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SRIE PRINCPIOS 215 Valter KehdiDoutor em Letras Professor da disciplina da Filologia e Lngua Portuguesa da FFLCH da Universidade de So Paulo

Formao de Palavras em Portugus(Edio revista e ampliada)

3 edio 5 impresso editora tica

Editor Nelson dos Reis Preparao de texto Brbara Heller Reviso urea Regina Kanashiro Edio de arte Milton Takeda Coordenao grfica Jorge Okura Composio/paginao em vdeo Edson Vander de Oliveira Eliana Ap. Fernandes Santos Capa Ary Normanha Antonio Ubirajara Domiencio

ISBN 85 08 04054 7

2003Todos os direitos reservados pela Editora tica Rua: Baro de Iguape, 110 Cep: 01507-900 Caixa Postal 2937 Cep: 01065-970 So Paulo - SP Tel.: 0XX 11 3346-3000 Fax: 0XX 11 3277-4146 Internet: http://www.atica.com.br E-mail: [email protected]

A Palameda Borsari, in memoriam.

Sumrio

1. Derivao e composio______________________________________7 2. Derivao prefixal e sufixal _________________________________ 10 Constituintes imediatos (C.I.)____________________________________ 10 3. Derivao parassinttica_____________________________________17 4. Derivao regressiva e abreviao_____________________________22 Processo de nominalizao______________________________________ 26 Abreviao__________________________________________________27 5. Derivao imprpria ou converso_____________________________29 Translao de primeiro grau_____________________________________ 30 Converso e translao_________________________________________ 31 Morfossintaxe _______________________________________________ 34 6. Composio______________________________________________ 35 Tipos de composio__________________________________________ 36 Uso do hfen nos compostos_____________________________________ 37 Traos lingsticos dos compostos_________________________________39 Estrutura dos nomes compostos___________________________________42

7. Flexo de nmero dos compostos_____________________________ 44 Formao do plural dos compostos _______________________________ 45 8. Outros processos de formao de palavras____________________________________________________49 Reduplicao (ou redobro) ______________________________________50 Hibridismo _________________________________________________ 50 Siglas _____________________________________________________ 51 9. Concluso _______________________________________________ 53 10. Exerccios de aplicao____________________________________ 55 11. Vocabulrio crtico _______________________________________ 57 12. Bibliografia comentada ____________________________________61

1Derivao e Composio

O acervo lexical da lngua portuguesa constitudo de uma grande maioria de palavras herdadas do latim, s quais se acrescentaram palavras de outras origens, alm de vocbulos formados em nosso prprio idioma. Neste livro enfocaremos os processos formadores de palavras em portugus, os quais tambm no so estranhos s palavras latinas herdadas, e fixar-nos-emos numa perspectiva sincrnica. Basicamente, distinguem-se dois processos de formao lexical: a derivao e a composio. Quando um vocbulo formado de um s radical, a que se anexam afixos (prefixos e sufixos), tem-se a derivao: repor (= re- (pref.) + pr) felizmente (= feliz + -mente (suf.)) A composio ocorre quando dois ou mais radicais se combinam: amor-perfeito guarda-chuva Verifica-se, contudo, que certos prefixos em nossa lngua tm uso autnomo, como se fossem preposies; o caso de contra- e entre-:

8 contrapor / Jos est contra os colegas. entreabrir / Ficou entre a cruz e a espada. Esse fato levou muitos gramticos do passado e algumas correntes da Lingstica moderna, como a gramtica gerativa, a classificar a prefixao como um caso de composio. Argumentou-se, entretanto, que essa autonomia no caracterstica de todos os prefixos: alguns, como des- e re-, s figuram como formas presas (atreladas a um radical): desigual, rever. Entre os sufixos, alguns tambm tiveram uso autnomo: a forma latina mente, esprito, aparecia combinada com adjetivos adequados sua significao, constituindo um exemplo de processo de composio: boamente. A partir do momento em que mente pde juntar-se a outros adjetivos, como em rapidamente, recentemente, adquiriu o carter de sufixo, portanto, de forma presa. Caso curioso o do elemento avos, que figura na designao dos denominadores superiores a dez nas fraes ordinrias: 1/15 (um quinze avos). Na realidade, avos o sufixo do numeral oitavo (depreendido pela comparao com oito), que, nesse contexto especfico, adquire uso autnomo. Os fatos acima apontados no impedem que se considere a sufixao como um tipo de derivao. Quando se fala em prefixo, os sufixos so naturalmente associados e vice-versa. Esses aspectos levam a integrar tambm a prefixao no quadro da derivao posio oficial da Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB). A diferena entre prefixos e sufixos, contudo, no meramente distribucional. Os prefixos, ao contrrio dos sufixos, s se agregam a verbos e a adjetivos, que so uma espcie de vocbulo associado ao verbo. Lembremos, a ttulo de exemplo, que o particpio passado se flexiona em gnero e nmero, semelhana do adjetivo: construdo / construda / construdos / construdas Certos verbos equivalem a um verbo de ligao seguido de um adjetivo em funo de predicativo:1

Este livro foi digitalizado e distribudo GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a inteno de facilitar o acesso ao conhecimento a quem no pode pagar e tambm proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros ttulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, ser um prazer receb-lo em nosso grupo.

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9 envelhecer = ficar velho hesitar = estar hesitante Em alguns verbos formados por prefixao, o complemento verbal aparece regido de preposio igual ao prefixo: conviver com... depender de... encarcerar em... Ademais, os prefixos no contribuem para a mudana da classe gramatical do radical a que se ligam: rever verbo, como ver, desigual adjetivo, como igual. Os sufixos, pelo contrrio, podem contribuir para a mudana da classe gramatical do radical: civilizar verbo, ao passo que civil adjetivo. As diferenas assinaladas mostram a complexidade do problema. Contudo, nosso objetivo especificar, aqui, os diferentes tipos de derivao e composio; a ttulo de simplificao e economia, consideraremos a prefixao como um tipo de derivao, seguindo a linha proposta pela NGB. Explicitaremos, inicialmente, os diferentes tipos de derivao, para passarmos, no captulo 6, ao estudo da composio.

2Derivao prefixal e sufixal

Contrariamente aos vocbulos que contm um s prefixo (in/feliz) ou um s sufixo (ruin/dade), as palavras com dois ou mais afixos (in/just/ia, des/respeit/osa/mente) parecem apresentar uma estrutura mais complexa. Em desrespeitosamente trata-se de uma derivao prefixal e bissufixal simultnea ou de uma estruturao subjacente mais simples e regular? Essa questo satisfatoriamente solucionada atravs de uma anlise em constituintes imediatos (C.I.), cujas tcnicas expomos a seguir.

Constituintes imediatos (C.I.) A anlise em C.I.. mais facilmente ilustrada a partir da sintaxe. Tomemos como exemplo a frase (F): O garoto chutou a bola. No recorreremos aos princpios lgico-aristotlicos (que dividem a frase em questo em dois blocos: o garoto sujeito, o ser a respeito do qual se declara algo e chu-

11 tou a bola predicado, aquilo que se declara a respeito do sujeito ), mas a tcnicas exclusivamente formais. Assim, o garoto constitui um bloco perfeitamente substituvel por um elemento unitrio, que no se decompe: Jos. Acrescente-se que Jos chutou a bola uma frase absolutamente aceitvel em portugus. Como a palavra central de o garoto o substantivo garoto, vamos dar a esse bloco a designao de sintagma nominal (SN). Por sua vez, chutou a bola pode ser substitudo por saiu, elemento igualmente unitrio. A frase O garoto saiu tambm aceitvel em nossa lngua. Como o bloco chutou a bola tem como elemento central o verbo chutou, designaremos esse conjunto como sintagma verbal (SV). Podemos esquematizar essas concluses atravs da formula: F = SN + SV O SN, constitudo de dois elementos, no oferece dificuldade de segmentao: o | garoto O SV, por sua vez, constitui-se de trs elementos: chutou a bola. Como possvel substituir a bola pelo pronome pessoal oblquo a ou pelo pronome demonstrativo isso (chutou-a / chutou isso) e, nessas construes de dois elementos, o corte d-se automaticamente aps o primeiro, temos que chutou a bola segmentado da seguinte forma: chutou | a bola A bola segmenta-se facilmente em: a | bola Realizando a leitura de baixo para cima, podemos afirmar que a e bola constituem imediatamente (so os C.I. de) a bola; chutou e a bola so os C.I. de chutou a bola; o e garoto so os C.I. de o garoto; finalmente, o garoto e chutou a bola so os C.I. da frase O garoto chutou a bola.

12 A anlise em C.I. mostra que a frase no uma simples sucesso de vocbulos, mas uma superposio de camadas binrias .(Todos os cortes realizados segmentaram os blocos em dois elementos.) Essa anlise prossegue ao nvel do vocbulo, mostrando que este no uma seqncia de morfemas, mas uma superposio de blocos binrios. Vamos utilizar, a ttulo de ilustrao, o substantivo formalizao. A segmentao morfemtica revela os morfemas constitutivos desse vocbulo {form(a)} + {al} + {iz} + {a} + {o} e levar-nos-ia a crer que o referido vocbulo uma mera seqncia de morfemas. Contudo, como o sufixo -o exprime ao ou resultado da ao, s pode agregar-se a uma forma verbal; na verdade, o sufixo foi anexado ao verbo formalizar (aps a eliminao do -r do infinitivo). Por sua vez, os verbos em -izar so normalmente formados a partir de bases adjetivas: formal + izar (cp. civilizar, realizar etc.). Finalmente, o adjetivo formal constitui-se do substantivo forma + o sufixo -al. Percebemos, assim, que o vocbulo em questo se constitui pela superposio de camadas representadas, cada uma, por um elemento nuclear (radical) e um elemento perifrico (afixo/desinncia). Os dois elementos de cada camada so os seus C.I. Dessa forma, o vocbulo no interpretado como uma sucesso de morfemas e, sim, como uma superposio de blocos de C.I. H uma dupla vantagem nessa tcnica descritiva. Por um lado, evitase atribuir aos morfemas o mesmo grau de aderncia com relao aos morfemas antecedentes e conseqentes, o que acarretaria descries longas e no correspondentes estrutura real do vocbulo. Por outro, a an-

___________ Por conveno, os morfemas so indicados entre chaves.

13 lise em C.1. permite-nos, por exemplo, considerar formalizao como um derivado sufixal (e no como um derivado trissufixal, dada a presena dos trs sufixos: -al, -iz e -o). Esse carter de derivado sufixal pode ser confirmado semntica e formalmente: o simples sentido do vocbulo (ato de formalizar) pode induzir-nos partio: formaliza + o; a comparao com outras formas em -o (cassao, constituio) mostra-nos que o elemento que antecede o sufixo comuta com elementos mais simples, o que lhe d o carter de bloco unitrio. Outra vantagem oferecida pela anlise em C.I. que cada camada depreendida pode ser discutida nas partes da gramtica em que as formaes similares foram tratadas. No nosso exemplo, formal apresentado como um adjetivo derivado; formalizar examinado como um verbo derivado; formalizao, como um substantivo derivado; cada uma dessas formas comparada com as formas correspondentes da classe que representam. Eugene A. Nida, em sua obra Morphology, apresenta, de forma clara, ordenada e operatria, os procedimentos para a depreenso dos C.I. ao nvel do vocbulo. Aplicaremos os mesmos princpios usando como exemplos palavras da lngua portuguesa. Princpio 1: As divises deveriam amoldar-se s relaes significativas O princpio acima pode ser discutido, levando-se em conta, por exemplo, o adjetivo desgostoso e o advrbio desrespeitosamente. No caso de desgostoso, o sentido , indiscutivelmente, cheio de desgosto, o que remete segmentao desgosto + oso; trata-se, portanto, de um derivado sufixal. Quanto a desrespeitosamente o sentido de modo desrespeitoso, e a segmentao correspondente desrespeitosa + mente (tambm um derivado sufixal).

14 Convm ressaltar que certos vocbulos apresentam duas significaes perfeitamente aceitveis. Quando a comparao com outras formas um elemento de confirmao tanto para um sentido como para outro, tais palavras podem oferecer dupla possibilidade de segmentao. Principio 2: As divises so feitas na base da substituio de unidades maiores por unidades menores pertencentes mesma classe de distribuio externa ou a uma classe diferente (de distribuio externa) Foi esse o princpio utilizado na diviso inicial de formalizao. A comparao com cassao e constituio revelou o carter de bloco de formaliza-. Devemos estar atentos, aqui, substituio por membros da mesma classe gramatical do vocbulo inicialmente proposto. Princpio 3: As divises deveriam ser to poucas quanto possvel Por este princpio o autor defende as parties binrias (o binarismo). Um vocbulo deve ser inicialmente dividido em dois C.I.; cada um dos C.I. ser dividido em mais dois outros e assim sucessivamente. Cada camada ser, dessa forma, constituda de dois C.I. um nuclear e outro perifrico. S excepcionalmente podero ser aceitas divises ternrias. Em portugus, os verbos parassintticos (de que falaremos no captulo 3) so formados de trs C.I. simultneos: aclarar = a + clar(o) + ar___________

Uma classe cujos membros ocorrem no mesmo contexto externo, por exemplo, todos os verbos que podem ocorrer antes do sufixo -ing [em ingls], constitui uma classe de distribuio externa (Morphology, p. 91, n. 23). A viso do vocbulo como uma superposio de camadas binrias de morfemas tambm aparece na Lingstica europia. Confiram-se as obras de Charles Bally e F. Mikus (v. Bibliografia).

15 Esse trao distingue-os dos vocbulos cujos prefixos e sufixos no esto em relao de simultaneidade, como em: injustia = injust(o) + ia ou in + justia Princpio 4: As divises deveriam ser corroboradas pela estrutura total da lngua Trata-se, aqui, do princpio mais difcil de aplicar, pois pressupe conhecimento prvio das vrias estruturas do idioma. Tomemos, como exemplo, o adjetivo desrespeitoso. Pelo princpio 1, poderamos segment-lo em des + respeitoso (= no respeitoso), caso de derivao prefixal. A possibilidade de interpret-lo como que tem desrespeito conduz segmentao desrespeito + oso, derivao sufixal. Aparentemente, h aspectos formais que confirmam as duas divises: o prefixo des- prende-se, normalmente, a adjetivos (respeitoso), e o sufixo oso agrega-se a substantivos (desrespeito). No entanto, se levarmos a segmentao at o fim, constataremos que uma das possibilidades mais interessante. Partamos da primeira: des + respeitoso Num segundo momento, teramos: respeito + oso Um exame atento de cada uma das duas camadas revela-nos que o prefixo des- aparece ligado a um adjetivo, o que normal em portugus; o sufixo -oso, por sua vez, segue-se ao substantivo respeito, o que tambm freqente em nossa lngua. _____Essa dupla possibilidade de segmentao ser discutida no Princpio 4.

16 Com relao segunda possibilidade: desrespeito + oso o segundo momento nos conduz a: des + respeito Ocorre que, aqui, o prefixo des- est ligado a um substantivo, o que excepcional em portugus (raros so os exemplos como descaso, desfavor). Como assinalamos no captulo 1, os prefixos normalmente acompanham verbos e adjetivos. Assim sendo, a primeira soluo est mais de acordo com a estrutura total de nossa lngua. Nesse caso, prefervel considerar desrespeitoso como um derivado prefixal (des + respeitoso). Princpio 5: No mais, no havendo diferena, uma diviso em C.I. contnuos tem precedncia sobre uma diviso em C.I. descontnuos . Embora sejam mais freqentes os exemplos de C.I. contnuos, no so raros, em portugus, os casos de C.I. descontnuos, isto , no contguos. Nos verbos parassintticos, o prefixo e o sufixo esto em relao de solidariedade formal e semntica, e constituem, portanto, um exemplo de C.I. descontnuos, separados pelo radical; no s no podemos excluir o prefixo ou o sufixo, como, via de regra, o sentido do prefixo dinmico, reforando, dessa forma, o sentido do sufixo: em apedrejar (a + pedr(a) + ejar), o prefixo exprime a idia de movimento, direo, em reforo da noo freqentativa do sufixo. Encerrando nossas consideraes, queremos ressaltar tambm que, relativamente aos princpios anteriormente enumerados, h uma estreita ligao entre os de nmero 1, 2 e 4, que, na verdade, funcionam como reforo um do outro. So, portanto, princpios hierarquizados e complementares entre si.

3Derivao parassinttica

Processo no consignado pela NGB, a parassntese, ou derivao parassinttica, muito comum em portugus, consiste na adjuno simultnea de um prefixo e de um sufixo a um radical, de forma que a excluso de um ou de outro resulta numa forma inaceitvel na lngua. Tomemos, como exemplo, o verbo esclarecer; no existe o adjetivo *esclaro , nem o verbo *clarecer Certos verbos (e outros vocbulos) constitudos de prefixo + radical + sufixo no apresentam simultaneidade dos afixos: reflorescer (compare com florescer); injustia (compare com injusto / justia). A classificao desses vocbulos como derivados prefixais ou sufixais baseia-se numa anlise em C.I., de acordo com as tcnicas especificadas na j citada obra de E. A. Nida, Morphology. No h necessidade de distinguir formas como esclarecer e aclarar, com o argumento de que, na segunda, no figura um sufixo. Na realidade, as nicas flexes possveis para o adjetivo claro, radical de aclarar, so: claro / clara / claros / claras

__________ o asterisco indica tratar-se de uma forma inaceitvel ou inexistente na lngua.

18 A terminao -ar, de valor verbal, est contribuindo para que a palavra claro mude da classe dos adjetivos para a dos verbos, ou seja, est desempenhando um papel sufixal; como observamos no captulo 1, uma das funes do sufixo contribuir para a mudana da classe gramatical do radical. Assim, tanto esclarecer como aclarar so exemplos de verbos parassintticos. O sufixo -ec(er), de esclarecer, tem valor meramente aspectual (incoativo/causativo) e no interfere na caracterizao do processo de formao do verbo. Geralmente, os prefixos que figuram nos parassintticos tm um sentido dinmico: embarcar (em-: movimento para dentro) desfolhar (des-: ato de separar) o que explica o fato de a maioria desses derivados serem verbos. Contudo, podemos encontrar, ainda que raramente, substantivos/adjetivos parassintticos: o caso de subterrneo (considerando que *subterra e *terrneo so formas inexistentes), bem como de conterrneo, desalmado etc. Normalmente, os nomes deverbais no so parassintticos, ainda que os verbos de que procedem o sejam: esclarecimento e esclarecedor so derivados sufixais, como o mostra uma anlise em C.I.; (o) embarque, por sua vez, um derivado regressivo, de que falaremos no captulo 4. Freqentemente o carter parassinttico de um verbo s se revela quando levamos em conta o subsistema de que ele faz parte. Apresentamos, a seguir, alguns casos que ilustram essa afirmao. H exemplos curiosos de verbos cujo radical um adjetivo que exprime cor, e que, aparentemente, no seriam parassintticos: amarelar, azular. Todavia, se considerarmos o subsistema dos verbos formados por esses adjetivos, verificaremos que so, na maioria, parassintticos: acinzentar, alaranjar, arroxear, avermelhar etc. Ora, nesses verbos mencionados ocorre o prefixo a-. Como os adjetivos amarelo e azul comeam pela vogal a-,

19 podemos admitir que houve a crase desse a- inicial do radical com o prefixo a-: aamarelar - amarelar. A regra fonolgica da crase comum na morfologia portuguesa, como mostram os exemplos: normal (de norma + al), gostoso (de gosto + oso) etc. Portanto, parece-nos plausvel considerar os verbos amarelar e azular como parassintticos, em funo das duas observaes acima. Assim tambm devem ser classificados verbos como requentar e reverdecer, embora nossos dicionrios registrem as formas requentar e reverdecer, o que poderia dar-nos a impresso de que as primeiras formas so derivadas por prefixao. Alguns verbos de base adjetival, antecedidos do prefixo re-, so parassintticos: refinar, refrescar, reloucar (dada a inexistncia de formas como *finar (de fino), *frescar, *loucar). Esse subsistema permite-nos concluir que requentar e reverdecer so formados a partir dos adjetivos quente e verde: re + quente + ar / re + verde + ecer em paralelismo com os demais verbos mencionados. O exame do subsistema pode tambm revelar que um determinado vocbulo, aparentemente formado por paras- sntese, , na verdade, um derivado prefixal. Tome-se, por exemplo, o adjetivo inquebrantvel. A inexistncia de *quebrantvel e *inquebrantar tem conduzido alguns a considerar inquebrantvel como parassinttico. No entanto, a ocorrncia de inquebrvel, indesejvel, impensvel, em que o prefixo se atrela ao adjetivo, e no ao verbo (*inquebrar, *indesejar, *impensar), mostra-nos que esses adjetivos so todos derivados prefixais._______ Entretanto, queremos assinalar que setrata de uma hiptese, uma proposta, visto que h verbos derivados de adjetivos que indicam cor que no so parassintticos. Cf.: branquejar, verdejar etc.

20 Relativamente no-documentao de uma forma como quebrantvel, convm lembrar uma observao de Mrio Barreto: certo que se no acha nos dicionrios [refere-se o autor ao adjetivo inencontrvel]; mas inencontrvel, como outros muitos verbais em vel, vel, do nmero daquelas palavras que se podem chamar facilmente formveis. (Fatos da lngua portuguesa, p. 34) Outro caso interessante o de verbos que apresentam duas formas, uma com prefixo comum na formao de parassintticos e outra sem o referido prefixo: alargar largar embandeirar bandeirar respigar espigar Naturalmente, a ausncia do prefixo na segunda forma leva-nos a pr em dvida o trao de parassntese dos verbos da primeira coluna. importante assinalar que, num grupo de derivados, deve haver relaes no s formais, mas tambm semnticas. Examinando os trs pares de verbos acima, observamos que os membros de cada par apresentam uma relao apenas formal. Do ponto de vista semntico, as relaes so vagas ou, at, imperceptveis: alargar, tornar largo larga, soltar embandeirar, ornar com bandeiras bandeirar, organizar bandeira, ser bandeirante respigar, recolher as espigas espigar, criar espiga (o milho, o trigo) Assim sendo, o elemento comum aos membros de cada par apenas o radical:

_______O Novo Dicionrio Aurlio, por ser mais recente, registra o verbete inencontrvel.

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largar formado de larg(o) + ar alargar formado de a + larg(o) + ar embandeirar formado de em + bandeira + ar (bandeirar formado de bandeira + ar) respigar formado de re + espiga + ar (espigar formado de espiga + ar) Portanto, os verbos alargar, embandeirar e respigar so parassintticos. A omisso do prefixo implicaria um significado diferente para cada um desses verbos; para o sentido que apresentam, o prefixo indispensvel. Essas consideraes e exemplos levam-nos a atribuir ao elemento semntico um papel tambm importante na caracterizao da parassntese. Alguns verbos parassintticos apresentam o radical em sua forma arcaica (abaular, de baul, forma antiga de ba; esfolar, de fole, na acepo antiga de pele); outros contm uma forma reduzida do radical (esfulinhar (de fuligem); enjangar (de jangada)). As observaes aqui apresentadas permitem-nos concluir que a parassntese no pode ser conceituada com base exclusiva na simultaneidade dos afixos; o exame de subsistemas, bem como a anlise do aspecto semntico, so, tambm, critrios indispensveis para a caracterizao desse processo de formao vocabular.

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4Derivao regressiva e abreviao

Nos captulos 2 e 3 examinamos os vocbulos derivados por afixao. Aqui, estudaremos os derivados resultantes da eliminao de uma terminao do vocbulo derivante; o processo denominado derivao regressiva (ou regresso). A derivao regressiva ocorre quando, a partir de um vocbulo com sufixo real ou suposto, formamos um novo vocbulo atravs da eliminao do referido sufixo: assim, de aceiro (em que -eiro faz parte integrante do radical) formou-se ao (pela falsa suposio de que -eiro fosse sufixo, levando-se em conta vocbulos como ferreiro, jardineiro, pedreiro etc.). tambm o caso de sarampo (com relao a sarampo), rosmano (com relao a rosmaninho), em que as terminaes das segundas formas foram interpretadas como sufixos de grau. Contudo, o maior nmero de derivados regressivos constitudo de substantivos deverbais, como: paga, de pagar luta, de lutar Eis por que dedicaremos a eles a maior parte deste estudo. Ser que paga origina-se de pagar, ou o contrrio que se verifica?

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Mrio Barreto, em De gramtica e de linguagem, apresenta uma soluo prtica para o assunto: Para que o consulente tire a dvida de se a palavra primitiva o verbo ou, antes, o nome, saiba que, se o substantivo denota aco, ser palavra derivada, e o verbo palavra primitiva, mas se o nome denota algum objecto ou substncia, se verificar o contrrio. (p. 331) O critrio proposto por Mrio Barreto tem sido adotado por nossas gramticas mais recentes. Como o verbo no facilmente definido do ponto de vista semntico, h quem prefira propor uma explicao mais simples: uma base define-se como verbo ou nome em funo dos morfemas a ela anexados: pag-a-r (verbo) (as) pag-a-s (subst.) Essa posio parece-nos pecar por trs aspectos: 1) no explica por que no h nomes regressivos para todos os verbos; por exemplo, no temos *escarafuncha (de escarafunchar) e *enxerga (de enxergar); 2) entra em contradio com os deverbais progressivos, formados por sufixao (construo, de construir), reconhecidos como indiscutivelmente derivados; 3) apresenta como esttico um fenmeno que, na verdade, caracteristicamente dinmico. Em virtude desses fatos, preferimos reconhecer nos deverbais regressivos o trao de derivao, apesar de algumas dificuldades que comentaremos a seguir. Os deverbais regressivos so extrados da primeira ou da terceira pessoa do singular do presente do indicativo; da, serem nomes de tema em -o (quando procedem da primeira pessoa) ou de tema em -a ou -e (quando procedem da terceira pessoa):

24 erro, de errar caa, de caar abate, de abater Os deverbais de tema em -o adquirem, no portugus moderno, grande vitalidade: o agito, o chego, o sufoco. Freqentemente um verbo da primeira conjugao d origem a um deverbal de tema em e; nesse caso, trata-se ou de analogia, ou de influncia de outra lngua romnica assinalada em nossos dicionrios etimolgicos: empate (talvez analogia com abate(r) e embate(r)) saque (do catalo) Ocorrem, ainda, deverbais regressivos com duas formas paralelas: uma de tema em -o, e outra de tema em -a: ameao / ameaa grito / grita Normalmente formados em pocas diferentes, os membros desses pares coexistem hoje e estabelece-se entre eles uma diferena semntica (ameao e ameaa, bem como grito e grita, no so sinnimos, no podendo alternar nos mesmos contextos). De qualquer forma, convm insistir em que as vogais temticas atualizadoras dos deverbais regressivos no so predizveis. Em relao aos deverbais polisslabos (como dvida), d-se em nossa lngua um fenmeno bastante curioso. Em portugus, h uma oposio entre formas verbais no proparoxtonas e formas nominais (vocbulos eruditos ou semi-eruditos que mantm a prosdia proparoxtona latina): exercito (verbo) exrcito (nome)

________ O timbre da vogal tnica fechado (). Trata-se do fenmeno metafonia, pelo qual o timbre da vogal tnica se fecha por influncia da vogal tona final. A metafonia freqente em muitos deverbais regressivos.

25 a chamada alternncia prosdica (ou acentual), exemplificada ainda pelos pares: dvida (subst.) duvida (verbo) rplica (subst.) replica (verbo) Esse tipo de alternncia acabou constituindo-se em modelo para a formao de nomes derivados de verbo sem o acrscimo de morfema: retifica (verbo) retifica (fica (subst.) Evidentemente, no se trata aqui de derivao regressiva, diferentemente do que propem alguns de nossos dicionrios etimolgicos e algumas gramticas portuguesas do incio do sculo, pois no se deu a subtrao de nenhum elemento. Em todos esses casos a alternncia prosdica funciona como trao diferenciador do nome e do verbo. A derivao regressiva um exemplo de fato lingstico em que uma perspectiva exclusivamente sincrnica nem sempre suficiente. O estudo da regresso requer, com freqncia, a pesquisa diacrnica, com consulta a dicionrios etimolgicos; por exemplo, os substantivos falha e falta, apesar de uma certa idia de ao, so primitivos; mexerica e condo, por sua vez, so regressivos. O professor A. J. Sandmann, em sua Formao de palavras no portugus brasileiro contemporneo, embora tambm reconhea a importncia da investigao diacrnica no estudo da regresso, destaca trs casos interessantes em que o carter regressivo do substantivo pode ser depreendido do ponto de vista sincrnico, em bases formais. Desses trs casos, selecionamos dois, a ttulo de ilustrao. O primeiro representado por grupos de vocbulos como: gordo engordar engorda Como do adjetivo chegamos ao verbo atravs de uma derivao parassinttica com prefixo en-, a presena do mesmo

26 prefixo no substantivo indica que este procede do verbo (e no do adjetivo). O segundo caso ilustrado pela srie: flor florear floreio Do substantivo flor forma-se o verbo florear, com o auxlio do sufixo -ear; a presena de -e- em floreio indica que este provm do verbo. (A primeira pessoa do singular do presente do indicativo de florear floreio.) Processo de nominalizao Pode-se tambm depreender o valor dinmico ou no do substantivo pelo contexto extravocabular. Assim, a palavra pesca no par a pesca do bacalhau / a pesca sobre a mesa contm a idia de ao no primeiro membro do par, em oposio ao segundo, em que emerge a idia concreta (e onde, portanto, no teramos um deverbal regressivo). Esse valor dinmico dos nomes estudado especificamente no tpico das nominalizaes, que explicitamos a seguir. Entende-se por nominalizao o processo gramatical de formar nomes a partir de outras partes do discurso, usualmente verbos e adjetivos (cujo parentesco j ressaltamos no captulo 1). H vrios tipos de nominalizao mas vamos aqui destacar as afixais, ou seja, as que utilizam afixos. Em portugus, os principais sufixos nominalizadores so: -ana, -o, -mento e (zero) a lembrana de meu pai (comparar com: Meu pai lembrou-se e/ou Lembrei-me de meu pai)

______ Deixaremos de lado os prefixos que tambm contribuem para a nominalizao, a fim de simplificar nossa exposio.

27 a nomeao do secretrio o sofrimento do doenteapresenta o sufixo ).

(que, em comparao com as formas citadas,

a pesca do bacalhau No quadro das nominalizaes, o estudo dos regressivos extrapola os limites do vocbulo. Esse aspecto ser retomado e desenvolvido no captulo 5, que trata dos casos de derivao imprpria.

Abreviao um fenmeno semelhante ao da derivao regressiva, mas caracterizado por outros traos especficos. Encontramos uma primeira referncia a esse fenmeno na Moderna gramtica portuguesa, de Evanildo Bechara:A abreviao consiste no emprego de uma parte da palavra pelo todo. comum no s no falar coloquial, mas ainda na linguagem cuidada, por brevidade de expresso: extra por extraordinrio ou extra fino. (p. 185)

Embora alguns incluam a abreviao na derivao regressiva, convm distinguir os dois processos. De um modo geral, como vimos anteriormente, a derivao regressiva se d tambm atravs da mudana de classe gramatical (verbos que passam a substantivos); na abreviao, embora ocorra reduo do vocbulo, ele permanece na mesma classe gramatical: extra (adj.) extraordinrio / extrafino (adj.) cine (subst.) cinema (subst.) foto (subst.) fotografia (subst.) No esse, entretanto, o trao distintivo essencial, pois existem alguns derivados regressivos que conservam a mesma classe gramatical do elemento derivante: aceiro (subst.)

28

ao (subst.). A derivao regressiva significa, isto sim, uma reduo especfica: elimina-se no vocbulo derivado o sufixo (real/suposto) ou a desinncia do derivante. Ora, no caso da abreviao, a reduo no se pauta por critrios especficos e homogneos, como mostram os exemplos anteriormente apresentados. No caso de extra, reduz-se o vocbulo ao prefixo; em cine e cinema, h corte aleatrio de slabas, pois a forma primitiva cinematgrafo (de cinemat(o) + grafo); quanto a foto, mantm-se o primeiro elemento o determinante do composto (fotografia) de dois radicais gregos. Eis por que conveniente distinguir os dois processos. Observemos, para encerrar, que a forma abreviada pode coexistir com a forma da qual foi extrada; nesse caso, estabelece-se entre elas uma diferena de sentido ou de distribuio. Exemplo interessante o do par cine / cinema: utiliza-se a forma abreviada quando se acrescenta o nome do cinema; com a omisso deste, usa-se a forma primitiva, mais longa: Vou ao cine Astor. Vou ao cinema (e no: *Vou ao cine). Trata-se, portanto, de um exemplo em que a diferena de emprego entre as duas formas pautada por um critrio distribucional.

semelhana de pneumtico, que deu origem a pneu (e no a *pneumato).

5Derivao imprpria ou converso

Nos captulos anteriores estudamos processos de formao vocabular que consistem em acrscimo ou subtrao de afixos a um radical. Um vocbulo tambm pode ser formado quando passa de uma classe gramatical a outra, aparentemente sem alteraes formais; o que se denomina derivao imprpria ou, mais comumente, converso. Como exemplos de converso, em portugus, temos a passagem: a) de substantivo prprio a comum: quixote macadame champanha; b) de substantivo comum a prprio: Figueira Ribeiro Fontes; c) de adjetivo a substantivo: circular brilhante ouvinte; d) de substantivo a adjetivo: burro (guerra) - relmpago; e) de substantivo/adjetivo/verbo a interjeio: Silncio! Bravo! Viva !; f) de verbo a substantivo: afazer pesar andar quebra vale psame; g) de verbo e advrbio a conjuno: quer...quer seja...seja ora...ora;

30 30 h) de adjetivo a advrbio: (falar) alto (custar) caro; i) de particpio (presente/passado) a preposio: mediante salvo exceto; j) de particpio passado a substantivo e adjetivo: resoluto vista ferida; 1) de palavras invariveis a substantivos: (o) sim (o) no (o) porqu. Considerando que esses vocbulos, mudando de classe, alteram seus sentidos, vrios autores observam que esse processo pertence rea da semntica, e no da morfologia. Na verdade, h traos formais caracterizadores desse fenmeno, que no o tornam exclusivo da rea da semntica; alm disso, os itens apresentados agrupam-se em blocos que uma simples enumerao no permite perceber. Translao de primeiro grau A rigor, os casos de converso ilustram o fenmeno da translao, especificado por L. Tesnire em seus lments de syntaxe structurale. Segundo o autor, a. translao de primeiro grau consiste na transferncia de uma palavra de uma categoria gramatical a outra, ou seja, em transformar uma espcie de palavra em outra. Assim, na expresso: casa de pedra o substantivo pedra figura na expresso de pedra, de valor adjetival com relao a casa. (Observe-se que de pedra comuta facilmente com grande: casa grande.) Todo o conjunto de pedra designado por Tesnire como transferido (aqui, para a categoria dos adjetivos); o elemento responsvel pela translao, no caso a preposio de, o translativo; e o substantivo que sofre o processo de translao o transferendo (o substantivo pedra).

31 Na esquematizao das frases pelo estema grafismo criado por Tesnire , a translao indicada por um T maisculo estilizado; esquerda da haste, coloca-se o translativo e, direita, o transferendo; sobre o trao horizontal do T indica-se a transferncia ocorrida:

imagemO translativo pode ser eventualmente representado por (zero), como na expresso: vestido laranja Laranja adjetiva vestido pela simples posposio ao substantivo; o estema correspondente :

imagemConverso e translao Com base no conceito de translao, vejamos quais so os traos formais caracterizadores de cada um dos itens anteriormente apresentados. Nos casos em que se d a mudana de classe para substantivo (itens c), f), j) e 1)), os adjetivos, os verbos, os particpios passados e as palavras invariveis, embora no sofram alterao em si, passam a ser antecedidos pelo artigo, que assume o papel de translativo; portanto, o processo faz-se sentir atravs do eixo sintagmtico extravocabular. inte-

32 ressante observar que, com relao aos verbos no infinitivo, h graus de substantivao: assim, dizemos os afazeres, os haveres, no plural (e no: *os comeres e os beberes). A passagem dos substantivos a adjetivos ocorre, geralmente, quando o substantivo passa a exercer o papel de determinante com relao a outro substantivo antecedente: (guerra)-relmpago (item d); , tambm, um fenmeno observvel ao nvel do eixo sintagmtico. Aqui, o translativo e, a rigor, no houve propriamente mudana de classe, mas de funo: relmpago funciona como aposto de guerra. Com relao aos verbos que passam a conjunes, preciso notar que, como estas, aqueles se tornam invariveis; o que se constata no exemplo quer...quer (em que no pode ocorrer outra forma flexionada do verbo querer). Tambm se tornam invariveis os adjetivos que passam a advrbios: A menina falou alto; As meninas falaram alto. A mesma observao cabe aos particpios (presente/ passado) que passam a preposies: eles tornam-se, nesse caso, invariveis. Acrescentese, ainda, que, diferentemente das preposies essenciais, eles tm ligao frouxa com o antecedente (indicada pela pausa e pela mobilidade do sintagma preposicional com relao ao resto da frase): Todos fizeram o trabalho, exceto Jos; Todos, exceto Jos, fizeram o trabalho; Exceto Jos, todos fizeram o trabalho. A mobilidade e a pausa so os vestgios do carter inicial de oraes reduzidas desses sintagmas preposicionais. No que se refere ao item e), no se pode falar em mudana de classe como nos casos j analisados: as interjeies no so espcies de palavras e, sim, de frases. Alm disso, se distinguirmos interjeies de exclamaes, de

33 acordo com os critrios propostos por J. Mattoso Cmara Jr., no Dicionrio de lingstica e gramtica:[...] As interjeies so palavras especiais e se distinguem das exclamaes, vocbulos soltos, emitidos no tom de voz exclamativo, ou frases mais ou menos longas que em regra comeam pelas partculas que, como, quanto, quo, e constituem oraes de um tipo especial, ou fragmentos de orao, ou monorrema (v.). Exs.: Admirvel!, Que quadro de amarguras!. (p. 147) (s.v.interjeio)

somos obrigados a reconhecer que um dos exemplos propostos no incio deste captulo Silncio! , na realidade, uma frase nominal exclamativa (e no uma interjeio). Quanto aos itens a) e b), tambm no se pode falar em mudana de classe, pois os substantivos continuam sendo substantivos; h, na verdade, uma mudana de subclasse (substantivos prprios passando a comuns e vice-versa). Feitas as ressalvas aos itens a), b), e e), podemos fixar- nos nos demais e tentar uma classificao em blocos. Os itens c), f), j) e 1) constituem um primeiro bloco, em que a mudana de classe marcada pela presena do artigo, em funo de translativo. Os exemplos apresentados em d) ilustram a possibilidade de mudana de classe apoiada na nova funo de determinante. Neste caso, normalmente, o determinante se pospe ao determinado (como sugere o exemplo (guerra)-relmpago) e o elemento que pode ser omitido sem prejuzo sinttico para a frase em que figura. Aqui, o translativo . Por sua vez, os exemplos dos itens g) e h) so ilustrativos da mudana de classe apoiada na invariabilidade dos elementos em questo. Todavia, no se trata de um bloco homogneo; valem as mesmas observaes que fizemos a respeito dos particpios que passam a preposies. Em h), o processo de adverbializao do adjetivo d-se, tambm, atravs do translativo .

34 Todas as consideraes anteriores permitem-nos observar que a derivao imprpria (ou converso) um processo tambm caracterizado por traos formais. No h dvida, contudo, de que os traos formais assinalados se situam no eixo sintagmtico, no contexto exterior ao vocbulo (com exceo dos itens g) e h)). A morfologia estrutural atm-se ao eixo sintagmtico circunscrito ao vocbulo propriamente dito. A necessidade de levar-se em conta o contexto exterior ao vocbulo tambm se faz sentir no estudo dos deverbais (sufixais e regressivos), intimamente relacionados com os processos de nominalizao, conforme ilustram os exemplos: a construo da casa a pesca do bacalhau (Lembre-se que esse processo j foi estudado nas pginas 26-7.) Morfossintaxe De acordo com a tradio gramatical portuguesa, o vocbulo isolado objeto de estudo da morfologia, cabendo sintaxe o estudo da combinatria dos vocbulos. Como, para Tesnire, a translao um fenmeno sinttico, os exemplos aqui discutidos remetem ao problema do estabelecimento das fronteiras entre a morfologia e a sintaxe. Entretanto, esse problema no existe para os lingistas que se preocupam com a morfossintaxe, ou seja, com o estudo das variaes formais que caracterizam os morfemas em relao com os processos sintticos que as condicionam. Nessa perspectiva, as marcas da flexo so estudadas no quadro da concordncia, acessvel somente ao nvel da estrutura e da funo dos constituintes na frase, isto , no nvel levado em conta pela sintaxe. A converso passa a ser, por conseguinte, um captulo de particular relevo da morfossintaxe.

6Composio

um processo de formao lexical que consiste na criao de palavras novas pela combinao de vocbulos j existentes: amor-prprio; ganha-po. Enquanto nos casos de derivao j mencionados tnhamos um s radical (ao qual se atrelavam prefixos e/ou sufixos), na composio so necessrios pelo menos dois radicais. Embora alguns gramticos e lingistas tendam a englobar, aqui, a prefixao, prefervel que a consideremos como um caso de derivao, conforme as observaes feitas no captulo 1. importante assinalar que, na palavra composta, os elementos primitivos perdem a significao prpria em benefcio de um nico conceito, novo, global. Um substantivo como amor-perfeito designa uma flor e, em qualquer contexto em que figure, pode comutar com uma palavra simples, como rosa, margarida ou cravo. Referimo-nos, naturalmente, a uma comutao formal isso no significa que esses nomes de flores sejam sinnimos. Mesmo nos exemplos em que se pode perceber uma relao significativa entre os elementos componentes, um exame, mesmo superficial, revela uma certa convencionalidade. No se pode interpretar um composto, por exemplo, quebra-nozes,

36 como qualquer objeto (pedra ou martelo) com que se quebram nozes; sabemos que se trata de um objeto com caractersticas especficas, conhecido por todos ns. Noutros casos, os elementos constituintes do composto no apresentam nenhuma relao significativa com o todo. Basta observar exemplos como o j mencionado amor- perfeito, ou p-de-meia, em que o sentido dos elementos no nos permite deduzir a significao do todo. Tipos de composio Podemos distinguir dois tipos de composio, conforme a fuso mais ou menos ntima das palavras componentes: justaposio e aglutinao. Ocorre a justaposio quando os termos associados conservam a sua individualidade: passatempo, sempre-viva. A utilizao do hfen no segundo exemplo, e no no primeiro, ser objeto de estudo do prximo subttulo. Tem-se a aglutinao quando os vocbulos ligados se fundem num todo fontico, com um nico acento, e o primeiro perde alguns elementos fonticos (acento tnico, vogais ou consoantes): boquiaberto, pernalta. O desgaste do primeiro termo varivel, conforme ilustra a passagem abaixo:A adaptao da primeira palavra pode ser de quatro espcies: 1) mudana da parte final em relao mesma palavra quando isolada; ex.: lobis (comparar lobo, em lobisomem); 2) reduo da palavra ao seu elemento radical; ex.: planalto, onde plan- o radical de plano (o composto indica um solo plano e alto numa montanha); 3) elemento radical alterado em relao palavra quando isolada; ex.: vinicultura (vin, mas vinh- em vinha rvore da uva); 4) elemento radical que no aparece em portugus em palavra isolada; ex.: agricultura (a agr corresponde, em palavra isolada, campo).Passagem extrada de Evanildo Bechara, Moderna gramtica portuguesa, p. 170 (com base na Teoria da anlise lxica, de J. Mattoso Cmara Jr.

37 A segunda palavra pode apresentar as seguintes alteraes:1) com mudana na parte final; ex.: monocrdio (instrumento de uma s corda); 2) com o elemento radical alterado; ex.: vinagre (um vinho que acre); 3) com um elemento radical diverso do que a correspondente palavra isolada; ex.: agrcola (ao elemento de composio cola corresponde a idia de habitar ou cultivar).

Entre as duas citaes h curiosos paralelismos. Se o processo de fuso for muito acentuado, de forma que o falante no reconhea os elementos componentes, deve-se considerar o vocbulo como primitivo, do ponto de vista sincrnico. A ttulo de exemplo, podemos citar o substantivo fidalgo, proveniente de filho dalgo (de filho + de + algo > filho dalgo > fi-dalgo > fidalgo). Embora a etimologia revele o trao de composio, sincronicamente no o percebemos; devemos, portanto, interpretar esse vocbulo como primitivo, do qual se derivam formas como fidalguia, afidalgar etc. Uso do hfen nos compostos Vejamos se possvel caracterizar os compostos da lngua portuguesa pela utilizao do hfen. Basear-nos-emos, aqui, nas consideraes de Celso Pedro Luft, em seu Grande manual de ortografia Globo, onde as regras relativas hifenizao so minuciosamente explicitadas. Observa o autor que so necessrias trs condies para a hifenizao nas palavras compostas: 1) apresentar unidade semntica: a significao global deve ser diferente da significao individual dos elementos constitutivos. Examine-se, a ttulo de exemplo, o contraste: mesa-redonda / mesa redonda;

Idem, ibidem, p. 170.

38 2) ter conscincia dos elementos constitutivos que conservam a realizao prosdica normal de fonemas e acentos. Note-se, por exemplo, os timbres diferentes do o nos contrastes: roda-gigante (com o aberto) / rodap (com o fechado); 3) serem formas livres os elementos componentes: ala-p / alapo (de ala e pe). De dez casos de composio com hfen enumerados pelo autor, destacaremos nove. 1) Quando dois ou mais vocbulos se somam na designao de um ser: lobo-marinho / amor-perfeito; 2) Quando o primeiro elemento forma reduzida: bel- prazer / cine-jornal. Observem-se, contudo, excees como: labiodental / linguodental; 3) Nos compostos constitudos de palavras repetidas: corre- corre / assimassim; 4) Nas composies de dois adjetivos ou dois verbos: econmicofinanceiro; ganha-perde. Note-se, entretanto: vaivm, sem hfen; 5) Nos nomes ptrios derivados de topnimos que se grafam como locues: americano-do-norte / cabo-verdiano. Aqui, tambm, aparecem excees: buenairense / riberopretano; 6) Nos nomes dos dias da semana: segunda-feira / sexta- feira; 7) Nos compostos de base oracional (sujeito + predicado, verbo + complemento etc.): deus-nos-acuda / abre-latas / maria-vai-com-asoutras. Note-se, contudo, vagalume (mais usual que vaga-lume); 8) Em composies de substantivo + preposio + substantivo, substantivoadjetivo, adjetivo-substantivo, com

O dcimo refere-se aos vocbulos formados por prefixao, que j exclumos do quadro da composio.

39 unidade semntica: amigo-da-ona / amor-prprio / baixo-relevo; 9) Nos vocbulos em que entram os elementos sufixados mor, guau e mirim. Com mor, o emprego do hfen d- se em todos os casos: altarmor / guarda-mor. J com guau e mirim, a condio que o primeiro elemento termine em vogal nasal ou acentuada graficamente: maracan-guau / soc-mirim Com relao ao quadro de Celso Pedro Luft, cabem duas observaes. A primeira consiste em notar que as nove regras apresentadas, se organizadas em blocos, implicariam uma reduo no seu nmero, bem como levaria o leitor a perceber relaes e paralelismos que se estabelecem entre algumas delas. As regras 3) e 4) no so essencialmente diferentes; as de nmero 7) e 8) fundamentam-se no exame da estruturao sinttica do composto. Acrescente-se, tambm, que a regra nmero 2), em que se menciona o carter de forma reduzida do primeiro elemento, retomada em um dos casos da regra nmero 9): o elemento mor reduo de maior. Alm desses esclarecimentos, convm ressaltar que as excees apresentadas pelo autor, assim como a existncia de compostos como casa de deteno e estrada de ferro, sem hfen (apesar do paralelismo estrutural com amigo-da- ona, com hfen), mostram claramente que os compostos no podem ser totalmente caracterizados com base no processo da hifenizao. Eis por que se torna necessrio procurar critrios lingstico-formais que nos ajudem a caracterizar os compostos. Traos lingsticos dos compostos No segundo volume de sua Teoria da linguagem, Herculano de Carvalho estuda os sintagmas fixos, isto , estreo-

40 tipados, que apresentam como trao comum com a palavra a unidade semntica e morfossinttica. Considerando que os compostos so elementos igualmente estereotipados, podemos aplicar-lhes as observaes de Herculano de Carvalho, relativas aos sintagmas fixos em geral. Os aspectos ligados unidade semntica desse tipo de sintagma j foram apontados neste captulo. Deter-nos- emos, aqui, no estudo da unidade morfossinttica do sintagma fixo, atendo-nos a quatro das propriedades assinaladas pelo autor. Como primeira propriedade, preciso observar que a ordem de sucesso dos termos do composto rgida e entre eles no se pode introduzir nenhum outro elemento. Assim, um substantivo composto como amor-perfeito no poderia sofrer a inverso perfeito-amor; qualquer adjetivo modificador do grupo dever estar esquerda ou direita deste, no sendo aceitvel a sua colocao no interior do composto: delicado amor-perfeito amor-perfeito delicado *amor..delicado..perfejto (inaceitvel) esta propriedade que nos esclarece o carter de compostos de sintagmas em casa de deteno e estrada de ferro: casa de deteno destruda / destruda casa de deteno *casa destruda de deteno estrada de ferro abandonada/abandonada estrada de ferro *estrada abandonada de ferro4 J um sintagma livre, como rapaz bom, no s aceita a inverso, bom rapaz, como tambm possibilita uma construo do tipo rapaz muito bom.

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Estes compostos, apesar de no estarem grafados com hfen, no perdem o carter de compostos.

41 A segunda propriedade assinala que os elementos do composto no podem, isoladamente, ser substitudos ou suprimidos. Se, num sintagma livre, como amigo dedicado, possvel substituir dedicado por fiel, amigo fiel, no o que se verifica com o substantivo que nos serviu de exemplo na pgina 40; amor-perfeito (como designao de uma flor) no admite a substituio de um de seus termos, como, por exemplo, *amor-imperfeito. Aqui, a nica substituio admissvel a que prope outro composto ou uma palavra simples, como rosa ou margarida. Da mesma forma, a expresso colher amores-perfeitos no admite a supresso ou a comutao com (zero) para nenhum dos componentes do composto: colher amores-perfeitos *colher amores *colher perfeitos Convm, aqui, atenuar o carter genrico desta propriedade. Examinaremos, mais adiante, alguns compostos constitudos de um elemento determinado e outro determinante; como, normalmente, o determinante encerra a noo mais caracterstica, freqente que ele assuma o lugar do todo: o caso de carta circular, em que a supresso do determinado carta resulta na simples forma circular, mais usual. Outro exemplo capital, por cidade capital. A terceira propriedade afirma que os compostos apresentam com freqncia construes sintticas anmalas, diferentemente do que ocorre com a combinao dos termos dos sintagmas livres. Em mestre-escola, o segundo substantivo, de funo restritiva, est ligado a outro substantivo sem auxlio de preposio (compare-se com mestre de ou da escola); surdo-mudo e ganha-perde so exemplos de associao sem conjuno (compare-se com surdo e mudo). Essas diferentes combinaes tambm sero objeto de nosso estudo.

42 Como ltima propriedade, cabe ressaltar que o composto funciona sintaticamente como uma s palavra; sempre pode ser substitudo por um nico vocbulo: Admiro a | estrada de ferro. Admiro a |

pista.

Esta ltima propriedade , na verdade, a essencial, da qual derivam as demais, j explicitadas. Os critrios lingsticos aqui apontados permitem-nos levantar um quadro de compostos da lngua portuguesa mais rico e variado do que as nossas gramticas e dicionrios comumente apresentam. Esses critrios so preferveis aos ortogrficos, cujas limitaes j assinalamos. Estrutura dos nomes compostos A estrutura dos compostos em portugus bastante variada, conforme ilustra o quadro abaixo: 1) substantivo + substantivo: dois elementos se unem por concordncia ou coordenao5. O determinante pode preceder o determinado: me-ptria / papel-moeda; ou seguir-se a ele: peixe-espada / escola-modelo 6; 2) substantivo + preposio + substantivo: baba-de-moa / p-de-vento; 3) substantivo + adjetivo (ou vice-versa): amor-perfeito / belas-artes; 4) adjetivo + adjetivo: surdo-mudo / tragicmico; 5) pronome + substantivo: Nosso Senhor / Vossa Senhoria; 6) numeral + substantivo: trs-marias / segunda-feira;

5 A composio subordinativa quando os elementos se unem por uma relao de complemento do substantivo, do adjetivo ou do verbo. Ilustram-na, por exemplo, os itens 2) e 8).

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Nos compostos tipicamente portugueses, o determinado geralmente precede o determinante.

43 7) advrbio + substantivo / adjetivo / verbo: benquerena / sempre-viva / bem-querer; 8) verbo + substantivo: lana-perfume / saca-rolhas; 9) verbo + (conjuno) + verbo: corre-corre / leva-e-traz; 10) verbo + advrbio: pisa-mansinho / ganha-pouco; 11) um grupo de palavras ou uma frase inteira: um Deus- nos-acuda / mais vale um toma que dois te darei.7 O quadro que acabamos de mostrar merece alguns comentrios. Com relao ao item 4), por exemplo, convm observar que, quando o primeiro adjetivo longo, a tendncia torn-lo mais curto que o segundo (ou igual a este): tragicmico; luso-brasileiro; judeo-cristo (pela razo exposta, melhor do que o usual judaico-cristo). No que se refere ao item 8), explica-se o modelo de composio pelo emprego substantivado do imperativo na segunda pessoa do singular, seguido de seu complemento. A expanso da estrutura ficou subordinada a nova interpretao semntica: nos compostos modernos o elemento verbal se apresenta como terceira pessoa do singular do presente do indicativo (saca-rolhas, objeto que saca rolhas). Todos esses itens mostram tambm que a estrutura dos compostos sinttica, diferentemente do que ocorre nos casos de derivao. Essa caracterstica a chave da explicao para muitos dos casos de flexo de nmero dos compostos.

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Este ltimo tipo, bastante produtivo na literatura moderna, freqente nas obras de Guimares Rosa: Exaltino-de-trs-da-Igreja, Pindaibas-deBaixo-e-de-Cima etc.

7Flexo de nmero dos compostos

De um modo geral, em nossas gramticas, as regras relativas formao do plural dos substantivos e dos adjetivos compostos so estabelecidas como mais ou menos convencionais, acrescidas de particularidades e excees. A observao do captulo anterior a de que os compostos apresentam uma estruturao sinttica leva-nos hiptese de que as regras de flexo de nmero desses vocbulos devem seguir os mesmos princpios que regem, ao nvel da orao, a concordncia nominal. Conhecidos esses princpios bsicos, as regras de formao do plural dos compostos seriam facilmente deduzidas e explicadas. As excees e particularidades, por sua vez, seriam objeto de estudo numa segunda etapa, em que se procuraria justificar os desvios ocorridos. Em sua Sintagramtica, Francisco Dequi, ao estudar esse fenmeno, estabelece inicialmente duas normas fundamentais de concordncia nominal: a) apenas o substantivo regente de concordncia; b) um substantivo, ainda que determinante de outro, no se flexiona para concordar, ou seja, substantivo no concorda com substantivo.

45 A partir dessas duas normas, na verdade interligadas, o autor arrola os diferentes tipos de compostos, com as respectivas regras de flexo de nmero, que passamos a destacar. Formao do plural dos compostos 1) Substantivo determinado por adjetivo (anteposto ou pos- posto): da mesma forma que na sintaxe intervocabular, o adjetivo concorda com o nome determinado: amor-perfeito amores perfeitos guarda-civil guardas-civis alto-relevo altos-relevos m-lngua ms-lnguas 2) Substantivo determinado por substantivo (com ou sem preposio de permeio): o substantivo determinante no se pluraliza, pois substantivo no concorda com substantivo (observem-se os exemplos: sapatos gelo, prdio rosa): navio-escola navios-escola escola-modelo escolas-modelo po-de-l pes-de-l mula-sem-cabea mulas-sem-cabea Pode ocorrer que o segundo elemento j venha pluralizado: gato-de-botas gatos-de-botas cadeira-de-rodas cadeiras-de-rodas 3) Verbo determinado por complemento verbal: embora o ncleo desses compostos seja um verbo, o todo e funciona como substantivo. O verbo no aceita a desinncia pluralizadora nominal. O complemento verbal pode estar no singular ou no plural (comi goiaba / comi goiabas). Tal fato permiteNo separaremos, aqui, os substantivos dos adjetivos compostos.

46 concluir: complemento no singular, composto no singular; complemento no plural, composto no plural: guarda-p guarda-ps saca-rolha saca-rolhas vira-lata vira-latas caa-nquel caa-nqueis 4) Verbo determinado por advrbio/palavra invarivel: j assinalamos que o verbo no aceita a desinncia de plural dos nomes; como o advrbio , tambm, palavra invarivel, os compostos, nesse caso, permanecem invariveis no plural: (o) bota-fora (os) bota-fora (o) pisa-mansinho (os) pisa-mansinho (o) cola-tudo (os) cola-tudo 5) Compostos sem hfen ou com o primeiro elemento apocopado: a falta do hfen impede a insero de morfemas; o primeiro termo, apocopado, aparece amputado na parte final, onde se acrescentaria a desinncia de plural. Nesses casos, d-se apenas a pluralizao do ltimo elemento: pontap pontaps planalto planaltos bel-prazer bel-prazeres gr-cruz gr-cruzes 6) Substantivos/adjetivos coordenados, sem determinncia entre si: como um ncleo no determina o outro (pode- se subentender a conjuno e entre os dois elementos), ambos vo para o plural: surdo-mudo surdos-mudos aluno-mestre alunos-mestres cirurgio-dentista cirurgies-dentistas tenente-coronel tenentes-coronis Neste item incluem-se os verbos e nomes onomatopicos repetidos, pois so elementos coordenados. Por

47 uma questo de eufonia, prefervel eliminar o -s do primeiro elemento: (o) treme-treme (os) treme-tremes (o) esconde-esconde (os) esconde-escondes (o) reco-reco (os) reco-recos (o) tico-tico (os) tico-ticos 7) Adjetivo constitudo de adjetivo-adjetivo: neste caso, d-se apenas a flexo do ltimo elemento, porque as flexes de concordncia nominal ocorrem na parte final dos determinantes flexveis: princpio luso-brasileiro princpios luso-brasileiros impasse scio-econmico impasses scio-econmicos folha verde-escura folhas verde-escuras sesso ltero-musical sesses ltero-musicais

8) Adjetivo determinado por substantivo ou por outro adjetivo: quando o adjetivo composto constitudo de adjetivo determinado por substantivo, no se flexiona o ltimo elemento, pois o substantivo no concorda com nenhum termo e o adjetivo no regente de concordncia. Se o adjetivo composto for constitudo de adjetivo determinado por outro, tambm no se pluraliza o ltimo elemento, pois adjetivo no concorda com adjetivo e no pode ser regente de concordncia: casa verde-galho casas verde-galho mrmore branco-gelo mrmores branco-gelo tecido azul-marinho tecidos azul-marinho automvel azul-ferrete automveis azul-ferrete Observe-se que o ltimo elemento est determinando o adjetivo que indica cor. A rigor, no so adjetivos enquanto classe; s a funo adjetiva: casas de um

Os compostos de verbos contrastados permanecem invariveis: (os) ganha-perde; (os) leva-e-traz. Para a explicao do plural de vaivm vaivns, v. regra n. 5).

48 verde (da) cor de galho. Esse aspecto tambm refora a explicao da invariabilidade. Seguimos a ordem de apresentao segundo Francisco Dequi. Poderamos, no entanto, reunir as oito regras em blocos, pautando-nos pelo critrio da estruturao sinttica dos compostos examinados ou separando os casos de flexo dos casos de invariabilidade no plural. Essa preocupao teria apenas carter didtico; o importante que todas as regras se subordinam s duas normas estabelecidas pelo autor, enunciadas no incio deste captulo. Cabe, ainda, observar que, com relao regra nmero 2), por exemplo, so admissveis os plurais navios-escolas e escolas-modelos. Existe uma tendncia para flexionar os dois termos quando ambos so substantivos ou substantivo + adjetivo (ou seja, palavras variveis); essa possibilidade, contudo, no invalida a regra anteriormente apresentada.

8Outros processos de formao de palavras

Alm da derivao e da composio, outros processos formadores de palavras tambm ocorrem com certa freqncia em nossa lngua: as onomatopias, a reduplicao (ou redobro), o hibridismo e as siglas. Onomatopias Assim se denominam os vocbulos criados com a preocupao de imitar o som ou a voz de coisas ou de animais. De um modo geral, so monosslabos, freqentemente reduplicados, com ou sem alternncia voclica: tique-taque / frufru / zunzum. Deve-se ressaltar, contudo, um certo trao convencional que caracteriza esse tipo de vocbulo, sobretudo quando uma determinada onomatopia cotejada com as correspondentes em diferentes idiomas. Assim, o canto do galo, que em portugus expresso por cocoric ou cocoroc, em ingls cock-a-doodle-do e em alemo kikeriki. Das onomatopias podemos derivar os vocbulos onomatopicos, cujo radical a onomatopia seguida de morfemas nominais ou verbais:

50 zumbido (cf.: zunzum) tilintar (cf.: tlintim) Reduplicao (ou redobro) Consiste na repetio da silaba radical de um vocbulo. utilizada na estruturao das onomatopias e, por apresentar conotao de carinho, figura nos nomes de parentesco na linguagem infantil e nos hipocorsticos: pap (ou papai) / mam (ou mame) / titio Lulu / Zez Dignos de nota so os casos de redobro intensivo: Ela linda, linda. Vou j, j. Merecem tambm meno os exemplos de redobro em que se d ao substantivo repetido o carter de aparente adjetivo: Esse o queijo queijo (ou seja, o queijo de verdade). Todos esses exemplos mostram que a reduplicao ou redobro apresenta um forte valor expressivo, integrando- se mais no campo da Estilstica. Hibridismo a designao dada aos vocbulos compostos ou derivados, cujos elementos provm de lnguas diferentes. So comuns, em portugus, os compostos de elemento grego com elemento latino: grego e latim: automvel latim e grego: sociologia Contudo, outras combinaes tambm so possveis: rabe e grego:alcalide, alcometro francs e grego: burocracia

51

alemo e grego: zincografia latim e germnico: moscardo rabe e tupi: caferana tupi e grego: caiporismo africano e latim: bananal tupi e portugus: goiabada, capim-gorgura Como os elementos constitutivos das palavras formadas por hibridismo figuram em outros vocbulos e so, portanto, recorrentes, podemos integrar esse processo na composio e na derivao. Recorre-se ao hibridismo sobretudo quando, com elementos gregos, j existem compostos com significao distinta. Assim, devem-se distinguir: decmetro (lat.: decem) e decmetro (gr.: deka) automvel (lat.: mobile-) e autmato (adj. grego com a raiz de *mo, agir) Siglas Trata-se de um processo moderno e generalizado, em que longos ttulos ficam reduzidos s letras iniciais das palavras que os constituem: IBGE=Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ONU= Organizao das Naes Unidas PT= Partido dos Trabalhadores VARIG= Viao Area Rio-Grandense Pode-se ou no separar as iniciais das siglas por ponto: U.S.A. / USA. Contudo, h uma forte tendncia a se prescindir do ponto. Na leitura, as letras podem ser pronunciadas isoladamente USA (u-esse-a) ou como um vocbulo, segundo

52 as regras usuais de leitura da lngua ONU (nu) , o que bem mais freqente. Como, atualmente, as instituies so menos conhecidas por suas denominaes completas do que pelas siglas correspondentes, estas passam a ser sentidas como palavras primitivas, das quais se formam derivados: petismo e petista (de PT) Assinale-se, tambm, que as siglas constituem um caso especfico de abreviao.

9Concluso

Procuramos mostrar ao longo deste livro os aspectos mais importantes dos processos formadores de palavras em portugus, tambm comuns a outros idiomas. Basicamente, destacam-se dois processos gerais: a derivao (em que a uma base se acrescenta(m) afixo(s)) e a composio (resultante da seqncia de duas ou mais bases). Relativamente derivao, convm lembrar que, embora possa variar o nmero de afixos presos a uma determinada base, h uma regularidade subjacente, revelada pela anlise em constituintes imediatos (C.I.): o vocbulo sempre constitudo de camadas binrias de mesma estrutura, ou seja, um elemento nuclear e um perifrico. Em outras palavras, no h coincidncia entre a ordem linear dos morfemas na cadeia da fala e a sua ordem estrutural. Quanto aos tipos de derivao parassntese, regresso e converso , preciso enfatizar que no se trata apenas de subdivises de um mesmo processo bsico. Lembre-se, por exemplo, que, no estudo da parassntese, destacamos no s o trao da simultaneidade dos afixos, como tambm a importncia do exame de subsistemas, sem o qual muitos parassintticos passariam despercebidos. No que se refere derivao regressiva, um mero exame sincrnico revelava-se insuficiente para dar conta do feno-

54 meno. Impunha-se, aqui,tambm, uma investigao de carter diacrnico. A converso (ou derivao imprpria), por sua vez, mostrava os limites de uma anlise morfolgica centrada essencialmente sobre o vocbulo. A anlise do contexto sintagmtico exterior ao vocbulo revelava novas facetas do processo de converso, situando-o no terreno da morfossintaxe. O segundo processo de formao vocabular a composio caracteriza-se por apresentar uma estruturao sinttica, diferentemente do que ocorre na derivao. Se a estrutura sinttica dos compostos esclarece e explica fenmenos aparentemente problemticos, como a flexo de nmero (estudada, em nossas gramticas, como uma questo mais ou menos arbitrria), conveniente insistir que se trata de uma estruturao sinttica de sintagmas fixos, contraposta em muitos aspectos estrutura dos sintagmas livres (releia- se o que dissemos a respeito s pginas 39-42, especificamente pgina 41). Essa constatao permite explicar alguns plurais em desacordo com as regras estabelecidas, bem como a existncia de duas ou mais possibilidades de pluralizao de alguns compostos. Ressaltamos, assim, que, no estudo da flexo de nmero dos compostos, procuramos ater-nos a um quadro geral e regular, mas no exaustivo. Encerrando nossas consideraes, vamos tecer alguns comentrios sobre as correspondncias existentes entre os processos arrolados no captulo 8. A reduplicao (ou redobro) um processo de estruturao das onomatopias, mas no se reduz exclusivamente a essa funo; o valor expressivo do redobro revela-se tambm em construes no onomatopicas. O hibridismo est estreitamente vinculado composio. Embora seja um processo em que predominam elementos gregos e latinos, dada a grande produtividade desses elementos (basta examinar a listagem de radicais e prefixos latinos e gregos em nossas gramticas), possvel considerar que o hibridismo tambm pode ser estudado numa perspectiva sincrnica, visto tratar-se de um fenmeno de grande vitalidade na lngua.

l0Exerccios de aplicaoA fim de esclarecer e explicitar alguns aspectos mais complexos dos assuntos desenvolvidos ao longo deste livro, apresentamos, neste captulo, alguns exerccios comentados. Propomos, tambm, algumas questes, para cuja soluo o estudante pode basear-se no(s) exerccio(s)-modelo; para outras questes, apenas remetemos o leitor ao captulo correspondente. O objetivo desses exerccios , tambm, acrescentar algumas observaes complementares, relativa aos assuntos tratados. 1. Determine o processo de formao do vocbulo inegavelmente. Justifique a resposta por uma anlise em constituintes imediatos (C.I.). Baseando-nos no sentido do vocbulo proposto, de modo inegvel, podemos afirmar que os seus C.I. so: inegvel + mente,

56 o que nos leva a concluir que se trata de uma formao por derivao sufixal. Convm, contudo, provar, com o auxlio de tcnicas formais, o carter unitrio do bloco inegvel, para o que suficiente comut-lo com o adjetivo fiel, indecompo-nvel: inegvel | mente fiel | mente

o que confirma a interpretao semntica acima. Por sua vez, inegvel, que no se pode negar, decompe-se em: i + negvel. Observe-se que podemos comutar negvel com real: I | negvel (r) | real

Prosseguindo, temos que negvel apresenta, como C.I., nega + vel . Finalmente, nega constitui-se de neg + a. Alinhando as concluses em uma coluna, obtm- se o quadro: neg + a (rad. +vogal temtica nega + vel (tema + sufixo nominal) i + negvel (prefixo + base adjetiva) inegvel + mente (base adjetiva + sufixo) Vemos, assim, que esse vocbulo constitudo de uma superposio de camadas binrias, todas caracterizadas pela presena de um elemento nuclear (radical/base) e um elemento perifrico (sufixo, prefixo e

57 vogal temtica). A forma proposta inegavelmente encontra-se na quarta linha, em que se pode visualizar o seu carter de derivado sufixal (base adjetiva + sufixo). 2. Determine os processos de formao dos vocbulos abaixo, justificando suas respostas por uma anlise em C.L: altivez desgostoso desgracioso inatingvel insensato 3. Forme verbos parassintticos com base nos nomes: triste, noite, rico e vaidoso. Destaque, em seguida, os prefixos e sufixos e faa comentrios sobre as combinatrias mais freqentes. De triste, obtm-se entristecer; de noite, anoitecer; de rico, enriquecer; de vaidoso, envaidecer (e envaidar, menos usual). Em todos esses verbos constatamos a presena do sufixo verbal ecer, que exprime noo incoativa. Trata-se, portanto, de um sufixo de valor aspectual, entendendo-se por aspecto uma propriedade das formas verbais de designar a durao do processo (momentneo ou durativo). Com esse sufixo se combina, normalmente, o prefixo en-; h uma s ocorrncia do prefixo a-, em

58 anoitecer. (Baseamo-nos, naturalmente, nos exemplos propostos.) 4. Forme verbos parassintticos, com base nos nomes: brando formoso lama moo pedra perna

Alm dos comentrios relativos s combinatrias observadas, faa observaes sobre o carter aspectual dos sufixos. Para isso, consulte o verbete aspecto do Dicionrio de lingstica e gramtica, de Mattoso Cmara Jr. (v. Bibliografia comentada). 5. Forme os derivados regressivos dos verbos abaixo: amparar encaixar bloquear escolher comear regar destacar transtornar Agrupe os regressivos em blocos, de acordo com as observaes feitas no captulo 4. 6. Observe os nomes abaixo relacionados, seguidos de suas respectivas formas abreviadas: automvel auto inoxidvel inox nova capital novacap pneumtico pneu telefone fone vice-presidente vice

59 J assinalamos, no captulo 4, que a abreviao no se pauta por um processo uniforme de reduo, como no caso da derivao regressiva. Com base nessa observao, determine quais os processos de reduo que ocorrem nas abreviaes acima; em seguida, rena em blocos os termos caracterizados pelo mesmo processo. 7. Destaque, nas passagens seguintes, os casos de converso e explique-os (cf. captulo 5): a) Tontura gostosa dava a pinga forte do Gerncio. E o silncio, o balanar maneiro do rebojo, o fresco da chuvinha manhosa, a escurido do rio... (Palmrio, Mrio. Vila dos Confins. 16. ed. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1974. p. 37). b) Mas o machado ferramento da silva. O caboclo experimentou-o no pau-blsamo de trs braas de roda, por causa de um meizinho de jata que deu de dar na forquilha de cima. O enxado do fino gostosura para cortar cho e furar armadilha de buraco. A foice, trenheira beleza para render servio de pari (id., ibid., p. 134.). 8. No captulo 6, destacamos os traos lingsticos caracterizadores da composio. Convm acrescentar a observao de que o acrscimo de um sufixo derivacional afeta o composto como um todo: de Porto Alegre, temos o derivado porto-alegrense (e no *portense-alegrense). Se o derivado composto, tambm o o substantivo prprio a ele correspondente.

60 Com base na observao acima, mostre que os nomes prprios Porto Rico e Nova York so exemplos de compostos. Utilize, paralelamente, os critrios lingsticos expostos no captulo 6, em reforo de suas concluses. 9. Retome as citaes das pginas 53 e 54, relativas composio por aglutinao, e estabelea entre elas uma comparao, salientando os seus pontos de semelhana e de diferena. 10. Indique o plural dos compostos abaixo relacionados. Justifique suas respostas, com base no captulo 7: guarda-noturno olho verde-claro queijo-do-reino abelha-mestra maracuj-melo preconceito anti-racial regio amrico-meridional capito-de-mar-e-guerra banho-maria fruta-po 11. Os radicais latinos so bastante produtivos na formao de compostos em portugus. Consulte a lista desses radicais numa gramtica (por exemplo, a Moderna gramtica portuguesa, de E. Bechara cf. Bibliografia comentada) e decomponha os compostos a seguir, acrescentando-lhes os respectivos significados:

61 agrimensor albificar belgero lacticolor noctmbulo O que se nota com relao colocao do determinado e do determinante? 12. O mesmo que foi afirmado, no exerccio anterior, com relao aos radicais latinos, vlido, tambm, para os radicais gregos. Separe os elementos gregos dos compostos da lista abaixo, indicando- lhes os respectivos significados: helioterapia misantropo pediatria rinoceronte xenofobia O que se nota com relao colocao do determinado e do determinante?

11Vocabulrio crtico

Abreviao: processo comum no falar coloquial, resultante do emprego de uma parte da palavra pelo todo. Ex: extra (por extraordinrio / extrafino). Como a reduo conservou apenas o prefixo do vocbulo, trata-se de um processo diferente da regresso. (V. regresso.) Aglutinao: V. composio. Composio: processo geral de formao lexical que consiste na criao de palavras novas pela combinao de bases preexistentes: amor-perfeito. Quando os elementos associados conservam a sua individualidade, tem-se a composio por justaposio, como no exemplo acima; quando esses elementos se fundem num todo fontico, com um nico acento, e o primeiro sofre alteraes fonticas, tem-se a composio por aglutinao, como em boquiaberto. Constituintes imediatos (C.I.): so os morfemas constitutivos de uma forma complexa, articulados sem intermdio de outros; garot- e -a so os C.I. de garota. Nessa perspectiva, o vocbulo analisado como uma superposio de camadas binrias, constitudas de um elemento nuclear

63 (radical) e um perifrico (afixo, desinncia ou vogal temtica). Essa tcnica tambm aplicvel frase e no se restringe apenas morfologia. Converso (ou derivao imprpria): formao vocabular caracterizada pela passagem de uma classe gramatical a outra, sem auxilio de afixos ou reduo. Alto um adjetivo, mas em falar alto um advrbio. O exame do contexto sintagmtico exterior ao vocbulo revela a existncia de diversificados traos formais no processo de converso. Derivao: processo geral de formao vocabular, em que a uma base se agregam formas presas denominadas afixos: prefixos (formas presas esquerda da base) e sufixos (formas presas direita da base). Em deslealdade, base leal se anexam o prefixo des- e o sufixo -dade. Hibridismo: designao dada aos vocbulos compostos ou derivados, cujos elementos provm de lnguas diferentes. Em portugus, so mais comuns os compostos de elementos latinos e gregos, como em sociologia, o que no exclui outras possibilidades combinatrias. Justaposio: V. composio. Metafonia: mudana de timbre da vogal do radical devido influncia da vogal da desinncia. Em portugus, por exemplo, o -a tono final da palavra esta abriu o timbre de para . um fenmeno comum em alguns derivados regressivos, como erro e logro (compare-os com as formas correspondentes primeira pessoa do singular do presente do indicativo dos verbos errar e lograr). Monorrema: frase de um s vocbulo que funciona em bloco. Morfema: unidade mnima portadora de sentido. Os morfemas de desleal so des e leal. Morfossintaxe: estudo das variaes formais que caracterizam os morfemas em relao com os processos sintti-

64 cos que as condicionam (por exemplo, as marcas da flexo nominal estudadas no quadro da concordncia). Nominalizao: processo gramatical que forma nomes a partir de outras partes do discurso, geralmente verbos ou adjetivos. o caso de construo (de construir). Como no exemplo apontado a nominalizao se deveu ao sufixo, conclui-se que nem sempre ela resulta de uma translao de primeiro grau. (V. translao de primeiro grau.) Onomatopia: denominao dada aos vocbulos criados com a preocupao de imitar o som ou a voz da coisa ou do animal designado: tique-taque, zunzum. Parassntese: processo de derivao que consiste na adjuno simultnea de um prefixo e de um sufixo a um radical. A excluso do prefixo ou do sufixo resulta numa forma inaceitvel em nossa lngua. No caso de anoitecer (de a + noite + ecer), por exemplo, *anoite e *noitecer so formas inaceitveis em portugus. No se deve confundir a derivao parassinttica com as derivaes em que ocorrem prefixo e sufixo no simultneos: des-leal-dade; observe as formas desleal e lealdade. (V. constituintes imediatos.) Reduplicao (ou redobro): processo que consiste na repetio da slaba radical de um vocbulo. Exs.: titio, Zez. freqente na formao das onomatopias e, por apresentar valor expressivo, vincula-se mais Estilstica. Regresso: designao dada ao processo de derivao que consiste em formar derivados pela eliminao de desinncia ou de sufixo suposto do vocbulo derivante. Exs.: luta (subst.), de lutar; sarampo, de sarampo. Deve-se distingui-la da abreviao. (V. abreviao.) Sigla: processo moderno, bastante freqente, de reduo de longos ttulos s letras iniciais das palavras que os constituem. Ex.: ONU (Organizao das Naes Unidas).

65 Sintagma: combinao de formas mnimas numa unidade lingstica superior. Por exemplo: desigual (des- + igual). Devem-se distinguir os sintagmas lexicais (as palavras), locucionais (as locues), suboracionais (parte da orao, como o grupo do sujeito, por exemplo), oracionais (as oraes) e superoracionais (o perodo composto por subordinao). Translao de primeiro grau: de acordo com a sintaxe estrutural de L. Tesnire, consiste na transferncia de uma palavra de uma classe gramatical a outra. Em poltrona de couro, o substantivo couro figura numa expresso (de couro) de valor adjetival com relao a poltrona. O processo de adjetivao deveu-se, no caso, preposio de, que recebe a designao de translativo; couro o transferendo, e o todo de couro o transferido, com relao a poltrona.

12Bibliografia comentada

BALLY, Charles. Linguistique gnrale et linguistique franaise. 4. ed. Berne, Francke, 1965. No captulo IV (1 seo da 1 parte), o autor enfatiza o carter binrio do sintagma, sem especificar de modo to formal, como E. A. Nida, as tcnicas de segmentao. BARRETO, Mrio. De gramtica e de linguagem. 3. ed. Rio de Janeiro, Presena, 1982. ____.Fatos da lngua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro, Presena, 1982. Coletneas de respostas a dvidas gramaticais de consulentes, em que, no primeiro ttulo, pela primeira vez, o autor prope o trao caracterizador dos nomes deverbais regressivos (cf. capt. XLVIII, pargrafo 7). BASLIO, Margarida. Teoria lexical. So Paulo, tica, 1987. (Srie Princpios, 88.) A autora examina os processos de formao vocabular (o mesmo tema que desenvolvemos aqui) em estreita conexo com a semntica, com as classes de palavras e com o discurso. BECHARA, Evanildo. Moderna gramtica portuguesa. 31. ed. So Paulo, Nacional, 1987.

67 Trata-se de uma gramtica inovadora no estudo da estrutura do vocbulo e dos processos de formao de palavras. a primeira que distingue regresso de abreviao e que prope a designao de converso para a derivao imprpria. CARVALHO, Jos O. Herculano de. Teoria da linguagem. Coimbra, Atlntida, 1973. t. II. Em muitos aspectos, esta obra completa a de J. Mattoso Cmara Jr. Suas consideraes sobre os sintagmas fixos e livres merecem leitura e so ricas em sugestes. CUNHA, Antnio Geraldo da. Dicionrio etimolgico da lngua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. Excelente obra para consulta sobre vocbulos de cujo carter regressivo se tem dvida. O timo vem acompanhado de datao. DEQUI, Francisco. Sintagramtica; identificao de determinantes e determinados. 3. cd. Canoas, ed. Canoas, Edipuc, 1981. O subttulo do livro revela a perspectiva sintagmtica do autor, na esteira de Bally e Mikus. No captulo relativo flexo de nmero dos nomes compostos, um dos primeiros a estabelecer todas as regras em funo da estruturao sinttica desses nomes . DUBOIS, Jean. Grammaire structurale du franais; la phrase et les transformations. Paris, Larousse, 1969. o terceiro e ltimo volume da srie Grammaire structurale du franais. Desenvolve detalhadamente os processos de nominalizao em francs. JOTA, Zlio dos Santos. Dicionrio de lingstica. Rio de Janeiro, Presena, 1976. Muitos verbetes desenvolvem aspectos especficos da lngua portuguesa. Merece leitura o artigo composto (desenvolvido ao longo de quinze colunas), em que se estudam os diferentes tipos de formao dos substantivos compostos.

68 KEHDI, Valter. Morfemas do portugus. So Paulo, tica, 1990. (Srie Princpios, 188.) O autor apresenta as tcnicas de segmentao morfemtica, o levantamento e a classificao dos morfemas da lngua portuguesa. Esses aspectos antecedem o estudo dos processos de formao de palavras. LUFT, Celso Pedro. Grande manual de ortografia Globo. Rio de Janeiro, Globo, 1985. Trata-se de um dos mais completos e detalhados manuais de ortografia de nossa lngua. O captulo sobre o emprego do hfen particularmente minucioso, sobretudo no que se refere sua utilizao nos nomes compostos. MATTOSO CMARA Jr., J. Dicionrio de lingstica e gramtica. 7. ed. Petrpolis, Vozes, 1977. Obra de consulta indispensvel a todos os que querem atualizar seus conhecimentos lingstico-gramaticais. So de particular interesse os verbetes relacionados morfologia portuguesa. _______.Histria e estrutura da lngua portuguesa. Rio de Janeiro, Padro, 1975. Nesta obra, no captulo X, o autor explicita os diferentes processos de formao vocabular em portugus. de grande interesse a leitura do pargrafo III: A composio por prefixo. MIKUS, Francis. Le syntagme est-il binaire? Word, New York, 3 : 32-8, 1947. Na esteira de Charles Bally, o autor explicita e desenvolve mais o carter binrio do sintagma. NIDA, Eugene A. Morphology. 2. ed. Ann Arbor, The University of Michigan Press, 1949. Um dos mais completos tratados de morfologia distribucional. No captulo 4 o autor expe detalhadamente os procedimentos para a segmentao do vocbulo em seus constituintes imediatos.

69

REINHEIMER-RIPEANU, Sanda. Les drivs parasynthtiques dans les langues romanes. The Hague-Paris, Mouton, 1974. Trata-se de um dos mais exaustivos e agudos estudos sobre a parassntese, a partir das lnguas romena, italiana, francesa e espanhola. SANDMANN, Antnio Jos. Formao de palavras no portugus brasileiro contemporneo. Curitiba, Scientia et Labor e Icone, 1989. Traduo da excelente tese realizada pelo autor na Universidade de Colnia, na Alemanha. So particularmente sugestivas e informativas suas consideraes sobre a derivao regressiva e outros tpicos. TESNIRE, Lucien. lments de syntaxe structurale. 2. ed. Paris, Klincksieck, 1969. Obra em que o autor apresenta e desenvolve o conceito de translao, a rigor uma verso menos formalizada do conceito de transformao, o que faz deste manual uma primeira verso, pr-chomskyana, de uma sintaxe transformacional.

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