Valor42-Imposto sindical e ação coletiva

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    Imposto sindical e ao coletiva

    Fbio Wanderley Reis

    O imposto sindical volta a ser discutido, com a medida provisria do

    governo a respeito e as emendas a que foi submetida por parlamentares do

    PPS e PSDB no Congresso. O foco da discusso a manuteno ou no do

    carter obrigatrio do pagamento do imposto (embora tenham surgido

    tecnicismos jurdicos equvocos quanto obrigatoriedade do imposto em si ou

    do recolhimento pelas prprias empresas), e o tom das matrias sobre o

    assunto tende a ser insistentemente negativo: o imposto visto como algo sem

    dvida imprprio e abusivo, uma sobrevivncia infeliz do autoritarismo e dasmanipulaes da era Vargas, e apontam-se com facilidade as contradies

    de sindicalistas, incluindo Lula, e de setores da esquerda em geral, que se

    opunham ao imposto compulsrio e agora se mobilizam para mant-lo.

    No meu objetivo, aqui, tomar posio, em termos normativos, pela

    obrigatoriedade ou no do pagamento do imposto. Mas me parece de interesse

    considerar analiticamente alguns aspectos do problema. A discusso pode ser

    aproximada de questes suscitadas anteriormente, durante o governo FHC, em

    torno das supostas imposies modernas (com a globalizao e a nova

    dinmica econmica) quanto forma geral de organizao dos sindicatos.

    Podem ser lembradas, por exemplo, manifestaes de dois ministros do

    Trabalho de Fernando Henrique, Paulo Paiva e Edward Amadeo, o primeiro a

    declarar ser preciso acabar com os sindicatos por base e estabelecer

    sindicatos por empresa e o segundo a bater na tecla da necessidade de

    aumentar a competio entre os sindicatos para que os trabalhadores possam

    optar entre vrios deles de acordo com a oferta de benefcios como creches,

    por exemplo.

    A arrogncia governamental contida na recomendao de Paulo Paiva,

    com o governo a pretender ditar como devem organizar-se os trabalhadores,

    acaba por desdobrar-se no ponto crucial que quero ressaltar. Pois, em

    confronto com as manipulaes varguistas, a recomendao envolve a

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    desvantagem, do ponto de vista do movimento trabalhista, de que adot-la

    resultaria no contra-senso de abrir mo do recurso correspondente

    organizao em maior escala (que no incompatvel com a eventual deciso

    de agir descentralizadamente). Mas a idia de Amadeo retomada

    explicitamente nas matrias jornalsticas de agora de uma espcie demercado sindical, em que produtos como creches e assemelhados atraem os

    trabalhadores transformados em clientes, vai na mesma direo, chocando-se

    frontalmente com algo que h muito vem sendo objeto de anlises de decisiva

    importncia nas cincias sociais da atualidade. Refiro-me a que o objetivo do

    movimento trabalhista e sindical , na verdade, a prpria organizao como

    tal, em que seja possvel aos trabalhadores como categoria buscar objetivos

    variados e os trabalhadores postos como clientes dispersos num mercado

    sindical so a negao direta desse objetivo.

    O que as anlises mencionadas tm salientado, com destaque para um

    volume clssico do economista Mancur Olson sobre A Lgica da Ao

    Coletiva, que alcanar as condies necessrias ao coletiva organizada

    e eficiente muito mais difcil para categorias numerosas, que constituem, nos

    termos de Olson, grupos latentes antes que efetivos. A dificuldade teria a

    ver sobretudo com o fato de que, se os ganhos da eventual ao organizada

    beneficiam necessariamente a todos os membros da categoria, eles surgem

    como um bem pblico do ponto de vista da categoria como tal, o que

    estimularia por parte de cada um a disposio de tomar carona nos esforos

    dos outros, a qual ocorreria com mais fora diante do complicado problema de

    coordenao defrontado pelos grupos de grandes dimenses. Nessa ptica,

    benefcios como creches e outros servios que prestem os sindicatos no

    aparecem seno como estmulos paralelos (incentivos seletivos) visando a

    auxiliar o esforo organizacional, e no como os fins em si mesmo a serem

    buscados.

    Por outro lado, bem claro, e igualmente objeto de elaboradas

    anlises, que a situao dos empresrios como categoria mais favorvel do

    que a dos trabalhadores: eles no s so menos numerosos, mas tambm, entre

    outras coisas, j tm nas prprias empresas um recurso possivelmente

    importante para o esforo de organizao coletiva mesmo se pomos de lado

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    o papel de capitalista ideal que certas anlises marxistas atribuem ao Estado,

    que se supe em geral, com boas razes, particularmente atento aos interesses

    coletivos empresariais. Alis, no chega a ser incongruente com essa

    perspectiva o fato de que as emendas propostas agora tenham inicialmente

    esquecido as contribuies repassadas a entidades patronais.

    Quaisquer que sejam as posies a adotar, ao cabo, com respeito a

    diversos aspectos do problema agora discutido, a perspectiva trazida por

    consideraes como essas permite ver como uma espcie de bom-mocismo

    pouco realista a oposio ao imposto obrigatrio antes manifestada, em nome

    da autonomia, por setores sindicais. De toda maneira, cabe lembrar que o

    fortalecimento e a centralizao da estrutura sindical se deu em ntima

    associao com o Estado, no chamado neocorporativismo, em vrias dasexperincias mais bem sucedidas de administrao democrtica e socialmente

    sensvel do capitalismo. E que, no obstante as provas severas a que tais

    experincias foram submetidas com a globalizao e as novidades econmico-

    tecnolgicas, os resultados de tais provas esto longe de estabelecer a

    superioridade das alternativas que o mundo de hoje oferece. Afinal, tem sido

    possvel falar de novos pactos sociais e at mesmo de corporativismo

    competitivo a propsito de iniciativas que, orientando-se por preocupaes

    de eficincia, enfrentam com xito os novos desafios.

    Valor Econmico, 29/10/2007

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