereunt, etiam si Catilina perierit, scitote hoc in re publica seminarium Catilinarum futurum. verum tamen quid sibi isti miseri volunt? num suas secum mulierculas sunt in castra ducturi? quem ad modum autem illis carere

parte por inércia, em parte por administrar mal os negócios, em parte, ainda, pelos gastos; muitos que, cansados das intimações, dos julgamentos e da penhora dos bens, diz-se que irão da cidade e do campo para o acampamento. E eu considero que são não tanto soldados impetuosos como devedores indolentes. Homens que, se não puderem persistir, que caiam primeiro mas, de modo que não somente a cidade mas também os vizinhos próximos não percebam. Pois não compreendo por que, se não podem viver honestamente, desejam morrer vergonhosamente ou por que pensam que morrerão com menos dor com muitos do que se morrerem sozinhos.

22. A quinta espécie é dos parricidas, dos

sicários, por fim, de todos os criminosos, os quais eu não afasto de Catilina. Pois eles não podem nem ser arrancados dele – e que pereçam mesmo na bandidagem –, pois são de tal maneira numerosos, que a prisão não pode contê-los. Por outro lado, a última espécie é não só pela categoria, mas também pela própria origem e vida, que é próprio de Catilina, de sua estima, e até de sua afeição e coração, os quais vedes com cabelos bem penteados, brilhantes, imberbes ou com barba bem feita, com túnicas com mangas e talares, vestidos com véus, não togas; aqueles cuja atividade da vida e o esforço de vigiar é revelado nos jantares de antes do amanhecer.

23. Todos os jogadores, todos os

adúlteros, todos os impuros e impudicos versam nesta multidão. Estes meninos tão graciosos e delicados aprenderam não só a amar e ser amados, não só a saltitar e cantar, mas também a brandir punhais e espalhar venenos; os quais se não partem, se não morrem, ainda que Catilina morra, devereis saber que isto se tornará um viveiro de Catilinas na República. Contudo, o que desejam para si esses infelizes? Acaso suas mulherzinhas serão levadas consigo para o

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poterunt, his praesertim iam noctibus? quo autem pacto illi Appenninum atque illas pruinas ac nivis perferent? nisi idcirco se facilius hiemem toleraturos putant, quod nudi in conviviis saltare didicerunt.

24. O bellum magno opere

pertimescendum, cum hanc sit habiturus Catilina scortorum cohortem praetoriam! instruite nunc, Quirites, contra has tam praeclaras Catilinae copias vestra praesidia vestrosque exercitus. et primum gladiatori illi confecto et saucio consules imperatoresque vestros opponite; deinde contra illam naufragorum eiectam ac debilitatam manum florem totius Italiae ac robur educite. iam vero urbes coloniarum ac municipiorum respondebunt Catilinae tumulis silvestribus. neque ego ceteras copias, ornamenta, praesidia vestra cum illius latronis inopia atque egestate conferre debeo.

25. sed si omissis his rebus quibus

nos suppeditamur, eget ille, senatu, equitibus Romanis, populo Romano, urbe, aerario, vectigalibus, cuncta Italia, provinciis omnibus, exteris nationibus, si his rebus omissis causas ipsas quae inter se confligunt contendere velimus, ex eo ipso quam valde illi iaceant intellegere possumus. ex hac enim parte pudor pugnat, illinc petulantia; hinc pudicitia, illinc stuprum; hinc fides, illinc fraudatio; hinc pietas, illinc scelus; hinc constantia, illinc furor; hinc honestas, illinc turpitudo; hinc continentia, illinc libido; hinc denique aequitas, temperantia, fortitudo, prudentia, virtutes omnes certant cum iniquitate, luxuria, ignavia, temeritate, cum vitiis omnibus; postremo copia cum egestate, bona ratio cum

acampamento? Porém, como poderão estar privado delas, logo nesta noite em particular? Porém, de que modo eles suportarão o Apenino, aquelas geadas e neves? A não ser que acreditem que tolerarão o inverno mais facilmente, porque aprenderam a dançar nus nos jantares.

24. Ó guerra que será temida

grandemente quando Catilina tiver tomado esta corte pretória. Preparai agora, povo romano, vossas guarnições e vossos exércitos contra estas tão grandiosas tropas de Catilina. E, primeiro, oponde vossos cônsules e generais àquele gladiador derrotado e ferido, depois, exaltai o vigor e a força de toda a Itália contra aquele bando armado, destruído e enfraquecido, de arruinados. Além disso, as cidades das colônias e dos compatriotas responderão às trincheiras bárbaras de Catilina. E eu não devo comparar as outras tropas, os recursos e vossas guardas com as pobres e necessitadas daquele bandido.

25. Mas, se esquecidas essas coisas

pelas quais nós somos ajudados pelo Senado, pelos cavaleiros romanos, pelo povo romano, pela cidade, pelo tesouro público, pelos tributos, por toda a Itália, todas as províncias, nações exteriores, ele carece, se, esquecidas essas coisas, quisermos comparar as mesmas causas que estão em conflito entre si, poderemos compreender dele mesmo o quão prostrados eles estão. Pois a modéstia luta deste lado, de lá a petulância, daqui o pudor , de lá a desonra, daqui a lealdade, de lá a fraude, daqui a justiça, de lá o crime, daqui a concórdia, de lá a revolta, daqui a honestidade, de lá a torpeza, daqui o comedimento, de lá o desejo; enfim, a equidade, a moderação, a coragem, a prudência, todas as virtudes lutam com a iniquidade, a luxúria, a indolência, a audácia, com todos os vícios; por último, a riqueza com a pobreza, a boa razão com a mente corrompida, a mente sã com a

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perdita, mens sana cum amentia, bona denique spes cum omnium rerum desperatione confligit. in eius modi certamine ac proelio nonne, etiam si hominum studia deficiant, di ipsi immortales cogant ab his praeclarissimis virtutibus tot et tanta vitia superari?

26. Quae cum ita sint, Quirites, vos,

quem ad modum iam antea dixi, vestra tecta custodiis vigiliisque defendite; mihi ut urbi sine vestro motu ac sine ullo tumultu satis esset praesidi consultum atque provisum est. coloni omnes municipesque vestri certiores a me facti de hac nocturna excursione Catilinae facile urbis suas finesque defendent. gladiatores, quam sibi ille manum certissimam fore putavit, quamquam animo meliore sunt quam pars patriciorum, potestate tamen nostra continebuntur. Q. Metellus quem ego hoc prospiciens in agrum Gallicum Picenumque praemisi aut opprimet hominem aut eius omnis motus conatusque prohibebit. reliquis autem de rebus constituendis maturandis, agendis iam ad senatum referemus quem vocari videtis.

27. Nunc illos qui in urbe remanserunt

atque adeo qui contra urbis salutem omniumque vestrum in urbe a Catilina relicti sunt, quamquam sunt hostes, tamen, quia nati sunt cives, monitos etiam atque etiam volo. mea lenitas adhuc si cui solutior visa est, hoc expectavit ut id quod latebat erumperet. quod reliquum est, iam non possum oblivisci meam hanc esse patriam, me horum esse consulem, mihi aut cum his vivendum aut pro his esse moriendum. nullus est portis custos, nullus insidiator viae: si qui exire volunt, conivere possum; qui vero se in urbe commoverit, cuius

loucura, enfim, a boa esperança confronta com o desespero de todas as coisas. Em um combate e batalha desses, acaso os próprios deuses imortais não obrigariam, se o empenho dos homens falhasse, que tantos e tamanhos vícios fossem superados por essas tão grandes virtudes?

26. Sendo assim, povo romano, como

já vos disse antes, defendei vossas casas com vigílias e guardas; foi deliberado e provido por mim que houvesse guarda o suficiente à cidade sem a vossa comoção e sem nenhum tumulto. Todas as vossas colônias e municípios, informados por mim desta investida noturna de Catilina, defenderão facilmente suas cidades e territórios; os gladiadores, cuja tropa ele pensou ser certíssima para ele, ainda que tivessem um espírito melhor que parte dos patrícios, contudo, serão detidos por nossa força. Quinto Metelo, que eu, prevendo isto, enviei ao campo Gálico e Piceno, aniquilará o homem ou restringirá todos os seus movimentos e tentativas. Porém já referiremos ao Senado, que vedes ser convocado, sobre as coisas restantes para serem determinadas preparadas e praticadas.

27. Agora aqueles, que permaneceram

na cidade, e que ainda foram deixados ali por Catilina, contra a salvação da cidade e de todos vós, ainda que sejam inimigos, embora, por terem nascidos cidadãos, desejo que fiquem advertidos cada vez mais. Minha bondade, se foi considerada por alguém, até agora, mais branda, esperou isto: que o que estava escondido aparecesse. O que resta: já não posso esquecer que esta é a minha pátria, que eu sou o cônsul deles, que, ou tenho que viver com eles ou morrer por eles. Não há nenhum guarda nos portões, nenhum traidor nas estradas; se alguns desejarem sair, poderei ser conivente; mas, quem se movimentar pela cidade, aquele que não só fizer,

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ego non modo factum sed inceptum ullum conatumve contra patriam deprehendero, sentiet in hac urbe esse consules vigilantis, esse egregios magistratus, esse fortem senatum, esse arma, esse carcerem quem vindicem nefariorum ac manifestorum scelerum maiores nostri esse voluerunt.

28. Atque haec omnia sic agentur,

Quirites, ut maximae res minimo motu, pericula summa nullo tumultu, bellum intestinum ac domesticum post hominum memoriam crudelissimum et maximum me uno togato duce et imperatore sedetur. quod ego sic administrabo, Quirites, ut, si ullo modo fieri poterit, ne improbus quidem quisquam in hac urbe poenam sui sceleris sufferat. sed si vis manifestae audaciae, si impendens patriae periculum me necessario de hac animi lenitate deduxerit, illud profecto perficiam quod in tanto et tam insidioso bello vix optandum videtur, ut neque bonus quisquam intereat paucorumque poena vos omnes salvi esse possitis.

29. quae quidem ego neque mea

prudentia neque humanis consiliis fretus polliceor vobis, Quirites, sed multis et non dubiis deorum immortalium significationibus quibus ego ducibus in hanc spem sententiamque sum ingressus. qui iam non procul, ut quondam solebant, ab externo hoste atque longinquo sed hic praesentes suo numine atque auxilio sua templa atque urbis tecta defendunt. quos vos, Quirites, precari, venerari, implorare debetis ut, quam urbem pulcherrimam florentissimamque esse voluerunt, hanc omnibus hostium copiis terra marique superatis a perditissimorum civium nefario scelere defendant.

mas tentar algo contra a República, e eu descobrir, perceberá que há cônsules vigilantes nesta cidade, há magistrados distintos, há um Senado forte, há armas, há uma prisão que nossos antepassados quiseram que fosse defensora dos crimes nefastos e evidentes.

28. E todos essas coisas serão

conduzidas, povo romano, de tal modo que sejam resolvidos tão grandes questões, com a menor agitação, tamanhos perigos sem nenhum tumulto, a guerra intestina e doméstica, a maior e mais cruel desde a lembrança dos homens, sendo eu o único comandante e general vestido de toga. Assim o conduzirei, povo romano, para, se puder ser feito de algum modo, que nenhum ímprobo não sofra a pena de seu crime nesta cidade. Mas se a força da audácia manifesta, se o perigo suspenso sobre a Pátria me tirar forçosamente desta suavidade da alma, conseguirei certamente isso que apenas parece ser desejado em tamanha e tão perigosa guerra: que nenhum homem de bem pereça e que todos vós possais ser salvos com o castigo de poucos.

29. As coisas que eu certamente vos

prometo, povo romano, não confiado nem em minha prudência nem nas decisões dos homens, mas nas muitas indicações e não nas dúbias dos deuses imortais, com os quais, como guias, eu entrei nesta esperança e opinião; os quais defendem, de um inimigo externo e longínquo, seus templos e as casas da cidade. A quem, vós, povo romano, deveis implorar, reverenciar, suplicar para que defendam esta cidade, que desejaram que fosse a mais bela e a mais florida, vencidas todas as tropas dos inimigos, em terra e mar, do crime nefando dos cidadãos mais depravados.

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IN CATILINAM III

1. Rem publicam, Quirites, vitamque omnium vestrum, bona, fortunas, coniuges liberosque vestros atque hoc domicilium clarissimi imperi, fortunatissimam pulcherrimamque urbem, hodierno die deorum immortalium summo erga vos amore, laboribus, consiliis, periculis meis e flamma atque ferro ac paene ex faucibus fati ereptam et vobis conservatam ac restitutam videtis.

2. Et si non minus nobis iucundi atque

inlustres sunt ii dies quibus conservamur quam illi quibus nascimur, quod salutis certa laetitia est, nascendi incerta condicio et quod sine sensu nascimur, cum voluptate servamur, profecto, quoniam illum qui hanc urbem condidit ad deos immortalis benivolentia famaque sustulimus, esse apud vos posterosque vestros in honore debebit is qui eandem hanc urbem conditam amplificatamque servavit. nam toti urbi, templis, delubris, tectis ac moenibus subiectos prope iam ignis circumdatosque restinximus, idemque gladios in rem publicam destrictos rettudimus mucronesque eorum a iugulis vestris deiecimus.

3. quae quoniam in senatu inlustrata,

patefacta, comperta sunt per me, vobis iam exponam breviter, Quirites, ut et quanta et quam manifesta et qua ratione investigata et comprehensa sint vos qui et ignoratis et exspectatis scire possitis. Principio ut Catilina paucis ante diebus erupit ex urbe, cum sceleris sui sócios, huiusce nefarii belli acerrimos duces, Romae reliquisset, semper vigilavi et providi, Quirites, quem ad modum in tantis et tam absconditis insidiis salvi esse possemus. nam tum cum ex urbe Catilinam eiciebam – non

1. Povo romano, vedes a república e a vida de todos vós, os bens a fortuna, vossas esposas e filhos e esta sede de um império ilustríssimo; a cidade mais afortunada e mais bela arrancada da chama e do ferro, e quase das fauces do destino; conservada e restituída a vós, no dia de hoje, pelo grandiosíssimo amor dos deuses imortais por vós, pelos meus trabalhos, planos, perigos.

2. E se, os dias em que fomos salvos,

são para nós não menos agradáveis e notáveis do que aqueles em que nascemos, porque a alegria da salvação é certa, o caráter do nascimento incerto, é porque nascemos sem consciência, somos guardados com volúpia, certamente, porque elevamos aos deuses imortais por bondade e glória aquele que fundou esta cidade; aquele que manteve esta mesma cidade preservada e desenvolvida, deverá ser de consideração entre vós e vossos descendentes. Pois, apagamos o fogo já quase próximo e em volta de toda a cidade, dos templos, dos santuários, das casas e dos muros; além disso, embotamos as espadas desembainhadas contra a República e tiramos suas pontas de vossas gargantas.

3. Depois de ter esclarecido, revelado e

descoberto todas as coisas no Senado, povo romano, eu as exporei a vós brevemente, para que, vós, que ignorais e esperais, possais saber quão grandes e quão evidentes são e de que maneira foram investigadas e compreendidas. Primeiramente, quando Catilina se lançou para fora da cidade poucos dias antes, como tinha deixado em Roma os cúmplices de seu crime e os comandantes impetuosíssimos desta guerra nefária, sempre estive alerta e previ, povo romano, como poderíamos ser salvos em tamanhas e tão escondidas insídias. Então, quando eu expulsava

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enim iam vereor huius verbi invidiam, cum illa magis sit timenda, quod vivus exierit –, sed tum cum illum exterminari volebam, aut reliquam coniuratorum manum simul exituram aut eos qui restitissent infirmos sine illo ac debilis fore putabam.

4. atque ego ut vidi, quos maximo

furore et scelere esse inflammatos sciebam, eos nobiscum esse et Romae remansisse, in eo omnis dies noctesque consumpsi, ut, quid agerent, quid molirentur sentirem ac viderem, ut, quoniam auribus vestris propter incredibilem magnitudinem sceleris minorem fidem faceret oratio mea, rem ita comprehenderem ut tum demum animis saluti vestrae provideretis cum oculis maleficium ipsum videretis. Itaque, ut comperi legatos Allobrogum belli Transalpini et tumultus Gallici excitandi causa a P. Lentulo esse sollicitatos eosque in Galliam ad suos civis eodemque itinere cum litteris mandatisque ad Catilinam esse missos comitemque iis adiunctum esse T. Volturcium atque huic esse ad Catilinam datas litteras, facultatem mihi oblatam putavi ut, quod erat difficillimum quodque ego semper optabam ab dis immortalibus, ut tota res non solum a me sed etiam a senatu et a vobis manifesto deprehenderetur.

5. itaque hesterno die L. Flaccum et C.

Pomptinum praetores, fortissimos atque amantissimos rei publicae viros, ad me vocavi, rem exposui, quid fieri placeret ostendi. illi autem, qui omnia de re publica praeclara atque egregia sentirent, sine recusatione ac sine ulla mora negotium susceperunt et, cum advesperasceret, occulte ad pontem Mulvium pervenerunt atque ibi in proximis villis ita bipertito fuerunt ut Tiberis inter eos et pons interesset. eodem autem et ipsi sine

Catilina da cidade, pois já não tenho o ódio desta palavra, ainda que ela deva ser mais temida por ele ter saído vivo, mas, como eu queria que ele fosse exilado, acreditava que ou as tropas restantes dos conjurados sairiam ao mesmo tempo ou que aqueles que resistissem estariam fracos e debilitados sem ele.

4. E quando eu vi que aqueles, que eu

sabia que estavam inflamados pelo maior furor e crime, estavam conosco e tinham permanecido em Roma, passei todos os dias e noites nisto para perceber e ver o que faziam, o que maquinavam: para, uma vez que aos vossos ouvidos meu discurso encontraria menos crédito dada a incrível magnitude do crime, tratar o assunto de tal forma que finalmente cuidaríeis com ânimo da vossa segurança ao verdes com os olhos o próprio mal. Assim, quando descobri que os legados dos Alóbroges foram incitados por Públio Lêntulo, com a incumbência de inflamar uma guerra transaplina e uma agitação gaulesa; e que eles foram enviados à Gália, aos seus concidadãos e pelo mesmo caminho, a Catilina, com cartas e instruções; e que Tito Voltúrcio tinha se juntado a eles como companheiro, e que cartas para a Catilina foram dadas a ele, imaginei que a oportunidade me foi oferecida, para que todo fato fosse claramente descoberto não só por mim, mas também pelo Senado e por vós; algo que era dificílimo e que eu sempre pedia aos deuses imortais.

5. Assim, ontem, mandei chamar os

pretores Lúcio Flaco e Gaio Pontino, homens fortíssimos e extremamente apaixonados pela República, expus o problema, mostrei o que me agradava ser feito. Então, eles, que tinham sentimentos de todo ilustres e distintos pela República assumiram a missão sem protesto e sem nenhuma demora; logo que anoiteceu, chegaram secretamente à ponte Múlvia, onde, nas quintas próximas, dividiram-se em dois grupos, de modo que o Tibre e a ponte estivessem entre eles. Para o mesmo

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cuiusquam suspicione multos fortis viros eduxerant, et ego ex praefectura Reatina compluris delectos adulescentis quorum opera utor adsidue in rei publicae praesidio cum gladiis miseram.

6. interim tertia fere vigilia exacta cum

iam pontem Mulvium magno comitatu legati Allobrogum ingredi inciperent unaque Volturcius, fit in eos impetus. educuntur et ab illis gladii et a nostris. res praetoribus erat nota solis, ignorabatur a ceteris. tum interventu Pomptini atque Flacci pugna quae erat commissa sedatur. litterae quaecumque erant in eo comitatu integris signis praetoribus traduntur; ipsi comprehensi ad me, cum iam dilucesceret, deducuntur. Atque horum omnium scelerum improbissimum machinatorem, Cimbrum Gabinium, statim ad me nihil dum suspicantem vocavi. deinde item accersitus est L. Statilius et post eum C. Cethegus. tardissime autem Lentulus venit, credo quod in litteris dandis praeter consuetudinem proxima nocte vigilarat.

7. Cum summis et clarissimis huius

civitatis viris qui audita re frequentes ad me mane convenerant litteras a me prius aperiri quam ad senatum deferri placeret, ne, si nihil esset inventum, temere a me tantus tumultus iniectus civitati videretur, negavi me esse facturum ut de periculo publico non ad consilium publicum rem integram deferrem. etenim, Quirites, si ea quae erant ad me delata reperta non essent, tamen ego non arbitrabar in tantis rei publicae periculis esse mihi nimiam diligentiam pertimescendam. Senatum frequentem celeriter, ut vidistis, coegi.

lugar, porém, também eles próprios, sem suspeita de ninguém, tinham conduzido muitos varões corajosos e eu tinha enviado, do município de Reate, com espadas, muitos jovens de escol, de cujos préstimos me sirvo constantemente na proteção da República.

6. Entretanto, passada quase a terceira

vigília, quando já os legados dos Alóbroges começavam a entrar na ponte Múlvia, com grande comitiva, e, conjuntamente, Voltúrcio, faz-se um ataque contra eles. O assunto era conhecido somente pelos pretores e ignorado pelos outros. Então, o combate que tinha sido travado foi apaziguado pela intervenção de Pontino e Flaco. As cartas, todas aquelas que havia na comitiva foram entregues aos pretores com os selos intactos; eles mesmos amarrados, foram levados a mim quando já amanhecia. E chamei imediatamente até mim o maquinador mais perverso de todos esses crimes, Ambro Gabínio, que não suspeitava ainda de nada; do mesmo modo, logo é chamado Lúcio Estatílio e Gaio Cetego depois dele, porém, Lêntulo vem muitíssimo tarde, creio que porque tinha passado a noite anterior sem dormir, contrariamente ao seu costume, escrevendo cartas.

7. Visto que agradava aos maiores e mais

ilustres homens desta cidade, que, tendo ouvido a notícia, reuniram-se em grande número na minha casa, pela manhã, que as cartas fossem abertas por mim antes que fossem levadas ao Senado, a fim de que, se nada fosse encontrado, não parecesse que tamanho tumulto fora lançado sem ponderação, por mim, sobre a cidade, neguei que agiria de forma a não reportar o caso todo, a respeito de um perigo público, ao conselho popular. De fato, povo romano, se o caso trazido até mim não tivesse sido descoberto, eu, todavia, não pensava que, para mim, um zelo excessivo deveria ser temido em tão grandes perigos da República. Reuni rapidamente um Senado numeroso, como vistes.

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8. atque interea statim admonitu Allobrogum C. Sulpicium praetorem, fortem virum, misi qui ex aedibus Cethegi si quid telorum esset efferret. ex quibus ille maximum sicarum numerum et gladiorum extulit. Introduxi Volturcium sine Gallis. fidem publicam iussu senatus dedi. hortatus sum ut ea quae sciret sine timore indicaret. Tum ille dixit, cum vix se ex magno timore recreasset, a P. Lentulo se habere ad Catilinam mandata et litteras, ut servorum praesidio uteretur, ut ad urbem quam primum cum exercitu accederet; id autem eo consilio ut, cum urbem ex omnibus partibus, quem ad modum discriptum distributumque erat incendissent caedemque infinitam civium fecissent, praesto esset ille qui et fugientis exciperet et se cum his urbanis ducibus coniungeret.

9. Introducti autem Galli ius iurandum

sibi et litteras ab Lentulo, Cethego, Statilio ad suam gentem data esse dixerunt atque ita sibi ab his et a L. Cassio esse praescriptum ut equitatum in Italiam quam primum mitterent; pedestris sibi copias non defuturas. Lentulum autem sibi confirmasse ex fatis Sibyllinis haruspicumque responsis se esse tertium illum Cornelium ad quem regnum huius urbis atque imperium pervenire esset necesse; Cinnam ante se et Sullam fuisse. eundemque dixisse fatalem hunc annum esse ad interitum huius urbis atque imperi qui esset annus decimus post virginum absolutionem, post Capitoli autem incensionem vicesimus.

10. hanc autem Cethego cum ceteris

controversiam fuisse dixerunt quod Lentulo et aliis Saturnalibus caedem fieri atque urbem incendi placeret, Cethego nimium id longum videretur. Ac ne longum sit, Quirites, tabellas proferri iussimus quae a quoque dicebantur datae. Primo ostendimus Cethego; signum

8. E, entretanto, logo enviei, por conselho dos Alóbroges, Gaio Sulpício, pretor, homem corajoso, para trazer da casa de Cetego quantas armas houvesse; de lá, ele trouxe uma quantidade muito grande de punhais e espadas. Trouxe Voltúrcio sem os gauleses; dei-lhe salvo-conduto por ordem do Senado, exortei-o a expor sem temor as coisas que sabia. Então ele disse, quando mal tinha se reestabelecido do grande medo, que tinha ordens e cartas de Públio Lêntulo a Catilina para que fizesse uso da proteção dos escravos e se aproximasse da cidade com o exército o quanto antes; e isto com este plano: de que, quando tivessem incendiado todas as partes da cidade, do modo como fora atribuído e dividido, e cometido infinitos assassinatos de cidadãos, ele estivesse pronto para acolher os fugitivos e se juntar aos comandantes da cidade.

9. Conduzidos, porém, os gauleses

disseram que um juramento e cartas para seu povo lhe haviam sido entregues por Lêntulo, Cetego e Estalílio, e que eles e Lúcio Cássio lhes havia sido ordenado que enviassem a cavalaria à Itália o quanto antes; que as tropas a pé não lhes faltariam; e que Lêntulo lhes havia assegurado de que ele, segundo as predições sibilinas e respostas dos arúspices, ele era o terceiro Cornélio, a quem deveria recair o comando e controle desta cidade; que Cina e Sula obtiveram antes dele; e que ele mesmo tinha dito que este ano era fatal para a destruição desta cidade e do império, o décimo após a absolvição das virgens e o vigésimo depois do incêndio do Capitólio.

10. Disseram, porém que houve embate

entre Cetego e os outros, pois agradava a Lêntulo e aos outros que as mortes e o incêndio da cidade ocorressem nas saturnais, mas, para Cetego, isso parecia muito distante. E para que isso não se estenda, povo romano, ordenei que as cartas, que diziam terem sido dadas por escrito, por cada um, fossem apresentadas. Primeiro, mostramos o selo a Cetego, que o reconheceu.

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cognovit. Nos linum incidimos: legimus. Erat scriptum ipsius manu Allobrogum senatui et populo sese quae eorum legatis confirmasset facturum esse; orare ut item illi facerent quae sibi eorum legati recepissent. tum Cethegus, qui paulo ante aliquid tamen de gladiis ac sicis quae apud ipsum erant deprehensa respondisset dixissetque se semper bonorum ferramentorum studiosum fuisse, recitatis litteris debilitatus atque abiectus conscientia repente conticuit. Introductus est Statilius; cognovit et signum et manum suam. recitatae sunt tabellae in eandem fere sententiam; confessus est. Tum ostendi tabellas Lentulo et quaesivi cognosceretne signum. adnuit. 'Est vero', inquam, 'notum quidem signum, imago avi tui, clarissimi viri, qui amavit unice patriam et civis suos; quae quidem te a tanto scelere etiam muta revocare debuit.'

11. leguntur eadem ratione ad senatum

Allobrogum populumque litterae. si quid de his rebus dicere vellet, feci potestatem. atque ille primo quidem negavit. post autem aliquanto, toto iam indicio exposito atque edito, surrexit. quaesivit a Gallis quid sibi esset cum iis, quam ob rem domum suam venissent, itemque a Volturcio. qui cum illi breviter constanterque respondissent per quem ad eum quotiensque venissent, quaesissentque ab eo nihilne secum esset de fatis Sibyllinis locutus, tum ille subito scelere demens quanta conscientiae vis esset ostendit. nam, cum id posset infitiari, repente praeter opinionem omnium confessus est. ita eum non modo ingenium illud et dicendi exercitatio qua semper valuit sed etiam propter vim sceleris manifesti atque deprehensi impudentia qua superabat omnis improbitasque defecit.

Cortei o fio e li. Tinha sido escrito por suas próprias mãos ao Senado e ao povo dos alóbroges, que faria as coisas que tinha prometido aos legados deles; pedia também que eles, alóbroges, fizessem o que os seus legados lhes haviam encarregado. Então Cetego, que pouco antes, porém, tinha respondido algo a respeito das espadas e punhais que tinham sido apreendidas em sua casa e havia dito que sempre fora aficionado por boas armas brancas, calou-se de repente, abatido pela carta lida e aturdido pelo conhecimento dos fatos. Estatílio, foi trazido; reconheceu não só o selo, mas também sua letra. As cartas foram lidas em voz alta quase com o mesmo sentido; ele confessou. Então, mostrei as cartas a Lêntulo e perguntei se ele reconhecia o selo. Ele fez que sim ‘É na verdade,’ disse eu, ‘certamente um selo conhecido; a imagem de seu avô, homem tão distinto, que amou excepcionalmente sua pátria e seus cidadãos; imagem esta que embora muda, deveria te desviar de tão grande crime.’

11. As cartas ao Senado e ao povo dos

alóbroges foram lidas do mesmo modo. Dei-lhe permissão, caso quisesse falar algo sobre estas coisas. E, certamente, ele negou no começo; porém, um pouco depois, levantou-se, já com todas as evidências apresentadas e mostradas; perguntou aos gauleses o que ele tinha com eles, por que tinham vindo à sua casa e o mesmo a Voltúrcio. Visto que eles responderam brevemente e com firmeza por meio de quem e quantas vezes haviam ido até ele e lhe tivessem perguntado se nada tinha comentado com eles dobre as profecias sibilinas; então, ele louco pelo crime, mostrou, de repente, quão grande é a força da consciência. Pois, podendo negar aquilo, confessou de repente contra a suposição de todos. Então, não só aquele notório talento e prática do discurso com que sempre prevaleceu, mas também a insolência, com que sobressaiu a todos, e a audácia lhe faltou, por causa da força do crime manifesto e revelado.

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12. Volturcius vero subito litteras proferri atque aperiri iubet quas sibi a Lentulo ad Catilinam datas esse dicebat. atque ibi vehementissime perturbatus Lentulus tamen et signum et manum suam cognovit. erant autem sine nomine, sed ita: 'Quis sim scies ex eo quem ad te misi. cura ut vir sis et cogita quem in locum sis progressus: et vide quid tibi iam sit necesse et cura ut omnium tibi auxilia adiungas, etiam infimorum.' Gabinius deinde introductus cum primo impudenter respondere coepisset, ad extremum nihil ex iis quae Galli insimulabant negavit.

13. Ac mihi quidem, Quirites, cum illa

certissima visa sunt argumenta atque indicia sceleris, tabellae, signa, manus, denique unius cuiusque confessio, tum multo certiora illa, color, oculi, vultus, taciturnitas. sic enim obstupuerant, sic terram intuebantur, sic furtim non numquam inter sese aspiciebant ut non iam ab aliis indicari sed indicare se ipsi viderentur. Indiciis expositis atque editis, Quirites, senatum consului de summa re publica quid fieri placeret. dictae sunt a principibus acerrimae ac fortissimae sententiae, quas senatus sine ulla varietate est secutus. et quoniam nondum est perscriptum senatus consultum, ex memoria vobis, Quirites, quid senatus censuerit exponam.

14. Primum mihi gratiae verbis

amplissimis aguntur, quod virtute, consilio, providentia mea res publica maximis periculis sit liberata. deinde L. Flaccus et C. Pomptinus praetores, quod eorum opera forti fidelique usus essem, merito ac iure laudantur. atque etiam viro forti, conlegae meo, laus impertitur, quod eos qui huius coniurationis participes fuissent a suis et a rei publicae consiliis removisset. atque ita censuerunt ut P. Lentulus, cum se praetura

12. Na verdade, Voltúrcio ordenou, imediatamente, que trouxessem e abrissem as cartas, que ele dizia que foram dadas por Lêntulo a Catilina. E ali, Lêntulo, perturbado profundamente, reconheceu, contudo tanto o selo quanto sua letra. Estavam, portanto, sem assinatura, mas, deste modo: “saberás quem sou por aquilo que lhe enviei cuide para que seja um homem e pense até onde avançou. Veja o que lhe é necessário agora, e cuide para que lhe reúna o auxílio de todos, mesmo que dos ínfimos”. Gabínio, introduzido em seguida, primeiramente se pôs a responder com insolência, por fim não negou nada daquilo que os Gauleses o acusavam.

13. Sem dúvida, povo romano, não só os

documentos, os selos, a caligrafia, enfim, a confissão de cada um me pareceu provas e indícios suficientes do crime, como também a cor, os olhos, a fisionomia, o silêncio eram muito mais. Pois haviam ficado perplexos a tal ponto, fitavam o chão de tal maneira, entreolhavam-se furtivamente, às vezes, de modo que parecia não terem sido acusados por outros, mas que se autoacusavam. Povo romano, com evidências apresentadas e anunciadas, consultei o Senado sobre o que convinha ser feito a respeito do bem-estar da República. Os mais notáveis deram declarações muito duras e enérgicas, que o Senado aceitou sem nenhuma inconstância. E como o decreto senatorial ainda não foi transcrito, falarei, de cabeça, povo romano, o que o Senado decidiu.

14. Primeiramente, agradecimentos

magníficos me foram dirigidos por ter livrado a República dos maiores perigos graças à minha bravura, meu discernimento e antecipação. Em seguida, Lúcio Flaco e Gaio Pontino, pretores, são louvados merecida e justamente, por terem me ajudado de forma corajosa e leal. E o elogio se estende também a meu colega, homem enérgico, que havia afastado das deliberações dos seus e da República os que participavam desta conjuração. Decidiram também que Públio Lêntulo renunciasse à pretura e fosse colocado em custódia. Além deles, Gaio Cetego,

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abdicasset, in custodiam traderetur; itemque uti C. Cethegus, L. Statilius, P. Gabinius qui omnes praesentes erant in custodiam traderentur. Atque idem hoc decretum est in L. Cassium qui sibi procurationem incendendae urbis depoposcerat, in M. Ceparium cui ad sollicitandos pastores Apuliam attributam esse erat indicatum, in P. Furium qui est ex iis colonis quos Faesulas L. Sulla deduxit, in Q. Annium Chilonem qui una cum hoc Furio semper erat in hac Allobrogum sollicitatione versatus, in P. Umbrenum, libertinum hominem, a quo primum Gallos ad Gabinium perductos esse constabat.

15. atque ea lenitate senatus est usus,

Quirites, ut ex tanta coniuratione tantaque hac multitudine domesticorum hostium novem hominum perditissimorum poena re publica conservata reliquorum mentis sanari posse arbitraretur. atque etiam supplicatio dis immortalibus pro singulari eorum merito meo nomine decreta est, quod mihi primum post hanc urbem conditam togato contigit, et his decreta verbis est: 'quod urbem incendiis, caede civis, Italiam bello liberassem.' quae supplicatio si cum ceteris supplicationibus conferatur, hoc interest quod ceterae bene gesta, haec una conservata re publica constituta est. Atque illud quod faciendum primum fuit factum atque transactum est. nam P. Lentulus, quamquam patefactis indiciis et confessionibus suis iudicio senatus non modo praetoris ius verum etiam civis amiserat, tamen magistratu se abdicavit, ut quae religio C. Mario, clarissimo viro, non fuerat. quo minus C. Glauciam de quo nihil nominatim erat decretum praetorem occideret, ea nos religione in privato P. Lentulo puniendo liberaremur.

Lúcio Estatílio, Públio Gabínio, todos ali presentes, que também fossem detidos. O mesmo foi decidido contra Lúcio Cássio, que reclamara a missão de incendiar a cidade; contra Marco Cepário, acusado de ter recebido a Apúlia para incitar os pastores; contra Públio Fúrio, um dos colonos que Lúcio Sulla levara a Fésulas; contra Quinto Ânio Chilão, que se ocupara constantemente, com o tal Fúrio, a incitar os Alóbroges; contra Públio Umbreno, um liberto, acusado de ter sido o primeiro a levar os gauleses a Gabínio. Ora, povo romano, o Senado foi clemente de tal modo que, em meio a tamanha multidão de inimigos domésticos, acharam que, salvando a República com o castigo de nove homens extremamente depravados, a loucura dos restantes poderia ser curada.

15. Além disso, povo romano, uma

cerimônia de ação de graças aos deuses imortais foi decretada, por sua singular proteção, em meu nome. Isso ocorrera a um homem togado, como eu, pela primeira vez desde a fundação desta cidade. Estas são as palavras do decreto: porque livrara a cidade dos incêndios, os cidadãos da morte, a Itália da guerra. E se compararmos essa ação de graças com as outras, povo romano, diferem-se nisto: as outras foram concedidas pela boa gerência da República; essa foi a única por ela ter sido salva. E aquilo que devia ter sido feito primeiro, foi feito e cumprido. Porque Públio Lêntulo, embora já tivesse perdido, segundo o julgamento do Senado, não só o direito de pretor mas também o de cidadão, pelas provas evidentes e suas confissões; todavia, renunciara à magistratura para que nos livrássemos deste escrúpulo ao castigá-lo, um homem particular, escrúpulo esse que não tivera Gaio Mário, homem ilustríssimo, ao matar Gaio Gláucia, pretor, de quem não havia nenhuma condenação nominal.

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16. Nunc quoniam, Quirites, consceleratissimi periculosissimique belli nefarios duces captos iam et comprehensos tenetis, existimare debetis omnes Catilinae copias, omnes spes atque opes his depulsis urbis periculis concidisse. quem quidem ego cum ex urbe pellebam, hoc providebam animo, Quirites, remoto Catilina non mihi esse P. Lentuli somnum nec L. Cassi adipes nec C. Cethegi furiosam temeritatem pertimescendam. ille erat solus timendus ex istis omnibus, sed tam diu dum urbis moenibus continebatur. omnia norat, omnium aditus tenebat. appellare, temptare, sollicitare poterat, audebat. erat ei consilium ad facinus aptum, consilio autem neque língua neque manus deerat. iam ad certas res conficiendas certos homines delectos ac descriptos habebat. neque vero, cum aliquid mandarat, confectum putabat: nihil erat quod non ipse obiret, occurreret, vigilaret, laboraret; frigus, sitim, famem ferre poterat.

17. hunc ego hominem tam acrem, tam

audacem, tam paratum, tam callidum, tam in scelere vigilantem, tam in perditis rebus diligentem nisi ex domesticis insidiis in castrense latrocinium compulissem – dicam id quod sentio, Quirites – non facile hanc tantam molem mali a cervicibus vestris depulissem. non ille nobis Saturnalia constituisset neque tanto ante exiti ac fati diem rei publicae denuntiavisset neque commisisset ut signum, ut litterae suae testes manifesti sceleris deprehenderentur. quae nunc illo absente sic gesta sunt ut nullum in privata domo furtum umquam sit tam palam inventum quam haec tanta in re publica coniuratio manifesto inventa atque deprehensa est. quod si Catilina in urbe ad hanc diem remansisset, quamquam, quoad fuit, omnibus eius consiliis occurri atque obstiti, tamen, ut levissime dicam, dimicandum nobis cum illo fuisset,

16. Agora, povo romano, posto que já tendes os comandantes ímpios desta guerra criminal e perigosíssima capturados e detidos, deveis pensar que todas as tropas de Catilina, todas as esperanças e recursos cessaram, expulsos esses perigos da cidade. Certamente, quando eu o expulsava da cidade, previa com meu espírito, povo romano, que, afastado Catilina, não precisaria temer nem a temeridade furiosa de C. Cetego, nem o sono de P. Lêntulo, nem a obesidade de L. Cássio. Ele era o único de todos aqueles a se temer, mas somente enquanto estava contido nas muralhas da cidade. Conhecia tudo, possuía entrada em tudo. Podia e ousava abordar, sondar e aliciar. Tinha talento para o crime, a que não lhe faltavam mãos e língua. Já possuía certos homens eleitos e designados para cumprir determinadas missões. Mas nem quando ordenava algo, pensava ter terminado: não havia nada que ele mesmo não enfrentasse, interviesse, vigiasse, produzisse; podia suportar o frio, a sede e a fome.

17. A este homem, tão impetuoso, tão

audacioso, tão resoluto, tão astuto, tão experiente, tão vigilante no crime, tão diligente em coisas perdidas, se eu não o tivesse compelido a sair das insídias domésticas para um latrocínio castrense, direi o que penso, povo romano, não teria sido fácil expelir esse emaranhado de males de vossas cabeças. Não tendo ele fixado o prazo das Saturnais, nem anunciado muito antes a ruína e destruição da república, nem que se arriscou, deixando apreender os selos, as cartas, evidências manifestas dos crimes. E tudo foi feito na sua ausência, de modo que, nunca, em casa particular, se descobrira tão claramente um roubo como tamanha conjuração na república fora descoberta e pega em flagrante. E, se Catilina tivesse permanecido na cidade até hoje, enquanto aqui esteve, mesmo que eu tivesse intervisto e resistido a todas as suas resoluções, todavia, para falar de modo mais suave, teríamos que combater contra ele, e, nunca,

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neque nos umquam, cum ille in urbe hostis esset, tantis periculis rem publicam tanta pace, tanto otio, tanto silentio liberassemus.

18. quamquam haec omnia, Quirites, ita

sunt a me administrata ut deorum immortalium nutu atque consilio et gesta et provisa esse videantur. idque cum coniectura consequi possumus, quod vix videtur humani consili tantarum rerum gubernatio esse potuisse, tum vero ita praesentes his temporibus opem et auxilium nobis tulerunt ut eos paene oculis videre possemus. nam ut illa omittam, visas nocturno tempore ab occidente faces ardoremque caeli, ut fulminum iactus, ut terrae motus relinquam, ut omittam cetera quae tam multa nobis consulibus facta sunt ut haec quae nunc fiunt canere di immortales viderentur, hoc certe, Quirites, quod sum dicturus neque praetermittendum neque relinquendum est.

19. nam profecto memoria tenetis Cotta

et Torquato consulibus compluris in Capitolio res de caelo esse percussas, cum et simulacra deorum depulsa sunt et statuae veterum hominum deiectae et legum aera liquefacta et tactus etiam ille qui hanc urbem condidit Romulus, quem inauratum in Capitolio, parvum atque lactantem, uberibus lupinis inhiantem fuisse meministis. quo quidem tempore cum haruspices ex tota Etruria convenissent, caedes atque incendia et legum interitum et bellum civile ac domesticum et totius urbis atque imperi occasum appropinquare dixerunt, nisi di immortales omni ratione placati suo numine prope fata ipsa flexissent.

20. itaque illorum responsis tum et ludi

per decem dies facti sunt neque res ulla quae ad placandos deos

com esse inimigo na cidade, teríamos livrado a república de tão grandes perigos, com tanta paz, com tamanha calma, com tão grande silêncio.

18. Mas, povo romano, tudo isso vem sendo

administrado por mim de tal maneira que parece ter sido executado e previsto com o consentimento e conselho dos deuses imortais. E podemos conseguir isso, não só por conjectura, pois o controle de tão importantes assuntos dificilmente parecia poder ser por resoluções humanas, mas porque, realmente, nos trouxeram ajuda e proteção nesses tempos, estando tão presentes, que quase podíamos vê-los com os olhos. Pois, para omitir aquelas coisas: meteoros vistos à noite a partir do ocidente e o ardor do céu, para deixar de lado as quedas de raios e os terremotos, para omitir o restante, que aconteceu em tão grande número durante nosso consulado, que parecia que os deuses imortais profetizavam o que agora está acontecendo, ao menos isto que vou dizer, povo romano, não omitirei nem deixarei de lado.

19. Sem dúvidas, vos lembrais que, no

consulado de Cotta e Torquato, no Capitólio, um grande número de objetos foi atingido por um raio do céu, quando as estátuas das divindades foram atingidas, as imagens de nossos ancestrais derrubadas, os bronzes das leis derretidos, e também aquela, a do fundador de nossa cidade, Rômulo, essa criança mamando nos úberes de uma loba, como vos recordais, fora atingida. Então, trouxeram arúspices de toda a Etrúria. Disseram que os massacres, os incêndios, a extinção das leis, uma guerra civil e intestina e a queda de toda a cidade e do Império se aproximavam, a não ser que os deuses imortais, aplacados por todos os meios, quase tivessem modificado o próprio destino com seus poderes.

20. Assim, então, de acordo com suas

respostas, celebraram-se jogos durante dez dias, e nada que servira para aplacar os deuses foi omitido.

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pertineret praetermissa est. idemque iusserunt simulacrum Iovis facere maius et in excelso conlocare et contra atque antea fuerat ad orientem convertere. ac se sperare dixerunt, si illud signum quod videtis solis ortum et forum curiamque conspiceret, fore ut ea consilia quae clam essent inita contra salutem urbis atque imperi, inlustrarentur, ut a senatu populoque Romano perspici possent. atque illud signum conlocandum consules illi locaverunt; sed tanta fuit operis tarditas ut neque superioribus consulibus neque nobis ante hodiernum diem conlocaretur.

21. hic quis potest esse, Quirites, tam

aversus a vero, tam praeceps, tam mente captus,qui neget haec omnia quae videmus praecipueque hanc urbem deorum immortalium nutu ac potestate administrari? etenim cum esset ita responsum, caedis, incendia, interitum rei publicae comparari, et ea per civis, quae tum propter magnitudinem scelerum non nullis incredibilia videbantur, ea non modo cogitata a nefariis civibus verum etiam suscepta esse sensistis. illud vero nonne ita praesens est ut nutu Iovis Optimi Maximi factum esse videatur, ut, cum hodierno die mane per forum meo iussu et coniurati et eorum indices in aedem Concordiae ducerentur, eo ipso tempore signum statueretur? quo conlocato atque ad vos senatumque converso omnia et senatus et vos quae erant contra salutem omnium cogitata inlustrata et patefacta vidistis.

22. quo etiam maiore sunt isti odio

supplicioque digni qui non solum vestris domiciliis atque tectis sed etiam deorum templis atque delubris sunt funestos ac nefarios ignis conferre conati. quibus ego si me restitisse dicam, nimium mihi sumam et non sim ferendus: ille, ille Iuppiter restitit; ille Capitolium, ille

Os mesmos mandaram fazer uma imagem de Júpiter maior, colocá-la no mais excelso lugar e voltá-la ao oriente, do contrário que estava antes. E disseram que confiavam que, se aquela estátua que vedes, contemplasse o sol-nascente, o Fórum, a Cúria, aconteceria de aquelas resoluções tomadas secretamente contra a salvação da cidade e do Império serem descobertas pelo Senado e pelo povo romano. Aqueles cônsules encomendaram aquela estátua para que fosse recolocada, mas a lentidão do trabalho foi tamanha que não foi disposta nem no consulado anterior nem no nosso, até o dia de hoje.

21. Nesse contexto, há alguém tão

aversivo à verdade, tão precipitado, tão insano que negue estarem todas estas situações que vemos e, particularmente, esta cidade governada pela vontade e poder dos deuses imortais? De fato, quando foi respondido que os assassinatos, os incêndios, a ruína da república estava sendo preparada – e isso por cidadãos – crimes que pareciam abomináveis a alguns pela sua grandeza, percebestes que isso não só fora pensado mas também intentado por cidadãos nefastos. Na verdade, não é suficiente que parece ter sido feito pela vontade de Júpiter Ótimo Máximo, quando sua estátua fora colocada ao mesmo tempo em que os conjuradores e acusadores eram conduzidos por ordem minha, hoje pela manhã, ao fórum, no templo da Concórdia? Colocaram-na ali voltada para vós e para o Senado, que vistes o que fora intentado contra a saúde de todos, revelado e provado.

22. Por isso, esses, que tentaram

provocar incêndios funestos e nefários não só em suas casas e lares mas também nos templos e santuários dos deuses, são dignos de um ódio e de um suplício ainda maior. Se eu disser que resisti a ele, estaria sendo demasiado pretensioso e seria insuportável. Aquele, aquele Júpiter resistiu; ele quis que o Capitólio, que

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haec templa, ille cunctam urbem, ille vos omnis salvos esse voluit. dis ego immortalibus ducibus hanc mentem voluntatemque suscepi atque ad haec tanta indicia perveni. iam vero illa Allobrogum sollicitatio: iam ab Lentulo ceterisque domesticis hostibus tam dementer tantae res creditae et ignotis et barbaris commissaeque litterae numquam essent profecto, nisi ab dis immortalibus huic tantae audaciae consilium esset ereptum. quid vero? ut homines Galli ex civitate male pacata, quae gens una restat quae bellum populo Romano facere et posse et non nolle videatur, spem imperi ac rerum maximarum ultro sibi a patriciis hominibus oblatam neglegerent vestramque salutem suis opibus anteponerent, id non divinitus esse factum putatis, praesertim qui nos non pugnando sed tacendo superare potuerunt?

23. Quam ob rem, Quirites, quoniam ad

omnia pulvinaria supplicatio decreta est, celebratote illos dies cum coniugibus ac liberis vestris. nam multi saepe honores dis immortalibus iusti habiti sunt ac debiti sed profecto iustiores numquam. erepti enim estis ex crudelissimo ac miserrimo interitu et erepti sine caede, sine sanguine; sine exercitu, sine dimicatione togati me uno togato duce et imperatore vicistis.

24. etenim recordamini, Quirites, omnis

civilis dissensiones, non solum eas quas audistis sed eas quas vosmet ipsi meministis atque vidistis. L. Sulla P. Sulpicium oppressit: eiecit ex urbe C. Marium, custodem huius urbis, multosque fortis viros partim eiecit ex civitate, partim interemit. Cn. Octavius consul armis expulit ex urbe conlegam: omnis hic locus acervis corporum et civium sanguine redundavit. superavit postea Cinna cum Mario: tum vero clarissimis viris interfectis lumina

estes templos, que a cidade inteira e que todos vós fôsseis salvos. Eu, com os deuses imortais meus guias, recebi esse propósito e essa tarefa e cheguei a tamanhos indícios. Quanto àquele aliciamento dos alóbroges, jamais coisas tão graves teriam sido tão insensatamente confiadas por Lêntulo e os demais inimigos internos a desconhecidos e bárbaros, jamais cartas teriam sido entregues, realmente, se o juízo não tivesse sido arrancado pelos deuses imortais a tamanha audácia. E então? Que homens gauleses, de uma nação mal pacificada, único povo que resta a parecer poder e não recusar fazer guerra ao povo romano, desprezassem a esperança de poder e das maiores coisas proporcionada a eles espontaneamente por patrícios e preferissem a vossa salvação a seus próprios interesses, não julgais que isso aconteceu por obra divina, sobretudo podendo eles nos vencer não combatendo mas se calando?

23. Sendo assim, povo romano, já que se

decretou que uma cerimônia de ação de graças aconteceria em todos os templos, celebrai os dias com vossas esposas e filhos. Pois muitas honras justas e devidas vêm sendo dadas muitas vezes aos deuses imortais, mas, certamente, nunca foram mais justas. De fato, vos livrastes de uma morte muitíssimo cruel e infeliz; vos livrastes sem assassinatos, sem sangue, sem exército, sem combate; vencestes, togados, comigo sendo o único togado a ser comandante e general.

24. Na verdade, povo romano, lembrais

de todos os conflitos civis, não só os que ouvistes mas também os que vós mesmos conhecestes e presenciastes. Lúcio Sulla venceu Públio Sulpício; expulsou da cidade Gaio Mário, guarda desta cidade e a alguns muitos homens honrados; a outros assassinou. O cônsul Gneu Otávio expulsou seu colega da cidade com armas; todo este lugar se encheu com montes de cadáveres e sangue dos cidadãos. Mais tarde, Cinna e Mário venceram. Então, estando mortos os homens mais

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civitatis extincta sunt. ultus est huius victoriae crudelitatem postea Sulla: ne dici quidem opus est quanta deminutione civium et quanta calamitate rei publicae. dissensit M. Lepidus a clarissimo et fortissimo viro, Q. Catulo: attulit non tam ipsius interitus rei publicae luctum quam ceterorum.

25. atque illae tamen omnes

dissensiones erant eius modi quae non ad delendam sed ad commutandam rem publicam pertinerent. non illi nullam esse rem publicam sed in ea quae esset se esse principes, neque hanc urbem conflagrare sed se in hac urbe florere voluerunt. atque illae tamen omnes dissensiones, quarum nulla exitium rei publicae quaesivit, eius modi fuerunt ut non reconciliatione concordiae sed internecione civium diiudicatae sint. in hoc autem uno post hominum memoriam maximo crudelissimoque bello, quale bellum nulla umquam barbaria cum sua gente gessit, quo in bello lex haec fuit a Lentulo, Catilina, Cethego, Cassio constituta, ut omnes qui salva urbe salvi esse possent in hostium numero ducerentur, ita me gessi, Quirites, ut salvi omnes conservaremini, et, cum hostes vestri tantum civium superfuturum putassent quantum infinitae caedi restitisset, tantum autem urbis quantum flamma obire non potuisset, et urbem et civis integros incolumesque servavi.

26. Quibus pro tantis rebus, Quirites,

nullum ego a vobis praemium virtutis, nullum insigne honoris, nullum monumentum laudis postulabo praeterquam huius diei memoriam sempiternam. in animis ego vestris omnis triumphos meos, omnia ornamenta honoris, monumenta gloriae, laudis insignia condi et conlocari volo. nihil me mutum potest delectare, nihil tacitum, nihil denique eius modi

ilustres, as luzes da cidade foram extintas. Sulla vingou depois a crueldade desta vitória. Nem é preciso dizer com quanta subtração de cidadãos e tamanha calamidade da República. Marco Lépido dissentiu de Quinto Cátulo, homem muitíssimo ilustre e corajoso: a morte dele mesmo não trouxe à república luto tão grande quanto a dos outros.

25. E todos aqueles desacordos eram,

povo romano, de tal modo que não se referiam à destruição da República, mas a sua reordenação: eles não queriam que não houvesse República, mas, na que existia, que fossem os líderes; não que esta cidade queimasse, mas florescer nela. E, todavia, todos os desacordos de que nenhum procurou a ruína da República foram, de tal maneira, decididos, não pela reconciliação da concórdia, mas pelo extermínio dos cidadãos. Porém, nesta guerra única, a maior e a mais cruel presente na memória dos homens, guerra que nenhum povo bárbaro fez uma única vez contra seu povo, foi por Lêntulo, Catilina, Cássio e Cetego estabelecida esta lei: todos os que poderiam ser salvos salva a Cidade fossem arrolados no número dos inimigos. Portei-me, povo romano, de modo que todos fôsseis mantidos salvos. Embora vossos inimigos pensassem que só sobreviveriam os cidadãos que resistissem a assassinatos intermináveis e que da cidade sobraria apenas o que as chamas não invadiram, guardei não só a cidade, como os cidadãos sãos e salvos.

26. Por tais grandes serviços, povo romano,

não vos reivindicarei nenhum pagamento da minha virtude, nenhum distintivo de honra, nenhum monumento de glória, a não ser a perpétua memória deste dia. Eu quero que todos os meus triunfos, todos os meus ornamentos de honra, os monumentos de glória, os distintivos de honra sejam preservados e guardados em vossas almas. Nada mudo, nada silencioso, nada, enfim, desse tipo, que os menos dignos também podem conseguir, pode me satisfazer. Nossos

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quod etiam minus digni adsequi possint. memoria vestra, Quirites, nostrae res alentur, sermonibus crescent, litterarum monumentis inveterascent et conroborabuntur; eandemque diem intellego, quam spero aeternam fore, propagatam esse et ad salutem urbis et ad memoriam consulatus mei unoque tempore in hac re publica duos civis exstitisse quorum alter finis vestri imperi non terrae sed caeli regionibus terminaret, alter eiusdem imperi domicilium sedisque servaret.

27. Sed quoniam earum rerum quas

ego gessi non eadem est fortuna atque condicio quae illorum qui externa bella gesserunt, quod mihi cum iis vivendum est quos vici ac subegi, illi hostis aut interfectos aut oppressos reliquerunt, vestrum est, Quirites, si ceteris facta sua recte prosunt, mihi mea ne quando obsint, providere. mentes enim hominum audacissimorum sceleratae ac nefariae ne vobis nocere possent ego providi, ne mihi noceant vestrum est providere. quamquam, Quirites, mihi quidem ipsi nihil ab istis iam noceri potest. magnum enim est in bonis praesidium quod mihi in perpetuum comparatum est, magna in re publica dignitas quae me semper tacita defendet, magna vis conscientiae quam qui neglegunt, cum me violare volent, se ipsi indicabunt.

28. est enim in nobis is animus,

Quirites, ut non modo nullius audaciae cedamus sed etiam omnes improbos ultro semper lacessamus. quod si omnis impetus domesticorum hostium depulsus a vobis se in me unum converterit, vobis erit videndum, Quirites, qua condicione posthac eos esse velitis qui se pro salute vestra obtulerint invidiae periculisque omnibus: mihi quidem ipsi quid est quod iam ad

feitos serão nutridos em vossa memória, povo romano, multiplicarão com suas conversas, amadurecerão e se fortificarão com os monumentos das letras. E percebo que este mesmo dia, que espero ser eterno, foi difundido tanto para a salvação da cidade quanto para a recordação do meu consulado. Existiram dois cidadãos que viveram nesta República ao mesmo tempo; um deles delimitou as fronteiras de seu império por regiões não da terra, mas do céu; o outro conservou o domicílio e a sede deste império.

27. Mas, como a sorte e a situação das

coisas que fiz não é a mesma que as daqueles que empreenderam guerras externas, porque tenho que viver com esses que venci e subjuguei; eles, que deixaram os inimigos ou mortos ou rendidos. Cabe a vós, povo romano, cuidar para que, se os feitos seus com razão são úteis aos demais, a mim os meus não venham a prejudicar um dia. É vosso dever providenciar para que não façam mal a mim. Todavia, Quirites, a mim mesmo, nada ainda pode ser nocivo por parte deles. Na verdade, tenho a grande proteção dos bons, que me foi assegurada para sempre; a grande honra da República, que, mesmo calada, sempre me defenderá; expor-se-ão aqueles que negligenciarem a grande força da consciência, quando quiserem me atacar.

28. Ainda temos, povo romano, a

consciência não só de que não cedemos à audácia de ninguém, mas também de que provocamos sempre espontaneamente todos os ímprobos. E se todo o ímpeto dos inimigos domésticos, repelido por vós, voltar-se contra mim somente, devereis prever, povo romano, em que condições desejais que estejam, em seguida, aqueles que se expuseram à hostilidade e a todos os perigos por vossa salvação. Na verdade, com o

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vitae fructum possit adquiri, cum praesertim neque in honore vestro neque in gloria virtutis quicquam videam altius quo mihi libeat ascendere?

29. Illud perficiam profecto, Quirites, ut

ea quae gessi in consulatu privatus tuear atque ornem, ut, si qua est invidia in conservanda re publica suscepta, laedat invidos, mihi valeat ad gloriam. denique ita me in re publica tractabo ut meminerim semper quae gesserim curemque ut ea virtute, non casu gesta esse videantur. vos, Quirites, quoniam iam est nox, venerati Iovem illum, custodem huius urbis ac vestrum, in vestra tecta discedite et ea, quamquam iam est periculum depulsum, tamen aeque ac priore nocte custodiis vigiliisque defendite. id ne vobis diutius faciendum sit atque ut in perpetua pace esse possitis, providebo, Quirites.

que eu mesmo ainda posso me beneficiar em relação ao proveito da vida, sobretudo, quando nem na honra, que depende de vós, nem na glória, que vem do mérito, não vejo mais nada que ainda seja tão alto, para onde aspiro ascender.

29. Agirei, sem dúvidas, assim, povo

romano, para que proteja e distinga todas as atitudes tomadas em meu consulado, em minha vida privada, para que, se algum ódio for aceito na conservação da república, que ultraje os invejosos e sirva para a minha glória. Enfim, administrarei a República de tal modo que recordarei sempre minhas ações e cuidarei para que pareçam ter sido feitas com virtude e não ao acaso. Vós, povo romano, já que é noite, reverenciai aquele Júpiter, guarda desta cidade e vosso e parti para vossos lares. Embora o perigo já tenha sido repelido, defendei-nos, assim mesmo, com guarnições e vigias, exatamente como fizestes ontem. Providenciarei, povo romano, para que não tenhais que fazer isso por um bom tempo e para que possais ficar em eterna paz.

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IN CATILINAM IV

1. Video, patres conscripti, in me

omnium vestrum ora atque oculos esse conversos; video vos non solum de vestro ac rei publicae, verum etiam, si id depulsum sit, de meo periculo esse sollicitos. est mihi iucunda in malis et grata in dolore vestra erga me voluntas, sed eam, per deos inmortales, deponite atque obliti salutis meae de vobis ac de vestris liberis cogitate. Mihi si haec condicio consulatus data est ut omnis acerbitates, omnis dolores cruciatusque perferrem, feram non solum fortiter verum etiam libenter, dum modo meis laboribus vobis populoque Romano dignitas salusque pariatur.

2. ego sum ille consul, patres conscripti, cui non fórum in quo omnis aequitas continetur, non campus consularibus auspiciis consecratus, non curia, summum auxilium omnium gentium, non domus, commune perfugium, non lectus ad quietem datus, non denique haec sella curulis, sedes honoris, umquam vacua mortis periculo atque insidiis fuit. ego multa tacui, multa pertuli, multa concessi, multa meo quodam dolore in vestro timore sanavi. nunc si hunc exitum consulatus mei di immortales esse voluerunt ut vos populumque Romanum ex caede miserrima, coniuges liberosque vestros virginesque Vestalis ex acerbissima vexatione, templa atque delubra, hanc pulcherrimam patriam omnium nostrum ex foedissima flamma, totam Italiam ex bello et vastitate eriperem, quaecumque mihi uni proponetur fortuna subeatur. etenim si P. Lentulus suum nomen inductus a vatibus fatale ad perniciem rei publicae fore putavit, cur ego non laeter meum consulatum ad salutem populi Romani prope fatalem exstitisse?

3. qua re, patres conscripti, consulite vobis, prospicite patriae, conservate vos, coniuges, liberos fortunasque vestras, populi Romani nomen salutemque defendite; mihi parcere

1. Vejo, senadores, as expressões e olhares de todos vós voltados para mim. Vejo que estais preocupados não só com o perigo que vós ou a República corre mas também, se ele foi afastado, com o que eu corro. Vossa disposição para comigo me é agradável em meus males e grata em minha dor. Porém, pelos deuses imortais, renunciai a ela e, esquecidos de meu bem-estar, pensai em vós e em vossos filhos. Se me foi dada como condição de meu consulado suportar todas as desventuras, todas as dores e suplícios, eu farei não somente com bravura como de bom grado, desde que o prestígio e a salvação sejam assegurados a vós e ao povo romano, por meio de meu esforço.

2. Eu sou um cônsul, senadores, a quem nem o fórum, onde toda a justiça é assegurada, nem o campo de Marte, consagrado pelos auspícios consulares, nem a Cúria, supremo recurso de todos os povos, nem minha casa, refúgio de todos, nem minha cama, destinada ao descanso, nem, finalmente, este lugar de honra, a cadeira curul, esteve alguma vez livre do risco de morte e de emboscadas. Muito calei, muito aguentei, muito cedi e muito sanei com minha dor, diante de vosso medo. Agora, se foi a vontade dos deuses imortais que o fim do meu consulado fosse salvar a vós e ao povo romano de um massacre tão deplorável; vossas esposas e filhos, e as virgens vestais de um tormento tão amargo; os templos e santuários; esta belíssima pátria de todos nós de chamas tão horrendas; toda a Itália da guerra e devastação; qualquer que seja a sorte reservada unicamente a mim, enfrentemos. De fato, se Públio Lêntulo, induzido pelos adivinhos, considerou que seu nome estava predestinado a arruinar a República; por que eu não haveria de me alegrar que meu consulado se revelasse quase predestinado a salvar o Povo Romano?

3. Por isso, senadores, pensem em vós

mesmos; tenham em mente a Pátria; salvem a vós mesmos, a vossas esposas, a vossos filhos e a vossos bens; defendei o nome e o bem-estar

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ac de me cogitare desinite. nam primum debeo sperare omnis deos qui huic urbi praesident pro eo mihi ac mereor relaturos esse gratiam; deinde, si quid obtigerit, aequo animo paratoque moriar. nam neque turpis mors forti viro potest accidere neque immatura consulari nec misera sapienti. nec tamen ego sum ille ferreus qui fratris carissimi atque amantissimi praesentis maerore non movear horumque omnium lacrimis a quibus me circumsessum videtis. neque meam mentem non domum saepe revocat exanimata uxor et abiecta metu filia et parvolus filius quem mihi videtur amplecti res publica tamquam obsidem consulatus mei, neque ille qui exspectans huius exitum diei stat in conspectu meo gener. moveor his rebus omnibus, sed in eam partem, uti salvi sint vobiscum omnes, etiam si me vis aliqua oppresserit, potius quam et illi et nos una rei publicae peste pereamus.

4. Qua re, patres conscripti, incumbite ad salutem rei publicae, circumspicite omnis procellas quae impendent nisi providetis. non Ti. Gracchus quod iterum tribunus plebis fieri voluit, non C. Gracchus quod agrarios concitare conatus est, non L. Saturninus quod C. Memmium occidit, in discrimen aliquod atque in vestrae severitatis iudicium adducitur: tenentur ii qui ad urbis incendium, ad vestram omnium caedem, ad Catilinam accipiendum Romae restiterunt, tenentur litterae, signa, manus, denique unius cuiusque confessio; sollicitantur Allobroges, servitia excitantur, Catilina accersitur; id est initum consilium ut interfectis omnibus nemo ne ad deplorandum quidem populi Romani nomen atque ad lamentandam tanti imperi calamitatem relinquatur.

do povo romano; deixai de me poupar e de pensar em mim. Pois, primeiro, devo ter esperanças de que todos os deuses, que protegem esta cidade, me recompensarão, como mereço; em segundo, se algo ocorrer, morrerei com a consciência tranquila e preparada. Porque um homem corajoso não pode ter uma morte vergonhosa; um consular, uma prematura; um sábio, uma infeliz. No entanto, não sou tão duro a ponto de não me comover com a aflição do meu tão querido e amável irmão, aqui presente, nem com as lágrimas de todos estes que vós vedes a minha volta. E não é que não atraiam a minha atenção para a casa, minha esposa exausta, minha filha abatida pelo medo, meu filhinho, que a República parece acolher quase como garantia de meu consulado e meu genro, que vejo daqui, aguardando o encerramento deste dia. Comovo-me com tudo isso, mas, no sentido de que antes sejam eles todos salvos convosco, se alguma força me aniquilar, do que tanto eles como nós pereçamos juntos com a ruína da República.

4. Por isso, senadores, lançai-vos à salvação da República; olhai todas as procelas que nos ameaçam se não as antevirdes. Não é Tibério Graco, por ter desejado se tornar tribuno da plebe uma segunda vez; não é Gaio Graco, por ter agitado os defensores da distribuição de terra; não é Lúcio Saturnino, por ter matado Gaio Mêmio, para se submeter a um julgamento da vossa severidade; estão detidos aqueles que permaneceram em Roma para incendiar a cidade, para matar todos vós, para receber Catilina; foram apreendidos as cartas, os selos, a escritura à mão, por fim, a confissão de cada um; os alóbroges são aliciados, os escravos incitados, Catilina convocado. Decidiram que, depois de assassinarem a todos, não sobraria ninguém nem sequer para lastimar o nome do povo romano nem lamentar a ruína de tamanho império.

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5. haec omnia indices detulerunt, rei

confessi sunt, vos multis iam iudiciis iudicavistis, primum quod mihi gratias egistis singularibus verbis et mea virtute atque diligentia perditorum hominum coniurationem patefactam esse decrevistis, deinde quod P. Lentulum se abdicare praetura coegistis, tum quod eum et ceteros de quibus iudicastis in custodiam dandos censuistis, maximeque quod meo nomine supplicationem decrevistis, qui honos togato habitus ante me est nemini; postremo hesterno die praemia legatis Allobrogum Titoque Volturcio dedistis amplissima. quae sunt omnia eius modi ut ii qui in custodiam nominatim dati sunt sine ulla dubitatione a vobis damnati esse videantur.

6. Sed ego institui referre ad vos,

patres conscripti, tamquam integrum, et de facto quid iudicetis et de poena quid censeatis. illa praedicam, quae sunt consulis. ego magnum in re publica versari furorem et nova quaedam misceri et concitari mala iam pridem videbam, sed hanc tantam, tam exitiosam haberi coniurationem a civibus numquam putavi. nunc quicquid est, quocumque vestrae mentes inclinant atque sententiae, statuendum vobis ante noctem est. quantum facinus ad vos delatum sit videtis. huic si paucos putatis adfinis esse, vehementer erratis. latius opinione disseminatum est hoc malum: manavit non solum per Italiam verum etiam transcendit Alpis et obscure serpens multas iam provincias occupavit. id opprimi sustentando et prolatando nullo pacto potest; quacumque ratione placet celeriter vobis vindicandum est.

7. Video duas adhuc esse sententias, unam D. Silani qui censet eos qui haec delere conati sunt morte

5. Os informantes denunciaram tudo isso;

os réus confessaram; vós já os julgastes em muitos processos; primeiro, ao me agradecerdes com elogios singulares e ao declarardes que foi graças a minha bravura e empenho que foi revelada esta conjuração de homens dissolutos; segundo, porque obrigastes Públio Lêntulo a renunciar à pretura; depois, porque decretastes que era preciso que eles e os outros, que vós tenhais julgado, fossem colocados sob custódia e, principalmente, porque decretastes uma ação de graças em meu nome, honra nunca antes de mim concedida a um togado; por último, oferecestes, ontem, recompensas das mais grandiosas aos embaixadores dos alóbroges e a Tito Voltúrcio. Tudo isso dá a entender que aqueles que foram nomeadamente colocados sob custódia, foram condenados sem dúvida alguma por vós.

6. Contudo, senadores, eu decidi submeter a questão a vós, como se estivesse em aberto; o que julgais sobre o fato e o que determinais sobre a pena. Farei as observações preliminares que cabem a um cônsul. Eu via, já há algum tempo, que um grande furor se espalhava pela República; tramavam-se algumas revoluções, incitavam-se males, mas nunca pensei que esta tão grande e tão funesta conjuração seria tramada por cidadãos. Agora, qualquer que seja a direção a que vossas mentes e pareceres vos inclinem, vós tereis que decidir antes do anoitecer. Estais vendo a enormidade do crime que vos foi denunciado. Se pensais que poucos são os seus cúmplices, estais cometendo um grande erro. Este mal se espalhou de uma forma muito mais ampla do que imaginam; propagou-se não só pela Itália mas também ultrapassou os Alpes e, esgueirando-se, secretamente, já ocupou muitas províncias. Isso, de nenhuma maneira, pode ser sufocado com resistência ou protelação. Qualquer que seja o meio que escolheis, vós tendes de reprimi-lo rapidamente.

7. Vejo que até agora há dois pareceres; o de Décimo Silano, que considera que aqueles que tentaram destruir

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esse multandos, alteram C. Caesaris qui mortis poenam removet, ceterorum suppliciorum omnis acerbitates amplectitur. uterque et pro sua dignitate et pro rerum magnitudine in summa severitate versatur. alter eos qui nos omnis, qui populum Romanum vita privare conati sunt, qui delere imperium, qui populi Romani nomen exstinguere, punctum temporis frui vita et hoc communi spiritu non putat oportere atque hoc genus poenae saepe in improbos civis in hac re publica esse usurpatum recordatur. alter intellegit mortem a dis immortalibus non esse supplici causa constitutam, sed aut necessitatem naturae aut laborum ac miseriarum quietem. itaque eam sapientes numquam inviti, fortes saepe etiam libenter oppetiverunt. vincula vero, et ea sempiterna, certe ad singularem poenam nefarii sceleris inventa sunt. municipiis dispertiri iubet. habere videtur ista res iniquitatem, si imperare velis, difficultatem, si rogare. decernatur tamen, si placet.

7. ego enim suscipiam et, ut spero,

reperiam qui id quod salutis omnium causa statueritis non putet esse suae dignitatis recusare. adiungit gravem poenam municipiis, si quis eorum vincula ruperit; horribilis custodias circumdat et dignas scelere hominum perditorum. sancit ne quis eorum poenam quos condemnat aut per senatum aut per populum levare possit; eripit etiam spem quae sola homines in miseriis consolari solet. bona praeterea publicari iubet; vitam solam relinquit nefariis hominibus. quam si eripuisset, multos una dolores animi atque corporis et omnis scelerum poenas

isto devam ser sentenciados à morte; o de Gaio César, que elimina a pena de morte, mas adota todo o rigor das demais punições. Ambos dão mostra de extrema severidade, por sua dignidade e pela importância dos acontecimentos. Um não acredita que seja oportuno àqueles que tentaram privar a nós e ao povo romano da vida e que tentaram destruir o império e extinguir o nome do povo romano, que disfrutem de um instante de vida e deste ar que todos respiram, e lembra que este tipo de pena é aplicado frequentemente aos cidadãos desonestos nesta República. O outro entende que a morte não foi estabelecida pelos deuses imortais como uma punição, mas como uma necessidade da natureza ou um descanso das aflições e angústias. Daí que os sábios nunca a tenham enfrentado com relutância e os bravos, muitas vezes, até com vontade. As prisões, por vossa vez, e perpétuas, ainda por cima, foram, sem dúvida, criadas, como punição extraordinária a crimes abomináveis. Recomenda que sejam distribuídos pelos municípios. Essa medida parece comportar uma injustiça, se quiserem ordená-la ou uma dificuldade, se a solicitarem. Que se decida isso, porém, se lhes aprouver.

8. De fato, eu me comprometerei e, espero eu, encontrarei quem considere não caber à sua posição recusar o que decidirdes, para a salvação de todos. Acrescenta uma grave punição aos municípios, se algum deles escapar da prisão; cerca-os de guardas terríveis e dignas do crime de homens perversos; estabelece que ninguém, ou por meio do Senado ou do povo, possa aliviar a pena daqueles que condena; retira-lhes também a esperança, a única que costuma consolar os homens nas desgraças; recomenda, ademais, que seus bens sejam confiscados; deixa para esses homens abomináveis apenas a vida; se lhes tivesse tolhido a vida, teria tirado com ela muitas dores do corpo e da alma e todas os castigos de seus

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ademisset. itaque ut aliqua in vita formido improbis esset proposita, apud inferos eius modi quaedam illi antiqui supplicia impiis constituta esse voluerunt, quod videlicet intellegebant his remotis non esse mortem ipsam pertimescendam.

9. Nunc, patres conscripti, ego mea

video quid intersit. si eritis secuti sententiam C. Caesaris, quoniam hanc is in re publica viam quae popularis habetur secutus est, fortasse minus erunt hoc auctore et cognitore huiusce sententiae mihi populares impetus pertimescendi; sin illam alteram, nescio an amplius mihi negoti contrahatur. sed tamen meorum periculorum rationes utilitas rei publicae vincat. habemus enim a Caesare, sicut ipsius dignitas et maiorum eius amplitudo postulabat, sententiam tamquam obsidem perpetuae in rem publicam voluntatis. intellectum est quid interesset inter levitatem contionatorum et animum vere popularem saluti populi consulentem.

10. Video de istis qui se popularis

haberi volunt abesse non neminem, ne de capite videlicet civium Romanorum sententiam ferat. is et nudius tertius in custodiam civis Romanos dedit et supplicationem mihi decrevit et indices hesterno die maximis praemiis adfecit. iam hoc nemini dubium est, qui reo custodiam, quaesitori gratulationem, indici praemium decrerit quid de tota re et causa iudicarit. At vero C. Caesar intellegit legem Semproniam esse de civibus Romanis constitutam; qui autem rei publicae sit hostis eum civem esse nullo modo posse; denique ipsum latorem Semproniae legis iussu populi poenas rei publicae

crimes. Por isso, para impor aos maus algum temor ainda em vida, os antigos quiseram que certos suplícios deste tipo fossem estabelecidos aos ímpios no inferno, sem dúvida, por entenderem que, se suprimidos, a própria morte não havia de ser temida.

9. Agora, senadores, eu vejo de que modo isto me toca: se adotarem o parecer de G. César, uma vez que seguiu, em sua vida pública, um caminho considerado popular; sendo ele autor e defensor deste parecer, talvez eu não tenha que temer tanto os ataques populares. Mas se adotarem o outro, talvez isso me traga mais problemas. Ainda assim, que os interesses da República estejam acima da consideração dos meus perigos. De fato, temos da parte de César, tal como a sua própria posição e grandeza dos antepassados exigiam, um parecer que é quase como uma garantia de sua disposição eterna para com a República. Compreendeu-se o abismo existente entre a leviandade dos demagogos e um espírito verdadeiramente popular, que vela pela salvação do povo.

10. Vejo que um desses, que pretendem ser considerado popular, está ausente, sem dúvida, para não votar pela condenação dos cidadãos romanos. Ele, há três dias, mandou prender cidadãos romanos, decidiu dar uma festa de ação de graças em meu nome e ofereceu, ontem, aos informantes grandiosas recompensas. Ora, quem votou pela prisão do réu, pelas felicitações ao investigadore recompensa ao informante não deixou dúvidas a ninguém sobre seu juízo a respeito da situação como um todo e da causa. G. César, em contrapartida, entende que a lei Semprônia foi estabelecida para cidadãos romanos, mas sabe que quem é inimigo da República não pode ser de modo algum considerado cidadão, que, por fim, o próprio autor da lei Semprônia, por ordem do povo,

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dependisse. idem ipsum Lentulum largitorem et prodigum non putat, cum de pernicie populi Romani, exitio huius urbis tam acerbe, tam crudeliter cogitarit, etiam appellari posse popularem. itaque homo mitissimus atque lenissimus non dubitat P. Lentulum aeternis tenebris vinculisque mandare et sancit in posterum ne quis huius supplicio levando se iactare et in pernicie populi Romani posthac popularis esse possit. adiungit etiam publicationem bonorum, ut omnis animi cruciatus et corporis etiam egestas ac mendicitas consequatur.

11. Quam ob rem, sive hoc statueritis,

dederitis mihi comitem ad contionem populo carum atque iucundum, sive Silani sententiam sequi malueritis, facile me atque vos a crudelitatis vituperatione prohibebo atque obtinebo eam multo leniorem fuisse. quamquam, patres conscripti, quae potest esse in tanti sceleris immanitate punienda crudelitas? ego enim de meo sensu iudico. nam ita mihi salva re publica vobiscum perfrui liceat ut ego, quod in hac causa vehementior sum, non atrocitate animi moveor - quis enim est me mitior? – sed singulari quadam humanitate et misericordia. videor enim mihi videre hanc urbem, lucem orbis terrarum atque arcem omnium gentium, subito uno incendio concidentem. cerno animo sepulta in patria miseros atque insepultos acervos civium. versatur mihi ante oculos aspectus Cethegi et furor in vestra caede bacchantis.

12. cum vero mihi proposui

regnantem Lentulum, sicut ipse se ex fatis sperasse confessus est, purpuratum esse huic Gabinium, cum exercitu venisse Catilinam, tum lamentationem matrum

pagou por seu crime contra a República. Ele mesmo não acredita que o próprio Lêntulo, liberal e perdulário, depois de urdir de forma tão dura e cruel a ruína do povo romano e a destruição desta cidade, pudesse ser nomeado popular. Desse modo, o homem tão manso e brando, não hesita em condenar Lêntulo às trevas eternas, no cárcere, e torna a pena irrevogável no futuro, para que, depois, ninguém possa se glorificar de ter atenuado o castigo desse homem, nem ser, por isso, popular em meio à ruína do povo romano. Acrescenta, ainda, o confisco de seus bens, para que a miséria e a indigência acompanhe todos os suplícios do corpo e da alma.

11. Por isso, se decidirem por este parecer, vós me tereis dado um companheiro caro e grato ao povo para a assembleia popular; se preferirem seguir o de Silano, eu defenderei, sem dificuldades, a mim e a vós da repreensão de crueldade e demonstrarei que ele foi muito mais moderado. Porém, senadores, que crueldade pode haver em punir um crime tão bárbaro? Porque eu julgo conforme o que sinto. Ora, que eu possa disfrutar convosco de uma República livre, dado que, embora me mostre mais veemente nesta causa, não é a intransigência que me move – pois quem é mais clemente que eu? – mas um senso de humanidade singular e misericórdia. Creio, então, ver esta cidade, luz do orbe terrestre e fortaleza de todos os povos, sucumbindo, subitamente, num único incêndio. Antevejo, na pátria sepultada, deploráveis pilhas de insepultos cidadãos. Passa, diante dos meus olhos, a feição e a ira de Cetego, que delira com o vosso massacre.

12. Mas ao imaginar Lêntulo reinando, como ele mesmo confessou esperar fazer por conta dos oráculos, Gabínio de púrpura para ele e Catilina de volta com o exército, aterrorizo-me ora com o

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familias, tum fugam virginum atque puerorum ac vexationem virginum Vestalium perhorresco et, quia mihi vehementer haec videntur misera atque miseranda, idcirco in eos qui ea perficere voluerunt me severum vehementemque praebebo. etenim quaero, si quis pater familias liberis suis a servo interfectis, uxore occisa, incensa domo supplicium de servo non quam acerbissumum sumpserit, utrum is clemens ac misericors an inhumanissimus et crudelissimus esse videatur. mihi vero importunus ac ferreus qui non dolore et cruciatu nocentis suum dolorem cruciatumque lenierit. sic nos in his hominibus qui nos, qui coniuges, qui liberos nostros trucidare voluerunt, qui singulas unius cuiusque nostrum domos et hoc universum rei publicae domicilium delere conati sunt, qui id egerunt ut gentem Allobrogum in vestigiis huius urbis atque in cinere deflagrati imperi conlocarent, si vehementissimi fuerimus, misericordes habebimur; sin remissiores esse voluerimus, summae nobis crudelitatis in patriae civiumque pernicie fama subeunda est.

13. Nisi vero cuipiam L. Caesar, vir

fortissimus et amantissimus rei publicae, crudelior nudius tertius visus est, cum sororis suae, feminae lectissimae, virum praesentem et audientem vita privandum esse dixit, cum iure avum suum iussu consulis interfectum filiumque eius impuberem legatum a patre missum in carcere necatum esse dixit. quorum quod simile factum, quod initum delendae rei publicae consilium? largitionis voluntas tum in re publica versata est et partium quaedam contentio. atque illo tempore huius avus Lentuli, vir clarissimus, armatus Gracchum est persecutus. ille etiam grave tum vulnus accepit, ne quid de summa

lamento das mães de família, ora com a fuga das virgens e dos meninos, e com o tormento das virgens vestais e como estas coisas me parecem muito míseras e miseráveis, me mostrarei duro e impetuoso com aqueles que quiseram perpetrá-las. Efetivamente, eu pergunto: se um pai de família, tendo os seus filhos sido mortos por um escravo, a sua esposa assassinada, a sua casa incendiada, não aplicar ao escravo um castigo o mais duro possível, ele parecerá clemente e misericordioso ou extremamente desumano e cruel? O fato é que, para mim, pareceria cruel e duro quem não atenuasse sua dor e tormento com a dor e tormento do criminoso. Assim, se nós formos tão duros com aqueles que quiseram trucidar a nós, a nossas esposas e filhos, que tentaram destruir as casas de cada um de nós e toda esta morada da República, que se empenharam em envolver o povo alóbroge nas ruínas desta cidade e nas cinzas deste império em chamas, seremos considerados misericordiosos; mas, se quisermos ser mais moderados, teremos que suportar a reputação de uma crueldade extrema em meio à destruição da pátria e dos cidadãos.

13. A não ser que, anteontem, alguém tenha considerado Lúcio César, um homem tão corajoso e apreciador da República, bastante cruel, quando ele disse, na presença do marido de sua irmã, senhora muitíssimo distinta, que lhe era preciso tolher a vida do marido, quando disse, com razão, que seu avô tinha sido legalmente morto por ordem do cônsul, e que seu filho, ainda jovem, enviado pelo pai como legado, havia sido assassinado na prisão. O que aconteceu de semelhante a isso; que decisão foi tomada para a destruição da República? Um mero desejo de fazer distribuições e uma espécie de contenda das facções que estavam, então, voltadas para a República. Mas, naquela ocasião, um homem muito notável, avô deste Lêntulo, pegou em armas para perseguir Graco. Aquele chegou a ser gravemente ferido, então,

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re publica minueretur; hic ad evertenda fundamenta rei publicae Gallos accersit, servitia concitat, Catilinam vocat, attribuit nos trucidandos Cethego et ceteros civis interficiendos Gabinio, urbem inflammandam Cassio, totam Italiam vastandam diripiendamque Catilinae. vereamini censeo ne in hoc scelere tam immani ac nefando nimis aliquid severe statuisse videamini: multo magis est verendum, ne remissione poenae crudeles in patriam quam ne severitate animadversionis nimis vehementes in acerbissimos hostis fuisse videamur.

14. Sed ea quae exaudio, patres

conscripti, dissimulare non possum. iaciuntur enim voces quae perveniunt ad auris meas eorum qui vereri videntur ut habeam satis praesidi ad ea quae vos statueritis hodierno die transigenda. omnia et provisa et parata et constituta sunt, patres conscripti, cum mea summa cura atque diligentia tum multo etiam maiore populi Romani ad summum imperium retinendum et ad communis fortunas conservandas voluntate. omnes adsunt omnium ordinum homines, omnium generum, omnium denique aetatum. plenum est forum, plena templa circum forum, pleni omnes aditus huius templi ac loci. causa est enim post urbem conditam haec inventa sola in qua omnes sentirent unum atque idem praeter eos qui cum sibi viderent esse pereundum, cum omnibus potius quam soli perire voluerunt.

15. hosce ego homines excipio et

secerno libenter, neque in improborum civium sed in acerbissimorum hostium numero habendos puto. ceteri vero, di immortales! qua frequentia, quo studio, qua virtute ad communem salutem dignitatemque consentiunt! quid ego hic equites Romanos

para que a República não fosse enfraquecida; este, para subverter as fundações da República, convoca os gauleses; incita os escravos; chama Catilina; designa Cetego para nos massacrar, Gabínio para assassinar os demais cidadãos, Cássio para incendiar a cidade e Catilina para devastar e saquear toda a Itália. Vós podeis estar com medo, imagino eu, de parecer ter tomado uma decisão severa demais em relação a este crime tão horrendo e abominável, é de se temer muito mais que pareçamos ter sido cruéis com a pátria devido ao abrandamento da pena do que ter sido demasiadamente duros pela gravidade da punição a inimigos tão terríveis.

14. Porém, não posso omitir, senadores, o que tenho ouvido. É que se espalham rumores, que chegam aos meus ouvidos, daqueles que parecem temer que eu não tenha guardas suficientes, para levar a cabo o que vós decidirdes no dia de hoje. Tudo está previsto, preparado e estabelecido, senadores, não só por meu extremo cuidado e diligência mas ainda por uma disposição muito maior ainda do povo romano, para preservar o império soberano e salvar bens de todos. Todos os homens de todas as Ordens, de todas as linhagens, enfim, de todas as idades estão presentes. O fórum está tomado, os templos ao redor do Fórum estão tomados, todas os acessos ao recinto deste templo estão tomados. Certamente, desde a fundação da cidade, esta foi a única causa encontrada em que todos compartilharam do mesmo sentimento, exceto os que, ao perceberem que morreriam, quiseram morrer juntos em vez de sozinhos.

15. Estes homens eu excluo e separo com prazer, tidos não como parte do grupo dos cidadãos ímprobos mas dos inimigos extremamente violentos. Quanto aos restantes, deuses imortais, com que afluência, com que empenho, com que bravura se juntaram para a salvaguarda do status de todos? Por que hei de mencionar, neste contexto, os cavaleiros romanos? A tal ponto eles

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commemorem? qui vobis ita summam ordinis consilique concedunt ut vobiscum de amore rei publicae certent. quos ex multorum annorum dissensione huius ordinis ad societatem concordiamque revocatos hodiernus dies vobiscum atque haec causa coniungit. quam si coniunctionem in consulatu confirmatam meo perpetuam in re publica tenuerimus, confirmo vobis nullum posthac malum civile ac domesticum ad ullam rei publicae partem esse venturum. pari studio defendendae rei publicae convenisse video tribunos aerarios, fortissimos viros. scribas item universos quos cum casu hic dies ad aerarium frequentasset, video ab exspectatione sortis ad salutem communem esse conversos.

16. omnis ingenuorum adest

multitudo, etiam tenuissimorum. quis est enim cui non haec templa, aspectus urbis, possessio libertatis, lux denique haec ipsa et commune patriae solum cum sit carum tum vero dulce atque iucundum? operae pretium est, patres conscripti, libertinorum hominum studia cognoscere qui sua virtute fortunam huius civitatis consecuti vere hanc suam esse patriam iudicant quam quidam hic nati, et summo nati loco, non patriam suam sed urbem hostium esse iudicaverunt. sed quid ego hosce ordines atque homines commemoro quos privatae fortunae, quos communis res publica, quos denique libertas ea quae dulcissima est ad salutem patriae defendendam excitavit? servus est nemo, qui modo tolerabili condicione sit servitutis, qui non audaciam civium perhorrescat, qui non haec stare cupiat, qui non quantum audet et quantum potest conferat ad communem salutem voluntatis.

vos concedem a supremacia da posição social e política, que chegam a rivalizar convosco por amor à República. O dia de hoje e esta causa reuniu convosco os que, após muitos anos de divergência com esta Ordem, foram reconduzidos a esta aliança harmoniosa. Se mantivermos indefinidamente a aliança, consolidada em meu consulado, na República, eu vos garanto que nenhum mal civil e doméstico acontecerá no futuro, a nenhuma parcela da sociedade. Vejo que os tribunos do erário, homens de grande coragem, reuniram-se com igual empenho na defesa da República. Do mesmo modo, vejo que todos os escribas que, por acaso, reuniram-se hoje, junto ao erário, deixaram de apenas esperar pelo destino para se voltar para a salvação geral.

16. Está presente todo o número de homens livres e mesmo os mais humildes. Quem é, de fato, que não considera estes templos, a vista da cidade, a posse da liberdade, esta própria luz, enfim, e solo comum da pátria não apenas caros como também agradáveis e prazerosos? Vale a pena, senadores, reconhecer os esforços dos libertos que, tendo a felicidade de obter esta cidadania por seu próprio valor, julgam realmente ser esta sua pátria, a mesma que certas pessoas nascidas aqui, e nascidas em posição elevada, por sinal, julgaram ser não a sua pátria, mas uma cidade de inimigos. Por que estou mencionando estas ordens e homens, que os bens privados, que a pátria de todos, que, enfim, a liberdade, que lhes é tão cara, moveram para defender a salvaguarda da pátria? Não existe nenhum escravo, pelo menos que esteja em um suportável estado de escravidão, que não se horrorize com a audácia dos cidadãos, que não deseje que tudo isto permaneça de pé, que não empenhe sua vontade na salvação de todos, na medida de sua ousadia e possibilidades.

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17. Qua re si quem vestrum forte commovet hoc quod auditum est, lenonem quendam Lentuli concursare circum tabernas, pretio sperare sollicitari posse animos egentium atque imperitorum, est id quidem coeptum atque temptatum, sed nulli sunt inventi tam aut fortuna miseri aut voluntate perditi qui non illum ipsum sellae atque operis et quaestus cotidiani locum, qui non cubile ac lectulum suum, qui denique non cursum hunc otiosum vitae suae salvum esse velint. multo vero maxima pars eorum qui in tabernis sunt, nisi vero - id enim potius est dicendum - genus hoc universum amantissimum est oti. etenim omne instrumentum, omnis opera atque quaestus frequentia civium sustentatur, alitur otio; quorum si quaestus occlusis tabernis minui solet, quid tandem incensis futurum fuit?

18. Quae cum ita sint, patres

conscripti, vobis populi Romani praesidia non desunt: vos ne populo Romano deesse videamini providete. habetis consulem ex plurimis periculis et insidiis atque ex media morte non ad vitam suam sed ad salutem vestram reservatum. omnes ordines ad conservandam rem publicam mente, voluntate, studio, virtute, voce consentiunt. obsessa facibus et telis impiae coniurationis vobis supplex manus tendit patria communis; vobis se, vobis vitam omnium civium, vobis arcem et Capitolium, vobis aras Penatium, vobis illum ignem Vestae sempiternum, vobis omnium deorum templa atque delubra, vobis muros atque urbis tecta commendat. praeterea de vestra vita, de coniugum vestrarum atque liberorum anima, de fortunis omnium, de sedibus, de focis vestris hodierno die vobis iudicandum est.

17. Por isso, se acaso algum de vós se inquieta com o rumor que correu; de que um certo proxeneta de Lêntulo tem circulado pelas lojas, na esperança de poder aliciar mediante pagamento as mentes dos pobres e ignorantes; é bem verdade que ele começou a tenta-lo, mas não se encontrou ninguém de fortuna tão desgraçada ou de disposição tão devassa, que não preferisse a salvação do lugar de seu banquinho de trabalho, de sua ocupação, de seus ganhos diários, de seu quartinho e de seu leito, por fim, deste decorrer tranquilo de sua vida. Na verdade, a maior parte deles que estão nas lojas, se não for de gato – pois isso se deve dizer de preferência – esse gênero inteiro é muito amante da paz. Pois todo o material, todo o trabalho e ocupação é mantido com a afluência de cidadãos, nutre-se com a paz; se a ocupação destes, com as lojas fechadas, costuma diminuir, o que, então, aconteceria se fossem incendiadas?

18. Sendo assim, senadores, não vos falta a proteção do povo romano: providenciai para não dar a impressão de abandoná-lo. Tendes um cônsul que escapou de inúmeros perigos e emboscadas, além da morte quase certa, não por sua própria vida mas por vossa salvaguarda. Todas as Ordens estão de acordo em pensamento, disposição, zelo, bravura e em suas palavras para preservar a República. Suplicante, a Pátria de todos, sitiada pelas tochas e armas de uma conjuração funesta, estende-vos suas mãos; confia-vos a si mesma; confia-vos a vida de todos os cidadãos; confia-vos a cidadela e o Capitólio; confia-vos os altares dos deuses Penates; confia-vos aquela chama eterna de Vesta; confia-vos os templos e santuários de todos os deuses; confia-vos os muros e tetos da cidade. Além disso, no dia hoje, tereis de fazer um julgamento sobre vossas vidas, a de vossas esposas e filhos, os bens de todos, as casas e os vossos lares.

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19. habetis ducem memorem vestri,

oblitum sui, quae non semper facultas datur; habetis omnis ordines, omnis homines, universum populum Romanum, id quod in civili causa hodierno die primum videmus, unum atque idem sentientem. cogitate quantis laboribus fundatum imperium, quanta virtute stabilitam libertatem, quanta deorum benignitate auctas exaggeratasque fortunas una nox paene delerit. id ne umquam posthac non modo confici sed ne cogitari quidem possit a civibus hodierno die providendum est. atque haec, non ut vos qui mihi studio paene praecurritis excitarem, locutus sum, sed ut mea vox quae debet esse in re publica princeps officio functa consulari videretur.

20. Nunc ante quam ad sententiam

redeo, de me pauca dicam. ego, quanta manus est coniuratorum, quam videtis esse permagnam, tantam me inimicorum multitudinem suscepisse vídeo. sed eam esse iudico turpem et infirmam et contemptam et abiectam. quod si aliquando alicuius furore et scelere concitata manus ista plus valuerit quam vestra ac rei publicae dignitas, me tamen meorum factorum atque consiliorum numquam, patres conscripti, paenitebit. etenim mors, quam illi fortasse minitantur, omnibus est parata: vitae tantam laudem quanta vos me vestris decretis honestastis nemo est adsecutus. ceteris enim bene gesta, mihi uni conservata re publica gratulationem decrevistis.

21. sit Scipio clarus ille cuius consilio

atque virtute Hannibal in Africam redire atque Italia decedere coactus est; ornetur alter eximia laude Africanus qui duas urbis huic imperio infestissimas,

19. Tendes um comandante lembrado de

vós e esquecido de si, oportunidade nem sempre dada; tendes todas as Ordens, todos os homens, todo o povo romano, com um único e mesmo pensamento; algo que, no dia de hoje, vemos pela primeira vez numa causa civil. Pensai em como um império fundado com tanto trabalho, uma liberdade estabelecida com tamanha virtude, umas riquezas ampliadas e acumuladas com tão grande benevolência dos deuses quase foram destruídos em uma única uma noite. No dia de hoje, deveis cuidar para que nunca mais isto possa não somente se consumar como também ser sequer cogitado por cidadãos. E disse isso não para vos incitar, já que quase me superai em zelo, mas para parecer que minha voz, que deve ser a principal na República, cumpra seu dever consular.

20. Agora, antes de retomar a votação, falarei algumas palavras a meu respeito. Eu vejo que passei a ter uma multidão de inimigos tão grande quanto esse bando de conspiradores, que é enorme, como podeis ver. Mas eu a considero ser torpe, fraca, desprezível e sórdida. E ainda que algum dia esse bando, inflamado pela loucura criminosa de alguém, tiver mais força que o vosso prestígio e o da República, nunca me arrependerei, senadores, de meus atos e decisões. Pois a morte, de que talvez ameacem, está pronta para todos; na vida, ninguém jamais conquistou louvor tão grande quanto o que me concedeis com vossos decretos. É que aos demais decretastes uma ação de graças pelo bom governo da República; apenas a mim por sua salvação.

21. Que o famoso Cipião, cuja coragem e prudência obrigou Aníbal a retornar à África e a retirar-se da Itália, seja celebrado; que aquele, que arrasou duas cidades inimicíssimas deste império, Cartago e Numância, seja

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Carthaginem Numantiamque, delevit; habeatur vir egregius Paulus ille cuius currum rex potentissimus quondam et nobilissimus Perses honestavit; sit aeterna gloria Marius qui bis Italiam obsidione et metu servitutis liberavit; anteponatur omnibus Pompeius cuius res gestae atque virtutes isdem quibus solis cursus regionibus ac terminis continentur: erit profecto inter horum laudes aliquid loci nostrae gloriae, nisi forte maius est patefacere nobis provincias quo exire possimus quam curare ut etiam illi qui absunt habeant quo victores revertantur.

22. Quamquam est uno loco condicio

melior externae victoriae quam domesticae, quod hostes alienigenae aut oppressi serviunt aut recepti beneficio se obligatos putant; qui autem ex numero civium dementia aliqua depravati hostes patriae semel esse coeperunt, eos cum a pernicie rei publicae reppuleris, nec vi coercere nec beneficio placare possis. qua re mihi cum perditis civibus aeternum bellum susceptum esse video. id ego vestro bonorumque omnium auxilio memoriaque tantorum periculorum, quae non modo in hoc populo qui servatus est sed in omnium gentium sermonibus ac mentibus semper haerebit, a me atque a meis facile propulsari posse confido. neque ulla profecto tanta vis reperietur quae coniunctionem vestram equitumque Romanorum et tantam conspirationem bonorum omnium confringere et labefactare possit.

23. Quae cum ita sint, pro imperio, pro

exercitu, pro provincia quam neglexi, pro triumpho ceterisque laudis insignibus quae sunt a me

honrado com louvor extraordinário; que o famoso Paulo, cujo carro triunfal foi adornado por um rei outrora dos mais poderosos e nobres, Persis, seja considerado um homem notável; que Mário, que por duas vezes libertou a Itália do assédio e do medo da escravidão, seja de eterna glória; que Pompeu, cujas proezas e qualidade são contidas pelas mesmas regiões e confins que o curso do sol: entre os louvores que lhes serão dados, restará, sem dúvida, algum espaço para a minha glória, a não ser que, porventura, seja mais importante abrir fronteiras de novas províncias, para onde possamos sair, que cuidar para que também os ausentes tenham para onde voltar quando vitoriosos.

22. Porém, num aspecto, a condição de vitória externa é melhor do que a doméstica, já que os inimigos estrangeiros ou se tornam escravos depois de vencidos ou se consideram atrelados pelo benefício; enquanto aqueles entre os cidadãos, corrompidos por alguma loucura, uma vez que passam a ser inimigos da pátria, depois de impedidos de arruinar a República, nem é possível reprimi-los à força, nem aplacá-los com o benefício. Por isso, vejo ter empreendido uma guerra perpétua com cidadãos funestos. Eu confio que ela possa ser facilmente repelida por mim e pelos meus com a vossa ajuda e a de todos os homens de bem, assim como pela lembrança de tamanhos perigos, que para sempre persistirá não só neste povo, que foi salvo, mas nas conversas e pensamentos de todos os povos. E jamais se encontrará alguma força tão grande que seja capaz de minar e enfraquecer a vossa união com os cavaleiros romanos, ou tamanho pacto entre todos os homens de bem.

23. Sendo assim, pelo império, pelo exército, pela província de que abdiquei; pelo triunfo e demais marcas de honra, a que renunciei

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propter urbis vestraeque salutis custodiam repudiata, pro clientelis hospitiisque provincialibus quae tamen urbanis opibus non minore labore tueor quam comparo, pro his igitur omnibus rebus, pro meis in vos singularibus studiis proque hac quam perspicitis ad conservandam rem publicam diligentia nihil a vobis nisi huius temporis totiusque mei consulatus memoriam postulo. quae dum erit in vestris fixa mentibus, tutissimo me muro saeptum esse arbitrabor. quod si meam spem vis improborum fefellerit atque superaverit, commendo vobis parvum meum filium, cui profecto satis erit praesidi non solum ad salutem verum etiam ad dignitatem, si eius qui haec omnia suo solius periculo conservarit illum filium esse memineritis.

24. Quapropter de summa salute

vestra populique Romani, de vestris coniugibus ac liberis, de aris ac focis, de fanis atque templis, de totius urbis tectis ac sedibus, de imperio ac libertate, de salute Italiae, de universa re publica decernite diligenter, ut instituistis, ac fortiter. habetis eum consulem qui et parere vestris decretis non dubitet et ea quae statueritis, quoad vivet, defendere et per se ipsum praestare possit.

por causa da proteção da cidade e de vossa salvaguarda; pelas clientelas e hospitalidades provinciais, que, todavia, defendo e conquisto com igual esforço; por tudo isso, então; por meu zelo singular para convosco e por este empenho, que percebeis, para salvar a República, nada peço a vós a não ser a recordação destes tempos e de meu consulado. Enquanto ela estiver em vossas memórias, me considerarei protegido por uma muralha bem segura. E, se a violência de gente desonesta desenganar e vencer a minha esperança, a vós confio o meu filhinho, que, sem dúvida, terá bastante proteção não só para a sua salvação como também para sua honra, se vos lembrardes que ele é filho daquele que salvou tudo isso a nossa volta, enfrentando sozinho o perigo.

24. E, por isso, tomai uma decisão cuidadosa, conforme estabelecestes, e corajosa sobre a vossa salvação definitiva e a do povo romano, sobre as vossas esposas e filhos, sobre os altares e lares, sobre os santuários e templos, sobre os tetos e casas de toda cidade, sobre o império e a liberdade, sobre a segurança da Itália, sobre toda a República. Tendes um tal cônsul que não hesita em obedecer aos vossos decretos e é capaz de defender, enquanto estiver vivo, e assegurar sozinho vossas decisões.

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ANÁLISE RETÓRICA Cat. 1 - Invectiva no Senado Após um provável atentado contra o cônsul por parte dos conjurados, Cícero

profere a Primeira Catilinária1.

A narrativa do discurso aborda a frustrada tentativa de assassinato, concentrando-

se em ataques ao mandante desse e de outros crimes revelados mais tarde. Nossa análise

procurará abordar as invectivas dirigidas pelo orador a Catilina, por meio da construção

de ethos e pathos e da linguagem característica do vitupério. O ethos demonstra, assim,

as características de uma pessoa, em especial as morais; seu caráter, pensamentos,

portanto, pode ser usado para estabelecer comparações entre atos e índole. O pathos é o

apelo por emoções de todos os gêneros.

A invectiva teria por função principal denegrir publicamente a imagem de alguém,

mais especificamente, atacar. Na retórica latina, vituperatio (invectiva) e laus (elogio)

pertencem ao gênero demonstrativo ou epidítico2. (Koster apud Arena, 2007, p. 149).

Sobre a invectiva da Primeira Catilinária, Craig (2007) destaca as diferenças em

relação aos outros discursos ciceronianos comumente considerados invectivas: o uso dos

temas padrão de invectivas é modesto se comparado aos demais. Este autor lembra que o

fato de o discurso ter poucos loci da invectiva não significa que deixe de sê-lo, mas apenas

que possui um tom qualitativamente diferente e mais contido que as outras do corpus,

como o Discurso contra Pisão e as Fílipicas. Dos dezessete loci que enumera,3 apenas

seis podem ser identificados neste discurso: má conduta sexual, hostilidade à família,

saques a propriedades, aspiração ao regnum ou tirania, crueldade a cidadãos ou aliados e

esbanjar dinheiro.

1 Discurso proferido diante do Senado, no templo de Júpiter Estátor, no dia oito ou sete de novembro. 2 “Invective, according to the definition provided by Koster (1980: 38–9, 354), is a literary genre whose goal is to denigrate publicly a known individual against the background of ethical societal preconceptions, to the end of isolating him or her from the community. In the Latin rhetorical tradition, vituperatio (‘‘invective’’), together with its opposite laus (‘‘praise’’), belongs to the principal topics that make up the genus demonstrativum, or epideictic oratory”. (Koster apud Arena, 2007, p. 149). 3 aviltar a origem familiar; aparência física; excentricidade no modo de vestir; gula e alcoolismo, levando a atos de crueldade e libido; hipocrisia para parecer virtuoso; avareza; aceitar subornos; pretensão; má conduta sexual; hostilidade à família; covardia na guerra; esbanjar dinheiro; aspiração ao regnum ou tirania – associada a libido, superbia, crudelitas; crueldade a cidadãos ou aliados; saque a propriedades públicas ou privadas; ineptidão oratória (p. 336s).

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Embora Batstone4 (1994) classifique o primeiro discurso como epidítico, afirma,

categoricamente, que não se trata de um típico exemplo dos genera causarum. Segundo

ele, a designação serve para compreender de que modo o Senado fora convocado para

observar Cícero atacar Catilina, uma vez que não se dirige diretamente a ele, na maioria

do discurso, e como o elogio (laus) e vitupério (vituperatio) têm a função de apresentar o

orador – tanto descritiva quanto performativamente.

O vitupério pode ser percebido, por exemplo, quando o orador compara seu

oponente com um animal feroz, apartado de razão, em uma suposta alusão ao seu caráter

efeminado ou ao defender e sustentar sua responsabilidade em crimes, mesmo não

detendo, ainda, de provas. (Cat. 1.13; 1.26). A invectiva é uma ferramenta essencial no

primeiro discurso e utilizada por Cícero para construir o ethos do seu opositor como

verdadeiro inimigo não somente dele mas também e, sobretudo, de Roma. Procuraremos

demonstrar a seguir como o cônsul dirige esses ataques a Catilina5.

Em 1.1, Cícero inicia o tema ex abrupto6, dirigindo-se diretamente a Catilina e

apresentando-o como figura central deste discurso, de forma a denunciá-lo e desmascará-

lo diante dos senadores. Dyck7 (2008) demonstra como esse discurso quebra com a

tradição dos discursos senatoriais, já que o inicia com uma apóstofre a Catilina.

Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra8? quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? nihilne te nocturnum praesidium Palati, nihil urbis vigiliae, nihil timor populi, nihil concursus bonorum omnium, nihil hic munitissimus habendi senatus locus, nihil

4 “This designation also allows us to understand why the Senate was convened to observe Cicero perform his invective, why the Senate is not addressed for most of the speech, and how praise and blame in this speech perform the important function of presenting Cicero- both descriptively and performatively” (p. 218-219). 5 Batstone (1994) mostra que a fala do orador é voltada a Catilina em 26 das 33 seções do discurso. Esse aparece no vocativo em 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 11 (2x), 13 (2x), 15, 18, 20 (3x), 21, 22, and 33, enquanto os patres conscripti aparecem em 4, 9, 27, 29, 31, 32. “The first 26 sections of this speech of 33 sections are addressed to Catiline, who appears in the vocative in sections 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 11 (2 times), 13 (2 times), 15, 18, 20 (3 times), 21, 22, and 33. The patres conscripti are addressed at 4 and 9 and then in the final part of speech at 27, 29, 31, and 32”. (p. 218s, em nota 18). Afirma ainda que, embora maior parte do discurso esteja voltada a Catilina, Cícero tinha o Senado em mente como audiência: “...although the bulk of this speech is addressed to Catiline, it is a performance which throughout has the audience of Senators ultimately in mind” (p. 232). Cf. Robert (2012, p. 6); “Cicéron s’adresse directement à Catilina, assis seul sur son banc”. 6 “Cette célèbre entrée en matière était considerée par les rhéteurs antiques comme l’exemple type de l’exorde ex abrupto (cf. Quintilien, Inst. Or. IV, 1, 68; IX, 2, 7); Robert (2012, p. 6). 7 “This exordium breaks with tradition in several respects. One expects a speech in the senate to begin with an address to the assembled senators (patres conscripti), as C. does in Cat. 4 as well as the senatorial Philippics. Here by the figure apostrophe (banned from the exordium by some rhetoricians: Quint. 4.1.63) C. begins by addressing Catiline” (p. 62s). 8 Batstone (1994) mostra como o discurso é iniciado com uma certa veemência, sugerindo uma invectiva ou declamação, cf. Quint. Inst. 3. 8. 58 (p. 227).

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horum ora voltusque moverunt9? patere tua consilia non sentis, constrictam iam horum omnium scientia teneri coniurationem tuam non vides? quid proxima, quid superiore nocte egeris, ubi fueris, quos convocaveris, quid consili ceperi, quem nostrum ignorare arbitraris?

Cícero serve-se da invectiva para denunciar Catilina, para a construção e

estabelecimento de seu caráter/persona; os vícios: furor; effrenata audacia são

ressaltados. Conforme Dyck (2008), o hipérbato effrenata...audacia é disposto de modo

a criar um certo suspense, dando, portanto, ênfase em ambas as palavras. Tanto audacia

quanto libido são a antítese da virtus; furor era, para Cícero, a característica de todos que

tentavam enfraquecer o status quo; nesse discurso, tal demonização substitui a prova.

Optar por chamá-lo pelo nome “Catilina”, não utilizando o praenomen “Lucius”,

é menos formal10. Ademais, a forma como o cônsul inicia o discurso direcionando três

perguntas retóricas11 ao seu opositor é considerado “agressivo, bem como uma forma de

desequilibrá-lo e intimidá-lo”, além, claro, de atacá-lo12. Batstone13 (1994) acredita serem

essas perguntas uma forma de calar Catilina, não dar a ele a oportunidade de se explicar,

além de a retórica oferecer o poder de silenciá-lo.

Em 1.2, Craig (2007, p. 337) aponta o locus 15 de sua lista de tópicos da invectiva.

Cícero coloca Catilina como aquele que ameaça o bem-estar e, principalmente, a vida dos

cidadãos (notat et designat oculis ad caedem unum quemque nostrum). O orador procura

ressaltar também que o alvo de Catilina não era ele ou nos – incluía os senadores – mas

cada um de nós: unum quemque nostrum; cf. Dyck (2008, p. 67).

A referência direta a Catilina14 (ad mortem te, Catilina, duci iussu consulis iam

pridem oportebat, in te conferri pestem, quam tu in nos omnes iam diu machinaris)

9 Timor e moveor dão caráter patético ao discurso. 10 Dyck (2008, p. 63) afirma que a forma Catilina é menos formal e poderia constituir uma forma de ataque. “Catiline is less formally treated here in direct address (the simple Catilina without praenomen) than in the third-person reference at Cat. 2.1.1 (L. Catilinam). 11 Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? quam diu etiam furor iste tuus nos eludet? quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? “But these questions only appear to be parallel questions about the duration or goal of Catiline's uncivil behavior; their real function is to deny to Catiline any reasonable grounds on which to offer an explanation of his actions. In other words, while the rhetoric disallows any answer, the substance denies the possibility of an answer... with the power of imposing silence on Catiline”. (Batstone, 1994, p. 228s). 12 “...our speech opens with a series of aggressive interrogations... The aim is clearly not to elicit information but to throw off balance and intimidate” (p. 63). 13 “But these questions only appear to be parallel questions about the duration or goal of Catiline's uncivil behavior; their real function is to deny to Catiline any reasonable grounds on which to offer an explanation of his actions. In other words, while the rhetoric disallows any answer, the substance denies the possibility of an answer... with the power of imposing silence on Catiline” (p. 228s). 14 Cf. Dyck (2008, p. 67). “the direct address to Catiline resumes with ad mortem emphasizing again the paradox of his continued existence (cf. l. 2 above: uiuit); the pronoun te is, as usual, the second constituent.

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“resume com ad mortem o início de um verdadeiro “banho de sangue retórico”, com cinco

termos para assassinato marcados dez vezes apenas nos §§2-4”, segundo o autor; o

objetivo era indagar Catilina sobre a continuidade de sua existência, mais

especificamente, de sua permanência em Roma. Dyck (2008) demonstra que, embora os

precedentes levassem à execução de Catilina, Cícero preferiu conduzí-lo para sair de

Roma juntamente com seus seguidores. Craig (2007) afirma que Cícero direciona o

discurso a Catilina, mostrando sua intenção e interesse que aquele deixasse Roma, mas

se recusando a se responsabilizar por sua punição.

Em 1.3, o arpinate interpela Catilina para atacá-lo; essa invectiva se dá quando

põe em relevo seu caráter e intenções: Catilinam orbem terrae caede atque incendiis

vastare cupientem nos consules perferemus? A pergunta retórica também é uma forma

de intimidação, como vimos acima15.

Em 1.4, o cônsul ameaça de morte seu opositor, sob o pretenso indulto do senatus

consultum ultimum: quo ex senatus consulto confestim te interfectum esse, Catilina,

convenit; coloca em destaque uma característica elementar, a audacia: vivis, et vivis non

ad deponendam, sed ad confirmandam audaciam16. Outras caracterizações também são

atribuídas por Cícero a seus inimigos: monstra, portenta, prodigia, beluae, segundo

aponta May (1996). Wirszubski (1961) aponta o uso de audaces, no vocabulário político

romano, para descrever o oposto dos boni. Ainda para o autor

audax (e audacia), como termo de depreciação política, nunca perde seu significado de precipitação nem sua conotação comum de escárnio. Chamar alguém de audax no sentido depreciativo é um reflexo do caráter daquela pessoa; é lógico que o caráter moral daqueles que são chamados de audaces não é irrelevante para a escolha desse termo de ataque, mesmo quando a agressão se trata, principalmente, de invectiva política. (p. 14).

Em 1.9 (quos ferro trucidari oportebat), a invectiva se dá na tentativa aparente do

cônsul de intimidar Catilina e convencê-lo a se exilar; a intimidação se dá também pelo

uso de imperativos para sugerir que Catilina deixe Roma: perge, egredere, proficiscere,

educ, purga.

ad mortem marks the beginning of a veritable “rhetorical bloodbath,” with five terms for killing occurring a total of ten times in § § 2– 4 alone...”. 15 Em 2-3, Cícero mostra o perigo que Catilina apresenta, cf. Batstone (1994, p. 231). 16 A reunião das qualidades de um homem público é traduzida por virtus; audacia seria seu antônimo, cf. Hellegouarc’h (1972, p. 246).

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Como tema do §10 (quae cum ita sint, Catilina, perge, quo coepisti, egredere

aliquando ex urbe; patent portae; proficiscere)17, o exílio era preferível a sua

permanência em Roma, i.e. quando Cícero propõe a Catilina que deixe Roma, está mais

tentando pressioná-lo do que apenas sugerindo, caracterizando, também, uma forma de

invectiva.

Em 1.1318, Cícero ataca Catilina, referindo-se a ele por hostis (exire ex urbe iubet

consul hostem), estabelecendo seu ethos como perditus, praticante de crimes. Dyck

demonstra que o uso de hostis seria para distinguir Catilina e seus comparsas dos ciues;

algo que poderia justificar, mais tarde, a condenação daqueles.

Além disso, revela o comportamento sexual do patrício como impróprio (quod

flagitium a toto corpore afuit?), o que caracteriza uma forma de invectiva, outro dos loci

de invectiva, segundo Craig (2007).

quid est, Catilina? num dubitas id me imperante facere quod iam tua sponte faciebas? exire ex urbe iubet consul hostem. interrogas me, num in exilium? non iubeo sed, si me consulis, suadeo. Quid est enim, Catilina, quod te iam in hac urbe delectare possit? in qua nemo est extra istam coniurationem perditorum hominum qui te non metuat, nemo qui non oderit19.quae nota domesticae turpitudinis non inusta vitae tuae est? quod privatarum rerum dedecus non haeret in fama? quae libido ab oculis, quod facinus a manibus umquam tuis, quod flagitium a toto corpore afuit? cui tu adulescentulo quem corruptelarum inlecebris inretisses non aut ad audaciam ferrum aut ad libidinem facem praetulisti?

No parágrafo 14, o arpinate apresenta duas invectivas contra Catilina: ataca o

comportamento criminoso em relação a sua família – acusado de matar sua esposa, filho,

e até de parricídio, além de outros crimes - e também a degradação de seus bens20.

17 “...the imagery continues to § 9.6– 7 (quos ferro trucidari oportebat); the apparent goal is to intimidate Catiline and convince him that exile (the theme of § § 10.5– 19) is preferable to his remaining in Rome; cf. Stroh (2000) 70– 1”. (Dyck, 2008, p. 67). 18 Batstone (1994) sugere que, nos §§13-21, Cícero define a questão substancial; a natureza da vida de Catilina em Roma, i.e. seu isolamento político e moral - e termina com a sugestão de que deixe Roma. “The section (13b-21) again begins with a question that defines the substantive issue, the nature of Catiline's life in Rome- that is, his moral and political isolation - and ends with the suggestion that he leave Rome” (p. 244). 19 O cônsul retrata Catilina como isolado pelo medo e ódio de todos em Roma, para que possa adotar, sarcasticamente, o papel daquele que sente pena deste. “Having portrayed Catiline as isolated through fear and hatred from all in Rome (in qua nemo est extra istam coniurationem perditorum hominum qui te non metuat, nemo qui non oderit, 13), he sardonically adopts the posture of one who pities Catiline”. (Batstone, 1994, p. 245). 20 Cf. Craig (2007); “11. hostility to family (misophilia). (Cat. 1.14: Catiline murdered his earlier wife, and allusion to story that he had murdered his own son as well.) 13. squandering of one's patrimony/financial embarrassment. (Cat. 1.14: "praetermitto ruinas fortunarum tuarum quas omnis impendere tibi proximis Idibus senties:")” (p. 336s).

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quid vero? nuper cum morte superioris uxoris novis nuptiis domum vacuefecisses, nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulasti? quod ego praetermitto et facile patior sileri, ne in hac civitate tanti facinoris immanitas aut exstitisse aut non vindicata esse videatur. praetermitto ruinas fortunarum tuarum21 quas omnis impendere tibi proxumis Idibus senties: ad illa venio quae non ad privatam ignominiam vitiorum tuorum, non ad domesticam tuam difficultatem ac turpitudinem sed ad summam rem publicam atque ad omnium nostrum vitam salutemque pertinent22.

As perguntas retóricas23 em §§16-17 são recursos ciceronianos para calar seu

opositor, de modo que seu silêncio o denuncie por seus crimes, ou seja, também se trata

de invectivas, porém, subentendidas.

Na seção 18, o orador se serve da personificação da patria para atacar Catilina de

forma ainda mais patética, uma vez que não se trata apenas dele, o cônsul, falando, mas

de Roma, o que acaba por intensificar a qualidade dos adjetivos utilizados por Cícero para

caracterizar seu opositor.

quae tecum, Catilina, sic agit et quodam modo tacita loquitur: "Nullum iam aliquot annis facinus exstitit nisi per te, nullum flagitium sine te. tibi uni multorum civium neces, tibi vexatio direptioque sociorum impunita fuit ac libera. tu non solum ad neglegendas leges et quaestiones verum etiam ad evertendas perfringendasque valuisti. superiora illa, quamquam ferenda non fuerunt, tamen ut potui tuli. nunc vero me totam esse in metu propter unum te, quicquid increpuerit, Catilinam timeri, nullum videri contra me consilium iniri posse quod a tuo scelere abhorreat non est ferendum. quam ob rem discede atque hunc mihi

21 Ruinas fortunarum tuarum (§14); spe derelictus (§25) também designam Catilina: quando, aparentemente, suas esperanças para a eleição do consulado em 63 acabaram, foi que ele se voltou para a violência revolucionária. “cf. § 14.6 ruinas fortunarum tuarum. spe derelictus also applies to Catiline: it was apparently when his hopes of election to the consulate in 63 were dashed that he turned to revolutionary violence”. (Dyck, 2008, p. 111). 22 Observamos aqui Cícero estabelecendo o ethos de Catilina – com vitia e turpitudines - de forma a poder se apresentar como um cônsul vigilante, que preza pela salvação da República e bem-estar de todos (os cidadãos). 23 1.16. quotiens iam tibi extorta est ista sica de manibus, quotiens vero excidit casu aliquo et elapsa est! tamen ea carere diutius non potes. quae quidem quibus abs te initiata sacris ac devota sit nescio, quod eam necesse putas esse in consulis corpore defigere. Nunc vero quae tua est ista vita? sic enim iam tecum loquar, non ut odio permotus esse videar quo debeo, sed ut misericordia quae tibi nulla debetur. venisti paulo ante in senatum. quis te ex hac tanta frequentia, tot ex tuis amicis ac necessariis salutavit? si hoc post hominum memoriam contigit nemini, vocis exspectas contumeliam, cum sis gravissimo iudicio taciturnitatis oppressus? quid, quod adventu tuo ista subsellia vacuefacta sunt, quod omnes consulares qui tibi persaepe ad caedem constituti fuerunt, simul atque adsedisti, partem istam subselliorum nudam atque inanem reliquerunt, quo tandem animo hoc tibi ferundum putas? 1.17. servi me hercule mei si me isto pacto metuerent ut te metuunt omnes cives tui, domum meam relinquendam putarem: tu tibi urbem non arbitraris? et si me meis civibus iniuria suspectum tam graviter atque offensum viderem, carere me aspectu civium quam infestis omnium oculis conspici mallem: tu cum conscientia scelerum tuorum agnoscas odium omnium iustum et iam diu tibi debitum, dubitas, quorum mentes sensusque volneras eorum aspectum praesentiamque vitare? si te parentes timerent atque odissent tui neque eos ratione ulla placare posses, ut opinor, ab eorum oculis aliquo concederes. nunc te patria quae communis est parens omnium nostrum odit ac metuit et iam diu nihil te iudicat nisi de parricidio suo cogitare: huius tu neque auctoritatem verebere nec iudicium sequere nec vim pertimesces?

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timorem eripe; si est verus, ne opprimar, sin falsus, ut tandem aliquando timere desinam."

Ainda, a temática da invectiva24 faz referência ao mal causado por Catilina aos

cidadãos e a sua responsabilidade pela pilhagem da pátria: tibi uni multorum civium

neces; tibi vexatio direptioque sociorum inpunita fuit ac libera. Segundo Dyck (2008, p.

99) há ali a tentativa de isolamento [político] de Catilina por parte de Cícero ao dar voz à

pátria. Cícero utiliza o léxico como recurso patético: facinus, flagitium, neces, vexatio

direptioque, neglegendas, evertendas perfringendasque, valuisti, in metu, timeri, scelere.

Em 1.20, Cícero se refere implicitamente à covardia de Catilina na guerra, também

tema de invectiva25. Além disso, observamos um tom de ironia e chacota daquele,

retratando seu oponente como moralmente depravado. Batstone26 (1994, p. 245) afirma

que o arpinate se preocupou em isolar Catilina dos demais cidadãos, bem como agir sem

parecer crudelior. Para isso, usa a zombaria e a ironia para destacar a depravação moral

deste, enquanto se colocava como um amigo solícito e porta-voz da amedrontada Pátria.

Em 1.22, novamente a série de perguntas tem por objetivo silenciar Catilina e,

logo, indicar sua culpa. Além disso, é atacado e tratado como irracional, estando seus

vícios em evidência27.

quamquam quid loquor? te ut ulla res frangat, tu ut umquam te conligas, tu ut ullam fugam meditere, tu ut ullum exsilium cogites? utinam tibi istam mentem di immortales duint! tametsi video, si mea voce perterritus ire in exsilium animum induxeris, quanta tempestas invidiae nobis, si minus in praesens tempus recenti memoria scelerum tuorum, at in posteritatem impendeat. sed est tanti, dum modo tua ista sit privata calamitas et a rei publicae periculis seiungatur. sed tu ut vitiis tuis commoveare, ut legum poenas pertimescas, ut temporibus rei publicae cedas non est postulandum. neque enim is es, Catilina, ut te aut pudor a turpitudine aut metus a periculo aut ratio a furore28 revocarit.

Em 1.25, a invectiva se dá pelo estabelecimento do caráter de Catilina, bem como

pela descrição dos socii, que se mostra como uma forma de comprovar a culpa de Catilina,

24 Cf. Craig (2007): “plunder of private and public property” (p. 337). 25 Id., “cowardice in war”. 26 “He must wound Catiline, to use his own image, and isolate him from his fellow citizens while not seeming to act with unreasonable violence, regie or crudelius. The solution he attempts combines mockery and irony, which depends on the moral depravity of Catiline, with Cicero's posturing as the solicitous friend and as the voice of the frightened Fatherland” (p. 245). 27 “Later, Catiline is explicitly characterized by a lack of reason...captured in a portrait that denies his ability to answer”. (id., p. 229). 28 Como afirma Dyck (2008), furor é atributo de Catilina desde a primeira frase deste discurso. Uma forma, a nosso ver, de invectiva.

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pois aqueles eram da pior espécie, i.e. suas características seriam completamente opostas

àquelas dos homens de bem.

ibis tandem aliquando quo te iam pridem tua ista cupiditas effrenata ac furiosa rapiebat; neque enim tibi haec res adfert dolorem sed quandam incredibilem voluptatem. ad hanc te amentiam natura29 peperit, voluntas exercuit, fortuna servavit. numquam tu non modo otium sed ne bellum quidem nisi nefarium concupisti. nactus es ex perditis atque ab omni non modo fortuna, verum etiam spe derelictis30 conflatam improborum manum.

Em 1.26, vemos uma forma de invectiva comum ao orador: colocar em evidência

características animalescas de seus inimigos como forma de atacá-los e estabelecer sua

persona; assim o faz com Catilina, revelando sua tolerância à fome, ao frio e às privações.

Além disso, aquilo que o representa é colocado em destaque: sua loucura, sua falta de

razão, suas imperfeições morais, o que o colocava muito distante dos homens de bem,

suas inclinações sexuais, suas escolhas na sociedade – adultério, crimes contra a cidade,

pilhagem de bens.

hic tu qua laetitia perfruere, quibus gaudiis exsultabis, quanta in voluptate bacchabere31, cum in tanto numero tuorum neque audies virum bonum quemquam neque videbis! ad huius vitae studium meditati illi sunt qui feruntur labores tui, iacere humi non solum ad obsidendum stuprum32 verum etiam ad facinus obeundum, vigilare non solum insidiantem somno maritorum verum etiam bonis otiosorum. habes ubi ostentes tuam illam praeclaram patientiam famis, frigoris, inopiae rerum omnium quibus te brevi tempore confectum esse senties.

O cônsul encerra o primeiro discurso em 1.33, com uma maneira de ameaça à

ousadia de Catilina, se esse optasse por empreender a conjuração: lançar-se naquela

guerra funesta e infame significaria a destruição completa dele e de seus seguidores. Outra

forma de invectiva é a denúncia dos crimes dos conjurados, apresentando o ethos de todos

os envolvidos na conjuração como forma de determinar e fixar o caráter daqueles.

Hisce ominibus, Catilina, cum summa rei publicae salute, cum tua peste ac pernicie cumque eorum exitio qui se tecum omni scelere parricidioque iunxerunt, proficiscere ad impium bellum ac nefarium33. tu, Iuppiter, qui isdem quibus haec

29 Amentia considerada a principal característica de Catilina; a acusação mais grave. “... amentia is the graver charge... amentia is Catiline’s leading characteristic”. (id., p. 111). 30 Cf. nota 25. 31 O termo latino que faz referência às bacantes exprime o paroxismo da exaltação insensata ou criminal, cf. nota 64 das Catilinaires (ed. Belles Lettres). 32 Destacamos o uso de stuprum para também caracterizar Catilina como besta. 33 Catilina e seus comparsas devem ser ameaçados com a mesma destruição que ameaçaram a República, como já sugerido em §2.6-7. “That the destruction with which Catiline and his followers threaten the Roman

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urbs auspiciis a Romulo es constitutus, quem Statorem huius urbis atque imperi vere nominamus, hunc et huius socios a tuis ceterisque templis, a tectis urbis ac moenibus, a vita fortunisque civium omnium arcebis et homines bonorum inimicos, hostis patriae, latrones Italiae scelerum foedere inter se ac nefaria societate coniunctos aeternis suppliciis vivos mortuosque mactabis.

Na Primeira Catilinária, vimos Cícero centralizar grande parte do discurso em

Catilina, dirigindo-lhe ataques diretos e indiretos, colocando em relevo seu caráter,

destacando, sobretudo, seus vícios e falhas. Segundo Dyck34 (2008), o discurso concentra

insinuações e vitupério baseado no retrato de Catilina enquanto inimigo público e

orquestrador de uma conspiração contra a República Romana. Corbeill35 (2002) ainda

aponta que as invectivas nos discursos ciceronianos vão, de certa forma, evoluindo, uma

vez que o orador inicia apresentando o oponente como simples violador das expectativas

sociais; depois, seu retrato evolui para inimigo até que, por fim, não pode mais ser

tolerado nem pela sociedade nem por ele mesmo. Entendemos, portanto, que Cícero faz

o mesmo no primeiro discurso; dirige-se a Catilina – o mesmo estava presente na sessão

do Senado-, destacando suas imperfeições morais; logo, esse retrato evolui para inimigo

da pátria; no fim, o cônsul já estava indicando o autoexílio, por sua presença ter se tornado

insustentável ali.

Além disso, observamos uma forma de denúncia dos crimes desse, o que serviu

como alerta para o perigo que o mesmo representava não só ao povo mas à República.

Por isso, podemos perceber um tom acusatório por parte do orador e suas indicações

constantes para que aquele deixasse Roma.

A temática de In Catilinam I percorre a apresentação de Catilina como

responsável, mesmo que indiretamente – sobretudo porque o cônsul procura demonstrar

state (§ § 11 and 30; § 12.8– perniciosa sentina rei publicae) should be turned against him was already suggested at § 2.6– 7 (in te conferri pestem istam quam tu in nos omnes iam diu machinaris)”. (Dyck, 2008, p. 122). 34 “The speech is a masterpiece of concentrated innuendo and vituperation, based upon a limited stock of themes and images, skillfully interwoven and subtly varied: Catiline is a public enemy (hostis) and has organized a conspiracy against the Roman state” (p. 61). 35 . “In addition to these topoi, the invective speeches are also linked in the ways in which their arguments develop. In most speeches, the speaker’s oponent is initially depicted simply as a violator of social expectations. The depiction then grows increasingly hostile until, ultimately, it climaxes with the revelation that the opponent can no longer be tolerated not only by society but by himself. This is the preeminent claim that Cicero’s rhetoric can make; that he has convinced all his hearers of his opponent’s impropriety, including the opponent. To take the familiar example of his First Speech against Catiline: after setting out to the Senate the indications of Catiline’s danger, Cicero spends the bulk of the speech addressing Catiline, showing that the abandonment of Rome is in his best interest as well and that he himself, as consul, refuses to take direct responsibility for Catiline’s punishment (Catil. 1.10–27). The social outcast is represented as realizing his own lack of worth. The orator has not only taught a lesson to his peers, but to the very enemy he wishes to overthrow” (p. 213).

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sua ciência de todos os planos daquele a respeito da conspiração por ele tramada - pela

tentativa de assassinato que sofrera Cícero, bem como e, principalmente, na representação

daquele como inimigo da República, com o estabelecimento de seu ethos por meio de

invectivas que denunciam seus desvios e tendências considerados imorais, apresentando

razões suficientes para que deixasse Roma por representar um incômodo intolerável,

como o próprio orador procura nos revelar, sendo, então, responsável pela conservação e

salvação da pátria.

Esse discurso senatorial, de caráter deliberativo, embora possa ser comparado ao

discurso judicial devido ao tom de acusação do orador, que, segundo. Dyck (2008), não

está organizado segundo as regras retóricas tradicionais36: não possui exórdio per se- o

orador inicia o mesmo se dirigindo não ao Senado, mas a Catilina -, possui duas partes:

uma onde o cônsul indica o exílio; outra em que se justifica por não o ter executado.

Devido à emergência dos fatos – Cícero descobriu por meio de uma informante

que Catilina e seus cúmplices se reuniram para tramar seu assassinato e uma sedição para

a destruição de Roma – o cônsul convoca uma reunião do Senado no templo de Júpiter

Estátor, em meados de novembro, para denunciar sua frustrada tentativa de assassinato,

na presença do acusado37.

Apesar de aquele não se tratar de um tribunal, Cícero, muitas vezes, trata-o como

se fosse, já que dirige ataques e acusações a Catilina, denunciando seus crimes e de seus

seguidores, até sugerindo que esse deixasse Roma – uma provável alusão ao exílio, bem

como fixando sua persona como inimigo público.

Além das invectivas contra Catilina, o orador também procura estabelecer seu

ethos como político vigilante, responsável pela manutenção das estruturas da República

e por manter todos os eventos causados pela conspiração sob controle.

Cat. 2 e 3 – Invectiva a Catilina e autopromoção ciceroniana

A segunda38 e terceira39 Catilinária, ambas proferidas na assembleia popular, são

uma espécie de parecer do cônsul ao povo sobre a situação que decorria em Roma.

36 Acredita-se também que o mesmo não teve tempo de elaborar um discurso convencional. (Robert, 2012). 37 Stroh (apud Dyck, 2008, p. 60) afirma que a chegada de Catilina no Senado indica a mudança de tom do orador e seu foco nesse. 38 Proferida um dia após a tentativa de assassinato do cônsul e a sequente sessão no Senado (Cat. 1), provavelmente no dia nove de novembro. 39 Proferida após sessão senatorial, naquele mesmo dia – 3 de dezembro, no templo da Concórida.

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Albrecht (2003, p. 25) registra as diferenças entre os discursos conforme suas audiências.

Diante do povo, como é o caso da 2ª e 3ª Catilinária, ele apresenta um latim mais puro,

partindo mais para um viés da emoção, com um estilo predominantemente de arranjos e

coacervatio, e fala menos abertamente, no sentido de manejar bem as palavras e

expressões, não cabendo sátiras, coloquialismos ou ironia, diferentemente do que ocorre

nos discursos diante do Senado, como a 1ª e 4ª Catilinária, por exemplo.

Manuwald40 (2012) afirma que, na Segunda Catilinária, Cícero apresenta ao povo

uma prestação de contas de seus planos, dos procedimentos da sessão no Senado e de suas

consequências, permitindo-lhe exibir seu posicionamento sobre as atitudes e reações de

outros – como as críticas que recebera por ter mandado Catilina ao exílio. Já na Terceira

Catilinária, o cônsul revela aos quirites os planos da conjuração, que foram por ele

descobertos, procurando, assim, estabelecer-se como salvador de Roma, por livrá-la da

uma conspiração.

Descaracterizar Catilina e seus comparsas da figura do cidadão romano era uma

forma de amortecer e/ou justificar suas punições, pois o hostis era, naturalmente,

considerado inimigo. Por isso, a acepção por hostis em vez de inimicus. Cícero, então,

mostra-se inclinado a denunciar o cabeça da conspiração, e o faz por meio da

consolidação do ethos de Catilina enquanto inimigo e estabelecimento de seu caráter

como monstro ou besta e de não cidadão romano, e o seu próprio, enquanto cônsul e

comandante de República41.

May (1988) constata que a persona do político, assim como a percepção da

audiência em relação à disposição do orador para com ela, são essenciais para a persuasão

no discurso ciceroniano.

May42 (1996) afirma que Catilina representa um inimigo e adversário para Cícero,

que não poupa adjetivos para desmoralizá-lo perante seu público. Sugere que o arpinate

tem por modus operandi a caracterização de seus adversários como bestas ou monstros

40 “Hence the Second Catilinarian, which presents the People with an account of Cicero’s plans, of the proceedings in the Senate and of their consequences, provides an opportunity for comments to be made on the orator’s own position as well as on the attitudes and reactions of others” (p. 163). “The Third Catilinarian resembles more closely other known contio speeches in terms of formal structure in that Cicero explicitly says that, just as he did at a Senate meeting held earlier in the day (3 December 63 BCE), he will inform the People of the things that have been found out and the means by which they have been discovered and checked (Cic. Cat. 3.3)” (p. 165). 41 Corbeill (2002) lembra que Cícero se mostra preocupado em promover sua própria persona pública (ethos). “As a Roman using words to defend a client, attack an enemy, or shape state policy, Cicero is concerned with promoting his own public persona (ethos), and with identifying that persona with the needs and desires of the community” (p. 198). 42 “In speeches from all stages of his career, Cicero chooses to characterize his chief adversaries by identifying them with beasts or inhuman monsters”. (p. 143).

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não humanos, por motivos de persuasão, algo fundamental para a linha de argumentação

daquele orador. Percebemos aqui a intenção do orador não só em atacar seu opositor,

construindo seu retrato como abominável, covarde – o mesmo saiu para o exílio, todavia,

segundo Cícero, fugira dali – mas, principalmente, contrapor ao seu, um exímio cônsul

de coragem, que enfrentara de frente uma conspiração, mesmo com sua vida em provável

risco43, como é narrado por ele mesmo.

Examinaremos mais especificamente, no caso desses dois discursos, os elementos

da emoção, ou mais especificamente, o potencial emotivo da palavra44, i.e. como o léxico,

utilizado pelo arpinate, no contexto em questão, contribui para o elemento ético ou

patético45. Percebemos que o orador o utiliza para direcionar uma ideia ao público, muitas

vezes para induzi-lo.

Powell46 (2013) sustenta que, tanto no De oratore quanto no Orator, Cícero lida

com a questão de como o orador romano deve falar e escrever; a escolha da linguagem e

estilo se torna parte da projeção do personagem do orador e, logo, em seu efeito na plateia.

As Catilinárias são importantes, segundo May (1988), não apenas pelo retrato do

caráter de Catilina e de seus seguidores (calculado para causar medo, ódio e alienação in

animis Romanorum), mas também do cônsul como oportunidade para promover seu

próprio ethos e elevar sua autoridade, glória e dignidade. (p. 51). A partir disso,

analisaremos no segundo discurso, a invectiva a Catilina47 e, no terceiro, a autopromoção

do próprio Cícero48.

43 “... Cicero aims at demonstrating to the Roman people that Catiline and his followers, by virtue of their debauched and un-Roman characters and their heinous deeds, have forfeited their rights of citizenship and their privilegie of being called Roman. Set in contradistinction to their ethos is the character of the consul, who stands for and protects all things Roman”. (May, 1988, p. 52). 44 Albrecht (2003, p. 16) aponta a importância dos elementos da emoção para os discursos ciceronianos. “In the orations, therefore, emotional elements of style are more prominent. The less balanced character of the orations implies a less regular distribution of participles in their text. Furthermore, in the orations participles are more often used in predicate (in such cases their ‘verbal’ power serves to reflect a process), whereas in the philosophical writings they rather appear as attributes (conveying descriptions of circumstances in nominal form). However, parallelism, despite its ‘logic’ and matter-of fact appearance, is slightly more favoured in the orations and letters than in the philosophical writings. The reason is that parallelism has a strong psychological impact on listeners, as modern political orators know”. 45 Em ambos os discursos, analisaremos seus métodos de persuasão pelo caráter (ethos) e provocando emoções da audiência (pathos). “persuasion through character (‘ethos’), and evoking the audience’s emotions (‘pathos’)”. Cf. (Wisse, 2002, p. 356). 46 “In De oratore and again in Orator, Cicero dealt with the question of how a Roman orator and statesman ought to speak and write; the choice of language and style in turn became part of the projection of the speaker’s character and hence of its effect on the audience” (p. 56). 47 Segundo May (1988), o 2ª discurso representa uma invectiva mordaz da parte de Cícero a Catilina e seus comparsas. “The second oration against Catiline, addressed to the people following the conspirators flight from the city, is a biting invective(...)” (p. 51). 48 “Third Catilinarian, a largely epideictic piece of self-praise”. (Cf. Albrecht, 2003, p. 122).

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Por termos como objeto de análise, nesses dois discursos, a importância do

estabelecimento do ethos, tanto do orador quanto de seus oponentes, – os ataques a

Catilina são concretizados quando o cônsul estabelece seu caráter enquanto homem de

moral duvidosa; já os elogios a si mesmo foram possíveis também por causa da

construção de sua persona, dentre outras coisas, como o salvador de Roma -, e conquista

do público pelo pathos, despertando suas emoções, afetos e até temor, a fim de conduzi-

los até certa percepção, controlada pelo orador, buscamos embasar o tema em dois

tratados filosóficos ciceronianos, que também o abordam.

No Bruto 185, Cícero manifesta a importância de o orador saber comover seu

público, ou seja, conquistá-lo/convencê-lo pelas emoções.

tria sunt enim, ut quidem ego sentio, quae sint efficienda dicendo: ut doceatur is apud quem dicetur, ut delectetur, ut moveatur vehementius. quibus virtutibus oratoris horum quidque efficiatur aut quibus vitiis orator aut non adsequatur haec aut etia m in his labatur et cadat, artifex aliquis iudicabit. efficiatur autem ab oratore necne, ut ii qui audiunt ita afficiantur ut orator velit, volgi adsensu et populari adprobatione iudicari solet. itaque numquam de bono oratore aut non bono doctis hominibus cum populo dissensio fuit. Com efeito, são três, a meu ver, os efeitos que um discurso deve produzir: que seja instruído aquele para quem se fala, que seja agradado49, que seja veementemente comovido. Por quais virtudes oratórias se obtém cada um desses efeitos, ou por quais vícios o orador ou não os alcança, ou mesmo em qual deles ele vacila e cai, é algo que um perito na arte julgará. Mas se o efeito é ou não produzido pelo orador, se os ouvintes sentem as emoções que o orador deseja, isso costuma ser julgado pelo assentimento do vulgo e pela aprovação popular. Por isso nunca houve dissenso entre os homens cultos e o povo sobre quem era bom orador e quem não era bom50.

Em De oratore 2.178, é postulado a forma como o orador maneja as emoções de

seu público para garantir-lhe apoio às suas defesas.

Haec properans ut et apud doctos et semidoctus ipse percurro, ut aliquando ad illa maiora veniamus: nihil est enim in dicendo, Catule, maius, quam ut faveat oratori is, qui audiet, utique ipse sic moveatur, ut impetu quodam animi et perturbatione magis quam iudicio aut consilio regatur: plura enim multo homines iudicant odio aut amore aut cupiditate aut iracundia aut dolore aut laetitia aut spe aut timore aut errore aut aliqua permotione mentis quam veritate aut praescripto aut iuris norma aliqua aut iudici formula aut legibus. Percorro às pressas tais temas, semi-douto que sou e estando entre doutos, para que enfim passemos àqueles pontos mais importantes: de fato, nada mais importante nos discursos, Cátulo, do que o ouvinte ser favorável ao orador, bem como ser influenciado de tal forma a ser governado antes por um ímpeto do ânimo

49 Optamos por alterar levemente a tradução aqui, no referente a delectetur. 50 Tradução de Olavo de Almeida.

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ou uma perturbação que por um julgamento ou uma deliberação: é que os homens julgam muito mais por ódio, amor, desejo, cólera, dor, alegria, esperança, temor, perplexidade ou alguma outra excitação da mente do que pela verdade, uma prescrição, alguma norma legal, fórmula processual ou por leis51.

Observamos, com isso, que o orador, apesar de formar uma imagem de seu

opositor e até de si mesmo, necessita também do apoio da plateia, e esse se dá pelo afeto

ou disposição do público que compartilha o sentimento com o primeiro, o que também

ocorre no exemplo das Catilinárias.

Na Retórica a Herênio52, percebemos uma listagem de elementos de vitupério ou

invectiva: falta de prudência, justiça, coragem e autocontrole, o que nos auxiliará na

análise, abaixo, das invectivas do discurso. Craig (2004) aponta que há os loci dos

louvores propostos na anônima Rhetorica ad Herennium 3.10. São eles: genus, educatio,

divitiae, potestates, gloriae, civitas, amicitiae; corporis sunt ea, quae natura corpori

adtribuit commoda aut incommoda: velocitas, vires, dignitas, valetudo; animi sunt ea,

quae consilio et cogitatione nostra constant: prudentia, iustitia, fortitudo, modestia. As

invectivas seriam falar o oposto da laus - et quae his contraria. Passaremos a analisar, a seguir, o segundo discurso em relação à forma que o

cônsul de Arpino, por meio de um léxico direcionado ao ethos e pathos, dirige ataques53

invectivas a Catilina. Wisse54 (1989) aponta a caracterização para ethos: retrato do caráter

e pathos: incitação de emoções violentas, i.e. amor, odium, iracundia, timor, spes,

laetitia, molestia, invidia, miserieordia. Em 2.1, Cícero explora a potencialidade passional da disposição das palavras,

especialmente dos verbos em assíndeto55. Além disso, utiliza pontualmente algumas

repletas de sentido e usadas, supostamente de modo intencional, para ressignificar a

invectiva.

51 Trad. De Adriano Scatolin. 52 3.10-15. 53 Cf. Powell, (2007, p. 2): “Direct personal attack has to be the primary purpose of an invective, or its primary purposes”. 54 “So ethos is character-drawing, aimed at sympathy, pathos is the arousing of violent emotions. This means that there is no overlap between the two concepts: though they are sirnilar in that both are aimed at influencing the audience's rninds, their effect on these minds is diferente” (p. 237). 55 Cf. Albrecht (2003, p. 122). “An example is the frequent use of anaphora and asyndeton, witness In Catilinam 2. 1: abiit, excessit, evasit, erupit ‘he has gone, left us, got away, broken out.’ Furthermore, in his orations, Cicero exploits the emotional potential of word order by often placing the verb at the beginning of the sentence, especially in lively narrative”.

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Tandem aliquando56, Quirites, L. Catilinam furentem audacia57, scelus anhelantem, pestem patriae nefarie molientem58, vobis atque huic urbi59 ferro flammaque minitantem ex urbe vel eiecimus vel emisimus vel ipsum egredientem verbis prosecuti sumus60. abiit, excessit, evasit, erupit61. nulla iam pernicies a monstro62 illo atque prodigio moenibus ipsis intra moenia comparabitur. atque hunc quidem unum huius belli domestici ducem sine controversia vicimus. non enim iam inter latera nostra sica63 illa versabitur64; non in campo, non in foro, non in curia, non denique intra domesticos parietes pertimescemus. loco ille motus est, cum est ex urbe depulsus. palam iam cum hoste nullo impediente bellum iustum geremus65. sine dubio perdidimus hominem magnificeque vicimus, cum illum ex occultis insidiis in apertum latrocinium coniecimus.

Em 2.2, Cícero introduz uma imagem chocante para se referir a Catilina66. O

orador, aqui, deixa a entender a culpabilidade do seu opositor ao colocar sangue em suas

mãos, responsabilizando-o, assim, pelo assassinato de cidadãos romanos e até de

conspirar o seu. Ele, obliquamente, responde, nos §1-2, àqueles que não acreditaram que

existia uma conspiração em curso, em Roma, que ela era comandada por um patrício. Por

isso, estabelece detalhada e cuidadosamente o ethos do orquestrador e planeador daquela. O uso dos adjetivos67 é um recurso ao mesmo tempo ético – pois constrói o retrato

daquele conspirador, comparando-o a um animal – e patético, porque visa alertar o povo

para o tipo de pessoa com quem estava lidando.

quod vero non cruentum mucronem ut voluit extulit, quod vivis nobis egressus est, quod ei ferrum e manibus extorsimus, quod incolumis civis, quod stantem urbem reliquit, quanto tandem illum maerore esse adflictum et profligatum putatis? iacet ille nunc prostratus, Quirites, et se perculsum atque abiectum esse sentit et retorquet oculos profecto saepe ad hanc urbem quam e suis

56 Enfatiza a duração da ameaça de Catilina. Cf. Dyck (2008, p. 126). 57 Wirszubski (1961) demonstra que Cícero faz uso de audaces num sentido político, pois está relacionado àquelas pessoas tão inconsequentes a ponto de ameaçar ou até mesmo destituir o que foi estabelecido por estes. Além disso, está sempre junto com os improbi, impii, perditi, scelesti, facinerosi. Observamos que nas Catilinárias, o arpinate utiliza esta palavra especificamente também para fins políticos. 58 O furor e a audacia de Catilina são colocados em evidência aqui; léxico utilizado, então, com função ética: demarcar o caráter daquele responsável pela conspiração. 59 A patria é a primeira a ser ameaçada. Cícero a coloca aqui, aparentemente, de forma a despertar o receio e medo do povo. 60 Anáfora para justificar a resposta. Sentidos do mais radical para o menos. Portanto, utilizados pateticamente. 61 Uso dos verbos em assíndeto, com função também patética, principalmente erumpo, implicando que Catilina se libertou de uma espécie de prisão. (id., p. 127) 62 Tanto pernicies quanto monstro estabelecem uma relação ética e patética, fazendo referência a Catilina. 63 Cf. Dyck (p. 128), sica denota a capacidade de Catilina para a violência. 64 Acreditamos em um tipo de rebaixamento moral de Catilina dado o uso do verbo na passiva. 65 Uso retórico de bellum iustum, uma vez que Cícero não quer dar a ela caráter de guerra civil, mas de estrangeira, orquestrada por hostes, para não potencializá-la. 66 Um ataque implícito em cruentum mucronem. 67 Prostratus, afflictum, profligatum.

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faucibus ereptam esse luget68. quae quidem mihi laetari videtur, quod tantam pestem evomuerit forasque proiecerit.

No trecho citado acima ad hanc urbem quam e suis faucibus ereptam esse luget,

Catilina tem sua imagem reduzida a um animal, um predador retratado como selvagem,

que teve sua presa arrancada de suas garras e lamenta ter que fugir.

Em 2.4, observamos novamente o orador utilizando do léxico para atingir seu

objetivo; nesse caso, utiliza o ethos de Catilina para atacá-lo e ao mesmo tempo causar

comoção na plateia. Albrecht (2003) lembra que o ethos e pathos eram comumente

utilizados por Cícero para conquistar a audiência por um ou por outro. Ambos são dessa

forma, meios de persuasão da Retórica. Por meio de ut erat meritus, representa o réu já

condenado por merecimento69. Hostem aperte mostra um cônsul em alerta e avisando

para o tipo de inimigo que era o patrício, portanto, uso do pathos para despertar emoções

da assembleia popular, principalmente o medo e temor. Ademais, acaba por

preestabelecer a índole daquele não como cidadão romano, mas como um inimigo

estrangeiro, que deveria ser punido.

Em 2.570, contemno marca o julgamento do cônsul em relação aos conspiradores

– o desprezo, seguido pelo ataque direcionado aos supostos cúmplices de Catilina que

esse deixara em Roma – o orador não deixa também de representar aqueles como pessoas

de caráter duvidoso71. Em 2.6, a invectiva se dá pelo retrato de Catilina como covarde –

não quis encarar o julgamento de frente; Cícero se recusa, então, a se responsabilizar pela

punição daquele e acaba por fixar sua imagem como quem fugira, em vez de enfrentar,

presente, as consequências dos seus planos conspiratórios.

A personificação da República, em 2.7, dá um caráter patético ao discurso, pois

seria ela a responsável por expelir aquela escória72 dali. Logo após, Cícero estabelece que

seria Catilina o causador dos males da pátria, uma vez que ela foi libertada e restaurada73

com a sua saída. A partir daí, o arpinate lhe dirige invectivas baseadas em seu caráter,

68 Em retorquet oculos profecto saepe ad hanc urbem quam e suis faucibus ereptam esse luget, estabelece o estado psicológico do seu oponente. “A vivid portrayal of the opponent’s psychological state can incite invidia”. (id., p. 129). 69 Suas ações e caráter, sobretudo, o teriam condenado. 70 De 2.5 a 2.11, Cícero lança invectivas diretas a Catilina e seus apoiadores. 71 collectum ex senibus desperatis, ex agresti luxuria, ex rusticis decoctoribus, ex iis qui vadimonia deserere quam illum exercitum maluerunt. 72 Sentina; representa também uma caracterização do ethos de Catilina. 73 levata et recreata; Cícero compara Roma e a República a uma doença em processo de cura, pois Catilina já tinha ido embora (fugido). Cf. nota 18 das Catilinaires (ed. Belles Lettres).

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colocando em relevo a espécie de pessoas que o segue: assassinos, parricidas, corruptos,

depravados74, etc.

o fortunatam rem publicam, si quidem hanc sentinam urbis eiecerit! vno me hercule Catilina exhausto levata mihi et recreata res publica videtur. quid enim mali aut sceleris fingi aut cogitari potest quod non ille conceperit? quis tota Italia veneficus, quis gladiator, quis latro, quis sicarius, quis parricida, quis testamentorum subiector, quis circumscriptor, quis ganeo, quis nepos, quis adulter, quae mulier infamis, quis corruptor iuventutis, quis corruptus, quis perditus inveniri potest qui se cum Catilina non familiarissime vixisse fateatur? quae caedes per hosce annos sine illo facta est, quod nefarium stuprum non per illum?

Em 2.8, o cônsul apresenta um ataque mais veemente, de modo a dispor o ânimo

de seu público para conectar o caráter de pessoas dissolutas,75capazes de crimes, a

Catilina. Ademais, o seu comportamento efeminado, sugerido pelo orador, caracteriza

uma das formas de invectiva76; segundo Cícero77, aquilo representava um desvio de

natureza que poderia ser usado para atacar seu opositor. O arpinate descaracteriza

Catilina, a fim de poder provar mais facilmente sua acusação e provocar comoção da

plateia para que acreditasse nele.

iam vero quae tanta umquam in ullo iuventutis inlecebra fuit quanta in illo? qui alios ipse amabat turpissime, aliorum amori flagitiosissime serviebat, aliis fructum libidinum, aliis mortem parentum non modo impellendo verum etiam adiuvando pollicebatur. nunc vero quam subito non solum ex urbe verum etiam ex agris ingentem numerum perditorum78 hominum conlegerat! nemo non modo Romae sed ne in uno quidem angulo totius Italiae oppressus aere alieno fuit quem non ad hoc incredibile sceleris foedus asciverit.

Em 2.9, temos características animalescas de Catilina em destaque – sua

resistência à fome e frio são comparadas à de uma besta79; seu desvio de caráter também

74 sicarius, parricida, corruptus, perditus. 75 perditae. 76 “Another common means of indicating a male opponent’s deviance involved impugning his masculinity. In oratory, this was done by pointing to outward signs by which effeminate behavior is made manifest to the viewer; clothing, hairstyle, perfume, gesture, voice, and walk were all exploited by an opposing orator as visual cues that the opponent has lapsed from the appropriate, socially acceptable style of dress and deportment”. Corbeill (2002, p. 209). 77 E mais, homens efeminados eram considerados aberrações naquilo que a sociedade romana via como natural. “Effeminacy in a male was perceived as an aberration of what Roman society deemed as natural behavior”. (id., p. 209). 78 Nesse contexto, perditus é instituído em um plano moral. Cf. demonstra Héllegouarc’h, perditus é utilizado para representar atos contrários à honestidade e humanidade. Cícero faz uso constante deste termo para determinar o ethos tanto de Catilina quanto de seus cúmplices. 79 frigore et fame et siti et uigiliis.

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é representado quando o orador ressalta seu distanciamento dos homens de bem; os

valores que esses detêm80, são ausentes naquele81.

O desafio de Cícero estava em mostrar que pessoas de certa influência e

reputação82 em Roma – Catilina e seus comparsas – eram considerados inimigos da

pátria, já que abriram mão de sua cidadania e cometeram crimes infames. Faz isso

comparando o caráter dos verdadeiros cidadãos de bem83 e dos conjurados em 2.1084.

Colocar em xeque a virtus e em relevo a natureza desonesta daquele também é uma forma

de invectiva.

Hunc vero si secuti erunt sui comites, si ex urbe exierint desperatorum hominum flagitiosi greges, o nos beatos, o rem publicam fortunatum, o praeclaram laudem consulatus mei! non enim iam sunt mediocres hominum libidines, non humanae et tolerandae audaciae audaciae85. nihil cogitant nisi caedem, nisi incendia, nisi rapinas. patrimonia sua profuderunt, fortunas suas obligaverunt; res eos iam pridem, fides nuper deficere coepit: eadem tamen illa quae erat in abundantia, libido permanet. quod si in vino et alea comissationes solum et scorta quaererent, essent illi quidem desperandi, sed tamen essent ferendi; hoc vero quis ferre possit, inertis homines fortissimis viris insidiari, stultissimos prudentissimis, ebriosos sobriis, dormientis vigilantibus? qui mihi accubantes in conviviis conplexi mulieres impudicas, vino languidi, conferti cibo, sertis redimiti, unguentis obliti, debilitati stupris eructant sermonibus suis caedem bonorum atque urbis incendia.

Colocando-se como comandante86 da guerra contra aqueles que considerava

inimigos da República; os desonestos, ineptos, criminosos, libidinosos, em 2.11, Cícero

apresenta uma invectiva em forma de ameaça um tanto quanto explícita àqueles que

ousaram empreender uma guerra contra a República. Além disso, utiliza o ethos87 dos

seus adversários para afirmar que eram passíveis de punição por merecê-la88.

80 Industria et virtus; a industria, diligentia, vigilantia são formas de virtus; a industria conduz à virtus; cf. Héllegouarch. O homem político é aquele dotado de dignitas, laus, gloria, honos, industira, potentia, uirtus. (pp. 486, 481-483, 178). Define ainda que: o bonus uir é aquele que manifesta seu caráter de uir, i.e. uirtus. Há entre bonus e uirtus uma ligação evidente, destacada por Cícero e Salústio. Por isso, bonus pode aparecer como adjetivo de virtus e equivalente a fortis (p. 485). 81 in libidine audaciaque. Cf. May (1988, p. 53), “Catiline has harnessed these virtues not for the benefit of the state or his own good reputation, but rather for the exercise of his lust and boldness”. 82 gratia et existimatio. Muitos dos conspiradores, especialmente Catilina, eram de classe distinta; esse era patrício. 83 Os boni. 84 Manuwald (2012) adiciona que Cícero direciona uma forte condenação moral dos cúmplices de Catilina no §10. 85 Põe em relevo o extremo grau de desumanidade em seus crimes. 86 O dux; May (1988, p. 54) sugere que aqui a persona do cônsul passa a assumir uma nova característica. 87 O ethos em Cícero define ações – os crimes cometidos - e justifica punições. 88 Em seu tratado De Republica 5.6, Cícero revela uma certa necessidade de envergonhar publicamente cidadãos, ou seja, direcionar a eles invectivas de modo a fundamentar acusações na virtus da pessoa. (Scipio.?) civitatibus, in quibus expetunt laudem optumi et decus, ignominiam fugiunt ae dedecus. nec vero tam metu poenaque terrentur, quae est constituta legibus, quam verecundia, quam natura homini dedit

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quibus ego confido impendere fatum aliquod et poenam iam diu improbitati. nequitiae, sceleri, libidini debitam aut instare iam plane aut certe appropinquare. quos si meus consulatus, quoniam sanare non potest, sustulerit, non breve nescio quod tempus sed multa saecula propagarit rei publicae. nulla est enim natio quam pertimescamus, nullus rex qui bellum populo Romano facere possit; omnia sunt externa unius virtute terra marique pacata: domesticum bellum manet, intus insidiae sunt, intus inclusum periculum est, intus est hostis: cum luxuria nobis, cum amentia, cum scelere certandum est. huic ego me bello ducem profiteor, Quirites; suscipio inimicitias hominum perditorum. quae sanari poterunt quacumque ratione sanabo; quae resecanda erunt non patiar ad perniciem civitatis manere. proinde aut exeant aut quiescant aut, si et in urbe et in eadem mente permanent, ea quae merentur exspectent.

Podemos perceber, no parágrafo anterior, que o orador utiliza uma forma de

ataque público a seu opositor – ali já estabelecido como inimigo – tanto para persuadir o

povo pela emoção quanto para determinar a índole dos empreendedores da conspiração.

A invectiva é, nesse caso, uma forma de punição verbal pública por algum

comportamento inadequado, como justificado na carta Ad Brutum 1.23.9: exstare enim

volebam in crudelissimos hostis monimenta odi publici sempiterna89.

Em 2.13, ao mesmo tempo que relata ao povo romano o que acontecera no dia

anterior, na sessão no Senado - demostrando sua indignação pela audácia daqueles que

ficaram e suas intenções de puni-los, denuncia a conspiração e acusa Catilina de tê-la

planejado desde o início – mostra-se ciente de todos os seus planos, retrata-o como

responsável e, sobretudo, capaz por tudo aquilo de mal que ocorre em Roma. A invectiva,

portanto, pode ser percebida no modo como o ethos desse é representado; a intenção em

ressaltar os vícios e falhas morais de seu oponente está em captar a benevolência da

plateia, de forma que essa passe a acreditar intimamente na real capacidade daquele em

participar de tal empreitada, isto é, seu caráter estaria ligado diretamente as suas ações.

Hic ego vehemens ille consul qui verbo civis in exsilium eicio, quaesivi a Catilina, in nocturno conventu apud M. Laecam fuisset necne. cum ille homo

quasi quendam vituperationis non iniustae timorem. hanc ille rector rerum publicarum auxit opinionibus, perfecitque institutis et disciplinis, ut pudor civis non minus a delictis arceret quam metus. atque haec quidem ad laudem pertinent, quae diei latius uberiusque potuerunt. Nessas cidades, os melhores fogem da ignomínia e do menosprezo, procurando a estima e o elogio de seus concidadãos. Na verdade, não os aterram menos as penas mais cruéis, consignadas nas leis, do que a desonra que repugna à natureza do homem e faz brotar nela um temor espontâneo. O político hábil procura fortificar esse instinto com a opinião, com as instituições, com os costumes, para que a consciência do dever seja, antes que o temor, um poderoso freio. Isso, porém, não se prende ao assunto, senão no que se refere à glória, da qual tivemos ocasião de tratar mais amplamente. (Trad. de N. Garcia). 89 Cf. Corbeill (2002, p. 212): “Under the category of punishment is included the public verbal censure of inappropriate behavior; examples of invective will act as ‘eternal reminders of the public hatred toward the most cruel enemies’ (23.9: in crudelissimos hostes monumenta odii publici sempiterna)”.

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audacissimus conscientia convictus90 primo reticuisset, patefeci cetera: quid ea nocte egisset, ubi fuisset, quid in proximam constituisset, quem ad modum esset ei ratio totius belli descripta edocui. cum haesitaret, cum teneretur91, quaesivi quid dubitaret proficisci eo quo iam pridem pararet, cum arma, cum securis, cum fascis, cum tubas, cum signa militaria, cum aquilam illam argenteam cui ille etiam sacrarium domi suae fecerat scirem esse praemissam.

Cícero manobra o pathos de forma a pôr em relevo a libertação do povo romano

daquela guerra horrível e de perigo nefasto. A invectiva a Catilina em 2.15 é simbolizada

pelo direcionamento da liderança da guerra a ele.

Est mihi tanti, Quirites, huius invidiae92 falsae atque iniquae93 tempestatem subire, dum modo a vobis huius horribilis belli ac nefarii periculum depellatur. dicatur sane eiectus esse a me, dum modo eat in exsilium. sed mihi credite, non est iturus. numquam ego ab dis immortalibus optabo, Quirites, invidiae meae levandae causa ut L. Catilinam ducere exercitum hostium atque in armis volitare audiatis, sed triduo tamen audietis; multoque magis illud timeo ne mihi sit invidiosum aliquando quod illum emiserim potius quam quod eiecerim. sed cum sint homines qui illum, cum profectus sit, eiectum esse dicant, idem, si interfectus esset, quid dicerent?

Em 2.2494, o arpinate ataca os seguidores de Catilina e acaba insinuando ser este

efeminado, o que, em Roma, era moralmente condenado. Cícero continua a depreciar

Catilina e seguidores – estabelecendo seu retrato.

O bellum magno opere pertimescendum, cum hanc sit habiturus Catilina scortorum cohortem praetoriam! instruite nunc, Quirites, contra has tam praeclaras Catilinae copias vestra praesidia vestrosque exercitus. et primum gladiatori illi confecto et saucio consules imperatoresque vestros opponite; deinde contra illam naufragorum eiectam ac debilitatam manum florem totius Italiae ac robur educite. iam vero urbes coloniarum ac municipiorum respondebunt Catilinae tumulis silvestribus. neque ego ceteras copias, ornamenta, praesidia vestra cum illius latronis inopia atque egestate conferre debeo.

90 Cf. Dyck. A verdadeira caracterização de Catilina é representada por Cícero em homo audacissimus; o que está em relação adversativa com conscientia convictus. 91 Teneo não foi utilizada aqui por acaso, uma vez que seu significado implica culpa; significa “ser pego, preso”; é, portanto, patético. 92 Utiliza como oposto de misericordia inuidia, i.e. ódio. Cf. Hellegouarc’h (1972, p. 151). 93 Cf. id. iniqua representa o oposto de amicus; tem um sentido muito próximo de invidia. Por isso, recursos lexicais patéticos, que indicam invectiva. 94 Conforme adiciona Manuwald (2012), “Cicero’s characterization of these individuals as morally inferior allows him to use them as a foil against which he can highlight the values that must be defended and are not shared by them, such as the fundamental institutions of the Roman Republic and essential Roman moral virtues (Cic. Cat. 2.24–25)” (p. 164).

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Em 2.25, Cícero se refere às quatro virtudes cardiais dos socráticos e estoicos95.

Além disso, procura apresentar a dicotomia/contraste entre o povo romano e aqueles que

permaneceram em Roma. Provoca, portanto, com refutações e invectivas, o rebaixamento

de todos que ousaram estar ali – os cumplíces de Catilina - e, com comparações, a

exaltação do povo96.

sed si omissis his rebus quibus nos suppeditamur, eget ille, senatu, equitibus Romanis, populo Romano, urbe, aerario, vectigalibus, cuncta Italia, provinciis omnibus, exteris nationibus, si his rebus omissis causas ipsas quae inter se confligunt contendere velimus, ex eo ipso quam valde illi iaceant intellegere possumus. ex hac enim parte pudor pugnat, illinc petulantia; hinc pudicitia, illinc stuprum; hinc fides, illinc fraudatio; hinc pietas, illinc scelus; hinc constantia, illinc furor; hinc honestas, illinc turpitudo; hinc continentia, illinc libido; hinc denique aequitas, temperantia, fortitudo, prudentia, virtutes omnes certant cum iniquitate, luxuria, ignavia, temeritate, cum vitiis omnibus; postremo copia cum egestate, bona ratio cum perdita, mens sana cum amentia, bona denique spes cum omnium rerum desperatione confligit. in eius modi certamine ac proelio nonne, etiam si hominum studia deficiant, di ipsi immortales cogant ab his praeclarissimis virtutibus tot et tanta vitia superari?

May (1996) acrescenta que, como Cícero estava envolvido como cônsul no caso

da conspiração, acaba por conjurar a Catilina uma imagem de monstro infame, descreve-

o como líder da conjuração e o retrata como aquele que possuía audácias e paixões sobre-

humanas. Adiciona, ainda, que identificar seus inimigos como monstros e animais era

uma característica muito comum no orador. Como estratégia retórica, isso acabaria,

enfim, por oferecer apenas duas alternativas para a plateia: o bem vs. o mal, levando-a a

optar pela mais sensata.

Riggsby (apud Manuwald, 2012, p. 164-165) registra a intenção do arpinate no

segundo discurso:equilibrar dois lados; incitar o público contra Catilina e seus aliados, e

desprendê-los dele ou balancear a ameaça e a esperança.

Já Lévy97 (1998) não acredita que o Catilina ciceroniano seja apenas uma criação

retórica daquele orador. Segundo o autor, Catilina seria o personagem histórico somado

à reinterpretação política e pela eloquência de Cícero.

Em vista disso, podemos notar que, em Cícero, especialmente no segundo discurso

das Catilinárias, a aplicação de algumas palavras, ou melhor, o uso de um léxico

específico caracteriza recurso retórico, implicando construção de ethos com função de

95 Exposto em De Off. I, 5. 96 Recurso patético. 97 . “On considère donc implicitement ou explicitement que le Catilina des Catilinaires reprend des traits historiques du personnage, mais réinterprétés par la sensibilité politique et par l’éloquence de Cicéron” (p. 140).

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vitupério ou invectiva, mesmo não se tratando de gênero epidítico per se, e denota o uso

do pathos para provocar as emoções de sua plateia, principalmente, convencê-la a adotar

seu posicionamento: o de que aqueles que atacava eram, sem dúvida, culpados, sobretudo,

Catilina.

No exórdio, o orador saúda o povo e se preocupa em apresentar os fatos da sessão

do Senado ao povo romano, informando-o sobre o projeto de conspiração e denunciando

o responsável com um certo orgulho, já que, fora graças ao seu empenho que esse deixara

a cidade. Porém, ao mesmo tempo, o cônsul responde acusações por tê-lo supostamente

expulsado.

Entendemos como temática principal desse discuro proferido na assembleia

popular os ataques a Catilina e a seus cúmplices, que permaneceram em Roma. As

invectivas funcionavam como alertas ao povo romano, para que ficassem atentos diante

da ameaça iminente e ainda presente dentro dos muros da cidade. O tom de Cícero é

claramente mais agressivo, quando defende a punição dos outros conspiradores,

elencando suas falhas e colocando-as em relevo; o objetivo é provocar o desprezo de sua

plateia e distanciá-los do grupo de pessoas cujas características morais eram aceitas na

sociedade.

A Segunda Catilinária, um dos poucos discursos da contio que foram preservados

dos anos consulares de Cícero, foi proferido logo após a tentativa de assassinato do cônsul

e reunião no Senado, no dia nove de novembro. Como a Primeira, possui caráter especial,

pois não trata de legislação; em vez disso, o orador reage à saída de Catilina da cidade98

e aproveita para denunciar os responsáveis por uma guerra, que causaria a completa

destruição da República, colocando-os como inimigos e não cidadãos, e elencar uma

sucessão de fatos para que o povo romano ficasse a par de tudo.

Cícero utiliza o recurso ético, que é fundamental nesse discurso, para a

caracterização dos conjurados como criminosos, uma vez que aquele retrato seria a

imagem que ficaria estabelecida na memória de todos; ao fazê-lo o cônsul sairia vitorioso,

pois estaria angariando partidários. Podemos dizer também que o discurso transita pelo

gênero deliberativo e judicial, já que apesar de ser tipicamente um anúncio na assembleia

popular, o arpinate utiliza grande parte dele para denunciar os responsáveis pela

conjuração.

98 Uma mistura de triunfo e alívio, cf. Dyck (2008, p. 124).

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Passaremos agora a analisar a 3ª Catilinária, também proferida na contio, mas de

uma perspectiva do ethos de Cícero construído por ele mesmo, ou seja, como o arpinate

se retrata, elevando a sua persona por meio de suas atitudes e feitos99, principalmente sua

forma de lidar com a conspiração, e por ter salvado Roma.

Manuwald100 (2012) lembra que este é o discurso que mais se assemelha aos

outros proferidos na contio em termos de estrutura. Além disso, mostra que a escolha de

Cícero por acrescentá-lo aos discursos nas assembleias populares se deu para que pudesse

colocar em relevo suas ações diante da crise e, principalmente, fazê-lo comparável a

outras figuras públicas proeminentes. Ainda afirma que seu ethos foi construído de forma

a evidenciar seus feitos diante da conspiração e que pathos foi utilizado como apelo

passional para convencer o povo a apoiá-lo.

Segundo Wisse (1989) o ethos ciceroniano está diretamente ligado ao pathos, de

forma que o objetivo do orador seria conciliare sua audiência, especificamente sua anima

e benevolentia; é chamado pelo autor de ethos de simpatia, justamente por sua relação

com o pathos. Dugan101 (2014) salienta que, “dependendo da data da publicação das

Catilinárias, Cícero pode ter aproveitado a oportunidade para reprojetar temas que seriam

vantajosos/favoráveis para sua apresentação/persona, retratando-se como o salvador de

Roma”. Em De oratore 2.182-184, Antônio expõe a função e a importância do

estabelecimento do ethos adequado para o orador e, principalmente, no discurso, dado

que está também vinculado ao pathos. Na Terceira Catilinária, observamos essa

99 O que Albrecht (2003) intitulou autoelogio. Cf. nota acima. Nicolet (1960) defende que Cícero procurou apresentar uma imagem em suas ações de 63: a de um homem, dentre outros, que não recuou diante da guerra, no entanto, que triunfou por meio de decisões exclusivamente pacíficas. “...celle d’un homme qui, là où d’autres ne reculaient pas devant la guerre, au sens concret du mot, triomphait par des moyens exclusivement pacifiques, nous verrons lesquels”. (p. 244). Manuwald (2012) afirma que ele se apresenta como um cônsul confiável e honesto. “And he thereby again presents himself as a trustworthy and honest consul” (p. 166). Wisse (1989) registra que o ethos ciceroniano inclui a confiabilidade [naquele que fala; o orator], porque sem ela a simpatia não existiria. “Note also that reliability is here taken to be included in Cicero's ethos, although the text does not explicitely mention it. This seems best, because a lack of reliability would destroy sympathy” (p. 242). 100 “By including them in a contio speech, Cicero highlights what he regards as distinctive in his handling of the crisis and what, as he seems to have hoped, would make him comparable with other prominent public figures who had been awarded public demonstrations of thanks” (p. 167). 101 “Depending upon the dating of Cicero’s publication of his Catilinarian orations, Cicero may have taken the opportunity to retroject themes that would be advantageous for his self-presentation into these speeches, portraying himself as the savior of Rome” (p. 12). O autor ainda acrescenta, em nota, um apontamento de Hall (2013): segundo ele, com base na carta Att. 2.1.3, estes discursos provavelmente receberam seus toques finais de edição em 60 a.C. e incorporaram, assim, referências frequentes ao tema de que Cícero teria salvado a República com suas ações. “Hall (2013) 217 suggests, on the basis of Att. 2.1.3, that these speeches “probably received their final editorial touches in 60 B.C.” and “incorporate frequent references to the theme” that Cicero had by his actions saved the Republic”. (nota 10, p. 12).

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preocupação do orador com uma apresentação de forma conveniente, a fim de se mostrar

como aquele que colocou a salvação da República antes mesmo da sua, sendo o

responsável por afastar os inimigos da pátria e garantir sua preservação.

182. Valet igitur multum ad vincendum probari mores et instituta et facta et vitam eorum, qui agent causas, et eorum, pro quibus, et item improbari adversariorum, animosque eorum, apud quos agetur, conciliari quam maxime ad benevolentiam cum erga oratorem tum erga illum, pro quo dicet orator. Conciliantur autem animi dignitate hominis, rebus gestis, existimatione vitae; quae facilius ornari possunt, si modo sunt, quam fingi, si nulla sunt. Sed haec adiuvant in oratore: lenitas vocis, vultus pudor, verborum comitas; si quid persequare acrius, ut invitus et coactus facere videare. Facilitatis, liberalitatis, mansuetudinis, pietatis, grati animi, non appetentis, non avidi signa proferre perutile est; eaque omnia, quae proborum, demissorum, non acrium, non pertinacium? non litigiosorum, non acerborum sunt, valde benevolentiam conciliant abalienantque ab eis, in quibus haec non sunt; itaque eadem sunt in adversarios ex contrario conferenda. 183. Sed genus hoc totum orationis in eis causis excellit, in quibus minus potest inflammari animus iudicis acri et vehementi quadam incitatione; non enim semper fortis oratio quaeritur, sed saepe placida, summissa, lenis, quae maxime commendat reos. Reos autem appello non eos modo, qui arguuntur, sed omnis, quorum de re disceptatur; sic enim olim loquebantur. 184. Horum igitur exprimere mores oratione iustos, integros, religiosos, timidos, perferentis iniuriarum mirum quiddam valet; et hoc vel in principiis vel in re narranda vel in perorando tantam habet vim, si est suaviter et cum sensu tractatum, ut saepe plus quam causa valeat. Tantum autem efficitur sensu quodam ac ratione dicendi, ut quasi mores oratoris effingat oratio; genere enim quodam sententiarum et genere verborum, adhibita etiam actione leni facilitatemque significante efficitur, ut probi, ut bene morati, ut boni viri esse videamur. 182. Tem muita força, então, para a vitória, que se aprovem o caráter, os costumes, os feitos e a vida dos que defendem as causas e daqueles em favor de quem as defendem, e, do mesmo modo, que se desaprovem os dos adversários, bem como que se conduzam os ânimos daqueles perante os quais se discursa à benevolência tanto em relação ao orador como em relação ao que é defendido pelo orador. Cativam-se os ânimos pela dignidade do homem, por seus feitos, por sua reputação; pode-se orná-los com maior facilidade, se todavia existem, do que forjá-los, se absolutamente não existem. Ora, são vantajosos, no orador, a brandura da voz, a expressão de pudor no rosto, a afabilidade nas palavras e, se acaso fazes alguma reivindicação com maior rispidez, parecer fazê-lo contrariado e por obrigação. Exibir sinais de afabilidade, generosidade, brandura, devoção e de um ânimo grato, não ambicioso, não avaro, é extremamente útil; e tudo aquilo que é próprio de homens honestos, modestos, não de homens severos, obstinados, contenciosos, hostis, granjeia enormemente a benevolência e a afasta daqueles em quem tais elementos não estão presentes; sendo assim, esses mesmos elementos devem ser lançados contra os adversários de maneira inversa. 183. Mas todo este gênero do discurso sobressai-se nas causas em que há menor possibilidade de se inflamar o ânimo do juiz por meio de uma instigação severa e veemente; é que nem sempre se busca um discurso vigoroso mas, muitas vezes, um discurso calmo, simples, brando, o qual recomenda sobremaneira os réus. Chamo de réus não apenas àqueles que são acusados, mas a todos os envolvidos na causa em questão, pois assim eram chamados antigamente. 184. Apresentar o

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seu caráter pelo discurso, então, como justo, íntegro, religioso, timorato, tolerador de injustiças, tem um poder absolutamente admirável; e isso, quer no princípio, quer na narração da causa, quer no final, tem tamanha força, se for tratado com delicadeza e julgamento, que muitas vezes tem mais poder do que a causa. Realiza-se tanto por determinado julgamento e método oratórios, que se forja, por assim dizer, o caráter do orador; por meio de determinado tipo de pensamentos e determinado tipo de palavras, empregando-se ainda uma atuação branda e que expresse afabilidade, consegue-se que pareçamos homens honestos, de boa índole, bons102.

Cícero inaugura o terceiro discurso colocando em relevo seus feitos103 que

garantiram a salvação e conservação da República. O uso de adjetivação no superlativo104

dá um cárater patético à fala, contribuindo, assim, para o fortalecimento de sua persona

enquanto cônsul.

Rem publicam, Quirites, vitamque omnium vestrum, bona, fortunas, coniuges liberosque vestros atque hoc domicilium clarissimi105 imperi, fortunatissimam pulcherrimamque urbem, hodierno die deorum immortalium106 summo erga vos amore, laboribus, consiliis, periculis meis e flamma atque ferro ac paene ex faucibus fati ereptam107 et vobis conservatam ac restitutam videtis.

Em 3.2, por ter libertado a pátria dos conspiradores, Cícero demonstra não

merecer glória menor que aquela de Rômulo, o fundador de Roma108. Os três verbos109,

que finalizam o parágrafo, indicam ações do cônsul para salvar a cidade e suas

propriedades; a República e, enfim, a vida dos cidadãos romanos110, isto é, acaba por

construir seu ethos como ator principal na salvação de todos e, principalmente, glorificar-

se por seus feitos em pleno consulado111.

Et si non minus nobis iucundi atque inlustres sunt ii dies quibus conservamur quam illi quibus nascimur, quod salutis certa laetitia est, nascendi incerta condicio et quod sine sensu nascimur, cum voluptate servamur, profecto,

102 Trad. Adriano Scatolin. 103 Ethos consular enfatizando a defesa da salus rei publicae. 104 clarissimi, fortunatissimam, pulcherrimamque. 105 Héllegouarc’h destaca a proximidade de sentido entre clarus e nobilis; significa ilustre, conhecido; aplica-se a nomes de lugares, a ações e pessoas distintas. Neste trecho, o arpinate se refere à Repúplica, um clarum imperium. 106 A menção dos deuses imortais é um recurso patético comum em Cícero. 107 Acentua a iminência da ameaça; patético, portanto, já que auxilia no estabelecimento do ethos do cônsul como responsável por livrar Roma dos fata – destruição. 108 hanc urbem conditam amplificatamque servavit. 109 restinximus, rettudimus e deiecimus. 110 “C. describes three threats posed by the conspirators; there is a crescendo from property, to the state, to the lives of the citizens themselves; each is countered by a final verb indicating C’s. action (restinximus... rettudimus... deiecimus”. (Dyck, 2008, p. 169). 111 Orgulhando-se de suas conquistas, o arpinate acaba por utilizar tom de agradecimento aos deuses, recurso patético, por ter sido salvo e se mostra aliviado por ter se livrado dos inimigos e, mais, ter salvo a República.

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quoniam illum qui hanc urbem condidit ad deos immortalis benivolentia famaque sustulimus, esse apud vos posterosque vestros in honore debebit is qui eandem hanc urbem conditam amplificatamque servavit. nam toti urbi, templis, delubris, tectis ac moenibus subiectos prope iam ignis circumdatosque restinximus, idemque gladios in rem publicam destrictos rettudimus mucronesque eorum a iugulis vestris deiecimus.

Em 3.3, Cícero apresenta sua persona como aquele que não só descobriu os planos

dos conspiradores como também, e principalmente, impediu-os de os colocarem em ação:

“quae...inlustrata, patefacta, comperta sunt per me112”. Logo após, o cônsul se coloca

como vigilante, sempre atento e que se antecipava sempre para cuidar do bem-estar da

República e salvaguardá-la: semper vigilavi et providi113, Quirites, quem ad modum in

tantis et tam absconditis insidiis salvi esse possemus.

Além do que expomos, Manuwald114 (2012) acredita que, no §3, o orador de

Arpino procura se mostrar como um cônsul justo e digno de credibilidade, uma vez que

dá a impressão de estar proferindo este discurso para beneficiar os quirites, que não

estavam envolvidos no reunião do Senado e não tinham ciência do que havia acontecido. Novamente em 3.4, o arpinate estabelece seu ethos de diligente115, destacando que

suas ações116 lhe possibilitaram salvar a República117.

atque ego ut vidi, quos maximo furore et scelere esse inflammatos sciebam, eos nobiscum esse et Romae remansisse, in eo omnis dies noctesque consumpsi, ut, quid agerent, quid molirentur sentirem ac viderem, ut, quoniam auribus vestris propter incredibilem magnitudinem sceleris minorem fidem faceret oratio mea, rem ita comprehenderem ut tum demum animis saluti vestrae provideretis cum oculis maleficium ipsum videretis. Itaque, ut comperi legatos Allobrogum belli Transalpini et tumultus Gallici excitandi causa a P. Lentulo esse sollicitatos eosque in Galliam ad suos civis eodemque itinere cum litteris mandatisque ad Catilinam esse missos comitemque iis adiunctum esse T. Volturcium atque huic esse ad Catilinam datas litteras, facultatem mihi oblatam putavi ut, quod erat

112 Os fatos estão foram de ordem cronológica: primeiro a conspiração foi denunciada; depois Cícero tomou suas providências; e, por último, convocou a reunião no Senado para expor/denunciar os fatos. Cf. nota 4 Catilinaires. 113 A antecipação e providência serão melhor discutidas no 4º discurso. O uso de semper vigilavi et providi é ético e patético, de forma que possibilita caracterizar o arpinate com virtutes notáveis: vigilantia e providentia, bem como convencer seu público de que ele sempre esteve cuidando, velando pelo bem da res publica. Hellegouarc’h define vigilantia como “manter-se desperto; velar”. 114 “Cicero creates the impression that he delivers for the benefit of those audience members who were not involved in the proceedings an immediate report of what has happened...” (p. 166). 115 A diligentia também faz parte da virtus, cf. id. Ademais, o uso de verbos como videre e sentire demonstra um cônsul à frente dos planos de outrem. 116 tota res manifesto deprehendetur. 117 De 3.5-15, o orator se dedica à narratio do discurso, preocupando-se em narrar os fatos dos alóbroges e de como ele, o cônsul, pôde manter conservata res publica por meio de seu empenho e cuidado, como forma de instituição de seu autorretrato.

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difficillimum quodque ego semper optabam ab dis immortalibus, ut tota res non solum a me sed etiam a senatu et a vobis manifesto deprehenderetur.

Em 3.14, o cônsul de Arpino ressalta as ações de graças118 que lhe foram

conferidas por ter salvo a República. Aqui, novamente, constrói seu ethos, de modo a

deixar sobressair suas características que lhe permitiram salvar a República: sua bravura,

seu julgamento e sua antecipação119. Manuwald (2012) afirma que o orador se refere a

ele mesmo neste parágrafo e nos que se seguem. Entendemos também como uma forma

de se fazer notável e, sobretudo, distinguir-se de todos por ter recebido honrarias por ter

salvado a res publica.

Primum mihi gratiae verbis amplissimis aguntur, quod virtute, consilio, providentia mea res publica maximis periculis sit liberata. deinde L. Flaccus et C. Pomptinus praetores, quod eorum opera forti fidelique usus essem, merito ac iure laudantur. atque etiam viro forti, conlegae meo, laus impertitur, quod eos qui huius coniurationis participes fuissent a suis et a rei publicae consiliis removisset. atque ita censuerunt ut P. Lentulus, cum se praetura abdicasset, in custodiam traderetur; itemque uti C. Cethegus, L. Statilius, P. Gabinius qui omnes praesentes erant in custodiam traderentur. Atque idem hoc decretum est in L. Cassium qui sibi procurationem incendendae urbis depoposcerat, in M. Ceparium cui ad sollicitandos pastores Apuliam attributam esse erat indicatum, in P. Furium qui est ex iis colonis quos Faesulas L. Sulla deduxit, in Q. Annium Chilonem qui una cum hoc Furio semper erat in hac Allobrogum sollicitatione versatus, in P. Umbrenum, libertinum hominem, a quo primum Gallos ad Gabinium perductos esse constabat.

Em 3.15, observamos um autoelogio mais ressaltado, quando o arpinate se retrata

como o único homem de toga120 a receber uma ação de graças em seu nome, por ter

livrado e salvado a cidade121, sob proteção e endosso dos deuses122. Percebemos também

a construção sutil de um ethos de comandante123 ou imperador de toga – aquele que

118 gratiae verbis amplissimis. 119 res publica liberata: virtute, consilio, providentia mea. Como dito anteriormente, o pronome no final indica evidência em si mesmo, cf. Dyck. Destacamos também a seleção dos adjetivos que Cícero atribui a si mesmo; trata-se de virtudes elevadas e distintas, conferidas apenas aos boni. Além disso, é por meio deste recurso retórico do ethos, que o orador poderá transmitir ser ele confiável. 120 Togatus. Cícero parece dizer também que foi o único que conseguiu salvar a República de uma guerra sem pegar em armas. 121 conservata re publica constituta. 122 Konstan (1993) diz que Cícero descobrir o apoio divino a sua posição é uma coincidência. No mesmo dia em que os documentos que provavam a culpa dos conspiradores foram revelados, ocorreu a inauguração da estátua de Júpiter, dedicada a evitar presságios de ruína e dissensão civil. “At this point, Cicero discovers divine endorsement of his position in a miraculous coincidence. The very day on which the documentar proof of the conspiracy was at last manifested, there occurred the long-postponed inauguration of a statue of Jupiter, which had been dedicated to avert omens of ruin and civil dissension” (p. 18). 123 Belli dux.

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liderou uma guerra, uma vez que procurou estabelecer que a conspiração era uma guerra

orquestrada por inimigos da República, sem pegar em armas124, sem derramamento de

sangue, sem colocar em risco a República e o povo romano.

atque ea lenitate senatus est usus, Quirites, ut ex tanta coniuratione tantaque hac multitudine domesticorum hostium novem hominum perditissimorum poena re publica conservata reliquorum mentis sanari posse arbitraretur. atque etiam supplicatio125 dis immortalibus pro singulari eorum merito meo nomine decreta est, quod mihi primum post hanc urbem conditam togato contigit, et his decreta verbis est: 'quod urbem incendiis, caede civis, Italiam bello liberassem.' quae supplicatio si cum ceteris supplicationibus conferatur, hoc interest quod ceterae bene gesta, haec una conservata re publica constituta est. Atque illud quod faciendum primum fuit factum atque transactum est. nam P. Lentulus, quamquam patefactis indiciis et confessionibus suis iudicio senatus non modo praetoris ius verum etiam civis amiserat, tamen magistratu se abdicavit, ut quae religio C. Mario, clarissimo viro, non fuerat. quo minus C. Glauciam de quo nihil nominatim erat decretum praetorem occideret, ea nos religione in privato P. Lentulo puniendo liberaremur.

Em 3.16, notamos um Cícero orgulhoso126 de si por ter expulsado Catilina da

cidade - ego cum ex urbe pellebam. Além disso, o orador se mostra mais uma vez

vigilante, pois consegue antecipar as ações dos cúmplices que ali ficaram, podendo tomar

as atitudes devidas, bem como libertar a patria dos perigos - hoc providebam animo127,

Quirites, remoto Catilina non mihi esse P. Lentuli somnum nec L. Cassi adipes nec C.

Cethegi furiosam temeritatem pertimescendam: uma forma de elevar seus próprios feitos

é destacar as características do seu oponente/inimigo: assim o faz Cícero no parágrafo 16

ao voltar a falar de Catilina e de suas habilidades. Faz isso para demonstrar quem era

aquele tão grande inimigo (critica as ações e ironiza as características físicas de seus

seguidores que ali permaneceram) que ele vencera e, sobretudo, afastara de Roma. Manuwald128 (2012) adiciona que prevenir os planos dos conspiradores e libertar Roma

124 Como afirmará a seguir em 3.23. 125 Nicolet (1960) aponta que supplicatio é estritamente reservada aos generais vencedores. Cícero também obteve a coroa cívica: uma recompensa militar àqueles que salvaram os cidadãos da servidão. A opção por supplicatio em vez de gratulatio dá um aspecto de contexto militar, cf. nota 40 Belles Lettres. 126 Ênfase no uso do verbo em primeira pessoa e marcação do pronome ego. 127 Provideo significa antecipar-se, adiantar-se, lidar com algo; animo é utilizado para demonstrar que se trata de um exercício intelectual – prever. Uso lexical, portanto, com fins retóricos. “prouideo can mean “take steps in advance (to deal with)”; hence animo is added to clarify that this is an intellectual exercise (“foresee”)”. Cf. Dyck (2008, p. 189). 128 “Forestalling the plans of the conspirators and liberating Rome from this threat without fatalities was only posible – according to Cicero – since he had made Catiline leave the city earlier (Cic. Cat. 3.16–17)” (p. 167).

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dos perigos sem fatalidades só foi possível – de acordo com Cícero – porque ele tinha

feito Catilina sair da cidade.

Em 3.17, o orador de Arpino apresenta as características de Catilina com uma

conotação negativa para colocar em relevo, de certa forma, e relembrar o povo de que

tipo de perigos ele os tinha livrado. Ademais, os verbos compulissem e depulissem

parecem ter sido utilizados com função de causa e consequência: os romanos só tinham

se livrado daquele mal, porque Cícero tomou a atitude de conter o mandante da

conspiração. No fim do parágrafo, o cônsul coloca em destaque o modo como salvara a

República; tudo isso foi possível apenas porque o inimigo saíra da cidade – feito

conseguido pelo próprio cônsul.

hunc ego hominem tam acrem, tam audacem, tam paratum, tam callidum, tam in scelere vigilantem, tam in perditis rebus diligentem nisi ex domesticis insidiis in castrense latrocinium compulissem – dicam id quod sentio, Quirites – non facile hanc tantam molem mali a cervicibus vestris depulissem. non ille nobis Saturnalia constituisset neque tanto ante exiti ac fati diem rei publicae denuntiavisset neque commisisset ut signum, ut litterae suae testes manifesti sceleris deprehenderentur. quae nunc illo absente sic gesta sunt ut nullum in privata domo furtum umquam sit tam palam inventum quam haec tanta in re publica coniuratio manifesto inventa atque deprehensa est. quod si Catilina in urbe ad hanc diem remansisset, quamquam, quoad fuit, omnibus eius consiliis occurri atque obstiti, tamen, ut levissime dicam, dimicandum nobis cum illo fuisset, neque nos umquam, cum ille in urbe hostis esset, tantis periculis rem publicam tanta pace, tanto otio, tanto silentio liberassemus.

Em 3.18, Cícero se coloca como protagonista das ações diante dos

conspiradores129, porém, ao atribuir aos deuses seus méritos130, está fazendo uso do

pathos para excitar as crenças do povo e fazê-lo crer que só teve êxito diante daqueles

por causa da graça das divindades. Além disso, não acredita que tal ação – desmantelar

tamanha conspiração – fosse humanamente possível a não ser que os deuses estivessem

por trás, protegendo131.

quamquam haec omnia, Quirites, ita sunt a me administrata ut deorum immortalium nutu atque consilio et gesta et provisa esse videantur. idque cum coniectura consequi possumus, quod vix videtur humani consili tantarum rerum gubernatio esse potuisse, tum vero ita praesentes his temporibus opem et auxilium nobis tulerunt ut eos paene oculis videre possemus. nam ut illa omittam, visas nocturno tempore ab occidente faces ardoremque caeli, ut fulminum iactus, ut terrae motus relinquam, ut omittam cetera quae tam multa nobis consulibus

129 ita sunt a me administrata. 130 nutu atque consilio et gesta et prouisa esse uideantur. 131 tantarum rerum...verum tulerunt nobis opem et auxilium. (Robert, 2012, p. 110).

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facta sunt ut haec quae nunc fiunt canere di immortales viderentur, hoc certe, Quirites, quod sum dicturus neque praetermittendum neque relinquendum est.

Em 3.23132, o cônsul constrói seu ethos como togatus, dux e imperator,

responsável pela salvação da República e por mantê-la de pé, sem conflitos, sem guerra,

sem sangue, acima de tudo, livrando a todos da completa ruína133. Ademais seus feitos

eram comparáveis aos do maior general de Roma, Pompeu. É importante lembrar que a

partir daqui, seu ethos passa a ter outras características, já que o ethos do imperador

togado representava um poder maior, sendo também um recurso de persuasão em Roma. Trata-se, portanto, de um autoelogio por seus feitos em Roma; Cícero, enquanto homo

novus, conquistara uma posição como cônsul, algo já fora do comum, e assumiu, segundo

ele mesmo ressalta nesse e em outros discursos, um grande risco ao se colocar,

praticamente, na frente de batalha da conspiração, e mesmo assim conseguir livrar não só

a todos da morte como também a República da destruição.

Quam ob rem, Quirites, quoniam ad omnia pulvinaria supplicatio decreta est, celebratote illos dies cum coniugibus ac liberis vestris. nam multi saepe honores dis immortalibus iusti habiti sunt ac debiti sed profecto iustiores numquam. erepti enim estis ex crudelissimo ac miserrimo interitu et erepti sine caede, sine sanguine; sine exercitu, sine dimicatione togati me uno togato duce et imperatore vicistis.

Em 3.25, o arpinate coloca em relevo o caráter daquela guerra: tratava-se do maior

conflito até então visto, orquestrado por cidadãos, que seriam dados por inimigos. Essa é

uma forma de destacar seus atos ao garantir, por exemplo, a salvação de todos, como

apresentado de forma enfática no final do parágrafo. Desse modo, poderia estabelecer seu

ethos como o salvador de Roma diante da maior guerra já conhecida.

atque illae tamen omnes dissensiones erant eius modi quae non ad delendam sed ad commutandam rem publicam pertinerent. non illi nullam esse rem publicam sed in ea quae esset se esse principes, neque hanc urbem conflagrare sed se in hac urbe florere voluerunt. atque illae tamen omnes dissensiones, quarum nulla exitium rei publicae quaesivit, eius modi fuerunt ut non reconciliatione concordiae sed internecione civium diiudicatae sint. in hoc autem uno post

132 Segundo Manuwald (2012), o cônsul demonstra ter superado tais conflitos, trazendo à tona alguns do passado, para poder destacar aquele – a coniuratio- como o maior de todos. “Cicero demonstrated his unique achievement of having brought a conflict among Roman citizens to a conclusion without fighting and bloodshed and having saved the city, highlighted by comparisons with earlier internal struggles (Cic. Cat. 3.24), even though he claims that the present one is the greatest and most fundamental conflict (Cic. Cat. 3.25) (p. 167). 133 ex crudelissimo ac miserrimo interitu.

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hominum memoriam maximo crudelissimoque bello, quale bellum nulla umquam barbaria cum sua gente gessit, quo in bello lex haec fuit a Lentulo, Catilina, Cethego, Cassio constituta, ut omnes qui salva urbe salvi esse possent in hostium numero ducerentur, ita me gessi, Quirites, ut salvi omnes conservaremini, et, cum hostes vestri tantum civium superfuturum putassent quantum infinitae caedi restitisset, tantum autem urbis quantum flamma obire non potuisset, et urbem et civis integros incolumesque servavi.

Em 3.26134, Cícero roga para se manter vivo na memória135 daqueles que

presenciaram o que fizera pela República. O orador aproveita para ressaltar sua bravura,

seu caráter e, especialmente, seus atos a favor de Roma, que deveriam ser lembrados136.

Quibus pro tantis rebus, Quirites, nullum ego a vobis praemium virtutis, nullum insigne honoris, nullum monumentum laudis postulabo praeterquam huius diei memoriam sempiternam. in animis ego vestris omnis triumphos meos, omnia ornamenta honoris, monumenta gloriae, laudis insignia condi et conlocari volo137. nihil me mutum potest delectare, nihil tacitum, nihil denique eius modi quod etiam minus digni adsequi possint. memoria vestra, Quirites, nostrae res alentur, sermonibus crescent, litterarum monumentis inveterascent et conroborabuntur; eandemque diem intellego, quam spero aeternam fore, propagatam esse et ad salutem urbis et ad memoriam consulatus mei unoque tempore in hac re publica duos civis exstitisse quorum alter finis vestri imperi non terrae sed caeli regionibus terminaret, alter eiusdem imperi domicilium sedisque servaret.

Em 3.27138, o orador, ao mesmo tempo em que faz um apelo para que o

mantivessem a salvo, demonstra já ter feito o mesmo por aqueles que o ouviam139. O

cônsul se mostra, então, seguro de si, diligente e amparado; acredita ter agido de forma

correta, uma vez que estava pensando no bem-estar e na salvação de todos.

Sed quoniam earum rerum quas ego gessi non eadem est fortuna atque condicio quae illorum qui externa bella gesserunt, quod mihi cum iis vivendum est quos vici ac subegi, illi hostis aut interfectos aut oppressos reliquerunt, vestrum est, Quirites, si ceteris facta sua recte prosunt, mihi mea ne quando obsint, providere.

134 “Accordingly, Cicero finishes the speech with an emphatic appeal to the audience to endow this day with eternal memory as a reward for him and to provide sympathetic protection if there should be negative reactions to his interventions (Cic. Cat. 3.26–29)”. (Manuwald, 2012, p. 167). 135 Recurso patético para ganhar o apoio de sua plateia e, ao mesmo tempo, antecipar uma provável condenação por ter julgado cidadãos. Konstan (1993) reafirma o desejo do arpinate em se manter vivo na memória do povo. “... Cicero begs of his audience only one reward for his services: consciousness of them”. 136 Um exemplo claro de autoelogio. 137 Thomas (2002) demonstra não haver diferença de sentidos entre gloria e laus em 3.26. 138 Também cf. Konstan (1993). “Cicero then appeals to the public to keep him safe. He has confidence in the good party (boni), the Republic will silently (tacita) defend him, and the power of knowledge, of conscientia, will acuse the wicked” (p. 19). 139 Uso de providere mais uma vez para marcar antecipação, uma das muitas qualidades do cônsul.

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mentes enim hominum audacissimorum sceleratae ac nefariae ne vobis nocere possent ego providi, ne mihi noceant vestrum est providere. quamquam, Quirites, mihi quidem ipsi nihil ab istis iam noceri potest. magnum enim est in bonis praesidium quod mihi in perpetuum comparatum est, magna in re publica dignitas quae me semper tacita defendet, magna vis conscientiae quam qui neglegunt, cum me violare volent, se ipsi indicabunt.

Em 3.28, Cícero registra os perigos dos quais livrou o povo romano, colocando

em destaque que não se desestabilizou diante dos conjurados nem da conspiração

maquinada por eles. Além disso, pede pela proteção dos cidadãos140, se um dia for atacado

por inimigos141.

est enim in nobis is animus142, Quirites, ut non modo nullius audaciae cedamus sed etiam omnes improbos ultro semper lacessamus. quod si omnis impetus domesticorum hostium depulsus a vobis se in me unum converterit, vobis erit videndum, Quirites, qua condicione posthac eos esse velitis qui se pro salute vestra obtulerint invidiae periculisque omnibus: mihi quidem ipsi quid est quod iam ad vitae fructum possit adquiri, cum praesertim neque in honore vestro neque in gloria virtutis quicquam videam altius quo mihi libeat ascendere?

Em 3.29, o arpinate encerra o discurso destacando seu desejo de conservar seus

feitos pessoais e da República. Ademais, revela sua intenção em ter sua gloria honrada e

resguardada.

Illud perficiam profecto, Quirites, ut ea quae gessi in consulatu privatus tuear atque ornem, ut, si qua est invidia in conservanda re publica suscepta, laedat invidos, mihi valeat ad gloriam. denique ita me in re publica tractabo ut meminerim semper quae gesserim curemque ut ea virtute, non casu gesta esse videantur. vos, Quirites, quoniam iam est nox, venerati Iovem illum, custodem huius urbis ac vestrum, in vestra tecta discedite et ea, quamquam iam est periculum depulsum, tamen aeque ac priore nocte custodiis vigiliisque defendite. id ne vobis diutius faciendum sit atque ut in perpetua pace esse possitis, providebo, Quirites.

Logo, é possível perceber de modo um tanto evidente que, no terceiro discurso

das Catilinárias, Cícero procura celebrar seus méritos143, enobrecendo suas conquistas e

elevando seus feitos, ao estabelecer também sua persona enquanto o salvador de Roma.

140 A invidia pela qual Cícero teme é tema constante nas Catilinárias; uma forma de retaliação por sua decisão de condenar cidadãos romanos. 141 Cf. Konstan (1993): “But the citizens themselves will have to look to Cicero’s seccurity if one day the onslaught of the enemy, deflected from themselves, should turn upon Cicero alone” (p. 19). 142 “The voctive is so placed as to emphasize animus, here the mind as the seat of courage”, cf. Dyck (2008, p. 205). Como vimos acima, Cícero posiciona o termo animus de modo a destacar sua coragem; é, portanto, ético. 143 Celebrare laudem; cf. Thomas (2002, p. 307).

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Além disso, compõe uma forma de autoelogio, colocando em relevo sua glória e

conquistas. Thomas (2002) afirma que o elogio (laus) constitui um elemento importante

da glória (gloria). Logo, entendemos que a laus é utilizada para exprimir a gloria de

alguém.

Em questão de estrutura, a Terceira Catilinária já se aproxima mais dos discursos

de assembleia popular que a Segunda. Foi proferida em 3 de dezembro, no Fórum, após

sessão senatorial realizada no mesmo dia144, no Templo da Concórdia. O orador dá as

boas novas ao povo romano, felicitando-o pela salvação; elenca os planos de ruína da

República: incêndios, saques, assassinatos, de modo a provar o envolvimento e culpa dos

conspiradores apresentados anteriormente.

Com tema central e com o relato dos eventos – Catilina havia deixado Roma para

se reunir a Mânlio no acampamento em Fésulas –, o arpinate aproveita para enaltecer sua

bravura e coragem por ter lidado com tamanha guerra intestina, sobretudo por ter sido

vigilante ao perceber o desenrolar dos planos e poder se antecipar para não só salvar a

todos os cidadãos romanos da morte como também a República de ser desintegrada e

destruída. Na posse de provas reais sobre o que fora orquestrado a respeito da conjuração,

Cícero pode se vangloriar por ter feito justiça, evitando, assim, uma guerra civil, salvando

Roma e seu povo sem armas nem derramamento de sangue.

144 Dyck (2008, p. 165) afirma que, naquela sessão senatorial, cujo aspecto era de tribunal, Cícero pôde reunir provas concretras sobre as identidades e planos dos conspiradores, o que o levou a confrontar alguns deles. A sessão foi memorizada e transcrita (Sul. 41-2). A reunião terminou com um decreto senatorial condenando nominalmente nove dos conspiradores implicados; para celebrar que a cidade se livrara da ruína, ações de graças foram dadas aos deuses; o orador e outros envolvidos foram agradecidos. Após isso, o cônsul se dirigiu ao Fórum para relatar os acontecimentos.

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Cat. 4 – O tribunal de exceção no Senado

A Quarta Catilinária é um dos discursos mais controversos e debatidos de

Cícero145, justamente por seu caráter evidente de exceção. Embora tenha sido proferido

no Senado, orientado por um parecer dado a este orador, possui marcas de discurso

judicial, o que pode ter como principal motivação a política.

Em 4.4, por exemplo, é possível perceber uma forma indireta de Cícero dizer que

aquilo era um julgamento: in discrimen aliquod atque in uestrae seueritatis iudicium

adducitur. Outras formas observadas no quarto discurso são os usos de vocabulários

específicos para contexto judicial, como reus (4.5.1-8,10.5-6). Albrecht (2003, p. 19-21)

indica os recursos de discurso jurídico: os elementos epidíticos, como o vitupério

direcionado aos conjurados, que tinham função persuasiva nos discursos judiciais do

arpinate (§5 e 13); o próprio hibridismo dos discursos de Cícero; a linguagem; o estilo:

uso de conduplicatio, as digressões – tudo como parte da persuasão, segundo o próprio

Cícero mostra em De Oratore 2. 77. 311: digredi . . . permovendorum animorum causa

saepe utile est e a ironia retórica (homo mitissimus atque lenissimus; In Cat. 4.10).

Tanto Bonnefond-Coudry (apud Cape Jr, 2008) quanto Drummond (1995)

corroboram a leitura política do discurso. Segundo este, Cícero, enquanto cônsul, poderia

se sustentar nos seguintes argumentos: o decreto do Senado; o status dos conjurados como

hostes; ações pensadas na salus rei publicae e/ou voltadas para um interesse geral, ou

seja, de um ponto de vista mais atual, estes seriam por motivações políticas e não legais.

Além disso, muito se discute a intenção tanto implícita quanto explícita do

arpinate em ter levado a questão da punição dos conjurados ao Senado146; se buscava se

resguardar147, passando uma decisão de tamanha severidade aos senadores; se realmente

acreditava poder fazer daquele um tribunal, procurando, então, sustentar sua decisão pela

execução em bases jurídicas legais, estando munido do senatus consultum ultimum148 e,

145 Cape Jr (1995) ainda aponta ser ela uma escolha problemática óbvia e/ou uma obviamente problemática. “Cicero's Fourth Catilinarian is an obvious and obviously problematic choice”. (p. 256). Conforme aponta o autor, Nisbet o considera artificial, moroso, obscuro e irrelevante para seu contexto; alguns historiadores afirmam que ele foi muito editado; dos modernos apenas R.E. Smith o julga importante para o curso do debate. 146 ex crudelissimo ac miserrimo interitu. (Cat 4.6). 147 Como uma forma de previsão de seu futuro julgamento e exílio. 148 Versão sustentada por Abbott (1907) que diz haver um interesse de Cícero em ter outras bases legais além do decreto para as execuções dos conjurados. “... and we must conclude that he wished to base his action in executing the conspirators on some other legal ground than the passage of the final decree” (p. 124).

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ainda, se este discurso representa uma “ficção149” ou se teve partes acrescidas150 na versão

publicada de 60. Por exemplo, o orador poderia alegar, em um

julgamento/questionamento, que estava apenas implementando o que fora decretado pelo

Senado, uma vez que todas as suas ações teriam sido, para garantir a conservação da

República e, sobretudo, a salvação de todos, inclusive dos próprios senadores ali

presentes. Stockton (1971) reafirma e complementa que lhe era essencial jogar a

responsabilidade [pelas execuções] nos ombros do Senado.

Cícero, ao estabelecer um tribunal no Senado – isso presente na Quarta

Catilinária, ocupando ali a cadeira curul,151 pôde usar de sua autoridade de cônsul para

assegurar o apoio político e, principalmente, moral dos senadores152, porque deles

precisaria caso condenasse cidadãos romanos153. Tudo isso a fim de, entre outras coisas,

resguardar-se de possível um julgamento futuro154, por já estar antevendo155 uma punição

consequente: o exílio.

Um dos motivos de podermos afimar que a Quarta Catilária funcionou como uma

audiência de acusação, tendo Catilina como réu e Cícero como juiz, é o uso de vocabulário

de contexto judicial, de tópicos comuns aos discursos judiciais, e, também, por existir,

em suspenso, a questão da publicação dos mesmos apenas em 60, momento aquele em

que os discursos judiciais eram bastante procurados– Cícero queria satisfazer a demanda

de jovens, como conta em Att. 2.1.3 (Dyck, 2008). Stockton (1971) atesta que, mesmo

que tivesse aparência de julgamento, pela lei não poderia sê-lo, já que um decreto do

Senado não sobreporia uma lei instituída – que garantia julgamento antes da execução de

149 Cf. Lintott, 2008. 150 Proêmio e epílogo, cf. Winterbottom 1982 (apud Dyck, 2008, p. 12) e §§19-24, substitutos do §18, composto para publicação, porém, erroneamente copiados nas duas versões, cf. Fuchs 1959 (apud id.) 151 Cadeira dada aos magistrados superiores. 152 Faz isso ao longo do discurso, usando tom apologético, oferecendo sua vida pela salvação da República e de todo o povo romano, e utiliza de recursos retóricos patéticos e éticos, por exemplo, ao afirmar que “foi ele que livrara Roma de horríveis crime”, conforme melhor demonstraremos a seguir. 153 A lex Sempronia garantia que cidadãos romanos não fossem condenados à morte. Stockton (1971) indica, no entanto, que ela não se aplicava para crimes comuns. (p. 136). 154 Cícero não só estava ciente das implicações legais de condenar à morte cidadãos romanos como também estava ciente, com o julgamento de C. Rabírio, que retaliações poderiam ocorrer. “Nevertheless he was sensitive to the legal implications of putting citizens to death without a trial and the possibility of future prosecution. Indeed there were already indications that the tribunes for the next year, Q. Caecilius Metellus Nepos and L. Calpurnius Bestia, would cause him trouble for his handling of the conspiracy. His experience defending C. Rabirius earlier in 63 had taught him that retaliation could take any form and might come at any time”. (Cape Jr, 1995, p. 259). 155 Cícero faz uso de sua prudentia e de vocabulários específicos que o indicam, como video, provideo, prudentia, providentia, nos quatro discursos. Especificamente no 4º, encontramos recorrências em 4.1, 6, 9, 10, 11, 15, 19, 20, 22.

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sentença a todos os romanos e condenação por crime capital ao magistrado que o

sentenciasse – portanto, não poderia condenar os conspiradores à morte. Ademais, Cícero se abriga em suas habilidades oratórias e estabelece um diálogo

com seu público por meio de ferramentas retóricas, como o ethos e o pathos, além do tom

apologético156 presente no discurso, buscando se apoiar157 em uma proteção e garantia

vindouras daqueles que salvara, i.e. o ethos dos conjurados funcionaria como justificativa

para a condenação. O fato de o arpinate colocar a República acima dos seus interesses faz

parte de seu ethos consular e também seria uma forma de se garantir, fixando-se na

memória do povo por seus feitos; estava praticamente antevendo o que aconteceria – seu

exílio, por exemplo. Por analogia com o gênero judicial, ele tenta sensibilizar o público

de senadores e incutir misericórdia pelas vítimas de Catilina, o que caracteriza recurso

patético. Portanto, em todo o discurso, é possível ver em destaque a predisposição do

orador para colocar os assuntos da República acima dos seus.

A prudentia é uma marca do arpinate, observada também no quarto discurso. Ele

mesmo a definiu como parte do conhecimento:

P r u d e n t i a est rerum bonarum et malarum neutrarumque scientia. Partes eius: m e m o r i a, i n t e l l e g e n t i a, p r o v i d e n t i a. Memoria est, per quam animus repetit illa, quae fuerunt; intellegentia, per quam ea perspicit, quae sunt; providentia, per quam futurum aliquid videtur ante quam factum est158.

A prudência é a ciência das coisas boas, más e neutras. Suas partes são: memória, discernimento, providência. A memória é resgatar aquilo da mente, que existia; o discernimento é examinar aquilo que existe; a providência parece estar relacionada ao futuro até certo ponto diante do que ocorreu159.

Hellegouarc’h (1972) registra que a prudentia está associada à uirtus política que

constitui o consilium. Etimologicamente, a palavra é definida como a qualidade daquele

que pode fazer previsões. Lembra ainda que providentia é empregada várias vezes com o

valor de prudentia, embora somente a primeira signifique poder prever o futuro, se

atribuída aos deuses; aos homens aparece mesmo como um elemento da última. (p. 256).

Acreditamos, portanto, que Cícero faz uso da prudentia e suas derivações, em In

Catilinam IV, como forma de dizer, obliquamente, que estava ciente do que lhe reservava

156 Cícero é apologético quando antevê críticas e responde, se justificando. Por exemplo, dizer que não é cruel ou que pensava no bem da pátria. 157 A prudentia marcada no discurso de Cícero foi definida por ele mesmo em De inventione. 158 De inv. 2.160. 159 Tradução nossa.

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o futuro; precisava se antecipar, porém, utilizando ferramentas retóricas, como a apologia,

por exemplo, e seu ethos de cônsul inclinado à salvação da República. O arpinate demonstra, ainda, a importância da antecipação ao tratar de um estado

emergencial como é a conjuração; era preciso antever as ações dos conspiradores para

tomar as providências devidas, bem como prever qual seria a resposta a elas.

Em De oratore 2.307-308, Cícero apresenta a prudentia como instrumento

essencial ao orador. Afirma, ainda, que o fato de aliquid ante rem dicamus faz parte da

própria natureza do discurso, enquanto que statuamus ea, quae probandi diz respeito à

prudência do orador.

307. Itaque nunc illuc redeo, Catule, in quo tu me paulo ante laudabas, ad ordinem conlocationemque rerum ac locorum; cuius ratio est duplex; altera, quam adfert natura causarum, altera, quae oratorum iudicio et prudentia comparatur: nam ut aliquid ante rem dicamus, deinde ut rem exponamus, post ut eam probemus nostris praesidiis confirmandis, contrariis refutandis, deinde ut concludamus atque ita peroremus, hoc dicendi natura ipsa praescribit; 308. ut vero statuamus ea, quae probandi et docendi causa dicenda sunt quem ad modum componamus, id est vel maxime proprium oratoris prudentiae. Multa enim occurrunt argumenta; multa, quae in dicendo profutura videantur; sed eorum partim ita levia sunt, ut contemnenda sint; partim, etiam si quid habent adiumenti, sunt non numquam eius modi, ut insit in eis aliquid viti neque tanti sit illud, quod prodesse videatur, ut cum aliquo malo coniungatur; 307. Sendo assim, torno agora, Cátulo, àquele ponto em que há pouco me elogiavas, a ordem e a colocação da matéria e dos tópicos. Seu método é de dois tipos: um, que a natureza das causas oferece; outro, que é aprestado pelo juízo e pela prudência dos oradores. Com efeito, o fato de falarmos algo antes do caso em questão, de, em seguida, expô-lo, depois, de o provarmos pela confirmação de nossas defesas, pela refutação das do adversário, por fim, de concluirmos e, assim, perorarmos, isso é a própria natureza do discurso que o prescreve. 308. Já o fato de decidirmos o que devemos falar para provar e instruir, o modo de o concatenar, isso é próprio sobretudo da prudência do orador. De fato, ocorrem-nos muitos argumentos, muitos elementos que podem parecer úteis em nosso discurso; mas parte deles é tão insignificante, que cabe desprezá-los; parte, ainda que tenha algum proveito, é por vezes de tal natureza que apresenta em si algum vício e não é de tanto valor o que parece ser útil que se junte a algum mal160.

Em De or. 3.55, Cícero define o orador ideal: aquele que dispõe de uma eloquência

atrelada à probitate e prudentia.

Est enim eloquentia una quaedam de summis virtutibus; quamquam sunt omnes virtutes aequales et pares, sed tamen est specie alia magis alia formosa et inlustris, sicut haec vis, quae scientiam complexa rerum sensa mentis et consilia sic verbis explicat, ut eos, qui audiant, quocumque incubuerit, possit impellere; quae quo maior est vis, hoc est magis probitate iungenda summaque prudentia;

160 Tradução de Adriano Scatolin (2009).

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quarum virtutum expertibus si dicendi copiam tradiderimus, non eos quidem oratores effecerimus, sed furentibus quaedam arma dederimus. De fato, a eloqüência é uma das mais altas virtudes. Embora todas as virtudes sejam iguais e semelhantes, uma espécie é mais bela e ilustre do que a outra. Tal como este poder, que, abarcando o conhecimento das coisas, desenvolve com palavras as idéias e os desígnios da mente de tal forma que é capaz de impelir os ouvintes para onde quer que se incline. Quanto maior é esse poder, mais deve ser atrelado à honestidade e a uma enorme prudência. Se confiarmos a riqueza oratória a homens desprovidos de tais virtudes, não estaremos produzindo um orador, mas dando certas armas a loucos.

Sendo cônsul, Cícero tinha o direito de convocar uma sessão senatorial. Abre,

desse modo, a 4ª Catilinária, dirigindo-se ao Senado, levando a questão dos conjurados

presos, para ser decidida pelos senadores.

Inaugurando o quarto discurso em primeira pessoa161, o orador dispõe de um

recurso ético, e já se coloca, imediatamente, como aquele que tudo vê, que antecipa, que

antevê, que tem tudo sob controle, em especial, a conjuração: video, patres conscripti, in

me omnium vestrum ora atque oculos esse conversos; video vos non solum de vestro ac

rei publicae verum etiam, si id depulsum sit, de meo periculo esse sollicitos162. (In Cat.

4.1).

Em etiamsi me uis aliqua oppresserit163, é possível perceber o cônsul ciente do

que poderá lhe acontecer, antecipando uma provável futura pena.

No trecho de 4.4 (quare, patres conscripti, incumbite ad salutem rei publicae,

circumspicite omnes procellas quae impendent nisi prouidetis), percebemos um orador

em alerta para o estado emergencial daquela situação; pelo uso de prouidetis164 vemos

um cônsul preocupado com as ameças, mas, principalmente, com a antecipação delas por

parte dos senadores.

Em 4.6, Cícero parece se resguardar para um julgamento futuro que, como

sabemos, virá. Mais que isso: procura antecipar as ações dos outros em relação às deles.

Sed ego institui referre ad vos, patres conscripti, tamquam integrum, et de facto quid iudicetis et de poena quid censeatis. illa praedicam, quae sunt consulis. ego magnum in re publica versari furorem et nova quaedam misceri et concitari mala iam pridem videbam, sed hanc tantam, tam exitiosam haberi coniurationem a civibus numquam putavi.

161 Início com primeira pessoa presente apenas em: Sex. Rosc.; Clu.; Ver. 2.4. 162 Todas as traduções dos textos latinos, que forem convenientes, serão apresentadas. Todas as que seguem são, portanto, nossas. As exceções serão especificadas em nota. 163 In Cat. 4.3 164 Cf. Dyck (2008, p. 151), Cícero fala de antecipação de ações para lidar com a crise. “C. speaks of his taking steps in advance to deal with the crisis”. Também o faz em 2.19.6, 26.4; 3.16.4, 27.5 e 4.14.4.

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Quando apresenta, em destaque, a questão para a decisão do Senado (sed ego

institui referre ad vos...), entendemos como uma forma de auto-cobertura; apesar de já

ter decidido que atitude tomar em relação aos conjurados presos, Cícero busca o decreto

do Senado para se proteger num porvir próximo.

Em 4.11, de meo sensu165 mostra o orador que utiliza de seu julgamento para

antever consequências. Entendemos, então, que se trata de uma maneira implícita de

assumir sua responsabilidade e, consequentemente, antecipar uma suposta punição. Sua

constatação, marcada por videor videre e cerno animo166, é uma tática de, pelo pathos,

alertar a todos sobre os perigos que corriam, como o incêndio da cidade, mas,

principalmente, marcar sua previsão para Roma e/ou República, caso os conspiradores

não tivessem sido impedidos de seguir com seus planos:

Quam ob rem, sive hoc statueritis, dederitis mihi comitem ad contionem populo carum atque iucundum, sive Silani sententiam sequi malueritis, facile me atque vos a crudelitatis vituperatione prohibebo atque obtinebo eam multo leniorem fuisse. quamquam, patres conscripti, quae potest esse in tanti sceleris immanitate punienda crudelitas? ego enim de meo sensu iudico. nam ita mihi salva re publica vobiscum perfrui liceat ut ego, quod in hac causa vehementior sum, non atrocitate animi moveor - quis enim est me mitior? – sed singulari quadam humanitate et misericordia. videor enim mihi videre hanc urbem, lucem orbis terrarum atque arcem omnium gentium, subito uno incendio concidentem. cerno animo sepulta in patria miseros atque insepultos acervos civium. versatur mihi ante oculos aspectus Cethegi167 et furor in vestra caede bacchantis.

Em 4.15, Cícero antevê suas ações: ele próprio garantirá, contando que o acordo

se mantenha, que nada de mau acontecerá no futuro.

hosce ego homines excipio et secerno libenter, neque in improborum civium sed in acerbissimorum hostium numero habendos puto. ceteri vero, di immortales! qua frequentia, quo studio, qua virtute ad communem salutem dignitatemque consentiunt! quid ego hic equites Romanos commemorem? qui vobis ita summam ordinis consilique concedunt ut vobiscum de amore rei publicae certent. quos ex multorum annorum dissensione huius ordinis ad societatem concordiamque revocatos hodiernus dies vobiscum atque haec causa coniungit. quam si coniunctionem in consulatu confirmatam meo perpetuam in re publica tenuerimus, confirmo vobis nullum posthac malum civile ac domesticum ad ullam rei publicae partem esse venturum. pari studio defendendae rei publicae convenisse video tribunos aerarios, fortissimos viros. scribas item universos quos cum casu hic dies ad aerarium frequentasset, video ab exspectatione sortis ad salutem communem esse conversos.

165 Segundo Hellegouarc’h, sensus exprime a opinião política de um indíviduo, grupo ou povo (p. 121). 166 Dyck menciona que tanto uideor videre quanto cerno animo podem indicar visão ou imaginação; “can be used of a vision or imagining” (p. 226). 167 Revela mais um conjurado como para manter este e os demais na memória dos senadores, quando estivessem deliberando sobre o futuro deles.

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No trecho uos ne populo Romano deesse uideamini prouidete168, o arpinate

aconselha os senadores para que não deliberem pela destruição do povo romano.

Em 4.19, observamos novamente o uso do recurso da prudentia, tão caro ao

orador– no caso a providentia. Aqui, o arpinate se mostra preocupado com que os

senadores se antecipem e cuidem para que nenhuma revolução organizada por cidadãos

seja suscitada novamente.

habetis omnis ordines, omnis homines, universum populum Romanum, id quod in civili causa hodierno die primum videmus, unum atque idem sentientem. cogitate quantis laboribus fundatum imperium, quanta virtute stabilitam libertatem, quanta deorum benignitate auctas exaggeratasque fortunas una nox paene delerit. id ne umquam posthac non modo confici sed ne cogitari quidem possit a civibus hodierno die providendum est169. atque haec, non ut vos qui mihi studio paene praecurritis170 excitarem, locutus sum, sed ut mea vox quae debet esse in re publica princeps officio functa consulari videretur.

Em 4.20, o uso de video representa a ciência do orador sobre a quantidade de

inimigos que adquirira, e mais, o controle da situação por um cônsul que se mostrou

vigilante e atento. Além disso, no trecho (etenim mors quam illi mihi fortasse minitantur)

mostra a inevitabilidade de sua morte171, ou seja, usa novamente a providentia para

antecipar acontecimentos.

Nunc ante quam ad sententiam redeo, de me pauca dicam. ego, quanta manus est coniuratorum, quam videtis esse permagnam, tantam me inimicorum multitudinem suscepisse vídeo. sed eam esse iudico turpem et infirmam et contemptam et abiectam. quod si aliquando alicuius furore et scelere concitata manus ista plus valuerit quam vestra ac rei publicae dignitas, me tamen meorum factorum atque consiliorum numquam, patres conscripti, paenitebit. etenim mors, quam illi fortasse minitantur, omnibus est parata: vitae tantam laudem quanta vos me vestris decretis honestastis nemo est adsecutus. ceteris enim bene gesta, mihi uni conservata re publica gratulationem decrevistis.

Em 4.22, no trecho quare mihi cum perditis civibus aeternum bellum susceptum

esse video, Cícero expõe obliquamente sua plena consciência de que aquele julgamento

o fará ser condenado no futuro – o uso de aeternum remete a essa ideia.

Observamos, por fim, no contexto da quarta Catilinária, que o cônsul de Arpino

faz uso dessas partes da prudentia, sobretudo a providentia, que indica, entre outras

coisas, sua capacidade de prever fatos, estando sempre vigilante. Esse é, portanto, um dos

168 4.18. O uso de providete representa providentia; antecipação. 169 i.e. providentia 170 praecurro + dat. significa “antecipar”. Cf. Dyck. 171 Cf. Dyck.

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principais recursos com o qual ele opera, tendo por finalidade se resguardar daquela

situação – principalmente de sua decisão quanto ao julgamento dos conspiradores – e

garantir que em Roma não mais ocorressem, então, movimentos conspiratórios daquela

magnitude.

Além disso, outra tática retórica ciceroniana172 é a de empregar como justificativas

ações para salvação da República. Por mais que o caráter de condenar cidadãos romanos

à morte fosse ilegal, Cícero o levou para deliberação no Senado, fundamentando suas

razões na salvação e bem-estar da República. Ele aborda este tema em De oratore 2.134;

106173:

134. nam in ea ipsa causa, de qua ante dixi, nihil pertinet ad oratoris locos Opimi persona, nihil Deci; de ipso [enim] universo genere infinita quaestio est, num poena videatur esse adficiendus, qui civem ex senatus consulto patriae conservandae causa interemerit, cum id per leges non liceret; nulla denique est causa, in qua id, quod in iudicium venit, reorum personis ac non generum ipsorum universa dubitatione quaeratur. De fato, na própria causa a que fazia menção anteriormente, não têm qualquer relação com os tópicos do orador a figura de Opímio, tampouco a de Décio, pois se trata de uma questão indefinida acerca de um gênero universal: deve-se castigar aquele que matou um cidadão seguindo um decreto do senado, a fim de proteger a pátria, sendo que, segundo as leis, isso não seria permitido? Não há, enfim, causa alguma em que se investigue o que entra em julgamento relativamente às figuras dos réus, e não à indagação universal dos próprios gêneros. 106. Saepe etiam res non sit necne, sed qualis sit quaeritur; ut cum L. Opimi causam defendebat apud populum, audiente me, C. Carbo consul, nihil de C. Gracchi nece negabat, sed id iure pro salute patriae factum esse dicebat; ut eidem Carboni tribuno plebis alia tum mente rem publicam capessenti P. Africanus de Ti. Graccho interroganti responderat iure caesum videri; iure autem omnia defenduntur, quae sunt eius generis, ut aut oportuerit aut licuerit aut necesse fuerit aut imprudentia aut casu facta esse videantur. Muitas vezes, ainda, não se investiga se algo ocorreu ou não, mas qual sua natureza, tal como quando assisti ao cônsul C. Carbão defender a causa de L. Opímio diante do povo: não negava, absolutamente, o assassinato de C. Graco, mas afirmava que ocorrera de modo legítimo, pela salvação da pátria; tal como P. Africano respondera ao mesmo Carbão quando tribuno da plebe, entrando então na carreira política com uma mentalidade diversa, e o interrogava acerca de Ti. Graco: a seu ver, fora morto de modo legítimo. Defendem-se como legítimas todas as ações que são de tal tipo que eram convenientes, permitidas, forçosas, ou que parecem ter sido realizadas por imprudência ou acaso.

172 Drummond (1995, p. 111) faz referência a “rhetorical tactic that might be used to justify an action as essential to the public interest”. 173 Procuramos apenas estabelecer um paralelo, buscando a força da autoridade do precedente.

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Algumas ações são, desse modo, legitimadas, quando se tem por fim a salvação

da República. Mas qual seria o real propósito de Cícero quando se mostrou disposto a

abrir mão de sua vida e até de entregar seu filho como garantia pelo bem-estar da

República?

Acreditamos que ele estivesse não só embasando suas ações pelo bem da pátria

mas também conservando o argumento – para poder usá-lo como uma espécie de moeda

de troca – de que agira em nome da República, por isso merecia um salvo-conduto. É,

portanto, muito mais do que apenas justificar o que fez, porque operava em nome da res

publica; é poder falar daquilo, ou melhor, discursar sobre, de modo a pôr em relevo todo

o bem que fizera, para que pudesse ser recompensado por seu zelo, sua bravura e coragem

em relação à República.

Verificaremos, a seguir, alguns exemplos no quarto discurso, de quando o arpinate

coloca os interesses da República acima dos seus174, especialmente entregando, se

preciso, sua vida e de sua família, visando a uma provável recompensa vindoura.

Em 4.1, Cícero coloca os interesses da República e, sobretudo, dos senadores e de

sua família acima dos seus e pede para que eles pensem em si mesmos e nas famílias,

esquecendo-se, por um momento, da vida do cônsul175;

Video, patres conscripti, in me omnium vestrum ora atque oculos esse conversos; video vos non solum de vestro ac rei publicae, verum etiam, si id depulsum sit, de meo periculo esse sollicitos. est mihi iucunda in malis et grata in dolore vestra erga me voluntas, sed eam, per deos inmortales, deponite atque obliti salutis meae de vobis ac de vestris liberis cogitate. Mihi si haec condicio consulatus data est ut omnis acerbitates, omnis dolores cruciatusque perferrem, feram non solum fortiter verum etiam libenter, dum modo meis laboribus vobis populoque Romano dignitas salusque pariatur.

No §3, Cícero retira, aparentemente, sua própria importância – enquanto pessoa e

cônsul – e suplica176 para que todos se concentrem na salvação – salus – deles mesmos,

de suas famílias e, sobretudo, do povo romano, ou seja, a pátria, o estado, a República.

No último trecho (moueor... pereamus), o arpinate é enfático ao afirmar que não se

importa com a repressão que poderá sofrer, desde que a República seja salva.

174 “Cicero addresses the senators' concerns with a denial of self-interest”. (Cape Jr, 1995, p. 264). 175 Colocar os interesses da República acima dos seus próprios pode ser visto como um recurso retórico; Cícero buscava ressaltar seus feitos e fixá-los na memória de todos para se resguardar. 176 Os verbos no imperativo marcam esses “comandos”.

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qua re, patres conscripti, consulite vobis, prospicite patriae, conservate vos, coniuges, liberos fortunasque vestras, populi Romani nomen salutemque defendite; mihi parcere ac de me cogitare desinite. nam primum debeo sperare omnis deos qui huic urbi praesident pro eo mihi ac mereor relaturos esse gratiam; deinde, si quid obtigerit, aequo animo paratoque moriar. nam neque turpis mors forti viro potest accidere neque immatura consulari nec misera sapienti. nec tamen ego sum ille ferreus qui fratris carissimi atque amantissimi praesentis maerore non movear horumque omnium lacrimis a quibus me circumsessum videtis. neque meam mentem non domum saepe revocat exanimata uxor et abiecta metu filia et parvolus filius quem mihi videtur amplecti res publica tamquam obsidem consulatus mei, neque ille qui exspectans huius exitum diei stat in conspectu meo gener. moveor his rebus omnibus, sed in eam partem, uti salvi sint vobiscum omnes, etiam si me vis aliqua oppresserit, potius quam et illi et nos una rei publicae peste pereamus177.

Em 4.18, vemos um cônsul que coloca abertamente a salvação da República acima

dele mesmo e destaca um acordo comum de todas as Ordens para que aquilo ocorresse; o

ponto máximo está na personificação da República, recurso patético muito explorado por

Cícero, que revela seu propósito inclinado à pátria.

Quae cum ita sint, patres conscripti, vobis populi Romani praesidia non desunt: vos ne populo Romano deesse videamini providete. habetis consulem ex plurimis periculis et insidiis atque ex media morte non ad vitam suam sed ad salutem vestram reservatum. omnes ordines ad conservandam rem publicam mente, voluntate, studio, virtute, voce consentiunt. obsessa facibus et telis impiae coniurationis vobis supplex manus tendit patria communis; vobis se, vobis vitam omnium civium, vobis arcem et Capitolium, vobis aras Penatium, vobis illum ignem Vestae sempiternum, vobis omnium deorum templa atque delubra, vobis muros atque urbis tecta commendat. praeterea de vestra vita, de coniugum vestrarum atque liberorum anima, de fortunis omnium, de sedibus, de focis vestris hodierno die vobis iudicandum est.

Em 4.19, o orador diz explicitamente que, esquecido de si mesmo, pensa no bem-

estar da República.

habetis ducem memorem vestri, oblitum sui, quae non semper facultas datur; habetis omnis ordines, omnis homines, universum populum Romanum, id quod in civili causa hodierno die primum videmus, unum atque idem sentientem. cogitate quantis laboribus fundatum imperium, quanta virtute stabilitam libertatem, quanta deorum benignitate auctas exaggeratasque fortunas una nox paene delerit. id ne umquam posthac non modo confici sed ne cogitari quidem possit a civibus hodierno die providendum est. atque haec, non ut vos qui mihi studio paene praecurritis excitarem, locutus sum, sed ut mea vox quae debet esse in re publica princeps officio functa consulari videretur.

177 4.3.

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A visível marca de tribunal dada ao Senado naquele cinco de dezembro pelo

cônsul-orador, que nos fala, não exclui a característica de discurso deliberativo de In

Catilinam IV, nem retira sua função de apresentar os condenados por Cícero ao público.

Vemos, então, conspiradores sendo colocados como verdadeiros inimigos públicos, uma

marca do discurso judicial, objetivando suas condenações, e um cônsul devoto, inclinado

à salvação da República e bem-estar de todos. Embora não tenha sugerido diretamente a

execução dos conjurados ou se mostrado alguma vez favorável ao parecer de Silano, que

defendia a pena de morte, podemos inferir na essência do discurso que Cícero a

considerava como via mais efetiva para a contenção da crise. Drummond (1995)

complementa que foi apenas no Pro Sulla que o arpinate se manifestou abertamente a

favor das execuções. Cape Jr (1995) revela que aparentou imparcialidade ao apresentar

os dois pareceres: de Silano e de César.

A Quarta Catilinária foi proferida ao Senado, no Templo da Concórdia. Cícero

expõe ali a sua decisão e a do Senado sobre o futuro dos conjurados presos. Deveriam,

então, decidir-se pela execução ou prisão perpétua desses. O cônsul, assim como Silano,

era a favor da pena de morte desses, segundo o próprio discurso indica. Observamos um

fato interessante aqui: Júlio César se mostra contra a execução e a favor da prisão perpétua

e o confisco dos bens dos presos. O orador expõe esse fato, com um tom irônico,

criticando a posição daquele enquanto pretensiosamente popular, mas continua inclinado

ao decreto a favor da execução dos conjurados. O discurso de Catão, que condena as

atitudes dos rebeldes (como aparece em Salústio, mas não em Cícero) é o verdadeiro

estopim para a decisão dos senadores em favor da pena de morte. A peroração se dá com

a exaltação de Cícero a si próprio, colocando-se à disposição para combater todos os

males da república e numa posição humilde, pronto para atender às decisões do Senado.

Nesse discurso, o cônsul se mostra pronto para assumir suas responsabilidades de

magistrado e até colocar sua vida em risco, desde que a República se mantenha salva e

protegida. Além disso, o mesmo faz uso de um recurso da Retórica, a prudentia, para

demonstrar sua posição antecipada diante dos fatos, revelando ter controle tanto da

situação da conspiração quanto dos conjurados.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chama-nos a atenção o caráter, sem dúvidas, inesgotável das Catilinárias em

relação aos temas retóricos que delas podem ser depreendidos. Não por acaso, temos a

nosso dispor uma extensa bibliografia crítica a respeito desses discursos proferidos por

Cícero, com maestria.

Os discursos do arpinate, dirigidos tanto aos senadores quanto ao povo romano,

no Templo de Júpiter Estátor, no Fórum e no Templo da Concórdia, denunciam o

desdobramento da conspiração, por ele descoberta. Ademais, representa também um jogo

político do cônsul, que pretendia se manter vivo, de alguma forma, na memória do seu

público, dando relevo aos seus feitos e bravura – principalmente o de ter salvado Roma

da destruição – e, fazer cumprir seus planos de punição aos conjurados; assim o faz

incitando as emoções da plateia, encorajando-os a apoiá-lo, provocando, muitas vezes,

aversão pelos responsáveis pela ruína da República.

É indiscustível a importância da retórica, de seus preceitos e recursos para um

orador como Cícero, que possuía não só eloquência como também auctoritas para

discursar, ser ouvido e ter credibilidade suficiente para que seus propósitos fossem

atendidos.

Cícero pôde, portanto, dar às Catilinárias a ornamentação apropriada para aquela

situação de emergência, utilizando uma elocução que poderia ser comparada a dos

asiáticos; ele precisaria além de revelar os planos da conjuração, convencer seus ouvintes

de que o rigor de suas resoluções era mais que necessário. Finaliza os discursos,

possibilitando que esses chegassem até nós graças a sua habilidade oratória e preocupação

em retratar aquela guerra como a maior até então travada, que não por coincidência,

acontecera durante seu consulado.

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