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RoteirodeEdição
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VÍDEO AUDIO Créditos iniciais Realização: FGV - CPDOC Projeto: Trajetória e Pensamento das Elites Empresariais de São Paulo Entrevistado: Boris Tabacof São Paulo, SP, 08 de novembro 2007 Entrevista concedida a Paulo Fontes e Paulo Gala
1º Bloco Legenda: A conjuntura no pós-1964 (primeira parte) 00:02:12 – 00:03:22 (fita 1) Tempo total do bloco: 11’58”
Paulo Fontes – Bem, dr. Boris, vamos
retomar aqui onde a gente mais ou menos
parou. O senhor contava no finalzinho da
primeira parte sobre como, apesar do
governador da Bahia no período do golpe
militar ter sido aliado do presidente João
Goulart, como ele conseguiu escapar às
cassações, escapar daquela primeira leva
de perseguições políticas, e como o
senhor teve um certo papel nessa,
digamos, sobrevivência política do
governador. Então, se o senhor pudesse
retomar a partir daí e contar um pouco
mais essa experiência administrativa do
senhor na Bahia daquele período. O
senhor ficou um longo tempo. Então,
seria interessante o senhor narrar um
pouco esses fatos para a gente.
Boris Tabacof – O governador Lomanto Junior não tinha contra ele maiores acusações.
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00:03:27 - 00:14:16 (fita 1)
B. T. – Não havia acusações de corrupção
contra ele e nem sequer poderia ser dito
que ele politicamente participava do que
era chamado na época de atividades
subversivas. Tanto que ele, com o
problema da filiação dele ao PTB e sua
situação como aliado do presidente
Jango, ele ficou, digamos, em cima do
muro no que se refere às cassações que
estavam acontecendo no país de todos
aqueles que eram considerados elementos
adversários pelo governo militar. O que
aconteceu na época é que a Assembléia
Legislativa do estado, na qual o
governador Lomanto Junior não tinha
maioria, essa Assembléia Legislativa
começou a organizar um movimento que
fizesse com que o Lomanto fosse cassado
e que tivesse como… A sua finalidade
era, acobertados pelos militares, que
tinham dúvidas cruéis a respeito do
Lomanto Júnior, que eles elegessem um
deles para governador. Mas houve uma
intervenção providencial do comandante
do quarto Exército, que era sediado em
Recife, ao qual a região da Bahia estava
submetida, a região militar, a quem o
Lomanto se dirigiu, por telefone e contou
a ele o que estava acontecendo. Numa
madrugada dramática, o general,
comandante do quarto Exército pegou um
pequeno avião da FAB de Recife – dizem
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que caía um temporal -, ele chegou,
desceu em Salvador de madrugada.
Lomanto foi esperá-lo no aeroporto e nós
ficamos aguardando – eu, como assessor
do Lomanto, próximo, amigo - e ficamos
ansiosos aguardando no palácio o retorno
do Lomanto juntamente com o
comandante, o general… Daqui a pouco
lembro o nome dele. Realmente quando o
Lomanto chegou, pela própria fisionomia
dele, a gente viu que as coisas estavam
bem, porque ele estava muito
descontraído, sorridente. General
Justino!Um outro general Justino. E o
general Justino na manhã seguinte, logo
cedo, deu ordens para que todo esse
movimento que os deputados estaduais
faziam, cessasse, e que o Lomanto estaria
com a sua punição assegurada, desde que
ele fizesse reformas no governo – naquela
época ele já defendia isso –, que seria a
constituição do secretariado estadual e
das estatais por pessoas não políticas, que
eram chamadas de profissionais naquela
época, técnicos, aliás, que seriam hoje os
profissionais. E foi aí que eu e mais um
grupo de amigos que estava com o
Lomanto desde a época da campanha
eleitoral, fomos surpreendentemente
guindados a posições chave do governo
da Bahia. Surpreendente essa decisão
para todos nós e para pessoas que
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estavam mais próximas do governo e da
política. E como eu contei, eu comecei
como chefe da Casa Civil. O secretário da
Fazenda durou pouco, foi realmente
vítima de pressões dos políticos que,
embora aparentemente neutralizados
pelos militares, mas que ainda
conseguiram fazer com que a punição do
secretário, do Calmon de Passos, um
jurista muito conhecido e respeitado, que
ele não resistisse e acabasse pedindo
demissão. E, como eu contei, acabei
secretário da Fazenda. Esse período
correspondeu na Bahia ao período das
grandes reformas que aconteceram no
Brasil. Eu vacilo, porque sei que não é
politicamente correto fazer referências
positivas ao que aconteceu naquele
período militar. Os primeiros tempos do
movimento militar, sob a chefia do
presidente Castello Branco, tiveram
características diferentes do que foi
acontecendo ao longo dos anos. O
próprio problema das violências
militares, das torturas, das perseguições,
toda essa história sinistra que acabou
acontecendo ao longo dos anos, isso não
caracterizou os primeiros anos do
movimento militar. Havia um espírito de
reformas, de mudanças. Muito oficiais,
no Exército especialmente, especialmente
os mais jovens tinham idéias de mudar o
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Brasil, de corrigir erros históricos. Na
Bahia esse pequeno grupo de pessoas, do
qual eu fazia parte, sentiu uma
oportunidade. As coisas não eram muito
claras na nossa cabeça de que nós, que
éramos das origens mais diferentes, mas
de modo geral, até alguns descendentes
de imigrantes, que nem eu, e que
sentíamos que a Bahia, tanto na área
econômica, como política e social, era
comandada por velhas oligarquias que
vinham desde o tempo da escravidão, por
incrível que pareça. Eu li um livro muitos
anos depois do Pierre Verger, que acabou
fotógrafo e vivendo no ambiente baiano
afro. Ele tem uma origem acadêmica. O
Pierre Verger publicou um trabalho
profundo, enorme, sério, um trabalho
scholar sobre o tráfico de escravos entre
o Golfo de Guiné e a Bahia. Lá ele relata
como havia uma elite baiana – não era só
da Bahia, mas principalmente da Bahia -,
mesmo com a legislação que proibia o
tráfico... O processo de libertação dos
escravos no Brasil foi um processo que
durou décadas. Uma das primeiras leis foi
a da proibição do tráfico, que, aliás, foi
imposto pelos ingleses. Há muitas
explicações sobre isso, que não vêm ao
caso, mas o fato é que a Marinha
britânica patrulhava o Atlântico sul e
capturava navios negreiros. E ainda assim
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eu encontrei na história que Verger
pesquisou profundamente e escreveu,
nomes de cidadãos [inaudível]
importantes, que faziam parte da elite
baiana e que tinham tido suas fortunas
feitas, ou ampliadas com o tráfico
clandestino. Várias famílias, várias
figuras beneméritas. Se você chegar em
Salvador – não sei se ainda está isso lá
hoje; deve estar -, tem um busto de um
barão, um conde, algo assim, que tinha
sido um grande benemérito da Santa Casa
da Misericórdia. Ele fez a sua fortuna
baseada no tráfico clandestino de
escravos. Bem, então, toda uma história
que vinha secular de privilégios e
preconceitos, de manutenção de um
status quo, que pouco diferia séculos
afora. Uma massa de trabalhadores, de
semi-empregados, ou de pessoas que
viviam marginalmente e que explicava
todo aquele atraso O próprio
analfabetismo, fortemente arraigado.
Ninguém cuidava disso.
Paulo Galla – Só para fazer uma conexão
com o que estava acontecendo no país: a
gente está falando da época da reforma
Campos e Bulhões. Então, tinha aquele
espírito que foi rebater lá na Bahia, não
é?
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B. T. – Exatamente isso que foi a grande
oportunidade, especialmente na área
econômico-financeira, da qual eu fiquei
responsável anos a fio e com muita
delegação, tanto do governador Lomanto
Júnior, como depois do governador Luiz
Viana Filho, em cujo governo estadual eu
continuei. Eu implantei muito firmemente
todas aquelas reformas que ocorreram
naquela época. A verdade histórica terá
que ser estabelecida sem paixões, que
ainda não serenaram até hoje. É
compreensível que todos aqueles
episódios daquele período não sejam
visualizados com objetividade e
predominam, por razões óbvias até, os
aspectos negativos daquele longo período
militar. Mas naqueles primeiros anos,
exatamente com Roberto Campos e
Octávio Bulhões, foram feitas reformas
importantíssimas.
2º Bloco Legenda: A conjuntura no pós-1964 (segunda parte) 00:14:16 - 00:22:14 (fita 1) Tempo total do bloco: 07’58”
B. T. – Hoje se fala muito em reformas.
Eu não quero ser saudosista e dizer que
no meu tempo as coisas foram diferentes,
mas na verdade o último período sério de
reformas que aconteceu no Brasil, foi
naquele período. Essa é a verdade
incontestável. São fatos.
P. F. – O sistema tributário, a própria
receita…
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B. T. – O sistema tributário, o sistema de
débito e crédito fiscal, que foi
implementado naquela época do imposto
sobre circulação de mercadoria, o ICM,
que depois virou sobre mercadorias e
serviços, ICMS, e o próprio imposto de
produtos industrializados, que eram as
principais receitas públicas, eram
cobrados no que se chamaria hoje de
cascata. Quer dizer, eram operações que
iam se sucedendo nas várias etapas do
processo produtivo e de distribuição.
Então, se criou um sistema de débito e
crédito, que prevalecia já no mundo e que
hoje, o estrago que existe no sistema
tributário brasileiro é pelas distorções que
ocorreram ao longo das décadas e que
deturparam o sistema. Até porque o
sistema de débito e crédito fiscal – vou
fazer esse comentário -, ele dificilmente
se adapta a um país com regime de
federação. Ele é um sucesso, por
exemplo, nos países europeus, que são
países unitários, em que o sistema fiscal,
salvo impostos e tributos municipais de
menor importância, ou regionais, são
basicamente iguais no país inteiro. No
Brasil, o que aconteceu é que o problema,
principalmente das alíquotas, que cada
estado podia... Havia algumas regras na
época, mas ao longo do tempo começou a
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existir uma disputa, que acabou se
chamando guerra fiscal. Quer dizer,
procura-se atrair investimentos, os
estados menos desenvolvidos. Isso no
nosso tempo lá na Bahia nós também
fizemos e fizemos rapidamente algumas
adaptações do sistema tributário, que foi
implantado na época, que proibia todos
os tipos de isenção, ou vantagens
tributárias. Mas nós tivemos o sistema
que nós criamos na época, principalmente
na questão da utilização dos créditos.
Quem não pagasse o imposto estadual,
exatamente devido ao sistema de débito e
crédito fiscal, não dava crédito fiscal para
a operação seguinte. Já na época nós
éramos razoavelmente criativos. O
imposto era recolhido, o ICM e mediante
projetos, o dinheiro ficava no banco do
governo do estado e pela apresentação de
projetos de novos investimentos,
especialmente industriais, esses recursos
eram entregues de volta ao contribuinte,
desde que ele se comprometesse a fazer
os investimentos, que gerassem renda,
emprego. Esse é um dos exemplos
importantes da reforma. Já então, quem
foi o ministro da Fazenda seguinte, já foi
o Delfim Netto – já havia a mudança do
presidente, já não era mais o Castello…
P. G. – Foi em 1968, se não me engano.
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B. T. – Em 196…
P. G. – Ou em 1969.
B. T. – 1969. No começo de 1969. Aí
houve... Eu inclusive ajudei a implantar o
ICM no Nordeste.
P. F. – Tem uma foto aqui.
B. T. – Havia reuniões. O presidente era
o Costa e Silva e o ministro da Fazenda
era o Delfim. Aliás, o mundo dá muitas
voltas. [risos] O Delfim agora é
presidente do Conselho Superior de
Economia da FIESP, do qual eu fui o
presidente anterior. Agora eu voltei ao
Conselho Superior de Economia da
FIESP - porque participava do CIESP;
houve uma divisão entre a Federação e o
Centro das Indústrias de São Paulo, que
agora terminou com a atuação do mesmo
presidente. E eu tenho reencontrado meu
amigo Delfim aí há 30 e muitos anos e eu
digo que nós ainda temos alguma coisa a
contribuir, pelo menos em dar opiniões e
palpites, não é? Mas em todo caso,
voltando àqueles tempos, no caso da
Bahia houve não somente a implantação
de novas políticas fiscais, que eram de
origem federal – como adaptamos isso ao
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estado -, mas o verdadeiro problema,
além do sistema mais moderno que foi
adotado, é que não se pagava o imposto,
porque os grandes privilégios,
especialmente para quem estava
associado ao poder estadual e municipal,
é que praticamente não se fazia a
cobrança. Os inspetores estaduais eram
indicações dos deputados. Eu, na
Secretaria da Fazenda, comecei a
implementação não só de políticas, mas
principalmente de mudar… A grande
batalha decisiva foi a mudança dos
inspetores regionais, que eram os
verdadeiros executores da política
tributária.
P. F. – Tem umas charges muito boas
aqui da sua época lá.
B. T. – No meu livro algumas histórias
aí…
P. F. – [inaudível], o Boris Tapacofre…
B. T. – [risos] Foi um período realmente
que eu recordo com muita emoção,
porque eu era bastante jovem na época e
tive uma disposição, que eu não consigo
explicar até hoje. Uma coragem, uma
disposição…
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P. G. - O senhor era jovem? Qual era a
sua idade?
B. T. – Eu tinha 30 nesse período, 30 e
pouquinhos anos. Quando eu fui para São
Paulo, já depois de quase sete anos de
governo, eu tinha exatamente 40 anos.
Então…
P. F. – 33, 34.
B. T. – Eu tinha 33, 34 anos. Eu me
sentia muito apoiado, não só pelos meus
amigos, que estavam também no
governo, como eu sou muito franco em
dizer: eu tinha apoio dos coronéis do
Exército. Eu não tinha contatos formais
com eles não, não recebi instruções, ou
nada semelhante. Mas como eles estavam
acompanhando o sistema de informações
na época… Não era preciso grandes…
P. F. – Espionagens.
B. T. – Espionagens para saber o que
estava acontecendo, porque as coisas
eram públicas.
3º Bloco Legenda: A política no regime militar: atuação, projetos e ideologia (primeira parte) 00:22:14 - 00:31:32 (fita 1) Tempo total do bloco: 09’19”
P. G. - Como foi essa conciliação do
período que você teve problemas com a
ditadura e, depois, em um certo sentido,
passou a fazer parte?
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B. T. – Essa história é inacreditável.
Inacreditável. Quando o movimento
militar foi deflagrado, em 31 de março de
1964, havia o apoio de alguns civis de
extrema direita lá da Bahia, que estavam
já articulados com os militares, que
estavam já se preparando para tomar o
poder e derrubar o Jango. Havia listas de
pessoas suspeitas, subversivas, ou no
mínimo que eram perigosas, e o meu
nome constava nessa lista. Eu estive em
um certo momento, em que eu estava
entre o risco de ser preso e ir para o
governo e me tornar uma das pessoas
mais poderosas da Bahia naquela época.
Então, é uma história meio difícil de
imaginar. São essas coisas que
acontecem, contingências que fizeram
com que eu encontrasse o que eu via
como oportunidade. Eu me imbuí de um
espírito assim… E até coisas do tipo de…
A minha família é uma família de
imigrantes, que vieram da Europa no
contexto de perseguições, guerras e toda
aquela história trágica da Segunda Guerra
Mundial, do holocausto e todos os
acontecimentos que ocorreram na época.
Na Bahia, nesse ponto, pelo menos no
que se refere às questões que deram lugar
a todas as tragédias da época, do racismo,
das perseguições, da discriminação, não
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existiam na Bahia. A Bahia era um
recanto realmente em que as coisas
eram… É claro que havia uma
discriminação não por razões de origem,
ou étnicas, ou religiosas, ou coisas
semelhantes. A discriminação era
exatamente porque a elite que estava no
poder secularmente mantinha a ordem
estritamente e aquela separação, aqueles
grupos dominantes. Mas eu tinha uma
noção – eu nasci em Salvador, mas vivi
com meu pai, com meu avô, que eram
imigrantes -, eu tinha uma noção, talvez
também um pouco de resquício das
minhas passadas idéias, ideologias e
atividades políticas. E de fato houve,
voltando ao fio do que contava, da
experiência administrativa, além das
medidas de ordem de legislação, de
políticas de modo geral, havia uma
questão de tomar conta do poder na área
tributária, que era minha função. Isso
constituiu na derrubada sistemática de
todas as indicações políticas nos postos
chave da Secretaria da Fazenda.
P. G. – Os militares chegaram a entrar de
fato, a ter o poder de fato na região.
B. T. – Exatamente. Então, eles
certamente me viam como um aliado, ou
até um executor dessa política de
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mudanças, de que eles estavam imbuídos.
P. F. - O senhor tinha um certo caráter
mais técnico na cabeça deles, do que
político?
B. T. – É, a política na época estava
inativa. Não havia política. Política entre
aspas, aquele tipo de política partidária…
P. G. – Política virou armas.
B. T. - … levada ao extremo e que
obviamente tinha o seu conteúdo
democrático, de liberdade, de respeito
mínimo às condições de funcionamento
de uma sociedade mais aberta. Mas o
desafio era arrebentar realmente toda
aquela situação, que não era muito visível
em Salvador. Mesmo em Salvador é claro
que isso existia, mas você ia mais para
aquelas regiões do interior,
principalmente aquelas regiões que
tinham mais desenvolvimento, que eram
baseadas na agricultura, pecuária e em
uma industrialização muito incipiente, e
havia aqueles grupos que tomavam conta.
Quem estava do lado do governo nas
disputas entre os vários grupos, estava
protegido de tudo, ficava acima da lei,
inclusive na obrigação de pagar impostos
e de receber fiscalização. Exatamente aí,
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na substituição que eu fiz, eu coloquei
lá… Também uma dessas coincidências,
tinha um amigo meu, de família, que era
funcionário antigo da Secretaria da
Fazenda, da área de fiscalização, o
Augusto Pulgas. Eu era muito amigo
dele, da família dele, a minha mulher
com a irmã dele e eu o coloquei em uma
posição chave, que era quem dirigiria
toda essa área. E nós preparamos
cuidadosamente uma lista de
funcionários, vamos dizer, que mereciam
mais confiança, ou que não estavam
contaminados por aquele clima. Eu
comecei a fazer essa substituição e recebi
ameaça de todo jeito. Não ameaças
pessoais, de ordem qualquer que não
fosse ameaça de que iam me derrubar. Eu
até vou recordar algo do Antonio Carlos
Magalhães, que era meu colega de
ginásio. Tínhamos uma ligação pessoal
grande, que prevaleceu pela vida toda,
embora tivéssemos tomado caminhos
completamente diferentes, tanto
profissionais, como políticos. O Antonio
Carlos Magalhães tinha o controle da
regional do sul da Bahia, da região de
Ilhéus, Itabuna, que era a mais
desenvolvida depois de Salvador.
P. F. – Cacau…
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B. T. – Cacau, que era importante na
economia. Foi aí um dos pontos chave,
cruciais. Quando eu demiti o inspetor,
que era indicação pessoal dele, pessoa da
absoluta confiança dele, e coloquei outro,
que não era contra ele, mas… Ele me
telefonou e disse que ia me tirar da
Secretaria da fazenda.
P. F. - A essa altura ele era o que?
B. T. – Ele era deputado federal. Depois a gente acabou… Ele foi muito hábil e quando viu que era fato consumado, que ele, como deputado federal da UDN, aquela coisa toda, não tinha mais força, ele acabou se voltando e se aproximou inclusive de mim pessoalmente. O Antonio Carlos Magalhães é uma figura incrível. Assim como era temerário não só ser adversário dele, como até ser neutro – não havia essa possibilidade de ser neutro em relação a ele e à posição política predominante dele. Mas ele, além de ser temível como adversário, quando tinha um desejo de envolver, de se tornar simpático, tinha uma capacidade de envolvimento, de agrado incrível. Não foi por acaso, aliás, que ele fez essa carreira toda, que está bastante conhecida.
4º Bloco Legenda: A política no regime militar: atuação, projetos e ideologia (segunda parte) 00:31:32 - 00:41:04 (fita 1) Tempo total do bloco: 10’31”
B. T. – Então, nós desmontamos esse
esquema todo lá. Havia um esquema de
isenções fiscais, que era dado de maneira
arbitrária, a título de estimular a
industrialização, mas de maneira precária,
arbitrária, sem nenhum tipo de
compromisso. O governador baixava
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decretos dando isenção eterna de
pagamento de impostos estaduais. Um
caso típico foi de um moinho de trigo de
um grupo local, que tinha recebido uma
isenção desse tipo. E entre as medidas
que ainda com o Bulhões e o Roberto
Campos foram tomadas, medidas
ditatoriais, por exemplo, é que na época
havia atos considerados como
revolucionários, de poder revolucionário,
que não precisavam de aprovação
legislativa ou judicial. Era a história dos
direitos adquiridos que foram
desconstituídos. Um deles foi um ato
complementar da República Federal que
acabava pura e simplesmente com
qualquer tipo de isenção, ou redução, ou
benefício fiscal que tivesse sido dada até
então. Eu me baseei nisso, fiz uma
portaria estadual aplicando isso. Os
advogados – eu me recordo disso até com
um misto daquela disposição que eu tinha
na época e quando a gente já começa a
ficar mais sossegado, mais conservador -,
eu me lembro que os advogados desse
grupo, desse moinho que tinham perdido
a isenção por um ato meu foram dizer que
era um direito adquirido e que iam entrar
na justiça para revogar o meu ato. Eu
disse: “Não tem justiça, não tem mandato
de segurança e se o seu cliente não iniciar
imediatamente a pagar os impostos, nós
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vamos ter que agir com mais energia.” E
de fato eu mandei cercar o moinho. Eu
recordo isso. Era outro contexto histórico.
Hoje, até como membro das instituições
empresariais, eu talvez fale hoje uma
linguagem diferente, mas na época eu
organizava comandos mistos de fiscais de
renda e da Polícia Militar. [risos] Os
caminhões que entravam e saíam do
moinho eram revistados por esse grupo
de fiscais de renda e militares. Aí os
donos do moinho entenderam que tinham
que pagar e passaram a pagar impostos. A
mesma coisa eu fiz no interior: cercava
boiadas pelas estradas com esse tipo de
ação. Aí, o governador Lomanto Júnior
era daquela região de pecuária da Bahia,
de Jequié, Conquista, daquela região do
sudeste. Ele chamava: “Mas como, você
está perseguindo as pessoas lá?”, “Olha,
perseguição não.” “Você tem que
aprender a ter uma pauta mais favorável,
de valores mais baixos, para eles irem se
acostumando.” E eu realmente me sentia
totalmente desprendido do cargo. Eu
estava sempre preparado para pedir o
chapéu e ir embora. E nisso foram quase
sete anos. E eu disse ao governador:
“Olha, nós estamos conseguindo botar os
funcionários em dia. Quando nós
assumimos lá, estava atrasado uns quatro,
cinco meses. Você quer voltar àquela
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situação anterior?” Aí ele: “Não, mas vai
levando.” Mas me apoiava. No final das
contas, as coisas foram feitas. Do ponto
de vista da economia da Bahia, as coisas
eram muito mais do que só essa ação
fiscal e de recuperação das finanças
públicas, de pagamento de funcionários,
de começar a se gerar recursos para
investimentos, que há muito tempo não
existiam. O que nós implantamos na
época, que está lá até hoje e que se
propagou até por outros estados, foi a
ideologia do crescimento econômico. O
que hoje é óbvio não era óbvio na época.
O Estado, principalmente no nível
estadual, se dedicava a prestar muito mal
os serviços de saúde, educação,
segurança e os investimentos eram
praticamente feitos em estradas, estradas
de rodagens e rodovias. Uma ou outra
obra pública e já começava a haver um
pensamento – isso é importante
historicamente - que era representado por
Celso Furtado, em nível baiano o
Rômulo… Daqui a pouco lembro o nome
completo dele…
P. F. – A própria criação da Sudene.
B. T. – E tanto que nós criamos o
Secretariado de Desenvolvimento
Econômico, de planejamento econômico.
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Era o Estado comandando o crescimento,
intervindo diretamente. Isso que depois,
historicamente, pelo menos até
especialmente o governo Fernando
Henrique Cardoso, em que predominou o
chamado consenso de Washington,
impropriamente chamado, porque não foi
só isso. Foi muito mais.
P. G. – Virou palavrão o Estado.
B. T. – O Estado virou palavrão. Não
precisa do Estado, o Estado atrapalha. É
possível até que, como em todos os
ciclos, que tivesse havido excessos, que
as estatais passassem a ser até um
instrumento retrógrado de desperdícios,
de toda uma gama de atividades que
deixaram de ser exercidas, porque eram
exercidas por estatais. Eu estou me
referindo a outro tempo, historicamente.
Foi quando o processo retomou. O
processo de crescimento da economia
brasileira foi do Estado. Desde a década
de 40, 50, todos os grandes
empreendimentos do país, que foram a
base, o fundamento do desenvolvimento
da economia, foram promovidos pelo
Estado.
P. F. - Então, dr. Boris, o senhor diria que
o regime militar, do ponto de vista
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econômico, deu continuidade ao
programa do Getúlio de
desenvolvimento?
B. T. – Ah, certamente!
P. F. – Apesar dele, do ponto de vista
político, criticar esses políticos
[inaudível]?
B. T. – Certamente. E era uma
contradição dentro do governo da
República, porque o Roberto Campos e o
Bulhões tinham um pensamento liberal.
O Roberto Campos promoveu uma série
de movimentos para minar o poder das
estatais. Mas, ao mesmo tempo, com
medidas como, por exemplo, a reforma
do sistema financeiro.
P. F. – Que fortaleceu o Estado.
B. T. - Nessa época foi criado o Banco Central. Foi isso que levou a que eu, depois, viesse para São Paulo e assumisse a direção do Banco Safra nos primeiros tempos da sua implementação, baseada exatamente na reforma do sistema bancário. Mas prevaleceu naquele período na Bahia e no Nordeste uma visão… Nós nem admitimos discussões ideológicas sobre o tamanho do Estado, sobre a intervenção do Estado.
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00:00:09 - 00:01:09 (fita 2)
P. F. – É curioso pensar que foram os
militares que levaram…
B. T. – Olha, nosso pequeno núcleo lá na
Bahia, apoiando e aproveitando
inclusive… Porque havia uma certa
dialética. Os militares estavam apoiando,
nos apoiavam, porque nós exatamente
estávamos fazendo ruir aquele poder
tradicional, oligárquico e nós também
estávamos aproveitando o apoio dos
militares e até as condições não
democráticas do uso do poder Executivo,
sem maiores dependências de leis, do
Legislativo e até do Judiciário…
P. F. – Poucos constrangimentos.
B. T. – E, olha, eu posso dar o meu
testemunho. Eu - e nosso pequeno núcleo
-, eu achava isso totalmente natural.
5º Bloco Legenda: A Bahia em perspectiva histórica: projetos implementados e problemas atuais (primeira parte) 00:01:09 - 00:12:58 (fita 2) Tempo total do bloco: 11’49”
B. T. – Eu não tinha nem dúvida de que
havia uma predestinação nossa de fazer
com que a Bahia tomasse um novo ciclo.
E a Bahia era um distante segundo lugar
em relação à Pernambuco. A Bahia que
tinha sido capital do Brasil até o século
XVIII parou e se transformou num dos
lugares mais atrasados do Nordeste.
Pernambuco, devido a uma série de
razões, inclusive geográficas, passou a
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ser o centro do Nordeste, principalmente
nas entradas comercias, num certo início
do processo de industrialização. Nós,
então, desenvolvemos uma política,
porque o fator nacional que era favorável
a nós na época era a dupla Sudene e
Banco do Nordeste, que foram as
instituições estatais federais que
realmente contemplavam a realidade da
distância do Nordeste para o resto do
Brasil e que davam recursos especiais
para investimentos na região. Foi a
grande brecha nas qual nós entramos
fortemente, direcionar recursos para a
Bahia. Inclusive, politicamente, fomos
nós que inauguramos isso. E depois,
Antonio Carlos Magalhães… Muita gente
pensa que foi ele que começou isso. Ele
veio logo depois, mas nós é que
permitimos que ele ingressasse no nosso
sistema, quando Antonio Carlos percebeu
que ser deputado não era muito
importante. Ele lutou e conseguiu ser
nomeado prefeito de Salvador em um
acordo político com o presidente da
época, ainda no Lomanto Júnior.
P. F. – Quando o senhor se refere a esse
nosso pequeno grupo, acho que seria
interessante registrar esses nomes.
B. T. – Olha, os nomes principais aí na
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25
época, na área econômica, eu tinha, já no
governo seguinte, do Luis Vianna Filho,
eu cito Victor Gradin, que foi, ainda é até
hoje do grupo Odebrecht, o Herbert
Santos, que era de uma família
tradicional, casado com uma pessoa de
uma família tradicional baiana, o Alaor
Coutinho, que era da área de educação e
saúde. E havia também uma geração
nova, porque foi nessa época mais ou
menos, ou um pouquinho antes, que foi,
por exemplo, fundada a Escola de
Administração da Universidade Federal
da Bahia. E a área de ciências
econômicas passou a ter um conteúdo,
porque até então, o graduado, diplomado
em economia ia ser contador. Havia um
núcleo que foi criado, já existia e que
depois tomou forma já no governo
Lomanto, que era o CPE, Comissão de
Planejamento Econômico, e havia um
grupo de jovens economistas e
engenheiros, predominantemente
engenheiros. Eu, como sou engenheiro
civil, eu costumo dizer que, tirando os
médicos e advogados, o resto eram os
engenheiros que faziam, principalmente
engenheiros civis. Depois é que houve
outras profissões como economia,
administração e tudo mais que se
desenvolveu, de profissionais de
administração, uma série de atividades
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26
ligadas à economia e à gestão. Mas então,
essa ideologia…
P. F. – Mas só antes do senhor
prosseguir, ainda nessa coisa dos nomes,
vocês tinham conexões com outras
secretarias, com outros espaços do
Nordeste, nacionalmente? Como era
essa…? Por exemplo, a articulação do
senhor com o Roberto Campos, com o
governo Federal, em que espaço isso se
dava?
B. T. – Era Roberto Campos e depois
Delfim Netto.
P. F. – Sim, mas vocês iam a Brasília,
tinham reuniões?
B. T. – Não, tinha o que foi estruturado
para poder implantar as várias reformas,
tanto a reforma administrativa, como a
reforma do sistema financeiro e tudo que
foi criado na época - o BNH, Sistema
Nacional de Habitação, que foi criado
para isso, o FGTS, que é o Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço, que foi
considerado algo que foi muito criticado
até onde era possível criticar pelos
sindicalistas, porque isso acabou com os
dez anos de estabilidade. Isso foi feito
com o Roberto Campos e o Bulhões.
RoteirodeEdição
27
Quer dizer, acabou o sistema de
estabilidade e as empresas começaram a
depositar o recurso chamado Fundo de
Garantia, que eram destinados
basicamente para a habitação. Aí foi
fundado o Banco Nacional de Habitação.
Em suma, o que a gente fazia era
identificar onde havia recursos e nós
íamos de modo concreto com projetos,
idéias e propostas de encaminhamento
desses recursos para a Bahia. E aí, do
ponto de vista do que você falou, tanto
com o Roberto Campos, como com o
Delfim, o que eu fiz na época foi… Eu
tinha uma aproximação pessoal muito
grande com eles e para a implantação da
reforma, no caso especialmente do ICM,
os estados do Nordeste, principalmente os
menores estados e mesmo da região
amazônica, eram muito atrasados. Eles
não tinham nem pessoas que captassem o
que era essa reforma. Achavam que era o
antigo imposto de vendas de
consignações, o velho imposto que
cobravam, o imposto estadual em cascata,
que mudou de nome para ICM, imposto
sobre circulação de mercadoria, quando,
na verdade, mudou radicalmente, porque
criou o sistema de débito e crédito. Quer
dizer, cada operação que pagava o
imposto estadual recebia o crédito do
imposto que tinha sido pago nas
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28
operações anteriores. Mudava tudo.
Então, havia as reuniões de… Apesar do
governo federal ser em princípio e era na
prática todo-poderoso… Mas tinha
implicações políticas. Tinha que haver
uma indução…
P. F. – Tinha que haver alguém que
aplicasse isso nos estados.
B. T. – E que tivesse uma certa
motivação. As coisas não podiam ser
feitas, como se pensa, que era somente
com ordens. Não era nem em Brasília,
porque Brasília no começo era só um
nome, porque tudo funcionava no Rio de
Janeiro. No velho edifício lá do
Ministério da Fazenda, lá onde eu era
freqüentador habitual, é que ficava o
centro do poder do país. Aos poucos
obviamente foi migrando para Brasília.
Mas, então, havia reuniões de secretários
da Fazenda, que depois deram origem ao
chamado Confaz, que é o conselho de
secretários de Fazenda, que virou algo
institucionalizado. Tem uma série de
coisas no nível estadual que só podem ser
aprovadas se eles passarem pelo Confaz.
Mas o embrião disso, que não era formal
na época - acabou virando, se
formalizando - eram as reuniões do
secretário de Fazenda. Havia reuniões
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29
regionais, reuniões de secretários da
Fazenda do Norte e do Nordeste, que
funcionavam juntos, e havia a reunião
nacional de todos os secretários, de todos
os estados. Na época o Brasil tinha 21
estados. Hoje tem 27. Eram 20 estados e
o Distrito Federal. Hoje, por enquanto,
tem 27: 26 e mais o Distrito Federal.
Então, eu liderava 12 estados para aplicar
as coisas do governo federal. Eu tinha um
pouco mais, não muito, mas um pouco
mais de experiência e de traquejo,
inclusive cultural, intelectual, pelas
minhas inclinações antigas e tal. Eu
realmente tive uma influência muito forte
sobre os outros estados do Nordeste.
Apesar de disputar um pouco com
Pernambuco, nós rapidamente passamos
Pernambuco, já no governo Luiz Viana
Filho. Em 1968, 1969, por aí nós
conseguimos já passar Pernambuco em
termos de arrecadação, de
desenvolvimento industrial e eu não
permitia até nenhuma rivalidade maior.
Eu era amigo pessoal do pessoal dos
outros estados, inclusive de Pernambuco
e dos três estados do Nordeste… Porque
eu conseguia muita coisa que era
favorável aos estados mais pobres. Isso,
no bojo da própria reforma tributária, já
veio isso. Quando foi feita a partilha do
bolo tributário, das competências entre os
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30
vários níveis da República, o governo
federal ficou com o grosso dos recursos,
que na época eram o Imposto de Renda e
o Imposto de Produtos Industrializados.
Não havia essa parafernália de
contribuições, PIS, Cofins e CPMF. Tudo
isso passou a se chamar contribuição,
justamente para não partilhar com os
estados, porque a Constituição dizia…
P. G. – E agora explodiu nesses últimos
anos.
B. T. – Pois é. A própria lei que criou o
ICM… Quando foi feita a conta –
voltando ao que eu estava dizendo -, o
governo federal ficou com os impostos
mais rentáveis do país. Os estados
ficaram com o imposto estadual sobre a
circulação de mercadorias, que sucedeu o
antigo imposto de vendas e consignações.
E os governos municipais, as prefeituras
ficaram a míngua quase, porque ficaram
com o imposto predial, territorial urbano,
algumas licenças, imposto sobre serviço,
que na época era irrisório.
P. F. – Era uma lógica da pobreza, porque
quanto mais pobre [inaudível]…
B. T. – Mas aí é que entrou a nossa ação.
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6º Bloco Legenda: A Bahia em perspectiva histórica: projetos implementados e problemas atuais (segunda parte) 00:12:58 - 00:24:06 (fita 2) Tempo total do bloco: 11’07”
B. T. – Na hora que a gente começou a
fazer a conta – eu participei da própria
elaboração da reforma tributária -, nós
fizemos a conta e: “Bom, mas espera aí,
não vai ficar nada, pouco para os estados
e quase nada para os municípios.” Aí veio
o Estado brasileiro e foi o começo da
deturpação que acabou no que está aí. Se
criou o fundo de participação dos estados
e municípios na arrecadação dos
impostos federais. Acho que era 20% e
depois virou 25%. Já não me recordo com
precisão. Então, do bolo arrecadado dos
impostos federais, que eram basicamente
o Imposto de Renda e o Imposto sobre
Produtos Industrializados, se tirava uma
fatia de 20% e se distribuía isso para os
estados do Nordeste e da região
amazônica. Aí nós fizemos uma série –
isso foi uma discussão, não fui eu só – e
na hora de dividir o bolo, como é que faz
com esses 20%? Então, nós criamos um
sistema, em que um dos principais
critérios era que seria inversamente
proporcional à renda per capita. Quer
dizer, os estados mais pobres… Tinha
todos os critérios outros, inclusive de
população e tudo o mais, mas um dos
critérios da distribuição do bolo é que,
quanto mais pobre, mais tinha
participação. E realmente esse dinheiro
mudava tudo na vida dos pequenos
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estados do Nordeste e da Amazônia. E eu
vivia batalhando isso aí. É claro que
sempre tinha benefício para a Bahia. Isso
me deu uma condição realmente… Mas
era negociado, primeiro com o Roberto
Campos e depois com o Delfim, em que
de fato… Por mais onipotente que fosse o
governo central, tinha que convencer os
secretários, tinha que convencer os
governadores.
P. G. – Eles eram os agentes…
B. T. – Que eram os agentes. Não era só
porque tinha ordem. Tinha que ter uma
colaboração ativa, propositiva.
P. F. – Isso dava margem para
negociação.
B. T. – Dava. Inclusive – agora digo eu,
historicamente, jogo o fato -, devido a
essa minha proximidade… E depois, o
sistema lá na Bahia foi se ampliando, já
havia o Antonio Carlos Magalhães. Aliás,
quando o Antonio Carlos Magalhães foi
nomeado [inaudível] época, foi quando
eu realmente vim embora para São Paulo.
Mas foi mera coincidência. Esse sistema,
como eu disse: “A gente tem que ficar
localizando onde é que tem dinheiro.”
Então, eu estou exemplificando: tinha o
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33
dinheiro federal, do fundo de participação
dos estados e municípios, tinha o dinheiro
do Banco do Nordeste, tinha o dinheiro
da Sudene. A Bahia rapidamente recebia
mais da metade dos recursos de
investimento da Sudene. E de recursos do
Banco do Nordeste eu não me lembro
bem da porcentagem. Havia o FGTS, que
era o BNH, e uma série de projetos
nacionais. E, além disso, havia o apoio
político sistemático. Aquilo que o
Antonio Carlos Magalhães fez e que foi
quase que caricaturado como há governo,
sou a favor, em que ele sistematicamente
apoiava o presidente da República.
Sistematicamente. Mas isso nós é que
inventamos. Tem que apoiar o governo
federal, seja lá quem for. Mas nós vamos
ter que negociar sempre. Tanto que se
você chegar na Bahia, hoje ela tem um
motor próprio, mas o que tinha de
estradas de rodagem, de eletrificação, de
investimentos dos mais diferentes, de
projetos de agricultura, de
industrialização, depois o pólo
petroquímico de Camaçari, que começou
no governo Luiz Viana Filho e depois foi
com o Geisel que ele tomou proporções.
Mas antes disso nós já tínhamos feito o
centro industrial de Aratu, que era o
modelo que eu tiinha visto em outros
países, inclusive na própria Itália. Lá é o
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34
contrário: o norte é rico e o sul é pobre.
Então, havia sistema de incentivos aos
setores pobres. Foi daí que nasceu uma
série de projetos. E condições benéficas,
por exemplo: política de cacau. Na época
a Bahia quase que dependia disso.
Hoje… Uma das minhas idéias fixas era a
Bahia deixar de ser dependente do cacau.
80% da economia da Bahia e da
arrecadação do estado era do cacau.
P. G. – Não dá para se desenvolver.
B. T. – Não dava. Eu disse: “Nós vamos
inverter.” Era uma coisa assim de muita
imaginação também. “Nós vamos
inverter. Vai ser 20% de cacau e 80 das
outras coisas.” Agora não chega nem a
10. O cacau foi despencando. Bom, mas
em todo caso, foi um momento realmente
que marcou e que prevalece até hoje. Eu
costumo dizer, comparando governos
como de São Paulo e de outros estados, e
às vezes governos federais,
principalmente na época especialmente
do Fernando Henrique Cardoso, do
liberalismo econômico, redução, de
quanto menos governo, melhor, a retirada
do estado das atividades…
P. F. – A onda neoliberal.
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35
B. T. – Neoliberal. Esse processo todo já
fez com que a gente dissesse o seguinte:
“Venha…” Eu vinha muito a São Paulo,
fiquei amigo do secretário da Fazenda de
São Paulo, de vários, principalmente do
Arruda Batista, ia com ele visitar jornais,
fazia palestras para empresários e eu
dizia: “Venha para a Bahia, porque a
Bahia gosta de empresário, a Bahia gosta
de industriais.” Pode parecer óbvio, mas
aqui em São Paulo às vezes eu duvido
que o governo de São Paulo gosta de
empresários, de industriais. Foi todo um
clima que até hoje continua. Eu vi o
governador da Bahia agora… Foi eleito
um governador do PT…
P. F. – Jaques Wagner.
B. T. – O Jaques Wagner, que era líder
sindical daquela época de Camaçari. O
fervor da industrialização da Bahia
continua muito vivo. Essa semana agora
mesmo a Bahia desembarcou lá na Fiesp,
ficou lá dois dias, três dias, o governador
e [inaudível]. Quer dizer, há uma idéia
fixa do crescimento da economia. Agora,
fazendo um retrospecto, décadas depois,
tudo isso ainda é pouco. Já agora fazendo
um pouco de digressão e trazendo para o
nosso tempo, porque os índices do IDH
da Bahia ainda são muito baixos.
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Comparativamente com outros estados do
Nordeste, melhora, mas a questão da
estratificação social – vou fazer essa
digressão agora – não tem a ver somente
com a concentração de renda, porque boa
parte dos investimentos industriais da
Bahia, essa parte principal nem é de
empresários baianos, de capitais baianos.
Fica lá o imposto que sofreu muita
redução, a mão de obra. O nível social em
geral melhorou, mas existe agora uma
diferença regional – isso é uma digressão
que eu estou fazendo; eu não vi nada
ainda dos nossos estudiosos sociais e
econômicos, que não se debruçam muito
sobre a realidade, ficam trabalhando com
idéias preconcebidas -, existe, por
exemplo, hoje dentro da Bahia uma
diferença regional enorme. O que era
antes Brasil, ou sul do Brasil, Nordeste,
Bahia, hoje é dentro da Bahia. Existe uma
faixa litorânea, ou a faixa do recôncavo,
que tem um nível de renda e social
bastante elevado, na média, embora ainda
tenha muita pobreza, muita concentração
de pessoas que têm condições de
habitação e de vida muito precárias.
Agora, o que faz com que os níveis
médios de um estado como a Bahia sejam
tão precários até hoje é que existem
regiões do interior, que, por mais que se
tenha feito algum esforço de
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desenvolvimento nas regiões rurais, são
regiões muito secas. Então, nós temos
uma realidade aí. Então, existe uma faixa
que se criou… Porque o oeste da Bahia
tomou um impulso enorme. Nos últimos
anos, principalmente com a agricultura –
são regiões muito planas - com a
agricultura moderna, especialmente soja e
algodão…
P. G. – É a questão do cerrado.
B. T. – É, do cerrado. São muito planas.
Terras muito baratas e aquela região
rapidamente se desenvolveu. E tem a
faixa litorânea e não passa de Feira de
Santana, por exemplo, que fica a cerca de
100 km de Salvador. Aí entra aquela
região do sertão, que precisaria realmente
de uma série de projetos, que a maioria
deles não tem dado resultado, por várias
razões, ou porque foram mal concebidos,
ou porque foram esquecidos, ou
deturpados. Mas o fato é que ainda tem
muito caminho, muito chão. Quando eu
falo do período em que fizemos essas
reformas, apoiamos as reformas nacionais
e trabalhamos para reformular as
condições da Bahia, eu não quero me
deixar levar por um entusiasmo
excessivo, porque, na verdade, o grosso
ainda das condições sociais e econômicas
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ainda está muito baixo. Por uma série de
razões aí e muitas delas continuam
imperando até hoje.
7º Bloco Legenda: Um balanço sobre atividades empresariais (privadas) e políticas (públicas) 00:24:06 - 00:37:58 (fita 1) Tempo total do bloco: 13’53”
P. F. – Dr. Boris, antes de a gente ir para
São Paulo, eu queria fazer uma pergunta
mais de caráter pessoal, porque o senhor
estava insistindo na idéia, quer dizer, no
fato de que o senhor era uma pessoa
muito jovem, apesar de ter uma
experiência política grande, uma
trajetória já desde muito jovem na
política. Mas o senhor foi ser secretário
de Fazenda da Bahia, um estado
importante, ainda mais nessa
circunstância geral do Nordeste todo, na
faixa aí dos 30 anos. E pelo que o senhor
contou para a gente na primeira
entrevista, o senhor de fato tinha uma
experiência empresarial, mas muito
localizada, ainda ali no nível do ramo da
imobiliária, se eu me lembro bem,
alguma coisa com o pai do senhor. Como
foi em termos de aprendizado? Como é
que o senhor aprendeu? Em que isso
implicou um pouco pessoalmente para o
senhor?
B. T. – Olha, eu vou lhe dizer algo talvez
surpreendente. Esse negócio de
experiência empresarial e que isso pode
ser utilizado pelo estado é um mito. A
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atividade de governo não se confunde
com a atividade empresarial. Eu posso
dizer que o que leva um pouco de
superposição, ou até de confusão, que a
tradição mudou, mas não
suficientemente, é de que o setor público
e o setor privado eram regidos, ou são
regidos por regras completamente
diferentes e até opostas. Era isso o que
era o velho tempo. Veio desde a colônia,
desde a coroa portuguesa. O Estado
brasileiro se formou a partir do Estado
português, que não só já era um dos
países mais retrógrados da Europa, com
raízes feudais ainda muito fortes,
medievais, como também teve uma visão
espoliativa do Brasil colônia, em que os
portugueses vinham aqui para retirar o
que pudessem e voltar para Portugal e
levar uma vida boa, acumular fortunas
primeiro para o rei, para a coroa e depois
para eles próprios. Diferente de – não
quero fazer comparações e sair do tema -,
por exemplo, como foi a colonização e
imigração dos Estados Unidos, que teve
um caráter completamente diferente. O
fato é que se criou uma visão
patrimonialista do Estado, em que você
tinha que ter o poder. Não havia muita
diferença entre poder econômico e poder
político, mas o que havia é que o poder
político é que predominava sobre a forma
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de funcionamento do Estado. O Estado
era um provedor de serviços, sem
maiores obrigações, a não ser para com
aquela camada mais distinguida da
população. Havia um conformismo muito
grande da massa enorme de cidadãos sem
qualquer tipo de privilégio – privilégio
não é a palavra; sem qualquer tipo de
direitos. O que é importante - e isso foi o
que me motivou - não é a experiência
empresarial. A experiência empresarial e
a experiência estatal, o que elas têm em
comum é planejamento, eficiência,
eficácia, profissionalização, adoção de
métodos gerenciais adequados, controles,
promoção, utilização de pessoas, que é
fundamental - e a vida da empresa
privada é identificar e preparar
constantemente pessoas que possam
trabalhar para que a empresa otimize seus
recursos -, o planejamento concentrando
recursos, políticas de prioridades. Em
suma, uma série de questões mais de
métodos, do que de conteúdos. Esses
métodos eram incipientes no Brasil.
P. G. – E as diferenças?
B. T. – Isso significa o seguinte… Deixa
eu ver se eu consigo explicar melhor. A
empresa capitalista, que sem dúvida até
hoje não se inventou nada mais eficaz,
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por maiores que sejam as dúvidas ou
questões colocadas. Não se inventou até
hoje nada mais eficiente, mais eficaz em
termos de produzir riquezas, produzir
empregos, produzir bens e serviços, se
baseia nos objetivos de otimização dos
recursos disponíveis: capital, tecnologia,
recursos naturais, acesso a matérias-
primas, às estruturas de serviços e assim
por diante. A mesma coisa se aplica ao
Estado. Quer dizer, então, uma empresa,
para ela crescer e para ser competitiva,
ela tem que adotar métodos de gestão
baseados nesses princípios, que não são
adotados num país como o Brasil. Hoje já
é diferente, bastante diferente, mas não
suficientemente diferente. Nós vemos aí
como se faz orçamento, como se faz a
alocação da receita no país: desperdícios
enormes, a falta de eficácia, nenhum tipo
de avaliação de pessoas em função de
resultados, ou de competências. Então, a
falta de experiência empresarial não era
só na Bahia, nem em mim. Havia uma
questão que você, por exemplo… O que
eu avalio hoje, a distância daquela época
de hoje é a questão da formação cultural,
mas não é a cultura livresca, não é cultura
para fazer citações em francês, como era
comum na época. Hoje é em inglês, não
é? Uma visão da história, por exemplo,
uma visão de como a sociedade funciona,
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da crítica social, uma bagagem cultural
que caracteriza as elites pensantes e
dirigentes nos países desenvolvidos.
Coisa que não tem no Brasil. O brasileiro
se orgulha de ser ignorante. Os meus
colegas e amigos empresários, eles vêem
um livro e saem. Finge que lê livros de
economia e administração. Aliás, quando
lê, é lixo puro quase sempre, não é? E
não lê mesmo. Eu digo o seguinte: no
meu caso pessoal me valeu um profundo
interesse cultural que eu sempre tive, de
me informar, de me atualizar, de ler. Não
só ler literatura, ficção, coisas desse tipo,
mas estar informado. Eu, por exemplo -
um pequeno detalhe, aparentemente sem
importância -, eu desde que me entendo
era leitor da revista Times. Na Bahia
vendia em uma única banca.
P. G. – O único leitor era o senhor, na
Bahia inteira?
[risos]
B. T. – Acho que tinha uns cinco ou seis.
P. G. - Tinha o consulado lá…
B. T. – Então, esse meu afã de me
informar, de saber das coisas, de me
manter atualizado me ajudou.
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P. F. – Te diferenciando.
B. T. – Faz diferença. E muita. E mais
um conteúdo de vivência, de experiência,
de realismo, porque tem muito a ver com
bom senso. Depois você pega as coisas
usuais, triviais, baseadas no bom senso e
põe rótulos em cima. Hoje isso é muito
comum, tem muita gente que vive disso,
de dar cursos, escrever livros, inventar
nomes de rótulos e tal. Agora, dizer que
era a forma mais eficaz a que a gente
adotava? Não era. Não era. Mas havia um
conteúdo comparativo – isso é que era
importante, sempre foi e é ainda -, em
termos relativos, a minha atuação, ou a
atuação da Bahia era melhor do que a dos
outros. Eu não quero faltar com a
modéstia, mas o plus, o algo mais, o
diferencial era aí. E aí é que entra o
acesso, por exemplo, que nós demos na
Bahia a pessoas com nomes estrangeiros.
Parece até um detalhe, mas alguém tinha
me dito isso na época: “A Bahia não é
uma terra de imigração, como São Paulo,
Santa Catarina, ou Rio Grande do Sul.”
Estagnada secularmente com aquela
mesma estrutura sócio-econômica, de
origem, étnica e assim por diante. A
pouca imigração, por exemplo, que
havia… O Victor Gradin é filho de
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imigrantes espanhóis. A única imigração
importante que tinha na Bahia era de
espanhóis. Aliás, galegos. É espanhol,
mas é um espanhol meio…
P. F. – Português.
B. T. - Em suma, essas questões… E eu vou dizer: as pessoas que vieram do movimento estudantil e do movimento político de esquerda tinham um viés de dar importância à formação cultural, à formação intelectual. Você lia, se mantinha informado, valorizava a cultura, embora deformada ideologicamente. Mas, se sabia que existia. Por incrível que pareça, saber que uma sociedade não sabe, ou sabe pouco, é o começo das coisas, ou das pessoas. Quer dizer, o sujeito que não sabe nem que existe esse vasto mundo do conhecimento, da cultura… Esse é que é o nosso desafio hoje, inclusive, porque a gente vai ficando para trás, apesar de nunca neste país ter havido tanta coisa boa, mas a verdade é que o diferencial nosso esta aí realmente. E isso é fruto de todo um processo complexo, histórico, que tem a ver com a formação desde o ginásio, da escola primária, do ginásio, as exigências determinantes e assim por diante. E só para acabar de responder a sua pergunta, a fonte de profissionalização do setor privado no Brasil foi o setor governamental. O grosso dos executivos, a começar do setor financeiro, que já então começou a se modernizar, com a reforma do sistema financeiro realizada ainda pelas leis de Bulhões e de Roberto Campos, era muito comum. A escola formativa de profissionais que vinham para as empresas, especialmente no começo do sistema financeiro e, depois, no sistema industrial, era de origem pública. Por exemplo, na área industrial,
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o Ministério do Planejamento, na área federal, por exemplo, o Ministério do Planejamento, junto com o Ministério da Fazenda, eram a grande escola de formação de executivos. O pessoal saía do governo e ia… Essa moda, aliás, continua, mas com características bastante diferentes hoje, porque hoje é muito especializado, não é? Tem que sair do Banco Central, ir para o banco privado e vice e versa e tal. Na época era bem mais amplo o conceito. E não era para fazer lobby. É claro que sempre que vinha alguém com uma posição importante na área pública, vinha para a área privada e isso não era inútil. Mas, era basicamente porque eram pessoas que tinham experiência de gestão e de tomar conta de coisas de que não eram donas, que é a diferença de profissional para empresa antiga, de gestão puramente familiar.
8º Bloco Legenda: A passagem para a carreira de executivo 00:00:22 - 00:02:39 (fita 3) Tempo total do bloco: 10’25”
B. T. - O senhor teve essa experiência de
sete anos no serviço público na Bahia,
experiência bem sucedida. Como foi essa
passagem para o mundo privado?
P. G. – A volta.
P. F. - O que aconteceu para o senhor,
como tantos conterrâneos seus, imigrar
para São Paulo?
B. T. – Eu devo dizer que eu nunca me
senti como sendo uma pessoa da área
pública permanentemente. Eu não sei, por
várias razões, pessoais, psicológicas, eu
não enxergava na atividade pública, que
necessariamente acaba virando uma
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atividade política, porque, mais cedo ou
mais tarde, quem está na área, mesmo
que venha por razões profissionais
exercer funções mais executivas, mais
cedo ou mais tarde ele tem que migrar
para a política propriamente dita. É
verdade, a participação na mesa pública
será sempre, por definição, passageira. A
não ser que entre para o serviço público
para fazer a chamada carreira de Estado,
que não era a minha idéia. E
principalmente com a família numerosa –
tenho cinco filhos – achava sempre que
não só eu ainda tinha um longo espaço
pela frente, como também para formar a
família, eu tinha muito mais
oportunidades. A primeira idéia era ir
para o Rio de Janeiro e acabei vindo para
São Paulo, também por essas
circunstâncias aparentemente casuais,
difíceis de explicar puramente por ordem
racional. Tanto que eu mantive uma
ligação pessoal muito grande com o
pessoal do Roberto Campos. O Roberto
Campos, com o pessoal dele, migrou
[inaudível] para o setor privado – aliás, o
Roberto Campos foi mal-sucedido como
empresário.
00:03:01 - 00:11:09 (fita 3)
B. T. – O Roberto Campos, como
conhecia profundamente a legislação do
sistema financeiro, viu a oportunidade
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dos bancos de investimento da época, que
eram também diferentes dos bancos
comerciais, os velhos bancões
comerciais. Mas ele não conseguiu ser
bem sucedido no empreendimento que
tomou a frente no sistema financeiro.
Mas eu mantinha uma ligação pessoal,
mesmo depois que ele já tinha deixado o
governo, com ele e o pessoal dele. Eu já
contemplava a idéia de sair da Bahia. Até
porque, como eu não ia fazer carreira
política, não queria fazer carreira política,
então, havia mais razões para eu não ficar
lá, porque a política se caracteriza…
Tirando São Paulo… Vocês de São Paulo
talvez não tenham nem muita noção disso
-, o único lugar do Brasil que você pode
levar uma vida a partir de um certo nível
de sucesso, qualquer que seja a sua
atividade, em que você se mantém fora
diretamente da política partidária, é São
Paulo.
P. F. – É curioso isso. A vida pessoal é só
aqui que você pode levar…
B. T. – É curioso. Mas fora disso, você
não pode imaginar viver em Minas
Gerais, na Bahia, ou no Rio Grande do
Sul e que você fique fora da política. De
uma forma, ou de outra, você vai ser
arrastado para isso. Ainda mais com as
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características que se formaram na Bahia
com essa polaridade do Antonio Carlos
Magalhães, que formou um grupo que
durou quase 30 anos. Então, eu já vinha
há bastante tempo… E quando o Luiz
Viana Filho assumiu o governo,
sucedendo o Lomanto Junior, eu já
ensaiei não ficar. O Luiz Viana foi que
me convenceu e tal e no fim eu acabei
ficando mais de três anos. Novamente
três anos, já no governo Luiz Viana
Filho. Quando faltavam seis, sete meses,
quando foi escolhido já o sucessor do
Luiz Viana, que seria o Antonio Carlos,
eu já estava realmente cansado,
desgastado, eu avisei para uma das
pessoas muito ligadas ao Roberto
Campos, especialmente na área
empresarial, o Ademar de Souza, que já
faleceu há muitos anos. Eu avisei para o
Ademar que eu finalmente ia deixar o
governo. Insistiu muito, o Luiz Viana
queria que eu ainda ficasse: “Fica mais
um pouco.” Nisso ele ficou me levando
por algum tempo, mas a minha decisão
era definitiva.
P. F. – O fato de ser Antonio Carlos o
sucessor pesou de alguma forma?
B. T. – Olha, de certo modo pesou,
porque eu, como conhecia bastante o
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49
Antonio Carlos, eu disse: “Olha, eu não
vou conseguir ficar livre dessas injunções
políticas contra, a favor.” E a minha idéia
que eu já tinha de iniciar a vida nova fora
da Bahia, eu já vinha cultivando há
tempos. E quando eu saí da Bahia, eu não
imaginei ser executivo em São Paulo. Eu
imaginei criar uma atividade empresarial.
Inicialmente eu pensei no Rio de Janeiro
e depois em São Paulo. Eu também
comecei a minha atividade como
executivo, como dirigente profissional de
empresa também como passagem, como
transição para retomar a minha atividade.
Tanto que nos primeiros anos aqui em
São Paulo, eu até tinha investimentos na
área de construção, porque eu tinha um
amigo meu lá da Bahia que tinha uma
pequena construtora. A minha idéia era
justamente de cuidar do meu patrimônio
lá da Bahia, me familiarizar em São
Paulo com os ambientes empresariais de
negócios. Mas, acontece que eu fui muito
bem sucedido na atividade profissional e
fui adiando sempre, até que desisti da
idéia de me dedicar como empresário
pessoalmente.
P. G. – Quando o senhor saiu de lá, já
veio com convite para cá?
B. T. – Não, eu tinha duas oportunidades
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50
já que eu vinha cultivando para o Rio de
Janeiro.
P. F. – Através desses contatos com o
Roberto Campos?
B. T. – Não, essas do Rio de Janeiro, já
não me recordo exatamente dos detalhes,
mas não era o pessoal do Roberto
Campos. Um era um empreendimento
hoteleiro e o outro já não me recordo
mais. Mas isso tudo ainda… Eu, quando
saí da Bahia, pedi demissão e saí, vim
passar uma temporada no Sul, para cortar
realmente toda aquela coisa que se criou
lá: “Saiu? Não saiu? Por que saiu?” Foi aí
que eu recebi um telefonema do Ademar,
que era justamente o homem de confiança
do Roberto Campos, pedindo… Eu estava
no Rio, baiano ia para o Rio naquela
época. Depois é que começou a vir em
massa aqui para São Paulo. Pelo menos o
pessoal que tinha mais um nível
profissional superior, nível acadêmico e
tal. Aí ele me disse: ‘Você conhece os
irmãos Safra?”, “Ah, eu conheço. Eles
tiveram lá um projeto na Bahia, se
associaram a uns japoneses em um
projeto lá têxtil, de fios de nylon, algo
assim.” “Você vem a São Paulo e eu vou
lhe apresentar aos Safra.” Por que os
Safra? O Roberto Campos tinha sido
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51
embaixador do Brasil em Washington e o
Edmundo Safra, que foi o mentor e o
iniciador dos grandes negócios da família
no mundo e no Brasil, era amigo do
Roberto Campos, desde a época de
Washington e Nova Iorque. E o Safra
pediu a ele que indicasse alguém que ele
queria tocasse o banco, que mal estava
começando.
P. G. – Tem uma foto legal aqui do
Safra…
B. T. – O Roberto Campos tinha me
indicado para o Safra. Pode ter indicado
outros nomes também. O fato é que eu fui
conversar com o José Safra e a proposta
que ele me fez, que era irresistível e que
eu aceitei, mudou o caminho. Eu,
inclusive, me lembro até hoje que eu saí
da conversa com o Safra e minha mulher
estava…
P. F. – Aqui em São Paulo?
B. T. – Foi em São Paulo, aqui em São
Paulo. E minha mulher estava lá no
Rio…
P. F. – Tentando a vida lá.
B. T. – Estava na casa de parentes, estava sentindo ainda as coisas. E eu disse para
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ela: “Nós vamos virar paulistas.” E era na área financeira, que tinha uma especial atração da minha parte.
9º Bloco Legenda: Banco Safra (primeira parte) 00:11:09 - 00:19:53 (fita 3) Tempo total do bloco: 08’44”
B. T. – O banco Safra, o grupo Safra na
área financeira no Brasil tinha começado
com uma grande financeira,
financiamentos de automóveis. Era uma
atividade que não era ainda bancária
propriamente dita. Com a reforma do
sistema financeiro, em 1967, se não me
engano, os irmãos Safra viram uma
grande oportunidade, porque o que a
reforma do sistema financeiro, a chamada
reforma bancária fez naquela época, foi
refundar todo o sistema, a começar com a
criação do Banco Central e a criação,
com concessão de cartas patentes para
diversas atividades que eram exercidas
pelos bancos comerciais. Daí foram
criados bancos de investimento,
financeiras, sociedades de crédito de
financiamento, corretoras distribuidoras,
crédito imobiliário. Foi criada uma
constelação de entidades financeiras.
P. G. – Teve uma pequena bolha ali na
bolsa em 1971, 1972.
B. T. – E se criou a pequena bolha na
bolsa. Eu já estava no banco Safra e eram
uns bancos de investimento, alguns que
eram só bancos de investimento, fundos
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53
internacionais. Tinha um dirigido pelo
Roberto Teixeira da Costa, que na época
estava no Unibanco – não era Unibanco
ainda; não lembro se já era com esse
nome. Em suma, o sistema financeiro
estava começando a tomar forma naquela
época. E os Safra viram uma chance.
Havia um sistema de vendas de carta
patentes. Era um sistema que vinha ainda
do Brasil colônia. Todas as nomeações,
autorizações vinham da coroa em forma
de carta patente. Você para abrir um
banco, ou uma agência, precisava de uma
carta patente do Banco Central. Era um
papel mesmo que vinha e dizia:
“Autorizo não sei o que…” A estratégia
da reforma do sistema bancário era
justamente… Havia uma pulverização
enorme de pequenos e médios bancos
grandes, poucos. Não havia nenhum
sistema de controle. Havia um antigo
resíduo da Superintendência da Moeda de
Crédito, que ainda era uma diretoria
dentro do Banco do Brasil, Sumoc.
P. G. – Era do Banco do Brasil, ou do
Banco Central?
B. T. – Era do Banco Central, a parte toda
monetária era exercida pelo Banco
Central e um pouco da parte toda de
fiscalização bancária e tal. O sistema era
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muito frágil realmente. Então, o que foi
feito como política nova? Era criar uma
série de instrumentos que não fosse só o
banco comercial. O banco comercial é o
clássico: recebe depósitos, faz
empréstimo e faz as operações básicas,
tipo câmbio, cobranças. O que ainda hoje
é basicamente a atividade de uma rede de
banco comercial no mundo inteiro. No
caso brasileiro, a grande sacada é que
você tinha que criar empresas financeiras
e ... Tinha carta patente no começo ainda
e que você, então, poderia ter acesso a
isso e foi a chance que o Safra viu.
Estabeleceu um banco de investimento,
uma financeira, uma corretora, uma
distribuidora.
P. G. – Fez o pacote inteiro, já na
dúvida…
B. T. – Uma central de crédito
imobiliário e estabeleceu isso com
pequenas estruturas básicas e, ao mesmo
tempo, o banco tinha somente três filiais,
que tinha comprado na época, três
agências. A estratégia do grupo Safra era
criar uma rede bancária incipiente,
partindo de três agências, quando já havia
um grande Bradesco, um grande Itaú –
não tinham a escala que têm hoje, mas já
eram... -, além de outros bancos grandes
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também, que depois tiveram problemas.
Alguns saíram, fecharam e tudo mais.
Então, a política bancária, financeira do
país era ir limpando o sistema, não dar
mais cartas-patentes para agências
bancárias pura e simples, e sim
autorizações para criar essas outras
instituições financeiras especializadas. Já
começou o embrião de mercado de
capitais, que teve até uma bolha naquela
época. Esses IPOs que estão acontecendo
hoje, tiveram um pequeno espetáculo
naquela época. Eu me lembro que o
Banco Safra começou a fazer um pouco
essas atividades, a participar de alguns
lançamentos, geralmente [inaudível] ,
Unibanco e outros grupos. Cresceu muito
no financiamento de veículos. Começou o
boom da indústria automobilística,
aqueles fusquinhas todos, era tudo
financiado. Era o sistema em que você
captava recursos, com a chamada letra de
câmbio. Agora está me ocorrendo que é
exatamente o que aconteceu com o
subprime agora nos Estados Unidos.
Exatamente com as hipotecas aconteceu
naquela época aconteceu com... Não esse
estouro que deu agora nos Estados
Unidos com o subprime. Mas as
concessionárias de automóveis e todas as
lojas de eletroeletrônicos e coisa e tal,
que realizavam operações de venda a
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prazo, elas agrupavam contratos e em
cima disso emitiam uma letra de câmbio,
que você vendia. Então, você empacotava
50 carros. Vamos dizer que fosse 200
mil, sei lá, da moeda da época. Então,
você pegava em cima daquilo – o Banco
Central fiscalizava e você tinha que
mostrar que teve aquela venda -, emitia
um papel chamado letra de câmbio…
P. G. – Efeito colateral da lei
[inaudível]…
B. T. – É, isso é o que agora a gente está
lendo todo o dia. Está lendo todo dia esse
efeito colateral. A história se repete
sempre. Naquela época houve até uns
grupos que estouraram mesmo com
negócio de crediário. E você vendia essa
letra de câmbio, que eram colateralizados
– você lembrou bem - de automóveis.
Tinha esse negócio, tinha repasses de
Finame, uma série de linhas de crédito,
havia muito estímulo governamental, do
BNDES, de outras agências
governamentais, do BNH, havia um
monte de coisas que você repassava e
depois começou a se desenvolver o
mercado de capitais com emissão de
ações na bolsa e corretoras e o mercado
financeiro começou a tomar forma e em
cima disso o Banco Central.
RoteirodeEdição
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P. G. – E o país crescendo a 13, 14% ao
ano.
B. T. – Crescendo de maneira violenta.
P. G. – Isso no meio do milagre.
10º Bloco Legenda: Banco Safra (segunda parte) 00:19:55 - 00:30:55 (fita 3) Tempo total do bloco: 10’59”
P. F. – Então, quando o José Safra
chamou o senhor, ele chamou nesse
contexto para…?
B. T. – Ele me chamou para tocar o
banco, para ampliar e profissionalizar o
banco, porque o banco era ele, era os
irmãos Safra, era o Edmundo, que era
brasileiro, mas já nem morava aqui. Ele
se dedicava mais ao banco em Nova
Iorque e ao banco na Suíça. Aí tinha os
dois irmãos aqui, o José e o Maurice, com
uma ambição enorme. Mas não dava, eles
não eram de origem brasileira, eram
quase outsiders no ambiente brasileiro. E
eu acredito que o próprio Roberto
Campos deve ter influenciado bastante o
Edmundo, porque eles tinha muito claro
que sozinhos, um grupo familiar – tinham
vários parentes que tinham emigrado
também do Líbano, da Síria, junto com a
mesma geração deles e tal. E aí foi que
nós começamos a constituir um grupo de
brasileiros, quase todos engenheiros,
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porque a ilustre profissão de economista e
de administradores era incipiente, como
eu disse. Então, eram engenheiros
especialmente… Tinha engenheiro civil e
engenheiro de condução. Estão lá até
hoje. Agora é que esse pessoal está
começando a se aposentar. E era gente
que não tinha experiência bancária
nenhuma. Novamente se repete a história.
Quer dizer, eram entidades que não
existiam. Eram tipos de instituições que
existiam em outros lugares do mundo e
que aqui não existiam. Era a grande
chance de fazer o negócio crescer, sem
precisar de uma rede bancária comercial,
abrir agências de grande escala. Essa é
que era a estratégia, você crescer em cima
de atividades financeiras não
propriamente independentes da agência
bancária. Mas é claro que você tinha que
ter uma base. E aí tinha que comprar
cartas patentes, porque o Banco Central
só dava autorizações novas para esse tipo
de entidade nova, de empresa nova. Para
banco comercial e agência, você tinha
que comprar outros pequenos bancos,
agências, remanejar, juntar três do
interior, abrir uma na capital, duas em
uma capital menor e abrir uma em São
Paulo e, ao mesmo tempo, isso fui eu que
fui conduzindo e, ao mesmo tempo,
recrutar gente. A gente recrutava gente,
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inclusive tinha bons colegas aqui de São
Paulo, que eram bem relacionados. Não
conhecia pessoalmente. Pessoas até
daquela época, que depois fizeram
carreiras independentes. Um deles, que
eu me lembro, o Clóvis, que foi ministro
da Casa Civil do… Clóvis Carvalho.
P. G. – Clóvis Carvalho!
B. T. – Clóvis Carvalho. Tinha o Oded
Grajew. Começou como meu funcionário.
P. F. – O senhor foi o headhunter, achou
todos, encontrou eles…
B. T. - Eles vinham também, vinham
pelos amigos e tal. Era um processo
muito… Era um ânimo, um entusiasmo,
um ânimo, oportunidade… E tinha que
treinar essa gente, mas treinar para
profissões novas. Você operar, por
exemplo, na bolsa, ou operar em um
banco de investimento… Porque o banco
comercial, ainda mais na medida em que
o processo inflacionário ia se agravando,
não havia operações de longo prazo. O
banco comercial emprestava dinheiro a
90, 120 dias e olhe lá! Sempre com o
colateral de duplicatas, em cima de
operações financeiras. E as operações
também de câmbio, que eram muito
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rotineiras, mas que tinham uma certa
escala mais em cima daqueles bancos
tradicionais. Depois foi se ampliando
com a expansão de produtos
manufaturados e tudo o mais. Onde nós
íamos buscar profissionais experientes
era para ser gerentes da agência bancária.
Aí você não podia… Para ser dirigente de
um banco de investimento, ou da
financeira, depois, você tinha que
inventar. E não éramos só nós não. O
sistema todo estava crescendo em cima
disso. Agora, na agência bancária, você
tinha que ter bancários experientes e que
conhecessem o lugar onde você ia abrir a
agência. E aí é a verdade é a seguinte:
quando a gente definia o lugar, onde ia
abrir a agência, primeiro nós tínhamos
que escolher o modelo. Os dois grandes
paradigmas eram o banco Itaú, que era o
banco de engenheiros, para começar com
o Olavo Setúbal, e o banco povão, se
fingir de caipira, que era o banco
Bradesco, que de caipira não tinha nada.
Era um banco super moderno, que foi o
primeiro que desenvolveu o sistema de
automação bancária e de uso
computadores e tudo o mais. É claro que
nós preferimos o modelo dos
engenheiros. E, depois, o planejamento, o
marketing bancário, uma série de
palavras que nós é que inventamos na
RoteirodeEdição
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época. Produto, chamar uma letra de
câmbio, ou financiamento de automóvel,
chamar de produto, fui eu o primeiro cara
que chamou esse negócio de produto. O
pessoal dizia: “Você é maluco. Você veio
de onde? Isso daqui não é produto, é
negócio, é operação financeira.” Então, a
nossa estratégia era que cada agência do
Banco Safra tinha que ter um gerente
profissional bancário. Aí eu mandava o
pessoal meu de recursos humanos, que
chamava na época simplesmente
departamento pessoal – virou recursos
humanos depois e agora não é mais
recursos humanos, é diretoria de gente e
outros nomes que dão aí, para não
comparar recursos humanos com recursos
financeiros, ou técnico -, mas a gente
identificava os melhores gerentes dos
bancos aí das vizinhanças e fazia
propostas irrecusáveis, para ser gerente
do Banco Safra, um banco pouco
conhecido. A gente fazia a proposta para
levar mesmo. Aí vários aí, que eu não
vou dizer o nome, que alguns fizeram
carreiras bem sucedidas, outros não tão
bem sucedidas. Agora, cada agência –
isso é que era a novidade que nós
inventamos – tinha um gerente geral da
agência, que era um bancário e tinha que
trabalhar para o banco ser um banco com
depósito, cliente, desconto de duplicatas,
RoteirodeEdição
62
financiamentos e tal. Mas, dentro de cada
agência, tinha um gerente da financeira,
que procurava clientes para fazer
financiamentos de bens de capital,
principalmente de automóveis e de outros
eletroeletrônicos, tinha um da sociedade
imobiliária, que fazia operações de
financiamento, captação da caderneta de
poupança, que foi inventada naquela
época, depósito em poupança. Em
suma… Tinha um gerente de Finame, que
era uma operação de repasse de recursos
do BNDES…
P. G. – Esse negócio como um todo foi
de vento em popa?
B. T. – E aí o banco começou a tomar
forma. E depois tudo isso passou a ter
nomes. A gente foi inventando. Isso
depois passou a se chamar estrutura
matricial. Então, você tinha uma agência,
digamos na… Vamos tomar um exemplo
de Santo Amaro, uma agência em um
bairro no Bom Retiro, ou na Lapa, ou em
uma cidade no interior, tipo Campinas,
tipo São José dos Campos, que eu tive
essa intuição também, que seria um
grande pólo de desenvolvimento. E o
Banco Central dava cartas patentes quase
de graça, baratinhas. Abrir uma agência
em Brasília, eles davam até a carta
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63
patente…
P. G. – Para estimular…
B. T. – Para estimular a [inaudível]
bancária. Então, a estrutura matricial
tinha um gerente, que era
hierarquicamente responsável por toda a
atividade daquela agência naquele bairro,
naquela cidade e tinha os gerentes de
produto. Então, um cuidava de vender
letra de câmbio, o outro cuidava de fazer
operações de repasse de Finame, outro
cuidava de câmbio. Em linha, eles tinham
um reporte para as diretorias da matriz
especializadas e localmente eles eram
coordenados pelo gerente. Então, houve
uma série de desenvolvimentos desse tipo
aí que marcaram realmente um novo
momento da vida do país e…
P. F. – E na vida do senhor.
B. T. – E na minha vida também.
P. G. – Isso foi até o final dos anos 70,
mais ou menos?
B. T. – Isso foi de 1970 até 1976. Foram
seis anos.
P. G. – Foi quando eu nasci, em 1976.
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B. T. – Pois é, eu já estava vindo para a
Suzano. Já estava saindo do banco.
P. G. - Em 1976 foi a mudança para a
Suzano?
B. T. – Em 1975, 1976 o… Naquela
época se falava que tudo na vida tinha um
ciclo de sete anos.
11º Bloco Legenda: As relações sociais em São Paulo 00:30:56 - 00:36:46 (fita 3) Tempo total do bloco: 05’50”
P. F. – Deixa eu fazer uma pergunta
também de caráter mais pessoal de novo:
como foi a mudança para São Paulo para
o senhor e a família? O senhor veio para
cá já no final dos 30, 40 anos. Como é
que foi o processo em relação à cidade, às
relações, para o senhor e a família? Como
foi isso? Foi fácil? Foi difícil?
B. T. – Olha, essas considerações a gente
sempre faz a posteriori. Na hora em que
você mergulha na situação, você não está
nem muito consciente de que tem esse
problema.
P. F. – Mas teve?
B. T. – Olha, a minha mulher ajudou
bastante nisso, porque ela é muito
sociável. Eu nem tanto. Aí foi a nossa
aproximação com a família Feffer. A
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dona Antonieta Feffer, esposa do Leon
Feffer, fundador da Suzano, dirigia uma
entidade feminina de caráter nacional e a
minha mulher já tinha conhecimento com
ela. Então, ela começou a andar nesses
círculos dessas entidades filantrópicas e
assistenciais e foi desenvolvendo esses
círculos de…
P. F. – Amizades.
B. T. - … relacionamentos. A vida em
São Paulo…
P. F. – O senhor morava onde, por
exemplo, quando chegou?
B. T. – Eu fiquei uns tempos em
apartamento alugado e tal. Mas a
primeira residência nossa, da família, foi
no Pacaembu. Compramos uma casa lá
no Pacaembu.
P. F. - E o senhor estranhou muito a vida
em São Paulo, comparada ao que era em
Salvador?
B. T. – Eu, pessoalmente, nem tanto,
porque meu estilo não era muito… As
amizades e o ambiente que você tem no
lugar em que você nasceu são únicas. São
únicas e elas não se reproduzem nunca
RoteirodeEdição
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mais. Nunca mais você vai reconstituir o
ambiente do lugar onde você é nativo. As
pessoas que você conheceu nos primeiros
tempos, depois na juventude, depois nos
primeiros tempos já de vida adulta,
ligações familiares e em um ambiente
relativamente pequeno… Eu vou dizer:
São Paulo, visto pelo neo chegante, São
Paulo são, vamos dizer, 50 cidades de
Salvador, uma junta da outra. As pessoas
não moram em São Paulo. Você vive e
trabalha no seu bairro e no seu ambiente
de trabalho, ou no seu ambiente social
que você cria – pode ser futebol, pode
ser… -, ou associações profissionais,
entidades profissionais. Eu nunca tive
uma atividade social intensa, pessoal. Eu
não sou chegado a esse negócio de
movimentos sociais, esse tipo de coisas.
Mas sempre me dediquei a atividades
institucionais. Por exemplo, tinha uma
entidade criada pelos bancos de
investimento, a ANBID, Associação
Brasileira dos Bancos de Investimento e
Desenvolvimento. Eu comecei a atuar na
ANBID.
P. F. – Já nesse início, em que você
chegou?
B. T. – Comecei a atuar na ANBID e aí
você vai criando o seu ambiente. Eu,
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inclusive, fui vice-presidente da ANBID.
Era o Casimiro que era o presidente, que
eu acho que era do Banco Comércio e
Indústria de São Paulo, já não me recordo
direito. Então, a vida em uma cidade
como São Paulo, você tem círculos. Pode
ser no seu bairro, poder ser até nos
oriundi lá de onde você veio, porque
existe isso. Quer dizer, com os imigrantes
que vieram, você sempre mantém
contato, você já conhecia eles lá na sua
origem. E no seu ambiente profissional,
do trabalho. Você aqui não vive nesse
povo de 20 milhões de pessoas não. As
pessoas vivem nos seus círculos. E,
diferentemente da Bahia, mesmo o
convívio de bairro, da classe média em
diante, não tem convívio no lugar onde
você mora. O conceito de vizinho não
existe aqui.
[risos]
B. T. – Não existe. Eu morei durante anos
em casa, depois fui morar em
apartamento. Você nem conhece, nem
sabe. Tem um vizinho lá no prédio, que
eu nunca vi. Às vezes encontrava no
elevador. Quer dizer, é diferente. É
diferente. Provavelmente a vida nos
bairros mais periféricos, você tenha isso,
essa coisa de vizinho.
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