Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE ALINE GADELHA DE ALMEIDA DUARTE VELHICE E ESPAÇO RURAL: (RE) DESENHANDO DISCURSOS FORTALEZA-CEARÁ 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ALINE GADELHA DE ALMEIDA DUARTE

VELHICE E ESPAÇO RURAL:

(RE) DESENHANDO DISCURSOS

FORTALEZA-CEARÁ

2015

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ALINE GADELHA DE ALMEIDA DUARTE

VELHICE E ESPAÇO RURAL:

(RE) DESENHANDO DISCURSOS

Dissertação apresentada à Coordenação do

Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas

Públicas e Sociedade – MAPPS, do Centro de

Estudos Sociais Aplicados, da Universidade

Estadual do Ceará – UECE, como requisito

parcial para obtenção do título de mestre.

Orientadora: Profª. Dra. Maria Helena de

Paula Frota.

Coorientadora: Profª. Dra. Adriana de Oliveira

Alcântara.

Área de concentração: Políticas Públicas e

Sociedade.

FORTALEZA-CEARÁ

2015

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A Deus, sem o qual nada disso faria sentido;

Dedico esta conquista, especialmente, à pessoa

mais importante desse mundo, minha amada

mãe, Maria do Carmo Gadelha; ao meu

exemplo de vida, meu pai Edmilson Duarte (in

memoriam); aos meus irmãos Clausens,

Alessandra e Iara; e ao meu noivo, Márcio

Max, que, com todo o apoio, amor e paciência,

sempre me incentivaram nessa árdua jornada.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu querido pai, Edmilson Duarte Lima(in memorian), que sempre foi minha fonte de

inspiração e referência de amor;

Á minha estimada mãe, Maria do Carmo Gadelha Duarte, pela dedicação, pelas orações e

“cafezinhos” nas madrugadas. Seria muito difícil trilhar essa jornada sem seu constante

incentivo;

Aos meus irmãos Clausens, Alessandra e Iara que sempre me apoiaram nesse objetivo de

vida;

Às minhas lindas sobrinhas, Maria Letícia, Maria Luíza e Maria Lara, que mesmo não

passando muito tempo com elas por causa dos constantes estudos, sempre me incentivaram

muito;

Ao meu noivo, Marcio Max Pelosi Júnior, pelo carinho e compreensão durante essa jornada;

À minha querida e estimada coorientadora, Adriana de Oliveira Alcântara,que me fez se

apaixonar cada vez mais por esta temática. Meu crescimento pessoal e acadêmico adveio do

seu apoio e ensinamento, que me fizeram melhorar enquanto ser humano;

À minha orientadora, Maria Helena de Paula Frota, que sempre me apoiou;

Aos meus tios, Evanilde Almeida e Hélio Pereira, que desde o início acreditaram na minha

pesquisa e que foram pilares no desenvolvimento desta;

Aosinterlocutores de Iracema, que se tornaram amigos, pela confiança e entrega em poder

compartilhar suas estórias de vida;

Aoagente comunitário de saúde, por me acolher tão amavelmente e me apresentar a

localidade de Iracema.

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RESUMO

Volta-se ao estudo sobre os velhos que residem no espaço rural, enfocando, principalmente,

seu cotidiano. Um dos interesses da pesquisa foi saber a percepção que os velhos têm de si

mesmos no espaço rural, articulada com suas experiências de vida, com as relações

estabelecidas e os estereótipos sociais, que pudessem, porventura, embotar sua autonomia e

seu potencial criativo. Nesse sentido, foi explorado o modo como se estruturam as relações de

parentesco entre os membros da comunidade, a fim de conhecer como os velhos se

comportavam e assumiam suas identidades dentro do grupo. O locus empírico foi uma área

rural do interior do Ceará que possui 12 velhos, sendo cinco mulheres e sete homens. Partindo

disso, realizou-se um estudo bibliográfico para compreender à luz da produção sociológica, os

processos subjetivos e da prática cotidiana, mediante suas conversas, tradições, famílias,

dentre outros aspectos. Esta pesquisa é de natureza qualitativa e, do ponto de vista

etnográfico, foi realizada sob o enfoque da História Oral, mediante a coleta dos discursos e

análise dos dados. Ao longo da investigação, foi visto que o espaço rural transforma

realidades tradicionais, de modo a criar formas de ser e de estar nesse espaço, instaurando-se

outros papeis sociais. Acerca destes, observa-se, não necessariamente, como se supunha, uma

padronização de atribuições específicas para homens e mulheres; percebe-se uma não

internalização de valores simbólicos advindos do capitalismo que entende o velho como

“descartável” e “inútil”, mas, ao contrário, verificou-se um crescente protagonismo deles ante

a realidade do envelhecimento. Em suma, a pesquisa contribuiu para conferir maior visão

social a esse segmento, não somente no que diz respeito ao contexto geográfico, em que estes

sujeitos estão inseridos, porém, sobretudo, no concernente ao cenário social, ao se refletir

sobre a emergência da efetivação de políticas públicas em lugares “esquecidos” e/ou

marginalizados.

Palavras-chave: Velhice. Espaço Rural. Cotidiano.PolíticasPúblicas.

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ABSTRACT

Back to the study of the old residing in rural areas, focusing mainly on their daily lives. One

of the research interests was to know the perception that the old have of themselves in rural

areas, combined with their life experiences, with established relationships and social

stereotypes, which could perhaps dull their autonomy and their creative potential. Thus, it was

explored how to structure the relationships among community members in order to know how

the old behaved and assumed their identities within the group. The empirical locus was a rural

area of the state of Ceara which has 12 old, five women and seven men. From this, we

performed a literature study to understand in the light of sociological production, the

subjective processes and everyday practice, through their conversations, traditions, families,

among other things. This research is qualitative and ethnographic point of view, was carried

out with a focus on oral history by the collection of speeches and data analysis. Throughout

the investigation, it was seen that the countryside turns traditional realities, to create ways of

being and living in that space, establishing up other social roles. On these, there is not

necessarily as was supposed, a standardization of specific tasks for men and women; there is a

perceived lack of internalisation of symbolic values arising from capitalism that understands

the old as "disposable" and "useless", but rather, there is a growing role of them before the

age of reality. In short, the research helped to bring greater social views in this segment, not

only with regard to the geographical context in which these subjects are inserted, but, above

all, regarding the social scene, to reflect on the emergence of effective public policy in places

"forgotten" and / or marginalized.

Keywords: Old age. Rural Area.Everyday.Public Policy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10

2 (RE) PENSANDO A VELHICE E SUA MULTIDIMENSIONALIDADE ............ 15

2.1 QUEM É O SUJEITO QUE ENVELHECE .................................................................. 15

2.2 FAMÍLIA E RELAÇÕES DE PARENTESCO ............................................................. 31

3 REFLEXÃO SOBRE O ESPAÇO RURAL: ENTRE CONCEITOS E

CONTEXTOS ............................................................................................................... 36

3.1 DIVERGÊNCIAS ENTRE OS CONCEITOS DE URBANO E RURAL..................... 36

3.2 AS CATEGORIAS ESPACIAIS: SÍTIO, SERTÃO, ROÇA, BAIRRO, RURAL ....... 40

3.3 A VIDA NO ESPAÇO RURAL .................................................................................... 43

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E VELHICE ..................................................................... 49

4.1 O CENÁRIO BRASILEIRO NA CRIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA

A VELHICE ................................................................................................................... 49

4.2 NAS TRAMAS DO ESTATUTO DO IDOSO: OS CAMINHOS ................................ 62

4.3 POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO ................................. 66

5 O PERCURSO METODOLÓGICO: LOCUS, SUJEITO E REFERENCIAL

TEÓRICO-METODOLÓGICO ................................................................................. 72

5.1 CAMPO DA PESQUISA ............................................................................................... 72

5.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA ..................................................................................... 81

5.3 NAS TRILHAS DA HISTÓRIA ORAL: A ESCOLHA DE UM REFERENCIAL

TEÓRICO-METODOLÓGICO ..................................................................................... 90

5.4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 94

5.4.1 Velhice ........................................................................................................................... 94

5.4.2 Espaço rural .................................................................................................................. 98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 106

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 110

APÊNDICES ................................................................................................................. 120

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1INTRODUÇÃO

A temática da velhice, algumas vezes, assusta as pessoas, pois carrega a ideia de morte

e finitude, própria da atualidade, desvelando-se de forma diferente em épocas e culturas

distintas. A busca de um sentido da vida, o cuidado com o eu e o primado da intimidade

tornam-se discussões recorrentes na literatura, de modo a compreender as disposições no lidar

com a velhice – a nossa e a dos outros.

Esta pesquisa voltou-se à velhice no âmbito rural. A escolha desta temática surgiu, em

especial, de uma afinidade pessoal, da experiência como psicóloga, no Centro de Referência

da Assistência Social-CRAS, e pela ausência de mais pesquisas que privilegiem a velhice na

ambiência de ruralidade.

A figura da avó, marcada por uma identidade de intenso trabalho na roça -de realizar

os afazeres domésticos, de criar os filhos e netos, de cuidar dos “negócios da família” e de se

empenhar nos estudos - favoreceu o surgimento da nossa admiração e profundo respeito por

uma pessoa que, apesar dos muitos anos vividos, era feliz e possuía uma boa qualidade de

vida.

Na qualidade de psicóloga, trabalhamos ao longo de cinco anos nos CRASs de vários

municípios cearenses. As tarefas desenvolvidas por profissionais desse equipamento social

visam, sobretudo, a fortalecer os vínculos familiares, comunitários e sociais bem como

atender as pessoas em situação de vulnerabilidade social e afetiva. Com efeito, deparamos

com público desprovido de direitos sociais, com um suporte familiar fragilizado : as pessoas

acima de 60 anos.

Já a identificação com o panorama rural decorre das diversas lembranças da infância

nesse espaço. As memórias do sertão, como sendo um lugar marcado por uma rica cultura de

festividades, do fumo, do leite da vaca, dos banhos no açude, do vaqueiro, do curral, da

vaquejada, da casa grande, das conversas no alpendre, nos instigaram a estudar com maior

propriedade esse espaço.

Outro fator que despertou nossa motivação foram os escassos estudos acerca da

velhice rural. Aliás, trata-se de um tema objeto de duplo preconceito: ser velho e residir no

espaço rural nordestino. O descaso generalizado por parte da sociedade contemporânea em

relação a este assunto não despertou a devida atenção. “Não tendo um lugar social, também

não tinham um lugar teórico”. (MOTTA, 2003,p. 223)

A novidade de se estudar a velhice e o envelhecimento no Brasil ganhou mais

notoriedade quando, nos anos 1990, os meios de comunicação coletiva divulgaram

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exaustivamente o crescimento demográfico dessa parcela da população e também pela

experiência cotidiana de maior convivência com as pessoas de mais idade na esfera da vida

pública e privada. Como aponta Barros (2003 p. 9), “(...) a velhice ultrapassa os limites das

vidas particulares de cada um e de cada família, para, com outras tantas questões, atrair a

atenção de nossa sociedade”.

Afinal, o que é velhice? Simone de Beauvoir (1990, p.15) define “(...) como um

fenômeno biológico com reflexos profundos na psique do homem, perceptíveis pelas atitudes

típicas da idade não mais jovem nem adulta, da idade avançada”. Nesse sentido, a autora

atribui a este conceito algo incomum, subjetivo, e que adquire conotações funcionais e

relacionais para se fazer coerente.

A velhice é um conceito bem complexo, pois requer análise aprofundada de suas

múltiplas dimensões - a biológica, a psicológica, a existencial, a cultural, a econômica, a

política - para se chegar a uma conceituação que melhor expresse essa realidade (COSTA,

2003). Dessa forma, entender o sujeito que envelhece é pressupor que tais alterações são

naturais e gradativas, podendo se verificar em idade mais precoce ou avançada, e em maior ou

menor grau, principalmente, de acordo com o modo de vida de cada um.

Desde o nosso nascimento, envelhecemos e somos subsidiados por uma trajetória

mutante e inacabada. Nesse sentido, independentemente da nossa idade e vontade, somos

perpassados pelo fenômeno do envelhecimento. Ainda que queiramos negar e disfarçar,

envelhecemos.

O crescimento do contingente de velhos, ensejado pela queda de fecundidade e por

um prolongamento da vida subsidiado pelos avanços tecnológicos, começou a ser um fator

redirecionante dos interesses de pesquisa e de elaboração/execução de políticas públicas

(MOTTA, 2003).

Esse estudo sobre envelhecimento se mostra essencial, na medida em que o aumento

desse público interfere na vida do próprio sujeito (com estigmas e preconceitos advindos da

contingência capitalista), na família, na economia de um país, nas políticas públicas, dentre

outros fatores globais. Portanto, aqui se torna necessário refletirsobre que velhice é essa, o que

se fazer com essa parcela da população “inativa” (preconceitos advindos do capitalismo) no

que diz respeito à destinação de políticas, onde “alocá-la” e como investir.

É importante salientar que as pessoas atravessam o fenômeno de envelhecimento de

forma singular, variando conforme suas culturas, educação, seus estilos de vida, suas famílias,

as características de personalidade, o ambiente em que vivem, dentre outros fatores.

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As sociedades modernas, segundo Costa (2003), criam estrategicamente, por meio da

produção de imagens, representações de si mesmas, buscando formar núcleos unitários, com o

objetivo de instalação de poder, de dominação.

Podemos ainda observara representação da velhice de forma estigmatizada, associada

a valores depreciativos, expressos por jargões como: o velho não aprende, o velho é uma

criança e por isso precisa ser protegido, o velho é assexuado, o velho não tem condição de

tomar decisão por si, o velho é um coitadinho, entre outros. Estes estereótipos foram

preconizados por uma ideologia dominante que prioriza atributos associados à juventude, ao

belo, ao produtivo e ao funcional, compatíveis com a sociedade capitalista.

O envelhecimento como locus de acontecimentos diversos denota o modo como os

velhos estão recriando padrões de envelhecer nas sociedades capitalistas, sobretudo, quando

se tenta delinear as especificidades das áreas urbanas e rurais, onde trabalham e convivem

com familiares e amigos.

O papel social das pessoas de mais de 60 anos é específico, variando conforme

costumes, leis, cultura, dentre outros. O velho camponês, dentro da família, passa a ser

reconhecido como aquele que transmite conhecimentos da terra e da vida, figura de respeito

(WOORTMANN e WOORTMANN, 1999); já nas sociedades ocidentais e urbanas as pessoas

de mais idade são havidas como inúteis dentro de seu lar, especialmente quando não recebem

o benefício da aposentadoria.

A pesquisa se desenvolveu na localidade de Iracema, pertencente ao Município de

Paramoti, tendo como público-alvosete homens e cinco mulheres acima de sessenta anos, uma

vez que é expresso no Estatuto do Idoso que quem atingiu essa idade é considerado velho.

Com suporte no entendimento da existência das formas diversas de “se envelhecer”, é

que este trabalho exprime como objetivo conhecer a velhice rural, enfocando, principalmente,

a vida cotidiana diante de algumas transformações ocorridas ao longo dos anos, como o êxodo

rural e a aposentadoria.

Partindo disso, torna-se necessário compreender como essas mudanças configuram o

espaço rural, modificando realidades tradicionais, formas de ser e estar nesse espaço, de modo

a instaurar papéis sociais, bem como o convívio entre o velho e o novo, lembrando o que diz

Fernandes (2006, p. 238) “(...) como não há ruptura definitiva com o passado, a cada passo

este se reapresenta na cena histórica e cobra seu preço(...)”

Dessa forma, quem é o sujeito que envelhece no âmbito rural? Há novas formas de ser

e estar nesse espaço? Aque espaço rural nos reportamos; quais são as realidades

tradicionais?Também foi de interesse saber se os velhos estão interiorizando os padrões de

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envelhecimento da atualidade, bem como analisar o desenvolvimento de estereótipos sociais

que embotam a autonomia destes sujeitos e compreender a percepção quetêm de si mesmos.

Ao longo da pesquisa, também foi delineado o perfil socioeconômico dos sujeitos,

pois identificamos as expressões implicadas nos papéis sociais destes homens e mulheres. As

principais categorias analíticas discutidas foram velhice, espaço rural e cotidiano à luz de

teóricos como: Beauvoir (1990), Goldfarb (1998, 2006), Bosi (1994), Debert (1988, 1994,

1999, 2003, 2013), Neri (1993, 2003, 2005, 2007), Leite (2004), Alcântara (2008, 2010,

2013), Camarano (2001, 2002, 2004, 2013), Reis (2006), Woortmann e Woortmann (1993,

1997, 1999), Agnes Heller (1970), Certeau (1996), Faria, Sá Motta e Ven (1996), Augras

(1996), Frota (2004, 2012), Jucá (2003), Rogers (2006), dentre outros.

Desse modo, realizamos um estudo bibliográfico para compreender, à luz da produção

sociológica, os processos subjetivos e da prática cotidiana, mediante suas conversas, tradições

e famílias, dentre outros aspectos. Esta pesquisa é de natureza qualitativa e, sob o prisma

etnográfico, foi realizada sob o enfoque da História Oral, mediante a coleta dos discursos e

análise dos dados.

As reflexões desenhadas neste experimento acadêmico são apenas campos de

possibilidades e vertentes de uma análise empreendida sobre as particularidades da velhice à

luz de alguns estudiosos. Fiel à leitura deste fenômeno social, os capítulos foram descritos

como resultado de uma discussão de pressupostos teóricos e metodológicos, retratando apenas

uma visão parcial da realidade, que poderá ser submetida a constantes reinterpretações.

No capítulo 2- (Re)pensamento da velhicee sua multidimensionalidade - são

privilegiados o perfil demográfico da população brasileira,conceitos e ideias importantes

acerca do envelhecimento. Também foram discutidos os enquadramentos, enfatizando os

mitos e a repercussão que isso acarreta na vida destas pessoas. Ainda mencionamos as

relações de parentesco, de modo a conhecer o modo como as pessoas se comportam,

desempenham papéis e assumem identidade psicossocial dentro do grupo (família).

No capítulo 3- Reflexão sobre o espaço rural: entre conceitos e contextos –

analisamos as características do que seja espaço rural no Brasil, perfilando suas conotações

em contraste com o mundo urbano. Recorremos a uma caracterização dos termos sítio, sertão,

roçado, bairro rural e rural, como forma de atribuir sentido ao modo de vida e às relações no

espaço da pesquisa. Posteriormente, nos debruçamos sobre a vida desse ser humano que vive

no espaço rural, analisando como se processam suas relações familiares, enfocando também a

questão de gênero.

No capítulo 4- Políticas públicas e velhice - foram indicadas as realidades mundiais e

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brasileiras na criação de políticas públicas, como forma de emular estudos para a ampliação,

universalização e efetivação na prática; posteriormente, examinamos criticamente o Estatuto

do Idoso, sob os enfoques políticos, econômicos e sociais, na intenção de revelar aspectos

balizadores no reforço de estereótipos contra os velhos; depois, estudamos duas políticas

públicas em curso no espaço rural – Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

No capítulo 5- O percurso:locus, sujeitos e referencial teórico-metodológico - foi

realizada uma descrição do campo da pesquisa, bem como delineada a trajetória dos sujeitos

envolvidos e a metodologia utilizada. As representações dos interlocutores foram relacionadas

à problematização do estudo como forma de responder às questões expressas pelo ensaio.

Assim, inquirimos sobre velhice, espaço rural, modos de vida, cotidiano e costumes. Foram

criadas fichas individuais de cada família, onde as falas, silêncios, gestos e outros aspectos

foram registrados. Organizamos as entrevistas em função das perguntas formuladas,

relacionando com as categorias analíticas velhice e espaço rural.

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2 (RE) PENSANDO A VELHICE E SUAMULTIDIMENSIONALIDADE

2.1Quem é o sujeito que envelhece

O número de velho cresceu e evoluiu rapidamente ao longo dos últimos anos.

Segundo dados do Banco Mundial (2011), este contingente irá mais do que triplicar nas

próximas quatro décadas, passando de menos de 20 milhões (11%), em 2010, para cerca de 65

milhões (49%) em 2050.

De acordo com a Síntese dos Indicadores Sociais, realizada pelo Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística -IBGE (2013), em 2012, a participação relativa dos idosos de 60

anos ou mais de idade1 foi de 12,6% da população total; para o grupo com 65 anos ou mais de

idade, a participação foi de 8,6%.Dessa forma, percebe-se, então, que o aumento da

expectativa de vida enseja preocupações governamentais e acadêmicas, fazendo emergir mais

demandas e, consequentemente, outros desafios, os quais exigem respostas, via políticas

públicas e sociais.

O saber sobre a velhice se difunde na sociedade pelos meios de comunicação,

universidades, sociedades beneficentes e científicas, em especial, após o advento da Geriatria

e Gerontologia. Para Reboul (1973), a Gerontologia estudava o envelhecimento, destacando

aspectos biológicos, psicológicos, sociais e econômicos, possuindo uma visão médica e

social, aplicando-se ao domínio da doença; já a Geriatria era considerada ciência médica ramo

da Gerontologia e da Medicina que trata da saúde das pessoas de idade avançada em todos os

seus aspectos - preventivo, clínico, terapêutico, de reabilitação e de vigilância contínua.

Por tal razão, o termo Gerontologia, mesmo tendo sido utilizado em 1903 por

Matchinicoff para identificar o estudo sobre a velhice, foi somente na segunda metade do

século XX, com muitas pesquisas, que ganhou notoriedade e um caráter social, atrelado a

aposentadoria e lazer (SILVEIRA, 2002). Já na Psicologia, o grande avanço ocorreu com Erik

Erikson em 1950 com a ampliação das etapas da vida adulta até a idade madura. E já na

década de 1970, na visão dessa autora, a visibilidade e as pesquisas acerca desse público

cresceram em decorrência do aumento da expectativa de vida e do ônus das aposentadorias

para o Estado.

No entendimento de Carneiro e Guimarães (2012), a velhice se relaciona às

modificações no corpo, pois, com o avançar da idade o sujeito passa a ser alvo de um desgaste

1 Idoso, segundo a Organização Mundial de Saúde-OMS, em países em desenvolvimento, é aquele que tem 60

anos ou mais de idade. Nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos.

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natural. Os sinais externos mais diversos são cabelos sem cor, rugas, flacidez, reduções nas

capacidades auditiva, visual, muscular e cognitiva (memória e percepção).

Ainda de acordo com as autoras, em razão de tantas mudanças corporais, algumas

pessoas se assumem velhas, enquanto outras tendem a prorrogar esse momento. Tais

transformações visíveis contribuem para que socialmente as pessoas passem a associar a

feiura com a velhice, porquanto o ideal apregoado pela Modernidade que é exigido é o de um

corpo jovem e rígido, portanto, o velho passa a ser feio.

O envelhecimento, porém, não necessariamente, implica o declínio de funções

cognitivas, pois, mesmo com a perda de grupos celulares e da diminuição de alguns sistemas

bioquímicos que levam ao prejuízo cognitivo, a pessoa tem limiares orgânicos e aspectos

subjetivos, ativados para a manutenção do equilíbrio homeostático necessário para uma boa

qualidade de vida.

Muitos gerontólogos e geriatras asseveram que a velhice não é doença. Portanto, “...

envelhecer não significa adoecer. Não é a presença de doença que melhor determina o grau de

saúde da população idosa, mas o impacto que um dano na saúde tem sobre o aspecto

funcional do indivíduo” (CARNEIRO; GUIMARÃES, 2012, p. 11).

O fato de reportar-se à velhice recai no assunto sobre as formas pelas quais a vida é

periodizada. Para pensarmos a produção e a reprodução da vida social, torna-se necessária a

discussão de algumas dimensões que recaem sobre a velhice de forma transversal.

Na visão de Debert(2003, p. 51), a idade não é algo natural, nem constitutivo de

grupos sociais; tampouco é um fator explicativo de comportamentos humanos; na pesquisa

antropológica, “a idade é concebida como um processo biológico elaborado simbolicamente

com rituais que definem fronteiras entre idades pelas quais os indivíduos passam e que são

específicas de cada sociedade”.

Nesse sentido, estudar o fenômeno das categorias de idade, sob o prisma da

Antropologia, sugere a necessidade de transcender os particularismos que tendem a conceber

como naturais e imutáveis os fatos e/ou eventos sociais. Logo, sob uma perspectiva histórica,

as representações sociais sobre a velhice e a forma pela qual são tratados pelos mais jovens,

adquirem significados singulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos.

Como leciona Debert (2003), os recortes de idade e a definição de práticas legítimas

associadas a cada etapa da vida não resultam de uma evolução científica nem do

desenvolvimento biológico; trata-se de uma verdadeira luta política, de uma manipulação dos

poderes ligados a determinados grupos sociais. Portanto, as categorias de idade são

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elaborações culturais que mudam historicamente e que retratam realidades sociais distintas,

definindo espaços de poder e privilégios.

No curso da vida, a diferença entre idade cronológica, tempo geracional e níveis de

maturidade é ponto importante, pois define espaços privilegiados para a ação na organização

social e que, portanto, merecem ser abordadas (DEBERT, 2003).

A pesquisadora da UNICAMP considera que a idade cronológica baseada num

sistema de datação é valorizada para as sociedades não ocidentais; já nas sociedades

ocidentais, funciona como importante marcador social, independentemente da estrutura

biológica e da incorporação de estádios de maturidade.

Nas sociedades não ocidentais, os estudos antropológicos apontam que,

independentemente da idade, existe uma valorização dos estádios de maturidade na estrutura

social; os rituais de passagem de um estádio para outro são definidos não pela idade e sim

pela transmissão de status social. Significa isso exprimir que, embora o desenvolvimento

biológico seja considerado, o reconhecimento da capacidade de realizar certas tarefas se torna

um atributo de validação cultural.

Outro aspecto importante, relatado por Fortes (1984), diz respeito à importância do

sistema de datação no estabelecimento de direitos e deveres políticos. Logo, a idade

cronológica assume preponderância, quando o quadro político-jurídico aufere precedência

sobre as relações familiares e de parentesco.

Em relação à idade geracional, Debert (2003) exprime que tal critério se faz

relevante para estruturar a família e o parentesco. Assim, tal definição adquire importância

crucial no estabelecimento de regras familiares, responsabilidades epapéissociais. Portanto,

quando se fala de gerações, a referência se torna a família, enquanto as idades são

institucionalizadas politica e juridicamente.

Para compreendermos o fenômeno do envelhecimento, primordial é entendermos

algumas noções sociológicas acerca do conceito de gerações, e como sucedem as ações

coletivas empreendidas por estas.

Na visão de Motta e Weller (2010), a palavra geração ganhou notoriedade no

período de manifestações culturais ou políticas (“os cara pintadas”) ou de desenvolvimento

tecnológico (geração NET), atribuídos principalmente pelos meios de comunicação. Esse

período, pois, foi marcado pelas formas de protestos dos jovens acerca da insatisfação da

realidade sociocultural vivenciada; foi, então, que estes jovens se mostraram à sociedade

como seres atuantes e não alienados.

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Feixa e Leccardi (2010) apontam três momentos históricos acerca da temática

geracional: durante os anos 1920, período entre as duas grandes guerras, quando as bases

filosóficas foram formuladas em torno da noção de “revezamento geracional” (sucessão e

coexistência de gerações); durante os anos 1960, na época do protesto, uma teoria em torno da

noção de “conflito geracional” (fundamentada sobre a teoria do conflito) e, a partir de 1990,

surgindo uma ideia em torno de “sobreposição geracional” (no advento da tecnologia, os

jovens são mais habilidosos do que as gerações anteriores).

Vale trazer à tona, com efeito, a ideia de que a análise de Mannheim (1952) sobre

geração é um “divisor de águas na história sociológica” (FEIXA e LECCARDI, 2010, p.189).

Sua conceituação de geração objetivava distanciar-se do positivismo (a relação entre o ritmo

da história e o das gerações é vista em termos quantitativos; tempo social é “biologizado”;

novas gerações tomam o lugar das antigas) e da perspectiva romântico-histórica (consiste de

pessoas que partilham o mesmo conjunto de experiências históricas, o mesmo “tempo

qualitativo”; o que importa é a qualidade dos vínculos).

Karl Mannheim postula a noção de que geração não é uma data comum -

“demarcação geracional”-, mas é parte do processo histórico de que jovens da mesma idade-

classe compartilhavam. Portanto, o cientista acentuava um caráter histórico no devir social,

chegando também a não desvincular gerações e grupos de idade.

As pesquisas realizadas por esse sociólogo trazem dois importantes conceitos que

concedem visão mais ampla acerca do campo geracional: “conexão geracional” e “unidade

geracional”. A conexão geracional é uma prática coletiva que produz um vínculo geracional

baseado na vivência e na reflexão coletiva em torno dos mesmos acontecimentos; já a unidade

geracional é definida como visões distintas de mundo sobre um mesmo acontecimento

(MOTTA e WELLER, 2010).

Logo, Mannheim (1952) ensina que a simples vivência de gerações em momentos

históricos-sociais comuns, não necessariamente, leva a um desenvolvimento de iguais

perspectivas, pois a relação entre aqueles que partilham de uma mesma unidade geracional é

desenvolvida com origem nas tendências formadoras de um coletivo surgidas da apropriação

de conteúdos.

Nesse sentido, o conceito de gerações rompe com a ideia de unidades

geracionais concretas e coesas e nos instiga a centrar nossas análises nas

intenções primárias documentadas nos conteúdos, ações e expressões de

determinados grupos, ao invés de buscarmos caracterizar suas especificidades

enquanto grupo. (MOTTA e WELLER, 2010, p.177)

Page 20: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

19

Outros componentes que remetem à importância do conceito dizem respeito à

existência de uma conexão entre o tempo individual e social na pesquisa geracional (FEIXA e

LECCARDI, 2010; ABRAMS, 1982). Logo,

[...] a capacidade da consciência geracional de promover um contato profundo com o

tempo da vida.....a dimensão genealógica implica por sua vez na consciência de que

as mudanças biográficas têm seu próprio lugar determinado pela descendência.

(MOTTA e WELLER, 2010, p.178)

Efetivamente, as interconexões da individualidade com a sociedade se processam com

suporte em mudanças sócio-históricas, fundindo-se em tempo biográfico e tempo histórico,

criando, desse modo, a geração social.

As pesquisas sobre gerações, desenvolvidas por Motta e Weller (2010), apontam dois

caminhos primordiais: uma dimensão antropológica, referente a várias formas de grupos e

categorias por idade, incluindo classificações nas posições da família e na organização social

mais ampla; a outra dimensão é sociológica e política, destacando as relações de poder entre

as gerações, apontando funções de solidariedade e de conflitos entre as gerações.

ZygmuntBauman (2007) ampara-se nos escritos de Jose Ortega y Gasset, para

argumentar a ideia de uma coexistência parcial entre gerações, relatando que as fronteiras que

as separam são ambíguas. O sociólogo coloca, tanto quanto o Filósofo espanhol acreditavam,

que os limites entre as gerações não eram claramente definidos, chegando muitas vezes certas

características a atravessar tais barreiras.

No tocante às relações entre às gerações, Feixa e Leccardi (2010) mencionam que,

com o envelhecimento da população, surgem também mais desigualdades na interação das

pessoas que se relacionam ao mundo do trabalho e à divisão de recursos públicos, podendo

ensejar muitos conflitos geracionais. Bauman (2007) reforça esse pensamento, quando

menciona que a convivência pacífica ou conflitiva entre gerações é algo não atual, mas existe

desde muito tempo.

Na perspectiva de Ferrigno (2007), a Modernidade é caracterizada pelo

distanciamento entre as gerações, fortalecido pelo estabelecimento de espaços sociais

específicos para cada grupo etário. As crianças na escola, por exemplo, são estimuladas a

conviver com outras da mesma idade, os jovens passam a “andar em tribos” etc. Portanto,

exceto o espaço familiar, os velhos não são estimulados a conviver com outras gerações. Para

Ferrigno (2007, p.233), as observações sistemáticas e depoimentos dos participantes

permitiram constatar que o convívio intergeracional promove o desenvolvimento de atitudes

mais positivas em relação às demais gerações.

Page 21: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

20

Dessa forma, o contato entre distintas gerações promove a assimilação de novas

atitudes, pois permite ver uma mesma situação de maneiras diferentes, favorecendo o respeito

à diferença (SILVEIRA, 2002). Quando as pessoas passam a viver nessa nova realidade,

mudanças internas (maior consciência, responsabilidade e comprometimento social) e nas

relações com o outro e com o mundo são verificadas, proporcionando um bem-estar social de

todos. Portanto, os velhos estão vivos e necessitam estar inseridos socialmente nos mais

diversos ambientes e junto a outras gerações, numa perspectiva de troca mais igualitária.

As pesquisas sobre relações geracionais, nos conduz a investigar sobre as formas

pelas quais os sujeitos lidam com as singularidades de cada geração, além do papel social que

cada um desempenha no grupo. Nesse tocante, faz-se necessário apontarmos alguns estudos

sobre a estrutura das famílias brasileiras para, então, compreendermos como se processam as

redes de relações familiares.

Alcântara (2010) faz uso das ideias de Peixoto e Luz (2007), no que se refere ao

crescimento das famílias e à coexistência de três a quatro gerações. A primeira modalidade

diz respeito a pais e filhos, solteiros ou não, e que sempre moraram juntos, bem como às

filhas, mães solteiras com seus filhos, que nunca tiveram separadas dos pais; a segunda é

demarcada pelo fato de os mais jovens morarem com os mais velhos em virtude de estes

últimos terem melhores condições de vida, advindos principalmente da renda da

aposentadoria.

De acordo com pesquisa do PNAD/2007, divulgada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística- IBGE- (2008): 1,8 milhão dos velhos, especialmente as mulheres,

estavam sob a responsabilidade dos filhos, genros ou de outros parentes e expostos a algumas

vulnerabilidades, como baixo poder aquisitivo, problemas de saúde e sentimentos de solidão

provocados pela viuvez.

A este respeito, Alcântara (2010), menciona que as famílias brasileiras que moram

com velhos vivem melhor, em virtude da questão financeira, por poderem suprir as

necessidades básicas de toda a família. Isso decorre das relações de dependência entre os

membros da família.

De que família, porém, estamos falando? As mudanças nas últimas décadas fizeram

com que os modelos ideais de família nuclear (mãe, pai e filhos) fossem quebrados e os

papeis domésticos passassem a se tornar conflituosos desde de o momento em que não

sobrava espaço para a dimensão individual, característico do mundo contemporâneo (LOPES

&CALDERONI, 2007). As novas famílias passaram a denotar configurações bem distintas:

unidades domésticas plurigeracionais, agrupamento ampliado, duplas conjugais que optam

Page 22: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

21

por não ter filhos, casos de produção independente, casais ocupando residências separadas,

parceiros conjugais homossexuais etc.

De acordo com estes estudiosos, o próprio envelhecimento de um membro da família

afetava toda a estrutura psíquica dos demais elementos constituintes; os filhos passavam a

perceber que seus pais não eram mais cuidadores e sim que necessitavam de cuidados.

Quaisquer mudanças na estrutura das famílias ensejavam crises e que exigiam uma força a

fim de gerar uma reorganização interna (LOPES & CALDERONI, 2007). A dinâmica de

modificação de papéis torna-se complexa, pois move componentes de onipotência, cobrança,

culpa, narcisismo, relação de poder etc.

Segundo Lopes e Calderoni (2007), a rede de relações entre pais e filhos torna-se

peculiar, pois é subsidiada por componentes afetivos complexos, que transformados ante as

mudanças profundas na vida dos membros. A responsabilidade de cuidar dos componentes

mais velhos é delegada, ao longo dos tempos, à família, justamente esta que se transforma

rotineiramente.

Na atualidade, para Moragas (1997) ainda é predominante a ideia de que a família

deve prover as mais variadas necessidades do ser velho, sejam de ordem física, psíquica ou

social, especialmente quando existe dificuldade no tocante a autonomia e dependência.

É a família, durante toda a existência do indivíduo, o núcleo de cuidados e afetos

propulsores de suas diversas potencialidades. Ela serve como vínculo que o

relaciona à sociedade, constituindo-se de laços de compromissos e lealdade entre

seus membros, tanto na linha ascendente quanto na descendente (SILVA, p. 71,

2007).

Será que a família atualmente exerce com efetividade a figura de protetora e

cuidadora dos mais velhos? A resposta a esta pergunta enseja muita polêmica, pois é objeto de

controvérsia entre estudiosos. Sabe-se é que ainda existem lacunas nas pesquisas que

circundam os conflitos contemporâneos relativos ao envelhecimento (LOPES &

CALDERONI, 2007).

O fato dos idosos viverem com os filhos não é garantia de presença, nem de respeito

e nem de prestígio, nem da ausência de maus-tratos. As denúncias de violência física

contra idosos aparecem nos casos em que diferentes gerações convivem na mesma

unidade doméstica. (DEBERT, p. 32, 1999)

A que velho, porém, nos reportamos? É imprescindível delinear um caminho do

envelhecimento, de modo a compreender as representações sociais a respeito da nomeação de

vários conceitos que circundam tal categoria.

De acordo com a antropologia do envelhecimento, o rápido aumento da população de

mais de 60 anos virou um “problema social”, pois ensejam sérias consequências econômicas

(PEIXOTO, 2003). Uma classe social surgia como categoria nova e possuidora de

Page 23: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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necessidades sociais e que, portanto, era merecedora de atenção e cuidado. Não só o Estado,

como também os pesquisadores, os estudiosos e principalmente a sociedade como um todo,

devem se adaptar a essa nova realidade social.

Os estudos de Peixoto (2003) apontam que alguns documentos oficiais publicados

antes dos anos 1960 denominavam as pessoas que possuíam mais de 60 anos simplesmente de

velhas, já carregando de forma implícita um esquecimento a esta parcela da população. Já no

final desta década, o Brasil começou a receber influência da Europa a respeito de uma

mudança da imagem da velhice, recuperando a noção de idoso, advindo do cenário francês

como alguém que merecia ser tratado com respeito.

Na visão dessa estudiosa, as duas conotações, velhoe idoso, passaram a enunciar e

demarcar lugares e práticas sociais distintos, chegando a afetar a forma pela qual a sociedade

enxergava as pessoas de mais idade. Se “a denominação desses dois estabelecimentos marca

uma certa ambivalência, a descrição de suas instalações mostra bem o tratamento diferenciado

dispensado às diversas camadas sociais”. (PEIXOTO, 2003, p.78)

Logo, o termo velhopassa então a assumir uma conotação negativa, pois chegava a

designar as pessoas de mais idade pertencentes às camadas populares e que apresentavam

traços de declínio.

Em relação à ideia de “terceira idade”, esse conceito chega a ser empregado nas

proposições relativas à criação de atividades sociais, culturais e esportivas, designando os

“jovens velhos” e aposentados dinâmicos, como a representação francesa denotava

(PEIXOTO, 2003).

Acerca desta nomeação de conceitos direcionados aos velhos, Neri (2003) expõe que,

algumas formas de tratamento aparentemente carinhosas como “velhinho”, “tia”, “melhor

idade”, “terceira idade”, dentre outros, podem mascarar preconceitos, pois são artifícios

semânticos.

Dessa forma, se existe uma necessidade social da criação e substituição de outros

vocábulos e expressões para caracterizar as pessoas de mais idade, significa que a sociedade

tenta ocultar algum estigma perante esse público. Portanto, essas várias palavras objetivam

suavizar essa fase da vida, trazendo a questão do politicamente correto, desconsiderando o

real sentido da palavra velho.

Convém exprimir, porém, que, mesmo com a existência de esforços na mudança de

nomenclatura, isso não pôde ser acompanhado pela implantação de uma política social

voltada para a velhice (PEIXOTO, 2003).

Page 24: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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No âmbito de políticas sociais, é importante frisar que, inicialmente, algumas

modificações na legislação brasileira (em especial com a criação da aposentadoria-velhice em

1973), chegaram a alterar a representação social do aposentado, rotulando de não produtivas e

velhas as pessoas de mais idade. Dessa forma, no Brasil industrial, o ciclo de vida passou a

ser reestruturado e a velhice a designar a época do repouso e do não trabalho (PEIXOTO,

2003).

Com efeito, a associação entre decadência e velhice se espalha pelo Brasil chegando

a afetar, em especial, a imagem que o velho tem de si mesmo. Assim, a percepção negativa da

velhice passa a ser associada com desânimo, perda de vontade de viver e dependência física

(BOKANY e VENTURI, 2007).

Com esse preconceito sociocultural, a velhice passou a ser sinônimo de declínio e

morte, sendo, muitas vezes, incorporada pelas pessoas de mais de 60 anos (CARNEIRO e

GUIMARÃES, 2012), chegando a acarretar algumas consequências: abandono do velho pela

família, morte social da pessoa, baixa autoestima, depressão e dificuldade na busca de

tratamento que prejudicam sua qualidade de vida.

Um importante aspecto na velhice ganha representação e passa a exercer influência

no comportamento das pessoas: a morte. Segundo Agostinho (2004), o sujeito lida com a

morte conforme direciona sua vida, os valores, os medos, as regras, os papéis sociais e

sonhos.

Elias (2001) postula a ideia de que, nas sociedades modernas, a morte é percebida

como perigo e, quando identificada com o sofrimento alheio, chega a causar grande temor,

pois representa a finitude.

Franco (2007) utiliza-se dos pensamentos de Oliveira e Pinto (2003), quando

expressa a noção de temor da morte advir da lembrança, com nossos medos de infância, de

que ela se associa com assassinatos, e dos mistérios que circundam os ritos em torno deste

fenômeno. Portanto, muitas pessoas, ao envelhecerem, vivem assustadas, pois carregam a

ideia de morte como algo traumático e pavoroso.

Karl Gustav Jung (2003) menciona que os velhos chegam a recorrer aos mitos como

forma de amparar suas angústias ante a proximidade da morte; ele diz que o mito traz uma

possibilidade de dar sentido às experiências humanas, indicando um norte para as atitudes

vitais.

As ideias de França (2003) concebem duas formas de tratar a morte: de teor físico e

de cunho social. A ordem física refere-se a uma deterioração natural e gradativa das funções

orgânicas e corpóreas, advinda com o passar dos anos; já a morte social ocorre quando a

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24

pessoa deixa de pertencer a um determinado grupo, seja por limite de idade ou por perda de

função, o que é característico do mundo ocidental.

Dentro dessa visão, advinda do capitalismo, a sociedade “insere’ o velho no mercado

de consumo, vendendo uma imagem para a mídia irreal, chegando a “adestrar” as amarguras

desse público com o objetivo de fazê-lo esquecer sua condição de proximidade com a morte

(FRANCO, 2007). Logo, a sociedade realiza uma espécie de controle social ante o contato

com a morte.

A morte é um fenômeno do envelhecimento, e a dor das perdas de pessoas queridas,

por ser uma constante lembrança do velho e da proximidade da própria hora, chega a causar

angústia e temor (FRANÇA, 2003). Essa estudiosa menciona que a dificuldade dos velhos em

comentarem sobre as perdas se atrela ao fato de eles verem na morte do outro a possibilidade

de sua finitude.

Com base nesse fato, podemos relatar uma matéria do Jornal Zero Hora (1998), ao

mencionar que as perdas podem trazer a consciência da morte e que a velhice passa a ser uma

fase em que as pessoas tendem mais a morrer, seguindo o ciclo natural da vida. A publicação

menciona ainda que o tabu da morte perturba, dependendo da forma como é encarado e que

fugir do assunto traz angústia ao sujeito.

Em outro contexto, trazemosos estudos de Carneiro e Guimarães (2012) os quais

citam Philippe Ariès (2003), ressaltando que as mudanças nas representações a respeito da

morte também influenciam a atitude das pessoas relacionadas à finitude. Ao longo dos

tempos, com as transformações socioculturais a história da humanidade vai se delineando e,

juntamente com ela, a representação da morte.

[...] a segunda fase da Idade Média, a morte se torna um evento, solidificado pelo

medo do julgamento final e pela necessidade de prestar contas. Já, no renascimento,

a morte se torna distante, chamada de morte selvagem. No século XVIII, a morte

possui um sentido novo: a morte de si mesmo é negada, enquanto que a morte do

outro é patética....término do século XIX, a presença do moribundo gerava

incômodo e esse era transferido para o hospital (CARNEIRO e GUIMARÃES,

2012, p. 8-9).

Nos estudos de Sevalho (1993), nos povos com escrita, a doença era como obra dos

deuses, maldições ou castigos divinos, adquirindo uma conotação de punição ou de algo

errado. Assim, o medo e a culpa se relacionavam a doença, e morrer doente era uma punição

para os pecadores. Para esse estudioso, na Idade Média, o doente deveria ser mantido a

distância, pois isto significava o medo do sofrimento e da morte. No Renascimento, com o

racionalismo de Descartes, surge a ideia de postergar a morte.

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25

Logo, ao se fazer uma análise da revisão histórica da representação da morte,

percebe-se é que existiram transformações profundas nesse processo e que colaboraram para a

formação social desse conceito atrelado a uma ideia negativa, que deveria ser temida e

afastada, pois era algo desconhecido.

A relação da velhice com a morte passa a ser uma concepção fatalista e que,

portanto, deveria ser evitada, devendo-se trabalhar sempre para elaborar uma representação

mais otimista e que restitua o sujeito na família e na sociedade como ser responsável por sua

história. Na visão de Carneiro e Guimarães (2012), a morte deveria ser compreendida como o

fim do ciclo, como algo natural e certo na vida do ser humano.

A consciência e a aceitação da finitude não deveriam ser angustiantes e

aprisionadoras, nem serem vistas apenas como marcadoras do fim; deveriam possibilitar-nos

uma continuidade real, mobilizando-nos ao desapego; a ideia trazida pela Modernidade de um

modelo ideal, de sujeitos imortais, onipotentes e belos, deveria ser abandonada por um

entendimento que se configurasse como um “sentido maior” da existência humana

(FRANCO, 2007).

No envelhecimento, dois conceitos devem receber uma atenção especial, pois nos

ajudam a refletir melhor essa etapa de vida tão singela : o corpo e o tempo. O corpo (do

ponto de vista da Psicanálise) a que iremos nos remeter se refere a algo que seja investido

libidinalmente e sobre o qual incidem afetos, prazeres e emoções e que vão deixando marcas,

criando uma imagem que nos permitirá reconhecer que somos sempre os mesmos, apesar das

mudanças do tempo (GOLDFARB, 1998).

Na visão dessa autora, quando o sujeito velho menciona que seu corpo já não lhe

deixa fazer tantas coisas, este nos “fala” que sente seu corpo como algo estranho e

desconhecido, como um outro que o prejudica, pois já não serve como instrumento, que o

ataca de fora, gerando uma sensação de desprazer e sofrimento. Ela ainda continua seu

pensamento, mencionando que, quando o velho se olha no espelho (ou no olhar dos outros),

percebe uma imagem atrelada à degeneração das capacidades corporais e físicas, passando a

não se reconhecer, pois capta esta imagem com susto e estranheza, como se esta fosse de

outro. Logo, ao se olhar no espelho, este lhe devolve uma imagem atrelada a uma identidade

em que se confirmam os prejuízos físicos, antecipando-se a velhice e a finitude, gerando

grande ansiedade na pessoa.

O tempo, para a Psicanálise, exprime um caráter subjetivo, pois atua nessa

elaboração e na história vivencial da pessoa. A história do sujeito se constitui no passado

“historizado” no presente, em um passado presentificado que acarreta consequências para ele.

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O tempo psicológico é a percepção da passagem de nossa vida e que está sujeita a

profundas transformações; ele está ligado à consciência de finitude que se inicia com as

experiências com a proximidade da morte (GOLDFARB, 1998). O velho passa a sentir um

grande temor no avançar dos anos, pois percebe que “já não tem tanto tempo pela frente, só

resta mais um pouco”.

Freud analisa a transitoriedade e remete à ideia de que o sujeito sente um temor pela

morte e um consequente amor pela vida, pensando na noção de valor àquilo que é belo. Isto é,

o escasso tempo que o velho tem para gozar de sua vida faz com que ele dê mais valor a esta.

É preciso considerar que esta época de temor da morte e das incertezas que ela

comporta é também uma época de extremo e apaixonado amor pela vida, expressa

na ligação afetiva dos homens às coisas terrenas: os amigos, os parentes, os animais,

as plantas. (RODRIGUES, 1983, p. 135)

Analisando outro contexto do envelhecimento, encontramos amparo em Leite (2004),

para considerar que o comportamento coletivo depende da existência de um conjunto de

regras estabelecidas socialmente e que toda atividade humana está sujeita ao hábito. Com base

nisso, as regras culturais (que estão a favor do capitalismo) postulam ideias que “transmitem”

(por imposição) uma imagem depreciativa dos velhos e que são interiorizadas de forma

alienada e distorcida pela sociedade. Portanto, o velho se sente inútil, descartável e

inadequado para uma sociedade que valoriza a juventude.

Nesse tocante, citamos algumas ideias de Émile Durkheim (1925), quando ele

expressa a moral como elemento central de seu pensamento. Esse estudioso assinala que a

moral é um sistema de regras de ação que predeterminam a conduta, as quais nos dizem como

devemos agir. Deste modo, na óptica de Rodrigues (2008), boa parte dos velhos se encontra

submetida a uma ordem social (sistemas de normas que conceituam a imagem depreciativa do

velho) esmagadora que o marginaliza, deixando-o à mercê da sociedade.

Rodrigues (2008) referencia os pensamentos de Durkheim para aludir que existem

várias instituições tradicionais e modernas (Estado, família, religião etc) que podem exercer

coerção (independentemente do nosso desejo) no sentido de assumir um papel de entidade

moral e reguladora. Logo, o velho passa a “aceitar” o que é empreendido por essa ideologia

dominante, uma vez que não quer se sentir “à parte” do sistema social.

Torna-se importante salientar, então, como se procedem às avaliações negativas que

desqualificam as pessoas de mais idade. Para tanto, algumas discussões acerca das nossas

atitudes e comportamentos se fazem necessárias.

Na compreensão de Neri (2007, p.35), as atitudes são definidas como avaliações de

pessoas em relação a objetos sociais, para as quais concorrem processos afetivos e cognitivos

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que juntos orientam nossas ações: “Nossos comportamentos em relação aos idosos e à velhice

dependem da interação entre crenças, que podem ser corretas ou incorretas, e entre afetos, que

podem ser positivos, negativos ou neutros, fracos ou fortes”.

Neri (2007), ao citar Osgoodet al (1955), menciona que os nossos comportamentos

em relação à velhice irão depender da interação de crenças, que poderão ser corretas ou

incorretas, e de afetos, que podem ser positivos, negativos, fracos ou fortes. A autora ainda

explica que a força das atitudes orientadoras do nosso comportamento social bem como

nossas motivações e emoções derivam da conexão entre atributos cognitivos e afetivos.

Alguns preconceitos e estereótipos resultam de falsas crenças a respeito da

competência e da produtividade das pessoas de mais idade (NERI, 2007). Daí o critério etário

fundamentado por motivos econômicos começa a passar por discriminação social, e o velho a

valer menos nas trocas sociais.

Com efeito, Neri (2003) fundamenta-se nas ideias de Butler (1969), ao dissertar que

a estigmatização deriva de alguma pessoa ou grupo se sobrepor a outro, ou seja, os velhos

passam a ser discriminados por grupos mais poderosos, que controlam o acesso a

determinados recursos ou em razão de exibir ou não certo atributo. Portanto, as sociedades

industriais, que valorizam a agilidade da juventude, passam a rejeitar as pessoas de mais idade

por não se encaixarem no critério etário exigido. Dessa forma, os velhos são limitados quanto

ao acesso a domínios importantes da vida, afetando diretamente seu statussocial, o bem-estar

psicológico e até mesmo a saúde física.

O advento da industrialização faz nascer no sujeito o mito da juventude eterna, apelo

constante dos meios de comunicação, como se o envelhecimento precisasse ser combatido a

todo custo pelos inúmeros produtos de beleza que surgem no mercado. As tintas de coloração

para os cabelos brancos, as vitaminas fortificantes, os remédios que prometem um vigor

sexual, as vestimentas que ganham um ar de maior jovialidade e outros meios surgem contra

ou a favor de um bom envelhecimento.

Considerando todos esses adereços criados por uma necessidade social, resta-nos saber

se quando uma pessoa faz uso de uma tinta de coloração capilar não está evitando o processo

natural de perda de melanina (se evita o envelhecer) ou se está querendo envelhecer bem, com

uma aparência mais saudável. Eis aí uma velhice que é atual e que é (re) constituída

diariamente.

Para Ecléa Bosi (1994, p.19),”ser velho é sobreviver” a uma sociedade capitalista que

opera aqueles que nada têm a produzir nos termos do capital. Ela fala ainda que os velhos não

realizam sua função social porque se encontram desarmados e que a destruição dos suportes

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materiais da memória que a sociedade capitalista se empenha em apagar, esvazia um sentido

da existência humana. Logo, os sujeitos envelhecidos,

[...] sem projeto, impedidos de lembrar e de ensinar, sofrendo as adversidades de um

corpo que se desagrega à medida que a memória vai-se tornando cada vez mais viva,

a velhice, que não existe para si, mas somente para um outro (...) (1994, p.19).

Então, o desmoronamento cultural da velhice como categoria oprimida, despojada e

banida da sociedade, privilegia o jovem e o novo. Como salienta Beauvoir (1990), torna-se

essencial romper o silêncio opressor que opera na velhice.

Neri (2003), utiliza-se das análises de Kalish (1979) e Palmore (1990), relatando a

existência de estereótipos compassivos e preconceitos positivos. O primeiro se refere a um

preconceito etário que realça a dependência e a incapacidade, contribuindo para a criação e o

fortalecimento de novas avaliações negativas. O próprio Estatuto do Idoso, na visão da autora,

torna-se implicitamente preconceituoso, uma vez que foi calcado numa visão de velhice

doente e economicamente dependente, que deve ser tutelada por instituições sociais. Vale

salientar que esta discussão é aprofundada no quarto capítulo, no debate das políticas

públicas.

O segundo preconceito se refere a uma supervalorização de atributos positivos dos

velhos, chegando a induzir falsas crenças e criar enganosas expectativas de competência. Um

exemplo disto é a noção de que todos os velhos são sábios, uma vez que experiências

significativas, flexibilidade e abertura de julgamentos são critérios pertinentes aos sábios, mas

que nem todos os velhos os possuem.

Ante esse âmbito de “morte social” do velho, sua exclusão e isolamento, gradualmente

passam a ser repensados (FRANCO, 2007); a Gerontologia começa a vestir uma nova

roupagem começando a rever uma série de mitos atrelados a imagens negativas da velhice

(DEBERT, 2013); os velhos começam a lutar para quebrar preconceitos e estereótipos.

Apesar da conotação de peso que os idosos ainda carregam, a sociedade já começa a

integrá-los de diversas formas. A agora chamada terceira idade é um público para o

qual já existem faculdades, cursos dos mais variados tipos, atividades físicas

específicas às suas necessidades, departamentos de instituições educacionais, como

a área da Geriatria e Gerontologia, além de direitos voltados exclusivamente para

ela. (FRANCO, 2007, p.111-112)

Então, os estereótipos carregados de pessimismo, gradativamente, vão sendo

substituídos pela imagem dos idosos como seres ativos e que são capazes de dar respostas

criativas e adaptativas às situações de mudanças sociais.

Convém considerarmos que, em virtude da existência de movimentos a favor dos

direitos para as pessoas acima de 60 anos, de protestos, dos benefícios advindos da

Constituição de 1988 e da criação do Estatuto do Idoso, mesmo com seus preconceitos

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implícitos, este representou um avanço. Houve um período em que as condições destes

agentes melhoraram sensivelmente, uma vez que se comprovou um progresso social,

chegando a se criar padrões em relação à velhice (NERI, 2003). Prova disso é a existência de

um modelo positivo de elaboração social da velhice, sinalizando que a sociedade já aponta a

existência de formas de envelhecer, mais positivas e saudáveis do que antigamente.

Alguns estudiosos já começam a aprofundar suas pesquisas que acenam para a

possibilidade de uma mudança nas reflexões e nos comportamentos em relação à velhice. Neri

(2003) faz uso dos estudos de Hess (2006), relatando que existem algumas variáveis que

podem moderar a influência de atitudes negativas em relação à velhice: sistema de educação

de qualidade pautado no respeito e nos direitos para os mais velhos, as interações com esses

agentes, o acesso a informações que contrariem os estereótipos, o acesso a informações sobre

as reais capacidades dos velhos com menor foco na idade e pouca ansiedade em relação ao

próprio envelhecimento.

A ideia do velho como ser ativo começa a estimular práticas sociais que visam a

garantir a participação do idoso na vida social com independência, dignidade e igualdade de

oportunidade (DEBERT, 2013).

Essa ideia de maior participação do velho no meio social que ainda está sendo

potencializada por políticas públicas e movimentos/conquistas sociais, paulatinamente traz,

repercussões macro e microssociais; sua identidade como ser inútil pôde ser (re) vista na

ocupação do mercado de trabalho; sua autopercepção e autoestima adquirem uma outra

conotação.

Na atividade dos velhos, a Síntese dos Indicadores Sociais realizada pelo IBGE

(2013), indica que a proporção destes que não recebe aposentadoria ou pensão pode estar

relacionada à inserção no mercado de trabalho, em que a taxa de ocupação foi de 27,1%,

sendo que 15,3% das pessoas eram ocupadas e aposentadas e o tempo médio de trabalho era

de 34,7 horas semanais. Já para as pessoas de 65 anos ou mais de idade, a taxa de ocupação

foi de 19,4%, diferenciando-se para homens (29,6%) e mulheres (11,6%).

Segundo pesquisa realizada por Camarano (2013), cujas ponderações procedem da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/IBGE de 1998, 2003 e 2008, bem

como registros do Ministério da Previdência Social (MPS), a aposentadoria ou o recebimento

de um benefício social não significa, necessariamente, a saída do mercado de trabalho.

Isto significa que boa parte dos velhos, mesmo estando aposentada, ainda se encontra

realizando atividades laborais. Foi visto que, apesar de os homens se aposentarem em média

aos 60 anos, nos três anos considerados, eles deixaram o mercado de trabalho quatro anos

Page 31: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

30

mais tarde, em 1998, e três em 2008. Diferentemente dos homens, parece que, para as

mulheres, a aposentadoria significava, de fato, uma saída do mercado de trabalho.

A pesquisa apontou que a mulher, apesar de viver oito anos a mais do que os homens

(70 e 78 anos respectivamente), passam menos tempo na atividade profissional do que os

homens. Para elas, a aposentadoria significava uma saída do mercado de trabalho, sendo em

parte explicada pela nupcialidade ou fecundidade.

Sumarizando, em 2008, um homem vivia, em média, 70 anos, passava 40,3 anos nas

atividades econômicas, 12,0 na condição de aposentado, 5,6 trabalhando e

aposentado e 2,6 anos com alguma incapacidade. Neste caso, 1,2 ano a menos que as

mulheres. Estas podiam esperar viver aproximadamente 78 anos, dos quais 29,0

anos no mercado de trabalho, 11,2 na condição de aposentadas, aproximadamente 2

como aposentadas e trabalhando e 3,8 com dificuldades para a vida diária.

(CAMARANO, KANSO e FERNANDES, 2013, p. 27)

Ainda segundo dados desta pesquisa, alguns fatores - como complemento de renda,

custo de oportunidade elevado pela saída precoce da atividade econômica, boas condições de

saúde e autonomia -são alguns fatores que talvez expliquem a permanência do aposentado no

mercado de trabalho. Para os componentes da pesquisa, participar do mercado de trabalho

significava afirmar sua participação social e que a saída precoce poderia significar numa

desintegração social, desencadeando depressão, alcoolismo, dentre outras adversidades. Todas

essas incapacidades e privações podem ser onerosas para o Estado e demandar políticas

específicas.

Portanto, se verificam vários aspectos que colaboram para a inserção e permanência da

pessoa de mais de 60 anos no mercado de trabalho, possibilitando maior visibilidade e

respeito desse público no ambiente social.

Em relação a formas de participação e organização do velho no cenário social,

podemos citar o movimento dos idosos, os fóruns, o Conselho Municipal do Idoso e as

associações que, mesmo sendo frágeis politicamente, são importantes por sua abrangência e

pela natureza de suas reivindicações (MACHADO, 2007).

Convém o fato de que conquistas do segmento idoso advêm da participação popular

por pressionar o Estado na efetivação dos direitos, como lembra Alcântara (2014, p.9), a

despeito da importância dos movimentos sociais, bem como da questão social da velhice

como responsabilidade do Poder Público:

A Política Nacional do Idoso é resultado de toda uma mobilização da sociedade

civil. Foi esta que, para além dos governantes, lutou e reivindicou, ao longo do

século passado por melhores condições de vida para o velho, uma vez que, casa,

comida e cama não eram o suficiente para prestar a assistência devida.

Page 32: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

31

Torna-se necessário, pois, que as pessoas mais velhas se insurjam como protagonistas,

como personagens capazes de exercer autonomamente papeis sociais; que elas atuem não

como personagem principal, mas como um ser que age sobre a narrativa e ocupa um lugar na

história (CORREA, JUSTO, ROZENDO, 2010).

2.2 Família e relações de parentesco

Ao adentrarmos o estudo do processo de envelhecimento, torna-se imprescindível

compreendermos o conceito de família, como se configuram as relações entre os membros

(relações de parentesco), de modo a conhecer como as pessoas se comportam, desempenham

os papeis e assumem sua identidade psicossocial dentro do grupo.

Consoante Ribeiro (1999), o termo família é derivado do latim “famulus” que

significa “escravo doméstico”. Este termo foi criado na Roma antiga para designar um novo

grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas a agricultura e também a

escravidão legalizada.

No Direito Romano clássico, a família natural passa a ser definida baseada no

casamento e nos vínculos de sangue, sendo constituída apenas dos seus cônjuges e dos filhos.

Nessa época, a família se encontrava sob a autoridade do mesmo chefe (estrutura patriarcal),

sendo formados vínculos matrimoniais, dando origem a novas famílias. Essa era a estrutura

dominante deste período.

Nessa época, passa-se a observar a família como um “produto ideológico”, força

moralizadora de determinado momento (FONSECA, 2007), pois essa célula servia de base às

forças de repressão, ou seja, o governo tomava medidas para justificar suas ações violentas

(exemplos: taxas de divórcio, controle de natalidade etc). Assim, estudiosos e alguns

movimentos de oposição ganharam força no rastro do “declínio do estado do bem-estar

social”, tecendo críticas de ver a família como locus privilegiado de problemas e soluções

sociais. Nesse sentido, na análise dessa autora, a família deixa de ser “célula básica” de

qualquer sociedade, passando a ser analisada como uma noção política e científica

historicamente situada.

No pensamento de Alcântara (2010) sobre família, esta relata que tal instituição deve

ser vista em sua multiplicidade de expressões, com suas diversidades de práticas, valores e

visões de mundo, contrapondo-se ao modelo hegemônico da família nuclear burguesa, isto é,

composta de mãe, pais e filhos (esposa e filhos devem obediência irrestrita ao marido).

Page 33: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

32

A existência dessa estrutura hierarquizada, advinda do modelo hegemônico, pôde ser

contrastada nesta pesquisa de campo, quando verificamos uma diferenciação na divisão

sexual do trabalho. Na conversa com os sujeitos da pesquisa, notamos uma não padronização

de atribuições específicas para homens e mulheres; o espaço da rua passava a ser um lugar da

mulher, sendo a casa um espaço não exclusivamente feminino; enfim, foi percebida a

existência de relação dos interlocutores de forma não hierarquizada.

Vivemos num tempo repleto de alternativas e ao mesmo tempo normativo; os papeis

não-rigidamente preestabelecidos são objetos de constantes negociações, na busca

de construção de uma nova lógica simbólica...O limite entre o que é pertencente ao

domínio público e o que cabe ao privado fica em suspenso.(LOPES &

CALDERONI, p. 225, 2007)

Nas conversas com algumas pessoas, percebemosuma internalização de valores

simbólicos, advindos da cultura local, que naturalizavam as relações sociais e que se

encontravam sob o aparato ideológico (NERI, 2007), como mostra o relato de uma senhora da

comunidade

Minha fia, as coisas aqui tão muito diferente...antigamente o homi só beijava na

mulher pra casar...hoje existe o tal dos fica que as meninote tudo embuxa é cedo...é

um fogo quente no rabo (ANA, 61 anos).

Antes os fio da gente respeitava nois...hoje se a gente não cuida eles bate em nós,

grita com nós e quer é mandar em nós...num obedece mais...as coisas hoje mudaram

pra pior...aqui eu já disse que leva péia e é muita se num mi

obedecer...(FERNANDA, 70 anos).

Estas expressões revelam ideologias dominantes perante um dado contexto histórico,

cultural e social que as pessoas utilizam para expressar suas visões de mundo sobre um dado

assunto. E é nesse sentido que pretendemos analisar homens e mulheres que residem no

espaço rural, os quais, com suas particularidades (jargões, costumes, ditos populares e

crenças) adquirem um cotidiano familiar próprio, com suas regras e códigos. Desse modo, de

acordo com alguns estudos antropológicos, observamos como os velhos vivem e o que fazem

e não o que as regras preestabelecidas enunciam.

[...] observar o que existe e o que significa para os nativos. Isso conduz â oposição

entre o ideal e o real, entre teoria nativa e comportamento concreto. O importante é a

ênfase na prática (interesses, ambição etc) como sendo a realidade da vida social,

mais do que padrões ideais. (WOORTMANN, 2002, p.14)

Tomando como referência Sarti (2004), torna-se necessário pensar a família como

uma realidade que se constitui pelo discurso sobre si própria, entendendo como esta se perfaz

dentro de uma cultura, ordenando as relações de parentesco (entre irmãos, pais e filhos e entre

marido e mulher).

Em Malinowski, a família é derivada de impulsos fisiológicos-psicológicos da

pessoa, podendo ser compreendida nos termos de uma psicologia do indivíduo

Page 34: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

33

(WOORTMANN, 2002). Tomando como referência Malinoswki, Woortmann (2002, p.10)

menciona que a cultura é a interação constante do organismo com o meio secundário em que

vive e que “a família é o resultado de condições que se manifestam no sujeito, no marco

cultural e na relação de ambos com o ambiente físico”, sendo esta condição necessária para a

sobrevivência deste no grupo; para aquele autor, os impulsos orgânicos são determinantes da

cultura.

Para a Antropologia a família é definida pela naturalidade e pela culturalidade. O

conceito de família é cultural, pois cada sociedade possui seu conceito sobre valores,

atribuindo sentido a estes, a responsabilidade e aos privilégios de cada membro constituinte

do núcleo familiar (WOORTMANN, 2002). Nesse sentido, a literatura socioantropológica

atribui importância ao estudo da família como processo, ou seja, como uma instituição que

adquire identidade, levando em conta as transformações advindas no meio extra e

intrafamiliar.

Uma das principais contribuições da Antropologia é justamente pensar na

“desnaturalização” e na “desuniversalização” da família, ou seja, do conceito de modelo

hegemônico de família nuclear burguesa. Logo, os estudos antropológicos reconhecem as

relações familiares como complexidades sociais, em que se estabelece a pluralidade, sob a

perspectiva de que as normas impossibilitam a apreensão de um universo tão heterogêneo e

dinâmico (ALCÂNTARA, 2010).

Em Malinowski, a instituição família é a família nuclear, correspondendo ao

princípio de reprodução como necessidade básica. Sua ênfase psicológica o afastava da noção

de sistema (grupos de parentesco); o parentesco, para ele, se resume à família individual

examinada internamente (divisão sexual do trabalho, relação entre pais e filhos) e como a

fonte das extensões que resultam das relações genealógicas (WOORTMANN, 2002).

Woortmann e Woortmann (2002, p. 29) fazem uso das ideias de Fortes (1964)

quando se remetem à ideia de universalidade da família nuclear:

[...] a mulher deve ter uma relação especial como um homem externo a seu grupo de

descendência, que é sociologicamente o ‘pai’ da criança, e esta relação é o foco da

‘legitimidade’ da criança, de seu status referencial no sistema de parentesco mais

amplo.

O princípio da universalidade da família nuclear de Malinowski era o foco genético

do parentesco. Sarti (1992) exprime que, o parentesco passa a ser estudado pela Antropologia

para regular as relações sociais em comunidades tribais, uma vez que estas não eram

dimensionadas pelo Estado.

Page 35: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

34

É importante ressaltar a diferença que Sarti (1992) faz quando menciona os conceitos

de família e parentesco. Para ela, apesar de ambos tratarem de fatos básicos da vida

(nascimento, acasalamento e morte), a família pode ser definida como um grupo social

concreto, e o parentesco como uma abstração, uma estrutura formal.

Quando se refere a Robin Fox, Sarti (1992) argumenta que os estudos do parentesco

se dedicam a analisar o modo como a pessoa faz com os fatos básicos da vida, por que ela faz

e por que escolhe determinadas ações; diferentemente de Malinowski, para quem o parentesco

é determinado de forma genética, partindo da situação simples da relação parental até suas

ramificações mais complexas.

Os estudos de Sarti (1992) relatam que o parentesco, para Lévi-Strauss, é uma

estrutura formal e universal, e que a existência da variabilidade advém dos variados arranjos

dos elementos do parentesco. A autora menciona ainda que o sistema de parentesco deveria

analisar porque tais elementos se articulavam de determinada maneira dentro de uma

organização social.

Para ela, o parentesco resulta de três relações básicas: da descendência (pai e filho e

mãe e filho), consaguinidade (entre irmãos) e afinidade (casamento, aliança) e que

variabilidade está em como se faz essa combinação entre estes elementos. Sarti (1992, p. 71)

continua, ainda: “Isto porque a descendência não tem nada a ver com o vínculo de parentesco

biológico entre pai e filho, mas com a definição social das regras de transmissão de direitos de

uma geração a outra”.

Segundo as ideias propostas pela Antropologia, dentro da família, o pai exerce uma

figura constituída socialmente pelo casamento, enquanto a mãe e os filhos são figuras

naturais; o casamento existe para legitimar a prole, definindo qual é o lugar ocupado por este.

Logo, essa aliança legitima a relação com os filhos e não do homem com a mulher (SARTI,

1992).

Consoante informa a autora, Lévi-Strauss aborda um caráter não natural da família,

uma vez que não pensa no átomo do parentesco desde uma unidade biológica; ele passa a

adotar uma dimensão cultural com a introdução de uma nova figura no parentesco, exercida

pela inclusão do irmão da mãe; ele postula, pois, então uma “desnaturalização da família”,

separando a família da unidade biológica.

Sendo assim, este estudo se volta, ainda que de forma parcial, às relações de

parentesco e da divisão sexual do trabalho da comunidade de Iracema, analisando a

combinação das relações, “qual o significado, que relações são proibidas, não são proibidas,

com quem se pode ou não casar, o que isso significa em termos de descendência” (SARTI,

Page 36: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

35

1992), enfatizando também a variabilidade. Nesse sentido, pensamos sobre como se instauram

as mudanças na família, associadas a um ou a outro elemento constitutivo desta,

contextualizando-a em termos de condições sociais.

Page 37: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

36

3UMA REFLEXÃO SOBRE O ESPAÇO RURAL:ENTRE CONCEITOS E

CONTEXTOS

3.1Divergências entre os conceitos de urbano e rural

São muitas as dificuldades teóricas e metodológicas encontradas pelos estudiosos do

assunto e pelos formuladores de políticas sociais em definir o que é rural no Brasil. A

compreensão de tal conceito se torna pertinente, em especial quando se inicia uma reflexão do

que seja urbano e rural no País (ALCÂNTARA, 2010). Nesse sentido, discutimos neste

capítulo acerca de tais recortes espaciais condizentes com mudanças sociais e históricas.

De fato, porém, o que é rural? Sorokin e Zimmermmann (1929) entendem que tal

espaço deve ser conceituado de acordo com suas características econômicas, isto é, o rural

abriga a produção agropecuária, e todas as demais atividades estão a ela subordinadas de

forma secundária. De modo geral, de acordo com os relatos dos interlocutores, o espaço rural

é compreendido como aquele ocupado pelo trabalho na agricultura e na criação de gado,

marcado por um estilo de vida longe da violência. Dotora eu até gosto daqui sabe...morar

aqui na zona rural é bom porque a gente lida com a terra e com os bichos e com as

vacas...isso é o rural...é tranquilo, fica longe dos barulhos, dos ladrões... (MARIA, 65 anos).

Nesse sentido, o rural emerge para os moradores como um lugar marcado por

características singulares que lhe conferem uma significação particular. O rural abriga a

relação do homem com a terra, da criação de animais e de relações familiares pautadas em

princípios de reciprocidade e solidariedade na divisão de tarefas. O modo de vida dos agentes

do espaço rural é traduzido como algo em que eles acompanham, alguma coisa que eles

regem e participam ativamente das tarefas domésticas e da lida na roça. A tranquilidade é

percebida como algo natural e que já faz parte do cotidiano; os sons advindos dos animais e

dos poucos carros que ali passam reforçam esse silêncio ensurdecedor de que eles gostam e

que qualquer alteração nesse meio chega a ser sentida como uma intranquilidade.

Na visão de Reis (2006), nas primeiras décadas do século XX, a sociedade brasileira

se configurava como amplamente rural. Já na segunda metade deste, porém, o Brasil se tornou

um país urbano, ou seja, mais de 50% de sua população passou a residir nas cidades. Isso foi

ocasionado, sobretudo, pela intensa industrialização que carecia de mão de obra e mercado

consumidor. Portanto, a urbanização se apoiou no êxodo rural e, então, os migrantes se

dirigiam às cidades em busca de emprego, salários e melhores condições de vida.

Para esse estudioso, de 1940 a 1980, o esvaziamento das áreas rurais e o crescimento

desordenado das cidades criaram mudanças significativas no espaço rural. A população

Page 38: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

37

brasileira, que até a década de 1940 era eminentemente rural, passou a caracterizar-se como

urbana, haja vista a migração decorrente da industrialização. Nos últimos 50 anos, de acordo

com Delgado e Cardoso Júnior (2004), essas migrações alteraram a configuração do espaço

rural, especialmente do ponto de vista econômico, em razão do aumento da pobreza e

exclusão social no contexto da “modernização’ da agricultura. Outro aspecto em que as

migrações refletiram, de sobremaneira, no rural, diz respeito às novas configurações

familiares.

Minha fia, uns ano ai atrás quando inventaram essas fábrica nas cidades a gente viu

um bocado de gente indo morar lá sabe...por causa que lá tinha emprego...hoje eu

tenho um filho que mora em Fortaleza e que deixou meu netinho pra eu cuidar...ele

vem aqui de vez em quando...ele vem passa uns dias cuidando de mim e depois vai

embora...fico com muita saudades dele. (MARGARIDA, 71 anos)

Os filhos foram para as cidades em busca de melhores condições de vida e deixaram

os netos para que os avós tomassem de conta. Nesse sentido, os velhos passaram a exercer,

por conta das adversidades, um papel de pais dos netos, ou seja, passaram a cuidar de forma

afetiva e material de seus netinhos.

De acordo com pesquisa realizada por Bertuzzi, Morais e Paskulin (2012), as

mudanças significativas no espaço rural, como o êxodo rural, a mecanização da agricultura e a

busca de trabalho não agrícola fora de casa pela mulher, chegaram a abalar, de alguma forma,

as condições de possibilidade de proteção dos velhos, a autoestima e a socialização. Tais

acontecimentos externos, portanto, afetam a relação desses agentes consigo mesmo, com os

outros e com o mundo.

Aqui eu moro sozinha mesmo...depois que meus filhos foram pra Fortaleza...agora

uns já vei pra cá de novo...mas antes, quando eles foram eu fiquei aqui sozinha sem

ninguém pra cuidar de mim...era eu que cuidava da casa, que tirava meu dinheirinho

que fazia tudo...quando tava doente tinha ninguém pra cuidar de mim...ainda bem

que hoje um filho veio embora e mora aqui bem perto...qualquer coisa, bato na porta

dele... (MARGARIDA, 71 anos)

Portanto, a migração de alguns filhos/netos dos entrevistados de Iracema produziu

sentimento de tristeza, ocasionado pelo distanciamento físico e por um reordenamento de

papéis.

Minha fia quando eles foram morar em Fortaleza eu sofri que só...chorava muito e

me sentia sozinha aqui nessa casa grande...nem saia de casa...agora não...agora que

eles já chegaram de novo, até meus netos fazem companhia pra mim...mas no

começo eu sofri viu? (MARGARIDA, 71 anos).

A Constituição de 1988 representou uma conquista para os velhos rurais, pois com ela

veioa previdência rural, chegando a inverter o quadro quanto à subsistência das famílias e ao

estímulo à produção agrária, favorecendo uma nova imagem aos velhos. Com o surgimento de

mais técnicas de produção, o espaço urbano deixou de ser o lugar exclusivo da indústria e o

Page 39: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

38

rural começou a absorver outras atividades, além daquelas de natureza agrícola. Tais medidas

modernizadoras no espaço rural, no entanto, não fizeram com que este perdesse suas

especificidades (ALCÂNTARA, 2010).

Com suporte no conceito de submissão das áreas rurais ao espaço urbano, Reis (2003)

ressaltou que, pouco antes da disseminação do capitalismo urbano-industrial, se originou um

conflito entre essas duas realidades distintas e que criou um enraizamento de estereótipos, o

qual se espalhou por todo o mundo e que talvez ainda perdure até hoje: o urbano está

associado à incorporação do capitalismo e do progresso da técnica, enquanto o rural é um

espaço definido pelo refúgio da aristocracia decadente e de antigas relações e formas de vida.

Reis (2006) utiliza-se dos pensamentos de Silva (1996), quando postula que o urbano

estaria associado ao novo, ao progresso capitalista das fábricas, e o rural ao velho, à velha

ordem social vigente. Na visão de três entrevistados, o rural se relaciona ao espaço marcado

pelo atraso e o urbano pela tecnologia. Aqui a gente num tem nada...pense num lugarzin ruim

e atrasado...lá em Paramoti pelo ou meno tem canto p gente ir, loja, pracinha e o forró dos

véi... (MARIA, 65 anos).

O espaço rural é percebido como um lugar sem maiores atrativos, especialmente

quando contrastado com a cidade ou sede do município onde são oferecidas atividades de

lazer, socialização e venda de artigos “diferentes”.

É importante mencionar que tal dicotomia não chegava a representar simplesmente um

corte geográfico e sim uma divisão em classes sociais. Assim sendo, durante o século XX,

auge da industrialização, o espaço rural passou a abrigar atividades do tipo não agrícola e os

espaços rurais e urbanos a não mais serem compreendidos de forma separada.

De que forma, no entanto, se procedeu a essa interpenetração dos espaços rurais e

urbanos? A compreensão dessa resposta se volta ao entendimento da existência de duas

abordagens do que sejam rural e urbano: a visão dicotômica e a ideia de continuum(REIS,

2006). Na primeira, o rural é pensado como algo que se opõe ao urbano, ou seja, cada espaço

assume identidade própria. Na segunda, ocorre uma aproximação entre tais espaços, chegando

a acatar a ideia de polos extremos. Portanto, a visão de Reis (2003), tomada a partir de

Siqueira (2001), considera a ideia de que a visão dicotômica se constitui como a primeira

etapa, para só depois ocorrer a noção de continuum. Dessa forma, com a urbanização das

áreas rurais, torna-se complexa uma definição universal do que é urbano e rural, já que tais

realidades distintas clamam por adequações específicas.

Outro aspecto que colabora para a ambiguidade do que é urbano e do que se entende

rural advém da própria legislação brasileira. A legislação que ainda vigora data do Estado

Page 40: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

39

Novo (1937), momento em que o País era eminentemente rural e que considerava urbana toda

sede de município (cidade) e de distrito (vila), o que colocava “o país dentre os mais atrasados

do ponto de vista territorial”. (REIS, 2006) Portanto, tal definição não considerava e ainda não

o faz considerar as características funcionais e estruturais, o que pode vir a comprometer a

destinação de recursos para os espaços rurais. Reis (2006) aborda que o prevalecimento do

espaço urbano na demarcação territorial diz respeito a interesses políticos, econômicos e

tributários.

Vale salientar que a importância em se delimitar o que é urbano e o que é rural,

atentando para evitar distorções, baseia-se na pretensão de prover um instrumento prático para

orientar os planejadores e legisladores na definição de políticas públicas e alocação de

recursos, tendo em vista as distintas necessidades do espaço rural. (FOSSA e FRANÇA,

2002)

Estudos de Rua (2006, p. 88) apontam que nesse movimento de unificação urbano-

rural, embasado por uma lógica capitalista, “surge um ambiente não como um “novo rural”,

mas como novas territorialidades, híbridas, mistas de “urbano” e “rural”, em que novas

geografias são identificadas”. Ele defende a ideia de “urbanidades no rural”, pleiteando a

manutenção de especificidades deste espaço, mesmo quando impactado pela força do urbano.

O capitalismo recria um rural, capaz de, participantes de lógicas complexas,

integrar-se, desigualmente, à múltiplas escalas que marcam as interações espaciais

do mundo atual. Esse processo de integração afeta, sobremaneira, a (re) construção

ou a manutenção da identidade social do agricultor e os rebatimentos territoriais

desse processo. (RUA, 2006, p. 83)

As razões capitalistas fazem emergir mais representações do espaço, com outras

imagens e sentidos, sendo difundidas como “um novo rural”. A compreensão da ruralidade

aqui expressa retrata uma representação social, definida culturalmente por atores sociais que

desempenham atividades não homogêneas e que não estão necessariamente remetidas à

produção agrícola. (CARNEIRO, 1998, p. 12)

Dessa forma, empregaremos ao longo deste trabalho o conceito de rural estudado por

João Rua, uma vez que percebemos Iracema e seus moradores sendo perpassados por novas

lógicas estruturais advindas da era da globalização e informatização, sem perder, porém, a

essência da existência que os configura. É justamente nesse espaço rural marcado por sentidos

e significados singulares que tencionamos discutir sobre os agentes que lá residem,

entendendo as relações sociais que estabelecem e seu cotidiano.

Page 41: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

40

3.2As categorias espaciais: sítio, sertão, roça, bairro, rural

Os estudos sobre a ruralidade demonstram que esse espaço é permeado por inúmeros

elementos do cotidiano rural. Em geral essas comunidades denotam características que as

diferenciam dos agrupamentos do espaço urbano, em termos de organização e de valores

culturais. São manifestações da cultura rural que, na maioria das vezes, permanecem nesse

ambiente ou até mesmo são levados para a cidade.

Então, recorremos a uma caracterização dos termos sítio, sertão, roça, bairro e rural

como forma de atribuir sentido ao modo de vida e às relações do espaço elencado desta

pesquisa. Com efeito, pesquisas desenvolvidas em várias regiões do Brasil demonstraram que

peculiaridades das mais diversas estão no universo rural. Essas singularidades foram encontradas

nos trabalhos desenvolvidos por Cândido (2010), Antônio Filho (1999, 2011), Alcântara (2010),

Woortmann (1990, 1995, 1997, 1999), Pietrafesa de Godoi (1999) e Heredia (1979).

O conceito de sertão é analisado por Alcântara (2010), passando a dizer respeito ao

período anterior à chegada dos portugueses ao Brasil, indicando as terras interiores

impossibilitadas de comunicação. Para Antônio Filho (1999), este termo foi utilizado para

designar um lugar rude e distante do litoral.

Segundo o Dicionário Houaiss (2001), o termo sertão é definido com uma região do

agreste, coberta de mato e afastada do litoral e dos núcleos urbanos, ligada ao ciclo do gado,

onde permanecem tradições e costumes antigos.

Para Antônio Filho (2011), o sertão no Brasil corresponde à vasta zona interiorana,

que começou a ser penetrada ainda no século XVI, logo depois da chegada dos colonizadores,

quando as fazendas de gado foram separadas das fazendas agrícolas, particularmente na

região Nordeste.

Esse autor admite que a palavra “sertão” exprime uma origem multivariada, cujo

significado convergia para um só sentido: locus cujo sentido é o interior das terras ou do

continente, podendo ou não vir implícito à ideia de aridez ou de área despovoada. Os

documentos gerados nos diários ou registros das viagens do período das grandes navegações

dos séculos XV e XVI deixam claro que a palavra “sertão” era de uso corrente pelos

portugueses, descartando, assim, a possibilidade de ser um ‘brasileirismo’. Para ele, o termo

sertão tem a conotação de um só sentido: a interioridade, mas que se expressa na fisiologia da

paisagem, numa diversificação muitas vezes sem similaridade.

Page 42: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

41

Na perspectiva de Pietrafesa de Godoi (1999), o sertão corresponde ao espaço que

abrange cerca de 90% do território nordestino, onde as temáticas de compadrio, as relações de

vizinhança e de família são as mais predominantes.

Já o vocábulo sítiopode ser compreendido como qualquer propriedade rural grande ou

pequena (CÂNDIDO, 2010). Já na acepção de Woortmann (1995), o termo sítiochega a

caracterizar a condição de fraco, ao passo que propriedade designa a condição de forte.A

autora aprofunda sua reflexão, mencionando que tal termo remete a múltiplos sentidos, por

exemplo, à ideia de unidades de parentesco.

Assim, nesta multiplicidade de conceitos, “sítio”, em seu sentido mais restrito,

equivale ao conjunto ‘casa-quintal” e, por excelência, “o espaço da mãe da família:

portanto, um espaço feminino”. Porém, se o sitiante possui mais de um terreno,

distante de sua casa, esta será identificada como “chão de morada”. “Sítio, então,

designa o espaço da família elementar, pois a residência é neolocal, no que

corresponde à casa”. (ALCÂNTARA, 2010, p. 76)

Outro significado a que podemos fazer alusão, se refere ao termo sítio, cujo termo diz

respeito ao espaço do “pai de família” corresponder ao roçado, ao mato etc, além de abarcar

“o ciclo evolutivo da família” (ALCÂNTARA, 2010). Nesse sentido, esse espaço simbólico

do ‘pai’ quando articulado a um padrão residencial, assume um caráter patrilocal na medida

em que define a saída da mulher do sítio de seu pai para o “chão de morada” do seu marido. O

“chão de morada” corresponde ao lote de terra que o filho recebe do pai, localizado bem

próximo a casa dos pais, onde aquele irá construir sua casa em separado.

O sítio perpassa a família extensa e a família elementar, decorrente da estruturação

familiar. Quando casa, o filho possui atividades em comuns - criação de animais, plantação,

farinhada – no espaço do “pai de família” - e a mulher possui atividades privadas, ou seja,

cada uma cuida de afazeres domésticos e da cozinha.

Em Iracema, não percebemos a existência dessa realidade, pois o filho homem,

esporadicamente, morava distante dos pais, enquanto as mulheres, às vezes, residiam próximo

aos seus pais. Essa organização residencial entre os moradores obedece à questão financeira,

uma vez que as mulheres passam a residir na propriedade dos pais, caso o marido não receba

um “chão de morada” do pai dele.

Woortmann (1995) relata ainda que a ideia de sítio pode corresponder a bairro rural, a

um território de parentesco; das pessoas que residem nesse espaço geográfico manterem laços

muito próximos, seja pelo sangue ou pelo casamento e serem unidas pelas relações de

reciprocidade. Nesse cenário, citaremos os interlocutores de Iracema que possuem a mesma

linhagem familiar, “Ferreira Gomes”, embora não mantivessem proximidade física e afetiva.

Page 43: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

42

O bairro ruralpode ser entendido como unidade social intermediária do grupo familiar

e outras formas mais complexas de solidariedade social. Esta unidade se caracteriza como um

grupo de vizinhança que se reúne para trabalhos de ajuda mútua e participa de festejos

religiosos locais, não compreendendo, necessariamente, uma divisão administrativa

(CÂNDIDO, 2010)

Sob este aspecto poderíamos definir o bairro [...] como o agrupamento mais ou

menos denso de vizinhança, cujos limites se definem pela participação dos

moradores nos festejos religiosos locais. Quer os mais amplos e organizados,

geralmente com o apoio na capela consagrada a determinado santo; quer os menos

formais, promovidos em caráter doméstico. Vemos, assim, que o trabalho e a

religião se associam para configurar o âmbito e o funcionamento do grupo de

vizinhança, cujas moradias, não raro muito afastadas umas das outras, constituem

unidade, na medida em que participam no sistema destas atividades (CANDIDO,

2010, p. 51).

Esse autor ainda define o bairrocomo um grupo formado por famílias que participam

de trabalhos comunitários e de festas religiosas coletivas locais - sendo um agrupamento

maior do que a família e menor do que uma vila. Deste modo, o bairro é uma unidade

integrada, fazendo parte de um conjunto amplo, podendo ser de um distrito ou município.

Então, os laços de amizade são elementos responsáveis pela organização, das

comunidades rurais, determinando as características locais e o maior ou menor nível de

ordenamento destas.

A unidade social do bairro é dada por festas religiosas, podendo ser de alguma

família, várias famílias ou de todo o bairro. A festa, contudo, é realizada em homenagem a um

santo padroeiro, envolvendo em geral toda a comunidade.

Beatriz Heredia (1979) faz-nos entender o conceito de roça, quando analisa a questão

do público e do privado em seus estudos. Para ela, existe a separação do espaço masculino

como sendo de produção, portanto público; já o feminino, é entendido como de consumo,

consequentemente, local privado.

Na análise dessa autora, a separação obedece a um critério patriarcalista intensivo nas

relações no campo. O espaço do patriarca, do provedor da família, liga-se ao roçado, onde se

movem as relações de produção e comercialização, ao passo que o locusfeminino se relaciona

à unidade de consumo. Portanto, o roçado é definido como público, assumido pelo homem, e

a casa ao local privado, assumido pela mulher.

No caso de Iracema, percebemos que não existe essa separação bem delimitada, pois a

mulher pode e chega a assumir atividades do roçado, enquanto o homem ocupa muitas vezes

a cozinha. Neste sentido, apreendemos uma relação de reciprocidade na divisão de tarefas.

Page 44: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

43

O termo ruralpode ser compreendido, na acepção de Cândido (2010), como um lugar

que exprime, sobretudo, localização, sendo caracterizado por um tipo social e cultural,

indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do campo.

Após a colonização ao Novo Mundo, seja por transferência e modificação dos traços

da cultura original, houve incorporação e reinterpretação de traços, que foram se alterando ao

longo do contínuo rural-urbano. Nesse sentido, ressaltamos o cotidiano dos moradores de

Iracema, que não chegaram a modificar seus hábitos e modos de vida, e sim os incorporaram

àqueles em curso. O televisor, o telefone e o fogão a gás foram elementos incorporados de

outra cultura (tecnológica e da cidade grande) e que fazem parte da vida dos moradores,

embora não se deixe de utilizar ainda o fogão a lenha, por exemplo.

Esta pesquisa é desenvolvida com base no conceito de rural, ou seja, as

especificidades de vida desses moradores (hábitos, costumes, ritos, gírias, cotidiano etc),

reinterpretadas ao longo de mudanças sociais e econômicas, é o que confere o caráter singular

a essa cultura e que, portanto, pretendemos analisar.

3.3 A vida no espaço rural

Desde agora nos debruçaremos sobre a vida desse homem que vive na ambiência rural,

como se processam suas relações familiares, enfocando também o gênero. Para tanto, os

estudos de Heredia (1979), Rogers (2006), Cândido (2010), Woortmann (1997) são

referenciados, pois são necessários para o desenvolvimento da pesquisa.

Os ensaios de Rogers (2006) versam acerca de uma reflexão sobre o ser camponês

como classe-objeto, na medida em que sua identidade cultural passa a ser isenta de pulsões e

vibrações. Na acepção do autor, as teorias sobre o rural se pautam sobre o corpo camponês,

compreendendo a sexualidade como funcional e central à reprodução sócio-biológica de um

grupo, em prol da manutenção das relações [parentais e vicinais] centrípetas...(Pág. 27).

Em Iracema, percebemos que a sexualidade não ocorre de acordo com o pretenso

modelo ideal de parentela, uma vez que, nos laços entre as famílias – pautados pelas relações

de parentesco – as paixões não eram ditadas socialmente. Verificamos, portanto, que os

moradores, apesar de pertencerem a uma mesma linhagem (homens eram irmãos ou primos),

não se viam obrigados a perpetuar o parentesco, oferecendo liberdade de escolha nas questões

afetivas dos filhos e/ou netos. Logo, os corpos dos sujeitos de Iracema não estavam

enclausurados em paradigmas.

Page 45: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

44

Para ele, fazer falar a “classe camponesa” é representá-la, é fazê-la existir

diferentemente, por si mesma e para a sociedade, em um grupo que o inconsciente coletivo

anula simbolicamente, referenciando-o como de “pessoas simples”, “humildes” dentre outras

categorias.

Rogers (2006) entende a condição de camponês como sendo um ser de dependência e

submisso, cuja posição na estrutura social é ocupada de forma variável, segundo as sociedades

e as épocas, mas dominada pela relação com o cidadão e a vida urbana, ou seja, a existência

camponesa está atrelada diretamente ao habitante e à vida da cidade.

Cândido (2010), ensina que no meio rural o casamento é importante nas condições de

trabalho e também na vida sexual.

Não sei o que seria da minha vida sem essa véia...ela me faz companhia, me ajuda

com os bichos e ainda cuida da casa...só não vai mais na roça mais eu porque ficou

doente dos olhos e não pode mais pegar sol e nem quintura...mas antes, ia plantar,

colher e cuidar do gado...ainda cuida de mim...mi ajuda em tudo...aliás a gente se

ajuda...e se respeita e se gosta também...não sei o que seria di mim sem essa

véia...(JOÃO, 70 anos).

Logo, as mulheres são vistas pelos maridos como companheiras no trabalho da roça e

também como figuras importantes na constituição da afetividade e da família.

Esse autor exprime que os filhos homens, desde pequenos, acompanham os pais na

lida da roça, com o objetivo de familiarizar-se com a experiência das técnicas agrícolas e no

trato com os animais. Já as mulheres, desde cedo, aprendem os afazeres domésticos e passam

a ajudar as mães nessa tarefa. Em Iracema, as filhas ajudam em casa, mas também realizam

outras atividades fora, como, por exemplo, no plantio das hortas e na venda destas na

comunidade.

Ressaltamos, com efeito, que o critério para definição de passagem da adolescência

para a vida adulta para os homens é o trabalho na roça, por volta dos 13 anos. Nessa idade, os

homens já “saem para os forrós”, namoram, fazem compras etc.

A masturbação é menos praticada no rural do que nas cidades, pois o jovem do campo

tem menos estímulo erótico (ROGERS, 2006). Quando este sucumbe, porém, ao desejo,

recorre muitas vezes ao coito com animais. Segundo Cândido (2010), essa prática com

animais é correntes. E como nem todos possuem gado de porte, os jovens acabam por utilizar

a cabra, porcos e galinhas. Esta fase, chamada de “masturbação compensatória”, chega a ser

Page 46: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

45

superada sem dificuldades nos primeiros contatos com mulher, que se estabelece de forma

cedo devido ao casamento precoce.

Rogers (2006) se baseia nos estudos de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1976) sobre a

divisão do trabalho sexual. A socióloga menciona sobre o padrão autoritário da decisão do

homem nos negócios da família. Já as mulheres, apesar de se responsabilizarem de educar os

filhos pequenos, “obedecem” a uma autoridade familiar exercida pelo pai.

Em Iracema, percebemos que, algumas vezes, a decisão final resulta na comunhão das

opiniões dos pais ou até mesmo na voz altiva da mãe. A autoridade não chega a ser paterna.

Tia por favor deixa vai...queria muito ir pra novena em Canindé, mas eu sei que só

posso ir se tu deixar ou se tu for comigo...o tio já deixou...mas sei que só posso ir se

tú deixar...queria que o tio que decidisse essas coisas...mas eu sei que é tú que

manda...deixa...por favor...(JÚLIA, 16 anos).

Aqui em casa a gente educa ele pro mundo...eu e João que decidimo se ia ou não

pras coisas...pros forró dele...hoje ele já cresceu ai não decidimo mais nada...mas

antes? Antes ele pedia e tudo e a gente resolvia se pudia ir e tudo...(MARIA, 65

anos).

A educação dos filhos era pautada pelo mecanismo de reciprocidade, ou seja, a

decisão de determinados assuntos familiares e até mesmo nos “negócios da família” era feita

pelos pais, ou quando muito, pela mulher.

Para a socióloga paulistana, a mulher camponesa tem statusde subordinação ao

homem, principalmente ao pai, em seguida, ao cônjuge. Na sociedade camponesa, embora

havendo divisão de tarefas segundo os sexos, a mulher apenas acompanha o marido.

A realidade percebida em Iracema é bem diferente da visão postulada por Queiroz.

Percebemos que não havia divisão das tarefas segundo o sexo, embora a mulher nem sempre

ocupasse o espaço da roça em virtude de sua condição de saúde ou por não gostar, e não por

uma imposição do marido ou até mesmo social. A mão de obra feminina não era vista como

ajuda e sim como trabalho.

Acho que aqui em casa ela trabalha mais do que eu na roça...eu quase não vou mais

por problemas de saúde... sei disso porque vejo e porque faço aqui em casa o que for

preciso fazer e tem coisa pra danar...o trabalho em casa também cansa, é

puxado...mas os dois fazem as coisas e no final dá tudo certo...(JOÃO, 70 anos)

De acordo com os interlocutores, os espaços geográficos da casa e da roça eram

atribuídos como trabalhos, ou seja, essa separação ocupava apenas um espaço simbólico, pois

Page 47: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

46

tanto o homem quanto a mulher se ocupavam destes. Portanto, a divisão de trabalho sexual

vivenciada em Iracema é o inverso da postulada por Moura, pois o trabalho da mulher não é

percebido como caráter complementar.

É importante ressaltar que, embora o “trabalho da casa” coubesse aos homens e às

mulheres, a educação das tarefas domésticas era de responsabilidade da mulher.

Já Heredia (1979), ao analisar o trabalho familiar de pequenos produtores do Nordeste

brasileiro, assinala que o trabalho no roçado é o labor do pai, definindo este âmbito como

estritamente masculino. Já as atividades da casa não são consideradas trabalhoe

correspondem ao universo feminino. Em circunstâncias excepcionais, embora as mulheres

assumissem tarefas masculinas, como o trabalho na roça, por exemplo, estavam subordinadas

às decisões e à autoridade paterna (ROGERS, 2006).

De acordo com os estudos de Heredia (1979), na maioria das vezes, a casa é pautada

no respeito da separação espacial. Exemplo disso está no fato de a sala (como lugar de

recepção das pessoas que não são da família) ser percebida como locusmasculino, lugar

público, e a cozinha como local de consumo, portanto feminino. Isso nos mostra a separação

destas duas unidades, a de consumo e a de produção, mediante os quais podemos perceber as

divisões de papeis sociais, dentro dessa sociedade em que a lógica da produção é familiar. O

homem é aquele que provê a casa por intermédio do roçado; somente o trabalho dele é

reconhecido na família, portanto, subjuga a mulher. E, ainda que haja um trabalho doméstico,

este não é considerado como trabalho, ou, mesmo que haja ajuda da mulher ou das crianças

no roçado, constitui-se somente como ajuda, e até mesmo como obrigação. Toda esta

contradição entre casa e roçado implica o cotidiano das pessoas e serve de referência para

análise da natureza patriarcal da organização social.

No que tange á categoria trabalho, Rogers (2006) menciona a valorização do trabalho

realizado no espaço rural, pois nele há um dispêndio de energia e suor, contrastando com os

trabalhadores urbanos.

Aqui a gente trabáiamuito...sol a sol...tem isso não...lá na cidade o povo é tudo nos

escritórios com ar condicionado...aqui a lida é dura...nosso bem mais precioso é essa

terra que Deus nos deu...indo pra roça, o suor pinga do rosto e nem água nóis bebe

às vezes...eu dou valor meu suor, eu dou valor meu trabalho...(FABIANO, 71 anos).

Page 48: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

47

Nesse âmbito, os moradores não veem a terra apenas como objeto de trabalho,mas

como moralidade, algo pautado no cenário de relações éticas. A terra é havida como

patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho que constrói a família enquanto valor.

Como patrimônio, ou como dádiva de Deus, a terra não é simples coisa ou mercadoria.

(WOORTMANN, 1990, p. 12)

Rogers (2006) menciona que as pesquisas de Woortmann e Woortmann (1997)

retratam a sexualidade, mais especificamente da mulher, em tom jocoso. Exemplo disso é a

significação que a existência ou não de pelos pubianos, apelidados por “mato”, assume nas

relações afetivas. Para a comunidade a mulher deve manter o “mato” até o casamento para

que o marido possa “plantar” nela na noite de núpcias. A raspagem deve ser feita durante toda

a vida de casada, pois as viúvas devem manter os pelos. Algumas mulheres mencionam que

elas mesmas “brocam o mato delas”, pois governam seu próprio corpo.

Para Woortmann e Woortmann são concepções classificatórias que demarcam

espaços de gênero, lugar da sexualidade e do desejo cuja tradição não deve ser

transgredida, para que sejam mantidas as fronteiras sociais. Nesse contexto, o

discurso é ainda pautado, apesar de suas aberturas, na perpetuação do imaginário

instituído sobre o corpo do camponês (ROGERS, 2006, p. 37-38).

Outro ponto interessante expresso em Paulo Rogers em sua dissertação, diz respeito ao

lugar onde se exercia a sexualidade. Para ele, o quarto da casa não era exclusivo para se ter

relações sexuais, e sim o espaço da roça. A roça tornava-se mais adequada para tais atividades

quando as plantas alcançavam certa altura e dava para manter uma privacidade. Nesse

período, as plantas estariam “quentes” e, segundo as mulheres, as pessoas também. O autor

passa a associar a “quentura” da mulher camponesa com o período de florescência das

plantas, remetendo a uma tríade Deus-homem-natureza.

Para Woortmann e Woortmann (1991), no estudo das sociedades camponesas, o que

prevalece é a questão do pátrio poder, reforçado nas pesquisas de Rogers (2006). Para os

autores, as mulheres se veem em relação aos homens em um processo que perpassa a

complementaridade para a dependência, ou seja, embora as famílias fossem organizadas de

forma hierárquica, havia uma complementaridade entre os gêneros, no plano da ideologia.

Assim, para a antropóloga, a mulher foi “incluída” no homem, como se fosse seu

“braço”. Nesse sentido, como não perceber uma clara analogia com o mito cristão da

Criação, em que o corpo-bíblico do camponêsparece dar testemunha do “milagre”

divino. (ROGERS, 2006, p. 39)

Page 49: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

48

O casamento no campesinato sergipano, de acordo com Woortmann e Woortmann

(1993), funcionava como algo que transformava o rapaz em homem, sendo necessário casar-

se segundo as regras, que eram, sobretudo, práticas de reprodução do grupo como um todo.

Em Iracema, percebemos que as relações afetivas são pautadas por regras, por

exemplo, o fato de uma moça embuxarsem ser casada revela uma vergonha para a família,

sendo necessário e “obrigatório” o matrimônio.

Por isso que eu digo sempre a ela...pode namorar, se agarrar bem muito, mas nada

de transa...eu digo pra ela que ela ainda é nova, que tem que estudar e ganhar

dinheiro...que depois que engravida ai pronto, vai ter que casar...aí perde o gosto de

estudar e ai o destino é só ficar em casa parindo um atrás do outro...eu oriento muito

ela aqui...por isso eu fico aqui na cola dela...ela me acha chata às vezes, mas me

escuta...(ANDRÉIA, 65 anos)

Portanto, o espaço rural possui características amplas e gerais, mas que se tornam

específicas segundo as mais diversas regiões do Brasil, decorrentes de um tom peculiar

quanto aos costumes, hábitos, regras e ao modo como as pessoas se organizam socialmente.

Page 50: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

49

4POLÍTICAS PÚBLICAS E VELHICE

4.1O Cenário brasileiro na criação das políticas públicas para a velhice

Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) mostram que

houve um alargamento do topo da pirâmide etária, o qual é observado pelo crescimento da

participação relativa da população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, passando

a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010. Dessa forma, o aumento dessa projeção etária

provocou a necessidade de se discutir os rumos da população e gerir as formas de viver

(CORREA, JUSTO e ROZENDO, 2010).

Essa gerência da vida humana, do governo dos corpos, tornou-se fundamental para a

elaboração de estratégias de governabilidade. No sentido foucaultiano, isto significava a

existência de um dispositivo biopolítico para o governamento e controle das populações

(LOPES, 2007). Logo, as políticas públicas foram elaboradas a fim de organizar a vida

humana, de criar estratégias para dar conta de segmentos da sociedade.

As políticas públicas podem ser compreendidas como o campo do conhecimento, que

busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e analisar essa ação. (SOUZA, 2006,

p.26). Este governo age de forma não apartada da sociedade, uma vez que esta não apenas o

influencia e o legitima, mas também é modelada e transformada pelas políticas

governamentais (CORTES e LIMA, 2012). Definir políticas públicas significa priorizar metas

gerais, estabelecendo as competências dos vários agentes envolvidos em seu cumprimento e

delimitar o grau de intervenção do Estado (BORGES, 2002).

A complexidade envolvida nas relações entre Estado e Sociedade subsidiadas pelos

acontecimentos políticos, econômicos e sociais,é o que atribui uma concretude à existência de

políticas públicas. Portanto, elas não podem ser compreendidas como não contextualizadas.

Ante essa realidade, as políticas públicas destinadas às pessoas de mais de 60 anos

foram estabelecidas ao longo dos anos e se destinam a contribuir para o exercício de uma

velhice mais ativa e participativa, pautada em um compromisso a ser assumido por toda a

sociedade.

Para entendermos a emergência dos direitos sociais para os velhos, devemos fazer uma

leitura da conjuntura histórica e política do Brasil, de maneira a reportar a luta dos

movimentos sociais, a aliança de vários setores do Estado com esses movimentos e das

mudanças em torno das representações do velho como ser histórico e digno (FALEIROS,

2012).

Page 51: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

50

Não tem havido, pois, política social desligada dos reclames populares. Em geral, O

Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua existência

histórica. Os direitos sociais significam, antes de mais nada, a consagração jurídica

de reivindicações dos trabalhadores. Não significam a consagração de todas as

reivindicações populares, e sim a consagração daquilo que é aceitável para o grupo

dirigente do momento. (VIEIRA, 1992, p.23)

Sabemos que o Brasil sofreu, ao longo dos séculos, uma relação desigual e

desfavorável mantida por Portugal na mercantilização. Assumindo papel de colônia, o Brasil

se tornou um país dependente e parasita, dificultando a formação de uma identidade nacional.

Tais relações assimétricas de poder estruturaram sistemas que chamamos de coronelismo,

clientelismo e corporativismo, embasando a tipificação de laços políticos entre Sociedade e

Estado (PRADO, 2012).

No final do século XIX e início do século XX, a assistência social era relacionada aos

princípios de uma sociedade escravocrata, governada pela oligarquia rural. O processo de “dar

esmolas” (atendimento pronto, direto) era destinado aos mais necessitados, exemplo do

assistencialismo filantrópico no Brasil (CAMARANO, 2004). Simultanemente, assistia-se a

uma transição da sociedade senhorial escravocrata para o modelo burgês. A emergência da

categoria pobre data desta época, pois a elite, a Igreja e os políticos asilavam em instituições

assistenciais os pobres - órfãos, os leprosos, mendigos e velhos. Daí, nasceu uma correlação

negativa entre pobreza e asilo.

Para Camarano (2004), no Brasil pode-se mencionar que a constituição da velhice

como categoria social advém de 1890, quando foram fundados asilos para abrigar velhos

desamparados e não desamparados. Foi nesse tempo, que teve início um trabalho de

desvinculação da ideia de velhice com mendicância, pobreza e desamparo.

No entendimento de Prado (2012), alguns autores utilizam o ano de 1930 como marco

da política social no Brasil, anterior ao período “lassez-faire”, pois o Estado quase não

intervinha na área social, deixando por conta do mercado. Para a estudiosa, o estabelecimento

de um serviço de proteção social para os trabalhadores, incluindo os velhosex-trabalhadores,

foi demarcado com a criação das caixas de aposentadorias e pensões (CAPs), em 1923,

destinadas aos ferroviários.

Portanto, somente alguns trabalhadores vinculados a grandes empresas tinham

benefícios previdenciários, ficando a maioria excluída do sistema. Para Camarano (2004), as

primeiras políticas previdenciárias de iniciativa estatal para trabalhadores do setor privado

surgiram no início do século XX, com as leis de criação do seguro de acidentes de trabalho

em 1919 e com a criação das CAPs. Nos anos 1930, o Brasil já contava com uma política de

bem-estar social, que incluía previdência social, saúde, educação e habitação.

Page 52: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

51

Com a crise de 1929, os níveis de comércio exterior diminuíram, entrando em cena

uma elite ex-agrária que se lançou no setor industrial. Essa crise do capitalismo fez emergir

uma pressão, apontando para uma mudança trabalhista e social do Estado, de modo a criar

condições para que algumas reivindicações de trabalhadores fossem aceitas e

fossemampliadas a participação deste. Então, essa instância passou a cuidar da questão social

na forma de contenção do movimento dos trabalhadores e de estabelecer um mercado para

alguns setores da indústria nacional. Esse processo de centralização política situa o Estado

como eixo organizador da sociedade (PRADO, 2012).

Em 1933, somaram-se às CAPs os institutos de aposentadorias e pensões (IAPs),

fundados pelo Estado para atender apenas determinada parcela da população, de acordo com

algumas categorias profissionais. Logo, na Era Vargas, boa parte dos trabalhadores urbanos já

possuía o sistema de proteção, exceto os trabalhadores rurais. Dessa forma, das décadas de

1930 a 1950, foram intensas as lutas dos trabalhadores aposentados, restringindo, porém, a

categorias específicas (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010).

Segundo Faleiros (2012), na Constituição de 1934, a velhice era pactuada como

situação que merecia favor, atrelada à filantropia aos maiores de 60 anos. Os direitos dos

velhos só se tornaram tangíveis quando relacionados à sua inserção produtiva no trabalho

industrial. Dessa forma, a pessoa que não trabalhava se tornava improdutiva e velha, sendo

excluída da esfera social. Vale salientar que, nesse período, aos trabalhadores rurais, ainda

haviam sido reconhecidos os direitos trabalhistas, ficando sob a responsabilidade da

oligarquia rural.

Portanto, mesmo com os movimentos sociais cada vez mais frequentes, em especial

das pessoas de mais de 60 anos, velhice ainda era uma questão privada, do âmbito da família

ou da filantropia ou até mesmo da religião (FALEIROS, 2012).

Em 1948, foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que trazia como

princípio fundamental a promoção da dignidade do ser humano por deliberação consensual

dos estados participantes (FALEIROS, 2012). Este documento torna-se importante na medida

em que povos e nações se comprometem a garantir uma proteção universal dos direitos

humanos e a influenciar o surgimento na sociedade de pactos, deliberações, leis, constituintes

ou assembleias que se traduzissem no estabelecimento de uma questão de cidadania.

Vale salientar, porém, que a efetivação da cidadania para as pessoas de mais de 60

anos se articulou com o processo democrático e ainda se desenvolve e se concretiza, ao longo

dos anos, com a história política e social do País, em uma estrutura de estabelecimento de

direitos iguais, numa sociedade desigual (FALEIROS, 2012).

Page 53: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

52

O autor ainda menciona a ideia de um modelo de proteção social estabelecido de 1930

a 1964, chamado ‘getulista”, baseado em específicas categorias profissionais de grandes

empresas em troca de controle social das classes trabalhadoras. Em 1964, instalado o regime

militar no Brasil, ocorreu a abertura para o capital estrangeiro, sem a promoção de reformas

sociais, ensejando a ampliação da desigualdade social e a limitação de direitos civis e

políticos. Na verdade, a política social nesse período foi utilizada para encobrir as verdadeiras

intenções do regime (“cortina de fumaça”) que seriam atenuar as pressões sociais e aumentar

o poder do Estado sobre a sociedade (PRADO, 2012).

Os anos que se sucederam a 1960 foram marcados por duas iniciativas que tiveram

impacto no desenvolvimento futuro de políticas públicas para os velhos: a Sociedade

Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), em 1961, e a iniciativa do Serviço Social do

Comércio (SESC) (CAMARANO, 2004). A primeira objetivou amparar a velhice e cooperar

com outras organizações interessadas em atividades educacionais, assistenciais e de pesquisa

relacionadas à Geriatria e à Gerontologia. Por seu turno, o SESC consistiu em um trabalho

com um pequeno grupo de comerciários preocupados com a solidão e desamparo dos velhos.

Até então, as instituições que cuidavam dos velhos eram apenas voltadas para o atendimento

asilar.

No ano de 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) sendo

responsável pela assistência médica da população urbana; em 1971, veio o Programa de

Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) que concedia aos trabalhadores rurais alguns

benefícios, embora fossem menores do que o INPS (PRADO, 2012). Tanto no INPS quanto

no PRORURAL, porém, existia uma reafirmação do vínculo empregatício para a concessão

do benefício.

Essa reorganização da previdência, no regime autoritário da ditadura militar, retirou

dos trabalhadores aposentados a gestão e a administração, que eram fonte de poder

dos sindicalistas. Os sindicatos e as lideranças dos trabalhadores são excluídos do

cenário político nacional. O movimento dos trabalhadores aposentados ficou

fragilizado e desmobilizado por décadas... (PRADO, 2012, p. 77).

Em 1974, o velho de mais de 70 anos que houvesse contribuído ao menos um ano para

a previdência passou a ser contemplado, no valor de 50% do salário-mínimo (à exceção da

aposentadoria por invalidez do trabalhador rural, que era de 75% do salário- mínimo) sem a

necessidade de vínculo empregatício para o pagamento dos benefícios pelo Estado, a chamada

Renda Mensal Vitalícia (RMV). As principais condições para sua elegibilidade eram: não

receber nenhum benefício, ter contribuído por pelo ou menos 12 meses ou alternativamente

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53

ter trabalhado por cinco anos em atividades na época não coberta pela previdência e não

auferir um valor superior à importância do benefício (CAMARANO, 2004).

A criação do FUNRURAL em 1975 foi um marco para os trabalhadores rurais, pois

era concedido meio salário-mínimo à população velha do meio rural. A previdência rural era

devida ao chefe de domicílio de mais de 65 anos que comprovasse ter trabalhado em

atividades rurais (CAMARANO, 2004). Como ressalta Prado (2012), entretanto, esse valor

concedido estava longe de prover a subsistência dos velhos, e, além do mais, atingia poucas

pessoas, uma vez que a expectativa de vida na época era de 57, 1 anos.

Em 1974, foi instituído o Programa de Assistência ao Idoso (PAI) direcionado aos

aposentados e pensionistas, que tinha como finalidade a criação de grupos de convivência

cujo intuito era a promoção social por meio de atividades físicas, recreativas e culturais

(CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010; PRADO, 2012). Destacam-se, então, os

Grupos de Convivência do SESC (1963) que perduram até a atualidade.

Na análise de Camarano (2004), não só o PAI, mas também muitos outros programas,

projetos e serviços implantados na época, possuíam uma linha ideológica com o fim de

amenizar as tensões sociais. Portanto, inicialmente, essas políticas tinham um caráter apenas

assistencial, sendo o asilamento a única política concreta para os velhos.

Até a década de 80, as políticas voltadas para a pessoa idosa estavam centradas na

garantia de renda e do asilamento. Aqueles que tinham condições socioeconômicas

não participavam de programas sociais, nem de serviços oferecidos aos idosos.

Nesse contexto de exclusão e políticas incipientes, começam a surgir os primeiros

movimentos e associações de idosos a reivindicar seus direitos (FRANÇA et al,

2013, p. 264).

Assim, as políticas do Governo Federal, até então, consistiam em caracterizar os

velhos como pessoas necessitadas e dependentes, atreladas a uma visão de vulnerabilidade

deste segmento. Mudanças paulatinas nessa visão foram tomando corpo ao longo dos anos

1980 por influência do debate internacional.

Foi nessa época que também eclodiram movimentos sociais organizados em vários

segmentos da sociedade em torno da defesa dos direitos das pessoas de mais de 60 anos.

Começaram a surgir as primeiras associações de velhos, dentre as quais a Associação

Cearense Pró-Idoso (ACEPI, 1977), sendo reconhecidas como as primeiras manifestações

sociais no sentido de pressionar por políticas direcionadas à velhice (FRANÇA et al, 2013).

Em 1981, foi criado em São Paulo o Programa Pró-Idoso, que tinha como finalidade a

conscientização e a mobilização social, o treinamento de recursos humanos mediante ações de

promoção, prevenção e assistência, além de fomentar o papel da comunidade e da família na

atenção ao velho (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010). Destacam-se a importância

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da Geriatria e da Gerontologia como campo da ciência que ganharam força na educação para

a velhice (DEBERT, 1999).

A criação do Conselho Estadual do Idoso, no Estado de São Paulo, em 1986, tinha

como função principal a elaboração de diretrizes para a implantação de ações em prol da

defesa dos direitos do segmento. Dentre essas ações, destaca-se a criação de núcleos regionais

do idoso (NRI), um local de atenção e apoio à comunidade somente para os idosos por meio

de atividades, como gincanas, excursões, atividades físicas, dentre outras, a fim de extinguir a

imagem do velho como ser incapaz. Vale salientar, no entanto, que esses locais, muitas vezes,

segregavam socialmente estas pessoas, pois concebiam espaços produtores de “guetificações”,

ou seja, os velhos passavam a não se socializar com pessoas de outras faixas etárias, realçando

a discriminação (CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010).

Em 1982, ocorreu a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Viena, com o

objetivo de debater pontos relativos aos idosos; os desdobramentos deste evento resultaram na

criação do Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento, com o intuito de firmar entre

os países o planejamento de uma política de atendimento nas áreas social, econômica, médica

e também legal para os mais velhos, firmando uma parceria entre Estado e Sociedade

(CORREA, FRANÇA e HASHIMOTO, 2010; PRADO, 2012).

Camarano (2004) menciona que o momento da Assembleia coincide com o período da

democratização do Brasil, o que resultou num avanço em políticas de proteção para a velhice.

Depois de um longo período de crises políticas do regime militar e movimentos

sociais, numa tentativa de legitimar a democracia, surge a Constituição de 1988, dispondo

sobre princípios assegurados aos velhos e instituindo a participação da sociedade civil nas

decisões políticas; os artigos situam na família a responsabilidade pelo amparodos velhos, na

velhice ou na enfermidade, assegurando a participação dele na comunidade e promovendo o

bem-estar (FRANÇA et al, 2013 e PRADO, 2012). A Constituição de 1988

Introduziu o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteção

social deixasse de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social-trabalhista

e assistencialista e passasse a adquirir uma conotação de direito de cidadania. O

texto legal estabeleceu, como princípios básicos, a universalização, a equivalência

de benefícios urbanos e rurais, a seletividade naconcessão, a irredutibilidade do

valor das prestações previdenciárias, a fixação dobenefício mínimo em um salário

mínimo, a equanimidade no custeio e a diversificaçãoda base de financiamento, a

descentralização e a participação da comunidade, de trabalhadores, empregadores e

aposentados na gestão (artigo 194 da Constituição). Assim sendo, a seguridade

social passou a ser conceituada como ‘um contrato coletivo, integrante do próprio

direito de cidadania, onde os benefícios seriam concedidos conforme a necessidade e

o custeio seria feito segundo a capacidade de cada um. (CAMARANO, 2004)

Page 56: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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Essa Carta Magnaprovocou uma mudança na imagem do velho assistido e

improdutivo, para o velho ativo e sujeito de direitos; de um velho cuidado exclusivamente

pela família para uma pessoa protegida pelo Estado e pela Sociedade. As políticas de

previdência, assistência social e saúde que incluem os velhos passaram por um complexo de

transformação que foi do Estado liberal dos anos 1920 a um Estado de proteção restrita sob a

égide do “varguismo”, apresentando caráter excludente (não protegia os velhos da zona rural);

finalmente, a Constituição de 1988 passou a instituir uma proteção de caráter integral

(FALEIROS, 2012).

Ainda, porém, que os direitos dos velhos tenham avançado com a Constituição de

1988, o Estado transferiu a responsabilidade, mediante parcerias dessa questão social, para a

família e a sociedade civil; entretanto, observa-se é que a família encontra entraves no

cumprimento desse dever, em virtude do empobrecimento (CAMARANO, 2004; PRADO,

2012).

Debert e Simões (2006) destacam a crescente diversidade e fluidez dos arranjos

familiares no Brasil e a ênfase dada pelo Estado às obrigações da família, como

forma de encobrir a falta de investimentos em novas modalidades de atendimento

institucionais que garantam a dignidade da velhice. Ressaltam que a família perdeu a

centralidade como provedora de cuidado a velhice e que vêm aumentando as

expectativas dos idosos quanto à independência financeira e à autonomia ante os

filhos, como condições para a manutenção de relações afetivas e de trocas

prazerosas entre gerações. (SIQUEIRA, 2007, p. 219-220)

A responsabilidade extrema delegada à família talvez devesse ser ponderada e

repensada, pois o apoio do Estado se faz fundamental nesse panorama social. Logo, mesmo a

proteção social dos velhos sendo institucionalizada como dever do Estado pela Constituição

de 1988, o que se verifica são poucos avanços e muitos retrocessos em termos de política

social.

Consoante Tânia Prado (2012), a Constituição de 1988 traz um caráter dúbio, pois, ao

mesmo tempo em que possui uma ideologia liberal-democrática e universalista, sendo

mobilizada por vários segmentos das classes populares objetivando a universalização dos

direitos e defesa social, chega a respeitar e dar atenção à ordem burguesa.

Outro ponto constitucional curioso, relativo à proteção dos velhos, analisado por

Camarano (2004), diz respeito ao artigo 227 do capítulo VII que versa sobre o direito à vida,

entre outros:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Page 57: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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Logo, verificamos que, mesmo esse capítulo tratando de questões atreladas a família,

criança, adolescente e idoso, este último foi marginalizado em sua concretude.

Com as reformas da Constituição, foi extinta a aposentadoria por tempo de serviço, sendo

concedida no regime geral aos 35 anos de contribuição para o homem e 30 anos para a

mulher; a aposentadoria por idade é concedida ao homem aos 65 anos e à mulher aos 60 anos

com período de contribuição (FALEIROS, 2012). Já no âmbito rural, os trabalhadores passam

a ser incluídos na previdência social com um salário-mínimo e redução de cinco anos em

relação ao previsto aos trabalhadores urbanos. Portanto, a previdência passa a ser instituída

como um sistema de proteção ao trabalhador com caráter de redistribuição de renda, sendo

mantida pela contribuição do trabalhador e de toda a sociedade (FRANÇAet al, 2013;

FALEIROS, 2012 e PRADO, 2012).

Para regulamentar os princípios dessa Constituição, foi criada (1993) a Lei Orgânica

da Assistência Social (LOAS), que estabeleceu a concessão do Benefício da Prestação

Continuada (BPC) às pessoas maiores de 70 anos com carência comprovada, com uma renda

em torno de um salário-mínimo. Verificou-se, entretanto, que tal benefício era excludente,

pois era negado a alguns velhos que não se enquadravam em tal perfil essa renda. Com o

tempo e lutas sociais, a idade mínima para esse recebimento passou a ser de 67 anos em 1998

e de 65 anos em 2004 (FRANÇAet al, 2013).

O resultado de muitas lutas sociais fez eclodir a organização da Confederação

Brasileira de Aposentados (COBAP), em 1990, que objetivava a recomposição das perdas

salariais em quantidade de salários-mínimos na época da concessão das aposentadorias bem

como pela conquista de direitos sociais e cidadania (FALEIROS, 2012). Os membros dessa

organização pregavam por uma justiça social no sentido de receber uma quantidade de

salários-mínimos de aposentadoria que fosse equivalente ao que tivessem contribuído ao

longo dos anos.

A participação da sociedade civil nas políticas públicas, garantida pela Constituição de

1988, auxiliou na criação da lei da Política Nacional do Idoso (PNI) em 1996.

As principais diretrizes norteadoras da PNI consistem em: incentivar e viabilizar

formas alternativas de cooperação intergeracional; atuar junto às organizações da

sociedade civil representativas dos interesses dos idosos com vistasaformulação,

implementação e avaliação das políticas, planos e projetos; priorizar o atendimento

dos idosos em condição de vulnerabilidade por suas próprias famílias em detrimento

ao atendimento asilar; promover a capacitação e reciclagem dos recursos humanos

nas áreas de geriatria e gerontologia; priorizar o atendimento do idoso em órgãos

públicos e privados prestadores de serviços; e fomentar a discussão e o

desenvolvimento de estudos referentes à questão do envelhecimento.

(CAMARANO, 2004)

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57

A finalidade desta foi prover condições para que sejam promovidas a autonomia, a

integração e a participação dos velhos por meio de políticas saúde, cultura e lazer dentre

outras (PRADO, 2012). A PNI prevê a participação no relacionamento intergeracional e por

meio de organizações representativas num sistema de descentralização, conforme estabelece a

Constituição. Essa lei criou os conselhos de direitos do idoso (CDI) e ações governamentais

que deveriam implementar as políticas para os velhos nas mais diversas áreas, como saúde,

assistência, habitação e cultura (FALEIROS, 2007). Ela foi “a primeira lei brasileira

específica a assegurar os direitos da pessoa idosa e a considerar, em seu objetivo, um ser que

têm direitos e deve ser diferenciado em suas necessidades físicas, sociais, econômicas e

políticas”.(FRANÇA et al, 2013, p.265)

Depois da criação dessa política, com repercussão nacional,foi instituído o Conselho

Nacional do Idoso (CNI) cuja principal ação foia substituição dos asilos por centros de

convivência e estimulação à assistência ambulatorial e domiciliar (FRANÇA, CORREA e

HASHIMOTO, 2010).

Mesmo, porém, com os avanços advindos com a PNI, essa política foi alvo de muitas

críticas, pois chegou a desconsiderar a participação dos velhos e das entidades civis que

representavam seus interesses, uma vez que foi elaborada pelos representantes de vários

ministérios, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Promoção Social.

[...] estamos, portanto, diante de algumas contradições, em especial, a relativa

participação dos idosos, sua organização e representatividade versus a criação de

Leis ou Instituições que os “defenderiam”, sem que os próprios idosos nelas estejam

presentes como verdadeiros atores [...]. (PAZ, 2001, p. 26)

Ante as necessidades de saúde das pessoas de mais de 60 anos, foi instituída a Política

Nacional de Saúde do Idoso (PNSI) em 1999, com o objetivo de promover um

envelhecimento saudável, uma manutenção e melhoria em sua capacidade funcional, bem

como a prevenção e a reabilitação dos velhos (PRADO, 2012). Observa-se, porém, uma

dificuldade dessa política em se concretizar, haja vista o sistema de saúde pública do País

estar obsoleto e comprometido.

Em 2002, ocorreu em Madri a II Assembleia Mundial do Envelhecimento, com o

objetivo primordial de promoção de saúde e bem-estar da velhice e da criação de um ambiente

favorável ao envelhecimento. Esse evento também pretendia rever os desafios da última

assembleia que foram: as consequências do enfraquecimento dos vínculos familiares advindos

do processo migratório e o impacto econômico procedente das pensões e seguridade social

(FRANÇAet al, 2013).

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58

Após muitos embates políticos de várias organizações dos velhos, de entidades de

aposentados e pensionistas (como a COBAP), da Associação Nacional de Gerontologia e

outros órgãos atrelados a esses movimentos em que reivindicavam a junção de várias

diretrizes, surgiu o Estatuto do Idoso, em 2003, com vistas a reconhecer por lei os direitos e

deveres dos que envelhecem, assegurando prioridades e protegendo-os de toda forma de

violência com base numa legislação específica (CENEVIVA, 2004). Este documento versa o

velho como um sujeito de direitos e político. O Estatuto se tornou marco legal para a

consciência sobre os velhos no País, no intuito de priorizar, reforçar e ampliar as questões

contidas na PNI, especialmente aquelas relacionadas a saúde e cidadania. É importante

salientar que a reunião das muitas leis em um só documento pretendeu tornar a atuação do

Ministério Público mais rápida no que se refere à violação de direitos (PRADO, 2012).

O grande avanço do Estatuto do Idoso está na previsão de estabelecimento de crimes

e sanções administrativas para o não cumprimento dos ditames legais. No caso de

violação destes ditames, caberá ao Ministério Público (MP) agir para a garantia dos

mesmos. O artigo 4º determina que todos estão obrigados a prevenir a ameaça ou

violação dos direitos do idoso. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão

responsabilizados, sejam pessoas físicas ou jurídicas (empresas, instituições,

entidades governamentais etc. Esta responsabilidade não é apenas criminal, mas

também civil (CAMARANO, 2013, p.9).

A lei prevê o direito à concessão de um salário-mínimo desde os 65 anos, ou seja, dois

anos a menos do que já estava estabelecido, a todos com situação de renda per capita familiar

igual ou inferior ¼ de salário mínimo.

Alguns estudiosos, como Soares (2000) e Laurell (2000), alegam que um Estado

atrelado a uma política neoliberal faz emergir uma crise fiscal minimiza a conquista de

direitos sociais. Na verdade, ocorre é que o Brasil, empenhado em se adequar à nova ordem

internacional dessa política, de acordo com normas exógenas, reduz os gastos públicos,

minimizando a ação estatal, de modo a abrir as portas de forma irrestrita ao mercado e a

realocar recursos necessários. E é justamente nessa linha de raciocínio que o Brasil adota

estratégias (corte dos gastos sociais e descentralização) para implantar ações que favorecem

odesemprego estrutural, a exclusão social e o aumento da pobreza. Montaño (2005) faz uso

das palavras de Soares (2003):

Diante desse quadro de enorme complexidade, no entanto, ao invés de evoluirmos

para um conceito e uma estratégia no sentido de constituir uma rede universal de

proteção social que explicite o dever do Estado na garantia de direitos sociais,

retrocedemos a uma concepção de que o bem-estar pertence ao âmbito privado, ou

seja, as famílias, a comunidade, as instituições religiosas e filantrópicas, devem

responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger os mais

pobres. (MONTAÑO, 2005, p. 12)

Page 60: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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É justamente nesse modelo de Estado que minimiza suas ações no campo social

(transferência de atribuições das esferas federal e estadual para a municipal, esta não tendo

condições efetivas de mantê-las) e apela à solidariedade social, caracterizada por ações focais

e seletivas. São ações tímidas, com pouca efetividade social, denotando um claro desmonte da

proteção social e desestabilização das garantias conquistadas pela classe trabalhadora

(PRADO, 2012). Portanto, dentro de uma perspectiva de “Estado mínimo” com maior

importância ao mercado, a substituição dos direitos sociais pela filantropia e mercantilização

impacta a proteção social às pessoas de mais de 60 anos no Brasil.

Retomando, com este percurso de atenção voltada para a velhice, o Ministério da

Saúde, com o propósito de pactuar as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), criou em

2006, o Pacto em Defesa da Vida, constituído por um conjunto de compromissos sanitários,

expressos em objetivos de processos e resultados e derivados da análise da situação do País e

das prioridades definidas pelo Governo Federal, estaduais e municipais; este documento

objetiva dar atenção e priorizar os velhos; neste sentido, surgem os serviços especializados de

média e alta complexidade (atenção diferenciada de internação e atendimento domiciliar) para

atendimento a esse público (FRANÇA et al 2013).

No ano de 2006, ocorreu a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa

(ICNDPI),com estratégias para implementação da rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa

(RENADI); o evento teve por tema “Construindo a Rede de Proteção e Defesa da Pessoa

Idosa”, discutido com base no Plano Internacional para o Envelhecimento, na Política

Nacional do Idoso, no Estatuto do Idoso, nas deliberações da IX Conferência Nacional dos

Direitos Humanos e de outros dispositivos legais que versavam sobre tal temática (FRANÇA

et al 2013 ). A Conferência foi baseada em oito eixos temáticos, que se articulavam em vários

aspectos de uma política de direitos para os velhos, de modo a garantir a diversidade, as

especificidades e a transversalidade. Já em 2009, ocorreu a II Conferência Nacional dos

Direitos da Pessoa Idosa (II CNDPI), com a finalidade de avaliar o estabelecimento da

RENADI, os avanços e desafios enfrentados na implementação das políticas (FRANÇA et al

2013).

O Programa Nacional dos Direitos Humanos- PNDH-3, criado em 2009, é expresso

como um marco no País na proteção aos excluídos e propõe no terceiro objetivo da décima

diretriz avalorização dos velhos e promoção de sua participação na sociedade (BRASIL,

2010).

As ações e programas relativos aos velhos fizeram surgir a necessidade de

financiamento para assegurar os direitos a esse público, sendo elaborado, então, o Fundo

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60

Nacional do Idoso. O FNI é gerenciado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa

(CNDI) e a verba adquirida advém da dedução do imposto de renda de pessoas físicas e

jurídicas às doações realizadas aos fundos municipais, estaduais e nacional. (FRANÇA et al,

2013). Portanto, esse passou a ser um passo importante, com vistas a garantir condições

concretas para o estabelecimento de uma política consistente para os velhos.

Outro importante evento acontecido em prol dos velhos foi a III Conferência Nacional

dos Direitos da Pessoa Idosa (III CNDPI), em 2011, que objetivava discutir os avanços e

retrocessos da PNI e demais assuntos referentes ao envelhecimento, tendo como tema “O

compromisso de todos por um envelhecimento digno no Brasil” (FRANÇA et al 2013).

Portanto, segundo a demógrafa Camarano (2004), em um percurso histórico atrelado

ao contexto socioeconômico, podemos considerar profundas transformações nas políticas

setoriais do Brasil. Na política de renda (previdência e assistência), verificamos conquistas no

que se refere à idade de se aposentar, aos valores em torno deste benefício, bem como numa

mudança de paradigma de “coitadinho” para uma pessoa que pode ser ativa e participativa.

No âmbito da saúde, apontamos o surgimento de muitos serviços, programas e projetos

embasados sempre na Geriatria e Gerontologia, no sentido de promover maior independência

física, psicológica e financeira.

Já em relação aos cuidados de longa permanência, foram concretizados com asilos,

albergues, casas de repouso, dentre outros, para os portadores de algum tipo de limitação

física, mental ou econômica. No que tange às políticas de integração social, perpassam todas

as demais questões, descrevendo estratégias de ação nas áreas de educação e cultura, esporte e

turismo bem como atividades relacionadas às associações de aposentados e pensionistas.

Ao longo da história contemporânea, a emergência dos direitos sociais para os velhos

expressa um caráter peculiar que foi adquirindo mais visão pública nas lutas pela previdência

social em um processo marcado por embates políticos significativos.

Assim, podemos afirmar que a política da aposentadoria contribuiu para que as

imagens e significados em torno do envelhecimento adquirissem novos contornos e

traços mais revitalizadores dessa fase da vida. O aposentado passa a ser aquele que

ingressa em um novo período propício para a realização de outros projetos de vida,

tanto para o consumo, como para o descanso [...] (FRANÇA et al, 2010, p. 235).

Vale ressaltar que não somente a aposentadoria, mas também a intervenção do Estado

e outras políticas públicas subsidiaram na conquista de várias figurações para a experiência do

envelhecer, trazendo novos sentidos para esse público.

Essa conquista de direitos dos velhos, em muitos momentos, está atrelada à realidade

social e política mundial. A trajetória de acesso e garantia de direitos passa por uma história

Page 62: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

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de avanços e recuos, recebendo impactos de forças políticas que assumem o poder e do

capitalismo (FALEIROS, 2012). Portanto, as garantias assinaladas na lei precisam ganhar

corpo no meio social, pois, muitas vezes, permanecem no plano virtual; é necessário que tais

direitos ganhem de fato concretude e ressonância no cenário social.

Os direitos dos idosos estão passando por transformação substancial, mas muito

recente. Com novos tratamentos, a sobrevivência se estendeu a grupos cada vez

maiores de pessoas, sem que a sociedade ou o Poder Público lhe preserve o direito

de viver bem, na normalidade das relações com a comunidade e com seu entorno

social. Há muito de sonho no Estatuto do Idoso, mas, ainda assim, é lei digna de

nota, com a esperança de que sua aplicação prática não seja desmentida pelo futuro.

(CENEVIVA, 2004, p. 21)

Assim,a necessidade da efetividade de direitos no cotidiano dos velhos só se tornará

possível mediante a integração de vários segmentos da sociedade para fortalecimento dessas

políticas públicas, a fim de garantir a práxis desses direitos a esse público.

Apesar de tantas conquistas, os direitos dos velhos ainda não são garantidos em sua

integralidade. As pessoas de mais de 60 anos têm direito à renda previdenciária ou assistencial

e à atenção à saúde, mas o acesso ainda é profundamente desigual, cabendo à família o

cuidado dos velhos dependentes. A própria Constituição possibilitou a consolidação, tanto do

direito à idade avançada com dignidade, participação e proteção, como do direito individual e

coletivo, embora ainda persista uma grande desigualdade social (FALEIROS, 2012). Na

prática cotidiana, os direitos dos velhos são violados das mais diversas formas, tanto pelo

Poder Público como pela família e pela sociedade; já o Ministério Público “deixa um pouco a

desejar” no que se refere à repressão penal na violação desses direitos, mecanismo este

instituído no Estatuto (GODINHO, 2007).

A história de intensas lutas e movimentos sociais pode contribuir para uma mudança

na imagem do velho para si e a sociedade. Esse pacto de cuidados, porém, só se efetiva com

serviços articulados, com protagonismo do velho, com recursos financeiros e humanos e

compromisso dos gestores do sistema (FALEIROS, 2012).

A sociedade só se tornará menos injusta se houver efetividade no pacto na redução das

desigualdades. Já a criação de leis, portarias, e outras diretrizes não tem o efeito de mudar um

sistema concentrador e excludente, mas amplia direitos à inclusão no desenvolvimento da

cidadania, a qual se configurará quando os velhos forem sujeitos de sua história, por meio da

participação política e do exercício da autonomia, num Estado e numa sociedade de direitos

democraticamente constituídos (FALEIROS, 2012).

Page 63: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

62

4.2 Nas tramas do estatuto do idoso: os caminhos

O Estatuto do Idoso(Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003) representa um avanço

social e resulta de inúmeros eventos, reuniões e propostas que chegaram ao Congresso

Nacional com toda força e vigor. Mesmo aprovada, não significa que tudo está resolvido, mas

que ainda há muito por fazer (KRUG, 2004).

Dada a complexidade dos seus objetivos e de tentar privilegiar a variedade e

singularidade de aspectos na promoção de condições de vida satisfatória para este segmento

etário, poderíamos imaginar que o Estatuto encontrasse dificuldades em sua implementação e

concretude.

Inicialmente, podemos começar com apreocupação de conhecer quem efetivamente

preparou este instrumento legal. Sabemos que um grande coletivo social (associações de

aposentados, pensionistas e estudiosos em Gerontologia) foi o responsável pela elaboração.

Resta saber, entretanto, no que essas pessoas pensavam, se seria resultado de uma visão

individual residual ou se foi constituído pela nossa óptica “cheia de culpas” ou se pelos velhos

mesmo, e também se estes estariam preocupados em retratar a realidade de todos os velhos

(KRUG, 2004). Estas são indagações que podem ajudar na compreensão deste instrumento,

do ponto de vista macrossocial.

A essência do Estatuto dispõe sobre a “proteção integral” aos velhos. Em sua

disposição, menciona quais são os principais direitos estabelecidos: direito à vida, à saúde, ao

trabalho, à previdência, a assistência, à educação, à cultura e ao lazer, à moradia e ao voto.

Neste sentido, o direito a uma morte digna não foi incluído nos direitos assegurados

(CAMARANO, 2013), passando o Estado e a Sociedade a se isentar de responsabilidade.

Leite (2005) menciona que em mais de uma passagem, o Estatuto registra que se

destina basicamente aos velhos desprovidos de recursos suficientes. Dessa forma, o estatuto

estaria excluindo aqueles em situação economicamente tranquila, que também são velhos e

precisam de integração à vida social.

Outro ponto pertinente é o desconhecimento da existência do Estatuto, por parte dos

velhos e da sociedade de forma geral, como um dispositivo legal que versa sobre direitos e

deveres, ensejando uma piora na qualidade de vida e uma dificuldade na efetivação de

direitos, numa alienação, no surgimento de um produto acomodado e “domesticado” pelos

grupos dominantes (KRUG, 2004).

O Estatuto, em alguns momentos, dispõe sobre a atuação em redes, na

responsabilidade pública e nas parcerias que devem suceder, decorrentes inclusive da

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63

Constituição de 1988. É esquecido, porém, ou não é levado em consideração o fato de que o

Brasil é um país onde a maioria das pessoas vive movida pelo individualismo e

competitividade advindos do capitalismo, o que dificulta uma ajuda mútua ou uma atuação

em rede de solidariedade (KRUG, 2004).

O artigo 1º versa sobre a fixação da idade dos velhos em 60 anos ou mais, indo ao

encontro do que foi apregoado pela ONU (NERI, 2005). Estabelecendo, entretanto, um marco

na idade, não se leva em consideração a heterogeneidade do grupo, ou seja, na elaboração de

políticas públicas e inserção dos velhos em programas, serviços e instituições, pode vir a

ocorrer uma inadequação de motivação desses sujeitos em fazer parte ao que está sendo

proposto e até mesmo em uma incongruência biológica, ou seja, de alguns envelhecerem antes

ou depois dos 60, atrelando o envelhecimento a um determinado ponto do curso de vida

social. Como discorre Camarano (2013, p. 10),

Para o estabelecimento da regra, cabe definir o conteúdo do grupo populacional

criado em termos de outras dimensões além das utilizadas para classificação,

dimensões estas que são muitas vezes inferidas e não observadas. Em outras

palavras, o grupo social “idoso”, mesmo quando definido apenas pela idade, não se

refere apenas a um conjunto de pessoas com muita idade, mas a pessoas com

determinadas características sociais e biológicas.

A heterogeneidade diz respeito às variadas formas de envelhecer, o que é , de certa

forma, muito subjetivo. “O velho brasileiro não existe. Existem várias realidades de velhice

referenciadas a diferentes condições de qualidade de vida individual e social” (NERI, 1993, p.

39).

O próprio artigo 2º reporta-se a assegurar aos velhos todas as oportunidades e

facilidades para preservação da saúde física e para o desenvolvimento, em condições de

liberdade e dignidade. Na visão de Neri (2005), o Brasil é um país que não tem condições e

valores para garantir isso à população, pois, em razão do seu contexto socioeconômico e

cultural existe uma restrição de oportunidades para esse público, pois não assegura a

continuidade de papéis adultos além de determinada idade.

As políticas públicas seguem um critério definidor ante a visão que se tem do público-

alvo. O estereótipo dos velhos como grupo homogêneo, com necessidades especiais, embute

uma ideia de que estes são frágeis (econômica, fisica, social e afetiva) e que estão bem

próximo da morte; isto pode ser verificado quando se analisam alguns artigos que mencionam

oferecer atendimento imediato e prioritário (NERI, 2005;CAMARANO, 2013).

Na verdade, economicamente, os velhos são privilegiados com a cobertura dos

benefícios da seguridade social, o que faz esse segmento não ser considerado pobre. Do ponto

de vista afetivo, muitos velhos possuem uma rede de apoio estruturada familiar e até mesmo

Page 65: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

64

uma elevada autoestima, fugindo do estereótipo de que todo velho tem depressão e é triste. Já

socialmente, eles passam a ser privilegiados com gratuidade ou com um desconto de 50%

para os velhos pobres. O Estatuto, no entanto, não estipula fontes de financiamento para os

dispositivos estabelecidos, resultando no encarecimento em entradas de cinema, teatros,

eventos e transporte público, visto que essas tarifas estão sendo compartilhadas com toda a

sociedade, podendo produzir conflitos intergeracionais (CAMARANO, 2013). Os benefícios

criados para tentar compensar os velhos por sua “pobreza”, a eles não beneficiam, impondo

custos adicionais para a sociedade. Neri (2005) menciona que talvez fosse mais pertinente que

se remunerassem melhor as aposentadorias e pensões para que os velhos pudessem

dignamente pagar pelo seu lazer.

Em relação à fragilidade física, vale mencionar que nem todos os velhos são pobres e

com dificuldades de locomoção, o que torna incoerentes alguns artigos que versam sobre a

reserva de assentos e prioridade de embarque em transporte coletivo. Portanto, esses direitos,

talvez, devessem ser garantidos para os velhos que tivessem impossibilidade ou dificuldade

no deslocamento (CAMARANO, 2013). A autora também argumenta se a obrigatoriedade de

assentos não desincentiva a formação de uma cultura de solidariedade.

No artigo que fala sobre a atuação dos conselhos previstos pela PNI, verifica-se que,

na prática, estes funcionam como estruturas burocráticas e legitimadoras das propostas

governamentais, mediante a nomeação de pessoas de confiança, e não como instâncias

fiscalizadoras das políticas públicas (NERI, 2005).

Nos artigos que mencionam sobre assegurar para os velhos o direito integral à saúde,

garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, promover distintos tipos de atendimentos com

profissionais especializados, bem como fornecer gratuitamente medicamentos, órteses e

próteses, é expressa uma preocupação na alocação de recursos adicionais para atender a essa

nova demanda. Isso pode vir a ensejar conflitos nas relações com o Poder Público, pois

exigirão recursos que precisarão ser retirados de outras áreas; e, como o Estatuto não é claro

na alocação das fontes de financiamento, isso pode vir a dar ensejo a tensões intergeracionais

(CAMARANO, 2013).

A importância da família na recuperação do velho é expressa no Estatuto, quando se

reporta à exigência contínua de um acompanhante nos hospitais. Na prática, o Poder Público e

os hospitais “acham essa brecha” e responsabilizam o familiar por tarefas antes exigidas por

um funcionário do hospital, ensejando uma sobrecarga sobre os familiares dos velhos

(CAMARANO, 2013).

Page 66: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

65

Ao longo de todo esse dispositivo legal, em algumas passagens apontamos a

responsabilidade da família pelo seu velho dependente, como, por exemplo, o Art 3º: “V-

priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento

asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria

sobrevivência”.

Tal consideração, contudo, não leva em conta as profundas mudanças na família, haja

vista a atribuição da mulher em relação ao papel de cuidar. Essa situação impede a inserção

dessa mulher no mercado de trabalho e, por conseguinte, afeta a vida financeira familiar

(KRUG, 2004; NERI, 2005 e CAMARANO, 2013). Essa passagem também não leva em

conta que nem sempre o velho tem vontade de residir com a família e, desta, nem sempre ser

um espaço acolhedor e de segurança, em virtude de poder ocorrer vários tipos de violência em

relação a esse público (CAMARANO, 2013).

No tocante à educação, o Estatuto afirma que o Poder Público deve criar

oportunidades de acesso dos velhos à educação, adequando currículos, metodologias,

materiais e programas às suas peculiaridades. Não é atribuição do Poder Público criar tais

oportunidades, pois cabe à escola, instituição que representa o Estado; o mesmo ocorre

quando o Estatuto delega ao Poder Público a responsabilidade de criar as universidades da

terceira idade; na verdade, cabe às universidades, que têm autonomia para isso (NERI, 2005).

Nessa questão de incentivo à educação, o Estatuto versa sobre facilitar a leitura por

meio de letras maiores em virtude de perdas visuais dos velhos; entretanto, os que envelhecem

deveriam poder usar óculos e operar da catarata. Mais uma vez, provavelmente, essa

passagem exime o Estado da responsabilidade de seu papel de prover serviços básicos (NERI,

2005).

Estas reflexões não têm o objetivo de negar a importância e a legitimidade ou a

pertinência do Estado brasileiro, mas de explicitar uma ideologia da velhice que reflete um

problema médico-social, ou seja, que os velhos devem ser tutelados porque são doentes,

dependentes, vulneráveis, frágeis e incapazes (NERI, 2005). Portanto, os preceitos instituídos

no Estatuto não são compatíveis com uma visão crítica da realidade brasileira, dificultando a

compatibilidade e a adequação das políticas públicas destinadas aos velhos. Um olhar mais

refinado, levando em consideração a heterogeneidade, a dignidade, a cidadania e a equidade,

poderão vir a colaborar na pauta de decisões e ações pertinentes à elaboração de políticas

públicas.

Page 67: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

66

A efetividade das regulações do Estatuto do Idoso deverá ser refletida em um contexto

macro, considerando-se a necessidade de mecanismos para todos os grupos etários, onde a

solidariedade será o pilar para a promoção do bem-estar social.

4.3Políticas públicas no espaço rural brasileiro

O semiárido brasileiro é caracterizado por uma expressiva falta de água, o que leva a

uma limitação na agropecuária e enfatiza a necessidade de políticas públicas direcionadas para

esse espaço. Sendo assim, estas são de suma importância para uma região, pois sua falta dificulta a

fixação do homem no seu meio, levando-os ao êxodo rural e à elevação da população nas grandes

cidades, ensejando sérios problemas sociais urbanos. Portanto, esses problemas poderiam ser

minimizados se houvesse a efetividade dessas políticas para o rural, pois dessa forma a pessoa não

perderia o prazer de viver em sua região.

A intervenção do Estado na agricultura pôde congregar dois tipos de política

econômica: a macroeconômica e a setorial (DELGADO, 2008). A política macroeconômica

buscou afetar a economia tanto em termos de quantidades (quantidade total da moeda e taxa de

crescimento) quanto de preços (taxa de câmbio, de juros e o nível geral dos preços). Ainda

segundo o autor, ela é composta pela combinação das políticas fiscal, monetária, comercial e

cambial, influenciando diretamente a taxa de crescimento da renda nacional e do Produto Interno

Bruto - PIB, a entrada e saída de recursos externos, o saldo da balança de pagamentos, o ritmo

inflacionário, dentre outras. Portanto, seu caráter amploinfluencia diretamente o setor

agropecuário. Então, a política macroeconômica pode dificultar ou neutralizar a concretude das

políticas direcionadas para a agricultura.

A de ordem setorial é uma política econômica que influencia diretamente o

comportamento econômico-social de um setor específico da economia nacional, seja na área de

transportes, agricultura, dentre outros. Em relação à agricultura, podemos relatar a existência de

três tipos de política econômica setorial: a agrícola, a agrária e a política diferenciada de

desenvolvimento rural (DELGADO, 2008).

A política de conteúdo agrícola trata de questões especificamente ligadas à produção,

à produtividade e aos processos técnicos que buscam expandir esses aspectos (MAIA; MELO e

MIELITZ NETO, 2010). Ela afeta o comportamento conjuntural dos agricultores e dos mercados

agropecuários, como os fatores estruturais (uso da terra e carga fiscal) que determinam seu

comportamento, e chega a privilegiar políticas de mercado (preços dentre outros), como políticas

estruturais (fiscal, de infraestrutura, dentre outras). Logo, ela condiciona e regula as relações de

Page 68: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

67

preços de produtos, de outros fatores, influenciando o grau de integração intersetorial e de

internacionalização da agricultura (DELGADO, 2008).

Já a política de teor agrário se refere aos aspectos relacionados à organização e ao uso

do espaço rural, aos impactos que a produção causa no ambiente, aos fluxos e cadeias de mercado,

entre outros (MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010). A política de conteúdo agrário é estrutural

de longo prazo e está assentada na concepção de que a propriedade e a posse de terra são fatores

que condicionam a estrutura da produção agrícola e as relações de poder no rural, determinando a

riqueza dos diversos tipos de agricultores.

Na óptica de Delgado (2008), a população brasileira hoje possui uma agricultura não

estagnada, em que o problema alimentar no País não chega a ser a incapacidade de produzir

alimentos, e sim de nível de renda que permita garantir preços e competitividade para o mercado

externo e interno; é uma agricultura agroalimentar que já se articula a interesses urbanoindustriais,

nacionais e internacionais. E é nesse cenário de complexidade econômica que o autor aponta a

necessidade de uma política de feição agrícola para a execução de um projeto democrático no

espaço rural brasileiro.

Sem uma política agrícola adequada, não há projeto democrático de modernização

da agricultura brasileira: desde, pelo ou menos, a década de 1960 a política agrária,

por si só, não é suficiente para viabilizá-lo. A separação entre política agrícola e

política agrária é, portanto, totalmente falsa e politicamente atrasada e é preciso

encarar com seriedade a necessidade de sua integração. (DELGADO, 2008, p. 212)

Delgado (2008) exprime a ideia de que as políticas ou programas diferenciados de

desenvolvimento rural são destinados aos produtores rurais pobres, não integrados à

modernização produtiva. As políticas de desenvolvimento rural objetivam uma integração da

política de perfis agrícola e agrário, considerando as particularidades dos segmentos

empobrecidos e não integrados, a necessidade de criação de políticas públicas que se

harmonizem a esse público e uma preocupação com a sustentabilidade (preservação de

recursos naturais e meio ambiente).

No Brasil, as questões agrárias e agrícolas aparecem fragmentadas, demandando

diversas políticas públicas, algumas com ações mais contingentes, outras destinadas a grupos

particulares e outras de caráter mais amplo.

Tal compreensão também é precedida do entendimento do que foi e do que é a

questão agrária em cada momento histórico vivido e em cada região do país, e,

também, de como essas questões têm motivado a implementação de políticas

públicas para o meio rural e sua recepção.(MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010,

p, 10)

Page 69: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

68

Nesse sentido, estudamos visões de teóricos acerca da questão agrária no Brasil,

analisando a complexidade do desenvolvimento econômico e social no País, com vistas a

compreender o desenho de políticas públicas no espaço rural.

Nas décadas mais recentes, o êxodo rural contribuiu para criar desequilíbrios nas

estruturas sociais e econômicas no plano macro, bem como uma transformação das estruturas

sociais no espaço rural. Uma das consequências dessa “expropriação” do campesinato foi à

organização de ligas camponesas e sindicatos de trabalhadores rurais que, juntos, enfrentavam

um regime de dominação (PALMEIRA, 2008).

Os movimentos sociais observados no rural nos anos 1950 e as alterações de poder

dentro do Estado nos anos anteriores ao golpe de 1964 resultaram na elaboração de uma

legislação específica para o rural, sendo a primeira o Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963.

Este foi aprovado no Congresso e representou um marco, pois os trabalhadores do rural

passavam a ter os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, tendo até mesmo a

sindicalização fortalecida. Portanto, os latifundiários e empresários sentiram-se lesados e

descontentes com tal medida. A seguir, surgiu o Estatuto da Terra, em 1964, crucial para o

novo aparato jurídico para uma legislação complementar (PALMEIRA, 2008). Este

documento abria a possibilidade de variadas vias de desenvolvimento da agricultura, mas, ao

mesmo tempo, oferecia instrumentos de intervenção do Estado.

A repressão ao movimento dos trabalhadores rurais empreendida pelo regime militar

não conseguiu impedir a expansão desses. O cimento ideológico dessa época de 1968,

motivada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores, foi à bandeira da reforma agrária

(PALMEIRA, 2008 e DELGADO, 2008).

Não se trata, simplesmente, de um problema de governo, nem de um problema que

envolva determinados grupos. O que está em jogo na questão da reforma agrária

hoje- por força dos processos sociais que vivemos – é a oposição entre dois

movimentos que envolvem confrontos de interesses diversificados e que, por assim

dizer, atravessam toda a sociedade. Nesse confronto, o que, por sua vez, está em

jogo é a própria maneira de operar o Estado (PALMEIRA, 2008, p. 198).

Até 1979, os trabalhadores rurais amadureceramprojeto próprio, propondo “uma

reforma agrária ampla, massiva, imediata”, passando a associar reforma agrária a democracia.

De 1979 a 1984, intensas lutas foram travadas em torno de preços mínimos e outros itens da

política de teor agrícola, da previdência social, greve de assalariados e outras se sucederam,

afirmando a organização do movimento sindical em um campo que deixou de ser uma simples

oposição entre trabalhadores rurais e latifundiários.

Até o final dos anos de 1980, as políticas públicas para o rural brasileiro eram

intensivamente centralizadas no Estado, com o objetivo de promover o crescimento

Page 70: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

69

econômico, acelerando a industrialização, sendo fomentada com base nos interesses das

oligarquias rurais e urbanoindustriais; a preocupação se dava, sobretudo, em relação ao

crescimento do volume produzido com a incorporação de inovações tecnológicas pelas

atividades agropecuárias (MAIA; MELO e MIELITZ NETO, 2010 e PALMEIRA, 2008). O

espaço rural passou a ser compreendido apenas como locus das atividades da agricultura.

A conjuntura política e social brasileira mudoucom a redemocratização, favorecendo a

intensificação de movimentos organizados; houve a crise financeira do Estado na década de

1980 e a adoção do modelo neoliberal em 1990. A descentralização político-administrativa

propiciada pela Constituição de 1988 fez repassar aos governos municipais atribuições antes

delegadas às esferas estaduais e federal, passando a valorizar o município em sua diversidade

como instância adequada para implementação, gestão e fiscalização das políticas públicas por

meio dos conselhos, sindicatos, cooperativas, associações, ONGs e outros; também fez surgir

elementos como igualdade e liberdade, favorecendo o estudo e a concretude de temas, como

poder local, autogestão, participação social, desenvolvimento sustentável e outros

(HESPANHOL, 2008).

Portanto, nos anos de 1990, as políticas públicas direcionadas para o espaço rural

começaram a passar por mudanças em termos de concepção, estruturação e formas de

implementação.

Favareto e Demarco (2004) fazem uma rápida retrospectiva da evolução das

políticas públicas para o desenvolvimento rural onde: os anos 70 tiveram como

principal marca a massificação das políticas e processos sociais desencadeados com

a chamada modernização conservadora (privilégio a grande propriedade,

tecnificação e mecanização das lavouras, grande oferta de crédito); os anos 80, por

sua vez, trouxeram uma crise desse mesmo modelo o que se materializou nos custos

sociais, ambientais, e na inviabilidade do padrão de financiamento anterior; os anos

90, no rastro da crise, foram os anos de ascenção da agricultura familiar como

segmento reconhecido socialmente e alvo de políticas específicas até então inéditas e

associado a isso, foi o período em que se consolidou a ideia de que o envolvimento

dos agentes influencia positivamente a boa aplicação de recursos públicos. Já a

primeira década do novo século se inicia sob a influencia da chamada abordagem

territorial, numa tentativa de valorizar a escala local no estabelecimento de

dinâmicas de desenvolvimento e a redução do rural ao agrícola. (PEREIRA e

SILVA, 2009, p. 5)

No âmbito rural, uma das primeiras alterações foi à criação, em 1996, de uma política

direcionada para a agricultura familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento da

Agricultura Familiar (PRONAF). A agricultura familiar pode ser definida por Barros (2006,

p. 47) como o “cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais, tendo como mão-

de-obra essencialmente o núcleo familiar, em contraste com a agricultura patronal, que utiliza

trabalhadores contratados, fixos, ou temporários, em propriedades médias ou grandes”.

Page 71: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

70

Portanto, os empreendimentos familiares são administrados pela família, com ou sem auxílio

de terceiros, sendo uma unidade de produção e de consumo.

O PRONAF tem o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável do segmento

rural, constituído pelos trabalhadores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da

capacidade produtiva, a geração de empregos e melhoria na renda (FONSECA e SOUSA,

2011). Financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o PRONAF financia

projetos individuais ou coletivos que ensejem renda aos agricultores familiares. Ainda

segundo estes autores, o acesso ao PRONAF se processa com uma discussão da família sobre

a necessidade do crédito, seja para custeio de máquinas ou safra; após o financiamento, a

família procura o sindicato rural ou a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

(EMATER) para a obtenção da declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP), que deverá ser

emitida segundo a renda anual e as atividades exploradas, direcionando o agricultor para as

linhas específicas de crédito a que tem direito.

No âmbito das políticas públicas para o espaço rural, houve a incorporação de alguns

princípios, como o envolvimento e a participação de vários ministérios e secretarias,

principalmente no plano da União, na formulação das ações, bem como na tentativa de se

integrar aos programas criados, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos

(PAA).

Este Programa surgiu em julho de 2003, no governo Lula, juntamente com o Programa

Bolsa Família (PBF), visando a fortalecer diretamente a agricultura familiar, auxiliando o

agricultor na compra de seus produtos, sendo financiado pelo Ministério de Desenvolvimento

Social e Combate à Fome, repassados à CONAB por via de convênio (MAZZINI e

OLIVEIRA, 2010). O PAA tem como objetivo principal garantir o acesso aos alimentos com

regularidade e qualidade a pessoas em situação de insegurança nutricional, ensejando renda e

trabalho no espaço rural por meio da aquisição direta de alimentos produzidos pelos

agricultores do município (HESPANHOL, 2008).

[...] costumamos dizer que o Programa “junta a fome com a vontade de comer”: o

produtor precisa vender, e é dado a oportunidade para que venda a um preço justo,

seguindo a tabela de preços da CONAB; as entidades precisam de recursos

financeiros para adquirir alimentos, recebem gratuitamente, através da doação feita

pela CONAB, que compra a produção e doa toda a produção.(MAZZINI e

OLIVEIRA, 2010, p. 11)

Os produtores rurais, para participarem do PAA, devem se enquadrar no perfil, de

acordo com os critérios estabelecidos pelo PRONAF, e estar organizados em associações,

cooperativas ou grupos informais de, no mínimo, cinco agricultores (HESPANHOL, 2008).

Pretende-se, dessa forma, estimular a organização coletiva dos produtores rurais.

Page 72: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

71

Com base na pesquisa realizada no espaço rural de Iracema, percebemos que apenas

duas famílias foram beneficiadas pelo PRONAF e pelo PAA. Ao serem indagados sobre a

existência de tais programas, poucos velhos disseram terem real conhecimento sobre as

diretrizes e vantagens acerca deles. Portanto, supomos que as famílias não foram beneficiadas

tanto por falta de divulgação dos programas, quanto da desativação da Associação, bem como

da existência de um número significativo de pessoas analfabetas.

A localidade de Iracema é repleta de possibilidades de atividade agropecuária,

contudo, o nível de analfabetismo, a falta de qualificação profissional e as adversidades

naturais da região, possivelmente, decerto, afetam a produtividade e o rendimento das

famílias.

Portanto, mesmo poucas famílias sendo beneficiadas pelos programas, podemos

considerar verdadeiras conquistas para estas, uma vez que foi percebida maior rentabilidade,

opções de diversificação da produção, intento de realizar uma organização dos produtores e,

principalmente, melhoria na solidariedade familiar. Ao passar pelas residências dos

interlocutores, a expressão de maior ajuda mútua foi verificada e explicitada justamente nas

famílias beneficiadas com os programas.

Logo, percebemos a importância do fortalecimento e do desenvolvimento da

agricultura como instrumentos que ensejam renda e melhoria na qualidade de vida das

pessoas. São fundamentais, porém, políticas públicas diferenciadas para as unidades

familiares, já inseridas no mercado e que minimizem a exclusão daquelas em situações mais

problemáticas.

Nesse sentido, é necessário questionarmos a forma como as políticas municipais são

conduzidas, para que a agricultura mantenha seu papel socioeconômico e não reduza sua

razão produtiva.

Page 73: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

72

5O PERCURSO: LOCUS, SUJEITOS E REFERENCIAL TEÓRICO-

METODOLÓGICO

5.1 Campo da pesquisa

Explanamos aqui nosso campo de pesquisa, a forma de inserção neste, a descrição do

nosso público-alvo, nossas impressões, dentre outros dados pertinentes para a compreensão

sobre os velhos que moram no espaço rural.

É importante salientar que as informações assinaladas foram obtidas de observações,

do contato com os sujeitos da pesquisa e com a ajuda primordial de elementos coletados com

o agente comunitário de saúde – A.C.S – que, além de morar em Iracema, trabalhava há

muitos anos nesta função.

A pesquisa foi realizada em uma localidade no interior do Ceará, denominada Iracema,

desenvolvida ao longo de dez meses, cujo público-alvo foram as pessoas que tivessem 60

anos ou mais, critério etário este adotado pelo Estatuto do Idoso que considera como velhos

aqueles com idade maior ou igual a 60 anos. Vale salientar que os sujeitos possuíam idade de

60 a 85 anos. A localidade de Iracema possui 13 famílias em sua totalidade, oito das quais

possuem pessoas velhas – sete homens e cinco mulheres. Deste modo, foram realizadas

entrevistas semiestruturadas com os 13 interlocutores que residiam nesse espaço. No total,

foram feitas três visitas domiciliares a cada participante.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2013),

Iracema é uma localidade pertencente ao Município de Paramoti. Antes de ser elevado à

categoria de município, Paramoti era conhecido como distrito (pelo Decreto-Lei nº 448, de 20

de dezembro de 1938) de Canindé. A Lei nº 3.962, de 10 de janeiro de 1967, elevou-o à

categoria de município.

O Município de Paramoti é localizado a 104,1 km da capital, Fortaleza, sendo que o

acesso se dá pelas vias BR-02 e CE-162. O tempo estimado de viagem é de aproximadamente

uma hora e trinta minutos de Fortaleza (APRECE, 2014).

Localizada à margem esquerda do rio Canindé, Paramoti também é banhado pelos rios

Curu e Batoque. Paramoti é uma palavra originária do tupi, que significa rio seco ou rio que

se estreita (IBGE, 2010).

Page 74: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

73

Paramoti forma, com os Municípios de Santa Quitéria, Hidrolândia, General Sampaio,

Caridade e Canindé, o chamado Sertão de Canindé. A sede de Paramoti se localiza no norte

cearense fazendo divisa com os seguintes municípios: General Sampaio, Apuiarés, Caridade,

Pentecoste e Canindé (IBGE, 2010).

Paramoti possui uma área absoluta de 482,65 Km2, uma área relativa de 0,32% e uma

população de 11.308 habitantes, dos quais 5.814 homens (51,41%) e 5.494 mulheres

(48,59%); outro dado importante a ser considerado é a população urbana, composta de 5.768

habitantes (51,01%) e a população rural de 5.540 pessoas (48,99%) (IBGE, 2010).

O Município possui clima quente, semiárido (média de 26 a 28 graus Celsius), com

relevo de depressões sertanejas e de maciços residuais e com uma vegetação arbustiva aberta.

Os períodos chuvosos ocorrem normalmente dos meses de janeiro a abril (IBGE, 2010).

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD,

2000), que tem como objetivo promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo,

Paramoti possui um Índice de Desenvolvimento Humano - IDH baixo, configurando em torno

de 0,597. Já o Produto Interno Bruto (PIB), que representa a soma dos valores monetários de

todos os bens e serviços finais, exprime um valor de aproximadamente R$ 40. 707,646 mil,

segundo fontes do IBGE (2010). Religiosamente, Paramoti liga-se à Paróquia de Senhora

Sant’ana (26/07), vinculada a Arquidiocese de Fortaleza.

Segundo dados da Secretaria de Saúde de Paramoti (2014), dentre as atividades e

políticas implantadas diretamente para os velhos, podemos destacar: uma reunião, um

equipamento social, uma semana comemorativa e o atendimento prestado pela equipe do

Programa de Saúde da Família-PSF.

As reuniões são desenvolvidas na forma de palestras, tendo como público os

hipertensos e diabéticos que residem na sede e no espaço rural do Município. Tais atividades

são facilitadas por profissionais da Secretaria de Saúde, ocorrendo uma vez por mês no espaço

físico.

O equipamento social, mais conhecido como Casa do Idoso, corresponde a um prédio

alugado pela Prefeitura, destinado a desenvolver atividades de lazer e socialização. As

atividades são o tradicional forró pé de serra, jogos de cartas e viagens esporádicas para

lugares turísticos. Essas atividades ocorrem uma vez por semana e são coordenadas pela

equipe técnica do Centro de Referência da Assistência Social- CRAS, composta pela

assistente social e pela psicóloga.

Anualmente, na primeira semana de outubro, as secretarias municipais elaboram um

plano de atividades (exames rotineiros, filmes, palestras etc) a serem desenvolvidas para

Page 75: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

74

comemorar a Semana do Idoso. Esse evento é planejado de forma antecipada, contando com

ampla participação da comunidade.

Na área da saúde, também podemos destacar os atendimentos prestados pela equipe do

Programa de Saúde na Família-PSF (médico, enfermeiro e auxiliar de Enfermagem) que

disponibilizam este serviço na Sede (no hospital e nas casas dos velhos acamados) e nos

espaços rurais (geralmente os atendimentos ocorrem uma vez ao mês e se concentram, via de

regra, na casa dos líderes comunitários) do Município focalizado.

Segundo informações da Secretaria de Saúde do Município (2014), Paramoti perfaz

em sua territorialização 83 localidades.2

O locusempírico da pesquisa pôde ser descrito como correspondente às longas

caminhadas nesse espaço com o objetivo apenas de observar e explorar cada pormenor que

saltava aos olhos. Esta localidade se apresentou como sendo o lugar marcado pelo sol

“escaldante”, pela terra rachada, pelo clima árido e seco, o que favoreceu uma paisagem de

árvores tímidas e folhas ressecadas. Rios e córregos se tornaram um cenário um tanto inédito

nesse espaço; os animais estavam magros e se apresentavam em pequena quantidade.

A seca, os animais morrendo, a terra rachada eram aspectos intrigantes, pois não

conseguíamos compreender como aquelas famílias adotavam um modo de viver tão simples,

mas que, ao mesmo tempo, deixava transparecer um sentimento de felicidade e união entre os

membros.

Ao mesmo tempo, também carregávamos uma lembrança do rural da infância como

um lugar de festividades, do fumo, do leite da vaca, dos banhos no açude, do vaqueiro, do

estábulo, da vaquejada, da casa grande, das conversas no alpendre, enfim, todo aquele cenário

peculiar nos instigou a estudar com maior propriedade esse espaço.

Resolvemos percorrer Iracema em horários distintos para tentar entender e apreender o

dinamismo do local. No horário matinal, de quatro às sete da manhã, percebemos a circulação

de pessoas a pé, algumas carroças e alguns vaqueiros tangendo animais.

2As localidades deParamoti são: Melado, Caçamba Nova, Caçamba do meio, Caçamba de Cima, Veneza,

Pereiros, Extremas, Iracema, Torrões, Siriema, Ternura, Santa Rita, Ruzilha, Amontada, Aracajá, Riacho do Meio, Barra do Batoque, Nogueira, Boa Esperança, Poço Vermelho, Alto Vermelho, Capivara, Sabonete-I, Monte Pedal, Marin, Altamira, Passagens, Candeia, Carnaubinha, Pau d’Arco, Jurema, Lagoinha, Muquém, Lisboa, Angelim, Ubiba, Sabonete-II, São Matias, Pajeú, Ipueiras das Pedras, Piedade, Cachoeira da Piedade, Várzea Grande, São José, Santa Tereza, Santa Úrsula, Boa Esperança-II, Campo Novo, Ramalhete, Alegre-I, Alegre-II, Carnafístula, Retiro, Bom Jardim, Lagoa dos Patos, Miramar, Bom Princípio, Barra do Juá, Papel, Garrote, Guaribas, Arião, Lagoa do General, Ipiranga, Pereiros-II, Sangria, Mulungu, Bom Retiro-II, Paraíso, Logradouro, Riacho do Feijão, Remédio, Dentro, Cangati-I, Cangati-II, São João, Patos, Oriente, Umburana, Pitombeira, Bom Retiro-I, Laje e Salvação.

Page 76: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

75

As pessoas que circulavam a pé caminhavam sem pressa (em sua maioria eram

homens velhos que talvez estivessem indo para o roçado), com passadas leves, mas firmes, a

princípio, nos olhavam de forma curiosa, chegando, muitas vezes, a não cumprimentar. Já os

animais se deslocavam de forma lenta e tímida parecendo externar o horror da seca do

Nordeste rural, onde são escassas a água e a comida.

As carroças tinham uma aparência deteriorada e um tanto rústica, possuindo a função

de transportar capim para o gado e leite para a venda em algumas fazendas. Já os vaqueiros

“conversavam” com o gado, desenvolvendo uma sintonia “de quase perfeição”; começamos a

perceber afetividade e amorosidade dessa relação diária na fala desses vaqueiros, quando

expressavam “que não sabiam viver sem o mugido desses animais”.

O movimento de carros era pouco pela manhã, sendo curioso o fluxo contínuo e

intenso de caminhões carregando areia durante todo o dia, à noite e principalmente de

madrugada. Apenas alguns sujeitos comentaram sobre tal fato; o movimento seria advindo a

mando de empresários que tentavam comprar areia proveniente de um grande rio (chamado de

rio Canindé e seu fluxo passava por alguns municípios), inclusive por Iracema.

No horário de dez às duas da tarde, o fluxo de pessoas e carros diminui

consideravelmente, pressupondo a constatação de que as pessoas estivessem no horário do

almoço ou de descanso em suas casas.

No final da tarde e começo da noite, percebíamos uma grande circulação de pessoas

que, provavelmente, retornavam as suas casas, seja do trabalho da agricultura, da criação de

gado, de constantes “bicos” na sede do Município ou da casa de uma comadre.

Nesse sentido, observamos que a cotidianidade desses agentes sociais se voltava para

as atividades necessárias a sua sobrevivência (HELLER, 1970), ou seja, independentemente

da ordem vigente (de quem seja a pessoa do prefeito ou mesmo seu patrão), tais sujeitos

atribuíam um sentido ao seu trabalho (ainda que informal).

Outro importante fato observado diz respeito às pessoas de mais idade nos alpendres

das casas, conversando com seus filhos ou mesmo ficando a olhar a paisagem que não cessava

de transmitir um silêncio e uma paz infinita.

As casas têm uma aparência modesta e antiga, levantando a hipótese de que pouca ou

nenhuma reforma ou reparo fora realizado. As casas de Iracema-I se localizam de forma

distante umas das outras, sendo simples, pequenas e construídas à base de tijolos e com

banheiro. A maioria das casas era própria, possuindo televisor, conjunto de som e geladeira.

Page 77: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

76

A localidade de Iracema-I não possui Posto de Saúde, portanto, os moradores se

deslocam mensalmente para a localidade de Melado, com o objetivo de receberem

atendimento médico. Vale salientar que Melado dista 10 km, aproximadamente, de Iracema-I.

Na óptica do A.C.S e de alguns sujeitos da pesquisa, Iracema possui abastecimento de

água encanada e energia elétrica; na localidade, há cinco cisternas nas casas e um pronto

atendimento da Defesa Civil com a disponibilização de água mediante carro-pipa. A

localidade não possui telefone público e a maioria das casas não tem sinal de telefonia celular.

Nesse cenário, em determinada manhã, acordamos e deparamos com a falta de água.

Chegaram a explicar que existia um racionamento na comunidade, onde diariamente de sete

às nove da manhã faltaria água. Dessa forma, teríamos que prestar mais atenção às

representações da comunidade, pois poderia existir uma distância entre os ditos e a realidade

vivenciada ou, ainda, aos sentidos e significados acerca “do que era ter água” para eles, visto

estarem acostumados a viver em uma realidade tão adversa.

Iracema não tem creche e possui uma escola desativada e deteriorada, desde 2010, e

que parou de funcionar, pois, como trabalhava em regime de seriação (várias séries juntas) e a

comunidade era pequena, o restrito número de alunos impossibilitou a continuidade das aulas

em razão do alto orçamento despendido. Então, a comunidade se mostrou indignada com o

prefeito que estava empossado na época.

O A.C.S mencionou que a comunidade reclamava muito da igreja, desativada desde

2009, a qual congregava um número grande de famílias (Diário de campo, 20/05/2014).

Até o período de maio de 2014, Iracema possuía uma associação comunitária, que

tinha como presidente uma pessoa de outra localidade; foi mencionado pelos sujeitos que

apesar de a Associação “funcionar”, não havia reuniões periódicas há muito tempo. O A.C.S

também disse que estava legalizada, pois os documentos “estavam em dia” e que os sujeitos

tinham compromisso no pagamento da mensalidade.

Alguns meses depois, no mês de setembro do mesmo ano, foi mencionado que a

Associação havia sido desativada, embora a maioria dos depoentes atribuísse importância ao

funcionamento desta, em virtude de viabilizar projetos sociais e suscitar melhores condições

de vida.

Agora, acreditamos ser necessário descrever como se procederam os contatos iniciais

dos pesquisadores com os sujeitos da pesquisa a fim de compreender a importância da

interação destes para o desenvolvimento do estudo.

Estabelecemos um propósito de, no primeiro encontro com os interlocutores esclarecer

a nossa proposta de trabalho para as famílias, bem como obtermos o consentimento para sua

Page 78: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

77

realização, procurando manter um momento de conversa informal, a fim de favorecer a

interação e a confiança. Posteriormente, os contatos com os velhos foram intensificados

mediante a realização de entrevistas semiestruturadas, pois pretendíamos uma maior

aproximação com os estilos de vida dos sujeitos,com suas rotinas, suas famílias, seus

trabalhos, a fim de apreender o modo de vida destes. Em paralelo às visitas, foram registradas

falas, gestos e silêncios no diário de campo e gravador, o que nos ajudou, sobremaneira, na

condução desta pesquisa.

Alcântara (2004) cita Bonazzi, ao argumentar que a relação de confiança exige do

entrevistador uma grande disponibilidade, sendo de suma importância ter o primeiro contato

com o sujeito, preparar o esquema da entrevista, a fim de organizar melhor a pesquisa. Nesse

sentido, resolvemos fazer contatos iniciais com os sujeitos, sem interrogá-los, apenas

observando gestos, silêncios, atitudes e olhares, tentando apreender as informações contidas

nos discursos dos entrevistados.

Em algumas casas visitadas, no primeiro contato, percebemos que fomos recebidas

com desconfiança. Em certos momentos, alguns depoentes chegaram a nos perguntar se

éramos a um fiscal do Governo, pois sabiam que ali já haviam passado várias pessoas

perguntando sobre a renda mensal familiar.

Então, percebemos claramente a apreensão das pessoas em suas casas, no início da

pesquisa, chegando a verbalizar uma relação do nosso trabalho ao corte do benefício, podendo

ser tanto da aposentadoria quanto do Programa Bolsa Família. Isso mostra também que as

rendas provenientes de tais benefícios são de suma importância para o sustento familiar, pois

um possível corte poderia comprometer algumas necessidades básicas da família. A

desvinculação da nossa imagem, porém, foi sendo desfeita com nossa visita mais constante na

comunidade. O sentimento de confiança também pôde ser comprovado nos convites feitos

para um cafezinho e/ou almoço.

Então, dia a dia, nossa atuação constante como pesquisadora na comunidade foi

possibilitando a criação de elos de amizade e de convivência amistosa e pacífica com as

pessoas.

Um fato importante, que talvez tenha influenciado na condução do estudo, foi o grau

de parentesco que tínhamos com dois sujeitos (Andreia e Paulo) da localidadesob exame. Na

verdade, ao longo da observação exploratória, foi escolhida uma localidade que fosse próxima

à sede do Município e que houvesse pessoas de mais de 60 anos.

O A.C.S que trabalhava na Secretaria de Saúde da Sede do Município, nos orientou

quanto à escolha da localidade de Iracema-I, pois seria um lugar onde as casas seriam

Page 79: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

78

próximas umas das outras (isso facilitaria “as caminhadas a pé”) e que as pessoas teriam

maior disponibilidade de contribuir com a pesquisa. Nesse tocante, a escolha foi realizada sem

o conhecimento prévio de que os parentes residiriam em tal espaço.

Pensamos ser pertinente relatar a trajetória da estada em Iracema, a começar pela

nossa chegada à localidade. As reflexões desenhadas nesta pesquisa são apenas campos de

possibilidades e vertentes de uma análise empreendida sobre as particularidades do velho que

reside na área rural.

Vale ressaltar que, desde o princípio, houve boa recepção por parte dos nossos

parentes, o que nos deixou mais tranquilas na estada. A aproximação com o público-alvo foi

favorecida pelo contato com Andreia e Paulo que indicaram como se chegar aos atores da

pesquisa. Eles se tornaram peça fundamental no início do estudo, bem como o A.C.S,

chegando, muitas vezes, a justificar a nossa presença como pesquisadora para alguns

“curiosos” da comunidade. Dona Andreia, o povo quer saber quem é essa mulher bunita e

lôra que tá andando por aqui...é do governo é? Ela veio pra investigar nóis, foi? Ela quer o

quê hein? Meu marido nem quer ficar mais no alpendre com medo da moça... (Diário de

campo, 21/07/2014).

Na qualidade de pesquisadora, sentimos na pele o que é um estranho na comunidade.

Na fase inicial e exploratória da pesquisa, quando simplesmente andávamos pela localidade,

percebemos algumas pessoas olhando para nós de forma curiosa e nada amistosa. Certa vez,

presenciamos um adolescente jogando pedras contra nós, quando íamos passando. Nas

palavras de Certeau (1996), tal situação recai muito bem quando ele enuncia: sair à rua

significa correr o risco de ser reconhecido, e portanto apontado com o dedo. Dessa forma, a

mensagem social emitida, por meio de um sorrir/não sorrir e jogar pedras, passou a ser um

código inicial da nossa intrusão na comunidade.

De acordo com Oliveira (1999), um pesquisador ou um estranho para o grupo pode

trazer incômodos no dia a dia dos sujeitos. Até que ponto estaríamos sendo intrusas na

comunidade? Até quando estaríamos sendo vistas como uma ameaça, já que fomos

comparadas com pessoas do governo e que poderíamos intervir na vida daquelas pessoas?

De fato, alguns participantes de um grupo podem vir a sentir um mal-estar resultante

de fatores externos, como nossa presença, por exemplo, que chegam a ameaçar a estrutura

interna, causando um temor de que o modo de vida (comportamentos, tradições, costumes e

renda familiar) pudesse ser rompido e conduzisse a uma quebra de unidade da comunidade

(OLIVEIRA, 1999). Portanto, deveríamos ter muita cautela na aproximação dessas pessoas,

Page 80: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

79

de forma a esclarecer nossos objetivos e tentar minimizar qualquer sensação negativa que

chegasse a alterar o dia a dia dos sujeitos.

Quando perguntado para o A.C.S sobre o agendamento dos encontros (marcando dia,

horário e lugar) com os sujeitos da pesquisa, ele relatou não necessitar desse planejamento

prévio, pois sabia os horários em que estes estariam em casa. Ele chegou a mencionar que um

momento “bom de se conversar”, talvez, fosse de cinco a nove da noite, pois é o horário em

que já chegavam do roçado e porque também apresentavam hábitos de dormir cedo, em sua

maioria.

Fazendo constantes reflexões, porém, percebemos que seria interessante visitar os

domicílios em horários distintos, como forma de combinar com os sujeitos a disponibilidade

do dia, horário e local. As visitas foram realizadas, na maioria das vezes, nos alpendres das

casas e, quando não nos quartos, nos períodos da manhã e final de tarde, pois estes seriam,

segundo os sujeitos, os turnos em que chegavam da lida ou que já estavam desocupados de

suas atividades rotineiras. Acreditamos que seja importante informar o fato de,

esporadicamente, as conversas e entrevistas ocorrerem com a chegada de outras pessoas da

comunidade. Alguns depoentes se sentiam incomodados com o barulho das pessoas que

chegavam ou se sentiam envergonhados e nos convidavam para ir para o quarto a fim de

concluir o diálogo.

Se você não se incomodar eu queria ir lá pra dentro...pode até ser no meu

quarto...essa zoada toda e esse povo de fora vai querer ficar ouvindo nossa

conversa..aqui em Iracema tem um povo muito enxerido que vivi da vida alheia

(MARIA, 70 anos).

Moça bora falar lá na cozinha? Mais tarde vai chegar gente procurando pelo meu

marido e vão atrapaiar nossa conversa...e o que nós vamos conversar é sobre minha

vida né? Então num qiriaqui qualquer um escutasse não..(FERNANDA, 67 anos).

Percebe-se nesta fala é que, para a depoente, “ser de fora” tem relaçao com visita, não

ser da família, não importando os níveis de aproximação que a pessoa estabelece com a

comunidade (SILVEIRA, 2003). Na verdade, a nossapresença como pesquisadora já traduz

uma fala para “um de fora”, considerando que não estávamosintegrada à comunidade.

O que se nota é que, a despeito de alguns poderem ser acolhidos na casa e

considerados amigos, tendo em vista a sua trajetória na comunidade, esse

acolhimento não resulta na modificação da atitude de silêncio que o povo-de-santo

adota uniformemente. Há, em verdade, uma construção silenciosa de consideração

contínua à reserva de conteúdos latentes, do segredo, que são relembrados a cada

contato com o outro, com o “de fora”. (SILVEIRA, 2003, p. 137)

Então, este incômodo com a presença e escuta curiosa de membros não familiares,

chegava a instalar um certo silêncio, chegando até mesmo a nos chamar para dentro de casa.

[...] o incansável trabalho de curiosidade que, como um inseto de imensas antenas

explora com paciência todos os cantinhos do espaço público, sonda os

Page 81: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

80

comportamentos, interpreta os acontecimentos e produz sem cessar um rumor

questionável incoercível (CERTEAU, 1996, p. 51).

Portanto, a curiosidade passa a ser uma pulsão interior da prática cotidiana na

comunidade; de um lado, alimentada por motivações na relação de vizinhança e, de outro,

tentando abolir a sensação de estranheza. Daí se processam as relações de “proximidade”

pautadas por essa estranheza, o que talvez venha a justificar o fato de pertencerem a uma

mesma linhagem familiar e não manterem muito contato entre si. As visitas aos compadres

eram muito esporádicas. Então, cabem aqui as ideias de Certeau (1996, p. 73), na medida em

que o contato entre os moradores de Iracema, mesmo não sendo amistoso e frequente, era

inevitável.

O bairro impõe um Know-how da coexistência indecidível e inevitável

simultanemante: os vizinhos ai estão, cruzo com eles na escada do prédio, na minha

rua: impossível evita-los sempre: “é preciso conviver”, encontrar um equilíbrio entre

a proximidade imposta pela configuração pública dos lugares, e a distância

necessária para salvaguardar a sua vida privada.

Ainda nesse âmbito, o silêncio e a sensação de estarem “acuados” justificou a nossa

preocupação com a falta de colaboração dos velhos, o que poderia prejudicar o andamento da

nossa pesquisa.Então, passamos a observar atentamente as expressões, olhares e atitudes

quanto à nossa chegada, e desconfiamos que o desconforto poderia advir de Andreia, que

esporadicamente nos acompanhavanas visitas.

Essa forma de silêncio pode existir, também, no seio da família ou em pequenos

grupos e comunidades humana. Ele se expressa no mutismo daquele que cala porque

não tem nada a dizer ou porque não sabe o que dizer ou porque tem medo de dizer.

(PASCUCCI, 2011, p. 77-78)

Lançamos como hipóteses o fato dos nossos parentes possuírem um maior grau de

instrução, por esse casal residir na casa principal (local onde moraram as pessoas que deram

início à linhagem) e talvez adotar uma postura de certa autoridade perante a comunidade,

ainda que de forma inconsciente.

Nesse âmbito, citamos as ideias de Neri (2007), quando menciona que determinado

grupo pode vir a se sentir discriminado por outros mais poderosos. Logo, a percepção de que

nossos parentes possuem uma sobreposição sociocultural em relação à comunidade (somente

eles são velhos com nível superior de instrução e que possuíam um melhor poder aquisitivo),

pode ter sido traduzida pelo anseio e/ou resistência de alguns agentes sociais colaborarem

com o estudo.

Page 82: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

81

Em razão disso, conversamos com Andreia sobre tal assunto e ela chegou a

compreender o receio das pessoas em falarem na presença dela. Assim, a partir de então, não

veríamosproblemas em percorrer a comunidade sem a sua companhia.

Vale salientar que o contato anterior a esta pesquisa foi mínimo, pois, quando criança

e adolescente, esporadicamente, passávamos as férias nesta, chegando a brincar e a ter maior

aproximação somente com nossos primos, que ali residiam, e com os que vinham de

Fortaleza. Nesse sentido, julgamos não haver contaminação nem dificuldades em desenvolver

os estudos acerca das pessoas que residiam neste locusempírico por não ter havido uma

comunicação com os moradores de lá.

5.2 Os sujeitos da pesquisa

O tipo de trabalho aqui realizado sugere que alguns aspectos sociológicos, como

gênero, idade, classe social e etnia sejam priorizados e se relacionem em sua complexidade,

conferindo um sentido biossocial, perpassando o indivíduo e o coletivo que se corporifica em

homens e mulheres de várias idades e raças (MOTTA, 1999). Nesse sentido, de início,

faremos a descrição de características gerais dos sujeitos do estudo.

Conforme exposto, de todos os sujeitos da pesquisa, observamos a maioria masculina

(sete homens e cinco mulheres). Em relação ao gênero, segundo os dados do IBGE (2013),

ocorre uma feminização da velhice (55,7 %) nas áreas metropolitanas do Nordeste do Brasil,

embora não seja encontrada nesta pesquisa um percentual de gênero correspondente na área

rural.

A composição das famílias dos interlocutores pode ser descrita da seguinte forma:

quatro casais de velhos, um viúvo, uma viúva e dois velhos, que são casados com mulheres

que possuem menos de 60 anos de idade. No que diz respeito aos arranjos domésticos dessas

famílias, a maioria reside com os filhos maiores de 25 anos, o que confirma os dados

apontados pelo IBGE (2013), que se reportam à prevalência de 30,2% de idosos que vivem

com os filhos e/ou outro parente ou agregado. A pesquisa também enuncia que 85,2 % dos

velhos estavam em arranjos onde havia outra pessoa com quem estabelecesse alguma relação

familiar, seja cônjuge, filho, outro parente ou agregado, o que chega a se coadunar com a

realidade verificada em Iracema.

Os sujeitos da pesquisa pertencem, praticamente, a uma linhagem de família: sãoos

Ferreiras Gomes. Portanto, os homens que residem em Iracema possuem laços de parentesco

muito próximos, sendo irmãos, tios, sobrinhos etc; já as mulheres, quando não fazem parte

Page 83: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

82

dessa linhagem, são provenientes de outras localidades do Município de Paramoti. De acordo

com depoimentos dos interlocutores, antigamente a linhagem predominante era os Santos

Lessas (Diário de campo, 05/05/2014).

Diante da constatação em que “todo mundo aqui é parente”, Antônio Cândido (2010)

define o que ele chama de “blocos familiares” como sendo uma vizinhança imediata de

membros da mesma família, dentro de um grupo ou subgrupo coeso e mais disposto à

solidariedade vicinal.

Um dado socioeconômico a ser registrado remete à existência de somente duas

famílias receberem o auxílio financeiro do Programa Bolsa Familia-PBF 3 e todos os velhos

serem aposentados pela agricultura, exceto uma pessoa que, recentemente, se aposentou por

tempo de serviço. Tal realidade se coaduna com a encontrada na Síntese dos Indicadores

Sociais do IBGE (2013), a qual mostra que a maioria dos velhos, cerca de 76,3%, recebe

algum benefício da previdência social, sendo que 76,2% são homens e 59,4% mulheres. A

pesquisa também aponta que a principal fonte de rendimento dos velhos provém da

aposentadoria e de pensão, chegando a ser de 66,2 %. Dentro do universo dos velhos da

pesquisa, apenas quatro homens trabalham na agricultura ou na criação de gado; três destes

não trabalham mais, sendo um deles doente.

Em relação ao nível socioeducacional, apenas seis velhos sabem ler e escrever com

muita dificuldade, enquanto os outros seis velhos não sabem sequer escrever o nome. Esse

analfabetismo das pessoas mais velhas ocorrente no Nordeste brasileiro se coaduna com os

dados alarmantes advindos do IBGE (2013), onde 47,1% dos velhos possuem menos de um

ano de estudo ou não têm um grau de instrução. É importante também mencionar que a

pesquisa aponta o Nordeste como a região de maior índice de analfabetismo.

Em relação ao estado de saúde, observa-se que a hipertensão e a Diabetes Mellitus são

as doenças mais comuns nos interlocutores, acometendo cinco homens e duas mulheres. Dos

12 velhos da localidade, apenas três fazem uso de medicação controlada para transtornos de

ansiedade e depressão.

Foi verificado também que todos os velhos realizam alguma atividade, desde aquelas

na roça (plantar, colher, criar gado etc) até a realização de atividades domésticas (cuidar das

galinhas, cozinhar, cuidar da casa etc). De acordo com dados do IBGE (2013), com a

3O Bolsa Família (PBF), segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à fome (2009), é

um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) e extrema pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 70), de acordo com a Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004.

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83

diminuição da fecundidade e de maior longevidade da população, aumenta de 14, 9 para 19, 6

a razão dos velhos para cada grupo de 100 pessoas em idade potencialmente ativa, ou seja, no

decorrer dos anos verifica-se que esse público se torna cada vez mais ativo.

Outro dado importante a ser relatado diz respeito ao grau de dependência dos velhos –

seja do ponto de vista físico, econômico ou emocional -de uma outra pessoa. Dentre esses

sujeitos, somente um velho tem grau de dependência emocional da família em virtude de

tomar medicação controlada para conter os surtos psiquiátricos. Quer dizer, a maioria dos

interlocutores não exprime grau de dependência. Segundo informações do IBGE (2013),

No Brasil, em 2002, a razão de dependência total foi de 59,3 pessoas

economicamente dependentes para cada 100 pessoas em idade potencialmente ativa,

passando para 55,0 em 2012, ao considerar que o grupo de idosos é composto pelas

pessoas de 60 anos ou mais de idade. Assim, este indicador mostra que há uma

diminuição do grupo que, em tese, é economicamente dependente em relação ao

grupo de pessoas potencialmente ativas.

Agora, achamos conveniente traçar o perfil de cada um dos velhos, para descrever o

que fazem, como e com quem se relacionam, sua rotina diária, enfim entender um pouco

sobre quem são e seus modos de vida, para só então compreender seus discursos e

comportamentos.

Para resguardar a identidade dos entrevistados, atribuímos nomes fictícios aos

interlocutores, obedecendo ao critério de gênero. Nossos parentes foram nomeados da

seguinte forma: a mulher como Andreia e o homem como Paulo.

Destacamos, também, que este estudo se realizou de acordo com o que preconiza a

Resolução 446/12, do Conselho Nacional de Saúde, a qual traz disposições e normas a

respeito de pesquisas com seres humanos. Portanto, os sujeitos da pesquisa assinaram o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que os resguarda sobre os aspectos éticos e de

sigilo envolvidos no processo.

Pedro (77 anos)-

Natural de Iracema, católico e não alfabetizado (lê com dificuldades e escreve pouco).

Ele é pai de quatro filhos homens: Francisco José (tem 39 anos, trabalhava como agricultor e

por motivo de acidente no trabalho está parado há dois anos com problemas na perna; estudou

até o 7º ano); Ediberto dos Santos (tem 22 anos e possui ensino médio completo; trabalha no

depósito de construção perto da localidade e ganha um salário- mínimo); Jailton dos Santos

(tem 18 anos e possui ensino médio completo; trabalha como pedreiro, ganhando cerca de R$

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40,00 por dia); Jair dos Santos (tem 17 anos e possui ensino médio completo; ele também

trabalha no depósito, fazendo bicos). Moram com ele cinco pessoas: os quatro filhos e a

esposa (Ana, 60 anos) que se aposentou como funcionária pública.

A renda da família é constituída de duas aposentadorias (a do genitor como agricultor

e a da esposa como merendeira da escola do Município de Paramoti) e de um salário-mínimo

advindo do trabalho do Ediberto. Francisco José está parado, portanto não possui renda, e

Jailton e Jair não possuem renda fixa, pois trabalham fazendo bicos. A família não recebe a

renda proveniente do Programa Bolsa Família (PBF). Ambos os velhos portam hipertensão

arterial. O filho F.J.S.G mencionou que o acidente de trabalho ocorreu quando uma máquina

“quase rapava a perna dele” há cerca de dois anos e que desde então apresentou dores e vem

lutando para conseguir seu auxílio-doença que só conseguiu por três meses. “Mas moça tem

problema não...enquanto nós for vivo ele tem o di comer...o negocio é quando nós se for...”

Em relação a sua cotidianidade, ele relatou que acordava às quatro e meia da manhã,

dava comida aos porcos e cuidava das vacas; depois fazia o café e ia se balançar. Disseque

gostava de ouvir rádio, se balançar e de beber um pouco no fim de semana no bar ali próximo.

Quanto à divisão de tarefas, os filhos sempre ajudam, pois “vão pegar água um dia

outro não...e um dia vai um e no outro dia vai outro...é sempre assim...eles sabem que

precisam fazer, não precisa nem a gente mandar”.

Comentouque sabia fazer trança para fazer chapéus e bolsas.

Moça eu sabia fazer chapéu e bolsas, a senhora quer ver? Mas não faço mais não,

porque num tem mais saída...depois que chegou esses tal de boné, o povo num quis

mais usar de palha não, aí eu parei de fazer...e eu até que gostava de fazer e ainda

ganhava um dinheirinho...mas fazer o que né...” (PEDRO, 77anos).

Ana (61 anos)

Mulher do Pedro, natural de Paramoti,católica e alfabetizada. Ela mora com o marido

e os quatro filhos. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como

merendeira da escola do Município de Paramoti) e a do marido (como agricultor). Ela possui

hipertensão arterial. Disse gostar de cuidar de sua casa e que por isso não costumava sair.

“Não minha filha eu gosto é de ficar em casa mesmo...assisto minha novelinha, cuido das

galinhas faço almoço e pronto”.

Ela chegou a mencionar que gostava de sua casa limpa, mas que com o intenso

movimento de caminhões todos os dias, ficava muito difícil manter a casa limpa.

Minha filha depois que esses caminhão passa deixa um bocado de poeira e que por

mais que a gente limpe, tem poeira qui não acaba mais...eles passam direto, até de

madrugada ficam aí trabalhando tirando areia do rio...o dono das caçamba tá

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mandando eles agoar depois que passam mais não adianta nada, é muita poeira...ô

negócio chato!

Bruno (62 anos)

Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Ele mora com a mulher e um filho de 35

anos. Os três são agricultores e o velho cuida do gado. A esposa e o filho têm hipertensão

arterial. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e a da sua mulher. A família não

recebe a renda proveniente do PBF.

Plantava milho e feijão e ia diariamente para a roça cuidar do gado. Sabia cozinhar e

ajudava sempre que necessário. “Minha esposa se aposentou há pouco tempo, então quando

não dava tempo eu mesmo fazia o almoço e cuidava da casa...tem isso não, é um ajudando o

outro”.

Gosta de assistir ao jornal diariamente, pois acha importante saber o que está

acontecendo no mundo. Ele disse ainda que “as coisas estavam muito difíceis” e que por isso

começava a pensar em morar na cidade.

Sr. Bruno falou que “algumas coisas tinham mudado para melhor e outras pra pior”.

Ele disse que hoje “já tinha remédio, telefone, carro, televisão e aposentadoria que melhorava

a vida dos velhos para melhor”. Em contrapartida, “os netos não obedeciam mais os mais

velhos e desrespeitavam muito”.

Fabiano (71 anos)

Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Ele mora com Matilde (47 anos), dois

filhos e uma filha, que é a mais nova. Os filhos são: J.R.A.G (21 anos e possui ensino médio

completo); J.R.A.G (18 anos, possui ensino médio completo e faz bicos como pedreiro) e

M.R.A.G (17 anos e possui ensino médio completo). Matilde apresenta hipertensão arterial. A

renda da casa é proveniente da aposentadoria dele. Quando solteiro morava no estado do Pará

e veio para o Ceará por causa dos pais. Essa terra aqui é dos meus avós. Vim pra cá pra

cuidar da minha mãe porque meus irmãos já tinham tudo se casado e ela tava muito doente.

Trabalha muito fazendo “bicos”. A gente faz o que dá certo...eu gosto de trabalhar...num

gosto de me acomodar não...o que aparece eu vou fazendo pra ganhar mais um dinheirinho.

A família possui uma horta na forma de mandala que vende produtos para as pessoas

da comunidade. Aqui todo mundo ajuda um pouco...um planta aqui e outro faz outra coisa ali

e outro vende... Então, Fabiano mencionou que, há alguns meses, chegou a vender sua

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86

produção de coentro e cebolinha para um programa do governo (Programa de Aquisição de

Alimentos-PAA), mas que deixou de vender, pois havia atraso no pagamento da sua

produção. Portanto, começou a vender seus produtos de porta em porta para garantir a

sobrevivência da família.

Margarida (71 anos)

Natural de Iracema,viúva, analfabeta e não trabalha na agricultura. Ela morava com

um filho até o ano de 2011, pois ele havia morrido do coração. Ele bebia muito e num ia pra

médico...pobi do Wellington. Tem filhos e netos que residem em Fortaleza (que de vez em

quando iam visitá-la) e um outro filho que mora na localidade de Iracema-I., Sr. Albuíno.

Disse que não gosta de sair de casa e que seu salário “quem tira” é a esposa de seu

filho que mora ali próximo, pois não gosta de sair de casa. Já morou com alguns netos, mas

que “não tinha se dado” porque brigavam muito com eles. Toda noite um neto seu dorme com

ela para fazer companhia. Tem problemas de saúde, pois é hipertensa, logo pedia ajuda a sua

nora para os afazeres domésticos, pagando-lhe uma quantia a cada dia de faxina realizada.

Sua renda é proveniente da aposentadoria e da pensão do marido.

Margarida chegou a mencionar sobre a associação desativada, dizendo que quando

havia reuniões ela participava. Quando a gente precisa de alguma coisa é mais fácil a gente

conseguir...e desse jeito sem funcionar... Mencionou que na localidade não tinha atrativos

para os velhos. Minha filha aqui falta é tudo pra gente...tem é nada. Quando indagada se os

direitos dos velhos eram respeitados, a mesma disse de forma indignada que não eram de

forma alguma. Quando eu ia tirar meu dinheiro, eu cansava de sair as três da manhã e

chegava lá era tudo misturado...uma bagunça só...

Maria (65 anos)

Natural de Canindé e alfabetizada. Mora com João, 70 anos, e um filho (A.M.P.G de

29 anos). O filho é muito apegado a eles e se relacionam muito bem.

Meu filho graças a Deus se dá muito bem com a gente...de vez em quando, quando

ele pode nos ajuda aqui em casa...ele respeita muito a gente e se preocupa

também...nunca nem falou alto com a gente...hoje em dia as coisas tão tudo

mudada..pra pior...a educação antes era melhor, era mais rígida, os castigos eram a

palmatória e o milho...os pais podiam bater nos filhos e eles obedeciam...hoje em

dia, ninguém pode nem falar alto com eles...eu agradeço a Deus pelo filho

maravilhoso que é. (MARIA, 65 anos)

Ela e o marido são aposentados e o filho cursou até o ensino fundamental. O marido

tem depressão e por isso faz uso de medicação controlada. Minha fia teve um dia que ele teve

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87

uma crise de quebrar tudo aqui dentro de casa...queria que você visse...agora eu nem deixo

ele ir pra roça porque ele fica com dor de cabeça por causa do sol e tenho medo dele ter

outra crise daquelas...deus me livre!

O filho é hipertenso e ela fez cirurgia de catarata e glaucoma há pouco tempo. Eu não

cozinho aqui não...como eu não posso chegar na beira do fogo por causa dos olhos, ele é que

faz tudo dentro de casa. Um outro filho seu mora na casa ao lado e uma filha reside na casa da

frente.

João não gosta de sair de casa e não deseja sair da localidade, pois gosta muito de criar

animais e de viver na tranquilidade.

Minha filha ele disse que só sai daqui morto...eu num gosto muito daqui porque as

coisa que tinha aqui pra gente acabou tudo...tinha missa, igreja, novena, festa na

igreja, quermesse...era muito bom...a gente se divirtia mais, passeava e via

gente...agora, o povo aqui mesmo da localidade passa um tempo sem se ver...cada

um fica na sua casa...eu que vou pra casa de outros compadres lá no Melado a pé.

(MARIA, 65 anos)

Esporadicamente, viaja para Fortaleza para casa de parentes, pois “gosta de passear” e

que tem vontade de sair de Iracema.

João (70 anos)

Natural de Iracema, não é alfabetizado. Mora com Maria (65 anos) e um filho. A renda

familiar é proveniente da sua aposentadoria e da Maria. Faz uso de medicação controlada para

ansiedade e depressão, e por isso não trabalha mais na roça.

Antigamente havia a Casa do Idoso no Município de Paramoti, mas que recentemente

havia fechado por causa da política e os jovens acabaram fazendo um abaixo-assinado para

reabrir o local. Minha filha lá era bom...tinha coisa pros velhos..forró e tudo...agora não tem

é nada em canto nenhum...nem aqui e nem na cidade.

Outro fato curioso era que os pais do velho ensinavam a ele e os irmãos a cozinhar

desde cedo, pois achava que o homem deveria saber de tudo.

Lembro muito do papai ensinando a gente a acender a lenha e a cozinhar arroz e

feijão...dizia que a gente tinha que saber de tudo..plantar, colher, cozinhar e ajudar a

mulher a fazer as coisas dentro de casa e fora de casa também...é assim que nós faz

aqui..cada um ajuda o outro a fazer a de tudo um pouco...(JOÃO, 70 anos).

André (85 anos)

Natural de Iracema, católico e não alfabetizado. Reside com a filha, o genro, um neto e

a esposa e alguns bisnetos. A renda proveniente da família advém da aposentadoria dele, pois

a filha e o genro trabalham na agricultura. Faz uso de medicação controlada e quando entra

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em crise fica “sem rumo”. Pessoa mais velha da comunidade. Na verdade, não conhecemos

este velho, pois nas visitas realizadas durante a pesquisa ele estava “desaparecido na mata”.

Algumas pessoas da comunidade comentaramque ele era negligenciado pela família,

tendo sua alimentação bem limitada. Segundo moradores, houve uma denúnciaanônima de

maus tratos contra André, realizado no Centro de Referência da Assistência Social. Em razão

disso, a filha já chegou a depor algumas vezes perante o juiz para se defender de tal acusação.

Segundo relato da filha, ela já chegou a procurar de forma espontânea a delegacia para prestar

queixa diante do desparecimento do pai.

Teve uma época que veio uma moça aqui, uma tal de assistente social bem

enjoadinha ela...quase dizendo que a gente maltratava meu pai...acho que insinuando

que a gente não dava de comer direito...ele aqui bebia leite todo dia, comia mistura

as vezes duas vezes ao dia, só que quando ele se atacava e não queria comer, a gente

não tinha culpa...até o remédio eu comecei a dar na boca dele pra ele não esquecer

pra ele não ter aquelas crises de novo...o povo falava que a gente queria era o

dinheiro da aposentadoria dele, mas aqui todo mundo sempre trabalhou muito pra ter

nosso dinheirinho...eu lá que queria o dinheiro do meu pai...(BRUNA, 55 anos).

A família possuía criadouro de peixes e os vendia para os mercados locais e para

programas do Governo Federal. Também trabalhavam na criação, abate e comercialização de

galinhas caipiras pela região.

Carlos (76 anos)

Natural de Iracema, católico e não alfabetizado. Mora somente com Fernanda (70

anos). A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da Fernanda. Possui um filho

que mora em Paramoti, outro em Fortaleza e outros dois que moram “aqui”. Trabalha todo dia

na roça. Carlos gostava de sair sempre para visitar seus amigos na localidade e relatou que

não queria sair dali. Eu gosto de morar aqui na zona rural...é tranquilo...eu não quero sair

daqui não.

Fernanda (72 anos)

Natural de outra localidade do Município de Paramoti, é católica. Possui um filho que

mora em Paramoti, outro em Fortaleza e outros dois que moram ali próximo. Apresenta um

sério problema de circulação, o que a impede de andar “normalmente”, além de ainda ser

hipertensa. Por conta da dificuldade de locomoção, a mulher dificilmente, sai de casa, indo

somente à missa aos domingos quando a filha (Alexandrina) vai pegá-la de carro. Tem coisa

que eu não gosto de fazer e nem posso mais por causa das minhas pernas...eu costumo pagar

pra barrer o terreiro de casa a cada quinze dias. A filha mora na casa em frente a sua,

ajudando nos afazeres domésticos todos os dias. Mas ela só me ajuda..eu que cozinho e cuido

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da minha casa. Alexandrina possui um pequeno comércio de produtos alimentícios vizinhoà

casa deles. Esporadicamente, sai de casa por causa das pernas, indo conversar com os

compadres que residem em outra localidade. Não se sente sozinha, pois noras e netos estão

sempre “indo lá”.

Relatou sobre o enorme incômodo que causava na sua casa por causa do intenso

trânsito de caminhões que por ali passavam. Minha filha eles passam e deixam dez quilos de

areia na nossa casa...tenho que limpar toda hora...além de ainda eu não concordar em tirar

essa areia do rio...acho tudo isso muito errado.

Andreia (65 anos)

Natural de outra localidade do Município de Paramoti, católica e alfabetizada. Possui

um filho morando em Fortaleza e duas filhas residindo nos EUA, que ajudam os pais sempre

que podem. Atualmente costura jalecos para vender em Fortaleza e no hospital de Paramoti.

Mora com o marido Paulo, e uma sobrinha do marido (M.J.F.G, 15 anos) que a ajuda nos

afazeres domésticos. A renda familiar é proveniente da criação e venda de animais (porco e

ovelhas) que o esposo realiza, bem como da aposentadoria advinda do trabalho como

professora, do dinheiro que recebe pela comercialização dos jalecos e do auxílio-doença do

marido.

Mencionouque achava muito errado o que estavam fazendo com o rio ali perto, pois

todos da comunidade acabavam sendo prejudicados, além de estar prejudicando a natureza.

Paulo (69 anos)

Natural de Iracema, católico e alfabetizado. Possui um filho morando em Fortaleza e

duas filhas residindo nos EUA, que ajudam os pais sempre que podem. Mora com o esposa

Andréia e uma sobrinha (M.J.F.G, 15 anos), que ajuda nos afazeres domésticos. Cuida de

alguns animais, como porco e ovelhas, fazendo isso tanto porque gosta como porque é

necessário para complementar a renda familiar. É epilético, hipertenso e possui uma lesão no

menisco direito. Recebe auxílio-doença há aproximadamente dois anos por causa de

problemas no joelho. A perícia é renovada a cada 90 dias mediante consulta médica.

Sobre o fluxo de caminhões, Paulo relatou não entender como a Prefeitura e outros

órgãos permitiam tamanha devastação.

Isso é um absurdo...fico revoltado com tudo isso... pelo ou menos ninguém aqui

vendeu terra pra esses areeiros...pra piorar eles passam com tudo e faltam levar a

gente...tua tia até deixou de caminhar porque eles passam aqui com muita

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velocidade que ela fica é com medo de acontecer uma desgraça, de ser atropelada.

(PAULO, 70 anos)

Ontem eu encontrei um dos donos desses caminhões lá no restaurante e disse um

bocado de coisa...que tivesse respeito com os moradores daqui, pra passarem mais

devagar pra não acontecer algo mais grave...ele pediu desculpas e falou que iria falar

com seus trabalhadores...fora isso, a raiva que eu tenho é do povo mesmo sabe, de

vender a mil réis a garantia do nosso ar, da preservação do nosso ambiente.

(PAULO, 70 anos)

5.3 Nas trilhas da História oral: a escolha de um referencial teórico e metodológico

Inicialmente, foi realizada, na fase exploratória, uma pesquisa bibliográfica com a

participação e observação direta dos sujeitos. A etnografia foi escolhida objetivando a

compreensão da vida social, como esta é produzida e reproduzida por esses agentes por meio

de uma observação e descrição profunda desse espaço, observando o que acontece, escutando

o que é dito e fazendo perguntas. Na verdade, buscamos entender o significado das

perspectivas imediatas que eles têm do que fazem (FLICK, 2009).

Acerca da discussão sobre oralidade, este estudo foi baseado nas obras de: Jucá

(2003), Almeida (2009), Fernandes e Loureiro (2009), Bosi (1994), Alcântara (2004), Augras

(1996), Faria, Sá Motta e Ven (1996), Campos, Demartini e Lang (1998), dentre outros.

A história dos velhos aqui pesquisados foi traçada pela vida em Iracema, enfocando

seu dia a dia, suas relações e o espaço rural onde vivem. As histórias de vida só foram

compreendidas com base, primordialmente, na história oral, que pode ser considerada como

uma metodologia qualitativa voltada a conhecer a realidade dos modos de vida dos velhos de

Iracema com base em dados coletados, no caso, as fontes orais, que foram analisados e

interpretados (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998).

As histórias de vida dos velhos foram compreendidas com base nos depoimentos orais,

nas entrevistas semiestruturadas, nas observações realizadas, no referencial teórico e no diário

de campo.

O diário de campo e o gravador foram instrumentos valiosos que auxiliaram na

transformação do indizível em dizível, pois, como discorre Rojas (1999),

O indizível nos relatos orais é o não explícito das vivências dos indivíduos que

vivem num meio social determinado. A transformação do indizível em dizível

consiste em pôr em palavras as emoções e ações, próprias ou alheias, vivenciadas

por uma pessoa. É passar aquilo que está obscuro para a nitidez da palavra.

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91

A história oral foi um recurso metodológico escolhido, pois objetivou a coleta de

depoimentos gravados e reproduzidos dos velhos, associados a um apoio teórico

(historiografia e memória) (JUCÁ, 2003, p.18). Como esse estudioso disserta,por isso, as

informações prestadas por eles trazem subsídios valiosos à compreensão do passado, uma

vez que elas são apresentadas de uma maneira mais espontânea, deixando fluir o conteúdo

restaurador do passado.

Neste sentido, seguindo o raciocínio do autor, os depoimentos dos velhos foram

importantes em decorrência de um valor histórico, resgatando-lhes o valor de suas memórias.

Por via da história oral, as experiências cotidianas dos velhos foram filtradas por meio de um

processo dialógico, a fim de contribuir com uma análise da realidade social mediante o

registro e uso de entrevistas informais (ALMEIDA, 2009).

No decorrer do estudo, sentimos necessidade de associar os depoimentos e o diário de

campo a outras fontes de dados e recorremos à coleta e análise de documentos, quais sejam: a

Ficha de Cadastro das Famílias e de um Levantamento Qualitativo e Quantitativo das famílias

de Paramoti, mapa do Município de Paramoti e atas de reuniões da Associação de Iracema.

Percebemos que a associação com essas técnicas nos permitiu ter uma visão mais ampla e

variada da realidade em estudo. A diversidade dessas fontes tornou-se fundamental pela

riqueza que a complementaridade entre elas pôde permitir (CAMPOS, DEMARTINI e

LANG, 1998).

É pertinente ressaltar que, nas entrevistas, alguns velhos falavam pouco, silenciavam e

até desviavam de assunto quando vinha à tona algo que se relacionava à retirada de areia do

rio ali perto. Portanto, ficamos atentas à escuta do não dito, pois isso poderia denotar um

desejo de se disfarçar algo, podendo nos oferecer meios de chegarmos mais perto do cerne da

questão (AUGRAS, 1996).

Nesse processo, recorremos à palavra do outro, que pôde ser obtida e gravada, dando

origem a um valioso documento. Essa palavra do outro foi captada pelos depoimentos orais

dos sujeitos, nos quais se buscou obter o testemunho do seu modo de vida em Iracema, de

algumas vivências e da participação em determinadas situações(CAMPOS, DEMARTINI e

LANG, 1998).

Percebemos uma complexidade nos depoimentos orais, pois retratavam as situações

heterogêneas e o antagonismo de tensões que nela se exprimiram (AUGRAS, 1996). Portanto,

foram necessárias não só a escuta pura e simples dos depoimentos, mas levamos em

consideração as observações atentas da realidade, dos fatos. Exemplo disso diz respeito às

crenças dos sujeitos da pesquisa, mencionando que na localidade não havia problemas com

Page 93: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

92

abastecimento de água e, posteriormente, percebemos que a água só era fornecida em

determinados horários, ou seja, havia racionamento do produto.

Fernandes e Loureiro (2009) discorrem sobre a concepção de Haguette (1999), ao se

reportarem ao fato de que a história oral é uma técnica de coleta de discursos que se baseia no

depoimento oral, gravado, e que é obtido por meio de uma relação entre entrevistador e

entrevistado, agente social ou mesmo uma testemunha de acontecimentos significativos para a

compreensão da sociedade. Com efeito, o uso do gravador contribuiu de forma preponderante

para apreensão das falas dos sujeitos.

A escuta dos diálogos foi realizada de forma criteriosa, pois se tornou necessária a

transcrição destes para dar suporte e muitas vezes reforçar o referencial teórico. As

transcrições das falas, gírias e expressões emitidas pelos interlocutores se tornaram elementos

imprescindíveis para subsidiar conceitos e auxiliar na compreensão da realidade

sociocultural.Para tanto, foram explicitados os objetivos da pesquisa, solicitando,

previamente, uma autorização dos depoentes, a fim de resguardar a identidade pessoal. Após

esse momento, as falas foram devidamente interpretadas e analisadas, com apoio no nosso

referencial teórico escolhido, que versava sobre a velhice no âmbito rural.

Com efeito, vale mencionar que os velhos não nos forneceram dados e sim discursos,

sendo necessária nossa análise destes últimos. É claro que o exame desses discursos foi

difícil,pois retratou a complexidade (AUGRAS, 1996).

Fernandes e Loureiro (2009)referem-se aos pensamentos de Portelli, quando postula a

ideia de que a história oral deve ser entendida como um evento em igualdade, em que existem

trocas entre os sujeitos sem relação de poder; em que a relação de parceria é baseada em

confiança mútua, com um objetivo comum, transformando o mundo do pesquisador e do

pesquisado.

Minha fia eu num vô mentir pra você...no começo eu te achava uma lôra toda

nojentinha e que vinha aqui pra encher nosso saco...mas depois eu vi que tú até que

é legal e simpática...até conseguiu arrancar de mim minhas coisas...eu sei que tú

num vai falar dos meus segredos por aí não...eu acredito em tú... (MARGARIDA, 71

anos).

Eu que num ia falar da minha vida nem a pau pra a senhora...mas depois num é que

eu acabei contando...vala... (ANA, 61 anos).

As entrevistas foram marcadas por intersubjetividade, movimento dialético entre nossa

subjetividade e a dos velhos (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998). Na acepção de

Augras (1996, p. 35) “a tão almejada neutralidade científica, no campo das ciências sociais , é

uma falácia. De qualquer maneira que se vá ao campo, fica-se enredado pela estrutura e

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93

dinâmica do mesmo”. Portanto, atentamos para o fato deque as entrevistas com subjetividade,

davam riqueza ao todo; que a nossa interpretação “era o sentido que atribuímos aos fatos, que

os faz existir como tais”.(AUGRAS, 1996, p. 36)

Ainda falando na relação entre entrevistado e entrevistador, ressaltamos a importância

da preocupação com a ética, não só na entrevista,mas também em outros trabalhos técnicos,

que se orientam em termos da moralidade, dos padrões do que seja considerado certo ou

errado (CAMPOS, DEMARTINI e LANG, 1998). Após a concessão da entrevista, um dos

sujeitos nos solicitou, por diversas vezes, que cortássemos da gravação o conteúdo em que ele

dava sua opinião sobre a retirada de areia do rio. Assim sendo, esclarecemos a ele que teria

seu pedido aceito, pois confiança e ética seriam cruciais para o desenvolvimento da pesquisa.

Alcântara (2004) faz uso das ideias de Pinto, quando menciona que a história oral tem

um comprometimento com os excluídos da história oficial e de denúncia social das camadas

marginalizadas da sociedade. A análise dos grupos excluídos que não tiveram a oportunidade

de expressar suas angústias e anseios pode ser feita com base no referencial teórico e

metodológico da história oral, pois a apreensão das versões pode nos ajudar a compreender a

vida destes inseridos em uma conjuntura.

Minha fia sempre quis dizer isso que tava entalado aqui ó...o povo daqui não

percebe que só através da associação conseguimos água pra cá? E que depois

podemos conseguir mais coisas não? Aí ninguém faz nada pra mudar isso?

(MARIA, 65 anos).

Fiquei triste quando soube que nossa associação acabou...se voltar é claro que vou

pras reunião pois quero o melhor pra cá...(MARGARIDA, 71 anos).

Numa mesma direção, Bosi (1990, p.37) destaca:

O principal esteio do meu método de abordagem foi a formação de um vínculo de

amizade e confiança com os recordadores. Esse vínculo não traduz apenas uma

simpatia espontânea que se foi desenvolvendo durante a pesquisa, mas resulta de um

amadurecimento de quem deseja compreender a própria vida revelada do sujeito.

A História Oral foi uma metodologia também utilizada como forma complementar

principalmente no confronto de opiniões coletadas e que expressavam distintas tendências

ideológicas (JUCÁ, 2003). Com suporte nesse fato, as fontes documentais, os depoimentos

coletados e a observação foram elementos norteadores para desmistificar algumas ideias

atribuídas por uma cultura ocidental e dominante, e que ampliaram a compreensão da

realidade estudada.

Assim, trazemos duas ideias conceituais postuladas por muitos autores, imbricadas por

uma noção machista e nordestina, que contradisseram o modo de viver do velho que reside

Page 95: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

94

neste espaço rural. A primeira se refere ao fato de o homem se ocupar exclusivamente do

espaço público, ao passo que a mulher, fica na esfera privada.

Em Iracema, de acordo com os relatos e observações, percebemos uma quebra nesse

estigma, uma vez que amaioria dos homens não só sabia cozinhar como também realizavam

tal prática de forma quase que cotidiana; já as mulheres, em sua maioria, se ocupavam dos

afazeres domésticos, mas também “resolviam as coisas na rua” (Diário de campo,

04/12/2014).

A segunda se refere à quebra do estereótipo do velho tido como inútil, encostado e que

não trabalha mais; na localidade, foi percebida uma dinâmica na vida dos depoentes, seja com

a “lida na roça”, cuidando da casa, cuidando dos bichos, indo àrua fazer pagamentos ou indo a

Fortaleza para passear (Diário de campo, 04/12/204).

Ainda relacionado a este contexto, expressemos que esse dinamismo vivenciado por

alguns sujeitos refletianas características da comunidade, retratando a relação entre o

individual e o coletivo (FARIA,MOTTA e VEN, 1996).

“(...) o que existe de individual e único numa pessoa é excedido, em todos os seus

aspectos, por uma infinidade de influências que nelas se cruzam e às quais não pode,

por nenhum meio escapar, de ações que sobre elas se exercem e que lhe são

inteiramente exteriores(...) A história de vida é, portanto, técnica, que capta o que

sucede na encruzilhada da vida individual com o social. (QUEIROZ, 1991, p. 21)

Portanto, esta metodologia colaborou no estudo dos velhos que residem no espaço

rural, mediante coleta e análise de suas falas, enfocando seu cotidiano, os novos papeis sociais

e os estereótipos que contribuem para a constituição da identidade desses sujeitos.

5.4 Resultados e discussão

De acordo com objetivo aqui proposto, no momento da realização das entrevistas as

declarações foram observadas, de modo a relacioná-las com a problematização do estudo.

Dessa forma, foram criadas fichas individuais de cada família, em que cada fala, silêncios,

gestos e aspectos que não foram vislumbrados na entrevista pudessem ser registrados. Depois

disso, houve uma organização das respostas e reunidas categorias analíticas que mais

sobressaíam.

5.4.1 Velhice

Beauvoir (1990) nos fala de um envelhecimento compreendido em sua totalidade,

levando em conta também aspectos culturais; Goldfarb (2006) menciona a importância da

Page 96: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

95

subjetividade como aspecto preponderante no envelhecimento e na melhoria da qualidade de

vida. Portanto, percebemos em Iracema que os sujeitos envelhecem de forma particular,

obedecendo a uma rede de normas, costumes e tradições advindos da comunidade, imbricados

em um processo formador de suas identidades. No que se refere à imagem de si, os depoentes

em foco, em sua maioria, não se sentem velhos, apesar de terem conhecimento da idade deles.

Dôtora eu não mi sinto velho não...mermo tendo 74 anos nus côro, eu num mi sinto

não...ainda dô pros gastos...(CARLOS, 74 anos).

Me acho cansada...não velha...(MARIA, 65 anos).

Já outros depoentes associam a velhice a um bom estado de saúde, ou seja, passam a

associar a velha dualidade velhice e doença.

Minha filha num sinto nada...então acho que num me sintuvéi não...sobre a minha

saúde graças a Deus eu tô bem...me livrei de um câncer, de doença na vesícula e no

útero...(MARGARIDA, 70 anos).

Quando eu tinha problemas na coluna e tava quase sem andar eu me sentia velho

mesmo...mas agora depois dos remédio que o dôto passou eu me sinto é

novo...(PEDRO, 77 anos).

Já para Bosi (1994), a velhice como categoria social era entendida como algo maléfico

para a sociedade industrial, uma vez que não representa uma mão de obra eficiente para o

mercado. Quando perguntado aos sujeitos em questão sobre o que é uma pessoa velha alguns

responderam associando ao trabalho, de ser útil para si e para o outro.

Velho é aquele que não trabalha mais. Essa questão de ser velho é só no nome,

modequê eu ainda trabalho...aqui em Iracema num tem velho não...o velho hoje

trabalha mais que os novo...(JOÃO, 62 anos).

Velho é aquele que não pode fazer mais coisa alguma...que não tem serventia de

nada...não pode trabalhar e nem ir pra lida...(CARLOS, 74 anos).

Ser velho é servir pra alguma coisa...(PEDRO, 77 anos).

Debert (2003) e Neri (2007) relatam sobre a existência de atitudes e preconceitos em

relação à velhice, podendo afetar diretamente o seustatus social, o bem-estar psicológico e a

saúde física.

O povo acha que nós num serve de nada...e eu acho q a gente serve até mais que os

novo porque a gente tem vontade de trabalhar e trabalha...pensa que ser véi é tá

condenado a morte...meu véi ficou com doença dos nervo porque quando morava na

cidade o povo botou na cabeça dele qui o pobitava já morrendo porque já tinha mais

de 60 nos côro e porque tava com a tal da catarata...ele ficou impressionado e mi

dizia que queria morrer porque num prestava mais pra nada...pra tirar essa tristeza

dele só com os remédios que o dotô passou...(FERNANDA, 70 anos).

Meu marido que cozinha aqui em casa porque eu fui operada do olho e não posso

chegar nabêra do fogo...mas ele cozinha também porque gosta...desde novo que ele

cozinha aqui pra gente...o povo já ficou mangando dizendo que ele não era homem

por isso...eu nem ligo pra essas besteiras que o povo fala, porque sei que meu véi é

muito é homem...tem gente fraca que ninguém pode falar nada...eu? o povo pode

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96

falar o que for que não encarna não...eu sei do meu valor...(MARIA, 65 anos).

Portanto, de acordo com a maioria dos relatos, os sujeitos, apesar de serem vítimas de

preconceito social e de terem consciência disso, percebemos é que eles não incorporam isso

internamente; que, mesmo se sentindo velhos na idade, chegam a assumir essa identidade,

mesmo sabendo da existência de fragilidades. Somente um discurso foi de encontro a isso:

Aline o velho é discriminado em qualquer lugar desse planeta...até porque na

verdade o velho é pior do que criança mesmo...precisa ter cuidado em tudo, na

alimentação, nos remédios e até em conversar porque senão ele fica com

depressão...chegando nessa idade, é só esperar a morte mesmo...o velho já não tem

memória, não pode trabalhar porque é lento, não faz mais sexo, não tem serventia de

nada...é acabado! (PAULO, 69 anos).

De acordo com os três últimos relatos, percebemos uma diferença de gênero no

processo de internalização de estereótipos. Na acepção de Lopes (2006), os homens e

mulheres sofrem perdas com o avanço da idade, enfrentam preconceitos e estereótipos, mas os

recursos de enfrentamento passam a ser diferentes.

Um fato que me pareceu significativo foi o relato da Sra. Maria (65 anos), ao contar

que o marido (João, 70 anos) cozinhava e fazia o almoço todos os dias; ela disse ainda que

ele, esporadicamente, trabalhava na roça por causa do seu problema de saúde. Para Frota

(2004), essa divisão binária entre o feminino e o masculino era fruto de consenso social, como

posição dominante e traduzida como a única possível e que necessitava ser desconstruída,

incluindo uma noção de política, bem como uma referência às instituições e à organização

social.

João verbalizou a noção de que, quando pequenos, ele e os irmãos aprenderam a

cozinhar observando os pais na cozinha e que “isso não fazia dele ser menos homem e pior

que as mulheres”. Portanto, a atitude desta família de criar e preparar os homens para o

mundo privado vai de encontro ao que está posto por uma cultura machista e que quase

sempre é nordestina. Nesse âmbito, cabem muito bem os pensamentos de Frota (2004) ao

mencionar que a categoria gênero se torna eficaz quando socialmente construída e passa a ter

uma significação em contextos de relações de poder.

Em relação a isso, Maria disse que algumas pessoas chegavam a estranhar a prática do

marido na cozinha, atrelando isso à perda de sua masculinidade. Ela disse que não se

incomodava com isso, pois “achava correto um poder ajudar o outro”.

A Sra. Maria continuou ainda a verbalizar que ajudava o marido no pagamento das

contas, que discutia com ele sobre os negócios da família e que ainda visitava a cidade de

Paramoti constantemente para fazer compras.

Page 98: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

97

[...] Recriam a cultura e acabam interferindo nos padrões da sociedade. Não há

divisão para elas, na prática cotidiana, entre o público e o privado. A submissão é

aparente. Na realidade, elas são o alicerce, a fortaleza da família. Mantém o controle

e o poder, passando de modo seguro esses valores para a família. (Leite, 2004, p.81)

Para Debert (1999, p. 144)

[...] as diferenças nas formas como homens e mulheres representam o que é a velhice

e percebem as mudanças ocorridas no envelhecimento....são elementos fundamentais

para entendermos o uso sexualmente diferenciado desses espaços: um público

masculino na luta pelos direitos do cidadão e pela redistribuição da riqueza e um

público feminino na luta por mudanças culturais amplas que caracterizam os novos

movimentos sociais.

Logo, de acordo com os relatos dos depoentes, não existe uma especificidade de

gênero na situação da velhice na realidade de Iracema, o que vem a contrapor o pensamento

de Debert, isto é, a condição de gênero enseja representações e relações particulares. Abre-se

outra realidade, a da existência de variados projetos individuais em que muitas vezes são

redefinidos os papéis familiares.

Para Leite (2004), a questão de gênero é apontada como fator curioso, pois em seus

estudos a mulher não é vista de forma submissa, representando o alicerce e a fortaleza da

família. Nos diálogos travados, João reconhecia sua mulher como alguém independente, que

conversava com ele sobre os problemas da vida e que a via em condição de igualdade.

Esses negócio de homem na roça e mulher na cozinha não combina com Iracema

não...aqui a gente se ajuda e somos iguais...desde pequeno que meus pais ensinaram

nós a isso...a gente ia pra serra e era obrigado a cozinhar...aprendemos aí, desde

cedo...meu pai cozinhava e dizia pra nós que homem tinha que ajudar a mulher em

tudo...na cozinha também (JOÃO, 70 anos).

O fato de internalizar os dois papéis (mundo da casa e mundo público) em Iracema fez

com que estas mulheres participassem das decisões da família, embora não deixassem de lado

seus objetivos femininos; tendo seu espaço conquistado, a família a situa em um cenário de

destaque (LEITE, 2004).

Então, a categoria gênero aqui é compreendida como uma categoria social imposta e

construída e, portanto, resultado de incertezas, controvérsias e cheias de ambiguidades

(FROTA, 2004).

Lopes (2006, p. 136) faz uso das ideias de Goldani, delineando as diferenças de gênero

das pessoas de mais de 60 anos: À medida que envelhecem, homens e mulheres ficam menos

parecidos, como resultado de diferenças genéticas, de gênero, de raça, classe social e

cuidados prévios com a saúde.

Assim, salientamos que os homens e mulheres de Iracema envelhecem de forma

diferente. A análise da identidade e do curso de vida das mulheres velhas foi influenciada por

suas experiências familiares e por seus papéis de mães e esposas, fundamentais para a sua

Page 99: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

98

compreensão como mulheres (LOPES, 2006). Esta estudiosa faz uso do pensamento de

Goldani (1999, p. 79, 89 e 91), mencionando que

As mulheres idosas brasileiras desta segunda metade do século vivenciaram

transformações fundamentais ocorridas no país, muitas das quais lhes beneficiaram e

outras tantas que apenas lhes serviram para ratificar sua condição feminina desigual

e discriminada em várias instâncias da vida nacional (...) assim, o perfil

sociodemográfico das mulheres idosas em diferentes momentos resulta da

complexidade das instituições sociais e do modo sistemático pelo qual as famílias, o

mercado e o Estado interferem e diferenciam suas vidas (...) Portanto, um

pressuposto importante é que os indivíduos constroem seus cursos de vida, tomando

e implementando decisões, mas estas são favorecidas ou constrangidas pelas

políticas, condições sociais e econômicas nas quais os indivíduos se encontram.

Logo, o perfil das mulheres de Iracema nos fala que, mesmo sendo submetidas a um

aparato ideológico de dominação e talvez tendo sido criadas em famílias que pregavam um

histórico de submissão, quando se tornaram casadas, passaram a assumir uma identidade

pautada na autonomia e independência que talvez tenha sido influenciada pelos valores e

princípios regidos na vida dos seus maridos, os homens velhos de Iracema.

Portanto, as novas imagens do envelhecimento e as relações que se estabelecem ao

longo desse processo expressam mudanças sociais e passam a redefinir identidades, relações

familiares, o próprio curso de vida e a dialética dependência/interdependência entre as

gerações (GOLDANI, 1999).

5.4.2 Espaço rural

Aqui examinamos os comportamentos, atitudes e falas dos velhos que residem em

Iracema, a fim de compreender seus modos de vida em um ambiente marcado pela

singularidade. Os sujeitos da pesquisa constituem suas vidas remetendo a aspectos do

cotidiano, seja mediante processos de dominação ou de conformismo, pelo fato de em

algumas circunstâncias “Iracema não ter nada para fazer” e de “é assim mesmo...adianta

não....aqui não tem nada pra gente não” ou até mesmo de expressar o seu sentimento de

alegria em residir no rural: “prefiro mil vezes aqui do que na cidade...gosto daqui...só saio

morto daqui”.

Para melhor compreensão do que seja é esse cotidiano vivenciado pelos sujeitos,

citamos Certeau (1996, p. 31)

O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos

pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia,

pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de

viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O

cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a

meio-caminho de nós-mesmos, quase que em retirada, às vezes velada.

Page 100: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

99

Os depoimentos orais sugeriram que a forma como é conduzido o dia a dia é algo

inerente a eles, que muitas vezes chegam a se acostumar com o ritmo cadenciado de ações,

apenas como algo que é “necessário fazer”.

Todo dia eu faço a mesma coisa...de manhãnzinha eu dou de comida dos pinto, dô

de comida as galinha e barro o terreiro..nisso minha fia o arroz já tá no fogo..eu

barro a casa todinha porque não gosto de casa imunda não...umas dez hora nós

almoça e depois vou assistir minha nuvela...num gosto nem de passar pano e nem de

lavar os prato não....mas tem que fazer né....faço a janta e depois nós dromi.

(MARIA, 65 anos)

Eu gosto do meu dia sabe..começo as quatro da manhã(...) o que tenho que fazer eu

faço(...) vou dormir é cedo...depois da minha novela, tranco as porta , bebo meu

leitinho e vou me deitar. (ILMAR, 70 anos)

Aqui num tem esse negocio de gostar ou não dona...o que for preciso eu

faço...cozinho, lavo, trabalho na roça, dou de comida pros bichos...num tem quem

faça por nós...(PEDRO, 77anos)

Na visão de Certeau (1996), essa impressão de hábitos banais não deve ser entendida

como um fluir tranquilo de um dia da semana após o outro, mas como um ritmo produzido no

tempo por parte de cada família e pelo qual esta pratica sua singularidade.

Dona Fernanda (70 anos) refere-se à execução de suas tarefas domésticas da seguinte

forma: “todo dia faço a mesma coisa...do mesmo jeitin...num acho ruim não...pelo ou menos

eu já sei fazer”. Nesse sentido, a vida cotidiana dela recai numa dimensão espontânea, em que

as ações se processam de forma automática e irrefletida (HELLER, 1970). Dessa forma, a

habitação dos moradores da comunidade é marcada por práticas familiares que remetem à

“estrutura formigante das atividades ritmadas por espaços e relações” (CERTEAU, 1996).

Embora os interlocutores reconhecessem a importância de alguns aparatos

tecnológicos (telefone, computador, máquina de lavar, dentre outros) que teriam sido

herdados do mundo moderno e que facilitavam a sua rotina diária, sete velhos mencionaram

que gostavam de residir no rural e cinco relataram que “só sairiam dali mortos”. Eles

justificaram isso, dizendo que “minha fia adoro esse silêncio, essa calmaria...”, “gosto da

rotina de todo dia tirar e beber o leite quente da vaca, coisa que noutro canto num tem”,

“gosto de plantar todo dia aqui...essa é a minha terra”. Logo, na visão de Giuliani (1990, p.

65): “(...) essa mudança impõe uma nova maneira de “habitar”, uma nova maneira de investir,

material e simbolicamente, na terra, cria um novo “território social”; a “desterritorialização”,

enfim, é também uma “reterritorialização”

Dessa forma, embora aceitassem e comprovassem os benefícios advindos do espaço

urbano, chegavam a querer conviver no locus rural com suas características bem preservadas,

ideia do neo-ruralismo preconizada (GIULIANI, 1990).

Page 101: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

100

No contato com os sujeitos, pudemos apreender alguns hábitos, costumes e

características que marcavam aquela forma de viver peculiar. Com base nisso, percebemos

que os depoentes priorizavam a alimentação, vinculando a realização de um valor moral

(ALCÂNTARA, 2010; SARTI, 1992).

Minha fia aqui pode fartá tudo, mas comida nunca fartô graças a Deus...sempre tem

um cafezin, um queijin e uma bruaca. Mistura nuca farta, sempre tem farinha, feijão

e ovo e às vezes tem mortadela, frango e carne...quem se encosta aqui também

nunca passôfomi. Nós trabáia pra isso, pra ficar de buxo cheio. (CARLOS, 74 anos)

Portanto, percebemos que as projeções desses agentes gravitam à órbita de um cuidado

com a satisfação alimentar da família e que isto adquire valor para a comunidade.

Continuando na apreensão desses modos de viver dos sujeitos, percebemos que os

homens, geralmente, trabalhavam na agricultura e as mulheres se detinham aos afazeres

domésticos, mas que essa inversão de papéis também ocorria (Diário de campo, 07/07/2014).

Os homens ajudavam suas mulheres nos afazeres domésticos, chegando muitas vezes não só a

cozinhar, mas a “administrar a casa”. Essa ação de ajuda recíproca foi algo verbalizado pelos

velhos, por seus filhos e percebido por nós no contato diário com as famílias.

Corroborando a diferenciação entre papéis masculinos e femininos,citamos, as ideias

de Leite (2004, p. 74): “Porém as formas dessa divisão sexual são extremamente variadas,

assim como, também, variam a extensão e a rigidez da separação entre tarefas que se dizem

dos homens e aquelas atribuídas às mulheres”.

Os discursos e as práticas dos velhos de Iracema tecem vivências e reflexões que

tencionam uma ruptura com as bases da sociedade machista, patriarcal e androcêntrica, e,

também, as percebemos enredadas pelos limites desta realidade desigual (FROTA, 2004).

As singularidades dessas relações nos despertaram a possibilidade de um olhar

diferenciado para Iracema, como um espaço particular, que poderia a vir a romper alguns

tabus impostos socialmente. Certeau (1996, p. 57) acredita que a ocupação desses espaços não

seja suficiente para explicar a diferença entre os sexos.

Torna-se até inadequada quando, baseando-se em uma psicossociologia ingênua,

julga poder afirmar, em nome das suas características formais, a “essência”

(masculina ou feminina) dessa porção do espaço urbano ou privado; assim o reto, o

direito, o duro seriam as marcas indiscutíveis de espaços masculinos (o falo

sacrossanto), ao passo que o macio, o curvo, o sinuoso seriam as características do

espaço feminino (o não menos sacrossanto útero da mãe).

Portanto, podemos desmistificar a identidade dos sexos atrelada aos domínios de

espaços, dando uma ideia de complementaridade entre estes: “o rígido e o macio, o seco e o

úmido, o lógico e o poético”. (CERTEAU, 1996)

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101

Ao longo da pesquisa, percebemos que os sujeitos moravam com seus filhos e os

sustentavam financeiramente. Então, é válida a reflexão de Camarano et al (2004, p.145) para

que “[...] não se sabe se, por exemplo, se do ponto de vista dos velhos os arranjos familiares

predominantes estão refletindo as suas preferências ou se são resultado de uma “solidariedade

imposta””, ou seja, a convivência dos filhos com os pais velhos pode ser fruto,

principalmente, de razões econômicas, cabendo aos pais velhos prestar apoio material aos

filhos ainda dependentes.

Minha fia, aqui tudo mora mais eu...como num tem emprego aqui pra eles, eles

ajuda nóis nas coisas aqui dento de casa e na roça. É um gasto só...tem uns que faz

uns bicos por aqui...mas tando desocupado eles ajuda com tudo (FERNANDA, 67

anos).

Observamos a existência de afetividade e cuidado entre os sujeitos e netos/filhos

distantes, pois estes últimos, algumas vezes, mandavam dinheiro, ligavam e visitavam os

pais/avós nos feriados. Desse modo, seguindo o raciocínio de Alcântara (2010, p.96),

A Antropologia descarta a ideia de família como restrita ao grupo residente no

mesmo domicílio, entendendo que a separação espacial não implica,

necessariamente, a ausência de vínculos familiares, os quais se impõem para além da

coabitação, conforme demonstro nesta pesquisa.

O advento da saída de alguns filhos/netos para as cidades em busca de empregos e

melhores condições de vida (fenômeno da industrialização) criou no velho de Iracema um

sentimento de saudosismo; a criação de vários programas do Governo de transferência e/ou

geração de renda, como o Programa Bolsa Família, ensejou um sentimento de abandono, de

não ter quem o ajude na roça.

Depois que veio esse bocado de coisa ai do governo, esse bocado de bolsa, o povo

num quer mais ajudar nóis na roça não...ficam tudo dento de casa esperando o

dinheirinho...esse povo novo é um povo muito é preguiçoso...(CARLOS, 74 anos).

Dentro do universo dos sujeitos, cerca de nove deles mencionaram sentir saudades de

como viviam anos atrás na referida localidade. Eles se referiam à igreja ativada, às

quermesses e às organizações dos eventos da igreja que congregavam e faziam interagir as

pessoas, tornando-as mais próximas e/ou unidas. A igreja era, portanto, o elo mediador das

relações. Essa valorização do passado, bem como as instituições fundamentais da cultura dos

velhos, decorrem, para Cândido (2010), de uma caracterização ideal do passado.

Dos 12 entrevistados, dez sujeitos mencionaram que a educação “de antes” era melhor,

pois os pais tinham mais autoridade perante os filhos, que os pais podiam bater e eles

obedeciam. Na visão de Cândido (2010), esta tentativa de comparar as atuais condições de

Page 103: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

102

vida com as antigas recebe o nome de saudosismo transfigurador, o que pode chegar a

provocar certos comportamentos (inquietação e apreensão) de reação e adaptação.

Os depoentes mencionaram se sentirem respeitados por seus filhos/netos, embora

presenciassem um total desrespeito aos mais velhos em outros ambientes e nas famílias de

seus compadres.

Eu? Fui criado na base da chinelada mesmo...meu pai bastava só olhar...

(MARGARIDA, 71 anos).

Antigamente o respeito era tão grande, que onde tinha velho os mais novo tinham

que pedir permissão pra entrar... (FERNANDA, 72 anos).

Aqui não são nem doido de num mi respeitar...eles tudo aqui mi respeita e é muito

viu? eu faço que nem meu pai, só olho pra eles e eles já sabem... (JOÃO, 70 anos).

Percebemos que os sujeitos apresentavam um processo de envelhecimento bem

singular e distinto, pois, muitas vezes, os mais velhos possuíam mais disposição e saúde,

enquanto os velhos mais novos denotavam mais indisposição e limitações. Isso se vinculava à

rede de apoio familiar, ao acesso a serviços de saúdes, ao próprio envelhecimento celular, que

é bem subjetivo, ao suporte emocional perante os problemas adversos, dentre outros fatores.

Portanto, percebemos que os depoentes demonstravam o envelhecimento como algo

relacional e relativo, algo que se vinculava com muitos fatores ao longo da história de vida da

pessoa (WOORTMANN e WOORTMANN, 1999).

Nos diálogos com os interlocutores, ao expor o objetivo geral da pesquisa, alguns

destes deram risadas, mencionando que não entendiam nosso interesse no cotidiano deles, já

que “não serviriam mais para nada”. Podemos, então, citarPatto (1993, p. 127), fazendo uso

do pensamento de Heller (1970)

[...] os preconceitos têm a função de consolidar e de manter a estabilidade e coesão

de integrações sociais, principalmente das classes sociais (...) por isso, a maior parte

dos preconceitos é produto das classes dominantes, pois é a elas que interessa

manter a coesão de uma estrutura social, conseguida em parte graças à mobilização,

através de preconceitos, dos que representam interesses.

Todos os sujeitos disseram que, na referida localidade, “não havia nada para eles”

(nenhum lazer, atividade ou programa social) e que não havia empregos para os filhos,

obrigando estes últimos a se dirigirem para a Sede de Paramoti ou mesmo para Fortaleza em

busca de melhores condições de vida (Diário de campo, 20/07/2014).

Aqui tem é nada pra gente não... (ANA, 61 anos).

Iracema tá com zero pra gente...só tem muita é poeira... (MARGARIDA, 71 anos).

Num tem forró, num tem praça, nem um terço...acho que falta é tudo... (JOÃO, 70

anos).

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103

Sabe qual é o problema Aline? Os políticos só olham pra cá na hora dos votos...mas

não investem nada aqui não...(PAULO, 69 anos).

Até aquele centro do idoso lá em Paramoti foi fechado...nam...o pouco que tinha já

acabou...(MARIA, 65 anos).

Nesse sentido, isso denota a insatisfação com a falta de políticas públicas para eles no

âmbito rural.

Conforme dito, no decorrer da pesquisa ocorreu a desativação da Associação,

chegando a deixar alguns depoentes “revoltados”, pois acreditavam na existência de

melhorias para a comunidade. Mesmo tendo sido, no entanto, percebido um desejo de mudar

aquela situação, eles não faziam nada para isso; era um sentimento de descrença e

desmotivação aliado a “o governo esqueceu de nós” e um “nada vai mudar”.

Esse não movimento das camadas marginalizadas, dos velhos rurais, demonstrava um

conformismo relativo a essa situação. Na sua visão de cotidiano, Heller (1970) exprime que

todos os segmentos sociais podem expressar seus anseios em prol de uma ‘revolução’. A

própria história oral funcionou na pesquisa como um canal paraexternalizar as emoções,

possibilitar opções de manifestações e de denúncia social; dar vez e voz aos oprimidos

(ALCÂNTARA, 2004).

Acho muito importante sim a associação...sem ela aí que não vamos conseguir mais

nada pra cá...(BRUNO, 62 anos).

Fica todo mundo dizendo que é importante mas ninguém faz nada pra mudar

isso...precisamos urgente que ela volte a funcionar...(FABIANO, 71 anos).

Sinto raiva da gente mesmo...como a gente pôde deixar isso acontecer hein?

(MARIA, 65 anos).

Ao longo das conversas, percebemos que muitos moradores de outras localidades

haviam vendido seus lotes de terra do rio que passava por Iracema para os empresários;

porém, nenhum residente em Iracema havia vendido seu pedaço de terra. Dessa forma,

mesmo não mantendo contatos próximos entre eles, os sujeitos haviam feito uma espécie de

“contrato”, segundo o qual nenhum deles venderia lotes de terra aos interessados.

Aqui em Iracema ninguém vende não...o povo não percebe que além de desmatar a

natureza, a gente é que vai sair prejudicado, pois tirando a areia do rio vai um dia

faltar água....e quem vai ser prejudicado? Só nós....(PAULO, 69 anos).

Claro que aqui ninguém vende...(MARIA, 65 anos).

Nesse sentido, na acepção de Certeau (1996), entre essas relações, são estabelecidas

“regras” de uso social nessa comunidade, em que a ruptura delas significaem repressões

minúsculas; ou seja, essa lei reprime o que “não convém”, “o que não se faz”. Portanto, de

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104

forma implícita, algum comportamento contrário ao que é “imposto” pode ser banido como

sinal de comportamento ilegítimo.

O povo daqui né nem besta de vender não...(MARIA, 65 anos)

Acho que se algum dia, alguém daqui, vender terra pra eles...nem sei o que

acontece...(FERNANDA, 70 anos).

Acho que aqui ninguém vende porque ninguém acha isso certo...(ANDREIA, 65

anos).

Outro importante fato verificado na comunidade diz respeito a poucos sujeitos se

mostrarem dispostos a comentar sobre o assunto da retirada de terra do rio. Pascucci (2011)

destaca que o silêncio é fundante porque existe dentro das palavras um sentido, que nem

sempre está explícito; que o silêncio é a base de significação e que esse “resto” é o verdadeiro

sentido. Ela faz uso das ideias de Orlandi (2007, p. 13):

O silêncio é a respiração (o fôlego) da significação: um lugar de recuo necessário

para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do

múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é “um”, para que permite o

movimento do sujeito. O real da linguagem- o discreto, o um- encontra sua

contrapartida no silêncio.

Portanto, o silêncio obscurecia um sentido fundante diante do ocorrido, talvez

caracterizado, a princípio, por um medo dos depoentes das pessoas de maior poder. Esse

medo também foi compreendido, pois, certa vez, há alguns meses, houve um incêndio

intencional em uma das máquinas por disputa de poder entre diferentes empresários pelos

lotes de terras. Outra suposição desse silêncio também decorre de os membros dessa

comunidade demonstrarem um comodismo e inércia diante dos fatos.

Um fenômeno interessante observado nas conversas com os entrevistados diz respeito

às fofocas, ou seja, ao disse-que-me-disse. Isso pôde ser evidenciado nos comentários “da

vida alheia”, ao motivo da nossa presença na comunidade (inicialmente associando ao corte

de benefício) e especialmente nas discussões sobre a política.

As fofocas também diziam respeito ao que poderia estar ocorrendo com André, aquele

velho que surtava e que era suspeito de sofrer maus tratos da família. Muitos sujeitos

suspeitavam fortemente desse fato, haja vista a família já ter ido depor, via denúncias

anônimas, por diversas vezes, junto ao sistema policial.

Nossa visita à casa de André foi havida como a mais demorada, pois, como ele não

estava (havia “fugido”), seu filho, genro e nora conversaram bastante, sempre justificando as

constantes fugas (desequilíbrio mental) e ressaltando a proteção e apoio que prestavam a ele.

“[...] Se um dia parassem os moinhos da boataria na “aldeia”, a vida perderia muito

de seu tempero. O aspecto essencial delas não era simplesmente o interesse que se

tinha pelas pessoas, mas o fato de se tratar de um interesse coletivo” (ELIAS, 2000,

Page 106: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

105

p.122).

Portanto, as fofocas passaram a assumir importante papel em denunciar uma situação

social verificada contra uma pessoa, e não simplesmente em “bisbilhotar a vida do outro”.

O pobizim é açurrado dentro de casa. Eles querem é o dinheiro dele...nem comida

pra ele dão direito...o pobi vive de roupa rasgada perambulando por aí...e parece que

quem fica com o dinheiro dele é a própria filha, a senhora acredita? Ô povo sem

vergonha.....nam....(FERNANDA, 70 anos).

Em relação ao caso de André, vale mencionar que desde o início da pesquisa ele se

encontrava desaparecido e que, no final da investigação, ele foi encontrado morto em um

município vizinho e que estavam apurando os fatos sobre as reais condições de sua morte.

Nesse sentido, para estudarmos sobre os velhos de Iracema, tornou-se essencial refletir

sobre como a velhice se exibia no espaço rural, aprofundando o modo desse sujeito

envelhecer com âmbito em suas representações e práticas sociais.

Page 107: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

106

6CONSIDERAÇOES FINAIS

A proposta desta pesquisa foi analisar a velhice no espaço rural, com ênfase no

cotidiano dos sujeitos, no espaço geográfico de Iracema, localidade esta pertencente ao

Município do Paramoti, localizada ao norte do Estado do Ceará.

A pesquisa de campo foi pautada no trabalho etnográfico, de maneira a discutir os

dados acerca de velhice, do conceito de rural, das políticas públicas direcionadas a este

público e dos modos de vida e relações dos interlocutores, revelando heterogeneidade que vai

ao encontro do que seja velhice.

Portanto, esse universo não homogêneo serviu de base para investigarmos e

depararmos múltiplas questões que devem ser merecedoras de atenção, em virtude dessas

diversidades dos modos de vida dos interlocutores irem de encontro ao que está posto

socialmente.

A economia, o clima seco e árido, as relações de compadrio e familiares, a valorização

da comida e do trabalho na roça, o saudosismo das coisas que ocorriam antigamente e outras

particularidades conferiram um sentido próprio e único ao velho que reside em Iracema, e que

de certa forma, agrega um significado complexo na sociedade de sua pertença.

Em Iracema, os depoentes são, em maioria homens, indo de encontro à feminização da

velhice predominante nas áreas urbanas. A hipótese é de que, em Iracema, o fato de as

mulheres transitarem entre os domínios públicos e privados (trabalhando na agricultura e nos

afazeres domésticos) e de antigamente elas parirem em casa com escassas condições de saúde,

fazcom que elas tenham a menor sobrevida.

Do universo dos sujeitos entrevistados, ressaltamos que todos os homens são de

origem de Iracema, família dos “Ferreiras Gomes”, enquanto algumas das mulheres nasceram

em outras localidades do Município de Paramoti.

Os velhos, tanto homens quanto as mulheres, são aposentados pela agricultura.

Portanto, em decorrência da universalização do direito à aposentadoria, esta renda era a

principal fonte de sustento familiar, suprindo as necessidades dos filhos/netos, haja vista a

situação de desemprego ou subemprego (bicos) destes últimos, como a realização de faxinas

ou as diárias de pedreiro.

Em relação aos cuidados com a saúde, foi percebido o fato de que cinco interlocutores

portavam a hipertensão arterial como doença mais comum, e que, por não manifestarem seus

sintomas de forma visível, estes passavam a não lhe conferir tanta importância, não fazendo

consultas regulares ou deixando de tomar os remédios conforme o prescrito. Isto era

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107

agravado, ainda mais, pelas esporádicas visitas de médicos à comunidade e pela percepção de

que “quando tiver que morrer a gente morre”.

No tocante ao nível socioeducacional, percebemos que, em sua maioria, os sujeitos

eram alfabetizados, embora só lessem e escrevessem com dificuldades, decorrentes de poucos

anos de estudos. Já os filhos, em sua maioria, possuíam o ensino médio completo, embora

seus trabalhos estivessem voltados para trabalhos subalternos ou na agricultura, de baixa

remuneração, impossibilitando, assim, mudanças maiores.

Os depoentes gostam de realizar os afazeres domésticos, de trabalhar na agricultura e

de visitar os compadres. Eles mencionaram que, embora “não tivesse nada para os velhos” em

Iracema, gostavam de residir na localidade. Nesse âmbito, ressaltamos a falta de políticas

públicas para os velhos, mais especificamente no espaço rural. Todos mencionaram a

importância da existência, em Iracema, de órgãos e equipamentos voltados para eles nas áreas

de saúde, educação, cultura e lazer, como construção de um posto de saúde, da casa de idoso,

de uma praça e de uma igreja. A maioria desconhece o Estatuto do Idoso, seja por possuírem

poucos anos de estudo e até mesmo pela falta da divulgação do documento. As políticas

públicas em Iracema que beneficiam os velhos são: a aposentadoria, o PRONAF e PAA,

embora esta última não esteja sendo efetivada na prática, por falta de pagamento da Prefeitura

aos produtores rurais.

As pessoas, ao se referirem à existência de aparatos e equipamentos sociais (igreja,

casa do idoso) para os velhos, concentraram suas falas no período atual julgando que

antigamente se encontravam melhor. O saudosismo surgiu em decorrência da ativação de uma

memória afetiva, que perpassava o restabelecimento de laços afetivos entre os moradores que

iriam se encontrar mais vezes, bem como do acesso aos direitos para eles.

Os resultados analisados colidiram, sobremaneira, com a recorrente associação entre

velhice e inutilidade, da ideia do velho ser alguém incapaz de trabalhar, de “não servir mais

para nada”. Na verdade, nem as limitações de saúde são um impedimento para a continuidade

no trabalho desses sujeitos, associam a ideia de valor-trabalho, cuja falta representa sua morte

social (WOORTMANN, 1990). Os interlocutores, por interiorizarem essa imagem de que

estão sempre aptos a trabalhar e de ajudar os filhos, ainda que financeiramente, de poderem

resolver “suas coisas na rua”, de poderem, ainda, controlar seu dinheiro da aposentadoria,

aparecem como pessoas independentes e ativas, o que vai de encontro ao que está socialmente

imposto culturalmente.

Nesse sentido, mesmo que a cultura capitalista “esmague” os velhos com seus

estereótipos que vinculam a ideia de velhice a inutilidade, ainda que os sujeitos da pesquisa

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108

tenham conhecimento desta realidade, os discursos sugerem que eles não interiorizam os

padrões negativos de envelhecimento da atualidade. Provas disso são as ações contínuas em

seus cotidianos e suas verbalizações, que denotam uma autonomia no gerenciamento de si

próprios.

Ao longo da pesquisa, surgiram nuanças que revelaram dar um contorno diferente à

compreensão do cotidiano dos sujeitos. A ideia de calar e de fazerem um pacto de “silêncio”

em torno de algo que ocorre na comunidade (tirar areia do leito do rio que passava por

Iracema), sugeriu a ideia de uma união e solidariedade entre os moradores, chegando a

derrubar a barreira do distanciamento e proximidade, ou seja, ainda que não fossem “tão

próximos afetivamente”, os interlocutores comungaram da ideia de preservar a natureza e se

uniram em prol do bem comum.

Outra observação remete às fofocas aparecidas no decorrer da pesquisa, que não

funcionaram somente como “falar da vida alheia” e sim como uma denúncia de uma situação

social (suspeita de violência contra André), ou seja, mais uma vez, a solidariedade emerge

nessa comunidade.

Consideramos pertinente em Iracema o fato de os homens e mulheres realizarem

atividades nos domínios públicos e privados. Os homens foram criados pautados em

princípios de que “a gente foi ensinado desde pequeno a cozinhar e a ajudar nossas esposas

em casa”; portanto, os homens, além de trabalharem na roça, cozinhavam e ajudavam nos

afazeres domésticos. Já as mulheres, algumas provenientes de outras localidades, cuidavam da

casa, mas também ajudavam seus maridos “nos negócios da casa”. Logo, essas relações de

gênero podem ser compreendidas como uma elaboração social que define a identidade

sexuada de homens e mulheres, que mesmo sendo permeada de poder, utilizam os dois

espaços na ruptura das desigualdades (FROTA, 2004).

Na visão de Heller (1970), a vida cotidiana tem sempre uma hierarquia espontânea

determinada pela época. Nesse sentido, a cotidianidade desses agentes foi se modificando de

modo específico em função de diversas transformações, como o êxodo rural, a mecanização

da agricultura, os benefícios da aposentadoria, do PBF, do PRONAF, PAA e da emergência

de outras politicas e instrumentos para esse público. Essas mudanças ocasionaram

transformações nas formas de ser desses agentes, de estar nesse espaço rural, bem como

alterando relações e papéis sociais.

Logo, a apreensão do modo de vida dos interlocutores enfatizou as especificidades do

espaço rural, as relações que este estabelecia com o outro e com a terra, os costumes, as

tradições, as condições econômicas, dentre outros fatores.

Page 110: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

109

Nosso país exprime características bem distintas no plano de Estados, cidades e

regiões que perpassam e são influenciadas por questões sociais, econômicas e políticas. A

necessidade de se estimular pesquisas para o velho que reside no cenário rural decorre dos

escassos estudos acerca de tal temática e de propiciar a definição de políticas públicas

específicas para esse público. Portanto, esta investigação se torna fundamental para

desmistificar a velhice rural, bem como fomentar estudos nessa área para (re) desenhar

caminhos na sociedade.

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Page 121: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

120

A P Ê N D I C E S

Page 122: Velhice e Espaço Rural: (Re) Desenhando Discursos

121

APÊNDICE 1

TERMO DE CONSENTIMENTO

VELHICE E ESPAÇO RURAL: (RE) DESENHOS DOS DISCURSOS

AUTORAAline Gadelha de Almeida Duarte (Aluna do curso de Pós-graduação do Mestrado

de Políticas Públicas e Sociedade- UECE.

ORIENTADORA Prof. Dra. Maria Helena de Paula Frota.

COORIENTADORA Prof. Dra. Adriana de Oliveira Alcântara.

SUMÁRIO DO PROJETO Pesquisa qualitativa, com vistas à obtenção do título de mestre,

cujo objetivo éanalisar o cotidiano dos velhos que residem no espaço rural.

CONSENTIMENTO Com base no exposto acima, dou meu consentimento para participar da

pesquisa na localidade de Iracema – na qualidade de colaborador – e também para divulgação

de dados por mim fornecidos.

______________________________ Data:___/___/____

Local

__________________________

Assinatura do participante

Discuti este projeto com o participante, usando linguagem compreensível e adequada. Na

minha avaliação, propiciei as informações necessárias para os depoentes, de acordo com os

princípios éticos da pesquisa, e também acredito que eles tenham compreendido os meus

esclarecimentos.

_____________________________ Data: ___/___/____

Local

__________________________

Assinatura do responsável

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122

APÊNDICE 2

ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS COM OS SUJEITOS

Fale-me um pouco do seu dia a dia. Trabalha na roça? Que tipo de atividade e com que

frequência exerce? Alguém ajuda? Gosta do que você faz no seu dia?

Quais suas atividades domésticas? Com quem mora? Existe divisão de atividades

domésticas? Como foram feitas essas atribuições? Alguém ajuda nos seus afazeres? O que

gosta de fazer quando está em casa? O que não gosta de fazer em casa?

O que faz quando não está trabalhando? O que gosta de fazer quando não está trabalhando? O

que não gosta de fazer?

Participa de algum grupo, associação ou outra atividade na localidade? Costuma sair com os

amigos? Com qual frequência? Para onde? Com quem?

Quem é o chefe da família? Quem exerce a função de fazer as compras dos alimentos para a

família? Com que frequência faz isso? Esta função é delegada ou a pessoa faz porque quer?

Qual a renda familiar? Quantas aposentadorias? A família recebe a renda proveniente do

Programa Bolsa Família (PBF)?

Como julga sua convivência familiar? Como é o relacionamento entre todos? O que acha

importante no bom relacionamento? Com quem mais conversa? Sobre o que conversa?

Sente-se velho? O que é ser velho?

Como era a velhice antigamente (no tempo dos seus pais ou avós)? Como acha que é a velhice

hoje? (Em relação aos costumes, educação, lazer, aposentadoria) Algo mudou? Por que acha

que mudou (ou não mudou)? Como gostaria que a velhice fosse hoje? Sente-se valorizado por

sua família? Acha que o velho é valorizado na sua localidade? No seu Município? E no seu

País? Por quê?

É feliz com sua vida? Por quê?

Conhece alguma política pública para os velhos? Conhece o Estatuto do Idoso? Acha que

existe alguma politica pública para os velhos em Paramoti? E em Iracema?

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123

APÊNDICE 3

SUJEITOS DA PESQUISA

Pedro (77 anos)- Ele é natural de Iracema, sendo católico e não é alfabetizado. Mora com os

quatro filhos e a esposa. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como

agricultor) e a da mulher (como merendeira da escola do Município de Paramoti). Ele possui

hipertensão arterial. Trabalha diariamente na agricultura.

Ana (61 anos)- Natural de Paramoti. Católica. Ela é alfabetizada. Mora com o marido Pedro e

os quatro filhos. A renda da família é constituída de duas aposentadorias: a sua (como

merendeira da escola do Município de Paramoti) e a do marido Pedro (como agricultor). Ela

possui hipertensão arterial.

Bruno (62 anos)- Natural de Iracema. Católico. Alfabetizado. Ele mora com a mulher e um

filho de 35 anos. Os três são agricultores e o velho cuida do gado. A mulher e o filho portam

hipertensão arterial. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua mulher. A

família não recebe a renda proveniente do PBF.

Fabiano (71 anos)- Natural de Iracema. Católico. Possui escolaridade do ensino médio

completo. Ele mora com a esposa e três filhos d A esposa do genitor apresenta hipertensão

arterial. A renda da casa é proveniente da aposentadoria dele e do PBF no valor de R$ 68,00.

Margarida (71 anos)- natural de Iracema.Viúva. Ela não é alfabetizada. Ela mora sozinha.

Ela apresenta problemas de saúde, pois é hipertensa. Sua renda é proveniente da

aposentadoria e da pensão do seu marido.

Maria (65 anos)- natural de Canindé. Alfabetizada. Ela mora com o esposo João (70 anos) e

um filho. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e do seu marido. Ela fez

cirurgia de catarata e não enxerga direito depois disso, embora ainda continue fazendo seus

afazeres domésticos.

João (70 anos)- natural de Iracema. Ele não é alfabetizado. Ele mora com sua esposa Maria

(65 anos) e um filho. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua esposa. Ele

faz uso de medicação controlada para ansiedade e depressão e por isso não trabalha mais na

roça.

André (85 anos de idade)- católico. Ele não é alfabetizado.Ele mora com a filha, o genro e

netos. A renda proveniente da família advém da aposentadoria dele, pois a filha e o genro

trabalham na agricultura. Ele faz uso de medicação controlada e que quando entra em crise

fica “sem rumo”.

Carlos (76 anos de idade)- católico. Ele não é alfabetizado. Ele mora somente com a esposa.

A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e da sua esposa. Ele disse que possui um

filho que mora em Paramoti, um outro em Fortaleza e outros dois que moram “aqui”. Ele

trabalha todo dia na roça.

Fernanda (72 anos)- católica. Ela não é natural de Iracema. Ela não é alfabetizada. Ela mora

somente com o esposo. A renda familiar é proveniente da sua aposentadoria e do seu marido.

Ela possui hipertensão arterial. Ela não trabalha na roça.

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124

Paulo (69 anos)- católico. Ele é natural de Iracema. Ele é alfabetizado. Ele mora com a

esposa e uma sobrinha que ajuda nos afazeres domésticos. Ele possui hipertensão arterial e faz

uso de medicação controlada para isso. Ele não trabalha na roça plantando, embora cuide dos

seus animais para subsistência. A renda familiar é proveniente de sua aposentadoria por

motivo de doença e da aposentadoria de sua esposa como professora. Ele possui três filhos:

um mora em Fortaleza e outros duas filhas foram residir nos EUA em busca de melhores

condições de vida.

Andréia (65 anos)- católica. Ela é natural de Tabuleiro do Norte. Ela é alfabetizada. Ela mora

com o marido e uma moça (sobrinha do marido) que a ajuda nos afazeres domésticos. Ela é

aposentada como professora e seu marido aposentado por motivo de doença. Ele possui três

filhos: um mora em Fortaleza e outros duas filhas foram residir nos EUA em busca de

melhores condições de vida.

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APÊNDICE 4

FOTOS

FOTOS DA LOCALIDADE DE IRACEMA

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FOTOS DA LOCALIDADE DE IRACEMA

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FOTOS DA CASA DA MARIA E JOÃO

Utiliza os dois tipos de fogão, mas prefere o fogão a lenha.

Casal

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FOTOS DA CASA DA MARGARIDA

Criação de galinhas

Controle de água diária Fogão a lenha

Seu maior lazer: assistir televisão

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FOTOS DA CASA DA FERNANDA E CARLOS

Casal

Produção de chapéu e bolsa de palha

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FOTOS DA HORTA DE ANDRÉIA E PAULO

Horta da família

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FOTOS DA RETIRADA DE AREIA DO RIO CANINDÉ

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FOTOS DA RETIRADA DE AREIA DO RIO CANINDÉ

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FOTOS DA CASA DO FABIANO

Horta onde os alimentos eram destinados ao Programa de Aquisição de Alimentos – PAA.

Hoje, a família vende os produtos de porta em porta.

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FOTOS DA CASA DO FABIANO

Casal com uma filha