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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA
MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-
VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL
NITERÓI
2017
VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA
MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-
VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos de
Linguagem.
Orientadora:
Profª. Drª. Mariangela Rios de Oliveira
Niterói, RJ
2017
VANIA ROSANA MATTOS SAMBRANA
MARCADORES DISCURSIVOS FORMADOS PELOS VERBOS PERCEPTIVO-
VISUAIS OLHAR E VER: UMA ABORDAGEM CONSTRUCIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos de
Linguagem – Subárea Linguística, da Linha de
Pesquisa 1: Teoria e Análise Linguística.
Aprovada em: 06 de março de 2017.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª. Drª. Mariangela Rios de Oliveira, orientadora (UFF)
________________________________________________
Profª. Drª. Ana Beatriz Arena (UERJ/FFP)
_______________________________________________
Profª. Drª. Ana Cláudia Machado Teixeira (UFF)
Niterói, RJ
2017
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador de todas as coisas, aquele que ―dá sabedoria aos simples‖.
À Profª Drª. Mariangela Rios de Oliveira, pela dedicação e paciência com que conduziu este
trabalho.
Aos professores membros desta banca, que prontamente aceitaram o convite para compô-la.
A toda a minha grande e acolhedora família. Em especial, à minha mãe, pelas orações, e ao
meu pai (in memorian), pela criação.
Ao meu esposo, Gabriel Sambrana, pela ajuda e incentivo sempre.
RESUMO
SAMBRANA, Vania Rosana Mattos. Marcadores discursivos formados pelos verbos
perceptivo-visuais olhar e ver: uma abordagem construcional. Rio de Janeiro, 2017.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem, subárea - Linguística), Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem, Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense,
Rio de Janeiro, Niterói, 2017.
Ao postularmos que a língua é um inventário de construções, assumimos a visão de língua
como arquitetura complexa de um sistema adaptativo com padrões mais ou menos regulares.
Nesta perspectiva, investigamos o padrão construcional responsável pela formação dos
marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual olhar e ver, no português brasileiro
do século XX. O objetivo deste estudo é identificar, levantar e descrever esse padrão
construcional, contribuindo para o entendimento de suas formas de apresentação,
principalmente as microconstruções, virtualmente, tipos individuais de construção. Para tal
investigação, utilizamos a base teórica da Linguística Funcional Centrada no Uso, apoiada
pelo modelo da Gramática de Construção, e os corpora: Corpus Discurso e Gramática,
Corpus do Português, Projeto Norma Linguística Urbana Culta e Programa de Estudos do Uso
da Língua. Como resultado da coleta de dados, levantamos dez exemplares de marcadores
discursivos formados pela base verbal olhar e treze pela base verbal ver. Partimos da hipótese
de que, por motivações cognitivo-interacionais, funções discursivo-pragmáticas são
desempenhas pelos marcadores como um conjunto de funções para cada contexto específico.
Averiguamos que, sincronicamente, pressões discursivas resultam em variabilidade de
alinhamento de forma-função, demonstrada no compartilhamento morfossintático entre
marcadores discursivos em rede construcional. Através das análises dos contextos de uso,
concluímos que a função dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual
consiste em manipular o espaço de atenção para regular a interação entre os interlocutores.
Palavras-chave: Marcadores discursivos. Padrão construcional. (Sub)funções. Contexto de
uso.
ABSTRACT
SAMBRANA, Vania Rosana Mattos. Marcadores discursivos Formados pelos verbos
perceptivo-visuais olhar e ver: uma abordagem construcional. Rio de Janeiro, 2017.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem, subárea - Linguística), Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem, Instituto de Letras, Universidade Federal Fluminense,
Rio de Janeiro, Niterói, 2017.
When we say that language is an inventory of constructions, we assume language‘s view like
a complex building of an adaptative system with constructional patterns with some regularity.
In this way, we investigate the constructional pattern of the discourse markers formed by
visual perceptive verbs to look (olhar) and to see (ver), from the Brasilian Portuguese, 20th
century. The aim of this paper is to identify, to list, and to describe this constructional pattern,
contributing to the raising of their forms, mainly, – the micro-constructions. For this purpose,
we use as theoretical base the Usage-Based Functional Linguistics. The corpus is from
Corpus Discurso e Gramática, Corpus do Português, Projeto Norma Linguística Urbana Culta
and the Programa de Estudos do Uso da Língua. As a result of data collection, we list ten
exemplars of discourse markers by the verbal base to look (olhar), and thirteen exemplars of
discourse markers by the verbal base to see (ver). We have, as first hypothesis that, because
for cognitive and interactional motivations, discursive-pragmatic functions are fulfilled by the
discourse markers as a conjunct of functions to each specific context. We investigate,
synchronically, discursive pressions result in a variation of form-function arrangements,
evident in the morphosyntactic partaking among the discourse markers in the constructional
network. From the analysis of usage contexts, we conclude that the function of discourse
markers consist of manipulating the attention‘s space to regulate the interaction between
speaker and hearer.
Keywords: Discourse markers. Constructional pattern. (Sub)functions. Usage context.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 09
2. MARCADOR DISCURSIVO COMO CLASSE GRAMATICAL 14
2.1 O CONCEITO DE MARCADOR DISCURSIVO (MD) 15
2.2 NATUREZA E PROPRIEDADES DE CATEGORIZAÇÃO 17
2.3 CATEGORIZAÇÃO DO MD DE BASE VERBAL PERCEPTIVO-
VISUAL
20
3. A FUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA 24
3.1 A MACROFUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA 24
3.2 AS (SUB)FUNÇÕES MARCADORAS DISCURSIVAS 26
4. LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO 31
4.1 GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÃO 32
4.1.1 Dimensões construcionais 38
4.1.2 Fatores construcionais 39
4.1.2.1 Esquematicidade 39
4.1.2.2 Produtividade 45
4.1.2.3 Composicionalidade 47
4.2 O PADRÃO CONSTRUCIONAL COMO MODELO EM REDE 48
4.3 PRINCÍPIOS E CONCEITOS ANALÍTICOS 51
4.3.1 O Princípio de marcação 51
4.3.2 Os princípios da organização linguística 54
4.3.3 Os princípios de gramaticização 56
4.3.4 Subjetividade e intersubjetividade 58
4.3.5 Metáfora e metonímia 59
4.3.6 Prototipicidade 61
5. METODOLOGIA 62
5.1 A CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS 62
5.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE 66
6. ANÁLISE DOS DADOS 69
6.1 A ESQUEMATIZAÇÃO DO PADRÃO DA CONSTRUÇÃO Vpv(x)md
70
6.2 A BASE VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL 74
6.2.1 Base verbal olhar 75
6.2.1.1 Mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ) 78
6.2.1.2 Mesoconstrução‘‘ olhar(locativo) 85
6.2.1.3 Mesoconstrução‘‘ olhar(focalizador) 100
6.2.1.4 Visão geral da mesoconstrução‘ olhar(x) 106
6.2.2 Base verbal ver 108
6.2.2.1 Mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) 112
6.2.2.2 Mesoconstrução‘‘ ver(locativo) 124
6.2.2.3 Mesoconstrução‘‘ ver(focalizador) 130
6.2.2.4 Visão geral da mesoconstrução‘ ver(x) 145
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 148
REFERÊNCIAS 150
LISTA DE FIGURAS, QUADROS E TABELAS
Figura 01 Rede linguística funcional dos marcadores discursivos 10
Figura 02 Representação da construção para Croft (2001) 33
Figura 03 Representação da construção para Traugott e Trousdale (2013) 37
Quadro 01 Níveis de esquematicidade 41
Quadro 02 Distribuição dos níveis de esquematicidade da construção marcadora discursiva
perceptivo-visual 71
Quadro 03 Distribuição das frequências token e type de base verbal olhar 76
Quadro 04 Caracterização da mesoconstrução‘ olhar(x) pelo princípio da marcação 107
Quadro 05 Distribuição das frequências token e type de base verbal ver 109
Quadro 06 Caracterização da mesoconstrução‘ ver(x) pelo princípio da marcação 147
Tabela 01 Distribuição do número de palavras do Corpus D&G 63
Tabela 02 Distribuição do número de palavras do Corpus NURC-RJ 64
Tabela 03 Distribuição do número de palavras do Corpus do português 65
Tabela 04 Distribuição do número de palavras do Corpus PEUL/RJ 65
Tabela 05 Distribuição do número de palavras por Corpora fonte 66
9
1. INTRODUÇÃO
O objeto desta pesquisa são os marcadores discursivos formados pelos verbos
perceptivo-visuais olhar e ver, em seu padrão construcional, virtualmente representado por
Vpv(x)md
. Justifica este trabalho a recorrência do uso dos referidos verbos no português
brasileiro como estratégias de marcação do discurso para regulação da interação entre os
interlocutores.
A título de ilustração, vejamos duas ocorrências:
(1) Sua mão preta, de unhas brancas, desafivelava, fazia o troco, afivelava - independente do
seu olhar, que vagava ao longe, e apenas baixava uma ou outra vez, para conferir. Maria
Maruca quis provar aquela comida de pretos. Olhe lá... Tome cuidado... - dizia Dentinho
de Arroz. Essa gente sabe muita coisa... Podem botar dentro alguma porcaria. Maria
Maruca desdenhava: ‗Eu lá tenho medo de feitiços‘ - Sua cara vermelha brilhava ao sol.
Amontoaram-lhe no prato o pirão de milho, e viraram-lhe, ao lado, umas colheradas do
ensopado de bofe e coração. (CP, séc. XX, Br, Fic, C. Meireles, Olhinhos de gato, 1939)
(2) O certo é que não dormi toda a noite, nervosa, imaginando frases, o começo do artigo. Pela
madrugada julgava impossível escrevê-lo, tudo parecia banal ou extravagante. Mas
depois do almoço, antes de sair, o pai lembrou-me como se lembra a um escritor: - Vê lá,
Júlia, o artigo é para hoje. Tenho que o levar à noite. Havia um jornal que exigia o meu
trabalho. Era como se o mundo se transformasse. Sentei-me. (CP, séc. XX, Br, Fic, João
do Rio, O Momento Literário, 1907)
As formas em destaque são usadas para o chamamento de atenção entre os
interlocutores. No exemplo (1), o marcador discursivo olhe lá reforça o chamamento de
atenção acompanhando declaração asseverativa ‗tome cuidado‘. No exemplo (2), o marcador
discursivo vê lá reforça o chamamento de atenção acompanhando a declaração assertiva ‗o
artigo é para hoje‘. Em ambos os casos, os falantes tentam direcionar a atitude dos ouvintes. A
diferença entre os dois contextos de uso, motivando o recrutamento de dois diferentes
marcadores, é o grau de proximidade entre os interlocutores, indexado pelo marcador. Em (1),
olhe lá confere ao contexto um grau impositivo na negociação do significado, uma
advertência. Em (2), vê lá traz ao contexto sentido de atenuação na negociação do significado,
um aconselhamento.
Dessa maneira, alegamos que os marcadores discursivos convivem, em uma rede
linguística funcional, com limites difusos e compartilham especificidades morfossintáticas
cujas diferenças geram funções discursivo-pragmáticas.
A seguir, ilustramos nossa visão de rede.
10
Figura 01: Rede linguística funcional dos marcadores discursivos.
Domínio da marcação discursiva1
[(interj)(x)]md
[(locuções)]md
[(conj)]md
[(verbo)(x)]marcador discursivo
[(adv)]md
[(sons não lexicalizados)]md
V(estático)(x) V(perceptivo)(x) V(proclamativo)(x)
V(estar)(x) V(ficar)(x) V(visual)(x) V(auditivo)(x) V(interruptivo)(x)
estar(x) ficar(x) olhar(x) ver(x) escutar(x) esperar(x) segurar(x)
estar(adv) ficar(adv) olhar(ᴓ) olhar(adv) ver(ᴓ) ver(adv) escuta(ᴓ) escuta(adv) esperar(adv) segurar(adv)
estar(loc) ficar(loc) olhar(ᴓ) olhar(loc) olhar(foc) ver(ᴓ) ver(loc) ver(foc) escutar(ᴓ) escutar(loc) esperar(loc) segurar(loc)
oh quer dizer mas esta aí fica aí olha olhe olhem olha aqui olhe aqui olha lá olhe lá olha aí olha bem olha só vê veja vejam vejamos viu vê lá veja lá vê bem veja bem vejam bem vê só veja só vejam só escuta escuta aqui espera lá segura aí agora ahn ahn
1 Os elementos que compõem a rede foram selecionados com base em Schiffrin (2001) e Risso, Silva e Urbano (2002), Oliveira (2015) e Saboya (2015).
11
Essa exemplificação em rede (Fig. 01) demonstra o tratamento dos marcadores
discursivos, em visão organizacional da língua, na qual as formas linguísticas compartilham
características funcionais. Essa taxonomia evidencia características estruturais que, em
contextos de uso, assumem funções diversas nas trocas comunicativas. Dessa maneira, os
marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, em algum ponto na rede linguística,
compartilham propriedades morfossintáticas, semânticas e discursivo-pragmáticas com
marcadores de mesma base verbal e com outros marcadores.
Observamos que, com os marcadores discursivos olhe lá e vê lá, exemplificados em
(1) e (2), ocorrem três tipos de compartilhamento: o morfossintático, por meio do advérbio
locativo lá; o semântico, referente ao sentido de percepção do campo de atenção, e o
discursivo-pragmático, relacionado ao chamamento de atenção do ouvinte. Em contrapartida,
verificamos o afastamento entre os marcadores discursivos olhe lá e vê lá quanto à
negociação de sentidos asseverativos e assertivos.
O falante, em (1), ao negociar sentidos direcionados para uma proposição afirmativa,
composta por argumentos para convencer o ouvinte, recruta o marcador discursivo para
reforçar o sentido de asseveração ao contexto. Visto que a sequência injuntiva ‗Tome
cuidado‘ é proferida com muita segurança, em tom rígido, o marcador olhe lá enfatiza essa
rigidez e corrobora a negociação do sentido asseverativo.
O falante, em (2), afasta-se de sentidos que expressam severidade ao recrutar o
marcador discursivo vê lá para reforçar o sentido de atenuação do contexto, tornando-o menos
asseverativo. Sua fala transparece pouco teor de credibilidade, sustentada pelo tempo verbal
no presente ‗é‘ e o advérbio temporal ‗hoje‘. Os sentidos negociados pelos interlocutores, em
(2), são sentidos assertivos, próprios da relação entre pai e filha, em idade adulta.
Nossa hipótese é a de que os marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual
situam-se numa rede funcional interligada e, por especificidades muito próprias, se agregam
ou se afastam uns dos outros na rede construcional, mas se mantêm integrados ao padrão
Vpv(x)md
.
As relações gramaticais entre as construções marcadoras discursivas e as demais
construções do inventário da língua são reguladas pelas emergências surgidas em situação real
do uso da língua, isto é, a gramática emerge do discurso. Assim, nosso entendimento de
organização da gramática segue Cezário, Martelotta e Votre (1996):
Partimos da concepção de que a gramática de uma língua natural nunca é estática e
acabada: tomada sincronicamente, a gramática de qualquer língua exibe,
simultaneamente, padrões regulares, rígidos, e padrões que não são completamente
12
fixos, mas fluidos. Por alguma razão, certos padrões novos se estabilizam, o que
resulta numa reformulação da gramática. Nesse sentido, a gramática é um ‗sistema
adaptativo‘: enquanto sistema, é parcialmente autônoma, mas, ao mesmo tempo, é
adaptativa na medida em que responde a pressões externas ao sistema. (CEZÁRIO;
MARTELOTTA; VOTRE, 1996, p. 11)
A possibilidade de analisar a língua como padrões fluidos nos permite defender que os
marcadores discursivos olhe lá e vê lá compõem um padrão organizacional em que os
contextos de uso regulam as relações entre as formas desse padrão e o seu funcionamento
discursivo-pragmático. Com esse pressuposto, alegamos que a construção Vpv(x)md
representa
um nível de abstração hierárquica capaz de agregar outras construções, tanto em nível mais
abstrato quanto em menos abstrato.
Esta pesquisa integra um projeto desenvolvido pelo grupo de pesquisa Discurso e
Gramática (D&G), com sede na Universidade Federal Fluminense, iniciado em 2014, sobre
Construcionalização e mudança construcional em expressões verbais compostas por
pronomes locativos no português, coordenada pela professora doutora Mariangela Rios de
Oliveira. Pretendemos contribuir para o conhecimento de estratégias de articulação da
interface discurso e gramática, principalmente, no que diz respeito ao recrutamento e
funcionalidade da categoria dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual.
Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é:
- identificar, levantar e descrever o padrão construcional dos marcadores discursivos
de base verbal perceptivo-visual, em perspectiva sincrônica.
Uma vez que defendemos a organização da língua como uma rede funcional,
descrever o padrão construcional nos auxilia a entender como as formas convivem no
complexo sistema da língua. Em decorrência, constituem objetivos específicos desta pesquisa:
- levantar o inventário dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual
olhar e ver, representativo do português brasileiro do século XX;
- hierarquizar os níveis de esquematicidade do padrão construcional Vpv(x)md
;
- quantificar a frequência token e a frequência type do padrão construcional Vpv(x)md
;
- demonstrar a funcionalidade dos marcadores discursivos em contextos de uso;
- identificar a motivação pela conservação da flexão das formas nas quais o padrão se
apresenta.
13
Nosso aporte teórico é sustentado pela Linguística Funcional Centrada no Uso, com
base em Traugott e Trousdale (2013) e Bybee (2010, 2015). Nessa perspectiva, adotamos
conceitos de gramática e língua indissociáveis do estatuto do uso, pressupondo que as
realizações das expressões linguísticas tenham relevância de análise em nível cognitivo e
interacional.
Como a Linguística Funcional Centrada no Uso defende que a língua se constrói na
interação entre os falantes e que a gramática emerge do discurso, entendemos por linguagem
um processo conceptual de caracterização do mundo físico e social, uma vez que o acúmulo
de experiências nos ―permite interpretar uma experiência em termos de outras, o que constrói
significados metafóricos‖ (BATORÉO, 2000, p.138). Coerentemente com esse conceito, a
língua é descrita como um objeto dinâmico ―do ponto de vista do contexto e da situação
extralinguística‖ (BISPO; FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2013, p.14).
Esta pesquisa é sincrônica, representativa do português brasileiro do século XX. Para
tal fim, utilizamos os corpora2: Corpus Discurso e Gramática (D&G), Projeto Norma
Linguística Urbana Culta (Nurc), Corpus do Português (CP) e Programa de Estudos do Uso
da Língua (Peul).
Com a finalidade de alcançar nossos objetivos, organizamos o corpo da pesquisa em
seis capítulos: Marcador discursivo como classe gramatical (Cap. 2), que consiste de um
breve apanhado sobre conceitos e caracterização do marcador discursivo de base verbal
perceptivo-visual; A função marcadora discursiva (Cap. 3), que trata da funcionalidade dos
marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, incluindo nossa abordagem sobre
macrofunção, funções e subfunção; Linguística Funcional Centrada no Uso (Cap. 4), em que
discorremos sobre nossa base teórico-metodológica, apoiada pela Linguística Funcional
Centrada no Uso, com ênfase na Gramática de Construções; Metodologia (Cap.5); Análise de
Dados (Cap. 6), em que procedemos à análise dos dados levantados nos corpora, segundo a
proposta de esquematização do padrão construcional, e registramos nossas observações sobre
a funcionalidade dos marcadores discursivos em contexto de uso; e, por último, as
Considerações Finais (Cap. 7).
2 . Os corpora podem ser acessados pelos links que se encontram no capítulo 5. Metodologia.
14
2. MARCADOR DISCURSIVO COMO CLASSE GRAMATICAL
Existe uma grande diversidade de abordagens no tratamento do marcador discursivo
(MD) como objeto de estudo linguístico. O rótulo marcador discursivo é tomado como uma
ampla classe categorial, favorecendo inúmeras definições e características. Os estudos
divergem quanto a formas de apresentação textual, desempenho de funções, base gramatical
(fonte), relevância em questões extralinguísticas, entre outras. Tal diversidade de aplicações
trouxe contribuições a metodologias de análise, mas incompatibilidade na tentativa de unificar
uma base teórica sobre o tema.
Na segunda metade do século XX, conforme descrevem Jucker e Ziv (1998), Fraser
(1999) e Urgelles-Coll (2010), surge uma variedade terminológica3 que se desdobra em
amplitude de conceitos sobre o tema. Esses elementos linguísticos, no nível da interação,
foram considerados, primeiramente, como itens pragmáticos, frequentemente caracterizados
como desprovidos de semântica (Conf. URBANO, 1993) ou expressões puramente lexicais.
Desde os estudos de Schiffrin (1987), Traugott (1995; 1997; 2007) e Fraser (1999), os
MDs são tratados como categoria gramatical no nível da pragmática, com função,
primariamente, de suporte ao discurso. Schiffrin (1987, p.31)4 define ―marcadores como
elementos sequencialmente dependentes, os quais apoiam unidades de fala‖. A autora justifica
a caracterização como ―sequencialmente dependente‖ para ―indicar que marcadores são
artifícios que atuam no nível discursivo‖ (1987, p.37)5. Essa definição é ratificada pelas
palavras de Traugott com o termo ―bracket discourse‖, referindo-se à atuação funcional
ampla, ―quer dizer, marcar relações entre unidades do discurso sequencialmente dependentes‖
(TRAUGOTT, 1997, p.5)6.
Notamos, na literatura sobre o tema, que essas diferenças são atenuadas em conceitos
mais amplos e diversidade de elementos sob o mesmo foco analítico. As terminologias
utilizadas no início dos estudos sobre o português brasileiro foram: ―expressões de situação‖
(SAID ALI, 1930); ―marcadores discursivos‖ (CASTILHO, 1989); ―marcadores
conversacionais‖ (MARCUSCHI, 1989; URBANO, 1993).
3 As terminologias não são citadas porque não é nosso objetivo descrevê-las.
4 ―I operationally define markers as sequentially dependent elements which bracker units of talk.‖ (SCHIFFRIN,
1987, p. 31) [Tradução nossa] 5 ―I use the term sequential dependence to indicate that markers are devices that Work on a discourse level.‖
(SCHIFFRIN, 1987, p.37) [Tradução nossa] 6 ―[...] function of wich is to ―bracket discourse‖, that is, to mark relations between sequentially dependent units
of discourse.‖ (TRAUGOTT, 1997, p. 5) [Tradução nossa]
15
2.1 O CONCEITO DE MARCADOR DISCURSIVO (MD)
Diante de um universo de terminologias e conceituações7, situamos nossa pesquisa
entre os trabalhos sobre os marcadores discursivos enquanto categoria gramatical, enfocando
os aspectos cognitivos, morfossintáticos, semânticos e discursivo-pragmáticos. Podemos dizer
que nos propomos trabalhar com MDs do tipo interacional, os quais apoiam a negociação de
significados entre falante e ouvinte. Sendo assim, nosso foco de pesquisa recai sobre os MDs
olha, olhe, olhem, olha aqui, olhe aqui, olha aí, olha lá, olhe lá, olha bem, olha só, vê, veja,
vejam, vejamos, viu, vê lá, veja lá, vê só, veja só, vejam só, vê bem e vejam bem.
Na literatura sobre o tema, não encontramos um conceito de MD que satisfaça
exclusivamente a descrição dos MDs de base perceptivo-visual, razão por que decidimos
selecionar um conceito próximo de nossa perspectiva cognitivo-funcional. Selecionamos o de
Risso, Silva e Urbano (1996; 2002; 2015), que assim definem os MDs:
Trata-se de amplo grupo de elementos de constituição bastante diversificada,
envolvendo, no plano verbal, sons não lexicalizados, palavras, locuções, e sintagmas
mais desenvolvidos, aos quais se pode atribuir homogeneamente a condição de uma
categoria pragmática bem consolidada no funcionamento da linguagem. Por seu
intermédio, a instância da enunciação marca presença forte no enunciado, ao mesmo
tempo em que se manifestam importantes aspectos que definem sua relação com a
construção textual-interativa. (RISSO; SILVA; URBANO; 2002, p. 21)
Na leitura do conceito exposto, podemos destacar que os autores consideram os MDs
uma categoria pragmática, com fluidez funcional, estabelecendo relações principalmente entre
os níveis textual e discursivo da gramática.
Vejamos como se aplica esse conceito utilizando nosso corpus:
(3) LOC. - Esses dois tipos de, de furo, né? O redondo e o quadradinho. Quadrado mais
retangular, né?
DOC. - E quando você quer ligar várias coisas numa tomada?
LOC. - A gente usa o, ih, benjamim, né?
DOC. - É isso mesmo, olha aqui, você gosta, você é ligada em roupa?
LOC. - Não. Não sou ligada em roupa não.
DOC. - Você, você é contra a sociedade de consumo?
LOC. - Se eu sou contra? Eu sou contra em termos de ser contra, entende?
DOC. - ... você ... costuma comprar muito. (NURC-RJ, DID, Inq.14, Loc. 17, 1971)
7. As conceituações das abordagens não foram citadas porque não temos intenção de discuti-las.
16
No exemplo (3), O falante (DOC) responde a pergunta de seu interlocutor e continua
com o turno, mas observamos que, ao dar sequência à declaração, é mudado o tema do
diálogo. O falante recruta o MD olha aqui para apoiar sua intenção de mudar o tema da
sequência textual. Para tal finalidade, reforça, com o uso do MD olha aqui, o espaço de
atenção já dispensado antes. Podemos observar, na negociação de sentidos no contexto, dois
comportamentos relevantes da forma em destaque:
(i) apoiar a elaboração dos constituintes no enunciado, cumprindo uma função textual
de sequenciar os segmentos do discurso;
(ii) apoiar a interpelação de um falante sobre o ouvinte, desempenhando uma função
discursiva básica de chamada de atenção.
No exemplo (3), o MD olha aqui confere sentidos contextuais que reforçam funções
cumulativas textuais e discursivas. Nessa perspectiva cumulativa, Schiffrin (2001) propõe
uma diretriz de análise para os MDs em diferentes níveis linguísticos:
Propus que marcadores discursivos possam ser considerados como um grupo de
expressões linguísticas composto por membros de classes de palavras muito variadas
como conjunções (e, mas, ou), interjeições (oh), advérbios (agora, então), e locuções
lexicalizadas (você sabe, quer dizer). Também propus um modelo discursivo com
diferentes planos (superfícies): um enquadramento de participação, estado de
informação, estrutura ideacional, estrutura de ação, estrutura de mudança. Minhas
análises específicas mostraram que marcadores poderiam funcionar nos diferentes
níveis do discurso para conectar sentenças em uma superfície simples ou mesmo
através de diferentes superfícies. (SCHIFFRIN, 2001, p.57)8
Schiffrin (2001, p.54)9 sinaliza um desdobramento de análise em planos/superfícies
―de itens linguísticos que funcionam nos domínios cognitivo, expressivo, social e textual‖. Na
mesma visão de análise, Traugott (2007, p.140)10
considera que os MDs ―são
multifuncionais‖. Dessa forma, o fator multifuncionalidade torna-se respaldo para uma análise
8 ―I proposed that discourse markers could be considered as a set of linguistic expressions comprised of members
of word classes as varied as conjunctions (e.g. and, but, or), interjections (oh), adverbs (now, then), and
lexicalized phrases (y’know, I mean). Also proposed was a discourse model with diferent planes: a participation
framework, information state, ideational structure, action structure, exchange structure. My specific analyses
showed that markers could work at diferent levels of discourse to connect utterances on either a single plane (1)
or across diferent planes (2).‖ (SCHIFFRIN, 2001, p. 57) [Tradução nossa] 9 ―[...] – are one set of linguistic items that function in cognitive, expressive, social, and textual domains.‖
(SCHIFFRIN, 2001, p. 54) [Tradução nossa] 10
―[...] ―that function in cognitive, expressive, social, and textual domains‖ (Schiffrin 2001:54) and are
multifunctional [...]‖.(TRAUGOTT, 2007, p.140) [Tradução nossa]
17
não linear, mas cumulativa das funções desempenhadas pelos MDs, favorecendo uma
pesquisa tanto quantitativa quanto qualitativa.
2.2 NATUREZA E PROPRIEDADE DE CATEGORIZAÇÃO
Marcuschi (1989, p.282) apresenta um enquadre dos marcadores conversacionais no
português brasileiro, destacando suas formas, posições e funções. Observa que ―os MCs
operam simultaneamente, como organizadores da interação, articuladores do texto e
indicadores de força ilocutória, sendo, pois, multifuncionais‖.
Castilho (1989, p.273), em estudo sobre as unidades discursivas, trata dos MDs em
suas funcionalidades, reconhecendo que ―os marcadores discursivos exercem uma função
comum: todos eles organizam o texto‖.
Risso, Silva e Urbano (2002, p.22) ressaltam que é difícil ―um consenso quanto à
determinação da natureza e propriedades dos marcadores‖. Em decorrência, demostram a
necessidade de estabelecer traços básicos definidores do rótulo ―marcadores discursivos‖. Os
aspectos selecionados pelos autores como traços definidores dos MDs utilizados para
estabelecer relação de prototipicidade entre os MDs ―basicamente interacionais‖ e os MDs
―basicamente textuais‖ são: padrão de recorrência, articulação de segmentos do discurso,
orientação da interação, relação com o conteúdo proposicional, transparência semântica,
apresentação formal, relação sintática com a estrutura oracional, demarcação prosódica,
autonomia comunicativa, massa fônica, tipo de ocorrência, base gramatical (fonte), sexo dos
informantes, local do inquérito, tipo de inquérito e posição (RISSO; SILVA; URBANO,
2002, p.23-32).
A partir de um conjunto com base nos traços de variáveis dos dezesseis aspectos
estabelecidos, os autores propõem um conjunto de ―elementos esclarecedores da natureza e
propriedades, não absolutas, mas por vezes intimamente correlacionadas‖. Os traços
apresentados são organizados em mais presentes e/ou menos presentes por número de
ocorrências, formando assim os ―traços-padrão definidores do estatuto dos MDs‖, os quais
passamos a descrever na íntegra:
(a) como mecanismos verbais da enunciação, atuam no plano da organização
textual-interativa, com funções normalmente distribuídas entre a projeção das
relações interpessoais – quando o foco funcional não está no sequenciamento de
partes do texto – e a proeminência da articulação textual – quando a dominante
deixa de estar no eixo da interação;
18
(b) operam no plano da atividade enunciativa e não no plano do conteúdo; por isso
mesmo, são exteriores ao conteúdo proposicional e à informação cognitiva dos
tópicos ou segmentos dos tópicos. Entretanto, asseguram a ancoragem pragmática
desse conteúdo, ao definirem, entre outros pontos, a força ilocutória com que ele
pode ser tomado, as atitudes assumidas em relação a ele, a checagem de atenção do
ouvinte para a mensagem transmitida, a orientação que o falante imprime à natureza
do elo sequencial entre as entidades textuais. Codificam, portanto, uma ‗informação
pragmática‘ (Fraser, 1990). Nessa qualidade, estabelecem-se como embreadores dos
enunciados com as condições da enunciação, apontando para as instâncias
produtoras do discurso e definindo a relação dessas instâncias com a estruturação
textual-interativa;
(c) manifestam um processo de acomodação do significado literal da(s) palavra(s)
que os constitui (constituem) à sinalização de relações dentro do espaço discursivo.
Esse fato carreia, muitas vezes, uma perda parcial de sua transparência semântico-
referencial;
(d) analisados do ponto de vista da integração sintática na estrutura oracional, os
MD são unidades independentes, que, portanto, não se constituem como parte
integrante dessa estrutura;
(e) realizam-se, na maioria das vezes com o acompanhamento de uma pauta
prosódica demarcativa. Ora bem definida – em ocorrências delimitadas por nítida
curva entonacional, com rebaixamento de tom no final da unidade -, ora bastante
sutil. A demarcação prosódica que costuma acompanhar a realização dos MD é uma
evidência a mais de sua dissociação sintática em relação à estrutura oracional em
que se alocam;
(f) são insuficientes para constituírem enunciados completos em si próprios, ou seja,
são, do ponto de vista comunicativo, unidades não autônomas, diferenciando-se,
nesse ponto, mas não somente nele, das interjeições, dos vocativos, das palavras-
frase;
(g) em seu padrão mais frequente e característico, os MD são formas de extensão
reduzida a uma ou duas palavras ou de massa fônica mais restrita a um limite de três
sílabas tônicas. O envolvimento de maior número de unidades léxicas ou sílabas
tônicas, na constituição de um MD, implicaria, normalmente, um grau maior de
elaboração sintática e de transparência semântico-referencial, que parece pouco
compatível com o caráter mais formulaico esperado em sua composição;
(h) de modo geral, destacam-se como formas recorrentes no espaço textual, sendo o
padrão dessa recorrência, evidentemente, dependente dos limites de segmentação do
corpus de análise;
(i) quanto à apresentação formal, os MD são, comumente, formas mais ou menos
fixas, pouco propensas a variações fonológicas, flexionais ou de construção. As
pequenas alterações observadas, restritas quase sempre a contrações (não é ~ né),
reiterações (ahn ~ ahn, ahn; etc. ~ etc., etc.) ou manifestação de uma variante
flexional específica (entende? ~entendeu?) ou sintagmática (digamos ~ digamos
assim), confirmam a tendência para a cristalização formal dos MD, e para seu
estatuto de fórmulas já prontas para serem usadas no discurso com certo grau de
automatismo, sem passarem previamente por uma elaboração léxico-sintática mais
palpável. (RISSO; SILVA; URBANO; 2002, p.53-54)
19
O elenco de propriedades é extenso, mas torna-se necessário citá-lo. Essas variáveis e
seus traços, mais ou menos ausentes, se combinariam num ―núcleo-piloto‖ para uma definição
da categoria. Essas propriedades servem de embasamento para algumas de nossas análises,
tanto na confirmação quanto na refutação das propriedades pertencentes ao nosso objeto.
O refinamento das propriedades de caracterização dos MDs objetiva mostrar que,
embora constituam uma classe difusa, com membros afastados uns dos outros na rede
linguística funcional, há, entre os membros da categoria, relativa coesão, demonstrando
regularidades entre as funções desempenhadas em contexto. Essas variáveis e seus traços,
mais ou menos ausentes, se combinariam num ―núcleo-piloto‖ para uma definição da
categoria.
Em publicação mais recente, Castilho (2014, p.229-230) ressalta que os MDs
compõem uma classe polifuncional e os organiza por sua função e posição no enunciado. O
autor os divide em dois grandes grupos:
(i) marcadores pragmáticos ou interpessoais - orientados para o interlocutor, podendo
se apresentar no início, no meio ou no final dos turnos;
(ii) marcadores textuais ou ideacionais - orientados para o texto, podendo iniciar o
tópico, recusá-lo, aceitá-lo, organizá-lo, operar a mudança de tópico e finalizar o
tópico.
Nessa divisão feita por Castilho (2014), percebemos uma tendência de organizar os
MDs em um continuum de modalidade da língua falada para a escrita.
Compartilhamos com os autores a importância de trabalhar com conceitos, critérios e
propriedades amplas, principalmente, quando se tem um grupo heterogêneo de exemplares,
como é o caso dos estudos citados anteriormente11
. Entretanto, registramos a necessidade de
parâmetros mais específicos na definição e categorização de MD para o padrão construcional
Vpv(x)md
.
11
Risso et al. (2002) trabalham com: a seguir, o seguinte, acontece que, agora, ah, ahn, aí, aliás, assim, bem,
certo, certo?, como vocês estão vendo, como sejam, digamos assim, e, então, entendeu?, esses jogos só, mas, eu
sei que, entre outras formas.
Urbano (1999) focaliza: bem, ah, ahn-ahn, hein, sabe?, não é, bom, sei, não é verdade?, certo, claro, exato, é, é
claro, é verdade, viu?, não? eu acho que, olha, pois é, entre outras.
Castilho (2014) trabalha com: ah..., eh..., ahn..., olha, escuta, vem cá, assim, seguinte, e por falar em, você já
ouviu a última, exato, essa não, xi: lá vem você de novo, não é mesmo, fala, e depois, já, ,,,sim, mas, de certa
maneira, papapá..., entre outras.
20
Na busca de parâmetros mais específicos, o grupo de pesquisa Discurso & Gramática
(D&G), com sede na UFF, tem desenvolvido estudos, desde 2014, sobre Construcionalização
e mudança construcional em expressões verbais compostas por pronomes locativos no
português. Esses estudos visam entender a direcionalidade do padrão de formação dos MDs
acompanhando sua dinamicidade através dos fenômenos de mudança linguística. Um dos
padrões estudados pelo grupo é formado por verbo encadeado por locativo, representado por
VLocMD (conf. TEIXEIRA, 2015; OLIVEIRA e TEIXEIRA, 2015). Mediante às análises
diacrônicas, esses estudos demostram que formas como vamos lá, quero lá, sei lá ou olha lá,
em função marcadora discursiva, são resultantes de construcionalização12
do predicado
verbal.
Partindo da metodologia empregada pelo grupo de estudo D&G, consideramos os
MDs de base verbal perceptivo-visual elementos que articulam segmentos do discurso,
estabelecendo relações entre componentes textuais, no plano da enunciação, isto é,
correlações com significados extratextuais (ancoragem pragmática). Dessa maneira, os MDs
de base verbal perceptivo-visual compõem a tessitura do discurso como expressão coerente da
língua.
Na próxima seção, passamos a expor as três principais características dos MDs de base
verbal perceptivo-visual.
2.3 CARACTERIZAÇÃO DO MD DE BASE VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL
Para estreitar a caracterização da classe dos MDs, levantamos trabalhos com foco na
temática da marcação discursiva. Desses trabalhos captamos características amplas, que
servem para descrever nosso padrão construcional Vpv(x)md
e englobam as duas bases verbais
olhar e ver. Essas características nos auxiliam na descrição e limitação de nosso objeto.
A primeira característica levantada é de natureza estrutural: a ―autonomia sintática‖
(OLIVEIRA, 2015, p.26). Sintaticamente, os MDs apresentam-se autônomos em relação aos
papéis sintático-oracionais, na composição dos arranjos discursivos. No exemplo a seguir,
podemos identificar a autonomia sintática através do contexto de uso do MD olha aqui:
(4) Doc. - Se o senhor marca um horário com uma pessoa e cumpre esse horário, o senhor
passa a ser o quê?
Loc. – Cumpridor do meu dever.
12 Construcionalização é um fenômeno estudado pela Gramática de Construções, é quando a língua, através da
regulação de seus padrões, cria um novo signo linguísticos, um novo pareamento de forma e sentido.
21
Doc. – Em relação ao tempo?
Loc. – Mesmo em relação ao tempo. Olha aqui, bom, eu não quero fazer o meu cliente
esperar.
Doc. – Não está fugindo nem uma palavra.
Loc. – Não sei. Só se vocês têm alguma palavra, aí eu ignoro qual seja.
Doc. – Os clientes não se incomodam de esperar no consultório do médico?
Loc. – Bom, o do ...doutor D. talvez possa confirmar. O cliente, quando está na sala de
espera, esperando a vez, ele é, apesar de nós chamarmos o cliente de paciente, ele é
impaciente. (NURC-RJ; DID; Inq. 44, Loc. 53, 1972)
O MD olha aqui, no exemplo (4), é posicionado entre duas cláusulas que não
apresentam dependência semântica ou sintática entre si. A primeira consiste em um par P-R, e
a segunda, em uma declaração conclusiva. O MD olha aqui se encontra separado da primeira
cláusula por ponto final e da segunda, por vírgula. De certo modo, podemos destacar que o
MD olha aqui está inserido na segunda cláusula, mas não participa da respectiva organização
sintático-semântica. A presença da vírgula denota pausa, logo após, há outro MD - ―bom‖ -,
que podemos considerar como fronteira estrutural na linearidade do texto.
Na primeira cláusula (par P-R), o MD não mantém correspondência sintática com
nenhum de seus componentes. Na segunda, uma declaração argumentativa, o MD olha aqui
igualmente não mantém correspondência sintática com nenhum de seus componentes. Dessa
maneira, observamos que o MD olha aqui não participa de papel sintático das estruturas
oracionais nas quais está inserido, o que nos permite considerar que os MDs formados pelos
verbos perceptivo-visuais olhar e ver não complementam sintaxe no eixo sujeito-verbo-
predicado.
Contemplamos a ―orientação da interação‖ (RISSO; SILVA; URBANO, 2015, p.375)
como segunda característica dos MDs. A orientação da interação consiste em um traço
discursivo-pragmático cuja estratégia é manter o contato entre os interlocutores, direcionando
a atenção do ouvinte para cumprir intenções comunicativas, desde decodificação da
informação até mudança de atitude.
Vejamos um contexto de uso para exemplificar a característica da orientação da
interação apontada acima:
(5) L1: eu quero... o tratamento igual sabe? parece uma coisa assim e tal... de respeito eu
estava te falando... por excesso também... porque eh... como a maioria das pessoas não é
integrada quando... quando... quando encontram uma pessoa assim que vive em família
assim penso assim "ah... ih... coitadinha é quadrada... então mil coisas... está
entendendo...
L2: ...
22
L1: não aceita a pessoa ter determinados valores... antes seja uma pessoa bacana pura
aberta contemporânea... não gosto da palavra moderna... prefiro falar contemporânea...
contemporânea e... poxa ela... olha aí estou te sentindo... eu estou te transformando na
minha plateia né?
L2: não... eu hein...
L1: mas eu estou acostumada a ( ) estou acostumada... eu gosto de falar... na faculdade
eu estudava na Faculdade Nacional a maioria das pessoas morava no subúrbio então eu
tenho esse jeito mesmo de falar eu me expresso muito com as mãos... com o corpo né?
(NURC-RJ; D2, Inq.147, 1973)
A característica de orientação da interação extrapola a função fática da linguagem, não
apenas mantendo o contato entre falante e ouvinte, mas projetando aspectos de tipologia e
gênero discursivo, próprios da oralidade. No caso de (5), a orientação da interação direciona
para o nível organizacional discursivo-interacional. No exemplo (5), o contexto traz
sequências dissertativas utilizadas para, além de compor a textualidade, expressar opinião
evocando julgamento crítico acerca de valores humanos.
No segundo turno, o falante L1, percebendo que exagerou em seu papel de falante na
interação, interrompe sua fala e pontua essa qualificação no contexto ‗olha aí estou te
sentindo... eu estou te transformando na minha plateia né?‘. O uso do MD olha aí pontua tal
avaliação e coloca o ouvinte como interlocutor dessa autoanálise. Assim, a sequência textual,
a partir do MD, torna-se injuntiva.
Dessa característica, entendemos que os MDs de base perceptivo-visual apoiam o
posicionamento entre falante e ouvinte como interlocutores em seu contrato comunicativo,
direcionando a organização do contexto discursivo para a realização das intenções dos
falantes. Com essa característica, notamos que, nem sempre, a intenção dos falantes é apenas
transmitir informações, mas carregá-las de sentidos para induzir atitudes e reinterpretações
dos próprios sentidos atribuídos pelo ouvinte.
Nossa terceira característica distintiva é de propriedade fonológica; ocorre quando há
―uma formação de um grupo de força ao pronunciar estas formas‖ (OLIVEIRA, 2015, p.27),
acrescentando-lhes entonação, diferentemente do que seria no caso em que se tratasse de suas
formas verbais plenas. Consideramos esta terceira característica como um relevo fonológico.
Vejamos, no contexto de uso linguístico, o tratamento dado como relevo fonológico:
(6) – Qual é que é, amizade? – indaga Alfinete. O cara apenas sorri. – Quebrando a cabeça pra
centrar esta roda. Acho que o quadro tá com defeito. – Tou querendo um alô! Alemão
manda que fale. – É uma chave especial que se tá precisando. O mecânico ajeita os
óculos, os olhos parecem desmensuradamente grandes, por trás das lentes. – Olha lá! Vê
23
o que tá arranjando! Nada. Se tá começando uma boa – explica Alfinete. (CP, Fic, José P.
Louzeiro, Infância dos Mortos, 1977)
O MD olha lá, em (6), encontra-se isolado das outras estruturas oracionais de seu
entorno. Nesse contexto, em termos de cláusula, é sintaticamente independente, formando um
bloco único margeado por um travessão e por pontuação exclamativa. Outra justificativa para
a entonação diferenciada do MD é o fato de aparecer como a forma que abre o discurso, uma
primeira carga prosódica. Esse traço pode se manifestar com mais ou menos entonação,
entretanto, ―há ocorrências em que se percebe completa autonomia entonacional, à
semelhança de interjeições e vocativos‖ (RISSO; SILVA; URBANO, 2015, p.371). O
margeamento das formas por pausa, indicação de abertura ou fechamento de turno, bem como
a pontuação, principalmente exclamações, indicam uma diferença na pronúncia da forma
relatada. Com esse contexto de uso, exemplificamos que tratamos todos os MDs pertencentes
ao padrão Vpv(x)md
como possuidores do traço relevo fonológico.
Diante das considerações apresentadas, as três características levantadas como
definidoras da categoria marcadora discursiva são:
(a) autonomia sintática;
(b) orientação da interação;
(c) relevo fonológico.
Essas características são estendidas a todos os MDs de base verbal perceptivo-visual
que compõem o padrão Vpv(x)md
.
24
3. A FUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA
Como mencionado na abertura do Capítulo 2, o termo marcador discursivo é tomado
como uma ampla classe categorial que engloba, sob um único rótulo, elementos de diferentes
fontes lexicais como: ―substantivo, adjetivo, pronome, preposição, conjunção, interjeição,
advérbio, locução e verbo‖ (RISSO et al, 2002, p.32). Ao serem recrutados como MDs, esses
diferentes elementos compartilham algumas características como: o afastamento das funções
sintáticas, o aumento de funções textual-interativas, padrões de contextos motivacionais de
usos, rotinas cognitivas de convencionalização e funções discursivo-pragmáticas específicas.
Sendo assim, a função marcadora discursiva, assumida por uma forma ou por toda a classe,
necessita ser generalizada, passando a funcionar como uma macrofunção.
3.1 A MACROFUNÇÃO MARCADORA DISCURSIVA
Um dos problemas observados nos levantamentos de vários trabalhos sobre o tema dos
MDs é a junção de todos sob uma única categoria ampla, sem especificar a motivação do
afastamento entre os membros da classe. Há pouca referência sobre a gradiência entre seus
membros e os fenômenos linguísticos envolvidos. A principal preocupação revelada nos
estudos mais recentes é estabelecer a prototipicidade e os pontos de limite entre os membros
da classe. Esperamos, com a abordagem fundada na LFCU, colaborar para o entendimento da
motivação linguística quanto à diferença de recrutamento entre os membros da classe dos
MDs em diferentes contextos de uso.
Traugott (1995) destaca a dificuldade em especificar um único cline de
unidirecionalidade para todos os fenômenos envolvidos na criação de MDs. Podemos
compreender melhor tal afirmação nas palavras de Risso, Silva e Urbano (2015, p.387) ao
justificarem as ―unidades limítrofes‖ no rol dos MDs:
Relativamente a essa ―classe‖ gradiente de MD, há ainda elementos que se
intersecionam com os MDS, pelo estatuto comum de mecanismos verbais da
enunciação, mas que se distanciam gradualmente deles, numa escala contínua de
particularidades diferenciais: são as unidades limítrofes. Nelas, o grau de disjunção
pode alcançar proporções maiores do que as dos MDS não prototípicos, e tem uma
qualidade particular, porque as variações podem não somente se manifestar nos
pontos fortes das variáveis como também afetar a configuração do núcleo-piloto
identificador do conjunto dos MDS.
25
Observamos, ainda, dificuldade em estabelecer limites, uma vez que autores como
Castilho (2014), Risso, Silva e Urbano (2015), Marcuschi (1986; 1989), Schiffrin (1987;
2001) e Traugott (1995; 1997) tratam de macrofunção sob o ponto de vista sincrônico e
generalizam categorização e categorizados. Por esse motivo, tomamos a noção de
macrofunção como uma característica comum a todos os MDs, já que constitui a principal
justificativa para agrupá-los sob o mesmo rótulo. O termo macrofunção, neste trabalho, é
definido como uma função primária e global – a de conferir suporte ao discurso.
Traugott (2007, p.140) destaca a capacidade multifuncional de os MDs atuarem,
simultaneamente, nos domínios cognitivo, expressivo, social e textual. Por essa razão,
percebemos a necessidade do foco analítico tanto sobre aspectos intralinguísticos quanto
extralinguísticos dos contextos de uso. Assim, por serem os MDs resultados de emergências
geradas na negociação da interação, a macrofunção e suas especificidades (como funções
mais restritas) só podem ser descritas em contextos que demonstrem sua real situação de uso.
Além da questão da macrofunção, as pesquisas funcionalistas constatam uma grande
variedade de funções que os MDs, como categoria gramatical, passam a desempenhar. Em
decorrência, o termo mais comumente utilizado na descrição característica dos MDs é
polifuncionalidade. Vejamos como Jucker e Ziv (1998, p. 4)13
estabelecem essa
polifuncionalidade no final da década de 1990:
Os diferentes estudos de marcadores discursivos distinguem vários domínios onde
eles podem ser funcionais, nos quais são incluídos parâmetros textuais, atitudinais,
cognitivos e interacionais. Consequentemente, marcadores discursivos têm sido
analisados como artifícios de estruturação textual (marcando abertura ou fechamento
de unidades do discurso ou transições entre elas), como modalidade ou indicador
atitudinal, como marcadores de relacionamento e intenção de falante/ouvinte, e
como instruções de como dada sentença deva ser processada.
Nesse texto, os autores tratam de vários domínios funcionais simultâneos e também de
funções que podem ser cumulativas dentro de cada domínio funcional específico. A
polifuncionalidade é, assim, a atuação de um ―mesmo item em mais de uma função‖
(CASTILHO, 2014, p. 229) dentro de um mesmo domínio ou de vários domínios distintos.
13
(JUCKER e ZIV, 1998, p. 4): ―The different studies of discourse markers distinguish several domains where
they may be functional, in which are included textual, atitudinal, cognitive and interactional parameters.
Accordingly, discourse markers have been analysed as text-structuring devices (marking openings or closings of
discourse units or transitions between them), as modality or atitudinal indicators, as markers of speaker-hearer
intentions and relationships, and as instructions on how given utterances are to be processed.‖ [Tradução de
responsabilidade da autora do trabalho]
26
Alguns estudos sobre os MDs no português brasileiro (URBANO, 1999; RISSO,
1999; RISSO; SILVA; URBANO, 2002; 2015; ROST-SNICHELOTTO, 2008; CASTILHO,
2014) subdividem a função marcadora discursiva em duas:
(i) Interacional – função orientada para o interlocutor, direcionada à enunciação, ao ato
de interagir, à interpessoalidade, suporte da interface falante/ouvinte;
(ii) Sequenciadora – função orientada para o texto, ideacional, ―ao amarramento
textual das porções de informação‖, relacional, suporte da interface falante/texto.
Os autores citados não consideram essa subdivisão estanque nem descartam o acúmulo
dessas duas funções mais amplas.
Diante desses posicionamentos teóricos, definimos que os MDs, enquanto categoria
gramatical, ―preenchem múltiplas funções‖ (URGELLES-COLL, 2010, p. 24)14
e abarcam
elementos mais e elementos menos prototípicos. Podemos concluir que ―as expressões
linguísticas que facilitam o processamento do discurso‖ (PENHAVEL, 2012, p. 79)
pertencem a uma categoria ampla, difusa, que apresenta, na maioria das vezes, um único
ponto de intersecção entre seus elementos – a macrofunção marcadora discursiva.
3.2 AS (SUB)FUNÇÕES MARCADORAS DISCURSIVAS
Das observações já feitas, podemos resumir que os MDs pertencentes ao padrão
Vpv(x)md
desempenham macrofunção de:
(a) dar suporte ao discurso.
E dessa macrofunção, desempenham funções mais específicas de:
(a) articular segmentos do discurso;
(b) direcionar a interação;
(c) assegurar ancoragem discursivo-pragmática.
Desse modo, é possível inferir que as funções atuam entre o eixo textual-interativo e o
discursivo-pragmático. O estabelecimento dessas três funções representa a base funcional do
nosso objeto. Nesse sentido, vejamos os contextos de uso que se seguem:
14
(URGELLES-COLL, 2010, p. 24): ―The difference in the terminology is a reflection of the wide range of
linguistic approaches used to study these elements, as well as the multiple functions that these elements seem to
fulfill.‖ [Tradução nossa]
27
(7) F- Ah, É. Eu acho que É sim. Não só cozinhar, não É? como saber cuidar da casa. Mais
tarde casa, não É? Aí não sabe fazer nada, aí o marido vai, não É? encontra uma na rua
que saiba fazer, saiba cozinhar melhor que a gente. Olha aí! Como É que fica? já
pensou? gente não sabe cozinhar, aí, não É? homem com- homem com essa mania, não
É? de "Ah, porque-" sempre joga na cara: "ah, porque fulano faz isso assim muito
gostoso, faz uma comida que É uma delicia!" e aí a cara da gente fica no chão, não É?
"poxa, eu não sei fazer!" não É? Aí fica chato. Acho que É fundamental a mulher saber
cuidar da casa, não É? saber cozinhar, lavar. (PEUL/RJ, Censo 1980. Falante 5)
No exemplo (7), a falante, em seu depoimento, opina que todas as mulheres devem
saber cozinhar, e completa com o argumento: ―aí o marido vai, não É? encontra uma na rua
que saiba fazer, saiba cozinhar melhor que a gente‖. Subitamente, a falante interrompe a
sequência e insere, na linearidade textual, o MD olha aí tipificado por exclamação. O
chamamento inesperado de atenção conferido pelo MD olha aí auxilia o encaminhamento da
interação, uma vez que o falante pontua segmentos do contexto que requisitam a participação
do ouvinte.
O uso do MD sinaliza o questionamento ao ouvinte: ―como é que fica? Já pensou?‖.
Assim, o recrutamento do MD articula o segmento dissertativo, anterior ao MD, com as
declarações interrogativas. Ao mesmo tempo em que o MD é direcionado ao ouvinte, ativa
sua participação na interação, através da interpelação, dos questionamentos. O contexto, nessa
dinâmica, torna-se mais injuntivo. Na negociação de significados, a falante sugere, em sentido
contextual, que ―mulher que não sabe cozinhar fica sem marido‖. O uso do MD olha aí apoia
esse sentido, na medida em que reforça a atenção e aponta a provocação de resposta.
Vejamos outro exemplo:
(8) Naquele mesmo dia, alguém tinha me seguido no estacionamento de um banco e, quando
olhei para trás, tive a nítida sensação de ver a testemunha, com uma saia preta na altura
dos joelhos, que se esgueirou entre as colunas, desaparecendo por um corredor
secundário, ao se dar conta de que tinha sido desmascarada. O Jorge deu uma gargalhada.
"Eu sei o que você está pensando", eu disse, "mas tenho uma teoria. É apenas uma teoria,
uma hipótese, mas que explica tudo. Veja só: convenhamos que quinhentos mil dólares
não sejam nada para alguém se arriscar roubando e contrabandeando um quadro sobre o
qual todas as atenções estão prestes a recair. Digamos que esse americano tenha sido um
pouco mais esperto do que esperava a família do pintor quando ele fez aquela proposta
que ele chamou de irrecusável, embora ao meu ver sem grande convicção. Talvez não na
hora, mas depois, quem sabe, quando já estava no meio do processo, inebriado pelo risco
e pelo crime. (CP, séc. XX, Br, Fic, Bernardo Carvalho, As iniciais, 1999)
No exemplo (8), o contexto de uso selecionado é um diálogo sobre o avistamento da
testemunha do roubo de uma obra de arte. O contexto consiste em uma sequência textual com
28
elaboração de segmentos complexos, composta de argumentações e conclusões. O falante, na
linha 7, inicia em sequência descritiva inicia sua dissertação: ―mas tenho uma teoria. É apenas
uma teoria, uma hipótese, mas que explica tudo‖. Esse segmento atua como uma introdução
geral para o tema a ser abordado. O falante dá continuidade ao turno, mas reinicia com o MD
veja só, acentuando a atenção requerida do ouvinte. O recrutamento do MD veja só sugere ao
ouvinte que sua atenção necessita acompanhar o processamento das informações de maneira
mais aguçada. O falante, em (8), negocia sentidos construídos em uma sequência crescente de
argumentos para provar a culpa do suposto ladrão, por esse motivo o ouvinte é despertado a
mais demanda de atenção.
O recrutamento do MD veja só auxilia não só na articulação dos segmentos do
discurso, articula o segmento introdutório com o argumentativo-conclusivo, como também
sugere, pragmaticamente, ao ouvinte que ele é capaz de acompanhar e entender as
informações, o que se percebe pelo tom direto e assertivo do MD na interação.
Agora, vejamos a seguir um trecho de entrevista:
(9) F- Ah, essa não!
E- É verdade!
F- Você não sabe fazer pudim de leite condensado? Nem você?
I- Mais ou menos.
F- Ah, essa não! Uma receita tão batida, Tão conhecida.
E- Eu nunca fiz. nunca fiz pudim de leite.
I- E como faz?
E- Nunca fiz! Estou falando sério, Glorinha.
F- Bom, então eu vou dar heim. vê lá , heim! Uma lata de leite condensado. Mas não vai
escrever, pelo menos, ora!
E- Lógico! Pega aí o lápis, Teresa. Manda fundo, vai fundo, vai lá.
F- Uma lata de leite condensado, cinco ovos
E- Espera. Aí. Cinco ovos.
F- E duas latas, da mesma medida da lata, de leite de vaca.
E- Hum. Quer dizer, põe leite condensado, depois põe duas latas de leite.
F- É, de leite de vaca. Está forma caramelada, em banho-maria. Bater tudo no - no
liqüidificador. (PEUL/RJ, Censo 1980, falante 11)
No exemplo (9), a falante (Glorinha) dialoga com a entrevistadora sobre alimentos e
fica admirada ao saber que a entrevistadora não sabe fazer pudim. Em continuação ao diálogo,
Glorinha resolve dar a receita de pudim, mas chama a atenção da interlocutora com o MD vê
lá, acompanhado por uma interjeição. Essa estratégia extrapola o chamamento de atenção do
falante para o ouvinte. O uso do MD vê lá está inserido em um contexto de advertência,
reforçado pela exigência de que a receita seja anotada. Os sentidos negociados em (9)
29
remetem ao eixo da situacionalidade. A falante negocia sentidos que sugerem,
pragmaticamente, que o ouvinte deva tomar cuidado com a provável situação futura, ou seja:
―não vá depois dizer que não sabe fazer pudim‖.
Vejamos o último exemplo da série:
(10) L2: você tem muito mais outros fatores.
L1: Mas seria o próprio governo que faria, seria o próprio governo que faria essas
indústrias, justo?
L2: Não, mas não é só eletricidade. Olha aqui, você, você precisa... antes de mais nada
vou te dar um exemplo.
L1: Transporte e eletricidade. O Brasil se resume nisso, em duas coisas.
L2: Não. Eu vou te dar... eu vou te dar um exemplo. Olha aqui, a Companhia Nacional
de Álcalis. Foi criada aqui no Estado do Rio, quando as maiores salinas que nós temos e o
sal aonde é mais barato é no nordeste. Então seria lógico, você diria, por quê?
(NURC/RJ, D2, Inq.64, informantes 74, 1972)
O exemplo (10) consiste em uma amostra de entrevista com dois informantes, L1 e L2,
que dialogam sobre indústrias brasileiras. Há, em (10), duas ocorrências do MD olha aqui,
recrutadas pelo falante informante L2. Notamos que esses usos do MD têm como objetivo
comunicativo acentuar a atenção do ouvinte, valorizando o conteúdo a ser dito. Na linha 4,
L2, antes de responder a pergunta do interlocutor, contra-argumenta: ―Não, mas não é só
eletricidade‖. Logo após, insere o MD na linearidade textual. Na linha 7, L2, mais uma vez,
contra-argumenta: ―não‖. Em seguida, faz uma observação e introduz a resposta com o MD
olha aqui. Nos dois usos do MD olha aqui, observamos que o falante recruta o MD para
reforçar sentidos de veracidade às informações veiculadas na interação. O contexto negocia
sentidos que demonstram o quanto o falante se considera certo do que afirma. Essa postura o
coloca como atribuidor do significado veiculado, papel esse reforçado pela contra-
argumentação, feita anteriormente, negando, assim, o significado atribuído pelo seu
interlocutor (L1).
Na exemplificação em (7), (8), (9) e (10), cabe ressaltar que as funções destacadas (dar
suporte ao discurso; articular segmentos do discurso; direcionar a interação; assegurar
ancoragem discursivo-pragmática) não estão isoladas. Há uma fluidez entre as funções e um
não isolamento entre o marcador e sua função em contexto. Essa afirmação significa que não
há um marcador próprio para uma função exclusiva. Ao contrário, o contexto de uso requer
determinado MD que melhor apoie estratégias que expressam determinada negociação de
sentidos no alcance das intenções comunicativas.
30
Para além das quatro (macro)funções, há outras especificidades decorrentes da fluidez
dessas funções nos arranjos contextuais como subfunções marcadoras discursivas. Tais
subfunções, juntamente com seu entorno linguístico, conferem ao contexto um grau de
asseveração, de assertividade, de veracidade; acentuam ou atenuam o chamamento de
atenção; provocam interpelação; marcam proximidade ou distanciamento entre os
interlocutores; reforçam a advertência e sustentam contra-argumentação, entre outras.
Em contexto real de uso, a atuação das subfunções segue um efeito cumulativo,
conforme nossos parâmetros de visão de língua como um inventário de construções. As
subfunções de cada marcador em contexto de uso são tomadas como um conjunto
indissociável que expressa o polo da função na composição estrutura-função da construção.
As análises, no Capítulo 6, visam, entre outros objetivos, especificar a atuação
funcional dos MDs, identificando os contextos de uso de cada um dos 23 exemplares do
padrão construcional Vpv(x)md
. Dessa forma, no Capítulo 6, tratamos com mais particularidade
os contextos de motivação do recrutamento das (sub)funções marcadoras discursivas,
estreitando a noção de função discursivo-pragmática. Esperamos, com este estudo, contribuir
para o entendimento da categoria dos MDs, de modo a ampliar dados que possam servir de
base para futuros estudos, bem como para o prosseguimento deste.
31
4. LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO
Nossa base teórica é norteada pela Linguística Funcional Centrada no Uso
(MARTELOTTA, 2011; BISPO, FURTADO DA CUNHA e SILVA, 2013; OLIVEIRA e
ROSÁRIO, 2015) com ênfase na Gramática de Construção (CROFT, 2001; GOLDBERG,
1995, 2006; BYBEE, 2010, 2015; TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013). A Linguística
Funcional Centrada no Uso (LFCU), termo cunhado pelo grupo de estudos Discurso &
Gramática, consiste em um modelo de análise linguística baseado no uso. Este modelo de
análise tem sua origem na Linguística Funcional de vertente norte-americana com
apropriações de conceitos da Linguística Cognitiva. A LFCU defende que a língua se constrói
na interação entre os falantes e postula que ―o princípio básico da Linguística Funcional
Centrada no Uso consiste no fato de que a estrutura da língua emerge à medida que esta é
usada‖ (BISPO, FURTADO DA CUNHA e SILVA, 2013, p.15).
As contribuições funcionalistas centradas na análise dos contextos linguísticos
caracterizam um tratamento dos dados no contexto de seu uso efetivo, o que torna possível
uma visão ampla da dinamicidade da língua. Em acréscimo, as contribuições cognitivistas,
centradas na análise da linguagem como um processo conceptual de caracterização do mundo
físico e social, embasam a dinamicidade da língua pelos processos cognitivos. Desse modo, a
LFCU assume uma postura cognitivo-funcional quando adota a noção de simultaneidade da
interface discurso e gramática, considerando o ato de categorização linguística com base na
experienciação biossociocultural.
Nessa abordagem cognitivo-funcional, a gramática é ―entendida como um sistema de
estruturação conceptual, que envolve capacidades cognitivas gerais‖ (BATORÉO, 2010, p.
230). Trata-se de ―um sistema de conhecimento linguístico hipotético incluindo não apenas
morfossintaxe, semântica, e fonologia, mas também pragmatismo e funções discursivas‖
(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.95)15
.
Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2013), ao estabelecerem os conceitos-chave da
LFCU, apoiados em Ford et al (2003) e Dubois (2003), propõem um conceito de gramática
como:
(...) um conjunto de esquemas/processos simbólicos utilizado na produção e
organização de discurso coerente. Desse modo, configura-se em categorias
15
―Grammar refers to the hypothesized linguistic knowledge system and includes not only morphosyntax,
semantics, and phonology but also pragmatics, and discourse functions.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013,
p.95). [Tradução nossa].
32
morfossintáticas rotinizadas, exibindo padrões funcionais mais regulares e formas
alternativas em processo de mudança motivada por fatores cognitivo-interacionais.
Nesse sentido, gramática e discurso estão intrinsecamente entrelaçados e coatuam
em mútua dependência, sendo um (re)modelado pelo outro. (BISPO, FURTDADO
DA CUNHA e SILVA, 2013, p.20)
Ao postular que a gramática emerge no discurso, a LFCU confirma a aparente
regularidade/instabilidade da língua. Diante da perspectiva de nosso objeto, o padrão
construcional Vpv(x)md
, alegamos que os padrões linguísticos são moldados no e pelo contexto
de uso.
4.1 GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÃO
A abordagem construcional contemplada neste trabalho dá enfoque à Gramática de
Construção - um conjunto de embasamento teórico-metodológico em que o léxico não é uma
lista de palavras, mas um inventário de correlações de forma-sentido. Desse modo, a língua
consiste numa arquitetura dessas correlações e a gramática, numa organização da convivência
dessas correlações, desses pares indissociáveis de forma-sentido. Conforme Bybee (2010,
p.73)16
descreve, é ―um léxico como um inventário de construções‖. E como estabelecido por
Goldberg (1995, p. 4)17
, construção é ―pareamento de forma-sentido‖. Nesse conjunto de
embasamento teórico-metodológico, a Linguística Cognitiva, representada pela Gramática de
Construção Radical de Croft (2001) e pelos estudos de Goldberg (1995; 2006), se une com a
Linguística Funcionalista, representada pelos trabalhos de Bybee (2010, 2015), Traugott
(2008) e Traugott e Trousdale (2013).
Na Gramática de Construção, a língua é vista como um sistema complexo e
altamente padronizado, uma rede construcional, formada por padrões concretos e padrões
esquemáticos e/ou mais ou menos esquemáticos. Bispo, Furtado da Cunha e Silva (2013),
apoiados em Bybee (2010), assim definem língua:
Um sistema adaptativo complexo, uma estrutura fluida constituída, ao mesmo
tempo, de padrões mais ou menos regulares e de outros que estão em permanente
emergência, mercê de necessidades cognitivas e/ou intercomunicativas. (BISPO,
FURTADO DA CUNHA e SILVA, 2013, p. 20)
16 ―(a lexicon with an inventory of constructions)‖. (BYBEE, 2010, p. 73). [Tradução nossa]. 17
―is a form-meaning pair‖. (GOLDBERG, 1995, p. 4). [Tradução nossa].
33
O conjunto de construções forma o inventário da língua. As construções são
―unidades básicas da língua‖ e ―pareamentos de forma e sentido‖ (GOLDBERG, 1995, p.
5)18
. A construção pode ser representada por esquemas, entendidos como generalizações,
constituídos por padrões, podendo ser morfológicos, sentenças inteiras e unidades ainda
maiores, como parágrafos e textos. Em visão holística, em que nenhum nível da gramática é
autônomo ou principal, Traugott (2008) considera construções como ―objetos teóricos
projetados para apreender sentidos‖, criados, exclusivamente, para cumprir objetivos
sociocomunicativos.
Croft (2001, p. 3-4)19
defende que sua ―Gramática de Construção Radical é uma
teoria da sintaxe, isto é, uma teoria caracterizadora de estruturas gramaticais que se assume
representada na mente do falante‖, através de ―generalizações como instâncias de processos
cognitivos gerais de caracterização‖. Nessa perspectiva, a língua em uso se apresenta em
diferentes graus de idiomaticidade, com construções como unidades simbólicas, atômicas
(composta de um elemento) ou complexas (mais de um elemento sintático), desde totalmente
substantivas (fonologicamente especificadas) até totalmente esquemáticas (abstratas) (Conf.
CROFT, 2001, p. 58).
Considerando que construções são ―fundamentalmente unidades simbólicas‖, Croft
(2001, p. 18) representa a estrutura simbólica de uma construção com a seguinte figura:
Figura 02: Representação da construção para Croft (2001)
18
―Constructions are taken to be the basic units of language.‖ [...] ―is a form-meaning pair‖ [...].
(GOLDBERG,1995, p. 5). [Tradução nossa]. 19
―Radical Construction Grammar is a theory of syntax, that is, a theory characterizing the grammatical
structures that are assumed to be represented in the mind of a speaker.‖ (CROFT, 2001, p. 3). ―Radical
Construction Grammar presents both of these types of generalizations as instances of general cognitive process
of CATEGORIZATION.‖ (CROFT, 2001, p. 4). [Tradução nossa].
propriedades sintáticas
propriedades morfológicas
propriedades fonológicas
propriedades semânticas
propriedades pragmáticas
propriedades discursivo-funcionais
CONSTRUÇÃO
forma
correspondência simbólica (elo)
sentido (convencional)
34
Como demonstrado no modelo, a construção é uma unidade de relações complexas,
um todo forma-sentido (convencionalizado), internamente ligado por correspondência
simbólica.
As propriedades da forma compreendem os ―elementos‖ sintáticos, morfológicos e
fonológicos. A estrutura sintática é captada em status de papéis sintáticos e definida,
especificamente e internamente, na construção. Externamente, a estrutura sintática é captada
em seu plano argumental e nas relações gramaticais.
As propriedades do sentido são consideradas ―componentes‖ de todos os aspectos
convencionalizados do polo função da construção e compreendem propriedades semânticas,
pragmáticas e discursivo-funcionais. A estrutura semântica ―é construída de componentes
semânticos e relações semânticas entre esses componentes‖, dessa forma tornando-se uma
estrutura semanticamente convencionalizada. Esses aspectos semanticamente
convencionalizados, embora aparentem uma cristalização, podem representar sentidos tanto
no plano textual quanto no discursivo. Essa estrutura semântica, uma vez convencionalizada
pelo uso, pode funcionar como unidade simbólica de frames semânticos, em construções
específicas, interagindo assim no grau de idiomaticidade para construção de contextos com
significados fluindo no continuum concreto > abstrato.
Consideramos necessário exemplificar a questão do pareamento forma-sentido nos
moldes de Croft (2001). Para tal demonstração, selecionamos tokens dos MDs olha aqui e
veja lá. Tokens - dados de uso captados no corpus - são instanciações do uso linguístico que
podem ser computados como frequência de uso.
Vejamos o token do MD olha aqui.
(11) - Ora - disse o outro, impaciente: - eu nunca tive medo de luzes nem de assombração.
Não foi efeito de coisa nenhuma. Foi só o que você disse em último lugar. Fez uma pausa
e olhou Delfino. - Foi a cara. E não quis dizer mais nada. Foi preciso que Delfino, com
medo e também com raiva, quisesse seriamente desfazer o negócio para Adriano
recuperar suas boas cores e seu jeitão animado de sempre. Delfino tinha dito: -
Olha aqui, Adriano, isto foi um aviso. Você guarde o seu dinheiro e eu guardo a minha
boa consciência. - Veja lá, Fininho - disse o outro, sentindo que aquilo era uma crise séria
-, você já não está com a consciência tão pura assim, não. Olhe as chaves que você pediu
ao padre Estêvão sem dizer que era para tirar retrato. - Você podia me entregar o filme -
disse Delfino, sem muita convicção. - Podia, mas não entrego [...]. (CP, séc. XX, Br, Fic,
A. Callado; Madona de Cedro; 1957)
No caso do MD olha aqui, em (11), quando a forma é tomada como um tipo (type)
individual do padrão construcional Vpv(x)md
, observa-se que esse MD ganha status de
construção, possibilitando o seu pareamento em forma-sentido.
35
De acordo com Croft (2001), as três propriedades do polo da forma da construção
olha aqui consistem em:
propriedade fonológica - um encadeamento de material fônico de três sílabas
[oλɑki]20
;
propriedade morfológica - perda da base verbal flexional correspondente à 2ª.
pessoa do singular com encadeamento de advérbio locativo;
propriedade sintática - autonomia sintática própria de sua categoria marcadora
discursiva.
Em continuação ao pareamento da construção olha aqui, suas três propriedades do
polo do sentido consistem em:
propriedade semântica – constitui chamamento repreensivo, denotando
reconfiguração do sentido original das partes;
propriedade pragmática – acentua o grau de atenção dispensado pelo ouvinte;
reforça o contexto asseverativo;
propriedade discursivo-funcional – marca a posição do falante no discurso;
encurta o espaço de atenção entre falante e ouvinte.
No exemplo (11), a forma destacada olha aqui não é mais interpretada pelo ouvinte
como verbo transitivo acrescido de um advérbio locativo. Não é uma expressão interpretável
pela ação do verbo olhar e uma localização espacial dêitica. Há um encadeamento que une as
partes, e cada parte não é mais interpretável separadamente no contexto. O verbo olha e o
advérbio aqui, reunidos, depois de passarem por pequenas mudanças de rearranjo no
pareamento forma-sentido, fixaram-se como MD, formando uma estrutura única, um chunk
(Conf. OLIVEIRA e TEIXEIRA, 2015).
(12) - Ora - disse o outro, impaciente -; eu nunca tive medo de luzes nem de assombração. Não
foi efeito de coisa nenhuma. Foi só o que você disse em último lugar. Fez uma pausa e
olhou Delfino. - Foi a cara. E não quis dizer mais nada. Foi preciso que Delfino, com
medo e também com raiva, quisesse seriamente desfazer o negócio para Adriano
recuperar suas boas cores e seu jeitão animado de sempre. Delfino tinha dito: - Olha aqui,
Adriano, isto foi um aviso. Você guarde o seu dinheiro e eu guardo a minha boa
consciência. - Veja lá, Fininho - disse o outro, sentindo que aquilo era uma crise séria -,
você já não está com a consciência tão pura assim, não. Olhe as chaves que você pediu ao
padre Estêvão sem dizer que era para tirar retrato. - Você podia me entregar o filme -
disse Delfino, sem muita convicção. - Podia, mas não entrego [...]. (CP, séc. XX, Br, Fic,
A. Callado; Madona de Cedro; 1957)
20 As transcrições fonéticas são baseadas em Cunha e Cintra (2013, p. 42-75).
36
No caso do MD veja lá, em (12), quando tomado como construção, suas
propriedades do polo da forma consistem em:
propriedade fonológica - encadeamento de material fônico de três sílabas
[vəʒɑ´1ɑ];
propriedade morfológica - perda da base verbal flexional correspondente à 3ª
pessoa do singular com encadeamento de advérbio locativo em detrimento da
nova categoria gramatical;
propriedade sintática - autonomia sintática.
Em continuação ao pareamento da construção veja lá, as propriedades do polo do
sentido consistem em:
propriedade semântica - chamamento atenuador de repreensão;
propriedade pragmática – apelo à tomada de consciência do ouvinte;
propriedade discursivo-funcional - marcação da posição do falante no discurso; o
falante remete o ouvinte à situacionalidade anterior, extrapolando o espaço de
atenção.
Croft (2001) postula que há links entre as propriedades da construção. Dessa forma,
em (12), a propriedade fonológica não é estritamente o material fônico; há um link com o
componente semântico, que traz significância e relação ao outro polo. Esse elo de
correspondência simbólica garante a interpretação da construção como parte-todo. O sentido
da construção se refere ao grau de encadeamento de suas partes com a possibilidade de serem
interpretadas como um só significado, embora seja a construção formada por uma ou mais de
uma parte (chunk).
Croft (2001) organiza a ―gramática de construção como um inventário de
construções‖, e ―cada construção constitui um nó na rede taxonômica de construções‖
(CROFT, 2001, p.25)21
. A Gramática de Construção Radical é um modelo de análise baseado
no uso, uma vez que ―padrões de frequência de uso determinem níveis de representação do
conhecimento gramatical na mente do falante‖ (CROFT, 2001, p.28)22
.
As estruturas cognitivas nas quais armazenamos nosso conhecimento são
denominadas por Lakoff (1987, p.68) ―estruturas de significado‖. Tomamos como
21
―I presented constructions grammar as an inventory of constructions,‖ [...] ―Each constructions constitutes a
NODE in the taxonomic network of constructions.‖ (CROFT, 2001, p. 25). [Tradução nossa]. 22
―[...] evidence that patterns of frequency of use determine the level of representation of grammatical
knowledge in a speaker‘s mind.‖ (CROFT, 2001, p. 28). [Tradução nossa].
37
pressuposto teórico que o significado linguístico é fruto da experienciação no ato da interação
do uso da linguagem e sua categorização como experiência do grupo de falantes. Entendemos
que ―o significado não se baseia na sua referencialidade do real, mas na experiência humana
do mundo exterior‖ (BATORÉO, 2000, p.138).
Sendo assim, os falantes expostos às situações comunicativas, mediadas pelo reforço
do uso, tornam-se capazes de interpretar sentidos construídos em contexto de uso. Esse
mecanismo explica como os interlocutores, em (11), entendem que a expressão da construção
olha aqui é significativa para a intenção do falante Fininho, de intimidação e asseveração. Em
(12), os interlocutores interpretam que a expressão da construção veja lá é significativa para
contestar e/ou atenuar autoridade, uma vez que a negociação de sentidos traz veracidade ao
contexto.
O modelo de representação de construção de Croft (2001) é reformulado por
Traugott e Trousdale (2013), em obra intitulada Constructionalization and constructional
changes23
. Faz-se necessário relatar que os autores desenvolvem um trabalho sobre mudança
linguística em uma abordagem construcional.
Traugott e Trousdale (2013, p. 8) concordam com Croft (2001) e Goldberg (1995) ao
definir construção como pareamento de forma-sentido. Os autores passam a representar uma
construção como:
Figura 03: Representação da construção para Traugott e Trousdale (2013).
[[F] ↔ [M]]
Nessa representação de construção de Traugott e Trousdale (2013, p. 8), ―F‖
significa forma e contém as propriedades específicas da sintaxe, ―M‖ significa sentido e
contém as propriedades do sentido. A correspondência entre forma e sentido é representada
pela seta (↔). Os autores, apoiados em Goldberg (2003), sugerem que ―a totalidade do nosso
conhecimento de língua é capturada por uma rede de construções‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p. 8)24
.
23 Faz-se necessário relatar que os autores desenvolvem um trabalho sobre mudança linguística em uma
abordagem construcional, o que não consiste no foco do nosso trabalho. 24 (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 8): ―the totality of our knowledge of language is captured by a
network of constructions [...]‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 8). [Tradução nossa].
38
4.1.1 Dimensões construcionais
Segundo Traugott e Trousdale (2013), as construções podem ser caracterizadas por
tamanho, grau de especificidade fonológica e tipo de conceito. Produzimos um resumo das
dimensões tratadas pelos autores25
.
Na caracterização da construção, transparece a preocupação dos autores em
demonstrar gradiência entre os de tipos de construção.
Quanto ao tamanho26
, as construções podem ser:
- atômicas: unidades monomorfêmicas;
- complexas: unidades constituídas de partes (chunks) analisáveis;
- intermediárias27
: unidades parcialmente analisáveis.
Quanto à dimensão de especificidade fonológica28
, as construções podem ser:
- substantivas: completamente especificadas fonologicamente;
- esquemáticas: totalmente esquemáticas (abstratas) e/ou parcialmente esquemáticas (partes
substantivas e partes esquemáticas), de onde deduzimos o grau intermediário;
- intermediárias: em parte especificadas fonologicamente e em parte abstratas.
Quanto à dimensão do tipo de conceito29
, as construções podem ser:
- de conteúdo: são lexicais, atuando como referencialidade;
- procedurais: são gramaticais, atuando como significações abstratas nas relações entre
signos linguísticos.
25 São de nossa inteira responsabilidade os trechos selecionados, suas traduções e compilações. 26 ―With respect to the dimension of size, a constructions may be atomic or complex, or in-between. Atomic
constructions are monomorphemic, [...]. Complex ones are units made up of analyzable chunks, [...].
Constructions that are in-between atomic and complex include ―cranberry‖ expressions like bonfire, wich are
partially analyzable [...]‖(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 11). [Tradução nossa]. 27 As construções com dimensão de tamanho intermediário possuem partes analisáveis e partes que os autores
chamam de morfemas ―cranberry‖. Neste trabalho, tomaremos o termo como expressões com aparência de
morfema sem analisabilidade sincrônica de variação linguística (Conf. Cap. 4.6, p. 179). 28
―The dimension of phonological specificity concerns whether a construction is substantive, schematic, or in-
between/intermediate. A substantive construction is phonologically fully specified, [...]. A fully schematic
construction is an abstraction [...]. Many schemas are, however, partial, by wich is meant that they have both
substantive and schematic parts, [...]‖ (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 12). [Tradução nossa]. 29
―The dimension of type of concept concerns whether a construction is contentful (‗lexical‘) or procedural
(‗grammatical‘). ‗Contentful‘ material can be used referentially; on the formal dimension it is associated with the
schematic categories N, V, and ADJ. ‗Procedural‘ material has abstract meaning that signals linguistic relations,
perspectives and deictic orientation [...]‖(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 12). [Tradução nossa].
39
Podemos, nos moldes de Croft (2001) e Traugott e Trousdale (2013), dimensionar
nossa construção Vpv(x)md
: quanto ao tamanho, complexa; quanto à especificidade fonológica,
esquemática; e quanto à dimensão do tipo de conceito, procedural. Em complemento às
dimensões apresentadas, podemos especificar sua representação virtual: ―Vpv‖ é a primeira
subparte da construção, que pode ser ocupada por uma base verbal perceptivo-visual - olhar
ou ver; ―(x)‖ é a segunda subparte, preenchida por outro elemento que se vincula à primeira,
formando uma parte-todo, um chunk. A sigla ―md
‖ é a macrofunção marcadora discursiva,
própria da categoria. A macrofunção é marcar o discurso, dar-lhe suporte, isto é, regular a
interação entre falantes.
4.1.2 Fatores construcionais
Os fatores construcionais processam, ao longo de um período de tempo, o
comportamento da construção no uso da língua por um grupo de falantes. Os fatores
construcionais são esquematicidade, produtividade e composicionalidade. Nesta pesquisa,
esses fatores são detectados dentro de uma sincronia, o português brasileiro século XX.
Portanto, serão considerados como fatores de análise de um comportamento estático da
construção Vpv(x)md
, embora seja importante ressaltar que a visão estática do fenômeno em
sincronia ganha dinamicidade devido à gradiência entre dimensões da construção e os fatores
construcionais.
4.1.2.1 Esquematicidade
Na hierarquização da esquematicidade, os vários níveis apresentam-se em termos de
abstratização, são níveis virtuais que tratam não só do status da dimensão da construção, mas
também demonstram a amplitude da construção como padrão construcional dentro de uma
rede linguística funcional. ―Esquematicidade é uma propriedade de caracterização que,
crucialmente, envolve abstração‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 13)30
. Há dois
trabalhos publicados de relevância sobre a questão da esquematização: o de Traugott,
publicado em 2008, e o de Traugott e Trousdale, citado anteriormente, publicado em 2013.
30
―Schematicity is a property of categorization wich crucially involves abstraction.‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p. 13). [Tradução nossa].
40
Em Traugott (2008, p. 236-238)31
, a autora fundamenta-se, principalmente, nos
estudos da Gramática Radical de Construções de Croft (2001) e propõe quatro níveis de
esquematicidade:
-―macroconstruções: pareamentos de forma-sentido que são definidos por estrutura e
função‖, ―são esquemas altamente abstratos‖;
-―mesoconstruções: agrupamento de construções específicas com comportamento
semelhante‖;
-―microconstruções: construções types individuais‖.
-―constructos: tokens empiricamente atestados, onde se encontra o locus da
mudança‖.
A macroconstrução é uma representatividade virtual alta dos níveis linguísticos,
organizados a partir das seis propriedades definidas por Croft (2001). Na publicação de 2008,
a macroconstrução é tomada como nível limite da descrição das seis propriedades de Croft
(2001). Os agrupamentos de mesoconstruções se agregam, principalmente, ―por ocorrência de
atrações semânticas‖. Os quatro níveis descritos não são fixos; ―níveis mais elaborados de
generalização podem ser relevantes em algumas instâncias, em outras menos‖ (TRAUGOTT,
2008, p. 236)32
. Desse modo, a autora revela que a virtualidade do padrão construcional
depende do objeto de pesquisa, do foco analítico e do corpus utilizado.
Diferentemente de Traugott (2008), Traugott e Trousdale (2013) sugerem três níveis
hierárquicos na captação da esquematicidade de uma construção. Esses níveis são: esquema,
subesquema e microconstrução. ―Esquemas linguísticos são abstratos, grupos de construções
semanticamente gerais, tanto procedurais quanto de conteúdo, [...] Eles são abstrações através
de conjunto de construções que são (inconscientemente) perceptíveis por usuários da língua
sendo intimamente relacionados entre si em uma rede construcional‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p.14)33
. Enquanto subesquema é um nível intermediário, as
31
(TRAUGOTT, 2008, p.236): ―Likewise, in Radical Construction Grammar (and other types of Construction
Grammar) we can distinguish between what I will call:
- macro-constructions: meaning-form pairings that are defined by structure and function, [...]
- meso-constructions: sets of similarly-behaving specific constructions,
- micro-constructions: individual construction-types,
- constructs: the empirically attested tokens, wich are the locus of change.‖ (TRAUGOTT, 2008, p.236).
―As we have seen, the macro-constructions are highly abstract schemas, [...]‖ (TRAUGOTT, 2008, p. 238).
[Tradução nossa]. 32 ―More elaborate levels of generalizations may be relevant in some instances, in others, fewer.‖ (TRAUGOTT,
2008, p.236). [Tradução nossa]. 33
―In our view linguistics schema are abstract, semantically general of constructions, whether procedural or
contentful, [...]. They are abstractions across sets of constructions which are (unconsciously) perceived by
language-users to be closely to each other in the constructional network.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013,
p. 14). [Tradução nossa].
41
microconstruções, membros type-individuais, estão nos níveis mais baixos. ―Apenas
microconstruções podem ser substantivas e fonologicamente especificadas‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p. 17)34
. Os esquemas, explicam os autores, se interligam em rede,
através de conjuntos de construções. A pressão do uso faz com que um padrão esquemático vá
se convencionalizando, quer dizer, rotinizando-se cognitivamente, e se alinhando a uma
postura linguística cumpridora de estratégias comunicativas, com funções discursivo-
pragmáticas.
Nota-se que os autores, embora não explicitem, não consideram os constructos um
nível esquemático. Os constructos são considerados ―tokens empiricamente testados‖,
―instâncias de usos em uma ocasião em particular‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.
16). Os constructos são, assim, realizações reais do uso linguístico.
Organizamos os níveis de abstração que um padrão construcional pode apresentar em
termos de esquematicidade. Para tal, juntamos as propostas de Traugott (2008) e Traugott e
Trousdale (2013) e passamos a demonstrá-las no quadro seguinte.
Quadro 01: Níveis de esquematicidade.
TRAUGOTT
(2008)
TRAUGOTT e
TROUSDALE
(2013) Macroconstrução – pareamento de forma-sentido que são definidos por estrutura e função; são esquemas altamente abstratos.
Esquemas – são abstrações de grupos de construções semanticamente gerais.
Mesoconstrução – agrupamento de construções específicas com comportamento semelhante.
Subesquemas – um nível intermediário.
Microconstruções – construção tipo individual.
Microconstruções – membros types específicos de esquemas mais abstratos.
Constructo – token empiricamente testado.
34
―Only micro-constructions may be substantive and phonologically specified.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE,
2013, p. 17). [Tradução nossa].
42
Defendemos que as duas propostas de níveis de esquematização sugeridas pelos
autores se complementam, desde que seus limites conceituais sejam respeitados. Em nossa
esquematização da construção Vpv(x)md
, utilizaremos as duas propostas apresentadas.
No nível macroconstrução, encontramos a construção Vpv(x)md
, porquanto é um
pareamento de estrutura e função. Virtualmente, representa o recrutamento de um verbo
perceptivo-visual, com ou sem sua segunda subparte, para cumprir uma função marcadora
discursiva. No nível mesoconstrucional estão os agrupamentos dos verbos perceptivo-visuais
especificados por sua base verbal ver ou olhar, por exemplo, a família de construções
ver(x)md
. No nível microconstrucional, estão os tipos de construções menos abstratas
licenciadas pelos usos concretos da língua. Esses usos concretos da língua são os constructos.
O nível do esquema, conceituado como grupo de construções semanticamente gerais,
engloba mais abstração que o nível macroconstrucional, pois não faz referência à
possibilidade de pareamento. O que é mais esquemático que a construção Vpv(x)md
, ou
melhor, o que é mais geral, na rede funcional, que os verbos perceptivo-visuais são os verbos
perceptivos em geral, virtualmente representáveis como Vperc(x)md
. Quanto ao subesquema,
conceituado como um nível intermediário, podemos entendê-lo como qualquer nível entre
outros níveis. Notamos que, nas duas propostas, o nível microconstrucional é o mesmo. O
nível do constructo, proposto em 2008, não aparece como abstração em 2013.
Sendo assim, uma macroconstrução é menos esquemática do que um esquema. O
resgate semântico da macroconstrução é menos geral do que o resgate semântico do esquema.
Desse modo, a noção de verbos perceptivos é mais geral do que a noção de verbos perceptivo-
visuais. A possibilidade de resgate das propriedades sintáticas e das propriedades semânticas
de uma macroconstrução é o que torna a macroconstrução um nível mais composicional do
que o nível esquema, porquanto partes da construção no nível macroconstrucional estão
morfológica e semanticamente mais especificadas.
As dimensões representativas das construções são preenchidas em termos de espaços,
chamados na teoria da gramática de construção de slots ou de slots esquemáticos. É relevante
considerar as palavras de Bybee (2013) ao dizer que:
Um slot esquemático em uma construção consiste de uma lista de todos os itens que
ocorrem naquele slot (como predito por um modelo exemplar), ou pode ser
considerado um conjunto de características semânticas abstratas que restringem o
43
slot, como normalmente proposto, podem, é claro, ser ambos. (Bybee, 2013, p.
6/14)35
.
Quanto mais microconstruções são detectadas, é possível, por generalizações e
especificidades, estabelecer as ―estruturas simbólicas‖ que preenchem esses espaços. Desse
modo, pelo fator da esquematicidade a construção Vpv(x)md
, no nível macroconstrucional, é
formada por dois slots, ou duas subpartes: a primeira, preenchida pelos verbos perceptivo-
visuais ver ou olhar; a segunda, por advérbios com especializações de funções locativas ou
focalizadoras. Assim, os slots representam a expansão da construção.
Podemos exemplificar nossas afirmações com os contextos de uso dos MDs olha e
olhe lá, nos fragmentos (13) e (14) a seguir:
(13) ... eu chamei umas duas colegas minhas pra mostrar a experiência que eu tinha achado
fantástico ... só que ... eu achei o seguinte ... se o professor colocou um pouquinho ... foi
aquele desfile ... imagine se eu colocasse mais ... peguei o mesmo béquer ... coloquei uma
colher ... uma colher de cloreto de sódio ... foi um fogaréu tão grande ... foi uma explosão
... quebrou todo o material que estava exposto em cima da mesa ... eu branca ... eu fiquei
... olha ... eu pensei que eu fosse morrer sabe ... quando ... o colégio inteiro correu pro
laboratório pra ver o que tinha sido ... o professor quando chegou viu que tinha sido eu
que tinha feito o serviço ... aí ele disse que tinha sido ele fazendo uma experiência ... eu
não tinha dinheiro pra pagar aquele material todo do laboratório ... (D&G, Natal, NEP,
oral)
Podemos afirmar, com apoio tanto em Traugott (2008) quanto em Traugott e
Trousdale (2013), que, em (13), temos uma microconstrução olha, composta por uma
subparte. A segunda subparte é ausente ou nula, pois não houve necessidade de
preenchimento. Hipotetizamos que, pela convivência com formas como olha aqui, olha aí e
olha lá, a forma olha se conserva com sentidos menos especializados, mais generalizados,
visto que se trata de uma forma leve, direta e menos complexa em processamento cognitivo.
O MD olha consiste em um chamamento prototípico de atenção.
(14) DOC. - Adolescentes, digamos, a garotada que já sai sozinha, o que bebem quando eles
entram num bar?
LOC. - Acho que copiam muito os pais, né?
DOC. - Sim.
LOC. - Quando eles se vêem soltos, com dinheiro, eles procuram beber o que vêem em
casa mais ou menos, né, porque a juventude sempre tem o exemplo, né, queira ou não
35 ―A schematic slot in a construction might consist of a list of all the items that have occurred in that slot (as
predicted by an exemplar model), or it might be considered a set of abstract semantic features that constrains the
slot, as usually proposed. It could, of course, be both.‖ (Bybee, 2013, p .6/14). [Tradução nossa].
44
queira é influenciada. Agora a garotada, eh, sem dinheiro, é refrigerante mesmo e, olhe
lá, quando pode, né?
DOC. - Sim. E em casa, o que é que normalmente as pessoas bebem?
LOC. - Procuro dar suco de frutas, limonada, laranjada, refrigerante e água.
(NURC/RJ, DID, inq. 02, loc.03, 1971)
No exemplo (14), olhe lá é uma microconstrução instanciada pelo constructo olhe lá
extraído do contexto. A forma é composta de duas partes - no nível virtual, chunks (pedaços).
No nível estrutural, diz-se que a segunda subparte está unida como um afixoide. Não é um
elemento fixo, como um sufixo. ―Em alguns casos, pareamentos independentes de forma-
sentido combinam-se de tal forma que um membro é recrutado a um significado mais abstrato
quando usado em determinada combinação.‖ (TRAUGOTT E TROUSDALE, 2013, p. 154)36
.
As combinações de formas independentes em que uma delas é um afixoide
apresentam um alto grau de entrincheiramento semântico, sua aglutinação semântica é o que
restringe os sentidos que podem e aqueles que não podem ser indexados à expressão. A
presença dos afixoides traz especificidades pragmáticas que só podem ser definidas nos
contextos de uso, e não apenas pela junção das formas. É o efeito parte-todo do encadeamento
das formas, demonstrado no elo de correspondência simbólica.
No que diz respeito à esquematicidade das formas nos exemplos (13) e (14),
detectamos constructos, instâncias do uso de olha e olhe lá que licenciam microconstruções
individuais olha e olhe lá. As quatro formas, em dois diferentes níveis, encontram-se sob o
mesmo padrão, o padrão construcional dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-
visual, ou sob o padrão Vpv(x)md
.
A esquematicidade é um fenômeno sujeito a alteração, pode aumentar, comportamento
esse explicado nas seguintes palavras:
Pensando sobre o aumento da esquematicidade duas questões precisam ser
destacadas. Uma é que com o passar do tempo microconstruções podem tornar-se
mais esquemáticas ou abstratas, porquanto elas participam e tornam-se membros
‗melhores‘ de esquemas abstratos. A outra é que esquemas podem se expandir,
podendo vir a ter mais membros, [...]. (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.
116)37
36
―In some cases free form-meaning pairings combine in such a way that one member is assigned a more
abstract meaning when used in particular compounds. It is known then as an ‗affixoid‘.‖ (TRAUGOTT E
TROUSDALE, 2013, p. 154). [Tradução nossa] 37 ―In thinking about increase in schematicity two issues need to be kept apart. One is that over time micro-
constructions may become more schematic or abstract, as they participate in and become ‗better‘ members of
abstract schemas. The other is that schemas themselves may expand, i.e. may come to have more members‖.
(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 116). [Tradução nossa].
45
Contextualizando a citação, os exemplos (13) e (14) apresentam graus diferentes de
esquematicidade ou abstração. Essa diferença é visível, na medida em que olha e olhe lá se
afastam por diferenças morfossintáticas e discursivo-pragmáticas na rede linguística
funcional. Em um continuum concreto > abstrato, a microconstrução olha está mais próxima
de seu sentido-base lexical, enquanto a microconstrução olhe lá está mais afastada, apesar de
as duas construções desempenharem funções gramaticais. O resgate de sentido da
microconstrução olhe lá indexa um ganho de sentido contextual maior. O que a forma olhe lá
perde pela reconfiguração do sentido lexical ganha em sentidos que atuam no nível textual-
interativo por inferências extralinguísticas.
4.1.2.2 Produtividade
A produtividade de uma construção, ou de um padrão construcional, diz respeito à
possibilidade de variabilidade das formas de apresentação do padrão quanto à composição de
suas partes e subpartes e de como essa apresentação de formas pode ser representada em
níveis mais abstratos. Podemos exemplificar com as microconstruções individuais olha, olha
aqui e olha lá sancionadas por um type (conjunto de formas) mais geral - o olhar(x). Esse
type, ou tipo de construção, é mais geral porque abarca qualquer MD composto por base
verbal olhar, afixado de uma segunda subparte ou não.
Nesse movimento de alinhamento de construção, o padrão vai demonstrando sua
extensibilidade, seus membros mais ou menos prototípicos, como também sua capacidade de
abarcar novos membros. A duração ou não da constância de um padrão produtivo é
concernente à autorregulação de sua gradiência. Enquanto padrões mais produtivos podem se
reconfigurar, uma vez que estão em constante recrutamento pelos usuários da língua, outros
padrões podem manter-se mais estáveis e mais resistentes a reconfigurações, dentro do
modelo de rede.
Produtividade e esquematicidade interagem demonstrando qual a capacidade de
extensão que um padrão construcional produz. A extensibilidade do esquema é verificada na
medida em que suas formas se expandem, na medida em que types se mantêm no esquema e
mais types são agregados, evidenciando sua extensão. Himmelmann (2004) chama esse tipo
de expansão de host-class expansion. Traugott e Trousdale (2013) consideram expansão como
aumento de frequência de tipo de formas ou frequência type.
Sincronicamente, podemos verificar a ocorrência de expansão do padrão construcional
quando as construções do padrão se apresentam em graus diferentes de idiomaticidade e
46
relativa diferença do uso das formas em um continuum concreto > abstrato. Barðdal (2008)
postula que, embora a extensibilidade traga ao esquema uma inflação, a integração das
microconstruções, relativamente à base do padrão, é garantida desde o membro mais
prototípico ao menos prototípico.
A produtividade está intrinsecamente relacionada à questão da frequência. Em Bybee
(2003, p. 604; 2007, p. 338)38
, há uma proposta de que o conceito de frequência seja abordado
em dois tipos:
token frequency ou frequência de ocorrência - trata da quantidade de vezes que um
item, uma unidade, ―geralmente uma palavra ou morfema‖, aparece em um corpus
de investigação, oral ou escrito.
type frequency ou frequência de tipo (padrão) – trata da frequência de conjunto de
formas... ―Se refere à frequência, no dicionário, de um determinado padrão‖,
indica a quantidade de itens que possui uma determinada estrutura, designando se
será um esquema produtivo ou não.
O fator frequência é visto como um instrumento na aferição dos dados para testar a
produtividade dos fenômenos linguísticos. Em Bybee (2010), a autora argumenta que ―a
posição primordial do embasamento no uso é a hipótese de que as instâncias de uso impactam
a representação cognitiva da linguagem‖ (BYBEE, 2010, p. 14)39
. Furtado da Cunha (2014)
argumenta sobre a importância de utilizar a frequência como parâmetro de análise com as
palavras:
Utilizamos a frequência de uso para observar a tendência de manifestação das
construções no discurso por considerarmos a frequência uma ferramenta importante
para a compreensão da dimensão da experiência com a linguagem (FURTADO DA
CUNHA, 2014, p. 2).
A autora sintetiza o tema, referindo-se à frequência type, com as palavras: ―A
frequência de ocorrência de um dado formato serve para fixá-lo no repertório do falante e
torná-lo uma unidade de processamento‖ (FURTADO DA CUNHA, 2014, p.3). A aferição da
frequência dos tokens, os dados levantados no corpus, e a aferição da frequência das formas
38
―Token or text frequency is the frequency of occurrence of a unit, usually a word or morpheme, in running
text. [...]. Type frequency refers to the dictionary frequency of a particular pattern [...].‖(BYBEE, 2003, p. 604;
2007, p. 338). [Tradução nossa]. 39
―Central to the usage-based position is the hypothesis that instances of use impact the cognitive representation
of language.‖ (BYBEE, 2010, p. 14). [Tradução nossa].
47
de apresentação das construções, os types, refletem como o padrão construcional se expande.
Sendo assim, nosso objeto de estudo, a construção Vpv(x)md
, pode ser entendido em termos de
esquematicidade e produtividade.
4.1.2.3 Composicionalidade
Composicionalidade é tomada como um duplo viés. ―Composicionalidade diz
respeito à extensão da transparência dos links entre forma e sentido‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p. 19)40
. No fator de composicionalidade, considera-se o quanto de
compatibilidade e incompatibilidade se detecta entre o significado das partes e a correlação do
significado do todo semântico. Quando uma nova categoria é criada na língua ou um dos
polos da construção sofre mudança, os elementos da construção têm sua sintaxe reconfigurada
na captação da transparência de forma e sentido do constructo, da materialidade linguística da
construção.
Vamos exemplificar esse conceito com o exemplo (15) a seguir:
(15) L: Não. Basta o avião dar uma, aquele, aquele, aquela, aquela queda. Ah, muita gente
tem susto, né?
D: É.
L: A falta do, do, da estabilidade, né, a pessoa fica assustada. Mas eu não tenho receio
disso não. Não tenho mesmo não. Mas qual a razão deste, desta, dessa pergunta assim?
Há algum problema, né? Acho que não. Veja lá. Eu quando me proponho a fazer uma
coisa eu vou até o fim. Então o que acontece no caminho eu estou preparada, né, pra me
defender ou para aceitar.
D: Mas às vezes há acidente.
L: Ah, sim. Há, hum, há sim. Mas nunca aconteceu não. Graças a Deus, não.
(NURC/RJ, inq. 198, loc. 228, 1973)
No exemplo (15), o constructo veja lá se encontra isolado do seu entorno oracional
por dois pontos. Semanticamente, o MD veja lá não faz referência a um objeto a ser visto ou
especificado. Sintaticamente, o MD veja lá não participa da ordenação SVO. Há uma
entonação própria do material fonológico, reforçado pelo isolamento entre pontuação. A
forma de 3ª pessoa do singular, sem ancoragem de pronome, induz o ouvinte a resgatar o
modo verbal imperativo, entretanto podemos perceber uma reinterpretação da expressão de
ordem por um sentido contextual asseverativo. Por sua vez, o advérbio locativo ―lá‖ não
40
―Compositionality is concerned with the extent to wich the link between form and meaning is transparent.‖
(TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.19). [Tradução nossa].
48
carrega resgate espacial, seu sentido de ―dêitico espacial com função de localizar pontos no
espaço mais distantes do falante e do ouvinte‖ (MARTELOTTA, 1996, p. 240) ganha valor
textual-discursivo, pelo afastamento do seu valor lexical original.
O que permite ao ouvinte interpretar cada parte de um constructo, ou mesmo
interpretar parte-todo de uma construção, é o resgate de pistas sintático-semânticas na aferição
de sentidos. Quando forma-sentido da construção encontra-se consolidada no repertório dos
falantes e todos compartilham suas significações, traços da propriedade sintática permitem
selecionar o sentido que melhor satisfaça a troca comunicativa.
Com esses apontamentos, exemplificamos a tentativa do ouvinte no processamento
de alinhamento dos links entre forma-sentido da construção. Sendo assim, a
composicionalidade da construção diz respeito ao significado das partes e ao sentido do todo.
Construções com sentidos mais concretos, operacionalizados por fatores sintático-semânticos
compatíveis, são mais composicionais. Em contrapartida, construções com sentidos menos
concretos, operacionalizados por fatores sintático-semânticos menos compatíveis, são menos
composicionais.
Os autores argumentam que ―o significado da linguagem não é inteiramente
composicional, mas linguagem tem composicionalidade, de modo que a própria estrutura
composicional da sentença fornecerá pistas para o sentido do todo‖ (ARBIB, 2012, p. 475,
apud TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 19)41
.
Dessa maneira, no exemplo (15), no uso do MD veja lá, o ouvinte resgata as pistas
sintáticas para percorrer os caminhos da semântica e, consequentemente, estabelecer os links
da correspondência simbólica entre forma e sentido.
4.2 O PADRÃO CONSTRUCIONAL COMO MODELO DE REDE
Os níveis virtuais de esquematicidade, definidos com o apoio do levantamento da
produtividade das frequências token e type, contribuem para o entendimento do padrão
construcional como rede não linear. As construções não compõem um rol estático no
inventário da língua, mas compartilham traços de dimensões, fatores construcionais e
diferentes níveis do domínio linguístico entre si. Essa interligação do todo-língua é a ideia de
rede construcional, ou rede linguística.
41 ―Language meaning is not entirely compositional, but Language has compositionality in the sense that the
composicional structure of a sentence will often provide cues to the meaning of the whole.‖ (ARBIB, 2012,
p.475 apud TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.19). [Tradução nossa].
49
A rede linguística funcional é a organização do nosso conhecimento de língua. Croft
(2001) afirma que a rede linguística pode ser captada individualmente, embora, em uma
abordagem construcional, deva ser captada como representativa de um grupo de falantes. A
rede pode ser representada funcionalmente por papéis sintáticos, por papéis semânticos ou por
níveis de esquematicidade entre construções. Em todas as possibilidades de representação, o
que é importante na ideia de rede ―são os conceitos de nós e links entre nós, a ‗distância‘ entre
membros de uma família, agrupamentos de propriedades, graus de entrincheiramento e
acessibilidade de uma construção‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 9)42
.
Com o aumento ou a diminuição da produtividade, há a expansão da rede linguística
funcional. Novos membros podem se estabelecer, membros mais antigos podem permanecer
estáticos em seu pareamento ou, ainda, podem reconfigurar um de seus polos. Novos tipos de
rearranjos de slots podem se reconfigurar, um nó pode se remodelar para outro tipo de
conjunto de formas. É a frequência type da rede linguística funcional, produzindo novas
formas de slots, até mesmo o slot zero. As novas estruturas estão sempre emergindo do
discurso por pressões de uso, construcionalmente, captadas em gradiência.
Em uma abordagem construcional, a ideia de rede é multidimensional. Seus
componentes são interligados, o que podemos entender melhor com as palavras:
―Alguns nós na rede representam esquemas, outros subesquema, e outros
microconstruções. Portanto um nó tem conteúdo de forma e sentido [...] e links são
possíveis em múltiplas direções diferentes entre semântica, pragmática, função
discursiva, sintaxe, morfologia e fonologia de qualquer nó. Cada nó é ligado de
várias maneiras para outros nós em uma rede‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE,
2013, p. 51)43
.
Quando ocorre uma reconfiguração de um elemento da rede, total ou parcial, uma
parte maior da rede se reconfigura. Micromudanças estruturais nos links entre os nós da rede
linguística funcional são consideradas ‗gradualidades‘ por serem especificadamente discretas
e locais. Tais mudanças discretas e locais contribuem para a ‗gradiência‘ do sistema, a parte
maior que se reconfigura motivada pela gradualidade. Segundo os autores, essas pequenas e
42
―Crucial to the idea of a network are such concepts as nodes and the links between nodes, ‗distance‘ between
members of a family, clusterings of properties, degrees of entrenchment and accessibility of a construction.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 9). [Tradução nossa]. 43
―Some nodes in the network represent schemas, others subschemas, and others micro-constructional types
Therefore a node has form and meaning content (albeit of varying degrees of complexity and specificity—some
may be underspecified) and links are possible in multiple different directions between the semantics, pragmatics,
discourse function, syntax, morphology, and phonology of any node. Each node is linked in various ways to
other nodes in the network.‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p.51). [Tradução nossa].
50
discretas mudanças entre links dos nós são ―sincronicamente manifestadas em uma pequena
escala de variação e gradiência‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 75)44
.
Os links entre as construções são comportamentos relacionais entre construções por
generalizações taxonômicas. Segundo Goldberg (1995), há ―quatro tipos principais de links
por herança, descritos como: links por polissemia, links por extensão metafórica, links por
subparte e links por instanciação‖ (GOLDBERG, 1995, p. 75)45
. As relações dos links por
herança demonstram o material informacional compartilhado entre construções como graus de
gradualidade que se estabelecem como diferenças internas e motivam a gradiência da rede
linguística funcional.
Com base em Goldberg (1995), apresentamos um resumo dos conceitos de links por
herança a seguir:
Links por polissemia – ―capturam a natureza da relação semântica entre um sentido
particular de uma construção e qualquer extensão deste sentido‖ (GOLDBERG, 1995,
p. 75)46
em outra construção;
Links por extensão metafórica – ―quando duas construções se relacionam por um
mapeamento metafórico, um link de extensão metafórica ocorre entre eles‖
(GOLDBERG, 1995, p. 81)47
;
Links por subparte – ―ocorrem quando uma construção é uma subparte própria de
outra construção que existe independentemente‖ (GOLDBERG, 1995, p. 78)48
;
Links por instanciação – ―ocorrem quando uma determinada construção é um caso
especial de outra construção; isto é, um link por instanciação existe entre construções
se uma construção é uma versão mais especificadamente completa da outra‖
(GOLDBERG, 1995, p. 79)49
.
44 ―Synchronically it is manifest in small-scale variation and ‗gradience‘‖. (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013,
p.75). [Tradução nossa]. 45
―Four major types of inheritance links are distinguished: polysemy links, metaphorical extension links, subpart
links, and instance links‖. (GOLDBERG, 1995, p.75). [Tradução nossa]. 46 ―Polysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and
any extensions from this sense.‖ (GOLDBERG, 1995, p.75). [Tradução nossa] (Destaque da autora). 47 ―When two constructions are found to be related by a metaphorical mapping, a metaphorical extension link is
posited between them.‖ (GOLDBERG, 1995, p.81). [Tradução nossa]. (Destaque da autora). 48
―A subpart link is posited when one construction is a proper subpart of another construction and exists
independently.‖ (GOLDBERG, 1995, p.78). [Tradução nossa]. (Destaque da autora). 49 ―Instance links are posited when a particular construction is a special case of another construction; that is, an
instance link exists between constructions if one construction is a more fully specified version of the other.‖
(GOLDBERG, 1995, p.79). [Tradução nossa]. (Destaque da autora).
51
Postulamos que a captação dos links por herança auxiliam no entendimento da
composição de formas e da extensibilidade do padrão construcional, bem como na
compreensão das formas mais centrais na rede e da irradiação das características prototípicas
de seus membros mais afastados.
4.3 PRINCÍPIOS E CONCEITOS ANALÍTICOS
A partir da década de 1970, alguns estudos teóricos constituíram-se em ferramentas
teórico-metodológicas para os objetos de estudos da Linguística Funcional. Decidimos
resgatar algumas dessas ferramentas de análise como parâmetros de apoio para alcançar
nossos objetivos. Dentre elas, destacamos: o princípio da marcação, nos moldes de Givón
(1995); os princípios da organização linguística, de Goldberg (1995); e os princípios de
gramaticização, de Hopper (1991).
Em adição a essas ferramentas teórico-metodológicas, destacamos de interesse para
esta pesquisa: a subjetividade e a intersubjetividade, nos moldes de Dasher e Traugott (2005)
e Traugott (2010); a metáfora, de Dasher e Traugott (2005) e Ferrari (2014); e a
prototipicidade, de Neves (2013).
Em seguida, discorreremos brevemente sobre esse quadro teórico-metodológico de
apoio.
4.3.1 O princípio da marcação
Uma categoria, ou forma, ou construção, pelo princípio da marcação, pode ser
marcada ou não marcada. Segundo autores funcionalistas, o princípio da marcação é
―cognitivamente motivado, em termos do esforço associado às tarefas de codificação e
decodificação‖ (DUBOIS e VOTRE, 2012, p. 57). O princípio da marcação diz respeito ao
processamento cognitivo da língua. Segundo Givón (1995, p. 28)50
, três critérios, em
contraste binário gramatical, podem ser utilizados para distinguir uma categoria marcada de
uma categoria não marcada:
50
―Three main criteria can be used to distinguish the marked from the unmarked category in a binary
grammatical contrast:
(a) Structural complexity: The marked structure tends to be more complex (or larger) than the corresponding
unmarked one.
(b) Frequency distribution: The marked category (figure) tends to be less frequent, thus cognitively more salient,
than the corresponding unmarked category (ground).
(c ) Cognitive complexity: The marked category tends to be cognitively more complex – in terms of mental
effort, attention demands or processing time – then the unmarked one.‖ (GIVÓN, 1995, p. 28). [Tradução nossa].
52
(a) Complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa (ou
maior) que a forma correspondente não marcada;
(b) Distribuição de frequência: a categoria marcada (figura) tende a ser menos
frequente; em consequência, cognitivamente mais saliente que a categoria
correspondente não marcada (fundo);
(c) Complexidade cognitiva: a categoria marcada tende a ser cognitivamente mais
complexa – em termos de esforço mental, demanda atenção ou tempo de
processamento – que a categoria não marcada.
Para a descrição de marcado ou não marcado, os três critérios precisam ser aplicados
simultaneamente. Givón ressalva que ―uma mesma estrutura pode ser marcada em um
contexto e não marcada em outro‖ (GIVÓN, 1995, p. 27)51
. Dessa maneira, percebe-se como
o contexto pode contribuir para motivar o recrutamento de uma estrutura em termos de
complexidade estrutural e frequência.
No caso de duas construções se apresentarem sintaticamente equivalentes, Givón
(2012, p. 103) defende que ―a complexidade sintática pode ser considerada relativamente ao
padrão neutro‖. O autor argumenta que ―uma construção será considerada sintaticamente mais
complexa se ela se afasta da rotina da estratégia de processamento de fala estabelecida pela
norma: ou seja, o padrão neutro‖ (GIVÓN, 2012, p. 103). Essa complexidade de
processamento de fala sobressai da relação entre ―expectativa de fundo‖ e ―expectativa de
figura‖ (GIVÓN, 2012, p. 104).
Para ilustrar o padrão neutro de fala na aplicação do princípio de marcação, vejamos
três contextos de uso em que as formas se apresentam no mesmo nível sintático:
(16) F: É estudam junto, é tudo junto, aí né tudo homem. Aí eu digo ―puxa a Luana tem
muito amigo homem.‖ Aí ela diz: ― Pai eu tenho muito segurança.‖ Mas é legal.
E: É, tá certo. E... você acha que... O que você acha deles? Você acha que eles são
pessoas assim...
F: Olha, eu confio em todos eles, eu... eu costumo assim analisar bem a pessoa quando
(conheço) observo, estou atento a tudo, nos mínimos detalhes, se a pessoa tive assim com
um dedinho de fora, eu vou olha aquele dedinho, tá entendendo? (PEUL/RJ, séc. XX,
falante 9, 1999)
(17) JC - O senhor pretende seguir a mesma linha de Roberto Rêgo e tocar os projetos que
ficaram pendentes? Lima - Sem dúvida. O trabalho de Roberto é um trabalho do governo
e se eu fui convidado pelo governo é para continuar sua eficiente administração. JC - A
equipe também continua a mesma? Lima - Olhe, a cabeça de Roberto Rêgo é uma e a de
51 ―The very same structure may be marked in one context and unmarked in another.‖ (GIVÓN, 1995, p. 27).
[Tradução nossa].
53
Pereira Lima é outra. Naturalmente, eu não poderia dizer que vou copiar sua
administração. Eu vou dar ao Detran o meu estilo de administração. (C P, séc. XX, oral,
Br, Lima, 1997)
(18) A sua fisionomia tinha um ar de estampa, sorridente, mas orgulhosa. Perguntei certo dia: -
Misael, quem é aquele doente? - É um português que foi barbeiro. Os fregueses
chamavam-no de Francisco I, imperador da Áustria. Ele se parece, convenceu-se e acabou
aqui. Há dias, quando embarcaram uma turma para a colônia, ele foi até ao grupo e
recomendou: "Olhem, vocês vão para lá. Se forem maltratados, queixem-se a mim, que
sou seu imperador ". Que relação teria a sua loucura com a sua fortuita semelhança com o
imperador da Áustria? É possível que ela tivesse alguma intervenção? Parecia pueril uma
tal questão, mas eu a pus sempre, de mim para mim, essa pergunta do poder de auto-
sugestão na loucura e também da imitação. (CP, séc. XX, Fic, Br, L. Barreto, Cemitério
dos vivos, 1920)
Assumimos o princípio da marcação como princípio de análise, sob a argumentação de
condicionar o critério da complexidade estrutural à visão de afastamento do ―padrão neutro da
fala‖. Nos exemplos (16), (17) e (18), as três formas olha, olhe e olhem estão
convencionalizadas como MD, aparentemente em mesmo nível de complexidade sintática.
Aplicando a regra de padrão neutro, podemos diferenciá-las sintaticamente. Sendo assim, em
comparação binária entre olha e olhem, temos a primeira forma do par contrastivo como não
marcada e a segunda forma como marcada, visto que olha é a forma mais usual na rotina de
fala. Em continuação a nossa proposta, em comparação binária entre olhe e olhem, temos a
primeira forma do par como não marcada e a segunda como marcada, visto que olhe é a forma
mais usual na rotina de fala.
O princípio da marcação (GIVÓN, 1995; 2012) fornece embasamento para
defendermos que olha, olhe e olhem são microconstruções com especificações distintas e
diferentes motivações cognitivas. Pretendemos, com esta estratégia, reiterar que as
microconstruções apresentadas são tipos individuais de construções.
O que nos interessa na teoria do princípio de marcação é a utilização para
distinguirmos subesquemas de padrões construcionais dentro da rede linguística funcional da
macroconstrução Vpv(x)md
. Nossa intenção é entender em que direção (sub)padrões mais
complexos e (sub)padrões menos complexos se formam. Essa complexidade é entendida
como gradiência entre estrutura, frequência e cognição. Dessa maneira, procuramos atender
ao nosso objetivo geral de levantar e descrever o padrão construcional dos MDs de base
verbal perceptivo-visual. Esse ponto será retomado no Capítulo 6, de análise de dados.
54
4.3.2 Os princípios da organização linguística
Uma das propostas de Goldberg (1995) é estabelecer princípios que visem nortear a
diferenciação de significados entre as construções, porquanto na abordagem construcional as
construções se relacionam por links, não por um compartilhamento de significados
dicionarizados. Com o intuito de reforçar que construções são unidades básicas e unitárias do
sistema linguístico, Goldberg (1995, p. 67-68)52
formula princípios de organização da língua
baseados em diferenças de apresentação da forma gramatical. Com as palavras da autora
passamos a relatá-los:
I- O Princípio da Motivação Maximizada: Se uma construção A está relacionada a
construção B sintaticamente, então o sistema da construção A é motivado ao grau
que é relacionado à construção B semanticamente [...]. Tal motivação é maximizada.
II- O Princípio da Não Sinonímia: Se duas construções são sintaticamente distintas,
elas devem ser semanticamente ou pragmaticamente distintas.
Corolário A: Se duas construções são sintaticamente distintas e S(emanticamente)
sinônimas, então elas devem ser P(ragmaticamente) sinônimas.
Corolário B: Se duas construções são sintaticamente distintas e P-sinôminas, então
devem ser S-sinônimas.
III- O Princípio da Força Expressiva Maximizada: O inventário de construções é
maximizado para propósitos comunicativos.
IV- O Princípio da Economia Maximizada: O número de construções distintas é
maximizado tanto quanto seja possível, de acordo com o Princípio III.
A relação da distinção morfossintática correlacionada às distinções no campo da
semântica e da pragmática embasa nossa pesquisa para o questionamento da coexistência de
52
―I. The Principle of Maximized Motivation: If construction A is related to construction B syntactically, then
the system of construction A is motivated to the degree that it is related to construction B semantically [...]. Such
motivation is maximized.‖
―II. The Principle of No Synonymy: If two constructions are syntactically distinct, they must be semantically or
pragmatically distinct.‖
―Corollary A: If two constructions are syntactically distinct and S(emantically)-synonymous, then they must not
be P(ragmatically)-synonymous.‖
―Corollary B: If two constructions are syntactically distinct and P-synonymous, then they must not be S-
synonymous.‖
―lII. The Principle of Maximized Expressive Power: The inventory of constructions is maximized for
communicative purposes.‖
―IV. The Principle of Maximized Economy: The number of distinct constructions is maximized as much as
possible, given Principle III.‖ (Goldberg, 1995, p.67-68). [Tradução nossa].
55
formas aparentemente similares de apresentação dos MDs, como é o caso das formas olha lá e
olhe lá.
Abaixo, as formas destacadas exemplificam distinções pragmáticas que justificam
diferenças semânticas. Vejamos:
(19) Ficou um instante parado a contemplar o dinheiro que reservara, mas teve um movimento
de bondade: tomou uma nota de cinqüenta e deu-a à velha. - Isto é para a senhora. Ela
abriu muito os olhos, espantada. - Onde arranjaste? Foi o Fábio? - O Fábio...! - Riu
escarninho. - Que idéia! Recebi no jornal, - explicou, numa inspiração instantânea. - Mas
tu podes precisar, meu filho. - Fico com o bastante, descanse. - Olha lá! - Ora, mamãe, eu
faço cerimônias com a senhora? - Está bom, obrigada. E que Deus te proteja. - Amém!
Deitado, d' olhos fechados e amolecidos de fadiga, Paulo não pôde conciliar o sono,
recordando todas as peripécias do jogo. (CP, séc. XX, Fic., Br., Coelho Neto, O
Turbilhão, 1906)
(20) Parecia que aquilo do outro dia nem tinha acontecido, notou Rita aliviada de seus receios,
indo logo providenciar o quarto do oitão para o moço se abuletar. Depois trouxe uma
bandeja de chá de cidreira e distribuiu na sala, visto ser tão adiantada a hora e não ter
precisão de um café. O homem deu boa-noite para ir dormir, já olhando para Rita com o
olhar de tarado, coisa que fez o Coronel recomendar bem alto: - Olhe lá, Amaury. Só
num perdôo desrespeito nessa casa - e completando com o olhar as palavras, olhou Rita
com jeito de macho. Tava dito tudo. O capanga passou oito dias lá que nem piava. Só
passeava e pensava. Vinha alegre na hora de comer. Estava com um ferimento de faca
muito feio no braço e Rita, em nome da caridade cristã, tratou o talhe com ervas, botando
o homem quase bom. (CP, séc.XX, Fic, Br, Joyce Cavalcante, Inimigas Íntimas, 1993)
Os constructos destacados nos exemplos (19) e (20), aparentemente, são MDs
intercambiáveis, visto que os dois MDs, em seus contextos de uso, cumprem função de
regular a interação entre os interlocutores. As duas construções, olha lá, em (19), e olhe lá,
em (20), estão conduzindo a interação para um aconselhamento do ouvinte. Entretanto,
pragmaticamente, as duas ocorrências mostram-se com objetivos comunicativos distintos.
No exemplo (19), o entorno contextual onde o MD olha lá está inserido carrega
sentido de repreensão. A negociação de sentido, feita pela mãe, tem intenção de incitar o
ouvinte (filho) para que ele volte atrás em sua atitude (receba o dinheiro de volta). A
sequência ―tu podes precisar‖ traz ao contexto inferências de uma suposta necessidade do
dinheiro. Logo após, o uso do MD olha lá reforça essa projeção da atenção do ouvinte para
essa tal situação hipotética no futuro.
56
No exemplo (20), o contexto onde o MD olhe lá está inserido igualmente carrega
sentido repreensivo. O sentido negociado tem como objetivo comunicativo incitar o ouvinte
para que ele tome cuidado com o que pensa em fazer. O uso de olhe lá também projeta a
atenção do ouvinte para uma situação hipotética no tempo futuro.
O que difere nos dois contextos, (19) e (20), em semântica é um grau maior de
asseveridade presente no contexto (20). A diferença crucial, na demonstração de que não são
construções sinônimas, é a pragmática. Estruturalmente, o exemplo (19), com a forma olha lá,
em 2ª pessoa do singular, denota mais proximidade entre os interlocutores. Essa proximidade
indica um maior controle pelo falante do grau de asseveração na negociação de significados.
O ouvinte tratado, na interação, como ―tu‖ demanda menor grau de asseveração. No exemplo
(20), a forma olhe lá, em 3ª pessoa do singular, denota menos proximidade entre os
interlocutores. Esse distanciamento imposto pelo falante, ao tratar o ouvinte como ―você‖,
indica maior necessidade em construir sentidos que geram maior grau de asseveração. Assim,
as diferenças morfossintáticas implicam diferenças pragmáticas. Dessa maneira, a diferença,
na demonstração de que não são construções sinônimas, é todo o caminho percorrido na
construção do sentido via sintático-semântico para cumprir a intenção pragmática.
Com base em Goldberg (1995), podemos ponderar que as duas formas, olha lá e olhe
lá, coexistem pelo Princípio da Força Expressiva Maximizada, ou melhor, a língua cria
formas não porque são parecidas, mas para cumprirem objetivos comunicativos cada vez mais
especializados semântica e pragmaticamente.
4.3.3 Os princípios de gramaticização
Os princípios de gramaticização estabelecidos por Hopper (1991) tratam das etapas
iniciais da mudança linguísticas. Por essa razão, são tratados, em alguns trabalhos, como
princípios de semanticização. Nossa pesquisa não trata do fenômeno da mudança linguística;
entretanto, estamos cientes de que a diacronia é composta por uma sucessão de sincronias e,
dessa forma, podemos pensar em uma sincronia que contribua para o entendimento da língua
como um objeto dinâmico - um objeto sincrônico, mas não estático, antes em constante
emergência de recrutamento de formas e estabelecimento de convencionalização por rotinas
cognitivas.
Os princípios de gramaticização estabelecidos por Hopper (1991, p. 22) são:
57
(1) Estratificação ou Camadas. Dentro de um domínio funcional amplo, novas
camadas estão continuamente emergindo. Enquanto isto acontece, camadas mais
antigas não são necessariamente descartadas, mas podem permanecer passando a
coexistir e interagir com as camadas mais novas.
(2) Divergência. Quando uma forma lexical sofre gramaticalização passando para
um clítico ou afixo, a forma lexical original pode permanecer como um elemento
autônomo e sofrer as mesmas mudanças como itens lexicais originais.
(3) Especialização. Dentro de um domínio funcional, em um determinado estágio
uma variedade de formas com diferentes nuances semânticas podem ser possíveis;
quando gramaticização ocorre, esta variedade se estreita e um número menor de
formas selecionadas assumem significados gramaticais mais gerais.
(4) Persistência. Quando uma forma sofre gramaticização de uma função lexical
para gramatical, contanto que seja gramaticalmente viável, alguns traços do seu
sentido lexical original tendem a aderir a ela, e detalhes de sua história lexical
podem ser refletidos em restrições em sua distribuição gramatical.
(5) Descategorização. Formas submetidas à gramaticização tendem a perder ou
neutralizar os marcadores morfológicos e privilegiar características sintáticas de
categorias preenchidas Nomes e Verbos, e assumir atributos de categorias
secundárias tais como Adjetivos, Particípio, Preposição, etc.53
Hopper (1991) não institui os princípios de gramaticização como um processo
acabado, entretanto, trata do seu início, sem estabelecer entre os princípios um ponto de
partida, mas deixa claro que as formas estão em constante mudança. Em certa medida, a
captação e apontamento dos princípios de gramaticização favorecem uma análise sincrônica,
porquanto a gradiência pode ser refletida no entendimento do tratamento do cline lexical >
gramatical que os princípios proporcionam. Na presente pesquisa, na seção de análises, nos
apropriamos de dois conceitos de Hopper (1991): o princípio da estratificação ou camadas e o
princípio da persistência.
53
(1) Layering. withim a broad functional domain, new layers are continually emerging. As this happens, the
older layers are not necessarily discarded, but may remain to coexist with and interact with the newer layers.
(2) Divergence. When a lexical form undergoes grammaticization to a clitic or affix, the original lexical form
may remain as an autonomous element and undergo the same changes as ordinary lexical items.
(3) Specialization. Within a functional domain, at one stage a variety of forms with diferent semantic nuances
may be possible; as grammaticization takes place, this variety of formal choices narows and the smaller number
of forms selected assume more general grammatical meaning. (Tradução nossa)
(4) Persistence. When a form undergoes grammaticization from a lexical to a grammatical function, so long as it
is grammatically viable some traces of its original lexical meaning tend to adhere to it, and details of its lexical
history may be reflected in constraints on its grammatical distribution.‖
(5) De-categorialization. Forms undergoing grammaticization tend to lose or neutralize the morfhological
markers and Syntactic privileges characteristic of secondary categories such as Adjective, Participle, Preposition,
etc. (HOPPER, 1991, p. 22). [Tradução nossa]
58
4.3.4 Subjetividade e intersubjetividade
Há, na relação entre falante e ouvinte, uma constante interpelação por interatividade.
Um falante requer do ouvinte habilidades cognitivas, envolvendo capacidades de
armazenamento, decodificação e reinterpretação. Em contrapartida, o falante, ao se expressar,
declara ao ouvinte que sua expressão da língua é a mais codificável possível. É um contrato
consciente de comunicação entre as partes. Dois dos principais mecanismos sincrônicos que
marcam o grau de interação entre falante e ouvinte são as estratégias de subjetividade e de
intersubjetividade (conf. DASHER e TRAUGOTT, 2005, p. 22).
Dasher e Traugott (2005), em Regularity in Semantic Change, conceituam que
subjetividade, no uso linguístico, ―envolve a expressão de si e a representação da perspectiva
do falante ou seu ponto de vista no discurso‖ (DASHER e TRAUGOTT, 2005, p. 20, apud
FINEGAN, 1995, p.1)54
. Desse modo, a subjetividade é uma perspectiva pessoal do
posicionamento do falante diante do ouvinte e diante do seu próprio discurso.
Os autores definem intersubjetividade ―como uma expressão explícita e codificada da
atenção do falante para a imagem ou autoimagem do destinatário/ouvinte‖ (DASHER e
TRAUGOTT, 2005, p.22)55
. Ferrari, comentando a obra, cita que ―a intersubjetividade
envolveria crucialmente a atenção dispensada pelo falante ao ouvinte, enquanto participante
do evento de fala‖ (FERRARI, 2014, p. 74, apud TRAUGOTT e DASHER, 2005, p. 22).
Traugott (2010), em Revisiting Subjectification and Intersubjectification, faz distinção
entre subjetivização e intersubjetivização como processos diacrônicos, e entre subjetividade e
intersubjetividade como estados sincrônicos de língua. Ao postular que os processos de
subjetificação e intersubjetificação estão em um continuum envolvendo mudança semântica, a
autora repensa o significado do termo interpessoal de Halliday e Hasan (1976) - o que resulta
na divisão de duas funções: uma subjetiva, orientada para o falante, e outra intersubjetiva,
voltada do falante para o destinatário. Na sincronia da língua, as duas funções interpessoais
―são as primeiras expressões do significado semântico ou pragmático com as quais indexam a
54
―In language use subjectivity ―involves the expression. Of self and the representation of a
speaker‘s...perspective or point of view in discourse – what has been called a speaker‘s imprint.‖ (DASHER e
TRAUGOTT, 2005, p. 20, apud FINEGAN, 1995, p. 1). [Tradução nossa]. 55
―[...] as the explicit, coded expression. Of SP/W‘s attention to the image or ‗self‘ of AD/R [...].‖ (DASHER e
TRAUGOTT, 2005, p. 22). [Tradução nossa].
59
atitude ou ponto de vista do falante (subjetividade) e a atenção do falante dispensada à
autoimagem do destinatário (intersubjetividade)‖ (TRAUGOTT, 2010, p. 2)56
.
Na expressão linguística, essas estratégias de subjetividade e intersubjetividade são
realizadas através das inferências sugeridas. Inferência sugerida é ―um tipo de sentido
derivado a partir de combinações semânticas oriundas do contexto pragmático-discursivo
específico‖ (SILVA, 2015, p. 50). Os significados construídos no nível discursivo-pragmático
são motivados pela atitude do falante no discurso em relação aos outros participantes,
marcando nivelamento entre o conteúdo textual, o direcionamento discursivo da informação e
a intenção comunicativa, como é o caso dos marcadores discursivos. Como partimos da
premissa de que comunicação é sempre expressão de subjetividade e intersubjetividade,
dependendo dos sentidos negociados em contexto, podemos ter marcadores com propósitos
mais ou menos subjetivos para intersubjetivos.
4.3.5 Metáfora e metonímia
O cerne da inferência sugerida não está nas implicaturas inferidas pelo falante, mas
nas inferências que o ouvinte lhe atribui. A ação de replicar algo já decodificado contribui
mais para a convencionalização daquele significado do que a inovação do ato linguístico.
Dessa maneira, significados podem ser inferidos e pareamentos podem ter suas propriedades
realinhadas. Subjetividade e intersubjetividade dizem respeito ao nível pragmático-discursivo
da organização de inferências de significados. No nível cognitivo, essa organização de
inferências de significados diz respeito à metáfora e à metonímia.
Metáfora é ―essencialmente um mecanismo que envolve a conceptualização de um
domínio de experiência em termos de outro‖ (FERRARI, 2014, p. 92). Metonímia é ―o
deslocamento de significado, no qual uma palavra normalmente utilizada para designar
determinada entidade passa a determinar uma entidade contígua‖ (FERRARI, 2014, p. 102).
Enquanto significados metafóricos se relacionam em diferentes domínios, os significados
metonímicos se projetam no mesmo domínio-fonte.
No tratamento de nosso objeto de pesquisa, a construção Vpv(x)md
, quanto à questão da
metáfora, nos interessa traçar relações entre entidades significativas de domínio concreto e
entidades significativas de domínio abstrato, principalmente decorrentes de implicaturas
56
―This expressions of subjectivity and intersubjectivity are expressions the prime semantic or pragmatic
meaning of wich is to index speaker atitude or viewpoint (subjectivity) and speaker‘s attention to addressee self-
image (intersubjectivity).‖ (TRAUGOTT, 2010, p. 2). [Tradução nossa].
60
sugeridas e motivadas pelos verbos perceptivo-visuais acompanhados por dêiticos espaciais,
com especializações funcionais de locativos e focalizadores.
Quanto à questão da metonímia, nosso interesse é descrever a operacionalidade das
entidades significativas de domínio abstrato, em nível construcional, no que diz respeito à
significação parte-todo da construção. O que demonstramos nas sugestões de pareamentos ao
final de cada microconstrução levantada. Nossas análises visam à funcionalidade dos dados
levantados em contexto de uso, com apoio nas palavras de Dasher e Traugott (2005, p. 79):
Esforços são feitos para estabelecer diferenças funcionais entre metáfora e
metonímia/associação. Desta perspectiva, metáfora envolve similaridade, mapeamento
de um domínio para outro, no que é essencialmente um modo conceptual de analogia,
escolha paradigmática e iconicidade. Em contraste, metonímia envolve contiguidade,
relações sintagmáticas e indexicalidade, e transferência dentro do mesmo domínio57
.
Estudos sobre metáforas motivadas por experiências corporificadas mostram que
verbos de percepção visual metaforizam-se em verbos de compreensão. Desse modo, Dasher
e Traugott (2005, p. 77), apoiados em Sweetser (1990), descrevem o cline ―percepção visual >
percepção mental‖ como a passagem do domínio perceptivo-sensorial para o domínio
psíquico-mental. O primeiro é tomado como concreto, visto que reflete uma ação de
experienciação humana com o mundo externo. O segundo é tomado como abstrato, porquanto
é um resultado de conceptualização.
Com esse embasamento podemos identificar que os marcadores discursivos de base
verbal perceptivo-visual ganham sentidos mais abstratos ao assumirem a nossa classe
gramatical. Os sentidos são reconfigurados. Como explica Votre (2004, p.41):
[...] ver deixou de ser apenas um veículo de percepção corporal e passou a concorrer
com processo de percepção mental, significando aproximadamente: ―notar‖.
―perceber com a mente‖, ―ter visão‖, ―compreender‖, [...].
Alegamos que esta rota de metaforização continua com a passagem para a nova classe.
57
―Attempts were made to establish functional diferences between metaphor and metonymy/association. From
this perspective, metaphor involves similarity, mapping of one domain onto another, in what is essentially a
conceptual mode of analogy, paradigmatic choice, and iconicity. By contrast, metonymy involves contiguity,
syntagmatic relations, and indexicality, and shifts within the same domain [...]‖ (DASHER e TRAUGOTT,
2005, p. 79). [Tradução nossa].
61
4.3.6 Prototipicidade
A prototipicidade e a noção de protótipo permitem uma análise gradual e gradiente dos
dados linguísticos, porquanto não encerra em um único representante toda a carga conceitual
de representação. Neves (2013) considera o membro prototípico aquele que ―ostenta o maior
número de propriedades que bem caracterizam uma categoria, o protótipo determina a
classificação dos demais membros dessa categoria‖ (NEVES, 2013, p.22). A prototipicidade
atua como um efeito tendencioso do processo de domínio geral da categorização. Segundo
Bybee (2010), categorização ―é a similaridade ou compatibilidade de identidade que ocorre
quando palavras e sintagmas, bem como suas partes constituintes, são reconhecidos e
associados a representações estocadas‖ (BYBEE, 2010, p.7)58
.
Para haver prototipicidade é preciso um feixe (grupo) combinatório de características
de uma categoria. Isso significa que a categorização não é uma ação cognitiva de uma única e
determinada atribuição. Em nossa abordagem construcional, a prototipicidade é útil para
justificar a manutenção das características dos membros mais representativos e para descrever
outros membros mais afastados do núcleo central da rede. ―O protótipo pode ser
caracterizado, grosso modo, como o exemplar-padrão de uma categoria‖ (BATORÉO, 2000,
p.136).
58 ―By categorization I mean the similarity or identify matching that occurs when words and phrases and their
component parts are recognized and matched to stored representations.‖ (BYBEE, 2010, p. 7). [Tradução nossa].
62
5. METODOLOGIA
Nossa proposta metodológica requer a utilização de estratégias de análise e tratamento
de dados nos moldes da Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU). Essa proposta de
análise segue a tendência de alinhar levantamentos quantitativos com embasamentos
qualitativos, utilizando dados os mais próximos possíveis da língua em uso. Justificamos a
metodologia escolhida considerando ―haver uma relação estreita entre a estrutura das línguas
e o uso que os falantes fazem delas nos contextos reais de comunicação‖ (MARTELOTTA,
2011, p. 55-56).
Optamos por trabalhar com os dois verbos perceptivo-visuais olhar e ver, devido à
possibilidade de comparação da atuação e recrutamento das formas hierarquizadas no
enquadre do padrão construcional, visto que postulamos serem tais formas organizadas,
primeiramente, por motivação do uso linguístico.
Para apresentar a metodologia empregada, dividimos este capítulo em duas seções. Na
seção 5.1, discorremos sobre a constituição e caracterização dos corpora que formam o
corpus. Na seção 5.2, descrevemos os procedimentos adotados na análise e justificamos
alguns procedimentos metodológicos empregados.
5.1 A CONSTITUIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS CORPORA
Devido ao caráter sincrônico desta pesquisa, selecionamos como fonte para o nosso
objeto de estudo o português brasileiro do século XX, compreendendo os anos de 1901 a
2001. Embora alguns dos corpora selecionados registrem o local de origem da ocorrência,
não consideramos de importância o número de ocorrências por localidade ou estados
brasileiros. Nosso corpus geral59
é formado por dados extraídos de quatro fontes, as quais
passamos a descrever:
1- Corpus Discurso & Gramática (D&G) - Este corpus constitui-se de amostras da
língua falada e escrita em formato de entrevista com um entrevistador e um informante. O
corpus D&G consiste em depoimentos de vinte informantes da cidade de Juiz de Fora, vinte
59
Os corpora podem ser acessados pelos links:
Corpus D&G http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/corpus.html;
Corpus NURC-RJ http://www.letras.ufrj.br/nurc.rj/corpora/mapa.html;
C P http://www.corpusdoportugues.org/x.asp;
PEUL/RJ http://www.letras.ufrj.br/peul/amostras%201html.
63
informantes da cidade de Rio Grande, vinte da cidade de Natal, dezoito da cidade de Niterói e
93 informantes da cidade do Rio de Janeiro, totalizando 171 informantes de diversas faixas
etárias e escolaridades. Os textos, produzidos pelos informantes são divididos em subgêneros:
narrativa de experiência pessoal (NEP); narrativa recontada (NR); descrição de local (DL);
relato de procedimento (RP); e relato de opinião (RO). Os mesmos textos produzidos pelas
entrevistas orais são reproduzidos pelos informantes em modalidade de língua escrita. O
Corpus D&G foi coletado e organizado entre os anos de 1991 e 1993.
Segue, abaixo, tabela com distribuição do número aproximado de palavras por cidades
e número de informantes.
Tabela 01: Distribuição do número de palavras do Corpus D&G.
Para a constituição do corpus deste trabalho, foram levantados dados em todo o
arquivo do Corpus D&G. A soma de todas as amostras totaliza um número aproximado de
448. 93060
palavras.
2- Projeto Norma Linguística Urbana Culta/Rio de Janeiro (NURC-RJ) - Constitui-se
de cenas discursivas relatadas, descritas como: elocução formal (EF), composta por aulas e
conferências; diálogo entre informante e documentador (DID), composto por entrevistas;
diálogo entre dois locutores (D2), composto por diálogos informais. As elocuções formais
compõem-se de seis inquéritos. Os diálogos entre informante e documentador compõem-se de
197 entrevistas subdivididas em: 160 DID; 22 DID comparativos da década de 70-90; e 15
60 Contagem feita pela autora com recurso do Word 2010.
Cidades
Número de
informantes
Número de
palavras
Natal 20 181.780
Rio Grande 20 31.410
Juiz de Fora 20 53.280
Rio de janeiro 93 144.660
Niterói 18 37.800
Total
171
448.930
64
DID de amostras complementares. Os diálogos entre dois informantes (D2) compõem-se de
sete diálogos informais. O corpus NURC-RJ foi coletado entre os anos de 1972 e 1996.
Segue, abaixo, tabela com número aproximado de palavras por distribuição de
inquéritos, informantes e tipos de agrupamento.
Tabela 02: Distribuição do número de palavras do Corpus NURC-RJ.
Agrupamento Número de
inquérito
Número de
informante
Número de
palavras
EF 6 6 32.200
DID 160 160 1.084.200
D2 7 14 98.400
Década de 70 11 11 81.800
Década de 90 11 11 51.800
Amostra compl. 15 15 67.500
Total 210 217 1.415.900
A soma de todas as amostras levantadas para esta pesquisa totaliza um número
aproximado de 1.415.90061
palavras. Para a constituição do corpus, foram levantados dados
de todas as 210 amostras de inquéritos.
3- Corpus do Português (CP) - Consiste em uma coletânea de 57.000 textos,
compondo um total de mais de 45.000.000 de palavras. Esses textos estão organizados por
século (XIII – XX), por gênero (oral, ficção, noticiário e acadêmico) e por dialeto (português
europeu e português brasileiro). Levantamos apenas dados relativos ao século XX do
português brasileiro (Br). Utilizamos os gêneros: oral, noticiário e ficção. A inclusão do
gênero ficção deve-se ao critério de que as cenas discursivas retratadas aproximam-se de uma
representação, razoável, da língua falada. No CP, os arquivos referentes ao século XX do
português brasileiro são extraídos de literaturas, jornais e revistas, do tipo impresso e/ou on-
line. A quantidade de palavras levantadas totaliza 7.454.22062
palavras.
Segue-se tabela com distribuição de número de palavras por gênero, século e país.
61
Contagem feita pela autora com recurso do Word 2010. 62
Contagem de palavras fornecido pelo próprio site.
65
Tabela 03: Distribuição do número de palavras do Corpus do Português.
País
Gênero
Século
Número
de palavras
Brasil Oral XX 1.078.586
Brasil Ficção XX 3.028.646
Brasil Noticiário XX 3.346.988
Total 7.454.220
4- Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL/RJ) - O site do corpus PEUL
possui banco de dados representativo da modalidade da língua falada e da modalidade da
língua escrita da Cidade do Rio de Janeiro. A modalidade falada divide-se em seis
agrupamentos de amostras: Censo 1980, composto por 64 entrevistas entre falante e
entrevistador; Amostra de indivíduos recontactados/2000, composto por 16 entrevistas; Censo
2000, composto por 32 entrevistas; Amostra de fala infantil, composta por 32 entrevistas;
Amostra interacional, composta por 22 gravações de situações de fala real; e Amostra do
Mobral, composta por 59 entrevistas de 12 informantes. A modalidade escrita é constituída
por arquivos de diferentes gêneros discursivos da mídia jornalística, recolhidos entre os anos
de 2000 e 2004. A soma de todas as 109 amostras do Corpus PEUL totaliza um número
aproximado de 1.140.70063
palavras.
Segue, abaixo, tabela com distribuição do número de palavras por agrupamento de
amostras e quantitativo de entrevistas.
Tabela 04: Distribuição de número de palavras do Corpus PEUL/RJ.
Amostra
Número
de entrevistas
Número
de palavras
Censo 1980 62 678.800
Recontacto/2000 15 156.700
Censo 2000 32 305.200
Total 109
1.140.700
63 Contagem feita pela autora com o recurso do Word 2010.
66
Para este trabalho, utilizamos apenas as três primeiras amostras da modalidade falada,
isto é, do Censo 1980, da Amostra de indivíduos recontactados/2000 e do Censo 200064
.
Nosso corpus, constituído dos quatro corpora D&G, NURC-RJ, CP e PEUL/RJ,
abrange um total de 10.459.750 (dez milhões quatrocentos e cinquenta e nove mil, setecentos
e cinquenta) palavras. Na tabela abaixo, podemos comparar o número de palavras pelos
corpora das fontes extraídas.
Tabela 05: Distribuição do número de palavras por corpora fontes.
Corpus fonte
Número de palavras
D&G 448.930
NURC-RJ 1.415.900
CP 7.454.220
PEUL 1.140.700
Total 10.459.750
Na tabela 05, podemos observar que não há uma uniformidade quanto ao total do
número de palavras de cada corpus fonte. Não tomamos como critério metodológico o
uniformitarismo do número de palavras por fonte. Nossa intenção é ampliar a detecção de um
maior número possível de exemplares de MDs para captar um número maior de
microconstruções individuais da macroconstrução Vpv(x)md.
5.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Na busca por alcançar nosso objetivo geral de identificar, levantar e descrever o
padrão construcional dos MDs de base verbal perceptivo-visual, Vpv(x)md
, adotamos
estratégias de metodologia de captação de corpus, levantamento e escolha da base teórica,
seleção de dados, análises de dados, bem como estratégias de demonstração de resultados
parciais e finais. Esses procedimentos estão, resumidamente, expostos a seguir.
64 As amostras de números 13 e 63, do agrupamento Censo 1980, não abriram, impossibilitando o acesso. No
agrupamento Amostra indivíduos recontactados/2000, a amostra de número dois não abriu, impossibilitando o
acesso.
67
A captação de corpus segue dois critérios: o primeiro, com base na LFCU, visa a
transparência de contextos de uso que retratem o mais próximo possível a língua falada; o
segundo é o da sincronia, representativa do português brasileiro do século XX. Sendo assim,
buscamos corpora do período de 1901 a 2000, compostos de depoimentos, aulas expositivas,
entrevistas, trechos de ficção (retratando diálogos), trechos jornalísticos com relatos orais.
A escolha dos critérios para a seleção de dados, primeiramente, segue um
procedimento teórico-conceitual. Após levantarmos a conceituação de MD, estabelecemos,
com auxílio da literatura sobre o tema, as características apontadas e justificadas para os MDs
de base verbal perceptivo-visual. Como descritas no capítulo 1, essas características são:
(a) autonomia sintática;
(b) orientação da interação;
(c) relevo fonológico.
O segundo procedimento, na seleção de dados, é o descarte de dados dos verbos ver e
olhar como verbos plenos ou auxiliares. Captamos apenas os usos em que as formas coletadas
satisfazem o conceito de MD e se encaixam nas três características já citadas. Dessa forma, os
usos estão em contexto de isolamento65
.
O último procedimento, no levantamento dos dados, é o descarte de formas que,
mesmo preenchendo os requisitos característicos dos MDs, podem criar ambiguidade
sintático-semântica. Algumas das formas descartadas são: mas olha, porque olha, mas olhe
aqui, agora vê, ora veja, ora vejam, vejam só... no que deu, ora vejam só, então veja só, ora
veja só, mas veja só, pois veja só, porque vejam bem, já viu, entre outras.
Os dados foram captados com seus contextos, isto é: retirada uma parte maior da
ocorrência, captamos de três a cinco linhas anteriores e posteriores ao dado. Logo após, os
dados foram reunidos por semelhança de formas e contabilizados em frequência token e
frequência type.
A aferição da frequência e da produtividade das formas, juntamente com o
embasamento teórico, nos possibilita hierarquizar os níveis de esquematicidade do padrão da
construção verbal perceptivo-visual. A hierarquia do padrão Vpv(x)md
é detalhadamente
descrita no Capítulo 6.
Com o nível base do padrão construcional definido, visualizamos as microconstruções
sancionadas. Prosseguindo com a análise, nosso próximo passo é demonstrar a funcionalidade
65 Definido por Diewald (2006), o contexto de isolamento não permite uma ambígua leitura de significado, pois,
nesse caso, um significado exclui o outro. Sendo assim, uma função sintático-semântica exclui a outra.
68
dos tokens. Antes de comprovar a individualidade das microconstruções, retornamos nossa
atenção à literatura específica. Levantamos a macrofunção, as funções e as subfunções
relativas ao efeito de marcação discursiva. Depois do estabelecimento das quatro principais
funções desempenhadas pelos MDs, passamos a analisar os contextos de uso em que os MDs
atuam. Nosso intuito em identificar os contextos de atuação de cada MD de base verbal
perceptivo-visual consiste no levantamento das funções discursivo-pragmáticas que os MDs
apoiam.
Nossa principal dificuldade teórico-metodológica consiste no levantamento de
embasamento que comprove e caracterize as funções discursivo-pragmáticas apoiadas pelos
MDs de base verbal perceptivo-visual. Não encontramos na literatura específica um enquadre
teórico que trate da questão. Sendo assim, decidimos levantar as funções discursivo-
pragmáticas dos contextos de uso de nosso corpus. Uma vez identificadas tais funções,
estendemos a análise a todos os contextos de uso analisados. Na medida em que identificamos
as funções discursivo-pragmáticas do type selecionado, destacamos a função prototípica como
a primeira a ser demonstrada nas análises.
Decidimos analisar o padrão construcional por base verbal, na seguinte ordem:
primeiro a base verbal olhar; em seguida, a base verbal ver.
Os resultados parciais são contextualizados em exemplos, demonstrando a aferição do
levantamento das funções em seus contextos de atuação. Essa primeira análise parcial diz
respeito às microconstruções. Em seguida, compilamos uma visão de cada base verbal do
padrão construcional representativo da virtualidade da mesoconstrução, seguido de um quadro
comparativo em que as formas do respectivo padrão são submetidas ao princípio de marcação.
Logo depois, apresentamos uma visão geral do padrão, o que diz respeito às conclusões a que
chegamos com base na teoria levantada.
Decidimos quantificar os resultados por número de ocorrência e não por porcentagem,
devido à comparação da frequência token. Nosso trabalho é quantitativo de cunho qualitativo.
Assumimos que as construções estão à disposição dos falantes no inventário da língua e
concorrem entre si no cumprimento de funções discursivo-pragmáticas. Defendemos que
configurações morfossintáticas acompanham situações de interações discursivas, contribuindo
para a convencionalização da correspondência simbólica de seu significado em situação real
de uso. Justificamos nossa proposta metodológica acreditando que a análise dos padrões
construcionais reflete a análise de usos linguísticos. Em suma, nossa análise visa o
entendimento da língua em uso - o entendimento de como os MDs formados pelos verbos
perceptivo-visuais olhar e ver emergem no discurso.
69
6. ANÁLISE DOS DADOS
De nosso corpus, composto por 10.459.750 palavras, levantamos 23 tipos individuais
de MDs de base verbal perceptivo-visual: olha lá, vejam só, olha, vê, olhe, veja, olhem,
vejam, olha aqui, vejamos, olhe aqui, viu, vejam bem, olha aí, vê lá, veja lá, olhe lá, vê só,
olha bem, veja só, vê bem, olha só e veja bem. Desses tipos captamos um total geral de 2.610
tokens para análise.
Consideramos o padrão construcional Vpv(x)md
um padrão produtivo. A produtividade
justifica-se pelo elevado número de tokens (2.610) e de microconstruções individuais (23
individual types), em contraste com o número limitado de padrões types (seis conjuntos de
formas). Esse número limitado de types (seis) gera um número proporcionalmente maior de
tipos individuais. O número de 23 exemplares de tipos de MD do padrão Vpv(x)md
pode
aumentar na medida em que a esfera de captação do corpus se amplia. A produtividade
também pode ser justificada pela diferença entre formas mais abstratas e formas menos
abstratas no padrão, o que nos faz entender que o padrão, em diferentes momentos, está
gerando formas.
Outra justificativa sobre a produtividade do padrão diz respeito à sua extensibilidade,
porquanto é um padrão construcional com uma base ampla de membros no nível
microconstrucional. Os membros do padrão se diversificam tanto em termos de arranjos
morfossintáticos quanto no desempenho de funções discursivo-pragmáticas. Essa
variabilidade na composição forma-sentido motiva o aumento de subfunções desempenhadas
pelo MD no contexto de uso. O fator extensibilidade, atribuído ao padrão Vpv(x)md
, advém da
postulação de que o padrão, uma vez em expansão, tanto agrega novos membros quanto torna
membros mais antigos mais abstratos.
Sincronicamente, o ganho de abstração decorre de uma dinamicidade da rede
linguística funcional, isto é, há um movimento em direção a sentidos mais abstratos. O
recrutamento das formas gera competição entre os membros da rede linguística funcional. O
que motiva aumento de frequência token e ampliação da requisição de novas funções
discursivo-pragmáticas cada vez mais especializadas. E, como resultado dessa dinamicidade,
sentidos metafóricos são inferidos. Sendo assim, no que concerne à extensibilidade,
observamos uma ―interação entre produtividade e esquematicidade‖ (TRAUGOTT e
TROUSDALE, 2013, p. 116). Defendemos que não só os membros ganham abstração, mas
também, com o fenômeno da extensibilidade, outros níveis mais virtuais do padrão em rede
70
podem ser captados. Dessa maneira, a construção Vpv(x)md
constitui um padrão construcional
em produção, um padrão produtivamente aberto.
Consequentemente, a dinamicidade do discurso gera a possibilidade de que novos
arranjos de frequência type sejam criados. Essa postulação é sustentada na medida em que os
membros do padrão apresentam-se em diferentes níveis de abstração, sendo que alguns de
seus membros já alcançam um nível de idiomaticidade própria, confirmada pela perda de
composicionalidade, como é o caso das microconstruções olhe lá e vê lá, em comparação às
microconstruções olha lá e veja lá.
Nosso capítulo de análise está dividido em duas grandes seções. A primeira, 6.1 - A
ESQUEMATICIZAÇÃO DO PADRÃO DA CONSTRUÇÃO Vpv(x)md
-, traz nossa proposta
de hierarquização da construção em níveis de esquematicidade. Optamos pela aplicação
simultânea de duas teorias sobre representação virtual de níveis de esquematicidade: a de
Traugott (2008) e a de Traugott e Trousdale (2013). A segunda seção, 6.2 - A BASE
VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL -, trata do nosso objeto de estudo: a construção Vpv(x)md
como macroconstrução e propõe um pareamento forma-sentido. A seção 6.2 subdivide-se em
outras duas subseções: 6.2.1, que trata da base verbal olhar, e 6.2.2, que focaliza a base verbal
ver.
6.1 A ESQUEMATIZAÇÃO DO PADRÃO DA CONSTRUÇÃO Vpv(x)md
Na hierarquização da construção Vpv(x)md
, consideramos dois níveis virtuais acima e
três níveis virtuais abaixo dessa construção. Pretendemos alcançar o objetivo específico
proposto no capítulo introdutório, de organizar níveis esquemáticos que demonstrem o
convívio das formas do padrão construcional a partir de um modelo analógico de sua
formação, captado na sincronia do século XX do português brasileiro.
A seguir, demonstramos, em um quadro, nossa proposta de esquematização para o
padrão construcional dos marcadores discursivos de base verbal perceptivo-visual, nos moldes
de Traugott (2008) e Traugott e Trousdale (2013).
71
Quadro 02: Distribuição dos níveis de esquematicidade da construção marcadora discursiva perceptivo-
visual.
Esquema
[(V)(X)]marcador discursivo
Macroconstrução‘
Verbo perceptivo marcador discursivo
= [(Vperc)(x)]md
Macroconstrução‘‘
Verbo perceptivo-visual marcador discursivo
= (Vpv)(x)md
Mesoconstrução‘
olhar(x) ver(x)
Mesoconstrução‘‘
olhar (ᴓ) olhar(loc) olhar(foc) ver(ᴓ) ver(loc) ver(foc)
Microconstrução olha olha aqui olha só vê vê lá vê só
olhe olhe aqui olha bem veja veja lá veja só
olhem olha lá vejam vejam só
olhe lá vejamos vê bem
olha aí viu veja bem
vejam bem
Tomamos o conceito de esquema como uma abstração de um ―grupo de construções
semanticamente gerais‖ (TRAUGOTT e TROUSDALE, 2013, p. 14), o que nos permite
pontuar, acima da construção Vpv(x)md
, dois níveis hierárquicos mais altos, uma vez que esses
dois níveis consistem de grupos de construções formados por generalizações mais virtuais que
o nível Vpv(x)md
. Achamos viável não considerar esses dois níveis acima, um esquema e um
subesquema, já que qualquer nível intermediário pode ser considerado um subesquema. Sendo
assim, rotulamos o mais abstrato como esquema, porquanto se mostra adequado conforme o
conceito de esquema de Traugott e Trousdale (2013). E o menos abstrato, rotulamos de
macroconstrução‘, visto que é composto por grupos de construções parcialmente gerais.
Consideramos macroconstrução‘ um nível parcialmente geral, porquanto mantém a semântica
72
da percepção como fator de agregação. Concluímos, então, que o nível esquema é mais
virtual, mais abstrato que o nível macroconstrução‘.
O nível esquemático esquema, representado virtualmente por [(V)(x)]md
, é o mais
abstrato que podemos atribuir ao padrão. Nesse nível, encontram-se todas as construções
marcadoras discursivas de base verbal, entre elas, por exemplo, as construções marcadoras
discursivas de base verbal estática, [(Vestático)(x)]md
, e as construções marcadoras discursivas
de base verbal proclamativa, [(Vproclamativa)(x)]md
, estudadas por Teixeira e Oliveira
(2012), Oliveira (2015), Borges (2015) e Saboya (2015; 2016).
O nível esquemático macroconstrução‘, representado virtualmente por [(Vperc)(x)]md
,
é sancionado pelo esquema. Apesar de o nível de esquematicidade de macroconstrução‘ estar
mais entrincheirado do que os níveis mais baixos, não o consideramos um esquema.
Identificamos que há, no nível macroconstrução‘, a possibilidade de resgate de elementos
passíveis de pareamento forma-sentido, razão por que decidimos rotulá-lo de
macroconstrução‘. Sendo assim, no nível macroconstrução‘ encontram-se todas as
construções marcadoras discursivas de base verbal perceptiva. A macroconstrução‘ possui
dois slots: o primeiro é preenchido por uma subparte de base verbal perceptiva auditiva ou
visual (escutar, olhar e ver); o segundo constitui uma subparte que pode ser preenchida ou
não.
No nível esquema, identificamos uma dificuldade de captação de padrões sintático-
semânticos específicos e de uma idiomaticidade própria. Essa é outra justificativa para não
considerarmos esquema e macroconstrução, conceitualmente, sinônimos e representantes de
um mesmo nível hierárquico.
No nível macroconstrução‘‘, encontra-se a construção marcadora discursiva
perceptivo-visual, Vpv(x)md
- nosso objeto de estudo. Essa construção é composta por verbos
perceptivos relativos ao ato de ―fitar os olhos‖ (FERNANDES, 1954, p. 440) ou ―perceber
pelo sentido da vista‖ (FERNANDES, 1954, p. 594), acrescido pela presença ou não de um
advérbio, atuando como um afixoide à forma. O sentido da construção não é gerado apenas
pela semântica lexical de sua herança verbal, como um efeito isolado de persistência. O
sentido original, ―ato de fitar os olhos‖ ou ―perceber pela vista‖, é recrutado e negociado em
sentidos mais abstratos na regulação dos significados durante a interação. A segunda subparte
da construção vai contribuir para a especialização dos sentidos da construção como um todo e,
consequentemente, influenciar no apoio de negociação dos sentidos em contexto.
73
Abaixo do nível macroconstrução‘‘, existem dois níveis intermediários. Poderíamos
rotulá-los de ―subesquema‖, mas preferimos, por razões metodológico-conceituais66
embasadas em Traugott (2008), utilizar o termo mesoconstrução, uma vez que esse conceito
ajusta-se ao nosso objeto. Consideramos o nível mesoconstrução‘‘ menos esquemático que os
níveis mais altos, devido à especificação da base verbal captada. Nesse nível, notamos o efeito
do fenômeno da persistência tanto na primeira subparte quanto na segunda, razão por que há
uma redução na esquematicidade entre o nível macroconstrução‘‘ e as mesoconstruções
sancionadas por ele. Como as mesoconstruções são agrupamentos de famílias, elas só podem
ser reunidas por comportamentos semelhantes. Enquanto os esquemas se agrupam por
generalizações semânticas, as mesoconstruções se agrupam por especificidades semânticas, o
que justifica mantermos esses dois níveis diferenciados de abstração.
Hierarquizamos dois níveis intermediários de mesoconstruções - mesoconstrução‘ e
mesoconstrução‘‘. No nível mesoconstrução‘, verificamos dois grandes agrupamentos de
mesoconstruções organizados pela base semântica verbal olhar(x) e ver(x). Cada um desses
agrupamentos pode ser realinhado por comportamento semelhante da segunda subparte da
construção, sancionando mesoconstruções mais especificadas e menos esquemáticas. Esse é o
nível mesoconstrução‘‘. Deste depreendemos os agrupamentos de construções representados
por: olhar(ᴓ), olhar(locativo), olhar(focalizador), ver(ᴓ), ver(locativo) e ver(focalizador). Os
slots podem ser especificadamente preenchidos ou não.
Com o levantamento e organização dos dados, notamos que, para o preenchimento
dessa segunda subparte, é recrutado um advérbio. Vale ressaltar que o advérbio,
convencionalizado por rotinas cognitivas, ganha sentidos mais abstratos durante as trocas
comunicativas, o que motiva a especialização de sentidos funcionais das construções. Por essa
razão, a forma passa a desempenhar uma função gramatical. Dessa maneira, organizamos dois
agrupamentos de mesoconstruções‘ por base verbal e seis agrupamentos de
mesoconstruções‘‘ por base verbal e tipo de preenchimento do slot.
Os agrupamentos de mesoconstruções‘‘ sancionam o nível esquemático mais baixo do
padrão. O nível virtual mais baixo, na hierarquia da construção Vpv(x)md
, é o
microconstrucional. Podemos afirmar que as microconstruções possuem uma
composicionalidade referencial individualizada, são membros individuais de uma categoria.
No quadro 02, descrevemos as microconstruções olha, olhe, olhem, olha aqui, olhe aqui, olha
66
Mais uma vez, afirmamos que nossa intenção não é criar uma nova nomenclatura para os níveis de
esquematicidade, mas justificar, através de nosso objeto de estudo, a possibilidade da utilização e adequação de
Traugott (2008) e Traugott e Trousdale (2013). Essa proposta de adequação é de inteira responsabilidade da
autora do trabalho.
74
lá, olhe lá, olha aí, olha só, olha bem, vê, veja, vejam, vejamos, viu, vê lá, veja lá, vê só, veja
só, vejam só, vê bem, veja bem, e vejam bem como membros da categoria dos MDs de base
verbal perceptivo-visual.
Após traçarmos o perfil conceitual de cada nível esquemático, com as devidas
justificativas teóricas em defesa da utilização das duas bases conceituais de esquematicidade -
Traugott (2008) e Traugott e Trousdale (2013) -, passamos, separadamente, às análises por
base verbal dos dados coletados.
6.2 A BASE VERBAL PERCEPTIVO-VISUAL
No nível macroconstrucional‘‘ encontra-se nosso objeto de estudo, a construção
Vpv(x)md
. Essa representação virtual possibilita duas dimensões de análise.
A primeira dimensão de análise de Vpv(x)md
é a concepção de que se trata de uma
construção, visto que podemos representá-la em termos de pareamento forma-sentido. Nos
moldes de Traugott e Trousdale (2013, p. 8), sua composição corresponde à seguinte
representação:
[[verboperceptivo-visual(adv)]↔[marca regulação da interação através da manutenção do
espaço de atenção]]
Fonologicamente, essa construção não pode ser especificada, porquanto é complexa e
esquemática. Suas propriedades fonológicas só podem ser descritas em níveis menos
esquemáticos, como no microconstrucional.
A segunda dimensão de análise de Vpv(x)md
é a visão da construção como padrão
construcional. Essa construção instancia níveis mais altos de abstração, os quais são
agrupados por generalizações. E ainda mais: essa construção sanciona níveis mais baixos de
abstração, os quais demonstram a base verbal semanticamente mais especificada. Podemos
inserir, nesses níveis mais baixos, as duas bases verbais que licenciam a formação do padrão
construcional (olhar e ver).
75
6.2.1 Base verbal olhar
Em nossas análises, verificamos que a base verbal é especificada no nível
mesoconstrucional, precisamente no nível mesoconstrução‘, quando ocorrem dois
agrupamentos pela semântica verbal olhar e ver. Os MDs de base verbal perceptivo-visual
olhar, com sentido reconfigurado para ―compreensão do que se requer‖ como estratégia de
regulação da interação através da manutenção do espaço de atenção, estão agrupados por
semelhança em olhar(x). Esse agrupamento maior subdivide-se em conjuntos menores por
semelhanças mais especificadas de suas segundas subpartes.
As construções de base verbal olhar sem preenchimento de segunda subparte estão
agrupadas em olhar(ᴓ). As construções de base verbal olhar com preenchimento de sua
segunda subparte composta de um advérbio com função locativa, estão agrupadas em
olhar(loc). As construções de base verbal olhar com preenchimento de sua segunda subparte
composta de um advérbio com função focalizadora encontram-se agrupadas em olhar(foc).
Em um nível menos abstrato, podemos reagrupar a família de mesoconstruções‘‘ por
partes e subpartes:
- a mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ) sanciona as microconstruções olha, olhe e olhem;
- a mesoconstrução‘‘ olhar(loc) sanciona as microconstruções olha aqui, olhe aqui,
olha lá, olhe lá, e olha aí;
- a mesoconstrução‘‘ olhar(foc) sanciona as microconstruções olha só e olha bem.
Vejamos, no quadro a seguir, a frequência token e a frequência type das
microconstruções sancionadas pela mesoconstrução‘ olhar(x).
76
Quadro 03: Distribuição das frequências token e type da base verbal olhar.
MICROCONSTRUÇÃO TOKENS
TOTAL
PARCIAL
de
TOKENS
TYPE
VIRTUAL
uma
parte
Olha 1.719
1.953
olhar(ᴓ) Olhe 227
Olhem 7
duas
subpartes
olha aqui 29
97 olhar(loc)
olhe aqui 19
olha aí 16
olha lá 11
olhe lá 22
olha bem 4
84 olhar(foc)
olha só 80
TOTAL
GERAL
10
microconstruções
2.134
tokens
3 conjuntos de
formas
No quadro 03, podemos observar a frequência token e a frequência type das formas de
apresentação do padrão construcional da construção Vpv(x)md
no nível microconstrucional e
mesoconstrucional.
O levantamento da frequência token demonstra que, das microconstruções de base
verbal olhar formadas por uma subparte, a que apresenta maior número de ocorrências por
dados é a forma olha, com 1.719 ocorrências, seguida por olhe, com 227 ocorrências. A forma
menos frequente é olhem, com apenas sete ocorrências. O maior número de ocorrências, entre
as microconstruções formadas por duas subpartes, é a forma olha só, com 80 ocorrências,
seguida de olha aqui, com 19 ocorrências. A forma menos frequente entre as
microconstruções com duas subpartes é olha bem, com quatro ocorrências.
Com o levantamento da frequência token, é possível agrupar as formas por
similaridades de composição, distinguindo os conjuntos de forma que compõem a frequência
type virtual. Também é possível identificar os membros mais marginais de cada type na rede
linguística funcional, o que torna possível visualizar os membros mais prototípicos de cada
padrão pelo efeito de frequência e representatividade.
Em termos de frequência type, verificamos a existência de três padrões types na
composição das microconstruções:
77
1) de base verbal de percepção visual olhar, sem o preenchimento da segunda
subparte:
(21) F: É estudam junto, é tudo junto, aí né tudo homem. Aí eu digo ―puxa a Luana tem muito
amigo homem.‖ Aí ela diz: ―Pai eu tenho muito segurança.‖ Mas é legal.
E: É, tá certo. E... você acha que... O que você acha deles? Você acha que eles são
pessoas assim...
F: Olha, eu confio em todos eles, eu... eu costumo assim analisar bem a pessoa quando
(conheço) observo, estou atento a tudo, nos mínimos detalhes, se a pessoa tive assim com
um dedinho de fora, eu vou olha aquele dedinho, tá entendendo? (PEUL/RJ, séc. XX,
falante 9, 1999)
O MD olha é formado por apenas uma parte – fixa -, a base verbal olhar. Seu type
virtual é representado por olhar(ᴓ). Os MDs olhe e olhem compartilham esse type.
2) de base verbal perceptivo-visual olhar, com o preenchimento da segunda subparte
por um elemento de base adverbial com especificidade locativa:
(22) DOC. - É. Antes de ir pro convento eles têm essa formação religiosa
LOC. - Ah, seminário
DOC. - O... olha aqui, a gente estava falando de limpeza, partindo daí, aí mais ou menos
uma espécie de, de vida pública da cidade, existe uma ocorrência... rotineiras, né? São
comuns, normais, eu não sei... são anormais, né? Bom, assim dentro de uma grande
cidade como o Rio, quais seriam as ocorrências anormais, os acidentes?
LOC. - Anormais?
DOC. - Exato. (NURC-RJ, Inq. 14, Loc.17, 1971)
O MD olha aqui é formado por duas subpartes. A primeira é fixa - a base verbal olha -
e a segunda parte é preenchida, mas não fixa. Os elementos que podem preenchê-la são
advérbios com funções de locativos (aqui, aí e lá). Seu type virtual é representado por
olhar(loc). Os MDs olhe aqui, olha aí, olha lá e olhe lá compartilham esse type.
3) de base verbal perceptivo-visual olhar, com o preenchimento da segunda subparte
por um elemento de base adverbial com especificidade de focalizador.
(23) E: ahn... eh... Fernando eu estava querendo que você me contasse... uma história que
tenha acontecido com você... que pode/ essa história pode ser boa... pode ser... triste...
I: uma história... alegre... olha só... foi... foi... quando eu viajei... viajei... passei uma
semana... um fim de semana... e... gostei... um dia/ sempre ia pra praia... assim quando
não chovia... aí um dia desses eu tirei/ foi o último dia que a gente já estava indo... indo
pra viagem... vindo pra casa... e... a gente fomos em... Macaé. (D&G/RJ, Inf. 46, oral,
NR, 1993)
78
O MD olha só, no exemplo (23), é formado por duas subpartes. A primeira parte é fixa
- a base verbal olha - e a segunda é preenchida, mas não fixa. Os elementos que podem
preenchê-la são advérbios com funções focalizadoras (só e bem). Seu type virtual é
representado por olhar(foc). Compartilha esse type, o MD olha bem.
O padrão mais produtivo, dentro deste levantamento de frequência type, é o de base
verbal de percepção visual olhar, com o preenchimento da segunda subparte por um elemento
de base adverbial locativa, olhar(loc). Em consequência, constitui o conjunto de formas com
mais microconstruções à disposição na memória dos falantes. Do padrão olhar(loc), captamos
cinco microconstruções individuais.
O quadro 03 ratifica o cumprimento de um dos nossos objetivos específicos, o de
quantificar a frequência de uso (token) e a frequência das formas (type) do padrão
construcional Vpv(x)md
.
Ao compararmos o quadro 02, de distribuição de esquematicidade, com o quadro 03,
de aferições de frequência, fazemos nossa primeira constatação: a frequência type reflete o
nível de esquematicidade das mesoconstruções‘‘. Tal constatação ratifica a organização da
hierarquização do padrão construcional proposto e atesta que o padrão construcional é
motivado pelo uso. Assim, cumprimos parte de nosso objetivo geral - identificar e levantar o
padrão construcional de Vpv(x)md
. Cumprimos, ainda, um dos nossos objetivos específicos, o
de hierarquizar os níveis de esquematicidade do padrão construcional de Vpv(x)md
.
As análises seguintes tratam de cada mesoconstrução‘‘ e seu conjunto de
microconstruções. Nossa escolha metodológica - discorrer sobre as funcionalidades de cada
microconstrução - parte da necessidade de demonstrar concordância com Traugott e
Trousdale (2013), porquanto as autoras consideram cada microconstrução um type individual.
Para isso, nos apoiamos no princípio da não sinonímia (GOLDBERG, 1995, p. 67-68),
segundo o qual as distinções pragmáticas diferenciam as construções. Após o término das
análises das microconstruções, tecemos algumas considerações gerais sobre a
mesoconstrução‘ de base verbal olhar.
6.2.1.1 Mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ)
A mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ) sanciona as microconstruções olha, olhe e olhem. Dentre
todos os padrões construcionais de base verbal perceptivo-visual olhar(x), os que compõem o
padrão olhar(ᴓ) são as formas mais diretas e leves de intervenção entre interlocutores, as mais
79
frequentes do padrão. O conjunto de formas olha, olhe e olhem apresenta menor grau de
complexidade estrutural e cognitiva, configurando-se as mais próximas do padrão neutro, a
fala. Destacamos que são formas compostas por apenas uma parte fixa e um slot zero, para
identificar a ausência de subparte. Com essas especificações, categorizamos a
mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ) como um type não marcado do padrão construcional olhar(x).
Vejamos cada microconstrução sancionada pelo padrão olhar(ᴓ) com especificidades
dos tokens em seus contextos de uso:
- microconstrução olha
(24) DOC. – Hoje muito se fala na multiplicação do dinheiro. Qual o seu modo de dizer sobre
esse negócio da multiplicação do dinheiro? Qual a melhor maneira
LOC. – Sim, eu sei. Olha, por exemplo, eu entrei prum fundo, sabe, de investimento. Eu
achei muito interessante porque eu fiquei pensando: puxa, pagar oitenta e poucos
cruzeiros por mês pra depois daqui a cinco anos ter não sei quanto milhões, como eles
disseram, não é? E como é um, é uma companhia assim de bastante credenciada, eu
entrei. (NURC/RJ, DID, inq. 47, Loc. 56, 1972)
No exemplo (24), o constructo olha é um token extraído dos 1.719 dados levantados
na instância de uso, virtualmente, representado pela microconstrução olha.
Em (24), o contexto remete à interação do tipo entrevista, em que os sentidos
negociados são direcionados para o cumprimento textual-discursivo do par Pergunta-Resposta
(P-R). Ao ser questionado, o falante (locutor) afirma saber a resposta com a declaração ‗Sim,
eu sei‘. O falante negocia sentidos com intenção comunicativa de se legitimar na interação
como atribuidor de significado.
Nesse início de resposta, o uso do advérbio afirmativo (sim), a indicação da pessoa do
discurso (eu) e o uso do tempo verbal no indicativo (sei) com verbo de cognição constituem
configurações que apoiam o sentido assertivo negociado no contexto, sentido esse67
negociado no contexto, garantindo legitimidade à resposta seguinte a ser dada pelo falante.
Para reforçar o sentido assertivo de afirmação, a resposta ao par P-R é constituída como uma
narrativa introduzida pela expressão ‗por exemplo‘, como uma expressão que atesta , legitima
o falante e a informação.
O MD olha confere ao contexto reforço na ideia de clareza, positividade e asserção,
levando o ouvinte a acreditar que realmente o falante tem conhecimento da resposta. Dessa
67 O termo assertivo, neste trabalho, é utilizado referente a asserção, afirmação, declaração de algo positivo ou
negativo.
80
maneira, o MD desempenha sua subfunção de direcionar a interação. Nessa perspectiva, o
MD olha apoia, no contexto, elementos que inferem subjetividade centrada no falante, uma
vez que sua intenção discursiva está voltada para seus próprios atos discursivos, sua
proposição de positividade diante do par P-R, enquanto negociação de contexto assertivo.
A função discursivo-pragmática apoiada pelo MD olha, nesse contexto de asserção,
diz respeito à intenção do falante em declarar informações com conteúdo afirmativo ou
positivo, tornando aceitável sua declaração. Nesse arranjo discursivo68
, há possibilidade de os
interlocutores compartilharem a atribuição de sentidos, uma vez que a negociação de sentidos
é menos impositiva por parte do falante. Sendo assim, a função discursivo-pragmática
desempenhada pelo MD olha é marcar requisição de atenção ou um chamamento em contexto
assertivo.
Constatamos, pela análise dos contextos de uso dos 1.719 tokens levantados, que em
1.192 contextos de uso o MD olha desempenhando a função discursivo-pragmática de marcar
requisição de atenção, apoiando negociações de sentidos assertivos (afirmativos).
Vejamos outro contexto de uso do MD olha:
(25) E: e a volta?
I: ... quando fomos teve a brincadeira do piu-piu ... e a brin ... e outra brincadeira aquele
também: amigo secreto... é bom... né não? Amigo secreto... aí eu nunca pensava que eu ia
tirar o guia... porque ele disse que podia chamar de Luciano ou Sprite... aquele
refrigerante... aí... ele disse...olha... ou vocês me chamam de Luciano ou de Sprite né? ...
eu sou mais Luciano... nesse dia a gente brincou de piu-piu...aí a gente tinha que dizer
quantos piu-piu tinha... aí os homens dizia quantos piu-piu tinha... piu-piu era a letra do
nome. (D&G/Natal, Informante 2, 1993)
No exemplo (25), o falante narra momentos em que participou de uma excursão. No
meio da narrativa, o falante (I) retrata, em discurso reportado, a fala do guia: uma sequência
injuntiva - ‗ou vocês me chamam de Luciano ou de Sprite né?‘. Essa sequência textual
expressa um pedido, um direcionamento à ação. O recrutamento do MD olha abre um espaço
de atenção na interação para introduzir a sequência injuntiva, cumprindo a subfunção de
direcionar a interação.
Nos contextos de uso dos 1.719 tokens levantados do MD olha, em apenas 185
constatamos o uso do MD olha como apoio na negociação de sentidos injuntivos.
Consideramos como sentido injuntivo os sentidos expressos tanto por sequências injuntivas
quanto pelo chamamento da atenção para tomada de atitude (ação). A função discursivo-
68 Tomamos o termo arranjo discursivo como a organização contextual de todo o entorno do MD analisado.
81
pragmática apoiada pelo MD olha, em contexto de injunção, diz respeito à intenção do falante
em conduzir o ouvinte a realizar ações ou induzi-lo à tomada de atitude futura.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha é, basicamente, um marcador de requisição direta de atenção, cujo propósito
comunicativo no chamamento do ouvinte envolve conferir legitimidade à informação (ou ao
falante) e/ou induzir o ouvinte à tomada de atitude.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha como:
[[olhaverboperceptivo-visual]↔[marcar requisição de atenção]]
- microconstrução olhe
(26) Loc. – Uma locomotiva, uma locomotiva diesel, por exemplo, é uma caixa de sapato,
certo? Tem uma cabine atrás, na frente tem o motor diesel, que fica escondido, que a
gente não vê, debaixo da chapa, e na frente tem o quê? Tem o farol, dois faróis, não deve
ter aquele, aquele troço para salvar a gente, porque acho que não se usa mais em
locomotiva aquilo.
Doc. – Como é que se chama aquilo?
Loc. – Olhe, não sei o nome daquilo não, rapaz. Eu acho que já su... é, guar... não sei se é
guarda-vida o nome daquele negócio.
Doc. – Como é, o que é exatamente? (NURC/RJ, DID, inq.08, loc.11, 1971)
No exemplo (26), o constructo olhe é um token selecionado dentre um total de 227
dados extraído da instância de uso do português brasileiro do século XX, virtualmente
representado pela microconstrução olhe.
No exemplo (26), assim como no (24), o contexto remete à interação do tipo
entrevista, em que os sentidos negociados são direcionados para o cumprimento textual-
discursivo do par P-R.
O falante (Locutor), em sequências descritivas, discorre sobre o funcionamento da
locomotiva. Depois de descrever o farol, cita ‗aquele troço para salvar a gente‘ e justifica
‗porque acho que não se usa mais em locomotiva aquilo‘. Por não entender a que o falante se
refere, o documentador articula uma pergunta: ‗Como é que se chama aquilo?‘. Ao iniciar sua
resposta com o MD olhe, o falante (Loc) introduz uma declaração contrária à esperada pelo
documentador, usando, para tal, uma dupla negação ‗não sei o nome daquilo não‘. Dessa
82
maneira, no contexto, há uma quebra na expectativa da resposta. Para negociar sentidos que
comprovem que ele realmente não sabe a resposta, o nome ‗daquele troço‘, o falante (Loc)
recruta o MD olhe como apoio nessa estratégia de confirmação da negação. Há um efeito de
asseveração na negociação dos sentidos. No final de sua negativa, o falante evoca o
interlocutor ‗rapaz‘. O uso do vocativo ‗rapaz‘ traz ao contexto proximidade entre os
interlocutores, suavizando a quebra da expectativa. Com esse arranjo discursivo, o falante
garante o teor de credibilidade à informação e regula o sentido mantendo uma aproximação
impositiva, mas não repreensiva, com o ouvinte.
Dessa maneira, o MD olhe torna-se apoio também para uma implicatura contextual
interpretada pelo ouvinte, como um enunciado de pouca margem à contestação de
significados, visto que o ouvinte não questiona por que o falante não sabe. Alegamos que esse
direcionamento contextual é marcado pela reconfiguração da expressão de ordem/pedido da
base verbal olhar; ancorado na cristalização da forma em 3ª pessoa. Sendo assim, no contexto
do exemplo (26), verificamos o desempenho da função discursivo-pragmática de apoiar
quebra de expectativa da resposta esperada.
Vejamos um exemplo com o uso do MD olhe em que o contexto não negocia sentidos
de quebra de expectativa:
(27) Loc. – Eu viajava naquele que eles chamavam DC8, né? Tem aqueles bancos laterais.
Não é propriamente avião para transporte de passageiros. È avião para transporte de
tropa, vamos dizer, os bancos são laterais. E nós como alunos íamos nessas condições,
não é? Agora, ele, ele...
Doc. – O senhor chegou a conhecer por dentro do avião?
Loc. – Olhe, tem a parte onde fica o piloto, depois tem aquela nave central toda e aqueles
bancos ficavam todos laterais ao longo da nave. Não é, não é a mesma coisa, a gente vê a
descrição aí do, em filmes, em filmes a gente vê a coisa completamente diferente, não é?
Porque a gente vê os bancos colocados feito ônibus, às vezes até em situação maior
porque tem uma, tem, tem ônibus, tem ônibus, tem, tem, vamos dizer, duas carreiras mas
a gente vê nos aviões uma porção delas, nesses aviões grandes, não só de filmes, não é?
(NURC, RJ, DID, Inq. 112, Loc. 128, 1972)
No exemplo (27), o uso do MD olhe não apoia contexto de negociação de sentido de
quebra de expectativa; ao contrário, a expectativa do documentador ao perguntar se o locutor
‗conhece por dentro o avião‘ foi satisfeita. O falante recruta o MD olhe para conferir ao
contexto sentido de credibilidade de sua informação, imprimindo veracidade à informação.
83
Dentre os 227 contextos de uso analisados, apenas 32 mostram-se favoráveis à função
discursivo-pragmática de quebra de expectativa. Em contrapartida, em 171 contextos de uso
observamos a função discursivo-pragmática de reforçar veracidade, como no exemplo (27).
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olhe é, basicamente, um marcador de imposição da atenção requerida.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos representar o pareamento forma-
sentido da construção olhe como:
[[olheverboperceptivo-visual] ↔ [marcar impositividade na requisição de atenção]]
- microconstrução olhem
(28) O charuto estava pelo meio e era aspirado com o vigor de uma bomba poderosa. A
cabando de escrever, leu o artigo vagarosamente, e ergueu-se e veio ao umbral do
tabique:
- Estás zangado com o Ricardo, Adelermo?
- Não, dr., mas...
- Vocês são assomados... É da idade. Se não se atravessar certas coisas, não se vai
mesmo. Olhem: eu, logo ao sair da Academia, fui trabalhar com meu pai, no Diário
Fluminense. Uma noite, escrevi um artigo e julgava-o sofrível. Pois bem: o velho era
casmurro veio até a sala da redação e rasgou-o todinho na minha cara e à vista de uma
porção de gente...
Parou de falar, tirou uma fumaça e depois de ter franzido a fisionomia para manter o
monóculo no lugar, perguntou vitoriosamente:
- E agora, não estou aqui? (CP, séc. XX, Fic, Barreto, Recordação do Escrivão Isaías
Caminha)
No exemplo (28), o constructo olhem é um token selecionado de um total de sete
dados extraídos da instância de uso, virtualmente representado pela microconstrução olhem. A
intenção comunicativa do falante é transmitir uma lição aos ouvintes através de sua
experiência de vida, para que, assim, os ouvintes modifiquem seu comportamento. Há, no
contexto, uma tentativa de convencimento persuasivo dos ouvintes. Nessa negociação
persuasiva de sentidos, estratégias textual-interativas atuam para, juntamente com o MD
olhem, alcançar intenções comunicativas. Como estratégias textual-interativas, podemos
apontar a caracterização dos ouvintes ‗vocês são assomados‘, logo após, uma justificativa
dessa qualificação - ‗é da idade‘ - e a sinalização de um julgamento pessoal do falante: ‗Se
não se atravessar certas coisas, não se vai mesmo‘. Todas essas porções textuais e seus
84
sentidos, como um todo, são utilizados para valorizar o restante do contexto que se segue.
Após o recrutamento do MD olhem, o falante inicia uma narrativa em que conta sua
experiência de vida.
Na análise dos dados, observamos que, das subfunções desempenhadas pela utilização
do MD olhem, a que mais se destaca é a estruturação da articulação dos segmentos do
discurso. Em (28), Há uma quebra da sequência descritiva para introduzir uma sequência
narrativa. Sendo assim, o recrutamento do MD olhem dá suporte à articulação dessa transição
entre sequências textuais. E como a intenção do falante é levar, persuadir, conduzir o falante
com argumentos que sustentem sua proposição anterior - no caso de (28), sustentar que os
jovens ‗são assomados por falta de experiência‘-, essa intenção nos permite apontar que a
função discursivo-pragmática, no contexto de uso, é apoiar condução persuasiva do ouvinte.
Verificamos que o MD olhem conserva uma restrição da forma verbal, a flexão de 3ª
pessoa do plural. Não podemos deixar de admitir que, em cinco dos sete contextos levantados,
notamos o direcionamento da chamada de atenção para mais de um ouvinte. Postulamos que a
restrição da flexão menos cristalizada morfossintaticamente demonstra que o MD olhem
constitui uma forma mais recente no padrão construcional, um MD em caminho de
convencionalização. Sua trajetória de abstração parece indicar sentidos de revisão de
argumentos, de evidenciar impressões pessoais e vagacidade no processamento mental.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olhem é, basicamente, um marcador de atenção persuasivo para apoiar proposições
argumentativas.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olhem como:
[[olhemverboperceptivo-visual]↔[marcar apropriação do espaço de atenção para efeito
persuasivo de sustentação de argumento]]
As microconstruções olha, olhe e olhem, agrupadas na mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ), têm
suas particularidades não só distinguidas pelos contextos de uso levantados, mas também suas
diferenças morfossintáticas, especificadas no polo da forma, e semânticas, especificadas no
polo do sentido.
As flexões das formas são analisadas sob o princípio de persistência de Hopper (1991).
O sentido lexical original do verbo olhar aderiu à nova forma de MD, persistindo em sua
85
semântica e restringindo sua morfologia. Diz o princípio que essa persistência se ―reflete na
distribuição gramatical‖. Entendemos essa distribuição como relações gramaticais da nova
categoria gramatical. Como o verbo é um elemento lexical caracterizado por flexão (de
pessoa, tempo e modo), essa flexão é recrutada para novas funções discursivo-pragmáticas.
No diálogo espontâneo, os falantes assumem papel interlocutivo: ora é falante ora é
ouvinte, ora é narrador presente na cena, ora é narrador observador. Postulamos que o
desprendimento do MD, ao não desempenhar função sintática (própria da classe de verbos) e
não se articular com outros pronomes, desobriga o apontamento da pessoa gramatical. Dessa
forma, a preocupação em concordar pessoa gramatical com verbo torna-se, discursivamente,
inoperante.
Uma proposta para este estágio do MD olhem, com conservação do comportamento
morfológico da construção anterior, é a questão do efeito da frequência juntamente com o
efeito de estratificação ou camadas (Hopper, 1991). Uma vez que a forma olhem é menos
frequente, torna-se mais saliente e um pouco mais complexa. Desse modo, o falante tende a
buscar em padrões anteriores, dentro da mesma rede linguística funcional, um uso para a
adequação morfossintática. Esse processo o torna menos propenso à cristalização, ao contrário
dos MDs olha e olhe, já convencionalizados.
A respeito dessa postulação, defendemos que, em algum estágio anterior de língua, as
formas olha e olhe podem ter apresentado formas funcionalmente marcadoras e
morfologicamente flexionadas.
6.2.1.2 Mesoconstrução‘‘ olhar(locativo)
A mesoconstrução‘‘ olhar(loc) sanciona as microconstruções olha aqui, olhe aqui,
olha aí, olha lá e olhe lá. Essas microconstruções são compostas pelo encadeamento de dois
chunks, duas subpartes. Por esta razão, consideramos formas diretas, porque o ouvinte
interpreta a construção como um todo. Entretanto, trata-se de formas menos leves que as
formas do padrão olhar(ᴓ), visto que implicam interpretações semântico-discursivas mais
elaboradas por parte dos falantes. Dessa maneira, categorizamos a mesoconstrução‘‘
olhar(loc) como forma marcada em relação ao padrão mesoconstrução‘‘ olhar(ᴓ), não
marcado.
Vejamos cada microconstrução do padrão olhar(loc) e especificidades dos constructos
em seus contextos de uso:
86
- microconstrução olha aqui
(29) Que passaria em Pau Seco se Índio não voltasse? E se as chuvas não viessem? Rui tinha
dito que fabricaria água. E se não fabricasse em quantidade suficiente? Rui tinha dito que
não se preocupasse à toa, pois sempre havia o recurso do refresco e chazinhos de
mandacarus, dos ensopadinhos de carrapicho...
- E se acabar o carrapicho?
- Urubu!
- E se A Danada levar os urubus?
- Cobras! Com as cobras prepararia o Elixir dos Bárbaros.
- E se acabar as cobras?
- Olha aqui, Amigo, escuta bem. – Cobra não acabaria, o elixir não acabaria, carrapicho
não acabaria, mandacaru não acabaria, urubu não acabaria, ratazanas não acabariam. A
Danada não acabaria, até as moscas não acabariam e os pau-sequenses tinham
sobrevivido um ano inteiro na base do refogado de moscas.
- Por que você tem tanta certeza?
- Porque se tudo isso acabasse, o Sertão se acabaria! E acabando-se o Sertão, se
acabariam as suas histórias. (CP, séc.XX, Fic, Br, Carvalho-Neto, Suomi, 1986)
No exemplo (29), dois habitantes da cidade de Pau Seco conversam sobre a escassez
que a seca provoca. O ―Amigo‖ questiona Rui quando este afirma que certos ―itens
alimentícios‖ próprios da região não se acabariam. Impacientemente, Rui repete seus
argumentos. No Contexto, em (29), sentidos asseverativos são negociados, uma vez que o
falante impõe impositividade no que declara.
O percurso dessa negociação inicia-se com o recrutamento do MD olha aqui, que
acentua a atenção já dispensada, encurtando o espaço de atenção. Esse encurtamento se deve à
reconfiguração do locativo aqui, uma vez que seu sentido original de localizar ―pontos no
espaço próximo ao falante‖ (MARTELOTTA e RÊGO, 1996, p. 239) ganha um sentido mais
abstrato, em que o foco de atenção do ouvinte não é direcionado para o que o falante aponta,
mas para a veracidade que ele imputa às sequências textuais e, por conseguinte, para as
informações do contexto, no entorno do MD asseverativo.
Após o uso do MD, o falante recruta um vocativo ‗amigo‘ e expressa um comando
‗escuta bem‘‘. O MD, o vocativo e o comando trazem o efeito de um chamamento que vai se
avolumando. Esse efeito traz ao contexto uma inferência sugerida que sinaliza ao ouvinte que
a informação anterior, não entendida satisfatoriamente, vai ser reexplicada e desta vez ele
deve entender.
Nessa progressão contextual, observamos que a interação inicia-se com a negociação
de sentidos assertivos, em que os falantes apenas tencionam declarar algo claramente
compreensível. Quando o contrato interativo entre os interlocutores fica tenso, isto é,
87
negociações de sentidos não estão sendo bem aceitas, as negociações passam para um teor
mais impositivo por parte de um dos falantes, tornando a negociação de sentido mais
asseverativa. Por sua vez, o falante, para garantir legitimidade às suas proposições, cria
estratégias de credibilidade e confirmação às suas palavras.
Dessa maneira, os contextos são fluidos e os sentidos negociados também flutuam em
uma abordagem ora mais impositiva ora menos impositiva, ora graduados por atenuações ora
enfatizados por acentuações. Quando caracterizamos um contexto de uso, essa caracterização
não é estanque, pois o contexto é um contínuo gradiente de significância.
A intenção do falante, que recruta o MD olha aqui, em (29), é que sua atribuição de
sentido seja tomada como expressão de verdade. Sendo assim, a função discursivo-pragmática
apoiada pelo MD olha aqui, nesse contexto, é reforçar as proposições do falante como
verdadeiras na negociação de sentidos em contextos asseverativos.
O fragmento abaixo exemplifica essa postulação:
(30) L1: Não, através dos fios, não. Eu discuto isso com você exatamente por isso. Se quando
forem feitas, as indústrias junto às fontes de... abastecedoras, o preço da energia é mais
barato...
L2: Mas, mas, não adianta, mas...
L1: ... do que o preço do transporte, que o preço do transporte.
L2: ... mas você tem outras coisas pra você localizar uma indústria...
L1: Mas seria o próprio governo que faria...
L2: ... você tem muito mais outros fatores.
#L1: Mas seria o próprio governo que faria, seria o próprio governo que faria essas
indústrias, justo?
L2: Não, mas não é só eletricidade. Olha aqui, você, você precisa... antes de mais nada
vou te dar um exemplo.
L1: Transporte e eletricidade. O Brasil se resume nisso, em duas coisas.
L2: Não. Eu vou te dar... eu vou te dar um exemplo. Olha aqui, a Companhia Nacional
de Álcalis. Foi criada aqui no Estado do Rio, quando as maiores salinas que nós temos e o
sal aonde é mais barato é no nordeste. Então seria lógico, você diria, por quê? Agora digo
L1: E por que que o governo está agora com uma idéia...
L2: Não... um instantinho... não... eu vou te dizer lá porque sobre isso eu conheço a
fundo, não. (NURC/RJ, D2, inq. 64, inf. 74, 1972)
O exemplo (30) retrata a interação entre dois depoentes. O falante L2 utiliza-se do MD
olha aqui em duas sequências argumentativas. A negociação de sentidos, pelo falante L2,
expressa uma preocupação de que sua declaração seja tomada com credibilidade. Ele contra-
argumenta o que foi dito por L1, com as palavras: ‗não, mas não é só eletricidade‘ (linha 11).
Logo após, o falante L2 recruta o MD olha aqui, encurtando o espaço de atenção e propõe um
88
exemplo. Novamente, o falante L1 expõe sua argumentação de que o Brasil se resume em
‗transporte e eletricidade‘. E mais uma vez o falante L2 contra-argumenta: ‗não‘, e diz que vai
dar um exemplo (linha 14). O exemplo é introduzido pelo MD olha aqui. Novamente o
espaço de atenção entre os interlocutores é encurtado.
Desse modo, a negociação de sentidos asseverativos é sustentada, no contexto, pela
contra-argumentação, e o sentido de veracidade às informações é conferido pela tentativa de
exposição de exemplos, o que confere credibilidade à argumentação de L2 para iniciar a
sequência dissertativa de sua exemplificação. O afixoide aqui traz ao contexto o sentido de
que nesse meu espaço, nessas palavras é onde está a verdade, a informação correta.
Identificamos, nos 29 contextos de uso do MD olha aqui analisados, 16 em que o MD
é recrutado para marcar veracidade às proposições do falante.
Vejamos abaixo um contexto em que o uso do MD olha aqui apoia, em contexto
asseverativo, a intenção do falante em introduzir um julgamento:
(31) E: Poxa! E que você acha assim de mulher jogando futebol, heim?
F: Está, olha aqui, eu não sou favorável não. Eu acho que existe o esporte é feminino e o
futebol, esporte masculino, não é? Eu acho, que eu acho que é um porque já pensou? Se a
mulher vai jogar futebol, amanhã ela está querendo lutar boxe, não é isso?
(PEUL/RJ, censo 1980, entrevista, falante 14)
No exemplo (31), o entrevistador (E) pergunta ao informante (F) sua opinião sobre
‗mulher jogando futebol‘. A intenção do falante (F) é opinar. A negociação asseverativa que
se segue é sustentada por uma dupla negação - ‗eu não sou favorável não‘ - e pela presença do
pronome de 1ª pessoa ‗eu‘ nas três sequências seguintes, o que embasa o teor de credibilidade
que os sentidos asseverativos requerem para se constituir.
O uso do MD olha aqui, no início do turno, além de marcar um espaço de atenção
estreitado, reforça a asseveração do contexto e apoia a introdução do julgamento pessoal feito
pelo falante (F). Sendo assim, no contexto (31), a função discursivo-pragmática
desempenhada pelo MD olha aqui é apoiar a avaliação pessoal do falante, marcando a
introdução ou confirmando um julgamento. Nos 29 contextos de uso do MD olha aqui,
identificamos 12 em que o MD marca a introdução de julgamento pessoal do falante.
Na análise dos 29 contextos de uso do MD olha aqui, verificamos que marcar
introdução de julgamento (12 ocorrências), veracidade das proposições (16 ocorrências) e
89
quebra de expectativa (2 ocorrências) são algumas das funções discursivo-pragmáticas
desempenhadas pelo MD olha aqui em contextos de uso. Essas funções estão em gradiência
dentro de uma rede de significância. Como alegamos no capítulo 3, além de serem gradientes,
as funções e subfunções são acumulativas.
Na função de regular, a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha aqui é, basicamente, um marcador de atenção que embasa essa segurança expressa pelo
falante em proposições que retratam fatos reais.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha aqui como:
[[olhaverboperceptivo-visualaquilocativo]↔[marca o espaço de atenção, aproximando
interlocutores para apoiar impositividade do falante que garanta efeitos de veracidade]]
- microconstrução olhe aqui
(32) - Não, doutor, não entenda mal. A gente tem de escrever tudo num papel para o homem
entender. Assim mesmo, ele só lê soletrando, palavra por palavra. Rolim começava a
impacientar-se. Aquele delegado, que lhe fora tão recomendado, estava lhe saindo um
trapalhão, prolixo como Cantinflas, prolixo como os advogados de causas perdidas de que
já se julgava livre, prolixo, não, prólixo. Interrompeu o diagnóstico da surdez que
Pulmann fazia do velho contínuo da CND: - Olhe aqui, delegado, trate de soltar essa
gente, porque não há fundamento legal para qualquer prisão. Não tarda a chegar aí um
advogado com um habeas-corpus. Responda, agora: já localizou algum dos informantes
sobre os quais você mandou manter vigilância? Creio que achá-los será o caminho para
encontrar os chefões. (CP, séc. XX, Fic, L. Beltrão, A Greve dos desempregados, 1984)
O constructo olhe aqui, no exemplo (32), é um token selecionado dentre um total de
19 dados levantados na instância de uso como MD, virtualmente representados pela
microconstrução olhe aqui.
No exemplo (32), o falante (advogado) negocia sentidos para induzir o delegado
(Pulmann) a soltar as pessoas que foram presas. O MD olhe aqui, ao encurtar o espaço de
atenção entre os interlocutores, funciona, pragmaticamente, para agilizar a interpretação de
sua declaração e incentivar tomada de atitude. Esse sentido é agregado pela metaforização do
locativo aqui como expressão de urgência. No contexto, são negociados sentidos tanto
asseverativos quanto repreensivos.
90
Os sentidos repreensivos69
são negociados com base nas estratégias do uso do vocativo
‗delegado‘ e do imperativo ‗trate de soltar‘, devido ao chamamento e expressão de ordem
direta. A sequência narrativa ‗não tarda a chegar aí um advogado com um habeas-corpus‘,
com inferência de que futuras providências podem ser tomadas para neutralizar a ordem de
prisão dada pelo delegado, reforça o sentido repreensivo.
Os sentidos asseverativos, que garantem o teor de segurança nas proposições do
falante, são negociados através da sequência explicativa ‗porque não há fundamento legal
para qualquer prisão‘, que embasa o teor de credibilidade do falante, sustentando sentido de
que a informação veiculada anteriormente - ‗tarte de soltar essa gente‘ - é a negociação que
deve ser aceita.
Verificamos que o sentido de urgência da construção olhe aqui, conferido pelo
afixoide aqui, é sustentado pela ordem ‗responda‘ e os advérbios de tempo ‗agora‘ e ‗já‘.
Todo esse arranjo do contexto é, funcionalmente, uma organização estratégica no nível
textual-interativo para levar o ouvinte (delegado) à tomada de atitude.
Pela análise acima, podemos apontar que a função discursivo-pragmática
desempenhada pelo MD olhe aqui é apoiar a impositividade do falante na negociação de
sentidos asseverativos, com a intenção de controlar ações e direcionar decisões do seu
interlocutor.
Vejamos outro contexto de uso com o MD olhe aqui:
(33) Tudo estava indo bem, e muito rápido, graças a São Judas Tadeu. Consultou Evangelina
sobre quem chamar. Se o médico, doutor Lourenço, ou Adélia, a velha parteira. - Quem
vai dizer é a senhora. Quem tá parindo é a senhora. Só quero que minha santinha resolva
rápido. - Chame quem você quiser - gritou Evangelina em meio a uma forte contração.
Rita decidiu. Assim que Clarinha voltou trazendo Sintônio, o vaqueiro, pelo braço, ela
ordenou que ele fosse correndo buscar a parteira: - Olhe aqui, Sintônio, eu vou dar uma
cusparada bem aqui no tijolo. Antes que esse cuspe seque eu quero ver você de volta com
a comadre Adélia na garupa do seu cavalo. - Pode descansar, comadre Rita. Pode ficar
descansada. Não tem força nesse mundo que me faça faltar com a patroa - respondeu o
velho vaqueiro. E saiu na pressa que pôde, pra se desincumbir de sua missão.
(CP, séc. XX, fic, Br, Joyce Cavalcante, Inimigas íntimas, 1993)
No exemplo (33), Rita, ao ver que Evangelina, sua patroa, está em dores de parto,
questiona a quem deve chamar. Evangelina grita: ‗chame quem você quiser‘. Anterior ao uso
do MD, o uso do verbo ‗decidir‘ e a sequência narrativa ‗ela ordenou‘ indica a posição de Rita
69 O termo repreensivo neste trabalho está sendo usado com sentido de recriminar, advertir e admoestar.
91
enquanto papel discursivo de falante, que lhe foi imputado pela sua patroa ao conferir lhe às
palavras: ‗chame quem você quiser‘. Nesse contexto, Rita recruta o uso do MD olhe aqui para
apoiar impositividade aos sentidos negociados no contexto, dando à sua declaração teor de
segurança, o que faz com que o ouvinte dê credibilidade aos sentidos negociados por Rita.
Esse sentido asseverativo, negociado no contexto, entre a patroa e Rita, ganha uma
impositividade maior quando a interação do contexto passa a ser entre Rita e o vaqueiro. O
MD olhe aqui introduz, na linearidade do texto, uma sequência narrativa - ‗Sintônio, vou dar
uma cusparada bem aqui no tijolo‘ - e uma sequência injuntiva - ‗antes que este cuspe seque
eu quero ver você de volta com a comadre Adélia na garupa do seu cavalo‘. ‗Cuspi no tijolo
antes que seque‘ traz uma implicatura ao contexto denotando sentido de ameaça e
advertência, sequência textual essa dotada de uma idiossincrasia própria.
O contexto demonstra que a falante Rita não está preocupada em expressar veracidade
de fatos ou informações, mas que suas ordens sejam cumpridas. No intuito de que suas
palavras soem como uma ordem, Rita recruta o MD olhe aqui para apoiar sua advertência e
induzir o ouvinte à ação. Quando isso ocorre, o contexto torna-se injuntivo - devido à
motivação para a ação - e os sentidos, mais intersubjetivos, mais centrados no ouvinte.
Postulamos que, assim como em (32), em (33), o sentido do MD não é interpretado
como expressão de ordem, mas de urgência, ou melhor, o ouvinte deve compreender o que o
falante requer, e o que o falante requer é com urgência. Sendo assim, podemos identificar, no
contexto (33), um acúmulo das funções discursivo-pragmáticas de marcar a condução de
tomada de atitude e a de marcação de advertência/repreensão.
Dentre os 19 contextos de uso do MD olhe aqui, verificamos que em 12 o MD olhe
aqui é recrutado para marcar condução para tomada de atitude do ouvinte e, em 16 deles,
marca repreensão ou advertência.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olhe aqui é, basicamente, um marcador de atenção em contextos asseverativo com acúmulo de
funções que denotam condução do ouvinte à tomada de atitude e/ou marcação de
advertência/repreensão.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olhe aqui como:
[[olheverboperceptivo-visualaquilocativo]↔[marca o espaço de atenção, aproximando
interlocutores para apoiar impositividade do falante que garanta efeitos sobre o ouvinte]]
92
- microconstrução olha aí
(34) ACM: - Temos a compreensão de que parlamento é para servir, não para alguém se servir
dele; mas creio que se deve renumerar decentemente o parlamentar. Mas sou contra a
renumeração indireta, como nomear pessoas sem necessidade e criar cargos para
familiares. Isto não honra ninguém.
Estado: - Que pontos da reforma do judiciário o senhor considera necessários?
ACM: - Sou a favor da súmula vinculante. Olha aí, estou ao lado do ministro Pertence.
Não é possível que a Justiça continue julgando coisas já definidas pela Suprema Corte. O
efeito vinculante é uma necessidade. O mais grave, porém, é que o pobre não tem acesso
à Justiça. (CP, séc. XX, Br, oral, A. C. Magalhães, 1997)
O constructo olha aí, no exemplo (34), é um token selecionado, dentre um total de 16
dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução olha aí.
O exemplo (34) retrata uma entrevista retirada da mídia jornalística, consistindo em
diálogo do tipo par P-R. Descrevemos esse contexto como asseverativo, uma vez que ambos
os falantes inferem teor de segurança às suas declarações. Na elaboração da pergunta, o teor
de segurança é sustentado pela forma da organização textual no tempo verbal presente e pelo
uso do pronome interrogativo, visto que facilita a ―correlação com elementos da resposta‖
(AQUINO et al, 2015, p. 151). Na elaboração da resposta, o teor de segurança é sustentado
pela sequência descritiva iniciada pelo verbo flexionado em 1ª pessoa - ‗sou‘ -, denotando que
o falante não hesita em responder.
O entrevistado (ACM) usa o MD olha aí para pontuar o espaço de atenção. O sentido
da construção olha aí pouco depende da negociação de sentido anterior a ele, mas diretamente
influencia a negociação de sentidos após o uso como MD. O slot fixo (olha) é reconfigurado
como um verbo de compreensão. O slot aberto preenchido pelo afixoide aí traz ao todo um
sentido reconfigurado, visto que o sentido original de algo apontado está perto do ouvinte, aí,
reconfigurado para engajar o ouvinte em um compartilhamento na negociação de sentidos.
Cognitivamente, podemos destacar que há uma sinalização de insight como motivação
para o uso interacional. Ao empregar o MD para apontar um pensamento inesperado, o falante
(ACM) demonstra a criação de um vínculo de conclusão entre dois argumentos durante sua
fala. Podemos ilustrar: ele (ACM) é a favor da súmula vinculante; o ministro Pertence,
também. Conclusão: ACM e o ministro estão do mesmo lado (político). Dessa maneira, o MD
olha aí não aponta nenhum elemento textual, mas sentidos construídos no discurso. Esses
93
sentidos derivam dessas informações e dos conhecimentos de experiências anteriores. O MD
olha aí aponta essa conclusão ‗estou do lado do ministro Pertence‘, construída a partir da
negociação de sentidos, e a direciona para o ouvinte como uma provocação à participação do
outro na compreensão desse sentido. Observamos, ainda, que o contexto torna-se injuntivo a
partir dessa provocação.
Vejamos outro exemplo para reforçar nossa afirmação:
(35) Doc. – Quando você quer chamar a Chaninha pra perto de você, como é que você chama?
Loc. – Ah, ih, olha aí, eu, eu, eu chamo de um modo muito esquisito. Eu mio, eu não, eu
não falo, eu mio pro bi... eu chamo de Chaninha, todo nós chamamos de Chaninha,
queridinha, meu amorzinho, vem cá filhinha e, é, fico brincando, imitando a língua do
gato, né?
Doc. - Mas aí, como é que você faz?
Loc. – Ih, faço pchi, pchi, pchi, pchi, pchi, né? Que é característico, mas quase não faço
pchi, pchi, pchi, não, a gente chama mais de Chaninha mesmo. (NURC/RJ, DID, inq.
120, loc. 137, 1972)
No exemplo (35), o documentador quer saber como o locutor chama seu animal de
estimação. O locutor inicia sua resposta com as interjeições ‗ah‘, ‗ih‘, que negociam sentidos,
no contexto, sugerindo desconforto do falante quanto ao assunto. Logo em seguida, o falante
recruta o uso do MD olha aí, sinalizando um insight, um pensamento inesperado. Essa
sinalização de pensamento ou lembrança inesperada com o apoio do MD olha aí traz uma
implicatura de instantaneidade ao contexto e provocação dessa instantaneidade no ouvinte,
porquanto este é provocado a compartilhar a interpretação do que o falante está pontuando na
negociação. O falante dá uma pista do sentido que quer pontuar para negociar com o
interlocutor: ‗eu chamo de um modo muito esquisito‘. Quando o falante declara em sequência
narrativa ‗eu mio‘, conclui sua negociação do sentido, aberto no discurso pelo pensamento
inesperado.
Postulamos que o ouvinte, para resgatar o sentido do MD olha aí, requisita de sua
memória experiências que envolvam situações parecidas e filtra o que pode e o que não pode
ser interpretado. Uma das justificativas para defendermos que o MD olha aí é pouco
composicional se embasa no fato de que o resgate sintático-semântico da construção depende
mais do contexto do que da soma do sentido das partes.
Com essas observações, identificamos como função discursivo-pragmática
desempenhada pelo MD olha aí apoiar a intenção do falante em provocar o ouvinte a realizar
uma interpretação instantânea dos sentidos negociados.
94
Nos 16 tokens analisados, observamos que em 14 os MDs desempenham subfunção de
marcar sinalização de insight. Notamos que a marcação do insight é proferida pelo falante e
compartilhada com o ouvinte, o que deixa evidente a subjetividade expressa no contexto, visto
que o falante se preocupa com sua autoimagem, marcando uma perspectiva de seu ponto de
vista e direcionando a interpretação do ouvinte de acordo com essa perspectiva.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha aí é, basicamente, um marcador que pontua no espaço de atenção determinado sentido
para provocar o ouvinte a uma negociação em conjunto com o falante, dessa forma
direcionando a atenção do ouvinte, por meio de inferência de sentido de provocação, para este
ponto.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha aí como:
[[olhaverboperceptivo-visualaílocativo]↔[marca o espaço de atenção, provocando no ouvinte
efeito de interpretação instantânea]]
- microconstrução olha lá
(36) Dona Ifigênia implicava com a moça. Não a despedira há mais tempo, dizia sempre,
porque era limpinha e trabalhadora, afinal. "Mas muito saliente e entrona", arrematava.
Um dia, mandou-a embora. Artur se recordava agora de seu riso de dentes alvos e
irregulares quando, naquela tarde, vinha descendo a escada da cozinha com o embrulho
de roupa debaixo do braço. No último degrau, se aproximou dele, risonha, e recomendou:
- Olha lá, hein! Aquilo é segredo.
Aonde andaria ela naquele momento? Olhou para fora, de novo. A penumbra do porão
envolvia-o como uma carícia. De repente, começou a ouvir, vinda de todos os cantos,
uma porção de vozes que repetiam a frase já tão distante. (CP, séc. XX, Br, Fic, F. Inácio
Peixoto, Chamada geral, 1982)
O constructo olha lá, no exemplo (36), é um token selecionado dentre um total de
nove dados levantados na instância de uso como MD, virtualmente representados pela
microconstrução olha lá.
No exemplo (36), o personagem Arthur relembra a fala da moça: ―- Olha lá, hein!
Aquilo é segredo.‖ Na negociação de sentidos, o MD olha lá apoia a impositividade do
falante como atribuidor de significado. Pela leitura do exemplo, percebemos que a principal
95
intenção comunicativa do falante (a moça) é advertir e direcionar o ouvinte para uma tomada
de atitude. O uso da interjeição ‗hein‘ reforça o sentido de repreensão do MD. O uso do nome
‗segredo‘ como qualificador de ‗aquilo‘ infere uma implicatura no contexto de que existe
algo, compartilhado pelos interlocutores, que não deve ser contado. Dessa maneira, a
atribuição de significados conjuga uma projeção de atitude - não contar - com uma
advertência.
Há, no uso do MD olha lá, uma negociação de sentidos próprios da construção. O MD
olha lá marca um espaço de atenção distante de quem fala e de quem ouve. Dessa forma, na
sequência descritiva, os sentidos negociados são afetados por essa extrapolação no espaço de
atenção aberto pelo MD. Essa extrapolação é decorrente da reconfiguração do locativo lá, que
traz ao contexto um sentido abstrato de passar dos limites, de extrapolação, futuridade ou
exagero.
Vejamos outro exemplo de uso do MD olha lá para ratificar nossas análises:
(37) Ficou um instante parado a contemplar o dinheiro que reservara, mas teve um movimento
de bondade: tomou uma nota de cinqüenta e deu-a à velha. - Isto é para a senhora. Ela
abriu muito os olhos, espantada. - Onde arranjaste? Foi o Fábio? - O Fábio..! - Riu
escarninho. - Que idéia! Recebi no jornal, - explicou, numa inspiração instantânea. - Mas
tu podes precisar, meu filho. - Fico com o bastante, descanse. - Olha lá! - Ora, mamãe, eu
faço cerimônias com a senhora? - Está bom, obrigada. E que Deus te proteja. - Amém!
Deitado, d' olhos fechados e amolecido de fadiga, Paulo não pôde conciliar o sono,
recordando todas as peripécias do jogo. Estava ainda sob a impressão intensa da sorte que
tantos comentários provocara. O próprio Junqueira, sempre indiferente, lamentara que ele
"não soubesse aproveitar o seu dia". (CP, séc. XX, Br, Fic., Coelho Neto, O turbilhão,
1906)
No exemplo (37), os falantes, mãe e filho, se interpelam sobre quem vai ficar com o
dinheiro oferecido pelo filho. O uso do MD olha lá introduz uma advertência menos incisiva
que a advertência contida no exemplo (36), uma vez que não percebemos tom de ameaça.
Essa advertência menos incisiva é sustentada pelo uso da locução ‗podes precisar‘, indicando
sentido de necessidade em futuro próximo. Outro motivo para a atribuição de significados ser
menos impositiva e mais compartilhada pelos interlocutores, é o fato de que estes são mãe e
filho adulto. Observamos que o interlocutor (filho) contra-argumenta a advertência da mãe:
‗Ora, mamãe, eu faço cerimônias com a senhora?‘, sem quebrar a expectativa da negociação.
96
Nesse exemplo (37), o MD olha lá está tipificado com uma pontuação de exclamação.
Assim, há uma marca de relevo fonológico saliente, o que contribui para reforçar extrapolação
do sentido veiculado no espaço de atenção.
Nos exemplos (36), (37) e nos demais sete tokens levantados, observamos que a
segunda subparte lá coopera para conferir ao contexto sentidos além de sua base lexical. Visto
que, ―em certas situações, não fazemos associação explícita com este valor espacial original‖
(MARTELOTTA e RÊGO, 1996, p.239), há uma conceptualização do domínio espacial
concreto de base dêitica para o domínio discursivo.
Sendo assim, o locativo lá agrega sentidos não mais localizados em relação à
foricidade, mas que atuam para expressar o que o contexto discursivo negociado requer.
Como o locativo lá não resgata referencialidade no nível textual, seu resgate de significância
passa a ser ancorado no discurso.
Observamos que, tanto em (36) quanto em (37), o direcionamento da atenção do
ouvinte para uma advertência e para uma projeção de tomada de atitude atua no nível
discursivo da situacionalidade, o que torna o contexto injuntivo e com um alto grau de
intersubjetividade porquanto os sentidos negociados nos contextos referem-se às situações
hipotéticas projetadas entre locutores. Essa negociação de sentido de futuridade, isto é, a
condição de situacionalidade dos falantes em futuro hipotetizado, é captada em sete dos nove
tokens levantados do MD olha lá.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha lá basicamente desempenha subfunções para cumprir determinados objetivos
comunicativos. Um desses objetivos consiste em estender para além de um limite textual o
espaço de atenção. E nesse espaço mais abstrato - o nível discursivo -, são cumpridas funções
discursivo-pragmáticas tais como apoiar advertência, apoiar indução de tomada de atitude e,
em alguns contextos, apoiar expressão da vontade do falante.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha lá como:
[[olhaverboperceptivo-visuallálocativo]↔[marca a extrapolação do espaço de atenção para efeito
de mudança no nível discursivo da situacionalidade]]
97
- microconstrução olhe lá
(38) Só sei que seu Juca Vilanova meteu na cabeça que quer umas boas fotografias da estátua
e acabou-se. Quando ele cisma, o melhor é não discutir. E nem foi a mim que ele disse
isto - acrescentou Adriano com rancor, - foi ao cretino do Alfredo. - Alfredo conseguiu
ver o grande homem? - Conseguiu, mas à custa de muita humilhação. Eu não aturava
aquelas coisas, não. - Mas agora é ele quem recebe as ordens de seu Juca Vilanova? -As
ordens não, olhe lá. Foi só desta vez que ele me mandou recado pelo Alfredo. E pode ser
que o Alfredo tenha recebido o recado de outra pessoa.. - E qual é a estátua que seu Juca
Vilanova quer fotografar? - A de Judas. - Só a de Judas? Só. - Ué! Que foi que deu nele? -
Ainda bem que ele não pediu a estátua inteira, velhinho. Ela é das grandes, não é?
(CP, séc. XX, Br, Fic, Antônio Callado, A Madona de Cedro, 1957)
O constructo olhe lá, no exemplo (38), é um token selecionado dentre um total de 22
dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução olhe lá.
No exemplo (38), as sequências descrevem um contexto em que os personagens
argumentam entre si sobre quem recebe as ordens de ‗seu Juca Vilanova‘. Ao ser indagado se
Alfredo agora é quem recebe as ordens de seu Juca Vilanova, com a declaração interrogativa
‗mas agora é ele quem recebe as ordens de seu Juca Vilanova?‘, Adriano interrompe a
interpretação proposta pelo seu interlocutor, induzindo-o a reinterpretar o sentido da
mensagem. O MD olhe lá apoia o interrompimento da negociação de sentido e a introdução
de outra negociação para interpretação do sentido anteriormente proposto.
No contexto, a quebra da linearidade da interpretação é reforçada pela sequência
negativa anterior ao MD olhe lá. Essa declaração negativa - ‗as ordens não‘ - é a resposta à
pergunta anterior e também atua no contexto como estratégia para contra-argumentar a
interpretação sugerida pelo falante Adriano. O contexto ganha sentidos mais asseverativos
com alto teor de impositividade pela forma direta dessa declaração, um sintagma nominal
mais advérbio negativo.
Logo após, o falante continua seu turno introduzindo o MD olhe lá, apoiando a
intenção de conduzir o ouvinte à reinterpretação de sentidos já negociados. A negociação de
sentidos asseverativos e a intenção de levar o ouvinte a reinterpretar sentidos anteriores
continuam sendo sustentadas com o uso de argumentos que desqualificam o personagem
Alfredo como mandante: ‗E pode ser que o Alfredo tenha recebido o recado de outra pessoa‘.
98
O MD olhe lá, assim como o MD olha lá, traz sentido de extrapolação na negociação
do contexto, devido à especificidade de sentido da reconfiguração do locativo lá. Em
contrapartida, nos usos do MD olhe lá, notamos que o ouvinte é direcionado à reinterpretação
da mensagem, enquanto, nos contextos de uso do MD olha lá, os sentidos negociados têm
como principal objetivo induzir o ouvinte à tomada de atitude. Essa indução de
reinterpretação é o que diferencia, em aspectos discursivo-pragmáticos, o MD olhe lá do MD
olha lá.
Destacamos que, na questão da função discursivo-pragmática de marcar advertência,
os dois MDs olha lá e olhe lá atuam para cumprir esse papel. Dos nove tokens do MD olha lá
sete marcam essa função, enquanto dos 22 tokens do MD olhe lá seis marcam advertência.
Nos 22 tokens levantados do MD olhe lá, observamos nove contextos de uso em que
esse MD se encontra no final do turno, desempenhando uma subfunção de encerramento do
turno, cumprindo assim as funções de articular segmentos do discurso e de direcionar a
interação.
Vejamos um contexto de uso com o MD olhe lá no final do turno:
(39) E: E:, é:, qual é o seu grau de instrução? O senhor estudo até que série?
F: Meu grau de instrução não vai muito longe não. Na época que eu estudei, devia ter a
quarta... quinta série só.
E: É...
F: Primário, chamava-se primário. Hoje é primeiro grau, segundo grau, vestibular,
faculdade, essas coisa toda. Na época tinha que faze nada disso. Só fiz o primário e: olhe
lá.
E: E: o senhor nasceu aqui no Rio, aqui no Rio mesmo?
F: Nasci aqui em Marambaia.
E: Aqui em Marambaia?
F: É: sou natural daqui mesmo. Na época era Capital Federal.
E: Era ?
F: Aqui era Capital Federal.
E: Caramba! (PEUL/RJ, Censo 1980, entrevista, falante 54)
O exemplo (39) consiste em uma entrevista, em que o contexto trata dos temas
escolaridade e origem do nascimento do falante (F). Observamos que os sentidos negociados
são assertivos, visto que há menos impositividade entre os interlocutores, favorecendo o
compartilhamento de atribuição de significados. E com o uso do MD olhe lá, o sentido torna-
se asseverativo.
99
O falante (F), em sequência descritiva, responde sobre seu grau de instrução: ‗Meu
grau de instrução não vai muito longe não‘, e justifica sua declaração com uma sequência
argumentativa: ‗Na época em que eu estudei, devia ter a quarta... quinta série só‘. Após essa
introdução é que o falante (f) responde a pergunta do entrevistador (E): ‗Primário, chamava-se
primário‘. Continuando o turno, o falante (F) lista graus de escolaridades exigidas ‗hoje‘. Há
uma implicatura sugerida na negociação desses sentidos em que o falante pretende que o
ouvinte entenda que ele só estudou até o primário porque em sua época não havia necessidade
ou exigência de outras séries. Em seguida, o falante (F) conclui sua resposta: ‗Só fiz o
primário e olhe lá‘.
O uso do MD olhe lá, no contexto, apoia a função discursivo-pragmática de conduzir o
ouvinte à reinterpretação de sentidos Ao inserir o MD olhe lá na linearidade do textual-
interativo, o falante sugere ao ouvinte que toda a codificação on-line até o uso do MD precisa
ser revista. Essa estratégia sugere ao ouvinte reinterpretar da seguinte maneira: só fez o
primário, e só fazer o primário já era muita coisa. Verificamos que há um resgate dos
sentidos negociados nas sequências anteriores e uma reinterpretação deles.
Alegamos que o locativo lá, uma vez metaforizado para sentidos de extrapolação e/ou
distanciamento, aponta para o espaço abstrato discursivo onde sentidos já foram negociados e
os extrapola, os remete para longe dos interlocutores, como uma referenciação discursiva.
Podemos explicar como um efeito de extrapolação de sentidos, quer dizer: ―a informação é
tudo isso e mais um pouco‖. Esse indício nos leva a postular que o MD olhe lá,
diferentemente do MD olha lá, atua, prototipicamente, no nível discursivo da informatividade.
Assim, os novos sentidos atuam para expressar o que a informação veiculada requer.
O sentido de extrapolação conferido à construção pela segunda subparte lá revela um
distanciamento que descompromete o falante da responsabilidade de certos sentidos
negociados em contexto. Podemos verificar no exemplo (39) que o falante, ao recrutar o MD
olhe lá, se exclui da exigência de ter feito os outros níveis de escolaridade.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olhe lá é, basicamente, um marcador de atenção que confere ao contexto subfunções para
cumprir objetivos comunicativos de estender os sentidos para além de um limite textual.
Algumas dessas subfunções são: marcar contra-argumentação, marcar reforço na veracidade
das informações, encerramento do turno e repreensão, isto é, um conjunto de subfunções que
atuam na regulação da informação veiculada no contexto. E esse espaço extrapolado abstrato,
o nível discursivo, atua principalmente desempenhando a marcação no apoio da função
discursivo-pragmática de conduzir o ouvinte à reinterpretação de sentidos.
100
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olhe lá como:
[[olheverboperceptivo-visuallálocativo] ↔ [marca extrapolação do espaço de atenção para
efeitos de mudança no nível discursivo da informatividade]]
Diante das colocações apresentadas, verificamos que, prototipicamente, enquanto a
microconstrução olha lá é recrutada para contextos de uso que valorizam o nível situacional
do discurso, a microconstrução olhe lá é recrutada em contextos de uso que valorizam o nível
informacional do discurso. Dessa maneira, consideramos o MD olha lá funcionalmente
situacional e o MD olhe lá funcionalmente informacional.
6.2.1.3 Mesoconstrução‘‘ olhar (focalizador)
A mesoconstrução‘‘ olhar(foc) sanciona as microconstruções olha bem e olha só.
Essas microconstruções são compostas de duas partes, isto é, do encadeamento de dois
chunks. Esse encadeamento consiste de uma parte fixa (olha) e uma não fixa, um slot. Esse
slot é preenchido por advérbios que desempenham função de focalizadores (só, bem).
Categorizamos a mesoconstrução‘‘ olhar(foc) como as formas mais marcadas do
padrão construcional olhar(x). Para tal, levamos em conta que nesse padrão o resgate
sintático-semântico das microconstruções indica grande perda de composicionalidade.
Alegamos, assim, que padrões menos composicionais são mais complexos
cognitivamente. Levamos em conta, também, que na frequência type a preferência de
conjunto de formas do padrão com a base verbal olhar não se dá por elementos de função
focalizadora, mas de função locativa. E como são formas menos requisitadas, consideramos
esse fator um sinal de complexidade estrutural e cognitiva; consequentemente, o padrão se
torna mais saliente devido à baixa produtividade de formas. Outra justificativa é a baixa
frequência token, visto que o total de tokens do padrão olhar(foc) é menor.
Vejamos, a seguir, cada microconstrução do padrão olhar(foc) e especificidades dos
tokens em seus contextos de uso.
- microconstrução olha bem
101
(40) Não há nela nem revolta, nem resignação. Interessa-me. Queria-a para minha mulher.
Mas eu.. Ah! meu Deus! Há de ser sempre isso. Há uns tempos a esta parte, vai se dando
uma curiosa coisa. Na rua, nos bondes, nos trens, eu me interesso por certas moças e às
vezes por cinco minutos chego a amá-las. Procuro-lhes a moradia. Passo duas, três vezes
pela porta timidamente, gauchement - onde me levará isso? Toma tento, Afonso! Não te
precipites. Olha bem. "Nosce te"... Reflexões no Leme. Divertimento que, tirado dos
colégios, foi fazer, no Leme, as delícias dos marmanjos - o balanço. Há aqui alguns
ingleses, com máquinas fotográficas, pavorosos; (parodiando) porque todos os ingleses
não ficam na Inglaterra? Quando se quer divertir, deve-se andar só. Os imbecis mesmo
perturbam. (CP, séc. XX, Fic, Diário íntimo, L. Barreto, 1953)
O constructo olha bem, no exemplo (40), é um token selecionado dentre um total de
quatro dados levantados na instância de uso do século XX, virtualmente representados pela
microconstrução olha bem.
No exemplo (40), o falante/escritor relata, em sequência narrativa, seu comportamento
para com o sexo oposto. Como uma forma de autoadvertência, o falante/escritor explicita em
discurso direto: ‗onde me levará isso? Toma tento, Afonso! Não te precipites‘. Essa expressão
de advertência ganha força pelo uso da 2ª pessoa e do vocativo, que se refere ao próprio
falante. Sendo assim, os sentidos negociados em contexto são asseverativos. O falante/escritor
utiliza o MD olha bem para reforçar as advertências anteriormente feitas.
O MD, em (40), desempenha como subfunção um jogo de focalização na situação
anteriormente relatada e nas advertências feitas. Sendo assim, o MD olha bem marca o foco
em um determinado espaço para o qual a atenção do ouvinte/leitor deve se dirigir. Esse
espaço a que se dirige o efeito de focalização é o discursivo-situacional. A situacionalidade
diz respeito ao fato de o falante ter andado pela cidade atrás das moças. O MD olha bem apoia
a intenção de focalizar o que ele está fazendo, a situação retratada anteriormente. Portanto, o
afixóide bem direciona a atenção do próprio falante para a sua condição e traz sentidos em
que pragmaticamente ele não está apenas advertindo, mas se impondo uma reflexão sobre os
fatos.
Sendo assim, pelo contexto, temos duas funções discursivo-pragmáticas
desempenhadas pelo MD olha bem: apoiar advertência e apoiar direcionamento do ouvinte à
reflexão - o que não é de estranhar, porquanto os MDs são polifuncionais.
Nos outros três exemplos levantados para análise, o MD olha bem é posicionado no
meio do turno, cumprindo a função de articular segmentos do discurso. Não verificamos,
nesses exemplos, sinais da função de marcar advertência/repreensão, como encontrado neste
único exemplo (40). Dessa maneira, consideramos que a função discursivo-pragmática de
102
advertência não constitui uma função prototípica do MD olha bem, mas, sim, a função
discursivo-pragmática de conduzir o ouvinte à reflexão.
Vejamos um exemplo em que o MD olha bem é posicionado no meio do turno:
(41) Quando eu separei dela eu tinha dinhero no banco, eu tinha tudo e ela tinha de tudo. O
tempo que tava saíno a televisão, a mãe dela comprô uma televisão pra ela lá, ela me
pediu uma televisão, eu comprei televisão pra ela também, tendeu? E ela tinha de tudo
dentro de casa, trabalhava... minha mulhé, por exemplo, de casado ela tinha o que, na
época ela ganhô... era salário Ela ganhava quarenta e quatro cruzero por mês, eu ... eu
servi o exército, tava no exército, tava no exército, namorava ela, namorava não, já
morava com ela, você não pode... não podia casá que na época se... soldado não podia
casá. Aí veio a garota, mas ela, por exemplo, trabalhano, eu descia com ela, gastava cinco
cruzero, olha bem! Subia mais cinco, mais dez. ―Ainda tinha que sobrá‖ dinhero pa fazê
lanche. Fazê as conta: ela ganhava quarenta e dois ... por mês e eu gastava cinqüenta,
mais de cinqüenta reais... mais de cinqüenta cruzero por semana com ela. Tinha
condições disso? Eu falei pra ela: ―O negócio é o seguinte: você fica em casa porque eu te
dô os cinquenta por semana e fico... descanso mais.‖ É mermo! É direito e... Ela não
trabalhano, ela ganhava mais do que trabalhano, ficava com duzentos, duzentos,
antigamente era cruzero, né? (PEUL-RJ, Censo 2000, falante 16, 2000)
Assim como no exemplo (40), no (41) o uso do MD olha bem desempenha várias
subfunções, por exemplo: sustentar o turno, direcionar a atenção do ouvinte, reforçar
veracidade da informação e articular porções do discurso. Não encontramos, nesse contexto, o
uso do MD olha bem para marcar função de advertência por parte do falante.
O que ocorre, em (41), é uma focalização em determinado espaço onde a atenção do
ouvinte é dirigida. A focalização é tomada como uma subfunção, como uma estratégia para o
falante executar suas intenções comunicativas e com isso o MD cumprir funções discursivo-
pragmáticas no contexto.
Em (41), o MD olha bem é recrutado para dirigir o foco da atenção do ouvinte para as
informações a seguir (um dado novo): ‗Subia mais cinco, mais dez‘. Há uma valorização do
conteúdo a ser dito, o que prende o ouvinte para o desfecho. Sendo assim, o uso do MD olha
bem sinaliza ao ouvinte que as informações seguintes são de extrema importância para a
compreensão e desfecho da mensagem: ‗Ainda tinha que sobrá dinhero pa fazê lanche‘.
Na microconstrução olha bem, o afixoide bem tem seu sentido de base adverbial
circunstancial reconfigurado. Assim, segundo Ilari (2002), a ―localização exata‖ pode ser
tomada como estratégia de focalização. Alegamos que esse sentido funcional de focalizador é
metaforizado para sentidos de localizar diferentes níveis do discurso: o nível da
situacionalidade, caso do exemplo (40), em que o falante focaliza suas atitudes; e o nível da
103
informatividade, caso do exemplo (41), em que o falante focaliza as informações do dado
novo. Em ambos os níveis discursivos, observamos que os sentidos negociados conduzem os
ouvintes à reflexão, à compreensão mais apurada daquilo que está sendo focalizado.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha bem é, basicamente, um marcador de atenção que requisita subfunções para cumprir
objetivos comunicativos de determinar um ponto no espaço de atenção, em que estratégias de
focalização atuam para realçar situacionalidade ou informatividade, moldando esses espaços
discursivos em níveis.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha bem como:
[[olhaverboperceptivo-visualbemfocalizador]↔[marca o espaço de atenção, focalizando
determinado nível discursivo para efeito de condução do ouvinte à compreensão
apurada/reflexão]]
- microconstrução olha só
(42) E: ahn... eh... Fernando eu estava querendo que você me contasse... uma história que
tenha acontecido com você... que pode/ essa história pode ser boa... pode ser... triste...
I: uma história... alegre... olha só... foi... foi... quando eu viajei... viajei... passei uma
semana... um fim de semana... e... gostei... um dia/ sempre ia pra praia... assim quando
não chovia... aí um dia desses eu tirei/ foi o último dia que a gente já estava indo... indo
pra viagem... vindo pra casa... e... a gente fomos em... Macaé... era um lugar legal... a
gente... estava eu minha prima... todo mundo... (D&G/RJ, oral, NEP, Inf. 46, 1993)
O constructo olha só, no exemplo (42), é um token selecionado dentre um total de 80
dados levantados na instância de uso como MD, virtualmente representados pela
microconstrução olha só.
Em (42), o exemplo trata de um trecho de uma entrevista em que é pedido ao
informante o relato oral de uma história. O falante (I) introduz seu relato com uma sequência
descritiva: ‗uma história alegre‘. Essa abertura de turno indica um tema geral. Logo após, ele
usa o MD olha só como um anúncio, uma chamada de atenção para o início da história. Isso é
sustentado pelas sequências narrativas que se seguem como informação circunstancial
104
temporal: ‗foi... foi... quando eu viajei... viajei... passei uma semana... um fim de semana‘. O
falante usa o MD olha só para especificar, dentro desse tema geral, o início da história alegre.
Depois dessa ancoragem temporal, o falante emite uma avaliação: ‗e gostei‘.
Observamos que o contexto de uso negocia sentidos assertivos, visto que o falante (I)
não necessita usar de impositividade para garantir sua negociação de sentidos. Essa
impositividade menos atuante se deve ao que lhe foi proposto ‗que pode essa história pode ser
boa... pode ser... triste‘, a abrangência do tema requisitado traz uma despreocupação em impor
sentidos. Outra observação refere-se à subjetividade do contexto de uso. O falante,
preocupado em demonstrar a história como sua própria experiência, deixa clara sua avaliação:
‗ eu gostei‘, ‗era um lugar legal‘. Sendo assim, a intenção do falante em recrutar do MD olha
só é focalizar porções de informações dentro de um tema - no caso de (42), os segmentos de
início da narrativa.
O exemplo a seguir ratifica nossas alegações anteriores e embasa outras:
(43) Esvaziam a casinha do sítio, fachada, e Monteiro e Tia partem no jipe marrom. Barreiras
nas estradas, todas as Rurais sendo paradas, o jipe passou sem problemas. Lamarca
dividiu os guerrilheiros em dois grupos. Oito, do primeiro grupo, viajariam para São
Paulo. Depois, iriam mais quatro. Ficariam quatro para, olha só, defender o patrimônio;
isso mesmo. As bases, a dois dias de caminhada pela mata. Uma estrutura cara, armas,
munições. Talvez o Exército não a encontrasse, Talvez fosse investigar e logo iriam.
Tinham chances, valia o risco: guerrilheiros treinados, equipamento ideal para o combate,
a serra, difícil acesso, os viveiros, as trilhas, bananais e palmitais, mapas, conhecimento
da região e até uma geladeira de querosene com soro antiofídico,[...] (CP, séc. XX, Fic,
Marcelo R. Paiva, Não és tu Brasil, 1996)
O falante (narrador), no exemplo (43), relata a ‗divisão dos guerrilheiros em grupos‘.
Em continuação, especifica a informação dada: ‗ficariam quatro (guerrilheiros)‘. O narrador
interrompe a progressão textual na preposição ‗para‘, em seguida usa o MD olha só com a
intenção de especificar mais ainda a informação anterior, relatando o objetivo da permanência
destes supostos quatro guerrilheiros: ‗defender o patrimônio‘. Com essa gradação de
informações, o falante conduz o ouvinte às interpretações que aos poucos embasam a
negociação da conclusão que ele pretende alcançar no discurso.
Percebemos que a cada informação dada pelo falante o tema tratado no contexto se
estreita, discursivamente, no contexto. Esse estreitamento de foco já ocorre, e o uso do MD
olha só confere reforço nesse estreitamento de foco, marcando sua conclusão. Dessa maneira,
as informações veiculadas pelo discurso construído na interação estreitam-se em tópicos cada
vez mais específicos dos temas abordados nas sequências textuais.
105
Esse estreitamento de foco no nível discursivo, defendido em nosso trabalho, pode se
apresentar em tópicos informacionais centrados na situacionalidade, como é o caso do
exemplo (42), em que o contexto do entorno do MD aborda uma situação, traz informações de
local, de tempo. O falante é o executante das informações, o que é evidenciado pelo uso do
discurso direto. O estreitamento de foco pode-se apresentar ainda em tópicos informacionais
centrados na informatividade, como é o caso do exemplo (43), em que as informações
veiculadas graduam de sequências descritivas para argumentativas, levando o ouvinte à
conclusão do argumento proposto. Sendo assim, consideramos que há uma gradiência do
estreitamento de foco para conduzir o ouvinte à conclusão pretendida pelo falante. Sendo
assim, consideramos o estreitamento de foco uma função discursivo-pragmática do MD olha
só.
Esse sentido de estreitamento de foco é conferido ao contexto pelo pareamento da
microconstrução olha só, em que olha traz sentido de compreensão e só veicula sentido de
focalização gradual, do textual para o discursivo. Uma vez encadeadas, as duas partes
cooperam para sentidos de olha e sentidos de só mais afastados de seu sentido lexical.
Segundo Ilari (2002), em uma operação de focalização há um critério que resulta em ―separar
na sequência um fundo e uma figura‖ (ILARI, 2002, p. 183). Dessa informação, podemos
deduzir que o sentido de estreitamento de focalização do afixoide só, aos poucos separa, nas
sequências linguísticas, o que é informação/situação de fundo e o que é informação/situação
de figura.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
olha só é, basicamente, um marcador de atenção para estreitamento do foco discursivo no
espaço de atenção requisitado.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção olha só como:
[[olhaverboperceptivo-visualsófocalizador]↔[marca o espaço de atenção para efeito de
estreitamento da focalização]]
Mais uma vez reiteramos que nossa metodologia trata a atuação das (sub)funções dos
MDs com uma visão de gradiência. As (sub)funções atuam em contextos de uso e neles são
captadas; assim, não são estanques, nem segmentadas, nem descontextualizadas. A função
marcadora discursiva desempenhada por cada MD é tomada como característica prototípica,
garantindo o contínuo entre as funções e fluidez entre seus limites.
106
6.2.1.4 Visão geral da mesoconstrução‘ olhar(x)
A mesoconstrução‘ olhar(x) constitui um grupo de mesoconstruções‘‘ agrupado pela
semântica da base verbal olhar. O sentido dessa base contribui para a semântica da
construção, pelo efeito de persistência. Sentidos originais do verbo, como ―fitar os olhos‖,
―mirar‖, ―estar em frente‖ ou ―aplicar o sentido da vista‖ (FERNANDES, 1954, p. 440), em
seu uso como verbo pleno, ganha sentidos mais abstratos no uso como MD. Ao usar os MDs
sancionados pela mesoconstrução‘ olhar(x), o falante constrói sentidos em que a base verbal
olhar expressa uma convocação da percepção-visual para um processamento cognitivo.
Com base no cline percepção visual > percepção mental (TRAUGOTT e DASHER,
2005, p. 77), afirmamos que a experiência da visão de tornar nítido aquilo que está diante dos
olhos é transferida para o nível discursivo para tornar compreensível a informação veiculada.
Dessa maneira, o que é nítido torna-se compreensível. Como expresso em nossas análises,
com o uso das formas do padrão olhar(x) o ouvinte compreende o que o falante requer; assim,
o sentido de percepção visual é metaforizado para o sentido de compreensão, o que licencia o
uso do verbo olhar como verbo cognitivo.
Nas análises das microconstruções, verificamos que tanto nas formas com locativos
quanto nas com focalizadores, a segunda subparte contribui para especificar os sentidos
veiculados pela construção. O entrincheiramento das partes modifica a semântica original,
favorecendo sentidos mais abstratos e tornando o pareamento forma-sentido da construção
marcadora discursiva menos composicional do que o uso de suas partes originais, utilizadas
como verbo pleno e advérbio.
Em termos de esquematicidade, a mesoconstrução‘ olhar(x) sanciona grupos de
mesoconstruções‘‘ que, em um nível mais baixo, originam microconstruções com diferentes
graus de composicionalidade. Verificamos que o padrão olhar(ᴓ) tende a gerar formas mais
compatíveis no resgate de sua composicionalidade, enquanto o padrão olhar(foc) gera formas
menos composicionais. As formas advindas do padrão olhar(loc) apresentam-se em uma
variabilidade no que diz respeito à compatibilidade entre o significado das partes e o resgate
do todo semântico. Sendo assim, formas como ―olha aí‖ e ―olhe lá‖ são menos
composicionais que ―olha aqui‖ e ―olha lá‖. Seguindo um continuum entre os padrões, as
formas geradas pelo padrão olhar(foc) apresentam-se como as menos composicionais do
padrão olhar(x).
Com uma pequena adaptação, caracterizamos o padrão construcional da respectiva
mesoconstrução‘ olhar(x) pelo modelo binário do princípio de marcação (GIVÓN, 1995).
107
Transformamos a comparação binária em comparação de modelo em tríade. A propriedade
decisiva na diferenciação da forma marcada para a mais marcada é a questão da frequência e
da produtividade. A forma marcada é mais saliente e menos frequente que a não marcada;
assim, a forma mais marcada é menos frequente e mais saliente que a marcada.
Demonstramos nossa tríade no quadro a seguir.
Quadro 04: Caracterização da mesoconstrução’ olhar(x) pelo princípio de marcação.
Propriedades
↓
não
marcado marcado
mais
marcado
complexidade
estrutural - + +
distibuição
de frequência + - / + -
complexidade
cognitiva - + +
olhar(ᴓ) olhar(loc) olhar(foc)
Nesse quadro, apresentamos como adequado o princípio da marcação de Givón (1995)
às três formas do padrão olhar(x). Nossa justificativa de adaptação é o estabelecimento de um
continuum de marcação com base no uso do padrão neutro, ou melhor, na rotina de fala, na
complexidade estrutural, na distribuição da frequência e na complexidade cognitiva. No nosso
quadro, o padrão olhar(ᴓ) é considerado o padrão não marcado, porquanto são formas leves
de elocução, mais frequentes, estruturalmente simples, pois possuem apenas uma parte e
apoiam sentidos básicos de chamamento. O padrão olhar(loc) é considerado o padrão
marcado, porquanto estruturalmente mais complexo, pois possui duas partes, o que o torna
mais complexo também cognitivamente. O padrão olhar(foc) é considerado o mais marcado,
devido não só à baixa frequência token, mas à baixa frequência type já que, quanto menos
frequente o padrão mais marcado, mais saliente e mais complexo estrutural e cognitivamente.
Nosso modelo de esquematização segue a visão de língua como um inventário de
construções, organizado em uma rede por nós e unido por links. Verificamos, no
108
levantamento do padrão construcional olhar(x), a existência de links por herança entre
mesoconstruções e microconstruções, e entre as próprias microconstruções.
Há links por extensão metafórica entre todas as construções do padrão
mesoconstrucional‘ olhar(x), seguindo a trajetória visão > intelecto > compreensão -
certamente com diferentes graus de abstração.
Há links por subpartes entre as construções formadas pelo padrão olhar(ᴓ) com as
construções formadas pelos padrões olhar(loc) e olhar(foc). Esses links situam-se na primeira
subparte das construções. Em acréscimo, podemos apontar links por subparte ente construções
do padrão olhar(loc), isto é, entre as construções olha aqui e olhe aqui e entre as construções
olha lá e olhe lá. Tais links situam-se na segunda subparte preenchida pelos afixoides.
Há links por instanciação entre os níveis construcionais do padrão, em um movimento
de baixo para cima. Sendo assim, as microconstruções instanciam as mesoconstruções‘‘, que
instanciam as mesoconstruções‘, as quais, por sua vez, instanciam a macroconstrução‘‘
Vpv(x)md
.70
6.2.2 A base verbal ver
Os MDs de base verbal perceptivo-visual com sentido de ―compreender como se
requer‖, como estratégia de regulação da interação através da manutenção do espaço de
atenção, estão agrupados por semelhança em ver(x). Esse agrupamento maior subdivide-se em
conjuntos menores por semelhança mais especificada na composição de seus types. As
construções de base verbal ver sem preenchimento da segunda subparte estão agrupadas em
ver(ᴓ); as com preenchimento da segunda subparte composta por um advérbio com função
locativa estão agrupadas em ver(loc); as com preenchimento da segunda subparte composta
por um advérbio com função focalizadora estão agrupadas em ver(foc). Essas três famílias de
mesoconstruções‘‘ apresentadas sancionam as seguintes microconstruções:
- mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ): vê, veja, vejam, vejamos e viu;
- mesoconstrução‘‘ ver(loc): vê lá e veja lá;
- mesoconstrução‘‘ ver(foc): vê só, veja só, vejam só, vê bem, veja bem e vejam bem.
Abaixo, apresentamos um quadro demonstrativo com a frequência token e a frequência
type das microconstruções que licenciam a mesoconstrução‘ ver(x).
70 Deixamos de relacionar os links por polissemia não só por uma necessidade de aprofundamento teórico e
analítico, mas também pelo fato de esse item não constituir parte integrante de nossos objetivos.
109
Quadro 05: Distribuição das frequências token e type da base verbal ver, séc. XX.
MICROCONSTRUÇÃO TOKENS
TOTAL
PARCIAL
de
TOKENS
TYPE
VIRTUAL
uma
parte
Vê 11
373
ver(ᴓ)
Veja 32
Vejam 5
Vejamos 5
Viu 320
duas
subpartes
vê lá 5 12 ver(loc)
veja lá 7
vê só 2
91
ver(foc)
veja só 25
vejam só 6
vê bem 2
veja bem 50
vejam bem 6
TOTAL
GERAL
13
Microconstruções
476
tokens
3 conjuntos de
formas
No quadro 05, podemos observar a frequência token e a frequência type das formas de
apresentação do padrão construcional Vpv(x)md
, no que diz respeito à base verbal ver.
O levantamento da frequência token demonstra que, das microconstruções de base
verbal ver formadas por uma subparte, a que apresenta o maior número de ocorrências por
dados é a forma viu, com 320 ocorrências, seguida pela forma veja, com 32 ocorrências.
Desse padrão, a forma menos frequente é vejam, com cinco dados levantados no corpus. Das
microconstruções constituídas por duas subpartes, a que apresenta o maior número de
ocorrências por dados é a forma veja bem, com 50 ocorrências, seguida de veja só, com 25.
Desse padrão, a forma menos frequente é vê só, com apenas duas ocorrências captadas.
A frequência token não demonstra apenas a quantidade de dados levantados, mas
também nos permite observar uma não regularidade no recrutamento das formas por parte dos
falantes, no determinado período levantado. Enquanto há formas muito recorrentes, há outras
pouco recrutadas. Na comparação entre as duas mais frequentes, viu e veja bem, notamos um
distanciamento na frequência, que acreditamos ser motivado pelas funções desempenhadas
110
por cada MD em contexto. Enquanto viu é cognitivamente mais leve, estruturalmente direto,
apoia confirmação de sentidos na negociação, requisitando aprovação imediata do ouvinte,
veja bem é cognitiva e estruturalmente mais complexo, apoia sentidos que vão sendo
construídos durante a interação, na medida em que a argumentação vai se sustentando e,
muitas vezes, apoia contra-argumentação, configurando-se, assim, em contextos mais
elaborados. Nessa proporção contextual, viu é o MD do padrão ver(x) que melhor satisfaz o
uso em interação do tipo conversação espontânea.
Defendemos que essa baixa incidência de ocorrência de recrutamento de algumas
formas não impede os interlocutores de se entenderem. Uma vez que captamos o dado em uso
em contexto, provamos que a construção faz parte do inventário da língua, e não é a alta
frequência que a torna compreensível, mas processos cognitivos responsáveis pela sua
adaptação e convencionalização no sistema da língua, como é o caso dos MDs vejamos e vê
só.
Em termos de frequência type, verificamos a existência de três padrões na composição
das microconstruções, que podem ser organizados como:
1) De base verbal perceptivo-visual ver, sem o preenchimento da segunda subparte:
(44) Eu fiz: é! Passou, né, depois a gente vai amadurecendo, vai vendo... Esse é sincero? ficou
assim na minha cabeça, entende? Naturalmente essa professora contou a ela, ela me
achou atrevida, então partiu pro ataque, a melhor defesa é o ataque, né? Então quando eu
dei de ombro, quem que não dá de ombro eu era menina, devia ter treze anos naquela
altura, você viu, ela, bom, ela capaz de sair, né... Veja, a, essa professora deve ter feito a
minha caveira, né? É ou não é? Ela saiu, menina, numa agressividade tremenda e eu, e eu
não podia fazer nada que eu era filha de professora, né, filha de professora era infalível,
né, não podia, não podia rir na sala, não podia fazer. (NURC-RJ, DID, Inq. 261, Loc. 314,
1974)
O MD veja é formado por apenas uma parte fixa. Seu type virtual de composição é
representado por ver(ᴓ). Compartilham esse type os MDs vê, vejam, vejamos e viu.
2) De base verbal perceptivo-visual ver, com preenchimento da segunda subparte por
um afixoide de base adverbial com especificidade locativa:
(45) LOC: Não. Basta o avião dar uma, aquele, aquele, aquela, aquela queda. Ah, muita gente
tem susto, né?
DOC: É.
111
LOC: A falta do, do, da estabilidade, né, a pessoa fica assustada. Mas eu não tenho receio
disso não. Não tenho mesmo não. Mas qual a razão deste, desta, dessa pergunta assim?
Há algum problema, né? Acho que não. Veja lá. Eu quando me proponho a fazer uma
coisa eu vou até o fim. Então o que acontece no caminho eu estou preparada, né, pra me
defender ou para aceitar.
DOC: Mas às vezes há acidente. (NURC-RJ, DID, Inq. 198, loc. 228, 1973)
O MD veja lá é formado por duas subpartes. A primeira é fixa, a base verbal ver; a
segunda é preenchida, mas não é fixa. Os elementos que podem preenchê-la são advérbios
com funções locativas (lá). Seu type virtual é representado por ver(loc). O MD vê lá
compartilha esse type de composição. O type ver(loc) mostra-se pouco produtivo devido ao
recrutamento de apenas um tipo de advérbio locativo para o preenchimento da segunda
subparte: lá.
3) De base verbal perceptivo-visual ver, com preenchimento da segunda subparte por
um afixoide de base adverbial com especificidade focalizadora:
(46) E: Glislaine ... é ... hoje nós vamos fazer uma narrativa recontada ... você vai me contar
uma história que alguém contou pra você ... alguém contou essa história pra você ... e
agora você vai me contar essa história ...
I: bem ... a história que eu vou falar pra você ... ela é de uma certa família ... que muito
me tocou onde essa família vivia à procura de uma terra ... a procura de:: alimento ... e eu
fi/e eu me sentia muito triste quando:: eu fiquei sabendo dessa história porque veja bem
... eles ... tiveram que deixar:: todos os seus parentes e foram em busca de um ... de um
lugar pra se estabilizar ... (D&G, Natal, oral, NR, Inf. 3, 1993)
O MD veja bem é formado por duas subpartes. A primeira é fixa, a base verbal ver, e a
segunda é preenchida, mas não fixa. Os elementos que podem preenchê-la são advérbios com
função focalizadora (bem, só). Seu type virtual é representado por ver(foc). Compartilham
esse type, os MDs vê só, veja só, vejam só, vê bem e vejam bem. Esse type ver(foc) é o mais
produtivo da base verbal ver.
Identificamos, assim como procedemos na seção sobre a base verbal olhar, que a
frequência token reflete o nível das microconstruções instanciadas pelo uso. Uma constatação
relevante para a nossa pesquisa é a comprovação de que a frequência type reflete o nível de
esquematicidade das mesoconstruções‘‘, o que, para nossas análises, ratifica a organização da
hierarquização do padrão construcional proposto.
112
As análises a seguir tratam de cada mesoconstrução‘‘, sancionada pela
mesoconstrução‘ ver(x) e suas microconstruções envolvidas no respectivo type de
composição.
6.2.2.1 Mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ)
A mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) sanciona as microconstruções vê, veja, vejam, vejamos e
viu. Dentre todos os MDs levantados de base verbal perceptivo-visual ver, os que compõem o
padrão ver(ᴓ) são as formas diretas e menos complexas, possuindo apenas uma parte, de
intervenção entre os interlocutores, sendo também as mais frequentes no parâmetro de
frequência token. Dessa maneira, categorizamos a mesoconstrução‘‘ ver(ᴓ) como um padrão
não marcado dentro do padrão construcional maior ver(x) .
A seguir, passamos a descrever cada microconstrução do padrão ver(ᴓ) e
especificidades dos tokens em seus contextos de uso.
- microconstrução vê
(47) No capítulo sete da Carta de Princípios, a ONU tem direito de manter a paz e a ordem e
de parar uma guerra com ação militar ou embargo. O que não faltou neste mundo?
Guerras, de 45 até hoje, mais de cem, vinte milhões de mortes, e os capacetes azuis no
Paquistão em 49, no Líbano em 58, na República Dominicana em 65, no Congo de 60 a
64, na Nova Guiné em 62, vê, até isso pesquisei, Lamarca para promover a paz no
Oriente Médio, um capacete azul. Foi para acabar com uma guerra e voltou para começar
outra. Montou um grupo de estudos lá no 40 Regimento de Infantaria, oficiais e soldados
mergulhados no marxismo. Em 67, capitão, jovem, jovem. Contatou as organizações, a
luta armada. Chegou a se reunir com Marighella e Câmara Ferreira para conhecer a
estrutura da ALN (...) (CP, séc. XX, Br, Fic, Marcelo R. Paiva, Não és Tu Brasil)
No exemplo (47), o constructo vê é um token extraído de 11 dados levantados na
instância de uso, virtualmente representado pela microconstrução vê.
Em (47), o falante/escritor discorre sobre o efeito inoperante da ONU sobre as várias
―guerras no mundo‖. Após listar por ordem cronológica algumas guerras, o falante interrompe
a progressão do tópico discursivo com a inserção do MD vê, juntamente com uma sequência
declarativa: ‗até isso pesquisei‘. Essa inserção do MD vê traz efeitos de ativação de
instantaneidade do chamamento no espaço atencional. Essa reativação da atenção não quer
dizer que o ouvinte não esteja dispensando a atenção necessária, mas sugere aumento no grau
113
de atenção do ouvinte. A atenção deste é direcionada à relevância - ‗até isso pesquisei‘ -, que
o falante atribui às suas informações. Notamos que há um processamento cognitivo: o falante
avalia a informação, constata essa avaliação e induz o ouvinte a comprová-lo. Essa
constatação é um fator de subjetividade por ser marcada pela perspectiva do falante. O MD vê
apoia constatação71
feita pelo falante como uma valorização, um destaque atribuído às suas
informações. Em seguida, o falante retorna ao tema, detalhando o que apontou anteriormente
como destaque - ‗até isso‘ -, detalhando como Lamarca procedeu para ‗promover a paz‘ de
um lado e incitar a ‗a luta armada‘ de outro.
Observamos que o MD vê não faz parte, nos tópicos discursivos, do tema abordado,
mas confere ao contexto sentidos de processamento lógico das informações veiculadas, como
também gradação de importância das informações. Desse modo, o MD vê permite subfunções
de valorização de conteúdo do dado velho e do novo, de articulação da progressão de
informação, de direcionamento da conclusão do ouvinte, de destaque da informação posterior,
entre outras.
Vejamos outro exemplo do MD vê em relato oral:
(48) F: - Aí, quando eu entrei na rua da mina assim, aí ele chegou: "vocês correram por quê?"
"Corremos, não, meu amigo. A nossa atitude foi a mesma." "Vocês vão para onde?" Eu
falei assim: "não, é que - minha garota esqueceu a chave no meu bolso, eu vou entregar
aí." Aí perguntou para o motorista do táxi: "aí, você mora aqui mesmo." O motorista do
táxi: "moro." Aí ele falou assim: "é, é que eu vejo você sempre passar ali em frente... hora
de madrugada, você já deve ser aviãozinho aí." Vê? O cara trabalhando, mesmo que seja
aviãozinho, certo? Ele nunca pegou o cara na interferência. "Você deve ser." ("ele")
falou, não é? "Você deve ser aviãozinho deles." Então, quer dizer, ele não tem certeza de
nada, não é?
E: - Não tem prova nenhuma.
F: - Se o cara é realmente um trabalhador? Não é? Se for um aviãozinho, ele espera pegar
na inflação, não é? (PEUL/RJ, Censo 1980, entrevista, falante 15)
No contexto do exemplo (48), o falante (F) descreve um episódio em que ele e o
taxista são abordados por um policial que acusa o taxista de ser ‗aviãozinho‘. O falante narra
o episódio retratando, em discurso direto, as falas do policial e do taxista. O falante (F), ao
reproduzir a fala do policial - ‗é que eu vejo você sempre passar ali em frente... hora de
madrugada, você já deve ser aviãozinho aí‘ -, interrompe sua reportagem e insere o MD vê
seguido de uma sequência descritiva, ‗o cara trabalhando‘, e uma argumentativa: ‗mesmo que
seja aviãozinho, certo?‘. O MD vê confere ao contexto o sentido de que o falante se coloca
71 O termo constatação é tomado com sentido de verificação e comprovação.
114
contra a precipitação de julgamento do policial. O uso do MD vê marca a justificativa, o
motivo por que ele se coloca contra o julgamento do policial: ‗ o cara trabalhando‘. Quando o
falante usa o MD vê juntamente com o argumento ‗o cara trabalhando‘, estende ao contexto
uma implicatura com o sentido de ―quem trabalha não trafica, pelo menos enquanto trabalha‖.
Observamos que, em (48), o falante não negocia sua conclusão com o ouvinte nem o conduz à
conclusão, mas a sua constatação, a conclusão, já está formatada pelo falante. Sua intenção é
levar o ouvinte a aceitar suas conclusões preestabelecidas.
Com essa observação, averiguamos que a função discursivo-pragmática
desempenhada pelo MD vê, nos contextos, é apoiar conclusões preestabelecidas pelo falante.
Os contextos de uso, exemplificados em (47) e (48), são asseverativos e demonstram
que o MD vê é um marcador, previsivelmente, pouco favorável a contextos injuntivos. Nos
onze contextos de uso analisados, não identificamos sequências injuntivas ou chamamento de
atenção que expressam condução do ouvinte à tomada de atitude. O MD vê, em sua forma
monossilábica e tipificada por uma interrogação, soando mais como uma provocação ao
ouvinte diante do contexto apresentado, traz sentidos asseverativos ao contexto da interação.
Ainda sobre a análise desses onze tokens levantados, observamos que em apenas um
notamos a função de quebra da expectativa do ouvinte. O MD foi recrutado para reforçar
veracidade de informações em dez contextos analisados. Já em nove tokens, o falante tem a
intenção de levar o ouvinte à tomada de consciência.
Na função geral de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o
MD vê é, basicamente, um marcador das constatações do falante, pois marca um
posicionamento discursivo, uma vez que o falante negocia um sentido já estabelecido, já
formatado.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção vê como:
[[vêverboperceptivo-visual]↔[marca constatação de conclusão preestabelecida a partir da
perspectiva do falante]]
- microconstrução veja
(49) Ayala - As conversas avançam normalmente no diálogo realizado em Brasília. Em breve,
em meados de setembro, terá lugar uma nova rodada de conversações.
115
Estado - Dos avalistas?
Ayala - Não, bilateral, mas naturalmente com a participação dos quatro avalistas. E,
imediatamente depois dessa rodada, será iniciada uma última etapa, na qual serão
examinados todos os impasses remanescentes e se procederá imediatamente ao processo
seguinte, que será a busca de um entendimento entre os dois países.
Estado - Isso poderia durar mais um ano?
Ayala - Não existe um plano definido. Veja, o que lhe posso dizer nesse sentido é que o
Equador desejaria avançar no processo o mais rapidamente possível. Para isso, temos
uma posição de boa fé, transparência, claridade e desejo de chegar a um entendimento
que obviamente tem de ser de compromisso. (CP, séc. XX, oral, entrevista, José Ayala,
1997)
No exemplo (49), o constructo veja é um token selecionado dentre um total de 32
dados extraídos do corpus levantado, virtualmente representado pela microconstrução veja.
O contexto tratado consiste em uma entrevista composta pelo par P-R. O falante
Ayala, em sequências narrativas, responde sobre o ―entendimento entre os dois países‖. Ao
ser questionado sobre a ―duração do plano de entendimento‖, Ayala responde com uma
sequência descritiva que consiste em um argumento vago - ‗não existe um plano definido‘.
Logo em seguida, insere, na linearidade do seu texto, o MD veja, e passa a expor argumentos
mais específicos, embora não responda diretamente a pergunta feita. Esses argumentos,
sustentados por verbo no subjuntivo (‗desejaria‘) e adjetivos opacos (‗boa fé‘, ‗transparência‘,
‗claridade‘, ‗desejo de chegar‘) não se configuram com qualidades diplomáticas entre países.
O MD veja traz um enquadre semântico ao contexto, sinalizando que a resposta dada não é a
que o falante desejaria. Não percebemos, em (49), impositividade do falante durante a
negociação de sentidos no entorno do MD, razão pela qual consideramos tal contexto
assertivo.
O uso do MD veja denota que o falante, estrategicamente, chama o ouvinte para juntos
negociarem sentidos e decodificarem as informações. Alegamos que a forma veja, cristalizada
em configuração morfossintática de 3ª pessoa, conserva, por efeito de persistência, um sentido
menos abstrato do que outras formas do mesmo padrão da base verbal ver. Por conseguinte, a
expressão de ordem, desejo ou pedido é reconfigurada como um convite ao ouvinte. Dessa
maneira, podemos afirmar que o falante Ayala usa o MD veja para sinalizar ao ouvinte que
este é capaz, intelectualmente, de entender o que é dito, o que justifica o convite. O uso do
MD veja abre ao contexto sentidos relacionados ao fato de que o falante confia no
compartilhamento de negociação de sentidos com o ouvinte, o que confere intersubjetividade
116
ao contexto. Percebemos que o falante está preocupado ao mesmo tempo com sua
interpretação e com a do ouvinte.
Vejamos mais um exemplo para embasar nossas colocações:
(50) Franco - Existem entre 30 e 40 bilhões de reais de posições de investimentos em bolsas e
é um mercado que negocia R$ 1 bilhão por dia. Achar que esse povo todo pode sair de
uma hora para outra é irreal.
Estado - Esses R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões fazem parte das reservas? Ou não têm
relação?
Franco - Não. Veja, existem estrangeiros que detêm cerca de R$ 40 bilhões em ações de
companhias brasileiras, assim como existem investimentos diretos no Brasil em número
certamente maior que isso, ou remetendo dividendos, ou pagamento de empréstimos
externos. Ou seja, o tipo de compromisso com o exterior que existe é muito variável e se
começarmos a somá-los chegaremos a uma cifra astronômica. Mas isso não quer dizer
absolutamente nada. (CP, séc. XX, oral, entrevista, Gustavo Franco, 1997)
No exemplo (50), o contexto trata de uma entrevista composta por diálogo do tipo par
P-R. O tema tratado versa sobre investimentos e tipos de reserva desses investimentos, bem
como sobre capital nacional ou estrangeiro.
O entrevistador (Estado) refaz uma pergunta utilizando a resposta dada por Franco:
‗Esses R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões fazem parte das reservas? Ou não têm relação?‘. O
falante Franco, imediatamente, dá uma resposta negativa: ‗ Não‘. Continuando com o turno,
recruta o MD veja para introduzir sequências expositivas que consistem na resposta mais
detalhada, ou na argumentação que sustenta a primeira resposta com a negativa. Notamos que,
tanto em (49) quanto em (50), o uso do MD veja apoia exposição explicativa do que foi
negado anteriormente, cumprindo a função de articular segmentos do discurso.
No exemplo (50), o uso do MD veja requisita subfunções de acentuar o grau de
percepção do ouvinte, introduzir argumentos, dar continuidade à organização textual,
valorizar conteúdo da informação e, ainda, prender a atenção do ouvinte para o desfecho.
Essas subfunções podem ser resumidas como um objetivo comunicativo de convencer o
ouvinte a aceitar o convite à codificação, uma negociação de sentidos com o falante.
Dessa maneira, o MD veja conduz o ouvinte na decodificação, conferindo à situação
discursiva um ânimo, uma motivação à capacidade intelectual do ouvinte. Como essa
negociação de sentidos está centrada em elementos textual-interativos com pouca relevância
pragmática, a microconstrução veja mostra-se uma forma pouco abstratizada, portanto mais
composicional em comparação com a forma vê. Semanticamente, veja comporta-se como um
verbo de percepção e vê, como um verbo de cognição.
117
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
veja é, basicamente, um marcador de condução do processo de dar significância no espaço
atencional. A intenção do falante, ao usar o MD veja, é marcar na interação que o ouvinte se
situa no mesmo nível de capacidade de compreensão que o falante. A função discursivo-
pragmática que atribuímos ao MD veja é apoiar inclusão do ouvinte no processo de
negociação de sentidos.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção veja como:
[[vejaverboperceptivo-visual]↔[marca capacitação e inclusão do ouvinte no processo de
decodificação]]
- microconstrução vejam
(51) Vá cedo ao Beira-Rio, pois teremos novamente mais de 40 mil torcedores. # Repórter #
Incrível: o Flamengo numa crise de dar dó, a equipe caindo aos pedaços e um repórter
carioca diz para seus ouvintes no Rio que o Inter é um time pequeno e de um jogador só,
Arílson. # Antecedentes # Sabe-se agora: o Inter tentou vetar o árbitro desta noite, mas a
FGF não teve força suficiente. Vejam: a direção colorada não queria Sidrak Marinho, era
o único juiz que não gostaria de ver apitando, e a Conaf escala o sujeito. Aqui entre nós: é
provocação. Estão provocando. # Bobagem # O Inter avisa que irá saudar a entrada do
time em campo com um show pirotécnico. Teremos quase 20 mil foguetes. (CP, séc. XX,
noticiário, oral, H. Mombach, De primeira, 1997)
No exemplo (51), o constructo vejam é um token selecionado dentre um total de cinco
dados levantados na instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução vejam.
No exemplo (51), o falante transmite um noticiário sobre uma partida de futebol.
Narra a tentativa do time de impedir a participação de um árbitro, com a seguinte declaração:
‗Sabe-se agora: o Inter tentou vetar o árbitro desta noite, mas a FGF não teve força
suficiente‘. Logo após a declaração, o falante insere, na linearidade textual, o MD vejam e
prossegue com sequências expositivas, explicando sobre o que foi dito anteriormente. O uso
do MD vejam introduz argumentação para justificar afirmações anteriores ao MD. Sendo
assim, observamos que o MD vejam abre um espaço de atenção para introduzir uma
118
explicação. O sentido que esse MD confere ao contexto é de clareza, distinção, explicação do
que foi proposto.
Pragmaticamente, na negociação, quem domina essa capacidade de esclarecimento é o
falante. Há uma inferência de subjetividade nessa impositividade do falante ser aquele que é
capaz de esclarecer. Postulamos que o falante, ao usar o MD vejam, indica que é capaz de
argumentar, de explicar, de expor, de exemplificar e de esclarecer. E por que o falante, em
(51), tem esse domínio no contexto? Porque ele trata do real, do palpável, do que ele já
experienciou, porquanto já teve essa informação em contexto anterior.
A convencionalização da construção vejam, cristalizada em configuração
morfossintática de 3ª pessoa do plural, não é motivada apenas porque o falante tem
consciência da possível existência de vários ouvintes. Tal configuração traz à semântica da
construção um sentido de exclusão de todo e qualquer ouvinte na negociação de significado -
o que não ocorre com a construção veja, em que há um convite e compartilhamento para a
negociação.
Vejamos outro exemplo de contexto de uso do MD vejam:
(52) No departamento das letras propriamente dito, aí nem é bom falar. Quanto mais velho
fico, mais leio e releio clássicos, às vezes as mesmas páginas, repetidamente. É uma
permanente humilhação, um exercício de masoquismo. Ainda mais que eu não regulo
bem e tenho invejas megalômanas. De Romero, Horácio, Camões, Cervantes, Antônio
Vieira, Rabelais, Shakespeare, Donne, Mark Twain, Machado de Assis, Eça de Queiroz,
vejam vocês. E, aqui mesmo na rua (do lado rico), tem o Zé Rubem, estou bem servido.
Mas é de Montaigne mesmo que eu tenho inveja, duas invejas, embora uma cancele a
outra. Uma é de seu espírito claro, honesto, observador, erudito, conhecedor das paixões e
da História humanas, tudo isso refletido numa prosa de simplicidade e elegância
exemplares. (CP, séc. XX, Ficção, Inveja de Montaigne, 1997)
O contexto do exemplo (52) é um trecho retirado de uma ficção - o narrador/falante
discorre sobre sua relação com a literatura, dando enfoque aos escritores clássicos. O
narrador/falante, em 1ª pessoa, confessa: ‗Ainda mais que eu não regulo bem e tenho invejas
megalômanas‘. Em seguida, lista vários escritores clássicos de quem supostamente tem
inveja. O falante usa o MD vejam para direcionar recuo da atenção do ouvinte para os tópicos
anteriores. Há uma subfunção de resgatar a memória do que foi dito. Dessa maneira, a
negociação de sentidos é redirecionada, e o desfecho ganha mais atenção do ouvinte.
Outra subfunção, indicada pela posição do MD no meio do turno, é o auxílio na
sustentação do turno, porquanto indica a intenção do falante de continuar de posse do turno.
119
O uso do MD vejam confere ao contexto sentido de admiração e espanto. Depois de
findar a lista, o uso do MD confere ao contexto ligações de sentidos entre a lista apresentada e
impressões pessoais do falante: ‗inveja megalômanas‘ e ‗eu não regulo bem‘, um tipo de
negociação de sentidos em que o falante faz a atenção do ouvinte retroceder. Em seguida, o
falante embasa esse sentimento de orgulho pelos grandes escritores com um exemplo físico
real: ‗E, aqui mesmo na rua (do lado rico), tem o Zé Rubem, estou bem servido‘. Percebemos
que o falante divaga em seus comentários, mas, após o uso do MD vejam, traz o enfoque do
seu discurso para o real.
Verificamos que o MD vejam, utilizado no exemplo (51), é menos abstratizado que no
exemplo (52). Em ambos os exemplos, as duas ocorrências apresentam autonomia sintática,
regulação da interação e relevo fonológico. No exemplo (51), resgatamos sentidos mais
próximos de sua origem lexical devido ao apoio da função textual-interativa de expor a
explicação aos ouvintes. Em contrapartida, no exemplo (52), percebemos sentidos mais
especializados, em que a função discursivo-pragmática de ligar impressões pessoais do falante
a fatos reais é notada. Em um continuum de gradiência entre contextos assertivos e
asseverativos, o uso do MD vejam, em (52), está mais próximo de sentidos asseverativos que
o do mesmo MD em (51).
Nossa hipótese é que a forma vejam, acompanhada ou não de um pronome deslocado,
conserva sua flexão verbal em referência não apenas pelo número de interlocutores, mas para
marcar impositividade do falante na negociação de sentidos, qualificando todos ao redor como
ouvintes.
Em nossa análise sincrônica, no que diz respeito à função geral dos MDs de base
verbal perceptivo-visual de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção,
afirmamos que a microconstrução vejam carrega o sentido de constatação do real. Sendo
assim, conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever a construção vejam como:
[[vejamverboperceptivo-visual]↔[manipulação do espaço de atenção para conduzir o ouvinte
à constatação do real]]
-microconstrução vejamos
(53) - Vamos racionalizar o achado - começou Maurício Pinto. - Se existe ouro em demasia
existirá, por algum tempo, independente das estações que regem o planeta. Isto é, em
120
princípio, será contínuo até o esgotar de suas veias, veios, donde se conclui, como bem
alertou o amigo, que na perícia de descobrir o nobre metal, na habilidade de armazená-lo,
é preciso um terceiro movimento: a peripécia de escoá-lo.
- Como e para onde?
- Vejamos, meu caro, acompanhando a logística aristotélica, e não me intercedas, como o
transportar, para onde? O que o fará, uma outra vez, transportável. A primeira vista
parecem se complicar tais atos e fatos, mas não desde que regras sigam caminhos e cursos
inventivos. - Maurício Pinto se serviu de um cálice de Porto oferecendo outro duplo, a
Mão de Luva. - Continuando: sendo nossa premissa o contrabando e o contrabandear se
estabelecem duas posições. (CP, séc. XX, Fic, Br, Paulo Novaes, Mão de Luva, 1996)
O constructo vejamos, no exemplo (53), é um token selecionado dentre um total de
cinco dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução vejamos.
No exemplo (53), o falante Maurício Pinto, em sequências expositivas, discorre sobre
o tratamento do metal ouro. Seu interlocutor o interrompe com a questão: ‗Como e para
onde?‘. Em seguida, Maurício Pinto retoma sua argumentação, introduzindo a retomada com
o apoio do MD vejamos. Observamos que o falante utiliza esse MD para cumprir funções
textual-interativas e discursivo-pragmáticas. O uso do MD vejamos introduz a retomada das
sequências expositivas, conectando segmentos lógicos; sinaliza polidez do falante, sustentada
pelo vocativo ‗meu caro‘, como tentativa de se aproximar do ouvinte, para, em seguida,
repreender o interlocutor: ‗ e não me intercedas‘.
Nos cinco contextos analisados, em que o uso do MD vejamos traz sentido de alto grau
de escolaridade dos falantes, postulamos que estes, ao recrutarem o MD vejamos, o fazem por
denotar maior conformidade com a norma culta padrão.
A convencionalização da microconstrução cristalizada na forma flexionada na 1ª
pessoa do plural sinaliza ao ouvinte que o falante está on-line, em processo mental de
codificação. Percebemos, no uso do MD vejamos, que os domínios cognitivo e discursivo
funcionam articulados. Identificamos, diante dessas observações, que a função discursivo-
pragmática do MD vejamos é marcar no discurso a posição do falante como argumentador
ativo dos sentidos que estão sendo negociados, enquanto marca a posição do ouvinte como
paciente, aquele que recebe e acata a negociação. Essa função é confirmada pela repreensão ‗e
não me intercedas‘.
No exemplo a seguir, podemos apoiar nossas colocações:
(54) D: Você falou em minérios também e que é mais que tem? Eh, quais os produtos básicos?
L: Os produtos básicos de exportação. Minério, café, né? Café, o café. Minério hoje em
dia, cacau, açúcar, é cana-de açúcar, né, ou açúcar de cana, aliás, eh, vejamos, principais.
121
Está vendo que é tudo produto primário. E dizem aí que o pro... a exportação de produtos
manufaturados está crescendo muito, né? Ver se consegue entrar no mercado. Se
conseguir muito bem, mas ... O forte ainda é produto, primário.
D: O que que é produto primário? Explica pra gente.
L: Assim é fogo, dar aula, fica tipo aula, é fogo na roupa. Produto primário? Você
entende, você teria ... Eu não sou economista, estudei economia, mas não sou economista.
(NURC-RJ, DID, Inq.113, loc.129, 1972)
No exemplo (54), o contexto retrata uma entrevista entre o documentador e o locutor
do tipo par P-R. O locutor enumera, a pedido do documentador, ‗produtos básicos de
exportação‘. Após uma breve pausa marcada por ‗eh‘, insere, na linearidade do texto, o MD
vejamos. O uso desse MD sinaliza que o falante está revisando sua fala e conclui essa revisão,
remetendo o qualificador ‗principais‘ à lista de produtos.
Com o uso do MD vejamos, ocorrem subfunções de sustentação do turno, de chamada
de atenção do ouvinte, de sinalização de desfecho, resgate de sentidos anteriores. E, como
demonstram os exemplos (53) e (54), o falante sinaliza que seu mecanismo de memória está
ativado.
Assim como no estudo do MD vejam, consideramos o MD vejamos menos
abstratizado que outras formas do padrão ver(ᴓ). Mesmo com sentidos mais afastados de seu
sentido de origem de base verbal, ―perceber pela vista‖, ainda conseguimos resgatar, em
alguns contextos, particularidades do domínio fonte, por exemplo, algum traço da questão da
referencialidade do contexto, por exemplo, quando o MD vejamos remete à memória da lista
de produtos em (54).
Em acréscimo à análise morfossintática, alegamos que a cristalização em 1ª pessoa do
plural expressa proximidade entre os interlocutores, pragmaticamente, conferindo ao contexto
o sentido de que o falante se coloca em igualdade com o ouvinte. E ainda, em três tokens
levantados, o MD vejamos requisita subfunção de polidez - o que é mais uma prova da
proximidade entre os interlocutores expressa pelo MD. Sendo assim, a questão da flexão é
tratada neste trabalho como em concordância entre os interlocutores da elocução, marcando
graus de comprometimento entre eles e a impositividade dos significados negociados nos
contextos, ora assertivos, ora asseverativos, ora injuntivos.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vejamos mostra-se, basicamente, um marcador de atenção para um falso compartilhamento da
atribuição de decodificação.
122
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento forma-
sentido da construção vejamos como:
[[vejamosverboperceptivo-visual]↔[manipulação do espaço de atenção para marcar
posicionamento entre interlocutores com efeito de revisão e conclusão de significados]]
- microconstrução viu
(55) F- Já diverte um pouco. Aí, fico nessa, não é? Esperando que quando os meus filhos
cresçam, mas, ai, quando eles crescerem, já vai ter novos problemas, porque, poxa! Aí
vem colégio, não é? ai vem um estuda num horário, outro vai calha de estudar no outro,
aí, já cria aquele problema. Quando eu sair, meu marido tem que ficar e, aí, a gente vai
seguindo a vida
E- Mas está difícil para todo mundo, não é só para você não, viu? a barra está pesada.
E- É sim, menina! é sim. Eu acho que se a gente não quiser possuir alguma coisa, um não
é? Pelo menos, a gente não, pelo menos fazer o futuro do nossos filhos, eu acho que a
gente tem que se esforçar, embora mais tarde a gente não sabe que que vai dar, não é?
E- É. (PEUL /RJ, Censo 1980, falante 10)
(56) E- Será que ele vai largar a Helena para ficar com Adriana, heim?!
F- É, não é? está muito você ver: ele fala que não na frente dela, mas, quando chega na
frente da Adriana, aí ele se entrega todo. [o grande amor] da vida dele e tal e coisa e que a
outra comprou, comprou, o tem por dinheiro, aliás, não é? Ele que foi, casou com ela por
dinheiro, não é? Aquela confusão toda. Mas não acho que, no final das conta, eu acho que
ele vai acabar voltando para Adriana.
E- Realmente - pois é, eu também não sei se eu aceitava um homem que tinha me trocado
por outra, por dinheiro não, viu?
F- Ah, é, eu também não! Ah, eu acho que também não! Tia, senhora quiser se arrumar
para embora, pode ir!
I- Não! (PEUL/RJ, Censo 1980, falante 34)
O constructo viu, nos exemplos (55) e (56), são tokens selecionados dentre um total de
320 dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representados pela
microconstrução viu.
No exemplo (55) e (56), os falantes das duas cenas descritas argumentam a favor de
suas opiniões e utilizam-se dos MDs para alcançar esse objetivo. No contexto do exemplo
(55), os falantes tratam da dificuldade em conciliar afazeres domésticos e tempo para lazer.
No contexto do exemplo (56) os falantes se interpelam sobre o triângulo amoroso da novela.
123
Notamos que a subfunção de dar continuidade ao tema é requisitada pelo MD em (55), mas
não é requisitada pelo MD em (56), uma vez que este encerra o tema.
As sequências que antecedem os dois usos do MD são enunciados avaliativos,
constituindo-se em sequências argumentativas. O MD viu, recrutado logo após, é usado como
estratégia discursivo-pragmática para envolver o ouvinte na proposição feita pelo falante, a
fim de buscar deste a aprovação para sua argumentação. Nessa busca da comprovação do
ouvinte, o falante, ao mesmo tempo, ratifica sua posição na negociação de sentidos. Desse
modo, o falante detém o papel de atribuidor de significado, mas estimula a participação do
ouvinte na negociação. Com esse tipo de chamamento, a sequência torna-se injuntiva.
Tanto em (55) quanto em (56) o MD viu se apresenta com um ponto de interrogação
‗viu?‘. Segundo Castilho (1989, p. 274), há uma ―tipificação do tema‖. Essa entonação
diferenciada pela pontuação que segue o MD é tratada pelo ouvinte, em contexto, como um
real efeito de interrogação. Como podemos observar, nos exemplos acima os ouvintes tomam
o turno e respondem aos argumentos propostos pelos falantes baseados no argumento para o
qual suas atenções são direcionadas pelo MD: ‗É sim, menina! é sim.‘ e ‗Ah, é, eu também
não!‘. A apresentação do MD viu encontra-se tipificada pela forma interrogativa em 240
tokens levantados. Os demais 80 tokens não apresentam tipificação.
Vejamos um exemplo em que o MD viu não está tipificando o tema:
(57) LOC. - Este aqui tem a, a parte do, do toca-discos, tem os, os amplificadores de som,
(...)Temos a parte também de gravação, nós fazemos muita gravação de fita.
DOC. - Hum. De música.
LOC. - De música. Porque são músicas que não saem no disco, não vai pro acetato, então
que você pra conservar, você pra guardar como recordação, você passa pra sua fita
particular. Então a gente guarda. E isso, esse problema pra quem está se referindo à casa é
tremendo pra uma dona de casa, viu, porque é uma coisa enorme pra se guardar.
DOC. - Vocês têm muitas fitas gravadas?
LOC. - Fita e disco.
DOC. - E aí? Como é que vocês fazem? Porque eu não estou vendo discos.
LOC. - Não, nós temos algumas. Eu ontem peguei algumas. Tem um pouco aqui, um
pouco ali. Mas isso aí é, é uma parcela mínima do que nós temos. Tem metade na casa da
minha sogra, a parte de cima dos meus armários estão cheias.
(NURC-RJ, DID, inq. 84, loc. 98, 1972)
Para a caracterização dos tokens como tipificados ou não, seguimos a forma registrada
na fonte de pesquisa de nossos dados. Conforme esse critério, o MD viu, no exemplo (57),
não marca subfunção de tipificação do tema. Entretanto, uma das características dos MDs de
base verbal perceptivo-visual é a entonação diferenciada, própria da categoria. Postulamos
124
que o MD viu, mesmo sem o ponto de interrogação, apresenta uma forte tendência à
impostação de entonação, o que contribui para transmitir afirmação por parte do falante e
requerer do ouvinte uma sinalização de aprovação. Então, a presença do MD viu, entre a
sequência argumentativa ‗E isso, esse problema pra quem está se referindo à casa é tremendo
pra uma dona de casa‘ e a sequência explicativa ‗porque é uma coisa enorme pra se guardar‘,
marca a posição da falante diante do problema exposto, requisita sua aprovação e confirma
sua negociação.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
viu é, basicamente, um marcador de atenção que requisita subfunções para cumprir objetivos
comunicativos de confirmar os significados atribuídos pelo falante.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção viu como:
[[viuverboperceptivo-visual]↔[marca ratificação da posição do falante diante do argumento e
busca aprovação/confirmação do ouvinte sobre os significados atribuídos]]
6.2.2.2 Mesoconstrução‘‘ ver(locativo)
A mesoconstrução‘‘ ver(loc) sanciona as microconstruções vê lá e veja lá. Dentre os
padrões sancionados pelo padrão construcional ver(x), consideramos o padrão ver(loc)
formador de estruturas linguísticas mais complexas de intervenção entre interlocutores,
devido ao resgate sintático-semântico em seus contextos de uso, visto que requisitam uma
decodificação mais elaborada por parte do ouvinte. As formas sob o padrão ver(loc) também
são as menos frequentes no parâmetro de frequência token, e as menos produtivas no
parâmetro de frequência type. Dessa maneira, pelo princípio de marcação (GIVÓN, 1995;
2012), categorizamos a mesoconstrução‘‘ ver(loc) como um padrão mais marcado, dentre os
três types do padrão construcional mais abstrato ver(x).
Passamos a descrever cada microconstrução do padrão ver(loc) e especificidades
funcionais dos tokens em seus contextos de uso.
- microconstrução vê lá
125
(58) O inspetor do serviço de veterinária vinha pedir-lhe autorização para instalar um
laboratório e Caiana berrava: - Qual laboratório! Qual nada! Tudo isto é pomada! Vou
mandar chamar o Nicodemo. Conhece? Pois trata toda a espécie de moléstias de animais
com sangria ou óleo de andaiaçu. Quero cousas práticas! Práticas, está ouvindo? Tendo
chegado o francês e o guarda-livros, ele recomendou ao primeiro: - Ormesson, vê como
havemos de fazer isto aqui ser mesmo de agricultura. Quero cousa prática! Hein? Vê lá,
se vais beber! Hein? ao guarda-livros, ele disse: - Tome conta dessas cousas de papéis aí,
que não pesco nada disso. A Nicodemos, nada o doutor Chico recomendou, porque o
alveitar não quis deixar as Canas. O francês não bebeu e, dias depois, trouxe o projeto de
transformar a chácara da secretaria em campo agrícola. (CP, séc. XX, Br, Fic, L.Barreto,
Os Bruzundangas, 1922)
O constructo vê lá, no exemplo (58), é um token selecionado dentre um total de cinco
dados levantados em nosso corpus de pesquisa, virtualmente representado pela
microconstrução vê lá.
No exemplo (58), Doutor Chico fiscaliza o serviço de seus empregados na fazenda.
Ordena a Ormesson: ‗vê como havemos de fazer isto aqui mesmo de agricultura. Quero cousa
prática! Hein?‘, contrariando a ideia de fazer um laboratório. Doutor Chico continua
sustentando o turno, mas muda o tema da negociação de sentidos. Então introduz uma
repreensão/advertência com o apoio do MD vê lá, direcionada ao Ormesson. Essa repreensão
é sustentada pela sequência descritiva ‗Vê lá se vais beber‘ com uso do presente denotando
futuro. Na negociação de sentidos do contexto há uma implicatura que podemos interpretar
como que já houve situações anteriores em que Ormesson bebeu.
A primeira subparte da construção, vê, de base verbal fixa, confere ao contexto sentido
de compreensão processual. A segunda subparte, lá, confere ao contexto sentidos em que o
que se aponta são situações anteriores, trazidas à memória do ouvinte ativada pelo MD e seu
entorno linguístico. Notamos que a intenção comunicativa do falante não é apenas advertir o
ouvinte, mas conduzir uma mudança na situacionalidade, o que se evidencia, mais à frente,
quando o narrador relata: ‗o francês não bebeu‘.
Sendo assim, o sentido da construção torna-se dependente do contexto na medida em
que a construção vê lá perde composicionalidade, ganhando idiomaticidade própria.
Comprovamos esse comportamento da microconstrução relendo o contexto do exemplo (58)
sem o MD e verificamos como a negociação de sentidos muda sem o MD.
Vejamos outro exemplo para sustentar nossa afirmação:
(59) É só um adeus. Paulo, de mãos enfiadas nos bolsos, passeando ao longo da sala vazia,
enquanto os homens retiravam os móveis do seu quarto, pensava em Ritinha: a mulata
obsediava-o. Foi ao quintal e deu com Felícia agachada, desenterrando um pé de arruda. -
126
Vais levar isso, Felícia? - Então, nhonhô? Arruda é muito bom. A gente deve ter sempre
em casa um pé de arruda para uma dor. E, com a planta na mão, ergueu-se e foi acomodá-
la em um vaso de barro. - Vê lá! não esqueças por aí alguma coisa. Olhe os homens.
Varre a casa e seque logo. Tomas o bonde na Estrada e segues. Sabes onde é? - Então,
nhonhô? Uai! Dona Júlia apareceu à porta da rua. - Vamos, Paulo. O estudante tomou o
chapéu e saiu. Uma das carroças já estava cheia, com a grande mesa suspensa ao fundo,
toda enleada em cordas; duas outras esperavam. (CP, séc. XX, Br, Fic, Coelho Neto, O
Turbilhão, 1906)
No exemplo (59), Paulo inspeciona a retirada de móveis para uma mudança. Ao
encontrar com a empregada (Felícia), Paulo, em tom de advertência, declara: ‗Vê lá‘, e em
sequência injuntiva com o uso do imperativo adverte: ‗não esqueças por aí alguma coisa‘. O
falante abre sua declaração com o auxílio do MD vê lá, requisitando um alto grau de atenção
da ouvinte, demonstrando sua impositividade pelo papel social de patrão que representa. O
MD vê lá não traz um simples sentido de cuidado. Defendemos que, assim como em (58), em
(59), o MD vê lá antecipa uma visão de futuro: ‗não esqueças por aí alguma coisa‘. Traz à tona,
na cena discursiva, a projeção de uma situação com probabilidade de ocorrer, ou que já tenha
ocorrido. Essa projeção é colocada como inaceitável, o que faz com que o ouvinte, no caso em
(58), mude sua atitude.
Justificamos essa afirmação com o recrutamento da segunda subparte. O advérbio
locativo lá propicia a inferência de um sentido que deixa de ser espacial, extrapola limites
textuais e passa para o nível discursivo, no qual centra-se no plano da situacionalidade. Nos
dois contextos apresentados como exemplos, os MDs referem-se a situações específicas. Esse
espaço a que o MD está direcionando a atenção do ouvinte é o conhecimento compartilhado
entre os interlocutores. O MD vê lá traz sentidos de antecipação da situação apresentada e
remete, sustentado por inferência sugerida, ao que supostamente poderia ocorrer.
Não é propriamente um ―futuro‖, mas uma situacionalidade provável baseada na
negociação dos sentidos em contextos, sustentada pela memória compartilhada e pela
manipulação de implicaturas para sugerir mudança de atitude, advertência, repreensão,
aconselhamento e cautela. Desse modo, o falante evoca implicaturas e espera que o ouvinte
infira o sentido de: ―não bebas‖, em (58); e ―cuidado, lá no futuro você vai perceber que
esqueceu algo‖, em (59).
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vê lá é, basicamente, um MD que apoia a intenção do falante em
advertir/repreender/aconselhar/acautelar o ouvinte através de sugestões de situações,
127
hipotéticas ou não, passíveis de ocorrerem ou não, para conduzir/influenciar/assegurar
atitudes do interlocutor.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção vê lá como:
[[vêverboperceptivo-visuallálocativo]↔[marca repreensão sustentada por argumentação
hipotética do falante para assegurar efeitos de mudança na situacionalidade que envolve o
ouvinte]]
Não podemos deixar de notar similaridades entre o uso do MD vê lá e o uso dos MDs
olha lá e olhe lá. Esses três marcadores são recrutados, principalmente, para influenciar
mudanças na interação com o ouvinte. Tais mudanças podem consistir de atitude, postura ou
decodificação. Verificamos que o uso do MD vê lá se destaca dos demais pelo alto grau de
asseveridade dos contextos, decorrente do maior grau de impositividade empregado pelos
falantes em suas enunciações. Essas enunciações são proposições de falante com papel social
de autoridade sobre o ouvinte. Outro destaque do MD vê lá é uma demanda mais complexa do
processamento dos significados, uma vez que o sentido do todo da construção depende mais
do contexto linguístico e do compartilhamento de conhecimento entre interlocutores,
provocando maior perda de composicionalidade, o que acarreta ganho de idiomaticidade.
- microconstrução veja lá
(60) O Ford derrapou, maxixou, continuou bamboleando. E as chaminés das fábricas apitavam
na Rua Brigadeiro Machado. Não adiantava nada que o céu estivesse azul porque a alma
de Nicolino estava negra. - Ei, Nicolino! NICOLINO! - Que é? - Você está ficando surdo,
rapaz! A Grazia passou agorinha mesmo. - Des-gra-ça-da! - Deixa de fita. Você joga
amanhã contra o Esmeralda? - Não sei ainda. - Não sabe? Deixa de fita, rapaz! Você.. -
Cião. - Veja lá, hein! Não vá tirar o corpo na hora. Você é a garantia da defesa. A
desgraçada já havia passado. Ao Barbeiro Submarino. Barba: 300 réis. Cabelo: 600 Réis.
Serviço Garantido. - Bom dia! Nicolino Fior d' Amore nem deu resposta. Foi entrando,
tirando o paletó, enfiando outro branco, se sentando no fundo a espera dos fregueses. Sem
dar confiança. Também Seu Salvador nem ligou. (CP, séc. XX, Br, Fic, Castilho, Brás,
Bexiga e Barra Funda, 1927)
128
O constructo veja lá, no exemplo (60), é um token selecionado dentre um total de sete
dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução veja lá.
O exemplo (60) descreve um diálogo entre Nicolino, jogador de futebol, e seu
Salvador, o dono da barbearia. Nicolino é questionado se participará de um jogo. Ao afirmar
que não sabe se jogará, seu interlocutor o repreende: ‗Não sabe? Deixa de fita, rapaz! Você...‘.
O arranjo textual-discursivo do enunciado fornece subsídios para análise. O falante inicia com
uma repreensão severa: ―- Não sabe? Deixa de fita rapaz, você...‖. Nessa altura do enunciado,
quando parece que vai se iniciar uma discussão, uma voz impede que ele continue e conclua
sua declaração: ―- Cião.‖. Logo depois, ele retoma o turno e reinicia sua declaração com o
MD veja lá, reforçado pela interjeição ―hein!‖. Em seguida, insere sequência argumentativa:
‗Não vá tirar o corpo na hora. Você é a garantia da defesa‘, como justificativa para a
repreensão anterior.
Podemos observar que o uso do MD veja lá, em (60), traz atenuação da asseveridade
no contexto. O que provavelmente se transformaria em declarações mais severas foi
reconfigurado em uma contra-argumentação mais branda, com o auxílio do MD veja lá.
Sendo assim, no contexto do exemplo (60), a função discursivo-pragmática desempenhada
pelo MD veja lá é apoiar repreensão atenuada do falante.
Vejamos outro exemplo para reforçar nossa análise:
(61) [...] mas perdi o gosto pelos funerais. Na próxima emoção, o defunto poderia ser eu.
Primo Delfim Botelho, o sonetista acima nomeado com encômios justos e devidos,
prontificou-se a socorrer-me nas dificuldades, especialmente no terreno em que mais
escorregava - o dos agravos à concordância, ao contrário da sobriedade recomendada, de
economizar adjetivos e exclamações, não resisti à tentação de comparar Mirante dos
Aflitos, de sol abrasante e esquecida das curvas do vento, a uma nova Fênix ressurgindo
das cinzas. -Veja lá - advertiu Botelho. - Veja se não vai igualar nosso avô a Napoleão. -
Isso não, jamais! - repliquei de imediato. -Esse aí não era um Epilépiado franco, corrigiu
o poeta, cioso da verdade histórica e disposto a restabelecê-la. - E um grande general. -
Mas um vexame na cama. Josephine não se cansava de reclamar, inclusive do tamanho,
uma vergonha para a França. (CP, séc. XX, Br, Fic, Guido Guerra, Vila nova da rainha
doida, 1998)
No exemplo (61), o falante Botelho adverte seu primo, iniciando sua advertência com
o MD veja lá, isolado em uma única declaração. Postulamos que o MD veja lá, por si só,
marca advertência/repreensão. O contexto demonstra que o primo de Botelho tem
conhecimento do seu costume de exagerar ao escrever sobre enterros, o que fica evidente em
‗o dos agravos à concordância, ao contrário da sobriedade recomendada, de economizar
129
adjetivos e exclamações‘. Por isso o falante intenciona repreendê-lo. Mas, considerando que a
interação se dá entre interlocutores com papéis sociais próximos (primos), há a necessidade de
que essa advertência/repreensão seja atenuada, por isso o recrutamento do MD veja lá. O uso
do MD é sustentado pela sequência injuntiva ‗Veja se não vai igualar nosso avô a Napoleão.‘
O uso da remissão a figura de ‗Napoleão‘ em contexto traz implicaturas ao sentido para que o
ouvinte remeta essa negociação de sentidos a sua mania de exagerar nos adjetivos.
Observamos que a atenuação da repreensão é confirmada, já que o interlocutor,
prontamente, responde: ‗Isso não jamais‘, ratificando a advertência. Na análise dos sete tokens
levantados, os dados mostram que os usos do MD veja lá ocorrem em contextos de interações
em que os interlocutores se preocupam com polidez, como é o caso de (61), e
respeitabilidade, como em (61).
Quanto ao enquadre semântico a construção veja lá, em contexto de uso, expressa a
intenção comunicativa do falante em repreender o ouvinte com certo cuidado no nível
interpessoal da interação. A subparte fixa veja, cristalizada em configuração de 3ª pessoa,
confere sentido de pedido de processamento mental dos argumentos expostos, forçando certa
negociação, convencimento e incentivando reflexão do ouvinte. O afixoide lá confere sentidos
de que a atenção do ouvinte está sendo direcionada para espaços longe de quem fala e de
quem ouve, centra-se no nível da informatividade72
, porquanto remete à negociação de
sentidos, às informações veiculadas pelo contexto.
Postulamos que a diferença entre a configuração morfossintática das formas do padrão
ver(x) não segue a motivação apresentada pelo padrão olhar(x), de atuar como sentido de
impositividade dos falantes nos contextos. No padrão ver(x), notamos que essa diferença é
diretamente motivada pela base verbal e seu sentido de processamento mental. Observamos
que a forma vê, por ser monossilábica e de 2ª pessoa, denota um sentido da base verbal como
um processamento mais imediato da informação, enquanto que a forma veja, em 3ª pessoa,
denota sentidos que requerem do ouvinte um processamento mental mais apurado, mais
reflexivo. São negociações mais persuasivas no contexto.
Defendemos que essa diferença decorre do efeito proposto como princípio de
estratificação (HOPPER, 1991), visto que as formas convivem no inventário linguístico com
rotas diferentes de abstratização, isto é, em camadas diferentes da língua.
Observamos que o uso do MD veja lá, ainda também, marca subfunções de tomar o
turno de fala, acentuar o grau de percepção do ouvinte, prender atenção para desfecho,
72 Agregamos as noções de situacionalidade e informatividade como estratégias discursivas de veiculação das
informações no discurso.
130
introduzir tema (no nível textual) e argumentos (no nível discursivo), sustentar discurso
direto, valorizar conteúdo e articular pedido.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção veja lá como:
[[vejaverboperceptivo-visuallálocativo]↔[marca atenuação da repreensão sustentada por
argumentação hipotética do falante para convencer o ouvinte a determinada mudança]]
6.2.2.3 Mesoconstrução‘‘ ver(focalizador)
A mesoconstrução‘‘ ver(foc) sanciona as microconstruções vê só, veja só, vejam só, vê
bem, veja bem e vejam bem. As microconstruções são compostas do encadeamento de duas
partes, que por repetição forma um chunk. O padrão consiste de uma parte fixa (ver) e uma
não fixa, um (slot), preenchido por advérbios que desempenham função de focalizadores (só,
bem). Consideramos a mesoconstrução‘‘ ver(foc) composta por formas diretas de elocução,
devido à interpretação da construção como parte-todo. As formas de apresentação do padrão
ver(foc), igualmente ao padrão ver(loc), apresentam uma complexidade estrutural e cognitiva
maior que o padrão não marcado ver(x).
Na seção 6.2.2.2, consideramos o padrão ver(loc) como um padrão mais marcado, pela
menor frequência token e também menor produtividade type. O que nos justifica
considerarmos ver(foc) um padrão marcado é a diferença na da produtividade type. Sendo
assim, o padrão ver(loc) é menos frequente e menos produtivo que o padrão ver(foc). Dessa
maneira, categorizamos as mesoconstruções‘‘ ver(loc) como o padrão mais marcado e
ver(foc) como o padrão marcado do padrão construcional mais abstrato ver(x)73
.
Vejamos, a seguir, cada microconstrução do padrão ver(foc) e especificidades dos
tokens em seus contextos de uso.
- microconstrução vê só
(62) Débora encontra a bolsa com o dinheiro, entrega a Dito. - Podem ficar. Tem mais de dez
mil. É tudo de vocês, mas não me matem! - Vê se não tá mentindo de novo. Vou
apostando que as cédulas são falsas. - Obriga a mulher a sentar-se. Com a ponta da faca,
73 Adaptamos o Princípio de Marcação (GIVÓN, 1995; 2012) binário para um modelo em tríade: não marcado,
marcado e mais marcado.
131
rasga-lhe a blusa, corta as alças da combinação. Aparecem uns seios grandes e moles. -
Vagabunda! Manguito termina a conferência do dinheiro. - Tem nove mil! - Vê só.
Acabou de dizer que era mais de dez - acentua Dito, nervosamente. - O que houve foi um
mal-entendido - diz a mulher, chorando. - Mas quem se lascou foi a gente. Débora tenta
correr, num momento em que imaginou estivesse Dito descuidado. (CP, séc. XX, Br, Fic,
J. Pixote Louzeiro, Infância dos mortos, 1977)
O constructo vê só, no exemplo (62), é um token selecionado dentre os dois dados
levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela microconstrução vê
só.
O exemplo (62) retrata o diálogo entre os personagens Débora, Dito e Manguito. Dito
e Manguito se unem para roubar uma bolsa (de Débora) com supostos dez mil. Ao ser
informado por Manguito de que na bolsa só ‗tem nove mil‘, Dito contra-argumenta a
informação anteriormente dada por Débora: ‗- Podem ficar. Tem mais de dez mil. É tudo de
vocês, mas não me matem!‘. Para abrir a declaração da contra-argumentação, Dito utiliza uma
sequência narrativa iniciada pelo MD vê só. O MD abre um espaço de atenção no diálogo,
apoiado por subfunções que sustentam a intenção comunicativa do falante de questionar a
argumentação anterior: ―tem mais de dez mil‖.
Assim como o MD olha só, o MD vê só apoia o estreitamento do espaço de atenção,
mas também apoia a contra-argumentação. A intenção do falante ao recrutar o MD vê só é
configurar seu discurso de maneira que o tom seja agressivo e intimide o ouvinte, porque a
situação presente, o contexto, não é o que foi retratado: ‗Acabou de dizer que era mais de
dez‘. O estreitamento do foco do discurso se dá sobre a informação da quantia em dinheiro:
‗Vê só. Acabou de dizer que era mais de dez‘. A intenção do falante é configurar seu discurso
de maneira que o tom seja agressivo, marcando alto grau de impositividade do falante.
Do sentido do todo da construção vê só, podemos identificar que o encadeamento de
cada parte contribui para o sentido do todo da construção no contexto. A base verbal vê
contribui com sentidos de processamento mental instantâneo, uma vez que a negociação de
sentidos, no contexto, expressa urgência por se tratar da conferência do dinheiro fruto de um
roubo, em que tal ação se desenrola na cena do crime: ‗Manguito termina a conferência do
dinheiro.‘ E com urgência, expressa o valor em uma curta sequência descritiva: ‗- Tem nove
mil!‘
O afixoide só atua como um especificador do direcionamento da atenção, contribuindo
para a especialização dos significados. A atenção dos interlocutores é direcionada não para o
dinheiro, nem para a bolsa, mas para a diferença do valor conferido. Desse modo, o elemento
132
de base focalizadora só deixa de focalizar espaços físicos ou elementos textuais para sinalizar
espaços discursivos específicos. Em (62), notamos um estreitamento do foco discursivo no
nível informacional. Postulamos que o sentido de só metaforiza-se para focalização estreita do
espaço discursivo, realçando informatividade ou situacionalidade.
Vejamos outro uso do MD vê só, em que o estreitamento de foco ocorre entre os níveis
do discurso:
(63) E: ...furou o pneu!...
F: Ah, não, já teve sim. Voltando acho que foi até do curso de inglês... estava chovendo
muito... aí o carro parou; é: mas é:.. parou o carro, vários carros pararam, bem na Avenida
das Américas até. O carro parou.
E: Hu. Hu. Hu. Hu. Eu sei!...
F: Aí... mas vê só: eu fiquei desesperada! ―né? era‖ pequenininha, todo mundo
desesperada no carro, era um bando de... de é:... não era nem adolescente ainda, eu devia
ter uns dez anos... e... minha irmã uns doze, nossa amiga também uns doze... Aí tinha
outro menino, devia ter também uns dez, onze... com a gente.
E: Mas parou por causa... dos outros carros?
F: Da chuva! por causa da chuva. Chuva... Tava chovendo muito muito muito. Tava tudo
alagado, sabe? Aí o carro parou. (PEUL/RJ 2000, Falante: 14 Gil, 1999)
O contexto apresentado em (63) é uma interação similar a uma entrevista do tipo par
P-R. O assunto abordado pela falante (F) diz respeito às situações em que há problemas
mecânicos em veículos.
A falante (F), em sequências narrativas, conta certo episódio em que o carro em que
estava parou e vários outros pararam também. Em seguida, em sequência descritiva, a falante
traz ao contexto uma impressão pessoal introduzida pelo MD ‗Aí... mas vê só: eu fiquei
desesperada!‘ Nesse arranjo contextual, a falante restringe o foco da informação anterior -
paralisação dos carros - para seu posicionamento enquanto experienciadora da situação. O
MD vê só marca o estreitamento do foco discursivo do nível situacional para o informacional.
Assim, há um estreitamento do foco discursivo do tipo de informação e de sentidos
veiculados. Nesse exemplo não identificamos, na negociação de sentidos, contra-
argumentação ou severidade na impositividade do falante.
Dessas observações, identificamos que, nos dois contextos apresentados, a função
discursivo-pragmática desempenhada pelo MD vê só é apoiar o estreitamento do foco
discursivo. A função de marcar contra-argumentação em contextos asseverativos com nuances
de severidade apresenta-se em apenas um contexto.
133
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vê só é, basicamente, um marcador de atenção para estreitamento do foco no espaço
discursivo nos níveis de informatividade e situacionalidade, em alguns casos com efeitos de
contra-argumentação e impositividade do falante.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção vê só como:
[[vêverboperceptivo-visualsófocalizador]↔[marca o estreitamento de focalização dos espaços
discursivos]]
- microconstrução veja só
(64) Campos: Fomos super bem tratados pelos fãs e também pelos profissionais da área,
conversamos com gente como Tim Sale e George Perez.. Geoff Johns e Arthur Adams e
eles conheciam mesmo nosso trabalho... Eles lembravam até da época em que eu era
desenhista! Mas eu ainda acho que está faltando um AUTOR mesmo. Um cara que crie.
Fanboy: Você acredita que de alguma forma o sucesso dos desenhistas brasileiros no
exterior pode fomentar a produção nacional de HQs?
Campos: Eu acredito realmente que isso já aconteceu. Acredito mesmo. Veja só...
Quando eu comecei... Gente como Mozart Couto e Watson Portella eram altamente
ignorados por muitos leitores brasileiros, existia um sentimento estranho. Nós tínhamos
desenhistas... mas parece que a " profissão "... ou o " profissional " de quadrinhos só
passou a ser respeitado depois que a gente publicou no exterior. Isso não foi só em
relação aos leitores, mas também com as editoras nacionais [...] (CP, séc. XX, Br, oral,
entrevista, Marcelo Campos)
O constructo veja só, no exemplo (64), é um token selecionado dentre um total de 25
dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução veja só.
No exemplo (64), o falante Campos é entrevistado por Fanboy. Os interlocutores
dialogam sobre o reconhecimento dos autores de história em quadrinhos. Fanboy pergunta a
Campos: ‗Você acredita que de alguma forma o sucesso dos desenhistas brasileiros no
exterior pode fomentar a produção nacional de HQs?‘. Em sua segunda fala, Campos
responde com uma sequência declarativa afirmativa: ―Eu acredito realmente que isso já
aconteceu‘, seguida de uma declaração de ênfase, de confirmação: ‗Acredito mesmo‘. Essas
duas sequências negociam sentidos assertivos e têm intenção de trazer veracidade e segurança
na impositividade da declaração do falante. Logo em seguida, Campos recruta o MD veja só,
134
para introduzir uma narrativa contando como os desenhistas de HQ eram tratados antes das
publicações no exterior. Há uma historicidade na narrativa da resposta. Então, o falante
recruta o MD veja só porque esse MD infere sentidos de processo mental, isto é, o falante
sinaliza ao ouvinte que ele é capaz de interpretar os significados e o convida a compartilhar
sua codificação da informação para uma interpretação de sentidos em conjunto. Sendo assim,
o MD veja só não expressa ordem, mas convite. Podemos dizer que há um sentido de injunção
pelo convite, ou capacitação do ouvinte como cofalante.
Vejamos outro exemplo para ratificar nossas afirmações:
(65) Porque eu falava com simplicidade, usava a linguagem daquelas pessoas. A minha
linguagem é essa, né?
— Essas palestras aconteceram em que época?
— Ali por 1981. Anos depois, em 1988, o Waldo teve a idéia de fundar um instituto. E
logo que ele fundou o Instituto, eu me afastei do trabalho dele, porque aí não tinha mais a
ver. O Waldo estava ficando muito..como é que eu vou dizer isto? Bem, veja só, você é
jornalista. Eu sou comunicador. A gente gosta de uma linguagem mais clara, né?
— Exatamente, mais direta...
— Direta! E a linguagem que o ele estava colocando parecia estar afastando muito as
pessoas do conhecimento que ele queria abrir. Na verdade, estava fechando. Não que ele
estivesse com maldade. Mas era a opção dele, não a minha. E então eu me afastei. Não
houve briga, ruptura, nada. Era apenas uma diferença de enfoque.
(CP, séc. XX, Br, oral, entrevista, Wagner Borges)
No exemplo (65), o falante Wagner, em seu depoimento, relata: ‗me afastei do
trabalho dele, porque aí não tinha mais a ver. O Waldo estava ficando muito...‘. Sem
conseguir prosseguir com a linearidade do texto, o falante introduz uma pausa, demonstrando
não saber reexplicar o tópico anterior: ‗como é que eu vou dizer isto?‘. Logo em seguida,
reestrutura seu texto, reiniciando-o com o auxílio do MD: ‗Bem, veja só, você é jornalista. Eu
sou comunicador‘. O falante reestrutura o texto, sem mudar o tema, mas prevê a necessidade
de redirecionar o foco discursivo. Dessa maneira, os argumentos expostos ficam textualmente
melhor arranjados e a intenção discursivo-pragmática de envolver o ouvinte na codificação da
mensagem é alcançada.
O MD veja só acerta a focalização da atenção do ouvinte para o sentido que o falante
queria negociar antes, mas não conseguiu - ‗A gente gosta de uma linguagem mais clara, né?‘.
O falante tentou negociar sentidos que expressem que ele se afastou do trabalho porque não
estavam falando a mesma língua. Esse sentido é reafirmado, depois, pela sequência
argumentativa: ‗E a linguagem que ele estava colocando parecia estar afastando muito as
pessoas do conhecimento que ele queria abrir‘.
135
A configuração morfossintática da forma veja só em 3ª pessoa contribui com sentidos
de que o processamento mental do ouvinte, requisitado pela chamada de atenção do falante,
demanda uma maior complexidade cognitiva. Por essa razão, o falante recruta o MD veja só
para inserir, nos contextos, introduções de narrativas e argumentativas mais extensas do que
as introduzidas em contextos em que se apresentam outros MDs, por exemplo, vê só.
Notamos que o afixoide só, nos dois contextos de uso apresentados e em mais 18 de
nossa análise, atua para focalização não de estreitamento do espaço discursivo, mas de
ampliação desse foco.
Não podemos deixar de observar as similaridades entre o MD veja só e o MD veja.
Entre esses marcadores, há funções em comum, mas a que se destaca, em nossa pesquisa, é a
de marcar a inclusão do ouvinte no processo de negociação de sentidos, sinalizando que os
interlocutores estão no mesmo nível de capacidade de compreensão dos sentidos negociados.
Defendemos que essa função discursivo-pragmática seja de base cognitivo-pragmática.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
veja só é, basicamente, um marcador de atenção para conduzir o ouvinte à interpretação de
sentidos em um espaço discursivo ampliado.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção veja só como:
[[vejaverboperceptivo-visualsófocalizador]↔[marca espaço de atenção para introdução de
proposições argumentativas/narrativas/descritivas através de espaço discursivo ampliado]]
- microconstrução vejam só
(66) O crime já estava consumado. Pronto. O jeito era adaptar-se à situação; mas resignar-se,
caroável como antes - isso mais nunca. Passou-se a suspicaz, povoada de desconfianças,
refém de um estado de suspeição em incômoda latência. Foi preciso atravessar esse rio
cheio de piranhas, esse aguaçal enlameado para aprender quanto fora ingênua a ponto de
secar-lhe o sono com aquelas antigas veleidades. Ter ciúmes do próprio filho com o pai!
Vejam só! Essa bobagem cabe na cabeça de alguma criatura que tenha o miolo no lugar?
Verdade que a ira de dona Senhora ainda recrudesceu, sim; mas relutando apenas contra o
seu próprio coração amolecido, contra o orgulho esfrangalhado, por entrar nas regras de
mulher complacente e sem firmeza, manipulada nos seus sentimentos. Como podia se
conformar com tão humilhante aceitação? (CP, séc. XX, Br, Fic, J. C. Dantas, Cartilha do
silêncio, 1997)
136
O constructo vejam só, no exemplo (66), é um token selecionado dentre um total de
seis dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução vejam só.
No exemplo (66), a personagem reluta, em seus pensamentos, sobre ‗ter ciúmes do
próprio filho com o pai‘. Como se estivesse refletindo sobre o assunto, ela indaga: ‗Vejam só!
Essa bobagem cabe na cabeça de alguma criatura que tenha o miolo no lugar?‘. Para
introduzir essa indagação, utiliza o MD vejam só. O contexto no entorno do MD é sustentado
por sequências descritivas. Verificamos que o uso do MD vejam só destaca um espaço de
atenção, não para focalizar tópico dentro do tema, ou destacar níveis discursivos de
situacionalidade ou informatividade, embora isso ocorra, mas, principalmente, para destacar
elementos extralinguísticos.
No contexto em (66), o MD vejam só destaca surpresa, autoindignação, contrariedade,
espanto, elementos próprios de reflexão pessoal, uma vez que anteriormente a
falante/narradora declarara que sofria com essa situação: ‗Foi preciso atravessar esse rio cheio
de piranhas, esse aguaçal enlameado para aprender quanto fora ingênua a ponto de secar-lhe o
sono com aquelas antigas veleidades‘. Essas inferências do narrador trazem implicatura de
sofrimento pessoal. Depois de uma reflexão esse sofrimento é visto como uma ‗bobagem‘.
Sendo assim, o domínio pragmático ganha destaque com o uso do MD vejam só, e as funções
discursivo-pragmáticas desempenham as intenções dos falantes através de reflexão,
constatação e exposição de suas impressões pessoais.
Vejamos outro exemplo para sustentar nossas afirmações:
(67) Ela se foi, eu fiquei por aqui, por ali, tocando piano enquanto as pessoas comem, bebem e
namoram. Sem escutar o que eu toco. - Mas para onde ela foi? - Ninguém sabe, rapaz.
Deixou todos esperando aquela noite no teatro, e não apareceu. Nunca mais, até hoje.
Mostrei o disco de Márcia. - Você sabia que esta moça é filha dela? - Ouvi falar, dizem
que tem muito talento. - Vejam só, quem diria. Peguei essa menina no colo, mijou muito
em mim. Dulce não tinha o menor jeito para mãe. E depois de Saul, ficou pior ainda.
Saul: aquele nome despertava alguma coisa em mim. Alguma coisa que tinha ficado
escondida naquela tarde, no apartamento da avenida São João, em frente à poltrona verde.
- Quem é Saul? - perguntei. E não queria saber a resposta. (CP, séc. XX, Br, Fic, Angela
Abreu, Santa Sofia, 1997)
No exemplo (67), o falante Pepito conversa com um jovem rapaz que está à procura de
Dulce. Pepito mostra-lhe um disco e comenta: ‗Você sabia que esta moça é filha dela?‘. Após
o comentário do jovem - ‗Ouvi falar, dizem que tem muito talento.‘ -, Pepito insere o MD
137
vejam só para abrir um espaço de atenção e direcionar essa atenção do ouvinte às suas
lembranças e impressões pessoais: ‗Vejam só, quem diria‘. O uso do MD traz ao contexto
sentido de saudosismo, surpresa, constatação pessoal. Para demonstrar que conhece a cantora
desde criança e sua mãe, introduz em sequência narrativa: ‗Peguei essa menina no colo, mijou
muito em mim. Dulce não tinha o menor jeito para mãe. E depois de Saul, ficou pior ainda.‘
Nesse espaço de atenção veiculam-se significados construídos, que, provisoriamente,
estamos categorizando com função de focalização de impressões pessoais, visto que essa
subfunção traz sentido de posicionamento pessoal do falante durante a interação, motivando
mudanças na interpretação do ouvinte, uma vez que os falantes negociam sentidos sustentados
por dados novos nas informações.
Defendemos que a cristalização da forma vejam só em 3ª pessoa do plural favorece
sentidos de dispersão do espaço de atenção, o que contribui para o não comprometimento da
forma cristalizada com a pessoa gramatical em que se cristalizou. O falante, ao usar o MD
vejam só na 3ª pessoa do plural, indetermina a pessoa a quem ele se dirige. Identificamos esse
uso nos dois exemplos apresentados em que o falante, em (66), se dirige a si mesmo e o
falante/narrador, em (67), se dirige ao rapaz.
Percebemos, nos contextos de (66) e (67), uma leve persistência de indeterminação do
sujeito mesclada com voz reflexiva. Lembramos que o efeito de persistência atua na
construção por meio de restrições (HOPPER, 1991) e consideramos a rota de abstratização da
base verbal ver com sentidos de processamento mental.
Verificamos, nos seis dados levantados, que essas impressões pessoais podem ser
traços de surpresa, admiração, espanto, saudosismo, aprovação, desaprovação. Há uma
projeção de valores, sentimentos e crenças pessoais do falante, direcionadas ao ouvinte como
sustentação para negociação dos sentidos em contexto.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vejam só é, basicamente, um marcador de atenção que requisita subfunções para cumprir
objetivo comunicativo de destacar elementos no espaço de atenção. Esses elementos,
linguísticos e extralinguísticos, cooperam para sustentar subjetividade, uma vez que o falante
mostra-se muito preocupado com sua autoimagem. Esses elementos cooperam, também, para
sustentar implicaturas que evocam, na decodificação do ouvinte, as impressões pessoais
inseridas pelo falante.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção vejam só como:
138
[[vejamverboperceptivo-visualsófocalizador]↔[marca introdução de impressões pessoais do
falante]]
- microconstrução vê bem
(68) Não se tá gostando do que acabou de dizer. - Segura o moleque aí do teu lado, Pestana.
Vamos já dobrar esse cachorro - diz o tipo parrudo, enquanto manda o motorista vir de ré,
devagar. Dito percebe a manobra, debate-se, Pestana não tem forças para contê-lo. - Corre
aqui, Bandeira 2, que o bicho é valente. Dito é agarrado, os braços torcidos, uma das
pernas estiradas. O carro está perto. - Güenta aí, Xereta - diz o tipo parrudo ao motorista.
- Vê bem, garoto, tu te abre, ou vai ficar com o pé debaixo do carro. E não pensa que se
tá com pressa. O carro vai parar no teu pé, até dar o serviço. Pestana insiste: - Quem
mandou queimar a mulher? Fumaça está horrorizado, o motorista tem um braço de fora
do carro, olha para trás, a fim de não errar, o parrudo acena para que continue a vir. Dito
dá um berro, continua a gritar, o policial solta-o (...) (CP, séc. XX, Br, Fic, J. Pixote
Louzeiro, Infância dos mortos, 1977)
O constructo vê bem, no exemplo (68), é um token selecionado dentre um total de dois
dados levantados da instância de uso como MD, virtualmente representado pela
microconstrução vê bem.
No exemplo (68), Pestana e seus comparsas ameaçam torturar Dito para que ele revele
algo. Dito, ao perceber que é dada a ordem para que o carro o atropele, começa a se debater.
Não tendo como segurá-lo, o bandido pede ajuda de outro: ‗Corre aqui, Bandeira 2, que o
bicho é valente‘. Após o agarrarem, Pestana inicia a declaração de ameaça com intenção de
intimidar Dito: ‗Vê bem, garoto, tu te abre, ou vai ficar com o pé debaixo do carro‘. O falante
recruta o MD vê bem para direcionar a atenção do ouvinte para o seu processamento mental,
conferindo sentidos de que é de muita importância para o momento da interação que ele
reflita, pense, preste atenção nos sentidos que estão sendo negociados. Os bandidos dão a Dito
duas opções: ‗tu te abre, ou vai ficar com o pé debaixo do carro‘. São esses dois sentidos
negociados a que o ouvinte deve dar importância. A sequência torna-se injuntiva pela
expressão de ordem direta.
Em exemplos anteriores, identificamos que a forma vê, cristalizada em 2ª pessoa,
confere sentidos de processamento mental imediato e apoia, também, sentidos de urgências.
O afixoide bem perde seu estatuto adverbial, que apontava seu foco para uma
circunstancialidade, e ganha reconfiguração textual-interativa para o ―plano de uma ‗não-
139
pessoa‘, correspondente ao próprio assunto ou tópico em centração‖ (RISSO, 1999, p. 271),
vale dizer, aquilo que o falante deseja destacar da negociação.
Observamos que o uso do MD vê bem marca advertência, repreensão e agressividade
(em contextos com sentidos explícitos de ameaça à integridade física do ouvinte), o que
comprovamos com a sequência descritiva ‗E não pensa que se tá com pressa. O carro vai
parar no teu pé, até dar o serviço‘.
Nosso levantamento consiste de apenas dois tokens para análise. Vejamos exemplo
com o outro dado levantado:
(69) Inf.: - que se até parentes que se submeteram a operação de... de coração... e que tem um
sucesso... é uma coisa só vendo pra crer...é uma coisa extraordinária... a partir daquela
operação a pessoa passa a ser uma pessoa normal ativa... como qualquer outra pessoa que
nunca tivesse tido... um acidente circulatório ou alguma cardiopatia.
Doc.: - e a engenharia quais os instrumentos? ... das várias ...
Inf.: - na engenharia... o que é que eu poderia falar de instrumento da engenharia? ... vê
bem ... na engenharia o que a gente... o que está mais avançado do que estaria naquela
época... por exemplo... quando eu comecei a estudar ... são essas máquinas calculadoras
né? essas máquinas... que abreviam tempo extraordinariamente... essas máquinas de
calcular que hoje em dia... mil coisas que a gente fazia... na ponta do lápis... e e fazendo
um esforço mental grande... de cálculos enormes... de cálculos difíceis e penosos... hoje
se faz muito rapidamente com a máquina calculadora... (CP, séc. XX, Br, oral, entrevista,
Recife, DID 78)
No exemplo (69), o falante (informante) discorre sobre instrumentos que auxiliaram o
avanço da sociedade, questiona sobre o que ‗poderia falar de instrumentos de engenharia‘. Há
uma pausa e, logo depois, o uso do MD vê bem margeado por outra pausa. Defendemos que o
MD entre pausas denota relevo fonológico, entonação diferenciada.
O uso do MD marca focalização na informatividade veiculada no contexto, remetendo
a atenção do ouvinte para: ‗na engenharia o que a gente... o que está mais avançado do que
estaria naquela época... por exemplo... quando eu comecei a estudar ... são essas máquinas
calculadoras né?‘. Como se refere Risso (1999), o ―tópico de centração‖ que o falante quer
realçar é ‗as máquinas calculadoras‘.
Sustentamos que a base verbal perceptivo-visual ver, em sua metaforização, ganha
sentidos de processamento mental, acrescidos do sentido da segunda subparte, bem, da qual
extraímos sentidos de dar destaque, realce, aos assuntos, aos tópicos discursivos negociados
nos contextos.
Em uma perspectiva de contexto, a construção vê bem confere sentidos de importância
ao processamento mental do ouvinte, direcionando a focalização da atenção. A intenção
140
comunicativa do falante, ao usar o MD vê bem, é induzir, no ouvinte, empenho no seu
processo de interpretação mental, focalizando sentidos apontados (pelo falante) nos tópicos
discursivos. Esta função discursivo-pragmática fica evidente nos dois contextos de usos de
(68) e (69).
Na análise dos dois tokens, observamos que, no exemplo (68), o MD vê bem marca
subfunções de negociação de sentidos de urgência e repreensão, contribuindo para o contexto
injuntivo, o que aumenta o grau de participação do ouvinte. Esse arranjo contextual coopera
para sustentar intersubjetividade, visto que o falante mostra-se muito preocupado com ―o
modo como o ouvinte vai receber a informação‖ (MARTTELOTTA, 2010, p. 164).
Já no exemplo (69), o MD vê bem marca subfunção de reestruturação textual,
contribuindo para o contexto assertivo. Com as sequências descritivas seguintes, o contexto
passa a ser asseverativo, em decorrência das ênfases positivas dadas com sentido avaliativo:
‗e fazendo um esforço mental grande... de cálculos enormes... de cálculos difíceis e penosos...
hoje se faz muito rapidamente com a máquina calculadora‘. Defendemos que os contextos são
fluidos e sublocados pelas negociações de sentidos.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vê bem é, basicamente, um marcador de atenção que apoia o cumprimento de objetivo
comunicativo de destacar a importância dada pelo falante ao processamento mental do
ouvinte, para em seguida direcionar a atenção deste ao ―tópico em centração‖.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção vê bem como:
[[vêverboperceptivo-visualbemfocalizador]↔[marca o processamento mental de decodificação do
ouvinte para efeito de focalização da centração do tópico discursivo]]
- microconstrução veja bem
(70) Informante: você acha que uma empresa de pequeno porte... tem condições de competir
com a de grande porte? você acha que o armazém consegue derrubar o supermercado?
Aluno: mas aí... mas... aí... você vai... você vai de encontro... ter que ir toda uma filosofia
de administração... veja bem... você tem a multinacional... até que ele comece a
implantar uma... uma empresa... mesmo com os maiores recursos que ele tem e a
tecnologia e tudo... essa pequena empresa de pequeno porte... se ela... se ela aceitar a
briga... entendeu... e pegar recurso e tudo... ela vai tá na frente e... ao passo que essa que
vai começando... entende... vai... fica na posição provocativa e não tá por cima... porque...
(NURC-RJ, Inquérito 364, EF, 1977)
141
(71) Informante: se ela aceitar a concorrência...
Aluno: esse desafio...
Informante: ela... dificilmente... ela estará com condições... veja bem... não é de
sobreviver... quando eu digo... o armazém pode derrubar o supermercado? não... agora...
não significa que ele não tenha... hã... LUGAR... a pequena empresa vai continuar
existindo... sem dúvida que vai... haverá sempre um lugar pra pequena empresa... o
PROBLEMA... é você... ser pequena empresa e chegar... por hipótese... à multinacional...
quando... JÁ EXISTE uma outra multinacional no mercado... concorrendo... você pode
continuar existindo... não há a menor dúvida disso... o que vai ser impossível... é o seu
crescimento... (NURC-RJ, Inquérito 364, EF, 1977)
As duas ocorrências de veja bem, em (70) e (71), são tokens selecionados dentre um
total de 50 dados levantados da instância de uso, virtualmente representados pela
microconstrução veja bem.
Os exemplos (75) e (76) descrevem uma aula expositiva sobre organização e métodos
comerciais. O falante (informante/professor) inicia um debate com o tema ‗armazém
consegue derrubar supermercado‘. Em sequências argumentativas, no exemplo (70), o aluno
constrói sua resposta inserindo o MD veja bem no meio do turno. Pouco depois, em (71), o
professor também utiliza o MD veja bem no meio do turno de fala.
O uso do MD veja bem, em (70), marca a condução do ouvinte no processo de
negociação de sentido. Em seguida ao MD, o falante aluno, com uma sequência para base da
argumentação - ‗você tem a multinacional‘ -, insere o ouvinte na suposta exemplificação,
como estratégia de incluí-lo na negociação de sentidos. Em (71), o falante professor conclui a
negociação de sentidos feita anteriormente pelo aluno - ‗ela... dificilmente... ela estará com
condições‘ -, cumprindo, assim, o objetivo discursivo-pragmático da negociação de sentidos
do primeiro MD veja bem. O falante (professor) recruta o MD veja bem para apoiar a
introdução de outra negociação de sentidos. E, novamente, a estratégia de incluir o ouvinte na
negociação se inicia: ‗o PROBLEMA... é você... ser pequena empresa e chegar... por
hipótese... à multinacional... quando... JÁ EXISTE uma outra multinacional no mercado...
concorrendo... você pode continuar existindo... não há a menor dúvida disso... o que vai ser
impossível... é o seu crescimento‘. Os contextos de apresentação do MD veja bem se centram
em estratégias de argumentação.
Verificamos que os dois usos do MD veja bem, igualmente, acumulam subfunções que
se destacam no uso de outros MDs, por exemplo: a subfunção de indicar capacidade
intelectual do ouvinte. Notamos que essa subfunção é prototipicamente requisitada pelo uso
do MD veja. Quanto à subfunção de destacar a importância do processamento mental de
decodificação do ouvinte, notamos que essa subfunção é prototipicamente requisitada pelo
142
uso do MD vê bem. Em acréscimo, destacamos a subfunção de conduzir o ouvinte à
decodificação conclusiva, subfunção notória no uso do MD vê.
Sendo assim, o MD veja bem acumula uma multiplicidade de subfunções.
Acreditamos ser essa a razão que torna esse MD muito frequente em comparação a outros do
mesmo padrão. Postulamos que, ao usar o MD veja bem, o objetivo comunicativo do falante é
expressar a intenção de conduzir o ouvinte em todo o processo de negociação de sentidos,
desde a acentuação do grau de percepção pela chamada de atenção, passando pelo
processamento mental de atenção, focalização da centralidade do tópico discursivo, até a
interpretação conclusiva.
Dessa maneira, entendemos por que é baixa a ocorrência do recrutamento de
subfunções que demonstrem impressões pessoais. Dentre os 50 dados levantados, apenas
quatro tokens requisitam impressões pessoais do falante. Da mesma maneira, é baixa a
requisição de subfunções de advertência (apenas em dois tokens) e contra-argumentação
(apenas em quatro tokens).
Mais uma vez, alegamos a abstratização da base verbal ver em direção ao sentido de
processamento mental, acrescido do sentido da segunda subparte bem, como dar destaque. A
conservação da primeira subparte, cristalizada em 3ª pessoa do singular na forma veja bem,
indica um processamento mental mais elaborado, que, ao contrário da base verbal olhar, não
marca impositividade do falante. Essa é a razão pela qual os tokens dos MDs veja bem se
apresentam em contextos assertivos.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
veja bem é, basicamente, um marcador da condução do ouvinte a uma decodificação
conclusiva dentro do espaço de atenção requerido. O uso do MD veja bem convence o ouvinte
daquilo que é verdadeiro, no nível da informatividade ou da situacionalidade.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção veja bem como:
[[vejaverboperceptivo-visualbemfocalizador]↔[marca condução do ouvinte no processo de
negociação de significado]]
- microconstrução vejam bem
143
(72) Informante: - ele ele às vezes é ideal às vezes ele é material, certo? - porque nós temos
realidades, como no campo de determinadas ciências, né? - que nós trabalhamos - com
objetos ideais, mas que ele tem uma realidade porque ele nos dá uma visão de totalidade -
dessa realidade você me entende? - esses objetos ideais os objetos da matemática, eles
existem enquanto meramente pensados, eles não tem uma existência concreta,
independente do meu ato de pensar essa realidade, mas mesmo assim, vejam bem, ele
disse esses objetos ideais - mesmo que eles não sejam pensados os objetos da matemática
os objetos, é, dos, no campo da moral, no campo da arte que existe a partir do momento
em que é pensado esses objetos - mesmo que o sujeito, vejam bem, ele não procure
conhecer esses objetos, ele manifesta uma realidade que extrapola o campo do meu
conhecimento, por isso existe independente as formas e as figuras, não é?
(CP, séc. XX, Br, oral, Recife, EF, 339)
(73) Informante: - ele ele às vezes é ideal às vezes ele é material, certo? - porque nós temos
realidades, como no campo de determinadas ciências, né? - que nós trabalhamos com
objetos ideais, mas que ele tem uma realidade porque ele nos dá uma visão de totalidade
dessa realidade você me entende? - esses objetos ideais os objetos da matemática, eles
existem enquanto meramente pensados, eles não tem uma existência concreta,
independente do meu ato de pensar essa realidade, mas mesmo assim, vejam bem, ele
disse esses objetos ideais - mesmo que eles não sejam pensados os objetos da matemática
os objetos, é, dos, no campo da moral, no campo da arte que existe a partir do momento
em que é pensado esses objetos - mesmo que o sujeito, vejam bem, ele não procure
conhecer esses objetos, ele manifesta uma realidade que extrapola o campo do meu
conhecimento, por isso existe independente as formas e as figuras, não é?
(CP, séc. XX, Br, oral, linguagem falada, Recife, EF, 339)
Os constructos vejam bem, apresentados em (72) e (73), são tokens selecionados
dentre um total de seis dados levantados da instância de uso, virtualmente representados pela
microconstrução vejam bem.
Nos exemplos (72) e (73), o falante (informante) fala sobre os objetos da matemática.
Nesses exemplos, verificamos que o falante faz uso do MD vejam bem em dois momentos de
sua fala. Nesses dois momentos, argumenta a favor da centração no tópico discursivo.
No primeiro uso do MD vejam bem, em (72), o falante insere o MD e repete
argumentos anteriores: ‗vejam bem, ele disse esses objetos ideais‘. Refere-se ao fato de ‗que
nós trabalhamos - com objetos ideais‘ e ‗esses objetos ideais os objetos da matemática‘.
Assim, o falante marca a centração do tópico discursivo, como estratégia de manter a atenção
do ouvinte na negociação do sentido. Esse centro de negociação de sentidos é ‗objetos ideais‘.
No segundo uso do MD vejam bem, em (73), o falante insere o MD sustentado pela
argumentação ‗mesmo que o sujeito, vejam bem, ele não procure conhecer esses objetos‘.
144
Nessa sequência o falante direciona a atenção do ouvinte para a focalização de outro centro de
negociação de sentidos, que é o desconhecimento do objeto pelo sujeito.
Com esses dois exemplos, podemos identificar que essas marcações de centros tópicos
podem se dar na focalização de centros tópicos ao longo da negociação, como é o caso do
exemplo (72), ou ainda, na focalização de um centro tópico dentro de uma sequência textual,
como no exemplo (73).
Vejamos outro exemplo para ratificar nossas afirmações:
(79) R - Tem quadro que pinto em meia hora e outros que pinto em dois anos. Se, por
exemplo, tenho dois meses para me preparar para uma exposição e sei que, neste período,
eu vou ter que fazer 20 ou 30 quadros, pinto bastante, para poder escolher, selecionar
melhor. P - Faz sempre exposições anuais? R - Sempre que tenho oportunidade eu faço
exposições. Tento escolher as galerias, não só pelo lado comercial, mas, também, pela
imagem do pintor. Vejam bem, eu pinto o quadro, não o comercializo. O pintor precisa
da galeria para divulgar o seu trabalho. Não pode colocar em todas, senão vai provocar
concorrência de preço. Por exemplo: determinadas galerias que trabalham com um pintor
conseguem comercializar melhor o seu trabalho. Quem vai a uma galeria e compra, o faz
pelo prazer de ter o quadro, ou pelo investimento. Por isso, eu acho importante que o
pintor sempre exponha. (CP, séc. XX, Br, oral, entrevista, Yugo Mabe, 1997)
O exemplo (79) é uma entrevista com o pintor Yugo Mabe sobre seu trabalho. Ao ser
questionado sobre expor anualmente, o pintor responde: ‗Sempre que tenho oportunidade eu
faço exposições. Tento escolher as galerias, não só pelo lado comercial, mas, também, pela
imagem do pintor‘. Não satisfeito com sua resposta, o pintor reestrutura sua argumentação,
mas antes, inicia sua réplica com o MD vejam bem: ‗Vejam bem, eu pinto o quadro, não o
comercializo‘. Notamos que a intenção comunicativa do falante, com o uso do MD veja bem, é
marcar o centro da negociação do sentido: ‗ele é pintor não é comerciante‘. O que o falante
quer que o ouvinte entenda é que, mesmo negociando outras informações, o centro de sua
negociação é que ‗ele é pintor não comerciante‘.
A primeira subparte da construção vejam bem se configura na forma cristalizada em 3ª
pessoa do plural. Nos seis contextos de uso levantados, não identificamos relação entre
conservação da flexão verbal e referência à pessoa gramatical. Notamos que o uso da forma
cristalizada em 3ª pessoa do plural denota generalização no papel de interlocutores, como um
traço de indeterminação.
Na função de regular a interação através da manipulação do espaço de atenção, o MD
vejam bem é, basicamente, um marcador que dirige a atenção do ouvinte ao centro da
145
negociação de sentido dentro do nível da informatividade, em que a informação está sendo
veiculada.
Conforme Traugott e Trousdale (2013), podemos descrever o pareamento da
construção vejam bem como:
[[vejamverboperceptivo-visualbemfocalizador]↔[marca condução da atenção do ouvinte para
focalização de centração de tópicos discursivos durante negociação argumentativa]]
Feitas as considerações sobre as microconstruções sancionadas pelas mesoconstruções
ver(ᴓ), ver(loc) e ver(foc), e demonstradas as funcionalidades dos tokens em contextos de uso,
pontuamos uma breve análise geral sobre a mesoconstrução‘ ver(x).
6.2.2.4 Visão geral da mesoconstrução‘ ver(x)
A mesoconstrução‘ ver(x) constitui um grupo de mesoconstruções‘‘ agrupado pela
semântica da base verbal ver. O sentido da base verbal ver contribui para a semântica da
construção pelo efeito de persistência. Sentidos originais do verbo, como ―conhecer ou
perceber pelo sentido da vista‖, ―enxergar‖ ou ―avistar‖ (FERNANDES, 1954, p. 594), em
seu uso como verbo pleno, ganham sentidos mais abstratos no uso como MD. O falante, ao
usar os MDs sancionados pela mesoconstrução‘ ver(x), constrói sentidos em que a base verbal
ver expressa uma convocação da percepção visual para um processamento cognitivo.
Com base no cline percepção visual > percepção mental (DASHER e TRAUGOTT,
2005, p. 77), acreditamos que a experiência da visão de perceber pela vista o mundo
biossocial é transferida para o domínio linguístico como ―tornar possível‖ ou ―compreender‖
pelo processamento mental a informação veiculada. Dessa maneira, o que é perceptível, como
testemunha de um evento, torna-se processável, como coparticipante do evento. Dessa
maneira, o ouvinte compreende como o falante requer que ele processe a negociação de
sentidos.
Nas análises das microconstruções do padrão ver(x) compostas por duas subpartes,
verificamos que a segunda subparte contribui para especificar esses sentidos veiculados pela
construção em contexto de uso. O preenchimento dessa segunda subparte por elemento de
base locativa contribui para sentidos de futuro hipotético, distanciamento, atenuação ou
cautela. O preenchimento por elemento de base focalizadora contribui para sentidos de
146
focalização, estreitamento de focalização, constatação de impressões pessoais, focalização de
níveis discursivos e focalização de centração do tópico discursivo.
Verificamos que as funções discursivo-pragmáticas desempenhadas pelos MDs de
base verbal ver demandam uma complexidade maior no processamento mental do ouvinte
durante as negociações de sentido nos contextos.
Em termos de esquematicidade, a mesoconstrução‘ ver(x) sanciona grupos de
mesoconstruções‘‘ que, em nível mais baixo, sancionam microconstruções com diferentes
graus de composicionalidade. Verificamos que o padrão ver(ᴓ) tende a gerar formas mais
compatíveis quanto ao grau de transparência entre forma e significado, razão por que
apresentam mais composicionalidade. As formas geradas pelo padrão ver(foc) apresentam
uma variabilidade, no que diz respeito à compatibilidade entre o significado das partes e o
todo semântico da construção. Dessa maneira, formas como ―vê só‖ e ―vê bem‖ são menos
composicionais que as formas como ―veja bem‖ e ―vejam bem‖. Seguindo um continuum, as
formas geradas pelo padrão ver(loc) apresentam-se como as menos composicionais do padrão
maior ver(x), uma vez que a perda de composicionalidade de vê lá e veja lá acarreta ganho de
idiomaticidade.
Nosso modelo de esquematização segue a visão de língua como um inventário de
construções organizado em uma rede por nós e unido por links. Verificamos, no levantamento
do padrão construcional ver(x), a existência de links por herança entre mesoconstruções e
microconstruções, e entre as próprias microconstruções.
Há links por extensão metafórica entre todas as construções do padrão
mesoconstrucional‘ ver(x), seguindo a trajetória visão > intelecto > processamento mental,
certamente com diferentes graus de abstração.
Há links por subpartes entre as construções formadas pelo padrão ver(ᴓ) com as
construções formadas pelos padrões ver(loc) e ver(foc). Esses links situam-se na primeira
subparte das construções. Podemos apontar links por subparte ente construções do padrão
ver(loc), entre as construções vê lá e veja lá, em que o link situa-se na segunda subparte
preenchida pelo locativo. Em acréscimo, podemos apontar links entre as construções do
padrão ver(foc), entre as construções vê só, veja só e vejam só, e, ainda, entre as construção vê
bem, veja bem e vejam bem, em que os links situam-se na segunda subparte preenchida pelo
elemento focalizador.
Há links por instanciação entre os níveis construcionais do padrão [(V)(X)]marcador
discursivo em um movimento de baixo para cima. Sendo assim, as microconstruções instanciam
147
as mesoconstruções‘‘, que instanciam as mesoconstruções‘, que, por sua vez, instanciam a
macroconstrução Vpv(x)md74
.
Como proposto, caracterizamos o padrão construcional da respectiva mesoconstrução‘
ver(x) pelo modelo do princípio de marcação (GIVÓN, 1995) com uma pequena adaptação.
Demonstramos, no quadro a seguir, nossa tríade.
Quadro 06: Caracterização da mesoconstrução’ ver(x) pelo princípio de marcação.
Propriedades
↓
não marcado
marcado mais
marcado
complexidade
estrutural - + +
distibuição
de frequência + + ou - -
complexidade
cognitiva - + +
ver(ᴓ) ver(foc) ver(loc)
O quadro 06 apresenta como adequamos o princípio da marcação de Givón (1995;
2012) às três formas do padrão ver(x): transformamos a comparação binária em uma
comparação em modelo tríade. Nossa justificativa de adaptação é o estabelecimento de um
continuum de marcação com base no uso do padrão neutro da língua, ou melhor, na rotina de
fala.
Sendo assim, dentre as formas que compõem o padrão ver(x), as formas sob o padrão
ver(ᴓ) são consideradas não marcadas, devido à alta frequência e baixa complexidade
estrutural e cognitiva, enquanto as formas sob o padrão ver(loc) são consideradas as mais
marcadas, devido à baixa frequência, baixa produtividade de formas e alta complexidade
estrutural e cognitiva. Também são as formas menos composicionais do padrão. As formas do
padrão ver(foc) são caracterizadas como marcadas. Apesar das formas do padrão ver(foc)
terem complexidade estrutural e cognitiva maior que as formas do padrão ver(ᴓ), em relação
às formas do padrão ver(loc), estas são mais frequentes, tanto em frequência token quanto em
frequência type.
74 Não relacionamos os links por polissemia em razão da necessidade de aprofundamento teórico e analítico,
além do fato de esse item não constar de nossos objetivos.
148
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado em nossas análises, levantamos 23 microconstruções, sendo dez
do padrão olhar(x) e 13 do padrão ver(x). Justificamos o número de 23 microconstruções,
sancionadas pelo padrão Vpv(x)md
, pelo princípio da força expressiva maximizada
(GOLDBERG, 1995, p.67-68), segundo o qual os objetivos comunicativos dos falantes criam,
no inventário da língua, uma quantidade maior de construções. No inventário do português
brasileiro do século XX, essas 23 formas de MDs convivem cada uma com seu grau de
abstratização e respectiva composicionalidade. Essa diferença pode ser embasada pelo
princípio da estratificação ou camadas (HOPPER, 1991, p. 22), em que as formas geradas
pelo padrão encontram-se em diferentes estágios de abstratização. Dessa maneira,
defendemos que formas novas convivem com formas antigas e todas estão à disposição dos
falantes no inventário da língua. Assim, comprovamos o fator de extensibilidade do padrão
construcional Vpv(x)md
e defendemos que a extensibilidade constitui um fator de descrição das
construções em modelo de rede linguística funcional.
Na relação produtividade e frequência type, verificamos, quanto ao padrão olhar(x),
que o type mais produtivo é o olhar(loc) e, quanto ao padrão ver(x), o type mais produtivo é o
ver(foc).
Apoiados no cline percepção visual > percepção mental (TRAUGOTT e DASHER,
2005), constatamos que os MDs de base verbal olhar agregam sentidos de entendimento da
informação, de maneira que o ouvinte entende o que o falante requer dele. Completando o
cline proposto pelos autores acima, temos: visão > mente > compreensão imediata (do que o
falante quer). Os MDs de base verbal ver agregam sentidos que orientam o processamento da
informação, de maneira que o ouvinte processa a informação como o falante requer.
Completando o cline proposto pelos mesmos autores, temos a seguinte trajetória: visão >
mente > processamento mental (como o falante requer).
Partindo dessas demonstrações apontamos, sincronicamente, uma trajetória semântica
de metaforização para os MDs por base verbal perceptivo-visual, cujo domínio-alvo é o
discurso.
Quanto ao nosso último objetivo específico de identificar a motivação pela
conservação da flexão das formas, verificamos, através da descrição da funcionalidade dos
tokens, que não é o modo verbal imperativo que se conserva, mas a expressão de
impositividade do falante sobre os interlocutores. Há, no recrutamento dos MDs de base
verbal perceptivo-visual, uma evidente apropriação discursiva em que o falante se coloca no
149
papel de atribuidor, ou de quem permite a negociação do significado. Sendo assim, a marca de
flexão de pessoa gramatical atua como restrição regulatória dessa imposição ou proximidade
entre os interlocutores. Essa restrição parece ser menos presente nos usos dos MDs de base
verbal ver, em que a configuração morfossintática tende a motivar questões como tempo no
processamento da negociação de sentido e maior regularidade na padronização textual-
interativa.
Por meio das propostas e resultados apresentados neste trabalho, pretendemos
contribuir para uma testagem compatível com a visão da língua como um inventário de
construções, e assim, fomentar análises na linha teórica da Linguística Funcional Centrada no
Uso. Advogamos pelo aprofundamento de algumas questões de cunho diacrônico, como por
exemplo, a investigação da formação da extensibilidade da base do padrão construcional, a
investigação das granularidades entre os membros da rede linguística funcional e a
investigação da motivação da variabilidade e competição entre as duas bases verbais.
Por fim, nosso intuito é a compreensão do funcionamento dos MDs de base verbal
perceptivo-visual no sistema linguístico do português brasileiro.
150
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