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OVALEDASEPÍFISES

P.G.Headway

Caroleitor,SuajornadaaoValedasEpífisescomeçaránapáginaseguinte.

Eutegaranto.Elavaicomeçar.Assimqueacontecer,seráumprazerreceberoseufeedbackatravésdoemail

pgheadway@hotmail.com.Atenciosamente,PhillHeadway

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“Vocêsabequeestelivrofoifeitoparavocê.Masapóssualeitura,osoutrosnuncasaberão

quemfoioprimeiro‘você’.Istoficaentrenósdois”

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PRÓLOGO

Estáfrio.Nãosintoapresençadosom.Meucoraçãoparecenãobateremsincronia com os compassos, confundindo a percepção que tenho de mimmesmo.Silêncio.Oruídodosilêncio.Eunãopodiaimaginarqueeracapazdeseouviroruídodosilêncio.Nadamaisrepugnantedoqueoexcessodoinexistente.Você correndo na calada da noite, olhando para trás com medo que algoestivesse te perseguindo. Assustador você perceber que realmente havia umvulto?Seriaasuaprópriasombraalheperseguirembuscaderespostasquehámuitonãoqueriammaiscalar?Ouapenasumdesassossegoimpregnadoemsuaalma, como uma crosta envolta interrompendo o divino fluxo dos cristais deapatita? Esevocêdescobrissequetudoissoerareal?Queessevultoeraasuaprópriaimagem,aquelaquechegavaparasuprirosilêncio?Oruído. Já sepassavadeduasdamanhãquandoo silênciome acordou.Abri osolhosemedepareicomumhomemsentadonapoltronaaoladodacama.Talvezumvizinhomeobservando,ouaminhaimaginaçãotomandocontadovazio.Emsobresalto,acendialuzcomocoraçãodescompassado.Eraapenasmeuroupãoestendidonapoltrona.Oroupãofoisóumaformademetrazermaisumavezàrealidade,meacordandoparaqueeupudesseperceberqueaquelesilênciomeenvolvia à uma reunião, talvez para despedi-lo. Eu sabia que a paz não seriaeterna.Maistarde,setornariaapenasmaisumálbumdefotografiasempoeiradoguardadonumcantoqualquerdoarmário. Assimeuvejoopassado:Umsilêncio.Umrestodeimagensdeixadasparatrás,escapandopeloretrovisornumaestradavazia.Umaangústiadapalavranãodita.Eusabiaqueasementegerminaria.Casocontrário,nãohaveriarazãoparaeuestarvivo. Estouvivo?Vocêmeconhece? Devoaparecer.Vocêprecisademim.Osilêncioterminaaqui.Semvocêoruído continuaria, e não haveria muita história para contar além de fatosenvolvendomanicômioemorte. Douaminhapalavra:aimaginaçãomesalvou.Vocêmesalvou.

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CAPITULO1 É incrível comonossos sentidosnos trazemdevolta amesma sensaçãoque vivenciamos anos atrás. "São guardadores de memórias, Andrew", minhamãediriaparamim.Asvezeséopaladarquetedáessasensação,ondeaqueletalharimcomqueijo-poralgumarazão-trazalembrançadasnoitesdeinvernoassistindo desenhos do Pato Donald. Quando é o olfato, aquele cheiro de cafépassadopelamanhãquesemprefazvocêselembrardasuaavó,cantarolandonacozinhasimplesmassempremuitobemcuidada.Eaquelelugarquevocêpassaesempreselembraquefoialiondedeuoseuprimeirobeijo,equeapesardevocêter fechado os olhos naquele momento, é a visão que te faz lembrar daquelaexperiênciatãodiferente. No meu caso, sempre associei minhas lembranças pelo som. Noitesfrescas de primavera, onde na passagem crepuscular, grilos começavam suasinfonia,queeracamaparaascançõesquemeupaicantavanavarandatodasasnoites, dedilhando acordes simples no violão, sempre com aquele inesquecívelsorrisonoslábios.Essaéaminhamaiorlembrançadele,etalvezporisso,ocantodosgrilos sejameu som favorito. Somqueme chamaparadormir, queme fazmergulhar em meus sonhos mais complexos, onde de repente, estou em ummundoparalelo.Mundonoqualasvezesépossívelreencontrá-lo. Minhajornadasinestésicacomeçouem2010,depoisquedecidimemudarparaEureka,acidademaispopulosadoCondadodeHumboldt.Nãofoiumanemduas vezes que pessoas próximas me questionaram sobre o por quê dessadecisão,afinal,nãohaviafuturoparaummúsiconaquelelugar."LosAngeleséacapitaldosartistas", retrucavam.Eu ficavaquieto,poisno fundoeunãoestavabuscandofuturoalgum.Naverdadeeuestavaquerendofugirdetudoedetodos. Decidisermúsicoumpoucodepoisdamortedemeupai.Quandoháumaexperiência adversa como essa na infância, a tendência do ser humano éprocurar uma forma de compensar o trauma, e a que encontrei foi através damúsica. Amúsica sempre foi meu refúgio, minha companheira, minhamelhoramiga.Eutinhamedodemostrarminhatristezaparaminhamãe.Euprecisavaser forte ao lado dela pois eu era o que havia sobrado de sua família. Eumepermitiaserfracoquandoestavasozinhocomamúsica.Muitasvezeseuacabavacomorostolacrimosodebruçadosobreopiano. Muitas coisas passaram a perder sentido depois que perdi meu pai. Aescolaeraumaformadepassarotempo,masnãodemoroumuitoparasetornaralgopesadoemuitodifícildesuportar.Minhaimunidadenãoeradasmelhoresnaqueles tempos,afinaldecontas,quandoaemoçãonãovaibem,ocorpo fala.Por consequência, eu vivia com a garganta inflamada, emuitas vezesme davaamigdalite. Quando isso acontecia, por incrível que pareça, eu gostava.Não deficardoente,óbvioquenão.Oqueeugostavaédeterumaboadesculpapranãofazerabsolutamentenada,inclusivenãoirparaescola. Asdatas comemorativasmedeixavam triste, principalmente asmúsicasde Natal. Minha cara era infeliz e eu não queria comemorar. Eu não viamaissentidoemcomemorarnada.Eumeperguntavase tudo issoerapela faltaquemeupaimefazia,eacabavamesentindoculpadoporsaberquenaverdadenãoera.Amortedemeupaiserviadedesculpaparaeunãofazeroqueeujánãoera

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afim quando ele era vivo. Talvez isso possa parecer depressivo, mas minhafamíliaestavalongedeserperfeita. Ofatodealguémpróximomorrerderepentemeensinouqueeudeveriaaproveitarcadasegundodeminhavidaintensamente.Poroutrolado,haviaumlado obsessor queme segurava, dizendo que eu não podia ser feliz após umamortecomoessas,queeudeveriapassarporumtempode luto.Naépoca issofaziasentido,entãomeentregueiatodasastristezasqueeueracapazdesentir,mas,comopassardosanos,veioosentimentodequeavidaestavaescapandodeminhasmãoscadavezmaisrápido,comoaespumadaáguadomarqueescorreentrenossosdedos.Porcausadessesentimento,euacabeidefinindoquetodootempoqueeunãopassavaestudandomúsicaoucompondoeratempoperdido. Quandomeus amigosme convidavampara jogarbasquete eu inventavaumadesculpasemprequepodia.Eutinhamedodenãoserumaboacompanhiapoissabiaquemeutemperamentonãoeradosmelhores,econvenhamos,eunãolevavajeitoparaesportes. Comopassardosanos,osconvitesdebasqueteforamsedissipando,maslogo foram sendo substituídos pelos convites de sair pra beber - coisa que eutambémnãoconseguiasuportar:pessoassereunindodiariamenteparaotaldohappyhour,queemoutraspalavrassignifica"aúnicahorafelizdodia,ahoraemquenãotrabalho".Paramimnãohaviarazãoparacomemorar,afinaldecontas,euerafeliznomeutrabalho.Minhashorasmaisfelizeseramquandoeuestavatrabalhandoemumanovacomposição.Naverdade,aocontráriodamaioria,osintervalos em que eu não estava ligado com a música eram bem pesados. Eusempremedeparavacomalguémmequestionandosobremeufuturo.Maistardefui entender que se isso acontecia é porque eu deixava. No fundo eu tambémestavainseguro,eeufaziadetudoparanãodarespaçoaessesentimento. Quandodecidisermúsico,vieramcobrançasdetodososladosnaminhafamília, principalmente porque meu pai já era falecido, e de alguma forma,achavamqueminhamãenãosabiamedirecionarnasminhasescolhas.Tios,avóspaternos,vizinhoseatéamigosíntimosdeminhamãeaquestionavamotempotodopormeapoiarnaminhadecisão.Aresponsabilidadedeserfilhoúnicoeraadeque todosesperavamalgoextraordináriodemimquenãohaviamrealizadoemsuasprópriasvidas. Alguns meses antes de me mudar para Eureka, minha mãe haviaconhecido seu namorado Fernando, um brasileiro bem sucedido que tinha semudadoparaCalifórniaporcausadesuaempresa.Elemediziaserresponsávelpelaintermediaçãodenegóciosentreempresasdeequipamentoshospitalareseclinicasehospitais.Paramim,eraapenasumrepresentante. Quando se conheceram, ele praticamente não parava em Los Angelesporqueestavaabrindomercadoemtodaa regiãodosEstadosUnidos.Masaospoucos,suasviagensforamdiminuindoenãodemoroumuitoparaqueelenãosaíssemaisládecasa.Nãofoialgoplanejado,masacabouacontecendoassim,eeu já não via mais razão para continuar morando ali. Ele não era umquestionadordosmeusplanos,ficavaquieto.Poroutrolado,tambémnãohaviamuito interesse em me conhecer, o que de certa forma me deixavadesconfortávelaopontodeeunãoquerersairdoquartoparanãodemostrarqueestava sem jeito, com aquele sorriso forçado que eu já não sabia mais lidar.Principalmenteporcarregarofardodefilhoúnico,oquelevariaminhaopiniãonegativatergrandepesosobreadecisãodeminhamãe,queestavaclaramente

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feliz. Em outras palavras, seria injusto com ela falar tudo o que eu pensava,porquefaziammuitosanosqueelaestavasozinha. Eunãopodiaexplicarissoparaaspessoasquemeperguntavam"porqueEureka?". Talvez fosse pelo nome, talvez eu precisasse descobrir alguma coisaque eu não sabia. Talvez existisse um caminho para mim que eu ainda nãoconseguiaenxergar.AensolaradaLosAngelesestavacinzaparamim.Ecadavezmaiseuficavacompenetradoemmeuspensamentoseemminhamúsica,porquedessa formaeupassavaamaiorpartedosmeusdiasdentrodaminhaprópriacabeça. Todos esses argumentos imaginários faziam muito sentido para mim,porém precisava traze-los para minha realidade, e poder me engajar naqueleprocessodemudançaparaumaoutracidade.Comcertezaeuiria,pelomenosnocomeço,receberoapoiodeminhamãedeformaqueissonãoparecessenenhuminsulto.Algodentrodemimmeimpulsionavaasaltardoninho,abismoessequenummomento ou outro acontece para todos nós. Era chegada a hora de alçarnovosvoose,paranãoserpresunçosodemais,eutinhaláosmeusmotivos.Emconversas rápidas eobjetivas, principalmentequandoFernando saiaparaumacaminhadaouaosupermercado,eueminhamãearticulávamosformasdeeumemanternaEureka,atéqueeupudessemeengajaremalgumprojetooutrabalho. Meupaierafuncionáriodeumagrandeempresaconstrutoradeprédioscomercias.Eraumengenheiromuitobemsucedido,comumsalariosignificativoparaaépoca.Tínhamosumpadrãodevidaestável.Asuamortenosobrigouadiminuirnossosgastos,masapesardissoaindacontinuamoscomcertafolganoorçamentodoméstico, jáquesomávamosaosaláriodeminhamãe,umapensãopormorte,bemcomoosegurodevidaquetrouxe-noscertoconforto. ComoFernandojáestavacoabitandoemnossacasaebasicamentehaviaassumido todas as contas, minha mãe me auxiliaria no início com minhasdespesas, o que me daria um fôlego até eu me adaptar a nova cidade, ondechegueiemmeadosdeSetembro.

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CAPITULO2 Fazia algunsminutos que eu tinha saído do restaurante onde eu haviaalmoçado, quandopercebi que euprecisava tirar a águado joelho e nãodariatempodechegaremcasa.Olheiaminhavoltaenoteiqueeuestavaemfrenteaum velho hostel. Logo acima da porta de entrada, havia uma fachada com asilhuetadeursodesenhada,eabaixo,onomedohostel:BlackBear.-Criativo.-Faleipramimmesmo.-Vaiseraqui. Entrei sempestanejar.Ohostel estavaagitado.Haviaumgrupoenormedeturistasquepareciamestarchegandodealgumlugarmuitoempolgante.Fingiserpartedelesesaipeloscorredoresaprocuradeumbanheiro,atémedepararcomumaplacaescrita"banheirounissex".-Uau,banheirocoletivo,essaeuquerover. Aportaeramaisestreitadoqueumaportanormal,oquemefezlembrardaportadaAlice. Sóhaviaeuládentro.Aindabem.Euprovavelmenteficariaintimidadodefazerxixiao ladodeumamulher.Seriasimplesmenteestranho.Obanheiroeraenorme, tinha vários chuveiros eumaúnicapia.Até escovarosdentes era emconjunto naquele lugar. Fiquei imaginando aquela galera toda lá da frente aomesmo tempo nesse banheiro. "Com certeza deve rolar coisas aqui", pensei,rindopordentro."Melhoreusairdaquiantesqueelesdescubramesselugar". Éestranhocomocoisasacontecemporcausadesegundosquepassaramou deixaram de passar. Você pode estar já na esquina da sua rua quando selembraqueesqueceusuacarteiraemcasa,porexemplo.Quandovocêpercebequeteráquevoltaremcasavocêreclama,xingaepensaqueacaboudeperdertempoevaiseatrasarparaseucompromisso.Malsabevocêquesuavoltaparacasaacaboudeevitarumacidentequeaconteceria logonapróximaesquinasevocênãotivesseesquecidosuacarteira. Nossavidaéescritaporcadapequenadecisãoque fazemosao longododia. Milésimos de segundos foram decisivos um dia para que você viesse aomundo.Euporexemplo,sónasciporcausadeumamelancia.Meusavósestavamindoparaoaniversáriodealgumparenteemoutracidade,enocaminho,minhavó avistou um caminhão de melancias na beira da estrada e quis parar paracompraruma.-Vamos levarparacortar comelese comerdesobremesa! -Disseela, sempremuitobemarticulada.-Bobagem,mulher-Respondeumeuavô.-Elesjádevemterfeitosobremesa. Aquela parada de cinco minutos teria livrado eles da chuva ligeira erepentina que fezmeu avô deslizar o carro e cair penhasco abaixo. Por algummilagre,minhaavónãosofreunenhumarranhão.Masmeuavôficouparaplégico.Porcontadisso,meuspaisadiaramocasamentoe,consequentemente,adiaramterfilhos.Semeuavôtivesseparadoparacompraramelancia,elenãoteriapegochuvanaestrada,eprovavelmentenãoteriasofridooacidente.Ecasoissonãoacontecesse,meuspais teriamsecasadoummêsemeiodepois,eo filhodelesnãoseriaeu. Em questão de segundos você pode conhecer o amor da sua vida. Foigraças a minha parada no hostel, graças a eu ter decido morar em Eureka, egraçasamelanciaquemeuavônãoquiscomprar,queeumeesbarreiemSarah

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Dahlpelaprimeiravez,nasaídadobanheirounissex.Nadaromânticoporsinal.Parasermaisespecífico,naverdadeentalamosnaporta.Euestavasaindoeelaestavaentrando.Aportaerapequena,eamochiladeSarah,enorme.-Uau-falei.-Quemochilãohein!- Obrigada - Disse ela, olhando para amochila. - Aqui eu guardo tudo que eupreciso. A mochila era cor de jeans desbotado com acabamento em camurça.Estavatãoentupidadecoisasqueoszíperesestavamquasearrebentando.-Dápraverquevocêprecisadebastantecoisa.-Comentei. Sarahsorriu.-Olha, por exemplo aqui. Caso eu fique com fome, tenhobarrinhasde cereais,chocolate, e aqui tem água. Já neste compartimento, coloquei umasmudas deroupascasoapareçaalgumimprevistodeúltimahora.Sim,eucolocoasroupasem pastas. É pra não amassar! E aqui tenho livros, estojo com CDs, e meudiscman. "CDs?",penseicomigomesmo."PorqueaindausaCDs?"-Basicamenteorestoéroupaesouvenires. Olheiparaseusolhoscastanhosclarosquemepareciammuitofamiliar.-Acheiquenãoiamaistever-Eladisse. Fiqueisemgraça.Eunãoconseguialembrardeondenosconhecíamos,enemdequando.Preferientrarnojogoparatentardescobrir.-Estáhospedadaaqui?-Sim,evocê?-Ah,essaéumalongahistória.Porquenãovamosatéapraiadarumavoltaeentãoeuteconto?-Podeser! Sódeixaeu trocarde roupa?Preciso tiraresse jeans.AcabamosdevoltardotourpelassequoiasdoHumboldtRedwoodsStatePark.-AvenidadosGigantes?-Exatamente!-Disseela,empolgada.-Meesperanafrentedohostel?-Claro,sevocêdeixareupassar-Brinquei. Elaabriuocaminhoeapontouasmãosnoarcomumgestoderealeza.-Vocêmeespera?-Claro.-Respondi.-Cincominutos. "Porvocêeuesperoatédezminutos,quinze...avidatoda",pensei. Saraheralinda.Fiqueimeperguntandocomoanaturezapoderiatersidotãogenerosacomapenasumapessoa.Seucorpoagrupavadeformaharmônicaaquelestraçossincronizados,desenhadoscomnotasquecombinavamentre"si"e"mi",comonumacanção.Seuscabeloscastanhosevolumososseespalhavamatéacintura,excetoumapequenafranjaquedelineavaseurostodemenina,lhedandoumcertoardesedução.Aovento,davampassagemparaquemeusolhospercorressemocontornodesuacintura,oquemefezlembraroprimeiroviolãoquetoquei.Seusolhoscastanhospareciamsempreprocurarocéucomoseissofosse uma promessa aos deuses. Seus lábios me lembravam um grande esuculentomorangopelasuacoreformato,queasvezesguardavamumsorrisoquenãomepareciaestranho-umverdadeiroconviteaopecado.Suapelebrancacombinava uma mistura de veludo e seda. Suas mãos denotavam certadelicadezaaotocarumobjetoqualquer,queporalgunsmomentoseuqueriasere tocar ao mesmo tempo. Esse era o conjunto da ópera, todos esses adornos

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incluídos num corpo demais oumenos cinquenta quilos, distribuídos em ummetro e sessenta de altura. Como num passe de mágica, isso tudo me eraapresentado instantaneamente, num banquete que chegava amim de bandejaemcadadetalhe.Issomeintimidava. Sentei no meio fio e fiquei tentando lembrar da onde havíamos nosconhecido.Seráqueeuestavatãobêbadonodiaparanãolembrar?Parecequeeurealmentejátinhavistoelaabrindoaquelapastacorderosacomumamudade roupa - camiseta, meia e calcinha -, o que me fez voltar um friozinho nabarrigaqueeujáconheciamuitobem.-Vamos?-Falouumavozdocelogoatrásdemim. Olhei para cima. Ela estava comumvestido azulmarinho combolinhasbrancas,oquefaziasuapeleficaraindamaisclara.Calçavaumtênisbrancosemmeia,quecomcertezanãoseriamaistãobrancodepoisdonossopasseio.Fiqueimeperguntandocomopodiaficartãobemapenascomduaspeçasderoupa.Naverdade,trêsouquatrocontandocomaspartesdebaixo,euespero.Apesardesua simplicidade ao se vestir, era como as músicas do Pink Floyd: Simples eintensas. Perfeita em cada detalhe. Seus olhos enganavam em castanho claro,masaoolhardepertoerapossívelnotarcoresverdeseatéazuis,parecendoumagaláxiacheiademistérios.Seurostoerabemdesenhado,comoqueixomaissexyqueeujávi,eumapintinhaquedavaumtoquefinalnabochechadireita,pertodaboca.Eaboca,uau,nãoprecisavanemdebatom.Ela jáerabemrosadapornatureza.-Vamos-Faleimelevantando,disfarçandocertatimidez.-Nossa,comovocêéalto.Quantovocêmede? Naverdadeeunãoeraocaramaisaltodomundo,maspertodelaeumesentiaumogro,oquelogodecarajámedespertouuminstintoprotetoralfa.-1.86.-Respondi. Naquele momento havia um grande esforço da minha parte para meconcentrar na sua fala, já queparte daminha atenção estava entorpecidapelaformacomoSarahsecolocavanomundo.Apresentavaumalevezaaocaminhar,que me fez pensar que talvez a lembrança que eu tinha dela poderia ser dealgumapassarela.Asuavozsoavacomoumacançãodeninarameembebedar.Seucorpoasvezesseaproximavadomeu,meioquedeformainocenteeissomeatormentava.Que sensações eram aquelas que emmenos demeia hora, jámeremetiamàumestadoêxtase,comoseasnossasvidasjáestivessemdealgumaformaentrelaçadas?Sentivontadedetocarsuamão,masmecontive. Todaaquelameiguice-misturadaaumainteligênciaincomumparaumagarota de vinte e quatro anos - denotava que algo de muito especial estavaacontecendo.Osolparecianosabençoarenosagraciar,salpicando-noscomseusúltimosraiosdeluzquenoshaviareservadoparaaqueledia. Duranteocaminhoatéapraia,Sarahapontouparaumlugarquerendomemostraralgumacoisaouumalojaqualquer.-Olha!-Eladisse. Fiqueiprocurandoemmovimentoscirculares,umpoucotonto,semsaberaocertooqueenemparaondeolharnaquelaavenidacomtantosestímulosaomeuredor.Percebiqueelaapontavaparaumalojaondeasvitrinesestampavamaofundoumcertotomdeespelhamento,enoteiqueelaapontavaparaonossoreflexonesseespelho.-Olhanósali!-Disseela,sorrindo.

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-Hm, cheguei a pensar que eramdoismanequins quehaviam roubadonossasroupas-Brinquei. Ela sorriu virandoos olhos umpoucopara o lado esquerdo, denotandoque queria desconversar, se precavendo de pensar que, se os manequinsroubassem nossas roupas, como estaríamos naquele momento? Mas, garotasinteligentes sempreencontramumaboa saídaquandopercebemcerta sutilezanuma investida descarada. Com um ar demenina inocente, olhou bem dentrodosmeusolhosepontuou:-Oquevocêvê? Eu,meioatônito,respondi:-Vejoseusolhosbrilhando...-Não,nãoésóisso.-DisseSarah.-Quandoolhamosnosolhosdealguém,assimcomoestouolhandonosseus,nossaalmapenetraadooutroerefleteemumasó.Comodizemos sábios, "nossosolhos são as janelasda alma". Sendoassim,através deles podemos olhar um mundo sem fronteiras, onde não há limitesentreopossíveleoimpossível. Fiqueiboquiabertodiantedassuaspalavras,masoquemedeixoumaisimpressionadofoisuaexpressão.Eujáaconhecia? Convictodequeeunãoiriaconseguirdiscorrersobreaqueleassunto,deiumameiavolta.Aponteipara a vitrine, disfarçandominhaagonianum tomdeperaltice:-Vamosdançarparaverseosmanequinsqueroubaramnossasroupasdançamtambém-Deiumarisadadisfarçada. Sarahentendeuimediatamente,sorriueentrounabrincadeirapoissabiaque aquelas palavras precisavam de um certo tempo para serem digeridasinclusive por ela, já que nem mesmo podia compreender o que estavaacontecendo. Começamos a dançar como duas crianças em meio a calçada,desconsiderando possíveis olhares a nos observar. Demos vida àquelesmanequins, outrora paralisados apenas a observar o que por eles passavamdistraídos,salvoalgunsolharesdecantodeolho.-Nós.Somosnós!-Completou.-Eusei!-Eudisserindosemparar. Eladirecionouamimumolhardeadmiraçãoeumcertosilêncioéoquetínhamosnaquelemomento. Ao chegarmos na praia, o sol já se escondia quase que por completo,deixandoreluzirseuúltimobrilhonocontornodos fiosdecabelodeSarah.Euobservava atentamente que aquele movimento sutil do sol para sair de cena,nadamaiseradoqueumdisfarceparapoderbeijarasmontanhasqueembreveesconderiam toda aquela saudade, mas que era ali onde os pássarosencontrariamabrigo.Eles,numcântico tambémdedespedida,anunciavamsuachegada.Aquelecenárioeracomcertezaumconviteaoninho. Naquelefimdetarde,construiu-seumacumplicidadetãopuraentrenós,que parecia que nos conhecíamos desde a infância. A troca de olhares era tãointensaquemuitasvezesosilênciobastavaparaagentesecompreender.Jáeranoite quando Sarah estendeu uma toalha na areia da praia para que nosdeitássemosparacontemplarasestrelas.Estas,pareciamtercombinadocomosolnumjogodevaievemaosenamorados,etudoisso,aosomdasinfoniados

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grilos.Eraanaturezapresente,tecendoosentornosparaostranseuntesmaispreparados.-Porqueseráquenossentimostãopróximosdenósmesmosquandoolhamosparaocéu?-Perguntouela.- Acho que é porque são esses momentos que nos fazem lembrar que somospartedissotudo. Fez-seumsilencioreflexivo.-Eaomesmotemponosfazinsignificantes-Completei.-Nãoquando estamos conectadosuns comos outros. -Disse ela, olhandonosmeusolhos.-Sarah,temumuniversodentrodessesolhosqueeuqueroexplorar. Nesseinstante,nosfaltouaspalavraseaproveitamososilêncioparatocarnossos lábios pela primeira vez, ou pelo menos a primeira vez que eu melembrava.Eusentiaquetodososmeusproblemashaviamsedissipado,quetudoseriadiferentedaquelemomentoemdiante,equetalvezfosseesseomotivoquehaviadealgummodometrazidoàEureka.ApesardeeuserumhomemgrandepertodeSarah,eraelaquemfaziaeusentirquenãohavianadamaisatemer.-AliestáaconstelaçãodeOrion.-Apontouela. Eu ficava hipnotizado com suas histórias. Quando ela começava a falar,logo eu me perdia com sua voz doce, que quase que instantaneamente setransformavaemminhamentenamaisbelade todasasmelodias já criadas.Amúsicaemformademulher.Eratudooquesempresonhei.Istoseriapossível? Pulsa e envolve. Apaixona e anseia. Beija, sussurra e então...Termina. Equando termina, vocêpedebis. "Contamais", eudizia à ela, "contamais", e ashistórias se estendiamde umapara outra, de cookies à telescópio, e de StevieWonderàSteveJobs.Edepoisdemuitashoras,asconversasforamseguidasdeintervalosdesilêncioeolhares.Dealgumaforma,oqueestavaacontecendoalieraumtantoquantoassustadorerepentino.Algoestranho.Seráqueissoeraoquechamavamdeamoraprimeiravista?Eununcahaviasentidonadaparecidoantes, estava completamente confuso. E para minha surpresa, Sarah tambémestava.Haviaumcertoreceiodeambasaspartes,etalvezatéumpoucodemedodeentregar-seaquelassensaçõestãodepressa.Talvezporcontadisso,devezemquando desviávamos alguns assuntos e olhares, nos direcionando de volta aocéu, onde as estrelas se tornavamcúmplices, ofuscando cadavezmais anossaconsciência. Osolhoscomeçaramapesar,noslembrandoquejátinhapassadodahorade dormir. Nosso papo foi então ralentando, pulsando cada vezmais devagar,passandoporumadagiodeBach,quelutavaparasemanteracordado.

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CAPITULO3 Que som era aquele que ressoava aos meus ouvidos e me mantinhaanestesiado, comoseueuestivesseenterrado?A sensaçãoéquepairava sobremimunsduzentosquilos.Eumalpodiamover-meeaimpressãoqueeutinhaeraque a qualquer momento iria me faltar a respiração. Aos poucos fui medesprendendodaquelasensaçãoondemeussentidopareciaminexistentes.Comesforço,conseguiabrirumdemeusolhos,eemseguidaooutro.Descoordenadosaindaprocuravamabrigonaescuridão,porém,aluzquevinhadoaltoofuscavasempedirlicença,nãoapenasaosmeusolhos,masàminhaconsciência. Oqueestavadiantedemimnãomedeixavapouparesforçoseporalgunsmomentos, achei que estava sonhando. Jamais nosmeus vinte e cinco anos deidadeeuteriavistoalgotãoesplendido.Jáhaviapresenciadoauroras,ejátinhaouvido falar de aurora boreal, mas o que eu via era algo que meus olhosfotografavam e guardariam para sempre. Eu ainda não conseguia identificar oque era nuvem e o que era luz. Eu não sabia se aqueles pontos de luz erampequenas estrelas ou algum chumaço pequeno de nuvem salpicada pelosprimeirostímidosraiosdesol.Umespetáculoqueseapresentavadiantedemimdeformagratuita. Aospoucos aquelapintura ia se remodelando, criandooutras formas.Aluzdeumtomavermelhadofoiassumindoemumtomdelaranjaquecontornavaohorizontecomoseaquilo tudo fosseumdesenhonumpapel.Aquelasmarcaspareciampontosdecanetahidrocor,daquelasqueagentesóganhanoiníciodoperíododeaula.Docelembrança. Asnuvenscomeçaramaganharmais volumeeagoraaluzseespalhavadasextremidadesatéocentrodecadaumadelas,aindaagrupadasembloco.Ograsnardasprimeirasgaivotas,quechegavamparaseudesjejum,mealertavamqueodiajáestavaamanhecendo.Comeceiaidentificaraquelessonsjáquemeusouvidossepunhamtambémapostosparaaquelemomentomágico.Eunãopodiaperdernada.Claro,osomdefundoeraobaterdasondasdomar.Euestavanapraia? Minhas pernas adormecidas começaram a dar sinal de que eu estavadespertando para uma nova consciência. Eu não era mais aquele garoto quechegou na praia ao anoitecer. Diante daquela inesperada paisagem tudocomeçavaafazersentido,menoscomoeuhaviaidopararali.-Sarah!-Lembrei.-CadêaSarah? Levantei bruscamente, dando uma volta de trezentos e sessenta grauspara ver se ela estava por perto,mas nada. Tudo o que eu via era uma praiadeserta.Osolagorajáhaviasefeitosenhornaquelelugareseusraiospareciamquererme aquecer.Mal sabia ele quemeu coração começava a petrificar pelaausência de Sarah. Corri em várias direções e um certo desespero começou afazerumbarulhodoloridodentrodemim:

"Sarah,vocêpodemeouvir?Porfavor,apareça!Nãobrinqueassimcomigo..."

O barulho daquelas gaivotas estava começando a me irritar, já quedenunciavamoiníciodeumperíododesolidão.

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Sarah não estava mais lá. "O que realmente aconteceu?", fiquei meperguntandoatormentado.Minhaspernasnãomeseguravam,entãosenteiparaencontrar algum conforto, se é que eu poderia esperar por isso naquelemomento.Passeiamãonaareiacomoquebuscandoumaexplicaçãoparatudoaquilo.Oquehaviarestadoeraapenasumfiodecabelolongoenroladonaareia,quequandoocoloqueicontraaluz,pudenotarumlevetomdouradonaponta,apesardeseremcastanhosescuros.Decidificarmaisumpoucodeitadoporali,relembrandoasconversasquetivemoseosomdesuavoz,enquantopassavaofiodecabeloemmeurosto,imaginandoSarahdebruçadasobreoscotoveloscompartedaquelescabeloslindosencostandonaareia. Em passos lentos iniciei minha viagem de volta. O que agora euencontraria no caminho, ou o que me reservaria naquele lugar após essaexperiência descabida, eu não tinha ideia. Todo cuidado era pouco. Meussentidos pareciam pedir socorro. Eu precisava urgentemente de um copo deágua. Caminheiatéaestradaaprocuradeumbar,ouumalojadeconveniênciadeposto.Matarasedetornou-seprioridadenaquelemomento,algoquetivedeesperarporcercadeunsquarentaminutosatéencontrarumageladeiracheiadecopinhos compactos de aguamineral. Coloquei uns cinco copos numa sacola equandomedepareicomamoçaqueestavanocaixa,percebiqueminhacarteirahavia sumido. Revirei em vão o que eu podia naqueles rasos bolsos deminhacalçajeans.Tudoquehaviaalieramalgunscomprovantesdecomprasfeitosnocartão,oquemedavaacertezaaomenosqueaquilonãoeraumpesadelo.Olheimeio sem graça para a moça que aguardava o desfecho daquela cena. Paraacalmarmeunervos,falouquenãoestavacompressa,sabendoquenãoeratodamanhãqueummoçotãobonitochegavanoseuestabelecimento.- Esses olhos cor de mel me passam alguma doçura. - Disse sorrindo. - Seustraçosnãoparecemserdeumamericanocomum,muitomenosaquidaEureka.Estoucerta?-Sim,estouaquidepassagem.-Logopercebi!Otomdeseuscabeloscastanhos,suapelebranca,eoformatodoseurostocomessequeixolongoebarbaporfazer...-Elasuspirou.-Ecomessejeitosério...MefazlembraralgumatordeHollywood.ÉdeLosAngeles?-Sim.-Respondi.-Suapercepçãoparecebemaguçada. Eu não sabia o que me deixava mais sem graça. Se era por estar semminhacarteiranahoradepagar,fatoessequeiriamemantercomsedepormaisalgumas horas; ou porque aquela moça dava sinais vívidos de que queria mepaquerar.-Nãosepreocupe!-Disseela. -Useaáguaqueprecisarparamatarsuasedeeespero você voltar com sua carteira. Isso acontece por aqui, você não é oprimeiro. Tão logoque recebi a ordem,peguei imediatamenteumdos copinhos etomei sem respirar, o que fez com que parte escorresse sobre meu queixorespingandoaindanaminhacamisetaquejáestavapingandodesuor. Agradeciagentilezaesaíemdisparada.Meuintuitoeravoltarapraiaaprocurademinhacarteira,comacertezadequesópoderiaestarpor lá, tendoemvistaqueaosairdohostelconferideliberadamente. Voltar a praia aquelas alturas do campeonato me trazia ainda certaesperança de encontrar Sarah, porém o sol estava bastante quente e isso me

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deixavaumpoucomaisirritado,afinaleupoderianãoencontrarminhacarteira.Jápassavadasonzehorasdamanhãquandopiseinovamentenaquelaareiaeháalgunspassosavisteiminhacarteiraintacta,melembrandoqueeumoravanumpaísondeascoisasperdidassempreficamnomesmolugar.Ocidadãoamericanotemporcostumenuncatocarnoquenãoéseu,salvoquandoissoforparaajudarousocorreralguém.Pegueiacarteira,conferiseuscompartimentos,tireiaareiaimpregnada e a coloquei de volta no bolso. Comecei então minha novaperegrinaçãodevoltaatéaquelamoçagentilqueconfiouplenamentequeeuiriavoltarparapagar oque eudevia.Deimais algumasolhadaspra trás, aindanaesperançadeouviravozdeSarahmechamar. Depoisdepagareagradeceraatendente,pegueimaisalgunscopinhosdeáguaeseguiemdireçãoaminhacasa.Tudooqueeuprecisavanaquelemomentoeradeumbanhoeumacamaparaeumejogar.Talvezumpratodecomida,masissopareciamenosrelevantenaquelahora.Oquenãomesaiadacabeçaeraaesperança de avistar Sarah numa daquelas esquinas, e por conta disso, deminutoemminuto,euretorciameupescoçonaesperançadelogoreencontrá-la. Eudividiaumpequenoapartamentocomumescritoritaliano.BolivardiMilano deixou sua velha Itália havendo semudado para cá com o objetivo deescrever seu novo romance, e de alguma forma se isolar - o que também eraminha intensão. Então de cara já nos demos muito bem, visto que essa eraapenas uma de tantas outras afinidades. Gregos atraem gregos assim comoitalianosatraem...Bom,talvezeutivessesangueitalianonasveias. "Pensei que Bolivar fosse um nome de origem venezuelana", comenteiquandonosconhecemos.BolivarconcordoueexplicoubrevementequeseupaieradefatovenezuelanoeconhecerasuamãenumadesuasviagensanegóciosaMilão. Logo se casaram e Bolivar nasceu, carregando em seu nome, umahomenagemaseufalecidotio,irmãodeseupai,quemorreraalgunsanosantesnumacidentenafábricadepeçasdecarrodafamília. Bo,apelidodadopormim,tinhacabeloscastanhosclarosencaracolados,numrostoemformademeialua,deondedespontavamolhosverdesescondidosatrás de um óculos. Isso tudo lhe dava um semblante alegre - para não dizerdivertido.Elemelembravaumamigodapré-escola,semprecomseuhumoremalta,oqueajudavademaisemmomentosquemeuastraldecaía.Seusotaqueeraestilosome remetendo a Itália de vez em quando, principalmente quando eleresolvia me agradar na cozinha, com um daqueles pratos italianos que só elesabiadarsabor. Eraumcaraalto,umpoucomaisaltodoqueeu.Asvezeseumepegavaesticandoasvertebraspara tentarparecerdamesmaalturaqueele.Eele,porser alto demais, acabava curvando um pouco o pescoço. Quando nós doisconversávamosempénacozinha,seusgestosdeconcordânciadelefaziameumelembrardeumbobble-head tartarugaqueminhavó tinhano consoledo carro.Elefixavaoolharparaonada,suabocaficavaaberta,esuacabeçasacodiacomose ele estivesse escutando com a nuca. Eu sempre ria. "Qual é a graça?", eleperguntavarindotambém,porquesabiadoqueeuestavafalando. Assimquecheguei emcasa, conteiqueeuhaviaconhecidoumagarota,frisandoqueparecia ser a garotadosmeus sonhos eque eu estavadisposto areencontra-la. Com pinceladas básicas, relatei um pouco da estória, desde omomentoemqueconheciSarahnohostel,etudooquehaviaacontecidodepois.

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Meu colega de quarto me ouviu, mas estava tão concentrado em seu livroenquantotomavaseucafémornoqueparecianãoprestarmuitaatençãonoqueeu estava falando. Talvez ele estivesse compenetrado na minha estória, poisquemsabepudessetiraralgumproveitodisso,nointuitodeacrescentaralgumanarrativaemseulivrobaseadonoqueeuestavalhecontando.Umbomescritornãodeixapassarumbomenredo.Seilá,eutambémpodiaestarsupondocoisasdemais.-Nãotemnadapracomer...-Eudisseabrindoageladeira.-Temsopadefrangonumpotinhodeplásticoazul.-Aquelaquevocêfeztrêsdiasatrás?-Sim,masestáboaainda.-Deuumgoleemseucafé.-Comihojenoalmoço. Bolívar era o tipo de pessoa que acredita que se o alimento está nageladeira,mesmoforadadatadevalidade,podeserconsumido.Canseideverelecomendomaionese vencida, e quando eu o alertava, ele dizia "essas datas sãoapenasnúmeros!Seo cheiroestábom,dápracomer".Naverdademeucolegasempre apresentava uma solução para tudo. Era do tipo MacGyver, onde namaioriadasvezessuasideiasestavamrelacionadasaconsertosdecoisasvelhasenãoficavaforadissonemmesmoastaiscomidas. O que me consolava é que eu tinha uma boa desculpa para rejeitar oconteúdo do potinho azul. Eu estava fazendo umadieta alcalina, onde não erapermitido comer carnes, glúten, derivados do leite e nenhum alimento quedeixasse o sangue ácido. Basicamente, eu podia comer verdura verde, frutas(exceto asmais doces comouva,manga oumelancia), oleaginosas, cogumelos,grãos,arrozintegral,chás,leitevegetal,ovoavontade,sucoverdetodososdias,edetempoemtempoeupodiasaborearumpeixe.Foraisso,eutomavaalgunssuplementosprasuprirafaltadequalquertipodevitaminanecessária. Porqueeuestavafazendoisso?Bom,talvezeuprecisasserenovarminhascélulas,minha energia,minha consciência. Eu sentia que termemudado paraEurekanãoeraosuficiente.Eratempodemudançaseeuacreditavaqueumavezque meu corpo estivesse desintoxicado, meu espírito responderia com maislevezatambém. Por serumadietabemrestrita,me conformei emprepararumomeletecomcebolinhaebrócolis, coisaquegeralmenteeuevitavadevidoao cheirodefritura que impregnava por todos os cômodos daquele apartamento poucoarejado. Acozinhaeraconjugadacomasala,separadasapenasporumbalcãodegranito onde fazíamos nossas refeições bem acomodados, em cadeirasalmofadasdecorazulmarinho.Estas,ficavamquaseemfrenteaocorredorqueligava os dois quartos, onde cada um deles tinha uma cama de casal e umapoltronaquemais serviapara largar roupasusadasdoquepropriamenteparasentar.Umbanheiroeraoquetínhamos,edividíamossemmaioresproblemas. As paredes eram decoradas com quadros que ficavam pendurados deforma inglesa. Muitas vezes, aquelas paisagens me capturavam e eu me viaembrenhadonelas.Napartenorte,haviaumjanelãodevidro,comumapersianacinza claro. A parede principal localizada à parte leste, estampava um tomamareloescuroondeficavaaTV,comumsofáquedavadefrenteparaaporta. Aáreadeserviçoficavaaosfundos,ondedavaparaumavaranda,aúnicanaquele espaço. Pelo menos as roupas eram secadas ao sol, pois era umapartamentoque,apesardepequeno,erabemposicionadonumaruaumpouco

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retirada do centro. Istome forçava a dar algumas caminhadas, tendo emvistaquesenãofosseassimeuficariameioenferrujado,poismexerocorponuncafoimeuforte. Enquantofaziaadigestão,virei-meparaajaneladomeuquartoquedavavistaparaumterrenobaldiocheiodemato.Debruçadoeapoiandooscotovelosna soleirada janela, fiquei admirando a vista, pensando como iria reencontrarSarah. Não seria tão difícil, imaginei. Apesar de Eureka ser a cidade maispopulosadocondadodeHumboldt,estavalongedeserumaLosAngelesdaqualeuhaviavividoportodaaminhavida. O que mais me intrigava era o fato de não ter percebido Sarah seafastando de mim. Que sono tão profundome assombrava queme fez deixaraquelamulherescapar?Queestado foi aquelequemeentorpeceuaopontodepassar de um homem forte de instinto protetor, a um menino desatento quedeixouumagarotasensívelnomeiodonadaporcontadanoite? Mesentiaculpadoeaomesmotempoimpotenteeminhairritaçãodiantedessefatocomeçavaameperturbar.Minhadigestãojácomeçavaadarsinaldeque eu teria alguns problemas. Algumas pontadas na fronteme faziampensarquealgoestavame incomodandoapesardeeuaindanãosaberaocertooqueestariaporvir. Olhei paraminha cama apetitosa que pedia que eume deitasse, e sempensar, me deixei cair sobre ela como quem se joga na piscina. A quedaamortecedora sacudiu minha cabeça, e talvez por conta disso me lembrei dohostel. É claro, pensei. Por que eu ainda não fui até o Black Bear? Sarah deveestarlá. Resolvi tomar uma ducha fria e o ponteiro jámarcava quatro horas datarde.-Jávaisairdenovo?-Bolivarperguntou.-Vouatéohostel.PrecisoreencontrarSarah. Bolivar fechou o livro que estava lendo e se levantou vindo emminhadireçãocomumolharpiedoso.-Cara,nãofaçaisso.-Issooque?-Perguntei.-Nãováatrásdelaassim.Seelasaiusemdizer tchau, talvezelaprecisedeumtempoatéassimilartudoisso.Outalveznemqueiratevermais.-Outalveztenhaacontecidoalgoderuimcomela.-Eudisseassustado.-Talvezelaestejaemperigo. Bolivarpareceuacharessahipótesemuitoimprovávelpelaexpressãodeseurosto.-Peloquevocêmecontou,elaéumaviajantenata.Sabesecuidar.Alémdisso,estavado teu lado.Dificilmente aconteceria algo. Encare os fatos: ela quis sairsemavisar.Sevocêformuitoatrásdela,podeacabarcomtudo.-Eoquevocêachaqueeudevofazerentão?Eujáestavaprontoparasair.-PorquevocênãovaiatéRedwoodsStatePark?Nãofoiláqueelaesteveontem?-Foi.-Respondinumsuspirotremido.-Poisentão!VocêéummoradoroficialdoCondadodeHumboldtagora.Precisaconhecer esse parque. Fica a umas trintamilhas daqui. É lindo! Quem sabe odestinofaçavocêsseencontraremporlá.TalvezSarahsejaotipodepessoaqueacreditenoacaso.

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Pormaisquemeucoraçãoestivesseimplorandoparaqueeumelargasseaté o hostel, resolvi seguir o conselho do meu amigo italiano, que pareciaentenderderelaçõesmelhordoqueeu.-Oquetiverdeser,será,meucaro.-Concluiuele. Respirei fundo e o convidei para me fazer companhia, afinal eu estavamaiscarentedoquenunca.Jáeradeseesperarqueelenegariameuconvite,hajavisto que geralmente um escritor passeia apenas para dentro de si e que emcertosmomentosdecriação,aindaquechovacanivetes,possivelmenteelenemnotaria,amenosquealguémestivessemorrendo. CaminheicabisbaixoatémeuEscortLXazulaço,queestavaestacionadonapoucomovimentada3rdstreetdapacataEureka.Ospneusestavamumpoucovazios,masdecidiseguiremfrenteassimmesmoparanãodemorarmuitoparachegaraoparque.Meucarroeraantigomasmuitobemconservado,etinhaumcheironosbancosquemeremetiaa infância.Quandodecidimemudar,minhamãe insistiu para que eu viesse de Corolla, por ser um carromais novo, masteimeinoEscort. Eu tinhaumsentimentonostálgicoquemeprendianos anos90.Euaindatinhameusbrinquedos,meuSuperNintendocomsuasvinteeoitofitas,minhacoleçãodeLPs,eobviamente, conservaria tambémmeuEscort95,atéporque,eraocarrodomeupai. Pela janela do carro, observava algumas poucas pessoas circulando porali,oquemedariaumadimensãomaiorcasopudesseavistaralgumagarotacomascaracterísticasdeSarah.Ascasaserambasicamentepintadasnomesmotom,variando entre tons de cinza e azul claro. Isso dava a ideia de uma certaigualdadenaquelepovoado,oquemedeixavaumpoucodesconfortávelporqueprovavelmenteali,habitavampessoascomindividualidadesprópriasquetalvezencontravamcertadificuldadedeseexpressarem.Seráqueaquele"externo"eraaexpressãodoqueestavadentrodecadaumadelas?Poroutrolado,mevinhanopensamentoqueissotambémtinhaseusméritos.Deumaformageral,todospoderiam usufruir de todos os bens sem muita competição. Este fato, de ummodogeral,temlevadomuitospovosafazeremguerras,resultandosemprenamortedeinocentes. Percorri algumasmilhas até chegar noHumboldtRedwoods State Park,paisagemessaquemeencheuosolhosjánachegada.Deparei-mecomalgumaspessoas pescando num lago cristalino e algumas crianças correndo tentandotomardistânciadospais. Issomeremetianovamenteaminha infância,quandoeu corria despreocupado fazendo voar minha capa de Superman. As árvorespareciamcentenáriaspelaaltura,eunidasse fechavamentresi,presenteando-noscomumasombrarefrescante.Davaprasentirnapeleaquelefrescor,aindamaisqueofimdatardejáseaproximava. O sol repetia seu processo incansavelmente, sempre a beijar asmontanhas que ali permaneciam todos os dias - diferente de Sarah, que haviadesaparecido inexplicavelmente. Eu sentia por causa disso, uma invejaincontrolável do sol. Tão poderoso e dominador, enquanto eu, um serinsignificante e pequeno, questionado por mim mesmo pela incapacidade demanterporpertoaquelamulheremformadecanção,quepormuito tempoeuprocurava,equeescaparademimporumlapso.Pormaisqueeutentassejuntarosacordes,asnotasnuncamaisiriamcombinarentre"si"e"mi". O quemaisme incomodava é que provavelmente eume tornaria aindamais fraco, caso eu não encontrasse uma forma de compor ou recompor essa

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estória.Buscavaporumdesejoquepudesse,aindaquesópormaisuminstante,aquecermeucoraçãonaesperadecruzarcomSarah,mesmoque fosseapenasmaisumavez,napiordashipótesesemsonho. Meuspensamentoserammeusguias,porémnemsempreme levavamacaminhosqueeudesejava.Namaiorpartedotempo,euestavaemconflitocomeles e relutava para que ao menos eu pudesse cumprir e respeitar minhasnecessidadesbásicas,comotomarbanho,oucomer.Oquemaismeapetitavanomomento era cair na cama e esquecer tudo o que estava acontecendo comigo. Quandome dei conta, o parque já estava vazio. As pessoas haviam idoembora e até os passarinhos já não cantavam. Percebi num estado meioalucinadoqueerahoraderetornar.-Amanhãvouatéohostel.-Faleipramimmesmo.-Deamanhãnãopassa.

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CAPITULO4

Ainda estava escuro quando saí de casa na manhã seguinte. Fiqueiespantado com a energia que me movia naquele momento, sabendo quedificilmenteeuacordariaantesdasdeznaminhaantigavidaemLA.Pessoasatéme diziam que o sol raiava todas as manhãs, por volta de sete horas, e eurealmente acreditava nelas. Fora isso, eu tinha apenas breves recordações dossaudosos luaus na época da adolescência, que só terminavam depois do solacordar.

Meusonopor certohavia sidobemreparador.Minhaspernaspareciamplumas queme levitavam de uma forma ainda não experimentada.Me pegueisobreaquelasituação,mequestionandooporquêdessadisposiçãorepentina.Aresposta me chegava quase que instantaneamente, é claro. Eu caminhava emdireçãoaohostel,naesperançadeencontrarSarahnovamente. As ruas da cidade, ainda desertas, davam sinal de quietude total numcenário vazio e apocalíptico. Os semáforos, sempre em alerta, se preparavamparamaisumdiaintensodetrabalho,easvezeseutinhaaimpressãoquecaiamdeles fachos de luz que se espalhavampelo chão, principalmente por onde eupassava.Emmeio aquelesdevaneios, avistei aplacadoBlackBear,medandocontadequeeuhaviacaminhadoatéaliemmodoautomático. Era possível ver o hall de entrada através das grandesplacas de vidrosque preenchiam a fachada do hostel. Havia uma sequência de três pinturasabstratas penduradas na parede. Imaginei que talvez a coleção de tintas dopintor estava escassa quando ele pintou aqueles quadros. Só haviam tons devermelho e amarelo, que juntos ganhavam o laranja de brinde. "Talvez com odinheirodaquelesquadrosopintorconseguiuaumentarsuacoleçãodetintas",pensei."Outalvezelegostemesmodessascores".Ohostelpareciagostar. Os vidros da fachada eram preenchidos horizontalmente com umapelícula foscatransparentequevinhaatésuasmetades. Logoacimae tambémdomesmomaterial fosco, haviam silhuetas de ursos robustos em fila indiana,tornandoaquelavitrineinconfundível. Seguindo namesma linha de raciocínio, nãome surpreendi quandomedepareicomumgrandeursopretoesculpidodemadeiraque ficavaao ladodobalcãodarecepção.- É para assustar possíveis ladrões noturnos. - Disse a recepcionista num tomsimpático.-Pelovistovocêsabremohostelbemcedo.-Comentei.-Nuncafechamosnaverdade.Aquié24horas. Euprecisavadarumaintroduzidanaconversaantesdechegaraondeeuqueria.-Evocêéacorujaprotetoradohostel?-Perguntei.-AmyFoster.GeralmentemechamamdeAmy.-Dissesorrindo.-AndrewRaven.-Falei. Umestalofezeunotarquehaviamdoisjovensjogandosinucanasaladeestar do hostel. Haviam duas longnecks repousadas numa mesinha ao lado,anunciandoqueafestahaviasidolonga.-Alguémtemquecuidardelesné...-Observei.-Nemmefale.Sódeverelesbebendoaessahoradamanhãjámedáazia.

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Um pouco perturbada, Amy esperava eumemanifestar do por quê umjovemsemmalasestariaaliaquelahoradamadrugada.-Então,Sr.Raven,comopossoajudá-lo?-Naverdadeeunãovimmehospedar.Moroaquinacidadee... Por um instante me perdi no meu raciocínio enquanto a recepcionistaparecia aguardar minhas palavras como se eu fosse um estrangeiro que nãosabiafalaringlês.-Bom,umaamigaminhaestáhospedadaaquinohosteleeuvimvisitá-la.-Comoéonomedela?-Sarah.-Dahl?-Perguntou.-Issomesmo.-Faleialiviado.-Elafezcheckoutontemdemanhã.Pareciaestarcompressa. Meucorpogelou.-Vocêpodemepassarotelefonedela? Amypressionouoslábiosmexendoacabeçaemnegativa.-Infelizmenteeunãopossopassardadosdosclientes. Nãomelembrodeterfaladonadadepoisdisso.Provavelmentepasseiporum grosseiro pela forma que gesticulei ao sair pela porta de vidro, quedenunciavaomeuandarpesadoatéeusairdevista. Senti falta do meu Escort quando dobrei a esquina. Eu parecia nãosuportarmais um instante dentro demimmesmo e sabia que seria um longocaminhoatéemcasa.Minhaspernasantesplumas,agorapesavamcomo ferro,parecendo rangerminhasarticulaçõesenferrujadasa cadapasso.Eu sabiaqueeunãoconseguiriavoltarparacasaassim. Os semáforos continuavam lá, piscando para mim como se estivessemzombandodaminhacara.Euirritado,sóqueriasairdacidade,irparaumlugarondenãohouvesse"sinais"dehumanos.Eusabiaqueminhasaídaseriaapraia,atéporqueassimeuficariamaispróximodeSarah. Meuspassosemcontatocomaquelaareiapedregosaecoavamumrangercompassadoqueficavamformandonotasaosmeusouvidos.Aquelesruídosemformademelodiaquebravamosilêncio.Aindaestavabemescuro.Caminheiatéumcantodapraiaondehaviamgrandespedrasdistribuídasnaareia.Algumasdelassubmersasnumaáguacristalina,quemesmonoescuropodia-severacorda areia, que aos poucos ia se perdendo na medida em que a profundidadeaumentava.Aquelasluzes,queoutroradespencavamdosemáforo,pareciamtermeseguidoeseacoplavamdemaneirauniformesobreaquelaágua.Asvezesemtonsverdeseamarelosqueserevezavamcomacorvermelhoescarlate.Aquiloera tão surreal e aomesmo tempo tãopalpável paramim, que fiquei por ali acontemplarsempressaatéqueodiaamanhecesse.Escolhiumadaquelaspedrasparamesentar,talvezamaisaltaemajestosadali. PenseiemSaraheumcertodesânimocomeçouatomarcontademim.Eulembrava de seu cheiro, de sua voz. A água límpida, o cheiro da manha seaproximando,tudoaquilomisturadomeconfundia.Imersonaqueleestado,comoas pedras, não percebi nada mais além de mim. Foi então que uma vozinterrompeu meus pensamentos. Era uma voz grave e decidida, que naquelemomentosooumaiscomoumassalto:-Atéquehorasvocêpretendeficaraí?

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-Perdão?-Eudissemevirandoparatrás. A vozpertencia a um senhordemais oumenosummetro e setentadealtura,queaparentavaunssessentaecincoanos.Eraforteerechonchudoetinhasuabarbagrisalhaporfazer,oquedava-lheaimpressãodeterumcertopoder.Ele vestia uma camiseta preta demalha que usava por fora de uma bermudamarrom até os joelhos. Os sapatos pareciam de gente velha, já um poucodesbotados,enãocombinavamnemumpoucocomsuasmeiasbrancaspuxadasatéascanelas.Seusolhoseramnegroscomoasombra.Porincrívelquepareça,seus cabelos, apesar de grisalhos, ainda estavam intactos. O tempo havia sidogenerosocomele.-Atéquehoraseudisse.-Continuou.-Essapedraquevocêestásentado.Essaéaminhapedra. Notei que ele tinha um inglês britânico cerrado, provavelmente daInglaterra.-Ah,entendi.Nãosabiaqueissoeracomumaquinessacidade.-Ébemcomumparamim.-Comentou. Melevantei.-Tudobem,eujáestavadesaídamesmo.-Estavaesperandoalguém?-Interrogou.-Naverdadeestava.Mastalvezelanãosaibadisso.-Naverdadeelasabesim,Andy. "Comoelesabemeunome?",pensei.-Comovocêsabemeunome?-Repetiemvozalta.-Seimuitomaisdoquevocêpensa... Solteiumarisadanervosa.-IssoéalgumapiadadoBolivar?-QueméBolivar?- Okay - Eu disse enquanto entregava ao senhor meu relógio e já tirando ocasaco. -Tudooque tenhodevalioso.Senão forpedirmuito,gostariade ficarcommeussapatos,poisacaminhadaé longaatéemcasa.Sãosapatosdevintedólares...Evelhos...-Nãovimaquiparapegarsuascoisas,rapaz.-Eledisse,seafastando.-Sóquerominhapedra.-Estáfalandosério?-Sim...Estapedra,nestehorárioéminha.-Vocêvemsempreaqui?-Estámecantando?-Perguntouosenhor,comumolharsarcástico. Apenasbufeiemburrado.-Sim,todososdias.-Elerespondeu.- Ok - Falei pegando de volta meu relógio da mão do senhor e dando-lhe ascostas.-Vocênãovaimaisencontrá-laseforporessecaminho. Virei-meparaele.-Como?-Sarah.-Eledisse.-Comovocêsabedisso?Vocêaconhece?-Naverdadeconheçovocê.Vamos,querotemostrarumacoisa. Indignadoemuitoconfusoperguntei:-Eapedra?

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-Esqueceapedra.Siga-me. Seu jeito de caminharme lembrava umprofessor de filosofia. Dava praverqueocaraconfiavanelemesmo.Seuspassoseramfirmes,massuaspassadasleves.Ficava imaginandocomoseriamasmarcasde suaspisadasnaareia. "Eupoderiasegui-lo",pensei. Comotudoaconteceudeformatãoinesperada,euprestavaaatençãoemcadadetalhe.Mesenticomouminsetoreceosoquesedeparacomumagrandeteia,sabendoqueumavezpreso,dificilmenteconseguiriaescapar. Entramosnuma trilha emdireçãoàumamontanha.Passei amão sobrealgumasfolhasdecapinsquesedebruçavamnocaminhodandoindíciosdeque,apesar de leves, eram obstáculos que chamavamminha atenção. Podia-se veralgumasgotículasdoserenoacumuladaspelanoiteanteriorque,sobaclaridade,aospoucosiamtomandocontadaquelelugar,brilhandocomoluzincandescente.Grilos meio amarronzados nos surpreendiam saltando em nossa frente comoguias que pareciam querer indicar o caminho. Preferia que fossem verdes,porquecomominhamãesemprediziaqueelestraziamsorte. Chegamos à pedra que nos levaria ao topo. Tive a impressão de estarpassando por um portal invisível. Por conta disso, senti um arrepio no courocabeludo seguido por uma sensação de formigamento em todo meu corpo,principalmentenassolasdospés,quepareciampisaremespinhos. Eu estava bastante incomodado. Ao mesmo tempo que eu sabia queprecisavamedirmeuspassos,e/ouminhaspalavras,algomeimpulsionava,meempurravaparaaquelepenhascoqueumahoraououtraeuprecisariaencarar. Eu me perguntava quem era aquela figura tão estranha, e porque eleestaria me conduzindo até lá. Eu procurava o Porto de Humboldt Bay, com acertezadequeavistadariaparaacidade,masmevidiantedeoutrarealidade,concluindoqueesteeraomotivodeestarmosali.-Cadêacidade?-Qualcidade?-Perguntoueleemmeiosorriso.-Eureka!- Foi isso que Arquimedes disse quando descobriu aquela questão sobre adensidadedoscorpos.Jávocê,aindanãodescobriunada.-Oque?Não,não!Eureka,acidade!-AquinãoéEureka!-Exclamouele.-Bom,masondeestávamosera! Demorei alguns instantes para digerir as coisas que aquele estranhoacabarademefalar.Fuitomadoporumcalorinstantâneo,deixandoclaroqueosanguesubiaparaminhacabeça.-Equemévocêpradizerqueeuaindanãodescobrinada?Poracasotemalgoqueeuprecisodescobrir? Aquele senhor parecia não se incomodar nem um pouco com a minharaiva.-Estánumaencruzilhadaemeperguntaoqueprecisadescobrir?-Perguntou.-Nãoestouavistandonenhumaencruzilhada.-Respondiconfuso.-Sempreestamosdiantedelas.Sóvocênãopercebe. Olheiparaapaisagem.-Massóvejoumcaminho.Paraondeestamosindo?-Paraondevocêestáindo.-Frisou.-Evocê?

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-Eu?-Disseele,irônico. Euestavaficandotonto.Oarpareciapesado,principalmentequandosaiade minhas narinas que ardiam como se estivessem queimando. Eu não sabiaonde estava e nem quem era aquele sujeito me indagando com ar desuperioridade. A única certeza que eu tinha era que tudo isso era nomínimomuitoestranho. Euqueriadarmeiavoltaembuscadocaminhoparaapraia,seéqueeuconseguiriavoltar,porqueoqueeuavistavaeraapenasumpenhasco.Eunãoviaqualquer saída.Oqueeu tinhaalémdissoeraminha imaginação,queme faziapensarporuminstanteque,seeurealmentefosseumcorvoefizessejusameusobrenome, bateria minhas asas e sairia dali sem maiores esforços. De olhosaindafechados,procureiumpontodeluzquemeapontavaumasaída.Sentiumaespéciedecalafrio,daquelesquenoschegamquandoperdemosocontrole.-Olhaesseabismo.Oquevocêsente?-Perguntou.-Sintomedo!-Eujáesperavaporessaresposta. Fiqueiirritado:-Eporqueperguntou?-Queriatercerteza.-Certezadeque? O senhor demorou alguns segundos para encontrar palavras que mefizessementender.-Esselugaréondevocêseencontra,rapaz.Oabismoéoquevocêtem:oúnicocaminhoparaencontrarSarah. Pendiminhacabeçaparao ladonointuitodeassimilarmelhoroqueeuacabavadeouvir.-Fecheosolhos,garoto.-Disseele. Torneimeuolharparaele,indignado.-Porqueeufariaisso?Vocêpodemeempurrarnessepenhasco.-Seeuquisessefazerisso,podiafazercomvocêdeolhosabertos.Vamos!Fecheosolhos.-Insistiu. Fechei os olhos confiante e quando os abri, eu estava sentado naquelamesma pedra de antes, sozinho e engessado, onde aquela paisagem congelavadiantedemim.

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CAPITULO5 "Será que meditei ao ponto de alucinar? Será que dormi sentado poralgunsminutos?Provavelmente", consolei-me.Euhaviaacordadocedodemais.Aochegaremcasa,simplesmenteapaguei.Foiumsonoprofundo,achoquenemsonhei,esesonhei,nãomelembro. Logoqueacordei,medepareicomumpostitverdefluorescentesobreamesa, ao ladodeumrestode café com leite.O recadoera curtoegrosso: "Fuiviajar". Bolivarmuitas vezes agia comoumgato. Volta emeia ele desaparecia,semdizerparaondeia.Eununcasabiaquandoelevoltaria,esevoltaria. ApesardeeutermemudadoparaEurekajustamenteparameisolar,medavaumacertaangústiaquandoeuestavasó.Aqueleapartamentopequenosetornavagrandedemaisparamim,equandoeumesentiasozinho,Bolivareraapessoa que me tirava da solidão, mesmo que não fossemos tão parecidos emcertas coisas. Ele não era o tipo de amigo que eu podia falar sobre o que euquisesse.Certosassuntoseuevitavafalarcomelepoissabiaquenãoentenderia.Poroutrolado,eraumaótimacompanhiaparadarboasrisadas,razãopelaqualeutoleravaseuladoobscuro,seuladogato. Largueiorecadodevoltanamesa,melembrandoquehaviaumasegundaopção para momentos como aquele. Esta opção era The Greener, e ficava apoucosquarteirõesdali. TheGreenereraumpubtípicoirlandês.Onomejámefazialembrardasextensas fazendas verdes que visitei pelos arredores deGalway certa vez commeu pai. As paredes externas eram pintadas de verdemusgo, com bordas degessocontornandoasjanelasantigasdemadeira,restauradasebempintadasdepreto.Aportadeentradaeralargaepesada.NelaestavaesculpidoodesenhodeumaovelhasegurandoumapintdeGuinness,oquedealgumaformafaziaeumeperguntar que tipode imagemeupassava lá dentro: deumaovelha oudeumpastor.Ointeriordopuberadeumgostobempeculiar,poisadecoraçãoeraumtantoquantopesada,easluzeseramamareladas,oquedeixavatudoaindamaisescuro.Asparedesdedentroeram forradascommadeira,provavelmenteparamelhorar a acústica do ambiente. Nelas, haviam quadros com dizeres, fotos epinturas,cadaumcomumamolduradiferente,emtodososcantospossíveis,aténasparedesdosbanheiros.Nobalcãodobar,luzesverdesdeLEDcontornavamasprateleirasdevidroonde ficavam os whiskies, vodcas russas e outras bebidas especiais que setornavamfosforescentesquandoiluminadas.Ospedidoseramfeitosepagosnomesmo balcão que ocupava a parede inteira da esquerda, terminando em suaperpendicularquedavade frenteparaaportadeentradadopub.Nesta,haviaumrelógioonde,no lugardosnúmeros,haviamdozeespéciesdepássarosquecantavamquandoashorasmudavam,cadaumcomseurespectivosom.Emumadasparedesondenãohaviamjanelas,aspessoascolavamcartasdebaralho com suas assinaturas ou dizeres. Era intitulada como a “Parede dasCartas”. Esta já estava completamente coberta por reis, damas e ases,principalmenteases.Atéofinaldetodanoite,algumascartassempreacabavamcaindono chão, sendopisoteadas e atémeladas de cerveja. Estas eram limpas

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sempre commuito cuidado para não apagar o que estava escrito nelas. Todaseramrecolocadasnolugar,sendopregadasnovamentecomtachinhas. TheGreenereraumdosmaisfamosospubsdacidade,earazãopelaqualeufrequentavanãoeraparabeber,comoagrandemaioriacostumavafazer.Euofrequentavaparapraticarpiano, jáquenoapartamentosótinhaumtecladodecincooitavasqueeutrouxedeLosAngeles. O bar ainda estava fechado quando eu cheguei, mas logo que olheiatravésdovidro,pudeleroslábiosdeMarlenechamaremmeunome."Andrew",acenouparamim,caminhandoempolgadaemdireçãoaporta. Nossa amizade era de longa data. Marlene Green havia sido minhaprofessora no jardim de infância,mas há alguns anos semudara para Eurekaparaassumirobardeseuspais,jáqueosmesmosjáestavambemvelhinhos. Umadasprimeirascoisasquefizaochegarláfoiprocurarporela,quemedeu todasas referencias antesdeeume instalar.Foimuitobompodercontarcom sua ajuda, pois eu não sabia nada sobre essa cidade. Ela sempre foi umapessoaprestativa. Lembro-me dos tempos de criança, quando partilhávamos experiênciasjuntos.Elasempretomavainiciativa,inventandosemprenovasbrincadeirasquenãoeramusadasapenasemnossa turma,maspor todaaescola.Nuncamediuesforçosparaajudarosoutros,característicaquemantinhaatéhoje.Atualmenteébastanteraroencontrarmospessoasassim. Eladealgumaformapartilhavacomigodealgunsconceitosbásicossobrenossa existência, o que de certa forma nosmantinha conectados. Trocávamosideiassobre tudo,mas tínhamosumsonhoemcomum: levaraboamúsicaaosarredores do mundo. A gente achava, em nossa sã inocência, que se nosengajássemosemalgumprojetodeste tipo,poderíamosaospoucos irminandoasmúsicasdemáqualidade.Tínhamosapretensãodemudarosomdomundo.Dialogávamos sobre a metáfora do balde, onde se fôssemos colocando águalimpaali,aofinaltodaaaguasujairiaseextinguireaagualimpatomariacontadesseespaço. Marlenesempreapreciouaboamúsica,nãoeraa toaquemantinhaumantigo piano em bom estado logo na sala principal do bar. Este era alvo demuitosboêmiosqueporalipassavam.Aacústicadolugarfoitodaprojetadaporseupai,umacaraquededicou-seavidainteiranoramodosnegócios,masquetinhaopianocomoseuhobbyprincipal.Aosoitentaeseisanosdeidade,aindatocavadeouvidoasbelasmúsicasdeChopineDebussy.AúnicapartituraqueMarlenehaviaguardadoeraAutumnLeavesdeJosephKosma,apreferidadeseupai.Arelíquiaestavaenquadradaependuradalogoacimadopiano. Marlene sempre foi uma mulher forte. Seu porte físico aparentava ummetroesessentaecincodealturaemumamassadeunssessentaquilos.Seuscabelos encaracolados iam até os ombros, em tom avermelhado e poucoajeitados. Suas vestes lembravam roupas de brechó, num tom colorido quealternavamcoresnadasemelhantes.Aspeçasnãocombinavamentresi,masessejeito alternativo denunciava que não era sua prioridade ficar se embelezando.Estavavisívelqueesseseujeitoeraprópriodeumapersonalidademarcante.

Marleneficavacontenteemmevertocar.Diziaqueissofaziacomqueelavoltassea infância,onde ficavaporhorasouvindoseupai.Asvezesadormecia

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sentadanochãoembaladapelosomdopiano.Alémdisso,eraumalentopodermeouvirenquantolimpavaabagunçadanoiteanterior. Eu podia estar apenas treinando escalas, ou exercícios de velocidade, eMarleneelogiavacomamesmaenergiadasvezesqueeutocavaumconcertodeMozart. Ela era uma das únicas pessoas que realmente torciam para que ascoisas dessem certo paramim, e sempre que podia, ela elogiava, mesmo sementenderoqueeuestavafazendo.-Estequadroénovo?-Perguntei,apontandoparaele.-Queeusaiba,sempreesteveaí.-Respondeu,brincando. Caminhei em direção ao piano, desconfiado. Algo parecia diferentenaquelebar.Senãoeraoquadro,oqueera? Marlene confirmou: tudoestavaexatamentenomesmo lugar.Asmesas,as cadeiras, até as antiguidades que elamantinha em cimadopiano.Mas algoparecia diferente: eu estava vendo e sentindo as coisas de uma maneiradiferente. Aomeposicionar na frente do piano, pude sentir o toque das teclas demarfimnaspontasdosmeusdedos,quepareciamestarconectadoscomopiano. De repente, entrei em modo automático, onde minhas mãos eramescravasdeminhamente,etudoqueantespareciaestarbloqueado,começouafluir comonuncahavia fluido antes.Um simples exercício de velocidade foi setransformando em um conjunto de notas perfeitas, que agora passavam a serminhaprimeiravalsacompostaemEureka. Meus dedos pareciam pingar nas teclas como gotas de cristal, trazendonitidamentebonstemposdevolta.Notasalegrescomouma infância,quedeixadeserinfânciaepassaaserapenasumalembrança.Eraassimqueeumesentia.Comsaudadesdasboaslembranças,perdidonopresenteesemperspectivaparao futuro. Notas que por alguns instantes se misturaram com palavras queecoavamporentreamelodiaqueeutocava:

"Andy,vocêéumgênio",disseMarlene."Umgêniodamúsica" Lembreidemeupai.Eusentiasuafalta.Suamortepareciaterlevadoalgodemimparadentrodacova.Eusentiafaltademimmesmo,dequemeujáhaviasido um dia, um menino feliz que preenchia cada minuto de seu tempo comcriatividade. Eu era órfão. Isso era um fato. O problema era que apesar de euinvoluntariamenteteraceitado,eutinhaaimpressãodenuncaestarinteiro.Eusempre me pegava em momentos de quietude, querendo desesperadamentepartilhar com ele meus erros, meus acertos, mas o que me deixava maisangustiado era não poder fazê-lo ouvir asminhas canções. Cada verso que eucompunhaeusentiavontadedemostraràele,enãoforampoucasasvezesqueeuentravanessetranse:tocavaporhorasamesmaestrofecomoseeleestivessealipresenteameouvir. Teve vezes que, de tão sugestionado que eu ficava, ele parecia tocarcomigo,trazendoumacordeamais,asvezesatémeioforadotom.Eutinhaumanecessidadetãograndedeteressesmomentoscomele,quenãoforampoucasasvezesqueeuenchianossocarrodeinstrumentosnasfestasdefamília,paratocarasminhasmelodias.Euqueriaserreconhecido.Ansiavaporaprovaçãodosmeusfamiliares,comoseissofossealiviaraquelador.Todasasvezesquefizissovoltei

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pra casa frustrado.Nuncaencontrei entreeles - a famíliaquemerestava -umpoucodecompaixãopelaminhamúsica,excetominhamãequeaomeajudararecolher aquela aparelhagem, silenciava minha dor para que eu não sofressealém da conta. Talvez por isso eu ficava tão entusiasmado quando alguém, ouMarlene,escutavaaquelesensaioscomocoração. Naquelatarde,umturbilhãodeemoçõesseespalhoupeloscantosdoTheGreener,comoumagaroaquecomeçadeleveaflutuarsobrenós,eque,quandomenosseespera,setransformaemgotaspesadasdechuva.-CrystalDrops-Eudisse,convicto.-EssamúsicasechamaráCrystalDrops. Saídopubumtantoentorpecido.Minhaconsciênciapareciaalterada.Nãoporque eu havia consumido algo que pudesse me deixar naquele estado, masporqueaquelacomposiçãotinhamecausadoumaespéciedeinquietação. Eu precisava me acalmar, mas o frio do Outono parecia não querercontribuircomigo.Eunãoestavamuitopreparadoparao friodeEureka,eporcausa disso, meu corpo tencionava e sentia necessidade de se movimentarconstantementeparaseaquecer. Ajeiteiobancodocarro,conferioretrovisorinternoeaoarrancarocarropercebi a ausência do espelho retrovisor externo esquerdo. Saí do carroapressadamenteeviqueestavaquebradonochão.Recolhitentandoreencaixarem vão, pois o suporte estava completamente imprestável. Guardei no portamalasdocarroenquantopensavacomoiriadirigiratéemcasadiante daquelasituação,comoeuiriacontrolarofluxodecarrosemsegurança.Fiqueibastanteirritado. Resolvisairdevagar,poistodocuidadoerapouconessahora.Pareciaqueeu tinhaperdidoummembro.Meusolhos atentos tinhamde fazerumesforçoredobradonaquelemomento.Opteipelapistadaesquerda,poisassimnadameultrapassaria. Porém, dessa forma havia um outro desafio: a velocidade. Oscarros apressados com sinal de luz alta me pressionavam para eu acelerar.Recueiparaapistadadireitaquandoavisteiumcarrodepolíciasinalizandoparaeuparar.Meucoraçãoacelerou,esemoutrasaída,pareinoacostamento.- Boa noite, rapaz! Percebi que está tendo problemas. O que houve com seuespelhoretrovisor?- Me deparei com ele quebrado há menos de cinco minutos. Provavelmentealguémbateunomeucarroquandoestavaestacionadoefoiembora.- Issonãoémotivoparavocêdirigirsemretrovisor.Ocarronãopoderiaestarrodando nesse estado. Você está colocando sua vida e de outras pessoas emrisco.-Medesculpe,euiriaconsertarlogoque...-Carteiradehabilitaçãoedocumentodocarro,porfavor.-Interrompeu. Cumpri a ordem sem pestanejar.Meus batimentos cardíacos estavam amil e, por alguns instantes, eu não sentia minhas pernas. Fiquei encarando ovolante, evitando olhar para o policial, que ao contrário demim,me encaravacomabusodeautoridade.- Eu deveria apreender o seu veículo,mas para sua sorte, estou tendo umdiabom. Respireifundo,melembrandoquerespirarerapermitido.-Vouacreditarnoquevocêdisse.Sódestavez.Leveseucarroparaoficinalogoquepuder.Dapróximanãopassa. -Disseele,meentregandoumaadvertência

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porescrito,eumamultaconsiderávelquemeobrigariaacomerfast-foodpelospróximosdoismeses. Seguipelaestradaescuraomaisdevagarpossível,semsabercomominhapernadireitaaindaconseguiacorresponderaoacelerador.Fiqueiinconformadocom o que acabara de acontecer, me punindo por dentro por saber que eupoderia terevitadoaquelasituação.Eupodiasimplesmente terpegoumtáxiedeixado o carro lá até ser resgatado, mas a vida nos prega peças e naquelemomento seria inútil tentar entender. Quando você não está bem, acabatomando decisões equivocadas. Aquela situação foi completamentedesnecessária, mas agora era tarde demais. E eu não podia nem contar paraminhamãe. Euestavacomfomeesede,eminhacabeça jácomeçavaadarsinaisdemal estar. Minha visão ficou turva – sinal de que se aproximava umadesagradávelenxaqueca.Eunãoestavaenxergandonadamuitoalémdemimeissomepreocupava.Viaapenasumaescuridãoqueiadeixandoparatrás,comolembranças sendo esquecidas pra evitar sofrimentomaior. Eu via uns poucosmetrosdiantedemimqueeutinhaquetrilhar,porémsemperspectivas. Penseinaquelesenhorqueencontreinapraiaefiqueimeperguntandooqueelemediriadiantedessefato.Talvezeledissessequeerahoradeparardeolhar para trás, e depois soltaria uma risadinha sarcástica. De alguma forma,perderoespelho retrovisorparecia serumapegadinhadodestino.Parecia serumsinalmedizendoparaeuparardepensarnoquejápassou. Aúnicacertezaqueeutinhaéqueagora,comousemespelhoretrovisor,euestavaenxergandomenos.Nãoapenasporqueeunãopodiaveroqueestavaemminhavolta,masporquemeuestadodedesânimoedesalentomeimpediamdeveroqueestavaemmeu interno. Issomepareciaumcertograudemiopiaemocional.Eusentiaqueestavaadoecendo. Paraminhafaltadeazar,haviaumaoficinapróximadaminhacasa.Nãodemorounemmeiahoraparaqueomecânico consertasseo estrago, e issodecerta forma amenizouminha raiva.O problema foi ter que pagar caro por umerroqueeunãohaviacometido. Umecosepropagounasaladeentradaquandogireiachavenaportadecasa.Asalacheiravaamofoeporuminstantepareceuestarmaisvaziadoqueonormal.Nemacendialuz,poispreferimeimaginaremcasa,emLosAngeles.Umladomeumepediaparavoltar,masoutromefazialembrarquenãoseriamaisamesmacoisa.Nofundo,nãoeraasalaqueestavamaisvaziadoqueonormal.Euéqueestava. "Onde eu fui me meter?", pensei, indo em direção a janela. "Por queescolhiestacidade?". Abria janelacomasensaçãodeestaraumentandoovolumedeumsomqueestavasemprealisemeuperceber.Ocricrilardosgrilosanunciavaofimdosilêncio.Medeiteinosofá,efiqueiadmirandoocéuestrelado,omesmocéuquehápoucosdiasatráseuhaviacontempladocomSarah.Torneiminhaatençãoaosomdosgrilos,queaospoucosmelevouparalongedali. "Andy,vocênãoestásozinho",disseumavozdoce.Respirar fundo foiaúltimacoisaquemelembrodeterfeitoantesdeadormecer.

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CAPITULO6 Um faixo de luz penetra através da janela. Adentrameus pensamentosqueemdesassossegovibramnaminhacabeçacomotambores.Sãosonsouvidostodas as manhas por aqui quando começa mais um dia nessa cidade. Algunscaminhões levando o lixo, ônibus escolares parando de ponto em ponto ealgumas ambulâncias anunciando que alguém está em perigo. Salto da camacomoumgrilo assustado fugindode umpredador, ou como embusca de umapreza. Abriageladeiracommuitafome,massótinhaumrestodemacarrãoqueBolivarhaviafeitoDeussabeláquando,mostarda,eumasbananasvelhas.Sempensarmuito,pegueiachavedoEscortesaí semdestino,pensandoemcomeremalgumlugarforadacidade. Procurei sintonizar uma radio, e acabeime deparando comNoTimeToThinkdeBobDylan,umacançãosempremuitobemvindanumaestradavazia. Euestavaaprocuradeumlugaragradávelparatomarumcafédamanhaamericano completo. Eu precisava tirar meu estomago das férias, e lembrá-loqueelepodiasimdigeriralgomaispesado.Eubuscavaalgoquesecomparasseaos cafés de Los Angeles, talvez porque fazia eu me relembrar das conversasdivertidascomminhamãe,quesempremelevavanesseslugaresaosdomingosdemanhã. Emmeioaestasrecordações,avisteiumalanchonetedebeiradeestrada,unsvinteminutosdepoisdesairdecasa. Logo na entrada, havia um jukebox piscando suas luzes coloridas, naesperadeumamoedaquefizesseelecantar.Opisoxadrezrefletiaaslâmpadastubularesfluorescentes,revelandoumalimpezaimpecável. Aopassarpelaportadeentrada,eracomoseeutivessevoltadounstrintaanosnamáquinadotempo.Haviamboothseatingsvermelhosdeplástico,umdefrente para o outro, separados por mesas de alumínio. Não era a toa que alanchonetesechamavaTheEighties. Saboreeiumgostosocafédamanha tradicionalamericano,combaconeovos, panquecas commanteiga, café e suco de laranja espremido na hora. Eurealmenteprecisava sentir omeuestômago cheio e saciado. Já faziammaisdedoismesesqueeutinhacomeçadoadieta. Depoisdesaciado,resolvifazeradigestãodandoumacaminhadanapraiadesertaqueestavalogodooutroladodarodovia.Haviaumaplacadizendoqueera proibido acampar na praia. Eu nem sabia onde eu estava até avistar um"Bem-vindoàClamBeachCountyPark".Eueraumturistaagora.Nãotinhacomonegar. Logo a minha frente, haviam algumas gaivotas rondeando uns peixesmortosna areia entreuns troncospodresde árvore.Asnuvenspareciamumaredomaque se estendia por todo o CondadodeHumboldt, deixando o dia e ohumor das pessoas nublado. A areia estava escura e cinzenta, e de longe seconfundiacomomar."Diatípicoparaumataquedetubarão",pensei.Umcenáriodessesgeradesvantagensparaapreza.-Diaestranho,nãoacha?

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Senti um frio repentino, virando-me rapidamentepara trás. Paraminhasurpresa,aquelemesmosenhorestavaempédebraçoscruzados,meencarando.-Quemévocê?Porquenãoestánasuapedra?-Pergunteiaele,meestapeandono rosto e piscandodescontroladamente, como se estivesse procurando voltarparaarealidade.-Eusouoloucodapedra...-Disseeleemtomfantasmagórico.-Pelaúltimavez,medigaseunome!-Bom,vocêpodemechamardeCavaleirodosSonhos.Écomomechamamporaí.-Issoéalgumtipodepiada?–Risarcasticamente.-Sósevocêquiser.Vaimedizerquevocêaindanãoseligouqueestásonhando?Issosiméumaboapiada!Hahaha!-Ahn?-Bom,na realidadedevoparabenizá-lo, poisnãoéqualquerumque conseguedarcontinuidadeaseussonhos.Vocêtemodomrapaz!Hahaha!-Oquequerdizer?-QuerdizerquevocêsonhoucomSarah.-Eledisse.-Nãoestouentendendo...-Foiapenasumsonho.Nãoaconteceunavidareal. Demoroualgunssegundosparaamensagemchegaraomeucérebro.-Comoassim?QuerdizerqueeuterencontradoSarahfoiapenasumadrogadesonho?Quelogoireiacordarparaafrustranterealidade?-Opa,opa!Peralá.Equemdissequeistoaquinãoérealidade?Teprovocomoestafacanabarrigairádoerbastante!-Ah!Euvouembora!-Não,não,espererapaz!Nãoquisofendê-lo!Estouaquiparaajudá-lo!-Émesmo?Entãoenfieestafacaemmimemefaçaacordar!-Issonãoadiantaria.Vocêsangrariaaqui...Hahaha!Nãovaiacordaratéeudarasordens.-Oque?AhmeuDeus!Ondeeuestou?Quelugaréesse?Comovimpararaqui?- Calma, calma! - Exclamou o Cavaleiro dos Sonhos. - Você está mordendo osegundopedaçodoboloantesdeengoliroprimeiro! Suametáforacomcomidameirritoucompletamente.-Entãoeunemsaídecasa?Devoterperdidoasanidade!-Gritei-Jánãochegaaguentar a vida real e quando eudeito para dormirmedeparo comumvelhomalucodizendocoisasmalucas!Istoéumpesadelo!!!

Neste momento em que eu surtava, fui interrompido por um barulhoinsuportável e estridente.OCavaleirodosSonhos tocavaagudoseharmônicosem seu saxofone, enquantodançavadandopulinhos emminha volta comoumduende maluco. Se isto era um sonho, parecia ser sobre uma espécie demanicômio, onde cada minuto que se passava, as coisas pioravam. O barulhoatingiameustímpanoscomoumtiro,eeu?Bom,euestavaexausto.Se issoeraapenasumsonho,eutinhacertezaqueeuprecisavaacordar.-Tudobem, tudobem! Já chega. Jáquenão tenho saída, calei. – Sentei-meemumapedraecruzeiosbraçoscomumarnegativoeperturbador.- Rapaz,me escute. Eu sou seu guia. Estou aqui para ajudá-lo. Você só precisaconfiaremminhaspalavras! Abaixeia cabeçadesviandoosolhos.Porummomento,eunãoviamaisnada.

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- Você está diante de um abismo. Precisa construir umapassagemou recuar -Disseele.-Eoqueeudevofazer?-Venhacomigo!Ireilhemostrarocaminho.LáhaveráumaArca!-Arca?–Retruqueicheiodedúvidas. Aquele sujeito seguiu emminha frente eme levou até uma canoa ondehaviaumcanalqueseestendiaparaomar,rodeadoporimensasmontanhasquerefletiamocéucomoumespelhomágico.OCavaleirodosSonhosremavadepéaquele barquinho velho, dando a impressãodeque conhecia o lugar comoumnativo. Eu estava inconformado em saber que o encontro com Sarah não sepassavadeumsonho.Eunãoachavasercapazdecriarumamulhertãoincrívelapenascomminhaprópria imaginação.Poralguns instantespenseiqueaquelesenhorestivessemeenganando.Saraherareal.Eutinhacerteza,oupelomenoseranissoqueeumesegurava:Seeuestavamesmosonhando,talvezomedodeperdê-lateriamefeitosonharqueelanãoexiste. Quandomedei conta, o senhor jáhaviaparadode remar,deixando-noslevar pela corrente das águas, que subiam verticalmente até o topo damontanha,deixandoocanalnamesmaalturadaArca. Aquiloeraimpossível!Muitomaisdoqueumsonho,pareciaumsinal.Eu estava aceitando que aquele sujeito eramesmomeu guia, e que talvez porcausadissoelepudessecurartodasasminhasferidas.Talvezeleeraumanjodaguardaqueestivessecomigodesdedamortedemeupai. Eu estava começando a entender o por quê de eu estar sonhando comumaArca,eparaondeissoiriamelevar.Estariaeusendosalvodeumdilúvio?Talvezeumesmoseriameuprópriodiluvio.Talvezeuprecisassemesalvardemimmesmo.Aquele quebra-cabeça começava a fazer sentidodiante dosmeusolhos. OlheiparatráseoCavaleirodosSonhosnãoestavamaislá,masaoinvésde me assustar com tudo aquilo, fiquei absorvido por aquele cenário. Todaaquelapaisagemeaformacomoaságuassemoviamnãotinhamesmomuitoaver com a realidade dos rios. Continuei remando e aproveitando ao máximoaquelemomentomágico,afinaldecontaseuestavasonhando. Nasmontanhas não haviam casas e nenhum sinal de que era um lugarhabitado. Podia ver-me sozinho naquela imensidão horizontal. De longe davaparaavistarumaenormearcaemcordemadeirabemaomeiodocanal.-Eaímeurapaz,oqueachoudopasseio?-Perguntouelemeajudandoatrazerobarcoatéaareia.-Eunãofaziaideiadestelugar.Ondeestamos?-AquiéaTerraSecreta.AtaldaTerraPrometida.OParaiso.Olugardosdeuses,onde só chegam os corajosos. Um lugar muito curioso, commuitas paisagensdiferentescomoasemoçõesqueafloramemtodosnós.-PorqueessenomeTerraSecreta?-Pergunteimeioirônico.-Porquevocêéoúnicoqueconhece.Esta terraéa suamente!Estamosdentrodela, e tudoque está armazenadoaqui é resultadode seuspensamentos! Seuspensamentos que simulam, organizam e planejam. São seus mentores que searticulam não apenas quando está acordado. Eles não param! Nunca! Estãosempre em busca de novas experiências que te auxiliarão num ciclo contínuo,ondeexisteumalinhatênueentreossonhosearealidade.

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Eu entendia tudo o que estava ouvindo, mas nunca havia me sentidoassim tão confuso. Meu corpo parecia enfrentar sensações de espasmos. Umcaloravassaladortomavacontademim,fazendomeucorpointeiroformigar.Eunãosabiaondeeuestava.Umabreveescuridãofezmesentirumhomemmorto.Eupareciaumvelhoboiadeiroqueprocuravaemvãoporsuaboiada.Euestavacompletamentesó.-Essaformapoéticadefalarémesmonecessária?-Confrontei.- Você acha tão ruim assim? - Respondeu perguntando. - Clap, clap! Hora deacordar!

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CAPITULO7 Aosoitoanosdeidadeeuganheiumdiáriodeaniversário.Nãomelembrode quem foi, mas naquela época era bem comum as crianças terem um. Oproblemaéqueeunãoviagraçanenhumaemcontaromeudiaparaumpedaçodepapel.Aquelediárioficouguardadoemumcantoqualquerdoarmárioatéodia em que tive um sonho espetacular que poderia dar uma boa história. Euprecisavaanotarparanãoesquecer,poiseuestavana faseemquemeusonhoera ser um grande roteirista de cinema. Procurei por um caderno e acabeiencontrandoentãoaquelediáriovazio,clamandoporumpoucodetinta.Depoisdaqueledia,crieiohábitodeescrevermeussonhossemprequeacordava.Todososanosminhamãemedavaumdiárionovononatal,quepassouaserchamadode Diário dos Sonhos. Abaixo do título e logo na primeira página, eu sempreescrevia"Sonhosquejátiveantes".Orestoeraigualaumdiário.Adataeahoraaproximadadosonho,eumtítuloqueresumisseaestóriaparaqueeupudessemelocalizarmelhorcasoquisesseleroutravez. Levantardacamaconfusojáhaviasetornadocorriqueironessesúltimosdias. Eu podiame lembrar de cada detalhe daquele sonho, de cada frase e decadalugar.Fiqueiimobilizadonacama,namesmaposiçãoqueeuacordaraparaque eu trouxesse cada pequena experiência que eu acabara de vivenciar paraminhamenteconsciente,comtodoocuidadoparanãomeesquecerdenada.Emseguida, num sómovimento, estiquei o braço até o criado-mudo, onde estavameunovoDiáriodosSonhoseminhacanetadasortecomatampaagarradanele. Data: 25 de Outubro de 2010 O Cavaleiro dos Sonhos, a Arca e a Terra Secreta Eu estava com fome e não tinha nada em casa para comer. Resolvi procurar um café fora da cidade e acabei encontrando a lanchonete The Eighties vinte minutos depois, sentido norte. O lugar tinha uma decoração estilo anos oitenta e eu pedi um café americano - talvez porque meu estômago estivesse pedindo para eu sair da dieta até em sonhos. Depois de comer, atravessei a rua e notei que eu estava na Clam Beach County Park. O dia estava nublado e a praia estava com um ar meio macabro, talvez por causa dos troncos de árvore no chão e da areia cinzenta que escurecia o mar. Uns cinco minutos depois de chegar na praia, fui abordado pelo mesmo senhor que eu já havia conhecido um dia antes nas pedras de outra praia. Será que eu já havia conhecido ele mesmo ou foi só outro sonho? O senhor não quis me dizer seu nome mas disse que eu poderia chamá-lo de Cavaleiro dos Sonhos. Disse também que meu encontro com Sarah foi apenas um sonho. Depois me levou até um barquinho velho e remou comigo por um canal que se

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abriu até o mar. Lá, havia uma grande Arca de madeira, que pelo que me pareceu, era a Arca que me salvaria de um dilúvio de mim mesmo. Quando voltamos para a areia, O Cavaleiro dos Sonhos me disse que aquele lugar se chamava Terra Secreta, e que apenas eu tinha acesso a ela porque esta terra era a minha mente. Fecheiodiário,ficandoapenasemdúvidaseeuhaviarealmentetomadocafédamanhãforadacidadenodiaanterior.Pareciamuitorealparaserapenasumsonho,assimcomoterconhecidoSarah. Eume vesti já pensando em averiguar se aquela lanchonete realmenteexistia,emedirecioneipelaRedwoodHighwaytentandoencontraraquelelugar.Para minha surpresa, avistei a mesma placa na beira da estrada escrita "TheEighties".Nervoso,fizsoarosomdeumafreadarepentinaebarulhenta,virandobruscamenteparaadireitanoestacionamento. Olugareraomesmo.Alanchoneteestavavazia,eojukeboxcantavaumjazzbaixinho.Haviamapenasdoiscaminhoneiroscomendohambúrguer,eumasenhoragarçonetevarrendoochãocomumadaquelasvassourasdebruxa.Meaproximei,umpoucotímido.Elaolhouparamimdecimaabaixo,comoalguémquevêumalienígena.Seucabelocinzentoestavamalamarradoesuamagrezapareciadescansarsobreavassoura.-Euseique issovaisoarestranho,mas... -Eudisse,muitoenvergonhado-Poracasoeuestiveaquiontem?-Vocênãolembra?-Elaperguntou.-Esqueceuquenosbeijamos? Os caminhoneiros se olharam com o hambúrguer nas mãos, entãotornaramosolhosparamim,comoseeufossepartedeumapeçadeteatro.-Nósnosbeijamos?-perguntei,desapontado.-Claroquenão!Estoubrincandocomvocê!Nuncavivocêaqui.-Disseavelha,umpoucoirritada. Respireifundo,aliviado.-Eseservedeconselho,paredebeber.Vocêéjovem;nãojoguesuavidafora.-Temcertezadequenãoestiveaqui?-Eupergunteinovamente. Elaolhou,indignada,econtinuouafalarcomseuinglêscerrado:-Olhea suavolta.Este lugar épequenoedeserto, e eu souaúnicagarçonete.Vocêpodetercertezadequeeumelembrariadevocê.Eujásouumasenhora,masnãotenhoproblemadememória. Agradeci a senhora, e já meio desorientado atravessei a rodovia emdireção à praia, preparado para qualquer surpresa. Fiquei olhando para asgaivotasempoleiradasnos troncospodres, adormecidosnaareiapedregosadapraia. "Como eu sabia sobre essas gaivotas?", pensei. "Eu nunca estive aquiantes...Não que eume lembre. E esta lanchonete, eu nunca estive ali também.Comoeusonheicomumlugarqueexiste,masqueeununcaestive?" Pegueiaestradadevoltaouvindoapenasobarulhodocarronaestrada,eumruídoagudoquemeincomodava.Oruídodeumsanguenovoquecirculavadentrodemim.Umsanguecontaminadoporexperiênciasnuncavividasantes.Istopareciaestarmedeixandodoente.Sentiaumasfisgadasestranhasnaminha

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cabeçaenamedidaqueeuiameaproximandodocaminhodecasaessadoriaseintensificando. Algomediziaqueeu jáhaviasonhadocomaquelesenhorantes.Aquelesorriso sarcástico não me era estranho. Por sorte, eu poderia conferir se euestava certo logo que chegasse em casa, pois eu havia trazido todos os meusDiáriosdosSonhosjuntocomigo. Quandochegueiemcasa, láestavameuamigo italiano,esticadonosofá,assistindo algum programa antigo na TV e rindo como um pato. O meu malhumorresolveudarumatrégua.-Hey.-Cumprimentei.-Olhaquemestáacordado!Comoestais,Pantofolaio?-EaíBo!Ondevocêsemeteu?-Comoassim?Euestavaaqui!Provavelmentevocêque levantoucedo.Quandoacordei imagineiquetalvezvocêtivessesematadooualgoassim. -Olhouparamimcomumolhardecumplicidade,esperandoporumsorriso.-Naverdadeessapossibilidadenãoestádescartada...-Faleiretribuindooolharamigável. Bolivar era assim. Uma figura rara. Falava o que pensava, era curto egrosso. Omais interessante era que fazia piadas sem graça ficarem realmentemuitoengraçadas-talvezpelaentonaçãodesuavoz,seusotaqueitaliano-equeseconseguisseexpressá-lasemseuslivros,seriarealmentemuitooriginal.Paracompletar,podiacolocarumafotodesuacaranacapadolivro.Suasexpressõesfaciaiseramdeardescontraído,assobrancelhasse levantavameamassavamapeledatesta,oqueremetiaqualquerumapensarquejásãoamigosíntimos.-MecontaPanto!Temazaradoaquelameninaqueconhecesses? Pantofolaio. Desde que nos conhecemos, talvez por causa de suashabilidadesdeescrita,Bolivarjáhaviasacadooquantoeuerasolitário,filósofoealternativo.Porissomeapelidoucomessaexpressãoitalianaqueéusadaemsuaregiãoparadescreverumapessoaqueadoraficaremcasa.Asvezeseletambémsoltava"UnAlternativo".-Bem,azararéumapalavramuitoforte.Apenasdormimosjuntos,nadademais.-Dormiram/Sexo,oudormiram/dormiram?-Dormimosmesmo.Semputaria.Conversamosatédemadrugadanapraia.Elaestendeuumatoalhanaareiaeficamosobservandoasestrelasedormimos.-Perdeuumagrandeoportunidade,hein?-Cara,eunãoacheiconvenientefazernada.Tínhamosacabadodenosconhecerepra falaraverdadeeunempenseinisso.Euestavacompletamenteenvolvidonosacontecimentos.-Apaixonado?-Vocêacha?-Perguntei,atônito.-Eapaixonadosnãotransam?-Esquece...-Falei,revelandomeumalhumor.-No,no!Medesculpe,estousóbrincandocomvocê!Mecontemaissobreela!-Aíéqueestá.Estouumpoucoconfuso.Nãoseimuitosobreela.Conversamossobreassuntosaleatórios,músicas, filmes,estrelas.Oqueeuseiéqueelaétãopura,tãodoce,tão...Esuavoz... Assobrancelhasdelelevantaram.-Andyestáinnamorato!-Não,oque?

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-Vocêestáapaixonado,cara.-Bolivar,deixe-meexplicar...-Vocêprecisasurpreenderagarota...-Interrompeu,empolgado.-Deixaqueeucuidodisso...- ...dando flores...Isso! -Exclamou. -Deixaeu teajudar!O italianoaquientendemuitoderomance.-Vocênãotemnadaprasepreocupar,não?-Piorquenão,cara.Aúnicacoisaque tenhoquemepreocuparultimamenteédecidirqualmãoeudeixopraforadacobertaprasegurarolivroqueleio.Afinal,amãoqueficaparaforacongela.-Ecaiuemrisadas. Mal sabia ele que, em poucos dias, teria um verdadeiro motivo pra sepreocupar,equeassimcomoeu,nãofaziaideiadequeaquelemotivoseriaeu.-Sequermeajudarcomalgo,vamospensarnumaformadealiviarminhadordecabeça.Temalgumanalgésicoemcasa? Conversamospormaisumtempo,masporfimeujánãoestavamaismeconcentrandodevidoaosmeuspensamentosaceleradoseaqueladordecabeçaque,apesardejáestarmedicado,permanecialatejando. Eu queria contar a ele que estava desconfiando de ter apenas sonhadocomSarah,queelaeraapenasprojetodeminhamente,equedefatonãoexistia.Masnoqueconfiar?Emmeussonhosounarealidade?SeráqueoCavaleirodosSonhosestavaconfundindominhacabeça?Eutinhacerteza!Saraherareal! Mais tarde, resolvi ligar paraminhamãe para saber como ela estava eaproveitar para perguntar se nós já tínhamos visitado o norte da Califórniaquandoeueracriança-eemespecíficoaquelalanchonete-poiseuestavacertode que conhecia aquele lugar. Caso contrário, como eu teria sonhado com umlugarqueexistemaseununcahaviaestado? Para minha decepção, minha mãe disse que não. "O máximo queviajávamos quando você era criança era até São Francisco, para visitar seusavós",disseela.Issomedeixouaindamaisintrigado. Jásepassavademeianoitequandoeu,sozinhoemmeuquarto,recolhiaalgumasroupassujasdecimadacama,umaauma,semnenhumapressa.Logodepois ajeitei as bordas do lençol da cama que estavam repuxadas para cima,revelando uma noite anterior perturbadora, provavelmente acompanhada debruxismo, um de meus dons de infância. Suspirei desanimado, e sem pensar,puxeiascobertasdacamanumsógolpe.Omelhorasefazereraarrumaracamadireito e, tudo que eu pudesse fazer para dormir melhor, eu faria. Então, eminstantes transformei o meu emaranhado de cobertores em uma cama depríncipe."Dapróximavezvouimprovisarumdossel",pensei.Eparadarumaraindamais convidativo, deixei uma ponta da coberta dobrada para cima, poisfacilitariaotrabalhodeeumecobrirassimqueeudeitasse.

Abri um livro de romance que Bolivar havia me emprestado, e meiodesconcentrado,mepusareviraraspáginasembuscadealgumaestóriaquedealgummodorepresentasseouespelhassepartesemquepudessemeidentificar;buscar uma realidade ou até mesmo na ficção alguma espécie de consolo emrelaçãoaoqueestavaacontecendonaminhavida.

Omáximoque consegui ler foi umas cincopáginasdeumcontoondeoprotagonista estava se encontrando as escondidas com amocinha. O início daestória se dava num celeiro, na fazenda onde o casal apaixonado havia

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combinadodeseencontrarlongedosolhosdopai.Acenaeradedarinveja.Umachuva fina adornavaomomento emque Jackpassava amão commovimentosdelicados no ombro direito de Julie tentando aos poucos afastar a manga dovestido, deixandopartedos seio amostra.Oque iria sedesenrolar ali eunemqueriapensar,jáqueissomelevariaamomentosdedelírios.Saberqueeunemaomenos poderia sonhar com ummomento como esse com Sarah estavamedeixando com raiva. Eu estava torcendo para que aquela chuva fina setransformassenumtemporal,ondealagassetodoaqueleceleiroegelasseaquelelugarquenteoqualeujamaispoderiaestar.Eisque,logonaspróximaspáginasfoioqueaconteceu.Umtemporalestavadesabando,epelonoticiárioelesnãoteriamcomovoltaracidade,oquedeixavaoromanceaindamaisquente.Bom,eleshaviamarriscadotudoporaquelemomentodeêxtase,quenemaconteceu,pelomenosnaquelemomento.Fiqueiimaginandoqueaquelecasaldeveriaestarqueimandodepaixãoparaenfrentartodosaquelesriscosemnomedoamor.Euno caso nem sabia se a pessoa que eu queria encontrar desesperadamenteexistia. Não tinha nenhum motivo aparente para correr riscos assim. Eu nãotinhaseutelefone,seue-mail,endereço...Eunãotinhanada.

Poralguminstantenaconversacomminhamãepenseiemfalarparaelaoqueestavasepassandoporaqui,mashesiteipoisnãosabianemcomocomeçarabordaroassunto.Eunãoqueriapreocupá-la.Atéentão,elaestavafelizsabendoqueeuestavanaquelacidadeembuscadeumcaminhoque,aosolhosdela,eraum momento extremamente importante para mim. Acabei por optar de nãotocar no assunto, o que também de alguma formame incomodava , pois eu eminhamãe sempre tivemos uma relação onde sempre compartilhávamos nãoapenasnossasconquistas,mas tambémnossasdores.Euestavaali, apontodeexplodir, e por algum motivo eu não conseguia me abrir com a pessoa maisimportanteparamim.

Issoeraparamimummarconaminhavida,masqueestava fugindoaomeucontrole.Eunãosabiaseeranormalficarcaladonumasituaçãocomoessa,ouse isso faziapartedomeucrescimento jáqueeuhaviapuladodoninho.Dealgumaforma,eusentiaqueprecisavasegurarabarraedeixarminhamãevivera vidadela. Essehavia sidoomotivode eu ter saídode casa.Talvezhouvesseumaforçamaiorquemeimpulsionavaamecomportardaquelaforma.

O fato é que eu não tinha certeza de nada. Era como se eu estivessevivendo em dois mundos paralelos. Se para mim isso já estava sendosubstancialmentedifícildeabsorver-euqueestavasentindonapele-,imaginaminhamãeouatémeuamigo,queviviamalienadosemseu"real"eúnicomundo.Acho que dificilmente iriam compreender e esse talvez estivesse sendo meumaiormotivodeesconderaverdade. Coloquei omarcador no livro que já estava adormecido de bruços paramarcarapágina,eo leveiquasequemearrastandoatéo topodogaveteiro, jáquemeucriado-mudoestavaocupadoporumaconferênciadecanecasecoposusados que cercavammeu Diário dos Sonhos. Foi quandome lembrei que euprecisavaprocurar,emmeiominhacoleçãodediários,algumainformaçãoextrasobreoCavaleirodosSonhos,quenãomeeraestranho.Eusabiaquesetivessealgumaanotaçãosobreele,seriaentreosdiáriosde94a96,poiseumelembroqueeutinhamaisoumenosnoveoudezanosdeidadequandotiveumasériedesonhosestranhos.

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Comeceiemordemcronológica,folheandoodiáriode94.Haviamsonhosque eu nem faziamais ideia que eu havia sonhado antes. Sonhos que, se nãotivessem sido anotados, estariam perdidos no tempo. Muitos deles davamrealmenteboasestórias,eporalgunsinstantesmedeuvontadedeescrever,detransformaralgumdaquelessonhosemumromance.Eutambémpodiaadaptarcadasonhodaquelesemumaletrademúsica.Comcertezahaveriamúsicaparapelomenosunscinquentaálbuns. Passeiparaodiáriode95, e logona terceirapágina,medeparei comoqueeujápreviaencontrar.Haviasim,anotaçõessobreoCavaleirodosSonhosnomeudiáriodedezanosde idade.Tudoestavaseencaixandocomoum filme,eapóscongelarmeusolhosporalgunsinstantes,fuitomadoporumsentimentodequeeuaindanãohaviaacordado. Data: 08 de Março de 1995 O velho homem sábio Eu estava com muito frio porque estava nevando. Eu andava sozinho por uma rua coberta de neve, e percebi que alguém estava me seguindo. Parecia minha sombra, porque quando eu virava para trás, o vulto virava também. Pensei que fosse um lobo porque eu tenho medo de lobo, então comecei a correr até que encontrei uma casa com as luzes acesas. Entrei na casa. A lareira estava ligada e ela estava quentinha. Chaveei a porta rápido, com medo daquela coisa que estava me seguindo e eu não sabia o que era. Quando me virei para a sala, me esbarrei com um homem que estava parado na minha frente. Levei um susto. Era um velho um pouco maior do que eu, devia ter uns sessenta e cinco anos, e tinha barba grisalha. Estava bem agasalhado, com cachecol e toca, porque estava muito frio. Tentei sair correndo mas ele me segurou no braço e disse que se eu saísse naquele frio, eu ia congelar. Disse que eu não precisava ter medo porque ele iria me proteger do frio. Deu um sorriso amigável e me convidou para sentar em frente a lareira. Conversei com ele durante a noite toda enquanto tomávamos chocolate quente. Ele disse que nos encontraríamos sempre que eu precisasse de ajuda. Haviam coisas que ele queria me ensinar. Parecia ser um homem sábio, um mestre. Não demoroumuito para perceber que eu estavame enrolandopara irdormir, talvez por medo do que eu sonharia desta vez, já que os sonhos nãopareciamestarsobmeucomando.Outrahipóteseseriaapenasumavelhamaniaminhadeadiaralgoqueestou loucopara fazerno intuitode "esquentar"mais

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ainda minha vontade, para quando o tão esperado chegar, eu realmente medeleitar. Em outras palavras, demorar para deitar na cama soava comopreliminares que me levariam ao êxtase de sonhar, e por pior que estivesseminhasituaçãonoqueoCavaleirodosSonhoschamavade"MundoParalelo",eujamaishesitariaemvivernele.

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CAPITULO8-Toc,toc!-Quemestáaí?-Respireifundo,impaciente.-Buh...-Buhquem?- Buh!!! - Gritou o Cavaleiro dos Sonhos, saltando em minha frenteagressivamente,dando-meumgrandesusto.-PeloamordeDeus!Porquefezisso?-Porquenão,certo?Dizemqueumpoucodepesadelofazcrescer!-Riu.-Nãoacheigraça-Emburrei.-Poistenhoalgoalhedizermeurapaz!Algoquevaiteanimar! Vireiminhacabeça.-Duvidomuito.-Entãonãoháporqueeufalar,certo?-Eleprovocou.-Nãoconfionoquevocêdiz.Nemseioseunome. Sem parecer incomodado comminhas palavras, eleme deu as costas esaiuandandoemdireçãoaumcampoqueseestendiaatéolitoral.Beirandoasmargens, podia-se ver um farol piscando apenas a uns duzentos metros dali.Fiqueiperturbadoolhandoparatrás,muitocurioso.Entãomelevanteiefuiatrásdele. Osolescarlatedefimdetardepintavaoextensomatagalrespingadodefloresbrancas,que,aohorizonte,pareciamflocosdenevederretendodecalor.OCavaleirodosSonhos caminhavaemdireçãoaumacaverna,que repousavanoaltodeumamontanha.Observei-ocaminhandosemcansare fuiseguindoseuspassos. A caverna ficavanabeiradeumpenhasco,e ládecimaerapossível terumavisãobemampladaTerraSecreta.Aportaredondaestavaaberta. Quandoentramos,percebiqueaquele lugareramuitomaisdoqueumacaverna.EraolaraluzdevelasdoCavaleirodosSonhos.Osmóveiseramtodosde ébano, incluindo o piano de armário. Em cima damesa, havia umpequenovasocomfloresjásecas,quecomcertezaeleteriacatadodoextensocampoquerodeavaacaverna.-ChristopherThompson.-Oque?-Meunome.MasvocêpodemechamardeChris.-Obrigado.-Eentão?Oquevocêviu?-Perguntou.-Doquevocêestáfalando?Daarca? Chriscoçouabarba.-Rapaz.Aarcaéapenasumsímbolo.Existealgomuitomaisalém.Oquevocêestavivendo,eunãohesitariaemchamardesonhocontínuo.Assimcomonasuavida real, sua mente resolveu presenteá-lo com uma grande experiência,concebendo e lhe proporcionando então, viver duas vidas paralelas, divididasapenas entre dias e noites, onde suas noites podem ser dias se você decidir.Quando você acorda, seu sonho pausa e na noite seguinte retoma exatamenteaonde parou, comona realidade quando acordamos.Não émaravilhoso?Duasvidasnumsócoração!Seucorpodescansa,suamentenão.Adistânciaentresua

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consciênciaesuanãoconsciênciapassaasermínimadiantedascircunstâncias,abrindonovaspossibilidadesde criação, tornandovocêoDeusdo seuprópriomundo! E a medida que você vai se habituando com essa nova realidade,permita-me chamar assim, você vai adquirir rapidamente a habilidade decontrolarseussonhos!-Comonumsonholúcido?-Perguntei.-Exatamentecomonumsonholúcido!Espere,não,muitomelhormeurapaz:umsonholúcidocontínuo,ondevocêpoderábrincarcomavidasemmedo!Eomaisinteressanteaindaestáporvir! O Cavaleiro dos Sonhos sentou no banquinho do piano e começou apassar seus dedos sobre as teclas. Havia um símbolo de louro parnasiano naslateraisdoinstrumentoedoismenoresnocentro,ondeentreelesestavaamarcadopiano:Apollo.Nuncatinhaouvidofalar.-Vocêsabiaqueaquinosonhovocêpodeserefazertudooquetivervontade?-Tudo,tudo?–Pergunteiespantado.-Tudooquevocêdesejarprofundamenteeintensamente. Nestemomento, lembrei-medavozdeSarah, e apósumsuspiro, cainodesânimo.-Sevocêdeixarodesânimotomarconta,vocêestarádesejandomaisdesânimo.-Disseele.-Entendaumacoisa:Vocêaprenderáalidarcomissorapidamenteseentender que são seus sentimentos que irão reproduzir as imagens que vocêsonha.Prestesempremuitaatençãoemquetipodesentimentovocêquergerar. "Vocêpodeedevecontrolarseuspensamentos.Vocêprecisacomandá-loscomo se fosse realmente um comandante, enquanto eles, seus subordinados,seus soldados. Você dá uma ordem simples e objetiva e seu exército, se bemtreinado, deverá cumprir imediatamente. Caso eles hesitem em obedecerinstantaneamente, deverão ser punidos, chicoteados. Na maioria das vezesnossospensamentosnãogostamdesercontrariados.Queremsersenhoresdassuaspróprias vontades.Deixá-los livres em certosmomentospodem custar assuaprópria liberdade.Deverãoser tratadoscomofilhos,ondeaeducaçãodevese tornarprioridade. Vocêprecisa educar seuspensamentos, colocar cadaumdelesnoseudevidolugar.Elesprecisamdelimites,casocontráriovocêviveráamercêdosmesmos. Christopherolhoudentrodosmeusolhos.-Nãoseriaissoexatamenteoquetemacontecidocomvocênessesúltimosdias,Andy?-Édifícilcontrolarmeuspensamentos...-Poroutrolado,émaisfácilcontrolá-losquandosetemconsciênciadomalqueelespodemtecausar. Concordeiemgestopositivo.-Quandovierempensamentosquevocênãodeseja,simplesmenteignore-oscomumgiro!-Devorodar?Girardeverdade?-Éumaboaformadeesquecersim!Vamos!Gire!-Assim?–Gireidiversasvezesatéficartontoecairnochão.-Issomesmo,filho!–ExclamouoCavaleiroempolgadoerisonho,dandoumtapanopiano.-Emais:sevocêtiverpaciência,teensinareicomocontrolá-losalémdesuaconsciência,duranteosono.Giraréumaferramentapoderosa.Elatambémevita que você acorde em momentos indesejados, que geralmente ocorrem

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quandovocêsedeparacomalgoabsurdodemaisparasuamenteaceitar.Ogiroenganasuamentemomentaneamenteeestabilizaosonho. "Entenda que quando você sonha, atinge um estado profundo e muitomaispróximodeseu interiordoquequandoestáacordado.Quandovocê-suamente consciente - acorda, suamente não consciente tambémpermanece ali,porémdiferentedo sonho, ela fica comocoadjuvante.Talveznãodevesse,masistoépapoparagrandesnoitesdesono.Oqueeuqueroquevocêentendaéqueémuitomaisfácilconcretizarumdesejoatravésdasuamentenãoconsciente.Sevocê passa a sonhar diversas noites com omesmo sonho, isto se tornará realpara você. Sua mente não consciente acolhe qualquer informação, por issoprecisolheensinaralgunstruquesqueirãofazervocêdominaralei.-Quallei?-Perguntei,umpoucoconfuso.-Ah!Aindanãotefalei?ALeidaGravidadeCerebral.-ConheçosóaLeidaGravidade.- Então fica fácil entender esta lei também, afinal, elas partem do mesmoprincípio. Imagineumcérebrohumanoemminhasmãos,aqui.Sonhecomestecérebro! Fecheiosolhosparafocarmelhor.-Estousonhando...-Falei.-Agoraabraosolhos.Vejacomoeleflutuaigualaonossoplaneta.-Éimpressionante! Chrisseabaixouparaajuntaralgumaspedras.-AgoraimaginequeeleérealmenteoplanetaTerra,etentecolocaremsuavoltaalgumasrochas,quesupostamenteseriamrochasdepensamentoseimagens.-ElasatingemaocentrodaTerra...-Comentei.-Masé claro!Porquevocêas colocouemvoltadaTerra!EaLeidaGravidadeagiu.Esempreiráagir,jáqueéumaLei.Agora,sevocêvoltaraoiníciodeminhaexplicação,poderáentender:Todasas informaçõesquevocêcaptadurantesuavidasãoarmazenadasemseucérebro,mesmoquenãoqueira.Asrochasserãoatraídasparao centrodoplaneta –do cérebro– comoum imã.Neste caso, ospensamentoseimagensquevocêrecebeuestãotodosaíguardadoscomvocê.-EcomoestaLeipoderámeajudar?-Vocêprecisaentenderseusfundamentos.Elanãonecessariamenteteajuda.Elafunciona.Vaidevocêsaberusufruircorretamente.Assimcomosevocêcairdeum penhasco, a Lei da Gravidade irá agir contra o seu favor. Mas a melhorexplicação que posso lhe fornecer é muito simples: Procure apenas ter bonspensamentos,poissãoelesqueirãocairnocentrodesuamente.Eapartirdestemomento,vocêgeraumsentimentoqueporsuavez,setornapartedesuavida.Eentão,vocêvivenciaaLeiGravitacionaldaMente.Elasetornareal!-Calma, calma. Isso tudoestámedandodordecabeça -Faleipressionandoastêmporas-Vamosmaisdevagar.-Muita ideianovaprasuacachola,né?-Riu. -Essadorzinhaéa famosadordoconhecimento!OucomodiriaSócrates,umpartodeideias. Ignoreisuarisadae,poralgunssegundos,fecheiosolhos.Chrisficouemsilencio.Entãorespireifundoeabriosolhosnovamente.-Ok,vamoslá-Continuei.-Bomgaroto.-Recapitulando:aquinosonhoeupossotertotalcontroledoquequerosonhar?-Sim!Afinal,aimaginaçãoéinfinita!Oquevocêgostaria?

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-Como?-Oquevocêquer?-Perguntouelenovamente.-Nãosei...Hátantascoisasquequero...-Medigaalgumacoisaquevocêdesejadofundodocoração.Meimaginecomoseugêniodalâmpada!-Bom,nomomento,tenhopensadoemcertosvultosquevêmameseguir...-Oquevocêquerafinal?-Eunãoseiexplicar.Édifícildescrever...- Filho. Não enrole seu guia. Não temos todo o tempo domundo. O que vocêquer?Vocêpodemedizer?-Tudobem.QueroencontrarSarahnovamente! Eleparalisouporuminstante,medeixandoaindamaiscurioso.-Entãovocêprecisasenti-la!-Respondeu.-Pensarnelaparagerarumsentimentopositivo?-Perguntei.-Issomesmorapaz!Senteaquiaoladodopiano.Voulhecantarumacançãoqueabriráasportasdesuasabedoriainfinita!-Prefiroquevocêmecontesempiadinhas...-Escuterapaz! Chrisfezposturadecomandante:ombroserguidos,pescoçoereto,olhosfixos e mente concentrada. Seus dedos leves começaram a explorar aqueleinstrumentoaparentementesimples,quelogosetransformouemumatorrentede notas que pareciam levitar por entre os cantos daquela caverna. As ondassonoras se encontravam com as rochas, que por sua vez, rebatiam amelodia.Todoaquelesomsepropagavadentrodaqueleespaço,ecoandoesemisturandocomouma fumaçaque ardiameus olhos aopontodenão conseguirmantê-losabertos.Minhapercepçãoseexpandiatalqualcomocaverna. Quandoabriosolhos,eumevidiantedaquelemesmopenhascoqueChrishaviamemostradoquandonosconhecemos.-Pule!-Eleexclamou.-Támaluco?-Respondideimediato.-Oquedemaupodeteacontecer?Vocêestasonhando.-Seeupular,voucair.-Vocênãovaicair.-Disseele,comardesegurança.-Confia. Demoroualgunsinstantesparaeuperceberqueovultodearqueacabavade passar pormim, era o próprio Cavaleiro dos Sonhos se atirando penhascoabaixo,nointuitodedemonstrarquequalquerlimitepodiasersuperado. Eu,atordoado,meperguntavaincansavelmentequemeraaquelehomemquemetorturavaemeinspiravaaomesmotempo.Quemeraaqueleserqueeuqueria conhecer mais, mas me fazia tremer de medo. Que ao mesmo tempoestavatãoperto,masquetãologodesaparecia.Algoqueteinstiga,masrepulsaaomesmo tempo.Algoque liberaeatravanca,quecompactuaedenuncia.Quevoz era aquela que transbordava meu ser e me encantava? Seria a própriamúsica sendo arrancada demim por vias que eu desconhecia? Quais eram aspontes que eu precisaria construir? O queme faltava compreender, o que erainerenteentreoCavaleirodosSonhoseeu?-Vamos,seumedrosinho!Pule!-Gritou,batendoosbraçosnoarcomosefossemasas.-Comovocêfazisso?–Perguntei,comosolhosarregalados.-Bastapegarimpulsoeacreditar,quesimplesmenteacontece.

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-Seeucair,nãovouacabaracordando?-Não.-Eledisseemvozalta.-Quemcontrolaissosoueu.Confia! Dei alguns passos para trás no intuito de ganhar distância e impulso,sacudindo as mãos incansavelmente para criar coragem de fazer algo que eujamaishaviameimaginadofazendo.-Sevocêpensardemais,vaidesistir!-Gritouele. Olhei para um ponto fixo como um atleta prestes a dar largada, e sempensarmaisemnada,deixeitudoparatrás:crençasepadrõesdepensamentos. Quesensação!Meucorpoestavalevecomoumapena,edentrodemimeunão sentia nenhum peso. Havia me livrado das cargas, dos pensamentosnegativos.Meusparadigmasestraçalhavam-seeiamaospoucosdesaparecendonoar.Abrisaleveacariciavameurostoeeurespiravacomosehouvessevoltadoaoventrematerno.Aimpressãoédequeeuadormecera,masvelavameusonoaomesmotempo. Minhaconsciênciaexpandiaemeusolhos,outrorasemifechados,podiamavistartudodeumamaneiraampliada.Comoumaáguia,euhaviasaltadodopicomaisaltoesobrevoavaaTerraSecreta.Delá,eupodiavercadatraçodomapa.Cada vale, cada rio e lago. Eu podia sentir as mudanças acontecendo dentrodaquele corpo leve. Dentro daminhamente, eu podia experimentar um novomundoquepodiamodificá-losemprequeeuquisesse.Mesentiatransformado,comoumalagartaqueacabadeabandonarocasulo.Eutinhaagoraummundopra explorar e estava grato por isso. Eu queria agradecer Chris, mas já nãoavistava-o.Nesseestado,aindaqueeunãoestivessenapresençadeSarah,eupodiasenti-la.Eupodiaamá-la.Esseeraoparaísoquehámuitoeuprocurava.Ele estava ali bemdiante demim ao somdamelodia reproduzida através dasmãosdoCavaleirodosSonhos. Apósacantoria,emuitarisada,Chrisdeuumtapinhanaminhaperna:- Procure entendermelhor a simesmo,meu rapaz.Há umuniverso dentro devocêtãograndiosoquantoaquelequevocêconsegueenxergar lánocéu.Nesteuniversonãohálimitesparaaimaginação.Todacriação-sejadohomemoudouniverso - é resultado de uma inteligência suprema que vaga pelos espaçosvazioscoletandoinformaçõesqueseconectameformamredes.Essasredeslogose tornammatéria pensante e todamatéria pensante da origem a uma forma:sejaelaumasemente,umplaneta inteiroouumalâmpada!Emoutraspalavrasmeuamigo,temosumcérebroeaomesmotempovivemosdentrodeum!Haha!-Issoéumpoucocomplexo-Falei,imaginandoaspossibilidades.- Se acostume! A partir de hoje, seu travesseiro será sua maior fonte deinspirações! Por alguns segundos, fiquei boquiaberto olhando fixo para o nada. Épreciso coragempara olhar para dentro de si. Eu sabia que eu encontraria detudonestemundo,desdecorvosaborboletas.-Precisamosaceitarnossassombras,poissódessa formapodemosconheceraluz.Vocêprecisaagircomoumaestrelaquebrilhaquandovemaescuridão. Eu sabia que eu precisaria enfrentar os meus próprios abismos, queapesardedesconhecidos,eraaúnicamaneiradetranscender.-Procureolhar emsuavolta, ver alémdas aparências.Omundoestápravocêassimcomoestáparaomundo.Tudooquerodeiaépartedeti.Conheçaoqueestádiantedevocêeseráconhecido.

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Océuestavaemchamaseasideias,borbulhandoemminhacabeça.ATerraSecretaeraolugarperfeitoparaumcoraçãofrio.-Estouinspirado-Dissebalançandoacabeçacomoumdoido.-Realmenteestou.-Ainspiraçãosófazsentidoseresultaemcriação.Ohomemtemavantagemdepoder materializar seus sentimentos. Se algo te traz inspiração, você devematerializá-la de alguma forma, criar algo que expresse o que você sente. É acriaçãoquealimentaaalmadohomem.

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CAPITULO9 Eraporvoltadomeiodiaquandosaidacama.Nãosabiaaocertoquantashoras tinhadormido.Seiqueadordecabeçapermanecia.Todaaquelamúsicaqueeuhaviasonhadopulsavaemminhasveias,dandoinícioaumapressãonacabeça.Pormaisqueeutivessedormidobastante,parecianãoterdescansadoosuficiente. E para completar, todaminha inspiração parecia existir apenas emmeus sonhos. Acordar era como levar um choque térmico. Nada parecia tergraça.NaverdadeeuestavacomeçandoadetestaravidareallogoquedescobriaTerraSecreta.Ummundomuitomelhor, tãopertodemimquantoesse,porémmuitomaispuroesemlimitesparaaimaginação. Éclaroqueeutinhamuitooqueaprenderparaserumgrandedominadorde sonhos, mas isso não seria problema, pois mesmo que demorasse algumtempo, agora eu tinha um mentor: Christopher Thompson - o Cavaleiro dosSonhos - que tudomeensinariaparaque eu tivesse controle total sobremeussonhosepudessecomporasmelhoressinfoniasjácriadas.Saberiaescolhercadanotacomprecisãomatemática.Asondassepropagariampeloespaçocomoumaepidemiadobem.Estasseriamabsorvidasemcadacéluladossereshumanoseentão,mudariatudo.Atéaquelemomento,eunãofaziaideiadoqueamúsicaeracapaz. Depois de lavar o rosto, olhei parameu reflexo no espelho e notei quehavia um par de olheiras roxas circundando meus olhos. "O que diabos estáacontecendo?", me perguntei, sabendo que não encontraria resposta. Concluique talvez um banho ajudaria. Minha mãe sempre me dizia que quando nossentimosprabaixo,umbanhosempreébom,depreferênciafrio. Sentiumapontadanostímpanosquandodeslizeiaportadecorrerdoboxdo chuveiro. Aosmeus ouvidos, soou como uma daquelas portas enferrujadasqueprotegemvitrinesdelojas,rangendoestrondosamenteaoseabrir. Entreinochuveiroelogoqueabrioregistro,asgotasquecaiamsobreochão estalavam em meus ouvidos de forma estridente e insuportável. Aoescorrer pelo ralo, a água parecia cantar uma canção mórbida, como seestivessemcaçoandodemim.Tenteidesviaropensamento,colocandoacabeçadebaixodochuveiro,masasgotasqueanteseramestalos,passaramaecoaremmeu crânio como um terremoto. Foi quando desliguei o chuveiro e desisti dobanho.Oqueestavaacontecendocomigo? Sem sucesso no banho, pensei que talvez um café damanhã reforçadoresolvesseasituação,masnaquelahoradodianãovendiammaiscafédamanha,entãoresolvitentarasortenopubdeMarlene.-Oiquerido!Entre!Acabeidemesentarpraalmoçar.Estáservido? "Obrigado Marlene", pensei comigo mesmo, "Alguma coisa deu certo.Esperomelhorardepoisdisso." Ameialuzdolugarmedespertavaumasensaçãodemagnata,pelaregaliadeentraraliantesdopubabrir.Eomaisimportante,eueraoúnicoquepodiacomer ali dentro uma refeição feita exclusivamente pela dona do bar. Issomeconfortou.Marlenechegoucommeupratoetalharesecomeçouameservir.-Nãoprecisacolocarmuito,vimsemavisar.-Bobagem-Disseelaestalandoalínguaemseguida.-Temcomidadesobraaqui.

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Realmente ela tinha razão. Amesa estava farta emuito bem decorada.Poucos minutos depois que cheguei, Marlene juntou duas mesinhas etransformou nosso almoço no que mais parecia ser uma ceia de Natal."Capricho",repetiaváriasvezesenquanto iapra láepracácarregandoalgumacoisa."Temquetercapricho". Havia uma tigela muito bem servida de risoto de arroz integral comfunghi e quinoa, e uma posta de salmão grelhado que dava para umas quatropessoas.-Nossa,estámuitogostoso.-Faleidebocacheia.- Obrigada. Aprendi a cozinhar quando casei. Não porque gosto, mas pornecessidademesmo.Meuex-maridonãomoviaumapalhanacozinha. Marlene não falava muito sobre o por quê havia se divorciado e eutambémnão faziaquestãode saber.Masvolta emeiagostavade criticaro ex-maridoparanãoperderocostume,equandoofazia,mergulhavatantoemsuamemória,quesemsedarconta,deixavaoambientepesado.-Hojeeupensoneleapenascomoumpedaçodecarnecheiodeproblemas.- Será que existe um relacionamento realmente completo e feliz? - Pergunteitentandomudaroclima.Elasorriu.-Minhavósemprediziaque temumqueijobemgrandenocéuesperandoprasercortadopelocasalqueforfeliznaterra. "Entãoeuvoucortarestequeijo",pensei."Nemquesejanaimaginação".- Sabe, Andrew - Disse envolta em seus pensamentos. - Eu estava aqui melembrando. Você gazeou as aulas de todos os professores nos anos seguintes.Masnuncagazeouaminha...- É porque quando você me dava aula eu era muito pequeno pra conseguirescapar-Brinquei.-Bobinho.Agentesempresedeubemevocêsemprefoiumquerido.-Souqueridocomquemmerece-Pisqueipraela.-Vocêsemprecolocouesseseucaprichonasaulas.Eeugostavadisso.-Masvamosadmitir,gazearaulaébom,né?Asvezeseuqueriaestarestudandosó pra ter o prazer de gazear. Porque talvez o que impulsione as pessoas aalcançaremosucessosejaodesejodemudardesituação...-Comoseburlararegrafosseestimularaforçadevontade.-Completei.-Exatamente!Comoseprecisassedealgoparaatrapalharotempoquesetinha-equenadasefazia-eissofosseograndemotivoparasesuperar.Somosatraídospeloquenãopossuímos,eissoétãofortequenosgerapotenciaparalutar.Umdesejo pelo que não se tem, um amor platônico. E que forçamaior possuímossenãooamor? Rumineiaquiloporalgunsinstantes,concordandocomoqueelaacabaradedizer.-Vocêjáseapaixonou?-Perguntei.-Queraverdade? Já,masnão foicomquemmecasei. Já faz tantotempo,eeleacabousemudandopralonge.Éramosadolescentes.-Achaquepodeseapaixonardenovo?-Porquenão?Ese issoacontecesse,eufariabemdiferentedoquenaprimeiravez.Eulargariatudoporamor.-Mesmosefossealgoimpossíveldeseter?-Nãoexisteimpossívelparaoamor,Andrew.

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Depoisdoalmoço,ajudeiMarleneaarrumaropub,lavarochãoeporascadeirasno lugar.Quandohavíamos terminado, fui atéopianoapedidosdela,paratocarnovamenteaquelavalsaqueeutinhacomposto.Marlenesedebruçavano piano, colocando asmãos namadeira como se quisesse acariciá-lo. Olhavaparamim com um olhar de admiração, fazendo eume sentir como um irmãocaçula. Foiemmeioaalgumimprovisodejazzque,numsussurroentusiasmadoMarlene me desconcentrou dando um salto em minha direção, fazendo euinterromperamúsicaimediatamente.- Tive uma ideia! - Disse ela, fazendo uma pausa para organizar seuspensamentos e talvezpara esquentarminha curiosidade. -Oquevocêachadetocaraquialgumasvezesporsemana? Cocei a barba no intuito de refletir. Me dei conta então de que,inconscientemente,euestavaespelhandoasmaniasdeChris.-Meupúblicoprecisa ouvir canções comoessas. - Continuou ela, tentandomeconvencer.-Omundoprecisateouvir,Andrew!-Nãodeixadeserumaideia.Podemostentarparavercomoelesirãoreagir.-Quelegal!Podemosfazerumaexperiênciahojeanoite?-Elaperguntou.-Podemossim,possochegaras20:00.-Respondi.-Combinado. Ocantodocanáriosooutrêsvezes,oqueindicavaquatrohorasdatarde.Euprecisavapassarnosupermercado,entãomedespedideMarleneeagradecisua gentileza como almoço, bem comomedar a honrade tocar no seupub eaindatirarunstrocados.Nãoeranadademais,masovalorquecombinamosjápagaria amulta do espelho retrovisor, e talvez algumas outras contas. "Minhamãeficaráfeliz",suspirei.

Algunsclientesjácirculavamdentrodobareoutrosaindaesperavamnoladodeforaquandochegueiparaaquelemeuprimeiroespetáculoali.Sentiumacertasatisfaçãoempensarquelevariaàquelaspessoas,aindaqueporumbreveespaçodetempoumpoucodealegria.Minhapretensãoerasuavizarsuasnoitescom acordes leves que as levassem à algum lugar onde pudessem voltar asonhar. Eu ainda não poderia levá-las comigo a Terra Secreta, mas talvez eupudesselevaratéelesumpoucodoqueera.

LembreidoqueoCavaleirodosSonhoshaviamedito:"Estaterraestánasuamente,Andrew!".Bom,eupoderiaterefazeroeuquisesse,comoelemesmodisse. Eu já sabia uma das coisas que eu queria. Eu queria suavizar a vidadaquelaspessoasquepassariamalialgumashoras.

A música ambiente se desligou. Era Marlene dando sinal para que eucomeçasseatocar.Naqueleinstante,fuitomadoporumfriozinhonabarriga,queparameproteger,resgatoudeminhamemóriaumafrasedaBíbliaqueeuhavialidoháalgunsanos:

“Aquelequetemouvidosparaouvir,queouça"-Mateus13:9,43.Comeceiadeslizarmeusdedossobreaquelasteclaseaospoucosaquela

melodiacomeçaraaseexpandirportodososcantosnaquelelugar.Osruídoseum resto de palavras soltas foram desaparecendo. Olhares espantados sedirecionavamamim.Ninguémesperavaqueatravésdeapenasuminstrumento

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pudesseressoartamanhasinfoniaemsuasprópriasmentes.Nãoseouvianadamaisalémdamúsica.EracomoseeuestivessedevoltaaTerraSecreta,edessavez, levando comigo um bando de corações alados.Me transportava em cadanota,acadaaplauso,acadanovacançãoqueeufaziabrotarnaquelasteclas.OsolhosdeMarlenepareciamsaltardoseurosto, jámeioumedecidoporalgumaspequenaslágrimasqueeupodiaverdelongeaoreflexodameialuz.Avidareal,pelaprimeiraveznaquelestempos,começavaafazersentido.Eraumaluznofimdo túnel que brilhara para mim naquela noite. Sem sombra de dúvida, era amúsicaquenutriaaminhavida.

Eu senti a presença de Sarah. Por algum momento, naquele estado deêxtase, era como se ela estivesse ali o tempo todo. Estávamos fazendo amor.Sarah havia voltado? Ergui meus olhos por sobre as cadeiras. Eu precisavaencontra-laoutravez. Saí do pubpor volta das 21:30horas. Senti falta de um casaco quandoatravesseiaporta.Eraquasenovembro,eotempoestavaesfriando.Porémmeucoraçãoestavaaquecido,oquefezcomqueeunãomeimportasse. Chegando em casa, o cenário que vi foi o mesmo de quase sempre. OitalianoestiradonosofátomandocaféeassistindoTV.-Pantofolaio!Ondevocêestava?Sinta-seemcasa!-Eaí,Bo... Fomos surpreendidos por um barulho assustador. Um helicópterorondava de perto a pacata Eureka. Fomos até a janela para ver o que estavaacontecendo,mastão logoaquelebesourogigante jáseescondiapordetrásdeumprédioesumianaescuridão.-Vocêdesapareceu!-MeindagouBolivar.-EstavatocandonopubdaMarlene.Nemtivetempodefalarcomvocê,foitudomuitorápido.Dapróximavezvocêtemqueir!-Claroqueeuvou.Hojeeuestavabemocupado também. -Tomouumgoledecafé.-Sentaaí!-Comoandaolivro?-Perguntei,sentandonobraçodosofá.-Nãopodiaestarmelhor,Panto!Estelugaréinspirador,aspessoassãoincríveis,estouadorandopassaresse tempoaqui.Vocêquenãopareceestarmuitobemné?Estápálido...Eessasolheiras... Fiz sinal de silêncio e aumentei o volumeda televisão.Estavapassandoumdocumentáriosobregrilos. ... quando a grilo fêmea escuta o canto de ummacho, proveniente de umaltofalante,elavoaráemdireçãoaele...-Éocantoqueaatrai...-Sussurrei.-Comoseriabomparanóssefosseassimtambémhein?Elasvirematénós?-RiuBolivar.-Éocanto.-Repeti,pensativo.-Taíaexplicaçãoparatodoessebarulhoquechegaatéaquiaessahora. MuteiaTVe ficamosemsilencio.Ocantodosgrilosressoavadentrodoapartamentocomoseelesestivessementrenós.-Nossa,comoéalto.-DisseBolivar.-Meadmiravocênãoternotadoantes.-Zombei.

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Depois de jantar, ficamos algum tempo assistindoDiscovery Channel. Acadaquinzeminutosmaisoumenos,oitalianomutavaosomdaTVparadublaralguémdoprogramacompalavrasobscenas.Ouaquiloeramuitoengraçado,oueuqueestavaficandotolodemais.OfatoéqueBolivarestavasetornandomeumelhoramigo. Eleficavaquasequeimóvelquandocomeçavaumdocumentárioanimal.Sósemexiaquandoprecisavafazeralgumaanotação-queprovavelmenteusariaem um de seus livros. Era possível ver televisão através do reflexo de seusóculos. A luz não atravessava direito naquela lente grossa, o que fazia o vidroparecerespelhado.Seugrauera tão forte,queprovavelmenteeleusavaóculosaté pra conseguirmirar o xixi no vaso. "Me sinto diferente quando estou semóculos", dizia ele em suas filosofias baratas. "É como se não houvesse nada aperder,comosetodaavergonhadeagirnãoexistisse.". Realmenteeletinharazão.Suasexpressõesfaciaisganhavamvida.Eleviaa vida de outra forma.Quando tirava o óculos, sua forma embaralhada de verprovavelmentefazia-oarriscarmaisenãolevaravidatãoasério. Nãocumprirumatarefaatéofimestavalongedesereu,principalmentequandosetratavadeumatarefarelacionadaaserviçosdacasa.Porém,naquelanoite,quandomedeiconta jáhavia fechadomeulivrosemterminarocapítulopoismeus olhos estavam embaçados. Olhei para o relógio, 23h58. "Que bom",conclui, "voudormirmaiscedoeamanhapossoacordarcedinhoparadarumacaminhada!". Levanteidacamaecumpritodososdeveresrotineirosdeumapessoaquepreza por uma noite tranquila, dentre eles, passar fio dental, um dos maistediosos requisitos para umaboa higiene bucal. Junto como ato demanter asgengivassaudáveis,pergunteiamimmesmocomoeuconseguiamepreocuparempassar fiodentaldepoisdeumdiacomoaquele. "Seráqueeu lembrariadefazerissoseeutivessevividoemtemposdeguerra?",pensei.Maslogoveioumpensamento acolhedor. "Enquanto eu me lembrar desses pequenos detalhes,podereimeassegurardequeaindanãoperdiminhasanidade". Essaconclusãofoiarduamenteaceitaeperduroupelosbrevesmomentosentreescovarosdentes,botaropijamaemecobrir,masa teoria foiquebradaassimquemevireiparavernovamenteashoras:23h58. "Oque?Nãoexiste apossibilidadedeeuterfeitotodosospreparatóriosparaumanoitetranquilaemmenosdeumminuto",disseamimmesmo,esperandoumaresposta.Orelógioestava funcionandonormalmente,então,aúnicaconclusão foiquenoprimeiromomento eu havia visto 23h50. "Vi um oito no lugar do zero, vi um oito",balbuciei. Por culpa nosmeus olhos embaçados foi amelhor escolha para nãojogarporáguaabaixotodaaquelapreparaçãodeboanoitedesono. Depois desta desculpa barata sobre o mistério do relógio e reflexõessobre o que eu poderia aprender com o dia que se passara, o tempo correunormalmente,beirandomeianoiteemeia."Voltouaonormal",pensei."Otempopassa".

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CAPITULO10-Sabedeumacoisa?-Eudisse.-Nãopossoperdermeutempopensandoemalguémquesóexisteemmeussonhos!Devoesquece-la...-Poisfiquesabendo,rapaz,quevocênãodeviafazerisso!-Eporquenão?-Ora,euvoulhedizer!Vocênãodeviafazerissoporque...-Disseralentando. Chrisparoudefalaretudoficouemsilêncio.Ocricrilardosgrilosinvadiuoambienteeeucomeceiarir.-Cricri-Repetiparairritá-lo. Chrisolhouparamimdecantodeolhoecomeçouacoçarabarbacolocandomandíbulaparafrentecomoumapiranha.Poucossegundosdepoisconfessou:-Esqueci.-Esqueceu?-Zombei.-Masfiquesabendoqueseeufaleiissoéporqueháumaboarazão!Acrediterapaz!-Seisei...-Cricri!-Rebateu. MinhaintuiçãomediziaqueChrisescondiaalgodemim.Parecianãoterse esquecidodenada, e sim, hesitado emmedizer algo sobre Sarah. Chrismedeixavasemrespostas.Talvezeleestivessemeestimulandoaencontrarminhasprópriasrespostas,masaoinvésdisso,euacabavaapenassupondocoisas.-Existeumlugar,umpoucolongedaquichamadoValedasEpífises.-Disseele.-AcreditoqueládaremosumjeitodevocêreencontrarcomSarah.-Praque?-Deideombros.-Praviverumamorilusório?-Soutãosurrealparavocê? -Eleparoudecaminharesevirou. -Vocêpreferenuncamaisvê-la? Olheidesconfiado.-Eoquevocêganhaemmeajudar?-Pra falar a verdadenãoganhonada,mas issonãovemao casopois vocêmecriouparateajudareestouaquiparacumprirmeupapel.Soucomoseugêniodalâmpadaeestouasordens,prontoparateajudar.Masaoinvésdelheconcedertrêsdesejos,fareicomquevocêaprendacertascoisasque,umavezaprendidas,nãohaverálimitesparasonhare...Fimdalinha!Vocênãoprecisarámaisdemim.-Eentãovocêiráembora?-Perguntei.- Se esse for seu desejo, prometo sumir de suamente como um sonho que seesquece.-Issonãoestánosmeusplanos. Chrisfezreverênciaagradecido,massemmuitaexpressãofacial.-Bom,sendoassim,aceitosuaajuda!-Eudisse.-Boaescolharapaz!-Exclamouele,dandoascostasparamimcomoseestivessedançandobalé. CadagestododitoCavaleirodosSonhoseradeumarsarcástico,oquemedeixavaconfusosemsaberaocertoseeleestavarealmentedomeuladoounão.Carregavaconsigoumolharumtantomacabro-daquelesqueassobrancelhasselevantamaosorrir-,easvezesenquantocaminhavafaziaquestãodeancoraros

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braços e marchar cantarolando músicas que só ele conhecia. Foi assim quecomeçamosnossajornadaaomisteriosoValedasEpífises.-Quantotempovailevaratéchegarmoslá?-Perguntei.-Otempoquefornecessárioparavocê.-Comoassim?- Escute Andrew. - Ele segurou nos meus ombros. - Isto aqui é um mundoparaleloaoseu, livredoespaçoe tempo.Umsonhopodedemorarumadécadaaqui,masapenasduashorasdesonoemsuavidacomum.Oqueimportanãoéoquantomassimoquando.Chegaremos láquando vocêestiverpreparado.AquinaTerraSecretaécomumocaminhoseesticarouseretrairdependendodeseuestadodeconsciência.Tudoqueestáaquireagedeacordocomoquevocêpensa. Averdadeéque,naquelemomento,eupodiaficarhorascontemplandoapaisagemonírica.Minhavisãoaindaardiacomoclarãodetamanhamagnitude.Aquele lugar parecia querer induzir meus olhos a se encherem de lágrimaspropositalmente.Talvezhouvesseumainteligênciasuprema- incutidaemcadadetalheaminhavolta-queestavaseaproveitandodetodaaquelabelezanaturalparameemocionar. Algomeinspiravanaquele lugar.AbrisadaTerraSecretatraziaconsigoum frescor que, em contato com a minha pele, parecia recarregar minhasenergias. Aquele arme purificava constantemente, a cada respiração. Eu sabiaquecadacéluladomeucorpoestavavibrandoemharmonia.Eusentiaque,pelaprimeiravez,haviaumlugarondeeupoderiaserlivre.Ondeeupoderiacriaromundodaformaqueeuvia. Abaíaserevelavacomoumimensocéuestreladodepontacabeça,ondeaclaridade cintilante do dia fazia o movimento das águas cristalinas piscaremcomo estrelas. Estas, tilintavam como um sino dos ventos, parecendo dançarincansavelmentecomoreflexodosol. Pormais que eu estivesse sozinho emmeio aquele cenário colorido, eununcahaviamesentidotãocompletoemtodaaminhavida.EracomoseDeusestivessemedandodepresenteummundonovoparaeucuidar.Umasegundachanceaohomem.UmJardimdoÉdennovinhoemfolha,ondeeupoderiavivercom Sarah para sempre, e propagar uma nova consciência através de novasgerações. Euestavaperplexocomtamanhabelezaqueestevesempretãopertodemim.Belezaqueestavadentrodemim,equepormaisqueeutentasseexplicarpara os outros em palavras, eu sabia que provavelmente ninguém entenderia,poisaTerraSecretaseadaptaaosolhosdequemavê.Dequalquermaneira,eujá articulava maneiras de traduzir um pouco do meu encantamento porintermédiodamúsica.Elahaviadescobertoumamaneiradesussurraremmeusouvidosatravésdoventoque,comsuamaestria,regiaasárvoressuavementedeumladoparaooutro. Eu estava maravilhado. As vantagens de viver na Terra Secreta eramtantas que por um momento eu nem sabia o que explorar primeiro. Eu nãoprecisava passar meses treinando exercícios de embocadura pra sair tocandotrompete. Nenhuma prática era necessária para saltar de um penhasco empiruetas e mergulhar na água, preciso como uma flecha. Eu podia pilotar umavião se eu quisesse, mas não era necessário porque eu sabia voar. Eu nãoprecisava nem me esforçar se eu quisesse ganhar um pouco de músculo nosbraços.

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Todos esses atributos precisariam de muita dedicação e demorariammuitotemponaminhavida"real".Eutinhahabilidadesqueeujamaispossuirianavidanormalsempassarpelotãoadoradogoûtdel'effort(ogostodoesforço)dosfranceses,pregadorepetidamenteporChrisemnossastardesaopordosol. Aquitudoerapossíveledemuitofácilacesso.Algumasvezes-apesardeChrisnão ser a favor - eumeatrevia a criarnovos seres sópara rir. Eupodiaimaginar uma galinha com cabeça de capivara e voilà: aquela coisa estranhaapareciadonada!Girafasdetrêscabeças,vacasazuis,porcosvoadores...Eupodiaaté montar num dinossauro! O Cavaleiro do Sonhos sacudia a cabeçainconformado, dizendo que isso era um insulto aos seus ensinamentos. Eurebatia,repetindooqueelemesmohaviamedito,queeupodiaserefazeroqueeuquisesse.Muitasvezes,oqueeuqueriaeramedivertir,exploraraquelelugar,conhecerminhaprópriamenteetudoqueeueracapazdecriar. Certavez,crieigaivotasquevoavamsemasascomopeixesnadandonoar.Chrisdisfarçouumapossívelrisadatossindo,comadesculpadecolocaramãonafrentedaboca.Sentiumcertoprazersevero,poiseleriaapenasdesuasprópriaspiadas, principalmente quando as contava com sotaque francês. Quando euperguntava o porque daquele seu jeito de falar, ele respondia com umarisadinha:"Eeuseilá!Pergunteavocê!".Euconcluíaquedeviaserporalgumaapologiasubliminaraogoûtdel'effort.-Játefaleisobrealição"OrgulhoeFerramentas"?-PerguntouChris. Elesabiaquenão.Nemmedeiotrabalhoderesponder.- Você precisa ser humilde ao ponto de não se comparar com um deus. -Continuou.-Eviteasoberba,poisestaéumadasformasqueoegosemanifesta.Existeumalinhatênueentreoorgulhoearrogância,evocê,comoumonironautaaprendiz, precisa encontrar um ponto de equilíbrio. Para isso, deve prestaratençãonossinaisque lhechegamatravésdepessoasousituações,sejamboasou ruins. Essas ferramentas são extremamente valiosas na construção de seusideais. Euestavaolhandoparaochão.-Umadas coisasmais importantesqueeuaprendinaminhavida foi observarquecadapequenodetalheérecheadodeprofundossignificados.-Elefalou.-Aé?-Perguntei,meioquezombando.-Ok,nãoentendo.-Aíéquetá,vocênãoentende,eesteéumdetalhemuitoimportanteparaestaocasião.Cadagestoouatitude,cadapalavraditaounão,demonstraumaseriedesignificadosqueretratamumapessoaourelacionamento,porexemplo.Eeunãodeixopassarnada,nemosteusdetalhesemuitomenososmeus! Bocejeieentreumbrevesilêncio,apoieioqueixonamãodireita-Estoupegandonosononomeuprópriosonho.Issoéumdetalheimportante?-PergunteicomoseestivessedescobrindoaAmérica.-Mas é claro rapaz! Significa que está exausto, ou talvez um pouco entediadocomesteassunto,estoucerto? Fizquesim,mascomexpressãodepena.- Entende? É desses detalhes que estou falando - Exclamou Chris. - Mesmoquando a gente não fala, o corpo fala! As nossas expressões falam! E estesdetalhes jamais devem se passar despercebidos,meu caro! Será que você temprestadoatençãonosdetalhes?-Sim.- Sim? - Perguntou, indignado. - Como assim "sim"? Saiba que o teu simples

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"sim"éumdetalhequepodegerar incomodo.Geraria incomodoaté se fossearesposta certa, mas a sua falta de percepção torna esta resposta ainda maisinconveniente!-Eoquevocêquerqueeufaça?-Perguntei.-Queroatitude!Palavrasnãobastam!Prove!-DisseChris-Comovouprovarqueestouprestandoatençãonosdetalhes?-Sevocêprestaratençãonosdetalhes,suasexpressõesvãofalarporvocêeeuvouperceber...-Olha,issonãoestacerto.-Levantei.-Vocêficaanalisandominhasexpressões,ou cada coisa que digo e faço. Não gosto dessa sensação de que estou sendovigiadootempotodo. Chrislevantoutambém.-Avidaéumteste!-Respondeuele,dandoumtapanasminhascostasumpoucomaisfortedoqueplanejava.-Emtodasasespéciesdoplanetahámomentosdeprovas - Continuou. - Como você acha que um macho alpha se torna alpha?Lutandocomoutromacho,mostrandocoragem,marcandoterritório,provandotercondiçõesde liderarumgrupo!Eas fêmeas,meuamigo?Ficamderretidas!Haha! É através de provas que se adquire confiança num relacionamento. Éatravésdetestesqueumprodutoéaprovadoparaserconsumido.Sãoasprovasque mostram se um aluno estudou ou não. Cada detalhe é precisamenteanalisado. E os sacrifícios dos religiosos, já pensou pra que servem? Elesreforçamafé!Ecomofazemisso?-Gesticulou.-Provandopraelesmesmoseatodosaoseuredorquesãocapazesdejejuar,andarquilômetrosapé,ouatéemcasosextremosdoantigotestamento,praticandooholocausto!-Eusóqueriaumpoucodepaz...-Eurespondiindignado-Meurapaz...-Dissesesentandoecolocandoamãonomeuombroparaqueeume sentasse também. - Você esta querendo é fugir de suas responsabilidades,inclusivede vocêmesmo. E é o que você achouquepodia fazer aqui naTerraSecretané? Chrispôs-seagargalhar.Eucomodecostume,emburrei. -Nemnossonhos,Andy!Prometonãotedeixarempaz!Haha!Agoralevante-se!Temosumlongocaminhopelafrente!-Disseele.-Estouumbagaço.-Confessei.-Poissaibaquedobagaçoaindasaigeleia!Vocêgostadegeleia? Nãocontivearisada.Geralmenteeuconseguiasegurarmeusorrisoparanão dar crédito à suas piadinhas, porém, devo admitir que este foi um rebotemuitobemfeito,entãomeentregueiemgargalhadas. ChristopherThompsoneradeumanaturezaonde,independentementedasituação que você se encontre, sempre há motivo de festejar. Realmente suapersonalidade era digna de admiração, porém nem sempre eu conseguiaacompanhar seu ritmo aventureiro,misturado a um caráter seguro de si, quealém de possuir sorrisos ininterruptos, era composto de um par de olhosextremamente precisos, como os olhos de uma águia que nada deixa escapar.Captava cada detalhe como um predador astucio numa caçada. Ao capturar apreza, saboreava com classe. Finalmente, no processo de digestão, o CavaleirodosSonhostinhaodomdetransformarcadadetalheemmaravilhosaspérolas,destasquebrilhamparasempreemnossoscaminhos. Chrisestavacertoquandodiziaquemoverospésajudaaativarocérebro.Eraquandocomeçávamosacaminharqueasideiassurgiam,queasconversas

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fluíameque,pormaisdifícilquepudesseserdeacreditar,nossaamizadecrescia.Apósumalongacaminhadacommuitasrisadas,paramospertodolitoral

para descansar. A paisagem permanecia abraçada por uma linda baía, quedeixavaoclimaaindamaisinspiradorpelatrilhasonoradocantodosgrilos,quese escondiam pelos matagais afora. Chris montou uma barraca e se isolou ládentro,dandoamimassim,aoportunidadedeficarumpoucosozinho.

A baía refletia o céu de fim de tarde, me chamando para conversar.Deparei-mecomummarprateadoquepareciaumespelhomágico.Chegueimaisperto e percebi que eu estava ali, imerso na água, olhando para mimmesmocomo se estivesse preso nummundo paralelo. Notei que o som das águas emmovimento aospoucos ganhava sílabas epalavras, que rapidamentevinha aoslábiosdeminhafacerefletida.Obarulhodosventoscamuflavaumpoucoosom,mas eu sabia que isso não era uma coisamuito comum, pelo contrário,muitorara. Então o ruído virou luz e pude escutar claramente o que aquele espelhotentavamedizer:

"Euseiquemvocêé...",Sussurrou."Euseioquevocêquer.Vocêquerserfelize

desistiuhámuitotempo" Aquele silêncio das águas me envolveu de uma forma tão forte, que osussurro virou canto e quando me dei conta, meus olhos estavam cheios delágrimas.Tãocheiosquenãopodiaenxergar.Aúnicacoisaafazererareproduziroruídoatravésdocantopoisacadarespiraçãomaiorerasuasincroniacomoselementos.Meupulsoseestendiaaomurmurodosventoseosilêncioaguardavaresposta.Oestadoemocionalemquemeencontravaeramuitointenso,similaraumbebêesperandoodiacertoparanascer. Derepente,aságuasselevantaramemdireçãoaocéucrepuscularnumaforteexplosão,ondeumestupendoraiodeluztransformoutodoaquelecenárionumimensocampodeflores.Pareciamtulipasvermelhasmastinhamoformatodenotasmusicaisque,emformadeondas,balançavamnaquelecampoimenso.Eu podia ver o corpo de Sarah embalado por aquele momento. Seu corpodançavaemgrandeestilo.Seuscabelosaoventoentoavamcomoondassonoras.Eu, deslumbrante diante de tudo aquilo, me perguntava se era uma formahumanaexpressandoamúsicaouamúsicaemformahumana. Sarah-anovavoz.Aquelavozquefezmeucoraçãodoer,congelandoatéaúltimagotadesangue.Avozestavadentrodemim,reproduzindoumaimagemdemulhertãoperfeitaquenãopodiaservistaporolhoshumanospeloexcessodeluz.Umanjoenviadopelomeunãoconsciente,nopapeldesatisfazertodososmeus desejosmais profundos. Eu estava sendo conduzido a um lugar secreto,ondejamaisalguémhaviatocado.Lá,haviaumafontedemúsicatransbordandodeinspiração,explodindocomoumgêiser. Neste momento, a luz se transformou em pequenos pontos brilhantes,quesupostamenteseriamestrelas,masque logoganhariamformasenergéticasdeguiasdamúsicaquenumpoderosocoro,começaramacantar. Euestavaemoutradimensão.Umlugarondetodosossentidospareciamsatisfeitos.Tudoissoporqueeumedeparavacomaquelamulhercomsorrisodemenina em minha frente. Minha única possível reação foi observá-laatentamente,paraquenadapudesseescapar.Fitei-adiretamentenosolhos.Elaretribuiu de um jeito ainda mais intenso, me encarando e ultrapassando os

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limitesdeminhavisão,podendoenxergar-medentrodeminhaalma.Sentiumagrande fisgada no peito e certa falta de ar. Uma espécie de fadiga repentina.Minhaspernastremiamemalpodiammefirmar.Sentei-me.Elameintimidavaeao mesmo tempo me acalmava. Aquela angústia ia aos poucos se derretendocomoflocosdeneveaosol,setransformandoentãoempazdeespírito.Medeicontadequepodiaconquista-laatravésdocanto.Ocantodaalma.Lembrei-medosgrilos.Somosmesmopartedotodo.-Hey.–Elamurmurou.-Hey.–Retribui-Porondeandou?-Andy.Hámuitacoisaqueprecisotecontar.Vocêmecriou,fezumaimagemdemim dentro da suamente. Eu não sou exatamente como você pensa que sou.Talvez eunão existapra você, aomenosnãoda formaque imaginou. Estamosunidos por um pensamento apenas que você teceu com fios frágeis na suaimaginação. Temos um abismo diante de nós. Bilhões de cabeças flutuantesdeslocadas e ansiosas por partilhar do nosso pão. Precisamos alimentá-los.Precisamos ter inteligência mas, acima de tudo, é pelo amor que asalcançaremos.Precisaesquecerqueestánasuperfície,Andy. "Vocênãoécomoumagaivotaquesobrevivecomosrestosquepairamnabeiradapraia,ou secontentaesperandoporumpeixesubirasuperfícieparapodersealimentar.Nãopodesecontentarcomisso.Vocêéumserqueveioaomundo para desvendar as profundezas. Por isso você me encontrou. Overdadeiro amor liberta Andy, não aprisiona. Estou dentro de você de algumaforma,mas não podeme prender. Ao contrário, precisame libertar pra poderlibertar-se.Euvimdemuitolonge,deumlugarsecreto.Vimparacumprirumamissão, mas não posso ficar presa em você. Preciso voltar. Você precisa meesquecer."- Não posso te esquecer. Você já faz parte de mim agora. Não há nada nestemundoquemefaçamudarsuaimagem.-Éissomesmo.Apenasumaimagem.Talvezarealidademudassesuavisão.-Masvocêestáapenasemminhaimaginação...-Falei.-Estamosconectadosporela...-Nãoentendi.-Rapaz,deixe-metentarlheexplicar.-Rapaz?Comoassim?Quemévocêafinal?- Seu guia.OCavaleiro dos Sonhos.Quemvocêpensouque fosse?Você estavasonhando? Esfregueiosolhoseolheiaminhavolta.-Ahn?Nomeuprópriosonho?OndeestáSarah,anovavoz.Ondeelafoi?-VocêestavasonhandocomaSarah?-Eleperguntou.-Estavaconversandocomelaagoramesmo.Vocêaviu?-Andrew. -Fale...-Andrew...-Oi.Oi…-Andrew,acorde...

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CAPITULO11-Quehorassão?-Murmureilutandocontraaclaridadedodia.- Cara, - Disse Bolivar sentado ao meu lado. - Você está dormindo faz quasedezesseishoras!Acheiquefossebomteacordar.Oqueaconteceu?-Nãofaçoideia.Nossa...-Sentei-me.-Nãoestoumesentindobem.-Devoligarparasuamãe?-Dejeitonenhum.-Querirnomédico?Vocêestácompletamentepálido. Eucresciescutandomeupaimedizerqueénahoradasdificuldadesqueseconheceaspessoas.AamizadeentreeueBolívarfoiconsideradaverdadeiraparamimnaqueledianohospital.Nãoesperamosmuitoparaeuseratendido,maspassamosodiainteirofazendoexames,eesperandoosresultados.- Você escutou omédico cara. Você precisa começar a acordarmais cedo, darumacorrida,tomarosol.Vocêestáparecendoumvelho. Suspirei.-Sevocênãomudaroshábitos,issovaivirarumadepressãopesada.Seéquejánãovirou.Quandoagentesairdaquivocêvaitomarumbanhoesearrumar.Vouteapresentarunsamigos.-Nãoestounoclima,Bo.Olhapramim.-Vocêprecisa se socializarmais,Panto!Quemvocê conhece aquinesta cidadealémdemimedadonadobar?-Marlene.-Corrigi.-Queseja. Euolhavafixoparaumquadrodeumafotodeumaenfermeiraquefaziagestodesilencio.-Olhaali.Temquefalarmaisbaixo.-Comentei.-Escutacara.-Respiroufundo.-Hojeanoitenósvamossair.Estádecidido. Deideombros.-Comovaiolivro?-Pergunteitentandomudardeassunto. Bolivarmelançouumolhardesconfiado.-Serescritornãoétãodifícil-disseele,apoiandoosbraçosparatrásdacabeça.-Só é preciso encontrar boas palavras para representar situações do cotidianoquejáconhecemos.-Issonosromances,certo?-Eudissecomolharleigo.-Enocasodeumaficçãoouhistóriafantasiosa?-Dequalquer forma,oescritorusareferênciasdecoisasousentimentosqueoleitordealgumaformajáviveu.Oleitorprecisasevernahistória,entende?Issoépersuasão!-Mastambéménecessárioumaboatrama...-Nem sempre. - Interrompeu. -As vezes aspalavras fazem tanto sentidoparaquemaslê,queumasimplestramapassaaterumsignificadoenorme.Umbomescritortemdesertambémumbomleitor.- Bom, acho que você está sendomodesto...Ou convencido! - Falei disfarçandominhaignorâncianoassunto. Muitasvezeseunãosabiaoquedizer.Bolivartinhaopoderdeconseguirdar significados opostos em uma simples opinião pela forma que entonava aspalavras.Talvezaquilofosseumacaracterísticainovadoraparaumescritor,pois

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elepoderiaassimatingirumpublicobemdiversificado.Maseutambémlevavaem conta de que essa forma de confundir as pessoas podia estar relacionadaapenasaoseusotaque.Eissonãoseriafácildeescrever. Passamosorestodatardenasaladesoro,poiseuestavamuitofraco.Apresença de um médico me fez despertar um pouco. Eu estava bastantesonolentonaquelemomento.-Como está se sentindo agora? - Perguntou o médico. - Foram feitas algumasmedicações na sua veia juntamente com o soro. Estamos avaliando seu caso.Aparentementeestáapresentandoumquadrodefadigafísicaeemocional.Estácomacompanhante?-Sim,esseémeuamigoBolivar.-Respondi.-Algumfamiliarporperto?- Não. Sou de LA. Estou morando aqui há pouco tempo. Ainda em fase deadaptação.Bolivarémeucolega.Dividimosumapartamentoaquiperto. O médico me lançou um olhar analítico enquanto coçava sua cabeçagrisalha.-Comovocêtemsealimentadoultimamente,Andrew?-Perguntouomédico.-Muitomal,Doutor...-SeintrometeuBolivar-Steven-Completou.-DoutorSteven,-Continuou.-eleestáfazendoumataldedietaalcalina,nãoseipraque,sócomematoetomaunscomprimidos.- Suplementos. - Corrigi. - Bicarbonato de sódio na água, cloreto demagnésio,carvãovegetal,sucoverdeemuitolimão.-Issofoialgumareceitamédica?-PerguntouDoutorSteven.-Não,-Respondi.-Euvinainternet.-Quevergonha.-DisseBolivar. Omédicotomounota.-Eoquevocêtemsentidonessesdias?-Omédicoperguntou.-Muitafadiga,sono,faltadeconcentração,dordecabeça.Easvezesminhavisãoficaturva...-Foioqueeuimaginei.Nosexames,oresultadodamelatoninaestámuitoalto.-Melato-oque?-Perguntei.-Amelatoninaéumhormônioquecausasono,evocêtemproduzidoemexcesso.Issofazcomquevocêqueiraficarmaistemponacama.Vocêapresentaindíciosde quem tem tendência a depressão. Precisa melhorar sua alimentaçãourgentementeeprocurarfazeratividadesforadecasa.Eviteficarnacama.Alémdisso,oresultadodoeletroacusouarritmiacardíaca.-Issoégrave?-Pergunteidepoisdeengolirsaliva.- A princípio isso pode ser devido a sua ansiedade, mas é importante vocêconsultar um cardiologista. E aconselho você procurar um nutrólogo também,caso queira continuar sua dieta. Não faça mais a besteira de fazer dieta deinternet,filho. Bolívarsoltouumrisoirônico"Ha-ha".-Sortedelequemoracomumamigoitaliano,néPanto?EstáliberadoomacarrãoDoutor?-Nomomento,tudoestá.-PiscouparaBolívar-Seuamigoestápassandofome.Sónãoaconselhobebidaalcoólica,jáquevocêfoimedicado.Precisavoltaraquiemquinzedias.

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-Doutor-Prosseguiuoamigoitaliano-VocêachaqueoAndypoderiasairhojeanoite?- Seria ótimo. - Olhou para mim. - Você está mesmo precisando se divertir.Depoisdestesorovocêestaránovinhoemfolha.Apenastemdeobservarsenãovaisentirnáuseasoutontura.Comonãoestáacostumadocommedicaçãoeestábastanteprostrado,podeterreaçõesadversas.-Entãoquerdizerquevouprecisarcontinuaramedicação?-Sim,atésegundaordem. Se tinhaumacoisaqueeunãogostavade fazerera tomarremédios.Euhaviacomentadologoquetinhachegadonasala,"remédionãocura,sódisfarçaador".- Faça um esforço para sair com seu amigo, gastar sua energia. Seucondicionamentofísiconãoestádeacordocomasuaidade,masissoédevidoaogrande tempoque vocêpassa em casana cama. Precisa voltar a ativa. Sei quevocê está passando por um período difícil mas precisa lutar contra essedesanimo. Você está com princípio de depressão. Vamos acompanhar, e casoprecise, terei que te encaminhar para um psiquiatra. E você sabe que se issoacontecer,provavelmenteteráquetomarremédiosmaisfortes. FranziassobrancelhaseolheiparaBolivar,quelevantouosombros.-EAndrew...-FrisouoDoutorSteven.-Eviteficarnacama. Depois do soro e de um bom banho, me lembrei de como era bom sesentirbem.BolivartinhacombinadodenosencontrarmoscomosamigosdelenoTheGreener.-Pessoal,esteémeugrandeamigoAndrew.Comovocêspodemvermeninas,ébonitão,émúsicoe...Estásolteiro!Venha,Panto.EsteaquiéoEddie.-Comovai?-EsteéoBilly.-Olá!-Eagoraasmeninas,começandopelaJoy,irmãdoBilly.EestaéaSarah.-Sarah?-Eudisseconfuso.-Quecoincidênciané,Panto?-Porque?-Perguntouela.-Bem,Sarah-disseBolivar-AcontecequeAndrewestava...-Deixapralá.-Interrompichamandoogarçom. Euescutavaapenasoecodoqueelesfalavamnamesa.Osomestavaalto,as risadas estridentes, e os assuntos nãome interessavam. Comopodia existiroutraSarah,quenãoeraaminhaSarah?Comoseriamaravilhososeeuporacasoencontrasseelaporaqui,averdadeiraSarah.-Oiquerido! Virei-me. De repente, o tempo congelou. Os barulhos do pubdesapareceram.-Andrew?-Disseavoz,novamente.-Panto,acorde!-DisseBolivarrindoparadisfarçar.

"Quemé?Queromesmoverquemmechama?",pergunteiamimmesmo.

"Andy,acordefilho...",disseminhamãe."Odiaestápassando".

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-Quantotemposepassaquandoestouenvoltoemmeuspensamentos?-Penseiemvozalta. Tudoestavabarulhentodenovo.-Ahn?-Marleneperguntou,confusa.-Oi.-Respondi.-Estátudobem?-Conferiuela.-Claro-Respireifundo-Porquenãoestaria?-Quetaltocarumamúsicapragente?Euvouládesligarosom. Nem deu tempo de responder, e Marlene já havia dado as costas,caminhandoemdireçãoaobalcão. "Tocarparaquem?",pergunteiamimmesmo."Ondeestávocê?"-Andrew,aquiestáoviolão.Gente-Marlenebatucoucomumacolhernagarrafa.-EsteaquiémeuamigoAndrew.Fuiprofessoradelenojardimdeinfância.Eleéumgrandetalentoevaleapenaficaremsilêncioporalgunsminutosparaouvi-lotocar!Eusei...Gente!-Berrou-Euseiqueaindanãotemosmicrofoneaqui,maslogovaiter.Porfavor,vocêsnãovãosearrepender. Silêncio. Pausa. O grilo canta na calada da noite. A fêmea está a algunsquilômetros de distância, mas de repente, o som chega através dos ventos. Aportaestáabertaeatelepatiaacontece."Sarah,vocêpodemeouvir?".-Nossa,comovocêcantabem-DisseaoutraSarah. Procurei dar o melhor de mim. Eu não queria decepcionar ninguém,principalmente Marlene. Ela não estava sabendo o que estava acontecendocomigo,eeutambémnãoquisfalarnada.Eunãoqueriapreocupá-la.-Nãoestounomeumelhordia.-Respondi.-Minhavozparecetravada.- Não parece não! - Ela retrucou. - Sua voz émagnifica! Fazia tempo que nãoouviaumavozassim,muitomenosemumacomposiçãotão...profunda.-Obrigado.-Agradecicomavozmaisaltadoquenecessáriodevidoapequenadistanciaquehaviaentreagente."Oqueestoufazendo?",pensei.-Euvouláforafumar.-Disseela.-Vocêmeacompanha?-Bem,eunãofumo... Bolivarlevantouassobrancelhascomardequeaquiloeraumaobrigação.-...Masvamos.-Continuei. Oitalianofezgestopositivo. Quandoeutinhaapenasquatroanos,jogueiacarteiradecigarrodomeupainaprivadaefaleiquenãogostavadocheiro.Meupaicomeçouaevitarfumarpertodemim,enãodemoroumuitoparaqueparassedeumavez.Essahistóriafoi motivo de grandes risadas nas noites de natal em família, e todos meadmiravamporumaatitudetãopródigacomoaquela.-Estáfrioaqui.-Agarotaseabraçouapósumtrago.-Possochegarmaisperto?-Claro.-Eudisse,mearrependendoemseguida.-Oventoestápralá,entãoachoquenãoestáindofumaçaemvocê,né?-Atéagoranão.-Naverdadeestavadisfarçando,poisaquelecheirodefumaçadecigarroestavameenjoando. Jápassavadasduasdamanha,quandoBolivarpassoupornós,juntocomaJoyeBilly.-Panto,vou levarelesemcasaporcausadachuva.Elesviajamamanhacedo. -DisseBolivar,abrindoaportadocarro-Daquiapoucoeuvoltotebuscar...-Nãoprecisa-InterrompeuSarah-Euestoudecarro.-Panto?-VerificouBolivar.

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-Ah,tudobem.Euvoltocomela.OndeestáoEddie?-Estádesmaiado lánamesa.Masnemsepreocupa.AMarlenevaicuidardele!Haha!Boanoite,cara! Oroncodomotordocarrosedistanciandosemisturoucomobarulhodachuvaforte,eissomefezpensarcomotinhasidoumerroteraceitadooconvitede Bolivar. Tudo o que eu desejava naquele momento era voltar para minhacamaquentinhaemeenrolarnaquelecobertorvelhinhodemalha. Chuva fortemetrazumsentimentoapocalípticoedealgumaforma issomeinspira.Saberquepodenãohaveroamanhãfazeumeperguntarsefiztudooqueeuqueriaterfeito,earespostaésempreemnegativa.Issomelevaaoutrapergunta:Seráqueumdiatereifeitotudooqueeuquis?Achoquenuncaestareipreparadopramorrer. Aoutra-Sarah tinhaos cabelos castanhos commechasde luz.Aspontaserampraticamenteloiras."Masnãoénatural",pensei. Depoisde largarocigarronochãoepisaremcima,agarotaolhouparamimedisse:-Vamosparasuacasa? Seguimos pelaestrada.Sarahdirigiabem.Pelomenoseuestavaseguro.Mastinhaumcertomalestarnoar.TalvezfosseporqueSarahestavatentandochamarminhaatençãoeeuestavacompletamentesemdisposição.Haviacheirode cigarro por todo o carro e isso estavame deixando nauseado. De qualquermaneira, nossa falta de papo no carro foi o suficiente para a outra-Sarahperceberqueelanãopassariaanoitecomigo. Assimquechegueiemcasamedeicontadequenãoeranadadaquilo.Outalvez fosseaquilomisturadocomo restodaquelanoite: lugarabafado, suoresmisturados, ruídosdecopos tilintando,pessoasbêbadasberrando,eapesardeeunãoterpedidocerveja,acabeidandoumasbicadasnowhiskydoBolivar.Sóde lembrardequalquerpartedaquelanoite,me subia aspoucasbatatas fritasqueeuhaviapetiscadoemmeioaconversasqueeudesconversava. Dr.Stevenhaviameditoalgosobrenáusea.Eraisso.Umamisturademalestardavidacomomalestardocorpo.Acombinaçãoperfeitaparaeuperderosono - a única coisa que me agradava nos últimos tempos e que agora seriaprejudicada. Tentei um chá digestivo para amenizar aqueles sintomas,mas foitudoem vão.Aomedeitar,acamapareciagirarcomoseeuestivessebêbado.Minhaspernasestavam inquietas.Euestavaemumacilada,mesentindocomoumprisioneiroacorrentadopelospés,impossibilitadodedormir.Pormaisqueeu procurasse uma posiçãomenos incomodativa, eume pegava torturado poraquelasensaçãodesconhecida-quaseumaagonia. Fiqueiporhorastentandoadormecer.Pudeatéouvirumcantodegaloaolonge,meavisandoquelogoodiaamanheceriaeque,quandoissoacontecesse,aclaridadetomariacontadomeuquarto.Eujánãosabiaseerarealessesom,oualgocriadopelaminhaimaginação. Senteinabordadacamaagoniado.MelembreiqueeueChrisestávamosrumoaoValedasEpífises.Oqueéepífise?Euprecisavasaber. Acendialuz,coloqueimeuroupãoefuidiretoaocomputadorprocuraroque era isso. Eu nunca havia ouvido falar naquela palavra, e agora que eulembrara,poderiasermaisummotivoparaminhainsônianãomedarsossego.Ateladocomputadorpareciasurreal.Abaixeiobrilhodomonitorparatentarmeconcentrar.

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"EpífiseouGlândulaPinealéumaglândulaendócrinadotamanhodeuma

ervilha,localizadanapartecentraldocérebrohumano." Euprecisavadormir.EuprecisavaencontrarChris,contaraeleoqueeuestava sentindo. Eu já estava quase implorando, quando perdi as forças.Meussentidos pareciam adormecidos. Aquela poltrona dura onde eu jogavaminhasroupas estava me abraçando como nunca. Me entreguei ao sono como umbonecotorto,umasombraescuraderoupão.

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CAPITULO12 Acordeibastanteconfuso,masissojánãoeramaisnovidadeparamim.Eume sentia meio nauseado e meus olhos estavam um pouco embaralhados.Dependendo da direção que eu olhava, apareciam uns pontinhos pretos quepareciam um bando de pássaros em tamanho reduzido, como se fossem umemaranhado de micro mosquitinhos que iam de um lugar para outro,atrapalhandominhavisão.Euqueriamelivrardeles,maspareciamterfeitoumninho ali no fundo de meus olhos, principalmente no olho esquerdo. Euprocuravaporumpoucomaisdeluz,esóoqueeuencontravaerasombra.Aindaestava escuroquando fui até apraia aprocuraChris,mas logopercebique euhaviachegadobemantesqueele.FuiatéabeiradamesmabaíaqueachavatervistoSarah.Logopercebiquenãosetratavadeumabaía,massimumaespéciede lago, comumanevoa cobrindo sua superfície.Apesardeeu terde convivercom aqueles pontinhos pretos atrapalhandominha visão, eu olhava fixamenteparaaquelegrandereservatóriodeáguaqueborbulhavaferozmente. Quando eumenos esperava,minha respiração foi interrompida por umsusto.Umagrandeexplosão levou jatosdeáguaamaisdequarentametrosdealtura,comoumchafarizgiganteerepentino.Asgotasd'aguaseespalharampeloar e caíram flutuando, tomando forma de bolhas de sabão que cresceram atéchegaremno tamanhodebolasdebeisebol.Chegandomaisperto, erapossívelperceber que cada uma tinha um rosto, todos redondamente distorcidos peloformatodasbolhas.Cadaumdaquelesrostostinhaumaexpressãodiferente.Unsdemonstravamestarzangados,outrosdeprimidos,desapontados,enrugados.Setinhaalgumrindo,nãoeraumrisoalegre.Eraumanítidaexpressãodedeboche.Uma espécie de terror se apresentava para mim, como cabeças de zumbis,flutuando emminha direção e estourando próximos demim. Bolhas de sabão,outrora coloridas, encenavam uma cena macabra. Eu estava realmenteassustado. VolteicorrendoparaabarracaeesbarreiemChris.-Opa!Calmarapaz!Oquehouve?-Houveumaexplosãodebaixodaágua!-Gritei.-Ah!-Sorriu-VocêestáfalandodoOldFaithfulGêiser!Nuncafoilá?-Nunca.Acheiqueaquelaáguatodafossepartedabaíaquecontornamosontem.-Realmenteeraumabaíaontem.Masvejabem:oqueeraontempodenãosermaisoqueéhoje.AquinaTerraSecretatudosemodifica.Odeterminantesãoosacontecimentos - fatos - que antecedem outros novos acontecimentos, todosbaseados,deacordocomoquevocêvivenciaacadadia.Suamentecoletatodasasinformações,emoções,etrazaquiparaosonho.-Eoqueeramaquelasbolhasquesurgiramdotalgêiser?-VejoquevocêconheceuasCabeçasFlutuantes!Jáeratempo!Haha!-CabeçasFlutuantes?-Perguntei.- São personagens...Personagens que você criou baseados em característicaspresentes em pessoas que você conhece. Isto tudomisturado com seu estadoemocional, físico, mental e espiritual. Por acaso você estava se sentindo umpouconauseado?-Sim,comovocêsabe?

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-Esqueceuque souparteda suahistória?Estamos interligados, conectados, oucomoquiserchamar. Coceiacabeça,confuso.-Venha!-Disseele.-VouteapresentarasCabeçasFlutuantes. SeguiatrásdeChrisumpouco receoso,provavelmentepelo fatodequeaquele cenário estava tomado por bolhas de sabão com pequenas caras dediversos tamanhos diferentes. Algumas iam tomando formato de humanos amedidaemqueabolhacrescia.Outrassimplesmenteestouravamdiantedemim,respigandoumlíquidotransparentequeardiaosolhos.Aquelapaisagempareciaestartomandoumbanhoquente,ondeosabãoeovaporseconfundiamentresi,deixandotudobranco.Anévoaquecobriaosarredoresdoreservatóriodeáguasubiacomogeloseco.Aquilo tudo fezeumesentirnopalcodeummusical.AsCabeçasFlutuantesnoscercavamportodososlados,parecendoesperaraordemdeChrisparacomeçaroshow."Ouparadarobote",pensei. Haviamcentenasdelas,masaindaconsigome lembrardasquemaismechamaramaatenção.Emprimeirolugar,haviaRigel,umhomemaltoefortequenãoeradefalarmuito.Elelideravatodasasoutrascomseuolharsombrio.Seusolhoseramazuisepareciamiluminartodasilhuetadeseucorpocomumaauraazul fluorescente; Ao lado de Rigel, estava Scarlet, que parecia ser seu braçodireito.Nãoeraa toaqueseunome fazia jusa suaaparência.Scarletardiaemchamas,comumvestidovermelhoqueseajustavaaoscontornosdeseucorpoesbelto;TambémhaviaumasenhorarobustachamadaBellaWhite.Pareciaumaestrelabranca,iluminadaporumaluzquemaldavaparaverseurosto.Suavozlembravaumacantoraitalianadeópera,assimcomosuasexpressõesdramáticasquesempreacabavamenchendoseusolhosdelágrimas; SimpatizeicomBayerKappa, um negro alto e carismático que andava de bengala por conta de suaidade.Chris e elepareciamsergrandesamigos, talvezpor terememcomumavontadede filosofar.Kappa se apresentouamimcomoumescritor, e logomelembreideBolivar;Finalmente,asDevours.AstrêsirmãschamadasUrd,WerdeSkuld,quepareciamachartudoengraçado.FicavamemvoltadeChris,querendochamaraatençãocomoseelefosseumacelebridade.Confessoqueasacheiumpouco invasivas e nada elegantes. Olhavam para ele com expressão de posse.Pareciamnão tergostadomuitodemim.Talvez sentissem invejade saberqueChrisandavacomigodiaenoite. -Muitoestranho.-RefletienquantoChrisdesmontavaabarraca-Elaspareciamquerermeassustar.Estãodonossoladooucontranós?-Bom,asreaçõesdelasvariamdeacordocomoseucomportamento.Elaspodemmuito bem cantar com você e te fazerem dar boas risadas, porem, se vocêdemonstrar insegurança,porexemplo,os sentimentos traiçoeirosseafloram,edeumahorapraoutra,estarãocontravocêsemqueaomenosperceba.-Edeondeelasvem?-Elasvêmdaágua.Ficamborbulhandonoreservatórioesemprequeocorreaerupção, cada cabeça renasce de uma gota de água, vai se enchendo de ar edepoisficaparecidacomumabolhadesabão...-Exatamentecomoeuvi!-Interrompi.-...eentãovocêpodenotarumrostoseformandoemseureflexo.-Eelasmorremquandochegamaochão?

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- Não. Simplesmente caem de volta na água e se dissolvem. Quando caem nochão, estouram e evaporam, voltando para a superfície sempre que chove.Porém,algumasdelasvagamporaí,emformahumana.-Porquealgumassãohumanas?-Acreditoquesejaporquevocêquer-Faloupausadamente.-Vamos!Chegadeperguntas!Temosumlongocaminhopelafrente! Caminhamosporhoras,eamedidaqueotempopassava,euficavamaisdesnorteado. Provavelmente aqueles pontinhos malvados nos olhos que meperseguiam tinham grande parcela de culpa naminha falta de raciocínio. Elesrealmenteseassemelhavamapequenospássarosque,ao fimdodia,procuramumlugarseguropraseempoleirar.Nafaltadeluzelesseacomodavam,ecomoodiajáestavaescurecendo,minhavisãoagradeceupelatrégua. Pormaisquejáfossenoite,Chrisinsistiuemcontinuaracaminhadasemdescansopoishaviamuitacoisaqueeuaindaprecisavaaprender.Nãoeramuitofácildeenxergaratrilhaafrente,masminhavisãopareciaumpoucomaisnítida,apesar do cansaço. O Cavaleiro dos Sonhos sabia o caminho e por isso ia nafrenteparamedirecionar.-Encontrealuz-Disseele. Tenteiprestarmaisatençãoforçandoaspálpebrasparaenxergarmelhor.-Nãovejonada.-Entãofecheosolhos.Asvezeséprecisofecharosolhosparaenxergar.-Comoéessaluz?-Pergunteiaindadeolhosabertos. Chrisparounaminhafrenteesevirouparamim,colocandoasmãosemmeusombros.-Sóvocêsabeporqueéasualuz.Elapartedevocêparavocê.Tenhaconsciênciadequeaescuridãoexiste,eéatravésdelaqueencontraráaluz. A situação em que nos encontrávamos deixaria qualquer um muitoassustado.HaviammomentosemqueeunãoenxergavanadaeprecisavaconfiarnobarulhodospassosdeChrisesupormaisoumenosondeelepisavaparapisartambém.NãodemoroumuitoparaqueeumeperdessedeChrisnomeiodaquelaescuridão,ealgodiziaqueoCavaleirodosSonhosfaziaissodepropósito. Eu me encontrava em meio ao breu quando comecei a perceber umpequenopontodeluz.Deinícioacheiqueeraumlugardistanteiluminadomaspercebiquea luzsemexia.Entãopressupusqueeraumvagalume,masmedeiconta de que a luz não piscava. Era uma luz laranja como brasa. A luz mecontornava e soltava um aroma de citronela. O silencio era total - momentopropício para escutar meus próprios batimentos cardíacos que aceleravam amedidaemqueaquelecheiroseimpregnavanolocal,oqueeudefatonãosabiaseeraumambiente fechadoouaberto.Porumbrevemomento, escuteiminharespiraçãosoltarharmônicosagudossimilaresaosomdeumachaleirafervendo,masnãoconseguiassociaraquelesomcomasensaçãodenarizentupido.Resolvientão, trancarminha própria respiração, a fim de testar se tudo aquilo estavavindodemim.Haviaumaoutrarespiraçãoporperto.Umarespiraçãoasmáticaeofegante,caçoandoemmeusouvidos. Comumestalodededos,asluzesseacenderam,eemminhafrentehaviauma velha senhora comum sorrisomaligno estampado em seu rosto pálido edoente.Elaseguravaumincensoemsuamãodireita,oqueexplicavaovagalumecheirosocordebrasa.-Gostadessecheiro?-Elaperguntou.

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- Qualquer cheiro nesta situação é um pouco desconfortável eu acho. Quem évocê?-CostumavammechamardeAltair,aestrelamaisbrilhantedeÁquila.-MechamoAndy.-Respondidandoumpassopratrás.-Eusei.Tenhoacompanhadosuajornada,Andy.-Falouemtomconfidencial.-Epor isso eu precisava chamar sua atenção de uma forma que Chris nãopercebesse.-Ondeestáele?-Perguntei.-Umpouco longedaqui.Mas fiquetranquilo... -Fezpausaparapigarrear. -Eleaindanãosentiusuafalta.Aindabem,porqueprecisotecontarumsegredo.Eésobreele. Eu tentava encará-la nos olhos mas acabava desviando quando elachegava mais perto. O que ela falava ecoava em meus ouvidos e pouco secompreendia.AltaircontoualgumacoisasobreconheceroCavaleirodosSonhosa muito tempo atrás e que havia sido iludida por ele. Todas as noites eraaprisionada nomesmo sonho e condenada por um alto grau de apneia. Desdeentãoficoumuitodoenteenãoerararoepisódiosdeparalisiadosonho.-Fiqueimuito impressionadaao conheceraTerraSecreta. Saberqueeupodiater tudo o que eu quisesse fez com que eu me entregasse completamente edeixasseminhavidadelado.Entãocomeçaramaaparecerasprimeirasolheiras,asdoresde cabeça, e empoucosdias euestava fadigada. Já fazdezesseis anosque estou neste estado. Hoje completo cinquenta e três anos. Tenho cara decinquentaetrêsanos,Andrew? Eunãorespondi.-Seiqueaparentomuitomais.Masnemsemprefoiassim.Comeceiatersonhoscontínuosapósperdermeumarido.Eleeratudooqueeutinha.Eunãopodiaterfilhos. Aqui eu podia. E podia reencontrá-lo também. Mas foram apenaspromessas não cumpridas de Christopher Thompson. Me escute Andrew. OCavaleirodosSonhosvaidestruirtudooquevocêtem.Vocêéumgênioeprecisatomarcuidado.-Comoconfiarnoquevocêdiz?Nãoconheçovocê.- Olhe a sua volta meu querido. Coisas vão acontecer e você vai tirar suaspróprias conclusões sozinho. Não tive ninguém parame avisar o que estou teavisando agora. O cavaleiro dos sonhos vai destruir sua vida. Começando pelasuamúsica. Altairfalavaemtomfantasmagórico,eodesesperoeamalíciaemsuavozestavamconseguindomeconvencerdequesim,euestavacorrendoperigo.- Sei o quanto é dolorido passar pelo que eu passei. Nestes anos de solidão,aprendiqueumamentecheiadeilusõesjamaispoderáconhecerasuaessência.Christopherprometeriosdesabedoria,masvocênãoestásedandocontadequenão se pode adquirir conhecimento através de um falso mundo. Ele está teenganando.-Eporqueeudeveriaescutarvocê?- Porque você não quer terminar como eu. Quando acordar, vá até aWinfredLaneeprocureporSonya.Nãoseiaocertoonúmerodacasa,masopessoaldaruaaconhecemuitobem.EdigaaelaqueaEstherqueoenviou.-Esther?-Perguntei.-Écomoelameconhece.-Disseela,sumindonaescuridão.

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Umnevoeirotomoucontadomeucorpoealgumasgotículascomeçaramacongelaregrudarnomeurosto.Sentiumfrioquepareciacongelarminhaalma.Arregaleimeus olhos na esperança de encontrar um abrigo. Parecia que eu iasufocar. Meu coração batia tão forte que parecia querer saltar do peito. Euprecisavameaquecer.

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CAPITULO13

Deiumsaltoquefuiparardooutroladodacama.Euestavacongelando.Minhascobertashaviamcaídonochão.Porcertominhanoitenãotinhasidodasmelhores.Meenroleinomeucobertorquentinhoemeencolhinacamacomoumfeto.Euaindaestavatremendodefrioquandoolheinorelógioeviqueaindaeracedo. Me deixei aquecer um pouco, mas sabia que eu não conseguiria maisdormir.Numimpulso,puleidacama. Ao chegarna sala, oprimeiro cenárioquevi foi demeuamigo italianosentado na poltrona lendo jornal. Bolívar levantou o pescoço de forma quepudessemeespiardecantodeolho,enquantoeupassavaporelesemdarbomdia.-Oquehá,Andrew?-Veioeleatéacozinha.-Eaí.-Pergunteisementonação.-OquerolouontemcomaSarah?Elameligouontemanoite.-Nãorolounada.Elasómedeixouaqui.Amulherfumouigualumacondenada,tálouco.Aquelecheiromedeixoutãotontoquesódelembrarmedánáusea.-Sério?LembraqueoDr.Stevendissequevocêpoderiateressessintomas?-Será?MasachoquefoidocigarrodeSarah.Aquelecheironocarrodelapareceterimpregnadonomeunariz.-Vocêsabiaqueelaficouafimdevocê?-Perguntouele.-Sóumidiotanãoperceberia.Elaestavasejogandopracimademimecusteipramelivrardela.Procureinãosermaleducado,masfoidifícil. Bolivaresquivouacabeçaerespiroufundo.- Imagina eu ali, diante de uma garota com o mesmo nome de Sarah, mascompletamente diferente. - Continuei. - A única semelhança era o fato de sermulhereteromesmoprimeironome.FiqueiirritadoporqueeuqueriaquefosseaMINHASarahqueestivesseali.EaímeapareceumagarotaqueéoopostodeSarah,comoseodestinoestivessedizendoqueissoéomáximoqueelepodemetrazer. Senti meus ombros enrijecerem. Havia uma espécie de anjo daconsciência que me dizia que eu estava exagerando. Veio um sentimento deculpa.-MedesculpeBo.Seiqueésuaamiga,masapiorcoisafoieuteraceitadoaqueleconviteparasair.EutinhaacabadodesairdoHospital,eudeviaterficadoquieto.Malditomédicoqueconcordoucomessa sua loucurademe levarparaumbarlogodepoisdeumsoro.Eleéirresponsável.Euestousobreefeitodoremédio. Me lembrei de minha infância, de quando aqueles problemas nãoexistiam,dequandoeuenfrentavaapenasproblemasdecriançaenãoprecisavapensaremsaúde, remédios,emuitomenosempeneirarmeuspensamentos.Oanjodaconsciênciadeulugaraoanjodamorte,quemeincentivavaacolocarpraforatudoqueeusentia. - Eunem te falei,mas tevemomentosquemedeu vontadede arrancaraqueles cigarrosdamãode Sarah e fazer ela os engolir aceso.Umagarota tãonova se poluindo daquele jeito. Mas no fim deixei quieto. É bem a cara delamesmo.Nãoteminstruçãonenhuma,achoquenuncapegouumlivropraler. Bolivarcoçouanuca,revirandoosolhos.

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- Andrew, as pessoas são diferentes uma das outras, e temos de aceitar essasdiferenças. Apaciênciadomeuamigomedeixavaaindamaisirritado.- Concordo com você, porém eu não tenho nenhuma obrigação de ficaragradandoelaemuitomenosdecheiraraquelecigarrohorroroso.-Uau.Vocêparecemuitonervoso.Vocênuncafaloudessejeito.-Realmenteeusintoqueminhapaciênciaestáporumfio.-Suspireinervoso.-Eusintoosanguesubirrápidoparaminhacabeçaatéseummosquitocruzaminhafrente. Engoliumamágoacomdificuldade,mecontrolandoaomáximoparanãochorar.-Andrew,seráqueissoéefeitodoremédioqueomédicotedeu?Eledissequeseobservássemos algo diferente era pra voltar ao hospital. Você não acha quedevemosirláfalarseussintomasparaele?-Aqueleidiota?Nãovoltoládejeitonenhum!Éumincompetente!Mandoueuirparaabalada,depoisdetomarpsicotrópico,eeuburroaindafui!Éporissoqueomundoestáessaloucura.Umémaisloucodoqueooutro.-Oremédioqueelereceitouépsicotrópico?Eunemsabia...-Sim,éfaixapreta.Euliabulamasnãoentendinada. O italiano pareciameio nervoso. Havia se sentado naquela cadeira azulmarinhoemexiaaspernassemparar.-Maseleéapenasumclínicogeral.-Observou.-Peloqueeusaibaelenãopodiaterfeitoisso.Ecomovocêdisse,aindaincentivouvocêdesairanoite,sabendodisso.Eusósugeri,porqueacheiqueprecisavasedivertir.- Fui pra agradar você. E eume odeio quando eu faço algo só pra agradar osoutros.Sempredáerrado. Medirecioneiatéaporta.-Vousairtomarumar.Atéessaconversatámeirritando.-Querqueeuvácomvocê?Vocênãoestábemparasairsozinho.-Euprecisosairsozinho.-Frisei.-Tomouoremédiodireito?-PerguntouBolivar,depoisdeeujáfecharaporta. Eu mal conseguia enxergar os degraus da escada daquele minúsculoprédio.Algumas lâmpadasqueimadasmeavisavamqueeudeveriadescercomcuidado, mas eu me encontrava apreensivo demais para pensar nisso. Meusolhosconseguiamverapenasmeiopalmodiantedemim.Aquelaescuridãomeassombrava. Não apenas a que rodeava meu corpo, mas a que cutucavaincansavelmenteminhaalma. Eunãoestavaconseguindocompreenderamimmesmo.Eradeseesperarque as indagações do meu amigo passariam de um ouvido para o outro semassociação.Eusabiaquedealgumaformaeleestavaquerendomeproteger,mastambém estava me incomodando além da conta. Com passos cada vez maisacelerados e me perguntava onde eu iria parar. Era uma pressa de viverexagerada. Isso estava fugindo do meu controle. Eu tinha um desassossegointerminável.Issotudosoavaumpoucoanormalparamim.Apesardeumcertomedo,euestavaimpulsionadoaandarcadavezemmaisvelocidade.Asensaçãoera de estar numa montanha russa descontrolada. Eu sabia que eu precisavadescer,masaminhavozjánãosaia.Aminharespiraçãoestavadescompassada.Eusentiavontadedechorar,maseracomoestivessecomessesensortrancado. Haviaumaparalisiaseaproximandodemimeeunãoestavaconseguindo

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me afastar dela. Meu corpo freou de repente. Eu nem sabia direito onde euestava,nemcomohaviaconseguidochegarnaquelelugar. "WinfredLane,WinfredLane,ondeéestaporcaria?",faleicomigomesmo,tentandodecifraromapa. A rua em que eu me encontrava era sem saída. Terminava com umafábricadecanosdecimento,seguidadeumlongoterrenobaldio.Ascasaseramsimples, e muitas delas bem mal cuidadas. Havia um senhor sentado numacadeiradepraiaenquantobebiaumaGuinness.Aparentavaunssessentaeoitoanos, estava um pouco acima do peso e tinha sobrancelhas grossas queexpressavammistério.-Porfavor,senhor–Pergunteiaodesconhecido.-EstouprocurandoaWinfredLane,vocêconhece?-Claro,vocêestánela.–Respondeucomummeiosorriso.-MasestaaquiéaPokeBerryStreet.- Sim,mascostumavaserWinfredLanehámuitosanos.Éamesmarua.Comosoubedestenome,filho?Elemudouprovavelmenteantesdevocênascer.- Foi o nome que me disseram. Estou procurando a casa da Sonya, e pelasdescriçõesquemederam,estounasproximidades.Poracasovocêaconhece? Osenhorficousérioeseaproximou.-Quemtemandouaqui?-Dissesussurrando.-Altair.Querdizer,Esther.-Tudobem-Abriuumsorriso-Vamos,entre,eumorocomela.SouseuirmãoDave,sejabem-vindo!-Sério?Quebom! Mesentiumtantoaliviado,masnemumpoucoconfortável.Nadadaquilotinhaalgumsentido.Atéasroupasdaquelaspessoasnãocondiziamcomaépoca. SeguiDavepela garagematéo corredorquedavaparaa salade jantar."Sonya",gritouele,"Temosvisita!UmamigodaEstherteprocura".-Conhecido.-Corrigi. Asenhoraolhavaparaosbraçosdacadeiradebalançotentandoseapoiarpara levantarenegandoajudadeDave.Quando finalmente levantouseurosto,meucoraçãoquasecongelou.Aquelasenhorameencaroucomolharanalíticoelábioscerrados,eamedidaqueseaproximavaeutinhamaisacertezadequeeraela.Aslinhasfaciais,orespirarcansado,ocheirodeincensonacasa. Uma penumbra envolvia aquele cômodo. Os quadros desalinhados naparede não combinavam nada com umas estátuas de índios carrancudos, queeramgrandesdemaisparaaqueleespaço.Acasaestava tãoentupidadecoisasquepenseiqueessesdoisestavamdemudança.Algunsmóveisestavamcobertosporunslençóisempoeiradosquepareciamfantasmascongelados. Poruminstante,chegueipensarqueeufaziapartedeumjogo.Euhaviachegadonaparteemqueteriadedaromáximodemim.Docontrário,euseriaderrotado. Escaniei o lugar com os olhos, imaginando que não seria tão difícileliminar aqueles dois.Umvelho gordo, comar de alegre e uma velha estiradanumapoltronaquemalpoderiaandarouenxergar.Euatingiriaosdoisnumsógolpe.-Cheguemaisperto,rapaz.-Disseasenhora,levandoasmãosemdireçãoameurosto-Jánãoconsigoenxergartãobem.-Sonya? Elaassentiu.

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-Oquetetrazaqui?-Esperaumpouco.-Aperteiaspálpebras.-Issoaindapareceserumsonho.-Equemdissequenãoé? Deideombros.Elacontinuou.-Vocêpodesimplesmenteestarsedeslocandodeummundoparaooutro,semestardefatoacordado,nãoacha?Umavezeu...- É possível sonhar com alguém que não conhecemos, e essa pessoa existir? -Interrompi. Poruminstante,Sonyasecalou.Pareciaenvoltaemsuasmemórias.- Mas é claro. Muitas pessoas já me perguntaram isso. Vamos, sente-se. - Medirecionouatéosofá-Avovóaquinãoaguentaempépormuitotempo. Deviaserquasemeiodiapoisocheirodasopaestavainvadindoacasa.Atampadapanelabatucavaefervescidaavisandoqueerahoradedesligarofogo.Daveselembroudissoecorreuparaacozinha,deixando-nosfinalmenteasós-oquepramimeraótimopoisumapessoajábastavaparadividiraquelasituaçãodigna demanicômio. Aomesmo tempo, ficar sozinho com Sonya naquela salaabafadamedavacalafrios.-Háalgunsanos,umajovemesteveaquidizendoquehaviasonhadocomigo.Eujá sabia que isso podia ser possível. Existem algumas escrituras de culturasantigas que relatam histórias de pessoas que visitavam outras através dossonhos.Talvezminhaglândulapinealaindaestejaafiada.-Sorriu.-Eunãoentendo...-Sóépossívelvocêtervindoaquiporquesuasanteninhasestãoconectadascomo Universo. Veja bem, você tem dormido por muitas horas, certo? Suaalimentação é vegetariana; você tem os ouvidos mais altos do que o normal,provavelmente porque é músico; está passando por uma fase difícil porquepercebeuquenãoéumapessoacomum.-Estouchocado.Vocêévidenteoualgodotipo? Avelhinhasorriu.- Assimposso te chamar também, certo?Afinal, foi você que sonhou comigo eveioatéaquisemmeconhecer.Vejabem,moço.Tantoeu,comovocê,estamoscomaglândulapinealemplenaforma.-Comoassim?-Pergunteicheiodedúvidas.-Bom,elapodeserobservadaemtotalsilencio.Éozunidoqueouvimosquandonãohábarulho.Umruídobaixoeagudo,similaraocantodosgrilos. Mergulheiemmeuspensamentosporummomento.-Moroaoladodeumterrenobaldioqueduranteanoiteocantodosgrilosecoadentrodomeuapartamento.-Eudisse.-Vocêjámediuafrequênciadocanto?-Como?-936hz.Éamesmafrequênciadaglândulapineal.Estaespéciedegriloémuitorara e quase não se encontra por aqui,mas já li em algum conto nórdico quegrandessábiosnorueguesesse instalavamemcamposondehaviaestaespécie,para que ao anoitecer pudessem escutar o cricrilar dos grilos, ressoando amesmafrequênciadapineal,eesta,umavezemcontatocomseustímpanos,eraestimulada e os trazia mensagens dos anjos. Eles chamavam esta glândula deTerceiro Olho. Bem atrás da sua nuca - Gesticulou - E estamesma frequênciaressoanaminhasala,eprovavelmentenasuatambém.-Émuitoalto!-Incentivei.

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-Eusei!Osgrilosamplificamseucantoconstruindoumaacústicaatravésdeumtúnelna terra.E tambémépossívelamplificarosomdapineal.Alémdeexigirsilêncio, dizem que se você realmente prestar atenção, seu volume vaiaumentando e você pode entrar em total contato com seu ser interior. E pelaajudadafrequênciaquevocêescutatodasasnoitesantesdedormir, isso ficouaindamaisfácilparavocê.-Entãoéporcausadaalimentaçãoquemeuamigonãoétãosensível...-Deduzi.-Aalimentaçãoéumdenominadorcomumquepodeserumaexplicação.Agorapresteatenção,Andrew.Hámaispessoaspraticandoissoaoredordomundo,enemtodasessaspessoassãobem intencionadas.Essapráticavemse tornandoumahabilidadeemcaptarpensamentosdeoutraspessoas,eatravésdisso,ideiasde outras pessoas. Isso explica muitos plágios. Todo pensamento emite umafrequência que se propaga em ondas que ficam vagando pelo universo. Equalquerpensamentopodesercaptadoporoutrapessoa.-Assimcomoume-mailouumamensagemdetexto?-Perguntei.-Exatamente.Existeumaredemuitomaispotentequeatalda"internet".-Assimcomoumhacker,épossívelinvadiramentedeumapessoa? Sonyaabanouasmãosnoar,umpoucoimpaciente.-Nãoentendomuitodessascoisasde tecnologia,masé issomesmo filho.Umapessoainvadiuasuamente. Fez-seumsilencio.-ChristopherThompson.-Faleicomavozfalhando.- Sinto muito, querido. Christopher é um músico inglês que está chamando aatençãodamídiaporgravarmaisdecincoálbunsporano,emdiversosestilosmusicais,mas já foimeu aprendiz damente hámuitos anos atrás, quando lheensinei técnicas telepáticas. Ele já se sentou nesta mesma poltrona que estássentado. Aperteiosbraçosdapoltronacomsensaçãodeestarcaindoparatrás.-Háquemdigaqueele falacomDeus,mascomonóssabemos,naverdadeelenadamaisédoqueum ladrãode ideiasqueseautoapelidoudeCavaleirodosSonhos.-Disseasenhora. Eunãopodiaconterminhasmãostrêmulaseosuorfrioquepingavademinhas axilas. Tentei disfarçar meu desapontamento. Senti um quentorãoinvadirmeurosto.Mesentiextremamenteenvergonhado.Euquemeachavaumcarainteligente,haviamedeixadoenganarporumaventureiroqueadentrouosmeusprópriossonhosdeformasorrateira,sefingindodehomembom.Euestavame sentindo o cara mais ingênuo do planeta. Eu queria sumir para fora domundo.Sentimeuspéssaíremdochão.Meucorpodeusinaisqueiriamlevitaresei que sobrevoei aquele espaço por alguns segundos. Tamanha era minhavergonhadiantedaquela idosa.Masporquenãodizer.Euestavadecepcionadocomigomesmo. Comopude chegar a esse nível de humilhação. Eu estava comcompaixãodemimmesmo.Amenosquejátenhasentidoisso,ninguémpoderiasaber qual era o meu verdadeiro estado naquele momento. Sentir pena de simesmoéalgo quaseque irreparável.Éabeiradeumprecipício.Eleestavaalibemdiantedosmeusolhos.Sentiopânicodamorte,maseuaindaestavavivo.Euacho.-Fuitraídoporquemeuachavasermeumelhoramigo.-Seiquevocêestáinconformado-Disseasenhora.-Dave!-Gritou.-Tragaumaxícaradecháparaopobrezinho.

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- Meu melhor amigo... - Meus olhos lacrimejaram, mas eu estava endurecidodemaisparachorar.-Nãosepodeconheceraverdadeatravésdepensamentosilusórios. Minhagargantaestavatãoseca,queeutentavausaraprópriasalivapralubrificar a faringe, mas na tentativa de engolir, a sensação era de estarengolindocacosdevidro. Comeceiatossircomoumvelhodecemanos.Minhaexpressãoporcertotambémdevia retratar issoparaaquelasduaspessoasdesconhecidas.Procureiumlugarparameapoiar.Eueraumvelhodignodepiedade.Meuspulmõesnãoconseguiampurificar aquele arpoluído.Eunão conseguia absorvermaisnada.Minhas pernas fraquejavam e minha alma estava toda enrugada. Eu não mereconhecia.Eujánãocomandavamaisaminhavoz.Aspalavrassaiamdeminhaboca de ummodo ensaiado e lento. Eume perguntava quem entre nós – eu eaquelasenhora–estavamaisemcontraste.Numflashveioaresposta:realmenteeraeu.-QueméaEsther?-Perguntei,numesforçotremendo.-Comovocêsabedela?-Foicomelaquesonhei,masnasuaaparência. Sonyaolhavaparaonada,comoseestivessevendoalgumacoisaqueosmeushumildesolhosnãopodiamenxergar.- Bom, a essas alturas não temmais porque esconder - Disse virando-se paramim.-Lembradajovemqueeudissequeveioatémimamuitosanosatrás? Fizquesim.-Estherera compositora, assimcomovocê. SeumaridoestavanoWordTradeCenternodia11deSetembro.Após suamorte,Estherpassouporumperíodomuito difícil, e durante este tempo compôs asmelodiasmais lindas que eu jáhavia escutado, impossíveis de descrever com palavras. A cada canção quecompunha, mais entrava em depressão. Começou a não sair mais da cama epassavagrandepartedeseusdiasdormindo.FoiquandoconheceuChristopher,e algumas noites de sono foram o suficiente para que se apaixonasse por ele.Daqueladatajásepassaramdezesseisanos.-Eondeelaestáhoje?-Perguntei.-Morta.PresanossonhoscomoumaCabeçaFlutuante. Sentiumadordeestômagomecontorcer,acompanhadadomaiorcalafrioque eu já havia sentidonesses últimos tempos.Minhas pernas amoleceramdevezesentiqueiriadesmaiar.Tenteirespirarfundo:-Querdizerque...- Todas as Cabeças Flutuantes são pessoas mortas que foram sugadas porChristopherThompson.-Disseela.-Não,nãopodeser-Levantei.-Issoéumpesadelo. Omundoparecia terperdidoaLeida Inérciaeeupodiasentirelegirarnuma velocidade dopável. Comecei a me deslocar em câmera lenta até ocorredor,meapoiandonosmóveisquepareciammolengaseentãodesviandodeDavequetraziaaminhaxícaradechá."Ondeelevai?"foiaperguntaqueescuteiele fazerparaSonya.Nestemomentoeu já estava forada casa, correndomatoadentro,eagravidadepareciatervoltadoaonormal,masmeuspulmõesardiamdetantoeucorrer.-Mãe?-Eudissenotelefone.-OiAndrew!Tudobemquerido?AquiéaSusan.Jápassoparasuamãe.

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Nãodavamais.O quemais eupodia esperar daquela cidade?Precisavavoltarparacasa.Mascomo?Difícilvoltar.Seráqueeuconseguiria?-Oifilho,tudobem?-Mãe...-Solucei.-OquefoiAndrew?Oqueaconteceu?-Precisodeajuda.Nãoestoubem.-Oquehouve?-Falouestremecida-Vocêestámepreocupando.-Nãoseimaisoquefazer.Fuiprohospitalontem,fizosexames,tenteisair,masnãoestádandocerto.-Hospital?Ah,Deus.Meexpliquedireito!-Gritou. Engoliemseco,econseguisoltarasminhasúltimaspalavras:-PokeBerryStreet.Terrenobaldio.Rápido.-Andrew,doquevocêestáfalando? Tudoescureceudiantedemim.

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CAPITULO14

Emmeioaquelaescuridão,entreiporumaportasemelhanteaquelasdesaloon.Nãoqueeutenhavistocommeusprópriosolhos, masdeduzipelosomdevai evemquesoouquandopasseiporela.Medeparei comumespelhoemtomdebronzeondevirefletirminhaimagem.Euestavavestindoumternopretobemalinhado. Segurava emminhamão esquerdaumapequenapedrade ônix,comtantaforçaqueminhasunhascravavamapalmademinhamão.Essapedracarregava um mundo misterioso, mais conhecido como a magia do corvo. Reza uma lenda que essa magia é tão poderosa que pode infundir acoragemqueprecisamosparaenfrentarovazio,denominadoograndemistério,o buraco negro que já existia antes de qualquer coisa. Seguindo os preceitosdessaalquimia,acordocorvoéacordoburaconegro,acordovazio.Chegouatémim, comoomensageirodo vazio.Dealgummodoeusabiaqueaquelaportanãodavaparaummundoencantado,mastalvez,paraomaioremaisprofundoburaconegrodaminhaexistência. Escorreguei como um cão inocente e desavisado. Fiquei todo sujo,embutidonaqueleternopreto.Eumesentiacomooprópriocorvo.Tenteibaterminhasasasmaselasestavampresaseengomadasporumasubstanciapegajosaqueparalisava todoomeucorpo.Pareciaqueeuhaviabebidoumaespéciedeveneno.Istotinha-mesidoalcançadoporumamãovestidaemluvasbrancas.Eutinhavagaslembrançastambémdaquelerosto,umlampejodeolhosflamejantesearregalados,penetranteseinfluenciáveis. Eu sentia uma espécie de tontura, mas como eu não estava de pé, nãoprecisava de equilíbrio naquele lugar, muitomenos naquelemomento. Eumeremexiamuito, issome lembro bem.Minha esperança era queminhas asas selimpassem e eu pudesse levantar voo,mas algome impedia, pormais que eutentasse.Aqueleternoalinhadoestavaenvoltoemumaplumagempretaazuladabrilhante.Pareciampenas,masaindaassimnaquelemomentopesavamsobreomeucorpo. Mevinhanamentequeissoeraumprenúnciodequeeuteriadedarumapausa. Ficar imóvel por algum tempo. Mas eu precisava encontrar Sarah. Elafazia parte daquele grande mistério. Ela parecia estar presa dentro daquelapedra de ônix, e eu precisava salvá-la. Me arrastei por um solo lamacento,sentindo um certo frescor em meu corpo. Era água do mar. De algum modoestranhoeuhaviachegadonapraia,enãohaviasinaldeChris. Virado para cima, olhei em direção ao céu e avistei uma nuvem. Nela,estava esculpido o retrato de umamulher. O vestido era branco, mas em seucontornobrilhavamluzesdouradasdesol.Meusolhosarderamcomaclaridadee precisei fechá-los imediatamente. Abriminhamão em sinal de relaxamento.Sentiaapedrasequebrareumamãotocaraminha.Eraquenteeaquelecalormeerafamiliar.Umavozsuavepenetravameuser.-Andrew! Euestavasonhando,issoeusabia.Masnãoimportava.Sarahestavaali,eaquiloeratãorealparamimquantotodooresto.Eumalpodiaacreditarqueelaestavadiantedemimnovamente,comaquelesorriso tãosinceroolhandoparamim.Ficamosemsilencio,nãoseiporquantotempo.Umpoucodealivioescorria

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pelasminhasveias.Erahoradedescansar.Mergulhamosnumsonoprofundodemãosdadas. Umabrisa levepassoude raspãoemmeurosto, abrimeusolhoseparaminha alegria Sarah ainda estava ali, abraçada sobre meu peito. Trocamosolharescumplices,enossentamos.-Sarah...-Andy... Passei a mão suavemente na areia como um professor limpando umquadronegro.-Quandoeuerapequeno,meupaimeensinouadesenhar coração.Odele eraperfeitoeeuqueriaaprender.-Sussurreienquantodesenhavaumacurvacomogravetonaareia. Sarahacompanhavacomseusolhosomovimentodeminhamão.-Venhodesenhadotantoscoraçõesdesdequeaprendi.Jáconheciváriasformasdeamor. Jádesenhei-os comopude.Masquaseem todaselas, foramapagadaspelasmarcasdotempo,porquenãoestavammarcadosemmim.Aindaencontreiumjeitodenãoprecisardesenharoamor,masquepossasedesenharemmim. Elaolhouparamim.-Sarah, -Continuei - Eusintoquedevodesenharparavocêporquevocê fazomeucoraçãobatermaisforte.-Andy-Elasussurrou,trazendominhamãodireitaemseupeito.-Sente?Omeutambémbatemaisfortedoquenunca. Naquelanoite, subimosatéumamontanhapróximadali.Flocosdenevebrotavamda Lua, que por sua vez, estava cheia e brilhante. Esta era uma Luadiferente: parecia ser feita de gelo. Os flocos brancos flutuavam pelo ar, e, aopousarsobrenossosrostos,pareciamlágrimasdefelicidade.-ALuapareceestarzelandopornós–DisseSarah,mebeijandosorrindo.-LuaNevante.-Completei.-Comoé?-Sarahsevirouparamim.-LuaNevante.ChrismecontouqueaquinaTerraSecretaexisteumafasedaLuaqueaconteceacadacincodécadas,noinverno.ElemencionouatéemnevascadaLua,masnuncaviu. SarahtornouseusolhosparaaLua.-Seráqueeleestávendohoje?-Perguntou.-Comcertezaestá.-Confirmei,pensativo. Meuspensamentosforampara longe.LembreidaconversacomAltair,epor alguns instantes me veio alguns relapsos do que acontecera na casa deSonya.Galhosdeárvoresvistosdebaixo, flashesde luzesbrancas,eumruído.Umruídoagudo, impossíveldeesquecer.Agonizeipordentro,mesentiapresoporumacamisadeforça,tentandoberrarsufocado.Oruídoaumentavacadavezmais,atéque,finalmente,fuiinterrompidodamelhorformapossível.Volteiparaopresente,epercebiqueSarahcantavaumacançãoqueeununcahaviaouvidoantes:

"ThereisnotimebetweenwhatI'mthinkingAndwhatwillhappenhererightafterthat.

'CausewhenIthinkyougetmythoughtsthroughyourheartThenitbeginstobeatintimeofmine"

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Sarahsuspirou,olhandoparaalua.-Quemúsicalinda.-Balbuciei.-É.Minhamãemeembalavanocolocantandoessamúsicaparamimsemprequeeuchorava. Umflocodenevecaiuemseunariz.-Atchim!-Saúde.-Eudisse,sorrindo.-Obrigada. Sarahfranziuonariz.Pareciatercócegas.-Achaqueoqueestamosvendoérealmenteoqueé?-Perguntei. Ouvi dizer, certa vez, que nós que damos significado para as coisas deacordocomavisãoquecriamosapartirdeexperiênciasoudoquenosdizem,eentão,formamosumaimagemprópriasobreaquiloeagimosdeacordocomela.-Emoutraspalavras,nadadoquevemoséoqueé,esimoquecriamosemnossospensamentos.Nofundo,éumailusão.- O que seus olhos veem não são os quemeus olhos veem. Cada um de nóscarrega em si ummodo próprio de ver omundo. E isso não está restrito aosolhos, mas sim, abrange todos os nossos sentidos. Estamos sozinhos nisso. Aáguaquebebo,aindaquebebamosnomesmocopoéespecíficaparacadaumdenós.Assimétambémparatodasasnossassensações. AvozdeSarahasvezespareciasumir.Eusentiaumaespéciedesolidãomomentânea,comoseelanãoestivesseali.Carregavaumaespéciedesurdez,oulapso de memória. Um tremendo sufoco como se meus sentidos estivessemescapandodemim.AsvezeseuprecisavatocarSarah.Destaformaeuvoltavaamim. A escuridão da noite chegou num lampejo brusco, e eu estava tãoabsorvidoquemalpercebi.OfenômenodeLuaNevanteduravaapenasalgumashoras, e depois passava direto para a fase de Lua Nova. Ela havia sedesmanchado,eagora,todasuanevecobriaaTerraSecreta.Asombradanoiteaospoucos foi cobrindoorostodeSarah.Seuvestido foiperdendoocontornodouradoe sedesmanchando.Porúltimovidesaparecendo seus lindosolhos, enumaceno,soltouminhamãoedesapareceujuntocomaLua. Fiquei preso nos meus pensamentos, numa espécie de sonolênciaincontrolável.Pareciaqueestavadopado.Algotinhamudado.Eusentianapele.Nãoeramaisamesmacoisa.Chrisestavaigual,maseunão.-Ondeestamos?-Pergunteiaele.-Oqueimportaécomoestamos,nãoacha? Observeiapaisagem.Asmontanhascircundavamolitoralemmeialua.-Jápassamosporestelugarontem.Tenhocerteza.-Eudisse.-Maséclaroquesim-Gargalhou.-Olhaláaminhacaverna!-Estámedizendoquevoltamosparaomesmolugarqueestávamos?-Vocêvoltou.-Eledisse.-Quetipodeguiaévocê?Eunãoseiocaminho!- Você precisa aprender a caminhar com as próprias pernas. Se voltou para omesmolugaréporqueestáfazendoalgumacoisaerrada.-Oque?-Vocênãoconfiaemsipróprio.Existeumnevoeiroentrevocêeomundoqueestáoimpedindodeserquemvocêrealmenteé.Vocêestádesperdiçandotodaasua energia unicamente com os aspectos materiais da sua existência.

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Automaticamente não consegue realizar nada, pois sempre que decide fazeralgumacoisa,acabaseperdendonocaminhoevoltandoaestacazero.Nãoestáconseguindo assimilar as lições que poderiam acender você a um patamarsuperiordasuaconsciência.- Eu não acredito! Porque você não me avisou que estávamos andando emcírculos? - Perguntei irritado. - Você émeu guia. Você que conhece esse lugar,nãoeu.-Vocêestáesquecendooladomágicodavidaeistopodecustarumpreçoalto.Talvezvocênuncamaisseráomesmodepoisdisso.Poderáestarfadadoavivernessa redoma embaçada se não tiver muita força de vontade e coragem paraarrancaressasamarras.Estápresodentrodasuaprópriamente.Precisadissiparacortinadefumaçaqueaencobreepartirembuscadosmistériosnoreinodasuaimaginação.ATerraSecretaéafonte,Andrew. Euestavairritado.Preferinãofalarnada.- Rapaz. - Continuou Chris. - Seus passos são inseguros. Você está commedo.Aondehámedo,nãoháamor.Oamorexigeentrega.ComopretendeencontrarSarahassim?Venha!Vamossubiratéacavernapoisestáesfriando.Precisamosdeumcháquente. Oventogolpeavasempiedadeospobresmatagaisqueseestendiampelosarredores da baía, fazendo-os dançar involuntariamente como uma inanimadamarionete que, para esbanjar de pequenos momentos de vida, precisa de umempurrãozinho. O vento era bruto, porém imprevisível. Bipolar. Ao se chocarcontra as pedras, era como se esmagasse pequenas almas penadas que a cadaimpacto, gemendodedor, compondoamais intensa eprofundamenteobscurasinfoniajácompostapelanatureza,queporsinal,clamavasocorro. Chrisestavacerto.Euestavacommedo.Eutinhamedodovento.Eutinhamedodele.Euestavacommedodemimmesmo. Quando nos aproximamos da caverna, a porta redonda de ébano sesacudiacomovento,parecendoumatampadepanelaferventedançandosobreovaporquente.MelembreidocheirodesopanacasadeSonya,enamesmahorameuestomagodeuumnó. Oventofriopassavarasgandominhapeleporbaixodaminhablusa,eeumemexianervosoesperandoChrisencontrarachaveemumdeseuscinquentabolsosdajaqueta.Aportasónãosaiavoandoporqueerapresaaumacorrentedeferro,etrancadaacadeado.-Comovaisuavalsinha?-perguntouChris,querendomedistrair. Acorrentedavaváriasvoltasentreafechaduradaporta,parecendoumaserpente enferrujada. Chris a desenrolava com habilidade, enquanto o pó deferrugempintavasuasmãos.-Aindanãoconseguiconcluir-Respondiseco.-IssoestáparecendoaTeladePenélope.-Equediaboséisso?-Pelojeitovocênãosabenadademitologia...-TervistoodesenhodoHérculesconta?-Pergunteiirônico. Chrisretribuiucomumarisadadecantodelábioscomoquezombando.-Vamos,entre-Falou,fechandoaporta.-TeladePenélopeéumaexpressãoqueseusaparadizerquevocêestáconstruindoalgoquenuncaéconcluído.Talvezporissoestamosandandoemcírculos!

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Chrissoltouumagargalhadaríspidaseguidadeumataquedetosse,oquemelembrouumpirataafogadonorum. - Quando acordar, procure pela história de Penélope que você vaientendermelhor. Não, eu não iria procurar, e acho que ele sabia disso. Sentei-me numbancofeitodetronco,achandoumpoucodesconfortável,e fiquei flutuandoemmeus pensamentos enquanto Chris preparava o chá. Por mais que estivessedecepcionado por termos voltado para o mesmo lugar, de alguma forma eraconfortante estar de volta. Aquela sala me parecia muito familiar. Estar alisentadoolhandoparaChrispreparandoochá;aquelepiano,osmóveis,aformacomoanossaconversaecoavaládentro;tudopareciajáteracontecidoantes.-Nossa,dejavu.-Falei. Chrissentou-seaomeuladocolocandoabandejadechásobreamesa.-Fizchádecitronela.Estáservido?- Citronela? - Perguntei confuso. Lutei para não perder o raciocínio. - Pareçoestar sonhando com um sonho que já tive antes. Um constante deja vu. Asensaçãodequetudoqueestáacontecendoagorajáaconteceu. OCavaleirodosSonhosnuncarespondiaalgosempensar.Seusolhosdeáguiaescolhiamaspalavrascomdestreza.Quandoprecisavadealgunssegundosa mais para escolhe-las melhor, eu esperava com paciência. Chris respirou,levantouacabeçaemeolhoucomolhosdepredador.-A velocidadedo tempoé tão rápidaque vivemos apenaso reflexodoque jáaconteceu. Provavelmente é assim que você vai se sentir quando escutar umavalsaquecompus.-Falouele. ChristopherThompsonselevantouefoiatéopiano."Esperoquegoste!",foiaúltimafrasequemelembrodeledizerantesdemergulharseusdedosnumoceano dememórias. Podia escutar tudo em câmera lenta. Seus dedos batiamcontraasteclas,queatravésdomecanismodopiano,martelavamascordascomtodaprecisão, fazendo-asvibrar cavernaadentro.Asondas rebatiamcontraaspedrasevoltavamcomtodaaforça,vibrandomeustímpanosefazendocócegasnomeucérebro. A medida que as notas passavam de um compasso para o outro, melembreidaconversacomAltair:

"Coisasvãoacontecerevocêvaitirarsuasprópriasconclusõessozinho" Eu tinha certezaque já havia ouvido aquelamúsica antes.O guia suavanervoso,esuasgotasdesuorpingavamsobreas teclasdopiano.Minhasmãosgelaram.LapsosdememóriamelevaramaopubdeMarlene,sentadoemfrenteaopiano.Euanotavaalgumasnotasnumguardanapo, edepois conferiao somnasteclasdopiano. "Um, dois três, um dois três". A valsinha está zombando de mim. Essamúsicaéminha.ChristopherThompsonestátocandoCrystalDropscomosefossedele". Nãoseriaeleuminvasordesonhos,mentindoparamimqueSarahexiste,fazendo-memeinspirarnestasituaçãoparacompormúsica,edepoistirá-lasdemim? E se ele estava se transformando em Sarah para roubar meuspensamentos? E se isso não for um sonho? A essas alturas, estava fácil deconfundir,jáqueasduasvidasdavamcontinuidadecomohistóriasisoladas,que

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pareciamnão ter tantas semelhanças assim. Eu precisavame lembrar de tudoissonahorade acordarpara a vida real - ou irreal - para analisar comoutrosolhos. No sonho era difícil conseguir pensar por mim próprio, já que meusubconsciente que estava no controle. "Talvez eu devesse contar para alguémtudoisso.Odifícilseriaalguémacreditarqueissoépossível". Quandotocouaúltimanota,rapidamentesevirouolhandopramimcomumolharmalicioso.-Eentão?Vocêgostou?-Ah...Você... "Responda,Andrew,responda",pensei.-Sim.-Murmurei.-Gosteisim. Olheiparatrás,achandoterescutadoalgumacoisavindodaporta.Deviaserovento.Sentimeusbatimentoscardíacosaumentarem,quepareciampreverumpossívelataquepelascostas.Tencioneiosombros.-Algumproblemarapaz?-Não.Nenhum.–Fingi. Por alguns instantes, fiquei envolto em meus pensamentos. Minhaintuiçãoapontavaquehaviaalgomuitoerrado.Aquelasurdezdeoutroravoltavaame incomodar e a voz de Chris parecia estar longe. Talvez eu não quisesseouvi-lo.Por instantespenseiserbesteirademinhacabeçaacharqueeleestavaroubandominhamúsica.Podiaestarmetestandoparaemseguida,medarumaboalição.Outalvezeuestivessemepreocupandodemaisporumsimplessonho,ondeeletocavaaminhamúsica."Amanhãeuacordo,eamúsicaaindaéminha",pensei.-Entãomeconte,comofoinasmontanhas?-Perguntou.-Comoassim?Aindaestamosnasmontanhas...-Nãoestamosnão.–Falouele,secandooslábioseolhandoparaopiano. Neste momento ouve um estrondo grave que tremeu todo o chão dacaverna, parecendo um subwoofer de cinema. Os lobos uivavam em sincroniacomovento,avisandoqueatempestadenãodariatréguanaquelanoite.Aportaatrás de mim começou a tremer e não demorou muito para o vento sugá-lafacilmente para fora, estilhaçando-a contra as pedras como se fosse feita degesso.Olheiparaforadacavernaeestavatudoescuro.Haviaapenasumimensocampocinzento,queseestendiaatéo infinito.O farolnãoestavamaisali.Nãohaviamflores,nemmar.-Oquefoirapaz?Algumproblema?-Não,éque...-Algumproblema?–Insistia.–Algum?Vocêestáplanejandoalgumacoisa?-Não-Gritei.-Vocêqueestá!Estáquerendoroubarminhamúsica!-Vocêachaisso?Eoquemaisvocêacha?-Incentivou.-Vocêestámentindo!CriouafantasiadequeSarahexistepararoubaroque...- Basta! – Disse com firmeza. – Eu sei tudo o que você pensou enquanto eutocava. Sou o guardião de seus pensamentos. Sei tudo o que você pensa. Ouachou que estava sozinho nisso? Estamos interligados! E se estamos de voltanestacavernaéporqueVOCÊnãoconfiouemmim! Pior,nãoconfiouemvocêmesmo.Jáeraesperado,Andrew.Vocêestácego.-VocêestasevoltandocontramimigualaumaCabeçaFlutuanteque...-EusouumaCabeçaFlutuante!-Levantou-se.-Eunãohavialhecontado?Haha!

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Nãopude evitar.A angústia tomava contademim.A ausênciade Sarahestava me possuindo. Eu bufava de raiva, mal enxergando Christopher, queandavaemminhavoltacomoumpredador. Euprecisava fugir.Desaparecer.Tudoemminhavoltaparecia inseguro.Euqueriarelaxar,voltaraserquemeuera,masjánãoconseguia.Chrisdiziaqueeuestava fadadoaviverassimsenão tivessecoragemderomperascorrentesquemeprendiam,masoqueeuqueriamesmoerarompercomele.Esquecerqueumdiaeuhaviaoconhecido.-Vocêmesmoreverteuissoparaomal!-Exclamou. Um clarão de raio invadiu a caverna, iluminando os olhos das CabeçasFlutuantes, queme puniam com olhares repressivos. Eume sentia como umapresa,prestesaserengolida.-Senhorasesenhores-Continuou.-BemvindosaTerraSecreta,ondeomocinhoéovilãodesuaprópriahistória.Andrew,vocênãoterámaisopoderdesonhoscontínuos,jáquenãoconfiouemseuguia.Edessaforma,nãovaiconseguirmaisencontrarSarah.Seudesejoéumaordem! Emumgolpecerteiro,Chrislançouseubraçonoarbruscamentecomumaseringa,espetandoumaagulhanomeubraçosemdartempodeeumedefender. Minha voz não se conteve. O grito do trovão arranhou minhas cordasvocais. As trevas se libertaram. As Cabeças Flutuantes tomaram formas deespíritos do mal, que me observavam com olhos arregalados. O campo viroucinzas. Euhaviasidoassaltado?Euestavanudiantedemimmesmo.Eunãotinhamais nada naquelemomento.Minha voz se calou por completo. Eu não podiaacreditar.Mesentium tolo, cheiode culpasquemeassombrariamnãoseiporquantotempo.Euestavaperdidonummundodemaldiçõesqueeumesmohaviacriado.

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CAPITULO15 Meus olhos estavam grudados por uma secreção mucosa que impediaqueeuosabrisse.Porconsequência,meusoutrossentidospareciamestarmaisaguçados.Oruídoestavamaisaltodoquenunca.Umsomagudoensurdecedorque vinha acompanhado de flashes de luz branca que,mais tarde, conclui queeram as lâmpadas do corredor da clínica psiquiátrica. Lapsos do tempo emcâmeralentaquemeforçavamalembrardoqueeunãoquerialembrar.Eupodiajurarquehaviaumcoraldevozescompondoatrilhasonoradaquelemomentode agonia e sufocamento. Tudo estava extremamente estranho para mim. Eunemmesmomereconhecia. Eueraapenasumcorpoambulanteemmeioaoutrosdamesmaespécie.Cadaumpresonoseumundo.Nãohavianenhumaconexãológicaentreninguémenada.Omundoacabaradesetornarumcenárioondeosatoresatuavamsemnenhum glamour. Centenas de fantoches manipulados por outros que eramdivididos apenas por um certo grau de hierarquia. Cada um no seu papel,desempenhando de forma isolada trechos de um pequeno roteiro, tambémescritoempedaços,semnenhumnexodiantedaessênciaquepoderiaviraser.Eu não sei porque e nem como fui parar naquele lugar.Mas de uma coisa eutinhacerteza.Nãoeraeuquemestavaali.Eutambémestavaempedaços. Aúltimacoisaquemelembroeraquetinhaconversadocomminhamãeao telefone, mas eu não sabia quando. Eu havia perdido a noção do tempo, eprocuravadesesperadamentemelocalizar. "Pobrezinho",disseumavozacolhedora.MaistardedescobriqueeradeLadyBecky,umademinhasCabeçasFlutuantesdavidareal-quenãodemoroumuitoparasetornaraminhaenfermeirafavorita. Acordei num escuro completo. Eu ouvia o tic-tac de um relógio. Oponteiroporcertoestavamarcandomaisdedezhoraspelasequênciadebatidasrepetidasecronometradas.Oproblemaéqueeunãosabiaquediaera,nememque mês estávamos. As janelas estavam fechadas. Imaginei que era dia, poishaviaumafrestadeluzquerefletianochão. Comoquemandaemmatafechada,fuiabrindocaminhocomasmãosnoescuro, como um zumbi sonâmbulo, para evitar possíveis topadas no pé. Éincrívelcomooinstintodásinaisdeproteção,mesmoquandoissoéoquemenosimporta.Olhei por entre as frestasdaporta emveneziana e vimuitaspessoascirculando por ali. Algumas direcionavam seus olhares curiosos em minhadireção.Eunãosabiabemporque,maspareciamolharespiedosos.Dequalquermaneira,mesenticomoumanimalenjaulado.-Prometoquevoucuidarbemdevocê. -DisseBecky,abrindoumaportaparamim. Encarei-acomosolhossemifechados,comcertoesforçoparasegurá-losabertos.Elaestavameconduzindoparaalgum lugar.Oqueeuviaestavamaisembaralhadodoquenunca.Minhasmãostrêmulasmedavamaentenderqueeuestavaemdesequilíbriototal.Minhaspernaspareciammuitomaismagrasqueonormal, vestidas numa calça extremamente confortável, mas sem nenhumaperformance. Tudoalierameiodesproporcional.Nadacabiadireitoemnada.Issonãoerarelevanteporcerto.Nãoeramapenasaquelascriaturas-incluindoeu-que

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estavam despersonalizadas, mas todo um modo de vida adaptado àquelaconjuntura. Euaindanãohaviatestadominhavoz,mesmoporque,naquelemomento,eunão tinhanadapara falar.Mas eu sentia um certodesconforto.Minhabocapareciaterperdidoaelasticidade.Umamisturadetensãoeflacidezdificultavamo simples habito de engolir minha própria saliva. Observei em meio algunsmomentosdelucidezqueeunãoestavasozinhonisso.Eraquaseumritual.Faziaparte do uniforme carregar uma toalha para enxugar a saliva. Achei aquilonojento,maseraoquesetinhaparaomomento. Não sei porque Lady Becky davamuitomais atenção paramim do quepara outros colegas da ala. Ela gostavade conversar. Eumais ficavaquietodoquefalava.Umbomouvinteésemprebemvindo.Euficavaaliimersonosmeuspensamentos, comumolhar distante - umprato cheio para atrair umapessoaquehaviadesenvolvidoodomdecuidar.-Entre,querido.-DisseBecky.-Coloqueelesentadoali.-Ordenouumavozrouca. Abriosolhosque,comesforço, lutavamcontraaclaridadecortantequevinhadeforadaporta.-AndrewRaven? Demoreiparaassociarmeunome.-AndrewRaven,respondaseconseguemeouvir.-Insistiu.-Ouvireuconsigo,sónãoconsigoabrirosolhos.-Faleicommuitoesforço. Avozroucapareciavirdeumsenhorimpaciente.Seguidodeumsuspiro,escutei seu corpo tenso se remexer na poltrona, parecendo procurar umaposiçãomaisconfortável.-Fecheaporta-Falouparaaenfermeira.-Estámelhorassimnoescuro?-Dequalquerformaeunãoconsigotever.-Contantoquemeescute,estátudobem. Suspireiansioso.-Quemévocê?- Sou o Dr. Logan. Sou diretor geral do Santa Cecilia, um dos hospitaispsiquiátricosmaisconceituadosdeLosAngeles.Estouaquiparatefazeralgumasperguntas.-Dissechegandomaisperto.-SenhorRaven,hárelatosdequepoucashorasantesdevocêchegaraquivocê,estavanacasadeumasenhorachamadaSonya,naPokeBerryStreetdacidadedeEureka.Estoucerto?-Sim.-Respondi.-Naverdadea...-Muitobem.-Interrompeu.-Qualsuarelaçãocomestasenhora?-Nuncahaviavistoantes.Fuiláporumaindicaçãodeumaconhecida.-Quem?-Vocênãoentenderia.-Tente.-UmaconhecidaminhachamadaAltairsugeriudeeuiratéacasadestasenhoraparabenzer-Menti.-EondeestáestaamigaAltair?-Eunãofaçoideia.-Vocêtemalgumcontatodela?Sabeondeelamora? Pressioneioslábios.-Não.Conhecielanarua.Foiapenasumaindicação.

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-Entendo.Outracoisa,você temmencionadoonomeChrisenquantodorme.Éalgumamigoseu?-Naverdadeelenãoémeuamigo.-Corrigi.-SeunomeéChristopherThompson,eeleexiste.-Frisei.- SenhorRaven,estouaquipara teajudar. Imagineque todosnós somoscomoum quebra-cabeça. Cheio de peças pequeninhas que se conectam entre si eformamumaimagem,nestecaso,anossaimagem.Umapeçaporsisónãosedaparadizeroqueé,masjuntando-secomasoutras,épossívelentender.-Nãoentendoondevocêquerchegar.-Faleidesconfiado.-Vejabem,senhorRaven.Háalgumaspessoasquetropeçamemalgummomentodavida,equandocaemnochão,aquelequebra-cabeçasedesmontaemmilharesde pecinhasmisturadas e desconectadas. O Hospital Psiquiátrico Santa Ceciliaajuda essas pessoas a montarem novamente seu quebra-cabeça. Ajudamos areconstruirsuasmentes,clarearsuasideias. Mesenticomoseeuestivesseemuminterrogatóriopolicial.- Preciso de algumas informações para te ajudar a conectar suas peçasnovamente.-ContinuouDr.Logan.-Vocêpodemeajudar?-Oquemaisvocêquersaber?-Perguntei. Escuteiocliquedeumgravadorsendoligado.-DescrevaChristopherThompson.-Éumsenhordemaisoumenossessentaecincoanosqueconhecinapraia.-Vocêdissequeelenãoéseuamigo.Porque?- Ele está envolvido com plágio de obrasmusicais. Queriaminha amizade porinteresse.-Muitobem,evocêémúsico,certo?-Atéondeeumelembre.-Eudisse,irônico.-Correto.EporqueummúsiconaturaldeLosAngeles,acidadedosartistas,teriaescolhidoEurekacomocidadeparamorar? Solteiumsuspirocarregado.Aquelaeraumaperguntaquerealmentemeirritava.-Fuiparameisolar.-Seisolardoque,senhorRaven?-Detudo. Dr.Logannãopareciamuitosatisfeitocomminhasrespostas.-Ok,estádispensadoporhoje.-Disseemtomseco. Aenfermeiramedeuamãocomoumaavópegandoseunetonacreche,emeconduziudevoltaaomeuquartoempassoslentos. BeckySilverstoneeraumasenhoradeaproximadamentesessentaeoitoanos,comoscabelosbempintadosdeloiroesempremuitobemmaquiada.Elainsistia de ser chamada de Lady, e quando eu esquecia, ela fingia que não eracomela.Eunemsabiaporqueaindatrabalhava,poistinhaoperfildepoderestaraposentada. Algo a mantinha entre nós - os doentes -, o que fazia eu meperguntarseemalgummomentodavidaseufilhotivessepassadoporisso.-Filha -Disseelaemoutraocasião. -Aoscatorzeanosde idademinha filhaseenvolveucomdrogaseacabouparandoaqui.Eupenteavaseuscabelostodasasnoites,atéelacompletartrezeanos.Aospoucoselacomeçouaseafastardemim,parecia tervergonhadenossacasa,denossasituaçãofinanceira.Algunsmesesdepois se envolveu comumcaramais velho e quando eleparoude respondersuasligações,elaperdeuobrilho.

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-Ehojeelaestábem? Beckysorriu.- Após esse período difícil, Judith renasceu, e assim será com você, querido.Quandoelasaiudaqui,umanoetrêsmesesdepois,voltouaestudar,seformouemDireitoehojeviveemumalindacasaemIllinois,comseumaridoGeorge,esuasduasfilhas,KatieeClara.-Umanoetrêsmeses?Háquantotempoestouaqui? Uma pausa para contar. Lady Becky olhou para cima enquanto somavanosdedos.-Cincosemanas. Olhei preocupado para meu braço direito que coçava constantemente.Haviaumamarcaroxadeagulha,nomesmolocalqueChristinhamefurado.- Não se preocupe, querido - Disse Becky. - Tem pessoas que saem até noprimeiromês. Você só precisa tomar os remédios certinho e fazer o que elespediremparafazer.Suacuradependedevocê. Bocejei.Pormaisqueeuestivessepreocupado,asonolênciaeramaior.- Aliás, desculpe perguntar mas...O que fez um menino tão querido vir pararaqui?-Umamulher...-Respondi.- Ah, o amor... - Sorriu, movimentando a cabeça de um lado para o outro. -Sempreoamor.-É.Oproblemaéquedescobriqueaminhamulheréimaginária.Nãoexiste.-Ora,nãodigaisso.-Éverdade.Inventeiumapessoanaminhacabeçaemeapaixoneiporela. Beckymeolhoucomcumplicidade.-JáouviuahistóriadoescultorPigmalião?-Creioquenão.-Eudisse.-Pigmaliãoesculpiuamaisbelaestátuademulher jávista,perfeiçãoquenemparecia ser feita por mãos humanas, mas sim pela natureza. O escultor seapaixonoupelasuaarteepassouacuidardelacomosefossesuaesposa.Todosriamdesuacara,diziamqueohomemtinhaficadobiruta.MasPigmaliãoeraumhomemdemuitafé,enãoseimportavacomoqueosoutrospensavamdele,poissabiaoquequeria.Ergueuasmãosparaoaltarepediuaosdeusesumamulherigualasuaestátuademarfim.Umbelodia,quandochegoucasa,cumprimentouaestátuacomumbeijocomosemprefazia,masdestavezelaretribuiu,eelesedeucontadequeseudesejotinhasidoatendido.Aestátuasetransformounamulherdeseussonhos. Nesselugar,tudopareciaenorme.NãopoderiaficardeforaasestóriasdeLadyBecky, e nemmesmo aminha cama, que tambémparecia grandedemaispara mim. Devido ao meu estado orbito, eu ficava muito tempo na mesmaposição,oquefaziacomquemeucorposetornasserígido.Éimpressionanteverque quando sua mente paralisa, você também perde certos movimentos docorpo.Asvezeseuacordavanomeiodanoitecommeubraçoesquerdogélidoeformigante. Depois eu perdia o sono, e meu braço dormente era o único quedormia. Minhas pernas ganharam uma característica nunca experimentada, afamosasíndromedapernasinquietas.Eunãoencontravanenhumaposiçãoque

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asfizesserelaxar.Oqueajudavaasvezeserasegurarosferrosdacabeceiradacama com força. Parecia que aquela tensão premeditada fazia meu sanguecircularmelhor. Por alguns segundos, eu sentia um certo alívio,mas a tensãoseguiaomeumovimentoe,então,euvoltavaparaaestacazero:Umvaievemqueamenizavaador,masnãomedeixavadormir. Haviamdiasamenosediaspiores.Nosdiasamenoseuficavana"saladerecreação", como costumavam chamar, onde como um telespectador, apenasassistiapessoasestranhascirculandodeumladoparaooutro,colegas jogandocartas ou assistindo televisão. De vez em quando, ouvia-se alguns gritos. Eraalgum vivente se rebelando, ou sendo levado para a "sala da reflexão" apósalgumsurtopsicótico.Euficavanumestadodeinérciaquemeparalisava.Meussentimentospareciamtercongelado.Eunãomeimportavasechoviaoufaziasol.Eunãotinhapreferenciapornenhumtipodecomida,sucoounadadisso.Comiaporqueoinstintodafomeeramaiorqueminhaindiferença. Hojeentendoqueesseestadosedavaemfunçãodosefeitoscolateraisdosremédios. Eu passava boa parte do tempo dormindo, porém sempre lutandocontraaagoniadaspernasinquietas.Enfim,diasamenoseramdiasmornos.Eununcagosteidecoisasmornas. Nosdiaspiores,quemdavaumshowparaostelespectadoreseraeu,masnãotenhonenhumalembrançadetersidoretiradodasalaaosberros.Achoqueeueraumloucopacífico,oupossoteresquecidodosmeusprópriosescândalos.Nossamentetambémtemseusrecursosprópriosparanospoupar.Nessecaso,davergonhaqueeusentiriacasolembrassedealgocompletamentecontrárioaminha personalidade. Assim como o corpo físico tem as células da defesa, amente, por certo, usa seus mecanismos de defesa para sobreviver diante desituaçõescomoessas."Sãoosremédios",diriaCharlie,meuparceirodequarto."Nãosomosassim". Lembro-medoolharpiedosodeBeckymeconfortandoenquantopassavaamãonaminhacabeça.Nosdiaspioreseupassavaaindamaistemponacamadoque o normal, num estado de apatia. Uma cabeça que tinha apenas seutravesseirocomoaconchego.Umacabeçaaomesmotempovazia,porémcomumturbilhão de pensamentos desordenados que passeavam descontraídos, semdestinonemperspectivas.Oqueeuviadentrodaminhacabeçaeraexatamenteoque eu via e vivia naquele lugar. Aquelas pessoas, incluindo eu, pareciam ummonte de cartas fora do baralho. Estávamos às margens, não apenas dasociedade,masdenósmesmos. Pensar era minha atividade diária. De certeza, longe de ser a minhafavorita-levandoemcontaqueumamentevaziaficasujeitaeamercêdetododetipodelixo.Oquemedeixavaumpoucointrigado,eraofatodeque,muitodoqueeujáhaviaouvidosobredistúrbiospsiquiátricosnãocondiziamcomoquepraticavam ali. Manter o sujeito ocupado e interagindo com o mundo que orodeiaéessencial. Issonosestimulariaaencontrarmotivosparabuscarnovaspossibilidadesdesereconstruir.OqueestavamfazendocomigoeraexatamenteocontráriodoqueoDoutorStevenhaviareceitado:

"Eviteficarnacama"

Observeiquenessesespaçosconfinados,oserhumanoéolhadoàpartir

de seus distúrbios. Juntos, eles denotam um conjunto disso, resultando num

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espaço rodeado por preconceitos, onde a segregação parece ser a únicaalternativa.Ficandoassim,apessoaemquestão,acabamergulhadanumburacovaziocheiodelama.Todaequalquerespecificidade,talentosoupossibilidades,ficamsoterradosea cadadiavãosecristalizandomais. Issomeapavoravaemmomentos de sobriedade. Sorte de quem, de algum modo, consegue escapardessateia.Seoinsetoenfraquecedemais,podeacabarpresoaliparaorestodesuavida. Quando eu aguentava ficar de pé, geralmente eu ficava observandopessoasnaruaatravésdeumavidraça,comosefosseumfilme.Issogeralmenteacontecianofimdatarde.Muitasdelaspassavamsemprepelomesmolugar,nomesmohorário.Naminhaimaginação,elasvestiamasminhasroupas,jáqueeu,estandoali,nãoconseguiausar.Cadadiaeuasvestiacomoeuqueria.Cuidavademeu look de maneira cuidadosa, com adereços que eu escolhia a dedo. Ascaracterísticas físicas tinham pontos em comum com as minhas, e quandodiferiam,euasajustava. Eu dava a elas papéis específicos para desempenharem de acordo commeussonhos.Umdeles,porexemplo,vestiaumacamisagolapolocordevinhoeum jeans. Sempre namesma hora, seguia pelo caminho com um saxofone nasmãos, onde por certo, estava se dirigindo amelhor escola de instrumentos desoproda cidade.Outro que seguia emmão contrária, vestidonum fraque comgravata borboleta, brincava no ar com sua vara de maestro. Sempre com umfabuloso sorriso, dirigia-se ao teatro municipal para reger sua orquestra. Umoutro rapaz, semnadanasmãos, carregavaumespírito livre e solto.Usavanacabeça uma cartola de onde tirava ideias fascinantes e partilhava com ostranseuntes. Aos poucos comecei a decorar seus rostos eme transportar paraaqueles corpos como se eu estivesse lá fora. Eu resinificava minhas ações deacordocomasminhasexpectativas. Emfrenteaohospitalhaviamtrêscasas,umadoladodaoutra,decoradascom luzes de natal. Criei um roteiro onde eu vivia meus dias. Numa delas,morava aminhamãe com seu novo companheiro, vivendo a vida que sempredesejou.Euaviafelizatravésdeumagrandejaneladevidro.Ali,elaescreviaeviviasuahistória;numaoutracasa,viviamospaisdeSarah.Umcasalcheiodeluzsempreprontosparaajudar;Jáacasadomeio,eraaqueescolhiparavivercomSarah.Ummundoparalelo que criei por algummotivo, talvezparapodersobreviver. Adoteiumhomemfortecomoaminhaimagem,quesemprevestiacamisaxadrez e calças jeans, assim como eu, e voltava pra casa sempre de braçosabertos,carregandoumasacoladepãoquentinhoemumadasmãos;sua lindaesposa vinha o receber correndo pela porta afora, enchendo seu rosto debeijinhos e carícias, sempre com um vestido esvoaçado que se encaixavaperfeitamentenosquadrisdomaridoquandoelapulava igualumamacacaemseus braços. Nos finais de semana ela vestia uma jardineira por cima de umacamisetabrancaparacuidardojardim,ecomtodasuadelicadeza,aadoteicomoaimagemdeSarah,ondenaquelecasarãobranco,vivíamosmuitofelizes. Eu realmente não estava naquela clínica, não queria estar. Eu me teletransportava para lá, para aquele gramado verde onde eu brincava com meuGolden Retriver no quintal, enquanto Sarah molhava as plantas e em seguidatudoacabavaemumbanhogeladodemangueira.Quandochegavaanoite, erapossível imaginar o aconchego do lar através das cortinas pomposas que se

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deixavam invadir pela luz amarela da sala de jantar. Podia sentir amaciez damanta que cobria o sofá, o cheiro de forno a lenha que invadia cozinha, atemperaturadasalaaoacenderalareira,cançõesdeNatalemvoltadopiano.Aoamanhecer, o cheiro do café e a brisa refrescante que balançava as cortinasbrancas, as torres que waffle e panquecas cobertas com mel e geleia deframboesa,eosucodelaranjaespremidonahora,muitodiferentedaquelequeserviam no hospital. E quando eu comparava com a vida que eu vivia, tudovoltavaasercinza. Eu me virava para a sala de recreação, e me deparava com indivíduostristes, cada um com uma história diferente, mas com uma coisa em comum:todos vieram aomundo como bebezinhos saudáveis, e que por um deslize davida, acabaram num lugar frio como aquele. Antes bebês, agora cabeças queflutuavamaoredordaquelasala,esbarrandoumascontraasoutras,comobalõesde gás que chegam ao teto e não temmais para onde ir. Uma vida de dor esofrimento,ondeviviamvidasparalelascomoeu,desejandoestaremqualquerlugar,menosali.Eparanãoenfrentararealidade,eunovamentemeviravaparaa vidraça, onde o filtro da imagem deixava tudo mais colorido e eu podiavisualizareviverumavidaquenãoeraaminha. Era assimque eu passavameus dias.Olhandopor aquela vidraça comoum telespectador que vivia dentro de episódios de uma série. Dia após dia euinterpretava vários papéis de acordo com o cenário que se apresentava paramim, ou os que eu criava baseados no cotidiano daquelas pessoas que nemimaginavamqueestavamsendovigiadasemanipuladaspelaminhamente. Numdessesepisódios,orelógiomarcavacincodatarde.Estavanublado,garoavafinoe,talvezporcontadofrio,poucasalmasestavamforadacama.Eu,comosempre,sentadonogranitofriodefrenteparaminhajanelapreferida. O ruído começou a voltar com uma coceirinha no ouvido direito,deixando-mesurdoporalgunsinstantes,elogovoltouaindamaisfortecomumapancada na cabeça. Olhei rapidamente pela janela e percebi que havia umatampadelatadelixorodopiandonochãoapósumvultodehomemsumirquasequeinstantaneamenteatrásdeummuroquedavaparaalgumlugarimpossíveldeverdoanguloqueeuestava.Seuchapéupretodemáfiatinhaseperdidonocaminho, o que sinalizava que ele voltaria para buscar. Virei de costas comagilidade para a parede fria ao lado da vidraça, evitando aparecer. Como umalagartixa,rastejei-mepelaparedeatépertodajanela,procurandomostrar-meomenospossível,apenascolocandoosolhosparafora.Deiumaolhadaemminhavolta para evitar possíveis alarmes entre as enfermeiras. "A barra tá limpa",pensei.Nãohavianinguémmeobservandonasala.Voltei-meparaoqueestavaacontecendoláfora,masnada.Ochapéucontinuavanochão,comabocaviradaparacima,asvezesmovidopelovento."Seráqueelenãopercebeuqueperdeuochapéu?",penseicomigomesmo,"Issoépossível?". Umanévoaseintensificavacomagaroaeomeubafarangustiadoenchiaavidraçadevapor,dificultandoaindamaisdeenxergarláfora.Esfregueiminhamangacontraovidroquandoumapequenasilhuetaacinzentadatomoucontadolugar,indonamesmadireçãodovulto. Eraumgato.Respireifundo. Ogatocolocouacabeçaparadentrodomuroecomeçouamiar,comoseestivessevendoalgumacoisa.Oruídodaminhacabeçaaumentou,semisturandocom o som emitido pelo animal, antes miados, agora berros de agonia que

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ecoavampelosmurosdacidade.Sugueipradentroum"ahhh"baixinho,evitandoqualquer alarme, e tapei os ouvidos com as mãos dizendo pra mim mesmo"quieto,quieto,porfavor". Ogatosumiu.Agaroaparou.Anevoasedissipou.Eochapéunãoestavamais no chão,mas na cabeça de Christopher Thompson, que lançou um olharparaminhajanela,atravessandoavidraçaefazendo-meemitirumsomforadomeucontrole:-Éele!-Gritei-Eleexiste!Eunãoestoulouco,eunãoestoulouco! Talvezhouvesseumalongaestradadiantedemim.Euqueriaatravessaraquelavidraça.Euprecisavaencontra-lo.Meaproximeidajanelaefui invadidoporumaespéciedefúria.Eusabiaquepoderiapassaratravésdoespelhoporquealguémjáhaviaconseguido. Percebidecantodeolhoumaluzvermelhaseaproximando,eroubandoocenário.Tomavacontadomeucorponumcalorabrasivo,sempedirlicença.Euestava com sangue nos olhos. Era Scarlet transbordando sua raiva através demim.-VamosAndrew.OChrisestáindoembora.Corra!-Disseela. Comecei a pular desesperadamente de encontro ao vidro. Ninguémpoderiameimpedir.Numsaltobrusco,sentiumfrescoratravessarminhacabeçaeescorrerportodoomeucorpo.Euestavafora.Apaguei.

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CAPITULO16

Umachuvafinadeixavamarcasnovidrodajaneladaquelequartovazio,oquedistorciaminhavisão.Eujánãopodiaviverenemveraquelacasa.AsportasestavamfechadaseSarahnãoaparecia.Fiqueiporhorasesperandoelavoltar.Omáximo que consegui enxergar foi eu mesmo saindo cabisbaixo por aqueleportão.Eunãosabiadireitoparaondeia.

Estavacedo,eapesardenãoverninguémporperto,eusentiaalgumtipodepresença.Euestavacansado,minhaspernasestavamrobotizadas.Eutentavaapressarospassos,maseracomoseumacordamepuxasseparatrás.Medeixeilargarsobreanevefofanaintençãoderecuperarminhasforças.EuprecisavadeenergiaparachegarnoValedasEpífises. Nocéu, inúmerasepequenasnuvensbrancasdealgodãosedistribuíamsobre seu imenso azul. No mar, blocos de gelo se partiam e aos poucos sedistanciavam, dando a impressão de serem o reflexo das nuvens, tornando-seassim, um infinito para cima e para baixo, separados apenas pela linha dohorizonte.Doismundosmuitoparecidos.O estadogasosoda águaobservandoseuestadosólidoboiandosoboestadolíquido.Seráassimquemeuespíritomeenxergaenquantodurmo?Comoumpedaçodecarnecomseussetentaecincoporcentodeáguaboiandonumacamaimensaevazia? Estavatudocobertodeneve.TodooverdedaTerraSecretahaviaperdidoa cor, e agora eu me encontrava num cenário branco e vazio, sem nenhumadireção. Respirei fundo e caminhei por horas sem saber para onde eu estavaindo,masdeumacoisaeutinhacerteza:nãoseriaparadoqueeudescobriria. Meu coração parecia estar usando toda a energia queme restava paracontinuarbombeandonomesmoritmo.Eumalsentiaminhaspernasenquantocaminhavacomtodaforçaqueeutinha.Mesentiacomoalguémquetentacorreremumapiscinafunda,poismeuspassospareciamnãocorrespondercomomeuesforço. Naverdade,provavelmenteeumorreriacongeladoantesdedescobrir.Eseeumorressecongeladonumsonho,eumorreriatambémnarealidade?Eunãofazia ideia. Muitas pessoas morrem dormindo e meu instinto não me deixouarriscar para ter certeza, até porque morto, eu não teria certeza deabsolutamentenada.Euacho. Já estava anoitecendo quando vi uma luz piscar. O que por algunsinstantespareciaserumvagalume,logofezeumedarcontadequeerapossívelavistar o farol dali, e quepelomenos agora, eu podia ter umabrevenoçãodeonde eu estava. "Siga a luz", diria Christopher Thompson. "Da última vez queseguialuz,meencontreicomAltair,edepoisdisso,tudodesabou",faleicomigomesmo,chutandoummontedeneve. Eu estava a poucos minutos de uma de minhas montanhas preferidas,aquelaondeeuhaviaestadocomSarah,equedavavistaparagrandepartedaTerraSecreta.Asubidaeraíngreme,masadorqueeusentiaemmeucorpoeraquaseimperceptívelpertodoqueeuestavasentindopordentro. Chegandoaotopo,finalmentepercebiqueminhaadrenalinaestavasendosubstituídaporumafadigainstantânea,queimploravaporumcopodeágua.Meabaixei com dificuldade, e como uma retroescavadeira, apanhei um pouco denevee leveiatéaboca,esperandoelasederreterparaqueeupudesseengolir.

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Meu corpo estava cada vez mais gelado e eu não sabia até quando eu iriaaguentar. Segureiumpoucodenevenasmãos,medandocontadeque,háalgunsdias atrás, estamesmaneve estava na LuaNevante, e que ali, naquelemesmolugarondeeumeencontrava,Sarahestavadeitada. Tinha horas que a quantidade de meus pensamentos se tornavam tãoabundantes que eu não conseguia expressar meus sentimentos. Erampensamentossoltosqueseesbarravamunsnosoutros,comocabeçasflutuantes.Eupensava sobremuitas coisasquenão faziamomenor sentido existirem.Asvezes,opensamentonãoeraclaro.Seeu tentasseexplicarparaalguém,ébemprovávelquenãoentenderia.Masseique,lánofundo,haviaumaenormidadedeacontecimentosqueexplicavamestespensamentos. AmarSarah,porexemplo,nãofaziaomenorsentidonumcontextogeral.Porém, se eu buscasse acontecimentos passados que marcaram, somandominhasnecessidadeseospensamentosquefaziamdelaumtipodeimagemparamim,talvezeuconseguisseentenderligeiramente. Logo vinha a dúvida: A imagem que construí de Sarah se baseava nãonecessariamentenoquetalvezelafossenarealidade.Nãoestariaeuapaixonadoapenaspormeuspensamentos?Amandoapenasamimmesmo? Derepente,envoltonaqueledevaneio,medeicontadequenãoeraumaboa ideiacontinuarali.Estava friodemaiseeuprecisavaencontrarumabrigo.Alguém havia pisado sobre um galho seco, me avisando que eu não estavasozinho.Pontasdegelocongeladastrepidavamcomovento,emuitascediamdasrochas e fincavamno chão como facas caindo de ponta numpedaço de carne.Outrobarulhosurgiu,destavezdooutrolado.CabeçasFlutuantes,pensei.EramasirmãsDevours.- Neste planeta existem várias espécies de parasitas. - DisseWerd. - Sabe né?Aquelesqueusamaenergiadeoutrosparasimesmos.-É...-ContinuouSkuld-Osparasitasprejudicamavidadeoutrosseresemproldesuasobrevivência. Umarisadamaléficasoouentreastrês.-Muitasvezesatétiramvidas!-CompletouWerdcomumolharcínico. As três irmãs me cercavam como uma preza, parecendo uma caçacooperativadevelociraptors,ondeeunãosabiaquematacariaprimeiro.-Masexisteumaespécieemespecialquenosfazrir.-DisseWerd.-Oserhumano.-DisseUrd,chegandomaisperto.-Oserhumanoéoúnicoserparasitadesimesmo. Quandoeuacheiqueseriaengolidointeiro,umavozgraveordenou:-Paremdeassusta-lo! Derepente,astrêsCabeçasFlutuantesexplodiramcomobolhasdesabão,desaparecendonoar. - A nossa mente é incrível. - Disse uma voz conhecida. - Ela trabalhaduranteanoitepraresolvercoisasquenãoconseguimosduranteodia. Era Bayer Kappa, que se aproximava enrolado em uma coberta de lãxadrez.-Ossonhosepesadelossãoterapiasgratuitas.-Continuou.-Terapiasdechoque.-Rebatimalhumorado. O velho escritor se desenrolou da coberta e quando me dei conta, elaestavanasminhascostas.

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-Tome.-Disseele.-Essacobertaémágica. Océuestavalimpoeestrelado,masnohorizonte,raiosetrovõessoavamcomotamboresenquantooventouivavaestupidamentesobofarol.-Anaturezaéimprevisível,nãoacha? Nãorespondi.-Nós,sereshumanos,temosamaniadeclassificarascoisascomobomouruim.Jáanaturezanossurpreende,poisomesmoventoque traza tempestadeparapertodenós, tambéma empurrapara longe.Amesma chuvaqueparamuitoscausa alagamentos e enchentes, para outros traz vida, mata a sede e regaplantações. Construímos uma imagem sobre um determinado objeto, e anatureza nosmostra que essa é apenas amaneira como queremos ver, e nãonecessariamente o que realmente é. Na verdade, construímos uma imagem apartirdesuposiçõesdoque jávivenciamosnopassado,ounoquedisseramosque vivenciaram. Ou seja, tudo que vemos a partir dessas suposições écompletamenteilusório.-Seiqueestesonhoéumailusão.-Eudisse.- Errado. Sua vida que é. Seu sonho é apenas uma representação do que vocêacreditanasuavida.Aboanotíciaéque,pelomenosaqui,vocêtemachancedeficar umpoucomais conectado com seus instintos. Aqui não existem padrões.Vocêcriaoquevocêquer.-Nãoacreditonisso.-Retruquei.-Eporquenão?-PerguntouKappa.-Olheoqueestáacontecendo.Eunãoquiscriarestasituação.-Vocênãoquis,mas tevemedo.Eomedoémuitopoderoso.Atravésdomedovocê cria imagens, e após ter feito isso, seupensamento já estádeterminadoaagir.Por issoaconteceuoqueaconteceu.Seráquevocêestá livredas ilusõesedas falsas ideiassobresimesmo?Oumelhor,seráquevocêestá lúcidonavidadesperta? Oruídodostrovõeshaviasedissipadojuntocomovento,desmascarandoumsilenciosepulcralonde,apenasdetemposemtempos,éramossurpreendidospelograsnidodoscorvos.- Você acha que fui injusto com o Cavaleiro dos Sonhos? - Perguntei,humildemente.-Vocêfoiinjustocomvocêmesmo.-Respondeu.-Porquevocêachaisso?-Perguntei,seguidoporumsuspirotremido. OvelhoKappaolhounosmeusolhos,emocionado.-PorquevocêéoCavaleirodosSonhos. Levanteiacabeçasurpreso.- Você que sonha, você que determina. Christopher Thompson é apenas umaimagemquevocêmesmocriou.Elenãoexiste,Andrew,ecasotenhamteditoocontrário, foi vocêmesmo que quis acreditar nisso, pois estava commedo deficarsozinhooutravez.Omedoaindaéseumaiorinimigo,porissoencontrouasirmãs Devours. Por causa do seumedo, Christopher já não estámais aqui. Eumesmo, souapenasmaisumde seusamigos imagináriosqueestáaquiapenaspara preencher a falta queChristopher lhe faz.Olha só paramim: sou velho esábio,assimcomoele.-Unsvinteanosmaisvelho,né?-Eudisse,tentandodescontrair. Eleconcordoucomumsorrisoafável.

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-Évocêquefalaatravésdenós,Andrew.Vocêpergunta,vocêresponde.Évocêdiantedevocêmesmo.Écomoficaremfrenteaoespelhoefalarconsigomesmo.Nofundo,osábioaquiévocê.Vocêéumprodígio,ummeninoqueamadureceucedodemaiseacabouseperdendonasprópriasideias.Vocêpensamuitorápido!-Exclamou.-Temahabilidadedefazerconexõessurpreendentesevisualizarlánafrente.Muitasvezes,seirritacomalguémpornãopensarcomtantaagilidadequanto você. Você é um gênio e poucos conseguem te acompanhar. Até vocêmesmoestátendodificuldadesdeorganizarseusprópriospensamentos. Eu estava perplexo. Mal podia assimilar tudo aquilo. ChristopherThompson não era um ladrão. Eumesmo que estava roubandominha própriamúsica,mesabotandoquandonãocantava.Umaespéciedeboicote,deixandoamúsica amercê de falsas vozes. Eu tinhamuitas interrogações. E precisava derespostas. Nestemomento,osolapontousobrenossasfaces,avisandooiníciodeumnovodia,emedeicontadequeeuestavasuandocomonunca.AcobertaxadrezdovelhoKappaerarealmentemágica.-Háquantotempoestousonhando?-Perguntei.-Está completandosetedias.Você foi transferidoparaohospital ao ladoapósumacidente.Vocêteveumsurto.Tentoufugirpelajaneladaclinicapsiquiátrica.Se cortounosvidroseperdeumuito sangue.Precisou fazer transfusãoeaindaestádesacordado. Fiqueisemreação.-VocêprecisaencontrarChrisparaconseguiracordar.-DisseKappa.-Eledáasordenslembra?-MasnãosoueuoCavaleirodosSonhos?-Sim,vocêé.MasChriséointermédioentrevocêetodoouniverso.Sóatravésdelequevocêalcançaráseupodermáximo. Umventofortepassavarasgandoosarbustosqueempoucossegundosjáestavamquasetodoscobertosdeneve. -Comofaçoparaencontrá-looutravez? Kappaabriuumsorrisosereno,deixandoseusdentesbrancosamostra.-Olheparacima.Presteatençãoaossinais. Algoestavadescendoemminhadireção.Eunãopodiaacreditar.Aquelechapéupretoestavamaisumavezdiantedemim,flutuandoaoventoecaindodediantedosmeuspés. Recolhi com pressa como se estivesse pegando uma lâmpada mágica.Passeiamãoportodoochapéupararetiraroexcessodenevequepareciaumpoucodeareiagrossa. BayerKappaapontoucomosolhosparaochão,comaquelesorrisoqueconseguiaquebrarqualquermauhumor.Seguiseuolharepercebiquehaviampegadasrecentesporperto.Ochapéueraumaevidênciadequeeuestavasendoseguido.EraumcarmadoUniverso.

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CAPITULO17 Acordeibruscamente.Atardeestavanebulosaeaclaridadequepassavaporentreosquadradinhosdevidrodajanela,sejuntavanumacoisasó.Pareciatãointensaaosmeusolhos,queeunãoconseguiaverasrepartições. Naqueledia, LadyBeckyandava toda serelepedeum ladoparaooutrocomumenvelopenasmãos,mostrandoo quehavia dentrodele para algumasenfermeiras,epelassuasreações,pareciasermuitointeressante.-Suavez,Andy!-Disseela,vindoatémim.-Oquefoi?-Perguntei. Elameolhoutentandocontersuafelicidade.-Deixe-mesentar!Querotemostraroquerecebidaminhafilhahoje... Beckyseajeitounapoltrona,sacudindoocorpoalgumasvezesnointuitodeganharfôlego.-Bom,comoeuiadizendo,JudithmeenviouessacartaládeIllinois.ElaeGeorgeacabaramdevoltardaNoruega!Veja!-Disseela,tirandoacartadoenvelope. Meinclineiparafrente.-Elamandoualgumasfotosqueelestiraramlá.EstaéemOslo.-Mostrou. Nafoto,ocasalestavaabraçadoemfrenteaalgograndequepareciaserumpalácio.-ÉoPalácioReal.-Disseela.-Nãoqueeusaiba,éclaro,masJudithescreveuaquiatrásda foto.Ah! -Exclamouela,medandoumlevesusto. -Estaaquiéamaisbonita!Deixemever...-Disseelaverificandooqueestavaescritoatrásdafoto.-Estafoitiradaem...FiordedeGeiranger! Beckypassouasegundafotoparamim,eoquemeusolhosenxergavam,poralgunsmomentosnãoforammuitobemaceitosaoqueminhamentequeriaver. A imagemque eu via era exatamente o cenário emque eu vivia emmeussonhos.ApaisagemondeafilhadeBeckyesteveeraexatamenteigualaumlugardaTerraSecreta.Umgrandefiorderodeadopormontanhasimensaserochosas.Fiqueimeperguntandose,assimcomooTheEighties,maisumavezeuestavasonhandocomumlugarqueeununcaestive,porémexistia:aNoruega. Eunãoconseguiaceitar.Melevanteibruscamente,empurrandoacadeiraparatrás,quetombounochãodandoumsustonosdemaisqueestavamnasala.- Esse lugar não é a Noruega. Judith está te enganando! - Deixei escapar altodemais. Beckyficousempalavras.- Eles foram para a Terra Secreta. - Sussurrei chegando mais perto, lhedevolvendoafoto.-TerraSecreta?-Perguntou,confusa.-Sim,éláqueamágicaacontece. Ela novamente fez silêncio, ao invés deme contradizer. Se levantou atémim,puxouaúltimafotodedentrodoenvelopeemeentregou.EraumcartãopostaldaNoruega,comamesmapaisagemdafotoanteriorecomonomedopaísestampadoemcimadafoto.Fiqueiperplexo.-Filho,éaNoruega.-Finalmenteeladisse. Se era a Noruega ou a Terra Secreta, naquele momento eu não queriamaissaber.Fiqueienvergonhadoporque,naqueleinstante,medeicontadequetudoqueeufalavanãofaziasentidopraninguém,eestavapassandoanãofazer

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mais sentido para mim também. Era como receber uma notícia de morterepentina,ondesemreação,vocêsimplesmenterespira,enãosentemaisnada. Emluto,caminheimearrastandoemdireçãoaoquarto,passandoporumcorredor queparecia passar pormim. Empurrei levemente a porta que estavasemiaberta, e para meu alívio, as luzes estavam apagadas. Charlie estavadormindo. Respirei baixinho. Com muito esforço, procurei a cama naquelequartoescuroondetudopareciapretoebranco.Quandofinalmenteencontreiacama,percebiquemeucorpoestavabemmaispesadodoqueonormal.Aomedeitar, fuitomadoporumsuspirointerrompidodemágoaquedeusequenciaaumcalafriodedentroprafora.Parapiorar,eunãoencontravaocobertor,oquemepôsemumabifurcação:acenderasluzeseacabaracordandoCharlie,ouficarsemmecobrir.Preferinãoacordá-lopoiseuestavanomeulimite.Meencolhiemposição fetal, tremendode frio. Aquela cama era grandedemais paramim.Outalvez,euqueestavapequenodemaisparaacama. Naquelemesmodiaapósocafé,eumearrasteiatéosofápoismeucorpoestava pesado demais para chegar até o quarto. Eu já entrava em estado devigíliaquandoumchorobaixoecheiodemágoasmeacordoubempróximodemim. Abri os olhos bruscamente mas o raio de luz branca daquela salaimediatamente ardeu meus olhos. Aqueles remédios eram tão fortes que euhaviacochiladoemmeioaoagitodasaladerecreação. Esfreguei-osjácheiosdelágrimas,etenteiabri-losnovamente,destavezdevagarecomaspálpebrasquasequecerradas.VireiminhacabeçaparaoladoelogoaminhavisãoembaçadapodecaptarasilhuetadeLadyBecky.Elaestavabemmais velha, sem maquiagem e sentada numa cadeira de rodas enquantobalançavasuacabeçaemnegativa,completamenteinconformada.-Oqueaconteceu?-Perguntei.-OhmeuJohn,meuamadoJohn-Disseelaenquantodobravaolençoparaassoaronarizdenovo-MeuJohnsefoieeujánãoseiviversemele.-Eusintomuito...-RespondidesfocandoosolhosdeLadyBeckyeolhandoparaoutraenfermeiraquemefaziasinaldenegativacomoquemdiz"elaestábiruta".-Quandofoi,Becky?-Incentivei.- Hámuitos anos,meu filho, hámuitos anos. - Disse ela, já sendo direcionadapara o quarto por uma enfermeira, enquanto outra seguia atrás com umaseringa. Bom, pensei, vai ver ele realmente se foi há muitos anos. As pessoasmudam.Seráqueeunãosoumaisomesmotambém?- Pare de dar corda para Becky. - Disse outro enfermeiro. -Ela não é umaenfermeiradeverdade.Estáinternadaaquihámuitosanos. Fiqueiperplexo.Eunãosabiaseeraeuqueestavaconfundindoascoisasou se as coisas estavam me confundindo. Lady Becky por certo haviaincorporadoopapeldeenfermeiracomoformadecurarsuasferidasatravésdocuidadocomosoutrosnaquelehospital. OSantaCeciliaeradivididoemalasA,BeC.OsdaalaAeramgeralmenteas pessoas que chegavam carregadas, surtadas ou até inconscientes como eu.Essaspassavamporumperíododeadaptaçãoaosmedicamentoseeramisoladasdasdemais.Nãoseiaocertoquantosdiasousemanasfiqueinestaala,eparasersincero,éalgoquenãofaçomuitaquestãodesaber.JánaalaB,aalaemqueeumeencontravanaquelemomento, eraumaalabemdiversificada,ondehaviampacientes comdepressão, dependentes químicos, transtorno bipolar, síndrome

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do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, esquizofrênicos, entre outrostranstornos mentais. A maioria dos pacientes da ala B geralmente passavamprimeiropelaA.Osquenãopassavam,acabavampulandoparaaalaClogoemseguida.Nesta,ficavamosdoentescomquadroslevesamoderados.Essetipodepaciente geralmente ficava menos de um mês no hospital. Ao mesmo tempo,nestaalaficavamalgunsidososquejamaissairiamdalipornãoteremparaondeir. Umadascoisasquemechamouaatençãoéqueamaioriadospacientes-paranãomearriscaradizer todos - estavamaliporproblemas familiares.Umpai presidiário, um abuso sexual do tio, homicídio na família, suicídio damãe,filho nas drogas, e todos os tipos de problemas que eu nem imaginava queaconteciam.Eporincrívelquepareça,grandepartedessespacientesvinhamdeclasses sociais privilegiadas. Realmente omundo é uma piada, eu pensava. Aspessoaspassavamtantotemposepreocupandoemsobreviverqueesqueciamdeviverdefato.Masquemsoueuparafalar?Euestavaalitambém. Corria boatos de que havia também uma ala D. Esta ala não eramuitocomentadaentreosenfermeirosdolocalparaquenãohouvessepânicoentreospacientes das outras alas. Era aonde ficavam os pacientes com transtorno depersonalidadeantissocial,maisconhecidoscomopsicopatasousóciopatas. ParapacientesdaalaB,havianaprogramaçãoalgoquechamavamde"ahora do sol". Todos os dias, os enfermeiros nos direcionavam para o pátio dohospital para que pudéssemos respirar um ar puro enquanto recebíamostotalmente de graça uma das melhores medicações para qualquer tipo detratamentopsicológico,avitaminaD.Ahoradosolaconteciasemprenomesmohorário, as dez damanhã. O pátio do hospital dava de frente para uma praça,ondehaviaumaárvoreenormequenosespiavaporcimadomuro.Eracomelaqueeuficavaconversandotodasasmanhãs, jáquenãohavianinguémnaquelelugarqueeuconseguissemanterumaconversapormaisdeumminuto. Para iratéopátio,ospacientesprecisavamestarcalmos.Umcertograude lucidez era exigido. Quem recebia uma boa avaliação nesses requisitosrecebiaumcarimboemumcartão.Aideiaeraacumularcarimbos. Quandochovia,ahoradosolerasubstituídapelahoradaTV.Naverdade,semprequepodiam,noscolocavamna frenteda televisão.Emoutraspalavras,parecíamos ovelhas no pasto. E parameu desencanto, este era o ápice do diapara alguns pacientes. Dias em que era possível mergulhar nas histórias deoutraspessoaseentão,esquecer-sedaprópriavida.VejammeucolegadequartoCharlie,porexemplo.Quandoacordava,aprimeiracoisaquefaziaeraolharpelajanela.Sehaviaumanuvemescura,elecomeçavaodiacantandoegargalhando,paradarsortedachuvavir.Asvezes,jáestavachovendoquandoacordávamos,então, ele agia neutro, sabendo que a hora da TV já estava garantida. Agora,quandodavasol,osenfermeiros já ficavamdeolhonoCharlie.Elecomeçavaodiareclamandoporquesabiaqueperderiaaprogramaçãodas10h."QuesedaneavitaminaD.Eunãoprecisodisso!Essescanalhasquenosobrigamafazeroquenão queremos!". As vezes era uma reclamação baixa, sussurrando pra elemesmo, ou entre colegas que também concordavam. Mas quando era umepisódioinéditodoprograma,jápodiaseesperarqueCharlieacabarianasalinhadareflexão. Num daqueles dias em que Charlie tinha dado um show, meu cartãoestava carimbado. Eu estava olhando para aquela árvore da praça quando

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avistei uma mulher se aproximando do portão. Era minha mãe. Ela pareciacaminhar apreensiva.Numa calça jeans eumablusabranca, ela camuflava seusorrisonumaexpressãodepreocupação.Seucorpoeraesguioeconfiante.Seuscabelos onduladosmisturando um castanho escuro com ruivo, ao sol dava-lheumaspectosaudável. Logosuavozveiomedespertar.-Andrew? Respireifundo,aliviado.-Finalmente,mãe.Jáfazumasemanaquevocênãovem.-Bufei.-Oquehouve?- Eu vim aqui todos os dias. Você não me viu porque estava dormindo. Umaespéciedesonoterapia.-Eusei,eusei.Depoisdoacidente,euperdiumpoucoanoçãodotempo. Minhamãe colocou asmãos naminha testa para verificar como estavaminhacicatriz.-Não sepreocupe. Empouco tempoesse cortenemvai aparecer.ODr. Loganfalou que eu não precisava vir nesse período, já que você não tinha comointeragir.Éobvioqueeunãodeiouvidosaele.Sóofatodepegarnasuamão,jámealiviava,eseiquetambémfaziabemparavocê. Torneimeusolhosparaaárvore.-NãogostodesseLogan.Quemelepensaqueéparasaberoqueémelhorpramim?-Bom,eleépsiquiatra.Algumacoisaelesabeparaestaraqui,nãoacha?-Nemsempre-Suspirei,inconformado.-Vocêtemalgumanoticiasobrequandovousairdesselugar?-Poderíamostentartetransferirparaumaclínicaparticular,ondeoatendimentopoderiaserbemmelhor,filho.-Podeser.Eusóquerosairdaqui,mãe.-Queriaquefossefácilassim,querido.-Disseela,olhandoparabaixo.MasoDr.Loganmedeuumanotíciabemdesanimadora. Naquele momento, a árvore que eu observava se distorceucompletamente em espiral, pendendo meu pescoço para o lado, que tentavaacompanharomovimento.-Andy?-Eladisse. Melembreidemeuavô.Fiqueiimaginandocomoelesesentiuquandolhedisseramquesuamedulahaviarompidoequeelejamaisvoltariaaandar.Fiqueimelembrandodeseurostoquando,anosdepois,lhedisseramqueseuprimeirofilho-meupai-haviafalecido.Eleaindaestavavivo.Oquemoviaeleacontinuarrespirando, issoeunãoentendia.Talvez fosseminhaavó.Outalvez fosseeu.Ofato era que, eu estavame sentindo comomeu avô. Eu sabia que algo estavaerradocomigo,eque,maiscedooumaistarde,minhamãeseriaapessoaamedaranotícia. Sentisuasmãosseguraremasminhas.- Andy, querido. Saiba que, independentemente do que acontecer, eu estoucontigo.Vamosenfrentarissojuntos,evamossuperardamelhorformapossível.-OqueoDr.Logandisse,mãe?-Eledissequeconversoucomvocê,evocêmencionoualgunsnomes,eumacasaespecífica.Elepesquisouosdadosdessaspessoas,esegundoele,essaspessoasnãoforamencontradas,muitomenosacasa. Euestavaperplexo.

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-Comoassim?Oquequerdizer?-Eleaindaprecisa falarcomvocêmaisalgumasvezes,eeunempodiaestartecontando isso, porque isso não é um diagnóstico. O doutor suspeita que vocêestejacomindíciosdeesquizofrenia... Olheiparaaárvore,etudohaviavoltadoaonormal.Tudocontinuavaali,acontecendocomosempreacontecia.Masalgohaviamudado.Euhaviamudado.Euhaviame tornadoum fracassoparaminhamãe. E agora, o universo estavafazendo eume lembrar bem daquelemomento. Das nuvens acinzentadas, dasfolhasdaárvorequezumbiamcomovento,edosolhosdeminhamãecheiosdelágrimas,prontosparaexplodir.-Medesculpe,mãe. Elameabraçouforteecomeçouasoluçar.- NãoAndrew, não fale isso.Me desculpe, eu que peço desculpas.Nos últimosmesesfiqueiausente,acabamosnosafastandoporcausadoFernando.Foiminhaculpa. Eu só queria que as coisas ficassemmelhores para nós, e achei que elepudesseagregarnanossafamília.Maseumeenganei.-Oquequerdizer?-Desdequevocêfoiinternado,elecomeçouaagircomosevocêfosseumfardo.Elefoiemboratemalgunsdias,Andy.Elenãoeraocaracerto,meperdoe.Somossóeuevocêdenovo.-Nãoprecisaserassim,mãe.Eununcaquisatrapalhar,porissosaidecasa.- Eu sei disso, filho. Não estou deixando ele por sua causa. Estou o deixandoporqueelenãoabraçouestafamília.Eestafamíliaseresumeemnósdois.Meuúnico filho precisa de apoio, eu preciso de apoio nessa hora. Para que servealguém,senãoservepraisso? Suspirei,pensativo.-Epossoteconfessarumacoisa?-Elaperguntou. "Oque?",pergunteicomosolhos.-EunãoacreditonessetaldeLogan.Sejaoquefor,vamoscuidardisso juntos,nósdois.Masnãopossotetirardaquisevocênãomedisseroqueaconteceu. Passamos aquela hora do sol juntos, conversando sobre tudo que tinhaacontecido em Eureka nas últimas semanas. Contei sobre como eu haviaconhecidoSarah,sobreohostelesobrenossanoitenapraia.Conteitudoqueeulembrava sobre Chris, sobre nossas jornadas no Vale das Epífises, o que deucerta saudade.Contei sobreogeysermágico, e comoeuhaviavistoas cabeçasflutuantespelaprimeiravez.Cantaroleiumtrechodaminhavalsinha,econteioqueChrishavia feitocom isso.Contei tambémsobreoepisódiocomaAltair,eminhavisitaaSonya.Eratudoqueeumelembrava. Minha mãe acompanhou a estória e em nenhum momento pareceudesacreditar de qualquer fato. Minhas pausas na fala eram seguidas deconcordânciadapartedela,pedindoparaqueeucontassemais.Eumesentiumcontadordeestórias,eaomeouvirfalar,percebiquerealmenteeraumagrandeestória. Precisei parar quando um dos enfermeiros chegou até nós, explicandoqueahoradevisitahaviaterminado.-Aguentafirme,Andy.Euvoutetirardaqui.-Disseela,enquantolargavaminhamãonoar. Elafoiseafastandodevagar,olhandoparatrás,comumsorrisotravado.Acenouparamimatédesaparecernoportão.Euqueriaircomelaeaqueleaceno

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voulevarparaaeternidade.Fiqueialipormaisumtempoeoqueacalentavaeraocalormornodosolqueaindameaquecia.Emboraeuestivessemuitodesoladocomoqueminhamãehaviameditosobreasuspeitadomédicoaomeurespeito,me senti acolhido. O fato de minhamãe ter me ouvido, ainda que ela tivessedisfarçado termeentendido,pelaprimeiravezdepoisdeser internadoeu tiveumsentimentodeesperança. Minha mente percorreu uns trechos do meu passado na tentativa deencontrar alguma explicação para o que havia acontecido comigo. Conseguirefletir sozinho, sem ajuda dos especialistas, sobre mim mesmo. Fiquei mequestionando sobre aquele diagnóstico. Eu não sabia direito o que eraesquizofrenia,masjátinhaouvidofalar.Faziapartedanossapequenabiblioteca,um livro sobre transtornos psicológicos. Eu sempre achei um tanto estranhoaquelasnomenclaturas,queenquadravampessoasdentrodessestranstornos,deonde talvez elas nunca mais saíssem. Eu agora estava prestes a receber umdestes rótulos, porém, enquanto eu pudesse, lutaria para escapar disso comtodas asminhas forças. Euprecisavamemanter lúcido. Esse erameuobjetivoagora.Euqueriaganhartodososcarimbos.Euprecisasairdaquelelugar.

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CAPITULO18 Eu estava engessado e congelando. Rapidamente, a neve começou aformarpequenasmontanhasondulosas.Oventoseencarregavadecolocarcadafloconoseudevidolugar.Anaturezaexibiaseusdons,dandoumespetáculosemesperaraplausos.Aquelemantobrancocobrindoasmontanhasseriaumconviteaodeleite,nãofosseofrioquemalmedeixavarespirar.Naquelaimensidãonãodava para saber onde algo começava ou terminava. Aquilo era como o tempo,sem passado e sem futuro. Um verdadeiro presente que precisava serexperimentado. Euprocuravaumadireção,umpontocoloridoparamenortear.Aquelaspegadas socadasnaneve eramminhaúnicapista.Tudoestavabranco, emeusolhos me confundiam na maioria das vezes. Nessas horas, todos os outrossentidos ficavam mais aguçados, principalmente meus ouvidos que nãocostumavam me enganar. Um ruído se aproximava sorrateiramente. Imagineiquepudesseserumurso.Sentiaquelearrepiohabitualsubirpelaminhaespinhaaté chegar na nuca. Meu coração acelerou subitamente. Parei de andar paraprestar mais atenção em qualquer som. Meus olhos já articulavam maneirasengenhosasdesairdalioquantoantes,quandoderepente,umalívioespontâneotomoucontademim.-Ah,évocê.-Eudisse,tomandofôlego.-Quesusto!-Estavaseguindovocêtodootempo.-DisseKappa.-Comonãopercebi?-Torneiacaminhar,seguindoaspegadas.-Talvez foiporcausadobarulhodovento,ousuaprópriadesatenção. Já ficouclaroquevocêficatãoabsortonosseuspensamentos,quemuitasvezesnãovênadaalémdevocêmesmo. BayerKappatinhaodomdecriticarsemofender.Achoqueerapelasuaentonação de voz misturada com seu sorriso contagioso que realçava suascovinhas.-Outalvezsejaporcausadesuaroupabranca.-Retruquei. Kappachegoumaisperto.-Vocêsóvêminhacabeçanegra,nãoémesmo?-Disseemtomconfidente.-Sim.-Entreinabrincadeira.-Comoseestivesseflutuandonomeiodaneve.-Espera!-Meinterrompeu.-Olhe...-Disseele,apontandoparaochão. As pegadas haviam sumido. Se fossem pegadas de urso, não teriammecausado tanto impacto e assombro.Eu resisti emmevirar.Euqueria fugir. Euestavadiantedamaisembaraçosasituação. Sentiumcalafriopercorrertodomeucorponumaconstante,semmedartrégua para eu me recompor. Eu sentia um cheiro de arrependimento no ar,misturadocomumaporçãodeingratidão.Eunãosabiaoquefazer.Meudesejomaiorerametornarumdaqueles flocosdeneveevoaremdireçãoao infinito,paranãoterdeenfrentaraquelesolhosnegrosamefitarem.Euestavaperdido.Masalgodentrodemimmesussurravaqueeuacabavademereencontrar.-Vocêporaqui.-Faleiemtomdemurmúrio,entregando-lheochapéu.-Eunãoesperava. ChristopherThompsonnãotiravaosolhosdemim.Pareciameescanearda cabeça aos pés. Esses gestosme deixavam cada vezmais constrangido. Euestava envergonhado diante de mim mesmo. Kappa estava entre nós, nos

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olhandocomardesatisfação.Vestidonaquelaroupabrancaquemal lhecabia,abriuseusbraços,comoquenosdizendoquetínhamosmuitooqueconversar.Um pequeno estouro foi o suficiente para que explodisse no ar como umaenormebolhadesabão.E láestávamosa sósmaisumavez -Chriseeu -paramaisumalongacaminhada. Ocantodeumpássaromefezdespertar.Chrisestavaigual.Omesmoardeindiferença,omesmosorrisonoslábios.Demonstravanãoestarnadairritadocomoquehaviaacontecido.Minhaconsciênciaéquenãomedeixavaempaz.Euprecisavaencontrarumaformademeexplicar,masaimpressãoqueeutinhaeraque Chris não estava nem um pouco interessado por isso. Ele caminhava emdireçãoao topodeumamontanhasemolharpara trás.Euo seguia comoumaovelhaseguindoseupastor.Entreeueelehaviaumespaçovazioondeminhasprópriasconclusõesecoavam.Chriseramesmoumhomemsábio.Sabiaseportardiantedequalquersituação.Elenuncaseprecipitava,eseuautocontroleeradeincomodar. Eleme dava o tempo suficiente para eu confrontarmeus próprioserros sem dizer uma palavra. Eu ficava impressionado. Eu queriadesesperadamentecopiaressasatitudes. Eu estava animado. Minha consciência parecia despertar. Eu precisavaaproveitar cada segundo comele, aindaque fossepartilhardo seu silêncio.Euestavamedesarmando.Euprecisavaaprendertudo. Chegamos no ponto mais alto daquela montanha. Chris parou, e eu,timidamente,mecoloqueipelaprimeiravezaseulado.Elecolocouasduasmãosnacinturaeeu imitei.Eucomeçavaamesentirelepróprio.Euespelhavacadagestoeelepercebeu.-Andrew,oquevocêvê? Euensaieiaresposta.Nãopoderiacometernenhumagafe,nãodessavez.Naverdadeeunãoestavavendonada.Meusolhosnãoviamnadaalémdeumgrande nevoeiro. Eu procurava desnorteado por algo que pudesse se destacarnaqueleespaçovazio. Chris tinhaolhosde águia.Via tudode longe.Percebeuminha cegueira,mas não disse nenhuma palavra. Ele sabia que tão logo eu iria ver o que eleestavavendo,ecolocou-seemposiçãodepaiaustero,quandopretendeensinarofilhoaverosignificadodosdoisladosdamoeda. Começamosadescerpelooutroladodamontanha,eoúnicobarulhoqueseouviaeraabotadoCavaleirodosSonhosarranhandoaneve. NãodemoroumuitoparaeuveroqueChrisestavaquerendomemostrar.Aindaquetodacobertapelaneve,agorapodia-severnitidamenteumacasa.Namedidaquefomosnosaproximando,tudoficavamaisclaro.Aquelelugarnãomeera estranho. Parecia que a cada passo, eu me aproximava mais de minhalembrança de anos atrás. Era naquela casa que eu e Chris havíamos tomadochocolatequentequandoeueracriança. A porta estava congelada e enguiçada. Chris torceu a maçaneta comesforço,eaoabriraporta,ogelosequebroudiantedenós.Eraolugaridealparanosaquecernaquelanoitefria. Ao entrarmos, já deu para sentir a diferença de temperatura. Bafeialgumasvezesnoarparatestarseeuaindaconseguiaverovaporquesaíadosmeuspulmões.Aoinspirarnovamente,sentiumaromademadeiraquelembroua casa da minha vó. Um cheiro típico de casa pré-fabricada, que transpiravaaconchego.

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Chrisme alcançouuma toalhaparaque eupudesse secarmeus cabelosenquanto ele aquecia a água numa espécie de fogareiro. Era tudo o que euprecisava naquelemomento, algo que pudesse aquecermeu coração. Eu aindamesentiameiodesoladodepoisdaqueleimpassecomChris. Acasaerapraticamenteumacabanaondetudoeraconjugado,excetoumquartocombanheiro.Haviamduaspoltronasdecouroem frentea lareira.Umtapetebordôcobriametadedasala,anunciandoqueerapossívelandardemeianochãosemsentirtantofrio.Adecoraçãodacasanãoeranadaplanejada,mastalvezesseeraumdosaspectosqueatornavainesquecível.Osquadrosdefloresbordadas,asminiaturasdelouçasnasprateleiras,asfrigideiraspenduradasemfrenteapia,eumfornoalenhaqueemitiaumrangidopeculiar. Desta vez, ao invés de chocolate quente, o Cavaleiro dos Sonhos mealcançouumacanecacomumchádehibisco,temperadocomfrutasvermelhasementa.Emseguida,tocousuacanecanaminhanumgestocordial.Semnenhumsom,alémdotim-timdascanecas,mefezentenderqueestavatudobem.Alémdequebrarogeloquenosseparavadofriodamontanhaeaqueleabrigocaloroso,quebravaogeloquenosseparava.-Hm,estádelicioso!-Comentei.-Olhepara esta caneca. -Disse ele. -Temum tamanhonormalde caneca,nãoacha? Apenasobserveicalado.Eutentavaaquecerasmãoscomovapordochá.-Produzemcanecasbasicamentedomesmotamanho.Éumbomtamanho.Cabeumpoucomaisde200mldeágua,eissobastaparamatarasede.-Masnemtodosenchemacanecadeágua...-Eucomentei.- Exatamente.A fábrica de canecasnão está preocupada em comovãousá-las.Vocêpodeenche-lascomágua, leite,café,ouatéveneno.Évocêquemdecideoquefazercomacaneca.- Pode ser usada como uma arma. - Falei. - Uma vez uma vizinha jogou umacanecanacabeçadomaridonomeiodeumadiscussão... Chrisolhouparamimparaverificarcomoeumesentiaemrelaçãoaisso.Segureios lábioscomosdentesporuminstante,mas logodenoteique,apesardaquela situação não ser nada engraçada, foi uma colocação imprevisível edesnecessáriaparaaquelemomento.Caímosnarisada.OCavaleirodosSonhosmostrou-se completamente vulnerável em meio a risos que pareciam fazercócegas emsuabarriga.Eu fiquei feliz, pois eununca tinhaovisto rirdaquelejeito.-Comoumaarma...-RepetiuChrisemlágrimasdealegria. Ainda engasgado em risos, eleme alcançouumviolãodenylon e pediuqueeudedilhasseumpouco.-Issovaiajudaraaquecerosseusdedos.-Disse. Sem pestanejar, embarquei naquela onda e num instante o som tomouconta daquele espaço. Meu violão não estava sozinho. As notas do piano medavam suporte e ressoavam em harmonia. Eu e o Cavaleiro dos Sonhosestávamosemsintonia,interligadoscomosefossemosumsó.Amúsicaeranossatestemunha.Tocamosporhorase conversamospormaisoutras tantas.Demosrisadaseassimvaramosmadrugadaadentro.-Sabe,Chris...-Falei.-Depoisquenosconhecemos,depoisquevocêmemostrouaTerraSecreta,minhainspiraçãoaumentou.PercebiissoquandotoqueinoTheGreener. Eu conseguiame expressarmelhor, como se eume entregassemais,

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comoseeucantassecomaalmamesmo.-Aartesópassaatersentidoquandoéestampadapelaalmadeseuautor.Porisso,paratudooquevocêforfazernavida,sejoguedecabeçaefaçacomquesuaalmatranspareça.Assim,qualquercoisavindadevocêserádignaderespeito. Christomoumaisumgoledecháeprosseguiu:-Agrandevantagemdefazermúsicasquetocamaalmaéque,umaveztocadas,os ouvintes transpiramgratidão, e issonão tempreço. É como se cada cançãofosseumasementinhaplantada.Cadaqualnoseutempo,retribuiucomofrutodoreconhecimento:omaiortesouroqueummúsicopodereceber. Olhei para aquele senhor com tanta admiraçãoquenem cabia emmim.Ele era meu mentor, meu guia. Chris carregava em seu rosto característicasmuito similares as demeu pai, e de alguma forma, eume via nele. Aomesmotempo que eu olhava para ele, eu sabia que no fundo, eu estava olhando paramimmesmo.EuqueriadizerparaChrisqueeleeraomeumaior tesouro,maspreferi não entrar nessas emoções. Talvez ele já tivesse até escutado meuspensamentos,poisemseguida,retribuiucomumolhardegratidão. Odiajáhaviaamanhecidoháalgumashorasquandoouviumbarulho.EraChris abrindo a porta. Eu devia ter cochilado por alguns instantes. Um clarãochegouemminhadireção,avisandoqueerahoradelevantar.Euestavadisposto.Aquelanoitedivertidatinharenovadominhasenergias.Fiqueimeperguntandooquetinhanaquelechávermelho,poiseurealmenteestavamuitobem.-Venhaatéaqui!-Disseele,jáláfora. Otelhadocomeçavadarsinaisdecor.Anevepareciacairnochãocomoareiadeampulheta.-Andy,dêumaolhadanosextensoscamposcinzentoscobertoscomestapoeirabrancaquechamamosdeneve. Forceiaspálpebras.-Éaçúcar!Oventoestáassoprandoelaembora.-Eudisse. Chrismeolhouorgulhosopelaprimeiravez.-Rapaz,éasuanaturezadandoumjeito. A Terra Secreta aos poucos ia revelando sua cor novamente. O chãoestava coberto de açúcar cristal, onde seus grãos brilhavam como pequenosdiamantes.Anevecomeçavaaderretereseagrupar.Ocenárioseredesenhavaesepintavacomtintascoloridas.Eracomoseeuestivesseenvoltoporummundode algodão doce, onde cores claras variavam de acordo com a posição do sol,refletindoosaltosebaixosdasmontanhas.Maisumavez, anaturezadavaumshow, e eu estava ali, captando cada detalhe com um sorriso no rosto, peitoestufadocomardemerecimento,emuitagratidão.-Rapaz,euprecisotecontarumacoisa.-DisseChris,acariciandoopescoço.-Écoisaboa?-Sorri.-É.Jáouviufalaremtelepatiadesonhos?-Não.Oqueé?-Pergunteisementender.- Telepatia de sonhos é quando você sonha o mesmo sonho de outra pessoa;quandoduaspessoassonhamumacomaoutra,aomesmotempo;quandovocêvisitaosonhodealguém.-Eporquevocêestámefalandoisso?-Perguntei.-Bom,acreditoquesejaporessemotivoquevocênãotemsonhadomuitocomSarah.-Disseele.

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-Comoassim?- Como você sabe, Sarah é uma viajante nata. Os horários de sono dela sãodiferentesdoseue...-Sarahexiste???-Pergunteientusiasmado.-Vejabemrapaz,eu...-Vocêsabiadissootempotodo?-Interrompi.- Andrew! - Exclamou. - Eu sou você. Estamos juntos nessa, okay? Deixe-meterminar. Respirei fundo. As batidas do meu coração estavam ressoando nagarganta.-Okay,continue.-Eudisse.-Bom,éapenasumasuposição.Você já sabeque todopensamentoemiteumafrequênciaquesepropagapelouniverso,certo? Me lembrei da conversa com Sonya. Um sentimento de receio salpicouminhamenteporalgunsinstantes.-Sei.-Respondi.-Existempensamentosquesecruzam.-Continuou.-Issoacontecequandoduaspessoasestãoemsintonia.Ouniversoencontramaneirasdeconecta-lasatravésdatelepatia.Podeacontecerentremãeefilho,casais,pessoasquetemosrelaçõesmais próximas. Mas aí que esbarramos no problema... - Disse ele, coçando abarba,pensativo.-Oque?-Pergunteialtodemais.- Você e Sarah nem se conhecem.Não émuito comumpessoas desconhecidastrocaremsentimentostelepaticamente.Anãoserque...-Oque?- ...Seja um sonho compartilhado. Algumas culturas acreditavam nocompartilhamento de sonhos. Como se houvesse um lugar coletivo, livre deespaçoetempo,ondeindivíduospudessemseencontrardetemposemtemposenquantoestivessemdormindo. Ofriopareceuvoltarinstantaneamente.Euestavatremendo.-Chris,merespondacomsinceridade.-Balbuciei.-Sarahexiste?Foiporissoquevocêmedissequeeunãodeviaesquecê-la? OCavaleirodosSonhossuspirou.Pareciaaliviadoporestartocandonesseassunto.-Sarahnãoéumacriaçãodesuamente.SarahDahléumagarotaquemoraemOslo. Seu pai é norueguês e suamãe é natural de Eureka. Sarah praticamentecresceu em Los Angeles, assim como você. Se mudou para Noruega quandocompletouquinzeanosdeidade.Seupaifoitransferidoparaláatrabalho,eelaterminouosegundograulá. Eu não sabia se esses fatos que Chris me contava eram realmenteverdade,poiseuestavasonhando.-TalvezomotivodevocêquasenãoencontrarSarahporaquiépelofatodequequando você está dormindo, ela está acordada. Ela viaja muito, e porconsequência, o fuso horário fica trocando toda hora. Isso altera o sono dela.Além disso, de Oslo para Los Angeles existe uma diferença de nove horas.Geralmente quando você vai dormir, ela está acordando. Possivelmente vocêsestãotendosonhoscruzadosesporadicamente,oqueexplicao fatodevocêtersonhadocomlugaresqueexistemmasnuncaviunemesteveantes.AlanchoneteThe Eighties foi um lugar muito frequentado por Sarah quando seus pais

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moravamemEureka.Alémdisso,muitoscenáriosdaTerraSecretatambémsãopaisagensquefazempartedavidadeSarah.-EohostelBlackBear?-Perguntei.-Ohostelexiste.Sarahestevehospedadanestehostelháumpoucomaisdeumanoatrás.-Cadadetalhedolugar?AmyFoster,tudo?-Sim,foramvivênciasdeSarahqueforamtransferidasparaseussonhos. Fiqueipreocupado.Eunãoqueriasaber,masprecisava.-Equantoasminhasvivências?Sarahtambémpodetersonhadocomcoisasqueaconteceramnaminhavida?Ohospício? Chrishesitou.-Nãovamosnosprecipitar,certo?OqueeuestouquerendotedizeréqueébemprovávelquevocêeSarahestejamligadostelepaticamenteatravésdossonhos.Se esse for realmente o caso, você pode encontrá-la! Veja bem Andy, osobrenomedeSarah-Dahl-significa"vale"emnorueguês.EstamosindoaoValedas Epífises porque suas epífises - glândulas pineais - precisam entrar emsintonianovamente. Todaaquelenevehaviasetransformadonumenormetapetebrancoquerefletiaobrilhodasestrelas,queaindaestavamporalinumtomdedespedida.Os primeiros raios de sol invadiam a paisagem, iluminando aqueles pontosbrancosnochão,comoseasestrelas tivessemmudadode lugar.Foiassimqueretomamosnossajornadajuntos,eueChris,rumoaoValedasEpífises.-Aindatemosumgrandecaminhopelafrente.-DisseChris. De onde estávamos, dava para teruma visão dos deuses, que pareciamrecolher aquelemanto branco de neve, deixando a vista uma paisagem verdecom adornos coloridos que destacavam minuciosamente cada colina. Aquelelugarestavarepletodecachoeirasquedespencavamdosmontesemformatodevéudenoiva.-Chris,eaquelascoisasquevocêdissesobrepensamentossepropagarempelouniverso? -Perguntei. -Quemmedisseaquilopelaprimeiravez foi Sonya.Elatambémexiste?-Acreditoque Sonya sejaumprojetode suamente, criadapara justificar seusmedos,assimcomoAltair.-QueméAltair,afinal?-UmaCabeçaFlutuante.Outropersonagemcriadoporvocêmesmo.Elaapenasespelhousuadesconfiança.Nãoéumapessoamá.NenhumaCabeçaFlutuanteé.-NemasDevours?-Perguntei.-Muitomenos as Devours. Elas são as trêsMarias, Andy! As três palhaças dafamília.Werdfazumatortademaça incrível.Vocêprecisaprovar;Urdémuitosábia,adoracontarhistóriaseéumaamigaquevocêsemprepoderácontar; JáSkuld,bom,confessoqueasvezeselasepassaumpouco,maséamaisengraçadadastrês.AsCabeçasFlutuantessãoapenasespelhosquerefletemasuaprópriaimagem,atravésdoreflexoquevocêvêdesimesmonasbolhasdesabão. A paisagem parecia ter tomado um banho depois de muito tempo. Euestavadealmalavada.Oventohavialevadotodaaquelapoeiraembora.Percebiumclarãotomarcontademeusolhos,meavisandoqueaquelesmosquitinhosdavista haviam ido embora também. Era como se um limpador de para-brisativessetiradotodaaquelasujeira.Euestavaenxergandoperfeitamentedenovo.-Vemtempestadeporai.-ComentouChris.-Edasbrabas.Océuestárosa.

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-Oqueissosignifica?- Quando o céu da Terra Secreta fica rosa, significa que a chuva fervente seaproxima.-Chuvafervente?-Perguntei.-Sim.Atemperaturaficaentrecincoazerograuscélsius,masachuvachegaaochãoamaisoumenoscemgraus.Éumchoquetérmico.-Ouseja...-Incentiveieleacontinuar.-...Precisamosdeabrigooquantoantes.Essachuvaqueimaapele. Seguimosempassoslargosprocurandoalgumlugarparaseesconder.Aospoucos, a natureza foi nos envolvendo em seu cenário, cercando-nos por umafloresta cinza, onde o sol não conseguia alcançar.Me dei conta de que só nosrestava seguir em frente. Se eu não confiasse em Chris, desconfiaria que eleestavame conduzindo a uma espécie de emboscada. Ele sabia que eu nãomearriscariaaentrarnaquelamatafechadaeescuraquenosrodeava.Quantomaisavançávamos,maisrochaspreenchiamaquelaselva,nosdeixandonumcaminhosemmuitaescapatória.Estávamoscercadosporummurogigantedepedrasdecadalado.Pareciaumlabirinto.-Chris,vocêtemcertezadequenãoestamosemdireçãoaumbecosemsaída?-Apontei.-Parecequehárochasportodososlados.-Nãosepreocupe.Seiondeestamos. Trovões ressoaram de longe. Um grasnido de corvo ecoou por entreaquelas pedras, e por um instante eu achei que fosse o grito de um homem.Tencionei os ombros, assustado. A Terra Secreta revelava seu lado obscuronovamente.Aquelelabirintoestavacheiodeossoshumanosestiradosnochão.-Olhe.-DisseChrisapontandoparaocéu. Um bando de pássaros voava em direção ao sul. Isso não era um bomsinal.-Estamoschegando?-Perguntei.-Chegamos. Estávamos diante de uma enorme caverna que ficava embaixo damontanhamaisaltadali.Haviamtrêsentradasescurasquedavamacessoaela.Em frente a cada uma delas, havia uma lápide cravada no chão, com umamensagemgravadaemletrasrúnicas,comosetivessemsidosalpicadaspelaluzdas estrelas ou pelo açúcar cristal. Logo acima das entradas, tinha uma placaenormedemadeiraquetrepidavacomovento.NelaestavaescritoasiglaTCMP.-Oquesignifica?-Andy,estessãoosTrêsCaminhosparaoMesmoPortal.Vocêprecisaescolherumdelesoquantoantes.Achuvaferventenãovaiesperar.

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CAPITULO19 Algunsdiasdepoisqueeucontei tudoquehaviaacontecido,minhamãecolocou umas roupas namala e seguiu para Eureka, com intuito de encontraruma resposta para me tirar dali. Querendo ou não, assinar um termo deresponsabilidadenãoseriamuitoprudentesenãohouvesseacertezadequeissonãoprejudicariaminhasaúde.ElanãopassariaporcimadasrecomendaçõesdeDr.Logansenãoestivessecertadequealgoemminha loucuraestava fazendosentido. AngelaRaven podia ter se hospedado emmeu apartamento,mas não ofez.Podiaterencontradoumhotelqualquer,mastambémnãoquis.Oqueminhamãefez,foiencontraroBlackBear,epedirumadiária.-Comlicença.-Disseminhamãeumpoucoagitada.-Poisnão,senhoraRaven.-Respondeuarecepcionistadohostel.-Vocêsguardamohistóricodeclientesquesehospedamnohostel?-Claro.DesdequeabrimosoBlackBear,háseisanosatrás.- Você poderia verificar para mim se uma moça chamada Sarah Dahl já sehospedouaqui? Arecepcionistaolhouparaminhamãecomumsorrisopiedoso.- Gostaria muito de poder te ajudar, pois da pra sentir que isso é muitoimportanteparavocê, senhoraRaven.Oproblemaéqueé contraapolíticadohosteldaressasinformações. Osolhosdeminhamãeseafundaramparatrás,revelandosuasolheiraseseucansaçodeterdirigidoanoitetodasemparar. A recepcionista se aproximou da minha mãe e falou baixinho, em arconfidencial.-Sealguémdescobrisse,eupoderiatercomplicaçõescomohostel. Minhamãesuspirouolhando-anosolhos.-Euentendosuasituação,senhorita...-Foster.-Completouela.-AmyFoster.PodemechamardeAmy.-Sorriu.- Amy. - Retribuiu minha mãe, forçando um sorriso. - Meu filho Andrew estáinternado no Hospital Psiquiátrico Santa Cecilia, em LA. Eu dirigi mais deseiscentasmilhasparachegaratéaqui, embuscadeumarespostaqueajudeatirareledelá.Sevocêpudesseabrirumaexceçãoaestaregra,estariaajudandoasalvaravidadomeufilho. Amyrefletiu.-Ajudariaseeutepassasseessasinformaçõessemprecisarteentregarnenhumdocumento?-Éclaro!-Disseminhamãecomardehumildade.-Nadaqueváteprejudicar.-Ninguémpodesaberqueeutepasseiessasinformações,casocontrário,possoperdermeuemprego.-Confieemmim,issovaificarentrenós.-Okay.SarahDahl?-Dahl.Comhel.-Okay,vamosveraqui.Osistemaestáumpoucolento. Minha mãe respirou fundo, olhando para os lados para conferir seninguémestavaasobservando.-SarahDahl.Encontrei!-ExclamouAmy.

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Sem disfarçar, minha mãe se esticou por cima do balcão, deixandoevidentequeestavamfazendoalgoproibido.-Calma,calma!-DisseAmy,comumrisonervoso.-Assimpodemdesconfiar.-Desculpa,desculpa.-Falouela,voltandoparaseulugar.- Olha. Ela esteve hospedada aqui no dia 03 de setembro de 2009. Um poucomaisdeumanoatrás.Ficouporquatrodias.-Aídizdaondeelaé?-Perguntouminhamãe.-Oslo,Noruega.-Imagineipelosobrenome,Dahl.-Bom,disseminhamãeumpoucosemjeito.-Émelhoreuir.Obrigada,querida. Minhamãepegousuabolsadecimadobalcãoecaminhoucabisbaixaemdireção a porta. Ela estava um pouco incomodada. Saber que Sarah havia sehospedado ali lhe dava a certeza de que ao menos eu não estava tão malucoassim.Porém,elaestavadeixandoohostelsemnenhumaprovaconcreta.Apenasaspalavrasdarecepcionista.-Espere!-DisseAmy. Minhamãesevirourapidamente.-Achoquetenhoalgoquepossateajudar.-Disseelasaindodetrásdobalcão.-Sarahestáemumadessasfotos.-Apontouparaumaparede. Haviam algumas dezenas de fotos espalhadas na parede ao lado. TodaseramdegruposdeexcursõesaoSequoiaParkZoo,CarsonMansion,HumboldtRedwoodsStatePark,eatéaoYosemiteNationalPark.NumadelasestavaSarahDahl abraçada em uma imensa sequoia junto com mais algumas pessoas dogrupo. Hámuitotempoeunãoacordavatãoalegre.Saberquehaviaumagrandepossibilidadede Sarah existir era omelhorde todos os remédios. É claroque,isso podia ser apenas mais um sonho que, de alguma forma, podia ter sedesenroladodaquelamaneiradevidoasfotosdaNoruegaqueLadyBeckyhaviame mostrado. Todavia, eu precisava acreditar em algo para conseguir merecuperar,epareciaestardandocerto. Poroutrolado,podiaserapenasoefeitodemeucorposelimpando.Hojecompletavamdezdiasqueeuenterravacadacomprimidoquemedavam.Foramváriaspílulasbrancasquesemeeinaquelejardim.Eusabiaquedalinãonascerianenhumaplanta,masaomenosnãofariammoradadentrodemim.Faziaalgumtempodesdeaqueleepisódiodavidraça.Euganheitodososcarimbos.Claro,eunão poderia perder nenhuma oportunidade de guardar na terra meuscomprimidos.-Hojeéumdiamaisqueespecial.-ComenteicomCharlie.-Minhamãevemmevisitar.Achoquevouemborahojemesmo. Charlie olhouparamimmagoado, como se eu estivesse lhe traindo.Medeuascostasefoideitarnacama.-Desculpe,Charlie.Sabíamosqueumahoraissoiriaacontecer. Foi em Santa Cecilia que eu entendi o significado de um verdadeiromonólogo. Vi pessoas defendendo seus pontos de vista sem ao menosprocuraremconheceropontodevistadosoutros.Conhecipessoasverdadeiras,mas que não tinhamamínimadestreza comas palavras. Conheci pessoas quetinham o domínio das palavras, mas carregavam sorrisos falsos. Pessoas

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mergulhadasemconhecimentosqueascontrolavam,epor issoseobrigavamaviveremsós.Oorgulhoeoegoísmoasdominavamaopontodeseremalgemadaspelasolidão,chamando issodeopção.Esse lugareracheiodeentranhas,epormaisqueeumeesforçasse,nãoconseguiriacompreender.Paramim,issonãosediferiamuito domundo lá fora. Até chegar aqui,muitas vezes eu já haviamedeparadocomsituaçõesparecidas.Aloucuranadamaisédoqueumaformadeesconderoquemuitaspessoasnãoqueremverenemvivernoseudiaadia. Nos dias em que me mantiveram dopado, eu era parte daqueleemaranhado. Já naqueles dias de lucidez, eu podia passear pelo hospital e terumabreve ideiadeque cadaumdenós era cuidadosamente tecido.Asprezascaemnessasteiaseospredadoresencontramsempremotivosparacontinuaremtecendo,poisnovasprezasencontrarãoaliseusespaços. O que se via lá, nem de perto era o que era. Todo o cuidado tinha umpropósito.Realmentenãoeradadonenhumpontosemnó.Entendiquetodaessaloucura era meticulosamente construída. Não apenas pelo que acontecia ládentro,maspeloquehátemposjáhaviasidoalinhavadodentrodosparâmetrosdomundoláfora. Todasasregrasenormasimpostasnaquelelugareramescritasláfora.Hámuito interessepolíticosesociaisportrásdetodaessadinâmica.Diantedisso,semprealguémvaiprecisarcuidar,enquantoqueoutrossempreirãoprecisarde cuidados. É um ciclo que nossa consciência criou com as melhores dasintenções,masquemovimentammilhõesdedólaresportodoomundo.Tudoemnomedosdireitoshumanos. Eumuitasvezes,escutandogritosdedesespero,meperguntavaoquesãodireitoshumanos.Eusabiaquequandoeuestivesse lá fora,eu iriamedepararcom situações muito semelhantes a essa. Mas o que difere, é que lá fora aspossibilidadesdelutarsãomaiores.Somoscoagidosotempotodotambém,mashámaisespaço.Láfora,podemosescolherirparaumamontanha,velejar,soltaravoz.Jánaquelelugar,qualquermovimentodiferentequevocêfazia,umapílulaamaisvocêrecebia.Aofinal,vocêacumulavatantasdrogasnocorpoquevocêsetornavaparteíntegradela. Eu subi num banco para ver se enxergava o portão de entrada. Nãodemoroumuitoparaumdosenfermeirospedirparaeudescer,éclaro.Estavamsemprenaespreita.Eunãoiriafugir.Nãoagora.Maseujámeviaforadalidentrodealgumashoras.Eujáconseguiaimaginarasensaçãodevoltarparacasa,ededeitarnaminhavelhacama. O portão se abriu de repente e vi um sorriso verdadeiro estampadonorostocálidodaminhamãe.Elaestavaabraçadanumapasta,elogoimagineiquealgoimportanteestavaguardadoali.Nãomecontiveecorriatéela.Eusabiaquejamaisesqueceriadaqueleabraço.-Andy!-Exclamouela. Permanecemos abraçados por mais de sessenta segundos. Senti apresença de meu pai conosco. Eu tinha certeza que a partir dali as portas seabririam para nós. Procuramos um banco para sentar, aquele que ficavamaislonge dos olhos dos espectadores. Precisávamos ser discretos com nossasconfidencias.-Vocêestácomumaspectoótimo,querido.Estãotetratandomuitobemaqui.

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Deideombros,sarcástico.-Você nem sabe. Eu é que resolvi me cuidar. Da última vez que nos vimos,prometi amimmesmo que eu iriame preparar para te esperar. Eu sabia queprecisavaficarbemparasairdaquicomvocê.Foimuitodoloridoparamimvervocêmeacenandonaquelesofrimento.Nemeuenemvocêmerecíamosaquilo.Comeceiamealimentardireito,enãofiqueinenhumdiasemomeucarimbo.Osoleoarfrescomeajudaramacolocarasideiasnolugar. AngelaRavenpareciaansiosaenemmeouviadireito.- Andy, naquele dia que estive aqui e você me contou sobre Sarah, fiqueiincomodadaefuiembuscadeinformações. Minhamãe,comasmãostrêmulas,abriurapidamenteaquelapasta.-Vejaoqueencontreientreosdocumentosantigosdaminhamãe. Hoje, dia 14 de Fevereiro de 1957, a igreja Our Lady of Lourdes da cidade de Little Falls, Minessota, oficializou a união do senhor Thomas Courtier e da senhora Amelia Griffin. Segundo afirmações do noivo, ele conheceu a senhora Griffin um dia depois de ter sonhado com seu rosto. Ele conta que, na noite de São Valentim, foi aconselhado a amarrar uma fita na árvore mais alta de sua rua. Assim, sonharia com sua futura esposa. Naquela noite, após a simpatia, o senhor Courtier sonhou com o endereço exato da moça. No dia seguinte, foi conferir por curiosidade e quem abriu a janela foi a própria mulher que ele havia sonhado. Há evidências de que outros fatos assim já aconteceram aos arredores de Little Falls. Devido a tamanha coincidência, o Justin Time Journal publicou esta nota em homenagem ao casal. Saudações. - Você, como descendente, pode ter herdado essa paranormalidade. Eu trouxeisso para temostrar que esse fato pode explicar o que vem acontecendo comvocê.-Eladisse. Euestavaatônito.Haviamuitacoisaqueeuaindanãosabiasobremeusantepassados, queprovavelmente estavam interferindonomeumodode viversem que eu pudesse me dar conta. Com certeza eu havia puxado meu avôThomas. Imerso nesses fatos, me distraí momentaneamente. Minha mãe mechamouaatençãoparaapasta.Haviaalgoamaisqueelaqueriaqueeuvisse.- Consegui esta foto com a recepcionista do Black Bear. Olhe...Por acaso, estameninaaquiéaSarah? Arregaleiosolhos,extasiado.Eumecontroleiparanãosairemdisparadacomoumaavestruzdesvairada.Meupeitotomouumaproporçãoestupenda.-Oquevamosfazer?-Perguntei.-Calmafilho,vamosterdeserinteligentesparasairdessa.Penseiemconversarcom o Dr. Logan. Eu já pedi uma consulta urgente. Vou sugerir para que elecontinueteacompanhandonoconsultóriodele.Vocêcontinuacomamedicaçãoqueeleprescrever.OfatodeelesaberquevocêvaificaremLosAngelesvailhedarsegurança,nãoacha?-Sim.Nasúltimasconsultasquefizcomele,pareceuestarotimista.Falouqueseeucontinuasseassim,eupoderiateraltaembreve.Achoqueelenãovaiseopor. Minhamãeassentiu.- Vou conversar com a secretária. Você aguarda aqui? Vamos procurar nãotumultuar. Todo cuidado é pouco nesses casos. Assim que eu conseguir umaposiçãodele,voltoaqui.Procureficartranquilo.

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Assim que minha mãe levantou daquele banco, eu procurei pensar emalgoquepudessemerelaxarimediatamente.Nadavinhanaminhacabeça.Meucorpo estava inquieto e isso me preocupou. Eu pensei em Sarah. Ela não eraapenasumamiragem. Pensar nisso me deixava muito agitado. Eu precisava mudarimediatamente meus pensamentos. Eu não poderia correr o risco de sairpipocandoporaquelepátio.Alguémiriachamaroenfermeiro. Iriamacharqueeraumdaqueles"surtos". Engraçado. Lá fora, se você recebe uma ótima notícia, você pode pular,comemorar.JánoSantaCecilianão.Sevocêfalasseumpoucomaisaltojáeraumsinal de alerta que precisava ser contido. Gargalhar? Jamais. Isso denotavadesequilíbrio.Procureiporumamúsicaquepudessemedistrair,mas tudomelembrava Sarah. Pensei em pedir para ir ao banheiro, mas não queria dar aimpressão que eu estava ansioso. Qualquer pessoa notaria, imagina osenfermeiros. Então, pegueimeu papel com os carimbos e comecei a contar asletrasalicontidasrepetidamente.Issomeajudavaamanterminhamenteomaisvaziapossível. O sinal de entrada tocou e eu finalmente poderiamemovimentar commotivos, em direção ao quarto. Agora era só esperar um pouco mais e logoestariaatravessaraqueleportão. Euestavaeufórico,masdevidamentecontrolado.Erasóumaquestãodetempo.Seguimosparadentrodaclínicacomoumamanada.Nenhumimprevisto.Chegueinoquarto, fuiaobanheiroeemseguidame jogueinacama.Eupenseique seria a última vez que deitaria ali, mas eu ainda não podia comemorar.Procureirespirarfundo,issosempremeacalmava.Nãodemorouparaeuentraremestadoderelaxamentoquandoumaenfermeiraentrounoquarto.- Andrew Raven! Você está sendo chamado na sala do Dr. Logan. Vouacompanha-lo. Eu tremi. Penteei os cabelos comosdedosmais quedepressa e sai poraquelaportadisfarçandominha ansiedade, que tinha voltado a todovapor. Eunãopodiaperdera compostura.Nãonaquelemomento.Eu tinhapouco tempoatéchegarnasaladomédico,masaquilodurouumaeternidade.Minhacalmaeraachaveparasairdaqueleportão.Nãopoderiaperdê-ladejeitonenhum. O ranger da porta me assustou. Entrar numa sala de tribunal para serjulgadocomoreotalveznãomecausassetantaangústia.Viminhamãesentadadefrenteparaomédico.-Sente-se.-DisseDr.Logan Isso era tudo que eu precisava para acalmarminhas pernas. Gesticuleiagradecendo.-Então,AndrewRaven.Comosesente?-Perguntouele.-Estoubem.-Respondi. Pelaprimeiravezeuestavavendoaquelesujeitonaclaridade.Dr.Loganeraumsenhormagroealto.Seucabelolaranjaralodenunciavaasilhuetadesuacabeçagrande.Usavaumbigodemuitobemaparado,eeutinhaaimpressãodequeerapintadocomumacorumpoucomaisclaraqueanatural,poisasraízesdenunciavamseuscabelosgrisalhos.-Tenhoobservadovocênosúltimosdiasevejoquevocêestátranquilo.-Disseele.-Osremédiosjácomeçaramafazerefeitospositivos. Desvieiosolhos.

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-Vocêestábemadaptadosaeles,eissonostrásbastantesegurança.-Éverdade.-Minhamãeconcordou.-Eleestámuitobem,doutor. Com as pontas dos dedos juntas, Dr. Logan se embalou na cadeira emsemicírculo,comardechefia.- Senhora Raven, tenho algo para te mostrar que guardei para esta ocasião. -Disse ele, deslizando sua cadeira em direção ao computador. - Chegue maisperto. Logan lançou um olhar de Cabeça Flutuante para mim, daquelessarcásticos,comosolhosesbugalhadoselábioscerrados.Meucoraçãodisparou.-Coleteialgumasfilmagensdenossascâmerasparatercomoprovadequeseufilhonãopoderásairdaquitãocedo.-Disseele. Minhamãeperdeuacor,eeuestavatonto.- Fazem dias que ele enterra os remédios no nosso quintal. Além de ele estarinterrompendo seu tratamento sem ordens médicas, está fazendo outrospacientescorreremperigo!-Exclamou.-Meufilhonãofariamalaninguém...-Minhamãeretificou.-Seufilhoéesquizofrênico!- Interrompeu.-Quebrouumavidraça!Poderiaterferidoalguém.-Elenuncafariaisso!-Minhamãefalou,levantandoavozcomoumaleoa.-Ecomovocêtemtantacertezadisso?-Porqueelecomeçouaagirassimdepoisqueveioparacá. Issoéefeitodessesremédios.Comoeletemagidodepoisquecomeçouaesconderaspílulas? Omédico pressionou as têmporas enquanto se remexia na cadeira. Seurostoestavavermelhoderaiva.Pareciaestaralterado.-VocêdeveriaserpacientedaalaD.-Deixeiescapar. Omédicomeolhoucomcaradezumbi.-Vocênãovaisairdaquitãocedo.

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CAPITULO20 ATerraSecretapareciasentirqueestávamosprestesachegarnoValedasEpífises.Emitiaumsomgravequepareciavirdeseunúcleo.Ochãovibravadeumaformanadaagradável,ressoandocomosonsdetamboresqueanunciavamapresençadeinimigos. Logoascortinasiriamseabrir.Estávamoscuriososparaverdequeformatudoissoiriaseapresentarparanós.Ocenárioporcertojáestavapronto,masoquenosintrigavaeraapeçaqueiríamosencenar.Nãotínhamosnenhumroteiropara seguir e sabíamos que tudo ali era inusitado. Precisávamos representarnaquelepalcodamelhorformapossívelparanãosermosextintos. EueChris.Éramosapenasnósdois.Nossaplateiaeranósmesmos.Chrissempre me dizia que quando um homem está sozinho é que aparecem suasmazelas. É diante de si mesmo, quando ninguém está vendo, que o mesmomostraseucaráter. Haviaummotivoardentedentrodemim:apossívelexistênciadeSarah.Eu precisava dar cem por cento de mim naquele palco. Eu estava prestes aatravessardeummundoparaoutro.-Olhe,Andrew!Estamosdiantedeumgrandemarco.ATerraSecretatetrouxeatéaqui.Agoraécomvocê.QualquerumdessescaminhosnoslevaráaograndeportaldoValedasEpífises.Cadaqualcomsuasespecificidades.-Vocêentendeessasmensagensescritasnaslápides?-Perguntei.-Placasdepedra.-Corrigiu.-Nãovamossertãodramáticos. LogoqueoCavaleirodosSonhosseaproximoudaprimeirapassagem,asletrasrúnicasforampreenchidasporumbrilhomágicoquefacilitavaaleitura.-Deixe-mever...Certo.EsteéoCaminhoI.-DisseChris,umpoucolento.-Bom,aquidizquenestecaminhovocêexperimentaránovassensaçõesparaconhecerasipróprio.-Pareceumbomcaminho.Aprimeirafasenabuscadoconhecimento.Vamosporesse?-Sevocêfizerestaescolha,vaiprecisardemuitasarmasparasedefenderouteráde se entregar aomero acaso, o que não é nada seguro. Se não aprender a sedefender,ficaráamercêdavontadedosqueocercarão,ouescravodesimesmoduranteamaiorpartedopercurso.Poderáarranhardemaissuavozgritandoporsocorro, até se dar conta de que os gritos muitas vezes podem atrair seusprópriosinimigos.Sofreráagruradetodasaspartesesetornarávítimadosseusprópriosatos,casonãoaprendacomosarranhõesquetemarcarãoaolongodocaminho. Euestavahorrorizado.-Vejabemrapaz.-Procedeu.-Estecaminhoéparaaquelesqueaindanãosabemoquequerem.Essasexperiênciasdespertarãomemóriasdainfância,queprecisamserresignificadasparaqueseucaminhofiquemaisclaro.-Maseujáseioquequero.-Acrescentei.-Exatamente.Essecaminhonãoéparavocê. Respireifundo,aliviado.- Se seguirmos por aqui, estaremos nos auto sabotando, visto que acredito játermos percorrido outros caminhos semelhantes a este. Provavelmente essecaminho nos direcionará para o segundo ou o terceiro, e perderíamos muito

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temponessepercurso.-Entendi.EoCaminhoII?- Vamos ver. - Disse Chris chegando mais perto das letras. - Este é o nívelintermediário.Aquidizqueestecaminhoéparaquemprecisadeprática.-Prática?-Perguntei. Chrissevirouparamim.-Apráticaexigevivência.Seseguirporessadireção,vaiprecisarexperimentartudo.Senãotomarcuidado,poderátomarvenenoemorrerantesdechegaraovale. Fiqueiboquiaberto.-Veneno?-Essecaminhoéperigoso.-FrisouChris.-Nãoporeleemsi,maspelosestímulosquevai te apresentar. Senãoestivermaduroo suficienteparapoderdecernir,poderácairnocontodahienas.-JápasseiporumasituaçãocomoessascomAltair,lembra?-Eudisse.- Exatamente. Há muitos inimigos na espreita. Se escolher este caminho, vaiprecisardemuitacoragemparadizernãoefugirdeformadiscreta.Senãotomarcuidado,setornarávítimadadecisãodeoutroseficaráasmargens.Istopoderátetrazeralgunsdanosirreparáveis.Poroutrolado,sepassarporestecaminho,vocêaprenderáaconfiaremsimesmo,oqueéumgrandepassoparachegaraocaminhoIII.-QuerdizerquetodososcaminhoslevamaoCaminhoIII?- Todos os caminhos levam ao portal. Acontece que o Caminho I e II sãoessenciaissevocêaindanãopassouporeles.Oquevocêacha?-Leiaotrês.-Respondi. Um estalo agudo de trovão seguiu-se de um raio rosa fluorescente,avisando que a tempestade estava bem perto dali. Minhas pernas seinquietaram.Chrisestavatentandoentenderasletrasesculpidas.- Bom, este aqui está difícil ler, mas acho que entendi. O Caminho III é paraaqueles que já tem certeza de que já passaram pelos caminhos anteriores emalgummomentodavidaoníricaoudesperta. Olheiparaaquelalápide,esperançosoqueaquelefosseomelhorcaminhoparamim.-Vocêachaqueesteéomelhorcaminho?-Perguntei.- Este poderá ser escolhido por aqueles que já tem um sonho definido. -RespondeuChris.-Portanto,elepoderáseroquelheapresentemaisobstáculos.Vaiprecisardemuitoequilíbrioemmomentosdedesespero.Vocêsentirámuitomedo se escolher este caminho, porque seu sonho é muito grande. Quantomaioresossonhos,maioresosdesafios.Provavelmente,vocêvaisedepararcommonstrosque,aprimeiravista,parecerãoinsuperáveis.Ébasicamenteumtesteparaversevocêestámesmopronto.-Achoquejátomeiaminhadecisão.-Falei. Chrissevirounovamenteparaalápide.-Porém,muitocuidado: -Continuouemleitura lenta. -Se istonãoestiverbemclaroparavocê,escolhaonívelintermediário.Asconsequênciasporpularetapaspodemlevarasituaçõesdrásticas,eaquinaTerraSecretapodemlevaramorte.-Comoassim,levaramorte?-Rinervoso.-Sonoprofundo.Pessoasquemorremdormindo.-Observou.-Issoépossível?

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-VocêaindaduvidaquealgumacoisanãoépossívelnaTerraSecreta,filho?-Entãoémelhorirmospelocaminhodomeio.-Conclui.-Mediotutissimusibis...-Oque?-Perguntei.- O meio-termo é o mais seguro e o melhor. - Chris comentou com um olharirônico.-"Deusvomitaráosmornos",jádiziaaescrituradoApocalipse.-Vocêachamesmoquedevoarriscarnaterceiraopção?-Qualapiorcoisaquepodeacontecer?-Perguntouemseco.-Morrer...-Deduzi. Um novo raio beijou a Terra Secreta, clareando as três entradas dacaverna.O céu se exibianum tomrosaescuro, enquantoasnuvenso cobriam,cadavezmaiscarregadas.Atemperaturaestavabaixandodescontroladamente.Eujánãosabiaseestavatremendodefriooudenervosismo.-Bom,rapaz.Agoraquevocêsabedopior,façasuaescolha.Etentenãodemorarmuito.Achuvaferventeestáchegandoaqui. Direcionei-meaocaminhonumeroIII,quandoChrismeinterrompeu.-Rapaz!-Exclamou. Recuei.-Saibaqueestaescolhaésua,nãominha.-Disseele. Respireifundo,edeiopróximopasso.Saberquehaviaumapossibilidadede Sarah existir me encheu de coragem. Olhei para trás, e um vapor quenteacompanhavaaraivosachuvafervente,quevinhaemnossadireção.-Nãodámaistempodepensar!Entre!-GritouChris. Passei por aquela entrada rapidamente. A chuva fervia lá fora. Avisibilidadeeraquasezero,nãosóporsuasgotasquefaziamochãotremer,maspeloseuvaporquentequejáinvadiaacaverna.-Vamos,antesqueessaneblinafaçaagenteseperder.-Falei. Aqueleeraocaminhoqueeuhaviaescolhido.Eunãosabiaoqueiríamosencontrar, mas é assim quando fazemos novas escolhas. Eu não podia pensardemaisnaquelemomento.Precisavaagir,ouachuvaferventenospegaria. Chrispercebeuqueeuestavaumpouconervoso.- Andy, você sabe que em todo caminho escolhido haverão adversidades aencarar,certo?Oquemudaéaformacomonosrelacionamoscomelas.-Seráqueescolhiocaminhocerto?- Essa é umapergunta que todos nós fazemos quando estamos numa situaçãocomo essa. Se você tivesse escolhido umadas outras entradas, também ficariaemdúvida. Suavozecoavanaquelacavernaenorme.Seeunãovisseeledomeulado,podiaacharqueestavaemqualquerlugar.-Quantomaiscaminhosdiantedenós,maisemdúvidaficamossenãosabemosondequeremoschegar.Vocêsabe?-Sei.QuerochegaraoValedasEpífisesparaencontrarSarah.-Bomgaroto!-ExclamouChris,comumestalonosdedos.-Nestecaso,paredesemartirizaresigaemfrente.-Disseele,virandoascostasparamimcomaquelemesmomovimentodebalé. Acavernafoificandomaisescuraacadapasso.Nãohaviaumburacodeluzsequer.-Estámuitoescuro.Nãodápraverondeestou.-Reclamei.-Vocêencontraráaluzemmeioasuaprópriaescuridão,Andy.Atélá,aprendaa

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andarnoescuromesmo.Lembre-se:asestrelassóbrilhamemmeioaescuridão.-Eaquelespontinhosbrilhantes,oquesão?-Perguntei,chegandomaisperto.- Sãoapenasmorcegos,Andy.As cavernas são suasmoradas. Sãoanimais comvisão limitada diante da luz. Não encontrando outra forma de sobreviverem,escondem-se em seus mundos obscuros, se tornando fontes luminosas naausência da claridade. Você conhece pessoas assim Andy? Eles atacam presasdesprevenidas na calada da noite, enquanto que, durante o dia, são seresinofensivos.Temmedodaprópriasombra. Um barulho infernal ressoou por aquele espaço oco. Era o trissar dosmorcegos. Milhares de pontos brilhantes nos rodeando, emitindo aquele somestridentequefincavaemnossostímpanos,juntocomobaterdesuasasasqueasvezesesbarravamemnossosombros.-Fiquequieto.-PediuChris.-Assimvocênãopareceráumaameaça.Precisamosapenasnosdefenderdepossíveismordidas. Eu precisava ser paciente e ignorar toda aquela náusea que eu estavasentindo.Agicomoummonge,quaseimóvel,anãoserpelomeuandarlento,quetocavaochãodamaneiramaissilenciosapossível. Algo me dizia que eu precisava acelerar os passos. A sensação que eutinhaeraqueeuestavasendosugado.Umaespéciedegosmamornaenojentaenvolviameucorpo. Sentiumamisturademedoenojoaomesmotempo.Nãosabia se aquilo era fezes de algummorcego, ou era uma - ou varias aranhas -gigantesqueacabavamdenoscercar.Eusóprecisariamanteracalma. Passei amãonomeu rosto e senti algo pegajoso.Não quis fazer alardeporqueentendiaqueaquilonãoestava acontecendo só comigo.Alémdisso, eunãopodia fazernenhumbarulho, jáqueosmorcegospareciamumpoucomaisquietos.Euprecisavasuportartudoaquilosempoderemitirumsomsequer.Amedida que eu continuava seguindo em frente, percebi que eu conseguia meacostumarcomaquilo cadavezmais.Agonizar só faziaeuperderenergianummomentoemqueeuprecisavaretê-la. Tenteimelimparemsilênciooquantoeupodia,nacertezadequeChrisestavaporperto.Sentisuamãonomeuombro,pedindoemgestosparaeuparar.Eleseaproximousorrateiramentenaquelaescuridãoesussurrounomeuouvidoesquerdo:-Vocêvaiprecisartermuitacalmaagora. Haviam outros pontos brilhantes reluzindo em nossa frente. Em meioaqueledesconforto,lembreideumafrasequeminhavóAmeliacostumavafalaremmomentosdeapreensão:“Nemtudoquereluzéouro”.Mearrepieidospésacabeça. Não eram pontinhos brilhantes, e sim, pares de olhos de lobos quevinhamemnossadireção.Chriscolocou-senaminhafrente.-Nãosemexa.-Ordenou. Obedeci como um cordeiro. Eu não tinha outra opção. Um barulho seintensificou em meio aquele tumulto, e sem entender muito bem, me vipenduradonumgalhodeárvoresobaproteçãodeChris.-Árvoresdentrodeumacaverna?-Pergunteiparatentarmedistrair.-Suaimaginaçãoéfértil.-Rebateuele.-Essesgalhosnãoaguentarãopormuitotempo! A árvore era pequena e os lobos tentavam a todo o custo abocanharnossospés.Sentiamortemerondando,esenão fosseoCavaleirodosSonhos,provavelmenteaqueleseriaoúltimodiademinhavida.

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- Andy! Se concentre no sonho. - Disse ele, olhando nosmeus olhos. - Se vocêlevarumsustomuitogrande,podeacabaracordandoecolocandotudoaperder.-Oqueaconteceseeuacordar?-Nãosei.Podemosterquetrilhartodoessecaminhooutravez. Umdoslobospuloumaisaltoqueosoutros,esenãofossemeureflexodemoscaligeira,teriaperdidoumpé.-Oquevocêsugerequeeufaça?-Eudisseemvozalta.-Lembradogiroqueeuteensinei?-PerguntouChris.-Lembro.-Respondi.-Mascomovougiraraqui?-Vocêvaiterquepular.-Nabocadolobo???-Berreiassustado. Flashesde luzcomeçaramapassardiantedosmeusolhos.Bolhasroxasde sabão flutuavam atrás de minhas pálpebras. Imagens hipnagóticas semisturavam entre lembranças do Santa Cecilia e cenários da Terra Secreta.Pareciamcenasqueumpersonagemvêantesdemorrer.Euestavaperdendoocontrole.-Seconcentre!-GritouChris.-Sevocêacreditarquepodedominarestasituação,quandocairnochão,oslobospodemdesaparecer.-Esenãodesaparecerem?-Indaguei.-Nãovamoscontarcomessapossibilidade.-Disse.-Eporquenão?-Insistinervoso.-Porquevocênãopodepensarnissoagora.Pule! Olhei para cima. Se o espaço fossemaior, eu conseguiria voar. Mas ali,estavacertodequeeubateriaminhacabeçanotetoecairianomeiodoslobosdequalquer maneira. Os galhos estavam estalando para avisar que nãoconseguiriammeajudarpormuitomaistempo.Preciseifazeroutraescolhacomagilidade.-GIREANDY!GIRE! Sem hesitar, fechei os olhos e deixei largar meu corpo em um girohorizontalemdireçãoaochão.

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CAPITULO21

Finalmenteeuestavaatravessandoaqueleportão.Chegueiapensarquenunca mais sairia daquele lugar. Eu não me lembrava como era poder andarlivremente,semolhosvigilantessobremim.Minhamãejáesperavacomocarroemfrenteasaída,comardequerersairdaliomaisrápidopossível. Ao tocar com a mão na maçaneta da porta do nosso Corolla, senti umalíviomisturado com boas lembranças. Abri a janela do carro logo queminhamãeligouomotor,eenquantodeixávamosaquelaruaparatrás,aproveiteiparajogarforatodasasminhasangústias. Jápassavade19h.O céuazul crepuscular anunciavaumanoite calmaeagradável.Asluzesdenatalseacendiamamedidaemquepassávamosporelas.Aspessoasjáestavamemsuascasas,comsuassilhuetasatrásdaquelascortinasbrancascomluzesamarelas. Retireitodososfrascosderemédiosdeumasacola.-Assimqueencontrarmosumalixeira,vocêpodepararocarromãe?-Perguntei. Elaassentiusorrindo.Sabiaqueeuprecisava jogartodasaquelaspílulasfora. Eu não queria nunca mais na minha vida passar por uma situação nemparecida.Estávamosindoparanossaantigacasa,eeuestavacheiodeplanos.Euprecisavarecomeçarcomopédireito.-ComovocêconseguiuconvenceroDr.Loganameliberar?-Pergunteiaela.- Eu não o convenci. - Respondeu ela. - Ele se sentiu obrigado a assinar aliberação.FoirecomendaçãodeummédicoamigodoFernando.Eleépresidentedoconselhodemedicina.ElemandouumacartaparaoDr.Logan.NemeuenemFernandosabemosoqueestavaescrito,mascomcertezadeveterassustadoumpoucoaclínica.ODr.Loganestavadeterminadoamantervocê láporumbomtempo, visto que ficou muito irritado quando descobriu que você não estavatomandoosremédios. Eu ficava imaginandooque aconteceria com todas aquelaspessoasqueaindalápermaneceram.Seráqueteriamcomoeu,alguémquepudesseajudá-losa sair de lá? E se não tivessem, como seria as suas vidas ali, cada vez maisconfinadas,sobefeitopermanentedaquelesmedicamentosqueaospoucos iamengessandocadapartedeseuscorpos?Euestavalivre,maseradifícilnãopensaremquemestavapreso.Talvezumdiaeupudessevoltarlá,abriraquelesportõescomofizumaveznaminhainfânciacomunsperiquitosquecresceramnagaiola.Ainda que não tivessem sobrevivido, aquele bater de asas num sonho deliberdadeeununcavouesquecer. Aquela viagem do hospital até em casa não foi longa pela distância emmilhas,maspelofatodeeuquererchegarlogo.Euestavacomsaudadesdomeuquarto, da minha cama, e do meu piano. Além disso, eu ainda me sentia umpoucoatordoadocomtodosaquelesacontecimentoseofatodetersidoobrigadoacontinuaramedicação,quemedeixavaumpoucotonto.Maseusabiaquelogoissotudoiriapassar.Erasóumaquestãodetempo. Minha mãe estava muito alegre com o meu retorno e eu mais ainda.Conversamos muito sobre o fato de eu ter ido para a Eureka, a presença eausênciadeFernandoecomotudoissoiriasedesenrolardaquiparaafrente.Euqueriaqueminhamãesesentisselivreparacontinuarseurelacionamento,maspelo visto ela estava determinada apenas a continuar a amizade. Havia

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descoberto com tudo isso que sua alma gêmea ainda estava perdida e sótambém.-Andrew!Assimquevocêestiversesentidomelhor,vamosaEureka.-Disseela,quandodobramosemdireçãoanossarua.-Possoircomvocê.Precisamostrazersuascoisas,inclusivevocêprecisavoltardirigindooEscort. Euestavaorganizandomeuspensamentos,articulandooqueeufaria.-Ouvocêpretendepassarmaisalgumtempolá?-Perguntouminhamãe.-Não.Quero ir láapenasparapegarminhascoisasemedespedirdeBolivareMarlene.Achoqueemumdiafaçotudo.-Ah,quebom!-Exclamou.-EutambémqueroreveraMarlene,principalmenteoBolivar,paraagradecer tudooqueele fezporvocê.Nãosão todososdiasqueencontramospessoasassim. FinalmenteoCorollaentrounagaragem.Minhamãeentregouachavedacasanaminhamão,demonstrandoemseugestoquealiaindaeraomeulugar.Quandoabriaporta,grandes lembrançasvoltaram instantaneamente.Ocheirodacasa,aquelameialuzdasalaquedestacavameupianodecaldapreto,avistaparaomar.Euqueriaaproveitartudo.Euqueriatocarpiano,cortarlegumesnonossobalcãoilhaescutandoLouisArmstrong,euqueriatomarumvinho. Bocejei.Euestavaexausto.Tudoqueeuprecisavaeradeumbanhoedaminha velha cama. Eu precisava dormir. Nadamelhor do que voltar para casadepoisdepassarumtempofora,principalmentetemposcomoosquepassei.Euestavavalorizandomaisoqueeutinha.Nãoqueeunãovalorizasseantes,masagratidãomeenvolvianumgrandeabraço. Não demorou e ali estava eu, estirado na cama. O banho quente haviarelaxado meus músculos, e eu podia sentir todos os poros da minha pelerespirarem o frescor do meu quarto aconchegante. Deitei na cama com umsuspiroecoloqueimeu fonedeouvidos.Minhaalmaestavasedentademúsicaboa. Ainda era madrugada quando eu acordei molhado de suor.Provavelmenteeraefeitodosremédios.Eracomoseeuestivessedesintoxicando.O lençol estava todo encharcado, e não haveria jeito de eu dormir sem trocartodaaroupadecama,inclusiveminhacoberta. Comofaziamalgunsmesesqueeunãomoravamaisali,provavelmenteasroupas de cama que ficavam no meu armário haviam sido movidas de lugar.Minhamãeestavadormindoeeucomosempre,nãoqueria incomodá-la,muitomenosemseusono.ResolvitrocardepijamaedesceratéasalaparaassistirTV.Passeipelopianoeensaieialgumasnotasnoar,mesegurandoparanãoapertaras teclas.Minhaspontasdosdedos clamavampelo toquedas teclasdemarfimdaqueleYamahapretoqueeuhaviacompradocomtantoesforçoháalgunsanosatrás. Abandonei o piano contraminha vontade, e segui até a sala deTV, quedava de frente para a cozinha. Estourei uma pipoca e me sentei no sofá, queestava tão aconchegante quantominha cama. Paraminha sorte, eu tinha umamãequesepreocupavacomdetalhescomoChris.Haviaumamantaquentinhanosofáparamim. Comodecostume,passeialgumtempoclicandonoúnicobotãogastodocontroleremoto-aquelequepassadecanal.Nadaparecia interessante.Desistide tentar e deixei no último canal em que havia parado. O programa estavaterminando,elogocomeçouapassaralgumretrodedesfiledemoda.Eunãome

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lembro de ter tocado na pipoca. Aquela música de passarela começou a mehipnotizar,equandomedeiconta,euestavanomeumundoparalelo.Omundodossonhos. Euestavanervoso.Eunemsabiaoqueeuestavafazendonaquelecamarim,vestidoemumaroupaxadrezquepinicava.Eudeviaterunsquatroanosdeidade.Eu parecia estar nummundo de gigantes. Haviam aplausos do lado de fora docamarim.Flashesdeluz,pessoasfalando,váriasmúsicastocandoaomesmotempo.Euseriaopróximoasubiraopalco,eeunementendiaporque.-AndrewRaven,vocêéopróximo!-Disseumasenhoraalta. Olheiparaelacomreceio.Euestavacommedo.-Nãosepreocupequerido.-Continuouela.-Suamãeestáesperandovocêdooutrolado.Émuitosimples,lindo.Vocêsóprecisairatéela. Nestemomento,umalindameninapassoupormim.Pareciaumabonecadeporcelana.Elame lançouumolharpenetrante e sorriuparamim, comomesmosorrisodeSarah.-Tevejodooutrolado!-Disseamenina,abrindoumsorrisoencantador.-Tá...-Respondi. Amúsicaaumentoudevolume.Estávamosdiantedeumaenormepassarela.Aquela menina passou por mim confiante, como se nem houvesse mais de milpessoas olhando para ela. Seu cheiro invadiu meus pulmões, e de repente, senticomoseeunãotivessenadaatemer.Emumpiscardeolhos,aquelepalcopareceudiminuirdetamanho.Talvezeuqueestivessecrescendo.Olheiparaaquelameninalinda que já acenava paramim do outro lado, perto deminhamãe e de outrosadultos. Tomei coragem e dei o primeiro passo. Nada podia me impedir deatravessar aquele palco. Eu me sentia poderoso, alpha. Aquele sorriso tinhaquebradotodososmeusmedos,eeuprecisavamostraraelaqueeueracapazdefazeromesmoqueelahaviaacabadode fazer:atravessarapassareladiantedefotógrafos, juízes, e repórteres. A batida daquelamúsica incentivoumeus passosaindamais.Euestavadiantedemeumaiordesafio,atéentão. Levantei em um só impulso. Da onde vinha tanto suor? AquelamúsicaaindaestavatocandonaTV.Puxeiumblocodenotasquehavianamesinhaemfrente ao sofá junto com uma caneta, e escrevi palavras chaves. Aquele sonhoestava real demais para eu ter sonhado. Parecia uma lembrança. Eu precisavafalarcomminhamãe,contarmeusonhoparaela. Paraminha sorte, eunãoprecisaria esperar tanto.O sol já apontavanohorizonte, avisando que a ensolarada LosAngeles dariamais um showde céuazul.Caminheiatéacafeteiraecomeceiacozinhar.Minhamãemereciaumcafédamanhãcompleto."Chegadedietas",pensei.-Mãe... -Falei,depoisdeengoliroúltimopedaçodepanqueca. -Poracaso,emalgummomentodaminhavidaeuatravesseiumapassarela?-Claroquesim,Andy!Uau!Comovocêselembradisso?-Parecequeumsonhoativouminhamemória...-Entãovenhacomigo.-Disseela,levantandodacadeira.-Temalgoquequerotemostrar. Seguiminhamãe até o escritório empassos ligeiros.Minhamãe puxoualgumaspastasdaprateleiraesentounochãoparaprocuraralgoqueserecusou

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a me dizer o que era. Aquele era mais um daqueles momentos em que meucoraçãopalpitavanagarganta.Fiqueimeperguntandoseeumeacostumariaaminha vida normal novamente, sem tantas descobertas repentinas.Provavelmenteeumorreriadetédio. -Aqui!Achei!-Disseminhamãe. Eraumarevista.Aquelamesmameninaqueeuacabaradesonharestavana capa como "A criançamais lindadaCalifórnia". Eu colocava asmãosno ar,querendo apalpar aquele papel, mas minha mãe pedia calma, pois estavafolheandoaspáginasafimdeencontrarumafotoqueeuaparecia.-Aquiesta!-Exclamouorgulhosa.-Ogrupointeiro! Apáginamostravaafotodetodasascriançasparticipantesdoconcurso,junto com asmães. Eu mal pude acreditar. Lá estava aquele sorriso domeusonho, logodomeulado.Osmesmosolhosgrandesebrilhantes.Amesmapelebranca.EraliteralmenteorostodeSarahpequena. Umaondadealegria -misturadacomumaporçãodeangústia -pareciaclareartudoparamim.Estaeraaprovadequeeunãoestavaimaginandocoisas.Euestavamesmovivendoemdoismundosparalelosaomesmotempo.Abraceiaminhamãenum impulsoecomeceia soluçar.Euchoravapormedarcontadequeeunãoestavadoente,esimvivenciandoummilagre.AgoraeutinhacertezadequeSarahnãoeraumacriaçãodeminhamente.Euestavagratoporterminhamãe aomeu lado, alguém que acreditou em todas asminhasmaluquices semjulgar, alguém que confiou emmim. Eu estava diante de uma descoberta quemudariacompletamenteorumodaminhavida.-Precisamossairhojemesmo!-Eudisse.-VamosparaEureka. Eu estava bem.Melhor do que nunca. Seguimos para Eureka em nossoCorollaprata.Minhamãeeraumaparceira,quaseumairmãmaisvelha.Apesarde sermãe, ela tinhaum jeito jovemdemenina. Seus cabelos crespos voavamcom o vento enquanto cantava Bob Dylan, com um sorriso de satisfação noslábios.Eraessemesmosorrisoqueeuqueriaespelhar.Euprecisavasorrirmais. Ao chegarnaEureka fomosdiretoaoTheGreener.Marlene ficoumuitoemocionadaemreveraminhamãe.Mepediuparatocarumpoucoenquantoasduasrelembravamosvelhostempos.Sentimuitaalegriadeestaralinovamente,podendo esclarecer paraMarlene omotivo deminha ausência e os equívocosque haviam acontecido. Almoçamos o tradicional salmão com risoto funghi eseguimosparaoapartamento. Bolivar abriu a porta sem imaginar que seria eu. Um abraço de irmãoevitouqualquercomentário.Tomamosumcafécomonosvelhostempos.Nessaconversa é que fui entender porque fui parar naquela clínica psiquiátrica.Quando minha mãe chamou a ambulância, a mesma me encaminhou para ohospital geral. Bolivar acompanhou todo o processo. Segundo ele, fui atendidopeloDr.Stevenque,avaliandomeuprontuário,resolveumeencaminharparaoSanta Cecilia. Bolivar tentou argumentar ao contrário até minha mãe chegar,mas,discutircomespecialistascheiosdepodermuitasvezeséemvão.Bolivarmeacompanhouesósaiudeláquandominhamãechegou.Minhamãefalouquequandochegoupelaprimeiraveznaclínicapsiquiátricanãomereconheceu.Euestava mergulhado num sono profundo, o que os médicos chamam desonoterapia.Medisseque ficouporhorassegurandominhasmãosemmeioasincontáveis injeções na veias. Tudo aquilo me trouxe de volta um sentimento

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terrível.Davaparaperceberquetodosnósestávamosquerendoencerraraquelaconversa. Como eu iria voltar commeu carro, minhamãe se despediu e pegou aestradadevoltaaLA.Elaestavaempolgadaemterconseguidometirardaclínicaantes do Natal. Precisava voltar o quanto antes para preparar nossa ceia,inclusive procurar por um pinheirinho em cima da hora, pois com aquelasituação,elaaindanemhaviapensadonisso. Por incrível que pareça, algo mágico havia despertado em mim. Pelaprimeira vez emmuitos anos, eu estava commuita vontade de comemorar oNatal,equandoviminhamãearrancaroCorolla,sentiumasaudadeinstantânea.-Nosvemosamanhã,Andy! -Disseelacompetindosuavozcomosomaltodocarro. EueBolivar abanamosasmãosatéqueo carrovirasse a esquina juntocomosomdoBobDylanqueiaabaixandodevolume. Eudecididormirnoapartamentopelaúltimavez.Bolivar iria semudarparaumacasacomJoy.Quemdiria,meuvelhoamigoitalianoestavanamorandosério.ProvavelmentenãovoltariaparaItáliatãocedo. O céu limpo e crepuscular nos trazia de presente uma Lua cheia queiluminava toda a Eureka. Era muito parecida com a Lua Nevante. O terrenobaldioaoladoestavabanhadoporaquelemesmosomcaracterísticodosgrilos,quepareciamparticipardenossaconversa.Euestavamuitofeliz.FinalmenteeupodiadizeraBolivar,comtodaacerteza,queSarahexistia.

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CAPITULO22- Você estava distraído demais, rapaz. - Disse Chris,me dando amão para eulevantar.-Comoeuiriaimaginarquehaviamlobosali?-Falei,enquantobatiaapoeiradaminhacalça.-Aprendaessa lição:nuncaandedistraído.Nósentramosnomundodos lobosmuitas vezes. Quase sempre somos apavorados por eles, e muitas vezesdevorados.Durantenossavida,nãosãopoucasasvezesquenosdeparamoscomemboscadas.Nossaingenuidadeadoçadaporalgumadosedeambiçãonoslevaaacreditar numa pureza que, na maioria das vezes, é criada pelas nossascarências.Viajamosporummundodecontosdefadasequandopercebemos,jáestamos encurralados. A falta de conhecimento é a algemamais poderosa quenosacerca. Chris falava com tanta precisão, que as vezes dava vontade de brincarcomsuasabedoria,masmecontroleicomumelogiobarato.-NãoésemprequetemosumCavaleirodosSonhosdispostoanossalvar.Senãofossevocê,eunãoseioqueteriaacontecido.Euquasemorri. Elepareceunãodarbola.- Sempre que conseguir sobreviver ante a uma situação como essa, aprenda alição.Casonãoafaça,vaipassardenovopelomesmocaminho.-Achaquefoiporissoqueescolhiessecaminho,paraaprenderessalição?-Ébempossível,masdeixoudeaprenderoutrasnão tendoentradonumadasoutras portas. A vida nada mais é do que uma oportunidade de evoluirmos.Muitosqueremchegarnessevale,masamaioria ficapelocaminhoporquenãoaguentapagaropreço.Quempretendetrilharocaminhodaevoluçãoteráqueseabdicar de muitos prazeres momentâneos. Para chegar a terra dos deuses éprecisopassarpelocaminhodoconhecimentoeissoexigerenúncias. Rumineitodasaquelasinformaçõesdevagar. -Oportalestápróximo?-Perguntei.-Sim,ficadepoisdaquelaescada.Venha!Nãoseesqueçaquesuaatençãonestemomentoéessencial.Fazdecontaqueosloboscomeramsuadistração. Mal acabei de ouvir as instruções de Chris, quando ouvi o estrondo deuma onda que estava vindo em nossa direção, enchendo de água cada vão dacavernacomoumaserpenteenfurecida.-Rápido!Suba!-ExclamouChris.-Parecequeachuvaferventedeuumjeitodenosencontrar. Aomedepararcomaquelaescada,meocorreuqueeujamaisconseguiriasubir.Osdegrauseramdesalinhados,edesproporcionaisquantoaotamanho,oque, volta e meia, acabava surpreendendo nossos passos, fazendo-nos dar desupetãocomapontadossapatosnolugarerrado.Parapiorar,eramlevementeinclinados,oquedavaasensaçãodeestarmossendopuxadosparabaixo.- Não olhe para baixo. - Disse Chris um pouco alto demais. - Pode lhe causarnáuseas,enãotenhocondiçõesdetecarregar! Seguindoasinstruções,resolviolharparacima,oquemefezconcluirquenunca chegaríamos antes da inundaçãonos alcançar.O topo era alto demais epareciasercadavezmaisinclinadoeescorregadio,eopior,nãohaviacorrimãoparaseapoiar.

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-Olharparacimaéaindapior!-Gritei.-Paraondeeuolho?-Olheparaseuspassos!-DisseChris. Eu não sabia como Chris estava conseguindo subir. Ele estava atrás demimeeunãopodia,enemconseguiaolharparatrás.Casofizesseisso,cairianasarmadilhas do passado. Eu precisava prosseguir, ainda que minhas forçasestivessemacabando.Eu tinhaumamissão:Aindaquehouvessemnovos lobostentando abocanhar meus pés para me puxar para baixo, eu continuariatentandoatéofim. Meu corpo suava como o de um cavalo quando sobe uma montanhapuxandoumatoracemvezesmaiorqueele.Osdegrauseramescorregadios.Senão fosse num lugar tão distante da humanidade, juraria que haviam jogadosabãolíquidoemgrandequantidadeportodaaquelaescada.-Andy,cuidado!-GritouChris. Eunãoestavaenganado.Haviarealmentebolhasdesabãoestourandoportodososladoserespigandoosdegrausdaquelaescada.EraRigel,esteeraoseureino. Ali, brincava como criança, enfeitando a paisagem com aquele coloridobrilhantequedançavaaoventonumarfantasmagórico.-Oqueeufaço?-Exclamei. Qualquerdeslizeeraumadeusnoabismo.-Encontrealuz.-Como?-Perguntei.-Fecheosolhos.-Respondeuele. Obedeci sem discutir, me segurando firmemente naquelas rochas quepareciamgirar.-ChameaBellaWhite.-Acantoradeópera?-Sim,elatemluzprópria.Vaiiluminaroseucaminho. A adrenalina é algo impressionante. Quando você acha que acabou, elaaparece em dobro, nos avisando que é preciso seguir. As vezes eu tinha asensaçãoqueumamãomeempurravaparacima.ChegueiapensarquefosseoCavaleirodosSonhosquemeimpulsionava.Mascomoelefariaissosetambémestavaemapuros,tantoquantoeu?-Fiquetranquilo,Andy.Vocêestáemboasmãos.-DisseBella. Flutueidentrodeumabolhadesabãoparaoqueeupensavaseroúltimodegrau. Respirei ainda com mais força. Eu precisava me certificar que haviachegado ao topo. Bella White acenou para mim, e num gesto de reverência,explodiunoaremsincroniacomabolhaquemeprotegia. De encontro ao chão, percebi que eu havia caído num aglomerado denuvensbrancas.OlheiparabaixoemedeicontadequeeuestavaaunsdozemilpésdaTerraSecretaque,aosmeusolhos,pareciaumamaquete.Nãoentendiseaquela bolha de sabão acabara de me dar um banho, ou era a umidade dasnuvensquemedeixavalimpo.Euestavaemfrenteaumgrandeportaldouradoqueseabriuparamim. Me vi imerso a uma névoa. Olhei para todos os lados para ver seenxergavaChris,quandosuavozressooualegrandomeusouvidos.-Andrew.Chegamos.EsteéoValedasEpífises. Aquela fumaça, aos poucos foi se distanciando de mim. Descia pelascolinas e se misturava com as águas que caíam das cachoeiras como véu denoiva,fazendoorioparecerumagrandecaudadessevéu.Obrancorefletidona

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luzassumiaumtomdeazulclaro.Veraquelevaleládecima,eracomoestarnocéu. Cristais de apatita eram perfeitamente distribuídos naqueles montes, ereluziamcomoummarazul.Umverdadeiroespetáculo.-Quelugarlindo!-Comentei.-Estamosdentrodesuamente,Andrew. O vale era cobertoporum tapetede gramaverdeque se costuravaportodososcantos.Borboletasbrancaspareciampétalasderosadançandoaosomdalevebrisa,queporbondade,enchianossospulmõesdearpuro.-Ahhh-Suspiramos. Ocampoeracheiodedepressõesnasuperfície.Eumearriscariaadizerque eram colinas, mas ao me aproximar de uma delas, pude notar que naverdadeeramcavidadesemformatocônico,quemaispareciamlongostúneis.-Túneis–Balbuciei. Tornei meus olhos para Chris, que cerrou os lábios e assentiu. Haviachegado a hora tão esperada de propagar o som que chegaria até Sarahtelepaticamente. Tantosaprendizadosnessajornada.Tantostropeçosprachegaratéaqui.Crises,risos,frustraçõeserecomeços.Passoseguidodepasso,comoumponteiroderelógio-sempreemfrenteeritmado. O Cavaleiro dos Sonhos estava orgulhoso de mim. Seu aprendizfinalmentehaviaalcançadoaterradosdeuses.-Vocêconseguiu,rapaz.Chegouaondequeria. Nossaestradaéumacurvaconstante,ondenãodáparaolharparaoquejápassouetambémnãosepodeolharparaoqueestáporvir.Aomesmotempoquevocêacordouhojeas7h30paraumareuniãoimportante,umapossibilidadede você acordar umminuto depois, faria você perder o trem que o levaria aoencontrocomoamordasuavida;Nominutoanterior,você teriaentradonumtrem que sofreria um atentado terrorista fatal; Se o seu atraso fosse demeiahora, teria perdido a reunião do dia, o que o levaria a um sentimento de nãoaguentarmais aquele trabalho. Por causadisso, pararia para tomarum café, edepoisapostariaosnúmeroscertosdaloteria. Todas essas infinitas possibilidades sepropagampelo universo, e todassãoreais.Estamosemtodosos lugaresaomesmotempo,vivenciandotodasaspossibilidadesdavida,enofundo,temosopoderdefazeroquequisermos.Emoutras palavras, somos seres que vagam por espaços vazios e desconhecidos.Essas adversidades da vida se multiplicam e são armazenadas no universo,tornando-nosseresimortais. O tempo sempre em frente, mas o ponteiro do relógio dá voltas emcírculos, numa constante sem fim. Infinitos mundos paralelos vivendo emdimensões diferentes do espaço. Estradas se repetindo, voltando sempre aoponto de partida. Será assim nossa trajetória aqui na Terra? Constantesrecomeços,degeraçãoemgeração?Ouserãomilharesdemundosparalelosqueseconstroempelasadversidadesdenossosatos? Cada atitude que tomamos, se multiplica em outras milhares depossibilidadesquegeramoutrosfuturos,etalvez,todasessaspossibilidadessãoinfinitas vidas paralelas que vivemos ao mesmo tempo, mas que ainda nãoconseguimosenxergar.Oatodesonharéumaformadeampliaracapacidadedenossamente. Algumas culturas chamavam isso de "despertar para a verdade",

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umaformadeacessarrealidadesparalelasquenossossentidosnãoconseguemperceber. O queseapresentavadiantedemimeraalgofenomenal.Todasaquelasmilhares de possibilidades vagavam dentro demimmesmo, interligandomeuuniversointerioratravésdeumzoominfinitoqueunia-meaocosmos. Aquelaspedrasbrilhantesdeapatitapareciamguardarimensasgaláxias,emitindo frequências que se propagavampelouniverso, criando redes quemeconectavamaoValedasEpífises:um imenso inconsciente coletivo,onde, comoátomos,constituíamosunsaosoutrosnumgrandesonhocompartilhado. Agora eu sabia que eu havia encontrado um mundo onde eu poderiavisitaretocarsemprequeeuquisesse.Euhaviaencontradotudoissodentrodemimmesmo.SemaajudadoCavaleirodosSonhos,dificilmenteeuteriachegadoatéaqui.Nãofoiumajornadafácil,maspossoafirmarquevaleutodoequalquersacrifício. Chrismealertou,atravésdeumassobio,queerachegadaahoradefalarcom Sarah através damúsica. Que precisávamos escolher um daqueles túneis.Teríamosdeprepararaacústica,paraquemeucantochegasseatéela.Passamosporváriosdelesatéqueavistamosomaismajestosodetodos. O túnel estava cercado por árvores frondosas e sua entrada eracompletamente ornamentada por lírios brancos. O perfume que exalava eradignodaapreciaçãodosanjos.Sim,deviahavermuitodelesali. Chriscomeçouaemitiralgunssonsalidentro,quesoavamcomoosomdeumórgãodeigreja.Aquilosepropagavademaneiratãointensa,quechegavaaestremecernossosouvidos,ecoandonofundodaalma.EuestavaprestesafalarcomSarahatravésdomeucanto.Erachegadaatãoesperadahora.-Tenhoumpresenteparavocê,Andy.-DisseChris,abrindoumacaixa. Chris sempre surpreendia. Abriu uma caixa de onde tirou um fraqueverdemusgodelongasabas.-Vocêprecisaestarvestidoacaráter-Piscou. Eraograndedia.Atelepatianaformamaispuraestavaparaacontecer.Vestimais que depressa aquelas vestes. Uma camisa de botão brancame deuumaarderealeza.Acordo fraqueme lembrouumgriloverdeque,atravésdoseucanto,atraisuafêmea.Eueracomoumdelesagora.Umagravataborboletapretafezeumesentirdonodemimmesmo. Chrisfezumsinaldequeestavatudopronto.Sorriemresposta.Estufeiopeito e soltei minha voz, proferindo aquele mesmo verso que Sarah haviacantadoparamimsobocéudaLuaNevante.Aquelesomcomeçouasepropagarpor todo o vale, como se dentro daquele túnel houvesse um grande coro deópera.EramasCabeçasFlutuantesemfesta."ThereisnotimebetweenwhatI'mthinkingAndwhatwillhappenhererightafterthat.'CausewhenIthinkyougetmythoughtsthroughyourheartThenitbeginstobeatintimeofmine" Eunãopudeacreditar.Emmeioamelodia,umvultosurgiuemfrenteaotúnel,queaospoucos foisedefinindonumcorpodemulher.Eunãoconseguiadistinguiroqueerasomouimagem.Amúsicaemformadedeusa.Amedidaemqueaquelaimagemfoiseaproximando,minhavozfoidiminuindoaopontodeeu

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mesmonãopodermaismeouvir.EraSarah,numvestidoazulclarotransparente,comoaquelerio.Estávamosali,umdiantedooutro,comonosvelhostempos.-Andy,vocêconseguiu.-DisseSarah. Fiqueimeperguntandoqual era aprobabilidadede estarmos sonhandoaomesmotempo,jáquehaviamnovehorasdediferença.-QuehorassãoemOslo?-Perguntei.-NãoestouemOslo...-Respondeu.-Ondevocêestá?-Balbuciei.- Eureka. Estou hospedada no Black Bear. Seu canto tem chegado até mimdiversas noites. Eu não sabia direito o que fazer, mas Chris me ajudou aencontrarumcaminhotambém. Olheiparaele,surpreso.Chrisseaproximoudenós.-ExisteumCavaleirodosSonhosemtodosnósAndy.-ContinuouSarah.-Senãofosseessehomenzinho,eunãoestariaaquiagora. ChristopherThompsondeixouderramaruma lágrima.Assimcomoumacriança,oCavaleirodosSonhosnãotinhavergonhadechorar.-Materiemsuperabatopus.-Disseele.-Oque?-Perguntei,confuso.-Aobrasuperouomaterial.-Traduziu,explodindoemseguida,comoumabolhadesabão. Asgotículasflutuaramcomovento,caindosobreaquelegramadoverdeemtomdearco-íris.-Nãosepreocupe,Andy.Elesemprevolta.-DisseSarah. Suspirei,emocionado.-Oquefaremosagora?-Perguntouela.-Primeiromefale.Comoissocomeçouparavocê?-Bom,daprimeiravezquenosvimos,euestavaemturnêemLosAngelese...-Turnê?-Averiguei.-Comoassim?-Soumusicista,Andy.EstiveemturnêcomumapeçadeóperaqueviajouporalgunsestadosdaAméricaháalgunsmesesatrás.-Oquevocêtoca?-Souacantora. Senti uma tontura instantânea amolecer minhas pernas. Mas é claro,pensei. Esse era omotivo de eu associá-la a música. Era sua própria voz quehaviatrazidoinspiraçãoparaaminhascomposições.-Uau.Issotudoémaravilhoso.-Eudisse. Sarahpassouamãonacicatrizdaminhatesta.-Seiportudoquevocêpassouparachegaratéaqui,Andy. Olheiemseusolhos.-Euentendo.Tambémpasseiporcoisasquevocênemimagina.-Elacontinuou.-Quandovocêvaimecontar?-Perguntei.-Hojecedo.-Disseela.-Acorde,Andy.

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CAPITULO23 A rua ainda estava deserta quando passei em frente ao The Grenner, oqualtambémestavafechado.OsprimeirostímidosfaróisdoscarrossinalizavamquearotinadacidadedaEurekainiciavamaisumavez.Eucaminhavaempassoslentos pela rua. Parecia que eu economizavameus últimos dias de solidão. Euestavaprestes a deixá-los para sempre.Dobrei a esquinanuma expectativadedoer os olhos e avistei há uns trinta metros a minha frente, um corpo quepasseoupelosmeussonhosdurantemuitotempo.Eleestavaenfeitadocomumvestido branco solto uns cinco dedos acima dos joelhos que balançava com ovento.Elaestavaali,bemnaminhafrente,vindoemminhadireção,comaquelaexpressãoquerendoseguraroriso, torcendoos lábiosparao lado,exatamentecomo nos sonhos. Não pudeme conter. Uma lágrimas logo deslizou pelomeurosto,poiseuestavapresenciandoumverdadeiromilagre.

Quantomais passos ela dava,mais eu tinha certeza de quenãohaveriauma só palavra naquele encontro. Ela parou e olhou-me nos olhos. Posso melembrardaquelesolhoscastanhosclaros,cheiosdelágrimascomosefossehoje.Segureisuamãoeseguimosparaapraiaemsilêncio.Esseeraomeumaiordetodosossonhos. Assim começa essa estória. Um recomeço. O início de um novo trechoescrito hámuito tempo. A estória de uma paixão vivida em pedaços, que hojevivealémdenossoscorposfísicosequeherdounossosangueemumanovavida.Um amor em várias dimensões que basta virar os olhos, e ele se ascende,tornando possível outro ou qualquer sonho que eu já sonhava. Um amor semlimites de espaço e tempo, que vaga pela a eternidade. Um amor que tornoupossívelsonharomesmosonhováriasvezes.

Umcertodia,umcavaleiromedisse:“Vocêqueaindasonhaeconsegueselembrar dos sonhos quando acorda, não desista de sonhar novamente comsonhos que você já teve antes. Mesmo que seja um sonho ruim, você podeaprendermuito comele.Às vezes vocêprecisa sonharnovamenteparamudarsuaconcepção”.