Versão corrigida - USP...AGRADECIMENTOS Ao Deus trino, criador, doador da Salvação, do sopro da...

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UNIVERSIDADE DE SÃO P AULO F ACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL ANDRÉ SZCZAWLINSKA MUCENIECKS AUSTRVEGR E GARÐARÍKI (RE)SIGNIFICAÇÕES DO LESTE NA ESCANDINÁVIA T ARDO-MEDIEVAL Versão corrigida São Paulo 2014

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UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTOacuteRIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA SOCIAL

ANDREacute SZCZAWLINSKA MUCENIECKS

AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI ndash (RE)SIGNIFICACcedilOtildeES DO LESTE NA

ESCANDINAacuteVIA TARDO-MEDIEVAL

Versatildeo corrigida

Satildeo Paulo

2014

ANDREacute SZCZAWLINSKA MUCENIECKS

AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI ndash (RE)SIGNIFICACcedilOtildeES DO LESTE NA

ESCANDINAacuteVIA TARDO-MEDIEVAL

Tese apresentada ao Departamento de

Histoacuteria da Universidade de Satildeo Paulo

para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Histoacuteria Social

Orientadora Profa Dra Ana Paula

Tavares Magalhatildees Tacconi

Versatildeo corrigida

De acordo

Satildeo Paulo

2014

AGRADECIMENTOS

Ao Deus trino criador doador da Salvaccedilatildeo do sopro da vida de sua imagem

semelhanccedila que permite todo e qualquer empreendimento no campo das letras e do saber

Aos familiares tanto os perto quanto distante geograficamente pelo suporte e apoio

constante e pela prioridade sempre dada agrave minha formaccedilatildeo e educaccedilatildeo meus pais Igors e Luacutecia

minha irmatilde Rebeca meus avoacutes Agafangiel (in memorian) e Marta

Aos tutores e conselheiros que nesta fase de minha jornada pessoal assumiram papeis

natildeo tanto mais diretivos mas providenciaram ao lado da liberdade intelectual e de accedilatildeo

necessaacuterios os conselhos e exemplo de vida imprecindiacuteveis

Prs e Revs Denis Artur Darcy Mauriacutecio Andreacute Mira

Aos professores que contribuiacuteram de tantas formas em minha formaccedilatildeo para a

conclusatildeo deste trabalho e de tantas formas que muitos dos mesmos natildeo imaginam ndash alguns por

muitos anos a fio Ana Paula Bruno Gomide Elena Nikolaievna Vassina Maria Cristina

Pereira Renan Frighetto Faacutetima Regina Fernandes Frighetto Marcelo Cacircndido Andrejs Vasks

Johnni Langer Celso Taveira

Aos amigos colegas e alunos Desses alguns nunca entenderam exatamente o que

estudo sempre se comprazendo em perguntar-me acerca de dinossauros pterodaacutectilos e a Era

do Gelo a outros agradeccedilo as sugestotildees criacuteticas descrenccedilas e piadas que colaboraram para a

composiccedilatildeo de um trabalho melhor e de uma autoimagem menor outros foram de grande ajuda

em minha trajetoacuteria acadecircmica oferecendo oportunidades e ajuda inestimaacutevel Alguns

enquadram-se em vaacuterias dessas situaccedilotildees Diversos estimularam minha criatividade de vaacuterias

formas alguns ouviram pacientemente meus deliacuterios outros pagaram a liacutengua ao verem-se

constrangidos agrave lerem e comentarem esta tese Pedro Paulinho Renan Daniel Larissa Samuel

Evandro Wellington Otaacutevio Van Lucas Ceceacuteu Faacutebio Pablo

Agraves instituiccedilotildees que deram suporte proveram recursos experiecircncia crescimento pessoal e

sustento IBVM STBNET CBVM

Aos natildeo mencionados minha gratidatildeo pela compreensatildeo de minhas falhas imensas que

incluem a falta de memoacuteria

Tambeacutem fica claro que muitos aqui mencionados incorrem em mais de uma das categorias Mas

deixemos de positivismo

DEDICATOacuteRIA

Ao meu avoacute Agafangiel Szczawlinska falecido em

2010 cujas cinzas agora compotildeem parte do

Altacircntico meridional Nascido no nuacutecleo da antiga

Rus nos territoacuterios pertencentes outrora agrave tribo dos

Drevliani sua uacuteltima frase dita em minha presenccedila

(tendo tomado conhecimento de minha entrada no

doutorado uma semana antes) foi dirigida

profeticamente para o meacutedico que o atendia na UTI

ldquoEste eacute meu neto Ele eacute doutorrdquo Sua inspiraccedilatildeo vai

em muitos sentidos aleacutem desde o trabalho

incansaacutevel criativo ndash por vezes pendente ao tosco -

agrave face seacuteria

RESUMO

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash

(Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese (doutorado) ndash

Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo

Paulo 2014

Nesta tese analisamos as nuances que o conceito de leste assumiu nas fontes escritas da

Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

De iniacutecio procedemos na observaccedilatildeo de como a historiografia referente agraves interaccedilotildees

entre povos da Escandinaacutevia e do Nordeste Europeu produziu extenso debate de

implicaccedilotildees poliacuteticas conhecido como a Controveacutersia Normanista Neste capiacutetulo

salientamos tambeacutem os impactos que o estudo do medievo teve nos tempos

contemporacircneos

A seguir efetuamos uma siacutentese baseada na interpretaccedilatildeo da Cultura Material sobre os

movimentos escandinavos a leste no periacuteodo viking que forneceram material para os

proacuteprios historiadores e autores na Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

Ateacute entatildeo demonstramos que a despeito da Controveacutersia Normanista haacute evidecircncia

convincente e suficiente para demonstrar que a presenccedila escandinava no leste foi

deveras significativa

Os capiacutetulos posteriores centralizam-se na anaacutelise das fontes primaacuterias Dividimo-las

em fontes que apresentam material cartograacutefico e geograacutefico obras de cunho

historiograacutefico e sagas voltadas ao entretenimento como seleccedilatildeo de obras

representativas de tais grandes grupos analisamos o Mappamundi islandecircs Gks 1812

4to 5v-6r o proacutelogo da Edda Menor a Heimskringla a Gesta Danorum e a Ọrvar-Odds

Saga

A anaacutelise dessas fontes demonstrou que entre o seacuteculo XIII e o XIV ocorreu na

produccedilatildeo escrita escandinava uma bifurcaccedilatildeo entre o conhecimento produzido com

objetivos de instruccedilatildeo e aquele com intuitos de entretenimento

O uso do leste na primeira vertente eacute livresco inserindo muito do saber acumulado do

Medievo Ocidental e ressignificando o leste segundo paracircmetros das terras biacuteblicas e

dos autores claacutessicos

Nas fontes de intuito de entretenimento o uso do leste eacute tambeacutem ressignificado mas

desta feita de acordo com material mais ligado agrave cultura e agraves narrativas populares

empregando o leste na materializaccedilatildeo de temas do fantaacutestico e da mitologia

ABSTRACT

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash Austrvegr e

Garethariacuteki ndash (Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese

(doutorado) ndash Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2014

(ldquoAustrvegr and Garethariacuteki - (re)significations of the East in Low-Middle Ages

Scandinaviardquo)

In this thesis we analyze the nuances assumed by the concept of east in the primary

sources of Scandinavia and Iceland in the thirteenth and fourteenth centuries

Initially we proceeded in the observation of how the historiography related to Northern

and Eastern Europe have produced extensive debate of political implications named the

Normanist Controversy In this chapter we have stressed also the impacts that Medieval

Studies may assume in Contemporary milieu

Hereafter we build a synthesis based on Material Culture - in the archaeological sense -

of the Scandinavian movements in East in the Viking Age interactions that already had

provided inspiration for authors in XIII-XIVs At this point we have showed

successfully that there is enough evidence to demonstrate the relevance of the

Scandinavian presence in medieval Eastern Europe

The later chapters deal with the analysis of several kinds of primary sources We have

gathered and organized it in geographical and cartographical works writings of

historiographical nature and entertainment aimed sagas

As a selection of representative works of such large groups we studied the Icelandic

Mappamundi of manuscript Gks 1812 4to 5v-6r the Prologue of Edda Minor the

Heimskringla the Gesta Danorum and the Ọrvar-Odds Saga

The analysis of these sources showed that between the thirteenth and the fourteenth

century a bifurcation occurred in Scandinavian written sources between the knowledge

produced for the purposes of instruction and the one with the goal of entertainment

The use of the East in the first group is highly scholar re-elaborating the East in the

light of accumulated knowledge of the Western Middle Ages as well as redefining it

within parameters coherent with christian and classical authors

The sources aimed to entertainment however employed the eastern areas in connection

with a different kind of knowledge Folk narratives and popular lore gained prominence

in the reshaping of eastern region transforming it in an auspicious place to the

materialization of the fantastic and the mythical

MAPAS

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki 90

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais 99

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava 102

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga

105

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares 108

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na Sueacutecia e Noruega por Km2 119

Mapa 07 As proviacutencias suecas 135

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica 182

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII 184

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico 192

Dniepr

Volga

Para Kiev e Bizacircncio

TABELAS

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo 112

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo 114

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings 136

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII 200

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson 204

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto 242

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais 250

Tabela 08 O desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum 251

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr 286

FIGURAS

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e

finalizando a 1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo

82

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950 em Gniozdovo Iniacutecio do X 107

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo 113

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo 113

Figura 05 U 439 Desenho de Johann Bureaus em 1595 127

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland 128

Figura 07 U 792 ndash Ulunda 129

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn 131

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional dinamarquecircs 132

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde foi movida Oriunda de

Sannerby 133

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) 153

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) 154

Figura 13 Mappamundi de Macrobius 158

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O 160

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo 162 Figura 16 O mapa da Vinland 165

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r 167

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539) 191

Figura 19 Van EEDEN Stemma 209

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum 238

SIGLAS ndash MANUSCRITOS E COacuteDICES

Poacuteviest vrieacutemennikh liet

PVL Poacuteviest vrieacutemennikh liet

L Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo laurentina

H Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo hypatiana

Heimskringla

F Codex Frisianus - AM 45 fol

K Kringla ndash Lbs fragm 82

HH Haralds saga Harethraacuteetha

OH Oacutelaacutefs saga ins Helga

OT Oacutelafs saga Tryggvasonar

Edda Menor

R Codex Regius - GKS 2367 4to

T Codex Trajectinus - MSS 1374

U Codex Uppsaliensis - DG 11 4to

W Codex Wormianus - AM 242 fol

Gesta Danorum

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol

570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Ọrvar-Odds Saga

OS Ọrvar-Odds Saga

S Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo curta - Perg 4tpo nr 7 43v-57r20

M Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo meacutedia - AM 344 a 4to 1r-24v

A Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante A - AM 343 4deg membr 59v-81v

B Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante B - AM 471 4deg membr 61r-96v

E Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante E - AM 173 4deg membr

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS 22 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria 22

12 A historiografia pertinente 26

13 A Ruacutessia czarista 27

131 Tatiacuteschev 29

132 O alematildees 29

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738) 29

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783) 31

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809) 32

14 A controveacutersia Normanista 36

141 A posiccedilatildeo normanista38

I A Etimologia 41

II As fontes 42

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet 42

b) Fontes bizantinas 42

c) Fontes islacircmicas 45

d) Fontes latinas 46

142 A posiccedilatildeo anti-normanista 47

I A questatildeo da etimologia 48

II Os argumentos de ausecircncia 49

III Os enviados 50

IV Fontes islacircmicas 50

V Superioridade econocircmica 50

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees 51

I O problema das etimologias 51

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade 52

144 Outras possibilidades interpretativas55

145 O problema metodoloacutegico 56

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais 58

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 63

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS 63

152 O periacuteodo Stalinista 66

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruchtchoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 69

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991) 70

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica 73

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev 76

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de Falsificaccedilatildeo da

Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de

2012) 75

162 A academia russa hoje 78

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula 79

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro 84

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL 89 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 91

211 A numismaacutetica 92

2111 As Fontes 94

2112 Os khazares e os aacuterabes 95

2113 Rotas e cronologias 97

I O Baacuteltico Austrvegr 98

II A Rus de norte Ladoga 103

III Rostov Suzdal e Murom 106

IV Os povoamentos pareados 106

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland 108

22 As estelas ruacutenicas 110

221 Sobre as estelas ruacutenicas 111

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas 115

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas 123

224 As estelas ruacutenicas e o leste125

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste 135

CAPITULO 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA 139 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste 139

311 O sistema cardinal e a terminologia 141

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo 143

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica simples

147

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica 150

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas 151

3142 Os Mappaemundi 155

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi 156

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais 158

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417) 159

3146 Isidoro (ca 560-636) 159

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo 161

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais 163

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII 174

321 Fino-uacutegricos 177

322 Os Baltos 181

323 Baltos e Fino-Uacutegricos 190

324 Bjaacutermaland 191

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA 198 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo 199

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa 204

421 Histoacuterico 204

422 A Heimskringla 207

423 A Edda menor 208

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor 212

425 O proacutelogo da Edda Menor 214

426 O Evemerismo219

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo224

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr Magnus o

bom e Haraldr Harethraethi227

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio228

4210 Conclusotildees parciais234

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 235

431 O Evemerismo de Saxo 243

432 O leste na Gesta Danorum 248

433 A Temaacutetica do Conselheiro 250

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares 253

435 O leste e as cruzadas setentrionais 255

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste educar e instruir

258

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A NARRATIVA DE

ENTRETENIMENTO 261 51 As Fornaldarsoumlgur 261

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees 264

52 A Ọrvar-Odds Saga 266

521 Manuscritos e redaccedilotildees 266

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-geograacutefica 268

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar 270

524 O Homem-Casca 279

53 As iniciaccedilotildees e o leste 286

6 CONCLUSOtildeES 288

7 BIBLIOGRAFIA 291 71 Fontes primaacuterias 291

711 Fontes escritas tradicionais 291

a) Colecirctaneas 291

b) Por autor ou tiacutetulo 291

712 Cultura material ndash estelas ruacutenicas 293

72 Referecircncias Bibliograacuteficas 294

8 APEcircNDICES 311 Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo 311

Apecircndice II Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo 313

15

INTRODUCcedilAtildeO

A juventude dos estudos histoacuterico-arqueoloacutegicos do medievo escandinavo e

germacircnico no Brasil e na proacutepria Ameacuterica Latina natildeo eacute novidade tambeacutem natildeo o eacute o

vigor com que essa aacuterea tem se desenvolvido nas uacuteltimas deacutecadas Se prosseguirmos um

pouco mais adiante e nos dispormos a discutir o contexto escandinavo mais a leste

envolvendo a Ruacutessia nos periacuteodos viking e medieval encontramos um panorama de

ineditismo quase total com pouquiacutessimas exceccedilotildees como a tese de doutorado

defendida por Euriacutepides Simotildees de Paula1 no departamento de Histoacuteria Social da

Universidade de Satildeo Paulo na deacutecada de 1940

A produccedilatildeo que insere a temaacutetica Escandinava no contexto de leste eacute restrita a

artigos esparsos de estudiosos ligados de forma mais ou menos indireta ao toacutepico O

interesse entretanto eacute relativamente crescente em particular nas novas geraccedilotildees de

graduandos em Histoacuteria que enfrentam aleacutem da resistecircncia entre os proacuteprios

acadecircmicos estabelecidos (e desconhecedores do campo em questatildeo) a ausecircncia de

literatura O trabalho de Euriacutepides Simotildees de Paula veicula informaccedilotildees uacuteteis mas que

necessitam de atualizaccedilatildeo e contextualizaccedilatildeo

Essa deficiecircncia engloba outros problemas que inclui a falta de bibliografia

estrangeira mais acessiacutevel ao estudante que deseja adentrar o campo As obras de cunho

geral sobre a cultura russa mais difundidas nas naccedilotildees ocidentais apresentam uma

ecircnfase acentuada no periacuteodo sovieacutetico em decorrecircncia da influecircncia da URSS no seacuteculo

XX e da maneira como as relaccedilotildees sovieacutetico-americanas moldaram a poliacutetica do mundo

contemporacircneo

Eacute relativamente faacutecil se encontrar manuais de alcance geral sobre a Histoacuteria

Russa desde seus primoacuterdios ateacute os tempos sovieacuteticos que carecem de maior

especializaccedilatildeo nos tempos que interessam agrave escandinaviacutestica O acesso agraves fontes

primaacuterias e secundaacuterias eacute cada vez mais faacutecil ao estudioso graccedilas ao advento da Internet

e dos recursos digitais mas o interessado em desvendar o toacutepico ainda se depara com

inuacutemeras dificuldades ndash desde o desconhecimento de por onde comeccedilar ao proacuteprio

acesso agraves linguagens e idiomas requeridos

1 PAULA Euriacutepedes Simotildees de O comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de Kiev Satildeo Paulo Universidade

de Satildeo Paulo 1942

16

O foco de nosso trabalho eacute de muitas formas muacuteltiplo por estranha que possa

parecer tal afirmativa ao leitor que enxergaraacute a temaacutetica russondashescandinava no medievo

como algo da mais notoacuteria especificidade Nosso interesse primordial de pesquisa satildeo as

visotildees e conceituaccedilotildees desenvolvidas pelos eruditos escandinavos do medievo sobre o

leste ndash austr em antigo noacuterdico

O leste pode consistir em referecircncia simples de direccedilatildeo geograacutefica nesta

acepccedilatildeo por vezes assume um significado relativo passageiro para quem o emprega

por exemplo um navegante que sai da Islacircndia ruma para leste quando se dirige para a

Noruega um norueguecircs ruma para leste quando se dirige para a Sueacutecia

Ainda geograficamente entretanto o leste pode assumir uma conotaccedilatildeo mais

absoluta que perpassa a mera dimensatildeo geograacutefica e ainda que a incorpore assume

tambeacutem um significado quase que etnoloacutegico Neste sentido encontramos o leste

enquanto regiatildeo habitada por populaccedilotildees especiacuteficas diferentes e similares aos

escandinavos em diversos graus e por eles caracterizados e distinguidos por conceitos

proacuteprios

Haacute outra dimensatildeo que o leste assume na historiografia escandinava medieval

De natureza mais eteacuterea menos ldquorealrdquo ao leitor contemporacircneo e mais inserida no

campo do imaginaacuterio da narrativa miacutetica e fantaacutestica Uma dimensatildeo na qual o leste

torna-se um lugar adequado para tanto os acontecimentos e feitos dos deuses e heroacuteis

quanto para localizaccedilatildeo de acontecimentos imemoriais que se encontram no domiacutenio do

passado

O estudo do conceito de leste assume portanto um papel significativo no

proacuteprio estudo do desenvolvimento da histoacuteria do pensamento nas regiotildees escandinavas

medievais Estruturas de pensamento que passam a ser fixadas de forma escrita e que

sofrem uma bifurcaccedilatildeo crescente entre narrativas de cunho mais estritamente histoacuterico e

geograacutefico para o campo natildeo apenas do fantaacutestico mas de proacuteprio entretenimento

Tal circunstacircncia leva-nos a efetuar uma aproximaccedilatildeo com a jaacute antiga discussatildeo

entre o mito e a histoacuteria entre o fato e o ficcional Poreacutem o faz de formas que

extrapolam nossas concepccedilotildees contemporacircneas e que devem ser compreendidas e

estudadas dentro da mentalidade do contexto em questatildeo Os marcos temporais satildeo

fornecidos pelo nosso proacuteprio tema A concentraccedilatildeo de fontes escritas tradicionais

escandinavas ocorre no seacuteculo XIII refletindo processos diversificados e distintos

17

ocorridos nos reinos escandinavos

Majoritariamente remete aos seacuteculos IX-XI conhecido como o periacuteodo viking

Temos portanto uma dualidade temporal constante O trabalho por noacutes proposto estaacute

fadado a estudar a histoacuteria natildeo apenas de pensadores e historiadores do passado mas a

histoacuteria por eles pensada e escrita Para isso devemos nos aproximar natildeo apenas de seu

contexto mas tambeacutem do contexto que tatildeo vividamente atraiu seu interesse Essa opccedilatildeo

traz consequecircncias metodoloacutegicas principalmente ligadas agrave existecircncia e disponibilidade

das fontes primaacuterias sua proacutepria natureza bem como os procedimentos a serem

adotados em relaccedilatildeo a elas

Nossa pesquisa estaacute estruturada de forma a inicialmente prover um panorama

referencial dos contextos em questatildeo discutiremos a historiografia pertinente ao tema e

natildeo apenas o tradicional contexto poliacutetico e narrativo de escrita das fontes Tambeacutem

nessa seccedilatildeo tocaremos brevemente na discussatildeo entre Mito X Histoacuteria Fato X Ficccedilatildeo

que ainda que bastante familiar ao historiador precisa ser revisitada por razotildees que

explanaremos logo a seguir Tal abordagem enfatizaraacute os enganos que o uso

indiscriminado da Arqueologia pelo historiador pode induzir

Essa seccedilatildeo conteacutem tambeacutem a discussatildeo da chamada Controveacutersia Normanista

que merece destaque Ainda que uma questatildeo considerada resolvida na historiografia

ocidental - e mesmo nos paiacuteses da antiga Cortina de Ferro a temaacutetica ainda eacute capaz de

suscitar debate acalorado em territoacuterio russo polarizando as posiccedilotildees poliacuteticas tanto

dentro quanto fora da academia Dessa forma uma temaacutetica que seria de certa forma

acessoacuteria ndash visto que nosso objeto eacute focado sobre o ponto de vista escandinavo sobre o

leste e natildeo o contraacuterio ndash acabou por assumir atenccedilatildeo e espaccedilo especial pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas contemporacircneas que a temaacutetica pode assumir e em relaccedilatildeo agraves

quais natildeo estamos dispostos a nos omitir

Eacute relevante a circunstacircncia de que a anaacutelise das consequecircncias presentes no

estudo da Antiguidade e do Medievo consista em um campo relativamente recente nos

estudos antigos mas bastante ausente nos medievais No Brasil tal preocupaccedilatildeo tem

sido constante no trabalho de pesquisadores ligados agrave Antiguidade como Pedro Paulo

Funari Renata Senna Garrafoni e Glaydson Joseacute da Silva ndash destacamos por exemplo

os estudos do uacuteltimo referentes aos usos da Antiguidade na Franccedila de Vichy mas com

exceccedilatildeo de tentativas de anaacutelise cinematograacutefica e da Cultura popular o estudo das

18

formas de emprego do medievo na Idade Contemporacircnea ainda tem engatinhado e

encontrado resistecircncia Destacamos os estudos de Johnni Langer referentes agraves

representaccedilotildees escandinavas no Romantismo por si soacute pioneiros e que despertaram

interesse em toda uma geraccedilatildeo de estudantes

Em nossa apresentaccedilatildeo do Normanismo pretendemos ir no entanto um passo

adiante na demonstraccedilatildeo ainda que em linhas gerais de como uma temaacutetica do

Medievo pocircde assumir consequecircncias amplas na Ruacutessia e na Uniatildeo Sovieacutetica a ponto

de vir a ser considerada danosa e perigosa ao Estado implicando perseguiccedilatildeo aos seus

proponentes bem como assumindo conotaccedilotildees de disputa e ressentimento poliacutetico entre

antigas naccedilotildees do Bloco Sovieacutetico e a Ruacutessia

Para a confecccedilatildeo de tal seccedilatildeo nos beneficiamos consideravelmente dos

conselhos dos professores do departamento de Liacutenguas Orientais da Universidade de

Satildeo Paulo Bruno Gomide e Elena Vaacutessina bem como das oportunidades de discutir e

lecionar o tema na disciplina de Cultura Russa I ministrada pelo proacuteprio professor

Gomide O leitor encontraraacute nesta seccedilatildeo portanto uma siacutentese consideravelmente

ampla ndash estamos plenamente cientes do paradoxo da afirmaccedilatildeo - e tambeacutem inexistente

na Ameacuterica Latina Tambeacutem devemos aqui o agradecimento aos professores Andrejs

Vasks da Universidade de Riga Letocircnia Heiki Valk e Anti Selart da Universidade de

Tartu Estocircnia

Essa ponte entre o passado e o presente eacute desejaacutevel em todo trabalho de pesquisa

histoacuterica eacute impossiacutevel dissociar-se do presente vivido que sempre se imiscuiraacute na

pesquisa do mais ldquoneutrordquo e ldquocientiacuteficordquo dos historiadores De fato as pesquisas antigas

e medievais permanecem como um dos uacuteltimos redutos na pesquisa histoacuteria em que se

pratica um modelo no qual o historiador pensa isolar-se em sua torre de marfim

mantendo postura supostamente apoliacutetica ndash ora o proacuteprio haacutebito de abster-se eacute accedilatildeo de

consequecircncia poliacutetica ainda que de toleracircncia subserviecircncia ou mesmo apoio ao status

quo

Por outro lado perduram ainda em acircmbito acadecircmico as discussotildees sobre as

maneiras de se efetuar tal conexatildeo passado-presente e em muitas ocasiotildees a criacutetica de

uma historiografia mais conservadora centralizar-se-aacute no argumento de que muitos

historiadores que dizem efetuar o estudo da Antiguidade ou Medievo estatildeo na verdade

efetuando estudos de Histoacuteria Contemporacircnea Em outras circunstacircncias a mesma

19

historiografia tradicional com uma preocupaccedilatildeo salutar do recurso agraves fontes primaacuterias

advogaraacute uma total e cabal ausecircncia de referecircncia teoacuterica e reflexiva externa agrave fonte

como se tal empirismo fosse de fato possiacutevel

Procuramos lidar com tais ambiguidades e dualidades em nossa pesquisa

efetuando dentro das possibilidades de tempo e espaccedilo trabalho soacutelido de anaacutelise das

fontes ndash sejam escritas ou arqueoloacutegicas mas sem nos abstermos das implicaccedilotildees soacutecio-

poliacuteticas contemporacircneas de tal anaacutelise Cabe tambeacutem ao leitor a consideraccedilatildeo final

acerca de quatildeo perto fomos capazazes de chegar de tal objetivo

No capiacutetulo seguinte procederemos ao estudo de Austrvegr e Garethariacuteki nos

seacuteculos IX -XI ndash termos que dissecaremos com mais afinco adiante mas que por hora eacute

suficiente definir enquanto aacutereas agrave leste da Escandinaacutevia ndash Austrvegr compreendendo a

regiatildeo baacuteltica e Garethariacuteki a Rusde Kiev e Novgorod Em tal fase da pesquisa daremos

foco agraves fontes propiciadas pela Cultura Material ndash termo aqui empregado em seu

conceito arqueoloacutegico Empregaremos principalmente duas seacuteries documentais a

numismaacutetica e as estelas ruacutenicas Nossa pesquisa natildeo eacute exclusivamente arqueoloacutegica e

natildeo possui a natureza de uma anaacutelise arqueoloacutegica especiacutefica e detalhada de limitado e

determinado contexto arqueoloacutegico Dessa maneira pela proacutepria natureza de tais fontes

e pelas possibilidades de tempo e espaccedilo tal etapa de estudo inevitavelmente recorreraacute

com frequecircncia ao cacircnon interpretativo acadecircmico possuindo caraacuteter enciclopeacutedico

Temos a confianccedila de poder a despeito de tais circunstacircncias prover o leitor de

interpretaccedilotildees e siacutenteses ainda natildeo agrupadas em conjuntos

O capiacutetulo seguinte iniciaraacute a contraparte temporal do seacuteculo XIII Analisaraacute a

terminologia conceituaccedilatildeo e aparatos geograacuteficos disponiacuteveis aos antigos escandinavos

incluindo suas formas de expressatildeo linguiacutesticas cartografia e formas narrativas Esta

seccedilatildeo seraacute complementada por uma anaacutelise das diferenciaccedilotildees etno-geograacuteficas

presentes na Euraacutesia de noroeste

A seguinte e uacuteltima parte do trabalho lidaraacute mais profundamente com as fontes

escritas de caraacuteter tradicional ao historiador em particular com os trabalhos de Snorri

Sturlusson Saxo Grammaticus e autores anocircnimos de diversas modalidades de sagas

Os dois capiacutetulos a ela destinada dividir-se-atildeo em uma anaacutelise especiacutefica das obras

histoacutericas e croniacutesticas dos autores supracitados no primeiro seguida da comparaccedilatildeo

com a Ọrvar-Odds Saga e alguns extratos de outras Fornaldarsoumlgur que exemplificam

20

outras formas totalmente distintas de se empregar o passado e de se compreender o

leste

Tal estruturaccedilatildeo da pesquisa a nosso ver necessaacuteria agrave abrangecircncia de todas as

temaacuteticas envolvidas corre perigosamente perto da discussatildeo jaacute referenciada sobre

ldquomito X histoacuteriardquo ldquofato X ficccedilatildeordquo ldquoo que realmente aconteceu X o que foi escrito sobre

issordquo O leitor perceberaacute a facilidade com que se associa Cultura Material

conhecimento Arqueoloacutegico e materialidade agrave objetividade cientiacutefica bem como o texto

escrito agrave subjetividade Um estudo focado na materialidade nos seacuteculos IX-XI seguido

da anaacutelise das fontes escritas do seacuteculo XII que tratam sobre esses primeiros seacuteculos

induz tentadoramente o pesquisador a uma diferenciaccedilatildeo simplista entre ldquoo que de fato

aconteceurdquo estudado pela Arqueologia e ldquoo que se escreveu sobre istordquo estudado pela

Histoacuteria Esperamos natildeo incorrer nessa discussatildeo de forma ingecircnua despreparada e

simplista e deixaremos ao leitor a conclusatildeo se conseguimos ou natildeo vencer e transpor

tal limitaccedilatildeo

A natureza muacuteltipla de nosso trabalho implica um caraacuteter por vezes

enciclopedista e mais inclinado ao estudo generalista ao inveacutes de uma anaacutelise

estritamente transversal Temos a confianccedila no entanto de apresentarmos ao leitor e agrave

academia uma discussatildeo pareada com o estado da pesquisa internacional beneficiada

pela discussatildeo com especialistas da Escandinaacutevia do Reino Unido e do Baacuteltico e que

pode se prover de elementos tanto da academia ocidental quanto da antiga cortina de

ferro

Em relaccedilatildeo aos nomes russos empregamos a tabela de transliteraccedilatildeo do ciriacutelico

empregada pelo curso de Liacutengua Russa do Departamento de Letras Orientais da

Universidade de Satildeo Paulo que pode ser consultada no Apecircndice II No caso de

acadecircmicos russos com produccedilatildeo internacional principalmente no mundo anglo-saxatildeo

citamos as formas de seus nomes segundo as respectivas publicaccedilotildees Quanto aos

nomes escandinavos mantivemo-los em suas formas originais incluindo terminaccedilotildees

de nominativo singular

Por fim falta ainda a ressalva sobre o emprego especiacutefico que faremos dos

termos ldquovikingrdquo e ldquovareguerdquo Defendemos o emprego do termo ldquovikingrdquo em uma

acepccedilatildeo ocupacional natildeo eacutetnica de um indiviacuteduo que navega em expediccedilotildees listadas

nas fontes escritas e monumentais como lsquoiacute vikingrsquo fossem de saque ou comeacutercio

21

Defendemos tal posiccedilatildeo em artigo publicado em 20102 e desde entatildeo a mesma ideia foi

proposta e defendida por Renan Birro e Theacuteo Moosburguer

Quanto ao uso do termo ldquovareguerdquo eacute designaccedilatildeo comum agrave historiografia usada

para escandinavos normalmente suecos que navegam lutam perseguem carreira ou

residem nas terras a leste fosse Austrvegr Garethariacuteki ou mesmo Bizacircncio e aleacutem Esta

acepccedilatildeo geral induz a uma dicotomizaccedilatildeo simples entre varegues-mercadores e vikings-

guerreiros e pode ser encontrada na obra de autores consagrados na Escandinaviacutestica

como Lucien Musset3 e o casal Sawyer

4

Entretanto tal formulaccedilatildeo jaacute natildeo se sustenta de forma completa Ainda que a

maior parte dos empreendimentos a leste tenham tido caraacuteter comercial os aspectos

presentes em expediccedilotildees vikings encontram-se tambeacutem nos movimentos dos varegues a

leste sendo o termo viking empregado pela historiografia mais recente a lidar com as

terras orientais5 Tambeacutem eacute importante notar que um indiviacuteduo natildeo necessariamente

navegava apenas a oeste ou apenas a leste Dessa forma empregamos ldquovikingrdquo de forma

ocupacional mas geneacuterica e varegue de forma especiacutefica enquanto vikings nas terras a

leste

2 MUCENIECKS Andreacute S ldquoNotas sobre o termo viking usos abusos etnia e profissatildeordquo In Revista

Aletheacuteia de Estudos sobre a Antiguumlidade e Medievo volume 22 agodez 2010 3 MUSSET Lucien Les peuples scandinaves au Moyen Acircge Presses universitaires de France Paris

1951 Musset discute o conceito de ldquovikingrdquo nas paacuteginas 41s e o de varegue segundo a acepccedilatildeo citada

na 53 4 SAWYER Birgit amp SAWYER Peter Medieval Scandinavia from Conversion to Reformation circa

800-1500 Minneapolis Minnesota University Press 2003 [1993] 53 5 Destaque-se os influentes trabalhos de Thomas Noonan em particular sua seacuterie de artigos ldquoThe Islamic

World Russia and the Vikings 750-900rdquo seminais no campo da Numismaacutetica a obra de referecircncia de

Wladimir Duczko ldquoViking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europerdquo publicada

pela Brill em 2004 e o recente manual de Stefan Brink e Neil Price ldquoThe Viking Worldrdquo publicado em

2008 O termo ldquovikingrdquo tem sido empregado tambeacutem por autores de origen russa e que publicam em

russo como Tatjana Jackson Elena Melnikova e Leo Klejn bem como em congressos internacionais ndash

podemos citar por exemplo o Internacional medieval Congress em Leeds UK e as ldquoSaga Conferencesrdquo

22

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS

ldquoAlguns estimando que os fatos mais proacuteximos a noacutes satildeo por

isso mesmo rebeldes a quaquer estudo verdadeiramente sereno

desejavam simplesmente poupar agrave casta Clio contatos demasiado

ardentes [Assim pensava imagino meu velho professor Isso eacute

certamente atribuir-nos um fraco domiacutenio dos nervos Eacute tambeacutem

esquecer que a partir do momento em que entram em jogo as

ressonacircncias sentimentais o limite entre o atual e o inatual estaacute longe

de se ajustar necessariamente pela meacutedia matemaacutetica de um intervalo

de tempo] Estava tatildeo errado meu bravo diretor do liceu

languedociano onde empunhei minhas primeiras armas que advertia-

me com sua voz grossa de capitatildeo de ensino lsquoAqui o seacuteculo XIX

natildeo eacute muito perigoso quando chegares nas guerras de Religiatildeo secirc

prudentersquo Na verdade quem uma vez diante de sua mesa de trabalho

natildeo tiver a forccedila de poupar seu ceacuterebro do viacuterus do momento seraacute bem

capaz de destilar suas toxinas ateacute num comentaacuterio sobre a Iliacuteada ou o

Ramayanardquo (Marc Bloch)6

11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria

Os paradigmas histoacutericos sofreram consideraacuteveis alteraccedilotildees na Poacutes-

modernidade O que muitos de noacutes natildeo se apercebem eacute o quatildeo modernos ainda somos

em muitos aspectos Como Barstad7 salienta a despeito das grandes diferenccedilas

existentes entre as metodologias dos positivistas alematildees e a Escola dos Annales

francesa ambas partilham do pressuposto de que a tarefa do historiador eacute compreender

o passado

O estado atual de discussatildeo da disciplina aponta para a necessidade de uma

reflexatildeo seacuteria por parte do historiador sobre o seu trabalho sua produccedilatildeo e seu proacuteprio

ponto de partida Em particular o lugar de onde o historiador escreve precisa ser

considerado bem como a compreensatildeo de que sua escrita natildeo eacute neutra e desprovida de

significados para o seu presente e sua posteridade

Aparentemente haacute um senso comum de que a dimensatildeo poliacutetica do presente no

trabalho do historiador eacute considerada mais significativa na relaccedilatildeo de que seu recorte de

estudo aproxima-se de seu proacuteprio tempo As temporalidades mais distantes ndash

Antiguidade Antiguidade Tardia e Idade Meacutedia permanecem distantes geografica e

6 BLOCH Marc Apologia da Histoacuteria ou O ofiacutecio do historiador Ediccedilatildeo anotada por Eacutetienne Bloch

Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 [1997] P62 7 BARSTAD History and the Hebrew Bible Can a History of Israel Be Written In GRABBE L L

Grabbe (ed) Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245 European Seminar in

Historical Methodology 1 Sheffield 1997 p40

23

temporalmente e escondendo-se em tal distacircncia eacute risco constante do historiador

pressupor a ausecircncia de consequecircncias e influecircncias ndash nas duas matildeos ndash de seu trabalho

no contexto em que ele vive

Haacute de ressaltar que ao menos no que toca a Antiguidade Greco-Romana o

panorama tecircm sido mudado Gradualmente mais departamentos e pesquisadores abrem-

se agraves necessidades do estudo dos diversos usos da Antiguidade efetuados a posteriori

Dessa forma natildeo causam mais tamanha estranheza linhas de pesquisa inteiramente

devotadas a este objetivo e ainda assim inseridas em departamentos voltados ao estudo

da Antiguidade

A despeito de criacuteticas eventuais de uma historiografia mais tradicional e

empiacuterica os produtos de tais linhas de trabalho tecircm dado significado maior ao proacuteprio

estudo da Histoacuteria Poliacutetica com um todo Podemos citar como exemplos de tais estudos

os trabalhos de Glaydson da Silva8 acerca dos empregos de identidades eacutetnicas ndash ora

gaulesas ora gallo-romanas ora francas na Franccedila em particular no periacuteodo de Vichy

trabalhos do grupo de pesquisa no qual o mesmo se insere que tambeacutem inclui Pedro

Paulo Funari Renata Senna Garrafoni Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e

Joseacute Geraldo Costa Grillo ligado agrave UFPR e Unifesp e chamado ldquoAntiguidade e

Modernidade usos do passadordquo estudos sobre apropriaccedilatildeo de imaginaacuterio germacircnico

antigo e mesmo helecircnico na Alemanha nazista dos quais se destaca o ensaio de Carlo

Ginzburg ldquoMitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di Georges

Dumeacutezil em ldquoMitos emblemas e sinaisrdquo9 estudos sobre a apropriaccedilatildeo do passado

romano pela Itaacutelia fascista e mesmo estudos sobre os usos da Arqueologia nas naccedilotildees

coloniais disputas eacutetnicas e temaacuteticas afins

No estudo do medievo entretanto tais preocupaccedilotildees parecem mais distantes da

mente do historiador a despeito da maior proximidade temporal ndash e por vezes nos

casos europeus geograacutefica Algumas exceccedilotildees notaacuteveis ndash e podemos referir nesta linha

de pesquisa alguns trabalhos do professor Johnni Langer acerca das representaccedilotildees

8 Destacamos SILVA Glaydson Joseacute da O mundo antigo visto por lentes contemporacircneas as extremas

direitas na Franccedila nas deacutecadas de 1980 e 90 ou da instrumentalidade da Antiguumlidade Histoacuteria (Satildeo

Paulo) v 26 p 79-99 2007 e principalmente SILVA Glaydson Joseacute da Histoacuteria Antiga e usos do

passado um estudo de apropriaccedilotildees da Antiguidade sob o regime de Vichy (1940-1944) Satildeo Paulo

Annablume Fapesp 2007 222p 9 Publicaccedilatildeo original GINZBURG Carlo Mitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di

Georges Dumeacutezil Miti emblemi spie Morfologia e storia Einaudi 1986

24

romacircnticas sobre os vikings10

ndash vecircm trabalhar o estudo de determinadas representaccedilotildees

do medievo em periacuteodos mais contemporacircneos Mas satildeo casos mais raros esporaacutedicos

e muitos deles se perdem como meros estudos de curiosidades carecendo de anaacutelises

poliacuteticas mais consistentes

Dois pontos fundamentais que derivam de tais reflexotildees satildeo as fronteiras

riacutegidas entre Mito e Histoacuteria e uma reavaliaccedilatildeo do proacuteprio conceito de verdade

histoacuterica A respeito das implicaccedilotildees poliacuteticas de nosso objeto de pesquisa

retornaremos com maior detalhe brevemente Em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoMito e Histoacuteriardquo

ao tratarmos da dualidade temporal entre o periacuteodo viking e o periacuteodo da Baixa Idade

Meacutedia na Escandinaacutevia costuramos as duas situaccedilotildees inadvertidamente pela proacutepria

natureza das fontes envolvidas pelas disciplinas que se destacam em seus estudos e

pelos preconceitos que gravitam em torno de tais disciplinas

Quando comparamos o estudo dos seacuteculos IX-XI ndash carente de fontes primaacuterias

escritas e por conseguinte centralizado em interpretaccedilotildees sugeridas pelo estudo da

Cultura Material por disciplinas como a Arqueologia Numismaacutetica e Paleografia ndash com

a anaacutelise das fontes escritas no seacuteculo XIII-XIV ndash caracterizados por abundacircncia de

material escrito e epigraacutefico e portanto dominados por estudos histoacutericos e literaacuterios as

naturezas das disciplinas induzem-nos a pressupor uma maior verossimilhanccedila nos

estudos que lidam com a materialidade produzindo uma polarizaccedilatildeo entre cultura

material = histoacuteriaverdade versus fontes escritas e literaacuterias = mitomentira

As proacuteprias divisotildees entre as fontes primaacuterias tambeacutem influenciadas por doses

consideraacuteveis de positivismo histoacuterico induzem a criteacuterios de ldquomaiorrdquo ou ldquomenorrdquo

verossimilhanccedila em abordagens que por mais que envolvidas em discursos

historiograacuteficos contemporacircneos repetem estereoacutetipos de matriz positivista A

contraposiccedilatildeo entre as Fornaldarsoumlgur (Sagas Fantaacutesticas) com as Islendigasoumlgur

(Sagas dos Islandeses)11

produziu tradiccedilatildeo de desmerecimento das primeiras em favor

da suposta maior factualidade e realismo das uacuteltimas

Eacute interessante frisar entretanto que possuiacutemos um termo classificatoacuterio

empregado por alguns dos proacuteprios islandeses medievais ainda que aparentemente mais

10

LANGER J The origins of the imaginary Viking 4 2002 Centre for Baltic StudiesGotland

University Visby Sweden Viking Heritage Magazine v 04 n04 p 07-09 2002 amp ________ Les

Vikings premiers europeacuteens In Temas medievales 14 14 2006 Scielo Argentina _________ A guerra

das imagens In Histoacuteria (UNESP) 26 2007 11

Discutiremos em separado as categorias de fontes primaacuterias nos capiacutetulos II e V

25

restrito Trata-se de lygisoumlgur Traduzido para o inglecircs como ldquolie-sagasrdquo uma

apropriaccedilatildeo razoaacutevel no portuguecircs seria ldquosagas de mentirardquo ou mesmo algo coloquial

como ldquosagas de mentirinhardquo Poreacutem natildeo eacute necessaacuterio pressupor aqui um criteacuterio

pejorativo per se Trata-se de um criteacuterio de certa forma similar ao que empregamos ao

diferenciar ldquoveriacutedicordquo de ldquofictiacuteciordquo ou mesmo ldquohistoacuteriardquo e ldquomitordquo e enfatiza o aspecto

de que o evento narrado ocorreu ou natildeo12

Este paracircmetro classificatoacuterio cria situaccedilotildees curiosas ao olhar contemporacircneo

Enquanto o paracircmetro classificatoacuterio fosse o ldquoocorreurdquo ou ldquonatildeo-ocorreurdquo a

incorporaccedilatildeo de motivos maacutegicos e fantaacutesticos podia ser feita a um enredo que

ldquorealmente ocorrerardquo sem alterar a caracteriacutestica de ldquofatordquo da narrativa em questatildeo A

maior parte das sagas classificadas atualmente como marcadamente fantaacutesticas e

fictiacutecias ou seja as fornaldarsoumlgur natildeo eram chamadas de lygisoumlgur E de algumas

sagas classificadas como tais afirmava-se que das mesmas natildeo se devia desprezar o

valor pois a despeito de sua natildeo-factilidade traziam ensinamentos morais relevantes

Temos portanto definiccedilotildees e consideraccedilatildeo sobre a diversa natureza do

conhecimento que natildeo coincidem exatamente com as nossas proacuteprias visotildees Nossa

divisatildeo tradicional que classifica mito enquanto fantasia e invenccedilatildeo e histoacuteria enquanto

estudo ou narrativa de fatos que realmente aconteceram natildeo se aplica aqui

As Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur a despeito de suas formas e esteacuteticas

muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o passado e a narrativa em

contextos diferentes e subsequentes Esses usos diversos satildeo igualmente vaacutelidos e eacute

anacrocircnico executar juiacutezos de valor ou colocar uma forma de escrita de saga como

superior agrave outra A menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor

enquanto fonte histoacuterica

De igual forma ao tratarmos da dualidade temporal eacute mister salientar que todas

essas interpretaccedilotildees dos contextos histoacutericos ndash sejam as interpretaccedilotildees arqueoloacutegicas

sobre os seacuteculos IX-XI e seu estudo focado no material sejam as construccedilotildees escritas

nos seacuteculos XIII-XIV sejam os estudos histoacutericos feitos sobre as mesmas e sua

abordagem quase que literaacuteria ndash trata-se de interpretaccedilotildees e construccedilotildees efetuadas por

historiadores ndash dos seacuteculos em questatildeo dos seacuteculos XIX ateacute noacutes Tratamos de visotildees

sobre um passado do qual cada eacutepoca aproximou-se empregando o cabedal de

conhecimento disponiacutevel para si

12

DRISCOLL Matthew Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 Pp190ss

26

12 A historiografia pertinente

A dinacircmica entre Escandinaacutevia e o Leste foi tratada diferentemente nos paiacuteses

nas quais foi estudada Na Escandinaacutevia na Europa Ocidental e na Ameacuterica a ecircnfase

maior da Escandinaviacutestica sempre foi o oeste em particular os movimentos vikings nas

Ilhas Britacircnicas A presenccedila escandinava a leste foi considerada um fato dado mas uma

especificidade mais ligada aos varegues os vikings suecos e as proacuteprias dificuldades de

comunicaccedilatildeo e troca de informaccedilotildees com o bloco sovieacutetico colaboraram em muito para

que o tema permanecesse em posiccedilatildeo perifeacuterica

Na Ruacutessia posterior URSS e paiacuteses a ela incorporados a situaccedilatildeo foi bastante

diversa A historiografia russo-escandinava e o iniacutecio da proacutepria historiografia russa

estatildeo entrelaccedilados e o debate ligado a esta questatildeo diz respeito diretamente ao proacuteprio

surgimento da Ruacutessia ndash seja qual acepccedilatildeo se empregue para o termo assumindo

significados maiores sob os regimes czarista sovieacutetico e da Era Putin-Medvedev mas

sempre retornando ao moto de que o normanismo13

eacute uma ideologia ldquodanosardquo ao estado

russosovieacutetico dependendo da temporalidade em questatildeo ou reafirmando e

legitimando a independecircncia dos Paiacuteses Baacutelticos por enfocar supostos viacutenculos

milenares com o Ocidente e o Norte

Destarte eacute pertinente efetuarmos um panorama sobre as diversas abordagens

que a temaacutetica jaacute sofreu Fica a ressalva de que natildeo se trata de nosso objetivo primaacuterio a

confecccedilatildeo de um estudo especiacutefico sobre a historiografia russo-sovieacutetica que merece

por si soacute consideraacutevel espaccedilo agrave parte

Faremos a seguir um apanhado historiograacutefico sumaacuterio da Ruacutessia seguido de

uma discussatildeo mais detalhada da chamada ldquoControveacutersia Normanistardquo Daremos ecircnfase

especial aos primeiros historiadores de origem germacircnica pela proacutepria inexistecircncia no

Brasil de qualquer informaccedilatildeo acerca dos mesmos e pelo papel que tiveram no

desenvolvimento de estudos russo-escandinavos Atravessaremos o periacuteodo sovieacutetico

encerrando tal discussatildeo com uma anaacutelise da situaccedilatildeo da temaacutetica no Brasil Ocidente

(em particular Escandinaacutevia EUA e Reino Unido) e Paiacuteses da antiga Cortina de Ferro

Na antiga URSS a arqueologia foi rebatizada como ldquoHistoacuteria da Cultura

Materialrdquo e foi ensinada por muito tempo como parte das ciecircncias histoacutericas Esta

circunstacircncia eacute similar nas antigas repuacuteblicas sovieacuteticas e em parte da antiga Cortina de

13

Que definiremos agrave exaustatildeo muito em breve

27

Ferro destarte muito da discussatildeo historiograacutefica entralaccedila-se com a discussatildeo da

proacutepria teoria arqueoloacutegica que diga-se de passagem enfrenta problemaacuteticas muito

similares na relaccedilatildeo passado-presente

13 A Ruacutessia czarista

Os primeiros estudos histoacutericos na Ruacutessia deram-se no seacuteculo XVIII e devem-se

principalmente aos trabalhos de Tatiacuteschev ndash relido e cada vez mais resgatado na Ruacutessia

nos tempos contemporacircneos Bayer Muumlller e Schloumlzer Conquanto entre os acadecircmicos

no ocidente e na Escandinaacutevia a atuaccedilatildeo escandinava na Rus de Kiev e Novgorod tenha

sido ponto bastante consensual havendo maior divergecircncia em nuances e detalhes sobre

os movimentos escandinavos no leste na Ruacutessia e URSS a situaccedilatildeo foi diversa por

implicar na proacutepria formaccedilatildeo do ldquoestadordquo bem como em ferir as sensibilidades e

nacionalismos de diversas eras

A temaacutetica escandinava esteve presente jaacute na primeira geraccedilatildeo de historiadores

russos Em parte a origem e formaccedilatildeo alematilde de elevada porcentagem desses estudiosos

explica embasamento e propensotildees aos estudos germacircnicos Entretanto desde os

princiacutepios da historiografia russa estudos de tal natureza encontraram um revezamento

entre acirrada resistecircncia e aceitaccedilatildeo em particular com o surgimento da chamada

ldquoControveacutersia Normanistardquo deflagrada jaacute em 1749 que defendia um papel significativo

escandinavo no surgimento e organizaccedilatildeo da Rusde Kiev e que ainda na atualidade

perdura como ponte de debate entre acadecircmicos de situaccedilatildeo e oposiccedilatildeo na Ruacutessia poacutes-

sovieacutetica

A despeito do grande debate acadecircmico que a controveacutersia gerou os

historiadores da Ruacutessia dos seacuteculos XVIII-XIX acabaram por adotar em grande parte a

posiccedilatildeo normanista como histoacuteria oficial ainda que fossem acusados de um suposto

anti-patriotismo De fato apoacutes a morte de Pedro o Grande e com o final da linha direta

masculina dos Romaacutenov ndash entre 1761 a 1917 portanto o Impeacuterio Russo foi governado

por oriundos principalmente da dinastia germacircnica dos Holstein-Gottorp

No seacuteculo XIX os alematildees compunham 57 dos oficiais no Ministeacuterio de

assuntos exteriores 46 do ministeacuterio de defesa e 62 do Ministeacuterio de Correio e

Comunicaccedilotildees A presenccedila germacircnica na ciecircncia e nas artes era tambeacutem dominante

28

Dessa forma como Zakharii14

argumenta a elite do Impeacuterio Russo alienada das classes

subalternas careceria de um elo nacionalista eslaacutevico que a impedisse de favorecer a

ideia normanista

Nos primeiros historiadores a lidar com a questatildeo escandinava na Ruacutessia tal

campo de estudo foi geralmente secundaacuterio em relaccedilatildeo aos seus interesses principais

normalmente ligados agraves antiguidades claacutessica e oriental

Natildeo obstante as fortes posiccedilotildees anti-normanistas desenvolvidas na Ruacutessia

imperial entre autores nacionalistas e na posterior Uniatildeo Sovieacutetica os primeiros

historiadores na Ruacutessia acabaram por se deparar com a temaacutetica escandinava ao lidar

com as proacuteprias fontes primaacuterias que tratavam dos primoacuterdios da histoacuteria russa Em

trabalhos que natildeo consistiam em suas maiores aplicaccedilotildees de esforccedilos as circunstacircncias

mais baacutesicas do trabalho historiograacutefico ndash o diaacutelogo com as fontes primaacuterias ndash

apontavam para a presenccedila escandinava no iniacutecio da Rus

Veremos a seguir um breve panorama dessa primeira geraccedilatildeo de historiadores

iniciando-se com Tatiacuteschev e a seguir enfatizando os ldquoalematildeesrdquo Bayer Muumlller e

Schloumltzer passando posteriormente para o estudo da controveacutersia normanista

propriamente dita que iraacute permear toda a discussatildeo de uma historiografia russo-

escandinava desde entatildeo e que fornece um panorama bastante adequado e sinteacutetico das

relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Ruacutessia enquanto tema historiograacutefico

O fechamento de tal discussatildeo de daraacute com o estudo das modificaccedilotildees ocorridas

na historiografia russa com a Revoluccedilatildeo de 1917 e as transformaccedilotildees sofridas pela

mesma no decorrer da histoacuteria sovieacutetica a abertura e o os tempos contemporacircneos

14

ZAKHARII Roman The Historiography of Normanist and Anti-Normanist theories on the origin of

Rus modern historiography and major sources on Varangian controversy and other Scandinavian

concepts of the origins of Rus Master dissertation Centre for Viking and Medieval Studies The

University of Oslo 2002 P22

29

131 Tatiacuteschev

Vassiacutelii Nikiacutetitch Tatiacuteschev (1686-1750) foi inicialmente um militar diplomata

e engenheiro russo no tempo de Pedro o Grande destacou-se como tenente nas batalhas

de Narva e Poltava e tendo passado os anos entre 1713 e 1717 no estrangeiro coletara

consideraacutevel bibliografia de cunho geograacutefico e histoacuterico Por tais razotildees foi escolhido

por Pedro o Grande para levar a cabo um levantamento geograacutefico de toda a Ruacutessia15

tarefa que tendo sido completada em 1739 durou 20 anos

Em 1724 Tatiacuteschev esteve em missatildeo diplomaacutetica na Sueacutecia A despeito de seus

objetivos oficiais serem assuntos ligados agrave metalurgia mineraccedilatildeo moeda e cunhagem

tal contexto propiciou a Tatiacuteschev a oportunidade de obter contatos com acadecircmicos

suecos tambeacutem no campo da Histoacuteria contato que teve influecircncia em seus primeiros

estudos histoacutericos e que pode ser notado jaacute na primeira obra histoacuterica na Ruacutessia

ldquoHistoacuteria Russa desde os tempos antigosrdquo publicada postumamente em 176816

Dessa forma Tatiacuteschev natildeo foi apenas o primeiro historiador russo mas tambeacutem

o iniciador dos russo-escandinavos

132 O alematildees17

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738)18

Eacute chamado por Belaiew19

de o fundador de fato da ldquopesquisa islandesardquo na

Ruacutessia ndash posiccedilatildeo que como acabamos de afirmar parece mais adequada a Tatiacuteschev

Tendo estudado e pesquisado diversas fontes primaacuterias incluindo escandinavas gregas

e orientais Bayer escreveu a obra ldquoDe Varagisrdquo publicada em latim em 1735 e em

russo em 1768 e que seria obra fundamental na controveacutersia normanista Bayer deu

ecircnfase especial ao estudo das sagas escandinavas entatildeo disponiacuteveis

15

BELAIEW NT Eymundar Saga and Icelandic Research in Russia In Saga Book II (1934) p93 16

BELAIEW 94 17

Destaque seja dado ndash o uso do termo ldquoalematildeordquo ou ldquoalematildeesrdquo estaacute sendo efetuado em periacuteodo preacutevio agrave

unificaccedilatildeo da Alemanha 18

A maior parte das referecircncias sobre Bayer eacute passiacutevel de ser encontrada em bibliografias referentes agrave sua

carreira enquanto sinoacutelogo dentre as quais se destaca LUNDBAEligK Knud TS Bayer (1694-1738)

Pioneer Sinologist Scandinavian Institute of Asian Studies Monograph Series No54 Curzon Press

London amp Malmouml 1986 19

BELAIEW 94

30

Bayer nasceu em Koumlnigsberg na eacutepoca parte da Pruacutessia onde passou os

primeiros 32 anos de sua vida Classicista por formaccedilatildeo seu toacutepico inicial inicial de

estudo foi a histoacuteria das Igrejas na Aacutesia antes da abertura das rotas mariacutetimas aleacutem da

Iacutendia Dessa forma estudava o etiacuteope o siriacuteaco e a expansatildeo do Cristianismo rumo ao

sul

Aos 19 anos demonstrou interesse em estudar o chinecircs tendo a possibilidade de

fazecirc-lo mais seriamente trecircs anos depois em 1716 na biblioteca de Berlim onde teve

contato com o pouco material ao qual tinha acesso Coletou grande quantidade de

material mas seu conhecimento do chinecircs natildeo chegou a ser completo e profundo o

suficiente para ser considerado um sinologista20

Em 1726 mudando-se para Satildeo Petersburgo ocupou o cargo de curador das

antiguidades greco-romanas e posteriormente passou a lecionar antiguidades orientais

o que lhe permitiu ocupar-se mais a fundo com seus interesses na China Sua biblioteca

vendida por sua viuacuteva e posteriormente passando por mais de um proprietaacuterio acabaria

por formar a ldquoBayer Collectionrdquo da biblioteca da Universidade de Glasgow contendo

por volta de 200 livros e manuscritos chineses e orientais e incluindo sua

correspondecircncia com jesuiacutetas em Beijing (dada entre 1731 ateacute a sua morte) e livros em

folhas de palmeiras21

Sua obra ldquoMuseum Sinicum in quo Sinicae Linguae et Literatura

ratio explicaturrdquo publicada em 1730 consiste na primeira obra detalhada sobre a liacutengua

chinesa a ser publicada na Europa22

Eacute peculiar que sua obra De Variagis (1735) de tamanha influecircncia nos estudos

russo-escandinavos e de tamanha relevacircncia na criaccedilatildeo da Controveacutersia Normanista

tenha sido fruto de parte consideravelmente marginal de seu trabalho

20

LUNDBAEK pp182s 21

The Bayer collection In lthttpwwwglaacukservicesspecialcollectionscollectionsa-

zbayercollectiongt 22

BOXER C R Bulletin of the School of Oriental and African Studies University of London Vol 51

No 2 (1988) p 367

31

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783)23

Gerhard Friedrich Muumlller nasceu em Herford na Westphalia em 18 de outubro

de 1705 Recebeu sua educaccedilatildeo em Leipzig e em 1725 foi convidado para cofundar a

Academia de Ciecircncias em Satildeo Petersburgo Participou da segunda expediccedilatildeo

Kamtchatka que relatou sobre a vida e a natureza a leste das cadeias dos Urais Entre

1733 e 1743 dezenove cientistas e artistas viajaram atraveacutes da Sibeacuteria para estudar

povos e culturas e coletar dados para a confecccedilatildeo de mapas Muumlller descreveu e

categorizou vestimentas religiotildees e rituais dos grupos eacutetnicos siberianos tambeacutem sendo

considerado ldquopairdquo da etnografia e do folclore

Ao retornar da Sibeacuteria tornou-se historioacutegrafo do Impeacuterio Russo Foi um dos

primeiros historiadores a trazer um registro geral da histoacuteria Russa baseado no exame

extenso das fontes escritas Graccedilas agrave ecircnfase que deu do papel escandinavo e alematildeo na

histoacuteria russa ndash um germe da teoria normanista ndash ganhou a inimizade de Lomonoacutessov

que antes lhe apoiara

Em 6 de setembro de 1749 Muumlller proferiu uma fala na Academia Imperial de

Ciecircncias de Satildeo Petersburgo intitulada ldquoOrigines gentis et nominis Russorumrdquo baseado

no ldquoDe Varagisrdquo de Baumlyer e a partir do qual propocircs a teoria de que o antigo reino da

Ruacutessia Kievana fora fundado por escandinavos24

Muumlller natildeo conseguiu sequer terminar sua fala devido ao tumulto que ela gerou

e a questatildeo teve de ser levada ao conde Alieksiei Grigoacuterievitch Razumoacutevskii e agrave proacutepria

imperatriz Isabel25

que criou um comitecirc a fim de investigar se os escritos de Muumlller

eram danosos aos interesses do Impeacuterio

A situaccedilatildeo particularmente o testemunho de Lomonoacutessov prejudicou

consideravelmente sua carreira Apoacutes muitos ataques por seus colegas Muumlller foi

proibido de dar continuidade agrave suas pesquisas na Ruacutessia antiga e Kievana suas

publicaccedilotildees foram confiscadas e destruiacutedas

23

Informaccedilotildees bibliograacuteficas quando natildeo-referenciadas obtidas na Allgemeine deutche Biographie

STIEDA Ludwig Von Muumlller Gerhard Friedrich In Allgemeine Deutsche Biographie herausgegeben

von der Historischen Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften Band 22 (1885) S

547ndash553 24

PRITSAK Omeljan The Origin of Rus Volume I Old Scandinavian Sources other than the Sagas

Cambridge Massachusetts Harvard Ukrainian Research Institute Harvard University Press 1981 P03s 25

Ielizavieta Pietroacutevna Imperatriz entre 1741 a 1762

32

A despeito da turbulecircncia dos anos entre sua fala na Academia Imperial e o

confisco de suas obras a situaccedilatildeo de Muumlller gradualmente se ameniza Em 1754 recebe

a nomeaccedilatildeo de secretaacuterio conferencista da Academia de Ciecircncias e no ano seguinte

consegue o trabalho de editor da publicaccedilatildeo cientiacutefica ldquoEscritos mensaisrdquo na qual

publica diversos artigos acadecircmicos ainda escrevendo sobre as origens da Ruacutessia

Chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia Sueca Real de Ciecircncias

em 1761 juntamente com Lomonoacutessov que permanece criacutetico de seu trabalho e de suas

publicaccedilotildees na ldquoEscritos mensaisrdquo Este falece em 1765 ano no qual Muumlller se muda

para Moscou tendo sido indicado diretor-chefe do Orfanato da cidade Em 1766 Muumlller

recebe a posiccedilatildeo de mantenedor dos arquivos do Coleacutegio de Relaccedilotildees exteriores de

Moscou

Em 1772 Muumlller eacute atingido por uma paralisia mas continua a escrever e

produzir Doou ao governo uma coleccedilatildeo dos seus tratados e morreu em Moscou com 77

anos em 1783

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809)26

Especialista em diversas aacutereas suas contribuiccedilotildees para a humaniacutestica no geral

foram grandes e diversas Paralelamente a seu rival Gatterer em Goumlttingen Schloumltzer

definiu o escopo temporal da ldquoMittelalterrdquo entre a queda do Impeacuterio Romano em 476 e

a descoberta da Ameacuterica em 1492 O primeiro conceito de ldquoetnologiardquo definido por

Adam Koacutellar em 1783 deve muito ao seu intercacircmbio de ideias com Schloumlzer27

sendo

que o proacuteprio conceito de ldquoethnographierdquo eacute atribuiacutedo ao proacuteprio Schloumlzer ou a

Gatterer28

Schloumlzer foi conduzido por boa parte de sua vida em um interesse pelo Oriente e

pelas terras biacuteblicas Movido por necessidades materiais financeiras e de patrociacutenio

viajou para Sueacutecia e Ruacutessia onde efetuou contribuiccedilotildees fundamentais para suas

historiografias Contribuiccedilotildees que natildeo obstante sua relevacircncia natildeo consistiam no

26

A maior parte das informaccedilotildees bibliograacuteficas sobre Schloumlzer foram obtidas na ldquoAllgemeine Deutsche

Biographierdquo e na ldquoRussland und die acuteGoumlttingische seele ndash 300 jahre St Petersburgacute Ausstellung in der

Paulinerkirche Goumlttingen unter der Schirmherrschaft von Bundespraumlsident Johannes Rau und dem

Praumlsidenten der Russischen Foumlderation Wladimir Putinrdquo ambos disponiacuteveis em meios impressos e

digitais 27

STAGL Justin Rationalism and Irrationalism in Early German Ethnology The Controversy between

Schloumlzer and Herder 1772∕1773 In Anthropos 93 Viena Anthropos Institut 1998 P524 28

STAGL Justin P 522

33

objetivo primaacuterio de sua vida acadecircmica de forma muito semelhante ao que ocorrera

com a produccedilatildeo acadecircmica de Bayer

Nascido em 1735 em Jaggstadt Noumlrdlichen Wuumlrttenberg Schoumlzer foi

historiador jornalista pedagogo e estatiacutestico Descendente de pastores protestantes

iniciou seus estudos em Teologia em Wittenberg Apoacutes completar sua dissertaccedilatildeo em

Teologia (ldquoDe vita Deirdquo) em 1754 em Witteberg mudou-se para Goumlttingen aonde

estudou com o entatildeo eminente orientalista e especialista em Antigo Testamento Johann

David Michaelis

Influenciado pela acircnsia por aventuras e viagens por questotildees teoloacutegicas e

mesmo missionaacuterias estudou aacuterabe geografia e estatiacutestica do Oriente Meacutedio Natildeo

possuiacutea o dinheiro necessaacuterio para cumprir seus planos e usando de bolsas e de um

pequeno capital deixado por seu pai para completar seus estudos simultaneamente

buscava formas de se manter principalmente como professor particular na famiacutelia dos

Roumlderer

Por meio de Michaelis conseguiu um trabalho como tutor privado de Murray

pastor da comunidade alematilde em Estocolmo Dessa forma em 1755 mudou-se para a

Sueacutecia onde residiu por trecircs anos e meio Estudou Goacutetico e Antigo Noacuterdico em Uppsala

entre 1756 e 1757 e devido agrave sua vivacidade de espiacuterito e diversas habilidades ndash

incluindo a de aprender o sueco conseguiu manter-se no paiacutes ajuntar certa quantia de

dinheiro e fazer conexotildees importantes ainda mantendo em mente suas ideias de viajar

para o Oriente Ali publicou algumas obras e conseguiu alguns trabalhos como

jornalista

Retorna agraves terras germacircnicas entre 1758 a 1761 como tutor particular em

Luumlbeck na residecircncia dos Kusel (1758∕59) e em Goumlttingen Esta fase marca um grande

desapontamento em sua vida Michaelis organizara uma expediccedilatildeo dinamarquesa

exploratoacuteria agrave Araacutebia que partiu sem Schloumltzer ndash natildeo recomendado por Michaelis para

a mesma alegadamente por Schloumltzer possuir caraacuteter ldquoobstinado e egocecircntricordquo29

Schloumltzer ainda com seus objetivos de visita ao Oriente em vista e por meio

novamente do proacuteprio Michaelis e de Buumlshing consegue um lugar enquanto assistente

literaacuterio e tutor privado da famiacutelia do jaacute referido Gerhard Friedrich Muumlller em Satildeo

29

STAGL 525

34

Petersburgo Ali aprende rapidamente a liacutengua russa bem como tem contato com as

fontes primaacuterias para a histoacuteria da Ruacutessia

Dotado de temperamento forte Schloumlzer logo entra em choque com Muumlller

deixando sua casa em 1762 Entra em conflito tambeacutem com o proacuteprio Buumlshing e com o

poliacutemata Lomonoacutessov cujos versos critica e cuja inimizade adquire ndash bastante danosa

face agrave extrema importacircncia de Lomonoacutessov nos meios culturais cientiacuteficos e artiacutesticos

da Ruacutessia

Consegue o suporte entretanto de Taubert que por sua vez mantinha um

escritoacuterio de prestiacutegio e o acesso ao conde Razumovski Schloumlzer consegue assim a

posiccedilatildeo assalariada de instrutor adjunto da instituiccedilatildeo educacional que o conde fundara

para seus filhos e para os de outras famiacutelias nobres

A despeito das rivalidades acadecircmicas que Schloumlzer conseguira Kozlov pai de

um de seus alunos intermedia contato com a imperatriz Catarina II ldquoa granderdquo(1762-

1796)30

Catarina interessa-se por ele e em 1765 lhe garante a posiccedilatildeo de membro da

Academia e de professor em tempo integral de Histoacuteria Russa por cinco anos com um

salaacuterio de 850 rublos

Registra-se que Schloumlzer manteria ateacute o fim de sua vida grande apreccedilo e creacutedito

agrave deacutespota esclarecida da Ruacutessia patrocinadora das artes e do saber O patrociacutenio

pretendido por Schloumlzer para sua viagem ao Oriente entretanto natildeo era de interesse de

Catarina ficando o projeto parado

O ambiente da Ruacutessia de entatildeo foi de grande estiacutemulo para a produccedilatildeo

acadecircmica de Schloumlzer agrave qual ele dedicou-se com particular afinco Aplicando modelos

com os quais trabalhara na Sueacutecia em particular nos trabalhos de Suumlssmilch e

Wargentin Schloumlzer trabalhou em prol do projeto de Taubert da criaccedilatildeo de um bureau

estatiacutestico para a Ruacutessia encorajando a criaccedilatildeo de listas e diretoacuterios de nascimentos

mortes e casamentos Suas propostas entretanto mantiveram-se na maior parte no

papel

Sua atividade acadecircmica no gabinete da imperatriz teve mais sucesso ainda que

relativamente tarde Schloumlzer efetuou trabalho criacutetico e de campo na Histoacuteria antiga da

Ruacutessia em particular com a criacutetica dos textos e manuscritos aprendida em Goumlttingen agrave

Poacuteviest vrieacutemennikh liet escrita em eslavocircnico antigo do qual publicou uma ediccedilatildeo

30

Iekatierina II ldquoVielikaiardquo viveu de 1729 a 1796 governando a Ruacutessia de 1762 ateacute sua morte

35

criacutetica entre 1802 e 1809 ndash a primeira aplicaccedilatildeo do meacutetodo criacutetico germacircnico a um texto

do medievo31

Tal trabalho entretanto natildeo satisfazia aos maiores planos de Schloumlzer

que abandona a Ruacutessia em definitivo em 1767 apoacutes periacuteodos tambeacutem de conturbaccedilotildees e

rumores junto aos seus rivais na Academia

Nesse meio tempo Schloumlzer recebera do governo Hannoveriano em Goumlttingen os

tiacutetulos de Professor extraordinarius em 1764 em grande parte por intercessatildeo de

Michaelis e Doctor honoris causa em 1766 devido ao seu trabalho acadecircmico na

Ruacutessia posiccedilotildees que lhe auxiliaram na obtenccedilatildeo de suas funccedilotildees na Ruacutessia apoacutes seus

conflitos com Lomonoacutessov

Em 1769 consegue o cargo de professor em tempo integral na faculdade de

filosofia em Goumlttingen com o salaacuterio de 540 thalers casando-se no mesmo ano com

Caroline Roumlderer da qual fora preceptor no tempo em que ali estudara adquirindo uma

residecircncia na Paulinerstraszlige e ali se estabilizando para o resto de sua vida

Em Goumlttingen Schloumlzer deu continuidade aos seus trabalhos sobre a Ruacutessia

ainda que relativamente distante de laacute A correspondecircncia com estudantes e bibliotecas

da Ruacutessia garantiram-lhe bibliografia e nos seus primeiros anos ali Schloumlzer publicaria

diversas obras bem como revisaria trabalhos antigos por vezes em meio agrave polecircmicas

com Buumlsching e Muumlller Probe russischer Annalen32

(1768) ldquoAnnales Russici

(Goumlttingen 1769) Tableau de lhistoire de Russie (Goumlttingen 1769) ldquoGeschichte von

Ruszligland bis zur Erbauung Moskaus im J 1147rdquo(Goumlttingen 1769)33

Oskold und Dir

erste Probe russischer Annalen (Goumlttingen 1773)34

Em 1771 Schloumlzer publicaria ldquoUma histoacuteria geral dos povos do Norterdquo nuacutemero

31 da coleccedilatildeo ldquoHistoacuteria geral do mundordquo Em 1785 publicaria ainda parte dessa mesma

coleccedilatildeo sob o nuacutemero 50 ldquoGeschichte Lithauensrdquo35

Sua ldquoNordische Geschichterdquo36

encontraria boa acolhida a despeito de criacuteticos

severos como Thun jovem professor em Halle que apontou severos erros de Schloumlzer

em relaccedilatildeo aos eslavos ocidentais e a despeito de ser principalmente uma compilaccedilatildeo e

traduccedilatildeo de autores escandinavos

31

STAGL 526 32

ldquoAmostra dos anais russosrdquo 33

ldquoHistoacuteria da Ruacutessia ateacute a edificaccedilatildeo de Moscou no ano de 1147rdquo 34

ldquoAskold e Dir primeira amostra dos anais russosrdquo 35

ldquoHistoacuteria dos lituanosrdquo 36

ldquoHistoacuteria noacuterdicardquo

36

Nesta obra Schloumlzer definiria por ldquonorterdquo o espaccedilo desde a Islacircndia ateacute a

peniacutensula de Kamtchatka e do Mar de Barents aos Balkans organizando as regiotildees por

um Voumllkersystem ldquosistema de povosrdquo ao inveacutes de unidades poliacuteticas e classificando

tais povos por meio de suas linguagens37

Esse apoio e emprego de Leibniz na

organizaccedilatildeo das populaccedilotildees por meio dos grupos linguiacutesticos acabou por se constituir

em um dos maiores meacuteritos da obra

O periacuteodo posterior da vida de Schloumlzer foi devotado agrave suas atividades de ensino

e pesquisas relativos a outros toacutepicos como Histoacuteria do Mundo Estatiacutestica e Poliacutetica e

os estudos relativos agrave Escandinaacutevia e Ruacutessia natildeo foram levados adiante

Por suas contribuiccedilotildees ao estudo da Histoacuteria Russa Schloumlzer recebeu em 1804 o

tiacutetulo de nobre da parte do Imperador Alexandre I (1801-1825)

14 A controveacutersia Normanista

As ideias de Bayer Muumlller e Schloumltzer sobre o papel Escandinavo na origem da

Ruacutessia como vimos desembocaram em uma disputa acadecircmica acirrada de amplo

escopo que atingiria toda a historiografia pertinente e viria a ser conhecida como

ldquoControveacutersia Normanistardquo Seus pontos de conflito focam-se no papel que os

escandinavos tiveram na formaccedilatildeo da Rusde Kiev nos periacuteodos viking e medieval

principalmente entre os seacuteculos XIII-XI38

O termo ldquoRuacutessiardquo por si soacute eacute geneacuterico e necessita de clarificaccedilatildeo A

controveacutersia normanista trata sobre os iniacutecios da Ruacutessia mas a Rusde Kiev enquanto

origem do Impeacuterio e Federaccedilatildeo russos eacute objeto de controveacutersia a mesma origem eacute

alegada pelos historiadores ucranianos

Ao falarmos de Rusde Kiev tratamos do reino dentre os seacuteculos X-XIII

existente em regiatildeo aproximada agrave Ucracircnia contemporacircnea formado majoritariamente

por populaccedilotildees de etnia e linguagem eslaacutevico-orientais e sobre as quais a origem dos

primeiros governantes eacute o objeto de disputa na Controveacutersia Normanista Outras

acepccedilotildees que o termo Ruacutessia adotou incluem o Gratildeo-Ducado de Moscou por vezes

chamado de termos similares a ldquoMoscoacuteviardquo que perdurou dos seacuteculos XIV-XVII ndash visto

por alguns como continuador da Rus de Kiev e por outros como entidade poliacutetica

37

STAGL 526 38

Informaccedilotildees bibliograacuteficas e narrativas baseadas em PRITSAK e BELAIEW listados nas referecircncias

37

bastante diversa ndash os Impeacuterios Russos subsequentes e a Federaccedilatildeo Russa poacutes-URSS

Dessa forma historiografias historicistas ndash tais quais as marxistas ndash que lidam

com uma linha contiacutenua e inexoraacutevel de eventos cujo desfecho enquadra-se em uma

teoria geral explicativa ou um desenrolar jaacute previsto traccedilam a linha indeleacutevel entre a

Rus de Kiev e as Ruacutessias posteriores posiccedilatildeo que jaacute foi e ainda eacute objeto de muito

debate em particular com historiadores de origem ucraniana ndash cujo paiacutes consiste no

herdeiro territorial do reino em questatildeo

Os proacuteprios limites e abrangecircncia da Rus na Alta Idade Meacutedia encontram

controveacutersia na inclusatildeo ou natildeo da regiatildeo das cidades do norte ndash Novgorod Ryazan

Rostov Smolensk Polotsk e Suzdal ndash em seu escopo poliacutetico-geograacutefico situaccedilatildeo que

tendo perpassado a obra de autores como o escandinavista russo Aron Gurevitch Dmitri

Likhatchoacutev e Iuri Stiepanovitch voltou agrave pauta contemporacircnea entremeado de

implicaccedilotildees poliacuteticas nas accedilotildees do presidente russo Vladiacutemir Putin

Segundo a Poacuteviest vrieacutemennikh liet os eslavos de leste e seus vizinhos fino-

uacutegricos foram vencidos por alguns varegues aos quais pagavam tributo mas libertaram-

se desse jugo Entretanto natildeo conseguiam manter a ordem e chamaram outros varegues

para governaacute-los Os irmatildeos Riurik Sineus e Truvor responderam ao chamado dando

origem ao primeiro reino unificado de Rus

Segundo esse ponto de vista baseado principalmente nas fontes primaacuterias

escritas chamado normalmente de ldquonormanistardquo o termo Rus eacute de origem noacuterdica mais

precisamente referindo-se aos svear que adentrando o Norte russo foram organizadores

da vida poliacutetica primeiramente na regiatildeo do lago Ilmen e posteriormente mais ao sul ao

longo do Dnieper (vide Mapas 03 e 04)

Tais afirmaccedilotildees satildeo de teor polecircmico em ambientes acadecircmicos influenciados

ou gerenciados por governos autoritaacuterios A primeira disputa sobre esse tema ocorreu na

Ruacutessia Imperial nas eacutepocas das guerras do Norte nas quais a Ruacutessia combateu dentre

outras naccedilotildees a Sueacutecia

Como jaacute demonstrado quando Muumlller proferiu sua conferecircncia sobre as fontes

escandinavas aos membros da Academia Imperial Russa em 1749 causou veemente

debate ao propor a ideia normanista Os estudiosos russos presentes natildeo podiam admitir

a ideia de que a origem do estado russo fosse estrangeira ainda mais de um grupo

38

eacutetnico com o qual travara guerras recentemente39

O debate perdura por toda a historiografia russa ucraniana sovieacutetica e mesmo

polonesa Nos tempos da URSS desenvolveu-se a teoria que chamaremos de ldquoanti-

normanistardquo principalmente por meio de argumentos que empregavam a Arqueologia e

a Linguiacutestica segundo a qual a origem do estado russo seria autoacutectone e devida

exclusivamente aos eslavos de leste

Ao menos em seus primoacuterdios a ideia normanista revestiu-se de conotaccedilotildees

poliacuteticas que por sua vez implicavam uma incapacidade dos povos eslaacutevicos em

desenvolverem um processo independente de formaccedilatildeo de ldquoestadordquo40

A historiografia

sovieacutetica posterior consideraria a teoria normanista politicamente prejudicial

argumentando que ela negava a habilidade das ldquonaccedilotildees eslavasrdquo de formar ldquoestados

independentesrdquo por meio de seus proacuteprios esforccedilos41

Segundo os anti-normanistas os Rus seriam eslavos autoacutectones na regiatildeo Sul de

Kiev desde os tempos preacute-histoacutericos antes do aparecimento de vikings e varegues na

Europa Esse elemento nativo eslaacutevico teria tido o papel decisivo na construccedilatildeo de um

Estado42

em particular da Rus de Kiev

Veremos a seguir as posiccedilotildees de ambas correntes

141 A posiccedilatildeo normanista

A historiografia contemporacircnea possui uma posiccedilatildeo majoritariamente

normanista ainda que em graus variados Tal posiccedilatildeo eacute encontrada tambeacutem entre

pesquisadores russos contemporacircneos de origem russa e de outros paiacuteses da antiga

Cortina de Ferro como Dmitrii Matchinskii (Ruacutessia) Gleb Lebedev (Ruacutessia) Elena

Melnikova Tatjana Jackson (Ruacutessia)43

e Wladyslaw Duczko (Polocircnia-Sueacutecia) Alguns

casos apresentam posiccedilotildees intermediaacuterias incluindo autores tradicionais e referenciais

no toacutepico no ocidente como o russo-americano Vernadsky sobre o qual falaremos mais

39

A guerra russo-sueca de 1741-1743 apoacutes a qual o Impeacuterio Russo incorporou a Finlacircndia e a Sueacutecia

iniciou seu decliacutenio enquanto potecircncia 40

ZAKHARII p18 41

ЯКОВЛЕВ Н О преподавании отечественной истории Большевик 22 1947 Москва 42

As acepccedilotildees de ldquoestadordquo defendidas por tal posiccedilatildeo frequentemente enquadram-se em conceitos

marxistas considerando uma linha contiacutenua e inexoraacutevel da histoacuteria a levar ao Comunismo e

considerando dessa forma o periacuteodo em questatildeo como uma etapa em tal desenvolvimento 43

No caso de autores com produccedilatildeo biograacutefica ampla no ocidente como Lebedev Melnikova e Jackson

empregamos aa formas dos nomes proacuteprios pelos quais satildeo citados internacionalmente

39

adiante

Quanto agrave historiografia brasileira a discussatildeo eacute insuficiente sobre o assunto ateacute

o presente para poder se falar em tendecircncias e posiccedilotildees Euriacutepides Simotildees de Paula

autor da uacutenica obra especiacutefica e mais abrangente sobre o assunto bem como uacutenica fonte

de consulta para diversos estudantes e pesquisadores defende a posiccedilatildeo normanista sem

ressalvas Aleacutem de seu trabalho mais amplo que discutiremos melhor mais adiante haacute

artigos esparsos endossando a posiccedilatildeo normanista quase que em sua totalidade

Levando-se em consideraccedilatildeo que as novas geraccedilotildees de pesquisadores

interessados no tema tecircm se levantado em meio a estudos escandinavos eacute razoaacutevel

pressupor uma tendecircncia agrave consolidaccedilatildeo da posiccedilatildeo normanista tambeacutem na academia

brasileira

Listamos a seguir alguns dos principais expositores de posiccedilatildeo normanista desde

seu princiacutepio ou ao menos que se enquadrem em seu espectro de alguma maneira

tendo-se em mente que muitos estudiosos incorporam matizes dos dois lados Os

alematildees que colaboraram para a criaccedilatildeo de uma historiografia russa estatildeo listados na

Ruacutessia A Ucracircnia estaacute considerada a parte por a despeito de estar sob jugo do Impeacuterio

Russo e da URSS pela maior parte de sua histoacuteria ter produzido tradiccedilatildeo historiograacutefica

proacutepria e estaacute listada em conjunto com a Polocircnia pelas temaacuteticas e abordagens por

vezes similares de sua historiografia A lista natildeo eacute exaustiva a quantidade de estudiosos

no ocidente por exemplo que adota uma posiccedilatildeo que pode ser considerada dentro do

espectro normanista eacute por demais extensa

No Impeacuterio Russo

August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809 Wuumlrttemberg Impeacuterio Russo)

FriedrichFiodor Aleksandrovitch Braun (1862-1920 ndash Impeacuterio RussoURSS 1920-

1942 ndash Leipzig Alemanha) Nikolai Mikhailovitch Karamzim (1766-1826 Impeacuterio

Russo) Serguei Mikhailovitch Solovioacutev (1820-1879 Impeacuterio russo) Mikhail

Pietrovitch Pogodin (1800-1875 Impeacuterio russo) Aleksiei Aleksandrovitch Chakhmatov

(1864-1920 Impeacuterio Russo)

Na Escandinaacutevia e Alemanha

Ernst Kunik (Pruacutessia 1814-1899) Vilhelm Ludwig Peter Thomsen (1842-1927

Dinamarca) Ture Algot Johnsson Arne (1879-1965 Sueacutecia) Herbert Jankuhn (1905-

40

1990 Alemanha) Adolf Frans Emil Stender-Petersen (1893-1963 Impeacuterio Russo

Dinamarca Estocircnia Dinamarca) Holger Arbman 1904-1968 (Sueacutecia)

Russos emigrados

Vladimir A Mochin (1877-1921 ndash Impeacuterio Russo 1921-1987 - Iugoslaacutevia) George

Vernadsky (1887 Impeacuterio Russo 1927-1973 EUA)

Na Polocircnia e Ucracircnia

Henryk Paszkiewicz (1897-1979) Stiepan Tomachevskii (1845-1930 Ucracircnia) Myron

Mikhailovitch Korduba (1876-1947 Ucracircnia) Mykola Chubaty (1889-1975 Ucracircnia)

A argumentaccedilatildeo inicial defendida por tais eruditos baseava-se principalmente na

anaacutelise das fontes primaacuterias e em argumentos de anaacutelise linguiacutestica Apontava para uma

elite escandinava fundadora da Rus Kievana governante dos eslavos orientais e outras

etnias nativas (fino-uacutegricos e baltos)

A posiccedilatildeo normanista passou por modificaccedilotildees e possui nuances e niacuteveis de

aceitaccedilatildeo diversos As conotaccedilotildees poliacuteticas iniciais foram substituiacutedas sendo que alguns

estudiosos chamados por vezes ldquoneo-normanistasrdquo44

como Jankuhn Stender-Petersen

Arbman e Taube apresentariam ideias que envolvem uma mudanccedila gradual no governo

estrangeiro sobre os eslavos bem como graus mais variados de assimilaccedilatildeo

Alguns normanistas participantes da historiografia ocidental ucraniana das

deacutecadas de 1920-30 como os referidos Stepan Tomashevsky M Korduba M Chubaty

e B Krupnytsky apresentaram aceitaccedilotildees parciais de alguns pontos anti-normanistas

George Vernadsky (1887-1973) autor de grande influecircncia no meio de liacutengua

anglo-saxatilde ndash e em nosso proacuteprio trabalho apesar de afirmar de forma enfaacutetica adotar

uma posiccedilatildeo normanista45

ao ponto de qualificar como ldquoquixotescosrdquo os esforccedilos anti-

normanistas46

natildeo aceita ideias altamente difundidas entre os mesmos como a

etimologia do nome Rus ligada a Roethslagen e Ruotsi47

(que discutiremos logo adiante)

Vernadsky em ocasiatildeo alguma diminui a parcela de responsabilidade eslaacutevica-

44

ZAKHARII 18 45

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943] Pp259 261ss 275ss 46

VERNADSKY 276 47

VERNADSKY pp 278s

41

oriental na formaccedilatildeo da Rus antes adota tambeacutem posiccedilatildeo que a despeito de

categorizaacutevel dentre os normanistas daacute grande papel agraves interaccedilotildees muacutetuas

populacionais ndash a linha ao nosso ver mais coerente e contemporacircnea de pesquisa a

despeito de jaacute falecido haacute mais de 40 anos

Da mesma forma Thomas Noonan (1938-2001) busca uma posiccedilatildeo mais

intermediaacuteria na questatildeo ainda que partindo inequivocamente de pressupostos que

seratildeo reconhecidos por anti-normanistas como ldquonormanistasrdquo e pelos proacuteprios

normanistas como moderados

Omeljan Pritsak resume muito convenientemente os toacutepicos-chave dos dois

lados da questatildeo em sua obra peculiar ldquoThe origin of Rusrdquo apanhado imenso de

erudiccedilatildeo nos campos conectados agrave questatildeo e apresenta outra proposiccedilatildeo completamente

original de sua lavra inserindo a participaccedilatildeo da Rādhānīya judaica

Adentremos de forma mais aprofundada nas minuacutecias da posiccedilatildeo

I A Etimologia

O primeiro ldquoestadordquo russo a Rus de Kiev (ou kievana) foi fundada por

estrangeiros escandinavos Rus era o nome dado aos vikings de Leste oriundos da

Sueacutecia e conhecidos como ldquovareguesrdquo A etimologia do nome ldquoRusrdquo derivaria do fino-

uacutegrico ldquoRuotsirdquo termo cujas derivaccedilotildees satildeo empregadas ateacute os tempos contemporacircneos

entre populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica (como estonianos e finlandeses) ao referirem-se aos

suecos

Esse termo por sua vez viria do germacircnico ldquoRoacuteethrrdquo que significa ldquoremadorrdquo

em particular derivado da regiatildeo costeira de Uppland denominada como Roethslagen

cujos habitantes chamariam-se portanto Roacuteethskarlar Ekblom e Stender-Petersen

apresentam uma variante dessa etimologia sugerindo que rus derivaria de roacuteeth(er)s-

byggjar algo como ldquoos habitantes de estreitos entre as ilhasrdquo48

Devemos salientar que a grande maioria das estelas ruacutenicas com citaccedilotildees a

escandinavos viajando e morrendo em Garethariacuteki encontram-se no distrito sueco atual de

Uppland Retornaremos a tal toacutepico em detalhe no capiacutetulo 2 desta tese

48

STENDER-PETERSEN Adolf Zur Rus-Frage In Varangica Aarhus 1953 p82

42

II As fontes

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Tambeacutem chamada de ldquoCrocircnica primeira russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo sua

autoria foi atribuiacuteda no seacuteculo XIX ao monge Nestor que a teria escrito nas

proximidades de um monasteacuterio de Kiev Mais recentemente tecircm-se questionado tal

autoria argumentando-se pela hipoacutetese de uma compilaccedilatildeo de diversas crocircnicas49

Haacute duas redaccedilotildees conhecidas da crocircnica a Laurentina copiada pelo monge

Lavrentii em 1377 e a Ipatiana que datada da metade do seacuteculo XV recebeu seu nome

do monasteacuterio de Ipatiev em Kostroma onde foi descoberta apesar de provavelmente

ter sido copiada em Pskov50

As diferenccedilas entre ambas satildeo poucas principalmente nas

entradas apoacutes o ano 1110 Em ambas as redaccedilotildees o texto que transcreveremos a seguir

referente aos Rus eacute o mesmo

Nela os grupos entre os quais os Rusi estatildeo incluiacutedos satildeo todos germacircnicos de

aleacutem-mar chamados de varegues shviedy (шведы ndash svear∕suecos) normanny

(норманны - noruegueses) angly (англы - anglos) gotlandy (готландцы ndash

gotlandeses)

ldquo(862) () Estes varegues (варяги) foram chamados Rus

(русью) assim como outros chamavam-se shviedy outros normanny e

angly e ainda outros gotlandy ()51

b) Fontes bizantinas

Os tratados assinados entre os Rus e os bizantinos em 911 e 944 trazem os

nomes dos signataacuterios de rus Estes nomes satildeo nitidamente transcriccedilotildees de nomes de

origem escandinava Karly Inegeld (Ingeld) Farlof Veremud

O livro De administrando imperio ldquo(Acerca da administraccedilatildeo do Impeacuteriordquo)

49

SHERBOWITZ-WETZOR OlgerdP Introduction In The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953 P 03 50

SHERBOWITZ-WETZOR 04 51

ldquo(862) Те варяги назывались русью как другие называются шведы а иные норманны и англы а

еще иные готландцы (hellip) rdquo In Повесть временных лет ldquoCrocircnica dos anos antigosrdquo ldquoCrocircnica

primaacuteria Russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo Ediccedilatildeo de Likhatchov segundo o texto Laurentino obtida em

lthttpwwwold-russianchatru01povesthtmgt Uacuteltimo acesso em 28∕10∕2014 Traduccedilatildeo para o inglecircs

CROSS Samuel Hazzard (trad) amp SHERBOWITZ-WETZOR Olgerd P (ed) The Russian Primary

Chronicle Laurentian Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-

Wetzor Cambridge The Mediaeval Academy of America 1953

43

escrito em cerca de 948 a 952 supostamente pelo imperador bizantino Constantino

Porfirogecircnito (905 - 959) lista os nomes das cataratas e corredeiras do Dnieper

frequentemente em duas formas que o autor diferencia como sklavisti e rosisti As

formas chamadas de rosisti satildeo evidentemente transcriccedilotildees de designaccedilotildees

escandinavas Essoupi (antigo noacuterdico vesuppi ndash natildeo durma) Oulvorsi (antigo

noacuterdico holmfors corredeira da ilha nome eslavocircnico dado Ostrovouniprach)

Gelandri (antigo noacuterdico gjallandi gritandordquo ldquosoando alto) Aeifor (Antigo noacuterdico

eiforr sempre feroz eslavocircnico ldquoneasitirdquo) Varouforos (antigo noacuterdico varufors

corredeira do penhasco ou barufors corredeira da onda eslavocircnico Voulniprach)

Leanti (antigo noacuterdico leandi fervendo ou hlaeligjandi rindo eslavocircnico Veroutzi)

Stroukoun (antigo noacuterdico strukum corrente raacutepida eslavocircnico Naprezi)

Segue uma versatildeo nossa da passagem

9 Sobre a vinda dos Rus em monoxylas da Ruacutessia para

Constantinopla

As monoxylas que descem da Russia para Constantinopla satildeo de

Nemogard onde Sviatoslav filho de Igor arconte da Ruacutessia tem seu

trono e outras da cidade de Miliniska de Teliutza de Chernigov e de

Vishegrad

Todos estes descem o rio Dniepr e ajuntam-se na cidade de

Kiev tambeacutem chamada Sambatas Seus tributaacuterios eslavos os

chamados Krivichi os Lendzaneni e o resto das regiotildees eslavas

cortam as monoxylas em suas montanhas no tempo do inverno e

quando eles as tecircm preparadas com a chegada da primavera e o

derretimento da neve trazem-nas para os lagos vizinhos

E jaacute que estes lagos desaguam no rio Dniepr eles entram entatildeo

no mesmo rio e descem para Kiev carregam os barcos adiante para

serem terminados e vendem-nos para os Rus Os Rus compram os

cascos apenas equipando-os com remos escaacutelamo e outros

equipamentos de pesca de suas monoxylas velhas que eles

desmontam e assim deixam-nas preparadas E no mecircs de junho eles

descem o rio Dniepr e vecircm a Vitichev que eacute uma cidade tributaacuteria dos

Rus e ali se reuacutenem por dois ou trecircs dias E quando todas as

monoxylas estatildeo reunidas eles partem e descem o jaacute mencionado rio

Dniepr

E primeiramente eles vecircm para a primeira corredeira chamada

Essoupi que significa em Rus e slavocircnico ldquonatildeo durmardquo A barragem

por si soacute eacute tatildeo estreita quanto a largura de um estaacutedio No meio dela

estatildeo enraizadas altas rochas que erguem-se como ilhas Contra estas

entatildeo vem a aacutegua ergue-se e cai do outro lado com um poderoso e

amedrontador estrondo Dessa forma os Rus natildeo se arriscam a passar

entre elas mas dirigem-se agrave margem desembarcando os homens em

terra seca e deixando o resto dos bens a bordo das monoxylas Eles

entatildeo despem-se e carregam-na a peacute para evitar bater em alguma

rocha Isto eles fazem alguns agrave proa alguns no meio do barco

44

enquanto outros novamente agrave popa navegam-na com paus e com

este procedimento cuidadoso eles passam a primeira barragem

contornando pela margem do rio

Quando eles passam esta barreira reembarcam os outros da

terra seca navegam adiante e descem ateacute a segunda barreira chamada

em Rus ldquooulvorsirdquo e em eslavocircnico ldquoostrovouniprachrdquo que significa

ldquoa ilha da barragemrdquo Esta eacute como a primeira desastrada e que natildeo

pode se atravessar diretamente Novamente eles desembarcam os

homens e passam as monoxylas como na primeira ocasiatildeo De forma

similar eles passam a terceira barreira chamada ldquoGelandrirdquo que

significa em eslavocircnico ldquobarulho da barragemrdquo e entatildeo a quarta

barragem a grande chamada em Rus ldquoaeiforrdquo e em eslavocircnico

ldquoneasitrdquo porque os pelicanos descansam nas pedras da barragem

Nesta barragem todos colocam a proa agrave frente em terra e aqueles

delegados para manter a vigia saem com eles Assim vatildeo estes

homens e mantecircm vigiacutelia atenta aos Pechenegues

Os restantes tomando os bens que eles tecircm a bordo das

monoxyla conduzem os escravos em suas cadeias por terra seis

milhas ateacute atravessarem a barragem Entatildeo em parte arrastando suas

monoxyla em parte carregando-as em seus ombros eles conduzem-

nas ao lado oposto da barragem E entatildeo colocando-as no rio e

carregando-as com a bagagem embarcam eles mesmos e novamente

navegam nelas Quando eles chegam agrave quinta barragem chamada em

Rus ldquoVarouforosrdquo e em eslavocircnico ldquovoulniprachrdquo porque ela forma

um grande lago eles novamente conduzem suas monoxylas pelas

margens do rio como na primeira e segunda barragens e chegam agrave

sexta barragem chamada em Rus ldquoLeantirdquo e em eslavocircnico

ldquoVeroutzirdquo que eacute ldquoebuliccedilatildeo da aacuteguardquo e esta tambeacutem eles cruzam de

forma similar

E entatildeo eles navegam adiante para a seacutetima barragem chamada

em Rus ldquostroukounrdquo e em eslavocircnico ldquonaprezirdquo que significa

ldquopequena barragemrdquo Essa eles passam no chamado vau de Vrar por

onde os khersonitas deixam a Ruacutessia e os Petchenegues vatildeo a

Kherson Esse vau eacute tatildeo largo quanto o Hipoacutedromo e medido rio

acima da base ateacute o ponto em que as rochas atingem a superfiacutecie um

tiro de arco de comprimento Eacute nesse ponto consequentemente que

os Petchenegues descem e atacam os Rus Depois de atravessar este

lugar eles alcanccedilam a ilha chamada de Satildeo Gregoacuterio na qual realizam

seus sacrifiacutecios porque um gigantesco carvalho fica ali e eles

sacrificam galos vivos Eles tambeacutem penduram ao redor flechas e

outros patildeo e carne ou algo de qualquer coisa de que cada um possa

ter como eacute seu costume Eles tambeacutem lanccedilam sortes sobre os galos se

eacute para mata-los ou comecirc-los tambeacutem ou deixaacute-los vivos

Dessa ilha em diante os Rus natildeo temem aos Petchenegues ateacute

que eles atingem o rio Selinas Dali entatildeo eles comeccedilam (a fazecirc-

lo∕temecirc-los) e navegam por quatro dias ateacute que chegam ao lago que

forma a foz do rio na qual estaacute a ilha de Satildeo Atherios Tendo chegado

nesta ilha eles ali descansam por dois ou trecircs dias E eles reequipam

suas monoxyla com tantos apetrechos quanto seja necessaacuterio velas

mastros e lemes que eles trazem consigo Jaacute que esee lago eacute a foz do

rio como foi dito e desaacutegua no mar e a Ilha de Satildeo Aitherios fica ao

mar eles vecircm entatildeo ao rio Dniester e tendo chegado seguros ali

descansam novamente Mas quando o clima eacute propiacutecio eles lanccedilam-se

45

ao mar e chegam ao rio chamado Aspros e depois de descansar ali de

maneira similar eles novamente partem e vecircm para Selinas como eacute

chamado um ramal do rio Danuacutebio

E ateacute eles passarem o rio Selinas os Petchenegues manteacutem paz

com eles E se acontece que o mar lanccedila uma monoxylas na praia eles

todos colocam-na na terra de forma a apresentar uma oposiccedilatildeo unida

aos Petchenegues Depois do Selinas eles natildeo temem a ningueacutem mas

entrando no territoacuterio da Bulgaacuteria eles vecircm agrave foz do Danuacutebio Do

Danuacutebio eles procedem para Konopas de Konopas para Constantia

de Constantia para o rio de Varna e de Varna eles vecircm ao rio Ditzina

todos eles sendo territoacuterio buacutelgaro Do Ditzina eles chegam ao distrito

de Mesembria e ali finalmente sua viagem cheia de tanto trabalho e

terror tamanhas dificuldades e perigos estaacute em seu fim A severa

forma de vida desses mesmos Rus no inverno eacute como se segue

Quando comeccedila o mecircs de Novembro seus chefes junto com

todos os Rus de uma soacute vez deixam Kiev e vatildeo para a poliudia que

significa ldquoarredoresrdquo (γύρα) isto eacute para as regiotildees dos verviani

drugovitchi krivitchi severiani e o resto dos eslavos que satildeo

tributaacuterios dos Rus Ali eles satildeo mantidos ao longo do inverno mas

entatildeo novamente comeccedilando no mecircs de abril quando o gelo do rio

Dniepr derrete eles descem de volta a Kiev Eles entatildeo pegam suas

monoxylas como foi dito anteriormente preparam-nas e descem para

a Romania Os Ouzi podem atacar os Petchenegues52

c) Fontes islacircmicas

Alguns normanistas argumentam que as fontes islacircmicas tambeacutem fazem

distinccedilotildees entre Rūs e aş-Şaqāliba (eslavos) Ahmad Ibn Rustah explorador e viajante

persa do seacuteculo X viajou ateacute Novgorod com os Rus e sobre eles escreve o seguinte

ldquoOs Rūsīya vivem em uma ilha em um lago (hellip) Eles tecircm um

governante chamado khāqān Rūs Os Rūs pilham os Saqāliba

navegando em seus barcos ateacute virem sobre eles Tomam-nos cativos e

vendem-nos em Khazarān e Bulkār () Eles natildeo tecircm campos

cultivados e vivem de pilhar a terra dos Saqāliba

Quando um filho nasce o pai lanccedila uma espada perante ele e

diz lsquoEu natildeo lhe deixo nenhuma heranccedila Tudo que vocecirc possui eacute o

que vocecirc pode obter com esta espadarsquo ()

Eles usam espadas lsquoSulaymānrsquo (versatildeo nossa)rdquo53

52

Texto grego no apecircndice I 53

ldquoldquoThe Rūs [Rūsīya] live in an island in a lake (hellip) They have a ruler called khāqān Rūs The Rūs raid

the Saqāliba sailing in their ships until they come upon them They take them captive and sell them in

Khazarān and Bulkār (Bulghār) They have no cultivated fields and they live by pillaging the land of the

Saqāliba When a son is born the father throws a naked sword before him and says lsquoI leave you no

inheritance All you possess is what you can gain with this swordrsquo (hellip) They use lsquoSulaymānrsquo swords ()

rdquo Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012

46

Esta passagem eacute usada com frequecircncia por escandinavistas particularmente na

tentativa de reconstruccedilatildeo dos costumes antigos do periacuteodo viking incluindo funerais

praacuteticas de guerra e mesmo preferecircncia por armas As espadas referidas podem ser

sabres obtidos no distrito de Salmān em Khurasān54

norte da Peacutersia Soldados do

distrito usavam espeacutecies de sabres curvos no seacuteculo IX chamados shamshir mas o

termo pode ser aplicado tambeacutem a espadas de lacircmina reta55

-56

d) Fontes latinas

Nos Annales Bertiniani encontra-se um extrato que narra sobre dois enviados

dos Rhos vindos do imperador bizantino Theofilos (813-842) ao imperador Luis o Pio

(778-840) em Ingelheim cujo liacuteder tinha o tiacutetulo de chacanus ndash latinizaccedilatildeo de

ldquokhaganrdquo Consta que ldquo() o imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda

e descobriu que estas pessoas eram suecosrdquo

Misit etiam cum eis quosdam qui se id est gentem suam Rhos

vocari dicebant quos rex illorum chacanus vocabulo ad se amicitiae

sicut asserebat causa direxerat petens per memoratam epistolam

quatenus benignitate imperatoris redundi facultatem atque auxilium

per imperium suum toto habere possent quoniam itinera per quae ad

illum Constantinopolim venerant inter barbaras et nimiae feritatis

gentes inmanissimas habuerant quibus eos ne forte periculum

inciderent redire noluit Quorum adventus causam imperator

diligentius investigans comperit eos gentis esse Sueonum57

A Historia Ottonis do bispo Liutprand (c922-972) de Cremona tambeacutem traz

uma referecircncia aos Rus Enviado do imperador germacircnico Otto I (912-973) ao

imperador bizantino Nikephoros II Phokas (c912-969) entre 968-969 Liutprand cita o

seguinte

54

Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012 Nota 30 55

LINDSAY James E Daily life in the medieval Islamic world Greenwood Publishing Group 2005

p 64 56

Consideramos possiacutevel entretanto que a referecircncia se deva ao tipo de accedilo damasceno comum no

mundo islacircmico do medievo altamente valorizado pelos escandinavos mas cuja tecnologia os europeus

natildeo dominavam Lingotes do material eram comercializados pelos persas eacute possiacutevel que esta passagem

nos decirc uma pista importante sobre a fonte de material para as altamente valorizadas espadas uhfberth

primeira opccedilatildeo do guerreiro viking e cujas teacutecnicas de fabricaccedilatildeo e fontes de mateacuteria-prima ainda

consistem em um problema natildeo resolvido de todo na escandinaviacutestica 57

ldquoO imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda e descobriu que estas pessoas eram

suecosrdquo Annales Bertiniani Hannoverae Impensis bibliopolii Hahniani 1883 p21 Obtido em

httpwwwarchiveorgstreamannalesbertinian00waitpagen3mode2up em 22 de fevereiro de 2012

Avaliaacutevel tambeacutem na Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum

scholarum separatim editi

47

ldquoHabet quippe ab aquilone Hunagrios Pizenacos Chazaros

Rusios quos alio nos nomine Nordmannos apellamus ()rdquo

(Liudprandi antapodosis LibI 10 Grifo nosso)58

XV Gens quaedam est sub aquilonis parte constitua quam a

qualitate corporis Greci vocant Ρουσιος Ruacutesios nos vero a positione

nominamus Nordmannos Lingua quippe Teotonum nord aquilo man

autem dicitur homo unde et Nordmannos aquilonares homines dicere

possumus (Lib V15 Grifo nosso)59

Resumindo a argumentaccedilatildeo a hipoacutetese normanista tem sua origem portanto nas

fontes escritas russas em particular a Poacuteviest vrieacutemennikh liet e respalda-se em uma

seacuterie de fontes escritas de povos vizinhos Segundo ela nos princiacutepios da Rusos eslavos

foram dominados pelos varegues mas conseguiram expulsaacute-los Entretanto natildeo foram

capazes de se autogovernar necessitando pedir a ajuda de outros varegues para fazecirc-lo

Desses que vieram derivou a dinastia riurikida

Os primeiros governantes da Rus possuiacuteam de fato nomes escandinavos como

Igor (Yngvarr) Oleg (Helgi) Olga (Helga) Rurik (Hrorekr) sendo que apenas a partir

de Sviatoslav os nomes eslavos passam a ser predominantes As fontes e tratados

bizantinos trazem a maior parte dos Rus listados portando nomes escandinavos e os

nomes dos rios percorridos pelos varegues ateacute Bizacircncio tanto em suas formas

escandinavas quanto eslavas A proacutepria forma comum de tratamento no russo

ldquogospodinrdquo ndash ldquocavalheirordquo - derivaria do antigo noacuterdico ldquohusbondrdquo em contrapartida agraves

formas ldquopanrdquo em outras liacutenguas eslaacutevicas como o ucraniano e o polonecircs

142 A posiccedilatildeo anti-normanista

Quanto aos anti-normanistas sua escola deriva diretamente de correntes

nacionalistas russas tanto dos tempos czaristas quanto dos sovieacuteticos Se nos primeiros

a Sueacutecia era tradicional inimigo nas natildeo tatildeo ultrapassadas guerras do Norte quanto aos

segundos a ideia de que o estado russo tivesse sua origem em populaccedilotildees estrangeiras

natildeo podia ser aceita por um governo marcado pelo autoritarismo que apregoava possuir

58

ldquo os russos a quem noacutes chamamos de nordmanosrdquo Liudprandi antapodosis In Monumenta

Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi Liber I 10 59

Liudprandi antapodosis In Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in

usum scholarum separatim editi Liber V 15

48

sistema poliacutetica e econocircmico superior aos outros paiacuteses

Pode-se dizer que seu iniacutecio deu-se com a reaccedilatildeo de Mikhail Lomonoacutessov

(1711-1765 Impeacuterio Russo) agrave fala supracitada de Muumlller Dentre outros defensores

subsequentes da posiccedilatildeo podemos citar de iniacutecio Stepan Aleksandrovitch Gedeonov

(1815-1878 Impeacuterio Russo) Nikolai Ivanovitch Kostomarov (1818-1885 - Impeacuterio

Russo origem mista russo-ucraniana) Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920

Impeacuterio Russo) e V Vasilevskii que apresentaram teorias em contraacuterio agrave origem

normanista ndash as chamadas teorias ldquoBalto-Eslaacutevicardquo ldquoLituanardquo e ldquoGoacuteticardquo60

A despeito de certo influxo normanista na historiografia sovieacutetica inicial

diversos acadecircmicos passaram a apresentar forte criticismo agrave mesma encontrando

alguns seguidores em outros paiacuteses A posiccedilatildeo normanista encontrou pouco apoio

particularmente na historiografia ucraniana61

Dentre seus defensores ou simpatizantes podemos citar Mykhailo Serhiiovitch

Hruchtchevski (1866-1934- Ucracircnia-URSS) Boris Dmitrievitch Griekov (URSS 1882-

1953) Serafim Vladimirovitch Iushkov (1888-1952 URSS) Boriacutes Aleksandrovitch

Rybakov (1908-2001 URSS) L Tcherepnin Mikhail N Tikhomirov Vladimir T

Pashuto I Chaskolskii Nicholas Valentine Riasanovsky (1923-2011 USA) Alexander

V Riasanovsky o polonecircs Henryk Łowmiański (1898-1984) e historiadores ucranianos

contemporacircneos como Petro Petrovitch Tolochko (1938-) MBraychevski M Kotlyar e

V Baran

A posiccedilatildeo anti-normanista eacute em grande parte uma resposta aos pontos

defendidos pelos normanistas Apresenta-se como uma contra-argumentaccedilatildeo

comprometida com a origem autoacutectone da Ruacutessia ou da Ucracircnia do que propriamente

num escopo teoacuterico bem-definido Seguem suas ideias principais

I A questatildeo da etimologia

Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920) articulou a ideia de que o termo Rhos

estaria conectado aos Roxolani da Antiguidade tribos Saacutermatas que teriam habitado as

estepes da atual Ucracircnia e migrado para a direccedilatildeo do Danuacutebio no seacuteculo I AC Sua

ideia que se tornou tradicional na argumentaccedilatildeo anti-normanista e foi chamada de

60

ZAKHARII 20 61

ZAKHARII 21

49

ldquoTeoria iranianardquo perdeu peso e aceitaccedilatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX

Em 1837 o historiador escritor e naturalista ucraniano Mikhailo

Oleksandrovitch Maksymovitch (1804-1873) desenvolveu a ldquoTeoria localrdquo segundo a

qual o nome Rus estaria ligado agrave aacuterea do rio Rosacute tributaacuterio da margem direita do

Dnieper e nascente na Vinnytsia Oblast Outros rios citados tambeacutem por Potebnya

seriam o Rosava (tributaacuterio do mencionado Rosacute) Rusna e Rostavitsia Proeminente no

processo de construccedilatildeo de consciecircncia nacional ucraniano levado a cabo do seacuteculo XIX

Maksymovitch argumentava que a regiatildeo da Rus natildeo teria ficado despovoada apoacutes a

Invasatildeo Mongol Antes teria sido habitada continuamente pelos remanescentes da Rus

com os quais os ucranianos teriam uma linha de continuidade direta

Esta ideia seraacute levada mais adiante a partir do periacuteodo sovieacutetico Os anti-

normanistas argumentariam que o nome Rus estaria inicialmente ligado com a aacuterea de

Kiev ao Sul habitada desde seacuteculos anteriores pelos eslavos e natildeo com as regiotildees de

Ladoga e Novgorod ao norte de maior influecircncia escandinava e habitada anteriormente

por baltos e fino-uacutegricos

Ilovaacuteiskii62

citaria o Neman da Lituacircnia como nomeado anteriormente de Ros

contendo um tributaacuterio chamado Rus e drenado na bacia Rusna o Ros ou Rus na

proviacutencia de Novgorod Rusi (a foz do Narev) Ros (uma foz do Dniepr) Rusa (a foz do

Semi) e um Ros ou Ras no Volga Nesta linha argumentativa estaria o uso dos termos

Ruslo ldquoriordquo em antigo eslavocircnico e Rusalka - um ldquoespiacuterito da aacuteguardquo nas mitologias

eslaacutevicas

Outra evidecircncia etimoloacutegica apresentada pelos anti-normanistas seria o uso do

termo Hrōs na Crocircnica siriacuteaca do Pseudo-Zacharias reitor de 555 AD ligado a povos

de origem no caacuteucaso vivendo no periacuteodo em questatildeo ao sul de Kiev ndash trecircs seacuteculos

anteriormente aos movimentos escandinavos no norte da Ruacutessia portanto

II Os argumentos de ausecircncia

Outro argumento levantado pelos anti-normanistas em contraposiccedilatildeo agrave ideia da

derivaccedilatildeo de Ruotsi de Roethslagen seria a inexistecircncia de qualquer tribo chamada de

Rus na Escandinaacutevia bem como a ausecircncia de menccedilatildeo a ela nas fontes noacuterdicas

62

ILOVAacuteISKII 1890 VII

50

Afirmam tambeacutem que haacute ausecircncia de material arqueoloacutegico escandinavo

encontrado nas rotas de comeacutercio cidades e entrepostos proacuteximos agraves mesmas

III Os enviados

Quanto aos enviados citados nos Annales Bertiniani a postura anti-normanista

afirma que os nomes noacuterdicos natildeo provariam o componente eacutetnico escandinavo dos

Rus Antes esses escandinavos seriam apenas espeacutecies de representantes comerciais de

priacutencipes eslaacutevicos Rus Seriam diplomatas e comerciantes profissionais

IV Fontes islacircmicas

Alguns defensores anti-normanistas citam o autor Ibn Khurdadbeh que

escrevendo entre 840 e 880 chamava aos rus uma tribo de eslavos (aş-Şaqāliba)

V Superioridade econocircmica

Rybakov (1908-2001) professor de Histoacuteria na Universidade de Moscou desde

1939 personificaraacute em particular as ideias anti-normanistas Em Ремесло Древней

Руси63

de 1948 procura demonstrar que a Rus de Kiev seria superior economicamente

agrave Europa Ocidental Em Геродотова Скифия Историко-географический анализ de

197964

defenderaacute que os eslavos descenderiam dos citas da Antiguidade

Baseando-se em sua argumentaccedilatildeo os anti-normanistas negam a validade do

relato da Poacuteviest vrieacutemennikh liet alegando que natildeo haveria razatildeo para que os eslavos

culturamente avanccedilados convidassem os varegues para governaacute-los

63

ldquoOfiacutecios na antiga Rusrdquo 64

ldquoCitia de Heroacutedoto anaacutelise histoacuterico-geograacuteficardquo

51

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees

I O problema das etimologias

As criacuteticas dos anti-normanistas resumem alguns pontos criacuteticos das ideacuteias

normanistas Um dos ataques mais fundamentados seria a etimologia de Rus e a sua

suposta ligaccedilatildeo com Roacuteethr

Omeljan Pritsak ainda que natildeo totalmente contraacuterio agrave posiccedilatildeo normanista vai

aleacutem da criacutetica anti-normanista ao atacar a proacutepria derivaccedilatildeo de Rus de ruotsi Segundo

ele ruotsi vincularia-se a um suposto rūzzi e natildeo Rus65

Ele aponta entretanto que seria igualmente errocircneo o uso do pseudo-Zacharias

e o suposto Hrōs pelos anti-normanistas O termo para ele seria na verdade uma

corruptela na adaptaccedilatildeo siriacuteaca do grego ἥρως (heroacutei) Na passagem em questatildeo o

copista teria citado um trecho referente agraves Amazonas citadas de uma versatildeo do meacutedio

persa da saga de Alexandre A corruptela de ἥρως teria sido usada para os pares gigantes

das Amazonas e natildeo se trataria de uma forma eacutetnica de um povo ou grupo racial66

Podemos apontar tambeacutem que haacute certa circularidade no uso de hidrocircnimos

contendo raiacutezes similares a Rus ou rosacute e os termos ruslo e rusalka por encontrarem-se

em campos semacircnticos adjacentes ligados agrave aacutegua rios foz de rio divindades aquaacuteticas

Os anti-normanistas estatildeo corretos quando afirmam a ausecircncia de alguma tribo

germacircnica ou escandinava com tal designaccedilatildeo Isto natildeo invalida entretanto a

argumentaccedilatildeo acerca da proveniecircncia de Roethslagen como possiacutevel etimologia para Rus

A criacutetica anti-normanista nesse sentido fundamenta-se num criteacuterio bastante restrito e

exclusivamente eacutetnico ndash uma acepccedilatildeo contemporacircnea de identidade A inexistecircncia de

uma tribo de um grupo eacutetnico com laccedilos consanguiacuteneos ldquoraciaisrdquo apresenta-se como

contra-argumento insuficiente agrave medida que a etimologia proposta de Roethslagen

enfatiza a proveniecircncia da regiatildeo costeira de Uppland e tem o viacutenculo com o ato de

remar navegar lanccedilar-se ao mar Eacute uma proposiccedilatildeo de etimologia de caraacuteter ao menos

em sua origem ocupacional que posteriormente definiraacute o grupo em questatildeo de forma

eacutetnica apenas na confrontaccedilatildeo com outro grupo cultural distinto

Haacute de se notar a existecircncia de outras etimologias que apresentam situaccedilatildeo

65

PRITSAK 06 66

PRITSAK 06

52

similar em contexto muito proacuteximo nos termos vikingr e bjarmar Conquanto tenham

no periacuteodo contemporacircneo e poacutes-romacircntico assumido um sentido marcadamente eacutetnico

ao leitor as etimologias mais recentes propostas derivam vikingr de vik- baiacutea enseada

ligando-o natildeo a um sentido eacutetnico restrito agrave Noruega e agrave regiatildeo de Oslo mas sim ao

sentido ocupacional do termo daquele que frequenta o mar67

Bjarmar por sua vez a despeito das tentativas de estudiosos que tentam ligar a

designaccedilatildeo aos Komi da regiatildeo russa de Perm tem obtido um consenso acadecircmico eacute

termo aplicado primordialmente aos careacutelios mas tem sua origem no termo fino-uacutegrico

-per(e)macute Isto implica o caraacuteter ocupacional o modo de vida das populaccedilotildees que

desenvolviam atividade econocircmica extratora nas proximidades do Mar Branco

principalmente a coleta de peles caccedila e comeacutercio68

Enfim um peso muito grande em etimologias demonstra ser prejudicial e

impraticaacutevel abrindo os flancos de ambas as posiccedilotildees a uma seacuterie de ataques

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade

Os anti-normanistas questionam a quantidade de material escandinavo

encontrado nas principais cidades e povoamentos da Rus como Novgorod Kiev e

Staraia Ladoga Eacute adequado afirmar que encontramo-nos aqui em uma forma um tanto

subjetiva e relativa de argumentaccedilatildeo ao quantizar por ldquomuitordquo e ldquopoucordquo Em particular

no campo da Arqueologia a ausecircncia de vestiacutegios de alguma espeacutecie natildeo eacute ldquoprovardquo ou

ponto passiacutevel de definiccedilatildeo teoacuterico pela proacutepria natureza da evidecircncia arqueoloacutegica

que eacute fragmentada indiciaacuteria e incompleta

Acerca do toacutepico David M Wilson escreve o seguinte

ldquoIn England the only town to produce really convincing Viking

antiquities in any number is York and this number has been rather

exaggerated Structures of the Anglo-Danish period in York are rarely

found and even when they are they are not specifically Viking in

character The other Viking towns in England [known from historical

sources ndash OP] have produced hardly any Viking antiquities We know

that the Vikings were there just as we know that there Vikings in

Novgorod and Kievrdquo69

67

HAYWOOD John The Penguin Historical Atlas of the Vikings London Penguin Books 1995 Pp

08ss MUCENIECKS 2010 03-06 68

CHESTNUT Michael Afterword In ROSS Alan The Terfinnas and Beormas of Othere University

College London Viking Society for Northern Research 1981 p77 69

WILSON David M East and West A Comparison of Viking Settlement In Varangian Problems

53

A citaccedilatildeo transcrita tambeacutem por Pritsak pode levantar argumentos contraacuterios ou

questionamentos sobre o que eacute um nuacutemero ldquoexageradordquo ou ldquoconvincenterdquo de artefatos

Pode parecer tambeacutem uma forma de se esquivar do problema de forma retoacuterica Ela traz

agrave pauta entretanto alguns aspectos uacuteteis e pertinentes agrave discussatildeo

A mais premente eacute a questatildeo da dificuldade de questotildees relativas agrave etnicidade70

na interpretaccedilatildeo dos vestiacutegios arqueoloacutegicos Conquanto tenha sido tema de destaque na

Arqueologia Histoacuterico-Cultural o predomiacutenio da Arqueologia Processualista abandonou

quase que por completo as discussotildees referentes agrave etnicidade pelas dificuldades e

impossibilidades apresentadas pela natureza da evidecircncia Ou seja a questatildeo per si jaacute eacute

complexa quando associado ao problema polecircmico da etnicidade dos Rus

evidentemente assume contornos ainda mais difusos e pouco seguros

A questatildeo da Etnicidade eacute um tema que seraacute retomado pela arqueologia poacutes-

processualista em bases bastante diversas com fundamentaccedilotildees teoacutericas diversas

amplas e complexas e uma compreensatildeo diferente do problema da existecircncia de

subjetividades fluidez mutabilidade e criteacuterios de definiccedilatildeo eacutetnica muitas vezes

especiacuteficos em cada caso

Outro aspecto levantado eacute a questatildeo da Arqueologia Histoacuterica e da relaccedilatildeo

muitas vezes difiacutecil e nem sempre harmocircnica entre os diferentes niacuteveis de interpretaccedilatildeo

que satildeo levantados pela Arqueologia e pela Histoacuteria Um exemplo de caso dessas

questotildees eacute a escavaccedilatildeo de Sarskoie Gorodichtche ao sul da atual Rostov no banco do

Sara A despeito das grandes evidecircncias de habitaccedilatildeo escandinava coexistindo com os

Meri nativos fino-uacutegricos a partir do seacuteculo IX esta interpretaccedilatildeo formulada desde o

iniacutecio das escavaccedilotildees em 1854 foi substituiacuteda quando as escavaccedilotildees sovieacuteticas foram

reiniciadas apoacutes 1949 A interpretaccedilatildeo sovieacutetica oficial veiculada na Большая

советская энциклопедия71

seria a de que o siacutetio era exclusivamente habitado pelos

Meri desde o seacuteculo VI Fortificaccedilotildees foram construiacutedas pelos eslavos no seacuteculo X

mas apoacutes isso a cidade declinou ateacute o seacuteculo XIII Sarskoie Gorodichtche passou a ser

considerada pela academia sovieacutetica como a ldquocapitalrdquo dos antigos Meri

Scando-Slavica Supplementum 1 Copenhagen Munksgaard 1970 P113 70

Consideramos o termo na acepccedilatildeo de um conjunto de carateriacutesticas que definem uma determinada

populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave outra Tais atributos possuem fronteiras muito fluiacutedas por vezes pragmaacuteticas que

alteram-se no decorrer do tempo sendo mais geralmente ligados agrave liacutengua viacutenculos sanguiacuteneos e

religiosos 71

ldquoGrande enciclopeacutedia sovieacuteticardquo

54

Por fim levanta-se a questatildeo da natureza da ocupaccedilatildeo escandinava natildeo apenas

na Ruacutessia mas da proacutepria forma e natureza dos movimentos escandinavos pela Europa

e outras regiotildees Um elemento-chave no sucesso escandinavo em um espectro

geograacutefico tatildeo grande deve-se em grande parte agrave sua mobilidade e adaptabilidade

caracteriacutestica a diversos contextos Associada a esta adaptabilidade estaacute uma fluidez

consideraacutevel na natureza dos processos sociais envolvidos que em particular no caso da

Rus parece ter sido bastante marcante como demonstra a mudanccedila em poucas geraccedilotildees

dos nomes escandinavos da casa de Rurik para nomes eslaacutevicos Como bem ressalta

Logan

The principal historical question is not whether the Rus were

Scandinavians or Slavs but rather how quickly these Scandinavian

Rus became absorved into Slavic life and culture In 839 the rus

were swedes in 1043 the Rus were slavs Sometime between 839 and

1043 two changes took place one was the absorption of the Swedish

Rus into the Slavic people among they settled and the second was the

extension of the term acuteRusacute to apply to these Slavic peoples by whom

the Swedes were absorved72

Sob este aspecto de mobilidade transitoriedade e adaptabilidade eacute necessaacuterio

frisar que a evidecircncia arqueoloacutegica daacute suporte agrave compreensatildeo de uma ampla

movimentaccedilatildeo escandinava pela Euraacutesia evidenciada natildeo apenas no grande nuacutemero de

tesouros de dirhams encontrados pela Ruacutessia Paiacuteses Baacutelticos e Escandinaacutevia mas

tambeacutem por artefatos como pentes broches objetos com vestiacutegios de inscriccedilotildees ruacutenicas

e fiacutebulas encontrados em Staraia Ladoga Timerevo (extrato mais antigo de Yaroslav)

Gorodichtche Staraya Russa Sarskoie Gorodichtche Gniozdovo e nos paiacuteses vizinhos

(ie Daugmale e Grobiņa na Letocircnia Iru e Proosa na Estocircnia)

O cemiteacuterio de Plakun no outro banco do Volkhov em Ladoga contendo

enterramentos escandinavos natildeo eacute equiparado agrave Grobiņa por exemplo poreacutem a

evidecircncia existente eacute sob nosso ponto de vista bastante convincente apresentando

indiacutecios convincentes da presenccedila escandinava73

72

LOGAN F D The Vikings in History Routledge 1991[1983] p203 73

NOONAN 1998a 339

55

144 Outras possibilidades interpretativas

Omeljan Pritsak ainda que inclinado para o lado anti-normanista considera

nenhum dos extremos da querela completamente convincente presentando uma outra

hipoacutetese Segundo ele o nome Rus eacute uma espeacutecie de ldquotrademarkrdquo de mercadores judeus

medievais especializados em comercializar escravos da Ruacutessia Europeacuteia principalmente

com muccedilulmanos mas tambeacutem com europeus ocidentais

O grupo principal nesse tipo de comeacutercio era a corporaccedilatildeo judaica chamada

Rādhānīya que possuindo contatos na maior parte das colocircnias judaicas incluindo o

acesso agraves regiotildees controladas pelos khazares detinha o monopoacutelio do fornecimento de

escravos eslavos os chamados aş-Şaqāliba lsquopelos muccedilulmanos

Note-se que na liacutengua inglesa bem como em diversos idiomas da Europa

Ocidental o termo ldquoescravordquo deriva de variantes do ldquoeslav-rdquo tal era o predomiacutenio de tal

componente eacutetnico no comeacutercio escravista na Euraacutesia O termo aacuterabe ldquoaş-Şaqālibardquo

tambeacutem deriva de ldquosklavrdquo ou termos similares pelos quais os proacuteprios eslavos se

nominavam Na Europa Ocidental os judeus da Rādhānīya baseariam-se em algumas

regiotildees da Francia como Marseiles e Rodez Para Pritsak tais mercadores conhecidos

como ldquoRuthenicisrdquo teriam legado o nome Rus oriundo de sua proacutepria companhia Com

o passar do tempo o comeacutercio por eles dominado passaria a intermediaacuterios varegues

que dessa forma adotariam o nome Rus como uma espeacutecie de marca registrada ou

designaccedilatildeo comercial74

Tal ideacuteia natildeo pode ser sustentada De fato o chamar tais judeus de ldquomercadores

russosrdquo ou ldquoruthenicisrdquo devia-se antes de seu nome comercial agrave sua proveniecircncia e

atividade nas regiotildees jaacute conhecidas por tal nome O argumento de Pritsak por mais

engenhoso que parece acaba tornando-se uma inversatildeo

Quanto agrave Thomas Noonan apesar de dar um peso grande agrave evidecircncia

arqueoloacutegica e em particular da Numismaacutetica toma uma posiccedilatildeo mais moderada mais

de acordo com a Arqueologia Histoacuterica contemporacircnea em procurar inserir aspectos

das duas visotildees levando em consideraccedilatildeo tanto a presenccedila escandinava quanto a

contribuiccedilatildeo local eslaacutevica fino-uacutegrica e baacuteltica ainda que aparentemente esta posiccedilatildeo

incline-se um pouco para o espectro normanista da questatildeo De fato esta posiccedilatildeo eacute a

74

PRITSAK 24s

56

que tem alcanccedilado a maior proximidade com um consenso ao menos entre os

estudiosos nos paiacuteses anglo-saxotildees escandinavos e baacutelticos sobre os iniacutecios da Ruacutessia

Nos uacuteltimos anos a temaacutetica viking tem levantado tambeacutem um nuacutemero grande

de interessados na Ruacutessia e em outras naccedilotildees de origem eslaacutevica ao menos a niacutevel

popular e o nuacutemero de estudiosos de origem eslava a considerar a questatildeo sem as

tradicionais restriccedilotildees e preconceitos sovieacuteticos tecircm aumentado bem como obras que

ampliam e trazem em pauta novas questotildees Podemos citar por exemplo Melnikova75

Tatijana Jackson76

Fyodor Androshchuk77

Wladyslaw Duczko78

145 O problema metodoloacutegico

A questatildeo do nacionalismo e da influecircncia do ambiente contemporacircneo poliacutetico

sobre o pesquisador eacute o principal ponto gerador de discoacuterdia entre os diversos

envolvidos nos debates normanistas A temaacutetica por si soacute encontra-se de certa forma

esgotada e repetitiva no que toca agrave argumentaccedilatildeo e contra-argumentaccedilatildeo dos dois lados

Haacute ainda outra dimensatildeo que necessita ser acrescentada ao debate o problema

metodoloacutegico De fato boa parte da discordacircncia envolvida na controveacutersia normanista

eacute uma discordacircncia de meacutetodo e da forma de anaacutelise das fontes de informaccedilotildees

O lado normanista privilegia a evidecircncia histoacuterica as fontes primaacuterias de caraacuteter

mais tradicional ou seja escritas Os anti-normanistas procuram dirigir o peso

interpretativo para a Arqueologia como se a mesma pudesse propiciar um argumento

cientiacutefico isento factual e plenamente objetivo Ambos os lados empregam evidecircncia

linguiacutestica etimoloacutegica e toponiacutemica nas tentativas de reforccedilar sua argumentaccedilatildeo por

vezes gerando becos sem saiacuteda

Dessa forma parte do que ocorre na controveacutersia normanista espelha um

problema de ordem mais geral metodoloacutegica que eacute objeto primaacuterio de estudo do ramo

75

MELNIKOVA EA The Eastern World of the Vikings Eight Essays about Scandinavia and Eastern

Europe in the Early Middle Ages Gothenburg Old Norse Studies 1 Goumlteborg universitet

Litteraturvetenskapliga institutionen 1996 76

ДЖАКСОН Т Н Austr iacute Goumlrethum древнерусские топонимы в древнескандинавских источниках

mdash М Языки русской культуры 2001 (JACKSON Tatiana Nikolaievna Austr I Goumlrethum Topocircnimos

russo-antigos nas fontes antigas escandinavas Moscou Liacutengua e Cultura Russos 2001) 77

ANDROSHCHUK Fjodor The Vikings in the East In BRINK Stefan amp PRICE Neil (eds) The

Viking World London amp New York Routledge 2008 pp517-542 78

DUCZKO Wladyslaw Viking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe The

Northern World v12 Leiden Boston amp Tokyo Brill 2004

57

especiacutefico da Arqueologia Histoacuterica e que perpassa diversos outros recortes Um

exemplo muito marcante de similaridade metodoloacutegica ocorre na Arqueologia Siro-

Palestina antiga Arqueologia Biacuteblica que nas uacuteltimas deacutecadas assistiu ao

engrandecimento de toda a evidecircncia arqueoloacutegica e a propiciada pela Cultura

Material79

em conjunto a um desprezo pelas fontes escritas das quais o texto biacuteblico eacute a

principal definindo a escola chamada de Minimalista Temos aqui as motivaccedilotildees de

ordem ideoloacutegica e a influecircncia da ldquoNew Archaeologyrdquo (ou arqueologia

ldquoProcessualistardquo) com sua ecircnfase nas Ciecircncias Sociais e seu cientificismo bem como

abandono de temaacuteticas de etnicidade religiatildeo e o uso das fontes escritas

Eacute interessante notar a similaridade de resultados provocada por contextos sociais

diversos e especiacuteficos A Arqueologia sovieacutetica natildeo bebeu das mesmas fontes teoacutericas

que influenciaram a Arqueologia ocidental A ldquoNew Archaeologyrdquo natildeo teve acesso ao

bloco oriental aliaacutes o isolamento entre arqueoacutelogos e historiadores sovieacuteticos e

ocidentais provocou uma gama variada de incompreensotildees e gerou atraso em vaacuterias

frentes nos estudos histoacutericos mais amplos que envolvem a Ruacutessia e o Ocidente

Entretanto a matriz marxista teve na arqueologia sovieacutetica um papel similar ao

que as teorias sociais tiveram na New Archaeology que foi a tentativa de explicaccedilatildeo do

registro e da evidecircncia por meio de um escopo teoacuterico criacutetico e bem-definido Eacute

necessaacuterio reconhecer o benefiacutecio e avanccedilo que as tentativas de interpretaccedilatildeo mais

soacutelidas trouxeram agrave Arqueologia como um todo fazendo-a transpor o status de ldquociecircncia

auxiliarrdquo fazendo-a abandonar uma abordagem meramente descritiva e ilustrativa e

dando a ela um escopo mais amplo e soacutelido dentre as demais Ciecircncias Humanas

Entretanto esse apego agraves teorias gerais explicativas muitas vezes imobilizou a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica em quadros riacutegidos e preacute-definidos abandonando fontes

uacuteteis de informaccedilatildeo como a evidecircncia das fontes primaacuterias escritas dessa forma

limitando grandemente a abrangecircncia das temaacuteticas passiacuteveis de estudo arqueoloacutegico

O lado normanista da questatildeo por sua vez desenvolveu-se de em grande parte

em uma visatildeo histoacuterica de caraacuteter mais tradicional compartilhada pela Arqueologia

Histoacuterico-Cultural As explicaccedilotildees de migraccedilotildees e movimentos de povos como fatores

provocadores de mudanccedila tatildeo caracteriacutesticos da explicaccedilatildeo da Arqueologia Histoacuterico-

79

Termo usado aqui na acepccedilatildeo arqueoloacutegica que considera Cultura Material toda manifestaccedilatildeo da accedilatildeo

humana natildeo limitada agrave confecccedilatildeo de artefatos ndash contendo a tecnologia da escrita ou natildeo - mas

revelando-se tambeacutem por exemplo na alteraccedilatildeo do ambiente e da paisagem

58

Cultural harmonizam-se bem com a explicaccedilatildeo normanista em seu espectro mais

simplista e extremado Um grupo estrangeiro externo ldquomais evoluiacutedordquo traz tecnologia e

estruturas sociais que promovem mudanccedila social no contexto em questatildeo

Eacute necessaacuterio transpor tais linhas de explicaccedilatildeo para uma compreensatildeo mais

satisfatoacuteria da situaccedilatildeo que aplique um tratamento adequado agraves diversas naturezas de

evidecircncias e incorpore escolas de pensamento mais recentes como a Arqueologia Poacutes-

Processual e a Nova Histoacuteria Natildeo podemos simplesmente ignorar as fontes escritas

tampouco as evidecircncias arqueoloacutegicas Concordacircncias entre ambas nos revelam

conhecimento sobre o passado Poreacutem discordacircncias tambeacutem

A abordagem de Thomas Noonan tentando esquivar-se das insuficiecircncias

produzidas pelas fontes escritas abriu generosos leques de interpretaccedilatildeo mas propiciou

uma estrutura explicativa de cunho mais econocircmico para o movimento escandinavo no

Leste A circulaccedilatildeo de dirhams aacuterabes apresentou-se como atrativo e impulso aos

escandinavos

A narrativa deixada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet pode apontar caminhos

interpretativos diversos e mais amplos de como o passado recente era visto pelo seacuteculo

X A reelaboraccedilatildeo do passado lida com esse mesmo passado estudado atraveacutes dos

vestiacutegios arqueoloacutegicos e da Numismaacutetica Dessa forma ainda que as interpretaccedilotildees

mais oacutebvias de ambas abordagens possam parecer exclusivas elas propiciam um

conhecimento mais completo do quadro histoacuterico da regiatildeo

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais

Haacute outra vertente ainda que pode ser explorada e que oferece campo promissor e

amplo no estudo da PVL e o Chamado dos Varegues Trata-se dos estudos que

incorporam anaacutelise do mito conhecimento antropoloacutegico e literaacuterio

Marshal Sahlins em ldquoIlhas da Histoacuteriardquo apresenta-nos um estudo de caso

antropoloacutegico que sugere uma forma interpretativa da situaccedilatildeo Natildeo pretendemos expor

uma hipoacutetese absoluta e substitutiva da controveacutersia mas apontar a existecircncia de formas

diversas pelas quais a situaccedilatildeo ainda pode ser analisada com o emprego de conceitos

59

mais recentes de interpretaccedilatildeo historiograacutefica como a Antropologia Histoacuterica

No estudo de caso ldquoO rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fijirdquo Sahlins

apresenta a desconcertante possibilidade comparativa da teoria tripartite de Dumeacutezil

com suas proacuteprias investigaccedilotildees sobre as estruturas sociais nas Ilhas Polineacutesias

A ponte que Sahlins faraacute encontra-se no aspecto da Teoria Poliacutetica Aponta para

a recorrente situaccedilatildeo do simbolismo envolvido na adoccedilatildeo de um governante estrangeiro

por uma sociedade especiacutefica

ldquoA soberania aparece como vinda do exterior da sociedade O

rei que eacute de iniacutecio um estrangeiro e uma figura um tanto aterrorizante

seraacute depois absorvido e domesticado pela populaccedilatildeo nativa em um

processo que passa por sua morte simboacutelica e seu consequente

renascimento sob a forma de um deus localrdquo80

Os paralelos apontados por Dumeacutezil encontram-se mais no campo da Histoacuteria

Claacutessica a vinda de Eneacuteias de Troacuteia a questatildeo dos latinos e sabinos a expulsatildeo de

Rocircmulo e Remo por Numitor e a posterior conquista do poder por Rocircmulo como um

ser vindo de fora Os paralelos trazidos por Sahlins tratam mais de casos da Oceania em

particular envolvendo o Capitatildeo Cook Poderiacuteamos acrescentar outras situaccedilotildees como a

chegada de Europeus agraves Ameacutericas em um contexto definitivamente natildeo conexo e sem

ligaccedilotildees histoacutericas verificaacuteveis

Poreacutem o contexto especiacutefico da Histoacuteria Claacutessica encontra-se mais proacuteximo em

um acircmbito europeu e podemos encontrar outros paralelos Um eacute de particular interesse

por ter sido empregado pelos criacuteticos das ideias normanistas Trata-se da Crocircnica

Anglo-saxatilde que vai tratar de formas muito semelhantes agrave narrativa da Poacuteviest

vrieacutemennikh liet a vinda dos anglos para as Ilhas Britacircnicas Por sua vez temos uma

interessante similaridade na Saga de Yngvar81

Sueco que faraacute uma expediccedilatildeo de renome

duradouro agrave Ruacutessia morrendo possivelmente nas proximidades do Mar Caacutespio Yngvar

enquadra-se de certas formas no estereoacutetipo do rei estrangeiro

Sahlins e Dumeacutezil traratildeo a ideia de que num campo simboacutelico e imaginaacuterio o

elemento estrangeiro simbolizaraacute o masculino o macho feroz criador e procriador e

quando mitologizado geralmente associado ao sol e agraves esferas celestes Quanto ao

80

SAHLINS Marshall O rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fiji In Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro

Jorge Zahar 1990 [University of Chicago Press 1987] p106 81

Traduccedilatildeo inglesa PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga

and Eymunds Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]

60

elemento nativo simbolizaraacute num primeiro momento o feminino a associaccedilatildeo com o

poder da terra e do subterracircneo de crescimento de accedilotildees paciacuteficas e duradouras Como

os sabinos apresentam-se associados com a riqueza com aquilo que ldquonutre a semente

divina e a transforma em substacircncia socialrdquo

Essa forma interpretativa encontra eco tambeacutem em estudos natildeo apenas da

Mitologia Escandinava per se mas tambeacutem em trabalhos que vinculam representaccedilotildees

mitoloacutegicas agrave proacutepria institucionalizaccedilatildeo monaacuterquica O conceito de Hierogamia (de

ιερός γάμος ldquocasamento sagradordquo) eacute aplicado no contexto escandinavo desde estudiosos

de deacutecadas anteriores como Regis Boyer Hilda Ellis-Davidson e Thomas Dubois

quanto das novas geraccedilotildees como Christopher Abram e Gro Steinsland82

De forma

recorrente encontram-se semelhanccedilas em narrativas que apresentam a uniatildeo entre duas

divindades representativas da ordem e do caos

Na narrativa escandinava o proacuteprio escandinavo estaacute ligado agrave divindade

masculina e ao princiacutepio da ordem A populaccedilatildeo estrangeira o outro ndash frequentemente

os saami ou os finnar - eacute associada agrave divindade e ao princiacutepio feminino ligado ao caos

agrave falta de estruturaccedilatildeo A uniatildeo entre as duas entidades resultaraacute em feitos

extraordinaacuterios Dessa forma encontra-se o mito da Hierogamia ldquostrongly connected to

the legitimation of the elite to the peoples wish for fertility as well as philosophies

around death and ressurectionrdquo83

Existem indiacutecios tambeacutem da existecircncia de mitos hierogacircmicos entre os fino-

uacutegricos em particular referente ao casamento do deus Ukko com Rani84

e entre os

povos eslaacutevicos85

As discussotildees relativas agrave mitologia eslaacutevica entretanto enfatizam de

82

Destaque agrave tese de doutoramento da norueguesa Gro Steinsland defendida em 1989 e intitulada ldquoDet

hellige bryllup og norroslashn kongeideologi en analyse av hierogami-myten i Skiacuternismaacutel Ynglingatal

Haacuteleygjatal og Hyndluljoacuted ldquo (ldquoO casamento sagrado e a ideologia noacuterdica de realeza uma anaacutelise do mito

do hieros gamos no Skiacuternismaacutel Ynglingatal Haacuteleygjatal e Hyndluljoacuteethrdquo) Agradecimentos a Renan Birro

que trouxe agrave lembranccedila as seguintes obras que tratam da temaacutetica em uma perspectiva mais ampla em

completa ABRAM Christopher Myths of the Pagan North New York Continuum International

Publishing Book 2011 STEINSLAND Gro BEUERMANN Ian et alli (eds) Ideology and Power in

the Viking and Middle Ages Scandinavia Iceland Ireland Orkney and the Faeroes Leiden Brill 2011 83

KVILHAUG Maria The Maiden with the Mead A Goddess of Initiation Rituals in Old Norse

Mythology Oslo VDM Verlag 2009p 23 84

DUBOIS Thomas Nordic Religions in the Viking Age Philadelphia at the University Press 1999 P

56 85

BELAJ Vitomir Uz Katičićevu rekonstrukciju tekstova o baltoslavenskoj Majci bogova In Trava od

srca Hrvatske Indije II Urednici Ekrem Čauševićhellip et ali Zagreb Hrvatsko filološko društvo

Filozofski fakultet 2000 MARJANIĆ Suzana The Dyadic Goddess and Duotheism in Nodiloacutes The

Ancient Faith of the Serbs and the Croats In Studia Mythologica Slavica VI 2003 Pp 181-204 amp

NODILO Natko Stara vjera Srba I Hrvata In Religija Srbacirc i Hrvatacirc na glavnoj osnovi pjesama priča i

govora narodnog (Antiga feacute dos seacutervios e croatas In Religiatildeo dos seacutervios e croatas nas principais bases

61

forma um tanto demasiada aspectos estruturalistas e mesmo fenomenoloacutegicos que

desembocam em tentativas da reconstruccedilatildeo de um panteatildeo bem-definido e difundido

frequentemente desconsiderando as especificidades contextuais Em ambos os casos a

aplicaccedilatildeo do hieros gamos agrave legitimaccedilatildeo monaacuterquica encontra-se distante da discussatildeo

mas eacute interessante notar que ao menos funcionalmente haacute similaridades entre as

divindades envolvidas (ie um deus celeste muitas vezes ligado ao trovatildeo que une-se agrave

deusa-terra)

Retornando a um contexto escandinavo eacute razoaacutevel argumentar que no campo do

imaginaacuterio a temaacutetica do ldquorei estrangeirordquo propicia valor simboacutelico acentuado em

particular na confecccedilatildeo de narrativas de princiacutepios de reinos e dinastias

O historiador necessita ter saudaacuteveis ressalvas na aplicaccedilatildeo de comparaccedilotildees

entre contextos sem conexotildees histoacutericas empiacutericas e∕ou plausiacuteveis ainda que um

regresso ao historicismo e positivismo natildeo sejam uma opccedilatildeo poreacutem de forma alguma

procuramos a criaccedilatildeo de leis antropoloacutegicas universais

Ora eacute necessaacuterio frisar o proacuteprio meacutetodo antropoloacutegico e etnograacutefico insiste na

necessidade de que o estudo de campo preceda o estudo de caso eacute ele que forneceraacute a

teoria explicativa especiacutefica do caso em questatildeo ainda que outros estudos teoacutericos

possam propiciar escopo fundamentaccedilatildeo bem como na formulaccedilatildeo mais precisa das

questotildees

Feitas tais ressalvas julgamos plausiacutevel que a forccedila simboacutelica do governante

estrangeiro recorrente em diversos contextos (incluindo na Europa e dentre outras

populaccedilotildees proacuteximas aos escandinavos) tenha sido um fator que natildeo deve ser

desconsiderado na anaacutelise da Poacuteviest vrieacutemennikh liet enquanto relato histoacuterico do

surgimento da Ruacutessia

O poder simboacutelico que a temaacutetica fornece agrave dinastia governante natildeo pode ser

subestimado e eacute mais que coerente e plausiacutevel que a existecircncia de temaacutetica miacutetica

recorrente em relatos de legitimaccedilatildeo monaacuterquica escandinavos sejam empregados numa

fonte que ainda que eslaacutevica defenda a existecircncia e legitimaccedilatildeo de uma dinastia de

origem escandinava em contexto eslaacutevico

A sugestatildeo do uso de uma temaacutetica especiacutefica pelo cronista natildeo eacute aleatoacuteria e

de canccedilotildees estoacuterias e ditos populares) Split Logos 1981

62

desprovida de significado As ideias circulam nos mais diversos contextos influenciam

e sofrem influecircncias mas natildeo surgem do nada Dessa forma a forccedila simboacutelica do rei

estrangeiro teve de ser inspirada por algum evento do passado que natildeo pode estar

desconexo ou incoerente com o emprego da mesma

Tal circunstacircncia eacute reforccedilada pelo contexto de escrita da PVL marcado pelo

esfacelamento e enfraquecimento das antigas unidades entre os priacutencipes russos e

quando a Rus passa a se dividir em pequenos principados tomados de disputas e feudos

entre seus governantes Uma histoacuteria apontando uma linhagem uacutenica e contiacutenua que

surgiria em meio de contexto de contendas como a apresentada com o chamado dos

varegues possui assim especial significado no sentido de reunir e retomar antigos laccedilos

de unidade legitimados pela casa ancestral riurikida

Poreacutem o reduzir a situaccedilatildeo a uma mera narrativa de legitimaccedilatildeo pode

subestimar o poder do simboacutelico e restringir sua circulaccedilatildeo e perenidade seja temporal

ou social

O interlace entre extratos sociais ndash clerical aristocraacutetico ou mesmo da tatildeo

buscada ldquoCultura popularrdquo - permite uma ampliaccedilatildeo das possibilidades de ressonacircncias

do mito nas sociedades eslaacutevicas fiacutenicas e escandinavas do medievo e do contexto de

interaccedilatildeo entre as mesmas

Por fim outro caminho tambeacutem pelo qual natildeo temos no presente condiccedilotildees de

nos aprofundarmos seria o aberto por Eleazar Meletiacutenski ligado agrave chamada Escola de

Tartu e autor de obras extremamente relevantes agrave temaacutetica como a ldquoPoeacutetica do Mitordquo

ldquoOs arqueacutetipos literaacuteriosrdquo e ldquoA Edda e as formas primitivas de Eposrdquo

Categorias e conceitos presentes em alguns estudos medievais russos como o de

ldquoeacutepico arcaico mitoloacutegicordquo ou ldquoconto-maravilhoso heroacuteicordquo (Богатырская Сказка)

poderiam fornecer novas ferramentas interpretativas em um contexto histoacuterico mais

plausiacutevel e conectado que inserisse elementos comuns aos eacutepicos russos (como a

recorrecircncia de triacuteades tambeacutem presente no chamado dos varegues por exemplo)

63

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS

Voltemos ao desenrolar da controveacutersia normanista em solo russo em particular

referente aos desenvolvimentos da mesma no periacuteodo sovieacutetico Tal histoacuterico mistura-se

com o proacuteprio desenvovimento da Histoacuteria e da Arqueologia na Uniatildeo Sovieacutetica

Em 1919 foi criada a RAIMK Academia Russa de histoacuteria da Cultura Material

derivada da antiga Comissatildeo Arqueoloacutegica Imperial de Petrogrado Seu primeiro diretor

foi Nikolai Marr (1865-1934) Neste periacuteodo a arqueologia em particular foi marcada

por caracteriacutesticas relativamente progressistas incluindo comunicaccedilatildeo de resultados e

ideias a niacutevel internacional e disputas teoacutericas86

Personalidade polecircmica Marr foi considerado por alguns como um gecircnio mas

por outros como os linguistas Trubetskoi e Jakobson como insano87

Natildeo exatamente

um arqueoacutelogo Marr estava mais interessado na formulaccedilatildeo de teorias linguiacutesticas e no

ajuste dos achados arqueoloacutegicos a elas sendo um amador que praticara de tal forma a

Arqueologia em seu passado e que tampouco tinha por ela apreccedilo88

Dentre suas ideias baacutesicas como o ldquoJafetismordquo e a ldquoPaleontologia da falardquo

recebeu destaque a concepccedilatildeo de que as mudanccedilas linguiacutesticas ao inveacutes de ocorrerem

por meio de processos de diferenciaccedilatildeo fonoloacutegica gramatical e leacutexica dariam-se por

meio de respostas agrave mudanccedilas socioeconocircmicas nas sociedades89

Similaridades entre liacutenguas indicariam similaridades em seus estaacutegios

ldquoevolutivosrdquo Pelo adequamento superficial de tal teoria aos referenciais marxistas de

mudana sociocultural as ideias de Marr encontrariam acolhida e dominacircncia no meio

acadecircmico sovieacutetico ateacute a deacutecada de 195090

Com a criaccedilatildeo da URSS a RAIMK transformaria-se na GAIMK91

ndash Academia

Estatal de Histoacuteria da Cultura Material assumindo jurisdiccedilatildeo por todas as repuacuteblicas da

86

PLATONOVA Nadezhda Igorevna The Phenomenon of Pre-Soviet Archaeology Archival Studies in

the History of Russian Archaeology ndash Methods and Results In SCHLANGER Nathan amp

NORDBLADH Jarl (eds) Archives Ancestors Practices Archaeology in the Light of its HistoryNew

York amp Oxford Brghahn Books 2007 P48 87

KLEJN Leo Soviet Archaeology Trends Schools and History Oxford 2013 p 204 88

KLEJN 212 89

KLEJN 211s 90

TRIGGER 206 91

TRIGGER 206

64

URSS Ocorreu a criaccedilatildeo de departamentos de arqueologia com muitos pesquisadores

em tempo integral e com facilidades de acesso a institutos de anaacutelise geoloacutegica

climatoloacutegica da fauna e flora dentre outros campos do conhecimento92

No iniacutecio da deacutecada de 20 foi criado em Moscou o RANION a ldquoSeccedilatildeo de

arqueologia da Associaccedilatildeo russa de Instituos de Ciecircncias Sociaisrdquo Espeacutecie de rival do

GAIMK o RANION estava sob supervisatildeo direta do Partido Comunista que tambeacutem

estimulava a criaccedilatildeo de centros regionais de pesquisa e sociedades arqueoloacutegicas

O periacuteodo imediato apoacutes a Primeira Guerra mundial foi marcado pela NEP ndash

nova poliacutetica econocircmica (1921-1928) no qual a URSS esteve sob governo de Lecircnin

Nesse periacuteodo o governo sovieacutetico adotou poliacutetica de reconciliaccedilatildeo com a intelligentsia

ndash em sua maior parte oriunda da classe intelectual anterior agrave revoluccedilatildeo sendo que boa

parte da mesa natildeo havia apoiado a revoluccedilatildeo bolshevique

Lenin adotaria a poliacutetica de que ao inveacutes de se destruir os fundamentos

cientiacuteficos e culturais atingidos pela burguesia o partido deveria aproveitaacute-los e edificar

novos fundamentos sobre os mesmos ndash o governo comunista natildeo poderia governar o

paiacutes sem o apoio das classes educadas e detentoras de conhecimento93

Dessa forma ao menos nos anos da NEP muitos intelectuais das geraccedilotildees

anteriores donos de reputaccedilotildees consolidadas exerceram cargos de chefia e influecircncia

com remuneraccedilotildees adequadas possuindo relativa liberdade de pensamento94

a despeito

das ideias de Marr no GAIMK

Esse periacuteodo inicial da arqueologia sovieacutetica assistiu agrave substituiccedilatildeo da

arqueologia preacutevia amadora por uma arqueologia profissionalizada com a formaccedilatildeo de

grande nuacutemero de acadecircmicos e uma coordenaccedilatildeo mais adequada de esforccedilos por todos

os territoacuterios da URSS Foi tambeacutem um periacuteodo no qual ocorria grande colaboraccedilatildeo

com autores do estrangeiro95

Uma das principais publicaccedilotildees na arqueologia do periacuteodo foi o periacuteodo Eurasia

Septentrionalis Antiqua cujo editor o finlandecircs Aarne Michaeumll Tallgreen (1885-1945)

foi relevante defensor da posiccedilatildeo normanista Tallgren publicaria em 1911 ldquoDie kupfer-

und bronzezeit in Nord- und Ostrussland Irdquo no qual analisaria a cultura arqueoloacutegica da

92

TRIGGER 207 93

TRIGGER 207 94

TRIGGER 208 95

TRIGGER 208

65

Idade do bronze do Volga-Kama enquanto produto de difusatildeo da expansatildeo sueca na

Ruacutessia Tallgreen publicaria artigos de autores russos em liacutenguas ocidentais como o

inglecircs francecircs e alematildeo num contexto em que a arqueologia europeia ainda

influenciava a produzida na Uniatildeo Sovieacutetica

A influecircncia difusionista da escola vienense de antropologia consistia na ideia

dominante entre os arqueoacutelogos e propiciava um campo intelectual apropriado para

ideias de escandinavos estrangeiros portadores de cultura no territoacuterio da Rus Neste

contexto inicial a circunstacircncia de lidar com a Cultura Material era para tais

pesquisadores ligaccedilatildeo suficiente com uma perspectiva materialista96

A posiccedilatildeo da primeira geraccedilatildeo de historiadores poacutes-revolucionaacuterios entretanto

natildeo eacute tatildeo facilmente rotulaacutevel como ldquonormanistardquo ou ldquoanti-normanistardquo O foco de

atenccedilatildeo dos pesquisadores passaraacute gradualmente da etnogecircnese para o estudo de

questotildees soacutecio-econocircmicas poreacutem neste processo conceitos antigos ainda perduraratildeo

consideravelmente A proacutepria visatildeo de uma arqueologia marxista monoliacutetica nas

deacutecadas subsequentes vecircm sido criticada como desconhecedora das nuances soacute

perceptiacuteveis com a anaacutelise de documentaccedilatildeo nem sempre acessiacutevel ou disponiacutevel ao

pesquisador ocidental apenas muito recentemente97

Entre 1917 e 1920 destacam-se dois trabalhos especiacuteficos referindo o problema

normando O primeiro eacute Drevneyshiye Sudby Rus skogo Plemeni (Os antigos

destinos da tribo russa) de Aleksei Aleksandrovitch Chakhmatov (1864-1920) Sua

criacutetica agrave crocircnica nestoriana seraacute fundamental para os posteriores anti-normanistas

sovieacuteticos Entretanto Shakhmatov manteacutem-se em um posicionamento analiacutetico que

insere a histoacuteria inicial da Rus em uma estrutura normana desenvolvendo uma teoria na

qual trecircs estados varegues teriam se sucedido ndash ideia que frutificaria na obra de

Platonov

A outra obra de PPSmirmov Волжский Путь и Древние Руси (Rota do

Volga e os antigos Rus) basearia-se fortemente nas obras de crocircnicas muccedilulmanos

medievais e centralizaria a influecircncia varegue na aacuterea do Volga98

Devemos ainda referir ao acadecircmico Brim que tentaraacute conciliar a ideia

normanista e a origem escandinava do termo Rus com a frequecircncia do termo Ros nas

96

TRIGGER 209 97

PLATONOVA 48 98

ZAKHARII 96

66

aacutereas mais meridionais do Dniepr e de Kiev argumentando que teria havia uma mistura

entre ambos componentes eacutetnicos e sociais

Tal estado favoraacutevel agrave manutenccedilatildeo de uma posiccedilatildeo normanista ou ao menos

conciliadora perduraraacute ateacute o final da deacutecada de 20 e iniacutecio da deacutecada de 30 Ainda em

1931 a enciclopeacutedia concisa sovieacutetica veicularia que a classe dominante entre os seacuteculos

9-11 era composta principalmente de varegues e chamada de Rus99

152 O periacuteodo Stalinista

A subida de Stalin ao poder alteraria drasticamente as ciecircncias sovieacuteticas Entre

os anos de 1928 a 1932 ocorreria a chamada ldquoRevoluccedilatildeo culturalrdquo bem como a

campanha para acomodar a intelligentsia aos princiacutepios marxistas sovieacuteticos

Os centros de pesquisa arqueoloacutegica regionais foram substituiacutedos por

departamentos de estudos regionais controlados pelo governo

A partir de 1930 os contatos entre acadecircmicos sovieacuteticos e estrangeiros foram

suprimidos100

Por certo tempo o GAIMK era o uacutenico local onde podia se encontrar

exemplares de publicaccedilotildees estrangeiras

O que seria considerado ldquomanifestordquo da nova arqueologia sovieacutetica marxista

seria publicado em 1929 por Vladislav Ravdonikas (1894-1976) O relatoacuterio publicado

no ano posterior como ensaio e intitulado ldquoPara uma histoacuteria sovieacutetica da cultura

materialrdquo foi lido em sessatildeo do GAIMK Criticava posiccedilotildees da antiga intelligentsia e

defendia sua substituiccedilatildeo por princiacutepios marxistas101

Nos anos seguintes ocorreu a perseguiccedilatildeo que passava pela demissatildeo ateacute

mesmo prisatildeo e exiacutelio de arqueoacutelogos que natildeo mudassem seus pontos de vistas

acomodando-os agraves novas configuraccedilotildees ideoloacutegicas

O proacuteprio Tallgren em virtude de suas criacuteticas a tais processos perdeu seu tiacutetulo

de ldquocidadatildeo honoraacuterio sovieacuteticordquo posteriormente agrave sua visita a Leningrado em 1935

A RANION foi substituiacuteda em 1932 por um ramo moscovita da GAIMK

denominado MOGAIMK O principal pensador nesse periacuteodo foi o proacuteprio Ravdonikas

99

ZAKHARII 98 100

TRIGGER 210 101

TRIGGER 210

67

mas a maior parte dos novos arqueoacutelogos carecia de experiecircncia ndash tanto no marxismo

quanto na arqueologia102

e a ausecircncia de muitas diretrizes nos escritos de Marx natildeo

tornava a tarefa da criaccedilatildeo de uma arqueologia marxista mais faacutecil

Ainda assim a arqueologia sovieacutetica foi pioneira no sentido de tentar explicar

mudanccedilas sociais por meio da Cultura Material antecedendo-se em suas formas

explicativas agrave proacutepria New-Archaeology ou Arqueologia Processualista explicando

mudanccedila no registro por meio de transformaccedilotildees internas das sociedades ao inveacutes de

recorrer de imediato agrave migraccedilatildeo e difusatildeo103

Evidentemente sob fortes restriccedilotildees

conceituais e sob a obrigatoriedade de enquadrar achados e teorias explicativas em

moldes marxistas e materialistas

Eacute significativo a niacutevel conceitual que a Arqueologia tenha nesse periacuteodo sido

ldquorebatizadardquo de ldquoHistoacuteria da Cultura Materialrdquo104

Um fator particularmente catastroacutefico para a teoria arqueoloacutegica sovieacutetica no

periacuteodo em questatildeo foi o predomiacutenio das ideias de Marr acerca da mudanccedila linguiacutestica

Elocubraccedilotildees bizarras foram criadas a fim de explicar mudanccedilas populacionais

O proacuteprio Ravdonikas seguindo os passos de Marr explicaria as modificaccedilotildees

culturais e eacutetnicas na Crimeacuteia na qual se sucederam Citas Godos e Eslavos como uma

mudanccedila de uma mesma populaccedilatildeo local tendo haviado uma evoluccedilatildeo linguiacutestica entre

as liacutenguas iranianas sucedidas pelas germacircnicas e finalmente pela eslava Tambeacutem

argumentaria que devido agrave tal sucessatildeo evolucionaacuteria local e a necessidade de

passagem por tais estaacutegios os godos da Crimeacuteia germacircnicos natildeo teriam qualquer

relaccedilatildeo com outros povos germacircnicos do oeste e norte ndash a evoluccedilatildeo linguiacutestica ocorria

independentemente105

Tal ideia seria abandonada apenas com Stalin em 1950 que salientaria em seu

ensaio ldquoSobre o marxismo na linguiacutesticardquo que os russos falavam russo antes da

revoluccedilatildeo e permaneceram o falando apoacutes a mesma

A despeito do avanccedilo teoacuterico ndash ao menos nas tentativas de explicaccedilatildeo social

com emprego da Cultura Material teacutecnicas tradicionais e consolidadas na Arqueologia

no Ocidente como construccedilatildeo de tipologias classificaccedilotildees e descriccedilotildees foram deixadas

102

TRIGGER 212 103

TRIGGER 217 104

KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica 1993 P21 105

TRIGGER 218

68

de lado designadas como metodologias ldquoburguesasrdquo o que gerou descompasso e atraso

consideraacutevel da arqueologia sovieacutetica em relaccedilatildeo agrave praticada no restante da Europa e

Ameacuterica

Apoacutes 1934 ocorreu um aumento consideraacutevel de estudos empiacutericos mais

convencionais e profissionais na arqueologia sovieacutetica A proacutepria insistecircncia em

ortodoxia poliacutetica e o risco de se ser contraacuterio a ela implicava que discutir teoria e

inovaccedilotildees na teoria marxista era tarefa perigosa106

Foram reinstituiacutedos os programas de poacutes-graduaccedilatildeo e defesas de teses e

dissertaccedilotildees e a Arqueologia ainda que continuasse enquanto um ramo da Histoacuteria foi

reconhecida enquanto disciplina recebendo a designaccedilatildeo especiacutefica de ldquoArqueologia

Soviacuteeticardquo para distinguiacute-la do que era chamado de ldquoArqueologia burguesardquo107

Em adiccedilatildeo aos projetos arqueoloacutegicos de larga escala iniciados em 1928

difundiram projetos de arqueologia de salvamento e iniciou-se a publicaccedilatildeo da

Советская Археология (ldquoArqueologia Sovieacuteticardquo)

Nos finais da deacutecada de 30 as discussotildees relativas agrave etnogecircnese ndash em particular

relativas aos povos eslaacutevicos e aos germacircnicos ndash assumiram grande importacircncia

discussatildeo agravada pelo contexto circundante da 2ordf guerra mundial As escavaccedilotildees de

Novgorod demonstrando elevado desenvolvimento urbano e mesmo a descoberta de

cartas escritas em cartas de beacutetula que demonstraram literamento em extratos sociais

fora do clero deram acircnimo a explicaccedilotildees nacionalistas acerca do progresso eslaacutevico no

medievo particularmente ldquorussordquo em relaccedilatildeo aos povos da Europa Ocidental

Destarte a influecircncia escandinava e o normanismo foram veementemente

rejeitados108

ainda que o predomiacutenio das teorias de Marr tornasse as explicaccedilotildees

referentes agrave etnogecircnese verdadeiros malabarismos teoacutericos

O uacuteltimo pensador a advogar a ideia normanista seria Brim que defenderia a

dualidade entre os nomes Rus oriundo de Ruotsi e em voga no norte e Ros ligado ao

sul e aos rios da bacia do Dnieper Griekov incluiria ideias do uacuteltimo em sua obra109

mas penderia definitivamente para o papel auto-suficiente dos eslavos e o surgimento

106

TRIGGER 221 107

TRIGGER 221 108

TRIGGER 225 109

ZAKHARII p97

69

da Rus enquanto entidade poliacutetica autoacutectone110

Eacute nesse periacuteodo que se desenvolveriam

as ideias de anti-normanistas importantes como Artamanov Iushkhov e Trubatcheacutev

Stalin reassentaria populaccedilotildees de todo o territoacuterio ocupado pela URSS de forma

a diluir minorias eacutetnicas e enfatizar uma pressuposta unidade de estado alterando

tambeacutem a interpretaccedilatildeo histoacuterica e arqueoloacutegica de forma a enfatizar unidades e

conexotildees ancestrais e milenares dentre seus povos constituintes111

ndash fossem elas reais e

embasadas ou natildeo Evidentemente em tais processos antigas atitudes de Pan-eslavismo

foram retomadas ressignificadas e empregadas de forma a legitimar a nova ordem em

particular a partir da deacutecada de 1940112

Em 3 de Novembro de 1947 Iakovlev resumiria o espiacuterito da questatildeo

normanista agrave academia sovieacutetica de entatildeo com sua declaraccedilatildeo no perioacutedico ldquoBolshevikrdquo

de que o normanismo era ldquopoliticamente danosordquo por ldquonegar a habilidade das naccedilotildees

eslavas de formarem um estado independente por seus proacuteprios esforccedilosrdquo113

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruschoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn

Ainda que descrito por alguns como problemaacutetico114

ou de crise115

o periacuteodo

posterior ao governo de Stalin permitiu que a interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica assumisse ares

distintos

Mais relevante no entanto foi a significativa liberalizaccedilatildeo pela qual passou a URSS

tanto a niacutevel acadecircmico quanto na sociedade em geral decorrente do chamado ldquodegelordquo

da administraccedilatildeo de Nikita Kruschoacutev enquanto primeiro secretaacuterio da URSS A relativa

abertura da URSS ao ocidente e a puacuteblica condenaccedilatildeo aos desfeitos de Staacutelin por

Kruschtchoacutev tiveram efeitos na academia na histoacuteria e arqueologia

A centralizaccedilatildeo especiacutefica das pesquisas arqueoloacutegicas foi diluiacuteda com a criaccedilatildeo

de outros centros O acesso a perioacutedicos estrangeiros tambeacutem se tornou mais faacutecil ainda

que sob a lente marxista-leninista que as compreendia enquanto produtos da sociedade

110

ZAKHARII p93 111

BARFORD 276 112

BARFORD 277 113

ЯКОВЛЕВ 1947 114

apud GENING 1982 em TRIGGER 226 115

apud SOFFER 19858-15 em TRIGGER 226

70

burguesa que deviam passar sob o crivo da criacutetica materialista116

As discussotildees dentro do marxismo tornaram-se mais complexas e multi-

facetadas por todo o contexto cultural sovieacutetico ndash incluindo a historiografia117

Ainda

assim a posiccedilatildeo normanista permaneceu condenada pela maioria dos acadecircmicos

sovieacuteticos ateacute a deacutecada de 1970 em particular aos ligados agrave chamada ldquoEscola de

Moscourdquo118

Nesse contexto destaca-se o nome de Liev Samoilovitch Klein mais conhecido

como Leon Klejn e que se tornaria voz ativa e de relevacircncia no estabelecimento de um

reavivamento das ideias normanistas dentro da proacutepria URSS Judeu oriundo da

Bieloruacutessia efetuaria seus estudos de poacutes-graduaccedilatildeo em Leningrado apoacutes ser forccedilado a

abandonar a universidade de Grodno por divergecircncias ideoloacutegicas119

Tendo estudado arqueologia com Mikhail Artamonov e filologia com Vladimir

Propp entre os anos de 1947 a 1950 Klejn criticaria as posiccedilotildees de Marr ato que natildeo

lhe trouxe consequecircncias mais seacuterias pela condenaccedilatildeo de tais ideias pelo proacuteprio Stalin

Trabalhando no departamento de arqueologia apoacutes 1960 Klejn tornar-se-ia

professor assistente do mesmo em 1962 mas completaria o grau equivalente a um

doutorado (Candidato de ciecircncias) apenas em 1968 sem conseguir defender sua tese

entretanto

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991)

Com a deposiccedilatildeo de Kruschoacutev e a subida de Breacutejnev ao poder muito de suas

medidas incluindo a abertura da URSS ao ocidente foram revertidas Entretanto foi no

periacuteodo do longo governo de Breacutejnev que a URSS atingiu status de superpotecircncia e no

qual sua populaccedilatildeo desfrutaria de melhorias econocircmicas e sociais consideraacuteveis A

ciecircncia tecnologia e a academia no geral avanccedilariam num processo de

profissionalizaccedilatildeo ainda maior

Tais melhorias no entanto natildeo perduraram sendo que o final do periacuteodo a

116

TRIGGER 227 117

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003

P123 118

BARFORD 233 119

ZAPATERO Gonzalo Ruiz Prefacio In KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica

1993 PVII

71

URSS entraria em marcada crise principalmente econocircmica

Na metade da deacutecada de 1960 Leon Klejn organizaria uma seacuterie de seminaacuterios

sobre o normanismo na tentativa de estabelecer uma posiatildeo normanista mais velada

parcial ou ao menos que sobrevivesse agraves restriccedilotildees da ideologia oficial Tal contexto

gerou debate entre o proacuteprio Klejn e Shaskolski Seria o que o proacuteprio Klejn chamaria

de ldquoterceiro picordquo de debate normanista na Ruacutessia (agora URSS) os dois primeiros

seriam Muumlller contra Lomonoacutessov e Pogodin contra Kostomarov120

Klejn desmembraria o conceito normanista no que ele chamaria de ldquosete

passosrdquo de acordo com os quais o mesmo era discutido na historiografia sovieacutetica 1) a

chegada dos escandinavos na antiga aacuterea eslava oriental 2) Fundaccedilatildeo de Kiev por eles

3) a origem escandinava do termo Rus 4) Influecircncias escandinavas na cultura eslava

oriental 5) Escandinavos como criadores do primeiro estado eslavo oriental 6)

Preferecircncia racial dos escandinavos como causa de seu sucesso 7) Influecircncas poliacuteticas

na situaccedilatildeo contemporacircnea os ldquogeniais escandinavosrdquo enquanto chefes e os eslavos

como seus subordinados121

Klejn argumentaria que seria possiacutevel a aceitaccedilatildeo dos cinco primeiros passos

tranquilamente sem qualquer risco de distorccedilatildeo da teoria marxista Seria perseguido

pelo regime e preso na deacutecada de 1980 por sua homossexualidade conseguindo

defender sua tese de doutorado apenas em 1994

No entanto de seus seminaacuterios e posicionamentos em Leningrado surgiria uma

nova vertente historiograacutefica na URSS favoraacutevel ao normanismo e oposicionista que

tornaria forma mais marcadamente a partir da deacutecada de 1980122

sendo chamada

geneacuterica e natildeo oficialmente de ldquoEscola de Klejnrdquo termo desfavorecido pelo proacuteprio

Klejn que atualmente aposentado na academia apoacutes lecionar na Universidade

Europeia de Satildeo Petersburgo eacute colunista na Troitski variant

Os estudos histoacutericos e arqueoloacutegicos na URSS seriam mais criticados e

problematizados nas deacutecadas de 70 e 80 abrindo espaccedilo importante a pensamentos

divergentes Formozoacutev por exemplo criticaria amargamente o estado da Arqueologia

120

WESTRATE Michael The ldquoNorman Problemrdquo in Historiography Nationalism and the Origins of

Russia In Vestnik the Journal of Russian and Asian Studies 08 de maio de 2007 Obtido em

lthttpwwwsrasorgnationalism_and_the_origins_of_russiagt Uacuteltimo acesso em 03092014 121

KLEJN Leo Normanism mdash antinormanism the end of the argument In Stratum plus Non-Slavic

Elements in the Slavic World 1999 N05 Pp 91-101 122

Apud LEBEDEV GS Epokha vikingov v Severnoi Europe Leningrad 1985 In BARFORD 233

72

sovieacutetica em seu artigo de 1977 ldquoCriacutetica das fontes em Arqueologiardquo123

Segundo ele um problema generalizado na Arqueologia sovieacutetica era o

procedimento de publicar conclusotildees e resultados da pesquisa sem os dados da pesquisa

em si O leitor leigo final ficaria com a impressatildeo de que os conflitos problemas e

dificuldades da interpretaccedilatildeo histoacuterico-arqueoloacutegica estariam resolvidos enquanto que

ao acadecircmico faltariam todas as premissas soacutelidas para construccedilatildeo do conhecimento124

Klejn referindo-se a Formozoacutev e agrave situaccedilatildeo cita a monografia de Danilenko ldquoO

neoliacutetico na Ucracircnia Capiacutetulos da Histoacuteria antiga do sudeste da Europardquo de 1969 cuja

periodizaccedilatildeo ndash razoavelmente detalhada ndash basear-se-ia apenas em materiais colhidos na

superfiacutecie sem sequer estudo estratigraacutefico ou escavaccedilotildees os proacuteprios materiais de

superfiacutecie foram empregados sem qualquer uso de serializaccedilatildeo125

O proacuteprio Formozoacutev viria a ser eleito membro do conselho de redaccedilatildeo da

Sovetskaia Arkheologia o que Klejn definiria como ldquoum bom sintomardquo De fato nesse

ambiente de retorno a um debate mais proacuteximo de uma conjuntura acadecircmica e

cientiacutefica foi possiacutevel o surgimento dessa nova escola normanista em particular em

Leningrado mantendo a polarizaccedilatildeo acadecircmica Leningrado - Moscou

Destacar-se-iam alguns pesquisadores nesse novo normanismo sovieacutetico cujas

obras perduram contemporaneamente AN Kirpichnikov EA Melnikova EN Nosov

e V Ia Petrukhin Dessa forma a posiccedilatildeo normanista assumiu uma conotaccedilatildeo poliacutetica

ativa no sentido de polarizar politicamente seus participantes entre oposiccedilatildeo (os

normanistas) e os suportadores do status quo (anti-normanistas)

Eacute inviaacutevel se empregar os termos ldquoesquerdardquo e ldquodireitardquo em suas acepccedilotildees

poliacuteticas mais empregadas no Ocidente ao se tratar de Uniatildeo Sovieacutetica126

destarte

optamos por ao inveacutes de se usar um improacuteprio ldquoesquerdardquo para caracterizar a

123

ФОРМОЗОВ ААО критике источников в археологии Ин Советская Археология 1977 Н 01

с05-14 124

ФОРМОЗОВ с10 125

KLEJN 1993 87 126

Norberto Bobbio resumindo e agrupamento a maior parte das definiccedilotildees pertinentes define como um

dos criteacuterios de maior relevacircncia para distinccedilatildeo entre Esquerda e Direita a igualdadedesigualdade

inserindo tambeacutem outras nuances ao debate como por exemplo a diacuteade liberdadeautoridade Segundo

tais criteacuterios a URSS possuiria uma poliacutetica de esquerda que no entanto pelas caracteriacutesticas proacuteprias e

especiacuteficas de um estado autoritaacuterio gerou outras formas de desigualdade Natildeo obstante a distinccedilatildeo e sua

discussatildeo permanecem vaacutelidas ainda que cinzentas o proacuteprio partido Ruacutessia Unida do qual faz parte

atualmente Vladiacutemir Putin por mais que consista em partido de situaccedilatildeo possui alas e divisotildees internas

que refletem a proacutepria divisatildeo direita-esquerda-centro Vide BOBBIO Norberto Direita e Esquerda

razotildees e significados de uma distinccedilatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Editora UNESP 1995[1994]

73

dissidecircncia em se empregar o conceito de ldquooposiccedilatildeordquo

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica

Na deacutecada de 1990 com o final da Uniatildeo Sovieacutetica transformaccedilotildees de grande

magnitude percorreram toda a sociedade da Ruacutessia e demais ex-repuacuteblicas sovieacuteticas

Na tentativa de se emular os aparentes sucessos das sociedades ocidentais instaurou-se

na Ruacutessia a cartilha neoliberal incluindo liberaccedilatildeo total dos preccedilos combate ao deacuteficit

puacuteblico e inflaccedilatildeo cacircmbio flutuante e consequente sobrevalorizaccedilatildeo do rublo e

privatizaccedilotildees127

Simplificando uma situaccedilatildeo complexa algumas das consequecircncias foram queda

relevante da produccedilatildeo industrial diminuiccedilatildeo de investimentos externos desemprego e

subemprego concentraccedilatildeo brusca de renda surgimento de uma classe de especuladores

queda na expectativa de vida e precariedade nos serviccedilos puacuteblicos128

O impacto em setores especiacuteficos como a sauacutede por exemplo eacute mensurado

estatisticamente O mesmo eacute mais difiacutecil na aacuterea de pesquisa e produccedilatildeo de

conhecimento Os danos agraves aacutereas ligadas aos serviccedilos puacuteblicos evidentemente atingiram

a aacuterea da Educaccedilatildeo e da Pesquisa incluindo estudantes subvencionados Ocorreu o

desmantelamento de uma grande quantidade de institutos e de equipes de pesquisa

construiacutedos por meio de uma longa e difiacutecil maturaccedilatildeo e dilapidados por meio de cortes

de verbas e salaacuterios reduzidos129

Em tal circunstacircncia o meio acadecircmico seraacute atingido duramente pela migraccedilatildeo

de ceacuterebros mas ao menos tempo ficaraacute razoavelmente livre de imposiccedilotildees ideoloacutegicas

e governamentais Merece destaque nessa deacutecada o trabalho efetuado por Yanin relativo

aos resultados de escavaccedilatildeo de Novgorod

Yanin ainda que analizando a complexidade eacutetnica da reigatildeo que envolvia fino-

uacutegricos e eslavos argumentaria que a evidecircncia arqueoloacutegica corroboraria o Chamado

127

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003 P

269 128

Idem p270 129

Idem ibidem

74

dos Varegues da Crocircnica Primaacuteria Russa130

A situaccedilatildeo perpassaria toda a deacutecada e passaria a reverter-se apenas no seacuteculo

XXI com o iniacutecio da chamada ldquoEra Putinrdquo que seria marcada por uma tentativa de

estabilidade econocircmica e retomada do crescimento131

O meio para tanto seria um papel

afirmativo diretivo e regulatoacuterio da parte do Estado levando ao fortalecimento de

outras contradiccedilotildees dentre as quais a mais marcada seria o recrudescimento de formas

autoritaacuterias na infante democracia russa Sem maiores surpresas seraacute nestes anos mais

recentes que novas discussotildees sobre o normanismo retomariam forccedila na Ruacutessia

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev

O iniacutecio da era Putin (2000-2008) foi marcado pela nostalgia em relaccedilatildeo aos

tempos de Stalin e o sentimento de necessidade de uma ldquomatildeo forterdquo O crescimento do

poder econocircmico privado associado agrave corrupccedilatildeo e redirecionamento das prioridades

nacionais levou a uma consequente diminuiccedilatildeo no estiacutemulo agrave pesquisa em determinados

campos da ciecircncia Neste periacuteodo a Arqueologia passou a receber o menor apoio do

estado jaacute registrado na histoacuteria russa e sovieacutetica menor ainda que nos anos turbulentos

de guerra civil proacuteximos a revoluccedilatildeo de 1917 O contexto eacute marcado por baixas

remuneraccedilotildees e diminuiccedilatildeo das posiccedilotildees acadecircmicas132

Natildeo obstante no iniacutecio de seu primeiro mandato enquanto presidente (2000-

2004) Vladimir Putin demonstrou acentuado interesse pela histoacuteria mais antiga e

recuada da Ruacutessia ainda que tal interesse tenha a presentado-se mais a niacutevel pessoal ou

na proacutepria construccedilatildeo de sua imagem Viajou pelo norte para Novgorod em 2001

quando o governador local tentou persuadiacute-lo que o local fora a mais antiga capital da

Ruacutessia Putin discutiria a ideia com historiadores e arqueoacutelogos mas focaria sua atenccedilatildeo

no papel de Kiev na histoacuteria da Ruacutessia bem como de que forma lidar com a situaccedilatildeo

apoacutes a independecircncia da Ucracircnia Os acadecircmicos foram unacircnimes em confirmar o papel

de relevacircncia de Novgorod mas tendo ressalvas em relaccedilatildeo agrave ideia do uso do passado

130

YANIN V L The archaeological study of Novgorod An Historical Perspective In The

Archaeology of Novgorod Russia The society for Medieval Archaeology 1992 Pp 67-106 131

REIS Filho 275 132

KLEJN Leo S Russia In SILBERMAN Neil Asher amp BAUER Alexander A (eds) The Oxford

Companion to Archaeology Oxford At the University Press 1996 P67

75

mais remoto para construccedilatildeo de uma ideia nacional133

Putin manteve-se com seu projeto mas transferindo a atenccedilatildeo para ainda no

norte Staraia Ladoga culminando na celebraccedilatildeo de 1250 anos da cidade em 2003 apoacutes

decreto presidencial Os jornais e a miacutedia descreveram na ocasiatildeo Staraia Ladoga como

a ldquoprimeira capital da Ruacutessiardquo134

Putin chegaria ao local de barco o que evocaria concientemente para

Shnirelman a proacutepria chegada dos Varegues reforccedilando o simbolismo e a tentativa de

Putin de no iniacutecio de seu mandato associar-se agrave ideia da proacutepria criaccedilatildeo do primeiro

ldquoestadordquo russo Para o presidente o nacionalismo russo tinha de basear-se em sua

ldquoproacutepria histoacuteriardquo 135

Eacute interessante no entanto que a iniciativa de Putin por mais ideoloacutegica que

tenha sido coexiste com aparente interesse pela histoacuteria mais antiga da Ruacutessia e com

tentativas de tomar liccedilotildees do passado para o presente Nesse sentido antes de efetuar

malabarismos teoacutericos e de ir contrariamente agrave maioria dos acadecircmicos Putin

demonstraria comportamento mais pragmaacutetico tentando empregar ideologicamente da

melhor forma possiacutevel a evidecircncia aceita unanimemente

No caso da origem russa a ecircnfase de Putin seria no desenvolvimento do norte

particularmente Staraia Ladoga e neste sentido de tomada de liccedilotildees e tentativas de

interpretaccedilatildeo Putin viria a sugerir que o desenvolvimento da cidade deu-se como

resultado da ldquointegraccedilatildeordquo dos povos ndash comparaccedilatildeo clara com seu proacuteprio projeto de

uma Ruacutessia novamente hegemocircnica Uma posiccedilatildeo raramente respeitosa agrave interpretaccedilatildeo

acadecircmica por parte de um estadista russo que ao inveacutes de tentar banir a ideia

normanista procuraria dela aprender liccedilotildees e aplicaccedilotildees

O interesse de Putin no siacutetio diminuiria em 2004 e entraria em decliacutenio No

entanto Putin providenciaria suporte financeiro para escavaccedilotildees em Novgorod e Staraia

Ladoga no iniacutecio de seu segundo mandato (2004-2008)

Por sugestatildeo de Medveded ndash no momento em questatildeo chefe de sua

133

SHNIRELMAN Victor Archaeology and the National Idea in Eurasia In HARTLEY Charles

YAZICIOĞLU Bike amp SMITH Adam (eds) The Archaeology of Power and Politics in Eurasia

Regimes and Revolutions Cambridge at the University Press 2012 P25 134

BBC amp Channel One TV Moscow ldquoRussian president discusses problems with local authority

representativesrdquo 17072003 In lthttpwwwrussialistorgarchives7254-12phpgt Uacuteltimo acesso em

28102014 135

SHNIRELMAN 2012 26

76

administraccedilatildeo poreacutem Putin visitaria em 2005 o centro Histoacuterico-Arqueoloacutegico de

Arkaim no sul dos montes Urais O siacutetio de Arkaim escavado na deacutecada de 1990 foi

declarado pelos arqueoacutelogos locais como a terra de origem dos Indo-Arianos Iniciou-se

entatildeo um novo projeto de ideia nacional estimulado pelo proacuteprio arqueoacutelogo que

escavara o local Guennadi Zdanovitch encarado com reservas por Putin136

Num momento em que as tentativas de atribuir ascendecircncia eslava a Rurik

enfrentava grandes dificuldades e sua associaccedilatildeo agrave ideia da construccedilatildeo de um estado

russo trazia problema ao nacionalismo dos russos Arkaim apresentava-se como

alternativa atraente ampla tanto pelas implicaccedilotildees mais vastas das migraccedilotildees indo-

arianas como pela questatildeo do autoctonismo da populaccedilatildeo ali vivendo e sua ligaccedilatildeo

direta com os eslavos137

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de

Falsificaccedilatildeo da Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio

de 2009 a 14 de fevereiro de 2012)

Com o final do segundo mandato de Putin elegeu-se Dmitri Medvedev com

Putin como primeiro ministro Em 15 de maio de 2009 o entatildeo presidente Medvedev

criou por meio de decreto presidencial uma comissatildeo com o intuito de ldquodefender a

Ruacutessia contra falsificadores da Histoacuteriardquo e ldquocontra aqueles que quiserem negar a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica na Segunda Guerra Mundialrdquo138

A comissatildeo foi liderada pelo chefe de estado Serguei Narichkin e composta por

antigos membros do Duma como Serguei Markov e Natalia Narotchnitskaia bem como

por oficiais das forccedilas armadas e do serviccedilo de inteligecircncia De 28 membros 5 eram

historiadores a proacutepria Natalia Narotchnitskaia Andrei Artizov (chefe da agecircncia de

arquivo federal) Aleksandr Chubarian (chefe do instituto de Histoacuteria Mundial da

Academia russa de Ciecircncias) Andrei Sakharov (chefe do Instituto de Histoacuteria russa da

136

RIANOVOSTI 16052005 ldquoPutin visits Arkaim Museum-Reserve in Chelyabinsk Regionrdquo In

lthttpenriarusociety2005051640361770htmlgt Uacuteltimo acesso em 28102014 SHNIRELMAN

2012 27 SHNIRELMAN Victor A Russian Response Archaeology Russian Nationalism and the

ldquoArtic Homelandrdquo In KOHL Philip L KOZELSKY Mara BEN-YEHUDA Nachman (eds) Selective

Remembrances Archaeology in the Construction Commemoration and Consecration of National Pasts

Chicago At the University Press 2008 [2007] p46 137

SHNIRELMAN 2012 27 138

O decreto estaacute disponiacutevel online nos arquivos do Kremlin УКАЗ президента Российской

Федерации О комиссия при президенте Российской Федерации по противодействию попыткам

фальсификации истории в ущерб интересам России

lthttpdocumentkremlinrupageaspx1128040gt Uacuteltimo acesso em 11092014

77

Academia russa de Ciecircncias) e Nikolai Svanidze

Narichkin acusaria Letocircnia e Lituacircnia de ldquoreescreverrdquo e ldquopolitizarrdquo a histoacuteria

Estocircnia e Letocircnia de defesa do nazi-fascismo defendendo que a tarefa da comissatildeo

seria analisar falsificaccedilotildees de fatos histoacutericos que pudessem manchar a reputaccedilatildeo

internacional da Ruacutessia139

Evidentemente a comissatildeo foi vista com maus olhos

internacionalmente gerando atrito com os paiacuteses Baacutelticos em particular na Letocircnia140

Geoacutergia Ucracircnia141

e antigos paiacuteses da Cortina de Ferro como a Polocircnia142

que

consideram a ocupaccedilatildeo sovieacutetica como uma atitude hostil Posiccedilotildees que negassem a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica contra o nazismo foram criminalizadas143

e no caso de paiacuteses

cujas interpretaccedilotildees contradissessem a ldquohistoacuteria oficialrdquo da comissatildeo os mesmos

deveriam sofrer sanccedilotildees ndash caso particular e especiacutefico dos paiacuteses Baacutelticos e as

interpretaccedilotildees sobre os julgamentos de Nuremberg144

Dentro da proacutepria Ruacutessia a comissatildeo encontrou criacuteticas de vozes importantes

como de Mikhail Gorbatchoacutev145

Eacute evidente o caraacuteter autoritaacuterio e de revisionismo

histoacuterico da comissatildeo De nosso interesse direto entretanto eacute que a despeito do foco

principal da comissatildeo na histoacuteria contemporacircnea o normanismo foi considerado como

uma das temaacuteticas perigosas pela comissatildeo

O responsaacutevel por tal enquadramento foi Andrei Sakharov Em entrevista agrave TV1

efetuada dois meses depois anunciaria que uma das mais ldquoameaccediladoras falsificaccedilotildeesrdquo

139

ldquoКомиссия против фальсификации истории обещает не переписывать книги и не учить

ученыхrdquo In newrucom 17 de junho de 2009 lthttpwwwnewsrucomrussia17jun2009historyhtmlgt

Uacuteltimo acesso em 11092014 140

Por exemplo na tentativa de reabilitaccedilatildeo de condenados por crimes de guerra como Vassili Kononov

ldquoКремлевская комиссия займется делом Кононоваrdquo In delfilv 20 de maio de 2009

lthttprusdelfilvnewsdailypoliticskremlevskaya-komissiya-zajmetsya-delom-

kononovadid=24659049gt Uacuteltimo acesso em 11092014 141

ldquoMedvedev Forms a Commision to Protect Russian Historyrdquo In Jamestown Fundation from Eurasia

Daily Monitor V 06 Issue 98

lthttpwwwjamestownorgsingleno_cache=1amptx_ttnews5Btt_news5D=35018amptx_ttnews5Bbac

kPid5D=13ampcHash=6729b2258eVBH8o_ldXX4gt Uacuteltimo acesso em 11092014 142

lthttponlinewsjcomnewsarticlesSB124277297306236553mg=reno64-

wsjampurl=http3A2F2Fonlinewsjcom2Farticle2FSB124277297306236553htmlgt Uacuteltimo

acesso em 11092014 143

ldquoRussia Moves to Ban Criticism of WWII Winrdquo In Time 08 de maio de 2009

lthttpcontenttimecomtimeworldarticle08599189692700htmlgt Uacuteltimo acesso em 11092014 144

FILATOVA Irina Medvedevs new Russian orthodoxy Postwar Soviet history is to be revised with

official sanction and transgressions from the approved version could lead to prison In The guardian 21

de maio de 2009 lt httpwwwtheguardiancomcommentisfree2009may21russia-medvedev-historygt

Uacuteltimo acesso em 02102014 145

ldquoGorbachev blasts Kremlin managed democracy in Russiardquo In dnaindiacom 22 de maio de 2009

lthttpwwwdnaindiacomworldreport-gorbachev-blasts-kremlin-managed-democracy-in-russia-

1258111gt Uacuteltimo acesso em 11092014

78

da histoacuteria russa era o normanismo que estaria se espalhando novamente Inspirada por

organizaccedilotildees e instituiccedilotildees estrangeiras que financiariam ldquoatividades destrutivasrdquo de

alguns acadecircmicos russos146

Suas iniciativas encontraram tamanha oposiccedilatildeo que

Sakharov viu-se forccedilado a se aposentar Apoacutes a circunstacircncia o normanismo passou a

ser encarado como ldquovitoriosordquo e encontra-se em voga147

mas julgamos leviano

pressupor uma situaccedilatildeo fechada

Na proximidade da transiccedilatildeo posterior do governo com um terceiro mandato de

Putin a comissatildeo seria encerrada No entanto levando-se em consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo

poliacutetica russa no momento de escrita desta tese o nacionalismo e expansionismo russo

agravam-se com a situaccedilatildeo de anexaccedilatildeo da Crimeacuteia e conflitos na Ucracircnia As

discussotildees envolvendo a Ucracircnia tensotildees com Paiacuteses Baacutelticos e OTAN trazem a tona

novamente as antigas discussotildees relativas ao Ocidente e sua relaccedilatildeo com a Ruacutessia ndash de

fato o eixo mais sensiacutevel e particularmente ligado com a situaccedilatildeo normanista que

evoca o papel do Ocidente nas questotildees internas russas ou em suas aacutereas de influecircncia

A ideia de um projeto nacional de legitimizaccedilatildeo do estado russo com o uso das

ciecircncias histoacutericas permaneceraacute em pauta Eacute particularmente relevante ao se efetuar tal

panorama a percepccedilatildeo de que quiccedilaacute as ideias histoacutericas de Putin em relaccedilatildeo a Kiev e o

atual territoacuterio ucraniano natildeo estiveram dormentes Os efeitos da mudanccedila de foco do

norte para o sul ainda traratildeo desenvolvimentos posteriores agrave discussatildeo normanista

Seguir adiante com mais conclusotildees no presente momento eacute conjectura

162 A academia russa hoje

Por fim em adiccedilatildeo a autores jaacute atuantes nos debates Moscou X Leningrado

como Elena Melnikova destacam-se nesta uacuteltima deacutecada e meia os trabalhos de

Tatijana Jackson e de diversos pesquisadores ligados agrave Academia Russa de Ciecircncias

como Galina Glazyrina Elena Gurevitch Fiodor Uspenskii bem como de outras

instituiccedilotildees russas como Glieb Kazakov (da Russian State University) Tatiana

146

GAZEAU Veacuteronique amp MUSIN Alexandre Normannism and Anti-Normannism In Liberteacute pour

lacuteHistoire 24 de marccedilo de 2010 lthttpwwwlph-

assofrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=1393Anormannisme-et-

antinormannismeampcatid=313Adossier-russieampItemid=78amplang=engt Uacuteltimo acesso em 21042014 147

Entrevista КУЗНЕЦОВ Алексей (entrevistado) amp БУНТМАН Сергей (entrevistador)

Ломоносов и норманская теория в истории lthttpwwwechomskruprogramsnetak799397-

echogt

79

Cheniavskaia (Moscow State University)

A uacuteltima geraccedilatildeo de acadecircmicos tem natildeo apenas se enquadrado de forma

marcadamente normanista em suas posiccedilotildees mas tambeacutem tem encontrado boa inserccedilatildeo

no meio internacional produzindo conhecimento especiacutefico sobre o medievo

escandinavo ndash natildeo necessariamente atendo-se apenas agraves relaccedilotildees entre os mesmos e o

leste mas adicionando estudos sobre diversas aacutereas ligadas aos mesmos como

epigrafia runologia estudo literaacuterios histoacutericos e arqueoloacutegicos das sagas

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula

A temaacutetica russo-escandinava em solo brasileiro eacute praticamente ineacutedita Em

adiccedilatildeo a poucos artigos publicados e a obra de Celso Taveira148

centralizada mais

especificamente nas origens e desenvolvimento da Rus e suas relaccedilotildees no mundo

ortodoxo e bizantino existe uma uacutenica e particularmente notaacutevel obra de maior

extensatildeo sobre o tema a tese de doutoramento ldquoO comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de

Kievrdquo publicada em 1942 por Euriacutepedes Simotildees de Paula e que incorpora uma

relevacircncia institucional para a Universidade de Satildeo Paulo por diversas razotildees

O professor Euriacutepides Simotildees de Paula catedraacutetico de Histoacuteria Antiga na

Universidade de Satildeo Paulo foi pioneiro no estudo de diversas aacutereas no Brasil e

publicou diversos trabalhos que percorriam temaacuteticas inusitadas e pouco estudadas

fosse no quesito de recorte ou na abordagem historiograacutefica tomada

Sua tese de doutoramento foi pioneira natildeo apenas tematicamente foi a primeira

tese de doutorado em histoacuteria a ser defendida na proacutepria Universidade de Satildeo Paulo149

Orientada por Jean Gageacute foi defendida em 13 de setembro de 1942 sendo a banca

composta pelo proacuteprio Jean Gageacute (presidente) Pierre Monbeig Conde Emanuel de

Bennigsen Pliacutenio Ayrosa e Alfredo Ellis Junior150

148

TAVEIRA Celso Da primeira agrave terceira Roma A commonwealth bizantino-eslava e seu impacto na

formaccedilatildeo da Ruacutessia 2008 Relatoacuterio de Poacutes Doutorado ndash Universidade Estadual Paulista Campus de

Assis 149

EL MURR Victoacuteria Namestnikov amp EL MURR Joubran O Comeacutercio Varegue e o Gratildeo-Principado

de Kiev In SOUZA Antonio Candido de Mello et alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de

Paula artigos depoimentos de colegas alunos funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo

Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 pp 406 amp 409 150

EL MURR amp EL MURR 406

80

Euriacutepedes foi capaz de reunir a bibliografia disponiacutevel no Ocidente muito dela

parte de sua proacutepria e vasta biblioteca pessoal que disponibilizaria depois para os

alunos151

O acesso agrave tese foi difiacutecil por 30 anos pela existecircncia de poucos e antigos

exemplares difundiu-se por vezes por coacutepias mimeografadas e datilografadas152

Finalmente em 1972 ela foi reimpressa sem uma complementaccedilatildeo desejada pelo seu

autor Passaram-se mais de duas deacutecadas sem tentativa alguma de continuidade ao

trabalho pioneiro de Euriacutepedes153

Os trabalhos posteriores natildeo estariam focados na Rus kievita ou na questatildeo dos

varegues referindo-as de passagem ou parcialmente

Em relaccedilatildeo agrave proacutepria controveacutersia Euriacutepedes tem posiccedilatildeo clara e definida

exposta jaacute em sua introduccedilatildeo para ele o principado de Rus rdquoeacute obra dos Normandos que

se lanccedilam sobre a Europa desde o final do seacuteculo VIIIrdquo154

Natildeo obstante ele a discute em razoaacutevel detalhe ainda mais tendo-se em conta a

data de publicaccedilatildeo e o acesso difiacutecil agrave biliografia no tempo em questatildeo155

Inicia pela

etimologia dos nomes Rus e Varegue156

concluindo que os Rus eram escandinavos157

e

que o nome varegue possui a mesma origem158

Euriacutepedes de Paula considera que o chamado dos varegues contido na crocircnica de

Nestor consistiria em uma ldquojustificativardquo de uma posse jaacute efetiva das terras eslavas da

parte dos escandinavos159

O autor adiciona pontos interessantes e intriacutensecos agrave discussatildeo que sustentam

um domiacutenio jaacute consolidado e preacutevio dos varegues sobre o principado russo Conquanto

a crocircnica nestoriana date a chegada de Riurik em Novgorod em 862 e o domiacutenio de

Kiev por seus descendentes em 881 consta que em 860 durante o reinado de Miguel III

ocorreu um ataque dos Rus a Bizacircncio o que pressuporia uma forccedila jaacute organizada e

relativamente consolidada Os Annales Bertiniani que jaacute citamos a respeito da origem

escandinava dos Rus fala sobre o reinado de Luis o Piedoso entre 814 a 840 e cita a

151

Idem 152

Idem 407 153

Idem 408 154

PAULA 06 155

PAULA 05 amp EL MURR amp EL MURR 406 156

PAULA 14-22 157

Idem 18 158

Idem 21s 159

Idem 24

81

chegada de uma embaixada dos Rus ndash pelo autor como suecos ndash durante o reinado do

bizantino Teoacutefilo ndash entre 829 a 842 portanto160

Dada a data de escrita e o jaacute banimento do normanismo na URSS enquanto

possibilidade explicativa e considerando-se que Euriacutepedes chegou a consultar

bibliografia de autores russos eacute razoaacutevel supor que o mesmo optou conscientemente

pela sua tomada de posiccedilatildeo seja alinhando-se politicamente com o consenso ocidental

seja por convencimento da evidecircncia analisada Parece-nos mais provaacutevel que esta

uacuteltima afirmativa esteja mais proacutexima da verdade como se depreende de seu trabalho

Euriacutepedes natildeo chegaria a visitar a Uniatildeo Sovieacutetica ou a consultar qualquer

bilbiografia in loco Era conhecido por alguns acadecircmicos sovieacuteticos interessados em

estudos brasileiros e na Revista de Histoacuteria da USP como Lev Slioacuteskin com o qual

travou conhecimento em 1965 em congresso efetuado em Viena em conversa em

francecircs Quanto ao proacuteprio domiacutenio de Euriacutepedes sobre o tema de sua tese nas palavras

de Slioacuteskin Euriacutepedes era ldquouma pessoa de imensa erudiccedilatildeo certo na histoacuteria antiga da

Ruacutessia ()rdquo161

160

Idem 27 161

SLIOSKIN Lev Euriacutepedes de Paula na Uniatildeo Sovieacutetica In SOUZA Antonio Candido de Mello et

alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de Paula artigos depoimentos de colegas alunos

funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 P 564

82

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e finalizando a

1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo Fonte EL MURR amp

EL MURR 409

Euriacutepedes orientaria trecircs teses de doutoramento que tocariam na questatildeo russo-

medieval Foram as teses de Marcos Margulies ldquoEvoluccedilatildeo dos contatos intergrupais na

Europa da Idade Meacutedia atraveacutes do relacionamento entre judeus e russosrdquo defendida em

1970 de Niko Zuzek ldquoRazotildees da recusa do gratildeo principado de Moscou agrave uniatildeo

florentinardquo defendida em 1972 e de Victoacuteria Namestnikov El Murr ldquoPoema russo do

seculo xii o dito da expediccedilatildeo de Igorrdquo tambeacutem defendida em 1972

Os impactos e desenvolvimentos desses trabalhos entretanto foram pequenos

no sentido da criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de estudos da Ruacutessia medieval ndash o que dizer

entatildeo de uma historiografia mista russo-escandinava Alguns reflexos tardios de tais

trabalhos podem ser percebidos por exemplo na notaacutevel publicaccedilatildeo em 2000 de uma

traduccedilatildeo do ldquoCanto da campanha de Igorrdquo por Maria Aparecida BP Soares162

Eacute digno

de nota que em suas referecircncias a uacutenica obra especiacutefica brasileira no tema seja o

162

SOARES Maria Aparecida BP Priacutencipe Igor ou o canto da campanha de Igor Rio de Janeiro

Francisco Alves 2000

83

trabalho de Victoacuteria Namestnikov El Murr em meio a publicaccedilotildees russas e algumas

obras de referecircncia geral em liacutenguas latinas ou inglecircs

O comentaacuterio de Soares agrave traduccedilatildeo natildeo faz menccedilatildeo alguma agrave situaccedilatildeo

escandinava descrevendo rapidamente a formaccedilatildeo da Ruacutessia de Kiev como produto

apenas dos povos eslavos sem sequer a menccedilatildeo dos varegues163

e devendo muito mais

ao comentaacuterio consagrado de Likhatchov em ediccedilatildeo de 1967164

e agrave ldquoHistoria de La

URSS165

rdquo do que agrave diminuta produccedilatildeo brasiacutelica sobre o tema

A tese de Margulies seria publicada em 1971 pela Bloch como ldquoOs Judeus na

Histoacuteria da Ruacutessia166

rdquo ndash nome evidentemente mais atrativo em termos de mercado

Historiograficamente eacute trabalho que mais incorporaria as ideias de Euriacutepedes sobre o

normanismo ainda que os varegues consistam em parte pequena da obra ndash o primeiro

capiacutetulo apenas

Neste eacute interessante notar que o autor natildeo se deteacutem nas questotildees e implicaccedilotildees

historiograacuteficas do normanismo na historiografia russa O maacuteximo que o autor propotildee-

se a discorrer sobre a questatildeo eacute um paraacutegrafo explicativo no proacuteprio sumaacuterio

ldquoEste capiacutetulo trata de um curioso e razoavelmente

desconhecido Estado russo criado pelos normandos nos territoacuterios

depois transformados em Ruacutessia estado gerado e gerido pelos grupos

germacircnicoso que ateacute os nossos dias aborrece a oficial historiografia

sovieacuteticaembora o fato ocorresse haacute mais de mil anosrdquo167

Transparecem nesse resumo algumas ideias subjacentes ao trabalho uma

oposiccedilatildeo entre geneacutericos quase monoliacuteticos grupos ldquoeslavosrdquo e ldquogermacircnicosrdquo (no

prefaacutecio o autor iraacute enfatizar tal oposiccedilatildeo enquanto um ldquoantagonismo () eslavo-latinos

contra os franco-germanosrdquo) e uma certeza de falta de necessidade de discussatildeo

historiograacutefica ndash como afirmamos a pouco Margulies se porta em relaccedilatildeo agrave questatildeo

como se o normanismo seja um fato dado consumado comprovado e longe de qualquer

duacutevida

163

SOARES 12 164

Listada em suas referecircncias como ldquoLIKHATCHOV Dmitri S Slovo o polku Igoreve Gueroiacutetcheskii

proacutelog ruacutesskoi literatury (O canto da campanha de Igor Proacutelogo heroico da literatura russa) Leningrado

Izdaacutetelstvo ldquoKhudoacutejestvennaia literaturardquo 1967rdquo 165

HISTORIA DE LA URSS Moscou Instituto de Historia de la academia de Ciecircncias de la URSS amp

Editorial Progreso 1977 166

MARGULIES Marcos Os judeus na histoacuteria da Ruacutessia Rio de Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1971 167

MARGULIES ldquoSumaacuteriordquo

84

Partindo da divisatildeo norte-sul da Rus no medievo com um nuacutecleo ao norte em

Novgorod e outro ao sul em Kiev ele defende ndash novamente como fato dado e sem

maiores discussotildees historiograacuteficas - um gerenciamento estrangeiro no primeiro estado

russo e uma superioridade dos primeiros em relaccedilatildeo aos segundos ao menos no quesito

mercantil Em suas proacuteprias palavras

ldquoGerados pelos interesses comerciais dos povos mercantilmente

evoluiacutedos ndash os normandos ao norte e os bizantinos no Sul () rdquo168

Margulies iraacute reafirmar constantemente o papel dominante dos varegues em

relaccedilatildeo aos eslavos orientais e mesmo o domiacutenio dos mesmos em relaccedilatildeo a outros

mercadores a percorrer a regiatildeo incluindo os judeus ndash que se tratam do foco central de

seu livro169

Para ele os escandinavos ldquono Ocidente contruiacuteram a Inglaterra e no Oriente

a Ruacutessiardquo170

ainda que afirmando a raacutepida assimilaccedilatildeo dos mesmos nas populaccedilotildees com

as quais lidavam e a ausecircncia de vestiacutegios posteriores nos proacuteprios estados

Dessa forma seu trabalho endossa ponto a ponto o normanismo ldquoclaacutessicordquo

desde o chamado dos varegues na crocircnica nestoriana aos nomes escandinavos dos

governantes171

e os tratados bizantinos172

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro

Designaccedilotildees como ldquoEuropa Orientalrdquo paiacuteses da antiga Cortina de Ferro ou

antigo ldquoBloco Orientalrdquo ainda que bastante difundidas e empregadas jaacute natildeo mais se

sustentam de forma cabal em particular ao se tratar de suas historiografias locais

As especificidades e subdivisotildees culturais encontradas nos mesmos satildeo

marcantes e suas relaccedilotildees institucionais com a Ruacutessia e URSS satildeo igualmente diversas

Os paiacuteses baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) possuem passado de rancor e

disputa ideoloacutegica com a Uniatildeo Sovieacutetica e sua historiografia medieval reflete tal

circunstacircncia

168

MARGULIES 15 169

Idem 18 170

Idem 20 171

Idem 23 172

Idem 26

85

Concomitantemente na Estocircnia e Letocircnia ocorreu contato intenso com a

Escandinaacutevia em eacutepocas jaacute anteriores ao proacuteprio periacuteodo viking e a historiografia

contemporacircnea da regiatildeo considera a temaacutetica normanista como ponto jaacute resolvido

inclusive ultrapassado em um cenaacuterio nacional agravado pela dificuldade de fundos e

estiacutemulo agrave pesquisa173

Anti Selart chamaraacute a questatildeo de ldquorelevanterdquo apenas nos anos 50 a 60 e ligada

na Estocircnia sovieacutetica enquanto reaccedilatildeo ao livro ldquoNordische Mission Revals Gruumlndung

und die Schwedensiendlung in Estlandrdquo de Paul Johansen publicado em 1951 em

Estocolmo174

o que demonstra inclusive uma falta de paridade e atualizaccedilatildeo de parte

dos acadecircmicos do Baacuteltico em relaccedilatildeo aos recentes desenvolvimentos da controveacutersia

na Ruacutessia

Com o final da URSS outras naccedilotildees de substrato eslavo como Polocircnia e

Tcheco-eslovaacutequia abandonariam as tentativas pan-eslavistas de explicar o

desenvolvimento antigo de suas sociedades como atingidos pelos eslavos isoladamente

antes aceitando ndash muitas vezes apressadamente ndash quaisquer tentativas de conexatildeo com a

Europa Ocidental em movimento paralelo agrave expansatildeo da Comunidade Europeia para o

leste175

Em tal contexto de receacutem-aberto debate o normanismo assume retomado vigor

natildeo sem embate com as velhas ideias

A Polocircnia teve lugar de destaque na discussatildeo normanista Trecircs dos principais

acadecircmicos a discutir a questatildeo e influenciar a situaccedilatildeo da mesma tiveram origem

polonesa Henryk Łowmiański (1898-1984) Henryk Paszkiewicz (1897-1979) e Jogravezef

Sȩkowski176

Łowmiański foi autor de obras de grande volume destacam-se Prusy pogańskie

(1935) (Os antigos prussianos) ldquoZagadnienie Normanow w genezie panstw

slowianskich (1957)rdquo (O problema dos normandos na gecircnese os estados eslavos)

Początki Polski (6 vol) Studia nad dziejami Słowiańszczyzny Polski i Rusi w wiekach

średnich (1986)

173

SELART A Saksa doktorike Meie Mommsen Akadeemia 18(8) 1836 -1849 2006 ϹЄЛАРТ А

Начало городской жизни в средневековой Ливонии и Руси Балтия в контексте Северного

пространства От Средневековья до 40-х годов XX века Институт всеобщей истории РАН - М

Изд-во Института всеобщей истории РАН (ИВИ) 2009 С 84-102 Troca de emails com profs Drs

Anti Selart e Dr Heiki Valk da Universidade de Tartu em janeiro de 2014 Entrevista pessoal com prof

Dr Andrejs Vasks na Latvijas Universitate julho de 2013 174

Anti Selart Email pessoal para Andreacute Muceniecks em 17012014 175

BARFORD PM The Earl Slavs Ithaca amp New York Cornell University Press 2001 P 282 176

ZAKHARII 76

86

Łowmiański discordava da derivaccedilatildeo de Rus de Ruotsi argumentando que

talvez ldquoRusrdquo tivesse a ver com o antigo noacuterdico raueth ldquovermelhordquo Nas liacutenguas eslaacutevicas

haveria o cognato em termos derivados de ldquorusyrdquo que significaria avermelhado

amarronzado pendendo para o vermelho significando alguma caracteriacutestica territorial

ou como sugeriria o norueguecircs Haringkan Stang pessoas com o cabelo avermelhado

Para Łowmiański o termo Rus surgira no meacutedio Dnieper aplicaria-se depois ao

estado ali e surgido e mais posteriormente generalizado aplicaria-se com uma

conotaccedilatildeo mais eacutetnica e social Mais posteriormente aventaria a hipoacutetese de que

implicaria uma organizaccedilatildeo militar originada na regiatildeo do Ladoga consistindo de

elementos mistos eslavos escandinavos e fino-uacutegricos mas com predomiacutenio eslaacutevico

destarte Łowmiański enquadrou-se ainda que de forma matizada no espectro anti-

normanista da controveacutersia

Em breve retornaremos a Paszkiewicz

Falta por fim uma anaacutelise da historiografia da qual noacutes propriamente mais

bebemos em nossa pesquisa a historiografia anglo-saxatilde no sentido de se expressar em

liacutengua inglesa Longe de ser formada apenas de estudiosos anglo-americanos eacute formada

tambeacutem em grande parte de russos ucranianos e poloneses emigrados para Estados

Unidos Reino Unido e Escandinaacutevia que produziram a maior parte da historiografia

acessiacutevel e influente no ocidente

Nesse grupo inserimos o jaacute mencionado Paszkiewicz os Riasanowsky George

Vernadsky Omeljan Pritsak Wladyslaw Duczko Simon Franklin Jonathan Shepard e

Thomas Noonan

Afirmamos anteriormente que Vernadsky apesar de normanista ldquodeclaradordquo natildeo

aceita como corretas algumas pressuposiccedilotildees caras aos normanistas ldquoclaacutessicosrdquo Dentre

estas destaca-se sua discordacircncia da etimologia do nome Rus enquanto derivaccedilatildeo do

escandinavo Rhodslagen e fino-uacutegrico Ruotsi

Antes adota a ideia de origem e matiz anti-normanista de uma conexatildeo

meridional do nome oriundo de Ros Vernadsky associa-o a diversos hidrocircnimos

originaacuterios de populaccedilotildees antigas das estepes como Rukh-As ou Roc-As mais

especificamente ao nome ΄ρωϛ (hros) Seu primeiro expositor foi Diakonov que analisa

o Pseudo-Zacharias Rhetor de 555 Tal fonte segundo Diakonov citaria certos Hros

87

como populaccedilotildees nomaacutedicas huacutenicas do norte do Caacuteucaso

Jaacute citamoa a pouco que essa ideia foi desacreditada e mesmo ridicularizada por

Omeljan Pritsak177

que demonstra que o relato na verdade eacute uma versatildeo oriunda do

meacutedio-persa da histoacuteria de Alexandre com um erro de coacutepia na qual os consortes das

amazonas gigantes satildeo citados como ldquoheroacuteisrdquo empregando o termo ήρωϛ (heros)

Jaacute Henryk Paszkiewicz (1897-1979) apesar de polonecircs por nascimento migrou

para a Inglaterra onde publicou suas obras de maior relevacircncia tornando-se

medievalista de renome e influecircncia no mundo anglo-saxatildeo no campo dos estudos

referentes agrave Europa Oriental

Nos anos poacutes-guerra publicaria sua trilogia The Origin of Russia (George Allen

amp Unwin LTD London 1954) The Making of the Russian Nation (Longmann amp Todd

London 1963) e The Rise of Moscows Power (niedokończony wydany pośmiertnie

East European Monographs 1983) De grande interesse no Ocidente e publicada em

inglecircs (apesar de Paszkiewicz tecirc-la escrita em polonecircs) sua trilogia enfrentou problemas

para ser divulgada na Polocircnia Cortina de Ferro e URSS por razotildees doutrinaacuterias e pela

inclinaccedilatildeo normanista de Paszkiewicz vindo a ser publicada apenas apoacutes a deacutecada de

1990 (1996 1998 e 2000) em polonecircs apoacutes esforccedilos na recuperaccedilatildeo de seus

manuscritos

Os pontos de vista de Paszkiewicz e em grande parte a forma como os colocou

geraram consideraacutevel polecircmica e resistecircncia da parte dos autores russos Paszkiewicz

nunca tentou fazer concessotildees ou amenizar quaisquer aacutereas mais sensiacuteveis de suas

ideacuteias declara sem qualquer problema que os eslavos do Ilmen eram incapazes de se

organizarem e foram dominados pelos escandinavos

Ainda mais polecircmicas foram suas declaraccedilotildees sobre a proacutepria natureza dos

russos que misturam um nacionalismo polonecircs com raiacutezes em movimentos como o

sarmatismo e natildeo disfarccedilam um discurso eslavista exclusivista e mesmo racista

Paszkiewicz afirma que os russos foram fino-uacutegricos que adotaram a liacutengua eslaacutevica

apoacutes a cristianizaccedilatildeo destarte os varegues dominaram uma populaccedilatildeo fino-uacutegrica que

se tornaria ldquorussardquo e natildeo um povo eslaacutevico178

Paszkiewicz cria dessa forma suas

177

PRITSAK 06 178

PASZKIEWICZ Henryk Origins of Russia London George Allen amp Unwin 1954 pp 155s

88

proacuteprias ideis de superioridade racial ndash de eslavos e escandinavos sobre fino-uacutegricos no

entanto - ao mesmo tempo exaltando seu povo de origem e rebaixando os russos

O predomiacutenio normanista no Ocidente foi atacado sistematicamente pelos

Riasanovsky particularmente Nicholas o filho (1923-2011) Autor de ldquoA History of

Russiardquo(1963) um dos livros mais influentes e mais reeditados no contexto norte-

americano179

Riasanovsky criticaria de forma mais especiacutefica e contundente a

supremacia e parcialidade da historiografia no Ocidente que tratava da questatildeo em

artigo publicado no Russian Review de 1947180

Riasanovsky criticava o que chamou de

ldquostandard normanist explanationrdquo181

Seu principal debatedor seria Paszkiewicz e a

discussatildeo entre os acadecircmicos foi considerada por Klejn e outros autores como a

ldquoterceira ondardquo de debates normanistas

Autores contemporacircneos e posteriores agrave discussatildeo dentre os quais o proacuteprio

Vernadsky Omeljan Pritsak Jonathan Sheppard Simon Franklin Thomas Noonan e

Wladislaw Duczko desenvolvem pontos de vistas mais amplos e matizados

Chamar-lhes ldquonormanistasrdquo eacute arriscado subjetivo Todos consideram a

existecircncia tanto do componente escandinavo como do eslaacutevico fundamentais no

surgimento da Rusde Kiev Ideias tais quais ldquosuperioridadeinferioridaderdquo cultural

ldquoevoluccedilatildeo culturalrdquo e similares encontram-se jaacute bastante circunscritas e datadas

Destarte se por ldquonormanistardquo eacute correto enquadrar qualquer acadecircmico que

considere que tenha havido a presenccedila escandinava nas origens da Rus de Kiev entatildeo

todos estes autores o satildeo e com exceccedilatildeo de um ou dois nomes a historiografia

ocidental inteira o seraacute bem como a maior parte da produccedilatildeo russa recente

Se ldquonormanistardquo implica aceitar a cartilha estabelecida que inclui a origem do

nome e mesmo uma situaccedilatildeo de domiacutenio e superioridade cultural o leitor necessitaraacute

vasculhar a bibliografia mais antiga a fim de satisfazer os criteacuterios

Por fim retornaremos no capiacutetulo seguinte a discutir a presenccedila escandinava no

territoacuterio da antiga Rus Eacute impossiacutevel ao acadecircmico contemporacircneo desacreditar que

179

A uacuteltima ediccedilatildeo a 8ordf foi atualizada por um antigo estudante seu Mark Steinberg RIASANOVSKY

Nicholas amp STEINBERG Mark A History of Russia New York 2010 [1963] 180

RIASANOVSKY Nicholas The Norman Theory of the Origin of the Russian State In Russian

Review Vol 07 n01 1947 P97 181

RIASANOVSKY 1947 96

89

tais movimentos existiram ou mesmo que possuiacuteram relevacircncia Argumentos relativos

agrave escassez de material arqueoloacutegico natildeo mais se sustentam o emprego de tal

informaccedilatildeo no entanto estaraacute sempre sujeito agrave subjetividade do autor ao contexto no

qual ele escreve e natildeo seratildeo poucas as vezes que tal produccedilatildeo estaraacute sujeita agrave

legitimaccedilatildeo de ideologias e situaccedilotildees poliacuteticas

90

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki

Do autor Elaborado com a ferramenta MapMaker Interactive da National Geographic Education

91

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL

21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material

Pela escassez de fontes escritas na Alta Idade Meacutedia tanto na Rus quanto

Escandinaacutevia a construccedilatildeo de uma histoacuteria do periacuteodo viking em tais contextos

beneficia-se com o uso extenso da Cultura Material em uma acepccedilatildeo arqueoloacutegica do

termo

Segundo tal conceito poderiacuteamos definir Cultura Material como qualquer

criaccedilatildeo vestiacutegio alteraccedilatildeo ou construccedilatildeo produzida pela accedilatildeo humana Tal definiccedilatildeo eacute

vaacutelida desde construccedilotildees e criaccedilotildees intencionais (ie a construccedilatildeo de um edifiacutecio ou de

um salatildeo uma estela ruacutenica com conteuacutedo escrito ou natildeo uma ferramenta) como a

alteraccedilatildeo do meio-ambiente dada pela accedilatildeo humana (ie o desmatamento de

determinadas aacutereas a drenagem de um pacircntano)182

Haacute de se notar que tal ampliaccedilatildeo do

conceito de fonte primaacuteria e emprego das mesmas natildeo diferem muito das definiccedilotildees

propostas por Jacques LeGoff em sua ldquoNova Histoacuteriardquo

Discutimos extensamente anteriormente a hipoacutetese normalista e sua resistecircncia

da parte de autores principalmente na Ruacutessia URSS e Ucracircnia Tambeacutem demonstramos

que parcela consideraacutevel dessa argumentaccedilatildeo anti-normanista fundamenta-se em uma

suposta ausecircncia de material arqueoloacutegico demonstrando uma expansatildeo escandinava a

leste Natildeo analisaremos os siacutetios escandinavos em solo eslaacutevico em alguma espeacutecie de

tentativa de argumentaccedilatildeo normalista Como jaacute discutimos anteriormente tal afirmaccedilatildeo

e tais argumentos baseados em ausecircncia satildeo questionaacuteveis e natildeo se sustentam

A despeito da existecircncia de extenso material escavado em gorodi ndash termo usado

extensivamente na bibliografia para se referir agraves cidades fortificadas eslaacutevicas como

Novgorod e Kiev - daremos ecircnfase a duas seacuteries de material que por possuiacuterem

diversos testemunhos da mesma natureza permitem o traccedilar de comparaccedilotildees mais

seguras Tratam-se tambeacutem de materiais que possuem natureza dupla no sentido

interpretativo permitindo tradicionalmente seu emprego tanto pelo campo da

arqueologia quanto da Histoacuteria Trata-se do testemunho numismaacutetico amparado pelos

achados arqueoloacutegicos em solo russo e o testemunho das estelas ruacutenicas

Como afirmado em nossa introduccedilatildeo partes consideraacuteveis desta seccedilatildeo apoiar-se-

182

BEZERRA DE MENESES Ulpiano A cultura material no estudo das sociedades antigas In Revista

de Histoacuteria 115 (Nova Seacuterie) 1983 pp112s

92

atildeo em bibliografia secundaacuteria natildeo temos a pretensatildeo de apresentar um trabalho

arqueoloacutegico ou numismaacutetico antes de provermos nesta seccedilatildeo um apanhado

contextual baseado nas diferentes formas da Cultura Material que embase nosso estudo

sobre o emprego do contexto viking pelos eruditos dos seacuteculos posteriores

No entanto a parte final deste capiacutetulo dedicada ao estudo das estelas ruacutenicas

foi efetuada com a anaacutelise direta de nossa parte das proacuteprias estelas complementando

assim a sessatildeo com um estudo baseado nos testemunhos primaacuterios

211 A numismaacutetica

O estudo numismaacutetico dos escandinavos em relaccedilatildeo ao leste apresenta algumas

peculiaridades e exclusividades em relaccedilatildeo agrave forma como a numismaacutetica eacute normalmente

estudada

No campo geral da numismaacutetica as moedas satildeo estudadas em relaccedilatildeo a diversos

fatores Tratando-se de objetos portaacuteteis fabricados em material duraacutevel de produccedilatildeo

repetida dimensotildees controladas e valor simboacutelico reconhecido entre grupos sociais pela

representaccedilatildeo de uma autoridade compartilhada satildeo muitos aspectos que podem ser

estudados por meio delas a tecnologia a economia o comeacutercio mesma a poliacutetica e

sociedade

Seu valor eacute normalmente dado de forma simboacutelica sua emissatildeo se daacute por uma

autoridade puacuteblica reconhecida sua confecccedilatildeo e impressatildeo se datildeo de formas

controlaacuteveis e fiscalizaacuteveis Dessa forma em diversas ocasiotildees no tempo e espaccedilo

foram emitidas moedas cujo ldquovalor intriacutenseco (enquanto mercadoria) era negligenciaacutevel

sem qualquer relaccedilatildeo com o valor da mercadoria no lugar da qual deviam circularrdquo 183

O material e peso natildeo eram os responsaacuteveis diretos pelo valor da moeda mas sim a

autoridade puacuteblica que executou sua impressatildeo e emissatildeo

No testemunho numismaacutetico que nos interessa referente aos escandinavos em

Austrvegr e Garethariacuteki esta caracteriacutestica essencial das moedas natildeo possui significado

algum Os grandes objetos de interesse para escandinavos eram os dirhams muccedilulmanos

ndash moedas cunhadas em prata pelo mundo aacuterabe O interesse era o material e peso dos

mesmos estas moedas eram avaliadas portanto pelo valor intriacutenseco que possuiacuteam e

natildeo simboacutelico A autoridade que as confeccionou natildeo era (re) conhecida o simbolismo e

183

FREacuteRE Hubert Numismaacutetica uma introduccedilatildeo aos meacutetodos e agrave classificaccedilatildeo Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo

de Alain Costilhes e Maria Beatriz Borba Florenzano Satildeo Paulo Sociedade Numismaacutetica Brasileira amp

Louvain-la-Neuve (Beacutelgica) Seacuteminaire de numismatique Marcel Hoc 1984p 17

93

matemaacutetica nelas gravadas natildeo fazia sentido ao escandinavo184

Os escandinavos obtinham moedas de prata com comerciantes muccedilulmanos

trocando-as principalmente por peles obtidas no norte Esse comeacutercio era efetuado

principalmente em Itil capital dos Khazar na embocadura do Volga ou mesmo

posteriormente mais ao sul nas regiotildees dos atuais Iracirc e Iraque A Ruacutessia e a

Escandinaacutevia tinham escassez de depoacutesitos de prata e moedas de prata ocidentais

caroliacutengias eram raras185

Dessa forma os dirhams muccedilulmanos eram uma fonte de

prata que propiciava distinccedilatildeo social riqueza e poder186

Natildeo obstante tais singularidades entretanto tais moedas ainda assim podem

indicar outra seacuterie de informaccedilotildees O quesito de datas eacute relativo Pode-se obter por meio

do testemunho dado atraveacutes de seacuteries mas natildeo de moedas isoladas Podem-se presumir

datas-limite da cunhagem e circulaccedilatildeo das moedas mas natildeo dataccedilotildees absolutas Pode-se

saber com precisatildeo os locais de origem e as casas de cunhagem A observaccedilatildeo das

proveniecircncias cruzada com as dataccedilotildees seria de grande utilidade para estudos histoacutericos

poliacuteticos dos califados aacuterabes do periacuteodo em questatildeo mas foge totalmente do nosso

escopo

A despeito do simbolismo diverso o fato de encontrar-se grande quantidade de

depoacutesitos de moedas podem nos trazer informaccedilotildees sobre o imaginaacuterio crenccedilas e

haacutebitos mentais dos escandinavos em questatildeo Ainda que os dirhams natildeo trouxessem

efiacutegies e rostos gravados a atitude corrente escandinava de enterrar tesouros de prata

pode ter origem religiosa e natildeo meramente de entesouramento

Natildeo haacute uma elaboraccedilatildeo uniacutevoca sobre o mundo apoacutes a morte entre os

escandinavos e nem se trata de nosso propoacutesito aqui nos adentrar muito no assunto

Dentre muitos autores que tratam de temas ligados agrave religiosidade escandinava preacute-

cristatilde nos chamam a atenccedilatildeo os conceitos organizados por Hilda Ellis

Ellis teoriza sobre a existecircncia de duas concepccedilotildees baacutesicas de vida poacutes-morte

uma de outra vida apoacutes a destruiccedilatildeo do corpo e a outra de uma vida na terra ou

embaixo dela segundo esta uacuteltima concepccedilatildeo o homem falecido continuaria vivendo

em seu local de enterramento como si ali fosse uma casa e ainda usufruindo de suas

184

WILSON David The Vikings and their origins Scandinavia in the First Millenium London Thames

and Hudson 1970 P102 185

BARFORD 181 186

NOONAN Thomas Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998

Pp 346-347

94

possessotildees ali187

Eacute razoaacutevel portanto pressupor uma conexatildeo do entesouramento com tais

concepccedilotildees religiosas que destarte providenciam bens para o falecido bens em sua

vida post-mortem

2111 As Fontes

O acesso agraves coleccedilotildees de dirhams encontradas nas regiotildees de Austrvegr e

Garethariacuteki eacute dificultado pelas deacutecadas de isolamento entre a URSS e o Ocidente A

principal forma de acesso a estas informaccedilotildees satildeo por meio de autores com tracircnsito nos

meios acadecircmicos do leste da Europa e do Ocidente como Thomas Noonan188

e mais

recentemente Matheus Bogucki189

Eacute necessaacuterio portanto se salientar que o estudo numismaacutetico ao menos

enquanto parte de nosso estudo maior eacute um estudo baseado na interpretaccedilatildeo acadecircmica

ldquocanocircnicardquo e natildeo em uma anaacutelise das proacuteprias coleccedilotildees numismaacuteticas Tal estudo deve

ser feito agrave parte de formas que natildeo cabem no escopo deste trabalho

187

ELLIS Hilda Roderick The Road to Hel A Study of the Conception of the Dead in Old Norse

Literature New York Greenwood Press 1968 65 188

Thomas Noonan publicou por mais de duas deacutecadas material e anaacutelises da evidecircncia numismaacutetica na

Ruacutessia Europeia e Baacuteltico Eacute impossiacutevel natildeo nos referirmos a ele extensamente NOONAN Thomas Pre-

970 dirham hoards from Estonia and Latvia I Catalog In Journal of Baltic Studies 83 1977(a) 238-

259 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia II General considerations In Journal of Baltic

Studies 84 1977 (b) 312-323 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia III An examination of

the ninth century hoards In Journal of Baltic Studies 91 1978(a) 7-19 Pre-970 dirham hoards from

Estonia and Latvia IV An analysis of the hoards buried between 900 and 970 In Journal of Baltic

Studies 92 1978 (b) 99-115 Ninth-century dirham hoards from Northwestern Russia and the

Southeastern Baltic In Journal of Baltic Studies 133 1982 220-244 A dirham hoard of the early

eleventh century from northern Estonia and its importance for the routes by which dirhams reached

Eastern Europe CA 1000 AD In Journal of Baltic Studies 143 1983 185-201 Dirham hoards from

medieval Lithuania In Journal of Baltic Studies 234 1992 395-414 The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998 (a)

Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis In The Islamic World

Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595

Ashgate 1998(b) Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the Vikings

750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998(c) 189

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361

95

2112 Os khazares e os aacuterabes

O contexto de origem dos Dirhams auxilia grandemente na compreensatildeo das

suas diversas proveniecircncias bem como nos possiacuteveis meios de chegada dos mesmos ao

norte aleacutem do estabelecimento de balizas cronoloacutegicas Eacute importante o destaque de que

a proveniecircncia dos dirhams no norte eacute o Oriente Meacutedio e natildeo a Aacutesia Central190

destarte eacute-nos necessaacuterio adentrarmos ao menos de forma limitada o mundo

muccedilulmano de entatildeo

Entre 602 e 628 ocorre agrave chamada guerra ldquoBizantina-Sassacircnidardquo que marcaraacute o

fim do impeacuterio persa sassacircnida Em seu primeiro estaacutegio de 602 a 622 os persas teratildeo

sucessos constantes Durante o governo de Heraacuteclio ao trono bizantino (610-641) a

situaccedilatildeo muda Em 627 auxiliados tambeacutem pelos khazares as forccedilas de Heraacuteclio

invadem o proacuteprio territoacuterio dos sassacircnidas que pagam tributo por paz

Apoacutes esta guerra tanto os bizantinos quanto os persas estavam exauridos Os

islacircmicos saiacuteram favorecidos Os primeiros esquadrotildees aacuterabes a adentrar o territoacuterio

persa natildeo foram vistos como uma ameaccedila pelo governante Yazdegerd III e pelo vice-rei

Rostam-e Farokhzad A organizada cavalaria pesada persa efetiva contra os regimentos

bizantinos natildeo o era contra os camelos leves aacuterabes O uso de elefantes inicialmente

teve sucesso mas logo veteranos aacuterabes que jaacute haviam combatido contra os bizantinos

na Siacuteria (que tambeacutem os usavam) trouxeram o conhecimento de como lidar com eles

Com a morte de Maomeacute em 632 e a disputa subsequente pelo poder surge o

primeiro dos quatro califados da histoacuteria muccedilulmana ndash o califado Rashidum - que parte

para uma seacuterie de campanhas militares e conquistas sob a lideranccedila inicial do califa

entre 632-634 Abu Bakr (Abdullah ibn Abi Quhafa) sogro de Maomeacute e subsequente

do califa Umar (ʿUmar ibn al-Khaṭṭāb) morto em 644

Apoacutes uma inicial invasatildeo da Mesopotacircmia em 633 em 636 deu-se um marco da

conquista aacuterabe com a chamada ldquoBatalha de Qadisiyyahrdquo que foi chave para a

conquista aacuterabe do Iraque e que tambeacutem viu uma alianccedila entre os persas com os

bizantinos atraveacutes do casamento da filha de Heraacuteclio com Yazdegerd Em um processo

complexo e marcado por reveacutezes a Mesopotacircmia foi conquistada pelos aacuterabes entre 636

190

NOONAN Thomas Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis

In The Islamic World Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected

Studies Series 595 Ashgate 1998(b)P 51

96

a 638 Entre 638 e 639 a Armecircnia ndash entatildeo possessatildeo bizantina eacute invadida sendo

completamente conquistada em 642191

Entre 638 e 641 ainda ocorreratildeo constantes reides dos persas na regiatildeo da

Mesopotacircmia A proviacutencia do Khuzistatildeo eacute conquistada pelos aacuterabes em 641 Poreacutem o

califa Umar desejava paz ndash os aacuterabes ainda viam os persas com temor Apoacutes um breve

periacuteodo de paz a Peacutersia eacute conquistada entre 642 e 644 sendo que na segunda metade do

seacuteculo VII jaacute tinham assegurado controle da Transcaucasia Os cem anos seguintes

foram palco das chamadas ldquoguerras aacuterabe-khazarrdquo Destacam-se duas a primeira em

652 quando os aacuterabes foram derrotados pelos Khazares na cidade Khazar de Balanḡar

e a segunda entre 708 a 737192

-193

Na segunda guerra ocorreram vitoacuterias de ambos os lados entretanto travavam-

se raides em ambas as vertentes do Caacuteucaso ocorrendo poucas batalhas decisivas Em

730 o priacutencipe khazar Barjjk efetuou uma excursatildeo ateacute o noroeste do Iratilde derrotando os

Umiacuteadas em Ardabil e matando seu governante mas sendo morto no ano seguinte em

Mosul194

Um ponto marcante daacute-se em 737 quando os aacuterabes liderados por Marwan ibn

Muhammad (o futuro califa umiacuteada Marwan II) efetuam uma campanha mais

significativa contra os khazares Derrotam-nos no Caacuteucaso do norte chegam a ocupar a

capital khazar Atil e perseguem o Kagan ateacute a regiatildeo de Burtas no baixo Volga aonde o

convencem a se render e se converter ao Islamismo Apoacutes isso Marwan retorna agrave

Transcaucaacutesia e o Kagan recupera sua independecircncia 195

Nenhum dos dois lados conseguiu portanto submeter o Caacuteucaso inteiro e a

situaccedilatildeo natildeo era sustentaacutevel Para os Khazares ficou claro o perigo que era a guerra

contiacutenua com os aacuterabes tendo tido suas forccedilas destruiacutedas e seu governante humilhado

Quanto aos aacuterabes ficou claro que natildeo era suficiente derrotar as forccedilas khazares o

adequado seria ocupar seu territoacuterio196

A situaccedilatildeo muda com a chamada ldquoRevoluccedilatildeo Abaacutessidardquo quando o califa al-

191

SAUNDERS JJ A History of Medieval Islam London amp New York Routledge pp50-53 192

SAUNDERS JJ 50-58 193

MAKO Gerald The possible reasons for the Arab-Khazar Wars In ALLSEN ThT GOLDEN

PB KOVALEV RK amp MARTINEZ AP (eds) Archivum Eurasiae Medii Aevi (17) Wiesbaden

Harrassowitz Verlag 2010 P45 194

MAKO 47 195

NOONAN 1998 (b) 51 196

MAKO 56s

97

Mansur inicia uma poliacutetica de ldquodetenteacuterdquo com os khazares em 760 A situaccedilatildeo de

problemas econocircmicos sociais religiosos e poliacuteticos passados pelo califado favorece o

estiacutemulo agrave paz e comeacutercio em detrimento das guerras e conquistas

A oferta de ldquodeacutetenterdquo eacute aceita de imediato pelos khazares e o governador de

Arminiyah eacute ordenado por Mansur a casar-se com a filha do Kagan A despeito de outra

batalha gerada pela invasatildeo de forccedilas khazares no Azerbaijatildeo e Arran em 799800 as

hostilidades datildeo lugar ao comeacutercio entre 760 e 800 e a preocupaccedilatildeo dos khazares no

campo militar se daacute mais em relaccedilatildeo aos bizantinos

O rei Joseph bem Aaron dos khazares (khagan ou bek ndash haacute disputa sobre seu

status) governando aproximadamente entre 950 e 960 escreve ao rabino judeu Abu

Yusuf (Hasbai ibn Shaprut) de Coacuterdoba que os Khazares protegiam o Caacutespio (e

consequentemente os aacuterabes) de ataques dos Rus197

2113 Rotas e cronologias

O estudo dos depoacutesitos de dirhams sua distribuiccedilatildeo geograacutefica e dataccedilatildeo tecircm

propiciado reconstituiccedilotildees plausiacuteveis do desenvolvimento das rotas comerciais

escandinavas com o Oriente Proacuteximo O desenvolvimento da Arqueologia e acuacutemulo de

dados tecircm trazido seguranccedila a hipoacuteteses elaboradas proacuteximas da deacutecada de oitenta

acerca dos primeiros movimentos escandinavos a leste

Thomas Noonan198

apresenta os estudos numismaacuteticos compreensivos mais

detalhados sobre tais movimentaccedilotildees fundamentado em grande parte em bibliografia

sovieacutetica inacessiacutevel aos pesquisadores ocidentais Seus estudos buscam responder agrave

pergunta de por que os escandinavos aventurarem-se no interior da Ruacutessia e acabaram

por tornar-se referecircncia para os estudos subsequentes

Comparativamente com Inglaterra e Franccedila a Ruacutessia de norte era razoavelmente

pobre materialmente na transiccedilatildeo entre os seacuteculos XIII e IX Dessa forma a atraccedilatildeo que

as ilhas britacircnicas e o Ocidente em particular seus monasteacuterios desprotegidos exerciam

sobre os vikings eacute facilmente compreendida mas natildeo os porquecircs de escandinavos

aventurarem-se na Ruacutessia considerando que a Escandinaacutevia era mais rica materialmente

do que a proacutepria Ruacutessia

197

NOONAN 1998 (b) 51s 198

NOONAN 1998 (c) 346-347 Ver nota 188 e as referecircncias bibliograacuteficas para uma listagem

completa

98

I O Baacuteltico Austrvegr

O movimento escandinavo na Ruacutessia foi de iniacutecio um subproduto da atividade

Escandinava no Baacuteltico Oriental que remontava haacute seacuteculos antes do iniacutecio do Periacuteodo

Viking e incluiacutea tanto a execuccedilatildeo de expediccedilotildees raacutepidas de saque e comeacutercio como de

proacutepria habitaccedilatildeo e construccedilatildeo de ocupaccedilotildees Do Baacuteltico Oriental e da proacutepria Sueacutecia o

acesso agrave regiatildeo do Ladoga era facilitado A ldquorota de lesterdquo o ldquocaminho para lesterdquo satildeo

traduccedilotildees possiacuteveis para o termo ldquoAustrvegrrdquo que pode ser aplicado agraves proacuteprias rotas

per si ou agrave proacutepria regiatildeo baacuteltica-oriental

Nos seacuteculos V e VI as principais populaccedilotildees a comerciarem com a regiatildeo de

Garethariacuteki vinham do Baacuteltico A quantidade de depoacutesitos de moedas na regiatildeo da antiga

Pruacutessia e nas regiotildees eslaacutevicas ocidentais mostram movimentos iniciais da parte de

baacutelticos e eslavos ocidentais no que toca ao comeacutercio e circulaccedilatildeo de dirhams

No VI seacuteculo um grupo escandinavo possivelmente teria residido na foz do

Daugava199

nas proximidades ou na proacutepria Daugmale (vide Mapa 02) fortificaccedilatildeo no

curso do Daugava que tambeacutem assumiu papel de entreposto comercial Arbman efetua

descriccedilatildeo interessante do local Daugmale dominava o trecho de navegaccedilatildeo mais aacuterdua

do Daugava e apesar de suas fortificaccedilotildees fora queimada quatro vezes200

Mas a

confunde com Duumlnaburg (atual Daugavpils) localizada aproximadamente 200 km para

o sul no curso do Daugava e construiacuteda apenas no seacuteculo XIII Ellis-Davidson efetua

confusatildeo envolvendo tambeacutem a Daugavpils considerando que uma citaccedilatildeo de Saxo

Grammticus trate da mesma201

Saxo no entanto viveu e escreveu antes da construccedilatildeo

de Daugavpils o que leva a pressupor que a fortificaccedilatildeo do Daugava a qual ela se refere

eacute Daugmale

199

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943]p266 200

ARBMAN Holger The Vikings London Frederick Praeger 1961 p 96 201

ELLIS-DAVIDSON Hilda Commentary In SAXO GRAMMATICUS The History of the Danes

Traduccedilatildeo FISCHER Peter II Vols Woodbridge Suffolk Boydell amp Brewer 2006[1979-80] P31

99

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais Legenda 1 Ramo maior do Austrvegr 2 Rotas aquaacuteticas locais principais 3 Presumida fronteira eacutetnica balto - fino-uacutegrica 4 Colinas fortificadas e centros de poder 5 Cemiteacuterios com enterramentos escandinavos 6 Entrepostos comerciais em colinas fortificadas Fonte VALK Heiki The Vikings and the Eastern Baltic In BRINK amp PRICE (eds) The Viking World Routledge 2008 p486

100

Essa circulaccedilatildeo primitiva de Dirhams fora o impulso inicial a atraccedilatildeo primeva a

dirigir escandinavos principalmente os svear para as regiotildees de leste A despeito de

vestiacutegios no Golfo da Finlacircndia a principal regiatildeo de influecircncia escandinava e que

exemplifica a influecircncia e interesse no leste nesses seacuteculos iniciais eacute a Kuacuterland em

particular nas proximidades de Grobiņa (hoje na Letocircnia) e Apuole (hoje na Lituacircnia)

(vide Mapa 02) Haacute grande quantidade de achados de origem ou conexatildeo escandinava

em Kuacuterland tambeacutem em outros locais nas proximidades de Grobiņa Priediens II Porāni

e Rudzukalns II datados do periacuteodo de Vendel possuem conexotildees na regiatildeo da atual

peniacutensula de Kaliningrado202

As escavaccedilotildees e obras de Birger Nerman demonstraram o estabelecimento de

Svear e Gotar na regiatildeo por um periacuteodo aproximado entre os anos de 600 e 800 O

estabelecimento dos Svear eacute marcadamente militar Entretanto os vestiacutegios de

povoamentos dos oriundos de Gotland apresentam caracteriacutesticas mais marcadamente

comerciais apresentando inclusive a presenccedila de mulheres possivelmente famiacutelias203

O cruzamento com fontes escritas eacute possiacutevel As fontes propriamente

escandinavas apresentam problemas no que tange a uma historicidade estrita factual

abrindo espaccedilo para as discussotildees referentes ao entrelaccedilamento entre histoacuteria e misto

fato e ficccedilatildeo historicidade e narrativa

Entretanto a Vita anskarii de Rimbert arcebispo de Bremen traz uma narrativa

aparentemente mais croniacutestica e factual que ao menos corrobora a presenccedila sueca na

Kurland em tais seacuteculos A crocircnica ofereceu muito material para a formulaccedilatildeo das

hipoacuteteses de Berman eacute a situaccedilatildeo toda eacute um exemplo feliz de Arqueologia Histoacuterica

Ainda por Rimbert temos a informaccedilatildeo de que ocorrera uma rebeliatildeo da parte

dos kurs que expulsaram os svear seguida de um domiacutenio mais fundamentado em

extorsatildeo de impostos da parte dos daneses Dessa forma eacute plausiacutevel a hipoacutetese de que to

seacuteculo VII reis suecos tenham tido uma possessatildeo na Kurzeme

Nesse mesmo seacuteculo jaacute havia contatos entre escandinavos e habitantes da regiatildeo

de Ladoga entatildeo majoritariamente fino-uacutegrica mas interagindo comercialemente com

poucos mercadores escandinavos baltos e saami mas ainda natildeo os povos eslaacutevicos204

No comeccedilo do seacuteculo VIII supostamente Livonia e Estonia eram parte do reino de Ivarr

202

ANDROSHCHUK 517s 203

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 204

DUCZKO 64

101

rei da Suecia de sul e Dinamarca205

Apoacutes a consolidaccedilatildeo do poder no litoral

gradativamente os escandinavos passariam a explorar mais profundamente o interior

(vide Mapa 03)

Nessas primeiras duas deacutecadas do seacuteculo VIII ocorreram modificaccedilotildees no

sistema comercial de longas distacircncias entre o Baacuteltico e o mundo islacircmico em

movimento derivado do crescimento dos mercados islacircmicos e khazares ao sul e

consequente aumento de demanda de produtos setentrionais dos quais se destacavam

peles mas tambeacutem escravos

Dessas deacutecadas datam os primeiros vestiacutegios de um comeacutercio envolvendo prata

como se depreende da dataccedilatildeo de depoacutesitos de dirhams encontrados natildeo apenas na

Ruacutessia de Noroeste mas na proacutepria Sueacutecia Pomerania e Mecklenburgo a concentraccedilatildeo

dessa prata nesse periacuteodo inicial entretanto daacute-se principalemente nas regiotildees dos

eslavos ocidentais206

O caminho do Daugava provia de iniacutecio a melhor opccedilatildeo para a exploraccedilatildeo das

regiotildees de leste consistindo na rota mais natural provavelmente teraacute sido o primeiro

caminho a pavimentar o avanccedilo Escandinavo na Ruacutessia rumo a um mercado lucrativo a

despeito do grande nuacutemero de portagens e cachoeiras necessaacuterias para se transpor Os

habitantes das margens do Daugava Baltos e fineses ofereciam pouca unidade e eram

esparsos Os varegues natildeo teriam tido problemas em primeiro comerciar e depois

dominar207

Nas partes superiores do rio nas proximidades da posterior Polotsk jaacute

encontrariam-se alojados povos eslaacutevicos mas aparentemente natildeo muito organizados

Kerner e Vernadsky defendem que nesse periacuteodo inicial os escandinavos teriam passado

diretamente sem se deter pela regiatildeo de Novgorod chegando agrave regiatildeo com as nascentes

tanto do Daugava quanto do Dnieper proacuteximo agraves nascentes do Volga208

(vide Mapa 03)

Em relaccedilatildeo ao Dnieper uma expansatildeo inicial natildeo teria ido de imediato muito

longe ao sul jaacute que a regiatildeo teria grupos de lituanos e eslavos melhor organizados e

capazes de oferecer melhor resistecircncia

205

VERNADSKY 266 206

DUCZKO 63 207

Ibidem 208

VERNADSKY 268

102

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava

Do autor Feito com a ferramenta ldquoMapmaker Interactiverdquo da National Geographic (TM)

Golfo de Riga

Dniepr

Volga

Daugava

(DuumlnaZapadnaya Dvina)

103

II A Rus de norte Ladoga

Seja pelas dificuldades impostas pelos nativos ou por caracteriacutesticas geograacuteficas

fica notoacuterio pelo estudo da Cultura Material que as principais rotas comerciais a serem

desenvolvidas pelos escandinavos em Garethariacuteki tenderiam a dirigir-se mais para o

norte atravessando o Golfo da Finlacircndia

A despeito do grande nuacutemero de vestiacutegios encontrados tambeacutem pela rota que

cruza o Daugava eacute clara a maior relevacircncia que a rota setentrional assumiria e de fato

como jaacute afirmado anteriormente houvera jaacute contato preacute-histoacuterico a perpassar a regiatildeo

A prata dos Dirhams enquanto motor comercial iraacute contribuir na geraccedilatildeo de um

sistema econocircmico particular na futura regiatildeo de Garethariacuteki Paulatinamente os

escandinavos vatildeo apropriando-se das rotas e meios propiacutecios a esse comeacutercio

diminuindo cada vez mais a necessidade de intermediaacuterios

Dessa forma sua penetraccedilatildeo na Ruacutessia pelos rios eacute gradual Os primeiros

entrepostos comerciais ficam nas proximidades do Golfo da Finlacircndia Lago

PeipusPskov e Lago Ladoga (vide Mapa 01) na cidade chamada pelos escandinavos de

Aldeigja ndash a Staraia Ladoga dos eslaacutevicos na qual existem vestiacutegios de contatos com

escandinavos ainda que em menor grau desde a idade do ferro209

A populaccedilatildeo inicial de tais regiotildees eacute majoritariamente fino-uacutegrica com

componente balto relativamente alto mas decrescente Haacute registro de contatos preacute-

histoacutericos com populaccedilotildees da Sueacutecia Central via ilhas Aringland e vestiacutegios arqueoloacutegicos

de objetos escandinavos nas regiotildees aleacutem do Volga em Perm210

Os eslavos orientais tambeacutem gradualmente iratildeo conquistando o norte

desalojando as populaccedilotildees nativas e misturando-se com elas

Como jaacute discutido em seccedilatildeo anterior Marija Gimbutas argumenta segundo

informaccedilatildeo mista arqueoloacutegica e linguiacutestica (no campo da toponiacutemica) que a regiatildeo de

expansatildeo dos povos Baacutelticos teria chegado ateacute as proximidades da atual Moscou Os

estudos linguiacutesticos igualmente demonstram o grau de influecircncia e mistura sofrido e

exercido pelos eslavos orientais em relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos Igualmente estudos

etnograacuteficos demonstram o grau de influecircncia baacuteltica encontrado nas populaccedilotildees

eslaacutevicas da Bieloruacutessia atual ndash influecircncia que natildeo obstante deve muito ao periacuteodo da

Repuacuteblica Polaco-Lituana na Idade Moderna possui substrato preacute-histoacuterico

Este complexo processo de controle econocircmico escandinavo e expansatildeo

209

ANDROSHCHUK 520 210

DUCZKO 65

104

territorial eslaacutevica natildeo permite uma postura totalmente exclusivista no que toca agrave

controveacutersia normanista Eacute adequado entretanto dar suporte agrave ideacuteia que o desenvolver

inicial da Rus ocorreu em um processo no qual uma minoria escandinava passava

gradualmente a deter um monopoacutelio econocircmico sobre uma populaccedilatildeo principalmente

eslaacutevica Entretanto o niacutevel cultural e tecnoloacutegico de ambas natildeo era tatildeo distinto

As localidades mais importantes nesta fase seratildeo Gniozdovo proacutexima a

Smolensk e agrave regiatildeo de encontro da fonte dos grandes rios (Daugava Dniepr e Volga) e

Staraia Ladoga ao norte (vide Mapa 04) A uacuteltima consiste na uacutenica cidade de alguma

significacircncia de fato de toda a Ruacutessia de Noroeste no periacuteodo medieval primitivo De

acordo com os estudos arqueoloacutegicos desenvolveu-se na metade de seacuteculo VIII211

Os sovieacuteticos datavam os escandinavos em Ladoga entre 840 e 850 mas o

registro arqueoloacutegico sugere uma ocupaccedilatildeo na verdade no extrato mais antigo entre

750 a 830 O achado mais pertinente a esse respeito eacute uma coleccedilatildeo de 26 ferramentas de

ferreiro de origem Escandinava ou Norte-europeacuteia (Baacuteltica) em uma oficina datada

pela dendrocronologia da deacutecada de 760212

A probabilidade maior eacute de que um empoacuterio sazonal escandinavo tenha sido

fundado proacuteximo a 750 e que a ocupaccedilatildeo por um grupo permanente de escandinavos

tenha se dado a partir do iniacutecio do seacuteculo IX quando um cemiteacuterio puramente

escandinavo passou a funcionar nos arredores de Ladoga213

Os escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga pelo surgimento de dirhams

valorizados pela falta de fontes de prata tanto na Ruacutessia quanto na Escandinaacutevia A

anaacutelise dos depoacutesitos de dirhams na Ruacutessia e no Baacuteltico sugere que eles a despeito do

conhecimento preacutevio preacute-histoacuterico ali chegaram com interesses comerciais mais

amplos e mesmo intuitos de residecircncia ao final do seacuteculo VIII logo crescendo em

nuacutemero e regularidade o vestiacutegio arqueoloacutegico atesta sua presenccedila seja na forma de

pentes calccedilados tecircxteis broches um cajado com inscriccedilotildees ruacutenicas e mesmo jogos214

211

NOONAN 1998 (c) 346 212

Ibidem 213

Ibidem 214

DUCZKO 69s

105

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga Do autor (feito com MapMaker Interative ndash National Geographic)

Golfo da Finlacircndia

Lago Peipus (Pskov)

Ladoga

Para Kiev e Bizacircncio

106

Parte razoaacutevel desses dirhams chegaram agrave Ruacutessia com propoacutesito de pagamento

agraves populaccedilotildees das bacias do Volga e do Dniepr por produtos locais em particular peles

Entretanto um percentual alto de tais moedas talvez ateacute da ordem de 36 era

reexportado para o Baacuteltico215

O traacutefico regular de dirhams entre Ruacutessia e Escandinaacutevia

via Ladoga se iniciou no princiacutepio do seacuteculo IX constituindo-se em evidecircncia adicional

da presenccedila escandinava em Ladoga bem antes de 840

III Rostov Suzdal e Murom

Seja vindo pelo ramo do Austrvegr do Daugava ou da regiatildeo de Ladoga a

proacutexima aacuterea a ser atingida seria a de Rostov Suzdal e Murom (vide Mapa 04) na qual

se encontra quantidade consideraacutevel de achados tipicamente escandinavo como fiacutebulas

ovais e espadas216

O acesso inicial a esta aacuterea deu-se de acordo com Vernadsky217

atraveacutes do rio Kotorosl tributaacuterio do Volga que chegava ateacute agraves proximidades de

Iaroslav

A etapa seguinte fora o lago Nero aonde se situa Rostov (vide Mapa 04) Haacute

uma portagem ali para o rio Nerl que eacute um tributaacuterio do Kliazma ndash por sua vez

tributaacuterio do Okaacute Dessa forma os varegues teriam chegado na bacia do Okaacute Tambeacutem

para Vernadsky218

os Escandinavos devem ter chegado a exercer um domiacutenio sobre os

fineses da regiatildeo de Rostov e Suzdal jaacute no seacuteculo VIII De fato Sarskoie Gorodichtche

conteacutem os vestiacutegios mais antigos da presenccedila escandinava na regiatildeo do Volga219

IV Os povoamentos pareados

Existem pares de povoamentos ou entrepostos comerciais com duas camadas

distintas no proacuteprio local ou que demonstram ter sucedido um ao outro em uma

localidade geograacutefica proacutexima Esta circunstacircncia eacute bastante sugestiva no sentido da

existecircncia de povoado autoacutectone balto ou fino-uacutegrico com influecircncia escandinava

sucedido por um povoamento eslaacutevico enquadrando-se no processo de expansatildeo eslava

para as terras do norte que se deu a partir da segunda metade do seacuteculo X220

215

NOONAN 1998 (c) 346 216

VERNADSKY 268 217

VERNADSKY 269 218

Ibidem 219

DUCZKO 190 220

DUCZKO 189

107

Dentre tais povoamentos pareados destacam-se GniozdovoSmolensk Timerevo

Iaroslav e Sarskoie GorodichtcheRostov (vide Mapas 03 e 04) O caso de Sarskoie

GorodichtcheRostov eacute emblemaacutetico dessa situaccedilatildeo

As escavaccedilotildees em Sarskoie Gorodichtche iniciaram-se em 1854 sendo

conduzidas pelo conde Alieksiei Uvarov Entre os achados encontraram-se objetos de

origem escandinava e ocidental incluindo uma espada Caroliacutengia com a inscriccedilatildeo latina

ldquoLun fecitrdquo e dois depoacutesitos de dirhams Outro depoacutesito de dirhams da vizinhanccedila

possuiacutea inscriccedilotildees ruacutenicas

Os achados escandinavos datam do seacuteculo IX em diante O registro indica

tambeacutem a coexistecircncia paciacutefica de fino-uacutegricos (meria) e varegues nos seacuteculos IX e X

Haacute um predomiacutenio de inumaccedilotildees

O siacutetio demonstra que a cidade entrou em decliacutenio a partir do seacuteculo X Por

dataccedilatildeo dendrocronoloacutegica sabe-se que o pavimento mais antigo de Rostov data de

963 sendo interessante notar a concordacircncia entre o decliacutenio de Sarskoie Gorodichtche

muito proacuteximo ao iniacutecio do florescimento de Rostov ndash desta feita com um caraacuteter mais

notoriamente eslaacutevico

No caso de Gniozdovo Smolensk o

decliacutenio da primeira coincide com a

emergecircncia de Smolensk no iniacutecio do seacuteculo

XI221

Haacute nuacutemero consideraacutevel de achados

arqueoloacutegicos tipicamente escandinavos em

Gniozdovo incluindo vestiacutegios funeraacuterios de

cremaccedilotildees em barcos222

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950

em Gniozdovo Iniacutecio do X

Fonte Гнёздовский археологический комплекс

2001

221

АВДУСИН ДИ К вопросу о происхождении Смоленска и его первоначальной топографии

Смоленску 1100 лет Смоленск 1967 Pp 71s 222

ANDROSHCHUK 526

108

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland

O desenvolvimento dessa rede econocircmica escandinava ensaiado na regiatildeo

baacuteltica e iniciado nas regiotildees fino-uacutegricas do norte da Ruacutessia vai disseminando-se para

o sul e leste O gradual eliminamento de intermediaacuterios leva os escandinavos a

desenvolverem uma rota comercial direta com os Khazares que habitando a regiatildeo ao

norte do Caacuteucaso satildeo os intermediaacuterios com o mundo muccedilulmano produtor dos

Dirhams

O poderio dos khazares natildeo foi passiacutevel de ser subjugado pelo pequeno nuacutemero

de escandinavos no iniacutecio do processo sendo conquistado apenas em seacuteculos

posteriores por uma Rus jaacute de caraacuteter bastante eslaacutevico e nativo

Dessa forma a principal via comercial que se estabeleceria pelos escandinavos

levava-os diretamente ao comeacutercio com os Khazares Seguia a regiatildeo do Ladoga ateacute o

Volga Na aacuterea de Bolghar trocavam-se peles e cecircra pelos dirhams

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares

Do autor

A obtenccedilatildeo desses produtos nativos levou ao desenvolvimento simultacircneo de

outra rota comercial dirigida ao sul ndash desta feita via o Dniepr e a regiatildeo das fontes dos

grandes rios (vide Mapa 04) Eacute nesta aacuterea que a relaccedilatildeo escandinava-eslaacutevica seraacute o

impulso formador da Rus A fim de obter mateacuteria-prima para troca por dirhams com os

Volga

Bolghar

Para o mundo Khazar e aacuterabe

(Serkland)

109

Khazares mais a leste os escandinavos desenvolveram uma extensa rede de obtenccedilatildeo

de tributo das populaccedilotildees locais fossem fino-uacutegricas baacutelticas ou eslaacutevicas

As tribos eslaacutevicas orientais maioria populacional do contexto tecircm papel de

destaque na situaccedilatildeo gradualmente substituindo as populaccedilotildees nativas fino-uacutegricas e

baacutelticas mais setentrionais Os extratos mais antigos escavados nos empoacuterios comerciais

demonstram uma presenccedila escandinava forte bem como fino-uacutegrica As camadas mais

superiores e recentes por sua vez vatildeo demonstrar cada vez mais a presenccedila do

elemento eslaacutevico

Resta ainda um aspecto relevante nesse contexto do contato com Bizacircncio que

os escandinavos teratildeo em sua marcha para o sul A riqueza e os atrativos materiais e

culturais de Bizacircncio formaram uma impressatildeo duradoura e poderosa na mentalidade

escandinava Ocorre mesmo a formaccedilatildeo da chamada ldquoguarda vareguerdquo um corpo de

elite de guarda-costas formada principalmente por varegues a serviccedilo dos governantes

de Bizacircncio

A participaccedilatildeo nesta guarda de elite seraacute elemento de honra para diversos dos

personagens escandinavos sejam fictiacutecios ou reais e encontraraacute eco nas fontes de

seacuteculos posteriores como trataremos mais detalhadamente no capiacutetulo 04

Dessa forma sob o ponto de vista mais estritamente econocircmico de anaacutelise

fortalecido pelo estudo numismaacutetico eacute possiacutevel delinear-se uma rede complexa de rotas

comerciais e de atrativos para os Escandinavos no leste Um movimento modesto de

iniacutecio entremeado de intermediaacuterios vai gradualmente desenvolver uma estrutura que

incorporava as rotas da Escandinaacutevia via Golfo da FinlacircndiaLadoga e Daugava do

Volga rumo aos Khazares e do Dnieper rumo a Bizacircncio Um sistema que desenvolveraacute

uma forte estrutura social e econocircmica de caraacuteter eacutetnico misto com predominacircncia

inicial de gerenciamento escandinavo e posterior eslavizaccedilatildeo tanto da estrutura de

poder como das populaccedilotildees nativas das regiotildees envolvidas

Esse sistema geraraacute um imaginaacuterio persistente na memoacuteria escandinava que

atrairaacute muitos aventureiros guerreiros e mesmo pregadores e forneceraacute temaacutetica para

uma ampla formulaccedilatildeo intelectual em particular nos seacuteculos XIII e XIV periacuteodo no

qual a Rus de Kiev jaacute estaraacute em decadecircncia o poderio Khazar foi destruiacutedo pelos Rus e

as estepes do sul da Ruacutessia satildeo varridas por movimentos nocircmades das estepes jaacute natildeo

mais bloqueados pela forccedila dos Khazares

O proacuteprio relacionamento dinaacutestico entre as elites dirigentes escandinavas e

russas demonstraraacute a perenidade das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Rus

110

O iniacutecio desse sistema deu-se quando outros povos do Baacuteltico aleacutem dos

Escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga e sua prata islacircmica Provavelmente os

maiores responsaacuteveis por muitos depoacutesitos de dirhams do iniacutecio do seacuteculo IX das costas

das atuais Alemanha e Polocircnia foram eslavos ocidentais (ou eslavos do baacuteltico) 223

Mas ainda que muitos povos baacutelticos tenham sido atraiacutedos para Ladoga agrave

evidecircncia disponiacutevel sugere fortemente que os escandinavos foram os uacutenicos desses a se

aventurar no interior da Ruacutessia em busca da fonte dessa prata224

Em 839 os varegues estavam tatildeo familiarizados com o interior da Ruacutessia e seus

rios que chegaram por ali ateacute Constantinopla Isto indica que levou apenas uma geraccedilatildeo

entre aproximadamente 800-840 para que os escandinavos descobrissem como viajar

para o sul atraveacutes da Ruacutessia usando as grandes vias aquaacuteticas da Europa Oriental225

Dessas deacutecadas em diante desenvolver-se-ia uma nova fase de expansatildeo

22 As estelas ruacutenicas

As estelas ruacutenicas satildeo testemunhos materiais iconograacuteficos e de caraacuteter escrito

ainda que formulaico sobre as accedilotildees escandinavas a leste no periacuteodo viking Fornecem

informaccedilotildees sobre a proveniecircncia dos varegues seus destinos o conhecimento e

terminologia geograacuteficos sobre o leste dentre muitas outras informaccedilotildees sobre o

periacuteodo viking

Os aspectos geograacuteficos e etnograacuteficos de algumas estelas foram de certa forma

empregada nesse trabalho no capiacutetulo 3 item 31 ldquoQuadro etno-linguiacutestico de

Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIIIrdquo

Apresentaremos agora de forma mais detalhada tal seacuterie de fontes portanto

extraindo das mesmas informaccedilotildees pertinentes em nossa tentativa de construccedilatildeo de um

quadro plausiacutevel das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia Austrvegr e Garethariacuteki no periacuteodo

viking

223

NOONAN 1998 (c) 346 224

Ibidem 225

Ibidem

111

221 Sobre as estelas ruacutenicas

O significado de Runa nas liacutenguas escandinavas estaacute ligado a ldquomisteacuteriordquo

ldquosegredordquo226

Possivelmente trata-se de um cognato oriundo das liacutenguas baacutelticas ou

mesmo fino-uacutegricas nas quais os significados do termo transitam proacuteximos a ldquofalarrdquo

ldquocantarrdquo227

Haacute mais de uma seacuterie de agrupamento de caracteres que chamamos de ldquoruacutenicosrdquo

incorporando povos germacircnicos da Europa continental nas ilhas britacircnicas e

principalmente na Escandinaacutevia Todos tem em comum o fato de serem meios de

expressatildeo proacuteprios de populaccedilotildees de liacutengua germacircnica em suas diversas ramificaccedilotildees

Assim como a maioria dos alfabetos europeus a origem longiacutenqua da escrita

ruacutenica remonta ao alfabeto feniacutecio Do mediterracircneo tal sistema de escrita inovador

baseado em fonemas simples (ao inveacutes de siacutelabas eou conceitos como nas escritas

hierogliacuteficas ideograacuteficas e cuneiformes) percorreu um longo caminho por diversas

terras tomando diversas formas e influecircncias tornando-se a forma de expressatildeo de

nuacutemero incontaacutevel de povos

No caso das populaccedilotildees germacircnicas a opiniatildeo de maior aceite desenvolvida

simultaneamente por Marstrander e Hammarstroumlmm entre as deacutecadas de 1920 e 1930

considera as runas como caracteres derivados de alfabetos da regiatildeo norte da Itaacutelia e da

Etruacuteria implicando assim certo parentesco da escrita ruacutenica com o proacuteprio alfabeto

latino - do qual posteriormente sofreu influecircncias e incorporou alguns caracteres228

Tal derivaccedilatildeo teria se dado em periacuteodo no qual as inscriccedilotildees do norte da

peniacutensula itaacutelica natildeo estariam ainda extintas a despeito da existecircncia e predomiacutenio do

latim e ocorreu pelo contato de alguma tribo germacircnica (os Marcomanni para

Marstrander os Cimbri para Altheim e Trautmann) com povos norte itaacutelicos

provavelmente ceacutelticos

Tal afirmaccedilatildeo natildeo eacute de difiacutecil confirmaccedilatildeo Basta notar a proacutepria semelhanccedila de

muitos dos caracteres ruacutenicos com os caracteres capitais do alfabeto latino Por exemplo

o ldquoFrdquo ldquoUrdquo ldquoRrdquo o ldquoIrdquo o ldquoMrdquo (em algumas derivaccedilotildees) o ldquoSrdquo o ldquoTrdquo o ldquoBrdquo e assim por

diante Na maior parte dos casos eacute possiacutevel traccedilar a conexatildeo epigraacutefica demonstrando

conexotildees entre caracteres que agrave um olhar simples dificilmente seriam aparentados

226

SPURKLAND Terje Norwegian Runes and Runic Inscriptions Woodbridge The Boydell Press

2005[2001]p 03 227

O termo empregado para os diversos cantos do Kalevala eacutepico finecircs por exemplo eacute ldquorunordquo Em letatildeo

liacutengua baacuteltica indo-europeia o verbo runat significa ldquofalarrdquo 228

ELLIOT 1963 06s

112

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction Manchester

at the University press 1963 p08

Existem evidecircncias arqueoloacutegicas de que a escrita ruacutenica era conhecida jaacute no

seacuteculo II229

Seu uso se estendeu por toda a Idade Meacutedia e em alguns casos foi paralelo

ao emprego do alfabeto latino Na regiatildeo sueca da Dalecarlia seu uso foi registrado

ainda na Idade Moderna

229

SPURKLAND 2005 04

113

O alfabeto ruacutenico eacute conhecido como ldquofuthornarkrdquo ou variantes deste nome (como

ldquofuthorcrdquo) Deve-se agrave ordem mais comum em que os fonemas dessas escritas satildeo

listados f u thorn a r k h n i a s t b m l R

Haacute diversos variantes do futhornark de acordo principalmente com o nuacutemero de

caracteres e um criteacuterio cronoloacutegico tais variantes entretanto natildeo consistem em

entidades fechadas Eacute possiacutevel se encontrar testemunhos materiais que empregam

caracteres mistos de conjuntos distintos

Sua primeira forma eacute chamada de antigo futhornark Esta modalidade bem como

suas variantes foi empregada tanto na Europa continental (entre os seacuteculos II-IX)

quanto na Escandinaacutevia (nos seacuteculos VII-VIII) Possuiacutea basicamente 24 caracteres

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo Obtido em JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala

Esselte Herzogs 1984 P 13

Entre os seacuteculos VIII e IX as modificaccedilotildees nas liacutenguas germacircnicas foram

acompanhadas por mudanccedilas tambeacutem nas formas de escrita que acarretaram uma

simplificaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo no nuacutemero de caracteres reduzidos para 16 Esta nova

forma foi chamada de Novo futhornark e foi empregada primordialmente na Escandinaacutevia

principalmente nas Estelas ruacutenicas Possui duas variantes chamadas ldquorunas normaisrdquo

ou de ldquoramaspernas compridasrdquo e ldquoRunas de ramaspernas curtasrdquo

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo Obtido em

JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala Esselte Herzogs 1984 P 28

114

Outro grupo de variaccedilotildees importante eacute chamado de futhornork anglo-saxatildeo ou

inglecircs Continha entre 26 a 33 caracteres dependendo da regiatildeo e variante (Thames

Vienna Codex Othonis Ruthwell etc) Foi empregado principalmente entre os seacuteculos

V-XI na Inglaterra anglo-saxatilde registrando escritos em antigo inglecircs e antigo friacutesio

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction

Manchester at the University press 1963 p39

115

Existem diversas outras variantes por exemplo as chamadas ldquorunas

marcomacircnicasrdquo empregadas no continente entre os seacuteculos VIII-IX as ldquomedievaisrdquo

encontradas na Escandinaacutevia dentre os seacuteculos XII-XV e as dalecarlianas usadas na

Sueacutecia tatildeo tardiamente como o periacuteodo compreendido dentre os seacuteculos XVI-XX Esses

grupos possuem caracteriacutesticas dos grupos descritos acima

E por fim haacute de-se salientar que em alguns casos principalmente nas Ilhas

Britacircnicas ocorre o emprego de caracteres de sistemas agrupados como distintos pelos

acadecircmicos ndash por exemplo mistura de runas anglo-saxatildes e escandinavas230

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas

Haacute cerca de 6000 inscriccedilotildees ruacutenicas na Escandinaacutevia aproximadamente a

metade em monumentos de pedra231

O restante eacute encontrado principalmente em objetos

de madeira mas tambeacutem de metal e osso como ferramentas armas moedas sinos de

igreja e pias batismais

O uso da escrita provavelmente natildeo foi restrito aos extratos mais elevados da

sociedade Esta ideia de restriccedilatildeo eacute passada por uma soma de fatores o melhor estado

de conservaccedilatildeo das inscriccedilotildees monumentais registrada em pedra e erigidas por pessoas

de recursos relatos de origem aristocraacutetica como o contido na Egils saga

Skalagriacutemssonar no qual o skaldr e aristocrata Egil corrige um uso errocircneo da escrita

ruacutenica com propoacutesitos maacutegicos feito por algueacutem de extrato social inferior ndash uma

passagem muito rica para discussotildees sobre letramento conflitos culturais e sociais e

mesmo religiosidade Por fim a ideia preconcebida de que a escrita estaacute sempre

associada a um extrato social ldquosuperiorrdquo

Entretanto haacute de se notar que o entalhe de uma inscriccedilatildeo ruacutenica ndash que consiste

principalmente de traccedilos horizontais ndash necessita apenas de uma faca ou objeto cortante e

um pedaccedilo de madeira Foram encontrados muitos objetos contendo atividades do

cotidiano possiacuteveis contratos de venda objetos com o nome de seu dono que revelam

um uso mais difundido do que se imagina

Um paralelo interessante pode ser traccedilado com ao achado de cartas e bilhetes

escrito por crianccedilas em carta de beacutetula na cidade de Novgorod na Rus de norte Cidade

de antigo predomiacutenio escandinavo acrescenta elementos interessantes agrave discussatildeo do

230

RENTERGHEM Aya Van And Now for Something Completely Different Runic Confusion Now and

Then Comunicaccedilatildeo apresentada na seccedilatildeo 823 no International Medieval Congress of Leeds 08072014 231

ZILMER 2005 38

116

letramento nas regiotildees de contato multicultural ou ditas ldquoperifeacutericasrdquo da Europa no

medievo

A discussatildeo sobre letramento no medievo assume mais de uma conotaccedilatildeo Em

termos mais estritos remete ao conceito de um certo grau de conhecimento e emprego

do latim uma pessoa letrada ldquolitteratusrdquo o eacute em contraposiccedilatildeo ao ldquoilliteratusrdquo o

ldquolaicusrdquo e nesse campo pode ser designada uma pessoa que ainda que natildeo conhcendo o

latim faccedila uso de outra forma de escrita ndash por exemplo a ruacutenica232

Letramento entretanto pode implicar no conhecimento de uma escrita ndash seja

latina ou natildeo233

De fato tal conceito mais amplo apresenta-se como muito mais

adequado no caso das regiotildees escandinavas que presenciaram o emprego de escrita por

seacuteculos antes da inserccedilatildeo da cultural cristatilde e latina

Nos seacuteculos apoacutes a conversatildeo agrave Cristandade entretanto - e eacute nesse periacuteodo no

qual as estelas ruacutenicas em particular tiveram maior florescimento ndash as duas formas de

escrita latina e ruacutenica coexistiram Entretanto com propoacutesitos funccedilotildees e limitaccedilotildees

diversas Os meios de escrita por exemplo delimitam grandemente o emprego da

mesma O custo de pergaminhos e ferramentas envolvidas na confecccedilatildeo de manuscritos

torna seu uso bastante circunscrito a atividades de maior vulto de relevacircncia

institucional ou religiosa em um contexto cristatildeo-latino Tal natildeo se daacute no entanto com

o entalhe de runas que pode ser efetuado em material de faacutecil acesso como pedaccedilos de

madeira com o emprego de ferramentas de igualmente faacutecil obtenccedilatildeo - como uma faca

Arqueologicamente a escrita eacute uma tecnologia uma teacutecnica Como tal seu

domiacutenio apresenta vantagens a seu portador agravequele que a domina destarte pode ser

empregada como forma de dominaccedilatildeo e poder Nesse sentido o domiacutenio da escrita o

letramento assume um papel de atividade cultural de uma praacutetica uma habilidade um

padratildeo de comportamento que se apresenta associado a ideologias desenvolvidas em

resposta a esses mesmos padrotildees de comportamento234

O relato da Egilssaga por exemplo pode revelar ao estudioso nuances

interessantes das sociedades escandinavas como a gradual concentraccedilatildeo de poder e

232

BAUML Franz H Varieties and Consequences of Medieval Literacy and Illiteracy Speculum 55

1980 pp 237-265 CLANCHY MT From memory to written record England 1066-1307 Oxford

Blackwell 1993 Pp224-252 233

STOCK Brian The Implications of Literacy Written Language and Models of Interpretation in th

Eleventh Centuries Princeton at the University Press 1983 P06 234

LERER Seth Literacy and Power in Anglo-Saxon Literature Lincoln University of Nebraska Press

1991 P 22

117

terras da parte de elites e a tentativa das mesmas de se assegurar para si o domiacutenio de

teacutecnicas que garantam privileacutegios

O emprego de duas escritas distintas oriundas de contextos culturais tatildeo

diversos apresenta ainda maior nuacutemero de variantes e torna a questatildeo mais complexa e

multifacetada Terje Spurkland prefere empregar o termo ldquorunacyrdquo ao inveacutes de

ldquoliteracyrdquo considera o uso de ldquorunic literacyrdquo uma idiossincrasia pela referida

dualidade e complexidade cultural envolvida em seu emprego Tal dualidade implicaria

em diversidade de expressotildees de meios de contextos comunicativos e de comunidades

textuais Dessa forma natildeo haveria em contextos normais a intersecccedilatildeo entre tais

formas de ldquoletramentordquo235

Poderiacuteamos acrescentar diversos casos de anormalidade ndash

por exemplo o uso de formas latinas com caracteres ruacutenicos - mas tais circunstacircncias

fogem ao nosso escopo

Por fim eacute possiacutevel que o nuacutemero de objetos com escritas ruacutenicas tenha sido

muito maior indicando um letramento - ou seu equivalente ruacutenico ndash mais amplo A

natureza pereciacutevel do material no qual foram confeccionadas ndash na maior parte das

vezes madeira ndash restringe o acesso que temos agrave esta informaccedilatildeo As variantes no

proacuteprio meio tambeacutem satildeo significativas dentro da proacutepria Escandinaacutevia A Noruega

apresenta um nuacutemero consideraacutevel de inscriccedilotildees em bastotildees e meios do cotidiano236

em

contraste com o pequeno nuacutemero de estelas encontradas em seu territoacuterio

A maior parte do material que possuiacutemos consiste em estelas runiacutecas ndash

monumentos erigidos em pedra contendo inscriccedilotildees no futhark em sua maioria no novo

futhark de 16 caracteres Traduzimos como ldquoestela ruacutenicardquo o termo sueco ldquorunstenarrdquo

no inglecircs ldquorunestonerdquo Optamos por ldquoestelardquo ao inveacutes de ldquopedrardquo ou ldquorochardquo por tratar-

se de termo jaacute de amplo uso na arqueologia ao referir-se a monumentos de pedra

contendo inscriccedilotildees ou representaccedilotildees considerando que ldquopedrardquo ou ldquorochardquo natildeo

passam uma dimensatildeo adequada agrave natureza de tais artefatos

O costume de se erigir e entalhaacute-las comeccedilou no periacuteodo das migraccedilotildees mas

floresceu do final do X ao iniacutecio do XII (+- 970-1170) Possui-se perto de 2300

inscriccedilotildees desse periacuteodo distintas dos periacuteodos anteriores e posteriores237

235

SPURKLAND Terje Literacy and acuteRunacyacutein Medieval Scandinavia In ADAMS Jonathan amp

HOLMAN Katherine (eds) Scandinavia and Europe 800 ndash 1350 Contact Conflict and Coexistence

Turnhout Belgium Brepols 2004 P 344 236

SPURKLAND 2004 334 237

SAWYER Birgit 2008[2000] 11

118

As inscriccedilotildees das estelas mais antigas satildeo contrastantes diacutespares difiacuteceis de

agrupar por generalizaccedilotildees algumas mais longas satildeo obscuras com o conteuacutedo

variando grandemente e algumas possuem foacutermulas maacutegicas As estelas posteriores satildeo

mais similares entre si tanto em forma quanto em conteuacutedo Suas inscriccedilotildees satildeo

geralmente claras e factuais bastante similares entre si na linguagem foacutermulas e

conteuacutedo

A maior parte das estelas dos seacuteculos X e XI foram erigidas para pessoas mortas

Praticamente todas inscriccedilotildees iniciam-se com uma foacutermula memorial contendo quem

erigiu a estela ndash o patrocinador - e em memoacuteria de quem foi erigida ndash o homenageado

Em cerca de 90 dos casos haacute alguma relaccedilatildeo de parentesco entre ambos238

Frequentemente as estelas providenciam informaccedilotildees adicionais do patrocinador ou

homenageado status social tiacutetulos viagens no estrangeiro feitos militares causa e

local de morte Algumas inscriccedilotildees terminam com o nome do entalhador

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland Apenas 10 das estelas

referem-se a movimentos vikings Destas mais que 34 fala de vikings caiacutedos nas

regiotildees de leste O restante das estelas trata de questotildees do cotidiano heranccedila e

memoacuteria

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland

238

SAWYER Birgit 2008[2000] 59-68

119

Diversas estelas desapareceram e

por vezez outras satildeo descobertas muitas

vezes fortuitamente em obras ou

escavaccedilotildees Sua distribuiccedilatildeo geral poreacutem

dada a frequecircncia e o padratildeo das estelas

descobertas natildeo deve ser diversa do que se

conhece 50 na Noruega 200 na Dinamarca

medieval (incluindo Halland Blekinge e

Skane hoje na Sueacutecia) e pelo menos 1800

na Sueacutecia medieval sendo mais que a

metade deste nuacutemero na regiatildeo de Uppland

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na

Sueacutecia e Noruega por Km2

(Fonte Sveriges nationalatlas p45)

A dataccedilatildeo eacute incerta ao tratar-se de inscriccedilotildees individuais Haacute certos consensos

aproximados quanto a dataccedilotildees regionais de cunho mais geneacuterico Na Dinamarca (com

exceccedilatildeo de Bornholm) a maior parte das estelas data do final do seacuteculo X ao iniacutecio do

XI Em Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland as estelas satildeo de certa forma contemporacircneas com

as danesas sendo que no restante da Sueacutecia um pouco mais recentes Em Uppland (e

Bornholm) as estelas foram erigidas apenas jaacute passadas algumas deacutecadas do seacuteculo XI

sendo que em alguns lugares o costume perdurou ainda no seacuteculo seguinte Uppland

possui a maior concentraccedilatildeo de estelas ruacutenicas239

As estelas ruacutenicas satildeo fontes de informaccedilatildeo para diversas disciplinas acerca do

periacuteodo viking Providenciam informaccedilotildees sobre linguagem e ortografia arte e poesia

nomes de lugares e pessoas conhecimento geograacuteficoe etnoloacutegico artesatildeos

especializados disseminaccedilatildeo do Cristianismo

239

SAWYER amp SAWYER 10

120

Haacute ainda uma necessidade de estudos mais generalistas que incorporem as

especificidades regionais que se concentram normalmente em aspectos como

linguagem forma das runas layout e ornamentos deixando de notar que alguns

aspectos satildeo caracteristicamente regionais

As explicaccedilotildees sobre a curta duraccedilatildeo do costume de se erigir estelas ruacutenicas

bem como sua distribuiccedilatildeo desigual nos territoacuterios escandinavos natildeo possuem um

consenso ou uma teoria geral explicativa No geral as teorias explicativas defendem a

existecircncia de necessidades sociais agraves quais as Estelas ruacutenicas respondem Segundo tal

linha de raciociacutenio a distribuiccedilatildeo desigual das estelas poderia mostrar que em algumas

regiotildees as mesmas natildeo eram necessaacuterias Apresentamos a seguir algumas linhas

explicativas que tecircm sido elaboradas sobre a temaacutetica

a) MOLTKE e JANSSON a teoria ldquoclaacutessicardquo ndash estelas ruacutenicas enquanto

ldquoMonumentos da Era Vikingrdquo

As estelas ruacutenicas seriam ldquomonumentos das viagens vikingsrdquo Frutos da

atividade viking as estelas refletiam o gosto pelas expediccedilotildees vikings comemoravam a

elas e agravequeles que nelas pereceram Com o final do periacuteodo viking o costume das

estelas tambeacutem esmoreceria240

Ainda que grande parte das estelas sejam explicitamente comemorativas tal

explicaccedilatildeo eacute insatisfatoacuteria ndash ainda que as estelas de viagens tenham definido os

paracircmetros e a ldquomodardquo para as demais natildeo se explica porque no final do periacuteodo viking

houve a explosatildeo suacutebita de estelas em diversos lugares da Escandinaacutevia e em tatildeo grande

nuacutemero

Os historiadores tendem a dar mais atenccedilatildeo agraves estelas que comemoram os que

morreram no estrangeiro passando a impressatildeo que tais estelas satildeo tiacutepicas enquanto

consistem em apenas 10 por cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas241

A maior parte das estelas fala de pessoas que viveram e morreram em casa

consistindo um corpus de evidecircncia ainda muito negligenciado pelos historiadores

Informaccedilotildees pontuais sobre uma ou outra pessoa da qual natildeo se sabe nada (exceto que

erigiu uma estela) satildeo insignificantes a natildeo ser que o corpus seja considerado como um

todo

240

JANSSON 1984 42s 241

SAWYER amp SAWYER 12

121

b) Von FRIESEN (1928) LJUNGBER (1938) PALME (1958) GRAumlSLUND

(1987) LARSSON (1990) WILLIAMS (1996) - mudanccedila religiosa

O processo de cristianizaccedilatildeo eacute um fator explicativo importante para o costume

de ereccedilatildeo de estelas ruacutenicas pois o costume reflete tambeacutem a transiccedilatildeo de costumes

fuacutenebres pagatildeos para cristatildeos Existem trecircs vertentes explicativas principais nesta linha

natildeo necessariamente excludentes

b1) O costume atendia agrave necessidades emocionais entre os receacutem-conversos

que a despeito de terem enterrado seus parentes em novos locais (adros) queriam

honraacute-los em lugares tradicionais como em casa em uma estrada ou num local de

assembleia Explicaccedilatildeo de caraacuteter psicoloacutegico pode explicas parcialmente o fenocircmeno

b2) algumas estelas foram movidas muito cedo dos seus lugares originais para

adros ou mesmo usadas na construccedilatildeo de igrejas ndash sugere-se que foi a proacutepria falta de

espaccedilo nos adros para enterramentos cristatildeos que criou a necessidade de erigir uma

estela ruacutenica cristatilde Em Uppland a construccedilatildeo de igrejas e cemiteacuterios cristatildeos demorou

um longo tempo e ali as estelas podem ter funcionado como laacutepides cristatildes em

cemiteacuterios pagatildeos (Graumlslund)

b3) As estelas ruacutenicas provavelmente tambeacutem compensavam o abandono de

costumes de enterramento com bens e pompa em um periacuteodo transicional quando o

enterro cristatildeo seria visto como cerimocircnia muito simples

Existem muitas situaccedilotildees na linha da mudanccedila religiosa que necessitam de

explicaccedilatildeo A explicaccedilatildeo da conversatildeo religiosa natildeo explica por exemplo a

distribuiccedilatildeo desigual e as poucas homenagens agraves mulheres 7 das estelas conteacutem

comemoraccedilotildees dirigidas agrave mulheres e em metade destas as mulheres satildeo comemoradas

junto com homens Em contrapartida os tuacutemulos femininos da Idade do Ferro satildeo

mobiliados ricamente e tecircm proporccedilatildeo bem mais alta de adornos

c) Peter e Birgit SAWYER242

as Estelas ruacutenicas enquanto ldquosintoma de criserdquo

A explicaccedilatildeo de Peter e Birgit Sawyer para o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das

estelas ruacutenicas as explica enquanto um ldquosintoma de criserdquo Birgit Sawyer eacute autora de

uma das obras mais completas e influentes no campo de estudo das estelas ruacutenicas

destarte suas ideias merecem espaccedilo agrave parte

242

SAWYER amp SAWYER 14

122

Segundo os Sawyer provavelmente o iniacutecio do costume ao menos entre o

seacuteculo X tardio ao XI inicial foi lanccedilado por Haraldr dente-azul que erigiu largo

memorial em Jelling para seus pais Ainda que longa e elaborada a inscriccedilatildeo parece ter

determinado o padratildeo e dado o prestiacutegio de Haraldr em toda a Escandinaacutevia natildeo eacute

surpreendente que seu monumento fosse tatildeo influente

A Estela de Jelling tornou-se um siacutembolo tanto da transiccedilatildeo do paganismo para

Cristianismo quanto do desenvolvimento de novas formas de governo A maior parte

das estelas daneses espalham-se por aacutereas sob o controle de Harald ou seu filho Sven e

nas regiotildees aonde o crescente poder real danecircs se firmava as pessoas parecem ter

seguido o padratildeo individual nos moldes de Jelling

A discussatildeo de especificidades em Goumltaland Svealand Uppland e regiatildeo dos

lagos Malar leva os Sawyer a argumentar que efetuando-se estudos caso a caso as

estelas ruacutenicas satildeo sintomas de mudanccedila dramaacutetica e que esta hipoacutetese lanccedilaria luz nas

condiccedilotildees econocircmicas e sociais do tempo Eacute uma linha argumentativa que reflete parte

de suas obras e que privilegia uma ruptura com conjunturas antigas

d) GREN (1994) ANDREacuteN (2000) JESCH (2001) NIELSEN (2003)

ZILMER (2005) As estelas ruacutenicas enquanto sistemas de comunicaccedilatildeo

Esta ideia natildeo exclui as demais explicaccedilotildees Frequentemente mistura-se com as

outras ou faz parte de componentes significativos das mesmas A ideia de que as estelas

ruacutenicas sejam meios de comunicaccedilatildeo eacute de certa forma evidente seja na anaacutelise de

aspectos comemorativos ou legislativos (ie de heranccedila)

A proposiccedilatildeo defendida mais especificamente por Gren sobre o aspecto

comunicativo das estelas ruacutenicas enfatiza que as estelas consistiriam em meios

duradouros e expressivos de comunicaccedilatildeo em particular no sentido de que

constituiriam em respostas poderosamente materializadas a problemas e desafios

enfrentados pelas pessoas

A ideia de Gren natildeo eacute exclusiva agraves estelas ruacutenicas sendo desenvolvida com a

base em exemplos da preacute-histoacuteria (monumentos megaliacuteticos) ateacute as catedrais do goacutetico

europeu Gren centraliza sua explicaccedilatildeo em uma uacutenica estela ruacutenica desenvolvendo

uma explicaccedilatildeo psicoloacutegica No caso de uma aplicaccedilatildeo mais ampla de suas ideias seria

necessaacuterio extrapolar cada estela ruacutenica como resposta a uma tensatildeo social especiacutefica o

que aproximaria sua ideia agrave teoria do ldquosintoma de criserdquo dos Sawyer

123

A despeito da limitaccedilatildeo da teoria de Gren Zilmer expande sua ideia e compara

com outras proposiccedilotildees de Jesch Nielsen e Andreacuten que enfatizam aspectos

comunicacionais das estelas Em suma a ecircnfase dada insere-se de que natildeo apenas a

mensagem textual das estelas comunica algo Seu tamanho localizaccedilatildeo estilo artiacutestico

dentre outras caracteriacutesticas ligadas agrave fisicalidade e agrave imageacutetica satildeo caracteriacutesticas que

comunicam diferentes mensagens tatildeo significativas quanto o conteuacutedo explicitamente

textual243

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas

Em adiccedilatildeo agraves informaccedilotildees geograacuteficas religiosas poliacutetcas e de caraacuteter mais

teacutecnico haacute ainda uma vertente a ser mais explorada no campo das estelas ruacutenicas que

trata do estudo de relaccedilotildees sociais

As estelas foram memoriais natildeo apenas dos mortos mas tambeacutem dos que as

erigiram Os patrocinadores satildeo quase sempre mencionados em primeiro lugar e a

relaccedilatildeo entre ele (ou ela) e o homenageado eacute definida quase que universalmente

demonstrando claramente sua relevacircncia

Podem ser notados certos princiacutepios em relaccedilatildeo a quem comemora quem

(normalmente parentes mais proacuteximos e companheiros) com algumas variaccedilotildees

regionais significativas demonstrando que os patrocinadores tinham certo interesse no

que o morto tinha tido ou teria direito244

Tais interesses eram normalmente

reinvidicaccedilotildees pessoalmente ou em nome de outros menores a herdar terras bens ou

status (como o rank ou tiacutetulo de thegn) Alguns patrocinadores tinham o direito de

dividir o que tinha sido possuiacutedo conjuntamente como em casos de em casamento ou

parceria

Eacute provaacutevel que esses memoriais refletissem ao menos parcialmente os

costumes de heranccedila da pessoa que os patrocinavam As novas condiccedilotildees de

responsabilidade e propriedade apoacutes a morte de um parente ou parceiro determinavam

natildeo apenas quem comemorava mas tambeacutem a ordem de nomeaccedilatildeo dos patrocinadores

nomeados bem como o cuidado com que suas diferentes relaccedilotildees com o falecido eram

especificadas

243

ZILMER 2005 45s 244

SAWYER amp SAWYER 13

124

Birgit Sawyer245

alega a existecircncia de dois padrotildees principais de heranccedila a)

Uppland diversos patrocinadores satildeo nomeados incluindo mulheres b) Dinamarca

(tendecircncia tambeacutem em Noruega e Goumltaland) patrocinadores individuais satildeo

mencionados haacute poucas mulheres Outras regiotildees escandinavas mostrariam traccedilos de

ambos padrotildees em diferentes graus

A heranccedila partilhaacutevel (diversos patrocinadores tiacutepica de Uppland) consistiria no

costume mais comum mais tardiamente e a natildeo-partilhaacutevel (um patrocinador exemplar

na Dinamarca) primitivamente A explicaccedilatildeo dada por Sawyer para tais divisotildees

encontraria amparo nas diferentes estruturas de poder organizadas nos reinos

escandinavos que incluem a proacutepria estruturaccedilatildeo monaacuterquica e institucionalizaccedilatildeo da

Cristandade

Os daneses foram muito cedo governados por reis capazes de concentrar um

poder mais centralizado que possivelmente tomavam medidas para que as terras por

eles distribuiacutedas aos seus principais homens natildeo fossem divididas As regiotildees suecas

possuiacuteram processo de centralizaccedilatildeo monaacuterquica muito mais tardio gradativo e multi-

facetado

Pode-se levantar tambeacutem uma explicaccedilatildeo alternativa agrave questatildeo do poder central

Uma alegaccedilatildeo de heranccedila levantada por patrocinadores muacuteltiplos pode refletir

simplesmente uma reinvidicaccedilatildeo que pode ser feita por todos patrocinadores Em

contrapartida patrocinadores individuais teriam uma reinvidicaccedilatildeo que natildeo podia ou

natildeo deveria ser dividida como uma posiccedilatildeo enquanto agente real ou a residecircncia

principal de um proprietaacuterio de terras normalmente reservada ao filho mais velho

As questotildees ligadas agrave heranccedilas propriedades e exibiccedilatildeo monumental de tais

reinvindicaccedilotildees levantam outras questotildees ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos das

estelas ruacutenicas Natildeo se sabe ao certo porque em determinado periacuteodo foi necessaacuterio

que se erigissem tais memoriais e por que tornariam-se tatildeo marcadamente similares

entre si

245

Idem p14

125

224 As estelas ruacutenicas e o leste

A terminologia geograacutefica referente agraves populaccedilotildees de Austrvegr jaacute foi

referenciada anteriormente nesse trabalho Como jaacute afirmado a discriminaccedilatildeo

terminoloacutegica geograacutefica eacute bastante acurada e emprega termos que natildeo apenas refletem

bastante satisfatoriamente as divisotildees eacutetnicas e geograacuteficas das regiotildees a leste como

tambeacutem continuam em uso nos seacuteculos posteriores tanto em obras de cunho geograacutefico

quanto narrativo

As estelas de interesse para nossos propoacutesitos enquadram-se na parcela das

estelas ldquovikingsrdquo que comemoram homens mortos em expediccedilotildees ao estrangeiro Como

jaacute citado acima o nuacutemero total das estelas vikings perfaz aproximadamente 10 por

cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas Aqui referimo-nos enquanto ldquoestelas vikingsrdquo

agraves estelas que conteacutem referecircncias a expediccedilotildees de caraacuteter viking ou navegaccedilatildeo as

estelas que Jansson emprega enquanto ldquoMonumentos do periacuteodo vikingrdquo Ao referirmos

as estelas que lidam especificamente com vikings no oeste o faremos de forma

especiacutefica Na ausecircncia portanto de especificaccedilatildeo empregamos tal conceito geneacuterico

apresentado na introduccedilatildeo deste trabalho

A anaacutelise e catalogaccedilatildeo das estelas ruacutenicas eacute padronizada pelo sistema do

projeto Samnordisk runtextdatabas Iniciado em 1986 na Universidade de Uppsala

Sueacutecia o projeto atualmente disponibiliza a transcriccedilatildeo das inscriccedilotildees para o antigo

noacuterdico e versotildees para o sueco e o inglecircs de todas as inscriccedilotildees ruacutenicas encontradas ndash

natildeo limitando-se portanto agraves estelas ruacutenicas e empregando um sistema de banco de

dados que pode ser baixado e instalado no computador do pesquisador chamado de

Rundata

Segundo o sistema do Samnordisk runtextdatabas empregam-se abreviaturas

das proviacutencias suecas seguido de um nuacutemero de registro (ie Souml = Soumldermanland U =

Uppland) No caso de outros paiacuteses as abreviaccedilotildees satildeo dos proacuteprios paiacuteses

escandinavos (ie Dinamarca = DR) ou X seguido da abreviaccedilatildeo do paiacutes (ie X Ua =

Ucracircnia) A discriminaccedilatildeo acurada das proviacutencias suecas natildeo eacute devida apenas agrave criaccedilatildeo

do projeto na Sueacutecia mas sim ao grande predomiacutenio das estelas ruacutenicas em territoacuterio

sueco e necessidade de maior precisatildeo

A publicaccedilatildeo de novos achados de estelas ruacutenicas eacute feita pela Fornvaumlnnen

publicaccedilatildeo quadrimestral da Academia Real de Letras em Estocolmo Sueacutecia fundada

em 1906 e especializada no campo de Arqueologia e arte medievais

126

Dessa forma diferentemente dos achados numismaacuteticos as informaccedilotildees das

estelas ruacutenicas satildeo de faacutecil acesso para pesquisadores de todas as regiotildees do mundo

desde o advento da Internet

Numeraccedilotildees alternativas esporadicamente satildeo empregadas Destas destaca-se a

numeraccedilatildeo empregada por Elena Melnikova em uma seacuterie de publicaccedilotildees referentes agraves

estelas ruacutenicas de leste iniciadas antes da organizaccedilatildeo do Samnordisk runtextdatabas

As publicaccedilotildees a citar inscriccedilotildees catalogadas por Melnikova empregam a terminaccedilatildeo

Mel seguida do nuacutemero mas tal procedimento tecircm caiacutedo em desuso com a inserccedilatildeo das

mesmas no Samnordisk runtextdatabas Tal desuso tambeacutem ocorre com a listagem

proacutepria da obra de Bloumlndal publicada em 1978 e republicada em 2007246

As estelas ruacutenicas suecas consistem em aproximadamente 1800 exemplares As

estelas vikings segundo Sawyer cerca de 10 deste total Contando-se caso a caso das

estelas encontramos um nuacutemero de 177 Eacute possiacutevel dividir ainda estas estelas vikings

em subseacuteries de acordo com o criteacuterio geograacutefico das localidades de morte do

comemorado ou entatildeo de acordo com a comemoraccedilatildeo de um mesmo indiviacuteduo (ou

indiviacuteduos ligados a ele)

Algumas estelas possuem nomes que natildeo apresentam consenso em sua leitura

como o caso jaacute referido da U 439 cujo termo ndashaskalat eacute lido como ldquoAistlandrdquo ou

ldquoSerklandrdquo Em alguns casos nomes proacuteprios satildeo considerados por alguns autores como

referecircncia a locais como no caso da U 1087 que Bloumlndal lista entre as estelas varegues

pela circunstacircncia de que o comemorado possui o nome Garethar247

Dessa forma em

adiccedilatildeo agrave circunstacircncia da descoberta de novas estelas todos os caacutelculos e nuacutemeros satildeo

inerentemente aproximaccedilotildees

246

BLOumlNDAL Sigfuacutes The Varangians of Byzantium An aspect of Byzantine military history translated

revised and rewritten by Benedikt S Benedikz Cambridge At the University Press 2007 [1978] 247

BLOumlNDAL 2007 225

127

U 439

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoHaeligrlaeligif ok THORNorgaeligrethr letu raeligisa staeligin

thornenna at Saeligbiorn faethur sinn Es styrethi austr

skipi meeth Ingvari a

AEligistaland()Saeligrkland[i]()rdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Haeligrleif e THORNorgaeligrethr tiveram esta pedra

erigida para Saeligbjoumlrn seu pai Que guiava a

leste um barco com Yngvarr para Eistland()

Serkland()

Figura 05 U 439 Desenho de Johann

Bureaus em 1595 Localizada originalmente

no palaacutecio de Steninge perdeu-se Em

destaque as runas lidas como ldquo-skalatrdquo

Eacute procedimento comum referir-se a ldquoEstelas vareguesrdquo ao se falar das estelas

comemorando escandinavos viajando ou caiacutedos nas regiotildees de leste mas existem

subdivisotildees em tal definiccedilatildeo mais geneacuterica Em relaccedilatildeo ao criteacuterio geograacutefico as

subdivisotildees das estelas varegues satildeo as seguintes

a) As estelas varegues per si acabam por referir-se apenas aos termos Austr

Austrvegr Gardar Garethariacuteki ou variantes dos mesmos normalmente ligados aos

territoacuterios da Rus ou empregando designaccedilotildees geneacutericas de leste (ldquoaustrrdquo) Dentre

estas enumeramos as seguintes U 153 U 154 U 209 U 283 U 366 U 504 U 636 U

687 U 898 Souml 33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml

308 Souml 338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

Esta seacuterie perfaz um total de 34 artefatos consistindo em aproximadamente

298 do total das estelas varegues e 191 das estelas vikings Inserimos em nossa

contagem a estela X UaFv191447 encontrada na ilha de Berezani atual Ucracircnia por

128

conter inscriccedilotildees ruacutenicas e tratar-se de artefato da mesma categoria das outras estelas

ruacutenicas

A U 504 fala de um homem que navegava tanto para leste quanto oeste razatildeo

pela qual contamo-la em ambas listagens mas a inserimos na somatoacuteria total das estelas

enquanto apenas um artefato

U 504

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKaeligtilfastr raeligisti staeligin thornenna aeligftiR

Asgaut faethur sinn SaR vas vestr ok

austr Gueth hialpi hans salurdquo

Versatildeo nossa

ldquoKaeligtilfastr erigiu esta rocha em

memoacuteria de Asgautr seu pai Ele foi

para oeste e leste (Que) Deus ajude

sua almardquo

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland

Foto segundo licenccedila livre da ldquoCreative

Commonsrdquo

b) Estelas da Greacutecia estelas que possuem referecircncias agrave Grekland termo

escandinavo empregado para Bizacircncio Dada a grande popularidade da guarda varacircngia

e da possibilidade de carreira feitos militares ou comeacutercio com Bizacircncio haacute um nuacutemero

consideraacutevel de tais estelas Satildeo elas

U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431 U 446 U 518

U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml 82 Souml 85 Souml 163 Souml

165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G 216

129

Perfazem um nuacutemero de 30 artefatos cerca de 263 das estelas varegues e

168 das estelas vikings

U 792

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKarr let raeligisa staeligin thornenna at

Horsa() faethur sinn ok

Kabbi()Kampi()Kappi()Gapi

() at mag sinn Fo[r] haeligfila feaR

aflaethi ut i Grikkium arfa sinumrdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Karr teve esta pedra erigida para

Horsa() seu pai e Kapi () para

seu parente Viajou de froma

competente ganhou riqueza no

estrangeiro na Greacutecia para seu

herdeirordquo

Figura 07 U 792 ndash Ulunda

c) Estelas do Baacuteltico referem-se agraves regiotildees baacutelticas dos territoacuterios das atuais

Letocircnia Estocircnia e Finlacircndia Satildeo elas U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U

582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs 13 Vg 181 G 135 G 319

Um total de 14 artefatos 127 das estelas varegues e 79 das estelas vikings

Em Grobiņa atual Letocircnia e siacutetio de grande importacircncia nos estudos

escandinavos foi encontrada uma estela pictoacuterica na deacutecada de 80 Enquanto artefato

arqueoloacutegico eacute de valia na ecircnfase nos movimentos escandinavos na aacuterea Entretanto

natildeo listamo-la entre as estelas ruacutenicas por ser estela de outra natureza natildeo contendo

inscriccedilotildees ruacutenicas mas pictogramas Estelas nesta categoria foram encontradas

principalmente em Gotland e outras aacutereas do Baacuteltico aparentando tratar-se de produtos

130

especiacuteficos da arte de Gotland exportados para uma ou outra aacuterea de influecircncia eou

colonizaccedilatildeo

d) Estelas da Lombardia Quatro estelas encontradas na Lombardia satildeo por

vezes enquadradas entre as estelas varegues por se considerar como fruto de atividades

de varegues em Bizacircncio Satildeo elas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65 Apenas 36

das estelas varegues e 22 das estelas vikings

Haacute duas seacuteries de estelas mencionando indiviacuteduos especiacuteficos que a erudiccedilatildeo

considera tratarem-se das mesmas pessoas dados principalmente os referenciais

geograacuteficos Satildeo as estelas de Yngvarr e Freygeirr

a) Estelas de Yngvarr Haacute um nuacutemero consideraacutevel de estelas ou fragmento das

mesmas (entre 26 a 28) com referecircncia direta ou circunstancial a Yngvarr chefe que

liderou expediccedilatildeo rumo agrave Serkland Ainda referente a tal expediccedilatildeo possui-se a

Yngvarrs Saga escrita provavelmente no seacuteculo XIII que reconta o evento de forma

fantaacutestica Tal expediccedilatildeo terminou em desastre e muitos de seus participantes satildeo

comemorados por meio de estelas ruacutenicas Satildeo elas

U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157 Souml 9 Souml

96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277 Souml 279 Souml 281

Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

Bloumlndal considera tambeacutem que as estelas U 785 listada por ele como estela 13

e referindo-se a um falecido em Serkland248

bem como a estela Souml 131 listada por ele

como 4249

fariam parte da seacuterie de Yngvarr Natildeo se levando em consideraccedilatildeo estas

estelas pela ausecircncia de consenso acadecircmico temos 26 estelas de Yngvarr 236 das

estelas varegues e 146 das estelas vikings

248

BLOumlNDAL 2007 225 249

BLOumlNDAL 2007 227

131

U 778

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoTHORNjalfi ok Holmlaug leacutetu reisa steina

thornessa alla at BankaBagga son sinn Er aacutetti

einn seacuter skip ok austr styacuterethi iacute Ingvars lieth

Gueth hjalpi ocircnd BankaBagga Aacuteskell reist ldquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

ldquoTHORNjalfi e Holmlaug tiveram todas

estas rochas erigidas para BankiBaggi seu

filho Ele sozinho possuiacutea um barco e

navegou para o leste com a tropa de Yngvar

Que Deus ajude o espiacuterito de

BankisBaggis Aacuteskell entalhou ldquo

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn

b) Estelas de Freygeirr Freygeirr fora provavelmente um chefe que executou

expediccedilotildees na regiatildeo baacuteltica Referem-se a ele as seguintes estelas

Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

A estela U 698 eacute comumente tambeacutem listada entre as estelas do Baacuteltico segundo

proposiccedilatildeo de Omeljan Pritsak250

Conteacutem a referecircncia de um homem morto na Livocircnia

Eacute interessante notar a existecircncia de uma estela danesa a Dr 216 Tal estela eacute em estilo

RAK consistindo numa das mais antigas fontes a citarem a Sueacutecia Se a eacute correta e tais

estelas referem-se ao mesmo indiviacuteduo entatildeo Freygeirr nascera na Dinamarca e

falecera na Sueacutecia

As 6 estelas de Freygeirr representam aproximadamente 55 das estelas

varegues e 34 das estelas vikings

250

PRITSAK 1981 399

132

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional

dinamarquecircs

Foto de Christian Bickel disponibilizada sob licenccedila livre

(Creative Commons)

DR 216

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoAsrathornr ok

Hildu[ng]RHildv[ig]RHildu[lf]R

resthornu sten thornaelignsi aeligft FrathornaFraeligthorna

fraelignda sin sin aelign han was thorna

faeligkn() waeligRa aelign han warthorn doslashthornr

a Swethorniuthornu ok was fyrst() i()

Friggis() liethi() thorna alliR

wikingaRrdquo

Versatildeo para o portuguecircs

(do autor)

ldquoAsrathornr e Hild[ung] erigiram

esta rocha em memoacuteria de Fraeligthorna

seu parente [ ] ele morreu na

Sueacutecia e foi primeiro () na tropa

() de Freygeirr [ ] de todos os

vikingsrdquo

Somando-se o total das estelas varegues incluindo as estelas da Lombardia

desduplicando-se a referecircncia a Freygeirr nas estelas do Baacuteltico e desconsiderando-se as

duas adiccedilotildees de Bloumlndal agraves estelas de Yngvarr chegamos a um nuacutemero de 114 estelas

varegues 64 do total das estelas vikings

Uma contagem aproximada das estelas vikings a oeste nos leva agraves seguintes

proporccedilotildees

a) Estelas vikings de oeste contendo referecircncias agrave locais da Europa mencional

ou simplesmente mencionando que o comemorado fora em expediccedilatildeo viking (ldquoiacute

133

viacutekingrrdquo) Ainda apresentam uma definiccedilatildeo terminoloacutegica centrada em uma dualidade

exclusiva viking=oeste varegue=leste

Satildeo elas U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml 137 Souml

159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111 OumlG Fv1970310

Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330 Dr 334 Dr 216

Um total de 30 artefatos Aqui inclui-se a Dr 216 mencionada entre as estelas de

Freygeirr O nuacutemero de estelas sem referecircncia geograacutefica abre a possibilidade de que

nem todas refiram-se agrave localidades da Europa Ocidental havendo a possibilidade de

conter participantes de expediccedilotildees a leste

A U 504 exemplifica clara e expliacutecitamente a participaccedilatildeo de vikings tanto a

leste como oeste Essa estela tambeacutem eacute listada entre as estelas varegues

Contando-se o nuacutemero de 30 estelas entretanto chega-se a 168 das estelas

vikings e 469 das estelas de oeste

Souml 319

Transcriccedilatildeo para o

antigo noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoFinnviethr() gaeligrethi

kuml thornessi aeligftiR GaeligiRbiorn

faethur sinn Hann vareth dauethr

vestrrdquo

Versatildeo (nossa) para o

portuguecircs

ldquoFinnviethr() fez estes

monumentos paraem

memoacuteria de Geirbjocircrn seu

pai Ele morreu no oesterdquo

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde

foi movida Oriunda de Sannerby

134

b) Estelas da Inglaterra U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U

1181 Souml 46 Souml 55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104

Oumlg Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr 337

Dr 6 N 184

Somam 31 estelas 174 das estelas vikings gerais e 484 das estelas vikings

de oeste

c) Estelas de Jarl Hakon as estelas U 16 U 617 e Sm 76 conteacutem referecircncias a

Jarl Hakon Trecircs artefatos apresentam pouca relevacircncia estatiacutestica consistindo em

aproximadamente 17 das estelas vikings gerais e 47 das estelas vikings de oeste

As estelas vikings de oeste sem retirar-se a Dr 216 perfazem portanto 64

artefatos aproximadamente 36 do total das estelas vikings contra os 64 das estelas

varegues

135

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste

Como jaacute afirmamos a estatiacutestica pertinente natildeo pode propiciar nuacutemeros exatos e

imutaacuteveis mas a proporccedilatildeo quase que dobrada da quantidade de estelas varegues em

relaccedilatildeo agraves estelas vikings de oeste eacute evidente

Tal dado per si entretanto precisa ser considerado em meio a diversos fatores

Dentre esses destacamos as frequecircncias das regiotildees de origem das estelas ruacutenicas (vide

Tabela 03) A maior parte das estelas vikings procedem de Uppland e Soumldermanland

seguidos de Oumlstergotland segundo padratildeo que combina com a proveniecircncia geral das

estelas ruacutenicas em sua totalidade Oumlland entretanto que possui elevada quantidade de

Estelas Ruacutenicas por aacuterea conteacutem apenas uma estela viking

Alguns tecircnues padrotildees

regionais podem ser delineados

coerentes com a interpretaccedilatildeo

histoacuterica tradicional A pequena

quantidade de artefatos na

Dinamarca possuem um nuacutemero

maior de estelas inglesas

enquanto que Gotland possui uma

maioria absoluta de estelas

varegues contendo tambeacutem uma

estela da Greacutecia e duas do Baacuteltico

Mapa 07 As proviacutencias suecas Do

autor Feito com a ferramenta

ldquoMapmaker Interactiverdquo da National

Geographic

136

Tipo Regiatildeo Varegues per si Greacutecia Baacuteltico Lombardia Yngvarr Freygeirr Vikings de oeste Inglaterra Haakon Total

Uppland 9 18 8 2 8 4 5 8 2 64

Soumldermanland 11 7 2 2 15 11 6 54

Oumlstergoumltland 2 2 2 4 2 12

Smaringland 1 3 6 1 11

Vaumlstergoumltland 3 1 1 2 2 9

Gotland 3 1 2 1 8

Dinamarca 1 1 4 1 6

Vaumlstmanland 2 1 3 6

Gaumlstrikland 1 1 1 2

Noruega 1 1 2

Oumlland 1 1

Alemanha (Schleswig) 1 1

Ucracircnia 1 1

Letocircnia Estela

Pictoacuterica

de

Grobiņa

-

177

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings As aacutereas rachuradas indicam picos das frequecircncias

A Gs 13 aparece tanto na seacuterie de Estelas do Baacuteltico quanto das de Freygeirr Dessa forma foi contada como apenas uma Procedemos da mesma forma em relaccedilatildeo agrave Dr 126

listada tanto enquanto uma estela viking de oeste quanto de Freygeirr

Conforme discutido no toacutepico das estelas do baacuteltico a estela pictoacuterica de Grobiņa natildeo foi inserida na contagem

137

Tal distribuiccedilatildeo harmoniza-se com a pressuposiccedilatildeo tradicional de uma ecircnfase

entre os dinamarqueses e noruegueses nas expediccedilotildees vikings a oeste e Ilhas Britacircnicas

e dos vikings suecos e de Gotland a leste em particular as relaccedilotildees de Gotland com o

Baacuteltico

Entretanto outras distribuiccedilotildees fogem desse padratildeo e sugerem outras hipoacuteteses

A Noruega possui um exemplar varegue e um inglecircs Gaumlstrikland possui um exemplar

do BaacutelticoFreygeirr e uma estela da Inglaterra

Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland apresentam uma distribuiccedilatildeo praticamente igual

entre estelas de leste e oeste inseridas as subdivisotildees regionais e Smaringland demonstra

uma propensatildeo forte para oeste

Dessa maneira o quadro geral demonstra de fato uma forte inclinaccedilatildeo entre os

vikings suecos para o leste mas tal inclinaccedilatildeo apresenta uma concentraccedilatildeo especiacutefica

em Soumldermanland Uppland e Gotland Os suecos das demais regiotildees apresentam uma

distribuiccedilatildeo quase que uniforme entre leste e oeste com leve predomiacutenio para o leste

com exceccedilatildeo de Smaringland Entretanto o nuacutemero de estelas vikings nas outras regiotildees

suecas eacute muito menor e a amostragem natildeo eacute estatisticamente suficiente para conclusotildees

definitivas

Por hora parece adequado pressupor que os vikings das demais regiotildees suecas

encontravam-se ativos tanto a leste quanto a oeste Possuiacutemos poucas estelas ruacutenicas das

demais regiotildees mas parece razoaacutevel a proposiccedilatildeo de que esta circunstacircncia possa ser

aplicada tambeacutem aos vikings de Noruega e Inglaterra Eacute significativo que das uacutenicas

duas estelas vikings da Noruega uma seja varegue

Tal fase da anaacutelise deixa uma aparecircncia inicial de que o movimento a leste foi

empreitada fortemente concentrada entre os suecos da regiatildeo dos lagos Malaren e

Gotland No entanto a escrita histoacuterica posterior inseriraacute o leste de papeacuteis significativos

que levam a repensar os quadros de exclusividade e duplicidade simples nos campos de

accedilatildeo ldquovareguerdquo e ldquovikingrdquo

A especificidade e distribuiccedilatildeo desigual das estelas ruacutenicas pode induzir a

conclusotildees natildeo de todo seguras Natildeo obstante o cruzamento das informaccedilotildees com os

subsiacutedios dados pela numismaacutetica e arqueologia parecem fortalecer e preencher o

quadro de um movimento a leste instigado pela prata muccedilulmana e inicialmente

entremeado de intermediaacuterios

Gradativamente os escandinavos eliminaratildeo as intermediaccedilotildees e se aventuraratildeo

cada vez mais a leste com controle cada vez maior das fontes de riquezas

138

desenvolvendo sistema complexo que afetaraacute o proacuteprio desenvolvimento posterior da

histoacuteria da Rus Os suecos seratildeo peccedila-chave em tais processos

Poreacutem seus resultados a longo prazo seratildeo sentidos nas mentalidades

escandinavas como um todo Analisaremos a seguir as contruccedilotildees escritas realizadas

pelos historiadores posteriores todos dos locais mais ocidentais dos reinos

escandinavos e que revestem o leste com significados arraigados nesta tradiccedilatildeo de

seacuteculos de relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Leste

139

Capitulo 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA

ldquoEacute inuacutetil lembrar endereccedilando-me aos fenomenoacutelogos que o espaccedilo cotidiano o espaccedilo do

primeiro estrato natural do ldquomundo da vidardquo eacute apenas quase euclidiano e isso localmente ele

natildeo eacute certamente homogecircneo nem mesmo isoacutetropo ele tem um alto e um baixo os trilhos da

estrada de ferro convergem na distacircncia a direccedilatildeo de qualquer demo situado entre Aacutetica e

Atenas e uacutenica e privilegiada pelos habitantes do demo () o espaccedilo () soacute eacute quase contiacutenuo

no sentido de Aristoacuteteles da divisibilidade ndash pois esta uacuteltima natildeo pode ser levada longe

demais Assim que a reflexatildeo comeccedila o mundo da vida se revela problemaacuteticordquo

(Cornelius Castoriades)251

31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste

Um passo obrigatoacuterio - quiccedilaacute um tanto oacutebvio - em um estudo que pretende tratar

com um termo primariamente ligado a uma direccedilatildeo geograacutefica eacute uma compreensatildeo

inicial de que forma o sistema de referenciamento geograacutefico se apresenta em sua forma

mais cotidiana pragmaacutetica e simples em suma de que forma o conhecimento e a

terminologia geograacuteficos ao menos no que toca agraves referecircncias e coordenadas se

apresenta nas fontes escandinavas sem o acuacutemulo de imaginaacuterio ideologia e narrativa

Eacute perfeitamente possiacutevel e necessaacuterio o questionar a validade de tal proposiccedilatildeo

enquanto construto da imaginaccedilatildeo humana todo sistema de ideias deriva de categorias

mentais especiacuteficas e culturais algumas dessas categorias por certo apresentam maiores

elaboraccedilotildees que outras por vezes certas construccedilotildees encontram-se mais marcadamente

entremeadas de elementos evidentes na natureza de forma a minimizar a accedilatildeo da

elaboraccedilatildeo humana sobre os mesmos

Seria possiacutevel efetuar alguma espeacutecie de ldquodissecaccedilatildeordquo de discriminaccedilatildeo de

elementos ldquosimplesrdquo ldquocomplexosrdquo ldquomaisrdquo ou ldquomenosrdquo elaborados culturalmente A

despeito da dificuldade da tarefa do complexo problema de se abordaacute-la de forma

objetiva ndash e da proacutepria possibilidade da objetividade conforme jaacute discutimos no

primeiro capiacutetulo desta tese ndash nos parece razoaacutevel efetuar uma diferenciaccedilatildeo entre os

sistemas simples de direcionamento geograacutefico ndash e nesta categoria enquadramos o

proacuteprio sistema cardinal mas tambeacutem o cabedal baacutesico terminoloacutegico geograacutefico

251

CASTORIADES Cornelius Figuras do Pensaacutevel as Encruzilhadas do Labirinto Volume VI Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Basileira 2004 Pp402s

140

empregado para referecircncia e direccedilatildeo ndash e elaboraccedilotildees que apesar de se basearem ou

empregarem elementos de tais sistemas a eles adicionam dimensotildees que o transcendem

Um exemplo simples de tal diferenciaccedilatildeo pode ser observado em trecircs empregos

do termo austr ldquolesterdquo no antigo noacuterdico (itaacutelicos nossos)

() austr iacute Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrloumlnd ()

ldquo(para o ) leste em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente ()rdquo

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 04252

)

() um sumarit iacute Austrveg ()

No veratildeo para Austrvegr

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 46253

)

En hann var farinn iacute Austrveg at berja troll

ldquoMas ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para destruir trollsrdquo

(Edda Menor Codex uppsaliensis Cap 26254

)

Todas as passagens satildeo pressupostamente da autoria de um mesmo indiviacuteduo

Snorri Sturlusson A primeira encontrada na Saga de Egil indica nada aleacutem da direccedilatildeo

per si ldquopara o lesterdquo A leste do narrador um leste apenas posicional localizam-se

Jamtaland e Helsingland para oeste estatildeo outras regiotildees imediatamente enumeradas

Aqui o personagem eacute a referecircncia a direccedilatildeo descritiva eacute apenas indicativa e mesmo

relativa vaacutelida para apenas seu observador

O segundo caso empregado na mesma Egils saga eacute o uso de um composto do

termo ldquoAustrvegrrdquo empregado no capiacutetulo 46 Nesta ocasiatildeo Egil e seu irmatildeo Thoacuterolfr

iniciam expediccedilatildeo para Kuacuterland Nesse uso do termo o ldquovegrrdquo fica mais compreensiacutevel

pelas imediaccedilotildees de Kuacuterland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e

Bizacircncio ldquoAustrvegrrdquo o ldquocaminho de lesterdquo

De fato a nomenclatura seraacute empregada com frequecircncia nesse sentido e

assumiraacute a conotaccedilatildeo mais ampla das regiotildees a leste do Baacuteltico em particular os atuais

Paiacuteses Baacutelticos e Finlacircndia Tal uso composto natildeo adiciona apenas o termo ldquovegrrdquo ao

simples ldquoaustrrdquo em adiccedilatildeo incorpora toda uma gama de significados ao mesmo ndash no

caso adicionando a ele uma conotaccedilatildeo geograacutefica e mesmo etnograacutefica

Por fim a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa na qual lemos

novamente o termo ldquoAustrvegrrdquo Aqui o termo aglutinaraacute ainda uma dimensatildeo adicional

252

In JOacuteNSSON Finnur (ed) Altnordische Saga-Bibliothek 3 Halle Niemeyer 1924 253

Idem 254

In PAacuteLSSON Heimir (ed) The Uppsala Edda University College London Viking Society for

Northern Research 2012

141

em seu significado No caso em questatildeo o deus THORNoacuterr estava a leste nas regiotildees de leste

no caminho de leste a lutar contra gigantes

Aqui eacute evidente ou pressuposto para o leitor que a leste haacute gigantes nesse

sentido nesta direccedilatildeo localiza-se Jottunheimr a terra dos gigantes Em adiccedilatildeo agrave

referecircncia simples de direccedilatildeo em adiccedilatildeo agrave regiatildeo etno-geograacutefica adiciona-se um

terceiro significado Desta feita um construto miacutetico uma localidade do imaginaacuterio

bem como toda uma gama de narrativas personagens e peculiaridades que confluem ali

O uacuteltimo significado estaraacute mais em voga nas fontes mais tardias em particular

nas Fornaldarsoumlgur quando se tornaraacute mais saliente nas narrativas que Austrvegr eacute

ponto de passagem para as dimensotildees ainda mais a leste bordejantes das aacutereas miacuteticas

de Jottunheimr das Planiacutecies de Glasir de Geirrodland

Temos aqui portanto um termo baacutesico ao qual se adiciona natildeo apenas um

composto mas gamas distintas e amplas de significados que discriminaremos de forma

mais pontual nos capiacutetulos seguintes Neste capiacutetulo lidaremos especificamente com a

dimensatildeo inicial referencial e mais simples de leste enquanto direccedilatildeo geograacutefica Para

tanto traccedilaremos um panorama geneacuterico sobre o conhecimento e representaccedilotildees

primaacuterias geograacuteficas que transparece nas fontes primaacuterias islandesas e escandinavas ndash

que como veremos em breve natildeo necessariamente satildeo monoliacuteticos e concordantes

Em seguida apresentaremos um quadro detalhado dessas mesmas regiotildees de

Austrvegr ndash na acepccedilatildeo de ldquocaminho de lesterdquo discriminadas nas fontes escandinavas

incluindo-se aqui as estelas ruacutenicas

311 O sistema cardinal e a terminologia

O sistema cardinal e suas derivaccedilotildees se entrelaccedilam no cotidiano e no

vocabulaacuterio da maioria das culturas dos tempos contemporacircneos De forma similar agrave

contagem e mensuramento do tempo ainda que natildeo de maneira tatildeo interiorizada e

arraigada consiste em um sistema conceitual de propoacutesitos praacuteticos que principalmente

por suas implicaccedilotildees cotidianas eacute assimilado e considerado como um fato dado a um

ponto em que eacute impossiacutevel para um indiviacuteduo que se considere ldquoeducadordquo ldquocivilizadordquo

enfim devidamente aculturado privar-se de conhececirc-lo ainda que minimamente

Como discute Norbert Elias de forma magistral eacute por demais estranho ao

homem moderno e assim o foi aos primeiros etnoacutelogos e antropoacutelogos encontrar

pessoas em culturas ditas ldquoprimitivasrdquo ou menos avanccediladas que desconheccedilam sua

142

proacutepria idade Poderiacuteamos traccedilar um paralelo ainda que de menor peso ao pensarmos

acerca da localizaccedilatildeo e terminologia espacial255

Enquanto sistema conceitual entretanto qualquer sistema de orientaccedilatildeo por

maior difusatildeo que encontre e por mais baseado que esteja em fenocircmenos naturais e

dados empiacutericos ndash e aqui podemos incluir trajetoacuteria do Sol (leia-se percepccedilatildeo de uma

trajetoacuteria do Sol ndash nem sempre considerada como tal) e dos astros depoacutesitos minerais e

norte geograacutefico magneacutetico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura antes que da

Natureza

Certamente que natildeo entraremos detalhadamente aqui em tal discussatildeo mas fica

evidente a necessidade de se considerar o sistema de orientaccedilatildeo geograacutefico enquanto

produto de criaccedilatildeo da razatildeo humana e do acuacutemulo e transformaccedilatildeo de saber como algo

que estaacute sujeito aos contextos especiacuteficos temporais nos quais eacute formulado empregado

e reformulado

O sistema cardinal por mais que se baseie em e estabeleccedila coordenadas

absolutas eacute passiacutevel de relativizaccedilatildeo ndash ao menos por meio da criaccedilatildeo de variantes ou

mesmo na forma de sua utilizaccedilatildeo Um exemplo claro eacute a convenccedilatildeo de apontamento de

direccedilatildeo ao norte Por mais que tal convenccedilatildeo tenha se desenvolvido por conseguinte agrave

uma determinante empiacuterica do norte absoluto e da buacutessola apontando para o mesmo -

por sua vez fundamentados na existecircncia de concentraccedilatildeo de minerais em determinada

parte da crosta terrestre - no decorrer dos tempos a percepccedilatildeo de tais absolutos a

compreensatildeo das mesmas e as representaccedilotildees de tal circunstacircncia empiacuterica sofrem

alteraccedilotildees de matizes estritamente culturais mais especificamente a dominacircncia e

hegemonia das culturas ocidentais do hemisfeacuterio norte em acircmbito mundial

Note-se por exemplo na representaccedilatildeo cartograacutefica dos sistemas graacuteficos

derivados de tais coordenadas que os mapas da Antiguidade e do Medievo natildeo

necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o

fazem os mapas contemporacircneos de fato como logo demonstraremos tal circunstacircncia

eacute rara

Mapas do mundo islacircmico traziam o norte para baixo e o sul ndash ou sudeste - para

cima e existiram tendecircncias diversas cartograacuteficas entre os proacuteprios europeus ocidentais

255

Eacute evidente que devemos muito aqui sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem agraves

reflexotildees de Norbert Elias A referecircncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se de qualquer

forma na paacutegina 10 da ediccedilatildeo que consultamos mas devemos muito mais ao autor do que apenas a

leitura desta paacutegina Vide ELIAS Norbert Sobre o tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998

[1984]

143

Mesmo contemporaneamente a representaccedilatildeo da Ameacuterica agrave esquerda e Euraacutesia e Aacutefrica

agrave direita natildeo eacute unacircnime e possui variaccedilotildees nas diversas esferas culturais do globo Em

breve retornaremos com mais detalhe na representaccedilatildeo graacutefica depicccedilatildeo geograacutefica e

confecccedilatildeo de mapas

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo

Eacute relevante se debruccedilar previamente na terminologia referente aos sistemas

geograacuteficos e espaciais empregados pelos Escandinavos no medievo

A niacutevel bibliograacutefico eacute possiacutevel encontrar discussatildeo e reflexatildeo sobre os sistemas

de orientaccedilatildeo espaciais empregados pelos escandinavos em particular no que toca agraves

relaccedilotildees entre Islacircndia e Noruega Sobre o leste entretanto a situaccedilatildeo eacute mais exiacutegua O

grosso da bibliografia discute o conceito de leste quando o discute especificamente no

que chamamos de leste ldquosituacionalrdquo ou ldquodirecionalrdquo

Tal discussatildeo possui um forte vieacutes linguiacutestico agrave medida que deriva de termos e

modificaccedilotildees dos mesmos sendo necessaacuteria uma discussatildeo e explanaccedilatildeo especiacutefica dos

significados de direccedilatildeo e localizaccedilatildeo no antigo noacuterdico

O caraacuteter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais

formas de orientaccedilatildeo e expressatildeo geram estranheza ao olhar contemporacircneo de forma

que autores como Tatjana N Jackson ao comparar tais formas de expressatildeo com o

sistema cardinal as divide por vezes como ldquocorretasrdquo (se equivalem agraves distacircncias

indicadas cardinalmente) e ldquoincorretasrdquo (se natildeo se adequam ao sistema cardinal ainda

que empreguem termos do mesmo256

O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradiccedilatildeo

germacircnica mais ampla De forma geral a nomenclatura ndash nor- austrō- sun- wes-

influenciou a antiga terminologia latina ndash septentrionalisborealis orientalis

australismeridionalis occidentalis ainda que as formas latinas subsistam em termos

derivados257

O sistema baacutesico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norethr ndash norte

austr ndash leste suethr-sul vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno da

256

JACKSON T Old Norse System of Spatial Orientation In Saga Book 25 1998 Pp 72s 257

POKORNY Julius Indogermanisches etymologisches Woumlrterbuch 2 Baumlnde Francke Verlag Bern

und Muumlnchen 1958 Verbetes ldquoau-3(aṷe) ṷērdquoldquoaṷes-ldquo ldquosāṷel- suṷeacutel- sṷel- sūl-ldquo

144

costa norueguesa e na observaccedilatildeo dos astros dado o desconhecimento da buacutessola258

Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germacircnicos antigos tenham sido

empregados para o que consideramos pontos intermediaacuterios envolvendo uma rotaccedilatildeo

de 45ordm259

Entretanto a observaccedilatildeo das direccedilotildees norueguesas baseadas no desenho costeiro

ajuda a compreender melhor a situaccedilatildeo Eacute possiacutevel encontrar termos que parecem por

vezes peculiares ou ldquoestranhosrdquo agrave mente acostumada ao sistema de coordenadas

cardinais absolutas como por exemplo o termo landnorethr empregado para ldquonordesterdquo

mas que pode ser traduzido ao peacute-da-letra como ldquopara o norte via terrardquo enquanto que

uacutetnorethr ldquopara o norte indo para forardquo representava a direccedilatildeo de oeste ou noroeste ndash

consistindo nas rotas possiacuteveis a serem tomadas se o observador tomasse em

consideraccedilatildeo a geografia e costa norueguesas

Tal uso de vocabulaacuterio natildeo estaacute limitado aos residentes da Noruega antes

incorporou-se no vocabulaacuterio do antigo noacuterdico Observemos uma passagem escrita

novamente por Snorri Sturlusson um islandecircs na Ynglingasaga parte inicial da

Heimskringla

ldquoAf hafinu gengr langr hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-hafrdquo

ldquoDo mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em

direccedilatildeo ao nordeste e eacute chamada de Mar Negrordquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01260

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

O trecho em questatildeo encontra-se na descriccedilatildeo do mundo habitado mas descreve

regiatildeo longe da costa norueguesa o Mar Negro O uso para nordeste no entanto eacute

landnorethr261

Haacute o sistema referencial designado por Kirsten Hastrup262

como ldquoultimaterdquo no

sentido de que indica o objetivo final uacuteltimo a ser atingido pelo viajante Esta forma

258

LEONARD Stephen Language Society and Identity in early Iceland Wiley-Blackwell 2012

P 161 259

Ex o mesmo radical para austr- ldquolesterdquo e ldquoaustralisrdquo ldquomeridionalrdquo no latim Vide POKORNY

opcit ldquoaṷes-rdquo WEIBULL Lauritz De gamle nordbornas vaumlderstrecksbegrepp Scandia 01 1928

EKBLOM R Alfred the Great as Geographer Studia Neophilologica 14 1941-2 __________ Den

forntida nordiska orientering och Wulfstans resa till Truso Foumlrnvaumlnnen 33 1938 SKOumlLD

Tryggve Islaumlndska vaumlderstreck Scripta Islandica Islaumlndska saumlllskapets aringrsbok 16 1965 260

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04 261

Landnorethr ndash no genitivo landnoreths 262

HASTRUP 55

145

de expressatildeo eacute mais marcadamente linguiacutestica empregando expressotildees adveacuterbios e

modificadores de sentido indicativos de proveniecircncia e destino Tal sistema de

referecircncias em antigo noacuterdico centraliza-se em trecircs formas baacutesicas de expressatildeo que

denotam direccedilatildeo localidades e origens que a grosso modo podem ser expressos

simplificadamente como ldquo(dirigindo-se) para algum lugarrdquo ldquoem algum lugarrdquo ldquo(vindo)

de algum lugarrdquo263

A adiccedilatildeo de sufixos a adveacuterbios concede nuances especiacuteficas que se assemelham

a esse sistema tripartite o sufixo ndashi implica descanso em algum lugar especiacutefico

enquanto adveacuterbios com sufixo ndashan iratildeo indicar movimento partindo de algum lugar264

Alguns adveacuterbios satildeo modificados apenas de uma forma dual norethr por

exemplo significa ldquonorterdquo ldquopara o norterdquo enquanto norethan significa ldquo(vindo do) nortersquo

mas a maioria dos adveacuterbios acaba por se enquadrar no sistema ternaacuterio de localizaccedilatildeo

O uso do sufixo ndashan precedido da preposiccedilatildeo fyrir cria uma frase preposicional

que indica uma posiccedilatildeo relativa em relaccedilatildeo a outra fixa fyrir norethan heiethina significa

ldquo(a) norte dos pagatildeosrdquo

Fyrir norethan acabou tornando-se uma expressatildeo idiomaacutetica significando ldquono

norterdquo265

Esse tipo de construccedilatildeo generalizou-se tambeacutem para as outras posiccedilotildees

geograacuteficas Ainda no iniacutecio da Ynglingasaga temos um exemplo simples de seu uso

() heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en

sumir Eacuteneacutea

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns Europa

por alguns Enea

(Heimskringla Ynglingasaga 01266

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

Esse sistema conceitual eacute muito forte nas fontes primaacuterias criando expressotildees

especiacuteficas dependendo dos sentidos e localidades e enfatizando grandemente um

sistema de localizaccedilatildeo geograacutefica que chamamos de ldquorelativordquo ldquosituacionalrdquo ou

ldquodirecionalrdquo mas que com o decorrer do tempo acaba por assumir uma circunstacircncia

mista na qual a relativa localizaccedilatildeo dos pontos entre si gradualmente assume

conotaccedilotildees fixas idiomaacuteticas A coordenada que assume maior importacircncia natildeo eacute a

263

LEONARD 157 264

LEONARD 158 265

LEONARD 158 266

In JOacuteNSSON 1911 04

146

localidade per si (ie a Noruega ou a Islacircndia) mas antes a posiccedilatildeo relativa das

localidades em questatildeo entre si

As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema satildeo a

Islacircndia e a Noruega Viajar da Noruega para a Islacircndia seria escrito em sua forma

completa em antigo Noacuterdico como aeth fara fraacute Noregi uacutet til Iacuteslands Entretanto seu uso

mais comum eacute o abreviado aeth fara uacutet Literalmente em portuguecircs ldquosairirdirigir-

seviajar para forardquo

O sentido contraacuterio da Islacircndia para Noruega eacute usualmente indicado como aeth

fara uacutetan ldquovir de forardquo expressatildeo empregada largamente nas sagas e na produccedilatildeo

legal267

Tal sistema possui origem oacutebvia com os noruegueses que tendo colonizado a

ilha da Islacircndia empregaratildeo seu ponto de partida (a Noruega) como ldquodentrordquo e a

Islacircndia como ldquoforardquo Entretanto mais de um seacuteculo apoacutes a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e

quando a mesma jaacute se encontrava com caminhos distintos da Noruega os proacuteprios

islandeses continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas Ainda que se

dirigissem da Islacircndia para a Noruega sua forma de expressatildeo eacute de dirigir-se do ldquoforardquo

para o ldquodentrordquo que evidencia uma continuidade do conceito original direcional mas

somada a uma modificaccedilatildeo intriacutenseca do mesmo a relatividade e ateacute mesmo

ldquoetnocentridaderdquo do conceito original norreno sofrearaacute uma sutil transformaccedilatildeo na qual

as expressotildees indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaccedilotildees

fixas especiacuteficas e intrinsecamente ligadas a localidades especiacuteficas e imutaacuteveis

Outro exemplo da transformaccedilatildeo readaptaccedilatildeo e de certa forma ressignificaccedilatildeo

da terminologia geograacutefica eacute o caso da divisatildeo da Islacircndia em quadrantes ou ldquoquartasrdquo

(fjoacuterethungar) efetuada em 965 AD268

Esta divisatildeo foi efetuada num sistema de base cardinal contendo outras

peculiaridades de referecircncia geograacutefica O viajante que se dirigia ao quadrante sul

(baseado em um sistema cardinal) da Islacircndia dirigia-se de forma absoluta para o

oeste Entretanto o uso linguiacutestico empregado era de dirigir-se ao sul 269

Em adiccedilatildeo a tais nuances haacute-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega

o sistema de coordenadas cardinais de forma mais oacutebvia referenciando o destino

imediato para onde o personagem da narrativa dirige-se Dessa forma o itineraacuterio de

267

LEONARD 159 268

JACKSON 73 269

LEONARD 162 JACKSON 73

147

algueacutem na Noruega que se dirige para a Sueacutecia pode ser descrito como ldquoviajou para

lesterdquo

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica

simples270

Esta forma de referenciamento geograacutefico simples pode ser encontrada por

toda a produccedilatildeo escrita escandinava medieval como se espera de uma terminologia

empregada amiuacutede Haacute de se destacar no entanto uma seacuterie especiacutefica de fontes na qual

as nuances do sistema podem ser percebidas com maior propriedade tanto devido agrave

proacutepria forma de linguagem e estilo mais frequente como pelas proacuteprias caracteriacutesticas

geograacuteficas e de cenaacuterio especiacuteficas agrave modalidade de tal gecircnero procedeu parcela

consideraacutevel dos extratos de fonte e exemplos linguiacutesticos examinados ateacute entatildeo

Referimo-nos agraves chamadas Islendigasoumlgur as sagas islandesas por excelecircncia

muitas vezes traduzidas apenas como ldquosagasrdquo ldquosagas familiaresrdquo ou em uso mais

recente iniciado por Theodore Andersson271

e difundido por Else Mundal Torfi Tulinius

e outros acadecircmicos como ldquosagas dos antigos islandesesrdquo272

Ao lado das grandes obras histoacutericas as Islendigasoumlgur tiveram papel

fundamental provavelmente ainda maior na forma narrativa islandesa sobre os

acontecimentos e personagens do passado

Saga (pl soumlgur) eacute um termo empregado muito genericamente para formas

narrativas islandesas Proveacutem do antigo noacuterdico segja verbo que significa ldquodizerrdquo

ldquofalarrdquo ou por si soacute ldquocontordquo ou ldquohistoacuteriardquo e incorpora narrativas em prosa acerca de

algum personagem famiacutelia ou regiatildeo Apesar do gecircnero per si ser composto em prosa

haacute com grande frequecircncia conteuacutedo poeacutetico veiculado em seu meio em particular na

poesia escaacuteldica

Mas existem outras modalidades de saga e a definiccedilatildeo de distinccedilotildees literaacuterias

precisas entre as diversas modalidades das mesmas pode ser tarefa complexa e nem

sempre satisfatoacuteria

Conquanto as diferenccedilas entre alguns tipos de saga ndash por exemplo entre as

270

Boa e resumida referecircncia ao toacutepico pode ser encontrada em OacuteLASON Veacutesteinn Family Sagas In

McTURK Rory (Ed) A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell

Publishing 2006 [2005] pp 101-118 271

ANDERSSON Theodore The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280) Ithaca amp

London Cornell University Press 2006 272

MUNDAL Else Introduction In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas Reviews and Revisions

Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P01

148

Iacuteslendingasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur ndash possam ser marcantes haacute um nuacutemero elevado

de categorias que natildeo se enquadram nesses ou nos outros grandes grupos ou gecircneros

Certamente esta circunstacircncia natildeo exclui o emprego de criteacuterios de

categorizaccedilatildeo que satildeo relevantes uacuteteis e que provecircm auxiacutelio na compreensatildeo mais

precisa da produccedilatildeo escrita islandesa medieval

As Iacuteslendingasoumlgur descrevem principalmente os eventos ocorridos no

primeiro seacuteculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes

introdutoacuterias que lidam com os eventos na Noruega e Islacircndia no periacuteodo principal de

colonizaccedilatildeo entre 870 e 930) Sua dataccedilatildeo eacute razatildeo de debate ldquoDating the Icelandic

Sagasrdquo de Einar Sveiacutensson escrito em 1958 e publicado pela Viking Society for

Northern Research eacute obra referencial nesse sentido273

Sveiacutensson critica o procedimento de antigos editores tradutores e estudiosos

das sagas como Guethbrandur Vigfuacutesson marcado pela subjetividade e que atribuiacuteam

qualidades como ldquotomrdquo e ldquocaraacuteterrdquo agraves narrativas os quais empregavam como criteacuterios

para dataccedilatildeo e apreciaccedilatildeo274

e discutiraacute o emprego de evidecircncias histoacutericas275

dataccedilatildeo

dos manuscritos276

relaccedilotildees entre as diversas sagas277

evidecircncias literaacuterias e

linguiacutesticas278

e mesmo o que chama de criteacuterios ldquoartiacutesticosrdquo279

ndash criteacuterios que de certa

forma retomam usos que o proacuteprio Sveiacutensson criticou anteriormente mas que admite

que podem ser uacuteteis quando adicionados aos demais

Seus criteacuterios para dataccedilatildeo seratildeo ainda empregados resumidos e discutidos por

muitos autores Else Mundal os resume como a) relaccedilatildeo literaacuteria entre as proacuteprias sagas

b) dataccedilatildeo pela observaccedilatildeo de eventos e condiccedilotildees do proacuteprio autor refletidos na saga

c) qualidade artiacutestica do texto280

Tulinius os discute em profundidade ressaltando que

poucas adiccedilotildees tecircm sido feitas a eles281

com a exceccedilatildeo do trabalho jaacute referido de

Theodore Andersson que encaminha a situaccedilatildeo da dataccedilatildeo das sagas para uma

273

SVEIacuteNSSON Einar Dating the Icelandic Sagas an Essay in Method Viking Society for Northern

Research London 1958 274

SVEIacuteNSSON 39s 275

Idem 50 276

Idem 11 277

Idem 76 278

Idem 76s 96s 279

Idem pp 115ss pp 40 280

MUNDAL Else The Dating of the oldest Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P41 281

TULINIUS Torfi Dating Eyrbyggja Saga The Value of ldquoCircumstancialrdquo Evidence for Determining

the Time of Composition of Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas

Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P130

149

discussatildeo do desenvolvimento de gecircnero literaacuterio282

Nos tempos contemporacircneos a tendecircncia acadecircmica tem sido a atribuiccedilatildeo de

datas cada vez mais recentes para as Iacuteslendingasoumlgur situando a dataccedilatildeo de suas

primeiras formas no seacuteculo XIII a partir de 1230 ou 1240283

Podemos listar entre elas a Egils saga a Njaacutels saga Kormaacuteks saga Viga-

Glums saga Giacutesla saga Grettir saga Eyrbyggja Saga Laxdaeligla Saga Heietharviacutega

saga dentre muitas outras Satildeo por vezes divididas internamente em mais categorias

como sagas familiares sagas de localidades ou de clatildes sagas de skaldar

Estas sagas contecircm narrativas realistas feita em tom soacutebrio e imparcial o autor

daacute tanto a acontecimentos importantes quanto a corriqueiros o mesmo tom narrativo

recurso que confere grande impacto agrave medida que as consequecircncias das accedilotildees

importantes acontecem

Seu heroacutei ou personagem principal pode ser um fora da lei um skaacuteldr ou

alguma entidade mais geneacuterica como uma famiacutelia ou mesmo uma regiatildeo da Islacircndia

Seus personagens natildeo satildeo completamente maus ou completamente bons por vezes um

personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de

compensar alguma ofensa a sua honra

A despeito da forma dominante em prosa poemas satildeo muito empregados em

particular nas sagas cujos personagens principais satildeo skaacuteldar como a Egils saga e a

Kormaacuteks saga constituindo-se em recursos importantes na apresentaccedilatildeo de

pensamentos dos personagens

O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos normalmente causados por

alguma ofensa de honra a algueacutem Agrave medida que a parte procura sua compensaccedilatildeo

partidos e alianccedilas vatildeo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras

retaliaccedilotildees e ofensas secundaacuterias Normalmente a saga termina quando as partes satildeo

conciliadas

Geograficamente circunscrevem-se agrave proacutepria Islacircndia e regiotildees com as quais

seus habitantes mantecircm contato mais direto como a Escandinaacutevia propriamente dita

Irlanda as Ilhas Britacircnicas e do Atlacircntico Norte Referecircncias agrave Bjarmaland ou

Austrvegr satildeo pontuais e raras como os acontecimentos narrados na Egils saga sobre

Bjarmaland e Kuacuterland

A natureza o ldquotomrdquo o uso da linguagem ndash as caracteriacutesticas formais desse

282

ANDERSSON 2006 283

MUNDAL 35

150

gecircnero satildeo razotildees que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma

terminologia senatildeo desprovida de componentes ideoloacutegicos e imaginaacuterios extra ao

menos mais focada na linguagem cotidiana Tambeacutem eacute importante a ecircnfase de que esta

modalidade de escrita largamente apreciada natildeo apenas pelos seus receptores mas

tambeacutem pela criacutetica posterior veio a ser considerada pela historiografia como uma ldquofase

de ourordquo da escrita medieval islandesa a chamada ldquoera dos Sturlungsrdquo (da qual faz parte

tambeacutem Snorri)

Uma larga porcentagem de autores da posteridade ndash e natildeo apenas de vieacutes

historicista ndash consideraria a produccedilatildeo escrita posterior a tal era como decadente e seus

antecessores enquanto passos ldquopreparatoacuteriosrdquo para a mesma Retornaremos agrave tal

discussatildeo no capiacutetulo 5

Esta forma de expressatildeo linguiacutestica eacute similar ao encontrado em outras fontes

de nosso interesse particular seraacute a obra de Snorri Sturlusson no capiacutetulo 4 que

assimilaria em grande parte tal forma literaacuteria

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica

A forma narrativa seraacute o principal veiacuteculo de transmissatildeo de ideias em nosso

contexto de estudo inclusive nos aspectos referentes agrave representaccedilatildeo geograacutefica Haacute

uma segunda natureza de fontes que natildeo pode ser subestimada ou deixada de lado e que

acrescenta dimensotildees natildeo esperadas agrave compreensatildeo da mentalidade geograacutefica no

medievo da Escandinaacutevia

Aqui referimo-nos agrave confecccedilatildeo de mapas e outras formas de representaccedilatildeo

pictoacuterica do conhecimento geograacutefico que como veremos muito em breve satildeo

exemplos de alta relevacircncia na compreensatildeo da assimilaccedilatildeo do conhecimento

geograacutefico de outros acircmbitos culturais no contexto da Escandinaacutevia e Islacircndia

particularmente no seacuteculo XIII

Por tratarmos especificamente do norte podemos reduzir o nuacutemero de

manifestaccedilotildees pictoacutericas ao grupo especiacutefico dos chamado ldquoMappaemundirdquo que

consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses

Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval As

informaccedilotildees contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na

produccedilatildeo escrita e permitem pressupor certo consenso ou ao menos uma uniformidade

do conhecimento geograacutefico

151

Antes poreacutem de se analisar tais fontes precisamos traccedilar algumas

consideraccedilotildees sobre as proacuteprias tradiccedilotildees cartograacuteficas antigas e medievais tendo-se em

mente que natildeo eacute plenamente possiacutevel tecer derivaccedilotildees simplistas e inequiacutevocas das

influecircncias sofridas pelos Escandinavos no quesito conhecimento geograacutefico mas que

os mesmos sofreram as mais diversas influecircncias que se somaram ao proacuteprio

conhecimento acumulado pelos proacuteprios desde as eras preacute-histoacutericas

Exiacutemios navegadores e exploradores pragmaacuteticos por muitos seacuteculos mais do

que qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e

habilidades de navegaccedilatildeo e orientaccedilatildeo oriundos das mais diversas proveniecircncias Agraves

descobertas e criaccedilotildees propriamente nativas escandinavas devem ser adicionadas

influecircncias natildeo apenas de tradiccedilotildees europeias mas tambeacutem do mundo aacuterabe e

muccedilulmano

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas

Mapas da autoria dos primeiros e mais influentes geoacutegrafos gregos como

Anaximandro (ca 610-546 aC) Hecateu de Mileto (ca 550 ndash 476 aC) Posidocircnio

(150-130 aC) e Ptolomeu supostamente localizam a Europa o norte no quadrante

superior do mapa a Aacutefrica (ldquoLiacutebiardquo) agrave esquerda e Aacutesia agrave direita Entretanto o acesso

que se tem a seus mapas eacute dado atraveacutes apenas de reconstruccedilotildees feitas principalmente

apoacutes o seacuteculo XIX O enquadramento do norte no quadrante superior em boa parte de

tais mapas eacute provavelmente uma das muitas adaptaccedilotildees e alteraccedilotildees efetuadas nos

mapas da Antiguidade que inseriram conhecimento informaccedilotildees preconceitos e mesmo

ideologias dos tempos do historicismo e positivismo284

A influecircncia de tais geoacutegrafos suas descriccedilotildees e metodologias eacute milenar e pode

ser notada tanto no desenvolvimento da posterior cartografia ocidental quanto na

equivalente do mundo islacircmico Entretanto tal influecircncia se deu natildeo apenas na forma de

representaccedilatildeo meramente espacial Antes da mera percepccedilatildeo e descriccedilatildeo empiacuterica o

dado idealizado o conceito e a representaccedilatildeo matemaacutetica e geomeacutetrica constituem-se

nos elementos de maior relevacircncia na tradiccedilatildeo cartograacutefica helecircnica285

284

BRODERSEN Kai Cartography In DUECK Daniela amp BRODERSEN Kai Geography in

Classical Antiquity Cambridge at the University Press 2012 p101 285

JONES Alexander Ptolomyacutes Geography Mapmaking and the Scientific Enterprise In TALBERT

Richard J Ancient Perspectives Maps and Their Place in Mesopotamia Egypt Greece and Rome

Chicago At the University Press 2012 Pp 114 117

152

De fato o homem da antiguidade preferia textos descriccedilotildees e tratados

idealizados286

em detrimento de mapas o que por si soacute possui seu peso na proacutepria

elaboraccedilatildeo de mapas nas obras de tais autores e um direcionamento especiacutefico na

confecccedilatildeo dos mesmos

Uma das vertentes mais ilustres a beber de tais tradiccedilotildees em particular de

Ptolomeu e do proacuteprio Aristoacuteteles287

a cartografia antiga e medieval islacircmica se

fundamentaraacute basicamente no trabalho de trecircs geoacutegrafos Abū Zayd Ahmad ibn Sahl al-

Balkhī (morto 322 aH 934 aD) Abū al-Qāsim Muhammad ibn Hawqal (479

aH1086 aD) e Abū Ishāq Ibrāhīm ibn Muhammad al-Fārisī al-Işţakhrī (957 aD) A

maior parte dos trabalhos de outros geoacutegrafos deriva ou eacute influenciada de alguma forma

principalmente pelos trabalhos de Ibn Hawqal e Al Işţakhrī

A obra de Al-Balkhī intitulada Ṣuwar al-aqālīm foi ampliada posteriormente

por Al Işţakhrī que por sua vez passou pelo mesmo processo sob a pena de Ibn

Hawqal o que tem levado ao desenvolvimento da ideia de uma ldquoescola de geoacutegrafos de

Balkhīrdquo288

Os mapas de al-Işţakhrī e Ibn Hawqal satildeo bastante similares entre si tendo que

provavelmente o segundo evidentemente sido bastante influenciado pelo primeiro Os

demais mapas incluindo aqui o bastante conhecido e influente mapa circular de al-Idrīsī

(1099-116566 aD) derivam grandemente da obra desses dois autores

De fato o mapa conhecido como da autoria de al-Idrīsī provavelmente foi uma

inserccedilatildeo em sua obra ldquoO livro das curiosidadesrdquo escrito por volta de 1020 a 1050 aD

e extensamente copiado por ocasiatildeo de 1150 quando Roger II da Siciacutelia efetuou um

compecircndio geograacutefico

286

BRODERSEN 109s 287

RAPOPORT Yossef amp SAVAGE-SMITH Emilie The Book of Curiosities and a Unique Map of the

World In TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle

Ages Fresh Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 P122 288

TIBBETS Gerald R The Balkhī School of Geographers P 108 In HARLEY amp WOODWARD

(eds) The History of Cartography Vol II Book I Cartography in the Traditional Islamic and South

Asian Societies Chicago at the University Press 1987 STOCK Guumlnter amp NEUWIRTH Angelika

Europa im Nahen Osten ndash Der Nahe Osten in Europa Akademie Verlag GmbH 2010 P144

153

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) Oxford Bodleian Library MS Ouseley 373 fols 3b-

4a

Em todos esses mapas o norte fica direcionado para o canto inferior direito

sendo que no topo da paacutegina encontra-se o sudoeste Haacute outras caracteriacutesticas que os

diferenciam grandemente das tradiccedilotildees europeias poderiacuteamos citar por exemplo o

centro do mundo que ao inveacutes de Jerusaleacutem encontra-se na Caaba289

bem como as

vertentes de mapas zonais que continham sete zonas climaacuteticas (as kishvarr)

explicitadas em meio de ciacuterculos pelo mapa ndash no mapa de Al Işţakhrī destacadas em

ciacuterculos vermelhos a primeira na India a segunda na Araacutebia e Abissiacutenia terceira em

Egito e Siacuteria quarta no Iratilde quinta na Aacutesia Menor e terras dos aş-Şaqāliba sexta na

terra dos Turcos e de Gog e Magogue e culminando com a seacutetima na China290

289

BORGOLTE Michael Christliche und muslimische Repraumlsentationen der Welt Ein Versuch in

transdisziplinaumlrer Mediaumlvistik Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften Berichte und

Abhandlungen Bd 14) Berlin 2008 Pp104s 290

BORGOLTE 100

154

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) Obtido em IBN FADLAN STONE

amp LUNDE (trad) Ibn Fadlān and the Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin

Books 2012

155

3142 Os Mappaemundi291

Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caracteriacutesticos do medievo

ocidental Basearam-se nos mapas da Antiguidade adaptando-os para a Cristandade

medieval Antes de buscarem trazer dimensotildees distacircncias e coordenadas especiacuteficos

retratavam eventos significativos da Histoacuteria Cristatilde Seu propoacutesito primaacuterio portanto

era a instruccedilatildeo dos fieacuteis e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da

Antiguidade como por exemplo o mapa de Eumenius datado de AD 297

Um Mappaemundi natildeo consiste necessariamente em uma depicccedilatildeo graacutefica do

mundo o termo pode ser empregado por exemplo significando uma descriccedilatildeo verbal

ou algum sentido metafoacuterico

Os mapas medievais possuiratildeo tambeacutem uma funccedilatildeo histoacuterica e narrativa

podendo ser vistos como anaacutelogos agraves narrativas medievais que retratam eventos

separados no tempo mas dispostos na mesma cena

Os mapas enquanto ferramenta com a funccedilatildeo especiacutefica de auxiacutelio a navegaccedilatildeo

e decorrentes necessidades de precisatildeo seratildeo desenvolvidos a partir do seacuteculo XIII por

italianos e sicilianos Receberatildeo o nome de ldquoPortulanosrdquo

Destarte eacute possiacutevel elencar a niacutevel de teacutecnica de composiccedilatildeo trecircs meacutetodos de

compilar a informaccedilatildeo cartograacutefica coexistentes na Baixa Idade Meacutedia

- Os empregados nos jaacute citados portulanos enquanto primeiras cartas naacuteuticas eram

construiacutedas baseadas nos contornos do Mediterracircneo e limitadas pelas proacuteprias formas

do suporte (velum etc)

- Os mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma

quantidade limitada de informaccedilatildeo a ser inserida em uma aacuterea circunscrita e definida

seja oval retangular ou redonda Esta aacuterea eacute por vezes seccionada ou dividida em

seccedilotildees esquemaacuteticas

291

As informaccedilotildees de cunho geneacuterico para esta seccedilatildeo foram obtidas basicamente nas duas maiores obras

de referecircncia na temaacutetica a) WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 amp b) EDSON

Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In TALBERT Richard

amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh Perspectives New

Methods Bril Leiden Netherlands 2008 pp 219-236 Conquanto o uacuteltimo trabalho esteja mais

atualizado e insira questotildees importantes agrave discussatildeo como por exemplo o proacuteprio questionamento sobre

a validade de classificaccedilotildees dos Mappaemundi segundo criteacuterios contemporacircneos o valor da obra de

Woodward perdura consistindo o mesmo na base para o segundo Informaccedilotildees pontuais seratildeo citadas a

parte

156

- Um terceiro meacutetodo define uma rede regular de paralelos e meridianos nos quais a

informaccedilatildeo geograacutefica seria inserida

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi

Cronologicamente eacute possiacutevel diferenciar trecircs principais periacuteodos de tradiccedilatildeo dos

Mappaemundi

De Lactacircncio (ca240-320) a Gregoacuterio o Grande (ca 540-604) o periacuteodo tardo-

antigo greco-romano e patriacutestico (ca400 ndash ca 600) consistiraacute no periacuteodo de gestaccedilatildeo

das principais tradiccedilotildees cartograacuteficas medievais

Durante a Renascenccedila caroliacutengia (VIII-XII) ocorreraacute produccedilatildeo acelerada de

livros e manuscritos nos monasteacuterios e consequente proliferaccedilatildeo bem como

aperfeiccediloamento teacutecnico dos mapas Seraacute um periacuteodo chamado por alguns autores

como ldquo the gold Age of Church cartographyrdquo292

Entre os seacuteculos XII a XIII haveraacute uma chamada de ldquoRenascenccedila do seacuteculo

XIIrdquo293

quando agraves presentes tradiccedilotildees adiciona-se um influxo de conhecimento aacuterabe e

dos claacutessicos gregos

Como acabamos de afirmar as trecircs tradiccedilotildees fundamentais que influenciaram

toda a produccedilatildeo de mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade

Meacutedia ateacute o Renascimento surgiram no primeiro periacuteodo da Antiguidade Tardia Satildeo as

tradiccedilotildees advindas de Macrobio Orosio e Isidoro

Na confecccedilatildeo dessas tradiccedilotildees cartograacuteficas ocorreu uma complexa interaccedilatildeo de

diversas correntes de pensamento Em particular duas vertentes de escritos geograacuteficos

confluiratildeo e influenciaratildeo a produccedilatildeo de mapas no medievo o pensamento claacutessico

greco-romano (Macroacutebio Martianus Capella baseados em Pliacutenio e Pomponius Mella e

nas tradiccedilotildees de Pitaacutegoras a Posidocircnio) e o pensamento da Igreja (reaccedilotildees mistas ao

saber pagatildeo e cientiacutefico S Damiatildeo natildeo via utilidade na Ciecircncia mas S Jerome ndash 340-

420 parece ter compilado mapas da Palestina e Asia)

Conquanto haja um consenso internacional na classificaccedilatildeo dos Mapas

medievais como um todo definido em 1949 segundo proposiccedilatildeo de Marcel Destombes

no XVI Congresso Internacional Geograacutefico em Lisboa os criteacuterios de classificaccedilatildeo

292

Apud BAGROW History of Cartography 42 note 55 In WOODWARD p 299 293

Apud HASKINS Renaissance of the Twelfth Century note 50 In WOODWARD p 299

157

especificamente relativos aos Mappaemundi variam Simar294

(1912) Andrews295

(1926) Uhden296

(1931) Destombes297

(1964) Arentzen298

(1984) Woodward299

(1987) e Dalcheacute (1993)300

propuseram paracircmetros diversos Dalcheacute criticaria os

sistemas de Destombes e Andrews mas natildeo o de Woodward por lidar com mapas

anteriores aos estudados pelo uacuteltimo301

Tendo em vista os desenvolvimentos histoacutericos descritos acima empregamos a

classificaccedilatildeo de Woodward que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaccedilotildees de

autores anteriores De fato a despeito da publicaccedilatildeo em 2008 da obra monumental

ldquoCartography in Antiquity and the Middle Agesrdquo editada por Richard Talbert e Richard

Unger302

o trabalho de Woodward permanece referecircncia inclusive para o supracitado

trabalho

Seu sistema propotildee a diferenciaccedilatildeo dos mappaemundi enquanto zonais

esquemaacuteticos - tambeacutem chamados de tripartites o que inclui os difundidos mapas T-O -

quadripartites e transicionais303

e natildeo eacute a uacutenica forma passiacutevel de ser encontrada No

entanto parece-nos a mais abrangente e adequada aos nossos proacuteprios propoacutesitos de

classificaccedilatildeo das fontes da Escandinaacutevia

294

SIMAR Theophile La geographie de lAfrique Centrale dans lantiquite et~au Moyen-Age In Revue

Congolaise 3 (1912-13) pp 1-23 81-102145-69225-52289-310440-41 295

ANDREWS Michael Corbet The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi In

Archaeologia 75 (1925-26) pp 61-76 296

UHDEN Richard Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten In Geographische

Zeitschrift 37 (1931) pp 321-40 297

DESTOMBES Marcel (ed) Mappemondes AD 1200-1500 Catalogue prepare par la Commission

des Cartes Anciennes der Union Geographique Internationale Amsterdam N Israel 1964 298

ARENTZEN Jorg-Geerd Imago Mundi Cartographica Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher

Welt- und Okumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild

Miinstersche Mittelalter-Schriften 53 Munich Wilhelm Fink 1984 299

WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp WOODWARD David (eds)

The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric Ancient and Medieval Europe and

Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp 286-299 300

DALCHEacute Patrick Gautier De la glose agrave la contemplation Place et fonction de la carte dans les

manuscrits du Haut Moyen Acircge In Testo e Immagine nell acuteAlto Medioevo Settimane di Studio del

Centro Italiano di Studi sullacuteAlto Medioevo Spoleto Presso la Sede del Centro 1994 XLI pp 700-704 301

Idem ibid 302

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 303

WOODWARD 1987 295

158

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais

O Mappamundi de Macroacutebio seraacute conhecido por seu nome ou como zonal

Deriva de seu comentaacuterio ao Sonho de Scipio de Cicero (51 aC) que trabalha

conceitos e informaccedilotildees de Posidocircnio (ca 135 ndash 5150 aC) Crates de Mallos (ca 168

aC) e Erastoacutetenes (ca 275-194 ac empregando conceitos de Pitaacutegoras

Resumidamente eacute um mapa que divide o globo em zonas climaacuteticas habitadas

ou natildeo por meio de latitudes Esse mapa iraacute empregar o conceito grego de um

continente antiacutepoda localizado no hemisfeacuterio sul em sua zona temperada

Cada um dos continentes ndash inclui-se aqui Eurasia e Aacutefrica enquanto um macro-

continente sendo o antiacutepoda o outro ndash possuiria respectivamente no sentido do poacutelo

para a linha equatorial uma zona inabitada fria uma zona temperada e uma zona

inabitada quente Nessa uacuteltima zona ambos os hemisfeacuterios encontrar-se-iam sendo

banhadas por um oceano intermediaacuterio

Martianus Capella (fl 410-39) popularizaria esse tipo de mapa em seu

ldquoCasamento de Filologia e Mercuacuteriordquo

Figura 13 Mappamundi de Macrobius ndash Coacutepia de Johannes Eschuidus In Summa Anglicana

1489 Paris Badius 1519 Reimpressatildeo da ediccedilatildeo de 1515 James Ford Bell Library Tamanho

original 14 x 14 cm

159

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)

A obra de Oroacutesio difere de Macroacutebio e Martianus por ser diretamente dirigida

contra os pagatildeos Seu texto natildeo conteacutem nenhum mapa nem o menciona as opiniotildees

acadecircmicas dividem-se e haacute argumentos favoraacuteveis tanto no sentido de que ao escrever

sua obra Orosio teria em uso algum Mappamundi quanto no sentido contraacuterio

Eacute clara a influecircncia que a obra de Aggripa teve no trabalho de Paulo Oroacutesio

Entretanto a despeito de reconstruccedilotildees do suposto mapa de Aggripa a proacutepria natureza

pictoacuterica de seu trabalho permanece em disputa304

Natildeo obstante seu emprego ou natildeo de alguma representaccedilatildeo pictoacuterica do mundo

o fato inconteste eacute a influecircncia que sua obra teve nas obras posteriores a referirem-se a

Geografia e histoacuteria e na proacutepria confecccedilatildeo de mapas pelo medievo Supostamente

foram influenciados por seu trabalho mapas famosos como o Anglo-Saxatildeo ldquoCottonrdquo

(seacuteculo X) e o Mappamundi de Hereford (seacuteculo XIII)

Na ausecircncia de um mapa de sua proacutepria lavra toda argumentaccedilatildeo de influecircncia

em outro mapa permanece em aberto

3146 Isidoro (ca 560-636)305

A tradiccedilatildeo de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas

Etymologiae e em De natura rerum seraacute indubitavelmente a mais longeva e influente

por todo o medievo em um levantamento de Destombes mais de 660 exemplos de

mapas derivados de sua tradiccedilatildeo foram encontrados por todo o medievo306

Natildeo se possui um exemplar de mapa original de sua proacutepria lavra mas eacute

perfeitamente possiacutevel compreender-se o formato do mesmo pela tradiccedilatildeo derivada

Satildeo os chamados mapas T-O que dividem a terra em trecircs partes com Jerusaleacutem no

centro do mundo

O ldquoTrdquo no caso eacute formado pelas massas aquaacuteticas do mar Mediterracircneo na aacuterea

superior o rio Nilo agrave direita e o rio Don (Tanais em grego) agrave esquerda O ldquoOrdquo eacute a

esfera circundante dos oceanos na qual o ldquoTrdquo estaacute enquadrado

304

MERRILIS AH History and Geography in Late Antiquity Cambridge 2005 P72 305

Uma profusatildeo de mapas isidorianos com respectivas referecircncias pode ser obtida no site

lthttpcartographic-imagesnetCartographic_Images205_Isidore_of_Seville_T-Ohtmlgt Uacuteltimo acesso

em 23102014 306

WOODWARD 301

160

Nesta modalidade de mapa a Aacutesia eacute colocada na parte superior com a Europa agrave

esquerda e a Aacutefrica agrave direita Tal circunstacircncia eacute explicada por vaacuterias razotildees como por

exemplo a localizaccedilatildeo do Paraiacuteso na Aacutesia bem como a zona supostamente mais

propiacutecia climaticamente agrave habitaccedilatildeo humana

Essa divisatildeo reflete a proacutepria divisatildeo biacuteblica descrita no capiacutetulo 10 do livro do

Gecircnesis e retomada por Isidoro dos filhos de Noeacute Shem Kham e Jaffet Isidoro

disporia os descendentes de Shem na Aacutesia os de Jaffet na Europa e os de Kham na

Aacutefrica307

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O In De Natura Rerum Florenccedila Biblioteca Medicaea-Laurenziana

Plut2939 f19v Seacuteculo XIII Obtido em EDSON 2008 225

307

EDSON Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 p 226

161

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo

Outra importante tradiccedilatildeo cartograacutefica eacute a classificada por Woodward como

ldquoquadripartiterdquo mas referida comumente como os mapas ldquoBeatosrdquo308

Tal modalidade

pode ser compreendida como uma derivaccedilatildeo dos mapas T-O isidorianos ou como uma

mistura dos mesmos com os zonais macrobianos

Conteriam os 3 continentes mais um ldquoantiacutepodardquo aleacutem mar normalmente no

hemisfeacuterio sul seu formato era retangular e eacute possiacutevel discernir uma marcada

influecircncia esteacutetica e graacutefica moccedilaacuterabe Satildeo mapas chamados de ldquoevangeliacutesticosrdquo

mostrando os apoacutestolos nos cantos da Terra309

Tal tradiccedilatildeo foi desenvolvida por Beatus de Lieacutebana ndash ca 730-800 que viveu na

regiatildeo da atual Cantabria entatildeo reino das Astuacuterias em seu Comentaacuterio do Apocalipse

escrito por volta de 776

Natildeo se possui uma coacutepia de seu suposto mapa original mas o nuacutemero de coacutepias

e desenvolvimentos do mesmo tambeacutem permitem pressupor com precisatildeo sua forma e

definem um grupo e tradiccedilatildeo bem claros

Uma das coacutepias mais difundidas e conhecidas dessa modalidade de mapas eacute

encontrada na coacutepia do monasteacuterio de Saint Sever Escrito no seacuteculo XI

aproximadamente nas proximidades de 1040 visto que Gregori de Montaner abade que

encomendou a obra o foi entre 1028 a 1072

308

RICOBOM Introduccedilatildeo ao histoacuterico da Cartografia e das concepccedilotildees da forma da Terra V2

Departamento de Geografia UFPR Curitiba 2008 Pp03-14 309

WOODWARD 304s

162

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo O mapa eacute uma coacutepia do seacuteculo XI feita na abadia

franca de Saint Sever da obra original (o comentaacuterio do Apocalipse) de Beato de lieacutebana monge das Astuacuterias

do seacuteculo VIII

Imagem de ldquoPatrimonio EditionesrdquoColagem nossa Dados do manuscrito orginal Bibliotheacuteque Nationale de

France Ms Lat8878 Seacuteculo 11 Ca 1038310

Tal classificaccedilatildeo eacute uma simplificaccedilatildeo de um quadro mais complexo

multifacetado e frequentemente marcado por tradiccedilotildees locais e especiacuteficas mas resume

suficientemente as linhas gerais necessaacuterias agrave nossas anaacutelises subsequentes

310

httppatrimonio-edicionescomenfacsimilthe-saint-sever-beatus Uacuteltimo acesso em 26072014

163

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais

Feito tal apanhado geral cartograacutefico eacute hora de voltarmos ao contexto especiacutefico

da Escandinaacutevia

Eacute possiacutevel se afirmar a existecircncia de uma tradiccedilatildeo de pensamento e depicccedilatildeo

geograacuteficos que datam desde os tempos preacute-histoacutericos entre os povos escandinavos e

seus ancestrais Suas formas entretanto diferem grandemente do que se compreende

posteriormente por ldquoCartografiardquo bem como seus objetivos

Gudmund Schuumltte argumentaria em 1920 em artigo publicado na Scottish

Geographical Magazine ter encontrado representaccedilotildees de constelaccedilotildees em

representaccedilotildees preacute-histoacutericas na Dinamarca mais especificamente nas estelas de

Venslev e Dalby311

mas haacute dificuldades em tal interpretaccedilatildeo principalmente porque as

supostas marcas nas pedras e nas constelaccedilotildees natildeo coincidem entre si tatildeo perfeitamente

quanto o autor argumenta312

Um artigo igual em francecircs foi publicado no ano seguinte na ldquoLa Naturerdquo na

Franccedila por certo ldquoSchoumlnfeldrdquo313

mas Schuumltte provavelmente foi o autor original natildeo

apenas pela data anterior mas tambeacutem pela existecircncia de diversas outras publicaccedilotildees de

sua lavra sobre a temaacutetica cartograacutefica em particular sobre mapas de Ptolomeu314

Natildeo obstante a duacutevida que repousa em tais modalidades de inscriccedilotildees eacute possiacutevel

se encontrar representaccedilotildees referentes agrave proacutepria cosmologia como um exemplo da

Aacutervore da Vida (no periacuteodo viking e medieval chamada de ldquoYggsdrasilrdquo) encontradas

em Loumlkeberg315

e representaccedilotildees cosmoloacutegicas em vaacuterios niacuteveis encontradas no

primeiro milecircnio AD principalmente em estelas pictoacutericas da ilha de Gotland316

Quanto ao periacuteodo medieval a Escandinaacutevia apresenta uma notaacutevel escassez de

mapas em meio a uma consideraacutevel quantidade de manuscritos de aproximadamente

311

SCHUumlTTE Gudmund Primaeval Astronomy in Scandinavia In Scottish Geographical Magazine

n04 (1920) 244-254 312

SMITH Catherine Delano Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean In HARLEY

JB amp WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp82s 313

A referecircncia completa SCHOumlNFELD M Lacuteastronomie preacutehistorique em Scandinavie La Nature

no2444 81-83 05021921 314

Destacam-se ldquoPtolemyacutes maps of northern Europe a reconstruction of the prototypesrdquo publicado pela

Royal Danish Geographical Society em 1917 e os posteriores ldquoA ptolemaic riddle solvedrdquo de 1952 e

ldquoPtolemyacutes maps and liferdquo do mesmo ano 315

SMITH 87 316

Idem 91

164

8000 manuscritos islandeses apenas trecircs incluem mapas ndash cinco mapas ao todo mais

um mapa do seacuteculo XII originaacuterio provavelmente de Lund Desses mapas conhecem-se

quatro coacutepias posteriores317

O pequeno nuacutemero de mapas natildeo indica um desconhecimento ou falta de

interesse geograacutefico O nuacutemero de textos em prosa eacute significantemente maior

aproximadamente quatro cosmografias ndash das quais vinte e cinco coacutepias foram

encontradas diversos itineraacuterios mas o mais importante muita informaccedilatildeo e referecircncia

geograacutefica dispersa em toda a produccedilatildeo escrita seja nas sagas obras de cunho histoacuterico

e de entretenimento318

Os navegadores do norte e do Baacuteltico natildeo adquiriram o haacutebito de usar mapas na

navegaccedilatildeo ateacute muito tempo depois dos seus equivalentes mediterracircneos ndash no seacuteculo

XVI quando o uso de Portulanos jaacute era praacutetica corrente no sul tal costume ainda era

desprezado pelos mais antigos setentrionais319

Os cartoacutegrafos e navegadores mediterracircneos por sua vez pragmaacuteticos tinham

por haacutebito enfatizar e retratar as regiotildees nas quais tinham contato frequente ou interesse

comercial destarte poucos Portulanos retratavam o Baacuteltico e a Escandinaacutevia ateacute os

seacuteculos XIV e XV sendo que um nuacutemero ainda menor com razoaacutevel fidelidade320

Eacute mister ter-se em conta o contexto de tais seacuteculos que inclui o domiacutenio

econocircmico da Liga Hanseaacutetica entre os seacuteculos XIII-XVI conflitos pela hegemonia

poliacutetica entre os reinos escandinavos e as cidades germacircnicas (que dentre outras

consequecircncias colaboraraacute no estabelecimento da Uniatildeo de Kalmar em 1397) e os

proacuteprios efeitos da peste negra321

ndash todos colaboradores no sentido de que o norte

europeu e a regiatildeo baacuteltica manteriam posiccedilatildeo perifeacuterica em relaccedilatildeo agrave Europa do

Mediterracircneo322

Quanto agrave proacutepria retrataccedilatildeo da Islacircndia e das ilhas do Atlacircntico a mesma

circunstacircncia se repete Haacute discussatildeo sobre qual a primeira retrataccedilatildeo cartograacutefica da

317

SIMEK Rudolf Altnordische Kosmographie Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung

in Norwegen und Island vom 12 bis zum 14 Jahrhundert Berlin Walter de Gruyter amp Co 1990 P 60 318

SIMEK Rudolf Scandinavian World Maps In FRIEDMAN John Block amp FIGG Kristen Mogg

(eds) Trade Travel and Exploration in the Middle Ages An Encyclopedia Rotledge 2000Pp 537s 319

CAMPBELL Tony Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500 In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 p409 320

CAMPBELL 415 321

MORTENSEN Lars Boje amp BISGAARD Lars Medieval Urban Civilization and its North European

Variant In BISGAARD Lars MORTENSEN Lars Boje amp PETTITT Tom (eds) Guilds Towns and

Cultural Transmission in the North 1300-1500 Odense University Press of Southern Denmark 2013 P

09 322

MORTENSEN amp BISGAARD 08

165

mesma em Portulanos sendo as opiniotildees mais correntes a carta de Bertran em 1482

(segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga de Bartolomeu de Pareto em 1455

Haacute um mapa retratando a Vinland mas tal eacute controverso e natildeo haacute consenso

sobre sua dataccedilatildeo Ateacute o seacuteculo XVII todos os outros mappaemundi escandinavos bem

como os relatos e escritos em prosa veiculam a ideia de que a Groenlacircndia fora um

continente ligado a leste com a Sibeacuteria e a oeste com a Vinland

O mapa da Vinland no entanto mostra-a como uma ilha concepccedilatildeo bastante

recente Natildeo haacute nenhum padratildeo T-O o norte fica na parte superior ndash enfim o mapa eacute

muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 16)

Figura 16 O mapa da Vinland

Obtido em GRAHAM-CAMPBELL James Os Viquingues origens da Cultura Escandinava Vol II

Madrid Ediccedilotildees de Prado 1997 P177

O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo eacute originaacuterio de Lund

mas atualmente estaacute depositado em Berlin aonde consta como Berlin MStheolLat149

fol27r323

T-O segundo a tradiccedilatildeo salustiana poreacutem sem iconografia alguma Escrito por

uma matildeo germacircnica traz poucos nomes na Europa apenas Roma Bari Achaia

Constantinopole Grecia Cologne England Dacia e Suithia324

Indica de seu autor um

323

Informaccedilotildees mas sem a foto disponibilizada em lthttpwwwmanuscripta-mediaevaliade|5gt 324

SIMEK 2000 538

166

conhecimento ou formaccedilatildeo claacutessicos e conexotildees entre Lund Cologne e England por

outro lado

Trecircs dos cinco mappaemundi islandeses satildeo zonais climaacuteticos ou macrobianos

dividem a regiatildeo setentrional e habitaacutevel da Terra em trecircs continentes (Asia Europa e

Aacutefrica) Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection no manuscrito AM 736

I 4to 1v (iniacutecio do XIV) Haacute uma coacutepia efetuada no seacuteculo XVIII na Copenhagen

Kongelige Bibliotek sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359 4to p15 bem

como uma registrada como AM 732b 4to 3r do iniacutecio do seacuteculo XIV

O manuscrito Gks 1812 4to325

conteacutem trecircs mapas

O primeiro no foacutelio 11v consiste em um pequeno mapa do seacuteculo XIII

registrado como ldquoGamle Kongelige Samling MS Gks 1812 4to 11vrdquo Depositado na

Copenhagen Kongelige Bibliotek e copiado no seacuteculo XVII para o AM 252 fol 59v

natildeo mostra a divisatildeo zonal Esse mapa eacute uma coacutepia de alguns mapas similares no

tratado cosmograacutefico ldquoDe filosofia mundirdquo escrito c1130 por William de Conches O

texto foi adaptado dele e nele estaacute incorretamente atribuiacutedo em alguns manuscritos a

Beda

O mesmo manuscrito conteacutem dois mapas T-O O primeiro copiado em AM 252

fol 58r eacute extremamente simples Conteacutem a divisatildeo dos trecircs continentes com seus

nomes apenas consistindo no centro de um diagrama maior que conteacutem direccedilotildees

cardinais ventos estaccedilotildees idades do homem meses do ano e signos do zodiacuteaco

respectivos

O outro exemplar eacute de maior interesse aos nossos propoacutesitos Estaacute copiado no

AM 252 fol 62r Em paacutegina dupla (5v-6r) conteacutem mais de 100 nomes cerca de 70 dos

quais satildeo nomes de paiacuteses quase todos em latim Esse mapa mostra similaridade com

algumas das cosmografias e listas citadas anteriormente mas natildeo haacute uma ligaccedilatildeo clara

de autoria entre eles

Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150326

Kristian Karinglund de ca

1250327

325

Descriccedilatildeo e informaccedilotildees do manuscrito em lthttphandritisismanuscriptviewGKS04-1812gt

Uacuteltimo acesso em 21102014 326

RAFN Carl Christian (ed) Antiquiteacutes Russes dapregraves les monuments historique des anciens et des

Islandais Scandinaves Copenhague 1850-1852 vol 1 327

KAringLUND Kristian (ed) Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague Moslashller 1917s

167

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r

Obtido em PRITSAK Omeljan The Origin of Rus

A estruturaccedilatildeo deste Mappamundi eacute bastante simples O esquema T-O

apresenta-se meramente como o paracircmetro geral de organizaccedilatildeo divindindo os

continentes em trecircs aacutereas separadas pelo Mediterracircneo Egito e Don (ldquoTanakvislrdquo) natildeo

havendo nenhuma tentativa de representaccedilatildeo das localidades via um sistema de

coordenadas matemaacutetico-geograacuteficas tampouco alguma tentativa de depicccedilatildeo graacutefica

dos locais As localidades estatildeo representadas apenas por seus nomes inclusive os rios e

mares

Os quatro cantos possuem as direccedilotildees cardinais em antigo noacuterdico e latim

austroriens suethrmeridies occidensvestr e norethrseptentrio A disposiccedilatildeo geral do

mapa com o sul para o alto apresenta semelhanccedila mais com as tradiccedilotildees cartograacuteficas

aacuterabes do que propriamente com as do medievo ocidental que normalmente apresentam

a Aacutesia no canto superior aparentemente temos um modelo T-O ocidental inserido em

uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islacircmica

168

Entretanto eacute de se destacar que nos pontos de intercecccedilatildeo entre os dois folios

tanto no canto superior quanto inferior existem duas seccedilotildees separadas espeacutecie de

tabelas contendo informaccedilotildees pouco usuais em mapas T-O

a) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Aacutefrica

Suethr

Meridies

(euro) (dies)

Estas calida

Iuuenta calor (spiritus)

b) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Europa (logo abaixo de ldquoBiarmar habitavit hicrdquo)

(Norethr)

Septentrio

Circius qui et troacias

Hiemps frigida

De crepita frigus corporis

A mesma circunstacircncia daacute-se nos outros pontos cardinais na aacuterea a leste na

Aacutesia encontram-se as seguintes inscriccedilotildees

Septemtrio Aquilo qui et boreas Vvlturnus qui et calcias Sub solanus qui et afeliotes Eurus

Ver tepidu(m)

Infancia tepor sangvinis

Asia

Enquanto que no oposto ao ocidente pode-se ler o seguinte

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

Tal espeacutecie de informaccedilatildeo em particular a de natureza climaacutetica (ie ldquoAutumnus

humidusrdquo ldquooutono uacutemidordquo) eacute muito mais comum nos mapas zonais demonstrando

uma influecircncia dos mesmos acentuada pela divisatildeo circular em particular na Aacutesia

Todo esse esquema estaacute inserido em uma seacuterie de ciacuterculos concecircntricos As

informaccedilotildees e nomes contidos no ciacuterculo central satildeo as localidades geograacuteficas a

metade do mapa contendo a regiatildeo da Aacutesia mais detalhada possui ainda dois outros

niacuteveis nos quais regiotildees mais amplas satildeo descritas Por exemplo o niacutevel mais central

conteacutem localidades como ldquoCalldeardquo e ldquoBabilonrdquo (nome que se repete em outra aacuterea) o

169

niacutevel superior conteacutem ldquoMesopotamiardquo e o niacutevel ainda superior a ele locais como

ldquoParthiardquo ldquoMediardquo o que apresenta uma espeacutecie de organizaccedilatildeo em proviacutencias e

localidades internas a estas em espeacutecies de grupos contendo subgrupos mas acaba por

natildeo se apresentar de forma tatildeo precisa

Nas regiotildees da Aacutefrica e Europa todos os nomes de localidades estatildeo inseridos no

ciacuterculo central Nos niacuteveis superiores estatildeo as indicaccedilotildees de continente (ldquoAfRicardquo e

ldquoEuRopardquo)

O foacutelio 5v eacute totalmente preenchido pela Aacutesia Nessa seccedilatildeo podem ser lidas

algumas breves descriccedilotildees e explicaccedilotildees latinas acerca do clima jaacute citadas haacute pouco e

os seguintes nomes

Monstras328

India Massagete Caspies Colci Seres Bactria Hircania

Armenia Parthia Media Persidia Carmania Caria Frigia Troia Pamphilia Hiberia

ldquoTigris fluuiusrdquo Mesopotamiam ldquoCharra ciuitas Abraherdquo ldquoAsia minorrdquo Isauria

ldquoCilicia ciuitas Thar(s)usrdquo Cappadocia Commagena Palestina Cesarea Sidon Tyrus

Assiria Calldea Babilon Evfrates ldquoArabia ibi est mons Syna id estrdquo Horeb

Ptholomais Philistea ldquoLibanus monsrdquo Madianite Iudea ldquoHebron ibi sepulltus est

Adam primusrdquo Galathia Nazareth Hierusalem Galilea Hiericho Egiptus Babilon

Syria Ascalia Iopen Alexandria ldquoTanakvisl fluuius maximusrdquo ldquoNilus flumen Egiptirdquo

Haacute uma grande riqueza de tradiccedilatildeo biacuteblica e claacutessica Os nomes listados incluem

natildeo apenas cidades e paiacuteses como Jerusaleacutem Babilocircnia e Troacuteia mas tambeacutem elementos

topograacuteficos e hidrograacuteficos Libanus mons ndash Montes Liacutebanos localizados ao norte da

Judeacuteia Tanakvisl fluuius maximus ndash o Don incluindo aqui o uacutenico nome em antigo

noacuterdico329

em tal seccedilatildeo do mapa

Os comentaacuterios inclusive permitem-nos ter vislumbres e suposiccedilotildees sobre a

natureza das discussotildees relativas ao conhecimento biacuteblico e claacutessico dos eruditos

islandeses a especificaccedilatildeo de Cilicia ciuitas Thar(s)us nos demonstra a preocupaccedilatildeo

do(s) autor(es) do mapa em especificar qual Tarsiacutes estaacute em questatildeo a Taacutersis-Tarso

local de nascimento do apoacutestolo Paulo proacutexima agrave regiatildeo da Cilicia ou a Taacutersis-

Tartessos dos feniacutecios localizada no estrito de Gibraltar para onde supostamente

rumava o profeta Jonas

328

Segundo Rafn nas Antiquiteacutes Russes vol II p392 ldquoMonstrosardquo 329

O rio Don ndash Tanais para os autores gregos Tanakvisl para os escandinavos

170

O nome ldquoBabilonrdquo eacute encontrado duas vezes no mapa Em uma delas estaacute na

regiatildeo na qual se espera encontraacute-lo numa lista que inclui Assiria Calldea Babilon e

Evfrates Na outra apariccedilatildeo no entanto estaacute colocado ao lado de Egiptus abaixo de

Hierusalem e acima de Nilus flumen Egipti Poderiacuteamos nos perguntar se porventura

antes de um erro natildeo se trata de uma interpretaccedilatildeo teoloacutegica envolvendo o simbolismo

de Babilocircnia como cidade da perdiccedilatildeo e mal conectando o ao Egito lugar do cativeiro

de Israel

Quanto ao folio 6r eacute preenchido na parte superior pela Aacutefrica e na inferior pela

Europa Enquanto a aacuterea da Aacutesia jaacute referida apresenta-se bastante completa com nomes

de locais retirados das tradiccedilotildees claacutessica e biacuteblica o mapa natildeo eacute tatildeo preciso nos

continentes restantes Na Europa a nomenclatura eacute razoavelmente precisa refletindo

bem a divisatildeo geograacutefica dos seacuteculos XII e XIII mas trazendo pouco detalhe sobre a

regiatildeo Baacuteltica e do proacuteprio norte da Europa o proacuteprio Mar Baacuteltico natildeo eacute citado Quanto

ao texto na Aacutefrica traz poucas localidades e precisatildeo os poucos nomes com um nuacutemero

relativamente grande de acontecimentos derivam tambeacutem da tradiccedilatildeo claacutessica

Segue a seguir uma transcriccedilatildeo do folio 6r que conteacutem os continentes da Aacutefrica

e Europa Encontra-se em itaacutelico os nomes cuja direccedilatildeo da escrita foi alterada ou

rotacionada para possibilitar a leitura em nosso meio de transmissatildeo As proporccedilotildees e

distacircncias entretanto foram mantidas com precisatildeo inclusive a divisatildeo das palavras em

linhas

171

Occidens vestr

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

AfRica EuRopa

Hic s(unt)

solitu- E

dines thi

o

inacces pia

sibiles

(et) arene

usque huc

Normannia

Brittannia

Vasconia

Galicia

Hispania

Tile Island

Libia prouincia

Affrice que est

circa Cirenen

Garamannia

Getulia ibi in-

fantes ludunt

serpentib(us)

Gaulo insula ibi

nec serpens nasci-

tur nec uiuit

Numidia

MauritanieIII

Med

iter

ran

um

Mar

e Ibernia

Anglia Scocia

Parmo

montes330

Gallia Frisia

Danmorc

Fra(n)cia] Saxonia

Germania

La(n)gobardia

Roma

Italia

Apulia

Constantinopolis

Tracia

Grecia

Norvegie

Gautland

Svithornioeth

Rvsia

Kio

Eronei331

Sparta

Scithia

frigida

Misia

Bia(r)ma(r)

habitavit hic

Pentapolis reacutegio

ibi sunt v urbes

Trogita prouincia

ibi in uenitur carbu(n)-

culus igneus (et) al-

ter exacontalit(us)LX

colorib(us) micans

Bizancena fruc-

tissima terra

Haacute poucas regiotildees que se referem ao mundo escandinavo No mundo atlacircntico

em aacutereas distintas encontramos TileIsland (Islacircndia) Ibernia (Hibernia - Irlanda)

Anglia Scotia (Inglaterra e Escoacutecia) Na Escandinaacutevia propriamente dita temos um

330

Para Karinglund o correto seria ldquoPireneusrdquo In Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague

Moslashller 1917s 331

ldquoNocircmadesrdquo

172

agrupamento de Norvegie (Noruega) Gautland (a regiatildeo meridional da Sueacutecia

Gotaland) Svithornioeth (nome para a Sueacutecia dos Svear a norte de Gotaland) com Rvsia

(Rus) enquanto que a Dinamarca (Danmorc) estaacute listada entre Frisia e Saxonia

A Biarmaland encontra-se separada com uma pequena descriccedilatildeo Bia(r)ma(r)

habitavit hic

No acircmbito da Ruacutessia temos poucos nomes Eronei significando ldquonocircmadesrdquo

Kio para Kiev e proacuteximo a uma Sparta temos Scithia frigida a ldquoCiacutetia friardquo A proacutepria

Constantinopla estaacute agrupada com cidades do Mediterracircneo e natildeo associada ao mundo

de Rus

Esta disposiccedilatildeo de localidades forma de organizaacute-la inclusotildees e omissotildees

permitem-nos traccedilar algumas conclusotildees sobre as pessoas envolvidas na produccedilatildeo do

mapa e mesmo em relaccedilatildeo a sua dataccedilatildeo

Em primeiro lugar o mapa eacute evidentemente um instrumento de instruccedilatildeo de

materializaccedilatildeo de conceitos ao inveacutes de um meio de localizaccedilatildeo A instruccedilatildeo no caso

refere-se ao conhecimento das tradiccedilotildees biacuteblica e claacutessica A profusatildeo de dados de

ambas as tradiccedilotildees eacute bastante evidente seja na meticulosa caracterizaccedilatildeo da Aacutesia ou na

livresca apresentaccedilatildeo africana

Natildeo haacute uma ecircnfase nas proacuteprias terras de origens escandinavas Conquanto haja

a divisatildeo sueca entre Gotaland e Svithornioeth a especificidade escandinava quase se encerra

por aiacute E o conhecimento sobre Escandinaacutevia e adjacecircncias demonstrado ali estaacute

entremeado de interpretaccedilotildees claacutessicas note-se que a Islacircndia eacute apresentada com o

nome de Tile (Thule) a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a

discussatildeo perdura ateacute os tempos contemporacircneos Jaacute-se teorizou sobre uma localizaccedilatildeo

exata sobre um conhecimento praacutetico de tal ilha identificando-a ora com a Islacircndia ora

com as Ilhas Britacircnicas ou como mera estoacuteria de um lugar fantaacutestico setentrional

cercado de monstros e gelo O autor do mapa no entanto identifica-o claramente com

sua proacutepria ilha

Quanto agrave Ruacutessia eacute notaacutevel estar listada conjuntamente com Noruega e Sueacutecia

em contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regiotildees germacircnicas continentais

Mas aqui tambeacutem haacute o influxo do saber biacuteblico-claacutessico a uma tradiccedilatildeo mais

especificamente escandinava e a identificaccedilatildeo de Scithia frigida remete-nos agrave esta

mistura de tradiccedilotildees e regiotildees ao lermos autores como Snorri que chamaram a Ruacutessia

ou a regiatildeo a norte do Mar Negro de Svithornioeth a ldquofriardquo ou a ldquogranderdquo

173

En norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda

Ao norte do Mar Negro se encontra Svithornioeth ldquoa granderdquo ou ldquoa friardquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01332

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

A terminologia para as regiotildees cardinais e a inserccedilatildeo das regiotildees escandinavas eacute

efetuada de forma tecircnue em tal mapa ldquoLesterdquo eacute identificado majoritariamente com a

Aacutesia agrave Europa (destarte agrave Escandinaacutevia) resta a inserccedilatildeo entre oeste e norte Natildeo se

pode encontrar nuances terminoloacutegicas e maneirismos do antigo noacuterdico em tal

terminologia Austrvegr e Garethariacuteki satildeo sequer mencionadas o Baacuteltico natildeo estaacute

retratado tampouco outros rios significativos da Rus com exceccedilatildeo do Don ndash que o eacute

pela sua relevacircncia no costume dos mapas T-O

Biarmaland tambeacutem estaacute dessa forma em um simples norte sem matizaccedilatildeo

sem as incorporaccedilotildees literaacuterias e conceituais sobre os Bjarmar ainda que contendo uma

inscriccedilatildeo Tal no entanto coloca-os em patamar similar agraves descriccedilotildees de outras partes

do mundo ldquoaqui habitavam os Bjarmarrdquo descriccedilatildeo distante do outro de um diverso

mundo de uma outra realidade

Em suma o conhecimento que se obteacutem da cartografia medieval escandinava

revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das

tradiccedilotildees ocidentais islacircmicas do que propriamente no conhecimento geograacutefico

especiacutefico escandinavo em particular no que toca ao leste Para discerni-lo mais

claramente teremos de nos centrar em outras modalidades de fontes metodologias e

recursos que eacute o que faremos a seguir

332

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04

174

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII

A regiatildeo da Ruacutessia europeacuteia era habitada por diversas populaccedilotildees de filiaccedilotildees

eacutetnicas e linguiacutesticas diversas no periacuteodo das expansotildees eslaacutevicas e escandinavas no

norte da Ruacutessia (seacuteculos VIII-IX) Os principais grupos autoacutectones da regiatildeo

vinculavam-se ao ramo Fino-uacutegrico da famiacutelia linguiacutestica Uralo-Altaica e ao subgrupo

baacuteltico da famiacutelia indo-europeacuteia

Atualmente grande parte desses grupos foi extinguida eou absorvida como o

antigo prussiano ou possui idiomas em estado de extinccedilatildeo como o Livio Vote Vepse e

o antigo curocircnio O nuacutemero de referecircncias nas fontes escritas eacute pequeno e por vezes a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica eacute controversa

Algumas das denominaccedilotildees empregadas nas fontes escritas modificaram-se ao

longo dos tempos assumindo conotaccedilotildees diferentes e mesmo indicando populaccedilotildees

diversas como o caso do termo ldquoEistlandrdquo Outras assumiram significados diversos de

cunho poliacutetico e mesmo nacionalista como no caso de PermiaBjarmaland Dessa

forma faz-se necessaacuterio um estudo mais detalhado do quadro etno-linguistico do

contexto de forma a se agregar contribuiccedilotildees dos estudos histoacutericos arqueoloacutegicos

antropoloacutegicos e linguiacutesticos

Ao tratar do leste fiacutesico geograacutefico bem como os povos que nele habitavam as

fontes escandinavas diferenciam as regiotildees de Austrvegr e Garethariacuteki (vide Mapa 01)

Por Austrvegr em um sentido mais estrito etno-geograacutefico ficavam

compreendidas as regiotildees de norte e leste do Mar Baacuteltico que atualmente incorporam a

Finlacircndia os Paiacuteses Baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) e a antiga regiatildeo da Pruacutessia

atualmente a regiatildeo administrativa russa de Kaliningrad

Garethariacuteki incorporava mais propriamente o territoacuterio da atual Ruacutessia europeia

Bieloruacutessia e Ucracircnia Nos seacuteculos XIII-XIV o significado de seu nome fica associado a

ldquoReino das cidadesrdquo devido ao grande nuacutemero de fortificaccedilotildees e paliccediladas com os quais

os escandinavos ali se deparavam Entretanto no periacuteodo viking a quantidade de

fortificaccedilotildees natildeo era significativa o que causa problemas interpretativos quanto agrave

origem do nome ao deparar-se com o mesmo (ou variantes) em estelas ruacutenicas do seacuteculo

XI

Bjarmaland eacute citada agrave parte e incorpora muito do fantaacutestico do desconhecido

do outro Eacute citada como parte do leste mas diferentemente das regiotildees de Austrvegr

natildeo se encaixa perfeitamente na mentalidade e nos costumes escandinavos Eacute a

175

incorporaccedilatildeo do outro a regiatildeo limiacutetrofe entre o conhecido e desconhecido o natural e

o sobrenatural o criacutevel e o fantaacutestico o dominado e o incontrolaacutevel Seus habitantes satildeo

sempre antagonistas que amiuacutede empregam magia e recursos sobrenaturais contra o

heroacutei ou personagem principal da narrativa Sua linguagem eacute incompreensiacutevel Seus

deuses estranhos e diferentes Em alguns casos particularmente na Gesta Danorum os

finni ldquofinlandesesrdquo satildeo com frequecircncia citados em conjunto com Bjarmaland

Haacute por volta de seis trabalhos em Antigo Noacuterdico contendo descriccedilotildees

geograacuteficas da Europa todas derivadas de duas redaccedilotildees principais de uma descriccedilatildeo

encontrada no capiacutetulo 4 do livro 14 das Etimologias de Isidoro A estas descriccedilotildees as

fontes acrescentam as localidades do mundo setentrional

A primeira redaccedilatildeo eacute encontrada na Heimslyacutesing encontrada no Hauksboacutek

(AM544) e escrita no seacuteculo XIII e na Upphaf A segunda redaccedilatildeo eacute representada pelo

Landafraedi e o Tocius orbis brevis discriptio No que toca agrave Europa de Norte e Leste a

Ǫrvar-Odds saga no capiacutetulo 30 apresenta uma listagem muito similar agrave da

Heimslyacutesing e inclusive mais completa que ela com a adiccedilatildeo de nomes encontrados

apenas na Upphaf333

A listagem apresentada na Ǫrvar-Odds saga natildeo possui pretensotildees

de um tratado geograacutefico antes apresenta uma listagem de exeacutercitos que veio em

suporte a KvillanusOumlgmundr o adversaacuterio de Oddr

Todas estas redaccedilotildees apresentam uma reelaboraccedilatildeo da jaacute reelaborada versatildeo de

Isidoro da genealogia biacuteblica conectando as cidades da Rus agrave genealogia de Noeacute via

seu filho Yaffet seguido de Magog

Quanto aos nomes das cidades da Rus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga

apresentam a mesma listagem e apresenta similaridade grande com a descriccedilatildeo

apresentada na proacutepria Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Vejamos a listagem das localidades

- Na Heimslyacutesing

ldquoHia Garethariki liggia lond thornessi

[a] Kirialir Refalir Tafeistaland

[b] Virland Eistland

[c] Lifland Kurl [and]

[d]

[e] Erml [and] Puacutelinaland334

rdquo

333

PRITSAK 520 529 334

Heimslyacutesing In Hauksboacutek AM 544 4deg f3v Ed JOacuteNSSON Finnur P 155

176

- Na Ǫrvar-Odds saga redaccedilatildeo AB335

ldquothornar var ok mikill herr af Kirjaacutelalandi ok Rafestalandi Refalandi

Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi Laacutenlandi Ermlandi

ok Puacutelinalandirdquo

Havia tambeacutem uma grande horda (vinda) de Kirjaacutelaland e

Rafestaland Refaland Virland Eistland Liacutefland Vitland Cuacuterland

Laacutenland Ermland e Puacutelinaland

(Ọrvar-Odds Saga 30 redaccedilatildeo AB Traduccedilatildeo nossa)336

Eacute importante ressaltar que os autores de tais fontes agrupam as localidades por

criteacuterios quase que estritamente geograacuteficos A despeito da relevacircncia da linguagem ao

se tratar da etnicidade no medievo as localidades em tais listas satildeo apresentadas em

agrupamentos regionais que por vezes conteacutem grupos etno-linguiacutesticos distintos mas

habitantes de regiotildees limiacutetrofes como por exemplo os kurs e os Livocircnios da Letocircnia

atual ndash por sua vez compreendidos nos grupos etno-linguiacutesticos balto-indo-europeu e

fino-uacutegrico

Descriccedilotildees sejam de cunho mais ldquofictiacuteciordquo na Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus seja de cunho mais croniacutestico como na Henrici Chronicon Livoniae

apresentam tambeacutem quadros interessantes das interaccedilotildees entre tais populaccedilotildees ndash

novamente de forma que natildeo se apega a criteacuterios etno-linguiacutesticos Saxo Grammaticus

ao apresentar a lista de povos do norte que combateram na Batalha de Bravalla junto de

Dinamarqueses de um lado ou Sueco do outro apresenta kurs e estonianos no campo

dos suecos e livocircnios no campo dinamarquecircs De forma bastante etnograacutefica no

entanto Saxo cita amiuacutede os Finni em conjunto com os Biarmi enfatizando diferenccedilas

peculiares em relaccedilatildeo aos escandinavos ndash como por exemplo o que ele descreve de

ldquonomadismordquo A Henrici Chronicon Livoniae narra sobre as alianccedilas entre kurs e

estonianos de Saarema

Feitas tais consideraccedilotildees fica a lembranccedila de que as categorizaccedilotildees etno-

linguiacutesticas contemporacircneas possuem caraacuteter instrutivo e didaacutetico mas natildeo devem ser

tomadas como fatores exclusivos ou dominantes na interpretaccedilatildeo das dinacircmicas sociais

do medievo

335

Acerca da Ǫrvar-Odds saga manuscritos e redaccedilotildees vide capiacutetulo 05 336

In RAFN CC (ed) Fornaldarsoumlgur Nordrlanda Vol II Kaupmannahoumlfn 1829 30 K p 294

177

321 Fino-uacutegricos

O termo de cunho etno-linguiacutestico ldquofino-uacutegricordquo refere-se aos grupos humanos

de uma das subdivisotildees da grande famiacutelia linguiacutestica Uraacutelica Sua expansatildeo geograacutefica

daacute-se por todo o norte Eusasiaacutetico e sua unidade com o grupo Altaico eacute objeto de

discussatildeo337

O ramo fino-uacutegrico possui duas grandes subdivisotildees fino-permiano e uacutegrico

que por sua vez subdividem-se ainda mais No recorte de interesse agraves relaccedilotildees

escandinavas e eslavas no medievo as populaccedilotildees fino-uacutegricas em questatildeo pertencem

ao subgrupo fiacutenico com suas divisotildees entre fino-baacuteltico e inclui diversas populaccedilotildees da

a) regiatildeo norte da atual Ruacutessia Europeacuteia muitos extintos ou em perigo de como os

Vepsi Voti Kareli b) regiatildeo baacuteltica incluindo as diversas tribos de finlandeses e

estonianos e os livonianos da Letocircnia) e proto-saami (que compreendem os Saami ndash

denominados popularmente como ldquolapotildeesrdquo)338

O grupo etno-linguiacutestico do ramo fino-uacutegrico da famiacutelia uralo-altaica pode ser

considerado como o mais proacuteximo que temos condiccedilatildeo de definir enquanto

ldquoautoacutectonesrdquo da Europa setentrional e Norte-oriental Os territoacuterios antigamente

habitados pelos mesmos eram muito extensos tendo sido grandemente reduzidos Parte

consideraacutevel de regiotildees habitadas antigamente por populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica eacute

atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos baltos e eslavos) e turcos

No contexto do Norte da Ruacutessia europeacuteia os grupos fino-uacutegricos de maior

destaque satildeo o ramo balto-finecircs Desses atualmente sobrevivem os livocircnios estonianos

finlandeses (dentro dos quais os kareli) e lapotildees (saami) No periacuteodo de escrita da

Poacuteviest vrieacutemennikh liet a regiatildeo entre o Golfo da Finlacircndia e o Mar Branco era

habitada por outros grupos aparentados entre si Vepsi Votes e Kareli

Os povos fino-uacutegricos referidos nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas satildeo

Na Finlacircndia

- Finnland Finnmark o nome que empregamos para a Finlacircndia propriamente dita

ldquoterra dos finnarrdquo traz uma peculiaridade com a significaccedilatildeo atual O termo ldquoFinnlandrdquo

pode ser empregado para a atual regiatildeo sul-ocidental da Finlacircndia Suomi em finlandecircs

337

MARCANTONIO Angela (org) The Uralic Language Family Facts Myths and Statistics

(Publications of the Philological Society) Oxford Wiley-Blackwell 2002 pp21ss 35ss 48ss 338

DEacuteCSY Gyula Einfuumlhrung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft Wiesbaden Otto

Harrassowitz 1965

178

Sumacute em antigo russo Eacute um termo encontrado nas estelas ruacutenicas G 319 e U 582339

Poreacutem ldquoFinnarrdquo eacute empregado geralmente nas sagas para os Saacuteami e natildeo para

finlandeses Samland a Lapocircnia eacute destarte referida como ldquoFinnmarkrdquo Em Saxo

Grammaticus Finnmarchia

Uma exceccedilatildeo parece ocorrer no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga quando em

um reide Oacutelaacutefr Haraldsson ataca Finnland o texto em prosa cita os Finnar mas a

poesia os Finnlendingar340

- Tafeistaland Rafestaland ldquoterra dos preguiccedilososrdquo341

Regiatildeo conhecida como a

proviacutencia da Tavastia na Finlacircndia de centro-sul Haumlme em finlandecircs e Yam em antigo

russo O termo eacute empregado na Ǫrvar-Odds saga (como Rafestaland) na Hemslyacutesing

p155 121 e na estela ruacutenica Gs 13

- Kirjaland Karelia Termo atestado na Heimslyacutesing (como Kirialir) na Ǫrvar-Odds

saga (Kirjalaland) Eacute possiacutevel que a estela U 180 refira-se a Vyborg da Karelia (Viipuri)

ou a Viborg da Jutland

- Baacutelagarethssiacuteetha Referecircncia rara parece se referir agrave costa sul da Finlacircndia rumo ao

Golfo da Finlacircndia342

Aparece no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga no capiacutetulo 119

da Njaacutels Saga e no capiacutetulo 07 da Haacutelfdanar Saga Eysteinssonar O que per se

consiste em distribuiccedilatildeo interessante por se tratar de trecircs gecircneros distintos de saga uma

Koumlnungasaga uma Iacuteslendigasaga e uma Fornaldarsaga

Na Estocircnia

A Estocircnia conteacutem quatro referecircncias certas mais duas duacutebias em inscriccedilotildees

ruacutenicas varegues bem como uma descriminaccedilatildeo terminoloacutegica bastante acurada Tal

circunstacircncia deve-se possivelmente agrave importacircncia da rota comercial passando pelo

Golfo da Finlacircndia e o norte da Estocircnia ndash a regiatildeo estoniana de Virumaa que inclui a

costa norte do paiacutes eacute a que possui maior referenciaccedilatildeo nas estelas ruacutenicas (trecircs

339

МЕЛЬНИКОВА 1976 201 ДЖАКСОН 340

AALTO Sirpa amp LAAKSO Ville Karelia Finland and Austrvegr In Aacute austrvega Saga and East

Scandinavia Preprint papers of The 14th

International Saga Conference Uppsala 2009 p07 341

PRITSAK 359 342

ZILMER Kristel Learning about Places and People Representations of Travelling Connections and

Communication situation in the Sagas of Icelanders In Sagas and Societies - Conference at Borgarnes

Iceland 2002 P 01

179

ocorrecircncias)

- Virland regiatildeo costeira setentrional estoniana Em estoniano Virumaa a regiatildeo pode

ser satisfatoriamente equacionada com a regiatildeo de Narva citada na Poacuteviest vrieacutemennikh

liet Referenciada nas estelas U 346 U 356 (conteacutem a mesma mensagem e foram

confeccionadas pelo mesmo artesatildeo) e U 533 bem como na Heymslyacutesing e na Ǫrvar-

Odds saga (30) Virumaa foi a regiatildeo estoniana com maior contato escandinavo no

periacuteodo viking devido agrave sua localizaccedilatildeo proacutexima ao Golfo da Finlacircndia que a colocava

diretamente no principal ramo do Austrvegr

- Rifaland Refaland termo que se refere agrave regiatildeo da Revalia sendo Reval o nome

medieval para a atual capital da Estocircnia Tallinn Eacute um termo natildeo encontrado nas

estelas ruacutenicas mas nas fontes medievais como de se esperar Encontra-se Refalir na

Heimslyacutesing e Rifaland na Ǫrvar-Odds saga (30)

- EistlandEstland Eistland eacute um termo geneacuterico para Estocircnia propriamente dita Deve-

se atentar para a circunstacircncia de que termo similar fora empregado em Taacutecito e na

traduccedilatildeo de Alfredo de Oroacutesio para a regiatildeo mais meridional e de caraacuteter etno-

linguiacutestico muito diverso da Pruacutessia Oriental (listadas no seacuteculo XIII nas regiotildees de

Samland e Ermland e nas fontes anglo-saxocircnicas tambeacutem como Witland seratildeo

discutidas adiante) O termo eacute encontrado amplamente nas fontes escandinavas

incluindo sagas as fontes geograacuteficas mencionadas (Ọrvar-Odds 30) os trabalhos de

cunho mais universal de Saxo e Snorri e na estela Vg 181 A estela U 439 possui o

termo ldquondashskalatrdquo interpretado como Aistland ou Serkland343

ndash interpretaccedilotildees bastante

diacutespares portanto344

Na Poacuteviest vrieacutemennikh liet os estonianos satildeo chamados de chud

Pritsak345

considera que as estelas U 446 e Souml 45 possuam referecircncias agrave Eistland

por meio do nome proacuteprio AEligist-fari ldquoo que viaja para os AEligistirdquo mas eacute interpretaccedilatildeo

duacutebia Poderiacuteamos sugerir o significado ldquoo que viaja para lesterdquo por exemplo

343

Serkland eacute termo que pode significar a regiatildeo aleacutem Volga no mundo muccedilulmano ou a regiatildeo os

Khazares agraves margens do Mar Caacutespio Como veremos no capiacutetulo 04 por vezes o nome eacute empregado para

Aacutefrica agrave medida em que se conecta com os islacircmicos 344

A interpretaccedilatildeo que ndashskalat eacute aistland eacute endossada por Melnikova (МЕЛЬНИКОВА 1977 201) Tal

estela faz parte das chamadas ldquoEstelas de Yngvarrrdquo seacuterie de estelas que referem-se agrave expediccedilatildeo de grande

alcance ao leste efetuada por Yngvarr que terminou em desastre nas proximidades do Caacutespio e que

iniciou-se no Baacuteltico Oriental Sua argumentaccedilatildeo centraliza-se na interpretaccedilatildeo de que a expediccedilatildeo de

Yngvarr partira da Estocircnia Omeljan PRITSAK (p362) considera tal interpretaccedilatildeo errocircnea 345

PRITSAK 362

180

Os estonianos possuem papel proeminente nas narrativas escandinavas

portando-se de forma muito similar aos proacuteprios vikings oriundos de tais regiotildees

travando comeacutercio e alianccedilas ou lutando com os mesmos Uma das elaboraccedilotildees mais

significativas envolvendo aos estonianos estaacute na Heimskringla (seacuteculo XIII) que

conteacutem a captura e escravidatildeo do ainda menino Olaf Tryggvason posteriormente Olaf I

da Noruega por vikings estonianos Vendido e criado como escravo por um estoniano

chamado de Klerkon passa nas matildeos de outros donos ateacute ser comprado por seu tio

Sigurethr Eiriksson e ser levado para crescer em Garethariacuteki

- Aethalsyacutesla e Eysyacutesla Aethalsyacutesla eacute um termo para aregiatildeo costeira ocidental estoniana

Eysyacutesla refere-se agrave a ilha estoniana de Saaremaa no Golfo de Riga346

Pritsak e

Melnikova (1977 201) consideram que a estela U 518 traga referecircncia agrave ela por meio de

ldquoisislurdquo O Rundata apresenta a mesma localidade enquanto a ilha de Selaoumln no lago

Malaren Sueacutecia Muitas das referecircncias literaacuterias aos estonianos satildeo feitas a estonianos

especiacuteficos de Saaremaa muitas vezes em conjunto com os baltos kurs

Saxo Grammaticus emprega o termo ldquoRotalardquo ao se referir agrave costa norte-ocidental

estoniana na altura de Haapsalu347

- Ruumlno Haacute uma possiacutevel referecircncia agrave ilha de Ruumlno no Golfo de Riga na estela Vs 22

mas a interpretaccedilatildeo eacute duacutebia e a estela bastante danificada348

- Lifland ndash normalmente listada juntamente com as regiotildees de etnicidade baacuteltica (kurir e

semgallir) habitantes da atual Letocircnia Refere-se aos Livocircnios que habitavam as

regiotildees setentrionais da Curlacircndia e da atual Letocircnia Atualmente consistem em minoria

eacutetnica no norte da proviacutencia de Kurzeme (Curlacircndia) na Letocircnia O termo eacute listado nas

estelas ruacutenicas U 698 Souml 38 e em muitas fontes escritas tradicionais incluindo a Gesta

Danorum de Saxo Gramaticus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga Na Poacuteviest

vrieacutemennikh liet satildeo listados como liv O maior conhecimento que se tem de seus

costumes se daacutepor meio da Chronicon Livoniae escrita no seacuteculo XIII por Henri da

346

MAumlGI 2011 194 FINLAY Alison amp FAULKES Anthony (trads) Heimskringla University College

London Viking Society for Northern Research 2011 Pp235 amp 240 347

FISCHER Peter On Translating Saxo In FRIIS-JENSEN Karsten (ed) Saxo Grammaticus a

Medieval Author between Norse and Latin Culture Museum Tusculanum Press Copenhagen1981 p62

CHRISTIANSEN 1997 111 348

МЕЛЬНИКОВА ЕА Скандинавские рунические надписи Тексты перевод коммент АН

СССР Ин-т истории СССР ndash Москва Наука 1977 206

181

Livocircnia ndash provavelmente um cleacuterigo germacircnico

- Domesnes Domesnaumls Tumisnis o cabo de Kolkasrags349

na atual Letocircnia localizado

agrave entrada do Golfo de Riga entre a costa letatilde e a ilha estoniana de Saaremaa eacute citado na

Souml 198 A regiatildeo de Kolka eacute ainda atualmente um dos uacuteltimos locais com residentes

livocircnios tratando-se de aacuterea protegida pelo governo letatildeo

322 Os Baltos

Atualmente apenas na Letocircnia e Lituacircnia bem como em colocircnias de tais etnias

em outros paiacuteses existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus A partir do

periacuteodo medieval os paiacuteses baacutelticos sofreram contiacutenua dominaccedilatildeo de potecircncias

estrangeiras em particular escandinavos germacircnicos e por fim eslavos possuindo seu

territoacuterio original drasticamente reduzido

O conhecimento de seu passado eacute fragmentaacuterio e ocupa pouco espaccedilo nos

estudos interessados em escandinaviacutestica e eslavos de leste havendo pouquiacutessimos

trabalhos acessiacuteveis a pesquisadores ocidentais a preencher tal lacuna Especificamente

temos apenas ldquoThe Baltsrdquo de Marija Gimbutas bem como uma parte consideraacutevel em

sua obra ldquoThe Bronze Age Europerdquo e ldquoForeword to the Past A Cultural History of the

Baltic Peoplerdquo de Endre Bojtar destinada ao toacutepico ldquoThe Baltsrdquo entretanto apesar de

empregado por acadecircmicos do Ocidente como manual eacute considerado ligeiramente

defasado em alguns aspectos arqueoloacutegicos por especialistas nos proacuteprios paiacuteses

baacutelticos em particular na Lituacircnia350

Trabalhos conjuntos entre acadecircmicos dos Paiacuteses Baacutelticos e da Escandinaacutevia tecircm

surgido entretanto aos poucos clarificando melhor a situaccedilatildeo em particular no campo

dos estudos arqueoloacutegicos e haacute um crescimento constante na produccedilatildeo de perioacutedicos

tambeacutem acessiacuteveis via internet providenciando melhor divulgaccedilatildeo e compreensatildeo de

contextos ateacute entatildeo natildeo estudados pelo meio acadecircmico brasileiro

As referecircncias nos autores claacutessicos aos povos baacutelticos satildeo muito poucas e a

identificaccedilatildeo eacutetnica dos mesmos natildeo eacute absoluta Gimbutas assume que os ldquoNeurirdquo de

Heroacutedoto seriam Baltos em seu ramo oriental351

mas a identificaccedilatildeo natildeo eacute inequiacutevoca

Os ldquoaestirdquo de Taacutecito entretanto satildeo considerados com maior consenso como

349

МЕЛЬНИКОВА 1977 200 350

BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste Central

European University Press 1999 [1997] p58 nota 18 351

GIMBUTAS Marija The Balts London Thames and Hudson 1963 pp97-102

182

populaccedilotildees baacutelticas ocidentais habitando a regiatildeo circundante da atual peniacutensula de

Kaliningrado e os territoacuterios da antiga Pruacutessia Oriental e sul da Curlacircndia

Os territoacuterios habitados pelos povos baacutelticos em seu ramo oriental estendiam-se

no passado ateacute as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav Tal hipoacutetese eacute

fundamentada na comparaccedilatildeo das culturas arqueoloacutegicas e em principal na anaacutelise de

topocircnimos feita por Buga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Ruacutessia Vasmer (em

1932) nos distritos de Smolensk Tver (Kalinin) Moscou e Chernigov e de Toporov e

Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper

O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstraraacute uma origem baacuteltica para

o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper oferecendo fortes evidecircncias para

uma ampla expansatildeo dos povos na antiguidade nas regiotildees das atuais Bielo-Ruacutessia e

Ruacutessia europeacuteia352

Endre Bojtar apontaraacute criacuteticas importantes agrave definiccedilatildeo territorial

com base nos hidrocircnimos Dentre elas a relatividade de um suposto ldquoconservadorismordquo

na manutenccedilatildeo dos nomes de rios353

Entretanto manteacutem a ideia da regiatildeo aproximada

de expansatildeo baacuteltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte (vide Mapa 08)

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica

Legenda

1 Nomes

baacutelticos

frequentes

2 Nomes

baacutelticos

infrequentes

3 Nomes

baacutelticos raros e

questionaacuteveis

Fonte BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste

Central European University Press 1999 [1997]p54

352

ТОПОРОВ ВН ТРУБАЧЕВ ОН 1962 353

BOJTAR 54

183

Barford defende a identificaccedilatildeo dos povos baltos com uma aacuterea aproximada das

Culturas arqueoloacutegicas Kievana no periacuteodo romano e Tumshmlya-Bansherovo

Kolochin e Balachino na primeira metade do seacuteculo VI AD354

Temos dessa forma uma regiatildeo hipoteacutetica (poreacutem consensual) de habitaccedilatildeo

baacuteltica que coincidia com a regiatildeo de florestas do norte europeu e circundando a regiatildeo

sul e oriental do Baacuteltico bordejando a oeste os povos germacircnicos a sul proto-eslavos e

povos das estepes e a norte e leste populaccedilotildees natildeo indo-europeacuteias de idiomas fino-

uacutegricos

Por conseguinte os povos baacutelticos foram particularmente afetados com as

expansotildees eslaacutevicas tanto dos eslavos de leste para o norte da Ruacutessia nos seacuteculos VIII e

IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram agraves costas baacutelticas no seacuteculo VI

As fontes escritas sugerem que nesse processo de expansatildeo eslaacutevica o ramo

baacuteltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste A referecircncia

nesse sentido eacute dada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet ao citar a resistecircncia dos povos

chamados de Galindoi que Gimbutas identifica como baltos aparentemente separados

de outros povos e de similaridade etno-linguiacutestica e que iriam migrar para a regiatildeo leste

das atuais Letocircnia e Lituacircnia Nota-se que entre as tribos prussianas do seacuteculo XIII a

regiatildeo mais limiacutetrofe e meridional era chamada de ldquoGalindardquo

A identificaccedilatildeo entre esses galindos e os das proximidades de Moscou natildeo eacute

totalmente inequiacutevoca A proacutepria etimologia do termo pode apresentar conclusotildees

diversas Termos baacutelticos similares (letatildeo ldquogalsrdquo lituano ldquogalasrdquo) possuem campo

semacircntico relativo a ldquofimrdquo ldquoteacuterminordquo e dessa forma eacute razoaacutevel pressupor que regiotildees

limiacutetrofes fronteiriccedilas ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia

Os grupos de relevacircncia especiacutefica no contexto de primoacuterdios da Rus satildeo

principalmente trecircs diversas tribos prussianas habitando as regiotildees da atual peniacutensula

de Kaliningrado as tribos lituanas dentre as quais incluem-se os samogiacutecios e as tribos

letatildes das quais destacam-se kurs zemgaacutelios e latgaacutelios

Conquanto as fontes russas e germacircnicas refiram-se com frequecircncia agraves tribos

lituanas as fontes escandinavas sejam de forma escrita tradicional ou na forma de

estelas ruacutenicas natildeo o fazem nunca antes enfatizando os kurs (kurir) e zemgaacutelios

(semgallir) com os quais travavam maior contato

354

BARFORD 394s ldquoMap Irdquo e ldquoMap IIrdquo

184

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII

Fonte GIMBUTAS Marija The Balts London thames and Hudson 1963 P23

A terminologia encontrada nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas para populaccedilotildees

baltas satildeo a seguinte

Na Letocircnia

Os povos habitantes no territoacuterio da atual Letocircnia satildeo referenciados em sete

inscriccedilotildees ruacutenicas dos varegues em adiccedilatildeo agraves fontes escritas Duas referecircncias aos

livocircnios (descritos juntamente aos povos fino-uacutegricos acima) quatro aos semgallir uma

agrave regiatildeo do Venta na Kurzeme e uma agrave entrada do Daugava Eacute o maior nuacutemero de

185

referecircncias em inscriccedilotildees ruacutenicas aos povos do baacuteltico principalmente aos semgallir

Vernadsky endossa a ideia de que a Rota comercial escandinava passando pelo

Daugava teria sido anterior agrave Rota pelo Golfo da Finlacircndia De fato os contatos

escandinavos em particular com a Kuacuterland satildeo atestados primeiramente na Vita

Anskarii escrita no seacuteculo IX mas datam de seacuteculos antes Entretanto os contatos com

as proacuteprias regiotildees estonianas aparentam ser igualmente antigos ainda que natildeo tatildeo

intensos

De qualquer forma as terras baltas e livocircnias foram as primeiras aacutereas de

interesse sueco no leste e propulsoras para os movimentos posteriores mais amplos Tal

circunstacircncia justifica o relativamente grande nuacutemero de referecircncias agrave regiatildeo da atual

Letocircnia Posteriormente a rota que passava o Daugava tornaria-se um ramo secundaacuterio

do Austrvegr em comparaccedilatildeo com agrave rota mais setentrional que cruzava o Golfo da

Finlacircndia mas sem perder de todo sua relevacircncia

Semgallir o povo da proviacutencia de Zemgale dos letotildees chamada Semigalia nas

fontes latinas Semgola na Poacuteviest vrieacutemennikh liet Os semgallir habitavam os

territoacuterios ao sul do Daugava etnograficamente categorizados dentre os baltos

orientais Seu idioma eacute um dos principais constituintes do letatildeo atual A

composiccedilatildeo de seu etocircnimo Zemgale indica a localizaccedilatildeo de uma terra de

fronteira ndash zeme ldquoterrardquo gals ndash ldquolimite fim fronteirardquo e pode sugerir tal

localizaccedilatildeo tanto como a regiatildeo fronteiriccedila aos liacutevios do norte como a tribo letatilde

mais meridional ainda que tais afirmativas sejam especulativas

A Chronicon Heinrici Livoniae escrita no seacuteculo XIII por um

eclesiaacutestico germacircnico narra os eventos do seacuteculo XII por ocasiatildeo da conquista

germacircnica da regiatildeo da Livocircnia Ali os semgallir aparecem como as uacuteltimas

populaccedilotildees a serem conquistadas e cristianizadas Alguns de seus costumes

(como a decapitaccedilatildeo de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao

cronista que dedica bastante espaccedilo aos mesmos mas as alianccedilas e

identificaccedilotildees eacutetnicas dos mesmos natildeo ficam claras Aparentemente pela

crocircnica as relaccedilotildees com os kurs eram amigaacuteveis diferentemente da situaccedilatildeo

com estonianos e lituanos mas o caraacuteter pontual de tais alianccedilas natildeo nos permite

consideraccedilotildees absolutas que elucidem em definitivo a etimologia

Satildeo citados nas estelas Souml 198 Souml 327 possuem uma referecircncia duacutebia

(proposta por Brate) na Souml 110 bem como em uma caixa de cobre encontrada

186

em Sigtuna (R 173)355

Apesar das referecircncias relativamente frequentes nas

inscriccedilotildees ruacutenicas as referecircncias escritas aos semgallir nas fontes tradicionais

satildeo mais raras Satildeo listados na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds saga (30) e apenas

citados duas vezes na Gesta Danorum nos livros 5 e 7 No uacuteltimo caso ambas

as referecircncias satildeo de passagem e ligadas agrave histoacuteria de Starkatherus sendo os

semgaacutelios citados em conjunto com outros povos do Baacuteltico (kurs e sembi na

primeira kurs e eesti na segunda) na primeira referecircncia os mesmos se revoltam

contra o domiacutenio danecircs e satildeo conquistados por Starkatherus A segunda eacute o

poema final do heroacutei no qual cita suas conquistas listando ali o episoacutedio

narrado anteriormente

Kuacuterland a regiatildeo de Kurzeme na atual Letocircnia e o ducado histoacuterico da

Curlacircndia possessatildeo nos tempos da Repuacuteblica Polaca-Lituana que chegou a

obter possessotildees coloniais na Gacircmbia e Caribe na Idade Moderna No periacuteodo

viking as regiotildees dos kurs possuiacuteam cinco divisotildees centralizadas em

fortificaccedilotildees (Pilsats Megova Duvzare Ceklis e Piemare) chegando ateacute a costa

norte da atual Lituacircnia

Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas kors na Poacuteviest vrieacutemennikh liet)

satildeo as populaccedilotildees - juntamente com os estonianos e bjarmar - mais citadas nas

fontes escritas escandinavas Suas referecircncias satildeo as mais longas e mesmo

factiacuteveis algumas delas memoraacuteveis como a descriccedilatildeo do cativeiro do skaldr

Egill Skalagriacutemsson na Egils saga escrita no seacuteculo XIII provavelmente por

Snorri Sturlusson Tambeacutem emblemaacutetica eacute a referecircncia jaacute citada bastante antiga

da Vita Anskarii de Rimbert escrita no seacuteculo IX que conta sobre um suposto

periacuteodo de domiacutenio dos suecos sobre os kurs

A Chronicon Henrici Livoniae traz informaccedilotildees sobre os kurs no seacuteculo

XII principalmente taacuteticas militares e costumes funeraacuterios dos mesmos por

ocasiatildeo de expediccedilotildees de ataques mariacutetimos aos cruzados e no cerco efetuado

por eles a Riga interrompido para o cumprimento da cremaccedilatildeo de seus mortos

Nos seacuteculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados agrave

estonianos de Saaremaa executando expediccedilotildees vikings pelo baacuteltico capturando

escravos e bens (incluindo sinos de igrejas principalmente na Sueacutecia)

355

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

187

Aparentemente ateacute entatildeo a julgar pelas referecircncias textuais possuiacuteram diversos

periacuteodos de domiacutenio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos

entremeados por revoltas e momentos de liberdade Em algumas ocasiotildees

aparentam ser parceiros de escandinavos seja em contatos comerciais ou

expediccedilotildees vikings

A categorizaccedilatildeo eacutetnica dos kurs do periacuteodo viking enquanto baltos natildeo

foi feita sem disputa De fato foi razoavelmente comum classificaacute-los enquanto

uma tribo fino-uacutegrica ideia que esporadicamente volta agrave tona principalmente da

parte de autores finlandeses e estonianos

Um dos argumentos mais fortes nesse sentido eacute o nuacutemero consideraacutevel

de termos de origem fino-uacutegrica que transparecem nos tratados do seacuteculo XIII

no idioma dos kurs como sua proacutepria denominaccedilatildeo ldquokurrdquo que pode significar

ldquogrourdquo nos idiomas fino-uacutegricos ldquokiligundenrdquo (regiatildeo administrativa) ldquomalevardquo

(unidade do exeacutercito) Esse niacutevel de argumento eacute usual em obras de

popularizaccedilatildeo cientiacutefica como do historiador amador Edgar Valter Saks356

Haacute argumentos considerados a niacutevel mais acadecircmico Um deles eacute a

denominaccedilatildeo ateacute o seacuteculo XIX da ilha estoniana de Saaremaa como ldquoKurasaarrdquo

ldquoIlha dos Kursrdquo Marika Maumlgi efetua um paralelo com a situaccedilatildeo na Estocircnia de

Saarema chamada de Eysyacutesla em contrapartida agrave costa Ocidental como

Adalsyacutesla357

Esta identificaccedilatildeo eacute aceita por poucos e deve ser considerada como uma

idiossincrasia a mais em categorizaccedilotildees e divisotildees eacutetnicas das populaccedilotildees (natildeo

apenas) do medievo De fato os kurs seratildeo uma das tribos constituintes dos

letotildees da Idade Moderna e Contemporacircnea o substrato e os cognatos fino-

uacutegricos na liacutengua letatilde adveacutem do idioma dos livocircnios natildeo da liacutengua dos kurs Em

adiccedilatildeo o istmo da Curocircnia entre a Pruacutessia Oriental e a Lituacircnia foi habitado ateacute

o seacuteculo XIX pelos Kursenieki descendentes dos antigos kurs e seu idioma era

claramente balto sendo que a discussatildeo mais seacuteria academicamente dividiu-se

no sentido de classificaacute-lo enquanto idioma balto oriental ligado ao letatildeo e ao

lituano ou ocidental ligado ao prussiano antigo358

Os siacutetios arqueoloacutegicos de Grobiņa (atual Letocircnia) e Apuole (atual

356

SAAKS Edgar Eesti viikingid 2005 pp 31-34 357

VUORELA 206 MAumlGI 2011 194 358

STONKUTĖ Loreta Kuršininkų tarmės lituanizmai In Studentu zinātniskās Konferences laquoAktuāli

baltistikas jautājumiraquo tēzes Latvijas Universitātes Filoloģijas fakultātes 2002 Pp43s

188

Lituacircnia) escavados por Birger Nerman na deacutecada de 1920 datildeo suporte agrave

relaccedilotildees antigas dos mesmos com a Escandinaacutevia principalmente os Svear e a

ilha de Gotland desde o seacuteculo VII359

Na Gesta Danorum de saxo Gramamaticus os kurs (ldquocuretesrdquo) satildeo

citados nos livros 123568911 e 14 incluindo episoacutedios relevantes como o

cativeiro de Hadingus no livro I e a batalha de Bravalla no livro 8

Eacute interessante notar que de forma contrastante com a relativa

abundacircncia de referecircncias nas fontes de ordem mais tradicional a uacutenica possiacutevel

referecircncia agrave terra dos kurs em estelas ruacutenicas encontra-se na G 135 e fala sobre

um homem morto em Vindau ndash Vendava No periacuteodo em questatildeo os kurs se

encontravam em processo de expansatildeo ao norte habitado por livocircnios e natildeo eacute

possiacutevel saber com exatidatildeo se a referecircncia ao Venta implicaria em alguma

relaccedilatildeo com os kurs ou com os livocircnios da Kurzeme

Na Antiga Pruacutessia

SaacutemlandLanland Ermland Vitland regiotildees da Pruacutessia Oriental tribos baltas

indo-europeacuteias A esta regiatildeo foi aplicado o termo ldquoAistlandrdquo por historiadores

da antiguidade (em particular na Germania de Taacutecito) e a versatildeo anglo-saxocircnica

de Oroacutesio feita por Alfredo bem como a viagem de Othere relatado tambeacutem por

Alfredo o que gera confusatildeo com a Eistland ndash Estocircnia de caraacuteter diverso

entretanto Quando as sagas e Snorri Sturlusson referem-se a ldquoestirdquo

normalmente o fazem tendo em mente estonianos

As correspondecircncias com topocircnimos baacutelticos satildeo Saacutemland ndash Semba

Ermland ndash Varme (Warmia) Marika Maumlgi argumenta por uma possiacutevel mistura

de terminologias eacutetnicas defendendo a possibilidade de que o uso de ldquoSamlandrdquo

possa por vezes implicar na Kurzeme360

mas trata-se de uma posiccedilatildeo bastante

isolada

A regiatildeo da Pruacutessia oriental continha algumas das maiores

concentraccedilotildees de depoacutesitos de dirheims do mundo islacircmico Noonan e Bogucki

defendem que habitantes das costas eslavas do baacuteltico bem como antigos

prussianos tenham sido os primeiros intermediaacuterios no comeacutercio de dirheims

359

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 360

MAumlGI 2011 194

189

entre os mundos islacircmico e escandinavo361

A regiatildeo abrigou um dos primeiros entrepostos comerciais do periacuteodo

viking a cidade de Truso Localizada no lago Druzno atualmente no local

encontra-se a cidade de ElbingElblag O local foi ativo como parte da rota do

acircmbar e no periacuteodo viking como localidade-chave na redistribuiccedilatildeo dos

dirhams vindos das regiotildees de leste tendo despertado o interesse escandinavo de

descobrir as regiotildees de proveniecircncia de tal prata e precipitado a proacutepria

expansatildeo escandinava na regiatildeo da posterior Rus

Haacute uma referecircncia agrave Samland em caracteres ruacutenicos na jaacute citada caixa

de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)362

ldquoWitlandrdquo eacute empregado na Ǫrvar-

Odds saga e na viagem de Othere relatada pela crocircnica de Alfredo (em inglecircs

antigo) As demais regiotildees satildeo citadas tambeacutem na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds

saga

Saxo Grammaticus cita-os como ldquosembirdquo nos livros 68910 e 11 Em

um dos poucos casos de constacircncia em sua narrativa em praticamente todas as

citaccedilotildees os sembi estatildeo em conjunto com os Kurs (em 4 das 5 citaccedilotildees

normalmente rebelando-se contra daneses) e em oposiccedilatildeo aos sclavi

Lituacircnia

A ausecircncia de referecircncias aos lituanos natildeo teraacute passado desapercebida ao leitor

mais atento e informado De fato as fontes escandinavas natildeo se referem aos mesmos

Esta ocorrecircncia explica-se pela ausecircncia de costa mariacutetima ndash ocupada pelos kurs

prussianos zemgaacutelios liacutevios e estonianos ndash mas tambeacutem pela natureza diversa de

contatos entre lituanos e seus povos vizinhos no periacuteodo viking

Diferentemente de seus vizinhos costeiros as diversas tribos lituanas tiveram

menor contato com a Escandinaacutevia e maior com Polocircnia as demais tribos baacutelticas e os

eslavos de leste Os contatos com o mundo escandinavo foram dessa forma

intermediados por seus vizinhos Os proacuteprios territoacuterios lituanos ficavam agrave margem das

grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinaacutevia agrave Euraacutesia e sua geografia

361

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361 362

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

190

abundante em florestas e pacircntanos certamente natildeo colaborou para a diminuiccedilatildeo de seu

isolamento

A despeito desse isolamento por ocasiatildeo das cruzadas setentrionais e a expansatildeo

germacircnica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia

forte e expansionista com a originalidade de manterem com suas crenccedilas pagatildes

ancestrais

O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasiatildeo da unificaccedilatildeo

das coroas polaca e lituana e na idade moderna a Polocircnia-Lituacircnia consistiraacute no estado

territorial mais extenso e muacuteltiplo da Europa

323 Baltos e Fino-Uacutegricos

A relaccedilatildeo entre baltos e fino-uacutegricos parece ter sido de particular influecircncia

muacutetua No campo da linguiacutestica os empreacutestimos e influecircncias satildeo extensos desde o

campo de terminologia de ferramentas e tecnologias ateacute de relaccedilotildees familiares363

Estudos dos Haplogrupos de DNA demonstram tambeacutem uma relaccedilatildeo particular

de miscigenaccedilatildeo de entre os habitantes da Letocircnia e Lituacircnia com os povos fino-uacutegricos

da Estocircnia e Finlacircndia em particular no predomiacutenio demonstrado do haplogrupo N do

cromossomo Y dominante entre as populaccedilotildees de etnicidade fino-uacutegrica ao lado do

haplogrupo R1a comum entre populaccedilotildees da Europa Setentrional (em particular na

Noruega) Oriental (com frequecircncias variando por volta de 50 de predomiacutenio entre

poloneses ucranianos bielorussos e russos) e das estepes364

Eacute razoaacutevel a suposiccedilatildeo de um nuacutecleo original populacional provavelmente

pequeno de fala indo-europeacuteia com afinidade geneacutetica com outras populaccedilotildees de

falares da mesma famiacutelia como eslavos e germanos que se difundiu rumo ao norte

interagindo e miscigenando-se com as populaccedilotildees locais

363

GIMBUTAS 33-36 364

LAITINEN Virpi LAHERMO Paumlivi SISTONEN Pertti SAVONTAUS Marja-Liisa Y-

Chromosomal Diversity Suggests that Baltic Males Share Common Finno-Ugric-Speaking Forefathers

In Human Heredity 2002 53 68ss

191

324 Bjaacutermaland

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539)

Traduzida frequentemente por Peacutermia ou Perm esta regiatildeo apresenta problemas

e discussotildees por deacutecadas no que tange sua localizaccedilatildeo e composiccedilatildeo eacutetnica As fontes

escandinavas de forma mais geneacuterica colocam-na na foz do Viacutena (o Dvina setentrional)

ou seja nas margens do Mar Branco

Olaus Magnus em sua ldquoDescriccedilatildeo dos povos Setentrionaisrdquo jaacute no seacuteculo XVI

afirma baseando-se explicitamente em Saxo a existecircncia de duas aacutereas em Bjarmaland

ldquoBiarmia ulteriorrdquo e ldquoBiarmia citeriorrdquo Em seu mapa a ldquoCarta Marinardquo (ver Mapa 4)

localiza uma soacute ldquoBiarmiardquo ao norte do que descreve como ldquoLacus Albardquo em regiatildeo que

192

pode ser identificada claramente com a Peniacutensula de Kola

Nota-se a compreensatildeo do Mar Branco como um lago acerca da qual eacute

interessante a observaccedilatildeo da regiatildeo em um mapa contemporacircneo

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico Do autor

A causa de dissensatildeo nesta identificaccedilatildeo eacute a circunstacircncia de que a regiatildeo natildeo

coincide com a ldquoGrande Peacutermiardquo da Ruacutessia mais ao leste e sul E em algumas das

Fornaldarsoumlgur o caminho para Bjarmaland eacute feito dirigindo-se para Austrvegr ou seja

pelo Baacuteltico Oriental

As colocaccedilotildees de Alan S C Ross em 1930 com adiccedilotildees em 1940 1978 e

1981365

(nesta uacuteltima data de Michael Chesnutt) permanecem ainda norteando a

abordagem da questatildeo O outro estudo mais amplo feito sobre a questatildeo eacute da pena de

Mervi Koskela Vasaru em 2009 e apesar de natildeo se referir ao uacuteltimo chega a

conclusotildees similares366

O debate assume ainda contornos mais complexos e apresenta

maiores discordacircncias com a entrada do quesito de etnia na discussatildeo

365

ROSS 1981 366

KOSKELA VASARU Mervi Bjarmaland Phd thesis University of Oulu 2009 ___________

Bjarmaland and Interaction in the North of Europe from the Viking Age until the Early Middle Ages In

Journal of Northern Studies Vol 06 N02 2012 Umearing

193

A viagem de Othere eacute a fonte mais antiga a referir-se aos Bjarmar Satildeo ali

chamados de Beormas e a descriccedilatildeo da viagem parece aplicar-se bem a populaccedilotildees que

residiam agraves margens do Mar Branco e como tais satildeo localizados na Carta magna de

Olaus Magnus

Uma seacuterie de sagas e fontes escandinavas vai referir-se a jornadas agrave Bjarmaland

Normalmente os seus habitantes satildeo antagonistas dos escandinavos e recorrem ao uso

de magia em suas batalhas Em particular Saxo Grammaticus e as fornaldarsoumlgur

colocam ecircnfase nos bjarmar enquanto antagonistas bem como na sua habilidade em

manipular o sobrenatural

Com sua ecircnfase especial no aspecto de narrativa de entretenimento e

incorporaccedilatildeo do fantaacutestico o aspecto maacutegico dos bjarmar eacute sempre salientado nestas

narrativas Um tipo especial de referecircncia eacute aquela na qual um personagem dos bjarmar

descende de um humano e de um ser sobrenatural (normalmente uma gigantea) Eacute

dessa maneira que eacute explicada a concepccedilatildeo de Ogmund necircmesis de Ọrvar-Oddsem sua

saga

Os bjarmar satildeo bons e gerais exemplos do ldquooutrordquo na narrativa escandinava A

Ǫrvar-Odds saga em sua forma longa traz como primeiro grande feito de Odd sua

viagem agrave Bjarmaland Aliaacutes Odd sempre seraacute lembrado em ocasiotildees posteriores da

narrativa como Odd ldquoo que foi ateacute Bjarmalandrdquo Ali ele demonstra a dificuldade de

compreensatildeo no campo linguiacutestico e de costumes Necessita de inteacuterprete da liacutengua dos

bjarmar que eacute colocada por meio da foacutermula ldquosemelhante ao barulho dos paacutessarosrdquo e

necessita de inteacuterprete dos proacuteprios costumes e haacutebitos dos homens ali

Sua divindade eacute chamada de ldquoJomalirdquo que eacute cognato com o termo fino-uacutegrico

para ldquodeusrdquo ldquoJumalrdquo e natildeo encontra ressonacircncia ou equivalecircncia no panteatildeo

escandinavo

Haacute duas formas de abordagem empregadas na definiccedilatildeo de quem satildeo os bjarmar

A mais comum procura sua identidade etno-linguistica Os indicativos para esta

definiccedilatildeo se baseiam nos paracircmetros geograacuteficos dados pelas fontes algumas

descriccedilotildees pontuais e esparsas de costumes e a referecircncia ao deus ldquoJomalirdquo

Esta referecircncia em particular feita duas vezes apenas daacute o argumento da filiaccedilatildeo

linguiacutestica fino-uacutegrica dos Bjarmar em conjunto com a evidecircncia mais tecircnue e

disputada da etimologia do proacuteprio nome perm

Segundo esta primeira abordagem existem quatro possibilidades eacutetnicas para os

194

Bjarmar

Lapotildees (saami) ndash satildeo os Finnar das fontes escandinavas citados haacute pouco

Segundo os argumentos de Vasmer (que se fundamentam basicamente no

campo da linguiacutestica e anaacutelise de topocircnimos eacute importante salientar) a

distribuiccedilatildeo antiga dos saami incluiria aacutereas ao sul do Mar Branco (incluindo a

foz do Dvina setentrional) e a aacuterea a nordeste do lago Onega Entretanto como

Ross salienta Othere descreve os Saami em sua viagem como os Terfinnas a

seguir passando para os Beormas os quais descreve como outras populaccedilotildees

Eacute pouco provaacutevel que o autor fosse descrever duas a mesma populaccedilatildeo

seguidamente por duas nomenclaturas diferentes e poderiacuteamos fazer facilmente

uso do mesmo argumento para a descriccedilatildeo dos saami como finnar nas fontes

escandinavas ou mesmo de frequentes ocasiccedilotildees aonde finnar e bjarmar satildeo

citados um proacuteximo ao outro Via de regra as fontes que descrevem a viagem agrave

Bjarmaland via o norte da Noruega descrevem primeiramente encontros com os

Finnar e posteriormente com os Bjarmar Um exemplo claro disto daacute-se na

proacutepria Ǫrvar-Odds saga e eacute circunstacircncia loacutegica ao considerar os habitantes de

norte da Noruega e peniacutensula de Kola os lapotildees pelos quais os viajantes

precisam passar antes de chegar ao Mar Branco

Outro argumento contra a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami eacute a

referecircncia ainda de Othere que os Beormas praticam agricultura e possuem

modo sedentaacuterio de vida Ainda que pontual eacute referecircncia significativa ao ser

feita em contraposiccedilatildeo a um modo nocircmade atribuiacutedo aos Terfinnas Finnar

Fica excluiacuteda portanto a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami

Komi

Os Komi satildeo os habitantes dos distritos russos aos quais se aplica o termo

ldquoGrande Peacutermiardquo e aonde a proacutepria cidade de Perm encontra-se Atualmente

distribuem nos governos de Vyatka Vologda Perm e Arkhangelsk Os Komi satildeo as

proacuteprias populaccedilotildees as quais o termo Perm eacute aplicado constituem com os Udmurt o

ramo Komi-Permyak da famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica Vasmer eacute o uacutenico

proponente de peso para esta identificaccedilatildeo Para ele os BjarmarBeormas seriam

Antigos Permianos (Zyrian-Komi) Ele apresenta evidecircncia toponiacutemica de uma

distribuiccedilatildeo mais ampla rumo a oeste e norte em tempos anteriores incluindo

territoacuterios que natildeo influem em nossa discussatildeo como Olonets Novgorod Vologda

195

Vyatka Perm Kazan e Kostroma O material dado referente agrave regiatildeo de

Arkhangelsk que engloba os distritos de Arkhangel Kholmogory Onega

Shenkursk Pinega Mezen e Pechora entretanto satildeo de interesse agrave nossa discussatildeo

O argumento principal colocado por Ross367

contraacuterio agrave identificaccedilatildeo de

Bjarmaland com os Perm entretanto eacute que sua expansatildeo rumo ao norte seria

posterior ao seacuteculo XI No seacuteculo em questatildeo os Komi ainda estariam unidos com

os Udmurt sob domiacutenio Buacutelgaro-Turco no periacuteodo chamado ldquoPermiano primitivordquo

Alguns argumentos secundaacuterios (e questionaacuteveis) apresentados em conjunto satildeo a

ausecircncia de material arqueoloacutegico de origem escandinava ou de imitaccedilatildeo

escandinava entre os Komi (argumento de Tallgren) a despeito da existecircncia de

coleccedilatildeo ampla e bem-catalogada de antiguidades permianas a natureza de cognatos

entre as liacutenguas komi e balto-fiacutenicas (particularmente careacutelio e vepse) sugere que

um possiacutevel contato entre as mesmas teria dado-se apenas em regiatildeo bem mais ao

sul do Mar Branco (argumento de Uotila) Othere descreve as liacutenguas dos Terfinnas

e Beormas como mutuamente inteligiacutevel ou muito semelhante

Por certo esse criteacuterio eacute bastante subjetivo o grau de semelhanccedila entre duas

liacutenguas fino-uacutegricas a um observador de fala germacircnica- indo-europeacuteia dificilmente

pode ser mensuraacutevel Entretanto eacute relevante destacar que dentre os subgrupos da

famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica a distacircncia entre o ramo komi-permiak e o saami eacute

significativa Jaacute o saami e o ramo balto-fiacutenico satildeo notoriamente proacuteximos e tal

distacircncia era consideravelmente menor haacute um milecircnio atraacutes Ao argumento soma-se

ainda a referecircncia ao deus Jomali ndash termo evidentemente Balto-fiacutenico e por fim o

argumento de que os Komi nunca habitaram a peniacutensula de Kola apoacutes o que Ross

chega agrave conclusatildeo de que os Komi natildeo podem ser os Bjarmar das fontes

escandinavas

O decorrer da histoacuteria russa assistiu o desenvolvimento de um principado de

Perm que nos seacuteculos X-XI pagaria tributos a Novgorod mas que no decorrer dos

seacuteculos XV-XVI e sua cristianizaccedilatildeo tornar-se-ia vassalo de Moscou tendo

desfrutado de relativa independecircncia ateacute o seacuteculo XV Movimentos nacionais

posteriores aos seacuteculos XIX incorporariam o imaginaacuterio de sua histoacuteria incluindo a

homocircnima Bjarmaland em construccedilotildees de identidades nacionalismos justificativas

e ideologias frente a um Impeacuterio Russo unificador e totalitaacuterio

367

ROSS 1981 54

196

Vots (ou vatja)

Sugestatildeo apresentada por Jaakola e desconsiderada de imediato por Ross368

jaacute

em 1940 Referidos na PVL como chudi no seacuteculo XIII habitavam as proximidades

de Novgorod e do Ladoga369

No periacuteodo entre-guerras sua populaccedilatildeo era proacutexima

apenas a um milhar de pessoas de distribuiccedilatildeo limitada aos arredores de Satildeo

Petersburgo (entatildeo Leningrado) Em 1956 contavam apenas com 25 pessoas370

No

censo de 2010 o nuacutemero de falantes aumentara para 68 indiviacuteduos371

Kareli o aspecto ocupacional

Esta eacute a opccedilatildeo de maior peso ao tentar se enquadrar os bjarmar em uma etnia

especiacutefica Entretanto esta hipoacutetese estaacute ligada a uma interpretaccedilatildeo mais ampla do

significado de etnicidade

A evidecircncia linguiacutestica e toponiacutemica incluindo discussotildees que incluem as fontes

primaacuterias russas aponta uma ocupaccedilatildeo de aacutereas da peniacutensula de Archangelsk e das

margens do Mar Branco ateacute o Dvina Setentrional pelos kareli372

De fato toda a

monografia jaacute citada acima ldquoThe Terfinnas and Beormas of Othererdquo de Alan Ross tem

como objetivo principal o demonstrar a identificaccedilatildeo dos Terfinnas com os Sami

(lapotildees) e os BeormasBjarmar com os kareli A identificaccedilatildeo entretanto foi colocada

em questionamento principalmente pela historiografia sovieacutetica pelas razotildees jaacute

apontadas acima da regiatildeo russa de Perm localizada mais a leste e sul do Mar Branco e

habitada pelos Komi

A soluccedilatildeo desse impasse requer uma anaacutelise mais cuidadosa associada a um

conceito de etnicidade mais amplo Esta abordagem da questatildeo eacute relativamente mais

recente mas tem conseguido um maior consenso

A identificaccedilatildeo dos Kareli do norte enquanto os Bjarmar associada com a

existecircncia posterior da regiatildeo de Perm dentre os Komi soacute pode ser conciliada

considerando o aspecto ocupacional do termo perem aspecto que Chestut373

designaria

como ldquoum modo de vidardquo

Perem deriva de uma raiz fino-uacutegrica e aplicar-se-a a mercadores peripateacuteticos e

368

ROSS 1981 55 369

VUORELA 146s 370

VUORELA 145 371

Ethnologue Obtido em lt httpwwwethnologuecomlanguagevotgt Uacuteltimo acesso em 11112014 372

ROSS 1981 56s 373

CHESTNUT 75

197

caccediladores estabelecidos mais ao sul e habituados a explorar os recursos das regiotildees

setentrionais que bordejavam o Mar Branco (em particular a obtenccedilatildeo de peles) bem

como seus moradores nocircmades e que natildeo apresentavam defesa organizada efetiva

Tal ideia que recebeu maior atenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo com a republicaccedilatildeo da

monografia de Ross com as atualizaccedilotildees de Chesnut baseia-se principalmente no

estudo de 1956 do finlandecircs Kustaa Vilkuna que analisou o uso do termo Permi

empregado por careacutelios operando em grupo de mercadores atraveacutes da Finlacircndia Sueacutecia

do norte e Finmark Tal designaccedilatildeo de grupo seria atestada ainda no seacuteculo XVI por

ocasiatildeo de problemas gerados por tais Permi ao governo sueco Encontraria um

exemplo paralelo de uso misturado de ocupaccedilatildeo eacutetnica com atividade profissional pela

acepccedilatildeo que o termo Saksa assumiu no finlandecircs de ldquoGermacircniardquo para ldquomercadorrdquo374

Uma questatildeo eacute inatacaacutevel o contexto do norte da Ruacutessia foi povoado por muitas

populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica de grau maior ou menor de semelhanccedila muacutetua e que

deixaram substratos consideraacuteveis no proacuteprio idioma e dialetos russos setentrionais375

Igualmente o campo de argumentos muito precisos com bases linguiacutesticas abre espaccedilo

para historicismo e cientificismo e deve ser utilizado com cuidado

Parece-nos mais adequada a suposiccedilatildeo mais largamente aceita

contemporaneamente de que as populaccedilotildees com as quais os escandinavos travavam

contato e que chamavam de bjarmar eram kareli em sua grande maioria e que a

denominaccedilatildeo derivou de fato de um aspecto ocupacional Isto natildeo gera uma contradiccedilatildeo

com a circunstacircncia de que os careacutelios em uma acepccedilatildeo que nos soa mais

marcadamente eacutetnica satildeo referidos como tais nas fontes escandinavas

Entretanto a natureza exclusiva desta etnicidade kareliana deve ser relativizada

e aberta num sentido de que certo amaacutelgama de populaccedilotildees fino-uacutegricas certamente

ocorreu na regiatildeo fechando a porta para especulaccedilotildees nacionalistas modernas

374

apud VILKUNA 649ss In CHESTNUT 78 375

SAARIKIVI Janne Substrata Uralica Studies on Finno-Ugrian Substrate in Northern Russian

Dialects Tartu Tartu University Press 2006

198

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA

Ateacute o presente ponto de nossa discussatildeo esperamos ter deixado claro que a

despeito da discussatildeo inflamada que esporadicamente ressurge na Ruacutessia e Ucracircnia

contemporacircneas sobre o papel Escandinavo em seus primoacuterdios esta mesma presenccedila eacute

confirmada por uma miriacuteade de fontes de diversas naturezas incluindo fontes escritas

de caacuterater tradicional e a Cultura Material esta uacuteltima por meio da anaacutelise numismaacutetica

e arqueoloacutegica incluindo aqui o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas pelo

territoacuterio do que eacute hoje entendido como Sueacutecia

Tambeacutem demonstramos que a teoria normanista ou algum de seus espectros

consiste na posiccedilatildeo acadecircmica preponderante no Ocidente exemplificando tambeacutem tal

circunstacircncia por meio da anaacutelise de Cultura Material mas esperamos natildeo ter incorrido

de forma radical em suas pressuposiccedilotildees salientando que a despeito do papel exercido

por escandinavos nos primeiros passos da Rus natildeo eacute possiacutevel se diminuir a criatividade

e influxo dos eslavos orientais em sua formaccedilatildeo

Dando prosseguimento a nossos propoacutesitos iniciais eacute mister analisarmos daqui

em diante de que formas tais movimentos ao leste produziram marcas na historiografia e

produccedilatildeo escrita escandinava no medievo nos seacuteculos imediatamente posteriores a tal

expansatildeo

Eacute esse objetivo que cumpriremos na seccedilatildeo a seguir Neste capiacutetulo discutiremos

de iniacutecio autores que se propuseram a escrever histoacuterias de grande escopo tentando

inserir suas naccedilotildees e povos em um contexto mais amplo mundial Para os mesmos o

leste assumiraacute nuances especiacuteficas e ideoloacutegicas que pretendemos demonstrar aqui Os

autores que se prestam a tal propoacutesito satildeo o islandecircs Snorri Sturlusson e o danecircs Saxo

Grammaticus

Em seguida observaremos uma manifestaccedilatildeo diversa da produccedilatildeo escrita que

ainda que se sirva das mesmas mateacuterias-primas - relatos orais tradiccedilotildees folcloacutericas e

conhecimento livresco - molda tais elementos com propoacutesitos e resultados distintos

Falamos aqui das Fornaldarsoumlgur em especial a Ọrvar-Odds Saga

Iniciaremos esta seccedilatildeo com uma apresentaccedilatildeo breve do contexto de produccedilatildeo

intelectual desenvolvido na Escandinaacutevia e Islacircndia do seacuteculo XIII procedendo de

imediato agrave anaacutelise das fontes primaacuterias

199

41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo

As deacutecadas de 1170 a 1230 concentram um periacuteodo de marcante aumento na

produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia continental e Islacircndia A despeito do aumento

consideraacutevel de contatos com outras naccedilotildees europeias incluindo as ilhas britacircnicas e o

continente que propiciaram modelos literaacuterios e a influecircncia do Cristianismo eacute

necessaacuteria a ecircnfase de que o aumento exponencial literaacuterio foi precedido por uma

tradiccedilatildeo oral fortemente consolidada acompanhada de aspectos culturais circundantes

que garantiam aos mantenedores de tal tradiccedilatildeo prestiacutegio e privileacutegios sociais376

-377

Aos principais responsaacuteveis por esta transmissatildeo de conhecimento e poesia

chamou-se de skaldar ldquoescaldosrdquo378

indiviacuteduos que improvisavam e compunham

poemas segundo intrincadas meacutetricas preacute-estabelecidas e empregos de motivos

mitoloacutegicos Tais homens foram amiuacutede personagens principais ou de destaque em

muitas Iacuteslendingasoumlgur algumas das quais receberam seus nomes como a Saga de

Kormak e a Saga de Egil

Como jaacute afirmado indiviacuteduos com tais habilidades dispunham de meios

suficientemente garantidos de prestiacutegio nos salotildees de jarls e reis encontrando honra e

suporte de seus liacutederes enquanto simultaneamente revestiam-se de importacircncia

fundamental na transmissatildeo do conhecimento sobre o passado A historiografia recente

tecircm demonstrado por meio de abordagens ligadas agrave outras ciecircncias sociais diversas

facetas de tal sistema que incluiacutea uma cultura de daacutedivas e trocas ndash os salotildees de chefes

e liacutederes que proviam bons presentes eram frequentados por melhores escaldos379

e

complexas formas de acuacutemulo e troca de capitais380

Tal produccedilatildeo intelectual e literaacuteria possui forma e objetivo diversificados

incluindo obras de menor porte como sagas de scaldos heroacuteis e famiacutelias sagas de

tempos legendaacuterios obras escritas no vernaacuteculo lidando com assuntos laicos e

regionais ateacute histoacuterias com maiores pretensotildees e trabalhos em molde cristatildeo incluindo

376

SAWYER ampSAWYER 2003 pp 219-224 230-238 377

WANNER Kevin Snorri Sturlusson and the Edda The Conversion of Cultural Capital in Medieval

Scandinavia University of Toronto Press 2008 378

ldquoSkaacuteldrrdquo significa ldquopoetardquo em antigo noacuterdico O termo eacute de iniacutecio geneacuterico para qualquer tipo de

poeta mas tornou-se de adoccedilatildeo especiacutefica para os que tratavam com a poesia ldquoescaacuteldicardquo encontrada nas

sagas e fontes islandesas antigas regida por regras e paracircmetros especiacuteficos SKAacuteLD WHALEY Diana

Edwards In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia (Garland

Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 379

WINROTH Anders The Conversion of Scandinavia Vikings Merchants and Missionaries in the

Remaking of Northern Europe Yale University Press New Haven amp London 2012 pp42s 380

WANNER Op cit

200

um espelho de priacutencipes (o Konungs skuggsjaacute composto na Noruega em antigo

noacuterdico) as obras histoacutericas de Snorri Sturlusson e Saxo Grammaticus ndash esta uacuteltima

escrita em latim

Na regiatildeo da Sueacutecia tal processo deu-se de forma diversa A despeito de natildeo ter

passado por tal ldquoflorescimento literaacuteriordquo nos seacuteculos XII e XIII os suecos produziram

um nuacutemero maior de crocircnicas e obras escritas na Idade Meacutedia tardia bem como em sua

transiccedilatildeo para o periacuteodo moderno Soma-se a sua situaccedilatildeo peculiar a jaacute discutida

disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas em grau natildeo equiparado na Dinamarca e Noruega

Nesses seacuteculos Escandinaacutevia e Islacircndia possuem consolidados ou em processo

avanccedilado de consolidaccedilatildeo um nuacutemero consideraacutevel de centros de produccedilatildeo intelectual e

erudita providos de livros capital humano ndash frequentemente provido de formaccedilatildeo em

centros no exterior principalmente Paris e Inglaterra - em adiccedilatildeo a formas ideoloacutegicas

cristatildes razoavelmente enraizadas

Lund na Dinamarca ndash atualmente na Sueacutecia - aglutinou erudiccedilatildeo em torno de

si primordialmente da parte de seus eclesiaacutesticos Alguns dos eruditos daneses de maior

destaque foram autores como Saxo Grammaticus (ca1150-1220) Sven Aggesen

(114050 - ) o proacuteprio arcebispo Absalatildeo (ca 1128-1202) e Anders (1167-1228) seu

sucessor no arcebispado de Lund O uacuteltimo citado por Saxo Grammaticus no Prefacio

da Gesta Danorum eacute descrito como algueacutem que estudara ldquoem Franccedila Itaacutelia e

Bretanhardquo Gunnar de Viborg (1152-1251) autor do Coacutedigo Legal da Jutacircndia primeira

legislaccedilatildeo escrita da Dinamarca eacute nome tambeacutem merecedor de destaque381

dentre outros

referidos por Arnold de Luumlbeck (morto 12111214) autor da Chronica Slavorum382

Rei Arcebispo

Eskil (ca1100-1181)

Valdemar I (1157-1182)

Absalatildeo (ca 1128-1202) Bispo em Roskilde 1158-1192

Arcebispo em Lund 1178-1202

Knut IV (1182-1202)

Valdemar II (1202-1241) Anders Sunesson (1167-1228) Arcebispo em Lund 1202-1228

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII Do autor

381

JANSEN amp HANSEN 02ss 382

DAVIDSON Commentary 11

201

Na Islacircndia destacavam-se natildeo apenas um mas diversos centros de saber as

escolas nas catedrais de Haukadalr Hoacutelar e Skaacutelholt merecem menccedilatildeo mas

principalmente Oddi o centro de erudiccedilatildeo mais consolidado no territoacuterio islandecircs e de

onde sairiam diversos bispos para Skaacutelholt

Dentre os oriundos de laacute podemos citar Saemundr Froacuteethi (1056-1133) o

ldquoestudadordquo o proacuteprio Joacuten Loftsson (1124-1197) que adotou Snorri como discutiremos

mais adiante seu filho Paacutel Jonsson (1155-1211) bispo em Skaacutelholt anteriormente

estudante em Londres aonde adquirira ldquogrande saberrdquo segundo a Byskupa soumlgur383

Satildeo Thorlaacutekr (1133-1193) tambeacutem bispo em Skaacutelholt estudara em Paris e Londres

dentre outros eruditos

Foi o ambiente de Oddi que propiciou a Snorri Sturlusson o conhecimento e

meios necessaacuterios para sua grande produccedilatildeo escrita ainda que e debata sobre a natureza

do que exatamente era ensinado ali

Em Haukadalr estudara Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi (1067-1148) autor do

Iacuteslendigaboacutek que narra a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e provavelmente do Primeiro tratado

Gramaacutetico (ca 1160) Houve uma atribuiccedilatildeo de sua autoria agrave proacutepria Heimskringla que

natildeo eacute aceite pelos acadecircmicos e que seraacute comentada mais adiante

O processo de adequaccedilatildeo e inserccedilatildeo da erudiccedilatildeo escandinava no meio europeu

ocidental foi marcado pela produccedilatildeo de consideraacutevel quantidade de material a lidar com

periacuteodos recuados nos tempos pagatildeos da Escandinaacutevia As formas de se lidar com tal

passado pagatildeo foram muacuteltiplas e variadas

Na Islacircndia as sagas apresentam-no de maneira soacutebria croniacutestica

desapaixonada e bastante pessoal Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson ao

escreverem obras de maior abrangecircncia inseriram tal passado em uma linha mais

ampla conectiva dos tempos pagatildeos ancestrais ao presente cristatildeo

Tradicionalmente e mesmo dentre muitos autores contemporacircneos considera-

se tal contexto como um momento de estiacutemulo ao antiquarismo de tentativa de resgate

de tradiccedilotildees e imaginaacuterios que corriam o risco de serem suplantados e esquecidos

frente ao fortalecimento da tradiccedilatildeo cristatilde

Esta interpretaccedilatildeo vem sido problematizada de forma diversa em tempos mais

recentes em obras como ldquoSnorri Sturluson and the Eddardquo de Kevin Wanner O autor

apresenta o emprego do passado das formas poeacuteticas e dos mitos antigos como formas

383

Byskupa soumlgur 1948 I 263

202

de ganho e preservaccedilatildeo de capital cultural ndash assumindo por completo as acepccedilotildees de

Bordieu - diante de um contexto cada vez mais internacionalizado no qual os salotildees e

cortes enchiam-se de formas poeacuteticas estrangeiras

Nesse contexto a compreensatildeo e apreciaccedilatildeo dos versos escaacuteldicos era limitada

a poucas pessoas e consequentemente o prestiacutegio influecircncia e alcance do proacuteprio

Snorri era diminuiacutedo em medida proporcional agrave grande capacidade e conhecimento

demonstrados pelo mesmo nas formas de composiccedilatildeo antigas384

A despeito da maior relevacircncia e significado das obras de Saxo Grammaticus e

Snorri Sturlusson tais autores natildeo foram os uacutenicos tampouco primeiros a escreverem

histoacuterias (ou tentativas de) de suas naccedilotildees

Na Dinamarca foram escritas histoacuterias crocircnicas ou obras de tal caraacuteter antes de

Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum Por exemplo a Gesta Suenomagni regis et

filiorum eius et passio gloriosissimi Canuti regis et martyris que apesar de ter sido

escrita pelo monge inglecircs AEliglnoth em 1120 tratava da vida de S Knut e seus irmatildeos

Se tomarmos em consideraccedilatildeo um escopo e interesses mais amplos a

Chronicon Roskildense consiste na primeira obra que pode receber a nomenclatura de

uma ldquohistoacuteriardquo danesa tendo sido escrita nas proximidades de 1140

Entre 1170 a 1220 encontramos natildeo apenas a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus mas tambeacutem trecircs obras da autoria de Sven Aggesen385

um tratado legal

uma histoacuteria poliacutetica e uma linhagem reacutegia386

De forma similar agraves circunstacircncias envolvendo a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus natildeo se sabe o nome exato da histoacuteria escrita por Sven Aggesen O tiacutetulo

Compendiosa regum daniae historiae ldquoHistoacuteria resumida dos reis da Dinamarcardquo eacute

encontrado no texto editado por Stephanius em 1642

Christensen em sua traduccedilatildeo de 1992 para a Viking Society foi Northern

Research adota-o e o traduz como ldquoA short history of the kings of Denmarkrdquo Como tais

tiacutetulos evocam trata-se de uma histoacuteria bastante breve ainda mais se comparada agrave

extensatildeo da Gesta Danorum ndash na qual provavelmente se baseou em algumas de suas

partes iniciais387

O casal Sawyer apresenta uma divisatildeo didaacutetica das obras escandinavas

agrupando autores segundo ideologias poliacuteticas Sven Aggesen (na Dinamarca) e a

384

WANNER 2008 385

SAWYER amp SAWYER 2003 221 386

CHRISTIANSEN 1992 04 387

CHRISTIANSEN 1992 22

203

Sverris saga (na Noruega) defenderiam ideais poliacuteticos teocraacuteticos de forma contraacuteria agrave

Gesta de Saxo Grammaticus (Dinamarca) e Theodoricus na Noruega que defenderiam

ideais da proacutepria Reforma gregoriana e em suporte agrave primazia da Igreja Por sua vez o

islandecircs Snorri traduziria bem a voz da aristocracia

Estas diferenccedilas de concepccedilotildees poliacuteticas estariam ligadas agraves proveniecircncias dos

autores ou aos nuacutecleos de poder aos quais os mesmos estariam ligados Snorri adveacutem

de um contexto islandecircs no qual o conflito entre a tentativa do rei da Noruega em

concentrar poder e restringir a autonomia dos islandeses bate de frente com as proacuteprias

tentativas de maior autonomia dos chefes locais da Islacircndia Na Dinamarca Saxo

Grammaticus estava diretamente sob comissatildeo dos arcebispos de tradiccedilatildeo reformada na

igreja danesa Absalatildeo e Anders Sunesson jaacute Sven Aggesen fora oriundo da famiacutelia

Thurgot da Jutlacircndia tradicional defensora dos privileacutegios do rei em relaccedilatildeo agrave Igreja

Ora eacute necessaacuterio cuidado na confecccedilatildeo de correspondecircncias uniacutevocas tatildeo

claras e simples Tomemos o caso especiacutefico de Sven Aggesen Querelas familiares natildeo

consistem em contexto algum em processos simples e uniacutevocos O simples

pertencimento agrave famiacutelia dos Thrugut natildeo define necessariamente a posiccedilatildeo poliacutetica de

Sven

Destaquemos o oacutebvio a defesa de uma concepccedilatildeo teocraacutetica agrave medida em que

defende o rei enquanto enviado agrave Terra reforccedila o seu poder e autonomia em relaccedilatildeo a

Igreja e o coloca em posiccedilatildeo igual ou superior agrave ela consistindo em contradiccedilatildeo com as

ideias da reforma e os preceitos resumidos no Dictatus papae que defendem

exatamente inverso e um poder mais concentrado na matildeo dos religiosos

Os Thugut e Sven Aggesen supostamente comungam de tal posiccedilatildeo teocraacutetica

Ora da mesma famiacutelia saiacutera anteriormente Eskil O arcebispo reformador

escandinavo Devemos salientar que as memoacuterias do arcebispo escritas em seu exiacutelio

em Clairvaux sugerem que ele natildeo se encontrava exatamente em bons termos com seu

irmatildeo Aggi (pai de Sven) e suas posiccedilotildees poliacuteticas e religiosas podem explicar parte

consideraacutevel de tal mal-estar

Em suma correspondecircncias simples satildeo uacuteteis mas perigosas Podem explicar

mas podem esconder e eacute necessaacuterio um olhar mais cuidados e aprofundado caso a caso

Retornemos agrave difusatildeo de obras escritas Ainda Peter e Birgit Sawyer388

explicam esta concentraccedilatildeo de escritos como reflexo da consolidaccedilatildeo do poder real

388

SAWYER amp SAWYER 2003 230

204

norueguecircs e danecircs a escrita histoacuterica consistiria nesses casos de um ldquosintoma de criserdquo

das antigas estruturas e uma necessidade de fixaccedilatildeo escrita do que se perdia O estiacutemulo

inicial fora a necessidade de legitimaccedilatildeo do poder real apoacutes periacuteodos longos e

turbulentos de guerra civil

Tal descriccedilatildeo tambeacutem conteacutem um elemento simplificante da situaccedilatildeo ainda

que razoavelmente fundamento e a questionaremos adiante Em suas linhas gerais no

entanto esta estrutura explicativa provecirc razotildees compreensiacuteveis para a diminuiccedilatildeo da

escrita de cunho histoacuterico na Dinamarca apoacutes a deacutecada de 1230 No contexto

subsequente jaacute teraacute ocorrido uma consolidaccedilatildeo mais efetiva do poder real associado a

consequentes mudanccedilas nas estruturas sociais e de poder que incluiacuteram fortalecimento

da Igreja e da aristocracia em conjunto com a realexa

Destarte eacute tambeacutem possiacutevel encarar a explosatildeo de manifestaccedilotildees escritas

enquanto respostas distintas e de matizes diversas apresentadas por igualmente diversos

extratos e grupos sociais agraves demandas das mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas ocorridas em seu

tempo

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa

421 Histoacuterico389

Snorri eacute indubitavelmente o autor mais proliacutefico e influente do qual se possui

autoria confirmada no contexto escandinavo A Sturlunga Saga detalha boa parte de sua

vida passando um retrato de uma existecircncia rica atribulada ambiacutegua e

interessantemente similar agraves narrativas que ele proacuteprio escreveu

Sturla THORNoŕetharsson ------ Guethnyacute Boumlethvardoacutettir

THORNoŕethr Sighvaacutetr Snorri

Boumlethvar Sturla Oacuteraeligkja

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson Do autor

389

As informaccedilotildees acerca de Snorri Sturlusson podem ser encontradas na Sturlunga Saga uma coleccedilatildeo

de vaacuterias sagas de autorias diversas efetuada no seacuteculo XIII A tiacutetulo de praticidade empregaremos aqui

MAGNUSSON Magnus amp PAacuteLSSON Hermann (trads) King Haraldrsquos saga Harald Hardradi of

Norway ndash from Snorri Sturluson Translated with an introduction by Magnus Magnusson and Hermann

Paacutelsson New York Dorset Press 1986Pp 15-19

205

Snorri nasceu em Hvamm localizada no oeste da Islacircndia em 1179 da famiacutelia

dos Sturlungar filho de Sturla THORNoŕetharsson e Guethnyacute Boumlethvardoacutettir Dentre seus ancestrais

tanto da linhagem paterna quanto materna constam nomes proeminentes da histoacuteria

islandesa como Snorri ldquoo sacerdoterdquo sobre o qual se pode ler na Harald Saga

Gudmund ldquoo poderosordquo personagem de destaque na Njals saga Egil Skalagrimsson

escaldo de grande fama que daria seu nome agrave Egils saga e Markus Skeggjason poeta e

legislador do Althorningr390

(morto em 1107)

Snorri foi criado pelo aristocrata Joacuten Loftsson (1124-1197) na escola de

Saemundr Froacuteethi (Saemundr ldquoo estudadordquo) em Oddi ndash como demonstrado pouco acima

centro de maior destaque intelectual na Islacircndia de entatildeo e local que propiciaria a ele

acesso a toda tradiccedilatildeo histoacuterica e literaacuteria disponiacutevel a um islandecircs do seacuteculo XIII

Joacuten Loftsson foi neto do rei Magnus III ldquoo descalccedilordquo (berfœtt) da Noruega por

parte de sua matildee Thora filha ilegiacutetima do mesmo e foi criado na Noruega Os homens

de Oddi orgulhavam-se de seus viacutenculos com as dinastias reais norueguesas a ponto de

em 1190 uma eulogia ser composta em homenagem a Joacuten ligando sua linhagem agrave casa

real norueguesa desde Halfdan o negro

Em suma Snorri cresceu em um ambiente de simpatia ao rei da Noruega e que

lhe provia grandes estiacutemulos e possibilidades intelectuais

Sua adoccedilatildeo deu-se como forma de resolver um feudo entre seu pai Sturla e Joacuten

consistindo em acordo particularmente vantajoso para Sturla que possuiacutea menor

influecircncia e poder Sem tal situaccedilatildeo dificilmente Snorri teria tido acesso ao saber que

acumulou e sistematizou no decorrer dos anos

Entre 1197 e 1215 Snorri acumulou terras riquezas e influecircncia em diversas

regiotildees da Islacircndia Em 1215 aos 36 anos de idade foi eleito legislador do Althorningr em

grande parte devido agrave sua jaacute desenvolvida fama como poeta Ateacute entatildeo Snorri

desenvolve particularmente a chamada ldquopoesia de corterdquo cultivada pelos islandeses nas

cortes reais escandinavas com meacutetricas intrincadas poreacutem jaacute em seu periacuteodo final

Passa trecircs anos nesta posiccedilatildeo e eacute nesse periacuteodo que sua trajetoacuteria poliacutetica seraacute

intensificada e entrelaccedilada com as disputas de poder no processo centralizador real na

Noruega e Islacircndia

390

Espeacutecies de reuniotildees ajuntamentos ou assembleias formadas por homens livres de caraacuteter

principalmente juriacutedico e legislativo e comuns entre os povos de origem germana Os thorningi definiam a

aplicaccedilatildeo das leis banimento de criminosos mas foi por exemplo um thorningr que votou a adoccedilatildeo do

Cristianismo na Islacircndia quando se reuniu (circunstacircncia natildeo tatildeo comum) um THORNingr geral ou AlTHORNingr

ALTHORNINGI BYOCK Jesse In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia

(Garland Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 p10

206

Em 1218 viaja para a Noruega a convite do rei Haacutekon Haacutekonarsson (entatildeo com

10 anos de idade) e seu regente Jarl Skuli No ano seguinte viaja agrave Sueacutecia sendo bem

recebido na corte de outro Jarl desta feita Jarl Hakon ldquoo loucordquo - para o qual Snorri jaacute

compusera anteriormente um poema que lhe rendeu generosos presentes Nesta ocasiatildeo

Snorri comporaacute outro poema nomead Andvaka em honra agrave viuacuteva do mesmo

Estabeleceraacute tambeacutem contato com o legislador Eskil Magnusson e sua esposa Kristina

Nilsdottir Blake circunstacircncias provaacuteveis nas quais Snorri tenha informado-se mais

detalhadamente sobre a histoacuteria sueca

Os regentes noruegueses intitulam Snorri como skutilsvein um tiacutetulo similar ao

de cavaleiro Tal movimento tem caraacuteter poliacutetico bem inserido nas estrateacutegias de

extensatildeo da autoridade real norueguesa agrave Islacircndia aproveitando-se da posiccedilatildeo-chave de

Snorri junto ao Althorniacutengr

Snorri retorna agrave Islacircndia em 1220 Em agradecimento aos seus patronos

noruegueses compotildee o poema Haacutettatal (ldquolista de meacutetricasrdquo) composto de 102 estrofes

nas quais ele ilustra as diversas meacutetricas da poesia escaacuteldica e com o qual encerra a

Edda menor Em 1222 eacute novamente feito legislador do Althorniacutengr posiccedilatildeo na qual

permanece ateacute 1231

Eacute significativo notar que ateacute entatildeo Snorri eacute visto por seus proacuteprios familiares

como defensor e simpatizante da monarquia posiccedilatildeo que lhe rendeu uma seacuterie de

conflitos Esta posiccedilatildeo deve ser levada em consideraccedilatildeo na leitura de anaacutelise que como

referimo-nos anteriormente classificam simplisticamente Snorri como um porta-voz da

aristocracia islandesa

As disputas poliacuteticas entre alguns goethar na Islacircndia e entre os proacuteprios

Sturlungar acentuam-se entre os anos de 1222 a 1231 Ocorre uma cisatildeo entre os

Sturlungar de um lado cooca-se Sighvatr irmatildeo de Snorri com seu filho Sturla em

oposiccedilatildeo a Snorri com seu sobrinho da parte de THORNoŕethr Boumlethvar

Supotildee-se que Snorri tenha escrito a Heimskringla nos anos proacuteximos a 1230

Em 1232 ele natildeo mais eacute legislador do Althorniacutengr O rei Haacutekon da Noruega convida os

goethar da Islacircndia a irem para a Noruega para supostamente mediar suas disputas

Snorri retorna agrave Noruega em 1237 mas comete um erro poliacutetico e ao inveacutes de

apoiar ao rei Haacutekon julga que seria mais proveitosa uma alianccedila com jarl Skuli Nos

anos seguintes Snorri retorna agrave Islacircndia (1239) em meio a uma intensificaccedilatildeo de

conflitos principalmente com Gissur THORNorvaldsson enquanto na Noruega o rei Haacutekon

ocupa-se em seus proacuteprios conflitos com jarl Skuli

207

Skuli eacute morto em 1240 Quanto a Snorri seria morto em sua proacutepria residecircncia

em Reykholt por Arni ldquoBeiskurrdquo em 1241 A uniatildeo da Islacircndia com a Noruega seraacute

ratifica pelo Althorniacutengr apenas em 1262 apoacutes a continuidade de disputas tanto interinas

quanto com a Noruega

As obras de Snorri consistem na Edda menor talvez a Egil saga391

e a

Heimskringla Eacute de nosso interesse a anaacutelise de partes especiacuteficas da Edda menor e da

Heimskringla que eacute o que faremos a seguir

422 A Heimskringla

Trata-se de uma coletacircnea de sagas que apresentam os reis da Noruega

precedidas por um iniacutecio evemerista se inicia com a dinastia miacutetico-fundadora dos

Ynglingar traccedilando uma linha contiacutenua de Oacuteethinn ateacute Magnus Erligsson morto em

1184 Possui caraacuteter eminentemente histoacuterico e narrativo numa busca de harmonizar as

tradiccedilotildees miacuteticas com a sequecircncia croniacutestica de reis histoacuterica propriamente dita

O nome significa literalmente ldquociacuterculo do mundordquo Satildeo as duas primeiras

palavras do texto ldquoKringla heimsinsrdquo e passaram a ser usadas como tiacutetulo da obra a

partir do seacuteculo XVII A principal caracteriacutestica da Heimskringla eacute o sequenciamento de

uma seacuterie de sagas em uma uacutenica obra coerente linear e podemos acrescentar

ambiciosa

O manuscrito mais antigo da obra eacute chamado de ldquoKringlardquo (Lbs fragm 82) que

data de ca 1258-1264 Restou apenas uma folha mas o mesmo foi copiado por Aacutesgeir

Joacutensson no seacuteculo XVII Trata-se do manuscrito no qual a maior parte das ediccedilotildees se

baseiam Outros manuscritos incompletos satildeo o AM 39 fol (ca 1300) e o Codex

Frisianus (AM 45 fol ca 1300-1325) ndash tambeacutem chamado de Friacutessboacutek Ambos bastante

similares ao Kringla392

Em relaccedilatildeo agrave sua autoria natildeo haacute referecircncia expliacutecita no texto ou nos

manuscritos existentes A autoria de Snorri foi creditada em 1551 na traduccedilatildeo para o

dinamarquecircs feita por Peder Claussoslashn Friis e Laurents Hanssoslashn e tecircm-se aceito a ideia

391

A atribuiccedilatildeo da autoria da Egils Saga Skalagriacutemssonar agrave Snorri Sturlusson foi proposta por Gruntvig

primeiramente em 1818 em sua traduccedilatildeo da Heimskringla mas ganhou forccedila apoacutes a traduccedilatildeo de Sigurethur

Nordal em 1933 Natildeo eacute aceite de forma plena e consensual Diversos autores dentre eles CORMACK

(2001) e BOULHOSA (2005) questionam-na em discussatildeo similar agrave proacutepria discussatildeo sobre a atoria da

Heimskringla 392

FINLAY amp FAULKES 2011 xiii

208

de que os mesmos tinham acesso a manuscritos agora perdidos que continham a autoria

expressa com poucas exceccedilotildees

Jon Gunnar Joslashrgensen vecirc tal crenccedila num manuscrito predido como pouco

convincente sugerindo que a alegaccedilatildeo da autoria de Snorri da parte de Friis e Hanssoslashn

fundamamentam-se menos na tradiccedilatildeo datada dos tempos medievais do que na

discussatildeo acadecircmica do proacuteprio seacuteculo XVI Salienta que um dos manuscritos da obra

o Codex Frisianus (F) atribui a autoria a Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi e que Friis e

Hanssoslashn deliberadamente teriam desconsiderado tal atribuiccedilatildeo393

Jonna Louis-Jensen (1997)394

Alan Berger (1999)395

Margaret Cormack

(2001)396

e Patriacutecia Pires Boulhosa (2005)397

tambeacutem questionam a autoria de Snorri

Em adiccedilatildeo aos problemas levantados por Joslashrgensen adicionam questotildees envolvendo a

autoria individual e coletiva no medievo

Satildeo no entanto poucas vozes dissonantes em meio a uma tradiccedilatildeo bem

estabelecida que aceita de bom grado a autoria de Snorri Sturlusson nem que por

conveniecircncia398

423 A Edda menor

A Edda menor tambeacutem chamada de Edda em prosa ou Edda de Snorri eacute uma

obra que natildeo pode ser classificada em gecircneros conhecidos Ela conteacutem uma coletacircnea

significativa de mitologia escandinava (Gylfaginning ndash o ldquoengano de Gylfirdquo) uma

espeacutecie de ars poeacutetica scaacuteldica (Skaacuteldskaparmaacutel) e um poema em homenagem ao rei

norueguecircs (Haacutettatal) precedidos por proacutelogo que eacute obra prima de evemerismo

Natildeo existe um manuscrito que contenha a Edda de Snorri completa Os

principais manuscritos satildeo o Codex Regius (GKS 2367 4to 1ordf metade do XIV tambeacutem

chamado de Konungsboacutek) o Codex Uppsaliensis (DG 11 4to 1ordm quarto do seacuteculo XIV)

o Codex Wormianus (AM 242 fol metade do XIV) e o Codex Trajectinus (MSS 1374

393

JOslashRGENSEN Jon Gunnar Snorre Sturlesoslashns Fortale paa sin Chroslashnicke Om kildene til

opplysningen om Heimskringlas forfatter Gripla 9 1995 Pp45ndash62 394

LOUIS-JENSEN Jonna Heimskringla Et vaeligrk af Snorri Sturluson In Nordica Bergensia 14 1997

Pp 230-245 395

BERGER Alan J Heimskringla and the Compilations In Arkiv foumlr nordisk filologi 114 1999

Pp05-15 396

CORMACK Margaret Egils saga Heimskringla and the Daughter of Eiriacutekr bloacuteethoslashx In Alviacutessmaacutel

10 2001 pp66s 397

BOULHOSA Patricia Pires Icelanders and the Kings of Norway Mediaeval Sagas and Legal Texts

Leiden and Boston Brill 2005 Pp08-10 398

JOacuteNSSON 1911 WANNER 2008 26ss FINLAY amp FAULKES 2011 vii s

209

coacutepia feita no seacuteculo XVI de um manuscrito do seacuteculo XIII conhecido tambeacutem como

Trektarboacutek) 399

Os manuscritos natildeo concordam totalmente entre si sua relaccedilatildeo eacute complexa e

alguns tambeacutem trazem outras obras Dentre os principais se destacam o Codex Regius e

o Codex Uppsaliensis O Codex Regius eacute o mais completo e normalmente eacute utilizado

para as ediccedilotildees da Edda O Codex Uppsaliensis no entanto eacute mais antigo conteacutem

menos inserccedilotildees e eacute mais condensado que o Codex Regius O Codex Wormiamus possui

uma versatildeo bastante extendida do Proacutelogo contendo inserccedilotildees com referecircncias biacuteblicas

e a deuses gregos mas tambeacutem conteacutem outros materiais relativos agrave poesia incluindo o

Primeiro Tratado Gramatical

Uma das primeiras Stemma foi proposta por Van Eeden no final do seacuteculo XIX

com acreacutescimos de Finnur Joacutensson na deacutecada de 1930

Figura 19 Van EEDEN Stemma In JOacuteNSSON Finnur (ed) Edda Snorra

Sturlusona Udgivet efter haringndskrifterne Nordisk Forlag Koslashbenhavn 1931 P

XXXVII

Segundo tal interpretaccedilatildeo uma versatildeo original ldquoPrdquo teria dado origem a duas

outras redaccedilotildees respectivamente x e z Enquanto x originaria o Codex Wormianus (W)

em um ramo e o Regius (R) e o Trajectinus (T) em outro a redaccedilatildeo z daria origem ao

Codex Uppsaliensis (U)

Muitas outras proposiccedilotildees foram colocadas ao longo dos tempos sobre a

situaccedilatildeo mas natildeo cabe aqui discutirmos uma a uma Uma tese geralmente aceita eacute de

que todos os manuscritos baseiam-se em um exemplar perdido e duas posiccedilotildees

contraditoacuterias satildeo dominantes ou Codex Uppsaliensis foi uma versatildeo encurtada do

Codex Regius ou este foi uma versatildeo ampliada daquele400

Paacutelsson eacute partidaacuterio de uma terceira opccedilatildeo baseada na tese de doutoramento de

Friedrich Muumlller defendida em 1941 e intitulada Untersuchungen zur Uppsala-Edda

399

ROSS Margaret Clunies A History of Old Norse Poetry and Poetics Woodbridge Boydell amp

Brewer 2012[2005] P151 400

PAacuteLSSON 2012 xlii

210

Segunda esta teoria o proacuteprio Snorri escrevera duas versotildees da Edda que teriam dado

origem agraves duas principais redaccedilotildees conhecidas atraveacutes de U e R401

A ediccedilatildeo de Finnur Joacutensson baseada primariamente no Codex Regius eacute antes

de uma ediccedilatildeo de um dos coacutedices um reflexo da tentativa do mesmo de se chegar a uma

forma arquetiacutepica ou original objetivo que tem sido considerado impossiacutevel402

Em relaccedilatildeo agrave autoria a Edda eacute atribuiacuteda a Snorri no Codex Uppsaliensis no

qual se lecirc em sua paacutegina inicial

Este livro se chama Edda Ele foi compilado (seiti saman) por Snorri

Sturlusson da maneira que estaacute ordenado aqui

(Codex Uppsaliensis Cabeccedilalho do f2r p1 Traduccedilatildeo e itaacutelico

nossos) 403

No proacuteprio DG 11 4to um cabeccedilalho no Haacutettatal nomeia novamente Snorri

enquanto seu autor O tratado gramatical contido no W cita o Haacutettatal tambeacutem

afirmando a autoria de Snorri Haacute outras referecircncias medievais a sua autoria a Haacutekonar

Saga e o Terceiro tratado gramatical citam o Haacutettatal afirmando a autoria de Snorri

Sturlusson e o manuscrito AM 748 I b 4to fragmentaacuterio atribui a autoria de Snorri ao

Skaacuteldskaparmaacutel404

Arngriacutemur Joacutensson (1568-1648) foi o primeiro a propocircr de forma consistente a

autoria de Snorri na Edda e esta viria a ser bem aceita pelas geraccedilotildees subsequentes405

A

existecircncia de interpolaccedilotildees mistura de textos antigos e de outros autores no entanto eacute

tema que frequentemente volta agrave pauta dadas diferenccedilas consideraacuteveis dentro do

proacuteprio texto e em alguns manuscritos

O trecho que nos interessa em particular o Proacutelogo eacute de longe a parte da Edda

com maiores discordacircncias entre os diferentes coacutedices e que mais viria a levantar

hipoacuteteses sobre autorias diversas Em breve voltaremos a discutiacute-lo em detalhes

Quanto aos propoacutesitos de Snorri em escrever a Edda haacute dois postulados que

satildeo veiculados pela grande maioria dos acadecircmicos que jaacute os estudaram o primeiro eacute a

afirmaccedilatildeo de que Snorri organizou a Edda fazendo um trabalho de antiquarista

401

PAacuteLSSON 2012 xliii 402

FAULKESAnthony (ed) Edda Prologue and Gylfaginning University College London Viking

Society for Northern Research 2005 P xxx 403

ldquoBoacutek thornessi heitir Edda Hana hefir saman setta Snorri Sturluson eptir thorneim haeligtti sem heacuter er skipatrdquo

In PAacuteLSSON 201206 404

FAULKES 2005 xiv 405

Idem xiv

211

construindo uma coletacircnea de mitos e formas poeacuteticas efetuadas por um indiviacuteduo

interessado na preservaccedilatildeo do passado islandecircs

O segundo associa a vida de Snorri com a Era dos Sturlungs e enfatiza as

dualidades e contradiccedilotildees entre um homem avarento ambicioso poliacutetico astuto e com

sede de poder em contrapartida ao homem das letras do saber interessado na escrita

poeacutetica e histoacuterica

Estas ideias podem ser encontradas desde os autores do seacuteculo XIX passando

por traduccedilotildees mais voltadas a um puacuteblico geral como a de Brodeur em 1916 ateacute autores

contemporacircneos como Anthony Faulkes406

Kevin Wanner eacute voz dissidente Em seu livro407

estuda a Edda de Snorri agrave luz

das ideias de Bordieu interpretando a mesma enquanto uma tentativa da parte de Snorri

de preservar suas proacuteprias formas de capitais seu conhecimento do passado e das

formas poeacuteticas e sua habilidade em empregaacute-las paulatinamente perdiam espaccedilo em

razatildeo das modificaccedilotildees sofridas pelas sociedades da Islacircndia e da Escandinaacutevia

Sua poesia natildeo era mais compreendida os mitos nos quais suas figuras de

linguagem baseavam-se natildeo eram mais conhecidos Dessa forma sua proacutepria habilidade

e podemos dizer arte natildeo eram reconhecidos tampouco lhe traziam retorno em termos

de prestiacutegio poder e influecircncia

A composiccedilatildeo da Edda fora antes de uma obra de objetivo antiquaacuterio um

modo de tentar reverter a situaccedilatildeo Provavelmente o poema Haacutettatal fora composto

primeiramente as seccedilotildees explicativas contendo a coletacircnea de formas poeacuteticas e os

mitos que as sustentavam provavelmente foram compostas depois O proloacutego seria

adicionado ainda posteriormente consistindo em uma explicaccedilatildeo racionalizada e

evemerista do autor sobre os mitos ali inseridos

406

FAULKES 2005 xvi 407

WANNER 2008

212

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor

O iniacutecio da Ynglingasaga na Heimskringla nos apresenta a compreensatildeo de

mundo de seu autor ndash que conforme discutimos acima natildeo temos certeza se foi Snorri -

e o conhecimento geograacutefico acumulado pelo mesmo

Diz-se que o ciacuterculo da terra no qual a raccedila humana habita estaacute

divididocortado por muitas reentracircncias dessa forma grandes mares

correm adentrando a terra (vindos do) oceano Assim eacute sabido que haacute

um grande mar que vai Narvesund (Gibraltar) e ateacute Jerusaleacutem

Do mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em direccedilatildeo

ao nordeste e eacute chamado de Mar Negro (Svartahaf) divide as trecircs

partes da terra a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

Em Sviacutethornjoacuteeth existem muitos grandes domiacutenios e muitas raccedilas de

homens e muitas liacutenguas ali haacute gigantes e ali haacute anotildees e ali haacute

homens azuis e haacute todo tipo de criaturas estranhas ali haacute imensas

bestas selvagens e temiacuteveis dragotildees

No lado sul das montanhas que ficam na orla externa de todas as terras

habitadas corre um rio chamado Sviacutethornjoacuteeth que eacute corretamente chamado

pelo nome de Tanais mas foi anteriormente chamado de Tanakviacutesl

ou Vanakviacutesl e que desaacutegua no Mar Negro

(as terraso paiacutes) no Vanakviacutesl foi chamado de Vanaland ou

Vanaheimr e o rio separa as trecircs partes do mundo a parte oriental eacute

chamada de Aacutesia e a ocidental Europa

(Heimskringla Ynglingasaga 01 Versatildeo nossa) 408

408

Kringla heimsins suacute er mannfoacutelkit byggvir er mjọk vaacutegskorin ganga họf stoacuter oacuter uacutetsjaacutenum inn iacute

jọrethina Er thornat kunnigt at haf gengr fraacute Nọrvasundum ok alt uacutet til Joacutersalalandz af hafinu gengr langr

hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-haf

THORNaacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en sumir Eacuteneaacute En

norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda Sviacutethornjoacuteeth ina miklu kalla sumir menn eigi minni

en Serkland it mikla sumir jafna henni vieth Blaacuteland it mikla inn noslashrethri hlutr Sviacutethornjoacuteethar liggr oacutebyggethr af

frosti ok kuletha svaacute sem inn syethri hlutr Blaacutelandz er auethr af soacutelarbruna Iacute Sviacutethornjoacuteeth eru stoacuterherueth mọrg thornar

eru ok margs konar thornjoacuteethir ok margar tungr thornar eru risar ok thornar eru dvergar thornar eru ok blaacutemenn ok thornar

eru margs konar undarligar thornjoacuteethir thornar eru ok dyacuter ok drekar furethuliga stoacuterir Oacuter norethri fraacute fjọllum thorneim er

fyrir uacutetan eru byggeth alla fellr aacute um Sviacutethornjoacuteeth suacute er at reacutettu heitir Tanais hon var forethum kọllueth Tanakviacutesl

eetha Vanakviacutesl hon koslashmr til sjaacutevar inn iacute Svarta-haf Iacute Vanakvislum var thornaacute kallat Vanaland eetha

Vanaheimr Suacute aacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan Euroacutepaacute In JOacuteNSSON

1911 04

213

A passagem nos revela a incorporaccedilatildeo de um saber geograacutefico medieval amplo

veiculado natildeo apenas no Mappamundi islandecircs e nos itineraacuterios mas nos tratados

geograacuteficos medievais e demais mappaemundi da Europa Ocidental

Snorri Ari ou quem quer que tenha sido seu autor assimila e reproduz

textualmente as concepccedilotildees de mundo e terminologias macrobianas de zonas climaacuteticas

habitadas e desabitadas especificamente a diferenciaccedilatildeo especiacutefica de uma zona fria e

uma desabitada quente

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

A terra eacute por ele descrita como tripartite

ldquo() divide as trecircs partes da terra ()

Tal concepccedilatildeo evoca de imediato a triparticcedilatildeo tatildeo frequente no medievo

derivada de Isidoro de Sevilha e espelhada inclusive na confecccedilatildeo dos mapas T-O

segundo qual a Terra seria habitada pelos filhos de Noeacute Shem Kham e Yaffet que

povoariam respectivamente Aacutesia Aacutefrica e Europa Esta divisatildeo eacute o paracircmetro

organizacional empregado no Mappamundi islandecircs por noacutes analisado no capitulo

anterior

No entanto a forma como o autor prossegue na narrativa da Ynglingasaga natildeo

espelha esta divisatildeo ou ao menos a adapta

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A divisatildeo em Aacutesia e Europa eacute refletida nas direccedilotildees cardinais de leste e oeste

Entretanto ao inveacutes de prosseguir para sul o texto continua descrevendo o norte ldquoAo

norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth a Grande ou a friardquo

Para complicar a situaccedilatildeo a Aacutefrica e a divisatildeo das aacuteguas presentes nas

concepccedilotildees isidorianas satildeo transformadas em produtos especiacuteficos dessa obra se na

primeira tradiccedilatildeo os braccedilos divisoacuterios das aacuteguas satildeo o Mediterracircneo e o TanaisDon

214

aqui o Mar Negro assume o papel do Mediterracircneo enquanto o TanaisDon permanece

em sua funccedilatildeo

A Aacutefrica eacute citada poreacutem comparativamente e assumindo um sentido diverso

ao comparar a grande Sviacutethornjoacuteeth em termos de tamanho agrave Grande Blaacuteland

particularmente citando-a tambeacutem como ldquoa friardquo o autor estaacute adaptando a ideia

macrobiana e grega do continente Antiacutepoda em uma zona climaacutetica diversa

Blaacuteland eacute o termo empregado para a Aacutefrica significando ldquoterra azulrdquo

Serkland como jaacute visto nos Capitulos 02 e 03 pode se referir agraves terras aleacutem do Mar

Caacutespio ou o mundo Islacircmico Dessa forma a divisatildeo tripartite da terra e a divisatildeo em

zonas climaacuteticas macrobianas apresentam-se enquanto ideias externas ao conhecimento

do autor possivelmente conceitos natildeo de todo dominados por ele

Eacute possiacutevel tambeacutem que o autor da Heimskringla tendo conhecimento das

tradiccedilotildees geograacuteficas ocidentais e islacircmicas ndash tendo-se em mente que os mapas

islacircmicos tambeacutem empregaratildeo ainda que de forma muito distinta conceitos de ldquozonas

climaacuteticasrdquo delas discorde e simplesmente prefira expor a sua visatildeo de como mundo se

organiza

Natildeo eacute de todo surpreendente que a regiatildeo circunscrita a Bizacircncio e agrave Rus

tomem maior importacircncia em sua histoacuteria do que o Mediterracircneo dados os eventos que

posteriormente ele narraraacute envolvendo a migraccedilatildeo dos ancestrais dos Escandinavos

ponto ao qual retornaremos brevemente bem como o histoacuterico escandinavo na Rus

425 O proacutelogo da Edda Menor

Se recuarmos temporalmente na produccedilatildeo cuja autoria esta mais claramente

associada a Snorri Sturlusson e atentarmos para o proacutelogo da Edda encontraremos uma

divisatildeo do mundo organizada de forma muito mais livresca mas uma situaccedilatildeo

infinitamente mais complexa Cada um dos principais manuscritos da Edda traz o

Prologo de forma diversa e muito jaacute se discutiu sobre o trecho A versatildeo mais longa eacute a

contiga no Codex Wormianus O trecho a seguir eacute o contido no Codex Regius que

conteacutem menos interpolaccedilotildees que W mas natildeo estaacute tatildeo condensado como U

O mundo foi dividido em trecircs partes Do sul em direccedilatildeo a

oeste pelo Mar Mediterracircneo estaacute a parte chamada Aacutefrica Sua regiatildeo

meridional eacute quente e castigada pelo sol A segunda regiatildeo comeccedila no

oeste e continua a norte pelo mar eacute chamada de Europa ou Enea Sua

215

regiatildeo norte eacute tatildeo fria que nenhuma grama cresce e ningueacutem pode

sobreviver ali Do norte e (indo) para a parte oriental ateacute o sul ali eacute

chamada de Aacutesia409

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

A passagem estaacute plenamente de acordo com as tradiccedilotildees geograacuteficas medievais

ocidentais e a concepccedilatildeo tripartite de mundo chega agrave precisatildeo de delinear subdireccedilotildees

ldquodo sul em direccedilatildeo a oesterdquo ldquocomeccedila no oeste e continua a norterdquo ldquodo norte para o

continente oriental ()rdquo Estatildeo discriminados Aacutefrica Europa - cujo proacuteprio nome da

tradiccedilatildeo greco-romana Enea eacute dado e a Aacutesia

A concepccedilatildeo zonal e de regiotildees desabitadas tambeacutem estaacute inserida no trecho

incorporada na Aacutefrica e ao norte da Europa Em suma uma descriccedilatildeo que cabe

perfeitamente agrave tradiccedilatildeo de Isidoro e que insere satisfatoriamente concepccedilotildees

macrobianas

No Codex Wormiamus haacute uma grande inserccedilatildeo entre a primeira parte do

Proacutelogo que conteacutem uma breve descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do mundo e da queda do homem e

a parte concernente agrave divisatildeo da Terra em trecircs partes O princiacutepio de tal inserccedilatildeo daacute-se

da seguinte forma

Em sua velhice Noeacute dividiu o mundo com seus filhos Planejou para

Kham a parte oeste para Yaphett a parte norte e para Shem a parte

sul410

(Edda Menor Codex Wormianus Proacutelogo Versatildeo Nossa)

De iniacutecio a passagem parece um contrasenso visto que coloca Kham a

ocidente e Shem para sul Pelo contraacuterio o decorrer do trecho traraacute uma reflexatildeo e

elaboraccedilatildeo consideraacuteveis sobre o texto biacuteblico a continuidade da narrativa dissertaraacute

409

ldquoVeroumlldin var greind iacute thornrjaacuter haacutelfur Fraacute suethri iacute vestr ok inn at Miethjaretharsjaacute saacute hlutr var kallaethr Affriacuteca

Hinn syethri hlutr thorneirar deilethar er heitr ok brunninn af doacutelu Annarr hlutr fraacute vestri ok til norethrs ok inn til

hafsins er saacute kallaethr Evropaacute eetha Enea Hinn nyrethri hlutr er thornar kaldr svaacute at eigi vex gras ok eigi maacute

byggja Fraacute norethri ok um austrhaacutelfur allt til suethrs thornat er kallat Asiacuteaacuterdquo In FAULKES 2011 04 410

ldquoIacute elli sinni skiptir Noacutei heiminum meeth sonum siacutenum AEligtlaethi hann Cham vestrhaacutelfu en Japheth

norethrhaacutelfu en Sem suethrhaacutelfurdquo

In ldquoThe extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the extended portions

highlighted in redrdquo Obtido em

lthttpwwwgermanicmythologycomProseEddaAndersonProloguehtmlgt

Ediccedilatildeo criacutetica e anaacutelise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis

lt httphomepagesabdnacukcgi-bincgiwrapwag017mg-

newcgit=1ampidl=1ampnf=1ampw=goampw=sm1gt Uacuteltimo acesso e 12112004

216

sobre o desenvolvimento dos homens o crescimento de seu conhecimento e soberba e

de que forma os descendentes de Kham habitariam a parte destinada a seu irmatildeo Shem

A inclusatildeo posterior da referecircncia agrave construccedilatildeo de Sinnear pelos mesmos demonstra

reflexatildeo sobre o capiacutetulo 10 do Gecircnesis particularmente o verso 10 quando se afirma

que os descendentes de Kham teriam construiacutedo Sinnear na Mesopotacircmia

Eacute difiacutecil harmonizar os textos adiccedilotildees e discordacircncias A depreender-se pelas

inserccedilotildees do Codex Wormianus seu autor possui concepccedilotildees cosmoloacutegicas proacuteprias

natildeo necessariamente equivalentes agraves veiculadas nas outras partes do Proacutelogo De fato

esta matildeo demonstra uma elaboraccedilatildeo biacuteblica a niacutevel de algueacutem letrado teologicamente

diversamente do leigo Snorri

Mais adiante no proacuteprio W a genealogia apresentada seraacute consideravelmente

extendida Nos outros coacutedices ela vai dos reis de Troacuteia aos deuses escandinavos ndash

evemerizados enquanto humanos de grandes feitos Aqui ela se extende rumo ao

passado de Priacuteamo ateacute Saturno de forma encontrada em outras fontes e autores do

medievo ocidental como Honorius Augustodunensis De imagine mundi III e o chamado

ldquoPrimeiro mitoacutegrafordquo411

demonstrando conhecimento adicional da tradiccedilatildeo letrada

Se nos parece bastante evidente que as inserccedilotildees feitos no Proacutelogo em W natildeo

devem ter sua origem em Snorri natildeo nos parece tatildeo clara a mesma situaccedilatildeo no que se

refere ao Proacutelogo em suas versotildees menores

A questatildeo da autoria de Snorri no proacutelogo da Edda e na Heimskringla

influencia decisivamente na interpretaccedilatildeo dos extratos de fonte analisados ateacute entatildeo

Caso considere-se Snorri o autor tanto da Heimskringla quanto do Proacutelogo da

Edda como compreender tal diferenccedila de concepccedilatildeo em duas obras escritas em

periacuteodos razoavelmente proacuteximos pelo mesmo indiviacuteduo

Podemos levantar a hipoacutetese de uma maturaccedilatildeo e desenvolvimento de uma

visatildeo cosmoloacutegica da parte do proacuteprio Snorri que pode ter se modificado e incorporado

outras visotildees do mundo desde sua viagem a Escandinaacutevia ateacute seu retorno agrave Islacircndia

Poderiacuteamos alegar de forma diametralmente oposta que ou Snorri ao criar sua

cosmologia partiu do conhecimento livresco disponiacutevel ao erudito comum do medievo

ocidental dirigindo-se a uma adaptaccedilatildeo proacutepria sua do mesmo ou que partindo de um

conhecimento circunscrito geograacutefico do meio islandecircs gradualmente tomou

conhecimento e domiacutenio da tradiccedilatildeo geograacutefica europeia mais ampla

411

FAULKES Anthony Descent from the Gods In Mediaeval Scandinavia 11 1978-89 P12

217

Outra explicaccedilatildeo de longe favorita para os mitoacutelogos eacute a que foram feitos

adendos e interpolaccedilotildees por outrem no Proacutelogo Assim a passagem natildeo seria

inteiramente da pena de Snorri e conteria elementos de outros autores principalmente

no que toca ao emprego da tradiccedilatildeo cristatilde e greco-romana Tal explicaccedilatildeo se insere na

discussatildeo natildeo resolvida sobre o niacutevel do conhecimento de latim e da tradiccedilatildeo claacutessica da

parte de Snorri e como demonstramos acima eacute vaacutelida ao menos em alguns

manuscritos como o Codex Wormianus

Julgamos conveniente pressupor a autoria de Snorri tambeacutem no Proacutelogo da

Edda ainda que natildeo estejamos tatildeo certo quanto agrave mesma na Heimskringla Jaacute

afirmamos que as inserccedilotildees do Codex Wormianus devem ser de outra matildeo certamente

destoam grandemente do texto como um todo Quanto ao nuacutecleo do Proacutelogo natildeo eacute

problema pressupormos que a despeito de um tratamento diferente da tradiccedilatildeo ndash como

em breve discutiremos natildeo haacute um impedimento que Snorri tenha tomado uma atitude

dupla de contar os mitos noacuterdicos em uma seccedilatildeo e analisaacute-los no proacutelogo da obra

A despeito das divergecircncias e mudanccedilas entre os coacutedices a primeira passagem

transcrita eacute comum a todas as versotildees A concepccedilatildeo livresca tripartite do mundo eacute

afirmada As interpolaccedilotildees do Wormianus omitem o leste na divisatildeo do mundo As

outras passagens comuns aos demais coacutedices entretanto associam-no agrave Aacutesia e

caracterizam-no da seguinte forma - citamos aqui techo do Codex Regius ao falar da

Aacutesia

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade412

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

Uma concepccedilatildeo ligada agrave tradiccedilatildeo claacutessica e particularmente cristatilde O texto

conteacutem uma clara emulaccedilatildeo do simbolismo que gira em torno do Eacuteden no Gecircnesis e na

Cidade Celestial do Apocalipse como por exemplo nas referecircncias da produccedilatildeo de

412

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

218

ldquoouro e pedras preciosasrdquo Haacute uma seacuterie de versos biacuteblicos que podem ser origem de

alguns termos como ldquo() todas as becircnccedilatildeos sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidaderdquo tornando difiacutecil uma associaccedilatildeo uacutenica

As ideias expressas no versiacuteculo de Gecircnesis 0208 e no capiacutetulo 21 do

Apocalipse ndash que trata da Jerusaleacutem celestial - satildeo fundamentais nas associaccedilotildees e

criaccedilatildeo de tradiccedilotildees que ligam o leste ao paraiacuteso a utopias e similares de forma

demasiadamente ampla e disseminada na Cristandade Medieval413

para ser discutida

aqui A localizaccedilatildeo do Eacuteden eacute claramente referida no texto biacuteblico como no Oriente

ldquoE plantou o SENHOR Deus um jardim no Eacuteden na direccedilatildeo do

Oriente e pocircs nele o homem que havia formadordquo

(Gn 0208 Biacuteblia Sagrada Versatildeo Almeida Revista e atualizada)

Esse sentido dotado de matiz religiosa pode encontrar alguma contraparte ou

eco distante em tradiccedilotildees nativas escandinavas mas por meio de significativa

ressignificaccedilatildeo

Citamos no capiacutetulo anterior uma referecircncia da Edda natildeo do Proacutelogo mas do

Gylfaginning Nessa seccedilatildeo Snorri conta diversos mitos escandinavos Em um deles THORNoacuterr

estaacute ausente de Aacutesgarethr pois () ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para

destruir trollsrdquo414

Atkinson defende a ideia de que na cosmologia escandinava antiga haveria uma

associaccedilatildeo do leste com o reino dos mortos de Austrvegr como regiatildeo similar a Hell

Para tanto aleacutem da passagem supracitada e de estudos de Turville-Petrie que associam

criaturas miacuteticas a Austrvegr ele emprega diversas das inscriccedilotildees nas estelas ruacutenicas

referindo-se aos mortos no leste415

Natildeo se trata de uma ocorrecircncia isolada ainda que a conexatildeo natildeo seja totalmente

clara e necessite de intermediaccedilotildees Algumas das narrativas de viagem agrave terra dos

mortos tratam da ida aos domiacutenios de Geirroumlethr416

Em algumas partes das

Fornaldarsoumlgur como no capiacutetulo 23 da Ọrvar-Odds Saga e nos capiacutetulos 5 e 11 da

THORNorsteins saga Viacutekingssonar os domiacutenios de Geirroumlethr estatildeo localizados

413

RIBEIRO Maria Eurydice de Barros Ribeiro O Inferno e o Paraiacuteso Cartografia e Paisagem (Seacutecs

XII-XV) In Histoacuteria Revista Dossiecirc Idade Meacutedia 5(12) jandez 2000 P25 414

ldquo(hellip) en hann var farinn iacute Austrveg at berja trollrdquo In PAacuteLSSON 2012 60 415

ATKINSON Hugh Upp ek thorneacuter verp ok aacute Austrvega death overseas and the dead in the East

Comunicaccedilatildeo apresentada na XIV Saga Conference ldquoAacute Austrvegardquo 2008 416

ELLIS 1968 171

219

inequivocamente no leste ndash um leste materializado enunciado apoacutes a enumeraccedilatildeo de

outros domiacutenios conhecidos de Austrvegr e Garethariacuteki

Adicionano-se tambeacutem as discussotildees pertinentes agraves estelas ruacutenicas apresentadas

no capiacutetulo 02 desta tese a hipoacutetese de Atkinson parece-nos plausiacutevel ainda que em

necessidade de maior verificaccedilatildeo Conforme jaacute discutido haacute uma pequena porcentagem

do total das estelas que lida com expediccedilotildees vikings Dessa uma parcela consideraacutevel

trata do leste igualmente tomando-se a amostra como um todo porcentagem razoaacutevel

conteacutem referecircncias a mortos

Destarte abre-se o espaccedilo para a discussatildeo sobre a funccedilatildeo memorial em relaccedilatildeo

aos mortos inserindo-se uma dimensatildeo religiosa aleacutem poreacutem perdura a necessidade de

se analisar de forma balanceada toda a evidecircncia das estelas incluindo os percentuais de

outras seacuteries que lidem com temaacuteticas similares A questatildeo permanece em aberto

Retornando agrave Edda fica evidenciada a associaccedilatildeo do leste a um imaginaacuterio

geograacutefico advindo da tradiccedilatildeo cristatilde com nuances no campo do religioso e que pode

ser entrelaccedilado com conceituaccedilotildees cosmoloacutegicas de tradiccedilotildees mais antigas da

Escandinaacutevia

A contraparte claacutessica fornecida pela passagem dar-se-aacute na continuidade do

texto ao traccedilar a genealogia dos deuses no paganismo escandinavo com o emprego do

conceito evemerista

426 O Evemerismo

Por evemerismo compreende-se uma forma hermenecircutica desenvolvida desde o

helenismo segundo a qual os deuses seriam homens cujos feitos foram amplificados

pela passagem do tempo e a tradiccedilatildeo miacutetica Recebeu seu nome do helecircnico Euhemeros

do seacuteculo III aC mas formas similares de interpretaccedilatildeo foram usadas por autores

anteriores a ele como o proacuteprio Heroacutedoto e continuariam sendo empregadas por autores

dos mais distantes contextos na antiguidade e do medievo incluindo Clemente de

Alexandria Isidoro de Sevilha e Roger Bacon Pode tambeacutem ser chamado de uma

interpretaccedilatildeo histoacuterica ou mesmo hitoricizante da mitologia

Na introduccedilatildeo da Heimskringla em conjunto com o proacutelogo da Edda menor e

sua primeira parte (Gylfaginning) temos uma elaboraccedilatildeo erudita e coerente da parte de

Snorri - e de quaisquer outros autores que tenham feito ao texto - que liga as divindades

escandinavas dos tempos pagatildeos aos reis dos seacuteculos XII e XIII numa linha

220

genealoacutegica contiacutenua e podemos ateacute mesmo dizer racional

Os deuses do paganismo escandinavo satildeo descritos como homens notaacuteveis

heroacuteis e reis da antiguidade que adquiriram proeminecircncia no norte devido agraves suas

caracteriacutesticas excelentes

Na Ynglingasaga a narrativa se sucede agrave haacute pouco apresentada descriccedilatildeo do

mundo Apoacutes afirmar a divisatildeo tripartite do mesmo e citar o rio TanaisDon

(TanakvislTanaquisl) o autor continua

(o paiacutes) para leste do Tanaquisl na Aacutesia foi chamado Aacutesaland ou

Aacutesaheimr e a cidade capital daquela terra foi chamada Aacutesgarethr

Naquela cidade houvera um chefe que era chamado Oacuteethinn ali foi um

grande lugar para sacrifiacutecio Foi costume ali que doze sacerdotes do

templo deviam tanto dirigir os sacrifiacutecios como tambeacutem julgar as

pessoas Eles foram chamados de diacutear ou droacutettnar a eles servia e

obedecia todo o povo

Oacuteethinn foi um grande e bem-viajado guerreiro que conquistou muitos

reinos Ele era tatildeo bem-sucedido em cada batalha que a vitoacuteria estava

do seu lado era a crenccedila de seu povo que a vitoacuteria pertencia a ele em

cada batalha ()

Seu povo tambeacutem estava habituado estivessem em perigo em terra ou

mar a chamar o seu nome e pensavam que sempre eles teriam

conforto e auxiacutelio por meio dele pois pensavam que aonde ele

estivesse a ajuda estaria por perto

Ele geralmente viajava tatildeo longe que passava muitas temporadas em

suas jornadas417

(Heimskringla Ynglingasaga seccedilatildeo 2 Versatildeo nossa)

Aqui o uso do leste da Aacutesia eacute associado primariamente agrave tradiccedilatildeo miacutetica

noacuterdica e ao lugar de maior ressonacircncia da mitologia escandinava Aacutesgarethr a cidade

dos deuses

Snorri esvazia o conteuacutedo miacutetico de tal faceta racionalizando-o e definido-o

geograficamente Os proacuteprios nomes das divindades e do continente facilitam sua

transposiccedilatildeo a famiacutelia principal dos deuses da qual Oacuteethinn eacute o liacuteder inconteste eacute a

famiacutelia dos AEligsir Nada mais natural que seja feita a associaccedilatildeo entre Aacutesaland

417

Fyrir austan Tanakviacutesl iacute Aacutesiacuteaacute var kallat Aacutesaland eetha Aacutesaheimr en họfuethborgin er var iacute landinu

kọlluethu thorneir Aacutesgareth En iacute borginni var họfethingi saacute er Oacuteethinn var kallaethr thornar var bloacutetstaethr mikill THORNat var

thornar siethr at xii hofgoethar vaacuteru œztir skyldu thorneir raacuteetha fyrir bloacutetum ok doacutemum manna iacute milli thornat eru diacutear

kallaethir eetha droacutettnar thorneim skyldi thornjoacutenostu veita ok lotning alt foacutelk

Oacuteethinn var hermaethr mikill ok mjọk viacuteethfọrull ok eignaethist mọrg riacuteki hann var svaacute sigrsaeligll att iacute hverri

orrostu fekk hann gagn ok svaacute kom at hans menn truacuteethu thornviacute at hann aeligtti heimilan sigr iacute hverri orrostu()

Svaacute var ok um hans men hvar sem thorneir urethu iacute nauethum staddir aacute sjaacute eetha aacute landi thornaacute kọlluethu thorneir eiga nafn

hans ok thornoacutetti jafnan faacute af thornviacute froacute thornar thornoacutettusk thorneir eiga alt traust er hann var Hann foacuter opt svaacute langt iacute

brott at hann dvalethisk iacute ferethinni mọrg misseri In JOacuteNSSON 1911 04s

221

Aacutesaheimr ldquoterra dos aesirrdquo com a Aacutesia

O discurso evemerista mais completo e elaborado de Snorri entretanto se daacute

na Edda em seu proacutelogo Seu iniacutecio daacute-se com a proacutepria paraacutefrase do texto biacuteblico

O Deus todo poderoso criou no princiacutepio os ceacuteus e a terra e tudo

o que neles haacute e no fim criou duas pessoas Adatildeo e Eva e deles

vieram clatildes cujos descendentes multiplicaram-se e espalharam-se

pelo mundo todo () mas a grande maioria voltou-se para os desejos

deste mundo e negligenciou os mandamentos de Deus418

rdquo

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo Versatildeo nossa)

Prossegue dando continuidade agrave narrativa do diluacutevio ao repovoamento da

Terra e agrave repeticcedilatildeo da desobediecircncia a Deus O que se passa a seguir eacute uma reflexatildeo

extremamente racional das explicaccedilotildees miacuteticas Posteriormente na Gylfaggining Snorri

mostraraacute como as narrativas cosmoloacutegicas escandinavas pagatildes descreveratildeo a formaccedilatildeo

do mundo atraveacutes do cadaacutever do gigante Hiacutemir de seus ossos vieram as montanhas de

seu ceacuterebro as nuvens de sua carne a terra e assim por diante

Aqui no proacutelogo Snorri busca compreender como se desenvolvera tal forma

de explicaccedilatildeo natural Tal discurso eacute dado apoacutes a narrativa do diluacutevio e da repeticcedilatildeo dos

erros dos homens que natildeo obstante teriam sido agraciados por Deus com a sabedoria

Eacute por meio do uso dessa sabedoria que Snorri faz a ponte para a descriccedilatildeo a seguir

Ele tambeacutem lhes deu a sabedoria para compreender todas coisas

terrenas e todas as partes separadas que pudessem ser vistas no ceacuteu e

na Terra

As pessoas pensaram sobre estas coisas imaginando o que

poderia significar que a terra e os animais e os paacutessaros eram de

alguma forma similares ainda que suas naturezas fossem diferentes

Uma das caracteriacutesticas da Terra eacute que quando as altas montanhas satildeo

cavadas jorra aacutegua e mesmo em vales profundos natildeo eacute necessaacuterio

cavar muito fundo em busca de aacutegua O mesmo eacute verdade nos animais

e nos paacutessaros cujo sangue estaacute igualmente perto da superfiacutecie na

cabeccedila e nos peacutes Uma segunda caracteriacutestica da terra eacute que grama e

flores florescem todo ano mas no mesmo ano tudo esvanesce e cai

Assim eacute com os animais e os paacutessaros cabelo e penas crescem neles

mas cada ano caem A terceira caracteriacutestica da Terra eacute que quando

418

ldquoAlmaacutettigr gueth skapaethi iacute upphafi himin ok jọreth ok alla thornaacute hluti er thorneim fylgja og siacuteetharst menn tvaacute er

aeligttir eru fraacute komnar Adam ok Evu ok fjọlgaethist thorneira kynsloacuteeth ok dreifethist um heim allan () en myklu

fleiri snerusk eptir girndum heimsins ok oacuteraeligktu gueths boethoreth ()rdquo In FAULKES 2005 03

222

ela eacute aberta ou cavada a grama cresce sobre o solo que estaacute mais

proacuteximo agrave superfiacutecie As pessoas pensam nas rochas e pedras como

comparaacuteveis aos dentes e ossos das criaturas vivas Assim eles

entendem que a Terra eacute viva e tem vida proacutepria Eles tambeacutem sabem

que em termos de anos a Terra eacute maravilhosamente velha e poderosa

por sua proacutepria natureza Ela daacute nascimento a todas as coisas vivas e

declara propriedade sobre tudo o que morre Por esta razatildeo eles

deram a ela um nome e traccedilaram suas origens a ela419

(Edda menor Codex Regius ProacutelogoVersatildeo nossa)

Eacute por meio do desenvolvimento de raciociacutenios similares que Snorri partiraacute agrave

explicaccedilatildeo da origem dos deuses Seu raciociacutenio eacute bastante analiacutetico preciso nem um

pouco dado agrave alegorias ou misticismo O maacuteximo de concessatildeo agrave que Snorri se permite

eacute no campo da teologia sempre em volta de questotildees bem-estabelecidas como a criaccedilatildeo

do mundo por Deus e o desvio dos homens em relaccedilatildeo ao seu criador

A mesma forma de arrazoamento eacute aplicada agrave explicaccedilatildeo do surgimento de

Oacuteethinn THORNoacuterr Sif e outras divindades noacuterdicas Descendentes dos homens de Troia que

segundo o Proacutelogo estaacute localizada no centro do mundo esses homens espelham as

qualidades que foram atribuiacutedas de iniacutecio ao continente da Aacutesia posteriormente agrave

cidade de Troacuteia culminando em si mesmos Releiamos passagem jaacute citada

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade420

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

419

ldquoMiethlaethi hann ok spekethina svaacute at thorneir skilethu alla jarethliga hluti ok allar greinir thornaeligr er sjaacute maacutetti loptsins

ok jaretharinnar

THORNat hugsuethu thorneir ok undruethusk hverju thornat mundi gegna er jọrethin ok dyacuterin ok fuglarnir họfethu saman eethli

iacute sumum hlutum ok var thornoacute oacuteliacutek at haeligtti THORNat var eitt eethli aeth jọrethin var grafin iacute haacutem fjalltindum ok spratt

thornar vatn upp ok thornurfti thornar eigi lengra at grafa til vaz en iacute djuacutepum dọlum Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at

jafnlangt er til bloacuteeths iacute họfethi ok foacutetum

Ọnnur naacutettuacutera er suacute jarethar at aacute hverju aacuteri vex aacute jọrethinni gras ok bloacutem ok aacute sama aacuteri fellr thornat allt ok fọlnar

Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at thorneim vex haacuter ok fjaethrar ok fellr af aacute hverju aacuteri

THORNat er hin thornriethja naacutettuacutera jarethar thornaacute er hon er opnueth ok grafin thornaacute grœr gras aacute thorneiri moldu er efst er aacute

jọrethunni Bjọrg ok steina thornyacuteddu thorneir aacute moacuteti tọnnum ok beinum kvikenda Af thornessu skilethu thorneir svaacute at

jọrethin vaeligri kyk ok hefethi liacutef meeth nokkurum haeligtti ok thornat vissu thorneir at hon var furethuliga gọmul at aldartali

ok maacutettug iacute eethli Hon fœddi ọll kvikvendi ok hon eignaethisk allt thornat er doacute Fyrir thornaacute sọk gaacutefu thorneir henni

nafn ok tọlethu aeligttir siacutenar til hennarrdquo In FAULKES 2011 03 420

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

223

A descriccedilatildeo no Proacutelogo natildeo coincide em todos os pontos com outras estoacuterias do

restante da obra ou mesmo em outras obras Aqui THORNoacuterr eacute neto do rei Priacuteamo de Troacuteia -

associada ao nome Tyrkland terras dos Tyrks mas foi levado para a Traacutecia Trakiacuteaacute - que

o Proacutelogo associa ao nome noacuterdico THORNruacuteethheim

Da sua descendecircncia viria Oacuteethinn que por sua vez se assentaria na Sueacutecia e

daria origem aos governantes das outras naccedilotildees do norte Um de seus descendentes seria

Gylfi rei dos suecos que assumiraacute papel proeminente na proacutexima parte da Edda a

Gylfaginning

No Gylfaginning a situaccedilatildeo eacute diversa Gylfi interroga aos deuses que lhe

contam a origem e o fim de tudo aqui os mitos e tradiccedilotildees racionalizados e explicados

anteriormente no Proacutelogo satildeo narrados em uma forma mais proacutexima agrave tradiccedilatildeo

escandinava preacute-cristatilde

Natildeo apenas o tom narrativo passa por modificaccedilotildees significativas As relaccedilotildees

entre os personagens tambeacutem sofrem alteraccedilotildees No mito veiculado pelo Gylfaginning

Oacuteethinn reina em Aacutesgarethr eacute apresentado como Allfoumlethr (pai de todos) e eacute pai natildeo

descendente de THORNoacuterr Snorri apresenta-o dando continuidade a um relato que descreve

detalhadamente a cosmologia e cosmogonias antigas escandinavas incluindo a criaccedilatildeo

do mundo a partir do corpo morto do gigante Ymir

Existem trecircs correntes teoacutericas principais que ganharam destaque na

interpretaccedilatildeo desses textos A escola historicizante inaugurada pelos arqueoacutelogos

Petersen (1849-1896) e Salin (1861-1931) e adotada largamente pelos germanistas

posteriores421

viria a defender que as narrativas de Snorri refletiram a memoacuteria de

eventos que de fato teriam ocorrido No caso em questatildeo movimentos germacircnicos do

periacuteodo das migraccedilotildees a partir do seacuteculo IV das regiotildees do Don e do Mar Negro atraveacutes

da Germacircnia e Escandinaacutevia

Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum de Andreas Heusler

(1908)422

que estudaria os eventos ligados aos troianos e agrave Tyrkland nos escritos de

Snorri e Ari daria origem agrave escola da Gelehrte Urgeschicht423

A grosso modo esta

escola - muito influente por deacutecadas posteriores - procura traccedilar os passos da construccedilatildeo

de uma ldquopreacute-histoacuteria germacircnicardquo por um pensamento erudito islandecircs dos seacuteculos XII-

421

Obras emblemaacuteticas PETERSEN Karl Nikolai Henry Om Nordboernes Gudedyrkelse og Guderto i

Hedenold Em antikvarisk Undersoslashgelse Koslashbnhavn CA Reitzels Forlag 1876 amp SALIN Bernhard

Studier tillaumlgnade Oscar Montelius Stockholm Norstedt 1903 422

HEUSLER Andreas Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum Verlag der

Koumlniglich Preuszligischen Akademie der Wissenschaften Berlin 1908 423

ldquoPreacute-histoacuteria ensinadardquo

224

XIII que bebe de outros historiadores europeus como Fredegarius Scholasticus (ca658-

661) Pseudo-Fredegarius (da Gesta Francorum ca727) Isidoro de Sevilha e Geoffrey

de Monmouth424

-425

Por fim outra corrente interpretativa de relevacircncia eacute a escola da mitologia

comparativa ou estruturalista representada por Georges Dumeacutezil que incorpora a

mitologia escandinava ao esquema tripartite indo-europeu Dumeacutezil (1992)[1970]

defendia uma posiccedilatildeo diametralmente oposta ao historicismo de entre outros autores

Paul Hermann Alguns pontos significativos em sua trajetoacuteria com impacto em sua

aplicaccedilatildeo no estudo de Snorri satildeo as publicaccedilotildees de Mythes et dieux des Germains -

Essai dinterpreacutetation comparative (1939) Loki (1948) Les Dieux des Germains essai

sur la formation de la religion scandinave (1959) Du mythe au roman la Saga de

Hadingus et autres essais (1970)426

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo

Jean Bodel (1165-1210) classificou os ciclos literaacuterios medievais nas chamadas

ldquomateacuteriasrdquo a Mateacuteria da Bretanha concernente ao Rei Artur a Mateacuteria de Roma que

incorporaria temas da Antiguidade Claacutessica e a Mateacuteria de Franccedila centralizada em

Carlos Magno

Dentro da ldquoMateacuteria de Romardquo desenvolveu-se uma linha peculiar interpretativa

ligada agrave Guerra de Troacuteia As conexotildees e genealogias entre os autores e obras natildeo eacute

totalmente clara No entanto duas obras supostamente traduccedilotildees para o latim de

antigos originais gregos foram fundamentais para o desenvolvimento de tais formas

escritas Satildeo elas a Dictys Cretensis Ephemeridos belli Trojani (seacuteculo IV) e Daretis

Phrygii de excidio Trojae historia (seacuteculo V-VI) 427

Ambas satildeo bastante semelhantes contando a destruiccedilatildeo de Troia Um exemplo

de trabalho que as empregou enquanto fontes ou inspiraccedilatildeo eacute o ldquoLe Roman de Troierdquo de

Benoicirct de Sainte-Maure

Poreacutem a influecircncia de tais obras no medievo natildeo estaacute limitada agrave ldquoMateacuteria de

424

PRITSAK 227-237 425

SEE Klaus von Europa und der Norden in Mittelalter Universitaumltsverlag C Winter Heidelberg

1999 P276 426

Indicamos BOULHOSA Patriacutecia Pires A mitologia escandinava de Georges Dumeacutezil uma reflexatildeo

sobre meacutetodo e improbabilidade Revista Brathair 6(2) p 3-31 2006 como boa siacutentese das criacuteticas

dirigidas a Dumeacutezil no campo da escandinaviacutestica 427

DacuteARCIER Louis Faivre Histoire et geacuteographie drsquoun mythe La circulation des manuscrits du De

excidio Troiae de Daregraves le Phrygien (VIIIe-XVe s) Paris Eacutecole nationale des Chartes 2006 P03

225

Romardquo De fato ela perpassa a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Meacutedia Haacute relatos

histoacutericos escritos tanto seacuteculos antes do desenvolvimento dos ciclos literaacuterios em

Francia quanto contemporacircneos a eles

Torna-se um expediente frequente ligar o destino de refugiados de Troia ou

seus descendentes ao passado das naccedilotildees europeias DacuteArcier afirma que as uacutenicas

exceccedilotildees ao uso de tal expediente satildeo os autores espanhoacuteis e irlandeses428

afirmaccedilatildeo

com a qual discordamos - em breve mostraremos por exemplo que ela natildeo se aplica a

Saxo Ao Dictis Cretensis e o Daretis Phrygii devemos adicionar a proacutepria Eneida de

Virgiacutelio enquanto fonte de inspiraccedilatildeo para uma seacuterie de autores europeus429

O primeiro emprego das origens troianas para um povo europeu eacute efetuado

pelo Pseudo-Fredegaacuterio (c 727) que o aplica aos francos430

Um caso relevante para a

historiografia escandinava eacute a obra Historia Regum Britaniae de Geoffrey of Monmouth

(ca1100-1155) ndash esta uacuteltima note-se mais ligada agrave ldquoMateacuteria da Bretanhardquo do que agrave

ldquoMateacuteria de Romardquo mas que bebe igualmente da histoacuteria de Troia

No livro I de sua Historia Regum Britanniae Geoffrey of Monmouth conta que

apoacutes a guerra de Troacuteia Eneas refugiou-se na Itaacutelia Seu bisneto Brutus seria banido mas

algum tempo depois fora conduzido pela deusa Diana para uma ilha no ocidente que ele

nomeia ldquoBritanniardquo segundo o seu proacuteprio nome Agraves margens do Thames fundaria a

cidade de Troia Nova posteriormente renomeada para Londinium ndash a London atual Haacute

indiacutecios fortes de que em vaacuterios momentos Geoffrey of Monmouth tenha empregado a

Eneida de Virgilio431

Esta digressatildeo literaacuteria e histoacuterica nos eacute necessaacuteria porque toca diretamente na

questatildeo da transmissatildeo da temaacutetica para a Escandinaacutevia Geoffrey de Monmouth eacute

considerado uma das fontes e modelos principais para a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus432

cujo proacuteprio domiacutenio do latim nos daacute mostras de conhecimento de

Virgiacutelio433

Entretanto haacute na Islacircndia uma traduccedilatildeo de provavelmente da metade do seacuteculo

428

DacuteARCIER 14 429

MOLCHAN George Gregory Translating Arthur The Historia Regum Britaniae of Geoffrey of

Monmouth and Roman de Brut of Wace Doctoralacutes dissertation Louisiana State University December

2013 P76 430

DacuteARCIER 14 431

MOLCHAN 76 432

ELLIS-DAVIDSON 2006 09 53 56 72 92 160 433

Idem pp01 05-08 142

226

XIII434

para o vernaacuteculo da Daretis Phrygii de excidio Trojae historia A obra veio a ser

chamada de Troacutejumanna Saga ndash ldquoSaga dos homens de Troiardquo Ela se enquadra no

gecircnero conhecido como Riddarrasoumlgur ou ldquoSagas cavalheirescasrdquo que normalmente

consistem em traduccedilotildees de Chansons-de-Geste e literatura cortesatilde para o antigo

noacuterdico

Esta obra possui ao menos trecircs redaccedilotildees A primeira mais antiga presente no

Hauksboacutek recebeu por tal razatildeo o seu nome as outras duas provavelmente mais

tardias quiccedilaacute do seacuteculo XIV435

foram chamadas de ldquoalfardquo e ldquobetardquo Enquanto a versatildeo

do Hauksboacutek eacute bastante proacutexima agrave Daretis Phrygii encontram-se nas outras redaccedilotildees

influecircncias de autores latinos provavelmente a Ilias latina e a Heroides de Oviacutedio436

Em vista de tal variedade de redaccedilotildees e origens natildeo haacute possibilidade segura de

se conhecer quais foram as fontes exatas de Snorri Sturlusson tampouco as obras que o

mesmo possuiacutea a sua disposiccedilatildeo sequer se sabe com certeza qual fora o seu

conhecimento de latim437

Eacute possiacutevel que tivesse acesso agraves traduccedilotildees efetuadas dos gregos quiccedilaacute da

Eneida Eacute igualmente possiacutevel que tenha se valido de alguma traduccedilatildeo das mesmas para

o antigo noacuterdico tendo esta traduccedilatildeo conexatildeo ou natildeo com a Troacutejumanna saga

Quanto agraves diferenccedilas de paternidade ou descendecircncia entre Oacuteethinn e THORNoacuterr

encontradas no Proacutelogo e na Gylfaginning julgamo-las poucas para atestar uma

paternidade diversa ao Proacutelogo ndash ao menos em uma suposta redaccedilatildeo arquetiacutepica do

qual provavelmente a contida no Codex Uppsaliensis seja a mais proacutexima

O projeto da Edda como um todo eacute similar agrave construccedilatildeo de camadas

sucessivas seu nuacutecleo seu centro eacute o Hattataacutel Para compreendecirc-lo o leitor precisa de

dois campos do conhecimento bastante diversos o conhecimento das meacutetricas foacutermulas

e meacutetodos de composiccedilatildeo poeacutetica e o conhecimento dos mitos que provecircm temas e toda

a base para este cabedal linguiacutestico

Por fim o Proacutelogo eacute um complemento perfeito para o trabalho explicando os

mitos que por sua vez auxiliavam na compreensatildeo dos recursos linguiacutesticos e poeacuteticos

e do proacuteprio Hatattaacutel

434

LOUIS-JENSEN Jonna (ed) Troacutejumanna saga the Dares Phrygius version Copenhagen CA

Reitzel 1981 Pp LndashLVI 435

LOUIS_JENSEN Idem 436

ELDEVIK Randi Claire The Dares Phrygius Version of Troacutejumanna saga A Case Study in the

Cross-cultural Mutation of Narrative Doctoral dissertation Harvard University 1987-88 pp 06s 437

WANNER 2008 PAacuteLSSON Heimiacuter (ed) Introduction In The Uppsala Edda University College

London Viking Society for northern Research 2012 p xiv

227

Dadas as tradiccedilotildees europeias que ligam origens das naccedilotildees a imigrantes de

Troacuteia e dadas as proacuteprias semelhanccedilas fortuitas na maior parte das vezes superficiais

entre nomes como Troacuteia e THORNoacuterr Sibila e Sif Traacutecia e THORNruacuteethheim Aacutesia e Aacutesgarethr as

tradiccedilotildees medievais cristatildes e principalmente claacutessicas forneceratildeo os paracircmetros

atraveacutes dos quais os mitos seratildeo explicados e racionalizados Desta feita o

procedimento de trocar as relaccedilotildees familiares entre Oacuteethinn e THORNoacuterr apresenta-se como

plenamente aceitaacutevel e compreensiacutevel

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr

Magnus o bom e Haraldr Harethraethi

Nas fontes discutidas ateacute entatildeo haacute predominacircncia de reelaboraccedilatildeo claacutessica e

biacuteblica das visotildees de leste em detrimento do conhecimento geograacutefico e formulaccedilotildees

mais propriamente escandinavas

Austrvegr e Garethariacuteki estatildeo ausentes em tais fontes e em nossa discussatildeo ateacute o

momento com a pequena excessatildeo discutida a pouco sobre a possiacutevel associaccedilatildeo de

Austrvegr agrave terra dos mortos

Alguns autores alegaratildeo um desconhecimento e ignoracircncia sobre o leste da parte

dos autores islandeses e mesmo noruegueses438

Natildeo podemos concordar de todo com a

afirmaccedilatildeo mas em comparaccedilatildeo com o conhecimento dos daneses e principalmente

suecos a afirmaccedilatildeo possui certo fundamento

A Heimskringla apresenta informaccedilatildeo relevante sobre o leste que iremos

analisar agora Desta feita natildeo o leste extremamento reelaborado e ressignificado dos

Proacutelogos mas o leste de Austrvegr e Garethariacuteki

Categorizamos esta informaccedilatildeo em duas categorias principais a) informaccedilotildees

dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas b) o ciclo dos noruegueses refugiados em

Garethariacuteki

a) informaccedilotildees dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas

A Heimskringla nos traz nomes de reis relaccedilotildees dinaacutesticas e de parentesco

locais de governo informaccedilotildees sobre comeacutercio e economia informaccedilotildees geograacuteficas

438

AALTO amp LAAKSO 2009 06

228

Temos nomes de governantes de Garethariacuteki ValdimarrValdamarr Allogia e Jarisleifr

Vissavaldr bem como informaccedilotildees de parentesco dos mesmos como nomes de esposas

e filhos Ingigerd Ellisif Valdemar Vissivaldr Holte e Boldr

Encontramos nomes de localidades bastante especiacuteficos agrave Austrvegr Aethalsyacutesla

Eysyacutesla Baacutelagarethssiacuteetha o rio Viacutena bem como informaccedilotildees sobre as rotas comerciais

com Garethariacuteki e os Finnar aleacutem dos produtos trocados em tais rotas e a maneira com

que tal comeacutercio se dava

Entremeados na narrativa haacute ainda marcados estereoacutetipos eacutetnicos sobre os fino-

uacutegricos e uma descriccedilatildeo de costumes religiosos dos Bjarmar

b) o ciclo dos noruegueses refugiados em Garethariacuteki

Oacutelaacutefr Tryggvason Oacutelaacutefr Magnusson Magnus o bom e Haraldr Harethraacuteethi tecircm a

caracteriacutestica em comm de terem obtido exiacutelio e refuacutegio em Garethariacuteki Com exceccedilatildeo de

Oacutelaacutefr Magnusson todos passaram a infacircncia eou parte da juventude ali

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio

Na Oacutelafs saga Tryggvasonar439

eacute impossiacutevel desvincular seu protagonista da

regiatildeo de leste O iniacutecio de sua histoacuteria eacute contado nos capiacutetulos 05 a 07 Capturado por

vikings estonianos aos trecircs anos de idade Oacutelaacutefr passou seis anos como escravo na

Eistland440

Seu tio Sigurdr Eiriksson a serviccedilo de Valdimarr (Wladiacutemir) de Holmgard

(Novgorod) vem agrave Eistland coletar impostos descobre-o compra-o e o leva consigo

para Novgorod ocultando seu parentesco com o menino441

Algum tempo depois no mercado em Novgorod Oacutelaacutefr reconhece Klerkon o

viking estoniano que o comprara e matara seu pai adotivo Mata-o com um machado e

pede ajuda a Sigurethr que o leva para abrigo com a rainha Allogia442

Sigurethr revela agrave rainha a genealogia e sangue real de Oacutelaacutefr e a necessidade que o

mesmo tem de proteccedilatildeo visto a existecircncia de inimigos na Escandinaacutevia A rainha pede

ao rei que o acolha e Oacutelaacutefr passa nove anos com o ldquoRei Valdimarrrdquo443

O autor volta agrave Oacutelaacutefr apenas no capiacutetulo 21 Estimado pela rainha e pelo rei

439

Saga de Oacutelaacutefr Tryggvason 440

Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 05 ldquoOTrdquo nas citaccedilotildees subsequentes 441

OT 06 442

OT 07 443

OT 07

229

adquire fama e torna-se chefe e guerreiro Certos homens invejosos fizeram a cabeccedila do

rei contra Oacutelaacutefr e Valdimarr natildeo o trata tatildeo bem quanto antes Oacutelaacutefr decide partir para a

Escandinaacutevia fazendo-o com a benccedilatildeo da rainha

No capiacutetulo 31 Oacutelaacutefr converte-se ao Cristianismo e eacute batizado em Syllingar ndash

ldquoSiciacuteliardquo apoacutes previsotildees de um vidente e sua cura milagrosa apoacutes uma batalha

O capiacutetulo 90 nos provecirc de mais alguns nomes Jarl Eirikr faz uma expediccedilatildeo em

Austrvegr Atinge os domiacutenios do rei ldquoValdamarrrdquo e toma Aldeigjuborg (Ladoga)

Passaria cinco anos nesta expediccedilatildeo e segundo a saga quando deixou Garethariacuteki efetuou

reides em Aethalsyacutesla e Eysyacutesla

Os nomes da saga ndash tanto pessoais como topocircnimos - satildeo bem conhecidos em

outras fontes Sua elaboraccedilatildeo na Heimskringla transparece a existecircncia de contatos

iacutentimos entre as aristocracias da Rus e da Escandinaacutevia incluindo Noruega

O autor no entanto possui conhecimento limitado dos eventos Allogia

evidentemente recordaccedilatildeo do nome Olga aparentemente na saga eacute consorte do ldquoReirdquo

Valdimarr ndash escrito posteriormente na mesma saga como ldquoValdamarrrdquo

Valdimarr eacute Vladiacutemir I priacutencipe de Novgorod entre 970-978 e gratildeo-priacutencipe de

Kiev de 978 a 1015 Poreacutem filho de Olga Seu proacuteprio local de governo natildeo eacute citado

pelo autor

Haacute de se notar entretanto uma precisatildeo nos nomes ligados agrave Austrvegr

Aethalsyacutesla e Eysyacutesla satildeo nomes bastante especiacuteficos respectivamente da costa ocidental

estoniana e da ilha de Saaremaa

A partir da Oacutelaacutefs saga ins Helga444

a informaccedilatildeo do autor torna-se mais

verossiacutemil e acurada Nesta saga e nas seguintes ndash de Magnus o bom e de Haraldr

Harethraacuteethi o governante da Rus eacute Iaroslav ndash Jarisleifr no antigo noacuterdico Ele casa-se no

capiacutetulo 95 com Ingigerd filha do rei sueco Oacutelaacutefr ndash evento que se deu de fato em

1019

A saga lista os filhos do casal Valdemar Vissivald Holte e Bold sendo que o

capiacutetulo 17 da Haralds saga Harethraacuteetha acrescenta agrave lista Ellisif que como adiciona o

autor era conhecida como Elizabeth

Iaroslav I o saacutebio teve com Ingigerd da Sueacutecia os seguintes filhos por ordem

de nascimento Vladimir Iziaslav I Anastasia Sviatoslav II Vsevolod I Elizabeth

Anne Viatcheslav e Igor445

444

ldquoSaga Oacutelaacutefr o santordquo 445

PVL 299s

230

Iaroslav foi filho de Vladimir Por ocasiatildeo da morte de seu pai em 1015 tornou-

se co-regente em Novgorod enquanto seu irmatildeo Sviatopolk tomava o poder em Kiev

apoacutes diversas disputas nas quais os outros irmatildeos foram mortos ndash dentre os quais Boris

e Glieb primeiros santos da Ruacutessia446

Com a ajuda de varegues Iaroslav venceu

Sviatopolk em 1019 tomando o poder tanto de Novgorod quanto de Kiev447

Iaroslav

iniciou tambeacutem a codificaccedilatildeo legal na Rus a chamada ldquoRusskaia pravdardquo448

Em 1030 Iaroslav construiu na Estocircnia o forte de Iuriev na antiga vila de

Tarbatu que viria a ser conhecida posteriormente como Tartu coletando a partir de laacute

tributos das tribos estonianas vizinhas449

Retornando agrave saga no capiacutetulo 191 o rei Oacutelaacutefr vai para a Rus com seu filho

Magnus apoacutes revoltas na Noruega contra ele Ali eacute recebido por Jarisleif e sua esposa

Ingegerd O rei lhe oferece o reino da Bulgaria450

mas Oacutelaacutefr decide retornar agrave

Noruega451

apoacutes um sonho premonitoacuterio452

Magnus fica com Jarisleifr e Ingegerd que

providenciam cavalos e outros recursos necessaacuterios De fato sabe-se que Iaroslav

proveu refuacutegio para Oacutelaacutefr no ano de 1028453

A saga eacute encerrada apoacutes a morte de Oacutelaacutefr Einar Tambaskelfer e Kalf Arnalson

mandam mensagens para Jarisleifr pedindo que Magnus vaacute para a Noruega assumir o

trono Jarisleifr os convida a buscaacute-lo na proacutepria Novgorod454

Apoacutes isto a Saga de Magnus o bom narra brevemente em seu primeiro capiacutetulo

o seu retorno para a Noruega saindo de Novgorod via Ladoga o exiacutelio de Magnus na

Rus fora contado antes na saga de seu pai

O ciclo eacute encerrado com a Haralds saga Harethraacuteetha Meio irmatildeo de St Oacutelaacutefr

Haraldr escapou da batalha de Stiklestad na qual aquele morrera Tinha 15 anos tendo

encontrado refuacutegio na Rus novamente sob a proteccedilatildeo de Jarisleifr455

Harald passa

vaacuterios anos ali viaja e faz expediccedilotildees nas regiotildees circundantes e vai para

Constantinopla456

446

MARTIN Janet Medieval Russia 980-1584 Cambridge at the University Press 1996[1995] Pp22-

26 447

Idem 44 448

Idem 71 449

Idem 43s 450

Oacutelaacutefs saga ins Helga 198 ldquoOSrdquo nas proacuteximas citaccedilotildees 451

OS 202 452

OS 199 453

MARTIN 44 454

OS 265 455

Haralds saga Harethraacuteetha capiacutetulo 01 Citada como ldquoHHrdquo 456

HH 02

231

A saga nos daacute o nome de mais de um imperador iniciando por Michael

ldquoCatalactusrdquo e a imperatriz ldquoZoerdquo O contexto eacute complexo chamado por Vryonis de

ldquointerluacutedio burocraacutetico do seacuteculo XIrdquo457

e haacute uma sucessatildeo de governantes

Miguel IV o Paflagocircnio foi casado de fato com Zoe Porfirogecircnita e governou

Bizacircncio de 1034 a 1041458

O apelido dado pela saga no entanto provavelmente

refere-se a Miguel V ldquoKalaphatesrdquo sobrinho de Miguel IV e filho adotivo de Zoe que

governou apenas quatro meses entre os anos de 1041 a 1042459

O governo deu-se apoacutes

isto com a coregecircncia de Zoe e seu novo marido Constantino IX ldquoMonomachosrdquo ndash

tambeacutem citado na saga no capiacutetulo 13

A saga nos diz que Harald participou trecircs vezes do costume de ldquopoluta-svarfrdquo

que permitia que a guarda varegue tomasse parte do tesouro do imperador quando este

morresse460

ndash o que implica numa troca de trecircs imperadores e recuaria a chegada de

Harald a Bizacircncio ao imperador Romano III morto em 1034 jaacute que Constantino IX

morreria apenas em 1055461

Harald juntou-se agrave Guarda dos Varegues da qual foi feito chefe462

Efetua

expediccedilotildees em Serkland que a Saga equaliza com ldquoAacutefricardquo ndash aqui enfatizando

Serkland enquanto terra Sarracena Passou anos ali e enviava a riqueza que adquiria

para Jarisleifr463

Harald efetua muitos ataques a castelos na Siciacutelia464

informaccedilatildeo

coerente com o periacuteodo no qual os governantes de Bizacircncio tentavam retomar o

controle da ilha tomada pelos islacircmicos465

O capiacutetulo 09 cita dois islandeses que estavam com Haraldr na guarda varegue

Um deles Haldor foi ancestral de Snorri Sturluson Haraldr retorna com eles e com os

demais varegues para Constantinopla e depois ruma para Jerusaleacutem466

Ouvindo que seu sobrinho Magnus tornou-se rei na Noruega deseja retornar

Apoacutes intrigas em Constantinopla eacute preso pelo Imperador467

Tem uma visatildeo de St

457

VRYONIS Spero Bizacircncio e Europa Lisboa Editorial Verbo sd [London 1967] 458

VRYONIS 08 459

Idem 460

HH 13 461

VRYONIS 08 462

HH 03 463

HH 05 464

HH 06 465

ANGOLD Michael Bizacircncio a ponte da Antiguidade para a Idade Meacutedia Rio de Janeiro Imago

2002 [2001] p 125 466

HH Caps 11 amp 12 467

HH 13

232

Oacutelaacutefr e foge com a ajuda de milagres468

Por fim volta para Novgorod com Jarisleifr469

casando-se com sua filha Ellisif

(Elisabeth)470

Em todas estas passagens relacionadas agrave eacutepoca de Iaroslav haacute lugares comuns

como visotildees sonhos e artifiacutecios Os nomes no geral estatildeo de acordo com outras fontes

conhecidos havendo poucas discrepacircncias ndash no narrado ateacute agora a uacutenica dificuldade eacute

Jarisleifr em Novgorod Na altura do retorno de Haraldr para a Rus Iaroslav jaacute

governava em Kiev

Em todas estas sagas haacute a repeticcedilatildeo do tema de um norueguecircs de sangue real que

foge ou eacute levado por seu pai ou protetor para Garethariacuteki e laacute encontra abrigo proteccedilatildeo e

mesmo oportunidades

A atitude do autor em relaccedilatildeo agrave Garethariacuteki eacute benevolente no geral Arriscamos a

sugerir que Garethariacuteki assumiraacute um papel de extensatildeo da Escandinaacutevia propriamente

dita A extensatildeo em que haacute identificaccedilatildeo ou reconhecimento de diferenccedilas eacute duacutebia

Na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar o distanciamento parece maior Sigurethr ao

encontrar Oacutelaacutefr no mercado de escravos percebe ldquoque ele devia ser estrangeirordquo471

No

capiacutetulo 21 tendo ele crescido e adquirido respeito e comando temos o seguinte

comentaacuterio

Mas aconteceu como geralmente pode acontecer que quando

estrangeiros chegam ao poder ou em grande fama que ultrapassam os

nativos que muitos eram invejosos de quatildeo querido ele era para o rei

e natildeo menos para a rainha472

O proacuteprio Oacutelaacutefr no entanto em suas viagens apoacutes sair de Garethariacuteki usa o nome

ldquoOacutelirdquo ldquoAlirdquo ou ldquoOlerdquo e afirma ser russo (ldquogerzkrrdquo473

) Encontramos esse artifiacutecio ndash em

parte justificado devido ao desejo do mesmo de se ocultar dos seus inimigos e comum

em vaacuterias sagas ndash nos capiacutetulos 31 32 46 e 47

Nas sagas seguintes no entanto natildeo haacute referecircncias similares Antes o que

encontramos ndash tambeacutem presente na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar satildeo estereoacutetipos em

relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos

468

HH Caps 14 amp 15 469

HH 16 470

HH 17 471

() at saacute myndi thornar uacutetlendrrdquo Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 07 472

En vareth thornat sem optliga kann veretha thornar er uacutetlendir menn hefjask til riacutekis eetha til svaacute mikillar fraeliggethar

at thornat verethi umfram innlenzka menn at margir ọfunduethu thornat hversu kaeligrr hann var konungi ok eigi siacuteethr

droacutetningu () Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 21K 119 473

ldquo( ) Oacutela ok kvazk vera gerzkrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 31 K 125

233

Na batalha final de Oacutelafr Trygvassonar haacute um arqueiro cujo nome eacute ldquoFinnrrdquo ou

que eacute saami (ldquofinnarrdquo) ldquoEntatildeo o jarl falou para o homem que alguns chamavam Finnr

apesar que alguns diziam que ele era Finskr ndash ele era o melhor arqueirordquo474

A vinculaccedilatildeo das duas ideias (bom arqueiro e finskr) poderia ser casual natildeo

fosse sua repeticcedilatildeo na Oacutelaacutefs saga ins Helga no capiacutetulo 82

Havia um homem das terras altas chamado Finn o pequeno e

alguns diziam que ele era da raccedila (aeligtt) dos finnar ele era um homem

muito pequeno e de peacutes tatildeo raacutepidos que nenhum cavalo podia

ultrapassaacute-lo ele era um corredor muito bem exercitado

especialmente com sapatos de neve e atirador com o arco475

Outras citaccedilotildees associam os finnar com praacutetica de maacutegica e artes sorrateiras

como eacute comum em outras sagas e outras seacuteries de fontes escandinavas No capiacutetulo 07

os finnar conjuram espiacuteritos contra os noruegueses no capiacutetulo 83 o haacute pouco

mencionado Finn o pequeno insere ervas na bebida dos homens do rei aumentando

exponencialmente seu efeito Por fim na proacutepria batalha na qual S Oacutelaacutefr eacute morto476

o

skaldr Sigvatr cantaria que o rei provara da ldquohabilidade maacutegica dos finnarrdquo477

4210 Conclusotildees parciais

Nas obras islandesas do seacuteculo XIII de cunho histoacuterico eacute possiacutevel se delinear

duas fontes principais de conhecimento referente ao leste a tradiccedilatildeo escandinava de

conhecimento do Baacuteltico e adjacecircncias e a tradiccedilatildeo medieval ocidental formada a partir

de erudiccedilatildeo grego-romana e biacuteblica

As partes das obras citadas dotadas de cunho de instruccedilatildeo apresentaccedilatildeo ou

explicaccedilotildees geneacutericas possuem uma elaboraccedilatildeo mais marcada pela tradiccedilatildeo biacuteblica e

claacutessica Nesse caso situam-se o Proacutelogo da Edda e Ynglingasaga e a referecircncia a

Austrvegr e Garethariacuteki eacute praticamente nula

Em relaccedilatildeo agraves narrativas e sagas dos islandeses a situaccedilatildeo diverge havendo o

predomiacutenio da tradiccedilatildeo de natureza mais notadamente escandinava Nesta situaccedilatildeo

enquadram-se as sagas que compotildeem a Heimskringla e trechos da Edda em prosa

474

ldquoTHORNaacute maeliglti jarl vieth thornann mann er suimr nefna Finn em sumir segja at hann vaeligri finzkr ndash saacute var inn

mesti bogmaethrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 108 K 179 475

Maethr er nefndr Fiethr liacutetli uplenzkr maethr em sumir sehja at hann vaeligri finzkr at aeligtt hann var allra

manna minztr ok allra manna foacutethvatastr svaacute at engi hestr toacutek hann aacute raacutes hann kunni manna bezt vieth skieth

ok boga ()Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON 1911 82 K 244 476

OH 228 477

ldquofjọlkunnigra Finnardquo

234

O leste eacute um instrumento poderoso na tentativa de conexatildeo das duas tradiccedilotildees ao

fornecer uma localizaccedilatildeo geograacutefica para o centro do mundo e as regiotildees de origens

Nesta reelaboraccedilatildeo feita de forma evemerista a tradiccedilatildeo biacuteblica ganha mais forccedila do

que as demais

Passaremos a seguir a observar a situaccedilatildeo apresentada na obra de Saxo

Gramamticus na Dinamarca

235

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum

Ao nosso conhecimento Saxo Grammaticus eacute autor de apenas uma obra a

Gesta Danorum Esta verdadeira Histoacuteria foi composta no periacuteodo da forte dinastia dos

Valdemares sob encomenda e patronato do arcebispo Absalatildeo sucessor de Eskill em

Lund e possivelmente depois sob seu sucessor e sobrinho Anders Sunesson

Diferentemente de Snorri sabe-se pouco acerca de Saxo e o que se sabe eacute em

grande parte conjectural Praticamente toda a informaccedilatildeo relevante acerca de Saxo seja

informaccedilatildeo de fato ou trate-se de conjunturas foi enumerada por Paul Johansen de

forma hipercriacutetica e resumida de formas mais convenientes e moderadas nos prefaacutecios

agraves traduccedilotildees de inglesa de Elton e Zeeberg sendo que pouco podemos acrescentar de

novo nesse sentido e incorremos no risco de repeticcedilatildeo tanto dos citados autores quanto

de noacutes mesmos

No prefaacutecio da Gesta Saxo afirma que seu pai e avocirc teriam servido a Valdemar

I Eacute improvaacutevel portanto que ele mesmo tenha nascido antes de 1150 O argumento

sobre a dataccedilatildeo de sua morte nas proximidades de 1220478

eacute fraacutegil Tem por base

principal de que foi por razatildeo de sua morte que Saxo natildeo teria narrado os eventos da

vida de Valdemar II principalmente sua conquista da Estocircnia As proximidades de 1185

satildeo mais aceites de forma geral como o iniacutecio da escrita da obra e os uacuteltimos eventos

nela narrados ocorreram em 1187479

Acerca da origem de Saxo haacute a possibilidade de que seja proveniente da

Zelacircndia O iniacutecio do argumento eacute relativamente fraco tendo recebido mais peso pela

tradiccedilatildeo de seus editores dos tempos de Poacutes-Renascimento e Reforma Protestante o

discurso de Saxo e supostamente seu ldquotomrdquo natildeo poupariam elogios aos Zeelandeses

sendo a regiatildeo por vezes referenciada enquanto o ldquocentro da Dinamarcardquo mas a citaccedilatildeo

a esta referecircncia eacute a uacutenica evidecircncia contemporacircnea do proacuteprio texto de Saxo

A tradiccedilatildeo renascentista daraacute continuidade a esta ideia A crocircnica da Jutlacircndia

escrita em 1431 atribui sua origem agrave Zelacircndia assim como seu tiacutetulo Grammaticus480

A primeira ediccedilatildeo da Gesta de 1514 pelo bispo Urnes o cita como zeelandecircs de forma

que pode implicar um conhecimento geral e banal de tal proveniecircncia O nome ldquoGesta

478

ELLIS-DAVIDSON 2006 p 12 479

Idem p10 480

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

236

Danorumrdquo eacute empregado pela primeira vez na Crocircnica da Zelacircndia que tambeacutem refere-

se a Saxo como Cognomine Longus (apelidado o ldquocompridordquo o ldquoaltordquo)

Da relaccedilatildeo entre Sven Aggesen e Saxo Grammaticus sabe-se igualmente pouco

O avocirc de Saxo Grammaticus teria servido a Valdemar I (provavelmente

portanto apoacutes 1157) mas o pai de Sven foi morto em guerra em 1132 Dessa forma

Saxo provavelmente era bem mais jovem que Sven

Ainda assim eacute citado pelo mesmo como seu associado (contubernalis)

Contubernalis eacute traduzido ao peacute-da-letra como ldquocompanheiro de tendardquo e tal citaccedilatildeo da

parte de Sven levantou a hipoacutetese de que Saxo fora um guerreiro ou um soldado

Poreacutem contubernalis pode ser traduzido de inuacutemeras formas como por

exemplo ldquocolegardquo ou ldquocompanheirordquo481

tornando bem mais provaacutevel que Sven e Saxo

tenham sido eclesiaacutesticos

Karsten Friis-Jensen482

identifica Saxo como um cacircnon de Lund que

testemunhou alguns tiacutetulosdecretos em 11803 e 11971201 Esta hipoacutetese eacute mais aceita

do que a que considera Saxo como um deatildeo de Roskilde Segundo ideacuteia difundida pelo

bispo Lave Urne da proacutepria Roskilde Saxo seria certo provoste que teria viajado a

Paris em 1165 Tal data encontraria um Saxo Grammaticus demasiadamente idoso483

e

trata-se portanto de maacute compreensatildeo do bispo Lave Urne ou mesmo maacute feacute no sentido

de trazer atenccedilatildeo ao seu proacuteprio bispado mas natildeo eacute nossa tarefa julgar o mesmo

No Praefatio da Gesta Saxo descreve a si mesmo como algueacutem a serviccedilo de

Absalatildeo como o ldquouacuteltimo de seus seguidoresrdquo484

Eacute de fato possiacutevel encontrar o nome

ldquoSaxordquo em uma lista de cleacuterigos na catedral de Lund No caso o dito cujo seria um

acoacutelito o grau mais baixo entre os cacircnons Natildeo podemos ter certeza da identificaccedilatildeo no

entanto De fato ldquocomitum suorum extremordquo eacute uma mera e comum foacutermula de

submissatildeo natildeo implicando de fato em uma pista segura485

Haacute ainda no monasteacuterio de Soslashro uma nota deixada pela vontade de Absalatildeo

Segundo ela ele enviara a quantia de dois marcos e meio de prata emprestada ao seu

clericus Saxo Saxo tambeacutem deveria devolver ao monasteacuterio de Soslashro os dois livros que

481

CHRISTIANSEN 1992 2s 482

FRIIS-JENSEN K Was Saxo a Canon of Lund In Cahiers de lacuteInstitut du Moyen-acircge Grec et Latin

lix 1989 pp331-357 483

ELTON Preface 484

ldquoComitum suorum extremordquo In GESTA DANORUM Praefatio 485

FRIIS-JENSEN 1989 332

237

o arcebispo emprestara a ele Possivelmente eram dois coacutedices de Valeacuterio Maximo e

Justino que foram presenteados agrave biblioteca em Soslashro por Absalatildeo e que foram autores

cuja influecircncia eacute claramente perceptiacutevel na Gesta Danorum486

Tambeacutem natildeo se sabe com exatidatildeo aonde Saxo teria estudado A opccedilatildeo pelo

modelo de obra e o costume danecircs eclesiaacutestico agrave eacutepoca levantam a possibilidade de um

tempo no exterior quiccedilaacute Paris ou alguma outra localidade franca O proacuteprio Saxo afirma

no Praefatio que o arcebispo em sua eacutepoca Anders teria estudado em Paris Bologna e

Oxford

Em suma em meio a uma profusatildeo de referecircncias a eclesiaacutesticos chamados Saxo

em deacutecadas distintas eacute possiacutevel criar a imagem de um Saxo nascido ou proveniente da

Zeelacircndia descendente de uma famiacutelia aristocraacutetica ou de guerreiros Possivelmente

estudara no exterior o que reforccedilaria uma origem de uma famiacutelia com alguns recursos

ou ao menos oriunda do extrato dos pequenos proprietaacuterios livres

Seria no entanto um cleacuterigo possivelmente cacircnon em Lund e a despeito de

sua autoreferida posiccedilatildeo falsa modeacutestia ou mero topos de consistir em um dos

ldquomenoresrdquo tratava-se um indiviacuteduo de reconhecida capacidade literaacuteria e domiacutenio da

produccedilatildeo escrita claacutessica a ponto de ter para si o encargo de tarefa importante das matildeos

de um dos maiores liacutederes de seu seacuteculo

Quanto agrave sua obra o nome dado pelo proacuteprio autor eacute desconhecido ldquoGesta

Danorumrdquo eacute denominaccedilatildeo posterior Sua primeira impressatildeo deu-se em 1514 por

Jodocus Badius Ascensius em Paris da ediccedilatildeo de Christiern Pedersen trazendo o tiacutetulo

ldquoDanorum Regum heroumque Historiaerdquo Esta ediccedilatildeo tornou-se a base para todas as

versotildees e ediccedilotildees posteriores

Existem alguns fragmentos mais antigos dos quais o mais extenso eacute o

fragmento de Angers (Ny kgl Saml 4to 869 g) que conteacutem anotaccedilotildees atribuiacutedas ao

proacuteprio Saxo e conteacutem parte do livro I Outros fragmentos datam de 1275 e satildeo

menores Tratam-se dos fragmentos de Lassen contendo o livro VI de Kall-Rasmussen

contendo o livro VII - ambos satildeo agrupados como ldquoBDrdquo - e de Plesner (ldquoErdquo conteacutem o

livro XIV) Com exceccedilatildeo do manuscrito de Angers todos os fragmentos encontram-se

depositados na Biblioteca Real da Dinamarca em Copenhague sob registro Ny kgl

Saml Fol 570

486

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

238

Legenda

________________________ Relaccedilatildeo modelo-coacutepia (texto completo ou excertos)

-------------------------------------- Transformaccedilatildeo deliberada (epiacutetomerevisatildeo traduccedilatildeo )

helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip Contaminaccedilatildeo ocasional variaccedilotildees de leitura relatadas

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol 570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum In BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of

Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN 1981 P 10

239

O texto de 1514 chamado de ldquoEdiccedilatildeo de Parisrdquo (a) eacute no entanto o uacutenico

testemunho completo que temos do trabalho de Saxo Muito de discutiu se o suposto

arqueacutetipo (X) foi escrito totalmente pelo proacuteprio Saxo ou se houve interpolaccedilatildeo de

algum editor do seacuteculo XIII487

Boserup eacute da posiccedilatildeo de que o testemunho do manuscrito de Angers daacute

suficientes indiacutecios de que o proacuteprio Saxo foi responsaacutevel pela escrita de sua obra como

um todo na forma em que foi reproduzida posteriormente488

Esta posiccedilatildeo tem ateacute o

presente momento encontrado boa acolhida no meio acadecircmico A figura 20 conteacutem

Stemma que representa bem o consenso acadecircmico sobre a questatildeo

O nome ldquoGesta Danorumrdquo data de 1342 Foi encontrado na Chronica Jutensis

tambeacutem conhecida como Compendium Saxonis que consistiu em uma versatildeo resumida

da Gesta Danorum constando aproximadamente de um quarto de seu tamanho As

versotildees e ediccedilotildees posteriores da Gesta empregavam nomes diversos o tiacutetulo passou a

ser empregado mais genericamente a partir do seacuteculo XIX Quanto agrave ediccedilatildeo de

Pedersen foi feita com uma coacutepia antiga do texto encontrada com o arcebispo de Lund

Birger Gunnerssen

A identificaccedilatildeo imediata do gecircnero literaacuterio precisa ser feita tendo em vista

outras caracteriacutesticas que natildeo apenas o tiacutetulo O nome concedido no seacuteculo XIV e

difundido contemporaneamente associa seu conteuacutedo com as Chansons-de-Geste

datadas do seacuteculo XII e que fazem parte de um escopo literaacuterio mais amplo que inclui

temaacuteticas relativas agrave cavalaria e agrave sociedade cortesatilde mas que possuem caracteriacutesticas

formais distintas e estatildeo particularmente circunscritas agrave regiatildeo da Francia

Certamente tal difusatildeo de ideacuteias fez-se tambeacutem na Dinamarca em particular

devido ao nuacutemero de cleacuterigos que estudava em Francia e no estrangeiro oferecendo um

modelo literaacuterio adequado aos propoacutesitos de Saxo Como jaacute afirmamos influecircncia

similar ocorreu na proacutepria Islacircndia ainda que posteriormente com as Riddarasoumlgur

Poreacutem natildeo eacute adequado classificar a Gesta Danorum como uma Chanson-de-

Geste apesar do nome atribuiacutedo a ela ndash como jaacute vimos por sua posteridade Ainda

assim natildeo descartamos a possibilidade de que Saxo tenha se inspirado ao menos

parcialmente em obras do gecircnero ou influenciadas por ele

Alguns dos elementos carateriacutesticos dessa modalidade satildeo encontrados na

487

BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN

1981 P 09 488

BOSERUP 25

240

Gesta Danorum Primeiramente a temaacutetica eacutepica e os feitos de um povo e de heroacuteis O

povo eacute o danecircs Os heroacuteis satildeo vaacuterios normalmente reis e heroacuteis em sentido beacutelico mas

que via de regra espelham o principal heroacutei da Gesta que eacute o arcebispo Absalatildeo A

exaltaccedilatildeo de ambos - tanto o povo danecircs quanto o arcebispo-heroacutei - encontra-se

expliacutecita no Praefatio

Em relaccedilatildeo agrave linguagem natildeo se pode afirmar da mesma forma A Gesta

Danorum eacute escrita em latim natildeo em vernaacuteculo contrariamente agraves Chansons-de-Geste

O ato de cantar os feitos dos heroacuteis por meio de formas poeacuteticas ndash comum agraves

Chansons-de-Geste - eacute comum em toda a Gesta Danorum mas natildeo se presta para

classificaacute-la no gecircnero visto espelhar tradiccedilotildees escandinavas antigas ndash como a

escaacuteldica Saxo reivindica para si o papel de tradutor de algueacutem transmite que os

cantares e tradiccedilotildees de seu povo

Acerca da sacralizaccedilatildeo dos guerreiros e da visatildeo da aristocracia por um vieacutes

clerical a Gesta Danorum apresenta material exemplar tanto por conter narrativas de

Cruzadas propriamente ditas quanto por derivaacute-las do passado miacutetico A temaacutetica das

Cruzadas contra os eslavos ocidentais permeia toda a Gesta Danorum de forma

expliacutecita entre os livros X-XIV e de forma esquemaacutetica ideoloacutegica e velada nos livros

de I a IX489

A Gesta Danorum apresenta um constante agrupamento de feitos histoacutericos e

narraccedilatildeo croniacutestica com tradiccedilotildees miacuteticas na tentativa de alinhaacute-las de forma

razoavelmente loacutegica em uma linha genealoacutegica preacute-estabelecida

Eacute possiacutevel que tanto Saxo quanto Sven tenham se baseado em alguma

genealogia na qual foram acrescentando material externo Nesse agrupamento e

ordenaccedilatildeo de fontes o material oriundo das memoacuterias dos arcebispos seria colocado de

maneira semelhante ao originaacuterio de tradiccedilotildees miacuteticas

Quando o material oriundo de outras tradiccedilotildees natildeo se ajusta harmonicamente

aos relatos de testemunhas oculares ou aos quais Saxo atribua maior valor como os de

Absalatildeo os por ele proacuteprio vividos ou ao proacuteprio material considerado como

pertencente ao campo da ldquohistoacuteriardquo avalizada como por exemplo Beda Saxo

racionaliza os mitos antigos procurando tornaacute-los plausiacuteveis aos seus olhos e aos de seu

leitor A exemplo de Snorri e a tradiccedilatildeo islandesa Saxo recorre ao evemerismo

Saxo a despeito de ser um escritor comissionado natildeo apenas transcreve o que

489

MUCENIECKS 2008 51 57-61 102-104

241

lhe eacute dito nem reproduz simplesmente certa posiccedilatildeo poliacutetica Com frequecircncia profere

juiacutezos claros de valor sobre uma histoacuteria que acabou de narrar Entretanto ao se

observar a forma como ele a narra ou os episoacutedios posteriores a ela o leitor percebe

claramente que sua ideacuteia eacute exatamente oposta

Na proacutepria narrativa da trajetoacuteria de seu patrono Absalatildeo alguns entrevecircem a

possibilidade de que para Saxo o arcebispo se ocupasse demasiadamente com os

assuntos mundanos e laicos490

A escolha dos personagens-fonte para as narrativas tambeacutem revela paracircmetros

proacuteprios individuais A grande maioria dos heroacuteis vilotildees e demais personagens da

Gesta possuem paralelos em sagas poemas e narrativas

Raramente poreacutem Saxo conta uma tradiccedilatildeo de forma similar agraves outras fontes

escandinavas Em algumas circunstacircncias nas quais se possui narrativas mais completas

ndash como a Edda de Snorri - Saxo por vezes inverte o papel entre protagonista e

antagonista

Temos um exemplo claro no mito de BalderusBalethr do qual temos outra

versatildeo em Snorri Saxo inverte o papel de Balethr transformando-o em vilatildeo e

transferindo suas caracteriacutesticas boas para o adversaacuterio HotherusHoumlethr ndash que por sua

vez eacute apenas um joguete nas matildeos de Loki na narrativa da Edda de Snorri A proacutepria

planificaccedilatildeo entre ldquomaurdquo e ldquobomrdquo evidente em Saxo natildeo possui tal dimensatildeo de certo

e errado nas narrativas da Edda

Alguns dos episoacutedios aos quais Saxo apresenta maior cuidado de elaboraccedilatildeo

por muitas vezes natildeo centralizam sua atenccedilatildeo nos reis mas em algum heroacutei paralelo agrave

narrativa do rei este dessa forma ainda que o suposto protagonista oferece interesse

secundaacuterio para o leitor frente ao heroacutei

O arcebispo Absalatildeo faleceu em 1202 Saxo provavelmente concluiu a escrita da

Gesta entre 1215 a 1219491

ano no qual foi construiacutedo por Valdemar o forte de Tallinn

na Estocircnia492

O Praefatio cita a campanha de Valdemar no Elba mas cala sobre a na

Estocircnia Eric Christiansen assume uma data limite de 1215 e argumenta que apoacutes a

expediccedilatildeo de 1206 de Valdemar agrave Estocircnia ldquoSaxo que ainda escrevia sua Gesta nesta

490

SAWYER amp SAWYER 2003 225 CHRISTIANSEN 1997 60s 491

CHRISTIANSEN 1997 110 492

URBAN William The Baltic Crusade Chicago Lithuanian Research and Studies Centre 1994 Pp

124s

242

eacutepoca foi avivando sua narrativa com faacutebulas de como os ancestrais do rei tinham

povoado a Ruacutessia e conquistado o Daugava os Estonianos e os finesesrdquo493

Apoacutes o falecimento do arcebispo o curso do trabalho parece ter mudado Eacute uma

ideia bem aceita de que Saxo escreveu primeiramente os uacuteltimos livros (X-XVI) da

Gesta tendo iniciado posteriormente a escrita dos primeiros (I-IX) que veiculam as

origens dos daneses e os tempos de paganismo494

Haacute consideraacutevel contraste entre as

duas partes da obra e o procedimento de praxe tecircm sido dividi-las como parte miacutetica (I-

IX) e ldquohistoacutericardquo (X-XVI) a uacuteltima baseada nas memoacuterias de Absalatildeo (ver Tabela 06)

Arcebispo Rei Livros escritos Aspecto geral

Absalatildeo Valdemar I

amp Knut IV

X-XVI Crocircnica da Dinamarca Feitos de Absalatildeo

as cruzadas na Slavia

Anders Sunesson Valdemar II I-IX ldquoPreacute-Histoacuteriardquo da Dinamarca evemerismo

dos mitos do norte

Anders Sunesson Valdemar II Prefaacutecio Descriccedilatildeo geral do trabalho e do mundo

agradecimentos e homenagens

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto (do autor)

A despeito dessa divisatildeo eacute possiacutevel encontrar unidade em ideologias e

propoacutesitos em ambas as partes por mais diferentes que pareccedilam entre si Nesse sentido

diversos autores identificaram esquemas e ordenaccedilotildees especiacuteficas na Gesta Inge

Skovgaard-Pedersen (1975)495

defende uma divisatildeo quadripartite na obra os livros I-IV

conteacutem o mundo antes do nascimento de Cristo os V-VIII o periacuteodo anterior agrave

conversatildeo da Dinamarca os livros IX-XII narram o crescimento na igreja danesa e XIII

a XVI o estabelecimento dos arcebispados Kurt Johannesson (1978-1981) identificou

uma elaboraccedilatildeo crescente na gesta Danorum que apresenta as Quatro Virtudes

Cardinais496

e Sigurd Kvaeligrndrup defendeu (2004) a existecircncia de doze princiacutepios e uma

emulaccedilatildeo de ldquoFeitos e ditos memoraacuteveisrdquo de Valeacuterio Maacuteximo497

493

CHRISTIANSEN 1997 110s 494

ELLIS-DAVIDSON 2006 11 495

SKOVGAARD-PEDERSEN I Gesta Danorums genremaeligssige placering In BOSERUP Ivan (ed)

Saxostudier Copenhagen Museum Tusculanum 1975 Pp 20-29 496

JOHANNESSON 1981 121 497

KVAEligRNDRUP 2004 28

243

431 O Evemerismo de Saxo

O evemerismo na Gesta Danorum de longe recebe a atenccedilatildeo dos estudiosos de

sua contraparte na Edda e na Ynglingasaga Sob consideraccedilotildees meramente estiliacutesticas

seu texto apresenta uma elaboraccedilatildeo muito distinta da dos autores islandeses e pode por

vezes ser de difiacutecil compreensatildeo e interpretaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo ao predomiacutenio da escola da Gelehrte Urgeschichte na

Heimskringla e Edda em Prosa a forma interpretativa mais difundida sobre o tema em

Saxo foi feita por Georges Dumeacutezil em Du mythe au roman de 1970 que analisa-o sob

a oacutetica dos estudos mitoloacutegicos mais especificamente o material contido no livro I

referente a Hadingus

Existem dois episoacutedios especiacuteficos no livro I nos quais Saxo Grammaticus

apresenta explicaccedilotildees evemeristas Dumeacutezil chama-os de ldquoDigressotildees mitoloacutegicasrdquo O

primeiro dos episoacutedios disserta sobre trecircs raccedilas de feiticeiros (mathematici) gigantes

magos e o cruzamento de ambos Os gigantes possuiacuteam grande tamanho mas os

poderes dos maacutegicos eram superiores O resultado do cruzamento entre as duas raccedilas

produziu descendentes que natildeo possuiacuteam nem o tamanho dos gigantes nem as artes dos

maacutegicos Todos vieram a ser chamados de deuses

O episoacutedio estaacute inserido apoacutes a abertura da narrativa sobre Hadingus e a

descriccedilatildeo de como o mesmo foi adotado por gigantes apoacutes a morte de seu pai [151]

Dumeacutezil procura explicar a passagem estruturalmente com base em comparaccedilotildees entre

gigantes e homens e os ases e vanes da mitologia escandinava498

A interpretaccedilatildeo nos parece razoaacutevel a despeito das ressalvas de Boulhosa499

e

pode ser pensada paralelamente com os mitos de criaccedilatildeo escandinavos aos quais temos

acesso por meio de Snorri nos quais gigantes e deuses estatildeo presentes

O que nos parece entretanto como Dumeacutezil tambeacutem nota500

eacute que o episoacutedio

do cruzamento das raccedilas possa conter alguma reminiscecircncia do capiacutetulo 06 do livro do

Gecircnesis que narra o cruzamento das filhas dos homens com seres sobrenaturais

algumas traduccedilotildees inclusive enfatizam a existecircncia de gigantes

Natildeo nos deteremos nesse episoacutedio que aos nossos propoacutesitos serve apenas de

forma acessoacuteria no sentido de explicar parcialemente a metodologia hermenecircutica de

498

DUMEacuteZIL Do mito ao romance a Saga de Hadingus Satildeo Paulo Martins fontes 1992 pp101s 499

BOULHOSA 2006 500

DUMEacuteZIL 1992 103

244

Saxo Seu evemerismo assimila tradiccedilotildees distintas e procura coadunaacute-las em uma

narrativa explicativa tambeacutem racionalizada No caso os objetivos do adendo miacutetico se

prestam para explicar o emprego de gigantes na narrativa posterior bem como os

poderes apresentados pelos mesmos Tambeacutem eacute uacutetil na narrativa para demonstrar como

seres habilidosos receberam adoraccedilatildeo da parte dos homens como deuses

A segunda digressatildeo mitoloacutegica no entanto merece mais de nossa atenccedilatildeo

Leia-mo-la com cuidado

1 Nesta eacutepoca um tal de Othinus recebia atraveacutes de toda a

Europa a qualificaccedilatildeo mentirosa de deus mas era em Uppsala que ele

residia a maior parte do tempo e honrava muito especialmente esta

cidade como sua residecircncia ordinaacuteria seja por causa da apatia de seus

habitantes seja por causa da apraziacutevel localizaccedilatildeo Desejosos de

prestar uma homenagem agrave sua majestade divina os reis do Norte

mandaram reproduzir a imagem dele numa estaacutetua de ouro que

enviaram a Bizacircncio como expressatildeo de seu respeito nas mais

caracterizadas formas de religiatildeo Aleacutem disso enfiaram densos e

pesados braceletes nos braccedilos da estaacutetua

Exultante com tatildeo consideraacutevel homenagem ele foi

extremamente sensiacutevel agrave afeiccedilatildeo dos expedidores Mas sua mulher

Frigga para poder mostrar-se em seus mais belos adornos convocou

ferreiros e fez retirar todo o ouro da estaacutetua Othinus mandou enforcaacute-

los colocou a estaacutetua sobre um pedestal e pelo arttifiacutecio de um

espantoso sortileacutegio deu-lhe o poder de falar quando algueacutem tocasse

nela Mas Frigga natildeo se deu por vencida colocando a elegacircncia de

seus enfeites acima da dignidade de seu marido ela prostituiu-se com

um de seus servidores Graccedilas a ele Frigga conseguiu derrubar a

estaacutetua e aproveitou para o seu luxo pessoal o ouro que tinha sido

supersticiosamente dedicado a um culto puacuteblico Ela natildeo teve o menor

escruacutepulo em abandonar-se ao seu impudor para melhor satisfazer sua

avidez essa mulher indigna de ser esposa de um deus O que poderei

acrescentar aqui senatildeo que um tal deus era no fundo bem digno de

tal esposa Tatildeo grande era nesse tempo o erro do qual os mortais eram

meros joguetes

Assim Othinus sob o impacto da injuacuteria que a esposa lhe

infligira natildeo sentiu menos o dano sobre sua imagem do que sobre o

seu leito Profundamente ferido por essas duas irritantes vergonhas e

obedecendo a um nobre sentimento de honra decidiu exilar-se

pensando que assim apagaria a maacutecula da afronta sofrida

2 Com a partida de Othinus um certo Mithotyn ceacutelebre por

seus sortileacutegios que faziam crer que sua forccedila lhe era insuflada por

um dom celeste aproveitou a ocasiatildeo para outorgar-se tambeacutem uma

pretensa divindade e envolvendo os espiacuteritos baacuterbaros nas trevas de

um novo erro induziu-os pela fama de seus sortileacutegios a celebrarem

cerimocircnias em sua homenagem Dizia ele que natildeo se podia apaziguar

a coacutelera dos deuses e redimir as faltas cometidas contra a majestade

deles atraveacutes de sacrifiacutecios globais e confusos por conseguinte

proibiu que se lhes dirigissem pedidos coletivamente e estabeleceu

para cada uma das divindades oferendas distintas

245

Com o regresso de Othinus Mithotyn renunciou ao socorro de

seus sortileacutegios e foi esconder-se em Fiocircnia501

mas os habitantes

lanccedilaram-se sobre ele e mataram-no Mesmo depois de morto suas

vergonhosas praacuteticas continuaram se manifestando pois todos aqueles

que se aproximavam de seu tuacutemulo ele os matava de morte suacutebita e

causou tantas calamidades apoacutes seu desaparecimento que parecia que

a morte de Mithotyn tinha de deixar lembranccedilas quase mais pavorosas

do que a vida dele como se quisesse encontrar culpados para fazecirc-los

expiar seu assassinato Em meio a esses infortuacutenios os habitantes

retiraram o cadaacutever dele da tumba decapitaram-no e furaram-lhe o

peito com uma estaca foi a salvaccedilatildeo deles

3 Depois disto Othinus a quem a morte de sua mulher

restituiacutera sua antiga gloacuteria redimindo de certa maneira a maacutecula

causada em sua divindade retornou do exiacutelio e todos aqueles que em

sua ausecircncia tinham ostentado tiacutetulos e recebido honras de deuses

foram obrigados a renunciar a estes dizendo que nada disso lhes

pertencia e pelo fulgor reparado de sua majestade dispersou como

trevas os grupos de maacutegicos que se haviam formado e forccedilou-os por

uma ordem natildeo soacute a deporem suas qualificaccedilotildees divinas mas ainda a

abandonarem a paacutetria avaliando corretamente que era preciso

expulsar da terra aqueles que tinham tatildeo escandalosamente usurpado o

ceacuteu502

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Traduccedilatildeo de

Aacutelvaro Cabral In DUMEacuteZIL 1992 Pp117s)

501

A ilha dinamarquesa de Fyen Para Henrik Schuumlck seria no paiacutes dos Finni 502

Dan 171 (p 251 ) [1] Ea tempestate cum Othinus quidam Europa tota falso divinitatis titulo

censeretur apud Upsalam tamen crebriorem deversandi usum habebat eamque sive ob incolarum inertiam

sive locorum amoenitatem singulari quadam habitationis consuetudine dignabatur [2] Cuius numen

Septentrionis reges propensiore cultu prosequi cupientes effigiem ipsius aureo complexi simulacro

statuam suae dignationis indicem maxima cum religionis simulatione Byzantium transmiserunt cuius

etiam brachiorum lineamenta consertissimo armillarum pondere perstringebant [3] Ille tanta sui

celebritate gavisus mittentium caritatem cupide exosculatus est [4] Cuius coniunx Frigga quo cultior

progredi posset accitis fabris aurum statuae detrahendum curavit [5] Quibus Othinus suspendio

consumptis statuam in crepidine collocavit quam etiam mira artis industria ad humanos tactus vocalem

reddidit [6] At nihilominus Frigga cultus sui nitorem divinis mariti honoribus anteponens uni

familiarium se stupro subiecit cuius ingenio simulacrum demolita aurum publicae superstitioni

consecratum ad privati luxus instrumentum convertit [7] Nec pensi duxit impudicitiam sectari quo

promptius avaritia frueretur indigna femina quae numinis coniugio potiretur [8] Hoc loci quid aliud

adiecerim quam tale numen hac coniuge dignum exstitisse [9] Tanto quondam errore mortalium

ludificabantur ingenia [10] Igitur Othinus gemina uxoris iniuria lacessitus haud levius imaginis suae

quam tori laesione dolebat [11] Duplici itaque ruboris irritamento perstrictus plenum ingenui pudoris

exsilium carpsit eoque se contracti dedecoris sordes aboliturum putavit Dan 172 (p 2523 ) [1] Cuius

secessu Mithothyn quidam praestigiis celeber perinde ac caelesti beneficio vegetatus occasionem et ipse

fingendae divinitatis arripuit barbarasque mentes novis erroris tenebris circumfusas praestigiarum fama

ad caerimonias suo nomini persolvendas adduxit [2] Hic deorum iram aut numinum violationem confusis

permixtisque sacrificiis expiari negabat ideoque iis vota communiter nuncupari prohibebat discreta

superum cuique libamenta constituens [3] Qui cum Othino redeunte relicta praestigiarum ope latendi

gratia Pheoniam accessisset concursu incolarum occiditur [4] Cuius exstincti quoque flagitia patuere

siquidem busto suo propinquantes repentino mortis genere consumebat tantasque post fata pestes edidit

ut paene taetriora mortis quam vitae monumenta dedisse videretur perinde ac necis suae poenas a noxiis

exacturus [5] Quo malo offusi incolae egestum tumulo corpus capite spoliant acuto pectus stipite

transfigentes id genti remedio fuit Dan 173 (p 2536 ) [1] Post haec Othinus coniugis fato pristinae

claritatis opinione recuperata ac veluti expiata divinitatis infamia ab exsilio regressus cunctos qui per

absentiam suam caelestium honorum titulos gesserant tamquam alienos deponere coegit subortosque

magorum coetus veluti tenebras quasdam superveniente numinis sui fulgore discussit [2] Nec solum eos

deponendae divinitatis verum etiam deserendae patriae imperio constrinxit merito terris extrudendos

ratus qui se caelis tam nequiter ingerebant

246

Detter e Dumeacutezil explicam o episoacutedio em termos mitoloacutegicos demonstrando os

componentes ali assimilados a Guerra dos AEligsir e Vanir que conteacutem o episoacutedio da

cabeccedila de Miacutemir o colar de Briacutesingamen o mito de Njọrethr e Skaacuteethi503

De fato eacute perfeitamente possiacutevel encontraacute-los na digressatildeo Hadingus elaborado

conforme o deus Njọrethr eacute o personagem principal do livro na mitologia de Snorri

Njọrethr adentra a famiacutelia dos AEligsir atraveacutes de uma guerra que se daacute entre as duas famiacutelias

de deuses

O ponto que nos interessa no entanto eacute o que a passagem nos demonstra sobre a

elaboraccedilatildeo de leste na Gesta Danorum Para isso precisamos recorrer agrave comparaccedilatildeo

com as fontes islandesas

Em ambos possuiacutemos uma temaacutetica similar e uma hermenecircutica evemerista no

lidar com os mitos e na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem A Heimskringla e o Proacutelogo da

Edda Menor vinculam as origens de seus povos ao Oriente mais especificamente agrave Aacutesia

Menor agrave Troacuteia Oacuteethinn estaacute presente nas narrativas e residiraacute posteriormente em

Uppsala

O que o relato de Saxo nos traz nesse sentido per se Os personagens Othinus

(evidentemente uma transcriccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo do nome Oacuteethinn) Mythothyn ndash

ldquofalsomiacuteticordquo Oacuteethinn e Frigga Othinus eacute reverenciado em Uppsala e governa em

Bizacircncio

O paralelo geograacutefico e temaacutetico com os Proacutelogos islandeses eacute oacutebvio Poreacutem ele

se encerra nesses niacuteveis

Natildeo haacute uma narrativa da guerra de Troacuteia sequer uma Troacuteia ndash Saxo fala em

Bizacircncio natildeo haacute uma narrativa de migraccedilatildeo Em seu lugar temos uma intriga palaciana

entre um ser ndash ambiguamente tratado na primeira sentenccedila como falso deus ndash ldquo() falso

divinitatis titulo censeretur ()rdquo mas ao mesmo tempo um falso deus mais digno ou

merecedor de honrarias do que o outro que usurpa sua posiccedilatildeo e que ao final da

situaccedilatildeo recupera o ldquofulgorrdquo de sua antiga ldquomajestade divinardquo (numen -inis)

Haacute dados acessoacuterios como os preconceitos de Saxo ndash que seratildeo mostrados e

repetidos exaustivamente em livros posteriores ndash sobre o sexo feminino satildeo

incorporados em Frigga apresentada como uma aduacuteltera que cede agrave luxuacuteria do ouro

Ora a explicaccedilatildeo da proveniecircncia dos daneses eacute colocada por Saxo

anteriormente na primeria linha da Gesta

503

DUMEacuteZIL 1992 121s

247

ldquoOs daneses traccedilam seus iniacutecios a Dan e Angul filhos de

Humblus que foram natildeo meramente os fundadores de nossa raccedila mas

tambeacutem seus guias Dudo entretanto que escreveu uma historia da

Francia acredita que os daneses fluiacuteram dos danais e foram nomeados

segundo elesrdquo504

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Versatildeo nossa)

Saxo liga conscientemente a histoacuteria de origem dos daneses a Dudo de S

Quentin autor da Historia Normannorum associando ldquodanecircsrdquo aos ldquodanaisrdquo nome dado

aos helecircnicos na Iliacuteada Pouco depois na passagem cita agrave Beda autor da Historia

ecclesiastica gentis Anglorum ao refletir sobre o destino de Angul e a origem dos

ingleses

Esta passagem explica a genealogia mas natildeo o porquecirc do esvaziamento do

sentido mais comum ao medievo Ocidental da ldquoMateacuteria de Romardquo Tampouco explica

porque Saxo tendo jaacute recorrido a outra fonte explicativa insere a narrativa que conteacutem

versatildeo diferente e de forma tatildeo transfigurada

Haacute diversos problemas nesta situaccedilatildeo bem como na nossa interpretaccedilatildeo O

principal eacute que natildeo podemos definir um arqueacutetipo exato escandinavo que trace a

origem de Oacuteethinn agrave Troacuteia Possuiacutemos uma longa tradiccedilatildeo de escrita histoacuterica Medieval

Ocidental e uma derivaccedilatildeo da mesma em solo Islandecircs que o fazem mas a existecircncia de

tal tradiccedilatildeo natildeo obriga Saxo a empregaacute-la especialmente se no iniacutecio do livro empregou

outra histoacuteria de origem ainda que mais simples

A formaccedilatildeo de Saxo Grammaticus e alguns dos elementos da narrativa no

entanto satildeo por demais similares agrave tradiccedilatildeo da ldquoMateacuteria de Romardquo para pressupormos

que Saxo natildeo a conhecia Ele simplesmente optou por empregar apenas elementos

acessoacuterios da mesma Em outros toacutepicos da mitologia ele o faz semelhantemente

citamos a pouco o mito de Balethr como exemplo

Cremos no entanto poder sugerir ao menos duas hipoacuteteses razoaacuteveis

conectadas agrave nossa temaacutetica que ajudam a compreender as seleccedilotildees efetuadas por Saxo

nesse episoacutedio

504

111 [1] Dan igitur et Angul a quibus Danorum coepit origo patre Humblo procreati non solum

conditores gentis nostrae verum etiam rectores fuere [2] Quamquam Dudo rerum Aquitanicarum

scriptor Danos a Danais ortos nuncupatosque recenseat

248

432 O leste na Gesta Danorum

A primeira hipoacutetese eacute que a ldquoMateacuteria de Troacuteiardquo natildeo oferece sentido para o leste

em Saxo Grammaticus e o Oriente natildeo incorpora dessa forma signicados de origem no

mesmo sentido que nos Proacutelogos islandeses incluindo os imaginaacuterios sacros referentes

ao Paraiacuteso e agrave Nova Jerusaleacutem

Haacute pouco espaccedilo para interpretaccedilatildeo biacuteblica ndash natildeo apenas no livro I mas por toda

a Gesta Eacute de certa forma surpreendente encontrar um nuacutemero maior de referecircncias

teoloacutegicas e derivaccedilotildees de interpretaccedilotildees biacuteblicas nas obras histoacutericas dos autores

islandeses supostamente leigos do que na obra de um eclesiaacutestico danecircs que escreve

comissionado por um arcebispo

Eric Christiansen expotildee pensamento similar quanto agraves inclinaccedilotildees espirituais ou

poliacuteticas de Saxo

ldquoHe was interested in the spiritual regeneration of the heathen

Slavs but much more interested in the political regeneration of

Denmark and he seems to have believed that both aims were equally

acceptable to God He was writing at a time when Denmark was a

powerful and prosperous kingdom and his concern was to give this

kingdom a past as glorious as the presentrdquo505

Destarte se desejamos entender os sentidos que o leste pode assumer na Gesta

Danorum devemos fazecirc-lo de forma coadunada com a ideologia poliacutetica defendida por

Saxo No momento eacute pertinente retornarmos agrave fonte e observar em maior detalhe como

Saxo se refere agrave regiatildeo no seu Proacutelogo ao discriminar os povos da Escandinaacutevia

ldquoApoacutes o que para o nascente tambeacutem se encontra um ajuntamento de

muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo506

-507

Para Saxo em sua linguagem rebuscada e carregada de sinocircnimos e

qualificantes o leste eacute um ldquoajuntamento de muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo

A descriccedilatildeo da regiatildeo de tal forma no Praefatio eacute significativa em particular se

levarmos em consideraccedilatildeo a ideia de sua composiccedilatildeo posterior aos demais livros da

Gesta Nesse caso a consideraccedilatildeo eacute ponderada fruto de anos de trabalho e escrita e da

criaccedilatildeo de conceitos e preconceitos bastante solidificados na mente do autor Eacute fruto das

505

CHRISTIANSEN 1997 65s 506

ldquoPost quam ab ortu quoque multiplex diversitatis barbaricae consertio reperiturrdquo (0210) 507

Ou ldquode povos baacuterbarosrdquo

249

proacuteprias experiecircncias ouvidas e vividas pelo mesmo com seus sucessivos patronos

Absalatildeo e Anders ambos viajantes para o leste O primeiro entre os Sclavi o segundo

nas regiotildees do Baacuteltico Oriental incluindo Riga no Daugava a regiatildeo do norte da

Estocircnia e a expediccedilatildeo de Valdemar na mesma

Na circunstacircncia pouco provaacutevel de a escrita do prefaacutecio ter-se dado

anteriormente agrave composiccedilatildeo dos demais livros da Gesta a descriccedilatildeo vaga e depreciativa

natildeo necessariamente implica em desconhecimento da regiatildeo descrita Por certo uma

dataccedilatildeo muito antiga para o prefaacutecio excluiria os tempos experimentados pelo arcebispo

Anders Sunesson no Baacuteltico Oriental fonte certa de informaccedilotildees de primeira matildeo para

Saxo mas tambeacutem tal arrazoamento eacute baseado em conjectura

De fato Saxo revela maior conhecimento das regiotildees do Baacuteltico do que os

autores islandeses As regiotildees e povos que satildeo citados no transcorrer da Gesta Danorum

e que podem ser enquadradas no ldquolesterdquo nesta regiatildeo de ldquodiversa barbaacuterierdquo satildeo

Em Austrvegr Curetes (kurs ndash livros 123568911 e 14) Eesti (estonianos ndash

livros 6814 e 16) Rotala (Haapsalu Estocircnia ndash 217) Livi (livocircnios ndash livros 8 e 14 ndash

no ultimo caso o nome ldquoLivonemrdquo aparece juntamente com o nome de um indiviacuteduo

como um apelido) Sembi (prussianos ndash livros 68910 e 11) semgali (zemgaacutelios ndash

livros 6 e 8)

Em Garethariacuteki Holmgardia (HolmgardNovgorod ndash livro 5) e Coslashnogardia

(KonungardKiev ndash livro 5) Paltisca (PalteskjaPolotsk livro 217 ) ndash 37 42 Ruscia

(Rus - livros 23567891112 e 14)

Na Regiatildeo Aacutertica Skritfinnia (Saami Praefatio) Finmarchia Finni (Saami -

livros 1357910) Biarmi (Bjarmar ndash livros 5 6 8 e 9)

Os Sclavi fogem de nosso recorte Aparecem em todos os livros com exceccedilatildeo

do 1 e 4 e satildeo objeto constante das atenccedilotildees dos daneses principalmente nos livros

finais da obra

Haacute algumas referecircncias ao Helesponto (livros 1 8 e 9) satildeo ligadas agrave eventos no

Baacuteltico Oriental agrave Kurland e aos Semgallir aos livocircnios agrave Scithia agrave Rutenia e ateacute

mesmo agrave Biarmia bem como agrave temaacutetica de Ermanaric ndash que como veremos em breve

foi transferida para o rei Frotho III A regiatildeo apresenta-se ressignificada enquanto a rota

dos Varegues aos Gregos que passava pelos Rios Daugava Dnieper o Mar Negro e

finalmente ao Hellesponto de fato

250

433 A Temaacutetica do Conselheiro

Num estudo que se iniciou com a observaccedilatildeo do leste das passagens da Gesta

Danorum defendemos em 2008 a existecircncia de um motivo narrativo que repetir-se-ia

com frequecircncia na Gesta Danorum e que nomeamos como ldquoA Temaacutetica do

Conselheirordquo508

Esta temaacutetica propicia uma estrutura teoacuterica que suporta ideologias teocraacuteticas

mesmo em livros que supostamente sequer mencionam o Cristianismo O esquema das

Virtudes Cardinais defendido por Johannesson 509

eacute essencial para compreendecirc-la

Entre os livros I a IV Saxo apresenta gradualmente quadros de virtudes Usando

diversos exempla ele mostra personagens que possuem uma ou duas virtudes mas que

satildeo deficitaacuterias das demais Somos apresentados aos feitos de Gram e Hadingus

homens cheios de Fortitudo poreacutem carentes de Prudentia somos entretidos com os

artifiacutecios de Amlethus supremo no uso da Prudentia mas severamente desprovido de

Temperantia e dessa forma incapaz de manter suas conquistas alcanccediladas por meio de

sua astuacutecia

Livro Virtude enfatizada Personagem exemplificador

I Fortitudo (forccedila resistecircncia ndash tanto fiacutesica quanto

moral)

Gram Hadingus

II Iustitia munificiencia (justiccedila encaminhando-se para

munificecircncia liberalidade)

Frotho many others

III Prudentia (sabedoria conhecimento inteligecircncia

astuacutecia)

Amlethus (cheio de Prudentia)

IV TemperantiaConstantia (temperanccedila resistecircncia

perseveranccedila estabilidade)

Amlethus (deficient em

Constantia)

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais (Do autor Baseado em Johanesson

Kurt Komposition och vaumlrdsbild i Gesta Danorum 1978 amp Kvaeligrndrup Sigurd The composition of

Gesta Danorum and the place of geographical relations in its worldview 2004)

A partir do Livro V haacute uma clara modificaccedilatildeo na narrativa O leitor subitamente

encontra personagens mais complexos que os reis e heroacuteis vistos ateacute entatildeo Os reis satildeo

fracos falhos tolos Contudo diferentemente da maior parte de indiviacuteduos apresentados

nos primeiros livros esses novos demonstram mudanccedila e desenvolvimento

508

MUCENIECKS 2008 62-64 ________________ The acuteThematic of the Counseloracute in the Gesta

Danorum and the Strengthening of the Danish Hegemony in the Medieval Baltic Area Paper apresentado

no International Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 509

JOHANNESSON 1978 amp 1981

251

Algumas vezes esse crescimento eacute um bocado cru carente de polimento O mau

rei eacute confrontado geralmente com um estrangeiro Seus conselheiros anteriores satildeo a

principal razatildeo de suas fraquezas e comportamento inadequado O estrangeiro enfrenta-

os toma seus lugares e vem a ser o verdadeiramente saacutebio conselheiro que o rei

necessita Apoacutes tais altercaccedilotildees o rei abandona seus enganos do passado e conduz a

Dinamarca em caminhos gloriosos e proacutesperos

Os livros nos quais encontramos tal estrutura mais desenvolvida satildeo os livros V

com o rei Frotho III e o conselheiro Ericus Dissertus bem como os desenvolvimentos

posteriores encontrados nos livros VI a VIII que se focam na histoacuteria do heroacutei

Starcatherus que tendo vivendo o equivalente temporal de diversas vidas eacute capaz de

retificar os caminhos do rei Frotho IV bem como atuar nas vidas de diversos reis apoacutes

isto dentre muitos feitos e desfeitos

Rei Conselheiro Livro

Gram Bessus I

Hadingus Homem caolho (lembra Oacuteethinn) I

Frotho III Ericus Dissertus (ldquoErik o eloquenterdquo) V

Frotho IV e outros reis Starcatherus VI-VIII

Knut Lavard Temaacutetica em desenvolvimento XIII

Valdemar I Absalatildeo (protoacutetipo do conselheiro) XIV-XVI

Tabela 08 o desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum Do autor

Ainda que esses dois personagens consistam no aacutepice da ideia do conselheiro

podemos identificar o desenvolvimento do tema em outros livros De fato esta temaacutetica

natildeo eacute nova de todo no mundo setentrional Eacute possiacutevel encontrar narrativas similares na

Hrolf Kraki saga e na Historia apollonii Regis Tyri por exemplo e seus elementos se

prestam a anaacutelises estruturalistas tais quais as desenvolvidas por Vladimir Propp em

seus trabalhos acerca dos contos folcloacutericos510

Outras partes da Gesta Danorum em particular seus livros I e XIII trazem-nos

ecos da temaacutetica do conselheiro No livro I lemos sobre primeiros reis da Dinamarca

Gram e Hadingus O primeiro envolve-se em uma disputa poeacutetica com uma dama a

quem ele deseja Ele eacute totalmente incapaz entretanto de enfrentar a situaccedilatildeo Incapaz

de falar corretamente incapaz de argumentar Sua salvaccedilatildeo eacute apresentada nas palavras

de seu amigo Bessus que tambeacutem o auxilia em outras situaccedilotildees mas particularmente na

disputa poeacutetica

510

PROPP Wladiacutemir Yakovlevitch Morfologia do Conto Maravilhoso Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 2006 [Moscou 1976]

252

No mesmo livro o leitor deleita-se com a narrativa de Hadingus De longe mais

elaborada que a histoacuteria de Gram a de Hadingus passa por desenvolvimentos

interessantes ndash como por exemplo uma grande similaridade com o mito do deus

Njoumlrōr visto haacute pouco Em seus iniacutecios ele eacute mentoreado por uma gigante Harthgrepa

Nesta fase de sua vida Hadingus natildeo eacute apresentado enquanto um bom exemplo Ele eacute

seduzido por uma gigante que como se natildeo fosse o suficiente pratica magia negra para

antever o futuro

Esta fase eacute encerrada com a morte de Harthgrepa e a captura de Hadingus na

Kurland Em seu cativeiro ele recebe conselho de um velho homem claramente

representando a Oacuteethinn disfarccedilado Nesse ponto Hadingus personifica a fortitudo

iniciando uma vida de vitoacuterias frequentemente ajudado pelo velho homem

Em ambos os casos o rei eacute claramente apresentado como deficiente e ateacute mesmo

fraco e pateacutetico enganado por seus inimigos e pelas circunstacircncias A situaccedilatildeo

desesperada somente pode ser transposta com a ajuda de um saacutebio um conselheiro No

caso de Hadingus haacute ainda a comparaccedilatildeo das duas fases de sua vida que aponta

inequivocamente para a necessidade de um conselheiro verdadeiro e saacutebio

O livro XIII jaacute na parte ldquohistoacutericardquo da Gesta Danorum apresenta a histoacuteria de

Knut Lavard enganado e capturado por seus inimigos O iniacutecio do livro conta a

historieta de um jovem que a despeito do aviso de seu instrutor foi morto por um

cavalo

O fechamento da ideia eacute apresentado no livro XIV em diante que conteacutem o

nuacutecleo da vida do arcebispo Absalatildeo Natildeo haacute qualquer miacutenima possibilidade de duacutevida

sobre quem seja o heroacutei nesses livros De forma alguma eacute o rei Valdemar mas sim o

bispo posteriormente arcebispo Absalatildeo

Dessa forma o que parece a princiacutepio uma referecircncia pontual uma narrativa

isolada da vida de um arcebispo evolui para um tema principal Esta ideia entretanto

natildeo eacute uma simples glorificaccedilatildeo de seu patrono e suportador Absalatildeo antes disso eacute uma

forte defesa das instituiccedilotildees representadas pelos homens na narrativa

O que Saxo mostra ao leitor eacute que natildeo eacute suficiente ao rei ser forte Ele necessita

de ser saacutebio e de ter homens ainda mais saacutebios a aconselhaacute-lo Certamente a uacutenica

instituiccedilatildeo que pode prover toda esta quantia de sapiecircncia sob o ponto de vista de um

cleacuterigo do seacuteculo XIII eacute a Igreja Romana

Haacute anda uma nuance importante a ser apresentada Natildeo haacute uma dominacircncia

total clara de uma instituiccedilatildeo sobre a outra Natildeo eacute esse o intuito das narrativas de Saxo

253

Eacute possiacutevel inclusive se destacar o perigo de uma posiccedilatildeo aberta e marcadamente

gregoriana o manuscrito de Angers que de acordo com a criacutetica geneacutetica possivelmente

trata-se de um autoacutegrafo do proacuteprio Saxo nos provecirc incocircmoda informaccedilatildeo em meio ao

texto que conhecemos como a Gesta Danorum ldquooficialrdquo aparentemente haacute modificaccedilotildees

e adiccedilotildees com o intuito de espelhar feitos dos Valdemares indicativos da

vulnerabilidade do proacuteprio Saxo

A supremacia dos homens saacutebios os eclesiaacutesticos sobre os lutadores e poliacuteticos

eacute clara na mente de Saxo mas parece ser igualmente claro para ele que haacute a necessidade

de cooperaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel separar a monarquia e o arcebispado em uma versatildeo

dualiacutestica das Ordens feudais oratores e belatores precisam cooperar a fim de alcanccedilar

uma naccedilatildeo forte sob a direccedilatildeo divina

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares

O livro V eacute um ponto focal e de particular relevacircncia na Gesta Danorum como

um todo Em uma das pouquiacutessimas ocasiotildees nas quais Saxo provecirc datas ou

periodizaccedilotildees mais especiacuteficas nesse caso a narrativa ocorre nas proximidades

temporais do proacuteprio nascimento de Cristo o que vai se revestir de importacircncia especial

no enredo

Quanto aos esquemas discutidos a pouco das Virtudes Cardinais e da Temaacutetica

do Conselheiro o livro V eacute o primeiro no qual um conselheiro ndash no caso Ericus

Dissertus ndash eacute apresentado revestido de todas as Virtudes Cardinais O rei em questatildeo

Frotho III seraacute lembrado em sua morte como ldquoo mais ilustre de todos os reis do

mundo511

rdquo

Eacute por meio dos conselhos de Ericus que o rei Frotho III ateacute entatildeo imerso em

uma vida cheia de viacutecios e falhas eacute transformado no governante que aleacutem de pacificar a

Dinamarca constroacutei um Imperium no norte Os territoacuterios conquistados pelos daneses

incluem a Noruega Sclavia Oacutercades Estocircnia Curlacircndia Aland Rutenia (satildeo citadas

Holmgardia e Conungardia ndash Novgorod e Kiev) Saxonia Jaumlmtland e Haumllsingland512

A narrativa eacute similar agrave Hervara Saga principalmente a Batalha entre Godos e

Hunos e conteacutem elementos da Res Gestae de Amiano Marcelino da Getica de

511

() toto orbe clarissimi regis () 512

Proviacutencias do norte e centro da Sueacutecia respectivamente

254

Jordanes e da Historiarum adversum paganos de Paulo Oroacutesio Os daneses e seus

aliados assumem o papel dos Godos enfrentando os hunos aliados aos Ruteni O papel

do rei godo Ermanaric eacute transferido para Frotho III

Segundo Saxo ldquoo reino de Frotho incluiacutea a Ruacutessia ao nascente e fazia fronteira

com o rio Reno ao poenterdquo513

O rei seraacute um pacificador governando em paz por trinta

anos ininterruptos e a justificativa para tanto eacute a coincidecircncia com o nascimento de

Cristo

ldquoNesta mesma eacutepoca o autor da Salvaccedilatildeo dedicadamente e

pela graccedila suportou a condiccedilatildeo humana vindo ao mundo

publicamente e agrave vista dos mortais enquanto os fogos de guerra eram

apagados e a terra gozava um periacuteodo da mais calma tranquilidade

Considerou-se que a extensa magnitude dessa paz a mesma e

ininterrupta em todas as partes do mundo atendeu antes ao divino

nascimento que a um priacutencipe terrestre e que por um ato celestial esta

rara daacutediva de tempo significou que o criador do tempo estava entre

noacutes514

rdquo

A ideia da coincidecircncia da paz mundial com um Imperium de alcance

igualmente mundial e o nascimento Cristo natildeo eacute nova Em adiccedilatildeo agrave citaccedilatildeo biacuteblica de

que Cristo viera na ldquoplenitude dos tempos515

rdquo temos uma construccedilatildeo histoacuterica ndash que

como jaacute discutimos em capiacutetulo anterior foi bastante duradoura no medievo ndash da pena

de Paulo Oroacutesio Encontramos termos muito semelhantes no livro VII capiacutetulo XX de

sua Historiarum adversum paganos

1Assim no ano 752 da fundaccedilatildeo de Roma pela 3ordf vez Ceacutesar

Augusto encerrou pessoalmente as portas do Templo de Jano Sem

duacutevida do Oriente ao Ocidente do Norte ao Sul e ao longo de todo o

litoral banhado pelo Oceano todas as naccedilotildees tinham se harmonizado e

alcanccedilado a paz universal ()

5Ora Cristo nasceu nesse ano ie no ano em que Ceacutesar

Augusto consertou uma paz muito soacutelida e autecircntica ndash em ordem ao

plano estabelecido por Deus Essa paz serviu como escrava o advento

de Cristo E no nascimento de Cristo os Anjos exultando cantaram

para os homens que os ouviam Gloacuteria a Deus nas alturas e paz na

513

ldquoFrothonis regnum Rusciam ab ortu complectens ad occasum Rheno flumine limitatum eratrdquo 514

(5153) ldquo[1] Per idem tempus publicae salutis auctor mundum petendo servandorum mortalium gratia

mortalitatis habitum amplecti sustinuit cum iam terrae sopitis bellorum incendiis serenissimo

tranquillitatis otio fruerentur [2] Creditum est tam profusae pacis amplitudinem ubique aequalem nec

ullis orbis partibus interruptam non adeo terreno principatui quam divino ortui famulatam fuisse

caelitusque gestum ut inusitatum temporis beneficium praesentem temporum testaretur auctoremrdquo 515

Gaacutelatas 0404V indo pois a plenitude do tempo Deus enviou seu filho () In Biacuteblia Sagrada

Traduccedilatildeo Almeida revista e atualizada

255

terra aos homens de boa vontade

Neste mesmo tempo Augusto a quem se concedera o supremo

mando de todas as coisas natildeo tolerou que lhe chamassem senhor dos

homens (sendo ele um dos mortais) Mais ainda natildeo lhe sofru o

acircnimo que lhe chamassem SENHOR nos dias em que entre os

homens nasceu o verdadeiro Senhor de todo o gecircnero humano

Tambeacutem neste mesmo ano de 752abUc o mesmo Ceacutesar

Augusto a quem Deus predestinara para este tatildeo grande misteacuterio foi

o primeiro que mandou fazer o recenseamento de cada uma das

proviacutencias do seu Impeacuterio e registrar o nuacutemero de todos os que o

povoavam E isto precisamente quando Deus se dignou natildeo soacute ser

visto como Homem mas tambeacutem assumir a natureza humanardquo

(Paulo OROacuteSIO Histoacuteria Contra os pagatildeos Livro VI capiacutetulo 22

Traduccedilatildeo CARDOSO Joseacute)516

Haacute outros elementos menores que tambeacutem podem indicar uma relaccedilatildeo entre os

textos como certa emulaccedilatildeo da cardinalidade na delimitaccedilatildeo de limites mas que podem

igualmente ser fortuitos517

O episoacutedio nos fornece um conceito mais apurado de qual significaccedilatildeo e

relevacircncia o leste pode se revestir na ideologia de Saxo Grammaticus trata-se

claramente da construccedilatildeo de uma hegemonia danesa no Baacuteltico

435 O leste e as cruzadas setentrionais

O contexto danecircs do seacuteculo XIII fornece a Saxo um cenaacuterio perfeito que

providencia lugares e funccedilotildees para todos os poderes envolvidos na situaccedilatildeo as

Cruzadas Setentrionais Os inimigos os agentes todas as peccedilas estatildeo providenciadas

nestas expediccedilotildees todos os conflitos refletidos Tambeacutem o acordo entre Igreja e Estado

encontra seu lugar em tais empreendimentos

516

1 Itaque anno ab urbe condita DCCLII Caesar Augustus ab oriente in occidentem a septentrione in

meridiem ac per totum Oceani circulum cunctis gentibus una pace conpositis Iani portas tertio ipse tunc

clausit () 5

Igitur eo tempore id est eo anno quo firmissimam uerissimamque pacem ordinatione Dei

Caesar conposuit natus est Christus cuius aduentui pax ista famulata est in cuius ortu audientibus

hominibus exultantes angeli cecinerunt Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonae uoluntatis

eodemque tempore hic ad quem rerum omnium summa concesserat dominum se hominum appellari non

passus est immo non ausus quo uerus dominus totius generis humani inter homines natus est 6 eodem

quoque anno tunc primum idem Caesar quem his tantis mysteriis praedestinauerat Deus censum agi

singularum ubique prouinciarum et censeri omnes homines iussit quando et Deus homo uideri et esse

dignatus est tunc igitur natus est Christus Romano censui statim adscriptus ut natus est (Paulus Orosius

historiarum adversum paganos libri vii) 517

Discutimos a questatildeo e tais passagens mais profundamente e em conjunto com a Temaacutetica do

conselheiro em MUCENIECKS 2009 Capiacutetulo 05 pp123-142

256

A primeira fase de tais cruzadas deu-se nas proximidades de casa nas terras

eslaacutevicas sua maior preocupaccedilatildeo foi a seguranccedila da vizinhanccedila e a consolidaccedilatildeo das

instituiccedilotildees Nesse estaacutegio a cooperaccedilatildeo com os saxotildees e o Impeacuterio eacute necessaacuteria O

heroacutei eacute Absalatildeo lutador contra os eslavos A alianccedila com os germacircnicos eacute pesadamente

criticada pelo Grammaticus

Os livros XIV a XVI descreveratildeo de forma bastante detalhada os

acontecimentos da ocasiatildeo O registro eacute feito quase que ao peacute da letra em uma esteacutetica

e forma croniacutestica e clara Ainda que cheia de sententia e julgamentos Pode-se

encontrar tambeacutem nos livros miacuteticos entretanto ecos desse contexto

Quiccedilaacute algumas das passagens mais dramaacuteticas do livro V e particularmente VI

satildeo dedicadas a denegrir os saxotildees a alianccedila de Frotho IV com esta gente e a adoccedilatildeo de

alguns de seus usos eacute para Saxo falando pela boca do heroacutei Starcatherus um dos piores

feitos jaacute perpetrados pelo rei O cerimonial da corte infiltrado nos salotildees daneses egrave

demonstraccedilatildeo para Saxo de como os saxotildees seriam (em suas proacuteprias palavras)

ldquoefeminadosrdquo ldquoviciadosrdquo entre outras qualificaccedilotildees denegridoras refletindo claramente

as tensotildees ocorrendo dentro da igreja danesa contra a dominaccedilatildeo dos costumes

imperiais

A segunda fase das Cruzadas Setentrionais deu-se nas praias orientais do

Baacuteltico Neste ponto a poliacutetica danesa enfrenta situaccedilotildees diferentes Os personagens satildeo

outros O rei agora eacute Valdemar II o arcebispo Anders Sunesson Os eslavos foram

pacificados e agora fazem parte do reino danecircs que busca expansatildeo e hegemonia sobre

o Baacuteltico principalmente na Estocircnia e em partes da Kurland

O relacionamento com os nativos eacute diverso cheio de contrastes Ainda que Saxo

apresente a aacuterea no prefaacutecio como uma regiatildeo de disseminada ldquobarbaacuterierdquo esses baacuterbaros

natildeo parecem consistir em vilotildees do mesmo grau de vilania dos saxotildees O livro VIII

apresenta a batalha de Bravalla que afetou segundo o autor todos os povos e raccedilas do

norte Nesta batalha as alianccedilas descritas por Saxo refletem relacionamentos complexos

entre os povos setentrionais e o claro desconforto relativo aos seus vizinhos

meridionais germacircnicos

Em uma passagem que reconta uma amplamente difundida tradiccedilatildeo sobre a

batalha Saxo apresenta os daneses em decadecircncia Seu rei eacute cego literalmente Seus

aliados satildeo saxotildees eslavos e livocircnios O inimigo eacute encabeccedilado pelos suecos seguidos

por campeotildees da Noruega Islacircndia e mesmo da Rutenia mas com o exeacutercito fortalecido

por flancos de curlandeses e estonianos O julgamento de Saxo eacute positivo em relaccedilatildeo

257

aos suecos e seus aliados para ele eles mostravam a ldquosuperioridade dos homens do

norterdquo em relaccedilatildeo a saxotildees e eslavos

O proacuteprio livro V haacute pouco observado mostra como facilmente elementos dessa

barbaacuterie tornam-se uacuteteis sob a eacutegide danesa Os elementos constitutivos do cenaacuterio estatildeo

presentes na maioria dos livros da parte miacutetica A narrativa de Hadingus no livro I na

qual o mesmo necessita da ajuda do conselheiro acontece na Kurland A segunda vida

regenerada de Frotho III depois do aconselhamento bem sucedido de Ericus Dissertus

eacute marcada pelo paralelo com as conquistas de Ermanaric o godo e estaacute fortemente

fundamentada nos domiacutenios orientais assim como a trajetoacuteria de seu sucessor518

A circunstacircncia dos daneses lutando na Estocircnia e mesmo o tempo passado por

Anders Sunesson em Riga na Livocircnia eacute refletida principalmente nos livros miacuteticos Se

eles foram de fato escritos apoacutes a parte dedicada a Absalatildeo faz perfeito sentido o

nuacutemero de ocorrecircncias relacionadas ao Baacuteltico Oriental ainda mais ao se notar a

conexatildeo do cenaacuterio com a Temaacutetica do Conselheiro

Nesta fase da poliacutetica danesa a consolidaccedilatildeo interna foi efetuada com sucesso e

os principais objetivos dos daneses estatildeo focados na hegemonia sobre o Baacuteltico

conquistando os povos nativos e entrando em conflito com os germacircnicos natildeo mais

aliados mas os principais opositores naquele campo

Concluindo devemos salientar a coerecircncia e harmonia encontrada na Gesta

Danorum quando a mesma eacute lida observando-se os principais padrotildees nela instilados

por seu autor Um projeto que inicialmente fora uma crocircnica biograacutefica e simples

assumiu o papel de Histoacuteria de uma naccedilatildeo e como tal viria a refletira as condiccedilotildees de

um paiacutes buscando a hegemonia em todo o Baacuteltico quiccedilaacute a proacutepria tentativa de criaccedilatildeo

de uma nova forma de Impeacuterio

518

Note-se que nos contos relativos a Dietrich de Bern que conteacutem material sobre Ermanaric este sofre

nas matildeos de um mau conselheiro

258

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste

educar e instruir

Jaacute enfatizamos a limitaccedilatildeo das informaccedilotildees sobre Saxo Grammaticus o que se

sabe discutimos logo acima Tambeacutem demonstramos que a codicologia tem provido

razoaacuteveis referecircncias na determinaccedilatildeo da fidelidade e da existecircncia de poucas alteraccedilotildees

no texto latino da Biblioteca real da Dinamarca em relaccedilatildeo agrave sua proacutepria escrita

O achado do manuscrito de Angers datado do iniacutecio do seacuteculo XIII com

espaccedilos para inserccedilotildees e ldquotestesrdquo com as formas poeacuteticas eacute considerado unanimemente

da proacutepria pena de Saxo ou algueacutem de quem o mesmo se valia ndash evidentemente

circunstacircncia bastante rara e surpreendente A comparaccedilatildeo com os demais manuscritos

tem demonstrado a fidelidade das ediccedilotildees modernas ao suposto ldquooriginalrdquo

Destarte na Gesta Danorum podemos encontrar um tratado bem atribuiacutedo a uma

mente individual a quase que uma mente artiacutestica - em suma podemos ter a ousadia de

pensar em questotildees como a individualidade e autoria em uma obra do medievo

Se corretas as pressuposiccedilotildees endossadas por tantos acadecircmicos incluindo Elton

e Fischer sobre a ordem de composiccedilatildeo dos livros da Gesta e a mudanccedila de ideia de

Saxo apoacutes a morte de seu primeiro patrono temos entatildeo o vislumbre de um historiador

de um aspirante a poeta de um cleacuterigo que natildeo obstante comissionado com

possivelmente pesadas restriccedilotildees foi capaz de imprimir uma genialidade e originalidade

toda proacuteprias em sua obra originalidade esta que natildeo se desfigurou em uma disforme

mentalidade ou autoria comum em um simplista reflexo de seus tempos

Em contrapartida sabemos muito sobre a vida de Snorri - ainda que por meio de

uma uacutenica fonte a Sturlunga Saga que evidentemente passa uma versatildeo uniacutevoca de sua

vida No entanto os manuscritos da Edda satildeo diversos possuem diferenccedilas

consideraacuteveis entre si provavelmente possuem a adiccedilatildeo de muitas matildeos e cabeccedilas Em

relaccedilatildeo agrave proacutepria Heimskringla demonstramos os questionamentos existentes em

relaccedilatildeo a sua autoria da parte de Snorri O sabor de tais obras sua proacutepria originalidade

no entanto perdura

Poreacutem dessa originalidade depreende-se uma cautela para o estudioso ao

menos no quesito autoria Tratamos com um autor inigualaacutevel e genial dotado de

incongruecircncias e disparidades mas ao mesmo tempo o quanto dessas mesmas

incongruecircncias e disparidades se devem a interpolaccedilotildees eacute incerto e permaneceraacute objeto

de discussatildeo indefinida

259

Por certo que estas diferenccedilas e tal incerteza sobre a autoria natildeo desabonam o

valor da fonte primaacuteria De fato a existecircncia de mais de uma mente por traz da Edda

eou da Heimskringla nos fornece a preciosa qualidade de uma obra que pode a

despeito da originalidade singularidade e genialidade de seu autor primaacuterio conter mais

marcadamente elementos que podem ser atribuiacutedos com menor medo a uma espeacutecie de

mentalidade coletiva refletindo mais de um sentimento e identificaccedilatildeo cultural - ainda

que de extratos especiacuteficos da sociedade na qual foi escrita - do que se poderia pensar

ao lidar-se com uma obra de autoria uacutenica em toda a sua extensatildeo

Saxo Grammaticus Snorri Sturlusson e o autor da Heimskringla efetuaram

esforccedilos consideraacuteveis na construccedilatildeo de suas obras histoacutericas no sentido de traccedilar

linhas histoacutericas contiacutenuas do passado miacutetico ao presente em que escrevem Snorri

Sturlusson em particular vai desenvolver uma linha interpretativa elaborada segundo a

qual a primeira dinastia de reis escandinavos dos Ynglingar descenderia de Oacuteethiacutenn

Inicialmente um personagem de vulto da antiguidade originaacuterio de Troacuteia (assim como

THORNoacuterr) viria a ser adorado pelas populaccedilotildees setentrionais como deus

Nesta interpretaccedilatildeo o leste assume papel das origens e veicula as tradiccedilotildees

claacutessica grego-romana Medieval Ocidental e Biacuteblica mas faz pouco uso da cosmologia

escandinava e conhecimento empiacuterico sobre o Oriente

O autor da Heimskringla eacute capaz de inserir ainda em sua obra o conhecimento

empiacuterico de noruegueses e islandeses sobre o Baacuteltico Rus e adjacecircncias

Saxo Grammaticus escreveraacute de forma mais ideoloacutegica de forma a sustentar uma

posiccedilatildeo favoraacutevel agrave supremacia do arcebispado em seu contexto mas tambeacutem traz

traccedilos claros de elaboraccedilatildeo e assimilaccedilatildeo de diversas tradiccedilotildees dentre as quais a

escandinava a greco-romana e em menor grau a cristatilde

Nesse caso os deuses tambeacutem satildeo apresentados como homens que receberam

adoraccedilatildeo indevida e as localidades desse mundo miacutetico satildeo assimiladas agraves locaccedilotildees

conhecidas seja via conhecimento geograacutefico empiacuterico ou baseado em fontes greco-

romanas e cristatildes ou na proacutepria tradiccedilatildeo literaacuteria escandinava Como exemplo desse

uso temos o uso frequumlente da localidade do Hellesponto que Saxo associa diretamente

agrave rota dos varegues aos gregos

O leste para Saxo Grammaticus eacute campo de expansatildeo para os daneses eacute sua

aacuterea hegemocircnica e sua histoacuteria imprimiraacute tal ideologia nos passados mais distantes

Ambos os autores procuraram construir cenaacuterios verossiacutemeis nos quais

260

pudessem inserir todas as tradiccedilotildees das quais beberam ndash fossem tradiccedilotildees nativas

biacuteblicas da Europa Ocidental ou Claacutessicas Atraveacutes do crivo de suas proacuteprias razotildees

empregaram os elementos que mais se apresentassem como convenientes quiccedilaacute

coerentes na escrita de suas proacuteprias histoacuterias

O uso e acesso a tais tradiccedilotildees e a existecircncia de modelos de histoacuterias universais

natildeo podem esconder entretanto uma circunstacircncia pouco comum no meio medieval

mas que gradativamente tomaraacute maior focirclego nos seacuteculos vindouros a autoria

individual

Encerramos tal seccedilatildeo salientando que em todas essas obras eacute possiacutevel se delinear

uma carcateriacutestica marcante em comum que seraacute contraposta na seccedilatildeo a seguir tratam-

se de obras com objetivos de instruir de educar de transmitir conhecimento avalizado

Ao adentrarmos o mundo das Fornaldarsoumlgur e da Ọrvar-Odds Saga nos

depararemos com um uso bastante diverso do passado e de tal conhecimento geograacutefico

Natildeo mais fatores da instruccedilatildeo e piedade tais obras teratildeo como objetivo primaacuterio o

distrair o entreter E em tal objetivo o leste possuiraacute papel de destaque

261

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A

NARRATIVA DE ENTRETENIMENTO

51 As Fornaldarsoumlgur

A produccedilatildeo declaradamente ldquohistoacutericardquo natildeo esgota o material escrito lidando

com o leste De fato o maior conjunto de fontes a lidar com tal aacuterea eacute formado por uma

seacuterie bastante distinta de produccedilatildeo literaacuteria uma seacuterie na qual elementos como

entretenimento performance e o luacutedico assumem papel tatildeo ou mais importante em

alguns casos do que a proacutepria narrativa histoacuterica

Em tais obras o passado provecirc antes de tudo o contexto narrativo o cenaacuterio a

ambientaccedilatildeo propiacutecios a tal gecircnero De certa forma desenvolve-se uma associaccedilatildeo entre

maior plausibilidade de execuccedilatildeo de feitos fantaacutesticos com a maior antiguidade ou

distanciamento temporal em relaccedilatildeo ao seu autor

O propoacutesito especiacutefico de escrita ndash no caso o entreter ndash natildeo exclui o

entrelaccedilamento dessa produccedilatildeo com aquela destinada agrave instruccedilatildeo Como veremos em

breve haacute uma conexatildeo orgacircnica entre agrupamentos de fontes que agrave primeira vista natildeo

possuem nada em comum agrave parte de serem produccedilotildees escritas do medievo escandinavo

O gecircnero que enquadra fontes as sagas a lidar com o fantaacutestico e o maravilhoso

foi chamado de Fornaldarsoumlgur norethurlanda o que significa literalmente ldquosagas

antigas das terras do norterdquo Normalmente citadas apenas como Fornaldarsoumlgur satildeo

traduzidas com frequecircncia como ldquosagas legendaacuteriasrdquo ou ldquoSagas dos tempos antigosrdquo

Essa caracterizaccedilatildeo eacute posterior agrave escrita das mesmas datando do seacuteculo XIX e natildeo

fecha de forma absoluta a seacuterie

Carl Christian Rafn em sua coletacircnea ldquoFornaldar Soumlgur Nordrlandardquo

publicada em trecircs volumes em Copenhaguen em 1829 e 1830 efetuou a seleccedilatildeo de

trinta e uma sagas que considerava enquadrarem-se no criteacuterio receacutem-criado

Posteriormente mais cinco foram adicionadas agrave lista mas haacute uma seacuterie de manuscritos

que ainda carecem de maior anaacutelise e que poderiam ser enquadradas em tal categoria

Tulinius por sua vez considera uma lista de vinte e cinco Fornaldarsoumlgur o que jaacute

262

deixa claro que haacute dissenso e o criteacuterio de gecircnero natildeo eacute tatildeo fechado519

Aleacutem da narrativa de eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia (com

algumas exceccedilotildees das quais a principal eacute a Yngvar Saga viethforla) as Fornaldarsoumlgur

satildeo caracterizadas por uma forma narrativa centralizada no fantaacutestico na aventura e no

exoacutetico com um grande uso de temaacuteticas miacuteticas e lendaacuterias O cenaacuterio baacutesico dos

acontecimentos eacute a Escandinaacutevia e natildeo a Islacircndia

Natildeo haacute consenso em relaccedilatildeo agrave sua dataccedilatildeo a Yngvar Saga viethforla datada do

seacuteculo XIII eacute a mais antiga da seacuterie que em sua maior parte situa-se entre os seacuteculos

XIV-XV520

ndash o que faz as Fornaldarsoumlgur formas de saga bastante recentes

Dessa forma apesar de narrarem eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia

possuem uma distacircncia temporal mais significativa dos eventos que narram e consistem

em fontes tardias

Jaacute tratamos das Iacuteslendigasoumlgur em outro capiacutetulo de tom mais soacutebrio e

comedido narradas de forma marcadamente realiacutestica com poucas intervenccedilotildees do

sobrenatural e com muitas informaccedilotildees de cunho histoacuterico e mesmo croniacutestico satildeo

consideradas pela tradiccedilatildeo historicista como o aacutepice da produccedilatildeo literaacuteria islandesa

medieval e como tal serviram de paracircmetro de comparaccedilatildeo para outras seacuteries de saga

Nesta breve caracterizaccedilatildeo jaacute fica evidente ao leitor a preferecircncia e valorizaccedilatildeo

que foi dada no decorrer dos estudos sobre Escandinaacutevia medieval agraves Iacuteslendigasoumlgur e a

depreciaccedilatildeo a que as Fornaldarsoumlgur foram submetidas Como parte desse fenocircmeno

podemos citar natildeo apenas propensotildees historicistas uma divisatildeo estrita entre ldquohistoacuteriardquo e

ldquomitordquo mas tambeacutem a criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo que definiu que o tom narrativo

escandinavo em sua forma mais pura em seu periacuteodo mais ldquoclaacutessicordquo e notaacutevel seria

aquele passado pela narrativa das Iacuteslendigasaga enfim um criteacuterio acerca da proacutepria

qualidade artiacutestica das sagas tambeacutem empregado em outras situaccedilotildees diacutespares como

por exemplo a dataccedilatildeo das mesmas521

Um dos argumentos mais predominante e recorrente na justificativa de tais

criteacuterios de valor eacute construiacutedo baseado no contexto de escrita das Fornaldarsoumlgur

alegando que as mesmas teriam sido produzidas em periacuteodo de decadecircncia literaacuteria por

519

DRISCOLL Mathews James A new edition of the Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Some basic

question In BAMPI amp FERRARI (eds) Editing Old Scandinavian texts Problems and perspectives

Trento 2009 p01 520

PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga and Eymunds

Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]p 02 521

MUNDAL Else The dating of the oldest sagas about early icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 p46

263

sua vez causado pelos processos poliacuteticos envolvendo a Islacircndia e a Noruega522

Em

contrapartida as Iacuteslendigasoumlgur escritas em sua maior parte ateacute o seacuteculo XIII

refletiriam ainda o periacuteodo aacuteureo literaacuterio islandecircs medieval em conjunto com as obras

de Snorri Sturlusson

O fortalecimento da monarquia norueguesa e a subsequente submissatildeo da

Islacircndia em 1262 ao monarca da Noruega foi situaccedilatildeo traumaacutetica e verdadeira ruptura

em uma sociedade desde o seu iniacutecio fundamentada ainda que de forma relativa na

igualdade entre seus pares523

Tais argumentos satildeo datados coerentes com o historicismo suas questotildees e

questionamentos metodoloacutegicos esteacuteticos e formais As geraccedilotildees mais recentes de

acadecircmicos dentre os quais se pode citar Mathew Driscoll Torfi Tulinius Margaret

Ross tecircm levantado novas questotildees relativas agrave pertinecircncia do estudo das

Fornaldarsoumlgur Natildeo enquanto produto de decadecircncia literaacuteria ndash antes enquanto

respostas artiacutesticas literaacuterias e histoacutericas especiacuteficas de uma sociedade em processo de

profunda transformaccedilatildeo524

Haacute linhas diversas de argumentaccedilatildeo a se empregar ao se levar em consideraccedilatildeo o

valor intriacutenseco das Fornaldarsoumlgur enquanto vislumbres de uma eacutepoca A proacutepria

linguagem de escrita das mesmas constrastante com as Islendigasoumlgur em tom mais

leve e muitas vezes bem-humorado fez com que as Fornaldarsoumlgur se tornassem

populares na Islacircndia desde a data de sua escrita ateacute o proacuteprio seacuteculo XIX o nuacutemero de

coacutepias e manuscritos efetuados nesses quatro seacuteculos atesta particularmente bem a

situaccedilatildeo525

destarte as Fornaldarsoumlgur consistem tambeacutem formas especiacuteficas literaacuterias

voltadas para o proacuteprio entretenimento

Em adiccedilatildeo as Fornaldarsoumlgur preservam a despeito de sua estrutura em prosa

grande quantidade de inserccedilotildees poeacuteticas Uma das meacutetricas mais frequentemente

empregadas eacute a fornyrethislag mais ligada agrave tradiccedilatildeo eacutedica do que agrave escaacuteldica como no

caso das Islendigasoumlgur526

O gecircnero veicula dessa forma conhecimento e fontes

522

DRISCOLL Matheus Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 196 523

BYOCK Jesse Viking Age Iceland London Penguim books 2001 Capiacutetulo 04 524

ROSS Margaret Clunie Introduction In ____________ (ed) Old Icelandic Literature and Society

Cambridge at the University Press 2000 P 03 525

LESLIE Helen The death songs of Oumlrvar-Odds Saga Tese de doutorado Bergen University 2012

P 232 526

TULINIUS T Sagas of Icelandic Prehistory (Fornaldarsoumlgur) In McTURK Rory (ed) A

companion to Old-Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 448

264

primaacuterias sobre os tempos antigos de forma mais abundante e qualificada do que as

proacuteprias Islendigasoumlgur

O cenaacuterio e o acircmbito geograacutefico baacutesico das Fornaldarsoumlgur satildeo a Escandinaacutevia

antes da colonizaccedilatildeo da Islacircndia Poreacutem seu escopo eacute muito mais amplo Em conjunto

com tais regiotildees factuais do mundo noacuterdico a narrativa se daacute em localidades do

fantaacutestico escandinavo como Jotunheimr (a terra dos gigantes) as Planiacutecies de Glasir

Geirrodland e mesmo regiotildees das tradiccedilotildees greco-romana e cristatilde resignificadas como

a Palestina e o Rio Jordatildeo Parte dessas localizaccedilotildees e definiccedilotildees geograacuteficas se

sustentam em conhecimento acumulado e pensado por autores anteriores

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees

Torfi Tulinius defende em diversas obras uma dataccedilatildeo mais recuada para as

Fornaldarsoumlgur como a primeira metade do seacuteculo XIII Argumenta que haacute temaacuteticas

tratadas em comum com as Iacuteslendigasoumlgur como preocupaccedilotildees com heranccedila e

linhagem poreacutem em forma deliberadamente ficcionalizada Ele as chama de primeira

manifestaccedilatildeo de ldquoficccedilatildeo conscienterdquo na prosa islandesa527

Loumlnnroth528

considera o grupo das Fornaldarsoumlgur um gecircnero hiacutebrido de

tradiccedilatildeo heroica mito folclore e romance do continente e que natildeo seria recomendaacutevel

se efetuar distinccedilotildees de categoria dentro das mesmas

A linha interpretativa de Paacutelsson e Tulinius529

diferencia dois polos temaacuteticos

nas Fornaldarsoumlgur o primeiro de temaacutetica traacutegico-heroacuteica includiria dentre outras a

Ragnars saga loethbroka a Volsunga Saga e a Hervarar saga ok Heiethreks530

Esse grupo

se vincularia agrave antiga tradiccedilatildeo heroica transmitida principalmente em forma poeacutetica e

tende a apresentar um final traacutegico com uma narrativa que extende-se frequentemente

por vaacuterias geraccedilotildees531

Um ponto de transiccedilatildeo da temaacutetica para uma aventureira seria

527

TULINIUS T The Matter of North The Rise of Literary Fiction in Thirteenth-Century Iceland

Odense at the University Press 2002 [1995] pp48-55 528

LOumlNNROTH Lars Fornaldarsagans genremaumlssiga metamorfoser Mellan Edda-mytoch

riddarroman In LASSEN Annette amp JAKOBSSON Jakobsson amp NEY Agneta (eda)

Fornaldarsagornas struktur och ideologi Handlingar fraringn ett symposium i Uppsala 318-29 2001

Publicado em 2003 p44 529

TULINIUS 2007 448s 530

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Legendary Fiction in Medieval Iceland Reykjaviacutek

University of Iceland 1970 Pp36ss 531

TULINIUS 2007 448s

265

exemplificado pela Ọrvar-Odds Saga e a Hroacutelfs saga Gautrekssonar as quais data nos

finais do seacuteculo XIII

Por fim o periacuteodo final das Fornaldarsoumlgur caracterizar-se-ia por uma temaacutetica

ldquoaventureira-cocircmicardquo exemplificado pela Bosa Saga e a Gongu-Hrolf saga532

Nesse

grupo chamado geneacuterica e mesmo coloquialmente por Paacutelsson como ldquoviking

romancesrdquo533

a accedilatildeo toma parte no mundo do periacuteodo viking seus heroacuteis natildeo satildeo

necessariamente de linhagem real ou aristocraacutetica e a histoacuteria normalmente possui um

ldquofinal felizldquo534

Ainda conforme Tulinius535

o ponto de transiccedilatildeo de temaacuteticas coincidiria com o

surgimento das riddarasoumlgur e com a transformaccedilatildeo da Islacircndia de regiatildeo livre para

subordinada Um sintoma dessa transiccedilatildeo seria o interesse mostrado nas narrativas na

questatildeo referente ao poder real e sua expansatildeo ndash conceito remodelado em um contexto

pseudo-cavaleiresco nas riddarasoumlgur para os receacutem-vassalos islandeses da Noruega

Eacute importante notar que as opiniotildees de Tulinius em particular a questatildeo da

dataccedilatildeo estatildeo longe de obter um consenso natildeo obstante sua qualidade Entretanto seja

sua dataccedilatildeo aceita ou natildeo pode se citar um consenso exemplificado por Mitchell536

entre a erudiccedilatildeo mais recente acerca da caracteriacutestica das Fornaldarsoumlgur enquanto

formas narrativas de revitalizaccedilatildeo cultural do norte legendaacuterio Tal circunstacircncia eacute

vaacutelida tenham sido as Fornaldarsoumlgur escritas seja no aacutepice do periacuteodo de perda de

independecircncia islandesa como argumenta Tulinius seja nos seacuteculos XIV e XV como

defende a opiniatildeo mais corrente ndash em ambas as circunstacircncias ocorrem adaptaccedilotildees agrave

nova situaccedilatildeo poliacutetica que insere a Islacircndia num quadro mais amplo europeu

Um ponto da argumentaccedilatildeo de Tulinius eacute de particular interesse ao se considerar

o proacuteprio valor esteacutetico e literaacuterio das Fornaldarsoumlgur como Tulinius demonstra elas

contecircm quantidade consideraveacutel de poesia tradicional eacutedica e caracteriacutestica da

literalidade oral ldquopreacuterdquo escrita e cristatilde Ele considera que de acordo com sua

argumentaccedilatildeo para uma data mais recuada para as mesmas as Fornaldarsoumlgur

provavelmente consistiriam em uma forma de continuidade dessa mesma tradiccedilatildeo

Se mantivermo-nos firmes ao criteacuterio mais difundido para a dataccedilatildeo posterior

532

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 69ss 533

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Seven Viking Romances London Penguin Books 1985

P14 534

TULINIUS 2007 449 535

TULINIUS 2002[1995] 44-65 536

MITCHELL Stephen Heroic Sagas and Ballads London Ithaca 1991 Pp132-136

266

das Fornaldarsoumlgur entretanto esta quantidade de poesia eacutedica que as mesmas

veiculam deve ser considerada sob outro prisma Certamente uma linha contiacutenua de

permanecircncia uma continuidade inalterada entre as duas tradiccedilotildees literaacuterias natildeo pode

ser sustentada Entretanto esse uso de tal poesia implica em um resgate nesta

modalidade de saga de uma tradiccedilatildeo literaacuteria mais antiga falando contrariamente aos

criteacuterios que denigrem tal tradiccedilatildeo mais recente

Tal resgate de tradiccedilotildees antigas eacute bastante coerente com a argumentaccedilatildeo de Ross

e Driscoll e demonstra um intuito consciente de preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo eacutedica

Podemos argumentar mais aleacutem o uso da poesia eacutedica nas Fornaldarsoumlgur eacute um uso

muito coerente de fontes literaacuterias para uma modalidade que pretende escrever sobre os

tempos recuados pois emprega e readapta a forma literaacuteria em voga nesses tempos

passados

Como jaacute afirmamos no iniacutecio desta tese a Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur

possuidoras de formas e esteacuteticas muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o

passado em contextos diferentes e subsequentes Ambos os usos satildeo igualmente

vaacutelidos e a menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor enquanto

fonte histoacuterica sendo anacrocircnico depreciaacute-las em relaccedilatildeo agraves Iacuteslendigasoumlgur

52 A Ọrvar-Odds Saga

521 Manuscritos e redaccedilotildees

Diferentemente de outras obras analisadas aqui ateacute entatildeo as Fornaldarsoumlgur e a

Ọrvar-Odds Saga especificamente na qual centralizaremos nossa atenccedilatildeo possuem um

nuacutemero muito grande de coacutepias e manuscritos que atestam sua popularidade e difusatildeo

Dado o descreacutedito que receberam no seacuteculo XIX haacute em contraste uma pequena

quantia de ediccedilotildees e traduccedilotildees nuacutemero que vem aumentando nas uacuteltimas deacutecadas

Segue uma lista dos manuscritos que conteacutem o texto completo ou partes da

Ọrvar-Odds Saga com seus respectivos locais de depoacutesito

267

Advocates Library Edinburgh MS 2152 (1755-1758 Dinamarca

conteacutem extratos)

Stofnun Aacuterna Magnuacutessonar iacute iacuteslenskum fraeligethum Reykjaviacutek AM 172

b fol AM 173 fol AM 340 4to AM 342 I-II 4to AM 343 a 4to AM

344 a 4to AM 344 b 4to AM 471 4to AM 552 q 4to AM 567 IV 4to

AM 591 i 4to AM 738 4to AM 109 a 8vo AM 109 a 8vo

Bibliothegraveque Sainte-Geneviegraveve Paris MS 3713 MS 3724

British Library London BL Add 11108 BL Add 11161 BL Add

11174 BL Add 11174 BL Add 11174 BL Add 6121 BL Add 6121

BL Add 6121

Bodleian Library Oxford Ms Boreal 116

Det Kongelige Bibliotek Copenhagen GKS 1006 fol Kall 243 fol

Kall 611 4to NKS 1689 4to NKS 1707 4to NKS 1709 4to NKS

1791 4to NKS 1792 4to NKS 1793 4to NKS 1793 4to

Kungliga biblioteket Stockholm Papp 4to nr 32 Papp 4to nr 56

Papp 4to nr 80 Papp fol nr 102 Papp fol nr 103 Papp fol nr 17

Papp fol nr 73 Papp fol nr 89 Papp fol nr 98 Perg 4to nr 7

Landsboacutekasafn Iacuteslands Reykjaviacutek IacuteB 51 fol IacuteB 384 4to IacuteBR 58

4to JS 627 4to JS 634 4to JS 635 4to Lbs 221 fol Lbs 221 fol

Lbs 325 fol Lbs 381 fol Lbs 633 fol Lbs 152 4to Lbs 677 4to Lbs

942 4to Lbs 999 4to Lbs 1172 4to Lbs 1492 4to Lbs 1540 4to Lbs

1582 4to Lbs 1626 4to Lbs 1971 4to Lbs 5158 4to Lbs 893 8vo

Lbs 1010 8vo Lbs 1366 8vo Lbs 2146 8vo Lbs 4460 8vo

Riksantikvarieaumlmbetet Stockholm Forn Sagor om Ketill Haumlng

Grim Ludenkind och Pile Odder

Riksarkivet Stockholm Saumlfstaholmssamlingen I Papp 11

Heacuteraethsskjalasafn Skagfirethinga Akureyri HSk 2 4to

Trinity College Library and Royal Irish Academy Dublin MS 994

Universitetsbiblioteket Oslo UB 255 fol UB 303 4to

Universitetsbibliotek Uppsala Westin 86

The Icelandic Collection Elizabeth Dafoe Library Winnipeg

Canada Winnipeg MS 8vo537

Tal lista compilada pelo projeto ldquoStories for all time The Icelandic

Fornaldarsoumlgurrdquo mantido pela ldquoVelux foundationrdquo e coordenado por Mathew Driscoll

exemplifica bem a complexidade da situaccedilatildeo A Ọrvar-Odds Saga possui um nuacutemero

grande de manuscritos 81 conhecidos ateacute o momento copiados em um periacuteodo de

quatro seacuteculos possuem redaccedilotildees diferentes

A erudiccedilatildeo do seacuteculo XIX separa trecircs grupos de redaccedilotildees principais a ldquocurtardquo a

ldquointermediaacuteriardquo e a ldquolongardquo538

Em termos de manuscritos existem quatro mais

relevantes e representativos que conteacutem tais redaccedilotildees redaccedilatildeo S (de ldquoshortrdquo Perg 4tpo

537

Lista obtida no projeto ldquoStories for all time The Icelandic Fornaldarsoumlgurrdquo

lthttpfasnlkudkbiblbiblaspxsid=oeosampview=manuscriptgt Uacuteltimo acesso em 11112014 538

FERRARI Fulvio Ǫgmundr The Elusive Monster and Medieval Fantastic Literature In

RUGGERINI Maria E (ed) Studi anglo-norreni in onore di John S McKinnell He hafaeth

sundorgecynd Cagliari 2009p368

268

nr 7 43v-57r20 1300-1324539

) mais antiga redaccedilatildeo e manuscrito redaccedilatildeo M (de

ldquomiddlerdquo AM 344 a 4to 1r-24v 1350-1400540

) redaccedilatildeo ldquoArdquo (AM 343 4deg membr

59v-81v 1450-1475541

) e redaccedilatildeo ldquoBrdquo (AM 471 4deg membr 61r-96v 1450-1500542

)

Entre S e AB haacute uma distacircncia temporal de mais de um seacuteculo no qual a saga

sofreu consideraacuteveis alteraccedilotildees543

As ediccedilotildees satildeo escassas haacute duas ediccedilotildees criacuteticas

principais de Boer de S datada de 1892544

e Guethni Joacutensson de AB de 1943545

A

traduccedilatildeo de Paacutelsson foi feita com base em AB Haacute ainda a chamada versatildeo ldquoErdquo (AM

173 fol546

) considerada uma variante de AB mas natildeo editada e que tem sido

negligenciada pelos eruditos547

A ediccedilotildees da Fornaldarsoumlgur Norethrlanda de Rafn de 1829 utiliza como

manuscrito primaacuterio o GKS 2845 4to e variantes dos manuscritos GKS 1005 fol AM

309 4to AM 62 fol e AM 202 i fol

Ao citarmos trechos da saga empregaremos trechos de S da ediccedilatildeo de Boer de

AB de Guethni Joacutensson e da traduccedilatildeo de Paacutelsson e Edwards548

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-

geograacutefica

O autor da redaccedilatildeo S baseou-se em alguma tradiccedilatildeo preacute-existente Saxo

Grammaticus jaacute escreveria anteriormente sobre um ldquoArvaraddusrdquo no iniacutecio do seacuteculo

XIII Eacute possiacutevel que esta primeira redaccedilatildeo tenha sido escrita sob a influecircncia de

narrativas hagiograacuteficas incluindo a Saga de St Olaf

O personagem principal Ọrvar-Oddr (Odd rdquodas flechasrdquo) possui uma atitude

539

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=UABlAHIAZwAuACAANAB0AG8AIABuAHIAIAA3AA2 540

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADQAIABhACAANAB0AG8A0 541

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADMAIABhACAANAB0AG8A0 542

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAANAA3ADEAIAA0AHQAbwA1 543

BANDLE 1990 60 544

BOER RC(ed) Ọrvar-Odds Saga Altnordische Saga-Bibliothek 2 Halle Niemeyer 1892 545

VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Reykjaviacutek

1943-1944 vol 1 165-187 546

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMQA3ADMAIABmAG8AbAAuAA2 547

FERRARI 2009 368 548

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Seven Viking Romances London Penguin Books

1985 Traduccedilatildeo para o inglecircs

269

negativa em relaccedilatildeo agrave religiatildeo pagatilde Recebe em sua juventude a profecia de uma

adivinhadora (vọlva) sobre o seu futuro segundo a qual viveria uma vida extremamente

longa mas seria morto por seu cavalo na casa onde passara sua juventude

Oddr mata seu cavalo enterra-o profundamente e abandona o lugar tendo uma

vida de viagens e lutas em meio agrave qual se converte ao Cristianismo e torna-se rei de

Huacutenaland na redaccedilatildeo S e de Garethariacuteki nas redaccedilotildees ABE Nostaacutelgico retorna ao seu

antigo lar para descobrir surpreso que as modificaccedilotildees no solo trouxeram agrave caveira do

cavalo agrave superfiacutecie Uma serpente sai de dentro dela e pica Odd que morre

Taylor (1921s549

) Stender-Petersen (1934)550

Nora Chadwick (1946)551

e Fulvio

Ferrari (2009)552

enfatizaram a similaridade de enredos encontrados na Ọrvar-Odds

Saga e a histoacuteria de Oleg encontrada na Povest vremenikh leacutet nas entradas concernentes

aos anos 911-912

Segundo a PVL Oleg foi filho de Rurik tendo subido ao governo de Kiev entre

os anos de 870 a 879 Em 912 apoacutes ter unificado e tomado tributo de diversas tribos

eslavas e fino-uacutegricas e finalmente atacado Constantinopla bem como obtido um

tratado com os Bizantinos a crocircnica conta o seguinte

ldquoAssim Oleg governou em Kiev e viveu em paz com todas as

naccedilotildees

Veio o outono e Oleg pensava sobre seu cavalo que ele fez

com que fosse bem alimentado ainda que nunca tivesse sido montado

ateacute o momento Pois em certa ocasiatildeo ele inquiriu aos maacutegicos e

adivinhos sobre qual seria a causa de sua morte Um dos maacutegicos

respondeu lsquoOh priacutencipe eacute por meio de seu garanhatildeo que vocecirc ama e

cavalga que vocecirc encontraraacute sua mortersquo

Oleg entatildeo refletiu e decidiu que nunca mais montaria seu

cavalo ou mesmo olharia para ele novamente Dessa forma ele deu

ordens que o cavalo deveria ser alimentado apropriadamente mas

nunca levado em sua presenccedila

Assim ele permitiu que se passassem anos ateacute que atacasse os

gregos Depois que ele retornou agrave Kiev se passaram quatro anos mas

no quinto ele pensou sobre seu cavalo atraveacutes do qual os maacutegicos

haviam antevisto que ele encontraria sua morte

Convocou assim seu escudeiro secircnior e perguntou sobre o

destino do cavalo sobre o qual ele ordenara que fosse bem alimentado

e cuidado O escudeiro respondeu que ele estava morto

Oleg riu e escarneceu do maacutegico exclamando lsquoAdivinhadores

cnam inverdades e suas palavras satildeo despreziacuteveis e falsas Este cavalo

549

FERRARI 2009 368 550

CHADWICK Nora The begginnings of Russian History An Enquiry into Sources Cambridge at the

University Press 1946 P 206 FERRARI 2009 368 551

CHADWICK 146 157 552

FERRARI 2009 368

270

estaacute morto mas eu ainda estou vivorsquo

Assim ele ordenou que um cavalo fosse selado acuteDeixe-me ver

seus ossosacute disse Ele cavalgou ateacute o local aonde os ossos

descarnados e a caveira estavam Desmontando de seu cavalo ele riu e

enfatizou acuteEntatildeo eu supostamente deveria receber minha morte dessa

caveiraacute E ele pisou a caveira com seu peacute Mas uma serpente

rastejou dela e mordeu-o no peacute e em consequecircncia disto ele adoeceu e

morreurdquo 553

(Crocircnica Primaacuteria russa 911 Capiacutetulos 38 e 39 Versatildeo nossa)

De fato a semelhanccedila eacute por demais forte para ser casual Como lidar com a

mesma no entanto tem dividido os supracitados pesquisadores Ferrari alega que o

autor empregou um motivo difundido ndash no caso o da ldquoprofecia impossiacutevelrdquo que acaba

se cumprindo - adaptando-o aos seus proacutepositos e revestindo-o de significados

especiacuteficos554

Um mero reemprego de motivo folcloacuterico nos parece por demais tecircnue nesta

circunstacircncia especialmente se levarmos em conta as proximidades contextuais A PVL

fala nesta passagem de um governante varegue ou seja de um viking no leste Oddr eacute

um viking que teraacute parte relevante de sua carreira no leste a ponto de um de seus

epiacutetetos ldquoeacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmalandrdquo e o seu governo de Huacutenaland darem-

se no contexto

Consista em um motivo folcloacuterico ou natildeo eacute um motivo que estaacute ligado em pelo

menos trecircs narrativas no mesmo contexto a PVL a Ọrvar-Odds Saga e a Gesta

Danorum

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar

Um nuacutemero consideraacutevel das Fornaldarsoumlgur tem parcela elevada de seu enredo

ocorrendo em Austrvegr Garethariacuteki e Bjarmaland Eacute comum a accedilatildeo dar-se nos trecircs

locais conterem estruturas narrativas esquemaacuteticas proacuteprias de contos folcloacutericos

incluindo sistemas de iniciaccedilatildeo de seus personagens Dentre algumas sagas que

incorporam estas caracteriacutesticas destacamos a Boacutesa saga og Herraueths a Egils saga

einhenda og Aacutesmundar berserkjabana a Haacutelfdanar saga Eysteinssonar a THORNorsteins

saga Viacutekingssonar a Yngvars saga viacuteethfoumlrla e a Ọrvar-Odds Saga que nos proveraacute o

553

CROSS S amp SHERBOWITZ-WETZOR OP (eds) The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953p69 554

FERRARI 2009 368

271

estudo de caso especiacutefico em nossas anaacutelises subsequentes

Haacute um uso disseminado de recursos humoriacutesticos e do que chamamos de

fantaacutestico e maravilhoso transpondo os limites afixados por Jacques LeGoff no

Ocidente Medieval Natildeo nos eacute possiacutevel compreender de todo o efeito que estas sagas

produziam em suas audiecircncias Ao leitor contemporacircneo elas provocam muitas vezes

estranheza distanciamento e estupefaccedilatildeo

Diante de tais caracteriacutesticas afigura-nos como recurso necessaacuterio para anaacutelise

dessa seacuterie de fontes e da Ọrvar-Odds Saga (AB) especificamente enquanto

representativa do gecircnero o cabedal de ferramentas fornecido pela Antropologia mais

especificamente o que podemos depreender de sistemas e ritos de passagem

Nesse aspecto as ideias de Von Gennep sobre ritos de passagem tiveram

influecircncia duradoura natildeo apenas na Antropologia mas tambeacutem nas interpretaccedilotildees

histoacutericas e inclusive de outras formas de sagas escandinavas seja diretamente ou

atraveacutes dos desenvolvimentos pelos quais passaram atraveacutes dos trabalhos de Vitor

Turner

Arnold Van Gennep explica os processos envolvidos em ritos de passagem com

o desenvolvimento da ideia de liminaridade e de estados liminais nos quais o indiviacuteduo

que passa pelo rito de iniciaccedilatildeo sai de uma situaccedilatildeo anterior mas ainda natildeo se encontra

na situaccedilatildeo na qual se daraacute sua reinserccedilatildeo social

As dimensotildees iniciais de tais ideias foram ampliadas e vecircm sido aplicadas em

aacutereas diversas que incluem campos tradicionais da etnologia como o estudo de povos

ditos ldquoprimitivosrdquo mas tambeacutem tecircm sido uacuteteis na explicaccedilatildeo de fenocircmenos da

Antiguidade Oriental Antiguidade Claacutessica e ateacute mesmo o Ocidente Medieval e a

Escandinaacutevia Medieval555

como as situaccedilotildees de peregrinaccedilatildeo556

e nos

desenvolvimentos da Ordem Franciscana

Detectamos na Ọrvar-Odds Saga uma infinidade de situaccedilotildees que podem ser

descritas e interpretadas como liminares e as discutiremos mais profundamente a

seguir Podemos centralizaacute-las em torno do personagem principal Oddr

De iniacutecio pretendemos refletir sobre o sistema que Van Gennep chama de

ldquoPassagem Materialrdquo Determinados espaccedilos prestam-se bem para situaccedilatildeo liminares

555

Destacamos o estudo de Anna Heiniger sobre o Dyradoacutemr na Eyrbyggja saga com a qual trocamos

informaccedilotildees valiosas acerca da liminaridade e espaccedilos liminares nas Sagas escandinavas HEINIGER

Anna Katharina Liminal Spaces and places in the Sagas Comunicaccedilatildeo apresentada no International

Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 556

TURNER Victor amp TURNER Edith LB Image and Pilgrimage in Christian Culture New York

Columbia University Press 1978

272

consistindo em limites delimitaccedilotildees e demarcaccedilotildees557

Portas soleiras e poacuterticos satildeo elementos recorrentes na delimitaccedilatildeo de espaccedilos

distintos e constituem-se em elementos limiares por excelecircncia Da mesma forma se daacute

com as fronteiras

No uacuteltimo caso pode haver objetos que especifiquem a interdiccedilatildeo e a proibiccedilatildeo

de passagem Em outros casos fronteiras naturais representam os limites que natildeo

devem ser transpostos sob pena de sanccedilotildees no campo do sobrenatural558

Em alguns casos como na Europa Medieval onde haviam zonas cristianizadas

separadas por vezes por faixas inabitadas ou habitadas por povos de outros grupos

religiosos determinados espaccedilos como mercados campos de batalha florestas e

pacircntanos podiam assumir o papel de espaccedilos liminares559

Observando-se a forma que Bjarmaland eacute retratada nas Fornaldarsoumlgur em

geral e na Ọrvar-Odds Saga em particular propomos aqui que a regiatildeo assume um

papel especiacutefico de espaccedilo liminar e transitoacuterio No caso em questatildeo natildeo entre regiotildees

materializadas no sentido habitual antes entre o mundo conhecido natural e explorado

e as regiotildees marcadas pelo fantaacutestico pelos fenocircmenos miacutetico-religiosos e pelo

inexplicado

Na Ọrvar-Odds Saga Bjarmaland assume o papel de zona liminar no processo

de iniciaccedilatildeo do proacuteprio Oddr por imprimir em sua trajetoacuteria caracteriacutesticas que o

acompanharatildeo por toda a saga ateacute que ocorra outro processo liminar em um outro

espaccedilo especiacutefico

A jornada de Oddr agrave Bjarmaland possui contrapartes em outras fontes jaacute

estudadas ateacute agora a Oacutelaacutefs saga ins Helga e a Gesta Danorum Em algumas

circunstacircncias especiacuteficas eacute difiacutecil de discernir se a jornada para Bjarmaland consiste

em simplesmente um tema ou motivo ou se os relatos que a conteacutem possuem conexotildees

entre si

O capiacutetulo 133 da Oacutelaacutefs saga ins Helga conta sobre uma expediccedilatildeo efetuada por

Karli que representaria o rei Oacutelaacutefr e certo THORNoacuterir Hundr Fica acertado que cada um

levaraacute consigo 25 homens mas THORNoacuterir leva 80 o que gera constante tensatildeo entre Karli e

os seus homens sempre no receio de que venham a sofrer por causa de seu menor

nuacutemero ndash como de fato acontece posteriormente

557

Van GENNEP Arnold Os ritos de passagem Petroacutepolis Editora Vozes 2013[1977] P33 558

Van GENNEP 34 559

Idem 35

273

A descriccedilatildeo da jornada toda eacute bastante graacutefica e precisa explicitando elementos

praacuteticos sobre a navegaccedilatildeo natureza das mercadorias e procedimentos Apoacutes o periacuteodo

de mercado quando o acordo de paz com os nativos eacute encerrado Karli e THORNoacuterir partem

para saquear a aacuterea com seus homens THORNoacuterir fala um pouco sobre os costumes locais

ldquo() quando um homem rico morria todos os seus bens moacuteveis

eram divididos entre o homem morto e seus herdeiros Ele pegava a

metade ou a terccedila parte ou as vezes menos e esta parte era carregada

para as florestas e enterrada algumas vezes sob um montiacuteculo agraves

vezes na terra e aacutes vezes ateacute uma casa era construiacuteda sobre ela560

rdquo

(Heimskringla Oacutelaacutefs saga ins Helga 133 Versatildeo nossa)

Os vikings chegam a um lugar cercado e com guardas Matam-nos atravessam a

cerca e chegam a um montiacuteculo no qual haacute terra prata e ouro misturados mas tambeacutem

uma imagem do deus Joacutemaacuteli THORNoacuterir ordena que ningueacutem roube ao iacutedolo mas ele mesmo

acaba por fazecirc-lo

Karli faraacute o mesmo e tenta retirar um ornamento de ouro do pescoccedilo do iacutedolo

Bate muito forte com o machado e acaba decapitando a imagem O barulho atrai aos

Bjarmar que partem em perseguiccedilatildeo No final os vikings retornam aos seus barcos e

na viagem de retorno THORNoacuterir acaba por matar Karli e atacar os seus homens

Parece-nos clara alguma ligaccedilatildeo do relato apresentado natildeo apenas com a Ọrvar-

Odds Saga mas com outras Fornaldarsoumlgur Se o relato era conhecido oralmente ou se

a Ọrvar-Odds saga inspirou-se em certo grau na Oacutelafs saga helga como jaacute foi sugerido

permanece questatildeo natildeo resolvida mas pela extensatildeo em que viagens a Bjarmaland

seratildeo empregadas por outras Fornaldarsoumlgur e pelo nuacutemero de elementos encontrados

nelas que se concentram na Oacutelaacutefs saga ins Helga eacute bastante razoaacutevel que esta tenha

provido uma base narrativa e informativa para muitas composiccedilotildees posteriores

Vejamos como se daacute o mesmo relato na Ọrvar-Odds saga

Oddr nunca esteve em alguma expediccedilatildeo viking antes Apoacutes sair de Berurjod

aonde crescera e enterrara seu cavalo Faxi a fim de enganar as profecias parte para

Hrafnista aonde reside sua famiacutelia de sangue Seu irmatildeo Gudmunethr e seu primo

Sigurethr estatildeo de partida para Bjarmaland no dia seguinte e como os preparativos estatildeo

560

ldquo() aeth thornannug vaeligri haacutettaeth thornaacute er auethgir menn ọnduethust aeth lausafeacute skyldi skipta meeth hinum dauetha og

ọrfum hans Skyldi hann hafa haacutelft eetha thornriethjung en stundum minna THORNaeth feacute skyldi bera uacutet iacute skoacutega

stundum iacute hauga og ausa vieth moldu Stundum voru huacutes aeth gerrdquo Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON

1911 133 K 312

274

feitos natildeo permitem que Oddr os acompanhe Apoacutes sonhos premonitoacuterios concordam

com que Oddr vaacute

Oddr recebe de seu pai as Gusisnautar ndash ldquodaacutevidas de Gusirrdquo flechas maacutegicas

feitas por Saacuteami que acompanharatildeo Oddr ateacute sua proacutexima iniciaccedilatildeo e que seratildeo vitais

em muitas de suas batalhas

Os parentes viajam passam por Finnmark ndash o tom da narrativa eacute cocircmico por

vezes e os vikings divertem-se ao verem as mulheres saami gritarem apoacutes serem

roubadas

Todos chegam agrave Bjarmaland O primeiro acontecimento estaacute delimitado em um

espaccedilo liminal os Bjarmar estatildeo dentro de um salatildeo perfeitamente iluminado em todos

os seus cantos Os vikings fora dele na escuridatildeo da noite Para acentuar a distacircncia

que os separa tanto espacialmente como em outras categorias a narrativa enfatiza a

alteridade a principiar pela liacutengua

Vocecirc sabe algo da linguagem dessas pessoas perguntou Oddr natildeo

mais que o barulho dos paacutessaros disse Asmund vocecirc consegue

entender algo dela561

(Ọrvar-Odds saga Capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

Eacute uma circunstacircncia singular que em uma miriacuteade de narrativas e sagas a ecircnfase

da diferenccedila linguiacutestica seja tatildeo pouco explorada Mas o eacute A proacutepria saga de Oddr

posteriormente traraacute eventos que ocorrem nas mais distantes partes do mundo que

incluem a Terra Santa Francia Garethariacuteki e terras do sobrenatural Em nenhuma

situaccedilatildeo haacute constrangimento linguiacutestico562

Parece um consenso entre os autores de saga

que o mundo inteiro fala antigo noacuterdico

A referecircncia agrave rdquolinguagem dos paacutessarosrdquo natildeo eacute isolada Ela aparece tambeacutem na

Heimskringla no capiacutetulo 10 da Saga de Oacutelaacutefr Kyrre e tambeacutem na lenda sobre Sigurethr

e o dragatildeo Fafnir Em ambas evoca situaccedilotildees de misteacuterio e do sobrenatural

Oddr olhando pelas janelas vecirc um homem servindo aos demais que imagina

que fale o noacuterdico Transpassa o espaccedilo liminal e entra em uma aacuterea escura do salatildeo

proacutexima ao poacutertico Quando o homem passa por ele Oddr agarra-o pela cabeccedila e foge

com o restante dos vikings

561

Skilr thornuacute heacuter nokkut maacutel manna sagethi Oddr eigi heldr en fuglaklieth sagethi Aacutesmundr eetha thornikist thornuacute

nokkut af skilja Oumlrvar-Odds Saga redaccedilatildeo S In RAFN C Fornaldar soumlgur Norethrlanda

Kaupmannahoumlfn Popp 1829-1830 vol I 4 K 175 562

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 31s

275

Oddr estaacute correto em sua suposiccedilatildeo e daacute-se o seguinte diaacutelogo

ldquoO que vocecirc pode me dizer que seria a pior peccedila que noacutes

podemos pregar nos bjarmarrdquo disse Oddr

ldquoEsta eacute uma boa questatildeordquo ele disse ldquoHaacute um montiacuteculo mais

adiante nos bancos do Viacutena feito de duas partes prata e terra Um

punhado de prata tem que ser deixado ali por cada homem que deixa

este mundo e a mesma quantia de terra para cada um que vem a ele

Vocecirc natildeo pode pregar nos bjarmar um truque mais sujo do que ir ateacute o

montiacuteculo e carregar toda a prata563

rdquo

(Ọrvar Odds saga capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

A passagem eacute outra marca de alteridade de desconhecimento e de falta de

compreensatildeo Oddr faz perguntas sobre os nativos e seus costumes ainda que com

intenccedilotildees negativas tenta entendecirc-los e de sua forma proacutepria obter informaccedilotildees sobre

um grupo que se lhe afigura totalmente desconhecido Em todos os sentidos o narrador

enfatiza como o bjarmar eacute o outro

O montiacuteculo com terra e metais misturados de imediato evoca a narrativa da

Oacutelaacutesf saga Helga Ambas explicaccedilotildees satildeo feitas em detalhe com cuidado apesar de

divergirem grandemente Pela tradiccedilatildeo que se conhece de montiacuteculos funeraacuterios e

paralelos na regiatildeo parece mais plausiacutevel que a explicaccedilatildeo da Ọrvar Odds Saga

consista numa invenccedilatildeo do seu autor

O restante da expediccedilatildeo resume-se em altercaccedilotildees e lutas com os nativos nas

quais estes sempre empregam recursos maacutegicos e posteriormente associar-se-atildeo aos

Saacuteami O uacutenico outro detalhe digno de maior nota aleacutem dos recursos ao maacutegico eacute uma

referecircncia fortuita a ldquoarmas de pratardquo Somada ao montiacuteculo somos tentados a sugerir

que os ecos das antigas rotas comerciais em busca de prata islacircmica faccedilam-se se sentir

tardia e desfiguradamente nestas narrativas mas trata-se de uma conjectura de nossa

lavra

Algumas caracteriacutesticas de Oddr satildeo definidas nesta expediccedilatildeo agrave Bjarmaland

- A clava Oddr esquece as Gusisnautar no barco e necessita improvisar uma

arma Usa um machado para fazer uma clava juntamente com as Gusisnautar a clava

563

Hvat segir thornuacute til sagethi Oddr hvat veacuter munum thorness gera at Bjoumlrmum thornykki verst THORNess er vel

spurt sagethi hann Haugr stendr upp meeth aacutenni Viacutenu Hann er gerr af tveim hlutum silfri ok moldu

THORNangat skal bera gaupnir silfrs eptir hvern mann thornann sem ferr af heiminum ok svaacute er hann kemr iacute

heiminn ok jafnmikla mold THORNat munu thorneacuter svaacute gera at Bjoumlrmum mun verst thornykkja ef thorneacuter farieth til

haugsins ok berieth feacuteit iacute burt thornaethan Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo AB Capiacutetulo 04 In VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur

Norethurlanda Reykjaviacutek 1943-1944 vol I Citaccedilotildees subsequentes como ldquoOSrdquo seguidas de nuacutemero

de capiacutetulo

276

seraacute uma caracteriacutestica marcante de Oddr Por ocasiatildeo de sua segunda iniciaccedilatildeo as

Gusisnautar perderatildeo seu poder e seratildeo substituiacutedas por outro jogo de flechas maacutegicas

mas a clava perduraraacute como sua arma contra seu uacuteltimo inimigo em Bjalkaland

- Seu nome fama e profissatildeo eacute a partir da expediccedilatildeo dela que Oddr seraacute

conhecido como um viking e que adquiraacute fama que perpassaraacute a de outro vikings O

qualificador dessa fama eacute Bjarmaland e Oddr seraacute conhecido como ldquoOddr que foi para

Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo

Os indiviacuteduos de maior significado para Oddr empregaratildeo o epiacuteteto

A comeccedilar por Oumlgmundr seu inimigo mortal

ldquoEacutes tu Oddrrdquo disse Oumlgmundr ldquoque viajou para Bjarmaland um longo

tempo atraacutesrdquo564

Siacuternir uacutenico indiviacuteduo que sobreviveraacute agraves lutas com Oumlgmundr e com quem

Oddr fez pacto de irmandade de sangue

Siacuternir perguntou ldquoEacute este Oddr que foi para Bjarmalandrdquo565

Vignir seu filho com a gigante Hildigunn

Ele disse que se chamava Vignir - ldquomas eacute vocecirc Oddr que foi para

Bjarmalandrdquo566

O rei Herrauethr de Gardariacuteki a quem Oddr substituiraacute como rei

ldquoNatildeo eacutes tu Oddr que foi para Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo567

- Seu necircmesis Oumlgmundr ldquoEythornjoacutefsbanirdquo ou Oumlgmundr ldquofloacutekirdquo (Oumlgmundr

ldquomatador de Eythornjoacutefrrdquo ou Oumlgmundr ldquotufo de cabelopecirclo emaranhadordquo)

Em S e M Oumlgmundr Eythornjoacutefsbani eacute um dos muitos seres sobrenaturais com os

quais Oddr se depara Apoacutes uma violenta batalha na qual Oddr e Oumlgmundr concordam

em deixar de lutar Oumlgmundr mata traiccediloeiramente a THORNoacuterethr irmatildeo de sangue de Oddr e

564

Ertu saacute Oddr sagethi Oumlgmundr at foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 13) 565

Siacuternir svarar Er thornetta Oddr saacute sem foacuter til Bjarmalands (OS 19) 566

Hann kveethst Vignir heita - eetha ertu Oddr saacute er foacuter til Bjarmalands (OS 21) 567

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 27)

277

os restantes da irmandade Oddr e Hjaacutelmarr natildeo conseguem encontraacute-lo mais Para

Ferrari a funccedilatildeo de Oumlgmundr nestas redaccedilotildees eacute efetuar um contraponto agrave

invencibilidade de Oddr mostrando algueacutem que pocircde derrota-lo568

Em ABE no entanto Oumlgmundr assume uma dimensatildeo totalmente nova

tornando-se no maior antagonista de Oddr e transformando o enredo da saga agrave medida

em que a maior parte de seus eventos acaba se entrelaccedilando entre a luta infindaacutevel entre

os dois

Haacute um personagem novo inserido em ABE que estaacute conectado com o aumento

do papel de Oumlgmundr e eacute quem traz informaccedilotildees precisas sobre quem ele eacute Rauethgrani

ldquoBarba-vermelhardquo Um tipo de figura comum nas sagas eacute um homem que aparece e

aconselha ao heroacutei nas batalhas evoca ao leitor as inuacutemeras apariccedilotildees de Oacuteethinn

disfarccedilado sendo de fato associado com ele no capiacutetulo 23 ao natildeo mais retornar Haacute um

Barba-Vermelha na Baacuterethar saga Snaeligfelsaacutess tambeacutem associado com Oacuteethinn mas de

construccedilatildeo mais maleacutefica algo entre uma divindade pagatilde e um ser mal que procura

desviar aos cristatildeos da saga

O Barba-Vermelha da Ọrvar-Odds Saga eacute benevolente misto de saacutebio e

covarde daacute conselhos e muita informaccedilatildeo uacutetil para Oddr sobre Oumlgmundr

Aparentemente esta eacute sua uacutenica funccedilatildeo pois sempre desaparece em batalha - fato que o

narrador natildeo deixa de notar e que confere tom de comicidade em alguns pontos da

saga569

Eacute ele quem provecirc a seguinte explicaccedilatildeo

ldquoVocecirc quer que eu lhe digardquo disse Barba-Vermelha ldquocomo

Oumlgmundr veio a nascer e eu espero que vocecirc perceba que natildeo haacute

forma de que ele seja vencido por homens mortais se vocecirc se

envereda por sua origem

Mas primeiro eu devo lhe explicar eacute que houve um rei chamado

Harek que governava Bjarmaland na eacutepoca que vocecirc esteve ali em

sua expediccedilatildeo depois do que como vocecirc se lembra vocecirc fez um

grande mal aos Bjarmar Mal vocecirc tinha ido embora os bjarmar

pensaram ter sofrido as piores coisas e quiseram se possiacutevel se

vingar e eacute dessa forma que eles agiram

Eles pegaram uma gigante que vivia debaixo de uma grande

queda dacuteaacutegua encheram-na de maacutegica e feiticcedilaria e colocaram-na na

cama ao lado do rei Harek de modo que ele teve um filho por meio

dela ele foi borrifado com aacutegua e chamado Oumlgmundr Ainda crianccedila

pequena ele natildeo era como os mortais ordinaacuterios como vocecirc pode

esperar do tipo de matildee que teve - e de qualquer forma seu pai era

um grande feiticeiro (bloacutetmaethr) tambeacutem

568

FERRARI 372 569

FERRARI 373

278

Quando Oumlgmundr era da idade de trecircs anos ele foi enviado para

Finnmark onde aprendeu toda sorte de maacutegica e feiticcedilaria e tatildeo logo

ele dominou estas artes retornou para Bjarmaland Nesta eacutepoca ele

tinha sete anos e jaacute estava tatildeo grande quanto um homem adulto

imensamente forte e muito difiacutecil de se lidar

Sua aparecircncia natildeo melhorara durante sua estadia com os finnar

Ele era tanto preto quanto azul com longo cabelo preto e tinha uns

toscos tufos de pelo pendurados sobre os olhos no lugar aonde sua

testa devia estar Eacute por isto que ele se chama Oumlgmundr Floacuteki

Os bjarmar mandaram-no para matar vocecirc ainda que eles

tenham percebido que precisavam preparar o terreno com cuidado

antes de lhe mandar para hell O proacuteximo passo que eles tomaram fora

fortalececirc-lo com bruxaria de forma que ferro natildeo possa mordecirc-lo

entatildeo levaram a cabo seus rituais e transformaram-no em um

verdadeiro Troll natildeo havendo nenhum mortal parecido com elerdquo570

(Ọrvar-Odds Saga Capiacutetulo 19 Versatildeo nossa)

A narraccedilatildeo segue por algum tempo ainda contando sobre como Oumlgmundr

ganhara seu outro apelido mas o trecho nos eacute suficiente Em ABE Bjarmaland eacute

central para todo o desenrolar do enredo da Ọrvar-Odds Saga agrave medida em que o

conflito que eacute central por toda a saga isto eacute as lutas entre Oddr e Oumlgmundr satildeo

consequecircncias diretas da expediccedilatildeo feita por Oddr ali

Oumlgmundr ainda que tenha ganhado destaque tardiamente harmoniza alguns

elementos da saga a profecia em relaccedilatildeo a Oddr que natildeo permita que ele morra mas

que implica em que ele perderaacute os seus queridos encontra um bom balanceamento com

a figura de Oumlgmundr que aleacutem de ser instrumental na morte dos queridos de Oddr eacute o

lembrete de que ele natildeo e totalmente invulneraacutevel

A ecircnfase de ABE na disputa entre os dois substitui aspectos de inspiraccedilatildeo

possivelmente hagiograacuteficas de S por um enredo aparentemente mais banal e simples

menos instrutivo mas altamente entretenedor o desenrolar da saga narra uma luta entre

570

Viltu at ek segi thorneacuter kvaeth Rauethgrani hversu Oumlgmundr er til kominn ok get ek at thorneacuter thornykki thornaacute engi

vaacuten at hann verethi unninn af mennskum moumlnnum ef thornuacute veizt allan hans uppruna

En thornat er thornar fyrst af at segja at Haacuterekr heacutet konungr er reacuteeth fyrir Bjarmalandi thornaacute er thornuacute fort thornangat

herfereth eptir thornviacute sem thornuacute veizt hvern skaetha er thornuacute gerethir thornaacute Bjoumlrmum En er thornuacute vart iacute burtu farinn thornoacutettust

Bjarmar hafa raunillt af fengit ok vildu gjarna hefna ef thorneir gaeligti Var thornat thornaacute tiltekja thorneira at thorneir fengu

eina gyacutegi undan forsi stoacuterum galdra fulla ok gerninga ok loumlgethu iacute saeligng hjaacute Haacutereki konungi ok vieth henni

aacutetti hann son saacute var vatni ausinn ok nafn gefit ok kallaethr Oumlgmundr Flestum mennskum moumlnnum var

hann oacuteliacutekr thornegar aacute unga aldri sem vaacuten var sakir moacuteethernis hans en faethir hans var thornoacute inn mesti bloacutetmaethr

THORNegar er Oumlgmundr var thornreacutevetr var hann sendr aacute Finnmoumlrk ok nam hann thornar alls kyns galdra ok gerninga

ok thornaacute er hann var iacute thornviacute fullnuma foacuter hann heim til Bjarmalands Hann var thornaacute sjau vetra ok svaacute stoacuterr sem

fullrosknir menn rammr at afli ok illr viethskiptis Ekki hafethi hann batnat yfirlits hjaacute Finnunum thornviacute at

hann var thornaacute baeligethi svartr ok blaacuter en haacuterit siacutett ok svart ok hekk floacuteki ofan fyrir augun thornat er topprinn

skyldi heita Var hann thornaacute kallaethr Oumlgmundr floacuteki AEligtluethu Bjarmar thornaacute at senda hann til moacutets vieth thornik ok at

drepa thornik thornoacute thornoacutettust thorneir vita at mikils mundi vieth thornurfa aacuteethr en thorneacuter yrethi iacute hel komit Var thornat thornaacute enn

tiltaeligki thorneira at thorneir leacutetu seietha at Oumlgmundi svaacute at hann skyldi engi jaacutern biacuteta atkvaeligethalaus THORNviacute naeligst

bloacutetuethu thorneir hann ok trylldu hann svaacute at hann var engum mennskum manni liacutekr (OS 19)

279

dois seres que por si soacute encontram-se em situaccedilatildeo liminares entre a mortalidade e o

banal e o maravilhoso e sobrenatural A mudanccedila de ecircnfase entre as redaccedilotildees incorporou

outro sistema de significaccedilotildees que datildeo aspecto central agrave Bjarmaland

Destarte a expediccedilatildeo de Oddr agrave Bjarmaland marca a primeira fase de sua vida

quando ele torna-se viking de renome Eacute um espaccedilo liminal ampliado entre o mundo

conhecido e as terras do imaginaacuterio e eacute por esse espaccedilo que Oddr sofreraacute sua primeira

iniciaccedilatildeo

524 O Homem-Casca

Haacute ainda outro ponto na redaccedilatildeo AB da Ọrvar-Odds Saga em que

reconhecemos um momento especiacutefico de transiccedilatildeo acompanhado por sinais e

elementos que o diferenciam de outros momentos da narrativa

Apoacutes a iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland eacute perfeitamente possiacutevel resumir a

saga enquanto alteraccedilotildees sucessivas entre estados de luta e paz distuacuterbio e descanso

Nestas lutas Oddr perdeu amigos e familiares combatendo vaacuterios vikings combatendo

Angantyr e seus irmatildeos mas principalmente lutando contra Oumlgmundr Nos momentos

de descanso ele adquire novos aliados passa por aventuras distintas ganha

equipamentos e ateacute gera Vignir com uma gigante

Apoacutes a perda de seu filho no capiacutetulo 22 e a morte de Gardar no capiacutetulo 23

Oddr volta para Gotaland com seu irmatildeo de sangue Sirnir Barba-VermelhaOacuteethinn

desaparecera e Oddr entra em um periacuteodo totalmente distinto em sua vida

ldquoAssim que o inverno passou Oddr ficou muito desgostoso

pelas miseacuterias que Ogmunethr floacuteki trouxera sobre ele Ele estava

determinado a nunca mais arriscar a vida de seu irmatildeo de sangue em

luta com Ogmunethr pois as perdas que ele sofrera jaacute eram amargas

demais entatildeo ele decidiu-se e partiu por conta proacutepria certa noite

Conseguiu arrumar transporte para onde precisava viajando

pelas florestas e regiotildees selvagens e errando por longas trilhas de

montanhas com sua aljava de flechas nas costas atravessando um

paiacutes apoacutes outro Chegou o tempo em que ele foi forccedilado a atirar em

paacutessaros para sobreviver

Ele prendeu casca de beacutetula em volta de seu corpo e em seus

peacutes e fez para si um grande chapeacuteu com a casca Ele se destacava

bastante dos outros homens pois aleacutem de ser muito maior que todos

os demais estava todo coberto de casca

Natildeo haacute nada para se contar sobre ele ateacute que emergiu da

floresta e encontrou povoados agrave vista Viu uma grande fazenda ali e

outra menor natildeo muito longe Veio agrave sua mente de ir agrave fazenda menor

280

ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes e assim ele

foi para a porta

Do lado de fora um homem estava cortando lenha um pequeno

homem de cabelo branco O velho homem comprimentou

amigavelmente o estrangeiro e perguntou seu nome

acuteEu me chamo Homem-Cascaacute disse elerdquo 571

(Ọrvar-Odds Saga capiacutetulo 24 Versatildeo nossa)

Victor Turner analisa uma forma especiacutefica de liminaridade enquanto fase e

estado Nesse sentido podem ser distintas duas modalidades de ritos ritos de elevaccedilatildeo

de status e ritos de reversatildeo de status

Nos ritos de elevaccedilatildeo de status o noviccedilo atingiraacute um status que eacute definitiva e

irreversivelmente superior ao anterior572

Para chegar ao status superior entretanto o

aspirante precisa antes se humilhar e ser ldquogeneralizadordquo ele separa-se da vida comum e

submete-se a ritos liminares que o rebaixam rudemente antes de apoacutes cerimocircnias de

readmissatildeo ser instalado em sua posiccedilatildeo de gloacuteria aumentada573

Quanto aos ritos de reversatildeo de status satildeo ritos que normalmente seguem

prescriccedilotildees temporais ligadas ao calendaacuterio Uma caracteriacutestica comumente encontrada

em ritos desse tipo eacute o mascaramento574

Aquele que se rebaixa eacute feito estruturalmente

inferior a maacutescara que pode representar seres ctocircnicos democircnios ou outras entidades e

forccedilas oculta sua fraqueza e o protege enquanto siacutembolo de forccedila contra aqueles que

estatildeo estruturalmente superiores575

Discernimos nesse episoacutedio da Ọrvar-Odds Saga basicamente um rito de

elevaccedilatildeo de status havendo algumas caracteriacutesticas secundaacuterias similares agraves

571

ldquoEn er Oddr kom heim til Gautlands meeth foacutestbroacuteethur siacutenum baueth Siacuternir honum thornar at sitja um vetrinn

THORNat thornekktist Oddr Ok er aacute leieth vetrinn oacutegladdist hann fast Koacutemu honum thornaacute iacute hug harmar siacutenir thorneir er

hann hafethi fengit af Oumlgmundi floacuteka THORNoacute hugsast honum svaacute til at hann mun eigi haeligtta lengr foacutestbroacuteethur

siacutenum til at berjast vieth Oumlgmund thornviacute at hann thornoacutettist thornar stoacutera skaetha hafa af fengit Verethr thornat thornaacute hans raacuteeth at

leynast iacute burt einn aacute naacutettarthorneli Ferr hann thornaacute at flutningum thornar sem thorneira thornarf vieth en stundum ferr hann

um merkr ok skoacutega ok ratar hann harethla stoacutera fjallvegu Hann hefir thornaacute oumlrvamaeligli sinn aacute baki seacuter Ferr

hann nuacute viacuteetha um loumlnd ok kemr svaacute raacuteethi hans at hann hafethi thornat eitt til atvinnu seacuter er hann skaut fugla

fyrir sik Hann spennir thornaacute at seacuter um bol ok faeligtr naeligfrum Siacuteethan gerir hann seacuter naeligfrahoumltt mikinn aacute houmlfueth

seacuter Er hann ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr meiri miklu en allir menn aethrir er hann er allr thornakinn naeligfrum Nuacute

er ekki sagt fraacute honum fyrr en hann kemr oacuter moumlrkum fram ok seacuter hann at herueth hefjast upp fyrir honum

Hann seacuter at thornar stendr einn baeligr mikill en thornar var annarr baeligr skammt fraacute THORNat kom honum iacute hug at hann

mundi snuacutea aacute inn minna baeliginn thornat hafethi hann aldri fyrr freistat Hann gengr thornar at dyrum THORNar var maethr

fyrir dyrum ok klauf skiacuteeth Saacute var liacutetill vexti ok hviacutetr fyrir haeligrumrdquo

Hann heilsar thorneim vel er kominn var ok spurethi karl hann at nafni

Naeligframaethr heiti ek sagethi hann (hellip) (OS 24) 572

TURNER Victor W O processo ritual estrutura e antiestrutura Petroacutepolis Editora Vozes

2013[1974] P156 573

TURNER 158 574

TURNER 160 575

TURNER 162

281

encontradas em ritos de reversatildeo

O ciclo ldquoguerra e pazrdquo caracteriacutestico da vida de Oddr apoacutes sua primeira iniciaccedilatildeo

em Bjarmaland passa por um momento de interrupccedilatildeo Esta pausa deve ser distinguida

dos outros momentos de descanso apoacutes a guerra ndash como o tempo com os gigantes e

mesmo o tempo de sua conversatildeo - exatamente pelos elementos que associam os

acontecimentos posteriores a formas rituais

Haacute elementos textuais claros nesse sentido que lidam com declaraccedilotildees

absolutas primeiramente Oddr decide ldquonunca maisrdquo arriscar a vida dos que ele ama de

forma contraacuteria ao seu discurso anterior de obstinada procura e perseguiccedilatildeo a Oumlgmundr

natildeo importasse o que custasse Ao escolher entrar na pequena fazenda Oddr decide

fazecirc-lo ldquoainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antesrdquo contraste a sua

atitude altiva de ateacute entatildeo

Mais caracteriacutestico no entanto eacute que Oddr muda de aparecircncia e principalmente

de nome Ele cobre-se de cascas de beacutetula ndash em narrativa na qual eacute impossiacutevel natildeo notar

a comicidade da situaccedilatildeo tenta ocultar sua aparecircncia anterior mascara-se e muda de

nome Ele agora eacute o ldquoHomem-cascardquo

Agrave parte novamente o fator comicidade e entretenimento da saga nesse ponto o

proacuteprio narrador continua a chamar Oddr natildeo mais de Oddr mas de ldquoHomem-Cascardquo

Ele eacute recebido pelo fazendeiro Joacutelfr que o recebe bem e indicaraacute quais os

caminhos a serem seguidos por Oddr nesta nova fase Simbolicamente mas de forma

que afetaraacute a narrativa posterior de forma praacutetica ele daacute ao Homem-casca trecircs novas

flechas Desta feita flechas de pedra Joacutelfr revela que conhece a identidade de Oddr

bem como que ele possui as daacutedivas de Gusir e que elas seratildeo insuficientes em certo

momento

A comparaccedilatildeo das flechas eacute representativa dessa nova fase da vida de Oddr

apoacutes Bjarmaland e ateacute entatildeo as daacutedivas de Gusir salvaram-no nas situaccedilotildees de maior

perigo No seu status posterior seratildeo insuficientes e substitutas mais apropriadas

devem ser providenciadas

O outro passo eacute informaccedilatildeo Joacutelfr fala a Oddr sobrea localidade o rei Herrauethr

pessoas do salatildeo e sobre quem seraacute o alvo de Oddr Silkisif filha do rei sobre a qual

Joacutelfr fala que ldquonatildeo haacute moccedila mais bela em toda a Garethariacuteki e aleacutem576

rdquo

Nesse ponto da narraccedilatildeo haacute um entrelaccedilamento de temaacuteticas proacuteprias das

576

() engi er oumlnnur jafnfrieth iacute Garethariacuteki ok viethar annarstaethar (OS 24)

282

narrativas folcloacutericas nas quais eacute expediente comum que um rapaz normalmente pobre

irmatildeo mais novo e de menos oportunidades procure conquistar a matildeo de uma princesa

inatingiacutevel

Esta temaacutetica natildeo eacute o nuacutecleo da narrativa e a saga natildeo pode ser reduzida a uma

forma tatildeo simples e estruturalizada ainda mais levando-se em conta as reestruturaccedilotildees e

elaboraccedilotildees pelas quais passou em suas diferentes redaccedilotildees O tema da princesa ajudaraacute

na composiccedilatildeo do quadro narrativo forneceraacute elementos uacuteteis ao contar da histoacuteria mas

natildeo eacute seu objetivo Ele colabora na construccedilatildeo dos eventos de passagem

Tambeacutem pela referecircncia aos atributos da beldade somos informados da terra

aonde Oddr se encontra que eacute Garethariacuteki ndash em S o reino eacute Huacutenaland

Joacutelfr leva o Homem-Casca ao salatildeo do rei Herrauethr e daacute-se iniacutecio o processo de

rebaixamento de Oddr

- ldquoEu me chamo o Homem-Cascardquo disse Oddr

- ldquoQuem eacute vocecirc companheirordquo Disse o rei

- ldquoIsto eu sei disse ele ldquoEu sou mais velho que qualquer coisa

que vocecirc possa pensar mas natildeo tenho esperteza nem memoacuteria em

minha cabeccedila O que pede sempre quer escolher Eu te peccedilo rei

abrigo pelo invernordquo

O rei respondeu ldquoVocecirc eacute haacutebil em algordquo

- ldquoLonge dissordquo ele respondeu ldquoeu sou mais atrapalhado que

qualquer outro homemrdquo

- ldquoVocecirc eacute disposto a fazer qualquer coisardquo Disse o rei

- ldquoEu natildeo sei como trabalhar e sou muito preguiccediloso para

trabalharrdquo ele disse

- ldquoIsto natildeo parece promissorrdquo disse o rei ldquopois eu fiz um voto

de soacute pegar homens haacutebeisrdquo

- ldquoNada que eu fizer seraacute do menor uso para qualquer umrdquo

disse o Homem-casca

- ldquoVocecirc deve saber como coletar a caccedila se outros atiraremrdquo

disse o rei ldquoTalvez eu vaacute [caccedilar] alguma vezrdquo

- ldquoOnde devo me assentarrdquo Disse o Homem-casca

- ldquoDeves se assentar no banco baixo perto da porta entre os

escravos e os homens livresrdquo577

577

Trecho de difiacutecil versatildeo por conter ditados e expressotildees idiomaacuteticas Segue a redaccedilatildeo AB ed Guethni

Joacutensson Carl Rafn

Ek heiti Naeligframaethr sagethi hann

Hverr ertu feacutelagi sagethi konungr

THORNat veit ek sagethi hann at ek em hviacutevetna eldri ok er hvaacuterki vitit neacute minnit heima hjaacute meacuter ok hefik

lengi legit uacuteti aacute moumlrkum naeligr alla aeligvi miacutena En braacuteeth eru brautingja erendi konungr ek vil biethja thornik

vetrvistar

Konungr svarar Ertu at nokkuru iacutethornroacutettamaethr

THORNat ferr fjarri sagethi hann thornviacute at ek em oacuteliprari en aethrir menn

Nennir thornuacute nokkuru sagethi konungr

Ek kann ekki at vinna enda nenni ek ekki at vinna sagethi Naeligframaethr

283

Natildeo haacute razatildeo aparente para Oddr responder como responde agraves questotildees pede

abrigo mas a cada questatildeo efetuada pelo rei responde de forma negativa O ato possui

caracteriacutesticas de rito de interpretaccedilatildeo - eacute um esvaziamento total Ele eacute velho mas natildeo

sabe de nada pede ajuda mas natildeo sabe fazer nada quer trabalho mas tem preguiccedila de

trabalhar

Por fim o rei coloca-o em uma posiccedilatildeo liminar em todos os aspectos Oddr deve

assentar-se ldquoentre os escravos e os homens livresrdquo natildeo sendo enquadrado em nenhuma

categoria e ldquoperto da portardquo Ora como jaacute discutido a pouco portas assim como

fronteiras satildeo espaccedilos liminares por excelecircncia

Oddr eacute convidado pelos irmatildeos Oacutettar e Ingjaldr a sentar-se entre eles

Perguntam-lhe sobre outros paiacuteses reclamam de sua bolsa (que conteacutem a aljava das

flechas) por fim oferecem dinheiro e roupas novas para que ele tire a casca Sua

resposta eacute sugestiva e simboacutelica ldquoeu natildeo posso fazecirc-lordquo ele disse ldquoeu nunca vesti

outras roupas e enquanto viver nunca o fareirdquo

O Homem-casca nunca o fez e nunca o faraacute Assim que trocaacute-las ele deixaraacute de

secirc-lo

Atraveacutes dos dois irmatildeos desajeitados e desprovidos de habilidades Oddr

passaraacute por vaacuterias provas de caccedilada (25) de arco-e-flecha (26) de nataccedilatildeo ndash sempre

coberto de casca - e finalmente de bebida ndash este uacuteltimo entremeado com o compor

poemas (27) ndash o competidor esvazia um chifre cheio de bebida e profere um poema

Supera aos dois melhores homens do rei Sigurethr e Sjolfr que tambeacutem aspiram pela

matildeo de Silkisif

Apoacutes cada prova haacute uma breve troca de perguntas com o rei por meio das quais

o Homem-casca vai cedendo seu lugar a Oddr ldquoaquele que esteve em Bjarmalandrdquo

Apoacutes a caccedila

O rei olhou para ele e disse ldquoEacutes um grande arqueirordquo

ldquoSim senhorrdquo disse ele ldquoPorque estou acostumado a atirar em

paacutessaros e animais para me alimentarrdquo578

THORNaacute horfir alloacutevaelignt sagethi konungr fyrir thornviacute at ek hefi thorness heit strengt at taka vieth thorneim einum moumlnnum

at thorneir seacute at nokkuru iacutethornroacutettamenn

Aldri kann ek einn hlut at gera sagethi Naeligframaethr thornann oumlethrum seacute gagn at

Kunna muntu at draga saman dyacuter ef menn skjoacuteta sagethi konungr THORNaacute maacute vera at ek fara til thorness

eitthvert sinn

Hvar viacutesar thornuacute meacuter til saeligtis sagethi Naeligframaethr

THORNuacute skalt sitja utar inum oacuteaeligethra megin thornar sem maeligtast thornraeliglar ok frelsingjar (OS 24) 578

Konungr leit vieth honum ok maeliglti Bogmaethr ertu mikill

Jaacute herra sagethi hann thornviacute hefi ek helzt vanizt at skjoacuteta dyacuter ok fugla til matar meacuter (OS 25)

284

Apoacutes as flechas

ldquoO primeiro tiro pode ter sido bomrdquo disse o rei ldquomas este eacute muito

melhor Eu lhes digo nunca vi um tiro como esterdquo579

Apoacutes a nataccedilatildeo (Oddr nada com as cascas mas prevalece sobre os demais)

E agora o rei inquiriu ldquoE natildeo eacute que natildeo haacute outro esportista igual em

tiro e nataccedilatildeordquo

ldquoViste todas as habilidades que tenhordquo disse o Homem-casca ldquoMe

chamo Oddr se vocecirc quiser saber mas eu natildeo posso lhe falar nada

sobre a minha famiacuteliardquo580

Finalmente na competiccedilatildeo de poemas Oddr conta todas suas aventuras ateacute

entatildeo Na manhatilde seguinte estaacute a lavar-se e a casca em suas mangas apresenta-se gasta

deixando antever uma veste vermelha por baixo Os irmatildeos tiram-na mas Oddr natildeo

reclama e levam a Oddr ateacute o assento do rei dizendo ldquoParece que noacutes natildeo temos

apreciado totalmente quem noacutes entretemos neste inverno581

rdquo

ldquoAssim me parecerdquo disse o rei ldquoMas quem eacute este homem que tem

escondido sua identidade de noacutesrdquo

ldquoEu ainda me chamo Oddr como lhe disse um tempo atraacutes filho de

Grim Bochechas-Peludas de Hrafnista no norte da Noruegardquo

ldquoEacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmaland tempo atraacutesrdquo

ldquoSou eu o homem que foi para laacuterdquo582

(itaacutelico nosso)

A prova e as recompensas finais de conclusatildeo desse processo ritual dar-se-atildeo

nos capiacutetulos seguintes 28 e 29 nos quais Oddr parte para Bjalkaland coletar impostos

Em caso de vitoacuteria receberia a matildeo de Silkifif

A narrativa que se segue retoma temas elaborados na viagem agrave Bjarmaland e

por vezes reproduzidos em pontos isolados da narraccedilatildeo Bjalkaland significa ldquoterra das

pelesrdquo Seu governante Aacutelfr Bjaacutelki segundo S pagava tributo ao rei de Huacutenaland

Poderoso feiticeiro Aacutelfr Bjaacutelki soacute pocircde ser vencido com as flechas de pedra de

579

Svaacute vel sem skotit var it fyrra sinn segir konungr thornaacute er nuacute miklu betr skotit ok thornat maacute ek segja at

aldrigi hefi ek seacutet jafnvel skotit (OS 26) 580

Ok nuacute spyrr konungr Hvaacutert ertu ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr um iacutethornroacutettir baeligethi um skot ok sund

Seacutenar eru nuacute allar miacutenar iacutethornroacutettir er thornessar eru sagethi Naeligframaethr ek heiti Oddr ef thornuacute vilt thornat vita en

ek kann eigi greina fyrir thorneacuter um kyn mitt (OS 26) 581

ldquoTHORNat aeligtlum veacuter at veacuter vitum eigi allgerla hvern veacuter houmlfum heacuter iacute foacutestri haftrdquo (OS 27) 582

Svaacute maacute vera sagethi konungr eetha hverr er thornessi maethr er svaacute hefir dulizt fyrir oss

Nuacute heiti ek Oddr sem ek sagetha yethr fyrir loumlngu sonr Griacutems loethinkinna norethan oacuter Noregi

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu

Saacute er maethrinn er thornar hefir komit (OS 27)

285

Joumllfr que desaparecem apoacutes serem usadas As daacutedivas de Gusir natildeo foram capazes de

vencecirc-lo e desaparecem igualmente

Resta a Oddr derrotar a feiticeira que de forma semelhante a Ogmunethr no

capiacutetulo seguinte atira flechas por todos os seus dedos Seu templo eacute queimado e ela eacute

morta com uma clava por Oddr

Oddr retorna para ldquoGrikkjariacutekirdquo ndash claramente um erro do redator jaacute que

anteriormente eacute citada Garethariacuteki assim como no capiacutetulo 32 por ocasiatildeo da morte de

Oddr Em S como jaacute afirmamos em ambas ocasiotildees o reino eacute Huacutenaland Finalmente

ele ascende a uma posiccedilatildeo maior do que a que possuiacutea anteriormente o rei Herrauethr

falece e que sobe ao trono em seu lugar eacute o proacuteprio Oddr

Jaacute falamos sobre Ogmunethr nas seccedilotildees anteriores e aqui cabe o encerramento de

sua participaccedilatildeo no enredo No capiacutetulo conseguinte agrave subida de Oddr ao trono ambos

travam sua uacuteltima batalha Ogmunethr ndash agora chamado Kvillanus e governante em

Novgorod reuacutene todos os reis de Austrvegr em uma lista muito detalhada que inclui

ldquoKirjaacutelalandi Rafestalandi Refalandi Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi

Laacutenlandi Ermlandirdquo e ldquoPuacutelinalandirdquo583

Apoacutes grande mortandade ambos sobrevivem e Ogmunethr foge Natildeo se passa

muito tempo no entanto antes de que ambos sejam reconciliados

Algum tempo depois Kvillanus mandou presentes caros para

Odd ouro e prata e muitos tesouros e junto com tudo isto palavras de

amizade e ofertas de reconciliaccedilatildeo Entatildeo Oddr aceitou os presentes

pois ele era esperto o suficiente para perceber que Ogmunethr Matador-

de-Eythornjof ou Kvillanus como ele se chamava agora nunca poderia

ser derrotado sendo como vocecirc pode dizer tanto um fantasma quanto

um homem Natildeo se sabe se eles tiveram quaisquer outros negoacutecios

futuros entatildeo este eacute o fim de sua briga584

(Ọrvar Odds Saga Capiacutetulo 30Versatildeo nossa)

O episoacutedio de Homem-casca encerrado com Bjalkaland espelha portanto o

ocorrido na primeira iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland todo o processo da narrativa

aponta para um inequiacutevoco rito de passagem de elevaccedilatildeo de status que completa a

trajetoacuteria de Oddr e que resumimos na seguinte tabela

583

Ver capiacutetulo 03 paacuteginas 173s 584

Nokkurum tiacutema siacuteethar sendir Kvillaacutenus Oddi gjafir miklar baeligethi iacute gulli ok silfri ok marga goacuteetha gripi ok

thornar meeth vinaacutettumaacutel ok saeligttarboeth THORNaacute Oddr thornessar gjafir thornviacute at hann fyrirstoacuteeth af sinni vizku at Oumlgmundr

Eythornjoacutefsbani sem thornaacute nefndist Kvillaacutenus var oacutesigranligr thornviacute at hann maacutetti eigi siacuteethr kallast andi en maethr

Ok er eigi getit at thorneir hafi siacuteethan nokkura hluti vieth aacutetzt ok lauk svaacute thorneira skiptum (OS 30)

286

Bjarmaland O Homem-Casca Bjalkaland

Tipo de rito Iniciaccedilatildeo maturidade Aumento de status

Flechas Daacutedivas de Gusir Flechas de pedra de Joacutelfr

Status alcanccedilado Viking Rei em Garethariacuteki

Marcas posteriores Apelido camisa

Consortes Olvor da Irlanda (12)

Hildigunn a giganta

Silkisif

Papel de Ogmunethr

(Apenas em AB)

Criado como necircmesis

precipitador da segunda

iniciaccedilatildeo

Uacuteltima batalha e desistecircncia

apaziguamento

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr

53 As iniciaccedilotildees e o leste

Da anaacutelise dos episoacutedios de iniciaccedilotildees e ritos de passagem pelos quais Oddr

passa chegamos agrave conclusatildeo que o leste assume em adiccedilatildeo ao sentido de provedor de

cenaacuterio e ambiente a conotaccedilatildeo de regiatildeo limiacutetrofe liminar

De fato o papel de Bjarmaland nesse sentido foi bem discutido e argumentado

a regiatildeo incorpora uma gama consideraacutevel de imaginaacuterios que perpassa a mera

dimensatildeo das Fornaldarsoumlgur assumindo conotaccedilotildees limiacutetrofes como religioso o

fantaacutestico o miacutetico e o desconhecido Bjarmaland torna-se uma materializaccedilatildeo um

lugar atingiacutevel do que se discute no campo do mito

O acreacutescimo inovador das Fornaldarsoumlgur das quais empregamos a Ọrvar-Odds

Saga enquanto recorte exemplar eacute a assimilaccedilatildeo de tal sentido de Bjarmaland ao leste

enquanto um todo particularmente a Austrvegr e Garethariacuteki

Antevecircem-se elementos dessa derivaccedilatildeo e conotaccedilatildeo em passagens como as

discutidas na Gylfaginning mas em contraposiccedilatildeo a esta referecircncia isolada em meio a

um meio acadecircmico evemerizado e ocidentalizado as Fornaldarsoumlgur nos oferecem

este imaginaacuterio constante reapropriado e amplificado

Esta reapropriaccedilatildeo do material miacutetico natildeo eacute feita com intuitos de instruccedilatildeo ou

da elaboraccedilatildeo acadecircmica geograacutefica das regiotildees de aleacutem Eacute um emprego de simbolismo

e de conceitos presentes no imaginaacuterio coletivo empregados agora enquanto elementos

de uma narratica cujo o propoacutesito primaacuterio eacute o entreter ao inveacutes do educar

287

Concluiacutemos nossos panoramas portanto com esta nova dimensatildeo do qual o

leste se reveste e que espelha uma situaccedilatildeo que revela o proacuteprio movimento intelectual e

mental dos seacuteculos XIII e XIV na Escandinaacutevia num sentido de bifurcaccedilatildeo das formas

literaacuterias entre o factio e o fictio entre o educativo e instruidor e o fantaacutestico

maravilhoso e voltado ao entretenimento e agrave diversatildeo

288

6 CONCLUSOtildeES

O leste eacute apropriado de forma especiacutefica pelos historiadores e autores

escandinavos dos seacuteculos XIII e XIV O modo de abordagem a ele eacute condicionado natildeo

tanto pela tradiccedilatildeo e acuacutemulo de conhecimento propriamento escandinavos quanto pelo

emprego de um conhecimento cristianizado e livresco mais geral ao Ocidente Medieval

Snorri ndash ou a tradiccedilatildeo histoacuterica islandesa que estaacute por traacutes da Heimskringla e da

Edda Menor - e Saxo Grammaticus divergem em suas formas de emprego do leste Satildeo

similares no uso de explicaccedilotildees evemeristas com intuito de conectar o passado mais

antigo aos tempos proacuteximos de si mesmo mas diferem no conhecimento e conteuacutedos

especiacuteficos veiculados em suas obras

Nesse aspecto ambos tecircm em comum o expediente de dar primazia ao

conhecimento biacuteblico e claacutessico Snorri (ou seus interpoladores) a despeito de tatildeo

ldquopuristardquo e nativo na forma que veicula informaccedilatildeo da mitologia escandinava e das

formas poeacuteticas antigas ao tratar do leste emprega uma tradiccedilatildeo bastante alheia ao

conhecimento escandinavo de leste Se o tenta fazecirc-lo o faz de forma tiacutemida na

Heimskringla ndash se eacute que foi o seu autor

O proacutelogo da Edda ndash ou os proacutelogos da Edda dadas as diferenccedilas dos

manuscritos - adotam de forma muito completa as elaboraccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas de

autores do Ocidente Medieval como a visatildeo tripartida por vezes zonal de mundo a

genealogia e divisatildeo das terras segundo os filhos de Noeacute e uma linhagem descendente

dos reis de Troia

O conhecimento especiacutefico e altamente detalhado das terras de leste que

transparece nas estelas ruacutenicas nas Fornaldarsoumlgur na Gesta Danorum e parcialmente

na Heimskringla natildeo tem lugar nesta elaboraccedilatildeo histoacuterica da Edda Podemos associar o

Mappamundi islandecircs a esta corrente de formulaccedilatildeo ideoloacutegica por carecer igualmente

da especificidade das terras do Baacuteltico e abundar na transcriccedilatildeo de informaccedilatildeo biacuteblica e

greco-romana

Diferentemente Saxo Grammaticus apesar de recorrer agrave interpretaccedilatildeo

evemerista eacute muito mais preciso na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo do leste Essa eacute

compatiacutevel com localidades descritas na Fornaldarsoumlgur e nas estelas Ruacutenicas

Apesar da suposta deturpaccedilatildeo que Saxo Grammaticus efetua dos mitos

escandinavos ao tratar de geografia sua precisatildeo ndash e podemos acrescentar fidelidade ao

seu tempo ndash eacute notoacuteria

289

As descriccedilotildees e narrativas das populaccedilotildees de leste satildeo com frequecircncia precisas

com maior regularidade ainda fantasiosas e propagadoras de estereoacutetipos encontrados

na literatura de entretenimento mas ainda assim precisas

A diferenccedilas de contexto poliacutetico na Islacircndia e Dinamarca satildeo elucidativas para

a compreensatildeo do uso do leste No caso Islandecircs Austrvegr e Garethariacuteki satildeo locais por

demais distantes para serem inseridos na literatura seacuteria ou mesmo na produccedilatildeo

histoacuterica Pode-se dizer que satildeo relativamente desconhecidos quiccedilaacute insignificantes Em

particular em uma Islacircndia sem projetos de expansatildeo territorial ou centralizaccedilatildeo de

poder

A ideologia islandesa sobre o leste vai conectar seu passado agrave distante

temporalidade greco-romana A distacircncia temporal parece refletir a distacircncia geograacutefica

o passado eacute de certa forma antiquaacuterio e o maacuteximo ao que o mesmo pode se prestar eacute

na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem vinculadas agrave realeza norueguesa - toacutepico inflamado na

Islacircndia de entatildeo

O caso danecircs eacute totalmente distinto O Baacuteltico eacute o seu mar o seu mundo O leste

sua principal aacuterea de expansatildeo e hegemonia Seus povos bastante conhecidos as

interaccedilotildees com os mesmos frequentes

Os projetos ideoloacutegicos aqui satildeo claros e advogam a hegemonia da Dinamarca

pelo Baacuteltico Os adversaacuterios dos daneses nesta empreitada os germacircnicos ndash em Saxo

ldquosaxotildeesrdquo natildeo satildeo por acaso os antagonistas pela maior parte da obra

Destarte o conhecimento de leste aqui transparece uma ideologia hegemocircnica e

mesmo de criaccedilatildeo nacional A comparaccedilatildeo com o impeacuterio de Hermanarico governante

sobre miriacuteades de povos do leste natildeo eacute fortuita

O leste na contruccedilatildeo histoacuterica islandesa e danesa possui dimensatildeo

eminentemente ideoloacutegica mas reflete as peculiaridades locais e o proacuteprio niacutevel do

conhecimento regional sobre as regiotildees de oriente Em alguns casos eacute efetuada a

substituiccedilatildeo do conhecimento empiacuterico e de primeira matildeo por um saber do medievo

ocidental calcado nas tradiccedilotildees biacuteblicas e greco-romanas

Tal circunstacircncia natildeo eacute surpreendente per si Os moldes de construccedilatildeo histoacuterica

veiculados por Snorri e Saxo pouco tecircm de nativos Satildeo formas importadas de um

Ocidente Medieval geneacuterico carregando consigo conteuacutedo especiacutefico em adiccedilatildeo agrave

simples ideologias

Em relaccedilatildeo agraves Fornaldarsoumlgur mais especificamente a Ọrvar-Odds Saga

demonstramos que o leste apresenta-se como regiatildeo liminar aleacutem de propiciar o

290

ambiente da narrativa A terra de Bjarmaland incorpora imaginaacuterio difundido que a liga

ao fantaacutestico e o desconhecido e as Fornaldarsoumlgur transferem parte dessa construccedilatildeo

para o leste como um todo mais especificamente Austrvegr e Garethariacuteki As regiotildees de

leste adquirem o aspecto de materializaccedilatildeo das regiotildees do imaginaacuterio

Haacute intersecccedilotildees na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo a leste entre os grupos de fontes

estudados principalmente entre a Gesta Danorum e as Fornaldarsoumlgur O que difere em

ambas satildeo os propoacutesitos de seus autores que gradualmente bifurcam-se entre a

instruccedilatildeo e o entreter

Nota-se tambeacutem que na produccedilatildeo escrita cujos propoacutesitos satildeo mais

declaradamente de instruccedilatildeo o emprego de conceitos de leste da tradiccedilatildeo Medieval

Ocidental Biacuteblica e Claacutessica ultrapassam as elaboraccedilotildees de cunho mais nativo

diferentemente do que se daacute nas Fornaldarsoumlgur que se por um lado inserem muitas

construccedilotildees do medievo ocidental o fazem dentro de um quadro e de visotildees de mundo

claramente noacuterdicas

Demonstramos no decorrer desta tese que as elaboraccedilotildees de leste refletem o

proacuteprio movimento intelectual ocorrido na Baixa Idade Meacutedia Escandinava que passa

por uma gradual e irreversiacutevel separaccedilatildeo entre o conhecimento de natureza instrutiva

educacional informativa e a produccedilatildeo criada com o intuito de entreter e divertir

Iniciamos este trabalho poreacutem demonstrando as implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais

que uma temaacutetica do medievo pode assumir nos periacuteodos moderno e contemporacircneo ao

determo-nos na Controveacutersia Normanista e seus desenvolvimentos em vaacuterias

historiografias mas em particular na russa e sovieacutetica

Destarte esperamos ter contribuiacutedo agrave escandinaviacutestica e eslaviacutestica bem como

aos estudos medievais com uma anaacutelise fundamentada em um espectro amplo e

completo de fontes primaacuterias Entretanto esperamos ter demonstrado tambeacutem que o

trabalho do historiador natildeo eacute neutro por mais distante temporal e geograficamente que

esteja seu objeto A histoacuteria lida com o passado mas parte do presente atende aos

anseios do presente e a ele influencia

291

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33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml 308 Souml

338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

b) Gregas U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431

U 446 U 518 U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml

82 Souml 85 Souml 163 Souml 165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G

216

c) Baacutelticas

U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U 582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs

13 Vg 181 G 135 G 319

d) Lombardas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65

e) Yngvarr U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157

Souml 9 Souml 96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277

294

Souml 279 Souml 281 Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

f) Freygeirr Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

g) Oeste U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml

137 Souml 159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111

OumlG Fv1970310 Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330

Dr 334 Dr 216

h) Inglesas U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U 1181 Souml 46 Souml

55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104 Oumlg

Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr

337 Dr 6 N 184

i) Jarl Haakon U 16 U 617 e Sm 76

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311

8 APEcircNDICES

Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo

9 Περὶ τῶν ἀπὸ Ῥωσίας ἐρχομένων Ῥῶς μετὰ τῶν μονοξύλων ἐν Κωνσταντινουπόλει Ὅτι τὰ

ἀπὸ τῆς ἔξω Ῥωσίας μονόξυλα κατερχόμενα ἐν Κωνσταντινουπόλει εἰσὶ μὲν ἀπὸ τοῦ

Νεμογαρδάς ἐν ᾧ Σφενδοσθλάβος ὁ υἱὸς Ἴγγωρ τοῦ ἄρχοντος Ῥωσίας ἐκαθέζετο εἰσὶ δὲ καὶ

ἀπὸ τὸ κάστρον τὴν Μιλινίσκαν καὶ ἀπὸ Τελιούτζαν καὶ Τζερνιγῶγαν καὶ ἀπὸ τοῦ Βουσεγραδέ

Ταῦτα οὖν ἅπαντα διὰ τοῦ ποταμοῦ κατέρχονται Δανάπρεως καὶ ἐπισυνάγονται εἰς τὸ κάστρον

τὸ Κιοάβα τὸ ἐπονομαζόμενον Σαμβατάς Οἱ δὲ Σκλάβοι οἱ πακτιῶται αὐτῶν οἱ Κριβηταιηνοὶ

λεγόμενοι καὶ οἱ Λενζανῆνοι καὶ αἱ λοιπαὶ Σκλαβηνίαι εἰς τὰ ὄρη αὐτῶν κόπτουσι τὰ μονόξυλα

ἐν τῷ τοῦ χειμῶνος καιρῷ καὶ καταρτίσαντες αὐτά τοῦ καιροῦ ἀνοιγομένου ἡνίκα διαλυθῇ ὁ

παγετός εἰς τὰς πλησίον οὔσας λίμνας εἰσάγουσιν αὐτά Καὶ ἐπειδὴ ἐκεῖναι εἰσβάλλουσιν εἰς

τὸν ποταμὸν τὸν Δάναπριν ἀπὸ τῶν ἐκεῖσε οὗτοι εἰς τὸν αὐτὸν ποταμὸν εἰσέρχονται καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὸν Κίοβα καὶ σύρουσιν εἰς τὴν ἐξάρτισιν καὶ ἀπεμπολοῦσιν αὐτὰ εἰς τοὺς

Ῥῶς Οἱ δὲ Ῥῶς σκαφίδια καὶ μόνα ταῦτα ἀγοράζοντες τὰ παλαιὰ αὐτῶν μονόξυλα

καταλύοντες ἐξ αὐτῶν βάλλουσιν πέλλας καὶ σκαρμοὺς εἰς αὐτὰ καὶ λοιπὰς χρείας

ἐξοπλίζουσιν αὐτά Καὶ Ἰουνίου μηνὸς διὰ τοῦ ποταμοῦ Δανάπρεως ἀποκινοῦντες κατέρχονται

εἰς τὸ Βιτετζέβη ὅπερ ἐστὶ πακτιωτικὸν κάστρον τῶν Ῥῶς καὶ συναθροιζόμενοι ἐκεῖσε μέχρι

δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν ἡνίκα ἂν ἅπαντα ἀποσυναχθῶσι τὰ μονόξυλα τότε ἀποκινοῦσιν καὶ

κατέρχονται διὰ τοῦ εἰρημένου Δανάπρεως ποταμοῦ Καὶ πρῶτον μὲν ἔρχονται εἰς τὸν πρῶτον

φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ἐσσουπῆ ὃ ἑρμηνεύεται Ῥωσιστὶ καὶ Σκλαβηνιστὶ μὴ

κοιμᾶσαι ὁ δὲ τούτου φραγμὸς τοσοῦτόν ἐστιν στενός ὅσον τὸ πλάτος τοῦ τζυκανιστηρίου

μέσον δὲ αὐτοῦ πέτραι εἰσὶ ῥιζιμαῖαι ὑψηλαὶ νησίων δίκην ἀποφαινόμεναι Πρὸς αὐτὰς οὖν

ἐρχόμενον τὸ ὕδωρ καὶ πλημμυροῦν κἀκεῖθεν ἀποκρημνιζόμενον πρὸς τὸ κάτω μέρος ἦχον

μέγαν καὶ φόβον ἀποτελεῖ Καὶ διὰ τοῦτο μέσον αὐτῶν οὐ τολμῶσιν οἱ Ῥῶς διελθεῖν ἀλλὰ

πλησίον σκαλώσαντες καὶ τοὺς μὲν ἀνθρώπους ἐκβαλόντες εἰς τὴν ξηράν τὰ δὲ λοιπὰ

πράγματα ἐάσαντες εἰς τὰ μονόξυλα εἶθ οὕτως γυμνοὶ τοῖς ποσὶν αὐτῶν ψηλαφοῦντες ἵνα

μή τινι λίθῳ προσκρούσωσιν Τοῦτο δὲ ποιοῦσιν οἱ μὲν πλώρᾳ οἱ δὲ μέσον οἱ δὲ καὶ εἰς τὴν

πρύμναν μετὰ κονταρίων κοντοβευόμενοι καὶ μετὰ τοιαύτης ἁπάσης ἀκριβείας διέρχονται τὸν

τοιοῦτον πρῶτον φραγμὸν διὰ τῆς γωνίας καὶ τῆς ὄχθης τοῦ ποταμοῦ Ἡνίκα δὲ διέλθωσι τὸν

τοιοῦτον φραγμόν πάλιν ἀπὸ τῆς ξηρᾶς ἀναλαμβανόμενοι τοὺς λοιποὺς ἀποπλέουσι καὶ

κατέρχονται εἰς τὸν ἕτερον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Οὐλβορσί Σκλαβηνιστὶ δὲ

Ὀστροβουνιπράχ ὅπερ ἑρμηνεύεται τὸ νησίον τοῦ φραγμοῦ Ἔστιν κἀκεῖνος ὅμοιος τῷ

πρώτῳ χαλεπός τε καὶ δυσδιέξοδος Καὶ πάλιν ἐκβαλόντες τὸν λαὸν διαβιβάζουσι τὰ

μονόξυλα καθὼς καὶ ρότερον Ὁμοίως δὲ διέρχονται καὶ τὸν τρίτον φραγμόν τὸν λεγόμενον

Γελανδρί ὃ ἑρμηνεύεται Σκλαβηνιστὶ ἦχος φραγμοῦ εἶθ οὕτως τὸν τέταρτον φραγμόν τὸν

μέγαν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Ἀειφόρ Σκλαβηνιστὶ δὲ Νεασήτ διότι φωλεύουσιν οἱ

πελεκᾶνοι εἰς τὰ λιθάρια τοῦ φραγμοῦ Ἐν τούτῳ οὖν τῷ φραγμῷ σκαλώνουσιν ἅπαντα εἰς τὴν

γῆν ὀρθόπλωρα καὶ ἐξέρχονται οἱ ὡρι σμένοι ἄνδρες φυλάττειν τὴν βίγλαν μετ αὐτῶν καὶ

ἀπέρχονται καὶ τὰς βίγλας οὗτοι διὰ τοὺς Πατζινακίτας ἀγρύπνως φυλάττουσιν

Οἱ δὲ λοιποὶ τὰ πράγματα ἅπερ ἔχουσιν εἰς τὰ μονόξυλα ἀναλαμβανόμενοι τὰ ψυχάρια μετὰ

τῶν ἁλύσεων διὰ τοῦ ξηροῦ αὐτὰ διαβιβάζουσι μίλια ἕξ ἕως ἂν διέλθωσι τὸν φραγμόν Εἶθ

οὕτως οἱ μὲν σύροντες οἱ δὲ καὶ εἰς τοὺς ὤμους βαστάζοντες τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς τὸ τοῦ

φραγμοῦ ἐκεῖθεν μέρος διαβιβάζουσιν καὶ οὕτως ῥίπτοντες αὐτὰ εἰς τὸν ποταμὸν καὶ τὰ

πετζιμέντα αὐτῶν ἐμβλησκόμενοι εἰσέρχονται καὶ αὖθις ἐναποπλέουσιν Ἀπερχόμενοι δὲ εἰς

τὸν πέμπτον φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Βαρουφόρος Σκλαβηνιστὶ δὲ

Βουλνηπράχ διότι μεγάλην λίμνην ἀποτελεῖ πάλιν εἰς τὰς τοῦ ποταμοῦ γωνίας τὰ αὐτῶν

μονόξυλα διαβιβάσαντες καθὼς καὶ εἰς τὸν πρῶτον φραγμὸν καὶ δεύτερον καταλαμβάνουσι

τὸν ἕκτον φραγμόν λεγόμενον μὲν Ῥωσιστὶ Λεάντι Σκλαβηνιστὶ δὲ Βερούτζη ὅ ἐστιν

βράσμα νεροῦ καὶ διαβαίνουσι καὶ αὐτὸν ὁμοίως Καὶ ἀπὸ τούτου ἀποπλέουσι καὶ πρὸς τὸν

ἕβδομον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Στρούκουν Σκλαβηνιστὶ δὲ Ναπρεζή ὃ

312

ἑρμηνεύεται μικρὸς φραγμός Καὶ διαβαίνουσιν εἰς τὸ λεγόμενον πέραμα τοῦ Κραρίου ἐν ᾧ

διαπερῶσιν ἀπὸ Ῥωσίας οἱ Χερσωνῖται καὶ οἱ Πατζινακῖται ἐπὶ Χερσῶνα ἔχον τὸ αὐτὸ πέραμα

τὸ μὲν πλάτος ὅσον τοῦ ἱπποδρομίου τὸ δὲ ὕψος ἀπὸ κάτω ἕως ὅτου προκύπτουσιν ὕφαλοι

ὅσον καὶ φθάζειν σαγίτταν τοῦ τοξεύοντος ἔνθεν ἐκεῖσε Ὅθεν καὶ εἰς τὸν τοιοῦτον τόπον

κατέρχονται οἱ Πατζινακῖται καὶ πολεμοῦσι τοὺς Ῥῶς Μετὰ δὲ τὸ διελθεῖν τὸν τοιοῦτον τόπον

τὴν νῆσον τὴν ἐπιλεγομένην ὁ Ἅγιος Γρηγόριος καταλαμβάνουσιν ἐν ᾗ νήσῳ καὶ τὰς θυσίας

αὐτῶν ἐπιτελοῦσιν διὰ τὸ ἐκεῖσε ἵστασθαι παμμεγέθη δρῦν καὶ θύουσι πετεινοὺς ζῶντας

Πηγνύουσι δὲ καὶ σαγίττας γυρόθεν ἄλλοι δὲ καὶ ψωμία καὶ κρέατα καὶ ἐξ ὧν ἔχει ἕκαστος ὡς

τὸ ἔθος αὐτῶν ἐπικρατεῖ Ῥίπτουσι δὲ καὶ σκαρφία περὶ τῶν πετεινῶν εἴτε σφάξαι αὐτούς εἴτε

καὶ φαγεῖν εἴτε καὶ ζῶντας ἐάσειν αὐτούς Ἀπὸ δὲ τοῦ νησίου τούτου Πατζινακίτην οἱ Ῥῶς οὐ

φοβοῦνται ἕως ἂν φθάσωσιν εἰς τὸν ποταμὸν τὸν Σελινάν Εἶθ οὕτως ἀποκινοῦντες ἐξ αὐτοῦ

μέχρι τεσσάρων ἡμερῶν ἀποπλέουσιν ἕως οὗ καταλάβωσιν εἰς τὴν λίμνην τοῦ ποταμοῦ

στόμιον οὖσαν ἐν ᾗ ἐστιν καὶ ἡ νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου Καταλαβόντες οὖν οὗτοι τὴν

τοιαύτην νῆσον προσαναπαύουσιν ἑαυτοὺς ἐκεῖσε ἕως δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν

Καὶ πάλιν τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς ὅσας ἂν λίπωνται χρείας περιποιοῦνται τά τε ἄρμενα καὶ τὰ

κατάρτια καὶ τὰ αὐχένια ἅπερ ἐπιφέρονται Ἐπεὶ δὲ τὸ στόμιον τοῦ τοιούτου ποταμοῦ ἐστιν ἡ

τοιαύτη λίμνη καθὼς εἴρηται καὶ κρατεῖ μέχρι τῆς θαλάσσης καὶ πρὸς τὴν θάλασσαν κεῖται ἡ

νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου ἐκ τῶν ἐκεῖσε ἀπέρχονται πρὸς τὸν Δάναστριν ποταμόν καὶ

διασωθέντες ἐκεῖσε πάλιν ἀναπαύονται Ἡνίκα δὲ γένηται καιρὸς ἐπιτήδειος ἀποσκαλώσαντες

ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὸν ἐπιλεγόμενον Ἄσπρον καὶ ὁμοίως κἀκεῖσε ἀναπαυσάμενοι πάλιν

ἀποκινοῦντες ἔρχονται εἰς τὸν Σελινάν εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου ποταμοῦ λεγόμενον παρακλάδιον

Καὶ ἕως οὗ διέλθωσι τὸν Σελινὰν ποταμόν παρατρέχουσιν αὐτοῖς οἱ Πατζινακῖται Καὶ ἐὰν

πολλάκις ἡ θάλασσα μονόξυλον εἰς τὴν γῆν ἀπορρίψῃ σκαλώνουσιν ὅλα ἵνα τοῖς

Πατζινακίταις ἀντιπαραταχθῶσιν ὁμοῦ Ἀπὸ δὲ τὸν Σελινὰν οὐ φοβοῦνταί τινα ἀλλὰ τὴν τῆς

Βουλγαρίας γῆν ἐνδυσάμενοι εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου στόμιον ἔρχονται Ἀπὸ δὲ τοῦ Δανουβίου

καταλαμβάνουσιν εἰς τὸν Κωνοπάν καὶ ἀπὸ τοῦ Κωνοπᾶ εἰς Κωνστάντιαν εἰς τὸν ποταμὸν

Βάρνας καὶ ἀπὸ Βάρνας ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὴν Διτζίναν ἅπερ πάντα εἰσὶ γῆ τῆς

Βουλγαρίας Ἀπὸ δὲ τῆς Διτζίνας εἰς τὰ τῆς Μεσημβρίας μέρη καταλαμβάνουσιν καὶ οὕτως

μέχρι τούτων ὁ πολυώδυνος αὐτῶν καὶ περίφοβος δυσδιέξοδός τε καὶ χαλεπὸς ἀποπεραίνεται

πλοῦς Ἡ δὲ χειμέριος τῶν αὐτῶν Ῥῶς καὶ σκληρὰ διαγωγή ἐστιν αὕτη Ἡνίκα ὁ Νοέμβριος μὴν

εἰσέλθῃ εὐθέως οἱ αὐτῶν ἐξέρχονται ἄρχοντες μετὰ πάντων τῶν Ῥῶς ἀπὸ τὸν Κίαβον καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὰ πολύδια ὃ λέγεται γύρα ἤγουν εἰς τὰς Σκλαβηνίας τῶν τε Βερβιάνων καὶ

τῶν Δρουγουβιτῶν καὶ Κριβιτζῶν καὶ τῶν Σεβερίων καὶ λοιπῶν Σκλάβων οἵτινές εἰσιν

πακτιῶται τῶν Ῥῶς Δι ὅλου δὲ τοῦ χειμῶνος ἐκεῖσε διατρεφόμενοι πάλιν ἀπὸ μηνὸς

Ἀπριλίου διαλυομένου τοῦ πάγους τοῦ Δανάπρεως ποταμοῦ κατέρχονται πρὸς τὸν ΚίαβονΚαὶ

εἶθ οὕτως ἀπολαμβάνονται τὰ αὐτῶν μονόξυλα καθὼς προείρηται καὶ ἐξοπλίζονται καὶ πρὸς

Ῥωμανίαν κατέρχονται Ὅτι οἱ Οὖζοι δύνανται τοῖς Πατζινακίταις πολεμεῖν

Obtido em

lthttpkhazarzarskeptiknetpgmPG_MigneConstantinus20Porphyrogenitus_PG2

0112-113De20administrando20imperiopdfgt Uacuteltimo acesso em 10∕10∕2012

313

Apecircndice II

Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo

Alfabeto

Ciriacutelico

Transcriccedilatildeo para Registro

Catalograacutefico ou Linguiacutestico

Adaptaccedilatildeo Foneacutetica

para Nomes Proacuteprios

А

Б

В

Г

Д

Е

Ё

Ж

З

И

Й

К

Л

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О

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S SS (intervocaacutelico)

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Chtch sch (como em

ldquoTatiacuteschevrdquo)

(omitido)

Y

(omitido)

Eacute

Iu

Ia

  • AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI13
    • ESUMO
    • BSTRACT13
    • SUMAacuteRIO13
    • INTRODUCcedilAtildeO13
    • CAPIacuteTULO13 1
      • 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria13
      • 12 A historiografia pertinente
      • 13 A Ruacutessia czarista
        • 131 Tatiacuteschev
        • 132 O alematildees17
          • 14 A controveacutersia Normanista13
            • 141 A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A
              • I A Etimologia13
              • II As fontes13
                • 142 A posiccedilatildeo anti13normanista
                  • I I A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA
                  • II II II Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os
                  • III Os enviados III Os enviadosIII Os enviadosIII Os enviados III Os enviados III Os enviadosIII
                  • IV IV IV Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicasFontes
                  • V V Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade
                    • 143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildeesUma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma
                      • I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I
                      • II II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo
                        • 144 Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras
                        • 145 O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O
                        • 146 O rei O reiO reiO rei-estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro
                          • 15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 13
                            • 151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 -1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919)
                            • 152 O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O
                            • 153 Os tempos poacutes Os tempos poacutes -Stalin Stalin Stalin KruKru sch schoacutev (1953 oacutev (1953oacutev (1953oacutev (1953 -1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964)
                            • 154 Da era Breacutej Da era Breacutej Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 -1991) 1991)
                            • 155 A Ruacutessia poacutesA Ruacutessia poacutes A Ruacutessia poacutes -sovieacutetica sovieacutetica sovieacuteticasovieacutetica
                              • 16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin 13
                                • 161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa p
                                • 162 A academia russa hojeA academia russa hoje A academia russa hoje A academia russa hoje A
                                  • 17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula
                                  • 18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro
                                    • CAPITULO 213
                                      • 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 13
                                        • 211 A numismaacutetica 13
                                          • 2111 As Fontes 13
                                          • 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112
                                          • 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias2113
                                            • I O Baacuteltico Austrvegr
                                            • II A Rus de norte Ladoga
                                            • III Rostov Suzdal e Murom
                                            • IV Os povoamentos pareados
                                            • V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland
                                              • 22 As estelas ruacutenicas 13
                                                • 221 Sobre as estelas ruacutenicas
                                                • 222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas
                                                • 223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas
                                                • 224 As estelas ruacutenicas e o leste
                                                  • 23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste
                                                    • Capitulo 313
                                                      • 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste
                                                        • 311 O sistema cardinal e a terminologia
                                                        • 312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo
                                                        • 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islande
                                                        • 314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica
                                                          • 3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas
                                                          • 3142 Os Mappaemundi291
                                                          • 3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi
                                                          • 3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais
                                                          • 3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)
                                                          • 3146 Isidoro (ca 560-636)
                                                          • 3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas ldquoBeatosrdquo
                                                            • 315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais
                                                              • 32 Quadro etno -linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garetha
                                                                • 321 Fino -uacutegricos uacutegricosuacutegricos
                                                                • 322 Os Baltos13
                                                                • 323 Baltos e Fino13
                                                                • 324 Bjaacutermaland
                                                                    • CAPITULO 13 4
                                                                      • 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no me 13
                                                                      • 42 Snorri Sturlusson (1179 e a tradiccedilatildeo islandesa 13
                                                                        • 42 1 Histoacuterico 1
                                                                        • 422 A Heimskringla 13
                                                                        • 423 A Edda menor 423 A Edda menor423 A Edda menor 423 A Edda menor423
                                                                        • 42413interpretaccedilotildees histoacutericohistoacuterico histoacuterico -geograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d a Edda Menor a Edda Menora Edda Menora
                                                                        • 425 O proacutelogo da Edda Menor 425 O proacutelogo da Edda Menor425
                                                                        • 426 O Evemerismo 426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo 426
                                                                        • 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427
                                                                        • 428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Magnus o bom e Haraldr HarethraMagnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra ethi
                                                                        • 4210 Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees parciais Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees
                                                                          • 43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 13
                                                                            • 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431
                                                                            • 43 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum2 O leste na Gesta Danorum 2
                                                                            • 433 A Temaacutetica do Conselheiro
                                                                            • 434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O
                                                                            • 435 O leste e as cruzadas setentrionais
                                                                              • 44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste
                                                                                • CAPIacuteTULO 513
                                                                                  • 51 As Fornaldarsoumlgur 13
                                                                                    • 511 Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildeesDataccedilotildees
                                                                                      • 52 A Ọrvarrvar rvar-Odds Saga 13
                                                                                        • 521 M anuscritos e anuscritos e anuscritos e redaccedilotildeesredaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildees
                                                                                        • 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar rvar -Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacutericoOdds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico -geograacutefica geograacutefica geograacutefica
                                                                                        • 523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland
                                                                                        • 524 O Homem O Homem O Homem-CascaCasca
                                                                                          • 53 As iniciaccedilotildees e o leste 13
                                                                                            • 6 CONCLUSOtildeES13
                                                                                            • 7 BIBLIOGRAFIA 13
                                                                                            • 8 APEcircNDICES
Page 2: Versão corrigida - USP...AGRADECIMENTOS Ao Deus trino, criador, doador da Salvação, do sopro da vida, de sua imagem semelhança, que permite todo e qualquer empreendimento no campo

ANDREacute SZCZAWLINSKA MUCENIECKS

AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI ndash (RE)SIGNIFICACcedilOtildeES DO LESTE NA

ESCANDINAacuteVIA TARDO-MEDIEVAL

Tese apresentada ao Departamento de

Histoacuteria da Universidade de Satildeo Paulo

para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutor em

Histoacuteria Social

Orientadora Profa Dra Ana Paula

Tavares Magalhatildees Tacconi

Versatildeo corrigida

De acordo

Satildeo Paulo

2014

AGRADECIMENTOS

Ao Deus trino criador doador da Salvaccedilatildeo do sopro da vida de sua imagem

semelhanccedila que permite todo e qualquer empreendimento no campo das letras e do saber

Aos familiares tanto os perto quanto distante geograficamente pelo suporte e apoio

constante e pela prioridade sempre dada agrave minha formaccedilatildeo e educaccedilatildeo meus pais Igors e Luacutecia

minha irmatilde Rebeca meus avoacutes Agafangiel (in memorian) e Marta

Aos tutores e conselheiros que nesta fase de minha jornada pessoal assumiram papeis

natildeo tanto mais diretivos mas providenciaram ao lado da liberdade intelectual e de accedilatildeo

necessaacuterios os conselhos e exemplo de vida imprecindiacuteveis

Prs e Revs Denis Artur Darcy Mauriacutecio Andreacute Mira

Aos professores que contribuiacuteram de tantas formas em minha formaccedilatildeo para a

conclusatildeo deste trabalho e de tantas formas que muitos dos mesmos natildeo imaginam ndash alguns por

muitos anos a fio Ana Paula Bruno Gomide Elena Nikolaievna Vassina Maria Cristina

Pereira Renan Frighetto Faacutetima Regina Fernandes Frighetto Marcelo Cacircndido Andrejs Vasks

Johnni Langer Celso Taveira

Aos amigos colegas e alunos Desses alguns nunca entenderam exatamente o que

estudo sempre se comprazendo em perguntar-me acerca de dinossauros pterodaacutectilos e a Era

do Gelo a outros agradeccedilo as sugestotildees criacuteticas descrenccedilas e piadas que colaboraram para a

composiccedilatildeo de um trabalho melhor e de uma autoimagem menor outros foram de grande ajuda

em minha trajetoacuteria acadecircmica oferecendo oportunidades e ajuda inestimaacutevel Alguns

enquadram-se em vaacuterias dessas situaccedilotildees Diversos estimularam minha criatividade de vaacuterias

formas alguns ouviram pacientemente meus deliacuterios outros pagaram a liacutengua ao verem-se

constrangidos agrave lerem e comentarem esta tese Pedro Paulinho Renan Daniel Larissa Samuel

Evandro Wellington Otaacutevio Van Lucas Ceceacuteu Faacutebio Pablo

Agraves instituiccedilotildees que deram suporte proveram recursos experiecircncia crescimento pessoal e

sustento IBVM STBNET CBVM

Aos natildeo mencionados minha gratidatildeo pela compreensatildeo de minhas falhas imensas que

incluem a falta de memoacuteria

Tambeacutem fica claro que muitos aqui mencionados incorrem em mais de uma das categorias Mas

deixemos de positivismo

DEDICATOacuteRIA

Ao meu avoacute Agafangiel Szczawlinska falecido em

2010 cujas cinzas agora compotildeem parte do

Altacircntico meridional Nascido no nuacutecleo da antiga

Rus nos territoacuterios pertencentes outrora agrave tribo dos

Drevliani sua uacuteltima frase dita em minha presenccedila

(tendo tomado conhecimento de minha entrada no

doutorado uma semana antes) foi dirigida

profeticamente para o meacutedico que o atendia na UTI

ldquoEste eacute meu neto Ele eacute doutorrdquo Sua inspiraccedilatildeo vai

em muitos sentidos aleacutem desde o trabalho

incansaacutevel criativo ndash por vezes pendente ao tosco -

agrave face seacuteria

RESUMO

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash

(Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese (doutorado) ndash

Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo

Paulo 2014

Nesta tese analisamos as nuances que o conceito de leste assumiu nas fontes escritas da

Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

De iniacutecio procedemos na observaccedilatildeo de como a historiografia referente agraves interaccedilotildees

entre povos da Escandinaacutevia e do Nordeste Europeu produziu extenso debate de

implicaccedilotildees poliacuteticas conhecido como a Controveacutersia Normanista Neste capiacutetulo

salientamos tambeacutem os impactos que o estudo do medievo teve nos tempos

contemporacircneos

A seguir efetuamos uma siacutentese baseada na interpretaccedilatildeo da Cultura Material sobre os

movimentos escandinavos a leste no periacuteodo viking que forneceram material para os

proacuteprios historiadores e autores na Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

Ateacute entatildeo demonstramos que a despeito da Controveacutersia Normanista haacute evidecircncia

convincente e suficiente para demonstrar que a presenccedila escandinava no leste foi

deveras significativa

Os capiacutetulos posteriores centralizam-se na anaacutelise das fontes primaacuterias Dividimo-las

em fontes que apresentam material cartograacutefico e geograacutefico obras de cunho

historiograacutefico e sagas voltadas ao entretenimento como seleccedilatildeo de obras

representativas de tais grandes grupos analisamos o Mappamundi islandecircs Gks 1812

4to 5v-6r o proacutelogo da Edda Menor a Heimskringla a Gesta Danorum e a Ọrvar-Odds

Saga

A anaacutelise dessas fontes demonstrou que entre o seacuteculo XIII e o XIV ocorreu na

produccedilatildeo escrita escandinava uma bifurcaccedilatildeo entre o conhecimento produzido com

objetivos de instruccedilatildeo e aquele com intuitos de entretenimento

O uso do leste na primeira vertente eacute livresco inserindo muito do saber acumulado do

Medievo Ocidental e ressignificando o leste segundo paracircmetros das terras biacuteblicas e

dos autores claacutessicos

Nas fontes de intuito de entretenimento o uso do leste eacute tambeacutem ressignificado mas

desta feita de acordo com material mais ligado agrave cultura e agraves narrativas populares

empregando o leste na materializaccedilatildeo de temas do fantaacutestico e da mitologia

ABSTRACT

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash Austrvegr e

Garethariacuteki ndash (Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese

(doutorado) ndash Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2014

(ldquoAustrvegr and Garethariacuteki - (re)significations of the East in Low-Middle Ages

Scandinaviardquo)

In this thesis we analyze the nuances assumed by the concept of east in the primary

sources of Scandinavia and Iceland in the thirteenth and fourteenth centuries

Initially we proceeded in the observation of how the historiography related to Northern

and Eastern Europe have produced extensive debate of political implications named the

Normanist Controversy In this chapter we have stressed also the impacts that Medieval

Studies may assume in Contemporary milieu

Hereafter we build a synthesis based on Material Culture - in the archaeological sense -

of the Scandinavian movements in East in the Viking Age interactions that already had

provided inspiration for authors in XIII-XIVs At this point we have showed

successfully that there is enough evidence to demonstrate the relevance of the

Scandinavian presence in medieval Eastern Europe

The later chapters deal with the analysis of several kinds of primary sources We have

gathered and organized it in geographical and cartographical works writings of

historiographical nature and entertainment aimed sagas

As a selection of representative works of such large groups we studied the Icelandic

Mappamundi of manuscript Gks 1812 4to 5v-6r the Prologue of Edda Minor the

Heimskringla the Gesta Danorum and the Ọrvar-Odds Saga

The analysis of these sources showed that between the thirteenth and the fourteenth

century a bifurcation occurred in Scandinavian written sources between the knowledge

produced for the purposes of instruction and the one with the goal of entertainment

The use of the East in the first group is highly scholar re-elaborating the East in the

light of accumulated knowledge of the Western Middle Ages as well as redefining it

within parameters coherent with christian and classical authors

The sources aimed to entertainment however employed the eastern areas in connection

with a different kind of knowledge Folk narratives and popular lore gained prominence

in the reshaping of eastern region transforming it in an auspicious place to the

materialization of the fantastic and the mythical

MAPAS

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki 90

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais 99

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava 102

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga

105

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares 108

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na Sueacutecia e Noruega por Km2 119

Mapa 07 As proviacutencias suecas 135

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica 182

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII 184

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico 192

Dniepr

Volga

Para Kiev e Bizacircncio

TABELAS

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo 112

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo 114

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings 136

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII 200

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson 204

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto 242

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais 250

Tabela 08 O desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum 251

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr 286

FIGURAS

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e

finalizando a 1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo

82

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950 em Gniozdovo Iniacutecio do X 107

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo 113

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo 113

Figura 05 U 439 Desenho de Johann Bureaus em 1595 127

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland 128

Figura 07 U 792 ndash Ulunda 129

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn 131

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional dinamarquecircs 132

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde foi movida Oriunda de

Sannerby 133

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) 153

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) 154

Figura 13 Mappamundi de Macrobius 158

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O 160

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo 162 Figura 16 O mapa da Vinland 165

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r 167

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539) 191

Figura 19 Van EEDEN Stemma 209

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum 238

SIGLAS ndash MANUSCRITOS E COacuteDICES

Poacuteviest vrieacutemennikh liet

PVL Poacuteviest vrieacutemennikh liet

L Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo laurentina

H Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo hypatiana

Heimskringla

F Codex Frisianus - AM 45 fol

K Kringla ndash Lbs fragm 82

HH Haralds saga Harethraacuteetha

OH Oacutelaacutefs saga ins Helga

OT Oacutelafs saga Tryggvasonar

Edda Menor

R Codex Regius - GKS 2367 4to

T Codex Trajectinus - MSS 1374

U Codex Uppsaliensis - DG 11 4to

W Codex Wormianus - AM 242 fol

Gesta Danorum

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol

570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Ọrvar-Odds Saga

OS Ọrvar-Odds Saga

S Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo curta - Perg 4tpo nr 7 43v-57r20

M Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo meacutedia - AM 344 a 4to 1r-24v

A Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante A - AM 343 4deg membr 59v-81v

B Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante B - AM 471 4deg membr 61r-96v

E Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante E - AM 173 4deg membr

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS 22 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria 22

12 A historiografia pertinente 26

13 A Ruacutessia czarista 27

131 Tatiacuteschev 29

132 O alematildees 29

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738) 29

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783) 31

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809) 32

14 A controveacutersia Normanista 36

141 A posiccedilatildeo normanista38

I A Etimologia 41

II As fontes 42

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet 42

b) Fontes bizantinas 42

c) Fontes islacircmicas 45

d) Fontes latinas 46

142 A posiccedilatildeo anti-normanista 47

I A questatildeo da etimologia 48

II Os argumentos de ausecircncia 49

III Os enviados 50

IV Fontes islacircmicas 50

V Superioridade econocircmica 50

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees 51

I O problema das etimologias 51

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade 52

144 Outras possibilidades interpretativas55

145 O problema metodoloacutegico 56

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais 58

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 63

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS 63

152 O periacuteodo Stalinista 66

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruchtchoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 69

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991) 70

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica 73

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev 76

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de Falsificaccedilatildeo da

Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de

2012) 75

162 A academia russa hoje 78

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula 79

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro 84

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL 89 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 91

211 A numismaacutetica 92

2111 As Fontes 94

2112 Os khazares e os aacuterabes 95

2113 Rotas e cronologias 97

I O Baacuteltico Austrvegr 98

II A Rus de norte Ladoga 103

III Rostov Suzdal e Murom 106

IV Os povoamentos pareados 106

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland 108

22 As estelas ruacutenicas 110

221 Sobre as estelas ruacutenicas 111

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas 115

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas 123

224 As estelas ruacutenicas e o leste125

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste 135

CAPITULO 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA 139 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste 139

311 O sistema cardinal e a terminologia 141

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo 143

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica simples

147

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica 150

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas 151

3142 Os Mappaemundi 155

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi 156

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais 158

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417) 159

3146 Isidoro (ca 560-636) 159

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo 161

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais 163

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII 174

321 Fino-uacutegricos 177

322 Os Baltos 181

323 Baltos e Fino-Uacutegricos 190

324 Bjaacutermaland 191

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA 198 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo 199

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa 204

421 Histoacuterico 204

422 A Heimskringla 207

423 A Edda menor 208

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor 212

425 O proacutelogo da Edda Menor 214

426 O Evemerismo219

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo224

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr Magnus o

bom e Haraldr Harethraethi227

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio228

4210 Conclusotildees parciais234

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 235

431 O Evemerismo de Saxo 243

432 O leste na Gesta Danorum 248

433 A Temaacutetica do Conselheiro 250

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares 253

435 O leste e as cruzadas setentrionais 255

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste educar e instruir

258

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A NARRATIVA DE

ENTRETENIMENTO 261 51 As Fornaldarsoumlgur 261

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees 264

52 A Ọrvar-Odds Saga 266

521 Manuscritos e redaccedilotildees 266

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-geograacutefica 268

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar 270

524 O Homem-Casca 279

53 As iniciaccedilotildees e o leste 286

6 CONCLUSOtildeES 288

7 BIBLIOGRAFIA 291 71 Fontes primaacuterias 291

711 Fontes escritas tradicionais 291

a) Colecirctaneas 291

b) Por autor ou tiacutetulo 291

712 Cultura material ndash estelas ruacutenicas 293

72 Referecircncias Bibliograacuteficas 294

8 APEcircNDICES 311 Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo 311

Apecircndice II Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo 313

15

INTRODUCcedilAtildeO

A juventude dos estudos histoacuterico-arqueoloacutegicos do medievo escandinavo e

germacircnico no Brasil e na proacutepria Ameacuterica Latina natildeo eacute novidade tambeacutem natildeo o eacute o

vigor com que essa aacuterea tem se desenvolvido nas uacuteltimas deacutecadas Se prosseguirmos um

pouco mais adiante e nos dispormos a discutir o contexto escandinavo mais a leste

envolvendo a Ruacutessia nos periacuteodos viking e medieval encontramos um panorama de

ineditismo quase total com pouquiacutessimas exceccedilotildees como a tese de doutorado

defendida por Euriacutepides Simotildees de Paula1 no departamento de Histoacuteria Social da

Universidade de Satildeo Paulo na deacutecada de 1940

A produccedilatildeo que insere a temaacutetica Escandinava no contexto de leste eacute restrita a

artigos esparsos de estudiosos ligados de forma mais ou menos indireta ao toacutepico O

interesse entretanto eacute relativamente crescente em particular nas novas geraccedilotildees de

graduandos em Histoacuteria que enfrentam aleacutem da resistecircncia entre os proacuteprios

acadecircmicos estabelecidos (e desconhecedores do campo em questatildeo) a ausecircncia de

literatura O trabalho de Euriacutepides Simotildees de Paula veicula informaccedilotildees uacuteteis mas que

necessitam de atualizaccedilatildeo e contextualizaccedilatildeo

Essa deficiecircncia engloba outros problemas que inclui a falta de bibliografia

estrangeira mais acessiacutevel ao estudante que deseja adentrar o campo As obras de cunho

geral sobre a cultura russa mais difundidas nas naccedilotildees ocidentais apresentam uma

ecircnfase acentuada no periacuteodo sovieacutetico em decorrecircncia da influecircncia da URSS no seacuteculo

XX e da maneira como as relaccedilotildees sovieacutetico-americanas moldaram a poliacutetica do mundo

contemporacircneo

Eacute relativamente faacutecil se encontrar manuais de alcance geral sobre a Histoacuteria

Russa desde seus primoacuterdios ateacute os tempos sovieacuteticos que carecem de maior

especializaccedilatildeo nos tempos que interessam agrave escandinaviacutestica O acesso agraves fontes

primaacuterias e secundaacuterias eacute cada vez mais faacutecil ao estudioso graccedilas ao advento da Internet

e dos recursos digitais mas o interessado em desvendar o toacutepico ainda se depara com

inuacutemeras dificuldades ndash desde o desconhecimento de por onde comeccedilar ao proacuteprio

acesso agraves linguagens e idiomas requeridos

1 PAULA Euriacutepedes Simotildees de O comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de Kiev Satildeo Paulo Universidade

de Satildeo Paulo 1942

16

O foco de nosso trabalho eacute de muitas formas muacuteltiplo por estranha que possa

parecer tal afirmativa ao leitor que enxergaraacute a temaacutetica russondashescandinava no medievo

como algo da mais notoacuteria especificidade Nosso interesse primordial de pesquisa satildeo as

visotildees e conceituaccedilotildees desenvolvidas pelos eruditos escandinavos do medievo sobre o

leste ndash austr em antigo noacuterdico

O leste pode consistir em referecircncia simples de direccedilatildeo geograacutefica nesta

acepccedilatildeo por vezes assume um significado relativo passageiro para quem o emprega

por exemplo um navegante que sai da Islacircndia ruma para leste quando se dirige para a

Noruega um norueguecircs ruma para leste quando se dirige para a Sueacutecia

Ainda geograficamente entretanto o leste pode assumir uma conotaccedilatildeo mais

absoluta que perpassa a mera dimensatildeo geograacutefica e ainda que a incorpore assume

tambeacutem um significado quase que etnoloacutegico Neste sentido encontramos o leste

enquanto regiatildeo habitada por populaccedilotildees especiacuteficas diferentes e similares aos

escandinavos em diversos graus e por eles caracterizados e distinguidos por conceitos

proacuteprios

Haacute outra dimensatildeo que o leste assume na historiografia escandinava medieval

De natureza mais eteacuterea menos ldquorealrdquo ao leitor contemporacircneo e mais inserida no

campo do imaginaacuterio da narrativa miacutetica e fantaacutestica Uma dimensatildeo na qual o leste

torna-se um lugar adequado para tanto os acontecimentos e feitos dos deuses e heroacuteis

quanto para localizaccedilatildeo de acontecimentos imemoriais que se encontram no domiacutenio do

passado

O estudo do conceito de leste assume portanto um papel significativo no

proacuteprio estudo do desenvolvimento da histoacuteria do pensamento nas regiotildees escandinavas

medievais Estruturas de pensamento que passam a ser fixadas de forma escrita e que

sofrem uma bifurcaccedilatildeo crescente entre narrativas de cunho mais estritamente histoacuterico e

geograacutefico para o campo natildeo apenas do fantaacutestico mas de proacuteprio entretenimento

Tal circunstacircncia leva-nos a efetuar uma aproximaccedilatildeo com a jaacute antiga discussatildeo

entre o mito e a histoacuteria entre o fato e o ficcional Poreacutem o faz de formas que

extrapolam nossas concepccedilotildees contemporacircneas e que devem ser compreendidas e

estudadas dentro da mentalidade do contexto em questatildeo Os marcos temporais satildeo

fornecidos pelo nosso proacuteprio tema A concentraccedilatildeo de fontes escritas tradicionais

escandinavas ocorre no seacuteculo XIII refletindo processos diversificados e distintos

17

ocorridos nos reinos escandinavos

Majoritariamente remete aos seacuteculos IX-XI conhecido como o periacuteodo viking

Temos portanto uma dualidade temporal constante O trabalho por noacutes proposto estaacute

fadado a estudar a histoacuteria natildeo apenas de pensadores e historiadores do passado mas a

histoacuteria por eles pensada e escrita Para isso devemos nos aproximar natildeo apenas de seu

contexto mas tambeacutem do contexto que tatildeo vividamente atraiu seu interesse Essa opccedilatildeo

traz consequecircncias metodoloacutegicas principalmente ligadas agrave existecircncia e disponibilidade

das fontes primaacuterias sua proacutepria natureza bem como os procedimentos a serem

adotados em relaccedilatildeo a elas

Nossa pesquisa estaacute estruturada de forma a inicialmente prover um panorama

referencial dos contextos em questatildeo discutiremos a historiografia pertinente ao tema e

natildeo apenas o tradicional contexto poliacutetico e narrativo de escrita das fontes Tambeacutem

nessa seccedilatildeo tocaremos brevemente na discussatildeo entre Mito X Histoacuteria Fato X Ficccedilatildeo

que ainda que bastante familiar ao historiador precisa ser revisitada por razotildees que

explanaremos logo a seguir Tal abordagem enfatizaraacute os enganos que o uso

indiscriminado da Arqueologia pelo historiador pode induzir

Essa seccedilatildeo conteacutem tambeacutem a discussatildeo da chamada Controveacutersia Normanista

que merece destaque Ainda que uma questatildeo considerada resolvida na historiografia

ocidental - e mesmo nos paiacuteses da antiga Cortina de Ferro a temaacutetica ainda eacute capaz de

suscitar debate acalorado em territoacuterio russo polarizando as posiccedilotildees poliacuteticas tanto

dentro quanto fora da academia Dessa forma uma temaacutetica que seria de certa forma

acessoacuteria ndash visto que nosso objeto eacute focado sobre o ponto de vista escandinavo sobre o

leste e natildeo o contraacuterio ndash acabou por assumir atenccedilatildeo e espaccedilo especial pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas contemporacircneas que a temaacutetica pode assumir e em relaccedilatildeo agraves

quais natildeo estamos dispostos a nos omitir

Eacute relevante a circunstacircncia de que a anaacutelise das consequecircncias presentes no

estudo da Antiguidade e do Medievo consista em um campo relativamente recente nos

estudos antigos mas bastante ausente nos medievais No Brasil tal preocupaccedilatildeo tem

sido constante no trabalho de pesquisadores ligados agrave Antiguidade como Pedro Paulo

Funari Renata Senna Garrafoni e Glaydson Joseacute da Silva ndash destacamos por exemplo

os estudos do uacuteltimo referentes aos usos da Antiguidade na Franccedila de Vichy mas com

exceccedilatildeo de tentativas de anaacutelise cinematograacutefica e da Cultura popular o estudo das

18

formas de emprego do medievo na Idade Contemporacircnea ainda tem engatinhado e

encontrado resistecircncia Destacamos os estudos de Johnni Langer referentes agraves

representaccedilotildees escandinavas no Romantismo por si soacute pioneiros e que despertaram

interesse em toda uma geraccedilatildeo de estudantes

Em nossa apresentaccedilatildeo do Normanismo pretendemos ir no entanto um passo

adiante na demonstraccedilatildeo ainda que em linhas gerais de como uma temaacutetica do

Medievo pocircde assumir consequecircncias amplas na Ruacutessia e na Uniatildeo Sovieacutetica a ponto

de vir a ser considerada danosa e perigosa ao Estado implicando perseguiccedilatildeo aos seus

proponentes bem como assumindo conotaccedilotildees de disputa e ressentimento poliacutetico entre

antigas naccedilotildees do Bloco Sovieacutetico e a Ruacutessia

Para a confecccedilatildeo de tal seccedilatildeo nos beneficiamos consideravelmente dos

conselhos dos professores do departamento de Liacutenguas Orientais da Universidade de

Satildeo Paulo Bruno Gomide e Elena Vaacutessina bem como das oportunidades de discutir e

lecionar o tema na disciplina de Cultura Russa I ministrada pelo proacuteprio professor

Gomide O leitor encontraraacute nesta seccedilatildeo portanto uma siacutentese consideravelmente

ampla ndash estamos plenamente cientes do paradoxo da afirmaccedilatildeo - e tambeacutem inexistente

na Ameacuterica Latina Tambeacutem devemos aqui o agradecimento aos professores Andrejs

Vasks da Universidade de Riga Letocircnia Heiki Valk e Anti Selart da Universidade de

Tartu Estocircnia

Essa ponte entre o passado e o presente eacute desejaacutevel em todo trabalho de pesquisa

histoacuterica eacute impossiacutevel dissociar-se do presente vivido que sempre se imiscuiraacute na

pesquisa do mais ldquoneutrordquo e ldquocientiacuteficordquo dos historiadores De fato as pesquisas antigas

e medievais permanecem como um dos uacuteltimos redutos na pesquisa histoacuteria em que se

pratica um modelo no qual o historiador pensa isolar-se em sua torre de marfim

mantendo postura supostamente apoliacutetica ndash ora o proacuteprio haacutebito de abster-se eacute accedilatildeo de

consequecircncia poliacutetica ainda que de toleracircncia subserviecircncia ou mesmo apoio ao status

quo

Por outro lado perduram ainda em acircmbito acadecircmico as discussotildees sobre as

maneiras de se efetuar tal conexatildeo passado-presente e em muitas ocasiotildees a criacutetica de

uma historiografia mais conservadora centralizar-se-aacute no argumento de que muitos

historiadores que dizem efetuar o estudo da Antiguidade ou Medievo estatildeo na verdade

efetuando estudos de Histoacuteria Contemporacircnea Em outras circunstacircncias a mesma

19

historiografia tradicional com uma preocupaccedilatildeo salutar do recurso agraves fontes primaacuterias

advogaraacute uma total e cabal ausecircncia de referecircncia teoacuterica e reflexiva externa agrave fonte

como se tal empirismo fosse de fato possiacutevel

Procuramos lidar com tais ambiguidades e dualidades em nossa pesquisa

efetuando dentro das possibilidades de tempo e espaccedilo trabalho soacutelido de anaacutelise das

fontes ndash sejam escritas ou arqueoloacutegicas mas sem nos abstermos das implicaccedilotildees soacutecio-

poliacuteticas contemporacircneas de tal anaacutelise Cabe tambeacutem ao leitor a consideraccedilatildeo final

acerca de quatildeo perto fomos capazazes de chegar de tal objetivo

No capiacutetulo seguinte procederemos ao estudo de Austrvegr e Garethariacuteki nos

seacuteculos IX -XI ndash termos que dissecaremos com mais afinco adiante mas que por hora eacute

suficiente definir enquanto aacutereas agrave leste da Escandinaacutevia ndash Austrvegr compreendendo a

regiatildeo baacuteltica e Garethariacuteki a Rusde Kiev e Novgorod Em tal fase da pesquisa daremos

foco agraves fontes propiciadas pela Cultura Material ndash termo aqui empregado em seu

conceito arqueoloacutegico Empregaremos principalmente duas seacuteries documentais a

numismaacutetica e as estelas ruacutenicas Nossa pesquisa natildeo eacute exclusivamente arqueoloacutegica e

natildeo possui a natureza de uma anaacutelise arqueoloacutegica especiacutefica e detalhada de limitado e

determinado contexto arqueoloacutegico Dessa maneira pela proacutepria natureza de tais fontes

e pelas possibilidades de tempo e espaccedilo tal etapa de estudo inevitavelmente recorreraacute

com frequecircncia ao cacircnon interpretativo acadecircmico possuindo caraacuteter enciclopeacutedico

Temos a confianccedila de poder a despeito de tais circunstacircncias prover o leitor de

interpretaccedilotildees e siacutenteses ainda natildeo agrupadas em conjuntos

O capiacutetulo seguinte iniciaraacute a contraparte temporal do seacuteculo XIII Analisaraacute a

terminologia conceituaccedilatildeo e aparatos geograacuteficos disponiacuteveis aos antigos escandinavos

incluindo suas formas de expressatildeo linguiacutesticas cartografia e formas narrativas Esta

seccedilatildeo seraacute complementada por uma anaacutelise das diferenciaccedilotildees etno-geograacuteficas

presentes na Euraacutesia de noroeste

A seguinte e uacuteltima parte do trabalho lidaraacute mais profundamente com as fontes

escritas de caraacuteter tradicional ao historiador em particular com os trabalhos de Snorri

Sturlusson Saxo Grammaticus e autores anocircnimos de diversas modalidades de sagas

Os dois capiacutetulos a ela destinada dividir-se-atildeo em uma anaacutelise especiacutefica das obras

histoacutericas e croniacutesticas dos autores supracitados no primeiro seguida da comparaccedilatildeo

com a Ọrvar-Odds Saga e alguns extratos de outras Fornaldarsoumlgur que exemplificam

20

outras formas totalmente distintas de se empregar o passado e de se compreender o

leste

Tal estruturaccedilatildeo da pesquisa a nosso ver necessaacuteria agrave abrangecircncia de todas as

temaacuteticas envolvidas corre perigosamente perto da discussatildeo jaacute referenciada sobre

ldquomito X histoacuteriardquo ldquofato X ficccedilatildeordquo ldquoo que realmente aconteceu X o que foi escrito sobre

issordquo O leitor perceberaacute a facilidade com que se associa Cultura Material

conhecimento Arqueoloacutegico e materialidade agrave objetividade cientiacutefica bem como o texto

escrito agrave subjetividade Um estudo focado na materialidade nos seacuteculos IX-XI seguido

da anaacutelise das fontes escritas do seacuteculo XII que tratam sobre esses primeiros seacuteculos

induz tentadoramente o pesquisador a uma diferenciaccedilatildeo simplista entre ldquoo que de fato

aconteceurdquo estudado pela Arqueologia e ldquoo que se escreveu sobre istordquo estudado pela

Histoacuteria Esperamos natildeo incorrer nessa discussatildeo de forma ingecircnua despreparada e

simplista e deixaremos ao leitor a conclusatildeo se conseguimos ou natildeo vencer e transpor

tal limitaccedilatildeo

A natureza muacuteltipla de nosso trabalho implica um caraacuteter por vezes

enciclopedista e mais inclinado ao estudo generalista ao inveacutes de uma anaacutelise

estritamente transversal Temos a confianccedila no entanto de apresentarmos ao leitor e agrave

academia uma discussatildeo pareada com o estado da pesquisa internacional beneficiada

pela discussatildeo com especialistas da Escandinaacutevia do Reino Unido e do Baacuteltico e que

pode se prover de elementos tanto da academia ocidental quanto da antiga cortina de

ferro

Em relaccedilatildeo aos nomes russos empregamos a tabela de transliteraccedilatildeo do ciriacutelico

empregada pelo curso de Liacutengua Russa do Departamento de Letras Orientais da

Universidade de Satildeo Paulo que pode ser consultada no Apecircndice II No caso de

acadecircmicos russos com produccedilatildeo internacional principalmente no mundo anglo-saxatildeo

citamos as formas de seus nomes segundo as respectivas publicaccedilotildees Quanto aos

nomes escandinavos mantivemo-los em suas formas originais incluindo terminaccedilotildees

de nominativo singular

Por fim falta ainda a ressalva sobre o emprego especiacutefico que faremos dos

termos ldquovikingrdquo e ldquovareguerdquo Defendemos o emprego do termo ldquovikingrdquo em uma

acepccedilatildeo ocupacional natildeo eacutetnica de um indiviacuteduo que navega em expediccedilotildees listadas

nas fontes escritas e monumentais como lsquoiacute vikingrsquo fossem de saque ou comeacutercio

21

Defendemos tal posiccedilatildeo em artigo publicado em 20102 e desde entatildeo a mesma ideia foi

proposta e defendida por Renan Birro e Theacuteo Moosburguer

Quanto ao uso do termo ldquovareguerdquo eacute designaccedilatildeo comum agrave historiografia usada

para escandinavos normalmente suecos que navegam lutam perseguem carreira ou

residem nas terras a leste fosse Austrvegr Garethariacuteki ou mesmo Bizacircncio e aleacutem Esta

acepccedilatildeo geral induz a uma dicotomizaccedilatildeo simples entre varegues-mercadores e vikings-

guerreiros e pode ser encontrada na obra de autores consagrados na Escandinaviacutestica

como Lucien Musset3 e o casal Sawyer

4

Entretanto tal formulaccedilatildeo jaacute natildeo se sustenta de forma completa Ainda que a

maior parte dos empreendimentos a leste tenham tido caraacuteter comercial os aspectos

presentes em expediccedilotildees vikings encontram-se tambeacutem nos movimentos dos varegues a

leste sendo o termo viking empregado pela historiografia mais recente a lidar com as

terras orientais5 Tambeacutem eacute importante notar que um indiviacuteduo natildeo necessariamente

navegava apenas a oeste ou apenas a leste Dessa forma empregamos ldquovikingrdquo de forma

ocupacional mas geneacuterica e varegue de forma especiacutefica enquanto vikings nas terras a

leste

2 MUCENIECKS Andreacute S ldquoNotas sobre o termo viking usos abusos etnia e profissatildeordquo In Revista

Aletheacuteia de Estudos sobre a Antiguumlidade e Medievo volume 22 agodez 2010 3 MUSSET Lucien Les peuples scandinaves au Moyen Acircge Presses universitaires de France Paris

1951 Musset discute o conceito de ldquovikingrdquo nas paacuteginas 41s e o de varegue segundo a acepccedilatildeo citada

na 53 4 SAWYER Birgit amp SAWYER Peter Medieval Scandinavia from Conversion to Reformation circa

800-1500 Minneapolis Minnesota University Press 2003 [1993] 53 5 Destaque-se os influentes trabalhos de Thomas Noonan em particular sua seacuterie de artigos ldquoThe Islamic

World Russia and the Vikings 750-900rdquo seminais no campo da Numismaacutetica a obra de referecircncia de

Wladimir Duczko ldquoViking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europerdquo publicada

pela Brill em 2004 e o recente manual de Stefan Brink e Neil Price ldquoThe Viking Worldrdquo publicado em

2008 O termo ldquovikingrdquo tem sido empregado tambeacutem por autores de origen russa e que publicam em

russo como Tatjana Jackson Elena Melnikova e Leo Klejn bem como em congressos internacionais ndash

podemos citar por exemplo o Internacional medieval Congress em Leeds UK e as ldquoSaga Conferencesrdquo

22

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS

ldquoAlguns estimando que os fatos mais proacuteximos a noacutes satildeo por

isso mesmo rebeldes a quaquer estudo verdadeiramente sereno

desejavam simplesmente poupar agrave casta Clio contatos demasiado

ardentes [Assim pensava imagino meu velho professor Isso eacute

certamente atribuir-nos um fraco domiacutenio dos nervos Eacute tambeacutem

esquecer que a partir do momento em que entram em jogo as

ressonacircncias sentimentais o limite entre o atual e o inatual estaacute longe

de se ajustar necessariamente pela meacutedia matemaacutetica de um intervalo

de tempo] Estava tatildeo errado meu bravo diretor do liceu

languedociano onde empunhei minhas primeiras armas que advertia-

me com sua voz grossa de capitatildeo de ensino lsquoAqui o seacuteculo XIX

natildeo eacute muito perigoso quando chegares nas guerras de Religiatildeo secirc

prudentersquo Na verdade quem uma vez diante de sua mesa de trabalho

natildeo tiver a forccedila de poupar seu ceacuterebro do viacuterus do momento seraacute bem

capaz de destilar suas toxinas ateacute num comentaacuterio sobre a Iliacuteada ou o

Ramayanardquo (Marc Bloch)6

11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria

Os paradigmas histoacutericos sofreram consideraacuteveis alteraccedilotildees na Poacutes-

modernidade O que muitos de noacutes natildeo se apercebem eacute o quatildeo modernos ainda somos

em muitos aspectos Como Barstad7 salienta a despeito das grandes diferenccedilas

existentes entre as metodologias dos positivistas alematildees e a Escola dos Annales

francesa ambas partilham do pressuposto de que a tarefa do historiador eacute compreender

o passado

O estado atual de discussatildeo da disciplina aponta para a necessidade de uma

reflexatildeo seacuteria por parte do historiador sobre o seu trabalho sua produccedilatildeo e seu proacuteprio

ponto de partida Em particular o lugar de onde o historiador escreve precisa ser

considerado bem como a compreensatildeo de que sua escrita natildeo eacute neutra e desprovida de

significados para o seu presente e sua posteridade

Aparentemente haacute um senso comum de que a dimensatildeo poliacutetica do presente no

trabalho do historiador eacute considerada mais significativa na relaccedilatildeo de que seu recorte de

estudo aproxima-se de seu proacuteprio tempo As temporalidades mais distantes ndash

Antiguidade Antiguidade Tardia e Idade Meacutedia permanecem distantes geografica e

6 BLOCH Marc Apologia da Histoacuteria ou O ofiacutecio do historiador Ediccedilatildeo anotada por Eacutetienne Bloch

Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 [1997] P62 7 BARSTAD History and the Hebrew Bible Can a History of Israel Be Written In GRABBE L L

Grabbe (ed) Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245 European Seminar in

Historical Methodology 1 Sheffield 1997 p40

23

temporalmente e escondendo-se em tal distacircncia eacute risco constante do historiador

pressupor a ausecircncia de consequecircncias e influecircncias ndash nas duas matildeos ndash de seu trabalho

no contexto em que ele vive

Haacute de ressaltar que ao menos no que toca a Antiguidade Greco-Romana o

panorama tecircm sido mudado Gradualmente mais departamentos e pesquisadores abrem-

se agraves necessidades do estudo dos diversos usos da Antiguidade efetuados a posteriori

Dessa forma natildeo causam mais tamanha estranheza linhas de pesquisa inteiramente

devotadas a este objetivo e ainda assim inseridas em departamentos voltados ao estudo

da Antiguidade

A despeito de criacuteticas eventuais de uma historiografia mais tradicional e

empiacuterica os produtos de tais linhas de trabalho tecircm dado significado maior ao proacuteprio

estudo da Histoacuteria Poliacutetica com um todo Podemos citar como exemplos de tais estudos

os trabalhos de Glaydson da Silva8 acerca dos empregos de identidades eacutetnicas ndash ora

gaulesas ora gallo-romanas ora francas na Franccedila em particular no periacuteodo de Vichy

trabalhos do grupo de pesquisa no qual o mesmo se insere que tambeacutem inclui Pedro

Paulo Funari Renata Senna Garrafoni Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e

Joseacute Geraldo Costa Grillo ligado agrave UFPR e Unifesp e chamado ldquoAntiguidade e

Modernidade usos do passadordquo estudos sobre apropriaccedilatildeo de imaginaacuterio germacircnico

antigo e mesmo helecircnico na Alemanha nazista dos quais se destaca o ensaio de Carlo

Ginzburg ldquoMitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di Georges

Dumeacutezil em ldquoMitos emblemas e sinaisrdquo9 estudos sobre a apropriaccedilatildeo do passado

romano pela Itaacutelia fascista e mesmo estudos sobre os usos da Arqueologia nas naccedilotildees

coloniais disputas eacutetnicas e temaacuteticas afins

No estudo do medievo entretanto tais preocupaccedilotildees parecem mais distantes da

mente do historiador a despeito da maior proximidade temporal ndash e por vezes nos

casos europeus geograacutefica Algumas exceccedilotildees notaacuteveis ndash e podemos referir nesta linha

de pesquisa alguns trabalhos do professor Johnni Langer acerca das representaccedilotildees

8 Destacamos SILVA Glaydson Joseacute da O mundo antigo visto por lentes contemporacircneas as extremas

direitas na Franccedila nas deacutecadas de 1980 e 90 ou da instrumentalidade da Antiguumlidade Histoacuteria (Satildeo

Paulo) v 26 p 79-99 2007 e principalmente SILVA Glaydson Joseacute da Histoacuteria Antiga e usos do

passado um estudo de apropriaccedilotildees da Antiguidade sob o regime de Vichy (1940-1944) Satildeo Paulo

Annablume Fapesp 2007 222p 9 Publicaccedilatildeo original GINZBURG Carlo Mitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di

Georges Dumeacutezil Miti emblemi spie Morfologia e storia Einaudi 1986

24

romacircnticas sobre os vikings10

ndash vecircm trabalhar o estudo de determinadas representaccedilotildees

do medievo em periacuteodos mais contemporacircneos Mas satildeo casos mais raros esporaacutedicos

e muitos deles se perdem como meros estudos de curiosidades carecendo de anaacutelises

poliacuteticas mais consistentes

Dois pontos fundamentais que derivam de tais reflexotildees satildeo as fronteiras

riacutegidas entre Mito e Histoacuteria e uma reavaliaccedilatildeo do proacuteprio conceito de verdade

histoacuterica A respeito das implicaccedilotildees poliacuteticas de nosso objeto de pesquisa

retornaremos com maior detalhe brevemente Em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoMito e Histoacuteriardquo

ao tratarmos da dualidade temporal entre o periacuteodo viking e o periacuteodo da Baixa Idade

Meacutedia na Escandinaacutevia costuramos as duas situaccedilotildees inadvertidamente pela proacutepria

natureza das fontes envolvidas pelas disciplinas que se destacam em seus estudos e

pelos preconceitos que gravitam em torno de tais disciplinas

Quando comparamos o estudo dos seacuteculos IX-XI ndash carente de fontes primaacuterias

escritas e por conseguinte centralizado em interpretaccedilotildees sugeridas pelo estudo da

Cultura Material por disciplinas como a Arqueologia Numismaacutetica e Paleografia ndash com

a anaacutelise das fontes escritas no seacuteculo XIII-XIV ndash caracterizados por abundacircncia de

material escrito e epigraacutefico e portanto dominados por estudos histoacutericos e literaacuterios as

naturezas das disciplinas induzem-nos a pressupor uma maior verossimilhanccedila nos

estudos que lidam com a materialidade produzindo uma polarizaccedilatildeo entre cultura

material = histoacuteriaverdade versus fontes escritas e literaacuterias = mitomentira

As proacuteprias divisotildees entre as fontes primaacuterias tambeacutem influenciadas por doses

consideraacuteveis de positivismo histoacuterico induzem a criteacuterios de ldquomaiorrdquo ou ldquomenorrdquo

verossimilhanccedila em abordagens que por mais que envolvidas em discursos

historiograacuteficos contemporacircneos repetem estereoacutetipos de matriz positivista A

contraposiccedilatildeo entre as Fornaldarsoumlgur (Sagas Fantaacutesticas) com as Islendigasoumlgur

(Sagas dos Islandeses)11

produziu tradiccedilatildeo de desmerecimento das primeiras em favor

da suposta maior factualidade e realismo das uacuteltimas

Eacute interessante frisar entretanto que possuiacutemos um termo classificatoacuterio

empregado por alguns dos proacuteprios islandeses medievais ainda que aparentemente mais

10

LANGER J The origins of the imaginary Viking 4 2002 Centre for Baltic StudiesGotland

University Visby Sweden Viking Heritage Magazine v 04 n04 p 07-09 2002 amp ________ Les

Vikings premiers europeacuteens In Temas medievales 14 14 2006 Scielo Argentina _________ A guerra

das imagens In Histoacuteria (UNESP) 26 2007 11

Discutiremos em separado as categorias de fontes primaacuterias nos capiacutetulos II e V

25

restrito Trata-se de lygisoumlgur Traduzido para o inglecircs como ldquolie-sagasrdquo uma

apropriaccedilatildeo razoaacutevel no portuguecircs seria ldquosagas de mentirardquo ou mesmo algo coloquial

como ldquosagas de mentirinhardquo Poreacutem natildeo eacute necessaacuterio pressupor aqui um criteacuterio

pejorativo per se Trata-se de um criteacuterio de certa forma similar ao que empregamos ao

diferenciar ldquoveriacutedicordquo de ldquofictiacuteciordquo ou mesmo ldquohistoacuteriardquo e ldquomitordquo e enfatiza o aspecto

de que o evento narrado ocorreu ou natildeo12

Este paracircmetro classificatoacuterio cria situaccedilotildees curiosas ao olhar contemporacircneo

Enquanto o paracircmetro classificatoacuterio fosse o ldquoocorreurdquo ou ldquonatildeo-ocorreurdquo a

incorporaccedilatildeo de motivos maacutegicos e fantaacutesticos podia ser feita a um enredo que

ldquorealmente ocorrerardquo sem alterar a caracteriacutestica de ldquofatordquo da narrativa em questatildeo A

maior parte das sagas classificadas atualmente como marcadamente fantaacutesticas e

fictiacutecias ou seja as fornaldarsoumlgur natildeo eram chamadas de lygisoumlgur E de algumas

sagas classificadas como tais afirmava-se que das mesmas natildeo se devia desprezar o

valor pois a despeito de sua natildeo-factilidade traziam ensinamentos morais relevantes

Temos portanto definiccedilotildees e consideraccedilatildeo sobre a diversa natureza do

conhecimento que natildeo coincidem exatamente com as nossas proacuteprias visotildees Nossa

divisatildeo tradicional que classifica mito enquanto fantasia e invenccedilatildeo e histoacuteria enquanto

estudo ou narrativa de fatos que realmente aconteceram natildeo se aplica aqui

As Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur a despeito de suas formas e esteacuteticas

muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o passado e a narrativa em

contextos diferentes e subsequentes Esses usos diversos satildeo igualmente vaacutelidos e eacute

anacrocircnico executar juiacutezos de valor ou colocar uma forma de escrita de saga como

superior agrave outra A menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor

enquanto fonte histoacuterica

De igual forma ao tratarmos da dualidade temporal eacute mister salientar que todas

essas interpretaccedilotildees dos contextos histoacutericos ndash sejam as interpretaccedilotildees arqueoloacutegicas

sobre os seacuteculos IX-XI e seu estudo focado no material sejam as construccedilotildees escritas

nos seacuteculos XIII-XIV sejam os estudos histoacutericos feitos sobre as mesmas e sua

abordagem quase que literaacuteria ndash trata-se de interpretaccedilotildees e construccedilotildees efetuadas por

historiadores ndash dos seacuteculos em questatildeo dos seacuteculos XIX ateacute noacutes Tratamos de visotildees

sobre um passado do qual cada eacutepoca aproximou-se empregando o cabedal de

conhecimento disponiacutevel para si

12

DRISCOLL Matthew Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 Pp190ss

26

12 A historiografia pertinente

A dinacircmica entre Escandinaacutevia e o Leste foi tratada diferentemente nos paiacuteses

nas quais foi estudada Na Escandinaacutevia na Europa Ocidental e na Ameacuterica a ecircnfase

maior da Escandinaviacutestica sempre foi o oeste em particular os movimentos vikings nas

Ilhas Britacircnicas A presenccedila escandinava a leste foi considerada um fato dado mas uma

especificidade mais ligada aos varegues os vikings suecos e as proacuteprias dificuldades de

comunicaccedilatildeo e troca de informaccedilotildees com o bloco sovieacutetico colaboraram em muito para

que o tema permanecesse em posiccedilatildeo perifeacuterica

Na Ruacutessia posterior URSS e paiacuteses a ela incorporados a situaccedilatildeo foi bastante

diversa A historiografia russo-escandinava e o iniacutecio da proacutepria historiografia russa

estatildeo entrelaccedilados e o debate ligado a esta questatildeo diz respeito diretamente ao proacuteprio

surgimento da Ruacutessia ndash seja qual acepccedilatildeo se empregue para o termo assumindo

significados maiores sob os regimes czarista sovieacutetico e da Era Putin-Medvedev mas

sempre retornando ao moto de que o normanismo13

eacute uma ideologia ldquodanosardquo ao estado

russosovieacutetico dependendo da temporalidade em questatildeo ou reafirmando e

legitimando a independecircncia dos Paiacuteses Baacutelticos por enfocar supostos viacutenculos

milenares com o Ocidente e o Norte

Destarte eacute pertinente efetuarmos um panorama sobre as diversas abordagens

que a temaacutetica jaacute sofreu Fica a ressalva de que natildeo se trata de nosso objetivo primaacuterio a

confecccedilatildeo de um estudo especiacutefico sobre a historiografia russo-sovieacutetica que merece

por si soacute consideraacutevel espaccedilo agrave parte

Faremos a seguir um apanhado historiograacutefico sumaacuterio da Ruacutessia seguido de

uma discussatildeo mais detalhada da chamada ldquoControveacutersia Normanistardquo Daremos ecircnfase

especial aos primeiros historiadores de origem germacircnica pela proacutepria inexistecircncia no

Brasil de qualquer informaccedilatildeo acerca dos mesmos e pelo papel que tiveram no

desenvolvimento de estudos russo-escandinavos Atravessaremos o periacuteodo sovieacutetico

encerrando tal discussatildeo com uma anaacutelise da situaccedilatildeo da temaacutetica no Brasil Ocidente

(em particular Escandinaacutevia EUA e Reino Unido) e Paiacuteses da antiga Cortina de Ferro

Na antiga URSS a arqueologia foi rebatizada como ldquoHistoacuteria da Cultura

Materialrdquo e foi ensinada por muito tempo como parte das ciecircncias histoacutericas Esta

circunstacircncia eacute similar nas antigas repuacuteblicas sovieacuteticas e em parte da antiga Cortina de

13

Que definiremos agrave exaustatildeo muito em breve

27

Ferro destarte muito da discussatildeo historiograacutefica entralaccedila-se com a discussatildeo da

proacutepria teoria arqueoloacutegica que diga-se de passagem enfrenta problemaacuteticas muito

similares na relaccedilatildeo passado-presente

13 A Ruacutessia czarista

Os primeiros estudos histoacutericos na Ruacutessia deram-se no seacuteculo XVIII e devem-se

principalmente aos trabalhos de Tatiacuteschev ndash relido e cada vez mais resgatado na Ruacutessia

nos tempos contemporacircneos Bayer Muumlller e Schloumlzer Conquanto entre os acadecircmicos

no ocidente e na Escandinaacutevia a atuaccedilatildeo escandinava na Rus de Kiev e Novgorod tenha

sido ponto bastante consensual havendo maior divergecircncia em nuances e detalhes sobre

os movimentos escandinavos no leste na Ruacutessia e URSS a situaccedilatildeo foi diversa por

implicar na proacutepria formaccedilatildeo do ldquoestadordquo bem como em ferir as sensibilidades e

nacionalismos de diversas eras

A temaacutetica escandinava esteve presente jaacute na primeira geraccedilatildeo de historiadores

russos Em parte a origem e formaccedilatildeo alematilde de elevada porcentagem desses estudiosos

explica embasamento e propensotildees aos estudos germacircnicos Entretanto desde os

princiacutepios da historiografia russa estudos de tal natureza encontraram um revezamento

entre acirrada resistecircncia e aceitaccedilatildeo em particular com o surgimento da chamada

ldquoControveacutersia Normanistardquo deflagrada jaacute em 1749 que defendia um papel significativo

escandinavo no surgimento e organizaccedilatildeo da Rusde Kiev e que ainda na atualidade

perdura como ponte de debate entre acadecircmicos de situaccedilatildeo e oposiccedilatildeo na Ruacutessia poacutes-

sovieacutetica

A despeito do grande debate acadecircmico que a controveacutersia gerou os

historiadores da Ruacutessia dos seacuteculos XVIII-XIX acabaram por adotar em grande parte a

posiccedilatildeo normanista como histoacuteria oficial ainda que fossem acusados de um suposto

anti-patriotismo De fato apoacutes a morte de Pedro o Grande e com o final da linha direta

masculina dos Romaacutenov ndash entre 1761 a 1917 portanto o Impeacuterio Russo foi governado

por oriundos principalmente da dinastia germacircnica dos Holstein-Gottorp

No seacuteculo XIX os alematildees compunham 57 dos oficiais no Ministeacuterio de

assuntos exteriores 46 do ministeacuterio de defesa e 62 do Ministeacuterio de Correio e

Comunicaccedilotildees A presenccedila germacircnica na ciecircncia e nas artes era tambeacutem dominante

28

Dessa forma como Zakharii14

argumenta a elite do Impeacuterio Russo alienada das classes

subalternas careceria de um elo nacionalista eslaacutevico que a impedisse de favorecer a

ideia normanista

Nos primeiros historiadores a lidar com a questatildeo escandinava na Ruacutessia tal

campo de estudo foi geralmente secundaacuterio em relaccedilatildeo aos seus interesses principais

normalmente ligados agraves antiguidades claacutessica e oriental

Natildeo obstante as fortes posiccedilotildees anti-normanistas desenvolvidas na Ruacutessia

imperial entre autores nacionalistas e na posterior Uniatildeo Sovieacutetica os primeiros

historiadores na Ruacutessia acabaram por se deparar com a temaacutetica escandinava ao lidar

com as proacuteprias fontes primaacuterias que tratavam dos primoacuterdios da histoacuteria russa Em

trabalhos que natildeo consistiam em suas maiores aplicaccedilotildees de esforccedilos as circunstacircncias

mais baacutesicas do trabalho historiograacutefico ndash o diaacutelogo com as fontes primaacuterias ndash

apontavam para a presenccedila escandinava no iniacutecio da Rus

Veremos a seguir um breve panorama dessa primeira geraccedilatildeo de historiadores

iniciando-se com Tatiacuteschev e a seguir enfatizando os ldquoalematildeesrdquo Bayer Muumlller e

Schloumltzer passando posteriormente para o estudo da controveacutersia normanista

propriamente dita que iraacute permear toda a discussatildeo de uma historiografia russo-

escandinava desde entatildeo e que fornece um panorama bastante adequado e sinteacutetico das

relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Ruacutessia enquanto tema historiograacutefico

O fechamento de tal discussatildeo de daraacute com o estudo das modificaccedilotildees ocorridas

na historiografia russa com a Revoluccedilatildeo de 1917 e as transformaccedilotildees sofridas pela

mesma no decorrer da histoacuteria sovieacutetica a abertura e o os tempos contemporacircneos

14

ZAKHARII Roman The Historiography of Normanist and Anti-Normanist theories on the origin of

Rus modern historiography and major sources on Varangian controversy and other Scandinavian

concepts of the origins of Rus Master dissertation Centre for Viking and Medieval Studies The

University of Oslo 2002 P22

29

131 Tatiacuteschev

Vassiacutelii Nikiacutetitch Tatiacuteschev (1686-1750) foi inicialmente um militar diplomata

e engenheiro russo no tempo de Pedro o Grande destacou-se como tenente nas batalhas

de Narva e Poltava e tendo passado os anos entre 1713 e 1717 no estrangeiro coletara

consideraacutevel bibliografia de cunho geograacutefico e histoacuterico Por tais razotildees foi escolhido

por Pedro o Grande para levar a cabo um levantamento geograacutefico de toda a Ruacutessia15

tarefa que tendo sido completada em 1739 durou 20 anos

Em 1724 Tatiacuteschev esteve em missatildeo diplomaacutetica na Sueacutecia A despeito de seus

objetivos oficiais serem assuntos ligados agrave metalurgia mineraccedilatildeo moeda e cunhagem

tal contexto propiciou a Tatiacuteschev a oportunidade de obter contatos com acadecircmicos

suecos tambeacutem no campo da Histoacuteria contato que teve influecircncia em seus primeiros

estudos histoacutericos e que pode ser notado jaacute na primeira obra histoacuterica na Ruacutessia

ldquoHistoacuteria Russa desde os tempos antigosrdquo publicada postumamente em 176816

Dessa forma Tatiacuteschev natildeo foi apenas o primeiro historiador russo mas tambeacutem

o iniciador dos russo-escandinavos

132 O alematildees17

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738)18

Eacute chamado por Belaiew19

de o fundador de fato da ldquopesquisa islandesardquo na

Ruacutessia ndash posiccedilatildeo que como acabamos de afirmar parece mais adequada a Tatiacuteschev

Tendo estudado e pesquisado diversas fontes primaacuterias incluindo escandinavas gregas

e orientais Bayer escreveu a obra ldquoDe Varagisrdquo publicada em latim em 1735 e em

russo em 1768 e que seria obra fundamental na controveacutersia normanista Bayer deu

ecircnfase especial ao estudo das sagas escandinavas entatildeo disponiacuteveis

15

BELAIEW NT Eymundar Saga and Icelandic Research in Russia In Saga Book II (1934) p93 16

BELAIEW 94 17

Destaque seja dado ndash o uso do termo ldquoalematildeordquo ou ldquoalematildeesrdquo estaacute sendo efetuado em periacuteodo preacutevio agrave

unificaccedilatildeo da Alemanha 18

A maior parte das referecircncias sobre Bayer eacute passiacutevel de ser encontrada em bibliografias referentes agrave sua

carreira enquanto sinoacutelogo dentre as quais se destaca LUNDBAEligK Knud TS Bayer (1694-1738)

Pioneer Sinologist Scandinavian Institute of Asian Studies Monograph Series No54 Curzon Press

London amp Malmouml 1986 19

BELAIEW 94

30

Bayer nasceu em Koumlnigsberg na eacutepoca parte da Pruacutessia onde passou os

primeiros 32 anos de sua vida Classicista por formaccedilatildeo seu toacutepico inicial inicial de

estudo foi a histoacuteria das Igrejas na Aacutesia antes da abertura das rotas mariacutetimas aleacutem da

Iacutendia Dessa forma estudava o etiacuteope o siriacuteaco e a expansatildeo do Cristianismo rumo ao

sul

Aos 19 anos demonstrou interesse em estudar o chinecircs tendo a possibilidade de

fazecirc-lo mais seriamente trecircs anos depois em 1716 na biblioteca de Berlim onde teve

contato com o pouco material ao qual tinha acesso Coletou grande quantidade de

material mas seu conhecimento do chinecircs natildeo chegou a ser completo e profundo o

suficiente para ser considerado um sinologista20

Em 1726 mudando-se para Satildeo Petersburgo ocupou o cargo de curador das

antiguidades greco-romanas e posteriormente passou a lecionar antiguidades orientais

o que lhe permitiu ocupar-se mais a fundo com seus interesses na China Sua biblioteca

vendida por sua viuacuteva e posteriormente passando por mais de um proprietaacuterio acabaria

por formar a ldquoBayer Collectionrdquo da biblioteca da Universidade de Glasgow contendo

por volta de 200 livros e manuscritos chineses e orientais e incluindo sua

correspondecircncia com jesuiacutetas em Beijing (dada entre 1731 ateacute a sua morte) e livros em

folhas de palmeiras21

Sua obra ldquoMuseum Sinicum in quo Sinicae Linguae et Literatura

ratio explicaturrdquo publicada em 1730 consiste na primeira obra detalhada sobre a liacutengua

chinesa a ser publicada na Europa22

Eacute peculiar que sua obra De Variagis (1735) de tamanha influecircncia nos estudos

russo-escandinavos e de tamanha relevacircncia na criaccedilatildeo da Controveacutersia Normanista

tenha sido fruto de parte consideravelmente marginal de seu trabalho

20

LUNDBAEK pp182s 21

The Bayer collection In lthttpwwwglaacukservicesspecialcollectionscollectionsa-

zbayercollectiongt 22

BOXER C R Bulletin of the School of Oriental and African Studies University of London Vol 51

No 2 (1988) p 367

31

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783)23

Gerhard Friedrich Muumlller nasceu em Herford na Westphalia em 18 de outubro

de 1705 Recebeu sua educaccedilatildeo em Leipzig e em 1725 foi convidado para cofundar a

Academia de Ciecircncias em Satildeo Petersburgo Participou da segunda expediccedilatildeo

Kamtchatka que relatou sobre a vida e a natureza a leste das cadeias dos Urais Entre

1733 e 1743 dezenove cientistas e artistas viajaram atraveacutes da Sibeacuteria para estudar

povos e culturas e coletar dados para a confecccedilatildeo de mapas Muumlller descreveu e

categorizou vestimentas religiotildees e rituais dos grupos eacutetnicos siberianos tambeacutem sendo

considerado ldquopairdquo da etnografia e do folclore

Ao retornar da Sibeacuteria tornou-se historioacutegrafo do Impeacuterio Russo Foi um dos

primeiros historiadores a trazer um registro geral da histoacuteria Russa baseado no exame

extenso das fontes escritas Graccedilas agrave ecircnfase que deu do papel escandinavo e alematildeo na

histoacuteria russa ndash um germe da teoria normanista ndash ganhou a inimizade de Lomonoacutessov

que antes lhe apoiara

Em 6 de setembro de 1749 Muumlller proferiu uma fala na Academia Imperial de

Ciecircncias de Satildeo Petersburgo intitulada ldquoOrigines gentis et nominis Russorumrdquo baseado

no ldquoDe Varagisrdquo de Baumlyer e a partir do qual propocircs a teoria de que o antigo reino da

Ruacutessia Kievana fora fundado por escandinavos24

Muumlller natildeo conseguiu sequer terminar sua fala devido ao tumulto que ela gerou

e a questatildeo teve de ser levada ao conde Alieksiei Grigoacuterievitch Razumoacutevskii e agrave proacutepria

imperatriz Isabel25

que criou um comitecirc a fim de investigar se os escritos de Muumlller

eram danosos aos interesses do Impeacuterio

A situaccedilatildeo particularmente o testemunho de Lomonoacutessov prejudicou

consideravelmente sua carreira Apoacutes muitos ataques por seus colegas Muumlller foi

proibido de dar continuidade agrave suas pesquisas na Ruacutessia antiga e Kievana suas

publicaccedilotildees foram confiscadas e destruiacutedas

23

Informaccedilotildees bibliograacuteficas quando natildeo-referenciadas obtidas na Allgemeine deutche Biographie

STIEDA Ludwig Von Muumlller Gerhard Friedrich In Allgemeine Deutsche Biographie herausgegeben

von der Historischen Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften Band 22 (1885) S

547ndash553 24

PRITSAK Omeljan The Origin of Rus Volume I Old Scandinavian Sources other than the Sagas

Cambridge Massachusetts Harvard Ukrainian Research Institute Harvard University Press 1981 P03s 25

Ielizavieta Pietroacutevna Imperatriz entre 1741 a 1762

32

A despeito da turbulecircncia dos anos entre sua fala na Academia Imperial e o

confisco de suas obras a situaccedilatildeo de Muumlller gradualmente se ameniza Em 1754 recebe

a nomeaccedilatildeo de secretaacuterio conferencista da Academia de Ciecircncias e no ano seguinte

consegue o trabalho de editor da publicaccedilatildeo cientiacutefica ldquoEscritos mensaisrdquo na qual

publica diversos artigos acadecircmicos ainda escrevendo sobre as origens da Ruacutessia

Chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia Sueca Real de Ciecircncias

em 1761 juntamente com Lomonoacutessov que permanece criacutetico de seu trabalho e de suas

publicaccedilotildees na ldquoEscritos mensaisrdquo Este falece em 1765 ano no qual Muumlller se muda

para Moscou tendo sido indicado diretor-chefe do Orfanato da cidade Em 1766 Muumlller

recebe a posiccedilatildeo de mantenedor dos arquivos do Coleacutegio de Relaccedilotildees exteriores de

Moscou

Em 1772 Muumlller eacute atingido por uma paralisia mas continua a escrever e

produzir Doou ao governo uma coleccedilatildeo dos seus tratados e morreu em Moscou com 77

anos em 1783

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809)26

Especialista em diversas aacutereas suas contribuiccedilotildees para a humaniacutestica no geral

foram grandes e diversas Paralelamente a seu rival Gatterer em Goumlttingen Schloumltzer

definiu o escopo temporal da ldquoMittelalterrdquo entre a queda do Impeacuterio Romano em 476 e

a descoberta da Ameacuterica em 1492 O primeiro conceito de ldquoetnologiardquo definido por

Adam Koacutellar em 1783 deve muito ao seu intercacircmbio de ideias com Schloumlzer27

sendo

que o proacuteprio conceito de ldquoethnographierdquo eacute atribuiacutedo ao proacuteprio Schloumlzer ou a

Gatterer28

Schloumlzer foi conduzido por boa parte de sua vida em um interesse pelo Oriente e

pelas terras biacuteblicas Movido por necessidades materiais financeiras e de patrociacutenio

viajou para Sueacutecia e Ruacutessia onde efetuou contribuiccedilotildees fundamentais para suas

historiografias Contribuiccedilotildees que natildeo obstante sua relevacircncia natildeo consistiam no

26

A maior parte das informaccedilotildees bibliograacuteficas sobre Schloumlzer foram obtidas na ldquoAllgemeine Deutsche

Biographierdquo e na ldquoRussland und die acuteGoumlttingische seele ndash 300 jahre St Petersburgacute Ausstellung in der

Paulinerkirche Goumlttingen unter der Schirmherrschaft von Bundespraumlsident Johannes Rau und dem

Praumlsidenten der Russischen Foumlderation Wladimir Putinrdquo ambos disponiacuteveis em meios impressos e

digitais 27

STAGL Justin Rationalism and Irrationalism in Early German Ethnology The Controversy between

Schloumlzer and Herder 1772∕1773 In Anthropos 93 Viena Anthropos Institut 1998 P524 28

STAGL Justin P 522

33

objetivo primaacuterio de sua vida acadecircmica de forma muito semelhante ao que ocorrera

com a produccedilatildeo acadecircmica de Bayer

Nascido em 1735 em Jaggstadt Noumlrdlichen Wuumlrttenberg Schoumlzer foi

historiador jornalista pedagogo e estatiacutestico Descendente de pastores protestantes

iniciou seus estudos em Teologia em Wittenberg Apoacutes completar sua dissertaccedilatildeo em

Teologia (ldquoDe vita Deirdquo) em 1754 em Witteberg mudou-se para Goumlttingen aonde

estudou com o entatildeo eminente orientalista e especialista em Antigo Testamento Johann

David Michaelis

Influenciado pela acircnsia por aventuras e viagens por questotildees teoloacutegicas e

mesmo missionaacuterias estudou aacuterabe geografia e estatiacutestica do Oriente Meacutedio Natildeo

possuiacutea o dinheiro necessaacuterio para cumprir seus planos e usando de bolsas e de um

pequeno capital deixado por seu pai para completar seus estudos simultaneamente

buscava formas de se manter principalmente como professor particular na famiacutelia dos

Roumlderer

Por meio de Michaelis conseguiu um trabalho como tutor privado de Murray

pastor da comunidade alematilde em Estocolmo Dessa forma em 1755 mudou-se para a

Sueacutecia onde residiu por trecircs anos e meio Estudou Goacutetico e Antigo Noacuterdico em Uppsala

entre 1756 e 1757 e devido agrave sua vivacidade de espiacuterito e diversas habilidades ndash

incluindo a de aprender o sueco conseguiu manter-se no paiacutes ajuntar certa quantia de

dinheiro e fazer conexotildees importantes ainda mantendo em mente suas ideias de viajar

para o Oriente Ali publicou algumas obras e conseguiu alguns trabalhos como

jornalista

Retorna agraves terras germacircnicas entre 1758 a 1761 como tutor particular em

Luumlbeck na residecircncia dos Kusel (1758∕59) e em Goumlttingen Esta fase marca um grande

desapontamento em sua vida Michaelis organizara uma expediccedilatildeo dinamarquesa

exploratoacuteria agrave Araacutebia que partiu sem Schloumltzer ndash natildeo recomendado por Michaelis para

a mesma alegadamente por Schloumltzer possuir caraacuteter ldquoobstinado e egocecircntricordquo29

Schloumltzer ainda com seus objetivos de visita ao Oriente em vista e por meio

novamente do proacuteprio Michaelis e de Buumlshing consegue um lugar enquanto assistente

literaacuterio e tutor privado da famiacutelia do jaacute referido Gerhard Friedrich Muumlller em Satildeo

29

STAGL 525

34

Petersburgo Ali aprende rapidamente a liacutengua russa bem como tem contato com as

fontes primaacuterias para a histoacuteria da Ruacutessia

Dotado de temperamento forte Schloumlzer logo entra em choque com Muumlller

deixando sua casa em 1762 Entra em conflito tambeacutem com o proacuteprio Buumlshing e com o

poliacutemata Lomonoacutessov cujos versos critica e cuja inimizade adquire ndash bastante danosa

face agrave extrema importacircncia de Lomonoacutessov nos meios culturais cientiacuteficos e artiacutesticos

da Ruacutessia

Consegue o suporte entretanto de Taubert que por sua vez mantinha um

escritoacuterio de prestiacutegio e o acesso ao conde Razumovski Schloumlzer consegue assim a

posiccedilatildeo assalariada de instrutor adjunto da instituiccedilatildeo educacional que o conde fundara

para seus filhos e para os de outras famiacutelias nobres

A despeito das rivalidades acadecircmicas que Schloumlzer conseguira Kozlov pai de

um de seus alunos intermedia contato com a imperatriz Catarina II ldquoa granderdquo(1762-

1796)30

Catarina interessa-se por ele e em 1765 lhe garante a posiccedilatildeo de membro da

Academia e de professor em tempo integral de Histoacuteria Russa por cinco anos com um

salaacuterio de 850 rublos

Registra-se que Schloumlzer manteria ateacute o fim de sua vida grande apreccedilo e creacutedito

agrave deacutespota esclarecida da Ruacutessia patrocinadora das artes e do saber O patrociacutenio

pretendido por Schloumlzer para sua viagem ao Oriente entretanto natildeo era de interesse de

Catarina ficando o projeto parado

O ambiente da Ruacutessia de entatildeo foi de grande estiacutemulo para a produccedilatildeo

acadecircmica de Schloumlzer agrave qual ele dedicou-se com particular afinco Aplicando modelos

com os quais trabalhara na Sueacutecia em particular nos trabalhos de Suumlssmilch e

Wargentin Schloumlzer trabalhou em prol do projeto de Taubert da criaccedilatildeo de um bureau

estatiacutestico para a Ruacutessia encorajando a criaccedilatildeo de listas e diretoacuterios de nascimentos

mortes e casamentos Suas propostas entretanto mantiveram-se na maior parte no

papel

Sua atividade acadecircmica no gabinete da imperatriz teve mais sucesso ainda que

relativamente tarde Schloumlzer efetuou trabalho criacutetico e de campo na Histoacuteria antiga da

Ruacutessia em particular com a criacutetica dos textos e manuscritos aprendida em Goumlttingen agrave

Poacuteviest vrieacutemennikh liet escrita em eslavocircnico antigo do qual publicou uma ediccedilatildeo

30

Iekatierina II ldquoVielikaiardquo viveu de 1729 a 1796 governando a Ruacutessia de 1762 ateacute sua morte

35

criacutetica entre 1802 e 1809 ndash a primeira aplicaccedilatildeo do meacutetodo criacutetico germacircnico a um texto

do medievo31

Tal trabalho entretanto natildeo satisfazia aos maiores planos de Schloumlzer

que abandona a Ruacutessia em definitivo em 1767 apoacutes periacuteodos tambeacutem de conturbaccedilotildees e

rumores junto aos seus rivais na Academia

Nesse meio tempo Schloumlzer recebera do governo Hannoveriano em Goumlttingen os

tiacutetulos de Professor extraordinarius em 1764 em grande parte por intercessatildeo de

Michaelis e Doctor honoris causa em 1766 devido ao seu trabalho acadecircmico na

Ruacutessia posiccedilotildees que lhe auxiliaram na obtenccedilatildeo de suas funccedilotildees na Ruacutessia apoacutes seus

conflitos com Lomonoacutessov

Em 1769 consegue o cargo de professor em tempo integral na faculdade de

filosofia em Goumlttingen com o salaacuterio de 540 thalers casando-se no mesmo ano com

Caroline Roumlderer da qual fora preceptor no tempo em que ali estudara adquirindo uma

residecircncia na Paulinerstraszlige e ali se estabilizando para o resto de sua vida

Em Goumlttingen Schloumlzer deu continuidade aos seus trabalhos sobre a Ruacutessia

ainda que relativamente distante de laacute A correspondecircncia com estudantes e bibliotecas

da Ruacutessia garantiram-lhe bibliografia e nos seus primeiros anos ali Schloumlzer publicaria

diversas obras bem como revisaria trabalhos antigos por vezes em meio agrave polecircmicas

com Buumlsching e Muumlller Probe russischer Annalen32

(1768) ldquoAnnales Russici

(Goumlttingen 1769) Tableau de lhistoire de Russie (Goumlttingen 1769) ldquoGeschichte von

Ruszligland bis zur Erbauung Moskaus im J 1147rdquo(Goumlttingen 1769)33

Oskold und Dir

erste Probe russischer Annalen (Goumlttingen 1773)34

Em 1771 Schloumlzer publicaria ldquoUma histoacuteria geral dos povos do Norterdquo nuacutemero

31 da coleccedilatildeo ldquoHistoacuteria geral do mundordquo Em 1785 publicaria ainda parte dessa mesma

coleccedilatildeo sob o nuacutemero 50 ldquoGeschichte Lithauensrdquo35

Sua ldquoNordische Geschichterdquo36

encontraria boa acolhida a despeito de criacuteticos

severos como Thun jovem professor em Halle que apontou severos erros de Schloumlzer

em relaccedilatildeo aos eslavos ocidentais e a despeito de ser principalmente uma compilaccedilatildeo e

traduccedilatildeo de autores escandinavos

31

STAGL 526 32

ldquoAmostra dos anais russosrdquo 33

ldquoHistoacuteria da Ruacutessia ateacute a edificaccedilatildeo de Moscou no ano de 1147rdquo 34

ldquoAskold e Dir primeira amostra dos anais russosrdquo 35

ldquoHistoacuteria dos lituanosrdquo 36

ldquoHistoacuteria noacuterdicardquo

36

Nesta obra Schloumlzer definiria por ldquonorterdquo o espaccedilo desde a Islacircndia ateacute a

peniacutensula de Kamtchatka e do Mar de Barents aos Balkans organizando as regiotildees por

um Voumllkersystem ldquosistema de povosrdquo ao inveacutes de unidades poliacuteticas e classificando

tais povos por meio de suas linguagens37

Esse apoio e emprego de Leibniz na

organizaccedilatildeo das populaccedilotildees por meio dos grupos linguiacutesticos acabou por se constituir

em um dos maiores meacuteritos da obra

O periacuteodo posterior da vida de Schloumlzer foi devotado agrave suas atividades de ensino

e pesquisas relativos a outros toacutepicos como Histoacuteria do Mundo Estatiacutestica e Poliacutetica e

os estudos relativos agrave Escandinaacutevia e Ruacutessia natildeo foram levados adiante

Por suas contribuiccedilotildees ao estudo da Histoacuteria Russa Schloumlzer recebeu em 1804 o

tiacutetulo de nobre da parte do Imperador Alexandre I (1801-1825)

14 A controveacutersia Normanista

As ideias de Bayer Muumlller e Schloumltzer sobre o papel Escandinavo na origem da

Ruacutessia como vimos desembocaram em uma disputa acadecircmica acirrada de amplo

escopo que atingiria toda a historiografia pertinente e viria a ser conhecida como

ldquoControveacutersia Normanistardquo Seus pontos de conflito focam-se no papel que os

escandinavos tiveram na formaccedilatildeo da Rusde Kiev nos periacuteodos viking e medieval

principalmente entre os seacuteculos XIII-XI38

O termo ldquoRuacutessiardquo por si soacute eacute geneacuterico e necessita de clarificaccedilatildeo A

controveacutersia normanista trata sobre os iniacutecios da Ruacutessia mas a Rusde Kiev enquanto

origem do Impeacuterio e Federaccedilatildeo russos eacute objeto de controveacutersia a mesma origem eacute

alegada pelos historiadores ucranianos

Ao falarmos de Rusde Kiev tratamos do reino dentre os seacuteculos X-XIII

existente em regiatildeo aproximada agrave Ucracircnia contemporacircnea formado majoritariamente

por populaccedilotildees de etnia e linguagem eslaacutevico-orientais e sobre as quais a origem dos

primeiros governantes eacute o objeto de disputa na Controveacutersia Normanista Outras

acepccedilotildees que o termo Ruacutessia adotou incluem o Gratildeo-Ducado de Moscou por vezes

chamado de termos similares a ldquoMoscoacuteviardquo que perdurou dos seacuteculos XIV-XVII ndash visto

por alguns como continuador da Rus de Kiev e por outros como entidade poliacutetica

37

STAGL 526 38

Informaccedilotildees bibliograacuteficas e narrativas baseadas em PRITSAK e BELAIEW listados nas referecircncias

37

bastante diversa ndash os Impeacuterios Russos subsequentes e a Federaccedilatildeo Russa poacutes-URSS

Dessa forma historiografias historicistas ndash tais quais as marxistas ndash que lidam

com uma linha contiacutenua e inexoraacutevel de eventos cujo desfecho enquadra-se em uma

teoria geral explicativa ou um desenrolar jaacute previsto traccedilam a linha indeleacutevel entre a

Rus de Kiev e as Ruacutessias posteriores posiccedilatildeo que jaacute foi e ainda eacute objeto de muito

debate em particular com historiadores de origem ucraniana ndash cujo paiacutes consiste no

herdeiro territorial do reino em questatildeo

Os proacuteprios limites e abrangecircncia da Rus na Alta Idade Meacutedia encontram

controveacutersia na inclusatildeo ou natildeo da regiatildeo das cidades do norte ndash Novgorod Ryazan

Rostov Smolensk Polotsk e Suzdal ndash em seu escopo poliacutetico-geograacutefico situaccedilatildeo que

tendo perpassado a obra de autores como o escandinavista russo Aron Gurevitch Dmitri

Likhatchoacutev e Iuri Stiepanovitch voltou agrave pauta contemporacircnea entremeado de

implicaccedilotildees poliacuteticas nas accedilotildees do presidente russo Vladiacutemir Putin

Segundo a Poacuteviest vrieacutemennikh liet os eslavos de leste e seus vizinhos fino-

uacutegricos foram vencidos por alguns varegues aos quais pagavam tributo mas libertaram-

se desse jugo Entretanto natildeo conseguiam manter a ordem e chamaram outros varegues

para governaacute-los Os irmatildeos Riurik Sineus e Truvor responderam ao chamado dando

origem ao primeiro reino unificado de Rus

Segundo esse ponto de vista baseado principalmente nas fontes primaacuterias

escritas chamado normalmente de ldquonormanistardquo o termo Rus eacute de origem noacuterdica mais

precisamente referindo-se aos svear que adentrando o Norte russo foram organizadores

da vida poliacutetica primeiramente na regiatildeo do lago Ilmen e posteriormente mais ao sul ao

longo do Dnieper (vide Mapas 03 e 04)

Tais afirmaccedilotildees satildeo de teor polecircmico em ambientes acadecircmicos influenciados

ou gerenciados por governos autoritaacuterios A primeira disputa sobre esse tema ocorreu na

Ruacutessia Imperial nas eacutepocas das guerras do Norte nas quais a Ruacutessia combateu dentre

outras naccedilotildees a Sueacutecia

Como jaacute demonstrado quando Muumlller proferiu sua conferecircncia sobre as fontes

escandinavas aos membros da Academia Imperial Russa em 1749 causou veemente

debate ao propor a ideia normanista Os estudiosos russos presentes natildeo podiam admitir

a ideia de que a origem do estado russo fosse estrangeira ainda mais de um grupo

38

eacutetnico com o qual travara guerras recentemente39

O debate perdura por toda a historiografia russa ucraniana sovieacutetica e mesmo

polonesa Nos tempos da URSS desenvolveu-se a teoria que chamaremos de ldquoanti-

normanistardquo principalmente por meio de argumentos que empregavam a Arqueologia e

a Linguiacutestica segundo a qual a origem do estado russo seria autoacutectone e devida

exclusivamente aos eslavos de leste

Ao menos em seus primoacuterdios a ideia normanista revestiu-se de conotaccedilotildees

poliacuteticas que por sua vez implicavam uma incapacidade dos povos eslaacutevicos em

desenvolverem um processo independente de formaccedilatildeo de ldquoestadordquo40

A historiografia

sovieacutetica posterior consideraria a teoria normanista politicamente prejudicial

argumentando que ela negava a habilidade das ldquonaccedilotildees eslavasrdquo de formar ldquoestados

independentesrdquo por meio de seus proacuteprios esforccedilos41

Segundo os anti-normanistas os Rus seriam eslavos autoacutectones na regiatildeo Sul de

Kiev desde os tempos preacute-histoacutericos antes do aparecimento de vikings e varegues na

Europa Esse elemento nativo eslaacutevico teria tido o papel decisivo na construccedilatildeo de um

Estado42

em particular da Rus de Kiev

Veremos a seguir as posiccedilotildees de ambas correntes

141 A posiccedilatildeo normanista

A historiografia contemporacircnea possui uma posiccedilatildeo majoritariamente

normanista ainda que em graus variados Tal posiccedilatildeo eacute encontrada tambeacutem entre

pesquisadores russos contemporacircneos de origem russa e de outros paiacuteses da antiga

Cortina de Ferro como Dmitrii Matchinskii (Ruacutessia) Gleb Lebedev (Ruacutessia) Elena

Melnikova Tatjana Jackson (Ruacutessia)43

e Wladyslaw Duczko (Polocircnia-Sueacutecia) Alguns

casos apresentam posiccedilotildees intermediaacuterias incluindo autores tradicionais e referenciais

no toacutepico no ocidente como o russo-americano Vernadsky sobre o qual falaremos mais

39

A guerra russo-sueca de 1741-1743 apoacutes a qual o Impeacuterio Russo incorporou a Finlacircndia e a Sueacutecia

iniciou seu decliacutenio enquanto potecircncia 40

ZAKHARII p18 41

ЯКОВЛЕВ Н О преподавании отечественной истории Большевик 22 1947 Москва 42

As acepccedilotildees de ldquoestadordquo defendidas por tal posiccedilatildeo frequentemente enquadram-se em conceitos

marxistas considerando uma linha contiacutenua e inexoraacutevel da histoacuteria a levar ao Comunismo e

considerando dessa forma o periacuteodo em questatildeo como uma etapa em tal desenvolvimento 43

No caso de autores com produccedilatildeo biograacutefica ampla no ocidente como Lebedev Melnikova e Jackson

empregamos aa formas dos nomes proacuteprios pelos quais satildeo citados internacionalmente

39

adiante

Quanto agrave historiografia brasileira a discussatildeo eacute insuficiente sobre o assunto ateacute

o presente para poder se falar em tendecircncias e posiccedilotildees Euriacutepides Simotildees de Paula

autor da uacutenica obra especiacutefica e mais abrangente sobre o assunto bem como uacutenica fonte

de consulta para diversos estudantes e pesquisadores defende a posiccedilatildeo normanista sem

ressalvas Aleacutem de seu trabalho mais amplo que discutiremos melhor mais adiante haacute

artigos esparsos endossando a posiccedilatildeo normanista quase que em sua totalidade

Levando-se em consideraccedilatildeo que as novas geraccedilotildees de pesquisadores

interessados no tema tecircm se levantado em meio a estudos escandinavos eacute razoaacutevel

pressupor uma tendecircncia agrave consolidaccedilatildeo da posiccedilatildeo normanista tambeacutem na academia

brasileira

Listamos a seguir alguns dos principais expositores de posiccedilatildeo normanista desde

seu princiacutepio ou ao menos que se enquadrem em seu espectro de alguma maneira

tendo-se em mente que muitos estudiosos incorporam matizes dos dois lados Os

alematildees que colaboraram para a criaccedilatildeo de uma historiografia russa estatildeo listados na

Ruacutessia A Ucracircnia estaacute considerada a parte por a despeito de estar sob jugo do Impeacuterio

Russo e da URSS pela maior parte de sua histoacuteria ter produzido tradiccedilatildeo historiograacutefica

proacutepria e estaacute listada em conjunto com a Polocircnia pelas temaacuteticas e abordagens por

vezes similares de sua historiografia A lista natildeo eacute exaustiva a quantidade de estudiosos

no ocidente por exemplo que adota uma posiccedilatildeo que pode ser considerada dentro do

espectro normanista eacute por demais extensa

No Impeacuterio Russo

August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809 Wuumlrttemberg Impeacuterio Russo)

FriedrichFiodor Aleksandrovitch Braun (1862-1920 ndash Impeacuterio RussoURSS 1920-

1942 ndash Leipzig Alemanha) Nikolai Mikhailovitch Karamzim (1766-1826 Impeacuterio

Russo) Serguei Mikhailovitch Solovioacutev (1820-1879 Impeacuterio russo) Mikhail

Pietrovitch Pogodin (1800-1875 Impeacuterio russo) Aleksiei Aleksandrovitch Chakhmatov

(1864-1920 Impeacuterio Russo)

Na Escandinaacutevia e Alemanha

Ernst Kunik (Pruacutessia 1814-1899) Vilhelm Ludwig Peter Thomsen (1842-1927

Dinamarca) Ture Algot Johnsson Arne (1879-1965 Sueacutecia) Herbert Jankuhn (1905-

40

1990 Alemanha) Adolf Frans Emil Stender-Petersen (1893-1963 Impeacuterio Russo

Dinamarca Estocircnia Dinamarca) Holger Arbman 1904-1968 (Sueacutecia)

Russos emigrados

Vladimir A Mochin (1877-1921 ndash Impeacuterio Russo 1921-1987 - Iugoslaacutevia) George

Vernadsky (1887 Impeacuterio Russo 1927-1973 EUA)

Na Polocircnia e Ucracircnia

Henryk Paszkiewicz (1897-1979) Stiepan Tomachevskii (1845-1930 Ucracircnia) Myron

Mikhailovitch Korduba (1876-1947 Ucracircnia) Mykola Chubaty (1889-1975 Ucracircnia)

A argumentaccedilatildeo inicial defendida por tais eruditos baseava-se principalmente na

anaacutelise das fontes primaacuterias e em argumentos de anaacutelise linguiacutestica Apontava para uma

elite escandinava fundadora da Rus Kievana governante dos eslavos orientais e outras

etnias nativas (fino-uacutegricos e baltos)

A posiccedilatildeo normanista passou por modificaccedilotildees e possui nuances e niacuteveis de

aceitaccedilatildeo diversos As conotaccedilotildees poliacuteticas iniciais foram substituiacutedas sendo que alguns

estudiosos chamados por vezes ldquoneo-normanistasrdquo44

como Jankuhn Stender-Petersen

Arbman e Taube apresentariam ideias que envolvem uma mudanccedila gradual no governo

estrangeiro sobre os eslavos bem como graus mais variados de assimilaccedilatildeo

Alguns normanistas participantes da historiografia ocidental ucraniana das

deacutecadas de 1920-30 como os referidos Stepan Tomashevsky M Korduba M Chubaty

e B Krupnytsky apresentaram aceitaccedilotildees parciais de alguns pontos anti-normanistas

George Vernadsky (1887-1973) autor de grande influecircncia no meio de liacutengua

anglo-saxatilde ndash e em nosso proacuteprio trabalho apesar de afirmar de forma enfaacutetica adotar

uma posiccedilatildeo normanista45

ao ponto de qualificar como ldquoquixotescosrdquo os esforccedilos anti-

normanistas46

natildeo aceita ideias altamente difundidas entre os mesmos como a

etimologia do nome Rus ligada a Roethslagen e Ruotsi47

(que discutiremos logo adiante)

Vernadsky em ocasiatildeo alguma diminui a parcela de responsabilidade eslaacutevica-

44

ZAKHARII 18 45

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943] Pp259 261ss 275ss 46

VERNADSKY 276 47

VERNADSKY pp 278s

41

oriental na formaccedilatildeo da Rus antes adota tambeacutem posiccedilatildeo que a despeito de

categorizaacutevel dentre os normanistas daacute grande papel agraves interaccedilotildees muacutetuas

populacionais ndash a linha ao nosso ver mais coerente e contemporacircnea de pesquisa a

despeito de jaacute falecido haacute mais de 40 anos

Da mesma forma Thomas Noonan (1938-2001) busca uma posiccedilatildeo mais

intermediaacuteria na questatildeo ainda que partindo inequivocamente de pressupostos que

seratildeo reconhecidos por anti-normanistas como ldquonormanistasrdquo e pelos proacuteprios

normanistas como moderados

Omeljan Pritsak resume muito convenientemente os toacutepicos-chave dos dois

lados da questatildeo em sua obra peculiar ldquoThe origin of Rusrdquo apanhado imenso de

erudiccedilatildeo nos campos conectados agrave questatildeo e apresenta outra proposiccedilatildeo completamente

original de sua lavra inserindo a participaccedilatildeo da Rādhānīya judaica

Adentremos de forma mais aprofundada nas minuacutecias da posiccedilatildeo

I A Etimologia

O primeiro ldquoestadordquo russo a Rus de Kiev (ou kievana) foi fundada por

estrangeiros escandinavos Rus era o nome dado aos vikings de Leste oriundos da

Sueacutecia e conhecidos como ldquovareguesrdquo A etimologia do nome ldquoRusrdquo derivaria do fino-

uacutegrico ldquoRuotsirdquo termo cujas derivaccedilotildees satildeo empregadas ateacute os tempos contemporacircneos

entre populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica (como estonianos e finlandeses) ao referirem-se aos

suecos

Esse termo por sua vez viria do germacircnico ldquoRoacuteethrrdquo que significa ldquoremadorrdquo

em particular derivado da regiatildeo costeira de Uppland denominada como Roethslagen

cujos habitantes chamariam-se portanto Roacuteethskarlar Ekblom e Stender-Petersen

apresentam uma variante dessa etimologia sugerindo que rus derivaria de roacuteeth(er)s-

byggjar algo como ldquoos habitantes de estreitos entre as ilhasrdquo48

Devemos salientar que a grande maioria das estelas ruacutenicas com citaccedilotildees a

escandinavos viajando e morrendo em Garethariacuteki encontram-se no distrito sueco atual de

Uppland Retornaremos a tal toacutepico em detalhe no capiacutetulo 2 desta tese

48

STENDER-PETERSEN Adolf Zur Rus-Frage In Varangica Aarhus 1953 p82

42

II As fontes

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Tambeacutem chamada de ldquoCrocircnica primeira russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo sua

autoria foi atribuiacuteda no seacuteculo XIX ao monge Nestor que a teria escrito nas

proximidades de um monasteacuterio de Kiev Mais recentemente tecircm-se questionado tal

autoria argumentando-se pela hipoacutetese de uma compilaccedilatildeo de diversas crocircnicas49

Haacute duas redaccedilotildees conhecidas da crocircnica a Laurentina copiada pelo monge

Lavrentii em 1377 e a Ipatiana que datada da metade do seacuteculo XV recebeu seu nome

do monasteacuterio de Ipatiev em Kostroma onde foi descoberta apesar de provavelmente

ter sido copiada em Pskov50

As diferenccedilas entre ambas satildeo poucas principalmente nas

entradas apoacutes o ano 1110 Em ambas as redaccedilotildees o texto que transcreveremos a seguir

referente aos Rus eacute o mesmo

Nela os grupos entre os quais os Rusi estatildeo incluiacutedos satildeo todos germacircnicos de

aleacutem-mar chamados de varegues shviedy (шведы ndash svear∕suecos) normanny

(норманны - noruegueses) angly (англы - anglos) gotlandy (готландцы ndash

gotlandeses)

ldquo(862) () Estes varegues (варяги) foram chamados Rus

(русью) assim como outros chamavam-se shviedy outros normanny e

angly e ainda outros gotlandy ()51

b) Fontes bizantinas

Os tratados assinados entre os Rus e os bizantinos em 911 e 944 trazem os

nomes dos signataacuterios de rus Estes nomes satildeo nitidamente transcriccedilotildees de nomes de

origem escandinava Karly Inegeld (Ingeld) Farlof Veremud

O livro De administrando imperio ldquo(Acerca da administraccedilatildeo do Impeacuteriordquo)

49

SHERBOWITZ-WETZOR OlgerdP Introduction In The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953 P 03 50

SHERBOWITZ-WETZOR 04 51

ldquo(862) Те варяги назывались русью как другие называются шведы а иные норманны и англы а

еще иные готландцы (hellip) rdquo In Повесть временных лет ldquoCrocircnica dos anos antigosrdquo ldquoCrocircnica

primaacuteria Russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo Ediccedilatildeo de Likhatchov segundo o texto Laurentino obtida em

lthttpwwwold-russianchatru01povesthtmgt Uacuteltimo acesso em 28∕10∕2014 Traduccedilatildeo para o inglecircs

CROSS Samuel Hazzard (trad) amp SHERBOWITZ-WETZOR Olgerd P (ed) The Russian Primary

Chronicle Laurentian Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-

Wetzor Cambridge The Mediaeval Academy of America 1953

43

escrito em cerca de 948 a 952 supostamente pelo imperador bizantino Constantino

Porfirogecircnito (905 - 959) lista os nomes das cataratas e corredeiras do Dnieper

frequentemente em duas formas que o autor diferencia como sklavisti e rosisti As

formas chamadas de rosisti satildeo evidentemente transcriccedilotildees de designaccedilotildees

escandinavas Essoupi (antigo noacuterdico vesuppi ndash natildeo durma) Oulvorsi (antigo

noacuterdico holmfors corredeira da ilha nome eslavocircnico dado Ostrovouniprach)

Gelandri (antigo noacuterdico gjallandi gritandordquo ldquosoando alto) Aeifor (Antigo noacuterdico

eiforr sempre feroz eslavocircnico ldquoneasitirdquo) Varouforos (antigo noacuterdico varufors

corredeira do penhasco ou barufors corredeira da onda eslavocircnico Voulniprach)

Leanti (antigo noacuterdico leandi fervendo ou hlaeligjandi rindo eslavocircnico Veroutzi)

Stroukoun (antigo noacuterdico strukum corrente raacutepida eslavocircnico Naprezi)

Segue uma versatildeo nossa da passagem

9 Sobre a vinda dos Rus em monoxylas da Ruacutessia para

Constantinopla

As monoxylas que descem da Russia para Constantinopla satildeo de

Nemogard onde Sviatoslav filho de Igor arconte da Ruacutessia tem seu

trono e outras da cidade de Miliniska de Teliutza de Chernigov e de

Vishegrad

Todos estes descem o rio Dniepr e ajuntam-se na cidade de

Kiev tambeacutem chamada Sambatas Seus tributaacuterios eslavos os

chamados Krivichi os Lendzaneni e o resto das regiotildees eslavas

cortam as monoxylas em suas montanhas no tempo do inverno e

quando eles as tecircm preparadas com a chegada da primavera e o

derretimento da neve trazem-nas para os lagos vizinhos

E jaacute que estes lagos desaguam no rio Dniepr eles entram entatildeo

no mesmo rio e descem para Kiev carregam os barcos adiante para

serem terminados e vendem-nos para os Rus Os Rus compram os

cascos apenas equipando-os com remos escaacutelamo e outros

equipamentos de pesca de suas monoxylas velhas que eles

desmontam e assim deixam-nas preparadas E no mecircs de junho eles

descem o rio Dniepr e vecircm a Vitichev que eacute uma cidade tributaacuteria dos

Rus e ali se reuacutenem por dois ou trecircs dias E quando todas as

monoxylas estatildeo reunidas eles partem e descem o jaacute mencionado rio

Dniepr

E primeiramente eles vecircm para a primeira corredeira chamada

Essoupi que significa em Rus e slavocircnico ldquonatildeo durmardquo A barragem

por si soacute eacute tatildeo estreita quanto a largura de um estaacutedio No meio dela

estatildeo enraizadas altas rochas que erguem-se como ilhas Contra estas

entatildeo vem a aacutegua ergue-se e cai do outro lado com um poderoso e

amedrontador estrondo Dessa forma os Rus natildeo se arriscam a passar

entre elas mas dirigem-se agrave margem desembarcando os homens em

terra seca e deixando o resto dos bens a bordo das monoxylas Eles

entatildeo despem-se e carregam-na a peacute para evitar bater em alguma

rocha Isto eles fazem alguns agrave proa alguns no meio do barco

44

enquanto outros novamente agrave popa navegam-na com paus e com

este procedimento cuidadoso eles passam a primeira barragem

contornando pela margem do rio

Quando eles passam esta barreira reembarcam os outros da

terra seca navegam adiante e descem ateacute a segunda barreira chamada

em Rus ldquooulvorsirdquo e em eslavocircnico ldquoostrovouniprachrdquo que significa

ldquoa ilha da barragemrdquo Esta eacute como a primeira desastrada e que natildeo

pode se atravessar diretamente Novamente eles desembarcam os

homens e passam as monoxylas como na primeira ocasiatildeo De forma

similar eles passam a terceira barreira chamada ldquoGelandrirdquo que

significa em eslavocircnico ldquobarulho da barragemrdquo e entatildeo a quarta

barragem a grande chamada em Rus ldquoaeiforrdquo e em eslavocircnico

ldquoneasitrdquo porque os pelicanos descansam nas pedras da barragem

Nesta barragem todos colocam a proa agrave frente em terra e aqueles

delegados para manter a vigia saem com eles Assim vatildeo estes

homens e mantecircm vigiacutelia atenta aos Pechenegues

Os restantes tomando os bens que eles tecircm a bordo das

monoxyla conduzem os escravos em suas cadeias por terra seis

milhas ateacute atravessarem a barragem Entatildeo em parte arrastando suas

monoxyla em parte carregando-as em seus ombros eles conduzem-

nas ao lado oposto da barragem E entatildeo colocando-as no rio e

carregando-as com a bagagem embarcam eles mesmos e novamente

navegam nelas Quando eles chegam agrave quinta barragem chamada em

Rus ldquoVarouforosrdquo e em eslavocircnico ldquovoulniprachrdquo porque ela forma

um grande lago eles novamente conduzem suas monoxylas pelas

margens do rio como na primeira e segunda barragens e chegam agrave

sexta barragem chamada em Rus ldquoLeantirdquo e em eslavocircnico

ldquoVeroutzirdquo que eacute ldquoebuliccedilatildeo da aacuteguardquo e esta tambeacutem eles cruzam de

forma similar

E entatildeo eles navegam adiante para a seacutetima barragem chamada

em Rus ldquostroukounrdquo e em eslavocircnico ldquonaprezirdquo que significa

ldquopequena barragemrdquo Essa eles passam no chamado vau de Vrar por

onde os khersonitas deixam a Ruacutessia e os Petchenegues vatildeo a

Kherson Esse vau eacute tatildeo largo quanto o Hipoacutedromo e medido rio

acima da base ateacute o ponto em que as rochas atingem a superfiacutecie um

tiro de arco de comprimento Eacute nesse ponto consequentemente que

os Petchenegues descem e atacam os Rus Depois de atravessar este

lugar eles alcanccedilam a ilha chamada de Satildeo Gregoacuterio na qual realizam

seus sacrifiacutecios porque um gigantesco carvalho fica ali e eles

sacrificam galos vivos Eles tambeacutem penduram ao redor flechas e

outros patildeo e carne ou algo de qualquer coisa de que cada um possa

ter como eacute seu costume Eles tambeacutem lanccedilam sortes sobre os galos se

eacute para mata-los ou comecirc-los tambeacutem ou deixaacute-los vivos

Dessa ilha em diante os Rus natildeo temem aos Petchenegues ateacute

que eles atingem o rio Selinas Dali entatildeo eles comeccedilam (a fazecirc-

lo∕temecirc-los) e navegam por quatro dias ateacute que chegam ao lago que

forma a foz do rio na qual estaacute a ilha de Satildeo Atherios Tendo chegado

nesta ilha eles ali descansam por dois ou trecircs dias E eles reequipam

suas monoxyla com tantos apetrechos quanto seja necessaacuterio velas

mastros e lemes que eles trazem consigo Jaacute que esee lago eacute a foz do

rio como foi dito e desaacutegua no mar e a Ilha de Satildeo Aitherios fica ao

mar eles vecircm entatildeo ao rio Dniester e tendo chegado seguros ali

descansam novamente Mas quando o clima eacute propiacutecio eles lanccedilam-se

45

ao mar e chegam ao rio chamado Aspros e depois de descansar ali de

maneira similar eles novamente partem e vecircm para Selinas como eacute

chamado um ramal do rio Danuacutebio

E ateacute eles passarem o rio Selinas os Petchenegues manteacutem paz

com eles E se acontece que o mar lanccedila uma monoxylas na praia eles

todos colocam-na na terra de forma a apresentar uma oposiccedilatildeo unida

aos Petchenegues Depois do Selinas eles natildeo temem a ningueacutem mas

entrando no territoacuterio da Bulgaacuteria eles vecircm agrave foz do Danuacutebio Do

Danuacutebio eles procedem para Konopas de Konopas para Constantia

de Constantia para o rio de Varna e de Varna eles vecircm ao rio Ditzina

todos eles sendo territoacuterio buacutelgaro Do Ditzina eles chegam ao distrito

de Mesembria e ali finalmente sua viagem cheia de tanto trabalho e

terror tamanhas dificuldades e perigos estaacute em seu fim A severa

forma de vida desses mesmos Rus no inverno eacute como se segue

Quando comeccedila o mecircs de Novembro seus chefes junto com

todos os Rus de uma soacute vez deixam Kiev e vatildeo para a poliudia que

significa ldquoarredoresrdquo (γύρα) isto eacute para as regiotildees dos verviani

drugovitchi krivitchi severiani e o resto dos eslavos que satildeo

tributaacuterios dos Rus Ali eles satildeo mantidos ao longo do inverno mas

entatildeo novamente comeccedilando no mecircs de abril quando o gelo do rio

Dniepr derrete eles descem de volta a Kiev Eles entatildeo pegam suas

monoxylas como foi dito anteriormente preparam-nas e descem para

a Romania Os Ouzi podem atacar os Petchenegues52

c) Fontes islacircmicas

Alguns normanistas argumentam que as fontes islacircmicas tambeacutem fazem

distinccedilotildees entre Rūs e aş-Şaqāliba (eslavos) Ahmad Ibn Rustah explorador e viajante

persa do seacuteculo X viajou ateacute Novgorod com os Rus e sobre eles escreve o seguinte

ldquoOs Rūsīya vivem em uma ilha em um lago (hellip) Eles tecircm um

governante chamado khāqān Rūs Os Rūs pilham os Saqāliba

navegando em seus barcos ateacute virem sobre eles Tomam-nos cativos e

vendem-nos em Khazarān e Bulkār () Eles natildeo tecircm campos

cultivados e vivem de pilhar a terra dos Saqāliba

Quando um filho nasce o pai lanccedila uma espada perante ele e

diz lsquoEu natildeo lhe deixo nenhuma heranccedila Tudo que vocecirc possui eacute o

que vocecirc pode obter com esta espadarsquo ()

Eles usam espadas lsquoSulaymānrsquo (versatildeo nossa)rdquo53

52

Texto grego no apecircndice I 53

ldquoldquoThe Rūs [Rūsīya] live in an island in a lake (hellip) They have a ruler called khāqān Rūs The Rūs raid

the Saqāliba sailing in their ships until they come upon them They take them captive and sell them in

Khazarān and Bulkār (Bulghār) They have no cultivated fields and they live by pillaging the land of the

Saqāliba When a son is born the father throws a naked sword before him and says lsquoI leave you no

inheritance All you possess is what you can gain with this swordrsquo (hellip) They use lsquoSulaymānrsquo swords ()

rdquo Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012

46

Esta passagem eacute usada com frequecircncia por escandinavistas particularmente na

tentativa de reconstruccedilatildeo dos costumes antigos do periacuteodo viking incluindo funerais

praacuteticas de guerra e mesmo preferecircncia por armas As espadas referidas podem ser

sabres obtidos no distrito de Salmān em Khurasān54

norte da Peacutersia Soldados do

distrito usavam espeacutecies de sabres curvos no seacuteculo IX chamados shamshir mas o

termo pode ser aplicado tambeacutem a espadas de lacircmina reta55

-56

d) Fontes latinas

Nos Annales Bertiniani encontra-se um extrato que narra sobre dois enviados

dos Rhos vindos do imperador bizantino Theofilos (813-842) ao imperador Luis o Pio

(778-840) em Ingelheim cujo liacuteder tinha o tiacutetulo de chacanus ndash latinizaccedilatildeo de

ldquokhaganrdquo Consta que ldquo() o imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda

e descobriu que estas pessoas eram suecosrdquo

Misit etiam cum eis quosdam qui se id est gentem suam Rhos

vocari dicebant quos rex illorum chacanus vocabulo ad se amicitiae

sicut asserebat causa direxerat petens per memoratam epistolam

quatenus benignitate imperatoris redundi facultatem atque auxilium

per imperium suum toto habere possent quoniam itinera per quae ad

illum Constantinopolim venerant inter barbaras et nimiae feritatis

gentes inmanissimas habuerant quibus eos ne forte periculum

inciderent redire noluit Quorum adventus causam imperator

diligentius investigans comperit eos gentis esse Sueonum57

A Historia Ottonis do bispo Liutprand (c922-972) de Cremona tambeacutem traz

uma referecircncia aos Rus Enviado do imperador germacircnico Otto I (912-973) ao

imperador bizantino Nikephoros II Phokas (c912-969) entre 968-969 Liutprand cita o

seguinte

54

Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012 Nota 30 55

LINDSAY James E Daily life in the medieval Islamic world Greenwood Publishing Group 2005

p 64 56

Consideramos possiacutevel entretanto que a referecircncia se deva ao tipo de accedilo damasceno comum no

mundo islacircmico do medievo altamente valorizado pelos escandinavos mas cuja tecnologia os europeus

natildeo dominavam Lingotes do material eram comercializados pelos persas eacute possiacutevel que esta passagem

nos decirc uma pista importante sobre a fonte de material para as altamente valorizadas espadas uhfberth

primeira opccedilatildeo do guerreiro viking e cujas teacutecnicas de fabricaccedilatildeo e fontes de mateacuteria-prima ainda

consistem em um problema natildeo resolvido de todo na escandinaviacutestica 57

ldquoO imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda e descobriu que estas pessoas eram

suecosrdquo Annales Bertiniani Hannoverae Impensis bibliopolii Hahniani 1883 p21 Obtido em

httpwwwarchiveorgstreamannalesbertinian00waitpagen3mode2up em 22 de fevereiro de 2012

Avaliaacutevel tambeacutem na Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum

scholarum separatim editi

47

ldquoHabet quippe ab aquilone Hunagrios Pizenacos Chazaros

Rusios quos alio nos nomine Nordmannos apellamus ()rdquo

(Liudprandi antapodosis LibI 10 Grifo nosso)58

XV Gens quaedam est sub aquilonis parte constitua quam a

qualitate corporis Greci vocant Ρουσιος Ruacutesios nos vero a positione

nominamus Nordmannos Lingua quippe Teotonum nord aquilo man

autem dicitur homo unde et Nordmannos aquilonares homines dicere

possumus (Lib V15 Grifo nosso)59

Resumindo a argumentaccedilatildeo a hipoacutetese normanista tem sua origem portanto nas

fontes escritas russas em particular a Poacuteviest vrieacutemennikh liet e respalda-se em uma

seacuterie de fontes escritas de povos vizinhos Segundo ela nos princiacutepios da Rusos eslavos

foram dominados pelos varegues mas conseguiram expulsaacute-los Entretanto natildeo foram

capazes de se autogovernar necessitando pedir a ajuda de outros varegues para fazecirc-lo

Desses que vieram derivou a dinastia riurikida

Os primeiros governantes da Rus possuiacuteam de fato nomes escandinavos como

Igor (Yngvarr) Oleg (Helgi) Olga (Helga) Rurik (Hrorekr) sendo que apenas a partir

de Sviatoslav os nomes eslavos passam a ser predominantes As fontes e tratados

bizantinos trazem a maior parte dos Rus listados portando nomes escandinavos e os

nomes dos rios percorridos pelos varegues ateacute Bizacircncio tanto em suas formas

escandinavas quanto eslavas A proacutepria forma comum de tratamento no russo

ldquogospodinrdquo ndash ldquocavalheirordquo - derivaria do antigo noacuterdico ldquohusbondrdquo em contrapartida agraves

formas ldquopanrdquo em outras liacutenguas eslaacutevicas como o ucraniano e o polonecircs

142 A posiccedilatildeo anti-normanista

Quanto aos anti-normanistas sua escola deriva diretamente de correntes

nacionalistas russas tanto dos tempos czaristas quanto dos sovieacuteticos Se nos primeiros

a Sueacutecia era tradicional inimigo nas natildeo tatildeo ultrapassadas guerras do Norte quanto aos

segundos a ideia de que o estado russo tivesse sua origem em populaccedilotildees estrangeiras

natildeo podia ser aceita por um governo marcado pelo autoritarismo que apregoava possuir

58

ldquo os russos a quem noacutes chamamos de nordmanosrdquo Liudprandi antapodosis In Monumenta

Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi Liber I 10 59

Liudprandi antapodosis In Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in

usum scholarum separatim editi Liber V 15

48

sistema poliacutetica e econocircmico superior aos outros paiacuteses

Pode-se dizer que seu iniacutecio deu-se com a reaccedilatildeo de Mikhail Lomonoacutessov

(1711-1765 Impeacuterio Russo) agrave fala supracitada de Muumlller Dentre outros defensores

subsequentes da posiccedilatildeo podemos citar de iniacutecio Stepan Aleksandrovitch Gedeonov

(1815-1878 Impeacuterio Russo) Nikolai Ivanovitch Kostomarov (1818-1885 - Impeacuterio

Russo origem mista russo-ucraniana) Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920

Impeacuterio Russo) e V Vasilevskii que apresentaram teorias em contraacuterio agrave origem

normanista ndash as chamadas teorias ldquoBalto-Eslaacutevicardquo ldquoLituanardquo e ldquoGoacuteticardquo60

A despeito de certo influxo normanista na historiografia sovieacutetica inicial

diversos acadecircmicos passaram a apresentar forte criticismo agrave mesma encontrando

alguns seguidores em outros paiacuteses A posiccedilatildeo normanista encontrou pouco apoio

particularmente na historiografia ucraniana61

Dentre seus defensores ou simpatizantes podemos citar Mykhailo Serhiiovitch

Hruchtchevski (1866-1934- Ucracircnia-URSS) Boris Dmitrievitch Griekov (URSS 1882-

1953) Serafim Vladimirovitch Iushkov (1888-1952 URSS) Boriacutes Aleksandrovitch

Rybakov (1908-2001 URSS) L Tcherepnin Mikhail N Tikhomirov Vladimir T

Pashuto I Chaskolskii Nicholas Valentine Riasanovsky (1923-2011 USA) Alexander

V Riasanovsky o polonecircs Henryk Łowmiański (1898-1984) e historiadores ucranianos

contemporacircneos como Petro Petrovitch Tolochko (1938-) MBraychevski M Kotlyar e

V Baran

A posiccedilatildeo anti-normanista eacute em grande parte uma resposta aos pontos

defendidos pelos normanistas Apresenta-se como uma contra-argumentaccedilatildeo

comprometida com a origem autoacutectone da Ruacutessia ou da Ucracircnia do que propriamente

num escopo teoacuterico bem-definido Seguem suas ideias principais

I A questatildeo da etimologia

Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920) articulou a ideia de que o termo Rhos

estaria conectado aos Roxolani da Antiguidade tribos Saacutermatas que teriam habitado as

estepes da atual Ucracircnia e migrado para a direccedilatildeo do Danuacutebio no seacuteculo I AC Sua

ideia que se tornou tradicional na argumentaccedilatildeo anti-normanista e foi chamada de

60

ZAKHARII 20 61

ZAKHARII 21

49

ldquoTeoria iranianardquo perdeu peso e aceitaccedilatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX

Em 1837 o historiador escritor e naturalista ucraniano Mikhailo

Oleksandrovitch Maksymovitch (1804-1873) desenvolveu a ldquoTeoria localrdquo segundo a

qual o nome Rus estaria ligado agrave aacuterea do rio Rosacute tributaacuterio da margem direita do

Dnieper e nascente na Vinnytsia Oblast Outros rios citados tambeacutem por Potebnya

seriam o Rosava (tributaacuterio do mencionado Rosacute) Rusna e Rostavitsia Proeminente no

processo de construccedilatildeo de consciecircncia nacional ucraniano levado a cabo do seacuteculo XIX

Maksymovitch argumentava que a regiatildeo da Rus natildeo teria ficado despovoada apoacutes a

Invasatildeo Mongol Antes teria sido habitada continuamente pelos remanescentes da Rus

com os quais os ucranianos teriam uma linha de continuidade direta

Esta ideia seraacute levada mais adiante a partir do periacuteodo sovieacutetico Os anti-

normanistas argumentariam que o nome Rus estaria inicialmente ligado com a aacuterea de

Kiev ao Sul habitada desde seacuteculos anteriores pelos eslavos e natildeo com as regiotildees de

Ladoga e Novgorod ao norte de maior influecircncia escandinava e habitada anteriormente

por baltos e fino-uacutegricos

Ilovaacuteiskii62

citaria o Neman da Lituacircnia como nomeado anteriormente de Ros

contendo um tributaacuterio chamado Rus e drenado na bacia Rusna o Ros ou Rus na

proviacutencia de Novgorod Rusi (a foz do Narev) Ros (uma foz do Dniepr) Rusa (a foz do

Semi) e um Ros ou Ras no Volga Nesta linha argumentativa estaria o uso dos termos

Ruslo ldquoriordquo em antigo eslavocircnico e Rusalka - um ldquoespiacuterito da aacuteguardquo nas mitologias

eslaacutevicas

Outra evidecircncia etimoloacutegica apresentada pelos anti-normanistas seria o uso do

termo Hrōs na Crocircnica siriacuteaca do Pseudo-Zacharias reitor de 555 AD ligado a povos

de origem no caacuteucaso vivendo no periacuteodo em questatildeo ao sul de Kiev ndash trecircs seacuteculos

anteriormente aos movimentos escandinavos no norte da Ruacutessia portanto

II Os argumentos de ausecircncia

Outro argumento levantado pelos anti-normanistas em contraposiccedilatildeo agrave ideia da

derivaccedilatildeo de Ruotsi de Roethslagen seria a inexistecircncia de qualquer tribo chamada de

Rus na Escandinaacutevia bem como a ausecircncia de menccedilatildeo a ela nas fontes noacuterdicas

62

ILOVAacuteISKII 1890 VII

50

Afirmam tambeacutem que haacute ausecircncia de material arqueoloacutegico escandinavo

encontrado nas rotas de comeacutercio cidades e entrepostos proacuteximos agraves mesmas

III Os enviados

Quanto aos enviados citados nos Annales Bertiniani a postura anti-normanista

afirma que os nomes noacuterdicos natildeo provariam o componente eacutetnico escandinavo dos

Rus Antes esses escandinavos seriam apenas espeacutecies de representantes comerciais de

priacutencipes eslaacutevicos Rus Seriam diplomatas e comerciantes profissionais

IV Fontes islacircmicas

Alguns defensores anti-normanistas citam o autor Ibn Khurdadbeh que

escrevendo entre 840 e 880 chamava aos rus uma tribo de eslavos (aş-Şaqāliba)

V Superioridade econocircmica

Rybakov (1908-2001) professor de Histoacuteria na Universidade de Moscou desde

1939 personificaraacute em particular as ideias anti-normanistas Em Ремесло Древней

Руси63

de 1948 procura demonstrar que a Rus de Kiev seria superior economicamente

agrave Europa Ocidental Em Геродотова Скифия Историко-географический анализ de

197964

defenderaacute que os eslavos descenderiam dos citas da Antiguidade

Baseando-se em sua argumentaccedilatildeo os anti-normanistas negam a validade do

relato da Poacuteviest vrieacutemennikh liet alegando que natildeo haveria razatildeo para que os eslavos

culturamente avanccedilados convidassem os varegues para governaacute-los

63

ldquoOfiacutecios na antiga Rusrdquo 64

ldquoCitia de Heroacutedoto anaacutelise histoacuterico-geograacuteficardquo

51

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees

I O problema das etimologias

As criacuteticas dos anti-normanistas resumem alguns pontos criacuteticos das ideacuteias

normanistas Um dos ataques mais fundamentados seria a etimologia de Rus e a sua

suposta ligaccedilatildeo com Roacuteethr

Omeljan Pritsak ainda que natildeo totalmente contraacuterio agrave posiccedilatildeo normanista vai

aleacutem da criacutetica anti-normanista ao atacar a proacutepria derivaccedilatildeo de Rus de ruotsi Segundo

ele ruotsi vincularia-se a um suposto rūzzi e natildeo Rus65

Ele aponta entretanto que seria igualmente errocircneo o uso do pseudo-Zacharias

e o suposto Hrōs pelos anti-normanistas O termo para ele seria na verdade uma

corruptela na adaptaccedilatildeo siriacuteaca do grego ἥρως (heroacutei) Na passagem em questatildeo o

copista teria citado um trecho referente agraves Amazonas citadas de uma versatildeo do meacutedio

persa da saga de Alexandre A corruptela de ἥρως teria sido usada para os pares gigantes

das Amazonas e natildeo se trataria de uma forma eacutetnica de um povo ou grupo racial66

Podemos apontar tambeacutem que haacute certa circularidade no uso de hidrocircnimos

contendo raiacutezes similares a Rus ou rosacute e os termos ruslo e rusalka por encontrarem-se

em campos semacircnticos adjacentes ligados agrave aacutegua rios foz de rio divindades aquaacuteticas

Os anti-normanistas estatildeo corretos quando afirmam a ausecircncia de alguma tribo

germacircnica ou escandinava com tal designaccedilatildeo Isto natildeo invalida entretanto a

argumentaccedilatildeo acerca da proveniecircncia de Roethslagen como possiacutevel etimologia para Rus

A criacutetica anti-normanista nesse sentido fundamenta-se num criteacuterio bastante restrito e

exclusivamente eacutetnico ndash uma acepccedilatildeo contemporacircnea de identidade A inexistecircncia de

uma tribo de um grupo eacutetnico com laccedilos consanguiacuteneos ldquoraciaisrdquo apresenta-se como

contra-argumento insuficiente agrave medida que a etimologia proposta de Roethslagen

enfatiza a proveniecircncia da regiatildeo costeira de Uppland e tem o viacutenculo com o ato de

remar navegar lanccedilar-se ao mar Eacute uma proposiccedilatildeo de etimologia de caraacuteter ao menos

em sua origem ocupacional que posteriormente definiraacute o grupo em questatildeo de forma

eacutetnica apenas na confrontaccedilatildeo com outro grupo cultural distinto

Haacute de se notar a existecircncia de outras etimologias que apresentam situaccedilatildeo

65

PRITSAK 06 66

PRITSAK 06

52

similar em contexto muito proacuteximo nos termos vikingr e bjarmar Conquanto tenham

no periacuteodo contemporacircneo e poacutes-romacircntico assumido um sentido marcadamente eacutetnico

ao leitor as etimologias mais recentes propostas derivam vikingr de vik- baiacutea enseada

ligando-o natildeo a um sentido eacutetnico restrito agrave Noruega e agrave regiatildeo de Oslo mas sim ao

sentido ocupacional do termo daquele que frequenta o mar67

Bjarmar por sua vez a despeito das tentativas de estudiosos que tentam ligar a

designaccedilatildeo aos Komi da regiatildeo russa de Perm tem obtido um consenso acadecircmico eacute

termo aplicado primordialmente aos careacutelios mas tem sua origem no termo fino-uacutegrico

-per(e)macute Isto implica o caraacuteter ocupacional o modo de vida das populaccedilotildees que

desenvolviam atividade econocircmica extratora nas proximidades do Mar Branco

principalmente a coleta de peles caccedila e comeacutercio68

Enfim um peso muito grande em etimologias demonstra ser prejudicial e

impraticaacutevel abrindo os flancos de ambas as posiccedilotildees a uma seacuterie de ataques

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade

Os anti-normanistas questionam a quantidade de material escandinavo

encontrado nas principais cidades e povoamentos da Rus como Novgorod Kiev e

Staraia Ladoga Eacute adequado afirmar que encontramo-nos aqui em uma forma um tanto

subjetiva e relativa de argumentaccedilatildeo ao quantizar por ldquomuitordquo e ldquopoucordquo Em particular

no campo da Arqueologia a ausecircncia de vestiacutegios de alguma espeacutecie natildeo eacute ldquoprovardquo ou

ponto passiacutevel de definiccedilatildeo teoacuterico pela proacutepria natureza da evidecircncia arqueoloacutegica

que eacute fragmentada indiciaacuteria e incompleta

Acerca do toacutepico David M Wilson escreve o seguinte

ldquoIn England the only town to produce really convincing Viking

antiquities in any number is York and this number has been rather

exaggerated Structures of the Anglo-Danish period in York are rarely

found and even when they are they are not specifically Viking in

character The other Viking towns in England [known from historical

sources ndash OP] have produced hardly any Viking antiquities We know

that the Vikings were there just as we know that there Vikings in

Novgorod and Kievrdquo69

67

HAYWOOD John The Penguin Historical Atlas of the Vikings London Penguin Books 1995 Pp

08ss MUCENIECKS 2010 03-06 68

CHESTNUT Michael Afterword In ROSS Alan The Terfinnas and Beormas of Othere University

College London Viking Society for Northern Research 1981 p77 69

WILSON David M East and West A Comparison of Viking Settlement In Varangian Problems

53

A citaccedilatildeo transcrita tambeacutem por Pritsak pode levantar argumentos contraacuterios ou

questionamentos sobre o que eacute um nuacutemero ldquoexageradordquo ou ldquoconvincenterdquo de artefatos

Pode parecer tambeacutem uma forma de se esquivar do problema de forma retoacuterica Ela traz

agrave pauta entretanto alguns aspectos uacuteteis e pertinentes agrave discussatildeo

A mais premente eacute a questatildeo da dificuldade de questotildees relativas agrave etnicidade70

na interpretaccedilatildeo dos vestiacutegios arqueoloacutegicos Conquanto tenha sido tema de destaque na

Arqueologia Histoacuterico-Cultural o predomiacutenio da Arqueologia Processualista abandonou

quase que por completo as discussotildees referentes agrave etnicidade pelas dificuldades e

impossibilidades apresentadas pela natureza da evidecircncia Ou seja a questatildeo per si jaacute eacute

complexa quando associado ao problema polecircmico da etnicidade dos Rus

evidentemente assume contornos ainda mais difusos e pouco seguros

A questatildeo da Etnicidade eacute um tema que seraacute retomado pela arqueologia poacutes-

processualista em bases bastante diversas com fundamentaccedilotildees teoacutericas diversas

amplas e complexas e uma compreensatildeo diferente do problema da existecircncia de

subjetividades fluidez mutabilidade e criteacuterios de definiccedilatildeo eacutetnica muitas vezes

especiacuteficos em cada caso

Outro aspecto levantado eacute a questatildeo da Arqueologia Histoacuterica e da relaccedilatildeo

muitas vezes difiacutecil e nem sempre harmocircnica entre os diferentes niacuteveis de interpretaccedilatildeo

que satildeo levantados pela Arqueologia e pela Histoacuteria Um exemplo de caso dessas

questotildees eacute a escavaccedilatildeo de Sarskoie Gorodichtche ao sul da atual Rostov no banco do

Sara A despeito das grandes evidecircncias de habitaccedilatildeo escandinava coexistindo com os

Meri nativos fino-uacutegricos a partir do seacuteculo IX esta interpretaccedilatildeo formulada desde o

iniacutecio das escavaccedilotildees em 1854 foi substituiacuteda quando as escavaccedilotildees sovieacuteticas foram

reiniciadas apoacutes 1949 A interpretaccedilatildeo sovieacutetica oficial veiculada na Большая

советская энциклопедия71

seria a de que o siacutetio era exclusivamente habitado pelos

Meri desde o seacuteculo VI Fortificaccedilotildees foram construiacutedas pelos eslavos no seacuteculo X

mas apoacutes isso a cidade declinou ateacute o seacuteculo XIII Sarskoie Gorodichtche passou a ser

considerada pela academia sovieacutetica como a ldquocapitalrdquo dos antigos Meri

Scando-Slavica Supplementum 1 Copenhagen Munksgaard 1970 P113 70

Consideramos o termo na acepccedilatildeo de um conjunto de carateriacutesticas que definem uma determinada

populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave outra Tais atributos possuem fronteiras muito fluiacutedas por vezes pragmaacuteticas que

alteram-se no decorrer do tempo sendo mais geralmente ligados agrave liacutengua viacutenculos sanguiacuteneos e

religiosos 71

ldquoGrande enciclopeacutedia sovieacuteticardquo

54

Por fim levanta-se a questatildeo da natureza da ocupaccedilatildeo escandinava natildeo apenas

na Ruacutessia mas da proacutepria forma e natureza dos movimentos escandinavos pela Europa

e outras regiotildees Um elemento-chave no sucesso escandinavo em um espectro

geograacutefico tatildeo grande deve-se em grande parte agrave sua mobilidade e adaptabilidade

caracteriacutestica a diversos contextos Associada a esta adaptabilidade estaacute uma fluidez

consideraacutevel na natureza dos processos sociais envolvidos que em particular no caso da

Rus parece ter sido bastante marcante como demonstra a mudanccedila em poucas geraccedilotildees

dos nomes escandinavos da casa de Rurik para nomes eslaacutevicos Como bem ressalta

Logan

The principal historical question is not whether the Rus were

Scandinavians or Slavs but rather how quickly these Scandinavian

Rus became absorved into Slavic life and culture In 839 the rus

were swedes in 1043 the Rus were slavs Sometime between 839 and

1043 two changes took place one was the absorption of the Swedish

Rus into the Slavic people among they settled and the second was the

extension of the term acuteRusacute to apply to these Slavic peoples by whom

the Swedes were absorved72

Sob este aspecto de mobilidade transitoriedade e adaptabilidade eacute necessaacuterio

frisar que a evidecircncia arqueoloacutegica daacute suporte agrave compreensatildeo de uma ampla

movimentaccedilatildeo escandinava pela Euraacutesia evidenciada natildeo apenas no grande nuacutemero de

tesouros de dirhams encontrados pela Ruacutessia Paiacuteses Baacutelticos e Escandinaacutevia mas

tambeacutem por artefatos como pentes broches objetos com vestiacutegios de inscriccedilotildees ruacutenicas

e fiacutebulas encontrados em Staraia Ladoga Timerevo (extrato mais antigo de Yaroslav)

Gorodichtche Staraya Russa Sarskoie Gorodichtche Gniozdovo e nos paiacuteses vizinhos

(ie Daugmale e Grobiņa na Letocircnia Iru e Proosa na Estocircnia)

O cemiteacuterio de Plakun no outro banco do Volkhov em Ladoga contendo

enterramentos escandinavos natildeo eacute equiparado agrave Grobiņa por exemplo poreacutem a

evidecircncia existente eacute sob nosso ponto de vista bastante convincente apresentando

indiacutecios convincentes da presenccedila escandinava73

72

LOGAN F D The Vikings in History Routledge 1991[1983] p203 73

NOONAN 1998a 339

55

144 Outras possibilidades interpretativas

Omeljan Pritsak ainda que inclinado para o lado anti-normanista considera

nenhum dos extremos da querela completamente convincente presentando uma outra

hipoacutetese Segundo ele o nome Rus eacute uma espeacutecie de ldquotrademarkrdquo de mercadores judeus

medievais especializados em comercializar escravos da Ruacutessia Europeacuteia principalmente

com muccedilulmanos mas tambeacutem com europeus ocidentais

O grupo principal nesse tipo de comeacutercio era a corporaccedilatildeo judaica chamada

Rādhānīya que possuindo contatos na maior parte das colocircnias judaicas incluindo o

acesso agraves regiotildees controladas pelos khazares detinha o monopoacutelio do fornecimento de

escravos eslavos os chamados aş-Şaqāliba lsquopelos muccedilulmanos

Note-se que na liacutengua inglesa bem como em diversos idiomas da Europa

Ocidental o termo ldquoescravordquo deriva de variantes do ldquoeslav-rdquo tal era o predomiacutenio de tal

componente eacutetnico no comeacutercio escravista na Euraacutesia O termo aacuterabe ldquoaş-Şaqālibardquo

tambeacutem deriva de ldquosklavrdquo ou termos similares pelos quais os proacuteprios eslavos se

nominavam Na Europa Ocidental os judeus da Rādhānīya baseariam-se em algumas

regiotildees da Francia como Marseiles e Rodez Para Pritsak tais mercadores conhecidos

como ldquoRuthenicisrdquo teriam legado o nome Rus oriundo de sua proacutepria companhia Com

o passar do tempo o comeacutercio por eles dominado passaria a intermediaacuterios varegues

que dessa forma adotariam o nome Rus como uma espeacutecie de marca registrada ou

designaccedilatildeo comercial74

Tal ideacuteia natildeo pode ser sustentada De fato o chamar tais judeus de ldquomercadores

russosrdquo ou ldquoruthenicisrdquo devia-se antes de seu nome comercial agrave sua proveniecircncia e

atividade nas regiotildees jaacute conhecidas por tal nome O argumento de Pritsak por mais

engenhoso que parece acaba tornando-se uma inversatildeo

Quanto agrave Thomas Noonan apesar de dar um peso grande agrave evidecircncia

arqueoloacutegica e em particular da Numismaacutetica toma uma posiccedilatildeo mais moderada mais

de acordo com a Arqueologia Histoacuterica contemporacircnea em procurar inserir aspectos

das duas visotildees levando em consideraccedilatildeo tanto a presenccedila escandinava quanto a

contribuiccedilatildeo local eslaacutevica fino-uacutegrica e baacuteltica ainda que aparentemente esta posiccedilatildeo

incline-se um pouco para o espectro normanista da questatildeo De fato esta posiccedilatildeo eacute a

74

PRITSAK 24s

56

que tem alcanccedilado a maior proximidade com um consenso ao menos entre os

estudiosos nos paiacuteses anglo-saxotildees escandinavos e baacutelticos sobre os iniacutecios da Ruacutessia

Nos uacuteltimos anos a temaacutetica viking tem levantado tambeacutem um nuacutemero grande

de interessados na Ruacutessia e em outras naccedilotildees de origem eslaacutevica ao menos a niacutevel

popular e o nuacutemero de estudiosos de origem eslava a considerar a questatildeo sem as

tradicionais restriccedilotildees e preconceitos sovieacuteticos tecircm aumentado bem como obras que

ampliam e trazem em pauta novas questotildees Podemos citar por exemplo Melnikova75

Tatijana Jackson76

Fyodor Androshchuk77

Wladyslaw Duczko78

145 O problema metodoloacutegico

A questatildeo do nacionalismo e da influecircncia do ambiente contemporacircneo poliacutetico

sobre o pesquisador eacute o principal ponto gerador de discoacuterdia entre os diversos

envolvidos nos debates normanistas A temaacutetica por si soacute encontra-se de certa forma

esgotada e repetitiva no que toca agrave argumentaccedilatildeo e contra-argumentaccedilatildeo dos dois lados

Haacute ainda outra dimensatildeo que necessita ser acrescentada ao debate o problema

metodoloacutegico De fato boa parte da discordacircncia envolvida na controveacutersia normanista

eacute uma discordacircncia de meacutetodo e da forma de anaacutelise das fontes de informaccedilotildees

O lado normanista privilegia a evidecircncia histoacuterica as fontes primaacuterias de caraacuteter

mais tradicional ou seja escritas Os anti-normanistas procuram dirigir o peso

interpretativo para a Arqueologia como se a mesma pudesse propiciar um argumento

cientiacutefico isento factual e plenamente objetivo Ambos os lados empregam evidecircncia

linguiacutestica etimoloacutegica e toponiacutemica nas tentativas de reforccedilar sua argumentaccedilatildeo por

vezes gerando becos sem saiacuteda

Dessa forma parte do que ocorre na controveacutersia normanista espelha um

problema de ordem mais geral metodoloacutegica que eacute objeto primaacuterio de estudo do ramo

75

MELNIKOVA EA The Eastern World of the Vikings Eight Essays about Scandinavia and Eastern

Europe in the Early Middle Ages Gothenburg Old Norse Studies 1 Goumlteborg universitet

Litteraturvetenskapliga institutionen 1996 76

ДЖАКСОН Т Н Austr iacute Goumlrethum древнерусские топонимы в древнескандинавских источниках

mdash М Языки русской культуры 2001 (JACKSON Tatiana Nikolaievna Austr I Goumlrethum Topocircnimos

russo-antigos nas fontes antigas escandinavas Moscou Liacutengua e Cultura Russos 2001) 77

ANDROSHCHUK Fjodor The Vikings in the East In BRINK Stefan amp PRICE Neil (eds) The

Viking World London amp New York Routledge 2008 pp517-542 78

DUCZKO Wladyslaw Viking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe The

Northern World v12 Leiden Boston amp Tokyo Brill 2004

57

especiacutefico da Arqueologia Histoacuterica e que perpassa diversos outros recortes Um

exemplo muito marcante de similaridade metodoloacutegica ocorre na Arqueologia Siro-

Palestina antiga Arqueologia Biacuteblica que nas uacuteltimas deacutecadas assistiu ao

engrandecimento de toda a evidecircncia arqueoloacutegica e a propiciada pela Cultura

Material79

em conjunto a um desprezo pelas fontes escritas das quais o texto biacuteblico eacute a

principal definindo a escola chamada de Minimalista Temos aqui as motivaccedilotildees de

ordem ideoloacutegica e a influecircncia da ldquoNew Archaeologyrdquo (ou arqueologia

ldquoProcessualistardquo) com sua ecircnfase nas Ciecircncias Sociais e seu cientificismo bem como

abandono de temaacuteticas de etnicidade religiatildeo e o uso das fontes escritas

Eacute interessante notar a similaridade de resultados provocada por contextos sociais

diversos e especiacuteficos A Arqueologia sovieacutetica natildeo bebeu das mesmas fontes teoacutericas

que influenciaram a Arqueologia ocidental A ldquoNew Archaeologyrdquo natildeo teve acesso ao

bloco oriental aliaacutes o isolamento entre arqueoacutelogos e historiadores sovieacuteticos e

ocidentais provocou uma gama variada de incompreensotildees e gerou atraso em vaacuterias

frentes nos estudos histoacutericos mais amplos que envolvem a Ruacutessia e o Ocidente

Entretanto a matriz marxista teve na arqueologia sovieacutetica um papel similar ao

que as teorias sociais tiveram na New Archaeology que foi a tentativa de explicaccedilatildeo do

registro e da evidecircncia por meio de um escopo teoacuterico criacutetico e bem-definido Eacute

necessaacuterio reconhecer o benefiacutecio e avanccedilo que as tentativas de interpretaccedilatildeo mais

soacutelidas trouxeram agrave Arqueologia como um todo fazendo-a transpor o status de ldquociecircncia

auxiliarrdquo fazendo-a abandonar uma abordagem meramente descritiva e ilustrativa e

dando a ela um escopo mais amplo e soacutelido dentre as demais Ciecircncias Humanas

Entretanto esse apego agraves teorias gerais explicativas muitas vezes imobilizou a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica em quadros riacutegidos e preacute-definidos abandonando fontes

uacuteteis de informaccedilatildeo como a evidecircncia das fontes primaacuterias escritas dessa forma

limitando grandemente a abrangecircncia das temaacuteticas passiacuteveis de estudo arqueoloacutegico

O lado normanista da questatildeo por sua vez desenvolveu-se de em grande parte

em uma visatildeo histoacuterica de caraacuteter mais tradicional compartilhada pela Arqueologia

Histoacuterico-Cultural As explicaccedilotildees de migraccedilotildees e movimentos de povos como fatores

provocadores de mudanccedila tatildeo caracteriacutesticos da explicaccedilatildeo da Arqueologia Histoacuterico-

79

Termo usado aqui na acepccedilatildeo arqueoloacutegica que considera Cultura Material toda manifestaccedilatildeo da accedilatildeo

humana natildeo limitada agrave confecccedilatildeo de artefatos ndash contendo a tecnologia da escrita ou natildeo - mas

revelando-se tambeacutem por exemplo na alteraccedilatildeo do ambiente e da paisagem

58

Cultural harmonizam-se bem com a explicaccedilatildeo normanista em seu espectro mais

simplista e extremado Um grupo estrangeiro externo ldquomais evoluiacutedordquo traz tecnologia e

estruturas sociais que promovem mudanccedila social no contexto em questatildeo

Eacute necessaacuterio transpor tais linhas de explicaccedilatildeo para uma compreensatildeo mais

satisfatoacuteria da situaccedilatildeo que aplique um tratamento adequado agraves diversas naturezas de

evidecircncias e incorpore escolas de pensamento mais recentes como a Arqueologia Poacutes-

Processual e a Nova Histoacuteria Natildeo podemos simplesmente ignorar as fontes escritas

tampouco as evidecircncias arqueoloacutegicas Concordacircncias entre ambas nos revelam

conhecimento sobre o passado Poreacutem discordacircncias tambeacutem

A abordagem de Thomas Noonan tentando esquivar-se das insuficiecircncias

produzidas pelas fontes escritas abriu generosos leques de interpretaccedilatildeo mas propiciou

uma estrutura explicativa de cunho mais econocircmico para o movimento escandinavo no

Leste A circulaccedilatildeo de dirhams aacuterabes apresentou-se como atrativo e impulso aos

escandinavos

A narrativa deixada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet pode apontar caminhos

interpretativos diversos e mais amplos de como o passado recente era visto pelo seacuteculo

X A reelaboraccedilatildeo do passado lida com esse mesmo passado estudado atraveacutes dos

vestiacutegios arqueoloacutegicos e da Numismaacutetica Dessa forma ainda que as interpretaccedilotildees

mais oacutebvias de ambas abordagens possam parecer exclusivas elas propiciam um

conhecimento mais completo do quadro histoacuterico da regiatildeo

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais

Haacute outra vertente ainda que pode ser explorada e que oferece campo promissor e

amplo no estudo da PVL e o Chamado dos Varegues Trata-se dos estudos que

incorporam anaacutelise do mito conhecimento antropoloacutegico e literaacuterio

Marshal Sahlins em ldquoIlhas da Histoacuteriardquo apresenta-nos um estudo de caso

antropoloacutegico que sugere uma forma interpretativa da situaccedilatildeo Natildeo pretendemos expor

uma hipoacutetese absoluta e substitutiva da controveacutersia mas apontar a existecircncia de formas

diversas pelas quais a situaccedilatildeo ainda pode ser analisada com o emprego de conceitos

59

mais recentes de interpretaccedilatildeo historiograacutefica como a Antropologia Histoacuterica

No estudo de caso ldquoO rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fijirdquo Sahlins

apresenta a desconcertante possibilidade comparativa da teoria tripartite de Dumeacutezil

com suas proacuteprias investigaccedilotildees sobre as estruturas sociais nas Ilhas Polineacutesias

A ponte que Sahlins faraacute encontra-se no aspecto da Teoria Poliacutetica Aponta para

a recorrente situaccedilatildeo do simbolismo envolvido na adoccedilatildeo de um governante estrangeiro

por uma sociedade especiacutefica

ldquoA soberania aparece como vinda do exterior da sociedade O

rei que eacute de iniacutecio um estrangeiro e uma figura um tanto aterrorizante

seraacute depois absorvido e domesticado pela populaccedilatildeo nativa em um

processo que passa por sua morte simboacutelica e seu consequente

renascimento sob a forma de um deus localrdquo80

Os paralelos apontados por Dumeacutezil encontram-se mais no campo da Histoacuteria

Claacutessica a vinda de Eneacuteias de Troacuteia a questatildeo dos latinos e sabinos a expulsatildeo de

Rocircmulo e Remo por Numitor e a posterior conquista do poder por Rocircmulo como um

ser vindo de fora Os paralelos trazidos por Sahlins tratam mais de casos da Oceania em

particular envolvendo o Capitatildeo Cook Poderiacuteamos acrescentar outras situaccedilotildees como a

chegada de Europeus agraves Ameacutericas em um contexto definitivamente natildeo conexo e sem

ligaccedilotildees histoacutericas verificaacuteveis

Poreacutem o contexto especiacutefico da Histoacuteria Claacutessica encontra-se mais proacuteximo em

um acircmbito europeu e podemos encontrar outros paralelos Um eacute de particular interesse

por ter sido empregado pelos criacuteticos das ideias normanistas Trata-se da Crocircnica

Anglo-saxatilde que vai tratar de formas muito semelhantes agrave narrativa da Poacuteviest

vrieacutemennikh liet a vinda dos anglos para as Ilhas Britacircnicas Por sua vez temos uma

interessante similaridade na Saga de Yngvar81

Sueco que faraacute uma expediccedilatildeo de renome

duradouro agrave Ruacutessia morrendo possivelmente nas proximidades do Mar Caacutespio Yngvar

enquadra-se de certas formas no estereoacutetipo do rei estrangeiro

Sahlins e Dumeacutezil traratildeo a ideia de que num campo simboacutelico e imaginaacuterio o

elemento estrangeiro simbolizaraacute o masculino o macho feroz criador e procriador e

quando mitologizado geralmente associado ao sol e agraves esferas celestes Quanto ao

80

SAHLINS Marshall O rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fiji In Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro

Jorge Zahar 1990 [University of Chicago Press 1987] p106 81

Traduccedilatildeo inglesa PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga

and Eymunds Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]

60

elemento nativo simbolizaraacute num primeiro momento o feminino a associaccedilatildeo com o

poder da terra e do subterracircneo de crescimento de accedilotildees paciacuteficas e duradouras Como

os sabinos apresentam-se associados com a riqueza com aquilo que ldquonutre a semente

divina e a transforma em substacircncia socialrdquo

Essa forma interpretativa encontra eco tambeacutem em estudos natildeo apenas da

Mitologia Escandinava per se mas tambeacutem em trabalhos que vinculam representaccedilotildees

mitoloacutegicas agrave proacutepria institucionalizaccedilatildeo monaacuterquica O conceito de Hierogamia (de

ιερός γάμος ldquocasamento sagradordquo) eacute aplicado no contexto escandinavo desde estudiosos

de deacutecadas anteriores como Regis Boyer Hilda Ellis-Davidson e Thomas Dubois

quanto das novas geraccedilotildees como Christopher Abram e Gro Steinsland82

De forma

recorrente encontram-se semelhanccedilas em narrativas que apresentam a uniatildeo entre duas

divindades representativas da ordem e do caos

Na narrativa escandinava o proacuteprio escandinavo estaacute ligado agrave divindade

masculina e ao princiacutepio da ordem A populaccedilatildeo estrangeira o outro ndash frequentemente

os saami ou os finnar - eacute associada agrave divindade e ao princiacutepio feminino ligado ao caos

agrave falta de estruturaccedilatildeo A uniatildeo entre as duas entidades resultaraacute em feitos

extraordinaacuterios Dessa forma encontra-se o mito da Hierogamia ldquostrongly connected to

the legitimation of the elite to the peoples wish for fertility as well as philosophies

around death and ressurectionrdquo83

Existem indiacutecios tambeacutem da existecircncia de mitos hierogacircmicos entre os fino-

uacutegricos em particular referente ao casamento do deus Ukko com Rani84

e entre os

povos eslaacutevicos85

As discussotildees relativas agrave mitologia eslaacutevica entretanto enfatizam de

82

Destaque agrave tese de doutoramento da norueguesa Gro Steinsland defendida em 1989 e intitulada ldquoDet

hellige bryllup og norroslashn kongeideologi en analyse av hierogami-myten i Skiacuternismaacutel Ynglingatal

Haacuteleygjatal og Hyndluljoacuted ldquo (ldquoO casamento sagrado e a ideologia noacuterdica de realeza uma anaacutelise do mito

do hieros gamos no Skiacuternismaacutel Ynglingatal Haacuteleygjatal e Hyndluljoacuteethrdquo) Agradecimentos a Renan Birro

que trouxe agrave lembranccedila as seguintes obras que tratam da temaacutetica em uma perspectiva mais ampla em

completa ABRAM Christopher Myths of the Pagan North New York Continuum International

Publishing Book 2011 STEINSLAND Gro BEUERMANN Ian et alli (eds) Ideology and Power in

the Viking and Middle Ages Scandinavia Iceland Ireland Orkney and the Faeroes Leiden Brill 2011 83

KVILHAUG Maria The Maiden with the Mead A Goddess of Initiation Rituals in Old Norse

Mythology Oslo VDM Verlag 2009p 23 84

DUBOIS Thomas Nordic Religions in the Viking Age Philadelphia at the University Press 1999 P

56 85

BELAJ Vitomir Uz Katičićevu rekonstrukciju tekstova o baltoslavenskoj Majci bogova In Trava od

srca Hrvatske Indije II Urednici Ekrem Čauševićhellip et ali Zagreb Hrvatsko filološko društvo

Filozofski fakultet 2000 MARJANIĆ Suzana The Dyadic Goddess and Duotheism in Nodiloacutes The

Ancient Faith of the Serbs and the Croats In Studia Mythologica Slavica VI 2003 Pp 181-204 amp

NODILO Natko Stara vjera Srba I Hrvata In Religija Srbacirc i Hrvatacirc na glavnoj osnovi pjesama priča i

govora narodnog (Antiga feacute dos seacutervios e croatas In Religiatildeo dos seacutervios e croatas nas principais bases

61

forma um tanto demasiada aspectos estruturalistas e mesmo fenomenoloacutegicos que

desembocam em tentativas da reconstruccedilatildeo de um panteatildeo bem-definido e difundido

frequentemente desconsiderando as especificidades contextuais Em ambos os casos a

aplicaccedilatildeo do hieros gamos agrave legitimaccedilatildeo monaacuterquica encontra-se distante da discussatildeo

mas eacute interessante notar que ao menos funcionalmente haacute similaridades entre as

divindades envolvidas (ie um deus celeste muitas vezes ligado ao trovatildeo que une-se agrave

deusa-terra)

Retornando a um contexto escandinavo eacute razoaacutevel argumentar que no campo do

imaginaacuterio a temaacutetica do ldquorei estrangeirordquo propicia valor simboacutelico acentuado em

particular na confecccedilatildeo de narrativas de princiacutepios de reinos e dinastias

O historiador necessita ter saudaacuteveis ressalvas na aplicaccedilatildeo de comparaccedilotildees

entre contextos sem conexotildees histoacutericas empiacutericas e∕ou plausiacuteveis ainda que um

regresso ao historicismo e positivismo natildeo sejam uma opccedilatildeo poreacutem de forma alguma

procuramos a criaccedilatildeo de leis antropoloacutegicas universais

Ora eacute necessaacuterio frisar o proacuteprio meacutetodo antropoloacutegico e etnograacutefico insiste na

necessidade de que o estudo de campo preceda o estudo de caso eacute ele que forneceraacute a

teoria explicativa especiacutefica do caso em questatildeo ainda que outros estudos teoacutericos

possam propiciar escopo fundamentaccedilatildeo bem como na formulaccedilatildeo mais precisa das

questotildees

Feitas tais ressalvas julgamos plausiacutevel que a forccedila simboacutelica do governante

estrangeiro recorrente em diversos contextos (incluindo na Europa e dentre outras

populaccedilotildees proacuteximas aos escandinavos) tenha sido um fator que natildeo deve ser

desconsiderado na anaacutelise da Poacuteviest vrieacutemennikh liet enquanto relato histoacuterico do

surgimento da Ruacutessia

O poder simboacutelico que a temaacutetica fornece agrave dinastia governante natildeo pode ser

subestimado e eacute mais que coerente e plausiacutevel que a existecircncia de temaacutetica miacutetica

recorrente em relatos de legitimaccedilatildeo monaacuterquica escandinavos sejam empregados numa

fonte que ainda que eslaacutevica defenda a existecircncia e legitimaccedilatildeo de uma dinastia de

origem escandinava em contexto eslaacutevico

A sugestatildeo do uso de uma temaacutetica especiacutefica pelo cronista natildeo eacute aleatoacuteria e

de canccedilotildees estoacuterias e ditos populares) Split Logos 1981

62

desprovida de significado As ideias circulam nos mais diversos contextos influenciam

e sofrem influecircncias mas natildeo surgem do nada Dessa forma a forccedila simboacutelica do rei

estrangeiro teve de ser inspirada por algum evento do passado que natildeo pode estar

desconexo ou incoerente com o emprego da mesma

Tal circunstacircncia eacute reforccedilada pelo contexto de escrita da PVL marcado pelo

esfacelamento e enfraquecimento das antigas unidades entre os priacutencipes russos e

quando a Rus passa a se dividir em pequenos principados tomados de disputas e feudos

entre seus governantes Uma histoacuteria apontando uma linhagem uacutenica e contiacutenua que

surgiria em meio de contexto de contendas como a apresentada com o chamado dos

varegues possui assim especial significado no sentido de reunir e retomar antigos laccedilos

de unidade legitimados pela casa ancestral riurikida

Poreacutem o reduzir a situaccedilatildeo a uma mera narrativa de legitimaccedilatildeo pode

subestimar o poder do simboacutelico e restringir sua circulaccedilatildeo e perenidade seja temporal

ou social

O interlace entre extratos sociais ndash clerical aristocraacutetico ou mesmo da tatildeo

buscada ldquoCultura popularrdquo - permite uma ampliaccedilatildeo das possibilidades de ressonacircncias

do mito nas sociedades eslaacutevicas fiacutenicas e escandinavas do medievo e do contexto de

interaccedilatildeo entre as mesmas

Por fim outro caminho tambeacutem pelo qual natildeo temos no presente condiccedilotildees de

nos aprofundarmos seria o aberto por Eleazar Meletiacutenski ligado agrave chamada Escola de

Tartu e autor de obras extremamente relevantes agrave temaacutetica como a ldquoPoeacutetica do Mitordquo

ldquoOs arqueacutetipos literaacuteriosrdquo e ldquoA Edda e as formas primitivas de Eposrdquo

Categorias e conceitos presentes em alguns estudos medievais russos como o de

ldquoeacutepico arcaico mitoloacutegicordquo ou ldquoconto-maravilhoso heroacuteicordquo (Богатырская Сказка)

poderiam fornecer novas ferramentas interpretativas em um contexto histoacuterico mais

plausiacutevel e conectado que inserisse elementos comuns aos eacutepicos russos (como a

recorrecircncia de triacuteades tambeacutem presente no chamado dos varegues por exemplo)

63

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS

Voltemos ao desenrolar da controveacutersia normanista em solo russo em particular

referente aos desenvolvimentos da mesma no periacuteodo sovieacutetico Tal histoacuterico mistura-se

com o proacuteprio desenvovimento da Histoacuteria e da Arqueologia na Uniatildeo Sovieacutetica

Em 1919 foi criada a RAIMK Academia Russa de histoacuteria da Cultura Material

derivada da antiga Comissatildeo Arqueoloacutegica Imperial de Petrogrado Seu primeiro diretor

foi Nikolai Marr (1865-1934) Neste periacuteodo a arqueologia em particular foi marcada

por caracteriacutesticas relativamente progressistas incluindo comunicaccedilatildeo de resultados e

ideias a niacutevel internacional e disputas teoacutericas86

Personalidade polecircmica Marr foi considerado por alguns como um gecircnio mas

por outros como os linguistas Trubetskoi e Jakobson como insano87

Natildeo exatamente

um arqueoacutelogo Marr estava mais interessado na formulaccedilatildeo de teorias linguiacutesticas e no

ajuste dos achados arqueoloacutegicos a elas sendo um amador que praticara de tal forma a

Arqueologia em seu passado e que tampouco tinha por ela apreccedilo88

Dentre suas ideias baacutesicas como o ldquoJafetismordquo e a ldquoPaleontologia da falardquo

recebeu destaque a concepccedilatildeo de que as mudanccedilas linguiacutesticas ao inveacutes de ocorrerem

por meio de processos de diferenciaccedilatildeo fonoloacutegica gramatical e leacutexica dariam-se por

meio de respostas agrave mudanccedilas socioeconocircmicas nas sociedades89

Similaridades entre liacutenguas indicariam similaridades em seus estaacutegios

ldquoevolutivosrdquo Pelo adequamento superficial de tal teoria aos referenciais marxistas de

mudana sociocultural as ideias de Marr encontrariam acolhida e dominacircncia no meio

acadecircmico sovieacutetico ateacute a deacutecada de 195090

Com a criaccedilatildeo da URSS a RAIMK transformaria-se na GAIMK91

ndash Academia

Estatal de Histoacuteria da Cultura Material assumindo jurisdiccedilatildeo por todas as repuacuteblicas da

86

PLATONOVA Nadezhda Igorevna The Phenomenon of Pre-Soviet Archaeology Archival Studies in

the History of Russian Archaeology ndash Methods and Results In SCHLANGER Nathan amp

NORDBLADH Jarl (eds) Archives Ancestors Practices Archaeology in the Light of its HistoryNew

York amp Oxford Brghahn Books 2007 P48 87

KLEJN Leo Soviet Archaeology Trends Schools and History Oxford 2013 p 204 88

KLEJN 212 89

KLEJN 211s 90

TRIGGER 206 91

TRIGGER 206

64

URSS Ocorreu a criaccedilatildeo de departamentos de arqueologia com muitos pesquisadores

em tempo integral e com facilidades de acesso a institutos de anaacutelise geoloacutegica

climatoloacutegica da fauna e flora dentre outros campos do conhecimento92

No iniacutecio da deacutecada de 20 foi criado em Moscou o RANION a ldquoSeccedilatildeo de

arqueologia da Associaccedilatildeo russa de Instituos de Ciecircncias Sociaisrdquo Espeacutecie de rival do

GAIMK o RANION estava sob supervisatildeo direta do Partido Comunista que tambeacutem

estimulava a criaccedilatildeo de centros regionais de pesquisa e sociedades arqueoloacutegicas

O periacuteodo imediato apoacutes a Primeira Guerra mundial foi marcado pela NEP ndash

nova poliacutetica econocircmica (1921-1928) no qual a URSS esteve sob governo de Lecircnin

Nesse periacuteodo o governo sovieacutetico adotou poliacutetica de reconciliaccedilatildeo com a intelligentsia

ndash em sua maior parte oriunda da classe intelectual anterior agrave revoluccedilatildeo sendo que boa

parte da mesa natildeo havia apoiado a revoluccedilatildeo bolshevique

Lenin adotaria a poliacutetica de que ao inveacutes de se destruir os fundamentos

cientiacuteficos e culturais atingidos pela burguesia o partido deveria aproveitaacute-los e edificar

novos fundamentos sobre os mesmos ndash o governo comunista natildeo poderia governar o

paiacutes sem o apoio das classes educadas e detentoras de conhecimento93

Dessa forma ao menos nos anos da NEP muitos intelectuais das geraccedilotildees

anteriores donos de reputaccedilotildees consolidadas exerceram cargos de chefia e influecircncia

com remuneraccedilotildees adequadas possuindo relativa liberdade de pensamento94

a despeito

das ideias de Marr no GAIMK

Esse periacuteodo inicial da arqueologia sovieacutetica assistiu agrave substituiccedilatildeo da

arqueologia preacutevia amadora por uma arqueologia profissionalizada com a formaccedilatildeo de

grande nuacutemero de acadecircmicos e uma coordenaccedilatildeo mais adequada de esforccedilos por todos

os territoacuterios da URSS Foi tambeacutem um periacuteodo no qual ocorria grande colaboraccedilatildeo

com autores do estrangeiro95

Uma das principais publicaccedilotildees na arqueologia do periacuteodo foi o periacuteodo Eurasia

Septentrionalis Antiqua cujo editor o finlandecircs Aarne Michaeumll Tallgreen (1885-1945)

foi relevante defensor da posiccedilatildeo normanista Tallgren publicaria em 1911 ldquoDie kupfer-

und bronzezeit in Nord- und Ostrussland Irdquo no qual analisaria a cultura arqueoloacutegica da

92

TRIGGER 207 93

TRIGGER 207 94

TRIGGER 208 95

TRIGGER 208

65

Idade do bronze do Volga-Kama enquanto produto de difusatildeo da expansatildeo sueca na

Ruacutessia Tallgreen publicaria artigos de autores russos em liacutenguas ocidentais como o

inglecircs francecircs e alematildeo num contexto em que a arqueologia europeia ainda

influenciava a produzida na Uniatildeo Sovieacutetica

A influecircncia difusionista da escola vienense de antropologia consistia na ideia

dominante entre os arqueoacutelogos e propiciava um campo intelectual apropriado para

ideias de escandinavos estrangeiros portadores de cultura no territoacuterio da Rus Neste

contexto inicial a circunstacircncia de lidar com a Cultura Material era para tais

pesquisadores ligaccedilatildeo suficiente com uma perspectiva materialista96

A posiccedilatildeo da primeira geraccedilatildeo de historiadores poacutes-revolucionaacuterios entretanto

natildeo eacute tatildeo facilmente rotulaacutevel como ldquonormanistardquo ou ldquoanti-normanistardquo O foco de

atenccedilatildeo dos pesquisadores passaraacute gradualmente da etnogecircnese para o estudo de

questotildees soacutecio-econocircmicas poreacutem neste processo conceitos antigos ainda perduraratildeo

consideravelmente A proacutepria visatildeo de uma arqueologia marxista monoliacutetica nas

deacutecadas subsequentes vecircm sido criticada como desconhecedora das nuances soacute

perceptiacuteveis com a anaacutelise de documentaccedilatildeo nem sempre acessiacutevel ou disponiacutevel ao

pesquisador ocidental apenas muito recentemente97

Entre 1917 e 1920 destacam-se dois trabalhos especiacuteficos referindo o problema

normando O primeiro eacute Drevneyshiye Sudby Rus skogo Plemeni (Os antigos

destinos da tribo russa) de Aleksei Aleksandrovitch Chakhmatov (1864-1920) Sua

criacutetica agrave crocircnica nestoriana seraacute fundamental para os posteriores anti-normanistas

sovieacuteticos Entretanto Shakhmatov manteacutem-se em um posicionamento analiacutetico que

insere a histoacuteria inicial da Rus em uma estrutura normana desenvolvendo uma teoria na

qual trecircs estados varegues teriam se sucedido ndash ideia que frutificaria na obra de

Platonov

A outra obra de PPSmirmov Волжский Путь и Древние Руси (Rota do

Volga e os antigos Rus) basearia-se fortemente nas obras de crocircnicas muccedilulmanos

medievais e centralizaria a influecircncia varegue na aacuterea do Volga98

Devemos ainda referir ao acadecircmico Brim que tentaraacute conciliar a ideia

normanista e a origem escandinava do termo Rus com a frequecircncia do termo Ros nas

96

TRIGGER 209 97

PLATONOVA 48 98

ZAKHARII 96

66

aacutereas mais meridionais do Dniepr e de Kiev argumentando que teria havia uma mistura

entre ambos componentes eacutetnicos e sociais

Tal estado favoraacutevel agrave manutenccedilatildeo de uma posiccedilatildeo normanista ou ao menos

conciliadora perduraraacute ateacute o final da deacutecada de 20 e iniacutecio da deacutecada de 30 Ainda em

1931 a enciclopeacutedia concisa sovieacutetica veicularia que a classe dominante entre os seacuteculos

9-11 era composta principalmente de varegues e chamada de Rus99

152 O periacuteodo Stalinista

A subida de Stalin ao poder alteraria drasticamente as ciecircncias sovieacuteticas Entre

os anos de 1928 a 1932 ocorreria a chamada ldquoRevoluccedilatildeo culturalrdquo bem como a

campanha para acomodar a intelligentsia aos princiacutepios marxistas sovieacuteticos

Os centros de pesquisa arqueoloacutegica regionais foram substituiacutedos por

departamentos de estudos regionais controlados pelo governo

A partir de 1930 os contatos entre acadecircmicos sovieacuteticos e estrangeiros foram

suprimidos100

Por certo tempo o GAIMK era o uacutenico local onde podia se encontrar

exemplares de publicaccedilotildees estrangeiras

O que seria considerado ldquomanifestordquo da nova arqueologia sovieacutetica marxista

seria publicado em 1929 por Vladislav Ravdonikas (1894-1976) O relatoacuterio publicado

no ano posterior como ensaio e intitulado ldquoPara uma histoacuteria sovieacutetica da cultura

materialrdquo foi lido em sessatildeo do GAIMK Criticava posiccedilotildees da antiga intelligentsia e

defendia sua substituiccedilatildeo por princiacutepios marxistas101

Nos anos seguintes ocorreu a perseguiccedilatildeo que passava pela demissatildeo ateacute

mesmo prisatildeo e exiacutelio de arqueoacutelogos que natildeo mudassem seus pontos de vistas

acomodando-os agraves novas configuraccedilotildees ideoloacutegicas

O proacuteprio Tallgren em virtude de suas criacuteticas a tais processos perdeu seu tiacutetulo

de ldquocidadatildeo honoraacuterio sovieacuteticordquo posteriormente agrave sua visita a Leningrado em 1935

A RANION foi substituiacuteda em 1932 por um ramo moscovita da GAIMK

denominado MOGAIMK O principal pensador nesse periacuteodo foi o proacuteprio Ravdonikas

99

ZAKHARII 98 100

TRIGGER 210 101

TRIGGER 210

67

mas a maior parte dos novos arqueoacutelogos carecia de experiecircncia ndash tanto no marxismo

quanto na arqueologia102

e a ausecircncia de muitas diretrizes nos escritos de Marx natildeo

tornava a tarefa da criaccedilatildeo de uma arqueologia marxista mais faacutecil

Ainda assim a arqueologia sovieacutetica foi pioneira no sentido de tentar explicar

mudanccedilas sociais por meio da Cultura Material antecedendo-se em suas formas

explicativas agrave proacutepria New-Archaeology ou Arqueologia Processualista explicando

mudanccedila no registro por meio de transformaccedilotildees internas das sociedades ao inveacutes de

recorrer de imediato agrave migraccedilatildeo e difusatildeo103

Evidentemente sob fortes restriccedilotildees

conceituais e sob a obrigatoriedade de enquadrar achados e teorias explicativas em

moldes marxistas e materialistas

Eacute significativo a niacutevel conceitual que a Arqueologia tenha nesse periacuteodo sido

ldquorebatizadardquo de ldquoHistoacuteria da Cultura Materialrdquo104

Um fator particularmente catastroacutefico para a teoria arqueoloacutegica sovieacutetica no

periacuteodo em questatildeo foi o predomiacutenio das ideias de Marr acerca da mudanccedila linguiacutestica

Elocubraccedilotildees bizarras foram criadas a fim de explicar mudanccedilas populacionais

O proacuteprio Ravdonikas seguindo os passos de Marr explicaria as modificaccedilotildees

culturais e eacutetnicas na Crimeacuteia na qual se sucederam Citas Godos e Eslavos como uma

mudanccedila de uma mesma populaccedilatildeo local tendo haviado uma evoluccedilatildeo linguiacutestica entre

as liacutenguas iranianas sucedidas pelas germacircnicas e finalmente pela eslava Tambeacutem

argumentaria que devido agrave tal sucessatildeo evolucionaacuteria local e a necessidade de

passagem por tais estaacutegios os godos da Crimeacuteia germacircnicos natildeo teriam qualquer

relaccedilatildeo com outros povos germacircnicos do oeste e norte ndash a evoluccedilatildeo linguiacutestica ocorria

independentemente105

Tal ideia seria abandonada apenas com Stalin em 1950 que salientaria em seu

ensaio ldquoSobre o marxismo na linguiacutesticardquo que os russos falavam russo antes da

revoluccedilatildeo e permaneceram o falando apoacutes a mesma

A despeito do avanccedilo teoacuterico ndash ao menos nas tentativas de explicaccedilatildeo social

com emprego da Cultura Material teacutecnicas tradicionais e consolidadas na Arqueologia

no Ocidente como construccedilatildeo de tipologias classificaccedilotildees e descriccedilotildees foram deixadas

102

TRIGGER 212 103

TRIGGER 217 104

KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica 1993 P21 105

TRIGGER 218

68

de lado designadas como metodologias ldquoburguesasrdquo o que gerou descompasso e atraso

consideraacutevel da arqueologia sovieacutetica em relaccedilatildeo agrave praticada no restante da Europa e

Ameacuterica

Apoacutes 1934 ocorreu um aumento consideraacutevel de estudos empiacutericos mais

convencionais e profissionais na arqueologia sovieacutetica A proacutepria insistecircncia em

ortodoxia poliacutetica e o risco de se ser contraacuterio a ela implicava que discutir teoria e

inovaccedilotildees na teoria marxista era tarefa perigosa106

Foram reinstituiacutedos os programas de poacutes-graduaccedilatildeo e defesas de teses e

dissertaccedilotildees e a Arqueologia ainda que continuasse enquanto um ramo da Histoacuteria foi

reconhecida enquanto disciplina recebendo a designaccedilatildeo especiacutefica de ldquoArqueologia

Soviacuteeticardquo para distinguiacute-la do que era chamado de ldquoArqueologia burguesardquo107

Em adiccedilatildeo aos projetos arqueoloacutegicos de larga escala iniciados em 1928

difundiram projetos de arqueologia de salvamento e iniciou-se a publicaccedilatildeo da

Советская Археология (ldquoArqueologia Sovieacuteticardquo)

Nos finais da deacutecada de 30 as discussotildees relativas agrave etnogecircnese ndash em particular

relativas aos povos eslaacutevicos e aos germacircnicos ndash assumiram grande importacircncia

discussatildeo agravada pelo contexto circundante da 2ordf guerra mundial As escavaccedilotildees de

Novgorod demonstrando elevado desenvolvimento urbano e mesmo a descoberta de

cartas escritas em cartas de beacutetula que demonstraram literamento em extratos sociais

fora do clero deram acircnimo a explicaccedilotildees nacionalistas acerca do progresso eslaacutevico no

medievo particularmente ldquorussordquo em relaccedilatildeo aos povos da Europa Ocidental

Destarte a influecircncia escandinava e o normanismo foram veementemente

rejeitados108

ainda que o predomiacutenio das teorias de Marr tornasse as explicaccedilotildees

referentes agrave etnogecircnese verdadeiros malabarismos teoacutericos

O uacuteltimo pensador a advogar a ideia normanista seria Brim que defenderia a

dualidade entre os nomes Rus oriundo de Ruotsi e em voga no norte e Ros ligado ao

sul e aos rios da bacia do Dnieper Griekov incluiria ideias do uacuteltimo em sua obra109

mas penderia definitivamente para o papel auto-suficiente dos eslavos e o surgimento

106

TRIGGER 221 107

TRIGGER 221 108

TRIGGER 225 109

ZAKHARII p97

69

da Rus enquanto entidade poliacutetica autoacutectone110

Eacute nesse periacuteodo que se desenvolveriam

as ideias de anti-normanistas importantes como Artamanov Iushkhov e Trubatcheacutev

Stalin reassentaria populaccedilotildees de todo o territoacuterio ocupado pela URSS de forma

a diluir minorias eacutetnicas e enfatizar uma pressuposta unidade de estado alterando

tambeacutem a interpretaccedilatildeo histoacuterica e arqueoloacutegica de forma a enfatizar unidades e

conexotildees ancestrais e milenares dentre seus povos constituintes111

ndash fossem elas reais e

embasadas ou natildeo Evidentemente em tais processos antigas atitudes de Pan-eslavismo

foram retomadas ressignificadas e empregadas de forma a legitimar a nova ordem em

particular a partir da deacutecada de 1940112

Em 3 de Novembro de 1947 Iakovlev resumiria o espiacuterito da questatildeo

normanista agrave academia sovieacutetica de entatildeo com sua declaraccedilatildeo no perioacutedico ldquoBolshevikrdquo

de que o normanismo era ldquopoliticamente danosordquo por ldquonegar a habilidade das naccedilotildees

eslavas de formarem um estado independente por seus proacuteprios esforccedilosrdquo113

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruschoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn

Ainda que descrito por alguns como problemaacutetico114

ou de crise115

o periacuteodo

posterior ao governo de Stalin permitiu que a interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica assumisse ares

distintos

Mais relevante no entanto foi a significativa liberalizaccedilatildeo pela qual passou a URSS

tanto a niacutevel acadecircmico quanto na sociedade em geral decorrente do chamado ldquodegelordquo

da administraccedilatildeo de Nikita Kruschoacutev enquanto primeiro secretaacuterio da URSS A relativa

abertura da URSS ao ocidente e a puacuteblica condenaccedilatildeo aos desfeitos de Staacutelin por

Kruschtchoacutev tiveram efeitos na academia na histoacuteria e arqueologia

A centralizaccedilatildeo especiacutefica das pesquisas arqueoloacutegicas foi diluiacuteda com a criaccedilatildeo

de outros centros O acesso a perioacutedicos estrangeiros tambeacutem se tornou mais faacutecil ainda

que sob a lente marxista-leninista que as compreendia enquanto produtos da sociedade

110

ZAKHARII p93 111

BARFORD 276 112

BARFORD 277 113

ЯКОВЛЕВ 1947 114

apud GENING 1982 em TRIGGER 226 115

apud SOFFER 19858-15 em TRIGGER 226

70

burguesa que deviam passar sob o crivo da criacutetica materialista116

As discussotildees dentro do marxismo tornaram-se mais complexas e multi-

facetadas por todo o contexto cultural sovieacutetico ndash incluindo a historiografia117

Ainda

assim a posiccedilatildeo normanista permaneceu condenada pela maioria dos acadecircmicos

sovieacuteticos ateacute a deacutecada de 1970 em particular aos ligados agrave chamada ldquoEscola de

Moscourdquo118

Nesse contexto destaca-se o nome de Liev Samoilovitch Klein mais conhecido

como Leon Klejn e que se tornaria voz ativa e de relevacircncia no estabelecimento de um

reavivamento das ideias normanistas dentro da proacutepria URSS Judeu oriundo da

Bieloruacutessia efetuaria seus estudos de poacutes-graduaccedilatildeo em Leningrado apoacutes ser forccedilado a

abandonar a universidade de Grodno por divergecircncias ideoloacutegicas119

Tendo estudado arqueologia com Mikhail Artamonov e filologia com Vladimir

Propp entre os anos de 1947 a 1950 Klejn criticaria as posiccedilotildees de Marr ato que natildeo

lhe trouxe consequecircncias mais seacuterias pela condenaccedilatildeo de tais ideias pelo proacuteprio Stalin

Trabalhando no departamento de arqueologia apoacutes 1960 Klejn tornar-se-ia

professor assistente do mesmo em 1962 mas completaria o grau equivalente a um

doutorado (Candidato de ciecircncias) apenas em 1968 sem conseguir defender sua tese

entretanto

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991)

Com a deposiccedilatildeo de Kruschoacutev e a subida de Breacutejnev ao poder muito de suas

medidas incluindo a abertura da URSS ao ocidente foram revertidas Entretanto foi no

periacuteodo do longo governo de Breacutejnev que a URSS atingiu status de superpotecircncia e no

qual sua populaccedilatildeo desfrutaria de melhorias econocircmicas e sociais consideraacuteveis A

ciecircncia tecnologia e a academia no geral avanccedilariam num processo de

profissionalizaccedilatildeo ainda maior

Tais melhorias no entanto natildeo perduraram sendo que o final do periacuteodo a

116

TRIGGER 227 117

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003

P123 118

BARFORD 233 119

ZAPATERO Gonzalo Ruiz Prefacio In KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica

1993 PVII

71

URSS entraria em marcada crise principalmente econocircmica

Na metade da deacutecada de 1960 Leon Klejn organizaria uma seacuterie de seminaacuterios

sobre o normanismo na tentativa de estabelecer uma posiatildeo normanista mais velada

parcial ou ao menos que sobrevivesse agraves restriccedilotildees da ideologia oficial Tal contexto

gerou debate entre o proacuteprio Klejn e Shaskolski Seria o que o proacuteprio Klejn chamaria

de ldquoterceiro picordquo de debate normanista na Ruacutessia (agora URSS) os dois primeiros

seriam Muumlller contra Lomonoacutessov e Pogodin contra Kostomarov120

Klejn desmembraria o conceito normanista no que ele chamaria de ldquosete

passosrdquo de acordo com os quais o mesmo era discutido na historiografia sovieacutetica 1) a

chegada dos escandinavos na antiga aacuterea eslava oriental 2) Fundaccedilatildeo de Kiev por eles

3) a origem escandinava do termo Rus 4) Influecircncias escandinavas na cultura eslava

oriental 5) Escandinavos como criadores do primeiro estado eslavo oriental 6)

Preferecircncia racial dos escandinavos como causa de seu sucesso 7) Influecircncas poliacuteticas

na situaccedilatildeo contemporacircnea os ldquogeniais escandinavosrdquo enquanto chefes e os eslavos

como seus subordinados121

Klejn argumentaria que seria possiacutevel a aceitaccedilatildeo dos cinco primeiros passos

tranquilamente sem qualquer risco de distorccedilatildeo da teoria marxista Seria perseguido

pelo regime e preso na deacutecada de 1980 por sua homossexualidade conseguindo

defender sua tese de doutorado apenas em 1994

No entanto de seus seminaacuterios e posicionamentos em Leningrado surgiria uma

nova vertente historiograacutefica na URSS favoraacutevel ao normanismo e oposicionista que

tornaria forma mais marcadamente a partir da deacutecada de 1980122

sendo chamada

geneacuterica e natildeo oficialmente de ldquoEscola de Klejnrdquo termo desfavorecido pelo proacuteprio

Klejn que atualmente aposentado na academia apoacutes lecionar na Universidade

Europeia de Satildeo Petersburgo eacute colunista na Troitski variant

Os estudos histoacutericos e arqueoloacutegicos na URSS seriam mais criticados e

problematizados nas deacutecadas de 70 e 80 abrindo espaccedilo importante a pensamentos

divergentes Formozoacutev por exemplo criticaria amargamente o estado da Arqueologia

120

WESTRATE Michael The ldquoNorman Problemrdquo in Historiography Nationalism and the Origins of

Russia In Vestnik the Journal of Russian and Asian Studies 08 de maio de 2007 Obtido em

lthttpwwwsrasorgnationalism_and_the_origins_of_russiagt Uacuteltimo acesso em 03092014 121

KLEJN Leo Normanism mdash antinormanism the end of the argument In Stratum plus Non-Slavic

Elements in the Slavic World 1999 N05 Pp 91-101 122

Apud LEBEDEV GS Epokha vikingov v Severnoi Europe Leningrad 1985 In BARFORD 233

72

sovieacutetica em seu artigo de 1977 ldquoCriacutetica das fontes em Arqueologiardquo123

Segundo ele um problema generalizado na Arqueologia sovieacutetica era o

procedimento de publicar conclusotildees e resultados da pesquisa sem os dados da pesquisa

em si O leitor leigo final ficaria com a impressatildeo de que os conflitos problemas e

dificuldades da interpretaccedilatildeo histoacuterico-arqueoloacutegica estariam resolvidos enquanto que

ao acadecircmico faltariam todas as premissas soacutelidas para construccedilatildeo do conhecimento124

Klejn referindo-se a Formozoacutev e agrave situaccedilatildeo cita a monografia de Danilenko ldquoO

neoliacutetico na Ucracircnia Capiacutetulos da Histoacuteria antiga do sudeste da Europardquo de 1969 cuja

periodizaccedilatildeo ndash razoavelmente detalhada ndash basear-se-ia apenas em materiais colhidos na

superfiacutecie sem sequer estudo estratigraacutefico ou escavaccedilotildees os proacuteprios materiais de

superfiacutecie foram empregados sem qualquer uso de serializaccedilatildeo125

O proacuteprio Formozoacutev viria a ser eleito membro do conselho de redaccedilatildeo da

Sovetskaia Arkheologia o que Klejn definiria como ldquoum bom sintomardquo De fato nesse

ambiente de retorno a um debate mais proacuteximo de uma conjuntura acadecircmica e

cientiacutefica foi possiacutevel o surgimento dessa nova escola normanista em particular em

Leningrado mantendo a polarizaccedilatildeo acadecircmica Leningrado - Moscou

Destacar-se-iam alguns pesquisadores nesse novo normanismo sovieacutetico cujas

obras perduram contemporaneamente AN Kirpichnikov EA Melnikova EN Nosov

e V Ia Petrukhin Dessa forma a posiccedilatildeo normanista assumiu uma conotaccedilatildeo poliacutetica

ativa no sentido de polarizar politicamente seus participantes entre oposiccedilatildeo (os

normanistas) e os suportadores do status quo (anti-normanistas)

Eacute inviaacutevel se empregar os termos ldquoesquerdardquo e ldquodireitardquo em suas acepccedilotildees

poliacuteticas mais empregadas no Ocidente ao se tratar de Uniatildeo Sovieacutetica126

destarte

optamos por ao inveacutes de se usar um improacuteprio ldquoesquerdardquo para caracterizar a

123

ФОРМОЗОВ ААО критике источников в археологии Ин Советская Археология 1977 Н 01

с05-14 124

ФОРМОЗОВ с10 125

KLEJN 1993 87 126

Norberto Bobbio resumindo e agrupamento a maior parte das definiccedilotildees pertinentes define como um

dos criteacuterios de maior relevacircncia para distinccedilatildeo entre Esquerda e Direita a igualdadedesigualdade

inserindo tambeacutem outras nuances ao debate como por exemplo a diacuteade liberdadeautoridade Segundo

tais criteacuterios a URSS possuiria uma poliacutetica de esquerda que no entanto pelas caracteriacutesticas proacuteprias e

especiacuteficas de um estado autoritaacuterio gerou outras formas de desigualdade Natildeo obstante a distinccedilatildeo e sua

discussatildeo permanecem vaacutelidas ainda que cinzentas o proacuteprio partido Ruacutessia Unida do qual faz parte

atualmente Vladiacutemir Putin por mais que consista em partido de situaccedilatildeo possui alas e divisotildees internas

que refletem a proacutepria divisatildeo direita-esquerda-centro Vide BOBBIO Norberto Direita e Esquerda

razotildees e significados de uma distinccedilatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Editora UNESP 1995[1994]

73

dissidecircncia em se empregar o conceito de ldquooposiccedilatildeordquo

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica

Na deacutecada de 1990 com o final da Uniatildeo Sovieacutetica transformaccedilotildees de grande

magnitude percorreram toda a sociedade da Ruacutessia e demais ex-repuacuteblicas sovieacuteticas

Na tentativa de se emular os aparentes sucessos das sociedades ocidentais instaurou-se

na Ruacutessia a cartilha neoliberal incluindo liberaccedilatildeo total dos preccedilos combate ao deacuteficit

puacuteblico e inflaccedilatildeo cacircmbio flutuante e consequente sobrevalorizaccedilatildeo do rublo e

privatizaccedilotildees127

Simplificando uma situaccedilatildeo complexa algumas das consequecircncias foram queda

relevante da produccedilatildeo industrial diminuiccedilatildeo de investimentos externos desemprego e

subemprego concentraccedilatildeo brusca de renda surgimento de uma classe de especuladores

queda na expectativa de vida e precariedade nos serviccedilos puacuteblicos128

O impacto em setores especiacuteficos como a sauacutede por exemplo eacute mensurado

estatisticamente O mesmo eacute mais difiacutecil na aacuterea de pesquisa e produccedilatildeo de

conhecimento Os danos agraves aacutereas ligadas aos serviccedilos puacuteblicos evidentemente atingiram

a aacuterea da Educaccedilatildeo e da Pesquisa incluindo estudantes subvencionados Ocorreu o

desmantelamento de uma grande quantidade de institutos e de equipes de pesquisa

construiacutedos por meio de uma longa e difiacutecil maturaccedilatildeo e dilapidados por meio de cortes

de verbas e salaacuterios reduzidos129

Em tal circunstacircncia o meio acadecircmico seraacute atingido duramente pela migraccedilatildeo

de ceacuterebros mas ao menos tempo ficaraacute razoavelmente livre de imposiccedilotildees ideoloacutegicas

e governamentais Merece destaque nessa deacutecada o trabalho efetuado por Yanin relativo

aos resultados de escavaccedilatildeo de Novgorod

Yanin ainda que analizando a complexidade eacutetnica da reigatildeo que envolvia fino-

uacutegricos e eslavos argumentaria que a evidecircncia arqueoloacutegica corroboraria o Chamado

127

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003 P

269 128

Idem p270 129

Idem ibidem

74

dos Varegues da Crocircnica Primaacuteria Russa130

A situaccedilatildeo perpassaria toda a deacutecada e passaria a reverter-se apenas no seacuteculo

XXI com o iniacutecio da chamada ldquoEra Putinrdquo que seria marcada por uma tentativa de

estabilidade econocircmica e retomada do crescimento131

O meio para tanto seria um papel

afirmativo diretivo e regulatoacuterio da parte do Estado levando ao fortalecimento de

outras contradiccedilotildees dentre as quais a mais marcada seria o recrudescimento de formas

autoritaacuterias na infante democracia russa Sem maiores surpresas seraacute nestes anos mais

recentes que novas discussotildees sobre o normanismo retomariam forccedila na Ruacutessia

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev

O iniacutecio da era Putin (2000-2008) foi marcado pela nostalgia em relaccedilatildeo aos

tempos de Stalin e o sentimento de necessidade de uma ldquomatildeo forterdquo O crescimento do

poder econocircmico privado associado agrave corrupccedilatildeo e redirecionamento das prioridades

nacionais levou a uma consequente diminuiccedilatildeo no estiacutemulo agrave pesquisa em determinados

campos da ciecircncia Neste periacuteodo a Arqueologia passou a receber o menor apoio do

estado jaacute registrado na histoacuteria russa e sovieacutetica menor ainda que nos anos turbulentos

de guerra civil proacuteximos a revoluccedilatildeo de 1917 O contexto eacute marcado por baixas

remuneraccedilotildees e diminuiccedilatildeo das posiccedilotildees acadecircmicas132

Natildeo obstante no iniacutecio de seu primeiro mandato enquanto presidente (2000-

2004) Vladimir Putin demonstrou acentuado interesse pela histoacuteria mais antiga e

recuada da Ruacutessia ainda que tal interesse tenha a presentado-se mais a niacutevel pessoal ou

na proacutepria construccedilatildeo de sua imagem Viajou pelo norte para Novgorod em 2001

quando o governador local tentou persuadiacute-lo que o local fora a mais antiga capital da

Ruacutessia Putin discutiria a ideia com historiadores e arqueoacutelogos mas focaria sua atenccedilatildeo

no papel de Kiev na histoacuteria da Ruacutessia bem como de que forma lidar com a situaccedilatildeo

apoacutes a independecircncia da Ucracircnia Os acadecircmicos foram unacircnimes em confirmar o papel

de relevacircncia de Novgorod mas tendo ressalvas em relaccedilatildeo agrave ideia do uso do passado

130

YANIN V L The archaeological study of Novgorod An Historical Perspective In The

Archaeology of Novgorod Russia The society for Medieval Archaeology 1992 Pp 67-106 131

REIS Filho 275 132

KLEJN Leo S Russia In SILBERMAN Neil Asher amp BAUER Alexander A (eds) The Oxford

Companion to Archaeology Oxford At the University Press 1996 P67

75

mais remoto para construccedilatildeo de uma ideia nacional133

Putin manteve-se com seu projeto mas transferindo a atenccedilatildeo para ainda no

norte Staraia Ladoga culminando na celebraccedilatildeo de 1250 anos da cidade em 2003 apoacutes

decreto presidencial Os jornais e a miacutedia descreveram na ocasiatildeo Staraia Ladoga como

a ldquoprimeira capital da Ruacutessiardquo134

Putin chegaria ao local de barco o que evocaria concientemente para

Shnirelman a proacutepria chegada dos Varegues reforccedilando o simbolismo e a tentativa de

Putin de no iniacutecio de seu mandato associar-se agrave ideia da proacutepria criaccedilatildeo do primeiro

ldquoestadordquo russo Para o presidente o nacionalismo russo tinha de basear-se em sua

ldquoproacutepria histoacuteriardquo 135

Eacute interessante no entanto que a iniciativa de Putin por mais ideoloacutegica que

tenha sido coexiste com aparente interesse pela histoacuteria mais antiga da Ruacutessia e com

tentativas de tomar liccedilotildees do passado para o presente Nesse sentido antes de efetuar

malabarismos teoacutericos e de ir contrariamente agrave maioria dos acadecircmicos Putin

demonstraria comportamento mais pragmaacutetico tentando empregar ideologicamente da

melhor forma possiacutevel a evidecircncia aceita unanimemente

No caso da origem russa a ecircnfase de Putin seria no desenvolvimento do norte

particularmente Staraia Ladoga e neste sentido de tomada de liccedilotildees e tentativas de

interpretaccedilatildeo Putin viria a sugerir que o desenvolvimento da cidade deu-se como

resultado da ldquointegraccedilatildeordquo dos povos ndash comparaccedilatildeo clara com seu proacuteprio projeto de

uma Ruacutessia novamente hegemocircnica Uma posiccedilatildeo raramente respeitosa agrave interpretaccedilatildeo

acadecircmica por parte de um estadista russo que ao inveacutes de tentar banir a ideia

normanista procuraria dela aprender liccedilotildees e aplicaccedilotildees

O interesse de Putin no siacutetio diminuiria em 2004 e entraria em decliacutenio No

entanto Putin providenciaria suporte financeiro para escavaccedilotildees em Novgorod e Staraia

Ladoga no iniacutecio de seu segundo mandato (2004-2008)

Por sugestatildeo de Medveded ndash no momento em questatildeo chefe de sua

133

SHNIRELMAN Victor Archaeology and the National Idea in Eurasia In HARTLEY Charles

YAZICIOĞLU Bike amp SMITH Adam (eds) The Archaeology of Power and Politics in Eurasia

Regimes and Revolutions Cambridge at the University Press 2012 P25 134

BBC amp Channel One TV Moscow ldquoRussian president discusses problems with local authority

representativesrdquo 17072003 In lthttpwwwrussialistorgarchives7254-12phpgt Uacuteltimo acesso em

28102014 135

SHNIRELMAN 2012 26

76

administraccedilatildeo poreacutem Putin visitaria em 2005 o centro Histoacuterico-Arqueoloacutegico de

Arkaim no sul dos montes Urais O siacutetio de Arkaim escavado na deacutecada de 1990 foi

declarado pelos arqueoacutelogos locais como a terra de origem dos Indo-Arianos Iniciou-se

entatildeo um novo projeto de ideia nacional estimulado pelo proacuteprio arqueoacutelogo que

escavara o local Guennadi Zdanovitch encarado com reservas por Putin136

Num momento em que as tentativas de atribuir ascendecircncia eslava a Rurik

enfrentava grandes dificuldades e sua associaccedilatildeo agrave ideia da construccedilatildeo de um estado

russo trazia problema ao nacionalismo dos russos Arkaim apresentava-se como

alternativa atraente ampla tanto pelas implicaccedilotildees mais vastas das migraccedilotildees indo-

arianas como pela questatildeo do autoctonismo da populaccedilatildeo ali vivendo e sua ligaccedilatildeo

direta com os eslavos137

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de

Falsificaccedilatildeo da Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio

de 2009 a 14 de fevereiro de 2012)

Com o final do segundo mandato de Putin elegeu-se Dmitri Medvedev com

Putin como primeiro ministro Em 15 de maio de 2009 o entatildeo presidente Medvedev

criou por meio de decreto presidencial uma comissatildeo com o intuito de ldquodefender a

Ruacutessia contra falsificadores da Histoacuteriardquo e ldquocontra aqueles que quiserem negar a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica na Segunda Guerra Mundialrdquo138

A comissatildeo foi liderada pelo chefe de estado Serguei Narichkin e composta por

antigos membros do Duma como Serguei Markov e Natalia Narotchnitskaia bem como

por oficiais das forccedilas armadas e do serviccedilo de inteligecircncia De 28 membros 5 eram

historiadores a proacutepria Natalia Narotchnitskaia Andrei Artizov (chefe da agecircncia de

arquivo federal) Aleksandr Chubarian (chefe do instituto de Histoacuteria Mundial da

Academia russa de Ciecircncias) Andrei Sakharov (chefe do Instituto de Histoacuteria russa da

136

RIANOVOSTI 16052005 ldquoPutin visits Arkaim Museum-Reserve in Chelyabinsk Regionrdquo In

lthttpenriarusociety2005051640361770htmlgt Uacuteltimo acesso em 28102014 SHNIRELMAN

2012 27 SHNIRELMAN Victor A Russian Response Archaeology Russian Nationalism and the

ldquoArtic Homelandrdquo In KOHL Philip L KOZELSKY Mara BEN-YEHUDA Nachman (eds) Selective

Remembrances Archaeology in the Construction Commemoration and Consecration of National Pasts

Chicago At the University Press 2008 [2007] p46 137

SHNIRELMAN 2012 27 138

O decreto estaacute disponiacutevel online nos arquivos do Kremlin УКАЗ президента Российской

Федерации О комиссия при президенте Российской Федерации по противодействию попыткам

фальсификации истории в ущерб интересам России

lthttpdocumentkremlinrupageaspx1128040gt Uacuteltimo acesso em 11092014

77

Academia russa de Ciecircncias) e Nikolai Svanidze

Narichkin acusaria Letocircnia e Lituacircnia de ldquoreescreverrdquo e ldquopolitizarrdquo a histoacuteria

Estocircnia e Letocircnia de defesa do nazi-fascismo defendendo que a tarefa da comissatildeo

seria analisar falsificaccedilotildees de fatos histoacutericos que pudessem manchar a reputaccedilatildeo

internacional da Ruacutessia139

Evidentemente a comissatildeo foi vista com maus olhos

internacionalmente gerando atrito com os paiacuteses Baacutelticos em particular na Letocircnia140

Geoacutergia Ucracircnia141

e antigos paiacuteses da Cortina de Ferro como a Polocircnia142

que

consideram a ocupaccedilatildeo sovieacutetica como uma atitude hostil Posiccedilotildees que negassem a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica contra o nazismo foram criminalizadas143

e no caso de paiacuteses

cujas interpretaccedilotildees contradissessem a ldquohistoacuteria oficialrdquo da comissatildeo os mesmos

deveriam sofrer sanccedilotildees ndash caso particular e especiacutefico dos paiacuteses Baacutelticos e as

interpretaccedilotildees sobre os julgamentos de Nuremberg144

Dentro da proacutepria Ruacutessia a comissatildeo encontrou criacuteticas de vozes importantes

como de Mikhail Gorbatchoacutev145

Eacute evidente o caraacuteter autoritaacuterio e de revisionismo

histoacuterico da comissatildeo De nosso interesse direto entretanto eacute que a despeito do foco

principal da comissatildeo na histoacuteria contemporacircnea o normanismo foi considerado como

uma das temaacuteticas perigosas pela comissatildeo

O responsaacutevel por tal enquadramento foi Andrei Sakharov Em entrevista agrave TV1

efetuada dois meses depois anunciaria que uma das mais ldquoameaccediladoras falsificaccedilotildeesrdquo

139

ldquoКомиссия против фальсификации истории обещает не переписывать книги и не учить

ученыхrdquo In newrucom 17 de junho de 2009 lthttpwwwnewsrucomrussia17jun2009historyhtmlgt

Uacuteltimo acesso em 11092014 140

Por exemplo na tentativa de reabilitaccedilatildeo de condenados por crimes de guerra como Vassili Kononov

ldquoКремлевская комиссия займется делом Кононоваrdquo In delfilv 20 de maio de 2009

lthttprusdelfilvnewsdailypoliticskremlevskaya-komissiya-zajmetsya-delom-

kononovadid=24659049gt Uacuteltimo acesso em 11092014 141

ldquoMedvedev Forms a Commision to Protect Russian Historyrdquo In Jamestown Fundation from Eurasia

Daily Monitor V 06 Issue 98

lthttpwwwjamestownorgsingleno_cache=1amptx_ttnews5Btt_news5D=35018amptx_ttnews5Bbac

kPid5D=13ampcHash=6729b2258eVBH8o_ldXX4gt Uacuteltimo acesso em 11092014 142

lthttponlinewsjcomnewsarticlesSB124277297306236553mg=reno64-

wsjampurl=http3A2F2Fonlinewsjcom2Farticle2FSB124277297306236553htmlgt Uacuteltimo

acesso em 11092014 143

ldquoRussia Moves to Ban Criticism of WWII Winrdquo In Time 08 de maio de 2009

lthttpcontenttimecomtimeworldarticle08599189692700htmlgt Uacuteltimo acesso em 11092014 144

FILATOVA Irina Medvedevs new Russian orthodoxy Postwar Soviet history is to be revised with

official sanction and transgressions from the approved version could lead to prison In The guardian 21

de maio de 2009 lt httpwwwtheguardiancomcommentisfree2009may21russia-medvedev-historygt

Uacuteltimo acesso em 02102014 145

ldquoGorbachev blasts Kremlin managed democracy in Russiardquo In dnaindiacom 22 de maio de 2009

lthttpwwwdnaindiacomworldreport-gorbachev-blasts-kremlin-managed-democracy-in-russia-

1258111gt Uacuteltimo acesso em 11092014

78

da histoacuteria russa era o normanismo que estaria se espalhando novamente Inspirada por

organizaccedilotildees e instituiccedilotildees estrangeiras que financiariam ldquoatividades destrutivasrdquo de

alguns acadecircmicos russos146

Suas iniciativas encontraram tamanha oposiccedilatildeo que

Sakharov viu-se forccedilado a se aposentar Apoacutes a circunstacircncia o normanismo passou a

ser encarado como ldquovitoriosordquo e encontra-se em voga147

mas julgamos leviano

pressupor uma situaccedilatildeo fechada

Na proximidade da transiccedilatildeo posterior do governo com um terceiro mandato de

Putin a comissatildeo seria encerrada No entanto levando-se em consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo

poliacutetica russa no momento de escrita desta tese o nacionalismo e expansionismo russo

agravam-se com a situaccedilatildeo de anexaccedilatildeo da Crimeacuteia e conflitos na Ucracircnia As

discussotildees envolvendo a Ucracircnia tensotildees com Paiacuteses Baacutelticos e OTAN trazem a tona

novamente as antigas discussotildees relativas ao Ocidente e sua relaccedilatildeo com a Ruacutessia ndash de

fato o eixo mais sensiacutevel e particularmente ligado com a situaccedilatildeo normanista que

evoca o papel do Ocidente nas questotildees internas russas ou em suas aacutereas de influecircncia

A ideia de um projeto nacional de legitimizaccedilatildeo do estado russo com o uso das

ciecircncias histoacutericas permaneceraacute em pauta Eacute particularmente relevante ao se efetuar tal

panorama a percepccedilatildeo de que quiccedilaacute as ideias histoacutericas de Putin em relaccedilatildeo a Kiev e o

atual territoacuterio ucraniano natildeo estiveram dormentes Os efeitos da mudanccedila de foco do

norte para o sul ainda traratildeo desenvolvimentos posteriores agrave discussatildeo normanista

Seguir adiante com mais conclusotildees no presente momento eacute conjectura

162 A academia russa hoje

Por fim em adiccedilatildeo a autores jaacute atuantes nos debates Moscou X Leningrado

como Elena Melnikova destacam-se nesta uacuteltima deacutecada e meia os trabalhos de

Tatijana Jackson e de diversos pesquisadores ligados agrave Academia Russa de Ciecircncias

como Galina Glazyrina Elena Gurevitch Fiodor Uspenskii bem como de outras

instituiccedilotildees russas como Glieb Kazakov (da Russian State University) Tatiana

146

GAZEAU Veacuteronique amp MUSIN Alexandre Normannism and Anti-Normannism In Liberteacute pour

lacuteHistoire 24 de marccedilo de 2010 lthttpwwwlph-

assofrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=1393Anormannisme-et-

antinormannismeampcatid=313Adossier-russieampItemid=78amplang=engt Uacuteltimo acesso em 21042014 147

Entrevista КУЗНЕЦОВ Алексей (entrevistado) amp БУНТМАН Сергей (entrevistador)

Ломоносов и норманская теория в истории lthttpwwwechomskruprogramsnetak799397-

echogt

79

Cheniavskaia (Moscow State University)

A uacuteltima geraccedilatildeo de acadecircmicos tem natildeo apenas se enquadrado de forma

marcadamente normanista em suas posiccedilotildees mas tambeacutem tem encontrado boa inserccedilatildeo

no meio internacional produzindo conhecimento especiacutefico sobre o medievo

escandinavo ndash natildeo necessariamente atendo-se apenas agraves relaccedilotildees entre os mesmos e o

leste mas adicionando estudos sobre diversas aacutereas ligadas aos mesmos como

epigrafia runologia estudo literaacuterios histoacutericos e arqueoloacutegicos das sagas

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula

A temaacutetica russo-escandinava em solo brasileiro eacute praticamente ineacutedita Em

adiccedilatildeo a poucos artigos publicados e a obra de Celso Taveira148

centralizada mais

especificamente nas origens e desenvolvimento da Rus e suas relaccedilotildees no mundo

ortodoxo e bizantino existe uma uacutenica e particularmente notaacutevel obra de maior

extensatildeo sobre o tema a tese de doutoramento ldquoO comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de

Kievrdquo publicada em 1942 por Euriacutepedes Simotildees de Paula e que incorpora uma

relevacircncia institucional para a Universidade de Satildeo Paulo por diversas razotildees

O professor Euriacutepides Simotildees de Paula catedraacutetico de Histoacuteria Antiga na

Universidade de Satildeo Paulo foi pioneiro no estudo de diversas aacutereas no Brasil e

publicou diversos trabalhos que percorriam temaacuteticas inusitadas e pouco estudadas

fosse no quesito de recorte ou na abordagem historiograacutefica tomada

Sua tese de doutoramento foi pioneira natildeo apenas tematicamente foi a primeira

tese de doutorado em histoacuteria a ser defendida na proacutepria Universidade de Satildeo Paulo149

Orientada por Jean Gageacute foi defendida em 13 de setembro de 1942 sendo a banca

composta pelo proacuteprio Jean Gageacute (presidente) Pierre Monbeig Conde Emanuel de

Bennigsen Pliacutenio Ayrosa e Alfredo Ellis Junior150

148

TAVEIRA Celso Da primeira agrave terceira Roma A commonwealth bizantino-eslava e seu impacto na

formaccedilatildeo da Ruacutessia 2008 Relatoacuterio de Poacutes Doutorado ndash Universidade Estadual Paulista Campus de

Assis 149

EL MURR Victoacuteria Namestnikov amp EL MURR Joubran O Comeacutercio Varegue e o Gratildeo-Principado

de Kiev In SOUZA Antonio Candido de Mello et alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de

Paula artigos depoimentos de colegas alunos funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo

Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 pp 406 amp 409 150

EL MURR amp EL MURR 406

80

Euriacutepedes foi capaz de reunir a bibliografia disponiacutevel no Ocidente muito dela

parte de sua proacutepria e vasta biblioteca pessoal que disponibilizaria depois para os

alunos151

O acesso agrave tese foi difiacutecil por 30 anos pela existecircncia de poucos e antigos

exemplares difundiu-se por vezes por coacutepias mimeografadas e datilografadas152

Finalmente em 1972 ela foi reimpressa sem uma complementaccedilatildeo desejada pelo seu

autor Passaram-se mais de duas deacutecadas sem tentativa alguma de continuidade ao

trabalho pioneiro de Euriacutepedes153

Os trabalhos posteriores natildeo estariam focados na Rus kievita ou na questatildeo dos

varegues referindo-as de passagem ou parcialmente

Em relaccedilatildeo agrave proacutepria controveacutersia Euriacutepedes tem posiccedilatildeo clara e definida

exposta jaacute em sua introduccedilatildeo para ele o principado de Rus rdquoeacute obra dos Normandos que

se lanccedilam sobre a Europa desde o final do seacuteculo VIIIrdquo154

Natildeo obstante ele a discute em razoaacutevel detalhe ainda mais tendo-se em conta a

data de publicaccedilatildeo e o acesso difiacutecil agrave biliografia no tempo em questatildeo155

Inicia pela

etimologia dos nomes Rus e Varegue156

concluindo que os Rus eram escandinavos157

e

que o nome varegue possui a mesma origem158

Euriacutepedes de Paula considera que o chamado dos varegues contido na crocircnica de

Nestor consistiria em uma ldquojustificativardquo de uma posse jaacute efetiva das terras eslavas da

parte dos escandinavos159

O autor adiciona pontos interessantes e intriacutensecos agrave discussatildeo que sustentam

um domiacutenio jaacute consolidado e preacutevio dos varegues sobre o principado russo Conquanto

a crocircnica nestoriana date a chegada de Riurik em Novgorod em 862 e o domiacutenio de

Kiev por seus descendentes em 881 consta que em 860 durante o reinado de Miguel III

ocorreu um ataque dos Rus a Bizacircncio o que pressuporia uma forccedila jaacute organizada e

relativamente consolidada Os Annales Bertiniani que jaacute citamos a respeito da origem

escandinava dos Rus fala sobre o reinado de Luis o Piedoso entre 814 a 840 e cita a

151

Idem 152

Idem 407 153

Idem 408 154

PAULA 06 155

PAULA 05 amp EL MURR amp EL MURR 406 156

PAULA 14-22 157

Idem 18 158

Idem 21s 159

Idem 24

81

chegada de uma embaixada dos Rus ndash pelo autor como suecos ndash durante o reinado do

bizantino Teoacutefilo ndash entre 829 a 842 portanto160

Dada a data de escrita e o jaacute banimento do normanismo na URSS enquanto

possibilidade explicativa e considerando-se que Euriacutepedes chegou a consultar

bibliografia de autores russos eacute razoaacutevel supor que o mesmo optou conscientemente

pela sua tomada de posiccedilatildeo seja alinhando-se politicamente com o consenso ocidental

seja por convencimento da evidecircncia analisada Parece-nos mais provaacutevel que esta

uacuteltima afirmativa esteja mais proacutexima da verdade como se depreende de seu trabalho

Euriacutepedes natildeo chegaria a visitar a Uniatildeo Sovieacutetica ou a consultar qualquer

bilbiografia in loco Era conhecido por alguns acadecircmicos sovieacuteticos interessados em

estudos brasileiros e na Revista de Histoacuteria da USP como Lev Slioacuteskin com o qual

travou conhecimento em 1965 em congresso efetuado em Viena em conversa em

francecircs Quanto ao proacuteprio domiacutenio de Euriacutepedes sobre o tema de sua tese nas palavras

de Slioacuteskin Euriacutepedes era ldquouma pessoa de imensa erudiccedilatildeo certo na histoacuteria antiga da

Ruacutessia ()rdquo161

160

Idem 27 161

SLIOSKIN Lev Euriacutepedes de Paula na Uniatildeo Sovieacutetica In SOUZA Antonio Candido de Mello et

alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de Paula artigos depoimentos de colegas alunos

funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 P 564

82

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e finalizando a

1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo Fonte EL MURR amp

EL MURR 409

Euriacutepedes orientaria trecircs teses de doutoramento que tocariam na questatildeo russo-

medieval Foram as teses de Marcos Margulies ldquoEvoluccedilatildeo dos contatos intergrupais na

Europa da Idade Meacutedia atraveacutes do relacionamento entre judeus e russosrdquo defendida em

1970 de Niko Zuzek ldquoRazotildees da recusa do gratildeo principado de Moscou agrave uniatildeo

florentinardquo defendida em 1972 e de Victoacuteria Namestnikov El Murr ldquoPoema russo do

seculo xii o dito da expediccedilatildeo de Igorrdquo tambeacutem defendida em 1972

Os impactos e desenvolvimentos desses trabalhos entretanto foram pequenos

no sentido da criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de estudos da Ruacutessia medieval ndash o que dizer

entatildeo de uma historiografia mista russo-escandinava Alguns reflexos tardios de tais

trabalhos podem ser percebidos por exemplo na notaacutevel publicaccedilatildeo em 2000 de uma

traduccedilatildeo do ldquoCanto da campanha de Igorrdquo por Maria Aparecida BP Soares162

Eacute digno

de nota que em suas referecircncias a uacutenica obra especiacutefica brasileira no tema seja o

162

SOARES Maria Aparecida BP Priacutencipe Igor ou o canto da campanha de Igor Rio de Janeiro

Francisco Alves 2000

83

trabalho de Victoacuteria Namestnikov El Murr em meio a publicaccedilotildees russas e algumas

obras de referecircncia geral em liacutenguas latinas ou inglecircs

O comentaacuterio de Soares agrave traduccedilatildeo natildeo faz menccedilatildeo alguma agrave situaccedilatildeo

escandinava descrevendo rapidamente a formaccedilatildeo da Ruacutessia de Kiev como produto

apenas dos povos eslavos sem sequer a menccedilatildeo dos varegues163

e devendo muito mais

ao comentaacuterio consagrado de Likhatchov em ediccedilatildeo de 1967164

e agrave ldquoHistoria de La

URSS165

rdquo do que agrave diminuta produccedilatildeo brasiacutelica sobre o tema

A tese de Margulies seria publicada em 1971 pela Bloch como ldquoOs Judeus na

Histoacuteria da Ruacutessia166

rdquo ndash nome evidentemente mais atrativo em termos de mercado

Historiograficamente eacute trabalho que mais incorporaria as ideias de Euriacutepedes sobre o

normanismo ainda que os varegues consistam em parte pequena da obra ndash o primeiro

capiacutetulo apenas

Neste eacute interessante notar que o autor natildeo se deteacutem nas questotildees e implicaccedilotildees

historiograacuteficas do normanismo na historiografia russa O maacuteximo que o autor propotildee-

se a discorrer sobre a questatildeo eacute um paraacutegrafo explicativo no proacuteprio sumaacuterio

ldquoEste capiacutetulo trata de um curioso e razoavelmente

desconhecido Estado russo criado pelos normandos nos territoacuterios

depois transformados em Ruacutessia estado gerado e gerido pelos grupos

germacircnicoso que ateacute os nossos dias aborrece a oficial historiografia

sovieacuteticaembora o fato ocorresse haacute mais de mil anosrdquo167

Transparecem nesse resumo algumas ideias subjacentes ao trabalho uma

oposiccedilatildeo entre geneacutericos quase monoliacuteticos grupos ldquoeslavosrdquo e ldquogermacircnicosrdquo (no

prefaacutecio o autor iraacute enfatizar tal oposiccedilatildeo enquanto um ldquoantagonismo () eslavo-latinos

contra os franco-germanosrdquo) e uma certeza de falta de necessidade de discussatildeo

historiograacutefica ndash como afirmamos a pouco Margulies se porta em relaccedilatildeo agrave questatildeo

como se o normanismo seja um fato dado consumado comprovado e longe de qualquer

duacutevida

163

SOARES 12 164

Listada em suas referecircncias como ldquoLIKHATCHOV Dmitri S Slovo o polku Igoreve Gueroiacutetcheskii

proacutelog ruacutesskoi literatury (O canto da campanha de Igor Proacutelogo heroico da literatura russa) Leningrado

Izdaacutetelstvo ldquoKhudoacutejestvennaia literaturardquo 1967rdquo 165

HISTORIA DE LA URSS Moscou Instituto de Historia de la academia de Ciecircncias de la URSS amp

Editorial Progreso 1977 166

MARGULIES Marcos Os judeus na histoacuteria da Ruacutessia Rio de Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1971 167

MARGULIES ldquoSumaacuteriordquo

84

Partindo da divisatildeo norte-sul da Rus no medievo com um nuacutecleo ao norte em

Novgorod e outro ao sul em Kiev ele defende ndash novamente como fato dado e sem

maiores discussotildees historiograacuteficas - um gerenciamento estrangeiro no primeiro estado

russo e uma superioridade dos primeiros em relaccedilatildeo aos segundos ao menos no quesito

mercantil Em suas proacuteprias palavras

ldquoGerados pelos interesses comerciais dos povos mercantilmente

evoluiacutedos ndash os normandos ao norte e os bizantinos no Sul () rdquo168

Margulies iraacute reafirmar constantemente o papel dominante dos varegues em

relaccedilatildeo aos eslavos orientais e mesmo o domiacutenio dos mesmos em relaccedilatildeo a outros

mercadores a percorrer a regiatildeo incluindo os judeus ndash que se tratam do foco central de

seu livro169

Para ele os escandinavos ldquono Ocidente contruiacuteram a Inglaterra e no Oriente

a Ruacutessiardquo170

ainda que afirmando a raacutepida assimilaccedilatildeo dos mesmos nas populaccedilotildees com

as quais lidavam e a ausecircncia de vestiacutegios posteriores nos proacuteprios estados

Dessa forma seu trabalho endossa ponto a ponto o normanismo ldquoclaacutessicordquo

desde o chamado dos varegues na crocircnica nestoriana aos nomes escandinavos dos

governantes171

e os tratados bizantinos172

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro

Designaccedilotildees como ldquoEuropa Orientalrdquo paiacuteses da antiga Cortina de Ferro ou

antigo ldquoBloco Orientalrdquo ainda que bastante difundidas e empregadas jaacute natildeo mais se

sustentam de forma cabal em particular ao se tratar de suas historiografias locais

As especificidades e subdivisotildees culturais encontradas nos mesmos satildeo

marcantes e suas relaccedilotildees institucionais com a Ruacutessia e URSS satildeo igualmente diversas

Os paiacuteses baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) possuem passado de rancor e

disputa ideoloacutegica com a Uniatildeo Sovieacutetica e sua historiografia medieval reflete tal

circunstacircncia

168

MARGULIES 15 169

Idem 18 170

Idem 20 171

Idem 23 172

Idem 26

85

Concomitantemente na Estocircnia e Letocircnia ocorreu contato intenso com a

Escandinaacutevia em eacutepocas jaacute anteriores ao proacuteprio periacuteodo viking e a historiografia

contemporacircnea da regiatildeo considera a temaacutetica normanista como ponto jaacute resolvido

inclusive ultrapassado em um cenaacuterio nacional agravado pela dificuldade de fundos e

estiacutemulo agrave pesquisa173

Anti Selart chamaraacute a questatildeo de ldquorelevanterdquo apenas nos anos 50 a 60 e ligada

na Estocircnia sovieacutetica enquanto reaccedilatildeo ao livro ldquoNordische Mission Revals Gruumlndung

und die Schwedensiendlung in Estlandrdquo de Paul Johansen publicado em 1951 em

Estocolmo174

o que demonstra inclusive uma falta de paridade e atualizaccedilatildeo de parte

dos acadecircmicos do Baacuteltico em relaccedilatildeo aos recentes desenvolvimentos da controveacutersia

na Ruacutessia

Com o final da URSS outras naccedilotildees de substrato eslavo como Polocircnia e

Tcheco-eslovaacutequia abandonariam as tentativas pan-eslavistas de explicar o

desenvolvimento antigo de suas sociedades como atingidos pelos eslavos isoladamente

antes aceitando ndash muitas vezes apressadamente ndash quaisquer tentativas de conexatildeo com a

Europa Ocidental em movimento paralelo agrave expansatildeo da Comunidade Europeia para o

leste175

Em tal contexto de receacutem-aberto debate o normanismo assume retomado vigor

natildeo sem embate com as velhas ideias

A Polocircnia teve lugar de destaque na discussatildeo normanista Trecircs dos principais

acadecircmicos a discutir a questatildeo e influenciar a situaccedilatildeo da mesma tiveram origem

polonesa Henryk Łowmiański (1898-1984) Henryk Paszkiewicz (1897-1979) e Jogravezef

Sȩkowski176

Łowmiański foi autor de obras de grande volume destacam-se Prusy pogańskie

(1935) (Os antigos prussianos) ldquoZagadnienie Normanow w genezie panstw

slowianskich (1957)rdquo (O problema dos normandos na gecircnese os estados eslavos)

Początki Polski (6 vol) Studia nad dziejami Słowiańszczyzny Polski i Rusi w wiekach

średnich (1986)

173

SELART A Saksa doktorike Meie Mommsen Akadeemia 18(8) 1836 -1849 2006 ϹЄЛАРТ А

Начало городской жизни в средневековой Ливонии и Руси Балтия в контексте Северного

пространства От Средневековья до 40-х годов XX века Институт всеобщей истории РАН - М

Изд-во Института всеобщей истории РАН (ИВИ) 2009 С 84-102 Troca de emails com profs Drs

Anti Selart e Dr Heiki Valk da Universidade de Tartu em janeiro de 2014 Entrevista pessoal com prof

Dr Andrejs Vasks na Latvijas Universitate julho de 2013 174

Anti Selart Email pessoal para Andreacute Muceniecks em 17012014 175

BARFORD PM The Earl Slavs Ithaca amp New York Cornell University Press 2001 P 282 176

ZAKHARII 76

86

Łowmiański discordava da derivaccedilatildeo de Rus de Ruotsi argumentando que

talvez ldquoRusrdquo tivesse a ver com o antigo noacuterdico raueth ldquovermelhordquo Nas liacutenguas eslaacutevicas

haveria o cognato em termos derivados de ldquorusyrdquo que significaria avermelhado

amarronzado pendendo para o vermelho significando alguma caracteriacutestica territorial

ou como sugeriria o norueguecircs Haringkan Stang pessoas com o cabelo avermelhado

Para Łowmiański o termo Rus surgira no meacutedio Dnieper aplicaria-se depois ao

estado ali e surgido e mais posteriormente generalizado aplicaria-se com uma

conotaccedilatildeo mais eacutetnica e social Mais posteriormente aventaria a hipoacutetese de que

implicaria uma organizaccedilatildeo militar originada na regiatildeo do Ladoga consistindo de

elementos mistos eslavos escandinavos e fino-uacutegricos mas com predomiacutenio eslaacutevico

destarte Łowmiański enquadrou-se ainda que de forma matizada no espectro anti-

normanista da controveacutersia

Em breve retornaremos a Paszkiewicz

Falta por fim uma anaacutelise da historiografia da qual noacutes propriamente mais

bebemos em nossa pesquisa a historiografia anglo-saxatilde no sentido de se expressar em

liacutengua inglesa Longe de ser formada apenas de estudiosos anglo-americanos eacute formada

tambeacutem em grande parte de russos ucranianos e poloneses emigrados para Estados

Unidos Reino Unido e Escandinaacutevia que produziram a maior parte da historiografia

acessiacutevel e influente no ocidente

Nesse grupo inserimos o jaacute mencionado Paszkiewicz os Riasanowsky George

Vernadsky Omeljan Pritsak Wladyslaw Duczko Simon Franklin Jonathan Shepard e

Thomas Noonan

Afirmamos anteriormente que Vernadsky apesar de normanista ldquodeclaradordquo natildeo

aceita como corretas algumas pressuposiccedilotildees caras aos normanistas ldquoclaacutessicosrdquo Dentre

estas destaca-se sua discordacircncia da etimologia do nome Rus enquanto derivaccedilatildeo do

escandinavo Rhodslagen e fino-uacutegrico Ruotsi

Antes adota a ideia de origem e matiz anti-normanista de uma conexatildeo

meridional do nome oriundo de Ros Vernadsky associa-o a diversos hidrocircnimos

originaacuterios de populaccedilotildees antigas das estepes como Rukh-As ou Roc-As mais

especificamente ao nome ΄ρωϛ (hros) Seu primeiro expositor foi Diakonov que analisa

o Pseudo-Zacharias Rhetor de 555 Tal fonte segundo Diakonov citaria certos Hros

87

como populaccedilotildees nomaacutedicas huacutenicas do norte do Caacuteucaso

Jaacute citamoa a pouco que essa ideia foi desacreditada e mesmo ridicularizada por

Omeljan Pritsak177

que demonstra que o relato na verdade eacute uma versatildeo oriunda do

meacutedio-persa da histoacuteria de Alexandre com um erro de coacutepia na qual os consortes das

amazonas gigantes satildeo citados como ldquoheroacuteisrdquo empregando o termo ήρωϛ (heros)

Jaacute Henryk Paszkiewicz (1897-1979) apesar de polonecircs por nascimento migrou

para a Inglaterra onde publicou suas obras de maior relevacircncia tornando-se

medievalista de renome e influecircncia no mundo anglo-saxatildeo no campo dos estudos

referentes agrave Europa Oriental

Nos anos poacutes-guerra publicaria sua trilogia The Origin of Russia (George Allen

amp Unwin LTD London 1954) The Making of the Russian Nation (Longmann amp Todd

London 1963) e The Rise of Moscows Power (niedokończony wydany pośmiertnie

East European Monographs 1983) De grande interesse no Ocidente e publicada em

inglecircs (apesar de Paszkiewicz tecirc-la escrita em polonecircs) sua trilogia enfrentou problemas

para ser divulgada na Polocircnia Cortina de Ferro e URSS por razotildees doutrinaacuterias e pela

inclinaccedilatildeo normanista de Paszkiewicz vindo a ser publicada apenas apoacutes a deacutecada de

1990 (1996 1998 e 2000) em polonecircs apoacutes esforccedilos na recuperaccedilatildeo de seus

manuscritos

Os pontos de vista de Paszkiewicz e em grande parte a forma como os colocou

geraram consideraacutevel polecircmica e resistecircncia da parte dos autores russos Paszkiewicz

nunca tentou fazer concessotildees ou amenizar quaisquer aacutereas mais sensiacuteveis de suas

ideacuteias declara sem qualquer problema que os eslavos do Ilmen eram incapazes de se

organizarem e foram dominados pelos escandinavos

Ainda mais polecircmicas foram suas declaraccedilotildees sobre a proacutepria natureza dos

russos que misturam um nacionalismo polonecircs com raiacutezes em movimentos como o

sarmatismo e natildeo disfarccedilam um discurso eslavista exclusivista e mesmo racista

Paszkiewicz afirma que os russos foram fino-uacutegricos que adotaram a liacutengua eslaacutevica

apoacutes a cristianizaccedilatildeo destarte os varegues dominaram uma populaccedilatildeo fino-uacutegrica que

se tornaria ldquorussardquo e natildeo um povo eslaacutevico178

Paszkiewicz cria dessa forma suas

177

PRITSAK 06 178

PASZKIEWICZ Henryk Origins of Russia London George Allen amp Unwin 1954 pp 155s

88

proacuteprias ideis de superioridade racial ndash de eslavos e escandinavos sobre fino-uacutegricos no

entanto - ao mesmo tempo exaltando seu povo de origem e rebaixando os russos

O predomiacutenio normanista no Ocidente foi atacado sistematicamente pelos

Riasanovsky particularmente Nicholas o filho (1923-2011) Autor de ldquoA History of

Russiardquo(1963) um dos livros mais influentes e mais reeditados no contexto norte-

americano179

Riasanovsky criticaria de forma mais especiacutefica e contundente a

supremacia e parcialidade da historiografia no Ocidente que tratava da questatildeo em

artigo publicado no Russian Review de 1947180

Riasanovsky criticava o que chamou de

ldquostandard normanist explanationrdquo181

Seu principal debatedor seria Paszkiewicz e a

discussatildeo entre os acadecircmicos foi considerada por Klejn e outros autores como a

ldquoterceira ondardquo de debates normanistas

Autores contemporacircneos e posteriores agrave discussatildeo dentre os quais o proacuteprio

Vernadsky Omeljan Pritsak Jonathan Sheppard Simon Franklin Thomas Noonan e

Wladislaw Duczko desenvolvem pontos de vistas mais amplos e matizados

Chamar-lhes ldquonormanistasrdquo eacute arriscado subjetivo Todos consideram a

existecircncia tanto do componente escandinavo como do eslaacutevico fundamentais no

surgimento da Rusde Kiev Ideias tais quais ldquosuperioridadeinferioridaderdquo cultural

ldquoevoluccedilatildeo culturalrdquo e similares encontram-se jaacute bastante circunscritas e datadas

Destarte se por ldquonormanistardquo eacute correto enquadrar qualquer acadecircmico que

considere que tenha havido a presenccedila escandinava nas origens da Rus de Kiev entatildeo

todos estes autores o satildeo e com exceccedilatildeo de um ou dois nomes a historiografia

ocidental inteira o seraacute bem como a maior parte da produccedilatildeo russa recente

Se ldquonormanistardquo implica aceitar a cartilha estabelecida que inclui a origem do

nome e mesmo uma situaccedilatildeo de domiacutenio e superioridade cultural o leitor necessitaraacute

vasculhar a bibliografia mais antiga a fim de satisfazer os criteacuterios

Por fim retornaremos no capiacutetulo seguinte a discutir a presenccedila escandinava no

territoacuterio da antiga Rus Eacute impossiacutevel ao acadecircmico contemporacircneo desacreditar que

179

A uacuteltima ediccedilatildeo a 8ordf foi atualizada por um antigo estudante seu Mark Steinberg RIASANOVSKY

Nicholas amp STEINBERG Mark A History of Russia New York 2010 [1963] 180

RIASANOVSKY Nicholas The Norman Theory of the Origin of the Russian State In Russian

Review Vol 07 n01 1947 P97 181

RIASANOVSKY 1947 96

89

tais movimentos existiram ou mesmo que possuiacuteram relevacircncia Argumentos relativos

agrave escassez de material arqueoloacutegico natildeo mais se sustentam o emprego de tal

informaccedilatildeo no entanto estaraacute sempre sujeito agrave subjetividade do autor ao contexto no

qual ele escreve e natildeo seratildeo poucas as vezes que tal produccedilatildeo estaraacute sujeita agrave

legitimaccedilatildeo de ideologias e situaccedilotildees poliacuteticas

90

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki

Do autor Elaborado com a ferramenta MapMaker Interactive da National Geographic Education

91

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL

21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material

Pela escassez de fontes escritas na Alta Idade Meacutedia tanto na Rus quanto

Escandinaacutevia a construccedilatildeo de uma histoacuteria do periacuteodo viking em tais contextos

beneficia-se com o uso extenso da Cultura Material em uma acepccedilatildeo arqueoloacutegica do

termo

Segundo tal conceito poderiacuteamos definir Cultura Material como qualquer

criaccedilatildeo vestiacutegio alteraccedilatildeo ou construccedilatildeo produzida pela accedilatildeo humana Tal definiccedilatildeo eacute

vaacutelida desde construccedilotildees e criaccedilotildees intencionais (ie a construccedilatildeo de um edifiacutecio ou de

um salatildeo uma estela ruacutenica com conteuacutedo escrito ou natildeo uma ferramenta) como a

alteraccedilatildeo do meio-ambiente dada pela accedilatildeo humana (ie o desmatamento de

determinadas aacutereas a drenagem de um pacircntano)182

Haacute de se notar que tal ampliaccedilatildeo do

conceito de fonte primaacuteria e emprego das mesmas natildeo diferem muito das definiccedilotildees

propostas por Jacques LeGoff em sua ldquoNova Histoacuteriardquo

Discutimos extensamente anteriormente a hipoacutetese normalista e sua resistecircncia

da parte de autores principalmente na Ruacutessia URSS e Ucracircnia Tambeacutem demonstramos

que parcela consideraacutevel dessa argumentaccedilatildeo anti-normanista fundamenta-se em uma

suposta ausecircncia de material arqueoloacutegico demonstrando uma expansatildeo escandinava a

leste Natildeo analisaremos os siacutetios escandinavos em solo eslaacutevico em alguma espeacutecie de

tentativa de argumentaccedilatildeo normalista Como jaacute discutimos anteriormente tal afirmaccedilatildeo

e tais argumentos baseados em ausecircncia satildeo questionaacuteveis e natildeo se sustentam

A despeito da existecircncia de extenso material escavado em gorodi ndash termo usado

extensivamente na bibliografia para se referir agraves cidades fortificadas eslaacutevicas como

Novgorod e Kiev - daremos ecircnfase a duas seacuteries de material que por possuiacuterem

diversos testemunhos da mesma natureza permitem o traccedilar de comparaccedilotildees mais

seguras Tratam-se tambeacutem de materiais que possuem natureza dupla no sentido

interpretativo permitindo tradicionalmente seu emprego tanto pelo campo da

arqueologia quanto da Histoacuteria Trata-se do testemunho numismaacutetico amparado pelos

achados arqueoloacutegicos em solo russo e o testemunho das estelas ruacutenicas

Como afirmado em nossa introduccedilatildeo partes consideraacuteveis desta seccedilatildeo apoiar-se-

182

BEZERRA DE MENESES Ulpiano A cultura material no estudo das sociedades antigas In Revista

de Histoacuteria 115 (Nova Seacuterie) 1983 pp112s

92

atildeo em bibliografia secundaacuteria natildeo temos a pretensatildeo de apresentar um trabalho

arqueoloacutegico ou numismaacutetico antes de provermos nesta seccedilatildeo um apanhado

contextual baseado nas diferentes formas da Cultura Material que embase nosso estudo

sobre o emprego do contexto viking pelos eruditos dos seacuteculos posteriores

No entanto a parte final deste capiacutetulo dedicada ao estudo das estelas ruacutenicas

foi efetuada com a anaacutelise direta de nossa parte das proacuteprias estelas complementando

assim a sessatildeo com um estudo baseado nos testemunhos primaacuterios

211 A numismaacutetica

O estudo numismaacutetico dos escandinavos em relaccedilatildeo ao leste apresenta algumas

peculiaridades e exclusividades em relaccedilatildeo agrave forma como a numismaacutetica eacute normalmente

estudada

No campo geral da numismaacutetica as moedas satildeo estudadas em relaccedilatildeo a diversos

fatores Tratando-se de objetos portaacuteteis fabricados em material duraacutevel de produccedilatildeo

repetida dimensotildees controladas e valor simboacutelico reconhecido entre grupos sociais pela

representaccedilatildeo de uma autoridade compartilhada satildeo muitos aspectos que podem ser

estudados por meio delas a tecnologia a economia o comeacutercio mesma a poliacutetica e

sociedade

Seu valor eacute normalmente dado de forma simboacutelica sua emissatildeo se daacute por uma

autoridade puacuteblica reconhecida sua confecccedilatildeo e impressatildeo se datildeo de formas

controlaacuteveis e fiscalizaacuteveis Dessa forma em diversas ocasiotildees no tempo e espaccedilo

foram emitidas moedas cujo ldquovalor intriacutenseco (enquanto mercadoria) era negligenciaacutevel

sem qualquer relaccedilatildeo com o valor da mercadoria no lugar da qual deviam circularrdquo 183

O material e peso natildeo eram os responsaacuteveis diretos pelo valor da moeda mas sim a

autoridade puacuteblica que executou sua impressatildeo e emissatildeo

No testemunho numismaacutetico que nos interessa referente aos escandinavos em

Austrvegr e Garethariacuteki esta caracteriacutestica essencial das moedas natildeo possui significado

algum Os grandes objetos de interesse para escandinavos eram os dirhams muccedilulmanos

ndash moedas cunhadas em prata pelo mundo aacuterabe O interesse era o material e peso dos

mesmos estas moedas eram avaliadas portanto pelo valor intriacutenseco que possuiacuteam e

natildeo simboacutelico A autoridade que as confeccionou natildeo era (re) conhecida o simbolismo e

183

FREacuteRE Hubert Numismaacutetica uma introduccedilatildeo aos meacutetodos e agrave classificaccedilatildeo Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo

de Alain Costilhes e Maria Beatriz Borba Florenzano Satildeo Paulo Sociedade Numismaacutetica Brasileira amp

Louvain-la-Neuve (Beacutelgica) Seacuteminaire de numismatique Marcel Hoc 1984p 17

93

matemaacutetica nelas gravadas natildeo fazia sentido ao escandinavo184

Os escandinavos obtinham moedas de prata com comerciantes muccedilulmanos

trocando-as principalmente por peles obtidas no norte Esse comeacutercio era efetuado

principalmente em Itil capital dos Khazar na embocadura do Volga ou mesmo

posteriormente mais ao sul nas regiotildees dos atuais Iracirc e Iraque A Ruacutessia e a

Escandinaacutevia tinham escassez de depoacutesitos de prata e moedas de prata ocidentais

caroliacutengias eram raras185

Dessa forma os dirhams muccedilulmanos eram uma fonte de

prata que propiciava distinccedilatildeo social riqueza e poder186

Natildeo obstante tais singularidades entretanto tais moedas ainda assim podem

indicar outra seacuterie de informaccedilotildees O quesito de datas eacute relativo Pode-se obter por meio

do testemunho dado atraveacutes de seacuteries mas natildeo de moedas isoladas Podem-se presumir

datas-limite da cunhagem e circulaccedilatildeo das moedas mas natildeo dataccedilotildees absolutas Pode-se

saber com precisatildeo os locais de origem e as casas de cunhagem A observaccedilatildeo das

proveniecircncias cruzada com as dataccedilotildees seria de grande utilidade para estudos histoacutericos

poliacuteticos dos califados aacuterabes do periacuteodo em questatildeo mas foge totalmente do nosso

escopo

A despeito do simbolismo diverso o fato de encontrar-se grande quantidade de

depoacutesitos de moedas podem nos trazer informaccedilotildees sobre o imaginaacuterio crenccedilas e

haacutebitos mentais dos escandinavos em questatildeo Ainda que os dirhams natildeo trouxessem

efiacutegies e rostos gravados a atitude corrente escandinava de enterrar tesouros de prata

pode ter origem religiosa e natildeo meramente de entesouramento

Natildeo haacute uma elaboraccedilatildeo uniacutevoca sobre o mundo apoacutes a morte entre os

escandinavos e nem se trata de nosso propoacutesito aqui nos adentrar muito no assunto

Dentre muitos autores que tratam de temas ligados agrave religiosidade escandinava preacute-

cristatilde nos chamam a atenccedilatildeo os conceitos organizados por Hilda Ellis

Ellis teoriza sobre a existecircncia de duas concepccedilotildees baacutesicas de vida poacutes-morte

uma de outra vida apoacutes a destruiccedilatildeo do corpo e a outra de uma vida na terra ou

embaixo dela segundo esta uacuteltima concepccedilatildeo o homem falecido continuaria vivendo

em seu local de enterramento como si ali fosse uma casa e ainda usufruindo de suas

184

WILSON David The Vikings and their origins Scandinavia in the First Millenium London Thames

and Hudson 1970 P102 185

BARFORD 181 186

NOONAN Thomas Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998

Pp 346-347

94

possessotildees ali187

Eacute razoaacutevel portanto pressupor uma conexatildeo do entesouramento com tais

concepccedilotildees religiosas que destarte providenciam bens para o falecido bens em sua

vida post-mortem

2111 As Fontes

O acesso agraves coleccedilotildees de dirhams encontradas nas regiotildees de Austrvegr e

Garethariacuteki eacute dificultado pelas deacutecadas de isolamento entre a URSS e o Ocidente A

principal forma de acesso a estas informaccedilotildees satildeo por meio de autores com tracircnsito nos

meios acadecircmicos do leste da Europa e do Ocidente como Thomas Noonan188

e mais

recentemente Matheus Bogucki189

Eacute necessaacuterio portanto se salientar que o estudo numismaacutetico ao menos

enquanto parte de nosso estudo maior eacute um estudo baseado na interpretaccedilatildeo acadecircmica

ldquocanocircnicardquo e natildeo em uma anaacutelise das proacuteprias coleccedilotildees numismaacuteticas Tal estudo deve

ser feito agrave parte de formas que natildeo cabem no escopo deste trabalho

187

ELLIS Hilda Roderick The Road to Hel A Study of the Conception of the Dead in Old Norse

Literature New York Greenwood Press 1968 65 188

Thomas Noonan publicou por mais de duas deacutecadas material e anaacutelises da evidecircncia numismaacutetica na

Ruacutessia Europeia e Baacuteltico Eacute impossiacutevel natildeo nos referirmos a ele extensamente NOONAN Thomas Pre-

970 dirham hoards from Estonia and Latvia I Catalog In Journal of Baltic Studies 83 1977(a) 238-

259 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia II General considerations In Journal of Baltic

Studies 84 1977 (b) 312-323 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia III An examination of

the ninth century hoards In Journal of Baltic Studies 91 1978(a) 7-19 Pre-970 dirham hoards from

Estonia and Latvia IV An analysis of the hoards buried between 900 and 970 In Journal of Baltic

Studies 92 1978 (b) 99-115 Ninth-century dirham hoards from Northwestern Russia and the

Southeastern Baltic In Journal of Baltic Studies 133 1982 220-244 A dirham hoard of the early

eleventh century from northern Estonia and its importance for the routes by which dirhams reached

Eastern Europe CA 1000 AD In Journal of Baltic Studies 143 1983 185-201 Dirham hoards from

medieval Lithuania In Journal of Baltic Studies 234 1992 395-414 The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998 (a)

Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis In The Islamic World

Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595

Ashgate 1998(b) Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the Vikings

750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998(c) 189

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361

95

2112 Os khazares e os aacuterabes

O contexto de origem dos Dirhams auxilia grandemente na compreensatildeo das

suas diversas proveniecircncias bem como nos possiacuteveis meios de chegada dos mesmos ao

norte aleacutem do estabelecimento de balizas cronoloacutegicas Eacute importante o destaque de que

a proveniecircncia dos dirhams no norte eacute o Oriente Meacutedio e natildeo a Aacutesia Central190

destarte eacute-nos necessaacuterio adentrarmos ao menos de forma limitada o mundo

muccedilulmano de entatildeo

Entre 602 e 628 ocorre agrave chamada guerra ldquoBizantina-Sassacircnidardquo que marcaraacute o

fim do impeacuterio persa sassacircnida Em seu primeiro estaacutegio de 602 a 622 os persas teratildeo

sucessos constantes Durante o governo de Heraacuteclio ao trono bizantino (610-641) a

situaccedilatildeo muda Em 627 auxiliados tambeacutem pelos khazares as forccedilas de Heraacuteclio

invadem o proacuteprio territoacuterio dos sassacircnidas que pagam tributo por paz

Apoacutes esta guerra tanto os bizantinos quanto os persas estavam exauridos Os

islacircmicos saiacuteram favorecidos Os primeiros esquadrotildees aacuterabes a adentrar o territoacuterio

persa natildeo foram vistos como uma ameaccedila pelo governante Yazdegerd III e pelo vice-rei

Rostam-e Farokhzad A organizada cavalaria pesada persa efetiva contra os regimentos

bizantinos natildeo o era contra os camelos leves aacuterabes O uso de elefantes inicialmente

teve sucesso mas logo veteranos aacuterabes que jaacute haviam combatido contra os bizantinos

na Siacuteria (que tambeacutem os usavam) trouxeram o conhecimento de como lidar com eles

Com a morte de Maomeacute em 632 e a disputa subsequente pelo poder surge o

primeiro dos quatro califados da histoacuteria muccedilulmana ndash o califado Rashidum - que parte

para uma seacuterie de campanhas militares e conquistas sob a lideranccedila inicial do califa

entre 632-634 Abu Bakr (Abdullah ibn Abi Quhafa) sogro de Maomeacute e subsequente

do califa Umar (ʿUmar ibn al-Khaṭṭāb) morto em 644

Apoacutes uma inicial invasatildeo da Mesopotacircmia em 633 em 636 deu-se um marco da

conquista aacuterabe com a chamada ldquoBatalha de Qadisiyyahrdquo que foi chave para a

conquista aacuterabe do Iraque e que tambeacutem viu uma alianccedila entre os persas com os

bizantinos atraveacutes do casamento da filha de Heraacuteclio com Yazdegerd Em um processo

complexo e marcado por reveacutezes a Mesopotacircmia foi conquistada pelos aacuterabes entre 636

190

NOONAN Thomas Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis

In The Islamic World Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected

Studies Series 595 Ashgate 1998(b)P 51

96

a 638 Entre 638 e 639 a Armecircnia ndash entatildeo possessatildeo bizantina eacute invadida sendo

completamente conquistada em 642191

Entre 638 e 641 ainda ocorreratildeo constantes reides dos persas na regiatildeo da

Mesopotacircmia A proviacutencia do Khuzistatildeo eacute conquistada pelos aacuterabes em 641 Poreacutem o

califa Umar desejava paz ndash os aacuterabes ainda viam os persas com temor Apoacutes um breve

periacuteodo de paz a Peacutersia eacute conquistada entre 642 e 644 sendo que na segunda metade do

seacuteculo VII jaacute tinham assegurado controle da Transcaucasia Os cem anos seguintes

foram palco das chamadas ldquoguerras aacuterabe-khazarrdquo Destacam-se duas a primeira em

652 quando os aacuterabes foram derrotados pelos Khazares na cidade Khazar de Balanḡar

e a segunda entre 708 a 737192

-193

Na segunda guerra ocorreram vitoacuterias de ambos os lados entretanto travavam-

se raides em ambas as vertentes do Caacuteucaso ocorrendo poucas batalhas decisivas Em

730 o priacutencipe khazar Barjjk efetuou uma excursatildeo ateacute o noroeste do Iratilde derrotando os

Umiacuteadas em Ardabil e matando seu governante mas sendo morto no ano seguinte em

Mosul194

Um ponto marcante daacute-se em 737 quando os aacuterabes liderados por Marwan ibn

Muhammad (o futuro califa umiacuteada Marwan II) efetuam uma campanha mais

significativa contra os khazares Derrotam-nos no Caacuteucaso do norte chegam a ocupar a

capital khazar Atil e perseguem o Kagan ateacute a regiatildeo de Burtas no baixo Volga aonde o

convencem a se render e se converter ao Islamismo Apoacutes isso Marwan retorna agrave

Transcaucaacutesia e o Kagan recupera sua independecircncia 195

Nenhum dos dois lados conseguiu portanto submeter o Caacuteucaso inteiro e a

situaccedilatildeo natildeo era sustentaacutevel Para os Khazares ficou claro o perigo que era a guerra

contiacutenua com os aacuterabes tendo tido suas forccedilas destruiacutedas e seu governante humilhado

Quanto aos aacuterabes ficou claro que natildeo era suficiente derrotar as forccedilas khazares o

adequado seria ocupar seu territoacuterio196

A situaccedilatildeo muda com a chamada ldquoRevoluccedilatildeo Abaacutessidardquo quando o califa al-

191

SAUNDERS JJ A History of Medieval Islam London amp New York Routledge pp50-53 192

SAUNDERS JJ 50-58 193

MAKO Gerald The possible reasons for the Arab-Khazar Wars In ALLSEN ThT GOLDEN

PB KOVALEV RK amp MARTINEZ AP (eds) Archivum Eurasiae Medii Aevi (17) Wiesbaden

Harrassowitz Verlag 2010 P45 194

MAKO 47 195

NOONAN 1998 (b) 51 196

MAKO 56s

97

Mansur inicia uma poliacutetica de ldquodetenteacuterdquo com os khazares em 760 A situaccedilatildeo de

problemas econocircmicos sociais religiosos e poliacuteticos passados pelo califado favorece o

estiacutemulo agrave paz e comeacutercio em detrimento das guerras e conquistas

A oferta de ldquodeacutetenterdquo eacute aceita de imediato pelos khazares e o governador de

Arminiyah eacute ordenado por Mansur a casar-se com a filha do Kagan A despeito de outra

batalha gerada pela invasatildeo de forccedilas khazares no Azerbaijatildeo e Arran em 799800 as

hostilidades datildeo lugar ao comeacutercio entre 760 e 800 e a preocupaccedilatildeo dos khazares no

campo militar se daacute mais em relaccedilatildeo aos bizantinos

O rei Joseph bem Aaron dos khazares (khagan ou bek ndash haacute disputa sobre seu

status) governando aproximadamente entre 950 e 960 escreve ao rabino judeu Abu

Yusuf (Hasbai ibn Shaprut) de Coacuterdoba que os Khazares protegiam o Caacutespio (e

consequentemente os aacuterabes) de ataques dos Rus197

2113 Rotas e cronologias

O estudo dos depoacutesitos de dirhams sua distribuiccedilatildeo geograacutefica e dataccedilatildeo tecircm

propiciado reconstituiccedilotildees plausiacuteveis do desenvolvimento das rotas comerciais

escandinavas com o Oriente Proacuteximo O desenvolvimento da Arqueologia e acuacutemulo de

dados tecircm trazido seguranccedila a hipoacuteteses elaboradas proacuteximas da deacutecada de oitenta

acerca dos primeiros movimentos escandinavos a leste

Thomas Noonan198

apresenta os estudos numismaacuteticos compreensivos mais

detalhados sobre tais movimentaccedilotildees fundamentado em grande parte em bibliografia

sovieacutetica inacessiacutevel aos pesquisadores ocidentais Seus estudos buscam responder agrave

pergunta de por que os escandinavos aventurarem-se no interior da Ruacutessia e acabaram

por tornar-se referecircncia para os estudos subsequentes

Comparativamente com Inglaterra e Franccedila a Ruacutessia de norte era razoavelmente

pobre materialmente na transiccedilatildeo entre os seacuteculos XIII e IX Dessa forma a atraccedilatildeo que

as ilhas britacircnicas e o Ocidente em particular seus monasteacuterios desprotegidos exerciam

sobre os vikings eacute facilmente compreendida mas natildeo os porquecircs de escandinavos

aventurarem-se na Ruacutessia considerando que a Escandinaacutevia era mais rica materialmente

do que a proacutepria Ruacutessia

197

NOONAN 1998 (b) 51s 198

NOONAN 1998 (c) 346-347 Ver nota 188 e as referecircncias bibliograacuteficas para uma listagem

completa

98

I O Baacuteltico Austrvegr

O movimento escandinavo na Ruacutessia foi de iniacutecio um subproduto da atividade

Escandinava no Baacuteltico Oriental que remontava haacute seacuteculos antes do iniacutecio do Periacuteodo

Viking e incluiacutea tanto a execuccedilatildeo de expediccedilotildees raacutepidas de saque e comeacutercio como de

proacutepria habitaccedilatildeo e construccedilatildeo de ocupaccedilotildees Do Baacuteltico Oriental e da proacutepria Sueacutecia o

acesso agrave regiatildeo do Ladoga era facilitado A ldquorota de lesterdquo o ldquocaminho para lesterdquo satildeo

traduccedilotildees possiacuteveis para o termo ldquoAustrvegrrdquo que pode ser aplicado agraves proacuteprias rotas

per si ou agrave proacutepria regiatildeo baacuteltica-oriental

Nos seacuteculos V e VI as principais populaccedilotildees a comerciarem com a regiatildeo de

Garethariacuteki vinham do Baacuteltico A quantidade de depoacutesitos de moedas na regiatildeo da antiga

Pruacutessia e nas regiotildees eslaacutevicas ocidentais mostram movimentos iniciais da parte de

baacutelticos e eslavos ocidentais no que toca ao comeacutercio e circulaccedilatildeo de dirhams

No VI seacuteculo um grupo escandinavo possivelmente teria residido na foz do

Daugava199

nas proximidades ou na proacutepria Daugmale (vide Mapa 02) fortificaccedilatildeo no

curso do Daugava que tambeacutem assumiu papel de entreposto comercial Arbman efetua

descriccedilatildeo interessante do local Daugmale dominava o trecho de navegaccedilatildeo mais aacuterdua

do Daugava e apesar de suas fortificaccedilotildees fora queimada quatro vezes200

Mas a

confunde com Duumlnaburg (atual Daugavpils) localizada aproximadamente 200 km para

o sul no curso do Daugava e construiacuteda apenas no seacuteculo XIII Ellis-Davidson efetua

confusatildeo envolvendo tambeacutem a Daugavpils considerando que uma citaccedilatildeo de Saxo

Grammticus trate da mesma201

Saxo no entanto viveu e escreveu antes da construccedilatildeo

de Daugavpils o que leva a pressupor que a fortificaccedilatildeo do Daugava a qual ela se refere

eacute Daugmale

199

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943]p266 200

ARBMAN Holger The Vikings London Frederick Praeger 1961 p 96 201

ELLIS-DAVIDSON Hilda Commentary In SAXO GRAMMATICUS The History of the Danes

Traduccedilatildeo FISCHER Peter II Vols Woodbridge Suffolk Boydell amp Brewer 2006[1979-80] P31

99

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais Legenda 1 Ramo maior do Austrvegr 2 Rotas aquaacuteticas locais principais 3 Presumida fronteira eacutetnica balto - fino-uacutegrica 4 Colinas fortificadas e centros de poder 5 Cemiteacuterios com enterramentos escandinavos 6 Entrepostos comerciais em colinas fortificadas Fonte VALK Heiki The Vikings and the Eastern Baltic In BRINK amp PRICE (eds) The Viking World Routledge 2008 p486

100

Essa circulaccedilatildeo primitiva de Dirhams fora o impulso inicial a atraccedilatildeo primeva a

dirigir escandinavos principalmente os svear para as regiotildees de leste A despeito de

vestiacutegios no Golfo da Finlacircndia a principal regiatildeo de influecircncia escandinava e que

exemplifica a influecircncia e interesse no leste nesses seacuteculos iniciais eacute a Kuacuterland em

particular nas proximidades de Grobiņa (hoje na Letocircnia) e Apuole (hoje na Lituacircnia)

(vide Mapa 02) Haacute grande quantidade de achados de origem ou conexatildeo escandinava

em Kuacuterland tambeacutem em outros locais nas proximidades de Grobiņa Priediens II Porāni

e Rudzukalns II datados do periacuteodo de Vendel possuem conexotildees na regiatildeo da atual

peniacutensula de Kaliningrado202

As escavaccedilotildees e obras de Birger Nerman demonstraram o estabelecimento de

Svear e Gotar na regiatildeo por um periacuteodo aproximado entre os anos de 600 e 800 O

estabelecimento dos Svear eacute marcadamente militar Entretanto os vestiacutegios de

povoamentos dos oriundos de Gotland apresentam caracteriacutesticas mais marcadamente

comerciais apresentando inclusive a presenccedila de mulheres possivelmente famiacutelias203

O cruzamento com fontes escritas eacute possiacutevel As fontes propriamente

escandinavas apresentam problemas no que tange a uma historicidade estrita factual

abrindo espaccedilo para as discussotildees referentes ao entrelaccedilamento entre histoacuteria e misto

fato e ficccedilatildeo historicidade e narrativa

Entretanto a Vita anskarii de Rimbert arcebispo de Bremen traz uma narrativa

aparentemente mais croniacutestica e factual que ao menos corrobora a presenccedila sueca na

Kurland em tais seacuteculos A crocircnica ofereceu muito material para a formulaccedilatildeo das

hipoacuteteses de Berman eacute a situaccedilatildeo toda eacute um exemplo feliz de Arqueologia Histoacuterica

Ainda por Rimbert temos a informaccedilatildeo de que ocorrera uma rebeliatildeo da parte

dos kurs que expulsaram os svear seguida de um domiacutenio mais fundamentado em

extorsatildeo de impostos da parte dos daneses Dessa forma eacute plausiacutevel a hipoacutetese de que to

seacuteculo VII reis suecos tenham tido uma possessatildeo na Kurzeme

Nesse mesmo seacuteculo jaacute havia contatos entre escandinavos e habitantes da regiatildeo

de Ladoga entatildeo majoritariamente fino-uacutegrica mas interagindo comercialemente com

poucos mercadores escandinavos baltos e saami mas ainda natildeo os povos eslaacutevicos204

No comeccedilo do seacuteculo VIII supostamente Livonia e Estonia eram parte do reino de Ivarr

202

ANDROSHCHUK 517s 203

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 204

DUCZKO 64

101

rei da Suecia de sul e Dinamarca205

Apoacutes a consolidaccedilatildeo do poder no litoral

gradativamente os escandinavos passariam a explorar mais profundamente o interior

(vide Mapa 03)

Nessas primeiras duas deacutecadas do seacuteculo VIII ocorreram modificaccedilotildees no

sistema comercial de longas distacircncias entre o Baacuteltico e o mundo islacircmico em

movimento derivado do crescimento dos mercados islacircmicos e khazares ao sul e

consequente aumento de demanda de produtos setentrionais dos quais se destacavam

peles mas tambeacutem escravos

Dessas deacutecadas datam os primeiros vestiacutegios de um comeacutercio envolvendo prata

como se depreende da dataccedilatildeo de depoacutesitos de dirhams encontrados natildeo apenas na

Ruacutessia de Noroeste mas na proacutepria Sueacutecia Pomerania e Mecklenburgo a concentraccedilatildeo

dessa prata nesse periacuteodo inicial entretanto daacute-se principalemente nas regiotildees dos

eslavos ocidentais206

O caminho do Daugava provia de iniacutecio a melhor opccedilatildeo para a exploraccedilatildeo das

regiotildees de leste consistindo na rota mais natural provavelmente teraacute sido o primeiro

caminho a pavimentar o avanccedilo Escandinavo na Ruacutessia rumo a um mercado lucrativo a

despeito do grande nuacutemero de portagens e cachoeiras necessaacuterias para se transpor Os

habitantes das margens do Daugava Baltos e fineses ofereciam pouca unidade e eram

esparsos Os varegues natildeo teriam tido problemas em primeiro comerciar e depois

dominar207

Nas partes superiores do rio nas proximidades da posterior Polotsk jaacute

encontrariam-se alojados povos eslaacutevicos mas aparentemente natildeo muito organizados

Kerner e Vernadsky defendem que nesse periacuteodo inicial os escandinavos teriam passado

diretamente sem se deter pela regiatildeo de Novgorod chegando agrave regiatildeo com as nascentes

tanto do Daugava quanto do Dnieper proacuteximo agraves nascentes do Volga208

(vide Mapa 03)

Em relaccedilatildeo ao Dnieper uma expansatildeo inicial natildeo teria ido de imediato muito

longe ao sul jaacute que a regiatildeo teria grupos de lituanos e eslavos melhor organizados e

capazes de oferecer melhor resistecircncia

205

VERNADSKY 266 206

DUCZKO 63 207

Ibidem 208

VERNADSKY 268

102

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava

Do autor Feito com a ferramenta ldquoMapmaker Interactiverdquo da National Geographic (TM)

Golfo de Riga

Dniepr

Volga

Daugava

(DuumlnaZapadnaya Dvina)

103

II A Rus de norte Ladoga

Seja pelas dificuldades impostas pelos nativos ou por caracteriacutesticas geograacuteficas

fica notoacuterio pelo estudo da Cultura Material que as principais rotas comerciais a serem

desenvolvidas pelos escandinavos em Garethariacuteki tenderiam a dirigir-se mais para o

norte atravessando o Golfo da Finlacircndia

A despeito do grande nuacutemero de vestiacutegios encontrados tambeacutem pela rota que

cruza o Daugava eacute clara a maior relevacircncia que a rota setentrional assumiria e de fato

como jaacute afirmado anteriormente houvera jaacute contato preacute-histoacuterico a perpassar a regiatildeo

A prata dos Dirhams enquanto motor comercial iraacute contribuir na geraccedilatildeo de um

sistema econocircmico particular na futura regiatildeo de Garethariacuteki Paulatinamente os

escandinavos vatildeo apropriando-se das rotas e meios propiacutecios a esse comeacutercio

diminuindo cada vez mais a necessidade de intermediaacuterios

Dessa forma sua penetraccedilatildeo na Ruacutessia pelos rios eacute gradual Os primeiros

entrepostos comerciais ficam nas proximidades do Golfo da Finlacircndia Lago

PeipusPskov e Lago Ladoga (vide Mapa 01) na cidade chamada pelos escandinavos de

Aldeigja ndash a Staraia Ladoga dos eslaacutevicos na qual existem vestiacutegios de contatos com

escandinavos ainda que em menor grau desde a idade do ferro209

A populaccedilatildeo inicial de tais regiotildees eacute majoritariamente fino-uacutegrica com

componente balto relativamente alto mas decrescente Haacute registro de contatos preacute-

histoacutericos com populaccedilotildees da Sueacutecia Central via ilhas Aringland e vestiacutegios arqueoloacutegicos

de objetos escandinavos nas regiotildees aleacutem do Volga em Perm210

Os eslavos orientais tambeacutem gradualmente iratildeo conquistando o norte

desalojando as populaccedilotildees nativas e misturando-se com elas

Como jaacute discutido em seccedilatildeo anterior Marija Gimbutas argumenta segundo

informaccedilatildeo mista arqueoloacutegica e linguiacutestica (no campo da toponiacutemica) que a regiatildeo de

expansatildeo dos povos Baacutelticos teria chegado ateacute as proximidades da atual Moscou Os

estudos linguiacutesticos igualmente demonstram o grau de influecircncia e mistura sofrido e

exercido pelos eslavos orientais em relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos Igualmente estudos

etnograacuteficos demonstram o grau de influecircncia baacuteltica encontrado nas populaccedilotildees

eslaacutevicas da Bieloruacutessia atual ndash influecircncia que natildeo obstante deve muito ao periacuteodo da

Repuacuteblica Polaco-Lituana na Idade Moderna possui substrato preacute-histoacuterico

Este complexo processo de controle econocircmico escandinavo e expansatildeo

209

ANDROSHCHUK 520 210

DUCZKO 65

104

territorial eslaacutevica natildeo permite uma postura totalmente exclusivista no que toca agrave

controveacutersia normanista Eacute adequado entretanto dar suporte agrave ideacuteia que o desenvolver

inicial da Rus ocorreu em um processo no qual uma minoria escandinava passava

gradualmente a deter um monopoacutelio econocircmico sobre uma populaccedilatildeo principalmente

eslaacutevica Entretanto o niacutevel cultural e tecnoloacutegico de ambas natildeo era tatildeo distinto

As localidades mais importantes nesta fase seratildeo Gniozdovo proacutexima a

Smolensk e agrave regiatildeo de encontro da fonte dos grandes rios (Daugava Dniepr e Volga) e

Staraia Ladoga ao norte (vide Mapa 04) A uacuteltima consiste na uacutenica cidade de alguma

significacircncia de fato de toda a Ruacutessia de Noroeste no periacuteodo medieval primitivo De

acordo com os estudos arqueoloacutegicos desenvolveu-se na metade de seacuteculo VIII211

Os sovieacuteticos datavam os escandinavos em Ladoga entre 840 e 850 mas o

registro arqueoloacutegico sugere uma ocupaccedilatildeo na verdade no extrato mais antigo entre

750 a 830 O achado mais pertinente a esse respeito eacute uma coleccedilatildeo de 26 ferramentas de

ferreiro de origem Escandinava ou Norte-europeacuteia (Baacuteltica) em uma oficina datada

pela dendrocronologia da deacutecada de 760212

A probabilidade maior eacute de que um empoacuterio sazonal escandinavo tenha sido

fundado proacuteximo a 750 e que a ocupaccedilatildeo por um grupo permanente de escandinavos

tenha se dado a partir do iniacutecio do seacuteculo IX quando um cemiteacuterio puramente

escandinavo passou a funcionar nos arredores de Ladoga213

Os escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga pelo surgimento de dirhams

valorizados pela falta de fontes de prata tanto na Ruacutessia quanto na Escandinaacutevia A

anaacutelise dos depoacutesitos de dirhams na Ruacutessia e no Baacuteltico sugere que eles a despeito do

conhecimento preacutevio preacute-histoacuterico ali chegaram com interesses comerciais mais

amplos e mesmo intuitos de residecircncia ao final do seacuteculo VIII logo crescendo em

nuacutemero e regularidade o vestiacutegio arqueoloacutegico atesta sua presenccedila seja na forma de

pentes calccedilados tecircxteis broches um cajado com inscriccedilotildees ruacutenicas e mesmo jogos214

211

NOONAN 1998 (c) 346 212

Ibidem 213

Ibidem 214

DUCZKO 69s

105

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga Do autor (feito com MapMaker Interative ndash National Geographic)

Golfo da Finlacircndia

Lago Peipus (Pskov)

Ladoga

Para Kiev e Bizacircncio

106

Parte razoaacutevel desses dirhams chegaram agrave Ruacutessia com propoacutesito de pagamento

agraves populaccedilotildees das bacias do Volga e do Dniepr por produtos locais em particular peles

Entretanto um percentual alto de tais moedas talvez ateacute da ordem de 36 era

reexportado para o Baacuteltico215

O traacutefico regular de dirhams entre Ruacutessia e Escandinaacutevia

via Ladoga se iniciou no princiacutepio do seacuteculo IX constituindo-se em evidecircncia adicional

da presenccedila escandinava em Ladoga bem antes de 840

III Rostov Suzdal e Murom

Seja vindo pelo ramo do Austrvegr do Daugava ou da regiatildeo de Ladoga a

proacutexima aacuterea a ser atingida seria a de Rostov Suzdal e Murom (vide Mapa 04) na qual

se encontra quantidade consideraacutevel de achados tipicamente escandinavo como fiacutebulas

ovais e espadas216

O acesso inicial a esta aacuterea deu-se de acordo com Vernadsky217

atraveacutes do rio Kotorosl tributaacuterio do Volga que chegava ateacute agraves proximidades de

Iaroslav

A etapa seguinte fora o lago Nero aonde se situa Rostov (vide Mapa 04) Haacute

uma portagem ali para o rio Nerl que eacute um tributaacuterio do Kliazma ndash por sua vez

tributaacuterio do Okaacute Dessa forma os varegues teriam chegado na bacia do Okaacute Tambeacutem

para Vernadsky218

os Escandinavos devem ter chegado a exercer um domiacutenio sobre os

fineses da regiatildeo de Rostov e Suzdal jaacute no seacuteculo VIII De fato Sarskoie Gorodichtche

conteacutem os vestiacutegios mais antigos da presenccedila escandinava na regiatildeo do Volga219

IV Os povoamentos pareados

Existem pares de povoamentos ou entrepostos comerciais com duas camadas

distintas no proacuteprio local ou que demonstram ter sucedido um ao outro em uma

localidade geograacutefica proacutexima Esta circunstacircncia eacute bastante sugestiva no sentido da

existecircncia de povoado autoacutectone balto ou fino-uacutegrico com influecircncia escandinava

sucedido por um povoamento eslaacutevico enquadrando-se no processo de expansatildeo eslava

para as terras do norte que se deu a partir da segunda metade do seacuteculo X220

215

NOONAN 1998 (c) 346 216

VERNADSKY 268 217

VERNADSKY 269 218

Ibidem 219

DUCZKO 190 220

DUCZKO 189

107

Dentre tais povoamentos pareados destacam-se GniozdovoSmolensk Timerevo

Iaroslav e Sarskoie GorodichtcheRostov (vide Mapas 03 e 04) O caso de Sarskoie

GorodichtcheRostov eacute emblemaacutetico dessa situaccedilatildeo

As escavaccedilotildees em Sarskoie Gorodichtche iniciaram-se em 1854 sendo

conduzidas pelo conde Alieksiei Uvarov Entre os achados encontraram-se objetos de

origem escandinava e ocidental incluindo uma espada Caroliacutengia com a inscriccedilatildeo latina

ldquoLun fecitrdquo e dois depoacutesitos de dirhams Outro depoacutesito de dirhams da vizinhanccedila

possuiacutea inscriccedilotildees ruacutenicas

Os achados escandinavos datam do seacuteculo IX em diante O registro indica

tambeacutem a coexistecircncia paciacutefica de fino-uacutegricos (meria) e varegues nos seacuteculos IX e X

Haacute um predomiacutenio de inumaccedilotildees

O siacutetio demonstra que a cidade entrou em decliacutenio a partir do seacuteculo X Por

dataccedilatildeo dendrocronoloacutegica sabe-se que o pavimento mais antigo de Rostov data de

963 sendo interessante notar a concordacircncia entre o decliacutenio de Sarskoie Gorodichtche

muito proacuteximo ao iniacutecio do florescimento de Rostov ndash desta feita com um caraacuteter mais

notoriamente eslaacutevico

No caso de Gniozdovo Smolensk o

decliacutenio da primeira coincide com a

emergecircncia de Smolensk no iniacutecio do seacuteculo

XI221

Haacute nuacutemero consideraacutevel de achados

arqueoloacutegicos tipicamente escandinavos em

Gniozdovo incluindo vestiacutegios funeraacuterios de

cremaccedilotildees em barcos222

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950

em Gniozdovo Iniacutecio do X

Fonte Гнёздовский археологический комплекс

2001

221

АВДУСИН ДИ К вопросу о происхождении Смоленска и его первоначальной топографии

Смоленску 1100 лет Смоленск 1967 Pp 71s 222

ANDROSHCHUK 526

108

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland

O desenvolvimento dessa rede econocircmica escandinava ensaiado na regiatildeo

baacuteltica e iniciado nas regiotildees fino-uacutegricas do norte da Ruacutessia vai disseminando-se para

o sul e leste O gradual eliminamento de intermediaacuterios leva os escandinavos a

desenvolverem uma rota comercial direta com os Khazares que habitando a regiatildeo ao

norte do Caacuteucaso satildeo os intermediaacuterios com o mundo muccedilulmano produtor dos

Dirhams

O poderio dos khazares natildeo foi passiacutevel de ser subjugado pelo pequeno nuacutemero

de escandinavos no iniacutecio do processo sendo conquistado apenas em seacuteculos

posteriores por uma Rus jaacute de caraacuteter bastante eslaacutevico e nativo

Dessa forma a principal via comercial que se estabeleceria pelos escandinavos

levava-os diretamente ao comeacutercio com os Khazares Seguia a regiatildeo do Ladoga ateacute o

Volga Na aacuterea de Bolghar trocavam-se peles e cecircra pelos dirhams

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares

Do autor

A obtenccedilatildeo desses produtos nativos levou ao desenvolvimento simultacircneo de

outra rota comercial dirigida ao sul ndash desta feita via o Dniepr e a regiatildeo das fontes dos

grandes rios (vide Mapa 04) Eacute nesta aacuterea que a relaccedilatildeo escandinava-eslaacutevica seraacute o

impulso formador da Rus A fim de obter mateacuteria-prima para troca por dirhams com os

Volga

Bolghar

Para o mundo Khazar e aacuterabe

(Serkland)

109

Khazares mais a leste os escandinavos desenvolveram uma extensa rede de obtenccedilatildeo

de tributo das populaccedilotildees locais fossem fino-uacutegricas baacutelticas ou eslaacutevicas

As tribos eslaacutevicas orientais maioria populacional do contexto tecircm papel de

destaque na situaccedilatildeo gradualmente substituindo as populaccedilotildees nativas fino-uacutegricas e

baacutelticas mais setentrionais Os extratos mais antigos escavados nos empoacuterios comerciais

demonstram uma presenccedila escandinava forte bem como fino-uacutegrica As camadas mais

superiores e recentes por sua vez vatildeo demonstrar cada vez mais a presenccedila do

elemento eslaacutevico

Resta ainda um aspecto relevante nesse contexto do contato com Bizacircncio que

os escandinavos teratildeo em sua marcha para o sul A riqueza e os atrativos materiais e

culturais de Bizacircncio formaram uma impressatildeo duradoura e poderosa na mentalidade

escandinava Ocorre mesmo a formaccedilatildeo da chamada ldquoguarda vareguerdquo um corpo de

elite de guarda-costas formada principalmente por varegues a serviccedilo dos governantes

de Bizacircncio

A participaccedilatildeo nesta guarda de elite seraacute elemento de honra para diversos dos

personagens escandinavos sejam fictiacutecios ou reais e encontraraacute eco nas fontes de

seacuteculos posteriores como trataremos mais detalhadamente no capiacutetulo 04

Dessa forma sob o ponto de vista mais estritamente econocircmico de anaacutelise

fortalecido pelo estudo numismaacutetico eacute possiacutevel delinear-se uma rede complexa de rotas

comerciais e de atrativos para os Escandinavos no leste Um movimento modesto de

iniacutecio entremeado de intermediaacuterios vai gradualmente desenvolver uma estrutura que

incorporava as rotas da Escandinaacutevia via Golfo da FinlacircndiaLadoga e Daugava do

Volga rumo aos Khazares e do Dnieper rumo a Bizacircncio Um sistema que desenvolveraacute

uma forte estrutura social e econocircmica de caraacuteter eacutetnico misto com predominacircncia

inicial de gerenciamento escandinavo e posterior eslavizaccedilatildeo tanto da estrutura de

poder como das populaccedilotildees nativas das regiotildees envolvidas

Esse sistema geraraacute um imaginaacuterio persistente na memoacuteria escandinava que

atrairaacute muitos aventureiros guerreiros e mesmo pregadores e forneceraacute temaacutetica para

uma ampla formulaccedilatildeo intelectual em particular nos seacuteculos XIII e XIV periacuteodo no

qual a Rus de Kiev jaacute estaraacute em decadecircncia o poderio Khazar foi destruiacutedo pelos Rus e

as estepes do sul da Ruacutessia satildeo varridas por movimentos nocircmades das estepes jaacute natildeo

mais bloqueados pela forccedila dos Khazares

O proacuteprio relacionamento dinaacutestico entre as elites dirigentes escandinavas e

russas demonstraraacute a perenidade das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Rus

110

O iniacutecio desse sistema deu-se quando outros povos do Baacuteltico aleacutem dos

Escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga e sua prata islacircmica Provavelmente os

maiores responsaacuteveis por muitos depoacutesitos de dirhams do iniacutecio do seacuteculo IX das costas

das atuais Alemanha e Polocircnia foram eslavos ocidentais (ou eslavos do baacuteltico) 223

Mas ainda que muitos povos baacutelticos tenham sido atraiacutedos para Ladoga agrave

evidecircncia disponiacutevel sugere fortemente que os escandinavos foram os uacutenicos desses a se

aventurar no interior da Ruacutessia em busca da fonte dessa prata224

Em 839 os varegues estavam tatildeo familiarizados com o interior da Ruacutessia e seus

rios que chegaram por ali ateacute Constantinopla Isto indica que levou apenas uma geraccedilatildeo

entre aproximadamente 800-840 para que os escandinavos descobrissem como viajar

para o sul atraveacutes da Ruacutessia usando as grandes vias aquaacuteticas da Europa Oriental225

Dessas deacutecadas em diante desenvolver-se-ia uma nova fase de expansatildeo

22 As estelas ruacutenicas

As estelas ruacutenicas satildeo testemunhos materiais iconograacuteficos e de caraacuteter escrito

ainda que formulaico sobre as accedilotildees escandinavas a leste no periacuteodo viking Fornecem

informaccedilotildees sobre a proveniecircncia dos varegues seus destinos o conhecimento e

terminologia geograacuteficos sobre o leste dentre muitas outras informaccedilotildees sobre o

periacuteodo viking

Os aspectos geograacuteficos e etnograacuteficos de algumas estelas foram de certa forma

empregada nesse trabalho no capiacutetulo 3 item 31 ldquoQuadro etno-linguiacutestico de

Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIIIrdquo

Apresentaremos agora de forma mais detalhada tal seacuterie de fontes portanto

extraindo das mesmas informaccedilotildees pertinentes em nossa tentativa de construccedilatildeo de um

quadro plausiacutevel das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia Austrvegr e Garethariacuteki no periacuteodo

viking

223

NOONAN 1998 (c) 346 224

Ibidem 225

Ibidem

111

221 Sobre as estelas ruacutenicas

O significado de Runa nas liacutenguas escandinavas estaacute ligado a ldquomisteacuteriordquo

ldquosegredordquo226

Possivelmente trata-se de um cognato oriundo das liacutenguas baacutelticas ou

mesmo fino-uacutegricas nas quais os significados do termo transitam proacuteximos a ldquofalarrdquo

ldquocantarrdquo227

Haacute mais de uma seacuterie de agrupamento de caracteres que chamamos de ldquoruacutenicosrdquo

incorporando povos germacircnicos da Europa continental nas ilhas britacircnicas e

principalmente na Escandinaacutevia Todos tem em comum o fato de serem meios de

expressatildeo proacuteprios de populaccedilotildees de liacutengua germacircnica em suas diversas ramificaccedilotildees

Assim como a maioria dos alfabetos europeus a origem longiacutenqua da escrita

ruacutenica remonta ao alfabeto feniacutecio Do mediterracircneo tal sistema de escrita inovador

baseado em fonemas simples (ao inveacutes de siacutelabas eou conceitos como nas escritas

hierogliacuteficas ideograacuteficas e cuneiformes) percorreu um longo caminho por diversas

terras tomando diversas formas e influecircncias tornando-se a forma de expressatildeo de

nuacutemero incontaacutevel de povos

No caso das populaccedilotildees germacircnicas a opiniatildeo de maior aceite desenvolvida

simultaneamente por Marstrander e Hammarstroumlmm entre as deacutecadas de 1920 e 1930

considera as runas como caracteres derivados de alfabetos da regiatildeo norte da Itaacutelia e da

Etruacuteria implicando assim certo parentesco da escrita ruacutenica com o proacuteprio alfabeto

latino - do qual posteriormente sofreu influecircncias e incorporou alguns caracteres228

Tal derivaccedilatildeo teria se dado em periacuteodo no qual as inscriccedilotildees do norte da

peniacutensula itaacutelica natildeo estariam ainda extintas a despeito da existecircncia e predomiacutenio do

latim e ocorreu pelo contato de alguma tribo germacircnica (os Marcomanni para

Marstrander os Cimbri para Altheim e Trautmann) com povos norte itaacutelicos

provavelmente ceacutelticos

Tal afirmaccedilatildeo natildeo eacute de difiacutecil confirmaccedilatildeo Basta notar a proacutepria semelhanccedila de

muitos dos caracteres ruacutenicos com os caracteres capitais do alfabeto latino Por exemplo

o ldquoFrdquo ldquoUrdquo ldquoRrdquo o ldquoIrdquo o ldquoMrdquo (em algumas derivaccedilotildees) o ldquoSrdquo o ldquoTrdquo o ldquoBrdquo e assim por

diante Na maior parte dos casos eacute possiacutevel traccedilar a conexatildeo epigraacutefica demonstrando

conexotildees entre caracteres que agrave um olhar simples dificilmente seriam aparentados

226

SPURKLAND Terje Norwegian Runes and Runic Inscriptions Woodbridge The Boydell Press

2005[2001]p 03 227

O termo empregado para os diversos cantos do Kalevala eacutepico finecircs por exemplo eacute ldquorunordquo Em letatildeo

liacutengua baacuteltica indo-europeia o verbo runat significa ldquofalarrdquo 228

ELLIOT 1963 06s

112

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction Manchester

at the University press 1963 p08

Existem evidecircncias arqueoloacutegicas de que a escrita ruacutenica era conhecida jaacute no

seacuteculo II229

Seu uso se estendeu por toda a Idade Meacutedia e em alguns casos foi paralelo

ao emprego do alfabeto latino Na regiatildeo sueca da Dalecarlia seu uso foi registrado

ainda na Idade Moderna

229

SPURKLAND 2005 04

113

O alfabeto ruacutenico eacute conhecido como ldquofuthornarkrdquo ou variantes deste nome (como

ldquofuthorcrdquo) Deve-se agrave ordem mais comum em que os fonemas dessas escritas satildeo

listados f u thorn a r k h n i a s t b m l R

Haacute diversos variantes do futhornark de acordo principalmente com o nuacutemero de

caracteres e um criteacuterio cronoloacutegico tais variantes entretanto natildeo consistem em

entidades fechadas Eacute possiacutevel se encontrar testemunhos materiais que empregam

caracteres mistos de conjuntos distintos

Sua primeira forma eacute chamada de antigo futhornark Esta modalidade bem como

suas variantes foi empregada tanto na Europa continental (entre os seacuteculos II-IX)

quanto na Escandinaacutevia (nos seacuteculos VII-VIII) Possuiacutea basicamente 24 caracteres

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo Obtido em JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala

Esselte Herzogs 1984 P 13

Entre os seacuteculos VIII e IX as modificaccedilotildees nas liacutenguas germacircnicas foram

acompanhadas por mudanccedilas tambeacutem nas formas de escrita que acarretaram uma

simplificaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo no nuacutemero de caracteres reduzidos para 16 Esta nova

forma foi chamada de Novo futhornark e foi empregada primordialmente na Escandinaacutevia

principalmente nas Estelas ruacutenicas Possui duas variantes chamadas ldquorunas normaisrdquo

ou de ldquoramaspernas compridasrdquo e ldquoRunas de ramaspernas curtasrdquo

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo Obtido em

JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala Esselte Herzogs 1984 P 28

114

Outro grupo de variaccedilotildees importante eacute chamado de futhornork anglo-saxatildeo ou

inglecircs Continha entre 26 a 33 caracteres dependendo da regiatildeo e variante (Thames

Vienna Codex Othonis Ruthwell etc) Foi empregado principalmente entre os seacuteculos

V-XI na Inglaterra anglo-saxatilde registrando escritos em antigo inglecircs e antigo friacutesio

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction

Manchester at the University press 1963 p39

115

Existem diversas outras variantes por exemplo as chamadas ldquorunas

marcomacircnicasrdquo empregadas no continente entre os seacuteculos VIII-IX as ldquomedievaisrdquo

encontradas na Escandinaacutevia dentre os seacuteculos XII-XV e as dalecarlianas usadas na

Sueacutecia tatildeo tardiamente como o periacuteodo compreendido dentre os seacuteculos XVI-XX Esses

grupos possuem caracteriacutesticas dos grupos descritos acima

E por fim haacute de-se salientar que em alguns casos principalmente nas Ilhas

Britacircnicas ocorre o emprego de caracteres de sistemas agrupados como distintos pelos

acadecircmicos ndash por exemplo mistura de runas anglo-saxatildes e escandinavas230

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas

Haacute cerca de 6000 inscriccedilotildees ruacutenicas na Escandinaacutevia aproximadamente a

metade em monumentos de pedra231

O restante eacute encontrado principalmente em objetos

de madeira mas tambeacutem de metal e osso como ferramentas armas moedas sinos de

igreja e pias batismais

O uso da escrita provavelmente natildeo foi restrito aos extratos mais elevados da

sociedade Esta ideia de restriccedilatildeo eacute passada por uma soma de fatores o melhor estado

de conservaccedilatildeo das inscriccedilotildees monumentais registrada em pedra e erigidas por pessoas

de recursos relatos de origem aristocraacutetica como o contido na Egils saga

Skalagriacutemssonar no qual o skaldr e aristocrata Egil corrige um uso errocircneo da escrita

ruacutenica com propoacutesitos maacutegicos feito por algueacutem de extrato social inferior ndash uma

passagem muito rica para discussotildees sobre letramento conflitos culturais e sociais e

mesmo religiosidade Por fim a ideia preconcebida de que a escrita estaacute sempre

associada a um extrato social ldquosuperiorrdquo

Entretanto haacute de se notar que o entalhe de uma inscriccedilatildeo ruacutenica ndash que consiste

principalmente de traccedilos horizontais ndash necessita apenas de uma faca ou objeto cortante e

um pedaccedilo de madeira Foram encontrados muitos objetos contendo atividades do

cotidiano possiacuteveis contratos de venda objetos com o nome de seu dono que revelam

um uso mais difundido do que se imagina

Um paralelo interessante pode ser traccedilado com ao achado de cartas e bilhetes

escrito por crianccedilas em carta de beacutetula na cidade de Novgorod na Rus de norte Cidade

de antigo predomiacutenio escandinavo acrescenta elementos interessantes agrave discussatildeo do

230

RENTERGHEM Aya Van And Now for Something Completely Different Runic Confusion Now and

Then Comunicaccedilatildeo apresentada na seccedilatildeo 823 no International Medieval Congress of Leeds 08072014 231

ZILMER 2005 38

116

letramento nas regiotildees de contato multicultural ou ditas ldquoperifeacutericasrdquo da Europa no

medievo

A discussatildeo sobre letramento no medievo assume mais de uma conotaccedilatildeo Em

termos mais estritos remete ao conceito de um certo grau de conhecimento e emprego

do latim uma pessoa letrada ldquolitteratusrdquo o eacute em contraposiccedilatildeo ao ldquoilliteratusrdquo o

ldquolaicusrdquo e nesse campo pode ser designada uma pessoa que ainda que natildeo conhcendo o

latim faccedila uso de outra forma de escrita ndash por exemplo a ruacutenica232

Letramento entretanto pode implicar no conhecimento de uma escrita ndash seja

latina ou natildeo233

De fato tal conceito mais amplo apresenta-se como muito mais

adequado no caso das regiotildees escandinavas que presenciaram o emprego de escrita por

seacuteculos antes da inserccedilatildeo da cultural cristatilde e latina

Nos seacuteculos apoacutes a conversatildeo agrave Cristandade entretanto - e eacute nesse periacuteodo no

qual as estelas ruacutenicas em particular tiveram maior florescimento ndash as duas formas de

escrita latina e ruacutenica coexistiram Entretanto com propoacutesitos funccedilotildees e limitaccedilotildees

diversas Os meios de escrita por exemplo delimitam grandemente o emprego da

mesma O custo de pergaminhos e ferramentas envolvidas na confecccedilatildeo de manuscritos

torna seu uso bastante circunscrito a atividades de maior vulto de relevacircncia

institucional ou religiosa em um contexto cristatildeo-latino Tal natildeo se daacute no entanto com

o entalhe de runas que pode ser efetuado em material de faacutecil acesso como pedaccedilos de

madeira com o emprego de ferramentas de igualmente faacutecil obtenccedilatildeo - como uma faca

Arqueologicamente a escrita eacute uma tecnologia uma teacutecnica Como tal seu

domiacutenio apresenta vantagens a seu portador agravequele que a domina destarte pode ser

empregada como forma de dominaccedilatildeo e poder Nesse sentido o domiacutenio da escrita o

letramento assume um papel de atividade cultural de uma praacutetica uma habilidade um

padratildeo de comportamento que se apresenta associado a ideologias desenvolvidas em

resposta a esses mesmos padrotildees de comportamento234

O relato da Egilssaga por exemplo pode revelar ao estudioso nuances

interessantes das sociedades escandinavas como a gradual concentraccedilatildeo de poder e

232

BAUML Franz H Varieties and Consequences of Medieval Literacy and Illiteracy Speculum 55

1980 pp 237-265 CLANCHY MT From memory to written record England 1066-1307 Oxford

Blackwell 1993 Pp224-252 233

STOCK Brian The Implications of Literacy Written Language and Models of Interpretation in th

Eleventh Centuries Princeton at the University Press 1983 P06 234

LERER Seth Literacy and Power in Anglo-Saxon Literature Lincoln University of Nebraska Press

1991 P 22

117

terras da parte de elites e a tentativa das mesmas de se assegurar para si o domiacutenio de

teacutecnicas que garantam privileacutegios

O emprego de duas escritas distintas oriundas de contextos culturais tatildeo

diversos apresenta ainda maior nuacutemero de variantes e torna a questatildeo mais complexa e

multifacetada Terje Spurkland prefere empregar o termo ldquorunacyrdquo ao inveacutes de

ldquoliteracyrdquo considera o uso de ldquorunic literacyrdquo uma idiossincrasia pela referida

dualidade e complexidade cultural envolvida em seu emprego Tal dualidade implicaria

em diversidade de expressotildees de meios de contextos comunicativos e de comunidades

textuais Dessa forma natildeo haveria em contextos normais a intersecccedilatildeo entre tais

formas de ldquoletramentordquo235

Poderiacuteamos acrescentar diversos casos de anormalidade ndash

por exemplo o uso de formas latinas com caracteres ruacutenicos - mas tais circunstacircncias

fogem ao nosso escopo

Por fim eacute possiacutevel que o nuacutemero de objetos com escritas ruacutenicas tenha sido

muito maior indicando um letramento - ou seu equivalente ruacutenico ndash mais amplo A

natureza pereciacutevel do material no qual foram confeccionadas ndash na maior parte das

vezes madeira ndash restringe o acesso que temos agrave esta informaccedilatildeo As variantes no

proacuteprio meio tambeacutem satildeo significativas dentro da proacutepria Escandinaacutevia A Noruega

apresenta um nuacutemero consideraacutevel de inscriccedilotildees em bastotildees e meios do cotidiano236

em

contraste com o pequeno nuacutemero de estelas encontradas em seu territoacuterio

A maior parte do material que possuiacutemos consiste em estelas runiacutecas ndash

monumentos erigidos em pedra contendo inscriccedilotildees no futhark em sua maioria no novo

futhark de 16 caracteres Traduzimos como ldquoestela ruacutenicardquo o termo sueco ldquorunstenarrdquo

no inglecircs ldquorunestonerdquo Optamos por ldquoestelardquo ao inveacutes de ldquopedrardquo ou ldquorochardquo por tratar-

se de termo jaacute de amplo uso na arqueologia ao referir-se a monumentos de pedra

contendo inscriccedilotildees ou representaccedilotildees considerando que ldquopedrardquo ou ldquorochardquo natildeo

passam uma dimensatildeo adequada agrave natureza de tais artefatos

O costume de se erigir e entalhaacute-las comeccedilou no periacuteodo das migraccedilotildees mas

floresceu do final do X ao iniacutecio do XII (+- 970-1170) Possui-se perto de 2300

inscriccedilotildees desse periacuteodo distintas dos periacuteodos anteriores e posteriores237

235

SPURKLAND Terje Literacy and acuteRunacyacutein Medieval Scandinavia In ADAMS Jonathan amp

HOLMAN Katherine (eds) Scandinavia and Europe 800 ndash 1350 Contact Conflict and Coexistence

Turnhout Belgium Brepols 2004 P 344 236

SPURKLAND 2004 334 237

SAWYER Birgit 2008[2000] 11

118

As inscriccedilotildees das estelas mais antigas satildeo contrastantes diacutespares difiacuteceis de

agrupar por generalizaccedilotildees algumas mais longas satildeo obscuras com o conteuacutedo

variando grandemente e algumas possuem foacutermulas maacutegicas As estelas posteriores satildeo

mais similares entre si tanto em forma quanto em conteuacutedo Suas inscriccedilotildees satildeo

geralmente claras e factuais bastante similares entre si na linguagem foacutermulas e

conteuacutedo

A maior parte das estelas dos seacuteculos X e XI foram erigidas para pessoas mortas

Praticamente todas inscriccedilotildees iniciam-se com uma foacutermula memorial contendo quem

erigiu a estela ndash o patrocinador - e em memoacuteria de quem foi erigida ndash o homenageado

Em cerca de 90 dos casos haacute alguma relaccedilatildeo de parentesco entre ambos238

Frequentemente as estelas providenciam informaccedilotildees adicionais do patrocinador ou

homenageado status social tiacutetulos viagens no estrangeiro feitos militares causa e

local de morte Algumas inscriccedilotildees terminam com o nome do entalhador

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland Apenas 10 das estelas

referem-se a movimentos vikings Destas mais que 34 fala de vikings caiacutedos nas

regiotildees de leste O restante das estelas trata de questotildees do cotidiano heranccedila e

memoacuteria

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland

238

SAWYER Birgit 2008[2000] 59-68

119

Diversas estelas desapareceram e

por vezez outras satildeo descobertas muitas

vezes fortuitamente em obras ou

escavaccedilotildees Sua distribuiccedilatildeo geral poreacutem

dada a frequecircncia e o padratildeo das estelas

descobertas natildeo deve ser diversa do que se

conhece 50 na Noruega 200 na Dinamarca

medieval (incluindo Halland Blekinge e

Skane hoje na Sueacutecia) e pelo menos 1800

na Sueacutecia medieval sendo mais que a

metade deste nuacutemero na regiatildeo de Uppland

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na

Sueacutecia e Noruega por Km2

(Fonte Sveriges nationalatlas p45)

A dataccedilatildeo eacute incerta ao tratar-se de inscriccedilotildees individuais Haacute certos consensos

aproximados quanto a dataccedilotildees regionais de cunho mais geneacuterico Na Dinamarca (com

exceccedilatildeo de Bornholm) a maior parte das estelas data do final do seacuteculo X ao iniacutecio do

XI Em Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland as estelas satildeo de certa forma contemporacircneas com

as danesas sendo que no restante da Sueacutecia um pouco mais recentes Em Uppland (e

Bornholm) as estelas foram erigidas apenas jaacute passadas algumas deacutecadas do seacuteculo XI

sendo que em alguns lugares o costume perdurou ainda no seacuteculo seguinte Uppland

possui a maior concentraccedilatildeo de estelas ruacutenicas239

As estelas ruacutenicas satildeo fontes de informaccedilatildeo para diversas disciplinas acerca do

periacuteodo viking Providenciam informaccedilotildees sobre linguagem e ortografia arte e poesia

nomes de lugares e pessoas conhecimento geograacuteficoe etnoloacutegico artesatildeos

especializados disseminaccedilatildeo do Cristianismo

239

SAWYER amp SAWYER 10

120

Haacute ainda uma necessidade de estudos mais generalistas que incorporem as

especificidades regionais que se concentram normalmente em aspectos como

linguagem forma das runas layout e ornamentos deixando de notar que alguns

aspectos satildeo caracteristicamente regionais

As explicaccedilotildees sobre a curta duraccedilatildeo do costume de se erigir estelas ruacutenicas

bem como sua distribuiccedilatildeo desigual nos territoacuterios escandinavos natildeo possuem um

consenso ou uma teoria geral explicativa No geral as teorias explicativas defendem a

existecircncia de necessidades sociais agraves quais as Estelas ruacutenicas respondem Segundo tal

linha de raciociacutenio a distribuiccedilatildeo desigual das estelas poderia mostrar que em algumas

regiotildees as mesmas natildeo eram necessaacuterias Apresentamos a seguir algumas linhas

explicativas que tecircm sido elaboradas sobre a temaacutetica

a) MOLTKE e JANSSON a teoria ldquoclaacutessicardquo ndash estelas ruacutenicas enquanto

ldquoMonumentos da Era Vikingrdquo

As estelas ruacutenicas seriam ldquomonumentos das viagens vikingsrdquo Frutos da

atividade viking as estelas refletiam o gosto pelas expediccedilotildees vikings comemoravam a

elas e agravequeles que nelas pereceram Com o final do periacuteodo viking o costume das

estelas tambeacutem esmoreceria240

Ainda que grande parte das estelas sejam explicitamente comemorativas tal

explicaccedilatildeo eacute insatisfatoacuteria ndash ainda que as estelas de viagens tenham definido os

paracircmetros e a ldquomodardquo para as demais natildeo se explica porque no final do periacuteodo viking

houve a explosatildeo suacutebita de estelas em diversos lugares da Escandinaacutevia e em tatildeo grande

nuacutemero

Os historiadores tendem a dar mais atenccedilatildeo agraves estelas que comemoram os que

morreram no estrangeiro passando a impressatildeo que tais estelas satildeo tiacutepicas enquanto

consistem em apenas 10 por cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas241

A maior parte das estelas fala de pessoas que viveram e morreram em casa

consistindo um corpus de evidecircncia ainda muito negligenciado pelos historiadores

Informaccedilotildees pontuais sobre uma ou outra pessoa da qual natildeo se sabe nada (exceto que

erigiu uma estela) satildeo insignificantes a natildeo ser que o corpus seja considerado como um

todo

240

JANSSON 1984 42s 241

SAWYER amp SAWYER 12

121

b) Von FRIESEN (1928) LJUNGBER (1938) PALME (1958) GRAumlSLUND

(1987) LARSSON (1990) WILLIAMS (1996) - mudanccedila religiosa

O processo de cristianizaccedilatildeo eacute um fator explicativo importante para o costume

de ereccedilatildeo de estelas ruacutenicas pois o costume reflete tambeacutem a transiccedilatildeo de costumes

fuacutenebres pagatildeos para cristatildeos Existem trecircs vertentes explicativas principais nesta linha

natildeo necessariamente excludentes

b1) O costume atendia agrave necessidades emocionais entre os receacutem-conversos

que a despeito de terem enterrado seus parentes em novos locais (adros) queriam

honraacute-los em lugares tradicionais como em casa em uma estrada ou num local de

assembleia Explicaccedilatildeo de caraacuteter psicoloacutegico pode explicas parcialmente o fenocircmeno

b2) algumas estelas foram movidas muito cedo dos seus lugares originais para

adros ou mesmo usadas na construccedilatildeo de igrejas ndash sugere-se que foi a proacutepria falta de

espaccedilo nos adros para enterramentos cristatildeos que criou a necessidade de erigir uma

estela ruacutenica cristatilde Em Uppland a construccedilatildeo de igrejas e cemiteacuterios cristatildeos demorou

um longo tempo e ali as estelas podem ter funcionado como laacutepides cristatildes em

cemiteacuterios pagatildeos (Graumlslund)

b3) As estelas ruacutenicas provavelmente tambeacutem compensavam o abandono de

costumes de enterramento com bens e pompa em um periacuteodo transicional quando o

enterro cristatildeo seria visto como cerimocircnia muito simples

Existem muitas situaccedilotildees na linha da mudanccedila religiosa que necessitam de

explicaccedilatildeo A explicaccedilatildeo da conversatildeo religiosa natildeo explica por exemplo a

distribuiccedilatildeo desigual e as poucas homenagens agraves mulheres 7 das estelas conteacutem

comemoraccedilotildees dirigidas agrave mulheres e em metade destas as mulheres satildeo comemoradas

junto com homens Em contrapartida os tuacutemulos femininos da Idade do Ferro satildeo

mobiliados ricamente e tecircm proporccedilatildeo bem mais alta de adornos

c) Peter e Birgit SAWYER242

as Estelas ruacutenicas enquanto ldquosintoma de criserdquo

A explicaccedilatildeo de Peter e Birgit Sawyer para o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das

estelas ruacutenicas as explica enquanto um ldquosintoma de criserdquo Birgit Sawyer eacute autora de

uma das obras mais completas e influentes no campo de estudo das estelas ruacutenicas

destarte suas ideias merecem espaccedilo agrave parte

242

SAWYER amp SAWYER 14

122

Segundo os Sawyer provavelmente o iniacutecio do costume ao menos entre o

seacuteculo X tardio ao XI inicial foi lanccedilado por Haraldr dente-azul que erigiu largo

memorial em Jelling para seus pais Ainda que longa e elaborada a inscriccedilatildeo parece ter

determinado o padratildeo e dado o prestiacutegio de Haraldr em toda a Escandinaacutevia natildeo eacute

surpreendente que seu monumento fosse tatildeo influente

A Estela de Jelling tornou-se um siacutembolo tanto da transiccedilatildeo do paganismo para

Cristianismo quanto do desenvolvimento de novas formas de governo A maior parte

das estelas daneses espalham-se por aacutereas sob o controle de Harald ou seu filho Sven e

nas regiotildees aonde o crescente poder real danecircs se firmava as pessoas parecem ter

seguido o padratildeo individual nos moldes de Jelling

A discussatildeo de especificidades em Goumltaland Svealand Uppland e regiatildeo dos

lagos Malar leva os Sawyer a argumentar que efetuando-se estudos caso a caso as

estelas ruacutenicas satildeo sintomas de mudanccedila dramaacutetica e que esta hipoacutetese lanccedilaria luz nas

condiccedilotildees econocircmicas e sociais do tempo Eacute uma linha argumentativa que reflete parte

de suas obras e que privilegia uma ruptura com conjunturas antigas

d) GREN (1994) ANDREacuteN (2000) JESCH (2001) NIELSEN (2003)

ZILMER (2005) As estelas ruacutenicas enquanto sistemas de comunicaccedilatildeo

Esta ideia natildeo exclui as demais explicaccedilotildees Frequentemente mistura-se com as

outras ou faz parte de componentes significativos das mesmas A ideia de que as estelas

ruacutenicas sejam meios de comunicaccedilatildeo eacute de certa forma evidente seja na anaacutelise de

aspectos comemorativos ou legislativos (ie de heranccedila)

A proposiccedilatildeo defendida mais especificamente por Gren sobre o aspecto

comunicativo das estelas ruacutenicas enfatiza que as estelas consistiriam em meios

duradouros e expressivos de comunicaccedilatildeo em particular no sentido de que

constituiriam em respostas poderosamente materializadas a problemas e desafios

enfrentados pelas pessoas

A ideia de Gren natildeo eacute exclusiva agraves estelas ruacutenicas sendo desenvolvida com a

base em exemplos da preacute-histoacuteria (monumentos megaliacuteticos) ateacute as catedrais do goacutetico

europeu Gren centraliza sua explicaccedilatildeo em uma uacutenica estela ruacutenica desenvolvendo

uma explicaccedilatildeo psicoloacutegica No caso de uma aplicaccedilatildeo mais ampla de suas ideias seria

necessaacuterio extrapolar cada estela ruacutenica como resposta a uma tensatildeo social especiacutefica o

que aproximaria sua ideia agrave teoria do ldquosintoma de criserdquo dos Sawyer

123

A despeito da limitaccedilatildeo da teoria de Gren Zilmer expande sua ideia e compara

com outras proposiccedilotildees de Jesch Nielsen e Andreacuten que enfatizam aspectos

comunicacionais das estelas Em suma a ecircnfase dada insere-se de que natildeo apenas a

mensagem textual das estelas comunica algo Seu tamanho localizaccedilatildeo estilo artiacutestico

dentre outras caracteriacutesticas ligadas agrave fisicalidade e agrave imageacutetica satildeo caracteriacutesticas que

comunicam diferentes mensagens tatildeo significativas quanto o conteuacutedo explicitamente

textual243

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas

Em adiccedilatildeo agraves informaccedilotildees geograacuteficas religiosas poliacutetcas e de caraacuteter mais

teacutecnico haacute ainda uma vertente a ser mais explorada no campo das estelas ruacutenicas que

trata do estudo de relaccedilotildees sociais

As estelas foram memoriais natildeo apenas dos mortos mas tambeacutem dos que as

erigiram Os patrocinadores satildeo quase sempre mencionados em primeiro lugar e a

relaccedilatildeo entre ele (ou ela) e o homenageado eacute definida quase que universalmente

demonstrando claramente sua relevacircncia

Podem ser notados certos princiacutepios em relaccedilatildeo a quem comemora quem

(normalmente parentes mais proacuteximos e companheiros) com algumas variaccedilotildees

regionais significativas demonstrando que os patrocinadores tinham certo interesse no

que o morto tinha tido ou teria direito244

Tais interesses eram normalmente

reinvidicaccedilotildees pessoalmente ou em nome de outros menores a herdar terras bens ou

status (como o rank ou tiacutetulo de thegn) Alguns patrocinadores tinham o direito de

dividir o que tinha sido possuiacutedo conjuntamente como em casos de em casamento ou

parceria

Eacute provaacutevel que esses memoriais refletissem ao menos parcialmente os

costumes de heranccedila da pessoa que os patrocinavam As novas condiccedilotildees de

responsabilidade e propriedade apoacutes a morte de um parente ou parceiro determinavam

natildeo apenas quem comemorava mas tambeacutem a ordem de nomeaccedilatildeo dos patrocinadores

nomeados bem como o cuidado com que suas diferentes relaccedilotildees com o falecido eram

especificadas

243

ZILMER 2005 45s 244

SAWYER amp SAWYER 13

124

Birgit Sawyer245

alega a existecircncia de dois padrotildees principais de heranccedila a)

Uppland diversos patrocinadores satildeo nomeados incluindo mulheres b) Dinamarca

(tendecircncia tambeacutem em Noruega e Goumltaland) patrocinadores individuais satildeo

mencionados haacute poucas mulheres Outras regiotildees escandinavas mostrariam traccedilos de

ambos padrotildees em diferentes graus

A heranccedila partilhaacutevel (diversos patrocinadores tiacutepica de Uppland) consistiria no

costume mais comum mais tardiamente e a natildeo-partilhaacutevel (um patrocinador exemplar

na Dinamarca) primitivamente A explicaccedilatildeo dada por Sawyer para tais divisotildees

encontraria amparo nas diferentes estruturas de poder organizadas nos reinos

escandinavos que incluem a proacutepria estruturaccedilatildeo monaacuterquica e institucionalizaccedilatildeo da

Cristandade

Os daneses foram muito cedo governados por reis capazes de concentrar um

poder mais centralizado que possivelmente tomavam medidas para que as terras por

eles distribuiacutedas aos seus principais homens natildeo fossem divididas As regiotildees suecas

possuiacuteram processo de centralizaccedilatildeo monaacuterquica muito mais tardio gradativo e multi-

facetado

Pode-se levantar tambeacutem uma explicaccedilatildeo alternativa agrave questatildeo do poder central

Uma alegaccedilatildeo de heranccedila levantada por patrocinadores muacuteltiplos pode refletir

simplesmente uma reinvidicaccedilatildeo que pode ser feita por todos patrocinadores Em

contrapartida patrocinadores individuais teriam uma reinvidicaccedilatildeo que natildeo podia ou

natildeo deveria ser dividida como uma posiccedilatildeo enquanto agente real ou a residecircncia

principal de um proprietaacuterio de terras normalmente reservada ao filho mais velho

As questotildees ligadas agrave heranccedilas propriedades e exibiccedilatildeo monumental de tais

reinvindicaccedilotildees levantam outras questotildees ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos das

estelas ruacutenicas Natildeo se sabe ao certo porque em determinado periacuteodo foi necessaacuterio

que se erigissem tais memoriais e por que tornariam-se tatildeo marcadamente similares

entre si

245

Idem p14

125

224 As estelas ruacutenicas e o leste

A terminologia geograacutefica referente agraves populaccedilotildees de Austrvegr jaacute foi

referenciada anteriormente nesse trabalho Como jaacute afirmado a discriminaccedilatildeo

terminoloacutegica geograacutefica eacute bastante acurada e emprega termos que natildeo apenas refletem

bastante satisfatoriamente as divisotildees eacutetnicas e geograacuteficas das regiotildees a leste como

tambeacutem continuam em uso nos seacuteculos posteriores tanto em obras de cunho geograacutefico

quanto narrativo

As estelas de interesse para nossos propoacutesitos enquadram-se na parcela das

estelas ldquovikingsrdquo que comemoram homens mortos em expediccedilotildees ao estrangeiro Como

jaacute citado acima o nuacutemero total das estelas vikings perfaz aproximadamente 10 por

cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas Aqui referimo-nos enquanto ldquoestelas vikingsrdquo

agraves estelas que conteacutem referecircncias a expediccedilotildees de caraacuteter viking ou navegaccedilatildeo as

estelas que Jansson emprega enquanto ldquoMonumentos do periacuteodo vikingrdquo Ao referirmos

as estelas que lidam especificamente com vikings no oeste o faremos de forma

especiacutefica Na ausecircncia portanto de especificaccedilatildeo empregamos tal conceito geneacuterico

apresentado na introduccedilatildeo deste trabalho

A anaacutelise e catalogaccedilatildeo das estelas ruacutenicas eacute padronizada pelo sistema do

projeto Samnordisk runtextdatabas Iniciado em 1986 na Universidade de Uppsala

Sueacutecia o projeto atualmente disponibiliza a transcriccedilatildeo das inscriccedilotildees para o antigo

noacuterdico e versotildees para o sueco e o inglecircs de todas as inscriccedilotildees ruacutenicas encontradas ndash

natildeo limitando-se portanto agraves estelas ruacutenicas e empregando um sistema de banco de

dados que pode ser baixado e instalado no computador do pesquisador chamado de

Rundata

Segundo o sistema do Samnordisk runtextdatabas empregam-se abreviaturas

das proviacutencias suecas seguido de um nuacutemero de registro (ie Souml = Soumldermanland U =

Uppland) No caso de outros paiacuteses as abreviaccedilotildees satildeo dos proacuteprios paiacuteses

escandinavos (ie Dinamarca = DR) ou X seguido da abreviaccedilatildeo do paiacutes (ie X Ua =

Ucracircnia) A discriminaccedilatildeo acurada das proviacutencias suecas natildeo eacute devida apenas agrave criaccedilatildeo

do projeto na Sueacutecia mas sim ao grande predomiacutenio das estelas ruacutenicas em territoacuterio

sueco e necessidade de maior precisatildeo

A publicaccedilatildeo de novos achados de estelas ruacutenicas eacute feita pela Fornvaumlnnen

publicaccedilatildeo quadrimestral da Academia Real de Letras em Estocolmo Sueacutecia fundada

em 1906 e especializada no campo de Arqueologia e arte medievais

126

Dessa forma diferentemente dos achados numismaacuteticos as informaccedilotildees das

estelas ruacutenicas satildeo de faacutecil acesso para pesquisadores de todas as regiotildees do mundo

desde o advento da Internet

Numeraccedilotildees alternativas esporadicamente satildeo empregadas Destas destaca-se a

numeraccedilatildeo empregada por Elena Melnikova em uma seacuterie de publicaccedilotildees referentes agraves

estelas ruacutenicas de leste iniciadas antes da organizaccedilatildeo do Samnordisk runtextdatabas

As publicaccedilotildees a citar inscriccedilotildees catalogadas por Melnikova empregam a terminaccedilatildeo

Mel seguida do nuacutemero mas tal procedimento tecircm caiacutedo em desuso com a inserccedilatildeo das

mesmas no Samnordisk runtextdatabas Tal desuso tambeacutem ocorre com a listagem

proacutepria da obra de Bloumlndal publicada em 1978 e republicada em 2007246

As estelas ruacutenicas suecas consistem em aproximadamente 1800 exemplares As

estelas vikings segundo Sawyer cerca de 10 deste total Contando-se caso a caso das

estelas encontramos um nuacutemero de 177 Eacute possiacutevel dividir ainda estas estelas vikings

em subseacuteries de acordo com o criteacuterio geograacutefico das localidades de morte do

comemorado ou entatildeo de acordo com a comemoraccedilatildeo de um mesmo indiviacuteduo (ou

indiviacuteduos ligados a ele)

Algumas estelas possuem nomes que natildeo apresentam consenso em sua leitura

como o caso jaacute referido da U 439 cujo termo ndashaskalat eacute lido como ldquoAistlandrdquo ou

ldquoSerklandrdquo Em alguns casos nomes proacuteprios satildeo considerados por alguns autores como

referecircncia a locais como no caso da U 1087 que Bloumlndal lista entre as estelas varegues

pela circunstacircncia de que o comemorado possui o nome Garethar247

Dessa forma em

adiccedilatildeo agrave circunstacircncia da descoberta de novas estelas todos os caacutelculos e nuacutemeros satildeo

inerentemente aproximaccedilotildees

246

BLOumlNDAL Sigfuacutes The Varangians of Byzantium An aspect of Byzantine military history translated

revised and rewritten by Benedikt S Benedikz Cambridge At the University Press 2007 [1978] 247

BLOumlNDAL 2007 225

127

U 439

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoHaeligrlaeligif ok THORNorgaeligrethr letu raeligisa staeligin

thornenna at Saeligbiorn faethur sinn Es styrethi austr

skipi meeth Ingvari a

AEligistaland()Saeligrkland[i]()rdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Haeligrleif e THORNorgaeligrethr tiveram esta pedra

erigida para Saeligbjoumlrn seu pai Que guiava a

leste um barco com Yngvarr para Eistland()

Serkland()

Figura 05 U 439 Desenho de Johann

Bureaus em 1595 Localizada originalmente

no palaacutecio de Steninge perdeu-se Em

destaque as runas lidas como ldquo-skalatrdquo

Eacute procedimento comum referir-se a ldquoEstelas vareguesrdquo ao se falar das estelas

comemorando escandinavos viajando ou caiacutedos nas regiotildees de leste mas existem

subdivisotildees em tal definiccedilatildeo mais geneacuterica Em relaccedilatildeo ao criteacuterio geograacutefico as

subdivisotildees das estelas varegues satildeo as seguintes

a) As estelas varegues per si acabam por referir-se apenas aos termos Austr

Austrvegr Gardar Garethariacuteki ou variantes dos mesmos normalmente ligados aos

territoacuterios da Rus ou empregando designaccedilotildees geneacutericas de leste (ldquoaustrrdquo) Dentre

estas enumeramos as seguintes U 153 U 154 U 209 U 283 U 366 U 504 U 636 U

687 U 898 Souml 33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml

308 Souml 338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

Esta seacuterie perfaz um total de 34 artefatos consistindo em aproximadamente

298 do total das estelas varegues e 191 das estelas vikings Inserimos em nossa

contagem a estela X UaFv191447 encontrada na ilha de Berezani atual Ucracircnia por

128

conter inscriccedilotildees ruacutenicas e tratar-se de artefato da mesma categoria das outras estelas

ruacutenicas

A U 504 fala de um homem que navegava tanto para leste quanto oeste razatildeo

pela qual contamo-la em ambas listagens mas a inserimos na somatoacuteria total das estelas

enquanto apenas um artefato

U 504

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKaeligtilfastr raeligisti staeligin thornenna aeligftiR

Asgaut faethur sinn SaR vas vestr ok

austr Gueth hialpi hans salurdquo

Versatildeo nossa

ldquoKaeligtilfastr erigiu esta rocha em

memoacuteria de Asgautr seu pai Ele foi

para oeste e leste (Que) Deus ajude

sua almardquo

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland

Foto segundo licenccedila livre da ldquoCreative

Commonsrdquo

b) Estelas da Greacutecia estelas que possuem referecircncias agrave Grekland termo

escandinavo empregado para Bizacircncio Dada a grande popularidade da guarda varacircngia

e da possibilidade de carreira feitos militares ou comeacutercio com Bizacircncio haacute um nuacutemero

consideraacutevel de tais estelas Satildeo elas

U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431 U 446 U 518

U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml 82 Souml 85 Souml 163 Souml

165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G 216

129

Perfazem um nuacutemero de 30 artefatos cerca de 263 das estelas varegues e

168 das estelas vikings

U 792

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKarr let raeligisa staeligin thornenna at

Horsa() faethur sinn ok

Kabbi()Kampi()Kappi()Gapi

() at mag sinn Fo[r] haeligfila feaR

aflaethi ut i Grikkium arfa sinumrdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Karr teve esta pedra erigida para

Horsa() seu pai e Kapi () para

seu parente Viajou de froma

competente ganhou riqueza no

estrangeiro na Greacutecia para seu

herdeirordquo

Figura 07 U 792 ndash Ulunda

c) Estelas do Baacuteltico referem-se agraves regiotildees baacutelticas dos territoacuterios das atuais

Letocircnia Estocircnia e Finlacircndia Satildeo elas U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U

582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs 13 Vg 181 G 135 G 319

Um total de 14 artefatos 127 das estelas varegues e 79 das estelas vikings

Em Grobiņa atual Letocircnia e siacutetio de grande importacircncia nos estudos

escandinavos foi encontrada uma estela pictoacuterica na deacutecada de 80 Enquanto artefato

arqueoloacutegico eacute de valia na ecircnfase nos movimentos escandinavos na aacuterea Entretanto

natildeo listamo-la entre as estelas ruacutenicas por ser estela de outra natureza natildeo contendo

inscriccedilotildees ruacutenicas mas pictogramas Estelas nesta categoria foram encontradas

principalmente em Gotland e outras aacutereas do Baacuteltico aparentando tratar-se de produtos

130

especiacuteficos da arte de Gotland exportados para uma ou outra aacuterea de influecircncia eou

colonizaccedilatildeo

d) Estelas da Lombardia Quatro estelas encontradas na Lombardia satildeo por

vezes enquadradas entre as estelas varegues por se considerar como fruto de atividades

de varegues em Bizacircncio Satildeo elas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65 Apenas 36

das estelas varegues e 22 das estelas vikings

Haacute duas seacuteries de estelas mencionando indiviacuteduos especiacuteficos que a erudiccedilatildeo

considera tratarem-se das mesmas pessoas dados principalmente os referenciais

geograacuteficos Satildeo as estelas de Yngvarr e Freygeirr

a) Estelas de Yngvarr Haacute um nuacutemero consideraacutevel de estelas ou fragmento das

mesmas (entre 26 a 28) com referecircncia direta ou circunstancial a Yngvarr chefe que

liderou expediccedilatildeo rumo agrave Serkland Ainda referente a tal expediccedilatildeo possui-se a

Yngvarrs Saga escrita provavelmente no seacuteculo XIII que reconta o evento de forma

fantaacutestica Tal expediccedilatildeo terminou em desastre e muitos de seus participantes satildeo

comemorados por meio de estelas ruacutenicas Satildeo elas

U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157 Souml 9 Souml

96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277 Souml 279 Souml 281

Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

Bloumlndal considera tambeacutem que as estelas U 785 listada por ele como estela 13

e referindo-se a um falecido em Serkland248

bem como a estela Souml 131 listada por ele

como 4249

fariam parte da seacuterie de Yngvarr Natildeo se levando em consideraccedilatildeo estas

estelas pela ausecircncia de consenso acadecircmico temos 26 estelas de Yngvarr 236 das

estelas varegues e 146 das estelas vikings

248

BLOumlNDAL 2007 225 249

BLOumlNDAL 2007 227

131

U 778

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoTHORNjalfi ok Holmlaug leacutetu reisa steina

thornessa alla at BankaBagga son sinn Er aacutetti

einn seacuter skip ok austr styacuterethi iacute Ingvars lieth

Gueth hjalpi ocircnd BankaBagga Aacuteskell reist ldquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

ldquoTHORNjalfi e Holmlaug tiveram todas

estas rochas erigidas para BankiBaggi seu

filho Ele sozinho possuiacutea um barco e

navegou para o leste com a tropa de Yngvar

Que Deus ajude o espiacuterito de

BankisBaggis Aacuteskell entalhou ldquo

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn

b) Estelas de Freygeirr Freygeirr fora provavelmente um chefe que executou

expediccedilotildees na regiatildeo baacuteltica Referem-se a ele as seguintes estelas

Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

A estela U 698 eacute comumente tambeacutem listada entre as estelas do Baacuteltico segundo

proposiccedilatildeo de Omeljan Pritsak250

Conteacutem a referecircncia de um homem morto na Livocircnia

Eacute interessante notar a existecircncia de uma estela danesa a Dr 216 Tal estela eacute em estilo

RAK consistindo numa das mais antigas fontes a citarem a Sueacutecia Se a eacute correta e tais

estelas referem-se ao mesmo indiviacuteduo entatildeo Freygeirr nascera na Dinamarca e

falecera na Sueacutecia

As 6 estelas de Freygeirr representam aproximadamente 55 das estelas

varegues e 34 das estelas vikings

250

PRITSAK 1981 399

132

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional

dinamarquecircs

Foto de Christian Bickel disponibilizada sob licenccedila livre

(Creative Commons)

DR 216

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoAsrathornr ok

Hildu[ng]RHildv[ig]RHildu[lf]R

resthornu sten thornaelignsi aeligft FrathornaFraeligthorna

fraelignda sin sin aelign han was thorna

faeligkn() waeligRa aelign han warthorn doslashthornr

a Swethorniuthornu ok was fyrst() i()

Friggis() liethi() thorna alliR

wikingaRrdquo

Versatildeo para o portuguecircs

(do autor)

ldquoAsrathornr e Hild[ung] erigiram

esta rocha em memoacuteria de Fraeligthorna

seu parente [ ] ele morreu na

Sueacutecia e foi primeiro () na tropa

() de Freygeirr [ ] de todos os

vikingsrdquo

Somando-se o total das estelas varegues incluindo as estelas da Lombardia

desduplicando-se a referecircncia a Freygeirr nas estelas do Baacuteltico e desconsiderando-se as

duas adiccedilotildees de Bloumlndal agraves estelas de Yngvarr chegamos a um nuacutemero de 114 estelas

varegues 64 do total das estelas vikings

Uma contagem aproximada das estelas vikings a oeste nos leva agraves seguintes

proporccedilotildees

a) Estelas vikings de oeste contendo referecircncias agrave locais da Europa mencional

ou simplesmente mencionando que o comemorado fora em expediccedilatildeo viking (ldquoiacute

133

viacutekingrrdquo) Ainda apresentam uma definiccedilatildeo terminoloacutegica centrada em uma dualidade

exclusiva viking=oeste varegue=leste

Satildeo elas U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml 137 Souml

159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111 OumlG Fv1970310

Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330 Dr 334 Dr 216

Um total de 30 artefatos Aqui inclui-se a Dr 216 mencionada entre as estelas de

Freygeirr O nuacutemero de estelas sem referecircncia geograacutefica abre a possibilidade de que

nem todas refiram-se agrave localidades da Europa Ocidental havendo a possibilidade de

conter participantes de expediccedilotildees a leste

A U 504 exemplifica clara e expliacutecitamente a participaccedilatildeo de vikings tanto a

leste como oeste Essa estela tambeacutem eacute listada entre as estelas varegues

Contando-se o nuacutemero de 30 estelas entretanto chega-se a 168 das estelas

vikings e 469 das estelas de oeste

Souml 319

Transcriccedilatildeo para o

antigo noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoFinnviethr() gaeligrethi

kuml thornessi aeligftiR GaeligiRbiorn

faethur sinn Hann vareth dauethr

vestrrdquo

Versatildeo (nossa) para o

portuguecircs

ldquoFinnviethr() fez estes

monumentos paraem

memoacuteria de Geirbjocircrn seu

pai Ele morreu no oesterdquo

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde

foi movida Oriunda de Sannerby

134

b) Estelas da Inglaterra U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U

1181 Souml 46 Souml 55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104

Oumlg Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr 337

Dr 6 N 184

Somam 31 estelas 174 das estelas vikings gerais e 484 das estelas vikings

de oeste

c) Estelas de Jarl Hakon as estelas U 16 U 617 e Sm 76 conteacutem referecircncias a

Jarl Hakon Trecircs artefatos apresentam pouca relevacircncia estatiacutestica consistindo em

aproximadamente 17 das estelas vikings gerais e 47 das estelas vikings de oeste

As estelas vikings de oeste sem retirar-se a Dr 216 perfazem portanto 64

artefatos aproximadamente 36 do total das estelas vikings contra os 64 das estelas

varegues

135

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste

Como jaacute afirmamos a estatiacutestica pertinente natildeo pode propiciar nuacutemeros exatos e

imutaacuteveis mas a proporccedilatildeo quase que dobrada da quantidade de estelas varegues em

relaccedilatildeo agraves estelas vikings de oeste eacute evidente

Tal dado per si entretanto precisa ser considerado em meio a diversos fatores

Dentre esses destacamos as frequecircncias das regiotildees de origem das estelas ruacutenicas (vide

Tabela 03) A maior parte das estelas vikings procedem de Uppland e Soumldermanland

seguidos de Oumlstergotland segundo padratildeo que combina com a proveniecircncia geral das

estelas ruacutenicas em sua totalidade Oumlland entretanto que possui elevada quantidade de

Estelas Ruacutenicas por aacuterea conteacutem apenas uma estela viking

Alguns tecircnues padrotildees

regionais podem ser delineados

coerentes com a interpretaccedilatildeo

histoacuterica tradicional A pequena

quantidade de artefatos na

Dinamarca possuem um nuacutemero

maior de estelas inglesas

enquanto que Gotland possui uma

maioria absoluta de estelas

varegues contendo tambeacutem uma

estela da Greacutecia e duas do Baacuteltico

Mapa 07 As proviacutencias suecas Do

autor Feito com a ferramenta

ldquoMapmaker Interactiverdquo da National

Geographic

136

Tipo Regiatildeo Varegues per si Greacutecia Baacuteltico Lombardia Yngvarr Freygeirr Vikings de oeste Inglaterra Haakon Total

Uppland 9 18 8 2 8 4 5 8 2 64

Soumldermanland 11 7 2 2 15 11 6 54

Oumlstergoumltland 2 2 2 4 2 12

Smaringland 1 3 6 1 11

Vaumlstergoumltland 3 1 1 2 2 9

Gotland 3 1 2 1 8

Dinamarca 1 1 4 1 6

Vaumlstmanland 2 1 3 6

Gaumlstrikland 1 1 1 2

Noruega 1 1 2

Oumlland 1 1

Alemanha (Schleswig) 1 1

Ucracircnia 1 1

Letocircnia Estela

Pictoacuterica

de

Grobiņa

-

177

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings As aacutereas rachuradas indicam picos das frequecircncias

A Gs 13 aparece tanto na seacuterie de Estelas do Baacuteltico quanto das de Freygeirr Dessa forma foi contada como apenas uma Procedemos da mesma forma em relaccedilatildeo agrave Dr 126

listada tanto enquanto uma estela viking de oeste quanto de Freygeirr

Conforme discutido no toacutepico das estelas do baacuteltico a estela pictoacuterica de Grobiņa natildeo foi inserida na contagem

137

Tal distribuiccedilatildeo harmoniza-se com a pressuposiccedilatildeo tradicional de uma ecircnfase

entre os dinamarqueses e noruegueses nas expediccedilotildees vikings a oeste e Ilhas Britacircnicas

e dos vikings suecos e de Gotland a leste em particular as relaccedilotildees de Gotland com o

Baacuteltico

Entretanto outras distribuiccedilotildees fogem desse padratildeo e sugerem outras hipoacuteteses

A Noruega possui um exemplar varegue e um inglecircs Gaumlstrikland possui um exemplar

do BaacutelticoFreygeirr e uma estela da Inglaterra

Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland apresentam uma distribuiccedilatildeo praticamente igual

entre estelas de leste e oeste inseridas as subdivisotildees regionais e Smaringland demonstra

uma propensatildeo forte para oeste

Dessa maneira o quadro geral demonstra de fato uma forte inclinaccedilatildeo entre os

vikings suecos para o leste mas tal inclinaccedilatildeo apresenta uma concentraccedilatildeo especiacutefica

em Soumldermanland Uppland e Gotland Os suecos das demais regiotildees apresentam uma

distribuiccedilatildeo quase que uniforme entre leste e oeste com leve predomiacutenio para o leste

com exceccedilatildeo de Smaringland Entretanto o nuacutemero de estelas vikings nas outras regiotildees

suecas eacute muito menor e a amostragem natildeo eacute estatisticamente suficiente para conclusotildees

definitivas

Por hora parece adequado pressupor que os vikings das demais regiotildees suecas

encontravam-se ativos tanto a leste quanto a oeste Possuiacutemos poucas estelas ruacutenicas das

demais regiotildees mas parece razoaacutevel a proposiccedilatildeo de que esta circunstacircncia possa ser

aplicada tambeacutem aos vikings de Noruega e Inglaterra Eacute significativo que das uacutenicas

duas estelas vikings da Noruega uma seja varegue

Tal fase da anaacutelise deixa uma aparecircncia inicial de que o movimento a leste foi

empreitada fortemente concentrada entre os suecos da regiatildeo dos lagos Malaren e

Gotland No entanto a escrita histoacuterica posterior inseriraacute o leste de papeacuteis significativos

que levam a repensar os quadros de exclusividade e duplicidade simples nos campos de

accedilatildeo ldquovareguerdquo e ldquovikingrdquo

A especificidade e distribuiccedilatildeo desigual das estelas ruacutenicas pode induzir a

conclusotildees natildeo de todo seguras Natildeo obstante o cruzamento das informaccedilotildees com os

subsiacutedios dados pela numismaacutetica e arqueologia parecem fortalecer e preencher o

quadro de um movimento a leste instigado pela prata muccedilulmana e inicialmente

entremeado de intermediaacuterios

Gradativamente os escandinavos eliminaratildeo as intermediaccedilotildees e se aventuraratildeo

cada vez mais a leste com controle cada vez maior das fontes de riquezas

138

desenvolvendo sistema complexo que afetaraacute o proacuteprio desenvolvimento posterior da

histoacuteria da Rus Os suecos seratildeo peccedila-chave em tais processos

Poreacutem seus resultados a longo prazo seratildeo sentidos nas mentalidades

escandinavas como um todo Analisaremos a seguir as contruccedilotildees escritas realizadas

pelos historiadores posteriores todos dos locais mais ocidentais dos reinos

escandinavos e que revestem o leste com significados arraigados nesta tradiccedilatildeo de

seacuteculos de relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Leste

139

Capitulo 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA

ldquoEacute inuacutetil lembrar endereccedilando-me aos fenomenoacutelogos que o espaccedilo cotidiano o espaccedilo do

primeiro estrato natural do ldquomundo da vidardquo eacute apenas quase euclidiano e isso localmente ele

natildeo eacute certamente homogecircneo nem mesmo isoacutetropo ele tem um alto e um baixo os trilhos da

estrada de ferro convergem na distacircncia a direccedilatildeo de qualquer demo situado entre Aacutetica e

Atenas e uacutenica e privilegiada pelos habitantes do demo () o espaccedilo () soacute eacute quase contiacutenuo

no sentido de Aristoacuteteles da divisibilidade ndash pois esta uacuteltima natildeo pode ser levada longe

demais Assim que a reflexatildeo comeccedila o mundo da vida se revela problemaacuteticordquo

(Cornelius Castoriades)251

31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste

Um passo obrigatoacuterio - quiccedilaacute um tanto oacutebvio - em um estudo que pretende tratar

com um termo primariamente ligado a uma direccedilatildeo geograacutefica eacute uma compreensatildeo

inicial de que forma o sistema de referenciamento geograacutefico se apresenta em sua forma

mais cotidiana pragmaacutetica e simples em suma de que forma o conhecimento e a

terminologia geograacuteficos ao menos no que toca agraves referecircncias e coordenadas se

apresenta nas fontes escandinavas sem o acuacutemulo de imaginaacuterio ideologia e narrativa

Eacute perfeitamente possiacutevel e necessaacuterio o questionar a validade de tal proposiccedilatildeo

enquanto construto da imaginaccedilatildeo humana todo sistema de ideias deriva de categorias

mentais especiacuteficas e culturais algumas dessas categorias por certo apresentam maiores

elaboraccedilotildees que outras por vezes certas construccedilotildees encontram-se mais marcadamente

entremeadas de elementos evidentes na natureza de forma a minimizar a accedilatildeo da

elaboraccedilatildeo humana sobre os mesmos

Seria possiacutevel efetuar alguma espeacutecie de ldquodissecaccedilatildeordquo de discriminaccedilatildeo de

elementos ldquosimplesrdquo ldquocomplexosrdquo ldquomaisrdquo ou ldquomenosrdquo elaborados culturalmente A

despeito da dificuldade da tarefa do complexo problema de se abordaacute-la de forma

objetiva ndash e da proacutepria possibilidade da objetividade conforme jaacute discutimos no

primeiro capiacutetulo desta tese ndash nos parece razoaacutevel efetuar uma diferenciaccedilatildeo entre os

sistemas simples de direcionamento geograacutefico ndash e nesta categoria enquadramos o

proacuteprio sistema cardinal mas tambeacutem o cabedal baacutesico terminoloacutegico geograacutefico

251

CASTORIADES Cornelius Figuras do Pensaacutevel as Encruzilhadas do Labirinto Volume VI Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Basileira 2004 Pp402s

140

empregado para referecircncia e direccedilatildeo ndash e elaboraccedilotildees que apesar de se basearem ou

empregarem elementos de tais sistemas a eles adicionam dimensotildees que o transcendem

Um exemplo simples de tal diferenciaccedilatildeo pode ser observado em trecircs empregos

do termo austr ldquolesterdquo no antigo noacuterdico (itaacutelicos nossos)

() austr iacute Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrloumlnd ()

ldquo(para o ) leste em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente ()rdquo

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 04252

)

() um sumarit iacute Austrveg ()

No veratildeo para Austrvegr

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 46253

)

En hann var farinn iacute Austrveg at berja troll

ldquoMas ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para destruir trollsrdquo

(Edda Menor Codex uppsaliensis Cap 26254

)

Todas as passagens satildeo pressupostamente da autoria de um mesmo indiviacuteduo

Snorri Sturlusson A primeira encontrada na Saga de Egil indica nada aleacutem da direccedilatildeo

per si ldquopara o lesterdquo A leste do narrador um leste apenas posicional localizam-se

Jamtaland e Helsingland para oeste estatildeo outras regiotildees imediatamente enumeradas

Aqui o personagem eacute a referecircncia a direccedilatildeo descritiva eacute apenas indicativa e mesmo

relativa vaacutelida para apenas seu observador

O segundo caso empregado na mesma Egils saga eacute o uso de um composto do

termo ldquoAustrvegrrdquo empregado no capiacutetulo 46 Nesta ocasiatildeo Egil e seu irmatildeo Thoacuterolfr

iniciam expediccedilatildeo para Kuacuterland Nesse uso do termo o ldquovegrrdquo fica mais compreensiacutevel

pelas imediaccedilotildees de Kuacuterland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e

Bizacircncio ldquoAustrvegrrdquo o ldquocaminho de lesterdquo

De fato a nomenclatura seraacute empregada com frequecircncia nesse sentido e

assumiraacute a conotaccedilatildeo mais ampla das regiotildees a leste do Baacuteltico em particular os atuais

Paiacuteses Baacutelticos e Finlacircndia Tal uso composto natildeo adiciona apenas o termo ldquovegrrdquo ao

simples ldquoaustrrdquo em adiccedilatildeo incorpora toda uma gama de significados ao mesmo ndash no

caso adicionando a ele uma conotaccedilatildeo geograacutefica e mesmo etnograacutefica

Por fim a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa na qual lemos

novamente o termo ldquoAustrvegrrdquo Aqui o termo aglutinaraacute ainda uma dimensatildeo adicional

252

In JOacuteNSSON Finnur (ed) Altnordische Saga-Bibliothek 3 Halle Niemeyer 1924 253

Idem 254

In PAacuteLSSON Heimir (ed) The Uppsala Edda University College London Viking Society for

Northern Research 2012

141

em seu significado No caso em questatildeo o deus THORNoacuterr estava a leste nas regiotildees de leste

no caminho de leste a lutar contra gigantes

Aqui eacute evidente ou pressuposto para o leitor que a leste haacute gigantes nesse

sentido nesta direccedilatildeo localiza-se Jottunheimr a terra dos gigantes Em adiccedilatildeo agrave

referecircncia simples de direccedilatildeo em adiccedilatildeo agrave regiatildeo etno-geograacutefica adiciona-se um

terceiro significado Desta feita um construto miacutetico uma localidade do imaginaacuterio

bem como toda uma gama de narrativas personagens e peculiaridades que confluem ali

O uacuteltimo significado estaraacute mais em voga nas fontes mais tardias em particular

nas Fornaldarsoumlgur quando se tornaraacute mais saliente nas narrativas que Austrvegr eacute

ponto de passagem para as dimensotildees ainda mais a leste bordejantes das aacutereas miacuteticas

de Jottunheimr das Planiacutecies de Glasir de Geirrodland

Temos aqui portanto um termo baacutesico ao qual se adiciona natildeo apenas um

composto mas gamas distintas e amplas de significados que discriminaremos de forma

mais pontual nos capiacutetulos seguintes Neste capiacutetulo lidaremos especificamente com a

dimensatildeo inicial referencial e mais simples de leste enquanto direccedilatildeo geograacutefica Para

tanto traccedilaremos um panorama geneacuterico sobre o conhecimento e representaccedilotildees

primaacuterias geograacuteficas que transparece nas fontes primaacuterias islandesas e escandinavas ndash

que como veremos em breve natildeo necessariamente satildeo monoliacuteticos e concordantes

Em seguida apresentaremos um quadro detalhado dessas mesmas regiotildees de

Austrvegr ndash na acepccedilatildeo de ldquocaminho de lesterdquo discriminadas nas fontes escandinavas

incluindo-se aqui as estelas ruacutenicas

311 O sistema cardinal e a terminologia

O sistema cardinal e suas derivaccedilotildees se entrelaccedilam no cotidiano e no

vocabulaacuterio da maioria das culturas dos tempos contemporacircneos De forma similar agrave

contagem e mensuramento do tempo ainda que natildeo de maneira tatildeo interiorizada e

arraigada consiste em um sistema conceitual de propoacutesitos praacuteticos que principalmente

por suas implicaccedilotildees cotidianas eacute assimilado e considerado como um fato dado a um

ponto em que eacute impossiacutevel para um indiviacuteduo que se considere ldquoeducadordquo ldquocivilizadordquo

enfim devidamente aculturado privar-se de conhececirc-lo ainda que minimamente

Como discute Norbert Elias de forma magistral eacute por demais estranho ao

homem moderno e assim o foi aos primeiros etnoacutelogos e antropoacutelogos encontrar

pessoas em culturas ditas ldquoprimitivasrdquo ou menos avanccediladas que desconheccedilam sua

142

proacutepria idade Poderiacuteamos traccedilar um paralelo ainda que de menor peso ao pensarmos

acerca da localizaccedilatildeo e terminologia espacial255

Enquanto sistema conceitual entretanto qualquer sistema de orientaccedilatildeo por

maior difusatildeo que encontre e por mais baseado que esteja em fenocircmenos naturais e

dados empiacutericos ndash e aqui podemos incluir trajetoacuteria do Sol (leia-se percepccedilatildeo de uma

trajetoacuteria do Sol ndash nem sempre considerada como tal) e dos astros depoacutesitos minerais e

norte geograacutefico magneacutetico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura antes que da

Natureza

Certamente que natildeo entraremos detalhadamente aqui em tal discussatildeo mas fica

evidente a necessidade de se considerar o sistema de orientaccedilatildeo geograacutefico enquanto

produto de criaccedilatildeo da razatildeo humana e do acuacutemulo e transformaccedilatildeo de saber como algo

que estaacute sujeito aos contextos especiacuteficos temporais nos quais eacute formulado empregado

e reformulado

O sistema cardinal por mais que se baseie em e estabeleccedila coordenadas

absolutas eacute passiacutevel de relativizaccedilatildeo ndash ao menos por meio da criaccedilatildeo de variantes ou

mesmo na forma de sua utilizaccedilatildeo Um exemplo claro eacute a convenccedilatildeo de apontamento de

direccedilatildeo ao norte Por mais que tal convenccedilatildeo tenha se desenvolvido por conseguinte agrave

uma determinante empiacuterica do norte absoluto e da buacutessola apontando para o mesmo -

por sua vez fundamentados na existecircncia de concentraccedilatildeo de minerais em determinada

parte da crosta terrestre - no decorrer dos tempos a percepccedilatildeo de tais absolutos a

compreensatildeo das mesmas e as representaccedilotildees de tal circunstacircncia empiacuterica sofrem

alteraccedilotildees de matizes estritamente culturais mais especificamente a dominacircncia e

hegemonia das culturas ocidentais do hemisfeacuterio norte em acircmbito mundial

Note-se por exemplo na representaccedilatildeo cartograacutefica dos sistemas graacuteficos

derivados de tais coordenadas que os mapas da Antiguidade e do Medievo natildeo

necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o

fazem os mapas contemporacircneos de fato como logo demonstraremos tal circunstacircncia

eacute rara

Mapas do mundo islacircmico traziam o norte para baixo e o sul ndash ou sudeste - para

cima e existiram tendecircncias diversas cartograacuteficas entre os proacuteprios europeus ocidentais

255

Eacute evidente que devemos muito aqui sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem agraves

reflexotildees de Norbert Elias A referecircncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se de qualquer

forma na paacutegina 10 da ediccedilatildeo que consultamos mas devemos muito mais ao autor do que apenas a

leitura desta paacutegina Vide ELIAS Norbert Sobre o tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998

[1984]

143

Mesmo contemporaneamente a representaccedilatildeo da Ameacuterica agrave esquerda e Euraacutesia e Aacutefrica

agrave direita natildeo eacute unacircnime e possui variaccedilotildees nas diversas esferas culturais do globo Em

breve retornaremos com mais detalhe na representaccedilatildeo graacutefica depicccedilatildeo geograacutefica e

confecccedilatildeo de mapas

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo

Eacute relevante se debruccedilar previamente na terminologia referente aos sistemas

geograacuteficos e espaciais empregados pelos Escandinavos no medievo

A niacutevel bibliograacutefico eacute possiacutevel encontrar discussatildeo e reflexatildeo sobre os sistemas

de orientaccedilatildeo espaciais empregados pelos escandinavos em particular no que toca agraves

relaccedilotildees entre Islacircndia e Noruega Sobre o leste entretanto a situaccedilatildeo eacute mais exiacutegua O

grosso da bibliografia discute o conceito de leste quando o discute especificamente no

que chamamos de leste ldquosituacionalrdquo ou ldquodirecionalrdquo

Tal discussatildeo possui um forte vieacutes linguiacutestico agrave medida que deriva de termos e

modificaccedilotildees dos mesmos sendo necessaacuteria uma discussatildeo e explanaccedilatildeo especiacutefica dos

significados de direccedilatildeo e localizaccedilatildeo no antigo noacuterdico

O caraacuteter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais

formas de orientaccedilatildeo e expressatildeo geram estranheza ao olhar contemporacircneo de forma

que autores como Tatjana N Jackson ao comparar tais formas de expressatildeo com o

sistema cardinal as divide por vezes como ldquocorretasrdquo (se equivalem agraves distacircncias

indicadas cardinalmente) e ldquoincorretasrdquo (se natildeo se adequam ao sistema cardinal ainda

que empreguem termos do mesmo256

O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradiccedilatildeo

germacircnica mais ampla De forma geral a nomenclatura ndash nor- austrō- sun- wes-

influenciou a antiga terminologia latina ndash septentrionalisborealis orientalis

australismeridionalis occidentalis ainda que as formas latinas subsistam em termos

derivados257

O sistema baacutesico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norethr ndash norte

austr ndash leste suethr-sul vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno da

256

JACKSON T Old Norse System of Spatial Orientation In Saga Book 25 1998 Pp 72s 257

POKORNY Julius Indogermanisches etymologisches Woumlrterbuch 2 Baumlnde Francke Verlag Bern

und Muumlnchen 1958 Verbetes ldquoau-3(aṷe) ṷērdquoldquoaṷes-ldquo ldquosāṷel- suṷeacutel- sṷel- sūl-ldquo

144

costa norueguesa e na observaccedilatildeo dos astros dado o desconhecimento da buacutessola258

Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germacircnicos antigos tenham sido

empregados para o que consideramos pontos intermediaacuterios envolvendo uma rotaccedilatildeo

de 45ordm259

Entretanto a observaccedilatildeo das direccedilotildees norueguesas baseadas no desenho costeiro

ajuda a compreender melhor a situaccedilatildeo Eacute possiacutevel encontrar termos que parecem por

vezes peculiares ou ldquoestranhosrdquo agrave mente acostumada ao sistema de coordenadas

cardinais absolutas como por exemplo o termo landnorethr empregado para ldquonordesterdquo

mas que pode ser traduzido ao peacute-da-letra como ldquopara o norte via terrardquo enquanto que

uacutetnorethr ldquopara o norte indo para forardquo representava a direccedilatildeo de oeste ou noroeste ndash

consistindo nas rotas possiacuteveis a serem tomadas se o observador tomasse em

consideraccedilatildeo a geografia e costa norueguesas

Tal uso de vocabulaacuterio natildeo estaacute limitado aos residentes da Noruega antes

incorporou-se no vocabulaacuterio do antigo noacuterdico Observemos uma passagem escrita

novamente por Snorri Sturlusson um islandecircs na Ynglingasaga parte inicial da

Heimskringla

ldquoAf hafinu gengr langr hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-hafrdquo

ldquoDo mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em

direccedilatildeo ao nordeste e eacute chamada de Mar Negrordquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01260

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

O trecho em questatildeo encontra-se na descriccedilatildeo do mundo habitado mas descreve

regiatildeo longe da costa norueguesa o Mar Negro O uso para nordeste no entanto eacute

landnorethr261

Haacute o sistema referencial designado por Kirsten Hastrup262

como ldquoultimaterdquo no

sentido de que indica o objetivo final uacuteltimo a ser atingido pelo viajante Esta forma

258

LEONARD Stephen Language Society and Identity in early Iceland Wiley-Blackwell 2012

P 161 259

Ex o mesmo radical para austr- ldquolesterdquo e ldquoaustralisrdquo ldquomeridionalrdquo no latim Vide POKORNY

opcit ldquoaṷes-rdquo WEIBULL Lauritz De gamle nordbornas vaumlderstrecksbegrepp Scandia 01 1928

EKBLOM R Alfred the Great as Geographer Studia Neophilologica 14 1941-2 __________ Den

forntida nordiska orientering och Wulfstans resa till Truso Foumlrnvaumlnnen 33 1938 SKOumlLD

Tryggve Islaumlndska vaumlderstreck Scripta Islandica Islaumlndska saumlllskapets aringrsbok 16 1965 260

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04 261

Landnorethr ndash no genitivo landnoreths 262

HASTRUP 55

145

de expressatildeo eacute mais marcadamente linguiacutestica empregando expressotildees adveacuterbios e

modificadores de sentido indicativos de proveniecircncia e destino Tal sistema de

referecircncias em antigo noacuterdico centraliza-se em trecircs formas baacutesicas de expressatildeo que

denotam direccedilatildeo localidades e origens que a grosso modo podem ser expressos

simplificadamente como ldquo(dirigindo-se) para algum lugarrdquo ldquoem algum lugarrdquo ldquo(vindo)

de algum lugarrdquo263

A adiccedilatildeo de sufixos a adveacuterbios concede nuances especiacuteficas que se assemelham

a esse sistema tripartite o sufixo ndashi implica descanso em algum lugar especiacutefico

enquanto adveacuterbios com sufixo ndashan iratildeo indicar movimento partindo de algum lugar264

Alguns adveacuterbios satildeo modificados apenas de uma forma dual norethr por

exemplo significa ldquonorterdquo ldquopara o norterdquo enquanto norethan significa ldquo(vindo do) nortersquo

mas a maioria dos adveacuterbios acaba por se enquadrar no sistema ternaacuterio de localizaccedilatildeo

O uso do sufixo ndashan precedido da preposiccedilatildeo fyrir cria uma frase preposicional

que indica uma posiccedilatildeo relativa em relaccedilatildeo a outra fixa fyrir norethan heiethina significa

ldquo(a) norte dos pagatildeosrdquo

Fyrir norethan acabou tornando-se uma expressatildeo idiomaacutetica significando ldquono

norterdquo265

Esse tipo de construccedilatildeo generalizou-se tambeacutem para as outras posiccedilotildees

geograacuteficas Ainda no iniacutecio da Ynglingasaga temos um exemplo simples de seu uso

() heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en

sumir Eacuteneacutea

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns Europa

por alguns Enea

(Heimskringla Ynglingasaga 01266

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

Esse sistema conceitual eacute muito forte nas fontes primaacuterias criando expressotildees

especiacuteficas dependendo dos sentidos e localidades e enfatizando grandemente um

sistema de localizaccedilatildeo geograacutefica que chamamos de ldquorelativordquo ldquosituacionalrdquo ou

ldquodirecionalrdquo mas que com o decorrer do tempo acaba por assumir uma circunstacircncia

mista na qual a relativa localizaccedilatildeo dos pontos entre si gradualmente assume

conotaccedilotildees fixas idiomaacuteticas A coordenada que assume maior importacircncia natildeo eacute a

263

LEONARD 157 264

LEONARD 158 265

LEONARD 158 266

In JOacuteNSSON 1911 04

146

localidade per si (ie a Noruega ou a Islacircndia) mas antes a posiccedilatildeo relativa das

localidades em questatildeo entre si

As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema satildeo a

Islacircndia e a Noruega Viajar da Noruega para a Islacircndia seria escrito em sua forma

completa em antigo Noacuterdico como aeth fara fraacute Noregi uacutet til Iacuteslands Entretanto seu uso

mais comum eacute o abreviado aeth fara uacutet Literalmente em portuguecircs ldquosairirdirigir-

seviajar para forardquo

O sentido contraacuterio da Islacircndia para Noruega eacute usualmente indicado como aeth

fara uacutetan ldquovir de forardquo expressatildeo empregada largamente nas sagas e na produccedilatildeo

legal267

Tal sistema possui origem oacutebvia com os noruegueses que tendo colonizado a

ilha da Islacircndia empregaratildeo seu ponto de partida (a Noruega) como ldquodentrordquo e a

Islacircndia como ldquoforardquo Entretanto mais de um seacuteculo apoacutes a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e

quando a mesma jaacute se encontrava com caminhos distintos da Noruega os proacuteprios

islandeses continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas Ainda que se

dirigissem da Islacircndia para a Noruega sua forma de expressatildeo eacute de dirigir-se do ldquoforardquo

para o ldquodentrordquo que evidencia uma continuidade do conceito original direcional mas

somada a uma modificaccedilatildeo intriacutenseca do mesmo a relatividade e ateacute mesmo

ldquoetnocentridaderdquo do conceito original norreno sofrearaacute uma sutil transformaccedilatildeo na qual

as expressotildees indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaccedilotildees

fixas especiacuteficas e intrinsecamente ligadas a localidades especiacuteficas e imutaacuteveis

Outro exemplo da transformaccedilatildeo readaptaccedilatildeo e de certa forma ressignificaccedilatildeo

da terminologia geograacutefica eacute o caso da divisatildeo da Islacircndia em quadrantes ou ldquoquartasrdquo

(fjoacuterethungar) efetuada em 965 AD268

Esta divisatildeo foi efetuada num sistema de base cardinal contendo outras

peculiaridades de referecircncia geograacutefica O viajante que se dirigia ao quadrante sul

(baseado em um sistema cardinal) da Islacircndia dirigia-se de forma absoluta para o

oeste Entretanto o uso linguiacutestico empregado era de dirigir-se ao sul 269

Em adiccedilatildeo a tais nuances haacute-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega

o sistema de coordenadas cardinais de forma mais oacutebvia referenciando o destino

imediato para onde o personagem da narrativa dirige-se Dessa forma o itineraacuterio de

267

LEONARD 159 268

JACKSON 73 269

LEONARD 162 JACKSON 73

147

algueacutem na Noruega que se dirige para a Sueacutecia pode ser descrito como ldquoviajou para

lesterdquo

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica

simples270

Esta forma de referenciamento geograacutefico simples pode ser encontrada por

toda a produccedilatildeo escrita escandinava medieval como se espera de uma terminologia

empregada amiuacutede Haacute de se destacar no entanto uma seacuterie especiacutefica de fontes na qual

as nuances do sistema podem ser percebidas com maior propriedade tanto devido agrave

proacutepria forma de linguagem e estilo mais frequente como pelas proacuteprias caracteriacutesticas

geograacuteficas e de cenaacuterio especiacuteficas agrave modalidade de tal gecircnero procedeu parcela

consideraacutevel dos extratos de fonte e exemplos linguiacutesticos examinados ateacute entatildeo

Referimo-nos agraves chamadas Islendigasoumlgur as sagas islandesas por excelecircncia

muitas vezes traduzidas apenas como ldquosagasrdquo ldquosagas familiaresrdquo ou em uso mais

recente iniciado por Theodore Andersson271

e difundido por Else Mundal Torfi Tulinius

e outros acadecircmicos como ldquosagas dos antigos islandesesrdquo272

Ao lado das grandes obras histoacutericas as Islendigasoumlgur tiveram papel

fundamental provavelmente ainda maior na forma narrativa islandesa sobre os

acontecimentos e personagens do passado

Saga (pl soumlgur) eacute um termo empregado muito genericamente para formas

narrativas islandesas Proveacutem do antigo noacuterdico segja verbo que significa ldquodizerrdquo

ldquofalarrdquo ou por si soacute ldquocontordquo ou ldquohistoacuteriardquo e incorpora narrativas em prosa acerca de

algum personagem famiacutelia ou regiatildeo Apesar do gecircnero per si ser composto em prosa

haacute com grande frequecircncia conteuacutedo poeacutetico veiculado em seu meio em particular na

poesia escaacuteldica

Mas existem outras modalidades de saga e a definiccedilatildeo de distinccedilotildees literaacuterias

precisas entre as diversas modalidades das mesmas pode ser tarefa complexa e nem

sempre satisfatoacuteria

Conquanto as diferenccedilas entre alguns tipos de saga ndash por exemplo entre as

270

Boa e resumida referecircncia ao toacutepico pode ser encontrada em OacuteLASON Veacutesteinn Family Sagas In

McTURK Rory (Ed) A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell

Publishing 2006 [2005] pp 101-118 271

ANDERSSON Theodore The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280) Ithaca amp

London Cornell University Press 2006 272

MUNDAL Else Introduction In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas Reviews and Revisions

Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P01

148

Iacuteslendingasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur ndash possam ser marcantes haacute um nuacutemero elevado

de categorias que natildeo se enquadram nesses ou nos outros grandes grupos ou gecircneros

Certamente esta circunstacircncia natildeo exclui o emprego de criteacuterios de

categorizaccedilatildeo que satildeo relevantes uacuteteis e que provecircm auxiacutelio na compreensatildeo mais

precisa da produccedilatildeo escrita islandesa medieval

As Iacuteslendingasoumlgur descrevem principalmente os eventos ocorridos no

primeiro seacuteculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes

introdutoacuterias que lidam com os eventos na Noruega e Islacircndia no periacuteodo principal de

colonizaccedilatildeo entre 870 e 930) Sua dataccedilatildeo eacute razatildeo de debate ldquoDating the Icelandic

Sagasrdquo de Einar Sveiacutensson escrito em 1958 e publicado pela Viking Society for

Northern Research eacute obra referencial nesse sentido273

Sveiacutensson critica o procedimento de antigos editores tradutores e estudiosos

das sagas como Guethbrandur Vigfuacutesson marcado pela subjetividade e que atribuiacuteam

qualidades como ldquotomrdquo e ldquocaraacuteterrdquo agraves narrativas os quais empregavam como criteacuterios

para dataccedilatildeo e apreciaccedilatildeo274

e discutiraacute o emprego de evidecircncias histoacutericas275

dataccedilatildeo

dos manuscritos276

relaccedilotildees entre as diversas sagas277

evidecircncias literaacuterias e

linguiacutesticas278

e mesmo o que chama de criteacuterios ldquoartiacutesticosrdquo279

ndash criteacuterios que de certa

forma retomam usos que o proacuteprio Sveiacutensson criticou anteriormente mas que admite

que podem ser uacuteteis quando adicionados aos demais

Seus criteacuterios para dataccedilatildeo seratildeo ainda empregados resumidos e discutidos por

muitos autores Else Mundal os resume como a) relaccedilatildeo literaacuteria entre as proacuteprias sagas

b) dataccedilatildeo pela observaccedilatildeo de eventos e condiccedilotildees do proacuteprio autor refletidos na saga

c) qualidade artiacutestica do texto280

Tulinius os discute em profundidade ressaltando que

poucas adiccedilotildees tecircm sido feitas a eles281

com a exceccedilatildeo do trabalho jaacute referido de

Theodore Andersson que encaminha a situaccedilatildeo da dataccedilatildeo das sagas para uma

273

SVEIacuteNSSON Einar Dating the Icelandic Sagas an Essay in Method Viking Society for Northern

Research London 1958 274

SVEIacuteNSSON 39s 275

Idem 50 276

Idem 11 277

Idem 76 278

Idem 76s 96s 279

Idem pp 115ss pp 40 280

MUNDAL Else The Dating of the oldest Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P41 281

TULINIUS Torfi Dating Eyrbyggja Saga The Value of ldquoCircumstancialrdquo Evidence for Determining

the Time of Composition of Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas

Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P130

149

discussatildeo do desenvolvimento de gecircnero literaacuterio282

Nos tempos contemporacircneos a tendecircncia acadecircmica tem sido a atribuiccedilatildeo de

datas cada vez mais recentes para as Iacuteslendingasoumlgur situando a dataccedilatildeo de suas

primeiras formas no seacuteculo XIII a partir de 1230 ou 1240283

Podemos listar entre elas a Egils saga a Njaacutels saga Kormaacuteks saga Viga-

Glums saga Giacutesla saga Grettir saga Eyrbyggja Saga Laxdaeligla Saga Heietharviacutega

saga dentre muitas outras Satildeo por vezes divididas internamente em mais categorias

como sagas familiares sagas de localidades ou de clatildes sagas de skaldar

Estas sagas contecircm narrativas realistas feita em tom soacutebrio e imparcial o autor

daacute tanto a acontecimentos importantes quanto a corriqueiros o mesmo tom narrativo

recurso que confere grande impacto agrave medida que as consequecircncias das accedilotildees

importantes acontecem

Seu heroacutei ou personagem principal pode ser um fora da lei um skaacuteldr ou

alguma entidade mais geneacuterica como uma famiacutelia ou mesmo uma regiatildeo da Islacircndia

Seus personagens natildeo satildeo completamente maus ou completamente bons por vezes um

personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de

compensar alguma ofensa a sua honra

A despeito da forma dominante em prosa poemas satildeo muito empregados em

particular nas sagas cujos personagens principais satildeo skaacuteldar como a Egils saga e a

Kormaacuteks saga constituindo-se em recursos importantes na apresentaccedilatildeo de

pensamentos dos personagens

O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos normalmente causados por

alguma ofensa de honra a algueacutem Agrave medida que a parte procura sua compensaccedilatildeo

partidos e alianccedilas vatildeo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras

retaliaccedilotildees e ofensas secundaacuterias Normalmente a saga termina quando as partes satildeo

conciliadas

Geograficamente circunscrevem-se agrave proacutepria Islacircndia e regiotildees com as quais

seus habitantes mantecircm contato mais direto como a Escandinaacutevia propriamente dita

Irlanda as Ilhas Britacircnicas e do Atlacircntico Norte Referecircncias agrave Bjarmaland ou

Austrvegr satildeo pontuais e raras como os acontecimentos narrados na Egils saga sobre

Bjarmaland e Kuacuterland

A natureza o ldquotomrdquo o uso da linguagem ndash as caracteriacutesticas formais desse

282

ANDERSSON 2006 283

MUNDAL 35

150

gecircnero satildeo razotildees que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma

terminologia senatildeo desprovida de componentes ideoloacutegicos e imaginaacuterios extra ao

menos mais focada na linguagem cotidiana Tambeacutem eacute importante a ecircnfase de que esta

modalidade de escrita largamente apreciada natildeo apenas pelos seus receptores mas

tambeacutem pela criacutetica posterior veio a ser considerada pela historiografia como uma ldquofase

de ourordquo da escrita medieval islandesa a chamada ldquoera dos Sturlungsrdquo (da qual faz parte

tambeacutem Snorri)

Uma larga porcentagem de autores da posteridade ndash e natildeo apenas de vieacutes

historicista ndash consideraria a produccedilatildeo escrita posterior a tal era como decadente e seus

antecessores enquanto passos ldquopreparatoacuteriosrdquo para a mesma Retornaremos agrave tal

discussatildeo no capiacutetulo 5

Esta forma de expressatildeo linguiacutestica eacute similar ao encontrado em outras fontes

de nosso interesse particular seraacute a obra de Snorri Sturlusson no capiacutetulo 4 que

assimilaria em grande parte tal forma literaacuteria

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica

A forma narrativa seraacute o principal veiacuteculo de transmissatildeo de ideias em nosso

contexto de estudo inclusive nos aspectos referentes agrave representaccedilatildeo geograacutefica Haacute

uma segunda natureza de fontes que natildeo pode ser subestimada ou deixada de lado e que

acrescenta dimensotildees natildeo esperadas agrave compreensatildeo da mentalidade geograacutefica no

medievo da Escandinaacutevia

Aqui referimo-nos agrave confecccedilatildeo de mapas e outras formas de representaccedilatildeo

pictoacuterica do conhecimento geograacutefico que como veremos muito em breve satildeo

exemplos de alta relevacircncia na compreensatildeo da assimilaccedilatildeo do conhecimento

geograacutefico de outros acircmbitos culturais no contexto da Escandinaacutevia e Islacircndia

particularmente no seacuteculo XIII

Por tratarmos especificamente do norte podemos reduzir o nuacutemero de

manifestaccedilotildees pictoacutericas ao grupo especiacutefico dos chamado ldquoMappaemundirdquo que

consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses

Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval As

informaccedilotildees contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na

produccedilatildeo escrita e permitem pressupor certo consenso ou ao menos uma uniformidade

do conhecimento geograacutefico

151

Antes poreacutem de se analisar tais fontes precisamos traccedilar algumas

consideraccedilotildees sobre as proacuteprias tradiccedilotildees cartograacuteficas antigas e medievais tendo-se em

mente que natildeo eacute plenamente possiacutevel tecer derivaccedilotildees simplistas e inequiacutevocas das

influecircncias sofridas pelos Escandinavos no quesito conhecimento geograacutefico mas que

os mesmos sofreram as mais diversas influecircncias que se somaram ao proacuteprio

conhecimento acumulado pelos proacuteprios desde as eras preacute-histoacutericas

Exiacutemios navegadores e exploradores pragmaacuteticos por muitos seacuteculos mais do

que qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e

habilidades de navegaccedilatildeo e orientaccedilatildeo oriundos das mais diversas proveniecircncias Agraves

descobertas e criaccedilotildees propriamente nativas escandinavas devem ser adicionadas

influecircncias natildeo apenas de tradiccedilotildees europeias mas tambeacutem do mundo aacuterabe e

muccedilulmano

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas

Mapas da autoria dos primeiros e mais influentes geoacutegrafos gregos como

Anaximandro (ca 610-546 aC) Hecateu de Mileto (ca 550 ndash 476 aC) Posidocircnio

(150-130 aC) e Ptolomeu supostamente localizam a Europa o norte no quadrante

superior do mapa a Aacutefrica (ldquoLiacutebiardquo) agrave esquerda e Aacutesia agrave direita Entretanto o acesso

que se tem a seus mapas eacute dado atraveacutes apenas de reconstruccedilotildees feitas principalmente

apoacutes o seacuteculo XIX O enquadramento do norte no quadrante superior em boa parte de

tais mapas eacute provavelmente uma das muitas adaptaccedilotildees e alteraccedilotildees efetuadas nos

mapas da Antiguidade que inseriram conhecimento informaccedilotildees preconceitos e mesmo

ideologias dos tempos do historicismo e positivismo284

A influecircncia de tais geoacutegrafos suas descriccedilotildees e metodologias eacute milenar e pode

ser notada tanto no desenvolvimento da posterior cartografia ocidental quanto na

equivalente do mundo islacircmico Entretanto tal influecircncia se deu natildeo apenas na forma de

representaccedilatildeo meramente espacial Antes da mera percepccedilatildeo e descriccedilatildeo empiacuterica o

dado idealizado o conceito e a representaccedilatildeo matemaacutetica e geomeacutetrica constituem-se

nos elementos de maior relevacircncia na tradiccedilatildeo cartograacutefica helecircnica285

284

BRODERSEN Kai Cartography In DUECK Daniela amp BRODERSEN Kai Geography in

Classical Antiquity Cambridge at the University Press 2012 p101 285

JONES Alexander Ptolomyacutes Geography Mapmaking and the Scientific Enterprise In TALBERT

Richard J Ancient Perspectives Maps and Their Place in Mesopotamia Egypt Greece and Rome

Chicago At the University Press 2012 Pp 114 117

152

De fato o homem da antiguidade preferia textos descriccedilotildees e tratados

idealizados286

em detrimento de mapas o que por si soacute possui seu peso na proacutepria

elaboraccedilatildeo de mapas nas obras de tais autores e um direcionamento especiacutefico na

confecccedilatildeo dos mesmos

Uma das vertentes mais ilustres a beber de tais tradiccedilotildees em particular de

Ptolomeu e do proacuteprio Aristoacuteteles287

a cartografia antiga e medieval islacircmica se

fundamentaraacute basicamente no trabalho de trecircs geoacutegrafos Abū Zayd Ahmad ibn Sahl al-

Balkhī (morto 322 aH 934 aD) Abū al-Qāsim Muhammad ibn Hawqal (479

aH1086 aD) e Abū Ishāq Ibrāhīm ibn Muhammad al-Fārisī al-Işţakhrī (957 aD) A

maior parte dos trabalhos de outros geoacutegrafos deriva ou eacute influenciada de alguma forma

principalmente pelos trabalhos de Ibn Hawqal e Al Işţakhrī

A obra de Al-Balkhī intitulada Ṣuwar al-aqālīm foi ampliada posteriormente

por Al Işţakhrī que por sua vez passou pelo mesmo processo sob a pena de Ibn

Hawqal o que tem levado ao desenvolvimento da ideia de uma ldquoescola de geoacutegrafos de

Balkhīrdquo288

Os mapas de al-Işţakhrī e Ibn Hawqal satildeo bastante similares entre si tendo que

provavelmente o segundo evidentemente sido bastante influenciado pelo primeiro Os

demais mapas incluindo aqui o bastante conhecido e influente mapa circular de al-Idrīsī

(1099-116566 aD) derivam grandemente da obra desses dois autores

De fato o mapa conhecido como da autoria de al-Idrīsī provavelmente foi uma

inserccedilatildeo em sua obra ldquoO livro das curiosidadesrdquo escrito por volta de 1020 a 1050 aD

e extensamente copiado por ocasiatildeo de 1150 quando Roger II da Siciacutelia efetuou um

compecircndio geograacutefico

286

BRODERSEN 109s 287

RAPOPORT Yossef amp SAVAGE-SMITH Emilie The Book of Curiosities and a Unique Map of the

World In TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle

Ages Fresh Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 P122 288

TIBBETS Gerald R The Balkhī School of Geographers P 108 In HARLEY amp WOODWARD

(eds) The History of Cartography Vol II Book I Cartography in the Traditional Islamic and South

Asian Societies Chicago at the University Press 1987 STOCK Guumlnter amp NEUWIRTH Angelika

Europa im Nahen Osten ndash Der Nahe Osten in Europa Akademie Verlag GmbH 2010 P144

153

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) Oxford Bodleian Library MS Ouseley 373 fols 3b-

4a

Em todos esses mapas o norte fica direcionado para o canto inferior direito

sendo que no topo da paacutegina encontra-se o sudoeste Haacute outras caracteriacutesticas que os

diferenciam grandemente das tradiccedilotildees europeias poderiacuteamos citar por exemplo o

centro do mundo que ao inveacutes de Jerusaleacutem encontra-se na Caaba289

bem como as

vertentes de mapas zonais que continham sete zonas climaacuteticas (as kishvarr)

explicitadas em meio de ciacuterculos pelo mapa ndash no mapa de Al Işţakhrī destacadas em

ciacuterculos vermelhos a primeira na India a segunda na Araacutebia e Abissiacutenia terceira em

Egito e Siacuteria quarta no Iratilde quinta na Aacutesia Menor e terras dos aş-Şaqāliba sexta na

terra dos Turcos e de Gog e Magogue e culminando com a seacutetima na China290

289

BORGOLTE Michael Christliche und muslimische Repraumlsentationen der Welt Ein Versuch in

transdisziplinaumlrer Mediaumlvistik Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften Berichte und

Abhandlungen Bd 14) Berlin 2008 Pp104s 290

BORGOLTE 100

154

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) Obtido em IBN FADLAN STONE

amp LUNDE (trad) Ibn Fadlān and the Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin

Books 2012

155

3142 Os Mappaemundi291

Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caracteriacutesticos do medievo

ocidental Basearam-se nos mapas da Antiguidade adaptando-os para a Cristandade

medieval Antes de buscarem trazer dimensotildees distacircncias e coordenadas especiacuteficos

retratavam eventos significativos da Histoacuteria Cristatilde Seu propoacutesito primaacuterio portanto

era a instruccedilatildeo dos fieacuteis e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da

Antiguidade como por exemplo o mapa de Eumenius datado de AD 297

Um Mappaemundi natildeo consiste necessariamente em uma depicccedilatildeo graacutefica do

mundo o termo pode ser empregado por exemplo significando uma descriccedilatildeo verbal

ou algum sentido metafoacuterico

Os mapas medievais possuiratildeo tambeacutem uma funccedilatildeo histoacuterica e narrativa

podendo ser vistos como anaacutelogos agraves narrativas medievais que retratam eventos

separados no tempo mas dispostos na mesma cena

Os mapas enquanto ferramenta com a funccedilatildeo especiacutefica de auxiacutelio a navegaccedilatildeo

e decorrentes necessidades de precisatildeo seratildeo desenvolvidos a partir do seacuteculo XIII por

italianos e sicilianos Receberatildeo o nome de ldquoPortulanosrdquo

Destarte eacute possiacutevel elencar a niacutevel de teacutecnica de composiccedilatildeo trecircs meacutetodos de

compilar a informaccedilatildeo cartograacutefica coexistentes na Baixa Idade Meacutedia

- Os empregados nos jaacute citados portulanos enquanto primeiras cartas naacuteuticas eram

construiacutedas baseadas nos contornos do Mediterracircneo e limitadas pelas proacuteprias formas

do suporte (velum etc)

- Os mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma

quantidade limitada de informaccedilatildeo a ser inserida em uma aacuterea circunscrita e definida

seja oval retangular ou redonda Esta aacuterea eacute por vezes seccionada ou dividida em

seccedilotildees esquemaacuteticas

291

As informaccedilotildees de cunho geneacuterico para esta seccedilatildeo foram obtidas basicamente nas duas maiores obras

de referecircncia na temaacutetica a) WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 amp b) EDSON

Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In TALBERT Richard

amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh Perspectives New

Methods Bril Leiden Netherlands 2008 pp 219-236 Conquanto o uacuteltimo trabalho esteja mais

atualizado e insira questotildees importantes agrave discussatildeo como por exemplo o proacuteprio questionamento sobre

a validade de classificaccedilotildees dos Mappaemundi segundo criteacuterios contemporacircneos o valor da obra de

Woodward perdura consistindo o mesmo na base para o segundo Informaccedilotildees pontuais seratildeo citadas a

parte

156

- Um terceiro meacutetodo define uma rede regular de paralelos e meridianos nos quais a

informaccedilatildeo geograacutefica seria inserida

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi

Cronologicamente eacute possiacutevel diferenciar trecircs principais periacuteodos de tradiccedilatildeo dos

Mappaemundi

De Lactacircncio (ca240-320) a Gregoacuterio o Grande (ca 540-604) o periacuteodo tardo-

antigo greco-romano e patriacutestico (ca400 ndash ca 600) consistiraacute no periacuteodo de gestaccedilatildeo

das principais tradiccedilotildees cartograacuteficas medievais

Durante a Renascenccedila caroliacutengia (VIII-XII) ocorreraacute produccedilatildeo acelerada de

livros e manuscritos nos monasteacuterios e consequente proliferaccedilatildeo bem como

aperfeiccediloamento teacutecnico dos mapas Seraacute um periacuteodo chamado por alguns autores

como ldquo the gold Age of Church cartographyrdquo292

Entre os seacuteculos XII a XIII haveraacute uma chamada de ldquoRenascenccedila do seacuteculo

XIIrdquo293

quando agraves presentes tradiccedilotildees adiciona-se um influxo de conhecimento aacuterabe e

dos claacutessicos gregos

Como acabamos de afirmar as trecircs tradiccedilotildees fundamentais que influenciaram

toda a produccedilatildeo de mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade

Meacutedia ateacute o Renascimento surgiram no primeiro periacuteodo da Antiguidade Tardia Satildeo as

tradiccedilotildees advindas de Macrobio Orosio e Isidoro

Na confecccedilatildeo dessas tradiccedilotildees cartograacuteficas ocorreu uma complexa interaccedilatildeo de

diversas correntes de pensamento Em particular duas vertentes de escritos geograacuteficos

confluiratildeo e influenciaratildeo a produccedilatildeo de mapas no medievo o pensamento claacutessico

greco-romano (Macroacutebio Martianus Capella baseados em Pliacutenio e Pomponius Mella e

nas tradiccedilotildees de Pitaacutegoras a Posidocircnio) e o pensamento da Igreja (reaccedilotildees mistas ao

saber pagatildeo e cientiacutefico S Damiatildeo natildeo via utilidade na Ciecircncia mas S Jerome ndash 340-

420 parece ter compilado mapas da Palestina e Asia)

Conquanto haja um consenso internacional na classificaccedilatildeo dos Mapas

medievais como um todo definido em 1949 segundo proposiccedilatildeo de Marcel Destombes

no XVI Congresso Internacional Geograacutefico em Lisboa os criteacuterios de classificaccedilatildeo

292

Apud BAGROW History of Cartography 42 note 55 In WOODWARD p 299 293

Apud HASKINS Renaissance of the Twelfth Century note 50 In WOODWARD p 299

157

especificamente relativos aos Mappaemundi variam Simar294

(1912) Andrews295

(1926) Uhden296

(1931) Destombes297

(1964) Arentzen298

(1984) Woodward299

(1987) e Dalcheacute (1993)300

propuseram paracircmetros diversos Dalcheacute criticaria os

sistemas de Destombes e Andrews mas natildeo o de Woodward por lidar com mapas

anteriores aos estudados pelo uacuteltimo301

Tendo em vista os desenvolvimentos histoacutericos descritos acima empregamos a

classificaccedilatildeo de Woodward que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaccedilotildees de

autores anteriores De fato a despeito da publicaccedilatildeo em 2008 da obra monumental

ldquoCartography in Antiquity and the Middle Agesrdquo editada por Richard Talbert e Richard

Unger302

o trabalho de Woodward permanece referecircncia inclusive para o supracitado

trabalho

Seu sistema propotildee a diferenciaccedilatildeo dos mappaemundi enquanto zonais

esquemaacuteticos - tambeacutem chamados de tripartites o que inclui os difundidos mapas T-O -

quadripartites e transicionais303

e natildeo eacute a uacutenica forma passiacutevel de ser encontrada No

entanto parece-nos a mais abrangente e adequada aos nossos proacuteprios propoacutesitos de

classificaccedilatildeo das fontes da Escandinaacutevia

294

SIMAR Theophile La geographie de lAfrique Centrale dans lantiquite et~au Moyen-Age In Revue

Congolaise 3 (1912-13) pp 1-23 81-102145-69225-52289-310440-41 295

ANDREWS Michael Corbet The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi In

Archaeologia 75 (1925-26) pp 61-76 296

UHDEN Richard Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten In Geographische

Zeitschrift 37 (1931) pp 321-40 297

DESTOMBES Marcel (ed) Mappemondes AD 1200-1500 Catalogue prepare par la Commission

des Cartes Anciennes der Union Geographique Internationale Amsterdam N Israel 1964 298

ARENTZEN Jorg-Geerd Imago Mundi Cartographica Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher

Welt- und Okumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild

Miinstersche Mittelalter-Schriften 53 Munich Wilhelm Fink 1984 299

WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp WOODWARD David (eds)

The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric Ancient and Medieval Europe and

Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp 286-299 300

DALCHEacute Patrick Gautier De la glose agrave la contemplation Place et fonction de la carte dans les

manuscrits du Haut Moyen Acircge In Testo e Immagine nell acuteAlto Medioevo Settimane di Studio del

Centro Italiano di Studi sullacuteAlto Medioevo Spoleto Presso la Sede del Centro 1994 XLI pp 700-704 301

Idem ibid 302

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 303

WOODWARD 1987 295

158

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais

O Mappamundi de Macroacutebio seraacute conhecido por seu nome ou como zonal

Deriva de seu comentaacuterio ao Sonho de Scipio de Cicero (51 aC) que trabalha

conceitos e informaccedilotildees de Posidocircnio (ca 135 ndash 5150 aC) Crates de Mallos (ca 168

aC) e Erastoacutetenes (ca 275-194 ac empregando conceitos de Pitaacutegoras

Resumidamente eacute um mapa que divide o globo em zonas climaacuteticas habitadas

ou natildeo por meio de latitudes Esse mapa iraacute empregar o conceito grego de um

continente antiacutepoda localizado no hemisfeacuterio sul em sua zona temperada

Cada um dos continentes ndash inclui-se aqui Eurasia e Aacutefrica enquanto um macro-

continente sendo o antiacutepoda o outro ndash possuiria respectivamente no sentido do poacutelo

para a linha equatorial uma zona inabitada fria uma zona temperada e uma zona

inabitada quente Nessa uacuteltima zona ambos os hemisfeacuterios encontrar-se-iam sendo

banhadas por um oceano intermediaacuterio

Martianus Capella (fl 410-39) popularizaria esse tipo de mapa em seu

ldquoCasamento de Filologia e Mercuacuteriordquo

Figura 13 Mappamundi de Macrobius ndash Coacutepia de Johannes Eschuidus In Summa Anglicana

1489 Paris Badius 1519 Reimpressatildeo da ediccedilatildeo de 1515 James Ford Bell Library Tamanho

original 14 x 14 cm

159

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)

A obra de Oroacutesio difere de Macroacutebio e Martianus por ser diretamente dirigida

contra os pagatildeos Seu texto natildeo conteacutem nenhum mapa nem o menciona as opiniotildees

acadecircmicas dividem-se e haacute argumentos favoraacuteveis tanto no sentido de que ao escrever

sua obra Orosio teria em uso algum Mappamundi quanto no sentido contraacuterio

Eacute clara a influecircncia que a obra de Aggripa teve no trabalho de Paulo Oroacutesio

Entretanto a despeito de reconstruccedilotildees do suposto mapa de Aggripa a proacutepria natureza

pictoacuterica de seu trabalho permanece em disputa304

Natildeo obstante seu emprego ou natildeo de alguma representaccedilatildeo pictoacuterica do mundo

o fato inconteste eacute a influecircncia que sua obra teve nas obras posteriores a referirem-se a

Geografia e histoacuteria e na proacutepria confecccedilatildeo de mapas pelo medievo Supostamente

foram influenciados por seu trabalho mapas famosos como o Anglo-Saxatildeo ldquoCottonrdquo

(seacuteculo X) e o Mappamundi de Hereford (seacuteculo XIII)

Na ausecircncia de um mapa de sua proacutepria lavra toda argumentaccedilatildeo de influecircncia

em outro mapa permanece em aberto

3146 Isidoro (ca 560-636)305

A tradiccedilatildeo de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas

Etymologiae e em De natura rerum seraacute indubitavelmente a mais longeva e influente

por todo o medievo em um levantamento de Destombes mais de 660 exemplos de

mapas derivados de sua tradiccedilatildeo foram encontrados por todo o medievo306

Natildeo se possui um exemplar de mapa original de sua proacutepria lavra mas eacute

perfeitamente possiacutevel compreender-se o formato do mesmo pela tradiccedilatildeo derivada

Satildeo os chamados mapas T-O que dividem a terra em trecircs partes com Jerusaleacutem no

centro do mundo

O ldquoTrdquo no caso eacute formado pelas massas aquaacuteticas do mar Mediterracircneo na aacuterea

superior o rio Nilo agrave direita e o rio Don (Tanais em grego) agrave esquerda O ldquoOrdquo eacute a

esfera circundante dos oceanos na qual o ldquoTrdquo estaacute enquadrado

304

MERRILIS AH History and Geography in Late Antiquity Cambridge 2005 P72 305

Uma profusatildeo de mapas isidorianos com respectivas referecircncias pode ser obtida no site

lthttpcartographic-imagesnetCartographic_Images205_Isidore_of_Seville_T-Ohtmlgt Uacuteltimo acesso

em 23102014 306

WOODWARD 301

160

Nesta modalidade de mapa a Aacutesia eacute colocada na parte superior com a Europa agrave

esquerda e a Aacutefrica agrave direita Tal circunstacircncia eacute explicada por vaacuterias razotildees como por

exemplo a localizaccedilatildeo do Paraiacuteso na Aacutesia bem como a zona supostamente mais

propiacutecia climaticamente agrave habitaccedilatildeo humana

Essa divisatildeo reflete a proacutepria divisatildeo biacuteblica descrita no capiacutetulo 10 do livro do

Gecircnesis e retomada por Isidoro dos filhos de Noeacute Shem Kham e Jaffet Isidoro

disporia os descendentes de Shem na Aacutesia os de Jaffet na Europa e os de Kham na

Aacutefrica307

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O In De Natura Rerum Florenccedila Biblioteca Medicaea-Laurenziana

Plut2939 f19v Seacuteculo XIII Obtido em EDSON 2008 225

307

EDSON Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 p 226

161

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo

Outra importante tradiccedilatildeo cartograacutefica eacute a classificada por Woodward como

ldquoquadripartiterdquo mas referida comumente como os mapas ldquoBeatosrdquo308

Tal modalidade

pode ser compreendida como uma derivaccedilatildeo dos mapas T-O isidorianos ou como uma

mistura dos mesmos com os zonais macrobianos

Conteriam os 3 continentes mais um ldquoantiacutepodardquo aleacutem mar normalmente no

hemisfeacuterio sul seu formato era retangular e eacute possiacutevel discernir uma marcada

influecircncia esteacutetica e graacutefica moccedilaacuterabe Satildeo mapas chamados de ldquoevangeliacutesticosrdquo

mostrando os apoacutestolos nos cantos da Terra309

Tal tradiccedilatildeo foi desenvolvida por Beatus de Lieacutebana ndash ca 730-800 que viveu na

regiatildeo da atual Cantabria entatildeo reino das Astuacuterias em seu Comentaacuterio do Apocalipse

escrito por volta de 776

Natildeo se possui uma coacutepia de seu suposto mapa original mas o nuacutemero de coacutepias

e desenvolvimentos do mesmo tambeacutem permitem pressupor com precisatildeo sua forma e

definem um grupo e tradiccedilatildeo bem claros

Uma das coacutepias mais difundidas e conhecidas dessa modalidade de mapas eacute

encontrada na coacutepia do monasteacuterio de Saint Sever Escrito no seacuteculo XI

aproximadamente nas proximidades de 1040 visto que Gregori de Montaner abade que

encomendou a obra o foi entre 1028 a 1072

308

RICOBOM Introduccedilatildeo ao histoacuterico da Cartografia e das concepccedilotildees da forma da Terra V2

Departamento de Geografia UFPR Curitiba 2008 Pp03-14 309

WOODWARD 304s

162

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo O mapa eacute uma coacutepia do seacuteculo XI feita na abadia

franca de Saint Sever da obra original (o comentaacuterio do Apocalipse) de Beato de lieacutebana monge das Astuacuterias

do seacuteculo VIII

Imagem de ldquoPatrimonio EditionesrdquoColagem nossa Dados do manuscrito orginal Bibliotheacuteque Nationale de

France Ms Lat8878 Seacuteculo 11 Ca 1038310

Tal classificaccedilatildeo eacute uma simplificaccedilatildeo de um quadro mais complexo

multifacetado e frequentemente marcado por tradiccedilotildees locais e especiacuteficas mas resume

suficientemente as linhas gerais necessaacuterias agrave nossas anaacutelises subsequentes

310

httppatrimonio-edicionescomenfacsimilthe-saint-sever-beatus Uacuteltimo acesso em 26072014

163

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais

Feito tal apanhado geral cartograacutefico eacute hora de voltarmos ao contexto especiacutefico

da Escandinaacutevia

Eacute possiacutevel se afirmar a existecircncia de uma tradiccedilatildeo de pensamento e depicccedilatildeo

geograacuteficos que datam desde os tempos preacute-histoacutericos entre os povos escandinavos e

seus ancestrais Suas formas entretanto diferem grandemente do que se compreende

posteriormente por ldquoCartografiardquo bem como seus objetivos

Gudmund Schuumltte argumentaria em 1920 em artigo publicado na Scottish

Geographical Magazine ter encontrado representaccedilotildees de constelaccedilotildees em

representaccedilotildees preacute-histoacutericas na Dinamarca mais especificamente nas estelas de

Venslev e Dalby311

mas haacute dificuldades em tal interpretaccedilatildeo principalmente porque as

supostas marcas nas pedras e nas constelaccedilotildees natildeo coincidem entre si tatildeo perfeitamente

quanto o autor argumenta312

Um artigo igual em francecircs foi publicado no ano seguinte na ldquoLa Naturerdquo na

Franccedila por certo ldquoSchoumlnfeldrdquo313

mas Schuumltte provavelmente foi o autor original natildeo

apenas pela data anterior mas tambeacutem pela existecircncia de diversas outras publicaccedilotildees de

sua lavra sobre a temaacutetica cartograacutefica em particular sobre mapas de Ptolomeu314

Natildeo obstante a duacutevida que repousa em tais modalidades de inscriccedilotildees eacute possiacutevel

se encontrar representaccedilotildees referentes agrave proacutepria cosmologia como um exemplo da

Aacutervore da Vida (no periacuteodo viking e medieval chamada de ldquoYggsdrasilrdquo) encontradas

em Loumlkeberg315

e representaccedilotildees cosmoloacutegicas em vaacuterios niacuteveis encontradas no

primeiro milecircnio AD principalmente em estelas pictoacutericas da ilha de Gotland316

Quanto ao periacuteodo medieval a Escandinaacutevia apresenta uma notaacutevel escassez de

mapas em meio a uma consideraacutevel quantidade de manuscritos de aproximadamente

311

SCHUumlTTE Gudmund Primaeval Astronomy in Scandinavia In Scottish Geographical Magazine

n04 (1920) 244-254 312

SMITH Catherine Delano Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean In HARLEY

JB amp WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp82s 313

A referecircncia completa SCHOumlNFELD M Lacuteastronomie preacutehistorique em Scandinavie La Nature

no2444 81-83 05021921 314

Destacam-se ldquoPtolemyacutes maps of northern Europe a reconstruction of the prototypesrdquo publicado pela

Royal Danish Geographical Society em 1917 e os posteriores ldquoA ptolemaic riddle solvedrdquo de 1952 e

ldquoPtolemyacutes maps and liferdquo do mesmo ano 315

SMITH 87 316

Idem 91

164

8000 manuscritos islandeses apenas trecircs incluem mapas ndash cinco mapas ao todo mais

um mapa do seacuteculo XII originaacuterio provavelmente de Lund Desses mapas conhecem-se

quatro coacutepias posteriores317

O pequeno nuacutemero de mapas natildeo indica um desconhecimento ou falta de

interesse geograacutefico O nuacutemero de textos em prosa eacute significantemente maior

aproximadamente quatro cosmografias ndash das quais vinte e cinco coacutepias foram

encontradas diversos itineraacuterios mas o mais importante muita informaccedilatildeo e referecircncia

geograacutefica dispersa em toda a produccedilatildeo escrita seja nas sagas obras de cunho histoacuterico

e de entretenimento318

Os navegadores do norte e do Baacuteltico natildeo adquiriram o haacutebito de usar mapas na

navegaccedilatildeo ateacute muito tempo depois dos seus equivalentes mediterracircneos ndash no seacuteculo

XVI quando o uso de Portulanos jaacute era praacutetica corrente no sul tal costume ainda era

desprezado pelos mais antigos setentrionais319

Os cartoacutegrafos e navegadores mediterracircneos por sua vez pragmaacuteticos tinham

por haacutebito enfatizar e retratar as regiotildees nas quais tinham contato frequente ou interesse

comercial destarte poucos Portulanos retratavam o Baacuteltico e a Escandinaacutevia ateacute os

seacuteculos XIV e XV sendo que um nuacutemero ainda menor com razoaacutevel fidelidade320

Eacute mister ter-se em conta o contexto de tais seacuteculos que inclui o domiacutenio

econocircmico da Liga Hanseaacutetica entre os seacuteculos XIII-XVI conflitos pela hegemonia

poliacutetica entre os reinos escandinavos e as cidades germacircnicas (que dentre outras

consequecircncias colaboraraacute no estabelecimento da Uniatildeo de Kalmar em 1397) e os

proacuteprios efeitos da peste negra321

ndash todos colaboradores no sentido de que o norte

europeu e a regiatildeo baacuteltica manteriam posiccedilatildeo perifeacuterica em relaccedilatildeo agrave Europa do

Mediterracircneo322

Quanto agrave proacutepria retrataccedilatildeo da Islacircndia e das ilhas do Atlacircntico a mesma

circunstacircncia se repete Haacute discussatildeo sobre qual a primeira retrataccedilatildeo cartograacutefica da

317

SIMEK Rudolf Altnordische Kosmographie Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung

in Norwegen und Island vom 12 bis zum 14 Jahrhundert Berlin Walter de Gruyter amp Co 1990 P 60 318

SIMEK Rudolf Scandinavian World Maps In FRIEDMAN John Block amp FIGG Kristen Mogg

(eds) Trade Travel and Exploration in the Middle Ages An Encyclopedia Rotledge 2000Pp 537s 319

CAMPBELL Tony Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500 In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 p409 320

CAMPBELL 415 321

MORTENSEN Lars Boje amp BISGAARD Lars Medieval Urban Civilization and its North European

Variant In BISGAARD Lars MORTENSEN Lars Boje amp PETTITT Tom (eds) Guilds Towns and

Cultural Transmission in the North 1300-1500 Odense University Press of Southern Denmark 2013 P

09 322

MORTENSEN amp BISGAARD 08

165

mesma em Portulanos sendo as opiniotildees mais correntes a carta de Bertran em 1482

(segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga de Bartolomeu de Pareto em 1455

Haacute um mapa retratando a Vinland mas tal eacute controverso e natildeo haacute consenso

sobre sua dataccedilatildeo Ateacute o seacuteculo XVII todos os outros mappaemundi escandinavos bem

como os relatos e escritos em prosa veiculam a ideia de que a Groenlacircndia fora um

continente ligado a leste com a Sibeacuteria e a oeste com a Vinland

O mapa da Vinland no entanto mostra-a como uma ilha concepccedilatildeo bastante

recente Natildeo haacute nenhum padratildeo T-O o norte fica na parte superior ndash enfim o mapa eacute

muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 16)

Figura 16 O mapa da Vinland

Obtido em GRAHAM-CAMPBELL James Os Viquingues origens da Cultura Escandinava Vol II

Madrid Ediccedilotildees de Prado 1997 P177

O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo eacute originaacuterio de Lund

mas atualmente estaacute depositado em Berlin aonde consta como Berlin MStheolLat149

fol27r323

T-O segundo a tradiccedilatildeo salustiana poreacutem sem iconografia alguma Escrito por

uma matildeo germacircnica traz poucos nomes na Europa apenas Roma Bari Achaia

Constantinopole Grecia Cologne England Dacia e Suithia324

Indica de seu autor um

323

Informaccedilotildees mas sem a foto disponibilizada em lthttpwwwmanuscripta-mediaevaliade|5gt 324

SIMEK 2000 538

166

conhecimento ou formaccedilatildeo claacutessicos e conexotildees entre Lund Cologne e England por

outro lado

Trecircs dos cinco mappaemundi islandeses satildeo zonais climaacuteticos ou macrobianos

dividem a regiatildeo setentrional e habitaacutevel da Terra em trecircs continentes (Asia Europa e

Aacutefrica) Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection no manuscrito AM 736

I 4to 1v (iniacutecio do XIV) Haacute uma coacutepia efetuada no seacuteculo XVIII na Copenhagen

Kongelige Bibliotek sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359 4to p15 bem

como uma registrada como AM 732b 4to 3r do iniacutecio do seacuteculo XIV

O manuscrito Gks 1812 4to325

conteacutem trecircs mapas

O primeiro no foacutelio 11v consiste em um pequeno mapa do seacuteculo XIII

registrado como ldquoGamle Kongelige Samling MS Gks 1812 4to 11vrdquo Depositado na

Copenhagen Kongelige Bibliotek e copiado no seacuteculo XVII para o AM 252 fol 59v

natildeo mostra a divisatildeo zonal Esse mapa eacute uma coacutepia de alguns mapas similares no

tratado cosmograacutefico ldquoDe filosofia mundirdquo escrito c1130 por William de Conches O

texto foi adaptado dele e nele estaacute incorretamente atribuiacutedo em alguns manuscritos a

Beda

O mesmo manuscrito conteacutem dois mapas T-O O primeiro copiado em AM 252

fol 58r eacute extremamente simples Conteacutem a divisatildeo dos trecircs continentes com seus

nomes apenas consistindo no centro de um diagrama maior que conteacutem direccedilotildees

cardinais ventos estaccedilotildees idades do homem meses do ano e signos do zodiacuteaco

respectivos

O outro exemplar eacute de maior interesse aos nossos propoacutesitos Estaacute copiado no

AM 252 fol 62r Em paacutegina dupla (5v-6r) conteacutem mais de 100 nomes cerca de 70 dos

quais satildeo nomes de paiacuteses quase todos em latim Esse mapa mostra similaridade com

algumas das cosmografias e listas citadas anteriormente mas natildeo haacute uma ligaccedilatildeo clara

de autoria entre eles

Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150326

Kristian Karinglund de ca

1250327

325

Descriccedilatildeo e informaccedilotildees do manuscrito em lthttphandritisismanuscriptviewGKS04-1812gt

Uacuteltimo acesso em 21102014 326

RAFN Carl Christian (ed) Antiquiteacutes Russes dapregraves les monuments historique des anciens et des

Islandais Scandinaves Copenhague 1850-1852 vol 1 327

KAringLUND Kristian (ed) Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague Moslashller 1917s

167

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r

Obtido em PRITSAK Omeljan The Origin of Rus

A estruturaccedilatildeo deste Mappamundi eacute bastante simples O esquema T-O

apresenta-se meramente como o paracircmetro geral de organizaccedilatildeo divindindo os

continentes em trecircs aacutereas separadas pelo Mediterracircneo Egito e Don (ldquoTanakvislrdquo) natildeo

havendo nenhuma tentativa de representaccedilatildeo das localidades via um sistema de

coordenadas matemaacutetico-geograacuteficas tampouco alguma tentativa de depicccedilatildeo graacutefica

dos locais As localidades estatildeo representadas apenas por seus nomes inclusive os rios e

mares

Os quatro cantos possuem as direccedilotildees cardinais em antigo noacuterdico e latim

austroriens suethrmeridies occidensvestr e norethrseptentrio A disposiccedilatildeo geral do

mapa com o sul para o alto apresenta semelhanccedila mais com as tradiccedilotildees cartograacuteficas

aacuterabes do que propriamente com as do medievo ocidental que normalmente apresentam

a Aacutesia no canto superior aparentemente temos um modelo T-O ocidental inserido em

uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islacircmica

168

Entretanto eacute de se destacar que nos pontos de intercecccedilatildeo entre os dois folios

tanto no canto superior quanto inferior existem duas seccedilotildees separadas espeacutecie de

tabelas contendo informaccedilotildees pouco usuais em mapas T-O

a) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Aacutefrica

Suethr

Meridies

(euro) (dies)

Estas calida

Iuuenta calor (spiritus)

b) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Europa (logo abaixo de ldquoBiarmar habitavit hicrdquo)

(Norethr)

Septentrio

Circius qui et troacias

Hiemps frigida

De crepita frigus corporis

A mesma circunstacircncia daacute-se nos outros pontos cardinais na aacuterea a leste na

Aacutesia encontram-se as seguintes inscriccedilotildees

Septemtrio Aquilo qui et boreas Vvlturnus qui et calcias Sub solanus qui et afeliotes Eurus

Ver tepidu(m)

Infancia tepor sangvinis

Asia

Enquanto que no oposto ao ocidente pode-se ler o seguinte

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

Tal espeacutecie de informaccedilatildeo em particular a de natureza climaacutetica (ie ldquoAutumnus

humidusrdquo ldquooutono uacutemidordquo) eacute muito mais comum nos mapas zonais demonstrando

uma influecircncia dos mesmos acentuada pela divisatildeo circular em particular na Aacutesia

Todo esse esquema estaacute inserido em uma seacuterie de ciacuterculos concecircntricos As

informaccedilotildees e nomes contidos no ciacuterculo central satildeo as localidades geograacuteficas a

metade do mapa contendo a regiatildeo da Aacutesia mais detalhada possui ainda dois outros

niacuteveis nos quais regiotildees mais amplas satildeo descritas Por exemplo o niacutevel mais central

conteacutem localidades como ldquoCalldeardquo e ldquoBabilonrdquo (nome que se repete em outra aacuterea) o

169

niacutevel superior conteacutem ldquoMesopotamiardquo e o niacutevel ainda superior a ele locais como

ldquoParthiardquo ldquoMediardquo o que apresenta uma espeacutecie de organizaccedilatildeo em proviacutencias e

localidades internas a estas em espeacutecies de grupos contendo subgrupos mas acaba por

natildeo se apresentar de forma tatildeo precisa

Nas regiotildees da Aacutefrica e Europa todos os nomes de localidades estatildeo inseridos no

ciacuterculo central Nos niacuteveis superiores estatildeo as indicaccedilotildees de continente (ldquoAfRicardquo e

ldquoEuRopardquo)

O foacutelio 5v eacute totalmente preenchido pela Aacutesia Nessa seccedilatildeo podem ser lidas

algumas breves descriccedilotildees e explicaccedilotildees latinas acerca do clima jaacute citadas haacute pouco e

os seguintes nomes

Monstras328

India Massagete Caspies Colci Seres Bactria Hircania

Armenia Parthia Media Persidia Carmania Caria Frigia Troia Pamphilia Hiberia

ldquoTigris fluuiusrdquo Mesopotamiam ldquoCharra ciuitas Abraherdquo ldquoAsia minorrdquo Isauria

ldquoCilicia ciuitas Thar(s)usrdquo Cappadocia Commagena Palestina Cesarea Sidon Tyrus

Assiria Calldea Babilon Evfrates ldquoArabia ibi est mons Syna id estrdquo Horeb

Ptholomais Philistea ldquoLibanus monsrdquo Madianite Iudea ldquoHebron ibi sepulltus est

Adam primusrdquo Galathia Nazareth Hierusalem Galilea Hiericho Egiptus Babilon

Syria Ascalia Iopen Alexandria ldquoTanakvisl fluuius maximusrdquo ldquoNilus flumen Egiptirdquo

Haacute uma grande riqueza de tradiccedilatildeo biacuteblica e claacutessica Os nomes listados incluem

natildeo apenas cidades e paiacuteses como Jerusaleacutem Babilocircnia e Troacuteia mas tambeacutem elementos

topograacuteficos e hidrograacuteficos Libanus mons ndash Montes Liacutebanos localizados ao norte da

Judeacuteia Tanakvisl fluuius maximus ndash o Don incluindo aqui o uacutenico nome em antigo

noacuterdico329

em tal seccedilatildeo do mapa

Os comentaacuterios inclusive permitem-nos ter vislumbres e suposiccedilotildees sobre a

natureza das discussotildees relativas ao conhecimento biacuteblico e claacutessico dos eruditos

islandeses a especificaccedilatildeo de Cilicia ciuitas Thar(s)us nos demonstra a preocupaccedilatildeo

do(s) autor(es) do mapa em especificar qual Tarsiacutes estaacute em questatildeo a Taacutersis-Tarso

local de nascimento do apoacutestolo Paulo proacutexima agrave regiatildeo da Cilicia ou a Taacutersis-

Tartessos dos feniacutecios localizada no estrito de Gibraltar para onde supostamente

rumava o profeta Jonas

328

Segundo Rafn nas Antiquiteacutes Russes vol II p392 ldquoMonstrosardquo 329

O rio Don ndash Tanais para os autores gregos Tanakvisl para os escandinavos

170

O nome ldquoBabilonrdquo eacute encontrado duas vezes no mapa Em uma delas estaacute na

regiatildeo na qual se espera encontraacute-lo numa lista que inclui Assiria Calldea Babilon e

Evfrates Na outra apariccedilatildeo no entanto estaacute colocado ao lado de Egiptus abaixo de

Hierusalem e acima de Nilus flumen Egipti Poderiacuteamos nos perguntar se porventura

antes de um erro natildeo se trata de uma interpretaccedilatildeo teoloacutegica envolvendo o simbolismo

de Babilocircnia como cidade da perdiccedilatildeo e mal conectando o ao Egito lugar do cativeiro

de Israel

Quanto ao folio 6r eacute preenchido na parte superior pela Aacutefrica e na inferior pela

Europa Enquanto a aacuterea da Aacutesia jaacute referida apresenta-se bastante completa com nomes

de locais retirados das tradiccedilotildees claacutessica e biacuteblica o mapa natildeo eacute tatildeo preciso nos

continentes restantes Na Europa a nomenclatura eacute razoavelmente precisa refletindo

bem a divisatildeo geograacutefica dos seacuteculos XII e XIII mas trazendo pouco detalhe sobre a

regiatildeo Baacuteltica e do proacuteprio norte da Europa o proacuteprio Mar Baacuteltico natildeo eacute citado Quanto

ao texto na Aacutefrica traz poucas localidades e precisatildeo os poucos nomes com um nuacutemero

relativamente grande de acontecimentos derivam tambeacutem da tradiccedilatildeo claacutessica

Segue a seguir uma transcriccedilatildeo do folio 6r que conteacutem os continentes da Aacutefrica

e Europa Encontra-se em itaacutelico os nomes cuja direccedilatildeo da escrita foi alterada ou

rotacionada para possibilitar a leitura em nosso meio de transmissatildeo As proporccedilotildees e

distacircncias entretanto foram mantidas com precisatildeo inclusive a divisatildeo das palavras em

linhas

171

Occidens vestr

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

AfRica EuRopa

Hic s(unt)

solitu- E

dines thi

o

inacces pia

sibiles

(et) arene

usque huc

Normannia

Brittannia

Vasconia

Galicia

Hispania

Tile Island

Libia prouincia

Affrice que est

circa Cirenen

Garamannia

Getulia ibi in-

fantes ludunt

serpentib(us)

Gaulo insula ibi

nec serpens nasci-

tur nec uiuit

Numidia

MauritanieIII

Med

iter

ran

um

Mar

e Ibernia

Anglia Scocia

Parmo

montes330

Gallia Frisia

Danmorc

Fra(n)cia] Saxonia

Germania

La(n)gobardia

Roma

Italia

Apulia

Constantinopolis

Tracia

Grecia

Norvegie

Gautland

Svithornioeth

Rvsia

Kio

Eronei331

Sparta

Scithia

frigida

Misia

Bia(r)ma(r)

habitavit hic

Pentapolis reacutegio

ibi sunt v urbes

Trogita prouincia

ibi in uenitur carbu(n)-

culus igneus (et) al-

ter exacontalit(us)LX

colorib(us) micans

Bizancena fruc-

tissima terra

Haacute poucas regiotildees que se referem ao mundo escandinavo No mundo atlacircntico

em aacutereas distintas encontramos TileIsland (Islacircndia) Ibernia (Hibernia - Irlanda)

Anglia Scotia (Inglaterra e Escoacutecia) Na Escandinaacutevia propriamente dita temos um

330

Para Karinglund o correto seria ldquoPireneusrdquo In Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague

Moslashller 1917s 331

ldquoNocircmadesrdquo

172

agrupamento de Norvegie (Noruega) Gautland (a regiatildeo meridional da Sueacutecia

Gotaland) Svithornioeth (nome para a Sueacutecia dos Svear a norte de Gotaland) com Rvsia

(Rus) enquanto que a Dinamarca (Danmorc) estaacute listada entre Frisia e Saxonia

A Biarmaland encontra-se separada com uma pequena descriccedilatildeo Bia(r)ma(r)

habitavit hic

No acircmbito da Ruacutessia temos poucos nomes Eronei significando ldquonocircmadesrdquo

Kio para Kiev e proacuteximo a uma Sparta temos Scithia frigida a ldquoCiacutetia friardquo A proacutepria

Constantinopla estaacute agrupada com cidades do Mediterracircneo e natildeo associada ao mundo

de Rus

Esta disposiccedilatildeo de localidades forma de organizaacute-la inclusotildees e omissotildees

permitem-nos traccedilar algumas conclusotildees sobre as pessoas envolvidas na produccedilatildeo do

mapa e mesmo em relaccedilatildeo a sua dataccedilatildeo

Em primeiro lugar o mapa eacute evidentemente um instrumento de instruccedilatildeo de

materializaccedilatildeo de conceitos ao inveacutes de um meio de localizaccedilatildeo A instruccedilatildeo no caso

refere-se ao conhecimento das tradiccedilotildees biacuteblica e claacutessica A profusatildeo de dados de

ambas as tradiccedilotildees eacute bastante evidente seja na meticulosa caracterizaccedilatildeo da Aacutesia ou na

livresca apresentaccedilatildeo africana

Natildeo haacute uma ecircnfase nas proacuteprias terras de origens escandinavas Conquanto haja

a divisatildeo sueca entre Gotaland e Svithornioeth a especificidade escandinava quase se encerra

por aiacute E o conhecimento sobre Escandinaacutevia e adjacecircncias demonstrado ali estaacute

entremeado de interpretaccedilotildees claacutessicas note-se que a Islacircndia eacute apresentada com o

nome de Tile (Thule) a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a

discussatildeo perdura ateacute os tempos contemporacircneos Jaacute-se teorizou sobre uma localizaccedilatildeo

exata sobre um conhecimento praacutetico de tal ilha identificando-a ora com a Islacircndia ora

com as Ilhas Britacircnicas ou como mera estoacuteria de um lugar fantaacutestico setentrional

cercado de monstros e gelo O autor do mapa no entanto identifica-o claramente com

sua proacutepria ilha

Quanto agrave Ruacutessia eacute notaacutevel estar listada conjuntamente com Noruega e Sueacutecia

em contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regiotildees germacircnicas continentais

Mas aqui tambeacutem haacute o influxo do saber biacuteblico-claacutessico a uma tradiccedilatildeo mais

especificamente escandinava e a identificaccedilatildeo de Scithia frigida remete-nos agrave esta

mistura de tradiccedilotildees e regiotildees ao lermos autores como Snorri que chamaram a Ruacutessia

ou a regiatildeo a norte do Mar Negro de Svithornioeth a ldquofriardquo ou a ldquogranderdquo

173

En norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda

Ao norte do Mar Negro se encontra Svithornioeth ldquoa granderdquo ou ldquoa friardquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01332

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

A terminologia para as regiotildees cardinais e a inserccedilatildeo das regiotildees escandinavas eacute

efetuada de forma tecircnue em tal mapa ldquoLesterdquo eacute identificado majoritariamente com a

Aacutesia agrave Europa (destarte agrave Escandinaacutevia) resta a inserccedilatildeo entre oeste e norte Natildeo se

pode encontrar nuances terminoloacutegicas e maneirismos do antigo noacuterdico em tal

terminologia Austrvegr e Garethariacuteki satildeo sequer mencionadas o Baacuteltico natildeo estaacute

retratado tampouco outros rios significativos da Rus com exceccedilatildeo do Don ndash que o eacute

pela sua relevacircncia no costume dos mapas T-O

Biarmaland tambeacutem estaacute dessa forma em um simples norte sem matizaccedilatildeo

sem as incorporaccedilotildees literaacuterias e conceituais sobre os Bjarmar ainda que contendo uma

inscriccedilatildeo Tal no entanto coloca-os em patamar similar agraves descriccedilotildees de outras partes

do mundo ldquoaqui habitavam os Bjarmarrdquo descriccedilatildeo distante do outro de um diverso

mundo de uma outra realidade

Em suma o conhecimento que se obteacutem da cartografia medieval escandinava

revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das

tradiccedilotildees ocidentais islacircmicas do que propriamente no conhecimento geograacutefico

especiacutefico escandinavo em particular no que toca ao leste Para discerni-lo mais

claramente teremos de nos centrar em outras modalidades de fontes metodologias e

recursos que eacute o que faremos a seguir

332

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04

174

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII

A regiatildeo da Ruacutessia europeacuteia era habitada por diversas populaccedilotildees de filiaccedilotildees

eacutetnicas e linguiacutesticas diversas no periacuteodo das expansotildees eslaacutevicas e escandinavas no

norte da Ruacutessia (seacuteculos VIII-IX) Os principais grupos autoacutectones da regiatildeo

vinculavam-se ao ramo Fino-uacutegrico da famiacutelia linguiacutestica Uralo-Altaica e ao subgrupo

baacuteltico da famiacutelia indo-europeacuteia

Atualmente grande parte desses grupos foi extinguida eou absorvida como o

antigo prussiano ou possui idiomas em estado de extinccedilatildeo como o Livio Vote Vepse e

o antigo curocircnio O nuacutemero de referecircncias nas fontes escritas eacute pequeno e por vezes a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica eacute controversa

Algumas das denominaccedilotildees empregadas nas fontes escritas modificaram-se ao

longo dos tempos assumindo conotaccedilotildees diferentes e mesmo indicando populaccedilotildees

diversas como o caso do termo ldquoEistlandrdquo Outras assumiram significados diversos de

cunho poliacutetico e mesmo nacionalista como no caso de PermiaBjarmaland Dessa

forma faz-se necessaacuterio um estudo mais detalhado do quadro etno-linguistico do

contexto de forma a se agregar contribuiccedilotildees dos estudos histoacutericos arqueoloacutegicos

antropoloacutegicos e linguiacutesticos

Ao tratar do leste fiacutesico geograacutefico bem como os povos que nele habitavam as

fontes escandinavas diferenciam as regiotildees de Austrvegr e Garethariacuteki (vide Mapa 01)

Por Austrvegr em um sentido mais estrito etno-geograacutefico ficavam

compreendidas as regiotildees de norte e leste do Mar Baacuteltico que atualmente incorporam a

Finlacircndia os Paiacuteses Baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) e a antiga regiatildeo da Pruacutessia

atualmente a regiatildeo administrativa russa de Kaliningrad

Garethariacuteki incorporava mais propriamente o territoacuterio da atual Ruacutessia europeia

Bieloruacutessia e Ucracircnia Nos seacuteculos XIII-XIV o significado de seu nome fica associado a

ldquoReino das cidadesrdquo devido ao grande nuacutemero de fortificaccedilotildees e paliccediladas com os quais

os escandinavos ali se deparavam Entretanto no periacuteodo viking a quantidade de

fortificaccedilotildees natildeo era significativa o que causa problemas interpretativos quanto agrave

origem do nome ao deparar-se com o mesmo (ou variantes) em estelas ruacutenicas do seacuteculo

XI

Bjarmaland eacute citada agrave parte e incorpora muito do fantaacutestico do desconhecido

do outro Eacute citada como parte do leste mas diferentemente das regiotildees de Austrvegr

natildeo se encaixa perfeitamente na mentalidade e nos costumes escandinavos Eacute a

175

incorporaccedilatildeo do outro a regiatildeo limiacutetrofe entre o conhecido e desconhecido o natural e

o sobrenatural o criacutevel e o fantaacutestico o dominado e o incontrolaacutevel Seus habitantes satildeo

sempre antagonistas que amiuacutede empregam magia e recursos sobrenaturais contra o

heroacutei ou personagem principal da narrativa Sua linguagem eacute incompreensiacutevel Seus

deuses estranhos e diferentes Em alguns casos particularmente na Gesta Danorum os

finni ldquofinlandesesrdquo satildeo com frequecircncia citados em conjunto com Bjarmaland

Haacute por volta de seis trabalhos em Antigo Noacuterdico contendo descriccedilotildees

geograacuteficas da Europa todas derivadas de duas redaccedilotildees principais de uma descriccedilatildeo

encontrada no capiacutetulo 4 do livro 14 das Etimologias de Isidoro A estas descriccedilotildees as

fontes acrescentam as localidades do mundo setentrional

A primeira redaccedilatildeo eacute encontrada na Heimslyacutesing encontrada no Hauksboacutek

(AM544) e escrita no seacuteculo XIII e na Upphaf A segunda redaccedilatildeo eacute representada pelo

Landafraedi e o Tocius orbis brevis discriptio No que toca agrave Europa de Norte e Leste a

Ǫrvar-Odds saga no capiacutetulo 30 apresenta uma listagem muito similar agrave da

Heimslyacutesing e inclusive mais completa que ela com a adiccedilatildeo de nomes encontrados

apenas na Upphaf333

A listagem apresentada na Ǫrvar-Odds saga natildeo possui pretensotildees

de um tratado geograacutefico antes apresenta uma listagem de exeacutercitos que veio em

suporte a KvillanusOumlgmundr o adversaacuterio de Oddr

Todas estas redaccedilotildees apresentam uma reelaboraccedilatildeo da jaacute reelaborada versatildeo de

Isidoro da genealogia biacuteblica conectando as cidades da Rus agrave genealogia de Noeacute via

seu filho Yaffet seguido de Magog

Quanto aos nomes das cidades da Rus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga

apresentam a mesma listagem e apresenta similaridade grande com a descriccedilatildeo

apresentada na proacutepria Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Vejamos a listagem das localidades

- Na Heimslyacutesing

ldquoHia Garethariki liggia lond thornessi

[a] Kirialir Refalir Tafeistaland

[b] Virland Eistland

[c] Lifland Kurl [and]

[d]

[e] Erml [and] Puacutelinaland334

rdquo

333

PRITSAK 520 529 334

Heimslyacutesing In Hauksboacutek AM 544 4deg f3v Ed JOacuteNSSON Finnur P 155

176

- Na Ǫrvar-Odds saga redaccedilatildeo AB335

ldquothornar var ok mikill herr af Kirjaacutelalandi ok Rafestalandi Refalandi

Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi Laacutenlandi Ermlandi

ok Puacutelinalandirdquo

Havia tambeacutem uma grande horda (vinda) de Kirjaacutelaland e

Rafestaland Refaland Virland Eistland Liacutefland Vitland Cuacuterland

Laacutenland Ermland e Puacutelinaland

(Ọrvar-Odds Saga 30 redaccedilatildeo AB Traduccedilatildeo nossa)336

Eacute importante ressaltar que os autores de tais fontes agrupam as localidades por

criteacuterios quase que estritamente geograacuteficos A despeito da relevacircncia da linguagem ao

se tratar da etnicidade no medievo as localidades em tais listas satildeo apresentadas em

agrupamentos regionais que por vezes conteacutem grupos etno-linguiacutesticos distintos mas

habitantes de regiotildees limiacutetrofes como por exemplo os kurs e os Livocircnios da Letocircnia

atual ndash por sua vez compreendidos nos grupos etno-linguiacutesticos balto-indo-europeu e

fino-uacutegrico

Descriccedilotildees sejam de cunho mais ldquofictiacuteciordquo na Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus seja de cunho mais croniacutestico como na Henrici Chronicon Livoniae

apresentam tambeacutem quadros interessantes das interaccedilotildees entre tais populaccedilotildees ndash

novamente de forma que natildeo se apega a criteacuterios etno-linguiacutesticos Saxo Grammaticus

ao apresentar a lista de povos do norte que combateram na Batalha de Bravalla junto de

Dinamarqueses de um lado ou Sueco do outro apresenta kurs e estonianos no campo

dos suecos e livocircnios no campo dinamarquecircs De forma bastante etnograacutefica no

entanto Saxo cita amiuacutede os Finni em conjunto com os Biarmi enfatizando diferenccedilas

peculiares em relaccedilatildeo aos escandinavos ndash como por exemplo o que ele descreve de

ldquonomadismordquo A Henrici Chronicon Livoniae narra sobre as alianccedilas entre kurs e

estonianos de Saarema

Feitas tais consideraccedilotildees fica a lembranccedila de que as categorizaccedilotildees etno-

linguiacutesticas contemporacircneas possuem caraacuteter instrutivo e didaacutetico mas natildeo devem ser

tomadas como fatores exclusivos ou dominantes na interpretaccedilatildeo das dinacircmicas sociais

do medievo

335

Acerca da Ǫrvar-Odds saga manuscritos e redaccedilotildees vide capiacutetulo 05 336

In RAFN CC (ed) Fornaldarsoumlgur Nordrlanda Vol II Kaupmannahoumlfn 1829 30 K p 294

177

321 Fino-uacutegricos

O termo de cunho etno-linguiacutestico ldquofino-uacutegricordquo refere-se aos grupos humanos

de uma das subdivisotildees da grande famiacutelia linguiacutestica Uraacutelica Sua expansatildeo geograacutefica

daacute-se por todo o norte Eusasiaacutetico e sua unidade com o grupo Altaico eacute objeto de

discussatildeo337

O ramo fino-uacutegrico possui duas grandes subdivisotildees fino-permiano e uacutegrico

que por sua vez subdividem-se ainda mais No recorte de interesse agraves relaccedilotildees

escandinavas e eslavas no medievo as populaccedilotildees fino-uacutegricas em questatildeo pertencem

ao subgrupo fiacutenico com suas divisotildees entre fino-baacuteltico e inclui diversas populaccedilotildees da

a) regiatildeo norte da atual Ruacutessia Europeacuteia muitos extintos ou em perigo de como os

Vepsi Voti Kareli b) regiatildeo baacuteltica incluindo as diversas tribos de finlandeses e

estonianos e os livonianos da Letocircnia) e proto-saami (que compreendem os Saami ndash

denominados popularmente como ldquolapotildeesrdquo)338

O grupo etno-linguiacutestico do ramo fino-uacutegrico da famiacutelia uralo-altaica pode ser

considerado como o mais proacuteximo que temos condiccedilatildeo de definir enquanto

ldquoautoacutectonesrdquo da Europa setentrional e Norte-oriental Os territoacuterios antigamente

habitados pelos mesmos eram muito extensos tendo sido grandemente reduzidos Parte

consideraacutevel de regiotildees habitadas antigamente por populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica eacute

atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos baltos e eslavos) e turcos

No contexto do Norte da Ruacutessia europeacuteia os grupos fino-uacutegricos de maior

destaque satildeo o ramo balto-finecircs Desses atualmente sobrevivem os livocircnios estonianos

finlandeses (dentro dos quais os kareli) e lapotildees (saami) No periacuteodo de escrita da

Poacuteviest vrieacutemennikh liet a regiatildeo entre o Golfo da Finlacircndia e o Mar Branco era

habitada por outros grupos aparentados entre si Vepsi Votes e Kareli

Os povos fino-uacutegricos referidos nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas satildeo

Na Finlacircndia

- Finnland Finnmark o nome que empregamos para a Finlacircndia propriamente dita

ldquoterra dos finnarrdquo traz uma peculiaridade com a significaccedilatildeo atual O termo ldquoFinnlandrdquo

pode ser empregado para a atual regiatildeo sul-ocidental da Finlacircndia Suomi em finlandecircs

337

MARCANTONIO Angela (org) The Uralic Language Family Facts Myths and Statistics

(Publications of the Philological Society) Oxford Wiley-Blackwell 2002 pp21ss 35ss 48ss 338

DEacuteCSY Gyula Einfuumlhrung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft Wiesbaden Otto

Harrassowitz 1965

178

Sumacute em antigo russo Eacute um termo encontrado nas estelas ruacutenicas G 319 e U 582339

Poreacutem ldquoFinnarrdquo eacute empregado geralmente nas sagas para os Saacuteami e natildeo para

finlandeses Samland a Lapocircnia eacute destarte referida como ldquoFinnmarkrdquo Em Saxo

Grammaticus Finnmarchia

Uma exceccedilatildeo parece ocorrer no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga quando em

um reide Oacutelaacutefr Haraldsson ataca Finnland o texto em prosa cita os Finnar mas a

poesia os Finnlendingar340

- Tafeistaland Rafestaland ldquoterra dos preguiccedilososrdquo341

Regiatildeo conhecida como a

proviacutencia da Tavastia na Finlacircndia de centro-sul Haumlme em finlandecircs e Yam em antigo

russo O termo eacute empregado na Ǫrvar-Odds saga (como Rafestaland) na Hemslyacutesing

p155 121 e na estela ruacutenica Gs 13

- Kirjaland Karelia Termo atestado na Heimslyacutesing (como Kirialir) na Ǫrvar-Odds

saga (Kirjalaland) Eacute possiacutevel que a estela U 180 refira-se a Vyborg da Karelia (Viipuri)

ou a Viborg da Jutland

- Baacutelagarethssiacuteetha Referecircncia rara parece se referir agrave costa sul da Finlacircndia rumo ao

Golfo da Finlacircndia342

Aparece no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga no capiacutetulo 119

da Njaacutels Saga e no capiacutetulo 07 da Haacutelfdanar Saga Eysteinssonar O que per se

consiste em distribuiccedilatildeo interessante por se tratar de trecircs gecircneros distintos de saga uma

Koumlnungasaga uma Iacuteslendigasaga e uma Fornaldarsaga

Na Estocircnia

A Estocircnia conteacutem quatro referecircncias certas mais duas duacutebias em inscriccedilotildees

ruacutenicas varegues bem como uma descriminaccedilatildeo terminoloacutegica bastante acurada Tal

circunstacircncia deve-se possivelmente agrave importacircncia da rota comercial passando pelo

Golfo da Finlacircndia e o norte da Estocircnia ndash a regiatildeo estoniana de Virumaa que inclui a

costa norte do paiacutes eacute a que possui maior referenciaccedilatildeo nas estelas ruacutenicas (trecircs

339

МЕЛЬНИКОВА 1976 201 ДЖАКСОН 340

AALTO Sirpa amp LAAKSO Ville Karelia Finland and Austrvegr In Aacute austrvega Saga and East

Scandinavia Preprint papers of The 14th

International Saga Conference Uppsala 2009 p07 341

PRITSAK 359 342

ZILMER Kristel Learning about Places and People Representations of Travelling Connections and

Communication situation in the Sagas of Icelanders In Sagas and Societies - Conference at Borgarnes

Iceland 2002 P 01

179

ocorrecircncias)

- Virland regiatildeo costeira setentrional estoniana Em estoniano Virumaa a regiatildeo pode

ser satisfatoriamente equacionada com a regiatildeo de Narva citada na Poacuteviest vrieacutemennikh

liet Referenciada nas estelas U 346 U 356 (conteacutem a mesma mensagem e foram

confeccionadas pelo mesmo artesatildeo) e U 533 bem como na Heymslyacutesing e na Ǫrvar-

Odds saga (30) Virumaa foi a regiatildeo estoniana com maior contato escandinavo no

periacuteodo viking devido agrave sua localizaccedilatildeo proacutexima ao Golfo da Finlacircndia que a colocava

diretamente no principal ramo do Austrvegr

- Rifaland Refaland termo que se refere agrave regiatildeo da Revalia sendo Reval o nome

medieval para a atual capital da Estocircnia Tallinn Eacute um termo natildeo encontrado nas

estelas ruacutenicas mas nas fontes medievais como de se esperar Encontra-se Refalir na

Heimslyacutesing e Rifaland na Ǫrvar-Odds saga (30)

- EistlandEstland Eistland eacute um termo geneacuterico para Estocircnia propriamente dita Deve-

se atentar para a circunstacircncia de que termo similar fora empregado em Taacutecito e na

traduccedilatildeo de Alfredo de Oroacutesio para a regiatildeo mais meridional e de caraacuteter etno-

linguiacutestico muito diverso da Pruacutessia Oriental (listadas no seacuteculo XIII nas regiotildees de

Samland e Ermland e nas fontes anglo-saxocircnicas tambeacutem como Witland seratildeo

discutidas adiante) O termo eacute encontrado amplamente nas fontes escandinavas

incluindo sagas as fontes geograacuteficas mencionadas (Ọrvar-Odds 30) os trabalhos de

cunho mais universal de Saxo e Snorri e na estela Vg 181 A estela U 439 possui o

termo ldquondashskalatrdquo interpretado como Aistland ou Serkland343

ndash interpretaccedilotildees bastante

diacutespares portanto344

Na Poacuteviest vrieacutemennikh liet os estonianos satildeo chamados de chud

Pritsak345

considera que as estelas U 446 e Souml 45 possuam referecircncias agrave Eistland

por meio do nome proacuteprio AEligist-fari ldquoo que viaja para os AEligistirdquo mas eacute interpretaccedilatildeo

duacutebia Poderiacuteamos sugerir o significado ldquoo que viaja para lesterdquo por exemplo

343

Serkland eacute termo que pode significar a regiatildeo aleacutem Volga no mundo muccedilulmano ou a regiatildeo os

Khazares agraves margens do Mar Caacutespio Como veremos no capiacutetulo 04 por vezes o nome eacute empregado para

Aacutefrica agrave medida em que se conecta com os islacircmicos 344

A interpretaccedilatildeo que ndashskalat eacute aistland eacute endossada por Melnikova (МЕЛЬНИКОВА 1977 201) Tal

estela faz parte das chamadas ldquoEstelas de Yngvarrrdquo seacuterie de estelas que referem-se agrave expediccedilatildeo de grande

alcance ao leste efetuada por Yngvarr que terminou em desastre nas proximidades do Caacutespio e que

iniciou-se no Baacuteltico Oriental Sua argumentaccedilatildeo centraliza-se na interpretaccedilatildeo de que a expediccedilatildeo de

Yngvarr partira da Estocircnia Omeljan PRITSAK (p362) considera tal interpretaccedilatildeo errocircnea 345

PRITSAK 362

180

Os estonianos possuem papel proeminente nas narrativas escandinavas

portando-se de forma muito similar aos proacuteprios vikings oriundos de tais regiotildees

travando comeacutercio e alianccedilas ou lutando com os mesmos Uma das elaboraccedilotildees mais

significativas envolvendo aos estonianos estaacute na Heimskringla (seacuteculo XIII) que

conteacutem a captura e escravidatildeo do ainda menino Olaf Tryggvason posteriormente Olaf I

da Noruega por vikings estonianos Vendido e criado como escravo por um estoniano

chamado de Klerkon passa nas matildeos de outros donos ateacute ser comprado por seu tio

Sigurethr Eiriksson e ser levado para crescer em Garethariacuteki

- Aethalsyacutesla e Eysyacutesla Aethalsyacutesla eacute um termo para aregiatildeo costeira ocidental estoniana

Eysyacutesla refere-se agrave a ilha estoniana de Saaremaa no Golfo de Riga346

Pritsak e

Melnikova (1977 201) consideram que a estela U 518 traga referecircncia agrave ela por meio de

ldquoisislurdquo O Rundata apresenta a mesma localidade enquanto a ilha de Selaoumln no lago

Malaren Sueacutecia Muitas das referecircncias literaacuterias aos estonianos satildeo feitas a estonianos

especiacuteficos de Saaremaa muitas vezes em conjunto com os baltos kurs

Saxo Grammaticus emprega o termo ldquoRotalardquo ao se referir agrave costa norte-ocidental

estoniana na altura de Haapsalu347

- Ruumlno Haacute uma possiacutevel referecircncia agrave ilha de Ruumlno no Golfo de Riga na estela Vs 22

mas a interpretaccedilatildeo eacute duacutebia e a estela bastante danificada348

- Lifland ndash normalmente listada juntamente com as regiotildees de etnicidade baacuteltica (kurir e

semgallir) habitantes da atual Letocircnia Refere-se aos Livocircnios que habitavam as

regiotildees setentrionais da Curlacircndia e da atual Letocircnia Atualmente consistem em minoria

eacutetnica no norte da proviacutencia de Kurzeme (Curlacircndia) na Letocircnia O termo eacute listado nas

estelas ruacutenicas U 698 Souml 38 e em muitas fontes escritas tradicionais incluindo a Gesta

Danorum de Saxo Gramaticus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga Na Poacuteviest

vrieacutemennikh liet satildeo listados como liv O maior conhecimento que se tem de seus

costumes se daacutepor meio da Chronicon Livoniae escrita no seacuteculo XIII por Henri da

346

MAumlGI 2011 194 FINLAY Alison amp FAULKES Anthony (trads) Heimskringla University College

London Viking Society for Northern Research 2011 Pp235 amp 240 347

FISCHER Peter On Translating Saxo In FRIIS-JENSEN Karsten (ed) Saxo Grammaticus a

Medieval Author between Norse and Latin Culture Museum Tusculanum Press Copenhagen1981 p62

CHRISTIANSEN 1997 111 348

МЕЛЬНИКОВА ЕА Скандинавские рунические надписи Тексты перевод коммент АН

СССР Ин-т истории СССР ndash Москва Наука 1977 206

181

Livocircnia ndash provavelmente um cleacuterigo germacircnico

- Domesnes Domesnaumls Tumisnis o cabo de Kolkasrags349

na atual Letocircnia localizado

agrave entrada do Golfo de Riga entre a costa letatilde e a ilha estoniana de Saaremaa eacute citado na

Souml 198 A regiatildeo de Kolka eacute ainda atualmente um dos uacuteltimos locais com residentes

livocircnios tratando-se de aacuterea protegida pelo governo letatildeo

322 Os Baltos

Atualmente apenas na Letocircnia e Lituacircnia bem como em colocircnias de tais etnias

em outros paiacuteses existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus A partir do

periacuteodo medieval os paiacuteses baacutelticos sofreram contiacutenua dominaccedilatildeo de potecircncias

estrangeiras em particular escandinavos germacircnicos e por fim eslavos possuindo seu

territoacuterio original drasticamente reduzido

O conhecimento de seu passado eacute fragmentaacuterio e ocupa pouco espaccedilo nos

estudos interessados em escandinaviacutestica e eslavos de leste havendo pouquiacutessimos

trabalhos acessiacuteveis a pesquisadores ocidentais a preencher tal lacuna Especificamente

temos apenas ldquoThe Baltsrdquo de Marija Gimbutas bem como uma parte consideraacutevel em

sua obra ldquoThe Bronze Age Europerdquo e ldquoForeword to the Past A Cultural History of the

Baltic Peoplerdquo de Endre Bojtar destinada ao toacutepico ldquoThe Baltsrdquo entretanto apesar de

empregado por acadecircmicos do Ocidente como manual eacute considerado ligeiramente

defasado em alguns aspectos arqueoloacutegicos por especialistas nos proacuteprios paiacuteses

baacutelticos em particular na Lituacircnia350

Trabalhos conjuntos entre acadecircmicos dos Paiacuteses Baacutelticos e da Escandinaacutevia tecircm

surgido entretanto aos poucos clarificando melhor a situaccedilatildeo em particular no campo

dos estudos arqueoloacutegicos e haacute um crescimento constante na produccedilatildeo de perioacutedicos

tambeacutem acessiacuteveis via internet providenciando melhor divulgaccedilatildeo e compreensatildeo de

contextos ateacute entatildeo natildeo estudados pelo meio acadecircmico brasileiro

As referecircncias nos autores claacutessicos aos povos baacutelticos satildeo muito poucas e a

identificaccedilatildeo eacutetnica dos mesmos natildeo eacute absoluta Gimbutas assume que os ldquoNeurirdquo de

Heroacutedoto seriam Baltos em seu ramo oriental351

mas a identificaccedilatildeo natildeo eacute inequiacutevoca

Os ldquoaestirdquo de Taacutecito entretanto satildeo considerados com maior consenso como

349

МЕЛЬНИКОВА 1977 200 350

BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste Central

European University Press 1999 [1997] p58 nota 18 351

GIMBUTAS Marija The Balts London Thames and Hudson 1963 pp97-102

182

populaccedilotildees baacutelticas ocidentais habitando a regiatildeo circundante da atual peniacutensula de

Kaliningrado e os territoacuterios da antiga Pruacutessia Oriental e sul da Curlacircndia

Os territoacuterios habitados pelos povos baacutelticos em seu ramo oriental estendiam-se

no passado ateacute as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav Tal hipoacutetese eacute

fundamentada na comparaccedilatildeo das culturas arqueoloacutegicas e em principal na anaacutelise de

topocircnimos feita por Buga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Ruacutessia Vasmer (em

1932) nos distritos de Smolensk Tver (Kalinin) Moscou e Chernigov e de Toporov e

Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper

O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstraraacute uma origem baacuteltica para

o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper oferecendo fortes evidecircncias para

uma ampla expansatildeo dos povos na antiguidade nas regiotildees das atuais Bielo-Ruacutessia e

Ruacutessia europeacuteia352

Endre Bojtar apontaraacute criacuteticas importantes agrave definiccedilatildeo territorial

com base nos hidrocircnimos Dentre elas a relatividade de um suposto ldquoconservadorismordquo

na manutenccedilatildeo dos nomes de rios353

Entretanto manteacutem a ideia da regiatildeo aproximada

de expansatildeo baacuteltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte (vide Mapa 08)

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica

Legenda

1 Nomes

baacutelticos

frequentes

2 Nomes

baacutelticos

infrequentes

3 Nomes

baacutelticos raros e

questionaacuteveis

Fonte BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste

Central European University Press 1999 [1997]p54

352

ТОПОРОВ ВН ТРУБАЧЕВ ОН 1962 353

BOJTAR 54

183

Barford defende a identificaccedilatildeo dos povos baltos com uma aacuterea aproximada das

Culturas arqueoloacutegicas Kievana no periacuteodo romano e Tumshmlya-Bansherovo

Kolochin e Balachino na primeira metade do seacuteculo VI AD354

Temos dessa forma uma regiatildeo hipoteacutetica (poreacutem consensual) de habitaccedilatildeo

baacuteltica que coincidia com a regiatildeo de florestas do norte europeu e circundando a regiatildeo

sul e oriental do Baacuteltico bordejando a oeste os povos germacircnicos a sul proto-eslavos e

povos das estepes e a norte e leste populaccedilotildees natildeo indo-europeacuteias de idiomas fino-

uacutegricos

Por conseguinte os povos baacutelticos foram particularmente afetados com as

expansotildees eslaacutevicas tanto dos eslavos de leste para o norte da Ruacutessia nos seacuteculos VIII e

IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram agraves costas baacutelticas no seacuteculo VI

As fontes escritas sugerem que nesse processo de expansatildeo eslaacutevica o ramo

baacuteltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste A referecircncia

nesse sentido eacute dada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet ao citar a resistecircncia dos povos

chamados de Galindoi que Gimbutas identifica como baltos aparentemente separados

de outros povos e de similaridade etno-linguiacutestica e que iriam migrar para a regiatildeo leste

das atuais Letocircnia e Lituacircnia Nota-se que entre as tribos prussianas do seacuteculo XIII a

regiatildeo mais limiacutetrofe e meridional era chamada de ldquoGalindardquo

A identificaccedilatildeo entre esses galindos e os das proximidades de Moscou natildeo eacute

totalmente inequiacutevoca A proacutepria etimologia do termo pode apresentar conclusotildees

diversas Termos baacutelticos similares (letatildeo ldquogalsrdquo lituano ldquogalasrdquo) possuem campo

semacircntico relativo a ldquofimrdquo ldquoteacuterminordquo e dessa forma eacute razoaacutevel pressupor que regiotildees

limiacutetrofes fronteiriccedilas ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia

Os grupos de relevacircncia especiacutefica no contexto de primoacuterdios da Rus satildeo

principalmente trecircs diversas tribos prussianas habitando as regiotildees da atual peniacutensula

de Kaliningrado as tribos lituanas dentre as quais incluem-se os samogiacutecios e as tribos

letatildes das quais destacam-se kurs zemgaacutelios e latgaacutelios

Conquanto as fontes russas e germacircnicas refiram-se com frequecircncia agraves tribos

lituanas as fontes escandinavas sejam de forma escrita tradicional ou na forma de

estelas ruacutenicas natildeo o fazem nunca antes enfatizando os kurs (kurir) e zemgaacutelios

(semgallir) com os quais travavam maior contato

354

BARFORD 394s ldquoMap Irdquo e ldquoMap IIrdquo

184

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII

Fonte GIMBUTAS Marija The Balts London thames and Hudson 1963 P23

A terminologia encontrada nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas para populaccedilotildees

baltas satildeo a seguinte

Na Letocircnia

Os povos habitantes no territoacuterio da atual Letocircnia satildeo referenciados em sete

inscriccedilotildees ruacutenicas dos varegues em adiccedilatildeo agraves fontes escritas Duas referecircncias aos

livocircnios (descritos juntamente aos povos fino-uacutegricos acima) quatro aos semgallir uma

agrave regiatildeo do Venta na Kurzeme e uma agrave entrada do Daugava Eacute o maior nuacutemero de

185

referecircncias em inscriccedilotildees ruacutenicas aos povos do baacuteltico principalmente aos semgallir

Vernadsky endossa a ideia de que a Rota comercial escandinava passando pelo

Daugava teria sido anterior agrave Rota pelo Golfo da Finlacircndia De fato os contatos

escandinavos em particular com a Kuacuterland satildeo atestados primeiramente na Vita

Anskarii escrita no seacuteculo IX mas datam de seacuteculos antes Entretanto os contatos com

as proacuteprias regiotildees estonianas aparentam ser igualmente antigos ainda que natildeo tatildeo

intensos

De qualquer forma as terras baltas e livocircnias foram as primeiras aacutereas de

interesse sueco no leste e propulsoras para os movimentos posteriores mais amplos Tal

circunstacircncia justifica o relativamente grande nuacutemero de referecircncias agrave regiatildeo da atual

Letocircnia Posteriormente a rota que passava o Daugava tornaria-se um ramo secundaacuterio

do Austrvegr em comparaccedilatildeo com agrave rota mais setentrional que cruzava o Golfo da

Finlacircndia mas sem perder de todo sua relevacircncia

Semgallir o povo da proviacutencia de Zemgale dos letotildees chamada Semigalia nas

fontes latinas Semgola na Poacuteviest vrieacutemennikh liet Os semgallir habitavam os

territoacuterios ao sul do Daugava etnograficamente categorizados dentre os baltos

orientais Seu idioma eacute um dos principais constituintes do letatildeo atual A

composiccedilatildeo de seu etocircnimo Zemgale indica a localizaccedilatildeo de uma terra de

fronteira ndash zeme ldquoterrardquo gals ndash ldquolimite fim fronteirardquo e pode sugerir tal

localizaccedilatildeo tanto como a regiatildeo fronteiriccedila aos liacutevios do norte como a tribo letatilde

mais meridional ainda que tais afirmativas sejam especulativas

A Chronicon Heinrici Livoniae escrita no seacuteculo XIII por um

eclesiaacutestico germacircnico narra os eventos do seacuteculo XII por ocasiatildeo da conquista

germacircnica da regiatildeo da Livocircnia Ali os semgallir aparecem como as uacuteltimas

populaccedilotildees a serem conquistadas e cristianizadas Alguns de seus costumes

(como a decapitaccedilatildeo de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao

cronista que dedica bastante espaccedilo aos mesmos mas as alianccedilas e

identificaccedilotildees eacutetnicas dos mesmos natildeo ficam claras Aparentemente pela

crocircnica as relaccedilotildees com os kurs eram amigaacuteveis diferentemente da situaccedilatildeo

com estonianos e lituanos mas o caraacuteter pontual de tais alianccedilas natildeo nos permite

consideraccedilotildees absolutas que elucidem em definitivo a etimologia

Satildeo citados nas estelas Souml 198 Souml 327 possuem uma referecircncia duacutebia

(proposta por Brate) na Souml 110 bem como em uma caixa de cobre encontrada

186

em Sigtuna (R 173)355

Apesar das referecircncias relativamente frequentes nas

inscriccedilotildees ruacutenicas as referecircncias escritas aos semgallir nas fontes tradicionais

satildeo mais raras Satildeo listados na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds saga (30) e apenas

citados duas vezes na Gesta Danorum nos livros 5 e 7 No uacuteltimo caso ambas

as referecircncias satildeo de passagem e ligadas agrave histoacuteria de Starkatherus sendo os

semgaacutelios citados em conjunto com outros povos do Baacuteltico (kurs e sembi na

primeira kurs e eesti na segunda) na primeira referecircncia os mesmos se revoltam

contra o domiacutenio danecircs e satildeo conquistados por Starkatherus A segunda eacute o

poema final do heroacutei no qual cita suas conquistas listando ali o episoacutedio

narrado anteriormente

Kuacuterland a regiatildeo de Kurzeme na atual Letocircnia e o ducado histoacuterico da

Curlacircndia possessatildeo nos tempos da Repuacuteblica Polaca-Lituana que chegou a

obter possessotildees coloniais na Gacircmbia e Caribe na Idade Moderna No periacuteodo

viking as regiotildees dos kurs possuiacuteam cinco divisotildees centralizadas em

fortificaccedilotildees (Pilsats Megova Duvzare Ceklis e Piemare) chegando ateacute a costa

norte da atual Lituacircnia

Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas kors na Poacuteviest vrieacutemennikh liet)

satildeo as populaccedilotildees - juntamente com os estonianos e bjarmar - mais citadas nas

fontes escritas escandinavas Suas referecircncias satildeo as mais longas e mesmo

factiacuteveis algumas delas memoraacuteveis como a descriccedilatildeo do cativeiro do skaldr

Egill Skalagriacutemsson na Egils saga escrita no seacuteculo XIII provavelmente por

Snorri Sturlusson Tambeacutem emblemaacutetica eacute a referecircncia jaacute citada bastante antiga

da Vita Anskarii de Rimbert escrita no seacuteculo IX que conta sobre um suposto

periacuteodo de domiacutenio dos suecos sobre os kurs

A Chronicon Henrici Livoniae traz informaccedilotildees sobre os kurs no seacuteculo

XII principalmente taacuteticas militares e costumes funeraacuterios dos mesmos por

ocasiatildeo de expediccedilotildees de ataques mariacutetimos aos cruzados e no cerco efetuado

por eles a Riga interrompido para o cumprimento da cremaccedilatildeo de seus mortos

Nos seacuteculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados agrave

estonianos de Saaremaa executando expediccedilotildees vikings pelo baacuteltico capturando

escravos e bens (incluindo sinos de igrejas principalmente na Sueacutecia)

355

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

187

Aparentemente ateacute entatildeo a julgar pelas referecircncias textuais possuiacuteram diversos

periacuteodos de domiacutenio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos

entremeados por revoltas e momentos de liberdade Em algumas ocasiotildees

aparentam ser parceiros de escandinavos seja em contatos comerciais ou

expediccedilotildees vikings

A categorizaccedilatildeo eacutetnica dos kurs do periacuteodo viking enquanto baltos natildeo

foi feita sem disputa De fato foi razoavelmente comum classificaacute-los enquanto

uma tribo fino-uacutegrica ideia que esporadicamente volta agrave tona principalmente da

parte de autores finlandeses e estonianos

Um dos argumentos mais fortes nesse sentido eacute o nuacutemero consideraacutevel

de termos de origem fino-uacutegrica que transparecem nos tratados do seacuteculo XIII

no idioma dos kurs como sua proacutepria denominaccedilatildeo ldquokurrdquo que pode significar

ldquogrourdquo nos idiomas fino-uacutegricos ldquokiligundenrdquo (regiatildeo administrativa) ldquomalevardquo

(unidade do exeacutercito) Esse niacutevel de argumento eacute usual em obras de

popularizaccedilatildeo cientiacutefica como do historiador amador Edgar Valter Saks356

Haacute argumentos considerados a niacutevel mais acadecircmico Um deles eacute a

denominaccedilatildeo ateacute o seacuteculo XIX da ilha estoniana de Saaremaa como ldquoKurasaarrdquo

ldquoIlha dos Kursrdquo Marika Maumlgi efetua um paralelo com a situaccedilatildeo na Estocircnia de

Saarema chamada de Eysyacutesla em contrapartida agrave costa Ocidental como

Adalsyacutesla357

Esta identificaccedilatildeo eacute aceita por poucos e deve ser considerada como uma

idiossincrasia a mais em categorizaccedilotildees e divisotildees eacutetnicas das populaccedilotildees (natildeo

apenas) do medievo De fato os kurs seratildeo uma das tribos constituintes dos

letotildees da Idade Moderna e Contemporacircnea o substrato e os cognatos fino-

uacutegricos na liacutengua letatilde adveacutem do idioma dos livocircnios natildeo da liacutengua dos kurs Em

adiccedilatildeo o istmo da Curocircnia entre a Pruacutessia Oriental e a Lituacircnia foi habitado ateacute

o seacuteculo XIX pelos Kursenieki descendentes dos antigos kurs e seu idioma era

claramente balto sendo que a discussatildeo mais seacuteria academicamente dividiu-se

no sentido de classificaacute-lo enquanto idioma balto oriental ligado ao letatildeo e ao

lituano ou ocidental ligado ao prussiano antigo358

Os siacutetios arqueoloacutegicos de Grobiņa (atual Letocircnia) e Apuole (atual

356

SAAKS Edgar Eesti viikingid 2005 pp 31-34 357

VUORELA 206 MAumlGI 2011 194 358

STONKUTĖ Loreta Kuršininkų tarmės lituanizmai In Studentu zinātniskās Konferences laquoAktuāli

baltistikas jautājumiraquo tēzes Latvijas Universitātes Filoloģijas fakultātes 2002 Pp43s

188

Lituacircnia) escavados por Birger Nerman na deacutecada de 1920 datildeo suporte agrave

relaccedilotildees antigas dos mesmos com a Escandinaacutevia principalmente os Svear e a

ilha de Gotland desde o seacuteculo VII359

Na Gesta Danorum de saxo Gramamaticus os kurs (ldquocuretesrdquo) satildeo

citados nos livros 123568911 e 14 incluindo episoacutedios relevantes como o

cativeiro de Hadingus no livro I e a batalha de Bravalla no livro 8

Eacute interessante notar que de forma contrastante com a relativa

abundacircncia de referecircncias nas fontes de ordem mais tradicional a uacutenica possiacutevel

referecircncia agrave terra dos kurs em estelas ruacutenicas encontra-se na G 135 e fala sobre

um homem morto em Vindau ndash Vendava No periacuteodo em questatildeo os kurs se

encontravam em processo de expansatildeo ao norte habitado por livocircnios e natildeo eacute

possiacutevel saber com exatidatildeo se a referecircncia ao Venta implicaria em alguma

relaccedilatildeo com os kurs ou com os livocircnios da Kurzeme

Na Antiga Pruacutessia

SaacutemlandLanland Ermland Vitland regiotildees da Pruacutessia Oriental tribos baltas

indo-europeacuteias A esta regiatildeo foi aplicado o termo ldquoAistlandrdquo por historiadores

da antiguidade (em particular na Germania de Taacutecito) e a versatildeo anglo-saxocircnica

de Oroacutesio feita por Alfredo bem como a viagem de Othere relatado tambeacutem por

Alfredo o que gera confusatildeo com a Eistland ndash Estocircnia de caraacuteter diverso

entretanto Quando as sagas e Snorri Sturlusson referem-se a ldquoestirdquo

normalmente o fazem tendo em mente estonianos

As correspondecircncias com topocircnimos baacutelticos satildeo Saacutemland ndash Semba

Ermland ndash Varme (Warmia) Marika Maumlgi argumenta por uma possiacutevel mistura

de terminologias eacutetnicas defendendo a possibilidade de que o uso de ldquoSamlandrdquo

possa por vezes implicar na Kurzeme360

mas trata-se de uma posiccedilatildeo bastante

isolada

A regiatildeo da Pruacutessia oriental continha algumas das maiores

concentraccedilotildees de depoacutesitos de dirheims do mundo islacircmico Noonan e Bogucki

defendem que habitantes das costas eslavas do baacuteltico bem como antigos

prussianos tenham sido os primeiros intermediaacuterios no comeacutercio de dirheims

359

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 360

MAumlGI 2011 194

189

entre os mundos islacircmico e escandinavo361

A regiatildeo abrigou um dos primeiros entrepostos comerciais do periacuteodo

viking a cidade de Truso Localizada no lago Druzno atualmente no local

encontra-se a cidade de ElbingElblag O local foi ativo como parte da rota do

acircmbar e no periacuteodo viking como localidade-chave na redistribuiccedilatildeo dos

dirhams vindos das regiotildees de leste tendo despertado o interesse escandinavo de

descobrir as regiotildees de proveniecircncia de tal prata e precipitado a proacutepria

expansatildeo escandinava na regiatildeo da posterior Rus

Haacute uma referecircncia agrave Samland em caracteres ruacutenicos na jaacute citada caixa

de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)362

ldquoWitlandrdquo eacute empregado na Ǫrvar-

Odds saga e na viagem de Othere relatada pela crocircnica de Alfredo (em inglecircs

antigo) As demais regiotildees satildeo citadas tambeacutem na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds

saga

Saxo Grammaticus cita-os como ldquosembirdquo nos livros 68910 e 11 Em

um dos poucos casos de constacircncia em sua narrativa em praticamente todas as

citaccedilotildees os sembi estatildeo em conjunto com os Kurs (em 4 das 5 citaccedilotildees

normalmente rebelando-se contra daneses) e em oposiccedilatildeo aos sclavi

Lituacircnia

A ausecircncia de referecircncias aos lituanos natildeo teraacute passado desapercebida ao leitor

mais atento e informado De fato as fontes escandinavas natildeo se referem aos mesmos

Esta ocorrecircncia explica-se pela ausecircncia de costa mariacutetima ndash ocupada pelos kurs

prussianos zemgaacutelios liacutevios e estonianos ndash mas tambeacutem pela natureza diversa de

contatos entre lituanos e seus povos vizinhos no periacuteodo viking

Diferentemente de seus vizinhos costeiros as diversas tribos lituanas tiveram

menor contato com a Escandinaacutevia e maior com Polocircnia as demais tribos baacutelticas e os

eslavos de leste Os contatos com o mundo escandinavo foram dessa forma

intermediados por seus vizinhos Os proacuteprios territoacuterios lituanos ficavam agrave margem das

grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinaacutevia agrave Euraacutesia e sua geografia

361

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361 362

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

190

abundante em florestas e pacircntanos certamente natildeo colaborou para a diminuiccedilatildeo de seu

isolamento

A despeito desse isolamento por ocasiatildeo das cruzadas setentrionais e a expansatildeo

germacircnica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia

forte e expansionista com a originalidade de manterem com suas crenccedilas pagatildes

ancestrais

O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasiatildeo da unificaccedilatildeo

das coroas polaca e lituana e na idade moderna a Polocircnia-Lituacircnia consistiraacute no estado

territorial mais extenso e muacuteltiplo da Europa

323 Baltos e Fino-Uacutegricos

A relaccedilatildeo entre baltos e fino-uacutegricos parece ter sido de particular influecircncia

muacutetua No campo da linguiacutestica os empreacutestimos e influecircncias satildeo extensos desde o

campo de terminologia de ferramentas e tecnologias ateacute de relaccedilotildees familiares363

Estudos dos Haplogrupos de DNA demonstram tambeacutem uma relaccedilatildeo particular

de miscigenaccedilatildeo de entre os habitantes da Letocircnia e Lituacircnia com os povos fino-uacutegricos

da Estocircnia e Finlacircndia em particular no predomiacutenio demonstrado do haplogrupo N do

cromossomo Y dominante entre as populaccedilotildees de etnicidade fino-uacutegrica ao lado do

haplogrupo R1a comum entre populaccedilotildees da Europa Setentrional (em particular na

Noruega) Oriental (com frequecircncias variando por volta de 50 de predomiacutenio entre

poloneses ucranianos bielorussos e russos) e das estepes364

Eacute razoaacutevel a suposiccedilatildeo de um nuacutecleo original populacional provavelmente

pequeno de fala indo-europeacuteia com afinidade geneacutetica com outras populaccedilotildees de

falares da mesma famiacutelia como eslavos e germanos que se difundiu rumo ao norte

interagindo e miscigenando-se com as populaccedilotildees locais

363

GIMBUTAS 33-36 364

LAITINEN Virpi LAHERMO Paumlivi SISTONEN Pertti SAVONTAUS Marja-Liisa Y-

Chromosomal Diversity Suggests that Baltic Males Share Common Finno-Ugric-Speaking Forefathers

In Human Heredity 2002 53 68ss

191

324 Bjaacutermaland

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539)

Traduzida frequentemente por Peacutermia ou Perm esta regiatildeo apresenta problemas

e discussotildees por deacutecadas no que tange sua localizaccedilatildeo e composiccedilatildeo eacutetnica As fontes

escandinavas de forma mais geneacuterica colocam-na na foz do Viacutena (o Dvina setentrional)

ou seja nas margens do Mar Branco

Olaus Magnus em sua ldquoDescriccedilatildeo dos povos Setentrionaisrdquo jaacute no seacuteculo XVI

afirma baseando-se explicitamente em Saxo a existecircncia de duas aacutereas em Bjarmaland

ldquoBiarmia ulteriorrdquo e ldquoBiarmia citeriorrdquo Em seu mapa a ldquoCarta Marinardquo (ver Mapa 4)

localiza uma soacute ldquoBiarmiardquo ao norte do que descreve como ldquoLacus Albardquo em regiatildeo que

192

pode ser identificada claramente com a Peniacutensula de Kola

Nota-se a compreensatildeo do Mar Branco como um lago acerca da qual eacute

interessante a observaccedilatildeo da regiatildeo em um mapa contemporacircneo

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico Do autor

A causa de dissensatildeo nesta identificaccedilatildeo eacute a circunstacircncia de que a regiatildeo natildeo

coincide com a ldquoGrande Peacutermiardquo da Ruacutessia mais ao leste e sul E em algumas das

Fornaldarsoumlgur o caminho para Bjarmaland eacute feito dirigindo-se para Austrvegr ou seja

pelo Baacuteltico Oriental

As colocaccedilotildees de Alan S C Ross em 1930 com adiccedilotildees em 1940 1978 e

1981365

(nesta uacuteltima data de Michael Chesnutt) permanecem ainda norteando a

abordagem da questatildeo O outro estudo mais amplo feito sobre a questatildeo eacute da pena de

Mervi Koskela Vasaru em 2009 e apesar de natildeo se referir ao uacuteltimo chega a

conclusotildees similares366

O debate assume ainda contornos mais complexos e apresenta

maiores discordacircncias com a entrada do quesito de etnia na discussatildeo

365

ROSS 1981 366

KOSKELA VASARU Mervi Bjarmaland Phd thesis University of Oulu 2009 ___________

Bjarmaland and Interaction in the North of Europe from the Viking Age until the Early Middle Ages In

Journal of Northern Studies Vol 06 N02 2012 Umearing

193

A viagem de Othere eacute a fonte mais antiga a referir-se aos Bjarmar Satildeo ali

chamados de Beormas e a descriccedilatildeo da viagem parece aplicar-se bem a populaccedilotildees que

residiam agraves margens do Mar Branco e como tais satildeo localizados na Carta magna de

Olaus Magnus

Uma seacuterie de sagas e fontes escandinavas vai referir-se a jornadas agrave Bjarmaland

Normalmente os seus habitantes satildeo antagonistas dos escandinavos e recorrem ao uso

de magia em suas batalhas Em particular Saxo Grammaticus e as fornaldarsoumlgur

colocam ecircnfase nos bjarmar enquanto antagonistas bem como na sua habilidade em

manipular o sobrenatural

Com sua ecircnfase especial no aspecto de narrativa de entretenimento e

incorporaccedilatildeo do fantaacutestico o aspecto maacutegico dos bjarmar eacute sempre salientado nestas

narrativas Um tipo especial de referecircncia eacute aquela na qual um personagem dos bjarmar

descende de um humano e de um ser sobrenatural (normalmente uma gigantea) Eacute

dessa maneira que eacute explicada a concepccedilatildeo de Ogmund necircmesis de Ọrvar-Oddsem sua

saga

Os bjarmar satildeo bons e gerais exemplos do ldquooutrordquo na narrativa escandinava A

Ǫrvar-Odds saga em sua forma longa traz como primeiro grande feito de Odd sua

viagem agrave Bjarmaland Aliaacutes Odd sempre seraacute lembrado em ocasiotildees posteriores da

narrativa como Odd ldquoo que foi ateacute Bjarmalandrdquo Ali ele demonstra a dificuldade de

compreensatildeo no campo linguiacutestico e de costumes Necessita de inteacuterprete da liacutengua dos

bjarmar que eacute colocada por meio da foacutermula ldquosemelhante ao barulho dos paacutessarosrdquo e

necessita de inteacuterprete dos proacuteprios costumes e haacutebitos dos homens ali

Sua divindade eacute chamada de ldquoJomalirdquo que eacute cognato com o termo fino-uacutegrico

para ldquodeusrdquo ldquoJumalrdquo e natildeo encontra ressonacircncia ou equivalecircncia no panteatildeo

escandinavo

Haacute duas formas de abordagem empregadas na definiccedilatildeo de quem satildeo os bjarmar

A mais comum procura sua identidade etno-linguistica Os indicativos para esta

definiccedilatildeo se baseiam nos paracircmetros geograacuteficos dados pelas fontes algumas

descriccedilotildees pontuais e esparsas de costumes e a referecircncia ao deus ldquoJomalirdquo

Esta referecircncia em particular feita duas vezes apenas daacute o argumento da filiaccedilatildeo

linguiacutestica fino-uacutegrica dos Bjarmar em conjunto com a evidecircncia mais tecircnue e

disputada da etimologia do proacuteprio nome perm

Segundo esta primeira abordagem existem quatro possibilidades eacutetnicas para os

194

Bjarmar

Lapotildees (saami) ndash satildeo os Finnar das fontes escandinavas citados haacute pouco

Segundo os argumentos de Vasmer (que se fundamentam basicamente no

campo da linguiacutestica e anaacutelise de topocircnimos eacute importante salientar) a

distribuiccedilatildeo antiga dos saami incluiria aacutereas ao sul do Mar Branco (incluindo a

foz do Dvina setentrional) e a aacuterea a nordeste do lago Onega Entretanto como

Ross salienta Othere descreve os Saami em sua viagem como os Terfinnas a

seguir passando para os Beormas os quais descreve como outras populaccedilotildees

Eacute pouco provaacutevel que o autor fosse descrever duas a mesma populaccedilatildeo

seguidamente por duas nomenclaturas diferentes e poderiacuteamos fazer facilmente

uso do mesmo argumento para a descriccedilatildeo dos saami como finnar nas fontes

escandinavas ou mesmo de frequentes ocasiccedilotildees aonde finnar e bjarmar satildeo

citados um proacuteximo ao outro Via de regra as fontes que descrevem a viagem agrave

Bjarmaland via o norte da Noruega descrevem primeiramente encontros com os

Finnar e posteriormente com os Bjarmar Um exemplo claro disto daacute-se na

proacutepria Ǫrvar-Odds saga e eacute circunstacircncia loacutegica ao considerar os habitantes de

norte da Noruega e peniacutensula de Kola os lapotildees pelos quais os viajantes

precisam passar antes de chegar ao Mar Branco

Outro argumento contra a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami eacute a

referecircncia ainda de Othere que os Beormas praticam agricultura e possuem

modo sedentaacuterio de vida Ainda que pontual eacute referecircncia significativa ao ser

feita em contraposiccedilatildeo a um modo nocircmade atribuiacutedo aos Terfinnas Finnar

Fica excluiacuteda portanto a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami

Komi

Os Komi satildeo os habitantes dos distritos russos aos quais se aplica o termo

ldquoGrande Peacutermiardquo e aonde a proacutepria cidade de Perm encontra-se Atualmente

distribuem nos governos de Vyatka Vologda Perm e Arkhangelsk Os Komi satildeo as

proacuteprias populaccedilotildees as quais o termo Perm eacute aplicado constituem com os Udmurt o

ramo Komi-Permyak da famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica Vasmer eacute o uacutenico

proponente de peso para esta identificaccedilatildeo Para ele os BjarmarBeormas seriam

Antigos Permianos (Zyrian-Komi) Ele apresenta evidecircncia toponiacutemica de uma

distribuiccedilatildeo mais ampla rumo a oeste e norte em tempos anteriores incluindo

territoacuterios que natildeo influem em nossa discussatildeo como Olonets Novgorod Vologda

195

Vyatka Perm Kazan e Kostroma O material dado referente agrave regiatildeo de

Arkhangelsk que engloba os distritos de Arkhangel Kholmogory Onega

Shenkursk Pinega Mezen e Pechora entretanto satildeo de interesse agrave nossa discussatildeo

O argumento principal colocado por Ross367

contraacuterio agrave identificaccedilatildeo de

Bjarmaland com os Perm entretanto eacute que sua expansatildeo rumo ao norte seria

posterior ao seacuteculo XI No seacuteculo em questatildeo os Komi ainda estariam unidos com

os Udmurt sob domiacutenio Buacutelgaro-Turco no periacuteodo chamado ldquoPermiano primitivordquo

Alguns argumentos secundaacuterios (e questionaacuteveis) apresentados em conjunto satildeo a

ausecircncia de material arqueoloacutegico de origem escandinava ou de imitaccedilatildeo

escandinava entre os Komi (argumento de Tallgren) a despeito da existecircncia de

coleccedilatildeo ampla e bem-catalogada de antiguidades permianas a natureza de cognatos

entre as liacutenguas komi e balto-fiacutenicas (particularmente careacutelio e vepse) sugere que

um possiacutevel contato entre as mesmas teria dado-se apenas em regiatildeo bem mais ao

sul do Mar Branco (argumento de Uotila) Othere descreve as liacutenguas dos Terfinnas

e Beormas como mutuamente inteligiacutevel ou muito semelhante

Por certo esse criteacuterio eacute bastante subjetivo o grau de semelhanccedila entre duas

liacutenguas fino-uacutegricas a um observador de fala germacircnica- indo-europeacuteia dificilmente

pode ser mensuraacutevel Entretanto eacute relevante destacar que dentre os subgrupos da

famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica a distacircncia entre o ramo komi-permiak e o saami eacute

significativa Jaacute o saami e o ramo balto-fiacutenico satildeo notoriamente proacuteximos e tal

distacircncia era consideravelmente menor haacute um milecircnio atraacutes Ao argumento soma-se

ainda a referecircncia ao deus Jomali ndash termo evidentemente Balto-fiacutenico e por fim o

argumento de que os Komi nunca habitaram a peniacutensula de Kola apoacutes o que Ross

chega agrave conclusatildeo de que os Komi natildeo podem ser os Bjarmar das fontes

escandinavas

O decorrer da histoacuteria russa assistiu o desenvolvimento de um principado de

Perm que nos seacuteculos X-XI pagaria tributos a Novgorod mas que no decorrer dos

seacuteculos XV-XVI e sua cristianizaccedilatildeo tornar-se-ia vassalo de Moscou tendo

desfrutado de relativa independecircncia ateacute o seacuteculo XV Movimentos nacionais

posteriores aos seacuteculos XIX incorporariam o imaginaacuterio de sua histoacuteria incluindo a

homocircnima Bjarmaland em construccedilotildees de identidades nacionalismos justificativas

e ideologias frente a um Impeacuterio Russo unificador e totalitaacuterio

367

ROSS 1981 54

196

Vots (ou vatja)

Sugestatildeo apresentada por Jaakola e desconsiderada de imediato por Ross368

jaacute

em 1940 Referidos na PVL como chudi no seacuteculo XIII habitavam as proximidades

de Novgorod e do Ladoga369

No periacuteodo entre-guerras sua populaccedilatildeo era proacutexima

apenas a um milhar de pessoas de distribuiccedilatildeo limitada aos arredores de Satildeo

Petersburgo (entatildeo Leningrado) Em 1956 contavam apenas com 25 pessoas370

No

censo de 2010 o nuacutemero de falantes aumentara para 68 indiviacuteduos371

Kareli o aspecto ocupacional

Esta eacute a opccedilatildeo de maior peso ao tentar se enquadrar os bjarmar em uma etnia

especiacutefica Entretanto esta hipoacutetese estaacute ligada a uma interpretaccedilatildeo mais ampla do

significado de etnicidade

A evidecircncia linguiacutestica e toponiacutemica incluindo discussotildees que incluem as fontes

primaacuterias russas aponta uma ocupaccedilatildeo de aacutereas da peniacutensula de Archangelsk e das

margens do Mar Branco ateacute o Dvina Setentrional pelos kareli372

De fato toda a

monografia jaacute citada acima ldquoThe Terfinnas and Beormas of Othererdquo de Alan Ross tem

como objetivo principal o demonstrar a identificaccedilatildeo dos Terfinnas com os Sami

(lapotildees) e os BeormasBjarmar com os kareli A identificaccedilatildeo entretanto foi colocada

em questionamento principalmente pela historiografia sovieacutetica pelas razotildees jaacute

apontadas acima da regiatildeo russa de Perm localizada mais a leste e sul do Mar Branco e

habitada pelos Komi

A soluccedilatildeo desse impasse requer uma anaacutelise mais cuidadosa associada a um

conceito de etnicidade mais amplo Esta abordagem da questatildeo eacute relativamente mais

recente mas tem conseguido um maior consenso

A identificaccedilatildeo dos Kareli do norte enquanto os Bjarmar associada com a

existecircncia posterior da regiatildeo de Perm dentre os Komi soacute pode ser conciliada

considerando o aspecto ocupacional do termo perem aspecto que Chestut373

designaria

como ldquoum modo de vidardquo

Perem deriva de uma raiz fino-uacutegrica e aplicar-se-a a mercadores peripateacuteticos e

368

ROSS 1981 55 369

VUORELA 146s 370

VUORELA 145 371

Ethnologue Obtido em lt httpwwwethnologuecomlanguagevotgt Uacuteltimo acesso em 11112014 372

ROSS 1981 56s 373

CHESTNUT 75

197

caccediladores estabelecidos mais ao sul e habituados a explorar os recursos das regiotildees

setentrionais que bordejavam o Mar Branco (em particular a obtenccedilatildeo de peles) bem

como seus moradores nocircmades e que natildeo apresentavam defesa organizada efetiva

Tal ideia que recebeu maior atenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo com a republicaccedilatildeo da

monografia de Ross com as atualizaccedilotildees de Chesnut baseia-se principalmente no

estudo de 1956 do finlandecircs Kustaa Vilkuna que analisou o uso do termo Permi

empregado por careacutelios operando em grupo de mercadores atraveacutes da Finlacircndia Sueacutecia

do norte e Finmark Tal designaccedilatildeo de grupo seria atestada ainda no seacuteculo XVI por

ocasiatildeo de problemas gerados por tais Permi ao governo sueco Encontraria um

exemplo paralelo de uso misturado de ocupaccedilatildeo eacutetnica com atividade profissional pela

acepccedilatildeo que o termo Saksa assumiu no finlandecircs de ldquoGermacircniardquo para ldquomercadorrdquo374

Uma questatildeo eacute inatacaacutevel o contexto do norte da Ruacutessia foi povoado por muitas

populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica de grau maior ou menor de semelhanccedila muacutetua e que

deixaram substratos consideraacuteveis no proacuteprio idioma e dialetos russos setentrionais375

Igualmente o campo de argumentos muito precisos com bases linguiacutesticas abre espaccedilo

para historicismo e cientificismo e deve ser utilizado com cuidado

Parece-nos mais adequada a suposiccedilatildeo mais largamente aceita

contemporaneamente de que as populaccedilotildees com as quais os escandinavos travavam

contato e que chamavam de bjarmar eram kareli em sua grande maioria e que a

denominaccedilatildeo derivou de fato de um aspecto ocupacional Isto natildeo gera uma contradiccedilatildeo

com a circunstacircncia de que os careacutelios em uma acepccedilatildeo que nos soa mais

marcadamente eacutetnica satildeo referidos como tais nas fontes escandinavas

Entretanto a natureza exclusiva desta etnicidade kareliana deve ser relativizada

e aberta num sentido de que certo amaacutelgama de populaccedilotildees fino-uacutegricas certamente

ocorreu na regiatildeo fechando a porta para especulaccedilotildees nacionalistas modernas

374

apud VILKUNA 649ss In CHESTNUT 78 375

SAARIKIVI Janne Substrata Uralica Studies on Finno-Ugrian Substrate in Northern Russian

Dialects Tartu Tartu University Press 2006

198

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA

Ateacute o presente ponto de nossa discussatildeo esperamos ter deixado claro que a

despeito da discussatildeo inflamada que esporadicamente ressurge na Ruacutessia e Ucracircnia

contemporacircneas sobre o papel Escandinavo em seus primoacuterdios esta mesma presenccedila eacute

confirmada por uma miriacuteade de fontes de diversas naturezas incluindo fontes escritas

de caacuterater tradicional e a Cultura Material esta uacuteltima por meio da anaacutelise numismaacutetica

e arqueoloacutegica incluindo aqui o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas pelo

territoacuterio do que eacute hoje entendido como Sueacutecia

Tambeacutem demonstramos que a teoria normanista ou algum de seus espectros

consiste na posiccedilatildeo acadecircmica preponderante no Ocidente exemplificando tambeacutem tal

circunstacircncia por meio da anaacutelise de Cultura Material mas esperamos natildeo ter incorrido

de forma radical em suas pressuposiccedilotildees salientando que a despeito do papel exercido

por escandinavos nos primeiros passos da Rus natildeo eacute possiacutevel se diminuir a criatividade

e influxo dos eslavos orientais em sua formaccedilatildeo

Dando prosseguimento a nossos propoacutesitos iniciais eacute mister analisarmos daqui

em diante de que formas tais movimentos ao leste produziram marcas na historiografia e

produccedilatildeo escrita escandinava no medievo nos seacuteculos imediatamente posteriores a tal

expansatildeo

Eacute esse objetivo que cumpriremos na seccedilatildeo a seguir Neste capiacutetulo discutiremos

de iniacutecio autores que se propuseram a escrever histoacuterias de grande escopo tentando

inserir suas naccedilotildees e povos em um contexto mais amplo mundial Para os mesmos o

leste assumiraacute nuances especiacuteficas e ideoloacutegicas que pretendemos demonstrar aqui Os

autores que se prestam a tal propoacutesito satildeo o islandecircs Snorri Sturlusson e o danecircs Saxo

Grammaticus

Em seguida observaremos uma manifestaccedilatildeo diversa da produccedilatildeo escrita que

ainda que se sirva das mesmas mateacuterias-primas - relatos orais tradiccedilotildees folcloacutericas e

conhecimento livresco - molda tais elementos com propoacutesitos e resultados distintos

Falamos aqui das Fornaldarsoumlgur em especial a Ọrvar-Odds Saga

Iniciaremos esta seccedilatildeo com uma apresentaccedilatildeo breve do contexto de produccedilatildeo

intelectual desenvolvido na Escandinaacutevia e Islacircndia do seacuteculo XIII procedendo de

imediato agrave anaacutelise das fontes primaacuterias

199

41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo

As deacutecadas de 1170 a 1230 concentram um periacuteodo de marcante aumento na

produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia continental e Islacircndia A despeito do aumento

consideraacutevel de contatos com outras naccedilotildees europeias incluindo as ilhas britacircnicas e o

continente que propiciaram modelos literaacuterios e a influecircncia do Cristianismo eacute

necessaacuteria a ecircnfase de que o aumento exponencial literaacuterio foi precedido por uma

tradiccedilatildeo oral fortemente consolidada acompanhada de aspectos culturais circundantes

que garantiam aos mantenedores de tal tradiccedilatildeo prestiacutegio e privileacutegios sociais376

-377

Aos principais responsaacuteveis por esta transmissatildeo de conhecimento e poesia

chamou-se de skaldar ldquoescaldosrdquo378

indiviacuteduos que improvisavam e compunham

poemas segundo intrincadas meacutetricas preacute-estabelecidas e empregos de motivos

mitoloacutegicos Tais homens foram amiuacutede personagens principais ou de destaque em

muitas Iacuteslendingasoumlgur algumas das quais receberam seus nomes como a Saga de

Kormak e a Saga de Egil

Como jaacute afirmado indiviacuteduos com tais habilidades dispunham de meios

suficientemente garantidos de prestiacutegio nos salotildees de jarls e reis encontrando honra e

suporte de seus liacutederes enquanto simultaneamente revestiam-se de importacircncia

fundamental na transmissatildeo do conhecimento sobre o passado A historiografia recente

tecircm demonstrado por meio de abordagens ligadas agrave outras ciecircncias sociais diversas

facetas de tal sistema que incluiacutea uma cultura de daacutedivas e trocas ndash os salotildees de chefes

e liacutederes que proviam bons presentes eram frequentados por melhores escaldos379

e

complexas formas de acuacutemulo e troca de capitais380

Tal produccedilatildeo intelectual e literaacuteria possui forma e objetivo diversificados

incluindo obras de menor porte como sagas de scaldos heroacuteis e famiacutelias sagas de

tempos legendaacuterios obras escritas no vernaacuteculo lidando com assuntos laicos e

regionais ateacute histoacuterias com maiores pretensotildees e trabalhos em molde cristatildeo incluindo

376

SAWYER ampSAWYER 2003 pp 219-224 230-238 377

WANNER Kevin Snorri Sturlusson and the Edda The Conversion of Cultural Capital in Medieval

Scandinavia University of Toronto Press 2008 378

ldquoSkaacuteldrrdquo significa ldquopoetardquo em antigo noacuterdico O termo eacute de iniacutecio geneacuterico para qualquer tipo de

poeta mas tornou-se de adoccedilatildeo especiacutefica para os que tratavam com a poesia ldquoescaacuteldicardquo encontrada nas

sagas e fontes islandesas antigas regida por regras e paracircmetros especiacuteficos SKAacuteLD WHALEY Diana

Edwards In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia (Garland

Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 379

WINROTH Anders The Conversion of Scandinavia Vikings Merchants and Missionaries in the

Remaking of Northern Europe Yale University Press New Haven amp London 2012 pp42s 380

WANNER Op cit

200

um espelho de priacutencipes (o Konungs skuggsjaacute composto na Noruega em antigo

noacuterdico) as obras histoacutericas de Snorri Sturlusson e Saxo Grammaticus ndash esta uacuteltima

escrita em latim

Na regiatildeo da Sueacutecia tal processo deu-se de forma diversa A despeito de natildeo ter

passado por tal ldquoflorescimento literaacuteriordquo nos seacuteculos XII e XIII os suecos produziram

um nuacutemero maior de crocircnicas e obras escritas na Idade Meacutedia tardia bem como em sua

transiccedilatildeo para o periacuteodo moderno Soma-se a sua situaccedilatildeo peculiar a jaacute discutida

disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas em grau natildeo equiparado na Dinamarca e Noruega

Nesses seacuteculos Escandinaacutevia e Islacircndia possuem consolidados ou em processo

avanccedilado de consolidaccedilatildeo um nuacutemero consideraacutevel de centros de produccedilatildeo intelectual e

erudita providos de livros capital humano ndash frequentemente provido de formaccedilatildeo em

centros no exterior principalmente Paris e Inglaterra - em adiccedilatildeo a formas ideoloacutegicas

cristatildes razoavelmente enraizadas

Lund na Dinamarca ndash atualmente na Sueacutecia - aglutinou erudiccedilatildeo em torno de

si primordialmente da parte de seus eclesiaacutesticos Alguns dos eruditos daneses de maior

destaque foram autores como Saxo Grammaticus (ca1150-1220) Sven Aggesen

(114050 - ) o proacuteprio arcebispo Absalatildeo (ca 1128-1202) e Anders (1167-1228) seu

sucessor no arcebispado de Lund O uacuteltimo citado por Saxo Grammaticus no Prefacio

da Gesta Danorum eacute descrito como algueacutem que estudara ldquoem Franccedila Itaacutelia e

Bretanhardquo Gunnar de Viborg (1152-1251) autor do Coacutedigo Legal da Jutacircndia primeira

legislaccedilatildeo escrita da Dinamarca eacute nome tambeacutem merecedor de destaque381

dentre outros

referidos por Arnold de Luumlbeck (morto 12111214) autor da Chronica Slavorum382

Rei Arcebispo

Eskil (ca1100-1181)

Valdemar I (1157-1182)

Absalatildeo (ca 1128-1202) Bispo em Roskilde 1158-1192

Arcebispo em Lund 1178-1202

Knut IV (1182-1202)

Valdemar II (1202-1241) Anders Sunesson (1167-1228) Arcebispo em Lund 1202-1228

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII Do autor

381

JANSEN amp HANSEN 02ss 382

DAVIDSON Commentary 11

201

Na Islacircndia destacavam-se natildeo apenas um mas diversos centros de saber as

escolas nas catedrais de Haukadalr Hoacutelar e Skaacutelholt merecem menccedilatildeo mas

principalmente Oddi o centro de erudiccedilatildeo mais consolidado no territoacuterio islandecircs e de

onde sairiam diversos bispos para Skaacutelholt

Dentre os oriundos de laacute podemos citar Saemundr Froacuteethi (1056-1133) o

ldquoestudadordquo o proacuteprio Joacuten Loftsson (1124-1197) que adotou Snorri como discutiremos

mais adiante seu filho Paacutel Jonsson (1155-1211) bispo em Skaacutelholt anteriormente

estudante em Londres aonde adquirira ldquogrande saberrdquo segundo a Byskupa soumlgur383

Satildeo Thorlaacutekr (1133-1193) tambeacutem bispo em Skaacutelholt estudara em Paris e Londres

dentre outros eruditos

Foi o ambiente de Oddi que propiciou a Snorri Sturlusson o conhecimento e

meios necessaacuterios para sua grande produccedilatildeo escrita ainda que e debata sobre a natureza

do que exatamente era ensinado ali

Em Haukadalr estudara Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi (1067-1148) autor do

Iacuteslendigaboacutek que narra a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e provavelmente do Primeiro tratado

Gramaacutetico (ca 1160) Houve uma atribuiccedilatildeo de sua autoria agrave proacutepria Heimskringla que

natildeo eacute aceite pelos acadecircmicos e que seraacute comentada mais adiante

O processo de adequaccedilatildeo e inserccedilatildeo da erudiccedilatildeo escandinava no meio europeu

ocidental foi marcado pela produccedilatildeo de consideraacutevel quantidade de material a lidar com

periacuteodos recuados nos tempos pagatildeos da Escandinaacutevia As formas de se lidar com tal

passado pagatildeo foram muacuteltiplas e variadas

Na Islacircndia as sagas apresentam-no de maneira soacutebria croniacutestica

desapaixonada e bastante pessoal Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson ao

escreverem obras de maior abrangecircncia inseriram tal passado em uma linha mais

ampla conectiva dos tempos pagatildeos ancestrais ao presente cristatildeo

Tradicionalmente e mesmo dentre muitos autores contemporacircneos considera-

se tal contexto como um momento de estiacutemulo ao antiquarismo de tentativa de resgate

de tradiccedilotildees e imaginaacuterios que corriam o risco de serem suplantados e esquecidos

frente ao fortalecimento da tradiccedilatildeo cristatilde

Esta interpretaccedilatildeo vem sido problematizada de forma diversa em tempos mais

recentes em obras como ldquoSnorri Sturluson and the Eddardquo de Kevin Wanner O autor

apresenta o emprego do passado das formas poeacuteticas e dos mitos antigos como formas

383

Byskupa soumlgur 1948 I 263

202

de ganho e preservaccedilatildeo de capital cultural ndash assumindo por completo as acepccedilotildees de

Bordieu - diante de um contexto cada vez mais internacionalizado no qual os salotildees e

cortes enchiam-se de formas poeacuteticas estrangeiras

Nesse contexto a compreensatildeo e apreciaccedilatildeo dos versos escaacuteldicos era limitada

a poucas pessoas e consequentemente o prestiacutegio influecircncia e alcance do proacuteprio

Snorri era diminuiacutedo em medida proporcional agrave grande capacidade e conhecimento

demonstrados pelo mesmo nas formas de composiccedilatildeo antigas384

A despeito da maior relevacircncia e significado das obras de Saxo Grammaticus e

Snorri Sturlusson tais autores natildeo foram os uacutenicos tampouco primeiros a escreverem

histoacuterias (ou tentativas de) de suas naccedilotildees

Na Dinamarca foram escritas histoacuterias crocircnicas ou obras de tal caraacuteter antes de

Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum Por exemplo a Gesta Suenomagni regis et

filiorum eius et passio gloriosissimi Canuti regis et martyris que apesar de ter sido

escrita pelo monge inglecircs AEliglnoth em 1120 tratava da vida de S Knut e seus irmatildeos

Se tomarmos em consideraccedilatildeo um escopo e interesses mais amplos a

Chronicon Roskildense consiste na primeira obra que pode receber a nomenclatura de

uma ldquohistoacuteriardquo danesa tendo sido escrita nas proximidades de 1140

Entre 1170 a 1220 encontramos natildeo apenas a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus mas tambeacutem trecircs obras da autoria de Sven Aggesen385

um tratado legal

uma histoacuteria poliacutetica e uma linhagem reacutegia386

De forma similar agraves circunstacircncias envolvendo a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus natildeo se sabe o nome exato da histoacuteria escrita por Sven Aggesen O tiacutetulo

Compendiosa regum daniae historiae ldquoHistoacuteria resumida dos reis da Dinamarcardquo eacute

encontrado no texto editado por Stephanius em 1642

Christensen em sua traduccedilatildeo de 1992 para a Viking Society foi Northern

Research adota-o e o traduz como ldquoA short history of the kings of Denmarkrdquo Como tais

tiacutetulos evocam trata-se de uma histoacuteria bastante breve ainda mais se comparada agrave

extensatildeo da Gesta Danorum ndash na qual provavelmente se baseou em algumas de suas

partes iniciais387

O casal Sawyer apresenta uma divisatildeo didaacutetica das obras escandinavas

agrupando autores segundo ideologias poliacuteticas Sven Aggesen (na Dinamarca) e a

384

WANNER 2008 385

SAWYER amp SAWYER 2003 221 386

CHRISTIANSEN 1992 04 387

CHRISTIANSEN 1992 22

203

Sverris saga (na Noruega) defenderiam ideais poliacuteticos teocraacuteticos de forma contraacuteria agrave

Gesta de Saxo Grammaticus (Dinamarca) e Theodoricus na Noruega que defenderiam

ideais da proacutepria Reforma gregoriana e em suporte agrave primazia da Igreja Por sua vez o

islandecircs Snorri traduziria bem a voz da aristocracia

Estas diferenccedilas de concepccedilotildees poliacuteticas estariam ligadas agraves proveniecircncias dos

autores ou aos nuacutecleos de poder aos quais os mesmos estariam ligados Snorri adveacutem

de um contexto islandecircs no qual o conflito entre a tentativa do rei da Noruega em

concentrar poder e restringir a autonomia dos islandeses bate de frente com as proacuteprias

tentativas de maior autonomia dos chefes locais da Islacircndia Na Dinamarca Saxo

Grammaticus estava diretamente sob comissatildeo dos arcebispos de tradiccedilatildeo reformada na

igreja danesa Absalatildeo e Anders Sunesson jaacute Sven Aggesen fora oriundo da famiacutelia

Thurgot da Jutlacircndia tradicional defensora dos privileacutegios do rei em relaccedilatildeo agrave Igreja

Ora eacute necessaacuterio cuidado na confecccedilatildeo de correspondecircncias uniacutevocas tatildeo

claras e simples Tomemos o caso especiacutefico de Sven Aggesen Querelas familiares natildeo

consistem em contexto algum em processos simples e uniacutevocos O simples

pertencimento agrave famiacutelia dos Thrugut natildeo define necessariamente a posiccedilatildeo poliacutetica de

Sven

Destaquemos o oacutebvio a defesa de uma concepccedilatildeo teocraacutetica agrave medida em que

defende o rei enquanto enviado agrave Terra reforccedila o seu poder e autonomia em relaccedilatildeo a

Igreja e o coloca em posiccedilatildeo igual ou superior agrave ela consistindo em contradiccedilatildeo com as

ideias da reforma e os preceitos resumidos no Dictatus papae que defendem

exatamente inverso e um poder mais concentrado na matildeo dos religiosos

Os Thugut e Sven Aggesen supostamente comungam de tal posiccedilatildeo teocraacutetica

Ora da mesma famiacutelia saiacutera anteriormente Eskil O arcebispo reformador

escandinavo Devemos salientar que as memoacuterias do arcebispo escritas em seu exiacutelio

em Clairvaux sugerem que ele natildeo se encontrava exatamente em bons termos com seu

irmatildeo Aggi (pai de Sven) e suas posiccedilotildees poliacuteticas e religiosas podem explicar parte

consideraacutevel de tal mal-estar

Em suma correspondecircncias simples satildeo uacuteteis mas perigosas Podem explicar

mas podem esconder e eacute necessaacuterio um olhar mais cuidados e aprofundado caso a caso

Retornemos agrave difusatildeo de obras escritas Ainda Peter e Birgit Sawyer388

explicam esta concentraccedilatildeo de escritos como reflexo da consolidaccedilatildeo do poder real

388

SAWYER amp SAWYER 2003 230

204

norueguecircs e danecircs a escrita histoacuterica consistiria nesses casos de um ldquosintoma de criserdquo

das antigas estruturas e uma necessidade de fixaccedilatildeo escrita do que se perdia O estiacutemulo

inicial fora a necessidade de legitimaccedilatildeo do poder real apoacutes periacuteodos longos e

turbulentos de guerra civil

Tal descriccedilatildeo tambeacutem conteacutem um elemento simplificante da situaccedilatildeo ainda

que razoavelmente fundamento e a questionaremos adiante Em suas linhas gerais no

entanto esta estrutura explicativa provecirc razotildees compreensiacuteveis para a diminuiccedilatildeo da

escrita de cunho histoacuterico na Dinamarca apoacutes a deacutecada de 1230 No contexto

subsequente jaacute teraacute ocorrido uma consolidaccedilatildeo mais efetiva do poder real associado a

consequentes mudanccedilas nas estruturas sociais e de poder que incluiacuteram fortalecimento

da Igreja e da aristocracia em conjunto com a realexa

Destarte eacute tambeacutem possiacutevel encarar a explosatildeo de manifestaccedilotildees escritas

enquanto respostas distintas e de matizes diversas apresentadas por igualmente diversos

extratos e grupos sociais agraves demandas das mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas ocorridas em seu

tempo

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa

421 Histoacuterico389

Snorri eacute indubitavelmente o autor mais proliacutefico e influente do qual se possui

autoria confirmada no contexto escandinavo A Sturlunga Saga detalha boa parte de sua

vida passando um retrato de uma existecircncia rica atribulada ambiacutegua e

interessantemente similar agraves narrativas que ele proacuteprio escreveu

Sturla THORNoŕetharsson ------ Guethnyacute Boumlethvardoacutettir

THORNoŕethr Sighvaacutetr Snorri

Boumlethvar Sturla Oacuteraeligkja

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson Do autor

389

As informaccedilotildees acerca de Snorri Sturlusson podem ser encontradas na Sturlunga Saga uma coleccedilatildeo

de vaacuterias sagas de autorias diversas efetuada no seacuteculo XIII A tiacutetulo de praticidade empregaremos aqui

MAGNUSSON Magnus amp PAacuteLSSON Hermann (trads) King Haraldrsquos saga Harald Hardradi of

Norway ndash from Snorri Sturluson Translated with an introduction by Magnus Magnusson and Hermann

Paacutelsson New York Dorset Press 1986Pp 15-19

205

Snorri nasceu em Hvamm localizada no oeste da Islacircndia em 1179 da famiacutelia

dos Sturlungar filho de Sturla THORNoŕetharsson e Guethnyacute Boumlethvardoacutettir Dentre seus ancestrais

tanto da linhagem paterna quanto materna constam nomes proeminentes da histoacuteria

islandesa como Snorri ldquoo sacerdoterdquo sobre o qual se pode ler na Harald Saga

Gudmund ldquoo poderosordquo personagem de destaque na Njals saga Egil Skalagrimsson

escaldo de grande fama que daria seu nome agrave Egils saga e Markus Skeggjason poeta e

legislador do Althorningr390

(morto em 1107)

Snorri foi criado pelo aristocrata Joacuten Loftsson (1124-1197) na escola de

Saemundr Froacuteethi (Saemundr ldquoo estudadordquo) em Oddi ndash como demonstrado pouco acima

centro de maior destaque intelectual na Islacircndia de entatildeo e local que propiciaria a ele

acesso a toda tradiccedilatildeo histoacuterica e literaacuteria disponiacutevel a um islandecircs do seacuteculo XIII

Joacuten Loftsson foi neto do rei Magnus III ldquoo descalccedilordquo (berfœtt) da Noruega por

parte de sua matildee Thora filha ilegiacutetima do mesmo e foi criado na Noruega Os homens

de Oddi orgulhavam-se de seus viacutenculos com as dinastias reais norueguesas a ponto de

em 1190 uma eulogia ser composta em homenagem a Joacuten ligando sua linhagem agrave casa

real norueguesa desde Halfdan o negro

Em suma Snorri cresceu em um ambiente de simpatia ao rei da Noruega e que

lhe provia grandes estiacutemulos e possibilidades intelectuais

Sua adoccedilatildeo deu-se como forma de resolver um feudo entre seu pai Sturla e Joacuten

consistindo em acordo particularmente vantajoso para Sturla que possuiacutea menor

influecircncia e poder Sem tal situaccedilatildeo dificilmente Snorri teria tido acesso ao saber que

acumulou e sistematizou no decorrer dos anos

Entre 1197 e 1215 Snorri acumulou terras riquezas e influecircncia em diversas

regiotildees da Islacircndia Em 1215 aos 36 anos de idade foi eleito legislador do Althorningr em

grande parte devido agrave sua jaacute desenvolvida fama como poeta Ateacute entatildeo Snorri

desenvolve particularmente a chamada ldquopoesia de corterdquo cultivada pelos islandeses nas

cortes reais escandinavas com meacutetricas intrincadas poreacutem jaacute em seu periacuteodo final

Passa trecircs anos nesta posiccedilatildeo e eacute nesse periacuteodo que sua trajetoacuteria poliacutetica seraacute

intensificada e entrelaccedilada com as disputas de poder no processo centralizador real na

Noruega e Islacircndia

390

Espeacutecies de reuniotildees ajuntamentos ou assembleias formadas por homens livres de caraacuteter

principalmente juriacutedico e legislativo e comuns entre os povos de origem germana Os thorningi definiam a

aplicaccedilatildeo das leis banimento de criminosos mas foi por exemplo um thorningr que votou a adoccedilatildeo do

Cristianismo na Islacircndia quando se reuniu (circunstacircncia natildeo tatildeo comum) um THORNingr geral ou AlTHORNingr

ALTHORNINGI BYOCK Jesse In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia

(Garland Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 p10

206

Em 1218 viaja para a Noruega a convite do rei Haacutekon Haacutekonarsson (entatildeo com

10 anos de idade) e seu regente Jarl Skuli No ano seguinte viaja agrave Sueacutecia sendo bem

recebido na corte de outro Jarl desta feita Jarl Hakon ldquoo loucordquo - para o qual Snorri jaacute

compusera anteriormente um poema que lhe rendeu generosos presentes Nesta ocasiatildeo

Snorri comporaacute outro poema nomead Andvaka em honra agrave viuacuteva do mesmo

Estabeleceraacute tambeacutem contato com o legislador Eskil Magnusson e sua esposa Kristina

Nilsdottir Blake circunstacircncias provaacuteveis nas quais Snorri tenha informado-se mais

detalhadamente sobre a histoacuteria sueca

Os regentes noruegueses intitulam Snorri como skutilsvein um tiacutetulo similar ao

de cavaleiro Tal movimento tem caraacuteter poliacutetico bem inserido nas estrateacutegias de

extensatildeo da autoridade real norueguesa agrave Islacircndia aproveitando-se da posiccedilatildeo-chave de

Snorri junto ao Althorniacutengr

Snorri retorna agrave Islacircndia em 1220 Em agradecimento aos seus patronos

noruegueses compotildee o poema Haacutettatal (ldquolista de meacutetricasrdquo) composto de 102 estrofes

nas quais ele ilustra as diversas meacutetricas da poesia escaacuteldica e com o qual encerra a

Edda menor Em 1222 eacute novamente feito legislador do Althorniacutengr posiccedilatildeo na qual

permanece ateacute 1231

Eacute significativo notar que ateacute entatildeo Snorri eacute visto por seus proacuteprios familiares

como defensor e simpatizante da monarquia posiccedilatildeo que lhe rendeu uma seacuterie de

conflitos Esta posiccedilatildeo deve ser levada em consideraccedilatildeo na leitura de anaacutelise que como

referimo-nos anteriormente classificam simplisticamente Snorri como um porta-voz da

aristocracia islandesa

As disputas poliacuteticas entre alguns goethar na Islacircndia e entre os proacuteprios

Sturlungar acentuam-se entre os anos de 1222 a 1231 Ocorre uma cisatildeo entre os

Sturlungar de um lado cooca-se Sighvatr irmatildeo de Snorri com seu filho Sturla em

oposiccedilatildeo a Snorri com seu sobrinho da parte de THORNoŕethr Boumlethvar

Supotildee-se que Snorri tenha escrito a Heimskringla nos anos proacuteximos a 1230

Em 1232 ele natildeo mais eacute legislador do Althorniacutengr O rei Haacutekon da Noruega convida os

goethar da Islacircndia a irem para a Noruega para supostamente mediar suas disputas

Snorri retorna agrave Noruega em 1237 mas comete um erro poliacutetico e ao inveacutes de

apoiar ao rei Haacutekon julga que seria mais proveitosa uma alianccedila com jarl Skuli Nos

anos seguintes Snorri retorna agrave Islacircndia (1239) em meio a uma intensificaccedilatildeo de

conflitos principalmente com Gissur THORNorvaldsson enquanto na Noruega o rei Haacutekon

ocupa-se em seus proacuteprios conflitos com jarl Skuli

207

Skuli eacute morto em 1240 Quanto a Snorri seria morto em sua proacutepria residecircncia

em Reykholt por Arni ldquoBeiskurrdquo em 1241 A uniatildeo da Islacircndia com a Noruega seraacute

ratifica pelo Althorniacutengr apenas em 1262 apoacutes a continuidade de disputas tanto interinas

quanto com a Noruega

As obras de Snorri consistem na Edda menor talvez a Egil saga391

e a

Heimskringla Eacute de nosso interesse a anaacutelise de partes especiacuteficas da Edda menor e da

Heimskringla que eacute o que faremos a seguir

422 A Heimskringla

Trata-se de uma coletacircnea de sagas que apresentam os reis da Noruega

precedidas por um iniacutecio evemerista se inicia com a dinastia miacutetico-fundadora dos

Ynglingar traccedilando uma linha contiacutenua de Oacuteethinn ateacute Magnus Erligsson morto em

1184 Possui caraacuteter eminentemente histoacuterico e narrativo numa busca de harmonizar as

tradiccedilotildees miacuteticas com a sequecircncia croniacutestica de reis histoacuterica propriamente dita

O nome significa literalmente ldquociacuterculo do mundordquo Satildeo as duas primeiras

palavras do texto ldquoKringla heimsinsrdquo e passaram a ser usadas como tiacutetulo da obra a

partir do seacuteculo XVII A principal caracteriacutestica da Heimskringla eacute o sequenciamento de

uma seacuterie de sagas em uma uacutenica obra coerente linear e podemos acrescentar

ambiciosa

O manuscrito mais antigo da obra eacute chamado de ldquoKringlardquo (Lbs fragm 82) que

data de ca 1258-1264 Restou apenas uma folha mas o mesmo foi copiado por Aacutesgeir

Joacutensson no seacuteculo XVII Trata-se do manuscrito no qual a maior parte das ediccedilotildees se

baseiam Outros manuscritos incompletos satildeo o AM 39 fol (ca 1300) e o Codex

Frisianus (AM 45 fol ca 1300-1325) ndash tambeacutem chamado de Friacutessboacutek Ambos bastante

similares ao Kringla392

Em relaccedilatildeo agrave sua autoria natildeo haacute referecircncia expliacutecita no texto ou nos

manuscritos existentes A autoria de Snorri foi creditada em 1551 na traduccedilatildeo para o

dinamarquecircs feita por Peder Claussoslashn Friis e Laurents Hanssoslashn e tecircm-se aceito a ideia

391

A atribuiccedilatildeo da autoria da Egils Saga Skalagriacutemssonar agrave Snorri Sturlusson foi proposta por Gruntvig

primeiramente em 1818 em sua traduccedilatildeo da Heimskringla mas ganhou forccedila apoacutes a traduccedilatildeo de Sigurethur

Nordal em 1933 Natildeo eacute aceite de forma plena e consensual Diversos autores dentre eles CORMACK

(2001) e BOULHOSA (2005) questionam-na em discussatildeo similar agrave proacutepria discussatildeo sobre a atoria da

Heimskringla 392

FINLAY amp FAULKES 2011 xiii

208

de que os mesmos tinham acesso a manuscritos agora perdidos que continham a autoria

expressa com poucas exceccedilotildees

Jon Gunnar Joslashrgensen vecirc tal crenccedila num manuscrito predido como pouco

convincente sugerindo que a alegaccedilatildeo da autoria de Snorri da parte de Friis e Hanssoslashn

fundamamentam-se menos na tradiccedilatildeo datada dos tempos medievais do que na

discussatildeo acadecircmica do proacuteprio seacuteculo XVI Salienta que um dos manuscritos da obra

o Codex Frisianus (F) atribui a autoria a Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi e que Friis e

Hanssoslashn deliberadamente teriam desconsiderado tal atribuiccedilatildeo393

Jonna Louis-Jensen (1997)394

Alan Berger (1999)395

Margaret Cormack

(2001)396

e Patriacutecia Pires Boulhosa (2005)397

tambeacutem questionam a autoria de Snorri

Em adiccedilatildeo aos problemas levantados por Joslashrgensen adicionam questotildees envolvendo a

autoria individual e coletiva no medievo

Satildeo no entanto poucas vozes dissonantes em meio a uma tradiccedilatildeo bem

estabelecida que aceita de bom grado a autoria de Snorri Sturlusson nem que por

conveniecircncia398

423 A Edda menor

A Edda menor tambeacutem chamada de Edda em prosa ou Edda de Snorri eacute uma

obra que natildeo pode ser classificada em gecircneros conhecidos Ela conteacutem uma coletacircnea

significativa de mitologia escandinava (Gylfaginning ndash o ldquoengano de Gylfirdquo) uma

espeacutecie de ars poeacutetica scaacuteldica (Skaacuteldskaparmaacutel) e um poema em homenagem ao rei

norueguecircs (Haacutettatal) precedidos por proacutelogo que eacute obra prima de evemerismo

Natildeo existe um manuscrito que contenha a Edda de Snorri completa Os

principais manuscritos satildeo o Codex Regius (GKS 2367 4to 1ordf metade do XIV tambeacutem

chamado de Konungsboacutek) o Codex Uppsaliensis (DG 11 4to 1ordm quarto do seacuteculo XIV)

o Codex Wormianus (AM 242 fol metade do XIV) e o Codex Trajectinus (MSS 1374

393

JOslashRGENSEN Jon Gunnar Snorre Sturlesoslashns Fortale paa sin Chroslashnicke Om kildene til

opplysningen om Heimskringlas forfatter Gripla 9 1995 Pp45ndash62 394

LOUIS-JENSEN Jonna Heimskringla Et vaeligrk af Snorri Sturluson In Nordica Bergensia 14 1997

Pp 230-245 395

BERGER Alan J Heimskringla and the Compilations In Arkiv foumlr nordisk filologi 114 1999

Pp05-15 396

CORMACK Margaret Egils saga Heimskringla and the Daughter of Eiriacutekr bloacuteethoslashx In Alviacutessmaacutel

10 2001 pp66s 397

BOULHOSA Patricia Pires Icelanders and the Kings of Norway Mediaeval Sagas and Legal Texts

Leiden and Boston Brill 2005 Pp08-10 398

JOacuteNSSON 1911 WANNER 2008 26ss FINLAY amp FAULKES 2011 vii s

209

coacutepia feita no seacuteculo XVI de um manuscrito do seacuteculo XIII conhecido tambeacutem como

Trektarboacutek) 399

Os manuscritos natildeo concordam totalmente entre si sua relaccedilatildeo eacute complexa e

alguns tambeacutem trazem outras obras Dentre os principais se destacam o Codex Regius e

o Codex Uppsaliensis O Codex Regius eacute o mais completo e normalmente eacute utilizado

para as ediccedilotildees da Edda O Codex Uppsaliensis no entanto eacute mais antigo conteacutem

menos inserccedilotildees e eacute mais condensado que o Codex Regius O Codex Wormiamus possui

uma versatildeo bastante extendida do Proacutelogo contendo inserccedilotildees com referecircncias biacuteblicas

e a deuses gregos mas tambeacutem conteacutem outros materiais relativos agrave poesia incluindo o

Primeiro Tratado Gramatical

Uma das primeiras Stemma foi proposta por Van Eeden no final do seacuteculo XIX

com acreacutescimos de Finnur Joacutensson na deacutecada de 1930

Figura 19 Van EEDEN Stemma In JOacuteNSSON Finnur (ed) Edda Snorra

Sturlusona Udgivet efter haringndskrifterne Nordisk Forlag Koslashbenhavn 1931 P

XXXVII

Segundo tal interpretaccedilatildeo uma versatildeo original ldquoPrdquo teria dado origem a duas

outras redaccedilotildees respectivamente x e z Enquanto x originaria o Codex Wormianus (W)

em um ramo e o Regius (R) e o Trajectinus (T) em outro a redaccedilatildeo z daria origem ao

Codex Uppsaliensis (U)

Muitas outras proposiccedilotildees foram colocadas ao longo dos tempos sobre a

situaccedilatildeo mas natildeo cabe aqui discutirmos uma a uma Uma tese geralmente aceita eacute de

que todos os manuscritos baseiam-se em um exemplar perdido e duas posiccedilotildees

contraditoacuterias satildeo dominantes ou Codex Uppsaliensis foi uma versatildeo encurtada do

Codex Regius ou este foi uma versatildeo ampliada daquele400

Paacutelsson eacute partidaacuterio de uma terceira opccedilatildeo baseada na tese de doutoramento de

Friedrich Muumlller defendida em 1941 e intitulada Untersuchungen zur Uppsala-Edda

399

ROSS Margaret Clunies A History of Old Norse Poetry and Poetics Woodbridge Boydell amp

Brewer 2012[2005] P151 400

PAacuteLSSON 2012 xlii

210

Segunda esta teoria o proacuteprio Snorri escrevera duas versotildees da Edda que teriam dado

origem agraves duas principais redaccedilotildees conhecidas atraveacutes de U e R401

A ediccedilatildeo de Finnur Joacutensson baseada primariamente no Codex Regius eacute antes

de uma ediccedilatildeo de um dos coacutedices um reflexo da tentativa do mesmo de se chegar a uma

forma arquetiacutepica ou original objetivo que tem sido considerado impossiacutevel402

Em relaccedilatildeo agrave autoria a Edda eacute atribuiacuteda a Snorri no Codex Uppsaliensis no

qual se lecirc em sua paacutegina inicial

Este livro se chama Edda Ele foi compilado (seiti saman) por Snorri

Sturlusson da maneira que estaacute ordenado aqui

(Codex Uppsaliensis Cabeccedilalho do f2r p1 Traduccedilatildeo e itaacutelico

nossos) 403

No proacuteprio DG 11 4to um cabeccedilalho no Haacutettatal nomeia novamente Snorri

enquanto seu autor O tratado gramatical contido no W cita o Haacutettatal tambeacutem

afirmando a autoria de Snorri Haacute outras referecircncias medievais a sua autoria a Haacutekonar

Saga e o Terceiro tratado gramatical citam o Haacutettatal afirmando a autoria de Snorri

Sturlusson e o manuscrito AM 748 I b 4to fragmentaacuterio atribui a autoria de Snorri ao

Skaacuteldskaparmaacutel404

Arngriacutemur Joacutensson (1568-1648) foi o primeiro a propocircr de forma consistente a

autoria de Snorri na Edda e esta viria a ser bem aceita pelas geraccedilotildees subsequentes405

A

existecircncia de interpolaccedilotildees mistura de textos antigos e de outros autores no entanto eacute

tema que frequentemente volta agrave pauta dadas diferenccedilas consideraacuteveis dentro do

proacuteprio texto e em alguns manuscritos

O trecho que nos interessa em particular o Proacutelogo eacute de longe a parte da Edda

com maiores discordacircncias entre os diferentes coacutedices e que mais viria a levantar

hipoacuteteses sobre autorias diversas Em breve voltaremos a discutiacute-lo em detalhes

Quanto aos propoacutesitos de Snorri em escrever a Edda haacute dois postulados que

satildeo veiculados pela grande maioria dos acadecircmicos que jaacute os estudaram o primeiro eacute a

afirmaccedilatildeo de que Snorri organizou a Edda fazendo um trabalho de antiquarista

401

PAacuteLSSON 2012 xliii 402

FAULKESAnthony (ed) Edda Prologue and Gylfaginning University College London Viking

Society for Northern Research 2005 P xxx 403

ldquoBoacutek thornessi heitir Edda Hana hefir saman setta Snorri Sturluson eptir thorneim haeligtti sem heacuter er skipatrdquo

In PAacuteLSSON 201206 404

FAULKES 2005 xiv 405

Idem xiv

211

construindo uma coletacircnea de mitos e formas poeacuteticas efetuadas por um indiviacuteduo

interessado na preservaccedilatildeo do passado islandecircs

O segundo associa a vida de Snorri com a Era dos Sturlungs e enfatiza as

dualidades e contradiccedilotildees entre um homem avarento ambicioso poliacutetico astuto e com

sede de poder em contrapartida ao homem das letras do saber interessado na escrita

poeacutetica e histoacuterica

Estas ideias podem ser encontradas desde os autores do seacuteculo XIX passando

por traduccedilotildees mais voltadas a um puacuteblico geral como a de Brodeur em 1916 ateacute autores

contemporacircneos como Anthony Faulkes406

Kevin Wanner eacute voz dissidente Em seu livro407

estuda a Edda de Snorri agrave luz

das ideias de Bordieu interpretando a mesma enquanto uma tentativa da parte de Snorri

de preservar suas proacuteprias formas de capitais seu conhecimento do passado e das

formas poeacuteticas e sua habilidade em empregaacute-las paulatinamente perdiam espaccedilo em

razatildeo das modificaccedilotildees sofridas pelas sociedades da Islacircndia e da Escandinaacutevia

Sua poesia natildeo era mais compreendida os mitos nos quais suas figuras de

linguagem baseavam-se natildeo eram mais conhecidos Dessa forma sua proacutepria habilidade

e podemos dizer arte natildeo eram reconhecidos tampouco lhe traziam retorno em termos

de prestiacutegio poder e influecircncia

A composiccedilatildeo da Edda fora antes de uma obra de objetivo antiquaacuterio um

modo de tentar reverter a situaccedilatildeo Provavelmente o poema Haacutettatal fora composto

primeiramente as seccedilotildees explicativas contendo a coletacircnea de formas poeacuteticas e os

mitos que as sustentavam provavelmente foram compostas depois O proloacutego seria

adicionado ainda posteriormente consistindo em uma explicaccedilatildeo racionalizada e

evemerista do autor sobre os mitos ali inseridos

406

FAULKES 2005 xvi 407

WANNER 2008

212

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor

O iniacutecio da Ynglingasaga na Heimskringla nos apresenta a compreensatildeo de

mundo de seu autor ndash que conforme discutimos acima natildeo temos certeza se foi Snorri -

e o conhecimento geograacutefico acumulado pelo mesmo

Diz-se que o ciacuterculo da terra no qual a raccedila humana habita estaacute

divididocortado por muitas reentracircncias dessa forma grandes mares

correm adentrando a terra (vindos do) oceano Assim eacute sabido que haacute

um grande mar que vai Narvesund (Gibraltar) e ateacute Jerusaleacutem

Do mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em direccedilatildeo

ao nordeste e eacute chamado de Mar Negro (Svartahaf) divide as trecircs

partes da terra a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

Em Sviacutethornjoacuteeth existem muitos grandes domiacutenios e muitas raccedilas de

homens e muitas liacutenguas ali haacute gigantes e ali haacute anotildees e ali haacute

homens azuis e haacute todo tipo de criaturas estranhas ali haacute imensas

bestas selvagens e temiacuteveis dragotildees

No lado sul das montanhas que ficam na orla externa de todas as terras

habitadas corre um rio chamado Sviacutethornjoacuteeth que eacute corretamente chamado

pelo nome de Tanais mas foi anteriormente chamado de Tanakviacutesl

ou Vanakviacutesl e que desaacutegua no Mar Negro

(as terraso paiacutes) no Vanakviacutesl foi chamado de Vanaland ou

Vanaheimr e o rio separa as trecircs partes do mundo a parte oriental eacute

chamada de Aacutesia e a ocidental Europa

(Heimskringla Ynglingasaga 01 Versatildeo nossa) 408

408

Kringla heimsins suacute er mannfoacutelkit byggvir er mjọk vaacutegskorin ganga họf stoacuter oacuter uacutetsjaacutenum inn iacute

jọrethina Er thornat kunnigt at haf gengr fraacute Nọrvasundum ok alt uacutet til Joacutersalalandz af hafinu gengr langr

hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-haf

THORNaacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en sumir Eacuteneaacute En

norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda Sviacutethornjoacuteeth ina miklu kalla sumir menn eigi minni

en Serkland it mikla sumir jafna henni vieth Blaacuteland it mikla inn noslashrethri hlutr Sviacutethornjoacuteethar liggr oacutebyggethr af

frosti ok kuletha svaacute sem inn syethri hlutr Blaacutelandz er auethr af soacutelarbruna Iacute Sviacutethornjoacuteeth eru stoacuterherueth mọrg thornar

eru ok margs konar thornjoacuteethir ok margar tungr thornar eru risar ok thornar eru dvergar thornar eru ok blaacutemenn ok thornar

eru margs konar undarligar thornjoacuteethir thornar eru ok dyacuter ok drekar furethuliga stoacuterir Oacuter norethri fraacute fjọllum thorneim er

fyrir uacutetan eru byggeth alla fellr aacute um Sviacutethornjoacuteeth suacute er at reacutettu heitir Tanais hon var forethum kọllueth Tanakviacutesl

eetha Vanakviacutesl hon koslashmr til sjaacutevar inn iacute Svarta-haf Iacute Vanakvislum var thornaacute kallat Vanaland eetha

Vanaheimr Suacute aacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan Euroacutepaacute In JOacuteNSSON

1911 04

213

A passagem nos revela a incorporaccedilatildeo de um saber geograacutefico medieval amplo

veiculado natildeo apenas no Mappamundi islandecircs e nos itineraacuterios mas nos tratados

geograacuteficos medievais e demais mappaemundi da Europa Ocidental

Snorri Ari ou quem quer que tenha sido seu autor assimila e reproduz

textualmente as concepccedilotildees de mundo e terminologias macrobianas de zonas climaacuteticas

habitadas e desabitadas especificamente a diferenciaccedilatildeo especiacutefica de uma zona fria e

uma desabitada quente

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

A terra eacute por ele descrita como tripartite

ldquo() divide as trecircs partes da terra ()

Tal concepccedilatildeo evoca de imediato a triparticcedilatildeo tatildeo frequente no medievo

derivada de Isidoro de Sevilha e espelhada inclusive na confecccedilatildeo dos mapas T-O

segundo qual a Terra seria habitada pelos filhos de Noeacute Shem Kham e Yaffet que

povoariam respectivamente Aacutesia Aacutefrica e Europa Esta divisatildeo eacute o paracircmetro

organizacional empregado no Mappamundi islandecircs por noacutes analisado no capitulo

anterior

No entanto a forma como o autor prossegue na narrativa da Ynglingasaga natildeo

espelha esta divisatildeo ou ao menos a adapta

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A divisatildeo em Aacutesia e Europa eacute refletida nas direccedilotildees cardinais de leste e oeste

Entretanto ao inveacutes de prosseguir para sul o texto continua descrevendo o norte ldquoAo

norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth a Grande ou a friardquo

Para complicar a situaccedilatildeo a Aacutefrica e a divisatildeo das aacuteguas presentes nas

concepccedilotildees isidorianas satildeo transformadas em produtos especiacuteficos dessa obra se na

primeira tradiccedilatildeo os braccedilos divisoacuterios das aacuteguas satildeo o Mediterracircneo e o TanaisDon

214

aqui o Mar Negro assume o papel do Mediterracircneo enquanto o TanaisDon permanece

em sua funccedilatildeo

A Aacutefrica eacute citada poreacutem comparativamente e assumindo um sentido diverso

ao comparar a grande Sviacutethornjoacuteeth em termos de tamanho agrave Grande Blaacuteland

particularmente citando-a tambeacutem como ldquoa friardquo o autor estaacute adaptando a ideia

macrobiana e grega do continente Antiacutepoda em uma zona climaacutetica diversa

Blaacuteland eacute o termo empregado para a Aacutefrica significando ldquoterra azulrdquo

Serkland como jaacute visto nos Capitulos 02 e 03 pode se referir agraves terras aleacutem do Mar

Caacutespio ou o mundo Islacircmico Dessa forma a divisatildeo tripartite da terra e a divisatildeo em

zonas climaacuteticas macrobianas apresentam-se enquanto ideias externas ao conhecimento

do autor possivelmente conceitos natildeo de todo dominados por ele

Eacute possiacutevel tambeacutem que o autor da Heimskringla tendo conhecimento das

tradiccedilotildees geograacuteficas ocidentais e islacircmicas ndash tendo-se em mente que os mapas

islacircmicos tambeacutem empregaratildeo ainda que de forma muito distinta conceitos de ldquozonas

climaacuteticasrdquo delas discorde e simplesmente prefira expor a sua visatildeo de como mundo se

organiza

Natildeo eacute de todo surpreendente que a regiatildeo circunscrita a Bizacircncio e agrave Rus

tomem maior importacircncia em sua histoacuteria do que o Mediterracircneo dados os eventos que

posteriormente ele narraraacute envolvendo a migraccedilatildeo dos ancestrais dos Escandinavos

ponto ao qual retornaremos brevemente bem como o histoacuterico escandinavo na Rus

425 O proacutelogo da Edda Menor

Se recuarmos temporalmente na produccedilatildeo cuja autoria esta mais claramente

associada a Snorri Sturlusson e atentarmos para o proacutelogo da Edda encontraremos uma

divisatildeo do mundo organizada de forma muito mais livresca mas uma situaccedilatildeo

infinitamente mais complexa Cada um dos principais manuscritos da Edda traz o

Prologo de forma diversa e muito jaacute se discutiu sobre o trecho A versatildeo mais longa eacute a

contiga no Codex Wormianus O trecho a seguir eacute o contido no Codex Regius que

conteacutem menos interpolaccedilotildees que W mas natildeo estaacute tatildeo condensado como U

O mundo foi dividido em trecircs partes Do sul em direccedilatildeo a

oeste pelo Mar Mediterracircneo estaacute a parte chamada Aacutefrica Sua regiatildeo

meridional eacute quente e castigada pelo sol A segunda regiatildeo comeccedila no

oeste e continua a norte pelo mar eacute chamada de Europa ou Enea Sua

215

regiatildeo norte eacute tatildeo fria que nenhuma grama cresce e ningueacutem pode

sobreviver ali Do norte e (indo) para a parte oriental ateacute o sul ali eacute

chamada de Aacutesia409

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

A passagem estaacute plenamente de acordo com as tradiccedilotildees geograacuteficas medievais

ocidentais e a concepccedilatildeo tripartite de mundo chega agrave precisatildeo de delinear subdireccedilotildees

ldquodo sul em direccedilatildeo a oesterdquo ldquocomeccedila no oeste e continua a norterdquo ldquodo norte para o

continente oriental ()rdquo Estatildeo discriminados Aacutefrica Europa - cujo proacuteprio nome da

tradiccedilatildeo greco-romana Enea eacute dado e a Aacutesia

A concepccedilatildeo zonal e de regiotildees desabitadas tambeacutem estaacute inserida no trecho

incorporada na Aacutefrica e ao norte da Europa Em suma uma descriccedilatildeo que cabe

perfeitamente agrave tradiccedilatildeo de Isidoro e que insere satisfatoriamente concepccedilotildees

macrobianas

No Codex Wormiamus haacute uma grande inserccedilatildeo entre a primeira parte do

Proacutelogo que conteacutem uma breve descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do mundo e da queda do homem e

a parte concernente agrave divisatildeo da Terra em trecircs partes O princiacutepio de tal inserccedilatildeo daacute-se

da seguinte forma

Em sua velhice Noeacute dividiu o mundo com seus filhos Planejou para

Kham a parte oeste para Yaphett a parte norte e para Shem a parte

sul410

(Edda Menor Codex Wormianus Proacutelogo Versatildeo Nossa)

De iniacutecio a passagem parece um contrasenso visto que coloca Kham a

ocidente e Shem para sul Pelo contraacuterio o decorrer do trecho traraacute uma reflexatildeo e

elaboraccedilatildeo consideraacuteveis sobre o texto biacuteblico a continuidade da narrativa dissertaraacute

409

ldquoVeroumlldin var greind iacute thornrjaacuter haacutelfur Fraacute suethri iacute vestr ok inn at Miethjaretharsjaacute saacute hlutr var kallaethr Affriacuteca

Hinn syethri hlutr thorneirar deilethar er heitr ok brunninn af doacutelu Annarr hlutr fraacute vestri ok til norethrs ok inn til

hafsins er saacute kallaethr Evropaacute eetha Enea Hinn nyrethri hlutr er thornar kaldr svaacute at eigi vex gras ok eigi maacute

byggja Fraacute norethri ok um austrhaacutelfur allt til suethrs thornat er kallat Asiacuteaacuterdquo In FAULKES 2011 04 410

ldquoIacute elli sinni skiptir Noacutei heiminum meeth sonum siacutenum AEligtlaethi hann Cham vestrhaacutelfu en Japheth

norethrhaacutelfu en Sem suethrhaacutelfurdquo

In ldquoThe extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the extended portions

highlighted in redrdquo Obtido em

lthttpwwwgermanicmythologycomProseEddaAndersonProloguehtmlgt

Ediccedilatildeo criacutetica e anaacutelise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis

lt httphomepagesabdnacukcgi-bincgiwrapwag017mg-

newcgit=1ampidl=1ampnf=1ampw=goampw=sm1gt Uacuteltimo acesso e 12112004

216

sobre o desenvolvimento dos homens o crescimento de seu conhecimento e soberba e

de que forma os descendentes de Kham habitariam a parte destinada a seu irmatildeo Shem

A inclusatildeo posterior da referecircncia agrave construccedilatildeo de Sinnear pelos mesmos demonstra

reflexatildeo sobre o capiacutetulo 10 do Gecircnesis particularmente o verso 10 quando se afirma

que os descendentes de Kham teriam construiacutedo Sinnear na Mesopotacircmia

Eacute difiacutecil harmonizar os textos adiccedilotildees e discordacircncias A depreender-se pelas

inserccedilotildees do Codex Wormianus seu autor possui concepccedilotildees cosmoloacutegicas proacuteprias

natildeo necessariamente equivalentes agraves veiculadas nas outras partes do Proacutelogo De fato

esta matildeo demonstra uma elaboraccedilatildeo biacuteblica a niacutevel de algueacutem letrado teologicamente

diversamente do leigo Snorri

Mais adiante no proacuteprio W a genealogia apresentada seraacute consideravelmente

extendida Nos outros coacutedices ela vai dos reis de Troacuteia aos deuses escandinavos ndash

evemerizados enquanto humanos de grandes feitos Aqui ela se extende rumo ao

passado de Priacuteamo ateacute Saturno de forma encontrada em outras fontes e autores do

medievo ocidental como Honorius Augustodunensis De imagine mundi III e o chamado

ldquoPrimeiro mitoacutegrafordquo411

demonstrando conhecimento adicional da tradiccedilatildeo letrada

Se nos parece bastante evidente que as inserccedilotildees feitos no Proacutelogo em W natildeo

devem ter sua origem em Snorri natildeo nos parece tatildeo clara a mesma situaccedilatildeo no que se

refere ao Proacutelogo em suas versotildees menores

A questatildeo da autoria de Snorri no proacutelogo da Edda e na Heimskringla

influencia decisivamente na interpretaccedilatildeo dos extratos de fonte analisados ateacute entatildeo

Caso considere-se Snorri o autor tanto da Heimskringla quanto do Proacutelogo da

Edda como compreender tal diferenccedila de concepccedilatildeo em duas obras escritas em

periacuteodos razoavelmente proacuteximos pelo mesmo indiviacuteduo

Podemos levantar a hipoacutetese de uma maturaccedilatildeo e desenvolvimento de uma

visatildeo cosmoloacutegica da parte do proacuteprio Snorri que pode ter se modificado e incorporado

outras visotildees do mundo desde sua viagem a Escandinaacutevia ateacute seu retorno agrave Islacircndia

Poderiacuteamos alegar de forma diametralmente oposta que ou Snorri ao criar sua

cosmologia partiu do conhecimento livresco disponiacutevel ao erudito comum do medievo

ocidental dirigindo-se a uma adaptaccedilatildeo proacutepria sua do mesmo ou que partindo de um

conhecimento circunscrito geograacutefico do meio islandecircs gradualmente tomou

conhecimento e domiacutenio da tradiccedilatildeo geograacutefica europeia mais ampla

411

FAULKES Anthony Descent from the Gods In Mediaeval Scandinavia 11 1978-89 P12

217

Outra explicaccedilatildeo de longe favorita para os mitoacutelogos eacute a que foram feitos

adendos e interpolaccedilotildees por outrem no Proacutelogo Assim a passagem natildeo seria

inteiramente da pena de Snorri e conteria elementos de outros autores principalmente

no que toca ao emprego da tradiccedilatildeo cristatilde e greco-romana Tal explicaccedilatildeo se insere na

discussatildeo natildeo resolvida sobre o niacutevel do conhecimento de latim e da tradiccedilatildeo claacutessica da

parte de Snorri e como demonstramos acima eacute vaacutelida ao menos em alguns

manuscritos como o Codex Wormianus

Julgamos conveniente pressupor a autoria de Snorri tambeacutem no Proacutelogo da

Edda ainda que natildeo estejamos tatildeo certo quanto agrave mesma na Heimskringla Jaacute

afirmamos que as inserccedilotildees do Codex Wormianus devem ser de outra matildeo certamente

destoam grandemente do texto como um todo Quanto ao nuacutecleo do Proacutelogo natildeo eacute

problema pressupormos que a despeito de um tratamento diferente da tradiccedilatildeo ndash como

em breve discutiremos natildeo haacute um impedimento que Snorri tenha tomado uma atitude

dupla de contar os mitos noacuterdicos em uma seccedilatildeo e analisaacute-los no proacutelogo da obra

A despeito das divergecircncias e mudanccedilas entre os coacutedices a primeira passagem

transcrita eacute comum a todas as versotildees A concepccedilatildeo livresca tripartite do mundo eacute

afirmada As interpolaccedilotildees do Wormianus omitem o leste na divisatildeo do mundo As

outras passagens comuns aos demais coacutedices entretanto associam-no agrave Aacutesia e

caracterizam-no da seguinte forma - citamos aqui techo do Codex Regius ao falar da

Aacutesia

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade412

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

Uma concepccedilatildeo ligada agrave tradiccedilatildeo claacutessica e particularmente cristatilde O texto

conteacutem uma clara emulaccedilatildeo do simbolismo que gira em torno do Eacuteden no Gecircnesis e na

Cidade Celestial do Apocalipse como por exemplo nas referecircncias da produccedilatildeo de

412

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

218

ldquoouro e pedras preciosasrdquo Haacute uma seacuterie de versos biacuteblicos que podem ser origem de

alguns termos como ldquo() todas as becircnccedilatildeos sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidaderdquo tornando difiacutecil uma associaccedilatildeo uacutenica

As ideias expressas no versiacuteculo de Gecircnesis 0208 e no capiacutetulo 21 do

Apocalipse ndash que trata da Jerusaleacutem celestial - satildeo fundamentais nas associaccedilotildees e

criaccedilatildeo de tradiccedilotildees que ligam o leste ao paraiacuteso a utopias e similares de forma

demasiadamente ampla e disseminada na Cristandade Medieval413

para ser discutida

aqui A localizaccedilatildeo do Eacuteden eacute claramente referida no texto biacuteblico como no Oriente

ldquoE plantou o SENHOR Deus um jardim no Eacuteden na direccedilatildeo do

Oriente e pocircs nele o homem que havia formadordquo

(Gn 0208 Biacuteblia Sagrada Versatildeo Almeida Revista e atualizada)

Esse sentido dotado de matiz religiosa pode encontrar alguma contraparte ou

eco distante em tradiccedilotildees nativas escandinavas mas por meio de significativa

ressignificaccedilatildeo

Citamos no capiacutetulo anterior uma referecircncia da Edda natildeo do Proacutelogo mas do

Gylfaginning Nessa seccedilatildeo Snorri conta diversos mitos escandinavos Em um deles THORNoacuterr

estaacute ausente de Aacutesgarethr pois () ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para

destruir trollsrdquo414

Atkinson defende a ideia de que na cosmologia escandinava antiga haveria uma

associaccedilatildeo do leste com o reino dos mortos de Austrvegr como regiatildeo similar a Hell

Para tanto aleacutem da passagem supracitada e de estudos de Turville-Petrie que associam

criaturas miacuteticas a Austrvegr ele emprega diversas das inscriccedilotildees nas estelas ruacutenicas

referindo-se aos mortos no leste415

Natildeo se trata de uma ocorrecircncia isolada ainda que a conexatildeo natildeo seja totalmente

clara e necessite de intermediaccedilotildees Algumas das narrativas de viagem agrave terra dos

mortos tratam da ida aos domiacutenios de Geirroumlethr416

Em algumas partes das

Fornaldarsoumlgur como no capiacutetulo 23 da Ọrvar-Odds Saga e nos capiacutetulos 5 e 11 da

THORNorsteins saga Viacutekingssonar os domiacutenios de Geirroumlethr estatildeo localizados

413

RIBEIRO Maria Eurydice de Barros Ribeiro O Inferno e o Paraiacuteso Cartografia e Paisagem (Seacutecs

XII-XV) In Histoacuteria Revista Dossiecirc Idade Meacutedia 5(12) jandez 2000 P25 414

ldquo(hellip) en hann var farinn iacute Austrveg at berja trollrdquo In PAacuteLSSON 2012 60 415

ATKINSON Hugh Upp ek thorneacuter verp ok aacute Austrvega death overseas and the dead in the East

Comunicaccedilatildeo apresentada na XIV Saga Conference ldquoAacute Austrvegardquo 2008 416

ELLIS 1968 171

219

inequivocamente no leste ndash um leste materializado enunciado apoacutes a enumeraccedilatildeo de

outros domiacutenios conhecidos de Austrvegr e Garethariacuteki

Adicionano-se tambeacutem as discussotildees pertinentes agraves estelas ruacutenicas apresentadas

no capiacutetulo 02 desta tese a hipoacutetese de Atkinson parece-nos plausiacutevel ainda que em

necessidade de maior verificaccedilatildeo Conforme jaacute discutido haacute uma pequena porcentagem

do total das estelas que lida com expediccedilotildees vikings Dessa uma parcela consideraacutevel

trata do leste igualmente tomando-se a amostra como um todo porcentagem razoaacutevel

conteacutem referecircncias a mortos

Destarte abre-se o espaccedilo para a discussatildeo sobre a funccedilatildeo memorial em relaccedilatildeo

aos mortos inserindo-se uma dimensatildeo religiosa aleacutem poreacutem perdura a necessidade de

se analisar de forma balanceada toda a evidecircncia das estelas incluindo os percentuais de

outras seacuteries que lidem com temaacuteticas similares A questatildeo permanece em aberto

Retornando agrave Edda fica evidenciada a associaccedilatildeo do leste a um imaginaacuterio

geograacutefico advindo da tradiccedilatildeo cristatilde com nuances no campo do religioso e que pode

ser entrelaccedilado com conceituaccedilotildees cosmoloacutegicas de tradiccedilotildees mais antigas da

Escandinaacutevia

A contraparte claacutessica fornecida pela passagem dar-se-aacute na continuidade do

texto ao traccedilar a genealogia dos deuses no paganismo escandinavo com o emprego do

conceito evemerista

426 O Evemerismo

Por evemerismo compreende-se uma forma hermenecircutica desenvolvida desde o

helenismo segundo a qual os deuses seriam homens cujos feitos foram amplificados

pela passagem do tempo e a tradiccedilatildeo miacutetica Recebeu seu nome do helecircnico Euhemeros

do seacuteculo III aC mas formas similares de interpretaccedilatildeo foram usadas por autores

anteriores a ele como o proacuteprio Heroacutedoto e continuariam sendo empregadas por autores

dos mais distantes contextos na antiguidade e do medievo incluindo Clemente de

Alexandria Isidoro de Sevilha e Roger Bacon Pode tambeacutem ser chamado de uma

interpretaccedilatildeo histoacuterica ou mesmo hitoricizante da mitologia

Na introduccedilatildeo da Heimskringla em conjunto com o proacutelogo da Edda menor e

sua primeira parte (Gylfaginning) temos uma elaboraccedilatildeo erudita e coerente da parte de

Snorri - e de quaisquer outros autores que tenham feito ao texto - que liga as divindades

escandinavas dos tempos pagatildeos aos reis dos seacuteculos XII e XIII numa linha

220

genealoacutegica contiacutenua e podemos ateacute mesmo dizer racional

Os deuses do paganismo escandinavo satildeo descritos como homens notaacuteveis

heroacuteis e reis da antiguidade que adquiriram proeminecircncia no norte devido agraves suas

caracteriacutesticas excelentes

Na Ynglingasaga a narrativa se sucede agrave haacute pouco apresentada descriccedilatildeo do

mundo Apoacutes afirmar a divisatildeo tripartite do mesmo e citar o rio TanaisDon

(TanakvislTanaquisl) o autor continua

(o paiacutes) para leste do Tanaquisl na Aacutesia foi chamado Aacutesaland ou

Aacutesaheimr e a cidade capital daquela terra foi chamada Aacutesgarethr

Naquela cidade houvera um chefe que era chamado Oacuteethinn ali foi um

grande lugar para sacrifiacutecio Foi costume ali que doze sacerdotes do

templo deviam tanto dirigir os sacrifiacutecios como tambeacutem julgar as

pessoas Eles foram chamados de diacutear ou droacutettnar a eles servia e

obedecia todo o povo

Oacuteethinn foi um grande e bem-viajado guerreiro que conquistou muitos

reinos Ele era tatildeo bem-sucedido em cada batalha que a vitoacuteria estava

do seu lado era a crenccedila de seu povo que a vitoacuteria pertencia a ele em

cada batalha ()

Seu povo tambeacutem estava habituado estivessem em perigo em terra ou

mar a chamar o seu nome e pensavam que sempre eles teriam

conforto e auxiacutelio por meio dele pois pensavam que aonde ele

estivesse a ajuda estaria por perto

Ele geralmente viajava tatildeo longe que passava muitas temporadas em

suas jornadas417

(Heimskringla Ynglingasaga seccedilatildeo 2 Versatildeo nossa)

Aqui o uso do leste da Aacutesia eacute associado primariamente agrave tradiccedilatildeo miacutetica

noacuterdica e ao lugar de maior ressonacircncia da mitologia escandinava Aacutesgarethr a cidade

dos deuses

Snorri esvazia o conteuacutedo miacutetico de tal faceta racionalizando-o e definido-o

geograficamente Os proacuteprios nomes das divindades e do continente facilitam sua

transposiccedilatildeo a famiacutelia principal dos deuses da qual Oacuteethinn eacute o liacuteder inconteste eacute a

famiacutelia dos AEligsir Nada mais natural que seja feita a associaccedilatildeo entre Aacutesaland

417

Fyrir austan Tanakviacutesl iacute Aacutesiacuteaacute var kallat Aacutesaland eetha Aacutesaheimr en họfuethborgin er var iacute landinu

kọlluethu thorneir Aacutesgareth En iacute borginni var họfethingi saacute er Oacuteethinn var kallaethr thornar var bloacutetstaethr mikill THORNat var

thornar siethr at xii hofgoethar vaacuteru œztir skyldu thorneir raacuteetha fyrir bloacutetum ok doacutemum manna iacute milli thornat eru diacutear

kallaethir eetha droacutettnar thorneim skyldi thornjoacutenostu veita ok lotning alt foacutelk

Oacuteethinn var hermaethr mikill ok mjọk viacuteethfọrull ok eignaethist mọrg riacuteki hann var svaacute sigrsaeligll att iacute hverri

orrostu fekk hann gagn ok svaacute kom at hans menn truacuteethu thornviacute at hann aeligtti heimilan sigr iacute hverri orrostu()

Svaacute var ok um hans men hvar sem thorneir urethu iacute nauethum staddir aacute sjaacute eetha aacute landi thornaacute kọlluethu thorneir eiga nafn

hans ok thornoacutetti jafnan faacute af thornviacute froacute thornar thornoacutettusk thorneir eiga alt traust er hann var Hann foacuter opt svaacute langt iacute

brott at hann dvalethisk iacute ferethinni mọrg misseri In JOacuteNSSON 1911 04s

221

Aacutesaheimr ldquoterra dos aesirrdquo com a Aacutesia

O discurso evemerista mais completo e elaborado de Snorri entretanto se daacute

na Edda em seu proacutelogo Seu iniacutecio daacute-se com a proacutepria paraacutefrase do texto biacuteblico

O Deus todo poderoso criou no princiacutepio os ceacuteus e a terra e tudo

o que neles haacute e no fim criou duas pessoas Adatildeo e Eva e deles

vieram clatildes cujos descendentes multiplicaram-se e espalharam-se

pelo mundo todo () mas a grande maioria voltou-se para os desejos

deste mundo e negligenciou os mandamentos de Deus418

rdquo

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo Versatildeo nossa)

Prossegue dando continuidade agrave narrativa do diluacutevio ao repovoamento da

Terra e agrave repeticcedilatildeo da desobediecircncia a Deus O que se passa a seguir eacute uma reflexatildeo

extremamente racional das explicaccedilotildees miacuteticas Posteriormente na Gylfaggining Snorri

mostraraacute como as narrativas cosmoloacutegicas escandinavas pagatildes descreveratildeo a formaccedilatildeo

do mundo atraveacutes do cadaacutever do gigante Hiacutemir de seus ossos vieram as montanhas de

seu ceacuterebro as nuvens de sua carne a terra e assim por diante

Aqui no proacutelogo Snorri busca compreender como se desenvolvera tal forma

de explicaccedilatildeo natural Tal discurso eacute dado apoacutes a narrativa do diluacutevio e da repeticcedilatildeo dos

erros dos homens que natildeo obstante teriam sido agraciados por Deus com a sabedoria

Eacute por meio do uso dessa sabedoria que Snorri faz a ponte para a descriccedilatildeo a seguir

Ele tambeacutem lhes deu a sabedoria para compreender todas coisas

terrenas e todas as partes separadas que pudessem ser vistas no ceacuteu e

na Terra

As pessoas pensaram sobre estas coisas imaginando o que

poderia significar que a terra e os animais e os paacutessaros eram de

alguma forma similares ainda que suas naturezas fossem diferentes

Uma das caracteriacutesticas da Terra eacute que quando as altas montanhas satildeo

cavadas jorra aacutegua e mesmo em vales profundos natildeo eacute necessaacuterio

cavar muito fundo em busca de aacutegua O mesmo eacute verdade nos animais

e nos paacutessaros cujo sangue estaacute igualmente perto da superfiacutecie na

cabeccedila e nos peacutes Uma segunda caracteriacutestica da terra eacute que grama e

flores florescem todo ano mas no mesmo ano tudo esvanesce e cai

Assim eacute com os animais e os paacutessaros cabelo e penas crescem neles

mas cada ano caem A terceira caracteriacutestica da Terra eacute que quando

418

ldquoAlmaacutettigr gueth skapaethi iacute upphafi himin ok jọreth ok alla thornaacute hluti er thorneim fylgja og siacuteetharst menn tvaacute er

aeligttir eru fraacute komnar Adam ok Evu ok fjọlgaethist thorneira kynsloacuteeth ok dreifethist um heim allan () en myklu

fleiri snerusk eptir girndum heimsins ok oacuteraeligktu gueths boethoreth ()rdquo In FAULKES 2005 03

222

ela eacute aberta ou cavada a grama cresce sobre o solo que estaacute mais

proacuteximo agrave superfiacutecie As pessoas pensam nas rochas e pedras como

comparaacuteveis aos dentes e ossos das criaturas vivas Assim eles

entendem que a Terra eacute viva e tem vida proacutepria Eles tambeacutem sabem

que em termos de anos a Terra eacute maravilhosamente velha e poderosa

por sua proacutepria natureza Ela daacute nascimento a todas as coisas vivas e

declara propriedade sobre tudo o que morre Por esta razatildeo eles

deram a ela um nome e traccedilaram suas origens a ela419

(Edda menor Codex Regius ProacutelogoVersatildeo nossa)

Eacute por meio do desenvolvimento de raciociacutenios similares que Snorri partiraacute agrave

explicaccedilatildeo da origem dos deuses Seu raciociacutenio eacute bastante analiacutetico preciso nem um

pouco dado agrave alegorias ou misticismo O maacuteximo de concessatildeo agrave que Snorri se permite

eacute no campo da teologia sempre em volta de questotildees bem-estabelecidas como a criaccedilatildeo

do mundo por Deus e o desvio dos homens em relaccedilatildeo ao seu criador

A mesma forma de arrazoamento eacute aplicada agrave explicaccedilatildeo do surgimento de

Oacuteethinn THORNoacuterr Sif e outras divindades noacuterdicas Descendentes dos homens de Troia que

segundo o Proacutelogo estaacute localizada no centro do mundo esses homens espelham as

qualidades que foram atribuiacutedas de iniacutecio ao continente da Aacutesia posteriormente agrave

cidade de Troacuteia culminando em si mesmos Releiamos passagem jaacute citada

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade420

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

419

ldquoMiethlaethi hann ok spekethina svaacute at thorneir skilethu alla jarethliga hluti ok allar greinir thornaeligr er sjaacute maacutetti loptsins

ok jaretharinnar

THORNat hugsuethu thorneir ok undruethusk hverju thornat mundi gegna er jọrethin ok dyacuterin ok fuglarnir họfethu saman eethli

iacute sumum hlutum ok var thornoacute oacuteliacutek at haeligtti THORNat var eitt eethli aeth jọrethin var grafin iacute haacutem fjalltindum ok spratt

thornar vatn upp ok thornurfti thornar eigi lengra at grafa til vaz en iacute djuacutepum dọlum Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at

jafnlangt er til bloacuteeths iacute họfethi ok foacutetum

Ọnnur naacutettuacutera er suacute jarethar at aacute hverju aacuteri vex aacute jọrethinni gras ok bloacutem ok aacute sama aacuteri fellr thornat allt ok fọlnar

Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at thorneim vex haacuter ok fjaethrar ok fellr af aacute hverju aacuteri

THORNat er hin thornriethja naacutettuacutera jarethar thornaacute er hon er opnueth ok grafin thornaacute grœr gras aacute thorneiri moldu er efst er aacute

jọrethunni Bjọrg ok steina thornyacuteddu thorneir aacute moacuteti tọnnum ok beinum kvikenda Af thornessu skilethu thorneir svaacute at

jọrethin vaeligri kyk ok hefethi liacutef meeth nokkurum haeligtti ok thornat vissu thorneir at hon var furethuliga gọmul at aldartali

ok maacutettug iacute eethli Hon fœddi ọll kvikvendi ok hon eignaethisk allt thornat er doacute Fyrir thornaacute sọk gaacutefu thorneir henni

nafn ok tọlethu aeligttir siacutenar til hennarrdquo In FAULKES 2011 03 420

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

223

A descriccedilatildeo no Proacutelogo natildeo coincide em todos os pontos com outras estoacuterias do

restante da obra ou mesmo em outras obras Aqui THORNoacuterr eacute neto do rei Priacuteamo de Troacuteia -

associada ao nome Tyrkland terras dos Tyrks mas foi levado para a Traacutecia Trakiacuteaacute - que

o Proacutelogo associa ao nome noacuterdico THORNruacuteethheim

Da sua descendecircncia viria Oacuteethinn que por sua vez se assentaria na Sueacutecia e

daria origem aos governantes das outras naccedilotildees do norte Um de seus descendentes seria

Gylfi rei dos suecos que assumiraacute papel proeminente na proacutexima parte da Edda a

Gylfaginning

No Gylfaginning a situaccedilatildeo eacute diversa Gylfi interroga aos deuses que lhe

contam a origem e o fim de tudo aqui os mitos e tradiccedilotildees racionalizados e explicados

anteriormente no Proacutelogo satildeo narrados em uma forma mais proacutexima agrave tradiccedilatildeo

escandinava preacute-cristatilde

Natildeo apenas o tom narrativo passa por modificaccedilotildees significativas As relaccedilotildees

entre os personagens tambeacutem sofrem alteraccedilotildees No mito veiculado pelo Gylfaginning

Oacuteethinn reina em Aacutesgarethr eacute apresentado como Allfoumlethr (pai de todos) e eacute pai natildeo

descendente de THORNoacuterr Snorri apresenta-o dando continuidade a um relato que descreve

detalhadamente a cosmologia e cosmogonias antigas escandinavas incluindo a criaccedilatildeo

do mundo a partir do corpo morto do gigante Ymir

Existem trecircs correntes teoacutericas principais que ganharam destaque na

interpretaccedilatildeo desses textos A escola historicizante inaugurada pelos arqueoacutelogos

Petersen (1849-1896) e Salin (1861-1931) e adotada largamente pelos germanistas

posteriores421

viria a defender que as narrativas de Snorri refletiram a memoacuteria de

eventos que de fato teriam ocorrido No caso em questatildeo movimentos germacircnicos do

periacuteodo das migraccedilotildees a partir do seacuteculo IV das regiotildees do Don e do Mar Negro atraveacutes

da Germacircnia e Escandinaacutevia

Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum de Andreas Heusler

(1908)422

que estudaria os eventos ligados aos troianos e agrave Tyrkland nos escritos de

Snorri e Ari daria origem agrave escola da Gelehrte Urgeschicht423

A grosso modo esta

escola - muito influente por deacutecadas posteriores - procura traccedilar os passos da construccedilatildeo

de uma ldquopreacute-histoacuteria germacircnicardquo por um pensamento erudito islandecircs dos seacuteculos XII-

421

Obras emblemaacuteticas PETERSEN Karl Nikolai Henry Om Nordboernes Gudedyrkelse og Guderto i

Hedenold Em antikvarisk Undersoslashgelse Koslashbnhavn CA Reitzels Forlag 1876 amp SALIN Bernhard

Studier tillaumlgnade Oscar Montelius Stockholm Norstedt 1903 422

HEUSLER Andreas Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum Verlag der

Koumlniglich Preuszligischen Akademie der Wissenschaften Berlin 1908 423

ldquoPreacute-histoacuteria ensinadardquo

224

XIII que bebe de outros historiadores europeus como Fredegarius Scholasticus (ca658-

661) Pseudo-Fredegarius (da Gesta Francorum ca727) Isidoro de Sevilha e Geoffrey

de Monmouth424

-425

Por fim outra corrente interpretativa de relevacircncia eacute a escola da mitologia

comparativa ou estruturalista representada por Georges Dumeacutezil que incorpora a

mitologia escandinava ao esquema tripartite indo-europeu Dumeacutezil (1992)[1970]

defendia uma posiccedilatildeo diametralmente oposta ao historicismo de entre outros autores

Paul Hermann Alguns pontos significativos em sua trajetoacuteria com impacto em sua

aplicaccedilatildeo no estudo de Snorri satildeo as publicaccedilotildees de Mythes et dieux des Germains -

Essai dinterpreacutetation comparative (1939) Loki (1948) Les Dieux des Germains essai

sur la formation de la religion scandinave (1959) Du mythe au roman la Saga de

Hadingus et autres essais (1970)426

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo

Jean Bodel (1165-1210) classificou os ciclos literaacuterios medievais nas chamadas

ldquomateacuteriasrdquo a Mateacuteria da Bretanha concernente ao Rei Artur a Mateacuteria de Roma que

incorporaria temas da Antiguidade Claacutessica e a Mateacuteria de Franccedila centralizada em

Carlos Magno

Dentro da ldquoMateacuteria de Romardquo desenvolveu-se uma linha peculiar interpretativa

ligada agrave Guerra de Troacuteia As conexotildees e genealogias entre os autores e obras natildeo eacute

totalmente clara No entanto duas obras supostamente traduccedilotildees para o latim de

antigos originais gregos foram fundamentais para o desenvolvimento de tais formas

escritas Satildeo elas a Dictys Cretensis Ephemeridos belli Trojani (seacuteculo IV) e Daretis

Phrygii de excidio Trojae historia (seacuteculo V-VI) 427

Ambas satildeo bastante semelhantes contando a destruiccedilatildeo de Troia Um exemplo

de trabalho que as empregou enquanto fontes ou inspiraccedilatildeo eacute o ldquoLe Roman de Troierdquo de

Benoicirct de Sainte-Maure

Poreacutem a influecircncia de tais obras no medievo natildeo estaacute limitada agrave ldquoMateacuteria de

424

PRITSAK 227-237 425

SEE Klaus von Europa und der Norden in Mittelalter Universitaumltsverlag C Winter Heidelberg

1999 P276 426

Indicamos BOULHOSA Patriacutecia Pires A mitologia escandinava de Georges Dumeacutezil uma reflexatildeo

sobre meacutetodo e improbabilidade Revista Brathair 6(2) p 3-31 2006 como boa siacutentese das criacuteticas

dirigidas a Dumeacutezil no campo da escandinaviacutestica 427

DacuteARCIER Louis Faivre Histoire et geacuteographie drsquoun mythe La circulation des manuscrits du De

excidio Troiae de Daregraves le Phrygien (VIIIe-XVe s) Paris Eacutecole nationale des Chartes 2006 P03

225

Romardquo De fato ela perpassa a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Meacutedia Haacute relatos

histoacutericos escritos tanto seacuteculos antes do desenvolvimento dos ciclos literaacuterios em

Francia quanto contemporacircneos a eles

Torna-se um expediente frequente ligar o destino de refugiados de Troia ou

seus descendentes ao passado das naccedilotildees europeias DacuteArcier afirma que as uacutenicas

exceccedilotildees ao uso de tal expediente satildeo os autores espanhoacuteis e irlandeses428

afirmaccedilatildeo

com a qual discordamos - em breve mostraremos por exemplo que ela natildeo se aplica a

Saxo Ao Dictis Cretensis e o Daretis Phrygii devemos adicionar a proacutepria Eneida de

Virgiacutelio enquanto fonte de inspiraccedilatildeo para uma seacuterie de autores europeus429

O primeiro emprego das origens troianas para um povo europeu eacute efetuado

pelo Pseudo-Fredegaacuterio (c 727) que o aplica aos francos430

Um caso relevante para a

historiografia escandinava eacute a obra Historia Regum Britaniae de Geoffrey of Monmouth

(ca1100-1155) ndash esta uacuteltima note-se mais ligada agrave ldquoMateacuteria da Bretanhardquo do que agrave

ldquoMateacuteria de Romardquo mas que bebe igualmente da histoacuteria de Troia

No livro I de sua Historia Regum Britanniae Geoffrey of Monmouth conta que

apoacutes a guerra de Troacuteia Eneas refugiou-se na Itaacutelia Seu bisneto Brutus seria banido mas

algum tempo depois fora conduzido pela deusa Diana para uma ilha no ocidente que ele

nomeia ldquoBritanniardquo segundo o seu proacuteprio nome Agraves margens do Thames fundaria a

cidade de Troia Nova posteriormente renomeada para Londinium ndash a London atual Haacute

indiacutecios fortes de que em vaacuterios momentos Geoffrey of Monmouth tenha empregado a

Eneida de Virgilio431

Esta digressatildeo literaacuteria e histoacuterica nos eacute necessaacuteria porque toca diretamente na

questatildeo da transmissatildeo da temaacutetica para a Escandinaacutevia Geoffrey de Monmouth eacute

considerado uma das fontes e modelos principais para a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus432

cujo proacuteprio domiacutenio do latim nos daacute mostras de conhecimento de

Virgiacutelio433

Entretanto haacute na Islacircndia uma traduccedilatildeo de provavelmente da metade do seacuteculo

428

DacuteARCIER 14 429

MOLCHAN George Gregory Translating Arthur The Historia Regum Britaniae of Geoffrey of

Monmouth and Roman de Brut of Wace Doctoralacutes dissertation Louisiana State University December

2013 P76 430

DacuteARCIER 14 431

MOLCHAN 76 432

ELLIS-DAVIDSON 2006 09 53 56 72 92 160 433

Idem pp01 05-08 142

226

XIII434

para o vernaacuteculo da Daretis Phrygii de excidio Trojae historia A obra veio a ser

chamada de Troacutejumanna Saga ndash ldquoSaga dos homens de Troiardquo Ela se enquadra no

gecircnero conhecido como Riddarrasoumlgur ou ldquoSagas cavalheirescasrdquo que normalmente

consistem em traduccedilotildees de Chansons-de-Geste e literatura cortesatilde para o antigo

noacuterdico

Esta obra possui ao menos trecircs redaccedilotildees A primeira mais antiga presente no

Hauksboacutek recebeu por tal razatildeo o seu nome as outras duas provavelmente mais

tardias quiccedilaacute do seacuteculo XIV435

foram chamadas de ldquoalfardquo e ldquobetardquo Enquanto a versatildeo

do Hauksboacutek eacute bastante proacutexima agrave Daretis Phrygii encontram-se nas outras redaccedilotildees

influecircncias de autores latinos provavelmente a Ilias latina e a Heroides de Oviacutedio436

Em vista de tal variedade de redaccedilotildees e origens natildeo haacute possibilidade segura de

se conhecer quais foram as fontes exatas de Snorri Sturlusson tampouco as obras que o

mesmo possuiacutea a sua disposiccedilatildeo sequer se sabe com certeza qual fora o seu

conhecimento de latim437

Eacute possiacutevel que tivesse acesso agraves traduccedilotildees efetuadas dos gregos quiccedilaacute da

Eneida Eacute igualmente possiacutevel que tenha se valido de alguma traduccedilatildeo das mesmas para

o antigo noacuterdico tendo esta traduccedilatildeo conexatildeo ou natildeo com a Troacutejumanna saga

Quanto agraves diferenccedilas de paternidade ou descendecircncia entre Oacuteethinn e THORNoacuterr

encontradas no Proacutelogo e na Gylfaginning julgamo-las poucas para atestar uma

paternidade diversa ao Proacutelogo ndash ao menos em uma suposta redaccedilatildeo arquetiacutepica do

qual provavelmente a contida no Codex Uppsaliensis seja a mais proacutexima

O projeto da Edda como um todo eacute similar agrave construccedilatildeo de camadas

sucessivas seu nuacutecleo seu centro eacute o Hattataacutel Para compreendecirc-lo o leitor precisa de

dois campos do conhecimento bastante diversos o conhecimento das meacutetricas foacutermulas

e meacutetodos de composiccedilatildeo poeacutetica e o conhecimento dos mitos que provecircm temas e toda

a base para este cabedal linguiacutestico

Por fim o Proacutelogo eacute um complemento perfeito para o trabalho explicando os

mitos que por sua vez auxiliavam na compreensatildeo dos recursos linguiacutesticos e poeacuteticos

e do proacuteprio Hatattaacutel

434

LOUIS-JENSEN Jonna (ed) Troacutejumanna saga the Dares Phrygius version Copenhagen CA

Reitzel 1981 Pp LndashLVI 435

LOUIS_JENSEN Idem 436

ELDEVIK Randi Claire The Dares Phrygius Version of Troacutejumanna saga A Case Study in the

Cross-cultural Mutation of Narrative Doctoral dissertation Harvard University 1987-88 pp 06s 437

WANNER 2008 PAacuteLSSON Heimiacuter (ed) Introduction In The Uppsala Edda University College

London Viking Society for northern Research 2012 p xiv

227

Dadas as tradiccedilotildees europeias que ligam origens das naccedilotildees a imigrantes de

Troacuteia e dadas as proacuteprias semelhanccedilas fortuitas na maior parte das vezes superficiais

entre nomes como Troacuteia e THORNoacuterr Sibila e Sif Traacutecia e THORNruacuteethheim Aacutesia e Aacutesgarethr as

tradiccedilotildees medievais cristatildes e principalmente claacutessicas forneceratildeo os paracircmetros

atraveacutes dos quais os mitos seratildeo explicados e racionalizados Desta feita o

procedimento de trocar as relaccedilotildees familiares entre Oacuteethinn e THORNoacuterr apresenta-se como

plenamente aceitaacutevel e compreensiacutevel

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr

Magnus o bom e Haraldr Harethraethi

Nas fontes discutidas ateacute entatildeo haacute predominacircncia de reelaboraccedilatildeo claacutessica e

biacuteblica das visotildees de leste em detrimento do conhecimento geograacutefico e formulaccedilotildees

mais propriamente escandinavas

Austrvegr e Garethariacuteki estatildeo ausentes em tais fontes e em nossa discussatildeo ateacute o

momento com a pequena excessatildeo discutida a pouco sobre a possiacutevel associaccedilatildeo de

Austrvegr agrave terra dos mortos

Alguns autores alegaratildeo um desconhecimento e ignoracircncia sobre o leste da parte

dos autores islandeses e mesmo noruegueses438

Natildeo podemos concordar de todo com a

afirmaccedilatildeo mas em comparaccedilatildeo com o conhecimento dos daneses e principalmente

suecos a afirmaccedilatildeo possui certo fundamento

A Heimskringla apresenta informaccedilatildeo relevante sobre o leste que iremos

analisar agora Desta feita natildeo o leste extremamento reelaborado e ressignificado dos

Proacutelogos mas o leste de Austrvegr e Garethariacuteki

Categorizamos esta informaccedilatildeo em duas categorias principais a) informaccedilotildees

dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas b) o ciclo dos noruegueses refugiados em

Garethariacuteki

a) informaccedilotildees dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas

A Heimskringla nos traz nomes de reis relaccedilotildees dinaacutesticas e de parentesco

locais de governo informaccedilotildees sobre comeacutercio e economia informaccedilotildees geograacuteficas

438

AALTO amp LAAKSO 2009 06

228

Temos nomes de governantes de Garethariacuteki ValdimarrValdamarr Allogia e Jarisleifr

Vissavaldr bem como informaccedilotildees de parentesco dos mesmos como nomes de esposas

e filhos Ingigerd Ellisif Valdemar Vissivaldr Holte e Boldr

Encontramos nomes de localidades bastante especiacuteficos agrave Austrvegr Aethalsyacutesla

Eysyacutesla Baacutelagarethssiacuteetha o rio Viacutena bem como informaccedilotildees sobre as rotas comerciais

com Garethariacuteki e os Finnar aleacutem dos produtos trocados em tais rotas e a maneira com

que tal comeacutercio se dava

Entremeados na narrativa haacute ainda marcados estereoacutetipos eacutetnicos sobre os fino-

uacutegricos e uma descriccedilatildeo de costumes religiosos dos Bjarmar

b) o ciclo dos noruegueses refugiados em Garethariacuteki

Oacutelaacutefr Tryggvason Oacutelaacutefr Magnusson Magnus o bom e Haraldr Harethraacuteethi tecircm a

caracteriacutestica em comm de terem obtido exiacutelio e refuacutegio em Garethariacuteki Com exceccedilatildeo de

Oacutelaacutefr Magnusson todos passaram a infacircncia eou parte da juventude ali

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio

Na Oacutelafs saga Tryggvasonar439

eacute impossiacutevel desvincular seu protagonista da

regiatildeo de leste O iniacutecio de sua histoacuteria eacute contado nos capiacutetulos 05 a 07 Capturado por

vikings estonianos aos trecircs anos de idade Oacutelaacutefr passou seis anos como escravo na

Eistland440

Seu tio Sigurdr Eiriksson a serviccedilo de Valdimarr (Wladiacutemir) de Holmgard

(Novgorod) vem agrave Eistland coletar impostos descobre-o compra-o e o leva consigo

para Novgorod ocultando seu parentesco com o menino441

Algum tempo depois no mercado em Novgorod Oacutelaacutefr reconhece Klerkon o

viking estoniano que o comprara e matara seu pai adotivo Mata-o com um machado e

pede ajuda a Sigurethr que o leva para abrigo com a rainha Allogia442

Sigurethr revela agrave rainha a genealogia e sangue real de Oacutelaacutefr e a necessidade que o

mesmo tem de proteccedilatildeo visto a existecircncia de inimigos na Escandinaacutevia A rainha pede

ao rei que o acolha e Oacutelaacutefr passa nove anos com o ldquoRei Valdimarrrdquo443

O autor volta agrave Oacutelaacutefr apenas no capiacutetulo 21 Estimado pela rainha e pelo rei

439

Saga de Oacutelaacutefr Tryggvason 440

Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 05 ldquoOTrdquo nas citaccedilotildees subsequentes 441

OT 06 442

OT 07 443

OT 07

229

adquire fama e torna-se chefe e guerreiro Certos homens invejosos fizeram a cabeccedila do

rei contra Oacutelaacutefr e Valdimarr natildeo o trata tatildeo bem quanto antes Oacutelaacutefr decide partir para a

Escandinaacutevia fazendo-o com a benccedilatildeo da rainha

No capiacutetulo 31 Oacutelaacutefr converte-se ao Cristianismo e eacute batizado em Syllingar ndash

ldquoSiciacuteliardquo apoacutes previsotildees de um vidente e sua cura milagrosa apoacutes uma batalha

O capiacutetulo 90 nos provecirc de mais alguns nomes Jarl Eirikr faz uma expediccedilatildeo em

Austrvegr Atinge os domiacutenios do rei ldquoValdamarrrdquo e toma Aldeigjuborg (Ladoga)

Passaria cinco anos nesta expediccedilatildeo e segundo a saga quando deixou Garethariacuteki efetuou

reides em Aethalsyacutesla e Eysyacutesla

Os nomes da saga ndash tanto pessoais como topocircnimos - satildeo bem conhecidos em

outras fontes Sua elaboraccedilatildeo na Heimskringla transparece a existecircncia de contatos

iacutentimos entre as aristocracias da Rus e da Escandinaacutevia incluindo Noruega

O autor no entanto possui conhecimento limitado dos eventos Allogia

evidentemente recordaccedilatildeo do nome Olga aparentemente na saga eacute consorte do ldquoReirdquo

Valdimarr ndash escrito posteriormente na mesma saga como ldquoValdamarrrdquo

Valdimarr eacute Vladiacutemir I priacutencipe de Novgorod entre 970-978 e gratildeo-priacutencipe de

Kiev de 978 a 1015 Poreacutem filho de Olga Seu proacuteprio local de governo natildeo eacute citado

pelo autor

Haacute de se notar entretanto uma precisatildeo nos nomes ligados agrave Austrvegr

Aethalsyacutesla e Eysyacutesla satildeo nomes bastante especiacuteficos respectivamente da costa ocidental

estoniana e da ilha de Saaremaa

A partir da Oacutelaacutefs saga ins Helga444

a informaccedilatildeo do autor torna-se mais

verossiacutemil e acurada Nesta saga e nas seguintes ndash de Magnus o bom e de Haraldr

Harethraacuteethi o governante da Rus eacute Iaroslav ndash Jarisleifr no antigo noacuterdico Ele casa-se no

capiacutetulo 95 com Ingigerd filha do rei sueco Oacutelaacutefr ndash evento que se deu de fato em

1019

A saga lista os filhos do casal Valdemar Vissivald Holte e Bold sendo que o

capiacutetulo 17 da Haralds saga Harethraacuteetha acrescenta agrave lista Ellisif que como adiciona o

autor era conhecida como Elizabeth

Iaroslav I o saacutebio teve com Ingigerd da Sueacutecia os seguintes filhos por ordem

de nascimento Vladimir Iziaslav I Anastasia Sviatoslav II Vsevolod I Elizabeth

Anne Viatcheslav e Igor445

444

ldquoSaga Oacutelaacutefr o santordquo 445

PVL 299s

230

Iaroslav foi filho de Vladimir Por ocasiatildeo da morte de seu pai em 1015 tornou-

se co-regente em Novgorod enquanto seu irmatildeo Sviatopolk tomava o poder em Kiev

apoacutes diversas disputas nas quais os outros irmatildeos foram mortos ndash dentre os quais Boris

e Glieb primeiros santos da Ruacutessia446

Com a ajuda de varegues Iaroslav venceu

Sviatopolk em 1019 tomando o poder tanto de Novgorod quanto de Kiev447

Iaroslav

iniciou tambeacutem a codificaccedilatildeo legal na Rus a chamada ldquoRusskaia pravdardquo448

Em 1030 Iaroslav construiu na Estocircnia o forte de Iuriev na antiga vila de

Tarbatu que viria a ser conhecida posteriormente como Tartu coletando a partir de laacute

tributos das tribos estonianas vizinhas449

Retornando agrave saga no capiacutetulo 191 o rei Oacutelaacutefr vai para a Rus com seu filho

Magnus apoacutes revoltas na Noruega contra ele Ali eacute recebido por Jarisleif e sua esposa

Ingegerd O rei lhe oferece o reino da Bulgaria450

mas Oacutelaacutefr decide retornar agrave

Noruega451

apoacutes um sonho premonitoacuterio452

Magnus fica com Jarisleifr e Ingegerd que

providenciam cavalos e outros recursos necessaacuterios De fato sabe-se que Iaroslav

proveu refuacutegio para Oacutelaacutefr no ano de 1028453

A saga eacute encerrada apoacutes a morte de Oacutelaacutefr Einar Tambaskelfer e Kalf Arnalson

mandam mensagens para Jarisleifr pedindo que Magnus vaacute para a Noruega assumir o

trono Jarisleifr os convida a buscaacute-lo na proacutepria Novgorod454

Apoacutes isto a Saga de Magnus o bom narra brevemente em seu primeiro capiacutetulo

o seu retorno para a Noruega saindo de Novgorod via Ladoga o exiacutelio de Magnus na

Rus fora contado antes na saga de seu pai

O ciclo eacute encerrado com a Haralds saga Harethraacuteetha Meio irmatildeo de St Oacutelaacutefr

Haraldr escapou da batalha de Stiklestad na qual aquele morrera Tinha 15 anos tendo

encontrado refuacutegio na Rus novamente sob a proteccedilatildeo de Jarisleifr455

Harald passa

vaacuterios anos ali viaja e faz expediccedilotildees nas regiotildees circundantes e vai para

Constantinopla456

446

MARTIN Janet Medieval Russia 980-1584 Cambridge at the University Press 1996[1995] Pp22-

26 447

Idem 44 448

Idem 71 449

Idem 43s 450

Oacutelaacutefs saga ins Helga 198 ldquoOSrdquo nas proacuteximas citaccedilotildees 451

OS 202 452

OS 199 453

MARTIN 44 454

OS 265 455

Haralds saga Harethraacuteetha capiacutetulo 01 Citada como ldquoHHrdquo 456

HH 02

231

A saga nos daacute o nome de mais de um imperador iniciando por Michael

ldquoCatalactusrdquo e a imperatriz ldquoZoerdquo O contexto eacute complexo chamado por Vryonis de

ldquointerluacutedio burocraacutetico do seacuteculo XIrdquo457

e haacute uma sucessatildeo de governantes

Miguel IV o Paflagocircnio foi casado de fato com Zoe Porfirogecircnita e governou

Bizacircncio de 1034 a 1041458

O apelido dado pela saga no entanto provavelmente

refere-se a Miguel V ldquoKalaphatesrdquo sobrinho de Miguel IV e filho adotivo de Zoe que

governou apenas quatro meses entre os anos de 1041 a 1042459

O governo deu-se apoacutes

isto com a coregecircncia de Zoe e seu novo marido Constantino IX ldquoMonomachosrdquo ndash

tambeacutem citado na saga no capiacutetulo 13

A saga nos diz que Harald participou trecircs vezes do costume de ldquopoluta-svarfrdquo

que permitia que a guarda varegue tomasse parte do tesouro do imperador quando este

morresse460

ndash o que implica numa troca de trecircs imperadores e recuaria a chegada de

Harald a Bizacircncio ao imperador Romano III morto em 1034 jaacute que Constantino IX

morreria apenas em 1055461

Harald juntou-se agrave Guarda dos Varegues da qual foi feito chefe462

Efetua

expediccedilotildees em Serkland que a Saga equaliza com ldquoAacutefricardquo ndash aqui enfatizando

Serkland enquanto terra Sarracena Passou anos ali e enviava a riqueza que adquiria

para Jarisleifr463

Harald efetua muitos ataques a castelos na Siciacutelia464

informaccedilatildeo

coerente com o periacuteodo no qual os governantes de Bizacircncio tentavam retomar o

controle da ilha tomada pelos islacircmicos465

O capiacutetulo 09 cita dois islandeses que estavam com Haraldr na guarda varegue

Um deles Haldor foi ancestral de Snorri Sturluson Haraldr retorna com eles e com os

demais varegues para Constantinopla e depois ruma para Jerusaleacutem466

Ouvindo que seu sobrinho Magnus tornou-se rei na Noruega deseja retornar

Apoacutes intrigas em Constantinopla eacute preso pelo Imperador467

Tem uma visatildeo de St

457

VRYONIS Spero Bizacircncio e Europa Lisboa Editorial Verbo sd [London 1967] 458

VRYONIS 08 459

Idem 460

HH 13 461

VRYONIS 08 462

HH 03 463

HH 05 464

HH 06 465

ANGOLD Michael Bizacircncio a ponte da Antiguidade para a Idade Meacutedia Rio de Janeiro Imago

2002 [2001] p 125 466

HH Caps 11 amp 12 467

HH 13

232

Oacutelaacutefr e foge com a ajuda de milagres468

Por fim volta para Novgorod com Jarisleifr469

casando-se com sua filha Ellisif

(Elisabeth)470

Em todas estas passagens relacionadas agrave eacutepoca de Iaroslav haacute lugares comuns

como visotildees sonhos e artifiacutecios Os nomes no geral estatildeo de acordo com outras fontes

conhecidos havendo poucas discrepacircncias ndash no narrado ateacute agora a uacutenica dificuldade eacute

Jarisleifr em Novgorod Na altura do retorno de Haraldr para a Rus Iaroslav jaacute

governava em Kiev

Em todas estas sagas haacute a repeticcedilatildeo do tema de um norueguecircs de sangue real que

foge ou eacute levado por seu pai ou protetor para Garethariacuteki e laacute encontra abrigo proteccedilatildeo e

mesmo oportunidades

A atitude do autor em relaccedilatildeo agrave Garethariacuteki eacute benevolente no geral Arriscamos a

sugerir que Garethariacuteki assumiraacute um papel de extensatildeo da Escandinaacutevia propriamente

dita A extensatildeo em que haacute identificaccedilatildeo ou reconhecimento de diferenccedilas eacute duacutebia

Na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar o distanciamento parece maior Sigurethr ao

encontrar Oacutelaacutefr no mercado de escravos percebe ldquoque ele devia ser estrangeirordquo471

No

capiacutetulo 21 tendo ele crescido e adquirido respeito e comando temos o seguinte

comentaacuterio

Mas aconteceu como geralmente pode acontecer que quando

estrangeiros chegam ao poder ou em grande fama que ultrapassam os

nativos que muitos eram invejosos de quatildeo querido ele era para o rei

e natildeo menos para a rainha472

O proacuteprio Oacutelaacutefr no entanto em suas viagens apoacutes sair de Garethariacuteki usa o nome

ldquoOacutelirdquo ldquoAlirdquo ou ldquoOlerdquo e afirma ser russo (ldquogerzkrrdquo473

) Encontramos esse artifiacutecio ndash em

parte justificado devido ao desejo do mesmo de se ocultar dos seus inimigos e comum

em vaacuterias sagas ndash nos capiacutetulos 31 32 46 e 47

Nas sagas seguintes no entanto natildeo haacute referecircncias similares Antes o que

encontramos ndash tambeacutem presente na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar satildeo estereoacutetipos em

relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos

468

HH Caps 14 amp 15 469

HH 16 470

HH 17 471

() at saacute myndi thornar uacutetlendrrdquo Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 07 472

En vareth thornat sem optliga kann veretha thornar er uacutetlendir menn hefjask til riacutekis eetha til svaacute mikillar fraeliggethar

at thornat verethi umfram innlenzka menn at margir ọfunduethu thornat hversu kaeligrr hann var konungi ok eigi siacuteethr

droacutetningu () Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 21K 119 473

ldquo( ) Oacutela ok kvazk vera gerzkrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 31 K 125

233

Na batalha final de Oacutelafr Trygvassonar haacute um arqueiro cujo nome eacute ldquoFinnrrdquo ou

que eacute saami (ldquofinnarrdquo) ldquoEntatildeo o jarl falou para o homem que alguns chamavam Finnr

apesar que alguns diziam que ele era Finskr ndash ele era o melhor arqueirordquo474

A vinculaccedilatildeo das duas ideias (bom arqueiro e finskr) poderia ser casual natildeo

fosse sua repeticcedilatildeo na Oacutelaacutefs saga ins Helga no capiacutetulo 82

Havia um homem das terras altas chamado Finn o pequeno e

alguns diziam que ele era da raccedila (aeligtt) dos finnar ele era um homem

muito pequeno e de peacutes tatildeo raacutepidos que nenhum cavalo podia

ultrapassaacute-lo ele era um corredor muito bem exercitado

especialmente com sapatos de neve e atirador com o arco475

Outras citaccedilotildees associam os finnar com praacutetica de maacutegica e artes sorrateiras

como eacute comum em outras sagas e outras seacuteries de fontes escandinavas No capiacutetulo 07

os finnar conjuram espiacuteritos contra os noruegueses no capiacutetulo 83 o haacute pouco

mencionado Finn o pequeno insere ervas na bebida dos homens do rei aumentando

exponencialmente seu efeito Por fim na proacutepria batalha na qual S Oacutelaacutefr eacute morto476

o

skaldr Sigvatr cantaria que o rei provara da ldquohabilidade maacutegica dos finnarrdquo477

4210 Conclusotildees parciais

Nas obras islandesas do seacuteculo XIII de cunho histoacuterico eacute possiacutevel se delinear

duas fontes principais de conhecimento referente ao leste a tradiccedilatildeo escandinava de

conhecimento do Baacuteltico e adjacecircncias e a tradiccedilatildeo medieval ocidental formada a partir

de erudiccedilatildeo grego-romana e biacuteblica

As partes das obras citadas dotadas de cunho de instruccedilatildeo apresentaccedilatildeo ou

explicaccedilotildees geneacutericas possuem uma elaboraccedilatildeo mais marcada pela tradiccedilatildeo biacuteblica e

claacutessica Nesse caso situam-se o Proacutelogo da Edda e Ynglingasaga e a referecircncia a

Austrvegr e Garethariacuteki eacute praticamente nula

Em relaccedilatildeo agraves narrativas e sagas dos islandeses a situaccedilatildeo diverge havendo o

predomiacutenio da tradiccedilatildeo de natureza mais notadamente escandinava Nesta situaccedilatildeo

enquadram-se as sagas que compotildeem a Heimskringla e trechos da Edda em prosa

474

ldquoTHORNaacute maeliglti jarl vieth thornann mann er suimr nefna Finn em sumir segja at hann vaeligri finzkr ndash saacute var inn

mesti bogmaethrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 108 K 179 475

Maethr er nefndr Fiethr liacutetli uplenzkr maethr em sumir sehja at hann vaeligri finzkr at aeligtt hann var allra

manna minztr ok allra manna foacutethvatastr svaacute at engi hestr toacutek hann aacute raacutes hann kunni manna bezt vieth skieth

ok boga ()Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON 1911 82 K 244 476

OH 228 477

ldquofjọlkunnigra Finnardquo

234

O leste eacute um instrumento poderoso na tentativa de conexatildeo das duas tradiccedilotildees ao

fornecer uma localizaccedilatildeo geograacutefica para o centro do mundo e as regiotildees de origens

Nesta reelaboraccedilatildeo feita de forma evemerista a tradiccedilatildeo biacuteblica ganha mais forccedila do

que as demais

Passaremos a seguir a observar a situaccedilatildeo apresentada na obra de Saxo

Gramamticus na Dinamarca

235

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum

Ao nosso conhecimento Saxo Grammaticus eacute autor de apenas uma obra a

Gesta Danorum Esta verdadeira Histoacuteria foi composta no periacuteodo da forte dinastia dos

Valdemares sob encomenda e patronato do arcebispo Absalatildeo sucessor de Eskill em

Lund e possivelmente depois sob seu sucessor e sobrinho Anders Sunesson

Diferentemente de Snorri sabe-se pouco acerca de Saxo e o que se sabe eacute em

grande parte conjectural Praticamente toda a informaccedilatildeo relevante acerca de Saxo seja

informaccedilatildeo de fato ou trate-se de conjunturas foi enumerada por Paul Johansen de

forma hipercriacutetica e resumida de formas mais convenientes e moderadas nos prefaacutecios

agraves traduccedilotildees de inglesa de Elton e Zeeberg sendo que pouco podemos acrescentar de

novo nesse sentido e incorremos no risco de repeticcedilatildeo tanto dos citados autores quanto

de noacutes mesmos

No prefaacutecio da Gesta Saxo afirma que seu pai e avocirc teriam servido a Valdemar

I Eacute improvaacutevel portanto que ele mesmo tenha nascido antes de 1150 O argumento

sobre a dataccedilatildeo de sua morte nas proximidades de 1220478

eacute fraacutegil Tem por base

principal de que foi por razatildeo de sua morte que Saxo natildeo teria narrado os eventos da

vida de Valdemar II principalmente sua conquista da Estocircnia As proximidades de 1185

satildeo mais aceites de forma geral como o iniacutecio da escrita da obra e os uacuteltimos eventos

nela narrados ocorreram em 1187479

Acerca da origem de Saxo haacute a possibilidade de que seja proveniente da

Zelacircndia O iniacutecio do argumento eacute relativamente fraco tendo recebido mais peso pela

tradiccedilatildeo de seus editores dos tempos de Poacutes-Renascimento e Reforma Protestante o

discurso de Saxo e supostamente seu ldquotomrdquo natildeo poupariam elogios aos Zeelandeses

sendo a regiatildeo por vezes referenciada enquanto o ldquocentro da Dinamarcardquo mas a citaccedilatildeo

a esta referecircncia eacute a uacutenica evidecircncia contemporacircnea do proacuteprio texto de Saxo

A tradiccedilatildeo renascentista daraacute continuidade a esta ideia A crocircnica da Jutlacircndia

escrita em 1431 atribui sua origem agrave Zelacircndia assim como seu tiacutetulo Grammaticus480

A primeira ediccedilatildeo da Gesta de 1514 pelo bispo Urnes o cita como zeelandecircs de forma

que pode implicar um conhecimento geral e banal de tal proveniecircncia O nome ldquoGesta

478

ELLIS-DAVIDSON 2006 p 12 479

Idem p10 480

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

236

Danorumrdquo eacute empregado pela primeira vez na Crocircnica da Zelacircndia que tambeacutem refere-

se a Saxo como Cognomine Longus (apelidado o ldquocompridordquo o ldquoaltordquo)

Da relaccedilatildeo entre Sven Aggesen e Saxo Grammaticus sabe-se igualmente pouco

O avocirc de Saxo Grammaticus teria servido a Valdemar I (provavelmente

portanto apoacutes 1157) mas o pai de Sven foi morto em guerra em 1132 Dessa forma

Saxo provavelmente era bem mais jovem que Sven

Ainda assim eacute citado pelo mesmo como seu associado (contubernalis)

Contubernalis eacute traduzido ao peacute-da-letra como ldquocompanheiro de tendardquo e tal citaccedilatildeo da

parte de Sven levantou a hipoacutetese de que Saxo fora um guerreiro ou um soldado

Poreacutem contubernalis pode ser traduzido de inuacutemeras formas como por

exemplo ldquocolegardquo ou ldquocompanheirordquo481

tornando bem mais provaacutevel que Sven e Saxo

tenham sido eclesiaacutesticos

Karsten Friis-Jensen482

identifica Saxo como um cacircnon de Lund que

testemunhou alguns tiacutetulosdecretos em 11803 e 11971201 Esta hipoacutetese eacute mais aceita

do que a que considera Saxo como um deatildeo de Roskilde Segundo ideacuteia difundida pelo

bispo Lave Urne da proacutepria Roskilde Saxo seria certo provoste que teria viajado a

Paris em 1165 Tal data encontraria um Saxo Grammaticus demasiadamente idoso483

e

trata-se portanto de maacute compreensatildeo do bispo Lave Urne ou mesmo maacute feacute no sentido

de trazer atenccedilatildeo ao seu proacuteprio bispado mas natildeo eacute nossa tarefa julgar o mesmo

No Praefatio da Gesta Saxo descreve a si mesmo como algueacutem a serviccedilo de

Absalatildeo como o ldquouacuteltimo de seus seguidoresrdquo484

Eacute de fato possiacutevel encontrar o nome

ldquoSaxordquo em uma lista de cleacuterigos na catedral de Lund No caso o dito cujo seria um

acoacutelito o grau mais baixo entre os cacircnons Natildeo podemos ter certeza da identificaccedilatildeo no

entanto De fato ldquocomitum suorum extremordquo eacute uma mera e comum foacutermula de

submissatildeo natildeo implicando de fato em uma pista segura485

Haacute ainda no monasteacuterio de Soslashro uma nota deixada pela vontade de Absalatildeo

Segundo ela ele enviara a quantia de dois marcos e meio de prata emprestada ao seu

clericus Saxo Saxo tambeacutem deveria devolver ao monasteacuterio de Soslashro os dois livros que

481

CHRISTIANSEN 1992 2s 482

FRIIS-JENSEN K Was Saxo a Canon of Lund In Cahiers de lacuteInstitut du Moyen-acircge Grec et Latin

lix 1989 pp331-357 483

ELTON Preface 484

ldquoComitum suorum extremordquo In GESTA DANORUM Praefatio 485

FRIIS-JENSEN 1989 332

237

o arcebispo emprestara a ele Possivelmente eram dois coacutedices de Valeacuterio Maximo e

Justino que foram presenteados agrave biblioteca em Soslashro por Absalatildeo e que foram autores

cuja influecircncia eacute claramente perceptiacutevel na Gesta Danorum486

Tambeacutem natildeo se sabe com exatidatildeo aonde Saxo teria estudado A opccedilatildeo pelo

modelo de obra e o costume danecircs eclesiaacutestico agrave eacutepoca levantam a possibilidade de um

tempo no exterior quiccedilaacute Paris ou alguma outra localidade franca O proacuteprio Saxo afirma

no Praefatio que o arcebispo em sua eacutepoca Anders teria estudado em Paris Bologna e

Oxford

Em suma em meio a uma profusatildeo de referecircncias a eclesiaacutesticos chamados Saxo

em deacutecadas distintas eacute possiacutevel criar a imagem de um Saxo nascido ou proveniente da

Zeelacircndia descendente de uma famiacutelia aristocraacutetica ou de guerreiros Possivelmente

estudara no exterior o que reforccedilaria uma origem de uma famiacutelia com alguns recursos

ou ao menos oriunda do extrato dos pequenos proprietaacuterios livres

Seria no entanto um cleacuterigo possivelmente cacircnon em Lund e a despeito de

sua autoreferida posiccedilatildeo falsa modeacutestia ou mero topos de consistir em um dos

ldquomenoresrdquo tratava-se um indiviacuteduo de reconhecida capacidade literaacuteria e domiacutenio da

produccedilatildeo escrita claacutessica a ponto de ter para si o encargo de tarefa importante das matildeos

de um dos maiores liacutederes de seu seacuteculo

Quanto agrave sua obra o nome dado pelo proacuteprio autor eacute desconhecido ldquoGesta

Danorumrdquo eacute denominaccedilatildeo posterior Sua primeira impressatildeo deu-se em 1514 por

Jodocus Badius Ascensius em Paris da ediccedilatildeo de Christiern Pedersen trazendo o tiacutetulo

ldquoDanorum Regum heroumque Historiaerdquo Esta ediccedilatildeo tornou-se a base para todas as

versotildees e ediccedilotildees posteriores

Existem alguns fragmentos mais antigos dos quais o mais extenso eacute o

fragmento de Angers (Ny kgl Saml 4to 869 g) que conteacutem anotaccedilotildees atribuiacutedas ao

proacuteprio Saxo e conteacutem parte do livro I Outros fragmentos datam de 1275 e satildeo

menores Tratam-se dos fragmentos de Lassen contendo o livro VI de Kall-Rasmussen

contendo o livro VII - ambos satildeo agrupados como ldquoBDrdquo - e de Plesner (ldquoErdquo conteacutem o

livro XIV) Com exceccedilatildeo do manuscrito de Angers todos os fragmentos encontram-se

depositados na Biblioteca Real da Dinamarca em Copenhague sob registro Ny kgl

Saml Fol 570

486

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

238

Legenda

________________________ Relaccedilatildeo modelo-coacutepia (texto completo ou excertos)

-------------------------------------- Transformaccedilatildeo deliberada (epiacutetomerevisatildeo traduccedilatildeo )

helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip Contaminaccedilatildeo ocasional variaccedilotildees de leitura relatadas

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol 570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum In BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of

Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN 1981 P 10

239

O texto de 1514 chamado de ldquoEdiccedilatildeo de Parisrdquo (a) eacute no entanto o uacutenico

testemunho completo que temos do trabalho de Saxo Muito de discutiu se o suposto

arqueacutetipo (X) foi escrito totalmente pelo proacuteprio Saxo ou se houve interpolaccedilatildeo de

algum editor do seacuteculo XIII487

Boserup eacute da posiccedilatildeo de que o testemunho do manuscrito de Angers daacute

suficientes indiacutecios de que o proacuteprio Saxo foi responsaacutevel pela escrita de sua obra como

um todo na forma em que foi reproduzida posteriormente488

Esta posiccedilatildeo tem ateacute o

presente momento encontrado boa acolhida no meio acadecircmico A figura 20 conteacutem

Stemma que representa bem o consenso acadecircmico sobre a questatildeo

O nome ldquoGesta Danorumrdquo data de 1342 Foi encontrado na Chronica Jutensis

tambeacutem conhecida como Compendium Saxonis que consistiu em uma versatildeo resumida

da Gesta Danorum constando aproximadamente de um quarto de seu tamanho As

versotildees e ediccedilotildees posteriores da Gesta empregavam nomes diversos o tiacutetulo passou a

ser empregado mais genericamente a partir do seacuteculo XIX Quanto agrave ediccedilatildeo de

Pedersen foi feita com uma coacutepia antiga do texto encontrada com o arcebispo de Lund

Birger Gunnerssen

A identificaccedilatildeo imediata do gecircnero literaacuterio precisa ser feita tendo em vista

outras caracteriacutesticas que natildeo apenas o tiacutetulo O nome concedido no seacuteculo XIV e

difundido contemporaneamente associa seu conteuacutedo com as Chansons-de-Geste

datadas do seacuteculo XII e que fazem parte de um escopo literaacuterio mais amplo que inclui

temaacuteticas relativas agrave cavalaria e agrave sociedade cortesatilde mas que possuem caracteriacutesticas

formais distintas e estatildeo particularmente circunscritas agrave regiatildeo da Francia

Certamente tal difusatildeo de ideacuteias fez-se tambeacutem na Dinamarca em particular

devido ao nuacutemero de cleacuterigos que estudava em Francia e no estrangeiro oferecendo um

modelo literaacuterio adequado aos propoacutesitos de Saxo Como jaacute afirmamos influecircncia

similar ocorreu na proacutepria Islacircndia ainda que posteriormente com as Riddarasoumlgur

Poreacutem natildeo eacute adequado classificar a Gesta Danorum como uma Chanson-de-

Geste apesar do nome atribuiacutedo a ela ndash como jaacute vimos por sua posteridade Ainda

assim natildeo descartamos a possibilidade de que Saxo tenha se inspirado ao menos

parcialmente em obras do gecircnero ou influenciadas por ele

Alguns dos elementos carateriacutesticos dessa modalidade satildeo encontrados na

487

BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN

1981 P 09 488

BOSERUP 25

240

Gesta Danorum Primeiramente a temaacutetica eacutepica e os feitos de um povo e de heroacuteis O

povo eacute o danecircs Os heroacuteis satildeo vaacuterios normalmente reis e heroacuteis em sentido beacutelico mas

que via de regra espelham o principal heroacutei da Gesta que eacute o arcebispo Absalatildeo A

exaltaccedilatildeo de ambos - tanto o povo danecircs quanto o arcebispo-heroacutei - encontra-se

expliacutecita no Praefatio

Em relaccedilatildeo agrave linguagem natildeo se pode afirmar da mesma forma A Gesta

Danorum eacute escrita em latim natildeo em vernaacuteculo contrariamente agraves Chansons-de-Geste

O ato de cantar os feitos dos heroacuteis por meio de formas poeacuteticas ndash comum agraves

Chansons-de-Geste - eacute comum em toda a Gesta Danorum mas natildeo se presta para

classificaacute-la no gecircnero visto espelhar tradiccedilotildees escandinavas antigas ndash como a

escaacuteldica Saxo reivindica para si o papel de tradutor de algueacutem transmite que os

cantares e tradiccedilotildees de seu povo

Acerca da sacralizaccedilatildeo dos guerreiros e da visatildeo da aristocracia por um vieacutes

clerical a Gesta Danorum apresenta material exemplar tanto por conter narrativas de

Cruzadas propriamente ditas quanto por derivaacute-las do passado miacutetico A temaacutetica das

Cruzadas contra os eslavos ocidentais permeia toda a Gesta Danorum de forma

expliacutecita entre os livros X-XIV e de forma esquemaacutetica ideoloacutegica e velada nos livros

de I a IX489

A Gesta Danorum apresenta um constante agrupamento de feitos histoacutericos e

narraccedilatildeo croniacutestica com tradiccedilotildees miacuteticas na tentativa de alinhaacute-las de forma

razoavelmente loacutegica em uma linha genealoacutegica preacute-estabelecida

Eacute possiacutevel que tanto Saxo quanto Sven tenham se baseado em alguma

genealogia na qual foram acrescentando material externo Nesse agrupamento e

ordenaccedilatildeo de fontes o material oriundo das memoacuterias dos arcebispos seria colocado de

maneira semelhante ao originaacuterio de tradiccedilotildees miacuteticas

Quando o material oriundo de outras tradiccedilotildees natildeo se ajusta harmonicamente

aos relatos de testemunhas oculares ou aos quais Saxo atribua maior valor como os de

Absalatildeo os por ele proacuteprio vividos ou ao proacuteprio material considerado como

pertencente ao campo da ldquohistoacuteriardquo avalizada como por exemplo Beda Saxo

racionaliza os mitos antigos procurando tornaacute-los plausiacuteveis aos seus olhos e aos de seu

leitor A exemplo de Snorri e a tradiccedilatildeo islandesa Saxo recorre ao evemerismo

Saxo a despeito de ser um escritor comissionado natildeo apenas transcreve o que

489

MUCENIECKS 2008 51 57-61 102-104

241

lhe eacute dito nem reproduz simplesmente certa posiccedilatildeo poliacutetica Com frequecircncia profere

juiacutezos claros de valor sobre uma histoacuteria que acabou de narrar Entretanto ao se

observar a forma como ele a narra ou os episoacutedios posteriores a ela o leitor percebe

claramente que sua ideacuteia eacute exatamente oposta

Na proacutepria narrativa da trajetoacuteria de seu patrono Absalatildeo alguns entrevecircem a

possibilidade de que para Saxo o arcebispo se ocupasse demasiadamente com os

assuntos mundanos e laicos490

A escolha dos personagens-fonte para as narrativas tambeacutem revela paracircmetros

proacuteprios individuais A grande maioria dos heroacuteis vilotildees e demais personagens da

Gesta possuem paralelos em sagas poemas e narrativas

Raramente poreacutem Saxo conta uma tradiccedilatildeo de forma similar agraves outras fontes

escandinavas Em algumas circunstacircncias nas quais se possui narrativas mais completas

ndash como a Edda de Snorri - Saxo por vezes inverte o papel entre protagonista e

antagonista

Temos um exemplo claro no mito de BalderusBalethr do qual temos outra

versatildeo em Snorri Saxo inverte o papel de Balethr transformando-o em vilatildeo e

transferindo suas caracteriacutesticas boas para o adversaacuterio HotherusHoumlethr ndash que por sua

vez eacute apenas um joguete nas matildeos de Loki na narrativa da Edda de Snorri A proacutepria

planificaccedilatildeo entre ldquomaurdquo e ldquobomrdquo evidente em Saxo natildeo possui tal dimensatildeo de certo

e errado nas narrativas da Edda

Alguns dos episoacutedios aos quais Saxo apresenta maior cuidado de elaboraccedilatildeo

por muitas vezes natildeo centralizam sua atenccedilatildeo nos reis mas em algum heroacutei paralelo agrave

narrativa do rei este dessa forma ainda que o suposto protagonista oferece interesse

secundaacuterio para o leitor frente ao heroacutei

O arcebispo Absalatildeo faleceu em 1202 Saxo provavelmente concluiu a escrita da

Gesta entre 1215 a 1219491

ano no qual foi construiacutedo por Valdemar o forte de Tallinn

na Estocircnia492

O Praefatio cita a campanha de Valdemar no Elba mas cala sobre a na

Estocircnia Eric Christiansen assume uma data limite de 1215 e argumenta que apoacutes a

expediccedilatildeo de 1206 de Valdemar agrave Estocircnia ldquoSaxo que ainda escrevia sua Gesta nesta

490

SAWYER amp SAWYER 2003 225 CHRISTIANSEN 1997 60s 491

CHRISTIANSEN 1997 110 492

URBAN William The Baltic Crusade Chicago Lithuanian Research and Studies Centre 1994 Pp

124s

242

eacutepoca foi avivando sua narrativa com faacutebulas de como os ancestrais do rei tinham

povoado a Ruacutessia e conquistado o Daugava os Estonianos e os finesesrdquo493

Apoacutes o falecimento do arcebispo o curso do trabalho parece ter mudado Eacute uma

ideia bem aceita de que Saxo escreveu primeiramente os uacuteltimos livros (X-XVI) da

Gesta tendo iniciado posteriormente a escrita dos primeiros (I-IX) que veiculam as

origens dos daneses e os tempos de paganismo494

Haacute consideraacutevel contraste entre as

duas partes da obra e o procedimento de praxe tecircm sido dividi-las como parte miacutetica (I-

IX) e ldquohistoacutericardquo (X-XVI) a uacuteltima baseada nas memoacuterias de Absalatildeo (ver Tabela 06)

Arcebispo Rei Livros escritos Aspecto geral

Absalatildeo Valdemar I

amp Knut IV

X-XVI Crocircnica da Dinamarca Feitos de Absalatildeo

as cruzadas na Slavia

Anders Sunesson Valdemar II I-IX ldquoPreacute-Histoacuteriardquo da Dinamarca evemerismo

dos mitos do norte

Anders Sunesson Valdemar II Prefaacutecio Descriccedilatildeo geral do trabalho e do mundo

agradecimentos e homenagens

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto (do autor)

A despeito dessa divisatildeo eacute possiacutevel encontrar unidade em ideologias e

propoacutesitos em ambas as partes por mais diferentes que pareccedilam entre si Nesse sentido

diversos autores identificaram esquemas e ordenaccedilotildees especiacuteficas na Gesta Inge

Skovgaard-Pedersen (1975)495

defende uma divisatildeo quadripartite na obra os livros I-IV

conteacutem o mundo antes do nascimento de Cristo os V-VIII o periacuteodo anterior agrave

conversatildeo da Dinamarca os livros IX-XII narram o crescimento na igreja danesa e XIII

a XVI o estabelecimento dos arcebispados Kurt Johannesson (1978-1981) identificou

uma elaboraccedilatildeo crescente na gesta Danorum que apresenta as Quatro Virtudes

Cardinais496

e Sigurd Kvaeligrndrup defendeu (2004) a existecircncia de doze princiacutepios e uma

emulaccedilatildeo de ldquoFeitos e ditos memoraacuteveisrdquo de Valeacuterio Maacuteximo497

493

CHRISTIANSEN 1997 110s 494

ELLIS-DAVIDSON 2006 11 495

SKOVGAARD-PEDERSEN I Gesta Danorums genremaeligssige placering In BOSERUP Ivan (ed)

Saxostudier Copenhagen Museum Tusculanum 1975 Pp 20-29 496

JOHANNESSON 1981 121 497

KVAEligRNDRUP 2004 28

243

431 O Evemerismo de Saxo

O evemerismo na Gesta Danorum de longe recebe a atenccedilatildeo dos estudiosos de

sua contraparte na Edda e na Ynglingasaga Sob consideraccedilotildees meramente estiliacutesticas

seu texto apresenta uma elaboraccedilatildeo muito distinta da dos autores islandeses e pode por

vezes ser de difiacutecil compreensatildeo e interpretaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo ao predomiacutenio da escola da Gelehrte Urgeschichte na

Heimskringla e Edda em Prosa a forma interpretativa mais difundida sobre o tema em

Saxo foi feita por Georges Dumeacutezil em Du mythe au roman de 1970 que analisa-o sob

a oacutetica dos estudos mitoloacutegicos mais especificamente o material contido no livro I

referente a Hadingus

Existem dois episoacutedios especiacuteficos no livro I nos quais Saxo Grammaticus

apresenta explicaccedilotildees evemeristas Dumeacutezil chama-os de ldquoDigressotildees mitoloacutegicasrdquo O

primeiro dos episoacutedios disserta sobre trecircs raccedilas de feiticeiros (mathematici) gigantes

magos e o cruzamento de ambos Os gigantes possuiacuteam grande tamanho mas os

poderes dos maacutegicos eram superiores O resultado do cruzamento entre as duas raccedilas

produziu descendentes que natildeo possuiacuteam nem o tamanho dos gigantes nem as artes dos

maacutegicos Todos vieram a ser chamados de deuses

O episoacutedio estaacute inserido apoacutes a abertura da narrativa sobre Hadingus e a

descriccedilatildeo de como o mesmo foi adotado por gigantes apoacutes a morte de seu pai [151]

Dumeacutezil procura explicar a passagem estruturalmente com base em comparaccedilotildees entre

gigantes e homens e os ases e vanes da mitologia escandinava498

A interpretaccedilatildeo nos parece razoaacutevel a despeito das ressalvas de Boulhosa499

e

pode ser pensada paralelamente com os mitos de criaccedilatildeo escandinavos aos quais temos

acesso por meio de Snorri nos quais gigantes e deuses estatildeo presentes

O que nos parece entretanto como Dumeacutezil tambeacutem nota500

eacute que o episoacutedio

do cruzamento das raccedilas possa conter alguma reminiscecircncia do capiacutetulo 06 do livro do

Gecircnesis que narra o cruzamento das filhas dos homens com seres sobrenaturais

algumas traduccedilotildees inclusive enfatizam a existecircncia de gigantes

Natildeo nos deteremos nesse episoacutedio que aos nossos propoacutesitos serve apenas de

forma acessoacuteria no sentido de explicar parcialemente a metodologia hermenecircutica de

498

DUMEacuteZIL Do mito ao romance a Saga de Hadingus Satildeo Paulo Martins fontes 1992 pp101s 499

BOULHOSA 2006 500

DUMEacuteZIL 1992 103

244

Saxo Seu evemerismo assimila tradiccedilotildees distintas e procura coadunaacute-las em uma

narrativa explicativa tambeacutem racionalizada No caso os objetivos do adendo miacutetico se

prestam para explicar o emprego de gigantes na narrativa posterior bem como os

poderes apresentados pelos mesmos Tambeacutem eacute uacutetil na narrativa para demonstrar como

seres habilidosos receberam adoraccedilatildeo da parte dos homens como deuses

A segunda digressatildeo mitoloacutegica no entanto merece mais de nossa atenccedilatildeo

Leia-mo-la com cuidado

1 Nesta eacutepoca um tal de Othinus recebia atraveacutes de toda a

Europa a qualificaccedilatildeo mentirosa de deus mas era em Uppsala que ele

residia a maior parte do tempo e honrava muito especialmente esta

cidade como sua residecircncia ordinaacuteria seja por causa da apatia de seus

habitantes seja por causa da apraziacutevel localizaccedilatildeo Desejosos de

prestar uma homenagem agrave sua majestade divina os reis do Norte

mandaram reproduzir a imagem dele numa estaacutetua de ouro que

enviaram a Bizacircncio como expressatildeo de seu respeito nas mais

caracterizadas formas de religiatildeo Aleacutem disso enfiaram densos e

pesados braceletes nos braccedilos da estaacutetua

Exultante com tatildeo consideraacutevel homenagem ele foi

extremamente sensiacutevel agrave afeiccedilatildeo dos expedidores Mas sua mulher

Frigga para poder mostrar-se em seus mais belos adornos convocou

ferreiros e fez retirar todo o ouro da estaacutetua Othinus mandou enforcaacute-

los colocou a estaacutetua sobre um pedestal e pelo arttifiacutecio de um

espantoso sortileacutegio deu-lhe o poder de falar quando algueacutem tocasse

nela Mas Frigga natildeo se deu por vencida colocando a elegacircncia de

seus enfeites acima da dignidade de seu marido ela prostituiu-se com

um de seus servidores Graccedilas a ele Frigga conseguiu derrubar a

estaacutetua e aproveitou para o seu luxo pessoal o ouro que tinha sido

supersticiosamente dedicado a um culto puacuteblico Ela natildeo teve o menor

escruacutepulo em abandonar-se ao seu impudor para melhor satisfazer sua

avidez essa mulher indigna de ser esposa de um deus O que poderei

acrescentar aqui senatildeo que um tal deus era no fundo bem digno de

tal esposa Tatildeo grande era nesse tempo o erro do qual os mortais eram

meros joguetes

Assim Othinus sob o impacto da injuacuteria que a esposa lhe

infligira natildeo sentiu menos o dano sobre sua imagem do que sobre o

seu leito Profundamente ferido por essas duas irritantes vergonhas e

obedecendo a um nobre sentimento de honra decidiu exilar-se

pensando que assim apagaria a maacutecula da afronta sofrida

2 Com a partida de Othinus um certo Mithotyn ceacutelebre por

seus sortileacutegios que faziam crer que sua forccedila lhe era insuflada por

um dom celeste aproveitou a ocasiatildeo para outorgar-se tambeacutem uma

pretensa divindade e envolvendo os espiacuteritos baacuterbaros nas trevas de

um novo erro induziu-os pela fama de seus sortileacutegios a celebrarem

cerimocircnias em sua homenagem Dizia ele que natildeo se podia apaziguar

a coacutelera dos deuses e redimir as faltas cometidas contra a majestade

deles atraveacutes de sacrifiacutecios globais e confusos por conseguinte

proibiu que se lhes dirigissem pedidos coletivamente e estabeleceu

para cada uma das divindades oferendas distintas

245

Com o regresso de Othinus Mithotyn renunciou ao socorro de

seus sortileacutegios e foi esconder-se em Fiocircnia501

mas os habitantes

lanccedilaram-se sobre ele e mataram-no Mesmo depois de morto suas

vergonhosas praacuteticas continuaram se manifestando pois todos aqueles

que se aproximavam de seu tuacutemulo ele os matava de morte suacutebita e

causou tantas calamidades apoacutes seu desaparecimento que parecia que

a morte de Mithotyn tinha de deixar lembranccedilas quase mais pavorosas

do que a vida dele como se quisesse encontrar culpados para fazecirc-los

expiar seu assassinato Em meio a esses infortuacutenios os habitantes

retiraram o cadaacutever dele da tumba decapitaram-no e furaram-lhe o

peito com uma estaca foi a salvaccedilatildeo deles

3 Depois disto Othinus a quem a morte de sua mulher

restituiacutera sua antiga gloacuteria redimindo de certa maneira a maacutecula

causada em sua divindade retornou do exiacutelio e todos aqueles que em

sua ausecircncia tinham ostentado tiacutetulos e recebido honras de deuses

foram obrigados a renunciar a estes dizendo que nada disso lhes

pertencia e pelo fulgor reparado de sua majestade dispersou como

trevas os grupos de maacutegicos que se haviam formado e forccedilou-os por

uma ordem natildeo soacute a deporem suas qualificaccedilotildees divinas mas ainda a

abandonarem a paacutetria avaliando corretamente que era preciso

expulsar da terra aqueles que tinham tatildeo escandalosamente usurpado o

ceacuteu502

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Traduccedilatildeo de

Aacutelvaro Cabral In DUMEacuteZIL 1992 Pp117s)

501

A ilha dinamarquesa de Fyen Para Henrik Schuumlck seria no paiacutes dos Finni 502

Dan 171 (p 251 ) [1] Ea tempestate cum Othinus quidam Europa tota falso divinitatis titulo

censeretur apud Upsalam tamen crebriorem deversandi usum habebat eamque sive ob incolarum inertiam

sive locorum amoenitatem singulari quadam habitationis consuetudine dignabatur [2] Cuius numen

Septentrionis reges propensiore cultu prosequi cupientes effigiem ipsius aureo complexi simulacro

statuam suae dignationis indicem maxima cum religionis simulatione Byzantium transmiserunt cuius

etiam brachiorum lineamenta consertissimo armillarum pondere perstringebant [3] Ille tanta sui

celebritate gavisus mittentium caritatem cupide exosculatus est [4] Cuius coniunx Frigga quo cultior

progredi posset accitis fabris aurum statuae detrahendum curavit [5] Quibus Othinus suspendio

consumptis statuam in crepidine collocavit quam etiam mira artis industria ad humanos tactus vocalem

reddidit [6] At nihilominus Frigga cultus sui nitorem divinis mariti honoribus anteponens uni

familiarium se stupro subiecit cuius ingenio simulacrum demolita aurum publicae superstitioni

consecratum ad privati luxus instrumentum convertit [7] Nec pensi duxit impudicitiam sectari quo

promptius avaritia frueretur indigna femina quae numinis coniugio potiretur [8] Hoc loci quid aliud

adiecerim quam tale numen hac coniuge dignum exstitisse [9] Tanto quondam errore mortalium

ludificabantur ingenia [10] Igitur Othinus gemina uxoris iniuria lacessitus haud levius imaginis suae

quam tori laesione dolebat [11] Duplici itaque ruboris irritamento perstrictus plenum ingenui pudoris

exsilium carpsit eoque se contracti dedecoris sordes aboliturum putavit Dan 172 (p 2523 ) [1] Cuius

secessu Mithothyn quidam praestigiis celeber perinde ac caelesti beneficio vegetatus occasionem et ipse

fingendae divinitatis arripuit barbarasque mentes novis erroris tenebris circumfusas praestigiarum fama

ad caerimonias suo nomini persolvendas adduxit [2] Hic deorum iram aut numinum violationem confusis

permixtisque sacrificiis expiari negabat ideoque iis vota communiter nuncupari prohibebat discreta

superum cuique libamenta constituens [3] Qui cum Othino redeunte relicta praestigiarum ope latendi

gratia Pheoniam accessisset concursu incolarum occiditur [4] Cuius exstincti quoque flagitia patuere

siquidem busto suo propinquantes repentino mortis genere consumebat tantasque post fata pestes edidit

ut paene taetriora mortis quam vitae monumenta dedisse videretur perinde ac necis suae poenas a noxiis

exacturus [5] Quo malo offusi incolae egestum tumulo corpus capite spoliant acuto pectus stipite

transfigentes id genti remedio fuit Dan 173 (p 2536 ) [1] Post haec Othinus coniugis fato pristinae

claritatis opinione recuperata ac veluti expiata divinitatis infamia ab exsilio regressus cunctos qui per

absentiam suam caelestium honorum titulos gesserant tamquam alienos deponere coegit subortosque

magorum coetus veluti tenebras quasdam superveniente numinis sui fulgore discussit [2] Nec solum eos

deponendae divinitatis verum etiam deserendae patriae imperio constrinxit merito terris extrudendos

ratus qui se caelis tam nequiter ingerebant

246

Detter e Dumeacutezil explicam o episoacutedio em termos mitoloacutegicos demonstrando os

componentes ali assimilados a Guerra dos AEligsir e Vanir que conteacutem o episoacutedio da

cabeccedila de Miacutemir o colar de Briacutesingamen o mito de Njọrethr e Skaacuteethi503

De fato eacute perfeitamente possiacutevel encontraacute-los na digressatildeo Hadingus elaborado

conforme o deus Njọrethr eacute o personagem principal do livro na mitologia de Snorri

Njọrethr adentra a famiacutelia dos AEligsir atraveacutes de uma guerra que se daacute entre as duas famiacutelias

de deuses

O ponto que nos interessa no entanto eacute o que a passagem nos demonstra sobre a

elaboraccedilatildeo de leste na Gesta Danorum Para isso precisamos recorrer agrave comparaccedilatildeo

com as fontes islandesas

Em ambos possuiacutemos uma temaacutetica similar e uma hermenecircutica evemerista no

lidar com os mitos e na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem A Heimskringla e o Proacutelogo da

Edda Menor vinculam as origens de seus povos ao Oriente mais especificamente agrave Aacutesia

Menor agrave Troacuteia Oacuteethinn estaacute presente nas narrativas e residiraacute posteriormente em

Uppsala

O que o relato de Saxo nos traz nesse sentido per se Os personagens Othinus

(evidentemente uma transcriccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo do nome Oacuteethinn) Mythothyn ndash

ldquofalsomiacuteticordquo Oacuteethinn e Frigga Othinus eacute reverenciado em Uppsala e governa em

Bizacircncio

O paralelo geograacutefico e temaacutetico com os Proacutelogos islandeses eacute oacutebvio Poreacutem ele

se encerra nesses niacuteveis

Natildeo haacute uma narrativa da guerra de Troacuteia sequer uma Troacuteia ndash Saxo fala em

Bizacircncio natildeo haacute uma narrativa de migraccedilatildeo Em seu lugar temos uma intriga palaciana

entre um ser ndash ambiguamente tratado na primeira sentenccedila como falso deus ndash ldquo() falso

divinitatis titulo censeretur ()rdquo mas ao mesmo tempo um falso deus mais digno ou

merecedor de honrarias do que o outro que usurpa sua posiccedilatildeo e que ao final da

situaccedilatildeo recupera o ldquofulgorrdquo de sua antiga ldquomajestade divinardquo (numen -inis)

Haacute dados acessoacuterios como os preconceitos de Saxo ndash que seratildeo mostrados e

repetidos exaustivamente em livros posteriores ndash sobre o sexo feminino satildeo

incorporados em Frigga apresentada como uma aduacuteltera que cede agrave luxuacuteria do ouro

Ora a explicaccedilatildeo da proveniecircncia dos daneses eacute colocada por Saxo

anteriormente na primeria linha da Gesta

503

DUMEacuteZIL 1992 121s

247

ldquoOs daneses traccedilam seus iniacutecios a Dan e Angul filhos de

Humblus que foram natildeo meramente os fundadores de nossa raccedila mas

tambeacutem seus guias Dudo entretanto que escreveu uma historia da

Francia acredita que os daneses fluiacuteram dos danais e foram nomeados

segundo elesrdquo504

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Versatildeo nossa)

Saxo liga conscientemente a histoacuteria de origem dos daneses a Dudo de S

Quentin autor da Historia Normannorum associando ldquodanecircsrdquo aos ldquodanaisrdquo nome dado

aos helecircnicos na Iliacuteada Pouco depois na passagem cita agrave Beda autor da Historia

ecclesiastica gentis Anglorum ao refletir sobre o destino de Angul e a origem dos

ingleses

Esta passagem explica a genealogia mas natildeo o porquecirc do esvaziamento do

sentido mais comum ao medievo Ocidental da ldquoMateacuteria de Romardquo Tampouco explica

porque Saxo tendo jaacute recorrido a outra fonte explicativa insere a narrativa que conteacutem

versatildeo diferente e de forma tatildeo transfigurada

Haacute diversos problemas nesta situaccedilatildeo bem como na nossa interpretaccedilatildeo O

principal eacute que natildeo podemos definir um arqueacutetipo exato escandinavo que trace a

origem de Oacuteethinn agrave Troacuteia Possuiacutemos uma longa tradiccedilatildeo de escrita histoacuterica Medieval

Ocidental e uma derivaccedilatildeo da mesma em solo Islandecircs que o fazem mas a existecircncia de

tal tradiccedilatildeo natildeo obriga Saxo a empregaacute-la especialmente se no iniacutecio do livro empregou

outra histoacuteria de origem ainda que mais simples

A formaccedilatildeo de Saxo Grammaticus e alguns dos elementos da narrativa no

entanto satildeo por demais similares agrave tradiccedilatildeo da ldquoMateacuteria de Romardquo para pressupormos

que Saxo natildeo a conhecia Ele simplesmente optou por empregar apenas elementos

acessoacuterios da mesma Em outros toacutepicos da mitologia ele o faz semelhantemente

citamos a pouco o mito de Balethr como exemplo

Cremos no entanto poder sugerir ao menos duas hipoacuteteses razoaacuteveis

conectadas agrave nossa temaacutetica que ajudam a compreender as seleccedilotildees efetuadas por Saxo

nesse episoacutedio

504

111 [1] Dan igitur et Angul a quibus Danorum coepit origo patre Humblo procreati non solum

conditores gentis nostrae verum etiam rectores fuere [2] Quamquam Dudo rerum Aquitanicarum

scriptor Danos a Danais ortos nuncupatosque recenseat

248

432 O leste na Gesta Danorum

A primeira hipoacutetese eacute que a ldquoMateacuteria de Troacuteiardquo natildeo oferece sentido para o leste

em Saxo Grammaticus e o Oriente natildeo incorpora dessa forma signicados de origem no

mesmo sentido que nos Proacutelogos islandeses incluindo os imaginaacuterios sacros referentes

ao Paraiacuteso e agrave Nova Jerusaleacutem

Haacute pouco espaccedilo para interpretaccedilatildeo biacuteblica ndash natildeo apenas no livro I mas por toda

a Gesta Eacute de certa forma surpreendente encontrar um nuacutemero maior de referecircncias

teoloacutegicas e derivaccedilotildees de interpretaccedilotildees biacuteblicas nas obras histoacutericas dos autores

islandeses supostamente leigos do que na obra de um eclesiaacutestico danecircs que escreve

comissionado por um arcebispo

Eric Christiansen expotildee pensamento similar quanto agraves inclinaccedilotildees espirituais ou

poliacuteticas de Saxo

ldquoHe was interested in the spiritual regeneration of the heathen

Slavs but much more interested in the political regeneration of

Denmark and he seems to have believed that both aims were equally

acceptable to God He was writing at a time when Denmark was a

powerful and prosperous kingdom and his concern was to give this

kingdom a past as glorious as the presentrdquo505

Destarte se desejamos entender os sentidos que o leste pode assumer na Gesta

Danorum devemos fazecirc-lo de forma coadunada com a ideologia poliacutetica defendida por

Saxo No momento eacute pertinente retornarmos agrave fonte e observar em maior detalhe como

Saxo se refere agrave regiatildeo no seu Proacutelogo ao discriminar os povos da Escandinaacutevia

ldquoApoacutes o que para o nascente tambeacutem se encontra um ajuntamento de

muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo506

-507

Para Saxo em sua linguagem rebuscada e carregada de sinocircnimos e

qualificantes o leste eacute um ldquoajuntamento de muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo

A descriccedilatildeo da regiatildeo de tal forma no Praefatio eacute significativa em particular se

levarmos em consideraccedilatildeo a ideia de sua composiccedilatildeo posterior aos demais livros da

Gesta Nesse caso a consideraccedilatildeo eacute ponderada fruto de anos de trabalho e escrita e da

criaccedilatildeo de conceitos e preconceitos bastante solidificados na mente do autor Eacute fruto das

505

CHRISTIANSEN 1997 65s 506

ldquoPost quam ab ortu quoque multiplex diversitatis barbaricae consertio reperiturrdquo (0210) 507

Ou ldquode povos baacuterbarosrdquo

249

proacuteprias experiecircncias ouvidas e vividas pelo mesmo com seus sucessivos patronos

Absalatildeo e Anders ambos viajantes para o leste O primeiro entre os Sclavi o segundo

nas regiotildees do Baacuteltico Oriental incluindo Riga no Daugava a regiatildeo do norte da

Estocircnia e a expediccedilatildeo de Valdemar na mesma

Na circunstacircncia pouco provaacutevel de a escrita do prefaacutecio ter-se dado

anteriormente agrave composiccedilatildeo dos demais livros da Gesta a descriccedilatildeo vaga e depreciativa

natildeo necessariamente implica em desconhecimento da regiatildeo descrita Por certo uma

dataccedilatildeo muito antiga para o prefaacutecio excluiria os tempos experimentados pelo arcebispo

Anders Sunesson no Baacuteltico Oriental fonte certa de informaccedilotildees de primeira matildeo para

Saxo mas tambeacutem tal arrazoamento eacute baseado em conjectura

De fato Saxo revela maior conhecimento das regiotildees do Baacuteltico do que os

autores islandeses As regiotildees e povos que satildeo citados no transcorrer da Gesta Danorum

e que podem ser enquadradas no ldquolesterdquo nesta regiatildeo de ldquodiversa barbaacuterierdquo satildeo

Em Austrvegr Curetes (kurs ndash livros 123568911 e 14) Eesti (estonianos ndash

livros 6814 e 16) Rotala (Haapsalu Estocircnia ndash 217) Livi (livocircnios ndash livros 8 e 14 ndash

no ultimo caso o nome ldquoLivonemrdquo aparece juntamente com o nome de um indiviacuteduo

como um apelido) Sembi (prussianos ndash livros 68910 e 11) semgali (zemgaacutelios ndash

livros 6 e 8)

Em Garethariacuteki Holmgardia (HolmgardNovgorod ndash livro 5) e Coslashnogardia

(KonungardKiev ndash livro 5) Paltisca (PalteskjaPolotsk livro 217 ) ndash 37 42 Ruscia

(Rus - livros 23567891112 e 14)

Na Regiatildeo Aacutertica Skritfinnia (Saami Praefatio) Finmarchia Finni (Saami -

livros 1357910) Biarmi (Bjarmar ndash livros 5 6 8 e 9)

Os Sclavi fogem de nosso recorte Aparecem em todos os livros com exceccedilatildeo

do 1 e 4 e satildeo objeto constante das atenccedilotildees dos daneses principalmente nos livros

finais da obra

Haacute algumas referecircncias ao Helesponto (livros 1 8 e 9) satildeo ligadas agrave eventos no

Baacuteltico Oriental agrave Kurland e aos Semgallir aos livocircnios agrave Scithia agrave Rutenia e ateacute

mesmo agrave Biarmia bem como agrave temaacutetica de Ermanaric ndash que como veremos em breve

foi transferida para o rei Frotho III A regiatildeo apresenta-se ressignificada enquanto a rota

dos Varegues aos Gregos que passava pelos Rios Daugava Dnieper o Mar Negro e

finalmente ao Hellesponto de fato

250

433 A Temaacutetica do Conselheiro

Num estudo que se iniciou com a observaccedilatildeo do leste das passagens da Gesta

Danorum defendemos em 2008 a existecircncia de um motivo narrativo que repetir-se-ia

com frequecircncia na Gesta Danorum e que nomeamos como ldquoA Temaacutetica do

Conselheirordquo508

Esta temaacutetica propicia uma estrutura teoacuterica que suporta ideologias teocraacuteticas

mesmo em livros que supostamente sequer mencionam o Cristianismo O esquema das

Virtudes Cardinais defendido por Johannesson 509

eacute essencial para compreendecirc-la

Entre os livros I a IV Saxo apresenta gradualmente quadros de virtudes Usando

diversos exempla ele mostra personagens que possuem uma ou duas virtudes mas que

satildeo deficitaacuterias das demais Somos apresentados aos feitos de Gram e Hadingus

homens cheios de Fortitudo poreacutem carentes de Prudentia somos entretidos com os

artifiacutecios de Amlethus supremo no uso da Prudentia mas severamente desprovido de

Temperantia e dessa forma incapaz de manter suas conquistas alcanccediladas por meio de

sua astuacutecia

Livro Virtude enfatizada Personagem exemplificador

I Fortitudo (forccedila resistecircncia ndash tanto fiacutesica quanto

moral)

Gram Hadingus

II Iustitia munificiencia (justiccedila encaminhando-se para

munificecircncia liberalidade)

Frotho many others

III Prudentia (sabedoria conhecimento inteligecircncia

astuacutecia)

Amlethus (cheio de Prudentia)

IV TemperantiaConstantia (temperanccedila resistecircncia

perseveranccedila estabilidade)

Amlethus (deficient em

Constantia)

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais (Do autor Baseado em Johanesson

Kurt Komposition och vaumlrdsbild i Gesta Danorum 1978 amp Kvaeligrndrup Sigurd The composition of

Gesta Danorum and the place of geographical relations in its worldview 2004)

A partir do Livro V haacute uma clara modificaccedilatildeo na narrativa O leitor subitamente

encontra personagens mais complexos que os reis e heroacuteis vistos ateacute entatildeo Os reis satildeo

fracos falhos tolos Contudo diferentemente da maior parte de indiviacuteduos apresentados

nos primeiros livros esses novos demonstram mudanccedila e desenvolvimento

508

MUCENIECKS 2008 62-64 ________________ The acuteThematic of the Counseloracute in the Gesta

Danorum and the Strengthening of the Danish Hegemony in the Medieval Baltic Area Paper apresentado

no International Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 509

JOHANNESSON 1978 amp 1981

251

Algumas vezes esse crescimento eacute um bocado cru carente de polimento O mau

rei eacute confrontado geralmente com um estrangeiro Seus conselheiros anteriores satildeo a

principal razatildeo de suas fraquezas e comportamento inadequado O estrangeiro enfrenta-

os toma seus lugares e vem a ser o verdadeiramente saacutebio conselheiro que o rei

necessita Apoacutes tais altercaccedilotildees o rei abandona seus enganos do passado e conduz a

Dinamarca em caminhos gloriosos e proacutesperos

Os livros nos quais encontramos tal estrutura mais desenvolvida satildeo os livros V

com o rei Frotho III e o conselheiro Ericus Dissertus bem como os desenvolvimentos

posteriores encontrados nos livros VI a VIII que se focam na histoacuteria do heroacutei

Starcatherus que tendo vivendo o equivalente temporal de diversas vidas eacute capaz de

retificar os caminhos do rei Frotho IV bem como atuar nas vidas de diversos reis apoacutes

isto dentre muitos feitos e desfeitos

Rei Conselheiro Livro

Gram Bessus I

Hadingus Homem caolho (lembra Oacuteethinn) I

Frotho III Ericus Dissertus (ldquoErik o eloquenterdquo) V

Frotho IV e outros reis Starcatherus VI-VIII

Knut Lavard Temaacutetica em desenvolvimento XIII

Valdemar I Absalatildeo (protoacutetipo do conselheiro) XIV-XVI

Tabela 08 o desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum Do autor

Ainda que esses dois personagens consistam no aacutepice da ideia do conselheiro

podemos identificar o desenvolvimento do tema em outros livros De fato esta temaacutetica

natildeo eacute nova de todo no mundo setentrional Eacute possiacutevel encontrar narrativas similares na

Hrolf Kraki saga e na Historia apollonii Regis Tyri por exemplo e seus elementos se

prestam a anaacutelises estruturalistas tais quais as desenvolvidas por Vladimir Propp em

seus trabalhos acerca dos contos folcloacutericos510

Outras partes da Gesta Danorum em particular seus livros I e XIII trazem-nos

ecos da temaacutetica do conselheiro No livro I lemos sobre primeiros reis da Dinamarca

Gram e Hadingus O primeiro envolve-se em uma disputa poeacutetica com uma dama a

quem ele deseja Ele eacute totalmente incapaz entretanto de enfrentar a situaccedilatildeo Incapaz

de falar corretamente incapaz de argumentar Sua salvaccedilatildeo eacute apresentada nas palavras

de seu amigo Bessus que tambeacutem o auxilia em outras situaccedilotildees mas particularmente na

disputa poeacutetica

510

PROPP Wladiacutemir Yakovlevitch Morfologia do Conto Maravilhoso Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 2006 [Moscou 1976]

252

No mesmo livro o leitor deleita-se com a narrativa de Hadingus De longe mais

elaborada que a histoacuteria de Gram a de Hadingus passa por desenvolvimentos

interessantes ndash como por exemplo uma grande similaridade com o mito do deus

Njoumlrōr visto haacute pouco Em seus iniacutecios ele eacute mentoreado por uma gigante Harthgrepa

Nesta fase de sua vida Hadingus natildeo eacute apresentado enquanto um bom exemplo Ele eacute

seduzido por uma gigante que como se natildeo fosse o suficiente pratica magia negra para

antever o futuro

Esta fase eacute encerrada com a morte de Harthgrepa e a captura de Hadingus na

Kurland Em seu cativeiro ele recebe conselho de um velho homem claramente

representando a Oacuteethinn disfarccedilado Nesse ponto Hadingus personifica a fortitudo

iniciando uma vida de vitoacuterias frequentemente ajudado pelo velho homem

Em ambos os casos o rei eacute claramente apresentado como deficiente e ateacute mesmo

fraco e pateacutetico enganado por seus inimigos e pelas circunstacircncias A situaccedilatildeo

desesperada somente pode ser transposta com a ajuda de um saacutebio um conselheiro No

caso de Hadingus haacute ainda a comparaccedilatildeo das duas fases de sua vida que aponta

inequivocamente para a necessidade de um conselheiro verdadeiro e saacutebio

O livro XIII jaacute na parte ldquohistoacutericardquo da Gesta Danorum apresenta a histoacuteria de

Knut Lavard enganado e capturado por seus inimigos O iniacutecio do livro conta a

historieta de um jovem que a despeito do aviso de seu instrutor foi morto por um

cavalo

O fechamento da ideia eacute apresentado no livro XIV em diante que conteacutem o

nuacutecleo da vida do arcebispo Absalatildeo Natildeo haacute qualquer miacutenima possibilidade de duacutevida

sobre quem seja o heroacutei nesses livros De forma alguma eacute o rei Valdemar mas sim o

bispo posteriormente arcebispo Absalatildeo

Dessa forma o que parece a princiacutepio uma referecircncia pontual uma narrativa

isolada da vida de um arcebispo evolui para um tema principal Esta ideia entretanto

natildeo eacute uma simples glorificaccedilatildeo de seu patrono e suportador Absalatildeo antes disso eacute uma

forte defesa das instituiccedilotildees representadas pelos homens na narrativa

O que Saxo mostra ao leitor eacute que natildeo eacute suficiente ao rei ser forte Ele necessita

de ser saacutebio e de ter homens ainda mais saacutebios a aconselhaacute-lo Certamente a uacutenica

instituiccedilatildeo que pode prover toda esta quantia de sapiecircncia sob o ponto de vista de um

cleacuterigo do seacuteculo XIII eacute a Igreja Romana

Haacute anda uma nuance importante a ser apresentada Natildeo haacute uma dominacircncia

total clara de uma instituiccedilatildeo sobre a outra Natildeo eacute esse o intuito das narrativas de Saxo

253

Eacute possiacutevel inclusive se destacar o perigo de uma posiccedilatildeo aberta e marcadamente

gregoriana o manuscrito de Angers que de acordo com a criacutetica geneacutetica possivelmente

trata-se de um autoacutegrafo do proacuteprio Saxo nos provecirc incocircmoda informaccedilatildeo em meio ao

texto que conhecemos como a Gesta Danorum ldquooficialrdquo aparentemente haacute modificaccedilotildees

e adiccedilotildees com o intuito de espelhar feitos dos Valdemares indicativos da

vulnerabilidade do proacuteprio Saxo

A supremacia dos homens saacutebios os eclesiaacutesticos sobre os lutadores e poliacuteticos

eacute clara na mente de Saxo mas parece ser igualmente claro para ele que haacute a necessidade

de cooperaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel separar a monarquia e o arcebispado em uma versatildeo

dualiacutestica das Ordens feudais oratores e belatores precisam cooperar a fim de alcanccedilar

uma naccedilatildeo forte sob a direccedilatildeo divina

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares

O livro V eacute um ponto focal e de particular relevacircncia na Gesta Danorum como

um todo Em uma das pouquiacutessimas ocasiotildees nas quais Saxo provecirc datas ou

periodizaccedilotildees mais especiacuteficas nesse caso a narrativa ocorre nas proximidades

temporais do proacuteprio nascimento de Cristo o que vai se revestir de importacircncia especial

no enredo

Quanto aos esquemas discutidos a pouco das Virtudes Cardinais e da Temaacutetica

do Conselheiro o livro V eacute o primeiro no qual um conselheiro ndash no caso Ericus

Dissertus ndash eacute apresentado revestido de todas as Virtudes Cardinais O rei em questatildeo

Frotho III seraacute lembrado em sua morte como ldquoo mais ilustre de todos os reis do

mundo511

rdquo

Eacute por meio dos conselhos de Ericus que o rei Frotho III ateacute entatildeo imerso em

uma vida cheia de viacutecios e falhas eacute transformado no governante que aleacutem de pacificar a

Dinamarca constroacutei um Imperium no norte Os territoacuterios conquistados pelos daneses

incluem a Noruega Sclavia Oacutercades Estocircnia Curlacircndia Aland Rutenia (satildeo citadas

Holmgardia e Conungardia ndash Novgorod e Kiev) Saxonia Jaumlmtland e Haumllsingland512

A narrativa eacute similar agrave Hervara Saga principalmente a Batalha entre Godos e

Hunos e conteacutem elementos da Res Gestae de Amiano Marcelino da Getica de

511

() toto orbe clarissimi regis () 512

Proviacutencias do norte e centro da Sueacutecia respectivamente

254

Jordanes e da Historiarum adversum paganos de Paulo Oroacutesio Os daneses e seus

aliados assumem o papel dos Godos enfrentando os hunos aliados aos Ruteni O papel

do rei godo Ermanaric eacute transferido para Frotho III

Segundo Saxo ldquoo reino de Frotho incluiacutea a Ruacutessia ao nascente e fazia fronteira

com o rio Reno ao poenterdquo513

O rei seraacute um pacificador governando em paz por trinta

anos ininterruptos e a justificativa para tanto eacute a coincidecircncia com o nascimento de

Cristo

ldquoNesta mesma eacutepoca o autor da Salvaccedilatildeo dedicadamente e

pela graccedila suportou a condiccedilatildeo humana vindo ao mundo

publicamente e agrave vista dos mortais enquanto os fogos de guerra eram

apagados e a terra gozava um periacuteodo da mais calma tranquilidade

Considerou-se que a extensa magnitude dessa paz a mesma e

ininterrupta em todas as partes do mundo atendeu antes ao divino

nascimento que a um priacutencipe terrestre e que por um ato celestial esta

rara daacutediva de tempo significou que o criador do tempo estava entre

noacutes514

rdquo

A ideia da coincidecircncia da paz mundial com um Imperium de alcance

igualmente mundial e o nascimento Cristo natildeo eacute nova Em adiccedilatildeo agrave citaccedilatildeo biacuteblica de

que Cristo viera na ldquoplenitude dos tempos515

rdquo temos uma construccedilatildeo histoacuterica ndash que

como jaacute discutimos em capiacutetulo anterior foi bastante duradoura no medievo ndash da pena

de Paulo Oroacutesio Encontramos termos muito semelhantes no livro VII capiacutetulo XX de

sua Historiarum adversum paganos

1Assim no ano 752 da fundaccedilatildeo de Roma pela 3ordf vez Ceacutesar

Augusto encerrou pessoalmente as portas do Templo de Jano Sem

duacutevida do Oriente ao Ocidente do Norte ao Sul e ao longo de todo o

litoral banhado pelo Oceano todas as naccedilotildees tinham se harmonizado e

alcanccedilado a paz universal ()

5Ora Cristo nasceu nesse ano ie no ano em que Ceacutesar

Augusto consertou uma paz muito soacutelida e autecircntica ndash em ordem ao

plano estabelecido por Deus Essa paz serviu como escrava o advento

de Cristo E no nascimento de Cristo os Anjos exultando cantaram

para os homens que os ouviam Gloacuteria a Deus nas alturas e paz na

513

ldquoFrothonis regnum Rusciam ab ortu complectens ad occasum Rheno flumine limitatum eratrdquo 514

(5153) ldquo[1] Per idem tempus publicae salutis auctor mundum petendo servandorum mortalium gratia

mortalitatis habitum amplecti sustinuit cum iam terrae sopitis bellorum incendiis serenissimo

tranquillitatis otio fruerentur [2] Creditum est tam profusae pacis amplitudinem ubique aequalem nec

ullis orbis partibus interruptam non adeo terreno principatui quam divino ortui famulatam fuisse

caelitusque gestum ut inusitatum temporis beneficium praesentem temporum testaretur auctoremrdquo 515

Gaacutelatas 0404V indo pois a plenitude do tempo Deus enviou seu filho () In Biacuteblia Sagrada

Traduccedilatildeo Almeida revista e atualizada

255

terra aos homens de boa vontade

Neste mesmo tempo Augusto a quem se concedera o supremo

mando de todas as coisas natildeo tolerou que lhe chamassem senhor dos

homens (sendo ele um dos mortais) Mais ainda natildeo lhe sofru o

acircnimo que lhe chamassem SENHOR nos dias em que entre os

homens nasceu o verdadeiro Senhor de todo o gecircnero humano

Tambeacutem neste mesmo ano de 752abUc o mesmo Ceacutesar

Augusto a quem Deus predestinara para este tatildeo grande misteacuterio foi

o primeiro que mandou fazer o recenseamento de cada uma das

proviacutencias do seu Impeacuterio e registrar o nuacutemero de todos os que o

povoavam E isto precisamente quando Deus se dignou natildeo soacute ser

visto como Homem mas tambeacutem assumir a natureza humanardquo

(Paulo OROacuteSIO Histoacuteria Contra os pagatildeos Livro VI capiacutetulo 22

Traduccedilatildeo CARDOSO Joseacute)516

Haacute outros elementos menores que tambeacutem podem indicar uma relaccedilatildeo entre os

textos como certa emulaccedilatildeo da cardinalidade na delimitaccedilatildeo de limites mas que podem

igualmente ser fortuitos517

O episoacutedio nos fornece um conceito mais apurado de qual significaccedilatildeo e

relevacircncia o leste pode se revestir na ideologia de Saxo Grammaticus trata-se

claramente da construccedilatildeo de uma hegemonia danesa no Baacuteltico

435 O leste e as cruzadas setentrionais

O contexto danecircs do seacuteculo XIII fornece a Saxo um cenaacuterio perfeito que

providencia lugares e funccedilotildees para todos os poderes envolvidos na situaccedilatildeo as

Cruzadas Setentrionais Os inimigos os agentes todas as peccedilas estatildeo providenciadas

nestas expediccedilotildees todos os conflitos refletidos Tambeacutem o acordo entre Igreja e Estado

encontra seu lugar em tais empreendimentos

516

1 Itaque anno ab urbe condita DCCLII Caesar Augustus ab oriente in occidentem a septentrione in

meridiem ac per totum Oceani circulum cunctis gentibus una pace conpositis Iani portas tertio ipse tunc

clausit () 5

Igitur eo tempore id est eo anno quo firmissimam uerissimamque pacem ordinatione Dei

Caesar conposuit natus est Christus cuius aduentui pax ista famulata est in cuius ortu audientibus

hominibus exultantes angeli cecinerunt Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonae uoluntatis

eodemque tempore hic ad quem rerum omnium summa concesserat dominum se hominum appellari non

passus est immo non ausus quo uerus dominus totius generis humani inter homines natus est 6 eodem

quoque anno tunc primum idem Caesar quem his tantis mysteriis praedestinauerat Deus censum agi

singularum ubique prouinciarum et censeri omnes homines iussit quando et Deus homo uideri et esse

dignatus est tunc igitur natus est Christus Romano censui statim adscriptus ut natus est (Paulus Orosius

historiarum adversum paganos libri vii) 517

Discutimos a questatildeo e tais passagens mais profundamente e em conjunto com a Temaacutetica do

conselheiro em MUCENIECKS 2009 Capiacutetulo 05 pp123-142

256

A primeira fase de tais cruzadas deu-se nas proximidades de casa nas terras

eslaacutevicas sua maior preocupaccedilatildeo foi a seguranccedila da vizinhanccedila e a consolidaccedilatildeo das

instituiccedilotildees Nesse estaacutegio a cooperaccedilatildeo com os saxotildees e o Impeacuterio eacute necessaacuteria O

heroacutei eacute Absalatildeo lutador contra os eslavos A alianccedila com os germacircnicos eacute pesadamente

criticada pelo Grammaticus

Os livros XIV a XVI descreveratildeo de forma bastante detalhada os

acontecimentos da ocasiatildeo O registro eacute feito quase que ao peacute da letra em uma esteacutetica

e forma croniacutestica e clara Ainda que cheia de sententia e julgamentos Pode-se

encontrar tambeacutem nos livros miacuteticos entretanto ecos desse contexto

Quiccedilaacute algumas das passagens mais dramaacuteticas do livro V e particularmente VI

satildeo dedicadas a denegrir os saxotildees a alianccedila de Frotho IV com esta gente e a adoccedilatildeo de

alguns de seus usos eacute para Saxo falando pela boca do heroacutei Starcatherus um dos piores

feitos jaacute perpetrados pelo rei O cerimonial da corte infiltrado nos salotildees daneses egrave

demonstraccedilatildeo para Saxo de como os saxotildees seriam (em suas proacuteprias palavras)

ldquoefeminadosrdquo ldquoviciadosrdquo entre outras qualificaccedilotildees denegridoras refletindo claramente

as tensotildees ocorrendo dentro da igreja danesa contra a dominaccedilatildeo dos costumes

imperiais

A segunda fase das Cruzadas Setentrionais deu-se nas praias orientais do

Baacuteltico Neste ponto a poliacutetica danesa enfrenta situaccedilotildees diferentes Os personagens satildeo

outros O rei agora eacute Valdemar II o arcebispo Anders Sunesson Os eslavos foram

pacificados e agora fazem parte do reino danecircs que busca expansatildeo e hegemonia sobre

o Baacuteltico principalmente na Estocircnia e em partes da Kurland

O relacionamento com os nativos eacute diverso cheio de contrastes Ainda que Saxo

apresente a aacuterea no prefaacutecio como uma regiatildeo de disseminada ldquobarbaacuterierdquo esses baacuterbaros

natildeo parecem consistir em vilotildees do mesmo grau de vilania dos saxotildees O livro VIII

apresenta a batalha de Bravalla que afetou segundo o autor todos os povos e raccedilas do

norte Nesta batalha as alianccedilas descritas por Saxo refletem relacionamentos complexos

entre os povos setentrionais e o claro desconforto relativo aos seus vizinhos

meridionais germacircnicos

Em uma passagem que reconta uma amplamente difundida tradiccedilatildeo sobre a

batalha Saxo apresenta os daneses em decadecircncia Seu rei eacute cego literalmente Seus

aliados satildeo saxotildees eslavos e livocircnios O inimigo eacute encabeccedilado pelos suecos seguidos

por campeotildees da Noruega Islacircndia e mesmo da Rutenia mas com o exeacutercito fortalecido

por flancos de curlandeses e estonianos O julgamento de Saxo eacute positivo em relaccedilatildeo

257

aos suecos e seus aliados para ele eles mostravam a ldquosuperioridade dos homens do

norterdquo em relaccedilatildeo a saxotildees e eslavos

O proacuteprio livro V haacute pouco observado mostra como facilmente elementos dessa

barbaacuterie tornam-se uacuteteis sob a eacutegide danesa Os elementos constitutivos do cenaacuterio estatildeo

presentes na maioria dos livros da parte miacutetica A narrativa de Hadingus no livro I na

qual o mesmo necessita da ajuda do conselheiro acontece na Kurland A segunda vida

regenerada de Frotho III depois do aconselhamento bem sucedido de Ericus Dissertus

eacute marcada pelo paralelo com as conquistas de Ermanaric o godo e estaacute fortemente

fundamentada nos domiacutenios orientais assim como a trajetoacuteria de seu sucessor518

A circunstacircncia dos daneses lutando na Estocircnia e mesmo o tempo passado por

Anders Sunesson em Riga na Livocircnia eacute refletida principalmente nos livros miacuteticos Se

eles foram de fato escritos apoacutes a parte dedicada a Absalatildeo faz perfeito sentido o

nuacutemero de ocorrecircncias relacionadas ao Baacuteltico Oriental ainda mais ao se notar a

conexatildeo do cenaacuterio com a Temaacutetica do Conselheiro

Nesta fase da poliacutetica danesa a consolidaccedilatildeo interna foi efetuada com sucesso e

os principais objetivos dos daneses estatildeo focados na hegemonia sobre o Baacuteltico

conquistando os povos nativos e entrando em conflito com os germacircnicos natildeo mais

aliados mas os principais opositores naquele campo

Concluindo devemos salientar a coerecircncia e harmonia encontrada na Gesta

Danorum quando a mesma eacute lida observando-se os principais padrotildees nela instilados

por seu autor Um projeto que inicialmente fora uma crocircnica biograacutefica e simples

assumiu o papel de Histoacuteria de uma naccedilatildeo e como tal viria a refletira as condiccedilotildees de

um paiacutes buscando a hegemonia em todo o Baacuteltico quiccedilaacute a proacutepria tentativa de criaccedilatildeo

de uma nova forma de Impeacuterio

518

Note-se que nos contos relativos a Dietrich de Bern que conteacutem material sobre Ermanaric este sofre

nas matildeos de um mau conselheiro

258

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste

educar e instruir

Jaacute enfatizamos a limitaccedilatildeo das informaccedilotildees sobre Saxo Grammaticus o que se

sabe discutimos logo acima Tambeacutem demonstramos que a codicologia tem provido

razoaacuteveis referecircncias na determinaccedilatildeo da fidelidade e da existecircncia de poucas alteraccedilotildees

no texto latino da Biblioteca real da Dinamarca em relaccedilatildeo agrave sua proacutepria escrita

O achado do manuscrito de Angers datado do iniacutecio do seacuteculo XIII com

espaccedilos para inserccedilotildees e ldquotestesrdquo com as formas poeacuteticas eacute considerado unanimemente

da proacutepria pena de Saxo ou algueacutem de quem o mesmo se valia ndash evidentemente

circunstacircncia bastante rara e surpreendente A comparaccedilatildeo com os demais manuscritos

tem demonstrado a fidelidade das ediccedilotildees modernas ao suposto ldquooriginalrdquo

Destarte na Gesta Danorum podemos encontrar um tratado bem atribuiacutedo a uma

mente individual a quase que uma mente artiacutestica - em suma podemos ter a ousadia de

pensar em questotildees como a individualidade e autoria em uma obra do medievo

Se corretas as pressuposiccedilotildees endossadas por tantos acadecircmicos incluindo Elton

e Fischer sobre a ordem de composiccedilatildeo dos livros da Gesta e a mudanccedila de ideia de

Saxo apoacutes a morte de seu primeiro patrono temos entatildeo o vislumbre de um historiador

de um aspirante a poeta de um cleacuterigo que natildeo obstante comissionado com

possivelmente pesadas restriccedilotildees foi capaz de imprimir uma genialidade e originalidade

toda proacuteprias em sua obra originalidade esta que natildeo se desfigurou em uma disforme

mentalidade ou autoria comum em um simplista reflexo de seus tempos

Em contrapartida sabemos muito sobre a vida de Snorri - ainda que por meio de

uma uacutenica fonte a Sturlunga Saga que evidentemente passa uma versatildeo uniacutevoca de sua

vida No entanto os manuscritos da Edda satildeo diversos possuem diferenccedilas

consideraacuteveis entre si provavelmente possuem a adiccedilatildeo de muitas matildeos e cabeccedilas Em

relaccedilatildeo agrave proacutepria Heimskringla demonstramos os questionamentos existentes em

relaccedilatildeo a sua autoria da parte de Snorri O sabor de tais obras sua proacutepria originalidade

no entanto perdura

Poreacutem dessa originalidade depreende-se uma cautela para o estudioso ao

menos no quesito autoria Tratamos com um autor inigualaacutevel e genial dotado de

incongruecircncias e disparidades mas ao mesmo tempo o quanto dessas mesmas

incongruecircncias e disparidades se devem a interpolaccedilotildees eacute incerto e permaneceraacute objeto

de discussatildeo indefinida

259

Por certo que estas diferenccedilas e tal incerteza sobre a autoria natildeo desabonam o

valor da fonte primaacuteria De fato a existecircncia de mais de uma mente por traz da Edda

eou da Heimskringla nos fornece a preciosa qualidade de uma obra que pode a

despeito da originalidade singularidade e genialidade de seu autor primaacuterio conter mais

marcadamente elementos que podem ser atribuiacutedos com menor medo a uma espeacutecie de

mentalidade coletiva refletindo mais de um sentimento e identificaccedilatildeo cultural - ainda

que de extratos especiacuteficos da sociedade na qual foi escrita - do que se poderia pensar

ao lidar-se com uma obra de autoria uacutenica em toda a sua extensatildeo

Saxo Grammaticus Snorri Sturlusson e o autor da Heimskringla efetuaram

esforccedilos consideraacuteveis na construccedilatildeo de suas obras histoacutericas no sentido de traccedilar

linhas histoacutericas contiacutenuas do passado miacutetico ao presente em que escrevem Snorri

Sturlusson em particular vai desenvolver uma linha interpretativa elaborada segundo a

qual a primeira dinastia de reis escandinavos dos Ynglingar descenderia de Oacuteethiacutenn

Inicialmente um personagem de vulto da antiguidade originaacuterio de Troacuteia (assim como

THORNoacuterr) viria a ser adorado pelas populaccedilotildees setentrionais como deus

Nesta interpretaccedilatildeo o leste assume papel das origens e veicula as tradiccedilotildees

claacutessica grego-romana Medieval Ocidental e Biacuteblica mas faz pouco uso da cosmologia

escandinava e conhecimento empiacuterico sobre o Oriente

O autor da Heimskringla eacute capaz de inserir ainda em sua obra o conhecimento

empiacuterico de noruegueses e islandeses sobre o Baacuteltico Rus e adjacecircncias

Saxo Grammaticus escreveraacute de forma mais ideoloacutegica de forma a sustentar uma

posiccedilatildeo favoraacutevel agrave supremacia do arcebispado em seu contexto mas tambeacutem traz

traccedilos claros de elaboraccedilatildeo e assimilaccedilatildeo de diversas tradiccedilotildees dentre as quais a

escandinava a greco-romana e em menor grau a cristatilde

Nesse caso os deuses tambeacutem satildeo apresentados como homens que receberam

adoraccedilatildeo indevida e as localidades desse mundo miacutetico satildeo assimiladas agraves locaccedilotildees

conhecidas seja via conhecimento geograacutefico empiacuterico ou baseado em fontes greco-

romanas e cristatildes ou na proacutepria tradiccedilatildeo literaacuteria escandinava Como exemplo desse

uso temos o uso frequumlente da localidade do Hellesponto que Saxo associa diretamente

agrave rota dos varegues aos gregos

O leste para Saxo Grammaticus eacute campo de expansatildeo para os daneses eacute sua

aacuterea hegemocircnica e sua histoacuteria imprimiraacute tal ideologia nos passados mais distantes

Ambos os autores procuraram construir cenaacuterios verossiacutemeis nos quais

260

pudessem inserir todas as tradiccedilotildees das quais beberam ndash fossem tradiccedilotildees nativas

biacuteblicas da Europa Ocidental ou Claacutessicas Atraveacutes do crivo de suas proacuteprias razotildees

empregaram os elementos que mais se apresentassem como convenientes quiccedilaacute

coerentes na escrita de suas proacuteprias histoacuterias

O uso e acesso a tais tradiccedilotildees e a existecircncia de modelos de histoacuterias universais

natildeo podem esconder entretanto uma circunstacircncia pouco comum no meio medieval

mas que gradativamente tomaraacute maior focirclego nos seacuteculos vindouros a autoria

individual

Encerramos tal seccedilatildeo salientando que em todas essas obras eacute possiacutevel se delinear

uma carcateriacutestica marcante em comum que seraacute contraposta na seccedilatildeo a seguir tratam-

se de obras com objetivos de instruir de educar de transmitir conhecimento avalizado

Ao adentrarmos o mundo das Fornaldarsoumlgur e da Ọrvar-Odds Saga nos

depararemos com um uso bastante diverso do passado e de tal conhecimento geograacutefico

Natildeo mais fatores da instruccedilatildeo e piedade tais obras teratildeo como objetivo primaacuterio o

distrair o entreter E em tal objetivo o leste possuiraacute papel de destaque

261

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A

NARRATIVA DE ENTRETENIMENTO

51 As Fornaldarsoumlgur

A produccedilatildeo declaradamente ldquohistoacutericardquo natildeo esgota o material escrito lidando

com o leste De fato o maior conjunto de fontes a lidar com tal aacuterea eacute formado por uma

seacuterie bastante distinta de produccedilatildeo literaacuteria uma seacuterie na qual elementos como

entretenimento performance e o luacutedico assumem papel tatildeo ou mais importante em

alguns casos do que a proacutepria narrativa histoacuterica

Em tais obras o passado provecirc antes de tudo o contexto narrativo o cenaacuterio a

ambientaccedilatildeo propiacutecios a tal gecircnero De certa forma desenvolve-se uma associaccedilatildeo entre

maior plausibilidade de execuccedilatildeo de feitos fantaacutesticos com a maior antiguidade ou

distanciamento temporal em relaccedilatildeo ao seu autor

O propoacutesito especiacutefico de escrita ndash no caso o entreter ndash natildeo exclui o

entrelaccedilamento dessa produccedilatildeo com aquela destinada agrave instruccedilatildeo Como veremos em

breve haacute uma conexatildeo orgacircnica entre agrupamentos de fontes que agrave primeira vista natildeo

possuem nada em comum agrave parte de serem produccedilotildees escritas do medievo escandinavo

O gecircnero que enquadra fontes as sagas a lidar com o fantaacutestico e o maravilhoso

foi chamado de Fornaldarsoumlgur norethurlanda o que significa literalmente ldquosagas

antigas das terras do norterdquo Normalmente citadas apenas como Fornaldarsoumlgur satildeo

traduzidas com frequecircncia como ldquosagas legendaacuteriasrdquo ou ldquoSagas dos tempos antigosrdquo

Essa caracterizaccedilatildeo eacute posterior agrave escrita das mesmas datando do seacuteculo XIX e natildeo

fecha de forma absoluta a seacuterie

Carl Christian Rafn em sua coletacircnea ldquoFornaldar Soumlgur Nordrlandardquo

publicada em trecircs volumes em Copenhaguen em 1829 e 1830 efetuou a seleccedilatildeo de

trinta e uma sagas que considerava enquadrarem-se no criteacuterio receacutem-criado

Posteriormente mais cinco foram adicionadas agrave lista mas haacute uma seacuterie de manuscritos

que ainda carecem de maior anaacutelise e que poderiam ser enquadradas em tal categoria

Tulinius por sua vez considera uma lista de vinte e cinco Fornaldarsoumlgur o que jaacute

262

deixa claro que haacute dissenso e o criteacuterio de gecircnero natildeo eacute tatildeo fechado519

Aleacutem da narrativa de eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia (com

algumas exceccedilotildees das quais a principal eacute a Yngvar Saga viethforla) as Fornaldarsoumlgur

satildeo caracterizadas por uma forma narrativa centralizada no fantaacutestico na aventura e no

exoacutetico com um grande uso de temaacuteticas miacuteticas e lendaacuterias O cenaacuterio baacutesico dos

acontecimentos eacute a Escandinaacutevia e natildeo a Islacircndia

Natildeo haacute consenso em relaccedilatildeo agrave sua dataccedilatildeo a Yngvar Saga viethforla datada do

seacuteculo XIII eacute a mais antiga da seacuterie que em sua maior parte situa-se entre os seacuteculos

XIV-XV520

ndash o que faz as Fornaldarsoumlgur formas de saga bastante recentes

Dessa forma apesar de narrarem eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia

possuem uma distacircncia temporal mais significativa dos eventos que narram e consistem

em fontes tardias

Jaacute tratamos das Iacuteslendigasoumlgur em outro capiacutetulo de tom mais soacutebrio e

comedido narradas de forma marcadamente realiacutestica com poucas intervenccedilotildees do

sobrenatural e com muitas informaccedilotildees de cunho histoacuterico e mesmo croniacutestico satildeo

consideradas pela tradiccedilatildeo historicista como o aacutepice da produccedilatildeo literaacuteria islandesa

medieval e como tal serviram de paracircmetro de comparaccedilatildeo para outras seacuteries de saga

Nesta breve caracterizaccedilatildeo jaacute fica evidente ao leitor a preferecircncia e valorizaccedilatildeo

que foi dada no decorrer dos estudos sobre Escandinaacutevia medieval agraves Iacuteslendigasoumlgur e a

depreciaccedilatildeo a que as Fornaldarsoumlgur foram submetidas Como parte desse fenocircmeno

podemos citar natildeo apenas propensotildees historicistas uma divisatildeo estrita entre ldquohistoacuteriardquo e

ldquomitordquo mas tambeacutem a criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo que definiu que o tom narrativo

escandinavo em sua forma mais pura em seu periacuteodo mais ldquoclaacutessicordquo e notaacutevel seria

aquele passado pela narrativa das Iacuteslendigasaga enfim um criteacuterio acerca da proacutepria

qualidade artiacutestica das sagas tambeacutem empregado em outras situaccedilotildees diacutespares como

por exemplo a dataccedilatildeo das mesmas521

Um dos argumentos mais predominante e recorrente na justificativa de tais

criteacuterios de valor eacute construiacutedo baseado no contexto de escrita das Fornaldarsoumlgur

alegando que as mesmas teriam sido produzidas em periacuteodo de decadecircncia literaacuteria por

519

DRISCOLL Mathews James A new edition of the Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Some basic

question In BAMPI amp FERRARI (eds) Editing Old Scandinavian texts Problems and perspectives

Trento 2009 p01 520

PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga and Eymunds

Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]p 02 521

MUNDAL Else The dating of the oldest sagas about early icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 p46

263

sua vez causado pelos processos poliacuteticos envolvendo a Islacircndia e a Noruega522

Em

contrapartida as Iacuteslendigasoumlgur escritas em sua maior parte ateacute o seacuteculo XIII

refletiriam ainda o periacuteodo aacuteureo literaacuterio islandecircs medieval em conjunto com as obras

de Snorri Sturlusson

O fortalecimento da monarquia norueguesa e a subsequente submissatildeo da

Islacircndia em 1262 ao monarca da Noruega foi situaccedilatildeo traumaacutetica e verdadeira ruptura

em uma sociedade desde o seu iniacutecio fundamentada ainda que de forma relativa na

igualdade entre seus pares523

Tais argumentos satildeo datados coerentes com o historicismo suas questotildees e

questionamentos metodoloacutegicos esteacuteticos e formais As geraccedilotildees mais recentes de

acadecircmicos dentre os quais se pode citar Mathew Driscoll Torfi Tulinius Margaret

Ross tecircm levantado novas questotildees relativas agrave pertinecircncia do estudo das

Fornaldarsoumlgur Natildeo enquanto produto de decadecircncia literaacuteria ndash antes enquanto

respostas artiacutesticas literaacuterias e histoacutericas especiacuteficas de uma sociedade em processo de

profunda transformaccedilatildeo524

Haacute linhas diversas de argumentaccedilatildeo a se empregar ao se levar em consideraccedilatildeo o

valor intriacutenseco das Fornaldarsoumlgur enquanto vislumbres de uma eacutepoca A proacutepria

linguagem de escrita das mesmas constrastante com as Islendigasoumlgur em tom mais

leve e muitas vezes bem-humorado fez com que as Fornaldarsoumlgur se tornassem

populares na Islacircndia desde a data de sua escrita ateacute o proacuteprio seacuteculo XIX o nuacutemero de

coacutepias e manuscritos efetuados nesses quatro seacuteculos atesta particularmente bem a

situaccedilatildeo525

destarte as Fornaldarsoumlgur consistem tambeacutem formas especiacuteficas literaacuterias

voltadas para o proacuteprio entretenimento

Em adiccedilatildeo as Fornaldarsoumlgur preservam a despeito de sua estrutura em prosa

grande quantidade de inserccedilotildees poeacuteticas Uma das meacutetricas mais frequentemente

empregadas eacute a fornyrethislag mais ligada agrave tradiccedilatildeo eacutedica do que agrave escaacuteldica como no

caso das Islendigasoumlgur526

O gecircnero veicula dessa forma conhecimento e fontes

522

DRISCOLL Matheus Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 196 523

BYOCK Jesse Viking Age Iceland London Penguim books 2001 Capiacutetulo 04 524

ROSS Margaret Clunie Introduction In ____________ (ed) Old Icelandic Literature and Society

Cambridge at the University Press 2000 P 03 525

LESLIE Helen The death songs of Oumlrvar-Odds Saga Tese de doutorado Bergen University 2012

P 232 526

TULINIUS T Sagas of Icelandic Prehistory (Fornaldarsoumlgur) In McTURK Rory (ed) A

companion to Old-Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 448

264

primaacuterias sobre os tempos antigos de forma mais abundante e qualificada do que as

proacuteprias Islendigasoumlgur

O cenaacuterio e o acircmbito geograacutefico baacutesico das Fornaldarsoumlgur satildeo a Escandinaacutevia

antes da colonizaccedilatildeo da Islacircndia Poreacutem seu escopo eacute muito mais amplo Em conjunto

com tais regiotildees factuais do mundo noacuterdico a narrativa se daacute em localidades do

fantaacutestico escandinavo como Jotunheimr (a terra dos gigantes) as Planiacutecies de Glasir

Geirrodland e mesmo regiotildees das tradiccedilotildees greco-romana e cristatilde resignificadas como

a Palestina e o Rio Jordatildeo Parte dessas localizaccedilotildees e definiccedilotildees geograacuteficas se

sustentam em conhecimento acumulado e pensado por autores anteriores

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees

Torfi Tulinius defende em diversas obras uma dataccedilatildeo mais recuada para as

Fornaldarsoumlgur como a primeira metade do seacuteculo XIII Argumenta que haacute temaacuteticas

tratadas em comum com as Iacuteslendigasoumlgur como preocupaccedilotildees com heranccedila e

linhagem poreacutem em forma deliberadamente ficcionalizada Ele as chama de primeira

manifestaccedilatildeo de ldquoficccedilatildeo conscienterdquo na prosa islandesa527

Loumlnnroth528

considera o grupo das Fornaldarsoumlgur um gecircnero hiacutebrido de

tradiccedilatildeo heroica mito folclore e romance do continente e que natildeo seria recomendaacutevel

se efetuar distinccedilotildees de categoria dentro das mesmas

A linha interpretativa de Paacutelsson e Tulinius529

diferencia dois polos temaacuteticos

nas Fornaldarsoumlgur o primeiro de temaacutetica traacutegico-heroacuteica includiria dentre outras a

Ragnars saga loethbroka a Volsunga Saga e a Hervarar saga ok Heiethreks530

Esse grupo

se vincularia agrave antiga tradiccedilatildeo heroica transmitida principalmente em forma poeacutetica e

tende a apresentar um final traacutegico com uma narrativa que extende-se frequentemente

por vaacuterias geraccedilotildees531

Um ponto de transiccedilatildeo da temaacutetica para uma aventureira seria

527

TULINIUS T The Matter of North The Rise of Literary Fiction in Thirteenth-Century Iceland

Odense at the University Press 2002 [1995] pp48-55 528

LOumlNNROTH Lars Fornaldarsagans genremaumlssiga metamorfoser Mellan Edda-mytoch

riddarroman In LASSEN Annette amp JAKOBSSON Jakobsson amp NEY Agneta (eda)

Fornaldarsagornas struktur och ideologi Handlingar fraringn ett symposium i Uppsala 318-29 2001

Publicado em 2003 p44 529

TULINIUS 2007 448s 530

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Legendary Fiction in Medieval Iceland Reykjaviacutek

University of Iceland 1970 Pp36ss 531

TULINIUS 2007 448s

265

exemplificado pela Ọrvar-Odds Saga e a Hroacutelfs saga Gautrekssonar as quais data nos

finais do seacuteculo XIII

Por fim o periacuteodo final das Fornaldarsoumlgur caracterizar-se-ia por uma temaacutetica

ldquoaventureira-cocircmicardquo exemplificado pela Bosa Saga e a Gongu-Hrolf saga532

Nesse

grupo chamado geneacuterica e mesmo coloquialmente por Paacutelsson como ldquoviking

romancesrdquo533

a accedilatildeo toma parte no mundo do periacuteodo viking seus heroacuteis natildeo satildeo

necessariamente de linhagem real ou aristocraacutetica e a histoacuteria normalmente possui um

ldquofinal felizldquo534

Ainda conforme Tulinius535

o ponto de transiccedilatildeo de temaacuteticas coincidiria com o

surgimento das riddarasoumlgur e com a transformaccedilatildeo da Islacircndia de regiatildeo livre para

subordinada Um sintoma dessa transiccedilatildeo seria o interesse mostrado nas narrativas na

questatildeo referente ao poder real e sua expansatildeo ndash conceito remodelado em um contexto

pseudo-cavaleiresco nas riddarasoumlgur para os receacutem-vassalos islandeses da Noruega

Eacute importante notar que as opiniotildees de Tulinius em particular a questatildeo da

dataccedilatildeo estatildeo longe de obter um consenso natildeo obstante sua qualidade Entretanto seja

sua dataccedilatildeo aceita ou natildeo pode se citar um consenso exemplificado por Mitchell536

entre a erudiccedilatildeo mais recente acerca da caracteriacutestica das Fornaldarsoumlgur enquanto

formas narrativas de revitalizaccedilatildeo cultural do norte legendaacuterio Tal circunstacircncia eacute

vaacutelida tenham sido as Fornaldarsoumlgur escritas seja no aacutepice do periacuteodo de perda de

independecircncia islandesa como argumenta Tulinius seja nos seacuteculos XIV e XV como

defende a opiniatildeo mais corrente ndash em ambas as circunstacircncias ocorrem adaptaccedilotildees agrave

nova situaccedilatildeo poliacutetica que insere a Islacircndia num quadro mais amplo europeu

Um ponto da argumentaccedilatildeo de Tulinius eacute de particular interesse ao se considerar

o proacuteprio valor esteacutetico e literaacuterio das Fornaldarsoumlgur como Tulinius demonstra elas

contecircm quantidade consideraveacutel de poesia tradicional eacutedica e caracteriacutestica da

literalidade oral ldquopreacuterdquo escrita e cristatilde Ele considera que de acordo com sua

argumentaccedilatildeo para uma data mais recuada para as mesmas as Fornaldarsoumlgur

provavelmente consistiriam em uma forma de continuidade dessa mesma tradiccedilatildeo

Se mantivermo-nos firmes ao criteacuterio mais difundido para a dataccedilatildeo posterior

532

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 69ss 533

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Seven Viking Romances London Penguin Books 1985

P14 534

TULINIUS 2007 449 535

TULINIUS 2002[1995] 44-65 536

MITCHELL Stephen Heroic Sagas and Ballads London Ithaca 1991 Pp132-136

266

das Fornaldarsoumlgur entretanto esta quantidade de poesia eacutedica que as mesmas

veiculam deve ser considerada sob outro prisma Certamente uma linha contiacutenua de

permanecircncia uma continuidade inalterada entre as duas tradiccedilotildees literaacuterias natildeo pode

ser sustentada Entretanto esse uso de tal poesia implica em um resgate nesta

modalidade de saga de uma tradiccedilatildeo literaacuteria mais antiga falando contrariamente aos

criteacuterios que denigrem tal tradiccedilatildeo mais recente

Tal resgate de tradiccedilotildees antigas eacute bastante coerente com a argumentaccedilatildeo de Ross

e Driscoll e demonstra um intuito consciente de preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo eacutedica

Podemos argumentar mais aleacutem o uso da poesia eacutedica nas Fornaldarsoumlgur eacute um uso

muito coerente de fontes literaacuterias para uma modalidade que pretende escrever sobre os

tempos recuados pois emprega e readapta a forma literaacuteria em voga nesses tempos

passados

Como jaacute afirmamos no iniacutecio desta tese a Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur

possuidoras de formas e esteacuteticas muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o

passado em contextos diferentes e subsequentes Ambos os usos satildeo igualmente

vaacutelidos e a menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor enquanto

fonte histoacuterica sendo anacrocircnico depreciaacute-las em relaccedilatildeo agraves Iacuteslendigasoumlgur

52 A Ọrvar-Odds Saga

521 Manuscritos e redaccedilotildees

Diferentemente de outras obras analisadas aqui ateacute entatildeo as Fornaldarsoumlgur e a

Ọrvar-Odds Saga especificamente na qual centralizaremos nossa atenccedilatildeo possuem um

nuacutemero muito grande de coacutepias e manuscritos que atestam sua popularidade e difusatildeo

Dado o descreacutedito que receberam no seacuteculo XIX haacute em contraste uma pequena

quantia de ediccedilotildees e traduccedilotildees nuacutemero que vem aumentando nas uacuteltimas deacutecadas

Segue uma lista dos manuscritos que conteacutem o texto completo ou partes da

Ọrvar-Odds Saga com seus respectivos locais de depoacutesito

267

Advocates Library Edinburgh MS 2152 (1755-1758 Dinamarca

conteacutem extratos)

Stofnun Aacuterna Magnuacutessonar iacute iacuteslenskum fraeligethum Reykjaviacutek AM 172

b fol AM 173 fol AM 340 4to AM 342 I-II 4to AM 343 a 4to AM

344 a 4to AM 344 b 4to AM 471 4to AM 552 q 4to AM 567 IV 4to

AM 591 i 4to AM 738 4to AM 109 a 8vo AM 109 a 8vo

Bibliothegraveque Sainte-Geneviegraveve Paris MS 3713 MS 3724

British Library London BL Add 11108 BL Add 11161 BL Add

11174 BL Add 11174 BL Add 11174 BL Add 6121 BL Add 6121

BL Add 6121

Bodleian Library Oxford Ms Boreal 116

Det Kongelige Bibliotek Copenhagen GKS 1006 fol Kall 243 fol

Kall 611 4to NKS 1689 4to NKS 1707 4to NKS 1709 4to NKS

1791 4to NKS 1792 4to NKS 1793 4to NKS 1793 4to

Kungliga biblioteket Stockholm Papp 4to nr 32 Papp 4to nr 56

Papp 4to nr 80 Papp fol nr 102 Papp fol nr 103 Papp fol nr 17

Papp fol nr 73 Papp fol nr 89 Papp fol nr 98 Perg 4to nr 7

Landsboacutekasafn Iacuteslands Reykjaviacutek IacuteB 51 fol IacuteB 384 4to IacuteBR 58

4to JS 627 4to JS 634 4to JS 635 4to Lbs 221 fol Lbs 221 fol

Lbs 325 fol Lbs 381 fol Lbs 633 fol Lbs 152 4to Lbs 677 4to Lbs

942 4to Lbs 999 4to Lbs 1172 4to Lbs 1492 4to Lbs 1540 4to Lbs

1582 4to Lbs 1626 4to Lbs 1971 4to Lbs 5158 4to Lbs 893 8vo

Lbs 1010 8vo Lbs 1366 8vo Lbs 2146 8vo Lbs 4460 8vo

Riksantikvarieaumlmbetet Stockholm Forn Sagor om Ketill Haumlng

Grim Ludenkind och Pile Odder

Riksarkivet Stockholm Saumlfstaholmssamlingen I Papp 11

Heacuteraethsskjalasafn Skagfirethinga Akureyri HSk 2 4to

Trinity College Library and Royal Irish Academy Dublin MS 994

Universitetsbiblioteket Oslo UB 255 fol UB 303 4to

Universitetsbibliotek Uppsala Westin 86

The Icelandic Collection Elizabeth Dafoe Library Winnipeg

Canada Winnipeg MS 8vo537

Tal lista compilada pelo projeto ldquoStories for all time The Icelandic

Fornaldarsoumlgurrdquo mantido pela ldquoVelux foundationrdquo e coordenado por Mathew Driscoll

exemplifica bem a complexidade da situaccedilatildeo A Ọrvar-Odds Saga possui um nuacutemero

grande de manuscritos 81 conhecidos ateacute o momento copiados em um periacuteodo de

quatro seacuteculos possuem redaccedilotildees diferentes

A erudiccedilatildeo do seacuteculo XIX separa trecircs grupos de redaccedilotildees principais a ldquocurtardquo a

ldquointermediaacuteriardquo e a ldquolongardquo538

Em termos de manuscritos existem quatro mais

relevantes e representativos que conteacutem tais redaccedilotildees redaccedilatildeo S (de ldquoshortrdquo Perg 4tpo

537

Lista obtida no projeto ldquoStories for all time The Icelandic Fornaldarsoumlgurrdquo

lthttpfasnlkudkbiblbiblaspxsid=oeosampview=manuscriptgt Uacuteltimo acesso em 11112014 538

FERRARI Fulvio Ǫgmundr The Elusive Monster and Medieval Fantastic Literature In

RUGGERINI Maria E (ed) Studi anglo-norreni in onore di John S McKinnell He hafaeth

sundorgecynd Cagliari 2009p368

268

nr 7 43v-57r20 1300-1324539

) mais antiga redaccedilatildeo e manuscrito redaccedilatildeo M (de

ldquomiddlerdquo AM 344 a 4to 1r-24v 1350-1400540

) redaccedilatildeo ldquoArdquo (AM 343 4deg membr

59v-81v 1450-1475541

) e redaccedilatildeo ldquoBrdquo (AM 471 4deg membr 61r-96v 1450-1500542

)

Entre S e AB haacute uma distacircncia temporal de mais de um seacuteculo no qual a saga

sofreu consideraacuteveis alteraccedilotildees543

As ediccedilotildees satildeo escassas haacute duas ediccedilotildees criacuteticas

principais de Boer de S datada de 1892544

e Guethni Joacutensson de AB de 1943545

A

traduccedilatildeo de Paacutelsson foi feita com base em AB Haacute ainda a chamada versatildeo ldquoErdquo (AM

173 fol546

) considerada uma variante de AB mas natildeo editada e que tem sido

negligenciada pelos eruditos547

A ediccedilotildees da Fornaldarsoumlgur Norethrlanda de Rafn de 1829 utiliza como

manuscrito primaacuterio o GKS 2845 4to e variantes dos manuscritos GKS 1005 fol AM

309 4to AM 62 fol e AM 202 i fol

Ao citarmos trechos da saga empregaremos trechos de S da ediccedilatildeo de Boer de

AB de Guethni Joacutensson e da traduccedilatildeo de Paacutelsson e Edwards548

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-

geograacutefica

O autor da redaccedilatildeo S baseou-se em alguma tradiccedilatildeo preacute-existente Saxo

Grammaticus jaacute escreveria anteriormente sobre um ldquoArvaraddusrdquo no iniacutecio do seacuteculo

XIII Eacute possiacutevel que esta primeira redaccedilatildeo tenha sido escrita sob a influecircncia de

narrativas hagiograacuteficas incluindo a Saga de St Olaf

O personagem principal Ọrvar-Oddr (Odd rdquodas flechasrdquo) possui uma atitude

539

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=UABlAHIAZwAuACAANAB0AG8AIABuAHIAIAA3AA2 540

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADQAIABhACAANAB0AG8A0 541

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADMAIABhACAANAB0AG8A0 542

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAANAA3ADEAIAA0AHQAbwA1 543

BANDLE 1990 60 544

BOER RC(ed) Ọrvar-Odds Saga Altnordische Saga-Bibliothek 2 Halle Niemeyer 1892 545

VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Reykjaviacutek

1943-1944 vol 1 165-187 546

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMQA3ADMAIABmAG8AbAAuAA2 547

FERRARI 2009 368 548

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Seven Viking Romances London Penguin Books

1985 Traduccedilatildeo para o inglecircs

269

negativa em relaccedilatildeo agrave religiatildeo pagatilde Recebe em sua juventude a profecia de uma

adivinhadora (vọlva) sobre o seu futuro segundo a qual viveria uma vida extremamente

longa mas seria morto por seu cavalo na casa onde passara sua juventude

Oddr mata seu cavalo enterra-o profundamente e abandona o lugar tendo uma

vida de viagens e lutas em meio agrave qual se converte ao Cristianismo e torna-se rei de

Huacutenaland na redaccedilatildeo S e de Garethariacuteki nas redaccedilotildees ABE Nostaacutelgico retorna ao seu

antigo lar para descobrir surpreso que as modificaccedilotildees no solo trouxeram agrave caveira do

cavalo agrave superfiacutecie Uma serpente sai de dentro dela e pica Odd que morre

Taylor (1921s549

) Stender-Petersen (1934)550

Nora Chadwick (1946)551

e Fulvio

Ferrari (2009)552

enfatizaram a similaridade de enredos encontrados na Ọrvar-Odds

Saga e a histoacuteria de Oleg encontrada na Povest vremenikh leacutet nas entradas concernentes

aos anos 911-912

Segundo a PVL Oleg foi filho de Rurik tendo subido ao governo de Kiev entre

os anos de 870 a 879 Em 912 apoacutes ter unificado e tomado tributo de diversas tribos

eslavas e fino-uacutegricas e finalmente atacado Constantinopla bem como obtido um

tratado com os Bizantinos a crocircnica conta o seguinte

ldquoAssim Oleg governou em Kiev e viveu em paz com todas as

naccedilotildees

Veio o outono e Oleg pensava sobre seu cavalo que ele fez

com que fosse bem alimentado ainda que nunca tivesse sido montado

ateacute o momento Pois em certa ocasiatildeo ele inquiriu aos maacutegicos e

adivinhos sobre qual seria a causa de sua morte Um dos maacutegicos

respondeu lsquoOh priacutencipe eacute por meio de seu garanhatildeo que vocecirc ama e

cavalga que vocecirc encontraraacute sua mortersquo

Oleg entatildeo refletiu e decidiu que nunca mais montaria seu

cavalo ou mesmo olharia para ele novamente Dessa forma ele deu

ordens que o cavalo deveria ser alimentado apropriadamente mas

nunca levado em sua presenccedila

Assim ele permitiu que se passassem anos ateacute que atacasse os

gregos Depois que ele retornou agrave Kiev se passaram quatro anos mas

no quinto ele pensou sobre seu cavalo atraveacutes do qual os maacutegicos

haviam antevisto que ele encontraria sua morte

Convocou assim seu escudeiro secircnior e perguntou sobre o

destino do cavalo sobre o qual ele ordenara que fosse bem alimentado

e cuidado O escudeiro respondeu que ele estava morto

Oleg riu e escarneceu do maacutegico exclamando lsquoAdivinhadores

cnam inverdades e suas palavras satildeo despreziacuteveis e falsas Este cavalo

549

FERRARI 2009 368 550

CHADWICK Nora The begginnings of Russian History An Enquiry into Sources Cambridge at the

University Press 1946 P 206 FERRARI 2009 368 551

CHADWICK 146 157 552

FERRARI 2009 368

270

estaacute morto mas eu ainda estou vivorsquo

Assim ele ordenou que um cavalo fosse selado acuteDeixe-me ver

seus ossosacute disse Ele cavalgou ateacute o local aonde os ossos

descarnados e a caveira estavam Desmontando de seu cavalo ele riu e

enfatizou acuteEntatildeo eu supostamente deveria receber minha morte dessa

caveiraacute E ele pisou a caveira com seu peacute Mas uma serpente

rastejou dela e mordeu-o no peacute e em consequecircncia disto ele adoeceu e

morreurdquo 553

(Crocircnica Primaacuteria russa 911 Capiacutetulos 38 e 39 Versatildeo nossa)

De fato a semelhanccedila eacute por demais forte para ser casual Como lidar com a

mesma no entanto tem dividido os supracitados pesquisadores Ferrari alega que o

autor empregou um motivo difundido ndash no caso o da ldquoprofecia impossiacutevelrdquo que acaba

se cumprindo - adaptando-o aos seus proacutepositos e revestindo-o de significados

especiacuteficos554

Um mero reemprego de motivo folcloacuterico nos parece por demais tecircnue nesta

circunstacircncia especialmente se levarmos em conta as proximidades contextuais A PVL

fala nesta passagem de um governante varegue ou seja de um viking no leste Oddr eacute

um viking que teraacute parte relevante de sua carreira no leste a ponto de um de seus

epiacutetetos ldquoeacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmalandrdquo e o seu governo de Huacutenaland darem-

se no contexto

Consista em um motivo folcloacuterico ou natildeo eacute um motivo que estaacute ligado em pelo

menos trecircs narrativas no mesmo contexto a PVL a Ọrvar-Odds Saga e a Gesta

Danorum

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar

Um nuacutemero consideraacutevel das Fornaldarsoumlgur tem parcela elevada de seu enredo

ocorrendo em Austrvegr Garethariacuteki e Bjarmaland Eacute comum a accedilatildeo dar-se nos trecircs

locais conterem estruturas narrativas esquemaacuteticas proacuteprias de contos folcloacutericos

incluindo sistemas de iniciaccedilatildeo de seus personagens Dentre algumas sagas que

incorporam estas caracteriacutesticas destacamos a Boacutesa saga og Herraueths a Egils saga

einhenda og Aacutesmundar berserkjabana a Haacutelfdanar saga Eysteinssonar a THORNorsteins

saga Viacutekingssonar a Yngvars saga viacuteethfoumlrla e a Ọrvar-Odds Saga que nos proveraacute o

553

CROSS S amp SHERBOWITZ-WETZOR OP (eds) The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953p69 554

FERRARI 2009 368

271

estudo de caso especiacutefico em nossas anaacutelises subsequentes

Haacute um uso disseminado de recursos humoriacutesticos e do que chamamos de

fantaacutestico e maravilhoso transpondo os limites afixados por Jacques LeGoff no

Ocidente Medieval Natildeo nos eacute possiacutevel compreender de todo o efeito que estas sagas

produziam em suas audiecircncias Ao leitor contemporacircneo elas provocam muitas vezes

estranheza distanciamento e estupefaccedilatildeo

Diante de tais caracteriacutesticas afigura-nos como recurso necessaacuterio para anaacutelise

dessa seacuterie de fontes e da Ọrvar-Odds Saga (AB) especificamente enquanto

representativa do gecircnero o cabedal de ferramentas fornecido pela Antropologia mais

especificamente o que podemos depreender de sistemas e ritos de passagem

Nesse aspecto as ideias de Von Gennep sobre ritos de passagem tiveram

influecircncia duradoura natildeo apenas na Antropologia mas tambeacutem nas interpretaccedilotildees

histoacutericas e inclusive de outras formas de sagas escandinavas seja diretamente ou

atraveacutes dos desenvolvimentos pelos quais passaram atraveacutes dos trabalhos de Vitor

Turner

Arnold Van Gennep explica os processos envolvidos em ritos de passagem com

o desenvolvimento da ideia de liminaridade e de estados liminais nos quais o indiviacuteduo

que passa pelo rito de iniciaccedilatildeo sai de uma situaccedilatildeo anterior mas ainda natildeo se encontra

na situaccedilatildeo na qual se daraacute sua reinserccedilatildeo social

As dimensotildees iniciais de tais ideias foram ampliadas e vecircm sido aplicadas em

aacutereas diversas que incluem campos tradicionais da etnologia como o estudo de povos

ditos ldquoprimitivosrdquo mas tambeacutem tecircm sido uacuteteis na explicaccedilatildeo de fenocircmenos da

Antiguidade Oriental Antiguidade Claacutessica e ateacute mesmo o Ocidente Medieval e a

Escandinaacutevia Medieval555

como as situaccedilotildees de peregrinaccedilatildeo556

e nos

desenvolvimentos da Ordem Franciscana

Detectamos na Ọrvar-Odds Saga uma infinidade de situaccedilotildees que podem ser

descritas e interpretadas como liminares e as discutiremos mais profundamente a

seguir Podemos centralizaacute-las em torno do personagem principal Oddr

De iniacutecio pretendemos refletir sobre o sistema que Van Gennep chama de

ldquoPassagem Materialrdquo Determinados espaccedilos prestam-se bem para situaccedilatildeo liminares

555

Destacamos o estudo de Anna Heiniger sobre o Dyradoacutemr na Eyrbyggja saga com a qual trocamos

informaccedilotildees valiosas acerca da liminaridade e espaccedilos liminares nas Sagas escandinavas HEINIGER

Anna Katharina Liminal Spaces and places in the Sagas Comunicaccedilatildeo apresentada no International

Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 556

TURNER Victor amp TURNER Edith LB Image and Pilgrimage in Christian Culture New York

Columbia University Press 1978

272

consistindo em limites delimitaccedilotildees e demarcaccedilotildees557

Portas soleiras e poacuterticos satildeo elementos recorrentes na delimitaccedilatildeo de espaccedilos

distintos e constituem-se em elementos limiares por excelecircncia Da mesma forma se daacute

com as fronteiras

No uacuteltimo caso pode haver objetos que especifiquem a interdiccedilatildeo e a proibiccedilatildeo

de passagem Em outros casos fronteiras naturais representam os limites que natildeo

devem ser transpostos sob pena de sanccedilotildees no campo do sobrenatural558

Em alguns casos como na Europa Medieval onde haviam zonas cristianizadas

separadas por vezes por faixas inabitadas ou habitadas por povos de outros grupos

religiosos determinados espaccedilos como mercados campos de batalha florestas e

pacircntanos podiam assumir o papel de espaccedilos liminares559

Observando-se a forma que Bjarmaland eacute retratada nas Fornaldarsoumlgur em

geral e na Ọrvar-Odds Saga em particular propomos aqui que a regiatildeo assume um

papel especiacutefico de espaccedilo liminar e transitoacuterio No caso em questatildeo natildeo entre regiotildees

materializadas no sentido habitual antes entre o mundo conhecido natural e explorado

e as regiotildees marcadas pelo fantaacutestico pelos fenocircmenos miacutetico-religiosos e pelo

inexplicado

Na Ọrvar-Odds Saga Bjarmaland assume o papel de zona liminar no processo

de iniciaccedilatildeo do proacuteprio Oddr por imprimir em sua trajetoacuteria caracteriacutesticas que o

acompanharatildeo por toda a saga ateacute que ocorra outro processo liminar em um outro

espaccedilo especiacutefico

A jornada de Oddr agrave Bjarmaland possui contrapartes em outras fontes jaacute

estudadas ateacute agora a Oacutelaacutefs saga ins Helga e a Gesta Danorum Em algumas

circunstacircncias especiacuteficas eacute difiacutecil de discernir se a jornada para Bjarmaland consiste

em simplesmente um tema ou motivo ou se os relatos que a conteacutem possuem conexotildees

entre si

O capiacutetulo 133 da Oacutelaacutefs saga ins Helga conta sobre uma expediccedilatildeo efetuada por

Karli que representaria o rei Oacutelaacutefr e certo THORNoacuterir Hundr Fica acertado que cada um

levaraacute consigo 25 homens mas THORNoacuterir leva 80 o que gera constante tensatildeo entre Karli e

os seus homens sempre no receio de que venham a sofrer por causa de seu menor

nuacutemero ndash como de fato acontece posteriormente

557

Van GENNEP Arnold Os ritos de passagem Petroacutepolis Editora Vozes 2013[1977] P33 558

Van GENNEP 34 559

Idem 35

273

A descriccedilatildeo da jornada toda eacute bastante graacutefica e precisa explicitando elementos

praacuteticos sobre a navegaccedilatildeo natureza das mercadorias e procedimentos Apoacutes o periacuteodo

de mercado quando o acordo de paz com os nativos eacute encerrado Karli e THORNoacuterir partem

para saquear a aacuterea com seus homens THORNoacuterir fala um pouco sobre os costumes locais

ldquo() quando um homem rico morria todos os seus bens moacuteveis

eram divididos entre o homem morto e seus herdeiros Ele pegava a

metade ou a terccedila parte ou as vezes menos e esta parte era carregada

para as florestas e enterrada algumas vezes sob um montiacuteculo agraves

vezes na terra e aacutes vezes ateacute uma casa era construiacuteda sobre ela560

rdquo

(Heimskringla Oacutelaacutefs saga ins Helga 133 Versatildeo nossa)

Os vikings chegam a um lugar cercado e com guardas Matam-nos atravessam a

cerca e chegam a um montiacuteculo no qual haacute terra prata e ouro misturados mas tambeacutem

uma imagem do deus Joacutemaacuteli THORNoacuterir ordena que ningueacutem roube ao iacutedolo mas ele mesmo

acaba por fazecirc-lo

Karli faraacute o mesmo e tenta retirar um ornamento de ouro do pescoccedilo do iacutedolo

Bate muito forte com o machado e acaba decapitando a imagem O barulho atrai aos

Bjarmar que partem em perseguiccedilatildeo No final os vikings retornam aos seus barcos e

na viagem de retorno THORNoacuterir acaba por matar Karli e atacar os seus homens

Parece-nos clara alguma ligaccedilatildeo do relato apresentado natildeo apenas com a Ọrvar-

Odds Saga mas com outras Fornaldarsoumlgur Se o relato era conhecido oralmente ou se

a Ọrvar-Odds saga inspirou-se em certo grau na Oacutelafs saga helga como jaacute foi sugerido

permanece questatildeo natildeo resolvida mas pela extensatildeo em que viagens a Bjarmaland

seratildeo empregadas por outras Fornaldarsoumlgur e pelo nuacutemero de elementos encontrados

nelas que se concentram na Oacutelaacutefs saga ins Helga eacute bastante razoaacutevel que esta tenha

provido uma base narrativa e informativa para muitas composiccedilotildees posteriores

Vejamos como se daacute o mesmo relato na Ọrvar-Odds saga

Oddr nunca esteve em alguma expediccedilatildeo viking antes Apoacutes sair de Berurjod

aonde crescera e enterrara seu cavalo Faxi a fim de enganar as profecias parte para

Hrafnista aonde reside sua famiacutelia de sangue Seu irmatildeo Gudmunethr e seu primo

Sigurethr estatildeo de partida para Bjarmaland no dia seguinte e como os preparativos estatildeo

560

ldquo() aeth thornannug vaeligri haacutettaeth thornaacute er auethgir menn ọnduethust aeth lausafeacute skyldi skipta meeth hinum dauetha og

ọrfum hans Skyldi hann hafa haacutelft eetha thornriethjung en stundum minna THORNaeth feacute skyldi bera uacutet iacute skoacutega

stundum iacute hauga og ausa vieth moldu Stundum voru huacutes aeth gerrdquo Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON

1911 133 K 312

274

feitos natildeo permitem que Oddr os acompanhe Apoacutes sonhos premonitoacuterios concordam

com que Oddr vaacute

Oddr recebe de seu pai as Gusisnautar ndash ldquodaacutevidas de Gusirrdquo flechas maacutegicas

feitas por Saacuteami que acompanharatildeo Oddr ateacute sua proacutexima iniciaccedilatildeo e que seratildeo vitais

em muitas de suas batalhas

Os parentes viajam passam por Finnmark ndash o tom da narrativa eacute cocircmico por

vezes e os vikings divertem-se ao verem as mulheres saami gritarem apoacutes serem

roubadas

Todos chegam agrave Bjarmaland O primeiro acontecimento estaacute delimitado em um

espaccedilo liminal os Bjarmar estatildeo dentro de um salatildeo perfeitamente iluminado em todos

os seus cantos Os vikings fora dele na escuridatildeo da noite Para acentuar a distacircncia

que os separa tanto espacialmente como em outras categorias a narrativa enfatiza a

alteridade a principiar pela liacutengua

Vocecirc sabe algo da linguagem dessas pessoas perguntou Oddr natildeo

mais que o barulho dos paacutessaros disse Asmund vocecirc consegue

entender algo dela561

(Ọrvar-Odds saga Capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

Eacute uma circunstacircncia singular que em uma miriacuteade de narrativas e sagas a ecircnfase

da diferenccedila linguiacutestica seja tatildeo pouco explorada Mas o eacute A proacutepria saga de Oddr

posteriormente traraacute eventos que ocorrem nas mais distantes partes do mundo que

incluem a Terra Santa Francia Garethariacuteki e terras do sobrenatural Em nenhuma

situaccedilatildeo haacute constrangimento linguiacutestico562

Parece um consenso entre os autores de saga

que o mundo inteiro fala antigo noacuterdico

A referecircncia agrave rdquolinguagem dos paacutessarosrdquo natildeo eacute isolada Ela aparece tambeacutem na

Heimskringla no capiacutetulo 10 da Saga de Oacutelaacutefr Kyrre e tambeacutem na lenda sobre Sigurethr

e o dragatildeo Fafnir Em ambas evoca situaccedilotildees de misteacuterio e do sobrenatural

Oddr olhando pelas janelas vecirc um homem servindo aos demais que imagina

que fale o noacuterdico Transpassa o espaccedilo liminal e entra em uma aacuterea escura do salatildeo

proacutexima ao poacutertico Quando o homem passa por ele Oddr agarra-o pela cabeccedila e foge

com o restante dos vikings

561

Skilr thornuacute heacuter nokkut maacutel manna sagethi Oddr eigi heldr en fuglaklieth sagethi Aacutesmundr eetha thornikist thornuacute

nokkut af skilja Oumlrvar-Odds Saga redaccedilatildeo S In RAFN C Fornaldar soumlgur Norethrlanda

Kaupmannahoumlfn Popp 1829-1830 vol I 4 K 175 562

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 31s

275

Oddr estaacute correto em sua suposiccedilatildeo e daacute-se o seguinte diaacutelogo

ldquoO que vocecirc pode me dizer que seria a pior peccedila que noacutes

podemos pregar nos bjarmarrdquo disse Oddr

ldquoEsta eacute uma boa questatildeordquo ele disse ldquoHaacute um montiacuteculo mais

adiante nos bancos do Viacutena feito de duas partes prata e terra Um

punhado de prata tem que ser deixado ali por cada homem que deixa

este mundo e a mesma quantia de terra para cada um que vem a ele

Vocecirc natildeo pode pregar nos bjarmar um truque mais sujo do que ir ateacute o

montiacuteculo e carregar toda a prata563

rdquo

(Ọrvar Odds saga capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

A passagem eacute outra marca de alteridade de desconhecimento e de falta de

compreensatildeo Oddr faz perguntas sobre os nativos e seus costumes ainda que com

intenccedilotildees negativas tenta entendecirc-los e de sua forma proacutepria obter informaccedilotildees sobre

um grupo que se lhe afigura totalmente desconhecido Em todos os sentidos o narrador

enfatiza como o bjarmar eacute o outro

O montiacuteculo com terra e metais misturados de imediato evoca a narrativa da

Oacutelaacutesf saga Helga Ambas explicaccedilotildees satildeo feitas em detalhe com cuidado apesar de

divergirem grandemente Pela tradiccedilatildeo que se conhece de montiacuteculos funeraacuterios e

paralelos na regiatildeo parece mais plausiacutevel que a explicaccedilatildeo da Ọrvar Odds Saga

consista numa invenccedilatildeo do seu autor

O restante da expediccedilatildeo resume-se em altercaccedilotildees e lutas com os nativos nas

quais estes sempre empregam recursos maacutegicos e posteriormente associar-se-atildeo aos

Saacuteami O uacutenico outro detalhe digno de maior nota aleacutem dos recursos ao maacutegico eacute uma

referecircncia fortuita a ldquoarmas de pratardquo Somada ao montiacuteculo somos tentados a sugerir

que os ecos das antigas rotas comerciais em busca de prata islacircmica faccedilam-se se sentir

tardia e desfiguradamente nestas narrativas mas trata-se de uma conjectura de nossa

lavra

Algumas caracteriacutesticas de Oddr satildeo definidas nesta expediccedilatildeo agrave Bjarmaland

- A clava Oddr esquece as Gusisnautar no barco e necessita improvisar uma

arma Usa um machado para fazer uma clava juntamente com as Gusisnautar a clava

563

Hvat segir thornuacute til sagethi Oddr hvat veacuter munum thorness gera at Bjoumlrmum thornykki verst THORNess er vel

spurt sagethi hann Haugr stendr upp meeth aacutenni Viacutenu Hann er gerr af tveim hlutum silfri ok moldu

THORNangat skal bera gaupnir silfrs eptir hvern mann thornann sem ferr af heiminum ok svaacute er hann kemr iacute

heiminn ok jafnmikla mold THORNat munu thorneacuter svaacute gera at Bjoumlrmum mun verst thornykkja ef thorneacuter farieth til

haugsins ok berieth feacuteit iacute burt thornaethan Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo AB Capiacutetulo 04 In VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur

Norethurlanda Reykjaviacutek 1943-1944 vol I Citaccedilotildees subsequentes como ldquoOSrdquo seguidas de nuacutemero

de capiacutetulo

276

seraacute uma caracteriacutestica marcante de Oddr Por ocasiatildeo de sua segunda iniciaccedilatildeo as

Gusisnautar perderatildeo seu poder e seratildeo substituiacutedas por outro jogo de flechas maacutegicas

mas a clava perduraraacute como sua arma contra seu uacuteltimo inimigo em Bjalkaland

- Seu nome fama e profissatildeo eacute a partir da expediccedilatildeo dela que Oddr seraacute

conhecido como um viking e que adquiraacute fama que perpassaraacute a de outro vikings O

qualificador dessa fama eacute Bjarmaland e Oddr seraacute conhecido como ldquoOddr que foi para

Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo

Os indiviacuteduos de maior significado para Oddr empregaratildeo o epiacuteteto

A comeccedilar por Oumlgmundr seu inimigo mortal

ldquoEacutes tu Oddrrdquo disse Oumlgmundr ldquoque viajou para Bjarmaland um longo

tempo atraacutesrdquo564

Siacuternir uacutenico indiviacuteduo que sobreviveraacute agraves lutas com Oumlgmundr e com quem

Oddr fez pacto de irmandade de sangue

Siacuternir perguntou ldquoEacute este Oddr que foi para Bjarmalandrdquo565

Vignir seu filho com a gigante Hildigunn

Ele disse que se chamava Vignir - ldquomas eacute vocecirc Oddr que foi para

Bjarmalandrdquo566

O rei Herrauethr de Gardariacuteki a quem Oddr substituiraacute como rei

ldquoNatildeo eacutes tu Oddr que foi para Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo567

- Seu necircmesis Oumlgmundr ldquoEythornjoacutefsbanirdquo ou Oumlgmundr ldquofloacutekirdquo (Oumlgmundr

ldquomatador de Eythornjoacutefrrdquo ou Oumlgmundr ldquotufo de cabelopecirclo emaranhadordquo)

Em S e M Oumlgmundr Eythornjoacutefsbani eacute um dos muitos seres sobrenaturais com os

quais Oddr se depara Apoacutes uma violenta batalha na qual Oddr e Oumlgmundr concordam

em deixar de lutar Oumlgmundr mata traiccediloeiramente a THORNoacuterethr irmatildeo de sangue de Oddr e

564

Ertu saacute Oddr sagethi Oumlgmundr at foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 13) 565

Siacuternir svarar Er thornetta Oddr saacute sem foacuter til Bjarmalands (OS 19) 566

Hann kveethst Vignir heita - eetha ertu Oddr saacute er foacuter til Bjarmalands (OS 21) 567

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 27)

277

os restantes da irmandade Oddr e Hjaacutelmarr natildeo conseguem encontraacute-lo mais Para

Ferrari a funccedilatildeo de Oumlgmundr nestas redaccedilotildees eacute efetuar um contraponto agrave

invencibilidade de Oddr mostrando algueacutem que pocircde derrota-lo568

Em ABE no entanto Oumlgmundr assume uma dimensatildeo totalmente nova

tornando-se no maior antagonista de Oddr e transformando o enredo da saga agrave medida

em que a maior parte de seus eventos acaba se entrelaccedilando entre a luta infindaacutevel entre

os dois

Haacute um personagem novo inserido em ABE que estaacute conectado com o aumento

do papel de Oumlgmundr e eacute quem traz informaccedilotildees precisas sobre quem ele eacute Rauethgrani

ldquoBarba-vermelhardquo Um tipo de figura comum nas sagas eacute um homem que aparece e

aconselha ao heroacutei nas batalhas evoca ao leitor as inuacutemeras apariccedilotildees de Oacuteethinn

disfarccedilado sendo de fato associado com ele no capiacutetulo 23 ao natildeo mais retornar Haacute um

Barba-Vermelha na Baacuterethar saga Snaeligfelsaacutess tambeacutem associado com Oacuteethinn mas de

construccedilatildeo mais maleacutefica algo entre uma divindade pagatilde e um ser mal que procura

desviar aos cristatildeos da saga

O Barba-Vermelha da Ọrvar-Odds Saga eacute benevolente misto de saacutebio e

covarde daacute conselhos e muita informaccedilatildeo uacutetil para Oddr sobre Oumlgmundr

Aparentemente esta eacute sua uacutenica funccedilatildeo pois sempre desaparece em batalha - fato que o

narrador natildeo deixa de notar e que confere tom de comicidade em alguns pontos da

saga569

Eacute ele quem provecirc a seguinte explicaccedilatildeo

ldquoVocecirc quer que eu lhe digardquo disse Barba-Vermelha ldquocomo

Oumlgmundr veio a nascer e eu espero que vocecirc perceba que natildeo haacute

forma de que ele seja vencido por homens mortais se vocecirc se

envereda por sua origem

Mas primeiro eu devo lhe explicar eacute que houve um rei chamado

Harek que governava Bjarmaland na eacutepoca que vocecirc esteve ali em

sua expediccedilatildeo depois do que como vocecirc se lembra vocecirc fez um

grande mal aos Bjarmar Mal vocecirc tinha ido embora os bjarmar

pensaram ter sofrido as piores coisas e quiseram se possiacutevel se

vingar e eacute dessa forma que eles agiram

Eles pegaram uma gigante que vivia debaixo de uma grande

queda dacuteaacutegua encheram-na de maacutegica e feiticcedilaria e colocaram-na na

cama ao lado do rei Harek de modo que ele teve um filho por meio

dela ele foi borrifado com aacutegua e chamado Oumlgmundr Ainda crianccedila

pequena ele natildeo era como os mortais ordinaacuterios como vocecirc pode

esperar do tipo de matildee que teve - e de qualquer forma seu pai era

um grande feiticeiro (bloacutetmaethr) tambeacutem

568

FERRARI 372 569

FERRARI 373

278

Quando Oumlgmundr era da idade de trecircs anos ele foi enviado para

Finnmark onde aprendeu toda sorte de maacutegica e feiticcedilaria e tatildeo logo

ele dominou estas artes retornou para Bjarmaland Nesta eacutepoca ele

tinha sete anos e jaacute estava tatildeo grande quanto um homem adulto

imensamente forte e muito difiacutecil de se lidar

Sua aparecircncia natildeo melhorara durante sua estadia com os finnar

Ele era tanto preto quanto azul com longo cabelo preto e tinha uns

toscos tufos de pelo pendurados sobre os olhos no lugar aonde sua

testa devia estar Eacute por isto que ele se chama Oumlgmundr Floacuteki

Os bjarmar mandaram-no para matar vocecirc ainda que eles

tenham percebido que precisavam preparar o terreno com cuidado

antes de lhe mandar para hell O proacuteximo passo que eles tomaram fora

fortalececirc-lo com bruxaria de forma que ferro natildeo possa mordecirc-lo

entatildeo levaram a cabo seus rituais e transformaram-no em um

verdadeiro Troll natildeo havendo nenhum mortal parecido com elerdquo570

(Ọrvar-Odds Saga Capiacutetulo 19 Versatildeo nossa)

A narraccedilatildeo segue por algum tempo ainda contando sobre como Oumlgmundr

ganhara seu outro apelido mas o trecho nos eacute suficiente Em ABE Bjarmaland eacute

central para todo o desenrolar do enredo da Ọrvar-Odds Saga agrave medida em que o

conflito que eacute central por toda a saga isto eacute as lutas entre Oddr e Oumlgmundr satildeo

consequecircncias diretas da expediccedilatildeo feita por Oddr ali

Oumlgmundr ainda que tenha ganhado destaque tardiamente harmoniza alguns

elementos da saga a profecia em relaccedilatildeo a Oddr que natildeo permita que ele morra mas

que implica em que ele perderaacute os seus queridos encontra um bom balanceamento com

a figura de Oumlgmundr que aleacutem de ser instrumental na morte dos queridos de Oddr eacute o

lembrete de que ele natildeo e totalmente invulneraacutevel

A ecircnfase de ABE na disputa entre os dois substitui aspectos de inspiraccedilatildeo

possivelmente hagiograacuteficas de S por um enredo aparentemente mais banal e simples

menos instrutivo mas altamente entretenedor o desenrolar da saga narra uma luta entre

570

Viltu at ek segi thorneacuter kvaeth Rauethgrani hversu Oumlgmundr er til kominn ok get ek at thorneacuter thornykki thornaacute engi

vaacuten at hann verethi unninn af mennskum moumlnnum ef thornuacute veizt allan hans uppruna

En thornat er thornar fyrst af at segja at Haacuterekr heacutet konungr er reacuteeth fyrir Bjarmalandi thornaacute er thornuacute fort thornangat

herfereth eptir thornviacute sem thornuacute veizt hvern skaetha er thornuacute gerethir thornaacute Bjoumlrmum En er thornuacute vart iacute burtu farinn thornoacutettust

Bjarmar hafa raunillt af fengit ok vildu gjarna hefna ef thorneir gaeligti Var thornat thornaacute tiltekja thorneira at thorneir fengu

eina gyacutegi undan forsi stoacuterum galdra fulla ok gerninga ok loumlgethu iacute saeligng hjaacute Haacutereki konungi ok vieth henni

aacutetti hann son saacute var vatni ausinn ok nafn gefit ok kallaethr Oumlgmundr Flestum mennskum moumlnnum var

hann oacuteliacutekr thornegar aacute unga aldri sem vaacuten var sakir moacuteethernis hans en faethir hans var thornoacute inn mesti bloacutetmaethr

THORNegar er Oumlgmundr var thornreacutevetr var hann sendr aacute Finnmoumlrk ok nam hann thornar alls kyns galdra ok gerninga

ok thornaacute er hann var iacute thornviacute fullnuma foacuter hann heim til Bjarmalands Hann var thornaacute sjau vetra ok svaacute stoacuterr sem

fullrosknir menn rammr at afli ok illr viethskiptis Ekki hafethi hann batnat yfirlits hjaacute Finnunum thornviacute at

hann var thornaacute baeligethi svartr ok blaacuter en haacuterit siacutett ok svart ok hekk floacuteki ofan fyrir augun thornat er topprinn

skyldi heita Var hann thornaacute kallaethr Oumlgmundr floacuteki AEligtluethu Bjarmar thornaacute at senda hann til moacutets vieth thornik ok at

drepa thornik thornoacute thornoacutettust thorneir vita at mikils mundi vieth thornurfa aacuteethr en thorneacuter yrethi iacute hel komit Var thornat thornaacute enn

tiltaeligki thorneira at thorneir leacutetu seietha at Oumlgmundi svaacute at hann skyldi engi jaacutern biacuteta atkvaeligethalaus THORNviacute naeligst

bloacutetuethu thorneir hann ok trylldu hann svaacute at hann var engum mennskum manni liacutekr (OS 19)

279

dois seres que por si soacute encontram-se em situaccedilatildeo liminares entre a mortalidade e o

banal e o maravilhoso e sobrenatural A mudanccedila de ecircnfase entre as redaccedilotildees incorporou

outro sistema de significaccedilotildees que datildeo aspecto central agrave Bjarmaland

Destarte a expediccedilatildeo de Oddr agrave Bjarmaland marca a primeira fase de sua vida

quando ele torna-se viking de renome Eacute um espaccedilo liminal ampliado entre o mundo

conhecido e as terras do imaginaacuterio e eacute por esse espaccedilo que Oddr sofreraacute sua primeira

iniciaccedilatildeo

524 O Homem-Casca

Haacute ainda outro ponto na redaccedilatildeo AB da Ọrvar-Odds Saga em que

reconhecemos um momento especiacutefico de transiccedilatildeo acompanhado por sinais e

elementos que o diferenciam de outros momentos da narrativa

Apoacutes a iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland eacute perfeitamente possiacutevel resumir a

saga enquanto alteraccedilotildees sucessivas entre estados de luta e paz distuacuterbio e descanso

Nestas lutas Oddr perdeu amigos e familiares combatendo vaacuterios vikings combatendo

Angantyr e seus irmatildeos mas principalmente lutando contra Oumlgmundr Nos momentos

de descanso ele adquire novos aliados passa por aventuras distintas ganha

equipamentos e ateacute gera Vignir com uma gigante

Apoacutes a perda de seu filho no capiacutetulo 22 e a morte de Gardar no capiacutetulo 23

Oddr volta para Gotaland com seu irmatildeo de sangue Sirnir Barba-VermelhaOacuteethinn

desaparecera e Oddr entra em um periacuteodo totalmente distinto em sua vida

ldquoAssim que o inverno passou Oddr ficou muito desgostoso

pelas miseacuterias que Ogmunethr floacuteki trouxera sobre ele Ele estava

determinado a nunca mais arriscar a vida de seu irmatildeo de sangue em

luta com Ogmunethr pois as perdas que ele sofrera jaacute eram amargas

demais entatildeo ele decidiu-se e partiu por conta proacutepria certa noite

Conseguiu arrumar transporte para onde precisava viajando

pelas florestas e regiotildees selvagens e errando por longas trilhas de

montanhas com sua aljava de flechas nas costas atravessando um

paiacutes apoacutes outro Chegou o tempo em que ele foi forccedilado a atirar em

paacutessaros para sobreviver

Ele prendeu casca de beacutetula em volta de seu corpo e em seus

peacutes e fez para si um grande chapeacuteu com a casca Ele se destacava

bastante dos outros homens pois aleacutem de ser muito maior que todos

os demais estava todo coberto de casca

Natildeo haacute nada para se contar sobre ele ateacute que emergiu da

floresta e encontrou povoados agrave vista Viu uma grande fazenda ali e

outra menor natildeo muito longe Veio agrave sua mente de ir agrave fazenda menor

280

ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes e assim ele

foi para a porta

Do lado de fora um homem estava cortando lenha um pequeno

homem de cabelo branco O velho homem comprimentou

amigavelmente o estrangeiro e perguntou seu nome

acuteEu me chamo Homem-Cascaacute disse elerdquo 571

(Ọrvar-Odds Saga capiacutetulo 24 Versatildeo nossa)

Victor Turner analisa uma forma especiacutefica de liminaridade enquanto fase e

estado Nesse sentido podem ser distintas duas modalidades de ritos ritos de elevaccedilatildeo

de status e ritos de reversatildeo de status

Nos ritos de elevaccedilatildeo de status o noviccedilo atingiraacute um status que eacute definitiva e

irreversivelmente superior ao anterior572

Para chegar ao status superior entretanto o

aspirante precisa antes se humilhar e ser ldquogeneralizadordquo ele separa-se da vida comum e

submete-se a ritos liminares que o rebaixam rudemente antes de apoacutes cerimocircnias de

readmissatildeo ser instalado em sua posiccedilatildeo de gloacuteria aumentada573

Quanto aos ritos de reversatildeo de status satildeo ritos que normalmente seguem

prescriccedilotildees temporais ligadas ao calendaacuterio Uma caracteriacutestica comumente encontrada

em ritos desse tipo eacute o mascaramento574

Aquele que se rebaixa eacute feito estruturalmente

inferior a maacutescara que pode representar seres ctocircnicos democircnios ou outras entidades e

forccedilas oculta sua fraqueza e o protege enquanto siacutembolo de forccedila contra aqueles que

estatildeo estruturalmente superiores575

Discernimos nesse episoacutedio da Ọrvar-Odds Saga basicamente um rito de

elevaccedilatildeo de status havendo algumas caracteriacutesticas secundaacuterias similares agraves

571

ldquoEn er Oddr kom heim til Gautlands meeth foacutestbroacuteethur siacutenum baueth Siacuternir honum thornar at sitja um vetrinn

THORNat thornekktist Oddr Ok er aacute leieth vetrinn oacutegladdist hann fast Koacutemu honum thornaacute iacute hug harmar siacutenir thorneir er

hann hafethi fengit af Oumlgmundi floacuteka THORNoacute hugsast honum svaacute til at hann mun eigi haeligtta lengr foacutestbroacuteethur

siacutenum til at berjast vieth Oumlgmund thornviacute at hann thornoacutettist thornar stoacutera skaetha hafa af fengit Verethr thornat thornaacute hans raacuteeth at

leynast iacute burt einn aacute naacutettarthorneli Ferr hann thornaacute at flutningum thornar sem thorneira thornarf vieth en stundum ferr hann

um merkr ok skoacutega ok ratar hann harethla stoacutera fjallvegu Hann hefir thornaacute oumlrvamaeligli sinn aacute baki seacuter Ferr

hann nuacute viacuteetha um loumlnd ok kemr svaacute raacuteethi hans at hann hafethi thornat eitt til atvinnu seacuter er hann skaut fugla

fyrir sik Hann spennir thornaacute at seacuter um bol ok faeligtr naeligfrum Siacuteethan gerir hann seacuter naeligfrahoumltt mikinn aacute houmlfueth

seacuter Er hann ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr meiri miklu en allir menn aethrir er hann er allr thornakinn naeligfrum Nuacute

er ekki sagt fraacute honum fyrr en hann kemr oacuter moumlrkum fram ok seacuter hann at herueth hefjast upp fyrir honum

Hann seacuter at thornar stendr einn baeligr mikill en thornar var annarr baeligr skammt fraacute THORNat kom honum iacute hug at hann

mundi snuacutea aacute inn minna baeliginn thornat hafethi hann aldri fyrr freistat Hann gengr thornar at dyrum THORNar var maethr

fyrir dyrum ok klauf skiacuteeth Saacute var liacutetill vexti ok hviacutetr fyrir haeligrumrdquo

Hann heilsar thorneim vel er kominn var ok spurethi karl hann at nafni

Naeligframaethr heiti ek sagethi hann (hellip) (OS 24) 572

TURNER Victor W O processo ritual estrutura e antiestrutura Petroacutepolis Editora Vozes

2013[1974] P156 573

TURNER 158 574

TURNER 160 575

TURNER 162

281

encontradas em ritos de reversatildeo

O ciclo ldquoguerra e pazrdquo caracteriacutestico da vida de Oddr apoacutes sua primeira iniciaccedilatildeo

em Bjarmaland passa por um momento de interrupccedilatildeo Esta pausa deve ser distinguida

dos outros momentos de descanso apoacutes a guerra ndash como o tempo com os gigantes e

mesmo o tempo de sua conversatildeo - exatamente pelos elementos que associam os

acontecimentos posteriores a formas rituais

Haacute elementos textuais claros nesse sentido que lidam com declaraccedilotildees

absolutas primeiramente Oddr decide ldquonunca maisrdquo arriscar a vida dos que ele ama de

forma contraacuteria ao seu discurso anterior de obstinada procura e perseguiccedilatildeo a Oumlgmundr

natildeo importasse o que custasse Ao escolher entrar na pequena fazenda Oddr decide

fazecirc-lo ldquoainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antesrdquo contraste a sua

atitude altiva de ateacute entatildeo

Mais caracteriacutestico no entanto eacute que Oddr muda de aparecircncia e principalmente

de nome Ele cobre-se de cascas de beacutetula ndash em narrativa na qual eacute impossiacutevel natildeo notar

a comicidade da situaccedilatildeo tenta ocultar sua aparecircncia anterior mascara-se e muda de

nome Ele agora eacute o ldquoHomem-cascardquo

Agrave parte novamente o fator comicidade e entretenimento da saga nesse ponto o

proacuteprio narrador continua a chamar Oddr natildeo mais de Oddr mas de ldquoHomem-Cascardquo

Ele eacute recebido pelo fazendeiro Joacutelfr que o recebe bem e indicaraacute quais os

caminhos a serem seguidos por Oddr nesta nova fase Simbolicamente mas de forma

que afetaraacute a narrativa posterior de forma praacutetica ele daacute ao Homem-casca trecircs novas

flechas Desta feita flechas de pedra Joacutelfr revela que conhece a identidade de Oddr

bem como que ele possui as daacutedivas de Gusir e que elas seratildeo insuficientes em certo

momento

A comparaccedilatildeo das flechas eacute representativa dessa nova fase da vida de Oddr

apoacutes Bjarmaland e ateacute entatildeo as daacutedivas de Gusir salvaram-no nas situaccedilotildees de maior

perigo No seu status posterior seratildeo insuficientes e substitutas mais apropriadas

devem ser providenciadas

O outro passo eacute informaccedilatildeo Joacutelfr fala a Oddr sobrea localidade o rei Herrauethr

pessoas do salatildeo e sobre quem seraacute o alvo de Oddr Silkisif filha do rei sobre a qual

Joacutelfr fala que ldquonatildeo haacute moccedila mais bela em toda a Garethariacuteki e aleacutem576

rdquo

Nesse ponto da narraccedilatildeo haacute um entrelaccedilamento de temaacuteticas proacuteprias das

576

() engi er oumlnnur jafnfrieth iacute Garethariacuteki ok viethar annarstaethar (OS 24)

282

narrativas folcloacutericas nas quais eacute expediente comum que um rapaz normalmente pobre

irmatildeo mais novo e de menos oportunidades procure conquistar a matildeo de uma princesa

inatingiacutevel

Esta temaacutetica natildeo eacute o nuacutecleo da narrativa e a saga natildeo pode ser reduzida a uma

forma tatildeo simples e estruturalizada ainda mais levando-se em conta as reestruturaccedilotildees e

elaboraccedilotildees pelas quais passou em suas diferentes redaccedilotildees O tema da princesa ajudaraacute

na composiccedilatildeo do quadro narrativo forneceraacute elementos uacuteteis ao contar da histoacuteria mas

natildeo eacute seu objetivo Ele colabora na construccedilatildeo dos eventos de passagem

Tambeacutem pela referecircncia aos atributos da beldade somos informados da terra

aonde Oddr se encontra que eacute Garethariacuteki ndash em S o reino eacute Huacutenaland

Joacutelfr leva o Homem-Casca ao salatildeo do rei Herrauethr e daacute-se iniacutecio o processo de

rebaixamento de Oddr

- ldquoEu me chamo o Homem-Cascardquo disse Oddr

- ldquoQuem eacute vocecirc companheirordquo Disse o rei

- ldquoIsto eu sei disse ele ldquoEu sou mais velho que qualquer coisa

que vocecirc possa pensar mas natildeo tenho esperteza nem memoacuteria em

minha cabeccedila O que pede sempre quer escolher Eu te peccedilo rei

abrigo pelo invernordquo

O rei respondeu ldquoVocecirc eacute haacutebil em algordquo

- ldquoLonge dissordquo ele respondeu ldquoeu sou mais atrapalhado que

qualquer outro homemrdquo

- ldquoVocecirc eacute disposto a fazer qualquer coisardquo Disse o rei

- ldquoEu natildeo sei como trabalhar e sou muito preguiccediloso para

trabalharrdquo ele disse

- ldquoIsto natildeo parece promissorrdquo disse o rei ldquopois eu fiz um voto

de soacute pegar homens haacutebeisrdquo

- ldquoNada que eu fizer seraacute do menor uso para qualquer umrdquo

disse o Homem-casca

- ldquoVocecirc deve saber como coletar a caccedila se outros atiraremrdquo

disse o rei ldquoTalvez eu vaacute [caccedilar] alguma vezrdquo

- ldquoOnde devo me assentarrdquo Disse o Homem-casca

- ldquoDeves se assentar no banco baixo perto da porta entre os

escravos e os homens livresrdquo577

577

Trecho de difiacutecil versatildeo por conter ditados e expressotildees idiomaacuteticas Segue a redaccedilatildeo AB ed Guethni

Joacutensson Carl Rafn

Ek heiti Naeligframaethr sagethi hann

Hverr ertu feacutelagi sagethi konungr

THORNat veit ek sagethi hann at ek em hviacutevetna eldri ok er hvaacuterki vitit neacute minnit heima hjaacute meacuter ok hefik

lengi legit uacuteti aacute moumlrkum naeligr alla aeligvi miacutena En braacuteeth eru brautingja erendi konungr ek vil biethja thornik

vetrvistar

Konungr svarar Ertu at nokkuru iacutethornroacutettamaethr

THORNat ferr fjarri sagethi hann thornviacute at ek em oacuteliprari en aethrir menn

Nennir thornuacute nokkuru sagethi konungr

Ek kann ekki at vinna enda nenni ek ekki at vinna sagethi Naeligframaethr

283

Natildeo haacute razatildeo aparente para Oddr responder como responde agraves questotildees pede

abrigo mas a cada questatildeo efetuada pelo rei responde de forma negativa O ato possui

caracteriacutesticas de rito de interpretaccedilatildeo - eacute um esvaziamento total Ele eacute velho mas natildeo

sabe de nada pede ajuda mas natildeo sabe fazer nada quer trabalho mas tem preguiccedila de

trabalhar

Por fim o rei coloca-o em uma posiccedilatildeo liminar em todos os aspectos Oddr deve

assentar-se ldquoentre os escravos e os homens livresrdquo natildeo sendo enquadrado em nenhuma

categoria e ldquoperto da portardquo Ora como jaacute discutido a pouco portas assim como

fronteiras satildeo espaccedilos liminares por excelecircncia

Oddr eacute convidado pelos irmatildeos Oacutettar e Ingjaldr a sentar-se entre eles

Perguntam-lhe sobre outros paiacuteses reclamam de sua bolsa (que conteacutem a aljava das

flechas) por fim oferecem dinheiro e roupas novas para que ele tire a casca Sua

resposta eacute sugestiva e simboacutelica ldquoeu natildeo posso fazecirc-lordquo ele disse ldquoeu nunca vesti

outras roupas e enquanto viver nunca o fareirdquo

O Homem-casca nunca o fez e nunca o faraacute Assim que trocaacute-las ele deixaraacute de

secirc-lo

Atraveacutes dos dois irmatildeos desajeitados e desprovidos de habilidades Oddr

passaraacute por vaacuterias provas de caccedilada (25) de arco-e-flecha (26) de nataccedilatildeo ndash sempre

coberto de casca - e finalmente de bebida ndash este uacuteltimo entremeado com o compor

poemas (27) ndash o competidor esvazia um chifre cheio de bebida e profere um poema

Supera aos dois melhores homens do rei Sigurethr e Sjolfr que tambeacutem aspiram pela

matildeo de Silkisif

Apoacutes cada prova haacute uma breve troca de perguntas com o rei por meio das quais

o Homem-casca vai cedendo seu lugar a Oddr ldquoaquele que esteve em Bjarmalandrdquo

Apoacutes a caccedila

O rei olhou para ele e disse ldquoEacutes um grande arqueirordquo

ldquoSim senhorrdquo disse ele ldquoPorque estou acostumado a atirar em

paacutessaros e animais para me alimentarrdquo578

THORNaacute horfir alloacutevaelignt sagethi konungr fyrir thornviacute at ek hefi thorness heit strengt at taka vieth thorneim einum moumlnnum

at thorneir seacute at nokkuru iacutethornroacutettamenn

Aldri kann ek einn hlut at gera sagethi Naeligframaethr thornann oumlethrum seacute gagn at

Kunna muntu at draga saman dyacuter ef menn skjoacuteta sagethi konungr THORNaacute maacute vera at ek fara til thorness

eitthvert sinn

Hvar viacutesar thornuacute meacuter til saeligtis sagethi Naeligframaethr

THORNuacute skalt sitja utar inum oacuteaeligethra megin thornar sem maeligtast thornraeliglar ok frelsingjar (OS 24) 578

Konungr leit vieth honum ok maeliglti Bogmaethr ertu mikill

Jaacute herra sagethi hann thornviacute hefi ek helzt vanizt at skjoacuteta dyacuter ok fugla til matar meacuter (OS 25)

284

Apoacutes as flechas

ldquoO primeiro tiro pode ter sido bomrdquo disse o rei ldquomas este eacute muito

melhor Eu lhes digo nunca vi um tiro como esterdquo579

Apoacutes a nataccedilatildeo (Oddr nada com as cascas mas prevalece sobre os demais)

E agora o rei inquiriu ldquoE natildeo eacute que natildeo haacute outro esportista igual em

tiro e nataccedilatildeordquo

ldquoViste todas as habilidades que tenhordquo disse o Homem-casca ldquoMe

chamo Oddr se vocecirc quiser saber mas eu natildeo posso lhe falar nada

sobre a minha famiacuteliardquo580

Finalmente na competiccedilatildeo de poemas Oddr conta todas suas aventuras ateacute

entatildeo Na manhatilde seguinte estaacute a lavar-se e a casca em suas mangas apresenta-se gasta

deixando antever uma veste vermelha por baixo Os irmatildeos tiram-na mas Oddr natildeo

reclama e levam a Oddr ateacute o assento do rei dizendo ldquoParece que noacutes natildeo temos

apreciado totalmente quem noacutes entretemos neste inverno581

rdquo

ldquoAssim me parecerdquo disse o rei ldquoMas quem eacute este homem que tem

escondido sua identidade de noacutesrdquo

ldquoEu ainda me chamo Oddr como lhe disse um tempo atraacutes filho de

Grim Bochechas-Peludas de Hrafnista no norte da Noruegardquo

ldquoEacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmaland tempo atraacutesrdquo

ldquoSou eu o homem que foi para laacuterdquo582

(itaacutelico nosso)

A prova e as recompensas finais de conclusatildeo desse processo ritual dar-se-atildeo

nos capiacutetulos seguintes 28 e 29 nos quais Oddr parte para Bjalkaland coletar impostos

Em caso de vitoacuteria receberia a matildeo de Silkifif

A narrativa que se segue retoma temas elaborados na viagem agrave Bjarmaland e

por vezes reproduzidos em pontos isolados da narraccedilatildeo Bjalkaland significa ldquoterra das

pelesrdquo Seu governante Aacutelfr Bjaacutelki segundo S pagava tributo ao rei de Huacutenaland

Poderoso feiticeiro Aacutelfr Bjaacutelki soacute pocircde ser vencido com as flechas de pedra de

579

Svaacute vel sem skotit var it fyrra sinn segir konungr thornaacute er nuacute miklu betr skotit ok thornat maacute ek segja at

aldrigi hefi ek seacutet jafnvel skotit (OS 26) 580

Ok nuacute spyrr konungr Hvaacutert ertu ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr um iacutethornroacutettir baeligethi um skot ok sund

Seacutenar eru nuacute allar miacutenar iacutethornroacutettir er thornessar eru sagethi Naeligframaethr ek heiti Oddr ef thornuacute vilt thornat vita en

ek kann eigi greina fyrir thorneacuter um kyn mitt (OS 26) 581

ldquoTHORNat aeligtlum veacuter at veacuter vitum eigi allgerla hvern veacuter houmlfum heacuter iacute foacutestri haftrdquo (OS 27) 582

Svaacute maacute vera sagethi konungr eetha hverr er thornessi maethr er svaacute hefir dulizt fyrir oss

Nuacute heiti ek Oddr sem ek sagetha yethr fyrir loumlngu sonr Griacutems loethinkinna norethan oacuter Noregi

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu

Saacute er maethrinn er thornar hefir komit (OS 27)

285

Joumllfr que desaparecem apoacutes serem usadas As daacutedivas de Gusir natildeo foram capazes de

vencecirc-lo e desaparecem igualmente

Resta a Oddr derrotar a feiticeira que de forma semelhante a Ogmunethr no

capiacutetulo seguinte atira flechas por todos os seus dedos Seu templo eacute queimado e ela eacute

morta com uma clava por Oddr

Oddr retorna para ldquoGrikkjariacutekirdquo ndash claramente um erro do redator jaacute que

anteriormente eacute citada Garethariacuteki assim como no capiacutetulo 32 por ocasiatildeo da morte de

Oddr Em S como jaacute afirmamos em ambas ocasiotildees o reino eacute Huacutenaland Finalmente

ele ascende a uma posiccedilatildeo maior do que a que possuiacutea anteriormente o rei Herrauethr

falece e que sobe ao trono em seu lugar eacute o proacuteprio Oddr

Jaacute falamos sobre Ogmunethr nas seccedilotildees anteriores e aqui cabe o encerramento de

sua participaccedilatildeo no enredo No capiacutetulo conseguinte agrave subida de Oddr ao trono ambos

travam sua uacuteltima batalha Ogmunethr ndash agora chamado Kvillanus e governante em

Novgorod reuacutene todos os reis de Austrvegr em uma lista muito detalhada que inclui

ldquoKirjaacutelalandi Rafestalandi Refalandi Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi

Laacutenlandi Ermlandirdquo e ldquoPuacutelinalandirdquo583

Apoacutes grande mortandade ambos sobrevivem e Ogmunethr foge Natildeo se passa

muito tempo no entanto antes de que ambos sejam reconciliados

Algum tempo depois Kvillanus mandou presentes caros para

Odd ouro e prata e muitos tesouros e junto com tudo isto palavras de

amizade e ofertas de reconciliaccedilatildeo Entatildeo Oddr aceitou os presentes

pois ele era esperto o suficiente para perceber que Ogmunethr Matador-

de-Eythornjof ou Kvillanus como ele se chamava agora nunca poderia

ser derrotado sendo como vocecirc pode dizer tanto um fantasma quanto

um homem Natildeo se sabe se eles tiveram quaisquer outros negoacutecios

futuros entatildeo este eacute o fim de sua briga584

(Ọrvar Odds Saga Capiacutetulo 30Versatildeo nossa)

O episoacutedio de Homem-casca encerrado com Bjalkaland espelha portanto o

ocorrido na primeira iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland todo o processo da narrativa

aponta para um inequiacutevoco rito de passagem de elevaccedilatildeo de status que completa a

trajetoacuteria de Oddr e que resumimos na seguinte tabela

583

Ver capiacutetulo 03 paacuteginas 173s 584

Nokkurum tiacutema siacuteethar sendir Kvillaacutenus Oddi gjafir miklar baeligethi iacute gulli ok silfri ok marga goacuteetha gripi ok

thornar meeth vinaacutettumaacutel ok saeligttarboeth THORNaacute Oddr thornessar gjafir thornviacute at hann fyrirstoacuteeth af sinni vizku at Oumlgmundr

Eythornjoacutefsbani sem thornaacute nefndist Kvillaacutenus var oacutesigranligr thornviacute at hann maacutetti eigi siacuteethr kallast andi en maethr

Ok er eigi getit at thorneir hafi siacuteethan nokkura hluti vieth aacutetzt ok lauk svaacute thorneira skiptum (OS 30)

286

Bjarmaland O Homem-Casca Bjalkaland

Tipo de rito Iniciaccedilatildeo maturidade Aumento de status

Flechas Daacutedivas de Gusir Flechas de pedra de Joacutelfr

Status alcanccedilado Viking Rei em Garethariacuteki

Marcas posteriores Apelido camisa

Consortes Olvor da Irlanda (12)

Hildigunn a giganta

Silkisif

Papel de Ogmunethr

(Apenas em AB)

Criado como necircmesis

precipitador da segunda

iniciaccedilatildeo

Uacuteltima batalha e desistecircncia

apaziguamento

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr

53 As iniciaccedilotildees e o leste

Da anaacutelise dos episoacutedios de iniciaccedilotildees e ritos de passagem pelos quais Oddr

passa chegamos agrave conclusatildeo que o leste assume em adiccedilatildeo ao sentido de provedor de

cenaacuterio e ambiente a conotaccedilatildeo de regiatildeo limiacutetrofe liminar

De fato o papel de Bjarmaland nesse sentido foi bem discutido e argumentado

a regiatildeo incorpora uma gama consideraacutevel de imaginaacuterios que perpassa a mera

dimensatildeo das Fornaldarsoumlgur assumindo conotaccedilotildees limiacutetrofes como religioso o

fantaacutestico o miacutetico e o desconhecido Bjarmaland torna-se uma materializaccedilatildeo um

lugar atingiacutevel do que se discute no campo do mito

O acreacutescimo inovador das Fornaldarsoumlgur das quais empregamos a Ọrvar-Odds

Saga enquanto recorte exemplar eacute a assimilaccedilatildeo de tal sentido de Bjarmaland ao leste

enquanto um todo particularmente a Austrvegr e Garethariacuteki

Antevecircem-se elementos dessa derivaccedilatildeo e conotaccedilatildeo em passagens como as

discutidas na Gylfaginning mas em contraposiccedilatildeo a esta referecircncia isolada em meio a

um meio acadecircmico evemerizado e ocidentalizado as Fornaldarsoumlgur nos oferecem

este imaginaacuterio constante reapropriado e amplificado

Esta reapropriaccedilatildeo do material miacutetico natildeo eacute feita com intuitos de instruccedilatildeo ou

da elaboraccedilatildeo acadecircmica geograacutefica das regiotildees de aleacutem Eacute um emprego de simbolismo

e de conceitos presentes no imaginaacuterio coletivo empregados agora enquanto elementos

de uma narratica cujo o propoacutesito primaacuterio eacute o entreter ao inveacutes do educar

287

Concluiacutemos nossos panoramas portanto com esta nova dimensatildeo do qual o

leste se reveste e que espelha uma situaccedilatildeo que revela o proacuteprio movimento intelectual e

mental dos seacuteculos XIII e XIV na Escandinaacutevia num sentido de bifurcaccedilatildeo das formas

literaacuterias entre o factio e o fictio entre o educativo e instruidor e o fantaacutestico

maravilhoso e voltado ao entretenimento e agrave diversatildeo

288

6 CONCLUSOtildeES

O leste eacute apropriado de forma especiacutefica pelos historiadores e autores

escandinavos dos seacuteculos XIII e XIV O modo de abordagem a ele eacute condicionado natildeo

tanto pela tradiccedilatildeo e acuacutemulo de conhecimento propriamento escandinavos quanto pelo

emprego de um conhecimento cristianizado e livresco mais geral ao Ocidente Medieval

Snorri ndash ou a tradiccedilatildeo histoacuterica islandesa que estaacute por traacutes da Heimskringla e da

Edda Menor - e Saxo Grammaticus divergem em suas formas de emprego do leste Satildeo

similares no uso de explicaccedilotildees evemeristas com intuito de conectar o passado mais

antigo aos tempos proacuteximos de si mesmo mas diferem no conhecimento e conteuacutedos

especiacuteficos veiculados em suas obras

Nesse aspecto ambos tecircm em comum o expediente de dar primazia ao

conhecimento biacuteblico e claacutessico Snorri (ou seus interpoladores) a despeito de tatildeo

ldquopuristardquo e nativo na forma que veicula informaccedilatildeo da mitologia escandinava e das

formas poeacuteticas antigas ao tratar do leste emprega uma tradiccedilatildeo bastante alheia ao

conhecimento escandinavo de leste Se o tenta fazecirc-lo o faz de forma tiacutemida na

Heimskringla ndash se eacute que foi o seu autor

O proacutelogo da Edda ndash ou os proacutelogos da Edda dadas as diferenccedilas dos

manuscritos - adotam de forma muito completa as elaboraccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas de

autores do Ocidente Medieval como a visatildeo tripartida por vezes zonal de mundo a

genealogia e divisatildeo das terras segundo os filhos de Noeacute e uma linhagem descendente

dos reis de Troia

O conhecimento especiacutefico e altamente detalhado das terras de leste que

transparece nas estelas ruacutenicas nas Fornaldarsoumlgur na Gesta Danorum e parcialmente

na Heimskringla natildeo tem lugar nesta elaboraccedilatildeo histoacuterica da Edda Podemos associar o

Mappamundi islandecircs a esta corrente de formulaccedilatildeo ideoloacutegica por carecer igualmente

da especificidade das terras do Baacuteltico e abundar na transcriccedilatildeo de informaccedilatildeo biacuteblica e

greco-romana

Diferentemente Saxo Grammaticus apesar de recorrer agrave interpretaccedilatildeo

evemerista eacute muito mais preciso na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo do leste Essa eacute

compatiacutevel com localidades descritas na Fornaldarsoumlgur e nas estelas Ruacutenicas

Apesar da suposta deturpaccedilatildeo que Saxo Grammaticus efetua dos mitos

escandinavos ao tratar de geografia sua precisatildeo ndash e podemos acrescentar fidelidade ao

seu tempo ndash eacute notoacuteria

289

As descriccedilotildees e narrativas das populaccedilotildees de leste satildeo com frequecircncia precisas

com maior regularidade ainda fantasiosas e propagadoras de estereoacutetipos encontrados

na literatura de entretenimento mas ainda assim precisas

A diferenccedilas de contexto poliacutetico na Islacircndia e Dinamarca satildeo elucidativas para

a compreensatildeo do uso do leste No caso Islandecircs Austrvegr e Garethariacuteki satildeo locais por

demais distantes para serem inseridos na literatura seacuteria ou mesmo na produccedilatildeo

histoacuterica Pode-se dizer que satildeo relativamente desconhecidos quiccedilaacute insignificantes Em

particular em uma Islacircndia sem projetos de expansatildeo territorial ou centralizaccedilatildeo de

poder

A ideologia islandesa sobre o leste vai conectar seu passado agrave distante

temporalidade greco-romana A distacircncia temporal parece refletir a distacircncia geograacutefica

o passado eacute de certa forma antiquaacuterio e o maacuteximo ao que o mesmo pode se prestar eacute

na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem vinculadas agrave realeza norueguesa - toacutepico inflamado na

Islacircndia de entatildeo

O caso danecircs eacute totalmente distinto O Baacuteltico eacute o seu mar o seu mundo O leste

sua principal aacuterea de expansatildeo e hegemonia Seus povos bastante conhecidos as

interaccedilotildees com os mesmos frequentes

Os projetos ideoloacutegicos aqui satildeo claros e advogam a hegemonia da Dinamarca

pelo Baacuteltico Os adversaacuterios dos daneses nesta empreitada os germacircnicos ndash em Saxo

ldquosaxotildeesrdquo natildeo satildeo por acaso os antagonistas pela maior parte da obra

Destarte o conhecimento de leste aqui transparece uma ideologia hegemocircnica e

mesmo de criaccedilatildeo nacional A comparaccedilatildeo com o impeacuterio de Hermanarico governante

sobre miriacuteades de povos do leste natildeo eacute fortuita

O leste na contruccedilatildeo histoacuterica islandesa e danesa possui dimensatildeo

eminentemente ideoloacutegica mas reflete as peculiaridades locais e o proacuteprio niacutevel do

conhecimento regional sobre as regiotildees de oriente Em alguns casos eacute efetuada a

substituiccedilatildeo do conhecimento empiacuterico e de primeira matildeo por um saber do medievo

ocidental calcado nas tradiccedilotildees biacuteblicas e greco-romanas

Tal circunstacircncia natildeo eacute surpreendente per si Os moldes de construccedilatildeo histoacuterica

veiculados por Snorri e Saxo pouco tecircm de nativos Satildeo formas importadas de um

Ocidente Medieval geneacuterico carregando consigo conteuacutedo especiacutefico em adiccedilatildeo agrave

simples ideologias

Em relaccedilatildeo agraves Fornaldarsoumlgur mais especificamente a Ọrvar-Odds Saga

demonstramos que o leste apresenta-se como regiatildeo liminar aleacutem de propiciar o

290

ambiente da narrativa A terra de Bjarmaland incorpora imaginaacuterio difundido que a liga

ao fantaacutestico e o desconhecido e as Fornaldarsoumlgur transferem parte dessa construccedilatildeo

para o leste como um todo mais especificamente Austrvegr e Garethariacuteki As regiotildees de

leste adquirem o aspecto de materializaccedilatildeo das regiotildees do imaginaacuterio

Haacute intersecccedilotildees na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo a leste entre os grupos de fontes

estudados principalmente entre a Gesta Danorum e as Fornaldarsoumlgur O que difere em

ambas satildeo os propoacutesitos de seus autores que gradualmente bifurcam-se entre a

instruccedilatildeo e o entreter

Nota-se tambeacutem que na produccedilatildeo escrita cujos propoacutesitos satildeo mais

declaradamente de instruccedilatildeo o emprego de conceitos de leste da tradiccedilatildeo Medieval

Ocidental Biacuteblica e Claacutessica ultrapassam as elaboraccedilotildees de cunho mais nativo

diferentemente do que se daacute nas Fornaldarsoumlgur que se por um lado inserem muitas

construccedilotildees do medievo ocidental o fazem dentro de um quadro e de visotildees de mundo

claramente noacuterdicas

Demonstramos no decorrer desta tese que as elaboraccedilotildees de leste refletem o

proacuteprio movimento intelectual ocorrido na Baixa Idade Meacutedia Escandinava que passa

por uma gradual e irreversiacutevel separaccedilatildeo entre o conhecimento de natureza instrutiva

educacional informativa e a produccedilatildeo criada com o intuito de entreter e divertir

Iniciamos este trabalho poreacutem demonstrando as implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais

que uma temaacutetica do medievo pode assumir nos periacuteodos moderno e contemporacircneo ao

determo-nos na Controveacutersia Normanista e seus desenvolvimentos em vaacuterias

historiografias mas em particular na russa e sovieacutetica

Destarte esperamos ter contribuiacutedo agrave escandinaviacutestica e eslaviacutestica bem como

aos estudos medievais com uma anaacutelise fundamentada em um espectro amplo e

completo de fontes primaacuterias Entretanto esperamos ter demonstrado tambeacutem que o

trabalho do historiador natildeo eacute neutro por mais distante temporal e geograficamente que

esteja seu objeto A histoacuteria lida com o passado mas parte do presente atende aos

anseios do presente e a ele influencia

291

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33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml 308 Souml

338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

b) Gregas U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431

U 446 U 518 U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml

82 Souml 85 Souml 163 Souml 165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G

216

c) Baacutelticas

U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U 582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs

13 Vg 181 G 135 G 319

d) Lombardas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65

e) Yngvarr U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157

Souml 9 Souml 96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277

294

Souml 279 Souml 281 Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

f) Freygeirr Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

g) Oeste U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml

137 Souml 159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111

OumlG Fv1970310 Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330

Dr 334 Dr 216

h) Inglesas U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U 1181 Souml 46 Souml

55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104 Oumlg

Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr

337 Dr 6 N 184

i) Jarl Haakon U 16 U 617 e Sm 76

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311

8 APEcircNDICES

Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo

9 Περὶ τῶν ἀπὸ Ῥωσίας ἐρχομένων Ῥῶς μετὰ τῶν μονοξύλων ἐν Κωνσταντινουπόλει Ὅτι τὰ

ἀπὸ τῆς ἔξω Ῥωσίας μονόξυλα κατερχόμενα ἐν Κωνσταντινουπόλει εἰσὶ μὲν ἀπὸ τοῦ

Νεμογαρδάς ἐν ᾧ Σφενδοσθλάβος ὁ υἱὸς Ἴγγωρ τοῦ ἄρχοντος Ῥωσίας ἐκαθέζετο εἰσὶ δὲ καὶ

ἀπὸ τὸ κάστρον τὴν Μιλινίσκαν καὶ ἀπὸ Τελιούτζαν καὶ Τζερνιγῶγαν καὶ ἀπὸ τοῦ Βουσεγραδέ

Ταῦτα οὖν ἅπαντα διὰ τοῦ ποταμοῦ κατέρχονται Δανάπρεως καὶ ἐπισυνάγονται εἰς τὸ κάστρον

τὸ Κιοάβα τὸ ἐπονομαζόμενον Σαμβατάς Οἱ δὲ Σκλάβοι οἱ πακτιῶται αὐτῶν οἱ Κριβηταιηνοὶ

λεγόμενοι καὶ οἱ Λενζανῆνοι καὶ αἱ λοιπαὶ Σκλαβηνίαι εἰς τὰ ὄρη αὐτῶν κόπτουσι τὰ μονόξυλα

ἐν τῷ τοῦ χειμῶνος καιρῷ καὶ καταρτίσαντες αὐτά τοῦ καιροῦ ἀνοιγομένου ἡνίκα διαλυθῇ ὁ

παγετός εἰς τὰς πλησίον οὔσας λίμνας εἰσάγουσιν αὐτά Καὶ ἐπειδὴ ἐκεῖναι εἰσβάλλουσιν εἰς

τὸν ποταμὸν τὸν Δάναπριν ἀπὸ τῶν ἐκεῖσε οὗτοι εἰς τὸν αὐτὸν ποταμὸν εἰσέρχονται καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὸν Κίοβα καὶ σύρουσιν εἰς τὴν ἐξάρτισιν καὶ ἀπεμπολοῦσιν αὐτὰ εἰς τοὺς

Ῥῶς Οἱ δὲ Ῥῶς σκαφίδια καὶ μόνα ταῦτα ἀγοράζοντες τὰ παλαιὰ αὐτῶν μονόξυλα

καταλύοντες ἐξ αὐτῶν βάλλουσιν πέλλας καὶ σκαρμοὺς εἰς αὐτὰ καὶ λοιπὰς χρείας

ἐξοπλίζουσιν αὐτά Καὶ Ἰουνίου μηνὸς διὰ τοῦ ποταμοῦ Δανάπρεως ἀποκινοῦντες κατέρχονται

εἰς τὸ Βιτετζέβη ὅπερ ἐστὶ πακτιωτικὸν κάστρον τῶν Ῥῶς καὶ συναθροιζόμενοι ἐκεῖσε μέχρι

δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν ἡνίκα ἂν ἅπαντα ἀποσυναχθῶσι τὰ μονόξυλα τότε ἀποκινοῦσιν καὶ

κατέρχονται διὰ τοῦ εἰρημένου Δανάπρεως ποταμοῦ Καὶ πρῶτον μὲν ἔρχονται εἰς τὸν πρῶτον

φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ἐσσουπῆ ὃ ἑρμηνεύεται Ῥωσιστὶ καὶ Σκλαβηνιστὶ μὴ

κοιμᾶσαι ὁ δὲ τούτου φραγμὸς τοσοῦτόν ἐστιν στενός ὅσον τὸ πλάτος τοῦ τζυκανιστηρίου

μέσον δὲ αὐτοῦ πέτραι εἰσὶ ῥιζιμαῖαι ὑψηλαὶ νησίων δίκην ἀποφαινόμεναι Πρὸς αὐτὰς οὖν

ἐρχόμενον τὸ ὕδωρ καὶ πλημμυροῦν κἀκεῖθεν ἀποκρημνιζόμενον πρὸς τὸ κάτω μέρος ἦχον

μέγαν καὶ φόβον ἀποτελεῖ Καὶ διὰ τοῦτο μέσον αὐτῶν οὐ τολμῶσιν οἱ Ῥῶς διελθεῖν ἀλλὰ

πλησίον σκαλώσαντες καὶ τοὺς μὲν ἀνθρώπους ἐκβαλόντες εἰς τὴν ξηράν τὰ δὲ λοιπὰ

πράγματα ἐάσαντες εἰς τὰ μονόξυλα εἶθ οὕτως γυμνοὶ τοῖς ποσὶν αὐτῶν ψηλαφοῦντες ἵνα

μή τινι λίθῳ προσκρούσωσιν Τοῦτο δὲ ποιοῦσιν οἱ μὲν πλώρᾳ οἱ δὲ μέσον οἱ δὲ καὶ εἰς τὴν

πρύμναν μετὰ κονταρίων κοντοβευόμενοι καὶ μετὰ τοιαύτης ἁπάσης ἀκριβείας διέρχονται τὸν

τοιοῦτον πρῶτον φραγμὸν διὰ τῆς γωνίας καὶ τῆς ὄχθης τοῦ ποταμοῦ Ἡνίκα δὲ διέλθωσι τὸν

τοιοῦτον φραγμόν πάλιν ἀπὸ τῆς ξηρᾶς ἀναλαμβανόμενοι τοὺς λοιποὺς ἀποπλέουσι καὶ

κατέρχονται εἰς τὸν ἕτερον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Οὐλβορσί Σκλαβηνιστὶ δὲ

Ὀστροβουνιπράχ ὅπερ ἑρμηνεύεται τὸ νησίον τοῦ φραγμοῦ Ἔστιν κἀκεῖνος ὅμοιος τῷ

πρώτῳ χαλεπός τε καὶ δυσδιέξοδος Καὶ πάλιν ἐκβαλόντες τὸν λαὸν διαβιβάζουσι τὰ

μονόξυλα καθὼς καὶ ρότερον Ὁμοίως δὲ διέρχονται καὶ τὸν τρίτον φραγμόν τὸν λεγόμενον

Γελανδρί ὃ ἑρμηνεύεται Σκλαβηνιστὶ ἦχος φραγμοῦ εἶθ οὕτως τὸν τέταρτον φραγμόν τὸν

μέγαν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Ἀειφόρ Σκλαβηνιστὶ δὲ Νεασήτ διότι φωλεύουσιν οἱ

πελεκᾶνοι εἰς τὰ λιθάρια τοῦ φραγμοῦ Ἐν τούτῳ οὖν τῷ φραγμῷ σκαλώνουσιν ἅπαντα εἰς τὴν

γῆν ὀρθόπλωρα καὶ ἐξέρχονται οἱ ὡρι σμένοι ἄνδρες φυλάττειν τὴν βίγλαν μετ αὐτῶν καὶ

ἀπέρχονται καὶ τὰς βίγλας οὗτοι διὰ τοὺς Πατζινακίτας ἀγρύπνως φυλάττουσιν

Οἱ δὲ λοιποὶ τὰ πράγματα ἅπερ ἔχουσιν εἰς τὰ μονόξυλα ἀναλαμβανόμενοι τὰ ψυχάρια μετὰ

τῶν ἁλύσεων διὰ τοῦ ξηροῦ αὐτὰ διαβιβάζουσι μίλια ἕξ ἕως ἂν διέλθωσι τὸν φραγμόν Εἶθ

οὕτως οἱ μὲν σύροντες οἱ δὲ καὶ εἰς τοὺς ὤμους βαστάζοντες τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς τὸ τοῦ

φραγμοῦ ἐκεῖθεν μέρος διαβιβάζουσιν καὶ οὕτως ῥίπτοντες αὐτὰ εἰς τὸν ποταμὸν καὶ τὰ

πετζιμέντα αὐτῶν ἐμβλησκόμενοι εἰσέρχονται καὶ αὖθις ἐναποπλέουσιν Ἀπερχόμενοι δὲ εἰς

τὸν πέμπτον φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Βαρουφόρος Σκλαβηνιστὶ δὲ

Βουλνηπράχ διότι μεγάλην λίμνην ἀποτελεῖ πάλιν εἰς τὰς τοῦ ποταμοῦ γωνίας τὰ αὐτῶν

μονόξυλα διαβιβάσαντες καθὼς καὶ εἰς τὸν πρῶτον φραγμὸν καὶ δεύτερον καταλαμβάνουσι

τὸν ἕκτον φραγμόν λεγόμενον μὲν Ῥωσιστὶ Λεάντι Σκλαβηνιστὶ δὲ Βερούτζη ὅ ἐστιν

βράσμα νεροῦ καὶ διαβαίνουσι καὶ αὐτὸν ὁμοίως Καὶ ἀπὸ τούτου ἀποπλέουσι καὶ πρὸς τὸν

ἕβδομον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Στρούκουν Σκλαβηνιστὶ δὲ Ναπρεζή ὃ

312

ἑρμηνεύεται μικρὸς φραγμός Καὶ διαβαίνουσιν εἰς τὸ λεγόμενον πέραμα τοῦ Κραρίου ἐν ᾧ

διαπερῶσιν ἀπὸ Ῥωσίας οἱ Χερσωνῖται καὶ οἱ Πατζινακῖται ἐπὶ Χερσῶνα ἔχον τὸ αὐτὸ πέραμα

τὸ μὲν πλάτος ὅσον τοῦ ἱπποδρομίου τὸ δὲ ὕψος ἀπὸ κάτω ἕως ὅτου προκύπτουσιν ὕφαλοι

ὅσον καὶ φθάζειν σαγίτταν τοῦ τοξεύοντος ἔνθεν ἐκεῖσε Ὅθεν καὶ εἰς τὸν τοιοῦτον τόπον

κατέρχονται οἱ Πατζινακῖται καὶ πολεμοῦσι τοὺς Ῥῶς Μετὰ δὲ τὸ διελθεῖν τὸν τοιοῦτον τόπον

τὴν νῆσον τὴν ἐπιλεγομένην ὁ Ἅγιος Γρηγόριος καταλαμβάνουσιν ἐν ᾗ νήσῳ καὶ τὰς θυσίας

αὐτῶν ἐπιτελοῦσιν διὰ τὸ ἐκεῖσε ἵστασθαι παμμεγέθη δρῦν καὶ θύουσι πετεινοὺς ζῶντας

Πηγνύουσι δὲ καὶ σαγίττας γυρόθεν ἄλλοι δὲ καὶ ψωμία καὶ κρέατα καὶ ἐξ ὧν ἔχει ἕκαστος ὡς

τὸ ἔθος αὐτῶν ἐπικρατεῖ Ῥίπτουσι δὲ καὶ σκαρφία περὶ τῶν πετεινῶν εἴτε σφάξαι αὐτούς εἴτε

καὶ φαγεῖν εἴτε καὶ ζῶντας ἐάσειν αὐτούς Ἀπὸ δὲ τοῦ νησίου τούτου Πατζινακίτην οἱ Ῥῶς οὐ

φοβοῦνται ἕως ἂν φθάσωσιν εἰς τὸν ποταμὸν τὸν Σελινάν Εἶθ οὕτως ἀποκινοῦντες ἐξ αὐτοῦ

μέχρι τεσσάρων ἡμερῶν ἀποπλέουσιν ἕως οὗ καταλάβωσιν εἰς τὴν λίμνην τοῦ ποταμοῦ

στόμιον οὖσαν ἐν ᾗ ἐστιν καὶ ἡ νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου Καταλαβόντες οὖν οὗτοι τὴν

τοιαύτην νῆσον προσαναπαύουσιν ἑαυτοὺς ἐκεῖσε ἕως δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν

Καὶ πάλιν τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς ὅσας ἂν λίπωνται χρείας περιποιοῦνται τά τε ἄρμενα καὶ τὰ

κατάρτια καὶ τὰ αὐχένια ἅπερ ἐπιφέρονται Ἐπεὶ δὲ τὸ στόμιον τοῦ τοιούτου ποταμοῦ ἐστιν ἡ

τοιαύτη λίμνη καθὼς εἴρηται καὶ κρατεῖ μέχρι τῆς θαλάσσης καὶ πρὸς τὴν θάλασσαν κεῖται ἡ

νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου ἐκ τῶν ἐκεῖσε ἀπέρχονται πρὸς τὸν Δάναστριν ποταμόν καὶ

διασωθέντες ἐκεῖσε πάλιν ἀναπαύονται Ἡνίκα δὲ γένηται καιρὸς ἐπιτήδειος ἀποσκαλώσαντες

ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὸν ἐπιλεγόμενον Ἄσπρον καὶ ὁμοίως κἀκεῖσε ἀναπαυσάμενοι πάλιν

ἀποκινοῦντες ἔρχονται εἰς τὸν Σελινάν εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου ποταμοῦ λεγόμενον παρακλάδιον

Καὶ ἕως οὗ διέλθωσι τὸν Σελινὰν ποταμόν παρατρέχουσιν αὐτοῖς οἱ Πατζινακῖται Καὶ ἐὰν

πολλάκις ἡ θάλασσα μονόξυλον εἰς τὴν γῆν ἀπορρίψῃ σκαλώνουσιν ὅλα ἵνα τοῖς

Πατζινακίταις ἀντιπαραταχθῶσιν ὁμοῦ Ἀπὸ δὲ τὸν Σελινὰν οὐ φοβοῦνταί τινα ἀλλὰ τὴν τῆς

Βουλγαρίας γῆν ἐνδυσάμενοι εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου στόμιον ἔρχονται Ἀπὸ δὲ τοῦ Δανουβίου

καταλαμβάνουσιν εἰς τὸν Κωνοπάν καὶ ἀπὸ τοῦ Κωνοπᾶ εἰς Κωνστάντιαν εἰς τὸν ποταμὸν

Βάρνας καὶ ἀπὸ Βάρνας ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὴν Διτζίναν ἅπερ πάντα εἰσὶ γῆ τῆς

Βουλγαρίας Ἀπὸ δὲ τῆς Διτζίνας εἰς τὰ τῆς Μεσημβρίας μέρη καταλαμβάνουσιν καὶ οὕτως

μέχρι τούτων ὁ πολυώδυνος αὐτῶν καὶ περίφοβος δυσδιέξοδός τε καὶ χαλεπὸς ἀποπεραίνεται

πλοῦς Ἡ δὲ χειμέριος τῶν αὐτῶν Ῥῶς καὶ σκληρὰ διαγωγή ἐστιν αὕτη Ἡνίκα ὁ Νοέμβριος μὴν

εἰσέλθῃ εὐθέως οἱ αὐτῶν ἐξέρχονται ἄρχοντες μετὰ πάντων τῶν Ῥῶς ἀπὸ τὸν Κίαβον καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὰ πολύδια ὃ λέγεται γύρα ἤγουν εἰς τὰς Σκλαβηνίας τῶν τε Βερβιάνων καὶ

τῶν Δρουγουβιτῶν καὶ Κριβιτζῶν καὶ τῶν Σεβερίων καὶ λοιπῶν Σκλάβων οἵτινές εἰσιν

πακτιῶται τῶν Ῥῶς Δι ὅλου δὲ τοῦ χειμῶνος ἐκεῖσε διατρεφόμενοι πάλιν ἀπὸ μηνὸς

Ἀπριλίου διαλυομένου τοῦ πάγους τοῦ Δανάπρεως ποταμοῦ κατέρχονται πρὸς τὸν ΚίαβονΚαὶ

εἶθ οὕτως ἀπολαμβάνονται τὰ αὐτῶν μονόξυλα καθὼς προείρηται καὶ ἐξοπλίζονται καὶ πρὸς

Ῥωμανίαν κατέρχονται Ὅτι οἱ Οὖζοι δύνανται τοῖς Πατζινακίταις πολεμεῖν

Obtido em

lthttpkhazarzarskeptiknetpgmPG_MigneConstantinus20Porphyrogenitus_PG2

0112-113De20administrando20imperiopdfgt Uacuteltimo acesso em 10∕10∕2012

313

Apecircndice II

Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo

Alfabeto

Ciriacutelico

Transcriccedilatildeo para Registro

Catalograacutefico ou Linguiacutestico

Adaptaccedilatildeo Foneacutetica

para Nomes Proacuteprios

А

Б

В

Г

Д

Е

Ё

Ж

З

И

Й

К

Л

М

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V

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D

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S SS (intervocaacutelico)

T

U

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Tch

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Chtch sch (como em

ldquoTatiacuteschevrdquo)

(omitido)

Y

(omitido)

Eacute

Iu

Ia

  • AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI13
    • ESUMO
    • BSTRACT13
    • SUMAacuteRIO13
    • INTRODUCcedilAtildeO13
    • CAPIacuteTULO13 1
      • 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria13
      • 12 A historiografia pertinente
      • 13 A Ruacutessia czarista
        • 131 Tatiacuteschev
        • 132 O alematildees17
          • 14 A controveacutersia Normanista13
            • 141 A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A
              • I A Etimologia13
              • II As fontes13
                • 142 A posiccedilatildeo anti13normanista
                  • I I A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA
                  • II II II Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os
                  • III Os enviados III Os enviadosIII Os enviadosIII Os enviados III Os enviados III Os enviadosIII
                  • IV IV IV Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicasFontes
                  • V V Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade
                    • 143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildeesUma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma
                      • I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I
                      • II II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo
                        • 144 Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras
                        • 145 O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O
                        • 146 O rei O reiO reiO rei-estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro
                          • 15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 13
                            • 151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 -1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919)
                            • 152 O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O
                            • 153 Os tempos poacutes Os tempos poacutes -Stalin Stalin Stalin KruKru sch schoacutev (1953 oacutev (1953oacutev (1953oacutev (1953 -1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964)
                            • 154 Da era Breacutej Da era Breacutej Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 -1991) 1991)
                            • 155 A Ruacutessia poacutesA Ruacutessia poacutes A Ruacutessia poacutes -sovieacutetica sovieacutetica sovieacuteticasovieacutetica
                              • 16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin 13
                                • 161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa p
                                • 162 A academia russa hojeA academia russa hoje A academia russa hoje A academia russa hoje A
                                  • 17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula
                                  • 18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro
                                    • CAPITULO 213
                                      • 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 13
                                        • 211 A numismaacutetica 13
                                          • 2111 As Fontes 13
                                          • 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112
                                          • 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias2113
                                            • I O Baacuteltico Austrvegr
                                            • II A Rus de norte Ladoga
                                            • III Rostov Suzdal e Murom
                                            • IV Os povoamentos pareados
                                            • V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland
                                              • 22 As estelas ruacutenicas 13
                                                • 221 Sobre as estelas ruacutenicas
                                                • 222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas
                                                • 223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas
                                                • 224 As estelas ruacutenicas e o leste
                                                  • 23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste
                                                    • Capitulo 313
                                                      • 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste
                                                        • 311 O sistema cardinal e a terminologia
                                                        • 312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo
                                                        • 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islande
                                                        • 314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica
                                                          • 3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas
                                                          • 3142 Os Mappaemundi291
                                                          • 3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi
                                                          • 3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais
                                                          • 3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)
                                                          • 3146 Isidoro (ca 560-636)
                                                          • 3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas ldquoBeatosrdquo
                                                            • 315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais
                                                              • 32 Quadro etno -linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garetha
                                                                • 321 Fino -uacutegricos uacutegricosuacutegricos
                                                                • 322 Os Baltos13
                                                                • 323 Baltos e Fino13
                                                                • 324 Bjaacutermaland
                                                                    • CAPITULO 13 4
                                                                      • 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no me 13
                                                                      • 42 Snorri Sturlusson (1179 e a tradiccedilatildeo islandesa 13
                                                                        • 42 1 Histoacuterico 1
                                                                        • 422 A Heimskringla 13
                                                                        • 423 A Edda menor 423 A Edda menor423 A Edda menor 423 A Edda menor423
                                                                        • 42413interpretaccedilotildees histoacutericohistoacuterico histoacuterico -geograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d a Edda Menor a Edda Menora Edda Menora
                                                                        • 425 O proacutelogo da Edda Menor 425 O proacutelogo da Edda Menor425
                                                                        • 426 O Evemerismo 426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo 426
                                                                        • 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427
                                                                        • 428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Magnus o bom e Haraldr HarethraMagnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra ethi
                                                                        • 4210 Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees parciais Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees
                                                                          • 43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 13
                                                                            • 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431
                                                                            • 43 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum2 O leste na Gesta Danorum 2
                                                                            • 433 A Temaacutetica do Conselheiro
                                                                            • 434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O
                                                                            • 435 O leste e as cruzadas setentrionais
                                                                              • 44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste
                                                                                • CAPIacuteTULO 513
                                                                                  • 51 As Fornaldarsoumlgur 13
                                                                                    • 511 Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildeesDataccedilotildees
                                                                                      • 52 A Ọrvarrvar rvar-Odds Saga 13
                                                                                        • 521 M anuscritos e anuscritos e anuscritos e redaccedilotildeesredaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildees
                                                                                        • 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar rvar -Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacutericoOdds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico -geograacutefica geograacutefica geograacutefica
                                                                                        • 523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland
                                                                                        • 524 O Homem O Homem O Homem-CascaCasca
                                                                                          • 53 As iniciaccedilotildees e o leste 13
                                                                                            • 6 CONCLUSOtildeES13
                                                                                            • 7 BIBLIOGRAFIA 13
                                                                                            • 8 APEcircNDICES
Page 3: Versão corrigida - USP...AGRADECIMENTOS Ao Deus trino, criador, doador da Salvação, do sopro da vida, de sua imagem semelhança, que permite todo e qualquer empreendimento no campo

AGRADECIMENTOS

Ao Deus trino criador doador da Salvaccedilatildeo do sopro da vida de sua imagem

semelhanccedila que permite todo e qualquer empreendimento no campo das letras e do saber

Aos familiares tanto os perto quanto distante geograficamente pelo suporte e apoio

constante e pela prioridade sempre dada agrave minha formaccedilatildeo e educaccedilatildeo meus pais Igors e Luacutecia

minha irmatilde Rebeca meus avoacutes Agafangiel (in memorian) e Marta

Aos tutores e conselheiros que nesta fase de minha jornada pessoal assumiram papeis

natildeo tanto mais diretivos mas providenciaram ao lado da liberdade intelectual e de accedilatildeo

necessaacuterios os conselhos e exemplo de vida imprecindiacuteveis

Prs e Revs Denis Artur Darcy Mauriacutecio Andreacute Mira

Aos professores que contribuiacuteram de tantas formas em minha formaccedilatildeo para a

conclusatildeo deste trabalho e de tantas formas que muitos dos mesmos natildeo imaginam ndash alguns por

muitos anos a fio Ana Paula Bruno Gomide Elena Nikolaievna Vassina Maria Cristina

Pereira Renan Frighetto Faacutetima Regina Fernandes Frighetto Marcelo Cacircndido Andrejs Vasks

Johnni Langer Celso Taveira

Aos amigos colegas e alunos Desses alguns nunca entenderam exatamente o que

estudo sempre se comprazendo em perguntar-me acerca de dinossauros pterodaacutectilos e a Era

do Gelo a outros agradeccedilo as sugestotildees criacuteticas descrenccedilas e piadas que colaboraram para a

composiccedilatildeo de um trabalho melhor e de uma autoimagem menor outros foram de grande ajuda

em minha trajetoacuteria acadecircmica oferecendo oportunidades e ajuda inestimaacutevel Alguns

enquadram-se em vaacuterias dessas situaccedilotildees Diversos estimularam minha criatividade de vaacuterias

formas alguns ouviram pacientemente meus deliacuterios outros pagaram a liacutengua ao verem-se

constrangidos agrave lerem e comentarem esta tese Pedro Paulinho Renan Daniel Larissa Samuel

Evandro Wellington Otaacutevio Van Lucas Ceceacuteu Faacutebio Pablo

Agraves instituiccedilotildees que deram suporte proveram recursos experiecircncia crescimento pessoal e

sustento IBVM STBNET CBVM

Aos natildeo mencionados minha gratidatildeo pela compreensatildeo de minhas falhas imensas que

incluem a falta de memoacuteria

Tambeacutem fica claro que muitos aqui mencionados incorrem em mais de uma das categorias Mas

deixemos de positivismo

DEDICATOacuteRIA

Ao meu avoacute Agafangiel Szczawlinska falecido em

2010 cujas cinzas agora compotildeem parte do

Altacircntico meridional Nascido no nuacutecleo da antiga

Rus nos territoacuterios pertencentes outrora agrave tribo dos

Drevliani sua uacuteltima frase dita em minha presenccedila

(tendo tomado conhecimento de minha entrada no

doutorado uma semana antes) foi dirigida

profeticamente para o meacutedico que o atendia na UTI

ldquoEste eacute meu neto Ele eacute doutorrdquo Sua inspiraccedilatildeo vai

em muitos sentidos aleacutem desde o trabalho

incansaacutevel criativo ndash por vezes pendente ao tosco -

agrave face seacuteria

RESUMO

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash

(Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese (doutorado) ndash

Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo Satildeo

Paulo 2014

Nesta tese analisamos as nuances que o conceito de leste assumiu nas fontes escritas da

Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

De iniacutecio procedemos na observaccedilatildeo de como a historiografia referente agraves interaccedilotildees

entre povos da Escandinaacutevia e do Nordeste Europeu produziu extenso debate de

implicaccedilotildees poliacuteticas conhecido como a Controveacutersia Normanista Neste capiacutetulo

salientamos tambeacutem os impactos que o estudo do medievo teve nos tempos

contemporacircneos

A seguir efetuamos uma siacutentese baseada na interpretaccedilatildeo da Cultura Material sobre os

movimentos escandinavos a leste no periacuteodo viking que forneceram material para os

proacuteprios historiadores e autores na Escandinaacutevia e Islacircndia dos seacuteculos XIII e XIV

Ateacute entatildeo demonstramos que a despeito da Controveacutersia Normanista haacute evidecircncia

convincente e suficiente para demonstrar que a presenccedila escandinava no leste foi

deveras significativa

Os capiacutetulos posteriores centralizam-se na anaacutelise das fontes primaacuterias Dividimo-las

em fontes que apresentam material cartograacutefico e geograacutefico obras de cunho

historiograacutefico e sagas voltadas ao entretenimento como seleccedilatildeo de obras

representativas de tais grandes grupos analisamos o Mappamundi islandecircs Gks 1812

4to 5v-6r o proacutelogo da Edda Menor a Heimskringla a Gesta Danorum e a Ọrvar-Odds

Saga

A anaacutelise dessas fontes demonstrou que entre o seacuteculo XIII e o XIV ocorreu na

produccedilatildeo escrita escandinava uma bifurcaccedilatildeo entre o conhecimento produzido com

objetivos de instruccedilatildeo e aquele com intuitos de entretenimento

O uso do leste na primeira vertente eacute livresco inserindo muito do saber acumulado do

Medievo Ocidental e ressignificando o leste segundo paracircmetros das terras biacuteblicas e

dos autores claacutessicos

Nas fontes de intuito de entretenimento o uso do leste eacute tambeacutem ressignificado mas

desta feita de acordo com material mais ligado agrave cultura e agraves narrativas populares

empregando o leste na materializaccedilatildeo de temas do fantaacutestico e da mitologia

ABSTRACT

Nome MUCENIECKS Andreacute Szczawlinska Austrvegr e Garethariacuteki ndash Austrvegr e

Garethariacuteki ndash (Re)significaccedilotildees do Leste na Escandinaacutevia Tardo-Medieval 2014 Tese

(doutorado) ndash Faculdade e Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de

Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2014

(ldquoAustrvegr and Garethariacuteki - (re)significations of the East in Low-Middle Ages

Scandinaviardquo)

In this thesis we analyze the nuances assumed by the concept of east in the primary

sources of Scandinavia and Iceland in the thirteenth and fourteenth centuries

Initially we proceeded in the observation of how the historiography related to Northern

and Eastern Europe have produced extensive debate of political implications named the

Normanist Controversy In this chapter we have stressed also the impacts that Medieval

Studies may assume in Contemporary milieu

Hereafter we build a synthesis based on Material Culture - in the archaeological sense -

of the Scandinavian movements in East in the Viking Age interactions that already had

provided inspiration for authors in XIII-XIVs At this point we have showed

successfully that there is enough evidence to demonstrate the relevance of the

Scandinavian presence in medieval Eastern Europe

The later chapters deal with the analysis of several kinds of primary sources We have

gathered and organized it in geographical and cartographical works writings of

historiographical nature and entertainment aimed sagas

As a selection of representative works of such large groups we studied the Icelandic

Mappamundi of manuscript Gks 1812 4to 5v-6r the Prologue of Edda Minor the

Heimskringla the Gesta Danorum and the Ọrvar-Odds Saga

The analysis of these sources showed that between the thirteenth and the fourteenth

century a bifurcation occurred in Scandinavian written sources between the knowledge

produced for the purposes of instruction and the one with the goal of entertainment

The use of the East in the first group is highly scholar re-elaborating the East in the

light of accumulated knowledge of the Western Middle Ages as well as redefining it

within parameters coherent with christian and classical authors

The sources aimed to entertainment however employed the eastern areas in connection

with a different kind of knowledge Folk narratives and popular lore gained prominence

in the reshaping of eastern region transforming it in an auspicious place to the

materialization of the fantastic and the mythical

MAPAS

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki 90

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais 99

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava 102

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga

105

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares 108

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na Sueacutecia e Noruega por Km2 119

Mapa 07 As proviacutencias suecas 135

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica 182

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII 184

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico 192

Dniepr

Volga

Para Kiev e Bizacircncio

TABELAS

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo 112

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo 114

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings 136

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII 200

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson 204

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto 242

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais 250

Tabela 08 O desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum 251

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr 286

FIGURAS

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e

finalizando a 1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo

82

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950 em Gniozdovo Iniacutecio do X 107

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo 113

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo 113

Figura 05 U 439 Desenho de Johann Bureaus em 1595 127

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland 128

Figura 07 U 792 ndash Ulunda 129

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn 131

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional dinamarquecircs 132

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde foi movida Oriunda de

Sannerby 133

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) 153

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) 154

Figura 13 Mappamundi de Macrobius 158

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O 160

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo 162 Figura 16 O mapa da Vinland 165

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r 167

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539) 191

Figura 19 Van EEDEN Stemma 209

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum 238

SIGLAS ndash MANUSCRITOS E COacuteDICES

Poacuteviest vrieacutemennikh liet

PVL Poacuteviest vrieacutemennikh liet

L Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo laurentina

H Poacuteviest vrieacutemennikh liet redaccedilatildeo hypatiana

Heimskringla

F Codex Frisianus - AM 45 fol

K Kringla ndash Lbs fragm 82

HH Haralds saga Harethraacuteetha

OH Oacutelaacutefs saga ins Helga

OT Oacutelafs saga Tryggvasonar

Edda Menor

R Codex Regius - GKS 2367 4to

T Codex Trajectinus - MSS 1374

U Codex Uppsaliensis - DG 11 4to

W Codex Wormianus - AM 242 fol

Gesta Danorum

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol

570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Ọrvar-Odds Saga

OS Ọrvar-Odds Saga

S Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo curta - Perg 4tpo nr 7 43v-57r20

M Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo meacutedia - AM 344 a 4to 1r-24v

A Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante A - AM 343 4deg membr 59v-81v

B Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante B - AM 471 4deg membr 61r-96v

E Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo longa variante E - AM 173 4deg membr

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 15

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS 22 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria 22

12 A historiografia pertinente 26

13 A Ruacutessia czarista 27

131 Tatiacuteschev 29

132 O alematildees 29

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738) 29

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783) 31

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809) 32

14 A controveacutersia Normanista 36

141 A posiccedilatildeo normanista38

I A Etimologia 41

II As fontes 42

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet 42

b) Fontes bizantinas 42

c) Fontes islacircmicas 45

d) Fontes latinas 46

142 A posiccedilatildeo anti-normanista 47

I A questatildeo da etimologia 48

II Os argumentos de ausecircncia 49

III Os enviados 50

IV Fontes islacircmicas 50

V Superioridade econocircmica 50

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees 51

I O problema das etimologias 51

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade 52

144 Outras possibilidades interpretativas55

145 O problema metodoloacutegico 56

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais 58

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 63

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS 63

152 O periacuteodo Stalinista 66

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruchtchoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 69

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991) 70

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica 73

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev 76

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de Falsificaccedilatildeo da

Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de

2012) 75

162 A academia russa hoje 78

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula 79

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro 84

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL 89 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 91

211 A numismaacutetica 92

2111 As Fontes 94

2112 Os khazares e os aacuterabes 95

2113 Rotas e cronologias 97

I O Baacuteltico Austrvegr 98

II A Rus de norte Ladoga 103

III Rostov Suzdal e Murom 106

IV Os povoamentos pareados 106

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland 108

22 As estelas ruacutenicas 110

221 Sobre as estelas ruacutenicas 111

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas 115

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas 123

224 As estelas ruacutenicas e o leste125

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste 135

CAPITULO 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA 139 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste 139

311 O sistema cardinal e a terminologia 141

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo 143

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica simples

147

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica 150

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas 151

3142 Os Mappaemundi 155

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi 156

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais 158

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417) 159

3146 Isidoro (ca 560-636) 159

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo 161

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais 163

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII 174

321 Fino-uacutegricos 177

322 Os Baltos 181

323 Baltos e Fino-Uacutegricos 190

324 Bjaacutermaland 191

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA 198 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo 199

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa 204

421 Histoacuterico 204

422 A Heimskringla 207

423 A Edda menor 208

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor 212

425 O proacutelogo da Edda Menor 214

426 O Evemerismo219

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo224

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr Magnus o

bom e Haraldr Harethraethi227

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio228

4210 Conclusotildees parciais234

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 235

431 O Evemerismo de Saxo 243

432 O leste na Gesta Danorum 248

433 A Temaacutetica do Conselheiro 250

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares 253

435 O leste e as cruzadas setentrionais 255

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste educar e instruir

258

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A NARRATIVA DE

ENTRETENIMENTO 261 51 As Fornaldarsoumlgur 261

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees 264

52 A Ọrvar-Odds Saga 266

521 Manuscritos e redaccedilotildees 266

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-geograacutefica 268

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar 270

524 O Homem-Casca 279

53 As iniciaccedilotildees e o leste 286

6 CONCLUSOtildeES 288

7 BIBLIOGRAFIA 291 71 Fontes primaacuterias 291

711 Fontes escritas tradicionais 291

a) Colecirctaneas 291

b) Por autor ou tiacutetulo 291

712 Cultura material ndash estelas ruacutenicas 293

72 Referecircncias Bibliograacuteficas 294

8 APEcircNDICES 311 Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo 311

Apecircndice II Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo 313

15

INTRODUCcedilAtildeO

A juventude dos estudos histoacuterico-arqueoloacutegicos do medievo escandinavo e

germacircnico no Brasil e na proacutepria Ameacuterica Latina natildeo eacute novidade tambeacutem natildeo o eacute o

vigor com que essa aacuterea tem se desenvolvido nas uacuteltimas deacutecadas Se prosseguirmos um

pouco mais adiante e nos dispormos a discutir o contexto escandinavo mais a leste

envolvendo a Ruacutessia nos periacuteodos viking e medieval encontramos um panorama de

ineditismo quase total com pouquiacutessimas exceccedilotildees como a tese de doutorado

defendida por Euriacutepides Simotildees de Paula1 no departamento de Histoacuteria Social da

Universidade de Satildeo Paulo na deacutecada de 1940

A produccedilatildeo que insere a temaacutetica Escandinava no contexto de leste eacute restrita a

artigos esparsos de estudiosos ligados de forma mais ou menos indireta ao toacutepico O

interesse entretanto eacute relativamente crescente em particular nas novas geraccedilotildees de

graduandos em Histoacuteria que enfrentam aleacutem da resistecircncia entre os proacuteprios

acadecircmicos estabelecidos (e desconhecedores do campo em questatildeo) a ausecircncia de

literatura O trabalho de Euriacutepides Simotildees de Paula veicula informaccedilotildees uacuteteis mas que

necessitam de atualizaccedilatildeo e contextualizaccedilatildeo

Essa deficiecircncia engloba outros problemas que inclui a falta de bibliografia

estrangeira mais acessiacutevel ao estudante que deseja adentrar o campo As obras de cunho

geral sobre a cultura russa mais difundidas nas naccedilotildees ocidentais apresentam uma

ecircnfase acentuada no periacuteodo sovieacutetico em decorrecircncia da influecircncia da URSS no seacuteculo

XX e da maneira como as relaccedilotildees sovieacutetico-americanas moldaram a poliacutetica do mundo

contemporacircneo

Eacute relativamente faacutecil se encontrar manuais de alcance geral sobre a Histoacuteria

Russa desde seus primoacuterdios ateacute os tempos sovieacuteticos que carecem de maior

especializaccedilatildeo nos tempos que interessam agrave escandinaviacutestica O acesso agraves fontes

primaacuterias e secundaacuterias eacute cada vez mais faacutecil ao estudioso graccedilas ao advento da Internet

e dos recursos digitais mas o interessado em desvendar o toacutepico ainda se depara com

inuacutemeras dificuldades ndash desde o desconhecimento de por onde comeccedilar ao proacuteprio

acesso agraves linguagens e idiomas requeridos

1 PAULA Euriacutepedes Simotildees de O comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de Kiev Satildeo Paulo Universidade

de Satildeo Paulo 1942

16

O foco de nosso trabalho eacute de muitas formas muacuteltiplo por estranha que possa

parecer tal afirmativa ao leitor que enxergaraacute a temaacutetica russondashescandinava no medievo

como algo da mais notoacuteria especificidade Nosso interesse primordial de pesquisa satildeo as

visotildees e conceituaccedilotildees desenvolvidas pelos eruditos escandinavos do medievo sobre o

leste ndash austr em antigo noacuterdico

O leste pode consistir em referecircncia simples de direccedilatildeo geograacutefica nesta

acepccedilatildeo por vezes assume um significado relativo passageiro para quem o emprega

por exemplo um navegante que sai da Islacircndia ruma para leste quando se dirige para a

Noruega um norueguecircs ruma para leste quando se dirige para a Sueacutecia

Ainda geograficamente entretanto o leste pode assumir uma conotaccedilatildeo mais

absoluta que perpassa a mera dimensatildeo geograacutefica e ainda que a incorpore assume

tambeacutem um significado quase que etnoloacutegico Neste sentido encontramos o leste

enquanto regiatildeo habitada por populaccedilotildees especiacuteficas diferentes e similares aos

escandinavos em diversos graus e por eles caracterizados e distinguidos por conceitos

proacuteprios

Haacute outra dimensatildeo que o leste assume na historiografia escandinava medieval

De natureza mais eteacuterea menos ldquorealrdquo ao leitor contemporacircneo e mais inserida no

campo do imaginaacuterio da narrativa miacutetica e fantaacutestica Uma dimensatildeo na qual o leste

torna-se um lugar adequado para tanto os acontecimentos e feitos dos deuses e heroacuteis

quanto para localizaccedilatildeo de acontecimentos imemoriais que se encontram no domiacutenio do

passado

O estudo do conceito de leste assume portanto um papel significativo no

proacuteprio estudo do desenvolvimento da histoacuteria do pensamento nas regiotildees escandinavas

medievais Estruturas de pensamento que passam a ser fixadas de forma escrita e que

sofrem uma bifurcaccedilatildeo crescente entre narrativas de cunho mais estritamente histoacuterico e

geograacutefico para o campo natildeo apenas do fantaacutestico mas de proacuteprio entretenimento

Tal circunstacircncia leva-nos a efetuar uma aproximaccedilatildeo com a jaacute antiga discussatildeo

entre o mito e a histoacuteria entre o fato e o ficcional Poreacutem o faz de formas que

extrapolam nossas concepccedilotildees contemporacircneas e que devem ser compreendidas e

estudadas dentro da mentalidade do contexto em questatildeo Os marcos temporais satildeo

fornecidos pelo nosso proacuteprio tema A concentraccedilatildeo de fontes escritas tradicionais

escandinavas ocorre no seacuteculo XIII refletindo processos diversificados e distintos

17

ocorridos nos reinos escandinavos

Majoritariamente remete aos seacuteculos IX-XI conhecido como o periacuteodo viking

Temos portanto uma dualidade temporal constante O trabalho por noacutes proposto estaacute

fadado a estudar a histoacuteria natildeo apenas de pensadores e historiadores do passado mas a

histoacuteria por eles pensada e escrita Para isso devemos nos aproximar natildeo apenas de seu

contexto mas tambeacutem do contexto que tatildeo vividamente atraiu seu interesse Essa opccedilatildeo

traz consequecircncias metodoloacutegicas principalmente ligadas agrave existecircncia e disponibilidade

das fontes primaacuterias sua proacutepria natureza bem como os procedimentos a serem

adotados em relaccedilatildeo a elas

Nossa pesquisa estaacute estruturada de forma a inicialmente prover um panorama

referencial dos contextos em questatildeo discutiremos a historiografia pertinente ao tema e

natildeo apenas o tradicional contexto poliacutetico e narrativo de escrita das fontes Tambeacutem

nessa seccedilatildeo tocaremos brevemente na discussatildeo entre Mito X Histoacuteria Fato X Ficccedilatildeo

que ainda que bastante familiar ao historiador precisa ser revisitada por razotildees que

explanaremos logo a seguir Tal abordagem enfatizaraacute os enganos que o uso

indiscriminado da Arqueologia pelo historiador pode induzir

Essa seccedilatildeo conteacutem tambeacutem a discussatildeo da chamada Controveacutersia Normanista

que merece destaque Ainda que uma questatildeo considerada resolvida na historiografia

ocidental - e mesmo nos paiacuteses da antiga Cortina de Ferro a temaacutetica ainda eacute capaz de

suscitar debate acalorado em territoacuterio russo polarizando as posiccedilotildees poliacuteticas tanto

dentro quanto fora da academia Dessa forma uma temaacutetica que seria de certa forma

acessoacuteria ndash visto que nosso objeto eacute focado sobre o ponto de vista escandinavo sobre o

leste e natildeo o contraacuterio ndash acabou por assumir atenccedilatildeo e espaccedilo especial pelas

implicaccedilotildees poliacuteticas contemporacircneas que a temaacutetica pode assumir e em relaccedilatildeo agraves

quais natildeo estamos dispostos a nos omitir

Eacute relevante a circunstacircncia de que a anaacutelise das consequecircncias presentes no

estudo da Antiguidade e do Medievo consista em um campo relativamente recente nos

estudos antigos mas bastante ausente nos medievais No Brasil tal preocupaccedilatildeo tem

sido constante no trabalho de pesquisadores ligados agrave Antiguidade como Pedro Paulo

Funari Renata Senna Garrafoni e Glaydson Joseacute da Silva ndash destacamos por exemplo

os estudos do uacuteltimo referentes aos usos da Antiguidade na Franccedila de Vichy mas com

exceccedilatildeo de tentativas de anaacutelise cinematograacutefica e da Cultura popular o estudo das

18

formas de emprego do medievo na Idade Contemporacircnea ainda tem engatinhado e

encontrado resistecircncia Destacamos os estudos de Johnni Langer referentes agraves

representaccedilotildees escandinavas no Romantismo por si soacute pioneiros e que despertaram

interesse em toda uma geraccedilatildeo de estudantes

Em nossa apresentaccedilatildeo do Normanismo pretendemos ir no entanto um passo

adiante na demonstraccedilatildeo ainda que em linhas gerais de como uma temaacutetica do

Medievo pocircde assumir consequecircncias amplas na Ruacutessia e na Uniatildeo Sovieacutetica a ponto

de vir a ser considerada danosa e perigosa ao Estado implicando perseguiccedilatildeo aos seus

proponentes bem como assumindo conotaccedilotildees de disputa e ressentimento poliacutetico entre

antigas naccedilotildees do Bloco Sovieacutetico e a Ruacutessia

Para a confecccedilatildeo de tal seccedilatildeo nos beneficiamos consideravelmente dos

conselhos dos professores do departamento de Liacutenguas Orientais da Universidade de

Satildeo Paulo Bruno Gomide e Elena Vaacutessina bem como das oportunidades de discutir e

lecionar o tema na disciplina de Cultura Russa I ministrada pelo proacuteprio professor

Gomide O leitor encontraraacute nesta seccedilatildeo portanto uma siacutentese consideravelmente

ampla ndash estamos plenamente cientes do paradoxo da afirmaccedilatildeo - e tambeacutem inexistente

na Ameacuterica Latina Tambeacutem devemos aqui o agradecimento aos professores Andrejs

Vasks da Universidade de Riga Letocircnia Heiki Valk e Anti Selart da Universidade de

Tartu Estocircnia

Essa ponte entre o passado e o presente eacute desejaacutevel em todo trabalho de pesquisa

histoacuterica eacute impossiacutevel dissociar-se do presente vivido que sempre se imiscuiraacute na

pesquisa do mais ldquoneutrordquo e ldquocientiacuteficordquo dos historiadores De fato as pesquisas antigas

e medievais permanecem como um dos uacuteltimos redutos na pesquisa histoacuteria em que se

pratica um modelo no qual o historiador pensa isolar-se em sua torre de marfim

mantendo postura supostamente apoliacutetica ndash ora o proacuteprio haacutebito de abster-se eacute accedilatildeo de

consequecircncia poliacutetica ainda que de toleracircncia subserviecircncia ou mesmo apoio ao status

quo

Por outro lado perduram ainda em acircmbito acadecircmico as discussotildees sobre as

maneiras de se efetuar tal conexatildeo passado-presente e em muitas ocasiotildees a criacutetica de

uma historiografia mais conservadora centralizar-se-aacute no argumento de que muitos

historiadores que dizem efetuar o estudo da Antiguidade ou Medievo estatildeo na verdade

efetuando estudos de Histoacuteria Contemporacircnea Em outras circunstacircncias a mesma

19

historiografia tradicional com uma preocupaccedilatildeo salutar do recurso agraves fontes primaacuterias

advogaraacute uma total e cabal ausecircncia de referecircncia teoacuterica e reflexiva externa agrave fonte

como se tal empirismo fosse de fato possiacutevel

Procuramos lidar com tais ambiguidades e dualidades em nossa pesquisa

efetuando dentro das possibilidades de tempo e espaccedilo trabalho soacutelido de anaacutelise das

fontes ndash sejam escritas ou arqueoloacutegicas mas sem nos abstermos das implicaccedilotildees soacutecio-

poliacuteticas contemporacircneas de tal anaacutelise Cabe tambeacutem ao leitor a consideraccedilatildeo final

acerca de quatildeo perto fomos capazazes de chegar de tal objetivo

No capiacutetulo seguinte procederemos ao estudo de Austrvegr e Garethariacuteki nos

seacuteculos IX -XI ndash termos que dissecaremos com mais afinco adiante mas que por hora eacute

suficiente definir enquanto aacutereas agrave leste da Escandinaacutevia ndash Austrvegr compreendendo a

regiatildeo baacuteltica e Garethariacuteki a Rusde Kiev e Novgorod Em tal fase da pesquisa daremos

foco agraves fontes propiciadas pela Cultura Material ndash termo aqui empregado em seu

conceito arqueoloacutegico Empregaremos principalmente duas seacuteries documentais a

numismaacutetica e as estelas ruacutenicas Nossa pesquisa natildeo eacute exclusivamente arqueoloacutegica e

natildeo possui a natureza de uma anaacutelise arqueoloacutegica especiacutefica e detalhada de limitado e

determinado contexto arqueoloacutegico Dessa maneira pela proacutepria natureza de tais fontes

e pelas possibilidades de tempo e espaccedilo tal etapa de estudo inevitavelmente recorreraacute

com frequecircncia ao cacircnon interpretativo acadecircmico possuindo caraacuteter enciclopeacutedico

Temos a confianccedila de poder a despeito de tais circunstacircncias prover o leitor de

interpretaccedilotildees e siacutenteses ainda natildeo agrupadas em conjuntos

O capiacutetulo seguinte iniciaraacute a contraparte temporal do seacuteculo XIII Analisaraacute a

terminologia conceituaccedilatildeo e aparatos geograacuteficos disponiacuteveis aos antigos escandinavos

incluindo suas formas de expressatildeo linguiacutesticas cartografia e formas narrativas Esta

seccedilatildeo seraacute complementada por uma anaacutelise das diferenciaccedilotildees etno-geograacuteficas

presentes na Euraacutesia de noroeste

A seguinte e uacuteltima parte do trabalho lidaraacute mais profundamente com as fontes

escritas de caraacuteter tradicional ao historiador em particular com os trabalhos de Snorri

Sturlusson Saxo Grammaticus e autores anocircnimos de diversas modalidades de sagas

Os dois capiacutetulos a ela destinada dividir-se-atildeo em uma anaacutelise especiacutefica das obras

histoacutericas e croniacutesticas dos autores supracitados no primeiro seguida da comparaccedilatildeo

com a Ọrvar-Odds Saga e alguns extratos de outras Fornaldarsoumlgur que exemplificam

20

outras formas totalmente distintas de se empregar o passado e de se compreender o

leste

Tal estruturaccedilatildeo da pesquisa a nosso ver necessaacuteria agrave abrangecircncia de todas as

temaacuteticas envolvidas corre perigosamente perto da discussatildeo jaacute referenciada sobre

ldquomito X histoacuteriardquo ldquofato X ficccedilatildeordquo ldquoo que realmente aconteceu X o que foi escrito sobre

issordquo O leitor perceberaacute a facilidade com que se associa Cultura Material

conhecimento Arqueoloacutegico e materialidade agrave objetividade cientiacutefica bem como o texto

escrito agrave subjetividade Um estudo focado na materialidade nos seacuteculos IX-XI seguido

da anaacutelise das fontes escritas do seacuteculo XII que tratam sobre esses primeiros seacuteculos

induz tentadoramente o pesquisador a uma diferenciaccedilatildeo simplista entre ldquoo que de fato

aconteceurdquo estudado pela Arqueologia e ldquoo que se escreveu sobre istordquo estudado pela

Histoacuteria Esperamos natildeo incorrer nessa discussatildeo de forma ingecircnua despreparada e

simplista e deixaremos ao leitor a conclusatildeo se conseguimos ou natildeo vencer e transpor

tal limitaccedilatildeo

A natureza muacuteltipla de nosso trabalho implica um caraacuteter por vezes

enciclopedista e mais inclinado ao estudo generalista ao inveacutes de uma anaacutelise

estritamente transversal Temos a confianccedila no entanto de apresentarmos ao leitor e agrave

academia uma discussatildeo pareada com o estado da pesquisa internacional beneficiada

pela discussatildeo com especialistas da Escandinaacutevia do Reino Unido e do Baacuteltico e que

pode se prover de elementos tanto da academia ocidental quanto da antiga cortina de

ferro

Em relaccedilatildeo aos nomes russos empregamos a tabela de transliteraccedilatildeo do ciriacutelico

empregada pelo curso de Liacutengua Russa do Departamento de Letras Orientais da

Universidade de Satildeo Paulo que pode ser consultada no Apecircndice II No caso de

acadecircmicos russos com produccedilatildeo internacional principalmente no mundo anglo-saxatildeo

citamos as formas de seus nomes segundo as respectivas publicaccedilotildees Quanto aos

nomes escandinavos mantivemo-los em suas formas originais incluindo terminaccedilotildees

de nominativo singular

Por fim falta ainda a ressalva sobre o emprego especiacutefico que faremos dos

termos ldquovikingrdquo e ldquovareguerdquo Defendemos o emprego do termo ldquovikingrdquo em uma

acepccedilatildeo ocupacional natildeo eacutetnica de um indiviacuteduo que navega em expediccedilotildees listadas

nas fontes escritas e monumentais como lsquoiacute vikingrsquo fossem de saque ou comeacutercio

21

Defendemos tal posiccedilatildeo em artigo publicado em 20102 e desde entatildeo a mesma ideia foi

proposta e defendida por Renan Birro e Theacuteo Moosburguer

Quanto ao uso do termo ldquovareguerdquo eacute designaccedilatildeo comum agrave historiografia usada

para escandinavos normalmente suecos que navegam lutam perseguem carreira ou

residem nas terras a leste fosse Austrvegr Garethariacuteki ou mesmo Bizacircncio e aleacutem Esta

acepccedilatildeo geral induz a uma dicotomizaccedilatildeo simples entre varegues-mercadores e vikings-

guerreiros e pode ser encontrada na obra de autores consagrados na Escandinaviacutestica

como Lucien Musset3 e o casal Sawyer

4

Entretanto tal formulaccedilatildeo jaacute natildeo se sustenta de forma completa Ainda que a

maior parte dos empreendimentos a leste tenham tido caraacuteter comercial os aspectos

presentes em expediccedilotildees vikings encontram-se tambeacutem nos movimentos dos varegues a

leste sendo o termo viking empregado pela historiografia mais recente a lidar com as

terras orientais5 Tambeacutem eacute importante notar que um indiviacuteduo natildeo necessariamente

navegava apenas a oeste ou apenas a leste Dessa forma empregamos ldquovikingrdquo de forma

ocupacional mas geneacuterica e varegue de forma especiacutefica enquanto vikings nas terras a

leste

2 MUCENIECKS Andreacute S ldquoNotas sobre o termo viking usos abusos etnia e profissatildeordquo In Revista

Aletheacuteia de Estudos sobre a Antiguumlidade e Medievo volume 22 agodez 2010 3 MUSSET Lucien Les peuples scandinaves au Moyen Acircge Presses universitaires de France Paris

1951 Musset discute o conceito de ldquovikingrdquo nas paacuteginas 41s e o de varegue segundo a acepccedilatildeo citada

na 53 4 SAWYER Birgit amp SAWYER Peter Medieval Scandinavia from Conversion to Reformation circa

800-1500 Minneapolis Minnesota University Press 2003 [1993] 53 5 Destaque-se os influentes trabalhos de Thomas Noonan em particular sua seacuterie de artigos ldquoThe Islamic

World Russia and the Vikings 750-900rdquo seminais no campo da Numismaacutetica a obra de referecircncia de

Wladimir Duczko ldquoViking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europerdquo publicada

pela Brill em 2004 e o recente manual de Stefan Brink e Neil Price ldquoThe Viking Worldrdquo publicado em

2008 O termo ldquovikingrdquo tem sido empregado tambeacutem por autores de origen russa e que publicam em

russo como Tatjana Jackson Elena Melnikova e Leo Klejn bem como em congressos internacionais ndash

podemos citar por exemplo o Internacional medieval Congress em Leeds UK e as ldquoSaga Conferencesrdquo

22

CAPIacuteTULO 1 PRELIMINARES HISTORIOGRAacuteFICOS

ldquoAlguns estimando que os fatos mais proacuteximos a noacutes satildeo por

isso mesmo rebeldes a quaquer estudo verdadeiramente sereno

desejavam simplesmente poupar agrave casta Clio contatos demasiado

ardentes [Assim pensava imagino meu velho professor Isso eacute

certamente atribuir-nos um fraco domiacutenio dos nervos Eacute tambeacutem

esquecer que a partir do momento em que entram em jogo as

ressonacircncias sentimentais o limite entre o atual e o inatual estaacute longe

de se ajustar necessariamente pela meacutedia matemaacutetica de um intervalo

de tempo] Estava tatildeo errado meu bravo diretor do liceu

languedociano onde empunhei minhas primeiras armas que advertia-

me com sua voz grossa de capitatildeo de ensino lsquoAqui o seacuteculo XIX

natildeo eacute muito perigoso quando chegares nas guerras de Religiatildeo secirc

prudentersquo Na verdade quem uma vez diante de sua mesa de trabalho

natildeo tiver a forccedila de poupar seu ceacuterebro do viacuterus do momento seraacute bem

capaz de destilar suas toxinas ateacute num comentaacuterio sobre a Iliacuteada ou o

Ramayanardquo (Marc Bloch)6

11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria

Os paradigmas histoacutericos sofreram consideraacuteveis alteraccedilotildees na Poacutes-

modernidade O que muitos de noacutes natildeo se apercebem eacute o quatildeo modernos ainda somos

em muitos aspectos Como Barstad7 salienta a despeito das grandes diferenccedilas

existentes entre as metodologias dos positivistas alematildees e a Escola dos Annales

francesa ambas partilham do pressuposto de que a tarefa do historiador eacute compreender

o passado

O estado atual de discussatildeo da disciplina aponta para a necessidade de uma

reflexatildeo seacuteria por parte do historiador sobre o seu trabalho sua produccedilatildeo e seu proacuteprio

ponto de partida Em particular o lugar de onde o historiador escreve precisa ser

considerado bem como a compreensatildeo de que sua escrita natildeo eacute neutra e desprovida de

significados para o seu presente e sua posteridade

Aparentemente haacute um senso comum de que a dimensatildeo poliacutetica do presente no

trabalho do historiador eacute considerada mais significativa na relaccedilatildeo de que seu recorte de

estudo aproxima-se de seu proacuteprio tempo As temporalidades mais distantes ndash

Antiguidade Antiguidade Tardia e Idade Meacutedia permanecem distantes geografica e

6 BLOCH Marc Apologia da Histoacuteria ou O ofiacutecio do historiador Ediccedilatildeo anotada por Eacutetienne Bloch

Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 [1997] P62 7 BARSTAD History and the Hebrew Bible Can a History of Israel Be Written In GRABBE L L

Grabbe (ed) Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245 European Seminar in

Historical Methodology 1 Sheffield 1997 p40

23

temporalmente e escondendo-se em tal distacircncia eacute risco constante do historiador

pressupor a ausecircncia de consequecircncias e influecircncias ndash nas duas matildeos ndash de seu trabalho

no contexto em que ele vive

Haacute de ressaltar que ao menos no que toca a Antiguidade Greco-Romana o

panorama tecircm sido mudado Gradualmente mais departamentos e pesquisadores abrem-

se agraves necessidades do estudo dos diversos usos da Antiguidade efetuados a posteriori

Dessa forma natildeo causam mais tamanha estranheza linhas de pesquisa inteiramente

devotadas a este objetivo e ainda assim inseridas em departamentos voltados ao estudo

da Antiguidade

A despeito de criacuteticas eventuais de uma historiografia mais tradicional e

empiacuterica os produtos de tais linhas de trabalho tecircm dado significado maior ao proacuteprio

estudo da Histoacuteria Poliacutetica com um todo Podemos citar como exemplos de tais estudos

os trabalhos de Glaydson da Silva8 acerca dos empregos de identidades eacutetnicas ndash ora

gaulesas ora gallo-romanas ora francas na Franccedila em particular no periacuteodo de Vichy

trabalhos do grupo de pesquisa no qual o mesmo se insere que tambeacutem inclui Pedro

Paulo Funari Renata Senna Garrafoni Lourdes Madalena Gazarini Conde Feitosa e

Joseacute Geraldo Costa Grillo ligado agrave UFPR e Unifesp e chamado ldquoAntiguidade e

Modernidade usos do passadordquo estudos sobre apropriaccedilatildeo de imaginaacuterio germacircnico

antigo e mesmo helecircnico na Alemanha nazista dos quais se destaca o ensaio de Carlo

Ginzburg ldquoMitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di Georges

Dumeacutezil em ldquoMitos emblemas e sinaisrdquo9 estudos sobre a apropriaccedilatildeo do passado

romano pela Itaacutelia fascista e mesmo estudos sobre os usos da Arqueologia nas naccedilotildees

coloniais disputas eacutetnicas e temaacuteticas afins

No estudo do medievo entretanto tais preocupaccedilotildees parecem mais distantes da

mente do historiador a despeito da maior proximidade temporal ndash e por vezes nos

casos europeus geograacutefica Algumas exceccedilotildees notaacuteveis ndash e podemos referir nesta linha

de pesquisa alguns trabalhos do professor Johnni Langer acerca das representaccedilotildees

8 Destacamos SILVA Glaydson Joseacute da O mundo antigo visto por lentes contemporacircneas as extremas

direitas na Franccedila nas deacutecadas de 1980 e 90 ou da instrumentalidade da Antiguumlidade Histoacuteria (Satildeo

Paulo) v 26 p 79-99 2007 e principalmente SILVA Glaydson Joseacute da Histoacuteria Antiga e usos do

passado um estudo de apropriaccedilotildees da Antiguidade sob o regime de Vichy (1940-1944) Satildeo Paulo

Annablume Fapesp 2007 222p 9 Publicaccedilatildeo original GINZBURG Carlo Mitologia Germanica e Nazismo ndash Su Un Vecchio Libro Di

Georges Dumeacutezil Miti emblemi spie Morfologia e storia Einaudi 1986

24

romacircnticas sobre os vikings10

ndash vecircm trabalhar o estudo de determinadas representaccedilotildees

do medievo em periacuteodos mais contemporacircneos Mas satildeo casos mais raros esporaacutedicos

e muitos deles se perdem como meros estudos de curiosidades carecendo de anaacutelises

poliacuteticas mais consistentes

Dois pontos fundamentais que derivam de tais reflexotildees satildeo as fronteiras

riacutegidas entre Mito e Histoacuteria e uma reavaliaccedilatildeo do proacuteprio conceito de verdade

histoacuterica A respeito das implicaccedilotildees poliacuteticas de nosso objeto de pesquisa

retornaremos com maior detalhe brevemente Em relaccedilatildeo agrave questatildeo ldquoMito e Histoacuteriardquo

ao tratarmos da dualidade temporal entre o periacuteodo viking e o periacuteodo da Baixa Idade

Meacutedia na Escandinaacutevia costuramos as duas situaccedilotildees inadvertidamente pela proacutepria

natureza das fontes envolvidas pelas disciplinas que se destacam em seus estudos e

pelos preconceitos que gravitam em torno de tais disciplinas

Quando comparamos o estudo dos seacuteculos IX-XI ndash carente de fontes primaacuterias

escritas e por conseguinte centralizado em interpretaccedilotildees sugeridas pelo estudo da

Cultura Material por disciplinas como a Arqueologia Numismaacutetica e Paleografia ndash com

a anaacutelise das fontes escritas no seacuteculo XIII-XIV ndash caracterizados por abundacircncia de

material escrito e epigraacutefico e portanto dominados por estudos histoacutericos e literaacuterios as

naturezas das disciplinas induzem-nos a pressupor uma maior verossimilhanccedila nos

estudos que lidam com a materialidade produzindo uma polarizaccedilatildeo entre cultura

material = histoacuteriaverdade versus fontes escritas e literaacuterias = mitomentira

As proacuteprias divisotildees entre as fontes primaacuterias tambeacutem influenciadas por doses

consideraacuteveis de positivismo histoacuterico induzem a criteacuterios de ldquomaiorrdquo ou ldquomenorrdquo

verossimilhanccedila em abordagens que por mais que envolvidas em discursos

historiograacuteficos contemporacircneos repetem estereoacutetipos de matriz positivista A

contraposiccedilatildeo entre as Fornaldarsoumlgur (Sagas Fantaacutesticas) com as Islendigasoumlgur

(Sagas dos Islandeses)11

produziu tradiccedilatildeo de desmerecimento das primeiras em favor

da suposta maior factualidade e realismo das uacuteltimas

Eacute interessante frisar entretanto que possuiacutemos um termo classificatoacuterio

empregado por alguns dos proacuteprios islandeses medievais ainda que aparentemente mais

10

LANGER J The origins of the imaginary Viking 4 2002 Centre for Baltic StudiesGotland

University Visby Sweden Viking Heritage Magazine v 04 n04 p 07-09 2002 amp ________ Les

Vikings premiers europeacuteens In Temas medievales 14 14 2006 Scielo Argentina _________ A guerra

das imagens In Histoacuteria (UNESP) 26 2007 11

Discutiremos em separado as categorias de fontes primaacuterias nos capiacutetulos II e V

25

restrito Trata-se de lygisoumlgur Traduzido para o inglecircs como ldquolie-sagasrdquo uma

apropriaccedilatildeo razoaacutevel no portuguecircs seria ldquosagas de mentirardquo ou mesmo algo coloquial

como ldquosagas de mentirinhardquo Poreacutem natildeo eacute necessaacuterio pressupor aqui um criteacuterio

pejorativo per se Trata-se de um criteacuterio de certa forma similar ao que empregamos ao

diferenciar ldquoveriacutedicordquo de ldquofictiacuteciordquo ou mesmo ldquohistoacuteriardquo e ldquomitordquo e enfatiza o aspecto

de que o evento narrado ocorreu ou natildeo12

Este paracircmetro classificatoacuterio cria situaccedilotildees curiosas ao olhar contemporacircneo

Enquanto o paracircmetro classificatoacuterio fosse o ldquoocorreurdquo ou ldquonatildeo-ocorreurdquo a

incorporaccedilatildeo de motivos maacutegicos e fantaacutesticos podia ser feita a um enredo que

ldquorealmente ocorrerardquo sem alterar a caracteriacutestica de ldquofatordquo da narrativa em questatildeo A

maior parte das sagas classificadas atualmente como marcadamente fantaacutesticas e

fictiacutecias ou seja as fornaldarsoumlgur natildeo eram chamadas de lygisoumlgur E de algumas

sagas classificadas como tais afirmava-se que das mesmas natildeo se devia desprezar o

valor pois a despeito de sua natildeo-factilidade traziam ensinamentos morais relevantes

Temos portanto definiccedilotildees e consideraccedilatildeo sobre a diversa natureza do

conhecimento que natildeo coincidem exatamente com as nossas proacuteprias visotildees Nossa

divisatildeo tradicional que classifica mito enquanto fantasia e invenccedilatildeo e histoacuteria enquanto

estudo ou narrativa de fatos que realmente aconteceram natildeo se aplica aqui

As Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur a despeito de suas formas e esteacuteticas

muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o passado e a narrativa em

contextos diferentes e subsequentes Esses usos diversos satildeo igualmente vaacutelidos e eacute

anacrocircnico executar juiacutezos de valor ou colocar uma forma de escrita de saga como

superior agrave outra A menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor

enquanto fonte histoacuterica

De igual forma ao tratarmos da dualidade temporal eacute mister salientar que todas

essas interpretaccedilotildees dos contextos histoacutericos ndash sejam as interpretaccedilotildees arqueoloacutegicas

sobre os seacuteculos IX-XI e seu estudo focado no material sejam as construccedilotildees escritas

nos seacuteculos XIII-XIV sejam os estudos histoacutericos feitos sobre as mesmas e sua

abordagem quase que literaacuteria ndash trata-se de interpretaccedilotildees e construccedilotildees efetuadas por

historiadores ndash dos seacuteculos em questatildeo dos seacuteculos XIX ateacute noacutes Tratamos de visotildees

sobre um passado do qual cada eacutepoca aproximou-se empregando o cabedal de

conhecimento disponiacutevel para si

12

DRISCOLL Matthew Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 Pp190ss

26

12 A historiografia pertinente

A dinacircmica entre Escandinaacutevia e o Leste foi tratada diferentemente nos paiacuteses

nas quais foi estudada Na Escandinaacutevia na Europa Ocidental e na Ameacuterica a ecircnfase

maior da Escandinaviacutestica sempre foi o oeste em particular os movimentos vikings nas

Ilhas Britacircnicas A presenccedila escandinava a leste foi considerada um fato dado mas uma

especificidade mais ligada aos varegues os vikings suecos e as proacuteprias dificuldades de

comunicaccedilatildeo e troca de informaccedilotildees com o bloco sovieacutetico colaboraram em muito para

que o tema permanecesse em posiccedilatildeo perifeacuterica

Na Ruacutessia posterior URSS e paiacuteses a ela incorporados a situaccedilatildeo foi bastante

diversa A historiografia russo-escandinava e o iniacutecio da proacutepria historiografia russa

estatildeo entrelaccedilados e o debate ligado a esta questatildeo diz respeito diretamente ao proacuteprio

surgimento da Ruacutessia ndash seja qual acepccedilatildeo se empregue para o termo assumindo

significados maiores sob os regimes czarista sovieacutetico e da Era Putin-Medvedev mas

sempre retornando ao moto de que o normanismo13

eacute uma ideologia ldquodanosardquo ao estado

russosovieacutetico dependendo da temporalidade em questatildeo ou reafirmando e

legitimando a independecircncia dos Paiacuteses Baacutelticos por enfocar supostos viacutenculos

milenares com o Ocidente e o Norte

Destarte eacute pertinente efetuarmos um panorama sobre as diversas abordagens

que a temaacutetica jaacute sofreu Fica a ressalva de que natildeo se trata de nosso objetivo primaacuterio a

confecccedilatildeo de um estudo especiacutefico sobre a historiografia russo-sovieacutetica que merece

por si soacute consideraacutevel espaccedilo agrave parte

Faremos a seguir um apanhado historiograacutefico sumaacuterio da Ruacutessia seguido de

uma discussatildeo mais detalhada da chamada ldquoControveacutersia Normanistardquo Daremos ecircnfase

especial aos primeiros historiadores de origem germacircnica pela proacutepria inexistecircncia no

Brasil de qualquer informaccedilatildeo acerca dos mesmos e pelo papel que tiveram no

desenvolvimento de estudos russo-escandinavos Atravessaremos o periacuteodo sovieacutetico

encerrando tal discussatildeo com uma anaacutelise da situaccedilatildeo da temaacutetica no Brasil Ocidente

(em particular Escandinaacutevia EUA e Reino Unido) e Paiacuteses da antiga Cortina de Ferro

Na antiga URSS a arqueologia foi rebatizada como ldquoHistoacuteria da Cultura

Materialrdquo e foi ensinada por muito tempo como parte das ciecircncias histoacutericas Esta

circunstacircncia eacute similar nas antigas repuacuteblicas sovieacuteticas e em parte da antiga Cortina de

13

Que definiremos agrave exaustatildeo muito em breve

27

Ferro destarte muito da discussatildeo historiograacutefica entralaccedila-se com a discussatildeo da

proacutepria teoria arqueoloacutegica que diga-se de passagem enfrenta problemaacuteticas muito

similares na relaccedilatildeo passado-presente

13 A Ruacutessia czarista

Os primeiros estudos histoacutericos na Ruacutessia deram-se no seacuteculo XVIII e devem-se

principalmente aos trabalhos de Tatiacuteschev ndash relido e cada vez mais resgatado na Ruacutessia

nos tempos contemporacircneos Bayer Muumlller e Schloumlzer Conquanto entre os acadecircmicos

no ocidente e na Escandinaacutevia a atuaccedilatildeo escandinava na Rus de Kiev e Novgorod tenha

sido ponto bastante consensual havendo maior divergecircncia em nuances e detalhes sobre

os movimentos escandinavos no leste na Ruacutessia e URSS a situaccedilatildeo foi diversa por

implicar na proacutepria formaccedilatildeo do ldquoestadordquo bem como em ferir as sensibilidades e

nacionalismos de diversas eras

A temaacutetica escandinava esteve presente jaacute na primeira geraccedilatildeo de historiadores

russos Em parte a origem e formaccedilatildeo alematilde de elevada porcentagem desses estudiosos

explica embasamento e propensotildees aos estudos germacircnicos Entretanto desde os

princiacutepios da historiografia russa estudos de tal natureza encontraram um revezamento

entre acirrada resistecircncia e aceitaccedilatildeo em particular com o surgimento da chamada

ldquoControveacutersia Normanistardquo deflagrada jaacute em 1749 que defendia um papel significativo

escandinavo no surgimento e organizaccedilatildeo da Rusde Kiev e que ainda na atualidade

perdura como ponte de debate entre acadecircmicos de situaccedilatildeo e oposiccedilatildeo na Ruacutessia poacutes-

sovieacutetica

A despeito do grande debate acadecircmico que a controveacutersia gerou os

historiadores da Ruacutessia dos seacuteculos XVIII-XIX acabaram por adotar em grande parte a

posiccedilatildeo normanista como histoacuteria oficial ainda que fossem acusados de um suposto

anti-patriotismo De fato apoacutes a morte de Pedro o Grande e com o final da linha direta

masculina dos Romaacutenov ndash entre 1761 a 1917 portanto o Impeacuterio Russo foi governado

por oriundos principalmente da dinastia germacircnica dos Holstein-Gottorp

No seacuteculo XIX os alematildees compunham 57 dos oficiais no Ministeacuterio de

assuntos exteriores 46 do ministeacuterio de defesa e 62 do Ministeacuterio de Correio e

Comunicaccedilotildees A presenccedila germacircnica na ciecircncia e nas artes era tambeacutem dominante

28

Dessa forma como Zakharii14

argumenta a elite do Impeacuterio Russo alienada das classes

subalternas careceria de um elo nacionalista eslaacutevico que a impedisse de favorecer a

ideia normanista

Nos primeiros historiadores a lidar com a questatildeo escandinava na Ruacutessia tal

campo de estudo foi geralmente secundaacuterio em relaccedilatildeo aos seus interesses principais

normalmente ligados agraves antiguidades claacutessica e oriental

Natildeo obstante as fortes posiccedilotildees anti-normanistas desenvolvidas na Ruacutessia

imperial entre autores nacionalistas e na posterior Uniatildeo Sovieacutetica os primeiros

historiadores na Ruacutessia acabaram por se deparar com a temaacutetica escandinava ao lidar

com as proacuteprias fontes primaacuterias que tratavam dos primoacuterdios da histoacuteria russa Em

trabalhos que natildeo consistiam em suas maiores aplicaccedilotildees de esforccedilos as circunstacircncias

mais baacutesicas do trabalho historiograacutefico ndash o diaacutelogo com as fontes primaacuterias ndash

apontavam para a presenccedila escandinava no iniacutecio da Rus

Veremos a seguir um breve panorama dessa primeira geraccedilatildeo de historiadores

iniciando-se com Tatiacuteschev e a seguir enfatizando os ldquoalematildeesrdquo Bayer Muumlller e

Schloumltzer passando posteriormente para o estudo da controveacutersia normanista

propriamente dita que iraacute permear toda a discussatildeo de uma historiografia russo-

escandinava desde entatildeo e que fornece um panorama bastante adequado e sinteacutetico das

relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Ruacutessia enquanto tema historiograacutefico

O fechamento de tal discussatildeo de daraacute com o estudo das modificaccedilotildees ocorridas

na historiografia russa com a Revoluccedilatildeo de 1917 e as transformaccedilotildees sofridas pela

mesma no decorrer da histoacuteria sovieacutetica a abertura e o os tempos contemporacircneos

14

ZAKHARII Roman The Historiography of Normanist and Anti-Normanist theories on the origin of

Rus modern historiography and major sources on Varangian controversy and other Scandinavian

concepts of the origins of Rus Master dissertation Centre for Viking and Medieval Studies The

University of Oslo 2002 P22

29

131 Tatiacuteschev

Vassiacutelii Nikiacutetitch Tatiacuteschev (1686-1750) foi inicialmente um militar diplomata

e engenheiro russo no tempo de Pedro o Grande destacou-se como tenente nas batalhas

de Narva e Poltava e tendo passado os anos entre 1713 e 1717 no estrangeiro coletara

consideraacutevel bibliografia de cunho geograacutefico e histoacuterico Por tais razotildees foi escolhido

por Pedro o Grande para levar a cabo um levantamento geograacutefico de toda a Ruacutessia15

tarefa que tendo sido completada em 1739 durou 20 anos

Em 1724 Tatiacuteschev esteve em missatildeo diplomaacutetica na Sueacutecia A despeito de seus

objetivos oficiais serem assuntos ligados agrave metalurgia mineraccedilatildeo moeda e cunhagem

tal contexto propiciou a Tatiacuteschev a oportunidade de obter contatos com acadecircmicos

suecos tambeacutem no campo da Histoacuteria contato que teve influecircncia em seus primeiros

estudos histoacutericos e que pode ser notado jaacute na primeira obra histoacuterica na Ruacutessia

ldquoHistoacuteria Russa desde os tempos antigosrdquo publicada postumamente em 176816

Dessa forma Tatiacuteschev natildeo foi apenas o primeiro historiador russo mas tambeacutem

o iniciador dos russo-escandinavos

132 O alematildees17

a) Gottlieb Siegfried Bayer (1694-1738)18

Eacute chamado por Belaiew19

de o fundador de fato da ldquopesquisa islandesardquo na

Ruacutessia ndash posiccedilatildeo que como acabamos de afirmar parece mais adequada a Tatiacuteschev

Tendo estudado e pesquisado diversas fontes primaacuterias incluindo escandinavas gregas

e orientais Bayer escreveu a obra ldquoDe Varagisrdquo publicada em latim em 1735 e em

russo em 1768 e que seria obra fundamental na controveacutersia normanista Bayer deu

ecircnfase especial ao estudo das sagas escandinavas entatildeo disponiacuteveis

15

BELAIEW NT Eymundar Saga and Icelandic Research in Russia In Saga Book II (1934) p93 16

BELAIEW 94 17

Destaque seja dado ndash o uso do termo ldquoalematildeordquo ou ldquoalematildeesrdquo estaacute sendo efetuado em periacuteodo preacutevio agrave

unificaccedilatildeo da Alemanha 18

A maior parte das referecircncias sobre Bayer eacute passiacutevel de ser encontrada em bibliografias referentes agrave sua

carreira enquanto sinoacutelogo dentre as quais se destaca LUNDBAEligK Knud TS Bayer (1694-1738)

Pioneer Sinologist Scandinavian Institute of Asian Studies Monograph Series No54 Curzon Press

London amp Malmouml 1986 19

BELAIEW 94

30

Bayer nasceu em Koumlnigsberg na eacutepoca parte da Pruacutessia onde passou os

primeiros 32 anos de sua vida Classicista por formaccedilatildeo seu toacutepico inicial inicial de

estudo foi a histoacuteria das Igrejas na Aacutesia antes da abertura das rotas mariacutetimas aleacutem da

Iacutendia Dessa forma estudava o etiacuteope o siriacuteaco e a expansatildeo do Cristianismo rumo ao

sul

Aos 19 anos demonstrou interesse em estudar o chinecircs tendo a possibilidade de

fazecirc-lo mais seriamente trecircs anos depois em 1716 na biblioteca de Berlim onde teve

contato com o pouco material ao qual tinha acesso Coletou grande quantidade de

material mas seu conhecimento do chinecircs natildeo chegou a ser completo e profundo o

suficiente para ser considerado um sinologista20

Em 1726 mudando-se para Satildeo Petersburgo ocupou o cargo de curador das

antiguidades greco-romanas e posteriormente passou a lecionar antiguidades orientais

o que lhe permitiu ocupar-se mais a fundo com seus interesses na China Sua biblioteca

vendida por sua viuacuteva e posteriormente passando por mais de um proprietaacuterio acabaria

por formar a ldquoBayer Collectionrdquo da biblioteca da Universidade de Glasgow contendo

por volta de 200 livros e manuscritos chineses e orientais e incluindo sua

correspondecircncia com jesuiacutetas em Beijing (dada entre 1731 ateacute a sua morte) e livros em

folhas de palmeiras21

Sua obra ldquoMuseum Sinicum in quo Sinicae Linguae et Literatura

ratio explicaturrdquo publicada em 1730 consiste na primeira obra detalhada sobre a liacutengua

chinesa a ser publicada na Europa22

Eacute peculiar que sua obra De Variagis (1735) de tamanha influecircncia nos estudos

russo-escandinavos e de tamanha relevacircncia na criaccedilatildeo da Controveacutersia Normanista

tenha sido fruto de parte consideravelmente marginal de seu trabalho

20

LUNDBAEK pp182s 21

The Bayer collection In lthttpwwwglaacukservicesspecialcollectionscollectionsa-

zbayercollectiongt 22

BOXER C R Bulletin of the School of Oriental and African Studies University of London Vol 51

No 2 (1988) p 367

31

b) Gerhard Friedrich Muumlller (1705-1783)23

Gerhard Friedrich Muumlller nasceu em Herford na Westphalia em 18 de outubro

de 1705 Recebeu sua educaccedilatildeo em Leipzig e em 1725 foi convidado para cofundar a

Academia de Ciecircncias em Satildeo Petersburgo Participou da segunda expediccedilatildeo

Kamtchatka que relatou sobre a vida e a natureza a leste das cadeias dos Urais Entre

1733 e 1743 dezenove cientistas e artistas viajaram atraveacutes da Sibeacuteria para estudar

povos e culturas e coletar dados para a confecccedilatildeo de mapas Muumlller descreveu e

categorizou vestimentas religiotildees e rituais dos grupos eacutetnicos siberianos tambeacutem sendo

considerado ldquopairdquo da etnografia e do folclore

Ao retornar da Sibeacuteria tornou-se historioacutegrafo do Impeacuterio Russo Foi um dos

primeiros historiadores a trazer um registro geral da histoacuteria Russa baseado no exame

extenso das fontes escritas Graccedilas agrave ecircnfase que deu do papel escandinavo e alematildeo na

histoacuteria russa ndash um germe da teoria normanista ndash ganhou a inimizade de Lomonoacutessov

que antes lhe apoiara

Em 6 de setembro de 1749 Muumlller proferiu uma fala na Academia Imperial de

Ciecircncias de Satildeo Petersburgo intitulada ldquoOrigines gentis et nominis Russorumrdquo baseado

no ldquoDe Varagisrdquo de Baumlyer e a partir do qual propocircs a teoria de que o antigo reino da

Ruacutessia Kievana fora fundado por escandinavos24

Muumlller natildeo conseguiu sequer terminar sua fala devido ao tumulto que ela gerou

e a questatildeo teve de ser levada ao conde Alieksiei Grigoacuterievitch Razumoacutevskii e agrave proacutepria

imperatriz Isabel25

que criou um comitecirc a fim de investigar se os escritos de Muumlller

eram danosos aos interesses do Impeacuterio

A situaccedilatildeo particularmente o testemunho de Lomonoacutessov prejudicou

consideravelmente sua carreira Apoacutes muitos ataques por seus colegas Muumlller foi

proibido de dar continuidade agrave suas pesquisas na Ruacutessia antiga e Kievana suas

publicaccedilotildees foram confiscadas e destruiacutedas

23

Informaccedilotildees bibliograacuteficas quando natildeo-referenciadas obtidas na Allgemeine deutche Biographie

STIEDA Ludwig Von Muumlller Gerhard Friedrich In Allgemeine Deutsche Biographie herausgegeben

von der Historischen Kommission bei der Bayerischen Akademie der Wissenschaften Band 22 (1885) S

547ndash553 24

PRITSAK Omeljan The Origin of Rus Volume I Old Scandinavian Sources other than the Sagas

Cambridge Massachusetts Harvard Ukrainian Research Institute Harvard University Press 1981 P03s 25

Ielizavieta Pietroacutevna Imperatriz entre 1741 a 1762

32

A despeito da turbulecircncia dos anos entre sua fala na Academia Imperial e o

confisco de suas obras a situaccedilatildeo de Muumlller gradualmente se ameniza Em 1754 recebe

a nomeaccedilatildeo de secretaacuterio conferencista da Academia de Ciecircncias e no ano seguinte

consegue o trabalho de editor da publicaccedilatildeo cientiacutefica ldquoEscritos mensaisrdquo na qual

publica diversos artigos acadecircmicos ainda escrevendo sobre as origens da Ruacutessia

Chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia Sueca Real de Ciecircncias

em 1761 juntamente com Lomonoacutessov que permanece criacutetico de seu trabalho e de suas

publicaccedilotildees na ldquoEscritos mensaisrdquo Este falece em 1765 ano no qual Muumlller se muda

para Moscou tendo sido indicado diretor-chefe do Orfanato da cidade Em 1766 Muumlller

recebe a posiccedilatildeo de mantenedor dos arquivos do Coleacutegio de Relaccedilotildees exteriores de

Moscou

Em 1772 Muumlller eacute atingido por uma paralisia mas continua a escrever e

produzir Doou ao governo uma coleccedilatildeo dos seus tratados e morreu em Moscou com 77

anos em 1783

c) August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809)26

Especialista em diversas aacutereas suas contribuiccedilotildees para a humaniacutestica no geral

foram grandes e diversas Paralelamente a seu rival Gatterer em Goumlttingen Schloumltzer

definiu o escopo temporal da ldquoMittelalterrdquo entre a queda do Impeacuterio Romano em 476 e

a descoberta da Ameacuterica em 1492 O primeiro conceito de ldquoetnologiardquo definido por

Adam Koacutellar em 1783 deve muito ao seu intercacircmbio de ideias com Schloumlzer27

sendo

que o proacuteprio conceito de ldquoethnographierdquo eacute atribuiacutedo ao proacuteprio Schloumlzer ou a

Gatterer28

Schloumlzer foi conduzido por boa parte de sua vida em um interesse pelo Oriente e

pelas terras biacuteblicas Movido por necessidades materiais financeiras e de patrociacutenio

viajou para Sueacutecia e Ruacutessia onde efetuou contribuiccedilotildees fundamentais para suas

historiografias Contribuiccedilotildees que natildeo obstante sua relevacircncia natildeo consistiam no

26

A maior parte das informaccedilotildees bibliograacuteficas sobre Schloumlzer foram obtidas na ldquoAllgemeine Deutsche

Biographierdquo e na ldquoRussland und die acuteGoumlttingische seele ndash 300 jahre St Petersburgacute Ausstellung in der

Paulinerkirche Goumlttingen unter der Schirmherrschaft von Bundespraumlsident Johannes Rau und dem

Praumlsidenten der Russischen Foumlderation Wladimir Putinrdquo ambos disponiacuteveis em meios impressos e

digitais 27

STAGL Justin Rationalism and Irrationalism in Early German Ethnology The Controversy between

Schloumlzer and Herder 1772∕1773 In Anthropos 93 Viena Anthropos Institut 1998 P524 28

STAGL Justin P 522

33

objetivo primaacuterio de sua vida acadecircmica de forma muito semelhante ao que ocorrera

com a produccedilatildeo acadecircmica de Bayer

Nascido em 1735 em Jaggstadt Noumlrdlichen Wuumlrttenberg Schoumlzer foi

historiador jornalista pedagogo e estatiacutestico Descendente de pastores protestantes

iniciou seus estudos em Teologia em Wittenberg Apoacutes completar sua dissertaccedilatildeo em

Teologia (ldquoDe vita Deirdquo) em 1754 em Witteberg mudou-se para Goumlttingen aonde

estudou com o entatildeo eminente orientalista e especialista em Antigo Testamento Johann

David Michaelis

Influenciado pela acircnsia por aventuras e viagens por questotildees teoloacutegicas e

mesmo missionaacuterias estudou aacuterabe geografia e estatiacutestica do Oriente Meacutedio Natildeo

possuiacutea o dinheiro necessaacuterio para cumprir seus planos e usando de bolsas e de um

pequeno capital deixado por seu pai para completar seus estudos simultaneamente

buscava formas de se manter principalmente como professor particular na famiacutelia dos

Roumlderer

Por meio de Michaelis conseguiu um trabalho como tutor privado de Murray

pastor da comunidade alematilde em Estocolmo Dessa forma em 1755 mudou-se para a

Sueacutecia onde residiu por trecircs anos e meio Estudou Goacutetico e Antigo Noacuterdico em Uppsala

entre 1756 e 1757 e devido agrave sua vivacidade de espiacuterito e diversas habilidades ndash

incluindo a de aprender o sueco conseguiu manter-se no paiacutes ajuntar certa quantia de

dinheiro e fazer conexotildees importantes ainda mantendo em mente suas ideias de viajar

para o Oriente Ali publicou algumas obras e conseguiu alguns trabalhos como

jornalista

Retorna agraves terras germacircnicas entre 1758 a 1761 como tutor particular em

Luumlbeck na residecircncia dos Kusel (1758∕59) e em Goumlttingen Esta fase marca um grande

desapontamento em sua vida Michaelis organizara uma expediccedilatildeo dinamarquesa

exploratoacuteria agrave Araacutebia que partiu sem Schloumltzer ndash natildeo recomendado por Michaelis para

a mesma alegadamente por Schloumltzer possuir caraacuteter ldquoobstinado e egocecircntricordquo29

Schloumltzer ainda com seus objetivos de visita ao Oriente em vista e por meio

novamente do proacuteprio Michaelis e de Buumlshing consegue um lugar enquanto assistente

literaacuterio e tutor privado da famiacutelia do jaacute referido Gerhard Friedrich Muumlller em Satildeo

29

STAGL 525

34

Petersburgo Ali aprende rapidamente a liacutengua russa bem como tem contato com as

fontes primaacuterias para a histoacuteria da Ruacutessia

Dotado de temperamento forte Schloumlzer logo entra em choque com Muumlller

deixando sua casa em 1762 Entra em conflito tambeacutem com o proacuteprio Buumlshing e com o

poliacutemata Lomonoacutessov cujos versos critica e cuja inimizade adquire ndash bastante danosa

face agrave extrema importacircncia de Lomonoacutessov nos meios culturais cientiacuteficos e artiacutesticos

da Ruacutessia

Consegue o suporte entretanto de Taubert que por sua vez mantinha um

escritoacuterio de prestiacutegio e o acesso ao conde Razumovski Schloumlzer consegue assim a

posiccedilatildeo assalariada de instrutor adjunto da instituiccedilatildeo educacional que o conde fundara

para seus filhos e para os de outras famiacutelias nobres

A despeito das rivalidades acadecircmicas que Schloumlzer conseguira Kozlov pai de

um de seus alunos intermedia contato com a imperatriz Catarina II ldquoa granderdquo(1762-

1796)30

Catarina interessa-se por ele e em 1765 lhe garante a posiccedilatildeo de membro da

Academia e de professor em tempo integral de Histoacuteria Russa por cinco anos com um

salaacuterio de 850 rublos

Registra-se que Schloumlzer manteria ateacute o fim de sua vida grande apreccedilo e creacutedito

agrave deacutespota esclarecida da Ruacutessia patrocinadora das artes e do saber O patrociacutenio

pretendido por Schloumlzer para sua viagem ao Oriente entretanto natildeo era de interesse de

Catarina ficando o projeto parado

O ambiente da Ruacutessia de entatildeo foi de grande estiacutemulo para a produccedilatildeo

acadecircmica de Schloumlzer agrave qual ele dedicou-se com particular afinco Aplicando modelos

com os quais trabalhara na Sueacutecia em particular nos trabalhos de Suumlssmilch e

Wargentin Schloumlzer trabalhou em prol do projeto de Taubert da criaccedilatildeo de um bureau

estatiacutestico para a Ruacutessia encorajando a criaccedilatildeo de listas e diretoacuterios de nascimentos

mortes e casamentos Suas propostas entretanto mantiveram-se na maior parte no

papel

Sua atividade acadecircmica no gabinete da imperatriz teve mais sucesso ainda que

relativamente tarde Schloumlzer efetuou trabalho criacutetico e de campo na Histoacuteria antiga da

Ruacutessia em particular com a criacutetica dos textos e manuscritos aprendida em Goumlttingen agrave

Poacuteviest vrieacutemennikh liet escrita em eslavocircnico antigo do qual publicou uma ediccedilatildeo

30

Iekatierina II ldquoVielikaiardquo viveu de 1729 a 1796 governando a Ruacutessia de 1762 ateacute sua morte

35

criacutetica entre 1802 e 1809 ndash a primeira aplicaccedilatildeo do meacutetodo criacutetico germacircnico a um texto

do medievo31

Tal trabalho entretanto natildeo satisfazia aos maiores planos de Schloumlzer

que abandona a Ruacutessia em definitivo em 1767 apoacutes periacuteodos tambeacutem de conturbaccedilotildees e

rumores junto aos seus rivais na Academia

Nesse meio tempo Schloumlzer recebera do governo Hannoveriano em Goumlttingen os

tiacutetulos de Professor extraordinarius em 1764 em grande parte por intercessatildeo de

Michaelis e Doctor honoris causa em 1766 devido ao seu trabalho acadecircmico na

Ruacutessia posiccedilotildees que lhe auxiliaram na obtenccedilatildeo de suas funccedilotildees na Ruacutessia apoacutes seus

conflitos com Lomonoacutessov

Em 1769 consegue o cargo de professor em tempo integral na faculdade de

filosofia em Goumlttingen com o salaacuterio de 540 thalers casando-se no mesmo ano com

Caroline Roumlderer da qual fora preceptor no tempo em que ali estudara adquirindo uma

residecircncia na Paulinerstraszlige e ali se estabilizando para o resto de sua vida

Em Goumlttingen Schloumlzer deu continuidade aos seus trabalhos sobre a Ruacutessia

ainda que relativamente distante de laacute A correspondecircncia com estudantes e bibliotecas

da Ruacutessia garantiram-lhe bibliografia e nos seus primeiros anos ali Schloumlzer publicaria

diversas obras bem como revisaria trabalhos antigos por vezes em meio agrave polecircmicas

com Buumlsching e Muumlller Probe russischer Annalen32

(1768) ldquoAnnales Russici

(Goumlttingen 1769) Tableau de lhistoire de Russie (Goumlttingen 1769) ldquoGeschichte von

Ruszligland bis zur Erbauung Moskaus im J 1147rdquo(Goumlttingen 1769)33

Oskold und Dir

erste Probe russischer Annalen (Goumlttingen 1773)34

Em 1771 Schloumlzer publicaria ldquoUma histoacuteria geral dos povos do Norterdquo nuacutemero

31 da coleccedilatildeo ldquoHistoacuteria geral do mundordquo Em 1785 publicaria ainda parte dessa mesma

coleccedilatildeo sob o nuacutemero 50 ldquoGeschichte Lithauensrdquo35

Sua ldquoNordische Geschichterdquo36

encontraria boa acolhida a despeito de criacuteticos

severos como Thun jovem professor em Halle que apontou severos erros de Schloumlzer

em relaccedilatildeo aos eslavos ocidentais e a despeito de ser principalmente uma compilaccedilatildeo e

traduccedilatildeo de autores escandinavos

31

STAGL 526 32

ldquoAmostra dos anais russosrdquo 33

ldquoHistoacuteria da Ruacutessia ateacute a edificaccedilatildeo de Moscou no ano de 1147rdquo 34

ldquoAskold e Dir primeira amostra dos anais russosrdquo 35

ldquoHistoacuteria dos lituanosrdquo 36

ldquoHistoacuteria noacuterdicardquo

36

Nesta obra Schloumlzer definiria por ldquonorterdquo o espaccedilo desde a Islacircndia ateacute a

peniacutensula de Kamtchatka e do Mar de Barents aos Balkans organizando as regiotildees por

um Voumllkersystem ldquosistema de povosrdquo ao inveacutes de unidades poliacuteticas e classificando

tais povos por meio de suas linguagens37

Esse apoio e emprego de Leibniz na

organizaccedilatildeo das populaccedilotildees por meio dos grupos linguiacutesticos acabou por se constituir

em um dos maiores meacuteritos da obra

O periacuteodo posterior da vida de Schloumlzer foi devotado agrave suas atividades de ensino

e pesquisas relativos a outros toacutepicos como Histoacuteria do Mundo Estatiacutestica e Poliacutetica e

os estudos relativos agrave Escandinaacutevia e Ruacutessia natildeo foram levados adiante

Por suas contribuiccedilotildees ao estudo da Histoacuteria Russa Schloumlzer recebeu em 1804 o

tiacutetulo de nobre da parte do Imperador Alexandre I (1801-1825)

14 A controveacutersia Normanista

As ideias de Bayer Muumlller e Schloumltzer sobre o papel Escandinavo na origem da

Ruacutessia como vimos desembocaram em uma disputa acadecircmica acirrada de amplo

escopo que atingiria toda a historiografia pertinente e viria a ser conhecida como

ldquoControveacutersia Normanistardquo Seus pontos de conflito focam-se no papel que os

escandinavos tiveram na formaccedilatildeo da Rusde Kiev nos periacuteodos viking e medieval

principalmente entre os seacuteculos XIII-XI38

O termo ldquoRuacutessiardquo por si soacute eacute geneacuterico e necessita de clarificaccedilatildeo A

controveacutersia normanista trata sobre os iniacutecios da Ruacutessia mas a Rusde Kiev enquanto

origem do Impeacuterio e Federaccedilatildeo russos eacute objeto de controveacutersia a mesma origem eacute

alegada pelos historiadores ucranianos

Ao falarmos de Rusde Kiev tratamos do reino dentre os seacuteculos X-XIII

existente em regiatildeo aproximada agrave Ucracircnia contemporacircnea formado majoritariamente

por populaccedilotildees de etnia e linguagem eslaacutevico-orientais e sobre as quais a origem dos

primeiros governantes eacute o objeto de disputa na Controveacutersia Normanista Outras

acepccedilotildees que o termo Ruacutessia adotou incluem o Gratildeo-Ducado de Moscou por vezes

chamado de termos similares a ldquoMoscoacuteviardquo que perdurou dos seacuteculos XIV-XVII ndash visto

por alguns como continuador da Rus de Kiev e por outros como entidade poliacutetica

37

STAGL 526 38

Informaccedilotildees bibliograacuteficas e narrativas baseadas em PRITSAK e BELAIEW listados nas referecircncias

37

bastante diversa ndash os Impeacuterios Russos subsequentes e a Federaccedilatildeo Russa poacutes-URSS

Dessa forma historiografias historicistas ndash tais quais as marxistas ndash que lidam

com uma linha contiacutenua e inexoraacutevel de eventos cujo desfecho enquadra-se em uma

teoria geral explicativa ou um desenrolar jaacute previsto traccedilam a linha indeleacutevel entre a

Rus de Kiev e as Ruacutessias posteriores posiccedilatildeo que jaacute foi e ainda eacute objeto de muito

debate em particular com historiadores de origem ucraniana ndash cujo paiacutes consiste no

herdeiro territorial do reino em questatildeo

Os proacuteprios limites e abrangecircncia da Rus na Alta Idade Meacutedia encontram

controveacutersia na inclusatildeo ou natildeo da regiatildeo das cidades do norte ndash Novgorod Ryazan

Rostov Smolensk Polotsk e Suzdal ndash em seu escopo poliacutetico-geograacutefico situaccedilatildeo que

tendo perpassado a obra de autores como o escandinavista russo Aron Gurevitch Dmitri

Likhatchoacutev e Iuri Stiepanovitch voltou agrave pauta contemporacircnea entremeado de

implicaccedilotildees poliacuteticas nas accedilotildees do presidente russo Vladiacutemir Putin

Segundo a Poacuteviest vrieacutemennikh liet os eslavos de leste e seus vizinhos fino-

uacutegricos foram vencidos por alguns varegues aos quais pagavam tributo mas libertaram-

se desse jugo Entretanto natildeo conseguiam manter a ordem e chamaram outros varegues

para governaacute-los Os irmatildeos Riurik Sineus e Truvor responderam ao chamado dando

origem ao primeiro reino unificado de Rus

Segundo esse ponto de vista baseado principalmente nas fontes primaacuterias

escritas chamado normalmente de ldquonormanistardquo o termo Rus eacute de origem noacuterdica mais

precisamente referindo-se aos svear que adentrando o Norte russo foram organizadores

da vida poliacutetica primeiramente na regiatildeo do lago Ilmen e posteriormente mais ao sul ao

longo do Dnieper (vide Mapas 03 e 04)

Tais afirmaccedilotildees satildeo de teor polecircmico em ambientes acadecircmicos influenciados

ou gerenciados por governos autoritaacuterios A primeira disputa sobre esse tema ocorreu na

Ruacutessia Imperial nas eacutepocas das guerras do Norte nas quais a Ruacutessia combateu dentre

outras naccedilotildees a Sueacutecia

Como jaacute demonstrado quando Muumlller proferiu sua conferecircncia sobre as fontes

escandinavas aos membros da Academia Imperial Russa em 1749 causou veemente

debate ao propor a ideia normanista Os estudiosos russos presentes natildeo podiam admitir

a ideia de que a origem do estado russo fosse estrangeira ainda mais de um grupo

38

eacutetnico com o qual travara guerras recentemente39

O debate perdura por toda a historiografia russa ucraniana sovieacutetica e mesmo

polonesa Nos tempos da URSS desenvolveu-se a teoria que chamaremos de ldquoanti-

normanistardquo principalmente por meio de argumentos que empregavam a Arqueologia e

a Linguiacutestica segundo a qual a origem do estado russo seria autoacutectone e devida

exclusivamente aos eslavos de leste

Ao menos em seus primoacuterdios a ideia normanista revestiu-se de conotaccedilotildees

poliacuteticas que por sua vez implicavam uma incapacidade dos povos eslaacutevicos em

desenvolverem um processo independente de formaccedilatildeo de ldquoestadordquo40

A historiografia

sovieacutetica posterior consideraria a teoria normanista politicamente prejudicial

argumentando que ela negava a habilidade das ldquonaccedilotildees eslavasrdquo de formar ldquoestados

independentesrdquo por meio de seus proacuteprios esforccedilos41

Segundo os anti-normanistas os Rus seriam eslavos autoacutectones na regiatildeo Sul de

Kiev desde os tempos preacute-histoacutericos antes do aparecimento de vikings e varegues na

Europa Esse elemento nativo eslaacutevico teria tido o papel decisivo na construccedilatildeo de um

Estado42

em particular da Rus de Kiev

Veremos a seguir as posiccedilotildees de ambas correntes

141 A posiccedilatildeo normanista

A historiografia contemporacircnea possui uma posiccedilatildeo majoritariamente

normanista ainda que em graus variados Tal posiccedilatildeo eacute encontrada tambeacutem entre

pesquisadores russos contemporacircneos de origem russa e de outros paiacuteses da antiga

Cortina de Ferro como Dmitrii Matchinskii (Ruacutessia) Gleb Lebedev (Ruacutessia) Elena

Melnikova Tatjana Jackson (Ruacutessia)43

e Wladyslaw Duczko (Polocircnia-Sueacutecia) Alguns

casos apresentam posiccedilotildees intermediaacuterias incluindo autores tradicionais e referenciais

no toacutepico no ocidente como o russo-americano Vernadsky sobre o qual falaremos mais

39

A guerra russo-sueca de 1741-1743 apoacutes a qual o Impeacuterio Russo incorporou a Finlacircndia e a Sueacutecia

iniciou seu decliacutenio enquanto potecircncia 40

ZAKHARII p18 41

ЯКОВЛЕВ Н О преподавании отечественной истории Большевик 22 1947 Москва 42

As acepccedilotildees de ldquoestadordquo defendidas por tal posiccedilatildeo frequentemente enquadram-se em conceitos

marxistas considerando uma linha contiacutenua e inexoraacutevel da histoacuteria a levar ao Comunismo e

considerando dessa forma o periacuteodo em questatildeo como uma etapa em tal desenvolvimento 43

No caso de autores com produccedilatildeo biograacutefica ampla no ocidente como Lebedev Melnikova e Jackson

empregamos aa formas dos nomes proacuteprios pelos quais satildeo citados internacionalmente

39

adiante

Quanto agrave historiografia brasileira a discussatildeo eacute insuficiente sobre o assunto ateacute

o presente para poder se falar em tendecircncias e posiccedilotildees Euriacutepides Simotildees de Paula

autor da uacutenica obra especiacutefica e mais abrangente sobre o assunto bem como uacutenica fonte

de consulta para diversos estudantes e pesquisadores defende a posiccedilatildeo normanista sem

ressalvas Aleacutem de seu trabalho mais amplo que discutiremos melhor mais adiante haacute

artigos esparsos endossando a posiccedilatildeo normanista quase que em sua totalidade

Levando-se em consideraccedilatildeo que as novas geraccedilotildees de pesquisadores

interessados no tema tecircm se levantado em meio a estudos escandinavos eacute razoaacutevel

pressupor uma tendecircncia agrave consolidaccedilatildeo da posiccedilatildeo normanista tambeacutem na academia

brasileira

Listamos a seguir alguns dos principais expositores de posiccedilatildeo normanista desde

seu princiacutepio ou ao menos que se enquadrem em seu espectro de alguma maneira

tendo-se em mente que muitos estudiosos incorporam matizes dos dois lados Os

alematildees que colaboraram para a criaccedilatildeo de uma historiografia russa estatildeo listados na

Ruacutessia A Ucracircnia estaacute considerada a parte por a despeito de estar sob jugo do Impeacuterio

Russo e da URSS pela maior parte de sua histoacuteria ter produzido tradiccedilatildeo historiograacutefica

proacutepria e estaacute listada em conjunto com a Polocircnia pelas temaacuteticas e abordagens por

vezes similares de sua historiografia A lista natildeo eacute exaustiva a quantidade de estudiosos

no ocidente por exemplo que adota uma posiccedilatildeo que pode ser considerada dentro do

espectro normanista eacute por demais extensa

No Impeacuterio Russo

August Ludwig von Schloumlzer (1735-1809 Wuumlrttemberg Impeacuterio Russo)

FriedrichFiodor Aleksandrovitch Braun (1862-1920 ndash Impeacuterio RussoURSS 1920-

1942 ndash Leipzig Alemanha) Nikolai Mikhailovitch Karamzim (1766-1826 Impeacuterio

Russo) Serguei Mikhailovitch Solovioacutev (1820-1879 Impeacuterio russo) Mikhail

Pietrovitch Pogodin (1800-1875 Impeacuterio russo) Aleksiei Aleksandrovitch Chakhmatov

(1864-1920 Impeacuterio Russo)

Na Escandinaacutevia e Alemanha

Ernst Kunik (Pruacutessia 1814-1899) Vilhelm Ludwig Peter Thomsen (1842-1927

Dinamarca) Ture Algot Johnsson Arne (1879-1965 Sueacutecia) Herbert Jankuhn (1905-

40

1990 Alemanha) Adolf Frans Emil Stender-Petersen (1893-1963 Impeacuterio Russo

Dinamarca Estocircnia Dinamarca) Holger Arbman 1904-1968 (Sueacutecia)

Russos emigrados

Vladimir A Mochin (1877-1921 ndash Impeacuterio Russo 1921-1987 - Iugoslaacutevia) George

Vernadsky (1887 Impeacuterio Russo 1927-1973 EUA)

Na Polocircnia e Ucracircnia

Henryk Paszkiewicz (1897-1979) Stiepan Tomachevskii (1845-1930 Ucracircnia) Myron

Mikhailovitch Korduba (1876-1947 Ucracircnia) Mykola Chubaty (1889-1975 Ucracircnia)

A argumentaccedilatildeo inicial defendida por tais eruditos baseava-se principalmente na

anaacutelise das fontes primaacuterias e em argumentos de anaacutelise linguiacutestica Apontava para uma

elite escandinava fundadora da Rus Kievana governante dos eslavos orientais e outras

etnias nativas (fino-uacutegricos e baltos)

A posiccedilatildeo normanista passou por modificaccedilotildees e possui nuances e niacuteveis de

aceitaccedilatildeo diversos As conotaccedilotildees poliacuteticas iniciais foram substituiacutedas sendo que alguns

estudiosos chamados por vezes ldquoneo-normanistasrdquo44

como Jankuhn Stender-Petersen

Arbman e Taube apresentariam ideias que envolvem uma mudanccedila gradual no governo

estrangeiro sobre os eslavos bem como graus mais variados de assimilaccedilatildeo

Alguns normanistas participantes da historiografia ocidental ucraniana das

deacutecadas de 1920-30 como os referidos Stepan Tomashevsky M Korduba M Chubaty

e B Krupnytsky apresentaram aceitaccedilotildees parciais de alguns pontos anti-normanistas

George Vernadsky (1887-1973) autor de grande influecircncia no meio de liacutengua

anglo-saxatilde ndash e em nosso proacuteprio trabalho apesar de afirmar de forma enfaacutetica adotar

uma posiccedilatildeo normanista45

ao ponto de qualificar como ldquoquixotescosrdquo os esforccedilos anti-

normanistas46

natildeo aceita ideias altamente difundidas entre os mesmos como a

etimologia do nome Rus ligada a Roethslagen e Ruotsi47

(que discutiremos logo adiante)

Vernadsky em ocasiatildeo alguma diminui a parcela de responsabilidade eslaacutevica-

44

ZAKHARII 18 45

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943] Pp259 261ss 275ss 46

VERNADSKY 276 47

VERNADSKY pp 278s

41

oriental na formaccedilatildeo da Rus antes adota tambeacutem posiccedilatildeo que a despeito de

categorizaacutevel dentre os normanistas daacute grande papel agraves interaccedilotildees muacutetuas

populacionais ndash a linha ao nosso ver mais coerente e contemporacircnea de pesquisa a

despeito de jaacute falecido haacute mais de 40 anos

Da mesma forma Thomas Noonan (1938-2001) busca uma posiccedilatildeo mais

intermediaacuteria na questatildeo ainda que partindo inequivocamente de pressupostos que

seratildeo reconhecidos por anti-normanistas como ldquonormanistasrdquo e pelos proacuteprios

normanistas como moderados

Omeljan Pritsak resume muito convenientemente os toacutepicos-chave dos dois

lados da questatildeo em sua obra peculiar ldquoThe origin of Rusrdquo apanhado imenso de

erudiccedilatildeo nos campos conectados agrave questatildeo e apresenta outra proposiccedilatildeo completamente

original de sua lavra inserindo a participaccedilatildeo da Rādhānīya judaica

Adentremos de forma mais aprofundada nas minuacutecias da posiccedilatildeo

I A Etimologia

O primeiro ldquoestadordquo russo a Rus de Kiev (ou kievana) foi fundada por

estrangeiros escandinavos Rus era o nome dado aos vikings de Leste oriundos da

Sueacutecia e conhecidos como ldquovareguesrdquo A etimologia do nome ldquoRusrdquo derivaria do fino-

uacutegrico ldquoRuotsirdquo termo cujas derivaccedilotildees satildeo empregadas ateacute os tempos contemporacircneos

entre populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica (como estonianos e finlandeses) ao referirem-se aos

suecos

Esse termo por sua vez viria do germacircnico ldquoRoacuteethrrdquo que significa ldquoremadorrdquo

em particular derivado da regiatildeo costeira de Uppland denominada como Roethslagen

cujos habitantes chamariam-se portanto Roacuteethskarlar Ekblom e Stender-Petersen

apresentam uma variante dessa etimologia sugerindo que rus derivaria de roacuteeth(er)s-

byggjar algo como ldquoos habitantes de estreitos entre as ilhasrdquo48

Devemos salientar que a grande maioria das estelas ruacutenicas com citaccedilotildees a

escandinavos viajando e morrendo em Garethariacuteki encontram-se no distrito sueco atual de

Uppland Retornaremos a tal toacutepico em detalhe no capiacutetulo 2 desta tese

48

STENDER-PETERSEN Adolf Zur Rus-Frage In Varangica Aarhus 1953 p82

42

II As fontes

a) Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Tambeacutem chamada de ldquoCrocircnica primeira russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo sua

autoria foi atribuiacuteda no seacuteculo XIX ao monge Nestor que a teria escrito nas

proximidades de um monasteacuterio de Kiev Mais recentemente tecircm-se questionado tal

autoria argumentando-se pela hipoacutetese de uma compilaccedilatildeo de diversas crocircnicas49

Haacute duas redaccedilotildees conhecidas da crocircnica a Laurentina copiada pelo monge

Lavrentii em 1377 e a Ipatiana que datada da metade do seacuteculo XV recebeu seu nome

do monasteacuterio de Ipatiev em Kostroma onde foi descoberta apesar de provavelmente

ter sido copiada em Pskov50

As diferenccedilas entre ambas satildeo poucas principalmente nas

entradas apoacutes o ano 1110 Em ambas as redaccedilotildees o texto que transcreveremos a seguir

referente aos Rus eacute o mesmo

Nela os grupos entre os quais os Rusi estatildeo incluiacutedos satildeo todos germacircnicos de

aleacutem-mar chamados de varegues shviedy (шведы ndash svear∕suecos) normanny

(норманны - noruegueses) angly (англы - anglos) gotlandy (готландцы ndash

gotlandeses)

ldquo(862) () Estes varegues (варяги) foram chamados Rus

(русью) assim como outros chamavam-se shviedy outros normanny e

angly e ainda outros gotlandy ()51

b) Fontes bizantinas

Os tratados assinados entre os Rus e os bizantinos em 911 e 944 trazem os

nomes dos signataacuterios de rus Estes nomes satildeo nitidamente transcriccedilotildees de nomes de

origem escandinava Karly Inegeld (Ingeld) Farlof Veremud

O livro De administrando imperio ldquo(Acerca da administraccedilatildeo do Impeacuteriordquo)

49

SHERBOWITZ-WETZOR OlgerdP Introduction In The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953 P 03 50

SHERBOWITZ-WETZOR 04 51

ldquo(862) Те варяги назывались русью как другие называются шведы а иные норманны и англы а

еще иные готландцы (hellip) rdquo In Повесть временных лет ldquoCrocircnica dos anos antigosrdquo ldquoCrocircnica

primaacuteria Russardquo ou ldquoCrocircnica nestorianardquo Ediccedilatildeo de Likhatchov segundo o texto Laurentino obtida em

lthttpwwwold-russianchatru01povesthtmgt Uacuteltimo acesso em 28∕10∕2014 Traduccedilatildeo para o inglecircs

CROSS Samuel Hazzard (trad) amp SHERBOWITZ-WETZOR Olgerd P (ed) The Russian Primary

Chronicle Laurentian Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-

Wetzor Cambridge The Mediaeval Academy of America 1953

43

escrito em cerca de 948 a 952 supostamente pelo imperador bizantino Constantino

Porfirogecircnito (905 - 959) lista os nomes das cataratas e corredeiras do Dnieper

frequentemente em duas formas que o autor diferencia como sklavisti e rosisti As

formas chamadas de rosisti satildeo evidentemente transcriccedilotildees de designaccedilotildees

escandinavas Essoupi (antigo noacuterdico vesuppi ndash natildeo durma) Oulvorsi (antigo

noacuterdico holmfors corredeira da ilha nome eslavocircnico dado Ostrovouniprach)

Gelandri (antigo noacuterdico gjallandi gritandordquo ldquosoando alto) Aeifor (Antigo noacuterdico

eiforr sempre feroz eslavocircnico ldquoneasitirdquo) Varouforos (antigo noacuterdico varufors

corredeira do penhasco ou barufors corredeira da onda eslavocircnico Voulniprach)

Leanti (antigo noacuterdico leandi fervendo ou hlaeligjandi rindo eslavocircnico Veroutzi)

Stroukoun (antigo noacuterdico strukum corrente raacutepida eslavocircnico Naprezi)

Segue uma versatildeo nossa da passagem

9 Sobre a vinda dos Rus em monoxylas da Ruacutessia para

Constantinopla

As monoxylas que descem da Russia para Constantinopla satildeo de

Nemogard onde Sviatoslav filho de Igor arconte da Ruacutessia tem seu

trono e outras da cidade de Miliniska de Teliutza de Chernigov e de

Vishegrad

Todos estes descem o rio Dniepr e ajuntam-se na cidade de

Kiev tambeacutem chamada Sambatas Seus tributaacuterios eslavos os

chamados Krivichi os Lendzaneni e o resto das regiotildees eslavas

cortam as monoxylas em suas montanhas no tempo do inverno e

quando eles as tecircm preparadas com a chegada da primavera e o

derretimento da neve trazem-nas para os lagos vizinhos

E jaacute que estes lagos desaguam no rio Dniepr eles entram entatildeo

no mesmo rio e descem para Kiev carregam os barcos adiante para

serem terminados e vendem-nos para os Rus Os Rus compram os

cascos apenas equipando-os com remos escaacutelamo e outros

equipamentos de pesca de suas monoxylas velhas que eles

desmontam e assim deixam-nas preparadas E no mecircs de junho eles

descem o rio Dniepr e vecircm a Vitichev que eacute uma cidade tributaacuteria dos

Rus e ali se reuacutenem por dois ou trecircs dias E quando todas as

monoxylas estatildeo reunidas eles partem e descem o jaacute mencionado rio

Dniepr

E primeiramente eles vecircm para a primeira corredeira chamada

Essoupi que significa em Rus e slavocircnico ldquonatildeo durmardquo A barragem

por si soacute eacute tatildeo estreita quanto a largura de um estaacutedio No meio dela

estatildeo enraizadas altas rochas que erguem-se como ilhas Contra estas

entatildeo vem a aacutegua ergue-se e cai do outro lado com um poderoso e

amedrontador estrondo Dessa forma os Rus natildeo se arriscam a passar

entre elas mas dirigem-se agrave margem desembarcando os homens em

terra seca e deixando o resto dos bens a bordo das monoxylas Eles

entatildeo despem-se e carregam-na a peacute para evitar bater em alguma

rocha Isto eles fazem alguns agrave proa alguns no meio do barco

44

enquanto outros novamente agrave popa navegam-na com paus e com

este procedimento cuidadoso eles passam a primeira barragem

contornando pela margem do rio

Quando eles passam esta barreira reembarcam os outros da

terra seca navegam adiante e descem ateacute a segunda barreira chamada

em Rus ldquooulvorsirdquo e em eslavocircnico ldquoostrovouniprachrdquo que significa

ldquoa ilha da barragemrdquo Esta eacute como a primeira desastrada e que natildeo

pode se atravessar diretamente Novamente eles desembarcam os

homens e passam as monoxylas como na primeira ocasiatildeo De forma

similar eles passam a terceira barreira chamada ldquoGelandrirdquo que

significa em eslavocircnico ldquobarulho da barragemrdquo e entatildeo a quarta

barragem a grande chamada em Rus ldquoaeiforrdquo e em eslavocircnico

ldquoneasitrdquo porque os pelicanos descansam nas pedras da barragem

Nesta barragem todos colocam a proa agrave frente em terra e aqueles

delegados para manter a vigia saem com eles Assim vatildeo estes

homens e mantecircm vigiacutelia atenta aos Pechenegues

Os restantes tomando os bens que eles tecircm a bordo das

monoxyla conduzem os escravos em suas cadeias por terra seis

milhas ateacute atravessarem a barragem Entatildeo em parte arrastando suas

monoxyla em parte carregando-as em seus ombros eles conduzem-

nas ao lado oposto da barragem E entatildeo colocando-as no rio e

carregando-as com a bagagem embarcam eles mesmos e novamente

navegam nelas Quando eles chegam agrave quinta barragem chamada em

Rus ldquoVarouforosrdquo e em eslavocircnico ldquovoulniprachrdquo porque ela forma

um grande lago eles novamente conduzem suas monoxylas pelas

margens do rio como na primeira e segunda barragens e chegam agrave

sexta barragem chamada em Rus ldquoLeantirdquo e em eslavocircnico

ldquoVeroutzirdquo que eacute ldquoebuliccedilatildeo da aacuteguardquo e esta tambeacutem eles cruzam de

forma similar

E entatildeo eles navegam adiante para a seacutetima barragem chamada

em Rus ldquostroukounrdquo e em eslavocircnico ldquonaprezirdquo que significa

ldquopequena barragemrdquo Essa eles passam no chamado vau de Vrar por

onde os khersonitas deixam a Ruacutessia e os Petchenegues vatildeo a

Kherson Esse vau eacute tatildeo largo quanto o Hipoacutedromo e medido rio

acima da base ateacute o ponto em que as rochas atingem a superfiacutecie um

tiro de arco de comprimento Eacute nesse ponto consequentemente que

os Petchenegues descem e atacam os Rus Depois de atravessar este

lugar eles alcanccedilam a ilha chamada de Satildeo Gregoacuterio na qual realizam

seus sacrifiacutecios porque um gigantesco carvalho fica ali e eles

sacrificam galos vivos Eles tambeacutem penduram ao redor flechas e

outros patildeo e carne ou algo de qualquer coisa de que cada um possa

ter como eacute seu costume Eles tambeacutem lanccedilam sortes sobre os galos se

eacute para mata-los ou comecirc-los tambeacutem ou deixaacute-los vivos

Dessa ilha em diante os Rus natildeo temem aos Petchenegues ateacute

que eles atingem o rio Selinas Dali entatildeo eles comeccedilam (a fazecirc-

lo∕temecirc-los) e navegam por quatro dias ateacute que chegam ao lago que

forma a foz do rio na qual estaacute a ilha de Satildeo Atherios Tendo chegado

nesta ilha eles ali descansam por dois ou trecircs dias E eles reequipam

suas monoxyla com tantos apetrechos quanto seja necessaacuterio velas

mastros e lemes que eles trazem consigo Jaacute que esee lago eacute a foz do

rio como foi dito e desaacutegua no mar e a Ilha de Satildeo Aitherios fica ao

mar eles vecircm entatildeo ao rio Dniester e tendo chegado seguros ali

descansam novamente Mas quando o clima eacute propiacutecio eles lanccedilam-se

45

ao mar e chegam ao rio chamado Aspros e depois de descansar ali de

maneira similar eles novamente partem e vecircm para Selinas como eacute

chamado um ramal do rio Danuacutebio

E ateacute eles passarem o rio Selinas os Petchenegues manteacutem paz

com eles E se acontece que o mar lanccedila uma monoxylas na praia eles

todos colocam-na na terra de forma a apresentar uma oposiccedilatildeo unida

aos Petchenegues Depois do Selinas eles natildeo temem a ningueacutem mas

entrando no territoacuterio da Bulgaacuteria eles vecircm agrave foz do Danuacutebio Do

Danuacutebio eles procedem para Konopas de Konopas para Constantia

de Constantia para o rio de Varna e de Varna eles vecircm ao rio Ditzina

todos eles sendo territoacuterio buacutelgaro Do Ditzina eles chegam ao distrito

de Mesembria e ali finalmente sua viagem cheia de tanto trabalho e

terror tamanhas dificuldades e perigos estaacute em seu fim A severa

forma de vida desses mesmos Rus no inverno eacute como se segue

Quando comeccedila o mecircs de Novembro seus chefes junto com

todos os Rus de uma soacute vez deixam Kiev e vatildeo para a poliudia que

significa ldquoarredoresrdquo (γύρα) isto eacute para as regiotildees dos verviani

drugovitchi krivitchi severiani e o resto dos eslavos que satildeo

tributaacuterios dos Rus Ali eles satildeo mantidos ao longo do inverno mas

entatildeo novamente comeccedilando no mecircs de abril quando o gelo do rio

Dniepr derrete eles descem de volta a Kiev Eles entatildeo pegam suas

monoxylas como foi dito anteriormente preparam-nas e descem para

a Romania Os Ouzi podem atacar os Petchenegues52

c) Fontes islacircmicas

Alguns normanistas argumentam que as fontes islacircmicas tambeacutem fazem

distinccedilotildees entre Rūs e aş-Şaqāliba (eslavos) Ahmad Ibn Rustah explorador e viajante

persa do seacuteculo X viajou ateacute Novgorod com os Rus e sobre eles escreve o seguinte

ldquoOs Rūsīya vivem em uma ilha em um lago (hellip) Eles tecircm um

governante chamado khāqān Rūs Os Rūs pilham os Saqāliba

navegando em seus barcos ateacute virem sobre eles Tomam-nos cativos e

vendem-nos em Khazarān e Bulkār () Eles natildeo tecircm campos

cultivados e vivem de pilhar a terra dos Saqāliba

Quando um filho nasce o pai lanccedila uma espada perante ele e

diz lsquoEu natildeo lhe deixo nenhuma heranccedila Tudo que vocecirc possui eacute o

que vocecirc pode obter com esta espadarsquo ()

Eles usam espadas lsquoSulaymānrsquo (versatildeo nossa)rdquo53

52

Texto grego no apecircndice I 53

ldquoldquoThe Rūs [Rūsīya] live in an island in a lake (hellip) They have a ruler called khāqān Rūs The Rūs raid

the Saqāliba sailing in their ships until they come upon them They take them captive and sell them in

Khazarān and Bulkār (Bulghār) They have no cultivated fields and they live by pillaging the land of the

Saqāliba When a son is born the father throws a naked sword before him and says lsquoI leave you no

inheritance All you possess is what you can gain with this swordrsquo (hellip) They use lsquoSulaymānrsquo swords ()

rdquo Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012

46

Esta passagem eacute usada com frequecircncia por escandinavistas particularmente na

tentativa de reconstruccedilatildeo dos costumes antigos do periacuteodo viking incluindo funerais

praacuteticas de guerra e mesmo preferecircncia por armas As espadas referidas podem ser

sabres obtidos no distrito de Salmān em Khurasān54

norte da Peacutersia Soldados do

distrito usavam espeacutecies de sabres curvos no seacuteculo IX chamados shamshir mas o

termo pode ser aplicado tambeacutem a espadas de lacircmina reta55

-56

d) Fontes latinas

Nos Annales Bertiniani encontra-se um extrato que narra sobre dois enviados

dos Rhos vindos do imperador bizantino Theofilos (813-842) ao imperador Luis o Pio

(778-840) em Ingelheim cujo liacuteder tinha o tiacutetulo de chacanus ndash latinizaccedilatildeo de

ldquokhaganrdquo Consta que ldquo() o imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda

e descobriu que estas pessoas eram suecosrdquo

Misit etiam cum eis quosdam qui se id est gentem suam Rhos

vocari dicebant quos rex illorum chacanus vocabulo ad se amicitiae

sicut asserebat causa direxerat petens per memoratam epistolam

quatenus benignitate imperatoris redundi facultatem atque auxilium

per imperium suum toto habere possent quoniam itinera per quae ad

illum Constantinopolim venerant inter barbaras et nimiae feritatis

gentes inmanissimas habuerant quibus eos ne forte periculum

inciderent redire noluit Quorum adventus causam imperator

diligentius investigans comperit eos gentis esse Sueonum57

A Historia Ottonis do bispo Liutprand (c922-972) de Cremona tambeacutem traz

uma referecircncia aos Rus Enviado do imperador germacircnico Otto I (912-973) ao

imperador bizantino Nikephoros II Phokas (c912-969) entre 968-969 Liutprand cita o

seguinte

54

Ibn Rustah on the Rūs 903-913 In IBN FADLAN STONE amp LUNDE (trads) Ibn Fadlān and the

Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin Books 2012 Nota 30 55

LINDSAY James E Daily life in the medieval Islamic world Greenwood Publishing Group 2005

p 64 56

Consideramos possiacutevel entretanto que a referecircncia se deva ao tipo de accedilo damasceno comum no

mundo islacircmico do medievo altamente valorizado pelos escandinavos mas cuja tecnologia os europeus

natildeo dominavam Lingotes do material eram comercializados pelos persas eacute possiacutevel que esta passagem

nos decirc uma pista importante sobre a fonte de material para as altamente valorizadas espadas uhfberth

primeira opccedilatildeo do guerreiro viking e cujas teacutecnicas de fabricaccedilatildeo e fontes de mateacuteria-prima ainda

consistem em um problema natildeo resolvido de todo na escandinaviacutestica 57

ldquoO imperador diligentemente investigou a causa de sua vinda e descobriu que estas pessoas eram

suecosrdquo Annales Bertiniani Hannoverae Impensis bibliopolii Hahniani 1883 p21 Obtido em

httpwwwarchiveorgstreamannalesbertinian00waitpagen3mode2up em 22 de fevereiro de 2012

Avaliaacutevel tambeacutem na Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum

scholarum separatim editi

47

ldquoHabet quippe ab aquilone Hunagrios Pizenacos Chazaros

Rusios quos alio nos nomine Nordmannos apellamus ()rdquo

(Liudprandi antapodosis LibI 10 Grifo nosso)58

XV Gens quaedam est sub aquilonis parte constitua quam a

qualitate corporis Greci vocant Ρουσιος Ruacutesios nos vero a positione

nominamus Nordmannos Lingua quippe Teotonum nord aquilo man

autem dicitur homo unde et Nordmannos aquilonares homines dicere

possumus (Lib V15 Grifo nosso)59

Resumindo a argumentaccedilatildeo a hipoacutetese normanista tem sua origem portanto nas

fontes escritas russas em particular a Poacuteviest vrieacutemennikh liet e respalda-se em uma

seacuterie de fontes escritas de povos vizinhos Segundo ela nos princiacutepios da Rusos eslavos

foram dominados pelos varegues mas conseguiram expulsaacute-los Entretanto natildeo foram

capazes de se autogovernar necessitando pedir a ajuda de outros varegues para fazecirc-lo

Desses que vieram derivou a dinastia riurikida

Os primeiros governantes da Rus possuiacuteam de fato nomes escandinavos como

Igor (Yngvarr) Oleg (Helgi) Olga (Helga) Rurik (Hrorekr) sendo que apenas a partir

de Sviatoslav os nomes eslavos passam a ser predominantes As fontes e tratados

bizantinos trazem a maior parte dos Rus listados portando nomes escandinavos e os

nomes dos rios percorridos pelos varegues ateacute Bizacircncio tanto em suas formas

escandinavas quanto eslavas A proacutepria forma comum de tratamento no russo

ldquogospodinrdquo ndash ldquocavalheirordquo - derivaria do antigo noacuterdico ldquohusbondrdquo em contrapartida agraves

formas ldquopanrdquo em outras liacutenguas eslaacutevicas como o ucraniano e o polonecircs

142 A posiccedilatildeo anti-normanista

Quanto aos anti-normanistas sua escola deriva diretamente de correntes

nacionalistas russas tanto dos tempos czaristas quanto dos sovieacuteticos Se nos primeiros

a Sueacutecia era tradicional inimigo nas natildeo tatildeo ultrapassadas guerras do Norte quanto aos

segundos a ideia de que o estado russo tivesse sua origem em populaccedilotildees estrangeiras

natildeo podia ser aceita por um governo marcado pelo autoritarismo que apregoava possuir

58

ldquo os russos a quem noacutes chamamos de nordmanosrdquo Liudprandi antapodosis In Monumenta

Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in usum scholarum separatim editi Liber I 10 59

Liudprandi antapodosis In Monumenta Germaniae Historiae Scriptores rerum Germanicarum in

usum scholarum separatim editi Liber V 15

48

sistema poliacutetica e econocircmico superior aos outros paiacuteses

Pode-se dizer que seu iniacutecio deu-se com a reaccedilatildeo de Mikhail Lomonoacutessov

(1711-1765 Impeacuterio Russo) agrave fala supracitada de Muumlller Dentre outros defensores

subsequentes da posiccedilatildeo podemos citar de iniacutecio Stepan Aleksandrovitch Gedeonov

(1815-1878 Impeacuterio Russo) Nikolai Ivanovitch Kostomarov (1818-1885 - Impeacuterio

Russo origem mista russo-ucraniana) Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920

Impeacuterio Russo) e V Vasilevskii que apresentaram teorias em contraacuterio agrave origem

normanista ndash as chamadas teorias ldquoBalto-Eslaacutevicardquo ldquoLituanardquo e ldquoGoacuteticardquo60

A despeito de certo influxo normanista na historiografia sovieacutetica inicial

diversos acadecircmicos passaram a apresentar forte criticismo agrave mesma encontrando

alguns seguidores em outros paiacuteses A posiccedilatildeo normanista encontrou pouco apoio

particularmente na historiografia ucraniana61

Dentre seus defensores ou simpatizantes podemos citar Mykhailo Serhiiovitch

Hruchtchevski (1866-1934- Ucracircnia-URSS) Boris Dmitrievitch Griekov (URSS 1882-

1953) Serafim Vladimirovitch Iushkov (1888-1952 URSS) Boriacutes Aleksandrovitch

Rybakov (1908-2001 URSS) L Tcherepnin Mikhail N Tikhomirov Vladimir T

Pashuto I Chaskolskii Nicholas Valentine Riasanovsky (1923-2011 USA) Alexander

V Riasanovsky o polonecircs Henryk Łowmiański (1898-1984) e historiadores ucranianos

contemporacircneos como Petro Petrovitch Tolochko (1938-) MBraychevski M Kotlyar e

V Baran

A posiccedilatildeo anti-normanista eacute em grande parte uma resposta aos pontos

defendidos pelos normanistas Apresenta-se como uma contra-argumentaccedilatildeo

comprometida com a origem autoacutectone da Ruacutessia ou da Ucracircnia do que propriamente

num escopo teoacuterico bem-definido Seguem suas ideias principais

I A questatildeo da etimologia

Dmitri Ivanovitch Ilovaiskii (1832-1920) articulou a ideia de que o termo Rhos

estaria conectado aos Roxolani da Antiguidade tribos Saacutermatas que teriam habitado as

estepes da atual Ucracircnia e migrado para a direccedilatildeo do Danuacutebio no seacuteculo I AC Sua

ideia que se tornou tradicional na argumentaccedilatildeo anti-normanista e foi chamada de

60

ZAKHARII 20 61

ZAKHARII 21

49

ldquoTeoria iranianardquo perdeu peso e aceitaccedilatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX

Em 1837 o historiador escritor e naturalista ucraniano Mikhailo

Oleksandrovitch Maksymovitch (1804-1873) desenvolveu a ldquoTeoria localrdquo segundo a

qual o nome Rus estaria ligado agrave aacuterea do rio Rosacute tributaacuterio da margem direita do

Dnieper e nascente na Vinnytsia Oblast Outros rios citados tambeacutem por Potebnya

seriam o Rosava (tributaacuterio do mencionado Rosacute) Rusna e Rostavitsia Proeminente no

processo de construccedilatildeo de consciecircncia nacional ucraniano levado a cabo do seacuteculo XIX

Maksymovitch argumentava que a regiatildeo da Rus natildeo teria ficado despovoada apoacutes a

Invasatildeo Mongol Antes teria sido habitada continuamente pelos remanescentes da Rus

com os quais os ucranianos teriam uma linha de continuidade direta

Esta ideia seraacute levada mais adiante a partir do periacuteodo sovieacutetico Os anti-

normanistas argumentariam que o nome Rus estaria inicialmente ligado com a aacuterea de

Kiev ao Sul habitada desde seacuteculos anteriores pelos eslavos e natildeo com as regiotildees de

Ladoga e Novgorod ao norte de maior influecircncia escandinava e habitada anteriormente

por baltos e fino-uacutegricos

Ilovaacuteiskii62

citaria o Neman da Lituacircnia como nomeado anteriormente de Ros

contendo um tributaacuterio chamado Rus e drenado na bacia Rusna o Ros ou Rus na

proviacutencia de Novgorod Rusi (a foz do Narev) Ros (uma foz do Dniepr) Rusa (a foz do

Semi) e um Ros ou Ras no Volga Nesta linha argumentativa estaria o uso dos termos

Ruslo ldquoriordquo em antigo eslavocircnico e Rusalka - um ldquoespiacuterito da aacuteguardquo nas mitologias

eslaacutevicas

Outra evidecircncia etimoloacutegica apresentada pelos anti-normanistas seria o uso do

termo Hrōs na Crocircnica siriacuteaca do Pseudo-Zacharias reitor de 555 AD ligado a povos

de origem no caacuteucaso vivendo no periacuteodo em questatildeo ao sul de Kiev ndash trecircs seacuteculos

anteriormente aos movimentos escandinavos no norte da Ruacutessia portanto

II Os argumentos de ausecircncia

Outro argumento levantado pelos anti-normanistas em contraposiccedilatildeo agrave ideia da

derivaccedilatildeo de Ruotsi de Roethslagen seria a inexistecircncia de qualquer tribo chamada de

Rus na Escandinaacutevia bem como a ausecircncia de menccedilatildeo a ela nas fontes noacuterdicas

62

ILOVAacuteISKII 1890 VII

50

Afirmam tambeacutem que haacute ausecircncia de material arqueoloacutegico escandinavo

encontrado nas rotas de comeacutercio cidades e entrepostos proacuteximos agraves mesmas

III Os enviados

Quanto aos enviados citados nos Annales Bertiniani a postura anti-normanista

afirma que os nomes noacuterdicos natildeo provariam o componente eacutetnico escandinavo dos

Rus Antes esses escandinavos seriam apenas espeacutecies de representantes comerciais de

priacutencipes eslaacutevicos Rus Seriam diplomatas e comerciantes profissionais

IV Fontes islacircmicas

Alguns defensores anti-normanistas citam o autor Ibn Khurdadbeh que

escrevendo entre 840 e 880 chamava aos rus uma tribo de eslavos (aş-Şaqāliba)

V Superioridade econocircmica

Rybakov (1908-2001) professor de Histoacuteria na Universidade de Moscou desde

1939 personificaraacute em particular as ideias anti-normanistas Em Ремесло Древней

Руси63

de 1948 procura demonstrar que a Rus de Kiev seria superior economicamente

agrave Europa Ocidental Em Геродотова Скифия Историко-географический анализ de

197964

defenderaacute que os eslavos descenderiam dos citas da Antiguidade

Baseando-se em sua argumentaccedilatildeo os anti-normanistas negam a validade do

relato da Poacuteviest vrieacutemennikh liet alegando que natildeo haveria razatildeo para que os eslavos

culturamente avanccedilados convidassem os varegues para governaacute-los

63

ldquoOfiacutecios na antiga Rusrdquo 64

ldquoCitia de Heroacutedoto anaacutelise histoacuterico-geograacuteficardquo

51

143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees

I O problema das etimologias

As criacuteticas dos anti-normanistas resumem alguns pontos criacuteticos das ideacuteias

normanistas Um dos ataques mais fundamentados seria a etimologia de Rus e a sua

suposta ligaccedilatildeo com Roacuteethr

Omeljan Pritsak ainda que natildeo totalmente contraacuterio agrave posiccedilatildeo normanista vai

aleacutem da criacutetica anti-normanista ao atacar a proacutepria derivaccedilatildeo de Rus de ruotsi Segundo

ele ruotsi vincularia-se a um suposto rūzzi e natildeo Rus65

Ele aponta entretanto que seria igualmente errocircneo o uso do pseudo-Zacharias

e o suposto Hrōs pelos anti-normanistas O termo para ele seria na verdade uma

corruptela na adaptaccedilatildeo siriacuteaca do grego ἥρως (heroacutei) Na passagem em questatildeo o

copista teria citado um trecho referente agraves Amazonas citadas de uma versatildeo do meacutedio

persa da saga de Alexandre A corruptela de ἥρως teria sido usada para os pares gigantes

das Amazonas e natildeo se trataria de uma forma eacutetnica de um povo ou grupo racial66

Podemos apontar tambeacutem que haacute certa circularidade no uso de hidrocircnimos

contendo raiacutezes similares a Rus ou rosacute e os termos ruslo e rusalka por encontrarem-se

em campos semacircnticos adjacentes ligados agrave aacutegua rios foz de rio divindades aquaacuteticas

Os anti-normanistas estatildeo corretos quando afirmam a ausecircncia de alguma tribo

germacircnica ou escandinava com tal designaccedilatildeo Isto natildeo invalida entretanto a

argumentaccedilatildeo acerca da proveniecircncia de Roethslagen como possiacutevel etimologia para Rus

A criacutetica anti-normanista nesse sentido fundamenta-se num criteacuterio bastante restrito e

exclusivamente eacutetnico ndash uma acepccedilatildeo contemporacircnea de identidade A inexistecircncia de

uma tribo de um grupo eacutetnico com laccedilos consanguiacuteneos ldquoraciaisrdquo apresenta-se como

contra-argumento insuficiente agrave medida que a etimologia proposta de Roethslagen

enfatiza a proveniecircncia da regiatildeo costeira de Uppland e tem o viacutenculo com o ato de

remar navegar lanccedilar-se ao mar Eacute uma proposiccedilatildeo de etimologia de caraacuteter ao menos

em sua origem ocupacional que posteriormente definiraacute o grupo em questatildeo de forma

eacutetnica apenas na confrontaccedilatildeo com outro grupo cultural distinto

Haacute de se notar a existecircncia de outras etimologias que apresentam situaccedilatildeo

65

PRITSAK 06 66

PRITSAK 06

52

similar em contexto muito proacuteximo nos termos vikingr e bjarmar Conquanto tenham

no periacuteodo contemporacircneo e poacutes-romacircntico assumido um sentido marcadamente eacutetnico

ao leitor as etimologias mais recentes propostas derivam vikingr de vik- baiacutea enseada

ligando-o natildeo a um sentido eacutetnico restrito agrave Noruega e agrave regiatildeo de Oslo mas sim ao

sentido ocupacional do termo daquele que frequenta o mar67

Bjarmar por sua vez a despeito das tentativas de estudiosos que tentam ligar a

designaccedilatildeo aos Komi da regiatildeo russa de Perm tem obtido um consenso acadecircmico eacute

termo aplicado primordialmente aos careacutelios mas tem sua origem no termo fino-uacutegrico

-per(e)macute Isto implica o caraacuteter ocupacional o modo de vida das populaccedilotildees que

desenvolviam atividade econocircmica extratora nas proximidades do Mar Branco

principalmente a coleta de peles caccedila e comeacutercio68

Enfim um peso muito grande em etimologias demonstra ser prejudicial e

impraticaacutevel abrindo os flancos de ambas as posiccedilotildees a uma seacuterie de ataques

II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade

Os anti-normanistas questionam a quantidade de material escandinavo

encontrado nas principais cidades e povoamentos da Rus como Novgorod Kiev e

Staraia Ladoga Eacute adequado afirmar que encontramo-nos aqui em uma forma um tanto

subjetiva e relativa de argumentaccedilatildeo ao quantizar por ldquomuitordquo e ldquopoucordquo Em particular

no campo da Arqueologia a ausecircncia de vestiacutegios de alguma espeacutecie natildeo eacute ldquoprovardquo ou

ponto passiacutevel de definiccedilatildeo teoacuterico pela proacutepria natureza da evidecircncia arqueoloacutegica

que eacute fragmentada indiciaacuteria e incompleta

Acerca do toacutepico David M Wilson escreve o seguinte

ldquoIn England the only town to produce really convincing Viking

antiquities in any number is York and this number has been rather

exaggerated Structures of the Anglo-Danish period in York are rarely

found and even when they are they are not specifically Viking in

character The other Viking towns in England [known from historical

sources ndash OP] have produced hardly any Viking antiquities We know

that the Vikings were there just as we know that there Vikings in

Novgorod and Kievrdquo69

67

HAYWOOD John The Penguin Historical Atlas of the Vikings London Penguin Books 1995 Pp

08ss MUCENIECKS 2010 03-06 68

CHESTNUT Michael Afterword In ROSS Alan The Terfinnas and Beormas of Othere University

College London Viking Society for Northern Research 1981 p77 69

WILSON David M East and West A Comparison of Viking Settlement In Varangian Problems

53

A citaccedilatildeo transcrita tambeacutem por Pritsak pode levantar argumentos contraacuterios ou

questionamentos sobre o que eacute um nuacutemero ldquoexageradordquo ou ldquoconvincenterdquo de artefatos

Pode parecer tambeacutem uma forma de se esquivar do problema de forma retoacuterica Ela traz

agrave pauta entretanto alguns aspectos uacuteteis e pertinentes agrave discussatildeo

A mais premente eacute a questatildeo da dificuldade de questotildees relativas agrave etnicidade70

na interpretaccedilatildeo dos vestiacutegios arqueoloacutegicos Conquanto tenha sido tema de destaque na

Arqueologia Histoacuterico-Cultural o predomiacutenio da Arqueologia Processualista abandonou

quase que por completo as discussotildees referentes agrave etnicidade pelas dificuldades e

impossibilidades apresentadas pela natureza da evidecircncia Ou seja a questatildeo per si jaacute eacute

complexa quando associado ao problema polecircmico da etnicidade dos Rus

evidentemente assume contornos ainda mais difusos e pouco seguros

A questatildeo da Etnicidade eacute um tema que seraacute retomado pela arqueologia poacutes-

processualista em bases bastante diversas com fundamentaccedilotildees teoacutericas diversas

amplas e complexas e uma compreensatildeo diferente do problema da existecircncia de

subjetividades fluidez mutabilidade e criteacuterios de definiccedilatildeo eacutetnica muitas vezes

especiacuteficos em cada caso

Outro aspecto levantado eacute a questatildeo da Arqueologia Histoacuterica e da relaccedilatildeo

muitas vezes difiacutecil e nem sempre harmocircnica entre os diferentes niacuteveis de interpretaccedilatildeo

que satildeo levantados pela Arqueologia e pela Histoacuteria Um exemplo de caso dessas

questotildees eacute a escavaccedilatildeo de Sarskoie Gorodichtche ao sul da atual Rostov no banco do

Sara A despeito das grandes evidecircncias de habitaccedilatildeo escandinava coexistindo com os

Meri nativos fino-uacutegricos a partir do seacuteculo IX esta interpretaccedilatildeo formulada desde o

iniacutecio das escavaccedilotildees em 1854 foi substituiacuteda quando as escavaccedilotildees sovieacuteticas foram

reiniciadas apoacutes 1949 A interpretaccedilatildeo sovieacutetica oficial veiculada na Большая

советская энциклопедия71

seria a de que o siacutetio era exclusivamente habitado pelos

Meri desde o seacuteculo VI Fortificaccedilotildees foram construiacutedas pelos eslavos no seacuteculo X

mas apoacutes isso a cidade declinou ateacute o seacuteculo XIII Sarskoie Gorodichtche passou a ser

considerada pela academia sovieacutetica como a ldquocapitalrdquo dos antigos Meri

Scando-Slavica Supplementum 1 Copenhagen Munksgaard 1970 P113 70

Consideramos o termo na acepccedilatildeo de um conjunto de carateriacutesticas que definem uma determinada

populaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave outra Tais atributos possuem fronteiras muito fluiacutedas por vezes pragmaacuteticas que

alteram-se no decorrer do tempo sendo mais geralmente ligados agrave liacutengua viacutenculos sanguiacuteneos e

religiosos 71

ldquoGrande enciclopeacutedia sovieacuteticardquo

54

Por fim levanta-se a questatildeo da natureza da ocupaccedilatildeo escandinava natildeo apenas

na Ruacutessia mas da proacutepria forma e natureza dos movimentos escandinavos pela Europa

e outras regiotildees Um elemento-chave no sucesso escandinavo em um espectro

geograacutefico tatildeo grande deve-se em grande parte agrave sua mobilidade e adaptabilidade

caracteriacutestica a diversos contextos Associada a esta adaptabilidade estaacute uma fluidez

consideraacutevel na natureza dos processos sociais envolvidos que em particular no caso da

Rus parece ter sido bastante marcante como demonstra a mudanccedila em poucas geraccedilotildees

dos nomes escandinavos da casa de Rurik para nomes eslaacutevicos Como bem ressalta

Logan

The principal historical question is not whether the Rus were

Scandinavians or Slavs but rather how quickly these Scandinavian

Rus became absorved into Slavic life and culture In 839 the rus

were swedes in 1043 the Rus were slavs Sometime between 839 and

1043 two changes took place one was the absorption of the Swedish

Rus into the Slavic people among they settled and the second was the

extension of the term acuteRusacute to apply to these Slavic peoples by whom

the Swedes were absorved72

Sob este aspecto de mobilidade transitoriedade e adaptabilidade eacute necessaacuterio

frisar que a evidecircncia arqueoloacutegica daacute suporte agrave compreensatildeo de uma ampla

movimentaccedilatildeo escandinava pela Euraacutesia evidenciada natildeo apenas no grande nuacutemero de

tesouros de dirhams encontrados pela Ruacutessia Paiacuteses Baacutelticos e Escandinaacutevia mas

tambeacutem por artefatos como pentes broches objetos com vestiacutegios de inscriccedilotildees ruacutenicas

e fiacutebulas encontrados em Staraia Ladoga Timerevo (extrato mais antigo de Yaroslav)

Gorodichtche Staraya Russa Sarskoie Gorodichtche Gniozdovo e nos paiacuteses vizinhos

(ie Daugmale e Grobiņa na Letocircnia Iru e Proosa na Estocircnia)

O cemiteacuterio de Plakun no outro banco do Volkhov em Ladoga contendo

enterramentos escandinavos natildeo eacute equiparado agrave Grobiņa por exemplo poreacutem a

evidecircncia existente eacute sob nosso ponto de vista bastante convincente apresentando

indiacutecios convincentes da presenccedila escandinava73

72

LOGAN F D The Vikings in History Routledge 1991[1983] p203 73

NOONAN 1998a 339

55

144 Outras possibilidades interpretativas

Omeljan Pritsak ainda que inclinado para o lado anti-normanista considera

nenhum dos extremos da querela completamente convincente presentando uma outra

hipoacutetese Segundo ele o nome Rus eacute uma espeacutecie de ldquotrademarkrdquo de mercadores judeus

medievais especializados em comercializar escravos da Ruacutessia Europeacuteia principalmente

com muccedilulmanos mas tambeacutem com europeus ocidentais

O grupo principal nesse tipo de comeacutercio era a corporaccedilatildeo judaica chamada

Rādhānīya que possuindo contatos na maior parte das colocircnias judaicas incluindo o

acesso agraves regiotildees controladas pelos khazares detinha o monopoacutelio do fornecimento de

escravos eslavos os chamados aş-Şaqāliba lsquopelos muccedilulmanos

Note-se que na liacutengua inglesa bem como em diversos idiomas da Europa

Ocidental o termo ldquoescravordquo deriva de variantes do ldquoeslav-rdquo tal era o predomiacutenio de tal

componente eacutetnico no comeacutercio escravista na Euraacutesia O termo aacuterabe ldquoaş-Şaqālibardquo

tambeacutem deriva de ldquosklavrdquo ou termos similares pelos quais os proacuteprios eslavos se

nominavam Na Europa Ocidental os judeus da Rādhānīya baseariam-se em algumas

regiotildees da Francia como Marseiles e Rodez Para Pritsak tais mercadores conhecidos

como ldquoRuthenicisrdquo teriam legado o nome Rus oriundo de sua proacutepria companhia Com

o passar do tempo o comeacutercio por eles dominado passaria a intermediaacuterios varegues

que dessa forma adotariam o nome Rus como uma espeacutecie de marca registrada ou

designaccedilatildeo comercial74

Tal ideacuteia natildeo pode ser sustentada De fato o chamar tais judeus de ldquomercadores

russosrdquo ou ldquoruthenicisrdquo devia-se antes de seu nome comercial agrave sua proveniecircncia e

atividade nas regiotildees jaacute conhecidas por tal nome O argumento de Pritsak por mais

engenhoso que parece acaba tornando-se uma inversatildeo

Quanto agrave Thomas Noonan apesar de dar um peso grande agrave evidecircncia

arqueoloacutegica e em particular da Numismaacutetica toma uma posiccedilatildeo mais moderada mais

de acordo com a Arqueologia Histoacuterica contemporacircnea em procurar inserir aspectos

das duas visotildees levando em consideraccedilatildeo tanto a presenccedila escandinava quanto a

contribuiccedilatildeo local eslaacutevica fino-uacutegrica e baacuteltica ainda que aparentemente esta posiccedilatildeo

incline-se um pouco para o espectro normanista da questatildeo De fato esta posiccedilatildeo eacute a

74

PRITSAK 24s

56

que tem alcanccedilado a maior proximidade com um consenso ao menos entre os

estudiosos nos paiacuteses anglo-saxotildees escandinavos e baacutelticos sobre os iniacutecios da Ruacutessia

Nos uacuteltimos anos a temaacutetica viking tem levantado tambeacutem um nuacutemero grande

de interessados na Ruacutessia e em outras naccedilotildees de origem eslaacutevica ao menos a niacutevel

popular e o nuacutemero de estudiosos de origem eslava a considerar a questatildeo sem as

tradicionais restriccedilotildees e preconceitos sovieacuteticos tecircm aumentado bem como obras que

ampliam e trazem em pauta novas questotildees Podemos citar por exemplo Melnikova75

Tatijana Jackson76

Fyodor Androshchuk77

Wladyslaw Duczko78

145 O problema metodoloacutegico

A questatildeo do nacionalismo e da influecircncia do ambiente contemporacircneo poliacutetico

sobre o pesquisador eacute o principal ponto gerador de discoacuterdia entre os diversos

envolvidos nos debates normanistas A temaacutetica por si soacute encontra-se de certa forma

esgotada e repetitiva no que toca agrave argumentaccedilatildeo e contra-argumentaccedilatildeo dos dois lados

Haacute ainda outra dimensatildeo que necessita ser acrescentada ao debate o problema

metodoloacutegico De fato boa parte da discordacircncia envolvida na controveacutersia normanista

eacute uma discordacircncia de meacutetodo e da forma de anaacutelise das fontes de informaccedilotildees

O lado normanista privilegia a evidecircncia histoacuterica as fontes primaacuterias de caraacuteter

mais tradicional ou seja escritas Os anti-normanistas procuram dirigir o peso

interpretativo para a Arqueologia como se a mesma pudesse propiciar um argumento

cientiacutefico isento factual e plenamente objetivo Ambos os lados empregam evidecircncia

linguiacutestica etimoloacutegica e toponiacutemica nas tentativas de reforccedilar sua argumentaccedilatildeo por

vezes gerando becos sem saiacuteda

Dessa forma parte do que ocorre na controveacutersia normanista espelha um

problema de ordem mais geral metodoloacutegica que eacute objeto primaacuterio de estudo do ramo

75

MELNIKOVA EA The Eastern World of the Vikings Eight Essays about Scandinavia and Eastern

Europe in the Early Middle Ages Gothenburg Old Norse Studies 1 Goumlteborg universitet

Litteraturvetenskapliga institutionen 1996 76

ДЖАКСОН Т Н Austr iacute Goumlrethum древнерусские топонимы в древнескандинавских источниках

mdash М Языки русской культуры 2001 (JACKSON Tatiana Nikolaievna Austr I Goumlrethum Topocircnimos

russo-antigos nas fontes antigas escandinavas Moscou Liacutengua e Cultura Russos 2001) 77

ANDROSHCHUK Fjodor The Vikings in the East In BRINK Stefan amp PRICE Neil (eds) The

Viking World London amp New York Routledge 2008 pp517-542 78

DUCZKO Wladyslaw Viking Rus Studies on the Presence os Scandinavians in Eastern Europe The

Northern World v12 Leiden Boston amp Tokyo Brill 2004

57

especiacutefico da Arqueologia Histoacuterica e que perpassa diversos outros recortes Um

exemplo muito marcante de similaridade metodoloacutegica ocorre na Arqueologia Siro-

Palestina antiga Arqueologia Biacuteblica que nas uacuteltimas deacutecadas assistiu ao

engrandecimento de toda a evidecircncia arqueoloacutegica e a propiciada pela Cultura

Material79

em conjunto a um desprezo pelas fontes escritas das quais o texto biacuteblico eacute a

principal definindo a escola chamada de Minimalista Temos aqui as motivaccedilotildees de

ordem ideoloacutegica e a influecircncia da ldquoNew Archaeologyrdquo (ou arqueologia

ldquoProcessualistardquo) com sua ecircnfase nas Ciecircncias Sociais e seu cientificismo bem como

abandono de temaacuteticas de etnicidade religiatildeo e o uso das fontes escritas

Eacute interessante notar a similaridade de resultados provocada por contextos sociais

diversos e especiacuteficos A Arqueologia sovieacutetica natildeo bebeu das mesmas fontes teoacutericas

que influenciaram a Arqueologia ocidental A ldquoNew Archaeologyrdquo natildeo teve acesso ao

bloco oriental aliaacutes o isolamento entre arqueoacutelogos e historiadores sovieacuteticos e

ocidentais provocou uma gama variada de incompreensotildees e gerou atraso em vaacuterias

frentes nos estudos histoacutericos mais amplos que envolvem a Ruacutessia e o Ocidente

Entretanto a matriz marxista teve na arqueologia sovieacutetica um papel similar ao

que as teorias sociais tiveram na New Archaeology que foi a tentativa de explicaccedilatildeo do

registro e da evidecircncia por meio de um escopo teoacuterico criacutetico e bem-definido Eacute

necessaacuterio reconhecer o benefiacutecio e avanccedilo que as tentativas de interpretaccedilatildeo mais

soacutelidas trouxeram agrave Arqueologia como um todo fazendo-a transpor o status de ldquociecircncia

auxiliarrdquo fazendo-a abandonar uma abordagem meramente descritiva e ilustrativa e

dando a ela um escopo mais amplo e soacutelido dentre as demais Ciecircncias Humanas

Entretanto esse apego agraves teorias gerais explicativas muitas vezes imobilizou a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica em quadros riacutegidos e preacute-definidos abandonando fontes

uacuteteis de informaccedilatildeo como a evidecircncia das fontes primaacuterias escritas dessa forma

limitando grandemente a abrangecircncia das temaacuteticas passiacuteveis de estudo arqueoloacutegico

O lado normanista da questatildeo por sua vez desenvolveu-se de em grande parte

em uma visatildeo histoacuterica de caraacuteter mais tradicional compartilhada pela Arqueologia

Histoacuterico-Cultural As explicaccedilotildees de migraccedilotildees e movimentos de povos como fatores

provocadores de mudanccedila tatildeo caracteriacutesticos da explicaccedilatildeo da Arqueologia Histoacuterico-

79

Termo usado aqui na acepccedilatildeo arqueoloacutegica que considera Cultura Material toda manifestaccedilatildeo da accedilatildeo

humana natildeo limitada agrave confecccedilatildeo de artefatos ndash contendo a tecnologia da escrita ou natildeo - mas

revelando-se tambeacutem por exemplo na alteraccedilatildeo do ambiente e da paisagem

58

Cultural harmonizam-se bem com a explicaccedilatildeo normanista em seu espectro mais

simplista e extremado Um grupo estrangeiro externo ldquomais evoluiacutedordquo traz tecnologia e

estruturas sociais que promovem mudanccedila social no contexto em questatildeo

Eacute necessaacuterio transpor tais linhas de explicaccedilatildeo para uma compreensatildeo mais

satisfatoacuteria da situaccedilatildeo que aplique um tratamento adequado agraves diversas naturezas de

evidecircncias e incorpore escolas de pensamento mais recentes como a Arqueologia Poacutes-

Processual e a Nova Histoacuteria Natildeo podemos simplesmente ignorar as fontes escritas

tampouco as evidecircncias arqueoloacutegicas Concordacircncias entre ambas nos revelam

conhecimento sobre o passado Poreacutem discordacircncias tambeacutem

A abordagem de Thomas Noonan tentando esquivar-se das insuficiecircncias

produzidas pelas fontes escritas abriu generosos leques de interpretaccedilatildeo mas propiciou

uma estrutura explicativa de cunho mais econocircmico para o movimento escandinavo no

Leste A circulaccedilatildeo de dirhams aacuterabes apresentou-se como atrativo e impulso aos

escandinavos

A narrativa deixada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet pode apontar caminhos

interpretativos diversos e mais amplos de como o passado recente era visto pelo seacuteculo

X A reelaboraccedilatildeo do passado lida com esse mesmo passado estudado atraveacutes dos

vestiacutegios arqueoloacutegicos e da Numismaacutetica Dessa forma ainda que as interpretaccedilotildees

mais oacutebvias de ambas abordagens possam parecer exclusivas elas propiciam um

conhecimento mais completo do quadro histoacuterico da regiatildeo

146 O rei-estrangeiro a Antropologia a mitologia e o Hieros-gamos sugestotildees e

possibilidades interpretativas adicionais

Haacute outra vertente ainda que pode ser explorada e que oferece campo promissor e

amplo no estudo da PVL e o Chamado dos Varegues Trata-se dos estudos que

incorporam anaacutelise do mito conhecimento antropoloacutegico e literaacuterio

Marshal Sahlins em ldquoIlhas da Histoacuteriardquo apresenta-nos um estudo de caso

antropoloacutegico que sugere uma forma interpretativa da situaccedilatildeo Natildeo pretendemos expor

uma hipoacutetese absoluta e substitutiva da controveacutersia mas apontar a existecircncia de formas

diversas pelas quais a situaccedilatildeo ainda pode ser analisada com o emprego de conceitos

59

mais recentes de interpretaccedilatildeo historiograacutefica como a Antropologia Histoacuterica

No estudo de caso ldquoO rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fijirdquo Sahlins

apresenta a desconcertante possibilidade comparativa da teoria tripartite de Dumeacutezil

com suas proacuteprias investigaccedilotildees sobre as estruturas sociais nas Ilhas Polineacutesias

A ponte que Sahlins faraacute encontra-se no aspecto da Teoria Poliacutetica Aponta para

a recorrente situaccedilatildeo do simbolismo envolvido na adoccedilatildeo de um governante estrangeiro

por uma sociedade especiacutefica

ldquoA soberania aparece como vinda do exterior da sociedade O

rei que eacute de iniacutecio um estrangeiro e uma figura um tanto aterrorizante

seraacute depois absorvido e domesticado pela populaccedilatildeo nativa em um

processo que passa por sua morte simboacutelica e seu consequente

renascimento sob a forma de um deus localrdquo80

Os paralelos apontados por Dumeacutezil encontram-se mais no campo da Histoacuteria

Claacutessica a vinda de Eneacuteias de Troacuteia a questatildeo dos latinos e sabinos a expulsatildeo de

Rocircmulo e Remo por Numitor e a posterior conquista do poder por Rocircmulo como um

ser vindo de fora Os paralelos trazidos por Sahlins tratam mais de casos da Oceania em

particular envolvendo o Capitatildeo Cook Poderiacuteamos acrescentar outras situaccedilotildees como a

chegada de Europeus agraves Ameacutericas em um contexto definitivamente natildeo conexo e sem

ligaccedilotildees histoacutericas verificaacuteveis

Poreacutem o contexto especiacutefico da Histoacuteria Claacutessica encontra-se mais proacuteximo em

um acircmbito europeu e podemos encontrar outros paralelos Um eacute de particular interesse

por ter sido empregado pelos criacuteticos das ideias normanistas Trata-se da Crocircnica

Anglo-saxatilde que vai tratar de formas muito semelhantes agrave narrativa da Poacuteviest

vrieacutemennikh liet a vinda dos anglos para as Ilhas Britacircnicas Por sua vez temos uma

interessante similaridade na Saga de Yngvar81

Sueco que faraacute uma expediccedilatildeo de renome

duradouro agrave Ruacutessia morrendo possivelmente nas proximidades do Mar Caacutespio Yngvar

enquadra-se de certas formas no estereoacutetipo do rei estrangeiro

Sahlins e Dumeacutezil traratildeo a ideia de que num campo simboacutelico e imaginaacuterio o

elemento estrangeiro simbolizaraacute o masculino o macho feroz criador e procriador e

quando mitologizado geralmente associado ao sol e agraves esferas celestes Quanto ao

80

SAHLINS Marshall O rei-Estrangeiro ou Dumeacutezil entre os Fiji In Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro

Jorge Zahar 1990 [University of Chicago Press 1987] p106 81

Traduccedilatildeo inglesa PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga

and Eymunds Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]

60

elemento nativo simbolizaraacute num primeiro momento o feminino a associaccedilatildeo com o

poder da terra e do subterracircneo de crescimento de accedilotildees paciacuteficas e duradouras Como

os sabinos apresentam-se associados com a riqueza com aquilo que ldquonutre a semente

divina e a transforma em substacircncia socialrdquo

Essa forma interpretativa encontra eco tambeacutem em estudos natildeo apenas da

Mitologia Escandinava per se mas tambeacutem em trabalhos que vinculam representaccedilotildees

mitoloacutegicas agrave proacutepria institucionalizaccedilatildeo monaacuterquica O conceito de Hierogamia (de

ιερός γάμος ldquocasamento sagradordquo) eacute aplicado no contexto escandinavo desde estudiosos

de deacutecadas anteriores como Regis Boyer Hilda Ellis-Davidson e Thomas Dubois

quanto das novas geraccedilotildees como Christopher Abram e Gro Steinsland82

De forma

recorrente encontram-se semelhanccedilas em narrativas que apresentam a uniatildeo entre duas

divindades representativas da ordem e do caos

Na narrativa escandinava o proacuteprio escandinavo estaacute ligado agrave divindade

masculina e ao princiacutepio da ordem A populaccedilatildeo estrangeira o outro ndash frequentemente

os saami ou os finnar - eacute associada agrave divindade e ao princiacutepio feminino ligado ao caos

agrave falta de estruturaccedilatildeo A uniatildeo entre as duas entidades resultaraacute em feitos

extraordinaacuterios Dessa forma encontra-se o mito da Hierogamia ldquostrongly connected to

the legitimation of the elite to the peoples wish for fertility as well as philosophies

around death and ressurectionrdquo83

Existem indiacutecios tambeacutem da existecircncia de mitos hierogacircmicos entre os fino-

uacutegricos em particular referente ao casamento do deus Ukko com Rani84

e entre os

povos eslaacutevicos85

As discussotildees relativas agrave mitologia eslaacutevica entretanto enfatizam de

82

Destaque agrave tese de doutoramento da norueguesa Gro Steinsland defendida em 1989 e intitulada ldquoDet

hellige bryllup og norroslashn kongeideologi en analyse av hierogami-myten i Skiacuternismaacutel Ynglingatal

Haacuteleygjatal og Hyndluljoacuted ldquo (ldquoO casamento sagrado e a ideologia noacuterdica de realeza uma anaacutelise do mito

do hieros gamos no Skiacuternismaacutel Ynglingatal Haacuteleygjatal e Hyndluljoacuteethrdquo) Agradecimentos a Renan Birro

que trouxe agrave lembranccedila as seguintes obras que tratam da temaacutetica em uma perspectiva mais ampla em

completa ABRAM Christopher Myths of the Pagan North New York Continuum International

Publishing Book 2011 STEINSLAND Gro BEUERMANN Ian et alli (eds) Ideology and Power in

the Viking and Middle Ages Scandinavia Iceland Ireland Orkney and the Faeroes Leiden Brill 2011 83

KVILHAUG Maria The Maiden with the Mead A Goddess of Initiation Rituals in Old Norse

Mythology Oslo VDM Verlag 2009p 23 84

DUBOIS Thomas Nordic Religions in the Viking Age Philadelphia at the University Press 1999 P

56 85

BELAJ Vitomir Uz Katičićevu rekonstrukciju tekstova o baltoslavenskoj Majci bogova In Trava od

srca Hrvatske Indije II Urednici Ekrem Čauševićhellip et ali Zagreb Hrvatsko filološko društvo

Filozofski fakultet 2000 MARJANIĆ Suzana The Dyadic Goddess and Duotheism in Nodiloacutes The

Ancient Faith of the Serbs and the Croats In Studia Mythologica Slavica VI 2003 Pp 181-204 amp

NODILO Natko Stara vjera Srba I Hrvata In Religija Srbacirc i Hrvatacirc na glavnoj osnovi pjesama priča i

govora narodnog (Antiga feacute dos seacutervios e croatas In Religiatildeo dos seacutervios e croatas nas principais bases

61

forma um tanto demasiada aspectos estruturalistas e mesmo fenomenoloacutegicos que

desembocam em tentativas da reconstruccedilatildeo de um panteatildeo bem-definido e difundido

frequentemente desconsiderando as especificidades contextuais Em ambos os casos a

aplicaccedilatildeo do hieros gamos agrave legitimaccedilatildeo monaacuterquica encontra-se distante da discussatildeo

mas eacute interessante notar que ao menos funcionalmente haacute similaridades entre as

divindades envolvidas (ie um deus celeste muitas vezes ligado ao trovatildeo que une-se agrave

deusa-terra)

Retornando a um contexto escandinavo eacute razoaacutevel argumentar que no campo do

imaginaacuterio a temaacutetica do ldquorei estrangeirordquo propicia valor simboacutelico acentuado em

particular na confecccedilatildeo de narrativas de princiacutepios de reinos e dinastias

O historiador necessita ter saudaacuteveis ressalvas na aplicaccedilatildeo de comparaccedilotildees

entre contextos sem conexotildees histoacutericas empiacutericas e∕ou plausiacuteveis ainda que um

regresso ao historicismo e positivismo natildeo sejam uma opccedilatildeo poreacutem de forma alguma

procuramos a criaccedilatildeo de leis antropoloacutegicas universais

Ora eacute necessaacuterio frisar o proacuteprio meacutetodo antropoloacutegico e etnograacutefico insiste na

necessidade de que o estudo de campo preceda o estudo de caso eacute ele que forneceraacute a

teoria explicativa especiacutefica do caso em questatildeo ainda que outros estudos teoacutericos

possam propiciar escopo fundamentaccedilatildeo bem como na formulaccedilatildeo mais precisa das

questotildees

Feitas tais ressalvas julgamos plausiacutevel que a forccedila simboacutelica do governante

estrangeiro recorrente em diversos contextos (incluindo na Europa e dentre outras

populaccedilotildees proacuteximas aos escandinavos) tenha sido um fator que natildeo deve ser

desconsiderado na anaacutelise da Poacuteviest vrieacutemennikh liet enquanto relato histoacuterico do

surgimento da Ruacutessia

O poder simboacutelico que a temaacutetica fornece agrave dinastia governante natildeo pode ser

subestimado e eacute mais que coerente e plausiacutevel que a existecircncia de temaacutetica miacutetica

recorrente em relatos de legitimaccedilatildeo monaacuterquica escandinavos sejam empregados numa

fonte que ainda que eslaacutevica defenda a existecircncia e legitimaccedilatildeo de uma dinastia de

origem escandinava em contexto eslaacutevico

A sugestatildeo do uso de uma temaacutetica especiacutefica pelo cronista natildeo eacute aleatoacuteria e

de canccedilotildees estoacuterias e ditos populares) Split Logos 1981

62

desprovida de significado As ideias circulam nos mais diversos contextos influenciam

e sofrem influecircncias mas natildeo surgem do nada Dessa forma a forccedila simboacutelica do rei

estrangeiro teve de ser inspirada por algum evento do passado que natildeo pode estar

desconexo ou incoerente com o emprego da mesma

Tal circunstacircncia eacute reforccedilada pelo contexto de escrita da PVL marcado pelo

esfacelamento e enfraquecimento das antigas unidades entre os priacutencipes russos e

quando a Rus passa a se dividir em pequenos principados tomados de disputas e feudos

entre seus governantes Uma histoacuteria apontando uma linhagem uacutenica e contiacutenua que

surgiria em meio de contexto de contendas como a apresentada com o chamado dos

varegues possui assim especial significado no sentido de reunir e retomar antigos laccedilos

de unidade legitimados pela casa ancestral riurikida

Poreacutem o reduzir a situaccedilatildeo a uma mera narrativa de legitimaccedilatildeo pode

subestimar o poder do simboacutelico e restringir sua circulaccedilatildeo e perenidade seja temporal

ou social

O interlace entre extratos sociais ndash clerical aristocraacutetico ou mesmo da tatildeo

buscada ldquoCultura popularrdquo - permite uma ampliaccedilatildeo das possibilidades de ressonacircncias

do mito nas sociedades eslaacutevicas fiacutenicas e escandinavas do medievo e do contexto de

interaccedilatildeo entre as mesmas

Por fim outro caminho tambeacutem pelo qual natildeo temos no presente condiccedilotildees de

nos aprofundarmos seria o aberto por Eleazar Meletiacutenski ligado agrave chamada Escola de

Tartu e autor de obras extremamente relevantes agrave temaacutetica como a ldquoPoeacutetica do Mitordquo

ldquoOs arqueacutetipos literaacuteriosrdquo e ldquoA Edda e as formas primitivas de Eposrdquo

Categorias e conceitos presentes em alguns estudos medievais russos como o de

ldquoeacutepico arcaico mitoloacutegicordquo ou ldquoconto-maravilhoso heroacuteicordquo (Богатырская Сказка)

poderiam fornecer novas ferramentas interpretativas em um contexto histoacuterico mais

plausiacutevel e conectado que inserisse elementos comuns aos eacutepicos russos (como a

recorrecircncia de triacuteades tambeacutem presente no chamado dos varegues por exemplo)

63

15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos

151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917-1919) e os iniacutecios da URSS

Voltemos ao desenrolar da controveacutersia normanista em solo russo em particular

referente aos desenvolvimentos da mesma no periacuteodo sovieacutetico Tal histoacuterico mistura-se

com o proacuteprio desenvovimento da Histoacuteria e da Arqueologia na Uniatildeo Sovieacutetica

Em 1919 foi criada a RAIMK Academia Russa de histoacuteria da Cultura Material

derivada da antiga Comissatildeo Arqueoloacutegica Imperial de Petrogrado Seu primeiro diretor

foi Nikolai Marr (1865-1934) Neste periacuteodo a arqueologia em particular foi marcada

por caracteriacutesticas relativamente progressistas incluindo comunicaccedilatildeo de resultados e

ideias a niacutevel internacional e disputas teoacutericas86

Personalidade polecircmica Marr foi considerado por alguns como um gecircnio mas

por outros como os linguistas Trubetskoi e Jakobson como insano87

Natildeo exatamente

um arqueoacutelogo Marr estava mais interessado na formulaccedilatildeo de teorias linguiacutesticas e no

ajuste dos achados arqueoloacutegicos a elas sendo um amador que praticara de tal forma a

Arqueologia em seu passado e que tampouco tinha por ela apreccedilo88

Dentre suas ideias baacutesicas como o ldquoJafetismordquo e a ldquoPaleontologia da falardquo

recebeu destaque a concepccedilatildeo de que as mudanccedilas linguiacutesticas ao inveacutes de ocorrerem

por meio de processos de diferenciaccedilatildeo fonoloacutegica gramatical e leacutexica dariam-se por

meio de respostas agrave mudanccedilas socioeconocircmicas nas sociedades89

Similaridades entre liacutenguas indicariam similaridades em seus estaacutegios

ldquoevolutivosrdquo Pelo adequamento superficial de tal teoria aos referenciais marxistas de

mudana sociocultural as ideias de Marr encontrariam acolhida e dominacircncia no meio

acadecircmico sovieacutetico ateacute a deacutecada de 195090

Com a criaccedilatildeo da URSS a RAIMK transformaria-se na GAIMK91

ndash Academia

Estatal de Histoacuteria da Cultura Material assumindo jurisdiccedilatildeo por todas as repuacuteblicas da

86

PLATONOVA Nadezhda Igorevna The Phenomenon of Pre-Soviet Archaeology Archival Studies in

the History of Russian Archaeology ndash Methods and Results In SCHLANGER Nathan amp

NORDBLADH Jarl (eds) Archives Ancestors Practices Archaeology in the Light of its HistoryNew

York amp Oxford Brghahn Books 2007 P48 87

KLEJN Leo Soviet Archaeology Trends Schools and History Oxford 2013 p 204 88

KLEJN 212 89

KLEJN 211s 90

TRIGGER 206 91

TRIGGER 206

64

URSS Ocorreu a criaccedilatildeo de departamentos de arqueologia com muitos pesquisadores

em tempo integral e com facilidades de acesso a institutos de anaacutelise geoloacutegica

climatoloacutegica da fauna e flora dentre outros campos do conhecimento92

No iniacutecio da deacutecada de 20 foi criado em Moscou o RANION a ldquoSeccedilatildeo de

arqueologia da Associaccedilatildeo russa de Instituos de Ciecircncias Sociaisrdquo Espeacutecie de rival do

GAIMK o RANION estava sob supervisatildeo direta do Partido Comunista que tambeacutem

estimulava a criaccedilatildeo de centros regionais de pesquisa e sociedades arqueoloacutegicas

O periacuteodo imediato apoacutes a Primeira Guerra mundial foi marcado pela NEP ndash

nova poliacutetica econocircmica (1921-1928) no qual a URSS esteve sob governo de Lecircnin

Nesse periacuteodo o governo sovieacutetico adotou poliacutetica de reconciliaccedilatildeo com a intelligentsia

ndash em sua maior parte oriunda da classe intelectual anterior agrave revoluccedilatildeo sendo que boa

parte da mesa natildeo havia apoiado a revoluccedilatildeo bolshevique

Lenin adotaria a poliacutetica de que ao inveacutes de se destruir os fundamentos

cientiacuteficos e culturais atingidos pela burguesia o partido deveria aproveitaacute-los e edificar

novos fundamentos sobre os mesmos ndash o governo comunista natildeo poderia governar o

paiacutes sem o apoio das classes educadas e detentoras de conhecimento93

Dessa forma ao menos nos anos da NEP muitos intelectuais das geraccedilotildees

anteriores donos de reputaccedilotildees consolidadas exerceram cargos de chefia e influecircncia

com remuneraccedilotildees adequadas possuindo relativa liberdade de pensamento94

a despeito

das ideias de Marr no GAIMK

Esse periacuteodo inicial da arqueologia sovieacutetica assistiu agrave substituiccedilatildeo da

arqueologia preacutevia amadora por uma arqueologia profissionalizada com a formaccedilatildeo de

grande nuacutemero de acadecircmicos e uma coordenaccedilatildeo mais adequada de esforccedilos por todos

os territoacuterios da URSS Foi tambeacutem um periacuteodo no qual ocorria grande colaboraccedilatildeo

com autores do estrangeiro95

Uma das principais publicaccedilotildees na arqueologia do periacuteodo foi o periacuteodo Eurasia

Septentrionalis Antiqua cujo editor o finlandecircs Aarne Michaeumll Tallgreen (1885-1945)

foi relevante defensor da posiccedilatildeo normanista Tallgren publicaria em 1911 ldquoDie kupfer-

und bronzezeit in Nord- und Ostrussland Irdquo no qual analisaria a cultura arqueoloacutegica da

92

TRIGGER 207 93

TRIGGER 207 94

TRIGGER 208 95

TRIGGER 208

65

Idade do bronze do Volga-Kama enquanto produto de difusatildeo da expansatildeo sueca na

Ruacutessia Tallgreen publicaria artigos de autores russos em liacutenguas ocidentais como o

inglecircs francecircs e alematildeo num contexto em que a arqueologia europeia ainda

influenciava a produzida na Uniatildeo Sovieacutetica

A influecircncia difusionista da escola vienense de antropologia consistia na ideia

dominante entre os arqueoacutelogos e propiciava um campo intelectual apropriado para

ideias de escandinavos estrangeiros portadores de cultura no territoacuterio da Rus Neste

contexto inicial a circunstacircncia de lidar com a Cultura Material era para tais

pesquisadores ligaccedilatildeo suficiente com uma perspectiva materialista96

A posiccedilatildeo da primeira geraccedilatildeo de historiadores poacutes-revolucionaacuterios entretanto

natildeo eacute tatildeo facilmente rotulaacutevel como ldquonormanistardquo ou ldquoanti-normanistardquo O foco de

atenccedilatildeo dos pesquisadores passaraacute gradualmente da etnogecircnese para o estudo de

questotildees soacutecio-econocircmicas poreacutem neste processo conceitos antigos ainda perduraratildeo

consideravelmente A proacutepria visatildeo de uma arqueologia marxista monoliacutetica nas

deacutecadas subsequentes vecircm sido criticada como desconhecedora das nuances soacute

perceptiacuteveis com a anaacutelise de documentaccedilatildeo nem sempre acessiacutevel ou disponiacutevel ao

pesquisador ocidental apenas muito recentemente97

Entre 1917 e 1920 destacam-se dois trabalhos especiacuteficos referindo o problema

normando O primeiro eacute Drevneyshiye Sudby Rus skogo Plemeni (Os antigos

destinos da tribo russa) de Aleksei Aleksandrovitch Chakhmatov (1864-1920) Sua

criacutetica agrave crocircnica nestoriana seraacute fundamental para os posteriores anti-normanistas

sovieacuteticos Entretanto Shakhmatov manteacutem-se em um posicionamento analiacutetico que

insere a histoacuteria inicial da Rus em uma estrutura normana desenvolvendo uma teoria na

qual trecircs estados varegues teriam se sucedido ndash ideia que frutificaria na obra de

Platonov

A outra obra de PPSmirmov Волжский Путь и Древние Руси (Rota do

Volga e os antigos Rus) basearia-se fortemente nas obras de crocircnicas muccedilulmanos

medievais e centralizaria a influecircncia varegue na aacuterea do Volga98

Devemos ainda referir ao acadecircmico Brim que tentaraacute conciliar a ideia

normanista e a origem escandinava do termo Rus com a frequecircncia do termo Ros nas

96

TRIGGER 209 97

PLATONOVA 48 98

ZAKHARII 96

66

aacutereas mais meridionais do Dniepr e de Kiev argumentando que teria havia uma mistura

entre ambos componentes eacutetnicos e sociais

Tal estado favoraacutevel agrave manutenccedilatildeo de uma posiccedilatildeo normanista ou ao menos

conciliadora perduraraacute ateacute o final da deacutecada de 20 e iniacutecio da deacutecada de 30 Ainda em

1931 a enciclopeacutedia concisa sovieacutetica veicularia que a classe dominante entre os seacuteculos

9-11 era composta principalmente de varegues e chamada de Rus99

152 O periacuteodo Stalinista

A subida de Stalin ao poder alteraria drasticamente as ciecircncias sovieacuteticas Entre

os anos de 1928 a 1932 ocorreria a chamada ldquoRevoluccedilatildeo culturalrdquo bem como a

campanha para acomodar a intelligentsia aos princiacutepios marxistas sovieacuteticos

Os centros de pesquisa arqueoloacutegica regionais foram substituiacutedos por

departamentos de estudos regionais controlados pelo governo

A partir de 1930 os contatos entre acadecircmicos sovieacuteticos e estrangeiros foram

suprimidos100

Por certo tempo o GAIMK era o uacutenico local onde podia se encontrar

exemplares de publicaccedilotildees estrangeiras

O que seria considerado ldquomanifestordquo da nova arqueologia sovieacutetica marxista

seria publicado em 1929 por Vladislav Ravdonikas (1894-1976) O relatoacuterio publicado

no ano posterior como ensaio e intitulado ldquoPara uma histoacuteria sovieacutetica da cultura

materialrdquo foi lido em sessatildeo do GAIMK Criticava posiccedilotildees da antiga intelligentsia e

defendia sua substituiccedilatildeo por princiacutepios marxistas101

Nos anos seguintes ocorreu a perseguiccedilatildeo que passava pela demissatildeo ateacute

mesmo prisatildeo e exiacutelio de arqueoacutelogos que natildeo mudassem seus pontos de vistas

acomodando-os agraves novas configuraccedilotildees ideoloacutegicas

O proacuteprio Tallgren em virtude de suas criacuteticas a tais processos perdeu seu tiacutetulo

de ldquocidadatildeo honoraacuterio sovieacuteticordquo posteriormente agrave sua visita a Leningrado em 1935

A RANION foi substituiacuteda em 1932 por um ramo moscovita da GAIMK

denominado MOGAIMK O principal pensador nesse periacuteodo foi o proacuteprio Ravdonikas

99

ZAKHARII 98 100

TRIGGER 210 101

TRIGGER 210

67

mas a maior parte dos novos arqueoacutelogos carecia de experiecircncia ndash tanto no marxismo

quanto na arqueologia102

e a ausecircncia de muitas diretrizes nos escritos de Marx natildeo

tornava a tarefa da criaccedilatildeo de uma arqueologia marxista mais faacutecil

Ainda assim a arqueologia sovieacutetica foi pioneira no sentido de tentar explicar

mudanccedilas sociais por meio da Cultura Material antecedendo-se em suas formas

explicativas agrave proacutepria New-Archaeology ou Arqueologia Processualista explicando

mudanccedila no registro por meio de transformaccedilotildees internas das sociedades ao inveacutes de

recorrer de imediato agrave migraccedilatildeo e difusatildeo103

Evidentemente sob fortes restriccedilotildees

conceituais e sob a obrigatoriedade de enquadrar achados e teorias explicativas em

moldes marxistas e materialistas

Eacute significativo a niacutevel conceitual que a Arqueologia tenha nesse periacuteodo sido

ldquorebatizadardquo de ldquoHistoacuteria da Cultura Materialrdquo104

Um fator particularmente catastroacutefico para a teoria arqueoloacutegica sovieacutetica no

periacuteodo em questatildeo foi o predomiacutenio das ideias de Marr acerca da mudanccedila linguiacutestica

Elocubraccedilotildees bizarras foram criadas a fim de explicar mudanccedilas populacionais

O proacuteprio Ravdonikas seguindo os passos de Marr explicaria as modificaccedilotildees

culturais e eacutetnicas na Crimeacuteia na qual se sucederam Citas Godos e Eslavos como uma

mudanccedila de uma mesma populaccedilatildeo local tendo haviado uma evoluccedilatildeo linguiacutestica entre

as liacutenguas iranianas sucedidas pelas germacircnicas e finalmente pela eslava Tambeacutem

argumentaria que devido agrave tal sucessatildeo evolucionaacuteria local e a necessidade de

passagem por tais estaacutegios os godos da Crimeacuteia germacircnicos natildeo teriam qualquer

relaccedilatildeo com outros povos germacircnicos do oeste e norte ndash a evoluccedilatildeo linguiacutestica ocorria

independentemente105

Tal ideia seria abandonada apenas com Stalin em 1950 que salientaria em seu

ensaio ldquoSobre o marxismo na linguiacutesticardquo que os russos falavam russo antes da

revoluccedilatildeo e permaneceram o falando apoacutes a mesma

A despeito do avanccedilo teoacuterico ndash ao menos nas tentativas de explicaccedilatildeo social

com emprego da Cultura Material teacutecnicas tradicionais e consolidadas na Arqueologia

no Ocidente como construccedilatildeo de tipologias classificaccedilotildees e descriccedilotildees foram deixadas

102

TRIGGER 212 103

TRIGGER 217 104

KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica 1993 P21 105

TRIGGER 218

68

de lado designadas como metodologias ldquoburguesasrdquo o que gerou descompasso e atraso

consideraacutevel da arqueologia sovieacutetica em relaccedilatildeo agrave praticada no restante da Europa e

Ameacuterica

Apoacutes 1934 ocorreu um aumento consideraacutevel de estudos empiacutericos mais

convencionais e profissionais na arqueologia sovieacutetica A proacutepria insistecircncia em

ortodoxia poliacutetica e o risco de se ser contraacuterio a ela implicava que discutir teoria e

inovaccedilotildees na teoria marxista era tarefa perigosa106

Foram reinstituiacutedos os programas de poacutes-graduaccedilatildeo e defesas de teses e

dissertaccedilotildees e a Arqueologia ainda que continuasse enquanto um ramo da Histoacuteria foi

reconhecida enquanto disciplina recebendo a designaccedilatildeo especiacutefica de ldquoArqueologia

Soviacuteeticardquo para distinguiacute-la do que era chamado de ldquoArqueologia burguesardquo107

Em adiccedilatildeo aos projetos arqueoloacutegicos de larga escala iniciados em 1928

difundiram projetos de arqueologia de salvamento e iniciou-se a publicaccedilatildeo da

Советская Археология (ldquoArqueologia Sovieacuteticardquo)

Nos finais da deacutecada de 30 as discussotildees relativas agrave etnogecircnese ndash em particular

relativas aos povos eslaacutevicos e aos germacircnicos ndash assumiram grande importacircncia

discussatildeo agravada pelo contexto circundante da 2ordf guerra mundial As escavaccedilotildees de

Novgorod demonstrando elevado desenvolvimento urbano e mesmo a descoberta de

cartas escritas em cartas de beacutetula que demonstraram literamento em extratos sociais

fora do clero deram acircnimo a explicaccedilotildees nacionalistas acerca do progresso eslaacutevico no

medievo particularmente ldquorussordquo em relaccedilatildeo aos povos da Europa Ocidental

Destarte a influecircncia escandinava e o normanismo foram veementemente

rejeitados108

ainda que o predomiacutenio das teorias de Marr tornasse as explicaccedilotildees

referentes agrave etnogecircnese verdadeiros malabarismos teoacutericos

O uacuteltimo pensador a advogar a ideia normanista seria Brim que defenderia a

dualidade entre os nomes Rus oriundo de Ruotsi e em voga no norte e Ros ligado ao

sul e aos rios da bacia do Dnieper Griekov incluiria ideias do uacuteltimo em sua obra109

mas penderia definitivamente para o papel auto-suficiente dos eslavos e o surgimento

106

TRIGGER 221 107

TRIGGER 221 108

TRIGGER 225 109

ZAKHARII p97

69

da Rus enquanto entidade poliacutetica autoacutectone110

Eacute nesse periacuteodo que se desenvolveriam

as ideias de anti-normanistas importantes como Artamanov Iushkhov e Trubatcheacutev

Stalin reassentaria populaccedilotildees de todo o territoacuterio ocupado pela URSS de forma

a diluir minorias eacutetnicas e enfatizar uma pressuposta unidade de estado alterando

tambeacutem a interpretaccedilatildeo histoacuterica e arqueoloacutegica de forma a enfatizar unidades e

conexotildees ancestrais e milenares dentre seus povos constituintes111

ndash fossem elas reais e

embasadas ou natildeo Evidentemente em tais processos antigas atitudes de Pan-eslavismo

foram retomadas ressignificadas e empregadas de forma a legitimar a nova ordem em

particular a partir da deacutecada de 1940112

Em 3 de Novembro de 1947 Iakovlev resumiria o espiacuterito da questatildeo

normanista agrave academia sovieacutetica de entatildeo com sua declaraccedilatildeo no perioacutedico ldquoBolshevikrdquo

de que o normanismo era ldquopoliticamente danosordquo por ldquonegar a habilidade das naccedilotildees

eslavas de formarem um estado independente por seus proacuteprios esforccedilosrdquo113

153 Os tempos poacutes-Stalin Kruschoacutev (1953-1964) e os iniacutecios da escola de Klejn

Ainda que descrito por alguns como problemaacutetico114

ou de crise115

o periacuteodo

posterior ao governo de Stalin permitiu que a interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica assumisse ares

distintos

Mais relevante no entanto foi a significativa liberalizaccedilatildeo pela qual passou a URSS

tanto a niacutevel acadecircmico quanto na sociedade em geral decorrente do chamado ldquodegelordquo

da administraccedilatildeo de Nikita Kruschoacutev enquanto primeiro secretaacuterio da URSS A relativa

abertura da URSS ao ocidente e a puacuteblica condenaccedilatildeo aos desfeitos de Staacutelin por

Kruschtchoacutev tiveram efeitos na academia na histoacuteria e arqueologia

A centralizaccedilatildeo especiacutefica das pesquisas arqueoloacutegicas foi diluiacuteda com a criaccedilatildeo

de outros centros O acesso a perioacutedicos estrangeiros tambeacutem se tornou mais faacutecil ainda

que sob a lente marxista-leninista que as compreendia enquanto produtos da sociedade

110

ZAKHARII p93 111

BARFORD 276 112

BARFORD 277 113

ЯКОВЛЕВ 1947 114

apud GENING 1982 em TRIGGER 226 115

apud SOFFER 19858-15 em TRIGGER 226

70

burguesa que deviam passar sob o crivo da criacutetica materialista116

As discussotildees dentro do marxismo tornaram-se mais complexas e multi-

facetadas por todo o contexto cultural sovieacutetico ndash incluindo a historiografia117

Ainda

assim a posiccedilatildeo normanista permaneceu condenada pela maioria dos acadecircmicos

sovieacuteticos ateacute a deacutecada de 1970 em particular aos ligados agrave chamada ldquoEscola de

Moscourdquo118

Nesse contexto destaca-se o nome de Liev Samoilovitch Klein mais conhecido

como Leon Klejn e que se tornaria voz ativa e de relevacircncia no estabelecimento de um

reavivamento das ideias normanistas dentro da proacutepria URSS Judeu oriundo da

Bieloruacutessia efetuaria seus estudos de poacutes-graduaccedilatildeo em Leningrado apoacutes ser forccedilado a

abandonar a universidade de Grodno por divergecircncias ideoloacutegicas119

Tendo estudado arqueologia com Mikhail Artamonov e filologia com Vladimir

Propp entre os anos de 1947 a 1950 Klejn criticaria as posiccedilotildees de Marr ato que natildeo

lhe trouxe consequecircncias mais seacuterias pela condenaccedilatildeo de tais ideias pelo proacuteprio Stalin

Trabalhando no departamento de arqueologia apoacutes 1960 Klejn tornar-se-ia

professor assistente do mesmo em 1962 mas completaria o grau equivalente a um

doutorado (Candidato de ciecircncias) apenas em 1968 sem conseguir defender sua tese

entretanto

154 Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964-1991)

Com a deposiccedilatildeo de Kruschoacutev e a subida de Breacutejnev ao poder muito de suas

medidas incluindo a abertura da URSS ao ocidente foram revertidas Entretanto foi no

periacuteodo do longo governo de Breacutejnev que a URSS atingiu status de superpotecircncia e no

qual sua populaccedilatildeo desfrutaria de melhorias econocircmicas e sociais consideraacuteveis A

ciecircncia tecnologia e a academia no geral avanccedilariam num processo de

profissionalizaccedilatildeo ainda maior

Tais melhorias no entanto natildeo perduraram sendo que o final do periacuteodo a

116

TRIGGER 227 117

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003

P123 118

BARFORD 233 119

ZAPATERO Gonzalo Ruiz Prefacio In KLEJN Leo La Arqueologiacutea Sovieacutetica Barcelona Criacutetica

1993 PVII

71

URSS entraria em marcada crise principalmente econocircmica

Na metade da deacutecada de 1960 Leon Klejn organizaria uma seacuterie de seminaacuterios

sobre o normanismo na tentativa de estabelecer uma posiatildeo normanista mais velada

parcial ou ao menos que sobrevivesse agraves restriccedilotildees da ideologia oficial Tal contexto

gerou debate entre o proacuteprio Klejn e Shaskolski Seria o que o proacuteprio Klejn chamaria

de ldquoterceiro picordquo de debate normanista na Ruacutessia (agora URSS) os dois primeiros

seriam Muumlller contra Lomonoacutessov e Pogodin contra Kostomarov120

Klejn desmembraria o conceito normanista no que ele chamaria de ldquosete

passosrdquo de acordo com os quais o mesmo era discutido na historiografia sovieacutetica 1) a

chegada dos escandinavos na antiga aacuterea eslava oriental 2) Fundaccedilatildeo de Kiev por eles

3) a origem escandinava do termo Rus 4) Influecircncias escandinavas na cultura eslava

oriental 5) Escandinavos como criadores do primeiro estado eslavo oriental 6)

Preferecircncia racial dos escandinavos como causa de seu sucesso 7) Influecircncas poliacuteticas

na situaccedilatildeo contemporacircnea os ldquogeniais escandinavosrdquo enquanto chefes e os eslavos

como seus subordinados121

Klejn argumentaria que seria possiacutevel a aceitaccedilatildeo dos cinco primeiros passos

tranquilamente sem qualquer risco de distorccedilatildeo da teoria marxista Seria perseguido

pelo regime e preso na deacutecada de 1980 por sua homossexualidade conseguindo

defender sua tese de doutorado apenas em 1994

No entanto de seus seminaacuterios e posicionamentos em Leningrado surgiria uma

nova vertente historiograacutefica na URSS favoraacutevel ao normanismo e oposicionista que

tornaria forma mais marcadamente a partir da deacutecada de 1980122

sendo chamada

geneacuterica e natildeo oficialmente de ldquoEscola de Klejnrdquo termo desfavorecido pelo proacuteprio

Klejn que atualmente aposentado na academia apoacutes lecionar na Universidade

Europeia de Satildeo Petersburgo eacute colunista na Troitski variant

Os estudos histoacutericos e arqueoloacutegicos na URSS seriam mais criticados e

problematizados nas deacutecadas de 70 e 80 abrindo espaccedilo importante a pensamentos

divergentes Formozoacutev por exemplo criticaria amargamente o estado da Arqueologia

120

WESTRATE Michael The ldquoNorman Problemrdquo in Historiography Nationalism and the Origins of

Russia In Vestnik the Journal of Russian and Asian Studies 08 de maio de 2007 Obtido em

lthttpwwwsrasorgnationalism_and_the_origins_of_russiagt Uacuteltimo acesso em 03092014 121

KLEJN Leo Normanism mdash antinormanism the end of the argument In Stratum plus Non-Slavic

Elements in the Slavic World 1999 N05 Pp 91-101 122

Apud LEBEDEV GS Epokha vikingov v Severnoi Europe Leningrad 1985 In BARFORD 233

72

sovieacutetica em seu artigo de 1977 ldquoCriacutetica das fontes em Arqueologiardquo123

Segundo ele um problema generalizado na Arqueologia sovieacutetica era o

procedimento de publicar conclusotildees e resultados da pesquisa sem os dados da pesquisa

em si O leitor leigo final ficaria com a impressatildeo de que os conflitos problemas e

dificuldades da interpretaccedilatildeo histoacuterico-arqueoloacutegica estariam resolvidos enquanto que

ao acadecircmico faltariam todas as premissas soacutelidas para construccedilatildeo do conhecimento124

Klejn referindo-se a Formozoacutev e agrave situaccedilatildeo cita a monografia de Danilenko ldquoO

neoliacutetico na Ucracircnia Capiacutetulos da Histoacuteria antiga do sudeste da Europardquo de 1969 cuja

periodizaccedilatildeo ndash razoavelmente detalhada ndash basear-se-ia apenas em materiais colhidos na

superfiacutecie sem sequer estudo estratigraacutefico ou escavaccedilotildees os proacuteprios materiais de

superfiacutecie foram empregados sem qualquer uso de serializaccedilatildeo125

O proacuteprio Formozoacutev viria a ser eleito membro do conselho de redaccedilatildeo da

Sovetskaia Arkheologia o que Klejn definiria como ldquoum bom sintomardquo De fato nesse

ambiente de retorno a um debate mais proacuteximo de uma conjuntura acadecircmica e

cientiacutefica foi possiacutevel o surgimento dessa nova escola normanista em particular em

Leningrado mantendo a polarizaccedilatildeo acadecircmica Leningrado - Moscou

Destacar-se-iam alguns pesquisadores nesse novo normanismo sovieacutetico cujas

obras perduram contemporaneamente AN Kirpichnikov EA Melnikova EN Nosov

e V Ia Petrukhin Dessa forma a posiccedilatildeo normanista assumiu uma conotaccedilatildeo poliacutetica

ativa no sentido de polarizar politicamente seus participantes entre oposiccedilatildeo (os

normanistas) e os suportadores do status quo (anti-normanistas)

Eacute inviaacutevel se empregar os termos ldquoesquerdardquo e ldquodireitardquo em suas acepccedilotildees

poliacuteticas mais empregadas no Ocidente ao se tratar de Uniatildeo Sovieacutetica126

destarte

optamos por ao inveacutes de se usar um improacuteprio ldquoesquerdardquo para caracterizar a

123

ФОРМОЗОВ ААО критике источников в археологии Ин Советская Археология 1977 Н 01

с05-14 124

ФОРМОЗОВ с10 125

KLEJN 1993 87 126

Norberto Bobbio resumindo e agrupamento a maior parte das definiccedilotildees pertinentes define como um

dos criteacuterios de maior relevacircncia para distinccedilatildeo entre Esquerda e Direita a igualdadedesigualdade

inserindo tambeacutem outras nuances ao debate como por exemplo a diacuteade liberdadeautoridade Segundo

tais criteacuterios a URSS possuiria uma poliacutetica de esquerda que no entanto pelas caracteriacutesticas proacuteprias e

especiacuteficas de um estado autoritaacuterio gerou outras formas de desigualdade Natildeo obstante a distinccedilatildeo e sua

discussatildeo permanecem vaacutelidas ainda que cinzentas o proacuteprio partido Ruacutessia Unida do qual faz parte

atualmente Vladiacutemir Putin por mais que consista em partido de situaccedilatildeo possui alas e divisotildees internas

que refletem a proacutepria divisatildeo direita-esquerda-centro Vide BOBBIO Norberto Direita e Esquerda

razotildees e significados de uma distinccedilatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Editora UNESP 1995[1994]

73

dissidecircncia em se empregar o conceito de ldquooposiccedilatildeordquo

155 A Ruacutessia poacutes-sovieacutetica

Na deacutecada de 1990 com o final da Uniatildeo Sovieacutetica transformaccedilotildees de grande

magnitude percorreram toda a sociedade da Ruacutessia e demais ex-repuacuteblicas sovieacuteticas

Na tentativa de se emular os aparentes sucessos das sociedades ocidentais instaurou-se

na Ruacutessia a cartilha neoliberal incluindo liberaccedilatildeo total dos preccedilos combate ao deacuteficit

puacuteblico e inflaccedilatildeo cacircmbio flutuante e consequente sobrevalorizaccedilatildeo do rublo e

privatizaccedilotildees127

Simplificando uma situaccedilatildeo complexa algumas das consequecircncias foram queda

relevante da produccedilatildeo industrial diminuiccedilatildeo de investimentos externos desemprego e

subemprego concentraccedilatildeo brusca de renda surgimento de uma classe de especuladores

queda na expectativa de vida e precariedade nos serviccedilos puacuteblicos128

O impacto em setores especiacuteficos como a sauacutede por exemplo eacute mensurado

estatisticamente O mesmo eacute mais difiacutecil na aacuterea de pesquisa e produccedilatildeo de

conhecimento Os danos agraves aacutereas ligadas aos serviccedilos puacuteblicos evidentemente atingiram

a aacuterea da Educaccedilatildeo e da Pesquisa incluindo estudantes subvencionados Ocorreu o

desmantelamento de uma grande quantidade de institutos e de equipes de pesquisa

construiacutedos por meio de uma longa e difiacutecil maturaccedilatildeo e dilapidados por meio de cortes

de verbas e salaacuterios reduzidos129

Em tal circunstacircncia o meio acadecircmico seraacute atingido duramente pela migraccedilatildeo

de ceacuterebros mas ao menos tempo ficaraacute razoavelmente livre de imposiccedilotildees ideoloacutegicas

e governamentais Merece destaque nessa deacutecada o trabalho efetuado por Yanin relativo

aos resultados de escavaccedilatildeo de Novgorod

Yanin ainda que analizando a complexidade eacutetnica da reigatildeo que envolvia fino-

uacutegricos e eslavos argumentaria que a evidecircncia arqueoloacutegica corroboraria o Chamado

127

REIS Filho Daniel Aaratildeo As revoluccedilotildees russas e o socialismo sovieacutetico Satildeo Paulo UNESP 2003 P

269 128

Idem p270 129

Idem ibidem

74

dos Varegues da Crocircnica Primaacuteria Russa130

A situaccedilatildeo perpassaria toda a deacutecada e passaria a reverter-se apenas no seacuteculo

XXI com o iniacutecio da chamada ldquoEra Putinrdquo que seria marcada por uma tentativa de

estabilidade econocircmica e retomada do crescimento131

O meio para tanto seria um papel

afirmativo diretivo e regulatoacuterio da parte do Estado levando ao fortalecimento de

outras contradiccedilotildees dentre as quais a mais marcada seria o recrudescimento de formas

autoritaacuterias na infante democracia russa Sem maiores surpresas seraacute nestes anos mais

recentes que novas discussotildees sobre o normanismo retomariam forccedila na Ruacutessia

16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin-Medvedev

O iniacutecio da era Putin (2000-2008) foi marcado pela nostalgia em relaccedilatildeo aos

tempos de Stalin e o sentimento de necessidade de uma ldquomatildeo forterdquo O crescimento do

poder econocircmico privado associado agrave corrupccedilatildeo e redirecionamento das prioridades

nacionais levou a uma consequente diminuiccedilatildeo no estiacutemulo agrave pesquisa em determinados

campos da ciecircncia Neste periacuteodo a Arqueologia passou a receber o menor apoio do

estado jaacute registrado na histoacuteria russa e sovieacutetica menor ainda que nos anos turbulentos

de guerra civil proacuteximos a revoluccedilatildeo de 1917 O contexto eacute marcado por baixas

remuneraccedilotildees e diminuiccedilatildeo das posiccedilotildees acadecircmicas132

Natildeo obstante no iniacutecio de seu primeiro mandato enquanto presidente (2000-

2004) Vladimir Putin demonstrou acentuado interesse pela histoacuteria mais antiga e

recuada da Ruacutessia ainda que tal interesse tenha a presentado-se mais a niacutevel pessoal ou

na proacutepria construccedilatildeo de sua imagem Viajou pelo norte para Novgorod em 2001

quando o governador local tentou persuadiacute-lo que o local fora a mais antiga capital da

Ruacutessia Putin discutiria a ideia com historiadores e arqueoacutelogos mas focaria sua atenccedilatildeo

no papel de Kiev na histoacuteria da Ruacutessia bem como de que forma lidar com a situaccedilatildeo

apoacutes a independecircncia da Ucracircnia Os acadecircmicos foram unacircnimes em confirmar o papel

de relevacircncia de Novgorod mas tendo ressalvas em relaccedilatildeo agrave ideia do uso do passado

130

YANIN V L The archaeological study of Novgorod An Historical Perspective In The

Archaeology of Novgorod Russia The society for Medieval Archaeology 1992 Pp 67-106 131

REIS Filho 275 132

KLEJN Leo S Russia In SILBERMAN Neil Asher amp BAUER Alexander A (eds) The Oxford

Companion to Archaeology Oxford At the University Press 1996 P67

75

mais remoto para construccedilatildeo de uma ideia nacional133

Putin manteve-se com seu projeto mas transferindo a atenccedilatildeo para ainda no

norte Staraia Ladoga culminando na celebraccedilatildeo de 1250 anos da cidade em 2003 apoacutes

decreto presidencial Os jornais e a miacutedia descreveram na ocasiatildeo Staraia Ladoga como

a ldquoprimeira capital da Ruacutessiardquo134

Putin chegaria ao local de barco o que evocaria concientemente para

Shnirelman a proacutepria chegada dos Varegues reforccedilando o simbolismo e a tentativa de

Putin de no iniacutecio de seu mandato associar-se agrave ideia da proacutepria criaccedilatildeo do primeiro

ldquoestadordquo russo Para o presidente o nacionalismo russo tinha de basear-se em sua

ldquoproacutepria histoacuteriardquo 135

Eacute interessante no entanto que a iniciativa de Putin por mais ideoloacutegica que

tenha sido coexiste com aparente interesse pela histoacuteria mais antiga da Ruacutessia e com

tentativas de tomar liccedilotildees do passado para o presente Nesse sentido antes de efetuar

malabarismos teoacutericos e de ir contrariamente agrave maioria dos acadecircmicos Putin

demonstraria comportamento mais pragmaacutetico tentando empregar ideologicamente da

melhor forma possiacutevel a evidecircncia aceita unanimemente

No caso da origem russa a ecircnfase de Putin seria no desenvolvimento do norte

particularmente Staraia Ladoga e neste sentido de tomada de liccedilotildees e tentativas de

interpretaccedilatildeo Putin viria a sugerir que o desenvolvimento da cidade deu-se como

resultado da ldquointegraccedilatildeordquo dos povos ndash comparaccedilatildeo clara com seu proacuteprio projeto de

uma Ruacutessia novamente hegemocircnica Uma posiccedilatildeo raramente respeitosa agrave interpretaccedilatildeo

acadecircmica por parte de um estadista russo que ao inveacutes de tentar banir a ideia

normanista procuraria dela aprender liccedilotildees e aplicaccedilotildees

O interesse de Putin no siacutetio diminuiria em 2004 e entraria em decliacutenio No

entanto Putin providenciaria suporte financeiro para escavaccedilotildees em Novgorod e Staraia

Ladoga no iniacutecio de seu segundo mandato (2004-2008)

Por sugestatildeo de Medveded ndash no momento em questatildeo chefe de sua

133

SHNIRELMAN Victor Archaeology and the National Idea in Eurasia In HARTLEY Charles

YAZICIOĞLU Bike amp SMITH Adam (eds) The Archaeology of Power and Politics in Eurasia

Regimes and Revolutions Cambridge at the University Press 2012 P25 134

BBC amp Channel One TV Moscow ldquoRussian president discusses problems with local authority

representativesrdquo 17072003 In lthttpwwwrussialistorgarchives7254-12phpgt Uacuteltimo acesso em

28102014 135

SHNIRELMAN 2012 26

76

administraccedilatildeo poreacutem Putin visitaria em 2005 o centro Histoacuterico-Arqueoloacutegico de

Arkaim no sul dos montes Urais O siacutetio de Arkaim escavado na deacutecada de 1990 foi

declarado pelos arqueoacutelogos locais como a terra de origem dos Indo-Arianos Iniciou-se

entatildeo um novo projeto de ideia nacional estimulado pelo proacuteprio arqueoacutelogo que

escavara o local Guennadi Zdanovitch encarado com reservas por Putin136

Num momento em que as tentativas de atribuir ascendecircncia eslava a Rurik

enfrentava grandes dificuldades e sua associaccedilatildeo agrave ideia da construccedilatildeo de um estado

russo trazia problema ao nacionalismo dos russos Arkaim apresentava-se como

alternativa atraente ampla tanto pelas implicaccedilotildees mais vastas das migraccedilotildees indo-

arianas como pela questatildeo do autoctonismo da populaccedilatildeo ali vivendo e sua ligaccedilatildeo

direta com os eslavos137

161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de

Falsificaccedilatildeo da Histoacuteria em detrimento dos interesses da Ruacutessiardquo (15 de maio

de 2009 a 14 de fevereiro de 2012)

Com o final do segundo mandato de Putin elegeu-se Dmitri Medvedev com

Putin como primeiro ministro Em 15 de maio de 2009 o entatildeo presidente Medvedev

criou por meio de decreto presidencial uma comissatildeo com o intuito de ldquodefender a

Ruacutessia contra falsificadores da Histoacuteriardquo e ldquocontra aqueles que quiserem negar a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica na Segunda Guerra Mundialrdquo138

A comissatildeo foi liderada pelo chefe de estado Serguei Narichkin e composta por

antigos membros do Duma como Serguei Markov e Natalia Narotchnitskaia bem como

por oficiais das forccedilas armadas e do serviccedilo de inteligecircncia De 28 membros 5 eram

historiadores a proacutepria Natalia Narotchnitskaia Andrei Artizov (chefe da agecircncia de

arquivo federal) Aleksandr Chubarian (chefe do instituto de Histoacuteria Mundial da

Academia russa de Ciecircncias) Andrei Sakharov (chefe do Instituto de Histoacuteria russa da

136

RIANOVOSTI 16052005 ldquoPutin visits Arkaim Museum-Reserve in Chelyabinsk Regionrdquo In

lthttpenriarusociety2005051640361770htmlgt Uacuteltimo acesso em 28102014 SHNIRELMAN

2012 27 SHNIRELMAN Victor A Russian Response Archaeology Russian Nationalism and the

ldquoArtic Homelandrdquo In KOHL Philip L KOZELSKY Mara BEN-YEHUDA Nachman (eds) Selective

Remembrances Archaeology in the Construction Commemoration and Consecration of National Pasts

Chicago At the University Press 2008 [2007] p46 137

SHNIRELMAN 2012 27 138

O decreto estaacute disponiacutevel online nos arquivos do Kremlin УКАЗ президента Российской

Федерации О комиссия при президенте Российской Федерации по противодействию попыткам

фальсификации истории в ущерб интересам России

lthttpdocumentkremlinrupageaspx1128040gt Uacuteltimo acesso em 11092014

77

Academia russa de Ciecircncias) e Nikolai Svanidze

Narichkin acusaria Letocircnia e Lituacircnia de ldquoreescreverrdquo e ldquopolitizarrdquo a histoacuteria

Estocircnia e Letocircnia de defesa do nazi-fascismo defendendo que a tarefa da comissatildeo

seria analisar falsificaccedilotildees de fatos histoacutericos que pudessem manchar a reputaccedilatildeo

internacional da Ruacutessia139

Evidentemente a comissatildeo foi vista com maus olhos

internacionalmente gerando atrito com os paiacuteses Baacutelticos em particular na Letocircnia140

Geoacutergia Ucracircnia141

e antigos paiacuteses da Cortina de Ferro como a Polocircnia142

que

consideram a ocupaccedilatildeo sovieacutetica como uma atitude hostil Posiccedilotildees que negassem a

contribuiccedilatildeo sovieacutetica contra o nazismo foram criminalizadas143

e no caso de paiacuteses

cujas interpretaccedilotildees contradissessem a ldquohistoacuteria oficialrdquo da comissatildeo os mesmos

deveriam sofrer sanccedilotildees ndash caso particular e especiacutefico dos paiacuteses Baacutelticos e as

interpretaccedilotildees sobre os julgamentos de Nuremberg144

Dentro da proacutepria Ruacutessia a comissatildeo encontrou criacuteticas de vozes importantes

como de Mikhail Gorbatchoacutev145

Eacute evidente o caraacuteter autoritaacuterio e de revisionismo

histoacuterico da comissatildeo De nosso interesse direto entretanto eacute que a despeito do foco

principal da comissatildeo na histoacuteria contemporacircnea o normanismo foi considerado como

uma das temaacuteticas perigosas pela comissatildeo

O responsaacutevel por tal enquadramento foi Andrei Sakharov Em entrevista agrave TV1

efetuada dois meses depois anunciaria que uma das mais ldquoameaccediladoras falsificaccedilotildeesrdquo

139

ldquoКомиссия против фальсификации истории обещает не переписывать книги и не учить

ученыхrdquo In newrucom 17 de junho de 2009 lthttpwwwnewsrucomrussia17jun2009historyhtmlgt

Uacuteltimo acesso em 11092014 140

Por exemplo na tentativa de reabilitaccedilatildeo de condenados por crimes de guerra como Vassili Kononov

ldquoКремлевская комиссия займется делом Кононоваrdquo In delfilv 20 de maio de 2009

lthttprusdelfilvnewsdailypoliticskremlevskaya-komissiya-zajmetsya-delom-

kononovadid=24659049gt Uacuteltimo acesso em 11092014 141

ldquoMedvedev Forms a Commision to Protect Russian Historyrdquo In Jamestown Fundation from Eurasia

Daily Monitor V 06 Issue 98

lthttpwwwjamestownorgsingleno_cache=1amptx_ttnews5Btt_news5D=35018amptx_ttnews5Bbac

kPid5D=13ampcHash=6729b2258eVBH8o_ldXX4gt Uacuteltimo acesso em 11092014 142

lthttponlinewsjcomnewsarticlesSB124277297306236553mg=reno64-

wsjampurl=http3A2F2Fonlinewsjcom2Farticle2FSB124277297306236553htmlgt Uacuteltimo

acesso em 11092014 143

ldquoRussia Moves to Ban Criticism of WWII Winrdquo In Time 08 de maio de 2009

lthttpcontenttimecomtimeworldarticle08599189692700htmlgt Uacuteltimo acesso em 11092014 144

FILATOVA Irina Medvedevs new Russian orthodoxy Postwar Soviet history is to be revised with

official sanction and transgressions from the approved version could lead to prison In The guardian 21

de maio de 2009 lt httpwwwtheguardiancomcommentisfree2009may21russia-medvedev-historygt

Uacuteltimo acesso em 02102014 145

ldquoGorbachev blasts Kremlin managed democracy in Russiardquo In dnaindiacom 22 de maio de 2009

lthttpwwwdnaindiacomworldreport-gorbachev-blasts-kremlin-managed-democracy-in-russia-

1258111gt Uacuteltimo acesso em 11092014

78

da histoacuteria russa era o normanismo que estaria se espalhando novamente Inspirada por

organizaccedilotildees e instituiccedilotildees estrangeiras que financiariam ldquoatividades destrutivasrdquo de

alguns acadecircmicos russos146

Suas iniciativas encontraram tamanha oposiccedilatildeo que

Sakharov viu-se forccedilado a se aposentar Apoacutes a circunstacircncia o normanismo passou a

ser encarado como ldquovitoriosordquo e encontra-se em voga147

mas julgamos leviano

pressupor uma situaccedilatildeo fechada

Na proximidade da transiccedilatildeo posterior do governo com um terceiro mandato de

Putin a comissatildeo seria encerrada No entanto levando-se em consideraccedilatildeo a situaccedilatildeo

poliacutetica russa no momento de escrita desta tese o nacionalismo e expansionismo russo

agravam-se com a situaccedilatildeo de anexaccedilatildeo da Crimeacuteia e conflitos na Ucracircnia As

discussotildees envolvendo a Ucracircnia tensotildees com Paiacuteses Baacutelticos e OTAN trazem a tona

novamente as antigas discussotildees relativas ao Ocidente e sua relaccedilatildeo com a Ruacutessia ndash de

fato o eixo mais sensiacutevel e particularmente ligado com a situaccedilatildeo normanista que

evoca o papel do Ocidente nas questotildees internas russas ou em suas aacutereas de influecircncia

A ideia de um projeto nacional de legitimizaccedilatildeo do estado russo com o uso das

ciecircncias histoacutericas permaneceraacute em pauta Eacute particularmente relevante ao se efetuar tal

panorama a percepccedilatildeo de que quiccedilaacute as ideias histoacutericas de Putin em relaccedilatildeo a Kiev e o

atual territoacuterio ucraniano natildeo estiveram dormentes Os efeitos da mudanccedila de foco do

norte para o sul ainda traratildeo desenvolvimentos posteriores agrave discussatildeo normanista

Seguir adiante com mais conclusotildees no presente momento eacute conjectura

162 A academia russa hoje

Por fim em adiccedilatildeo a autores jaacute atuantes nos debates Moscou X Leningrado

como Elena Melnikova destacam-se nesta uacuteltima deacutecada e meia os trabalhos de

Tatijana Jackson e de diversos pesquisadores ligados agrave Academia Russa de Ciecircncias

como Galina Glazyrina Elena Gurevitch Fiodor Uspenskii bem como de outras

instituiccedilotildees russas como Glieb Kazakov (da Russian State University) Tatiana

146

GAZEAU Veacuteronique amp MUSIN Alexandre Normannism and Anti-Normannism In Liberteacute pour

lacuteHistoire 24 de marccedilo de 2010 lthttpwwwlph-

assofrindexphpoption=com_contentampview=articleampid=1393Anormannisme-et-

antinormannismeampcatid=313Adossier-russieampItemid=78amplang=engt Uacuteltimo acesso em 21042014 147

Entrevista КУЗНЕЦОВ Алексей (entrevistado) amp БУНТМАН Сергей (entrevistador)

Ломоносов и норманская теория в истории lthttpwwwechomskruprogramsnetak799397-

echogt

79

Cheniavskaia (Moscow State University)

A uacuteltima geraccedilatildeo de acadecircmicos tem natildeo apenas se enquadrado de forma

marcadamente normanista em suas posiccedilotildees mas tambeacutem tem encontrado boa inserccedilatildeo

no meio internacional produzindo conhecimento especiacutefico sobre o medievo

escandinavo ndash natildeo necessariamente atendo-se apenas agraves relaccedilotildees entre os mesmos e o

leste mas adicionando estudos sobre diversas aacutereas ligadas aos mesmos como

epigrafia runologia estudo literaacuterios histoacutericos e arqueoloacutegicos das sagas

17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula

A temaacutetica russo-escandinava em solo brasileiro eacute praticamente ineacutedita Em

adiccedilatildeo a poucos artigos publicados e a obra de Celso Taveira148

centralizada mais

especificamente nas origens e desenvolvimento da Rus e suas relaccedilotildees no mundo

ortodoxo e bizantino existe uma uacutenica e particularmente notaacutevel obra de maior

extensatildeo sobre o tema a tese de doutoramento ldquoO comeacutercio varegue e o gratildeo-ducado de

Kievrdquo publicada em 1942 por Euriacutepedes Simotildees de Paula e que incorpora uma

relevacircncia institucional para a Universidade de Satildeo Paulo por diversas razotildees

O professor Euriacutepides Simotildees de Paula catedraacutetico de Histoacuteria Antiga na

Universidade de Satildeo Paulo foi pioneiro no estudo de diversas aacutereas no Brasil e

publicou diversos trabalhos que percorriam temaacuteticas inusitadas e pouco estudadas

fosse no quesito de recorte ou na abordagem historiograacutefica tomada

Sua tese de doutoramento foi pioneira natildeo apenas tematicamente foi a primeira

tese de doutorado em histoacuteria a ser defendida na proacutepria Universidade de Satildeo Paulo149

Orientada por Jean Gageacute foi defendida em 13 de setembro de 1942 sendo a banca

composta pelo proacuteprio Jean Gageacute (presidente) Pierre Monbeig Conde Emanuel de

Bennigsen Pliacutenio Ayrosa e Alfredo Ellis Junior150

148

TAVEIRA Celso Da primeira agrave terceira Roma A commonwealth bizantino-eslava e seu impacto na

formaccedilatildeo da Ruacutessia 2008 Relatoacuterio de Poacutes Doutorado ndash Universidade Estadual Paulista Campus de

Assis 149

EL MURR Victoacuteria Namestnikov amp EL MURR Joubran O Comeacutercio Varegue e o Gratildeo-Principado

de Kiev In SOUZA Antonio Candido de Mello et alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de

Paula artigos depoimentos de colegas alunos funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo

Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 pp 406 amp 409 150

EL MURR amp EL MURR 406

80

Euriacutepedes foi capaz de reunir a bibliografia disponiacutevel no Ocidente muito dela

parte de sua proacutepria e vasta biblioteca pessoal que disponibilizaria depois para os

alunos151

O acesso agrave tese foi difiacutecil por 30 anos pela existecircncia de poucos e antigos

exemplares difundiu-se por vezes por coacutepias mimeografadas e datilografadas152

Finalmente em 1972 ela foi reimpressa sem uma complementaccedilatildeo desejada pelo seu

autor Passaram-se mais de duas deacutecadas sem tentativa alguma de continuidade ao

trabalho pioneiro de Euriacutepedes153

Os trabalhos posteriores natildeo estariam focados na Rus kievita ou na questatildeo dos

varegues referindo-as de passagem ou parcialmente

Em relaccedilatildeo agrave proacutepria controveacutersia Euriacutepedes tem posiccedilatildeo clara e definida

exposta jaacute em sua introduccedilatildeo para ele o principado de Rus rdquoeacute obra dos Normandos que

se lanccedilam sobre a Europa desde o final do seacuteculo VIIIrdquo154

Natildeo obstante ele a discute em razoaacutevel detalhe ainda mais tendo-se em conta a

data de publicaccedilatildeo e o acesso difiacutecil agrave biliografia no tempo em questatildeo155

Inicia pela

etimologia dos nomes Rus e Varegue156

concluindo que os Rus eram escandinavos157

e

que o nome varegue possui a mesma origem158

Euriacutepedes de Paula considera que o chamado dos varegues contido na crocircnica de

Nestor consistiria em uma ldquojustificativardquo de uma posse jaacute efetiva das terras eslavas da

parte dos escandinavos159

O autor adiciona pontos interessantes e intriacutensecos agrave discussatildeo que sustentam

um domiacutenio jaacute consolidado e preacutevio dos varegues sobre o principado russo Conquanto

a crocircnica nestoriana date a chegada de Riurik em Novgorod em 862 e o domiacutenio de

Kiev por seus descendentes em 881 consta que em 860 durante o reinado de Miguel III

ocorreu um ataque dos Rus a Bizacircncio o que pressuporia uma forccedila jaacute organizada e

relativamente consolidada Os Annales Bertiniani que jaacute citamos a respeito da origem

escandinava dos Rus fala sobre o reinado de Luis o Piedoso entre 814 a 840 e cita a

151

Idem 152

Idem 407 153

Idem 408 154

PAULA 06 155

PAULA 05 amp EL MURR amp EL MURR 406 156

PAULA 14-22 157

Idem 18 158

Idem 21s 159

Idem 24

81

chegada de uma embaixada dos Rus ndash pelo autor como suecos ndash durante o reinado do

bizantino Teoacutefilo ndash entre 829 a 842 portanto160

Dada a data de escrita e o jaacute banimento do normanismo na URSS enquanto

possibilidade explicativa e considerando-se que Euriacutepedes chegou a consultar

bibliografia de autores russos eacute razoaacutevel supor que o mesmo optou conscientemente

pela sua tomada de posiccedilatildeo seja alinhando-se politicamente com o consenso ocidental

seja por convencimento da evidecircncia analisada Parece-nos mais provaacutevel que esta

uacuteltima afirmativa esteja mais proacutexima da verdade como se depreende de seu trabalho

Euriacutepedes natildeo chegaria a visitar a Uniatildeo Sovieacutetica ou a consultar qualquer

bilbiografia in loco Era conhecido por alguns acadecircmicos sovieacuteticos interessados em

estudos brasileiros e na Revista de Histoacuteria da USP como Lev Slioacuteskin com o qual

travou conhecimento em 1965 em congresso efetuado em Viena em conversa em

francecircs Quanto ao proacuteprio domiacutenio de Euriacutepedes sobre o tema de sua tese nas palavras

de Slioacuteskin Euriacutepedes era ldquouma pessoa de imensa erudiccedilatildeo certo na histoacuteria antiga da

Ruacutessia ()rdquo161

160

Idem 27 161

SLIOSKIN Lev Euriacutepedes de Paula na Uniatildeo Sovieacutetica In SOUZA Antonio Candido de Mello et

alii (org) In memoriam de Euriacutepedes Simotildees de Paula artigos depoimentos de colegas alunos

funcionaacuterios e ex-companheiros de FEB vida e obra Satildeo Paulo Seccedilatildeo graacutefica da FFLCH 1983 P 564

82

Figura 01 Euriacutepedes em fevereiro de 1942 agrave sua maacutequina de escrever ROYAL redigindo e finalizando a

1ordf tese de doutoramento em histoacuteria a ser defendida na Universidade de Satildeo Paulo Fonte EL MURR amp

EL MURR 409

Euriacutepedes orientaria trecircs teses de doutoramento que tocariam na questatildeo russo-

medieval Foram as teses de Marcos Margulies ldquoEvoluccedilatildeo dos contatos intergrupais na

Europa da Idade Meacutedia atraveacutes do relacionamento entre judeus e russosrdquo defendida em

1970 de Niko Zuzek ldquoRazotildees da recusa do gratildeo principado de Moscou agrave uniatildeo

florentinardquo defendida em 1972 e de Victoacuteria Namestnikov El Murr ldquoPoema russo do

seculo xii o dito da expediccedilatildeo de Igorrdquo tambeacutem defendida em 1972

Os impactos e desenvolvimentos desses trabalhos entretanto foram pequenos

no sentido da criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo de estudos da Ruacutessia medieval ndash o que dizer

entatildeo de uma historiografia mista russo-escandinava Alguns reflexos tardios de tais

trabalhos podem ser percebidos por exemplo na notaacutevel publicaccedilatildeo em 2000 de uma

traduccedilatildeo do ldquoCanto da campanha de Igorrdquo por Maria Aparecida BP Soares162

Eacute digno

de nota que em suas referecircncias a uacutenica obra especiacutefica brasileira no tema seja o

162

SOARES Maria Aparecida BP Priacutencipe Igor ou o canto da campanha de Igor Rio de Janeiro

Francisco Alves 2000

83

trabalho de Victoacuteria Namestnikov El Murr em meio a publicaccedilotildees russas e algumas

obras de referecircncia geral em liacutenguas latinas ou inglecircs

O comentaacuterio de Soares agrave traduccedilatildeo natildeo faz menccedilatildeo alguma agrave situaccedilatildeo

escandinava descrevendo rapidamente a formaccedilatildeo da Ruacutessia de Kiev como produto

apenas dos povos eslavos sem sequer a menccedilatildeo dos varegues163

e devendo muito mais

ao comentaacuterio consagrado de Likhatchov em ediccedilatildeo de 1967164

e agrave ldquoHistoria de La

URSS165

rdquo do que agrave diminuta produccedilatildeo brasiacutelica sobre o tema

A tese de Margulies seria publicada em 1971 pela Bloch como ldquoOs Judeus na

Histoacuteria da Ruacutessia166

rdquo ndash nome evidentemente mais atrativo em termos de mercado

Historiograficamente eacute trabalho que mais incorporaria as ideias de Euriacutepedes sobre o

normanismo ainda que os varegues consistam em parte pequena da obra ndash o primeiro

capiacutetulo apenas

Neste eacute interessante notar que o autor natildeo se deteacutem nas questotildees e implicaccedilotildees

historiograacuteficas do normanismo na historiografia russa O maacuteximo que o autor propotildee-

se a discorrer sobre a questatildeo eacute um paraacutegrafo explicativo no proacuteprio sumaacuterio

ldquoEste capiacutetulo trata de um curioso e razoavelmente

desconhecido Estado russo criado pelos normandos nos territoacuterios

depois transformados em Ruacutessia estado gerado e gerido pelos grupos

germacircnicoso que ateacute os nossos dias aborrece a oficial historiografia

sovieacuteticaembora o fato ocorresse haacute mais de mil anosrdquo167

Transparecem nesse resumo algumas ideias subjacentes ao trabalho uma

oposiccedilatildeo entre geneacutericos quase monoliacuteticos grupos ldquoeslavosrdquo e ldquogermacircnicosrdquo (no

prefaacutecio o autor iraacute enfatizar tal oposiccedilatildeo enquanto um ldquoantagonismo () eslavo-latinos

contra os franco-germanosrdquo) e uma certeza de falta de necessidade de discussatildeo

historiograacutefica ndash como afirmamos a pouco Margulies se porta em relaccedilatildeo agrave questatildeo

como se o normanismo seja um fato dado consumado comprovado e longe de qualquer

duacutevida

163

SOARES 12 164

Listada em suas referecircncias como ldquoLIKHATCHOV Dmitri S Slovo o polku Igoreve Gueroiacutetcheskii

proacutelog ruacutesskoi literatury (O canto da campanha de Igor Proacutelogo heroico da literatura russa) Leningrado

Izdaacutetelstvo ldquoKhudoacutejestvennaia literaturardquo 1967rdquo 165

HISTORIA DE LA URSS Moscou Instituto de Historia de la academia de Ciecircncias de la URSS amp

Editorial Progreso 1977 166

MARGULIES Marcos Os judeus na histoacuteria da Ruacutessia Rio de Janeiro Ediccedilotildees Bloch 1971 167

MARGULIES ldquoSumaacuteriordquo

84

Partindo da divisatildeo norte-sul da Rus no medievo com um nuacutecleo ao norte em

Novgorod e outro ao sul em Kiev ele defende ndash novamente como fato dado e sem

maiores discussotildees historiograacuteficas - um gerenciamento estrangeiro no primeiro estado

russo e uma superioridade dos primeiros em relaccedilatildeo aos segundos ao menos no quesito

mercantil Em suas proacuteprias palavras

ldquoGerados pelos interesses comerciais dos povos mercantilmente

evoluiacutedos ndash os normandos ao norte e os bizantinos no Sul () rdquo168

Margulies iraacute reafirmar constantemente o papel dominante dos varegues em

relaccedilatildeo aos eslavos orientais e mesmo o domiacutenio dos mesmos em relaccedilatildeo a outros

mercadores a percorrer a regiatildeo incluindo os judeus ndash que se tratam do foco central de

seu livro169

Para ele os escandinavos ldquono Ocidente contruiacuteram a Inglaterra e no Oriente

a Ruacutessiardquo170

ainda que afirmando a raacutepida assimilaccedilatildeo dos mesmos nas populaccedilotildees com

as quais lidavam e a ausecircncia de vestiacutegios posteriores nos proacuteprios estados

Dessa forma seu trabalho endossa ponto a ponto o normanismo ldquoclaacutessicordquo

desde o chamado dos varegues na crocircnica nestoriana aos nomes escandinavos dos

governantes171

e os tratados bizantinos172

18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro

Designaccedilotildees como ldquoEuropa Orientalrdquo paiacuteses da antiga Cortina de Ferro ou

antigo ldquoBloco Orientalrdquo ainda que bastante difundidas e empregadas jaacute natildeo mais se

sustentam de forma cabal em particular ao se tratar de suas historiografias locais

As especificidades e subdivisotildees culturais encontradas nos mesmos satildeo

marcantes e suas relaccedilotildees institucionais com a Ruacutessia e URSS satildeo igualmente diversas

Os paiacuteses baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) possuem passado de rancor e

disputa ideoloacutegica com a Uniatildeo Sovieacutetica e sua historiografia medieval reflete tal

circunstacircncia

168

MARGULIES 15 169

Idem 18 170

Idem 20 171

Idem 23 172

Idem 26

85

Concomitantemente na Estocircnia e Letocircnia ocorreu contato intenso com a

Escandinaacutevia em eacutepocas jaacute anteriores ao proacuteprio periacuteodo viking e a historiografia

contemporacircnea da regiatildeo considera a temaacutetica normanista como ponto jaacute resolvido

inclusive ultrapassado em um cenaacuterio nacional agravado pela dificuldade de fundos e

estiacutemulo agrave pesquisa173

Anti Selart chamaraacute a questatildeo de ldquorelevanterdquo apenas nos anos 50 a 60 e ligada

na Estocircnia sovieacutetica enquanto reaccedilatildeo ao livro ldquoNordische Mission Revals Gruumlndung

und die Schwedensiendlung in Estlandrdquo de Paul Johansen publicado em 1951 em

Estocolmo174

o que demonstra inclusive uma falta de paridade e atualizaccedilatildeo de parte

dos acadecircmicos do Baacuteltico em relaccedilatildeo aos recentes desenvolvimentos da controveacutersia

na Ruacutessia

Com o final da URSS outras naccedilotildees de substrato eslavo como Polocircnia e

Tcheco-eslovaacutequia abandonariam as tentativas pan-eslavistas de explicar o

desenvolvimento antigo de suas sociedades como atingidos pelos eslavos isoladamente

antes aceitando ndash muitas vezes apressadamente ndash quaisquer tentativas de conexatildeo com a

Europa Ocidental em movimento paralelo agrave expansatildeo da Comunidade Europeia para o

leste175

Em tal contexto de receacutem-aberto debate o normanismo assume retomado vigor

natildeo sem embate com as velhas ideias

A Polocircnia teve lugar de destaque na discussatildeo normanista Trecircs dos principais

acadecircmicos a discutir a questatildeo e influenciar a situaccedilatildeo da mesma tiveram origem

polonesa Henryk Łowmiański (1898-1984) Henryk Paszkiewicz (1897-1979) e Jogravezef

Sȩkowski176

Łowmiański foi autor de obras de grande volume destacam-se Prusy pogańskie

(1935) (Os antigos prussianos) ldquoZagadnienie Normanow w genezie panstw

slowianskich (1957)rdquo (O problema dos normandos na gecircnese os estados eslavos)

Początki Polski (6 vol) Studia nad dziejami Słowiańszczyzny Polski i Rusi w wiekach

średnich (1986)

173

SELART A Saksa doktorike Meie Mommsen Akadeemia 18(8) 1836 -1849 2006 ϹЄЛАРТ А

Начало городской жизни в средневековой Ливонии и Руси Балтия в контексте Северного

пространства От Средневековья до 40-х годов XX века Институт всеобщей истории РАН - М

Изд-во Института всеобщей истории РАН (ИВИ) 2009 С 84-102 Troca de emails com profs Drs

Anti Selart e Dr Heiki Valk da Universidade de Tartu em janeiro de 2014 Entrevista pessoal com prof

Dr Andrejs Vasks na Latvijas Universitate julho de 2013 174

Anti Selart Email pessoal para Andreacute Muceniecks em 17012014 175

BARFORD PM The Earl Slavs Ithaca amp New York Cornell University Press 2001 P 282 176

ZAKHARII 76

86

Łowmiański discordava da derivaccedilatildeo de Rus de Ruotsi argumentando que

talvez ldquoRusrdquo tivesse a ver com o antigo noacuterdico raueth ldquovermelhordquo Nas liacutenguas eslaacutevicas

haveria o cognato em termos derivados de ldquorusyrdquo que significaria avermelhado

amarronzado pendendo para o vermelho significando alguma caracteriacutestica territorial

ou como sugeriria o norueguecircs Haringkan Stang pessoas com o cabelo avermelhado

Para Łowmiański o termo Rus surgira no meacutedio Dnieper aplicaria-se depois ao

estado ali e surgido e mais posteriormente generalizado aplicaria-se com uma

conotaccedilatildeo mais eacutetnica e social Mais posteriormente aventaria a hipoacutetese de que

implicaria uma organizaccedilatildeo militar originada na regiatildeo do Ladoga consistindo de

elementos mistos eslavos escandinavos e fino-uacutegricos mas com predomiacutenio eslaacutevico

destarte Łowmiański enquadrou-se ainda que de forma matizada no espectro anti-

normanista da controveacutersia

Em breve retornaremos a Paszkiewicz

Falta por fim uma anaacutelise da historiografia da qual noacutes propriamente mais

bebemos em nossa pesquisa a historiografia anglo-saxatilde no sentido de se expressar em

liacutengua inglesa Longe de ser formada apenas de estudiosos anglo-americanos eacute formada

tambeacutem em grande parte de russos ucranianos e poloneses emigrados para Estados

Unidos Reino Unido e Escandinaacutevia que produziram a maior parte da historiografia

acessiacutevel e influente no ocidente

Nesse grupo inserimos o jaacute mencionado Paszkiewicz os Riasanowsky George

Vernadsky Omeljan Pritsak Wladyslaw Duczko Simon Franklin Jonathan Shepard e

Thomas Noonan

Afirmamos anteriormente que Vernadsky apesar de normanista ldquodeclaradordquo natildeo

aceita como corretas algumas pressuposiccedilotildees caras aos normanistas ldquoclaacutessicosrdquo Dentre

estas destaca-se sua discordacircncia da etimologia do nome Rus enquanto derivaccedilatildeo do

escandinavo Rhodslagen e fino-uacutegrico Ruotsi

Antes adota a ideia de origem e matiz anti-normanista de uma conexatildeo

meridional do nome oriundo de Ros Vernadsky associa-o a diversos hidrocircnimos

originaacuterios de populaccedilotildees antigas das estepes como Rukh-As ou Roc-As mais

especificamente ao nome ΄ρωϛ (hros) Seu primeiro expositor foi Diakonov que analisa

o Pseudo-Zacharias Rhetor de 555 Tal fonte segundo Diakonov citaria certos Hros

87

como populaccedilotildees nomaacutedicas huacutenicas do norte do Caacuteucaso

Jaacute citamoa a pouco que essa ideia foi desacreditada e mesmo ridicularizada por

Omeljan Pritsak177

que demonstra que o relato na verdade eacute uma versatildeo oriunda do

meacutedio-persa da histoacuteria de Alexandre com um erro de coacutepia na qual os consortes das

amazonas gigantes satildeo citados como ldquoheroacuteisrdquo empregando o termo ήρωϛ (heros)

Jaacute Henryk Paszkiewicz (1897-1979) apesar de polonecircs por nascimento migrou

para a Inglaterra onde publicou suas obras de maior relevacircncia tornando-se

medievalista de renome e influecircncia no mundo anglo-saxatildeo no campo dos estudos

referentes agrave Europa Oriental

Nos anos poacutes-guerra publicaria sua trilogia The Origin of Russia (George Allen

amp Unwin LTD London 1954) The Making of the Russian Nation (Longmann amp Todd

London 1963) e The Rise of Moscows Power (niedokończony wydany pośmiertnie

East European Monographs 1983) De grande interesse no Ocidente e publicada em

inglecircs (apesar de Paszkiewicz tecirc-la escrita em polonecircs) sua trilogia enfrentou problemas

para ser divulgada na Polocircnia Cortina de Ferro e URSS por razotildees doutrinaacuterias e pela

inclinaccedilatildeo normanista de Paszkiewicz vindo a ser publicada apenas apoacutes a deacutecada de

1990 (1996 1998 e 2000) em polonecircs apoacutes esforccedilos na recuperaccedilatildeo de seus

manuscritos

Os pontos de vista de Paszkiewicz e em grande parte a forma como os colocou

geraram consideraacutevel polecircmica e resistecircncia da parte dos autores russos Paszkiewicz

nunca tentou fazer concessotildees ou amenizar quaisquer aacutereas mais sensiacuteveis de suas

ideacuteias declara sem qualquer problema que os eslavos do Ilmen eram incapazes de se

organizarem e foram dominados pelos escandinavos

Ainda mais polecircmicas foram suas declaraccedilotildees sobre a proacutepria natureza dos

russos que misturam um nacionalismo polonecircs com raiacutezes em movimentos como o

sarmatismo e natildeo disfarccedilam um discurso eslavista exclusivista e mesmo racista

Paszkiewicz afirma que os russos foram fino-uacutegricos que adotaram a liacutengua eslaacutevica

apoacutes a cristianizaccedilatildeo destarte os varegues dominaram uma populaccedilatildeo fino-uacutegrica que

se tornaria ldquorussardquo e natildeo um povo eslaacutevico178

Paszkiewicz cria dessa forma suas

177

PRITSAK 06 178

PASZKIEWICZ Henryk Origins of Russia London George Allen amp Unwin 1954 pp 155s

88

proacuteprias ideis de superioridade racial ndash de eslavos e escandinavos sobre fino-uacutegricos no

entanto - ao mesmo tempo exaltando seu povo de origem e rebaixando os russos

O predomiacutenio normanista no Ocidente foi atacado sistematicamente pelos

Riasanovsky particularmente Nicholas o filho (1923-2011) Autor de ldquoA History of

Russiardquo(1963) um dos livros mais influentes e mais reeditados no contexto norte-

americano179

Riasanovsky criticaria de forma mais especiacutefica e contundente a

supremacia e parcialidade da historiografia no Ocidente que tratava da questatildeo em

artigo publicado no Russian Review de 1947180

Riasanovsky criticava o que chamou de

ldquostandard normanist explanationrdquo181

Seu principal debatedor seria Paszkiewicz e a

discussatildeo entre os acadecircmicos foi considerada por Klejn e outros autores como a

ldquoterceira ondardquo de debates normanistas

Autores contemporacircneos e posteriores agrave discussatildeo dentre os quais o proacuteprio

Vernadsky Omeljan Pritsak Jonathan Sheppard Simon Franklin Thomas Noonan e

Wladislaw Duczko desenvolvem pontos de vistas mais amplos e matizados

Chamar-lhes ldquonormanistasrdquo eacute arriscado subjetivo Todos consideram a

existecircncia tanto do componente escandinavo como do eslaacutevico fundamentais no

surgimento da Rusde Kiev Ideias tais quais ldquosuperioridadeinferioridaderdquo cultural

ldquoevoluccedilatildeo culturalrdquo e similares encontram-se jaacute bastante circunscritas e datadas

Destarte se por ldquonormanistardquo eacute correto enquadrar qualquer acadecircmico que

considere que tenha havido a presenccedila escandinava nas origens da Rus de Kiev entatildeo

todos estes autores o satildeo e com exceccedilatildeo de um ou dois nomes a historiografia

ocidental inteira o seraacute bem como a maior parte da produccedilatildeo russa recente

Se ldquonormanistardquo implica aceitar a cartilha estabelecida que inclui a origem do

nome e mesmo uma situaccedilatildeo de domiacutenio e superioridade cultural o leitor necessitaraacute

vasculhar a bibliografia mais antiga a fim de satisfazer os criteacuterios

Por fim retornaremos no capiacutetulo seguinte a discutir a presenccedila escandinava no

territoacuterio da antiga Rus Eacute impossiacutevel ao acadecircmico contemporacircneo desacreditar que

179

A uacuteltima ediccedilatildeo a 8ordf foi atualizada por um antigo estudante seu Mark Steinberg RIASANOVSKY

Nicholas amp STEINBERG Mark A History of Russia New York 2010 [1963] 180

RIASANOVSKY Nicholas The Norman Theory of the Origin of the Russian State In Russian

Review Vol 07 n01 1947 P97 181

RIASANOVSKY 1947 96

89

tais movimentos existiram ou mesmo que possuiacuteram relevacircncia Argumentos relativos

agrave escassez de material arqueoloacutegico natildeo mais se sustentam o emprego de tal

informaccedilatildeo no entanto estaraacute sempre sujeito agrave subjetividade do autor ao contexto no

qual ele escreve e natildeo seratildeo poucas as vezes que tal produccedilatildeo estaraacute sujeita agrave

legitimaccedilatildeo de ideologias e situaccedilotildees poliacuteticas

90

Mapa 01 Austrvegr e Garethariacuteki

Do autor Elaborado com a ferramenta MapMaker Interactive da National Geographic Education

91

CAPITULO 2 A CULTURA MATERIAL

21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material

Pela escassez de fontes escritas na Alta Idade Meacutedia tanto na Rus quanto

Escandinaacutevia a construccedilatildeo de uma histoacuteria do periacuteodo viking em tais contextos

beneficia-se com o uso extenso da Cultura Material em uma acepccedilatildeo arqueoloacutegica do

termo

Segundo tal conceito poderiacuteamos definir Cultura Material como qualquer

criaccedilatildeo vestiacutegio alteraccedilatildeo ou construccedilatildeo produzida pela accedilatildeo humana Tal definiccedilatildeo eacute

vaacutelida desde construccedilotildees e criaccedilotildees intencionais (ie a construccedilatildeo de um edifiacutecio ou de

um salatildeo uma estela ruacutenica com conteuacutedo escrito ou natildeo uma ferramenta) como a

alteraccedilatildeo do meio-ambiente dada pela accedilatildeo humana (ie o desmatamento de

determinadas aacutereas a drenagem de um pacircntano)182

Haacute de se notar que tal ampliaccedilatildeo do

conceito de fonte primaacuteria e emprego das mesmas natildeo diferem muito das definiccedilotildees

propostas por Jacques LeGoff em sua ldquoNova Histoacuteriardquo

Discutimos extensamente anteriormente a hipoacutetese normalista e sua resistecircncia

da parte de autores principalmente na Ruacutessia URSS e Ucracircnia Tambeacutem demonstramos

que parcela consideraacutevel dessa argumentaccedilatildeo anti-normanista fundamenta-se em uma

suposta ausecircncia de material arqueoloacutegico demonstrando uma expansatildeo escandinava a

leste Natildeo analisaremos os siacutetios escandinavos em solo eslaacutevico em alguma espeacutecie de

tentativa de argumentaccedilatildeo normalista Como jaacute discutimos anteriormente tal afirmaccedilatildeo

e tais argumentos baseados em ausecircncia satildeo questionaacuteveis e natildeo se sustentam

A despeito da existecircncia de extenso material escavado em gorodi ndash termo usado

extensivamente na bibliografia para se referir agraves cidades fortificadas eslaacutevicas como

Novgorod e Kiev - daremos ecircnfase a duas seacuteries de material que por possuiacuterem

diversos testemunhos da mesma natureza permitem o traccedilar de comparaccedilotildees mais

seguras Tratam-se tambeacutem de materiais que possuem natureza dupla no sentido

interpretativo permitindo tradicionalmente seu emprego tanto pelo campo da

arqueologia quanto da Histoacuteria Trata-se do testemunho numismaacutetico amparado pelos

achados arqueoloacutegicos em solo russo e o testemunho das estelas ruacutenicas

Como afirmado em nossa introduccedilatildeo partes consideraacuteveis desta seccedilatildeo apoiar-se-

182

BEZERRA DE MENESES Ulpiano A cultura material no estudo das sociedades antigas In Revista

de Histoacuteria 115 (Nova Seacuterie) 1983 pp112s

92

atildeo em bibliografia secundaacuteria natildeo temos a pretensatildeo de apresentar um trabalho

arqueoloacutegico ou numismaacutetico antes de provermos nesta seccedilatildeo um apanhado

contextual baseado nas diferentes formas da Cultura Material que embase nosso estudo

sobre o emprego do contexto viking pelos eruditos dos seacuteculos posteriores

No entanto a parte final deste capiacutetulo dedicada ao estudo das estelas ruacutenicas

foi efetuada com a anaacutelise direta de nossa parte das proacuteprias estelas complementando

assim a sessatildeo com um estudo baseado nos testemunhos primaacuterios

211 A numismaacutetica

O estudo numismaacutetico dos escandinavos em relaccedilatildeo ao leste apresenta algumas

peculiaridades e exclusividades em relaccedilatildeo agrave forma como a numismaacutetica eacute normalmente

estudada

No campo geral da numismaacutetica as moedas satildeo estudadas em relaccedilatildeo a diversos

fatores Tratando-se de objetos portaacuteteis fabricados em material duraacutevel de produccedilatildeo

repetida dimensotildees controladas e valor simboacutelico reconhecido entre grupos sociais pela

representaccedilatildeo de uma autoridade compartilhada satildeo muitos aspectos que podem ser

estudados por meio delas a tecnologia a economia o comeacutercio mesma a poliacutetica e

sociedade

Seu valor eacute normalmente dado de forma simboacutelica sua emissatildeo se daacute por uma

autoridade puacuteblica reconhecida sua confecccedilatildeo e impressatildeo se datildeo de formas

controlaacuteveis e fiscalizaacuteveis Dessa forma em diversas ocasiotildees no tempo e espaccedilo

foram emitidas moedas cujo ldquovalor intriacutenseco (enquanto mercadoria) era negligenciaacutevel

sem qualquer relaccedilatildeo com o valor da mercadoria no lugar da qual deviam circularrdquo 183

O material e peso natildeo eram os responsaacuteveis diretos pelo valor da moeda mas sim a

autoridade puacuteblica que executou sua impressatildeo e emissatildeo

No testemunho numismaacutetico que nos interessa referente aos escandinavos em

Austrvegr e Garethariacuteki esta caracteriacutestica essencial das moedas natildeo possui significado

algum Os grandes objetos de interesse para escandinavos eram os dirhams muccedilulmanos

ndash moedas cunhadas em prata pelo mundo aacuterabe O interesse era o material e peso dos

mesmos estas moedas eram avaliadas portanto pelo valor intriacutenseco que possuiacuteam e

natildeo simboacutelico A autoridade que as confeccionou natildeo era (re) conhecida o simbolismo e

183

FREacuteRE Hubert Numismaacutetica uma introduccedilatildeo aos meacutetodos e agrave classificaccedilatildeo Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo

de Alain Costilhes e Maria Beatriz Borba Florenzano Satildeo Paulo Sociedade Numismaacutetica Brasileira amp

Louvain-la-Neuve (Beacutelgica) Seacuteminaire de numismatique Marcel Hoc 1984p 17

93

matemaacutetica nelas gravadas natildeo fazia sentido ao escandinavo184

Os escandinavos obtinham moedas de prata com comerciantes muccedilulmanos

trocando-as principalmente por peles obtidas no norte Esse comeacutercio era efetuado

principalmente em Itil capital dos Khazar na embocadura do Volga ou mesmo

posteriormente mais ao sul nas regiotildees dos atuais Iracirc e Iraque A Ruacutessia e a

Escandinaacutevia tinham escassez de depoacutesitos de prata e moedas de prata ocidentais

caroliacutengias eram raras185

Dessa forma os dirhams muccedilulmanos eram uma fonte de

prata que propiciava distinccedilatildeo social riqueza e poder186

Natildeo obstante tais singularidades entretanto tais moedas ainda assim podem

indicar outra seacuterie de informaccedilotildees O quesito de datas eacute relativo Pode-se obter por meio

do testemunho dado atraveacutes de seacuteries mas natildeo de moedas isoladas Podem-se presumir

datas-limite da cunhagem e circulaccedilatildeo das moedas mas natildeo dataccedilotildees absolutas Pode-se

saber com precisatildeo os locais de origem e as casas de cunhagem A observaccedilatildeo das

proveniecircncias cruzada com as dataccedilotildees seria de grande utilidade para estudos histoacutericos

poliacuteticos dos califados aacuterabes do periacuteodo em questatildeo mas foge totalmente do nosso

escopo

A despeito do simbolismo diverso o fato de encontrar-se grande quantidade de

depoacutesitos de moedas podem nos trazer informaccedilotildees sobre o imaginaacuterio crenccedilas e

haacutebitos mentais dos escandinavos em questatildeo Ainda que os dirhams natildeo trouxessem

efiacutegies e rostos gravados a atitude corrente escandinava de enterrar tesouros de prata

pode ter origem religiosa e natildeo meramente de entesouramento

Natildeo haacute uma elaboraccedilatildeo uniacutevoca sobre o mundo apoacutes a morte entre os

escandinavos e nem se trata de nosso propoacutesito aqui nos adentrar muito no assunto

Dentre muitos autores que tratam de temas ligados agrave religiosidade escandinava preacute-

cristatilde nos chamam a atenccedilatildeo os conceitos organizados por Hilda Ellis

Ellis teoriza sobre a existecircncia de duas concepccedilotildees baacutesicas de vida poacutes-morte

uma de outra vida apoacutes a destruiccedilatildeo do corpo e a outra de uma vida na terra ou

embaixo dela segundo esta uacuteltima concepccedilatildeo o homem falecido continuaria vivendo

em seu local de enterramento como si ali fosse uma casa e ainda usufruindo de suas

184

WILSON David The Vikings and their origins Scandinavia in the First Millenium London Thames

and Hudson 1970 P102 185

BARFORD 181 186

NOONAN Thomas Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998

Pp 346-347

94

possessotildees ali187

Eacute razoaacutevel portanto pressupor uma conexatildeo do entesouramento com tais

concepccedilotildees religiosas que destarte providenciam bens para o falecido bens em sua

vida post-mortem

2111 As Fontes

O acesso agraves coleccedilotildees de dirhams encontradas nas regiotildees de Austrvegr e

Garethariacuteki eacute dificultado pelas deacutecadas de isolamento entre a URSS e o Ocidente A

principal forma de acesso a estas informaccedilotildees satildeo por meio de autores com tracircnsito nos

meios acadecircmicos do leste da Europa e do Ocidente como Thomas Noonan188

e mais

recentemente Matheus Bogucki189

Eacute necessaacuterio portanto se salientar que o estudo numismaacutetico ao menos

enquanto parte de nosso estudo maior eacute um estudo baseado na interpretaccedilatildeo acadecircmica

ldquocanocircnicardquo e natildeo em uma anaacutelise das proacuteprias coleccedilotildees numismaacuteticas Tal estudo deve

ser feito agrave parte de formas que natildeo cabem no escopo deste trabalho

187

ELLIS Hilda Roderick The Road to Hel A Study of the Conception of the Dead in Old Norse

Literature New York Greenwood Press 1968 65 188

Thomas Noonan publicou por mais de duas deacutecadas material e anaacutelises da evidecircncia numismaacutetica na

Ruacutessia Europeia e Baacuteltico Eacute impossiacutevel natildeo nos referirmos a ele extensamente NOONAN Thomas Pre-

970 dirham hoards from Estonia and Latvia I Catalog In Journal of Baltic Studies 83 1977(a) 238-

259 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia II General considerations In Journal of Baltic

Studies 84 1977 (b) 312-323 Pre-970 dirham hoards from Estonia and Latvia III An examination of

the ninth century hoards In Journal of Baltic Studies 91 1978(a) 7-19 Pre-970 dirham hoards from

Estonia and Latvia IV An analysis of the hoards buried between 900 and 970 In Journal of Baltic

Studies 92 1978 (b) 99-115 Ninth-century dirham hoards from Northwestern Russia and the

Southeastern Baltic In Journal of Baltic Studies 133 1982 220-244 A dirham hoard of the early

eleventh century from northern Estonia and its importance for the routes by which dirhams reached

Eastern Europe CA 1000 AD In Journal of Baltic Studies 143 1983 185-201 Dirham hoards from

medieval Lithuania In Journal of Baltic Studies 234 1992 395-414 The Islamic World Russia and the

Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998 (a)

Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis In The Islamic World

Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595

Ashgate 1998(b) Why the vikings came first to Russia In The Islamic World Russia and the Vikings

750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected Studies Series 595 Ashgate 1998(c) 189

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361

95

2112 Os khazares e os aacuterabes

O contexto de origem dos Dirhams auxilia grandemente na compreensatildeo das

suas diversas proveniecircncias bem como nos possiacuteveis meios de chegada dos mesmos ao

norte aleacutem do estabelecimento de balizas cronoloacutegicas Eacute importante o destaque de que

a proveniecircncia dos dirhams no norte eacute o Oriente Meacutedio e natildeo a Aacutesia Central190

destarte eacute-nos necessaacuterio adentrarmos ao menos de forma limitada o mundo

muccedilulmano de entatildeo

Entre 602 e 628 ocorre agrave chamada guerra ldquoBizantina-Sassacircnidardquo que marcaraacute o

fim do impeacuterio persa sassacircnida Em seu primeiro estaacutegio de 602 a 622 os persas teratildeo

sucessos constantes Durante o governo de Heraacuteclio ao trono bizantino (610-641) a

situaccedilatildeo muda Em 627 auxiliados tambeacutem pelos khazares as forccedilas de Heraacuteclio

invadem o proacuteprio territoacuterio dos sassacircnidas que pagam tributo por paz

Apoacutes esta guerra tanto os bizantinos quanto os persas estavam exauridos Os

islacircmicos saiacuteram favorecidos Os primeiros esquadrotildees aacuterabes a adentrar o territoacuterio

persa natildeo foram vistos como uma ameaccedila pelo governante Yazdegerd III e pelo vice-rei

Rostam-e Farokhzad A organizada cavalaria pesada persa efetiva contra os regimentos

bizantinos natildeo o era contra os camelos leves aacuterabes O uso de elefantes inicialmente

teve sucesso mas logo veteranos aacuterabes que jaacute haviam combatido contra os bizantinos

na Siacuteria (que tambeacutem os usavam) trouxeram o conhecimento de como lidar com eles

Com a morte de Maomeacute em 632 e a disputa subsequente pelo poder surge o

primeiro dos quatro califados da histoacuteria muccedilulmana ndash o califado Rashidum - que parte

para uma seacuterie de campanhas militares e conquistas sob a lideranccedila inicial do califa

entre 632-634 Abu Bakr (Abdullah ibn Abi Quhafa) sogro de Maomeacute e subsequente

do califa Umar (ʿUmar ibn al-Khaṭṭāb) morto em 644

Apoacutes uma inicial invasatildeo da Mesopotacircmia em 633 em 636 deu-se um marco da

conquista aacuterabe com a chamada ldquoBatalha de Qadisiyyahrdquo que foi chave para a

conquista aacuterabe do Iraque e que tambeacutem viu uma alianccedila entre os persas com os

bizantinos atraveacutes do casamento da filha de Heraacuteclio com Yazdegerd Em um processo

complexo e marcado por reveacutezes a Mesopotacircmia foi conquistada pelos aacuterabes entre 636

190

NOONAN Thomas Ninth-Century Dirham Hoards from European Russia a Preliminary Analysis

In The Islamic World Russia and the Vikings 750-900 The Numismatic Evidence Variorum Collected

Studies Series 595 Ashgate 1998(b)P 51

96

a 638 Entre 638 e 639 a Armecircnia ndash entatildeo possessatildeo bizantina eacute invadida sendo

completamente conquistada em 642191

Entre 638 e 641 ainda ocorreratildeo constantes reides dos persas na regiatildeo da

Mesopotacircmia A proviacutencia do Khuzistatildeo eacute conquistada pelos aacuterabes em 641 Poreacutem o

califa Umar desejava paz ndash os aacuterabes ainda viam os persas com temor Apoacutes um breve

periacuteodo de paz a Peacutersia eacute conquistada entre 642 e 644 sendo que na segunda metade do

seacuteculo VII jaacute tinham assegurado controle da Transcaucasia Os cem anos seguintes

foram palco das chamadas ldquoguerras aacuterabe-khazarrdquo Destacam-se duas a primeira em

652 quando os aacuterabes foram derrotados pelos Khazares na cidade Khazar de Balanḡar

e a segunda entre 708 a 737192

-193

Na segunda guerra ocorreram vitoacuterias de ambos os lados entretanto travavam-

se raides em ambas as vertentes do Caacuteucaso ocorrendo poucas batalhas decisivas Em

730 o priacutencipe khazar Barjjk efetuou uma excursatildeo ateacute o noroeste do Iratilde derrotando os

Umiacuteadas em Ardabil e matando seu governante mas sendo morto no ano seguinte em

Mosul194

Um ponto marcante daacute-se em 737 quando os aacuterabes liderados por Marwan ibn

Muhammad (o futuro califa umiacuteada Marwan II) efetuam uma campanha mais

significativa contra os khazares Derrotam-nos no Caacuteucaso do norte chegam a ocupar a

capital khazar Atil e perseguem o Kagan ateacute a regiatildeo de Burtas no baixo Volga aonde o

convencem a se render e se converter ao Islamismo Apoacutes isso Marwan retorna agrave

Transcaucaacutesia e o Kagan recupera sua independecircncia 195

Nenhum dos dois lados conseguiu portanto submeter o Caacuteucaso inteiro e a

situaccedilatildeo natildeo era sustentaacutevel Para os Khazares ficou claro o perigo que era a guerra

contiacutenua com os aacuterabes tendo tido suas forccedilas destruiacutedas e seu governante humilhado

Quanto aos aacuterabes ficou claro que natildeo era suficiente derrotar as forccedilas khazares o

adequado seria ocupar seu territoacuterio196

A situaccedilatildeo muda com a chamada ldquoRevoluccedilatildeo Abaacutessidardquo quando o califa al-

191

SAUNDERS JJ A History of Medieval Islam London amp New York Routledge pp50-53 192

SAUNDERS JJ 50-58 193

MAKO Gerald The possible reasons for the Arab-Khazar Wars In ALLSEN ThT GOLDEN

PB KOVALEV RK amp MARTINEZ AP (eds) Archivum Eurasiae Medii Aevi (17) Wiesbaden

Harrassowitz Verlag 2010 P45 194

MAKO 47 195

NOONAN 1998 (b) 51 196

MAKO 56s

97

Mansur inicia uma poliacutetica de ldquodetenteacuterdquo com os khazares em 760 A situaccedilatildeo de

problemas econocircmicos sociais religiosos e poliacuteticos passados pelo califado favorece o

estiacutemulo agrave paz e comeacutercio em detrimento das guerras e conquistas

A oferta de ldquodeacutetenterdquo eacute aceita de imediato pelos khazares e o governador de

Arminiyah eacute ordenado por Mansur a casar-se com a filha do Kagan A despeito de outra

batalha gerada pela invasatildeo de forccedilas khazares no Azerbaijatildeo e Arran em 799800 as

hostilidades datildeo lugar ao comeacutercio entre 760 e 800 e a preocupaccedilatildeo dos khazares no

campo militar se daacute mais em relaccedilatildeo aos bizantinos

O rei Joseph bem Aaron dos khazares (khagan ou bek ndash haacute disputa sobre seu

status) governando aproximadamente entre 950 e 960 escreve ao rabino judeu Abu

Yusuf (Hasbai ibn Shaprut) de Coacuterdoba que os Khazares protegiam o Caacutespio (e

consequentemente os aacuterabes) de ataques dos Rus197

2113 Rotas e cronologias

O estudo dos depoacutesitos de dirhams sua distribuiccedilatildeo geograacutefica e dataccedilatildeo tecircm

propiciado reconstituiccedilotildees plausiacuteveis do desenvolvimento das rotas comerciais

escandinavas com o Oriente Proacuteximo O desenvolvimento da Arqueologia e acuacutemulo de

dados tecircm trazido seguranccedila a hipoacuteteses elaboradas proacuteximas da deacutecada de oitenta

acerca dos primeiros movimentos escandinavos a leste

Thomas Noonan198

apresenta os estudos numismaacuteticos compreensivos mais

detalhados sobre tais movimentaccedilotildees fundamentado em grande parte em bibliografia

sovieacutetica inacessiacutevel aos pesquisadores ocidentais Seus estudos buscam responder agrave

pergunta de por que os escandinavos aventurarem-se no interior da Ruacutessia e acabaram

por tornar-se referecircncia para os estudos subsequentes

Comparativamente com Inglaterra e Franccedila a Ruacutessia de norte era razoavelmente

pobre materialmente na transiccedilatildeo entre os seacuteculos XIII e IX Dessa forma a atraccedilatildeo que

as ilhas britacircnicas e o Ocidente em particular seus monasteacuterios desprotegidos exerciam

sobre os vikings eacute facilmente compreendida mas natildeo os porquecircs de escandinavos

aventurarem-se na Ruacutessia considerando que a Escandinaacutevia era mais rica materialmente

do que a proacutepria Ruacutessia

197

NOONAN 1998 (b) 51s 198

NOONAN 1998 (c) 346-347 Ver nota 188 e as referecircncias bibliograacuteficas para uma listagem

completa

98

I O Baacuteltico Austrvegr

O movimento escandinavo na Ruacutessia foi de iniacutecio um subproduto da atividade

Escandinava no Baacuteltico Oriental que remontava haacute seacuteculos antes do iniacutecio do Periacuteodo

Viking e incluiacutea tanto a execuccedilatildeo de expediccedilotildees raacutepidas de saque e comeacutercio como de

proacutepria habitaccedilatildeo e construccedilatildeo de ocupaccedilotildees Do Baacuteltico Oriental e da proacutepria Sueacutecia o

acesso agrave regiatildeo do Ladoga era facilitado A ldquorota de lesterdquo o ldquocaminho para lesterdquo satildeo

traduccedilotildees possiacuteveis para o termo ldquoAustrvegrrdquo que pode ser aplicado agraves proacuteprias rotas

per si ou agrave proacutepria regiatildeo baacuteltica-oriental

Nos seacuteculos V e VI as principais populaccedilotildees a comerciarem com a regiatildeo de

Garethariacuteki vinham do Baacuteltico A quantidade de depoacutesitos de moedas na regiatildeo da antiga

Pruacutessia e nas regiotildees eslaacutevicas ocidentais mostram movimentos iniciais da parte de

baacutelticos e eslavos ocidentais no que toca ao comeacutercio e circulaccedilatildeo de dirhams

No VI seacuteculo um grupo escandinavo possivelmente teria residido na foz do

Daugava199

nas proximidades ou na proacutepria Daugmale (vide Mapa 02) fortificaccedilatildeo no

curso do Daugava que tambeacutem assumiu papel de entreposto comercial Arbman efetua

descriccedilatildeo interessante do local Daugmale dominava o trecho de navegaccedilatildeo mais aacuterdua

do Daugava e apesar de suas fortificaccedilotildees fora queimada quatro vezes200

Mas a

confunde com Duumlnaburg (atual Daugavpils) localizada aproximadamente 200 km para

o sul no curso do Daugava e construiacuteda apenas no seacuteculo XIII Ellis-Davidson efetua

confusatildeo envolvendo tambeacutem a Daugavpils considerando que uma citaccedilatildeo de Saxo

Grammticus trate da mesma201

Saxo no entanto viveu e escreveu antes da construccedilatildeo

de Daugavpils o que leva a pressupor que a fortificaccedilatildeo do Daugava a qual ela se refere

eacute Daugmale

199

VERNADSKY Ancient Russia A History of Russia Volume I New Haven and London Yale

University Press 1964 6ordmed [1943]p266 200

ARBMAN Holger The Vikings London Frederick Praeger 1961 p 96 201

ELLIS-DAVIDSON Hilda Commentary In SAXO GRAMMATICUS The History of the Danes

Traduccedilatildeo FISCHER Peter II Vols Woodbridge Suffolk Boydell amp Brewer 2006[1979-80] P31

99

Mapa 02 Austrvegr e seus ramais Legenda 1 Ramo maior do Austrvegr 2 Rotas aquaacuteticas locais principais 3 Presumida fronteira eacutetnica balto - fino-uacutegrica 4 Colinas fortificadas e centros de poder 5 Cemiteacuterios com enterramentos escandinavos 6 Entrepostos comerciais em colinas fortificadas Fonte VALK Heiki The Vikings and the Eastern Baltic In BRINK amp PRICE (eds) The Viking World Routledge 2008 p486

100

Essa circulaccedilatildeo primitiva de Dirhams fora o impulso inicial a atraccedilatildeo primeva a

dirigir escandinavos principalmente os svear para as regiotildees de leste A despeito de

vestiacutegios no Golfo da Finlacircndia a principal regiatildeo de influecircncia escandinava e que

exemplifica a influecircncia e interesse no leste nesses seacuteculos iniciais eacute a Kuacuterland em

particular nas proximidades de Grobiņa (hoje na Letocircnia) e Apuole (hoje na Lituacircnia)

(vide Mapa 02) Haacute grande quantidade de achados de origem ou conexatildeo escandinava

em Kuacuterland tambeacutem em outros locais nas proximidades de Grobiņa Priediens II Porāni

e Rudzukalns II datados do periacuteodo de Vendel possuem conexotildees na regiatildeo da atual

peniacutensula de Kaliningrado202

As escavaccedilotildees e obras de Birger Nerman demonstraram o estabelecimento de

Svear e Gotar na regiatildeo por um periacuteodo aproximado entre os anos de 600 e 800 O

estabelecimento dos Svear eacute marcadamente militar Entretanto os vestiacutegios de

povoamentos dos oriundos de Gotland apresentam caracteriacutesticas mais marcadamente

comerciais apresentando inclusive a presenccedila de mulheres possivelmente famiacutelias203

O cruzamento com fontes escritas eacute possiacutevel As fontes propriamente

escandinavas apresentam problemas no que tange a uma historicidade estrita factual

abrindo espaccedilo para as discussotildees referentes ao entrelaccedilamento entre histoacuteria e misto

fato e ficccedilatildeo historicidade e narrativa

Entretanto a Vita anskarii de Rimbert arcebispo de Bremen traz uma narrativa

aparentemente mais croniacutestica e factual que ao menos corrobora a presenccedila sueca na

Kurland em tais seacuteculos A crocircnica ofereceu muito material para a formulaccedilatildeo das

hipoacuteteses de Berman eacute a situaccedilatildeo toda eacute um exemplo feliz de Arqueologia Histoacuterica

Ainda por Rimbert temos a informaccedilatildeo de que ocorrera uma rebeliatildeo da parte

dos kurs que expulsaram os svear seguida de um domiacutenio mais fundamentado em

extorsatildeo de impostos da parte dos daneses Dessa forma eacute plausiacutevel a hipoacutetese de que to

seacuteculo VII reis suecos tenham tido uma possessatildeo na Kurzeme

Nesse mesmo seacuteculo jaacute havia contatos entre escandinavos e habitantes da regiatildeo

de Ladoga entatildeo majoritariamente fino-uacutegrica mas interagindo comercialemente com

poucos mercadores escandinavos baltos e saami mas ainda natildeo os povos eslaacutevicos204

No comeccedilo do seacuteculo VIII supostamente Livonia e Estonia eram parte do reino de Ivarr

202

ANDROSHCHUK 517s 203

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 204

DUCZKO 64

101

rei da Suecia de sul e Dinamarca205

Apoacutes a consolidaccedilatildeo do poder no litoral

gradativamente os escandinavos passariam a explorar mais profundamente o interior

(vide Mapa 03)

Nessas primeiras duas deacutecadas do seacuteculo VIII ocorreram modificaccedilotildees no

sistema comercial de longas distacircncias entre o Baacuteltico e o mundo islacircmico em

movimento derivado do crescimento dos mercados islacircmicos e khazares ao sul e

consequente aumento de demanda de produtos setentrionais dos quais se destacavam

peles mas tambeacutem escravos

Dessas deacutecadas datam os primeiros vestiacutegios de um comeacutercio envolvendo prata

como se depreende da dataccedilatildeo de depoacutesitos de dirhams encontrados natildeo apenas na

Ruacutessia de Noroeste mas na proacutepria Sueacutecia Pomerania e Mecklenburgo a concentraccedilatildeo

dessa prata nesse periacuteodo inicial entretanto daacute-se principalemente nas regiotildees dos

eslavos ocidentais206

O caminho do Daugava provia de iniacutecio a melhor opccedilatildeo para a exploraccedilatildeo das

regiotildees de leste consistindo na rota mais natural provavelmente teraacute sido o primeiro

caminho a pavimentar o avanccedilo Escandinavo na Ruacutessia rumo a um mercado lucrativo a

despeito do grande nuacutemero de portagens e cachoeiras necessaacuterias para se transpor Os

habitantes das margens do Daugava Baltos e fineses ofereciam pouca unidade e eram

esparsos Os varegues natildeo teriam tido problemas em primeiro comerciar e depois

dominar207

Nas partes superiores do rio nas proximidades da posterior Polotsk jaacute

encontrariam-se alojados povos eslaacutevicos mas aparentemente natildeo muito organizados

Kerner e Vernadsky defendem que nesse periacuteodo inicial os escandinavos teriam passado

diretamente sem se deter pela regiatildeo de Novgorod chegando agrave regiatildeo com as nascentes

tanto do Daugava quanto do Dnieper proacuteximo agraves nascentes do Volga208

(vide Mapa 03)

Em relaccedilatildeo ao Dnieper uma expansatildeo inicial natildeo teria ido de imediato muito

longe ao sul jaacute que a regiatildeo teria grupos de lituanos e eslavos melhor organizados e

capazes de oferecer melhor resistecircncia

205

VERNADSKY 266 206

DUCZKO 63 207

Ibidem 208

VERNADSKY 268

102

Mapa 03 Principais rios ligados agrave Rota do Daugava

Do autor Feito com a ferramenta ldquoMapmaker Interactiverdquo da National Geographic (TM)

Golfo de Riga

Dniepr

Volga

Daugava

(DuumlnaZapadnaya Dvina)

103

II A Rus de norte Ladoga

Seja pelas dificuldades impostas pelos nativos ou por caracteriacutesticas geograacuteficas

fica notoacuterio pelo estudo da Cultura Material que as principais rotas comerciais a serem

desenvolvidas pelos escandinavos em Garethariacuteki tenderiam a dirigir-se mais para o

norte atravessando o Golfo da Finlacircndia

A despeito do grande nuacutemero de vestiacutegios encontrados tambeacutem pela rota que

cruza o Daugava eacute clara a maior relevacircncia que a rota setentrional assumiria e de fato

como jaacute afirmado anteriormente houvera jaacute contato preacute-histoacuterico a perpassar a regiatildeo

A prata dos Dirhams enquanto motor comercial iraacute contribuir na geraccedilatildeo de um

sistema econocircmico particular na futura regiatildeo de Garethariacuteki Paulatinamente os

escandinavos vatildeo apropriando-se das rotas e meios propiacutecios a esse comeacutercio

diminuindo cada vez mais a necessidade de intermediaacuterios

Dessa forma sua penetraccedilatildeo na Ruacutessia pelos rios eacute gradual Os primeiros

entrepostos comerciais ficam nas proximidades do Golfo da Finlacircndia Lago

PeipusPskov e Lago Ladoga (vide Mapa 01) na cidade chamada pelos escandinavos de

Aldeigja ndash a Staraia Ladoga dos eslaacutevicos na qual existem vestiacutegios de contatos com

escandinavos ainda que em menor grau desde a idade do ferro209

A populaccedilatildeo inicial de tais regiotildees eacute majoritariamente fino-uacutegrica com

componente balto relativamente alto mas decrescente Haacute registro de contatos preacute-

histoacutericos com populaccedilotildees da Sueacutecia Central via ilhas Aringland e vestiacutegios arqueoloacutegicos

de objetos escandinavos nas regiotildees aleacutem do Volga em Perm210

Os eslavos orientais tambeacutem gradualmente iratildeo conquistando o norte

desalojando as populaccedilotildees nativas e misturando-se com elas

Como jaacute discutido em seccedilatildeo anterior Marija Gimbutas argumenta segundo

informaccedilatildeo mista arqueoloacutegica e linguiacutestica (no campo da toponiacutemica) que a regiatildeo de

expansatildeo dos povos Baacutelticos teria chegado ateacute as proximidades da atual Moscou Os

estudos linguiacutesticos igualmente demonstram o grau de influecircncia e mistura sofrido e

exercido pelos eslavos orientais em relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos Igualmente estudos

etnograacuteficos demonstram o grau de influecircncia baacuteltica encontrado nas populaccedilotildees

eslaacutevicas da Bieloruacutessia atual ndash influecircncia que natildeo obstante deve muito ao periacuteodo da

Repuacuteblica Polaco-Lituana na Idade Moderna possui substrato preacute-histoacuterico

Este complexo processo de controle econocircmico escandinavo e expansatildeo

209

ANDROSHCHUK 520 210

DUCZKO 65

104

territorial eslaacutevica natildeo permite uma postura totalmente exclusivista no que toca agrave

controveacutersia normanista Eacute adequado entretanto dar suporte agrave ideacuteia que o desenvolver

inicial da Rus ocorreu em um processo no qual uma minoria escandinava passava

gradualmente a deter um monopoacutelio econocircmico sobre uma populaccedilatildeo principalmente

eslaacutevica Entretanto o niacutevel cultural e tecnoloacutegico de ambas natildeo era tatildeo distinto

As localidades mais importantes nesta fase seratildeo Gniozdovo proacutexima a

Smolensk e agrave regiatildeo de encontro da fonte dos grandes rios (Daugava Dniepr e Volga) e

Staraia Ladoga ao norte (vide Mapa 04) A uacuteltima consiste na uacutenica cidade de alguma

significacircncia de fato de toda a Ruacutessia de Noroeste no periacuteodo medieval primitivo De

acordo com os estudos arqueoloacutegicos desenvolveu-se na metade de seacuteculo VIII211

Os sovieacuteticos datavam os escandinavos em Ladoga entre 840 e 850 mas o

registro arqueoloacutegico sugere uma ocupaccedilatildeo na verdade no extrato mais antigo entre

750 a 830 O achado mais pertinente a esse respeito eacute uma coleccedilatildeo de 26 ferramentas de

ferreiro de origem Escandinava ou Norte-europeacuteia (Baacuteltica) em uma oficina datada

pela dendrocronologia da deacutecada de 760212

A probabilidade maior eacute de que um empoacuterio sazonal escandinavo tenha sido

fundado proacuteximo a 750 e que a ocupaccedilatildeo por um grupo permanente de escandinavos

tenha se dado a partir do iniacutecio do seacuteculo IX quando um cemiteacuterio puramente

escandinavo passou a funcionar nos arredores de Ladoga213

Os escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga pelo surgimento de dirhams

valorizados pela falta de fontes de prata tanto na Ruacutessia quanto na Escandinaacutevia A

anaacutelise dos depoacutesitos de dirhams na Ruacutessia e no Baacuteltico sugere que eles a despeito do

conhecimento preacutevio preacute-histoacuterico ali chegaram com interesses comerciais mais

amplos e mesmo intuitos de residecircncia ao final do seacuteculo VIII logo crescendo em

nuacutemero e regularidade o vestiacutegio arqueoloacutegico atesta sua presenccedila seja na forma de

pentes calccedilados tecircxteis broches um cajado com inscriccedilotildees ruacutenicas e mesmo jogos214

211

NOONAN 1998 (c) 346 212

Ibidem 213

Ibidem 214

DUCZKO 69s

105

Mapa 04 Principais rios ligados aos movimentos escandinavos na Rus na regiatildeo do Alto Volga Do autor (feito com MapMaker Interative ndash National Geographic)

Golfo da Finlacircndia

Lago Peipus (Pskov)

Ladoga

Para Kiev e Bizacircncio

106

Parte razoaacutevel desses dirhams chegaram agrave Ruacutessia com propoacutesito de pagamento

agraves populaccedilotildees das bacias do Volga e do Dniepr por produtos locais em particular peles

Entretanto um percentual alto de tais moedas talvez ateacute da ordem de 36 era

reexportado para o Baacuteltico215

O traacutefico regular de dirhams entre Ruacutessia e Escandinaacutevia

via Ladoga se iniciou no princiacutepio do seacuteculo IX constituindo-se em evidecircncia adicional

da presenccedila escandinava em Ladoga bem antes de 840

III Rostov Suzdal e Murom

Seja vindo pelo ramo do Austrvegr do Daugava ou da regiatildeo de Ladoga a

proacutexima aacuterea a ser atingida seria a de Rostov Suzdal e Murom (vide Mapa 04) na qual

se encontra quantidade consideraacutevel de achados tipicamente escandinavo como fiacutebulas

ovais e espadas216

O acesso inicial a esta aacuterea deu-se de acordo com Vernadsky217

atraveacutes do rio Kotorosl tributaacuterio do Volga que chegava ateacute agraves proximidades de

Iaroslav

A etapa seguinte fora o lago Nero aonde se situa Rostov (vide Mapa 04) Haacute

uma portagem ali para o rio Nerl que eacute um tributaacuterio do Kliazma ndash por sua vez

tributaacuterio do Okaacute Dessa forma os varegues teriam chegado na bacia do Okaacute Tambeacutem

para Vernadsky218

os Escandinavos devem ter chegado a exercer um domiacutenio sobre os

fineses da regiatildeo de Rostov e Suzdal jaacute no seacuteculo VIII De fato Sarskoie Gorodichtche

conteacutem os vestiacutegios mais antigos da presenccedila escandinava na regiatildeo do Volga219

IV Os povoamentos pareados

Existem pares de povoamentos ou entrepostos comerciais com duas camadas

distintas no proacuteprio local ou que demonstram ter sucedido um ao outro em uma

localidade geograacutefica proacutexima Esta circunstacircncia eacute bastante sugestiva no sentido da

existecircncia de povoado autoacutectone balto ou fino-uacutegrico com influecircncia escandinava

sucedido por um povoamento eslaacutevico enquadrando-se no processo de expansatildeo eslava

para as terras do norte que se deu a partir da segunda metade do seacuteculo X220

215

NOONAN 1998 (c) 346 216

VERNADSKY 268 217

VERNADSKY 269 218

Ibidem 219

DUCZKO 190 220

DUCZKO 189

107

Dentre tais povoamentos pareados destacam-se GniozdovoSmolensk Timerevo

Iaroslav e Sarskoie GorodichtcheRostov (vide Mapas 03 e 04) O caso de Sarskoie

GorodichtcheRostov eacute emblemaacutetico dessa situaccedilatildeo

As escavaccedilotildees em Sarskoie Gorodichtche iniciaram-se em 1854 sendo

conduzidas pelo conde Alieksiei Uvarov Entre os achados encontraram-se objetos de

origem escandinava e ocidental incluindo uma espada Caroliacutengia com a inscriccedilatildeo latina

ldquoLun fecitrdquo e dois depoacutesitos de dirhams Outro depoacutesito de dirhams da vizinhanccedila

possuiacutea inscriccedilotildees ruacutenicas

Os achados escandinavos datam do seacuteculo IX em diante O registro indica

tambeacutem a coexistecircncia paciacutefica de fino-uacutegricos (meria) e varegues nos seacuteculos IX e X

Haacute um predomiacutenio de inumaccedilotildees

O siacutetio demonstra que a cidade entrou em decliacutenio a partir do seacuteculo X Por

dataccedilatildeo dendrocronoloacutegica sabe-se que o pavimento mais antigo de Rostov data de

963 sendo interessante notar a concordacircncia entre o decliacutenio de Sarskoie Gorodichtche

muito proacuteximo ao iniacutecio do florescimento de Rostov ndash desta feita com um caraacuteter mais

notoriamente eslaacutevico

No caso de Gniozdovo Smolensk o

decliacutenio da primeira coincide com a

emergecircncia de Smolensk no iniacutecio do seacuteculo

XI221

Haacute nuacutemero consideraacutevel de achados

arqueoloacutegicos tipicamente escandinavos em

Gniozdovo incluindo vestiacutegios funeraacuterios de

cremaccedilotildees em barcos222

Figura 02 Espada em estilo viking escavada em 1950

em Gniozdovo Iniacutecio do X

Fonte Гнёздовский археологический комплекс

2001

221

АВДУСИН ДИ К вопросу о происхождении Смоленска и его первоначальной топографии

Смоленску 1100 лет Смоленск 1967 Pp 71s 222

ANDROSHCHUK 526

108

V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland

O desenvolvimento dessa rede econocircmica escandinava ensaiado na regiatildeo

baacuteltica e iniciado nas regiotildees fino-uacutegricas do norte da Ruacutessia vai disseminando-se para

o sul e leste O gradual eliminamento de intermediaacuterios leva os escandinavos a

desenvolverem uma rota comercial direta com os Khazares que habitando a regiatildeo ao

norte do Caacuteucaso satildeo os intermediaacuterios com o mundo muccedilulmano produtor dos

Dirhams

O poderio dos khazares natildeo foi passiacutevel de ser subjugado pelo pequeno nuacutemero

de escandinavos no iniacutecio do processo sendo conquistado apenas em seacuteculos

posteriores por uma Rus jaacute de caraacuteter bastante eslaacutevico e nativo

Dessa forma a principal via comercial que se estabeleceria pelos escandinavos

levava-os diretamente ao comeacutercio com os Khazares Seguia a regiatildeo do Ladoga ateacute o

Volga Na aacuterea de Bolghar trocavam-se peles e cecircra pelos dirhams

Mapa 05 A Regiatildeo de Bolghar e o entreposto com os Khazares

Do autor

A obtenccedilatildeo desses produtos nativos levou ao desenvolvimento simultacircneo de

outra rota comercial dirigida ao sul ndash desta feita via o Dniepr e a regiatildeo das fontes dos

grandes rios (vide Mapa 04) Eacute nesta aacuterea que a relaccedilatildeo escandinava-eslaacutevica seraacute o

impulso formador da Rus A fim de obter mateacuteria-prima para troca por dirhams com os

Volga

Bolghar

Para o mundo Khazar e aacuterabe

(Serkland)

109

Khazares mais a leste os escandinavos desenvolveram uma extensa rede de obtenccedilatildeo

de tributo das populaccedilotildees locais fossem fino-uacutegricas baacutelticas ou eslaacutevicas

As tribos eslaacutevicas orientais maioria populacional do contexto tecircm papel de

destaque na situaccedilatildeo gradualmente substituindo as populaccedilotildees nativas fino-uacutegricas e

baacutelticas mais setentrionais Os extratos mais antigos escavados nos empoacuterios comerciais

demonstram uma presenccedila escandinava forte bem como fino-uacutegrica As camadas mais

superiores e recentes por sua vez vatildeo demonstrar cada vez mais a presenccedila do

elemento eslaacutevico

Resta ainda um aspecto relevante nesse contexto do contato com Bizacircncio que

os escandinavos teratildeo em sua marcha para o sul A riqueza e os atrativos materiais e

culturais de Bizacircncio formaram uma impressatildeo duradoura e poderosa na mentalidade

escandinava Ocorre mesmo a formaccedilatildeo da chamada ldquoguarda vareguerdquo um corpo de

elite de guarda-costas formada principalmente por varegues a serviccedilo dos governantes

de Bizacircncio

A participaccedilatildeo nesta guarda de elite seraacute elemento de honra para diversos dos

personagens escandinavos sejam fictiacutecios ou reais e encontraraacute eco nas fontes de

seacuteculos posteriores como trataremos mais detalhadamente no capiacutetulo 04

Dessa forma sob o ponto de vista mais estritamente econocircmico de anaacutelise

fortalecido pelo estudo numismaacutetico eacute possiacutevel delinear-se uma rede complexa de rotas

comerciais e de atrativos para os Escandinavos no leste Um movimento modesto de

iniacutecio entremeado de intermediaacuterios vai gradualmente desenvolver uma estrutura que

incorporava as rotas da Escandinaacutevia via Golfo da FinlacircndiaLadoga e Daugava do

Volga rumo aos Khazares e do Dnieper rumo a Bizacircncio Um sistema que desenvolveraacute

uma forte estrutura social e econocircmica de caraacuteter eacutetnico misto com predominacircncia

inicial de gerenciamento escandinavo e posterior eslavizaccedilatildeo tanto da estrutura de

poder como das populaccedilotildees nativas das regiotildees envolvidas

Esse sistema geraraacute um imaginaacuterio persistente na memoacuteria escandinava que

atrairaacute muitos aventureiros guerreiros e mesmo pregadores e forneceraacute temaacutetica para

uma ampla formulaccedilatildeo intelectual em particular nos seacuteculos XIII e XIV periacuteodo no

qual a Rus de Kiev jaacute estaraacute em decadecircncia o poderio Khazar foi destruiacutedo pelos Rus e

as estepes do sul da Ruacutessia satildeo varridas por movimentos nocircmades das estepes jaacute natildeo

mais bloqueados pela forccedila dos Khazares

O proacuteprio relacionamento dinaacutestico entre as elites dirigentes escandinavas e

russas demonstraraacute a perenidade das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Rus

110

O iniacutecio desse sistema deu-se quando outros povos do Baacuteltico aleacutem dos

Escandinavos foram atraiacutedos para Ladoga e sua prata islacircmica Provavelmente os

maiores responsaacuteveis por muitos depoacutesitos de dirhams do iniacutecio do seacuteculo IX das costas

das atuais Alemanha e Polocircnia foram eslavos ocidentais (ou eslavos do baacuteltico) 223

Mas ainda que muitos povos baacutelticos tenham sido atraiacutedos para Ladoga agrave

evidecircncia disponiacutevel sugere fortemente que os escandinavos foram os uacutenicos desses a se

aventurar no interior da Ruacutessia em busca da fonte dessa prata224

Em 839 os varegues estavam tatildeo familiarizados com o interior da Ruacutessia e seus

rios que chegaram por ali ateacute Constantinopla Isto indica que levou apenas uma geraccedilatildeo

entre aproximadamente 800-840 para que os escandinavos descobrissem como viajar

para o sul atraveacutes da Ruacutessia usando as grandes vias aquaacuteticas da Europa Oriental225

Dessas deacutecadas em diante desenvolver-se-ia uma nova fase de expansatildeo

22 As estelas ruacutenicas

As estelas ruacutenicas satildeo testemunhos materiais iconograacuteficos e de caraacuteter escrito

ainda que formulaico sobre as accedilotildees escandinavas a leste no periacuteodo viking Fornecem

informaccedilotildees sobre a proveniecircncia dos varegues seus destinos o conhecimento e

terminologia geograacuteficos sobre o leste dentre muitas outras informaccedilotildees sobre o

periacuteodo viking

Os aspectos geograacuteficos e etnograacuteficos de algumas estelas foram de certa forma

empregada nesse trabalho no capiacutetulo 3 item 31 ldquoQuadro etno-linguiacutestico de

Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIIIrdquo

Apresentaremos agora de forma mais detalhada tal seacuterie de fontes portanto

extraindo das mesmas informaccedilotildees pertinentes em nossa tentativa de construccedilatildeo de um

quadro plausiacutevel das relaccedilotildees entre Escandinaacutevia Austrvegr e Garethariacuteki no periacuteodo

viking

223

NOONAN 1998 (c) 346 224

Ibidem 225

Ibidem

111

221 Sobre as estelas ruacutenicas

O significado de Runa nas liacutenguas escandinavas estaacute ligado a ldquomisteacuteriordquo

ldquosegredordquo226

Possivelmente trata-se de um cognato oriundo das liacutenguas baacutelticas ou

mesmo fino-uacutegricas nas quais os significados do termo transitam proacuteximos a ldquofalarrdquo

ldquocantarrdquo227

Haacute mais de uma seacuterie de agrupamento de caracteres que chamamos de ldquoruacutenicosrdquo

incorporando povos germacircnicos da Europa continental nas ilhas britacircnicas e

principalmente na Escandinaacutevia Todos tem em comum o fato de serem meios de

expressatildeo proacuteprios de populaccedilotildees de liacutengua germacircnica em suas diversas ramificaccedilotildees

Assim como a maioria dos alfabetos europeus a origem longiacutenqua da escrita

ruacutenica remonta ao alfabeto feniacutecio Do mediterracircneo tal sistema de escrita inovador

baseado em fonemas simples (ao inveacutes de siacutelabas eou conceitos como nas escritas

hierogliacuteficas ideograacuteficas e cuneiformes) percorreu um longo caminho por diversas

terras tomando diversas formas e influecircncias tornando-se a forma de expressatildeo de

nuacutemero incontaacutevel de povos

No caso das populaccedilotildees germacircnicas a opiniatildeo de maior aceite desenvolvida

simultaneamente por Marstrander e Hammarstroumlmm entre as deacutecadas de 1920 e 1930

considera as runas como caracteres derivados de alfabetos da regiatildeo norte da Itaacutelia e da

Etruacuteria implicando assim certo parentesco da escrita ruacutenica com o proacuteprio alfabeto

latino - do qual posteriormente sofreu influecircncias e incorporou alguns caracteres228

Tal derivaccedilatildeo teria se dado em periacuteodo no qual as inscriccedilotildees do norte da

peniacutensula itaacutelica natildeo estariam ainda extintas a despeito da existecircncia e predomiacutenio do

latim e ocorreu pelo contato de alguma tribo germacircnica (os Marcomanni para

Marstrander os Cimbri para Altheim e Trautmann) com povos norte itaacutelicos

provavelmente ceacutelticos

Tal afirmaccedilatildeo natildeo eacute de difiacutecil confirmaccedilatildeo Basta notar a proacutepria semelhanccedila de

muitos dos caracteres ruacutenicos com os caracteres capitais do alfabeto latino Por exemplo

o ldquoFrdquo ldquoUrdquo ldquoRrdquo o ldquoIrdquo o ldquoMrdquo (em algumas derivaccedilotildees) o ldquoSrdquo o ldquoTrdquo o ldquoBrdquo e assim por

diante Na maior parte dos casos eacute possiacutevel traccedilar a conexatildeo epigraacutefica demonstrando

conexotildees entre caracteres que agrave um olhar simples dificilmente seriam aparentados

226

SPURKLAND Terje Norwegian Runes and Runic Inscriptions Woodbridge The Boydell Press

2005[2001]p 03 227

O termo empregado para os diversos cantos do Kalevala eacutepico finecircs por exemplo eacute ldquorunordquo Em letatildeo

liacutengua baacuteltica indo-europeia o verbo runat significa ldquofalarrdquo 228

ELLIOT 1963 06s

112

Tabela 01 ldquoRunes and North Italic lettersrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction Manchester

at the University press 1963 p08

Existem evidecircncias arqueoloacutegicas de que a escrita ruacutenica era conhecida jaacute no

seacuteculo II229

Seu uso se estendeu por toda a Idade Meacutedia e em alguns casos foi paralelo

ao emprego do alfabeto latino Na regiatildeo sueca da Dalecarlia seu uso foi registrado

ainda na Idade Moderna

229

SPURKLAND 2005 04

113

O alfabeto ruacutenico eacute conhecido como ldquofuthornarkrdquo ou variantes deste nome (como

ldquofuthorcrdquo) Deve-se agrave ordem mais comum em que os fonemas dessas escritas satildeo

listados f u thorn a r k h n i a s t b m l R

Haacute diversos variantes do futhornark de acordo principalmente com o nuacutemero de

caracteres e um criteacuterio cronoloacutegico tais variantes entretanto natildeo consistem em

entidades fechadas Eacute possiacutevel se encontrar testemunhos materiais que empregam

caracteres mistos de conjuntos distintos

Sua primeira forma eacute chamada de antigo futhornark Esta modalidade bem como

suas variantes foi empregada tanto na Europa continental (entre os seacuteculos II-IX)

quanto na Escandinaacutevia (nos seacuteculos VII-VIII) Possuiacutea basicamente 24 caracteres

Figura 03 ldquoDen utnordiska runradenrdquo Obtido em JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala

Esselte Herzogs 1984 P 13

Entre os seacuteculos VIII e IX as modificaccedilotildees nas liacutenguas germacircnicas foram

acompanhadas por mudanccedilas tambeacutem nas formas de escrita que acarretaram uma

simplificaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo no nuacutemero de caracteres reduzidos para 16 Esta nova

forma foi chamada de Novo futhornark e foi empregada primordialmente na Escandinaacutevia

principalmente nas Estelas ruacutenicas Possui duas variantes chamadas ldquorunas normaisrdquo

ou de ldquoramaspernas compridasrdquo e ldquoRunas de ramaspernas curtasrdquo

Figura 04 ldquoDen 16-typiga runradens tvaring varianter Normalrunor Kortkvistrunorrdquo Obtido em

JANSSON Sven Runinskirfter i Sverige Uppsala Esselte Herzogs 1984 P 28

114

Outro grupo de variaccedilotildees importante eacute chamado de futhornork anglo-saxatildeo ou

inglecircs Continha entre 26 a 33 caracteres dependendo da regiatildeo e variante (Thames

Vienna Codex Othonis Ruthwell etc) Foi empregado principalmente entre os seacuteculos

V-XI na Inglaterra anglo-saxatilde registrando escritos em antigo inglecircs e antigo friacutesio

Tabela 02 ldquoOld English futhorcs and the Ruthwell runesrdquo Obtido em ELLIOT Runes an introduction

Manchester at the University press 1963 p39

115

Existem diversas outras variantes por exemplo as chamadas ldquorunas

marcomacircnicasrdquo empregadas no continente entre os seacuteculos VIII-IX as ldquomedievaisrdquo

encontradas na Escandinaacutevia dentre os seacuteculos XII-XV e as dalecarlianas usadas na

Sueacutecia tatildeo tardiamente como o periacuteodo compreendido dentre os seacuteculos XVI-XX Esses

grupos possuem caracteriacutesticas dos grupos descritos acima

E por fim haacute de-se salientar que em alguns casos principalmente nas Ilhas

Britacircnicas ocorre o emprego de caracteres de sistemas agrupados como distintos pelos

acadecircmicos ndash por exemplo mistura de runas anglo-saxatildes e escandinavas230

222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas

Haacute cerca de 6000 inscriccedilotildees ruacutenicas na Escandinaacutevia aproximadamente a

metade em monumentos de pedra231

O restante eacute encontrado principalmente em objetos

de madeira mas tambeacutem de metal e osso como ferramentas armas moedas sinos de

igreja e pias batismais

O uso da escrita provavelmente natildeo foi restrito aos extratos mais elevados da

sociedade Esta ideia de restriccedilatildeo eacute passada por uma soma de fatores o melhor estado

de conservaccedilatildeo das inscriccedilotildees monumentais registrada em pedra e erigidas por pessoas

de recursos relatos de origem aristocraacutetica como o contido na Egils saga

Skalagriacutemssonar no qual o skaldr e aristocrata Egil corrige um uso errocircneo da escrita

ruacutenica com propoacutesitos maacutegicos feito por algueacutem de extrato social inferior ndash uma

passagem muito rica para discussotildees sobre letramento conflitos culturais e sociais e

mesmo religiosidade Por fim a ideia preconcebida de que a escrita estaacute sempre

associada a um extrato social ldquosuperiorrdquo

Entretanto haacute de se notar que o entalhe de uma inscriccedilatildeo ruacutenica ndash que consiste

principalmente de traccedilos horizontais ndash necessita apenas de uma faca ou objeto cortante e

um pedaccedilo de madeira Foram encontrados muitos objetos contendo atividades do

cotidiano possiacuteveis contratos de venda objetos com o nome de seu dono que revelam

um uso mais difundido do que se imagina

Um paralelo interessante pode ser traccedilado com ao achado de cartas e bilhetes

escrito por crianccedilas em carta de beacutetula na cidade de Novgorod na Rus de norte Cidade

de antigo predomiacutenio escandinavo acrescenta elementos interessantes agrave discussatildeo do

230

RENTERGHEM Aya Van And Now for Something Completely Different Runic Confusion Now and

Then Comunicaccedilatildeo apresentada na seccedilatildeo 823 no International Medieval Congress of Leeds 08072014 231

ZILMER 2005 38

116

letramento nas regiotildees de contato multicultural ou ditas ldquoperifeacutericasrdquo da Europa no

medievo

A discussatildeo sobre letramento no medievo assume mais de uma conotaccedilatildeo Em

termos mais estritos remete ao conceito de um certo grau de conhecimento e emprego

do latim uma pessoa letrada ldquolitteratusrdquo o eacute em contraposiccedilatildeo ao ldquoilliteratusrdquo o

ldquolaicusrdquo e nesse campo pode ser designada uma pessoa que ainda que natildeo conhcendo o

latim faccedila uso de outra forma de escrita ndash por exemplo a ruacutenica232

Letramento entretanto pode implicar no conhecimento de uma escrita ndash seja

latina ou natildeo233

De fato tal conceito mais amplo apresenta-se como muito mais

adequado no caso das regiotildees escandinavas que presenciaram o emprego de escrita por

seacuteculos antes da inserccedilatildeo da cultural cristatilde e latina

Nos seacuteculos apoacutes a conversatildeo agrave Cristandade entretanto - e eacute nesse periacuteodo no

qual as estelas ruacutenicas em particular tiveram maior florescimento ndash as duas formas de

escrita latina e ruacutenica coexistiram Entretanto com propoacutesitos funccedilotildees e limitaccedilotildees

diversas Os meios de escrita por exemplo delimitam grandemente o emprego da

mesma O custo de pergaminhos e ferramentas envolvidas na confecccedilatildeo de manuscritos

torna seu uso bastante circunscrito a atividades de maior vulto de relevacircncia

institucional ou religiosa em um contexto cristatildeo-latino Tal natildeo se daacute no entanto com

o entalhe de runas que pode ser efetuado em material de faacutecil acesso como pedaccedilos de

madeira com o emprego de ferramentas de igualmente faacutecil obtenccedilatildeo - como uma faca

Arqueologicamente a escrita eacute uma tecnologia uma teacutecnica Como tal seu

domiacutenio apresenta vantagens a seu portador agravequele que a domina destarte pode ser

empregada como forma de dominaccedilatildeo e poder Nesse sentido o domiacutenio da escrita o

letramento assume um papel de atividade cultural de uma praacutetica uma habilidade um

padratildeo de comportamento que se apresenta associado a ideologias desenvolvidas em

resposta a esses mesmos padrotildees de comportamento234

O relato da Egilssaga por exemplo pode revelar ao estudioso nuances

interessantes das sociedades escandinavas como a gradual concentraccedilatildeo de poder e

232

BAUML Franz H Varieties and Consequences of Medieval Literacy and Illiteracy Speculum 55

1980 pp 237-265 CLANCHY MT From memory to written record England 1066-1307 Oxford

Blackwell 1993 Pp224-252 233

STOCK Brian The Implications of Literacy Written Language and Models of Interpretation in th

Eleventh Centuries Princeton at the University Press 1983 P06 234

LERER Seth Literacy and Power in Anglo-Saxon Literature Lincoln University of Nebraska Press

1991 P 22

117

terras da parte de elites e a tentativa das mesmas de se assegurar para si o domiacutenio de

teacutecnicas que garantam privileacutegios

O emprego de duas escritas distintas oriundas de contextos culturais tatildeo

diversos apresenta ainda maior nuacutemero de variantes e torna a questatildeo mais complexa e

multifacetada Terje Spurkland prefere empregar o termo ldquorunacyrdquo ao inveacutes de

ldquoliteracyrdquo considera o uso de ldquorunic literacyrdquo uma idiossincrasia pela referida

dualidade e complexidade cultural envolvida em seu emprego Tal dualidade implicaria

em diversidade de expressotildees de meios de contextos comunicativos e de comunidades

textuais Dessa forma natildeo haveria em contextos normais a intersecccedilatildeo entre tais

formas de ldquoletramentordquo235

Poderiacuteamos acrescentar diversos casos de anormalidade ndash

por exemplo o uso de formas latinas com caracteres ruacutenicos - mas tais circunstacircncias

fogem ao nosso escopo

Por fim eacute possiacutevel que o nuacutemero de objetos com escritas ruacutenicas tenha sido

muito maior indicando um letramento - ou seu equivalente ruacutenico ndash mais amplo A

natureza pereciacutevel do material no qual foram confeccionadas ndash na maior parte das

vezes madeira ndash restringe o acesso que temos agrave esta informaccedilatildeo As variantes no

proacuteprio meio tambeacutem satildeo significativas dentro da proacutepria Escandinaacutevia A Noruega

apresenta um nuacutemero consideraacutevel de inscriccedilotildees em bastotildees e meios do cotidiano236

em

contraste com o pequeno nuacutemero de estelas encontradas em seu territoacuterio

A maior parte do material que possuiacutemos consiste em estelas runiacutecas ndash

monumentos erigidos em pedra contendo inscriccedilotildees no futhark em sua maioria no novo

futhark de 16 caracteres Traduzimos como ldquoestela ruacutenicardquo o termo sueco ldquorunstenarrdquo

no inglecircs ldquorunestonerdquo Optamos por ldquoestelardquo ao inveacutes de ldquopedrardquo ou ldquorochardquo por tratar-

se de termo jaacute de amplo uso na arqueologia ao referir-se a monumentos de pedra

contendo inscriccedilotildees ou representaccedilotildees considerando que ldquopedrardquo ou ldquorochardquo natildeo

passam uma dimensatildeo adequada agrave natureza de tais artefatos

O costume de se erigir e entalhaacute-las comeccedilou no periacuteodo das migraccedilotildees mas

floresceu do final do X ao iniacutecio do XII (+- 970-1170) Possui-se perto de 2300

inscriccedilotildees desse periacuteodo distintas dos periacuteodos anteriores e posteriores237

235

SPURKLAND Terje Literacy and acuteRunacyacutein Medieval Scandinavia In ADAMS Jonathan amp

HOLMAN Katherine (eds) Scandinavia and Europe 800 ndash 1350 Contact Conflict and Coexistence

Turnhout Belgium Brepols 2004 P 344 236

SPURKLAND 2004 334 237

SAWYER Birgit 2008[2000] 11

118

As inscriccedilotildees das estelas mais antigas satildeo contrastantes diacutespares difiacuteceis de

agrupar por generalizaccedilotildees algumas mais longas satildeo obscuras com o conteuacutedo

variando grandemente e algumas possuem foacutermulas maacutegicas As estelas posteriores satildeo

mais similares entre si tanto em forma quanto em conteuacutedo Suas inscriccedilotildees satildeo

geralmente claras e factuais bastante similares entre si na linguagem foacutermulas e

conteuacutedo

A maior parte das estelas dos seacuteculos X e XI foram erigidas para pessoas mortas

Praticamente todas inscriccedilotildees iniciam-se com uma foacutermula memorial contendo quem

erigiu a estela ndash o patrocinador - e em memoacuteria de quem foi erigida ndash o homenageado

Em cerca de 90 dos casos haacute alguma relaccedilatildeo de parentesco entre ambos238

Frequentemente as estelas providenciam informaccedilotildees adicionais do patrocinador ou

homenageado status social tiacutetulos viagens no estrangeiro feitos militares causa e

local de morte Algumas inscriccedilotildees terminam com o nome do entalhador

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland Apenas 10 das estelas

referem-se a movimentos vikings Destas mais que 34 fala de vikings caiacutedos nas

regiotildees de leste O restante das estelas trata de questotildees do cotidiano heranccedila e

memoacuteria

Feiticcedilos encantos e invocaccedilotildees de deuses pagatildeos satildeo muito raros Ocorrem na

Dinamarca mas satildeo excepcionais na Sueacutecia aonde ao inveacutes disso cruzes e oraccedilotildees

cristatildes satildeo muito comuns especialmente na regiatildeo de Uppland

238

SAWYER Birgit 2008[2000] 59-68

119

Diversas estelas desapareceram e

por vezez outras satildeo descobertas muitas

vezes fortuitamente em obras ou

escavaccedilotildees Sua distribuiccedilatildeo geral poreacutem

dada a frequecircncia e o padratildeo das estelas

descobertas natildeo deve ser diversa do que se

conhece 50 na Noruega 200 na Dinamarca

medieval (incluindo Halland Blekinge e

Skane hoje na Sueacutecia) e pelo menos 1800

na Sueacutecia medieval sendo mais que a

metade deste nuacutemero na regiatildeo de Uppland

Mapa 06 Distribuiccedilatildeo das estelas ruacutenicas na

Sueacutecia e Noruega por Km2

(Fonte Sveriges nationalatlas p45)

A dataccedilatildeo eacute incerta ao tratar-se de inscriccedilotildees individuais Haacute certos consensos

aproximados quanto a dataccedilotildees regionais de cunho mais geneacuterico Na Dinamarca (com

exceccedilatildeo de Bornholm) a maior parte das estelas data do final do seacuteculo X ao iniacutecio do

XI Em Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland as estelas satildeo de certa forma contemporacircneas com

as danesas sendo que no restante da Sueacutecia um pouco mais recentes Em Uppland (e

Bornholm) as estelas foram erigidas apenas jaacute passadas algumas deacutecadas do seacuteculo XI

sendo que em alguns lugares o costume perdurou ainda no seacuteculo seguinte Uppland

possui a maior concentraccedilatildeo de estelas ruacutenicas239

As estelas ruacutenicas satildeo fontes de informaccedilatildeo para diversas disciplinas acerca do

periacuteodo viking Providenciam informaccedilotildees sobre linguagem e ortografia arte e poesia

nomes de lugares e pessoas conhecimento geograacuteficoe etnoloacutegico artesatildeos

especializados disseminaccedilatildeo do Cristianismo

239

SAWYER amp SAWYER 10

120

Haacute ainda uma necessidade de estudos mais generalistas que incorporem as

especificidades regionais que se concentram normalmente em aspectos como

linguagem forma das runas layout e ornamentos deixando de notar que alguns

aspectos satildeo caracteristicamente regionais

As explicaccedilotildees sobre a curta duraccedilatildeo do costume de se erigir estelas ruacutenicas

bem como sua distribuiccedilatildeo desigual nos territoacuterios escandinavos natildeo possuem um

consenso ou uma teoria geral explicativa No geral as teorias explicativas defendem a

existecircncia de necessidades sociais agraves quais as Estelas ruacutenicas respondem Segundo tal

linha de raciociacutenio a distribuiccedilatildeo desigual das estelas poderia mostrar que em algumas

regiotildees as mesmas natildeo eram necessaacuterias Apresentamos a seguir algumas linhas

explicativas que tecircm sido elaboradas sobre a temaacutetica

a) MOLTKE e JANSSON a teoria ldquoclaacutessicardquo ndash estelas ruacutenicas enquanto

ldquoMonumentos da Era Vikingrdquo

As estelas ruacutenicas seriam ldquomonumentos das viagens vikingsrdquo Frutos da

atividade viking as estelas refletiam o gosto pelas expediccedilotildees vikings comemoravam a

elas e agravequeles que nelas pereceram Com o final do periacuteodo viking o costume das

estelas tambeacutem esmoreceria240

Ainda que grande parte das estelas sejam explicitamente comemorativas tal

explicaccedilatildeo eacute insatisfatoacuteria ndash ainda que as estelas de viagens tenham definido os

paracircmetros e a ldquomodardquo para as demais natildeo se explica porque no final do periacuteodo viking

houve a explosatildeo suacutebita de estelas em diversos lugares da Escandinaacutevia e em tatildeo grande

nuacutemero

Os historiadores tendem a dar mais atenccedilatildeo agraves estelas que comemoram os que

morreram no estrangeiro passando a impressatildeo que tais estelas satildeo tiacutepicas enquanto

consistem em apenas 10 por cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas241

A maior parte das estelas fala de pessoas que viveram e morreram em casa

consistindo um corpus de evidecircncia ainda muito negligenciado pelos historiadores

Informaccedilotildees pontuais sobre uma ou outra pessoa da qual natildeo se sabe nada (exceto que

erigiu uma estela) satildeo insignificantes a natildeo ser que o corpus seja considerado como um

todo

240

JANSSON 1984 42s 241

SAWYER amp SAWYER 12

121

b) Von FRIESEN (1928) LJUNGBER (1938) PALME (1958) GRAumlSLUND

(1987) LARSSON (1990) WILLIAMS (1996) - mudanccedila religiosa

O processo de cristianizaccedilatildeo eacute um fator explicativo importante para o costume

de ereccedilatildeo de estelas ruacutenicas pois o costume reflete tambeacutem a transiccedilatildeo de costumes

fuacutenebres pagatildeos para cristatildeos Existem trecircs vertentes explicativas principais nesta linha

natildeo necessariamente excludentes

b1) O costume atendia agrave necessidades emocionais entre os receacutem-conversos

que a despeito de terem enterrado seus parentes em novos locais (adros) queriam

honraacute-los em lugares tradicionais como em casa em uma estrada ou num local de

assembleia Explicaccedilatildeo de caraacuteter psicoloacutegico pode explicas parcialmente o fenocircmeno

b2) algumas estelas foram movidas muito cedo dos seus lugares originais para

adros ou mesmo usadas na construccedilatildeo de igrejas ndash sugere-se que foi a proacutepria falta de

espaccedilo nos adros para enterramentos cristatildeos que criou a necessidade de erigir uma

estela ruacutenica cristatilde Em Uppland a construccedilatildeo de igrejas e cemiteacuterios cristatildeos demorou

um longo tempo e ali as estelas podem ter funcionado como laacutepides cristatildes em

cemiteacuterios pagatildeos (Graumlslund)

b3) As estelas ruacutenicas provavelmente tambeacutem compensavam o abandono de

costumes de enterramento com bens e pompa em um periacuteodo transicional quando o

enterro cristatildeo seria visto como cerimocircnia muito simples

Existem muitas situaccedilotildees na linha da mudanccedila religiosa que necessitam de

explicaccedilatildeo A explicaccedilatildeo da conversatildeo religiosa natildeo explica por exemplo a

distribuiccedilatildeo desigual e as poucas homenagens agraves mulheres 7 das estelas conteacutem

comemoraccedilotildees dirigidas agrave mulheres e em metade destas as mulheres satildeo comemoradas

junto com homens Em contrapartida os tuacutemulos femininos da Idade do Ferro satildeo

mobiliados ricamente e tecircm proporccedilatildeo bem mais alta de adornos

c) Peter e Birgit SAWYER242

as Estelas ruacutenicas enquanto ldquosintoma de criserdquo

A explicaccedilatildeo de Peter e Birgit Sawyer para o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das

estelas ruacutenicas as explica enquanto um ldquosintoma de criserdquo Birgit Sawyer eacute autora de

uma das obras mais completas e influentes no campo de estudo das estelas ruacutenicas

destarte suas ideias merecem espaccedilo agrave parte

242

SAWYER amp SAWYER 14

122

Segundo os Sawyer provavelmente o iniacutecio do costume ao menos entre o

seacuteculo X tardio ao XI inicial foi lanccedilado por Haraldr dente-azul que erigiu largo

memorial em Jelling para seus pais Ainda que longa e elaborada a inscriccedilatildeo parece ter

determinado o padratildeo e dado o prestiacutegio de Haraldr em toda a Escandinaacutevia natildeo eacute

surpreendente que seu monumento fosse tatildeo influente

A Estela de Jelling tornou-se um siacutembolo tanto da transiccedilatildeo do paganismo para

Cristianismo quanto do desenvolvimento de novas formas de governo A maior parte

das estelas daneses espalham-se por aacutereas sob o controle de Harald ou seu filho Sven e

nas regiotildees aonde o crescente poder real danecircs se firmava as pessoas parecem ter

seguido o padratildeo individual nos moldes de Jelling

A discussatildeo de especificidades em Goumltaland Svealand Uppland e regiatildeo dos

lagos Malar leva os Sawyer a argumentar que efetuando-se estudos caso a caso as

estelas ruacutenicas satildeo sintomas de mudanccedila dramaacutetica e que esta hipoacutetese lanccedilaria luz nas

condiccedilotildees econocircmicas e sociais do tempo Eacute uma linha argumentativa que reflete parte

de suas obras e que privilegia uma ruptura com conjunturas antigas

d) GREN (1994) ANDREacuteN (2000) JESCH (2001) NIELSEN (2003)

ZILMER (2005) As estelas ruacutenicas enquanto sistemas de comunicaccedilatildeo

Esta ideia natildeo exclui as demais explicaccedilotildees Frequentemente mistura-se com as

outras ou faz parte de componentes significativos das mesmas A ideia de que as estelas

ruacutenicas sejam meios de comunicaccedilatildeo eacute de certa forma evidente seja na anaacutelise de

aspectos comemorativos ou legislativos (ie de heranccedila)

A proposiccedilatildeo defendida mais especificamente por Gren sobre o aspecto

comunicativo das estelas ruacutenicas enfatiza que as estelas consistiriam em meios

duradouros e expressivos de comunicaccedilatildeo em particular no sentido de que

constituiriam em respostas poderosamente materializadas a problemas e desafios

enfrentados pelas pessoas

A ideia de Gren natildeo eacute exclusiva agraves estelas ruacutenicas sendo desenvolvida com a

base em exemplos da preacute-histoacuteria (monumentos megaliacuteticos) ateacute as catedrais do goacutetico

europeu Gren centraliza sua explicaccedilatildeo em uma uacutenica estela ruacutenica desenvolvendo

uma explicaccedilatildeo psicoloacutegica No caso de uma aplicaccedilatildeo mais ampla de suas ideias seria

necessaacuterio extrapolar cada estela ruacutenica como resposta a uma tensatildeo social especiacutefica o

que aproximaria sua ideia agrave teoria do ldquosintoma de criserdquo dos Sawyer

123

A despeito da limitaccedilatildeo da teoria de Gren Zilmer expande sua ideia e compara

com outras proposiccedilotildees de Jesch Nielsen e Andreacuten que enfatizam aspectos

comunicacionais das estelas Em suma a ecircnfase dada insere-se de que natildeo apenas a

mensagem textual das estelas comunica algo Seu tamanho localizaccedilatildeo estilo artiacutestico

dentre outras caracteriacutesticas ligadas agrave fisicalidade e agrave imageacutetica satildeo caracteriacutesticas que

comunicam diferentes mensagens tatildeo significativas quanto o conteuacutedo explicitamente

textual243

223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas

Em adiccedilatildeo agraves informaccedilotildees geograacuteficas religiosas poliacutetcas e de caraacuteter mais

teacutecnico haacute ainda uma vertente a ser mais explorada no campo das estelas ruacutenicas que

trata do estudo de relaccedilotildees sociais

As estelas foram memoriais natildeo apenas dos mortos mas tambeacutem dos que as

erigiram Os patrocinadores satildeo quase sempre mencionados em primeiro lugar e a

relaccedilatildeo entre ele (ou ela) e o homenageado eacute definida quase que universalmente

demonstrando claramente sua relevacircncia

Podem ser notados certos princiacutepios em relaccedilatildeo a quem comemora quem

(normalmente parentes mais proacuteximos e companheiros) com algumas variaccedilotildees

regionais significativas demonstrando que os patrocinadores tinham certo interesse no

que o morto tinha tido ou teria direito244

Tais interesses eram normalmente

reinvidicaccedilotildees pessoalmente ou em nome de outros menores a herdar terras bens ou

status (como o rank ou tiacutetulo de thegn) Alguns patrocinadores tinham o direito de

dividir o que tinha sido possuiacutedo conjuntamente como em casos de em casamento ou

parceria

Eacute provaacutevel que esses memoriais refletissem ao menos parcialmente os

costumes de heranccedila da pessoa que os patrocinavam As novas condiccedilotildees de

responsabilidade e propriedade apoacutes a morte de um parente ou parceiro determinavam

natildeo apenas quem comemorava mas tambeacutem a ordem de nomeaccedilatildeo dos patrocinadores

nomeados bem como o cuidado com que suas diferentes relaccedilotildees com o falecido eram

especificadas

243

ZILMER 2005 45s 244

SAWYER amp SAWYER 13

124

Birgit Sawyer245

alega a existecircncia de dois padrotildees principais de heranccedila a)

Uppland diversos patrocinadores satildeo nomeados incluindo mulheres b) Dinamarca

(tendecircncia tambeacutem em Noruega e Goumltaland) patrocinadores individuais satildeo

mencionados haacute poucas mulheres Outras regiotildees escandinavas mostrariam traccedilos de

ambos padrotildees em diferentes graus

A heranccedila partilhaacutevel (diversos patrocinadores tiacutepica de Uppland) consistiria no

costume mais comum mais tardiamente e a natildeo-partilhaacutevel (um patrocinador exemplar

na Dinamarca) primitivamente A explicaccedilatildeo dada por Sawyer para tais divisotildees

encontraria amparo nas diferentes estruturas de poder organizadas nos reinos

escandinavos que incluem a proacutepria estruturaccedilatildeo monaacuterquica e institucionalizaccedilatildeo da

Cristandade

Os daneses foram muito cedo governados por reis capazes de concentrar um

poder mais centralizado que possivelmente tomavam medidas para que as terras por

eles distribuiacutedas aos seus principais homens natildeo fossem divididas As regiotildees suecas

possuiacuteram processo de centralizaccedilatildeo monaacuterquica muito mais tardio gradativo e multi-

facetado

Pode-se levantar tambeacutem uma explicaccedilatildeo alternativa agrave questatildeo do poder central

Uma alegaccedilatildeo de heranccedila levantada por patrocinadores muacuteltiplos pode refletir

simplesmente uma reinvidicaccedilatildeo que pode ser feita por todos patrocinadores Em

contrapartida patrocinadores individuais teriam uma reinvidicaccedilatildeo que natildeo podia ou

natildeo deveria ser dividida como uma posiccedilatildeo enquanto agente real ou a residecircncia

principal de um proprietaacuterio de terras normalmente reservada ao filho mais velho

As questotildees ligadas agrave heranccedilas propriedades e exibiccedilatildeo monumental de tais

reinvindicaccedilotildees levantam outras questotildees ligadas agraves explicaccedilotildees dos fenocircmenos das

estelas ruacutenicas Natildeo se sabe ao certo porque em determinado periacuteodo foi necessaacuterio

que se erigissem tais memoriais e por que tornariam-se tatildeo marcadamente similares

entre si

245

Idem p14

125

224 As estelas ruacutenicas e o leste

A terminologia geograacutefica referente agraves populaccedilotildees de Austrvegr jaacute foi

referenciada anteriormente nesse trabalho Como jaacute afirmado a discriminaccedilatildeo

terminoloacutegica geograacutefica eacute bastante acurada e emprega termos que natildeo apenas refletem

bastante satisfatoriamente as divisotildees eacutetnicas e geograacuteficas das regiotildees a leste como

tambeacutem continuam em uso nos seacuteculos posteriores tanto em obras de cunho geograacutefico

quanto narrativo

As estelas de interesse para nossos propoacutesitos enquadram-se na parcela das

estelas ldquovikingsrdquo que comemoram homens mortos em expediccedilotildees ao estrangeiro Como

jaacute citado acima o nuacutemero total das estelas vikings perfaz aproximadamente 10 por

cento do nuacutemero total de estelas ruacutenicas Aqui referimo-nos enquanto ldquoestelas vikingsrdquo

agraves estelas que conteacutem referecircncias a expediccedilotildees de caraacuteter viking ou navegaccedilatildeo as

estelas que Jansson emprega enquanto ldquoMonumentos do periacuteodo vikingrdquo Ao referirmos

as estelas que lidam especificamente com vikings no oeste o faremos de forma

especiacutefica Na ausecircncia portanto de especificaccedilatildeo empregamos tal conceito geneacuterico

apresentado na introduccedilatildeo deste trabalho

A anaacutelise e catalogaccedilatildeo das estelas ruacutenicas eacute padronizada pelo sistema do

projeto Samnordisk runtextdatabas Iniciado em 1986 na Universidade de Uppsala

Sueacutecia o projeto atualmente disponibiliza a transcriccedilatildeo das inscriccedilotildees para o antigo

noacuterdico e versotildees para o sueco e o inglecircs de todas as inscriccedilotildees ruacutenicas encontradas ndash

natildeo limitando-se portanto agraves estelas ruacutenicas e empregando um sistema de banco de

dados que pode ser baixado e instalado no computador do pesquisador chamado de

Rundata

Segundo o sistema do Samnordisk runtextdatabas empregam-se abreviaturas

das proviacutencias suecas seguido de um nuacutemero de registro (ie Souml = Soumldermanland U =

Uppland) No caso de outros paiacuteses as abreviaccedilotildees satildeo dos proacuteprios paiacuteses

escandinavos (ie Dinamarca = DR) ou X seguido da abreviaccedilatildeo do paiacutes (ie X Ua =

Ucracircnia) A discriminaccedilatildeo acurada das proviacutencias suecas natildeo eacute devida apenas agrave criaccedilatildeo

do projeto na Sueacutecia mas sim ao grande predomiacutenio das estelas ruacutenicas em territoacuterio

sueco e necessidade de maior precisatildeo

A publicaccedilatildeo de novos achados de estelas ruacutenicas eacute feita pela Fornvaumlnnen

publicaccedilatildeo quadrimestral da Academia Real de Letras em Estocolmo Sueacutecia fundada

em 1906 e especializada no campo de Arqueologia e arte medievais

126

Dessa forma diferentemente dos achados numismaacuteticos as informaccedilotildees das

estelas ruacutenicas satildeo de faacutecil acesso para pesquisadores de todas as regiotildees do mundo

desde o advento da Internet

Numeraccedilotildees alternativas esporadicamente satildeo empregadas Destas destaca-se a

numeraccedilatildeo empregada por Elena Melnikova em uma seacuterie de publicaccedilotildees referentes agraves

estelas ruacutenicas de leste iniciadas antes da organizaccedilatildeo do Samnordisk runtextdatabas

As publicaccedilotildees a citar inscriccedilotildees catalogadas por Melnikova empregam a terminaccedilatildeo

Mel seguida do nuacutemero mas tal procedimento tecircm caiacutedo em desuso com a inserccedilatildeo das

mesmas no Samnordisk runtextdatabas Tal desuso tambeacutem ocorre com a listagem

proacutepria da obra de Bloumlndal publicada em 1978 e republicada em 2007246

As estelas ruacutenicas suecas consistem em aproximadamente 1800 exemplares As

estelas vikings segundo Sawyer cerca de 10 deste total Contando-se caso a caso das

estelas encontramos um nuacutemero de 177 Eacute possiacutevel dividir ainda estas estelas vikings

em subseacuteries de acordo com o criteacuterio geograacutefico das localidades de morte do

comemorado ou entatildeo de acordo com a comemoraccedilatildeo de um mesmo indiviacuteduo (ou

indiviacuteduos ligados a ele)

Algumas estelas possuem nomes que natildeo apresentam consenso em sua leitura

como o caso jaacute referido da U 439 cujo termo ndashaskalat eacute lido como ldquoAistlandrdquo ou

ldquoSerklandrdquo Em alguns casos nomes proacuteprios satildeo considerados por alguns autores como

referecircncia a locais como no caso da U 1087 que Bloumlndal lista entre as estelas varegues

pela circunstacircncia de que o comemorado possui o nome Garethar247

Dessa forma em

adiccedilatildeo agrave circunstacircncia da descoberta de novas estelas todos os caacutelculos e nuacutemeros satildeo

inerentemente aproximaccedilotildees

246

BLOumlNDAL Sigfuacutes The Varangians of Byzantium An aspect of Byzantine military history translated

revised and rewritten by Benedikt S Benedikz Cambridge At the University Press 2007 [1978] 247

BLOumlNDAL 2007 225

127

U 439

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoHaeligrlaeligif ok THORNorgaeligrethr letu raeligisa staeligin

thornenna at Saeligbiorn faethur sinn Es styrethi austr

skipi meeth Ingvari a

AEligistaland()Saeligrkland[i]()rdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Haeligrleif e THORNorgaeligrethr tiveram esta pedra

erigida para Saeligbjoumlrn seu pai Que guiava a

leste um barco com Yngvarr para Eistland()

Serkland()

Figura 05 U 439 Desenho de Johann

Bureaus em 1595 Localizada originalmente

no palaacutecio de Steninge perdeu-se Em

destaque as runas lidas como ldquo-skalatrdquo

Eacute procedimento comum referir-se a ldquoEstelas vareguesrdquo ao se falar das estelas

comemorando escandinavos viajando ou caiacutedos nas regiotildees de leste mas existem

subdivisotildees em tal definiccedilatildeo mais geneacuterica Em relaccedilatildeo ao criteacuterio geograacutefico as

subdivisotildees das estelas varegues satildeo as seguintes

a) As estelas varegues per si acabam por referir-se apenas aos termos Austr

Austrvegr Gardar Garethariacuteki ou variantes dos mesmos normalmente ligados aos

territoacuterios da Rus ou empregando designaccedilotildees geneacutericas de leste (ldquoaustrrdquo) Dentre

estas enumeramos as seguintes U 153 U 154 U 209 U 283 U 366 U 504 U 636 U

687 U 898 Souml 33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml

308 Souml 338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

Esta seacuterie perfaz um total de 34 artefatos consistindo em aproximadamente

298 do total das estelas varegues e 191 das estelas vikings Inserimos em nossa

contagem a estela X UaFv191447 encontrada na ilha de Berezani atual Ucracircnia por

128

conter inscriccedilotildees ruacutenicas e tratar-se de artefato da mesma categoria das outras estelas

ruacutenicas

A U 504 fala de um homem que navegava tanto para leste quanto oeste razatildeo

pela qual contamo-la em ambas listagens mas a inserimos na somatoacuteria total das estelas

enquanto apenas um artefato

U 504

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKaeligtilfastr raeligisti staeligin thornenna aeligftiR

Asgaut faethur sinn SaR vas vestr ok

austr Gueth hialpi hans salurdquo

Versatildeo nossa

ldquoKaeligtilfastr erigiu esta rocha em

memoacuteria de Asgautr seu pai Ele foi

para oeste e leste (Que) Deus ajude

sua almardquo

Figura 06 U 504 ndash Ubby Uppland

Foto segundo licenccedila livre da ldquoCreative

Commonsrdquo

b) Estelas da Greacutecia estelas que possuem referecircncias agrave Grekland termo

escandinavo empregado para Bizacircncio Dada a grande popularidade da guarda varacircngia

e da possibilidade de carreira feitos militares ou comeacutercio com Bizacircncio haacute um nuacutemero

consideraacutevel de tais estelas Satildeo elas

U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431 U 446 U 518

U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml 82 Souml 85 Souml 163 Souml

165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G 216

129

Perfazem um nuacutemero de 30 artefatos cerca de 263 das estelas varegues e

168 das estelas vikings

U 792

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoKarr let raeligisa staeligin thornenna at

Horsa() faethur sinn ok

Kabbi()Kampi()Kappi()Gapi

() at mag sinn Fo[r] haeligfila feaR

aflaethi ut i Grikkium arfa sinumrdquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

Karr teve esta pedra erigida para

Horsa() seu pai e Kapi () para

seu parente Viajou de froma

competente ganhou riqueza no

estrangeiro na Greacutecia para seu

herdeirordquo

Figura 07 U 792 ndash Ulunda

c) Estelas do Baacuteltico referem-se agraves regiotildees baacutelticas dos territoacuterios das atuais

Letocircnia Estocircnia e Finlacircndia Satildeo elas U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U

582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs 13 Vg 181 G 135 G 319

Um total de 14 artefatos 127 das estelas varegues e 79 das estelas vikings

Em Grobiņa atual Letocircnia e siacutetio de grande importacircncia nos estudos

escandinavos foi encontrada uma estela pictoacuterica na deacutecada de 80 Enquanto artefato

arqueoloacutegico eacute de valia na ecircnfase nos movimentos escandinavos na aacuterea Entretanto

natildeo listamo-la entre as estelas ruacutenicas por ser estela de outra natureza natildeo contendo

inscriccedilotildees ruacutenicas mas pictogramas Estelas nesta categoria foram encontradas

principalmente em Gotland e outras aacutereas do Baacuteltico aparentando tratar-se de produtos

130

especiacuteficos da arte de Gotland exportados para uma ou outra aacuterea de influecircncia eou

colonizaccedilatildeo

d) Estelas da Lombardia Quatro estelas encontradas na Lombardia satildeo por

vezes enquadradas entre as estelas varegues por se considerar como fruto de atividades

de varegues em Bizacircncio Satildeo elas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65 Apenas 36

das estelas varegues e 22 das estelas vikings

Haacute duas seacuteries de estelas mencionando indiviacuteduos especiacuteficos que a erudiccedilatildeo

considera tratarem-se das mesmas pessoas dados principalmente os referenciais

geograacuteficos Satildeo as estelas de Yngvarr e Freygeirr

a) Estelas de Yngvarr Haacute um nuacutemero consideraacutevel de estelas ou fragmento das

mesmas (entre 26 a 28) com referecircncia direta ou circunstancial a Yngvarr chefe que

liderou expediccedilatildeo rumo agrave Serkland Ainda referente a tal expediccedilatildeo possui-se a

Yngvarrs Saga escrita provavelmente no seacuteculo XIII que reconta o evento de forma

fantaacutestica Tal expediccedilatildeo terminou em desastre e muitos de seus participantes satildeo

comemorados por meio de estelas ruacutenicas Satildeo elas

U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157 Souml 9 Souml

96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277 Souml 279 Souml 281

Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

Bloumlndal considera tambeacutem que as estelas U 785 listada por ele como estela 13

e referindo-se a um falecido em Serkland248

bem como a estela Souml 131 listada por ele

como 4249

fariam parte da seacuterie de Yngvarr Natildeo se levando em consideraccedilatildeo estas

estelas pela ausecircncia de consenso acadecircmico temos 26 estelas de Yngvarr 236 das

estelas varegues e 146 das estelas vikings

248

BLOumlNDAL 2007 225 249

BLOumlNDAL 2007 227

131

U 778

Transcriccedilatildeo para o antigo noacuterdico do

Samnordisk runtextdatabas

ldquoTHORNjalfi ok Holmlaug leacutetu reisa steina

thornessa alla at BankaBagga son sinn Er aacutetti

einn seacuter skip ok austr styacuterethi iacute Ingvars lieth

Gueth hjalpi ocircnd BankaBagga Aacuteskell reist ldquo

Versatildeo (nossa) para o portuguecircs

ldquoTHORNjalfi e Holmlaug tiveram todas

estas rochas erigidas para BankiBaggi seu

filho Ele sozinho possuiacutea um barco e

navegou para o leste com a tropa de Yngvar

Que Deus ajude o espiacuterito de

BankisBaggis Aacuteskell entalhou ldquo

Figura 08 U 778 - Localizada no poacutertico da Igreja de Svinnegarn

b) Estelas de Freygeirr Freygeirr fora provavelmente um chefe que executou

expediccedilotildees na regiatildeo baacuteltica Referem-se a ele as seguintes estelas

Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

A estela U 698 eacute comumente tambeacutem listada entre as estelas do Baacuteltico segundo

proposiccedilatildeo de Omeljan Pritsak250

Conteacutem a referecircncia de um homem morto na Livocircnia

Eacute interessante notar a existecircncia de uma estela danesa a Dr 216 Tal estela eacute em estilo

RAK consistindo numa das mais antigas fontes a citarem a Sueacutecia Se a eacute correta e tais

estelas referem-se ao mesmo indiviacuteduo entatildeo Freygeirr nascera na Dinamarca e

falecera na Sueacutecia

As 6 estelas de Freygeirr representam aproximadamente 55 das estelas

varegues e 34 das estelas vikings

250

PRITSAK 1981 399

132

Figura 09 DR 216 Exposta no museu nacional

dinamarquecircs

Foto de Christian Bickel disponibilizada sob licenccedila livre

(Creative Commons)

DR 216

Transcriccedilatildeo para o antigo

noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoAsrathornr ok

Hildu[ng]RHildv[ig]RHildu[lf]R

resthornu sten thornaelignsi aeligft FrathornaFraeligthorna

fraelignda sin sin aelign han was thorna

faeligkn() waeligRa aelign han warthorn doslashthornr

a Swethorniuthornu ok was fyrst() i()

Friggis() liethi() thorna alliR

wikingaRrdquo

Versatildeo para o portuguecircs

(do autor)

ldquoAsrathornr e Hild[ung] erigiram

esta rocha em memoacuteria de Fraeligthorna

seu parente [ ] ele morreu na

Sueacutecia e foi primeiro () na tropa

() de Freygeirr [ ] de todos os

vikingsrdquo

Somando-se o total das estelas varegues incluindo as estelas da Lombardia

desduplicando-se a referecircncia a Freygeirr nas estelas do Baacuteltico e desconsiderando-se as

duas adiccedilotildees de Bloumlndal agraves estelas de Yngvarr chegamos a um nuacutemero de 114 estelas

varegues 64 do total das estelas vikings

Uma contagem aproximada das estelas vikings a oeste nos leva agraves seguintes

proporccedilotildees

a) Estelas vikings de oeste contendo referecircncias agrave locais da Europa mencional

ou simplesmente mencionando que o comemorado fora em expediccedilatildeo viking (ldquoiacute

133

viacutekingrrdquo) Ainda apresentam uma definiccedilatildeo terminoloacutegica centrada em uma dualidade

exclusiva viking=oeste varegue=leste

Satildeo elas U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml 137 Souml

159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111 OumlG Fv1970310

Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330 Dr 334 Dr 216

Um total de 30 artefatos Aqui inclui-se a Dr 216 mencionada entre as estelas de

Freygeirr O nuacutemero de estelas sem referecircncia geograacutefica abre a possibilidade de que

nem todas refiram-se agrave localidades da Europa Ocidental havendo a possibilidade de

conter participantes de expediccedilotildees a leste

A U 504 exemplifica clara e expliacutecitamente a participaccedilatildeo de vikings tanto a

leste como oeste Essa estela tambeacutem eacute listada entre as estelas varegues

Contando-se o nuacutemero de 30 estelas entretanto chega-se a 168 das estelas

vikings e 469 das estelas de oeste

Souml 319

Transcriccedilatildeo para o

antigo noacuterdico do Samnordisk

runtextdatabas

ldquoFinnviethr() gaeligrethi

kuml thornessi aeligftiR GaeligiRbiorn

faethur sinn Hann vareth dauethr

vestrrdquo

Versatildeo (nossa) para o

portuguecircs

ldquoFinnviethr() fez estes

monumentos paraem

memoacuteria de Geirbjocircrn seu

pai Ele morreu no oesterdquo

Figura 10 Souml 319 - Localizada no solar de Staumlringe para aonde

foi movida Oriunda de Sannerby

134

b) Estelas da Inglaterra U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U

1181 Souml 46 Souml 55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104

Oumlg Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr 337

Dr 6 N 184

Somam 31 estelas 174 das estelas vikings gerais e 484 das estelas vikings

de oeste

c) Estelas de Jarl Hakon as estelas U 16 U 617 e Sm 76 conteacutem referecircncias a

Jarl Hakon Trecircs artefatos apresentam pouca relevacircncia estatiacutestica consistindo em

aproximadamente 17 das estelas vikings gerais e 47 das estelas vikings de oeste

As estelas vikings de oeste sem retirar-se a Dr 216 perfazem portanto 64

artefatos aproximadamente 36 do total das estelas vikings contra os 64 das estelas

varegues

135

23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste

Como jaacute afirmamos a estatiacutestica pertinente natildeo pode propiciar nuacutemeros exatos e

imutaacuteveis mas a proporccedilatildeo quase que dobrada da quantidade de estelas varegues em

relaccedilatildeo agraves estelas vikings de oeste eacute evidente

Tal dado per si entretanto precisa ser considerado em meio a diversos fatores

Dentre esses destacamos as frequecircncias das regiotildees de origem das estelas ruacutenicas (vide

Tabela 03) A maior parte das estelas vikings procedem de Uppland e Soumldermanland

seguidos de Oumlstergotland segundo padratildeo que combina com a proveniecircncia geral das

estelas ruacutenicas em sua totalidade Oumlland entretanto que possui elevada quantidade de

Estelas Ruacutenicas por aacuterea conteacutem apenas uma estela viking

Alguns tecircnues padrotildees

regionais podem ser delineados

coerentes com a interpretaccedilatildeo

histoacuterica tradicional A pequena

quantidade de artefatos na

Dinamarca possuem um nuacutemero

maior de estelas inglesas

enquanto que Gotland possui uma

maioria absoluta de estelas

varegues contendo tambeacutem uma

estela da Greacutecia e duas do Baacuteltico

Mapa 07 As proviacutencias suecas Do

autor Feito com a ferramenta

ldquoMapmaker Interactiverdquo da National

Geographic

136

Tipo Regiatildeo Varegues per si Greacutecia Baacuteltico Lombardia Yngvarr Freygeirr Vikings de oeste Inglaterra Haakon Total

Uppland 9 18 8 2 8 4 5 8 2 64

Soumldermanland 11 7 2 2 15 11 6 54

Oumlstergoumltland 2 2 2 4 2 12

Smaringland 1 3 6 1 11

Vaumlstergoumltland 3 1 1 2 2 9

Gotland 3 1 2 1 8

Dinamarca 1 1 4 1 6

Vaumlstmanland 2 1 3 6

Gaumlstrikland 1 1 1 2

Noruega 1 1 2

Oumlland 1 1

Alemanha (Schleswig) 1 1

Ucracircnia 1 1

Letocircnia Estela

Pictoacuterica

de

Grobiņa

-

177

Tabela 03 Distribuiccedilatildeo geograacutefica das Estelas Vikings As aacutereas rachuradas indicam picos das frequecircncias

A Gs 13 aparece tanto na seacuterie de Estelas do Baacuteltico quanto das de Freygeirr Dessa forma foi contada como apenas uma Procedemos da mesma forma em relaccedilatildeo agrave Dr 126

listada tanto enquanto uma estela viking de oeste quanto de Freygeirr

Conforme discutido no toacutepico das estelas do baacuteltico a estela pictoacuterica de Grobiņa natildeo foi inserida na contagem

137

Tal distribuiccedilatildeo harmoniza-se com a pressuposiccedilatildeo tradicional de uma ecircnfase

entre os dinamarqueses e noruegueses nas expediccedilotildees vikings a oeste e Ilhas Britacircnicas

e dos vikings suecos e de Gotland a leste em particular as relaccedilotildees de Gotland com o

Baacuteltico

Entretanto outras distribuiccedilotildees fogem desse padratildeo e sugerem outras hipoacuteteses

A Noruega possui um exemplar varegue e um inglecircs Gaumlstrikland possui um exemplar

do BaacutelticoFreygeirr e uma estela da Inglaterra

Vaumlstergoumltland e Oumlstergoumltland apresentam uma distribuiccedilatildeo praticamente igual

entre estelas de leste e oeste inseridas as subdivisotildees regionais e Smaringland demonstra

uma propensatildeo forte para oeste

Dessa maneira o quadro geral demonstra de fato uma forte inclinaccedilatildeo entre os

vikings suecos para o leste mas tal inclinaccedilatildeo apresenta uma concentraccedilatildeo especiacutefica

em Soumldermanland Uppland e Gotland Os suecos das demais regiotildees apresentam uma

distribuiccedilatildeo quase que uniforme entre leste e oeste com leve predomiacutenio para o leste

com exceccedilatildeo de Smaringland Entretanto o nuacutemero de estelas vikings nas outras regiotildees

suecas eacute muito menor e a amostragem natildeo eacute estatisticamente suficiente para conclusotildees

definitivas

Por hora parece adequado pressupor que os vikings das demais regiotildees suecas

encontravam-se ativos tanto a leste quanto a oeste Possuiacutemos poucas estelas ruacutenicas das

demais regiotildees mas parece razoaacutevel a proposiccedilatildeo de que esta circunstacircncia possa ser

aplicada tambeacutem aos vikings de Noruega e Inglaterra Eacute significativo que das uacutenicas

duas estelas vikings da Noruega uma seja varegue

Tal fase da anaacutelise deixa uma aparecircncia inicial de que o movimento a leste foi

empreitada fortemente concentrada entre os suecos da regiatildeo dos lagos Malaren e

Gotland No entanto a escrita histoacuterica posterior inseriraacute o leste de papeacuteis significativos

que levam a repensar os quadros de exclusividade e duplicidade simples nos campos de

accedilatildeo ldquovareguerdquo e ldquovikingrdquo

A especificidade e distribuiccedilatildeo desigual das estelas ruacutenicas pode induzir a

conclusotildees natildeo de todo seguras Natildeo obstante o cruzamento das informaccedilotildees com os

subsiacutedios dados pela numismaacutetica e arqueologia parecem fortalecer e preencher o

quadro de um movimento a leste instigado pela prata muccedilulmana e inicialmente

entremeado de intermediaacuterios

Gradativamente os escandinavos eliminaratildeo as intermediaccedilotildees e se aventuraratildeo

cada vez mais a leste com controle cada vez maior das fontes de riquezas

138

desenvolvendo sistema complexo que afetaraacute o proacuteprio desenvolvimento posterior da

histoacuteria da Rus Os suecos seratildeo peccedila-chave em tais processos

Poreacutem seus resultados a longo prazo seratildeo sentidos nas mentalidades

escandinavas como um todo Analisaremos a seguir as contruccedilotildees escritas realizadas

pelos historiadores posteriores todos dos locais mais ocidentais dos reinos

escandinavos e que revestem o leste com significados arraigados nesta tradiccedilatildeo de

seacuteculos de relaccedilotildees entre Escandinaacutevia e Leste

139

Capitulo 3 O LESTE ENQUANTO CONSTRUCcedilAtildeO GEOGRAacuteFICA

ldquoEacute inuacutetil lembrar endereccedilando-me aos fenomenoacutelogos que o espaccedilo cotidiano o espaccedilo do

primeiro estrato natural do ldquomundo da vidardquo eacute apenas quase euclidiano e isso localmente ele

natildeo eacute certamente homogecircneo nem mesmo isoacutetropo ele tem um alto e um baixo os trilhos da

estrada de ferro convergem na distacircncia a direccedilatildeo de qualquer demo situado entre Aacutetica e

Atenas e uacutenica e privilegiada pelos habitantes do demo () o espaccedilo () soacute eacute quase contiacutenuo

no sentido de Aristoacuteteles da divisibilidade ndash pois esta uacuteltima natildeo pode ser levada longe

demais Assim que a reflexatildeo comeccedila o mundo da vida se revela problemaacuteticordquo

(Cornelius Castoriades)251

31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste

Um passo obrigatoacuterio - quiccedilaacute um tanto oacutebvio - em um estudo que pretende tratar

com um termo primariamente ligado a uma direccedilatildeo geograacutefica eacute uma compreensatildeo

inicial de que forma o sistema de referenciamento geograacutefico se apresenta em sua forma

mais cotidiana pragmaacutetica e simples em suma de que forma o conhecimento e a

terminologia geograacuteficos ao menos no que toca agraves referecircncias e coordenadas se

apresenta nas fontes escandinavas sem o acuacutemulo de imaginaacuterio ideologia e narrativa

Eacute perfeitamente possiacutevel e necessaacuterio o questionar a validade de tal proposiccedilatildeo

enquanto construto da imaginaccedilatildeo humana todo sistema de ideias deriva de categorias

mentais especiacuteficas e culturais algumas dessas categorias por certo apresentam maiores

elaboraccedilotildees que outras por vezes certas construccedilotildees encontram-se mais marcadamente

entremeadas de elementos evidentes na natureza de forma a minimizar a accedilatildeo da

elaboraccedilatildeo humana sobre os mesmos

Seria possiacutevel efetuar alguma espeacutecie de ldquodissecaccedilatildeordquo de discriminaccedilatildeo de

elementos ldquosimplesrdquo ldquocomplexosrdquo ldquomaisrdquo ou ldquomenosrdquo elaborados culturalmente A

despeito da dificuldade da tarefa do complexo problema de se abordaacute-la de forma

objetiva ndash e da proacutepria possibilidade da objetividade conforme jaacute discutimos no

primeiro capiacutetulo desta tese ndash nos parece razoaacutevel efetuar uma diferenciaccedilatildeo entre os

sistemas simples de direcionamento geograacutefico ndash e nesta categoria enquadramos o

proacuteprio sistema cardinal mas tambeacutem o cabedal baacutesico terminoloacutegico geograacutefico

251

CASTORIADES Cornelius Figuras do Pensaacutevel as Encruzilhadas do Labirinto Volume VI Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Basileira 2004 Pp402s

140

empregado para referecircncia e direccedilatildeo ndash e elaboraccedilotildees que apesar de se basearem ou

empregarem elementos de tais sistemas a eles adicionam dimensotildees que o transcendem

Um exemplo simples de tal diferenciaccedilatildeo pode ser observado em trecircs empregos

do termo austr ldquolesterdquo no antigo noacuterdico (itaacutelicos nossos)

() austr iacute Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrloumlnd ()

ldquo(para o ) leste em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente ()rdquo

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 04252

)

() um sumarit iacute Austrveg ()

No veratildeo para Austrvegr

(Egils Saga Skallagriacutemsonar Cap 46253

)

En hann var farinn iacute Austrveg at berja troll

ldquoMas ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para destruir trollsrdquo

(Edda Menor Codex uppsaliensis Cap 26254

)

Todas as passagens satildeo pressupostamente da autoria de um mesmo indiviacuteduo

Snorri Sturlusson A primeira encontrada na Saga de Egil indica nada aleacutem da direccedilatildeo

per si ldquopara o lesterdquo A leste do narrador um leste apenas posicional localizam-se

Jamtaland e Helsingland para oeste estatildeo outras regiotildees imediatamente enumeradas

Aqui o personagem eacute a referecircncia a direccedilatildeo descritiva eacute apenas indicativa e mesmo

relativa vaacutelida para apenas seu observador

O segundo caso empregado na mesma Egils saga eacute o uso de um composto do

termo ldquoAustrvegrrdquo empregado no capiacutetulo 46 Nesta ocasiatildeo Egil e seu irmatildeo Thoacuterolfr

iniciam expediccedilatildeo para Kuacuterland Nesse uso do termo o ldquovegrrdquo fica mais compreensiacutevel

pelas imediaccedilotildees de Kuacuterland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e

Bizacircncio ldquoAustrvegrrdquo o ldquocaminho de lesterdquo

De fato a nomenclatura seraacute empregada com frequecircncia nesse sentido e

assumiraacute a conotaccedilatildeo mais ampla das regiotildees a leste do Baacuteltico em particular os atuais

Paiacuteses Baacutelticos e Finlacircndia Tal uso composto natildeo adiciona apenas o termo ldquovegrrdquo ao

simples ldquoaustrrdquo em adiccedilatildeo incorpora toda uma gama de significados ao mesmo ndash no

caso adicionando a ele uma conotaccedilatildeo geograacutefica e mesmo etnograacutefica

Por fim a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa na qual lemos

novamente o termo ldquoAustrvegrrdquo Aqui o termo aglutinaraacute ainda uma dimensatildeo adicional

252

In JOacuteNSSON Finnur (ed) Altnordische Saga-Bibliothek 3 Halle Niemeyer 1924 253

Idem 254

In PAacuteLSSON Heimir (ed) The Uppsala Edda University College London Viking Society for

Northern Research 2012

141

em seu significado No caso em questatildeo o deus THORNoacuterr estava a leste nas regiotildees de leste

no caminho de leste a lutar contra gigantes

Aqui eacute evidente ou pressuposto para o leitor que a leste haacute gigantes nesse

sentido nesta direccedilatildeo localiza-se Jottunheimr a terra dos gigantes Em adiccedilatildeo agrave

referecircncia simples de direccedilatildeo em adiccedilatildeo agrave regiatildeo etno-geograacutefica adiciona-se um

terceiro significado Desta feita um construto miacutetico uma localidade do imaginaacuterio

bem como toda uma gama de narrativas personagens e peculiaridades que confluem ali

O uacuteltimo significado estaraacute mais em voga nas fontes mais tardias em particular

nas Fornaldarsoumlgur quando se tornaraacute mais saliente nas narrativas que Austrvegr eacute

ponto de passagem para as dimensotildees ainda mais a leste bordejantes das aacutereas miacuteticas

de Jottunheimr das Planiacutecies de Glasir de Geirrodland

Temos aqui portanto um termo baacutesico ao qual se adiciona natildeo apenas um

composto mas gamas distintas e amplas de significados que discriminaremos de forma

mais pontual nos capiacutetulos seguintes Neste capiacutetulo lidaremos especificamente com a

dimensatildeo inicial referencial e mais simples de leste enquanto direccedilatildeo geograacutefica Para

tanto traccedilaremos um panorama geneacuterico sobre o conhecimento e representaccedilotildees

primaacuterias geograacuteficas que transparece nas fontes primaacuterias islandesas e escandinavas ndash

que como veremos em breve natildeo necessariamente satildeo monoliacuteticos e concordantes

Em seguida apresentaremos um quadro detalhado dessas mesmas regiotildees de

Austrvegr ndash na acepccedilatildeo de ldquocaminho de lesterdquo discriminadas nas fontes escandinavas

incluindo-se aqui as estelas ruacutenicas

311 O sistema cardinal e a terminologia

O sistema cardinal e suas derivaccedilotildees se entrelaccedilam no cotidiano e no

vocabulaacuterio da maioria das culturas dos tempos contemporacircneos De forma similar agrave

contagem e mensuramento do tempo ainda que natildeo de maneira tatildeo interiorizada e

arraigada consiste em um sistema conceitual de propoacutesitos praacuteticos que principalmente

por suas implicaccedilotildees cotidianas eacute assimilado e considerado como um fato dado a um

ponto em que eacute impossiacutevel para um indiviacuteduo que se considere ldquoeducadordquo ldquocivilizadordquo

enfim devidamente aculturado privar-se de conhececirc-lo ainda que minimamente

Como discute Norbert Elias de forma magistral eacute por demais estranho ao

homem moderno e assim o foi aos primeiros etnoacutelogos e antropoacutelogos encontrar

pessoas em culturas ditas ldquoprimitivasrdquo ou menos avanccediladas que desconheccedilam sua

142

proacutepria idade Poderiacuteamos traccedilar um paralelo ainda que de menor peso ao pensarmos

acerca da localizaccedilatildeo e terminologia espacial255

Enquanto sistema conceitual entretanto qualquer sistema de orientaccedilatildeo por

maior difusatildeo que encontre e por mais baseado que esteja em fenocircmenos naturais e

dados empiacutericos ndash e aqui podemos incluir trajetoacuteria do Sol (leia-se percepccedilatildeo de uma

trajetoacuteria do Sol ndash nem sempre considerada como tal) e dos astros depoacutesitos minerais e

norte geograacutefico magneacutetico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura antes que da

Natureza

Certamente que natildeo entraremos detalhadamente aqui em tal discussatildeo mas fica

evidente a necessidade de se considerar o sistema de orientaccedilatildeo geograacutefico enquanto

produto de criaccedilatildeo da razatildeo humana e do acuacutemulo e transformaccedilatildeo de saber como algo

que estaacute sujeito aos contextos especiacuteficos temporais nos quais eacute formulado empregado

e reformulado

O sistema cardinal por mais que se baseie em e estabeleccedila coordenadas

absolutas eacute passiacutevel de relativizaccedilatildeo ndash ao menos por meio da criaccedilatildeo de variantes ou

mesmo na forma de sua utilizaccedilatildeo Um exemplo claro eacute a convenccedilatildeo de apontamento de

direccedilatildeo ao norte Por mais que tal convenccedilatildeo tenha se desenvolvido por conseguinte agrave

uma determinante empiacuterica do norte absoluto e da buacutessola apontando para o mesmo -

por sua vez fundamentados na existecircncia de concentraccedilatildeo de minerais em determinada

parte da crosta terrestre - no decorrer dos tempos a percepccedilatildeo de tais absolutos a

compreensatildeo das mesmas e as representaccedilotildees de tal circunstacircncia empiacuterica sofrem

alteraccedilotildees de matizes estritamente culturais mais especificamente a dominacircncia e

hegemonia das culturas ocidentais do hemisfeacuterio norte em acircmbito mundial

Note-se por exemplo na representaccedilatildeo cartograacutefica dos sistemas graacuteficos

derivados de tais coordenadas que os mapas da Antiguidade e do Medievo natildeo

necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o

fazem os mapas contemporacircneos de fato como logo demonstraremos tal circunstacircncia

eacute rara

Mapas do mundo islacircmico traziam o norte para baixo e o sul ndash ou sudeste - para

cima e existiram tendecircncias diversas cartograacuteficas entre os proacuteprios europeus ocidentais

255

Eacute evidente que devemos muito aqui sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem agraves

reflexotildees de Norbert Elias A referecircncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se de qualquer

forma na paacutegina 10 da ediccedilatildeo que consultamos mas devemos muito mais ao autor do que apenas a

leitura desta paacutegina Vide ELIAS Norbert Sobre o tempo Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1998

[1984]

143

Mesmo contemporaneamente a representaccedilatildeo da Ameacuterica agrave esquerda e Euraacutesia e Aacutefrica

agrave direita natildeo eacute unacircnime e possui variaccedilotildees nas diversas esferas culturais do globo Em

breve retornaremos com mais detalhe na representaccedilatildeo graacutefica depicccedilatildeo geograacutefica e

confecccedilatildeo de mapas

312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo

Eacute relevante se debruccedilar previamente na terminologia referente aos sistemas

geograacuteficos e espaciais empregados pelos Escandinavos no medievo

A niacutevel bibliograacutefico eacute possiacutevel encontrar discussatildeo e reflexatildeo sobre os sistemas

de orientaccedilatildeo espaciais empregados pelos escandinavos em particular no que toca agraves

relaccedilotildees entre Islacircndia e Noruega Sobre o leste entretanto a situaccedilatildeo eacute mais exiacutegua O

grosso da bibliografia discute o conceito de leste quando o discute especificamente no

que chamamos de leste ldquosituacionalrdquo ou ldquodirecionalrdquo

Tal discussatildeo possui um forte vieacutes linguiacutestico agrave medida que deriva de termos e

modificaccedilotildees dos mesmos sendo necessaacuteria uma discussatildeo e explanaccedilatildeo especiacutefica dos

significados de direccedilatildeo e localizaccedilatildeo no antigo noacuterdico

O caraacuteter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais

formas de orientaccedilatildeo e expressatildeo geram estranheza ao olhar contemporacircneo de forma

que autores como Tatjana N Jackson ao comparar tais formas de expressatildeo com o

sistema cardinal as divide por vezes como ldquocorretasrdquo (se equivalem agraves distacircncias

indicadas cardinalmente) e ldquoincorretasrdquo (se natildeo se adequam ao sistema cardinal ainda

que empreguem termos do mesmo256

O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradiccedilatildeo

germacircnica mais ampla De forma geral a nomenclatura ndash nor- austrō- sun- wes-

influenciou a antiga terminologia latina ndash septentrionalisborealis orientalis

australismeridionalis occidentalis ainda que as formas latinas subsistam em termos

derivados257

O sistema baacutesico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norethr ndash norte

austr ndash leste suethr-sul vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno da

256

JACKSON T Old Norse System of Spatial Orientation In Saga Book 25 1998 Pp 72s 257

POKORNY Julius Indogermanisches etymologisches Woumlrterbuch 2 Baumlnde Francke Verlag Bern

und Muumlnchen 1958 Verbetes ldquoau-3(aṷe) ṷērdquoldquoaṷes-ldquo ldquosāṷel- suṷeacutel- sṷel- sūl-ldquo

144

costa norueguesa e na observaccedilatildeo dos astros dado o desconhecimento da buacutessola258

Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germacircnicos antigos tenham sido

empregados para o que consideramos pontos intermediaacuterios envolvendo uma rotaccedilatildeo

de 45ordm259

Entretanto a observaccedilatildeo das direccedilotildees norueguesas baseadas no desenho costeiro

ajuda a compreender melhor a situaccedilatildeo Eacute possiacutevel encontrar termos que parecem por

vezes peculiares ou ldquoestranhosrdquo agrave mente acostumada ao sistema de coordenadas

cardinais absolutas como por exemplo o termo landnorethr empregado para ldquonordesterdquo

mas que pode ser traduzido ao peacute-da-letra como ldquopara o norte via terrardquo enquanto que

uacutetnorethr ldquopara o norte indo para forardquo representava a direccedilatildeo de oeste ou noroeste ndash

consistindo nas rotas possiacuteveis a serem tomadas se o observador tomasse em

consideraccedilatildeo a geografia e costa norueguesas

Tal uso de vocabulaacuterio natildeo estaacute limitado aos residentes da Noruega antes

incorporou-se no vocabulaacuterio do antigo noacuterdico Observemos uma passagem escrita

novamente por Snorri Sturlusson um islandecircs na Ynglingasaga parte inicial da

Heimskringla

ldquoAf hafinu gengr langr hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-hafrdquo

ldquoDo mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em

direccedilatildeo ao nordeste e eacute chamada de Mar Negrordquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01260

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

O trecho em questatildeo encontra-se na descriccedilatildeo do mundo habitado mas descreve

regiatildeo longe da costa norueguesa o Mar Negro O uso para nordeste no entanto eacute

landnorethr261

Haacute o sistema referencial designado por Kirsten Hastrup262

como ldquoultimaterdquo no

sentido de que indica o objetivo final uacuteltimo a ser atingido pelo viajante Esta forma

258

LEONARD Stephen Language Society and Identity in early Iceland Wiley-Blackwell 2012

P 161 259

Ex o mesmo radical para austr- ldquolesterdquo e ldquoaustralisrdquo ldquomeridionalrdquo no latim Vide POKORNY

opcit ldquoaṷes-rdquo WEIBULL Lauritz De gamle nordbornas vaumlderstrecksbegrepp Scandia 01 1928

EKBLOM R Alfred the Great as Geographer Studia Neophilologica 14 1941-2 __________ Den

forntida nordiska orientering och Wulfstans resa till Truso Foumlrnvaumlnnen 33 1938 SKOumlLD

Tryggve Islaumlndska vaumlderstreck Scripta Islandica Islaumlndska saumlllskapets aringrsbok 16 1965 260

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04 261

Landnorethr ndash no genitivo landnoreths 262

HASTRUP 55

145

de expressatildeo eacute mais marcadamente linguiacutestica empregando expressotildees adveacuterbios e

modificadores de sentido indicativos de proveniecircncia e destino Tal sistema de

referecircncias em antigo noacuterdico centraliza-se em trecircs formas baacutesicas de expressatildeo que

denotam direccedilatildeo localidades e origens que a grosso modo podem ser expressos

simplificadamente como ldquo(dirigindo-se) para algum lugarrdquo ldquoem algum lugarrdquo ldquo(vindo)

de algum lugarrdquo263

A adiccedilatildeo de sufixos a adveacuterbios concede nuances especiacuteficas que se assemelham

a esse sistema tripartite o sufixo ndashi implica descanso em algum lugar especiacutefico

enquanto adveacuterbios com sufixo ndashan iratildeo indicar movimento partindo de algum lugar264

Alguns adveacuterbios satildeo modificados apenas de uma forma dual norethr por

exemplo significa ldquonorterdquo ldquopara o norterdquo enquanto norethan significa ldquo(vindo do) nortersquo

mas a maioria dos adveacuterbios acaba por se enquadrar no sistema ternaacuterio de localizaccedilatildeo

O uso do sufixo ndashan precedido da preposiccedilatildeo fyrir cria uma frase preposicional

que indica uma posiccedilatildeo relativa em relaccedilatildeo a outra fixa fyrir norethan heiethina significa

ldquo(a) norte dos pagatildeosrdquo

Fyrir norethan acabou tornando-se uma expressatildeo idiomaacutetica significando ldquono

norterdquo265

Esse tipo de construccedilatildeo generalizou-se tambeacutem para as outras posiccedilotildees

geograacuteficas Ainda no iniacutecio da Ynglingasaga temos um exemplo simples de seu uso

() heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en

sumir Eacuteneacutea

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns Europa

por alguns Enea

(Heimskringla Ynglingasaga 01266

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

Esse sistema conceitual eacute muito forte nas fontes primaacuterias criando expressotildees

especiacuteficas dependendo dos sentidos e localidades e enfatizando grandemente um

sistema de localizaccedilatildeo geograacutefica que chamamos de ldquorelativordquo ldquosituacionalrdquo ou

ldquodirecionalrdquo mas que com o decorrer do tempo acaba por assumir uma circunstacircncia

mista na qual a relativa localizaccedilatildeo dos pontos entre si gradualmente assume

conotaccedilotildees fixas idiomaacuteticas A coordenada que assume maior importacircncia natildeo eacute a

263

LEONARD 157 264

LEONARD 158 265

LEONARD 158 266

In JOacuteNSSON 1911 04

146

localidade per si (ie a Noruega ou a Islacircndia) mas antes a posiccedilatildeo relativa das

localidades em questatildeo entre si

As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema satildeo a

Islacircndia e a Noruega Viajar da Noruega para a Islacircndia seria escrito em sua forma

completa em antigo Noacuterdico como aeth fara fraacute Noregi uacutet til Iacuteslands Entretanto seu uso

mais comum eacute o abreviado aeth fara uacutet Literalmente em portuguecircs ldquosairirdirigir-

seviajar para forardquo

O sentido contraacuterio da Islacircndia para Noruega eacute usualmente indicado como aeth

fara uacutetan ldquovir de forardquo expressatildeo empregada largamente nas sagas e na produccedilatildeo

legal267

Tal sistema possui origem oacutebvia com os noruegueses que tendo colonizado a

ilha da Islacircndia empregaratildeo seu ponto de partida (a Noruega) como ldquodentrordquo e a

Islacircndia como ldquoforardquo Entretanto mais de um seacuteculo apoacutes a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e

quando a mesma jaacute se encontrava com caminhos distintos da Noruega os proacuteprios

islandeses continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas Ainda que se

dirigissem da Islacircndia para a Noruega sua forma de expressatildeo eacute de dirigir-se do ldquoforardquo

para o ldquodentrordquo que evidencia uma continuidade do conceito original direcional mas

somada a uma modificaccedilatildeo intriacutenseca do mesmo a relatividade e ateacute mesmo

ldquoetnocentridaderdquo do conceito original norreno sofrearaacute uma sutil transformaccedilatildeo na qual

as expressotildees indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaccedilotildees

fixas especiacuteficas e intrinsecamente ligadas a localidades especiacuteficas e imutaacuteveis

Outro exemplo da transformaccedilatildeo readaptaccedilatildeo e de certa forma ressignificaccedilatildeo

da terminologia geograacutefica eacute o caso da divisatildeo da Islacircndia em quadrantes ou ldquoquartasrdquo

(fjoacuterethungar) efetuada em 965 AD268

Esta divisatildeo foi efetuada num sistema de base cardinal contendo outras

peculiaridades de referecircncia geograacutefica O viajante que se dirigia ao quadrante sul

(baseado em um sistema cardinal) da Islacircndia dirigia-se de forma absoluta para o

oeste Entretanto o uso linguiacutestico empregado era de dirigir-se ao sul 269

Em adiccedilatildeo a tais nuances haacute-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega

o sistema de coordenadas cardinais de forma mais oacutebvia referenciando o destino

imediato para onde o personagem da narrativa dirige-se Dessa forma o itineraacuterio de

267

LEONARD 159 268

JACKSON 73 269

LEONARD 162 JACKSON 73

147

algueacutem na Noruega que se dirige para a Sueacutecia pode ser descrito como ldquoviajou para

lesterdquo

313 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis ndash a primazia da direccedilatildeo geograacutefica

simples270

Esta forma de referenciamento geograacutefico simples pode ser encontrada por

toda a produccedilatildeo escrita escandinava medieval como se espera de uma terminologia

empregada amiuacutede Haacute de se destacar no entanto uma seacuterie especiacutefica de fontes na qual

as nuances do sistema podem ser percebidas com maior propriedade tanto devido agrave

proacutepria forma de linguagem e estilo mais frequente como pelas proacuteprias caracteriacutesticas

geograacuteficas e de cenaacuterio especiacuteficas agrave modalidade de tal gecircnero procedeu parcela

consideraacutevel dos extratos de fonte e exemplos linguiacutesticos examinados ateacute entatildeo

Referimo-nos agraves chamadas Islendigasoumlgur as sagas islandesas por excelecircncia

muitas vezes traduzidas apenas como ldquosagasrdquo ldquosagas familiaresrdquo ou em uso mais

recente iniciado por Theodore Andersson271

e difundido por Else Mundal Torfi Tulinius

e outros acadecircmicos como ldquosagas dos antigos islandesesrdquo272

Ao lado das grandes obras histoacutericas as Islendigasoumlgur tiveram papel

fundamental provavelmente ainda maior na forma narrativa islandesa sobre os

acontecimentos e personagens do passado

Saga (pl soumlgur) eacute um termo empregado muito genericamente para formas

narrativas islandesas Proveacutem do antigo noacuterdico segja verbo que significa ldquodizerrdquo

ldquofalarrdquo ou por si soacute ldquocontordquo ou ldquohistoacuteriardquo e incorpora narrativas em prosa acerca de

algum personagem famiacutelia ou regiatildeo Apesar do gecircnero per si ser composto em prosa

haacute com grande frequecircncia conteuacutedo poeacutetico veiculado em seu meio em particular na

poesia escaacuteldica

Mas existem outras modalidades de saga e a definiccedilatildeo de distinccedilotildees literaacuterias

precisas entre as diversas modalidades das mesmas pode ser tarefa complexa e nem

sempre satisfatoacuteria

Conquanto as diferenccedilas entre alguns tipos de saga ndash por exemplo entre as

270

Boa e resumida referecircncia ao toacutepico pode ser encontrada em OacuteLASON Veacutesteinn Family Sagas In

McTURK Rory (Ed) A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell

Publishing 2006 [2005] pp 101-118 271

ANDERSSON Theodore The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280) Ithaca amp

London Cornell University Press 2006 272

MUNDAL Else Introduction In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas Reviews and Revisions

Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P01

148

Iacuteslendingasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur ndash possam ser marcantes haacute um nuacutemero elevado

de categorias que natildeo se enquadram nesses ou nos outros grandes grupos ou gecircneros

Certamente esta circunstacircncia natildeo exclui o emprego de criteacuterios de

categorizaccedilatildeo que satildeo relevantes uacuteteis e que provecircm auxiacutelio na compreensatildeo mais

precisa da produccedilatildeo escrita islandesa medieval

As Iacuteslendingasoumlgur descrevem principalmente os eventos ocorridos no

primeiro seacuteculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes

introdutoacuterias que lidam com os eventos na Noruega e Islacircndia no periacuteodo principal de

colonizaccedilatildeo entre 870 e 930) Sua dataccedilatildeo eacute razatildeo de debate ldquoDating the Icelandic

Sagasrdquo de Einar Sveiacutensson escrito em 1958 e publicado pela Viking Society for

Northern Research eacute obra referencial nesse sentido273

Sveiacutensson critica o procedimento de antigos editores tradutores e estudiosos

das sagas como Guethbrandur Vigfuacutesson marcado pela subjetividade e que atribuiacuteam

qualidades como ldquotomrdquo e ldquocaraacuteterrdquo agraves narrativas os quais empregavam como criteacuterios

para dataccedilatildeo e apreciaccedilatildeo274

e discutiraacute o emprego de evidecircncias histoacutericas275

dataccedilatildeo

dos manuscritos276

relaccedilotildees entre as diversas sagas277

evidecircncias literaacuterias e

linguiacutesticas278

e mesmo o que chama de criteacuterios ldquoartiacutesticosrdquo279

ndash criteacuterios que de certa

forma retomam usos que o proacuteprio Sveiacutensson criticou anteriormente mas que admite

que podem ser uacuteteis quando adicionados aos demais

Seus criteacuterios para dataccedilatildeo seratildeo ainda empregados resumidos e discutidos por

muitos autores Else Mundal os resume como a) relaccedilatildeo literaacuteria entre as proacuteprias sagas

b) dataccedilatildeo pela observaccedilatildeo de eventos e condiccedilotildees do proacuteprio autor refletidos na saga

c) qualidade artiacutestica do texto280

Tulinius os discute em profundidade ressaltando que

poucas adiccedilotildees tecircm sido feitas a eles281

com a exceccedilatildeo do trabalho jaacute referido de

Theodore Andersson que encaminha a situaccedilatildeo da dataccedilatildeo das sagas para uma

273

SVEIacuteNSSON Einar Dating the Icelandic Sagas an Essay in Method Viking Society for Northern

Research London 1958 274

SVEIacuteNSSON 39s 275

Idem 50 276

Idem 11 277

Idem 76 278

Idem 76s 96s 279

Idem pp 115ss pp 40 280

MUNDAL Else The Dating of the oldest Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P41 281

TULINIUS Torfi Dating Eyrbyggja Saga The Value of ldquoCircumstancialrdquo Evidence for Determining

the Time of Composition of Sagas about Early Icelanders In MUNDAL Else (ed) Dating the Sagas

Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 P130

149

discussatildeo do desenvolvimento de gecircnero literaacuterio282

Nos tempos contemporacircneos a tendecircncia acadecircmica tem sido a atribuiccedilatildeo de

datas cada vez mais recentes para as Iacuteslendingasoumlgur situando a dataccedilatildeo de suas

primeiras formas no seacuteculo XIII a partir de 1230 ou 1240283

Podemos listar entre elas a Egils saga a Njaacutels saga Kormaacuteks saga Viga-

Glums saga Giacutesla saga Grettir saga Eyrbyggja Saga Laxdaeligla Saga Heietharviacutega

saga dentre muitas outras Satildeo por vezes divididas internamente em mais categorias

como sagas familiares sagas de localidades ou de clatildes sagas de skaldar

Estas sagas contecircm narrativas realistas feita em tom soacutebrio e imparcial o autor

daacute tanto a acontecimentos importantes quanto a corriqueiros o mesmo tom narrativo

recurso que confere grande impacto agrave medida que as consequecircncias das accedilotildees

importantes acontecem

Seu heroacutei ou personagem principal pode ser um fora da lei um skaacuteldr ou

alguma entidade mais geneacuterica como uma famiacutelia ou mesmo uma regiatildeo da Islacircndia

Seus personagens natildeo satildeo completamente maus ou completamente bons por vezes um

personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de

compensar alguma ofensa a sua honra

A despeito da forma dominante em prosa poemas satildeo muito empregados em

particular nas sagas cujos personagens principais satildeo skaacuteldar como a Egils saga e a

Kormaacuteks saga constituindo-se em recursos importantes na apresentaccedilatildeo de

pensamentos dos personagens

O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos normalmente causados por

alguma ofensa de honra a algueacutem Agrave medida que a parte procura sua compensaccedilatildeo

partidos e alianccedilas vatildeo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras

retaliaccedilotildees e ofensas secundaacuterias Normalmente a saga termina quando as partes satildeo

conciliadas

Geograficamente circunscrevem-se agrave proacutepria Islacircndia e regiotildees com as quais

seus habitantes mantecircm contato mais direto como a Escandinaacutevia propriamente dita

Irlanda as Ilhas Britacircnicas e do Atlacircntico Norte Referecircncias agrave Bjarmaland ou

Austrvegr satildeo pontuais e raras como os acontecimentos narrados na Egils saga sobre

Bjarmaland e Kuacuterland

A natureza o ldquotomrdquo o uso da linguagem ndash as caracteriacutesticas formais desse

282

ANDERSSON 2006 283

MUNDAL 35

150

gecircnero satildeo razotildees que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma

terminologia senatildeo desprovida de componentes ideoloacutegicos e imaginaacuterios extra ao

menos mais focada na linguagem cotidiana Tambeacutem eacute importante a ecircnfase de que esta

modalidade de escrita largamente apreciada natildeo apenas pelos seus receptores mas

tambeacutem pela criacutetica posterior veio a ser considerada pela historiografia como uma ldquofase

de ourordquo da escrita medieval islandesa a chamada ldquoera dos Sturlungsrdquo (da qual faz parte

tambeacutem Snorri)

Uma larga porcentagem de autores da posteridade ndash e natildeo apenas de vieacutes

historicista ndash consideraria a produccedilatildeo escrita posterior a tal era como decadente e seus

antecessores enquanto passos ldquopreparatoacuteriosrdquo para a mesma Retornaremos agrave tal

discussatildeo no capiacutetulo 5

Esta forma de expressatildeo linguiacutestica eacute similar ao encontrado em outras fontes

de nosso interesse particular seraacute a obra de Snorri Sturlusson no capiacutetulo 4 que

assimilaria em grande parte tal forma literaacuteria

314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica

A forma narrativa seraacute o principal veiacuteculo de transmissatildeo de ideias em nosso

contexto de estudo inclusive nos aspectos referentes agrave representaccedilatildeo geograacutefica Haacute

uma segunda natureza de fontes que natildeo pode ser subestimada ou deixada de lado e que

acrescenta dimensotildees natildeo esperadas agrave compreensatildeo da mentalidade geograacutefica no

medievo da Escandinaacutevia

Aqui referimo-nos agrave confecccedilatildeo de mapas e outras formas de representaccedilatildeo

pictoacuterica do conhecimento geograacutefico que como veremos muito em breve satildeo

exemplos de alta relevacircncia na compreensatildeo da assimilaccedilatildeo do conhecimento

geograacutefico de outros acircmbitos culturais no contexto da Escandinaacutevia e Islacircndia

particularmente no seacuteculo XIII

Por tratarmos especificamente do norte podemos reduzir o nuacutemero de

manifestaccedilotildees pictoacutericas ao grupo especiacutefico dos chamado ldquoMappaemundirdquo que

consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses

Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval As

informaccedilotildees contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na

produccedilatildeo escrita e permitem pressupor certo consenso ou ao menos uma uniformidade

do conhecimento geograacutefico

151

Antes poreacutem de se analisar tais fontes precisamos traccedilar algumas

consideraccedilotildees sobre as proacuteprias tradiccedilotildees cartograacuteficas antigas e medievais tendo-se em

mente que natildeo eacute plenamente possiacutevel tecer derivaccedilotildees simplistas e inequiacutevocas das

influecircncias sofridas pelos Escandinavos no quesito conhecimento geograacutefico mas que

os mesmos sofreram as mais diversas influecircncias que se somaram ao proacuteprio

conhecimento acumulado pelos proacuteprios desde as eras preacute-histoacutericas

Exiacutemios navegadores e exploradores pragmaacuteticos por muitos seacuteculos mais do

que qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e

habilidades de navegaccedilatildeo e orientaccedilatildeo oriundos das mais diversas proveniecircncias Agraves

descobertas e criaccedilotildees propriamente nativas escandinavas devem ser adicionadas

influecircncias natildeo apenas de tradiccedilotildees europeias mas tambeacutem do mundo aacuterabe e

muccedilulmano

3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas

Mapas da autoria dos primeiros e mais influentes geoacutegrafos gregos como

Anaximandro (ca 610-546 aC) Hecateu de Mileto (ca 550 ndash 476 aC) Posidocircnio

(150-130 aC) e Ptolomeu supostamente localizam a Europa o norte no quadrante

superior do mapa a Aacutefrica (ldquoLiacutebiardquo) agrave esquerda e Aacutesia agrave direita Entretanto o acesso

que se tem a seus mapas eacute dado atraveacutes apenas de reconstruccedilotildees feitas principalmente

apoacutes o seacuteculo XIX O enquadramento do norte no quadrante superior em boa parte de

tais mapas eacute provavelmente uma das muitas adaptaccedilotildees e alteraccedilotildees efetuadas nos

mapas da Antiguidade que inseriram conhecimento informaccedilotildees preconceitos e mesmo

ideologias dos tempos do historicismo e positivismo284

A influecircncia de tais geoacutegrafos suas descriccedilotildees e metodologias eacute milenar e pode

ser notada tanto no desenvolvimento da posterior cartografia ocidental quanto na

equivalente do mundo islacircmico Entretanto tal influecircncia se deu natildeo apenas na forma de

representaccedilatildeo meramente espacial Antes da mera percepccedilatildeo e descriccedilatildeo empiacuterica o

dado idealizado o conceito e a representaccedilatildeo matemaacutetica e geomeacutetrica constituem-se

nos elementos de maior relevacircncia na tradiccedilatildeo cartograacutefica helecircnica285

284

BRODERSEN Kai Cartography In DUECK Daniela amp BRODERSEN Kai Geography in

Classical Antiquity Cambridge at the University Press 2012 p101 285

JONES Alexander Ptolomyacutes Geography Mapmaking and the Scientific Enterprise In TALBERT

Richard J Ancient Perspectives Maps and Their Place in Mesopotamia Egypt Greece and Rome

Chicago At the University Press 2012 Pp 114 117

152

De fato o homem da antiguidade preferia textos descriccedilotildees e tratados

idealizados286

em detrimento de mapas o que por si soacute possui seu peso na proacutepria

elaboraccedilatildeo de mapas nas obras de tais autores e um direcionamento especiacutefico na

confecccedilatildeo dos mesmos

Uma das vertentes mais ilustres a beber de tais tradiccedilotildees em particular de

Ptolomeu e do proacuteprio Aristoacuteteles287

a cartografia antiga e medieval islacircmica se

fundamentaraacute basicamente no trabalho de trecircs geoacutegrafos Abū Zayd Ahmad ibn Sahl al-

Balkhī (morto 322 aH 934 aD) Abū al-Qāsim Muhammad ibn Hawqal (479

aH1086 aD) e Abū Ishāq Ibrāhīm ibn Muhammad al-Fārisī al-Işţakhrī (957 aD) A

maior parte dos trabalhos de outros geoacutegrafos deriva ou eacute influenciada de alguma forma

principalmente pelos trabalhos de Ibn Hawqal e Al Işţakhrī

A obra de Al-Balkhī intitulada Ṣuwar al-aqālīm foi ampliada posteriormente

por Al Işţakhrī que por sua vez passou pelo mesmo processo sob a pena de Ibn

Hawqal o que tem levado ao desenvolvimento da ideia de uma ldquoescola de geoacutegrafos de

Balkhīrdquo288

Os mapas de al-Işţakhrī e Ibn Hawqal satildeo bastante similares entre si tendo que

provavelmente o segundo evidentemente sido bastante influenciado pelo primeiro Os

demais mapas incluindo aqui o bastante conhecido e influente mapa circular de al-Idrīsī

(1099-116566 aD) derivam grandemente da obra desses dois autores

De fato o mapa conhecido como da autoria de al-Idrīsī provavelmente foi uma

inserccedilatildeo em sua obra ldquoO livro das curiosidadesrdquo escrito por volta de 1020 a 1050 aD

e extensamente copiado por ocasiatildeo de 1150 quando Roger II da Siciacutelia efetuou um

compecircndio geograacutefico

286

BRODERSEN 109s 287

RAPOPORT Yossef amp SAVAGE-SMITH Emilie The Book of Curiosities and a Unique Map of the

World In TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle

Ages Fresh Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 P122 288

TIBBETS Gerald R The Balkhī School of Geographers P 108 In HARLEY amp WOODWARD

(eds) The History of Cartography Vol II Book I Cartography in the Traditional Islamic and South

Asian Societies Chicago at the University Press 1987 STOCK Guumlnter amp NEUWIRTH Angelika

Europa im Nahen Osten ndash Der Nahe Osten in Europa Akademie Verlag GmbH 2010 P144

153

Figura 11 Mappamundi de Al Işţakhrī (977 aD) Oxford Bodleian Library MS Ouseley 373 fols 3b-

4a

Em todos esses mapas o norte fica direcionado para o canto inferior direito

sendo que no topo da paacutegina encontra-se o sudoeste Haacute outras caracteriacutesticas que os

diferenciam grandemente das tradiccedilotildees europeias poderiacuteamos citar por exemplo o

centro do mundo que ao inveacutes de Jerusaleacutem encontra-se na Caaba289

bem como as

vertentes de mapas zonais que continham sete zonas climaacuteticas (as kishvarr)

explicitadas em meio de ciacuterculos pelo mapa ndash no mapa de Al Işţakhrī destacadas em

ciacuterculos vermelhos a primeira na India a segunda na Araacutebia e Abissiacutenia terceira em

Egito e Siacuteria quarta no Iratilde quinta na Aacutesia Menor e terras dos aş-Şaqāliba sexta na

terra dos Turcos e de Gog e Magogue e culminando com a seacutetima na China290

289

BORGOLTE Michael Christliche und muslimische Repraumlsentationen der Welt Ein Versuch in

transdisziplinaumlrer Mediaumlvistik Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften Berichte und

Abhandlungen Bd 14) Berlin 2008 Pp104s 290

BORGOLTE 100

154

Figura 12 O Mappamundi circular de al-Idrīsī (1099-116566 aD) Obtido em IBN FADLAN STONE

amp LUNDE (trad) Ibn Fadlān and the Land of Darkness Arab Travellers in the Far North Penguin

Books 2012

155

3142 Os Mappaemundi291

Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caracteriacutesticos do medievo

ocidental Basearam-se nos mapas da Antiguidade adaptando-os para a Cristandade

medieval Antes de buscarem trazer dimensotildees distacircncias e coordenadas especiacuteficos

retratavam eventos significativos da Histoacuteria Cristatilde Seu propoacutesito primaacuterio portanto

era a instruccedilatildeo dos fieacuteis e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da

Antiguidade como por exemplo o mapa de Eumenius datado de AD 297

Um Mappaemundi natildeo consiste necessariamente em uma depicccedilatildeo graacutefica do

mundo o termo pode ser empregado por exemplo significando uma descriccedilatildeo verbal

ou algum sentido metafoacuterico

Os mapas medievais possuiratildeo tambeacutem uma funccedilatildeo histoacuterica e narrativa

podendo ser vistos como anaacutelogos agraves narrativas medievais que retratam eventos

separados no tempo mas dispostos na mesma cena

Os mapas enquanto ferramenta com a funccedilatildeo especiacutefica de auxiacutelio a navegaccedilatildeo

e decorrentes necessidades de precisatildeo seratildeo desenvolvidos a partir do seacuteculo XIII por

italianos e sicilianos Receberatildeo o nome de ldquoPortulanosrdquo

Destarte eacute possiacutevel elencar a niacutevel de teacutecnica de composiccedilatildeo trecircs meacutetodos de

compilar a informaccedilatildeo cartograacutefica coexistentes na Baixa Idade Meacutedia

- Os empregados nos jaacute citados portulanos enquanto primeiras cartas naacuteuticas eram

construiacutedas baseadas nos contornos do Mediterracircneo e limitadas pelas proacuteprias formas

do suporte (velum etc)

- Os mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma

quantidade limitada de informaccedilatildeo a ser inserida em uma aacuterea circunscrita e definida

seja oval retangular ou redonda Esta aacuterea eacute por vezes seccionada ou dividida em

seccedilotildees esquemaacuteticas

291

As informaccedilotildees de cunho geneacuterico para esta seccedilatildeo foram obtidas basicamente nas duas maiores obras

de referecircncia na temaacutetica a) WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 amp b) EDSON

Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In TALBERT Richard

amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh Perspectives New

Methods Bril Leiden Netherlands 2008 pp 219-236 Conquanto o uacuteltimo trabalho esteja mais

atualizado e insira questotildees importantes agrave discussatildeo como por exemplo o proacuteprio questionamento sobre

a validade de classificaccedilotildees dos Mappaemundi segundo criteacuterios contemporacircneos o valor da obra de

Woodward perdura consistindo o mesmo na base para o segundo Informaccedilotildees pontuais seratildeo citadas a

parte

156

- Um terceiro meacutetodo define uma rede regular de paralelos e meridianos nos quais a

informaccedilatildeo geograacutefica seria inserida

3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi

Cronologicamente eacute possiacutevel diferenciar trecircs principais periacuteodos de tradiccedilatildeo dos

Mappaemundi

De Lactacircncio (ca240-320) a Gregoacuterio o Grande (ca 540-604) o periacuteodo tardo-

antigo greco-romano e patriacutestico (ca400 ndash ca 600) consistiraacute no periacuteodo de gestaccedilatildeo

das principais tradiccedilotildees cartograacuteficas medievais

Durante a Renascenccedila caroliacutengia (VIII-XII) ocorreraacute produccedilatildeo acelerada de

livros e manuscritos nos monasteacuterios e consequente proliferaccedilatildeo bem como

aperfeiccediloamento teacutecnico dos mapas Seraacute um periacuteodo chamado por alguns autores

como ldquo the gold Age of Church cartographyrdquo292

Entre os seacuteculos XII a XIII haveraacute uma chamada de ldquoRenascenccedila do seacuteculo

XIIrdquo293

quando agraves presentes tradiccedilotildees adiciona-se um influxo de conhecimento aacuterabe e

dos claacutessicos gregos

Como acabamos de afirmar as trecircs tradiccedilotildees fundamentais que influenciaram

toda a produccedilatildeo de mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade

Meacutedia ateacute o Renascimento surgiram no primeiro periacuteodo da Antiguidade Tardia Satildeo as

tradiccedilotildees advindas de Macrobio Orosio e Isidoro

Na confecccedilatildeo dessas tradiccedilotildees cartograacuteficas ocorreu uma complexa interaccedilatildeo de

diversas correntes de pensamento Em particular duas vertentes de escritos geograacuteficos

confluiratildeo e influenciaratildeo a produccedilatildeo de mapas no medievo o pensamento claacutessico

greco-romano (Macroacutebio Martianus Capella baseados em Pliacutenio e Pomponius Mella e

nas tradiccedilotildees de Pitaacutegoras a Posidocircnio) e o pensamento da Igreja (reaccedilotildees mistas ao

saber pagatildeo e cientiacutefico S Damiatildeo natildeo via utilidade na Ciecircncia mas S Jerome ndash 340-

420 parece ter compilado mapas da Palestina e Asia)

Conquanto haja um consenso internacional na classificaccedilatildeo dos Mapas

medievais como um todo definido em 1949 segundo proposiccedilatildeo de Marcel Destombes

no XVI Congresso Internacional Geograacutefico em Lisboa os criteacuterios de classificaccedilatildeo

292

Apud BAGROW History of Cartography 42 note 55 In WOODWARD p 299 293

Apud HASKINS Renaissance of the Twelfth Century note 50 In WOODWARD p 299

157

especificamente relativos aos Mappaemundi variam Simar294

(1912) Andrews295

(1926) Uhden296

(1931) Destombes297

(1964) Arentzen298

(1984) Woodward299

(1987) e Dalcheacute (1993)300

propuseram paracircmetros diversos Dalcheacute criticaria os

sistemas de Destombes e Andrews mas natildeo o de Woodward por lidar com mapas

anteriores aos estudados pelo uacuteltimo301

Tendo em vista os desenvolvimentos histoacutericos descritos acima empregamos a

classificaccedilatildeo de Woodward que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaccedilotildees de

autores anteriores De fato a despeito da publicaccedilatildeo em 2008 da obra monumental

ldquoCartography in Antiquity and the Middle Agesrdquo editada por Richard Talbert e Richard

Unger302

o trabalho de Woodward permanece referecircncia inclusive para o supracitado

trabalho

Seu sistema propotildee a diferenciaccedilatildeo dos mappaemundi enquanto zonais

esquemaacuteticos - tambeacutem chamados de tripartites o que inclui os difundidos mapas T-O -

quadripartites e transicionais303

e natildeo eacute a uacutenica forma passiacutevel de ser encontrada No

entanto parece-nos a mais abrangente e adequada aos nossos proacuteprios propoacutesitos de

classificaccedilatildeo das fontes da Escandinaacutevia

294

SIMAR Theophile La geographie de lAfrique Centrale dans lantiquite et~au Moyen-Age In Revue

Congolaise 3 (1912-13) pp 1-23 81-102145-69225-52289-310440-41 295

ANDREWS Michael Corbet The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi In

Archaeologia 75 (1925-26) pp 61-76 296

UHDEN Richard Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten In Geographische

Zeitschrift 37 (1931) pp 321-40 297

DESTOMBES Marcel (ed) Mappemondes AD 1200-1500 Catalogue prepare par la Commission

des Cartes Anciennes der Union Geographique Internationale Amsterdam N Israel 1964 298

ARENTZEN Jorg-Geerd Imago Mundi Cartographica Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher

Welt- und Okumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild

Miinstersche Mittelalter-Schriften 53 Munich Wilhelm Fink 1984 299

WOODWARD David Medieval Mappaemundi In HARLEY JB amp WOODWARD David (eds)

The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric Ancient and Medieval Europe and

Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp 286-299 300

DALCHEacute Patrick Gautier De la glose agrave la contemplation Place et fonction de la carte dans les

manuscrits du Haut Moyen Acircge In Testo e Immagine nell acuteAlto Medioevo Settimane di Studio del

Centro Italiano di Studi sullacuteAlto Medioevo Spoleto Presso la Sede del Centro 1994 XLI pp 700-704 301

Idem ibid 302

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 303

WOODWARD 1987 295

158

3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais

O Mappamundi de Macroacutebio seraacute conhecido por seu nome ou como zonal

Deriva de seu comentaacuterio ao Sonho de Scipio de Cicero (51 aC) que trabalha

conceitos e informaccedilotildees de Posidocircnio (ca 135 ndash 5150 aC) Crates de Mallos (ca 168

aC) e Erastoacutetenes (ca 275-194 ac empregando conceitos de Pitaacutegoras

Resumidamente eacute um mapa que divide o globo em zonas climaacuteticas habitadas

ou natildeo por meio de latitudes Esse mapa iraacute empregar o conceito grego de um

continente antiacutepoda localizado no hemisfeacuterio sul em sua zona temperada

Cada um dos continentes ndash inclui-se aqui Eurasia e Aacutefrica enquanto um macro-

continente sendo o antiacutepoda o outro ndash possuiria respectivamente no sentido do poacutelo

para a linha equatorial uma zona inabitada fria uma zona temperada e uma zona

inabitada quente Nessa uacuteltima zona ambos os hemisfeacuterios encontrar-se-iam sendo

banhadas por um oceano intermediaacuterio

Martianus Capella (fl 410-39) popularizaria esse tipo de mapa em seu

ldquoCasamento de Filologia e Mercuacuteriordquo

Figura 13 Mappamundi de Macrobius ndash Coacutepia de Johannes Eschuidus In Summa Anglicana

1489 Paris Badius 1519 Reimpressatildeo da ediccedilatildeo de 1515 James Ford Bell Library Tamanho

original 14 x 14 cm

159

3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)

A obra de Oroacutesio difere de Macroacutebio e Martianus por ser diretamente dirigida

contra os pagatildeos Seu texto natildeo conteacutem nenhum mapa nem o menciona as opiniotildees

acadecircmicas dividem-se e haacute argumentos favoraacuteveis tanto no sentido de que ao escrever

sua obra Orosio teria em uso algum Mappamundi quanto no sentido contraacuterio

Eacute clara a influecircncia que a obra de Aggripa teve no trabalho de Paulo Oroacutesio

Entretanto a despeito de reconstruccedilotildees do suposto mapa de Aggripa a proacutepria natureza

pictoacuterica de seu trabalho permanece em disputa304

Natildeo obstante seu emprego ou natildeo de alguma representaccedilatildeo pictoacuterica do mundo

o fato inconteste eacute a influecircncia que sua obra teve nas obras posteriores a referirem-se a

Geografia e histoacuteria e na proacutepria confecccedilatildeo de mapas pelo medievo Supostamente

foram influenciados por seu trabalho mapas famosos como o Anglo-Saxatildeo ldquoCottonrdquo

(seacuteculo X) e o Mappamundi de Hereford (seacuteculo XIII)

Na ausecircncia de um mapa de sua proacutepria lavra toda argumentaccedilatildeo de influecircncia

em outro mapa permanece em aberto

3146 Isidoro (ca 560-636)305

A tradiccedilatildeo de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas

Etymologiae e em De natura rerum seraacute indubitavelmente a mais longeva e influente

por todo o medievo em um levantamento de Destombes mais de 660 exemplos de

mapas derivados de sua tradiccedilatildeo foram encontrados por todo o medievo306

Natildeo se possui um exemplar de mapa original de sua proacutepria lavra mas eacute

perfeitamente possiacutevel compreender-se o formato do mesmo pela tradiccedilatildeo derivada

Satildeo os chamados mapas T-O que dividem a terra em trecircs partes com Jerusaleacutem no

centro do mundo

O ldquoTrdquo no caso eacute formado pelas massas aquaacuteticas do mar Mediterracircneo na aacuterea

superior o rio Nilo agrave direita e o rio Don (Tanais em grego) agrave esquerda O ldquoOrdquo eacute a

esfera circundante dos oceanos na qual o ldquoTrdquo estaacute enquadrado

304

MERRILIS AH History and Geography in Late Antiquity Cambridge 2005 P72 305

Uma profusatildeo de mapas isidorianos com respectivas referecircncias pode ser obtida no site

lthttpcartographic-imagesnetCartographic_Images205_Isidore_of_Seville_T-Ohtmlgt Uacuteltimo acesso

em 23102014 306

WOODWARD 301

160

Nesta modalidade de mapa a Aacutesia eacute colocada na parte superior com a Europa agrave

esquerda e a Aacutefrica agrave direita Tal circunstacircncia eacute explicada por vaacuterias razotildees como por

exemplo a localizaccedilatildeo do Paraiacuteso na Aacutesia bem como a zona supostamente mais

propiacutecia climaticamente agrave habitaccedilatildeo humana

Essa divisatildeo reflete a proacutepria divisatildeo biacuteblica descrita no capiacutetulo 10 do livro do

Gecircnesis e retomada por Isidoro dos filhos de Noeacute Shem Kham e Jaffet Isidoro

disporia os descendentes de Shem na Aacutesia os de Jaffet na Europa e os de Kham na

Aacutefrica307

Figura 14 Mapa isidoriano em T-O In De Natura Rerum Florenccedila Biblioteca Medicaea-Laurenziana

Plut2939 f19v Seacuteculo XIII Obtido em EDSON 2008 225

307

EDSON Evelyn Maps in Context Isidore Orosius and the Medieval Image of the World In

TALBERT Richard amp UNGER Richard (eds) Cartography in Antiquity and the Middle Ages Fresh

Perspectives New Methods Bril Leiden Netherlands 2008 p 226

161

3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas

ldquoBeatosrdquo

Outra importante tradiccedilatildeo cartograacutefica eacute a classificada por Woodward como

ldquoquadripartiterdquo mas referida comumente como os mapas ldquoBeatosrdquo308

Tal modalidade

pode ser compreendida como uma derivaccedilatildeo dos mapas T-O isidorianos ou como uma

mistura dos mesmos com os zonais macrobianos

Conteriam os 3 continentes mais um ldquoantiacutepodardquo aleacutem mar normalmente no

hemisfeacuterio sul seu formato era retangular e eacute possiacutevel discernir uma marcada

influecircncia esteacutetica e graacutefica moccedilaacuterabe Satildeo mapas chamados de ldquoevangeliacutesticosrdquo

mostrando os apoacutestolos nos cantos da Terra309

Tal tradiccedilatildeo foi desenvolvida por Beatus de Lieacutebana ndash ca 730-800 que viveu na

regiatildeo da atual Cantabria entatildeo reino das Astuacuterias em seu Comentaacuterio do Apocalipse

escrito por volta de 776

Natildeo se possui uma coacutepia de seu suposto mapa original mas o nuacutemero de coacutepias

e desenvolvimentos do mesmo tambeacutem permitem pressupor com precisatildeo sua forma e

definem um grupo e tradiccedilatildeo bem claros

Uma das coacutepias mais difundidas e conhecidas dessa modalidade de mapas eacute

encontrada na coacutepia do monasteacuterio de Saint Sever Escrito no seacuteculo XI

aproximadamente nas proximidades de 1040 visto que Gregori de Montaner abade que

encomendou a obra o foi entre 1028 a 1072

308

RICOBOM Introduccedilatildeo ao histoacuterico da Cartografia e das concepccedilotildees da forma da Terra V2

Departamento de Geografia UFPR Curitiba 2008 Pp03-14 309

WOODWARD 304s

162

Figura 15 ldquoMapa do Mundo de Beatus de Saint Severrdquo O mapa eacute uma coacutepia do seacuteculo XI feita na abadia

franca de Saint Sever da obra original (o comentaacuterio do Apocalipse) de Beato de lieacutebana monge das Astuacuterias

do seacuteculo VIII

Imagem de ldquoPatrimonio EditionesrdquoColagem nossa Dados do manuscrito orginal Bibliotheacuteque Nationale de

France Ms Lat8878 Seacuteculo 11 Ca 1038310

Tal classificaccedilatildeo eacute uma simplificaccedilatildeo de um quadro mais complexo

multifacetado e frequentemente marcado por tradiccedilotildees locais e especiacuteficas mas resume

suficientemente as linhas gerais necessaacuterias agrave nossas anaacutelises subsequentes

310

httppatrimonio-edicionescomenfacsimilthe-saint-sever-beatus Uacuteltimo acesso em 26072014

163

315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais

Feito tal apanhado geral cartograacutefico eacute hora de voltarmos ao contexto especiacutefico

da Escandinaacutevia

Eacute possiacutevel se afirmar a existecircncia de uma tradiccedilatildeo de pensamento e depicccedilatildeo

geograacuteficos que datam desde os tempos preacute-histoacutericos entre os povos escandinavos e

seus ancestrais Suas formas entretanto diferem grandemente do que se compreende

posteriormente por ldquoCartografiardquo bem como seus objetivos

Gudmund Schuumltte argumentaria em 1920 em artigo publicado na Scottish

Geographical Magazine ter encontrado representaccedilotildees de constelaccedilotildees em

representaccedilotildees preacute-histoacutericas na Dinamarca mais especificamente nas estelas de

Venslev e Dalby311

mas haacute dificuldades em tal interpretaccedilatildeo principalmente porque as

supostas marcas nas pedras e nas constelaccedilotildees natildeo coincidem entre si tatildeo perfeitamente

quanto o autor argumenta312

Um artigo igual em francecircs foi publicado no ano seguinte na ldquoLa Naturerdquo na

Franccedila por certo ldquoSchoumlnfeldrdquo313

mas Schuumltte provavelmente foi o autor original natildeo

apenas pela data anterior mas tambeacutem pela existecircncia de diversas outras publicaccedilotildees de

sua lavra sobre a temaacutetica cartograacutefica em particular sobre mapas de Ptolomeu314

Natildeo obstante a duacutevida que repousa em tais modalidades de inscriccedilotildees eacute possiacutevel

se encontrar representaccedilotildees referentes agrave proacutepria cosmologia como um exemplo da

Aacutervore da Vida (no periacuteodo viking e medieval chamada de ldquoYggsdrasilrdquo) encontradas

em Loumlkeberg315

e representaccedilotildees cosmoloacutegicas em vaacuterios niacuteveis encontradas no

primeiro milecircnio AD principalmente em estelas pictoacutericas da ilha de Gotland316

Quanto ao periacuteodo medieval a Escandinaacutevia apresenta uma notaacutevel escassez de

mapas em meio a uma consideraacutevel quantidade de manuscritos de aproximadamente

311

SCHUumlTTE Gudmund Primaeval Astronomy in Scandinavia In Scottish Geographical Magazine

n04 (1920) 244-254 312

SMITH Catherine Delano Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean In HARLEY

JB amp WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 Pp82s 313

A referecircncia completa SCHOumlNFELD M Lacuteastronomie preacutehistorique em Scandinavie La Nature

no2444 81-83 05021921 314

Destacam-se ldquoPtolemyacutes maps of northern Europe a reconstruction of the prototypesrdquo publicado pela

Royal Danish Geographical Society em 1917 e os posteriores ldquoA ptolemaic riddle solvedrdquo de 1952 e

ldquoPtolemyacutes maps and liferdquo do mesmo ano 315

SMITH 87 316

Idem 91

164

8000 manuscritos islandeses apenas trecircs incluem mapas ndash cinco mapas ao todo mais

um mapa do seacuteculo XII originaacuterio provavelmente de Lund Desses mapas conhecem-se

quatro coacutepias posteriores317

O pequeno nuacutemero de mapas natildeo indica um desconhecimento ou falta de

interesse geograacutefico O nuacutemero de textos em prosa eacute significantemente maior

aproximadamente quatro cosmografias ndash das quais vinte e cinco coacutepias foram

encontradas diversos itineraacuterios mas o mais importante muita informaccedilatildeo e referecircncia

geograacutefica dispersa em toda a produccedilatildeo escrita seja nas sagas obras de cunho histoacuterico

e de entretenimento318

Os navegadores do norte e do Baacuteltico natildeo adquiriram o haacutebito de usar mapas na

navegaccedilatildeo ateacute muito tempo depois dos seus equivalentes mediterracircneos ndash no seacuteculo

XVI quando o uso de Portulanos jaacute era praacutetica corrente no sul tal costume ainda era

desprezado pelos mais antigos setentrionais319

Os cartoacutegrafos e navegadores mediterracircneos por sua vez pragmaacuteticos tinham

por haacutebito enfatizar e retratar as regiotildees nas quais tinham contato frequente ou interesse

comercial destarte poucos Portulanos retratavam o Baacuteltico e a Escandinaacutevia ateacute os

seacuteculos XIV e XV sendo que um nuacutemero ainda menor com razoaacutevel fidelidade320

Eacute mister ter-se em conta o contexto de tais seacuteculos que inclui o domiacutenio

econocircmico da Liga Hanseaacutetica entre os seacuteculos XIII-XVI conflitos pela hegemonia

poliacutetica entre os reinos escandinavos e as cidades germacircnicas (que dentre outras

consequecircncias colaboraraacute no estabelecimento da Uniatildeo de Kalmar em 1397) e os

proacuteprios efeitos da peste negra321

ndash todos colaboradores no sentido de que o norte

europeu e a regiatildeo baacuteltica manteriam posiccedilatildeo perifeacuterica em relaccedilatildeo agrave Europa do

Mediterracircneo322

Quanto agrave proacutepria retrataccedilatildeo da Islacircndia e das ilhas do Atlacircntico a mesma

circunstacircncia se repete Haacute discussatildeo sobre qual a primeira retrataccedilatildeo cartograacutefica da

317

SIMEK Rudolf Altnordische Kosmographie Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung

in Norwegen und Island vom 12 bis zum 14 Jahrhundert Berlin Walter de Gruyter amp Co 1990 P 60 318

SIMEK Rudolf Scandinavian World Maps In FRIEDMAN John Block amp FIGG Kristen Mogg

(eds) Trade Travel and Exploration in the Middle Ages An Encyclopedia Rotledge 2000Pp 537s 319

CAMPBELL Tony Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500 In HARLEY JB amp

WOODWARD David (eds) The History of Cartography Volume I Cartography in Prehistoric

Ancient and Medieval Europe and Mediterranean Chicago at the University Press 1987 p409 320

CAMPBELL 415 321

MORTENSEN Lars Boje amp BISGAARD Lars Medieval Urban Civilization and its North European

Variant In BISGAARD Lars MORTENSEN Lars Boje amp PETTITT Tom (eds) Guilds Towns and

Cultural Transmission in the North 1300-1500 Odense University Press of Southern Denmark 2013 P

09 322

MORTENSEN amp BISGAARD 08

165

mesma em Portulanos sendo as opiniotildees mais correntes a carta de Bertran em 1482

(segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga de Bartolomeu de Pareto em 1455

Haacute um mapa retratando a Vinland mas tal eacute controverso e natildeo haacute consenso

sobre sua dataccedilatildeo Ateacute o seacuteculo XVII todos os outros mappaemundi escandinavos bem

como os relatos e escritos em prosa veiculam a ideia de que a Groenlacircndia fora um

continente ligado a leste com a Sibeacuteria e a oeste com a Vinland

O mapa da Vinland no entanto mostra-a como uma ilha concepccedilatildeo bastante

recente Natildeo haacute nenhum padratildeo T-O o norte fica na parte superior ndash enfim o mapa eacute

muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 16)

Figura 16 O mapa da Vinland

Obtido em GRAHAM-CAMPBELL James Os Viquingues origens da Cultura Escandinava Vol II

Madrid Ediccedilotildees de Prado 1997 P177

O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo eacute originaacuterio de Lund

mas atualmente estaacute depositado em Berlin aonde consta como Berlin MStheolLat149

fol27r323

T-O segundo a tradiccedilatildeo salustiana poreacutem sem iconografia alguma Escrito por

uma matildeo germacircnica traz poucos nomes na Europa apenas Roma Bari Achaia

Constantinopole Grecia Cologne England Dacia e Suithia324

Indica de seu autor um

323

Informaccedilotildees mas sem a foto disponibilizada em lthttpwwwmanuscripta-mediaevaliade|5gt 324

SIMEK 2000 538

166

conhecimento ou formaccedilatildeo claacutessicos e conexotildees entre Lund Cologne e England por

outro lado

Trecircs dos cinco mappaemundi islandeses satildeo zonais climaacuteticos ou macrobianos

dividem a regiatildeo setentrional e habitaacutevel da Terra em trecircs continentes (Asia Europa e

Aacutefrica) Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection no manuscrito AM 736

I 4to 1v (iniacutecio do XIV) Haacute uma coacutepia efetuada no seacuteculo XVIII na Copenhagen

Kongelige Bibliotek sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359 4to p15 bem

como uma registrada como AM 732b 4to 3r do iniacutecio do seacuteculo XIV

O manuscrito Gks 1812 4to325

conteacutem trecircs mapas

O primeiro no foacutelio 11v consiste em um pequeno mapa do seacuteculo XIII

registrado como ldquoGamle Kongelige Samling MS Gks 1812 4to 11vrdquo Depositado na

Copenhagen Kongelige Bibliotek e copiado no seacuteculo XVII para o AM 252 fol 59v

natildeo mostra a divisatildeo zonal Esse mapa eacute uma coacutepia de alguns mapas similares no

tratado cosmograacutefico ldquoDe filosofia mundirdquo escrito c1130 por William de Conches O

texto foi adaptado dele e nele estaacute incorretamente atribuiacutedo em alguns manuscritos a

Beda

O mesmo manuscrito conteacutem dois mapas T-O O primeiro copiado em AM 252

fol 58r eacute extremamente simples Conteacutem a divisatildeo dos trecircs continentes com seus

nomes apenas consistindo no centro de um diagrama maior que conteacutem direccedilotildees

cardinais ventos estaccedilotildees idades do homem meses do ano e signos do zodiacuteaco

respectivos

O outro exemplar eacute de maior interesse aos nossos propoacutesitos Estaacute copiado no

AM 252 fol 62r Em paacutegina dupla (5v-6r) conteacutem mais de 100 nomes cerca de 70 dos

quais satildeo nomes de paiacuteses quase todos em latim Esse mapa mostra similaridade com

algumas das cosmografias e listas citadas anteriormente mas natildeo haacute uma ligaccedilatildeo clara

de autoria entre eles

Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150326

Kristian Karinglund de ca

1250327

325

Descriccedilatildeo e informaccedilotildees do manuscrito em lthttphandritisismanuscriptviewGKS04-1812gt

Uacuteltimo acesso em 21102014 326

RAFN Carl Christian (ed) Antiquiteacutes Russes dapregraves les monuments historique des anciens et des

Islandais Scandinaves Copenhague 1850-1852 vol 1 327

KAringLUND Kristian (ed) Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague Moslashller 1917s

167

Figura 17 O Mappamundi islandecircs do Gks 1812 4to 5v-6r

Obtido em PRITSAK Omeljan The Origin of Rus

A estruturaccedilatildeo deste Mappamundi eacute bastante simples O esquema T-O

apresenta-se meramente como o paracircmetro geral de organizaccedilatildeo divindindo os

continentes em trecircs aacutereas separadas pelo Mediterracircneo Egito e Don (ldquoTanakvislrdquo) natildeo

havendo nenhuma tentativa de representaccedilatildeo das localidades via um sistema de

coordenadas matemaacutetico-geograacuteficas tampouco alguma tentativa de depicccedilatildeo graacutefica

dos locais As localidades estatildeo representadas apenas por seus nomes inclusive os rios e

mares

Os quatro cantos possuem as direccedilotildees cardinais em antigo noacuterdico e latim

austroriens suethrmeridies occidensvestr e norethrseptentrio A disposiccedilatildeo geral do

mapa com o sul para o alto apresenta semelhanccedila mais com as tradiccedilotildees cartograacuteficas

aacuterabes do que propriamente com as do medievo ocidental que normalmente apresentam

a Aacutesia no canto superior aparentemente temos um modelo T-O ocidental inserido em

uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islacircmica

168

Entretanto eacute de se destacar que nos pontos de intercecccedilatildeo entre os dois folios

tanto no canto superior quanto inferior existem duas seccedilotildees separadas espeacutecie de

tabelas contendo informaccedilotildees pouco usuais em mapas T-O

a) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Aacutefrica

Suethr

Meridies

(euro) (dies)

Estas calida

Iuuenta calor (spiritus)

b) Intersecccedilatildeo entre Aacutesia e Europa (logo abaixo de ldquoBiarmar habitavit hicrdquo)

(Norethr)

Septentrio

Circius qui et troacias

Hiemps frigida

De crepita frigus corporis

A mesma circunstacircncia daacute-se nos outros pontos cardinais na aacuterea a leste na

Aacutesia encontram-se as seguintes inscriccedilotildees

Septemtrio Aquilo qui et boreas Vvlturnus qui et calcias Sub solanus qui et afeliotes Eurus

Ver tepidu(m)

Infancia tepor sangvinis

Asia

Enquanto que no oposto ao ocidente pode-se ler o seguinte

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

Tal espeacutecie de informaccedilatildeo em particular a de natureza climaacutetica (ie ldquoAutumnus

humidusrdquo ldquooutono uacutemidordquo) eacute muito mais comum nos mapas zonais demonstrando

uma influecircncia dos mesmos acentuada pela divisatildeo circular em particular na Aacutesia

Todo esse esquema estaacute inserido em uma seacuterie de ciacuterculos concecircntricos As

informaccedilotildees e nomes contidos no ciacuterculo central satildeo as localidades geograacuteficas a

metade do mapa contendo a regiatildeo da Aacutesia mais detalhada possui ainda dois outros

niacuteveis nos quais regiotildees mais amplas satildeo descritas Por exemplo o niacutevel mais central

conteacutem localidades como ldquoCalldeardquo e ldquoBabilonrdquo (nome que se repete em outra aacuterea) o

169

niacutevel superior conteacutem ldquoMesopotamiardquo e o niacutevel ainda superior a ele locais como

ldquoParthiardquo ldquoMediardquo o que apresenta uma espeacutecie de organizaccedilatildeo em proviacutencias e

localidades internas a estas em espeacutecies de grupos contendo subgrupos mas acaba por

natildeo se apresentar de forma tatildeo precisa

Nas regiotildees da Aacutefrica e Europa todos os nomes de localidades estatildeo inseridos no

ciacuterculo central Nos niacuteveis superiores estatildeo as indicaccedilotildees de continente (ldquoAfRicardquo e

ldquoEuRopardquo)

O foacutelio 5v eacute totalmente preenchido pela Aacutesia Nessa seccedilatildeo podem ser lidas

algumas breves descriccedilotildees e explicaccedilotildees latinas acerca do clima jaacute citadas haacute pouco e

os seguintes nomes

Monstras328

India Massagete Caspies Colci Seres Bactria Hircania

Armenia Parthia Media Persidia Carmania Caria Frigia Troia Pamphilia Hiberia

ldquoTigris fluuiusrdquo Mesopotamiam ldquoCharra ciuitas Abraherdquo ldquoAsia minorrdquo Isauria

ldquoCilicia ciuitas Thar(s)usrdquo Cappadocia Commagena Palestina Cesarea Sidon Tyrus

Assiria Calldea Babilon Evfrates ldquoArabia ibi est mons Syna id estrdquo Horeb

Ptholomais Philistea ldquoLibanus monsrdquo Madianite Iudea ldquoHebron ibi sepulltus est

Adam primusrdquo Galathia Nazareth Hierusalem Galilea Hiericho Egiptus Babilon

Syria Ascalia Iopen Alexandria ldquoTanakvisl fluuius maximusrdquo ldquoNilus flumen Egiptirdquo

Haacute uma grande riqueza de tradiccedilatildeo biacuteblica e claacutessica Os nomes listados incluem

natildeo apenas cidades e paiacuteses como Jerusaleacutem Babilocircnia e Troacuteia mas tambeacutem elementos

topograacuteficos e hidrograacuteficos Libanus mons ndash Montes Liacutebanos localizados ao norte da

Judeacuteia Tanakvisl fluuius maximus ndash o Don incluindo aqui o uacutenico nome em antigo

noacuterdico329

em tal seccedilatildeo do mapa

Os comentaacuterios inclusive permitem-nos ter vislumbres e suposiccedilotildees sobre a

natureza das discussotildees relativas ao conhecimento biacuteblico e claacutessico dos eruditos

islandeses a especificaccedilatildeo de Cilicia ciuitas Thar(s)us nos demonstra a preocupaccedilatildeo

do(s) autor(es) do mapa em especificar qual Tarsiacutes estaacute em questatildeo a Taacutersis-Tarso

local de nascimento do apoacutestolo Paulo proacutexima agrave regiatildeo da Cilicia ou a Taacutersis-

Tartessos dos feniacutecios localizada no estrito de Gibraltar para onde supostamente

rumava o profeta Jonas

328

Segundo Rafn nas Antiquiteacutes Russes vol II p392 ldquoMonstrosardquo 329

O rio Don ndash Tanais para os autores gregos Tanakvisl para os escandinavos

170

O nome ldquoBabilonrdquo eacute encontrado duas vezes no mapa Em uma delas estaacute na

regiatildeo na qual se espera encontraacute-lo numa lista que inclui Assiria Calldea Babilon e

Evfrates Na outra apariccedilatildeo no entanto estaacute colocado ao lado de Egiptus abaixo de

Hierusalem e acima de Nilus flumen Egipti Poderiacuteamos nos perguntar se porventura

antes de um erro natildeo se trata de uma interpretaccedilatildeo teoloacutegica envolvendo o simbolismo

de Babilocircnia como cidade da perdiccedilatildeo e mal conectando o ao Egito lugar do cativeiro

de Israel

Quanto ao folio 6r eacute preenchido na parte superior pela Aacutefrica e na inferior pela

Europa Enquanto a aacuterea da Aacutesia jaacute referida apresenta-se bastante completa com nomes

de locais retirados das tradiccedilotildees claacutessica e biacuteblica o mapa natildeo eacute tatildeo preciso nos

continentes restantes Na Europa a nomenclatura eacute razoavelmente precisa refletindo

bem a divisatildeo geograacutefica dos seacuteculos XII e XIII mas trazendo pouco detalhe sobre a

regiatildeo Baacuteltica e do proacuteprio norte da Europa o proacuteprio Mar Baacuteltico natildeo eacute citado Quanto

ao texto na Aacutefrica traz poucas localidades e precisatildeo os poucos nomes com um nuacutemero

relativamente grande de acontecimentos derivam tambeacutem da tradiccedilatildeo claacutessica

Segue a seguir uma transcriccedilatildeo do folio 6r que conteacutem os continentes da Aacutefrica

e Europa Encontra-se em itaacutelico os nomes cuja direccedilatildeo da escrita foi alterada ou

rotacionada para possibilitar a leitura em nosso meio de transmissatildeo As proporccedilotildees e

distacircncias entretanto foram mantidas com precisatildeo inclusive a divisatildeo das palavras em

linhas

171

Occidens vestr

Auster qui et nothus Euro nothus Affricus qui et libs Zephirus qui et fauonius Corus qui et ariestes

Autumnus humidus

Senecta humor aqua

AfRica EuRopa

Hic s(unt)

solitu- E

dines thi

o

inacces pia

sibiles

(et) arene

usque huc

Normannia

Brittannia

Vasconia

Galicia

Hispania

Tile Island

Libia prouincia

Affrice que est

circa Cirenen

Garamannia

Getulia ibi in-

fantes ludunt

serpentib(us)

Gaulo insula ibi

nec serpens nasci-

tur nec uiuit

Numidia

MauritanieIII

Med

iter

ran

um

Mar

e Ibernia

Anglia Scocia

Parmo

montes330

Gallia Frisia

Danmorc

Fra(n)cia] Saxonia

Germania

La(n)gobardia

Roma

Italia

Apulia

Constantinopolis

Tracia

Grecia

Norvegie

Gautland

Svithornioeth

Rvsia

Kio

Eronei331

Sparta

Scithia

frigida

Misia

Bia(r)ma(r)

habitavit hic

Pentapolis reacutegio

ibi sunt v urbes

Trogita prouincia

ibi in uenitur carbu(n)-

culus igneus (et) al-

ter exacontalit(us)LX

colorib(us) micans

Bizancena fruc-

tissima terra

Haacute poucas regiotildees que se referem ao mundo escandinavo No mundo atlacircntico

em aacutereas distintas encontramos TileIsland (Islacircndia) Ibernia (Hibernia - Irlanda)

Anglia Scotia (Inglaterra e Escoacutecia) Na Escandinaacutevia propriamente dita temos um

330

Para Karinglund o correto seria ldquoPireneusrdquo In Landalyacutesingar mfl In Alfraeligethi iacuteslenzk 3 Copenhague

Moslashller 1917s 331

ldquoNocircmadesrdquo

172

agrupamento de Norvegie (Noruega) Gautland (a regiatildeo meridional da Sueacutecia

Gotaland) Svithornioeth (nome para a Sueacutecia dos Svear a norte de Gotaland) com Rvsia

(Rus) enquanto que a Dinamarca (Danmorc) estaacute listada entre Frisia e Saxonia

A Biarmaland encontra-se separada com uma pequena descriccedilatildeo Bia(r)ma(r)

habitavit hic

No acircmbito da Ruacutessia temos poucos nomes Eronei significando ldquonocircmadesrdquo

Kio para Kiev e proacuteximo a uma Sparta temos Scithia frigida a ldquoCiacutetia friardquo A proacutepria

Constantinopla estaacute agrupada com cidades do Mediterracircneo e natildeo associada ao mundo

de Rus

Esta disposiccedilatildeo de localidades forma de organizaacute-la inclusotildees e omissotildees

permitem-nos traccedilar algumas conclusotildees sobre as pessoas envolvidas na produccedilatildeo do

mapa e mesmo em relaccedilatildeo a sua dataccedilatildeo

Em primeiro lugar o mapa eacute evidentemente um instrumento de instruccedilatildeo de

materializaccedilatildeo de conceitos ao inveacutes de um meio de localizaccedilatildeo A instruccedilatildeo no caso

refere-se ao conhecimento das tradiccedilotildees biacuteblica e claacutessica A profusatildeo de dados de

ambas as tradiccedilotildees eacute bastante evidente seja na meticulosa caracterizaccedilatildeo da Aacutesia ou na

livresca apresentaccedilatildeo africana

Natildeo haacute uma ecircnfase nas proacuteprias terras de origens escandinavas Conquanto haja

a divisatildeo sueca entre Gotaland e Svithornioeth a especificidade escandinava quase se encerra

por aiacute E o conhecimento sobre Escandinaacutevia e adjacecircncias demonstrado ali estaacute

entremeado de interpretaccedilotildees claacutessicas note-se que a Islacircndia eacute apresentada com o

nome de Tile (Thule) a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a

discussatildeo perdura ateacute os tempos contemporacircneos Jaacute-se teorizou sobre uma localizaccedilatildeo

exata sobre um conhecimento praacutetico de tal ilha identificando-a ora com a Islacircndia ora

com as Ilhas Britacircnicas ou como mera estoacuteria de um lugar fantaacutestico setentrional

cercado de monstros e gelo O autor do mapa no entanto identifica-o claramente com

sua proacutepria ilha

Quanto agrave Ruacutessia eacute notaacutevel estar listada conjuntamente com Noruega e Sueacutecia

em contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regiotildees germacircnicas continentais

Mas aqui tambeacutem haacute o influxo do saber biacuteblico-claacutessico a uma tradiccedilatildeo mais

especificamente escandinava e a identificaccedilatildeo de Scithia frigida remete-nos agrave esta

mistura de tradiccedilotildees e regiotildees ao lermos autores como Snorri que chamaram a Ruacutessia

ou a regiatildeo a norte do Mar Negro de Svithornioeth a ldquofriardquo ou a ldquogranderdquo

173

En norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda

Ao norte do Mar Negro se encontra Svithornioeth ldquoa granderdquo ou ldquoa friardquo

(Heimskringla Ynglingasaga 01332

Traduccedilatildeo e grifo nossos)

A terminologia para as regiotildees cardinais e a inserccedilatildeo das regiotildees escandinavas eacute

efetuada de forma tecircnue em tal mapa ldquoLesterdquo eacute identificado majoritariamente com a

Aacutesia agrave Europa (destarte agrave Escandinaacutevia) resta a inserccedilatildeo entre oeste e norte Natildeo se

pode encontrar nuances terminoloacutegicas e maneirismos do antigo noacuterdico em tal

terminologia Austrvegr e Garethariacuteki satildeo sequer mencionadas o Baacuteltico natildeo estaacute

retratado tampouco outros rios significativos da Rus com exceccedilatildeo do Don ndash que o eacute

pela sua relevacircncia no costume dos mapas T-O

Biarmaland tambeacutem estaacute dessa forma em um simples norte sem matizaccedilatildeo

sem as incorporaccedilotildees literaacuterias e conceituais sobre os Bjarmar ainda que contendo uma

inscriccedilatildeo Tal no entanto coloca-os em patamar similar agraves descriccedilotildees de outras partes

do mundo ldquoaqui habitavam os Bjarmarrdquo descriccedilatildeo distante do outro de um diverso

mundo de uma outra realidade

Em suma o conhecimento que se obteacutem da cartografia medieval escandinava

revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das

tradiccedilotildees ocidentais islacircmicas do que propriamente no conhecimento geograacutefico

especiacutefico escandinavo em particular no que toca ao leste Para discerni-lo mais

claramente teremos de nos centrar em outras modalidades de fontes metodologias e

recursos que eacute o que faremos a seguir

332

JOacuteNSSON Finnur (ed) Heimskringla Noacuteregs konunga soumlgur Copenhagen Gads 1911 P04

174

32 Quadro etno-linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteki entre os seacuteculos VIII e XIII

A regiatildeo da Ruacutessia europeacuteia era habitada por diversas populaccedilotildees de filiaccedilotildees

eacutetnicas e linguiacutesticas diversas no periacuteodo das expansotildees eslaacutevicas e escandinavas no

norte da Ruacutessia (seacuteculos VIII-IX) Os principais grupos autoacutectones da regiatildeo

vinculavam-se ao ramo Fino-uacutegrico da famiacutelia linguiacutestica Uralo-Altaica e ao subgrupo

baacuteltico da famiacutelia indo-europeacuteia

Atualmente grande parte desses grupos foi extinguida eou absorvida como o

antigo prussiano ou possui idiomas em estado de extinccedilatildeo como o Livio Vote Vepse e

o antigo curocircnio O nuacutemero de referecircncias nas fontes escritas eacute pequeno e por vezes a

interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica eacute controversa

Algumas das denominaccedilotildees empregadas nas fontes escritas modificaram-se ao

longo dos tempos assumindo conotaccedilotildees diferentes e mesmo indicando populaccedilotildees

diversas como o caso do termo ldquoEistlandrdquo Outras assumiram significados diversos de

cunho poliacutetico e mesmo nacionalista como no caso de PermiaBjarmaland Dessa

forma faz-se necessaacuterio um estudo mais detalhado do quadro etno-linguistico do

contexto de forma a se agregar contribuiccedilotildees dos estudos histoacutericos arqueoloacutegicos

antropoloacutegicos e linguiacutesticos

Ao tratar do leste fiacutesico geograacutefico bem como os povos que nele habitavam as

fontes escandinavas diferenciam as regiotildees de Austrvegr e Garethariacuteki (vide Mapa 01)

Por Austrvegr em um sentido mais estrito etno-geograacutefico ficavam

compreendidas as regiotildees de norte e leste do Mar Baacuteltico que atualmente incorporam a

Finlacircndia os Paiacuteses Baacutelticos (Estocircnia Letocircnia e Lituacircnia) e a antiga regiatildeo da Pruacutessia

atualmente a regiatildeo administrativa russa de Kaliningrad

Garethariacuteki incorporava mais propriamente o territoacuterio da atual Ruacutessia europeia

Bieloruacutessia e Ucracircnia Nos seacuteculos XIII-XIV o significado de seu nome fica associado a

ldquoReino das cidadesrdquo devido ao grande nuacutemero de fortificaccedilotildees e paliccediladas com os quais

os escandinavos ali se deparavam Entretanto no periacuteodo viking a quantidade de

fortificaccedilotildees natildeo era significativa o que causa problemas interpretativos quanto agrave

origem do nome ao deparar-se com o mesmo (ou variantes) em estelas ruacutenicas do seacuteculo

XI

Bjarmaland eacute citada agrave parte e incorpora muito do fantaacutestico do desconhecido

do outro Eacute citada como parte do leste mas diferentemente das regiotildees de Austrvegr

natildeo se encaixa perfeitamente na mentalidade e nos costumes escandinavos Eacute a

175

incorporaccedilatildeo do outro a regiatildeo limiacutetrofe entre o conhecido e desconhecido o natural e

o sobrenatural o criacutevel e o fantaacutestico o dominado e o incontrolaacutevel Seus habitantes satildeo

sempre antagonistas que amiuacutede empregam magia e recursos sobrenaturais contra o

heroacutei ou personagem principal da narrativa Sua linguagem eacute incompreensiacutevel Seus

deuses estranhos e diferentes Em alguns casos particularmente na Gesta Danorum os

finni ldquofinlandesesrdquo satildeo com frequecircncia citados em conjunto com Bjarmaland

Haacute por volta de seis trabalhos em Antigo Noacuterdico contendo descriccedilotildees

geograacuteficas da Europa todas derivadas de duas redaccedilotildees principais de uma descriccedilatildeo

encontrada no capiacutetulo 4 do livro 14 das Etimologias de Isidoro A estas descriccedilotildees as

fontes acrescentam as localidades do mundo setentrional

A primeira redaccedilatildeo eacute encontrada na Heimslyacutesing encontrada no Hauksboacutek

(AM544) e escrita no seacuteculo XIII e na Upphaf A segunda redaccedilatildeo eacute representada pelo

Landafraedi e o Tocius orbis brevis discriptio No que toca agrave Europa de Norte e Leste a

Ǫrvar-Odds saga no capiacutetulo 30 apresenta uma listagem muito similar agrave da

Heimslyacutesing e inclusive mais completa que ela com a adiccedilatildeo de nomes encontrados

apenas na Upphaf333

A listagem apresentada na Ǫrvar-Odds saga natildeo possui pretensotildees

de um tratado geograacutefico antes apresenta uma listagem de exeacutercitos que veio em

suporte a KvillanusOumlgmundr o adversaacuterio de Oddr

Todas estas redaccedilotildees apresentam uma reelaboraccedilatildeo da jaacute reelaborada versatildeo de

Isidoro da genealogia biacuteblica conectando as cidades da Rus agrave genealogia de Noeacute via

seu filho Yaffet seguido de Magog

Quanto aos nomes das cidades da Rus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga

apresentam a mesma listagem e apresenta similaridade grande com a descriccedilatildeo

apresentada na proacutepria Poacuteviest vrieacutemennikh liet

Vejamos a listagem das localidades

- Na Heimslyacutesing

ldquoHia Garethariki liggia lond thornessi

[a] Kirialir Refalir Tafeistaland

[b] Virland Eistland

[c] Lifland Kurl [and]

[d]

[e] Erml [and] Puacutelinaland334

rdquo

333

PRITSAK 520 529 334

Heimslyacutesing In Hauksboacutek AM 544 4deg f3v Ed JOacuteNSSON Finnur P 155

176

- Na Ǫrvar-Odds saga redaccedilatildeo AB335

ldquothornar var ok mikill herr af Kirjaacutelalandi ok Rafestalandi Refalandi

Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi Laacutenlandi Ermlandi

ok Puacutelinalandirdquo

Havia tambeacutem uma grande horda (vinda) de Kirjaacutelaland e

Rafestaland Refaland Virland Eistland Liacutefland Vitland Cuacuterland

Laacutenland Ermland e Puacutelinaland

(Ọrvar-Odds Saga 30 redaccedilatildeo AB Traduccedilatildeo nossa)336

Eacute importante ressaltar que os autores de tais fontes agrupam as localidades por

criteacuterios quase que estritamente geograacuteficos A despeito da relevacircncia da linguagem ao

se tratar da etnicidade no medievo as localidades em tais listas satildeo apresentadas em

agrupamentos regionais que por vezes conteacutem grupos etno-linguiacutesticos distintos mas

habitantes de regiotildees limiacutetrofes como por exemplo os kurs e os Livocircnios da Letocircnia

atual ndash por sua vez compreendidos nos grupos etno-linguiacutesticos balto-indo-europeu e

fino-uacutegrico

Descriccedilotildees sejam de cunho mais ldquofictiacuteciordquo na Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus seja de cunho mais croniacutestico como na Henrici Chronicon Livoniae

apresentam tambeacutem quadros interessantes das interaccedilotildees entre tais populaccedilotildees ndash

novamente de forma que natildeo se apega a criteacuterios etno-linguiacutesticos Saxo Grammaticus

ao apresentar a lista de povos do norte que combateram na Batalha de Bravalla junto de

Dinamarqueses de um lado ou Sueco do outro apresenta kurs e estonianos no campo

dos suecos e livocircnios no campo dinamarquecircs De forma bastante etnograacutefica no

entanto Saxo cita amiuacutede os Finni em conjunto com os Biarmi enfatizando diferenccedilas

peculiares em relaccedilatildeo aos escandinavos ndash como por exemplo o que ele descreve de

ldquonomadismordquo A Henrici Chronicon Livoniae narra sobre as alianccedilas entre kurs e

estonianos de Saarema

Feitas tais consideraccedilotildees fica a lembranccedila de que as categorizaccedilotildees etno-

linguiacutesticas contemporacircneas possuem caraacuteter instrutivo e didaacutetico mas natildeo devem ser

tomadas como fatores exclusivos ou dominantes na interpretaccedilatildeo das dinacircmicas sociais

do medievo

335

Acerca da Ǫrvar-Odds saga manuscritos e redaccedilotildees vide capiacutetulo 05 336

In RAFN CC (ed) Fornaldarsoumlgur Nordrlanda Vol II Kaupmannahoumlfn 1829 30 K p 294

177

321 Fino-uacutegricos

O termo de cunho etno-linguiacutestico ldquofino-uacutegricordquo refere-se aos grupos humanos

de uma das subdivisotildees da grande famiacutelia linguiacutestica Uraacutelica Sua expansatildeo geograacutefica

daacute-se por todo o norte Eusasiaacutetico e sua unidade com o grupo Altaico eacute objeto de

discussatildeo337

O ramo fino-uacutegrico possui duas grandes subdivisotildees fino-permiano e uacutegrico

que por sua vez subdividem-se ainda mais No recorte de interesse agraves relaccedilotildees

escandinavas e eslavas no medievo as populaccedilotildees fino-uacutegricas em questatildeo pertencem

ao subgrupo fiacutenico com suas divisotildees entre fino-baacuteltico e inclui diversas populaccedilotildees da

a) regiatildeo norte da atual Ruacutessia Europeacuteia muitos extintos ou em perigo de como os

Vepsi Voti Kareli b) regiatildeo baacuteltica incluindo as diversas tribos de finlandeses e

estonianos e os livonianos da Letocircnia) e proto-saami (que compreendem os Saami ndash

denominados popularmente como ldquolapotildeesrdquo)338

O grupo etno-linguiacutestico do ramo fino-uacutegrico da famiacutelia uralo-altaica pode ser

considerado como o mais proacuteximo que temos condiccedilatildeo de definir enquanto

ldquoautoacutectonesrdquo da Europa setentrional e Norte-oriental Os territoacuterios antigamente

habitados pelos mesmos eram muito extensos tendo sido grandemente reduzidos Parte

consideraacutevel de regiotildees habitadas antigamente por populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica eacute

atualmente habitada por grupos indo-europeus (germanos baltos e eslavos) e turcos

No contexto do Norte da Ruacutessia europeacuteia os grupos fino-uacutegricos de maior

destaque satildeo o ramo balto-finecircs Desses atualmente sobrevivem os livocircnios estonianos

finlandeses (dentro dos quais os kareli) e lapotildees (saami) No periacuteodo de escrita da

Poacuteviest vrieacutemennikh liet a regiatildeo entre o Golfo da Finlacircndia e o Mar Branco era

habitada por outros grupos aparentados entre si Vepsi Votes e Kareli

Os povos fino-uacutegricos referidos nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas satildeo

Na Finlacircndia

- Finnland Finnmark o nome que empregamos para a Finlacircndia propriamente dita

ldquoterra dos finnarrdquo traz uma peculiaridade com a significaccedilatildeo atual O termo ldquoFinnlandrdquo

pode ser empregado para a atual regiatildeo sul-ocidental da Finlacircndia Suomi em finlandecircs

337

MARCANTONIO Angela (org) The Uralic Language Family Facts Myths and Statistics

(Publications of the Philological Society) Oxford Wiley-Blackwell 2002 pp21ss 35ss 48ss 338

DEacuteCSY Gyula Einfuumlhrung in die Finnisch-Ugrische Sprachwissenschaft Wiesbaden Otto

Harrassowitz 1965

178

Sumacute em antigo russo Eacute um termo encontrado nas estelas ruacutenicas G 319 e U 582339

Poreacutem ldquoFinnarrdquo eacute empregado geralmente nas sagas para os Saacuteami e natildeo para

finlandeses Samland a Lapocircnia eacute destarte referida como ldquoFinnmarkrdquo Em Saxo

Grammaticus Finnmarchia

Uma exceccedilatildeo parece ocorrer no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga quando em

um reide Oacutelaacutefr Haraldsson ataca Finnland o texto em prosa cita os Finnar mas a

poesia os Finnlendingar340

- Tafeistaland Rafestaland ldquoterra dos preguiccedilososrdquo341

Regiatildeo conhecida como a

proviacutencia da Tavastia na Finlacircndia de centro-sul Haumlme em finlandecircs e Yam em antigo

russo O termo eacute empregado na Ǫrvar-Odds saga (como Rafestaland) na Hemslyacutesing

p155 121 e na estela ruacutenica Gs 13

- Kirjaland Karelia Termo atestado na Heimslyacutesing (como Kirialir) na Ǫrvar-Odds

saga (Kirjalaland) Eacute possiacutevel que a estela U 180 refira-se a Vyborg da Karelia (Viipuri)

ou a Viborg da Jutland

- Baacutelagarethssiacuteetha Referecircncia rara parece se referir agrave costa sul da Finlacircndia rumo ao

Golfo da Finlacircndia342

Aparece no capiacutetulo 09 da Oacutelaacutefs saga ins helga no capiacutetulo 119

da Njaacutels Saga e no capiacutetulo 07 da Haacutelfdanar Saga Eysteinssonar O que per se

consiste em distribuiccedilatildeo interessante por se tratar de trecircs gecircneros distintos de saga uma

Koumlnungasaga uma Iacuteslendigasaga e uma Fornaldarsaga

Na Estocircnia

A Estocircnia conteacutem quatro referecircncias certas mais duas duacutebias em inscriccedilotildees

ruacutenicas varegues bem como uma descriminaccedilatildeo terminoloacutegica bastante acurada Tal

circunstacircncia deve-se possivelmente agrave importacircncia da rota comercial passando pelo

Golfo da Finlacircndia e o norte da Estocircnia ndash a regiatildeo estoniana de Virumaa que inclui a

costa norte do paiacutes eacute a que possui maior referenciaccedilatildeo nas estelas ruacutenicas (trecircs

339

МЕЛЬНИКОВА 1976 201 ДЖАКСОН 340

AALTO Sirpa amp LAAKSO Ville Karelia Finland and Austrvegr In Aacute austrvega Saga and East

Scandinavia Preprint papers of The 14th

International Saga Conference Uppsala 2009 p07 341

PRITSAK 359 342

ZILMER Kristel Learning about Places and People Representations of Travelling Connections and

Communication situation in the Sagas of Icelanders In Sagas and Societies - Conference at Borgarnes

Iceland 2002 P 01

179

ocorrecircncias)

- Virland regiatildeo costeira setentrional estoniana Em estoniano Virumaa a regiatildeo pode

ser satisfatoriamente equacionada com a regiatildeo de Narva citada na Poacuteviest vrieacutemennikh

liet Referenciada nas estelas U 346 U 356 (conteacutem a mesma mensagem e foram

confeccionadas pelo mesmo artesatildeo) e U 533 bem como na Heymslyacutesing e na Ǫrvar-

Odds saga (30) Virumaa foi a regiatildeo estoniana com maior contato escandinavo no

periacuteodo viking devido agrave sua localizaccedilatildeo proacutexima ao Golfo da Finlacircndia que a colocava

diretamente no principal ramo do Austrvegr

- Rifaland Refaland termo que se refere agrave regiatildeo da Revalia sendo Reval o nome

medieval para a atual capital da Estocircnia Tallinn Eacute um termo natildeo encontrado nas

estelas ruacutenicas mas nas fontes medievais como de se esperar Encontra-se Refalir na

Heimslyacutesing e Rifaland na Ǫrvar-Odds saga (30)

- EistlandEstland Eistland eacute um termo geneacuterico para Estocircnia propriamente dita Deve-

se atentar para a circunstacircncia de que termo similar fora empregado em Taacutecito e na

traduccedilatildeo de Alfredo de Oroacutesio para a regiatildeo mais meridional e de caraacuteter etno-

linguiacutestico muito diverso da Pruacutessia Oriental (listadas no seacuteculo XIII nas regiotildees de

Samland e Ermland e nas fontes anglo-saxocircnicas tambeacutem como Witland seratildeo

discutidas adiante) O termo eacute encontrado amplamente nas fontes escandinavas

incluindo sagas as fontes geograacuteficas mencionadas (Ọrvar-Odds 30) os trabalhos de

cunho mais universal de Saxo e Snorri e na estela Vg 181 A estela U 439 possui o

termo ldquondashskalatrdquo interpretado como Aistland ou Serkland343

ndash interpretaccedilotildees bastante

diacutespares portanto344

Na Poacuteviest vrieacutemennikh liet os estonianos satildeo chamados de chud

Pritsak345

considera que as estelas U 446 e Souml 45 possuam referecircncias agrave Eistland

por meio do nome proacuteprio AEligist-fari ldquoo que viaja para os AEligistirdquo mas eacute interpretaccedilatildeo

duacutebia Poderiacuteamos sugerir o significado ldquoo que viaja para lesterdquo por exemplo

343

Serkland eacute termo que pode significar a regiatildeo aleacutem Volga no mundo muccedilulmano ou a regiatildeo os

Khazares agraves margens do Mar Caacutespio Como veremos no capiacutetulo 04 por vezes o nome eacute empregado para

Aacutefrica agrave medida em que se conecta com os islacircmicos 344

A interpretaccedilatildeo que ndashskalat eacute aistland eacute endossada por Melnikova (МЕЛЬНИКОВА 1977 201) Tal

estela faz parte das chamadas ldquoEstelas de Yngvarrrdquo seacuterie de estelas que referem-se agrave expediccedilatildeo de grande

alcance ao leste efetuada por Yngvarr que terminou em desastre nas proximidades do Caacutespio e que

iniciou-se no Baacuteltico Oriental Sua argumentaccedilatildeo centraliza-se na interpretaccedilatildeo de que a expediccedilatildeo de

Yngvarr partira da Estocircnia Omeljan PRITSAK (p362) considera tal interpretaccedilatildeo errocircnea 345

PRITSAK 362

180

Os estonianos possuem papel proeminente nas narrativas escandinavas

portando-se de forma muito similar aos proacuteprios vikings oriundos de tais regiotildees

travando comeacutercio e alianccedilas ou lutando com os mesmos Uma das elaboraccedilotildees mais

significativas envolvendo aos estonianos estaacute na Heimskringla (seacuteculo XIII) que

conteacutem a captura e escravidatildeo do ainda menino Olaf Tryggvason posteriormente Olaf I

da Noruega por vikings estonianos Vendido e criado como escravo por um estoniano

chamado de Klerkon passa nas matildeos de outros donos ateacute ser comprado por seu tio

Sigurethr Eiriksson e ser levado para crescer em Garethariacuteki

- Aethalsyacutesla e Eysyacutesla Aethalsyacutesla eacute um termo para aregiatildeo costeira ocidental estoniana

Eysyacutesla refere-se agrave a ilha estoniana de Saaremaa no Golfo de Riga346

Pritsak e

Melnikova (1977 201) consideram que a estela U 518 traga referecircncia agrave ela por meio de

ldquoisislurdquo O Rundata apresenta a mesma localidade enquanto a ilha de Selaoumln no lago

Malaren Sueacutecia Muitas das referecircncias literaacuterias aos estonianos satildeo feitas a estonianos

especiacuteficos de Saaremaa muitas vezes em conjunto com os baltos kurs

Saxo Grammaticus emprega o termo ldquoRotalardquo ao se referir agrave costa norte-ocidental

estoniana na altura de Haapsalu347

- Ruumlno Haacute uma possiacutevel referecircncia agrave ilha de Ruumlno no Golfo de Riga na estela Vs 22

mas a interpretaccedilatildeo eacute duacutebia e a estela bastante danificada348

- Lifland ndash normalmente listada juntamente com as regiotildees de etnicidade baacuteltica (kurir e

semgallir) habitantes da atual Letocircnia Refere-se aos Livocircnios que habitavam as

regiotildees setentrionais da Curlacircndia e da atual Letocircnia Atualmente consistem em minoria

eacutetnica no norte da proviacutencia de Kurzeme (Curlacircndia) na Letocircnia O termo eacute listado nas

estelas ruacutenicas U 698 Souml 38 e em muitas fontes escritas tradicionais incluindo a Gesta

Danorum de Saxo Gramaticus a Heimslyacutesing e a Ǫrvar-Odds saga Na Poacuteviest

vrieacutemennikh liet satildeo listados como liv O maior conhecimento que se tem de seus

costumes se daacutepor meio da Chronicon Livoniae escrita no seacuteculo XIII por Henri da

346

MAumlGI 2011 194 FINLAY Alison amp FAULKES Anthony (trads) Heimskringla University College

London Viking Society for Northern Research 2011 Pp235 amp 240 347

FISCHER Peter On Translating Saxo In FRIIS-JENSEN Karsten (ed) Saxo Grammaticus a

Medieval Author between Norse and Latin Culture Museum Tusculanum Press Copenhagen1981 p62

CHRISTIANSEN 1997 111 348

МЕЛЬНИКОВА ЕА Скандинавские рунические надписи Тексты перевод коммент АН

СССР Ин-т истории СССР ndash Москва Наука 1977 206

181

Livocircnia ndash provavelmente um cleacuterigo germacircnico

- Domesnes Domesnaumls Tumisnis o cabo de Kolkasrags349

na atual Letocircnia localizado

agrave entrada do Golfo de Riga entre a costa letatilde e a ilha estoniana de Saaremaa eacute citado na

Souml 198 A regiatildeo de Kolka eacute ainda atualmente um dos uacuteltimos locais com residentes

livocircnios tratando-se de aacuterea protegida pelo governo letatildeo

322 Os Baltos

Atualmente apenas na Letocircnia e Lituacircnia bem como em colocircnias de tais etnias

em outros paiacuteses existem descendentes dos antigos baltos indo-europeus A partir do

periacuteodo medieval os paiacuteses baacutelticos sofreram contiacutenua dominaccedilatildeo de potecircncias

estrangeiras em particular escandinavos germacircnicos e por fim eslavos possuindo seu

territoacuterio original drasticamente reduzido

O conhecimento de seu passado eacute fragmentaacuterio e ocupa pouco espaccedilo nos

estudos interessados em escandinaviacutestica e eslavos de leste havendo pouquiacutessimos

trabalhos acessiacuteveis a pesquisadores ocidentais a preencher tal lacuna Especificamente

temos apenas ldquoThe Baltsrdquo de Marija Gimbutas bem como uma parte consideraacutevel em

sua obra ldquoThe Bronze Age Europerdquo e ldquoForeword to the Past A Cultural History of the

Baltic Peoplerdquo de Endre Bojtar destinada ao toacutepico ldquoThe Baltsrdquo entretanto apesar de

empregado por acadecircmicos do Ocidente como manual eacute considerado ligeiramente

defasado em alguns aspectos arqueoloacutegicos por especialistas nos proacuteprios paiacuteses

baacutelticos em particular na Lituacircnia350

Trabalhos conjuntos entre acadecircmicos dos Paiacuteses Baacutelticos e da Escandinaacutevia tecircm

surgido entretanto aos poucos clarificando melhor a situaccedilatildeo em particular no campo

dos estudos arqueoloacutegicos e haacute um crescimento constante na produccedilatildeo de perioacutedicos

tambeacutem acessiacuteveis via internet providenciando melhor divulgaccedilatildeo e compreensatildeo de

contextos ateacute entatildeo natildeo estudados pelo meio acadecircmico brasileiro

As referecircncias nos autores claacutessicos aos povos baacutelticos satildeo muito poucas e a

identificaccedilatildeo eacutetnica dos mesmos natildeo eacute absoluta Gimbutas assume que os ldquoNeurirdquo de

Heroacutedoto seriam Baltos em seu ramo oriental351

mas a identificaccedilatildeo natildeo eacute inequiacutevoca

Os ldquoaestirdquo de Taacutecito entretanto satildeo considerados com maior consenso como

349

МЕЛЬНИКОВА 1977 200 350

BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste Central

European University Press 1999 [1997] p58 nota 18 351

GIMBUTAS Marija The Balts London Thames and Hudson 1963 pp97-102

182

populaccedilotildees baacutelticas ocidentais habitando a regiatildeo circundante da atual peniacutensula de

Kaliningrado e os territoacuterios da antiga Pruacutessia Oriental e sul da Curlacircndia

Os territoacuterios habitados pelos povos baacutelticos em seu ramo oriental estendiam-se

no passado ateacute as proximidades das atuais Moscou e Yaroslav Tal hipoacutetese eacute

fundamentada na comparaccedilatildeo das culturas arqueoloacutegicas e em principal na anaacutelise de

topocircnimos feita por Buga (entre 1913 e 1924) nos rios da Bielo-Ruacutessia Vasmer (em

1932) nos distritos de Smolensk Tver (Kalinin) Moscou e Chernigov e de Toporov e

Trubachev (em 1962) na bacia do Dnieper

O extenso estudo de Toporov e Trubachev demonstraraacute uma origem baacuteltica para

o nome de mais de 1000 rios na bacia do Dnieper oferecendo fortes evidecircncias para

uma ampla expansatildeo dos povos na antiguidade nas regiotildees das atuais Bielo-Ruacutessia e

Ruacutessia europeacuteia352

Endre Bojtar apontaraacute criacuteticas importantes agrave definiccedilatildeo territorial

com base nos hidrocircnimos Dentre elas a relatividade de um suposto ldquoconservadorismordquo

na manutenccedilatildeo dos nomes de rios353

Entretanto manteacutem a ideia da regiatildeo aproximada

de expansatildeo baacuteltica antes da chegada de migrantes eslavos para o norte (vide Mapa 08)

Mapa 08 Locais com toponiacutemia baacuteltica

Legenda

1 Nomes

baacutelticos

frequentes

2 Nomes

baacutelticos

infrequentes

3 Nomes

baacutelticos raros e

questionaacuteveis

Fonte BOJTAR Endre Foreword to the Past A Cultural History of the Baltic People Budapeste

Central European University Press 1999 [1997]p54

352

ТОПОРОВ ВН ТРУБАЧЕВ ОН 1962 353

BOJTAR 54

183

Barford defende a identificaccedilatildeo dos povos baltos com uma aacuterea aproximada das

Culturas arqueoloacutegicas Kievana no periacuteodo romano e Tumshmlya-Bansherovo

Kolochin e Balachino na primeira metade do seacuteculo VI AD354

Temos dessa forma uma regiatildeo hipoteacutetica (poreacutem consensual) de habitaccedilatildeo

baacuteltica que coincidia com a regiatildeo de florestas do norte europeu e circundando a regiatildeo

sul e oriental do Baacuteltico bordejando a oeste os povos germacircnicos a sul proto-eslavos e

povos das estepes e a norte e leste populaccedilotildees natildeo indo-europeacuteias de idiomas fino-

uacutegricos

Por conseguinte os povos baacutelticos foram particularmente afetados com as

expansotildees eslaacutevicas tanto dos eslavos de leste para o norte da Ruacutessia nos seacuteculos VIII e

IX quanto dos eslavos ocidentais que chegaram agraves costas baacutelticas no seacuteculo VI

As fontes escritas sugerem que nesse processo de expansatildeo eslaacutevica o ramo

baacuteltico oriental ficou isolado do ramo ocidental pelos eslavos de leste A referecircncia

nesse sentido eacute dada pela Poacuteviest vrieacutemennikh liet ao citar a resistecircncia dos povos

chamados de Galindoi que Gimbutas identifica como baltos aparentemente separados

de outros povos e de similaridade etno-linguiacutestica e que iriam migrar para a regiatildeo leste

das atuais Letocircnia e Lituacircnia Nota-se que entre as tribos prussianas do seacuteculo XIII a

regiatildeo mais limiacutetrofe e meridional era chamada de ldquoGalindardquo

A identificaccedilatildeo entre esses galindos e os das proximidades de Moscou natildeo eacute

totalmente inequiacutevoca A proacutepria etimologia do termo pode apresentar conclusotildees

diversas Termos baacutelticos similares (letatildeo ldquogalsrdquo lituano ldquogalasrdquo) possuem campo

semacircntico relativo a ldquofimrdquo ldquoteacuterminordquo e dessa forma eacute razoaacutevel pressupor que regiotildees

limiacutetrofes fronteiriccedilas ou distantes poderiam receber nomes com tal terminologia

Os grupos de relevacircncia especiacutefica no contexto de primoacuterdios da Rus satildeo

principalmente trecircs diversas tribos prussianas habitando as regiotildees da atual peniacutensula

de Kaliningrado as tribos lituanas dentre as quais incluem-se os samogiacutecios e as tribos

letatildes das quais destacam-se kurs zemgaacutelios e latgaacutelios

Conquanto as fontes russas e germacircnicas refiram-se com frequecircncia agraves tribos

lituanas as fontes escandinavas sejam de forma escrita tradicional ou na forma de

estelas ruacutenicas natildeo o fazem nunca antes enfatizando os kurs (kurir) e zemgaacutelios

(semgallir) com os quais travavam maior contato

354

BARFORD 394s ldquoMap Irdquo e ldquoMap IIrdquo

184

Mapa 09 Tribos baacutelticas no seacuteculo XIII

Fonte GIMBUTAS Marija The Balts London thames and Hudson 1963 P23

A terminologia encontrada nas fontes escandinavas e estelas ruacutenicas para populaccedilotildees

baltas satildeo a seguinte

Na Letocircnia

Os povos habitantes no territoacuterio da atual Letocircnia satildeo referenciados em sete

inscriccedilotildees ruacutenicas dos varegues em adiccedilatildeo agraves fontes escritas Duas referecircncias aos

livocircnios (descritos juntamente aos povos fino-uacutegricos acima) quatro aos semgallir uma

agrave regiatildeo do Venta na Kurzeme e uma agrave entrada do Daugava Eacute o maior nuacutemero de

185

referecircncias em inscriccedilotildees ruacutenicas aos povos do baacuteltico principalmente aos semgallir

Vernadsky endossa a ideia de que a Rota comercial escandinava passando pelo

Daugava teria sido anterior agrave Rota pelo Golfo da Finlacircndia De fato os contatos

escandinavos em particular com a Kuacuterland satildeo atestados primeiramente na Vita

Anskarii escrita no seacuteculo IX mas datam de seacuteculos antes Entretanto os contatos com

as proacuteprias regiotildees estonianas aparentam ser igualmente antigos ainda que natildeo tatildeo

intensos

De qualquer forma as terras baltas e livocircnias foram as primeiras aacutereas de

interesse sueco no leste e propulsoras para os movimentos posteriores mais amplos Tal

circunstacircncia justifica o relativamente grande nuacutemero de referecircncias agrave regiatildeo da atual

Letocircnia Posteriormente a rota que passava o Daugava tornaria-se um ramo secundaacuterio

do Austrvegr em comparaccedilatildeo com agrave rota mais setentrional que cruzava o Golfo da

Finlacircndia mas sem perder de todo sua relevacircncia

Semgallir o povo da proviacutencia de Zemgale dos letotildees chamada Semigalia nas

fontes latinas Semgola na Poacuteviest vrieacutemennikh liet Os semgallir habitavam os

territoacuterios ao sul do Daugava etnograficamente categorizados dentre os baltos

orientais Seu idioma eacute um dos principais constituintes do letatildeo atual A

composiccedilatildeo de seu etocircnimo Zemgale indica a localizaccedilatildeo de uma terra de

fronteira ndash zeme ldquoterrardquo gals ndash ldquolimite fim fronteirardquo e pode sugerir tal

localizaccedilatildeo tanto como a regiatildeo fronteiriccedila aos liacutevios do norte como a tribo letatilde

mais meridional ainda que tais afirmativas sejam especulativas

A Chronicon Heinrici Livoniae escrita no seacuteculo XIII por um

eclesiaacutestico germacircnico narra os eventos do seacuteculo XII por ocasiatildeo da conquista

germacircnica da regiatildeo da Livocircnia Ali os semgallir aparecem como as uacuteltimas

populaccedilotildees a serem conquistadas e cristianizadas Alguns de seus costumes

(como a decapitaccedilatildeo de inimigos no campo de batalha) parecem impactar ao

cronista que dedica bastante espaccedilo aos mesmos mas as alianccedilas e

identificaccedilotildees eacutetnicas dos mesmos natildeo ficam claras Aparentemente pela

crocircnica as relaccedilotildees com os kurs eram amigaacuteveis diferentemente da situaccedilatildeo

com estonianos e lituanos mas o caraacuteter pontual de tais alianccedilas natildeo nos permite

consideraccedilotildees absolutas que elucidem em definitivo a etimologia

Satildeo citados nas estelas Souml 198 Souml 327 possuem uma referecircncia duacutebia

(proposta por Brate) na Souml 110 bem como em uma caixa de cobre encontrada

186

em Sigtuna (R 173)355

Apesar das referecircncias relativamente frequentes nas

inscriccedilotildees ruacutenicas as referecircncias escritas aos semgallir nas fontes tradicionais

satildeo mais raras Satildeo listados na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds saga (30) e apenas

citados duas vezes na Gesta Danorum nos livros 5 e 7 No uacuteltimo caso ambas

as referecircncias satildeo de passagem e ligadas agrave histoacuteria de Starkatherus sendo os

semgaacutelios citados em conjunto com outros povos do Baacuteltico (kurs e sembi na

primeira kurs e eesti na segunda) na primeira referecircncia os mesmos se revoltam

contra o domiacutenio danecircs e satildeo conquistados por Starkatherus A segunda eacute o

poema final do heroacutei no qual cita suas conquistas listando ali o episoacutedio

narrado anteriormente

Kuacuterland a regiatildeo de Kurzeme na atual Letocircnia e o ducado histoacuterico da

Curlacircndia possessatildeo nos tempos da Repuacuteblica Polaca-Lituana que chegou a

obter possessotildees coloniais na Gacircmbia e Caribe na Idade Moderna No periacuteodo

viking as regiotildees dos kurs possuiacuteam cinco divisotildees centralizadas em

fortificaccedilotildees (Pilsats Megova Duvzare Ceklis e Piemare) chegando ateacute a costa

norte da atual Lituacircnia

Os Kurs (kurir nas fontes escandinavas kors na Poacuteviest vrieacutemennikh liet)

satildeo as populaccedilotildees - juntamente com os estonianos e bjarmar - mais citadas nas

fontes escritas escandinavas Suas referecircncias satildeo as mais longas e mesmo

factiacuteveis algumas delas memoraacuteveis como a descriccedilatildeo do cativeiro do skaldr

Egill Skalagriacutemsson na Egils saga escrita no seacuteculo XIII provavelmente por

Snorri Sturlusson Tambeacutem emblemaacutetica eacute a referecircncia jaacute citada bastante antiga

da Vita Anskarii de Rimbert escrita no seacuteculo IX que conta sobre um suposto

periacuteodo de domiacutenio dos suecos sobre os kurs

A Chronicon Henrici Livoniae traz informaccedilotildees sobre os kurs no seacuteculo

XII principalmente taacuteticas militares e costumes funeraacuterios dos mesmos por

ocasiatildeo de expediccedilotildees de ataques mariacutetimos aos cruzados e no cerco efetuado

por eles a Riga interrompido para o cumprimento da cremaccedilatildeo de seus mortos

Nos seacuteculos XII e XIII os kurs estavam frequentemente associados agrave

estonianos de Saaremaa executando expediccedilotildees vikings pelo baacuteltico capturando

escravos e bens (incluindo sinos de igrejas principalmente na Sueacutecia)

355

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

187

Aparentemente ateacute entatildeo a julgar pelas referecircncias textuais possuiacuteram diversos

periacuteodos de domiacutenio ou pagamento de tributo da parte de Escandinavos

entremeados por revoltas e momentos de liberdade Em algumas ocasiotildees

aparentam ser parceiros de escandinavos seja em contatos comerciais ou

expediccedilotildees vikings

A categorizaccedilatildeo eacutetnica dos kurs do periacuteodo viking enquanto baltos natildeo

foi feita sem disputa De fato foi razoavelmente comum classificaacute-los enquanto

uma tribo fino-uacutegrica ideia que esporadicamente volta agrave tona principalmente da

parte de autores finlandeses e estonianos

Um dos argumentos mais fortes nesse sentido eacute o nuacutemero consideraacutevel

de termos de origem fino-uacutegrica que transparecem nos tratados do seacuteculo XIII

no idioma dos kurs como sua proacutepria denominaccedilatildeo ldquokurrdquo que pode significar

ldquogrourdquo nos idiomas fino-uacutegricos ldquokiligundenrdquo (regiatildeo administrativa) ldquomalevardquo

(unidade do exeacutercito) Esse niacutevel de argumento eacute usual em obras de

popularizaccedilatildeo cientiacutefica como do historiador amador Edgar Valter Saks356

Haacute argumentos considerados a niacutevel mais acadecircmico Um deles eacute a

denominaccedilatildeo ateacute o seacuteculo XIX da ilha estoniana de Saaremaa como ldquoKurasaarrdquo

ldquoIlha dos Kursrdquo Marika Maumlgi efetua um paralelo com a situaccedilatildeo na Estocircnia de

Saarema chamada de Eysyacutesla em contrapartida agrave costa Ocidental como

Adalsyacutesla357

Esta identificaccedilatildeo eacute aceita por poucos e deve ser considerada como uma

idiossincrasia a mais em categorizaccedilotildees e divisotildees eacutetnicas das populaccedilotildees (natildeo

apenas) do medievo De fato os kurs seratildeo uma das tribos constituintes dos

letotildees da Idade Moderna e Contemporacircnea o substrato e os cognatos fino-

uacutegricos na liacutengua letatilde adveacutem do idioma dos livocircnios natildeo da liacutengua dos kurs Em

adiccedilatildeo o istmo da Curocircnia entre a Pruacutessia Oriental e a Lituacircnia foi habitado ateacute

o seacuteculo XIX pelos Kursenieki descendentes dos antigos kurs e seu idioma era

claramente balto sendo que a discussatildeo mais seacuteria academicamente dividiu-se

no sentido de classificaacute-lo enquanto idioma balto oriental ligado ao letatildeo e ao

lituano ou ocidental ligado ao prussiano antigo358

Os siacutetios arqueoloacutegicos de Grobiņa (atual Letocircnia) e Apuole (atual

356

SAAKS Edgar Eesti viikingid 2005 pp 31-34 357

VUORELA 206 MAumlGI 2011 194 358

STONKUTĖ Loreta Kuršininkų tarmės lituanizmai In Studentu zinātniskās Konferences laquoAktuāli

baltistikas jautājumiraquo tēzes Latvijas Universitātes Filoloģijas fakultātes 2002 Pp43s

188

Lituacircnia) escavados por Birger Nerman na deacutecada de 1920 datildeo suporte agrave

relaccedilotildees antigas dos mesmos com a Escandinaacutevia principalmente os Svear e a

ilha de Gotland desde o seacuteculo VII359

Na Gesta Danorum de saxo Gramamaticus os kurs (ldquocuretesrdquo) satildeo

citados nos livros 123568911 e 14 incluindo episoacutedios relevantes como o

cativeiro de Hadingus no livro I e a batalha de Bravalla no livro 8

Eacute interessante notar que de forma contrastante com a relativa

abundacircncia de referecircncias nas fontes de ordem mais tradicional a uacutenica possiacutevel

referecircncia agrave terra dos kurs em estelas ruacutenicas encontra-se na G 135 e fala sobre

um homem morto em Vindau ndash Vendava No periacuteodo em questatildeo os kurs se

encontravam em processo de expansatildeo ao norte habitado por livocircnios e natildeo eacute

possiacutevel saber com exatidatildeo se a referecircncia ao Venta implicaria em alguma

relaccedilatildeo com os kurs ou com os livocircnios da Kurzeme

Na Antiga Pruacutessia

SaacutemlandLanland Ermland Vitland regiotildees da Pruacutessia Oriental tribos baltas

indo-europeacuteias A esta regiatildeo foi aplicado o termo ldquoAistlandrdquo por historiadores

da antiguidade (em particular na Germania de Taacutecito) e a versatildeo anglo-saxocircnica

de Oroacutesio feita por Alfredo bem como a viagem de Othere relatado tambeacutem por

Alfredo o que gera confusatildeo com a Eistland ndash Estocircnia de caraacuteter diverso

entretanto Quando as sagas e Snorri Sturlusson referem-se a ldquoestirdquo

normalmente o fazem tendo em mente estonianos

As correspondecircncias com topocircnimos baacutelticos satildeo Saacutemland ndash Semba

Ermland ndash Varme (Warmia) Marika Maumlgi argumenta por uma possiacutevel mistura

de terminologias eacutetnicas defendendo a possibilidade de que o uso de ldquoSamlandrdquo

possa por vezes implicar na Kurzeme360

mas trata-se de uma posiccedilatildeo bastante

isolada

A regiatildeo da Pruacutessia oriental continha algumas das maiores

concentraccedilotildees de depoacutesitos de dirheims do mundo islacircmico Noonan e Bogucki

defendem que habitantes das costas eslavas do baacuteltico bem como antigos

prussianos tenham sido os primeiros intermediaacuterios no comeacutercio de dirheims

359

NERMAN Birger Funde und Ausgrabungen in Grobiņa 1929 In Congressus Secundus

Archaeologorum Balticorum Rigae 19-23 VIII 1930 Riga 1930 pp195-206 360

MAumlGI 2011 194

189

entre os mundos islacircmico e escandinavo361

A regiatildeo abrigou um dos primeiros entrepostos comerciais do periacuteodo

viking a cidade de Truso Localizada no lago Druzno atualmente no local

encontra-se a cidade de ElbingElblag O local foi ativo como parte da rota do

acircmbar e no periacuteodo viking como localidade-chave na redistribuiccedilatildeo dos

dirhams vindos das regiotildees de leste tendo despertado o interesse escandinavo de

descobrir as regiotildees de proveniecircncia de tal prata e precipitado a proacutepria

expansatildeo escandinava na regiatildeo da posterior Rus

Haacute uma referecircncia agrave Samland em caracteres ruacutenicos na jaacute citada caixa

de cobre encontrada em Sigtuna (R 173)362

ldquoWitlandrdquo eacute empregado na Ǫrvar-

Odds saga e na viagem de Othere relatada pela crocircnica de Alfredo (em inglecircs

antigo) As demais regiotildees satildeo citadas tambeacutem na Heimslyacutesing e na Ǫrvar-Odds

saga

Saxo Grammaticus cita-os como ldquosembirdquo nos livros 68910 e 11 Em

um dos poucos casos de constacircncia em sua narrativa em praticamente todas as

citaccedilotildees os sembi estatildeo em conjunto com os Kurs (em 4 das 5 citaccedilotildees

normalmente rebelando-se contra daneses) e em oposiccedilatildeo aos sclavi

Lituacircnia

A ausecircncia de referecircncias aos lituanos natildeo teraacute passado desapercebida ao leitor

mais atento e informado De fato as fontes escandinavas natildeo se referem aos mesmos

Esta ocorrecircncia explica-se pela ausecircncia de costa mariacutetima ndash ocupada pelos kurs

prussianos zemgaacutelios liacutevios e estonianos ndash mas tambeacutem pela natureza diversa de

contatos entre lituanos e seus povos vizinhos no periacuteodo viking

Diferentemente de seus vizinhos costeiros as diversas tribos lituanas tiveram

menor contato com a Escandinaacutevia e maior com Polocircnia as demais tribos baacutelticas e os

eslavos de leste Os contatos com o mundo escandinavo foram dessa forma

intermediados por seus vizinhos Os proacuteprios territoacuterios lituanos ficavam agrave margem das

grandes rotas comerciais que ligavam a Escandinaacutevia agrave Euraacutesia e sua geografia

361

BOGUCKI Mateusz The Beginning of Dirham Import to the Baltic Sea Zone and the Question of

Early Emporia In LUND HANSEN Ulla BITNER-WROacuteBLEWSKA Anna (eds) Worlds Apart

Contacts Across the Baltic Sea in the Iron Age Network Denmark-Poland 2005-2008 Det Kongelige

Nordiske Oldskriftselskab Państwowe Muzeum Archeologiczne (Copenhagen (et al) 2010) pp 351-

361 362

МЕЛЬНИКОВА 1977 208 PRITSAK 364

190

abundante em florestas e pacircntanos certamente natildeo colaborou para a diminuiccedilatildeo de seu

isolamento

A despeito desse isolamento por ocasiatildeo das cruzadas setentrionais e a expansatildeo

germacircnica para o leste os lituanos foram capazes de se organizar em uma monarquia

forte e expansionista com a originalidade de manterem com suas crenccedilas pagatildes

ancestrais

O paganismo oficial lituano apenas perderia seu lugar por ocasiatildeo da unificaccedilatildeo

das coroas polaca e lituana e na idade moderna a Polocircnia-Lituacircnia consistiraacute no estado

territorial mais extenso e muacuteltiplo da Europa

323 Baltos e Fino-Uacutegricos

A relaccedilatildeo entre baltos e fino-uacutegricos parece ter sido de particular influecircncia

muacutetua No campo da linguiacutestica os empreacutestimos e influecircncias satildeo extensos desde o

campo de terminologia de ferramentas e tecnologias ateacute de relaccedilotildees familiares363

Estudos dos Haplogrupos de DNA demonstram tambeacutem uma relaccedilatildeo particular

de miscigenaccedilatildeo de entre os habitantes da Letocircnia e Lituacircnia com os povos fino-uacutegricos

da Estocircnia e Finlacircndia em particular no predomiacutenio demonstrado do haplogrupo N do

cromossomo Y dominante entre as populaccedilotildees de etnicidade fino-uacutegrica ao lado do

haplogrupo R1a comum entre populaccedilotildees da Europa Setentrional (em particular na

Noruega) Oriental (com frequecircncias variando por volta de 50 de predomiacutenio entre

poloneses ucranianos bielorussos e russos) e das estepes364

Eacute razoaacutevel a suposiccedilatildeo de um nuacutecleo original populacional provavelmente

pequeno de fala indo-europeacuteia com afinidade geneacutetica com outras populaccedilotildees de

falares da mesma famiacutelia como eslavos e germanos que se difundiu rumo ao norte

interagindo e miscigenando-se com as populaccedilotildees locais

363

GIMBUTAS 33-36 364

LAITINEN Virpi LAHERMO Paumlivi SISTONEN Pertti SAVONTAUS Marja-Liisa Y-

Chromosomal Diversity Suggests that Baltic Males Share Common Finno-Ugric-Speaking Forefathers

In Human Heredity 2002 53 68ss

191

324 Bjaacutermaland

Figura 18 Biarmia na Carta Marina de Olaus Magnus (1539)

Traduzida frequentemente por Peacutermia ou Perm esta regiatildeo apresenta problemas

e discussotildees por deacutecadas no que tange sua localizaccedilatildeo e composiccedilatildeo eacutetnica As fontes

escandinavas de forma mais geneacuterica colocam-na na foz do Viacutena (o Dvina setentrional)

ou seja nas margens do Mar Branco

Olaus Magnus em sua ldquoDescriccedilatildeo dos povos Setentrionaisrdquo jaacute no seacuteculo XVI

afirma baseando-se explicitamente em Saxo a existecircncia de duas aacutereas em Bjarmaland

ldquoBiarmia ulteriorrdquo e ldquoBiarmia citeriorrdquo Em seu mapa a ldquoCarta Marinardquo (ver Mapa 4)

localiza uma soacute ldquoBiarmiardquo ao norte do que descreve como ldquoLacus Albardquo em regiatildeo que

192

pode ser identificada claramente com a Peniacutensula de Kola

Nota-se a compreensatildeo do Mar Branco como um lago acerca da qual eacute

interessante a observaccedilatildeo da regiatildeo em um mapa contemporacircneo

Mapa 10 Mar Branco Peniacutensula de Kola e Oceano Aacutertico Do autor

A causa de dissensatildeo nesta identificaccedilatildeo eacute a circunstacircncia de que a regiatildeo natildeo

coincide com a ldquoGrande Peacutermiardquo da Ruacutessia mais ao leste e sul E em algumas das

Fornaldarsoumlgur o caminho para Bjarmaland eacute feito dirigindo-se para Austrvegr ou seja

pelo Baacuteltico Oriental

As colocaccedilotildees de Alan S C Ross em 1930 com adiccedilotildees em 1940 1978 e

1981365

(nesta uacuteltima data de Michael Chesnutt) permanecem ainda norteando a

abordagem da questatildeo O outro estudo mais amplo feito sobre a questatildeo eacute da pena de

Mervi Koskela Vasaru em 2009 e apesar de natildeo se referir ao uacuteltimo chega a

conclusotildees similares366

O debate assume ainda contornos mais complexos e apresenta

maiores discordacircncias com a entrada do quesito de etnia na discussatildeo

365

ROSS 1981 366

KOSKELA VASARU Mervi Bjarmaland Phd thesis University of Oulu 2009 ___________

Bjarmaland and Interaction in the North of Europe from the Viking Age until the Early Middle Ages In

Journal of Northern Studies Vol 06 N02 2012 Umearing

193

A viagem de Othere eacute a fonte mais antiga a referir-se aos Bjarmar Satildeo ali

chamados de Beormas e a descriccedilatildeo da viagem parece aplicar-se bem a populaccedilotildees que

residiam agraves margens do Mar Branco e como tais satildeo localizados na Carta magna de

Olaus Magnus

Uma seacuterie de sagas e fontes escandinavas vai referir-se a jornadas agrave Bjarmaland

Normalmente os seus habitantes satildeo antagonistas dos escandinavos e recorrem ao uso

de magia em suas batalhas Em particular Saxo Grammaticus e as fornaldarsoumlgur

colocam ecircnfase nos bjarmar enquanto antagonistas bem como na sua habilidade em

manipular o sobrenatural

Com sua ecircnfase especial no aspecto de narrativa de entretenimento e

incorporaccedilatildeo do fantaacutestico o aspecto maacutegico dos bjarmar eacute sempre salientado nestas

narrativas Um tipo especial de referecircncia eacute aquela na qual um personagem dos bjarmar

descende de um humano e de um ser sobrenatural (normalmente uma gigantea) Eacute

dessa maneira que eacute explicada a concepccedilatildeo de Ogmund necircmesis de Ọrvar-Oddsem sua

saga

Os bjarmar satildeo bons e gerais exemplos do ldquooutrordquo na narrativa escandinava A

Ǫrvar-Odds saga em sua forma longa traz como primeiro grande feito de Odd sua

viagem agrave Bjarmaland Aliaacutes Odd sempre seraacute lembrado em ocasiotildees posteriores da

narrativa como Odd ldquoo que foi ateacute Bjarmalandrdquo Ali ele demonstra a dificuldade de

compreensatildeo no campo linguiacutestico e de costumes Necessita de inteacuterprete da liacutengua dos

bjarmar que eacute colocada por meio da foacutermula ldquosemelhante ao barulho dos paacutessarosrdquo e

necessita de inteacuterprete dos proacuteprios costumes e haacutebitos dos homens ali

Sua divindade eacute chamada de ldquoJomalirdquo que eacute cognato com o termo fino-uacutegrico

para ldquodeusrdquo ldquoJumalrdquo e natildeo encontra ressonacircncia ou equivalecircncia no panteatildeo

escandinavo

Haacute duas formas de abordagem empregadas na definiccedilatildeo de quem satildeo os bjarmar

A mais comum procura sua identidade etno-linguistica Os indicativos para esta

definiccedilatildeo se baseiam nos paracircmetros geograacuteficos dados pelas fontes algumas

descriccedilotildees pontuais e esparsas de costumes e a referecircncia ao deus ldquoJomalirdquo

Esta referecircncia em particular feita duas vezes apenas daacute o argumento da filiaccedilatildeo

linguiacutestica fino-uacutegrica dos Bjarmar em conjunto com a evidecircncia mais tecircnue e

disputada da etimologia do proacuteprio nome perm

Segundo esta primeira abordagem existem quatro possibilidades eacutetnicas para os

194

Bjarmar

Lapotildees (saami) ndash satildeo os Finnar das fontes escandinavas citados haacute pouco

Segundo os argumentos de Vasmer (que se fundamentam basicamente no

campo da linguiacutestica e anaacutelise de topocircnimos eacute importante salientar) a

distribuiccedilatildeo antiga dos saami incluiria aacutereas ao sul do Mar Branco (incluindo a

foz do Dvina setentrional) e a aacuterea a nordeste do lago Onega Entretanto como

Ross salienta Othere descreve os Saami em sua viagem como os Terfinnas a

seguir passando para os Beormas os quais descreve como outras populaccedilotildees

Eacute pouco provaacutevel que o autor fosse descrever duas a mesma populaccedilatildeo

seguidamente por duas nomenclaturas diferentes e poderiacuteamos fazer facilmente

uso do mesmo argumento para a descriccedilatildeo dos saami como finnar nas fontes

escandinavas ou mesmo de frequentes ocasiccedilotildees aonde finnar e bjarmar satildeo

citados um proacuteximo ao outro Via de regra as fontes que descrevem a viagem agrave

Bjarmaland via o norte da Noruega descrevem primeiramente encontros com os

Finnar e posteriormente com os Bjarmar Um exemplo claro disto daacute-se na

proacutepria Ǫrvar-Odds saga e eacute circunstacircncia loacutegica ao considerar os habitantes de

norte da Noruega e peniacutensula de Kola os lapotildees pelos quais os viajantes

precisam passar antes de chegar ao Mar Branco

Outro argumento contra a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami eacute a

referecircncia ainda de Othere que os Beormas praticam agricultura e possuem

modo sedentaacuterio de vida Ainda que pontual eacute referecircncia significativa ao ser

feita em contraposiccedilatildeo a um modo nocircmade atribuiacutedo aos Terfinnas Finnar

Fica excluiacuteda portanto a identificaccedilatildeo de Bjarmar com Saami

Komi

Os Komi satildeo os habitantes dos distritos russos aos quais se aplica o termo

ldquoGrande Peacutermiardquo e aonde a proacutepria cidade de Perm encontra-se Atualmente

distribuem nos governos de Vyatka Vologda Perm e Arkhangelsk Os Komi satildeo as

proacuteprias populaccedilotildees as quais o termo Perm eacute aplicado constituem com os Udmurt o

ramo Komi-Permyak da famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica Vasmer eacute o uacutenico

proponente de peso para esta identificaccedilatildeo Para ele os BjarmarBeormas seriam

Antigos Permianos (Zyrian-Komi) Ele apresenta evidecircncia toponiacutemica de uma

distribuiccedilatildeo mais ampla rumo a oeste e norte em tempos anteriores incluindo

territoacuterios que natildeo influem em nossa discussatildeo como Olonets Novgorod Vologda

195

Vyatka Perm Kazan e Kostroma O material dado referente agrave regiatildeo de

Arkhangelsk que engloba os distritos de Arkhangel Kholmogory Onega

Shenkursk Pinega Mezen e Pechora entretanto satildeo de interesse agrave nossa discussatildeo

O argumento principal colocado por Ross367

contraacuterio agrave identificaccedilatildeo de

Bjarmaland com os Perm entretanto eacute que sua expansatildeo rumo ao norte seria

posterior ao seacuteculo XI No seacuteculo em questatildeo os Komi ainda estariam unidos com

os Udmurt sob domiacutenio Buacutelgaro-Turco no periacuteodo chamado ldquoPermiano primitivordquo

Alguns argumentos secundaacuterios (e questionaacuteveis) apresentados em conjunto satildeo a

ausecircncia de material arqueoloacutegico de origem escandinava ou de imitaccedilatildeo

escandinava entre os Komi (argumento de Tallgren) a despeito da existecircncia de

coleccedilatildeo ampla e bem-catalogada de antiguidades permianas a natureza de cognatos

entre as liacutenguas komi e balto-fiacutenicas (particularmente careacutelio e vepse) sugere que

um possiacutevel contato entre as mesmas teria dado-se apenas em regiatildeo bem mais ao

sul do Mar Branco (argumento de Uotila) Othere descreve as liacutenguas dos Terfinnas

e Beormas como mutuamente inteligiacutevel ou muito semelhante

Por certo esse criteacuterio eacute bastante subjetivo o grau de semelhanccedila entre duas

liacutenguas fino-uacutegricas a um observador de fala germacircnica- indo-europeacuteia dificilmente

pode ser mensuraacutevel Entretanto eacute relevante destacar que dentre os subgrupos da

famiacutelia linguiacutestica fino-uacutegrica a distacircncia entre o ramo komi-permiak e o saami eacute

significativa Jaacute o saami e o ramo balto-fiacutenico satildeo notoriamente proacuteximos e tal

distacircncia era consideravelmente menor haacute um milecircnio atraacutes Ao argumento soma-se

ainda a referecircncia ao deus Jomali ndash termo evidentemente Balto-fiacutenico e por fim o

argumento de que os Komi nunca habitaram a peniacutensula de Kola apoacutes o que Ross

chega agrave conclusatildeo de que os Komi natildeo podem ser os Bjarmar das fontes

escandinavas

O decorrer da histoacuteria russa assistiu o desenvolvimento de um principado de

Perm que nos seacuteculos X-XI pagaria tributos a Novgorod mas que no decorrer dos

seacuteculos XV-XVI e sua cristianizaccedilatildeo tornar-se-ia vassalo de Moscou tendo

desfrutado de relativa independecircncia ateacute o seacuteculo XV Movimentos nacionais

posteriores aos seacuteculos XIX incorporariam o imaginaacuterio de sua histoacuteria incluindo a

homocircnima Bjarmaland em construccedilotildees de identidades nacionalismos justificativas

e ideologias frente a um Impeacuterio Russo unificador e totalitaacuterio

367

ROSS 1981 54

196

Vots (ou vatja)

Sugestatildeo apresentada por Jaakola e desconsiderada de imediato por Ross368

jaacute

em 1940 Referidos na PVL como chudi no seacuteculo XIII habitavam as proximidades

de Novgorod e do Ladoga369

No periacuteodo entre-guerras sua populaccedilatildeo era proacutexima

apenas a um milhar de pessoas de distribuiccedilatildeo limitada aos arredores de Satildeo

Petersburgo (entatildeo Leningrado) Em 1956 contavam apenas com 25 pessoas370

No

censo de 2010 o nuacutemero de falantes aumentara para 68 indiviacuteduos371

Kareli o aspecto ocupacional

Esta eacute a opccedilatildeo de maior peso ao tentar se enquadrar os bjarmar em uma etnia

especiacutefica Entretanto esta hipoacutetese estaacute ligada a uma interpretaccedilatildeo mais ampla do

significado de etnicidade

A evidecircncia linguiacutestica e toponiacutemica incluindo discussotildees que incluem as fontes

primaacuterias russas aponta uma ocupaccedilatildeo de aacutereas da peniacutensula de Archangelsk e das

margens do Mar Branco ateacute o Dvina Setentrional pelos kareli372

De fato toda a

monografia jaacute citada acima ldquoThe Terfinnas and Beormas of Othererdquo de Alan Ross tem

como objetivo principal o demonstrar a identificaccedilatildeo dos Terfinnas com os Sami

(lapotildees) e os BeormasBjarmar com os kareli A identificaccedilatildeo entretanto foi colocada

em questionamento principalmente pela historiografia sovieacutetica pelas razotildees jaacute

apontadas acima da regiatildeo russa de Perm localizada mais a leste e sul do Mar Branco e

habitada pelos Komi

A soluccedilatildeo desse impasse requer uma anaacutelise mais cuidadosa associada a um

conceito de etnicidade mais amplo Esta abordagem da questatildeo eacute relativamente mais

recente mas tem conseguido um maior consenso

A identificaccedilatildeo dos Kareli do norte enquanto os Bjarmar associada com a

existecircncia posterior da regiatildeo de Perm dentre os Komi soacute pode ser conciliada

considerando o aspecto ocupacional do termo perem aspecto que Chestut373

designaria

como ldquoum modo de vidardquo

Perem deriva de uma raiz fino-uacutegrica e aplicar-se-a a mercadores peripateacuteticos e

368

ROSS 1981 55 369

VUORELA 146s 370

VUORELA 145 371

Ethnologue Obtido em lt httpwwwethnologuecomlanguagevotgt Uacuteltimo acesso em 11112014 372

ROSS 1981 56s 373

CHESTNUT 75

197

caccediladores estabelecidos mais ao sul e habituados a explorar os recursos das regiotildees

setentrionais que bordejavam o Mar Branco (em particular a obtenccedilatildeo de peles) bem

como seus moradores nocircmades e que natildeo apresentavam defesa organizada efetiva

Tal ideia que recebeu maior atenccedilatildeo e divulgaccedilatildeo com a republicaccedilatildeo da

monografia de Ross com as atualizaccedilotildees de Chesnut baseia-se principalmente no

estudo de 1956 do finlandecircs Kustaa Vilkuna que analisou o uso do termo Permi

empregado por careacutelios operando em grupo de mercadores atraveacutes da Finlacircndia Sueacutecia

do norte e Finmark Tal designaccedilatildeo de grupo seria atestada ainda no seacuteculo XVI por

ocasiatildeo de problemas gerados por tais Permi ao governo sueco Encontraria um

exemplo paralelo de uso misturado de ocupaccedilatildeo eacutetnica com atividade profissional pela

acepccedilatildeo que o termo Saksa assumiu no finlandecircs de ldquoGermacircniardquo para ldquomercadorrdquo374

Uma questatildeo eacute inatacaacutevel o contexto do norte da Ruacutessia foi povoado por muitas

populaccedilotildees de fala fino-uacutegrica de grau maior ou menor de semelhanccedila muacutetua e que

deixaram substratos consideraacuteveis no proacuteprio idioma e dialetos russos setentrionais375

Igualmente o campo de argumentos muito precisos com bases linguiacutesticas abre espaccedilo

para historicismo e cientificismo e deve ser utilizado com cuidado

Parece-nos mais adequada a suposiccedilatildeo mais largamente aceita

contemporaneamente de que as populaccedilotildees com as quais os escandinavos travavam

contato e que chamavam de bjarmar eram kareli em sua grande maioria e que a

denominaccedilatildeo derivou de fato de um aspecto ocupacional Isto natildeo gera uma contradiccedilatildeo

com a circunstacircncia de que os careacutelios em uma acepccedilatildeo que nos soa mais

marcadamente eacutetnica satildeo referidos como tais nas fontes escandinavas

Entretanto a natureza exclusiva desta etnicidade kareliana deve ser relativizada

e aberta num sentido de que certo amaacutelgama de populaccedilotildees fino-uacutegricas certamente

ocorreu na regiatildeo fechando a porta para especulaccedilotildees nacionalistas modernas

374

apud VILKUNA 649ss In CHESTNUT 78 375

SAARIKIVI Janne Substrata Uralica Studies on Finno-Ugrian Substrate in Northern Russian

Dialects Tartu Tartu University Press 2006

198

CAPITULO 4 O LESTE ENQUANTO PRODUTO DE REFLEXAtildeO HISTOacuteRICA

Ateacute o presente ponto de nossa discussatildeo esperamos ter deixado claro que a

despeito da discussatildeo inflamada que esporadicamente ressurge na Ruacutessia e Ucracircnia

contemporacircneas sobre o papel Escandinavo em seus primoacuterdios esta mesma presenccedila eacute

confirmada por uma miriacuteade de fontes de diversas naturezas incluindo fontes escritas

de caacuterater tradicional e a Cultura Material esta uacuteltima por meio da anaacutelise numismaacutetica

e arqueoloacutegica incluindo aqui o fenocircmeno de disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas pelo

territoacuterio do que eacute hoje entendido como Sueacutecia

Tambeacutem demonstramos que a teoria normanista ou algum de seus espectros

consiste na posiccedilatildeo acadecircmica preponderante no Ocidente exemplificando tambeacutem tal

circunstacircncia por meio da anaacutelise de Cultura Material mas esperamos natildeo ter incorrido

de forma radical em suas pressuposiccedilotildees salientando que a despeito do papel exercido

por escandinavos nos primeiros passos da Rus natildeo eacute possiacutevel se diminuir a criatividade

e influxo dos eslavos orientais em sua formaccedilatildeo

Dando prosseguimento a nossos propoacutesitos iniciais eacute mister analisarmos daqui

em diante de que formas tais movimentos ao leste produziram marcas na historiografia e

produccedilatildeo escrita escandinava no medievo nos seacuteculos imediatamente posteriores a tal

expansatildeo

Eacute esse objetivo que cumpriremos na seccedilatildeo a seguir Neste capiacutetulo discutiremos

de iniacutecio autores que se propuseram a escrever histoacuterias de grande escopo tentando

inserir suas naccedilotildees e povos em um contexto mais amplo mundial Para os mesmos o

leste assumiraacute nuances especiacuteficas e ideoloacutegicas que pretendemos demonstrar aqui Os

autores que se prestam a tal propoacutesito satildeo o islandecircs Snorri Sturlusson e o danecircs Saxo

Grammaticus

Em seguida observaremos uma manifestaccedilatildeo diversa da produccedilatildeo escrita que

ainda que se sirva das mesmas mateacuterias-primas - relatos orais tradiccedilotildees folcloacutericas e

conhecimento livresco - molda tais elementos com propoacutesitos e resultados distintos

Falamos aqui das Fornaldarsoumlgur em especial a Ọrvar-Odds Saga

Iniciaremos esta seccedilatildeo com uma apresentaccedilatildeo breve do contexto de produccedilatildeo

intelectual desenvolvido na Escandinaacutevia e Islacircndia do seacuteculo XIII procedendo de

imediato agrave anaacutelise das fontes primaacuterias

199

41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no medievo

As deacutecadas de 1170 a 1230 concentram um periacuteodo de marcante aumento na

produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia continental e Islacircndia A despeito do aumento

consideraacutevel de contatos com outras naccedilotildees europeias incluindo as ilhas britacircnicas e o

continente que propiciaram modelos literaacuterios e a influecircncia do Cristianismo eacute

necessaacuteria a ecircnfase de que o aumento exponencial literaacuterio foi precedido por uma

tradiccedilatildeo oral fortemente consolidada acompanhada de aspectos culturais circundantes

que garantiam aos mantenedores de tal tradiccedilatildeo prestiacutegio e privileacutegios sociais376

-377

Aos principais responsaacuteveis por esta transmissatildeo de conhecimento e poesia

chamou-se de skaldar ldquoescaldosrdquo378

indiviacuteduos que improvisavam e compunham

poemas segundo intrincadas meacutetricas preacute-estabelecidas e empregos de motivos

mitoloacutegicos Tais homens foram amiuacutede personagens principais ou de destaque em

muitas Iacuteslendingasoumlgur algumas das quais receberam seus nomes como a Saga de

Kormak e a Saga de Egil

Como jaacute afirmado indiviacuteduos com tais habilidades dispunham de meios

suficientemente garantidos de prestiacutegio nos salotildees de jarls e reis encontrando honra e

suporte de seus liacutederes enquanto simultaneamente revestiam-se de importacircncia

fundamental na transmissatildeo do conhecimento sobre o passado A historiografia recente

tecircm demonstrado por meio de abordagens ligadas agrave outras ciecircncias sociais diversas

facetas de tal sistema que incluiacutea uma cultura de daacutedivas e trocas ndash os salotildees de chefes

e liacutederes que proviam bons presentes eram frequentados por melhores escaldos379

e

complexas formas de acuacutemulo e troca de capitais380

Tal produccedilatildeo intelectual e literaacuteria possui forma e objetivo diversificados

incluindo obras de menor porte como sagas de scaldos heroacuteis e famiacutelias sagas de

tempos legendaacuterios obras escritas no vernaacuteculo lidando com assuntos laicos e

regionais ateacute histoacuterias com maiores pretensotildees e trabalhos em molde cristatildeo incluindo

376

SAWYER ampSAWYER 2003 pp 219-224 230-238 377

WANNER Kevin Snorri Sturlusson and the Edda The Conversion of Cultural Capital in Medieval

Scandinavia University of Toronto Press 2008 378

ldquoSkaacuteldrrdquo significa ldquopoetardquo em antigo noacuterdico O termo eacute de iniacutecio geneacuterico para qualquer tipo de

poeta mas tornou-se de adoccedilatildeo especiacutefica para os que tratavam com a poesia ldquoescaacuteldicardquo encontrada nas

sagas e fontes islandesas antigas regida por regras e paracircmetros especiacuteficos SKAacuteLD WHALEY Diana

Edwards In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia (Garland

Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 379

WINROTH Anders The Conversion of Scandinavia Vikings Merchants and Missionaries in the

Remaking of Northern Europe Yale University Press New Haven amp London 2012 pp42s 380

WANNER Op cit

200

um espelho de priacutencipes (o Konungs skuggsjaacute composto na Noruega em antigo

noacuterdico) as obras histoacutericas de Snorri Sturlusson e Saxo Grammaticus ndash esta uacuteltima

escrita em latim

Na regiatildeo da Sueacutecia tal processo deu-se de forma diversa A despeito de natildeo ter

passado por tal ldquoflorescimento literaacuteriordquo nos seacuteculos XII e XIII os suecos produziram

um nuacutemero maior de crocircnicas e obras escritas na Idade Meacutedia tardia bem como em sua

transiccedilatildeo para o periacuteodo moderno Soma-se a sua situaccedilatildeo peculiar a jaacute discutida

disseminaccedilatildeo das estelas ruacutenicas em grau natildeo equiparado na Dinamarca e Noruega

Nesses seacuteculos Escandinaacutevia e Islacircndia possuem consolidados ou em processo

avanccedilado de consolidaccedilatildeo um nuacutemero consideraacutevel de centros de produccedilatildeo intelectual e

erudita providos de livros capital humano ndash frequentemente provido de formaccedilatildeo em

centros no exterior principalmente Paris e Inglaterra - em adiccedilatildeo a formas ideoloacutegicas

cristatildes razoavelmente enraizadas

Lund na Dinamarca ndash atualmente na Sueacutecia - aglutinou erudiccedilatildeo em torno de

si primordialmente da parte de seus eclesiaacutesticos Alguns dos eruditos daneses de maior

destaque foram autores como Saxo Grammaticus (ca1150-1220) Sven Aggesen

(114050 - ) o proacuteprio arcebispo Absalatildeo (ca 1128-1202) e Anders (1167-1228) seu

sucessor no arcebispado de Lund O uacuteltimo citado por Saxo Grammaticus no Prefacio

da Gesta Danorum eacute descrito como algueacutem que estudara ldquoem Franccedila Itaacutelia e

Bretanhardquo Gunnar de Viborg (1152-1251) autor do Coacutedigo Legal da Jutacircndia primeira

legislaccedilatildeo escrita da Dinamarca eacute nome tambeacutem merecedor de destaque381

dentre outros

referidos por Arnold de Luumlbeck (morto 12111214) autor da Chronica Slavorum382

Rei Arcebispo

Eskil (ca1100-1181)

Valdemar I (1157-1182)

Absalatildeo (ca 1128-1202) Bispo em Roskilde 1158-1192

Arcebispo em Lund 1178-1202

Knut IV (1182-1202)

Valdemar II (1202-1241) Anders Sunesson (1167-1228) Arcebispo em Lund 1202-1228

Tabela 04 Os reis Valdemares e os arcebispos na Dinamarca do seacuteculo XIII Do autor

381

JANSEN amp HANSEN 02ss 382

DAVIDSON Commentary 11

201

Na Islacircndia destacavam-se natildeo apenas um mas diversos centros de saber as

escolas nas catedrais de Haukadalr Hoacutelar e Skaacutelholt merecem menccedilatildeo mas

principalmente Oddi o centro de erudiccedilatildeo mais consolidado no territoacuterio islandecircs e de

onde sairiam diversos bispos para Skaacutelholt

Dentre os oriundos de laacute podemos citar Saemundr Froacuteethi (1056-1133) o

ldquoestudadordquo o proacuteprio Joacuten Loftsson (1124-1197) que adotou Snorri como discutiremos

mais adiante seu filho Paacutel Jonsson (1155-1211) bispo em Skaacutelholt anteriormente

estudante em Londres aonde adquirira ldquogrande saberrdquo segundo a Byskupa soumlgur383

Satildeo Thorlaacutekr (1133-1193) tambeacutem bispo em Skaacutelholt estudara em Paris e Londres

dentre outros eruditos

Foi o ambiente de Oddi que propiciou a Snorri Sturlusson o conhecimento e

meios necessaacuterios para sua grande produccedilatildeo escrita ainda que e debata sobre a natureza

do que exatamente era ensinado ali

Em Haukadalr estudara Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi (1067-1148) autor do

Iacuteslendigaboacutek que narra a colonizaccedilatildeo da Islacircndia e provavelmente do Primeiro tratado

Gramaacutetico (ca 1160) Houve uma atribuiccedilatildeo de sua autoria agrave proacutepria Heimskringla que

natildeo eacute aceite pelos acadecircmicos e que seraacute comentada mais adiante

O processo de adequaccedilatildeo e inserccedilatildeo da erudiccedilatildeo escandinava no meio europeu

ocidental foi marcado pela produccedilatildeo de consideraacutevel quantidade de material a lidar com

periacuteodos recuados nos tempos pagatildeos da Escandinaacutevia As formas de se lidar com tal

passado pagatildeo foram muacuteltiplas e variadas

Na Islacircndia as sagas apresentam-no de maneira soacutebria croniacutestica

desapaixonada e bastante pessoal Saxo Grammaticus e Snorri Sturlusson ao

escreverem obras de maior abrangecircncia inseriram tal passado em uma linha mais

ampla conectiva dos tempos pagatildeos ancestrais ao presente cristatildeo

Tradicionalmente e mesmo dentre muitos autores contemporacircneos considera-

se tal contexto como um momento de estiacutemulo ao antiquarismo de tentativa de resgate

de tradiccedilotildees e imaginaacuterios que corriam o risco de serem suplantados e esquecidos

frente ao fortalecimento da tradiccedilatildeo cristatilde

Esta interpretaccedilatildeo vem sido problematizada de forma diversa em tempos mais

recentes em obras como ldquoSnorri Sturluson and the Eddardquo de Kevin Wanner O autor

apresenta o emprego do passado das formas poeacuteticas e dos mitos antigos como formas

383

Byskupa soumlgur 1948 I 263

202

de ganho e preservaccedilatildeo de capital cultural ndash assumindo por completo as acepccedilotildees de

Bordieu - diante de um contexto cada vez mais internacionalizado no qual os salotildees e

cortes enchiam-se de formas poeacuteticas estrangeiras

Nesse contexto a compreensatildeo e apreciaccedilatildeo dos versos escaacuteldicos era limitada

a poucas pessoas e consequentemente o prestiacutegio influecircncia e alcance do proacuteprio

Snorri era diminuiacutedo em medida proporcional agrave grande capacidade e conhecimento

demonstrados pelo mesmo nas formas de composiccedilatildeo antigas384

A despeito da maior relevacircncia e significado das obras de Saxo Grammaticus e

Snorri Sturlusson tais autores natildeo foram os uacutenicos tampouco primeiros a escreverem

histoacuterias (ou tentativas de) de suas naccedilotildees

Na Dinamarca foram escritas histoacuterias crocircnicas ou obras de tal caraacuteter antes de

Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum Por exemplo a Gesta Suenomagni regis et

filiorum eius et passio gloriosissimi Canuti regis et martyris que apesar de ter sido

escrita pelo monge inglecircs AEliglnoth em 1120 tratava da vida de S Knut e seus irmatildeos

Se tomarmos em consideraccedilatildeo um escopo e interesses mais amplos a

Chronicon Roskildense consiste na primeira obra que pode receber a nomenclatura de

uma ldquohistoacuteriardquo danesa tendo sido escrita nas proximidades de 1140

Entre 1170 a 1220 encontramos natildeo apenas a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus mas tambeacutem trecircs obras da autoria de Sven Aggesen385

um tratado legal

uma histoacuteria poliacutetica e uma linhagem reacutegia386

De forma similar agraves circunstacircncias envolvendo a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus natildeo se sabe o nome exato da histoacuteria escrita por Sven Aggesen O tiacutetulo

Compendiosa regum daniae historiae ldquoHistoacuteria resumida dos reis da Dinamarcardquo eacute

encontrado no texto editado por Stephanius em 1642

Christensen em sua traduccedilatildeo de 1992 para a Viking Society foi Northern

Research adota-o e o traduz como ldquoA short history of the kings of Denmarkrdquo Como tais

tiacutetulos evocam trata-se de uma histoacuteria bastante breve ainda mais se comparada agrave

extensatildeo da Gesta Danorum ndash na qual provavelmente se baseou em algumas de suas

partes iniciais387

O casal Sawyer apresenta uma divisatildeo didaacutetica das obras escandinavas

agrupando autores segundo ideologias poliacuteticas Sven Aggesen (na Dinamarca) e a

384

WANNER 2008 385

SAWYER amp SAWYER 2003 221 386

CHRISTIANSEN 1992 04 387

CHRISTIANSEN 1992 22

203

Sverris saga (na Noruega) defenderiam ideais poliacuteticos teocraacuteticos de forma contraacuteria agrave

Gesta de Saxo Grammaticus (Dinamarca) e Theodoricus na Noruega que defenderiam

ideais da proacutepria Reforma gregoriana e em suporte agrave primazia da Igreja Por sua vez o

islandecircs Snorri traduziria bem a voz da aristocracia

Estas diferenccedilas de concepccedilotildees poliacuteticas estariam ligadas agraves proveniecircncias dos

autores ou aos nuacutecleos de poder aos quais os mesmos estariam ligados Snorri adveacutem

de um contexto islandecircs no qual o conflito entre a tentativa do rei da Noruega em

concentrar poder e restringir a autonomia dos islandeses bate de frente com as proacuteprias

tentativas de maior autonomia dos chefes locais da Islacircndia Na Dinamarca Saxo

Grammaticus estava diretamente sob comissatildeo dos arcebispos de tradiccedilatildeo reformada na

igreja danesa Absalatildeo e Anders Sunesson jaacute Sven Aggesen fora oriundo da famiacutelia

Thurgot da Jutlacircndia tradicional defensora dos privileacutegios do rei em relaccedilatildeo agrave Igreja

Ora eacute necessaacuterio cuidado na confecccedilatildeo de correspondecircncias uniacutevocas tatildeo

claras e simples Tomemos o caso especiacutefico de Sven Aggesen Querelas familiares natildeo

consistem em contexto algum em processos simples e uniacutevocos O simples

pertencimento agrave famiacutelia dos Thrugut natildeo define necessariamente a posiccedilatildeo poliacutetica de

Sven

Destaquemos o oacutebvio a defesa de uma concepccedilatildeo teocraacutetica agrave medida em que

defende o rei enquanto enviado agrave Terra reforccedila o seu poder e autonomia em relaccedilatildeo a

Igreja e o coloca em posiccedilatildeo igual ou superior agrave ela consistindo em contradiccedilatildeo com as

ideias da reforma e os preceitos resumidos no Dictatus papae que defendem

exatamente inverso e um poder mais concentrado na matildeo dos religiosos

Os Thugut e Sven Aggesen supostamente comungam de tal posiccedilatildeo teocraacutetica

Ora da mesma famiacutelia saiacutera anteriormente Eskil O arcebispo reformador

escandinavo Devemos salientar que as memoacuterias do arcebispo escritas em seu exiacutelio

em Clairvaux sugerem que ele natildeo se encontrava exatamente em bons termos com seu

irmatildeo Aggi (pai de Sven) e suas posiccedilotildees poliacuteticas e religiosas podem explicar parte

consideraacutevel de tal mal-estar

Em suma correspondecircncias simples satildeo uacuteteis mas perigosas Podem explicar

mas podem esconder e eacute necessaacuterio um olhar mais cuidados e aprofundado caso a caso

Retornemos agrave difusatildeo de obras escritas Ainda Peter e Birgit Sawyer388

explicam esta concentraccedilatildeo de escritos como reflexo da consolidaccedilatildeo do poder real

388

SAWYER amp SAWYER 2003 230

204

norueguecircs e danecircs a escrita histoacuterica consistiria nesses casos de um ldquosintoma de criserdquo

das antigas estruturas e uma necessidade de fixaccedilatildeo escrita do que se perdia O estiacutemulo

inicial fora a necessidade de legitimaccedilatildeo do poder real apoacutes periacuteodos longos e

turbulentos de guerra civil

Tal descriccedilatildeo tambeacutem conteacutem um elemento simplificante da situaccedilatildeo ainda

que razoavelmente fundamento e a questionaremos adiante Em suas linhas gerais no

entanto esta estrutura explicativa provecirc razotildees compreensiacuteveis para a diminuiccedilatildeo da

escrita de cunho histoacuterico na Dinamarca apoacutes a deacutecada de 1230 No contexto

subsequente jaacute teraacute ocorrido uma consolidaccedilatildeo mais efetiva do poder real associado a

consequentes mudanccedilas nas estruturas sociais e de poder que incluiacuteram fortalecimento

da Igreja e da aristocracia em conjunto com a realexa

Destarte eacute tambeacutem possiacutevel encarar a explosatildeo de manifestaccedilotildees escritas

enquanto respostas distintas e de matizes diversas apresentadas por igualmente diversos

extratos e grupos sociais agraves demandas das mudanccedilas soacutecio-poliacuteticas ocorridas em seu

tempo

42 Snorri Sturlusson (1179-1241) e a tradiccedilatildeo islandesa

421 Histoacuterico389

Snorri eacute indubitavelmente o autor mais proliacutefico e influente do qual se possui

autoria confirmada no contexto escandinavo A Sturlunga Saga detalha boa parte de sua

vida passando um retrato de uma existecircncia rica atribulada ambiacutegua e

interessantemente similar agraves narrativas que ele proacuteprio escreveu

Sturla THORNoŕetharsson ------ Guethnyacute Boumlethvardoacutettir

THORNoŕethr Sighvaacutetr Snorri

Boumlethvar Sturla Oacuteraeligkja

Tabela 05 Genealogia de Sturla THORNoŕetharsson Do autor

389

As informaccedilotildees acerca de Snorri Sturlusson podem ser encontradas na Sturlunga Saga uma coleccedilatildeo

de vaacuterias sagas de autorias diversas efetuada no seacuteculo XIII A tiacutetulo de praticidade empregaremos aqui

MAGNUSSON Magnus amp PAacuteLSSON Hermann (trads) King Haraldrsquos saga Harald Hardradi of

Norway ndash from Snorri Sturluson Translated with an introduction by Magnus Magnusson and Hermann

Paacutelsson New York Dorset Press 1986Pp 15-19

205

Snorri nasceu em Hvamm localizada no oeste da Islacircndia em 1179 da famiacutelia

dos Sturlungar filho de Sturla THORNoŕetharsson e Guethnyacute Boumlethvardoacutettir Dentre seus ancestrais

tanto da linhagem paterna quanto materna constam nomes proeminentes da histoacuteria

islandesa como Snorri ldquoo sacerdoterdquo sobre o qual se pode ler na Harald Saga

Gudmund ldquoo poderosordquo personagem de destaque na Njals saga Egil Skalagrimsson

escaldo de grande fama que daria seu nome agrave Egils saga e Markus Skeggjason poeta e

legislador do Althorningr390

(morto em 1107)

Snorri foi criado pelo aristocrata Joacuten Loftsson (1124-1197) na escola de

Saemundr Froacuteethi (Saemundr ldquoo estudadordquo) em Oddi ndash como demonstrado pouco acima

centro de maior destaque intelectual na Islacircndia de entatildeo e local que propiciaria a ele

acesso a toda tradiccedilatildeo histoacuterica e literaacuteria disponiacutevel a um islandecircs do seacuteculo XIII

Joacuten Loftsson foi neto do rei Magnus III ldquoo descalccedilordquo (berfœtt) da Noruega por

parte de sua matildee Thora filha ilegiacutetima do mesmo e foi criado na Noruega Os homens

de Oddi orgulhavam-se de seus viacutenculos com as dinastias reais norueguesas a ponto de

em 1190 uma eulogia ser composta em homenagem a Joacuten ligando sua linhagem agrave casa

real norueguesa desde Halfdan o negro

Em suma Snorri cresceu em um ambiente de simpatia ao rei da Noruega e que

lhe provia grandes estiacutemulos e possibilidades intelectuais

Sua adoccedilatildeo deu-se como forma de resolver um feudo entre seu pai Sturla e Joacuten

consistindo em acordo particularmente vantajoso para Sturla que possuiacutea menor

influecircncia e poder Sem tal situaccedilatildeo dificilmente Snorri teria tido acesso ao saber que

acumulou e sistematizou no decorrer dos anos

Entre 1197 e 1215 Snorri acumulou terras riquezas e influecircncia em diversas

regiotildees da Islacircndia Em 1215 aos 36 anos de idade foi eleito legislador do Althorningr em

grande parte devido agrave sua jaacute desenvolvida fama como poeta Ateacute entatildeo Snorri

desenvolve particularmente a chamada ldquopoesia de corterdquo cultivada pelos islandeses nas

cortes reais escandinavas com meacutetricas intrincadas poreacutem jaacute em seu periacuteodo final

Passa trecircs anos nesta posiccedilatildeo e eacute nesse periacuteodo que sua trajetoacuteria poliacutetica seraacute

intensificada e entrelaccedilada com as disputas de poder no processo centralizador real na

Noruega e Islacircndia

390

Espeacutecies de reuniotildees ajuntamentos ou assembleias formadas por homens livres de caraacuteter

principalmente juriacutedico e legislativo e comuns entre os povos de origem germana Os thorningi definiam a

aplicaccedilatildeo das leis banimento de criminosos mas foi por exemplo um thorningr que votou a adoccedilatildeo do

Cristianismo na Islacircndia quando se reuniu (circunstacircncia natildeo tatildeo comum) um THORNingr geral ou AlTHORNingr

ALTHORNINGI BYOCK Jesse In PULSIANO Phillip et al (Eds) Medieval Scandinavia An Encyclopedia

(Garland Encyclopedias of the Middle Ages) New York 1993 p10

206

Em 1218 viaja para a Noruega a convite do rei Haacutekon Haacutekonarsson (entatildeo com

10 anos de idade) e seu regente Jarl Skuli No ano seguinte viaja agrave Sueacutecia sendo bem

recebido na corte de outro Jarl desta feita Jarl Hakon ldquoo loucordquo - para o qual Snorri jaacute

compusera anteriormente um poema que lhe rendeu generosos presentes Nesta ocasiatildeo

Snorri comporaacute outro poema nomead Andvaka em honra agrave viuacuteva do mesmo

Estabeleceraacute tambeacutem contato com o legislador Eskil Magnusson e sua esposa Kristina

Nilsdottir Blake circunstacircncias provaacuteveis nas quais Snorri tenha informado-se mais

detalhadamente sobre a histoacuteria sueca

Os regentes noruegueses intitulam Snorri como skutilsvein um tiacutetulo similar ao

de cavaleiro Tal movimento tem caraacuteter poliacutetico bem inserido nas estrateacutegias de

extensatildeo da autoridade real norueguesa agrave Islacircndia aproveitando-se da posiccedilatildeo-chave de

Snorri junto ao Althorniacutengr

Snorri retorna agrave Islacircndia em 1220 Em agradecimento aos seus patronos

noruegueses compotildee o poema Haacutettatal (ldquolista de meacutetricasrdquo) composto de 102 estrofes

nas quais ele ilustra as diversas meacutetricas da poesia escaacuteldica e com o qual encerra a

Edda menor Em 1222 eacute novamente feito legislador do Althorniacutengr posiccedilatildeo na qual

permanece ateacute 1231

Eacute significativo notar que ateacute entatildeo Snorri eacute visto por seus proacuteprios familiares

como defensor e simpatizante da monarquia posiccedilatildeo que lhe rendeu uma seacuterie de

conflitos Esta posiccedilatildeo deve ser levada em consideraccedilatildeo na leitura de anaacutelise que como

referimo-nos anteriormente classificam simplisticamente Snorri como um porta-voz da

aristocracia islandesa

As disputas poliacuteticas entre alguns goethar na Islacircndia e entre os proacuteprios

Sturlungar acentuam-se entre os anos de 1222 a 1231 Ocorre uma cisatildeo entre os

Sturlungar de um lado cooca-se Sighvatr irmatildeo de Snorri com seu filho Sturla em

oposiccedilatildeo a Snorri com seu sobrinho da parte de THORNoŕethr Boumlethvar

Supotildee-se que Snorri tenha escrito a Heimskringla nos anos proacuteximos a 1230

Em 1232 ele natildeo mais eacute legislador do Althorniacutengr O rei Haacutekon da Noruega convida os

goethar da Islacircndia a irem para a Noruega para supostamente mediar suas disputas

Snorri retorna agrave Noruega em 1237 mas comete um erro poliacutetico e ao inveacutes de

apoiar ao rei Haacutekon julga que seria mais proveitosa uma alianccedila com jarl Skuli Nos

anos seguintes Snorri retorna agrave Islacircndia (1239) em meio a uma intensificaccedilatildeo de

conflitos principalmente com Gissur THORNorvaldsson enquanto na Noruega o rei Haacutekon

ocupa-se em seus proacuteprios conflitos com jarl Skuli

207

Skuli eacute morto em 1240 Quanto a Snorri seria morto em sua proacutepria residecircncia

em Reykholt por Arni ldquoBeiskurrdquo em 1241 A uniatildeo da Islacircndia com a Noruega seraacute

ratifica pelo Althorniacutengr apenas em 1262 apoacutes a continuidade de disputas tanto interinas

quanto com a Noruega

As obras de Snorri consistem na Edda menor talvez a Egil saga391

e a

Heimskringla Eacute de nosso interesse a anaacutelise de partes especiacuteficas da Edda menor e da

Heimskringla que eacute o que faremos a seguir

422 A Heimskringla

Trata-se de uma coletacircnea de sagas que apresentam os reis da Noruega

precedidas por um iniacutecio evemerista se inicia com a dinastia miacutetico-fundadora dos

Ynglingar traccedilando uma linha contiacutenua de Oacuteethinn ateacute Magnus Erligsson morto em

1184 Possui caraacuteter eminentemente histoacuterico e narrativo numa busca de harmonizar as

tradiccedilotildees miacuteticas com a sequecircncia croniacutestica de reis histoacuterica propriamente dita

O nome significa literalmente ldquociacuterculo do mundordquo Satildeo as duas primeiras

palavras do texto ldquoKringla heimsinsrdquo e passaram a ser usadas como tiacutetulo da obra a

partir do seacuteculo XVII A principal caracteriacutestica da Heimskringla eacute o sequenciamento de

uma seacuterie de sagas em uma uacutenica obra coerente linear e podemos acrescentar

ambiciosa

O manuscrito mais antigo da obra eacute chamado de ldquoKringlardquo (Lbs fragm 82) que

data de ca 1258-1264 Restou apenas uma folha mas o mesmo foi copiado por Aacutesgeir

Joacutensson no seacuteculo XVII Trata-se do manuscrito no qual a maior parte das ediccedilotildees se

baseiam Outros manuscritos incompletos satildeo o AM 39 fol (ca 1300) e o Codex

Frisianus (AM 45 fol ca 1300-1325) ndash tambeacutem chamado de Friacutessboacutek Ambos bastante

similares ao Kringla392

Em relaccedilatildeo agrave sua autoria natildeo haacute referecircncia expliacutecita no texto ou nos

manuscritos existentes A autoria de Snorri foi creditada em 1551 na traduccedilatildeo para o

dinamarquecircs feita por Peder Claussoslashn Friis e Laurents Hanssoslashn e tecircm-se aceito a ideia

391

A atribuiccedilatildeo da autoria da Egils Saga Skalagriacutemssonar agrave Snorri Sturlusson foi proposta por Gruntvig

primeiramente em 1818 em sua traduccedilatildeo da Heimskringla mas ganhou forccedila apoacutes a traduccedilatildeo de Sigurethur

Nordal em 1933 Natildeo eacute aceite de forma plena e consensual Diversos autores dentre eles CORMACK

(2001) e BOULHOSA (2005) questionam-na em discussatildeo similar agrave proacutepria discussatildeo sobre a atoria da

Heimskringla 392

FINLAY amp FAULKES 2011 xiii

208

de que os mesmos tinham acesso a manuscritos agora perdidos que continham a autoria

expressa com poucas exceccedilotildees

Jon Gunnar Joslashrgensen vecirc tal crenccedila num manuscrito predido como pouco

convincente sugerindo que a alegaccedilatildeo da autoria de Snorri da parte de Friis e Hanssoslashn

fundamamentam-se menos na tradiccedilatildeo datada dos tempos medievais do que na

discussatildeo acadecircmica do proacuteprio seacuteculo XVI Salienta que um dos manuscritos da obra

o Codex Frisianus (F) atribui a autoria a Ari THORNorgilsson inn Froacuteethi e que Friis e

Hanssoslashn deliberadamente teriam desconsiderado tal atribuiccedilatildeo393

Jonna Louis-Jensen (1997)394

Alan Berger (1999)395

Margaret Cormack

(2001)396

e Patriacutecia Pires Boulhosa (2005)397

tambeacutem questionam a autoria de Snorri

Em adiccedilatildeo aos problemas levantados por Joslashrgensen adicionam questotildees envolvendo a

autoria individual e coletiva no medievo

Satildeo no entanto poucas vozes dissonantes em meio a uma tradiccedilatildeo bem

estabelecida que aceita de bom grado a autoria de Snorri Sturlusson nem que por

conveniecircncia398

423 A Edda menor

A Edda menor tambeacutem chamada de Edda em prosa ou Edda de Snorri eacute uma

obra que natildeo pode ser classificada em gecircneros conhecidos Ela conteacutem uma coletacircnea

significativa de mitologia escandinava (Gylfaginning ndash o ldquoengano de Gylfirdquo) uma

espeacutecie de ars poeacutetica scaacuteldica (Skaacuteldskaparmaacutel) e um poema em homenagem ao rei

norueguecircs (Haacutettatal) precedidos por proacutelogo que eacute obra prima de evemerismo

Natildeo existe um manuscrito que contenha a Edda de Snorri completa Os

principais manuscritos satildeo o Codex Regius (GKS 2367 4to 1ordf metade do XIV tambeacutem

chamado de Konungsboacutek) o Codex Uppsaliensis (DG 11 4to 1ordm quarto do seacuteculo XIV)

o Codex Wormianus (AM 242 fol metade do XIV) e o Codex Trajectinus (MSS 1374

393

JOslashRGENSEN Jon Gunnar Snorre Sturlesoslashns Fortale paa sin Chroslashnicke Om kildene til

opplysningen om Heimskringlas forfatter Gripla 9 1995 Pp45ndash62 394

LOUIS-JENSEN Jonna Heimskringla Et vaeligrk af Snorri Sturluson In Nordica Bergensia 14 1997

Pp 230-245 395

BERGER Alan J Heimskringla and the Compilations In Arkiv foumlr nordisk filologi 114 1999

Pp05-15 396

CORMACK Margaret Egils saga Heimskringla and the Daughter of Eiriacutekr bloacuteethoslashx In Alviacutessmaacutel

10 2001 pp66s 397

BOULHOSA Patricia Pires Icelanders and the Kings of Norway Mediaeval Sagas and Legal Texts

Leiden and Boston Brill 2005 Pp08-10 398

JOacuteNSSON 1911 WANNER 2008 26ss FINLAY amp FAULKES 2011 vii s

209

coacutepia feita no seacuteculo XVI de um manuscrito do seacuteculo XIII conhecido tambeacutem como

Trektarboacutek) 399

Os manuscritos natildeo concordam totalmente entre si sua relaccedilatildeo eacute complexa e

alguns tambeacutem trazem outras obras Dentre os principais se destacam o Codex Regius e

o Codex Uppsaliensis O Codex Regius eacute o mais completo e normalmente eacute utilizado

para as ediccedilotildees da Edda O Codex Uppsaliensis no entanto eacute mais antigo conteacutem

menos inserccedilotildees e eacute mais condensado que o Codex Regius O Codex Wormiamus possui

uma versatildeo bastante extendida do Proacutelogo contendo inserccedilotildees com referecircncias biacuteblicas

e a deuses gregos mas tambeacutem conteacutem outros materiais relativos agrave poesia incluindo o

Primeiro Tratado Gramatical

Uma das primeiras Stemma foi proposta por Van Eeden no final do seacuteculo XIX

com acreacutescimos de Finnur Joacutensson na deacutecada de 1930

Figura 19 Van EEDEN Stemma In JOacuteNSSON Finnur (ed) Edda Snorra

Sturlusona Udgivet efter haringndskrifterne Nordisk Forlag Koslashbenhavn 1931 P

XXXVII

Segundo tal interpretaccedilatildeo uma versatildeo original ldquoPrdquo teria dado origem a duas

outras redaccedilotildees respectivamente x e z Enquanto x originaria o Codex Wormianus (W)

em um ramo e o Regius (R) e o Trajectinus (T) em outro a redaccedilatildeo z daria origem ao

Codex Uppsaliensis (U)

Muitas outras proposiccedilotildees foram colocadas ao longo dos tempos sobre a

situaccedilatildeo mas natildeo cabe aqui discutirmos uma a uma Uma tese geralmente aceita eacute de

que todos os manuscritos baseiam-se em um exemplar perdido e duas posiccedilotildees

contraditoacuterias satildeo dominantes ou Codex Uppsaliensis foi uma versatildeo encurtada do

Codex Regius ou este foi uma versatildeo ampliada daquele400

Paacutelsson eacute partidaacuterio de uma terceira opccedilatildeo baseada na tese de doutoramento de

Friedrich Muumlller defendida em 1941 e intitulada Untersuchungen zur Uppsala-Edda

399

ROSS Margaret Clunies A History of Old Norse Poetry and Poetics Woodbridge Boydell amp

Brewer 2012[2005] P151 400

PAacuteLSSON 2012 xlii

210

Segunda esta teoria o proacuteprio Snorri escrevera duas versotildees da Edda que teriam dado

origem agraves duas principais redaccedilotildees conhecidas atraveacutes de U e R401

A ediccedilatildeo de Finnur Joacutensson baseada primariamente no Codex Regius eacute antes

de uma ediccedilatildeo de um dos coacutedices um reflexo da tentativa do mesmo de se chegar a uma

forma arquetiacutepica ou original objetivo que tem sido considerado impossiacutevel402

Em relaccedilatildeo agrave autoria a Edda eacute atribuiacuteda a Snorri no Codex Uppsaliensis no

qual se lecirc em sua paacutegina inicial

Este livro se chama Edda Ele foi compilado (seiti saman) por Snorri

Sturlusson da maneira que estaacute ordenado aqui

(Codex Uppsaliensis Cabeccedilalho do f2r p1 Traduccedilatildeo e itaacutelico

nossos) 403

No proacuteprio DG 11 4to um cabeccedilalho no Haacutettatal nomeia novamente Snorri

enquanto seu autor O tratado gramatical contido no W cita o Haacutettatal tambeacutem

afirmando a autoria de Snorri Haacute outras referecircncias medievais a sua autoria a Haacutekonar

Saga e o Terceiro tratado gramatical citam o Haacutettatal afirmando a autoria de Snorri

Sturlusson e o manuscrito AM 748 I b 4to fragmentaacuterio atribui a autoria de Snorri ao

Skaacuteldskaparmaacutel404

Arngriacutemur Joacutensson (1568-1648) foi o primeiro a propocircr de forma consistente a

autoria de Snorri na Edda e esta viria a ser bem aceita pelas geraccedilotildees subsequentes405

A

existecircncia de interpolaccedilotildees mistura de textos antigos e de outros autores no entanto eacute

tema que frequentemente volta agrave pauta dadas diferenccedilas consideraacuteveis dentro do

proacuteprio texto e em alguns manuscritos

O trecho que nos interessa em particular o Proacutelogo eacute de longe a parte da Edda

com maiores discordacircncias entre os diferentes coacutedices e que mais viria a levantar

hipoacuteteses sobre autorias diversas Em breve voltaremos a discutiacute-lo em detalhes

Quanto aos propoacutesitos de Snorri em escrever a Edda haacute dois postulados que

satildeo veiculados pela grande maioria dos acadecircmicos que jaacute os estudaram o primeiro eacute a

afirmaccedilatildeo de que Snorri organizou a Edda fazendo um trabalho de antiquarista

401

PAacuteLSSON 2012 xliii 402

FAULKESAnthony (ed) Edda Prologue and Gylfaginning University College London Viking

Society for Northern Research 2005 P xxx 403

ldquoBoacutek thornessi heitir Edda Hana hefir saman setta Snorri Sturluson eptir thorneim haeligtti sem heacuter er skipatrdquo

In PAacuteLSSON 201206 404

FAULKES 2005 xiv 405

Idem xiv

211

construindo uma coletacircnea de mitos e formas poeacuteticas efetuadas por um indiviacuteduo

interessado na preservaccedilatildeo do passado islandecircs

O segundo associa a vida de Snorri com a Era dos Sturlungs e enfatiza as

dualidades e contradiccedilotildees entre um homem avarento ambicioso poliacutetico astuto e com

sede de poder em contrapartida ao homem das letras do saber interessado na escrita

poeacutetica e histoacuterica

Estas ideias podem ser encontradas desde os autores do seacuteculo XIX passando

por traduccedilotildees mais voltadas a um puacuteblico geral como a de Brodeur em 1916 ateacute autores

contemporacircneos como Anthony Faulkes406

Kevin Wanner eacute voz dissidente Em seu livro407

estuda a Edda de Snorri agrave luz

das ideias de Bordieu interpretando a mesma enquanto uma tentativa da parte de Snorri

de preservar suas proacuteprias formas de capitais seu conhecimento do passado e das

formas poeacuteticas e sua habilidade em empregaacute-las paulatinamente perdiam espaccedilo em

razatildeo das modificaccedilotildees sofridas pelas sociedades da Islacircndia e da Escandinaacutevia

Sua poesia natildeo era mais compreendida os mitos nos quais suas figuras de

linguagem baseavam-se natildeo eram mais conhecidos Dessa forma sua proacutepria habilidade

e podemos dizer arte natildeo eram reconhecidos tampouco lhe traziam retorno em termos

de prestiacutegio poder e influecircncia

A composiccedilatildeo da Edda fora antes de uma obra de objetivo antiquaacuterio um

modo de tentar reverter a situaccedilatildeo Provavelmente o poema Haacutettatal fora composto

primeiramente as seccedilotildees explicativas contendo a coletacircnea de formas poeacuteticas e os

mitos que as sustentavam provavelmente foram compostas depois O proloacutego seria

adicionado ainda posteriormente consistindo em uma explicaccedilatildeo racionalizada e

evemerista do autor sobre os mitos ali inseridos

406

FAULKES 2005 xvi 407

WANNER 2008

212

424 As interpretaccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas da Heimskringla e da Edda Menor

O iniacutecio da Ynglingasaga na Heimskringla nos apresenta a compreensatildeo de

mundo de seu autor ndash que conforme discutimos acima natildeo temos certeza se foi Snorri -

e o conhecimento geograacutefico acumulado pelo mesmo

Diz-se que o ciacuterculo da terra no qual a raccedila humana habita estaacute

divididocortado por muitas reentracircncias dessa forma grandes mares

correm adentrando a terra (vindos do) oceano Assim eacute sabido que haacute

um grande mar que vai Narvesund (Gibraltar) e ateacute Jerusaleacutem

Do mesmo mar uma longa reentracircncia mariacutetima se estende em direccedilatildeo

ao nordeste e eacute chamado de Mar Negro (Svartahaf) divide as trecircs

partes da terra a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

Em Sviacutethornjoacuteeth existem muitos grandes domiacutenios e muitas raccedilas de

homens e muitas liacutenguas ali haacute gigantes e ali haacute anotildees e ali haacute

homens azuis e haacute todo tipo de criaturas estranhas ali haacute imensas

bestas selvagens e temiacuteveis dragotildees

No lado sul das montanhas que ficam na orla externa de todas as terras

habitadas corre um rio chamado Sviacutethornjoacuteeth que eacute corretamente chamado

pelo nome de Tanais mas foi anteriormente chamado de Tanakviacutesl

ou Vanakviacutesl e que desaacutegua no Mar Negro

(as terraso paiacutes) no Vanakviacutesl foi chamado de Vanaland ou

Vanaheimr e o rio separa as trecircs partes do mundo a parte oriental eacute

chamada de Aacutesia e a ocidental Europa

(Heimskringla Ynglingasaga 01 Versatildeo nossa) 408

408

Kringla heimsins suacute er mannfoacutelkit byggvir er mjọk vaacutegskorin ganga họf stoacuter oacuter uacutetsjaacutenum inn iacute

jọrethina Er thornat kunnigt at haf gengr fraacute Nọrvasundum ok alt uacutet til Joacutersalalandz af hafinu gengr langr

hafsbotn til landnorethrs er heitir Svarta-haf

THORNaacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan kalla sumir Euroacutepaacute en sumir Eacuteneaacute En

norethan at Svarta-hafi gengr Sviacutethornjoacuteeth in mikla eetha in kalda Sviacutethornjoacuteeth ina miklu kalla sumir menn eigi minni

en Serkland it mikla sumir jafna henni vieth Blaacuteland it mikla inn noslashrethri hlutr Sviacutethornjoacuteethar liggr oacutebyggethr af

frosti ok kuletha svaacute sem inn syethri hlutr Blaacutelandz er auethr af soacutelarbruna Iacute Sviacutethornjoacuteeth eru stoacuterherueth mọrg thornar

eru ok margs konar thornjoacuteethir ok margar tungr thornar eru risar ok thornar eru dvergar thornar eru ok blaacutemenn ok thornar

eru margs konar undarligar thornjoacuteethir thornar eru ok dyacuter ok drekar furethuliga stoacuterir Oacuter norethri fraacute fjọllum thorneim er

fyrir uacutetan eru byggeth alla fellr aacute um Sviacutethornjoacuteeth suacute er at reacutettu heitir Tanais hon var forethum kọllueth Tanakviacutesl

eetha Vanakviacutesl hon koslashmr til sjaacutevar inn iacute Svarta-haf Iacute Vanakvislum var thornaacute kallat Vanaland eetha

Vanaheimr Suacute aacute skilr heimsthornriethjungana heitir fyrir austan Aacutesiacuteaacute en fyrir vestan Euroacutepaacute In JOacuteNSSON

1911 04

213

A passagem nos revela a incorporaccedilatildeo de um saber geograacutefico medieval amplo

veiculado natildeo apenas no Mappamundi islandecircs e nos itineraacuterios mas nos tratados

geograacuteficos medievais e demais mappaemundi da Europa Ocidental

Snorri Ari ou quem quer que tenha sido seu autor assimila e reproduz

textualmente as concepccedilotildees de mundo e terminologias macrobianas de zonas climaacuteticas

habitadas e desabitadas especificamente a diferenciaccedilatildeo especiacutefica de uma zona fria e

uma desabitada quente

A parte norte de Sviacutethornjoacuteeth fica desabitada em virtude da geada e do frio

assim como a parte sul de Blaacuteland devido ao calor do sol

A terra eacute por ele descrita como tripartite

ldquo() divide as trecircs partes da terra ()

Tal concepccedilatildeo evoca de imediato a triparticcedilatildeo tatildeo frequente no medievo

derivada de Isidoro de Sevilha e espelhada inclusive na confecccedilatildeo dos mapas T-O

segundo qual a Terra seria habitada pelos filhos de Noeacute Shem Kham e Yaffet que

povoariam respectivamente Aacutesia Aacutefrica e Europa Esta divisatildeo eacute o paracircmetro

organizacional empregado no Mappamundi islandecircs por noacutes analisado no capitulo

anterior

No entanto a forma como o autor prossegue na narrativa da Ynglingasaga natildeo

espelha esta divisatildeo ou ao menos a adapta

() a leste eacute chamada Aacutesia e a oeste eacute chamada por alguns

Europa por alguns Enea Ao norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth

a Grande ou a fria a Grande Sviacutethornjoacuteeth eacute chamada por alguns homens

de natildeo menor que a Grande Serkland outros a comparam agrave Grande

Blaacuteland

A divisatildeo em Aacutesia e Europa eacute refletida nas direccedilotildees cardinais de leste e oeste

Entretanto ao inveacutes de prosseguir para sul o texto continua descrevendo o norte ldquoAo

norte do Mar Negro se encontra Sviacutethornjoacuteeth a Grande ou a friardquo

Para complicar a situaccedilatildeo a Aacutefrica e a divisatildeo das aacuteguas presentes nas

concepccedilotildees isidorianas satildeo transformadas em produtos especiacuteficos dessa obra se na

primeira tradiccedilatildeo os braccedilos divisoacuterios das aacuteguas satildeo o Mediterracircneo e o TanaisDon

214

aqui o Mar Negro assume o papel do Mediterracircneo enquanto o TanaisDon permanece

em sua funccedilatildeo

A Aacutefrica eacute citada poreacutem comparativamente e assumindo um sentido diverso

ao comparar a grande Sviacutethornjoacuteeth em termos de tamanho agrave Grande Blaacuteland

particularmente citando-a tambeacutem como ldquoa friardquo o autor estaacute adaptando a ideia

macrobiana e grega do continente Antiacutepoda em uma zona climaacutetica diversa

Blaacuteland eacute o termo empregado para a Aacutefrica significando ldquoterra azulrdquo

Serkland como jaacute visto nos Capitulos 02 e 03 pode se referir agraves terras aleacutem do Mar

Caacutespio ou o mundo Islacircmico Dessa forma a divisatildeo tripartite da terra e a divisatildeo em

zonas climaacuteticas macrobianas apresentam-se enquanto ideias externas ao conhecimento

do autor possivelmente conceitos natildeo de todo dominados por ele

Eacute possiacutevel tambeacutem que o autor da Heimskringla tendo conhecimento das

tradiccedilotildees geograacuteficas ocidentais e islacircmicas ndash tendo-se em mente que os mapas

islacircmicos tambeacutem empregaratildeo ainda que de forma muito distinta conceitos de ldquozonas

climaacuteticasrdquo delas discorde e simplesmente prefira expor a sua visatildeo de como mundo se

organiza

Natildeo eacute de todo surpreendente que a regiatildeo circunscrita a Bizacircncio e agrave Rus

tomem maior importacircncia em sua histoacuteria do que o Mediterracircneo dados os eventos que

posteriormente ele narraraacute envolvendo a migraccedilatildeo dos ancestrais dos Escandinavos

ponto ao qual retornaremos brevemente bem como o histoacuterico escandinavo na Rus

425 O proacutelogo da Edda Menor

Se recuarmos temporalmente na produccedilatildeo cuja autoria esta mais claramente

associada a Snorri Sturlusson e atentarmos para o proacutelogo da Edda encontraremos uma

divisatildeo do mundo organizada de forma muito mais livresca mas uma situaccedilatildeo

infinitamente mais complexa Cada um dos principais manuscritos da Edda traz o

Prologo de forma diversa e muito jaacute se discutiu sobre o trecho A versatildeo mais longa eacute a

contiga no Codex Wormianus O trecho a seguir eacute o contido no Codex Regius que

conteacutem menos interpolaccedilotildees que W mas natildeo estaacute tatildeo condensado como U

O mundo foi dividido em trecircs partes Do sul em direccedilatildeo a

oeste pelo Mar Mediterracircneo estaacute a parte chamada Aacutefrica Sua regiatildeo

meridional eacute quente e castigada pelo sol A segunda regiatildeo comeccedila no

oeste e continua a norte pelo mar eacute chamada de Europa ou Enea Sua

215

regiatildeo norte eacute tatildeo fria que nenhuma grama cresce e ningueacutem pode

sobreviver ali Do norte e (indo) para a parte oriental ateacute o sul ali eacute

chamada de Aacutesia409

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

A passagem estaacute plenamente de acordo com as tradiccedilotildees geograacuteficas medievais

ocidentais e a concepccedilatildeo tripartite de mundo chega agrave precisatildeo de delinear subdireccedilotildees

ldquodo sul em direccedilatildeo a oesterdquo ldquocomeccedila no oeste e continua a norterdquo ldquodo norte para o

continente oriental ()rdquo Estatildeo discriminados Aacutefrica Europa - cujo proacuteprio nome da

tradiccedilatildeo greco-romana Enea eacute dado e a Aacutesia

A concepccedilatildeo zonal e de regiotildees desabitadas tambeacutem estaacute inserida no trecho

incorporada na Aacutefrica e ao norte da Europa Em suma uma descriccedilatildeo que cabe

perfeitamente agrave tradiccedilatildeo de Isidoro e que insere satisfatoriamente concepccedilotildees

macrobianas

No Codex Wormiamus haacute uma grande inserccedilatildeo entre a primeira parte do

Proacutelogo que conteacutem uma breve descriccedilatildeo da criaccedilatildeo do mundo e da queda do homem e

a parte concernente agrave divisatildeo da Terra em trecircs partes O princiacutepio de tal inserccedilatildeo daacute-se

da seguinte forma

Em sua velhice Noeacute dividiu o mundo com seus filhos Planejou para

Kham a parte oeste para Yaphett a parte norte e para Shem a parte

sul410

(Edda Menor Codex Wormianus Proacutelogo Versatildeo Nossa)

De iniacutecio a passagem parece um contrasenso visto que coloca Kham a

ocidente e Shem para sul Pelo contraacuterio o decorrer do trecho traraacute uma reflexatildeo e

elaboraccedilatildeo consideraacuteveis sobre o texto biacuteblico a continuidade da narrativa dissertaraacute

409

ldquoVeroumlldin var greind iacute thornrjaacuter haacutelfur Fraacute suethri iacute vestr ok inn at Miethjaretharsjaacute saacute hlutr var kallaethr Affriacuteca

Hinn syethri hlutr thorneirar deilethar er heitr ok brunninn af doacutelu Annarr hlutr fraacute vestri ok til norethrs ok inn til

hafsins er saacute kallaethr Evropaacute eetha Enea Hinn nyrethri hlutr er thornar kaldr svaacute at eigi vex gras ok eigi maacute

byggja Fraacute norethri ok um austrhaacutelfur allt til suethrs thornat er kallat Asiacuteaacuterdquo In FAULKES 2011 04 410

ldquoIacute elli sinni skiptir Noacutei heiminum meeth sonum siacutenum AEligtlaethi hann Cham vestrhaacutelfu en Japheth

norethrhaacutelfu en Sem suethrhaacutelfurdquo

In ldquoThe extended Prologue to Gylfaginning from Codex Wormianus [W] with the extended portions

highlighted in redrdquo Obtido em

lthttpwwwgermanicmythologycomProseEddaAndersonProloguehtmlgt

Ediccedilatildeo criacutetica e anaacutelise contidas na tese de doutoramento de Tarin Willis

lt httphomepagesabdnacukcgi-bincgiwrapwag017mg-

newcgit=1ampidl=1ampnf=1ampw=goampw=sm1gt Uacuteltimo acesso e 12112004

216

sobre o desenvolvimento dos homens o crescimento de seu conhecimento e soberba e

de que forma os descendentes de Kham habitariam a parte destinada a seu irmatildeo Shem

A inclusatildeo posterior da referecircncia agrave construccedilatildeo de Sinnear pelos mesmos demonstra

reflexatildeo sobre o capiacutetulo 10 do Gecircnesis particularmente o verso 10 quando se afirma

que os descendentes de Kham teriam construiacutedo Sinnear na Mesopotacircmia

Eacute difiacutecil harmonizar os textos adiccedilotildees e discordacircncias A depreender-se pelas

inserccedilotildees do Codex Wormianus seu autor possui concepccedilotildees cosmoloacutegicas proacuteprias

natildeo necessariamente equivalentes agraves veiculadas nas outras partes do Proacutelogo De fato

esta matildeo demonstra uma elaboraccedilatildeo biacuteblica a niacutevel de algueacutem letrado teologicamente

diversamente do leigo Snorri

Mais adiante no proacuteprio W a genealogia apresentada seraacute consideravelmente

extendida Nos outros coacutedices ela vai dos reis de Troacuteia aos deuses escandinavos ndash

evemerizados enquanto humanos de grandes feitos Aqui ela se extende rumo ao

passado de Priacuteamo ateacute Saturno de forma encontrada em outras fontes e autores do

medievo ocidental como Honorius Augustodunensis De imagine mundi III e o chamado

ldquoPrimeiro mitoacutegrafordquo411

demonstrando conhecimento adicional da tradiccedilatildeo letrada

Se nos parece bastante evidente que as inserccedilotildees feitos no Proacutelogo em W natildeo

devem ter sua origem em Snorri natildeo nos parece tatildeo clara a mesma situaccedilatildeo no que se

refere ao Proacutelogo em suas versotildees menores

A questatildeo da autoria de Snorri no proacutelogo da Edda e na Heimskringla

influencia decisivamente na interpretaccedilatildeo dos extratos de fonte analisados ateacute entatildeo

Caso considere-se Snorri o autor tanto da Heimskringla quanto do Proacutelogo da

Edda como compreender tal diferenccedila de concepccedilatildeo em duas obras escritas em

periacuteodos razoavelmente proacuteximos pelo mesmo indiviacuteduo

Podemos levantar a hipoacutetese de uma maturaccedilatildeo e desenvolvimento de uma

visatildeo cosmoloacutegica da parte do proacuteprio Snorri que pode ter se modificado e incorporado

outras visotildees do mundo desde sua viagem a Escandinaacutevia ateacute seu retorno agrave Islacircndia

Poderiacuteamos alegar de forma diametralmente oposta que ou Snorri ao criar sua

cosmologia partiu do conhecimento livresco disponiacutevel ao erudito comum do medievo

ocidental dirigindo-se a uma adaptaccedilatildeo proacutepria sua do mesmo ou que partindo de um

conhecimento circunscrito geograacutefico do meio islandecircs gradualmente tomou

conhecimento e domiacutenio da tradiccedilatildeo geograacutefica europeia mais ampla

411

FAULKES Anthony Descent from the Gods In Mediaeval Scandinavia 11 1978-89 P12

217

Outra explicaccedilatildeo de longe favorita para os mitoacutelogos eacute a que foram feitos

adendos e interpolaccedilotildees por outrem no Proacutelogo Assim a passagem natildeo seria

inteiramente da pena de Snorri e conteria elementos de outros autores principalmente

no que toca ao emprego da tradiccedilatildeo cristatilde e greco-romana Tal explicaccedilatildeo se insere na

discussatildeo natildeo resolvida sobre o niacutevel do conhecimento de latim e da tradiccedilatildeo claacutessica da

parte de Snorri e como demonstramos acima eacute vaacutelida ao menos em alguns

manuscritos como o Codex Wormianus

Julgamos conveniente pressupor a autoria de Snorri tambeacutem no Proacutelogo da

Edda ainda que natildeo estejamos tatildeo certo quanto agrave mesma na Heimskringla Jaacute

afirmamos que as inserccedilotildees do Codex Wormianus devem ser de outra matildeo certamente

destoam grandemente do texto como um todo Quanto ao nuacutecleo do Proacutelogo natildeo eacute

problema pressupormos que a despeito de um tratamento diferente da tradiccedilatildeo ndash como

em breve discutiremos natildeo haacute um impedimento que Snorri tenha tomado uma atitude

dupla de contar os mitos noacuterdicos em uma seccedilatildeo e analisaacute-los no proacutelogo da obra

A despeito das divergecircncias e mudanccedilas entre os coacutedices a primeira passagem

transcrita eacute comum a todas as versotildees A concepccedilatildeo livresca tripartite do mundo eacute

afirmada As interpolaccedilotildees do Wormianus omitem o leste na divisatildeo do mundo As

outras passagens comuns aos demais coacutedices entretanto associam-no agrave Aacutesia e

caracterizam-no da seguinte forma - citamos aqui techo do Codex Regius ao falar da

Aacutesia

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade412

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

Uma concepccedilatildeo ligada agrave tradiccedilatildeo claacutessica e particularmente cristatilde O texto

conteacutem uma clara emulaccedilatildeo do simbolismo que gira em torno do Eacuteden no Gecircnesis e na

Cidade Celestial do Apocalipse como por exemplo nas referecircncias da produccedilatildeo de

412

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

218

ldquoouro e pedras preciosasrdquo Haacute uma seacuterie de versos biacuteblicos que podem ser origem de

alguns termos como ldquo() todas as becircnccedilatildeos sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidaderdquo tornando difiacutecil uma associaccedilatildeo uacutenica

As ideias expressas no versiacuteculo de Gecircnesis 0208 e no capiacutetulo 21 do

Apocalipse ndash que trata da Jerusaleacutem celestial - satildeo fundamentais nas associaccedilotildees e

criaccedilatildeo de tradiccedilotildees que ligam o leste ao paraiacuteso a utopias e similares de forma

demasiadamente ampla e disseminada na Cristandade Medieval413

para ser discutida

aqui A localizaccedilatildeo do Eacuteden eacute claramente referida no texto biacuteblico como no Oriente

ldquoE plantou o SENHOR Deus um jardim no Eacuteden na direccedilatildeo do

Oriente e pocircs nele o homem que havia formadordquo

(Gn 0208 Biacuteblia Sagrada Versatildeo Almeida Revista e atualizada)

Esse sentido dotado de matiz religiosa pode encontrar alguma contraparte ou

eco distante em tradiccedilotildees nativas escandinavas mas por meio de significativa

ressignificaccedilatildeo

Citamos no capiacutetulo anterior uma referecircncia da Edda natildeo do Proacutelogo mas do

Gylfaginning Nessa seccedilatildeo Snorri conta diversos mitos escandinavos Em um deles THORNoacuterr

estaacute ausente de Aacutesgarethr pois () ele tinha ido para o lesteo caminho oriental para

destruir trollsrdquo414

Atkinson defende a ideia de que na cosmologia escandinava antiga haveria uma

associaccedilatildeo do leste com o reino dos mortos de Austrvegr como regiatildeo similar a Hell

Para tanto aleacutem da passagem supracitada e de estudos de Turville-Petrie que associam

criaturas miacuteticas a Austrvegr ele emprega diversas das inscriccedilotildees nas estelas ruacutenicas

referindo-se aos mortos no leste415

Natildeo se trata de uma ocorrecircncia isolada ainda que a conexatildeo natildeo seja totalmente

clara e necessite de intermediaccedilotildees Algumas das narrativas de viagem agrave terra dos

mortos tratam da ida aos domiacutenios de Geirroumlethr416

Em algumas partes das

Fornaldarsoumlgur como no capiacutetulo 23 da Ọrvar-Odds Saga e nos capiacutetulos 5 e 11 da

THORNorsteins saga Viacutekingssonar os domiacutenios de Geirroumlethr estatildeo localizados

413

RIBEIRO Maria Eurydice de Barros Ribeiro O Inferno e o Paraiacuteso Cartografia e Paisagem (Seacutecs

XII-XV) In Histoacuteria Revista Dossiecirc Idade Meacutedia 5(12) jandez 2000 P25 414

ldquo(hellip) en hann var farinn iacute Austrveg at berja trollrdquo In PAacuteLSSON 2012 60 415

ATKINSON Hugh Upp ek thorneacuter verp ok aacute Austrvega death overseas and the dead in the East

Comunicaccedilatildeo apresentada na XIV Saga Conference ldquoAacute Austrvegardquo 2008 416

ELLIS 1968 171

219

inequivocamente no leste ndash um leste materializado enunciado apoacutes a enumeraccedilatildeo de

outros domiacutenios conhecidos de Austrvegr e Garethariacuteki

Adicionano-se tambeacutem as discussotildees pertinentes agraves estelas ruacutenicas apresentadas

no capiacutetulo 02 desta tese a hipoacutetese de Atkinson parece-nos plausiacutevel ainda que em

necessidade de maior verificaccedilatildeo Conforme jaacute discutido haacute uma pequena porcentagem

do total das estelas que lida com expediccedilotildees vikings Dessa uma parcela consideraacutevel

trata do leste igualmente tomando-se a amostra como um todo porcentagem razoaacutevel

conteacutem referecircncias a mortos

Destarte abre-se o espaccedilo para a discussatildeo sobre a funccedilatildeo memorial em relaccedilatildeo

aos mortos inserindo-se uma dimensatildeo religiosa aleacutem poreacutem perdura a necessidade de

se analisar de forma balanceada toda a evidecircncia das estelas incluindo os percentuais de

outras seacuteries que lidem com temaacuteticas similares A questatildeo permanece em aberto

Retornando agrave Edda fica evidenciada a associaccedilatildeo do leste a um imaginaacuterio

geograacutefico advindo da tradiccedilatildeo cristatilde com nuances no campo do religioso e que pode

ser entrelaccedilado com conceituaccedilotildees cosmoloacutegicas de tradiccedilotildees mais antigas da

Escandinaacutevia

A contraparte claacutessica fornecida pela passagem dar-se-aacute na continuidade do

texto ao traccedilar a genealogia dos deuses no paganismo escandinavo com o emprego do

conceito evemerista

426 O Evemerismo

Por evemerismo compreende-se uma forma hermenecircutica desenvolvida desde o

helenismo segundo a qual os deuses seriam homens cujos feitos foram amplificados

pela passagem do tempo e a tradiccedilatildeo miacutetica Recebeu seu nome do helecircnico Euhemeros

do seacuteculo III aC mas formas similares de interpretaccedilatildeo foram usadas por autores

anteriores a ele como o proacuteprio Heroacutedoto e continuariam sendo empregadas por autores

dos mais distantes contextos na antiguidade e do medievo incluindo Clemente de

Alexandria Isidoro de Sevilha e Roger Bacon Pode tambeacutem ser chamado de uma

interpretaccedilatildeo histoacuterica ou mesmo hitoricizante da mitologia

Na introduccedilatildeo da Heimskringla em conjunto com o proacutelogo da Edda menor e

sua primeira parte (Gylfaginning) temos uma elaboraccedilatildeo erudita e coerente da parte de

Snorri - e de quaisquer outros autores que tenham feito ao texto - que liga as divindades

escandinavas dos tempos pagatildeos aos reis dos seacuteculos XII e XIII numa linha

220

genealoacutegica contiacutenua e podemos ateacute mesmo dizer racional

Os deuses do paganismo escandinavo satildeo descritos como homens notaacuteveis

heroacuteis e reis da antiguidade que adquiriram proeminecircncia no norte devido agraves suas

caracteriacutesticas excelentes

Na Ynglingasaga a narrativa se sucede agrave haacute pouco apresentada descriccedilatildeo do

mundo Apoacutes afirmar a divisatildeo tripartite do mesmo e citar o rio TanaisDon

(TanakvislTanaquisl) o autor continua

(o paiacutes) para leste do Tanaquisl na Aacutesia foi chamado Aacutesaland ou

Aacutesaheimr e a cidade capital daquela terra foi chamada Aacutesgarethr

Naquela cidade houvera um chefe que era chamado Oacuteethinn ali foi um

grande lugar para sacrifiacutecio Foi costume ali que doze sacerdotes do

templo deviam tanto dirigir os sacrifiacutecios como tambeacutem julgar as

pessoas Eles foram chamados de diacutear ou droacutettnar a eles servia e

obedecia todo o povo

Oacuteethinn foi um grande e bem-viajado guerreiro que conquistou muitos

reinos Ele era tatildeo bem-sucedido em cada batalha que a vitoacuteria estava

do seu lado era a crenccedila de seu povo que a vitoacuteria pertencia a ele em

cada batalha ()

Seu povo tambeacutem estava habituado estivessem em perigo em terra ou

mar a chamar o seu nome e pensavam que sempre eles teriam

conforto e auxiacutelio por meio dele pois pensavam que aonde ele

estivesse a ajuda estaria por perto

Ele geralmente viajava tatildeo longe que passava muitas temporadas em

suas jornadas417

(Heimskringla Ynglingasaga seccedilatildeo 2 Versatildeo nossa)

Aqui o uso do leste da Aacutesia eacute associado primariamente agrave tradiccedilatildeo miacutetica

noacuterdica e ao lugar de maior ressonacircncia da mitologia escandinava Aacutesgarethr a cidade

dos deuses

Snorri esvazia o conteuacutedo miacutetico de tal faceta racionalizando-o e definido-o

geograficamente Os proacuteprios nomes das divindades e do continente facilitam sua

transposiccedilatildeo a famiacutelia principal dos deuses da qual Oacuteethinn eacute o liacuteder inconteste eacute a

famiacutelia dos AEligsir Nada mais natural que seja feita a associaccedilatildeo entre Aacutesaland

417

Fyrir austan Tanakviacutesl iacute Aacutesiacuteaacute var kallat Aacutesaland eetha Aacutesaheimr en họfuethborgin er var iacute landinu

kọlluethu thorneir Aacutesgareth En iacute borginni var họfethingi saacute er Oacuteethinn var kallaethr thornar var bloacutetstaethr mikill THORNat var

thornar siethr at xii hofgoethar vaacuteru œztir skyldu thorneir raacuteetha fyrir bloacutetum ok doacutemum manna iacute milli thornat eru diacutear

kallaethir eetha droacutettnar thorneim skyldi thornjoacutenostu veita ok lotning alt foacutelk

Oacuteethinn var hermaethr mikill ok mjọk viacuteethfọrull ok eignaethist mọrg riacuteki hann var svaacute sigrsaeligll att iacute hverri

orrostu fekk hann gagn ok svaacute kom at hans menn truacuteethu thornviacute at hann aeligtti heimilan sigr iacute hverri orrostu()

Svaacute var ok um hans men hvar sem thorneir urethu iacute nauethum staddir aacute sjaacute eetha aacute landi thornaacute kọlluethu thorneir eiga nafn

hans ok thornoacutetti jafnan faacute af thornviacute froacute thornar thornoacutettusk thorneir eiga alt traust er hann var Hann foacuter opt svaacute langt iacute

brott at hann dvalethisk iacute ferethinni mọrg misseri In JOacuteNSSON 1911 04s

221

Aacutesaheimr ldquoterra dos aesirrdquo com a Aacutesia

O discurso evemerista mais completo e elaborado de Snorri entretanto se daacute

na Edda em seu proacutelogo Seu iniacutecio daacute-se com a proacutepria paraacutefrase do texto biacuteblico

O Deus todo poderoso criou no princiacutepio os ceacuteus e a terra e tudo

o que neles haacute e no fim criou duas pessoas Adatildeo e Eva e deles

vieram clatildes cujos descendentes multiplicaram-se e espalharam-se

pelo mundo todo () mas a grande maioria voltou-se para os desejos

deste mundo e negligenciou os mandamentos de Deus418

rdquo

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo Versatildeo nossa)

Prossegue dando continuidade agrave narrativa do diluacutevio ao repovoamento da

Terra e agrave repeticcedilatildeo da desobediecircncia a Deus O que se passa a seguir eacute uma reflexatildeo

extremamente racional das explicaccedilotildees miacuteticas Posteriormente na Gylfaggining Snorri

mostraraacute como as narrativas cosmoloacutegicas escandinavas pagatildes descreveratildeo a formaccedilatildeo

do mundo atraveacutes do cadaacutever do gigante Hiacutemir de seus ossos vieram as montanhas de

seu ceacuterebro as nuvens de sua carne a terra e assim por diante

Aqui no proacutelogo Snorri busca compreender como se desenvolvera tal forma

de explicaccedilatildeo natural Tal discurso eacute dado apoacutes a narrativa do diluacutevio e da repeticcedilatildeo dos

erros dos homens que natildeo obstante teriam sido agraciados por Deus com a sabedoria

Eacute por meio do uso dessa sabedoria que Snorri faz a ponte para a descriccedilatildeo a seguir

Ele tambeacutem lhes deu a sabedoria para compreender todas coisas

terrenas e todas as partes separadas que pudessem ser vistas no ceacuteu e

na Terra

As pessoas pensaram sobre estas coisas imaginando o que

poderia significar que a terra e os animais e os paacutessaros eram de

alguma forma similares ainda que suas naturezas fossem diferentes

Uma das caracteriacutesticas da Terra eacute que quando as altas montanhas satildeo

cavadas jorra aacutegua e mesmo em vales profundos natildeo eacute necessaacuterio

cavar muito fundo em busca de aacutegua O mesmo eacute verdade nos animais

e nos paacutessaros cujo sangue estaacute igualmente perto da superfiacutecie na

cabeccedila e nos peacutes Uma segunda caracteriacutestica da terra eacute que grama e

flores florescem todo ano mas no mesmo ano tudo esvanesce e cai

Assim eacute com os animais e os paacutessaros cabelo e penas crescem neles

mas cada ano caem A terceira caracteriacutestica da Terra eacute que quando

418

ldquoAlmaacutettigr gueth skapaethi iacute upphafi himin ok jọreth ok alla thornaacute hluti er thorneim fylgja og siacuteetharst menn tvaacute er

aeligttir eru fraacute komnar Adam ok Evu ok fjọlgaethist thorneira kynsloacuteeth ok dreifethist um heim allan () en myklu

fleiri snerusk eptir girndum heimsins ok oacuteraeligktu gueths boethoreth ()rdquo In FAULKES 2005 03

222

ela eacute aberta ou cavada a grama cresce sobre o solo que estaacute mais

proacuteximo agrave superfiacutecie As pessoas pensam nas rochas e pedras como

comparaacuteveis aos dentes e ossos das criaturas vivas Assim eles

entendem que a Terra eacute viva e tem vida proacutepria Eles tambeacutem sabem

que em termos de anos a Terra eacute maravilhosamente velha e poderosa

por sua proacutepria natureza Ela daacute nascimento a todas as coisas vivas e

declara propriedade sobre tudo o que morre Por esta razatildeo eles

deram a ela um nome e traccedilaram suas origens a ela419

(Edda menor Codex Regius ProacutelogoVersatildeo nossa)

Eacute por meio do desenvolvimento de raciociacutenios similares que Snorri partiraacute agrave

explicaccedilatildeo da origem dos deuses Seu raciociacutenio eacute bastante analiacutetico preciso nem um

pouco dado agrave alegorias ou misticismo O maacuteximo de concessatildeo agrave que Snorri se permite

eacute no campo da teologia sempre em volta de questotildees bem-estabelecidas como a criaccedilatildeo

do mundo por Deus e o desvio dos homens em relaccedilatildeo ao seu criador

A mesma forma de arrazoamento eacute aplicada agrave explicaccedilatildeo do surgimento de

Oacuteethinn THORNoacuterr Sif e outras divindades noacuterdicas Descendentes dos homens de Troia que

segundo o Proacutelogo estaacute localizada no centro do mundo esses homens espelham as

qualidades que foram atribuiacutedas de iniacutecio ao continente da Aacutesia posteriormente agrave

cidade de Troacuteia culminando em si mesmos Releiamos passagem jaacute citada

Tudo nesta parte do mundo eacute belo e excelente e a terra produz

ouro e pedras preciosas Ali eacute tambeacutem o meio do mundo e assim

como a terra nesta regiatildeo eacute mais bela e melhor de todas as maneiras

que os outros lugares assim tambeacutem as pessoas ali satildeo abenccediloadas

com todas as daacutedivas sabedoria e forccedila beleza e toda forma de

habilidade420

(Edda menor Codex Regius Proacutelogo seccedilatildeo 2Versatildeo nossa)

419

ldquoMiethlaethi hann ok spekethina svaacute at thorneir skilethu alla jarethliga hluti ok allar greinir thornaeligr er sjaacute maacutetti loptsins

ok jaretharinnar

THORNat hugsuethu thorneir ok undruethusk hverju thornat mundi gegna er jọrethin ok dyacuterin ok fuglarnir họfethu saman eethli

iacute sumum hlutum ok var thornoacute oacuteliacutek at haeligtti THORNat var eitt eethli aeth jọrethin var grafin iacute haacutem fjalltindum ok spratt

thornar vatn upp ok thornurfti thornar eigi lengra at grafa til vaz en iacute djuacutepum dọlum Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at

jafnlangt er til bloacuteeths iacute họfethi ok foacutetum

Ọnnur naacutettuacutera er suacute jarethar at aacute hverju aacuteri vex aacute jọrethinni gras ok bloacutem ok aacute sama aacuteri fellr thornat allt ok fọlnar

Svaacute eru ok dyacuter ok fuglar at thorneim vex haacuter ok fjaethrar ok fellr af aacute hverju aacuteri

THORNat er hin thornriethja naacutettuacutera jarethar thornaacute er hon er opnueth ok grafin thornaacute grœr gras aacute thorneiri moldu er efst er aacute

jọrethunni Bjọrg ok steina thornyacuteddu thorneir aacute moacuteti tọnnum ok beinum kvikenda Af thornessu skilethu thorneir svaacute at

jọrethin vaeligri kyk ok hefethi liacutef meeth nokkurum haeligtti ok thornat vissu thorneir at hon var furethuliga gọmul at aldartali

ok maacutettug iacute eethli Hon fœddi ọll kvikvendi ok hon eignaethisk allt thornat er doacute Fyrir thornaacute sọk gaacutefu thorneir henni

nafn ok tọlethu aeligttir siacutenar til hennarrdquo In FAULKES 2011 03 420

ldquoIacute thorneim hlut veraldar er ọll fegreth ok pryacuteethi ok eign jarethar aacutevaxtar gull ok gimsteinar THORNar er ok mieth

verọldin ok svaacute sem thornar er jọrethin fegri ok betri ọllum kostum en iacute ọethrum stọethum svaacute var ok mannfoacutelkit

thornar mest tignat af ọllum giptum spekinni ok aflinu fegrethinni ok alls kostar kunnusturdquo In FAULKES

2011 04

223

A descriccedilatildeo no Proacutelogo natildeo coincide em todos os pontos com outras estoacuterias do

restante da obra ou mesmo em outras obras Aqui THORNoacuterr eacute neto do rei Priacuteamo de Troacuteia -

associada ao nome Tyrkland terras dos Tyrks mas foi levado para a Traacutecia Trakiacuteaacute - que

o Proacutelogo associa ao nome noacuterdico THORNruacuteethheim

Da sua descendecircncia viria Oacuteethinn que por sua vez se assentaria na Sueacutecia e

daria origem aos governantes das outras naccedilotildees do norte Um de seus descendentes seria

Gylfi rei dos suecos que assumiraacute papel proeminente na proacutexima parte da Edda a

Gylfaginning

No Gylfaginning a situaccedilatildeo eacute diversa Gylfi interroga aos deuses que lhe

contam a origem e o fim de tudo aqui os mitos e tradiccedilotildees racionalizados e explicados

anteriormente no Proacutelogo satildeo narrados em uma forma mais proacutexima agrave tradiccedilatildeo

escandinava preacute-cristatilde

Natildeo apenas o tom narrativo passa por modificaccedilotildees significativas As relaccedilotildees

entre os personagens tambeacutem sofrem alteraccedilotildees No mito veiculado pelo Gylfaginning

Oacuteethinn reina em Aacutesgarethr eacute apresentado como Allfoumlethr (pai de todos) e eacute pai natildeo

descendente de THORNoacuterr Snorri apresenta-o dando continuidade a um relato que descreve

detalhadamente a cosmologia e cosmogonias antigas escandinavas incluindo a criaccedilatildeo

do mundo a partir do corpo morto do gigante Ymir

Existem trecircs correntes teoacutericas principais que ganharam destaque na

interpretaccedilatildeo desses textos A escola historicizante inaugurada pelos arqueoacutelogos

Petersen (1849-1896) e Salin (1861-1931) e adotada largamente pelos germanistas

posteriores421

viria a defender que as narrativas de Snorri refletiram a memoacuteria de

eventos que de fato teriam ocorrido No caso em questatildeo movimentos germacircnicos do

periacuteodo das migraccedilotildees a partir do seacuteculo IV das regiotildees do Don e do Mar Negro atraveacutes

da Germacircnia e Escandinaacutevia

Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum de Andreas Heusler

(1908)422

que estudaria os eventos ligados aos troianos e agrave Tyrkland nos escritos de

Snorri e Ari daria origem agrave escola da Gelehrte Urgeschicht423

A grosso modo esta

escola - muito influente por deacutecadas posteriores - procura traccedilar os passos da construccedilatildeo

de uma ldquopreacute-histoacuteria germacircnicardquo por um pensamento erudito islandecircs dos seacuteculos XII-

421

Obras emblemaacuteticas PETERSEN Karl Nikolai Henry Om Nordboernes Gudedyrkelse og Guderto i

Hedenold Em antikvarisk Undersoslashgelse Koslashbnhavn CA Reitzels Forlag 1876 amp SALIN Bernhard

Studier tillaumlgnade Oscar Montelius Stockholm Norstedt 1903 422

HEUSLER Andreas Die gelehrte Urgeschichte im altislaumlndischen Schrifttum Verlag der

Koumlniglich Preuszligischen Akademie der Wissenschaften Berlin 1908 423

ldquoPreacute-histoacuteria ensinadardquo

224

XIII que bebe de outros historiadores europeus como Fredegarius Scholasticus (ca658-

661) Pseudo-Fredegarius (da Gesta Francorum ca727) Isidoro de Sevilha e Geoffrey

de Monmouth424

-425

Por fim outra corrente interpretativa de relevacircncia eacute a escola da mitologia

comparativa ou estruturalista representada por Georges Dumeacutezil que incorpora a

mitologia escandinava ao esquema tripartite indo-europeu Dumeacutezil (1992)[1970]

defendia uma posiccedilatildeo diametralmente oposta ao historicismo de entre outros autores

Paul Hermann Alguns pontos significativos em sua trajetoacuteria com impacto em sua

aplicaccedilatildeo no estudo de Snorri satildeo as publicaccedilotildees de Mythes et dieux des Germains -

Essai dinterpreacutetation comparative (1939) Loki (1948) Les Dieux des Germains essai

sur la formation de la religion scandinave (1959) Du mythe au roman la Saga de

Hadingus et autres essais (1970)426

427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo

Jean Bodel (1165-1210) classificou os ciclos literaacuterios medievais nas chamadas

ldquomateacuteriasrdquo a Mateacuteria da Bretanha concernente ao Rei Artur a Mateacuteria de Roma que

incorporaria temas da Antiguidade Claacutessica e a Mateacuteria de Franccedila centralizada em

Carlos Magno

Dentro da ldquoMateacuteria de Romardquo desenvolveu-se uma linha peculiar interpretativa

ligada agrave Guerra de Troacuteia As conexotildees e genealogias entre os autores e obras natildeo eacute

totalmente clara No entanto duas obras supostamente traduccedilotildees para o latim de

antigos originais gregos foram fundamentais para o desenvolvimento de tais formas

escritas Satildeo elas a Dictys Cretensis Ephemeridos belli Trojani (seacuteculo IV) e Daretis

Phrygii de excidio Trojae historia (seacuteculo V-VI) 427

Ambas satildeo bastante semelhantes contando a destruiccedilatildeo de Troia Um exemplo

de trabalho que as empregou enquanto fontes ou inspiraccedilatildeo eacute o ldquoLe Roman de Troierdquo de

Benoicirct de Sainte-Maure

Poreacutem a influecircncia de tais obras no medievo natildeo estaacute limitada agrave ldquoMateacuteria de

424

PRITSAK 227-237 425

SEE Klaus von Europa und der Norden in Mittelalter Universitaumltsverlag C Winter Heidelberg

1999 P276 426

Indicamos BOULHOSA Patriacutecia Pires A mitologia escandinava de Georges Dumeacutezil uma reflexatildeo

sobre meacutetodo e improbabilidade Revista Brathair 6(2) p 3-31 2006 como boa siacutentese das criacuteticas

dirigidas a Dumeacutezil no campo da escandinaviacutestica 427

DacuteARCIER Louis Faivre Histoire et geacuteographie drsquoun mythe La circulation des manuscrits du De

excidio Troiae de Daregraves le Phrygien (VIIIe-XVe s) Paris Eacutecole nationale des Chartes 2006 P03

225

Romardquo De fato ela perpassa a Antiguidade Tardia e a Alta Idade Meacutedia Haacute relatos

histoacutericos escritos tanto seacuteculos antes do desenvolvimento dos ciclos literaacuterios em

Francia quanto contemporacircneos a eles

Torna-se um expediente frequente ligar o destino de refugiados de Troia ou

seus descendentes ao passado das naccedilotildees europeias DacuteArcier afirma que as uacutenicas

exceccedilotildees ao uso de tal expediente satildeo os autores espanhoacuteis e irlandeses428

afirmaccedilatildeo

com a qual discordamos - em breve mostraremos por exemplo que ela natildeo se aplica a

Saxo Ao Dictis Cretensis e o Daretis Phrygii devemos adicionar a proacutepria Eneida de

Virgiacutelio enquanto fonte de inspiraccedilatildeo para uma seacuterie de autores europeus429

O primeiro emprego das origens troianas para um povo europeu eacute efetuado

pelo Pseudo-Fredegaacuterio (c 727) que o aplica aos francos430

Um caso relevante para a

historiografia escandinava eacute a obra Historia Regum Britaniae de Geoffrey of Monmouth

(ca1100-1155) ndash esta uacuteltima note-se mais ligada agrave ldquoMateacuteria da Bretanhardquo do que agrave

ldquoMateacuteria de Romardquo mas que bebe igualmente da histoacuteria de Troia

No livro I de sua Historia Regum Britanniae Geoffrey of Monmouth conta que

apoacutes a guerra de Troacuteia Eneas refugiou-se na Itaacutelia Seu bisneto Brutus seria banido mas

algum tempo depois fora conduzido pela deusa Diana para uma ilha no ocidente que ele

nomeia ldquoBritanniardquo segundo o seu proacuteprio nome Agraves margens do Thames fundaria a

cidade de Troia Nova posteriormente renomeada para Londinium ndash a London atual Haacute

indiacutecios fortes de que em vaacuterios momentos Geoffrey of Monmouth tenha empregado a

Eneida de Virgilio431

Esta digressatildeo literaacuteria e histoacuterica nos eacute necessaacuteria porque toca diretamente na

questatildeo da transmissatildeo da temaacutetica para a Escandinaacutevia Geoffrey de Monmouth eacute

considerado uma das fontes e modelos principais para a Gesta Danorum de Saxo

Grammaticus432

cujo proacuteprio domiacutenio do latim nos daacute mostras de conhecimento de

Virgiacutelio433

Entretanto haacute na Islacircndia uma traduccedilatildeo de provavelmente da metade do seacuteculo

428

DacuteARCIER 14 429

MOLCHAN George Gregory Translating Arthur The Historia Regum Britaniae of Geoffrey of

Monmouth and Roman de Brut of Wace Doctoralacutes dissertation Louisiana State University December

2013 P76 430

DacuteARCIER 14 431

MOLCHAN 76 432

ELLIS-DAVIDSON 2006 09 53 56 72 92 160 433

Idem pp01 05-08 142

226

XIII434

para o vernaacuteculo da Daretis Phrygii de excidio Trojae historia A obra veio a ser

chamada de Troacutejumanna Saga ndash ldquoSaga dos homens de Troiardquo Ela se enquadra no

gecircnero conhecido como Riddarrasoumlgur ou ldquoSagas cavalheirescasrdquo que normalmente

consistem em traduccedilotildees de Chansons-de-Geste e literatura cortesatilde para o antigo

noacuterdico

Esta obra possui ao menos trecircs redaccedilotildees A primeira mais antiga presente no

Hauksboacutek recebeu por tal razatildeo o seu nome as outras duas provavelmente mais

tardias quiccedilaacute do seacuteculo XIV435

foram chamadas de ldquoalfardquo e ldquobetardquo Enquanto a versatildeo

do Hauksboacutek eacute bastante proacutexima agrave Daretis Phrygii encontram-se nas outras redaccedilotildees

influecircncias de autores latinos provavelmente a Ilias latina e a Heroides de Oviacutedio436

Em vista de tal variedade de redaccedilotildees e origens natildeo haacute possibilidade segura de

se conhecer quais foram as fontes exatas de Snorri Sturlusson tampouco as obras que o

mesmo possuiacutea a sua disposiccedilatildeo sequer se sabe com certeza qual fora o seu

conhecimento de latim437

Eacute possiacutevel que tivesse acesso agraves traduccedilotildees efetuadas dos gregos quiccedilaacute da

Eneida Eacute igualmente possiacutevel que tenha se valido de alguma traduccedilatildeo das mesmas para

o antigo noacuterdico tendo esta traduccedilatildeo conexatildeo ou natildeo com a Troacutejumanna saga

Quanto agraves diferenccedilas de paternidade ou descendecircncia entre Oacuteethinn e THORNoacuterr

encontradas no Proacutelogo e na Gylfaginning julgamo-las poucas para atestar uma

paternidade diversa ao Proacutelogo ndash ao menos em uma suposta redaccedilatildeo arquetiacutepica do

qual provavelmente a contida no Codex Uppsaliensis seja a mais proacutexima

O projeto da Edda como um todo eacute similar agrave construccedilatildeo de camadas

sucessivas seu nuacutecleo seu centro eacute o Hattataacutel Para compreendecirc-lo o leitor precisa de

dois campos do conhecimento bastante diversos o conhecimento das meacutetricas foacutermulas

e meacutetodos de composiccedilatildeo poeacutetica e o conhecimento dos mitos que provecircm temas e toda

a base para este cabedal linguiacutestico

Por fim o Proacutelogo eacute um complemento perfeito para o trabalho explicando os

mitos que por sua vez auxiliavam na compreensatildeo dos recursos linguiacutesticos e poeacuteticos

e do proacuteprio Hatattaacutel

434

LOUIS-JENSEN Jonna (ed) Troacutejumanna saga the Dares Phrygius version Copenhagen CA

Reitzel 1981 Pp LndashLVI 435

LOUIS_JENSEN Idem 436

ELDEVIK Randi Claire The Dares Phrygius Version of Troacutejumanna saga A Case Study in the

Cross-cultural Mutation of Narrative Doctoral dissertation Harvard University 1987-88 pp 06s 437

WANNER 2008 PAacuteLSSON Heimiacuter (ed) Introduction In The Uppsala Edda University College

London Viking Society for northern Research 2012 p xiv

227

Dadas as tradiccedilotildees europeias que ligam origens das naccedilotildees a imigrantes de

Troacuteia e dadas as proacuteprias semelhanccedilas fortuitas na maior parte das vezes superficiais

entre nomes como Troacuteia e THORNoacuterr Sibila e Sif Traacutecia e THORNruacuteethheim Aacutesia e Aacutesgarethr as

tradiccedilotildees medievais cristatildes e principalmente claacutessicas forneceratildeo os paracircmetros

atraveacutes dos quais os mitos seratildeo explicados e racionalizados Desta feita o

procedimento de trocar as relaccedilotildees familiares entre Oacuteethinn e THORNoacuterr apresenta-se como

plenamente aceitaacutevel e compreensiacutevel

428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason SOacutelaacutefr

Magnus o bom e Haraldr Harethraethi

Nas fontes discutidas ateacute entatildeo haacute predominacircncia de reelaboraccedilatildeo claacutessica e

biacuteblica das visotildees de leste em detrimento do conhecimento geograacutefico e formulaccedilotildees

mais propriamente escandinavas

Austrvegr e Garethariacuteki estatildeo ausentes em tais fontes e em nossa discussatildeo ateacute o

momento com a pequena excessatildeo discutida a pouco sobre a possiacutevel associaccedilatildeo de

Austrvegr agrave terra dos mortos

Alguns autores alegaratildeo um desconhecimento e ignoracircncia sobre o leste da parte

dos autores islandeses e mesmo noruegueses438

Natildeo podemos concordar de todo com a

afirmaccedilatildeo mas em comparaccedilatildeo com o conhecimento dos daneses e principalmente

suecos a afirmaccedilatildeo possui certo fundamento

A Heimskringla apresenta informaccedilatildeo relevante sobre o leste que iremos

analisar agora Desta feita natildeo o leste extremamento reelaborado e ressignificado dos

Proacutelogos mas o leste de Austrvegr e Garethariacuteki

Categorizamos esta informaccedilatildeo em duas categorias principais a) informaccedilotildees

dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas b) o ciclo dos noruegueses refugiados em

Garethariacuteki

a) informaccedilotildees dinaacutesticas contextuais eacutetnicas e geograacuteficas

A Heimskringla nos traz nomes de reis relaccedilotildees dinaacutesticas e de parentesco

locais de governo informaccedilotildees sobre comeacutercio e economia informaccedilotildees geograacuteficas

438

AALTO amp LAAKSO 2009 06

228

Temos nomes de governantes de Garethariacuteki ValdimarrValdamarr Allogia e Jarisleifr

Vissavaldr bem como informaccedilotildees de parentesco dos mesmos como nomes de esposas

e filhos Ingigerd Ellisif Valdemar Vissivaldr Holte e Boldr

Encontramos nomes de localidades bastante especiacuteficos agrave Austrvegr Aethalsyacutesla

Eysyacutesla Baacutelagarethssiacuteetha o rio Viacutena bem como informaccedilotildees sobre as rotas comerciais

com Garethariacuteki e os Finnar aleacutem dos produtos trocados em tais rotas e a maneira com

que tal comeacutercio se dava

Entremeados na narrativa haacute ainda marcados estereoacutetipos eacutetnicos sobre os fino-

uacutegricos e uma descriccedilatildeo de costumes religiosos dos Bjarmar

b) o ciclo dos noruegueses refugiados em Garethariacuteki

Oacutelaacutefr Tryggvason Oacutelaacutefr Magnusson Magnus o bom e Haraldr Harethraacuteethi tecircm a

caracteriacutestica em comm de terem obtido exiacutelio e refuacutegio em Garethariacuteki Com exceccedilatildeo de

Oacutelaacutefr Magnusson todos passaram a infacircncia eou parte da juventude ali

429 Garethariacuteki como local de refuacutegio

Na Oacutelafs saga Tryggvasonar439

eacute impossiacutevel desvincular seu protagonista da

regiatildeo de leste O iniacutecio de sua histoacuteria eacute contado nos capiacutetulos 05 a 07 Capturado por

vikings estonianos aos trecircs anos de idade Oacutelaacutefr passou seis anos como escravo na

Eistland440

Seu tio Sigurdr Eiriksson a serviccedilo de Valdimarr (Wladiacutemir) de Holmgard

(Novgorod) vem agrave Eistland coletar impostos descobre-o compra-o e o leva consigo

para Novgorod ocultando seu parentesco com o menino441

Algum tempo depois no mercado em Novgorod Oacutelaacutefr reconhece Klerkon o

viking estoniano que o comprara e matara seu pai adotivo Mata-o com um machado e

pede ajuda a Sigurethr que o leva para abrigo com a rainha Allogia442

Sigurethr revela agrave rainha a genealogia e sangue real de Oacutelaacutefr e a necessidade que o

mesmo tem de proteccedilatildeo visto a existecircncia de inimigos na Escandinaacutevia A rainha pede

ao rei que o acolha e Oacutelaacutefr passa nove anos com o ldquoRei Valdimarrrdquo443

O autor volta agrave Oacutelaacutefr apenas no capiacutetulo 21 Estimado pela rainha e pelo rei

439

Saga de Oacutelaacutefr Tryggvason 440

Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 05 ldquoOTrdquo nas citaccedilotildees subsequentes 441

OT 06 442

OT 07 443

OT 07

229

adquire fama e torna-se chefe e guerreiro Certos homens invejosos fizeram a cabeccedila do

rei contra Oacutelaacutefr e Valdimarr natildeo o trata tatildeo bem quanto antes Oacutelaacutefr decide partir para a

Escandinaacutevia fazendo-o com a benccedilatildeo da rainha

No capiacutetulo 31 Oacutelaacutefr converte-se ao Cristianismo e eacute batizado em Syllingar ndash

ldquoSiciacuteliardquo apoacutes previsotildees de um vidente e sua cura milagrosa apoacutes uma batalha

O capiacutetulo 90 nos provecirc de mais alguns nomes Jarl Eirikr faz uma expediccedilatildeo em

Austrvegr Atinge os domiacutenios do rei ldquoValdamarrrdquo e toma Aldeigjuborg (Ladoga)

Passaria cinco anos nesta expediccedilatildeo e segundo a saga quando deixou Garethariacuteki efetuou

reides em Aethalsyacutesla e Eysyacutesla

Os nomes da saga ndash tanto pessoais como topocircnimos - satildeo bem conhecidos em

outras fontes Sua elaboraccedilatildeo na Heimskringla transparece a existecircncia de contatos

iacutentimos entre as aristocracias da Rus e da Escandinaacutevia incluindo Noruega

O autor no entanto possui conhecimento limitado dos eventos Allogia

evidentemente recordaccedilatildeo do nome Olga aparentemente na saga eacute consorte do ldquoReirdquo

Valdimarr ndash escrito posteriormente na mesma saga como ldquoValdamarrrdquo

Valdimarr eacute Vladiacutemir I priacutencipe de Novgorod entre 970-978 e gratildeo-priacutencipe de

Kiev de 978 a 1015 Poreacutem filho de Olga Seu proacuteprio local de governo natildeo eacute citado

pelo autor

Haacute de se notar entretanto uma precisatildeo nos nomes ligados agrave Austrvegr

Aethalsyacutesla e Eysyacutesla satildeo nomes bastante especiacuteficos respectivamente da costa ocidental

estoniana e da ilha de Saaremaa

A partir da Oacutelaacutefs saga ins Helga444

a informaccedilatildeo do autor torna-se mais

verossiacutemil e acurada Nesta saga e nas seguintes ndash de Magnus o bom e de Haraldr

Harethraacuteethi o governante da Rus eacute Iaroslav ndash Jarisleifr no antigo noacuterdico Ele casa-se no

capiacutetulo 95 com Ingigerd filha do rei sueco Oacutelaacutefr ndash evento que se deu de fato em

1019

A saga lista os filhos do casal Valdemar Vissivald Holte e Bold sendo que o

capiacutetulo 17 da Haralds saga Harethraacuteetha acrescenta agrave lista Ellisif que como adiciona o

autor era conhecida como Elizabeth

Iaroslav I o saacutebio teve com Ingigerd da Sueacutecia os seguintes filhos por ordem

de nascimento Vladimir Iziaslav I Anastasia Sviatoslav II Vsevolod I Elizabeth

Anne Viatcheslav e Igor445

444

ldquoSaga Oacutelaacutefr o santordquo 445

PVL 299s

230

Iaroslav foi filho de Vladimir Por ocasiatildeo da morte de seu pai em 1015 tornou-

se co-regente em Novgorod enquanto seu irmatildeo Sviatopolk tomava o poder em Kiev

apoacutes diversas disputas nas quais os outros irmatildeos foram mortos ndash dentre os quais Boris

e Glieb primeiros santos da Ruacutessia446

Com a ajuda de varegues Iaroslav venceu

Sviatopolk em 1019 tomando o poder tanto de Novgorod quanto de Kiev447

Iaroslav

iniciou tambeacutem a codificaccedilatildeo legal na Rus a chamada ldquoRusskaia pravdardquo448

Em 1030 Iaroslav construiu na Estocircnia o forte de Iuriev na antiga vila de

Tarbatu que viria a ser conhecida posteriormente como Tartu coletando a partir de laacute

tributos das tribos estonianas vizinhas449

Retornando agrave saga no capiacutetulo 191 o rei Oacutelaacutefr vai para a Rus com seu filho

Magnus apoacutes revoltas na Noruega contra ele Ali eacute recebido por Jarisleif e sua esposa

Ingegerd O rei lhe oferece o reino da Bulgaria450

mas Oacutelaacutefr decide retornar agrave

Noruega451

apoacutes um sonho premonitoacuterio452

Magnus fica com Jarisleifr e Ingegerd que

providenciam cavalos e outros recursos necessaacuterios De fato sabe-se que Iaroslav

proveu refuacutegio para Oacutelaacutefr no ano de 1028453

A saga eacute encerrada apoacutes a morte de Oacutelaacutefr Einar Tambaskelfer e Kalf Arnalson

mandam mensagens para Jarisleifr pedindo que Magnus vaacute para a Noruega assumir o

trono Jarisleifr os convida a buscaacute-lo na proacutepria Novgorod454

Apoacutes isto a Saga de Magnus o bom narra brevemente em seu primeiro capiacutetulo

o seu retorno para a Noruega saindo de Novgorod via Ladoga o exiacutelio de Magnus na

Rus fora contado antes na saga de seu pai

O ciclo eacute encerrado com a Haralds saga Harethraacuteetha Meio irmatildeo de St Oacutelaacutefr

Haraldr escapou da batalha de Stiklestad na qual aquele morrera Tinha 15 anos tendo

encontrado refuacutegio na Rus novamente sob a proteccedilatildeo de Jarisleifr455

Harald passa

vaacuterios anos ali viaja e faz expediccedilotildees nas regiotildees circundantes e vai para

Constantinopla456

446

MARTIN Janet Medieval Russia 980-1584 Cambridge at the University Press 1996[1995] Pp22-

26 447

Idem 44 448

Idem 71 449

Idem 43s 450

Oacutelaacutefs saga ins Helga 198 ldquoOSrdquo nas proacuteximas citaccedilotildees 451

OS 202 452

OS 199 453

MARTIN 44 454

OS 265 455

Haralds saga Harethraacuteetha capiacutetulo 01 Citada como ldquoHHrdquo 456

HH 02

231

A saga nos daacute o nome de mais de um imperador iniciando por Michael

ldquoCatalactusrdquo e a imperatriz ldquoZoerdquo O contexto eacute complexo chamado por Vryonis de

ldquointerluacutedio burocraacutetico do seacuteculo XIrdquo457

e haacute uma sucessatildeo de governantes

Miguel IV o Paflagocircnio foi casado de fato com Zoe Porfirogecircnita e governou

Bizacircncio de 1034 a 1041458

O apelido dado pela saga no entanto provavelmente

refere-se a Miguel V ldquoKalaphatesrdquo sobrinho de Miguel IV e filho adotivo de Zoe que

governou apenas quatro meses entre os anos de 1041 a 1042459

O governo deu-se apoacutes

isto com a coregecircncia de Zoe e seu novo marido Constantino IX ldquoMonomachosrdquo ndash

tambeacutem citado na saga no capiacutetulo 13

A saga nos diz que Harald participou trecircs vezes do costume de ldquopoluta-svarfrdquo

que permitia que a guarda varegue tomasse parte do tesouro do imperador quando este

morresse460

ndash o que implica numa troca de trecircs imperadores e recuaria a chegada de

Harald a Bizacircncio ao imperador Romano III morto em 1034 jaacute que Constantino IX

morreria apenas em 1055461

Harald juntou-se agrave Guarda dos Varegues da qual foi feito chefe462

Efetua

expediccedilotildees em Serkland que a Saga equaliza com ldquoAacutefricardquo ndash aqui enfatizando

Serkland enquanto terra Sarracena Passou anos ali e enviava a riqueza que adquiria

para Jarisleifr463

Harald efetua muitos ataques a castelos na Siciacutelia464

informaccedilatildeo

coerente com o periacuteodo no qual os governantes de Bizacircncio tentavam retomar o

controle da ilha tomada pelos islacircmicos465

O capiacutetulo 09 cita dois islandeses que estavam com Haraldr na guarda varegue

Um deles Haldor foi ancestral de Snorri Sturluson Haraldr retorna com eles e com os

demais varegues para Constantinopla e depois ruma para Jerusaleacutem466

Ouvindo que seu sobrinho Magnus tornou-se rei na Noruega deseja retornar

Apoacutes intrigas em Constantinopla eacute preso pelo Imperador467

Tem uma visatildeo de St

457

VRYONIS Spero Bizacircncio e Europa Lisboa Editorial Verbo sd [London 1967] 458

VRYONIS 08 459

Idem 460

HH 13 461

VRYONIS 08 462

HH 03 463

HH 05 464

HH 06 465

ANGOLD Michael Bizacircncio a ponte da Antiguidade para a Idade Meacutedia Rio de Janeiro Imago

2002 [2001] p 125 466

HH Caps 11 amp 12 467

HH 13

232

Oacutelaacutefr e foge com a ajuda de milagres468

Por fim volta para Novgorod com Jarisleifr469

casando-se com sua filha Ellisif

(Elisabeth)470

Em todas estas passagens relacionadas agrave eacutepoca de Iaroslav haacute lugares comuns

como visotildees sonhos e artifiacutecios Os nomes no geral estatildeo de acordo com outras fontes

conhecidos havendo poucas discrepacircncias ndash no narrado ateacute agora a uacutenica dificuldade eacute

Jarisleifr em Novgorod Na altura do retorno de Haraldr para a Rus Iaroslav jaacute

governava em Kiev

Em todas estas sagas haacute a repeticcedilatildeo do tema de um norueguecircs de sangue real que

foge ou eacute levado por seu pai ou protetor para Garethariacuteki e laacute encontra abrigo proteccedilatildeo e

mesmo oportunidades

A atitude do autor em relaccedilatildeo agrave Garethariacuteki eacute benevolente no geral Arriscamos a

sugerir que Garethariacuteki assumiraacute um papel de extensatildeo da Escandinaacutevia propriamente

dita A extensatildeo em que haacute identificaccedilatildeo ou reconhecimento de diferenccedilas eacute duacutebia

Na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar o distanciamento parece maior Sigurethr ao

encontrar Oacutelaacutefr no mercado de escravos percebe ldquoque ele devia ser estrangeirordquo471

No

capiacutetulo 21 tendo ele crescido e adquirido respeito e comando temos o seguinte

comentaacuterio

Mas aconteceu como geralmente pode acontecer que quando

estrangeiros chegam ao poder ou em grande fama que ultrapassam os

nativos que muitos eram invejosos de quatildeo querido ele era para o rei

e natildeo menos para a rainha472

O proacuteprio Oacutelaacutefr no entanto em suas viagens apoacutes sair de Garethariacuteki usa o nome

ldquoOacutelirdquo ldquoAlirdquo ou ldquoOlerdquo e afirma ser russo (ldquogerzkrrdquo473

) Encontramos esse artifiacutecio ndash em

parte justificado devido ao desejo do mesmo de se ocultar dos seus inimigos e comum

em vaacuterias sagas ndash nos capiacutetulos 31 32 46 e 47

Nas sagas seguintes no entanto natildeo haacute referecircncias similares Antes o que

encontramos ndash tambeacutem presente na Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar satildeo estereoacutetipos em

relaccedilatildeo aos povos fino-uacutegricos

468

HH Caps 14 amp 15 469

HH 16 470

HH 17 471

() at saacute myndi thornar uacutetlendrrdquo Oacutelafs saga Tryggvasonar Capiacutetulo 07 472

En vareth thornat sem optliga kann veretha thornar er uacutetlendir menn hefjask til riacutekis eetha til svaacute mikillar fraeliggethar

at thornat verethi umfram innlenzka menn at margir ọfunduethu thornat hversu kaeligrr hann var konungi ok eigi siacuteethr

droacutetningu () Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 21K 119 473

ldquo( ) Oacutela ok kvazk vera gerzkrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 31 K 125

233

Na batalha final de Oacutelafr Trygvassonar haacute um arqueiro cujo nome eacute ldquoFinnrrdquo ou

que eacute saami (ldquofinnarrdquo) ldquoEntatildeo o jarl falou para o homem que alguns chamavam Finnr

apesar que alguns diziam que ele era Finskr ndash ele era o melhor arqueirordquo474

A vinculaccedilatildeo das duas ideias (bom arqueiro e finskr) poderia ser casual natildeo

fosse sua repeticcedilatildeo na Oacutelaacutefs saga ins Helga no capiacutetulo 82

Havia um homem das terras altas chamado Finn o pequeno e

alguns diziam que ele era da raccedila (aeligtt) dos finnar ele era um homem

muito pequeno e de peacutes tatildeo raacutepidos que nenhum cavalo podia

ultrapassaacute-lo ele era um corredor muito bem exercitado

especialmente com sapatos de neve e atirador com o arco475

Outras citaccedilotildees associam os finnar com praacutetica de maacutegica e artes sorrateiras

como eacute comum em outras sagas e outras seacuteries de fontes escandinavas No capiacutetulo 07

os finnar conjuram espiacuteritos contra os noruegueses no capiacutetulo 83 o haacute pouco

mencionado Finn o pequeno insere ervas na bebida dos homens do rei aumentando

exponencialmente seu efeito Por fim na proacutepria batalha na qual S Oacutelaacutefr eacute morto476

o

skaldr Sigvatr cantaria que o rei provara da ldquohabilidade maacutegica dos finnarrdquo477

4210 Conclusotildees parciais

Nas obras islandesas do seacuteculo XIII de cunho histoacuterico eacute possiacutevel se delinear

duas fontes principais de conhecimento referente ao leste a tradiccedilatildeo escandinava de

conhecimento do Baacuteltico e adjacecircncias e a tradiccedilatildeo medieval ocidental formada a partir

de erudiccedilatildeo grego-romana e biacuteblica

As partes das obras citadas dotadas de cunho de instruccedilatildeo apresentaccedilatildeo ou

explicaccedilotildees geneacutericas possuem uma elaboraccedilatildeo mais marcada pela tradiccedilatildeo biacuteblica e

claacutessica Nesse caso situam-se o Proacutelogo da Edda e Ynglingasaga e a referecircncia a

Austrvegr e Garethariacuteki eacute praticamente nula

Em relaccedilatildeo agraves narrativas e sagas dos islandeses a situaccedilatildeo diverge havendo o

predomiacutenio da tradiccedilatildeo de natureza mais notadamente escandinava Nesta situaccedilatildeo

enquadram-se as sagas que compotildeem a Heimskringla e trechos da Edda em prosa

474

ldquoTHORNaacute maeliglti jarl vieth thornann mann er suimr nefna Finn em sumir segja at hann vaeligri finzkr ndash saacute var inn

mesti bogmaethrrdquo Oacutelaacutefs saga Tryggvasonar In JOacuteNSSON 1911 108 K 179 475

Maethr er nefndr Fiethr liacutetli uplenzkr maethr em sumir sehja at hann vaeligri finzkr at aeligtt hann var allra

manna minztr ok allra manna foacutethvatastr svaacute at engi hestr toacutek hann aacute raacutes hann kunni manna bezt vieth skieth

ok boga ()Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON 1911 82 K 244 476

OH 228 477

ldquofjọlkunnigra Finnardquo

234

O leste eacute um instrumento poderoso na tentativa de conexatildeo das duas tradiccedilotildees ao

fornecer uma localizaccedilatildeo geograacutefica para o centro do mundo e as regiotildees de origens

Nesta reelaboraccedilatildeo feita de forma evemerista a tradiccedilatildeo biacuteblica ganha mais forccedila do

que as demais

Passaremos a seguir a observar a situaccedilatildeo apresentada na obra de Saxo

Gramamticus na Dinamarca

235

43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum

Ao nosso conhecimento Saxo Grammaticus eacute autor de apenas uma obra a

Gesta Danorum Esta verdadeira Histoacuteria foi composta no periacuteodo da forte dinastia dos

Valdemares sob encomenda e patronato do arcebispo Absalatildeo sucessor de Eskill em

Lund e possivelmente depois sob seu sucessor e sobrinho Anders Sunesson

Diferentemente de Snorri sabe-se pouco acerca de Saxo e o que se sabe eacute em

grande parte conjectural Praticamente toda a informaccedilatildeo relevante acerca de Saxo seja

informaccedilatildeo de fato ou trate-se de conjunturas foi enumerada por Paul Johansen de

forma hipercriacutetica e resumida de formas mais convenientes e moderadas nos prefaacutecios

agraves traduccedilotildees de inglesa de Elton e Zeeberg sendo que pouco podemos acrescentar de

novo nesse sentido e incorremos no risco de repeticcedilatildeo tanto dos citados autores quanto

de noacutes mesmos

No prefaacutecio da Gesta Saxo afirma que seu pai e avocirc teriam servido a Valdemar

I Eacute improvaacutevel portanto que ele mesmo tenha nascido antes de 1150 O argumento

sobre a dataccedilatildeo de sua morte nas proximidades de 1220478

eacute fraacutegil Tem por base

principal de que foi por razatildeo de sua morte que Saxo natildeo teria narrado os eventos da

vida de Valdemar II principalmente sua conquista da Estocircnia As proximidades de 1185

satildeo mais aceites de forma geral como o iniacutecio da escrita da obra e os uacuteltimos eventos

nela narrados ocorreram em 1187479

Acerca da origem de Saxo haacute a possibilidade de que seja proveniente da

Zelacircndia O iniacutecio do argumento eacute relativamente fraco tendo recebido mais peso pela

tradiccedilatildeo de seus editores dos tempos de Poacutes-Renascimento e Reforma Protestante o

discurso de Saxo e supostamente seu ldquotomrdquo natildeo poupariam elogios aos Zeelandeses

sendo a regiatildeo por vezes referenciada enquanto o ldquocentro da Dinamarcardquo mas a citaccedilatildeo

a esta referecircncia eacute a uacutenica evidecircncia contemporacircnea do proacuteprio texto de Saxo

A tradiccedilatildeo renascentista daraacute continuidade a esta ideia A crocircnica da Jutlacircndia

escrita em 1431 atribui sua origem agrave Zelacircndia assim como seu tiacutetulo Grammaticus480

A primeira ediccedilatildeo da Gesta de 1514 pelo bispo Urnes o cita como zeelandecircs de forma

que pode implicar um conhecimento geral e banal de tal proveniecircncia O nome ldquoGesta

478

ELLIS-DAVIDSON 2006 p 12 479

Idem p10 480

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

236

Danorumrdquo eacute empregado pela primeira vez na Crocircnica da Zelacircndia que tambeacutem refere-

se a Saxo como Cognomine Longus (apelidado o ldquocompridordquo o ldquoaltordquo)

Da relaccedilatildeo entre Sven Aggesen e Saxo Grammaticus sabe-se igualmente pouco

O avocirc de Saxo Grammaticus teria servido a Valdemar I (provavelmente

portanto apoacutes 1157) mas o pai de Sven foi morto em guerra em 1132 Dessa forma

Saxo provavelmente era bem mais jovem que Sven

Ainda assim eacute citado pelo mesmo como seu associado (contubernalis)

Contubernalis eacute traduzido ao peacute-da-letra como ldquocompanheiro de tendardquo e tal citaccedilatildeo da

parte de Sven levantou a hipoacutetese de que Saxo fora um guerreiro ou um soldado

Poreacutem contubernalis pode ser traduzido de inuacutemeras formas como por

exemplo ldquocolegardquo ou ldquocompanheirordquo481

tornando bem mais provaacutevel que Sven e Saxo

tenham sido eclesiaacutesticos

Karsten Friis-Jensen482

identifica Saxo como um cacircnon de Lund que

testemunhou alguns tiacutetulosdecretos em 11803 e 11971201 Esta hipoacutetese eacute mais aceita

do que a que considera Saxo como um deatildeo de Roskilde Segundo ideacuteia difundida pelo

bispo Lave Urne da proacutepria Roskilde Saxo seria certo provoste que teria viajado a

Paris em 1165 Tal data encontraria um Saxo Grammaticus demasiadamente idoso483

e

trata-se portanto de maacute compreensatildeo do bispo Lave Urne ou mesmo maacute feacute no sentido

de trazer atenccedilatildeo ao seu proacuteprio bispado mas natildeo eacute nossa tarefa julgar o mesmo

No Praefatio da Gesta Saxo descreve a si mesmo como algueacutem a serviccedilo de

Absalatildeo como o ldquouacuteltimo de seus seguidoresrdquo484

Eacute de fato possiacutevel encontrar o nome

ldquoSaxordquo em uma lista de cleacuterigos na catedral de Lund No caso o dito cujo seria um

acoacutelito o grau mais baixo entre os cacircnons Natildeo podemos ter certeza da identificaccedilatildeo no

entanto De fato ldquocomitum suorum extremordquo eacute uma mera e comum foacutermula de

submissatildeo natildeo implicando de fato em uma pista segura485

Haacute ainda no monasteacuterio de Soslashro uma nota deixada pela vontade de Absalatildeo

Segundo ela ele enviara a quantia de dois marcos e meio de prata emprestada ao seu

clericus Saxo Saxo tambeacutem deveria devolver ao monasteacuterio de Soslashro os dois livros que

481

CHRISTIANSEN 1992 2s 482

FRIIS-JENSEN K Was Saxo a Canon of Lund In Cahiers de lacuteInstitut du Moyen-acircge Grec et Latin

lix 1989 pp331-357 483

ELTON Preface 484

ldquoComitum suorum extremordquo In GESTA DANORUM Praefatio 485

FRIIS-JENSEN 1989 332

237

o arcebispo emprestara a ele Possivelmente eram dois coacutedices de Valeacuterio Maximo e

Justino que foram presenteados agrave biblioteca em Soslashro por Absalatildeo e que foram autores

cuja influecircncia eacute claramente perceptiacutevel na Gesta Danorum486

Tambeacutem natildeo se sabe com exatidatildeo aonde Saxo teria estudado A opccedilatildeo pelo

modelo de obra e o costume danecircs eclesiaacutestico agrave eacutepoca levantam a possibilidade de um

tempo no exterior quiccedilaacute Paris ou alguma outra localidade franca O proacuteprio Saxo afirma

no Praefatio que o arcebispo em sua eacutepoca Anders teria estudado em Paris Bologna e

Oxford

Em suma em meio a uma profusatildeo de referecircncias a eclesiaacutesticos chamados Saxo

em deacutecadas distintas eacute possiacutevel criar a imagem de um Saxo nascido ou proveniente da

Zeelacircndia descendente de uma famiacutelia aristocraacutetica ou de guerreiros Possivelmente

estudara no exterior o que reforccedilaria uma origem de uma famiacutelia com alguns recursos

ou ao menos oriunda do extrato dos pequenos proprietaacuterios livres

Seria no entanto um cleacuterigo possivelmente cacircnon em Lund e a despeito de

sua autoreferida posiccedilatildeo falsa modeacutestia ou mero topos de consistir em um dos

ldquomenoresrdquo tratava-se um indiviacuteduo de reconhecida capacidade literaacuteria e domiacutenio da

produccedilatildeo escrita claacutessica a ponto de ter para si o encargo de tarefa importante das matildeos

de um dos maiores liacutederes de seu seacuteculo

Quanto agrave sua obra o nome dado pelo proacuteprio autor eacute desconhecido ldquoGesta

Danorumrdquo eacute denominaccedilatildeo posterior Sua primeira impressatildeo deu-se em 1514 por

Jodocus Badius Ascensius em Paris da ediccedilatildeo de Christiern Pedersen trazendo o tiacutetulo

ldquoDanorum Regum heroumque Historiaerdquo Esta ediccedilatildeo tornou-se a base para todas as

versotildees e ediccedilotildees posteriores

Existem alguns fragmentos mais antigos dos quais o mais extenso eacute o

fragmento de Angers (Ny kgl Saml 4to 869 g) que conteacutem anotaccedilotildees atribuiacutedas ao

proacuteprio Saxo e conteacutem parte do livro I Outros fragmentos datam de 1275 e satildeo

menores Tratam-se dos fragmentos de Lassen contendo o livro VI de Kall-Rasmussen

contendo o livro VII - ambos satildeo agrupados como ldquoBDrdquo - e de Plesner (ldquoErdquo conteacutem o

livro XIV) Com exceccedilatildeo do manuscrito de Angers todos os fragmentos encontram-se

depositados na Biblioteca Real da Dinamarca em Copenhague sob registro Ny kgl

Saml Fol 570

486

ELTON Preface ELLIS-DAVIDSON 200610s

238

Legenda

________________________ Relaccedilatildeo modelo-coacutepia (texto completo ou excertos)

-------------------------------------- Transformaccedilatildeo deliberada (epiacutetomerevisatildeo traduccedilatildeo )

helliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphelliphellip Contaminaccedilatildeo ocasional variaccedilotildees de leitura relatadas

A

a

BD

b

C

c

E

F

f

g

j

K

k

O

o

p

s

t

v

x

Fragmento de Angers - Ny kgl Saml 4to 869 g

Ediccedilatildeo de Paris 1514

Frags de Lassen (Ny kgl Saml Fol 570) + Kall-Rasmussen (Ny kgl Saml Fol 570)

Codex de Caspar Barth (perdido)

Fragmento de Laverentzen

Colaccedilatildeo de C

Fragmento de Plesner - Ny kgl Saml Fol 570

Chronicon Sialandiae

Codex usado por F (perdido)

Codex de Birger Gunnersen (perdido)

Compendium Saxonis - Add 49 2o

Albert Kranz

Codex usado por K (perdido)

Peder Olsen

Codex usado por Peder Olsen (perdido)

Coacutepia de g usada para impressatildeo de a (perdida)

Ediccedilatildeo e comentaacuterio de Stephanius de 1645

Traduccedilatildeo de Christiern Pedersen (perdida)

Traduccedilatildeo de AS Vedel 1575

Arqueacutetipo medieval (perdido)

Figura 20 Stemma ndash Gesta Danorum In BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of

Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN 1981 P 10

239

O texto de 1514 chamado de ldquoEdiccedilatildeo de Parisrdquo (a) eacute no entanto o uacutenico

testemunho completo que temos do trabalho de Saxo Muito de discutiu se o suposto

arqueacutetipo (X) foi escrito totalmente pelo proacuteprio Saxo ou se houve interpolaccedilatildeo de

algum editor do seacuteculo XIII487

Boserup eacute da posiccedilatildeo de que o testemunho do manuscrito de Angers daacute

suficientes indiacutecios de que o proacuteprio Saxo foi responsaacutevel pela escrita de sua obra como

um todo na forma em que foi reproduzida posteriormente488

Esta posiccedilatildeo tem ateacute o

presente momento encontrado boa acolhida no meio acadecircmico A figura 20 conteacutem

Stemma que representa bem o consenso acadecircmico sobre a questatildeo

O nome ldquoGesta Danorumrdquo data de 1342 Foi encontrado na Chronica Jutensis

tambeacutem conhecida como Compendium Saxonis que consistiu em uma versatildeo resumida

da Gesta Danorum constando aproximadamente de um quarto de seu tamanho As

versotildees e ediccedilotildees posteriores da Gesta empregavam nomes diversos o tiacutetulo passou a

ser empregado mais genericamente a partir do seacuteculo XIX Quanto agrave ediccedilatildeo de

Pedersen foi feita com uma coacutepia antiga do texto encontrada com o arcebispo de Lund

Birger Gunnerssen

A identificaccedilatildeo imediata do gecircnero literaacuterio precisa ser feita tendo em vista

outras caracteriacutesticas que natildeo apenas o tiacutetulo O nome concedido no seacuteculo XIV e

difundido contemporaneamente associa seu conteuacutedo com as Chansons-de-Geste

datadas do seacuteculo XII e que fazem parte de um escopo literaacuterio mais amplo que inclui

temaacuteticas relativas agrave cavalaria e agrave sociedade cortesatilde mas que possuem caracteriacutesticas

formais distintas e estatildeo particularmente circunscritas agrave regiatildeo da Francia

Certamente tal difusatildeo de ideacuteias fez-se tambeacutem na Dinamarca em particular

devido ao nuacutemero de cleacuterigos que estudava em Francia e no estrangeiro oferecendo um

modelo literaacuterio adequado aos propoacutesitos de Saxo Como jaacute afirmamos influecircncia

similar ocorreu na proacutepria Islacircndia ainda que posteriormente com as Riddarasoumlgur

Poreacutem natildeo eacute adequado classificar a Gesta Danorum como uma Chanson-de-

Geste apesar do nome atribuiacutedo a ela ndash como jaacute vimos por sua posteridade Ainda

assim natildeo descartamos a possibilidade de que Saxo tenha se inspirado ao menos

parcialmente em obras do gecircnero ou influenciadas por ele

Alguns dos elementos carateriacutesticos dessa modalidade satildeo encontrados na

487

BOSERUP Ivan The Angers Fragment and the Archetype of Gesta Danorum In FRIIS-JENSEN

1981 P 09 488

BOSERUP 25

240

Gesta Danorum Primeiramente a temaacutetica eacutepica e os feitos de um povo e de heroacuteis O

povo eacute o danecircs Os heroacuteis satildeo vaacuterios normalmente reis e heroacuteis em sentido beacutelico mas

que via de regra espelham o principal heroacutei da Gesta que eacute o arcebispo Absalatildeo A

exaltaccedilatildeo de ambos - tanto o povo danecircs quanto o arcebispo-heroacutei - encontra-se

expliacutecita no Praefatio

Em relaccedilatildeo agrave linguagem natildeo se pode afirmar da mesma forma A Gesta

Danorum eacute escrita em latim natildeo em vernaacuteculo contrariamente agraves Chansons-de-Geste

O ato de cantar os feitos dos heroacuteis por meio de formas poeacuteticas ndash comum agraves

Chansons-de-Geste - eacute comum em toda a Gesta Danorum mas natildeo se presta para

classificaacute-la no gecircnero visto espelhar tradiccedilotildees escandinavas antigas ndash como a

escaacuteldica Saxo reivindica para si o papel de tradutor de algueacutem transmite que os

cantares e tradiccedilotildees de seu povo

Acerca da sacralizaccedilatildeo dos guerreiros e da visatildeo da aristocracia por um vieacutes

clerical a Gesta Danorum apresenta material exemplar tanto por conter narrativas de

Cruzadas propriamente ditas quanto por derivaacute-las do passado miacutetico A temaacutetica das

Cruzadas contra os eslavos ocidentais permeia toda a Gesta Danorum de forma

expliacutecita entre os livros X-XIV e de forma esquemaacutetica ideoloacutegica e velada nos livros

de I a IX489

A Gesta Danorum apresenta um constante agrupamento de feitos histoacutericos e

narraccedilatildeo croniacutestica com tradiccedilotildees miacuteticas na tentativa de alinhaacute-las de forma

razoavelmente loacutegica em uma linha genealoacutegica preacute-estabelecida

Eacute possiacutevel que tanto Saxo quanto Sven tenham se baseado em alguma

genealogia na qual foram acrescentando material externo Nesse agrupamento e

ordenaccedilatildeo de fontes o material oriundo das memoacuterias dos arcebispos seria colocado de

maneira semelhante ao originaacuterio de tradiccedilotildees miacuteticas

Quando o material oriundo de outras tradiccedilotildees natildeo se ajusta harmonicamente

aos relatos de testemunhas oculares ou aos quais Saxo atribua maior valor como os de

Absalatildeo os por ele proacuteprio vividos ou ao proacuteprio material considerado como

pertencente ao campo da ldquohistoacuteriardquo avalizada como por exemplo Beda Saxo

racionaliza os mitos antigos procurando tornaacute-los plausiacuteveis aos seus olhos e aos de seu

leitor A exemplo de Snorri e a tradiccedilatildeo islandesa Saxo recorre ao evemerismo

Saxo a despeito de ser um escritor comissionado natildeo apenas transcreve o que

489

MUCENIECKS 2008 51 57-61 102-104

241

lhe eacute dito nem reproduz simplesmente certa posiccedilatildeo poliacutetica Com frequecircncia profere

juiacutezos claros de valor sobre uma histoacuteria que acabou de narrar Entretanto ao se

observar a forma como ele a narra ou os episoacutedios posteriores a ela o leitor percebe

claramente que sua ideacuteia eacute exatamente oposta

Na proacutepria narrativa da trajetoacuteria de seu patrono Absalatildeo alguns entrevecircem a

possibilidade de que para Saxo o arcebispo se ocupasse demasiadamente com os

assuntos mundanos e laicos490

A escolha dos personagens-fonte para as narrativas tambeacutem revela paracircmetros

proacuteprios individuais A grande maioria dos heroacuteis vilotildees e demais personagens da

Gesta possuem paralelos em sagas poemas e narrativas

Raramente poreacutem Saxo conta uma tradiccedilatildeo de forma similar agraves outras fontes

escandinavas Em algumas circunstacircncias nas quais se possui narrativas mais completas

ndash como a Edda de Snorri - Saxo por vezes inverte o papel entre protagonista e

antagonista

Temos um exemplo claro no mito de BalderusBalethr do qual temos outra

versatildeo em Snorri Saxo inverte o papel de Balethr transformando-o em vilatildeo e

transferindo suas caracteriacutesticas boas para o adversaacuterio HotherusHoumlethr ndash que por sua

vez eacute apenas um joguete nas matildeos de Loki na narrativa da Edda de Snorri A proacutepria

planificaccedilatildeo entre ldquomaurdquo e ldquobomrdquo evidente em Saxo natildeo possui tal dimensatildeo de certo

e errado nas narrativas da Edda

Alguns dos episoacutedios aos quais Saxo apresenta maior cuidado de elaboraccedilatildeo

por muitas vezes natildeo centralizam sua atenccedilatildeo nos reis mas em algum heroacutei paralelo agrave

narrativa do rei este dessa forma ainda que o suposto protagonista oferece interesse

secundaacuterio para o leitor frente ao heroacutei

O arcebispo Absalatildeo faleceu em 1202 Saxo provavelmente concluiu a escrita da

Gesta entre 1215 a 1219491

ano no qual foi construiacutedo por Valdemar o forte de Tallinn

na Estocircnia492

O Praefatio cita a campanha de Valdemar no Elba mas cala sobre a na

Estocircnia Eric Christiansen assume uma data limite de 1215 e argumenta que apoacutes a

expediccedilatildeo de 1206 de Valdemar agrave Estocircnia ldquoSaxo que ainda escrevia sua Gesta nesta

490

SAWYER amp SAWYER 2003 225 CHRISTIANSEN 1997 60s 491

CHRISTIANSEN 1997 110 492

URBAN William The Baltic Crusade Chicago Lithuanian Research and Studies Centre 1994 Pp

124s

242

eacutepoca foi avivando sua narrativa com faacutebulas de como os ancestrais do rei tinham

povoado a Ruacutessia e conquistado o Daugava os Estonianos e os finesesrdquo493

Apoacutes o falecimento do arcebispo o curso do trabalho parece ter mudado Eacute uma

ideia bem aceita de que Saxo escreveu primeiramente os uacuteltimos livros (X-XVI) da

Gesta tendo iniciado posteriormente a escrita dos primeiros (I-IX) que veiculam as

origens dos daneses e os tempos de paganismo494

Haacute consideraacutevel contraste entre as

duas partes da obra e o procedimento de praxe tecircm sido dividi-las como parte miacutetica (I-

IX) e ldquohistoacutericardquo (X-XVI) a uacuteltima baseada nas memoacuterias de Absalatildeo (ver Tabela 06)

Arcebispo Rei Livros escritos Aspecto geral

Absalatildeo Valdemar I

amp Knut IV

X-XVI Crocircnica da Dinamarca Feitos de Absalatildeo

as cruzadas na Slavia

Anders Sunesson Valdemar II I-IX ldquoPreacute-Histoacuteriardquo da Dinamarca evemerismo

dos mitos do norte

Anders Sunesson Valdemar II Prefaacutecio Descriccedilatildeo geral do trabalho e do mundo

agradecimentos e homenagens

Tabela 06 A Gesta Danorum a ordem dos livros em contexto (do autor)

A despeito dessa divisatildeo eacute possiacutevel encontrar unidade em ideologias e

propoacutesitos em ambas as partes por mais diferentes que pareccedilam entre si Nesse sentido

diversos autores identificaram esquemas e ordenaccedilotildees especiacuteficas na Gesta Inge

Skovgaard-Pedersen (1975)495

defende uma divisatildeo quadripartite na obra os livros I-IV

conteacutem o mundo antes do nascimento de Cristo os V-VIII o periacuteodo anterior agrave

conversatildeo da Dinamarca os livros IX-XII narram o crescimento na igreja danesa e XIII

a XVI o estabelecimento dos arcebispados Kurt Johannesson (1978-1981) identificou

uma elaboraccedilatildeo crescente na gesta Danorum que apresenta as Quatro Virtudes

Cardinais496

e Sigurd Kvaeligrndrup defendeu (2004) a existecircncia de doze princiacutepios e uma

emulaccedilatildeo de ldquoFeitos e ditos memoraacuteveisrdquo de Valeacuterio Maacuteximo497

493

CHRISTIANSEN 1997 110s 494

ELLIS-DAVIDSON 2006 11 495

SKOVGAARD-PEDERSEN I Gesta Danorums genremaeligssige placering In BOSERUP Ivan (ed)

Saxostudier Copenhagen Museum Tusculanum 1975 Pp 20-29 496

JOHANNESSON 1981 121 497

KVAEligRNDRUP 2004 28

243

431 O Evemerismo de Saxo

O evemerismo na Gesta Danorum de longe recebe a atenccedilatildeo dos estudiosos de

sua contraparte na Edda e na Ynglingasaga Sob consideraccedilotildees meramente estiliacutesticas

seu texto apresenta uma elaboraccedilatildeo muito distinta da dos autores islandeses e pode por

vezes ser de difiacutecil compreensatildeo e interpretaccedilatildeo

Em contraposiccedilatildeo ao predomiacutenio da escola da Gelehrte Urgeschichte na

Heimskringla e Edda em Prosa a forma interpretativa mais difundida sobre o tema em

Saxo foi feita por Georges Dumeacutezil em Du mythe au roman de 1970 que analisa-o sob

a oacutetica dos estudos mitoloacutegicos mais especificamente o material contido no livro I

referente a Hadingus

Existem dois episoacutedios especiacuteficos no livro I nos quais Saxo Grammaticus

apresenta explicaccedilotildees evemeristas Dumeacutezil chama-os de ldquoDigressotildees mitoloacutegicasrdquo O

primeiro dos episoacutedios disserta sobre trecircs raccedilas de feiticeiros (mathematici) gigantes

magos e o cruzamento de ambos Os gigantes possuiacuteam grande tamanho mas os

poderes dos maacutegicos eram superiores O resultado do cruzamento entre as duas raccedilas

produziu descendentes que natildeo possuiacuteam nem o tamanho dos gigantes nem as artes dos

maacutegicos Todos vieram a ser chamados de deuses

O episoacutedio estaacute inserido apoacutes a abertura da narrativa sobre Hadingus e a

descriccedilatildeo de como o mesmo foi adotado por gigantes apoacutes a morte de seu pai [151]

Dumeacutezil procura explicar a passagem estruturalmente com base em comparaccedilotildees entre

gigantes e homens e os ases e vanes da mitologia escandinava498

A interpretaccedilatildeo nos parece razoaacutevel a despeito das ressalvas de Boulhosa499

e

pode ser pensada paralelamente com os mitos de criaccedilatildeo escandinavos aos quais temos

acesso por meio de Snorri nos quais gigantes e deuses estatildeo presentes

O que nos parece entretanto como Dumeacutezil tambeacutem nota500

eacute que o episoacutedio

do cruzamento das raccedilas possa conter alguma reminiscecircncia do capiacutetulo 06 do livro do

Gecircnesis que narra o cruzamento das filhas dos homens com seres sobrenaturais

algumas traduccedilotildees inclusive enfatizam a existecircncia de gigantes

Natildeo nos deteremos nesse episoacutedio que aos nossos propoacutesitos serve apenas de

forma acessoacuteria no sentido de explicar parcialemente a metodologia hermenecircutica de

498

DUMEacuteZIL Do mito ao romance a Saga de Hadingus Satildeo Paulo Martins fontes 1992 pp101s 499

BOULHOSA 2006 500

DUMEacuteZIL 1992 103

244

Saxo Seu evemerismo assimila tradiccedilotildees distintas e procura coadunaacute-las em uma

narrativa explicativa tambeacutem racionalizada No caso os objetivos do adendo miacutetico se

prestam para explicar o emprego de gigantes na narrativa posterior bem como os

poderes apresentados pelos mesmos Tambeacutem eacute uacutetil na narrativa para demonstrar como

seres habilidosos receberam adoraccedilatildeo da parte dos homens como deuses

A segunda digressatildeo mitoloacutegica no entanto merece mais de nossa atenccedilatildeo

Leia-mo-la com cuidado

1 Nesta eacutepoca um tal de Othinus recebia atraveacutes de toda a

Europa a qualificaccedilatildeo mentirosa de deus mas era em Uppsala que ele

residia a maior parte do tempo e honrava muito especialmente esta

cidade como sua residecircncia ordinaacuteria seja por causa da apatia de seus

habitantes seja por causa da apraziacutevel localizaccedilatildeo Desejosos de

prestar uma homenagem agrave sua majestade divina os reis do Norte

mandaram reproduzir a imagem dele numa estaacutetua de ouro que

enviaram a Bizacircncio como expressatildeo de seu respeito nas mais

caracterizadas formas de religiatildeo Aleacutem disso enfiaram densos e

pesados braceletes nos braccedilos da estaacutetua

Exultante com tatildeo consideraacutevel homenagem ele foi

extremamente sensiacutevel agrave afeiccedilatildeo dos expedidores Mas sua mulher

Frigga para poder mostrar-se em seus mais belos adornos convocou

ferreiros e fez retirar todo o ouro da estaacutetua Othinus mandou enforcaacute-

los colocou a estaacutetua sobre um pedestal e pelo arttifiacutecio de um

espantoso sortileacutegio deu-lhe o poder de falar quando algueacutem tocasse

nela Mas Frigga natildeo se deu por vencida colocando a elegacircncia de

seus enfeites acima da dignidade de seu marido ela prostituiu-se com

um de seus servidores Graccedilas a ele Frigga conseguiu derrubar a

estaacutetua e aproveitou para o seu luxo pessoal o ouro que tinha sido

supersticiosamente dedicado a um culto puacuteblico Ela natildeo teve o menor

escruacutepulo em abandonar-se ao seu impudor para melhor satisfazer sua

avidez essa mulher indigna de ser esposa de um deus O que poderei

acrescentar aqui senatildeo que um tal deus era no fundo bem digno de

tal esposa Tatildeo grande era nesse tempo o erro do qual os mortais eram

meros joguetes

Assim Othinus sob o impacto da injuacuteria que a esposa lhe

infligira natildeo sentiu menos o dano sobre sua imagem do que sobre o

seu leito Profundamente ferido por essas duas irritantes vergonhas e

obedecendo a um nobre sentimento de honra decidiu exilar-se

pensando que assim apagaria a maacutecula da afronta sofrida

2 Com a partida de Othinus um certo Mithotyn ceacutelebre por

seus sortileacutegios que faziam crer que sua forccedila lhe era insuflada por

um dom celeste aproveitou a ocasiatildeo para outorgar-se tambeacutem uma

pretensa divindade e envolvendo os espiacuteritos baacuterbaros nas trevas de

um novo erro induziu-os pela fama de seus sortileacutegios a celebrarem

cerimocircnias em sua homenagem Dizia ele que natildeo se podia apaziguar

a coacutelera dos deuses e redimir as faltas cometidas contra a majestade

deles atraveacutes de sacrifiacutecios globais e confusos por conseguinte

proibiu que se lhes dirigissem pedidos coletivamente e estabeleceu

para cada uma das divindades oferendas distintas

245

Com o regresso de Othinus Mithotyn renunciou ao socorro de

seus sortileacutegios e foi esconder-se em Fiocircnia501

mas os habitantes

lanccedilaram-se sobre ele e mataram-no Mesmo depois de morto suas

vergonhosas praacuteticas continuaram se manifestando pois todos aqueles

que se aproximavam de seu tuacutemulo ele os matava de morte suacutebita e

causou tantas calamidades apoacutes seu desaparecimento que parecia que

a morte de Mithotyn tinha de deixar lembranccedilas quase mais pavorosas

do que a vida dele como se quisesse encontrar culpados para fazecirc-los

expiar seu assassinato Em meio a esses infortuacutenios os habitantes

retiraram o cadaacutever dele da tumba decapitaram-no e furaram-lhe o

peito com uma estaca foi a salvaccedilatildeo deles

3 Depois disto Othinus a quem a morte de sua mulher

restituiacutera sua antiga gloacuteria redimindo de certa maneira a maacutecula

causada em sua divindade retornou do exiacutelio e todos aqueles que em

sua ausecircncia tinham ostentado tiacutetulos e recebido honras de deuses

foram obrigados a renunciar a estes dizendo que nada disso lhes

pertencia e pelo fulgor reparado de sua majestade dispersou como

trevas os grupos de maacutegicos que se haviam formado e forccedilou-os por

uma ordem natildeo soacute a deporem suas qualificaccedilotildees divinas mas ainda a

abandonarem a paacutetria avaliando corretamente que era preciso

expulsar da terra aqueles que tinham tatildeo escandalosamente usurpado o

ceacuteu502

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Traduccedilatildeo de

Aacutelvaro Cabral In DUMEacuteZIL 1992 Pp117s)

501

A ilha dinamarquesa de Fyen Para Henrik Schuumlck seria no paiacutes dos Finni 502

Dan 171 (p 251 ) [1] Ea tempestate cum Othinus quidam Europa tota falso divinitatis titulo

censeretur apud Upsalam tamen crebriorem deversandi usum habebat eamque sive ob incolarum inertiam

sive locorum amoenitatem singulari quadam habitationis consuetudine dignabatur [2] Cuius numen

Septentrionis reges propensiore cultu prosequi cupientes effigiem ipsius aureo complexi simulacro

statuam suae dignationis indicem maxima cum religionis simulatione Byzantium transmiserunt cuius

etiam brachiorum lineamenta consertissimo armillarum pondere perstringebant [3] Ille tanta sui

celebritate gavisus mittentium caritatem cupide exosculatus est [4] Cuius coniunx Frigga quo cultior

progredi posset accitis fabris aurum statuae detrahendum curavit [5] Quibus Othinus suspendio

consumptis statuam in crepidine collocavit quam etiam mira artis industria ad humanos tactus vocalem

reddidit [6] At nihilominus Frigga cultus sui nitorem divinis mariti honoribus anteponens uni

familiarium se stupro subiecit cuius ingenio simulacrum demolita aurum publicae superstitioni

consecratum ad privati luxus instrumentum convertit [7] Nec pensi duxit impudicitiam sectari quo

promptius avaritia frueretur indigna femina quae numinis coniugio potiretur [8] Hoc loci quid aliud

adiecerim quam tale numen hac coniuge dignum exstitisse [9] Tanto quondam errore mortalium

ludificabantur ingenia [10] Igitur Othinus gemina uxoris iniuria lacessitus haud levius imaginis suae

quam tori laesione dolebat [11] Duplici itaque ruboris irritamento perstrictus plenum ingenui pudoris

exsilium carpsit eoque se contracti dedecoris sordes aboliturum putavit Dan 172 (p 2523 ) [1] Cuius

secessu Mithothyn quidam praestigiis celeber perinde ac caelesti beneficio vegetatus occasionem et ipse

fingendae divinitatis arripuit barbarasque mentes novis erroris tenebris circumfusas praestigiarum fama

ad caerimonias suo nomini persolvendas adduxit [2] Hic deorum iram aut numinum violationem confusis

permixtisque sacrificiis expiari negabat ideoque iis vota communiter nuncupari prohibebat discreta

superum cuique libamenta constituens [3] Qui cum Othino redeunte relicta praestigiarum ope latendi

gratia Pheoniam accessisset concursu incolarum occiditur [4] Cuius exstincti quoque flagitia patuere

siquidem busto suo propinquantes repentino mortis genere consumebat tantasque post fata pestes edidit

ut paene taetriora mortis quam vitae monumenta dedisse videretur perinde ac necis suae poenas a noxiis

exacturus [5] Quo malo offusi incolae egestum tumulo corpus capite spoliant acuto pectus stipite

transfigentes id genti remedio fuit Dan 173 (p 2536 ) [1] Post haec Othinus coniugis fato pristinae

claritatis opinione recuperata ac veluti expiata divinitatis infamia ab exsilio regressus cunctos qui per

absentiam suam caelestium honorum titulos gesserant tamquam alienos deponere coegit subortosque

magorum coetus veluti tenebras quasdam superveniente numinis sui fulgore discussit [2] Nec solum eos

deponendae divinitatis verum etiam deserendae patriae imperio constrinxit merito terris extrudendos

ratus qui se caelis tam nequiter ingerebant

246

Detter e Dumeacutezil explicam o episoacutedio em termos mitoloacutegicos demonstrando os

componentes ali assimilados a Guerra dos AEligsir e Vanir que conteacutem o episoacutedio da

cabeccedila de Miacutemir o colar de Briacutesingamen o mito de Njọrethr e Skaacuteethi503

De fato eacute perfeitamente possiacutevel encontraacute-los na digressatildeo Hadingus elaborado

conforme o deus Njọrethr eacute o personagem principal do livro na mitologia de Snorri

Njọrethr adentra a famiacutelia dos AEligsir atraveacutes de uma guerra que se daacute entre as duas famiacutelias

de deuses

O ponto que nos interessa no entanto eacute o que a passagem nos demonstra sobre a

elaboraccedilatildeo de leste na Gesta Danorum Para isso precisamos recorrer agrave comparaccedilatildeo

com as fontes islandesas

Em ambos possuiacutemos uma temaacutetica similar e uma hermenecircutica evemerista no

lidar com os mitos e na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem A Heimskringla e o Proacutelogo da

Edda Menor vinculam as origens de seus povos ao Oriente mais especificamente agrave Aacutesia

Menor agrave Troacuteia Oacuteethinn estaacute presente nas narrativas e residiraacute posteriormente em

Uppsala

O que o relato de Saxo nos traz nesse sentido per se Os personagens Othinus

(evidentemente uma transcriccedilatildeo ou adaptaccedilatildeo do nome Oacuteethinn) Mythothyn ndash

ldquofalsomiacuteticordquo Oacuteethinn e Frigga Othinus eacute reverenciado em Uppsala e governa em

Bizacircncio

O paralelo geograacutefico e temaacutetico com os Proacutelogos islandeses eacute oacutebvio Poreacutem ele

se encerra nesses niacuteveis

Natildeo haacute uma narrativa da guerra de Troacuteia sequer uma Troacuteia ndash Saxo fala em

Bizacircncio natildeo haacute uma narrativa de migraccedilatildeo Em seu lugar temos uma intriga palaciana

entre um ser ndash ambiguamente tratado na primeira sentenccedila como falso deus ndash ldquo() falso

divinitatis titulo censeretur ()rdquo mas ao mesmo tempo um falso deus mais digno ou

merecedor de honrarias do que o outro que usurpa sua posiccedilatildeo e que ao final da

situaccedilatildeo recupera o ldquofulgorrdquo de sua antiga ldquomajestade divinardquo (numen -inis)

Haacute dados acessoacuterios como os preconceitos de Saxo ndash que seratildeo mostrados e

repetidos exaustivamente em livros posteriores ndash sobre o sexo feminino satildeo

incorporados em Frigga apresentada como uma aduacuteltera que cede agrave luxuacuteria do ouro

Ora a explicaccedilatildeo da proveniecircncia dos daneses eacute colocada por Saxo

anteriormente na primeria linha da Gesta

503

DUMEacuteZIL 1992 121s

247

ldquoOs daneses traccedilam seus iniacutecios a Dan e Angul filhos de

Humblus que foram natildeo meramente os fundadores de nossa raccedila mas

tambeacutem seus guias Dudo entretanto que escreveu uma historia da

Francia acredita que os daneses fluiacuteram dos danais e foram nomeados

segundo elesrdquo504

(SAXO GRAMMATICUS Gesta Danorum Livro I Versatildeo nossa)

Saxo liga conscientemente a histoacuteria de origem dos daneses a Dudo de S

Quentin autor da Historia Normannorum associando ldquodanecircsrdquo aos ldquodanaisrdquo nome dado

aos helecircnicos na Iliacuteada Pouco depois na passagem cita agrave Beda autor da Historia

ecclesiastica gentis Anglorum ao refletir sobre o destino de Angul e a origem dos

ingleses

Esta passagem explica a genealogia mas natildeo o porquecirc do esvaziamento do

sentido mais comum ao medievo Ocidental da ldquoMateacuteria de Romardquo Tampouco explica

porque Saxo tendo jaacute recorrido a outra fonte explicativa insere a narrativa que conteacutem

versatildeo diferente e de forma tatildeo transfigurada

Haacute diversos problemas nesta situaccedilatildeo bem como na nossa interpretaccedilatildeo O

principal eacute que natildeo podemos definir um arqueacutetipo exato escandinavo que trace a

origem de Oacuteethinn agrave Troacuteia Possuiacutemos uma longa tradiccedilatildeo de escrita histoacuterica Medieval

Ocidental e uma derivaccedilatildeo da mesma em solo Islandecircs que o fazem mas a existecircncia de

tal tradiccedilatildeo natildeo obriga Saxo a empregaacute-la especialmente se no iniacutecio do livro empregou

outra histoacuteria de origem ainda que mais simples

A formaccedilatildeo de Saxo Grammaticus e alguns dos elementos da narrativa no

entanto satildeo por demais similares agrave tradiccedilatildeo da ldquoMateacuteria de Romardquo para pressupormos

que Saxo natildeo a conhecia Ele simplesmente optou por empregar apenas elementos

acessoacuterios da mesma Em outros toacutepicos da mitologia ele o faz semelhantemente

citamos a pouco o mito de Balethr como exemplo

Cremos no entanto poder sugerir ao menos duas hipoacuteteses razoaacuteveis

conectadas agrave nossa temaacutetica que ajudam a compreender as seleccedilotildees efetuadas por Saxo

nesse episoacutedio

504

111 [1] Dan igitur et Angul a quibus Danorum coepit origo patre Humblo procreati non solum

conditores gentis nostrae verum etiam rectores fuere [2] Quamquam Dudo rerum Aquitanicarum

scriptor Danos a Danais ortos nuncupatosque recenseat

248

432 O leste na Gesta Danorum

A primeira hipoacutetese eacute que a ldquoMateacuteria de Troacuteiardquo natildeo oferece sentido para o leste

em Saxo Grammaticus e o Oriente natildeo incorpora dessa forma signicados de origem no

mesmo sentido que nos Proacutelogos islandeses incluindo os imaginaacuterios sacros referentes

ao Paraiacuteso e agrave Nova Jerusaleacutem

Haacute pouco espaccedilo para interpretaccedilatildeo biacuteblica ndash natildeo apenas no livro I mas por toda

a Gesta Eacute de certa forma surpreendente encontrar um nuacutemero maior de referecircncias

teoloacutegicas e derivaccedilotildees de interpretaccedilotildees biacuteblicas nas obras histoacutericas dos autores

islandeses supostamente leigos do que na obra de um eclesiaacutestico danecircs que escreve

comissionado por um arcebispo

Eric Christiansen expotildee pensamento similar quanto agraves inclinaccedilotildees espirituais ou

poliacuteticas de Saxo

ldquoHe was interested in the spiritual regeneration of the heathen

Slavs but much more interested in the political regeneration of

Denmark and he seems to have believed that both aims were equally

acceptable to God He was writing at a time when Denmark was a

powerful and prosperous kingdom and his concern was to give this

kingdom a past as glorious as the presentrdquo505

Destarte se desejamos entender os sentidos que o leste pode assumer na Gesta

Danorum devemos fazecirc-lo de forma coadunada com a ideologia poliacutetica defendida por

Saxo No momento eacute pertinente retornarmos agrave fonte e observar em maior detalhe como

Saxo se refere agrave regiatildeo no seu Proacutelogo ao discriminar os povos da Escandinaacutevia

ldquoApoacutes o que para o nascente tambeacutem se encontra um ajuntamento de

muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo506

-507

Para Saxo em sua linguagem rebuscada e carregada de sinocircnimos e

qualificantes o leste eacute um ldquoajuntamento de muacuteltipla diversidade de barbaacuterierdquo

A descriccedilatildeo da regiatildeo de tal forma no Praefatio eacute significativa em particular se

levarmos em consideraccedilatildeo a ideia de sua composiccedilatildeo posterior aos demais livros da

Gesta Nesse caso a consideraccedilatildeo eacute ponderada fruto de anos de trabalho e escrita e da

criaccedilatildeo de conceitos e preconceitos bastante solidificados na mente do autor Eacute fruto das

505

CHRISTIANSEN 1997 65s 506

ldquoPost quam ab ortu quoque multiplex diversitatis barbaricae consertio reperiturrdquo (0210) 507

Ou ldquode povos baacuterbarosrdquo

249

proacuteprias experiecircncias ouvidas e vividas pelo mesmo com seus sucessivos patronos

Absalatildeo e Anders ambos viajantes para o leste O primeiro entre os Sclavi o segundo

nas regiotildees do Baacuteltico Oriental incluindo Riga no Daugava a regiatildeo do norte da

Estocircnia e a expediccedilatildeo de Valdemar na mesma

Na circunstacircncia pouco provaacutevel de a escrita do prefaacutecio ter-se dado

anteriormente agrave composiccedilatildeo dos demais livros da Gesta a descriccedilatildeo vaga e depreciativa

natildeo necessariamente implica em desconhecimento da regiatildeo descrita Por certo uma

dataccedilatildeo muito antiga para o prefaacutecio excluiria os tempos experimentados pelo arcebispo

Anders Sunesson no Baacuteltico Oriental fonte certa de informaccedilotildees de primeira matildeo para

Saxo mas tambeacutem tal arrazoamento eacute baseado em conjectura

De fato Saxo revela maior conhecimento das regiotildees do Baacuteltico do que os

autores islandeses As regiotildees e povos que satildeo citados no transcorrer da Gesta Danorum

e que podem ser enquadradas no ldquolesterdquo nesta regiatildeo de ldquodiversa barbaacuterierdquo satildeo

Em Austrvegr Curetes (kurs ndash livros 123568911 e 14) Eesti (estonianos ndash

livros 6814 e 16) Rotala (Haapsalu Estocircnia ndash 217) Livi (livocircnios ndash livros 8 e 14 ndash

no ultimo caso o nome ldquoLivonemrdquo aparece juntamente com o nome de um indiviacuteduo

como um apelido) Sembi (prussianos ndash livros 68910 e 11) semgali (zemgaacutelios ndash

livros 6 e 8)

Em Garethariacuteki Holmgardia (HolmgardNovgorod ndash livro 5) e Coslashnogardia

(KonungardKiev ndash livro 5) Paltisca (PalteskjaPolotsk livro 217 ) ndash 37 42 Ruscia

(Rus - livros 23567891112 e 14)

Na Regiatildeo Aacutertica Skritfinnia (Saami Praefatio) Finmarchia Finni (Saami -

livros 1357910) Biarmi (Bjarmar ndash livros 5 6 8 e 9)

Os Sclavi fogem de nosso recorte Aparecem em todos os livros com exceccedilatildeo

do 1 e 4 e satildeo objeto constante das atenccedilotildees dos daneses principalmente nos livros

finais da obra

Haacute algumas referecircncias ao Helesponto (livros 1 8 e 9) satildeo ligadas agrave eventos no

Baacuteltico Oriental agrave Kurland e aos Semgallir aos livocircnios agrave Scithia agrave Rutenia e ateacute

mesmo agrave Biarmia bem como agrave temaacutetica de Ermanaric ndash que como veremos em breve

foi transferida para o rei Frotho III A regiatildeo apresenta-se ressignificada enquanto a rota

dos Varegues aos Gregos que passava pelos Rios Daugava Dnieper o Mar Negro e

finalmente ao Hellesponto de fato

250

433 A Temaacutetica do Conselheiro

Num estudo que se iniciou com a observaccedilatildeo do leste das passagens da Gesta

Danorum defendemos em 2008 a existecircncia de um motivo narrativo que repetir-se-ia

com frequecircncia na Gesta Danorum e que nomeamos como ldquoA Temaacutetica do

Conselheirordquo508

Esta temaacutetica propicia uma estrutura teoacuterica que suporta ideologias teocraacuteticas

mesmo em livros que supostamente sequer mencionam o Cristianismo O esquema das

Virtudes Cardinais defendido por Johannesson 509

eacute essencial para compreendecirc-la

Entre os livros I a IV Saxo apresenta gradualmente quadros de virtudes Usando

diversos exempla ele mostra personagens que possuem uma ou duas virtudes mas que

satildeo deficitaacuterias das demais Somos apresentados aos feitos de Gram e Hadingus

homens cheios de Fortitudo poreacutem carentes de Prudentia somos entretidos com os

artifiacutecios de Amlethus supremo no uso da Prudentia mas severamente desprovido de

Temperantia e dessa forma incapaz de manter suas conquistas alcanccediladas por meio de

sua astuacutecia

Livro Virtude enfatizada Personagem exemplificador

I Fortitudo (forccedila resistecircncia ndash tanto fiacutesica quanto

moral)

Gram Hadingus

II Iustitia munificiencia (justiccedila encaminhando-se para

munificecircncia liberalidade)

Frotho many others

III Prudentia (sabedoria conhecimento inteligecircncia

astuacutecia)

Amlethus (cheio de Prudentia)

IV TemperantiaConstantia (temperanccedila resistecircncia

perseveranccedila estabilidade)

Amlethus (deficient em

Constantia)

Tabela 07 O desenvolvimento do esquema das Virtudes Cardinais (Do autor Baseado em Johanesson

Kurt Komposition och vaumlrdsbild i Gesta Danorum 1978 amp Kvaeligrndrup Sigurd The composition of

Gesta Danorum and the place of geographical relations in its worldview 2004)

A partir do Livro V haacute uma clara modificaccedilatildeo na narrativa O leitor subitamente

encontra personagens mais complexos que os reis e heroacuteis vistos ateacute entatildeo Os reis satildeo

fracos falhos tolos Contudo diferentemente da maior parte de indiviacuteduos apresentados

nos primeiros livros esses novos demonstram mudanccedila e desenvolvimento

508

MUCENIECKS 2008 62-64 ________________ The acuteThematic of the Counseloracute in the Gesta

Danorum and the Strengthening of the Danish Hegemony in the Medieval Baltic Area Paper apresentado

no International Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 509

JOHANNESSON 1978 amp 1981

251

Algumas vezes esse crescimento eacute um bocado cru carente de polimento O mau

rei eacute confrontado geralmente com um estrangeiro Seus conselheiros anteriores satildeo a

principal razatildeo de suas fraquezas e comportamento inadequado O estrangeiro enfrenta-

os toma seus lugares e vem a ser o verdadeiramente saacutebio conselheiro que o rei

necessita Apoacutes tais altercaccedilotildees o rei abandona seus enganos do passado e conduz a

Dinamarca em caminhos gloriosos e proacutesperos

Os livros nos quais encontramos tal estrutura mais desenvolvida satildeo os livros V

com o rei Frotho III e o conselheiro Ericus Dissertus bem como os desenvolvimentos

posteriores encontrados nos livros VI a VIII que se focam na histoacuteria do heroacutei

Starcatherus que tendo vivendo o equivalente temporal de diversas vidas eacute capaz de

retificar os caminhos do rei Frotho IV bem como atuar nas vidas de diversos reis apoacutes

isto dentre muitos feitos e desfeitos

Rei Conselheiro Livro

Gram Bessus I

Hadingus Homem caolho (lembra Oacuteethinn) I

Frotho III Ericus Dissertus (ldquoErik o eloquenterdquo) V

Frotho IV e outros reis Starcatherus VI-VIII

Knut Lavard Temaacutetica em desenvolvimento XIII

Valdemar I Absalatildeo (protoacutetipo do conselheiro) XIV-XVI

Tabela 08 o desenvolvimento da Temaacutetica do Conselheiro na Gesta Danorum Do autor

Ainda que esses dois personagens consistam no aacutepice da ideia do conselheiro

podemos identificar o desenvolvimento do tema em outros livros De fato esta temaacutetica

natildeo eacute nova de todo no mundo setentrional Eacute possiacutevel encontrar narrativas similares na

Hrolf Kraki saga e na Historia apollonii Regis Tyri por exemplo e seus elementos se

prestam a anaacutelises estruturalistas tais quais as desenvolvidas por Vladimir Propp em

seus trabalhos acerca dos contos folcloacutericos510

Outras partes da Gesta Danorum em particular seus livros I e XIII trazem-nos

ecos da temaacutetica do conselheiro No livro I lemos sobre primeiros reis da Dinamarca

Gram e Hadingus O primeiro envolve-se em uma disputa poeacutetica com uma dama a

quem ele deseja Ele eacute totalmente incapaz entretanto de enfrentar a situaccedilatildeo Incapaz

de falar corretamente incapaz de argumentar Sua salvaccedilatildeo eacute apresentada nas palavras

de seu amigo Bessus que tambeacutem o auxilia em outras situaccedilotildees mas particularmente na

disputa poeacutetica

510

PROPP Wladiacutemir Yakovlevitch Morfologia do Conto Maravilhoso Rio de Janeiro Forense

Universitaacuteria 2006 [Moscou 1976]

252

No mesmo livro o leitor deleita-se com a narrativa de Hadingus De longe mais

elaborada que a histoacuteria de Gram a de Hadingus passa por desenvolvimentos

interessantes ndash como por exemplo uma grande similaridade com o mito do deus

Njoumlrōr visto haacute pouco Em seus iniacutecios ele eacute mentoreado por uma gigante Harthgrepa

Nesta fase de sua vida Hadingus natildeo eacute apresentado enquanto um bom exemplo Ele eacute

seduzido por uma gigante que como se natildeo fosse o suficiente pratica magia negra para

antever o futuro

Esta fase eacute encerrada com a morte de Harthgrepa e a captura de Hadingus na

Kurland Em seu cativeiro ele recebe conselho de um velho homem claramente

representando a Oacuteethinn disfarccedilado Nesse ponto Hadingus personifica a fortitudo

iniciando uma vida de vitoacuterias frequentemente ajudado pelo velho homem

Em ambos os casos o rei eacute claramente apresentado como deficiente e ateacute mesmo

fraco e pateacutetico enganado por seus inimigos e pelas circunstacircncias A situaccedilatildeo

desesperada somente pode ser transposta com a ajuda de um saacutebio um conselheiro No

caso de Hadingus haacute ainda a comparaccedilatildeo das duas fases de sua vida que aponta

inequivocamente para a necessidade de um conselheiro verdadeiro e saacutebio

O livro XIII jaacute na parte ldquohistoacutericardquo da Gesta Danorum apresenta a histoacuteria de

Knut Lavard enganado e capturado por seus inimigos O iniacutecio do livro conta a

historieta de um jovem que a despeito do aviso de seu instrutor foi morto por um

cavalo

O fechamento da ideia eacute apresentado no livro XIV em diante que conteacutem o

nuacutecleo da vida do arcebispo Absalatildeo Natildeo haacute qualquer miacutenima possibilidade de duacutevida

sobre quem seja o heroacutei nesses livros De forma alguma eacute o rei Valdemar mas sim o

bispo posteriormente arcebispo Absalatildeo

Dessa forma o que parece a princiacutepio uma referecircncia pontual uma narrativa

isolada da vida de um arcebispo evolui para um tema principal Esta ideia entretanto

natildeo eacute uma simples glorificaccedilatildeo de seu patrono e suportador Absalatildeo antes disso eacute uma

forte defesa das instituiccedilotildees representadas pelos homens na narrativa

O que Saxo mostra ao leitor eacute que natildeo eacute suficiente ao rei ser forte Ele necessita

de ser saacutebio e de ter homens ainda mais saacutebios a aconselhaacute-lo Certamente a uacutenica

instituiccedilatildeo que pode prover toda esta quantia de sapiecircncia sob o ponto de vista de um

cleacuterigo do seacuteculo XIII eacute a Igreja Romana

Haacute anda uma nuance importante a ser apresentada Natildeo haacute uma dominacircncia

total clara de uma instituiccedilatildeo sobre a outra Natildeo eacute esse o intuito das narrativas de Saxo

253

Eacute possiacutevel inclusive se destacar o perigo de uma posiccedilatildeo aberta e marcadamente

gregoriana o manuscrito de Angers que de acordo com a criacutetica geneacutetica possivelmente

trata-se de um autoacutegrafo do proacuteprio Saxo nos provecirc incocircmoda informaccedilatildeo em meio ao

texto que conhecemos como a Gesta Danorum ldquooficialrdquo aparentemente haacute modificaccedilotildees

e adiccedilotildees com o intuito de espelhar feitos dos Valdemares indicativos da

vulnerabilidade do proacuteprio Saxo

A supremacia dos homens saacutebios os eclesiaacutesticos sobre os lutadores e poliacuteticos

eacute clara na mente de Saxo mas parece ser igualmente claro para ele que haacute a necessidade

de cooperaccedilatildeo Natildeo eacute possiacutevel separar a monarquia e o arcebispado em uma versatildeo

dualiacutestica das Ordens feudais oratores e belatores precisam cooperar a fim de alcanccedilar

uma naccedilatildeo forte sob a direccedilatildeo divina

434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares

O livro V eacute um ponto focal e de particular relevacircncia na Gesta Danorum como

um todo Em uma das pouquiacutessimas ocasiotildees nas quais Saxo provecirc datas ou

periodizaccedilotildees mais especiacuteficas nesse caso a narrativa ocorre nas proximidades

temporais do proacuteprio nascimento de Cristo o que vai se revestir de importacircncia especial

no enredo

Quanto aos esquemas discutidos a pouco das Virtudes Cardinais e da Temaacutetica

do Conselheiro o livro V eacute o primeiro no qual um conselheiro ndash no caso Ericus

Dissertus ndash eacute apresentado revestido de todas as Virtudes Cardinais O rei em questatildeo

Frotho III seraacute lembrado em sua morte como ldquoo mais ilustre de todos os reis do

mundo511

rdquo

Eacute por meio dos conselhos de Ericus que o rei Frotho III ateacute entatildeo imerso em

uma vida cheia de viacutecios e falhas eacute transformado no governante que aleacutem de pacificar a

Dinamarca constroacutei um Imperium no norte Os territoacuterios conquistados pelos daneses

incluem a Noruega Sclavia Oacutercades Estocircnia Curlacircndia Aland Rutenia (satildeo citadas

Holmgardia e Conungardia ndash Novgorod e Kiev) Saxonia Jaumlmtland e Haumllsingland512

A narrativa eacute similar agrave Hervara Saga principalmente a Batalha entre Godos e

Hunos e conteacutem elementos da Res Gestae de Amiano Marcelino da Getica de

511

() toto orbe clarissimi regis () 512

Proviacutencias do norte e centro da Sueacutecia respectivamente

254

Jordanes e da Historiarum adversum paganos de Paulo Oroacutesio Os daneses e seus

aliados assumem o papel dos Godos enfrentando os hunos aliados aos Ruteni O papel

do rei godo Ermanaric eacute transferido para Frotho III

Segundo Saxo ldquoo reino de Frotho incluiacutea a Ruacutessia ao nascente e fazia fronteira

com o rio Reno ao poenterdquo513

O rei seraacute um pacificador governando em paz por trinta

anos ininterruptos e a justificativa para tanto eacute a coincidecircncia com o nascimento de

Cristo

ldquoNesta mesma eacutepoca o autor da Salvaccedilatildeo dedicadamente e

pela graccedila suportou a condiccedilatildeo humana vindo ao mundo

publicamente e agrave vista dos mortais enquanto os fogos de guerra eram

apagados e a terra gozava um periacuteodo da mais calma tranquilidade

Considerou-se que a extensa magnitude dessa paz a mesma e

ininterrupta em todas as partes do mundo atendeu antes ao divino

nascimento que a um priacutencipe terrestre e que por um ato celestial esta

rara daacutediva de tempo significou que o criador do tempo estava entre

noacutes514

rdquo

A ideia da coincidecircncia da paz mundial com um Imperium de alcance

igualmente mundial e o nascimento Cristo natildeo eacute nova Em adiccedilatildeo agrave citaccedilatildeo biacuteblica de

que Cristo viera na ldquoplenitude dos tempos515

rdquo temos uma construccedilatildeo histoacuterica ndash que

como jaacute discutimos em capiacutetulo anterior foi bastante duradoura no medievo ndash da pena

de Paulo Oroacutesio Encontramos termos muito semelhantes no livro VII capiacutetulo XX de

sua Historiarum adversum paganos

1Assim no ano 752 da fundaccedilatildeo de Roma pela 3ordf vez Ceacutesar

Augusto encerrou pessoalmente as portas do Templo de Jano Sem

duacutevida do Oriente ao Ocidente do Norte ao Sul e ao longo de todo o

litoral banhado pelo Oceano todas as naccedilotildees tinham se harmonizado e

alcanccedilado a paz universal ()

5Ora Cristo nasceu nesse ano ie no ano em que Ceacutesar

Augusto consertou uma paz muito soacutelida e autecircntica ndash em ordem ao

plano estabelecido por Deus Essa paz serviu como escrava o advento

de Cristo E no nascimento de Cristo os Anjos exultando cantaram

para os homens que os ouviam Gloacuteria a Deus nas alturas e paz na

513

ldquoFrothonis regnum Rusciam ab ortu complectens ad occasum Rheno flumine limitatum eratrdquo 514

(5153) ldquo[1] Per idem tempus publicae salutis auctor mundum petendo servandorum mortalium gratia

mortalitatis habitum amplecti sustinuit cum iam terrae sopitis bellorum incendiis serenissimo

tranquillitatis otio fruerentur [2] Creditum est tam profusae pacis amplitudinem ubique aequalem nec

ullis orbis partibus interruptam non adeo terreno principatui quam divino ortui famulatam fuisse

caelitusque gestum ut inusitatum temporis beneficium praesentem temporum testaretur auctoremrdquo 515

Gaacutelatas 0404V indo pois a plenitude do tempo Deus enviou seu filho () In Biacuteblia Sagrada

Traduccedilatildeo Almeida revista e atualizada

255

terra aos homens de boa vontade

Neste mesmo tempo Augusto a quem se concedera o supremo

mando de todas as coisas natildeo tolerou que lhe chamassem senhor dos

homens (sendo ele um dos mortais) Mais ainda natildeo lhe sofru o

acircnimo que lhe chamassem SENHOR nos dias em que entre os

homens nasceu o verdadeiro Senhor de todo o gecircnero humano

Tambeacutem neste mesmo ano de 752abUc o mesmo Ceacutesar

Augusto a quem Deus predestinara para este tatildeo grande misteacuterio foi

o primeiro que mandou fazer o recenseamento de cada uma das

proviacutencias do seu Impeacuterio e registrar o nuacutemero de todos os que o

povoavam E isto precisamente quando Deus se dignou natildeo soacute ser

visto como Homem mas tambeacutem assumir a natureza humanardquo

(Paulo OROacuteSIO Histoacuteria Contra os pagatildeos Livro VI capiacutetulo 22

Traduccedilatildeo CARDOSO Joseacute)516

Haacute outros elementos menores que tambeacutem podem indicar uma relaccedilatildeo entre os

textos como certa emulaccedilatildeo da cardinalidade na delimitaccedilatildeo de limites mas que podem

igualmente ser fortuitos517

O episoacutedio nos fornece um conceito mais apurado de qual significaccedilatildeo e

relevacircncia o leste pode se revestir na ideologia de Saxo Grammaticus trata-se

claramente da construccedilatildeo de uma hegemonia danesa no Baacuteltico

435 O leste e as cruzadas setentrionais

O contexto danecircs do seacuteculo XIII fornece a Saxo um cenaacuterio perfeito que

providencia lugares e funccedilotildees para todos os poderes envolvidos na situaccedilatildeo as

Cruzadas Setentrionais Os inimigos os agentes todas as peccedilas estatildeo providenciadas

nestas expediccedilotildees todos os conflitos refletidos Tambeacutem o acordo entre Igreja e Estado

encontra seu lugar em tais empreendimentos

516

1 Itaque anno ab urbe condita DCCLII Caesar Augustus ab oriente in occidentem a septentrione in

meridiem ac per totum Oceani circulum cunctis gentibus una pace conpositis Iani portas tertio ipse tunc

clausit () 5

Igitur eo tempore id est eo anno quo firmissimam uerissimamque pacem ordinatione Dei

Caesar conposuit natus est Christus cuius aduentui pax ista famulata est in cuius ortu audientibus

hominibus exultantes angeli cecinerunt Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibus bonae uoluntatis

eodemque tempore hic ad quem rerum omnium summa concesserat dominum se hominum appellari non

passus est immo non ausus quo uerus dominus totius generis humani inter homines natus est 6 eodem

quoque anno tunc primum idem Caesar quem his tantis mysteriis praedestinauerat Deus censum agi

singularum ubique prouinciarum et censeri omnes homines iussit quando et Deus homo uideri et esse

dignatus est tunc igitur natus est Christus Romano censui statim adscriptus ut natus est (Paulus Orosius

historiarum adversum paganos libri vii) 517

Discutimos a questatildeo e tais passagens mais profundamente e em conjunto com a Temaacutetica do

conselheiro em MUCENIECKS 2009 Capiacutetulo 05 pp123-142

256

A primeira fase de tais cruzadas deu-se nas proximidades de casa nas terras

eslaacutevicas sua maior preocupaccedilatildeo foi a seguranccedila da vizinhanccedila e a consolidaccedilatildeo das

instituiccedilotildees Nesse estaacutegio a cooperaccedilatildeo com os saxotildees e o Impeacuterio eacute necessaacuteria O

heroacutei eacute Absalatildeo lutador contra os eslavos A alianccedila com os germacircnicos eacute pesadamente

criticada pelo Grammaticus

Os livros XIV a XVI descreveratildeo de forma bastante detalhada os

acontecimentos da ocasiatildeo O registro eacute feito quase que ao peacute da letra em uma esteacutetica

e forma croniacutestica e clara Ainda que cheia de sententia e julgamentos Pode-se

encontrar tambeacutem nos livros miacuteticos entretanto ecos desse contexto

Quiccedilaacute algumas das passagens mais dramaacuteticas do livro V e particularmente VI

satildeo dedicadas a denegrir os saxotildees a alianccedila de Frotho IV com esta gente e a adoccedilatildeo de

alguns de seus usos eacute para Saxo falando pela boca do heroacutei Starcatherus um dos piores

feitos jaacute perpetrados pelo rei O cerimonial da corte infiltrado nos salotildees daneses egrave

demonstraccedilatildeo para Saxo de como os saxotildees seriam (em suas proacuteprias palavras)

ldquoefeminadosrdquo ldquoviciadosrdquo entre outras qualificaccedilotildees denegridoras refletindo claramente

as tensotildees ocorrendo dentro da igreja danesa contra a dominaccedilatildeo dos costumes

imperiais

A segunda fase das Cruzadas Setentrionais deu-se nas praias orientais do

Baacuteltico Neste ponto a poliacutetica danesa enfrenta situaccedilotildees diferentes Os personagens satildeo

outros O rei agora eacute Valdemar II o arcebispo Anders Sunesson Os eslavos foram

pacificados e agora fazem parte do reino danecircs que busca expansatildeo e hegemonia sobre

o Baacuteltico principalmente na Estocircnia e em partes da Kurland

O relacionamento com os nativos eacute diverso cheio de contrastes Ainda que Saxo

apresente a aacuterea no prefaacutecio como uma regiatildeo de disseminada ldquobarbaacuterierdquo esses baacuterbaros

natildeo parecem consistir em vilotildees do mesmo grau de vilania dos saxotildees O livro VIII

apresenta a batalha de Bravalla que afetou segundo o autor todos os povos e raccedilas do

norte Nesta batalha as alianccedilas descritas por Saxo refletem relacionamentos complexos

entre os povos setentrionais e o claro desconforto relativo aos seus vizinhos

meridionais germacircnicos

Em uma passagem que reconta uma amplamente difundida tradiccedilatildeo sobre a

batalha Saxo apresenta os daneses em decadecircncia Seu rei eacute cego literalmente Seus

aliados satildeo saxotildees eslavos e livocircnios O inimigo eacute encabeccedilado pelos suecos seguidos

por campeotildees da Noruega Islacircndia e mesmo da Rutenia mas com o exeacutercito fortalecido

por flancos de curlandeses e estonianos O julgamento de Saxo eacute positivo em relaccedilatildeo

257

aos suecos e seus aliados para ele eles mostravam a ldquosuperioridade dos homens do

norterdquo em relaccedilatildeo a saxotildees e eslavos

O proacuteprio livro V haacute pouco observado mostra como facilmente elementos dessa

barbaacuterie tornam-se uacuteteis sob a eacutegide danesa Os elementos constitutivos do cenaacuterio estatildeo

presentes na maioria dos livros da parte miacutetica A narrativa de Hadingus no livro I na

qual o mesmo necessita da ajuda do conselheiro acontece na Kurland A segunda vida

regenerada de Frotho III depois do aconselhamento bem sucedido de Ericus Dissertus

eacute marcada pelo paralelo com as conquistas de Ermanaric o godo e estaacute fortemente

fundamentada nos domiacutenios orientais assim como a trajetoacuteria de seu sucessor518

A circunstacircncia dos daneses lutando na Estocircnia e mesmo o tempo passado por

Anders Sunesson em Riga na Livocircnia eacute refletida principalmente nos livros miacuteticos Se

eles foram de fato escritos apoacutes a parte dedicada a Absalatildeo faz perfeito sentido o

nuacutemero de ocorrecircncias relacionadas ao Baacuteltico Oriental ainda mais ao se notar a

conexatildeo do cenaacuterio com a Temaacutetica do Conselheiro

Nesta fase da poliacutetica danesa a consolidaccedilatildeo interna foi efetuada com sucesso e

os principais objetivos dos daneses estatildeo focados na hegemonia sobre o Baacuteltico

conquistando os povos nativos e entrando em conflito com os germacircnicos natildeo mais

aliados mas os principais opositores naquele campo

Concluindo devemos salientar a coerecircncia e harmonia encontrada na Gesta

Danorum quando a mesma eacute lida observando-se os principais padrotildees nela instilados

por seu autor Um projeto que inicialmente fora uma crocircnica biograacutefica e simples

assumiu o papel de Histoacuteria de uma naccedilatildeo e como tal viria a refletira as condiccedilotildees de

um paiacutes buscando a hegemonia em todo o Baacuteltico quiccedilaacute a proacutepria tentativa de criaccedilatildeo

de uma nova forma de Impeacuterio

518

Note-se que nos contos relativos a Dietrich de Bern que conteacutem material sobre Ermanaric este sofre

nas matildeos de um mau conselheiro

258

44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e o leste

educar e instruir

Jaacute enfatizamos a limitaccedilatildeo das informaccedilotildees sobre Saxo Grammaticus o que se

sabe discutimos logo acima Tambeacutem demonstramos que a codicologia tem provido

razoaacuteveis referecircncias na determinaccedilatildeo da fidelidade e da existecircncia de poucas alteraccedilotildees

no texto latino da Biblioteca real da Dinamarca em relaccedilatildeo agrave sua proacutepria escrita

O achado do manuscrito de Angers datado do iniacutecio do seacuteculo XIII com

espaccedilos para inserccedilotildees e ldquotestesrdquo com as formas poeacuteticas eacute considerado unanimemente

da proacutepria pena de Saxo ou algueacutem de quem o mesmo se valia ndash evidentemente

circunstacircncia bastante rara e surpreendente A comparaccedilatildeo com os demais manuscritos

tem demonstrado a fidelidade das ediccedilotildees modernas ao suposto ldquooriginalrdquo

Destarte na Gesta Danorum podemos encontrar um tratado bem atribuiacutedo a uma

mente individual a quase que uma mente artiacutestica - em suma podemos ter a ousadia de

pensar em questotildees como a individualidade e autoria em uma obra do medievo

Se corretas as pressuposiccedilotildees endossadas por tantos acadecircmicos incluindo Elton

e Fischer sobre a ordem de composiccedilatildeo dos livros da Gesta e a mudanccedila de ideia de

Saxo apoacutes a morte de seu primeiro patrono temos entatildeo o vislumbre de um historiador

de um aspirante a poeta de um cleacuterigo que natildeo obstante comissionado com

possivelmente pesadas restriccedilotildees foi capaz de imprimir uma genialidade e originalidade

toda proacuteprias em sua obra originalidade esta que natildeo se desfigurou em uma disforme

mentalidade ou autoria comum em um simplista reflexo de seus tempos

Em contrapartida sabemos muito sobre a vida de Snorri - ainda que por meio de

uma uacutenica fonte a Sturlunga Saga que evidentemente passa uma versatildeo uniacutevoca de sua

vida No entanto os manuscritos da Edda satildeo diversos possuem diferenccedilas

consideraacuteveis entre si provavelmente possuem a adiccedilatildeo de muitas matildeos e cabeccedilas Em

relaccedilatildeo agrave proacutepria Heimskringla demonstramos os questionamentos existentes em

relaccedilatildeo a sua autoria da parte de Snorri O sabor de tais obras sua proacutepria originalidade

no entanto perdura

Poreacutem dessa originalidade depreende-se uma cautela para o estudioso ao

menos no quesito autoria Tratamos com um autor inigualaacutevel e genial dotado de

incongruecircncias e disparidades mas ao mesmo tempo o quanto dessas mesmas

incongruecircncias e disparidades se devem a interpolaccedilotildees eacute incerto e permaneceraacute objeto

de discussatildeo indefinida

259

Por certo que estas diferenccedilas e tal incerteza sobre a autoria natildeo desabonam o

valor da fonte primaacuteria De fato a existecircncia de mais de uma mente por traz da Edda

eou da Heimskringla nos fornece a preciosa qualidade de uma obra que pode a

despeito da originalidade singularidade e genialidade de seu autor primaacuterio conter mais

marcadamente elementos que podem ser atribuiacutedos com menor medo a uma espeacutecie de

mentalidade coletiva refletindo mais de um sentimento e identificaccedilatildeo cultural - ainda

que de extratos especiacuteficos da sociedade na qual foi escrita - do que se poderia pensar

ao lidar-se com uma obra de autoria uacutenica em toda a sua extensatildeo

Saxo Grammaticus Snorri Sturlusson e o autor da Heimskringla efetuaram

esforccedilos consideraacuteveis na construccedilatildeo de suas obras histoacutericas no sentido de traccedilar

linhas histoacutericas contiacutenuas do passado miacutetico ao presente em que escrevem Snorri

Sturlusson em particular vai desenvolver uma linha interpretativa elaborada segundo a

qual a primeira dinastia de reis escandinavos dos Ynglingar descenderia de Oacuteethiacutenn

Inicialmente um personagem de vulto da antiguidade originaacuterio de Troacuteia (assim como

THORNoacuterr) viria a ser adorado pelas populaccedilotildees setentrionais como deus

Nesta interpretaccedilatildeo o leste assume papel das origens e veicula as tradiccedilotildees

claacutessica grego-romana Medieval Ocidental e Biacuteblica mas faz pouco uso da cosmologia

escandinava e conhecimento empiacuterico sobre o Oriente

O autor da Heimskringla eacute capaz de inserir ainda em sua obra o conhecimento

empiacuterico de noruegueses e islandeses sobre o Baacuteltico Rus e adjacecircncias

Saxo Grammaticus escreveraacute de forma mais ideoloacutegica de forma a sustentar uma

posiccedilatildeo favoraacutevel agrave supremacia do arcebispado em seu contexto mas tambeacutem traz

traccedilos claros de elaboraccedilatildeo e assimilaccedilatildeo de diversas tradiccedilotildees dentre as quais a

escandinava a greco-romana e em menor grau a cristatilde

Nesse caso os deuses tambeacutem satildeo apresentados como homens que receberam

adoraccedilatildeo indevida e as localidades desse mundo miacutetico satildeo assimiladas agraves locaccedilotildees

conhecidas seja via conhecimento geograacutefico empiacuterico ou baseado em fontes greco-

romanas e cristatildes ou na proacutepria tradiccedilatildeo literaacuteria escandinava Como exemplo desse

uso temos o uso frequumlente da localidade do Hellesponto que Saxo associa diretamente

agrave rota dos varegues aos gregos

O leste para Saxo Grammaticus eacute campo de expansatildeo para os daneses eacute sua

aacuterea hegemocircnica e sua histoacuteria imprimiraacute tal ideologia nos passados mais distantes

Ambos os autores procuraram construir cenaacuterios verossiacutemeis nos quais

260

pudessem inserir todas as tradiccedilotildees das quais beberam ndash fossem tradiccedilotildees nativas

biacuteblicas da Europa Ocidental ou Claacutessicas Atraveacutes do crivo de suas proacuteprias razotildees

empregaram os elementos que mais se apresentassem como convenientes quiccedilaacute

coerentes na escrita de suas proacuteprias histoacuterias

O uso e acesso a tais tradiccedilotildees e a existecircncia de modelos de histoacuterias universais

natildeo podem esconder entretanto uma circunstacircncia pouco comum no meio medieval

mas que gradativamente tomaraacute maior focirclego nos seacuteculos vindouros a autoria

individual

Encerramos tal seccedilatildeo salientando que em todas essas obras eacute possiacutevel se delinear

uma carcateriacutestica marcante em comum que seraacute contraposta na seccedilatildeo a seguir tratam-

se de obras com objetivos de instruir de educar de transmitir conhecimento avalizado

Ao adentrarmos o mundo das Fornaldarsoumlgur e da Ọrvar-Odds Saga nos

depararemos com um uso bastante diverso do passado e de tal conhecimento geograacutefico

Natildeo mais fatores da instruccedilatildeo e piedade tais obras teratildeo como objetivo primaacuterio o

distrair o entreter E em tal objetivo o leste possuiraacute papel de destaque

261

CAPIacuteTULO 5 A ỌRVAR-ODDS SAGA E AS FORNALDARSOumlGUR - O LESTE E A

NARRATIVA DE ENTRETENIMENTO

51 As Fornaldarsoumlgur

A produccedilatildeo declaradamente ldquohistoacutericardquo natildeo esgota o material escrito lidando

com o leste De fato o maior conjunto de fontes a lidar com tal aacuterea eacute formado por uma

seacuterie bastante distinta de produccedilatildeo literaacuteria uma seacuterie na qual elementos como

entretenimento performance e o luacutedico assumem papel tatildeo ou mais importante em

alguns casos do que a proacutepria narrativa histoacuterica

Em tais obras o passado provecirc antes de tudo o contexto narrativo o cenaacuterio a

ambientaccedilatildeo propiacutecios a tal gecircnero De certa forma desenvolve-se uma associaccedilatildeo entre

maior plausibilidade de execuccedilatildeo de feitos fantaacutesticos com a maior antiguidade ou

distanciamento temporal em relaccedilatildeo ao seu autor

O propoacutesito especiacutefico de escrita ndash no caso o entreter ndash natildeo exclui o

entrelaccedilamento dessa produccedilatildeo com aquela destinada agrave instruccedilatildeo Como veremos em

breve haacute uma conexatildeo orgacircnica entre agrupamentos de fontes que agrave primeira vista natildeo

possuem nada em comum agrave parte de serem produccedilotildees escritas do medievo escandinavo

O gecircnero que enquadra fontes as sagas a lidar com o fantaacutestico e o maravilhoso

foi chamado de Fornaldarsoumlgur norethurlanda o que significa literalmente ldquosagas

antigas das terras do norterdquo Normalmente citadas apenas como Fornaldarsoumlgur satildeo

traduzidas com frequecircncia como ldquosagas legendaacuteriasrdquo ou ldquoSagas dos tempos antigosrdquo

Essa caracterizaccedilatildeo eacute posterior agrave escrita das mesmas datando do seacuteculo XIX e natildeo

fecha de forma absoluta a seacuterie

Carl Christian Rafn em sua coletacircnea ldquoFornaldar Soumlgur Nordrlandardquo

publicada em trecircs volumes em Copenhaguen em 1829 e 1830 efetuou a seleccedilatildeo de

trinta e uma sagas que considerava enquadrarem-se no criteacuterio receacutem-criado

Posteriormente mais cinco foram adicionadas agrave lista mas haacute uma seacuterie de manuscritos

que ainda carecem de maior anaacutelise e que poderiam ser enquadradas em tal categoria

Tulinius por sua vez considera uma lista de vinte e cinco Fornaldarsoumlgur o que jaacute

262

deixa claro que haacute dissenso e o criteacuterio de gecircnero natildeo eacute tatildeo fechado519

Aleacutem da narrativa de eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia (com

algumas exceccedilotildees das quais a principal eacute a Yngvar Saga viethforla) as Fornaldarsoumlgur

satildeo caracterizadas por uma forma narrativa centralizada no fantaacutestico na aventura e no

exoacutetico com um grande uso de temaacuteticas miacuteticas e lendaacuterias O cenaacuterio baacutesico dos

acontecimentos eacute a Escandinaacutevia e natildeo a Islacircndia

Natildeo haacute consenso em relaccedilatildeo agrave sua dataccedilatildeo a Yngvar Saga viethforla datada do

seacuteculo XIII eacute a mais antiga da seacuterie que em sua maior parte situa-se entre os seacuteculos

XIV-XV520

ndash o que faz as Fornaldarsoumlgur formas de saga bastante recentes

Dessa forma apesar de narrarem eventos anteriores agrave colonizaccedilatildeo da Islacircndia

possuem uma distacircncia temporal mais significativa dos eventos que narram e consistem

em fontes tardias

Jaacute tratamos das Iacuteslendigasoumlgur em outro capiacutetulo de tom mais soacutebrio e

comedido narradas de forma marcadamente realiacutestica com poucas intervenccedilotildees do

sobrenatural e com muitas informaccedilotildees de cunho histoacuterico e mesmo croniacutestico satildeo

consideradas pela tradiccedilatildeo historicista como o aacutepice da produccedilatildeo literaacuteria islandesa

medieval e como tal serviram de paracircmetro de comparaccedilatildeo para outras seacuteries de saga

Nesta breve caracterizaccedilatildeo jaacute fica evidente ao leitor a preferecircncia e valorizaccedilatildeo

que foi dada no decorrer dos estudos sobre Escandinaacutevia medieval agraves Iacuteslendigasoumlgur e a

depreciaccedilatildeo a que as Fornaldarsoumlgur foram submetidas Como parte desse fenocircmeno

podemos citar natildeo apenas propensotildees historicistas uma divisatildeo estrita entre ldquohistoacuteriardquo e

ldquomitordquo mas tambeacutem a criaccedilatildeo de uma tradiccedilatildeo que definiu que o tom narrativo

escandinavo em sua forma mais pura em seu periacuteodo mais ldquoclaacutessicordquo e notaacutevel seria

aquele passado pela narrativa das Iacuteslendigasaga enfim um criteacuterio acerca da proacutepria

qualidade artiacutestica das sagas tambeacutem empregado em outras situaccedilotildees diacutespares como

por exemplo a dataccedilatildeo das mesmas521

Um dos argumentos mais predominante e recorrente na justificativa de tais

criteacuterios de valor eacute construiacutedo baseado no contexto de escrita das Fornaldarsoumlgur

alegando que as mesmas teriam sido produzidas em periacuteodo de decadecircncia literaacuteria por

519

DRISCOLL Mathews James A new edition of the Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Some basic

question In BAMPI amp FERRARI (eds) Editing Old Scandinavian texts Problems and perspectives

Trento 2009 p01 520

PALSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Vikings in Russia Yngvars Saga and Eymunds

Saga Edinburgh Polygon 1990 [1989]p 02 521

MUNDAL Else The dating of the oldest sagas about early icelanders In MUNDAL Else (ed)

Dating the Sagas Reviews and Revisions Copenhagen Museum Tusculanum Press 2013 p46

263

sua vez causado pelos processos poliacuteticos envolvendo a Islacircndia e a Noruega522

Em

contrapartida as Iacuteslendigasoumlgur escritas em sua maior parte ateacute o seacuteculo XIII

refletiriam ainda o periacuteodo aacuteureo literaacuterio islandecircs medieval em conjunto com as obras

de Snorri Sturlusson

O fortalecimento da monarquia norueguesa e a subsequente submissatildeo da

Islacircndia em 1262 ao monarca da Noruega foi situaccedilatildeo traumaacutetica e verdadeira ruptura

em uma sociedade desde o seu iniacutecio fundamentada ainda que de forma relativa na

igualdade entre seus pares523

Tais argumentos satildeo datados coerentes com o historicismo suas questotildees e

questionamentos metodoloacutegicos esteacuteticos e formais As geraccedilotildees mais recentes de

acadecircmicos dentre os quais se pode citar Mathew Driscoll Torfi Tulinius Margaret

Ross tecircm levantado novas questotildees relativas agrave pertinecircncia do estudo das

Fornaldarsoumlgur Natildeo enquanto produto de decadecircncia literaacuteria ndash antes enquanto

respostas artiacutesticas literaacuterias e histoacutericas especiacuteficas de uma sociedade em processo de

profunda transformaccedilatildeo524

Haacute linhas diversas de argumentaccedilatildeo a se empregar ao se levar em consideraccedilatildeo o

valor intriacutenseco das Fornaldarsoumlgur enquanto vislumbres de uma eacutepoca A proacutepria

linguagem de escrita das mesmas constrastante com as Islendigasoumlgur em tom mais

leve e muitas vezes bem-humorado fez com que as Fornaldarsoumlgur se tornassem

populares na Islacircndia desde a data de sua escrita ateacute o proacuteprio seacuteculo XIX o nuacutemero de

coacutepias e manuscritos efetuados nesses quatro seacuteculos atesta particularmente bem a

situaccedilatildeo525

destarte as Fornaldarsoumlgur consistem tambeacutem formas especiacuteficas literaacuterias

voltadas para o proacuteprio entretenimento

Em adiccedilatildeo as Fornaldarsoumlgur preservam a despeito de sua estrutura em prosa

grande quantidade de inserccedilotildees poeacuteticas Uma das meacutetricas mais frequentemente

empregadas eacute a fornyrethislag mais ligada agrave tradiccedilatildeo eacutedica do que agrave escaacuteldica como no

caso das Islendigasoumlgur526

O gecircnero veicula dessa forma conhecimento e fontes

522

DRISCOLL Matheus Late Prose Fiction (lygisoumlgur) In McTURK Rory (ed) A companion to Old-

Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 196 523

BYOCK Jesse Viking Age Iceland London Penguim books 2001 Capiacutetulo 04 524

ROSS Margaret Clunie Introduction In ____________ (ed) Old Icelandic Literature and Society

Cambridge at the University Press 2000 P 03 525

LESLIE Helen The death songs of Oumlrvar-Odds Saga Tese de doutorado Bergen University 2012

P 232 526

TULINIUS T Sagas of Icelandic Prehistory (Fornaldarsoumlgur) In McTURK Rory (ed) A

companion to Old-Norse Icelandic Literature and Culture Oxford Blackwell Publishing 2007 P 448

264

primaacuterias sobre os tempos antigos de forma mais abundante e qualificada do que as

proacuteprias Islendigasoumlgur

O cenaacuterio e o acircmbito geograacutefico baacutesico das Fornaldarsoumlgur satildeo a Escandinaacutevia

antes da colonizaccedilatildeo da Islacircndia Poreacutem seu escopo eacute muito mais amplo Em conjunto

com tais regiotildees factuais do mundo noacuterdico a narrativa se daacute em localidades do

fantaacutestico escandinavo como Jotunheimr (a terra dos gigantes) as Planiacutecies de Glasir

Geirrodland e mesmo regiotildees das tradiccedilotildees greco-romana e cristatilde resignificadas como

a Palestina e o Rio Jordatildeo Parte dessas localizaccedilotildees e definiccedilotildees geograacuteficas se

sustentam em conhecimento acumulado e pensado por autores anteriores

511 Dataccedilotildees e subdivisotildees

Torfi Tulinius defende em diversas obras uma dataccedilatildeo mais recuada para as

Fornaldarsoumlgur como a primeira metade do seacuteculo XIII Argumenta que haacute temaacuteticas

tratadas em comum com as Iacuteslendigasoumlgur como preocupaccedilotildees com heranccedila e

linhagem poreacutem em forma deliberadamente ficcionalizada Ele as chama de primeira

manifestaccedilatildeo de ldquoficccedilatildeo conscienterdquo na prosa islandesa527

Loumlnnroth528

considera o grupo das Fornaldarsoumlgur um gecircnero hiacutebrido de

tradiccedilatildeo heroica mito folclore e romance do continente e que natildeo seria recomendaacutevel

se efetuar distinccedilotildees de categoria dentro das mesmas

A linha interpretativa de Paacutelsson e Tulinius529

diferencia dois polos temaacuteticos

nas Fornaldarsoumlgur o primeiro de temaacutetica traacutegico-heroacuteica includiria dentre outras a

Ragnars saga loethbroka a Volsunga Saga e a Hervarar saga ok Heiethreks530

Esse grupo

se vincularia agrave antiga tradiccedilatildeo heroica transmitida principalmente em forma poeacutetica e

tende a apresentar um final traacutegico com uma narrativa que extende-se frequentemente

por vaacuterias geraccedilotildees531

Um ponto de transiccedilatildeo da temaacutetica para uma aventureira seria

527

TULINIUS T The Matter of North The Rise of Literary Fiction in Thirteenth-Century Iceland

Odense at the University Press 2002 [1995] pp48-55 528

LOumlNNROTH Lars Fornaldarsagans genremaumlssiga metamorfoser Mellan Edda-mytoch

riddarroman In LASSEN Annette amp JAKOBSSON Jakobsson amp NEY Agneta (eda)

Fornaldarsagornas struktur och ideologi Handlingar fraringn ett symposium i Uppsala 318-29 2001

Publicado em 2003 p44 529

TULINIUS 2007 448s 530

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Legendary Fiction in Medieval Iceland Reykjaviacutek

University of Iceland 1970 Pp36ss 531

TULINIUS 2007 448s

265

exemplificado pela Ọrvar-Odds Saga e a Hroacutelfs saga Gautrekssonar as quais data nos

finais do seacuteculo XIII

Por fim o periacuteodo final das Fornaldarsoumlgur caracterizar-se-ia por uma temaacutetica

ldquoaventureira-cocircmicardquo exemplificado pela Bosa Saga e a Gongu-Hrolf saga532

Nesse

grupo chamado geneacuterica e mesmo coloquialmente por Paacutelsson como ldquoviking

romancesrdquo533

a accedilatildeo toma parte no mundo do periacuteodo viking seus heroacuteis natildeo satildeo

necessariamente de linhagem real ou aristocraacutetica e a histoacuteria normalmente possui um

ldquofinal felizldquo534

Ainda conforme Tulinius535

o ponto de transiccedilatildeo de temaacuteticas coincidiria com o

surgimento das riddarasoumlgur e com a transformaccedilatildeo da Islacircndia de regiatildeo livre para

subordinada Um sintoma dessa transiccedilatildeo seria o interesse mostrado nas narrativas na

questatildeo referente ao poder real e sua expansatildeo ndash conceito remodelado em um contexto

pseudo-cavaleiresco nas riddarasoumlgur para os receacutem-vassalos islandeses da Noruega

Eacute importante notar que as opiniotildees de Tulinius em particular a questatildeo da

dataccedilatildeo estatildeo longe de obter um consenso natildeo obstante sua qualidade Entretanto seja

sua dataccedilatildeo aceita ou natildeo pode se citar um consenso exemplificado por Mitchell536

entre a erudiccedilatildeo mais recente acerca da caracteriacutestica das Fornaldarsoumlgur enquanto

formas narrativas de revitalizaccedilatildeo cultural do norte legendaacuterio Tal circunstacircncia eacute

vaacutelida tenham sido as Fornaldarsoumlgur escritas seja no aacutepice do periacuteodo de perda de

independecircncia islandesa como argumenta Tulinius seja nos seacuteculos XIV e XV como

defende a opiniatildeo mais corrente ndash em ambas as circunstacircncias ocorrem adaptaccedilotildees agrave

nova situaccedilatildeo poliacutetica que insere a Islacircndia num quadro mais amplo europeu

Um ponto da argumentaccedilatildeo de Tulinius eacute de particular interesse ao se considerar

o proacuteprio valor esteacutetico e literaacuterio das Fornaldarsoumlgur como Tulinius demonstra elas

contecircm quantidade consideraveacutel de poesia tradicional eacutedica e caracteriacutestica da

literalidade oral ldquopreacuterdquo escrita e cristatilde Ele considera que de acordo com sua

argumentaccedilatildeo para uma data mais recuada para as mesmas as Fornaldarsoumlgur

provavelmente consistiriam em uma forma de continuidade dessa mesma tradiccedilatildeo

Se mantivermo-nos firmes ao criteacuterio mais difundido para a dataccedilatildeo posterior

532

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 69ss 533

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul Seven Viking Romances London Penguin Books 1985

P14 534

TULINIUS 2007 449 535

TULINIUS 2002[1995] 44-65 536

MITCHELL Stephen Heroic Sagas and Ballads London Ithaca 1991 Pp132-136

266

das Fornaldarsoumlgur entretanto esta quantidade de poesia eacutedica que as mesmas

veiculam deve ser considerada sob outro prisma Certamente uma linha contiacutenua de

permanecircncia uma continuidade inalterada entre as duas tradiccedilotildees literaacuterias natildeo pode

ser sustentada Entretanto esse uso de tal poesia implica em um resgate nesta

modalidade de saga de uma tradiccedilatildeo literaacuteria mais antiga falando contrariamente aos

criteacuterios que denigrem tal tradiccedilatildeo mais recente

Tal resgate de tradiccedilotildees antigas eacute bastante coerente com a argumentaccedilatildeo de Ross

e Driscoll e demonstra um intuito consciente de preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo eacutedica

Podemos argumentar mais aleacutem o uso da poesia eacutedica nas Fornaldarsoumlgur eacute um uso

muito coerente de fontes literaacuterias para uma modalidade que pretende escrever sobre os

tempos recuados pois emprega e readapta a forma literaacuteria em voga nesses tempos

passados

Como jaacute afirmamos no iniacutecio desta tese a Iacuteslendigasoumlgur e as Fornaldarsoumlgur

possuidoras de formas e esteacuteticas muito diversas lidam com a mesma mateacuteria-prima o

passado em contextos diferentes e subsequentes Ambos os usos satildeo igualmente

vaacutelidos e a menor factualidade das Fornaldarsoumlgur natildeo deprecia o seu valor enquanto

fonte histoacuterica sendo anacrocircnico depreciaacute-las em relaccedilatildeo agraves Iacuteslendigasoumlgur

52 A Ọrvar-Odds Saga

521 Manuscritos e redaccedilotildees

Diferentemente de outras obras analisadas aqui ateacute entatildeo as Fornaldarsoumlgur e a

Ọrvar-Odds Saga especificamente na qual centralizaremos nossa atenccedilatildeo possuem um

nuacutemero muito grande de coacutepias e manuscritos que atestam sua popularidade e difusatildeo

Dado o descreacutedito que receberam no seacuteculo XIX haacute em contraste uma pequena

quantia de ediccedilotildees e traduccedilotildees nuacutemero que vem aumentando nas uacuteltimas deacutecadas

Segue uma lista dos manuscritos que conteacutem o texto completo ou partes da

Ọrvar-Odds Saga com seus respectivos locais de depoacutesito

267

Advocates Library Edinburgh MS 2152 (1755-1758 Dinamarca

conteacutem extratos)

Stofnun Aacuterna Magnuacutessonar iacute iacuteslenskum fraeligethum Reykjaviacutek AM 172

b fol AM 173 fol AM 340 4to AM 342 I-II 4to AM 343 a 4to AM

344 a 4to AM 344 b 4to AM 471 4to AM 552 q 4to AM 567 IV 4to

AM 591 i 4to AM 738 4to AM 109 a 8vo AM 109 a 8vo

Bibliothegraveque Sainte-Geneviegraveve Paris MS 3713 MS 3724

British Library London BL Add 11108 BL Add 11161 BL Add

11174 BL Add 11174 BL Add 11174 BL Add 6121 BL Add 6121

BL Add 6121

Bodleian Library Oxford Ms Boreal 116

Det Kongelige Bibliotek Copenhagen GKS 1006 fol Kall 243 fol

Kall 611 4to NKS 1689 4to NKS 1707 4to NKS 1709 4to NKS

1791 4to NKS 1792 4to NKS 1793 4to NKS 1793 4to

Kungliga biblioteket Stockholm Papp 4to nr 32 Papp 4to nr 56

Papp 4to nr 80 Papp fol nr 102 Papp fol nr 103 Papp fol nr 17

Papp fol nr 73 Papp fol nr 89 Papp fol nr 98 Perg 4to nr 7

Landsboacutekasafn Iacuteslands Reykjaviacutek IacuteB 51 fol IacuteB 384 4to IacuteBR 58

4to JS 627 4to JS 634 4to JS 635 4to Lbs 221 fol Lbs 221 fol

Lbs 325 fol Lbs 381 fol Lbs 633 fol Lbs 152 4to Lbs 677 4to Lbs

942 4to Lbs 999 4to Lbs 1172 4to Lbs 1492 4to Lbs 1540 4to Lbs

1582 4to Lbs 1626 4to Lbs 1971 4to Lbs 5158 4to Lbs 893 8vo

Lbs 1010 8vo Lbs 1366 8vo Lbs 2146 8vo Lbs 4460 8vo

Riksantikvarieaumlmbetet Stockholm Forn Sagor om Ketill Haumlng

Grim Ludenkind och Pile Odder

Riksarkivet Stockholm Saumlfstaholmssamlingen I Papp 11

Heacuteraethsskjalasafn Skagfirethinga Akureyri HSk 2 4to

Trinity College Library and Royal Irish Academy Dublin MS 994

Universitetsbiblioteket Oslo UB 255 fol UB 303 4to

Universitetsbibliotek Uppsala Westin 86

The Icelandic Collection Elizabeth Dafoe Library Winnipeg

Canada Winnipeg MS 8vo537

Tal lista compilada pelo projeto ldquoStories for all time The Icelandic

Fornaldarsoumlgurrdquo mantido pela ldquoVelux foundationrdquo e coordenado por Mathew Driscoll

exemplifica bem a complexidade da situaccedilatildeo A Ọrvar-Odds Saga possui um nuacutemero

grande de manuscritos 81 conhecidos ateacute o momento copiados em um periacuteodo de

quatro seacuteculos possuem redaccedilotildees diferentes

A erudiccedilatildeo do seacuteculo XIX separa trecircs grupos de redaccedilotildees principais a ldquocurtardquo a

ldquointermediaacuteriardquo e a ldquolongardquo538

Em termos de manuscritos existem quatro mais

relevantes e representativos que conteacutem tais redaccedilotildees redaccedilatildeo S (de ldquoshortrdquo Perg 4tpo

537

Lista obtida no projeto ldquoStories for all time The Icelandic Fornaldarsoumlgurrdquo

lthttpfasnlkudkbiblbiblaspxsid=oeosampview=manuscriptgt Uacuteltimo acesso em 11112014 538

FERRARI Fulvio Ǫgmundr The Elusive Monster and Medieval Fantastic Literature In

RUGGERINI Maria E (ed) Studi anglo-norreni in onore di John S McKinnell He hafaeth

sundorgecynd Cagliari 2009p368

268

nr 7 43v-57r20 1300-1324539

) mais antiga redaccedilatildeo e manuscrito redaccedilatildeo M (de

ldquomiddlerdquo AM 344 a 4to 1r-24v 1350-1400540

) redaccedilatildeo ldquoArdquo (AM 343 4deg membr

59v-81v 1450-1475541

) e redaccedilatildeo ldquoBrdquo (AM 471 4deg membr 61r-96v 1450-1500542

)

Entre S e AB haacute uma distacircncia temporal de mais de um seacuteculo no qual a saga

sofreu consideraacuteveis alteraccedilotildees543

As ediccedilotildees satildeo escassas haacute duas ediccedilotildees criacuteticas

principais de Boer de S datada de 1892544

e Guethni Joacutensson de AB de 1943545

A

traduccedilatildeo de Paacutelsson foi feita com base em AB Haacute ainda a chamada versatildeo ldquoErdquo (AM

173 fol546

) considerada uma variante de AB mas natildeo editada e que tem sido

negligenciada pelos eruditos547

A ediccedilotildees da Fornaldarsoumlgur Norethrlanda de Rafn de 1829 utiliza como

manuscrito primaacuterio o GKS 2845 4to e variantes dos manuscritos GKS 1005 fol AM

309 4to AM 62 fol e AM 202 i fol

Ao citarmos trechos da saga empregaremos trechos de S da ediccedilatildeo de Boer de

AB de Guethni Joacutensson e da traduccedilatildeo de Paacutelsson e Edwards548

522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar-Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico-

geograacutefica

O autor da redaccedilatildeo S baseou-se em alguma tradiccedilatildeo preacute-existente Saxo

Grammaticus jaacute escreveria anteriormente sobre um ldquoArvaraddusrdquo no iniacutecio do seacuteculo

XIII Eacute possiacutevel que esta primeira redaccedilatildeo tenha sido escrita sob a influecircncia de

narrativas hagiograacuteficas incluindo a Saga de St Olaf

O personagem principal Ọrvar-Oddr (Odd rdquodas flechasrdquo) possui uma atitude

539

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=UABlAHIAZwAuACAANAB0AG8AIABuAHIAIAA3AA2 540

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADQAIABhACAANAB0AG8A0 541

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMwA0ADMAIABhACAANAB0AG8A0 542

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAANAA3ADEAIAA0AHQAbwA1 543

BANDLE 1990 60 544

BOER RC(ed) Ọrvar-Odds Saga Altnordische Saga-Bibliothek 2 Halle Niemeyer 1892 545

VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur Norethurlanda Reykjaviacutek

1943-1944 vol 1 165-187 546

httpfasnlkudkbrowse-

manuscriptsmanuscriptaspxsid=QQBNACAAMQA3ADMAIABmAG8AbAAuAA2 547

FERRARI 2009 368 548

PAacuteLSSON Hermann amp EDWARDS Paul (trads) Seven Viking Romances London Penguin Books

1985 Traduccedilatildeo para o inglecircs

269

negativa em relaccedilatildeo agrave religiatildeo pagatilde Recebe em sua juventude a profecia de uma

adivinhadora (vọlva) sobre o seu futuro segundo a qual viveria uma vida extremamente

longa mas seria morto por seu cavalo na casa onde passara sua juventude

Oddr mata seu cavalo enterra-o profundamente e abandona o lugar tendo uma

vida de viagens e lutas em meio agrave qual se converte ao Cristianismo e torna-se rei de

Huacutenaland na redaccedilatildeo S e de Garethariacuteki nas redaccedilotildees ABE Nostaacutelgico retorna ao seu

antigo lar para descobrir surpreso que as modificaccedilotildees no solo trouxeram agrave caveira do

cavalo agrave superfiacutecie Uma serpente sai de dentro dela e pica Odd que morre

Taylor (1921s549

) Stender-Petersen (1934)550

Nora Chadwick (1946)551

e Fulvio

Ferrari (2009)552

enfatizaram a similaridade de enredos encontrados na Ọrvar-Odds

Saga e a histoacuteria de Oleg encontrada na Povest vremenikh leacutet nas entradas concernentes

aos anos 911-912

Segundo a PVL Oleg foi filho de Rurik tendo subido ao governo de Kiev entre

os anos de 870 a 879 Em 912 apoacutes ter unificado e tomado tributo de diversas tribos

eslavas e fino-uacutegricas e finalmente atacado Constantinopla bem como obtido um

tratado com os Bizantinos a crocircnica conta o seguinte

ldquoAssim Oleg governou em Kiev e viveu em paz com todas as

naccedilotildees

Veio o outono e Oleg pensava sobre seu cavalo que ele fez

com que fosse bem alimentado ainda que nunca tivesse sido montado

ateacute o momento Pois em certa ocasiatildeo ele inquiriu aos maacutegicos e

adivinhos sobre qual seria a causa de sua morte Um dos maacutegicos

respondeu lsquoOh priacutencipe eacute por meio de seu garanhatildeo que vocecirc ama e

cavalga que vocecirc encontraraacute sua mortersquo

Oleg entatildeo refletiu e decidiu que nunca mais montaria seu

cavalo ou mesmo olharia para ele novamente Dessa forma ele deu

ordens que o cavalo deveria ser alimentado apropriadamente mas

nunca levado em sua presenccedila

Assim ele permitiu que se passassem anos ateacute que atacasse os

gregos Depois que ele retornou agrave Kiev se passaram quatro anos mas

no quinto ele pensou sobre seu cavalo atraveacutes do qual os maacutegicos

haviam antevisto que ele encontraria sua morte

Convocou assim seu escudeiro secircnior e perguntou sobre o

destino do cavalo sobre o qual ele ordenara que fosse bem alimentado

e cuidado O escudeiro respondeu que ele estava morto

Oleg riu e escarneceu do maacutegico exclamando lsquoAdivinhadores

cnam inverdades e suas palavras satildeo despreziacuteveis e falsas Este cavalo

549

FERRARI 2009 368 550

CHADWICK Nora The begginnings of Russian History An Enquiry into Sources Cambridge at the

University Press 1946 P 206 FERRARI 2009 368 551

CHADWICK 146 157 552

FERRARI 2009 368

270

estaacute morto mas eu ainda estou vivorsquo

Assim ele ordenou que um cavalo fosse selado acuteDeixe-me ver

seus ossosacute disse Ele cavalgou ateacute o local aonde os ossos

descarnados e a caveira estavam Desmontando de seu cavalo ele riu e

enfatizou acuteEntatildeo eu supostamente deveria receber minha morte dessa

caveiraacute E ele pisou a caveira com seu peacute Mas uma serpente

rastejou dela e mordeu-o no peacute e em consequecircncia disto ele adoeceu e

morreurdquo 553

(Crocircnica Primaacuteria russa 911 Capiacutetulos 38 e 39 Versatildeo nossa)

De fato a semelhanccedila eacute por demais forte para ser casual Como lidar com a

mesma no entanto tem dividido os supracitados pesquisadores Ferrari alega que o

autor empregou um motivo difundido ndash no caso o da ldquoprofecia impossiacutevelrdquo que acaba

se cumprindo - adaptando-o aos seus proacutepositos e revestindo-o de significados

especiacuteficos554

Um mero reemprego de motivo folcloacuterico nos parece por demais tecircnue nesta

circunstacircncia especialmente se levarmos em conta as proximidades contextuais A PVL

fala nesta passagem de um governante varegue ou seja de um viking no leste Oddr eacute

um viking que teraacute parte relevante de sua carreira no leste a ponto de um de seus

epiacutetetos ldquoeacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmalandrdquo e o seu governo de Huacutenaland darem-

se no contexto

Consista em um motivo folcloacuterico ou natildeo eacute um motivo que estaacute ligado em pelo

menos trecircs narrativas no mesmo contexto a PVL a Ọrvar-Odds Saga e a Gesta

Danorum

523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar

Um nuacutemero consideraacutevel das Fornaldarsoumlgur tem parcela elevada de seu enredo

ocorrendo em Austrvegr Garethariacuteki e Bjarmaland Eacute comum a accedilatildeo dar-se nos trecircs

locais conterem estruturas narrativas esquemaacuteticas proacuteprias de contos folcloacutericos

incluindo sistemas de iniciaccedilatildeo de seus personagens Dentre algumas sagas que

incorporam estas caracteriacutesticas destacamos a Boacutesa saga og Herraueths a Egils saga

einhenda og Aacutesmundar berserkjabana a Haacutelfdanar saga Eysteinssonar a THORNorsteins

saga Viacutekingssonar a Yngvars saga viacuteethfoumlrla e a Ọrvar-Odds Saga que nos proveraacute o

553

CROSS S amp SHERBOWITZ-WETZOR OP (eds) The Russian Primary Chronicle Laurentian

Text Translated and edited by Samuel Hazzard Cross and Olgerd P Sherbowitz-Wetzor Cambridge The

Mediaeval Academy of America 1953p69 554

FERRARI 2009 368

271

estudo de caso especiacutefico em nossas anaacutelises subsequentes

Haacute um uso disseminado de recursos humoriacutesticos e do que chamamos de

fantaacutestico e maravilhoso transpondo os limites afixados por Jacques LeGoff no

Ocidente Medieval Natildeo nos eacute possiacutevel compreender de todo o efeito que estas sagas

produziam em suas audiecircncias Ao leitor contemporacircneo elas provocam muitas vezes

estranheza distanciamento e estupefaccedilatildeo

Diante de tais caracteriacutesticas afigura-nos como recurso necessaacuterio para anaacutelise

dessa seacuterie de fontes e da Ọrvar-Odds Saga (AB) especificamente enquanto

representativa do gecircnero o cabedal de ferramentas fornecido pela Antropologia mais

especificamente o que podemos depreender de sistemas e ritos de passagem

Nesse aspecto as ideias de Von Gennep sobre ritos de passagem tiveram

influecircncia duradoura natildeo apenas na Antropologia mas tambeacutem nas interpretaccedilotildees

histoacutericas e inclusive de outras formas de sagas escandinavas seja diretamente ou

atraveacutes dos desenvolvimentos pelos quais passaram atraveacutes dos trabalhos de Vitor

Turner

Arnold Van Gennep explica os processos envolvidos em ritos de passagem com

o desenvolvimento da ideia de liminaridade e de estados liminais nos quais o indiviacuteduo

que passa pelo rito de iniciaccedilatildeo sai de uma situaccedilatildeo anterior mas ainda natildeo se encontra

na situaccedilatildeo na qual se daraacute sua reinserccedilatildeo social

As dimensotildees iniciais de tais ideias foram ampliadas e vecircm sido aplicadas em

aacutereas diversas que incluem campos tradicionais da etnologia como o estudo de povos

ditos ldquoprimitivosrdquo mas tambeacutem tecircm sido uacuteteis na explicaccedilatildeo de fenocircmenos da

Antiguidade Oriental Antiguidade Claacutessica e ateacute mesmo o Ocidente Medieval e a

Escandinaacutevia Medieval555

como as situaccedilotildees de peregrinaccedilatildeo556

e nos

desenvolvimentos da Ordem Franciscana

Detectamos na Ọrvar-Odds Saga uma infinidade de situaccedilotildees que podem ser

descritas e interpretadas como liminares e as discutiremos mais profundamente a

seguir Podemos centralizaacute-las em torno do personagem principal Oddr

De iniacutecio pretendemos refletir sobre o sistema que Van Gennep chama de

ldquoPassagem Materialrdquo Determinados espaccedilos prestam-se bem para situaccedilatildeo liminares

555

Destacamos o estudo de Anna Heiniger sobre o Dyradoacutemr na Eyrbyggja saga com a qual trocamos

informaccedilotildees valiosas acerca da liminaridade e espaccedilos liminares nas Sagas escandinavas HEINIGER

Anna Katharina Liminal Spaces and places in the Sagas Comunicaccedilatildeo apresentada no International

Medieval Congress of Leeds Leeds 2014 556

TURNER Victor amp TURNER Edith LB Image and Pilgrimage in Christian Culture New York

Columbia University Press 1978

272

consistindo em limites delimitaccedilotildees e demarcaccedilotildees557

Portas soleiras e poacuterticos satildeo elementos recorrentes na delimitaccedilatildeo de espaccedilos

distintos e constituem-se em elementos limiares por excelecircncia Da mesma forma se daacute

com as fronteiras

No uacuteltimo caso pode haver objetos que especifiquem a interdiccedilatildeo e a proibiccedilatildeo

de passagem Em outros casos fronteiras naturais representam os limites que natildeo

devem ser transpostos sob pena de sanccedilotildees no campo do sobrenatural558

Em alguns casos como na Europa Medieval onde haviam zonas cristianizadas

separadas por vezes por faixas inabitadas ou habitadas por povos de outros grupos

religiosos determinados espaccedilos como mercados campos de batalha florestas e

pacircntanos podiam assumir o papel de espaccedilos liminares559

Observando-se a forma que Bjarmaland eacute retratada nas Fornaldarsoumlgur em

geral e na Ọrvar-Odds Saga em particular propomos aqui que a regiatildeo assume um

papel especiacutefico de espaccedilo liminar e transitoacuterio No caso em questatildeo natildeo entre regiotildees

materializadas no sentido habitual antes entre o mundo conhecido natural e explorado

e as regiotildees marcadas pelo fantaacutestico pelos fenocircmenos miacutetico-religiosos e pelo

inexplicado

Na Ọrvar-Odds Saga Bjarmaland assume o papel de zona liminar no processo

de iniciaccedilatildeo do proacuteprio Oddr por imprimir em sua trajetoacuteria caracteriacutesticas que o

acompanharatildeo por toda a saga ateacute que ocorra outro processo liminar em um outro

espaccedilo especiacutefico

A jornada de Oddr agrave Bjarmaland possui contrapartes em outras fontes jaacute

estudadas ateacute agora a Oacutelaacutefs saga ins Helga e a Gesta Danorum Em algumas

circunstacircncias especiacuteficas eacute difiacutecil de discernir se a jornada para Bjarmaland consiste

em simplesmente um tema ou motivo ou se os relatos que a conteacutem possuem conexotildees

entre si

O capiacutetulo 133 da Oacutelaacutefs saga ins Helga conta sobre uma expediccedilatildeo efetuada por

Karli que representaria o rei Oacutelaacutefr e certo THORNoacuterir Hundr Fica acertado que cada um

levaraacute consigo 25 homens mas THORNoacuterir leva 80 o que gera constante tensatildeo entre Karli e

os seus homens sempre no receio de que venham a sofrer por causa de seu menor

nuacutemero ndash como de fato acontece posteriormente

557

Van GENNEP Arnold Os ritos de passagem Petroacutepolis Editora Vozes 2013[1977] P33 558

Van GENNEP 34 559

Idem 35

273

A descriccedilatildeo da jornada toda eacute bastante graacutefica e precisa explicitando elementos

praacuteticos sobre a navegaccedilatildeo natureza das mercadorias e procedimentos Apoacutes o periacuteodo

de mercado quando o acordo de paz com os nativos eacute encerrado Karli e THORNoacuterir partem

para saquear a aacuterea com seus homens THORNoacuterir fala um pouco sobre os costumes locais

ldquo() quando um homem rico morria todos os seus bens moacuteveis

eram divididos entre o homem morto e seus herdeiros Ele pegava a

metade ou a terccedila parte ou as vezes menos e esta parte era carregada

para as florestas e enterrada algumas vezes sob um montiacuteculo agraves

vezes na terra e aacutes vezes ateacute uma casa era construiacuteda sobre ela560

rdquo

(Heimskringla Oacutelaacutefs saga ins Helga 133 Versatildeo nossa)

Os vikings chegam a um lugar cercado e com guardas Matam-nos atravessam a

cerca e chegam a um montiacuteculo no qual haacute terra prata e ouro misturados mas tambeacutem

uma imagem do deus Joacutemaacuteli THORNoacuterir ordena que ningueacutem roube ao iacutedolo mas ele mesmo

acaba por fazecirc-lo

Karli faraacute o mesmo e tenta retirar um ornamento de ouro do pescoccedilo do iacutedolo

Bate muito forte com o machado e acaba decapitando a imagem O barulho atrai aos

Bjarmar que partem em perseguiccedilatildeo No final os vikings retornam aos seus barcos e

na viagem de retorno THORNoacuterir acaba por matar Karli e atacar os seus homens

Parece-nos clara alguma ligaccedilatildeo do relato apresentado natildeo apenas com a Ọrvar-

Odds Saga mas com outras Fornaldarsoumlgur Se o relato era conhecido oralmente ou se

a Ọrvar-Odds saga inspirou-se em certo grau na Oacutelafs saga helga como jaacute foi sugerido

permanece questatildeo natildeo resolvida mas pela extensatildeo em que viagens a Bjarmaland

seratildeo empregadas por outras Fornaldarsoumlgur e pelo nuacutemero de elementos encontrados

nelas que se concentram na Oacutelaacutefs saga ins Helga eacute bastante razoaacutevel que esta tenha

provido uma base narrativa e informativa para muitas composiccedilotildees posteriores

Vejamos como se daacute o mesmo relato na Ọrvar-Odds saga

Oddr nunca esteve em alguma expediccedilatildeo viking antes Apoacutes sair de Berurjod

aonde crescera e enterrara seu cavalo Faxi a fim de enganar as profecias parte para

Hrafnista aonde reside sua famiacutelia de sangue Seu irmatildeo Gudmunethr e seu primo

Sigurethr estatildeo de partida para Bjarmaland no dia seguinte e como os preparativos estatildeo

560

ldquo() aeth thornannug vaeligri haacutettaeth thornaacute er auethgir menn ọnduethust aeth lausafeacute skyldi skipta meeth hinum dauetha og

ọrfum hans Skyldi hann hafa haacutelft eetha thornriethjung en stundum minna THORNaeth feacute skyldi bera uacutet iacute skoacutega

stundum iacute hauga og ausa vieth moldu Stundum voru huacutes aeth gerrdquo Oacutelaacutefs saga ins Helga In JOacuteNSSON

1911 133 K 312

274

feitos natildeo permitem que Oddr os acompanhe Apoacutes sonhos premonitoacuterios concordam

com que Oddr vaacute

Oddr recebe de seu pai as Gusisnautar ndash ldquodaacutevidas de Gusirrdquo flechas maacutegicas

feitas por Saacuteami que acompanharatildeo Oddr ateacute sua proacutexima iniciaccedilatildeo e que seratildeo vitais

em muitas de suas batalhas

Os parentes viajam passam por Finnmark ndash o tom da narrativa eacute cocircmico por

vezes e os vikings divertem-se ao verem as mulheres saami gritarem apoacutes serem

roubadas

Todos chegam agrave Bjarmaland O primeiro acontecimento estaacute delimitado em um

espaccedilo liminal os Bjarmar estatildeo dentro de um salatildeo perfeitamente iluminado em todos

os seus cantos Os vikings fora dele na escuridatildeo da noite Para acentuar a distacircncia

que os separa tanto espacialmente como em outras categorias a narrativa enfatiza a

alteridade a principiar pela liacutengua

Vocecirc sabe algo da linguagem dessas pessoas perguntou Oddr natildeo

mais que o barulho dos paacutessaros disse Asmund vocecirc consegue

entender algo dela561

(Ọrvar-Odds saga Capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

Eacute uma circunstacircncia singular que em uma miriacuteade de narrativas e sagas a ecircnfase

da diferenccedila linguiacutestica seja tatildeo pouco explorada Mas o eacute A proacutepria saga de Oddr

posteriormente traraacute eventos que ocorrem nas mais distantes partes do mundo que

incluem a Terra Santa Francia Garethariacuteki e terras do sobrenatural Em nenhuma

situaccedilatildeo haacute constrangimento linguiacutestico562

Parece um consenso entre os autores de saga

que o mundo inteiro fala antigo noacuterdico

A referecircncia agrave rdquolinguagem dos paacutessarosrdquo natildeo eacute isolada Ela aparece tambeacutem na

Heimskringla no capiacutetulo 10 da Saga de Oacutelaacutefr Kyrre e tambeacutem na lenda sobre Sigurethr

e o dragatildeo Fafnir Em ambas evoca situaccedilotildees de misteacuterio e do sobrenatural

Oddr olhando pelas janelas vecirc um homem servindo aos demais que imagina

que fale o noacuterdico Transpassa o espaccedilo liminal e entra em uma aacuterea escura do salatildeo

proacutexima ao poacutertico Quando o homem passa por ele Oddr agarra-o pela cabeccedila e foge

com o restante dos vikings

561

Skilr thornuacute heacuter nokkut maacutel manna sagethi Oddr eigi heldr en fuglaklieth sagethi Aacutesmundr eetha thornikist thornuacute

nokkut af skilja Oumlrvar-Odds Saga redaccedilatildeo S In RAFN C Fornaldar soumlgur Norethrlanda

Kaupmannahoumlfn Popp 1829-1830 vol I 4 K 175 562

PAacuteLSSON amp EDWARDS 1970 31s

275

Oddr estaacute correto em sua suposiccedilatildeo e daacute-se o seguinte diaacutelogo

ldquoO que vocecirc pode me dizer que seria a pior peccedila que noacutes

podemos pregar nos bjarmarrdquo disse Oddr

ldquoEsta eacute uma boa questatildeordquo ele disse ldquoHaacute um montiacuteculo mais

adiante nos bancos do Viacutena feito de duas partes prata e terra Um

punhado de prata tem que ser deixado ali por cada homem que deixa

este mundo e a mesma quantia de terra para cada um que vem a ele

Vocecirc natildeo pode pregar nos bjarmar um truque mais sujo do que ir ateacute o

montiacuteculo e carregar toda a prata563

rdquo

(Ọrvar Odds saga capiacutetulo 04 Versatildeo nossa)

A passagem eacute outra marca de alteridade de desconhecimento e de falta de

compreensatildeo Oddr faz perguntas sobre os nativos e seus costumes ainda que com

intenccedilotildees negativas tenta entendecirc-los e de sua forma proacutepria obter informaccedilotildees sobre

um grupo que se lhe afigura totalmente desconhecido Em todos os sentidos o narrador

enfatiza como o bjarmar eacute o outro

O montiacuteculo com terra e metais misturados de imediato evoca a narrativa da

Oacutelaacutesf saga Helga Ambas explicaccedilotildees satildeo feitas em detalhe com cuidado apesar de

divergirem grandemente Pela tradiccedilatildeo que se conhece de montiacuteculos funeraacuterios e

paralelos na regiatildeo parece mais plausiacutevel que a explicaccedilatildeo da Ọrvar Odds Saga

consista numa invenccedilatildeo do seu autor

O restante da expediccedilatildeo resume-se em altercaccedilotildees e lutas com os nativos nas

quais estes sempre empregam recursos maacutegicos e posteriormente associar-se-atildeo aos

Saacuteami O uacutenico outro detalhe digno de maior nota aleacutem dos recursos ao maacutegico eacute uma

referecircncia fortuita a ldquoarmas de pratardquo Somada ao montiacuteculo somos tentados a sugerir

que os ecos das antigas rotas comerciais em busca de prata islacircmica faccedilam-se se sentir

tardia e desfiguradamente nestas narrativas mas trata-se de uma conjectura de nossa

lavra

Algumas caracteriacutesticas de Oddr satildeo definidas nesta expediccedilatildeo agrave Bjarmaland

- A clava Oddr esquece as Gusisnautar no barco e necessita improvisar uma

arma Usa um machado para fazer uma clava juntamente com as Gusisnautar a clava

563

Hvat segir thornuacute til sagethi Oddr hvat veacuter munum thorness gera at Bjoumlrmum thornykki verst THORNess er vel

spurt sagethi hann Haugr stendr upp meeth aacutenni Viacutenu Hann er gerr af tveim hlutum silfri ok moldu

THORNangat skal bera gaupnir silfrs eptir hvern mann thornann sem ferr af heiminum ok svaacute er hann kemr iacute

heiminn ok jafnmikla mold THORNat munu thorneacuter svaacute gera at Bjoumlrmum mun verst thornykkja ef thorneacuter farieth til

haugsins ok berieth feacuteit iacute burt thornaethan Ọrvar-Odds Saga redaccedilatildeo AB Capiacutetulo 04 In VILHIAacuteLMSSON Bjarni amp JOacuteNSSON Guethni (eds) Fornaldarsoumlgur

Norethurlanda Reykjaviacutek 1943-1944 vol I Citaccedilotildees subsequentes como ldquoOSrdquo seguidas de nuacutemero

de capiacutetulo

276

seraacute uma caracteriacutestica marcante de Oddr Por ocasiatildeo de sua segunda iniciaccedilatildeo as

Gusisnautar perderatildeo seu poder e seratildeo substituiacutedas por outro jogo de flechas maacutegicas

mas a clava perduraraacute como sua arma contra seu uacuteltimo inimigo em Bjalkaland

- Seu nome fama e profissatildeo eacute a partir da expediccedilatildeo dela que Oddr seraacute

conhecido como um viking e que adquiraacute fama que perpassaraacute a de outro vikings O

qualificador dessa fama eacute Bjarmaland e Oddr seraacute conhecido como ldquoOddr que foi para

Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo

Os indiviacuteduos de maior significado para Oddr empregaratildeo o epiacuteteto

A comeccedilar por Oumlgmundr seu inimigo mortal

ldquoEacutes tu Oddrrdquo disse Oumlgmundr ldquoque viajou para Bjarmaland um longo

tempo atraacutesrdquo564

Siacuternir uacutenico indiviacuteduo que sobreviveraacute agraves lutas com Oumlgmundr e com quem

Oddr fez pacto de irmandade de sangue

Siacuternir perguntou ldquoEacute este Oddr que foi para Bjarmalandrdquo565

Vignir seu filho com a gigante Hildigunn

Ele disse que se chamava Vignir - ldquomas eacute vocecirc Oddr que foi para

Bjarmalandrdquo566

O rei Herrauethr de Gardariacuteki a quem Oddr substituiraacute como rei

ldquoNatildeo eacutes tu Oddr que foi para Bjarmaland um longo tempo atraacutesrdquo567

- Seu necircmesis Oumlgmundr ldquoEythornjoacutefsbanirdquo ou Oumlgmundr ldquofloacutekirdquo (Oumlgmundr

ldquomatador de Eythornjoacutefrrdquo ou Oumlgmundr ldquotufo de cabelopecirclo emaranhadordquo)

Em S e M Oumlgmundr Eythornjoacutefsbani eacute um dos muitos seres sobrenaturais com os

quais Oddr se depara Apoacutes uma violenta batalha na qual Oddr e Oumlgmundr concordam

em deixar de lutar Oumlgmundr mata traiccediloeiramente a THORNoacuterethr irmatildeo de sangue de Oddr e

564

Ertu saacute Oddr sagethi Oumlgmundr at foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 13) 565

Siacuternir svarar Er thornetta Oddr saacute sem foacuter til Bjarmalands (OS 19) 566

Hann kveethst Vignir heita - eetha ertu Oddr saacute er foacuter til Bjarmalands (OS 21) 567

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu (OS 27)

277

os restantes da irmandade Oddr e Hjaacutelmarr natildeo conseguem encontraacute-lo mais Para

Ferrari a funccedilatildeo de Oumlgmundr nestas redaccedilotildees eacute efetuar um contraponto agrave

invencibilidade de Oddr mostrando algueacutem que pocircde derrota-lo568

Em ABE no entanto Oumlgmundr assume uma dimensatildeo totalmente nova

tornando-se no maior antagonista de Oddr e transformando o enredo da saga agrave medida

em que a maior parte de seus eventos acaba se entrelaccedilando entre a luta infindaacutevel entre

os dois

Haacute um personagem novo inserido em ABE que estaacute conectado com o aumento

do papel de Oumlgmundr e eacute quem traz informaccedilotildees precisas sobre quem ele eacute Rauethgrani

ldquoBarba-vermelhardquo Um tipo de figura comum nas sagas eacute um homem que aparece e

aconselha ao heroacutei nas batalhas evoca ao leitor as inuacutemeras apariccedilotildees de Oacuteethinn

disfarccedilado sendo de fato associado com ele no capiacutetulo 23 ao natildeo mais retornar Haacute um

Barba-Vermelha na Baacuterethar saga Snaeligfelsaacutess tambeacutem associado com Oacuteethinn mas de

construccedilatildeo mais maleacutefica algo entre uma divindade pagatilde e um ser mal que procura

desviar aos cristatildeos da saga

O Barba-Vermelha da Ọrvar-Odds Saga eacute benevolente misto de saacutebio e

covarde daacute conselhos e muita informaccedilatildeo uacutetil para Oddr sobre Oumlgmundr

Aparentemente esta eacute sua uacutenica funccedilatildeo pois sempre desaparece em batalha - fato que o

narrador natildeo deixa de notar e que confere tom de comicidade em alguns pontos da

saga569

Eacute ele quem provecirc a seguinte explicaccedilatildeo

ldquoVocecirc quer que eu lhe digardquo disse Barba-Vermelha ldquocomo

Oumlgmundr veio a nascer e eu espero que vocecirc perceba que natildeo haacute

forma de que ele seja vencido por homens mortais se vocecirc se

envereda por sua origem

Mas primeiro eu devo lhe explicar eacute que houve um rei chamado

Harek que governava Bjarmaland na eacutepoca que vocecirc esteve ali em

sua expediccedilatildeo depois do que como vocecirc se lembra vocecirc fez um

grande mal aos Bjarmar Mal vocecirc tinha ido embora os bjarmar

pensaram ter sofrido as piores coisas e quiseram se possiacutevel se

vingar e eacute dessa forma que eles agiram

Eles pegaram uma gigante que vivia debaixo de uma grande

queda dacuteaacutegua encheram-na de maacutegica e feiticcedilaria e colocaram-na na

cama ao lado do rei Harek de modo que ele teve um filho por meio

dela ele foi borrifado com aacutegua e chamado Oumlgmundr Ainda crianccedila

pequena ele natildeo era como os mortais ordinaacuterios como vocecirc pode

esperar do tipo de matildee que teve - e de qualquer forma seu pai era

um grande feiticeiro (bloacutetmaethr) tambeacutem

568

FERRARI 372 569

FERRARI 373

278

Quando Oumlgmundr era da idade de trecircs anos ele foi enviado para

Finnmark onde aprendeu toda sorte de maacutegica e feiticcedilaria e tatildeo logo

ele dominou estas artes retornou para Bjarmaland Nesta eacutepoca ele

tinha sete anos e jaacute estava tatildeo grande quanto um homem adulto

imensamente forte e muito difiacutecil de se lidar

Sua aparecircncia natildeo melhorara durante sua estadia com os finnar

Ele era tanto preto quanto azul com longo cabelo preto e tinha uns

toscos tufos de pelo pendurados sobre os olhos no lugar aonde sua

testa devia estar Eacute por isto que ele se chama Oumlgmundr Floacuteki

Os bjarmar mandaram-no para matar vocecirc ainda que eles

tenham percebido que precisavam preparar o terreno com cuidado

antes de lhe mandar para hell O proacuteximo passo que eles tomaram fora

fortalececirc-lo com bruxaria de forma que ferro natildeo possa mordecirc-lo

entatildeo levaram a cabo seus rituais e transformaram-no em um

verdadeiro Troll natildeo havendo nenhum mortal parecido com elerdquo570

(Ọrvar-Odds Saga Capiacutetulo 19 Versatildeo nossa)

A narraccedilatildeo segue por algum tempo ainda contando sobre como Oumlgmundr

ganhara seu outro apelido mas o trecho nos eacute suficiente Em ABE Bjarmaland eacute

central para todo o desenrolar do enredo da Ọrvar-Odds Saga agrave medida em que o

conflito que eacute central por toda a saga isto eacute as lutas entre Oddr e Oumlgmundr satildeo

consequecircncias diretas da expediccedilatildeo feita por Oddr ali

Oumlgmundr ainda que tenha ganhado destaque tardiamente harmoniza alguns

elementos da saga a profecia em relaccedilatildeo a Oddr que natildeo permita que ele morra mas

que implica em que ele perderaacute os seus queridos encontra um bom balanceamento com

a figura de Oumlgmundr que aleacutem de ser instrumental na morte dos queridos de Oddr eacute o

lembrete de que ele natildeo e totalmente invulneraacutevel

A ecircnfase de ABE na disputa entre os dois substitui aspectos de inspiraccedilatildeo

possivelmente hagiograacuteficas de S por um enredo aparentemente mais banal e simples

menos instrutivo mas altamente entretenedor o desenrolar da saga narra uma luta entre

570

Viltu at ek segi thorneacuter kvaeth Rauethgrani hversu Oumlgmundr er til kominn ok get ek at thorneacuter thornykki thornaacute engi

vaacuten at hann verethi unninn af mennskum moumlnnum ef thornuacute veizt allan hans uppruna

En thornat er thornar fyrst af at segja at Haacuterekr heacutet konungr er reacuteeth fyrir Bjarmalandi thornaacute er thornuacute fort thornangat

herfereth eptir thornviacute sem thornuacute veizt hvern skaetha er thornuacute gerethir thornaacute Bjoumlrmum En er thornuacute vart iacute burtu farinn thornoacutettust

Bjarmar hafa raunillt af fengit ok vildu gjarna hefna ef thorneir gaeligti Var thornat thornaacute tiltekja thorneira at thorneir fengu

eina gyacutegi undan forsi stoacuterum galdra fulla ok gerninga ok loumlgethu iacute saeligng hjaacute Haacutereki konungi ok vieth henni

aacutetti hann son saacute var vatni ausinn ok nafn gefit ok kallaethr Oumlgmundr Flestum mennskum moumlnnum var

hann oacuteliacutekr thornegar aacute unga aldri sem vaacuten var sakir moacuteethernis hans en faethir hans var thornoacute inn mesti bloacutetmaethr

THORNegar er Oumlgmundr var thornreacutevetr var hann sendr aacute Finnmoumlrk ok nam hann thornar alls kyns galdra ok gerninga

ok thornaacute er hann var iacute thornviacute fullnuma foacuter hann heim til Bjarmalands Hann var thornaacute sjau vetra ok svaacute stoacuterr sem

fullrosknir menn rammr at afli ok illr viethskiptis Ekki hafethi hann batnat yfirlits hjaacute Finnunum thornviacute at

hann var thornaacute baeligethi svartr ok blaacuter en haacuterit siacutett ok svart ok hekk floacuteki ofan fyrir augun thornat er topprinn

skyldi heita Var hann thornaacute kallaethr Oumlgmundr floacuteki AEligtluethu Bjarmar thornaacute at senda hann til moacutets vieth thornik ok at

drepa thornik thornoacute thornoacutettust thorneir vita at mikils mundi vieth thornurfa aacuteethr en thorneacuter yrethi iacute hel komit Var thornat thornaacute enn

tiltaeligki thorneira at thorneir leacutetu seietha at Oumlgmundi svaacute at hann skyldi engi jaacutern biacuteta atkvaeligethalaus THORNviacute naeligst

bloacutetuethu thorneir hann ok trylldu hann svaacute at hann var engum mennskum manni liacutekr (OS 19)

279

dois seres que por si soacute encontram-se em situaccedilatildeo liminares entre a mortalidade e o

banal e o maravilhoso e sobrenatural A mudanccedila de ecircnfase entre as redaccedilotildees incorporou

outro sistema de significaccedilotildees que datildeo aspecto central agrave Bjarmaland

Destarte a expediccedilatildeo de Oddr agrave Bjarmaland marca a primeira fase de sua vida

quando ele torna-se viking de renome Eacute um espaccedilo liminal ampliado entre o mundo

conhecido e as terras do imaginaacuterio e eacute por esse espaccedilo que Oddr sofreraacute sua primeira

iniciaccedilatildeo

524 O Homem-Casca

Haacute ainda outro ponto na redaccedilatildeo AB da Ọrvar-Odds Saga em que

reconhecemos um momento especiacutefico de transiccedilatildeo acompanhado por sinais e

elementos que o diferenciam de outros momentos da narrativa

Apoacutes a iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland eacute perfeitamente possiacutevel resumir a

saga enquanto alteraccedilotildees sucessivas entre estados de luta e paz distuacuterbio e descanso

Nestas lutas Oddr perdeu amigos e familiares combatendo vaacuterios vikings combatendo

Angantyr e seus irmatildeos mas principalmente lutando contra Oumlgmundr Nos momentos

de descanso ele adquire novos aliados passa por aventuras distintas ganha

equipamentos e ateacute gera Vignir com uma gigante

Apoacutes a perda de seu filho no capiacutetulo 22 e a morte de Gardar no capiacutetulo 23

Oddr volta para Gotaland com seu irmatildeo de sangue Sirnir Barba-VermelhaOacuteethinn

desaparecera e Oddr entra em um periacuteodo totalmente distinto em sua vida

ldquoAssim que o inverno passou Oddr ficou muito desgostoso

pelas miseacuterias que Ogmunethr floacuteki trouxera sobre ele Ele estava

determinado a nunca mais arriscar a vida de seu irmatildeo de sangue em

luta com Ogmunethr pois as perdas que ele sofrera jaacute eram amargas

demais entatildeo ele decidiu-se e partiu por conta proacutepria certa noite

Conseguiu arrumar transporte para onde precisava viajando

pelas florestas e regiotildees selvagens e errando por longas trilhas de

montanhas com sua aljava de flechas nas costas atravessando um

paiacutes apoacutes outro Chegou o tempo em que ele foi forccedilado a atirar em

paacutessaros para sobreviver

Ele prendeu casca de beacutetula em volta de seu corpo e em seus

peacutes e fez para si um grande chapeacuteu com a casca Ele se destacava

bastante dos outros homens pois aleacutem de ser muito maior que todos

os demais estava todo coberto de casca

Natildeo haacute nada para se contar sobre ele ateacute que emergiu da

floresta e encontrou povoados agrave vista Viu uma grande fazenda ali e

outra menor natildeo muito longe Veio agrave sua mente de ir agrave fazenda menor

280

ainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antes e assim ele

foi para a porta

Do lado de fora um homem estava cortando lenha um pequeno

homem de cabelo branco O velho homem comprimentou

amigavelmente o estrangeiro e perguntou seu nome

acuteEu me chamo Homem-Cascaacute disse elerdquo 571

(Ọrvar-Odds Saga capiacutetulo 24 Versatildeo nossa)

Victor Turner analisa uma forma especiacutefica de liminaridade enquanto fase e

estado Nesse sentido podem ser distintas duas modalidades de ritos ritos de elevaccedilatildeo

de status e ritos de reversatildeo de status

Nos ritos de elevaccedilatildeo de status o noviccedilo atingiraacute um status que eacute definitiva e

irreversivelmente superior ao anterior572

Para chegar ao status superior entretanto o

aspirante precisa antes se humilhar e ser ldquogeneralizadordquo ele separa-se da vida comum e

submete-se a ritos liminares que o rebaixam rudemente antes de apoacutes cerimocircnias de

readmissatildeo ser instalado em sua posiccedilatildeo de gloacuteria aumentada573

Quanto aos ritos de reversatildeo de status satildeo ritos que normalmente seguem

prescriccedilotildees temporais ligadas ao calendaacuterio Uma caracteriacutestica comumente encontrada

em ritos desse tipo eacute o mascaramento574

Aquele que se rebaixa eacute feito estruturalmente

inferior a maacutescara que pode representar seres ctocircnicos democircnios ou outras entidades e

forccedilas oculta sua fraqueza e o protege enquanto siacutembolo de forccedila contra aqueles que

estatildeo estruturalmente superiores575

Discernimos nesse episoacutedio da Ọrvar-Odds Saga basicamente um rito de

elevaccedilatildeo de status havendo algumas caracteriacutesticas secundaacuterias similares agraves

571

ldquoEn er Oddr kom heim til Gautlands meeth foacutestbroacuteethur siacutenum baueth Siacuternir honum thornar at sitja um vetrinn

THORNat thornekktist Oddr Ok er aacute leieth vetrinn oacutegladdist hann fast Koacutemu honum thornaacute iacute hug harmar siacutenir thorneir er

hann hafethi fengit af Oumlgmundi floacuteka THORNoacute hugsast honum svaacute til at hann mun eigi haeligtta lengr foacutestbroacuteethur

siacutenum til at berjast vieth Oumlgmund thornviacute at hann thornoacutettist thornar stoacutera skaetha hafa af fengit Verethr thornat thornaacute hans raacuteeth at

leynast iacute burt einn aacute naacutettarthorneli Ferr hann thornaacute at flutningum thornar sem thorneira thornarf vieth en stundum ferr hann

um merkr ok skoacutega ok ratar hann harethla stoacutera fjallvegu Hann hefir thornaacute oumlrvamaeligli sinn aacute baki seacuter Ferr

hann nuacute viacuteetha um loumlnd ok kemr svaacute raacuteethi hans at hann hafethi thornat eitt til atvinnu seacuter er hann skaut fugla

fyrir sik Hann spennir thornaacute at seacuter um bol ok faeligtr naeligfrum Siacuteethan gerir hann seacuter naeligfrahoumltt mikinn aacute houmlfueth

seacuter Er hann ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr meiri miklu en allir menn aethrir er hann er allr thornakinn naeligfrum Nuacute

er ekki sagt fraacute honum fyrr en hann kemr oacuter moumlrkum fram ok seacuter hann at herueth hefjast upp fyrir honum

Hann seacuter at thornar stendr einn baeligr mikill en thornar var annarr baeligr skammt fraacute THORNat kom honum iacute hug at hann

mundi snuacutea aacute inn minna baeliginn thornat hafethi hann aldri fyrr freistat Hann gengr thornar at dyrum THORNar var maethr

fyrir dyrum ok klauf skiacuteeth Saacute var liacutetill vexti ok hviacutetr fyrir haeligrumrdquo

Hann heilsar thorneim vel er kominn var ok spurethi karl hann at nafni

Naeligframaethr heiti ek sagethi hann (hellip) (OS 24) 572

TURNER Victor W O processo ritual estrutura e antiestrutura Petroacutepolis Editora Vozes

2013[1974] P156 573

TURNER 158 574

TURNER 160 575

TURNER 162

281

encontradas em ritos de reversatildeo

O ciclo ldquoguerra e pazrdquo caracteriacutestico da vida de Oddr apoacutes sua primeira iniciaccedilatildeo

em Bjarmaland passa por um momento de interrupccedilatildeo Esta pausa deve ser distinguida

dos outros momentos de descanso apoacutes a guerra ndash como o tempo com os gigantes e

mesmo o tempo de sua conversatildeo - exatamente pelos elementos que associam os

acontecimentos posteriores a formas rituais

Haacute elementos textuais claros nesse sentido que lidam com declaraccedilotildees

absolutas primeiramente Oddr decide ldquonunca maisrdquo arriscar a vida dos que ele ama de

forma contraacuteria ao seu discurso anterior de obstinada procura e perseguiccedilatildeo a Oumlgmundr

natildeo importasse o que custasse Ao escolher entrar na pequena fazenda Oddr decide

fazecirc-lo ldquoainda que ele nunca tivesse feito nada como aquilo antesrdquo contraste a sua

atitude altiva de ateacute entatildeo

Mais caracteriacutestico no entanto eacute que Oddr muda de aparecircncia e principalmente

de nome Ele cobre-se de cascas de beacutetula ndash em narrativa na qual eacute impossiacutevel natildeo notar

a comicidade da situaccedilatildeo tenta ocultar sua aparecircncia anterior mascara-se e muda de

nome Ele agora eacute o ldquoHomem-cascardquo

Agrave parte novamente o fator comicidade e entretenimento da saga nesse ponto o

proacuteprio narrador continua a chamar Oddr natildeo mais de Oddr mas de ldquoHomem-Cascardquo

Ele eacute recebido pelo fazendeiro Joacutelfr que o recebe bem e indicaraacute quais os

caminhos a serem seguidos por Oddr nesta nova fase Simbolicamente mas de forma

que afetaraacute a narrativa posterior de forma praacutetica ele daacute ao Homem-casca trecircs novas

flechas Desta feita flechas de pedra Joacutelfr revela que conhece a identidade de Oddr

bem como que ele possui as daacutedivas de Gusir e que elas seratildeo insuficientes em certo

momento

A comparaccedilatildeo das flechas eacute representativa dessa nova fase da vida de Oddr

apoacutes Bjarmaland e ateacute entatildeo as daacutedivas de Gusir salvaram-no nas situaccedilotildees de maior

perigo No seu status posterior seratildeo insuficientes e substitutas mais apropriadas

devem ser providenciadas

O outro passo eacute informaccedilatildeo Joacutelfr fala a Oddr sobrea localidade o rei Herrauethr

pessoas do salatildeo e sobre quem seraacute o alvo de Oddr Silkisif filha do rei sobre a qual

Joacutelfr fala que ldquonatildeo haacute moccedila mais bela em toda a Garethariacuteki e aleacutem576

rdquo

Nesse ponto da narraccedilatildeo haacute um entrelaccedilamento de temaacuteticas proacuteprias das

576

() engi er oumlnnur jafnfrieth iacute Garethariacuteki ok viethar annarstaethar (OS 24)

282

narrativas folcloacutericas nas quais eacute expediente comum que um rapaz normalmente pobre

irmatildeo mais novo e de menos oportunidades procure conquistar a matildeo de uma princesa

inatingiacutevel

Esta temaacutetica natildeo eacute o nuacutecleo da narrativa e a saga natildeo pode ser reduzida a uma

forma tatildeo simples e estruturalizada ainda mais levando-se em conta as reestruturaccedilotildees e

elaboraccedilotildees pelas quais passou em suas diferentes redaccedilotildees O tema da princesa ajudaraacute

na composiccedilatildeo do quadro narrativo forneceraacute elementos uacuteteis ao contar da histoacuteria mas

natildeo eacute seu objetivo Ele colabora na construccedilatildeo dos eventos de passagem

Tambeacutem pela referecircncia aos atributos da beldade somos informados da terra

aonde Oddr se encontra que eacute Garethariacuteki ndash em S o reino eacute Huacutenaland

Joacutelfr leva o Homem-Casca ao salatildeo do rei Herrauethr e daacute-se iniacutecio o processo de

rebaixamento de Oddr

- ldquoEu me chamo o Homem-Cascardquo disse Oddr

- ldquoQuem eacute vocecirc companheirordquo Disse o rei

- ldquoIsto eu sei disse ele ldquoEu sou mais velho que qualquer coisa

que vocecirc possa pensar mas natildeo tenho esperteza nem memoacuteria em

minha cabeccedila O que pede sempre quer escolher Eu te peccedilo rei

abrigo pelo invernordquo

O rei respondeu ldquoVocecirc eacute haacutebil em algordquo

- ldquoLonge dissordquo ele respondeu ldquoeu sou mais atrapalhado que

qualquer outro homemrdquo

- ldquoVocecirc eacute disposto a fazer qualquer coisardquo Disse o rei

- ldquoEu natildeo sei como trabalhar e sou muito preguiccediloso para

trabalharrdquo ele disse

- ldquoIsto natildeo parece promissorrdquo disse o rei ldquopois eu fiz um voto

de soacute pegar homens haacutebeisrdquo

- ldquoNada que eu fizer seraacute do menor uso para qualquer umrdquo

disse o Homem-casca

- ldquoVocecirc deve saber como coletar a caccedila se outros atiraremrdquo

disse o rei ldquoTalvez eu vaacute [caccedilar] alguma vezrdquo

- ldquoOnde devo me assentarrdquo Disse o Homem-casca

- ldquoDeves se assentar no banco baixo perto da porta entre os

escravos e os homens livresrdquo577

577

Trecho de difiacutecil versatildeo por conter ditados e expressotildees idiomaacuteticas Segue a redaccedilatildeo AB ed Guethni

Joacutensson Carl Rafn

Ek heiti Naeligframaethr sagethi hann

Hverr ertu feacutelagi sagethi konungr

THORNat veit ek sagethi hann at ek em hviacutevetna eldri ok er hvaacuterki vitit neacute minnit heima hjaacute meacuter ok hefik

lengi legit uacuteti aacute moumlrkum naeligr alla aeligvi miacutena En braacuteeth eru brautingja erendi konungr ek vil biethja thornik

vetrvistar

Konungr svarar Ertu at nokkuru iacutethornroacutettamaethr

THORNat ferr fjarri sagethi hann thornviacute at ek em oacuteliprari en aethrir menn

Nennir thornuacute nokkuru sagethi konungr

Ek kann ekki at vinna enda nenni ek ekki at vinna sagethi Naeligframaethr

283

Natildeo haacute razatildeo aparente para Oddr responder como responde agraves questotildees pede

abrigo mas a cada questatildeo efetuada pelo rei responde de forma negativa O ato possui

caracteriacutesticas de rito de interpretaccedilatildeo - eacute um esvaziamento total Ele eacute velho mas natildeo

sabe de nada pede ajuda mas natildeo sabe fazer nada quer trabalho mas tem preguiccedila de

trabalhar

Por fim o rei coloca-o em uma posiccedilatildeo liminar em todos os aspectos Oddr deve

assentar-se ldquoentre os escravos e os homens livresrdquo natildeo sendo enquadrado em nenhuma

categoria e ldquoperto da portardquo Ora como jaacute discutido a pouco portas assim como

fronteiras satildeo espaccedilos liminares por excelecircncia

Oddr eacute convidado pelos irmatildeos Oacutettar e Ingjaldr a sentar-se entre eles

Perguntam-lhe sobre outros paiacuteses reclamam de sua bolsa (que conteacutem a aljava das

flechas) por fim oferecem dinheiro e roupas novas para que ele tire a casca Sua

resposta eacute sugestiva e simboacutelica ldquoeu natildeo posso fazecirc-lordquo ele disse ldquoeu nunca vesti

outras roupas e enquanto viver nunca o fareirdquo

O Homem-casca nunca o fez e nunca o faraacute Assim que trocaacute-las ele deixaraacute de

secirc-lo

Atraveacutes dos dois irmatildeos desajeitados e desprovidos de habilidades Oddr

passaraacute por vaacuterias provas de caccedilada (25) de arco-e-flecha (26) de nataccedilatildeo ndash sempre

coberto de casca - e finalmente de bebida ndash este uacuteltimo entremeado com o compor

poemas (27) ndash o competidor esvazia um chifre cheio de bebida e profere um poema

Supera aos dois melhores homens do rei Sigurethr e Sjolfr que tambeacutem aspiram pela

matildeo de Silkisif

Apoacutes cada prova haacute uma breve troca de perguntas com o rei por meio das quais

o Homem-casca vai cedendo seu lugar a Oddr ldquoaquele que esteve em Bjarmalandrdquo

Apoacutes a caccedila

O rei olhou para ele e disse ldquoEacutes um grande arqueirordquo

ldquoSim senhorrdquo disse ele ldquoPorque estou acostumado a atirar em

paacutessaros e animais para me alimentarrdquo578

THORNaacute horfir alloacutevaelignt sagethi konungr fyrir thornviacute at ek hefi thorness heit strengt at taka vieth thorneim einum moumlnnum

at thorneir seacute at nokkuru iacutethornroacutettamenn

Aldri kann ek einn hlut at gera sagethi Naeligframaethr thornann oumlethrum seacute gagn at

Kunna muntu at draga saman dyacuter ef menn skjoacuteta sagethi konungr THORNaacute maacute vera at ek fara til thorness

eitthvert sinn

Hvar viacutesar thornuacute meacuter til saeligtis sagethi Naeligframaethr

THORNuacute skalt sitja utar inum oacuteaeligethra megin thornar sem maeligtast thornraeliglar ok frelsingjar (OS 24) 578

Konungr leit vieth honum ok maeliglti Bogmaethr ertu mikill

Jaacute herra sagethi hann thornviacute hefi ek helzt vanizt at skjoacuteta dyacuter ok fugla til matar meacuter (OS 25)

284

Apoacutes as flechas

ldquoO primeiro tiro pode ter sido bomrdquo disse o rei ldquomas este eacute muito

melhor Eu lhes digo nunca vi um tiro como esterdquo579

Apoacutes a nataccedilatildeo (Oddr nada com as cascas mas prevalece sobre os demais)

E agora o rei inquiriu ldquoE natildeo eacute que natildeo haacute outro esportista igual em

tiro e nataccedilatildeordquo

ldquoViste todas as habilidades que tenhordquo disse o Homem-casca ldquoMe

chamo Oddr se vocecirc quiser saber mas eu natildeo posso lhe falar nada

sobre a minha famiacuteliardquo580

Finalmente na competiccedilatildeo de poemas Oddr conta todas suas aventuras ateacute

entatildeo Na manhatilde seguinte estaacute a lavar-se e a casca em suas mangas apresenta-se gasta

deixando antever uma veste vermelha por baixo Os irmatildeos tiram-na mas Oddr natildeo

reclama e levam a Oddr ateacute o assento do rei dizendo ldquoParece que noacutes natildeo temos

apreciado totalmente quem noacutes entretemos neste inverno581

rdquo

ldquoAssim me parecerdquo disse o rei ldquoMas quem eacute este homem que tem

escondido sua identidade de noacutesrdquo

ldquoEu ainda me chamo Oddr como lhe disse um tempo atraacutes filho de

Grim Bochechas-Peludas de Hrafnista no norte da Noruegardquo

ldquoEacute vocecirc o Oddr que foi para Bjarmaland tempo atraacutesrdquo

ldquoSou eu o homem que foi para laacuterdquo582

(itaacutelico nosso)

A prova e as recompensas finais de conclusatildeo desse processo ritual dar-se-atildeo

nos capiacutetulos seguintes 28 e 29 nos quais Oddr parte para Bjalkaland coletar impostos

Em caso de vitoacuteria receberia a matildeo de Silkifif

A narrativa que se segue retoma temas elaborados na viagem agrave Bjarmaland e

por vezes reproduzidos em pontos isolados da narraccedilatildeo Bjalkaland significa ldquoterra das

pelesrdquo Seu governante Aacutelfr Bjaacutelki segundo S pagava tributo ao rei de Huacutenaland

Poderoso feiticeiro Aacutelfr Bjaacutelki soacute pocircde ser vencido com as flechas de pedra de

579

Svaacute vel sem skotit var it fyrra sinn segir konungr thornaacute er nuacute miklu betr skotit ok thornat maacute ek segja at

aldrigi hefi ek seacutet jafnvel skotit (OS 26) 580

Ok nuacute spyrr konungr Hvaacutert ertu ekki oumlethrum moumlnnum liacutekr um iacutethornroacutettir baeligethi um skot ok sund

Seacutenar eru nuacute allar miacutenar iacutethornroacutettir er thornessar eru sagethi Naeligframaethr ek heiti Oddr ef thornuacute vilt thornat vita en

ek kann eigi greina fyrir thorneacuter um kyn mitt (OS 26) 581

ldquoTHORNat aeligtlum veacuter at veacuter vitum eigi allgerla hvern veacuter houmlfum heacuter iacute foacutestri haftrdquo (OS 27) 582

Svaacute maacute vera sagethi konungr eetha hverr er thornessi maethr er svaacute hefir dulizt fyrir oss

Nuacute heiti ek Oddr sem ek sagetha yethr fyrir loumlngu sonr Griacutems loethinkinna norethan oacuter Noregi

Ertu eigi saacute Oddr er foacuter til Bjarmalands fyrir loumlngu

Saacute er maethrinn er thornar hefir komit (OS 27)

285

Joumllfr que desaparecem apoacutes serem usadas As daacutedivas de Gusir natildeo foram capazes de

vencecirc-lo e desaparecem igualmente

Resta a Oddr derrotar a feiticeira que de forma semelhante a Ogmunethr no

capiacutetulo seguinte atira flechas por todos os seus dedos Seu templo eacute queimado e ela eacute

morta com uma clava por Oddr

Oddr retorna para ldquoGrikkjariacutekirdquo ndash claramente um erro do redator jaacute que

anteriormente eacute citada Garethariacuteki assim como no capiacutetulo 32 por ocasiatildeo da morte de

Oddr Em S como jaacute afirmamos em ambas ocasiotildees o reino eacute Huacutenaland Finalmente

ele ascende a uma posiccedilatildeo maior do que a que possuiacutea anteriormente o rei Herrauethr

falece e que sobe ao trono em seu lugar eacute o proacuteprio Oddr

Jaacute falamos sobre Ogmunethr nas seccedilotildees anteriores e aqui cabe o encerramento de

sua participaccedilatildeo no enredo No capiacutetulo conseguinte agrave subida de Oddr ao trono ambos

travam sua uacuteltima batalha Ogmunethr ndash agora chamado Kvillanus e governante em

Novgorod reuacutene todos os reis de Austrvegr em uma lista muito detalhada que inclui

ldquoKirjaacutelalandi Rafestalandi Refalandi Virlandi Eistlandi Liacuteflandi Vitlandi Cuacuterlandi

Laacutenlandi Ermlandirdquo e ldquoPuacutelinalandirdquo583

Apoacutes grande mortandade ambos sobrevivem e Ogmunethr foge Natildeo se passa

muito tempo no entanto antes de que ambos sejam reconciliados

Algum tempo depois Kvillanus mandou presentes caros para

Odd ouro e prata e muitos tesouros e junto com tudo isto palavras de

amizade e ofertas de reconciliaccedilatildeo Entatildeo Oddr aceitou os presentes

pois ele era esperto o suficiente para perceber que Ogmunethr Matador-

de-Eythornjof ou Kvillanus como ele se chamava agora nunca poderia

ser derrotado sendo como vocecirc pode dizer tanto um fantasma quanto

um homem Natildeo se sabe se eles tiveram quaisquer outros negoacutecios

futuros entatildeo este eacute o fim de sua briga584

(Ọrvar Odds Saga Capiacutetulo 30Versatildeo nossa)

O episoacutedio de Homem-casca encerrado com Bjalkaland espelha portanto o

ocorrido na primeira iniciaccedilatildeo de Oddr em Bjarmaland todo o processo da narrativa

aponta para um inequiacutevoco rito de passagem de elevaccedilatildeo de status que completa a

trajetoacuteria de Oddr e que resumimos na seguinte tabela

583

Ver capiacutetulo 03 paacuteginas 173s 584

Nokkurum tiacutema siacuteethar sendir Kvillaacutenus Oddi gjafir miklar baeligethi iacute gulli ok silfri ok marga goacuteetha gripi ok

thornar meeth vinaacutettumaacutel ok saeligttarboeth THORNaacute Oddr thornessar gjafir thornviacute at hann fyrirstoacuteeth af sinni vizku at Oumlgmundr

Eythornjoacutefsbani sem thornaacute nefndist Kvillaacutenus var oacutesigranligr thornviacute at hann maacutetti eigi siacuteethr kallast andi en maethr

Ok er eigi getit at thorneir hafi siacuteethan nokkura hluti vieth aacutetzt ok lauk svaacute thorneira skiptum (OS 30)

286

Bjarmaland O Homem-Casca Bjalkaland

Tipo de rito Iniciaccedilatildeo maturidade Aumento de status

Flechas Daacutedivas de Gusir Flechas de pedra de Joacutelfr

Status alcanccedilado Viking Rei em Garethariacuteki

Marcas posteriores Apelido camisa

Consortes Olvor da Irlanda (12)

Hildigunn a giganta

Silkisif

Papel de Ogmunethr

(Apenas em AB)

Criado como necircmesis

precipitador da segunda

iniciaccedilatildeo

Uacuteltima batalha e desistecircncia

apaziguamento

Tabela 09 Paralelos das duas iniciaccedilotildees de Ọrvar-Oddr

53 As iniciaccedilotildees e o leste

Da anaacutelise dos episoacutedios de iniciaccedilotildees e ritos de passagem pelos quais Oddr

passa chegamos agrave conclusatildeo que o leste assume em adiccedilatildeo ao sentido de provedor de

cenaacuterio e ambiente a conotaccedilatildeo de regiatildeo limiacutetrofe liminar

De fato o papel de Bjarmaland nesse sentido foi bem discutido e argumentado

a regiatildeo incorpora uma gama consideraacutevel de imaginaacuterios que perpassa a mera

dimensatildeo das Fornaldarsoumlgur assumindo conotaccedilotildees limiacutetrofes como religioso o

fantaacutestico o miacutetico e o desconhecido Bjarmaland torna-se uma materializaccedilatildeo um

lugar atingiacutevel do que se discute no campo do mito

O acreacutescimo inovador das Fornaldarsoumlgur das quais empregamos a Ọrvar-Odds

Saga enquanto recorte exemplar eacute a assimilaccedilatildeo de tal sentido de Bjarmaland ao leste

enquanto um todo particularmente a Austrvegr e Garethariacuteki

Antevecircem-se elementos dessa derivaccedilatildeo e conotaccedilatildeo em passagens como as

discutidas na Gylfaginning mas em contraposiccedilatildeo a esta referecircncia isolada em meio a

um meio acadecircmico evemerizado e ocidentalizado as Fornaldarsoumlgur nos oferecem

este imaginaacuterio constante reapropriado e amplificado

Esta reapropriaccedilatildeo do material miacutetico natildeo eacute feita com intuitos de instruccedilatildeo ou

da elaboraccedilatildeo acadecircmica geograacutefica das regiotildees de aleacutem Eacute um emprego de simbolismo

e de conceitos presentes no imaginaacuterio coletivo empregados agora enquanto elementos

de uma narratica cujo o propoacutesito primaacuterio eacute o entreter ao inveacutes do educar

287

Concluiacutemos nossos panoramas portanto com esta nova dimensatildeo do qual o

leste se reveste e que espelha uma situaccedilatildeo que revela o proacuteprio movimento intelectual e

mental dos seacuteculos XIII e XIV na Escandinaacutevia num sentido de bifurcaccedilatildeo das formas

literaacuterias entre o factio e o fictio entre o educativo e instruidor e o fantaacutestico

maravilhoso e voltado ao entretenimento e agrave diversatildeo

288

6 CONCLUSOtildeES

O leste eacute apropriado de forma especiacutefica pelos historiadores e autores

escandinavos dos seacuteculos XIII e XIV O modo de abordagem a ele eacute condicionado natildeo

tanto pela tradiccedilatildeo e acuacutemulo de conhecimento propriamento escandinavos quanto pelo

emprego de um conhecimento cristianizado e livresco mais geral ao Ocidente Medieval

Snorri ndash ou a tradiccedilatildeo histoacuterica islandesa que estaacute por traacutes da Heimskringla e da

Edda Menor - e Saxo Grammaticus divergem em suas formas de emprego do leste Satildeo

similares no uso de explicaccedilotildees evemeristas com intuito de conectar o passado mais

antigo aos tempos proacuteximos de si mesmo mas diferem no conhecimento e conteuacutedos

especiacuteficos veiculados em suas obras

Nesse aspecto ambos tecircm em comum o expediente de dar primazia ao

conhecimento biacuteblico e claacutessico Snorri (ou seus interpoladores) a despeito de tatildeo

ldquopuristardquo e nativo na forma que veicula informaccedilatildeo da mitologia escandinava e das

formas poeacuteticas antigas ao tratar do leste emprega uma tradiccedilatildeo bastante alheia ao

conhecimento escandinavo de leste Se o tenta fazecirc-lo o faz de forma tiacutemida na

Heimskringla ndash se eacute que foi o seu autor

O proacutelogo da Edda ndash ou os proacutelogos da Edda dadas as diferenccedilas dos

manuscritos - adotam de forma muito completa as elaboraccedilotildees histoacuterico-geograacuteficas de

autores do Ocidente Medieval como a visatildeo tripartida por vezes zonal de mundo a

genealogia e divisatildeo das terras segundo os filhos de Noeacute e uma linhagem descendente

dos reis de Troia

O conhecimento especiacutefico e altamente detalhado das terras de leste que

transparece nas estelas ruacutenicas nas Fornaldarsoumlgur na Gesta Danorum e parcialmente

na Heimskringla natildeo tem lugar nesta elaboraccedilatildeo histoacuterica da Edda Podemos associar o

Mappamundi islandecircs a esta corrente de formulaccedilatildeo ideoloacutegica por carecer igualmente

da especificidade das terras do Baacuteltico e abundar na transcriccedilatildeo de informaccedilatildeo biacuteblica e

greco-romana

Diferentemente Saxo Grammaticus apesar de recorrer agrave interpretaccedilatildeo

evemerista eacute muito mais preciso na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo do leste Essa eacute

compatiacutevel com localidades descritas na Fornaldarsoumlgur e nas estelas Ruacutenicas

Apesar da suposta deturpaccedilatildeo que Saxo Grammaticus efetua dos mitos

escandinavos ao tratar de geografia sua precisatildeo ndash e podemos acrescentar fidelidade ao

seu tempo ndash eacute notoacuteria

289

As descriccedilotildees e narrativas das populaccedilotildees de leste satildeo com frequecircncia precisas

com maior regularidade ainda fantasiosas e propagadoras de estereoacutetipos encontrados

na literatura de entretenimento mas ainda assim precisas

A diferenccedilas de contexto poliacutetico na Islacircndia e Dinamarca satildeo elucidativas para

a compreensatildeo do uso do leste No caso Islandecircs Austrvegr e Garethariacuteki satildeo locais por

demais distantes para serem inseridos na literatura seacuteria ou mesmo na produccedilatildeo

histoacuterica Pode-se dizer que satildeo relativamente desconhecidos quiccedilaacute insignificantes Em

particular em uma Islacircndia sem projetos de expansatildeo territorial ou centralizaccedilatildeo de

poder

A ideologia islandesa sobre o leste vai conectar seu passado agrave distante

temporalidade greco-romana A distacircncia temporal parece refletir a distacircncia geograacutefica

o passado eacute de certa forma antiquaacuterio e o maacuteximo ao que o mesmo pode se prestar eacute

na criaccedilatildeo de histoacuterias de origem vinculadas agrave realeza norueguesa - toacutepico inflamado na

Islacircndia de entatildeo

O caso danecircs eacute totalmente distinto O Baacuteltico eacute o seu mar o seu mundo O leste

sua principal aacuterea de expansatildeo e hegemonia Seus povos bastante conhecidos as

interaccedilotildees com os mesmos frequentes

Os projetos ideoloacutegicos aqui satildeo claros e advogam a hegemonia da Dinamarca

pelo Baacuteltico Os adversaacuterios dos daneses nesta empreitada os germacircnicos ndash em Saxo

ldquosaxotildeesrdquo natildeo satildeo por acaso os antagonistas pela maior parte da obra

Destarte o conhecimento de leste aqui transparece uma ideologia hegemocircnica e

mesmo de criaccedilatildeo nacional A comparaccedilatildeo com o impeacuterio de Hermanarico governante

sobre miriacuteades de povos do leste natildeo eacute fortuita

O leste na contruccedilatildeo histoacuterica islandesa e danesa possui dimensatildeo

eminentemente ideoloacutegica mas reflete as peculiaridades locais e o proacuteprio niacutevel do

conhecimento regional sobre as regiotildees de oriente Em alguns casos eacute efetuada a

substituiccedilatildeo do conhecimento empiacuterico e de primeira matildeo por um saber do medievo

ocidental calcado nas tradiccedilotildees biacuteblicas e greco-romanas

Tal circunstacircncia natildeo eacute surpreendente per si Os moldes de construccedilatildeo histoacuterica

veiculados por Snorri e Saxo pouco tecircm de nativos Satildeo formas importadas de um

Ocidente Medieval geneacuterico carregando consigo conteuacutedo especiacutefico em adiccedilatildeo agrave

simples ideologias

Em relaccedilatildeo agraves Fornaldarsoumlgur mais especificamente a Ọrvar-Odds Saga

demonstramos que o leste apresenta-se como regiatildeo liminar aleacutem de propiciar o

290

ambiente da narrativa A terra de Bjarmaland incorpora imaginaacuterio difundido que a liga

ao fantaacutestico e o desconhecido e as Fornaldarsoumlgur transferem parte dessa construccedilatildeo

para o leste como um todo mais especificamente Austrvegr e Garethariacuteki As regiotildees de

leste adquirem o aspecto de materializaccedilatildeo das regiotildees do imaginaacuterio

Haacute intersecccedilotildees na veiculaccedilatildeo de informaccedilatildeo a leste entre os grupos de fontes

estudados principalmente entre a Gesta Danorum e as Fornaldarsoumlgur O que difere em

ambas satildeo os propoacutesitos de seus autores que gradualmente bifurcam-se entre a

instruccedilatildeo e o entreter

Nota-se tambeacutem que na produccedilatildeo escrita cujos propoacutesitos satildeo mais

declaradamente de instruccedilatildeo o emprego de conceitos de leste da tradiccedilatildeo Medieval

Ocidental Biacuteblica e Claacutessica ultrapassam as elaboraccedilotildees de cunho mais nativo

diferentemente do que se daacute nas Fornaldarsoumlgur que se por um lado inserem muitas

construccedilotildees do medievo ocidental o fazem dentro de um quadro e de visotildees de mundo

claramente noacuterdicas

Demonstramos no decorrer desta tese que as elaboraccedilotildees de leste refletem o

proacuteprio movimento intelectual ocorrido na Baixa Idade Meacutedia Escandinava que passa

por uma gradual e irreversiacutevel separaccedilatildeo entre o conhecimento de natureza instrutiva

educacional informativa e a produccedilatildeo criada com o intuito de entreter e divertir

Iniciamos este trabalho poreacutem demonstrando as implicaccedilotildees poliacuteticas e sociais

que uma temaacutetica do medievo pode assumir nos periacuteodos moderno e contemporacircneo ao

determo-nos na Controveacutersia Normanista e seus desenvolvimentos em vaacuterias

historiografias mas em particular na russa e sovieacutetica

Destarte esperamos ter contribuiacutedo agrave escandinaviacutestica e eslaviacutestica bem como

aos estudos medievais com uma anaacutelise fundamentada em um espectro amplo e

completo de fontes primaacuterias Entretanto esperamos ter demonstrado tambeacutem que o

trabalho do historiador natildeo eacute neutro por mais distante temporal e geograficamente que

esteja seu objeto A histoacuteria lida com o passado mas parte do presente atende aos

anseios do presente e a ele influencia

291

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33 Souml 34 Souml 92 Souml 121 Souml 126 Souml 130 Souml 148 Souml 171 Souml 216 Souml 308 Souml

338 Vs 1 Vs Fv198836 Oumlg 8 Oumlg 30 Vg 135 Vg 184 Vg 197 Oumll 28(58) G

114 G 220 G 280 Dr 108 N 62 X UaFv191447

b) Gregas U 73 U 104 U 112 U 136 U 140 U 201 U 270 U 358 U 374 U 431

U 446 U 518 U 540 U 792 U 922 U 956 U 1016 U 1087 Souml Fv195420 Souml

82 Souml 85 Souml 163 Souml 165 Souml 170 Souml 345 Oumlg 81 Oumlg 94 Vg 178 Sm 46 G

216

c) Baacutelticas

U 180 U 214 U 346 U 356 U 439 U 533 U 582 U 698 Souml 39 Souml 198 Gs

13 Vg 181 G 135 G 319

d) Lombardas U 133 U 141 Souml Fv195422 Souml 65

e) Yngvarr U 439 U 644 U 654 U 661 U 778 U 837 U 1143 U Fv1992157

Souml 9 Souml 96 Souml 105 Souml 107 Souml 108 Souml 131 Souml 173 Souml 179 Souml 254 Souml 277

294

Souml 279 Souml 281 Souml 287 Souml 320 Souml 335 Vs 19 Oumlg 145 Oumlg 155

f) Freygeirr Gs 13 Dr 216 U 518 U 611 U 698 U 1158

g) Oeste U 439 U 363 U 504 U 611 U 668 Souml 14 Souml 53 Souml 62 Souml 106 Souml

137 Souml 159 Souml 164 Souml 173 Souml 217 Souml 260 Souml 319 Oumlg 68 Oumlg 83 Oumlg 111

OumlG Fv1970310 Vg 61 Vg 197 Sm 10 Sm 42 Sm 51 G 370 Dr 266 Dr 330

Dr 334 Dr 216

h) Inglesas U 194 U 241 U 344 U 539 U 616 U 812 U 978 U 1181 Souml 46 Souml

55 Souml 83 Souml 160 Souml 166 Souml 207 Vs 5 Vs 9 Vs 18 Gs 8 Oumlg 104 Oumlg

Fv1950341 Sm 5 Sm 27 Sm 29 Sm 77 Sm 101 Sm 104 Vg 20 Vg 187 Dr

337 Dr 6 N 184

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311

8 APEcircNDICES

Apecircndice I Constantino Porfirogecircnito ldquoDe administrando Imperiordquo

9 Περὶ τῶν ἀπὸ Ῥωσίας ἐρχομένων Ῥῶς μετὰ τῶν μονοξύλων ἐν Κωνσταντινουπόλει Ὅτι τὰ

ἀπὸ τῆς ἔξω Ῥωσίας μονόξυλα κατερχόμενα ἐν Κωνσταντινουπόλει εἰσὶ μὲν ἀπὸ τοῦ

Νεμογαρδάς ἐν ᾧ Σφενδοσθλάβος ὁ υἱὸς Ἴγγωρ τοῦ ἄρχοντος Ῥωσίας ἐκαθέζετο εἰσὶ δὲ καὶ

ἀπὸ τὸ κάστρον τὴν Μιλινίσκαν καὶ ἀπὸ Τελιούτζαν καὶ Τζερνιγῶγαν καὶ ἀπὸ τοῦ Βουσεγραδέ

Ταῦτα οὖν ἅπαντα διὰ τοῦ ποταμοῦ κατέρχονται Δανάπρεως καὶ ἐπισυνάγονται εἰς τὸ κάστρον

τὸ Κιοάβα τὸ ἐπονομαζόμενον Σαμβατάς Οἱ δὲ Σκλάβοι οἱ πακτιῶται αὐτῶν οἱ Κριβηταιηνοὶ

λεγόμενοι καὶ οἱ Λενζανῆνοι καὶ αἱ λοιπαὶ Σκλαβηνίαι εἰς τὰ ὄρη αὐτῶν κόπτουσι τὰ μονόξυλα

ἐν τῷ τοῦ χειμῶνος καιρῷ καὶ καταρτίσαντες αὐτά τοῦ καιροῦ ἀνοιγομένου ἡνίκα διαλυθῇ ὁ

παγετός εἰς τὰς πλησίον οὔσας λίμνας εἰσάγουσιν αὐτά Καὶ ἐπειδὴ ἐκεῖναι εἰσβάλλουσιν εἰς

τὸν ποταμὸν τὸν Δάναπριν ἀπὸ τῶν ἐκεῖσε οὗτοι εἰς τὸν αὐτὸν ποταμὸν εἰσέρχονται καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὸν Κίοβα καὶ σύρουσιν εἰς τὴν ἐξάρτισιν καὶ ἀπεμπολοῦσιν αὐτὰ εἰς τοὺς

Ῥῶς Οἱ δὲ Ῥῶς σκαφίδια καὶ μόνα ταῦτα ἀγοράζοντες τὰ παλαιὰ αὐτῶν μονόξυλα

καταλύοντες ἐξ αὐτῶν βάλλουσιν πέλλας καὶ σκαρμοὺς εἰς αὐτὰ καὶ λοιπὰς χρείας

ἐξοπλίζουσιν αὐτά Καὶ Ἰουνίου μηνὸς διὰ τοῦ ποταμοῦ Δανάπρεως ἀποκινοῦντες κατέρχονται

εἰς τὸ Βιτετζέβη ὅπερ ἐστὶ πακτιωτικὸν κάστρον τῶν Ῥῶς καὶ συναθροιζόμενοι ἐκεῖσε μέχρι

δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν ἡνίκα ἂν ἅπαντα ἀποσυναχθῶσι τὰ μονόξυλα τότε ἀποκινοῦσιν καὶ

κατέρχονται διὰ τοῦ εἰρημένου Δανάπρεως ποταμοῦ Καὶ πρῶτον μὲν ἔρχονται εἰς τὸν πρῶτον

φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ἐσσουπῆ ὃ ἑρμηνεύεται Ῥωσιστὶ καὶ Σκλαβηνιστὶ μὴ

κοιμᾶσαι ὁ δὲ τούτου φραγμὸς τοσοῦτόν ἐστιν στενός ὅσον τὸ πλάτος τοῦ τζυκανιστηρίου

μέσον δὲ αὐτοῦ πέτραι εἰσὶ ῥιζιμαῖαι ὑψηλαὶ νησίων δίκην ἀποφαινόμεναι Πρὸς αὐτὰς οὖν

ἐρχόμενον τὸ ὕδωρ καὶ πλημμυροῦν κἀκεῖθεν ἀποκρημνιζόμενον πρὸς τὸ κάτω μέρος ἦχον

μέγαν καὶ φόβον ἀποτελεῖ Καὶ διὰ τοῦτο μέσον αὐτῶν οὐ τολμῶσιν οἱ Ῥῶς διελθεῖν ἀλλὰ

πλησίον σκαλώσαντες καὶ τοὺς μὲν ἀνθρώπους ἐκβαλόντες εἰς τὴν ξηράν τὰ δὲ λοιπὰ

πράγματα ἐάσαντες εἰς τὰ μονόξυλα εἶθ οὕτως γυμνοὶ τοῖς ποσὶν αὐτῶν ψηλαφοῦντες ἵνα

μή τινι λίθῳ προσκρούσωσιν Τοῦτο δὲ ποιοῦσιν οἱ μὲν πλώρᾳ οἱ δὲ μέσον οἱ δὲ καὶ εἰς τὴν

πρύμναν μετὰ κονταρίων κοντοβευόμενοι καὶ μετὰ τοιαύτης ἁπάσης ἀκριβείας διέρχονται τὸν

τοιοῦτον πρῶτον φραγμὸν διὰ τῆς γωνίας καὶ τῆς ὄχθης τοῦ ποταμοῦ Ἡνίκα δὲ διέλθωσι τὸν

τοιοῦτον φραγμόν πάλιν ἀπὸ τῆς ξηρᾶς ἀναλαμβανόμενοι τοὺς λοιποὺς ἀποπλέουσι καὶ

κατέρχονται εἰς τὸν ἕτερον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Οὐλβορσί Σκλαβηνιστὶ δὲ

Ὀστροβουνιπράχ ὅπερ ἑρμηνεύεται τὸ νησίον τοῦ φραγμοῦ Ἔστιν κἀκεῖνος ὅμοιος τῷ

πρώτῳ χαλεπός τε καὶ δυσδιέξοδος Καὶ πάλιν ἐκβαλόντες τὸν λαὸν διαβιβάζουσι τὰ

μονόξυλα καθὼς καὶ ρότερον Ὁμοίως δὲ διέρχονται καὶ τὸν τρίτον φραγμόν τὸν λεγόμενον

Γελανδρί ὃ ἑρμηνεύεται Σκλαβηνιστὶ ἦχος φραγμοῦ εἶθ οὕτως τὸν τέταρτον φραγμόν τὸν

μέγαν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Ἀειφόρ Σκλαβηνιστὶ δὲ Νεασήτ διότι φωλεύουσιν οἱ

πελεκᾶνοι εἰς τὰ λιθάρια τοῦ φραγμοῦ Ἐν τούτῳ οὖν τῷ φραγμῷ σκαλώνουσιν ἅπαντα εἰς τὴν

γῆν ὀρθόπλωρα καὶ ἐξέρχονται οἱ ὡρι σμένοι ἄνδρες φυλάττειν τὴν βίγλαν μετ αὐτῶν καὶ

ἀπέρχονται καὶ τὰς βίγλας οὗτοι διὰ τοὺς Πατζινακίτας ἀγρύπνως φυλάττουσιν

Οἱ δὲ λοιποὶ τὰ πράγματα ἅπερ ἔχουσιν εἰς τὰ μονόξυλα ἀναλαμβανόμενοι τὰ ψυχάρια μετὰ

τῶν ἁλύσεων διὰ τοῦ ξηροῦ αὐτὰ διαβιβάζουσι μίλια ἕξ ἕως ἂν διέλθωσι τὸν φραγμόν Εἶθ

οὕτως οἱ μὲν σύροντες οἱ δὲ καὶ εἰς τοὺς ὤμους βαστάζοντες τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς τὸ τοῦ

φραγμοῦ ἐκεῖθεν μέρος διαβιβάζουσιν καὶ οὕτως ῥίπτοντες αὐτὰ εἰς τὸν ποταμὸν καὶ τὰ

πετζιμέντα αὐτῶν ἐμβλησκόμενοι εἰσέρχονται καὶ αὖθις ἐναποπλέουσιν Ἀπερχόμενοι δὲ εἰς

τὸν πέμπτον φραγμόν τὸν ἐπονομαζόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Βαρουφόρος Σκλαβηνιστὶ δὲ

Βουλνηπράχ διότι μεγάλην λίμνην ἀποτελεῖ πάλιν εἰς τὰς τοῦ ποταμοῦ γωνίας τὰ αὐτῶν

μονόξυλα διαβιβάσαντες καθὼς καὶ εἰς τὸν πρῶτον φραγμὸν καὶ δεύτερον καταλαμβάνουσι

τὸν ἕκτον φραγμόν λεγόμενον μὲν Ῥωσιστὶ Λεάντι Σκλαβηνιστὶ δὲ Βερούτζη ὅ ἐστιν

βράσμα νεροῦ καὶ διαβαίνουσι καὶ αὐτὸν ὁμοίως Καὶ ἀπὸ τούτου ἀποπλέουσι καὶ πρὸς τὸν

ἕβδομον φραγμόν τὸν ἐπιλεγόμενον Ῥωσιστὶ μὲν Στρούκουν Σκλαβηνιστὶ δὲ Ναπρεζή ὃ

312

ἑρμηνεύεται μικρὸς φραγμός Καὶ διαβαίνουσιν εἰς τὸ λεγόμενον πέραμα τοῦ Κραρίου ἐν ᾧ

διαπερῶσιν ἀπὸ Ῥωσίας οἱ Χερσωνῖται καὶ οἱ Πατζινακῖται ἐπὶ Χερσῶνα ἔχον τὸ αὐτὸ πέραμα

τὸ μὲν πλάτος ὅσον τοῦ ἱπποδρομίου τὸ δὲ ὕψος ἀπὸ κάτω ἕως ὅτου προκύπτουσιν ὕφαλοι

ὅσον καὶ φθάζειν σαγίτταν τοῦ τοξεύοντος ἔνθεν ἐκεῖσε Ὅθεν καὶ εἰς τὸν τοιοῦτον τόπον

κατέρχονται οἱ Πατζινακῖται καὶ πολεμοῦσι τοὺς Ῥῶς Μετὰ δὲ τὸ διελθεῖν τὸν τοιοῦτον τόπον

τὴν νῆσον τὴν ἐπιλεγομένην ὁ Ἅγιος Γρηγόριος καταλαμβάνουσιν ἐν ᾗ νήσῳ καὶ τὰς θυσίας

αὐτῶν ἐπιτελοῦσιν διὰ τὸ ἐκεῖσε ἵστασθαι παμμεγέθη δρῦν καὶ θύουσι πετεινοὺς ζῶντας

Πηγνύουσι δὲ καὶ σαγίττας γυρόθεν ἄλλοι δὲ καὶ ψωμία καὶ κρέατα καὶ ἐξ ὧν ἔχει ἕκαστος ὡς

τὸ ἔθος αὐτῶν ἐπικρατεῖ Ῥίπτουσι δὲ καὶ σκαρφία περὶ τῶν πετεινῶν εἴτε σφάξαι αὐτούς εἴτε

καὶ φαγεῖν εἴτε καὶ ζῶντας ἐάσειν αὐτούς Ἀπὸ δὲ τοῦ νησίου τούτου Πατζινακίτην οἱ Ῥῶς οὐ

φοβοῦνται ἕως ἂν φθάσωσιν εἰς τὸν ποταμὸν τὸν Σελινάν Εἶθ οὕτως ἀποκινοῦντες ἐξ αὐτοῦ

μέχρι τεσσάρων ἡμερῶν ἀποπλέουσιν ἕως οὗ καταλάβωσιν εἰς τὴν λίμνην τοῦ ποταμοῦ

στόμιον οὖσαν ἐν ᾗ ἐστιν καὶ ἡ νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου Καταλαβόντες οὖν οὗτοι τὴν

τοιαύτην νῆσον προσαναπαύουσιν ἑαυτοὺς ἐκεῖσε ἕως δύο καὶ τριῶν ἡμερῶν

Καὶ πάλιν τὰ αὐτῶν μονόξυλα εἰς ὅσας ἂν λίπωνται χρείας περιποιοῦνται τά τε ἄρμενα καὶ τὰ

κατάρτια καὶ τὰ αὐχένια ἅπερ ἐπιφέρονται Ἐπεὶ δὲ τὸ στόμιον τοῦ τοιούτου ποταμοῦ ἐστιν ἡ

τοιαύτη λίμνη καθὼς εἴρηται καὶ κρατεῖ μέχρι τῆς θαλάσσης καὶ πρὸς τὴν θάλασσαν κεῖται ἡ

νῆσος τοῦ Ἁγίου Αἰθερίου ἐκ τῶν ἐκεῖσε ἀπέρχονται πρὸς τὸν Δάναστριν ποταμόν καὶ

διασωθέντες ἐκεῖσε πάλιν ἀναπαύονται Ἡνίκα δὲ γένηται καιρὸς ἐπιτήδειος ἀποσκαλώσαντες

ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὸν ἐπιλεγόμενον Ἄσπρον καὶ ὁμοίως κἀκεῖσε ἀναπαυσάμενοι πάλιν

ἀποκινοῦντες ἔρχονται εἰς τὸν Σελινάν εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου ποταμοῦ λεγόμενον παρακλάδιον

Καὶ ἕως οὗ διέλθωσι τὸν Σελινὰν ποταμόν παρατρέχουσιν αὐτοῖς οἱ Πατζινακῖται Καὶ ἐὰν

πολλάκις ἡ θάλασσα μονόξυλον εἰς τὴν γῆν ἀπορρίψῃ σκαλώνουσιν ὅλα ἵνα τοῖς

Πατζινακίταις ἀντιπαραταχθῶσιν ὁμοῦ Ἀπὸ δὲ τὸν Σελινὰν οὐ φοβοῦνταί τινα ἀλλὰ τὴν τῆς

Βουλγαρίας γῆν ἐνδυσάμενοι εἰς τὸ τοῦ Δανουβίου στόμιον ἔρχονται Ἀπὸ δὲ τοῦ Δανουβίου

καταλαμβάνουσιν εἰς τὸν Κωνοπάν καὶ ἀπὸ τοῦ Κωνοπᾶ εἰς Κωνστάντιαν εἰς τὸν ποταμὸν

Βάρνας καὶ ἀπὸ Βάρνας ἔρχονται εἰς τὸν ποταμὸν τὴν Διτζίναν ἅπερ πάντα εἰσὶ γῆ τῆς

Βουλγαρίας Ἀπὸ δὲ τῆς Διτζίνας εἰς τὰ τῆς Μεσημβρίας μέρη καταλαμβάνουσιν καὶ οὕτως

μέχρι τούτων ὁ πολυώδυνος αὐτῶν καὶ περίφοβος δυσδιέξοδός τε καὶ χαλεπὸς ἀποπεραίνεται

πλοῦς Ἡ δὲ χειμέριος τῶν αὐτῶν Ῥῶς καὶ σκληρὰ διαγωγή ἐστιν αὕτη Ἡνίκα ὁ Νοέμβριος μὴν

εἰσέλθῃ εὐθέως οἱ αὐτῶν ἐξέρχονται ἄρχοντες μετὰ πάντων τῶν Ῥῶς ἀπὸ τὸν Κίαβον καὶ

ἀπέρχονται εἰς τὰ πολύδια ὃ λέγεται γύρα ἤγουν εἰς τὰς Σκλαβηνίας τῶν τε Βερβιάνων καὶ

τῶν Δρουγουβιτῶν καὶ Κριβιτζῶν καὶ τῶν Σεβερίων καὶ λοιπῶν Σκλάβων οἵτινές εἰσιν

πακτιῶται τῶν Ῥῶς Δι ὅλου δὲ τοῦ χειμῶνος ἐκεῖσε διατρεφόμενοι πάλιν ἀπὸ μηνὸς

Ἀπριλίου διαλυομένου τοῦ πάγους τοῦ Δανάπρεως ποταμοῦ κατέρχονται πρὸς τὸν ΚίαβονΚαὶ

εἶθ οὕτως ἀπολαμβάνονται τὰ αὐτῶν μονόξυλα καθὼς προείρηται καὶ ἐξοπλίζονται καὶ πρὸς

Ῥωμανίαν κατέρχονται Ὅτι οἱ Οὖζοι δύνανται τοῖς Πατζινακίταις πολεμεῖν

Obtido em

lthttpkhazarzarskeptiknetpgmPG_MigneConstantinus20Porphyrogenitus_PG2

0112-113De20administrando20imperiopdfgt Uacuteltimo acesso em 10∕10∕2012

313

Apecircndice II

Tabela de transliteraccedilatildeo do Russo empregada pelo DLO (Departamento de Letras

Orientais) da Universidade de Satildeo Paulo

Alfabeto

Ciriacutelico

Transcriccedilatildeo para Registro

Catalograacutefico ou Linguiacutestico

Adaptaccedilatildeo Foneacutetica

para Nomes Proacuteprios

А

Б

В

Г

Д

Е

Ё

Ж

З

И

Й

К

Л

М

Н

О

П

Р

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Т

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Ч

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Э

Ю

Я

A

B

V

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V

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S SS (intervocaacutelico)

T

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Tch

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Chtch sch (como em

ldquoTatiacuteschevrdquo)

(omitido)

Y

(omitido)

Eacute

Iu

Ia

  • AUSTRVEGR E GARETHARIacuteKI13
    • ESUMO
    • BSTRACT13
    • SUMAacuteRIO13
    • INTRODUCcedilAtildeO13
    • CAPIacuteTULO13 1
      • 11 Pensando sobre a dualidade Mito X histoacuteria13
      • 12 A historiografia pertinente
      • 13 A Ruacutessia czarista
        • 131 Tatiacuteschev
        • 132 O alematildees17
          • 14 A controveacutersia Normanista13
            • 141 A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A posiccedilatildeo normanistaA posiccedilatildeo normanista A
              • I A Etimologia13
              • II As fontes13
                • 142 A posiccedilatildeo anti13normanista
                  • I I A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologia A questatildeo da etimologiaA
                  • II II II Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircncia Os argumentos de ausecircnciaOs argumentos de ausecircncia Os
                  • III Os enviados III Os enviadosIII Os enviadosIII Os enviados III Os enviados III Os enviadosIII
                  • IV IV IV Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicas Fontes islacircmicasFontes islacircmicasFontes
                  • V V Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmica Superioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmicaSuperioridade econocircmica Superioridade
                    • 143 Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildeesUma avaliaccedilatildeo criacutetica das duas posiccedilotildees Uma
                      • I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologias I O problema das etimologiasI O problema das etimologias I O problema das etimologias I
                      • II II Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidadeInterpretaccedilatildeo arqueoloacutegica e etnicidade Interpretaccedilatildeo
                        • 144 Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras possibilidades interpretativasOutras possibilidades interpretativas Outras
                        • 145 O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O problema metodoloacutegico O
                        • 146 O rei O reiO reiO rei-estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hierosestrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro a Antropologia mitologia e o Hieros estrangeiro
                          • 15 O seacuteculo XX A arqueologia e a historiografia russas nos tempos sovieacuteticos 13
                            • 151 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 O periacuteodo revolucionaacuterio (1917 -1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919) e os iniacutecios da URSS 1919)
                            • 152 O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O periacuteodo Stalinista O
                            • 153 Os tempos poacutes Os tempos poacutes -Stalin Stalin Stalin KruKru sch schoacutev (1953 oacutev (1953oacutev (1953oacutev (1953 -1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn 1964) e os iniacutecios da escola de Klejn1964)
                            • 154 Da era Breacutej Da era Breacutej Da era Breacutejnev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964 nev ao final da URSS (1964nev ao final da URSS (1964 -1991) 1991)
                            • 155 A Ruacutessia poacutesA Ruacutessia poacutes A Ruacutessia poacutes -sovieacutetica sovieacutetica sovieacuteticasovieacutetica
                              • 16 Desenvolvimentos contemporacircneos a era Putin 13
                                • 161 A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa para conter tentativas de A ldquoComissatildeo presidencial da Federaccedilatildeo Russa p
                                • 162 A academia russa hojeA academia russa hoje A academia russa hoje A academia russa hoje A
                                  • 17 Brasil Euriacutepedes Simotildees de Paula
                                  • 18 A historiografia ocidental e da antiga Cortina de Ferro
                                    • CAPITULO 213
                                      • 21 Os Escandinavos no leste ndash O testemunho da Cultura Material 13
                                        • 211 A numismaacutetica 13
                                          • 2111 As Fontes 13
                                          • 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes 2112 Os khazares e os aacuterabes2112 Os khazares e os aacuterabes 2112
                                          • 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias 2113 Rotas e cronologias2113
                                            • I O Baacuteltico Austrvegr
                                            • II A Rus de norte Ladoga
                                            • III Rostov Suzdal e Murom
                                            • IV Os povoamentos pareados
                                            • V Rumo ao sul Bizacircncio e Serkland
                                              • 22 As estelas ruacutenicas 13
                                                • 221 Sobre as estelas ruacutenicas
                                                • 222 A distribuiccedilatildeo das inscriccedilotildees ruacutenicas
                                                • 223 A Histoacuteria Social e as estelas ruacutenicas
                                                • 224 As estelas ruacutenicas e o leste
                                                  • 23 Anaacutelises a Cultura Material o Periacuteodo Viking e o leste
                                                    • Capitulo 313
                                                      • 31 Preliminares muacuteltiplas acepccedilotildees de leste
                                                        • 311 O sistema cardinal e a terminologia
                                                        • 312 O Sistema de orientaccedilatildeo geograacutefica e espacial no medievo escandinavo
                                                        • 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islandeses e sagas reis 313 Sagas dos antigos islande
                                                        • 314 Os mappaemundi e as formas pictograacuteficas da representaccedilatildeo geograacutefica
                                                          • 3141 Um breve panorama das tradiccedilotildees cartograacuteficas
                                                          • 3142 Os Mappaemundi291
                                                          • 3143 O desenvolvimento e histoacuterico dos mappaemundi
                                                          • 3144 A tradiccedilatildeo de Macroacutebio (ca 395-436) os mapas zonais
                                                          • 3145 Paulo Oroacutesio (ca383- post 417)
                                                          • 3146 Isidoro (ca 560-636)
                                                          • 3147 De Beda a Lambert de Saint-Omer (ca 700-1100) o surgimento dos mapas ldquoBeatosrdquo
                                                            • 315 A cartografia na Scandia e Islandia medievais
                                                              • 32 Quadro etno -linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacuteklinguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garethariacutek linguiacutestico de Austrvegr e Garetha
                                                                • 321 Fino -uacutegricos uacutegricosuacutegricos
                                                                • 322 Os Baltos13
                                                                • 323 Baltos e Fino13
                                                                • 324 Bjaacutermaland
                                                                    • CAPITULO 13 4
                                                                      • 41 A produccedilatildeo escrita na Escandinaacutevia e Islacircndia no me 13
                                                                      • 42 Snorri Sturlusson (1179 e a tradiccedilatildeo islandesa 13
                                                                        • 42 1 Histoacuterico 1
                                                                        • 422 A Heimskringla 13
                                                                        • 423 A Edda menor 423 A Edda menor423 A Edda menor 423 A Edda menor423
                                                                        • 42413interpretaccedilotildees histoacutericohistoacuterico histoacuterico -geograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e d eograacuteficas da Heimskringla e deograacuteficas da Heimskringla e d a Edda Menor a Edda Menora Edda Menora
                                                                        • 425 O proacutelogo da Edda Menor 425 O proacutelogo da Edda Menor425
                                                                        • 426 O Evemerismo 426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo426 O Evemerismo 426
                                                                        • 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427 Snorri e a ldquoMateacuteria de Romardquo 427
                                                                        • 428 Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla Austrvegr e Garethariacuteki na Heimskringla o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason So ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S o ciclo de Oacutelaacutefr Tryggvason S Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Oacutelaacutefr Magnus o bom e Haraldr HarethraMagnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra Magnus o bom e Haraldr Harethra ethi
                                                                        • 4210 Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees parciais Conclusotildees parciaisConclusotildees parciais Conclusotildees
                                                                          • 43 Saxo Grammaticus e a Gesta Danorum 13
                                                                            • 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431 O Evemerismo de Saxo 431
                                                                            • 43 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum 2 O leste na Gesta Danorum2 O leste na Gesta Danorum 2
                                                                            • 433 A Temaacutetica do Conselheiro
                                                                            • 434 O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos ValdemaresO Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O Imperium de Frotho e a Hegemonia dos Valdemares O
                                                                            • 435 O leste e as cruzadas setentrionais
                                                                              • 44 Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste Algumas conclusotildees preacutevias Saxo Snorri o autor da Heimskringla e leste
                                                                                • CAPIacuteTULO 513
                                                                                  • 51 As Fornaldarsoumlgur 13
                                                                                    • 511 Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildees Dataccedilotildees e subdivisotildeesDataccedilotildees
                                                                                      • 52 A Ọrvarrvar rvar-Odds Saga 13
                                                                                        • 521 M anuscritos e anuscritos e anuscritos e redaccedilotildeesredaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildeesredaccedilotildees redaccedilotildees
                                                                                        • 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da 522 A profecia e as conexotildees da Ọrvar rvar -Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacutericoOdds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico Odds Saga com a produccedilatildeo histoacuterico -geograacutefica geograacutefica geograacutefica
                                                                                        • 523 Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland e o leste enquanto espaccedilo liminar Bjarmaland
                                                                                        • 524 O Homem O Homem O Homem-CascaCasca
                                                                                          • 53 As iniciaccedilotildees e o leste 13
                                                                                            • 6 CONCLUSOtildeES13
                                                                                            • 7 BIBLIOGRAFIA 13
                                                                                            • 8 APEcircNDICES
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