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Revista Estudos Amazônicos • vol. VI, nº 1 (2011), pp. 117-147 Ver a paisagem, formar a nação: Notas sobre o ensino do desenho no Brasil a partir de Belém do Pará Renato Palumbo Dória * Resumo: A busca por um ensino sistemático do desenho se firma no Brasil a partir do início do século XIX através da importação de modelos culturais europeus, construíndo no país uma disciplina de múltiplos usos e finalidades. As publicações voltadas para a propagação do ensino e das práticas em torno do desenho serão, neste âmbito, instrumentos essenciais, fazendo circular ideias, modelos e discursos variados (e muitas vezes antagônicos), sobre quais os melhores métodos e finalidades para o ensino do desenho. Em Belém do Pará esta dinâmica, refletindo uma movimentação internacional, também ocorre desde o século XIX, com a introdução do ensino do desenho nas escolas e através da presença, na cidade, de diferentes profissionais a oferecê-lo. Em princípios do século XX, esta movimentação atinge maior relevância, defendendo-se em alguns círculos o ensino de um desenho de caráter nacional, com especial atenção para a observação da natureza e paisagem locais, escolhas emblemáticas dos enfrentamentos modernos da formação cultural e política do país, em seus constantes deslocamentos e anacronismos diante dos modelos europeus e ocidentais. Palavras chaves: Ensino do desenho; anacronismos; deslocamentos. Abstract: The search for a systematic teaching of drawing is established in Brazil from the 19th century on, by the importation of European cultural models, building in the country a school subject apt for various uses and purposes. Publications aimed at the spread of education and practice around drawing will be considered, in this context, essential tools for disseminating ideas, models and various speeches (and often antagonistic) on the best methods for teaching purposes and drawing. In Belem do Pará, this dynamic, reflecting

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Revista Estudos Amazônicos • vol. VI, nº 1 (2011), pp. 117-147

Ver a paisagem, formar a nação:

Notas sobre o ensino do desenho no Brasil a

partir de Belém do Pará

Renato Palumbo Dória*

Resumo: A busca por um ensino sistemático do desenho se firma no Brasil a

partir do início do século XIX através da importação de modelos

culturais europeus, construíndo no país uma disciplina de múltiplos

usos e finalidades. As publicações voltadas para a propagação do

ensino e das práticas em torno do desenho serão, neste âmbito,

instrumentos essenciais, fazendo circular ideias, modelos e discursos

variados (e muitas vezes antagônicos), sobre quais os melhores

métodos e finalidades para o ensino do desenho. Em Belém do Pará

esta dinâmica, refletindo uma movimentação internacional, também

ocorre desde o século XIX, com a introdução do ensino do desenho

nas escolas e através da presença, na cidade, de diferentes

profissionais a oferecê-lo. Em princípios do século XX, esta

movimentação atinge maior relevância, defendendo-se em alguns

círculos o ensino de um desenho de caráter nacional, com especial

atenção para a observação da natureza e paisagem locais, escolhas

emblemáticas dos enfrentamentos modernos da formação cultural e

política do país, em seus constantes deslocamentos e anacronismos

diante dos modelos europeus e ocidentais.

Palavras chaves: Ensino do desenho; anacronismos; deslocamentos.

Abstract: The search for a systematic teaching of drawing is established in

Brazil from the 19th century on, by the importation of European

cultural models, building in the country a school subject apt for

various uses and purposes. Publications aimed at the spread of

education and practice around drawing will be considered, in this

context, essential tools for disseminating ideas, models and various

speeches (and often antagonistic) on the best methods for teaching

purposes and drawing. In Belem do Pará, this dynamic, reflecting

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an international movement, also occurs in the 19th century century

with the introduction of the teaching of drawing in schools and by

the presence in the city of different professional to offer it. In the

early twentieth century, this movement reaches greater relevancy,

aiming, in some groups to teach a national drawing trend, with

special attention to the observation of nature and landscape sites.

These are emblematic choices of modern clashes in cultural

education and the country's political environment in its constant

displacement and anachronisms in the face of Western and

European models.

Keywords: Teaching of drawing; anachronisms; displacements.

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Visando o futuro, os círculos ilustrados do século XVIII já indicavam

a educação como meio central de regeneração social e criação de uma

nova humanidade, contexto no qual proliferariam inúmeras propostas

pedagógicas, desde os planos de uma universidade ideal, por Denis

Diderot (instituição que deveria ministrar os princípios básicos de todos

os saberes ao maior número possível de cidadãos), às preocupações com

os processos de formação individual como no Emílio (ou Da

Educação)1, livro de Jean-Jacques Rousseau que, publicado em 1762,

trazia a ideia de que as crianças, percebendo antes as imagens que as

ideias, deveriam por isso receber, desde os primeiros anos, um cuidadoso

ensino do desenho, privilegiando-se através dele, sobretudo a observação

direta da natureza.2 Ensino do desenho que Rousseau recomendava, sob

prescrições, muito específicas, justificando que não se tratava de formar

artistas, mas antes de se valer da prática do desenho para, entre outras

coisas, ensinar a ver:

“[...] As crianças, grandes imitadoras, tentam todas

desenhar: gostaria que a minha cultivasse essa arte,

não precisamente pele própria arte e sim para

tornar seu olho justo e sua mão flexível. E, em

geral, pouco importa que ela saiba tal ou qual

exercício, desde que adquira a perspicácia do

sentido e os bons hábitos do corpo que se ganham

com o exercício. Evitarei por conseguinte dar-lhe

um professor de desenho, que só a levaria a imitar

imitações e a desenhar segundo desenhos: quero

que ela não tenha outro professor senão a

natureza, nem outro modelo senão os objetos.

Quero que tenha diante dos olhos o original e não

o papel que o representa, que esboce uma casa

diante de uma casa, uma árvore diante de uma

árvore, um homem diante de um homem, a fim de

que se acostume a bem observar os corpos e as

aparências e não a tomar imitações falsas e

convencionais por verdadeiras[...] / [...]minha

intenção é menos a de que saiba imitar os objetos

do que conhecê-los[...] / Ilustraremos, pintaremos,

rabiscaremos; mas nunca deixaremos de olhar para

a natureza em nossos rabiscos; nunca faremos

nada sem atentar para esse mestre”.3

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Na Europa do século XVIII já se estabelecera, também, a convicção

da utilidade em se propagar o conhecimento do desenho entre as

camadas populares, visando à melhoria da produção industrial, objetivo

para o qual se fundam escolas de desenho anexas às manufaturas como

as de tapetes, móveis, vidros e porcelanas, entre outras. Potencializava-se

assim uma clivagem entre distintas práticas e tipos de desenho, em

acordo com suas diferentes destinações sociais, ampliada ao longo dos

séculos XIX e XX na medida em que, concomitantemente, crescia a

institucionalização dos processos educativos e aumentava a oferta dos

métodos do desenho, estabelecendo-se uma intensa circulação de alunos,

professores e materiais entre diferentes ambientes de aprendizagem.

Circulação complexa, feita de convergências, mas também de conflitos e

tensões, sendo muitas as tentativas de controle existentes sobre este

campo. No Brasil, ultrapassando-se âmbitos de formação puramente

práticos, vinculados à atuação de engenheiros militares e pintores

coloniais, se buscará estabelecer já a partir da primeira metade do século

XIX esta perspectiva iluminista frente ao desenho, visto como possível

linguagem universal e conhecimento de utilidade pública, desejável a

diferentes gêneros e classes sociais, devendo por isso se tornar disponível

para a efetivação da sociedade moderna que se pretendia construir.4

Noção que motivaria, nas primeiras décadas do Brasil imperial, inúmeros

projetos de inserção da aprendizagem do desenho nos planos gerais de

ensino, em diferentes regiões, repercutindo uma tendência que se

verificava, a partir dos modelos europeus, também em outros países

latino-americanos.5

Exemplar desta sintonia internacional seria a presteza com a qual se

publicaria no Rio de Janeiro, em 1831, o livro Princípios do Desenho Linear,

comprehendendo os da Geometria Pratica, pelo methodo do ensino

mútuo; extraídos de L.B. Francoeur: dedicados aos amigos da instrução

elementar no Brasil, por A.F. de P. E Hollanda Cavalcanti Albuquerque.

Publicação que sem desconsiderar abordagens figurativas e ornamentais

propunha, contudo uma compreensão eminentemente geométrica e

técnica das formas, sendo a tradução de L’Enseignement du Dessin Linéaire

de Louis Benjamin Francoeur (pioneiro na defesa da inserção do

desenho na educação primária) publicada na França em 1827 – sendo

sobretudo do ambiente pedagógico francês de onde se propagariam com

maior sucesso os métodos para a aprendizagem do desenho.6

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Disseminando-se, portanto pelo ambiente educacional brasileiro,

desde princípios do século XIX, a disciplina do desenho seria

incorporada gradativamente à inúmeros currículos, tanto no ensino

primário e secundário quanto nas escolas de formação profissional e

superior, refletindo as preocupações de um ambiente cultural que

buscava inspirar-se sobretudo nos avanços franceses. Avanços que se

expressavam através da publicação de obras como o Dictionnaire Universel

D`Education et D`Enseignement, já na Paris de 1873, que inseria o desenho

no âmbito da instrução secundária junto ao ensino da indústria, da

higiene, da agrimensura e do comércio, entre outras disciplinas, sendo

que na França, segundo Renauld D`Enfert, “[...] au début du Second

Empire la plupart des institutions d`enseignement mettent en place

progressivement des cours de dessin” – expansão do ensino do desenho

que era o amadurecimento de idéias em gestação desde o século XVIII,

quando começam a firmar-se “[...] nouveux acteurs - savants ou

pédagogues - dans un champ traditionnellement réservé aux artistes et

l‟élaboration de nouvelles méthodes qui rompent largement avec

l`héritage académique”.7

Em um contexto internacional de expansão dos meios de ensino,

entre os quais se incluia o ensino do desenho, as publicações didáticas

assumiam importância central, ligando-se tanto aos avanços da cultura

industrial quanto à formação dos estados nacionais, com os manuais

escolares funcionando também como instrumentos de construção e

consolidação das identidades nacionais, especialmente através dos

manuais de história e do ensino da língua pátria, meios e símbolos da

autonomia de um país. Publicações didáticas cuja produção atingiria

ainda forte dimensão econômica, com as antigas e artesanais casas

tipográficas (que imprimiam obras subsidiadas por seus próprios autores)

sendo progressivamente substituída por grandes indústrias editoriais, sob

a supervisão de homens de negócios atentos a esta enorme expansão do

mercado:

“[...]Cette expansion était due à l`alphabétisation et

la scolarisation, au type nouveau de livres que

réclamaient tous ces acheteurs potentiels, ainsi

qu`aux possibilités immenses que leur offraient

d`une part la rapidité de distribuition et de

diffusion, en France et à l`étranger grâce au

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développement des voies de communication,

d`autre part les nouvelles inventions techniques de

la fabrication du livre. “Le livre qui était un objet

de luxe devint un objet de consommation

courante”(Zola)”.8

As publicações específicas para o ensino do desenho, acompanhando

estas transformações gerais, ganhariam igualmente novos formatos e

feições, preservando, porém, em seu cerne, muitos conteúdos já

estabelecidos. Apesar da instauração de novos métodos e modelos,

operando-se na Europa a passagem de um desenho de cunho

eminentemente artístico e figurativo para um desenho de caráter mais

projetual e técnico, o que se verificará comumente no Brasil do século

XIX será a manutenção, mesmo no ambiente escolar, de modos mais

empíricos e tradicionais de aprendizagem do desenho. Assim, enquanto

em Itú, no interior da província de São Paulo, Miguel Arcanjo Benício

Dutro (mais conhecido como Miguelzinho Dutra) ensinava de modo

pouco ortodoxo o desenho tanto a homens quanto a mulheres9 – um

ensino distante do modelo acadêmico, se servindo ainda da cópia de

estampas, mas também da observação do natural –, e em Recife o

cirurgião Januário Caneca (professor de desenho no Liceo de

Pernanbuco em sintonia com a atividade dinamizadora da Imperial

Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro) publicava, em 1844, seu

Compêndio de Dezenho,10 em Belém do Pará algumas jovens alunas do

Recolhimento das Educandas do Pará recebiam suas primeiras lições de

desenho do professor Jozé Bernardes Santarém – havendo conservados,

na Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, como

testemunhos rotos destas lições, alguns estudos à bico de pena datados

de 1842, realizados igualmente a partir da cópia de estampas.11 Lições de

desenho que se davam no âmbito mais amplo de uma aprendizagem

geral feminina, compondo junto à costura, à dança e à música um leque

de disciplinas, ou “prendas”, consideradas apropriadas a formação de

mulheres:

“[...] e tendo eu por vezes vizitado o

Estabelecimento posso informar, que estão

adiantadas muitas meninas em leitura, caligrafia,

arithmetica, grammatica portugueza, e costuras, e

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algumas em dezenho, muzica vocal, e dança: Em

poucos dias estará pronto um pianno, e terão ellas

meio de se applicarem a mais esta interessante

prenda. A muzica e dezenho são ainda ensinadas

gratuitamente, a 1ª pelo Rmo. Conego Marçal

Antonio Ferreira, e a 2ª pelo 2º Tenente da Armada

Jozé Bernardes Santarem, que prestão nisto um

serviço meritorio, e digno de todo o elogio [...]”.12

Recebendo ou não pagamento por isto, Jozé Bernardes Santarem

continuaria ensinando o desenho no Recolhimento das Educandas do

Pará ao menos até 1844, sendo citado no relatório provincial paraense

deste mesmo ano. Instituição fundada em 1803 por iniciativa do religioso

Manoel de Almeida Carvalho após uma viagem pastoral pelos sertões

dos rios Solimões e Negro, de onde teria trazido quinze meninas índias

para Belém, o Recolhimento das Educandas seria qualificado então

como estabelecimento “[...] que já tem arrancado às garras da fome, da

nudez, em fim da mizeria perdição tantas meninas desvalidas, e

destituidas de todo o amparo, e proteção”,13 recebendo ao longo do

século não apenas índias e orfãs (que deveriam ser custeadas pelas

câmaras municipais de onde proveniessem), mas também “filhas

família”14 sob pagamento de uma pequena pensão por parte de seus pais

ou tutores.15 Estavam as aulas de desenho de Jozé Bernardes Santarem

no Recolhimento das Educandas situadas, portanto, no quadro dos

“diversos ramos de ensino próprio das meninas”.16

Era o desenho, porém gênero de estudos relativamente novo na

instituição: apenas em seu regulamento de 1840 é que se definiriam

como suas atribuições não só o ensino primário, da costura e do

bordado, mas também, “[...] logo que haja mestres idôneos, o ensino da

muzica, língua franceza e desenho”.17 Embora não tenhamos maiores

dados sobre os métodos ali empregados por Bernardes Santarem é justo

supor que este se amparasse no cabedal de conhecimentos adquiridos em

sua formação militar, adaptados para servir às alunas do “Recolhimento”.

O certo é que a partir de experiências isoladas como esta o ensino do

desenho ganharia progresssivo destaque em Belém do Pará ao longo do

século XIX: um anúncio publicado na cidade em 1868 já ofereceria, por

exemplo, a um público mais vasto, lições particulares de desenho e

pintura (além da execução de trabalhos decorativos). Tratava-se de

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publicidade feita por Joseph Léon Righini, artista italiano que após passar

por Recife (aonde chega em 1856 como cenógrafo de uma companhia de

ópera) e São Luís do Maranhão estabelece-se definitivamente em Belém,

onde faleceria em 1884.

Tomando a natureza e paisagem amazônica como tema central,

Righini realizaria então pinturas de grande qualidade, possuindo um

domínio técnico evidentemente elevado e mais em acordo com os

modelos europeus que se pretendia implementar no país, em relação a

outros artistas em atividade na cidade. O anúncio em que oferecia seus

préstimos, no Jornal do Pará, figurava em meio a uma variedade de outros

comunicados: pequenas peças do mosaico dinâmico e do burburinho da

vida cotidiana da Belém do Pará daqueles anos, encontrando-se entre

eles desde avisos marítimos (“O vapor a helice Uruguay deve partir de

Liverpool para o Ceará fazendo escala por Lisboa, Pará e Maranhão no

dia 22 do corrente mez de Agosto [...]”), até anúncios de

desaparecimento de cães, da fuga de escravos, da venda de livros e

partituras musicais, e mesmo da abertura de escolas.

É possível que a atuação de Joseph Léon Righini como professor de

desenho e pintura em Belém do Pará tenha conhecido algum sucesso,

ainda que a sobrevivência do artista estivesse mais ligada às encomendas

que recebia, sobretudo, para a pintura decorativa de interiores. Entre fins

do século XIX e princípios do XX, no entanto, a riqueza propiciada pela

borracha atrairia ainda mais artistas à região, assumindo importância

central a formação e o consumo artístico em uma cidade que se

“civilizava”. Importariam-se assim, em ritmo cada vez mais acelerado, os

modelos culturais do “velho mundo”, com professores de desenho

chegando a ser contratados diretamente na Europa.18 Ambiente no qual

o francês Maurice Blaise (convidado em Paris pelo representante dos

negócios paraenses na Europa para lecionar em Belém, onde se tornaria

professor de desenho na Escola Normal, no Instututo Lauro Sodré e no

Ginásio Paes de Carvalho) publicaria, em 1904, seu Desenho Linear

Geometrico: acompanhado de algumas aplicações ao ornato, obra dedicada

ao ensino do desenho no âmbito primário. Impresso por uma editora

com sedes tanto em Paris quanto em Lisboa (a Aillaud & Cia), em seu

livro Maurice Blaise se apresentava não só como professor das

instituições acima citadas, mas também como “professeur breveté des

lycées et colléges de France, além de officier d`Académie”. Tratava-se de

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fato de uma movimentação internacional, com impactos diretos não

somente no Brasil, mas em praticamente todo o território

latinoamericano. Em 1849, por exemplo, inaugurava-se no Chile a

Academia de Pintura de Santiago. Seu diretor, o napolitano Alessandro

Cicarelli, que já havia atuado no Brasil (onde deu aulas de desenho à

imperatriz Thereza Christina e expôs na Imperial Academia de Belas

Artes do Rio de Janeiro), leria então, em cerimônia pública solene, seu

discurso intitulado “Origem e Progresso de las Bellas Artes” – uma longa

digressão sobre a necessidade de se cultivarem os vínculos com a

antiguidade clássica, dando especial atenção ao ensino do desenho e

historiando a primazia da arquitetura sobre as demais artes (tópico

constante no discurso acadêmico do século XIX). Seria tratando da

origem histórica do desenho, porém que Allesandro Cicarelli, mirando o

passado, justificaria um plano de estudos para sua própria época:

estabelecendo a analogia entre a Grécia antiga e a América (similares,

para o artista, pela luminosidade de suas paisagens e estados de

civilização), Cicarelli antevia um auspicioso futuro artístico para as

nações sul-americanas19 – argumentação recorrente também em alguns

discursos brasileiros do século XIX, que exaltando a grandiosidade da

natureza local previam para a arte nacional um destino igualmente

grandioso. Fé e retórica que para fins do século XIX perderia força,

patenteando-se diante de uma consciência crítica nacional que aos

poucos se formava o descompasso existente entre a nação e cultura

artística almejada (em acordo com modelos clássicos e europeus

disponíveis), e a nação e cultura artística reais que se experimentava,

sendo este deslocamento em relação ao modelo europeu um dos

problemas centrais a ser enfrentado pela arte praticada no Brasil no

período pós-colonial:20

“[...] Têm-se escripto [...] que o céu azul e

profundo, densamente constelado da Grécia, devia

dar como resultado inevitável essa maravilhoza

intuição do belo com que eram dotados os

compatriotas de Péricles [...]Pois bem; o nosso

firmamento reclama vantagens sobre o da Grécia

[...]e entretanto [...]hélas! apesar dessa influência

sideral a nossa América do Sul continua

desprovida de inspirações artísticas; ao Parthenon

apenas podemos opôr o edifício da Imprensa

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Nacional, e a produção mais conhecida da

escultura contemporânea entre nós é o Cupidinho

da fonte do Passeio Publico com a legenda “sou

útil inda brincando”. A arte precisa do favor

público para se desenvolver e aprimorar”.21

Ainda no Chile, mas já em 1880, outro discurso dedicado aos

educadores e “pais de família”, intitulado “Dibujo: su enseñanza en los

colégios”22, dava especial atenção também à educação feminina.

Comentando o grande número de mulheres que em Paris já trabalhavam

como “[...] escultoras, pintoras, grabadoras, poetisas, literatas,

periodistas”, seu autor (José Miguel) elogiava o fato de o desenho ser

precocemente ministrado nos colégios franceses, tanto aos meninos

quanto às meninas, em inevitável contraponto ao panorama local.

Nomeando a si mesmo como “apóstolo infatigável do culto do

desenho”, seu autor defendia nas escolas “[...] la enseñanza del dibujo

natural, de paisaje, de ornamentacion y de cada ramo que encierra el arte

sublime de reproducir la naturaleza en todas sus formas, en todas sus

cambiantes colores”. Protestando contra a incompreensão local, não se

dando no Chile a devida importância ao ensino do desenho, expressava-

se ali, porém, certa confusão quanto às finalidades pretendidas para este

ensino no âmbito escolar, exaltando-se o modelo das belas artes em

detrimento do trabalho operário (o que talvez seja sintomático de uma

certa atitude geral latinoamericano para com as artes), indo-se em direção

claramente contraditória frente às mais recorrentes defesas para o ensino

escolar do desenho, parecendo pretender-se simplesmente transferir para

o âmbito escolar a experiência acadêmica do desenho:

“[...] los padres de familia no lo reclaman [o ensino

do desenho] para sus hijos, y éstos, aunque tengan

aptitudes para llegar a ser un Miguel Anjel, un

Rafael o un Bramante al salir de los bancos de la

escuela, van a instalarse en los bancos del zapatero,

del carpintero, del herrero, del sastre, etc.,

profesiones modestas que no tienen nada de

desdoroso, en verdad, pero que tampoco dan

campo vasto a la imajinacion y rara vez consigue

hacer su fortuna el que las cultiva”.23

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Os inícios de um novo tempo?

Em 7 de setembro de 1909, aniversário da ainda jovem república

brasileira, e após um século XIX marcado pelo poder imperial, se

inaugurava em Belém do Pará, no privilegiado espaço do Teatro da Paz,

e por determinação do Governo do Estado, a Primeira Exposição

Escolar de Desenho. No prefácio de seu catálogo, clamando-se pela

melhoria dos meios de instrução no país, valorizava-se, sobretudo a

introdução da arte neste âmbito: arte vista então como “base da

indústria”, sendo a disciplina do desenho considerada como “lei primeira

de todas as artes”.24

Tratava-se da reiteração de um discurso já estabelecido ao longo do

século precedente, mas que se materializava naquele evento: eram 1825

os trabalhos expostos, em sua maioria desenhos, realizados por 870

alunos e alunas de variados estabelecimentos de ensino paraense,

refletindo uma movimentação cultural maior, com a riqueza trazida pela

exportação da borracha e com a administração esclarecida e europeizante

de Antônio Lemos – político que investiria na música, na pintura e na

arquitetura como instrumentos de propaganda e construção local de

ideais de urbanidade e civilização. Ufanísticamente se afirmava ali ser

“fama geral” que “[...] no terreno da educação artística o Pará marcha na

avançada dos estados Brazileiros, como um exemplo digno de imitação”,

considerando-se a própria exposição que se realizava prova inequívoca

desta superioridade.

As atas das reuniões do júri destinado a premiar os trabalhos

expostos sugerem, porém, que permaneciam em suspenso muitas das

dúvidas e controvérsias em torno de quais as corretas finalidades e

melhores métodos para este ensino. Reuniões em que polemizariam de

um lado o engenheiro Palma Muniz e de outro o pintor Theodoro Braga

(1872-1953), que considerava o evento início de uma “[...] nova era para

o estudo escolar de desenho e pintura no Pará”.25 A polêmica giraria ante

a proposição de Palma Muniz, para que se excluíssem da premiação os

trabalhos de pintura (argumentando que o objetivo do governo era

promover uma exposição escolar “apenas de desenho”). Proposição

contestada por Theodoro Braga, que defendia que pinturas e desenhos

fossem julgados e premiados em igualdade de condições26 – premiados

entre os quais se sobressairiam estudantes do sexo feminino (os

trabalhos de maior destaque seriam o “desenho do busto de Carlos

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Gomes existente no salão nobre do Theatro da Paz” e a reprodução, a

carvão, pela Senhorita Lourdes de Oliveira, de uma “estatueta de gesso”).

Envolvendo grande parte das elites paraenses, através de suas

famílias, estudantes e professores, imprensa e governo, o sucesso do

evento acabaria por convertê-lo em um concorrido salão anual, com

orçamento previsto nas despesas da Secretaria de Estado da Instrução

Pública e organizado sempre junto às festividades do 7 de setembro,

permitindo também a continuidade das polêmicas: por volta de 1913 o

mesmo Theodoro Braga (que propunha na época, entre outras

inovações, a adoção sistemática, no ensino e na decoração, de motivos

decorativos indígenas estilizados, ensaiando algumas reformas para os

métodos e objetivos do ensino artístico nacional) criticaria abertamente,

pelos jornais de Belém, o ensino do desenho ministrado pelo professor

José Girard na Escola Normal do Pará, acusando seus métodos de

conservadores e equivocados. Professor que, por sua vez, buscaria

ridicularizar Theodoro Braga lançando-lhe, também pelos jornais

paraenses, o epíteto irônico de “eminente sábio indígena”27 – tipo de

ironia bastante significativa das tensões existentes entre o modelo

cultural europeu e francês desejado pelas elites brasileiras, que buscava se

instalar na então enriquecida capital da borracha, e as práticas e soluções

dadas, de caráter regional e nacional. Tensão e deslocamento entre

modelos e práticas culturais que se dava no cenário de um processo

amplo, do qual também fazia parte a ação; desde fins do século XIX; do

Liceu de Artes e Ofícios Benjamin Constant – estabelecimento de ensino

que tinha como preceito regimental justamente a organização de

exposições anuais com os trabalhos de seus alunos e dos “artistas e

industriais de todo o Estado”, e cuja biblioteca, voltada para as “classes

pobres e operárias”, deveria “abrir as suas estantes à noite”.28

O catálogo da primeira mostra anual dos alunos do Liceu Benjamin

Constant, em 1895 é, portanto, outro registro bastante elucidativo sobre

o funcionamento deste ambiente: revelava-se nele, por exemplo, que

contíguo ao Liceu de Artes e Ofícios funcionava também a Academia de

Belas Artes de Belém, havendo ali aulas de desenho, pintura e escultura,

além de um conservatório musical e de uma pinacoteca.29 Reproduzindo

o sistema da Academia do Rio de Janeiro, alguns dos jovens alunos da

Academia paraense seriam financiados pelo governo local para estudar

pintura diretamente na Europa, havendo nesta mostra de 1895 uma

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seção exclusiva para os “Trabalhos de Pintura dos Pensionistas do

Estado na Europa”. Alunos como Corbiniano Villaça, então com 22

anos, que expunha “um estudo de cabeça feminina do natural”

(contando sua viagem não só com a subvenção do governo, mas,

também, com a “generosidade dos amigos”), ou como Escobar de

Almeida, com 19 anos, que na Europa desde 1893 enviava de lá, como

prova de seus progressos, um “estudo de cabeça copiada do gesso”,

entre outros pensionistas que enviavam estudos de paisagem, do modelo

vivo e de perspectiva.

Seria ao tratar das obras realizadas pelos alunos do próprio Liceu de

Artes e Ofícios Benjamin Constant, contudo, que este catálogo da

mostra de 1895 revelaria alguns indícios concretos das práticas e ideais

operantes naquele ambiente. Compostas em sua maioria por estudos de

paisagens locais e “cabeças ilustres” (tais como as de Bismarck, Floriano

e Deodoro, entre outras), realizadas por estudantes que eram também

“artistas ou operários de fábricas e officinas desta capital” (Belém do

Pará), elas eram valoradas, sobretudo diante das precárias condições em

que teriam sido realizadas, por trabalhadores dedicados, que podiam

frequentar a instituição e desenhar somente durante a noite, “[...] sob a

luz de Kerosene e espaçadamente de dois em dois dias e no intervallo de

uma hora”.30

Dentre os alunos do Liceu um ganharia atenção especial: expondo

dois trabalhos realizados em crayon (um retrato de Carlos Gomes e uma

paisagem “de nossa riquíssima região”), além de seu álbum de Descriptiva,

o ferreiro Manoel Simplício Torres pareceria reunir as virtudes do novo

cidadão que ali se pretendia criar: conciliando o esforço viril exigido pelo

trabalho braçal com a delicadeza feminina da sensibilidade artística,

Manoel Simplício Torres mereceria no catálogo da mostra de 1895 um

texto especialmente dedicado a ele, em um elogio que demonstrava, sem

perceber talvez, a contradição social inerente ao personagem que

pretendia exaltar, considerando “[...] inacreditável que um operário tenha

a mão tão delicada para fazer desenhos tão finos”.31

Simultaneamente artista e operário, uma das “glórias do Lyceu

Benjamim Constant” (que teria frequentado desde as primeiras letras até

o curso “de Sciencias e Desenho”), Manoel Simplício Torres encarnaria

o tipo ideal que os liceus de artes e ofícios pretendiam formar pelo país.

Idealização que agregava à perspectiva industrial almejada certa

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Revista Estudos Amazônicos • 130

roupagem romântica – mistura própria, talvez, das contradições da

modernidade brasileira:

“[...] De manhã está junto à forja, ao malho e a

bigorna, e à noite aquela mão cansada de trabalhar

com o ferro desenha com tal delicadeza como se

estivesse ocupada em apanhar flores durante o dia.

Manuel Simplício Torres é paraense e tem a sua

oficina de ferreiro na rua dos Pariquis n`esta

Capital: é um moço de pouco mais de 25 anos,

acanhado, dócil e infundido de uma melancolia

própria dos artistas nacionais”.32

Para uma efetiva inclusão, contudo, da disciplina do desenho no

âmbito escolar, o romantismo de algumas concepções do século XIX,

por vezes, excessivamente, individualizantes, perderia gradativamente

espaço para as práticas estandartizadas deste ensino, ganhando

importância crescente neste contexto o desenho geométrico (e do

chamado “desenho linear”) como instrumento conveniente à massa de

trabalhadores que se desejava ajustar aos novos modos de produção e

consumo industrial. Tratava-se da relativa vitória de um projeto de

instalação, nas sensibilidades e mentes ocidentais, de um propalado

“espírito geométrico”, defendido no Brasil já desde princípios do século

XIX, em acordo com os postulados iluministas do século precedente.33

Modalidade de desenho também apropriada à nova cultura escolar que se

formava igualmente estandartizada, havendo uma analogia direta entre o

sistema de funcionamento da fábrica industrial e o da própria escola

moderna, buscando ambas atingir uma eficiência impessoal e uniforme,

uma “produção”, livre das arestas imprecisas da artesania e da

subjetividade.

As muitas promessas e esperanças em torno do desenho, contudo, e

mesmo da educação de modo geral, se cumpririam no Brasil apenas em

parte, com a defesa da propagação de seu ensino entrando em lento e

constante declínio ao longo do século XX. Ainda que, havendo um

aumento geral da oferta e circulação de publicações e materiais voltados

às práticas do desenho, os conflitos em torno dos objetivos de seu

ensino também se acentuariam. A incoerência da importação e consumo

massivo dos modelos culturais europeus começaria a ser criticada em

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Revista Estudos Amazônicos • 131

alguns círculos, ocorrendo no campo das artes inúmeras reações de

caráter nacionalista. Começaria a se defender a adoção da natureza local

como modelo privilegiado para o estudo do desenho – defesa integrada a

uma ampla renovação das teorias pedagógicas, cada vez mais atentas às

possibilidades do conhecimento a partir das experiências particulares e

dos objetos do cotidiano, em detrimento das abordagens tradicionais,

falsamente “universais” e excessivamente abstratas, desvinculados de

uma vivência do real.

Seria neste contexto em que o paraense Theodoro Braga retornaria à

cena, na década de 1920, condenando veementemente um projeto

nacional em andamento que previa o uso de estampas alemãs como

modelos nas escolas profissionais do Brasil – sendo que quatro décadas

antes, em 1879, ainda sob o Império, já se comentava no Rio de Janeiro,

em artigo anônimo intitulado “O estudo do natural”, a superioridade do

desenho de observação sobre o “velho systema de copiar lytographias de

Julien”. Artigo que, citando Viollet-le-Duc, afirmava que mesmo

Portugal, “[...] que em Belas Artes está longe de ser um paiz adiantado,

já, há muitos anos, adoptou [...] o systema de pôr o discípulo logo nos

primeiros dias em contato com o natural”.34 O projeto da década de

1920 que previa o uso de estampas alemãs era, portanto, frontalmente

contrário não apenas às ideias de Theodoro Braga, mas também a toda

uma consciência crítica que começava a se fixar no Brasil desde a

segunda metade do século XIX, desejosa de criar e estabelecer no país

uma cultura artística simultaneamente moderna e “nacional”.

Defendendo a observação direta da natureza e a estilização decorativa

dos elementos da fauna e flora locais,35 Theodoro Braga ainda ligava-se,

mesmo que indiretamente, à noção então relativamente corrente de

“educação dos sentidos”, numa abordagem pedagógica de aspectos

também evidentemente políticos e sociais – com o próprio Theodoro

Braga observando, criticamente, que o ensino do desenho dado às elites

era, lamentavelmente, distinto daquele oferecido às “crianças

operárias”.36 Opunha-se de fato ao modelo tradicional das belas artes a

busca por uma linguagem visual estritamente racional, geométrica e

matemática, capaz de constituir uma ferramenta de caráter operativo,

adequada aos modos de produção que começavam a se defendar

também para o Brasil (rompendo com uma perspectiva exclusivamente

agrícola), vendo-se assim cada vez mais reduzido o espaço para as

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práticas artísticas e subjetivas do desenho, tidas antes como “elevadas”,

que se manteriam, contudo em círculos sociais relativamente restritos.

Contexto no qual Theodoro Braga, que também atuaria como Diretor,

de algumas escolas técnicas no país, publicava no Rio de Janeiro, em

1925, o livreto O Ensino de Desenho nos Cursos Profissionais – discurso

totalmente dedicado a definição dos mais adequados métodos de ensino

do desenho para as classes trabalhadoras.

Um dos pioneiros do modernismo artístico no Pará, Theodoro Braga

estudou pintura de paisagem na França, lá desenvolvendo formas de

representação que, quando de seu retorno ao norte do Brasil, perceberia

como conflitantes com as cores e luminosidades da paisagem amazônica,

percebendo um inevitável deslocamento entre o modelo europeu e a

realidade da paisagem paraense – consciência de deslocamento e

alteridade que seria essencial para a constituição da moderna cultura

brasileira. Elaborando em seu atelier-residência de Belém do Pará (onde

também dava lições particulares de desenho) trabalhos relacionados à

história local e nacional, concluiría então o artista ser impraticável

reordenar plasticamente, a partir dos cânones aprendidos em Paris, a

natureza superlativa e singular que tinha diante de si. Formulando suas

próprias ideias sobre como deveria ser o ensino artístico, e especialmente

do desenho, no Brasil, Theodoro Braga vai defender estas ideias no Rio

de Janeiro (aonde chega a ser livre-docente da Escola Nacional de Belas

Artes) e em São Paulo (onde em 1926 é professor catedrático da Escola

de Belas Artes local) – panorama de atuação do qual ainda faria parte a

atenção do artista para com os fragmentos arqueológicos indígenas

conservados no museu de ciências naturais do Pará, sendo Theodoro

Braga um dos propulsores do chamado estilo neomarajoara, havendo já

publicado em 1917, na edição inaugural da Revista do Instituto Histórico e

Geográfico do Pará, o artigo “A Arte Decorativa Entre os Índios Selvagens

da Foz do Amazonas”.37

O fato é que se buscava em diferentes países, naquelas primeiras

décadas do século XX, utilizar-se da educação, e singularmente da

disciplina do desenho, como instrumentos de construção das identidades

nacionais, calcadas, sobretudo numa revaloração da “história pátria” e na

redescoberta e invenção de valores autóctones. No México, por

exemplo, ação análoga e contemporânea a de Theodoro Braga seria a de

Adolfo Best Maugard (1881-1964), que após ilustrar as pesquisas

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etnológicas de Franz Boas (registrando as ornamentações dos primeiros

habitantes do vale do México) expandiria este registro por outras regiões,

desenvolvendo a partir delas uma metodologia específica para o ensino

do desenho nas escolas públicas do país, tomando como base a

sistematização e estilização dos grafismos indígenas “anteriores à

conquista”. Articulando ainda seu método às artes populares de hoy, em

uma operação estética de forte conotação ideológica,38 Best Mauguard

publicaria em 1923 seu Método de Dibujo, Tradicion, Resurgimiento y Evolucion

del Arte Mexicano, o qual pretendia justamente, em uma perspectiva não

apenas nacional, mas mesmo continental, “[...] señalar el camino para

otros esfurzos semejantes de “nacionalismo” en Mexico y en toda

América”. Publicação que coroava a adoção, já em 1922, do “sistema

Best” nas escolas públicas da capital mexicana, sob o significativo nome

de “dibujo mexicano” – sendo que em julho do mesmo ano se

inaugurara no edifício da Secretaria de Educação Pública do México

(para o qual Diego Riviera executaria um grandioso conjunto mural) uma

exposição de desenhos escolares feitos segundo os princípios de Best

Maugard. Princípios que seriam combatidos, porém, pelos professores já

estabelecidos, os quais ainda adotavam o antigo sistema que “[...]

comenzaba com el mezquino y siempre fracasado intento de

reprodución fotografica del natural”, segundo Pedro Henriquez Ureña –

prefaciador do método de Best Maugard que profetizava ainda que este

triunfaria graças aos “professores inteligentes” e, especialmente, ao

entusiamo das próprias crianças, já que o “dibujo mexicano” lhes

ofereceria simultâneamente “[...] la novedad de poner en su trabajo

espíritu nacional y la ocasión de crear libremente, no ya de copiar y

repetir sin iniciativa y sin deseos”.39

No livro de Thedoro Braga de 1925, O Ensino de Desenho nos Cursos

Profissionais, seu autor definia, primeiramente, o desenho como

“representação gráfica da forma”, subdividindo-o em seguida em

desenho com uso de instrumentos (ou geométrico); para a

“representação real dos corpos”; e o desenho à mão livre; para a

“representação aparente das formas”. Aproximando o desenho da escrita

(pois “[...] quem escreve cadeira, [...] desenha por convenção, e quem

desenha esse objeto, escreve-o com a sua forma própria”), defendia-se ali

o começo deste aprendizado pela “mão livre” e pela observação do

natural, condenando-se a cópia de estampas na medida em que o modelo

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ideal era “[...] o corpo real diante dos olhos, ávido de ver e de grafar

aquilo que vê, com todas as dificuldades da aparência produzidas pela

perspectiva, pelo claro-escuro, pelo ambiente, pela cor, pela situação”40 –

ponderando ainda que o “saber ver” era para muitos o grande obstáculo,

associando à prática do desenho de observação qualidades também

patrióticas:

“[...] Quantos ensinamentos elevados adquire,

então, a criança no momento em que ela vai

desenhar, em frente ao objeto palpável, modelo de

seus estudos, de seu esforço intelectual, na ânsia de

bem fazer? A lição de civismo que aprende ao

sentir que aquela flor é do jardim da escola ou de

sua casa, que aquele fruto é o do seu país amado,

que aquele objeto é do seu uso”.41

Relacionando a educação das classes operárias ao problema da

nacionalização da arte brasileira, invocava-se a natureza do país como

fonte sobre a qual deveria se debruçar a inteligência e criatividade do

trabalhador nacional, para que em sua obra estivesse representada “[...]

alguma cousa de sua pátria”. Sem saber “nem ler nem pensar”, o

operariado nacional estaria em permanente desvantagem em relação aos

estrangeiros. Sem estímulo para criar seus “próprios” produtos, e tendo

de submeter-se às atividades puramente mecânicas, este operário sofria o

que Theodoro Braga chamava de “vida artificial da cópia de modelos”,

“[...] que reproduzem sem espírito, sem inteligência e, por isso mesmo,

sem o mínimo valor de arte” – insistindo-se por isso em eleger a

natureza como fonte de sugestões plásticas para a arte e indústria

nacionais, sendo já “[...] tempo de tê-la nossa, muito nossa, a Arte

Brasileira, inspirada na nossa flora esplendidamente bela e luxuriante e na

nossa fauna exótica e desconhecida, típica e extravagante”.42

Operava no discurso de Theodoro Braga, porém, uma lógica

contraditória, que pretendia a equivalência entre nação e indivíduo,

acreditando em um caráter nacional atávico, impresso na sensibilidade de

cada brasileiro – caráter nacional que deveria necessariamente se

manifestar dadas apenas as condições mínimas para isto, cabendo ao

professor somente exigir dos alunos “[...] originalidade de concepção nos

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esboços das obras a executar, apurando o gosto de cada um,

aproveitando as idiossincrasias pessoais”, pois:

“[...] Só assim, expurgada a invasão do terrível mal

que nos tem atrofiado o cérebro até agora, isto é,

as cópias de catálogos estrangeiros, só assim

poderemos iniciar a procura de um estilo, de uma

maneira de fazer nacional, que nossos silvícolas

descobriram e que nós civilizados desconhecemos

[...] / É necessário que cada um seja si próprio”.43

Afirmando que mesmo os indígenas brasileiros posuíam uma

“maneira de fazer nacional”, Theodoro Braga não diferenciava indivíduo

e nação, vendo pelo contrário uma continuidade umbilical entre a

personalidade dos povos e a dos indivíduos:

“[...] Se os demais povos conseguem impor-se na

fixação de sua personalidade [em] seus produtos de

arte, o que nos impede a nós de abrirmos um

caminho neste sentido? Porque não darmos, com

os elementos que possuímos, um cunho pessoal de

nossa individualidade a tudo o que é nacional?

Porque não enriquecermos os produtos de nossas

manufaturas com ornamentações regionais,

inspiradas nos elementos que nos cercam

lembrando assim a nossa Pátria?”.44

Formulando para o desenho escolar princípios que denominava de

práticos e intuitivos, Theodoro Braga definia como base de seu método a

percepção sensível, mobilizada através da observação e da memória,

numa didática centrada no “êxtase diante do modelo”:

“[...] com a sua forma individual, com a sua cor

característica, com o seu relevo palpável, com o

seu claro-escuro sugestivo e com a sua perspectiva

do momento. Do desenho à mão livre, no começo,

a criança, sabendo ver, passará para o aprendizado

do desenho à mão armada ou geométrico”.45

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Coerente com esta didática estava, portanto, a condenação do

tradicional método de aprendizagem do desenho através da cópia de

estampas, sobretudo quando estrangeiras, defendendo-se

preferencialmente a adoção, como modelos, de “[...] objetos naturais e

nacionais, com a sua forma e cor aparentes e que digam alguma coisa à

nossa alma de brasileiros”,46 devendo o governo brasileiro “[...] intervir

seriamente contra a introdução criminosa de estampas como modelos de

desenho, ignomioso sistema de estampas ainda permitido, infelizmente,

entre nós”, cabendo aos inspetores de ensino “[...] a denuncia e

seqüestro de todos esses criminosos documentos de incapacidade moral

e intelectual de sediciantes professores de desenho, os quais deverão ser

afastados desse cargo”.47

Para as escolas profissionais por sua vez, também chamadas então de

escolas “de aprendizes artífices”, destinadas a educar e instruir o

“proletariado infantil nacional”,48 propunha-se uma educação artística

criativa, que oferece “noções de arte”, incentivando o sentimento

estético “[...] na alma da criança-operário, tão sensível e tão vibrátil”.49

Theodoro Braga, porém, não era indiferente às enormes contradições

sociais que cercavam o ensino das artes no Brasil, apontando a injustiça

de se negar, a este “proletariado infantil”, “[...] o direito de aprender tão

bem quanto se ensina aos meninos ricos”, indagando a razão de “[...] se

fazer, criminosamente, duas espécies de método para o ensino do

desenho [...] um processo para os ricos e outro defeituoso, quiçá errado

para os aprendizes artífices [...]”.50

Propondo às classes operárias um ensino que levasse em conta

aspectos, também subjetivos, pensando o trabalhador como indivíduo

singular, Theodoro Braga revelava-se assim um pedagogo atento,

parecendo não compreender, contudo a complexidade das questões em

jogo, que não eram apenas didáticas ou artísticas. Aparentemente

ingênuo diante dos combates sociais que se davam sob este pano de

fundo, Theodoro Braga tratava, contudo em suas propostas, de temas

fundamentais, refletindo sobre a quem caberia realizar, através da

linguagem do desenho, uma representação primeira da realidade,

definindo imagens modelares. Propondo o desenho de observação como

instrumento capaz de desenvolver a percepção, sensibilidade e

criatividade da classe operária, os métodos de Theodoro Braga se

contrapunham assim a uma dinâmica social restritiva e autoritária,

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sujeitando-se, portanto, ao fracasso e à incompreensão de uma sociedade

ainda essencialmente elitista e hierárquica, que optaria historicamente

pelo uso da arte não como ferramenta de efetiva construção e coesão

nacional, mas sim, como propaganda do poder e como signo de

distinção social. Personagem típico das contradições da modernidade

brasileira, com seus deslocamentos e anacronismos, e buscando

equilibrar racionalidade e romantismo, Theodoro Braga, pleno de fé nos

poderes regeneradores da arte e da educação, seria incapaz, contudo de

perceber, ou ao menos de aceitar, o pragmatismo dos novos tempos.

Inscrição, no canto inferior direito: “Coroada no Exame Público de 1842, é este

o primeiro Desenho em [...] grande que faz a Sra D. Gertrudes, he elle tão

difficultozo, e está tambem desempenhado, que a torna digna de consideração, e

estima. Recolhimento das Educadoras no Pará, 7 de junho de 1842. O Professor

J B Santarem”

GERTRUDES, M. da G. Silva. Pará, 1842. Seção de Iconografia, Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro.

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Casas de índios na floresta Mata-Mata no Monju. Pará, 1867.

Coleção Brasiliana / Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Jornal do Pará. Belém, 20 de agosto de 1868, p. 3.

Acervo de periódicos da Biblioteca Pública do Pará.

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OBREGÓN, José Maria. Giotto y Cimabue, 1857.

Museo Nacional de Arte, Cidade do México.

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MAUGARD, Adolf Best.

Método de Dibujo: Tradicion, Resurgimiento y Evolucion del Arte Mexicano,

1923.

Biblioteca Pública do Estado do Pará.

Artigo recebido em junho de 2011 Aprovado em agosto de 2011

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NOTAS

* Professor Adjunto de História da Arte no Departamento de Artes (DEART)

da Faculdade de Artes, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal de

Uberlândia (FAFCS-UFU). Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade

de São Paulo, 2005. Mestre em História da Arte e da Cultura pela Universidade

Estadual de Campinas, 1998.

1 Obra publicada no mesmo ano de O Contrato Socal, sendo ambas condenadas

pelo parlamento de Paris como contrárias ao governo e à religião, tendo Jean-

Jacques Rousseau que exilar-se para não ser preso. Em 1755, com Le Citoyen: Ou

Discours sur l`economie politique, o pensador genebrino já estabelecia a

educação pública como o meio fundamental para a diminuição da desigualdade

social.

2 Inspirados nesta concepção, da primazia das imagens sobre os sentidos e a

formação das primeiras idéias, em fins do século XVIII inúmeros outros

educadores também proporiam o uso didático de recursos visuais, como a

lanterna mágica e outros aparatos imagéticos. CHOPPIN, Alain. “Los manuales

escolares de ayer a hoy: el ejemplo de Francia” (“School handbooks from

yesterday to today: the french example”). “Historia de la Educación”. Revista

interuniversitaria, Ediciones Universidad de Salamanca, n. 19 (2000), p. 32.

3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da Educação. Tradução de Sérgio Milliet.

São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p. 145-146.

4 Vale registrarmos que o projeto original de Joachim Lebreton para o ensino

artístico no Brasil, via Missão Artística Francesa de 1816, dizia respeito a esta

visão moderna das “artes do desenho”, pretendendo ele estabelecer uma dupla

escola, capaz de formar tanto artistas do âmbito das belas artes como também

artesãos capacitados para as necessidades da indústria artística. A estrutura social

brasileira daquele período, no entanto, com uma ainda exígua classe média e

urbana, e uma massa de trabalhadores escravos (e não de operários), impediria o

estabelecimento deste projeto, indiretamente retomado, cerca de meio século

mais tarde, pela fundação, em inúmeras regiões brasileiras, dos Liceus de Artes e

Ofícios – como o fundado na própria cidade de Belém do Pará.

5 “[…] A comienzos del siglo XIX se torna definitivamente conciencia del

reconocimiento de las cualidades del Dibujo en la formación integral de la

persona, lo que hace aconsejable esta disciplina en la enseñanza escolar”.

MOLINA, Juan José Gómez. Las Lecciones del Dibujo. Madrid: Cátedra, 1995, p.

145.

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6 Louis Benjamin Francoeur publicou também Dessin Lineaire et Arpentage pour

toutes les écoles primaires quel que soit le mode d’instruction qu’on y suit. A Biblioteca

Naval do Rio de Janeiro possui um exemplar de uma terceira edição desta obra,

datada de 1832.

7 D`ENFERT, Renaud. L`Enseignement du Dessin en France. Figure humaine et

dessin géométrique (1750-1850). Paris: Belin, 2003, sn-p. 9.

8 AMBRIÈRE, Madelaine. “Édition et Imprimerie en France”. In: Dictionnaire du

XIXe Siècle Européen. Paris: Puf, 1997, p. 372.

9 Como comprovam alguns dos desenhos dispostos no álbum organizado pelo

próprio artista, hoje nos acervos do Museu Paulista, em São Paulo.

10 Possivelmente o primeiro manual de ensino de desenho de autoria de um

brasileiro publicado no país. Ao menos um exemplar do Compendio de Dezenho de

Januário Caneca se encontra no acervo de Obras Raras da Biblioteca Estadual

de Pernambuco, no Recife.

11 A trajetoria destes desenhos, entre sua produção no âmbito do Recolhimento

das Educandas do Pará e sua recepção e conservação no acervo da Biblioteca

Nacional, no Rio de Janeiro, permanece obscura. Uma das hipóteses é que tenha

sido o próprio Jozé Bernardes Santarém quem, para atestar o estado de

adiantamento em que se encontravam suas alunas, os tenha enviado para a corte

imperial, na busca de algum cargo ou benesse governamental – talvez mesmo o

merecido pagamento por seu ensino, visto que em 1842 estas eram oferecidas

no Recolhimento de modo gratuito.

12 Discurso recitado pelo Exmo Snr. Doutor Bernardo de Souza Franco, vice-

Prezidente da Província do Pará. Na Abertura da Assembléa Legislativa

Provincial. No dia 14 de Abril de 1842. Pará: Typographia de Santos & menor,

1842, p. 17.

13 Discurso recitado pelo Exmo Snr. Desembargador Manoel Paranhos da Silva

Vellozo, Prezidente da Província do Pará Na Abertura da Primeira Sessão [...] da

Assembléa Provincial. No dia 15 de Agosto de 1844. Pará: Typographia de

Santos & menor, 1844, p. 32.

14 Denominavam-se pensionistas as filhas famílias “[...] cuja entrada seus pais ou

parentes requererem, pagando uma módica mesada [...] sendo regra invariável,

que nenhuma será recolhida com idade superior à quatorze annos”. Treze de

Maio, Belém do Pará, sábado, n. 8, 6 de junho de 1840, p. 32.

15 Responsáveis que “[...] as tem ali depositado não só por falta nesta Cidade de

Estabelecimentos regulares, e comprehensivos de diversos ramos de ensino

proprios das meninas como porque conhecem que ali se presta huma regular

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educação civil, moral e religioza, e se habituão ao trabalho, que não poucas

vezes vem a ser de summa vantagem às pessoas mesmo abastadas”. Discurso

recitado pelo Exmo Snr. Desembargador Manoel Paranhos da Silva Vellozo,

Prezidente da Província do Pará. Na Abertura da Primeira Sessão [...] da

Assembléa Provincial. No dia 15 de Agosto de 1844. Pará: Typographia de

Santos & menor, 1844, p. 32.

16 Referindo-se, na década seguinte, às condições do ensino particular em São

Paulo, o “Mappa dos Estabelecimentos de Instrução Secundária do Distrito da

capital, e dos Alumnos que frequentaram o anno de 1854”. Arquivo do Estado de

São Paulo registrava que, no colégio da „Sra. Anna‟, voltado ao que parece

exclusivamente à educação de meninas, havia já também uma cadeira de

desenho, que se somava às cadeiras de aritmética, francês, inglês, geografia,

música, piano e prendas domésticas.

17 Treze de Maio, Belém do Pará, sábado, n. 8, 6 de junho de 1840, p. 32.

18 Entre estes professores contratados na Europa encontrava-se o russo David

Osipovitsch Widhopff, que após passar por Odessa e Munique seria aluno em

Paris de Bouguereau, Jules Lefebre e Robert Fleury, havendo colaborado como

ilustrador em diversos periódicos europeus: “[...] Em 1893, desejando o

Governo do Estado contractar na Europa um professor de pintura para prover

as respectivas cadeiras criadas no Lyceu Paraense e Escola Normal, mandou

abrir concorrência em diversas capitais daquele continente. Em Paris, Widhopff,

que a instâncias da colônia brazileira ali residente se inscrevera no concurso,

exibiu tão valiosas provas, que o nosso ministro naquela capital, dr. Pizza e

Almeida, não hesitou [...]”. MOURA, Ignacio. A Exposição Artística e Industrial do

Lyceu Benjamin Constant e os expositores em 1895. Pará: Lith. De C. Wiegandt, 1895,

pp. 105-106.

19 “[...] mientras que Troya acababa de ser destruida, lo cual aconteció en el año

1209 antes de la era vulgar, comenzó la inmigración en el litoral Itálico, que no

era entonces mas que una tierra virgen como la América”. CICARELLI, D.

Alejandro. “Origem e Progresso de las Bellas Artes”. Discurso pronunciado a la

apertura de la academia de pintura por su Director Alejandro Cicarelli, 7 de

marzo de 1849. Anales de la Universidad de Chile., Tomo VI, Santiago do Chile,

1849, sn, [s.ed.].

20 No Brasil moderno dos séculos XIX e XX vários momentos de sua história

cultural podem ser lidos, desde o indianismo romântico, como um esforço por

responder a este sentimento de delocamento, seja através da busca por vezes

ingênua pela “atualização” (nunca alcançável), como na Semana de Arte

Moderna de 1922, seja através de atitude mais dialética, como no Movimento

Antropófago, no Neoconcretismo e no Tropicalismo – sendo que para a análise

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deste deslocamento e diferença diante do paradigma europeu e ocidental (ao

mesmo tempo camisa-de-força e mola propulsora da invenção) pode ser útil

repensarmos os sentidos do conceito de anacronismo, com a anacronia

podendo ser pensada não somente como falha temporal e narrativa, mas

também tomada como parte constitutiva e mesmo poética deste referido

deslocamento e diferença, a requererem outros instrumentos de análise

historiográfica.

21 Revista Musical e de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1880. No

México, por sua vez, o cultivo sistemático das belas artes já havia se estabelecido

desde fins do século XVIII, sendo a Academia de São Carlos a mais antiga das

Américas. Seus membros, tratando de glorificá-la, tomariam por vezes a própria

aprendizagem acadêmica como assunto de algumas de suas obras, como o gêsso

realizado em 1854 por Juan Bellido, com a alegoria La Academia de San Carlos

premiando a sus alumnos (Museu Nacional de Arte, Cidade do México), ou

através de pinturas como Giotto y Cimabue, retratando o legendário momento

no qual o jovem pastor é descoberto desenhando nas rochas – tipo de temática

que contribuía para reforçar os laços identitários entre os integrantes da

academia.

22 MIGUEL, José. “Dibujo: su enseñanza en los colegios”. Anales de la

Universidad de Chile, Tomo LVII, 1880, pp. 232-239.

23 Idem, Ibidem.

24 Catálogo da Primeira Exposição Escolar de Desenho. Inaugurada em 7 de setembro

de 1909 por determinação do Sr. Dr. João Antonio Luiz Coelho - Governador

de Estado. Belém: Secretaria de Estado do Interior e Instrução

Pública/Imprensa do Estado do Pará, 1909, sn [consultado na Biblioteca

Central da Universidade Federal do Pará, Seção de Obras Raras].

25 FIGUEIREDO, Aldrin Moura. Eternos Modernos: uma história social da arte e

da literatura na Amazônia, 1908-1929. Campinas/SP: Tese de Doutoramento,

Unicamp, 2001, p. 98. Aldrim Moura Figueiredo observa que, apesar desta

atividade intensa em torno do ensino do desenho, nem todos estavam ali

irmanados num mesmo objetivo, pois “[...] Com a amplitude do circuito das

artes, as tensões e disputas entre os artistas [e potenciais professores] também

cresceram”. Ibidem, pp. 99-100.

26 “Acta da primeira seção do Jury Julgador da exposição escolar do Desenho

[...]”. In: Catálogo da Primeira Exposição Escolar de Desenho, pp. 46-47.

27 FIGUEIREDO, Eternos Modernos: uma história social da arte e da literatura na

Amazônia, 1908-1929, pp. 100.

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Revista Estudos Amazônicos • 145

28 MOURA, A Exposição Artística e Industrial do Lyceu Benjamin Constant e os

Expositores em 1895, pp. 7 e 28.

29 A Escola de Pintura da Academia de Belas Artes de Belém era dirigida, em

1895, pelo russo David Widhopff, o mesmo personagem contratado em 1893,

em Paris, como professor do Liceu Paraense e da Escola Normal de Belém. O

professor de desenho linear do Liceu Benjamin Constant, por sua vez; José de

Castro Figueiredo; exporia com destaque na mostra anual de 1895 seus “[...]

diversos atlas geographicos para o ensino nas escolas primárias deste Estado”.

MOURA, A Exposição Artística e Industrial do Lyceu Benjamin Constant e os

Expositores em 1895, pp.113-114. Trânsitos que exprimem uma ativa circulação

de professores, métodos e modelos do ensino do desenho por distintos

ambientes de aprendizagem.

30 MOURA, A Exposição Artística e Industrial do Lyceu Benjamin Constant e os

Expositores em 1895, p. 119.

31 Idem, p. 121.

32 Idem, pp. 121-122.

33 “[...] o primeiro, e sem dúvida o maior de todos os fructos, que nos devemos

propor tirar do estudo desta Sciencia [a Geometria], é o de criar, e formar na

Mocidade o espírito da Exactidão; falo do „espírito Geométrico‟, o único que,

segundo a expressão de outro sábio, é a verdadeira fonte do discorrer, do

inventar, e do saber”. In: BARBOSA, Francisco Villela. Elementos de Geometria

por Francisco Villela Barbosa, Cavalheiro da Ordem de Christo, Lente de

Mathemática na Academia Real de Marinha e sócio da Academia Real das

Sciencias, ec. Lisboa: Na offic. Da Academia real das Sciencias, MDCCCXVI, p.

VII. Consultado na Biblioteca José e Guita Mindlin, que possui ainda duas

edições posteriores dos Elementos de Geometria de Villela Barbosa, uma de 1837

(3ª ed.), e outra de 1846 (5ª ed.), além do Breve Tratado de Geometria Spherica, do

mesmo autor, de 1817.

34 “Semanário Artístico”. Revista Musical e de Bellas Arte, Rio de Janeiro, 1879, p.

5, [s.ed.] (Consultado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Obras

Raras).

35 “[...] Estylisa-se uma figura, um objeto, um producto da natureza quando se

despe essa figura, esse objeto ou esse producto das imperfeições, isto é:

irregularidades naturaes de suas formas [...] Um pintor cometeria um grave erro

se no seu quadro estylisasse as folhas ou frutos de uma árvore. Do mesmo

modo o ornamentista violaria as leis da sua arte se imitasse as irregularidades e

casualidades da natureza nos motivos da ornamentação; neste caso o seu

trabalho seria naturalistico, o contrário de estylisado”. In: VASCONCELLOS,

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Revista Estudos Amazônicos • 146

Joaquim de. A Reforma do Ensino de Bellas-Artes III Reforma do Ensino de Desenho.

Seguida de um plano geral de organização das escolas e colleções do ensino

artistico com os respectivos orçamentos por Joaquim de Vasconcellos, do

Instituto Imperial Germanico de Archeologia da Academia Real de S. Fernando

(Bellas-Artes, Madrid). Porto: Imprensa Internacional, 1879, p. 55 (Consultado

na Biblioteca de Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa).

36 Josef Grandauer, autor na Alemanha da década de 1870 do Elementar

Zeichenschule, afirmava ser arriscado “[...] começar desde logo com o desenho a

olho quando o ensino haja de ser dado em massa”. In: VASCONCELLOS, A

Reforma do Ensino de Bellas-Artes III Reforma do Ensino de Desenho, p. 61.

37 FIGUEIREDO, Eternos Modernos: uma história social da arte e da literatura na

Amazônia, 1908-1929, p. 100.

38 Para os festejos do centenário da independência mexicana Best Maguard

realizou o painél Noche Mexicana. Experimentando então algumas soluções

derivadas de suas pesquisas, o artista utilizaria ali “[...] entre otros elementos de

arte indigena y popular, los de una curiosa tradición decorativa que era

costumbre tomar a burla pero que representaba la valentía del color vivo, hijo

del trópico, em medio del gris que invadió la capital”. UREÑA, Pedro

Henriquez. In: MAUGARD, Adolfo Best. Método de Dibujo: Tradicion,

Resurgimiento y Evolucion del Arte Mexicano. Ciudad de México:

Departamento Editorial de Secretaria de Educación, 1923, p. 130. Vale registrar

que um exemplar do método de Best Maugard pode ser consultado na

Biblioteca Pública do Pará.

39 MAUGARD, Método de Dibujo, pp. 130-132.

40 BRAGA, Theodoro. O Ensino de Desenho nos Cursos Profissionais por Theodoro

Braga, bacharel em Sciencias Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do

Recife. Prêmio de viagem à Europa, por cinco anos, pela Escola Nacional de

Belas Artes. Professor livre-docente da Escola Nacional de Belas Artes.

Membro do Conselho Superior de Belas Artes. Ex-director do Instituto

Profissional “Lauro Sodré” do Estado do Pará. Ex-diretor do Instituto

Profissional “João Alfredo” do Distrito Federal [ etc.]. Rio de Janeiro: O Globo,

1925, pp. 19-20 (Consultado na Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes do

Rio de Janeiro).

41 BRAGA, O Ensino de Desenho nos Cursos Profissionais, p. 21.

42 Idem, p. 7.

43 Idem, p. 10.

44 Idem, p. 13.

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45 Idem, p. 50.

46 Idem, p. 46.

47 Idem, p. 10.

48 Idem, p. 28. Tipo de ambiente de aprendizagem no qual muitos artistas

modernos brasileiros teriam suas primeiras lições de desenho, tais como, em São

Paulo, Francisco Rebolo Gonsales, Mário Zanini e Luiz Sacilotto, entre outros,

todos os alunos da Escola Profissional Masculina do Brás.

49 Idem, p. 11.

50 Idem, p. 39.