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Roteiro de Edição 1 VÍDEO AUDIO Créditos iniciais Realização: FGV - CPDOC Projeto: Trajetória e Pensamento das Elites Empresariais de São Paulo Entrevistado: Boris Tabacof São Paulo, SP, 08 de novembro 2007 Entrevista concedida a Paulo Fontes e Paulo Gala 1º Bloco Legenda: A conjuntura no pós-1964 (primeira parte) 00:02:12 – 00:03:22 (fita 1) Tempo total do bloco: 11’58” Paulo Fontes – Bem, dr. Boris, vamos retomar aqui onde a gente mais ou menos parou. O senhor contava no finalzinho da primeira parte sobre como, apesar do governador da Bahia no período do golpe militar ter sido aliado do presidente João Goulart, como ele conseguiu escapar às cassações, escapar daquela primeira leva de perseguições políticas, e como o senhor teve um certo papel nessa, digamos, sobrevivência política do governador. Então, se o senhor pudesse retomar a partir daí e contar um pouco mais essa experiência administrativa do senhor na Bahia daquele período. O senhor ficou um longo tempo. Então, seria interessante o senhor narrar um pouco esses fatos para a gente. Boris Tabacof – O governador Lomanto Junior não tinha contra ele maiores acusações.

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VÍDEO AUDIO Créditos iniciais Realização: FGV - CPDOC Projeto: Trajetória e Pensamento das Elites Empresariais de São Paulo Entrevistado: Boris Tabacof São Paulo, SP, 08 de novembro 2007 Entrevista concedida a Paulo Fontes e Paulo Gala

1º Bloco Legenda: A conjuntura no pós-1964 (primeira parte) 00:02:12 – 00:03:22 (fita 1) Tempo total do bloco: 11’58”

Paulo Fontes – Bem, dr. Boris, vamos

retomar aqui onde a gente mais ou menos

parou. O senhor contava no finalzinho da

primeira parte sobre como, apesar do

governador da Bahia no período do golpe

militar ter sido aliado do presidente João

Goulart, como ele conseguiu escapar às

cassações, escapar daquela primeira leva

de perseguições políticas, e como o

senhor teve um certo papel nessa,

digamos, sobrevivência política do

governador. Então, se o senhor pudesse

retomar a partir daí e contar um pouco

mais essa experiência administrativa do

senhor na Bahia daquele período. O

senhor ficou um longo tempo. Então,

seria interessante o senhor narrar um

pouco esses fatos para a gente.

Boris Tabacof – O governador Lomanto Junior não tinha contra ele maiores acusações.

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00:03:27 - 00:14:16 (fita 1)

B. T. – Não havia acusações de corrupção

contra ele e nem sequer poderia ser dito

que ele politicamente participava do que

era chamado na época de atividades

subversivas. Tanto que ele, com o

problema da filiação dele ao PTB e sua

situação como aliado do presidente

Jango, ele ficou, digamos, em cima do

muro no que se refere às cassações que

estavam acontecendo no país de todos

aqueles que eram considerados elementos

adversários pelo governo militar. O que

aconteceu na época é que a Assembléia

Legislativa do estado, na qual o

governador Lomanto Junior não tinha

maioria, essa Assembléia Legislativa

começou a organizar um movimento que

fizesse com que o Lomanto fosse cassado

e que tivesse como… A sua finalidade

era, acobertados pelos militares, que

tinham dúvidas cruéis a respeito do

Lomanto Júnior, que eles elegessem um

deles para governador. Mas houve uma

intervenção providencial do comandante

do quarto Exército, que era sediado em

Recife, ao qual a região da Bahia estava

submetida, a região militar, a quem o

Lomanto se dirigiu, por telefone e contou

a ele o que estava acontecendo. Numa

madrugada dramática, o general,

comandante do quarto Exército pegou um

pequeno avião da FAB de Recife – dizem

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que caía um temporal -, ele chegou,

desceu em Salvador de madrugada.

Lomanto foi esperá-lo no aeroporto e nós

ficamos aguardando – eu, como assessor

do Lomanto, próximo, amigo - e ficamos

ansiosos aguardando no palácio o retorno

do Lomanto juntamente com o

comandante, o general… Daqui a pouco

lembro o nome dele. Realmente quando o

Lomanto chegou, pela própria fisionomia

dele, a gente viu que as coisas estavam

bem, porque ele estava muito

descontraído, sorridente. General

Justino!Um outro general Justino. E o

general Justino na manhã seguinte, logo

cedo, deu ordens para que todo esse

movimento que os deputados estaduais

faziam, cessasse, e que o Lomanto estaria

com a sua punição assegurada, desde que

ele fizesse reformas no governo – naquela

época ele já defendia isso –, que seria a

constituição do secretariado estadual e

das estatais por pessoas não políticas, que

eram chamadas de profissionais naquela

época, técnicos, aliás, que seriam hoje os

profissionais. E foi aí que eu e mais um

grupo de amigos que estava com o

Lomanto desde a época da campanha

eleitoral, fomos surpreendentemente

guindados a posições chave do governo

da Bahia. Surpreendente essa decisão

para todos nós e para pessoas que

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estavam mais próximas do governo e da

política. E como eu contei, eu comecei

como chefe da Casa Civil. O secretário da

Fazenda durou pouco, foi realmente

vítima de pressões dos políticos que,

embora aparentemente neutralizados

pelos militares, mas que ainda

conseguiram fazer com que a punição do

secretário, do Calmon de Passos, um

jurista muito conhecido e respeitado, que

ele não resistisse e acabasse pedindo

demissão. E, como eu contei, acabei

secretário da Fazenda. Esse período

correspondeu na Bahia ao período das

grandes reformas que aconteceram no

Brasil. Eu vacilo, porque sei que não é

politicamente correto fazer referências

positivas ao que aconteceu naquele

período militar. Os primeiros tempos do

movimento militar, sob a chefia do

presidente Castello Branco, tiveram

características diferentes do que foi

acontecendo ao longo dos anos. O

próprio problema das violências

militares, das torturas, das perseguições,

toda essa história sinistra que acabou

acontecendo ao longo dos anos, isso não

caracterizou os primeiros anos do

movimento militar. Havia um espírito de

reformas, de mudanças. Muito oficiais,

no Exército especialmente, especialmente

os mais jovens tinham idéias de mudar o

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Brasil, de corrigir erros históricos. Na

Bahia esse pequeno grupo de pessoas, do

qual eu fazia parte, sentiu uma

oportunidade. As coisas não eram muito

claras na nossa cabeça de que nós, que

éramos das origens mais diferentes, mas

de modo geral, até alguns descendentes

de imigrantes, que nem eu, e que

sentíamos que a Bahia, tanto na área

econômica, como política e social, era

comandada por velhas oligarquias que

vinham desde o tempo da escravidão, por

incrível que pareça. Eu li um livro muitos

anos depois do Pierre Verger, que acabou

fotógrafo e vivendo no ambiente baiano

afro. Ele tem uma origem acadêmica. O

Pierre Verger publicou um trabalho

profundo, enorme, sério, um trabalho

scholar sobre o tráfico de escravos entre

o Golfo de Guiné e a Bahia. Lá ele relata

como havia uma elite baiana – não era só

da Bahia, mas principalmente da Bahia -,

mesmo com a legislação que proibia o

tráfico... O processo de libertação dos

escravos no Brasil foi um processo que

durou décadas. Uma das primeiras leis foi

a da proibição do tráfico, que, aliás, foi

imposto pelos ingleses. Há muitas

explicações sobre isso, que não vêm ao

caso, mas o fato é que a Marinha

britânica patrulhava o Atlântico sul e

capturava navios negreiros. E ainda assim

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eu encontrei na história que Verger

pesquisou profundamente e escreveu,

nomes de cidadãos [inaudível]

importantes, que faziam parte da elite

baiana e que tinham tido suas fortunas

feitas, ou ampliadas com o tráfico

clandestino. Várias famílias, várias

figuras beneméritas. Se você chegar em

Salvador – não sei se ainda está isso lá

hoje; deve estar -, tem um busto de um

barão, um conde, algo assim, que tinha

sido um grande benemérito da Santa Casa

da Misericórdia. Ele fez a sua fortuna

baseada no tráfico clandestino de

escravos. Bem, então, toda uma história

que vinha secular de privilégios e

preconceitos, de manutenção de um

status quo, que pouco diferia séculos

afora. Uma massa de trabalhadores, de

semi-empregados, ou de pessoas que

viviam marginalmente e que explicava

todo aquele atraso O próprio

analfabetismo, fortemente arraigado.

Ninguém cuidava disso.

Paulo Galla – Só para fazer uma conexão

com o que estava acontecendo no país: a

gente está falando da época da reforma

Campos e Bulhões. Então, tinha aquele

espírito que foi rebater lá na Bahia, não

é?

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B. T. – Exatamente isso que foi a grande

oportunidade, especialmente na área

econômico-financeira, da qual eu fiquei

responsável anos a fio e com muita

delegação, tanto do governador Lomanto

Júnior, como depois do governador Luiz

Viana Filho, em cujo governo estadual eu

continuei. Eu implantei muito firmemente

todas aquelas reformas que ocorreram

naquela época. A verdade histórica terá

que ser estabelecida sem paixões, que

ainda não serenaram até hoje. É

compreensível que todos aqueles

episódios daquele período não sejam

visualizados com objetividade e

predominam, por razões óbvias até, os

aspectos negativos daquele longo período

militar. Mas naqueles primeiros anos,

exatamente com Roberto Campos e

Octávio Bulhões, foram feitas reformas

importantíssimas.

2º Bloco Legenda: A conjuntura no pós-1964 (segunda parte) 00:14:16 - 00:22:14 (fita 1) Tempo total do bloco: 07’58”

B. T. – Hoje se fala muito em reformas.

Eu não quero ser saudosista e dizer que

no meu tempo as coisas foram diferentes,

mas na verdade o último período sério de

reformas que aconteceu no Brasil, foi

naquele período. Essa é a verdade

incontestável. São fatos.

P. F. – O sistema tributário, a própria

receita…

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B. T. – O sistema tributário, o sistema de

débito e crédito fiscal, que foi

implementado naquela época do imposto

sobre circulação de mercadoria, o ICM,

que depois virou sobre mercadorias e

serviços, ICMS, e o próprio imposto de

produtos industrializados, que eram as

principais receitas públicas, eram

cobrados no que se chamaria hoje de

cascata. Quer dizer, eram operações que

iam se sucedendo nas várias etapas do

processo produtivo e de distribuição.

Então, se criou um sistema de débito e

crédito, que prevalecia já no mundo e que

hoje, o estrago que existe no sistema

tributário brasileiro é pelas distorções que

ocorreram ao longo das décadas e que

deturparam o sistema. Até porque o

sistema de débito e crédito fiscal – vou

fazer esse comentário -, ele dificilmente

se adapta a um país com regime de

federação. Ele é um sucesso, por

exemplo, nos países europeus, que são

países unitários, em que o sistema fiscal,

salvo impostos e tributos municipais de

menor importância, ou regionais, são

basicamente iguais no país inteiro. No

Brasil, o que aconteceu é que o problema,

principalmente das alíquotas, que cada

estado podia... Havia algumas regras na

época, mas ao longo do tempo começou a

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existir uma disputa, que acabou se

chamando guerra fiscal. Quer dizer,

procura-se atrair investimentos, os

estados menos desenvolvidos. Isso no

nosso tempo lá na Bahia nós também

fizemos e fizemos rapidamente algumas

adaptações do sistema tributário, que foi

implantado na época, que proibia todos

os tipos de isenção, ou vantagens

tributárias. Mas nós tivemos o sistema

que nós criamos na época, principalmente

na questão da utilização dos créditos.

Quem não pagasse o imposto estadual,

exatamente devido ao sistema de débito e

crédito fiscal, não dava crédito fiscal para

a operação seguinte. Já na época nós

éramos razoavelmente criativos. O

imposto era recolhido, o ICM e mediante

projetos, o dinheiro ficava no banco do

governo do estado e pela apresentação de

projetos de novos investimentos,

especialmente industriais, esses recursos

eram entregues de volta ao contribuinte,

desde que ele se comprometesse a fazer

os investimentos, que gerassem renda,

emprego. Esse é um dos exemplos

importantes da reforma. Já então, quem

foi o ministro da Fazenda seguinte, já foi

o Delfim Netto – já havia a mudança do

presidente, já não era mais o Castello…

P. G. – Foi em 1968, se não me engano.

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B. T. – Em 196…

P. G. – Ou em 1969.

B. T. – 1969. No começo de 1969. Aí

houve... Eu inclusive ajudei a implantar o

ICM no Nordeste.

P. F. – Tem uma foto aqui.

B. T. – Havia reuniões. O presidente era

o Costa e Silva e o ministro da Fazenda

era o Delfim. Aliás, o mundo dá muitas

voltas. [risos] O Delfim agora é

presidente do Conselho Superior de

Economia da FIESP, do qual eu fui o

presidente anterior. Agora eu voltei ao

Conselho Superior de Economia da

FIESP - porque participava do CIESP;

houve uma divisão entre a Federação e o

Centro das Indústrias de São Paulo, que

agora terminou com a atuação do mesmo

presidente. E eu tenho reencontrado meu

amigo Delfim aí há 30 e muitos anos e eu

digo que nós ainda temos alguma coisa a

contribuir, pelo menos em dar opiniões e

palpites, não é? Mas em todo caso,

voltando àqueles tempos, no caso da

Bahia houve não somente a implantação

de novas políticas fiscais, que eram de

origem federal – como adaptamos isso ao

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estado -, mas o verdadeiro problema,

além do sistema mais moderno que foi

adotado, é que não se pagava o imposto,

porque os grandes privilégios,

especialmente para quem estava

associado ao poder estadual e municipal,

é que praticamente não se fazia a

cobrança. Os inspetores estaduais eram

indicações dos deputados. Eu, na

Secretaria da Fazenda, comecei a

implementação não só de políticas, mas

principalmente de mudar… A grande

batalha decisiva foi a mudança dos

inspetores regionais, que eram os

verdadeiros executores da política

tributária.

P. F. – Tem umas charges muito boas

aqui da sua época lá.

B. T. – No meu livro algumas histórias

aí…

P. F. – [inaudível], o Boris Tapacofre…

B. T. – [risos] Foi um período realmente

que eu recordo com muita emoção,

porque eu era bastante jovem na época e

tive uma disposição, que eu não consigo

explicar até hoje. Uma coragem, uma

disposição…

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P. G. - O senhor era jovem? Qual era a

sua idade?

B. T. – Eu tinha 30 nesse período, 30 e

pouquinhos anos. Quando eu fui para São

Paulo, já depois de quase sete anos de

governo, eu tinha exatamente 40 anos.

Então…

P. F. – 33, 34.

B. T. – Eu tinha 33, 34 anos. Eu me

sentia muito apoiado, não só pelos meus

amigos, que estavam também no

governo, como eu sou muito franco em

dizer: eu tinha apoio dos coronéis do

Exército. Eu não tinha contatos formais

com eles não, não recebi instruções, ou

nada semelhante. Mas como eles estavam

acompanhando o sistema de informações

na época… Não era preciso grandes…

P. F. – Espionagens.

B. T. – Espionagens para saber o que

estava acontecendo, porque as coisas

eram públicas.

3º Bloco Legenda: A política no regime militar: atuação, projetos e ideologia (primeira parte) 00:22:14 - 00:31:32 (fita 1) Tempo total do bloco: 09’19”

P. G. - Como foi essa conciliação do

período que você teve problemas com a

ditadura e, depois, em um certo sentido,

passou a fazer parte?

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B. T. – Essa história é inacreditável.

Inacreditável. Quando o movimento

militar foi deflagrado, em 31 de março de

1964, havia o apoio de alguns civis de

extrema direita lá da Bahia, que estavam

já articulados com os militares, que

estavam já se preparando para tomar o

poder e derrubar o Jango. Havia listas de

pessoas suspeitas, subversivas, ou no

mínimo que eram perigosas, e o meu

nome constava nessa lista. Eu estive em

um certo momento, em que eu estava

entre o risco de ser preso e ir para o

governo e me tornar uma das pessoas

mais poderosas da Bahia naquela época.

Então, é uma história meio difícil de

imaginar. São essas coisas que

acontecem, contingências que fizeram

com que eu encontrasse o que eu via

como oportunidade. Eu me imbuí de um

espírito assim… E até coisas do tipo de…

A minha família é uma família de

imigrantes, que vieram da Europa no

contexto de perseguições, guerras e toda

aquela história trágica da Segunda Guerra

Mundial, do holocausto e todos os

acontecimentos que ocorreram na época.

Na Bahia, nesse ponto, pelo menos no

que se refere às questões que deram lugar

a todas as tragédias da época, do racismo,

das perseguições, da discriminação, não

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existiam na Bahia. A Bahia era um

recanto realmente em que as coisas

eram… É claro que havia uma

discriminação não por razões de origem,

ou étnicas, ou religiosas, ou coisas

semelhantes. A discriminação era

exatamente porque a elite que estava no

poder secularmente mantinha a ordem

estritamente e aquela separação, aqueles

grupos dominantes. Mas eu tinha uma

noção – eu nasci em Salvador, mas vivi

com meu pai, com meu avô, que eram

imigrantes -, eu tinha uma noção, talvez

também um pouco de resquício das

minhas passadas idéias, ideologias e

atividades políticas. E de fato houve,

voltando ao fio do que contava, da

experiência administrativa, além das

medidas de ordem de legislação, de

políticas de modo geral, havia uma

questão de tomar conta do poder na área

tributária, que era minha função. Isso

constituiu na derrubada sistemática de

todas as indicações políticas nos postos

chave da Secretaria da Fazenda.

P. G. – Os militares chegaram a entrar de

fato, a ter o poder de fato na região.

B. T. – Exatamente. Então, eles

certamente me viam como um aliado, ou

até um executor dessa política de

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mudanças, de que eles estavam imbuídos.

P. F. - O senhor tinha um certo caráter

mais técnico na cabeça deles, do que

político?

B. T. – É, a política na época estava

inativa. Não havia política. Política entre

aspas, aquele tipo de política partidária…

P. G. – Política virou armas.

B. T. - … levada ao extremo e que

obviamente tinha o seu conteúdo

democrático, de liberdade, de respeito

mínimo às condições de funcionamento

de uma sociedade mais aberta. Mas o

desafio era arrebentar realmente toda

aquela situação, que não era muito visível

em Salvador. Mesmo em Salvador é claro

que isso existia, mas você ia mais para

aquelas regiões do interior,

principalmente aquelas regiões que

tinham mais desenvolvimento, que eram

baseadas na agricultura, pecuária e em

uma industrialização muito incipiente, e

havia aqueles grupos que tomavam conta.

Quem estava do lado do governo nas

disputas entre os vários grupos, estava

protegido de tudo, ficava acima da lei,

inclusive na obrigação de pagar impostos

e de receber fiscalização. Exatamente aí,

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na substituição que eu fiz, eu coloquei

lá… Também uma dessas coincidências,

tinha um amigo meu, de família, que era

funcionário antigo da Secretaria da

Fazenda, da área de fiscalização, o

Augusto Pulgas. Eu era muito amigo

dele, da família dele, a minha mulher

com a irmã dele e eu o coloquei em uma

posição chave, que era quem dirigiria

toda essa área. E nós preparamos

cuidadosamente uma lista de

funcionários, vamos dizer, que mereciam

mais confiança, ou que não estavam

contaminados por aquele clima. Eu

comecei a fazer essa substituição e recebi

ameaça de todo jeito. Não ameaças

pessoais, de ordem qualquer que não

fosse ameaça de que iam me derrubar. Eu

até vou recordar algo do Antonio Carlos

Magalhães, que era meu colega de

ginásio. Tínhamos uma ligação pessoal

grande, que prevaleceu pela vida toda,

embora tivéssemos tomado caminhos

completamente diferentes, tanto

profissionais, como políticos. O Antonio

Carlos Magalhães tinha o controle da

regional do sul da Bahia, da região de

Ilhéus, Itabuna, que era a mais

desenvolvida depois de Salvador.

P. F. – Cacau…

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B. T. – Cacau, que era importante na

economia. Foi aí um dos pontos chave,

cruciais. Quando eu demiti o inspetor,

que era indicação pessoal dele, pessoa da

absoluta confiança dele, e coloquei outro,

que não era contra ele, mas… Ele me

telefonou e disse que ia me tirar da

Secretaria da fazenda.

P. F. - A essa altura ele era o que?

B. T. – Ele era deputado federal. Depois a gente acabou… Ele foi muito hábil e quando viu que era fato consumado, que ele, como deputado federal da UDN, aquela coisa toda, não tinha mais força, ele acabou se voltando e se aproximou inclusive de mim pessoalmente. O Antonio Carlos Magalhães é uma figura incrível. Assim como era temerário não só ser adversário dele, como até ser neutro – não havia essa possibilidade de ser neutro em relação a ele e à posição política predominante dele. Mas ele, além de ser temível como adversário, quando tinha um desejo de envolver, de se tornar simpático, tinha uma capacidade de envolvimento, de agrado incrível. Não foi por acaso, aliás, que ele fez essa carreira toda, que está bastante conhecida.

4º Bloco Legenda: A política no regime militar: atuação, projetos e ideologia (segunda parte) 00:31:32 - 00:41:04 (fita 1) Tempo total do bloco: 10’31”

B. T. – Então, nós desmontamos esse

esquema todo lá. Havia um esquema de

isenções fiscais, que era dado de maneira

arbitrária, a título de estimular a

industrialização, mas de maneira precária,

arbitrária, sem nenhum tipo de

compromisso. O governador baixava

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decretos dando isenção eterna de

pagamento de impostos estaduais. Um

caso típico foi de um moinho de trigo de

um grupo local, que tinha recebido uma

isenção desse tipo. E entre as medidas

que ainda com o Bulhões e o Roberto

Campos foram tomadas, medidas

ditatoriais, por exemplo, é que na época

havia atos considerados como

revolucionários, de poder revolucionário,

que não precisavam de aprovação

legislativa ou judicial. Era a história dos

direitos adquiridos que foram

desconstituídos. Um deles foi um ato

complementar da República Federal que

acabava pura e simplesmente com

qualquer tipo de isenção, ou redução, ou

benefício fiscal que tivesse sido dada até

então. Eu me baseei nisso, fiz uma

portaria estadual aplicando isso. Os

advogados – eu me recordo disso até com

um misto daquela disposição que eu tinha

na época e quando a gente já começa a

ficar mais sossegado, mais conservador -,

eu me lembro que os advogados desse

grupo, desse moinho que tinham perdido

a isenção por um ato meu foram dizer que

era um direito adquirido e que iam entrar

na justiça para revogar o meu ato. Eu

disse: “Não tem justiça, não tem mandato

de segurança e se o seu cliente não iniciar

imediatamente a pagar os impostos, nós

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vamos ter que agir com mais energia.” E

de fato eu mandei cercar o moinho. Eu

recordo isso. Era outro contexto histórico.

Hoje, até como membro das instituições

empresariais, eu talvez fale hoje uma

linguagem diferente, mas na época eu

organizava comandos mistos de fiscais de

renda e da Polícia Militar. [risos] Os

caminhões que entravam e saíam do

moinho eram revistados por esse grupo

de fiscais de renda e militares. Aí os

donos do moinho entenderam que tinham

que pagar e passaram a pagar impostos. A

mesma coisa eu fiz no interior: cercava

boiadas pelas estradas com esse tipo de

ação. Aí, o governador Lomanto Júnior

era daquela região de pecuária da Bahia,

de Jequié, Conquista, daquela região do

sudeste. Ele chamava: “Mas como, você

está perseguindo as pessoas lá?”, “Olha,

perseguição não.” “Você tem que

aprender a ter uma pauta mais favorável,

de valores mais baixos, para eles irem se

acostumando.” E eu realmente me sentia

totalmente desprendido do cargo. Eu

estava sempre preparado para pedir o

chapéu e ir embora. E nisso foram quase

sete anos. E eu disse ao governador:

“Olha, nós estamos conseguindo botar os

funcionários em dia. Quando nós

assumimos lá, estava atrasado uns quatro,

cinco meses. Você quer voltar àquela

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situação anterior?” Aí ele: “Não, mas vai

levando.” Mas me apoiava. No final das

contas, as coisas foram feitas. Do ponto

de vista da economia da Bahia, as coisas

eram muito mais do que só essa ação

fiscal e de recuperação das finanças

públicas, de pagamento de funcionários,

de começar a se gerar recursos para

investimentos, que há muito tempo não

existiam. O que nós implantamos na

época, que está lá até hoje e que se

propagou até por outros estados, foi a

ideologia do crescimento econômico. O

que hoje é óbvio não era óbvio na época.

O Estado, principalmente no nível

estadual, se dedicava a prestar muito mal

os serviços de saúde, educação,

segurança e os investimentos eram

praticamente feitos em estradas, estradas

de rodagens e rodovias. Uma ou outra

obra pública e já começava a haver um

pensamento – isso é importante

historicamente - que era representado por

Celso Furtado, em nível baiano o

Rômulo… Daqui a pouco lembro o nome

completo dele…

P. F. – A própria criação da Sudene.

B. T. – E tanto que nós criamos o

Secretariado de Desenvolvimento

Econômico, de planejamento econômico.

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Era o Estado comandando o crescimento,

intervindo diretamente. Isso que depois,

historicamente, pelo menos até

especialmente o governo Fernando

Henrique Cardoso, em que predominou o

chamado consenso de Washington,

impropriamente chamado, porque não foi

só isso. Foi muito mais.

P. G. – Virou palavrão o Estado.

B. T. – O Estado virou palavrão. Não

precisa do Estado, o Estado atrapalha. É

possível até que, como em todos os

ciclos, que tivesse havido excessos, que

as estatais passassem a ser até um

instrumento retrógrado de desperdícios,

de toda uma gama de atividades que

deixaram de ser exercidas, porque eram

exercidas por estatais. Eu estou me

referindo a outro tempo, historicamente.

Foi quando o processo retomou. O

processo de crescimento da economia

brasileira foi do Estado. Desde a década

de 40, 50, todos os grandes

empreendimentos do país, que foram a

base, o fundamento do desenvolvimento

da economia, foram promovidos pelo

Estado.

P. F. - Então, dr. Boris, o senhor diria que

o regime militar, do ponto de vista

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econômico, deu continuidade ao

programa do Getúlio de

desenvolvimento?

B. T. – Ah, certamente!

P. F. – Apesar dele, do ponto de vista

político, criticar esses políticos

[inaudível]?

B. T. – Certamente. E era uma

contradição dentro do governo da

República, porque o Roberto Campos e o

Bulhões tinham um pensamento liberal.

O Roberto Campos promoveu uma série

de movimentos para minar o poder das

estatais. Mas, ao mesmo tempo, com

medidas como, por exemplo, a reforma

do sistema financeiro.

P. F. – Que fortaleceu o Estado.

B. T. - Nessa época foi criado o Banco Central. Foi isso que levou a que eu, depois, viesse para São Paulo e assumisse a direção do Banco Safra nos primeiros tempos da sua implementação, baseada exatamente na reforma do sistema bancário. Mas prevaleceu naquele período na Bahia e no Nordeste uma visão… Nós nem admitimos discussões ideológicas sobre o tamanho do Estado, sobre a intervenção do Estado.

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00:00:09 - 00:01:09 (fita 2)

P. F. – É curioso pensar que foram os

militares que levaram…

B. T. – Olha, nosso pequeno núcleo lá na

Bahia, apoiando e aproveitando

inclusive… Porque havia uma certa

dialética. Os militares estavam apoiando,

nos apoiavam, porque nós exatamente

estávamos fazendo ruir aquele poder

tradicional, oligárquico e nós também

estávamos aproveitando o apoio dos

militares e até as condições não

democráticas do uso do poder Executivo,

sem maiores dependências de leis, do

Legislativo e até do Judiciário…

P. F. – Poucos constrangimentos.

B. T. – E, olha, eu posso dar o meu

testemunho. Eu - e nosso pequeno núcleo

-, eu achava isso totalmente natural.

5º Bloco Legenda: A Bahia em perspectiva histórica: projetos implementados e problemas atuais (primeira parte) 00:01:09 - 00:12:58 (fita 2) Tempo total do bloco: 11’49”

B. T. – Eu não tinha nem dúvida de que

havia uma predestinação nossa de fazer

com que a Bahia tomasse um novo ciclo.

E a Bahia era um distante segundo lugar

em relação à Pernambuco. A Bahia que

tinha sido capital do Brasil até o século

XVIII parou e se transformou num dos

lugares mais atrasados do Nordeste.

Pernambuco, devido a uma série de

razões, inclusive geográficas, passou a

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ser o centro do Nordeste, principalmente

nas entradas comercias, num certo início

do processo de industrialização. Nós,

então, desenvolvemos uma política,

porque o fator nacional que era favorável

a nós na época era a dupla Sudene e

Banco do Nordeste, que foram as

instituições estatais federais que

realmente contemplavam a realidade da

distância do Nordeste para o resto do

Brasil e que davam recursos especiais

para investimentos na região. Foi a

grande brecha nas qual nós entramos

fortemente, direcionar recursos para a

Bahia. Inclusive, politicamente, fomos

nós que inauguramos isso. E depois,

Antonio Carlos Magalhães… Muita gente

pensa que foi ele que começou isso. Ele

veio logo depois, mas nós é que

permitimos que ele ingressasse no nosso

sistema, quando Antonio Carlos percebeu

que ser deputado não era muito

importante. Ele lutou e conseguiu ser

nomeado prefeito de Salvador em um

acordo político com o presidente da

época, ainda no Lomanto Júnior.

P. F. – Quando o senhor se refere a esse

nosso pequeno grupo, acho que seria

interessante registrar esses nomes.

B. T. – Olha, os nomes principais aí na

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época, na área econômica, eu tinha, já no

governo seguinte, do Luis Vianna Filho,

eu cito Victor Gradin, que foi, ainda é até

hoje do grupo Odebrecht, o Herbert

Santos, que era de uma família

tradicional, casado com uma pessoa de

uma família tradicional baiana, o Alaor

Coutinho, que era da área de educação e

saúde. E havia também uma geração

nova, porque foi nessa época mais ou

menos, ou um pouquinho antes, que foi,

por exemplo, fundada a Escola de

Administração da Universidade Federal

da Bahia. E a área de ciências

econômicas passou a ter um conteúdo,

porque até então, o graduado, diplomado

em economia ia ser contador. Havia um

núcleo que foi criado, já existia e que

depois tomou forma já no governo

Lomanto, que era o CPE, Comissão de

Planejamento Econômico, e havia um

grupo de jovens economistas e

engenheiros, predominantemente

engenheiros. Eu, como sou engenheiro

civil, eu costumo dizer que, tirando os

médicos e advogados, o resto eram os

engenheiros que faziam, principalmente

engenheiros civis. Depois é que houve

outras profissões como economia,

administração e tudo mais que se

desenvolveu, de profissionais de

administração, uma série de atividades

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ligadas à economia e à gestão. Mas então,

essa ideologia…

P. F. – Mas só antes do senhor

prosseguir, ainda nessa coisa dos nomes,

vocês tinham conexões com outras

secretarias, com outros espaços do

Nordeste, nacionalmente? Como era

essa…? Por exemplo, a articulação do

senhor com o Roberto Campos, com o

governo Federal, em que espaço isso se

dava?

B. T. – Era Roberto Campos e depois

Delfim Netto.

P. F. – Sim, mas vocês iam a Brasília,

tinham reuniões?

B. T. – Não, tinha o que foi estruturado

para poder implantar as várias reformas,

tanto a reforma administrativa, como a

reforma do sistema financeiro e tudo que

foi criado na época - o BNH, Sistema

Nacional de Habitação, que foi criado

para isso, o FGTS, que é o Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço, que foi

considerado algo que foi muito criticado

até onde era possível criticar pelos

sindicalistas, porque isso acabou com os

dez anos de estabilidade. Isso foi feito

com o Roberto Campos e o Bulhões.

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Quer dizer, acabou o sistema de

estabilidade e as empresas começaram a

depositar o recurso chamado Fundo de

Garantia, que eram destinados

basicamente para a habitação. Aí foi

fundado o Banco Nacional de Habitação.

Em suma, o que a gente fazia era

identificar onde havia recursos e nós

íamos de modo concreto com projetos,

idéias e propostas de encaminhamento

desses recursos para a Bahia. E aí, do

ponto de vista do que você falou, tanto

com o Roberto Campos, como com o

Delfim, o que eu fiz na época foi… Eu

tinha uma aproximação pessoal muito

grande com eles e para a implantação da

reforma, no caso especialmente do ICM,

os estados do Nordeste, principalmente os

menores estados e mesmo da região

amazônica, eram muito atrasados. Eles

não tinham nem pessoas que captassem o

que era essa reforma. Achavam que era o

antigo imposto de vendas de

consignações, o velho imposto que

cobravam, o imposto estadual em cascata,

que mudou de nome para ICM, imposto

sobre circulação de mercadoria, quando,

na verdade, mudou radicalmente, porque

criou o sistema de débito e crédito. Quer

dizer, cada operação que pagava o

imposto estadual recebia o crédito do

imposto que tinha sido pago nas

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operações anteriores. Mudava tudo.

Então, havia as reuniões de… Apesar do

governo federal ser em princípio e era na

prática todo-poderoso… Mas tinha

implicações políticas. Tinha que haver

uma indução…

P. F. – Tinha que haver alguém que

aplicasse isso nos estados.

B. T. – E que tivesse uma certa

motivação. As coisas não podiam ser

feitas, como se pensa, que era somente

com ordens. Não era nem em Brasília,

porque Brasília no começo era só um

nome, porque tudo funcionava no Rio de

Janeiro. No velho edifício lá do

Ministério da Fazenda, lá onde eu era

freqüentador habitual, é que ficava o

centro do poder do país. Aos poucos

obviamente foi migrando para Brasília.

Mas, então, havia reuniões de secretários

da Fazenda, que depois deram origem ao

chamado Confaz, que é o conselho de

secretários de Fazenda, que virou algo

institucionalizado. Tem uma série de

coisas no nível estadual que só podem ser

aprovadas se eles passarem pelo Confaz.

Mas o embrião disso, que não era formal

na época - acabou virando, se

formalizando - eram as reuniões do

secretário de Fazenda. Havia reuniões

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regionais, reuniões de secretários da

Fazenda do Norte e do Nordeste, que

funcionavam juntos, e havia a reunião

nacional de todos os secretários, de todos

os estados. Na época o Brasil tinha 21

estados. Hoje tem 27. Eram 20 estados e

o Distrito Federal. Hoje, por enquanto,

tem 27: 26 e mais o Distrito Federal.

Então, eu liderava 12 estados para aplicar

as coisas do governo federal. Eu tinha um

pouco mais, não muito, mas um pouco

mais de experiência e de traquejo,

inclusive cultural, intelectual, pelas

minhas inclinações antigas e tal. Eu

realmente tive uma influência muito forte

sobre os outros estados do Nordeste.

Apesar de disputar um pouco com

Pernambuco, nós rapidamente passamos

Pernambuco, já no governo Luiz Viana

Filho. Em 1968, 1969, por aí nós

conseguimos já passar Pernambuco em

termos de arrecadação, de

desenvolvimento industrial e eu não

permitia até nenhuma rivalidade maior.

Eu era amigo pessoal do pessoal dos

outros estados, inclusive de Pernambuco

e dos três estados do Nordeste… Porque

eu conseguia muita coisa que era

favorável aos estados mais pobres. Isso,

no bojo da própria reforma tributária, já

veio isso. Quando foi feita a partilha do

bolo tributário, das competências entre os

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vários níveis da República, o governo

federal ficou com o grosso dos recursos,

que na época eram o Imposto de Renda e

o Imposto de Produtos Industrializados.

Não havia essa parafernália de

contribuições, PIS, Cofins e CPMF. Tudo

isso passou a se chamar contribuição,

justamente para não partilhar com os

estados, porque a Constituição dizia…

P. G. – E agora explodiu nesses últimos

anos.

B. T. – Pois é. A própria lei que criou o

ICM… Quando foi feita a conta –

voltando ao que eu estava dizendo -, o

governo federal ficou com os impostos

mais rentáveis do país. Os estados

ficaram com o imposto estadual sobre a

circulação de mercadorias, que sucedeu o

antigo imposto de vendas e consignações.

E os governos municipais, as prefeituras

ficaram a míngua quase, porque ficaram

com o imposto predial, territorial urbano,

algumas licenças, imposto sobre serviço,

que na época era irrisório.

P. F. – Era uma lógica da pobreza, porque

quanto mais pobre [inaudível]…

B. T. – Mas aí é que entrou a nossa ação.

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6º Bloco Legenda: A Bahia em perspectiva histórica: projetos implementados e problemas atuais (segunda parte) 00:12:58 - 00:24:06 (fita 2) Tempo total do bloco: 11’07”

B. T. – Na hora que a gente começou a

fazer a conta – eu participei da própria

elaboração da reforma tributária -, nós

fizemos a conta e: “Bom, mas espera aí,

não vai ficar nada, pouco para os estados

e quase nada para os municípios.” Aí veio

o Estado brasileiro e foi o começo da

deturpação que acabou no que está aí. Se

criou o fundo de participação dos estados

e municípios na arrecadação dos

impostos federais. Acho que era 20% e

depois virou 25%. Já não me recordo com

precisão. Então, do bolo arrecadado dos

impostos federais, que eram basicamente

o Imposto de Renda e o Imposto sobre

Produtos Industrializados, se tirava uma

fatia de 20% e se distribuía isso para os

estados do Nordeste e da região

amazônica. Aí nós fizemos uma série –

isso foi uma discussão, não fui eu só – e

na hora de dividir o bolo, como é que faz

com esses 20%? Então, nós criamos um

sistema, em que um dos principais

critérios era que seria inversamente

proporcional à renda per capita. Quer

dizer, os estados mais pobres… Tinha

todos os critérios outros, inclusive de

população e tudo o mais, mas um dos

critérios da distribuição do bolo é que,

quanto mais pobre, mais tinha

participação. E realmente esse dinheiro

mudava tudo na vida dos pequenos

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estados do Nordeste e da Amazônia. E eu

vivia batalhando isso aí. É claro que

sempre tinha benefício para a Bahia. Isso

me deu uma condição realmente… Mas

era negociado, primeiro com o Roberto

Campos e depois com o Delfim, em que

de fato… Por mais onipotente que fosse o

governo central, tinha que convencer os

secretários, tinha que convencer os

governadores.

P. G. – Eles eram os agentes…

B. T. – Que eram os agentes. Não era só

porque tinha ordem. Tinha que ter uma

colaboração ativa, propositiva.

P. F. – Isso dava margem para

negociação.

B. T. – Dava. Inclusive – agora digo eu,

historicamente, jogo o fato -, devido a

essa minha proximidade… E depois, o

sistema lá na Bahia foi se ampliando, já

havia o Antonio Carlos Magalhães. Aliás,

quando o Antonio Carlos Magalhães foi

nomeado [inaudível] época, foi quando

eu realmente vim embora para São Paulo.

Mas foi mera coincidência. Esse sistema,

como eu disse: “A gente tem que ficar

localizando onde é que tem dinheiro.”

Então, eu estou exemplificando: tinha o

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dinheiro federal, do fundo de participação

dos estados e municípios, tinha o dinheiro

do Banco do Nordeste, tinha o dinheiro

da Sudene. A Bahia rapidamente recebia

mais da metade dos recursos de

investimento da Sudene. E de recursos do

Banco do Nordeste eu não me lembro

bem da porcentagem. Havia o FGTS, que

era o BNH, e uma série de projetos

nacionais. E, além disso, havia o apoio

político sistemático. Aquilo que o

Antonio Carlos Magalhães fez e que foi

quase que caricaturado como há governo,

sou a favor, em que ele sistematicamente

apoiava o presidente da República.

Sistematicamente. Mas isso nós é que

inventamos. Tem que apoiar o governo

federal, seja lá quem for. Mas nós vamos

ter que negociar sempre. Tanto que se

você chegar na Bahia, hoje ela tem um

motor próprio, mas o que tinha de

estradas de rodagem, de eletrificação, de

investimentos dos mais diferentes, de

projetos de agricultura, de

industrialização, depois o pólo

petroquímico de Camaçari, que começou

no governo Luiz Viana Filho e depois foi

com o Geisel que ele tomou proporções.

Mas antes disso nós já tínhamos feito o

centro industrial de Aratu, que era o

modelo que eu tiinha visto em outros

países, inclusive na própria Itália. Lá é o

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contrário: o norte é rico e o sul é pobre.

Então, havia sistema de incentivos aos

setores pobres. Foi daí que nasceu uma

série de projetos. E condições benéficas,

por exemplo: política de cacau. Na época

a Bahia quase que dependia disso.

Hoje… Uma das minhas idéias fixas era a

Bahia deixar de ser dependente do cacau.

80% da economia da Bahia e da

arrecadação do estado era do cacau.

P. G. – Não dá para se desenvolver.

B. T. – Não dava. Eu disse: “Nós vamos

inverter.” Era uma coisa assim de muita

imaginação também. “Nós vamos

inverter. Vai ser 20% de cacau e 80 das

outras coisas.” Agora não chega nem a

10. O cacau foi despencando. Bom, mas

em todo caso, foi um momento realmente

que marcou e que prevalece até hoje. Eu

costumo dizer, comparando governos

como de São Paulo e de outros estados, e

às vezes governos federais,

principalmente na época especialmente

do Fernando Henrique Cardoso, do

liberalismo econômico, redução, de

quanto menos governo, melhor, a retirada

do estado das atividades…

P. F. – A onda neoliberal.

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B. T. – Neoliberal. Esse processo todo já

fez com que a gente dissesse o seguinte:

“Venha…” Eu vinha muito a São Paulo,

fiquei amigo do secretário da Fazenda de

São Paulo, de vários, principalmente do

Arruda Batista, ia com ele visitar jornais,

fazia palestras para empresários e eu

dizia: “Venha para a Bahia, porque a

Bahia gosta de empresário, a Bahia gosta

de industriais.” Pode parecer óbvio, mas

aqui em São Paulo às vezes eu duvido

que o governo de São Paulo gosta de

empresários, de industriais. Foi todo um

clima que até hoje continua. Eu vi o

governador da Bahia agora… Foi eleito

um governador do PT…

P. F. – Jaques Wagner.

B. T. – O Jaques Wagner, que era líder

sindical daquela época de Camaçari. O

fervor da industrialização da Bahia

continua muito vivo. Essa semana agora

mesmo a Bahia desembarcou lá na Fiesp,

ficou lá dois dias, três dias, o governador

e [inaudível]. Quer dizer, há uma idéia

fixa do crescimento da economia. Agora,

fazendo um retrospecto, décadas depois,

tudo isso ainda é pouco. Já agora fazendo

um pouco de digressão e trazendo para o

nosso tempo, porque os índices do IDH

da Bahia ainda são muito baixos.

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Comparativamente com outros estados do

Nordeste, melhora, mas a questão da

estratificação social – vou fazer essa

digressão agora – não tem a ver somente

com a concentração de renda, porque boa

parte dos investimentos industriais da

Bahia, essa parte principal nem é de

empresários baianos, de capitais baianos.

Fica lá o imposto que sofreu muita

redução, a mão de obra. O nível social em

geral melhorou, mas existe agora uma

diferença regional – isso é uma digressão

que eu estou fazendo; eu não vi nada

ainda dos nossos estudiosos sociais e

econômicos, que não se debruçam muito

sobre a realidade, ficam trabalhando com

idéias preconcebidas -, existe, por

exemplo, hoje dentro da Bahia uma

diferença regional enorme. O que era

antes Brasil, ou sul do Brasil, Nordeste,

Bahia, hoje é dentro da Bahia. Existe uma

faixa litorânea, ou a faixa do recôncavo,

que tem um nível de renda e social

bastante elevado, na média, embora ainda

tenha muita pobreza, muita concentração

de pessoas que têm condições de

habitação e de vida muito precárias.

Agora, o que faz com que os níveis

médios de um estado como a Bahia sejam

tão precários até hoje é que existem

regiões do interior, que, por mais que se

tenha feito algum esforço de

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desenvolvimento nas regiões rurais, são

regiões muito secas. Então, nós temos

uma realidade aí. Então, existe uma faixa

que se criou… Porque o oeste da Bahia

tomou um impulso enorme. Nos últimos

anos, principalmente com a agricultura –

são regiões muito planas - com a

agricultura moderna, especialmente soja e

algodão…

P. G. – É a questão do cerrado.

B. T. – É, do cerrado. São muito planas.

Terras muito baratas e aquela região

rapidamente se desenvolveu. E tem a

faixa litorânea e não passa de Feira de

Santana, por exemplo, que fica a cerca de

100 km de Salvador. Aí entra aquela

região do sertão, que precisaria realmente

de uma série de projetos, que a maioria

deles não tem dado resultado, por várias

razões, ou porque foram mal concebidos,

ou porque foram esquecidos, ou

deturpados. Mas o fato é que ainda tem

muito caminho, muito chão. Quando eu

falo do período em que fizemos essas

reformas, apoiamos as reformas nacionais

e trabalhamos para reformular as

condições da Bahia, eu não quero me

deixar levar por um entusiasmo

excessivo, porque, na verdade, o grosso

ainda das condições sociais e econômicas

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ainda está muito baixo. Por uma série de

razões aí e muitas delas continuam

imperando até hoje.

7º Bloco Legenda: Um balanço sobre atividades empresariais (privadas) e políticas (públicas) 00:24:06 - 00:37:58 (fita 1) Tempo total do bloco: 13’53”

P. F. – Dr. Boris, antes de a gente ir para

São Paulo, eu queria fazer uma pergunta

mais de caráter pessoal, porque o senhor

estava insistindo na idéia, quer dizer, no

fato de que o senhor era uma pessoa

muito jovem, apesar de ter uma

experiência política grande, uma

trajetória já desde muito jovem na

política. Mas o senhor foi ser secretário

de Fazenda da Bahia, um estado

importante, ainda mais nessa

circunstância geral do Nordeste todo, na

faixa aí dos 30 anos. E pelo que o senhor

contou para a gente na primeira

entrevista, o senhor de fato tinha uma

experiência empresarial, mas muito

localizada, ainda ali no nível do ramo da

imobiliária, se eu me lembro bem,

alguma coisa com o pai do senhor. Como

foi em termos de aprendizado? Como é

que o senhor aprendeu? Em que isso

implicou um pouco pessoalmente para o

senhor?

B. T. – Olha, eu vou lhe dizer algo talvez

surpreendente. Esse negócio de

experiência empresarial e que isso pode

ser utilizado pelo estado é um mito. A

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atividade de governo não se confunde

com a atividade empresarial. Eu posso

dizer que o que leva um pouco de

superposição, ou até de confusão, que a

tradição mudou, mas não

suficientemente, é de que o setor público

e o setor privado eram regidos, ou são

regidos por regras completamente

diferentes e até opostas. Era isso o que

era o velho tempo. Veio desde a colônia,

desde a coroa portuguesa. O Estado

brasileiro se formou a partir do Estado

português, que não só já era um dos

países mais retrógrados da Europa, com

raízes feudais ainda muito fortes,

medievais, como também teve uma visão

espoliativa do Brasil colônia, em que os

portugueses vinham aqui para retirar o

que pudessem e voltar para Portugal e

levar uma vida boa, acumular fortunas

primeiro para o rei, para a coroa e depois

para eles próprios. Diferente de – não

quero fazer comparações e sair do tema -,

por exemplo, como foi a colonização e

imigração dos Estados Unidos, que teve

um caráter completamente diferente. O

fato é que se criou uma visão

patrimonialista do Estado, em que você

tinha que ter o poder. Não havia muita

diferença entre poder econômico e poder

político, mas o que havia é que o poder

político é que predominava sobre a forma

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de funcionamento do Estado. O Estado

era um provedor de serviços, sem

maiores obrigações, a não ser para com

aquela camada mais distinguida da

população. Havia um conformismo muito

grande da massa enorme de cidadãos sem

qualquer tipo de privilégio – privilégio

não é a palavra; sem qualquer tipo de

direitos. O que é importante - e isso foi o

que me motivou - não é a experiência

empresarial. A experiência empresarial e

a experiência estatal, o que elas têm em

comum é planejamento, eficiência,

eficácia, profissionalização, adoção de

métodos gerenciais adequados, controles,

promoção, utilização de pessoas, que é

fundamental - e a vida da empresa

privada é identificar e preparar

constantemente pessoas que possam

trabalhar para que a empresa otimize seus

recursos -, o planejamento concentrando

recursos, políticas de prioridades. Em

suma, uma série de questões mais de

métodos, do que de conteúdos. Esses

métodos eram incipientes no Brasil.

P. G. – E as diferenças?

B. T. – Isso significa o seguinte… Deixa

eu ver se eu consigo explicar melhor. A

empresa capitalista, que sem dúvida até

hoje não se inventou nada mais eficaz,

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por maiores que sejam as dúvidas ou

questões colocadas. Não se inventou até

hoje nada mais eficiente, mais eficaz em

termos de produzir riquezas, produzir

empregos, produzir bens e serviços, se

baseia nos objetivos de otimização dos

recursos disponíveis: capital, tecnologia,

recursos naturais, acesso a matérias-

primas, às estruturas de serviços e assim

por diante. A mesma coisa se aplica ao

Estado. Quer dizer, então, uma empresa,

para ela crescer e para ser competitiva,

ela tem que adotar métodos de gestão

baseados nesses princípios, que não são

adotados num país como o Brasil. Hoje já

é diferente, bastante diferente, mas não

suficientemente diferente. Nós vemos aí

como se faz orçamento, como se faz a

alocação da receita no país: desperdícios

enormes, a falta de eficácia, nenhum tipo

de avaliação de pessoas em função de

resultados, ou de competências. Então, a

falta de experiência empresarial não era

só na Bahia, nem em mim. Havia uma

questão que você, por exemplo… O que

eu avalio hoje, a distância daquela época

de hoje é a questão da formação cultural,

mas não é a cultura livresca, não é cultura

para fazer citações em francês, como era

comum na época. Hoje é em inglês, não

é? Uma visão da história, por exemplo,

uma visão de como a sociedade funciona,

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da crítica social, uma bagagem cultural

que caracteriza as elites pensantes e

dirigentes nos países desenvolvidos.

Coisa que não tem no Brasil. O brasileiro

se orgulha de ser ignorante. Os meus

colegas e amigos empresários, eles vêem

um livro e saem. Finge que lê livros de

economia e administração. Aliás, quando

lê, é lixo puro quase sempre, não é? E

não lê mesmo. Eu digo o seguinte: no

meu caso pessoal me valeu um profundo

interesse cultural que eu sempre tive, de

me informar, de me atualizar, de ler. Não

só ler literatura, ficção, coisas desse tipo,

mas estar informado. Eu, por exemplo -

um pequeno detalhe, aparentemente sem

importância -, eu desde que me entendo

era leitor da revista Times. Na Bahia

vendia em uma única banca.

P. G. – O único leitor era o senhor, na

Bahia inteira?

[risos]

B. T. – Acho que tinha uns cinco ou seis.

P. G. - Tinha o consulado lá…

B. T. – Então, esse meu afã de me

informar, de saber das coisas, de me

manter atualizado me ajudou.

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P. F. – Te diferenciando.

B. T. – Faz diferença. E muita. E mais

um conteúdo de vivência, de experiência,

de realismo, porque tem muito a ver com

bom senso. Depois você pega as coisas

usuais, triviais, baseadas no bom senso e

põe rótulos em cima. Hoje isso é muito

comum, tem muita gente que vive disso,

de dar cursos, escrever livros, inventar

nomes de rótulos e tal. Agora, dizer que

era a forma mais eficaz a que a gente

adotava? Não era. Não era. Mas havia um

conteúdo comparativo – isso é que era

importante, sempre foi e é ainda -, em

termos relativos, a minha atuação, ou a

atuação da Bahia era melhor do que a dos

outros. Eu não quero faltar com a

modéstia, mas o plus, o algo mais, o

diferencial era aí. E aí é que entra o

acesso, por exemplo, que nós demos na

Bahia a pessoas com nomes estrangeiros.

Parece até um detalhe, mas alguém tinha

me dito isso na época: “A Bahia não é

uma terra de imigração, como São Paulo,

Santa Catarina, ou Rio Grande do Sul.”

Estagnada secularmente com aquela

mesma estrutura sócio-econômica, de

origem, étnica e assim por diante. A

pouca imigração, por exemplo, que

havia… O Victor Gradin é filho de

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imigrantes espanhóis. A única imigração

importante que tinha na Bahia era de

espanhóis. Aliás, galegos. É espanhol,

mas é um espanhol meio…

P. F. – Português.

B. T. - Em suma, essas questões… E eu vou dizer: as pessoas que vieram do movimento estudantil e do movimento político de esquerda tinham um viés de dar importância à formação cultural, à formação intelectual. Você lia, se mantinha informado, valorizava a cultura, embora deformada ideologicamente. Mas, se sabia que existia. Por incrível que pareça, saber que uma sociedade não sabe, ou sabe pouco, é o começo das coisas, ou das pessoas. Quer dizer, o sujeito que não sabe nem que existe esse vasto mundo do conhecimento, da cultura… Esse é que é o nosso desafio hoje, inclusive, porque a gente vai ficando para trás, apesar de nunca neste país ter havido tanta coisa boa, mas a verdade é que o diferencial nosso esta aí realmente. E isso é fruto de todo um processo complexo, histórico, que tem a ver com a formação desde o ginásio, da escola primária, do ginásio, as exigências determinantes e assim por diante. E só para acabar de responder a sua pergunta, a fonte de profissionalização do setor privado no Brasil foi o setor governamental. O grosso dos executivos, a começar do setor financeiro, que já então começou a se modernizar, com a reforma do sistema financeiro realizada ainda pelas leis de Bulhões e de Roberto Campos, era muito comum. A escola formativa de profissionais que vinham para as empresas, especialmente no começo do sistema financeiro e, depois, no sistema industrial, era de origem pública. Por exemplo, na área industrial,

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o Ministério do Planejamento, na área federal, por exemplo, o Ministério do Planejamento, junto com o Ministério da Fazenda, eram a grande escola de formação de executivos. O pessoal saía do governo e ia… Essa moda, aliás, continua, mas com características bastante diferentes hoje, porque hoje é muito especializado, não é? Tem que sair do Banco Central, ir para o banco privado e vice e versa e tal. Na época era bem mais amplo o conceito. E não era para fazer lobby. É claro que sempre que vinha alguém com uma posição importante na área pública, vinha para a área privada e isso não era inútil. Mas, era basicamente porque eram pessoas que tinham experiência de gestão e de tomar conta de coisas de que não eram donas, que é a diferença de profissional para empresa antiga, de gestão puramente familiar.

8º Bloco Legenda: A passagem para a carreira de executivo 00:00:22 - 00:02:39 (fita 3) Tempo total do bloco: 10’25”

B. T. - O senhor teve essa experiência de

sete anos no serviço público na Bahia,

experiência bem sucedida. Como foi essa

passagem para o mundo privado?

P. G. – A volta.

P. F. - O que aconteceu para o senhor,

como tantos conterrâneos seus, imigrar

para São Paulo?

B. T. – Eu devo dizer que eu nunca me

senti como sendo uma pessoa da área

pública permanentemente. Eu não sei, por

várias razões, pessoais, psicológicas, eu

não enxergava na atividade pública, que

necessariamente acaba virando uma

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atividade política, porque, mais cedo ou

mais tarde, quem está na área, mesmo

que venha por razões profissionais

exercer funções mais executivas, mais

cedo ou mais tarde ele tem que migrar

para a política propriamente dita. É

verdade, a participação na mesa pública

será sempre, por definição, passageira. A

não ser que entre para o serviço público

para fazer a chamada carreira de Estado,

que não era a minha idéia. E

principalmente com a família numerosa –

tenho cinco filhos – achava sempre que

não só eu ainda tinha um longo espaço

pela frente, como também para formar a

família, eu tinha muito mais

oportunidades. A primeira idéia era ir

para o Rio de Janeiro e acabei vindo para

São Paulo, também por essas

circunstâncias aparentemente casuais,

difíceis de explicar puramente por ordem

racional. Tanto que eu mantive uma

ligação pessoal muito grande com o

pessoal do Roberto Campos. O Roberto

Campos, com o pessoal dele, migrou

[inaudível] para o setor privado – aliás, o

Roberto Campos foi mal-sucedido como

empresário.

00:03:01 - 00:11:09 (fita 3)

B. T. – O Roberto Campos, como

conhecia profundamente a legislação do

sistema financeiro, viu a oportunidade

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dos bancos de investimento da época, que

eram também diferentes dos bancos

comerciais, os velhos bancões

comerciais. Mas ele não conseguiu ser

bem sucedido no empreendimento que

tomou a frente no sistema financeiro.

Mas eu mantinha uma ligação pessoal,

mesmo depois que ele já tinha deixado o

governo, com ele e o pessoal dele. Eu já

contemplava a idéia de sair da Bahia. Até

porque, como eu não ia fazer carreira

política, não queria fazer carreira política,

então, havia mais razões para eu não ficar

lá, porque a política se caracteriza…

Tirando São Paulo… Vocês de São Paulo

talvez não tenham nem muita noção disso

-, o único lugar do Brasil que você pode

levar uma vida a partir de um certo nível

de sucesso, qualquer que seja a sua

atividade, em que você se mantém fora

diretamente da política partidária, é São

Paulo.

P. F. – É curioso isso. A vida pessoal é só

aqui que você pode levar…

B. T. – É curioso. Mas fora disso, você

não pode imaginar viver em Minas

Gerais, na Bahia, ou no Rio Grande do

Sul e que você fique fora da política. De

uma forma, ou de outra, você vai ser

arrastado para isso. Ainda mais com as

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características que se formaram na Bahia

com essa polaridade do Antonio Carlos

Magalhães, que formou um grupo que

durou quase 30 anos. Então, eu já vinha

há bastante tempo… E quando o Luiz

Viana Filho assumiu o governo,

sucedendo o Lomanto Junior, eu já

ensaiei não ficar. O Luiz Viana foi que

me convenceu e tal e no fim eu acabei

ficando mais de três anos. Novamente

três anos, já no governo Luiz Viana

Filho. Quando faltavam seis, sete meses,

quando foi escolhido já o sucessor do

Luiz Viana, que seria o Antonio Carlos,

eu já estava realmente cansado,

desgastado, eu avisei para uma das

pessoas muito ligadas ao Roberto

Campos, especialmente na área

empresarial, o Ademar de Souza, que já

faleceu há muitos anos. Eu avisei para o

Ademar que eu finalmente ia deixar o

governo. Insistiu muito, o Luiz Viana

queria que eu ainda ficasse: “Fica mais

um pouco.” Nisso ele ficou me levando

por algum tempo, mas a minha decisão

era definitiva.

P. F. – O fato de ser Antonio Carlos o

sucessor pesou de alguma forma?

B. T. – Olha, de certo modo pesou,

porque eu, como conhecia bastante o

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Antonio Carlos, eu disse: “Olha, eu não

vou conseguir ficar livre dessas injunções

políticas contra, a favor.” E a minha idéia

que eu já tinha de iniciar a vida nova fora

da Bahia, eu já vinha cultivando há

tempos. E quando eu saí da Bahia, eu não

imaginei ser executivo em São Paulo. Eu

imaginei criar uma atividade empresarial.

Inicialmente eu pensei no Rio de Janeiro

e depois em São Paulo. Eu também

comecei a minha atividade como

executivo, como dirigente profissional de

empresa também como passagem, como

transição para retomar a minha atividade.

Tanto que nos primeiros anos aqui em

São Paulo, eu até tinha investimentos na

área de construção, porque eu tinha um

amigo meu lá da Bahia que tinha uma

pequena construtora. A minha idéia era

justamente de cuidar do meu patrimônio

lá da Bahia, me familiarizar em São

Paulo com os ambientes empresariais de

negócios. Mas, acontece que eu fui muito

bem sucedido na atividade profissional e

fui adiando sempre, até que desisti da

idéia de me dedicar como empresário

pessoalmente.

P. G. – Quando o senhor saiu de lá, já

veio com convite para cá?

B. T. – Não, eu tinha duas oportunidades

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já que eu vinha cultivando para o Rio de

Janeiro.

P. F. – Através desses contatos com o

Roberto Campos?

B. T. – Não, essas do Rio de Janeiro, já

não me recordo exatamente dos detalhes,

mas não era o pessoal do Roberto

Campos. Um era um empreendimento

hoteleiro e o outro já não me recordo

mais. Mas isso tudo ainda… Eu, quando

saí da Bahia, pedi demissão e saí, vim

passar uma temporada no Sul, para cortar

realmente toda aquela coisa que se criou

lá: “Saiu? Não saiu? Por que saiu?” Foi aí

que eu recebi um telefonema do Ademar,

que era justamente o homem de confiança

do Roberto Campos, pedindo… Eu estava

no Rio, baiano ia para o Rio naquela

época. Depois é que começou a vir em

massa aqui para São Paulo. Pelo menos o

pessoal que tinha mais um nível

profissional superior, nível acadêmico e

tal. Aí ele me disse: ‘Você conhece os

irmãos Safra?”, “Ah, eu conheço. Eles

tiveram lá um projeto na Bahia, se

associaram a uns japoneses em um

projeto lá têxtil, de fios de nylon, algo

assim.” “Você vem a São Paulo e eu vou

lhe apresentar aos Safra.” Por que os

Safra? O Roberto Campos tinha sido

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embaixador do Brasil em Washington e o

Edmundo Safra, que foi o mentor e o

iniciador dos grandes negócios da família

no mundo e no Brasil, era amigo do

Roberto Campos, desde a época de

Washington e Nova Iorque. E o Safra

pediu a ele que indicasse alguém que ele

queria tocasse o banco, que mal estava

começando.

P. G. – Tem uma foto legal aqui do

Safra…

B. T. – O Roberto Campos tinha me

indicado para o Safra. Pode ter indicado

outros nomes também. O fato é que eu fui

conversar com o José Safra e a proposta

que ele me fez, que era irresistível e que

eu aceitei, mudou o caminho. Eu,

inclusive, me lembro até hoje que eu saí

da conversa com o Safra e minha mulher

estava…

P. F. – Aqui em São Paulo?

B. T. – Foi em São Paulo, aqui em São

Paulo. E minha mulher estava lá no

Rio…

P. F. – Tentando a vida lá.

B. T. – Estava na casa de parentes, estava sentindo ainda as coisas. E eu disse para

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ela: “Nós vamos virar paulistas.” E era na área financeira, que tinha uma especial atração da minha parte.

9º Bloco Legenda: Banco Safra (primeira parte) 00:11:09 - 00:19:53 (fita 3) Tempo total do bloco: 08’44”

B. T. – O banco Safra, o grupo Safra na

área financeira no Brasil tinha começado

com uma grande financeira,

financiamentos de automóveis. Era uma

atividade que não era ainda bancária

propriamente dita. Com a reforma do

sistema financeiro, em 1967, se não me

engano, os irmãos Safra viram uma

grande oportunidade, porque o que a

reforma do sistema financeiro, a chamada

reforma bancária fez naquela época, foi

refundar todo o sistema, a começar com a

criação do Banco Central e a criação,

com concessão de cartas patentes para

diversas atividades que eram exercidas

pelos bancos comerciais. Daí foram

criados bancos de investimento,

financeiras, sociedades de crédito de

financiamento, corretoras distribuidoras,

crédito imobiliário. Foi criada uma

constelação de entidades financeiras.

P. G. – Teve uma pequena bolha ali na

bolsa em 1971, 1972.

B. T. – E se criou a pequena bolha na

bolsa. Eu já estava no banco Safra e eram

uns bancos de investimento, alguns que

eram só bancos de investimento, fundos

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internacionais. Tinha um dirigido pelo

Roberto Teixeira da Costa, que na época

estava no Unibanco – não era Unibanco

ainda; não lembro se já era com esse

nome. Em suma, o sistema financeiro

estava começando a tomar forma naquela

época. E os Safra viram uma chance.

Havia um sistema de vendas de carta

patentes. Era um sistema que vinha ainda

do Brasil colônia. Todas as nomeações,

autorizações vinham da coroa em forma

de carta patente. Você para abrir um

banco, ou uma agência, precisava de uma

carta patente do Banco Central. Era um

papel mesmo que vinha e dizia:

“Autorizo não sei o que…” A estratégia

da reforma do sistema bancário era

justamente… Havia uma pulverização

enorme de pequenos e médios bancos

grandes, poucos. Não havia nenhum

sistema de controle. Havia um antigo

resíduo da Superintendência da Moeda de

Crédito, que ainda era uma diretoria

dentro do Banco do Brasil, Sumoc.

P. G. – Era do Banco do Brasil, ou do

Banco Central?

B. T. – Era do Banco Central, a parte toda

monetária era exercida pelo Banco

Central e um pouco da parte toda de

fiscalização bancária e tal. O sistema era

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muito frágil realmente. Então, o que foi

feito como política nova? Era criar uma

série de instrumentos que não fosse só o

banco comercial. O banco comercial é o

clássico: recebe depósitos, faz

empréstimo e faz as operações básicas,

tipo câmbio, cobranças. O que ainda hoje

é basicamente a atividade de uma rede de

banco comercial no mundo inteiro. No

caso brasileiro, a grande sacada é que

você tinha que criar empresas financeiras

e ... Tinha carta patente no começo ainda

e que você, então, poderia ter acesso a

isso e foi a chance que o Safra viu.

Estabeleceu um banco de investimento,

uma financeira, uma corretora, uma

distribuidora.

P. G. – Fez o pacote inteiro, já na

dúvida…

B. T. – Uma central de crédito

imobiliário e estabeleceu isso com

pequenas estruturas básicas e, ao mesmo

tempo, o banco tinha somente três filiais,

que tinha comprado na época, três

agências. A estratégia do grupo Safra era

criar uma rede bancária incipiente,

partindo de três agências, quando já havia

um grande Bradesco, um grande Itaú –

não tinham a escala que têm hoje, mas já

eram... -, além de outros bancos grandes

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também, que depois tiveram problemas.

Alguns saíram, fecharam e tudo mais.

Então, a política bancária, financeira do

país era ir limpando o sistema, não dar

mais cartas-patentes para agências

bancárias pura e simples, e sim

autorizações para criar essas outras

instituições financeiras especializadas. Já

começou o embrião de mercado de

capitais, que teve até uma bolha naquela

época. Esses IPOs que estão acontecendo

hoje, tiveram um pequeno espetáculo

naquela época. Eu me lembro que o

Banco Safra começou a fazer um pouco

essas atividades, a participar de alguns

lançamentos, geralmente [inaudível] ,

Unibanco e outros grupos. Cresceu muito

no financiamento de veículos. Começou o

boom da indústria automobilística,

aqueles fusquinhas todos, era tudo

financiado. Era o sistema em que você

captava recursos, com a chamada letra de

câmbio. Agora está me ocorrendo que é

exatamente o que aconteceu com o

subprime agora nos Estados Unidos.

Exatamente com as hipotecas aconteceu

naquela época aconteceu com... Não esse

estouro que deu agora nos Estados

Unidos com o subprime. Mas as

concessionárias de automóveis e todas as

lojas de eletroeletrônicos e coisa e tal,

que realizavam operações de venda a

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prazo, elas agrupavam contratos e em

cima disso emitiam uma letra de câmbio,

que você vendia. Então, você empacotava

50 carros. Vamos dizer que fosse 200

mil, sei lá, da moeda da época. Então,

você pegava em cima daquilo – o Banco

Central fiscalizava e você tinha que

mostrar que teve aquela venda -, emitia

um papel chamado letra de câmbio…

P. G. – Efeito colateral da lei

[inaudível]…

B. T. – É, isso é o que agora a gente está

lendo todo o dia. Está lendo todo dia esse

efeito colateral. A história se repete

sempre. Naquela época houve até uns

grupos que estouraram mesmo com

negócio de crediário. E você vendia essa

letra de câmbio, que eram colateralizados

– você lembrou bem - de automóveis.

Tinha esse negócio, tinha repasses de

Finame, uma série de linhas de crédito,

havia muito estímulo governamental, do

BNDES, de outras agências

governamentais, do BNH, havia um

monte de coisas que você repassava e

depois começou a se desenvolver o

mercado de capitais com emissão de

ações na bolsa e corretoras e o mercado

financeiro começou a tomar forma e em

cima disso o Banco Central.

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P. G. – E o país crescendo a 13, 14% ao

ano.

B. T. – Crescendo de maneira violenta.

P. G. – Isso no meio do milagre.

10º Bloco Legenda: Banco Safra (segunda parte) 00:19:55 - 00:30:55 (fita 3) Tempo total do bloco: 10’59”

P. F. – Então, quando o José Safra

chamou o senhor, ele chamou nesse

contexto para…?

B. T. – Ele me chamou para tocar o

banco, para ampliar e profissionalizar o

banco, porque o banco era ele, era os

irmãos Safra, era o Edmundo, que era

brasileiro, mas já nem morava aqui. Ele

se dedicava mais ao banco em Nova

Iorque e ao banco na Suíça. Aí tinha os

dois irmãos aqui, o José e o Maurice, com

uma ambição enorme. Mas não dava, eles

não eram de origem brasileira, eram

quase outsiders no ambiente brasileiro. E

eu acredito que o próprio Roberto

Campos deve ter influenciado bastante o

Edmundo, porque eles tinha muito claro

que sozinhos, um grupo familiar – tinham

vários parentes que tinham emigrado

também do Líbano, da Síria, junto com a

mesma geração deles e tal. E aí foi que

nós começamos a constituir um grupo de

brasileiros, quase todos engenheiros,

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porque a ilustre profissão de economista e

de administradores era incipiente, como

eu disse. Então, eram engenheiros

especialmente… Tinha engenheiro civil e

engenheiro de condução. Estão lá até

hoje. Agora é que esse pessoal está

começando a se aposentar. E era gente

que não tinha experiência bancária

nenhuma. Novamente se repete a história.

Quer dizer, eram entidades que não

existiam. Eram tipos de instituições que

existiam em outros lugares do mundo e

que aqui não existiam. Era a grande

chance de fazer o negócio crescer, sem

precisar de uma rede bancária comercial,

abrir agências de grande escala. Essa é

que era a estratégia, você crescer em cima

de atividades financeiras não

propriamente independentes da agência

bancária. Mas é claro que você tinha que

ter uma base. E aí tinha que comprar

cartas patentes, porque o Banco Central

só dava autorizações novas para esse tipo

de entidade nova, de empresa nova. Para

banco comercial e agência, você tinha

que comprar outros pequenos bancos,

agências, remanejar, juntar três do

interior, abrir uma na capital, duas em

uma capital menor e abrir uma em São

Paulo e, ao mesmo tempo, isso fui eu que

fui conduzindo e, ao mesmo tempo,

recrutar gente. A gente recrutava gente,

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inclusive tinha bons colegas aqui de São

Paulo, que eram bem relacionados. Não

conhecia pessoalmente. Pessoas até

daquela época, que depois fizeram

carreiras independentes. Um deles, que

eu me lembro, o Clóvis, que foi ministro

da Casa Civil do… Clóvis Carvalho.

P. G. – Clóvis Carvalho!

B. T. – Clóvis Carvalho. Tinha o Oded

Grajew. Começou como meu funcionário.

P. F. – O senhor foi o headhunter, achou

todos, encontrou eles…

B. T. - Eles vinham também, vinham

pelos amigos e tal. Era um processo

muito… Era um ânimo, um entusiasmo,

um ânimo, oportunidade… E tinha que

treinar essa gente, mas treinar para

profissões novas. Você operar, por

exemplo, na bolsa, ou operar em um

banco de investimento… Porque o banco

comercial, ainda mais na medida em que

o processo inflacionário ia se agravando,

não havia operações de longo prazo. O

banco comercial emprestava dinheiro a

90, 120 dias e olhe lá! Sempre com o

colateral de duplicatas, em cima de

operações financeiras. E as operações

também de câmbio, que eram muito

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rotineiras, mas que tinham uma certa

escala mais em cima daqueles bancos

tradicionais. Depois foi se ampliando

com a expansão de produtos

manufaturados e tudo o mais. Onde nós

íamos buscar profissionais experientes

era para ser gerentes da agência bancária.

Aí você não podia… Para ser dirigente de

um banco de investimento, ou da

financeira, depois, você tinha que

inventar. E não éramos só nós não. O

sistema todo estava crescendo em cima

disso. Agora, na agência bancária, você

tinha que ter bancários experientes e que

conhecessem o lugar onde você ia abrir a

agência. E aí é a verdade é a seguinte:

quando a gente definia o lugar, onde ia

abrir a agência, primeiro nós tínhamos

que escolher o modelo. Os dois grandes

paradigmas eram o banco Itaú, que era o

banco de engenheiros, para começar com

o Olavo Setúbal, e o banco povão, se

fingir de caipira, que era o banco

Bradesco, que de caipira não tinha nada.

Era um banco super moderno, que foi o

primeiro que desenvolveu o sistema de

automação bancária e de uso

computadores e tudo o mais. É claro que

nós preferimos o modelo dos

engenheiros. E, depois, o planejamento, o

marketing bancário, uma série de

palavras que nós é que inventamos na

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época. Produto, chamar uma letra de

câmbio, ou financiamento de automóvel,

chamar de produto, fui eu o primeiro cara

que chamou esse negócio de produto. O

pessoal dizia: “Você é maluco. Você veio

de onde? Isso daqui não é produto, é

negócio, é operação financeira.” Então, a

nossa estratégia era que cada agência do

Banco Safra tinha que ter um gerente

profissional bancário. Aí eu mandava o

pessoal meu de recursos humanos, que

chamava na época simplesmente

departamento pessoal – virou recursos

humanos depois e agora não é mais

recursos humanos, é diretoria de gente e

outros nomes que dão aí, para não

comparar recursos humanos com recursos

financeiros, ou técnico -, mas a gente

identificava os melhores gerentes dos

bancos aí das vizinhanças e fazia

propostas irrecusáveis, para ser gerente

do Banco Safra, um banco pouco

conhecido. A gente fazia a proposta para

levar mesmo. Aí vários aí, que eu não

vou dizer o nome, que alguns fizeram

carreiras bem sucedidas, outros não tão

bem sucedidas. Agora, cada agência –

isso é que era a novidade que nós

inventamos – tinha um gerente geral da

agência, que era um bancário e tinha que

trabalhar para o banco ser um banco com

depósito, cliente, desconto de duplicatas,

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financiamentos e tal. Mas, dentro de cada

agência, tinha um gerente da financeira,

que procurava clientes para fazer

financiamentos de bens de capital,

principalmente de automóveis e de outros

eletroeletrônicos, tinha um da sociedade

imobiliária, que fazia operações de

financiamento, captação da caderneta de

poupança, que foi inventada naquela

época, depósito em poupança. Em

suma… Tinha um gerente de Finame, que

era uma operação de repasse de recursos

do BNDES…

P. G. – Esse negócio como um todo foi

de vento em popa?

B. T. – E aí o banco começou a tomar

forma. E depois tudo isso passou a ter

nomes. A gente foi inventando. Isso

depois passou a se chamar estrutura

matricial. Então, você tinha uma agência,

digamos na… Vamos tomar um exemplo

de Santo Amaro, uma agência em um

bairro no Bom Retiro, ou na Lapa, ou em

uma cidade no interior, tipo Campinas,

tipo São José dos Campos, que eu tive

essa intuição também, que seria um

grande pólo de desenvolvimento. E o

Banco Central dava cartas patentes quase

de graça, baratinhas. Abrir uma agência

em Brasília, eles davam até a carta

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patente…

P. G. – Para estimular…

B. T. – Para estimular a [inaudível]

bancária. Então, a estrutura matricial

tinha um gerente, que era

hierarquicamente responsável por toda a

atividade daquela agência naquele bairro,

naquela cidade e tinha os gerentes de

produto. Então, um cuidava de vender

letra de câmbio, o outro cuidava de fazer

operações de repasse de Finame, outro

cuidava de câmbio. Em linha, eles tinham

um reporte para as diretorias da matriz

especializadas e localmente eles eram

coordenados pelo gerente. Então, houve

uma série de desenvolvimentos desse tipo

aí que marcaram realmente um novo

momento da vida do país e…

P. F. – E na vida do senhor.

B. T. – E na minha vida também.

P. G. – Isso foi até o final dos anos 70,

mais ou menos?

B. T. – Isso foi de 1970 até 1976. Foram

seis anos.

P. G. – Foi quando eu nasci, em 1976.

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B. T. – Pois é, eu já estava vindo para a

Suzano. Já estava saindo do banco.

P. G. - Em 1976 foi a mudança para a

Suzano?

B. T. – Em 1975, 1976 o… Naquela

época se falava que tudo na vida tinha um

ciclo de sete anos.

11º Bloco Legenda: As relações sociais em São Paulo 00:30:56 - 00:36:46 (fita 3) Tempo total do bloco: 05’50”

P. F. – Deixa eu fazer uma pergunta

também de caráter mais pessoal de novo:

como foi a mudança para São Paulo para

o senhor e a família? O senhor veio para

cá já no final dos 30, 40 anos. Como é

que foi o processo em relação à cidade, às

relações, para o senhor e a família? Como

foi isso? Foi fácil? Foi difícil?

B. T. – Olha, essas considerações a gente

sempre faz a posteriori. Na hora em que

você mergulha na situação, você não está

nem muito consciente de que tem esse

problema.

P. F. – Mas teve?

B. T. – Olha, a minha mulher ajudou

bastante nisso, porque ela é muito

sociável. Eu nem tanto. Aí foi a nossa

aproximação com a família Feffer. A

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dona Antonieta Feffer, esposa do Leon

Feffer, fundador da Suzano, dirigia uma

entidade feminina de caráter nacional e a

minha mulher já tinha conhecimento com

ela. Então, ela começou a andar nesses

círculos dessas entidades filantrópicas e

assistenciais e foi desenvolvendo esses

círculos de…

P. F. – Amizades.

B. T. - … relacionamentos. A vida em

São Paulo…

P. F. – O senhor morava onde, por

exemplo, quando chegou?

B. T. – Eu fiquei uns tempos em

apartamento alugado e tal. Mas a

primeira residência nossa, da família, foi

no Pacaembu. Compramos uma casa lá

no Pacaembu.

P. F. - E o senhor estranhou muito a vida

em São Paulo, comparada ao que era em

Salvador?

B. T. – Eu, pessoalmente, nem tanto,

porque meu estilo não era muito… As

amizades e o ambiente que você tem no

lugar em que você nasceu são únicas. São

únicas e elas não se reproduzem nunca

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mais. Nunca mais você vai reconstituir o

ambiente do lugar onde você é nativo. As

pessoas que você conheceu nos primeiros

tempos, depois na juventude, depois nos

primeiros tempos já de vida adulta,

ligações familiares e em um ambiente

relativamente pequeno… Eu vou dizer:

São Paulo, visto pelo neo chegante, São

Paulo são, vamos dizer, 50 cidades de

Salvador, uma junta da outra. As pessoas

não moram em São Paulo. Você vive e

trabalha no seu bairro e no seu ambiente

de trabalho, ou no seu ambiente social

que você cria – pode ser futebol, pode

ser… -, ou associações profissionais,

entidades profissionais. Eu nunca tive

uma atividade social intensa, pessoal. Eu

não sou chegado a esse negócio de

movimentos sociais, esse tipo de coisas.

Mas sempre me dediquei a atividades

institucionais. Por exemplo, tinha uma

entidade criada pelos bancos de

investimento, a ANBID, Associação

Brasileira dos Bancos de Investimento e

Desenvolvimento. Eu comecei a atuar na

ANBID.

P. F. – Já nesse início, em que você

chegou?

B. T. – Comecei a atuar na ANBID e aí

você vai criando o seu ambiente. Eu,

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inclusive, fui vice-presidente da ANBID.

Era o Casimiro que era o presidente, que

eu acho que era do Banco Comércio e

Indústria de São Paulo, já não me recordo

direito. Então, a vida em uma cidade

como São Paulo, você tem círculos. Pode

ser no seu bairro, poder ser até nos

oriundi lá de onde você veio, porque

existe isso. Quer dizer, com os imigrantes

que vieram, você sempre mantém

contato, você já conhecia eles lá na sua

origem. E no seu ambiente profissional,

do trabalho. Você aqui não vive nesse

povo de 20 milhões de pessoas não. As

pessoas vivem nos seus círculos. E,

diferentemente da Bahia, mesmo o

convívio de bairro, da classe média em

diante, não tem convívio no lugar onde

você mora. O conceito de vizinho não

existe aqui.

[risos]

B. T. – Não existe. Eu morei durante anos

em casa, depois fui morar em

apartamento. Você nem conhece, nem

sabe. Tem um vizinho lá no prédio, que

eu nunca vi. Às vezes encontrava no

elevador. Quer dizer, é diferente. É

diferente. Provavelmente a vida nos

bairros mais periféricos, você tenha isso,

essa coisa de vizinho.

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