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Valências Verbais no Português Clássico Maria Clara Paixão de Sousa Pesquisa de pós-doutorado sob a supervisão de Esmeralda Vailati Negrão Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Lingüística Outubro de 2007 – Agosto de 2008 Relatório Técnico de Pesquisa Apresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq) Novembro, 2008

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Valências Verbais no Português Clássico

M a r i a C l a r a P a i x ã o d e S o u s a

P e s q u i s a d e p ó s - d o u t o r a d o

s o b a s u p e r v i s ã o d e E s m e r a l d a V a i l a t i N e g r ã o

U n i v e r s i d a d e d e S ã o P a u l oF a c u l d a d e d e F i l o s o f i a , L e t r a s e C i ê n c i a s H u m a n a sD e p a r t a m e n t o d e L i n g ü í s t i c a

O u t u b r o d e 2 0 0 7 – A g o s t o d e 2 0 0 8

R e l a t ó r i o T é c n i c o d e P e s q u i s aApresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq)Novembro, 2008

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s u m á r i oI. Relatório de Atividades ___________________________________________________ 3

II. Relatório Científico ______________________________________________________ 7Introdução....................................................................................................................................61 . Levantamento de dados.....................................................................................................12

1.1 Resumo do universo de análise.....................................................................................................................................12

1.2 Metodologia e Procedimentos .....................................................................................................................................13

1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas .............................................................................................141.2.2 Formação de classes de comparação ................................................................................................................161.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos .........................................................................................20

2. Resultados Iniciais.............................................................................................................242.1 Mapeamento inicial das construções............................................................................................................................24

2.1.1 Quadro-Resumo....................................................................................................................................................252.1.2 Quadros Descritivos.............................................................................................................................................26

I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus ......................................................26II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus.......................................................................31III. Verbos atetestados em construções intransitivas e em construções transitivas no corpus.............41IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus.......................................................................45

2.2 Padrões de expressão dos argumentos.........................................................................................................................59

2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos...............................................................................................................592.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade”...........................................................................592.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese comparadas.................................................612.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese e “agentividade” ........................................64

3. Detalhamento.......................................................................................................................683.1 Observações iniciais........................................................................................................................................................68

3.2 Exame das alternâncias .................................................................................................................................................70

3.3 Exame dos padrões de expressão dos sujeitos ........................................................................................................102

4. Resumo e Perspectivas....................................................................................................107Referências Bibliográficas..................................................................................................109Anexo 1: Lista completa dos verbos...................................................................................................112Anexo 2......................................................................................................................................120

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I. Relatório de AtividadesNesta primeira parte do Relatório de Pesquisa apresento um resumo das atividades realizadas ao longo da

vigência da bolsa, isto é, entre novembro de 2007 e agosto de 2008. O quadro abaixo apresenta um

calendário pontual das atividades comentadas em seguida.

Quadro: Calendário de Atividades 2007 2008

11 12 1 2 3 4 5 6 7 8

Atividade de Pesquisa: levantamento e análise de dados x x x x x x x x x x

Atividade de Pesquisa: consulta à bibliografia x x x x x x x x x x

Atividade de Pesquisa: encontros periódicos de supervisão x x x x x x x x x x

Apresentação de resultados: workshop Unicamp x

Apresentação de resultados: Alfal x x

Atividade didática: curso ministrado na pós-graduação do DL-USP x x x x

Atividade didática: orientação de mestrado (G. Menezes) x x x x x x x x x x

Outras atividades: participação em concurso junto ao DLCV-USP x

O investimento principal de tempo e trabalho neste período remete ao levantamento e análise dos dados.

Conforme se detalha no Relatório Técnico, o levantamento completo inclui 323 verbos, num total de

46.685 ocorrências. Desse total, 4.386 ocorrências relativas a 172 verbos estão inteiramente sistematizadas

e revisadas. As demais 42.435 ocorrências (213 verbos) estão selecionadas e tabuladas, e se encontram

atualmente em exame. Esse universo de dados foi colhido em dois corpora, uma vez que ao corpus

originalmente planejado, o “Corpus Histórico do Português Tycho Brahe” (CTB), veio somar-se o corpus do

projeto “Dicionário Histórico do Português no Brasil (séculos XVI, XVII e XVIII)” (DHPB). A possibilidade de

incluir este material veio da minha inclusão na equipe de pesquisa do projeto DHPB (Edital MCT/CNPq

01/2005 - Institutos do Milênio) como colaboradora, em novembro de 2007, após o início desta pesquisa,

a partir do convite da coordenação do projeto. Desde então venho sendo responsável pela redação dos

verbetes relacionados aos verbos neste dicionário. O trabalho de análise dos dados foi acompanhado de

leituras e encontros periódicos com minha supervisora, a Profa Dra Esmeralda Vailati Negrão, atividades

regulares ao longo desses meses de pesquisa.

Pontuando essas atividades regulares, neste período tive a oportunidade de apresentar os resultados

parciais do trabalho em duas ocasiões, e de preparar uma terceira apresentação, realizada em setembro:.

• Em fevereiro, apresentei o trabalho “.'... em nascendo o sol torna a abrir, e quando se põe torna a fechar...':

O Português Brasileiro e o Português Clássico interessam comparar?”, no Workshop Variação e Gramática:

diacronia e aquisição do Projeto Padrões rítmicos, fixação de parâmetros e mudança linguística

(Paixão de Sousa 2008a), que discutia os dados preliminares da pesquisa.

• Em agosto, apresentei o trabalho “Proeminência à esquerda na diacronia do português: Inovação e

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continuidade”, na XXV Conferência Internacional da Associação de Liingüística e Filologia da

América Latina (Alfal) - Romania Nova (Paixão de Sousa 2008b), no qual busquei reunir os

resultados desta pesquisa com meus trabalhos anteriores sobre a sintaxe da ordem no Português

Clássico.

• Em setembro, apresentei o trabalho “Português Brasileiro e Português Clássico: Conservação, inovação, e

contato”, no Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa, (Simelp), (Paixão de Sousa

2008c), preparado durante a vigência da bolsa, no qual desenvolvo a hipótese preliminar para a

reanálise sofrida pelo Português Clássico na origem do Português Brasileiro, com base nos

resultados desta pesquisa.

Além dessas atividades mais estritamente ligadas ao projeto, neste período conduzi também atividades

didáticas, em duas frentes. A primeira e mais constante delas tem sido a orientação da dissertação de

mestrado de Gilcélia de Menezes da Silva, aluna do Instituo de Estudos da Linguagem da Unicamp. O

acompanhamento desse trabalho vem sendo importante para o andamento deste projeto, uma vez que a

aluna escolheu como tema de sua dissertação as mudanças observáveis na diátese do verbo “chamar” ao

longo da história do português (examinando desde textos do século 14 até o Português Brasileiro). A

segunda frente de atividades didáticas foi um curso ministrado junto à pós-graduação do Departamento

de Lingüística da USP, como parte das atividades do programa de pós-doutoramento desta instituição. A

convite da coordenadora da pós-graduação do DL, a profa. Evani Viotti, ofereci uma disciplina centrada

nas teorias da mudança lingüística vigentes no século XIX (“O Pensamento Lingüístico no Século XIX”, sigla

FLL5078, cf. programa da disciplina em <http://sistemas1.usp.br:8080/fenixweb/fexDisciplina?

sgldis=FLL5078>). A extensa bibliografia preparada para o trabalho com os alunos incluiu alguns itens

que tiveram impacto importante sobre minha reflexão nesta pesquisa. Em especial, neste contexto

conheci o trabalho de W. Lehmann sobre a história do Indo-Europeu, que para o autor seria marcada

pelas mudanças em torno da propriedade de agentividade dos sujeitos, idéia central para a reflexão que

detalharei no Relatório Científico.

Por fim, no mês de maio de 2007 apresentei-me ao concurso público para provimento de uma vaga de

professor doutor junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo,

tendo sido aprovada em primeiro lugar para a vaga de Sintaxe. A aprovação teve como impacto a

interrupção da vigência da bolsa de pós-doutorado CNPq após o início de meu vínculo empregatício na

Universidade, em agosto de 2008. Entretanto, este novo cenário não significará a interrupção das

atividades desta pesquisa. Ao contrário, o estudo das Valências Verbais no Português Clássico conforma o

estágio atual de meu projeto de pesquisa docente para o regime de dedicação integral junto à

Universidade. Assim sendo, os resultados que apresento no Relatório Científico, a seguir, são apenas

parciais, e constituem pontos de partida a serem aprofundados no contexto de um projeto de pesquisa de

longo prazo, segundo os caminhos que apontarei.

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II. Relatório Científico

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IntroduçãoEsse projeto de pesquisa teve como ponto de partida as observações de E. Negrão e E. Viotti em

“Alternância de Diátese no Português Brasileiro” (Viotti e Negrão, 2008) sobre a flexibilidade das diáteses no

Português Brasileiro, que para as autoras seria um fator central para a compreensão da gramática do PB

atual e o diferenciariam tanto da variante européia, como das demais línguas românicas. Diante disso, o

projeto propunha algumas perguntas:

• Como os padrões de diátese do Português Brasileiro se comparam com os padrões do Português

Clássico, ou seja, da variante trazida para o Brasil no período colonial?

• As diferenças entre as duas variantes atuais teriam suas raízes nesse antecente diacrônico?

Além disso, o projeto original previa os possíveis impactos de um estudo da estrutura argumental sobre o

meu próprio trabalho sobre a gramática do Português Clássico (PC), centrado, desde Paixão de Sousa

(2004), na análise da ordem dos constituintes, numa perspectiva que unia propriedades sintáticas e

discursivas – como a topicalização – mas não se detia na reflexão de fundo semântico. Nos meus

trabalhos anteriores, defendia que a organização superficial da ordem no PC decorreria do movimento de

um dos constituintes do predicado verbal para uma posição de proeminência à esquerda, codificadora de

propriedades de saliência discursiva – operação, em princípio, independente da estrutura argumental e de

sua semântica. À luz do trabalho de Negrão & Viotti (2008) sobre as estratégias de promoção argumental

no Português Brasileiro, e do que afirmam as autoras sobre a relação estreita entre a semântica do verbo e

o potencial de flexibilidade de sua diátese, pareceu-me que novas perspectivas poderiam surgir quanto à

gramática do PC, ao se investigarem as relações entre estrutura argumental e realização sintática dos

argumentos.

Tendo se consumado dez meses de pesquisa, embora não apresente respostas para aquelas perguntas

iniciais, parece-me que o caminho para explorá-las está mais definido, como pretendo mostrar neste

relatório. Os resultados estritos do trabalho são a lista parcial dos verbos examinados (da qual se pode

aproveitar, mais que um mapa das diáteses, uma metodologia de trabalho para a elaboração futura de um

mapa completo), e uma uma indicação de que a estrutura argumental representa uma variável relevante

para o estudo da sintaxe do Português Clássico, se não primordialmente quanto à ordem dos

constituintes, certamente no que remete à relação ordem-apagamento de argumentos.

Fundamentalmente, ao final desse percurso de análise dos verbos, não tenho ainda elementos que

contradigam minha hipótese inicial de que a ordem dos constituintes no Português Clássico é governada

centralmente por propriedades discursivas; ao contrário, essa característica cada vez mais me parece

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central na compreensão do PC, e me levou a propor, em “Proeminência à esquerda na diacronia do português:

Inovação e continuidade” (Paixão de Sousa 2008b) a análise do PC como uma língua de tópico. Entretanto,

nessa gramática a propriedade de tópico proeminente à esquerda se combina com uma propriedade forte

de sujeito nulo, sendo a possibilidade de sujeitos não-lexicais não só estatisticamente elevada, como

também livre dos constrangimentos configuracionais que governariam o sistema residual de sujeitos nulos

no Português Brasileiro segundo diversos autores, como argumentei no mesmo artigo. Nesse sentido, o

estudo da semântica argumental revelou um fato que considero extremamente interessante: a correlação

entre agentividade e probabilidade de apagamento dos sujeitos no Português Clássico. Ao refletir sobre

esta propriedade com relação ao conjunto das outras propriedades da gramática do Português Clássico

(proeminência à esquerda e liberdade dos sujeitos nulos), e ao contrapor todas elas às características atuais

da gramática do Português Brasileiro, acredito ter em mãos elementos importantes para esboçar uma

hipótese sobre a reanálise entre os dois estágios. Essa hipótese poderá partir das observações que resumo

a seguir.

O Português Clássico, como dito, combina as propriedades de proeminência discursiva à esquerda com a

liberdade e elevada incidência de sujeitos nulos. Entretanto, esses “sujeitos nulos” não formam um grupo

semanticamente indistinto: como este levantamento mostra, os sujeitos nulos são preferencialmente

sujeitos do tipo “desencadeador com controle” (na terminologia de Cançado, 2005, que estou

seguindo). Como decorrência dessas três propriedades, vemos, nos dados do português desta época, uma

elevada proporção de construções:

(i) com sujeito nulo “agente” e

(ii) com tópicos não-sujeitos, “não-agentes”, à esquerda do verbo.

Serão sentenças do tipo:

(a) uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa

Nessa sentença, {uma chamada Dona Urraqua} é um tópico; sua função sintática é de objeto direto; seu

estatuto temático é de paciente. Na sentença há um sujeito agente elidido; seu referente é “El -Rei”, como

mostra o contexto maior abaixo:

(a) Era este Conde Dom Anrique muito discreto, e esforçado Cavaleiro , e não menos de todas outras bondades comprido, trazia em seu Escudo de Armas campo branco sem outro nenhum sinal, e andando sempre depois, na guerra dos Mouros com El-Rei Dom Affonso , fez muitas, e assinadas cavalarias, por onde Del-Rei, e de todos os da terra era muito estimado, e querido, e assi o Conde de Tolosa seu tio, e o Conde de São Gil de Proença, e tendo El-Rei assi deles contentamento querendo honrá-los, e remunerar seus nobres feitos, e trabalhos, que em sua companhia passaram na guerra contra os infiéis, determinou de casar três filhas suas com eles, uma chamada Dona Urraqua, casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa , de que depois nasceu El-Rei Dom Affonso de Castela

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chamado também Imperador , donde descendem também todos os Reis de Castela , outra Dona Elvira , casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença; outra chamada Dona Tareja deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa , dando-lhe com ela em casamento Coimbra , com toda a terra até o Castelo de Lobeira , que é uma légua além de ponte Vedra , em Gualiza ,e com toda a terra de Vizeu , e Lameguo , que seu pai El-Rei Dom Fernando , e ele ganharam nas Comarcas da Beira .

Ou seja: no contexto vemos claramente que {uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom

Reymão de Tolosa } deve ser interpretado como {uma chamada Dona Urraqua, [El-Rei] casou com o

Conde Dom Reymão de Tolosa }; o mesmo se aplica às construções semelhantes que seguem no

período, ou seja: {outra Dona Elvira, __ casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença},

{outra chamada Dona Tareja __ deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa}.

Pois bem: o que eu noto, antes de qualquer coisa, é que este é justamente o tipo de construção que causa

dificuldades interpretativas para um falante do PB. De fato, eu mesma, ao ler essa sentença pela primeira

vez, interpretei o elemento à esquerda do verbo, {uma chamada Dona Urraqua}, como o sujeito, não-

agente:

(a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-SUJ, casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa

O fenômeno da dificuldade de interpretação das sentenças do Português Clássico por parte de falantes do

Português Brasileiro me parece muito revelador da diferença entre as duas gramáticas. Ele me mostra que

para o falante do PB a interpretação imediata de um constituinte à esquerda do verbo é a de sujeito; e que

o falante do PB não parece ter problemas com o estatuto semântico de paciente para seus sujeitos. Por

contraste, podemos propor que na gramática do PC a posição à esquerda do verbo não configura

necessariamente uma “posição de sujeito”; eu de fato venho defendendo que no PC, “sujeito” não é uma

posição, é uma relação abstrata entre o verbo e um de seus argumentos (Paixão de Sousa 2008b). Essa

relação parece ser forte o suficiente para permitir sujeitos nulos com muita liberdade de configuração, o

que já de partida traz mais dificuldades para a interpretação dos dados pelos falantes brasileiros. Podemos

ver um exemplo disso com a frase a seguir; em (a), estão as lacunas e pronomes a serem interpretados; em

(b) a interpretação do PC que me parece autorizada pelo contexto em (d); e (c), a interpretação que me é

fornecida em consulta a falantes do PB. Nesse caso, como em outros semelhantes, os falantes do PB só

conseguem interpretar “corretamente” as referências da lacuna depois de sucessivos exames do contexto

maior da sentença:

(a) quando __ vão para os __ apanhar, __ botão-lhes aquella tinta diante dos olhos

(b) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-1]-SUJ botão-[lhes]-2 ... (c) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-2]-SUJ botão-[lhes]-1 ...

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(d) Polvos — O mar destas partes he muito abundante de polvos; tem este marisco hum capello, sempre cheio de tinta muito preta; e esta he sua defesa dos peixes maiores, porque quando vão para os apanhar, botão-lhes aquella tinta diante dos olhos, e faz-se a agua muito preta, então se acolhem. Tomão-se á frecha, e assovião-lhe primeiro; tambem se tomão com fachos de fogo de noite. Para se comerem os açoitão primeiro, e quanto mais lhe derem então ficão mais molles e gostosos.

(i.e.: quando quando os peixes maiores vão para apanhar os polvos, os polvos botam aquela tinta diante dos olhos dos peixes maiores)

Dados como esse me levaram a afirmar, já em Paixão de Sousa 2008b, que a relação entre o verbo e o

sujeito sintático, no PC, é suficientemente “forte” parece prescindir de fatores configuracionais (ordem),

tanto no que remente à ordem superficial dos sujeitos lexicais, como no que remente às relações

posicionais que podem ser atribuídas aos sujeitos não lexicais – estando, naturalmente, as duas

características relacionadas. Naquele trabalho eu defendi que haveria uma propriedade abstrata forte

licenciando o sujeito no PC, que se preserva independentemente da lexicalização e da ordem, e formalizei

preliminarmente essa propriedade como “T forte” - ou seja: um núcleo de concordância abstrata com

propriedades de licenciamento pleno para seu especificador, nos termos da sintaxe gerativa. Sustentei,

também, que o principal contraste entre PB e PC seria o enfraquecimento desse núcleo T, mantidas,

entretanto, as propriedades de proeminência discursiva à esquerda, ao longo dessa reestruturação.

Agora, adiciono a isso o que encontro nos dados desta pesquisa: os sujeitos nulos do PC tendem a ser

argumentos agentes (ou melhor, desencadeadores com controle). Isso significa que em construções com

sujeitos pacientes, a probabilidade de “elisão” do sujeito (ou por outra, a probabilidade de ele se realizar

como pronome nulo) é consideravelmente mais baixa que em construções com sujeito agente.

Assim, a gramática do Português Clássico parece reunir as seguintes propriedades: (i) liberdade do sujeito

nulo; (ii) proeminência do sujeito agente; (iii) posição de tópico à esquerda.

Vamos ver como isso se reflete nas nossas análises sobre a gramática do Português do Brasil. A expressão

dos sujeitos tem sido um dos aspectos mais discutidos da gramática do PB (Pontes 1986, Galves 1993,

Kato & Negrão 1999), mas apenas recentemente as suas características singulares começam a ser

abordadas do ponto de vista da semântica argumental, notadamente com Negrão & Viotti 2007, 2008. Na

literatura anterior, o problema dos sujeitos no PB é tratado a partir da relação entre o plano informacional

e o sintático, ou mesmo de modo limitado ao plano sintático. A pergunta clássica, nessa literatura, tem

sido: quais as condições sintáticas da expressão dos sujeitos no português do Brasil, com a possível

ampliação “sintáticas e informacionais”. Negrão & Viotti (2008) reformulam a pergunta clássica,

acrescentando: quais as condições “semânticas” da expressão dos sujeitos no português do Brasil? Somos

obrigados a voltar os olhares para um plano até agora pouco discutido: na conhecida tendência à

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expressão lexical dos sujeitos pronominais do PB, além dos aspectos sintáticos (por exemplo, condições

estruturais de recuperação referencial) e informacionais (por exemplo, saliência de “tópico”), estaria em

jogo o papel semântico do constituinte sujeito - como agente, paciente, etc.? Duas perguntas surgem. A

primeira: haveria “papéis semânticos” mais ou menos “apagáveis”, mais ou menos “lexicalizáveis”? A

segunda: entre os “sujeitos nulos”, estaremos incluindo constituintes presentes na grade semântica, porém

“apagados” (o que seriam verdadeiros sujeitos nulos) e constituintes não presentes na grade semântica (ou

seja: não-sujeitos, por não-constituintes)?

Negrão & Viotti (2008) apresentam alguns caminhos para essa investigação ao analisar a promoção

argumental e o apagamento no PB como uma escala contínua de estratégias de impessoalização, que

seriam um fator central a diferenciar PB e PE. Neste trabalho, tentei transportar essa reflexão para o

estágio diacrônico anterior, propondo a pergunta sobre semântica, “apagabilidade” e ordem no

Português Clássico. O percurso anterior de pesquisa sobre o PC me levara a propror, como já mencionei,

duas características centrais dessa gramática (liberdade do sujeito nulo e posição de tópico à esquerda), às

quais acrescento agora uma terceira: proeminência do sujeito agente. Observemos, então, que segundo a

literatura dedicada ao PB, dessas três propriedades, apenas a proeminência do tópico. A mudança entre as

duas gramáticas, portanto, deve ter incidido sobre a liberdade do sujeito nulo e a proeminência do agente.

Eu me pergunto, diante disso, se essas duas propriedades não remetem a uma única propriedade

gramatical profunda. Voltando à sentença com {casar}: um caminho para entendermos a interpretação do

PC, {uma chamada Dona Urraqua, [ El-Rei ] casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa } seria:

nessa gramática, o que é que “garante” a interpretação do sujeito nulo “ele =[ El-Rei ]” nessa

configuração? Me parece que são dois fatores combinados: um fator sintático (condições de

licenciamento de pronome nulo nominativo) e um fator semântico (proeminência do agente).

Nenhum desses dois fatores, sintático e semântico, parece disponível para o falante do PB, que, diante de

uma construção {a}-(objeto) {_}-sujeito V {c}-objeto, tende a interpretar como sujeito o constituinte

que aparecer à esquerda do verbo, lexical, embora não-agente. Interessa notar que em alguns casos, o

falante brasileiro pode se “enganar” até mesmo na interpretação de senteças do PC com sujeito lexical:

isso acontece em orações com ordem OVS, nas quais, de alguma forma, os falantes brasileiros parecem

preferir reestruturar a semântica da frase a identificar como “objeto” um constituinte à esquerda do

verbo. Na sentença abaixo, por exemplo, os falantes interpretaram a {A quinta capitania...} como sujeito,

e {Pero do Campo Tourinho} como objeto (entendendo “conquistar” no sentido de 'cativar, encantar'),

enquanto a interpretação original da sentença é de {Pero do Campo Tourinho}como sujeito, e {a quinta

capitania...} como objeto (isto é, Pero do Campo Tourinho 'tomou, colonizou' a quinta capitania):

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(b) A quinta capitania a que chamam Porto Seguro, conquistou Pero do Campo Tourinho

O interessante é que no caso de {consquistar}, o contraste nas interpretações incide na semântica

referencial da frase; já com {casar}, muda, primordialmente, a valência do verbo. O falante toma

{casar}como um verbo de valência 2 (em oposição a 3 no original). Na minha análise, {casar} é um tipo

de verbo para o qual a diátese com “três lugares” é causativa, e a com “dois lugares” é não-causativa. Na

diátese causativa, o argumento “causador”, agente, será o sujeito; na não-causativa, o argumento paciente

será o sujeito. Assim, diante de uma construção com {casar} causativo com sujeito agente nulo do PC, o

falante do PB opta por atribuir uma diátese não-causativa ao verbo, e interpreta um de seus

complementos como o sujeito expresso.

Esse exemplo me parece revelador de como o problema das diáteses se une ao problema do contraste

entre as duas gramáticas quanto à ordem e apagamento de constituintes. Passo passo a me perguntar,

diante desse tipo de fenômeno, até que ponto a amplitude de diáteses hoje observada no Português

Brasileiro se relaciona com as propriedades do sujeito nulo do Português Clássico. Ou seja: observando

que os argumentos que mais tendem a ser elididos no PC são os sujeitos agentes, e entre eles, mais

fortemente ainda os argumentos agentes dos verbos que hoje, no PB, aceitam alternância de

transitividade; que o PB parece ter como diferença em relação ao PC uma liberdade muito menor de

licenciamento para sujeitos nulos; e que (segundo Negrão e Vioti 2008, e Perini no prelo) o PB apresenta

uma expansão da propriedade de alternância transitiva dos verbos, considero interessante perseguir a

hipótese de que a reanálise entre as duas gramáticas se deu em torno dessas duas propriedades. Mais

interessante ainda seria construir a hipótese de que não se trata de duas, mas sim de uma propriedade

gramatical profunda. Nas seções a seguir mostro os elementos que me parecem embasar essas

observações.

A apresentação está organizada de modo a refletir o percurso da pesquisa; começo portanto resumindo o

estabelecimento da forma de análise dos dados segundo as perguntas inicialmente colocadas, passando a

explicar as observações possibilitadas pelo exame dos dados e as novas perguntas que foram surgindo. A

Seção 1 apresenta um um panorama geral da pesquisa com os dados, explicitando os critérios

estabelecidos para descrever o quadro geral dos verbos examinados. A Seção 2 comenta esse panorama

sob a perspectiva da amplitude de alternância dos diferentes verbos, e discute a relação entre as

propriedades semânticas e a tendência de apagamento dos argumentos. A Seção 3 resume as perspectivas

e desafios que permanecem para a pesquisa.

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1. Levantamento de dados

1 . 1 Re s um o do un ive r s o de a ná l i s eOs dados deste levantamento foram colhidos em dois corpora representativos do português escrito nos

séculos 16 e17: o Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB), do qual selecionei inicialmente dois

textos (GANDAVO 1576, GALVÃO 1502), com cerca de 200.000 palavras ( <www.tycho.iel.unicamp.br/

~tycho/corpus/ >), e o corpus do “Dicionário Histórico do Português no Brasil” (DHPB), no qual trabalhei

com 196 textos (~3.000.000 de palavras; <http://lablex.fclar.unesp.br>).

Os dados referentes ao CTB estão sendo trabalhados de forma extensiva: de uma lista com todas as

sentenças de cada texto, separo e ordeno em ordem alfabética todos os verbos registrados (em principais

e encaixadas, finitos e não-finitos); em seguida começo a examinar as ocorrências de cada verbo segundo

sua expressão argumental, e classifico os dados tabulados da forma como se explicita na seção 1.2. Já os

dados do corpus do DHPB estão sofrendo uma pesquisa intensiva: a partir de uma lista de verbos que me

foi fornecida pela coordenação do dicionário, pesquiso e seleciono todas as ocorrências de cada verbo na

integridade do corpus. Em seguida, estou tabulando os dados da mesma maneira que os dados referentes

ao CTB, para incluí-los nesse estudo. Além disso, naturalmente, redijo os verbetes relativos a cada item

para o Dicionário. As etapas de extração junto aos corpora e ordenação geral das ocorrências foram

aplicadas a um universo total de 46.658 ocorrências de 385 verbos, distribuídos entre os corpora como

mostra a tabela a seguir:

T A B E L A 1 : U n i v e r s o d e d a d o s t r a b a l h a d o s ( d a d o s s i s t e m a t i z a d o s e d a d o s e m e x a m e )

Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências

Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 62 44.996

Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 323 1.662

385 46.658

Até este momento, selecionei dos dois corpora 323 verbos, num total de 46.658 ocorrências, todas elas já

Desse total de dados já organizados, 50 verbos do DHPB (compreendendo 42.221 ocorrências) e 163

verbos do CTB (compreendendo 1.214 ocorrências) estão ainda em exame. Os resultados parciais

apresentados neste relatório se fundamentam na análise de 172 verbos, compreendendo 4.836 ocorrências

já sistematizadas:

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T A B E L A 2 : U n i v e r s o d e d a d o s s i s t e m a t i z a d o s

Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências

Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 12 4.388

Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 160 448

172 4.836

Os dados selecionados dos textos foram organizados em um documento de base (arquivo .xls) de modo a

permitir o controle da contagem de ocorrências e a ordenação segundo diferentes critérios de análise,

formando assim um quadro geral a partir do qual os dados foram tabulados. Os quadros apresentados

neste relatório (seção 2 a seguir) são excertos desse arquivo de base, o qual inclui, além do que sepublica

aqui, todas as ocorrências em cada item, tabuladas (no total, são portanto 4.836 linhas de arquivo .xls,

mais as cerca de 45.000 ainda em exame). Para os verbos correspondentes ao trabalho junto ao DHPB,

além do código das construções e dos exemplos, o quadro completo compreende ainda as definições que

redigi para cada verbete. Por conta desse volume, não anexei o quadro completo – o qual, finalizada a

pesquisa, formará a base do dicionário a ser publicado (em formato eletrônico, com o total dos verbos e

exemplos selecionados, pertinentes a cada construção).

Com os dados selecionados e reunidos, o passo seguinte da pesquisa foi compor critérios para analisar

esse panorama, segundo as generalizações que já começavam a transparecer dos dados, e segundo os

objetivos centrais do trabalho: descrever a estrutura argumental de cada verbo, esperando com isso

ampliar a compreensão da gramática do Português Clássico e, consequentemente (como acredito), da

gramática do Português Brasileiro. Nas seções a seguir apresento a metodologia de descrição e análise dos

dados, procurando justificar as considerações que levaram ao estabelecimento desta metodologia.

1 . 2 M e t odo l og ia e P r oc e d im e nt os A escolha de critérios de análise consumiu boa parte da reflexão desta etapa da pesquisa, pois o universo

de dados selecionados nos textos sugere infinitos desdobramentos. As construções permitem inúmeras

observações na direção da semântica, da lexicologia, da morfologia, da sintaxe, e da pragmática. Diante

desta multitude de possibilidades, as opções de descrição e análise adotadas nesta pesquisa representam

um entre muitos recortes possíveis, deixando de lado diversos fatos interessantes revelados pelos dados.

A pesquisa buscou apenas montar um padrão de observação que permitisse uma primeira aproximação

junto a esse universo de construções, preferencialmente de modo a favorecer os futuros desdobramentos

de análise. O padrão de observação afinal escolhido é dos menos sofisticados: o critério central é a

“potência de valência”, ou seja, a possibilidade de realização transitiva ou intransitiva de cada item lexical.

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Os dados foram organizados em três etapas, explicadas e justificadas nas três seções que seguem:

1. Composição de um mapa de valências atestadas2. Formação de classes comparadas, pela classificação por grupos de diáteses potenciais 3. Exame dos padrões de expressão dos argumentos em cada grupo

1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas

A primeira fase da descrição – composição do mapa de valências atestadas – consistiu simplesmente em

procurar distinguir, para cada ocorrência de cada verbo, quantos argumentos compreenderia a grade

temática. Naturalmente, a identificação dos argumentos dos verbos não se restringiu à observação de sua

realização lexical; considerei também a possibilidade de argumentos elididos. A combinação entre a grade

semântica de cada verbo e a possibilidade de apagamento ou expressão dos argumentos constitui,

justamente, o cerne da análise que se pretende construir com essa pesquisa. Assim, no exemplo (a) abaixo,

considerei dois argumentos para {colher}, em {como são de vez colhem esses cachos}, analisando um

argumento elidido em { __ (= 3 PP) colhem} e um lexical, {esses cachos}; mas apenas um argumento,

elidido, para {amadurecer} em {dali a alguns dias amadurecem}: { __ (=esses cachos) amadurecem}.

No exemplo (b), considerei um argumento para {cavalgar}, analisando uma elisão em { __ cavalgou à

pressa} (ou seja, [ __(=Dom Eguas Moniz)]), e três argumentos para {dar}, analisando a elisão de [ __ (a

Rainha)] em {que __ lhe desse o filho que lhe nascera}:

(a) Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem.

[ __ ( = 3 PP) ]-1 colhem [ estes cachos ]-2 ... [ __ (= esses cachos) ]-1 amadurecem.

(b) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, cavalgou à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava, e pediu-lhe por mercê que lhe desse o filho que lhe nascera para o haver de criar, como lhe tinha prometido.

[ __(=Dom Eguas Moniz) ]-1 cavalgou ... [__ (a Rainha)]-1 [lhe]-2 desse [ o filho que lhe nascera]-3 ...

Grande parte do tempo de trabalho se gastou em analisar e revisar cuidadosamente os dados para garantir

o máximo de objetividade quanto à interpretação de “ausência” de argumentos versus “elisão” de

argumentos, o que não foi sempre banal, como mostra o exemplo abaixo, sobre o qual ainda tenho

dúvidas quanto ao número de argumentos de “esgotar”:

(a) Feito isto [ __ (3PP)] metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que [ __ (3PP)] fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali [ __ (3PP)] a espremem daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar

(b) esgotar [ nenhuma coisa] (= um argumento), ou [ _ (= 3pp) ] esgotar [ nenhuma coisa ] (= dois argumentos) ?

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Na minha interpretação (brasileira), “esgotar” ficaria muito bem construído com um argumento apenas

na sentença acima. Entretanto, não seria impossível pensar que há nesta ocorrência um segundo

argumento, elidido (a “terceira pessoa” também elidida nos verbos antecedentes); some-se a isso que

outras vezes este verbo pode também aparecer como transitivo, como fica claro no exemplo abaixo:

(a) E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de [ esgotar ] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer sua viagem.

[ _ (= 3pp) ] esgotar [ a ] (= dois argumentos)

Evidentemente, não posso confiar inteiramente que minha interpretação coincida com a interpretação

“original”, pois o que estou estudando, justamente, são as possibilidades de mudança nos verbos.

Conforme já mencionei na Introdução, as dificuldades na interpretação de lacunas argumentais

enfrentadas nesse processo tiveram como fruto a intuição central do meu trabalho “Proeminência à esquerda

na diacronia do português: Inovação e continuidade” , sobre os contrastes no licenciamento de sujeitos nulos no

PC e no PB, e fundam também a hipótese com que estou trabalhando sobre a reanálise da gramática do

Português Clássico, como detalho adiante. Por ora, importa salientar que essas dificuldades tornam o

trabalho de descrição bastante delicado. No caso de {esgotar}, agrupei o verbo entre os transitivos;

entretanto, se, no prosseguimento do levantamento, eu vier a encontrar ocorrências em contextos mais

claros com um argumento apenas, poderei passar a classificá-lo como “alternante”, isto é, transitivo ou

intransitivo.

Uma vez que a simples identificação dos argumentos já se mostrava desafiadora, decidi postergar a

classificação dos verbos fundada nos papéis temáticos dos argumentos identificados, que havia tentado

num primeiro momento. Pareceu-me que seria recomendável montar um esquema mínimo de

formalização descritiva inicial, adotando uma nomenclatura generalizante para os argumentos – “x”, “y”,

“z” – sob o critério da restrição de expressão, e que não remete primariamente a propriedades de cunho

semântico (“Agente”, “Paciente”, etc). Assim, estou chamando de “x” o argumento que nunca está

ausente da grade de um verbo, seu argumento por assim dizer “primário”:

(a) “O sol apareceu” > [o sol]- x(b) “O menino acordou” > [o menino]-x (a) “A mãe acordou o menino” > [o menino]-x(b) “O copo quebrou” > [o copo]-x(c) “O menino quebrou o copo”> [o copo]-x

Em princípio, “x”, nesta classificação, representa o argumento único dos “verbos intransitivos” (sejam

aqueles com semântica “ativa”, seja “passiva”), e o argumento não-apagável dos verbos de alternância

transitiva (em geral, com semântica “passiva”). Como definirei adiante, portanto, “x” compreende os

argumentos únicos de verbos [V x * y] (Grupo 1 da minha análise) e o argumento sempre presente dos

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verbos de alternância transitiva, verbos [ V x (y)] (ou Grupo 2 da minha análise).

Em contraste, “y” representaria o argumento por assim dizer “secundário”, ou seja, aquele que pode ou não

estar presente nos verbos de alternância:

(c) “A mãe acordou o menino” > [o menino]-x, [a mãe]-y(d) “O menino quebrou o copo”> [o copo]-x, [o menino]-y

Por consistência operacional, estou chamando também de “x” e “y” os dois argumentos sempre

presentes dos verbos transitivos estritos ([V x y] ou Grupo 3). Em princípio por analogia aos grupos

anteriores, optei por usar “y” para os argumentos que seriam secundários caso o verbo aceitasse

alternância, uma opção potencialmente problemática, como discutirei adiante. Deste modo, teríamos:

(a) “O menino escovou os dentes” > [os dentes]-x, [o menino]-y(b) “O menino comeu cereal” > [cereal]-x, [o menino]-y

Finalmente, o que chamo de “z” nesta nomenclatura são os argumentos que não me parecem ser

obrigatórios para nenhum grupo de verbos. Isso inclui elementos de tipo locativo, argumentos com papel

temático de “Alvo” ou “Beneficiário”, e argumentos de tipo “Instrumento” (identificando-se em larga

medida, em termos semânticos, com a propriedade de [ESTATIVO] de Cançado 2005, por exemplo).

Note-se que a possibilidade de expressão desse tipo de elemento não foi um critério para definir grupos

fundamentais de diátese neste trabalho, como discuto mais adiante no Detalhamento:

(a) “Ele escovou os dentes com pasta nova” > [ele]-x, [os dentes]-y, [ pasta nova]-z(b) “Ele chegou na escola” > [ele]-x, [a escola]-z

Essa nomenclatura mínima “x”, “y”, “z” teve por objetivo inicial apoiar a descrição dos fenômenos de

valência e de alternância; na fase final do trabalho, procurei traduzir a relação entre os argumentos

possíveis dos verbos por meio de uma formalização mínima, pensando em apoiar a ampliação do trabalho

com os dados, que é apresentada também no Detalhamento. Na seção 2 a seguir, mostro os quadros

resumidos das construções atestadas no corpus de acordo com esses procedimentos.

1.2.2 Formação de classes de comparação

O mapa dos padrões de valência atestados mostrou três cenários básicos quanto aos padrões de

transitividade, se comparamos as construções atestadas no corpus com as previsões quanto ao PB. Há

verbos que não apresentam alternância de transitividade nem no corpus, nem no PB; verbos que

apresentam alternância nos dois estágios; e verbos que apresentam alternância no PB, mas não no corpus.

A partir dessas observações, proponho três grupos para classificar os dados:

1. Verbos de diátese intransitiva estrita, [ V: x *y ]:

Valência 1 no corpus do Português Clássico e no PB: {acontecer}

2. Verbos de diátese transitiva e intransitiva, [ V: x (y) ]:

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2.1 Valência 1 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acordar}

2.2 Valência 1~2 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {abrir}

2.3 Valência 2 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acabar}

3. Verbos de diátese transitiva estrita, [ V: x y ] ou [ V: x *(y) ]

Valência 2 no corpus do Português Clássico e no PB: {defender}

Os três grupos podem ser esquematizados inicialmente como segue, com as construções atestadas no

corpus em negrito, e as construções que eu analiso como possíveis e impossíveis no PB entre parênteses:

grupo exemplo [ x ] [ x ], [ y ]

1. [V x *y] (valência 1)intransitivos 1. {acontecer} x aparecer (* y aparecer x)

2. [V: x (y)] (valência 1, 2)alternância transitiva 2.1 {acordar} x acordar ( y acordar x )

2.2 {abrir} x abrir y abrir x

2.3 {acabar} (x acabar ) y acabar x

3. [V: x y] (valência 2)transitivos 3. {defender} (* x defender) y defender x

Deixando à parte, neste momento, os problemas de análise que ainda preciso enferentar quanto à

descrição das construções atestadas (principalmente quanto aos verbos marcados com (?) nos quadros em

geral), e que explicito nas seções que seguem, procuro agora mostrar alguns pontos de interesse da

classificação dos dados nesses três grupos básicos.

A primeira vantagem desse agrupamento é libertar a pesquisa da classificação estritamente empírica, que

no caso de um trabalho com dados de corpora históricos pode ser problemática. A idéia inicial do

trabalho era simplesmente classificar as realizações registradas para cada verbo, e analisar tematicamente

os argumentos (cf. Projeto). Entretanto, com o decorrer do trabalho, concluí que esta não seria a melhor

estratégia de organização. Antes de tudo, observo que atestar ou não atestar uma determinada realização

de valência para cada verbo não esgota o que podemos saber sobre ele, uma vez que, mesmo em um

corpus razoável como é este, não se está de modo algum livre da eventualidade de não se deparar com

uma construção possível.

Este é de fato o problema fundamental do trabalho de descrição gramatical de fases pretéritas de uma

língua, como eu mesma já destaquei em diversos trabalhos (cf. Paixão de Sousa, 2004): a impossibilidade

de acesso à intuição do falante significa que (i) não temos “evidência negativa”, pois, não podemos saber

nunca com certeza se determinada construção não é registrada por ser agramatical ou por outras razões

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fortuitas; e (ii) estamos constantemente sujeitos a idiossincrasias dos corpora, que tornam as

generalizações precárias. Neste ponto chamo a atenção para um detalhe importante: quando me feriro a

“construções atestadas/não atestadas no corpus do Português Clássico”, em oposição por exemplo a

“construções possíveis/não possíveis no Português Clássico”, isto é deliberado; antes de tudo, porque

não considero impossível ainda vir a atestar construções raras para alguns verbos. É por conta disso, por

sinal, que sigo pesquisando alguns verbos importantes já estudados no CTB no corpus do DHPB, como

{achar}, faltando cerca de 9.000 ocorrências. Além disso, nunca é demais ressaltar que o fato de não vir a

atestar determinada construção não significa necessariamente que ela não fosse possível na língua.

Assim, conforme também venho defendendo em diversos trabalhos, embora o perfil descritivo de

pesquisa seja muito importante, isso não significa uma limitação estreita ao campo do empírico. Acredito

que as descrições devem partir de generalizações relevantes, formadas ao longo de um cuidadoso

processo de ida e volta aos dados. Por conta disso, considerei justificável e proveitosos orientar a

classificação dos dados pela generalização da possibilidade “diacrônica” de alternância, mesmo que para

isso eu precisasse contar com previsões da minha própria intuição – o que de início julgara tão

impeditivo, que hestei em levar a cabo o expreimento. Em seguida, entretanto, considando a reflexão

metodológica exposta acima, e ainda, o fato de que a descrição empírica está bem explicitada, e os dados,

disponíveis (permitindo que a organização seja reordenada a qualquer momento), decidi seguir em frente.

Para minimizar os efeitos potencialmente desvantajosos do recurso à minha intuiçãode falante do PB,

ainda, estou experimentando testes mais objetivos para determinar as classes de alternância (como o teste

da perífrase causativa, que apreseno mais adiante). Além disso, para balisar minha própria intuição com a

de outros falantes do PB, tenho buscado ajuda na literatura pertinente. Em especial, consultei

sistematicamente o “Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil” (1991) e “Uma

gramática de valências para o português” (1996), de Francisco Borba, e a “Gramática Descritiva do Português: as

valências verbais”, de Mário Perini (no prelo - na forma das provas editoriais gentilmente enviadas pelo

autor).

A segunda vantagem da classificação nesses moldes é que ela possibilita estudos comparativos. De fato,

esta descrição da gramática do Português Clássico tem interesse centralmente diacrônico – isto é, a

intenção é comparar este estado de língua com o PB. Sendo assim, não é absurdo partir de classes

definidas segundo a gramática do PB; isto torna possível, justamente, uma comparação entre os dois

estados da língua, de modo que os dados de intuição do PB servem como guias para compreender a

gramática do PC. Com tudo isso, entretanto, saliento novamente o caráter desse estudo como um

experimento, cujos frutos espero colocar à prova por meio da divulgação dos resultados, para então

decidir se vale a pena prosseguir na pesquisa com estes moldes.

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Nesse sentido da comparação diacrônica, destaco, de partirda, um primeiro resultado da análise realizada

nesses moldes (e que pode ser conferido nos quadros da seção 2 a seguir): no corpus relativo ao

Português Clássico os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor que aquela observada

por estudos recentes sobre o PB, como Negrão & Viotti (2008), Perini (2008), Cançado (2005) entre

outros. Esse resultado inicial confirmaria, portanto, a previsão diacrônica de Negrão & Viotti (2008), no

sentido de um aumento na flexibilidade das diáteses no PB. De 172 verbos estudados, em apenas 6 se

atestam alternativamente construções transitivas e intransitivas. Observo que Perini (2008), entre 120

verbos analisados, classifica 90 como passíveis de “alternância ergativa” - ou seja, de aparecerm ora

transitivos, ora intransitivos. Embora seja impossível sabermos se esta proproção remete imediatamente à

siutuação geral da língua na época (como destaquei acima) , a diferença entre as duas situações é colossal:

no estudo de Perini (2008) para o PB, a proporção de 90/120 equivale a cerca de 75% de verbos de

alternância ergativa; neste estudo para o PC, 6/172 equivaleria a cerca de 5% de verbos de alternância.

Quanto ao segundo tipo de alternância que abordo no Detalhamento (a alternância entre os argumentos

da grade que podem se construir como sujeito), trata-se de um fenômeno mais amplo que o da

alternância de transitividade, conforme irei comentar depois.

Uma terceira propriedade que eu gostaria de apontar quanto a esta maneira de agrupar os dados é a visão

que ele permite sobre a relação entre agentividade e apagabilidade. De fato, como detalho nas seções a

seguir, embora a intuição sobre a relação entre a propriedade de “agentividade” de um argumento e a

propriedade de esse argumento ser “apagado” tenha se revelado muito cedo no trabalho de análise, foi

com a organização dos dados segundo a amplitude potencial de diátese que esta correlação se verificou

mais claramente, como se detalha mais adiante.

O experimento revelou ainda uma propriedade inesperada. Ao agrupar os dados conforme a amplitude

“potencial” de diátese, percebo que se abre um caminho para compreender um dos aspectos mais

espinhosos da análise comparada entre o PC e o PB: a realização do pronome SE. O que se observa

preliminarmente nos quadros a serem apresentados é que a realização assim chamada “inerente” de SE no

PC parece fortemente correlacionada com a amplitude de valência que cada verbo virá a desenvolver no

PB. De fato, os verbos que tendem a aparecer com SE são justamente ou aqueles que aparecem como

intransitivos ou como transitivos no PC (e que, no PB, também parecem aceitar ambas as construções),

ou aqueles que aceitam alternância de transitividade no PB: {abrir-SE}, {acabar-SE}, {corromper-SE}.

Isso poderia ser visto simplesmente como mais um sinal da “perda do SE” no PB; entretanto, não é essa

a perspectiva que adoto. Com Cavalcante (2006), entre outros, considero que “SE” não está “em

desaparecimento” no PB; o que me parece é que as propriedades gramaticais que se manifestavam, no

PC, pelo uso do SE, estão hoje erodidas no PB. “SE”, acredito, realiza uma camada estrutural da frase

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verbal no PC, e seu “menor uso” no PB é sinal da maior possibilidade de essa camada estrutural não ser

realizada. O estudo detalhado da sintaxe do SE será centralmente relevante para o prosseguimento da

pesquisa, e volto a este aspecto na seção 3. Por ora, compõe-se o seguinte quadro:

_ valência + valência

grupo exemplo [x] [x y] ? [x], [y]

1. [V x *y] (valência 1)intransitivos

1. {acontecer} x acontecer (* acontecer-SE) (* y acontecer x)

2. [V: x (y)] (valência 1, 2)alternância transitiva

2.1 {acordar} x acordar (? acordar-SE) (y acordar x)2.2 {abrir} x abrir x abrir-SE y abrir x2.3 {acabar} (x acabar ) (x acabar-SE) y acabar x

3. [V: x y] (valência 2)transitivos

3. {defender}

(*x defender ) (x defender- SE) y defender x

Na Seção 3 adiante, ao detalhar os resultados preliminares, tentarei desenvolver melhor esses pontos aqui

introduzidos, e vou procurar também comentar e explicitar os empecilhos ainda presentes na análise das

diáteses (como por exemplo o tratamento dado aos argumentos “oblíquos”, [ z ]).

1.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos

Os dados organizados segundo a valência atestada para cada ocorrência e classificados segundo os

critérios acima definidos foram analisados ainda quanto à expressão dos diferentes argumentos, lexical ou

nula.

Ao longo do trabalho de levantamento e análise dos dados, comecei a observar uma correlação entre a

propriedade semântica de “agentividade” e a probabilidade de um argumento ser “apagado”, ou seja, de

não ser expresso lexicalmente, embora sua interpretação esteja disponível. Considerando que esta

correlação poderia ser um fator importante na compreensão das propriedades gramaticais envolvidas na

expressão dos argumentos nesta fase do português, passei a revisar todos os dados estudados,

classificando os argumentos elididos e não elididos conforme a propriedade de “agentividade”, e

tabulando os números relativos à forma da expressão dos argumentos sujeitos, fossem nulos ou lexicais.

Nesta seção mostro os fatos empíricos assim sistematizados, e comento suas conseqüências para o

prosseguimento da pesquisa.

A correlação entre “agentividade” e expressão so sujeito começou a se revelar com a análise dos verbos

de diátese ampla, do Grupo 2, uma vez que nesses casos podemos facilmente contrapor usos “agentivos”

e “não-agentivos” de um mesmo verbo. Vamos tomar inicialmente, por exemplo, o verbo {dar}. Ele

aparece nos dados do Corpus Tycho Brahe 33 vezes com três argumentos, um dos quais eu interpretei

como “agentivo”, como no exemplo abaixo:

V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |20|

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(a) E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-se direito para cima como um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga, e dando-lha no mesmo instante se desviou para uma parte com tanta velocidade, que não pode o Monstro levá-lo debaixo de si : porém não pouco afrontado, porque o grande torno de sangue que saiu da ferida, lhe deu no rosto com tanta força que quase ficou sem nenhuma vista .

Em outras 8 ocorrências de {dar}, não interpreto um argumento “agentivo” na grade; são casos como os

seguintes:

(a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se [apartarem] alguns navios da companhia.

(b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província

(c) E dali a poucos dias __ [deram] consigo na terra dos contrários ( que seria distância de três jornadas pouco mais ou menos) onde fizeram suas ciladas junto da aldeia em parte que mais pudessem ofender a seus inimigos

Pois bem; entre as 33 ocorrências com três argumentos, um deles agente, em 29 casos (88%) o argumento

agente está apagado; já nos 8 casos em que não há um argumento agente, em apenas 2 (25%) casos o

argumento principal está apagado (são eles os exemplos (b) e (c) acima).

Um levantamento inicial dos dados, cruzando a expressão lexical ou nula dos sujeitos com a propriedade

de “agentividade” dos argumentos sujeitos revelou que esta observação inicial a respeito de {dar} até se

confirmava no geral dos dados: enquanto os sujeitos que eu interpretava como “não-agentes” aparecem

nulos em 50% dos dados, os sujeitos “agentes” aparecem nulos em 65% dos dados (cf. Gráficos 2 e 3 a

seguir). Entretanto, ainda não me pareceu que esse resultado estatístico (embora expressivo, com 15

pontos de diferença entre os dois grupos) refletisse a observação intuitiva dos dados, nos quais a

desproporção me parecia muito maior.

O principal problema dessa tabulação inicial dos dados quanto à “agentividade” foi o de conferir

objetividade à classificação dos argumentos entre “agentivos” e “não-agentivos”. De início procurei

contrapor a interpretação da minha própria reflexão com consultas à bibliografia especializada. Para o

caso de {dar}, por exemplo, Borba (1991) registra usos equivalentes ao que eu encontrei no Corpus:

(a) ... [deu]-lhe uma estocada pela barriga

V: dar, SN dar SN SP: [ + agentivo ] V [ - agentivo] em [ + - agentivo ]‘conceder, aplicar’ (Borba 1991: 364)

(b) ... [deu]-lhes um temporal.

V: SN dar SP: [ - agentivo ] V [ - agentivo ] ‘manifestar-se em, acomenter’ (Borba 1991: 365)obs.: “com sujeito paciente”; ex. “Deu uma bruta febre na criança”

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(c) ... foram [dar] na costa desta província (d) E dali a poucos dias [deram] consigo na terra dos contrários

V: dar, SN SP‘encontrar, topar, deparar’ (Borba 1991: 364)obs: “com sujeito paciente”

Entretanto, nem todos os usos que encontro nos textos da época clássica estão registrados nos

dicionários contemporâneos. Nesses casos, busquei interpretar os dados pelo critério fundamental da

propriedade de controle que o argumento sujeito me parecia exercer sobre o processo expresso pelo

verbo. Entretanto, em muitos casos, a semântica das orações torna desafiador esse tipo de análise;

considere-se por exemplo a seguinte frase em que me parece haver controle do sujeito de {aparecer}:

(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos, lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: ...

Note-se, a propósito, que os dados trabalhados neste estudo, além de serem dados atestados e não de

intuição, são atestados nos mais diversos tipos de texto (ou seja, simplesmente, aqueles que se encontram

disponíveis para o período), e incluem os mais variados contextos discursivos, envolvendo metáforas,

usos figurados, etc. “Limpar” os dados desse tipo de ocorrência significaria reduzir drasticamente o

universo de pesquisa. Assim, tendo em vista o interesse em prosseguir na investigação daquela primeira

correlação observada, passei a buscar meios de análise mais objetivos, pensando em métodos para poder

capturar a generalização da agentividade sem depender exclusivamente da análise “caso a caso”, e

procurei estudar a literatura lingüística sobre essa relação entre as propriedades semânticas e os padrões

de expressão dos argumentos.

Quanto à pesquisa bibliográfica sobre a questão da relação entre propriedades semânticas e apagamento,

encontrei na teoria de Preferred Argument Structure um campo promissor para pesquisas futuras. Essa

linha de pesquisa (Du Bois et al. 2003) se propõe a estudar as relações entre a semântica e a forma dos

constituintes argumentais nas diferentes línguas. Seu ponto de partida é a tendência observada por Du

Bois de que a hierarquia entre os papéis temáticos se revela não apenas a escolha dos argumentos sujeitos,

mas também a forma que estes tomam na sentença, de mais lexical (NP) para menos lexical (pronomes

lexicais ou nulos). Com o desenvolvimento da pesquisa, poderei contrapor os dados do Português

Clássico com o que se discute em Du Bois (2003) a respeito da hierarquia temática da expressão do

sujeito em diferentes línguas.

Nota-se que o desenvolvimento desta linha da pesquisa depende crucialmente do aprofundamento da

reflexão sobre “papéis temáticos”, visando uma melhor descrição e compreensão dos dados. Nesse

aspecto tenho me apoiado, centralmente, no trabalho de Marcia Cançado sobre a hierarquia temática no

Português Brasileiro (Cançado 2003, 2005, 2006 entre outros). No detalhamento, discuto a visão dos

papéis temáticos como característica composicional derivada da combinação entre algumas propriedades

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semânticas fundamentais acarretadas pelos verbos nas diferentes construções, procurando indicar como

essa proposta ajuda a compreender os dados aqui pesquisados.

Por fim, no que remete à busca de critérios mais objetivos, o cruzamento dos dados de apagamento de

sujeito com a tabulação por grupos de diátese se reveleou muito interessante: nota-se, com isso, um

quadro um pouco mais claro da relação entre “agentividade” e apagamento. Como se mostra na seção 2

se comenta no detalhamento, o peso do fator “agentividade” (considerado interpretativamente, “caso a

caso”) sobre a expressão dos sujeitos é menor que o peso do fator classe de diátese; e a combinação dos

dois fatores resulta num panorama muito interessante sobre a relevância da semântica agentiva sobre a

expressão dos sujeitos.

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2. Resultados IniciaisNessa seção apresento os resultados iniciais obtidos pela descrição dos dados a partir dos procedimentos

resumidos até este ponto. Em 2.1, estão os quadros formados pela verificação das valências de cada verbo

já sistematizado. Em 2.2, estão os gráficos que mostram os padrões de expressão dos sujeitos (nulos ou

lexicais) nos dados. Na seção 3, Detalhamento, esses resultados serão comentados.

2 . 1 M a pe a m e nt o in i c i a l da s c ons t r uç õe sOs quadros a seguir apresentam os padrões de realização argumental de 172 verbos, organizados segundo

as construções atestadas no corpus até este momento. Cada quadro inclui dois campos principais

definidores da classificação: realização de [ x ], realização de [ y ]. Entre os dois há um terceiro campo

importante, que remete à realização inerente ou reflexiva do pronome SE. Quanto à realização de [ z ],

como já mencionei acima, esta não foi considerada como característica definidora de classe de alternância,

e por isso é listada abaixo de cada um dos três grupos principais. O número que segue imediatamente

cada verbo nos quadros representa a valência atestada; o número em seguida a este, entre parênteses,

refere-se ao grupo que os vebos integram em termos de diáteses potenciais. Nos campos que descrevem a

expressão de [ x ] e de [ y ], os itens marcados com negrito representam construções efetivamente

registradas no corpus; os itens em itálico e entre parênteses representam construções previstas como

possíveis, mas que não se registraram até este ponto do corpus. Exemplifico com a seguinte entrada:

1. dissolver 3 (2.3) (x dissolver) x dissolver-SEx dissolver-SE em z

... porem o grão formado se [dissolve] pela decomposição das partes oleozas

Este sal ferveo notavelmente com o espirito de vitriolo, e a sua maior parte nelle se [dissolveo]

y dissolver x y dissolver x em zz dissolver x

... porque liquor algum não [dissolve] estas peliculas

Seria muito vantajoso para a economia domestica encontrar-se huma substancia antiseptica que , tendo hum cheiro, e hum gosto agradavel, possa ser [dissolvida] nas substancias oleosas

dhpb 57

A entrada especifica que para {dissolver}, atestam-se as construções {x dissolver-SE} (e sua

subordinada, {x dissolver-SE em z}) e {y dissolver x} (e suas subordinadas, {y dissolver x em z}, e {z

dissolver x}). Especifica também que eu prevejo como possível a construção {( x dissolver )} no PB. O

número 3 mostra que o item aprensenta padrão de valência 3, transitivo; (2.3) indica que está analisado no

grupo 2.3 (transitivos do corpus que aceitam construção intransitiva no PB). Assim, os quadros se

organizam de acordo com a relação entre as construções atestadas no corpus e as construções previstas

no PB. O Quadro-resumo que precede os demais mostra o cenário assim composto.

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2.1.1 Quadro-ResumoEsquema de Valência

Descrição classe exemplo no de verbos

no de ocorrências

[ x ] , [ x ][ z ]

I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas

I.1 Analisados como intransitivos estritos no PB 1 falecer 12 897

I.2 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB 2.1 engordar 20 59

[ x ]-SE [ y ] ?[ x ][ y ]-SE ?

II.Verbos atestados em construções com {SE}

II.1 Em construções intransitivas e com {SE} (analisados como intransitivos ~ transitivos no PB)

2.1 correr 2 26

II.2 Apenas em construções com {SE} (analisados como intransitivos ~ transitivos no PB)

2.1 corromper 18 23

II.3 Em construções transitivas e com {SE}, analisados como intransitivos ~ transitivos no PB

2.2 conservar 9 224

II.4 Em construções transitivas e com {SE}, analisados como transitivos estritos no PB

3 achar 8 1299

[ x ] , [ x ][ z ],[ x ][ y ],[ x ][ y ][ z ]

III. Verbos atestados em construções intransitivas, construções com {SE} e construções transitivas

III.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB 2.2 abrir 6 1879

III.2 Casos duvidosos ? casar 2 65

[ x ][ y ],[ x ][ y ][ z ]

IV. Verbos atestados apenas em construções transitivas

IV.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB 2.3 acabar 12 17

IV.2 Analisados como transitivos estritos no PB 3 defender 62 342

IV.3 Analisados como transitivos estritos no PB (complemento apagável)

3 comer 5 16

IV.4 Analisados como transitivos estritos no PB (objeto preposicionado)

3 bater 16 27

172 4874

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2.1.2 Quadros Descritivos

I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus

I.1 Verbos em construções intransitivas, analisados como intransitivos estritos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. acontecer 1 (1) x acontecerx acontecer (a) z-DAT

E muitas vezes é tamanho o peso delas, que [acontece] quebrar a planta pelo meio .

dhpb ctb

868

2. agir 1 (1) x agir

e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos

ctb 1

3. aparecer 1 (1) (x aparecer) x aparecer (a) z-DAT

E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos, lhe [apareceu] nossa Senhora, e disse:

ctb 1

4. bastar 1 (1) (x bastar)x bastar (a) z

porque não há lá impedimento de coutadas como nestes Reinos, e um só Índio [basta] ( se é bom caçador) a sustentar uma casa de carne do mato:

ctb 1

5. brotar 1 (1) (x brotar)x brotar de z-LOC

mas tornam logo a nascer dela uns filhos que [brotam] do mesmo pé

ctb 1

6. caber 1 (1) x caber x caber em z-LOC

Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros spirituais, e agora que vierão os filhos não [cabe] de alegria por ver que a descarregarão da governança e que tem tempo para se dar a Deos.

ctb 11

7. cair 1 (1) x cair x cair em z-LOC

x cair de z-LOC

E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras , e dali começam as mesmas castanhas também a [cair] pouco a pouco até não ficar nenhuma dentro dos

ctb 4

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

vasos.

8. desaparecer 1 (1) x desaparecer

[Desaparecida] esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz

ctb 1

9. dormir 1 (1) x dormir

Dom Eguas, [dormes]?

ctb 2

10. durar 1 (1) (x durar) ? x durar z

A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não [dura] mais que dois ou três dias, e como passa deles, logo se corrompe.

ctb 4

11. escapar 1 (1) (x escapar)x escapar (a) z-DAT

Estes são muito ligeiros e de maravilha lhe [escapa] ave , ou qualquer outra caça a que remetam.

ctb 2

12. falecer 1 (1) x falecer

... e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe

ctb 1

897

I.2 Verbos em construções intransitivas, analisados como transitivos ~ intransitivos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. acordar 1 (2.1) (x acordar)x acordar a z

Ele a esta voz , e visão [acordando] respondeu:

(y acordar x)

2. acudir 1 (2.1) x acudir x acudir a z

E [acudiu] a Rainha sua mãe dizendo: Minha é a terra, e serra, que meu pai ma deu, e ma deixou

Neste tempo [acodiram] alguns escravos aos gritos da Índia que estava em vela

(y acudir x) ctb 4

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

3. adoecer 1 (2.1) x adoecer

E tendo-a assi preitejada veio o Conde a [ adoecer] de modo, que bem conheceu não haver nele vida.

(y adoecer x) ctb 1

4. afastar 1 (2.1) x afastar

Alguns deles nascem no interior do Sertão , os quais vem por longas e tortuosas vias a buscar o mesmo Oceano: onde suas correntes fazem [afastar] as marinhas águas por força, e entram nele com tanto ímpeto , que com muita dificuldade e perigo se pode por eles navegar.

(y afastar x) ctb 1

5. amadurecer 1 (2.1) x amadurecer

Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias [amadurecem].

(y amadurecer x) ctb 1

6. andar 1 (2.1) x andar

Tem uma gadelha grande no toutiço que lhe cobre o pescoço , e [anda] sempre com a barriga lançada pelo chão , sem nunca se levantar em pé como os outros animais

Neste tempo [andando] a era de Nosso Senhor de mil cento e três , foi este Conde Dom Anrique a ultramar à Casa Santa de Jerusalém, conquistada havia quatro anos de Cristãos

(y andar x) ctb 8

7. arrebentar 1 (2.1) x arrebentar

E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua: e quando há cheias [arrebenta] por cima e arrasa toda a terra.

(y arrebentar x) ctb 2

8. cavalgar 1 (2.1) x cavalgar

Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava

(y cavalgar x) ctb 1

9. cessar 1 (2.1) x cessary cessar de x ?

A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos, e dura até de madrugada: então [cessa] por causa dos

(y cessar x) ctb 3

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

vapores da terra que o apagam .

... e assi como os bons pela justiça se fazem melhores recebendo prêmio, e galardão de suas boas obras assi os maus vem a ser bons, ou ao menos [cessam] de seus males com receio da pena

10. crescer 1 (2.1) x crescer

E assim antes de muito tempo (segundo a gente vai [crescendo]) se espera que haja outros muitos edifícios e templos muito suntuosos com que de todo se acabe nesta parte a terra de enobrecer.

(y crescer x) ctb 2

11. curtir 1 (2.1) x curtir

E tanto que as arrancam, põem-nas a [curtir] em água três quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem.

(y curtir x) ctb 1

12. emprenhar 1 (2.1) x emprenhar

Depois que o Conde Dom Anrique foi casado com a Rainha Dona Tareja , filha del-Rei de Castela como dito é, vindo ela a [emprenhar], Dom Eguas Moniz muito esforçado , e nobre Fidalgo , grande seu privado, que com ele viera da sua terra, e a quem tinha feito muita mercê, chegou ao Conde pedindo-lhe que qualquer filho, ou filha , que a Rainha parisse lhe o quisesse dar para o ele criar, e o Conde lhe o outorgou

(y emprenhar x) ctb 1

13. engordar 1 (2.1) x engordar

Vivem todos muito descansados sem terem outros pensamentos , senão de comer, beber, e matar gente , e por isso [engordam] muito: mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer.

(y engordar x) ctb 1

14. enobrecer 1 (2.1) x enobrecer [ ?]

... com que de todo se acabe nesta parte a terra de [enobrecer]

(y enobrecer y) ctb 1

15. entrar 1 (2.1) x entrarx entrar z-LOC

x entrar em z-LOC

(y entrar x) ctb 21

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

x entrar por z-LOC

Como se acham famintos [entram] nos currais do gado, e matam muitas vitelas e novilhos que vão comer ao mato, e o mesmo fazem a todo animal que podem alcançar.

16. assistir 1 (2.1) (x assisitr)x assistir em z-LOC

Mas porque de umas a outras há muita distância , e a gente vai em muito crescimento, repartiu-se agora em duas governações, convém a saber, da capitania de Porto Seguro para o Norte fica uma , e da do Espírito Santo para o Sul fica outra: e em cada uma delas [assiste] seu governador com a mesma alçada.

(y assistir x) ctb 2

17. aproveitar 1 (2.1) (x aproveitar)x aproveita a zx aproveita para z

Também [aproveita] para as mesmas enfermidades , e aqueles que o alcançam têm-no em grande estima e vendem-no por muito preço

... mas segue todavia justiça temendo , e amando muito a Deus , para que sejas dos teus amado, e temido, tendo Deus em tua ajuda, terás as gentes para teu serviço, e sem ela não há poder, nem saber que te [aproveite].

(y aproveitar x) ctb 2

18. aportar 1 (2.1) (x aportar)x aportar em z-LOC

...e a causa porque a terra se chamou Portugal , foi que antigamente sobre o Douro foi povoado o Castelo de Guaya, e por [aportarem] aí mercadores, e navios...

(y aportar x) ctb 1

19. ancorar 1 (2.1) (x ancorar)x ancorar em z-LOC

... e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro [ancorarem] e estenderem suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto

(y ancorar x) ctb 1

20. chegar 1 (2.1) (x chegar) (y chegar x) ctb 5

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

x chegar a z-LOC

e com aquele vento que lhes era largo por aquele rumo, foram correndo a costa até [chegarem] a um porto limpo e de bom surgidouro onde entraram

59

II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus

II.1 Verbos em construções intransitivas e em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. correr 1 (2.1) x correr x correr z-LOC

Está formada esta província à maneira de uma harpa: cuja costa pela banda do Norte [corre] do Oriente ao Ocidente e está olhando direitamente a Equinocial

x correr-SE de z a z-LOC

[Corre]-se da boca , do Sul para o Norte: dentro é muito fundo e limpo, e pode-se navegar por ele até sessenta léguas como já se navegou .

(y correr x) ctb 2

2. esgalhar 1 (2.1) x esgalhar

Em cada uma dellas têm os lavradores estudado o que sabem e podem observar, para se deliberarem a plantal-a: Observam, por exemplo, que dando bôa raiz, a maniba-mirim [esgalha] tanto, que difficulta o accesso dos Indios, e em os esgalhos que deita diminue a raiz, se os não decotam

x esgalhar-SE

Este grande paiz faz assento sobre a encosta oriental da grande, lombada ou serra , que desprendendo-se e [esgalhando]-se da grande e principal serra de Minas, na altura de 21, corre a Poente, e vai separando as aguas de dois grandes rios ...

? (y esgalhar x) dhpb 24

26

II.2 Verbos atetestados apenas em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. abalar 1 (2.1) (x abalar)x abalar-SE contra z

Quando El-Rei de Castela viu o recado de sua tia, aprouve-lhe muito com ele , e fez logo prestes suas gentes de Castela, e de Lião, e de Araguão, e de Gualiza, e [abalou] com muito grande poder contra Portugal

(y abalar x) ctb 1

2. afadigar 1 ? (x afadigar) x afadigar-SE (y afadigar x) ctb 1

V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |31|

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

Príncipe não nos [afadiguemos] mais nesta contenda, mas ajuntemos-nos um dia em batalha

3. apartar 1 (? x apartar)x apartar-SE de z

E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) deu-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se [apartarem] alguns navios da companhia.

(y apartar x) ctb 2

4. arredar 1 (? x arredar)x arreda-SE de z

e por tanto faze filho sempre como ajam todos direito assi grandes como pequenos , e nunca por rogo , nem cobiça , nem outra nenhuma afeição deixes de fazer justiça , que o dia que um só palmo a deixares de fazer logo no outro se [arredará] de teu coração uma braçada.

(y arredar x) ctb 1

5. comedir 1 (? x comedir)x comedir-SE em z

Enfim que assim se houve a Natureza com todas as coisas desta província , e de tal maneira se [comediu] na temperança dos ares, que nunca nela se sente frio nem quentura excessiva .

(y comedir x) ctb 1

6. conjurar 1 ? (x conjurar) x conjurar-SE

O primeiro capitão que a conquistou e que a começou de povoar , foi Francisco Pereira Coutinho : ao qual desbarataram os Índios , com a força da muita guerra que lhe fizeram , a cujo ímpeto não pode resistir , pela multidão dos inimigos que então se [conjuraram] por todas aquelas partes contra os Portugueses .

(y conjurar x) ctb 1

7. corromper 1 (2.1) (x corromper) x corromper-SE (y corromper x) ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não dura mais que dois ou três dias, e como passa deles , logo se [corrompe].

1. cozer 3 (3.3) (* x cozer) x cozer-SE

Também se [coze] com couves e guisa-se como carne, e assim não há pessoa que o coma, que o julgue por peixe: salvo se o conhecer primeiro.

(x cozer) ctb 1

8. desmandar 1 (? x desmandar)x desmandar-SE em z

A esta fruta chamam Cajús: tem muito sumo , e come-se pela calma para refrescar , porque é ela de sua natureza muito fria, e de maravilha faz mal, ainda que se [desmandem] nela

(y desmandar x) ctb 3

9. desviar 1 (2.1) (x desviar)x desviar-SE para z-LOC

E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-se direito para cima como um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e estando assim a par com ele , deu-lhe uma estocada pela barriga, e dando-lha no mesmo instante se [desviou] para uma parte com tanta velocidade, que não pode o Monstro levá-lo debaixo de si

(y desviar x) ctb 1

10. embarcar 1 (2.1) (x embarcar)x embarcar-SE em z-LOC

E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de esgotar , e outra vez se [embarcam] nela e tornam a fazer sua viagem.

(y embarcar x) ctb 1

11. empegar 1 (? x empegar)x empegar-SE a z-LOC

E depois de haver bonança junta outra vez a frota, [empegaram]-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam estorvar sua viagem, como por lhes ficar largo

(y empegar x) ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

poderem dobrar o cabo de Boa Esperança.

12. encolher 1 (2.1) (x encolher) x encolher-SE

Quando alguém lhe toca com as mãos, ou com qualquer outra coisa que seja , naquele momento se [encolhe] e murcha de maneira, que parece criatura sensitiva que se enoja e recebe escândalo com aquele tocamento

(y encolher x) ctb 1

13. encomendar 1 (* x encomendar)x encomendar-SE (a) z-DAT

Começando de escrever das vidas , e muito excelentes feitos dignos de eterna memória , dos muito esclarecidos Reis de Portugal , [encomendo]-me àquele guiador de seus nobres , e virtuosos corações Espírito Santo , que assi como participou com eles de sua infinda graça para as obrar, me queira dar alguma para os escrever ...

(y encomendar x) ctb 1

14. endurecer 1 (2.1) (x endurecer) x endurecer-SE

Este âmbar todo quando logo sai , vem solto como sabão e quase sem nenhum cheiro: mas daí a poucos dias se [endurece], e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos.

(y endurecer x) ctb 1

15. esquecer 1 (*x esquecer)x esquecer-SE de z

Por onde não parece razão, que lhe neguemos este nome, nem que nos [esqueçamos] dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo mal considerado , depois que o pau da tinta começou de vir a estes Reinos

(x esquecer y) ctb 1

16. estreitar 1 (2.1) (x estreitar) x estreitar-SE

Aqui se metem dois rios nele que vem do sertão, por um dos quais entraram alguns Portugueses quando foi do

(y estreitar x) ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

descobrimento que foram fazer no ano de 35 e navegaram por ele acima duzentas e cinqüenta léguas, até que não puderam ir mais por diante por causa da água ser pouca e o rio se ir [estreitando] de maneira, que não podiam já por ele caber as embarcações.

17. finar 1 (? x finar) x finar-SE

Desta doença se veio a [ finar ] o Conde Dom Anrique em Estorgua dois meses , e cinco dias antes que o prazo de Lião fosse acabado.

ctb 1

18. acolher 3 (3.3) (* x acolher)x acolher-SE em z

Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se [acolher], e que sua mãe tão pouco dele curava, ...

(y acolher x) ctb 2

23

II.3 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. ajuntar 3 (2.3) (x ajuntar) x ajuntar-SE

e os Índios da terra que ali se [ajuntaram] ouviam tudo com muita quietação

y ajuntar x (?)

... e a causa porque a terra se chamou Portugal , foi que antigamente sobre o Douro foi povoado o Castelo de Guaya, e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro ancorarem , e estenderem suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto, que ora é Cidade muito principal, donde [ajuntando] estes dois nomes, foi chamado Portugal

ctb 5

2. conservar 3 (2.3) (x conservar) x conservar-SE

E depois de criadas desta maneira, se logo as não querem arrancar para comer, cortam-lhe a planta pelo pé, e assim estão estas raízes cinco, seis meses debaixo da terra em sua

y conservar x

... de sua mão somos isso, que somos, e o que temos não teríamos, se da sua mão, e bondade o não tivéssemos, e por tanto trabalhaste por [conservar] em seu serviço.

ctb 2

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

perfeição sem se danarem: e em São Vicente se [conservam] vinte, trinta anos da mesma maneira.

3. danar 3 (2.3) (x danar) x danar-SE

... e assim estão estas raízes cinco, seis meses debaixo da terra em sua perfeição sem se [danarem] ...

y danar x

E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não [danam]: mas recreiam e acrescentam a vida do homem.

ctb 3

4. deitar 3 (2.3) (x deitar) x deitar-SE em z-LOC

Em lugar delas se [deitam] seus maridos nas redes, e assim os visitam e curam como se eles fossem as mesmas paridas.

(y deitar x)y deitar x em z-LOC (?)

Não devia de aprazer a Deus tal coisa que vós me queirais [deitar] fora da terra que meu pai ganhou.

ctb 2

5. dissolver 3 (2.3) (x dissolver) x dissolver-SEx dissolver-SE em z

... porem o grão formado se [dissolve] pela decomposição das partes oleozas

Este sal ferveo notavelmente com o espirito de vitriolo, e a sua maior parte nelle se [dissolveo]

y dissolver x y dissolver x em zz dissolver x

... porque liquor algum não [dissolve] estas peliculas

Seria muito vantajoso para a economia domestica encontrar-se huma substancia antiseptica que , tendo hum cheiro, e hum gosto agradavel, possa ser [dissolvida] nas substancias oleosas

dhpb 57

6. estender 3 (2.3) (x estender)x estender-SE de z-LOC a z-LOC

Dista o seu princípio dois graus da equinocial para a banda do Sul, e daí se vai [estendendo] para o mesmo Sul até quarenta e cinco graus

(y estender x) y estender x para z-LOC

... e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro ancorarem e [estenderem] suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto

ctb 2

7. mexer 3 (2.3) (x mexer) x mexer-SE

Estão estas pinhas pegadas, e por baixo das folhas, nas quaes tocando os caminhantes logo principiam a [mexer]-se, qual formigueiro, quando lhe tocam

y mexer xy mexer x com zy mexer x em z

Ali põem o cacao, o qual vão [mexendo] para se torrar todo igualmente, e ali se torra tãobe, e se vai separando a casca da pevide}

e fica esta massa toda muito enxuta, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso feito,

dhpb 30

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]em o qual deitam esta massa e a enxugam sobre o fogo, onde uma Índia a [meche] com um meio cabaço, como quem faz confeitos

... & levada na Repartideira para o Tendal, ſe enchem as Formas, continuando com a Eſpatula a [mexer] nellas todas as tres Temperas, de ſorte que perfeitamente ſe encorporem, & de tres se faça hum ſo corpo

8. ornar 3 (2.3) (x ornar) x ornar-SEx ornar-SE com zx ornar-SE de z

A superstição de todas ellas, seus differentes costumes, extravagancia no vestir e em se [ornarem], as suas festas e bailes, os seus instrumentos marciaes e festivos, as suas armas e utensilios domesticos, tudo isto apresenta um dilatado campo de observações, ...

É contudo tão natural a paixão de [ornar]-se com enfeites no sexo amável, que elas, não por falta de outros ornatos, tinham furado o beiço de baixo e pendente dêle um pedaço de resina dura e alambreada, ponteaguda, do comprimento de um palmo, ... [

E as mulheres se [ornam] esquisitamente de missangas grossas pelos braços, pernas, e outros ao tiracol: ...

y ornar xy ornar x com zy ornar x de z

Disse que era amigo das cousas da egreja, porque, não satisfeito de honrar todas as festas com sua presença, tratando de concertar e [ornar] as egrejas, como se vê em Nossa Senhora do Rosario e Santo Christo, ...

Os Saparas', Uaiumarás e Pauxianas, [ornam] o peito com riscos, que com direcção obliqua vão terminar ás costas.

Frey Ruperto de Jesus, monge de S. Bento natural de Igrassu, de quem fizemos memoria no livro quarto, foy [ornado] de hu engenho agudo, comprehenção rara, memoria feliz, cujos dotes o fizerão igualmente celebre na cadeira, como no pulpito, ...

dhpb 60

9. pulverizar 3 (2.3) (x pulverizar)x pulverizar-SE com z

Lance-ſe huma gotta de leyte de peyto em hum prato, nelle ſe lance hum pano de linho fino do tamanho, que cubra, a tal inchaçaõ;e eſtando eſtendido , e affogado no leyte, ſe. [pulverize] todo o pano com pós ſutis de incenſo

y pulverizar xy pulverizar x com z

Para que os callos naõ tornem a naſcer. He remedio de grande eſtimaçaõ [pulverizar] a cova, donde ſe tirou o callo, com a cinza, que ſe fizer das caſcas das oſtras

dhpb 60

224

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II.4 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE} analisados como transitivos estritos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. achar 3 (3.3) (* x achar) x achar-SE

e os que lá forem viver com esta esperança não creio que se [acharão] enganados.

y achar xy achar x (a) z-DAT

E até hoje um só caminho lhe [acharam] os homens vindos do Peru à esta província

ctb 23

2. benzer 3 (3.3) (* x benzer) x benzer-SE

O louco namorado não descansa, Enquanto tem quem ouça as aventuras, Que fez com as madamas, mais Senhoras; [Benzendo]-se mil vezes, quando chega Aos lances apertados de ser visto Dos maridos, dos Pais, e dos parentes, Em que só por milagre não foi morto. [A00_1224].

y benzer xy benzer (x) (?)

No dia, em que ſe bota a Canna a moer, ſe o Senhor do Engenho naõ convidar ao Vigario; o Capellaõ [benzerá] o Engenho, & pedira a Deos, que dè bom rendimento, & livre Cultura, aos que nelle trabalhaõ de todo o deſaſtre. [A00_2576 P. 13].

Se algua peſſoa adivinha, ou [benze], ou cura com palavras, ou bençoes ſem noſſa licença, ou de noſſo Proviſor, & ſe ha alguem que a và buſcar, cre ndo q com ſua s̃ bençoens póde haver ſaude, ...[A00_2472 ].

dhpb 74

3. criar 3 (3.3) (* x criar) x criar-SE x criar-SE em z-LOC

Estes papagaios são variados de muitas cores , e [criam]-se muito longe pelo sertão dentro: e depois que os tomam vêm a ser tão domésticos que põem ovos em casa e acomodam-se mais à conversação da gente que outra qualquer ave que haja , por mais doméstica e mansa que seja

y criar xy criar (x)y criar x em z-LOC

... e isto feito farás aí vigília pondo o Menino que [crias] sobre o Altar , e sabe que guarecerá , e será sã de todo, e não menos te trabalha daí avante de o bem guardar, e criar como faze; porque meu filho quer por ele destruir muitos inimigos da Fé .

Os Índios da terra as costumam tomar em seus ninhos quando são pequenas, e [criam]-nas em umas sorças para depois de grandes se aproveitarem das penas em suas galantarias acostumadas

Esta planta não é muito grossa e tem muitos nós: quando a querem plantar em alguma roça, cortam-na e fazem-na em pedaços, os quais metem debaixo da terra, depois de cultivada como

dhpb ctb

709

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]estacas e daí tornam a arrebentar outras plantas de novo : e cada estaca destas [cria] três ou quatro raízes e daí para cima (segundo a virtude da terra em que se planta) as quais põem nove ou dez meses em se cria

4. envolver 3 (3.3) (* x envolver) x envolver-SE em z

É verdade, que entre elles a dansa se não deve chamar divertimento, antes é uma occupação muito séria e importante, que se [envolve] em todas as circumstancias da sua vida publica e particular, e de que depende o principio, e o fim de todas as suas deliberações.

y envolver xy envolver x com zy envolver x em z

Dir-se-ha que a natureza encerrou no Cacao hum remedio para todos estes inconvenientes; o volatil sulphureo, de que abunda, he capaz de repôr todos os dias tudo quanto a grande idade faz o sangue perder; embota a força dos saes, os [envolve], os concentra, e repõem ao sangue a sua doçura acostumada, com pouca differença, como o espirito de vinho, circulando da com o espirito de sal, fórma hum liquor doce de hum poderoso corrosivo.

Passaram por ali acaso dois soldados portugueses; um dêles, movido de compaixão, deita-se, com piedade cristã, aos pés do seu Deus, toma-o nos braços com muitas lágrimas e suspiros, [envolve]-o em uma capa de baêta, e passa-se com êle ao lugar onde se recolhe, sofrendo mil injúrias e ouvindo mil blasfêmias dos hereges.

dhpb 71

5. temperar 3 (3.3) (* x temperar) x temperar-se

Daqui vem tambem não poder o sal e o assucar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem humedecer-se, e o ferro, e aço de huma espada ou navalha, por mais limpo, e sacalado, que seja se enche logo de ferrugem, e esta humidade he causa de que o calor desta terra se [tempere], e faz este clima de boa complexão, outra he pelos ventos Leste, e Nordeste, que ventão do mar todo o verão do meio dia pouco mais ou menos, athé a meia noite, e lavão e

y temperar xy temperar x com zz temperar x

Quando o querem cozinhar, lavam-no muito bem, e depoes o cozinham, e [temperam]

.. a qual comem os Indios e os mestiços crua, e [temperam] as panellas dos seus manjares com ella

Fuy [temperando] aquella inflãmaçaõ, e dor com remedios anodinos ...

O Clima do Brasil geralmente he [temperado] de bons, delicados, e salutiferos ares

... porem accudiu divina Providencia com chuvas e virações, que [temperam] estas calmas

dhpb 381

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

refrescão toda a terra.

6. ajudar 3 (3.3) (* x ajudar)x ajudar-SE de z

Além disto [ajudam]-se da carne de muitos animais que matam

...há outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém a saber , muitas canas de açúcar e algodões, que é a principal fazenda que há nestas partes, de que todos se [ajudam] e fazem muito proveito em cada uma destas capitania

y ajudar x

Estes moradores todos pela maior parte se tratam muito bem, e folgam de [ajudar] uns aos outros com seus escravo

ctb 5

7. arremessar 3 (3.3) (* x arremessar)x arremessa-SE a z

Rodeia a náu o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores ás costas, tão cerzidos com a pelle, que mais parecem remendos, ou manchas naturaes, que hospedes, ou companheiros. Lançam-lhe um anzol de cadeia com a ração de quatro soldados, [arremessa]-se furiosamente á presa, engole tudo de um bocado, e fica preso.

(y arremessar x) y arremessa x contra z

Êstes guaribas costumam a fazer-se a barba uns aos outros, quando as têm crescidas, ajudando-se para isso de certas pedras agudas, unhas e dentes; e quando lhes tiram com algumas flechas e delas são ligeiramente feridos tornam com muita brevidade a tirá-la logo do corpo e, com acendida cólera, a [arremessam] contra o que lha atirou, intentando querer fazer o mesmo que lhe fizeram; e a ferida curam depois com facilidade, aplicando-lhe certas ervas só dêles conhecidas.

dhpb 34

8. entregar 1 (3.3 (*x entregar) x entregar-SE (a) z-DAT

São muito desonestos e dados à sensualidade , e assim se [entregam] aos vícios como se neles não houvera razão de homens

y entregar x a z-DAT

... e lhes foi forçado preitejarem-se por esta guiza , que se El-Rei Dom Affonso de Castela seu primo chamado Imperador , lhes não socorresse até quatro meses, eles lhe [entregassem] a Cidade de Lião com todas as rendas, e senhorio que El-Rei nela tinha

ctb 2

1299

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III. Verbos atetestados em construções intransitivas e construções transitivas no corpus

III.1 Verbos intransitivos e transitivos, analisados como intransitivos e transitivos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. abrir 2 (2.2) x abrir

Esta erva toda a noite está murcha, e como dormente, e em nascendo o sol torna a [abrir], e quando se põe torna a fechar.

x abrir-SE

... e como o algodão está de vez, que é de Agosto por diante, [abrem]-se estas folhas, com que se fecham estes capulhos, e vão-se seccando e mostrando o algodão que tem dentro muito alvo

y abrir xy abrir x com z

Estas aves pastam ervas como qualquer outro animal do campo, e nunca se levantam da terra, nem voam como as outras, somente [abrem] as asas e com elas vão ferindo o ar ao longo da mesma terra

dhpb+ctb

31

2. abranger 3 (2.3) x abranger x abranger z-LOC

Tem este recolhimento concessão para vinte mulheres convertidas que querem largar o mundo e viver com honestidade, para cuja sustentação tem bastantes propriedades de que os rendimentos sendo bem administrados, [abrangem] com suficiencia

E q' eu os encomendaria ao s.or g.dor q' os deffendesse e emparasse delles, dei aos principais alguas reliquias de ferramenta velha q' ficou dos tapuyas, mas nem p. isso os contentey porque cuidão q' tudo isso e muito mais se lhe deve, aonde não [abrangerão] os machados e fouces dei alguas facas ou tizouras e entre estes avia hu p. nome lagartixa espalmada o qual era sobrebisse...

( ? x abranger-SE) y abranger x? y abranger a x

As maõs cheyas, em que tenho falado, e hey de falar, he regularmente quanto póde [abranger] huma maõ com os dedos. E a palavra dóſe, ou dóſes he o meſmo, que huma porçaõ tudo o mais he o commum.

mas tanto que D. Isabel commetteu sua jurisdicção a outro, logo conheceu a verdade, e assentou, que a Capitania de S. Vicente [abrangia] a Ilha de Santo Amaro

Esta é a mais ordinária, que se vende, porque [abrange] a todos, é o remédio dos pobres, é o jornal dos jornaleiros, o viático nas jornadas, e a matalotagem nas viagens de canoas, e navios

dhpb 82

3. achegar 2 (2.2) x achegar x achegar em z-LOC

E logo que achegou, tomada a emformaçao da terra, desembarcou à mea noite, ...

x achegar-SEx achegar-SE a z-LOC

Aconteceo hum dia que estando hum feiticeiro tirãodo huma palha a hum doente, hum menino da

y achegar x y achegar x a z-LOC

Huns christãos, que se ali acharão, o puserao no terreiro e achegavam-lhe lume já, o que se fazia por

dhpb 58

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

escola se [achegou] e estando o feiticeiro gloriando-sse de aver tirado a palha que era a doença daquele, o moço movido por Nosso Senhor e com zelo da fee, porque era já christão, lha arrebatou da mão, ...

fazer medo aos outros: até que vierão huns principaes velhos e postos os jiolhos em terra, lhe pedião a vida e que o levasse comigo pera taipar nas taipas de Sant Spritus que se fazia, e eu o levei, não pera taipar, mas pera se doutrinar na fee, e doutrina, com os outros.

4. dar 2 (2.2) x dar x dar em z-LOC

x dar a z-DAT

Estando assim surtos nesta parte que digo, [deu]-lhes um temporal, que foi causa de não as poderem tomar

E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, foram [dar] na costa desta província

E todavia, não deixarei de relatar ho açoute de Nosso Senhor que [deu] a esta Baya nas guerras civis

x dar-SE

... tem muito páo de que se fazem as tintas. Em algumas partes d'elle se [dá] trigo, cevada, e vinho muito bom, e em todas todos os fructos e sementes de Hespanha ...

y dar xy dar x (a) z-DAT

... e huu dos nosos [deu]lhe pola pedra huu sonbreiro uelho {1500, Caminha}

Hum dia, achando-me eu perto delle, [deu] huma bofetada grande a hum dos seus, ...

ctb + dhpb

1643

5. quebrar 2 (2.2) (x quebrar) x quebrar (a) z-DAT (?)

Segunda-feira, 22 de Outubro (e) no quarto de alva, me [quebrou] o aúste da âncora, de forma que tornei outra vez a caçar como dantes.

Aqui nesta ilha estivemos quarenta e quatro dias. Neles nunca vimos o Sol; de dia e de noite nos choveo sempre com muitas trovoadas e relâmpados. Nestes dias nos nom ventaram outros ventos desde o sueste até o sul: deram-nos tam grandes tromentas destes ventos e tam rijos como eu em outra nenh[u]a parte os vi ventar. Aqui perdemos muitas

x quebrar-SE

Aqui se [quebrou] o desencantamento do Paraaçu, onde ninguem ousava sayr em terra, e perderem os christãos o medo que tinhão àquele gentio, vindo com muyta victoria sem lhe matarem ninguem.

Estes ramos são muito tenros, e têm hum miolo branco por dentro, e de palmo em palmo têm certos nós. E desta grandura se [quebrão], e plantão na terra em huma pequena cóva, e lhes ajuntão terra ao pé, e ficão mettidos tanto quanto basta para se terem, e dahi

y quebrar xy quebrar (a) z-DAT

y quebrar x com z

foy dito que tinha feitos muitos seruiços a el Rey e que ajmda que elle [quebrara] a cabeça a Jesus christo

dhpb 37

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

âncoras e nos [quebraram] muitos cabres

a seis, ou nove mezes têm já raizes tão grossas que servem de mantimento.

6. queimar 2 (2.2) x queimar

Deste trato quero eu e desejo que aja muito nessa terra, ao menos antre aquelles que bem sabem chorar seus peccados, deixando o trato maldito de peccar, pois por retorno não tem senão fogo de emxofre que [queima] e nunqua acaba de [queimar].

x queimar-SE

Com estas cousas, e outras muitas que ho mesmo Spiritu de vida sabe mui bem ensinar nos corações, onde entra, queria eu que de tal maneira ardeseis em charidade, que até os matos se [queimassem] com elle.

y queimar xy queimar x a z-DAT

Não estimão os Irmãos este trabalho porque sabem por quem o padecem, nem os espinhos que se lhe metem polos pees, nem os ardores que lhe [queimão] os pees, nem a fome que sofrem:

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III.2 Verbos intransitivos e transitivos, analisados como intransitivos e transitivos no PB – casos duvidosos

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. casar 3 (2.3) (x casar)? x casar com z ou? y casar x com z

Quando ele viu a terra tomada mandou desafiar a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador seu primo com irmão filho do Conde Dom Reymão de Tolosa , e de Dona Urraqua irmã de sua mãe a Rainha Dona Tareja, mas logo foram reconciliados, e amigos , e então se foi a Portugal , e não achou onde se acolhesse: porque toda a terra se alçara com sua mãe a qual [casou] com Dom Vermuy Paes de Trava , e depois Dom Fernando Conde de Trastamara seu irmão dele lha tomou , e [casou] com ele , e Dom Vermuy Paes [casou] depois com uma filha desta Rainha Dona Tareja , e do Conde Dom Anrique já finado, que ele tinha em sua casa , que chamavam Dona Tareja Anriques , e por este pecado foi feito em Gualiza um Mosteiro chamado de Sobrado.

y casar x com z

... e tendo El-Rei assi deles contentamento querendo honrá-los , e remunerar seus nobres feitos , e trabalhos , que em sua companhia passaram na guerra contra os infiéis , determinou de [casar] três filhas suas com eles , uma chamada Dona Urraqua , [casou] com o Conde Dom Reymão de Tolosa , de que depois nasceu El-Rei Dom Affonso de Castela chamado também Imperador , donde descendem também todos os Reis de Castela , outra Dona Elvira , [casou] com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença; outra chamada Dona Tareja deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa ,...

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

Outra filha ficou do Conde Dom Anrique, que havia nome Dona Sancha que foi [casada] com Dom Fernão Mendes

Depois que o Conde Dom Anrique [foi casado] com a Rainha Dona Tareja , filha del-Rei de Castela como dito é, vindo ela a emprenhar, Dom Eguas Moniz muito esforçado, e nobre Fidalgo, grande seu privado, que com ele viera da sua terra, e a quem tinha feito muita mercê, chegou ao Conde pedindo-lhe que qualquer filho, ou filha , que a Rainha parisse lhe o quisesse dar para o ele criar, e o Conde lhe o outorgou

2. condescender 1 (1) x condescender

Com efeito, [condescenderam] e pôs-se por obra a fatura da fortaleza, a qual o capitão José Matol, meio convalescido, foi delinear de figura pentágona.

Chegou a enchente a noite, porem como não era conveniente fazer viagem senão de dia, pedi ao tal tenente que se quizesse demorar para pela manhã, pois me achava incapaz do estomago: elle logo [condescendeu], rendendo-me a fineza de que por meu respeito ia por aquelle caminho detendo a sua viagem.

... e que como o dito Prelado tinha faltado às obrigações de Religioso, porque se tinha excedido o modo, era por bondade e não por malícia, e com cujos roubos logo segurei a V. Revma. que não [condescendia], porque a sua desobediência e orgulho tinha sido fato publico e notório a todos

? x-y condescender a z-x ? x-y condescender em z- x? x-y condescender com z-x

Tambem se publicou depois de espalhada est a noticia, a de q.' o Gn.al Sucedendo no Gov.o de S. Paulo passava aos Goyazes § Ponderando eu .q' as vozes, de que a Cobrança da Capitação no Certão, era disposição minha, a q ' quazi violento [condescendera] o Gn.al, derão grande corpo aos motins do Certão, que das devassas se inferia terem aquelles motins quem os fomentasse nas Minas

Não podendo deixar de concordar com V. Ex. no parecer de se crearem de novo dous parocos mais, destinado um a ajudar os dous que já tem as povoações da parte superior do Rio-Negro, e o outro ao que se acha parochiando as do Rio-Branco, passei logo a conferir com o Exm. e Revm. Sr. bispo este ponto, o qual, levado do seu grande zêlo, não hesitou um só instante em [condescender] tambem no proposto por V. Ex., nomeando logo alguns sacerdotes, que na presente occasião passão para essa capitania

A primeira, me parece que foi dar Nosso Senhor graça ao Governador para saber soffrer tudo, e dar-lhe prudencia para em tal tempo saber trazer as vontades de todos tão contrarias á sua [condescenderem] com aquillo que elle entendia, e Nosso Senhor

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]lhe inspiravaO remedio que Christo Senhor nosso, [condescendendo] com a fraqueza humana, deixou para os peccados que depois do baptismo se commettessem, foi a confissão dos mesmos peccados

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IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus

IV.1 Verbos em construções transitivas, analisados como transitivos ~ intransitivos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. acabar 3 (2.3) (x acabar) y acabar x

Depois daí a certo tempo pelo conseguinte a mudam, e tornam-se a cobrir de outra muito vermelha, e tanto, como o mais fino e puro carmesim que no mundo se pode ver: e nesta [acabam] seus dias.

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2. apagar 3 (2.3) (x apagar) y apagar x

A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então cessa por causa dos vapores da terra que o [apagam] .

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3. começar 3 (3.3) (x começar) y começar x

Eu sou a Virgem Maria, que te mando que vai a um tal lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí cavar, e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi [começada] em meu nome, e uma Imagem minha; ...

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4. cortar 3 (2.3) (x cortar) y cortar xy cortar x z-LOC (?)

Depois de colhidos, [cortam] esta planta, porque não frutifica mais que a primeira vez ... E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, foram dar na costa desta província: ao longo da qual [cortaram] todo aquele dia, parecendo a todos que era alguma grande ilha que ali estava ...

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5. dobrar 3 (2.3) (x dobrar) y dobrar x

E depois de haver bonança junta outra vez a frota, empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam estorvar sua viagem, como por lhes ficar largo poderem [dobrar] o cabo de Boa Esperança.

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6. enriquecer 1 (2.1) (x enriquecer) y enriquecer xE assim as terras que há nesta capitania, também são as

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]melhores e mais aparelhadas para [enriquecerem] os moradores de todas quantas há nesta província ...

7. esfolar 3 (2.3) (x esfolar) y esfolar x

Quando querem guisá-las para comer, pelam-nas como leitão, e não as [esfolam], porque tem um couro muito tenro e saboroso, e a carne também é muito gostosa, e das melhores que há na terra.

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8. esgotar 1 (2.13 (x esgotar) y esgotar x (?)

Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali a espremem daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por [ esgotar ];E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de [esgotar] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer sua viagem.

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9. extinguir 3 (2.3) (x extinguir) y extinguir x

Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que tanto trabalhou e trabalha por [extinguir] a memória da Santa Cruz , e desterrá-la dos corações dos homens ...

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10. acalmar 3 (2.3) (x acalmar) (y acalmar x)y acalmar x com z

E neste intervalo sopra um vento brando que na terra se gera , até que o Sol com seus raios o [acalma] , e entrando o vento do mar acostumado , torna o dia claro e sereno , e faz ficar a terra limpa e desempedida de todas estas exalações

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11. assentar 3 (2.3) (x assentar) (y assentar x)y assentar x em z-LOC

Filho esta hora derradeira que me Deus ordena para te haver de deixar com a vida deste mundo me faz que te veja, e fale com dobrado amor, e sentido do nosso apartamento, e por isso [assenta] em teu coração minhas palavras como de pai a quem após estas já não hás de ouvir outras.

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12. estragar 3 (2.3) (x estragar) (y estragar x)y estragar x (a) z-DAT

... a qual tendo tomada, e metida sob seu senhorio, dali os guerreou fazendo continuamente muitas cavalgadas pela terra [estragando]-lhes pães , e vinhas , matando , e prendendo muita gente deles ...

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IV.2 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. acrescentar 3 (3.3) ? (* x acrescentar) y acrescentar x

E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não danam: mas recreiam e [acrescentam] a vida do homem

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2. abastar 3 (3.3) ? (* x abastar) y abastar x

Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de que se faz pão muito alvo , e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam] muito a terra.

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3. adquirir 3 (3.3) (* x adquirir) y adquirir x

E a primeira coisa que pretendem [adquirir], são escravos para nelas lhes fazerem suas fazendas

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4. afirmar 3 (3.3) (* x afirmar) y afirmar xy afirmar x de z

Este rio procede de um lago muito grande que está no íntimo da terra, onde [afirmam] que há muitas povoações , cujos moradores ( segundo fama) possuem grandes haveres de ouro e pedraria.

Destes animais se [afirma] que não concebem nem geram os filhos dentro da barriga senão em aqueles bolsos , porque nunca de quantos se tomaram se achou algum prenhe

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5. alçar 3 (3.3) (* x alçar) y alçar x

E tornando a Pedro Álvares seu descobridor , passados alguns dias que ali esteve fazendo sua aguada e esperando por tempo que lhe servisse, antes de se partir, por deixar nome aquela província, por ele novamente descoberta, mandou [alçar] uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore ...

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6. amoestar 3 (3.3) (* x amoestar) y amoestar x

... tornemos-lhe a restituir seu nome, e chamemos-lhe província de Santa Cruz como em princípio (que assim o [amoesta] também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando deste mesmo descobrimento).

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7. arrancar 3 (3.3) (* x arrancar) y arrancar x

E tanto que as [arrancam], põem-nas a curtir em água três quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem.

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8. arrasar 3 (3.3) (* x arrasar) y arrasar x ctb 2

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua: e quando há cheias arrebenta por cima e [arrasa] toda a terra.

9. arvorar 3 (3.3) (* x arvorar) y arvorar z

... mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore , onde foi [arvorada] com grande solenidade e benções de Sacerdotes que levava em sua companhia

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10. atravessar 3 (3.3) (* x atravessar) y atravessar x

Destes e de outros extremos semelhantes carece esta província Santa Cruz: porque com ser tão grande, não tem serras (ainda que muitas) nem desertos nem alagadiços, que com facilidade se não possam [atravessar].

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11. buscar 3 (3.3) (* x buscar) y buscar x

Alguns deles nascem no interior do Sertão , os quais vem por longas e tortuosas vias a [buscar] o mesmo Oceano: onde suas correntes fazem afastar as marinhas águas por força, e entram nele com tanto ímpeto , que com muita dificuldade e perigo se pode por eles navegar .

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12. castigar 3 (3.3) (* x castigar) y castigar x

Quando este morre fica seu filho no mesmo lugar por sucessão , e não serve de outra coisa senão de ir com eles à guerra, e aconselhá-los como se hão de haver na peleja: mas não [castiga] seus erros, nem manda sobre eles coisa alguma contra suas vontades.

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13. causar 3 (3.3) (* x causar) y causar x

Um certo gênero de árvores há também pelo mato dentro na capitania de Paranambuco a que chamam Copahíbas de que se tira bálsamo muito salutífero e proveitoso em extremo para enfermidades de muitas maneiras , principalmente nas que procedem de frialdade [causa] grandes efeitos e tira todas as dores por graves que sejam em muito breve espaço

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14. celebrar 3 (3.3) (* x celebrar) y celebrar x

...mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore , onde foi arvorada com grande solenidade e benções de Sacerdotes que levava em sua companhia , dando a terra este nome de Santa Cruz: cuja festa [celebrava] naquele mesmo dia a santa madre Igreja (que era aos três de Maio).

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15. cercar 3 (3.3) (* x cercar) y cercar x

Este braço de mar que [cerca] esta ilha tem duas barras cada uma para sua parte.

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16. cobrar 3 (3.3) (* x cobrar) y cobrar x ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

... enviou seus recados o mais secreto que pôde a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador como El-Rei Dom Affonso seu avô , em que lhe fazia queixume do Príncipe seu filho a ter presa dizendo que Portugal pertencia a ele de direito , e que assi por ele [cobrar] o que seu era, como pelo que devia à virtude em acudir por uma sua tia posta fora de seu marido ...

17. cobrir 3 (3.3) (* x cobrir) y cobrir x

Todos andam nus e descalços assim machos como fêmeas, e não [cobrem] parte alguma de seu corpo.

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18. colher 3 (3.3) (* x colher) y colher x

Como são de vez [colhem] estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem.

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19. conformar 3 (3.3) (* x conformar) y conformar x

.. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao diante acrescentado, e [conformado] pelos Reis seus sucessores, ...

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20. conhecer 3 (3.3) (* x conhecer) y conhecer x

Nisto [conheceu] o mancebo que era aquilo coisa do mar, e antes que nele se metesse , acodiu com muita presteza a tomar-lhe a dianteira.

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21. conquistar 3 (3.3) (* x conquistar) y conquistar x

A sétima capitania, é a do Rio de Janeiro a qual [conquistou] Mem de Sá, e a força d´armas, ...

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22. consentir 3 (3.3) (* x consentir) y consentir x

Também costumam todos arrancarem a barba, e não [consentem] nenhum cabelo em parte alguma do seu corpo: salvo na cabeça, ainda que ao redor dela por baixo tudo arrancam.

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23. constranger 3 (3.3) (* x constranger) y constranger x

Deves filho de saber, que o poderio que o Senhor Deus neste mundo ordenou de alguns Príncipes sobre outros submetidos a eles foi por tal, que os maus sejam [constrangidos], e os bons vivam entre eles em paz , e a sossego, ...

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24. contar 3 (3.3) (* x contar) y contar xy contar x de z (?)

A este propósito [contarei] alguns casos notáveis que aconteceram entre eles, deixando outros muitos a parte de que eu pudera fazer um grande volume

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

.. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao diante acrescentado, e conformado pelos Reis seus sucessores, os quais, [contando] deste primeiro Rei, são por todos quatorze...

25. conter 3 (3.3) (* x conter) y conter x

Tem esta província assim como vai lançada da linha Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de Portugueses, que [contém] cada uma em si, pouco mais ou menos, cinqüenta léguas de costa

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26. corrigir 3 (3.3) (* x corrigir) y corrigir x

... e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi começada em meu nome, e uma Imagem minha; faze [correger] a Imagem, e a Igreja feita à minha honra; ..

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27. crer 3 (3.3) (* x crer) y crer x

São muito inconstantes e mutáveis: [crêem] de ligeiro tudo aquilo que lhe persuadem por dificultoso e impossível que seja , e com qualquer disuasão facilmente o tornam logo a negar.

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28. cuidar 3 (3.3) (* x cuidar) y cuidar x

E logo pelos primeiros dias põem-lhe seus parentes de comer em cima da cova , e também alguns lho costumam a meter dentro quando o enterram , e totalmente [cuidam] que comem, e dormem na rede que têm consigo na mesma cova

Tornaram então a batalha, e venceram-no, e o Príncipe prendeu aí seu padrasto, e sua mãe , e quando se o Conde Dom Fernando viu preso, [cuidou] logo de ser morto, e fez preito, e homenagem ao Príncipe de nunca mais entrar em Portugal

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29. cumprir 3 (3.3) (* x cumprir) y cumprir x

... e que não querendo o Conde Dom Anrique [cumprir] assi isto, qualquer que fosse Rei de Castela pudesse tomar a terra ao dito Conde...

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30. declarar 3 (3.3) (* x declarar) y declarar x

E porque então lhe foi posto este nome de Porto seguro , como atrás deixo [declarado], ficou daí a capitania com o mesmo nome: e por isto se diz Porto Seguro.

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31. defender 3 (3.3) (* x defender) y defender xy defender x (a) z-DAT

y defender x de z

Todas estão já muito povoadas de gente, e nas partes mais

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]importantes guarnecidas de muita e muito grossa artilharia que as [defende] e assegura dos inimigos , assim da parte do mar como da terra

32. deixar 3 (3.3) (* x deixar) y deixar xy deixar x (a) z-DAT

E tanto que o Monstro se lançou em terra [deixa] o caminho que levava, e assim ferido urrando com a boca aberta sem nenhum medo, remeteu a ele indo para o tragar a unhas e a dentes

Minha é a terra, e serra, que meu pai ma deu, e ma [deixou]: ...

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33. demandar 3 (3.3) (* x demandar) y demandar x

E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam [demandar] para fazer aí aguada) deu-lhes um temporal,...

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34. demarcar 3 (3.3) (* x demarcar) y demarcar x

Tem esta província assim como vai lançada da linha Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de Portugueses, que contém cada uma em si , pouco mais ou menos, cinqüenta léguas de costa e [demarcam]-se umas das outras por uma linha lançada Leste Oeste

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35. desamparar 3 (3.3) (* x desamparar) y desamparar x

... nas quais hoje em dia estiveram feitas grossas fazendas , e os moradores foram em muito mais crescimento , e floresceram tanto em prosperidade como em cada uma das outras, se o mesmo capitão Pero Lopez residira nela mais alguns anos , e não a [desamparara] no tempo que a começou de povoar

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36. descobrir 3 (3.3) (* x descobrir) y descobrir x

Do outro não [descobriram] coisa alguma, e assim se não sabe até agora de onde procedem ambos.

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37. destruir 3 (3.3) (* x destruir) y destruir x

Junto delas havia muitos Índios , quando os Portugueses começaram de as povoar : mas porque os mesmos Índios se levantavam contra eles e faziam-lhes muitas traições , os governadores e capitães da terra [destruíram]-nos pouco a pouco e mataram muitos deles

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38. determinar 3 (3.3) (* x determinar) y determinar x

E porque estas dissensões não fossem tanto por diante, [determinaram] atalhar a isto usando do remédio seguinte, para por esta via se poderem melhor conservar na paz e se fazerem mais fortes contra seus inimigos.

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

39. dividir 3 (3.3) (* x dividir) y dividir xy dividir x de z

Duas delas estão situadas em uma ilha que [divide] um braço de mar da terra firme à maneira de rio.

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40. dizer 3 (3.3) (* x dizer) y dizer x y dizer x (a) z-DAT

Ao outro dia seguinte , saiu Pedro Álvares em terra com a maior parte da gente: na qual se [disse] logo Missa cantada , e houve pregação

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41. edificar 3 (3.3) (* x edificar) y edificar x

Depois Thomé de Sousa sendo governador [edificou] a cidade do Salvador mais a diante meia légua , por ser lugar mais decente e proveitoso para os moradores da terra.

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42. enxergar 3 (3.3) (* x enxergar) y enxergar x y enxergar x em z-LOC

Pois o esterco naquela parte onde a natureza o despede, não tem nenhuma semelhança de âmbar, nem se [enxerga] nele ser menos digesto que o dos outros animais.

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43. escolher 3 (3.3) (* x escolher) y escolher x

Além destes rios há outros muitos, que pela costa ficam, assim grandes como pequenos, e muitas enseadas, baías, e braços de mar, de que não quis fazer menção, porque meu intento não foi senão [escolher] as coisas mais notáveis e principais da terra

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44. escrever 3 (3.3) (* x escrever) y escrever x

São tantas e tão diversas as plantas, frutas e ervas que há nesta província, de que se podiam notar muitas particularidades, que seria coisa infinita [escrevê]-las aqui todas

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45. esperar 3 (3.3) (* x esperar) y esperar x

E o que é bom pescador (para que não faça tiro em vão) quando os vê vir deixa-os primeiro passar, e [espera] até que fiquem a jeito que possa arpoá-los por detrás

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46. esquipar 3 (3.3) (* x esquipar) y esquipar xy esquipar x com z

Vieram os segundos navios de Pernambuco com nova de haverem tomado cinco presas de açúcar, e foi tal a mudança que causou nos ânimos de todos, principalmente nos de Zelanda, que tendo-se resoluto nos Estados de nos darem conferência, êles a contradisseram fortemente, e se excluíram de vir a ela; antes pediram licença para armar

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]contra Portugal em toda a parte, oferecendo que em dois meses [esquipariam] cincoenta fragatas de guerra, tanto para os mares do Reino, como para os das conquistas. [A00_0140 P. 234].

47. exaltar 3 (3.3) (* x exaltar) y exaltar x

... por onde se mais manifesta a esclarecida glória dos Reis de Portugal , pela nosso Senhor de todo os cabos tanto a [exaltar], que de Nobreza, e Realeza de sangue não menos, que de excelentes virtudes, fossem em tanto grau ilustrados.

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48. favorecer 3 (3.3) (* x favorecer) y favorecer x

Estes moradores todos pela maior parte se tratam muito bem, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e [favorecem] muito os pobres que começam a viver na terra.

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49. fazer 3 (3.3) (* x fazer) y fazer xy fazer x de zy fazer x (a) z-DAT

Trabalhaste muito de saber se os que te] teu carrego [fazem] justiça, e direito compridamente, e se a [fizerem], [faze]-lhe compridamente bem , e mercê

Por esta barra se serviam antigamente, que é o lugar por onde costumavam os inimigos de [fazer] muito dano aos moradores .

ctb 77

50. provocar 3 (3.3) (* x provocar) y provocar xy provocar x (a) z-DAT

Feyto iſto ſe uſará de remedios antimoniacs para [provocar] ſuor, cuſos, e vomitos; pois ſó os remedios aſperos lhe aproveyraráõ, lançando o veneno para fóra, que os brandos de nada ſerviráõ. [B00_0039 P. 467].

É o vício da carne neles tão usual, e comum, que o não tem por vício; nem ordinariamente os pais reparam nos filhos, ou filhas, no que imitam, assim como na desnudez os brutos; a que também os [provocam] 1o o clima por muito quente, 2o o exemplo dos mais, e a mesma desnudez de todos, 3o a ignorância de Deus, e a falta de leis, além da propensão da natureza corrupta. [A00_1834 P. 209].

dhpb 34

51. enviar 3 (3.3) (* x enviar) (y enviar x)x enviar y (a) z-DAT

Vendo assi Dona Tareja Rainha como o Príncipe Dom Affonso seu filho a não queria soltar [enviou] seus recados o mais secreto que pôde a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador como El-Rei Dom Affonso seu avô...

ctb 1

52. espremer 3 (3.3) (* x espremer) (y espremer x )y espremer x de z

ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali a [espremem] daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar

53. deserdar 3 (3.3) (* x deserdar) (y deserdar x)y deserdar x de z

Filho Dom Affonso prendestes-me, e [deserdastes]-me da terra, e honra que me deixou meu pai ...

ctb 1

54. denunciar 3 (3.3) (* x denunciar) (y denunciar x)y denunciar x a z

No que mostravam claramente estarem dispostos para receberem a doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse [denunciada] como gente que não tinha impedimento de ídolos, nem professava outra lei alguma que pudesse contradizer a esta nossa, como adiante se verá no capítulo que trata de seus costumes.

ctb 1

55. cultivar 3 (3.3) (* x cultivar) (y cultivar x)y cultivar x (a) z-DAT

... se uma pessoa chega na terra a alcançar dois pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu) logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família: porque um lhe pesca , e outro lhe caça, os outros lhe [cultivam] e granjeiam roças ...

ctb 1

56. assegurar 3 (3.3) (* x assegurar) (y assegurar x)y assegurar x de z

... ao qual puseram então este nome, que hoje em dia tem de Porto Seguro, por lhes dar colheita e os [assegurar] do perigo da tempestade que levavam.

ctb 2

57. assinar 3 (3.3) (* x assinar) (y assinar x)y assinar x a z

E ainda lhe [assinou] mais terra da que os Mouros possuíam, que a conquistasse, e tomando-a , a acrescentasse em seu Condado

ctb 1

58. despedir 3 (3.3) (* x despedir) (y despedir x)y despediu x a z

Então [despediu] logo Pedro Álvares um navio com a nova a el-Rei Dom Manuel, a qual foi dele recebida com muito prazer e contentamento

ctb 1

59. desterrar 3 (3.3) (* x desterrar) (y desterrar x)y desterrar x de z-LOC

Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que tanto trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa

ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]Cruz , e [desterrá]-la dos corações dos homens ...

60. dever 3 (3.3) (* x dever) (y dever x)y dever x a z

... e que assi por ele cobrar o que seu era, como pelo que [devia] à virtude em acudir por uma sua tia posta fora de seu marido, e em prisão tão desonesta...

ctb 1

61. encarregar 3 (3.3) (* x encarregar) (y encarregar x)y encarregar x em z

E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a Dom Eguas Moniz queria, de o [encarregar] em semelhante criação, por causa da aleijão da criança, contudo lhe a deu por lhe comprazer

ctb 1

62. estorvar 3 (3.3) (* x estorvar) (y estorvar x)y estorvar x (a) z-DAT

E depois de haver bonança junta outra vez a frota, empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam [estorvar] sua viagem, como por lhes ficar largo poderem dobrar o cabo de Boa Esperança.

ctb 1

342

IV.3 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB (complemento “apagável”)

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. falar 3 (3.3) (* x falar) y falar xy falar (x)

Outros há pela costa tamanhos como melros, a que chamam Maracanãs: os quais tem a cabeça grande e um bico muito grosso: também são verdes e [falam] como cada um dos outros.

Estes também [falam] e são muito formosos e aprazíveis em extremo .

ctb 2

2. comer 3 (3.3) (* x comer) y comer xy comer (x)

Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos que lá [comem] em lugar de pão.

ctb 8

3. beber 3 (3.3) (* x beber) y beber x y beber (x)

... e é tanto o ímpeto de água doce que traz de todas as vertentes do Peru , que os navegantes primeiro no mar [bebem] suas águas, que vejam a terra de onde este bem

ctb 3

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

lhes procede.

O sumo desta raiz não é peçonhento, como o que sai da outra, nem faz mal a nenhuma coisa ainda que se [beba].

4. caçar 3 (3.3) (* x caçar) (y caçar x)y caçar (x) (a) z-DAT

... porque um lhe pesca, e outro lhe [caça], os outros lhe cultivam e granjeiam roças ...

ctb 1

5. cavar 3 (3.3) (* x cavar) (y cavar x)y cavar (x)

Eu sou a Virgem Maria , que te mando que vai a um tal lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí [cavar], e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi começada em meu nome, e uma Imagem minha; ...

Desaparecida esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz , e alegre , como vassalo que com são , e verdadeiro amor amava seu Senhor, e suas coisas, e tanto que foi manhã levantou-se logo , e foi-se com gente àquele lugar , que lhe fora dito, e mandando aí [cavar] achou aquela Igreja , e Imagem pondo em obra todas as coisas que lhe Nossa Senhora mandara.

ctb 2

16

IV.4 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB (objeto preposicionado)

[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

1. adorar 3 (* x adorar) y-x adorar a x-z

Não [adoram] a coisa alguma, nem tem para si que há depois da morte glória para os bons , e pena para os maus

ctb 1

2. amar 3 (* x amar) y amar xy-x amar a x-z

Desaparecida esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz , e alegre , como vassalo que com são, e verdadeiro amor [amava] seu Senhor, e suas coisas

mas segue todavia justiça temendo, e [amando] muito a Deus , para que sejas dos teus amado

ctb 3

3. aprazer 3 (* x aprazer) y-x aprazer a x-z

Não devia de [aprazer] a Deus tal coisa que vós me queirais deitar fora da terra que meu pai ganhou.

ctb 1

4. bater 3 (* x bater) y-x bater em x-z ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

E assim se punham de joelhos e [batiam] nos peitos , como se tiveram lume de Fé

5. cometer 3 (* x cometer) y-x cometer a x-z

E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens : e nesta parte são tão ousados , que já aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar de um destes animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore , não bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos gritos do Índio , antes a todos os medos, se deixou estar muito seguro guardando sua presa , até que sendo noite se tornaram outra vez, sem ousarem de lhe fazer nenhuma ofensa , dizendo ao Índio que se deixasse estar , que ele se enfadaria de o esperar

ctb 1

6. comprazer 3 (* x comprazer) y-x comprazer a x-z

E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a Dom Eguas Moniz queria, de o encarregar em semelhante criação , por causa da aleijão da criança , contudo lhe a deu por lhe [comprazer], e quando Dom Eguas viu a criança tão formosa , e com tal aleijão, houve muita grande dó dela, ...

ctb 1

7. confiar 3 (* x confiar) y-x confiar em x-z

... houve muita grande dó dela, .e [confiando] em Deus, que lhe poderia dar saúde, a tomou, e fez criar, não com menos amor , e cuidado como se fora sã.

ctb 1

8. confinar 3 (* x confinar) y-x confinar com x-z

Está formada esta província à maneira de uma harpa: cuja costa pela banda do Norte corre do Oriente ao Ocidente e está olhando direitamente a Equinocial . E pela do Sul [confina] com outras províncias da mesma América povoadas e possuídas de povo gentílico com que ainda não temos comunicação.

ctb 3

9. consistir 3 (* x consistir) y-x consistir em x-z

... que todo o governo, e bem comum [consiste] principalmente em duas coisas, a saber: ...

ctb 1

10. contradizer 3 (* x contradizer)

y-x contradizer a x-z

No que mostravam claramente estarem dispostos para receberem a doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse denunciada como gente que não tinha impedimento de ídolos , nem professava outra lei alguma que pudesse [contradizer] a esta nossa... .

ctb 1

11. curar 3 (* x curar) y curar de x

Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se acolher, e que sua mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado muitas vezes vemos as mães com novos esposos se tornarem madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos

ctb 1

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[ x ] [ x ][ z ]

↔ [ x ][ y ][ x ][ y ][ z ]

12. desafiar 3 (* x desafiar) y desafiar a x

Quando ele viu a terra tomada mandou [desafiar] a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador seu primo com irmão filho do Conde Dom Reymão de Tolosa

ctb 2

13. diferir 3 (* x diferir) y diferir de x

Estes animais parecem-se naturalmente com gatos, e não [diferem] deles em outra cousa salvo na grandeza do corpo, porque alguns são tamanhos como bezerros, e outros mais pequenos.

ctb 2

14. distar 3 (* x distar) y distar de x

[Dista] o seu princípio dois graus da equinocial para a banda do Sul, e daí se vai estendendo para o mesmo Sul até quarenta e cinco graus .

ctb 2

15. encontrar 3 (* x encontrar) y encontrar com x

A batalha foi gravemente pelejada, e o Príncipe Dom Affonso lançado do campo desbaratado, e indo ele assi uma légua de Guimarães [encontrou] com Dom Eguas Moniz seu Aio, que o vinha ajudar

ctb 1

16. alcançar 3 (* x alcançar) x alcançar a yy alcançar x de y

... se acertam de suar ficam muito mais odoríferos e [alcança] o cheiro a todos os circunstantes. Também há muito pau brasil nestas capitanias de que os mesmos moradores [alcançam] grande proveito

ctb 5

27

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2 . 2 Pa dr õe s de e xpr e ss ã o dos a r g um e nt os

2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos• O Gráfico 1 mostra que considerando o conjunto de todas as orações incluídas neste estudo, a

proporção é de 57% de sujeitos nulos, contra 43% de expressão lexical (nominal e pronominal):

G R Á F I C O 1 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s

lexicais x nulos: panorama geral

sujeito nulo: 57%

sujeito lexical:

43%

2.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade”Os Gráficos 2 e 3 a seguir mostram a proporção de nulos e lexicais segundo a “agentividade” do

argumento sujeito. As orações foram separadas pela interpretação mais ou menos “agentiva” dos

argumentos em posição de sujeito, formando dois grupos, e a proproção de sujeitos nulos e lexicais foi

medida em cada um:

• O Gráfico 2 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “mais agentivos”:

são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos neste grupo é

portanto maior do que aquela atestada para o geral dos dados (65% contra 57%, 8 pontos de

diferença)

• O Gráfico 3 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “menos agentivos”:

são exatamente 50% de sujeitos nulos e 50% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos é

portanto 7 pontos mais baixa que o geral (50% contra 57%).

• Note-se, portanto, que a proporção de nulos entre sujeitos “agentivos” foi mais alta que entre

“não-agentivos” (15 pontos, 65% contra 50%) .

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G R Á F I C O 2 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s , s u j e i t o s [ + a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: sujeito [ + agentivo ] (todos os verbos)

sujeito nulo 65%

sujeito lexical 35%

G R Á F I C O 3 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s , s u j e i t o s [ - a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: sujeito [ - agentivo ] (todos os verbos]

sujeito nulo 50%

sujeito lexical 50%

Tipo de dados contrastados no gráfico 2:S +ag,lexical(35%)

versus

(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: ...

(b) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou(c) ... e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido.

S +ag, nulo(65%)

(d) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa, e veio-se a Guimarães onde o Conde estava

(e) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga(f) ... ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho

Tipo de dados contrastados no gráfico 3:S – ag, lexical(50%)

versus

(a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras(b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes

um temporal, que foi causa de as não poderem tomar...(c) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima

S – ag, nulo(50%)

(g) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos, e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam

(d) E havendo já um mês, que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província

(e) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra

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2.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese comparadasOs gráficos 3, 4 e 5 a seguir mostram o cenário da expressão dos sujeitos em cada um dos grupos de

diátese potencial aqui considerados, tomando separadamente as orações referentes a cada grupo e

medindo a proporção de sujeitos nulos contra lexicais:

• O Gráfico 4 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 1 (verbos

intransitivos estritos): são 36% de sujeitos nulos, e 64% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos

no Grupo 1 é portanto notavelmente mais baixa que para o geral dos dados (21 pontos de

diferença, 36% contra 57%).

• O Gráfico 5 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 2 (verbos

transitivos ou intransitivos): são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de

sujeitos nulos no Grupo 2 é portanto ligeiramente mais alta que para o geral dos dados (8 pontos

de diferença, 65% contra 57%).

• O Gráfico 6 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 3 (verbos

transitivos estritos): são 56% de sujeitos nulos, e 44% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos

no Grupo 3 é portanto praticamente a mesma que para o geral dos dados (1 pontos de diferença,

56% contra 57%).

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G R Á F I C O 4 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s , G r u p o 1

lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1

sujeito lexical 64%

sujeito nulo 36%

G R Á F I C O 5 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s , G r u p o 2

lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2

sujeito nulo:65%

sujeito lexical :35%

G R Á F I C O 6 : S u j e i t o s n u l o s v e r s u s l e x i c a i s , G r u p o 3

lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3

sujeitolexical :44%

sujeito nulo:56%

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Tipo de dados contrastados no gráfico 4:

S (± ag)Grupo 1lexical(64%)

versus

(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse:

(b) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras(c) e tanto que ele [ faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de

dezoito anos se fez chamar Príncipe(d) Desta doença se veio a [finar] o Conde Dom Anrique em Estorgua(e) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos

S (± ag)Grupo 1nulo(36%)

(f) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam

(g) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve de tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja.

(h) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava

Tipo de dados contrastados no gráfico 5:

S (± ag)Grupo 2lexical(35%)

versus

(a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou(b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-

lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se apartarem alguns navios da companhia.

S (± ag)Grupo 2nulo(65%)

(c) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga(d) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram

[dar] na costa desta província

Tipo de dados contrastados no gráfico 6:

S (± ag)Grupo 3lexical(44%)

versus

(a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima(b) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou]

meu pai, e quitaste-me de meu marido.

S (± ag)Grupo 3nulo(56%)

(c) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra

(d) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho, se mais puder que nós.

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2.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese e “agentividade” Os gráficos 7 a 12 mostram a o cenário da expressão dos sujeitos quando ao combinarmos o critério de

mais ou menos “agentividade” do argumento sujeito com o critério de padrão de diátese dos verbos. No

interior de cada grupo anteriormente considerado, agora separamos os sujeitos interpretados como “mais

agentivos” dos “menos agentivos”:

• O Gráfico 7 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do

Grupo 1 (verbos intransitivos estritos): são 38% de sujeitos nulos, e 62% de lexicais.

• O Gráfico 8 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo

grupo: 67% de sujeitos nulos, e 33% de lexicais. Para os verbos intransitivos, portanto, a

“agentividade” é um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma

diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil ( 29 pontos, 67% versus 38%).

• O Gráfico 9 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do

Grupo 2 (verbos de alternância transitiva no PB): são 55% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais.

• O Gráfico 10 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo

grupo: 84% de sujeitos nulos, e 16% de lexicais. Para esses verbos, portanto, a “agentividade” é

novamente um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma

diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil (29 pontos, 84% versus 55%).

• O Gráfico 11 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do

Grupo 3 (verbos transitivos estritos): são 65% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais.

• O Gráfico 12 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo

grupo:59% de sujeitos nulos, e 41% de lexicais. Para esses verbos, em contraste com os

anteriores, a “agentividade” não aparece como fator relevante na probabilidade de o sujeito ser

nulo. Ao contrário, os sujeitos “mais agentivos” desse grupo tem probabilidade ligeiramente

menor de aparecerem nulos (menos 6 pontos, 65% versus 59%).

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G R Á F I C O 7 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 1 , [ - a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1,

sujeitos [ - agentivos ]

sujeito lexical 68%

sujeito nulo 32%

G R Á F I C O 8 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 1 , [ + a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1,

sujeitos [ + agentivos ]

sujeito lexical 33%

sujeito nulo67%

Tipo de dados contrastados no gráfico 7:S – ag Grupo 1lexical(68%)versus

(a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras(b) e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de

dezoito anos se fez chamar Príncipe

S – ag Grupo 1nulo(32%)

(c) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam

(d) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve de tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja

Tipo de dados contrastados no gráfico 8:

S + agGrupo 1lexical(33%)versus

(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse:

(b) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos

S + agGrupo 1nulo(67%)

(c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava

G R Á F I C O 9 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 2 , [ - a g e n t i v o s ]

V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |65|

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lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2,

sujeitos [ - agentivos ]

sujeito lexical 55% sujeito

nulo 45%

G R Á F I C O 1 0 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 2 , [ + a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2,

sujeitos [ + agentivos ]

sujeito lexical 16%

sujeito nulo 84%

Tipo de dados contrastados no gráfico 9 S – ag Grupo 2lexical(55%)versus

(a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar

S – ag Grupo 2nulo(45%)

(b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província

Tipo de dados contrastados no gráfico 10:S + agGrupo 2lexical(16%)versus

(a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou

S + agGrupo 2nulo(84%)

(b) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga

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G R Á F I C O 1 1 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 3 , [ - a g e n t i v o s ]

lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3,

sujeitos [ - agentivos ]

sujeito nulo 65%

sujeito lexical 35%

G R Á F I C O 1 2 : S u j e i t o s n u l o s v s . l e x i c a i s , G r u p o 3 , [ + a g e n t i v o s ]

Tipo de dados contrastados no gráfico 11:S – ag Grupo 3lexical(35%)versus

(a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima

S – ag Grupo 3nulo(65%)

(b) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra

Tipo de dados contrastados no gráfico 12:S + ag Grupo 3lexical(41%)

(a) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido.

S + aggrupo 3nulo(59%)

(b) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho, se mais puder que nós.

V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |67|

lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3,

sujeitos [ + agentivos ]

sujeito lexical 41%

sujeito nulo 59%

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3. Detalhamento

3 . 1 O bs e r va ç õe s in i c i a i sConforme já mencionei em diversos pontos, este estudo está preocupado centralmente com o problema

da flexibilidade de diáteses, em especial a partir da seguinte afirmação de Negrão & Viotti (2008):

“Em português brasileiro, diferentes tipos de verbo sofrem mudanças em sua estrutura temática e permitem certas realizações sintáticas de sua estrutura argumental que, em português europeu, ou não são possíveis, ou são restritas a uma classe específica e limitada de verbos”.

Essa observação motivou a comparação entre as diáteses do PB e as diáteses do português falado no

período colonial – ou seja, do Português Clássico. Vimos já, na apresentação dos resultados preliminares,

que no corpus relativo ao PC os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor do que

aquela hoje observada no PB, o que confirma a idéia de Negrão & Viotti (2008) quanto à singularidade

dessa propriedade do PB – nesse caso, sua singularidade na diacronia do português. Isso se aplica,

sobretudo, ao fenômeno da alternância de transitividade, como vou comentar mais adiante.

Quero observar, entretanto, um aspecto da análise das diáteses no corpus que me parece importante, e

que remete a uma preocupação central deste trabalho. Os dados do PC pesquisados, embora revelem esse

contraste em relação ao PB, me parecem muito distantes daquilo que eu chamei de “português padrão

difuso” (em Paixão de Sousa 2008a e Paixão de Sousa 2008c), a língua que tendemos a tomar como ponto

de comparação diacrônica quando tratamos das mudanças ou inovações do Português Brasileiro. Como

observei naquele trabalho, muitas vezes qualificamos como “inovações” do PB características muitas

vezes já presentes em estágios anteriores da língua; em outras, deixamos de observar o ponto exato em

que o PB de fato inova. Podemos notar, nesse sentido, que os verbos analisados neste estudo apresentam

algumas construções que não se atestam nos dicionários tradicionais, como:

{aproveitar}, intransitivo, sujeito paciente:

(a) Também [aproveita] para as mesmas enfermidades, e aqueles que o alcançam têm-no em grande estima e vendem-no por muito preço

{acrescentar}, transitivo, sujeito paciente:

(b) E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não danam: mas recreiam e [acrescentam] a vida do homem.

{abastar}, transitivo, sujeito paciente (versus {bastar}, intransitivo)

(c) ...Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de que se faz pão muito alvo , e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam] muito a terra.

{caber}, intransitivo, sem complemento locativo expresso

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(d) Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros spirituais, e agora que vierão os filhos não [cabe] de alegria por ver que a descarregarão da governança e que tem tempo para se dar a Deos.

{abrir}, intransitivo, sujeito paciente:

(e) Esta erva toda a noite está murcha, e como dormente, e em nascendo o sol torna a [abrir], e quando se põe torna a fechar.

{quebrar}, intransitivo, sujeito paciente:

(f) Segunda-feira, 22 de Outubro (e) no quarto de alva, me [quebrou] o aúste da âncora, de forma que tornei outra vez a caçar como dantes.

As construções “inesperadas” desse levantamento, de modo geral, remetem à realização de sujeitos

pacientes, verificando-se no corpus construções dessa natureza não apenas com verbos tradicionalmente

esperados, mas também com verbos como {abrir}, {dar}, {quebrar} – com diátese alternante.

Inversamente, entrentanto, notei que algumas construções avaliadas como transitivizações inovadoras do

PB aparecem também no corpus, sendo até, em alguns casos, a construção preferida de determinados

verbos, como {casar} (em “O rei casou a filha”). Saliento este ponto principalmente no sentido de

reafirmar o interesse do estudo comparado entre o Português Brasileiro e o Português Clássico.

Entretanto, a idéia deste trabalho não é listar pontos de contrastes isolados, mas sim compreender

padrões que permitam uma comparação gramatical entre os dois estágios de língua – ou seja, o objetivo é

interpretar os resultados do levantamento de dados em termos de evolução diacrônica. Aqui chego a um

problema central para este estudo: a variação diacrônica na diátese verbal é um problema

fundamentalmente lexical, ou fundamentalmente gramatical? Num estudo de mudança, em princípio, uma

“reorganização” do inventário lexical de verbos em torno de estruturas argumentais possíveis não é uma

mudança gramatical, é uma mudança no léxico. Assim, uma coisa será dizermos que determinados verbos

(i.e.: determinados itens lexicais) que apresentavam valência “a” num estágio de língua passam a

apresentar valência “b” num outro estágio; outra, bem diferente, é dizer que um estágio de língua

apresenta uma organização diferente entre léxico, semântica e sintaxe, que tem como efeito essa aparente

migração de certos itens lexicais para diferentes classes.

O problema remete de fato ao “cerne” do estudo da estrutura argumental: ele é um estudo na confluência

de léxico, semântica, sintaxe, como observam, entre outros, Du Bois (2001), Perini (2008). Embora,

naturalmente, aqui não se trate de buscar algum tipo de resolução para esse problema, observo que este

estudo pode mostrar que, no caso específico da mudança entre o PC e o PB, os contrastes nas diáteses de

certos verbos são reveladores de contrastes gramaticais importantes. Aqui volto ao que afirmei acima

sobre a questão de compreendermos onde o Português Brasileiro de fato inova. Os dados desse

levantamento mostram que a construção com sujeito paciente faz parte da gramática do Português

Clássico (como indicam os dados acima, até em construções inesperadas), mas que nessa gramática o

“sujeito” está muito fortemente ligado a uma hierarquia de realizações argumentais encabeçada

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claramente pela propriedade semânticas ligadas à agentividade. Ao contrário, me parece que no Português

Brasileiro o “sujeito” é muito menos ligado à agentividade. Essa hipótese não se fundamenta estritamente

nos contrastes de diátese observados em si, mas sim na combinação desses contrastes e outras

propriedades da expressão dos sujeitos no PC e no PB. Por isso, neste Detalhamento vou apresentar as

observações realizadas ao longo do estudo sob o prisma da expressão dos sujeitos nas realizações dos

verbos estudados. Vou me preocupar com dois aspectos, nesse contexto: quantos e quais argumentos

aparecem na grade temática de cada verbo (3.2); quais deles podem aparecer como sujeitos sintáticos, e

sob que forma (3.3).

3 . 2 Exa m e da s a l t e r nâ nc ia s Começamos pela exposição resumida dos dados que precisamos analisar. Em primeiro plano coloco os

dados referentes à alternância de transitividade, aspecto no qual há contrastes importantes entre os dados

atestados no corpus do Português Clássico e a minha intuição para o Português Brasileiro, compondo o

seguinte quadro aproximado de exemplos paradigmáticos:

A l t e r n â n c i a d e T r a n s i t i v i d a d e :

[ intransitividade] [ transitividade ]PC: O rei faleceu (*) O príncipe faleceu o rei

O conde agiu (*) A rainha agiu o conde A fruta amadureceu (?) O calor amadureceu a frutaO menino correu (?) O grito correu o meninoA flor abriu O sol abriu a flor O mastro quebrou A tempestade quebrou o mastro

(*) O âmbar endureceu A água endureceu o âmbar(*) O sal dissolveu O ácido dissolveu o sal (*) O castelo entregou O rei entregou o castelo(*) O reino defendeu O conde defendeu o reino

PB: O rei faleceu * O príncipe faleceu o rei O conde agiu * A rainha agiu o conde A fruta amadureceu O calor amadureceu a frutaO menino correu O grito correu o meninoO âmbar endureceu A água endureceu o âmbarO sal dissolveu O ácido dissolveu o sal A flor abriu O sol abriu a flor O mastro quebrou A tempestade quebrou o mastro O âmbar endureceu A água endureceu o âmbarO sal dissolveu O ácido dissolveu o sal

* O castelo entregou O rei entregou o castelo* O reino defendeu O conde defendeu o reino

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O esquema de sombreamento aplicado ao quadro acima pretende mostrar visulamente o fato de que no

PB há maior circulação dos verbos entre a transitividade e a intransitividade. Essa “amplificação” da

alternância transitiva será considerada aqui como ponto-chave para a compreensão do contraste

diacrônico entre PC e PB.

Entretanto, o quadro acima não está completo; entre o “+” e o “–” transitivo, me parece, temos as

construções com SE, como comentarei mais adiante; considerando isso, comporíamos o seguinte quadro

alternativo:

A l t e r n â n c i a d e T r a n s i t i v i d a d e , 2 :

[ intransitividade] ←→ [ transitividade ]

PC: O rei faleceu (*) O rei se faleceu (*) O príncipe faleceu o rei O conde agiu (*) O conde se agiu (*) A rainha agiu o conde A fruta amadureceu (?) A fruta se amadureceu (?) O calor amadureceu a frutaO menino correu O menino se correu (?) O grito correu o meninoA flor abriu A flor se abriu O sol abriu a flor O mastro quebrou O mastro se quebrou A tempestade quebrou o mastro

(*) O âmbar endureceu O âmbar se endureceu A água endureceu o âmbar(*) O sal dissolveu O sal se dissolveu O ácido dissolveu o sal (*) O castelo entregou O castelo se entregou O rei entregou o castelo(*) O reino defendeu O reino se defendeu O conde defendeu o reino

PB: O rei faleceu * O rei se faleceu * O príncipe faleceu o rei O conde agiu * O conde se agiu * A rainha agiu o conde A fruta amadureceu ? A fruta se amadureceu O calor amadureceu a frutaO menino correu O menino se correu O grito correu o meninoO âmbar endureceu O âmbar se endureceu A água endureceu o âmbarO sal dissolveu O sal se dissolveu O ácido dissolveu o sal A flor abriu A flor se abriu O sol abriu a flor O mastro quebrou O mastro se quebrou A tempestade quebrou o mastro O âmbar endureceu O âmbar se endureceu A água endureceu o âmbarO sal dissolveu O sal se dissolveu O ácido dissolveu o sal

* O castelo entregou O castelo se entregou O rei entregou o castelo* O reino defendeu O reino se defendeu O conde defendeu o reino

Em segundo lugar, temos dados que eu colocaria em outro plano, referente aos verbos transitivos que

podem apresentar diferentes qualidades de argumentos como sujeitos. Essa alternância, que eu chamaria

preliminarmente de alternância “entre causadores” , não se mostra essencialmente diferente entre PC e

PB. O quadro só fica interessante quando combinamos essa propriedade com a propriedade de

alternância de transitividade, uma vez que alguns dos verbos que aceitam alternância de causadores no PB

aceitam também alternância de transitividade, como veremos.

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A l t e r n â n c i a “ e n t r e c a u s a d o r e s ” :

[ transitividade ]PC/PB: A princesa abriu a flor com o leque

O leque abriu a flor

O capitão quebrou o mastro com o machadoO machado quebrou o mastro

O cientista endureceu o âmbar com águaA água endureceu o âmbar

O cientista dissolveu o sal no ácidoO ácido dissolveu o sal

O conde defendeu o reino com armasAs armas defenderam o reino

(*)O rei entregou o castelo aos inimigosOs inimigos entregaram o castelo

Esses quadros resumem o que eu considero serem os contrastes principais que o prosseguimento dessa

pesquisa precisará compreender em termos de mudança lingüística. Para isso será preciso pensar todo um

campo de conceitos sobre a alternância de realização de argumento – sobretudo, frente à própria natureza

do fenômeno da alternância, que pode ser abordada de modos variados, como tento resumir aqui.

No estudo das alternâncias, B. Levin, em Levin (1993), estabeleceu um paradigma segundo o qual a

semântica e a sintaxe dos verbos estão estreitamente relacionadas:

The behaviour of a verb, particularly with respect to the interpretation and expression of its arguments, is to a large extent determined by its meaning. Thus verb behaviour can be used effectively to probe for linguistically relevant pertinent aspects of verb meaning (Levin 1993:1).

A tradição de estudos nessa linha, no geral, parte do princípio de que é possível compreender ou até

prever o comportamento sintático dos verbos a partir das classes semânticas apontadas por Levin como

pertinentes para a compreensão dos aspectos gramaticalmente relevantes da semântica verbal. Esta

pesquisa, por enquanto, ainda não chegou a esse plano de refinamento da análise, por uma razão central.

A metodologia inaugurada por Levin (1993), em meu entendimento, parte da semântica dos verbos para

estudar sua sintaxe. Entretanto, no caso específico de um estudo diacrônico, a semântica é justamente o

plano de maior dificuldade de análise, em especial no nível de detalhamento dos trabalhos filiados a Levin

(1993). O plano mais seguro de descrição, e que a meu ver deve ser o ponto de partida de um trabalho

diacrônico, são as “construções” – a sintaxe, e ainda mais, a sintaxe “superficial”. Ou seja: aquilo que de

fato podemos observar num primeiro momento. Nas próximas etapas da pesquisa buscarei analisar as

construções já descritas no levantamento a partir da perspectiva das classes semânticas, na esperança de

compreender melhor os padrões de realização dos argumentos.

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Entretanto, me parece que, mesmo com o aprofundamento da pesquisa nos dados, uma abordagem mais

fina da semântica dos verbos em uma perspectiva diacrônica será extrememante delicada. Avalio isso por

causa do problema central da “uniformidade lexical”, e para explicá-lo, vou partir de uma contraposição

que me parece fundamental: a contraposição entre as abordagens mais lexicais e mais sintáticas da

alternância verbal. No primeiro caso, estamos no campo dos estudos de “valência”; no segundo, no

campo dos estudos da “estrutura argumental”.

O termo “valência” aplicado à linguagem foi introduzido por Lucien Tesnière em 1959, e toma

emprestado o termo usado na química orgânica: em química, “valência” é um número que indica a

capacidade que um átomo de um elemento tem de se combinar com outros, medida pelo número de

elétrons que um átomo pode dar, receber, ou compartilhar de forma a constituir uma ligação química, de

acordo com o número de espaços omissos nas camadas eletrônicas do átomo. Para Tesnière, o “verbo”

pode ser comparado a um átomo, podendo exercer seu poder de atração sobre um número maior ou

menor de particiapantes (“actants”) no processo que expressa. Os verbos se classificariam de acordo com

o número de “participantes” que consegue atrair: zero (“Valência-0”), como nos impessoais; um

(Valência-1), como nos tradicionais intransitivos; dois (Valência-2), os tradicionais transitivos; e 3

(Valência-3), os verbos com participantes “dativos”. Assim como os átomos, os verbos seriam mono-

valentes, bi-valentes, tri-valentes, etc. Aqui importa sobretudo notar que apesar da distinção fundamental

de Tesnière, entre “actantes” e “circunstantes” (esses últimos, meras expressões do lugar, tempo, ou

modo do processo expresso pelo verbo), a noção de valência não se funda numa hierarquia lógica entre

os termos (ao menos, entre os participantes atraídos). Fundamentalmente, podemos entender que a

proposta de Tesnière conceitua “argumentos” como “participantes”, elementos diretamente dependentes

do verbo.

A “estrutura argumental”, em contraste, é uma noção fundamentalmente geométrica: a descrição da

estrutura deve incluir relações lógicas de dependência e dominância entre os argumentos do verbo. O

conceito é trazido para a lingüística a partir de uma longa tradição da filosofia, e mais precisamente depois

de sua aplicação na lógica formal de G. Frege (Frege (1879), (1918 (2002)) . Na sua origem portanto, o

conceito de “argumento” se presta à análise lógica da predicação abstrata; trata-se, de partida, de uma

noção estruturante. Podemos observar a diferença entre os dois conceitos pela própria notação adequada

a cada um deles: uma notação mínima da estrutura argumental deve descrever hierarquias, enquanto a

notação de valência é plana:

valência: = [ V ] =, ou [ NP V NP ]

estrutura argumental: [ NP [ verbo [ NP ] ] ]

Note-se portanto que a idéia de “valência” remete primordialmente à descrição de um item lexical,

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enquanto a idéia de “estrutura argumental” remete primordialmente à descrição de um predicado.

Essa distinção resumida reflete diretamente no problema da noção de “alternância”. Do ponto de vista

dos estudos de valência, a “alternância verbal” pode ser definida por exemplo como “a ocorrência de um

verbo em mais de uma moldura de valência” (Alencar 2005). Nesse sentido, fala-se em “construções

alternativas”, não se remetendo, necessariamente, a relações de derivação ou transformação entre uma e

outra construção. Do ponto de vista dos estudos centrados na estrutura argumental, em oposição, a

“alternância” é normalmente pensada como diferentes realizações estruturais de um mesmo verbo, que passa

por “processos” de transitivização, de-transitivização, etc. O exame dos contrastes abaixo pode nos

mostrar a amplitude da diferença entre essas abordagens. As orações em (a) e (b) têm a estrutura básica

[NP [ V NP ]], ou seja, “transitiva”; os sujeitos são argumentos com papel temático de “agentes”, e os

complementos, “pacientes”. As orações em (c) e (d), com os mesmos verbos, têm a estrutura básica [NP [

V ]], ou seja, “intransitiva”, e seus sujeitos são argumentos com papel temático de “pacientes”:

(a) O menino quebrou o copo(b) A moça abriu a porta

(c) O copo quebrou(d) A porta abriu

Esse contraste clássico embute duas possibilidades básicas de análise. Podemos dizer que os verbos

{quebrar} e {abrir} apresentam mais de uma “moldura de valência”, V-1 e V-2. Em em (a) e (b) vemos

esses verbos construídos conforme a moldura transitiva, e em (c) e (d) conforme sua moldura intransitiva.

Desse ponto de vista, os verbos {abrir} e {quebrar} podem ser analisados (cada um) como duas entradas

lexicais: {abrir} transitivo, e {abrir} intransitivo; {quebrar} transitivo e {quebrar} intransitivo.

De outro lado, podemos ver em (c) e (d) transformações das estruturas de (a) e (b), ou seja, de-

transitivizações. Desse ponto de vista, há apenas uma entrada lexical para cada verbo, e quaisquer diferenças

devem remeter a operações da gramática sobre o léxico. Nessa linha de análise das alternâncias, as

alterações na estrutura argumental serão conceituadas como supressões e promoções de diferentes papéis

temáticos por por meio de mecanismos sintáticos. Podemos avaliar isso examinando um exemplo de

análise essencialmente transformacional, a de Inês Duarte e Ana Maria Brito (Duarte & Brito, 2003), para

algumas alternâncias importantes do português que aqui focalizamos, e que elas reúnem na “família das

construções inacusativas” do PE:

“A família das inacusativas”, Duarte & Brito (2003):

“Promoção de argumento tema: verbos mono-argumentais”

(a) [O Pedro]-TEMA chegou(b) [As flores]-TEMA murcharam

“Promoção de argumento tema e supressão de argumento fonte: verbos de Alternância Incoativa”

(a) [ O calor ]-FONTE derreteu [a manteiga] TEMA

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(b) [ A manteiga ]-TEMA derreteu com o calor(c) [ A manteiga ]-TEMA derreteu

“Promoção de argumento tema e supressão de argumento agente: Construções Passivas”

(a) [Os alunos ]-AGENTE compraram [ o livro ]-TEMA(b) [ O livro ]-TEMA foi comprado pelos alunos(c) [ O livro ]-TEMA foi comprado(d) [ O livro ]-TEMA comprou-se

Para Duarte & Brito, as propriedades de promoção e supressão de argumentos

... podem ser o resultado de características idiossincráticas do verbo, i.e., do facto de o verbo escolhido ser inacusativo, [cf. {O Pedro chegou}], ou podem ser o efeito de processos sintácticos ou morfo-sintácticos que inacusitivizam um verbo transitivo [cf. {A manteiga derreteu}] (Duarte & Brito 2003:509, [meu grifo]).

Quanto aos verbos “inacusativizáveis”, ou “de-transitivizáveis”, ou de “alternância causativa”, como

{derreter}, a autora destaca o problema que nós comentávamos acima:

... é necessário decidir se o léxico do português contém uma entrada lexical causativa e uma entrada lexical inacusativa para um verbo de alternância causativa ou se apenas contém uma entrada lexical (a causativa), da qual se deriva, por operações lexicais sobre os papéis temáticos, a variante inacusativa. Adopta-se aqui a segunda posição, que se pode sintetizar através da seguinte generalização:

Princípio da Uniformidade Lexical: Cada conceito verbal corresponde a uma entrada lexical com uma estrutura temática:

abrir V: θ1 θ2 ,derreter V: θ1 θ2

Desta perspectiva, portanto, um verbo como {chegar} tem a estrutura temática V: θ1, e a realização de

argumento “tema” como sujeito se explica, muito simplesmente, pela falta de outras opções. Já um verbo

como {derreter} tem a estrutura temática básica V: θ1 θ2, e uma construção com sujeito “tema”, como

{A manteiga derreteu}, é analisada como a realização intransitiva desse verbo, possível mediante a

supressão do primeiro de seus papéis temáticos (θ1) e consequente promoção do segundo papel temático

(θ2) a sujeito. A “alternância”, portanto, manifesta uma operação de transformação, ou “Redução

Lexical”:

Uma vez que a operação lexical de Redução suprime o papel temático externo, o verbo perde a capacidade de legitimar casualmente o seu argumento interno directo, pelo que a forma resultante da operação de Redução tem as propriedades de um verbo inacusativo.

Passo agora a expor os problemas que essa linha de abordagem me parece trazer para um estudo centrado

na mudança lingüística. Antes de tudo, ao longo desta pesquisa, tive diversas oportunidades para observar

as dificuldades que o “princípio da uniformidade lexical” traz para a análise diacrônica dos verbos. Para mim

não é banal entender precisamente a idéia de “conceito verbal” ao longo do eixo temporal. Vamos

observar, por exemplo, as seguintes orações, com os verbos {cometer}, {curar}, {criar}:

(a) E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens : e nesta parte são tão ousados , que já aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar

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de um destes animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore , não bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos gritos do Índio , antes a todos os medos, se deixou estar muito seguro

(b) Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se acolher, e que sua mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado muitas vezes vemos as mães com novos esposos se tornarem madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos

(c) Jaború é outra ave tamanha como um grou, tem a côr cinzenta, as pernas compridas, o bico delgado e mais que de palmo de comprido; estas aves [criam] em terra ao longo do salgado, e comem o peixe que tomam no mar, perto da terra por onde andam

No exemplo (a), em {quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens}, reconheço

em {cometer} o sentido de 'atacar, acometer'. Na acepção atual desse verbo, segundo os principais

dicionários, as acepções registradas para {cometer} são algo como: “1. Fazer, praticar, prepetrar”; “2.

Empreender, tentar”; “3. Propor, oferecer”; “4. Arriscar-se, expor-se (a)” (Borba, 1991: 289:290). Não encontrei

registro da acepção “atacar” nos dicionários atuais. No exemplo (b), em {que sua mãe tão pouco dele

[curava]}, reconheço em {curar} a acepção de 'cuidar, preocupar-se com'. Nos dicionários, atuais, {curar}

aparece com as seguintes acepções: “1. Restabelecer a saúde de”; “2. Corrigir”; “3. Secar ao calor ou ao fumeiro”;

“4. Branquear, corar”; e “4. Cuidar, tratar” (Borba 1991: 360). A última acepção registrada por Borba,

portanto, se aproxima daquela encontrada no corpus; entretanto, note-se a especificação do autor: “III.

Indica ação, com sujeito agente e com complemento da forma de + oração infinitiva: Nem cuidei de saber a data do concurso;

Previdente, o funcionário cuidou de dar todas as informações”. Assim, não apenas {curar} 'cuidar, tratar' é a última

acepção registrada no dicionário de Borba (o que indica ser a menos usual), como está relacionada a uma

construção que não remete exatamente àquela que se registra no corpus (cuidar de NP, não cuidar de +

infinitiva). Por fim, no exemplo (c), entendo {criar} no sentido de 'procriar, dar cria'. Nos dicionários

atuais {criar} apresenta múltiplas acepções (12 em Borba 1991), e apenas Borba (1991: 355) dá, dentro da

acepção “Dar existência a, gerar” - um exemplo de construção sem complemento (Chamam de maninha a vaca

que não cria), sem comentar a construção. Note-se que pelo meu levantamento até este ponto, das cerca de

709 ocorrências de {criar}, cerca de 300 têm essa acepção de 'procriar' e essa construção sem

complemento.

Vem agora a minha pergunta: será metodologicamente correto analisarmos as diferentes construções

possíveis com {criar}, {curar}, {cometer}, no PB e no PC, como alternâncias resultantes de operações

gramaticais sobre as mesmas entradas lexicais ? Lembrando a definição de Duarte & Britto (2003) para o

princípio da uniformidade lexical (que funda sua teoria da redução lexical como explicação para a

alternância) – serão {cometer} 'atacar' e {cometer} 'perpetrar' um mesmo conceito verbal ? No caso de

criar, por exemplo, podemos ver como as diferentes acepções do português remetem, cada uma, a

diferentes traduções em outras línguas – no inglês, {create} para 'fazer surgir'; {raise} para 'educar, fazer

desenvolver-se'; {breed} para 'procriar'. Note-se que cada um desses verbos em inglês tem uma sintaxe (os

dois primeiros são estritamente transitivos, o último é de alternância); e não nos ocorreria levantar o

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problema de porque {breed} pode alternar, enquanto {create} não pode. Em inglês vemos aí duas

entradas lexicais. Em português, o sentido expresso por cada uma delas está na “mesma entrada”, {criar}.

Diante disso, me parece razoável considerar que as entradas lexicais em diferentes etapas de uma

“mesma” língua são tão comparáveis entre si como diferentes entradas lexicais de línguas diferentes - ou,

para sermos menos radiciais, ao menos, de línguas aparentadas. Isso recomenda imenso cuidado no

estudo comparado, em especial quanto à abordagem “transformacional” das alternâncias. Assim, de

partida, me parece que o princípio da uniformidade lexical conforme exposto em Duarte & Brito (2003) é

pensado no contexto de uma sincronia, e não é aplicável de modo rigoroso a estudos de mudança. Como

a idéia da uniformidade lexical (ao que me parece) fundamenta toda uma tradição de trabalhos voltados à

explicação abstrata das estruturas de evento e das operações de alternância possíveis sobre essas

estruturas, neste estudo não parti dessa linha de abordagem. Note-se ainda que, mesmo que fossemos

aplicar a formulação de Duarte & Brito (2003), o estudo diacrônico da alternância pode ser um estudo de

como certos verbos mudam de classe: de verbos que não podiam sofrer a operação de Redução, para

verbos que agora podem sofrê-la; ou ainda: pode ser um estudo da ampliação ou redução nos papéis

temáticos de cada “entrada lexical”. Assim, mesmo de uma perspectiva transformacional, as diferenças

diacrônicas na realização da estrutura argumental parecem tocar, de alguma forma, na organização lexical.

A resolução desse problema está longe dos limites possíveis da condução da pesquisa nesta etapa, e será

deixada para o longo prazo.

Note-se que o problema das acepções dos verbos remete à dificuldade central desse trabalho - a

interferência da gramática do PB (minha gramática internalizada) na interpretação dos dados, dificuldade

que entendo como fruto do contraste entre as duas gramáticas. O contraste incide no problema dos

apagamentos de argumentos (como já adiantei na seção 1) e, como procurei mostrar agora, na própria

interpretação do sentido dos verbos. O contraste, e portanto a dificuldade, são inevitáveis; diante disso,

tomei como decisão de transformar o problema em ferramenta de análise. Por isso a metodologia é

refletir sobre cada verbo atestado no levantamento a partir da minha intuição do PB, para posteriormente

contrastar isso com outros critérios mais objetivos. Assim, foram formadas classes comparadas de

diáteses que remetem à minha interpretação da potência de valência dos verbos, partindo da interpretação

inicial das acepões atuais dos verbos (na minha intuição e nos dicionários). Em seguida, procuro tentar

interpretar possíveis sentidos contrastantes, que possam estar ligados às diferentes construções. Por isso,

o trabalho se conduziu no sentido de estabelecer contrastes entre as construções encontradas no corpus

com certos verbos e as construções que esses verbos permitem no PB, sem formular a questão em termos

de operações de transformação.

O que apresento neste ponto portanto é uma abordagem preliminar dos dados, que procura distinguir,

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em meio ao universo dos dados levantados, padrões mínimos de comportamento construcional que

levem ao adiantamento futuro da pesquisa. Essa abordagem compreendeu duas etapas: primeiro tentei

distinguir a grade temática manifestada em cada construção atestada no corpus, abordando as

“alternâncias” de modo pré-estrutural, por assim dizer (identificando as alternâncias de valência

atestadas); e em seguida procurei entender como isso se relacionava com a realização sintática dos

argumentos.

Para começar esse processo me pareceu interessante partir da observação dos verbos com menor

amplitude de valência possível – os quais, por definição, devem ser os que menos permitem alternâncias,

de qualquer tipo. Lembrando o quadro apresentado na seção 1, observemos os itens que apresentam

uma amplitude mínima de valência tanto no corpus como no PB (cf. Seção 2, Quadro I.1 ), e que podem

ser descritos de duas maneiras alternativas segundo o que considerei acima sobre valência e estrutura

argumental:

Verbos de Valência-1

V= ou [ NP V ] (i.e. verbos que se ligam a um participante apenas)

[ NP [V] ] (i.e. verbos com um argumento apenas, este sujeito)

Vou considerar que a propriedade mais interessante desses verbos, e que os diferencia dos demais grupos,

não é simplesmente aparecerem com um argumento, mas sim não poderem aparecer com mais de um. A

notação preliminar, como já adiantei na seção 1, inclui uma nomenclatura simplificada para os

argumentos realizados; nela, o argumento único dos verbos de Valência-1 é chamado de x. Assim, a

descrição preliminar plana para esses verbos é:

Verbos do Grupo 1: {falecer}, {cair}, {aparecer}, ...

[ V: x ], *[ V: x y ] ou [ V: x *y]

Em contraste, os “verbos transitivos” seriam de dois tipos básicos. Primeiro, teríamos aqueles que podem

ser transitivos (ou seja, os verbos de alternância transitiva), segundo, aqueles que devem ser transitivos. A

descrição para esses grupos, segundo o critério de comparação diacrônica, seria:

Verbos do Grupo 2: {amadurecer}, {endurecer}, {abrir}, {quebrar}, ...

[ V: x ] ~ [ V: x y ] ou [ V: x (y)]

Verbos do Grupo 3: {fazer}, {comer}, {deixar}, ...

* [ V: x ], [V: x y ] ou [ V: x y ]

A descrição inicial se resume, portanto, em mostrar a alternância de transitividade possível em um plano

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não-estruturado – ou seja, alternância de valência. É que mostram os quadros da seção 1, I a IV.

Partindo desse espírito mínimo, podemos partir para a observação de algumas características que

diferenciam cada uma dessas três classes de verbos no PB. Começando pelos verbos que apresentam

valência mínima, observo antes de tudo que na minha classificação esse grupo [V: x ] inclui intransitivos

com sujeito “paciente” ou “tema” e intransitivos com sujeito “agente”. Isso se justifica uma vez que a

classificação em três grupos não é semântica, e sim “construcional”. Entretanto, será importante

refletirmos sobre as propriedades temáticas dos verbos desse grupo, para futuramente compreendermos a

relação entre as propriedades semânticas e as construções possíveis.

Para a reflexão sobre as propriedades semânticas, estou partindo de Cançado (2003) e (2005), para quem

“papel temático” não deve ser a noção de partida para se compreender as relações argumentais. Os

tradicionais “papéis temáticos”, para a autora, seriam derivados composicionalmente da combinação entre

propriedades semânticas fundamentais que cada verbo acarreta para seus argumentos em diferentes

construções – aproximando-se do conceito de acarretamentos lexicais de Dowty (1989). A autora define

como propriedades fundamentais [desencadeador ], [afetado], [estativo] e [controle]; desencadeador seria

a “propriedade acarretada pelo verbo a seu argumento quando este argumento possui algum papel no desencadear do

processo”; [afetado] é a “propriedade de mudança de estado acarretada pelo verbo a seu argumento, ou seja, se o verbo

acarretar mudança de um estado A para um estado B a um argumento, este será associado à propriedade de afetado”;

[estativo] é a propriedade acarretada ao participante que não tem papel no desencadeamento, nem muda

de estado com o processo; e [controle] remete, literalmente, ao controle que determinado argumento

pode ter sobre o processo. A depender do verbo e da construção, essas propriedades combinam-se para

formar os papéis de “agente”, “paciente”, “fonte”, “instrumento”, etc. Assim, um papel temático

tradicional como “fonte” pode ser um desencadeador sem controle. O tradicional “Agente” pode ser um

desencadeador com controle.

A proposta de Cançado se mostra especialmente interessante para a análise dos verbos mono-

argumentais; em Ciríaco e Cançado (2006), as autoras salientam:

A vantagem dessa proposta é que podemos ter um papel temático que possua as propriedades ser um desencadeador e ser afetado, sem que isso seja um problema para a teoria, pois o papel temático de um argumento é exatamente o grupo de propriedades a ele atribuídas a partir da composição de sentidos dos itens lexicais da sentença em que esse papel temático encontra-se.

Para Ciríaco e Cançado (2006), os verbos intransitivos se dividem em “inergativos prototípicos”, como

{correr}, {dançar}, {voar} e “inacusativos prototípicos”, como {morrer}, {brotar}, {sumir}. O contraste

entre eles remete, principalmente, à capacidade de cada verbo acarretar a propriedade [ desencadeador ],

além de [afetado], a seu argumento único. Os verbos “inacusativos” seriam os que acarretam apenas

[afetado]; os “inergativos” acarretam [afetado] e [desencadeador] (“só existe um argumento que desencadeia o

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processo em si mesmo”, (Ciríaco & Cançado, 2006:11). Nas palavras das autoras,

a distinção entre inacusatividade e inergatividade será marcada pela existência da propriedade desencadeador : verbos mono-argumentais que apresentem o desencadeador como uma das propriedades do papel temático de seu argumento terão uma natureza mais inergativa

Ou seja,

(a) {morrer}: x morrer, [ x ] afetado “mais inacusativo”(b) {voar}: x voar, [ x ] desencadeador-afetado “mais inergativo”

Além disso, alguns verbos “inergativos” podem acarretar a propriedade de controle para seu argumento

único, a depender da construção. Vamos dizer, por exemplo, que um verbo como {voar} acarreta

[desencadeador][afetado] + controle a seu argumento único na construção (a) abaixo, e [desencadeador]

[afetado] - controle em (b) abaixo:

(a) O pássaro voôu para pegar a minhoca(b) Os papéis voaram com a ventania

Adotando a proposta de Ciríaco e Cançado (2006), vou considerar que os verbos do meu Grupo 1

podem se diferenciar por esse contraste de “mais inacusatividade” versus “mais inergatividade”, definido

pela capacidade de cada verbo acarretar [ desencadeador ] além de [afetado] para seu argumento único – a

que se adiciona a possibilidade de acarretamento de [controle] em diferentes construções. Numa análise

preliminar das relações entre as propriedades semânticas fundamentais nas construções do corpus em

comparação ao que as autoras propoem para o PB, teríamos:

(a) . e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe [ x ]: [afetado] – controle

(b) ... mas tornam logo a nascer dela uns filhos que [brotam] do mesmo pé [ x ]: [desencadeador][afetado] – controle

(c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, [cavalgou] à pressa [ x ]: [desencadeador][afetado] +controle

Passamos então ao problema dos verbos transitivos. Pela lógica, se entre os verbos intransitivos existe a

capacidade de acarretar [desencadeador] e [afetado] para um mesmo argumento, os verbos transitivos

estritos deveriam poder ser descritos como verbos que não conseguem acarretar as propriedades de

[ desencadeador ] e [afetado] para um mesmo argumento – precisam “distribuí-las” entre dois

participantes, vamos dizer. Essa seria uma abordagem interessante da “transitividade”, a propriedade de

“transitar” entre dois pólos. Essa análise parece bem adequada para alguns dos verbos desse tipo no PB

pelo menos (aos demais voltaremos ems eguida); notadamente, observemos:

(a) {matar}: y matar x, [ x ] afetado [ y ] desencadeador

(b) {derrubar}: y derrubar x, [ x ] afetado[ y ] desencadeador

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Essa análise torna interessante o contraste entre certos “pares lexicais” como {matar}/{morrer}, {cair}/

{derrubar}; os segundos itens de cada par podem acarretar [ desencadeador ] e [ afetado ], os primeiros,

apenas [afetado]:

(a) {morrer}: morrer x, [ x ] afetado (* [ y ] desencadeador )(b) {matar}: y matar x, [ x ] afetado [ y ] desencadeador

(c) {cair}: cair x, [ x ] afetado (* [ y ] desencadeador )(d) {derrubar}: y derrubar x, [ x ] afetado [ y ] desencadeador

Esses pares lexicais são interessantes pois podem mostrar a relação entre as diferentes propriedades

semânticas, sua distribuição entre os argumentos, e a expressão de causatividade. O que alguns verbos de

“alternância ergativa” realizam por alternância de construção poderia ser semelhante ao que vemos nesses

verbos como “alternância lexical”:

(a) {abrir}: abrir x, [ x ] afetado(b) {abrir}: y abrir x, [ x ] afetado [ y ] desencadeador

Uma outra análise seria a de que esse “mesmo verbo” sempre acarreta as duas propriedades semânticas,

mas pode ora concentrá-las num mesmo argumento, ora distribuí-las entre dois:

(a) {abrir}: abrir x, [ x ] afetado desencadeador (b) {abrir}: y abrir x, [ x ] afetado /[ y ] desencadeador

Na primeira análise, {abrir} pode se construir ou como os mono-argumentais inacusativos, ou como

transitivo causativo; na segunda, ou como inergativo ou como causativo. Evidentemente a cada análise

corresponderiam diferentes interpretações da semântica de {abrir} monoargumental: com ou sem

[desencadeador]. A análise que equipara {abrir} monoargumental com os inacusativos encerraria o

problema de se explicar como “mesmo verbo” pode ora acarretar [desencadeador], ora não; a análise

para o lado dos inergativos encerraria o problema de explicar porque um “mesmo verbo” pode ora

distribuir as propriedades [desencadeador] e [afetado] entre dois argumentos, ora concentrá-las num único

argumento.

Ciríaco e Cançado (2007), parrtindo de Ciríaco (2007), consideram que a alternância “causativo-ergativa”

canônica se aplica justamente a verbos que apresentam a propriedade inerente de acarretamento lexical de

[desencadeador] – caso em que elas encaixam {abrir} (e também {quebrar}, outro verbo que apresenta

essa alternância no PB e no PC). Para as autoras a semântica desses verbos acarreta necessariamente um

“desencadeamento”, que pode ser inferido mesmo nas construções intransitivas deses verbos. Essa

propriedade de desencadeador lexicalmente acarretada pode se concentrar no argumento que também

recebe [afetado], ou se distribuir entre dois argumentos.

Note-se então que isso nos remete de volta ao problema da interpretação do sentido dos verbos. Seria

percário transportar diretamente uma análise como essa para o PC, uma vez que eu não posso saber se

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naquele estágio, {abrir} e {quebrar} corresponderiam “inerentemente” a uma interpretação de

desencadeamento, e nem posso realizar os testes de confirmação propostos pelas autoras para o PB.

Tampouco me parece adequado partir partir de princípios generalizantes de sentido – do tipo a “idéia

abstrata” de “quebrar” ou de “abrir” implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador. Por

exemplo, digamos que a “idéia” de “morrer” não implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador

(já que este verbo só acarreta [afetado]); onde isso nos deixa com {matar}, que expressaria a “mesma

idéia” expressa por {morrer}, mas com uma causa/desencadeamento/origem/iniciador? De fato o

problema em pauta não remete a “idéias”, mas sim à organização da língua; isso fica bastante claro

quando notamos que os verbos “anti-causativos” podem ser usados em perífrases como:

(a) O acidente aconteceu *Alguém aconteceu o acidente Alguém fez o acidente acontecer(b) O menino caiu *Alguém caiu o menino Alguém fez o menino cair(c) O gato morreu *Alguém morreu o gato Alguém fez o gato morrer

A possibilidade da perífrase causativa mostra que o problema não são as “noções” ou as “idéias”, mas sim

a organização dos itens lexicais – e esta, justamente, pode mudar com o tempo. Assim, ausente a

possibilidade de partir de intuição para determinar a semântica precisa dos verbos no PC, resta encontrar

evidências nas construções atestadas, e compará-las com as intuições possíveis para o PB. O interesse

desse exercício é procurar caminhos para compreender o seguinte ponto: se o PB apresenta uma

ampliação das diáteses possíveis no PC, onde incide essa ampliação?

Em princípio, estou partindo da idéia de Cançado e Ciríaco (2007) sobre a alternância causativo-ergativa

no PB: ela se traduziria numa alternância entre construções com concentração e com distribuição das

propriedades [desencadeador]/[afetado], possível com alguns verbos (mas me afasto da análise de Ciríaco

(2007) no sentido de serem as formas transitivas desses verbos mais básicas que as intransitivas, como já

explicarei). Por enquanto, encontramos dois verbos incluídos na análise das autoras para o PB: {quebrar}

e {abrir}; não pretendo determinar sua semântica precisa no PC, como assinalei, mas vou aceitar que no

PB eles podem acarretar [afetado] e [desencadeador] para um mesmo argumento. No PC, a situação pode

por hipótese ser a mesma. Outros verbos de alternância no PC não me parecem poder vir a se encaixar

nessa análise (como {queimar}, pelas razões que já mencionarei).

Vamos ver de que forma isso nos ajuda a entender os contrastes entre os dois estágios, comparando as

construções que atestamos com esses dois verbos no corpus, e as que atestamos com verbos que não

apareceram em alternância. No Quadro I.2 da seção 2 apresentei os verbos que eu aceito tanto em

construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como intransitivos no corpus

do PC (como {acordar}, {afastar}, {amadurecer}, {adoecer}, {andar}, {arrebentar}, {crescer}, {curtir},

{emprenhar}, {engordar}, {enobrecer}, {entrar}). No Quadro IV.1 estão os verbos que eu aceito tanto

em construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como transitivos no

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corpus do PC (como {acabar}, {apagar}, {começar}, {cortar}, {dobrar}, {enriquecer}, {esfolar},

{esgotar}, {extinguir}, {acalmar}, {estragar}). A pergunta para começar a análise comparada seria: no

PB, esses verbos parecem poder acarretar [afetado] e [desencadeador] para seus argumentos únicos

quando intransitivos? Novamente ressalto que me parece extremamente difícil definir isso objetivamente

apenas refletindo sobre o sentido dos verbos. O máximo a que consergui chegar, até este ponto, foi

definir que todos os verbos acima de fato me parecem expressar, nas construções transitivas,

causatividade. Isso é interessante pois os contrasta com os “transitivos estritos”, como mostro adiante.

Para verificar se os verbos podem expressar causatividade estou usando o teste da paráfrase com “fazer

V”:

(a) O gato acordou Alguém acordou o gato = Alguém fez o gato acordar(b) O carro arrebentou Alguém arrebentou o carro = Alguém fez o carro arrebentar(c) O carro estragou Alguém estragou o carro = Alguém fez o carro estragar (etc)

Repetindo-se o teste nota-se que todos os verbos acima entram nesse paradigma. Vamos constrastar isso

com certos verbos que me parecem estritamente transitivos no PB:

(a) ? O gato matou ≠ Alguém matou o gato ≠ Alguém fez o gato matar(b) ? O menino castigou ≠ Alguém castigou o menino ≠ Alguém fez o menino castigar(c) ? A cidade defendeu ≠ Alguém defendeu a cidade ≠ Alguém fez a cidade defender(d) ? A minhoca comeu ≠ Alguém comeu a minhoca ≠ Alguém fez a minhoca comer

Coloco as construções à esquerda nas colunas com (?) pois me parece cada vez mais difícil distinguir se

um verbo pode ou não aceitar construção intransitiva no PB; além disso, construções assim podem ser

aceitáveis por apagamento dos complementos (como com {comer}). Mas o importante é notar que as

construções da primeira coluna, possíveis ou não, não equivalem às da segunda, e as da segunda não

equivalem às da terceira. Ou seja: {o gato matou} não se aproxima do sentido de {alguém matou o gato},

e {alguém matou o gato} não se aproxima de {alguém fez o gato matar}. Repetindo esse teste com todos

os verbos que eu analiso como transitivos estritos no PB (Quadro IV.2 da seção 2), me parece que todos

se equivalem. Ou seja: os verbos que eu tomo como estritamente transitivos no PB não expressam

causatividade nas suas construções transitivas.

Com isso a única coisa que obtive foi uma separação entre verbos “causativos” e “não-causativos”, sem

ainda entrar no problema das propriedades semânticas em relação à realização dos argumentos. Neste

ponto será interessante detalhar um pouco esse problema da causatividade.

A “expressão de causatividade”, como estou colocando em termos muito preliminares, é mais uma

característica das estruturas que da semântica de cada argumento em si; importantes linhas na literatura,

com formulações diversas, abordam o problema nesse espírito (Levin e Rappaport-Hovav, 2005; Croft,

1990; Jackendoff, 1990 entre outros). Ou seja: os predicados são causativos, não os argumentos.

Lembremos, então, que Levin e Rappaport-Hovav (1999) defendem que cada “camada” de uma estrutura

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de evento deve corresponder a realização de um argumento na sintaxe.

Assim, uma boa descrição dos verbos de “alternância transitiva” seria a de que esses verbos ora se

constróem com duas, ora com uma “camada” na estrutura de evento, como é já clássico. Seria

interessante combinar isso com a proposta de Cançado & Ciríaco (2007) sobre a concentração e

distribuição das propriedades semânticas acarretadas pelos verbos. Nesse sentido importa salientar que o

axioma de Levin & Rappaport-Hovav (1999) remete a “argumentos” como ocupantes das camadas de

eventos, não a propriedades semânticas (nem papéis temáticos). Ou seja: está aberta a opção de que um

argumento de uma camada estrutural receab duas propriedades semânticas do verbo.

Assim, podemos preliminarmente entender a alternância de transitividade da seguinte maneira.

Começando com os intransitivos estritos: as construções mono-argumentais (por definição)

corresponderiam a uma camada de evento apenas; o argumento único do verbo, realizado nessa camada

única, pode receber do verbo as duas propriedades semânticas fundamentais, ou uma delas apenas:

verbos [ V: x ], *[ V: x y ]: [ V x ], [ x ]-[afetado][ x ]-[afetado][desencadeador ]

Nas construções transitivas, como já vimos, as propriedades [afetado] e [desencadeador] estão

“distribuídas” entre diferentes argumentos. Além disso, se há dois argumentos, vamos entender

preliminarmente que possa haver duas camadas de evento. Para representar essas possibilidades vou

acrescentar um pouco de estrutura à minha descrição mínima dos verbos; sem remeter propriamente a

camadas de “evento”, falarei em camadas estrtuturais, representadas por chaves, simplesmente:

verbos *[ V: x ], [ V: x y ]: [ y [ V x ] ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador]

Agora olhamos para o problema da perspectiva dos “verbos de alternância”. Quando eles se contróem

transitivamente, correspondem a duas camadas estruturais; e quando se constróem intransitivamente, a

apenas uma. Quanto à distribuição das propriedades semânticas, na construção com duas camadas, as

propriedades semânticas estariam distribuídas, uma para cada argumento em cada camada. Quando se

constróem intransitivamente, temos duas possibilidades: ou as propriedades podem estar concentradas

(como nos verbos sempre mono-argumentais), ou uma delas pode estar ausente:

verbos [ V: x ] ~ [ V: x y ] : [ y [ V x ] ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador][ x [ V ]], [ x ][afetado][desencadeador ] ou[ x [ V ]], [ x ][afetado]

Essa idéia inicial me parece interessante, pois a diferença entre os três tipos de verbos remteria às

diferentes extensões de “distribuição” das propriedades semânticas dos argumentos que eles podem

acarretar. Os transitivos estritos podem acarretar concentradamente as propriedades de [afetado] e

[desencadeador] (ou acarretar apenas [afetado]); os intransitivos estritos só podem acarretá-las

distribuidamente entre dois argumentos; os de alternância transitiva (em princípio) podem acarretá-las

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concentradamente ou distribuídamente. Ao acarretarem uma propriedade semântica apenas, seriam

semelhantes aos mono-argumentais “inacusativos” na análise de Ciríaco e Cançado (2006), como

{brotar} ou {morrer}, em contraste aos inergativos, como {correr} ou {dançar}. As possibilidades

podem ser expressas da seguinte forma:

“intransitivos”: [ V: x ], *[ V: x y ]: [ V x ], [ x ]-[afetado][ x ]-[afetado][desencadeador ]

“trnasitivos”: * [ V: x ], [ V: x y ]: [ y [ V x ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador]

“de alternância”: [ V: x ]~[ V: x y ] : [ y [ V x ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador] [ V x ], [ x ][afetado][desencadeador ] [ V x ], [ x ][afetado]

O interssante da idéia é como se poderia entender a variação diacrônica nas possibilidades de alternância.

Verbos que hoje podem ser transitivos além de intransitivos teriam passado do esquema “mais

concentrado” para o “menos concentrado” (em termos de distribuição das propriedades semânticas

acarretadas), e vice-versa. Ou seja, se pensarmos que a diferença entre os verbos das classes de diátese

encontradas hoje no Português Brasileiro parte da capacidade que cada verbo apresenta em “distribuir” as

propriedades semânticas fundamentais de [afetado] e [desencadeador], poderemos começar a nos

aproximar da compreensão da mudança pensado que ela incide justamente sobre essa capacidade de

“distribuição”. Ou seja: não precisaremos falar necessariamente em mudança nas propriedades

acarretadas por cada verbo em si, mas sim sobre a forma que o verbo as distribui entre diferentes

argumentos:

Verbos do Grupo 2.1 [ x [ V ]], *[ y [ x [ V ]]] > [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] {arrebentar}, PC > PB [ x [ V ]]: [ x [ V ]]:[ x ] [afetado][desencadeador ] = [ x ] [afetado][desencadeador ]

ou> [ y [ x [ V ]]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador ]

Verbos do Grupo 2.3* [ x [ V ]]], [ y [ x [ V ]]] > [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] {apagar}, PC > PB

[ y [ x [ V ]]]: = [ y [ x [ V ]]]: [ x ] [afetado], [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador ] [ y ] [desencadeador ]

ou> [ x [ V ]] [ x ] [afetado][desencadeador ]

Assim, se é adequado dizer que um verbo como {apagar} é “transitivo” no Português Clássico, mas pode

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ser transitivo ou intransitivo no Português Brasileiro, a mudança teria sido na direção de maior > menor

distribuição argumental das propriedades semânticas de {apagar}. Em contraste, se um verbo como

{arrebentar} é “intransitivo” no Português Clássico, mas pode ser transitivo ou intransitivo no Português

Brasileiro, a mudança teria sido na direção de menor > maior distribuição de propriedades semânticas

entre os argumentos de {arrebentar}. No esquema abaixo, tento descrever essa “capacidade de

distribuição” dos verbos por “=” (distribuição concentrada, duas propriedades semânticas para um

mesmo argumento) e “<” (distribuição de uma propriedade para cada argumento):

Verbos que mudam de mais distribuição para menos distribuição (transitivo > intransitivo) {apagar}:

[ y [ x [ V ]]] → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =

[x] [afetado] [x] [afetado]

V < → V=[x][afetado][desenc] , V <[y] [desenc] [y] [desenc]

Verbos que mudam de menos distribuição para mais distribuição (intransitivo > transitivo) {arrebentar}: [ x [ V ]] → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =

[x] [afetado] V [x] [afetado][desencadeador] → V=[x][afetado][desenc] , V <

[y] [desenc]

Verbos que permanecem alternantes {quebrar}:

[ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]] [ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]]

[x] [afetado] V [x] [afetado][desencadeador], V <

[y] [desencadeador]

Verbos que adquirem propriedade [desencadeador] {amadurecer} ?: ? [ x [ V ]] → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =

[x] [afetado]? V=[x] [afetado] → V < [y] [desencadeador]

Um outro ponto de interesse do esquema seria a abordagem das construções com {SE}. Elas ficariam na

metade do caminho entre mais e menos distribuição das propriedades fundamentais. Nos quadros II da seção

1 apresentei os verbos atestados com essa partícula; o quadro II.2 reúne os verbos que aparecem no

corpus apenas na construção V-SE; os seguintes, na minha interpretação, podem ser intransitivos e

transitivos no PB: {corromper}, {desviar}, {embarcar}, {endurecer}, {estreitar}.

Note-se que no PB para mim esses verbos são causativos:

(a) A moça embarcou Alguém embarcou a moça = Alguém fez a moça embarcar(b) O pão endureceu Alguém endureceu o pão = Alguém fez o pão endurecer(c) A rua estreitou Alguém estreitou a rua = Alguém fez a rua estreitar

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Notemos também que verbos de alternância no PC aparecem em construções transitivas, intransitivas e

com o pronome {SE}(cf. Quadro III na seção 1); também verbos transitivos estritos aparecem com

{SE}. No PB esses dois grupos ainda aceitam a construção com {SE}, a meu ver:

(a) A porta se abriu(b) O mastro se quebrou(c) As folhas se mexeram(d) O sal se dissolveu

Já os verbos mono-argumentais estritos não costumam aparececer em construções com essa partícula

“espinhosa”; para o PB, temos:

(a) *O menino se caiu(b) *O passarinho se morreu(c) *O passarinho se respirou

Por conta disso vou considerar a realização do pronome SE como indicadora de uma camada de

estrutura, o que explicaria sua incaceitabilidade com os mono-argumentias verdadeiros em contraste com

os demais verbos. De fato, vou tomar o SE como nada mais que um indicador de estrutura. Notemos

como, nas orações acima, seria complicado definir quais argumentos são [ x ] , quais são [ y ] ({a porta}/

se?, {o mastro}/ se?, etc). Isso deve remeter à fragilidade referencial de SE, que pode receber a

interpretação reflexiva, indeterminada, etc. - nunca com uma referencialidade própria. Este seria um

caminho interessante para compreender as mudanças em torno dessa partícula na diacronia do português

(cf. Cavalcante 2006 entre outros). Deixando isso de lado momentaneamente, considerarei apenas que é

adequado tomar {se} como um indicador de camada na estrutura argumental.

Se sustentarmos que {SE} é de fato indicativo de uma estrutura (i.e., é um argumento), mas tem

propriedades muito fracas de estabelecimento de referencialidade, certas construções com {SE}

mostrariam os verbos cuja propriedades semânticas são menos dependentes de distribuição, já que podem

aparecer tanto com um argumento próximo a reflexivo – ou seja, que pode remeter ao mesmo referente

que o outro argumento:

(a) Este âmbar todo quando logo sai , vem solto como sabão e quase sem nenhum cheiro: mas daí a poucos dias se [endurece], e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos

[ y ][densenc] endurecer [ x ][afetado] > [ ? ] endurecer [ SE]-? > [ x ][afetado] endurecer

(b) A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não dura mais que dois ou três dias, e como passa deles , logo se [corrompe]

[ y ][densenc] corromper [ x ][afetado] > [ ? ] corromper [ SE]-? > [ x ][afetado] corromper

(c) Estão estas pinhas pegadas, e por baixo das folhas, nas quaes tocando os caminhantes logo principiam a [mexer]-se, qual formigueiro, quando lhe tocam

[ y ][densenc] mexer [ x ][afetado] > [ ? ] mexer [ SE]-? > [ x ][densenc][afetado] mexer

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A descrição das construções com {SE} neste esquema é um setor aberto para análises. Entretanto, me

parce interessante notar que as dificuldades de interpretação remetem sempre aos verbos que, ao que

tudo indica, passam a ser aceitos como flexíveis no PB. Este aspecto portanto nos leva diretamente ao

cerne desta análise: a circulação dos diferentes verbos pelas diferentes construções nos dois pontos da

diacronia.

Por enquanto, saliento que essa análise do SE como ocupante de uma camada estrutural nos ajudará a

entender o outro tipo de alternância, a alternância “entre causadores”. Observemos os seguintes

contrastes:

(a) A moça abriu a porta(b) *A moça se abriu a porta

(c) A porta abriu (d) A porta se abriu

(e) A moça abriu a porta com a chave(f) *A moça se abriu a porta com a chave

(g) A chave abriu a porta (h) * A chave se abriu a porta.

(i) A porta abriu com a chave(j) A porta se abriu com a chave

Partindo do pressuposto de que a cada argumento corresponde uma camada de estrutura, podemos

analisar que:

(a) A porta abriu > [ x abrir ]; (b) A porta se abriu > [ y [ x abrir ]; (c) A moça abriu a porta com a chave > [ y [ x abrir ]] [ z ] (d) *A moça se abriu a porta com a chave > [ y [ x abrir ]] [ z ] ? se ?(e) A chave abriu a porta > [ y [ abrir x ]](f) * A chave se abriu a porta > [ y [ abrir x ]] ? se ?(g) A porta abriu com a chave > [ x abrir ] [ z ] (h) A porta se abriu com a chave > [ y [ abrir x ]]

A impossibilidade de *{A chave abriu-se a porta} indicaria o preenchimento de todas as camadas

possíveis em {A chave abriu a porta}, de modo que não tenho onde situar o {se}. Isso seria um indicador

preliminar de que os argumentos do tipo “instrumento” podem ocupar a mesma posição na estrutura que

os argumentos [ y ]; mas nem sempre, como indicaria a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}.

Assim, os argumentos [ z] desse tipo parecem só poder ocupar a mesma posição de [ y ] na ausência de

[ y], num predicado causativo. Interessantemente, a natureza estrutural de [z] quando não há um [ y] deve

ser diferente, como atesta a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}. Outros verbos de ampla

valência me parecem confirmar os contrastes vistos com {abrir}:

(a) O menino quebrou o copo

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(b) *O menino se quebrou o copo

(c) O copo quebrou(d) O copo se quebrou

(e) O menino quebrou o copo com um grito(f) *O menino se quebrou o copo com um grito

(g) O grito quebrou o copo(h) * O grito se quebrou o copo

(i) O copo quebrou com o grito (j) O copo se quebrou com o grito

Aplicando então o teste aos verbos de valência não tão ampla, por exemplo {temperar}, teremos:

(a) A mãe temperou a água quente(b) *A mãe se temperou a água quente

(c) *A água quente temperou(d) A água quente se temperou

(e) A mãe temperou a água quente com gelo(f) * A mãe se temperou a água quente com gelo

(g) O gelo temperou a água quente (h) *O gelo se temperou a água quente

(i) *A água quente temperou com gelo (j) A água quente se temperou com gelo

Na minha avaliação {temperar} não aceita a “alternância transitiva”: *{A água quente temperou}, e *{A

água quente temperou com gelo}. Aceita, entretanto, a alternância “entre causadores”, [ y ] ~[ z] ({A mãe

temperou a água quente com gelo} / {O gelo temperou a água quente}), e nesse âmbito se comporta

como {quebrar} ou {abrir} (pares (a)(b), (f)(g)).

Ou seja, [ z ] “instrumento”, o “terceiro” argumento de alguns verbos do grupo 2 e 3, pode alternar com

[ y ] numa construção causativa, mas não deve ocupar a mesma camada estrutural que [ y ] realizado (ou

não teríamos {A moça abriu a porta com a chave}, que indica haver três camadas). Na minha formulação

mínima, passo a representar isso anotando [ z ] instrumento como ocupante, alternativamente, de uma

estrutura adicional próxima a [ y ], ou autônoma, quando não há [y]:

verbos *[ x [ V ]], [ y [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [ z [ y [ x [ V ]]], {temperar}

(a) Deus tempera sua ira com o amor divino, [ z [ y [ x [ V ]]][ x ]: sua ira [ y ]: Deus[ z ]: o amor divino

(b) O amor divino tempera a ira de Deus, [ z [ x [ V ]]][ x ]: a ira de Deus[ z ]:O amor divino

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verbos [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [z [ y [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]] {abrir}:

(a) A moça abriu a porta com a chave[ x ]: a porta[ y ]: a moça[ z ]: a chave

(b) A chave abriu a porta [ x ]: a porta[ z ]: a chave

(c) A porta abriu[ x ]: a porta

(d) A porta abriu com a chave[ x ]: a porta[ z ]: a chave

Note-se, entretanto, que nem todo argumento [ z ] pode entrar em alternância com [ y ]. Notadamente, os

argumentos [estativo] do tipo “alvo” ou dativos não alternam com [ y ]:

(a) A mãe deu a água ao menino(b) *A mãe se deu a água ao menino(c) *A água deu ao menino (d) A água se deu ao menino(e) * O menino deu a água (com {o menino}-[estativo])(f) *O menino se deu a água (com {o menino}-[estativo])

A impossibilidade da alternância com [ y ] parece mostrar que em contraste com a representação acima ( [

z [ y [ x [ V ]]]]) , os argumentos [ z ] “alvo” deveriam ser descritos, na fórmula mínima, de modo distinto

aos argumentos “instrumento”. De início vou fazer isso colocando-os, na estrutura, no interior do

predicado de [ x ]. Isto captaria dois fatos: essa questão da impossibilidade de sua alternância, e a questão

de sua realização possível com verbos do Grupo 1 (que não teriam a camada causativa), sob forma por

exemplo de oblíquos “benefactivos”:

[ x [ V ] ], [ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]

(a) Apareceu-lhe Nossa senhora[ x ]: Nossa senhora[ z ]: lhe

[ x z [ V ]], ~ [ y [ x z [ V ]]

(b) Deu-lhes um temporal[ x ]: um temporal[ z ]: lhes

(c) Deu-lhe uma estocada pela barriga[ x ]: uma estocada pela barriga[ y ]: _, 3a pessoa singular[ z ]: lhe

*[[ x (z) [ V ]], [ y [ x z [ V ]]

(a) Os castelhanos lhe entregaram a cidade[ x ]: a cidade[ y ]: os castelhanos[ z ]: lhe

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Essa análise dos argumentos [ z ] “dativos”, “benefactivos”, “locativos” precisa ser aprofundada,

consistindo no momento a área mais problemática do meu esquema descritivo. Note-se entretanto que os

dativos e beneficiários não participam, no geral, da alternância de transitividade; assim, para os objetivos

dessa etapa do trabalho, que se concentrou no problema dessa alternância, a classificação provisória é

razoável.

Uma possível exceção é o verbo {chamar}, que apresenta uma diátese muito peculiar do ponto de vista

diacrônico, e que está sendo estudado por G. de Menezes em sua dissertação de mestrado sob minha

orientação (Menezes da Silva, em curso). Nos textos do Português Clássico esse verbo se constrói com o

argumento “recebedor do nome” como dativo; já no Português Brasileiro, o “recebedor do nome” pode

ser o sujeito:

(a) PC: A essas aves chamam Emas; Chamam-lhe Emas [ x ]: Ema[ y ]: __, 3a pessoa plural[ z ]: essa ave/lhe

(b) PB: Essa ave chama Ema[ x ]: Ema[ y ]: essa ave/lhe

Outro problema dos argumentos [ z ] são os locativos. Em princípio, seria interessante incluir os locativos

na mesma análise dos [ z ] “dativos”, até em consistência com o papel temático tradicional de “alvos”

desses últimos. Na maioria dos casos isto parece adequado; por exemplo, nos verbos de movimento,

com os quais nunca atestamos a alternância locativa:

(a) Ele chegou na escola ~ Ele chegou * ~A escola chegou

Esse tipo de locativo seria portanto um argumento do plano do primeiro predicado, [ x ], asssim como os

dativos:

[ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]

(a) Chegamos a esta província o outro padre e eu [ x ]: o outro padre e eu[ z ]: esta província

De fato, os verbos que expressam ‘deslocamento’ podem ser analisados segundo a fórmula abstrata ‘ir de

um ponto a outro’, por exemplo [GO [THING] TO [α]] para Jackendoff (1990). Assim, os locativos são

argumentos bastante “internos” a esses verbos, e quando expressados, especificam um dos pontos

espaciais ( [ α]). Vamos pensar, por exemplo, nos verbos {ir} e {vir}; a diferença básica entre eles é que

{ir} faz subentender um deslocamento no sentido do ponto de vista do falante para fora, e {vir} faz

subentender um deslocamento no sentido de fora para o ponto de vista do falante (ou, nos termos de

Coseriu, 1977, “vir” tem o “término do movimento no espaço de primeira pessoa”, enquanto “ir” tem o

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“término do movimento no espaço da segunda pessoa”). Nesses verbos um dos pontos espaciais é tão

evidente que não precisa ser expresso, a não ser que os lugares de partida ou chegada necessitem de

especificação:

[ x (z-LOC)(z-LOC) [ V ]], *[ y [ x (z) (z) [ V ]] {ir}, {vir}

(b) Ele foi do Sul para o Norte [ x ]: ele [ z ]: o Norte[ z ]: o Sul

(c) Ele veio do Norte para o Sul [ x ]: ele [ z ]: o Norte[ z ]: o Sul

Nesse espírito poderemos descrever as ocorrências com os verbos de movimento e locativos, ainda que

estes possam tomar formas desafiadoras, como em (a) abaixo:

“Foram correndo a costa, até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro”:

(a) Foram correndo a costa[ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: a costa

(b) ... até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro[ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro

O problema do [z] locativo se torna interessante quando saímos do grupo dos locativos que

“especificam” pontos espaciais embutidos nos verbos que expressam claramente movimentos. Para certos

verbos de semântica menos evidente, a qualidade de certos argumentos como locativos também se torna

mais opaca. Vamos examinar um verbo como {colocar}, em analogia com {chegar}:

(a) “Eles colocaram o dinheiro no bolso” [ x ]: o dinheiro[ y ]: eles [ z ]: o bolso

O argumento que remete ao local onde [ y ]-eles “colocaram” [ x ]-o dinheiro me parece ser uma

especificação do “ponto espacial” envolvido no movimento expresso por “colocar”; portanto, [z-LOC]-o

bolso, à analogia de [z-LOC]-um porto limpo.... Mas o interessante é que, à diferença de {chegar}, um

verbo como {colocar} não parece prescindir do argumento locativo: {Eles colocaram o dinheiro} é de

aceitabilidade no mínimo duvidosa.

Creio que a capacidade de prescindir ou não prescindir de um argumento locativo não está relacionada a

estruturas argumentais diferentes, mas sim à maior ou menor especificidade do próprio evento descrito.

Essa questão dos locativos nos remete, portanto, à dimensão dos sentidos específicos dos verbos. Como

já comentei, esta é uma dimensão central tanto para o estudo das valências como das alternâncias, a ser

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aprofundada com o prosseguimento da pesquisa. O que me parece imediatamente relevante, nesta etapa,

é uma noção defendida por H. Boas em Boas (2002) a respeito da relação entre a complexidade de

significado e a amplitude das diáteses dos verbos. Boas parte da análise de Snell-Hornby (1993) sobre a

composição lexical dos verbos, na qual o verbo é formado de um núcleo mais um modificador:

V = Núcleo + Modificador

Esses autores observam que a depender do Modificador, o sentido associado às diferentes unidades

lexicais pode ser mais ou menos especificado – nas suas palavras, um verbo pode ser mais ou menos

“descritivo”, descriptive. Um exemplo simples é a comparação entre {gritar} e {falar}: {gritar} é “falar

alto”, de modo que {gritar} é “mais descritivo” que {falar}. O interessante é verificar como Boas aplica

essa tese à classe dos verbos de movimento autônomo, self-movement, mostrando uma escala de

especificação:

(a) walk ‘ to move along on foot’(b) parade ‘ to move along on foot’ + with great display or ostentation(c) totter ‘ to move along on foot’ + with unsteady steps, with difficulty(d) stagger ‘ to move along on foot’ + with a swaying movement, as from weakness

Podemos adaptar o paradigma de Boas para o inglês e propor a seguinte mini-classe para o português,

com verbos que expressam diferentes formas de “mover-se”:

(a) {andar} < [ i ]-núcleo >(b) {correr} < [ i ]-núcleo [ A ]-modificador >(c) {cambalear} < [ i ]-núcleo [ B ]-modificador >(d) {marchar } < [ i ]-núcleo [ C ]-modificador >

No esquema, todas as unidades lexicais teriam a mesma estrutura [ i ], cada uma com diferentes

modificadores [ A ], [ B ],..., por exemplo correspondentes à ‘maneira de se deslocar’: “com maior

velocidade”, “com dificuldade”, “a passos rápidos/deliberados”, e assim por diante. Com isso, de partida, podemos

capturar por exemplo o fato de que há certos grupos de verbos que tem estrutura semelhante, com

“significados” diferentes; seriam as unidades que compartilham estrutura, com diferentes modificadores.

O mais interessante entretanto é o que o autor observa quanto à flexibilidade de diátese: quanto mais

descritivo for um verbo, menor a probabilidade de ele entrar em relações de alternância. Assim, {andar}

teria mais probabilidade de apresentar alternância que por exemplo {marchar}. De fato, Boas (2002)

equipara seu conceito de “verbos descritivos” ao que seriam “verbos pesados”, em oposição aos “verbos

leves”. As combinações entre [núcleos] e [modificadores] podem ser colocadas de modo mais abstrato e

com maior detalhe; o importante, para os fins deste estudo, seria colocar a questão de forma a que seja

possível entender como o conteúdo “descritivo” dos verbos pode se realizar, em alguns casos, como

argumentos. Parece-me, assim, que certos argumentos podem ser analisados como especificações de

partes do sentido do verbo: tanto os argumentos [ z ] com a semântica de instrumentos (como já volto a

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comentar), como os argumentos [ z ] com a semântica de locativos (como os locativos de {ir}, {vir}).

Nesse sentido seria possível compreender por que sua realização pode ser opcional.

Essa linha de investigação pode também elucidar alguns itens do grupo dos verbos transitivos “estritos”:

esse grupo reúne tipos bastante heterogêneos em termos semânticos, incluindo alguns casos em que o

argumento que estou chamando de [ x ] parece ser uma super-especificação: é o caso de {comer},

{beber}, e outros verbos de “complemento apagável”. De fato, Levin &Rappaport-Hovav (2002)

argumentam fortemente contra a análise causativa de predicados x Verbo y com verbos de “consumição”,

(ou seja, nos quais o participante aqui representado por [ x ] é “consumido” pelo participante [ y ]), que,

conforme elas também salientam, são justamente os verbos que apresentam a possibilidade de elisão do

argumento-complemento, ou “complementos cognatos”, do tipo “comer comida”, “beber bebida”, etc.

Assim, o meu “grupo 3” poderia sofrer um refinamento de classificação, separando-se os verbos de

acordo com sua potência causativa. Isso pode ser importante para examinarmos melhor o problema da

expressão dos sujeitos, como veremos adiante.

Por enquanto, estou preocupada centralmente com o problema das alternâncias, e essa idéia de certos

argumentos como “superespecificações” interessa, primordialmente, para entender as características dos

argumentos [ z ] que podem entrar em alternância com [ y ] e os que não podem. Vamos voltar ao caso de

{temperar}. Pelo meu levantamento, a realização mais simples (isto é, de menor amplitude) de

{temperar} é aquela na qual há um [ x ] [afetado], e (a) um [ y ] ou (b) um [ z ]. Nessa construção de

menor amplitude, segundo segundo minha própria definição junto ao dicionário DHPB, {temperar}

pode significar “Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de condimentos; condimentar”; “Fazer

reduzir a intensidade da temperatura de; esfriar”; “Tornar mais brando ou ameno; moderar” (acepções

2.1, 2.2 e 2.3 no quadro apresentado no Anexo 2). Comparando essas acepções com aquelas

correspondentes ao uso “transitivo direto e indireto” de {temperar} (em 1.1 a 1.3 no quadro), o elemento

argumental e de sentido que “falta” ao uso transitivo direto é o elemento adicionado para “modificar por

harmonização”. Parece-me, entretanto, que nesse uso sem a expressão do argumento “instrumento”,

subentende-se que algum elemento precisa entrar em jogo para efetivar a “harmonização”. De modo que

“temperar a comida com z” especifica o “instrumento” (‘condimento”) usado para modificar a comida,

harmonizando-a; em “temperar a comida” este elemento não está identificado, mas se subentende. Ou

seja, {temperar} implicaria um “z a ser combinado a x”, que pode estar sub-especificado nas construções do

tipo “y temperar x”.

Assim, [ z ] “instrumento” pode ser a especificação de um dos elementos implicados na semântica dos

verbos, em analogia ao que acontece com os z locativos – e podem ou não ser realizados na construção:

*[ x [ V ]], [ y [ x (z) [ V ]] {chegar}

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(a) .. até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro [ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro

(b) ... eles chegaram. [ x ]: eles

[ x [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]] {temperar}

(c) “Eu temperei a comida com sal e pimenta” [ x ]: a comida[ y ]: eu[ z ]: sal e pimenta

(d) “O sal e a pimenta temperaram a comida”[ x ]: a comida[ z ]: o sal e a pimenta

(e) ? “A comida se temperou”[ x ]: a comida[ y ]: se

A diferença central seria que os [ z ] locativos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ x ],

e os [ z ] instrumentos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ y ], explicando a

possibilidade de alternância entre [ z ] “instrumento” e [ y ]. O interessante é notar que [ z ]

“instrumento”, nesse esquema, pode receber duas propriedades semânticas diferentes do verbo:

[ estativo ], quando há na grade um [ y ] que recebe [desencadeador]; e [desencadeador], quando não há

um [ y ]. Ou, seguindo Ciríaco e Cançado (2007), esse tipo de argumento com papel temático tradicional

de “instrumento” acarretam do verbo a propriedade de [desencadeador] “indireto” (que pode co-ocorrer

com [desencadeador] “direto” na mesma construção). Assim, argumentos que configurariam

“superespecificações” do desencadeamento podem alternar com o desencadeador (e portanto, podem ser

sujeitos), enquanto argumentos que configurariam “superespecificações” da propriedade “afetado”, não.

Como já adiantei mais acima, o grande problema dessa abordagem seria explicar a alternância locativa.

Deixo isso para etapas futuras da pesquisa. Entretanto, me parece que a chave da questão estará em

compreender melhor a estrutura dos verbos de “alternância locativa”, para o que um estudo diacrônico

pode ser importante. Notemos por exemplo os contrastes já clássicos de (Pontes, 1986):

(a) Cabe muita gente na belina ~ A belina cabe muita gente

Pode-se pensar que “A belina”, sendo semanticamente um locativo, não deveria alternar com “muita

gente”. Entretanto, o que eu estou dizendo é que [ z ] locativo não pode alternar com [ y ] causativo; e

não me parece que com {caber}, sob nenhuma forma, tenhamos uma estrutrura causativa. Assim, a

alternância acima seria:

[ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]] {caber}

(b) “Cabe muita gente na Belina” [ x ]: muita gente

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[ z ]: a Belina

(c) “A Belina cabe muita gente”[ x ]: muita gente[ z ]: a Belina

Onde o contraste remete ao argumento que ocupa a posição de sujeito; mas em nenhum dos dois casos

são sujeitos “causativos”, [ y ]. Nesse caso, o que temos que compreender não é o contraste desses

locativos “alternantes” do PB com os [ z ] “instrumentos” alternantes, mas sim com os locativos não-

alternantes. Uma diferença que eu observo é que não me parece possível aceitar locativos “alternantes”

com verbos de movimento, nem com os dativos, como eu já especifiquei acima. Assim, a diferença pode

ser que os locativos selecionados por verbos como {caber}, que não expressam movimento, sejam mais

independentes do predicado de [ x ] que os locativos “verdadeiros”. Assim, eles podem se construir até

mesmo como sujeitos do predicado de [ x ], ao contrário dos “verdadeiros”. Nesse ponto, apenas quero

apontar que seja qual for a análise para a alternância locativa com {caber}, trata-se de uma alternância do

grupo de [ x ], não do grupo de [ z ] - uma alternância de transitividade, não entre causadores (como a de

{temperar}).

Para resumir, portanto, segundo meu esquema descritivo temos as seguintes possibilidades de realização

argumental, combinando lugares estruturais mínimos e as propriedades semânticas acarretadas, seguindo

Cançado (2003, 2005):

verbos [ x (z) [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]]

[ x ] [estativo], [ x ] [afetado], [ x ] [afetado][desencadeador ][ z ] [estativo]

verbos [ x (z) [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]]], [ z [ x [ V ]]]

[ x ] [afetado][ y ] [desencadeador ][ z ] [desencadeador ][ z ] [estativo]

verbos * [ x [ V ]]], [ y (z) [ x [ V ]]] ~ [ z [ x [ V ]]]

[ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador ][ z ] [desencadeador ]

Até o momento, a pesquisa se concentrou em organizar as valências possíveis nos verbos estudados com

base na minha intuição do PB. Futuramente será necessário descrever as construções que podemos

encontrar no PC, com base no esquema básico das relações possíveis entre o número de argumentos e as

propriedades semânticas acarretadas, chegando-se a uma tipificação dos papéis temáticos, e a um mapa

completo das construções de alternância.

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Nesse ponto será possível investigar a relação entre as propriedades semânticas acarretadas nos

predicados básicos e a realização dos diferentes argumentos como sujeitos sintáticos, em um e outro

estágio da língua. O esquema básico das relações entre o número de argumentos e as propriedades

semânticas acarretadas nos dá o seguinte quadro de partida:

esquema argumentos e propriedades acarretadas

sujeito sintático ex (PB)

[ x V] [ x ][estativo] [ x ][estativo] {bastar}

[ x z V] [ x ] [estativo] +[ z ] [estativo]

[ x ][estativo] ( + controle) {amar}

[ x V] [ x ][afetado] [ x ][afetado] {morrer}

[ x z V] [ x ] [afetado][ z ] [estativo]

[ x ] [afetado] {chegar}

[ x V] [ x ][afetado][desencadeador] [ x ][afetado][desencadeador] {correr}{engordar}

[ x z V] [ x ][afetado][desencadeador][ z ] [estativo]

[ x ][afetado][desencadeador] {correr}

[ x z V] [ x ] [estativo] +[ z ] [estativo]

[ x ][estativo] ( + controle) {amar}

[ y [ x V ]] [ x ] [afetado][ y ] [desencadeador]

[ y ][desencadeador] (+ controle), ( - controle)

{arrancar}

[ y [ x z V]] [ x ] [afetado][ y ] [desencadeador] [ z ] [estativo]

[ y ][desencadeador] {entregar}

[ y z [ x V ]] [ x ] [afetado][ y ] [desencadeador] +[ z ] [desencadeador] -

[ y ][desencadeador] (+ controle)

{temperar}

A partir desse quadro básico o mapa das construções apresentadas nos Quadros I a IV da seção 1 será

refinado, acrescentando-se à informação pura de valência informações sobre as propriedades semânticas

acarretadas em cada construção – e consequentemente, sobre os papéis temáticos (como adianto as

seguir). A reunião dessas informações permitirá uma visão aprofundada do fenômenos das alternâncias

no PC e sua evolução no PB, abrindo a a possibilidade de verificarmos detalhadamente a relação entre os

papéis temáticos e a expressão dos sujeitos.

Até este momento esse quadro de construções não está terminado; apresento aqui um esquema inicial

baseado na verificação das valências exposta nos Quadros I a IV da seção 1.

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Alternâncias atestadas no PC: Quadros preliminares

1. Verbos com alternância de valência 1 ~ 2 (aparecem com um ou dois argumentos)

1.1 Alternância quanto ao argumento [ y ] [desencadeador]Alternância de valência Alternância do sujeito

[ x V ] ~[ y [ x V ]]

[ x ] [afetado]

[ x ] [afetado][ y ] [desencadeador]

Sujeito: [ x ] [afetado]

Sujeito: [ y ] [desencadeador]

{abrir}{abranger}{achegar}{dar}{quebrar}{queimar}

x abrirx abrangerx achegarx darx quebrarx queimar

y abrir xy abranger xy achegar xy dar xy quebrar xy queimar x

1.2 Alternância quanto ao argumento [ z ] [estativo]Alternância de valência Alternância do sujeito

[ x (z) V ] [ x ] [afetado]([ z ] [estativo])

(sujeito é sempre [ x ][afetado])

{achegar}{correr}{cair}{cortar}{entrar}

{caber}{acudir}{condescender}

x achegar a zx correr para z, zx cair de/em zx cortar zx entrar em z

x caber a zx acudir a zx condescender a z

----------

2. Verbos com alternância de valência 2 ~ 3 (aparecem com dois ou três argumentos)

2.1 Alternância quanto ao argumento [desencadeador] indireto (“instrumento”)

2.1.1 Verbos em construções com e sem [desencadeador] indireto (“instrumento”)

Alternância de valência Alternância do sujeito

[ y (z) [ x V ]] [ x ] [afetado][ y ] [desencadeador][ z ] [desencadeador] indireto

(sujeito é sempre [ y ][desencadeador])

{dissolver}{pulverizar}{temperar}{mexer}{ornar}{defender}

y dissolver x (com/em z)y pulverizar x (com z)y temperar x (com z)y mexer x (com /em z)y ornar x (com z)y defender x (com z)

------

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2.1.2 Verbos em construções com e sem [desencadeador] direto Alternância de valência Alternância do sujeito

[ y (z) [ x V ]]

~

[ z [ x V ]]

[ x ] [afetado][ y ] [desencadeador][ z ] [desencadeador] indireto

[ x ] [afetado][ z ] [desencadeador] indireto

SUJEITO: [ y ] [desencadeador]

SUJEITO: [ z ] [desencadeador] indireto

{dissolver}{temperar}{defender}

y dissolver x (com/em z), y temperar x (com z),y defender x (com z),

z dissolver xz temperar xz defender x

2.2 Alternância quanto ao argumento [estativo]

Alternância de valência Alternância do sujeito

[ y [ x (z) V ] [ x ] [afetado][ y ] [desencadeador][ z ] [estativo]

{deixar}{esquipar}{fazer}{provocar}{envolver}

y deixar x a zy esquipar x a zy fazer x a zy provocar x a zy envolver x em z

------

3. Verbos com alternância de valência apenas se contarmos SE como argumento

Alternância de valência Alternância do sujeito

[ x V ] ~[ y [ x V ]]

[ x ] [afetado]

[ x ] [afetado][ y ] [desencadeador]

Sujeito: [ x ] [afetado]

Sujeito: [ x ] [afetado]

{correr}{esgalhar}

x correrx esgalhar

x correr-sex esgalhar-se

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As possibilidades de alternância de sujeito no PC podem se esquematizar como segue. No quadro, não se

incluem argumentos [ z ] estativo que não sejam ligados à propriedade de [desencadeador] secundário

(provavelmente ligada ao papel temático “instrumento”), uma vez que esses não entram na alternância de

sujeito (é o caso de [ z ] estativo ligados aos papéis temáticos de “locativo”, “alvo”, “beneficiário”, que

podem entrar na grade de verbos abaixo nos diversos grupos).

grade [ x ] [ z ] grade [ x ] [ y ] [ z ] grade [ x ] [ y ] grade [ x ]x [ bastar ]x [ falecer ]x [ acontecer ]

+ y , - y z ~ y

z [ abrir x ] z [ abranger x ]z [ quebrar x ]z [ queimar x ]

y [ abrir x ] com zy [ abranger x ] com zy [ quebrar x ] com zy [ queimar x ] com z

y [ abrir x ] y [ abranger x ]y [ quebrar x ]y [ queimar x ]

y [ achegar x ]y [ dar x ]

x [ abrir ] x [ abranger ]x [ quebrar ]x [ queimar ]

x [ achegar ]x [ dar ]

z [ temperar x ]z [ dissolver x ]z [ defender x ]

y [ temperar x ] com zy [ dissolver x ] com zy [ defender x ] com z

y [ temperar x ]y [ dissolver x ]y [ defender x ]

y [ pulverizar x ] com zy [ mexer x ] com zy [ ornar x ] com z

y [ pulverizar x ]y [ mexer x ]y [ ornar x ]

SUJEITOS [ z ]

propriedades:

[desencadeador] - controle

SUJEITOS [ y ]

propriedades:

[desencadeador] + controle, - controle

SUJEITOS [ x ]

propriedades:

[estativo] /[afetado] /

[afetado][desencadeador]

Quanto aos pontos de comparação com o PB, até este ponto do levantamento, o único tipo de

construção que não encontro no corpus do PC mas me parece aceitável no PB é a construção com [ x ]

sujeito e um [ y ] ligado ao papel temático “instrumento”, do tipo {A porta abriu com a chave}, {O

mastro quebrou com o machado}. Se for correto analisarmos esse tipo de “ [ z ]” estativo como

“desencadeador secundário”, a partir do que propõe Ciríaco e Cançado (2007), esse contraste poderia vir

a mostrar diferenças interessantes entre os dois pontos da diacronia, uma vez que no PC mesmo numa

grade que inclui um desencadeador secundário seria possível a realização de um [afetado] como sujeito,

mas no PC, não.

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Entretanto, o esquema montado até este ponto é evidentemente muito inicial. Seu ponto central de

interesse seria a possibilidade que ele abre para captar a intuição de que o processo de mudança entre PC

e PB, do ponto de vista da estrutura argumental, passa centralmente pela expressão dos argumentos que

podem ocupar a camada causativa. Isso se nota bem em seguida, ao analisarmos a relação entre as

possibilidades de alternância no PB e a expressão mais ou menos lexical dos sujeitos no PC, a qual parece

estar relacionada ao problema da “agentividade”.

O desenvolvimento dessa proposta remete ao problema dos “papéis temáticos” envolvidos nas

construções acima. Para Cançado 2003, 2005, (que seguimos) os papéis temáticos são interpretados de

modo fundamentalmente composicional em cada construção com cada verbo. Assim, a pesquisa neste

ponto implica um estudo dos diferentes papéis temáticos resultantes das diferentes combinações entre

propriedades fundamentais acarretadas e ativação de estruturas. Mais acima, ao procurar explicitar as

diferentes implicações das idéias de “valência” e de “estrutura argumental”, frisei que a primeira remete

primordialmente à descrição de um item lexical, e a segunda à descrição de um predicado. No esquema

que proponho, a “alternância” envolve os dois planos; observemos o contraste estrutural e de distribuição

de propriedades abaixo:

(a) A porta abriu [ x V ], [ x ] afetado-desencadeador, (b) A moça abriu a porta [ y [ x V]], [ x ] -afetado, [ y ]-desencadeador

O verbo é “o mesmo”; as propriedades semânticas fundamentais acarretadas (por hipótese) são as

mesmas; as construções diferem no número de argumentos selecionados e, consequentemente, no modo

como o predicado se estrutura. Penso que esse contraste de seleção e construção confere diferentes

semânticas às formações acima não só porque as propriedades semânticas estão “concentradas” num caso

e distribuídas no outro, mas também porque na segunda construção há uma camada a mais de estrutura.

Sendo a “causatividade” uma propriedade de predicados, a segunda construção é causativa, a primeira

não; assim, a interpretação de haver ou não um “causador” não depende de o verbo acarretar ou não a

propriedade de [desencadeador], depende de essa propriedade ser acarretada em um argumento que

ocupe (ou ative) uma camada de estrutura. Nesse sentido, o que me parece interessante observar por

enquanto é a previsão que isso implica em relação ao papel temático tradicional de “Agente”, que está

associado às propriedades fundamentais [desencadeador] e [controle] e à ocupação de uma camada de

estrutura (a camada causativa). Um argumento que acumule essas três propriedades seria o “Agente” mais

bem caracterizado – e é justamente esse o que mais aparece como sujeito nulo nos dados do PC.

É o que veremos na seção a seguir, pela exposição de um exame preliminar da combinação entre a

tendência de expressão lexical ou nula dos sujeitos e sua natureza argumental - [ z ], [ y ], [ x ], associados

ainda às propriedades de [desencadeador] e [controle].

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3 . 3 Exa m e dos pa dr õe s de e xpr e s sã o dos s u j e i t os Considerando as classes de diátese aqui descritas, e do quadro geral das possibilidades de alternância

acima esboçado, compõe-se o quadro lógico dos argumentos que podem ser realizados como sujeitos:

sujeito = [ x ] de verbos intransitivos estritos (Grupo 1)sujeito = [ x ], [ y ], [ z ] de verbos de alternância (Grupo 2)sujeito = [ x ], [ y ], [ z ] de verbos transitivos estritos (Grupo 3)

Contrapondo essas possibilidades com o sumário das prorpriedades semânticas e dos padrões de

alternância de diátese esboçados mais acima, a função sintática sujeito está aberta para incluir os seguintes

tipos básicos de argumentos:

[ x ] [afetado] O rei faleceu[ x ] [afetado] [desencadeador] O conde cavalgou

[ x ] [afetado] A flor abriu [ y ] [desencadeador] A moça abriu a porta[ z ] [desencadeador] A chave abriu a porta

[ y ] [desencadeador] O médico temperou a febre com remédios[ z ] [desencadeador] Os remédios temperaram a febre

Combinando os tipos básicos à propriedade de controle, teríamos:

[ x ] [afetado] – controle O rei faleceu[ x ] [afetado][desencadeador] + controle O conde cavalgou

[ x ] [afetado] – controle A porta abriu[ y ] [desencadeador] + controle A moça abriu a porta[ z ] [desencadeador] – controle A chave abriu a porta

[ y ] [desencadeador] + controle O médico temperou a febre com remédios[ z ] desencadeador] – controle Os remédios temperaram a febre [ y ] [desencadeador] – controle O rio arrebentou o barranco

Agora, se nos voltarmos aos resultados medidos preliminarmente para a expressão nula ou lexical dos

sujeitos, mostrados na Seção 1, observaremos alguns fatos interessantes. Primeiro veremos que entre,

quanto aos três grupos comparados de diátese (cf. Gráficos 4 a 6), aqueles em que encontramos mais

sujeitos nulos são, por ordem:

(1) sujeito de verbos do grupo 2: 65% nulos (gráfico 5)(2) sujeito de verbos do grupo 3: 56% nulos (gráfico 6)(3) sujeito de verbos do grupo 1: 35% nulos (gráfico 4)

De partida portanto, a relação entre apagamento de sujeito e amplitude de diátese parece apenas revelar

que com os verbos de maoir amplitude, há uma probabilidade maior de sujeitos nulos que nos outros dois

grupos, e que o grupo com menor probabilidade de sujeitos nulos é o dos verbos mono-argumentais.

Combinando, agora, essas proproções de sujeitos nulos e a descrição dos grupos conforme acima

proposta, temos:

(1) 65% sujeito nulo de verbos do grupo 2: [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador],

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[ z ] [desencadeador]

(2) 56% sujeito nulo de verbos do grupo 3: [ y ] [desencadeador],[ z ] [desencadeador]

(3) 35% sujeito nulo de verbos do grupo 1: [ x ] [afetado][ x ] [afetado][desencadeador]

Nota-se portanto se que no agrupamento acima ainda há muita mistura em termos de propriedades

semânticas ([afetado], [desencadeador], + ou - controle) e em termos da posição estrutural de cada

argumento no predicado primário (ou seja, quanto às “camadas” estruturais que esboçamos mais acima).

Sobretudo, entre os sujeitos dos verbos do Grupo 2 ainda temos argumentos de tipo [ y ][desencadeador]

+, [ y ][desencadeador] – e [ x ][afetado] misturados.

Uma segunda medição foi realizada separando em cada grupo os diferentes tipos de argumentos

encontrados como sujeitos - [ x ], [ y ], [ z ] e a propriedade de [controle]. Futuramente, estando

desenvolvido o mapa das construções segundo papéis temáticos, será feita uma medição correspondente

às propriedades semânticas de [afetado],[desencadeador], etc. Na medição preliminar realizada, temos a

seguinte ordem de proporções de sujeitos nulos (cf. Gráficos 7 a 10, seção 2):

(1) sujeitos + controle de verbos do grupo 2: 84% nulos (gráfico 10)(2) sujeitos + controle de verbos do grupo 1: 67 % nulos (gráfico 8)(3) sujeitos – controle de verbos do grupo 3: 65% nulos (gráfico 12)(4) sujeitos + controle de verbos do grupo 3: 59% nulos (gráfico 11)(5) sujeitos - controle de verbos do grupo 2: 45% nulos (gráfico 9)(6) sujeitos – controle de verbos do grupo 1:: 32% nulos (gráfico 7)

O ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com verbos de alternância onde

o sujeito é +controle (84%); note-se, pela tipologia aqui apresentada, que estes sujeitos serão sempre [ y ]

[desencadeador ]. O segundo ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com

verbos intransitivos estritos onde o sujeito é + controle (67%, ou seja, 17 pontos abaixo). Esses casos

envolvem sujeitos [ x ][afetado][desencadeador] ou [afetado]. Em terceiro lugar, estão as construções com

verbos transitivos estritos, em que o sujeito é - controle (65 %, ou seja, 2 pontos abaixo de sujeito +

controle de intransitivos e 19 pontos abaixo de [ y ][desencadeador] + controle dos verbos de

alternância). Em quarto, vêm as construções com [ y ] + controle dos verbos transitivos estritos (59%, 7

pontos abaixo do terceiro, 9 pontos abaixo do segundo, e 24 pontos abaixo do primeiro). Em quinto

lugar estão os sujeitos – controle de verbos de alternância transitiva, com 45% de nulos; em último lugar,

os sujeitos [ x ] - controle de verbos intransitivos estritos (32% de nulos).

O resultado mostra de partida o peso do critério “+ ou - controle” sobre a expressão nula ou lexical do

sujeitos. Entretanto, é importante lembrar que quando separamos os dados apenas pela propriedade de

“controle”, a partir da intuição incial apresentada na Seção 1, os resultados não são tão expressivos.

Considerando apenas o critério “+ - controle”, sem considerar a classe de diátese, a diferença entre os

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padrões de sujeito nulo fica na faixa dos 15 pontos (65% de sujeitos nulos para os dados interpretados

como + controle; 50% de nulos para os dados interpretados como – controle, cf. Gráficos 2 e 3). Já

quando consideramos a propriedade de controle aliada à classe de alternância, as diferenças podem chegar

a 38 pontos entre dados do mesmo grupo (é o caso dos 84% de nulos com [ y ][desencadeador]

+controle nos verbos do Grupo 2, contra 16% de lexicais), e a 52 pontos de diferença entre o primeiro

tipo geral e o último (sujeitos + controle de verbos de alternância, contra sujeitos – controle de verbos

intransitivos estritos).

O primeiro comentário importante a respeito desses resultados é que o sistema descritivo construído até

este momento da pesquisa pode permitir distinções importantes entre algumas características envolvidas

na noção difusa incial de “agente”, pela separação da propriedade de desencadeamento e da propriedade

de “controle”, seguindo Cançado (2003, 2005); e subsequentemente, pela separação dos

[desencadeadores] em três tipos básicos: [desencadeador] acarretado por verbo mono-argumental,

“condensado” num único argumento também [afetado]; [desencadeador] que constitui um [ z ]

“instrumento” que ocupa o lugar de [ y ]; [desencadeador] acarretado por verbos transitivos estritos; e

[desencadeador] acarretado por verbos de alternância transitiva a seu argumento “opcional”. Este último

é o argumento que mais tende a aparecer nulo, como vimos.

Creio que uma parte das diferenças medidas deve reflitir ainda inconsistências na análise dos dados.

Certamente este deve ser o caso dos meus critérios para determinar [controle] em algumas ocorrências;

creio também que ainda há muito o que aperfeiçoar na própria classificação dos verbos quanto aos

grupos de diátese, em especial quanto ao “grupo 3”, e que uma separação mais consistente frutificaria em

melhores resultados. Ainda assim, este método de comparar o tipo de verbo com o padrão de expressão

do sujeito parece promissor. Depois de aperfeiçoada, eessa metodologia pode consituir um apoio para o

estudo comparativo entre a expressão argumental no Português Clássico e no Português Brasileiro, pelas

razões que explicito agora.

O exame dos padrões de expressão dos sujeitos em relação às classes de alternância de diáteses me

parecem mostrar propriedades importantes da gramática do Português Clássico do ponto de vista

comparado ao PB. Primeiro, torna-se evidente que a propriedade de “agente” está fortemente associada à

função sintática “sujeito” na gramática do PC. De um ponto de vista das teorias funcionais, por exemplo,

uma vez que os sujeitos “agentes” são os que mais aparecem nulos, eles podem ser considerados os

“sujeitos prototípicos” (Du Bois 2002, entre outros). Notemos, sobretudo, que a propriedade de “agente”

aparece ainda mais fortemente com agentes de verbos causativos.

Isso nos leva à observação principal propiciada pelo levantamento: os argumentos que mais aparecem

como sujeitos nulos no Português Clássico são justamente aqueles tendem a ser “suprimidos”

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no Português Brasileiro. Parece-me que seria interessante estudar a relação entre esses dois fatos em

termos da reanálise diacrônica que marcaria a mudança gramatical entre PC e PB. Nessa perspectiva, e

voltando à idéia esboçada na Introdução, o dado fundamental da reanálise seria algo como:

PC:

(a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-O, [ _ ]-S casou [com o Conde D Reymão de Tolosa]-O [ x ]: uma chamada Dona Urraqua [ y ]: __ , (o rei)[ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa

versus PB:

(b) [ uma chamada Dona Urraqua ]-S, casou [ com o Conde Dom Reymão de Tolosa ]-O[ x ]: uma chamada Dona Urraqua[ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa

A diferença entre os dados gira em torno da propriedades de “proeminência do agente” e licenciamento

de sujeitos nulos. A semelhança reside na proeminência discursiva da posição à esquerda do verbo. Por

isso seria interessante uma hipótese de reanálise na qual, mantida a propriedade de saliência à esquerda, a

gramática do PB seria uma reestruturação da gramática do PC na qual a propriedade de saliência à

esquerda se mantém enquanto a relação entre sujeitos e verbos se reestrutura. Em Paixão de Sousa

(2008b) sugeri uma hipótese preliminar da seguinte forma:

(a) PC: [FP F [TP T [VP [V]]] onde F= “forte”; T = “forte” > (b) PB: [FP F [TP T [VP [V]]] onde F= “forte”; T = “fraco”

Naquele trabalho, entretanto, ainda não havia elaborado essa questão do peso da “agentividade” sobre a

expressão nula dos sujeitos. Como resultado do presente estudo, pergunto-me se a “proeminência do

agente” não teria alguma relação com a relação “forte” que T consegue estabelecer com seu especificador

no PC. Essa relação não é imediatamente evidente num contexto de estudos em sintaxe formal, onde não

se remete a idéias do tipo “prototipicidade” do sujeito, como nas teorias funcionais. Entretanto, se

pensamos na importância da hierarquia temática para os estudos da sintaxe de sujeitos no âmbito da

teoria gerativa, por exemplo a partir de Baker (1988), (1997) e Larson (1988), veremos o quanto a

“saliência” de determinado papel temático pode refletir na sintaxe das línguas – em especial, quanto aos

mecanismos de especificação da categoria que codifica a relação de sujeito sintático.

Sobretudo, entretanto, o problema da relação entre a propriedade de “agentividade” e a expressão nula

dos sujeitos pode interessar como elemento para se compreender a reanálise entre os dois estágios da

língua. Nas teorias da mudança no quadro gerativo (Lightfoot 1999 entre outros), um problema central é

compreender como uma determinada geração de falantes chega a adquirir uma gramática diferente

daquela que gerava os dados produzidos pela geração anterior de falantes – sendo que, por definição, são

esses os dados disponíveis para a aquisição. Nesse quadro, a possibilidade de ambiguidade nas

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construções presentes nos dados primários de aquisição é um fator central para explicar mudanças.

Parece-me que as construções que podem expressar diferentes estruturas argumentais com “o mesmo

verbo” são um campo fértil de ambiguidades; de modo que um constituinte como {uma chamada Dona

Urraqua} na construção {uma chamada Dona Urraqua casou com o Conde D Reymão de Tolosa} pode

ter uma interpretação ambígua (sujeito? complemento?) a depender de como se analise a valência do

verbo {casar}. As mudanças de valência configuram, portanto, um campo importante da reflexão

gerativista sobre mudança gramatical (cf. por exemplo, a análise de Lightfoot 1999 sobre a relação entre o

enfraquecimento do “efeito V2” e a mudança na valência de verbos como {like},{please}, etc. no Inglês

Médio).

Na última seção, a seguir, comento as perspectivas que se abrem para a pesquisa a partir desses

resultados parciais.

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4. Resumo e PerspectivasEste trabalho partiu de perguntas sobre as raízes diacrônicas da flexibilidade de diáteses observada no

Português Brasileiro atual. Aliando o mapeamento das estruturas verbais realizada ao longo da pesquisa a

trabalhos anteriores sobre a ordem de constituintes no Português Clássico, desenha-se um quadro dos

contrastes gramaticais entre PC e PB centrado na relação entre a alternância de diáteses e os mecanismos

reguladores da ordem e do apagamento de constituintes nas duas gramáticas.

Na gramática do Português Clássico “sujeito sintático” é uma relação independente de (i) lexicalização e

(ii) posição: há uma relação fortemente “amarrada” entre o verbo e seu argumento externo, que permite

que este argumento seja licenciado como nulo, e o torna livre de restrições configuracionais. Com esse

trabalho, observei que no PC, embora a incidência de sujeitos nulos seja alta no geral, ela é

particularmente alta no que respeita os argumentos externos cuja semântica é de desencadeadores com

controle sobre o evento expresso pelo verbo - ou seja: com “Agentes”. A propriedade de “agente” seria a

propriedade do sujeito prototípico nessa língua, como no Indo-Europeu em geral (segundo Lehmann,

1976); e essa “saliência” do agente pode ser um dos fatores envolvidos na propriedade de sujeito nulo

plena dessa gramática. Já na gramática do Português Brasileiro, “sujeito sintático” é uma relação

fortemente dependente de posição: na interpretação dos falantes, sujeito é tipicamente o constituinte que

aparece pré-verbal; e o sujeito só pode não ser pronunciado quando a sua posição é suficientemente

explícita dada a configuração da oração. Além disso, contrapondo-se ao que se disse acima sobre a

semântica dos sujeitos no PC, no PB, como têm mostrado alguns estudos, já não é clara a preponderância

do “Agente” na hierarquia dos papéis temáticos (como é comum em línguas não Indo-Européias, ainda

segundo Lehmann, 1976). Fica então a pergunta: estarão esses dois fatos interligados, e de que modo?

A pergunta leva a pesquisa a se dirigir, a partir deste ponto, a um estudo aprofundado das relações entre

as propriedades de “agentividade” (“desencadeamento”, “controle”) e os padrões de expressão dos

argumentos nas gramáticas da realização argumental no português e em diferentes línguas. Será

importante investigar, por exemplo, se a propriedade de licenciamento de constituintes nulos na sintaxe

aparece, nas línguas, relacionada a uma hierarquia forte e determinada entre os diferentes papéis

temáticos. Em caso positivo, seria interessante estudar casos em que essas propriedades tenham sofrido

mudanças, examinando a relação de antecedência entre os dois processos. Além disso, tendo em vista

minha hipótese sobre a proeminência à esquerda no Português Clássico – de fato, minha hipótese de ser

essa a propriedade constante do processo de mudança – será preciso pesquisar também o peso das

propriedades de “topicalidade” sobre a gramática das realizações argumentais.

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Para possibilitar esse desenvolvimento futuro, além do aprofundamento do estudo teórico, a pesquisa

deverá se dedicar ao aperfeiçoamento da metodologia de trabalho. Em primeiro lugar, será fundamental

ampliar o mapa das valências atestadas, aumentando o número de verbos estudados (inclusive

selecionando verbos de acordo com suas classes semânticas). De início, conto com os dados já

selecionados dos corpora de pesquisa, e atualmente em exame:

T A B E L A : U n i v e r s o d e d a d o s a s e r e m f i n a l i z a d o s

Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências

Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 50 42.221

Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 163 1.214

213 43.435

Em segundo lugar, quanto à metodologia do trabalho, há ainda muito o que se refinar nos critérios de

formação de classes comparadas de diáteses, e inúmeros impasses de análise que aguardam reflexão,

muitos deles já apontados ao longo do relatório. Será importante, também, melhorar o método de

medição da expressão dos argumentos; em especial, pretendo aprofundá-lo classificando os argumentos

também quanto à sua morfologia específica (particularmente no que remete aos argumentos oblíquos),

além de melhorar a classificação quanto aos papéis temáticos. Por fim, será fundamental realizar uma

descrição da ordem dos constituintes no mesmo universo já trabalhado quanto à realização argumental;

para esse aspecto é central que a análise passe a levar em conta propriedades discursivas ligadas à

topicalidade (informação nova, informação dada, etc), uma vez que, como venho defendendo, a ordem

neste período da língua é fortemente ligada à saliência discursiva. Aliando os aperfeiçoamentos

metodológicos e a ampliação do universo de pesquisa ao aprofundamento da reflexão teórica, será

possível publicar o Dicionário das Valências Verbais do Português Clássico, o qual espero que venha a ser

uma ferramenta útil para os estudos da diacronia do português em geral, e da expressão argumental no

Português Brasileiro em particular.

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Anexo 1: Lista completa dos verbos

TABELA 1: Verbos sistematizados

Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB)

corpus no ocorrências1. abalar ctb 12. abastar ctb 13. abranger dhpb 824. abrir dhpb 315. acabar ctb 26. acalmar ctb 17. achar ctb 238. achegar dhpb 589. acolher ctb 210. acontecer dhpb 86811. acordar ctb 112. acrescentar ctb 513. acudir ctb 414. adoecer ctb 115. adorar ctb 116. adquirir ctb 117. afadigar ctb 118. afastar ctb 119. afirmar ctb 320. agir ctb 121. ajudar ctb 522. ajuntar ctb 523. alcançar ctb 524. alçar ctb 325. amadurecer ctb 126. amar ctb 327. amoestar ctb 128. ancorar ctb 129. andar ctb 830. apagar ctb 131. aparecer ctb 132. apartar ctb 233. aportar ctb 134. aprazer ctb 135. aproveitar ctb 236. arrancar ctb 237. arrasar ctb 238. arrebentar ctb 239. arredar ctb 140. arremessar dhpb 3441. arvorar ctb 142. assegurar ctb 243. assentar ctb 244. assinar ctb 145. assistir ctb 246. atravessar ctb 1

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47. bastar ctb 148. bater ctb 149. beber ctb 350. benzer dhpb 7451. brotar ctb 152. buscar ctb 353. caber ctb 1154. caçar ctb 155. cair ctb 456. casar ctb 757. castigar ctb 158. causar ctb 259. cavalgar ctb 160. cavar ctb 261. celebrar ctb 162. cercar ctb 163. cessar ctb 364. chegar ctb 565. cobrar ctb 166. cobrir ctb 167. colher ctb 168. começar ctb 169. comedir ctb 170. comer ctb 871. cometer ctb 172. comprazer ctb 173. condescender dhpb 5874. confiar ctb 175. confinar ctb 376. conformar ctb 177. conhecer ctb 478. conjurar ctb 179. conquistar ctb 1180. consentir ctb 281. conservar ctb 282. consistir ctb 183. constranger ctb 284. contar ctb 385. conter ctb 186. contradizer ctb 187. correr ctb 288. corrigir ctb 189. corromper ctb 190. cortar ctb 491. cozer ctb 192. crer ctb 293. crescer ctb 294. criar dhpb + ctb 70995. cuidar ctb 496. cultivar ctb 197. cumprir ctb 298. curar ctb 199. curtir ctb 1100. danar ctb 3101. dar ctb 41102. declarar ctb 1103. defender ctb 3104. deitar ctb 2105. deixar ctb 8106. demandar ctb 1107. demarcar ctb 1108. denunciar ctb 1

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109. desafiar ctb 2110. desamparar ctb 1111. desaparecer ctb 1112. descobrir ctb 4113. deserdar ctb 1114. desmandar ctb 3115. despedir ctb 1116. desterrar ctb 1117. destruir ctb 2118. desviar ctb 1119. determinar ctb 2120. dever ctb 1121. diferir ctb 2122. dissolver dhpb 57123. distar ctb 2124. dividir ctb 6125. dizer ctb 22126. dobrar ctb 1127. dormir ctb 2128. durar ctb 4129. edificar ctb 6130. embarcar ctb 1131. empegar ctb 1132. emprenhar ctb 1133. encarregar ctb 1134. encolher ctb 1135. encomendar ctb 1136. encontrar ctb 1137. endurecer ctb 1138. engordar ctb 1139. enobrecer ctb 1140. enriquecer ctb 1141. entrar ctb 21142. entregar ctb 2143. enviar ctb 1144. envolver dhpb 71145. enxergar ctb 2146. escapar ctb 2147. escolher ctb 2148. escrever ctb 3149. esfolar ctb 1150. esgalhar dhpb 24151. esgotar ctb 1152. esperar ctb 1153. espremer ctb 1154. esquecer ctb 1155. esquipar dhpb 86156. estender ctb 2157. estorvar ctb 1158. estragar ctb 1159. estreitar ctb 1160. exaltar ctb 1161. extinguir ctb 1162. falar ctb 2163. falecer ctb 1164. favorecer ctb 2165. fazer ctb 77166. finar ctb 1167. mexer dhpb 30168. ornar dhpb 60169. provocar dhpb 34170. pulverizar dhpb 60

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171. quebrar dhpb 37172. queimar ctb+dhpb 21173. temperar dhpb 381

total sistematizado 3.263

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TABELA 2: Verbos em exameDicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB)

corpus no ocorrências1. achar dhpb 9.5152. açoitar dhpb 2323. acometer dhpb 3604. acompanhar dhpb 3375. aconselhar dhpb 2466. acontecer dhpb 8687. acrescentar dhpb 7568. aprender dhpb 4909. avisar dhpb 1.45610. comunicar dhpb 1.23011. conceder dhpb 1.74312. confessar dhpb 1.73513. confirmar dhpb 87914. congregar dhpb 36815. cortar dhpb 1.50416. criar dhpb 68917. dar dhpb 160218. deferir dhpb 20819. desaguar dhpb 37420. desertar dhpb 51321. dificultar dhpb 13422. distribuir dhpb 34623. dominar dhpb 3824. efetuar dhpb 13225. empenhar dhpb 78326. envolver dhpb 7127. expedir dhpb 16328. favorecer dhpb 30029. fiar dhpb 23030. ficar dhpb 93531. fixar dhpb 25032. florescer dhpb 9833. folgar dhpb 6934. forçar dhpb 79535. frequentar dhpb 39436. frutificar dhpb 1.07037. fugir dhpb 44638. furtar dhpb 21539. ganhar dhpb 30640. ganhar dhpb 78541. gastar dhpb 3442. gerar dhpb 3.15043. governar dhpb 21844. grangear dhpb 42645. guardar dhpb 58446. guarecer dhpb 33047. guerrear dhpb 96748. guisar dhpb 10749. habitar dhpb 11650. habitar dhpb 35151. haver ctb 3352. honrar ctb 153. honrar ctb 154. ilustrar ctb 155. imitar ctb 256. inchar ctb 157. inferir ctb 158. inquerir ctb 3

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59. ir ctb 160. jazer ctb 561. julgar ctb 262. julgar ctb 163. juntar ctb 164. lançar ctb 265. lavar ctb 266. levantar ctb 367. levar ctb 268. livrar ctb 169. magoar ctb 270. maldizer ctb 11771. mamar ctb 272. mandar ctb 173. manifestar ctb 174. manter ctb 175. matar ctb 176. mendigar ctb 4577. menear ctb 278. meter ctb 179. mexer ctb 180. morar ctb 981. morrer ctb 182. mostrar ctb 883. mover ctb 684. mudar ctb 485. multiplicar ctb 186. murchar ctb 287. nascer ctb 188. navegar ctb 1189. negar ctb 190. nomear ctb 191. notar ctb 1192. obrar ctb 193. ocupar ctb 194. ofender ctb 895. oferecer ctb 196. olhar ctb 197. ordenar ctb 498. outorgar ctb 399. ouvir ctb 1100. parar ctb 2101. parecer ctb 2102. parir ctb 1103. participar ctb 11104. particularizar ctb 9105. partir ctb 1106. passar ctb 1107. pastar ctb 2108. pedir ctb 3109. pelar ctb 2110. pelejar ctb 2111. perder ctb 2112. perdoar ctb 2113. perguntar ctb 3114. permanecer ctb 1115. permitir ctb 3116. perseguir ctb 1117. pertencer ctb 15118. pesar ctb 3119. pescar ctb 5120. pisar ctb 1

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121. plantar ctb 2122. poder ctb 8123. por ctb 5124. por ctb 1125. possuir ctb 1126. povoar ctb 5127. prazar ctb 3128. preitejar ctb 1129. prejudicar ctb 2130. prender ctb 3131. prestar ctb 1132. presumir ctb 1133. pretender ctb 1134. prezar ctb 2135. proceder ctb 41136. procurar ctb 16137. procurar ctb 8138. produzir ctb 5139. professar ctb 11140. projetar ctb 1141. prometer ctb 2142. prosperar ctb 7143. prover ctb 1144. provocar ctb 1145. quebrar ctb 1146. querer ctb 1147. querer ctb 7148. quitar ctb 1149. realçar ctb 2150. receber ctb 1151. recolher ctb 1152. reconciliar ctb 1153. recorrer ctb 1154. recrear ctb 3155. redimir ctb 27156. referir ctb 1157. reger ctb 1158. reinar ctb 5159. remeter ctb 1160. remunerar ctb 1161. renovar ctb 1162. reparar ctb 1163. repartir ctb 1164. repartir ctb 1165. represar ctb 1166. residir ctb 1167. residir ctb 2168. residir ctb 2169. resistir ctb 2170. resolver ctb 1171. respeitar ctb 7172. responder ctb 9173. restituir ctb 10174. revelar ctb 5175. rodear ctb 2176. romper ctb 1177. roubar ctb 1178. saber ctb 1179. sair ctb 9180. saltar ctb 15181. sarar ctb 1182. satisfazer ctb 1

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183. seguir ctb 1184. sentir ctb 3185. ser ctb 6186. situar ctb 291187. soar ctb 1188. socorrer ctb 1189. sofrer ctb 2190. soprar ctb 1191. suprir ctb 1192. surgir ctb 1193. sustentar ctb 3194. temer ctb 6195. ter ctb 3196. tingir ctb 109197. tirar ctb 1198. tocar ctb 5199. tomar ctb 1200. tornar ctb 15201. torrar dhpb 22202. trabalhar ctb 6203. tratar ctb 14204. trazer ctb 7205. trepar ctb 1206. usar ctb 3207. valer ctb 1208. vedar ctb 1209. vencer ctb 2210. vender ctb 1211. ventar ctb 1212. ver ctb 17213. vir ctb 32214. visitar ctb 1215. viver ctb 7216. voar ctb 8

total em exame 46.658

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Anexo 2Entrada para “temperar” (DHPB)

temperar, v. (~t perar). ẽ 1. Transitivo direto e indireto: 1.1 Juntar (a alimentos) substâncias que realçam

sabor, condimentos, temperos: “Ha uma herva que se chama nhamby, que se parece na folha com coentro, e queima

como mastruços, a qual comem os Indios e os mestiços crua, e temperam as panellas dos seus manjares com ella, de quem

é mui estimada. GSS (1938) [1587],”; “O suco de qualquer das duas massas, ou da mandioca de agua ou seca encorpado

com a mesma massa de qualquer d'ellas, e temperado igualmente com o tucupí, toma o nome de uarubé. O mesmo suco

da mandioca encorpado com a tipioca faz, depois de fervido, um molho gelatinoso, que tem o nome de tucupiica.

ARF[n.d.],”. 1.2. Fazer se tornar mais brando ou ameno pela adição de; suavizar: “Fez hum governo plausivel,

e justo, irmanando o rigor com o agrado de fórma, que os que recebiaõ delle os premios, ou os castigos, todos ficavaõ

satisfeitos ; taõ poderosa he a Justiça quando se tempera com a brandura ; por estas qualidades deixou tantas memorias,

como saudades na Bahia. SRP(1878)[1730]”; “Fuy temperando aquella inflãmaçaõ, e dor com remedios anodinos,

mas ſem fruto ; porque veyo a eſcoriarſe, ou para melhor dizer a esfolarſe toda aquella parte, aonde tinhao chegado os ditos

ſaquinhos, e ficou tudo em carne viva com dores quaſi inſupportaveis; e applicando variedade de remedios por conſelho, naõ ſó

meu, como de hum Cirurgiaõ,e hum Medico amigos, todos foraõ baldados e neſte tempo chegárão as dores, e ardores a tal

extremo ,que me impediaõ o comer , e o tomar a reſpiraçaõ , naõ podendo conſentir, que as taes partes chegaſſe pano, maõ, ou

lançol; LGF(1735) [1735]”. 1.3. Combinar proporcionalmente; conciliar; harmonizar: “Em todas as cousas

que tratava, grandes e pequenas, prosperas e adversas sempre achava a Deos, e trazia seu espirito no céo, e o que é muito de

espantar, com tanta destresa descia a cumprir com as empresas de serviço de Deos que trazia entre mãos, que parece que nem

no céo nem na terra faltava um ponto, assim sabia ajuntar e temperar a occupação de Martha com a contemplação de

Magdalena, que nem o cuidado exterior do bem do proximo o perturbava, nem o trato continuo com Deos dava logar ao

terem por ocioso, antes muitas pessoas, quando menos o esperavam o acharam comsigo em seus perigos da alma e do corpo.

PPR(1897) [1607]” 2. Transitivo direto: 2.1. Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de

condimentos; condimentar: “Picam ou cortam o repolho também em fios, e onde costumam esta menestra, tem já

instrumentos, que por engenho fazem depressa: assim picado o põe em vasilhas de pao, lançando-lhe bastante sal, como quem

salga carnes; põe-lhe por cima alguma táboa com ua boa pedra, ou outro peso em cima, para que o repolho fique totalmente

coberto, e afogado na salmoura. Quem quer lhe lança também alguma pimenta, ou mostarda, ainda que não necessita disso.

Quando o querem cozinhar, lavam-no muito bem, e depoes o cozinham, e temperam; e se é com gordura, ou manteiga

melhor: e afirmam os práticos, que é uma das mais excelentes iguarias, que usam os alemães, e outras nações. PJD(1976)

[1757]”; “Para tirar os dentes é o seu leite remédio eficacíssimo: bem a sua custa o experimentou uma dona, que não

podendo suportar a dor de um dente, o tocou com este leite, e para logo lhe caíram todos: não há boticão mais eficaz! Deste

leite tomam alguns doentes purgantes, mas como não o sabem temperar, ou modificar, nem também a doce regrada, tem

deitado a muitos na cova, exasperando-lhe as entranhas com o seu fogo; mas na verdade será de muitos préstimos, depoes que

os químicos souberem temperar, e modificar. PJD(1976) [1757]”. 2.2 Tornar mais brando ou ameno; moderar:

“E, na verdade, assim é; porque os mantimentos, ainda que não poem tantas forças, não são de tanta resistencia ao calor

natural como os de Europa, e os ares são mais temperados em os frios e quentura, que os de outras regiões, sem embargo de |120|

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estar esta dentro da zona torrida, e o sol passar duas vezes no anno por cima das cabeças dos moradores, uma quando vae

para o sul, e outra quando dá volta, o que nesta Baia de Todos os Santos ha começo (comuco) aos 28 de outubro a ida do

sol para baixo, e aos 14 de fevereiro a tornada; porem accudiu divina Providencia com chuvas e virações, que temperam estas calmas. PPR(1897) [1607]; “O mesmo fizeram todos os moradores da Baía, que tinham fazendas fora, que

agasalharam com muita caridade, por muitos dias, quem cento, quem duzentas e trezentas pessoas, dando-lhes todo o

necessário até buscarem remédio. Por esta grande piedade e misericórdia pôs Deus seus piedosos olhos em nós, para nos

acudir e temperar o rigor do seu castigo. AV(1925) [1626]”; “Só agua faltava, a qual tambem fiz buscar por

Francisco, feitor da roça, dizendo-lhe cavasse onde achasse hervas mais verdes, fel-o assim achou, uma veia de agua junto á

olaria, a qual serve para beber e lavar a roupa dos que lá assistem e quizDeus Nosso Senhor, em honra de sua Mãe

Santissima, a Virgem Senhora da Luz, a quem esta olaria se dedicou, que em o mesmo logar onde se cavou para fazer

amolecer o barro sahiu uma veia de agua que servisse para temperal-o, e reparou-se como cousa digna de admiração, que,

tendo o irmão Manoel da Silva feito limpar o egualar a casa da olaria, que dentro de uma noite ou pouco mais, cresceram

alli tres lyrios brancos sahidos de um só talo PJFB(1910) [1699]”. 2.3. Fazer reduzir a intensidade da temperatura

de; esfriar: “Muytas vezes acontece, e he muy ordinario neſtas obſtrucçoens, ſendo antigas, haver grande calor; e ſuccedendo

aſſim , ſe naõ dará o vomitorio, que digo no principio deſte tratado, ſe naõ depois, que o tal calor eſtiver temperado ; ſalvo ſe

houverem baſtantes ſinaes de enchimento de eſtomago, que neſte caſo ſe dará ,e ſerá em diminuta quantidade; e depois delle ſe

temperará o doente, ſe eſtiver eſquentado com grande calor; o que ſe fará com banhos de agua morna em canoa, que fique

ſó a cabeça de fóra; no qual banho eſtará em quanto a agua eſtiver tépida, ſendo em tempo. quente, e eſtando o Sol alto; e

naõ ſendo com eſtas condiçoens, ſenaõ devem tomar, e neſſe caſo ſe refreſcará o doente com frangos feytos na fórma ſeguinte.

LGF(1735) [1735]” ; “Neste intermedio quiz o enfermo beber um copo dagua do cosimento das sementes de cidra, cuja

potagem mandavam os medicos que usasse para temperar a massa do sangue, ainda exaltada da enfermidade das

bexigas. PTAPL(1980) [n.d.]”. 2.4. Pôr (instrumento musical) no devido tom; afinar: “Em tom de graça / ao

terno amante manda Marília que toque e cante. Pega na lira, sem que a tempere, / a voz levanta, e as cordas fere.

TAG(1961) [1792]”. 3. Intransitivo [pronominal]: 3.1. Tornar-se ameno, suavizar-se: “Daqui vem tambem

não poder o sal e o assucar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem humedecer-se, e o ferro, e aço de huma

espada ou navalha, por mais limpo, e sacalado, que seja se enche logo de ferrugem, e esta humidade he causa de que o calor

desta terra se tempere, e faz este clima de boa complexão, outra he pelos ventos Leste, e Nordeste, que ventão do mar

todo o verão do meio dia pouco mais ou menos, athé a meia noite, e lavão e refrescão toda a terra. FVS (1888) [1627]”.

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