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42 É com o maior agrado que, como Comandante do Creoula, e corres- pondendo à solicitação dirigida pe- la AORN, traço breves notas alusivas ao grupo de jovens que, a bordo deste Navio de Treino de Mar, realizou a viagem Lisboa – Funchal – Porto Santo – Lisboa, entre os dias 29 de Agosto e 8 de Setembro de 2003. Apraz-me destacar, desde logo, a postura de aprumo e disciplina com que o grupo se apresentou a bordo, reveladora da ex- celente organização “a montante” – e in- diciadora de uma fácil integração na vida e tarefas do navio, como de facto veio a ocorrer. (Como rápido apontamento para os que porventura não conheçam a história do Creoula, realço que este navio constitui o único testemunho vivo da pesca do baca- lhau à linha, que marcou de modo singular a história de Portugal dos séculos XVI a XX. Construído em 1937, no prazo recorde de 62 dias, o Creoula participou, durante 37 anos consecutivos, em todas as campa- nhas da pesca do bacalhau, e navegou mais do que o correspondente a dez via- gens à volta do mundo. Actualmente, o Creoula, na sua qualidade de único Navio de Treino de Mar portu- guês, e operado pela Marinha, representa para muitos jovens do nosso país – de tão profundas tradições marítimas – a única oportunidade de participação activa no dia a dia de um grande veleiro e na sua condu- ção em alto mar. Durante o embarque, os jovens instruen- dos conhecem uma plena integração na vida de bordo, realizando desde as tare- fas de um velejador profissional – içar as velas, marear o pano, fazer navegação, leme e vigia – até ao trabalho na casa da máquina e na cozinha de bordo, não es- quecendo a baldeação do navio e as ine- vitáveis limpezas diárias.) Ao longo da viagem, foi possível consta- tar o espírito de empenho, responsabilida- de e sentido de entre-ajuda que caracteri- zaram a participação do grupo de jovens enviado pela AORN no dia a dia do Creoula, marcando uma presença muito válida, sem dispensar a dose de boa dis- posição que é apanágio da juventude em- barcada neste navio. Ainda de destacar, neste grupo, as qualida- des resultantes de uma esmerada educação e formação intelectual e moral, facto pelo qual felicito os seus pais e avós. Por outro lado, e parafraseando o velho adágio português segundo o qual “filho de peixe sabe nadar”, também me parece poder afirmar que “filho/neto de AORN possui o gosto e aptidão pelas coisas do mar”. Penso, com efeito, que a reacção particularmente positiva evidenciada por estes jovens face aos desafios do mar e da vida de bordo se deve a uma especial he- rança dos pais AORN, que com o espírito de disciplina e sentido da responsabilida- de souberam transmitir aos seus descen- dentes o gosto e sabedoria inatos pela vi- da do mar. (De notar até que praticamen- te não se registaram enjoos entre estes jo- vens!). É ainda com muito agrado que registo o es- pecial contributo que para o êxito deste em- barque prestaram os dois Directores de Treino, criteriosamente escolhidos pela AORN – e também eles AORN, natural- mente. Para além do exemplar enquadra- mento que proporcionaram ao grupo de jo- vens, promoveram um excelente relacio- namento com a câmara de oficiais, podendo mesmo dizer que se ultrapassou neste caso a camaradagem e se estabeleceram verda- deiros laços de amizade. Por último, uma nota (quiçá desnecessá- ria), a de que o Creoula acolherá sempre com o maior gosto embarques de jovens (de qualquer idade) que, descendentes ou membros da AORN, pretendam rea- lizar treinos de mar neste seu navio, cu- jo objectivo último consiste – e neste particular coincide certamente com a vontade da AORN – em formar a juven- tude portuguesa nos espíritos de respon- sabilidade, solidariedade – e também, de modo especial, no gosto e respeito pelo Mar. Esperando voltar a recebê-los a bordo do Creoula, formulo para todos os jovens da AORN os votos de “bons ventos” para as suas vidas, desejando que, na linha dos seus ascendentes, se revelem empenha- dos continuadores da nossa tradição ma- rítima, sem igual no mundo. Martins da Cruz Comandante do Creoula VIAGEM “CREOULA 2003”

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Écom o maior agrado que, comoComandante do Creoula, e corres-pondendo à solicitação dirigida pe-

la AORN, traço breves notas alusivas aogrupo de jovens que, a bordo deste Naviode Treino de Mar, realizou a viagemLisboa – Funchal – Porto Santo – Lisboa,entre os dias 29 de Agosto e 8 deSetembro de 2003.Apraz-me destacar, desde logo, a posturade aprumo e disciplina com que o grupose apresentou a bordo, reveladora da ex-celente organização “a montante” – e in-diciadora de uma fácil integração na vidae tarefas do navio, como de facto veio aocorrer.(Como rápido apontamento para os queporventura não conheçam a história doCreoula, realço que este navio constitui oúnico testemunho vivo da pesca do baca-lhau à linha, que marcou de modo singulara história de Portugal dos séculos XVI a XX.Construído em 1937, no prazo recorde de62 dias, o Creoula participou, durante 37anos consecutivos, em todas as campa-nhas da pesca do bacalhau, e navegoumais do que o correspondente a dez via-gens à volta do mundo.Actualmente, o Creoula, na sua qualidadede único Navio de Treino de Mar portu-guês, e operado pela Marinha, representapara muitos jovens do nosso país – de tãoprofundas tradições marítimas – a únicaoportunidade de participação activa no diaa dia de um grande veleiro e na sua condu-ção em alto mar.

Durante o embarque, os jovens instruen-dos conhecem uma plena integração navida de bordo, realizando desde as tare-fas de um velejador profissional – içar asvelas, marear o pano, fazer navegação,leme e vigia – até ao trabalho na casa damáquina e na cozinha de bordo, não es-quecendo a baldeação do navio e as ine-vitáveis limpezas diárias.)

Ao longo da viagem, foi possível consta-tar o espírito de empenho, responsabilida-de e sentido de entre-ajuda que caracteri-zaram a participação do grupo de jovensenviado pela AORN no dia a dia doCreoula, marcando uma presença muitoválida, sem dispensar a dose de boa dis-posição que é apanágio da juventude em-barcada neste navio.

Ainda de destacar, neste grupo, as qualida-des resultantes de uma esmerada educaçãoe formação intelectual e moral, facto peloqual felicito os seus pais e avós.

Por outro lado, e parafraseando o velhoadágio português segundo o qual “filhode peixe sabe nadar”, também me parecepoder afirmar que “filho/neto de AORNpossui o gosto e aptidão pelas coisas domar”. Penso, com efeito, que a reacçãoparticularmente positiva evidenciada porestes jovens face aos desafios do mar e davida de bordo se deve a uma especial he-rança dos pais AORN, que com o espíritode disciplina e sentido da responsabilida-de souberam transmitir aos seus descen-dentes o gosto e sabedoria inatos pela vi-da do mar. (De notar até que praticamen-

te não se registaram enjoos entre estes jo-vens!).É ainda com muito agrado que registo o es-pecial contributo que para o êxito deste em-barque prestaram os dois Directores deTreino, criteriosamente escolhidos pelaAORN – e também eles AORN, natural-mente. Para além do exemplar enquadra-mento que proporcionaram ao grupo de jo-vens, promoveram um excelente relacio-namento com a câmara de oficiais, podendomesmo dizer que se ultrapassou neste casoa camaradagem e se estabeleceram verda-deiros laços de amizade.Por último, uma nota (quiçá desnecessá-ria), a de que o Creoula acolherá semprecom o maior gosto embarques de jovens(de qualquer idade) que, descendentesou membros da AORN, pretendam rea-lizar treinos de mar neste seu navio, cu-jo objectivo último consiste – e nesteparticular coincide certamente com avontade da AORN – em formar a juven-tude portuguesa nos espíritos de respon-sabilidade, solidariedade – e também,de modo especial, no gosto e respeitopelo Mar.Esperando voltar a recebê-los a bordo doCreoula, formulo para todos os jovens daAORN os votos de “bons ventos” para assuas vidas, desejando que, na linha dosseus ascendentes, se revelem empenha-dos continuadores da nossa tradição ma-rítima, sem igual no mundo.

Martins da CruzComandante do Creoula

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Escola de Fuzileiros28 de Agosto de 2003

O dia “nasceu” muito cinzento, perspec-tivando-se mau tempo para a viagem.

Por volta das 09.00, chegaram à Escola deFuzileiros, em Vale de Zebro, os primeirosjovens para a viagem no Creoula.Na generalidade, o seu olhar transmitiaalguma ansiedade e expectativa, em rela-ção ao que os esperava para os próximosdias.

Ao chegarem e no momento que se apre-sentavam, os jovens escolhidos para che-fes de grupo eram informados dessa res-ponsabilidade acrescida. Todos tinham deconfirmar os respectivos dados e arrumaros sacos de viagem nos aloja-mentos re-servados para o efeito.

Terminado os últimos procedimentos ad-ministrativos foi servido o almoço, sendoeste o primeiro momento partilhado emconjunto.

Após a refeição, os instruendos (desi-gnação dada para os jovens que embar-cam no NTM Creoula) dirigiram-se parao Museu do Fuzileiro. O Comandanteda Escola, CMG Rocha e Abreu, deuuma palestra sobre as origens do edifí-cio do Museu antes da visita e conduziu

os instruendos no seu interior, explicandoem pormenor a história associada a cada“objecto” que ali se encontrava.A meio da tarde foi dado um “briefing”,pelo imediato do Creoula, informando osinstruendos sobre as regras/normas a bor-do e principalmente, sobre as questões desegurança.

No final da tarde, todos tiveram oportuni-dade de praticar algum exercício na pisci-na. Os que foram para a água, tiveram oprimeiro momento de descontracção/di-vertimento, através da execução de esti-mulantes e divertidos exercícios. Estesmomentos, permitiram “quebrar o pri-meiro gelo” entre os novos camaradas.

Às 19:00 foi servido o jantar, verificando-se mais diálogo nas mesas. Os grupos jáestavam formados e os respectivos chefes(de grupo) eram responsáveis pelo enqua-dramento dos mesmos.

A presença numa unidade militar, com ascaracterísticas da Escola de Fuzileiros,permitiu uma saudável integração de to-dos, bem como uma sensibilização paraaquilo que é vida em grupo com regras eprocedimentos rígidos.

Essa “mensagem” estava a ser passada,pois, nos contactos telefónicos com a fa-mília surgiam alguns comentários, co-

mo: – “Estamos sempre a formar...”;“Há regras para tudo... eu não estava ha-bituada a uma coisa assim...”; etc...

No seguimento desses objectivos de sen-sibilização e enquadramento, procurandotambém demonstrar como é a iniciaçãoda vida militar, houve lugar para uma au-la de Ordem Unida (Infantaria – “MilitarDesarmado”).

Todos se aplicaram de forma exemplarverificando-se que, apesar de algum can-saço e ao fim de hora e meia, já marcha-vam alinhados e com o passo certo. O“alto” constituía um dos maiores proble-mas. Separados em três grupos, riam-seuns dos outros, pelas semelhanças com“robôs” que alguns apresentavam.

Com o recolher às 23:00 e o silêncio às23:30, era chegado o momento para des-cansar, depois de um dia muito preenchi-do. No entanto, os monitores e o oficialenquadrante da Escola de Fuzileiros deci-diram que seria importante conhecerem-se melhor uns aos outros e testarem tam-bém a reacção de cada um numa situaçãode emergência.

Assim, aproveitando-se o facto de um dosinstruendos ter deixado uma camisola naMesse de Oficiais, foram acordados à01:00, alegando-se como motivo da situa-

Diário de Bordo

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ção a entrega da camisola ao respectivoproprietário.

Ao serem acordados, estipulou-se que ti-nham 3 minutos para formar à entrada doedifício envergando o polo (CityDesk/Creoula). Muito ensonados e comar de grande incómodo, reagiram de for-ma positiva, pois ninguém ficou a dormire todos formaram nos respectivos gruposcom a t-shirt definida.

Efectuada a formatura e entregue a cami-sola ao respectivo dono seguiu-se, no pa-tamar da escadaria, a apresentação indivi-dual com a indicação de nome, idade,ocupação, residência e porque queriamfazer a viagem.

Nas apresentações houve momentos di-vertidos, motivando enormes gargalha-das.Dos vários, destacam-se os seguintes:

“Vim à viagem porque queria ficaruns dias longe dos meus pais.”“Vim porque queria ir à Madeira.”“Vim porque o meu pai me obrigou.”“Vim porque queria observar o céude noite, no meio do mar.”“Estou aqui... porque, pela 1ª vez em

23 anos, dei ouvidos ao meu pai e ve-jam o que me está a acontecer...”.

No dia seguinte, voltaram a formar para opequeno almoço.

Seguiu-se a entrega de material e ainda na“ressaca” da noite anterior, continuavama ouvir-se comentários de quem, even-tualmente, estaria com mais dificuldadesde adaptação: – "Estamos sempre a for-mar, e com agravante de não serem nadaoriginais, pois formamos sempre da mes-ma forma. Devia ser uma vez em rectân-gulo, outra em triângulo, outra em círcu-lo”, etc...

Após a entrega do material, dirigiram-separa o monumento do Fuzileiro, onde foitirada uma foto em grupo, procedendo-sede seguida ao embarque em autocarro pa-ra a BNL.

NTM CREOULA - 29 de Agosto de 2003(1º dia de viagem)

Cerca das 09:25, chegámos ao Creoula.O navio estava atracado no cais, prontopara o embarque e no local já se encon-travam alguns familiares para o últimoabraço, antes da partida.

Os instruendos estiveram uns momentoscom os pais e receberam “aquilo” que ti-nha ficado esquecido em casa ou, por pre-caução “aviaram” mais qualquer coisapois, diz o ditado que “quem vai par omar avia-se em terra...”.Após uma última despedida, os grupos,perfeitamente enquadrados, entraram abordo e colocaram as bagagens nos alo-jamentos já destinados. No refeitório, oComandante, proferiu uma mensagem deboas vindas e o Presidente da Direcção daAORN que o acompanhava, Dr. MarquesPinto, dirigiu-se aos instruendos, dese-jando a todos uma “saudável viagem” eencorajando todos os presentes a fazeruma reflexão sobre o mar e as suas po-tencialidades.

Na largada, os instruendos, envergando opolo City Desk/Creoula, formaram ali-nhados a bombordo acenando adeus parao cais onde, energicamente, os pais res-pondiam e tiravam fotografias, deixandocair discretamente algumas lágrimas.

Iniciada a viagem e após passar a barra doTejo, as questões de segurança foram no-vamente abordadas. Os instruendos re-ce-beram instruções para envergar o coletede salvação e comparecer junto da balsa

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atribuída onde, o Oficial Imediato, expli-cou aos diferentes grupos como funcio-nava este dispositivo de emergência.Depois de dadas estas explicações, osgrupos compareceram junto dos mastrosque lhes estavam determinados em casode tocar “à faina de mastros”. Todos con-firmaram no cartão que lhes foi distribuí-do, o nº de detalhe, o nº da balsa a que seteriam de dirigir em caso de emergência eo nome do mastro atribuído. Nesse cartãoconstava também o nº da coberta e da ca-ma respectiva.Os elementos da tripulação, também elescom tarefas definidas a bordo, estavamjunto dos mastros e, com a sua elevadaexperiência, explicaram detalhadamenteos nomes técnicos e a forma de manusearos diversos cabos que ali se encontravam.Cerca das 14:00 foi servido o almoço;poucos aderiram pois o mar “mostrava” asua presença de forma pouca amistosa.Lisboa e Cascais diminuíam no horizonte,o mar estava com vagas de 3 a 4 metros esubitamente o motor deixou de se ouvir.

Face a estas pequenas avarias e ao ventoque se fazia sentir, foi necessário içar deemergência as velas. Os instruendos res-ponderam rapidamente ao toque, de luvascalçadas compareceram junto dos mas-tros e com destreza puxaram os cabos.

Porque se encontrarem no convés, algunsjá bastante enjoados, foram os primeirosa avistar os golfinhos. Ouviram-se gritos– “golfinhos a bombordo” – e todos com-pareceram nesse bordo de máquina empunho. Os golfinhos, durante alguns mi-nutos acompanharam o navio, mergu-lhando, como se de uma dança se tratassee demonstrando uma adoração pelas va-gas que contrastava com o sentimentodos “marinheiros”. Ao final da tarde, “no-vo alarme”, para observar golfinhos a es-tibordo.

O primeiro grupo desempenhava as tare-fas inerentes ao serviço de quartos e osrestantes instruendos contemplavam oimenso mar. Deixou de se avistar terra. Opôr-do-sol era de invulgar beleza, com pe-quenas nuvens alinhadas no céu e alguns

navios que cruzavam a linha do horizonte.O mar “não facilitava” e surgiam mais al-guns marujos enjoados, vagueando pelonavio, na expectativa de encontrar um lo-cal de menor balanço. À noite, muitos op-taram por dormir no convés, aproveitan-do a brisa para amenizar o enjoo.

NTM CREOULA - 30 de Agosto de 2003(2º dia de viagem)

Às 07:00 ouviu-se o toque da alvorada eas palavras “alvorada, alvorada” no ETOdo navio. O nascer-do-sol em pleno marrevelou-se também um fenómeno degrande beleza..Um sol magnífico e um mar mais calmo,depois de uma noite de balanço nos beli-ches, ajudou a que o estômago dos maisindispostos retornasse à posição de ori-gem. Ultrapassados os “normais” enjoosdo primeiro dia, a boa disposição reina-va entre os instruendos e restante guarni-ção. Os quartos de serviço rendiam àsdeterminadas, passavam o serviço e con-

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tavam as novas experiências. Na forma-tura das 08:30 os grupos comparecerampara iniciar a limpeza, colaborando coma guarnição segundo as orientações domestre.Em virtude do excelente tempo, o coman-do do navio determinou a abertura daépoca balnear às 15:00. Os oficiais na po-pa e os instruendos a meio navio sabo-reavam as vagas de água salgada, os pri-meiros utilizando um balde e os segun-dos a boca de incêndio; estendidos ao sol

no convés uma agradável surpresa noETO: a arca dos gelados estava aberta. Játinha sido possível saborear as refeições ealguns “aventureiros” repetiram uma ouduas vezes.

No final da tarde, os golfinhos apare-ce-ram novamente, deliciando os presentescom as “brincadeiras”.

Para o jantar, o Comandante teve a ama-bilidade de convidar os chefes de grupo,demonstrando o ambiente que se vive en-tre a guarnição e os instruendos.

No convés, ao som da música, deram-seos primeiros passos de dança e no refeitó-

rio surgiram os primeiros artistas noKaraoke.Cerca das 03:00 da madrugada, um dosinstruendos que se encontrava de servi-ço, decidiu ir dormir, sem pedir ao chefede grupo ou informar os camaradas deserviço e com a agravante de não se irdeitar na sua cama. Detectada a sua au-sência, foi dado o “alarme” a todos osinstruendos, directores de instrução eoficial de quarto para procurarem o ins-truendo desaparecido, procedendo-se a

uma contagem rápida em cada grupo.Após alguns minutos de alvoroço, des-cobriu-se o desaparecido na bibliotecadormindo com grande profundeza; sóacordou depois de abanado com algumaviolência.

Felizmente que tudo não passou de umsusto, mas a situação serviu para alertaros chefes de grupo e restantes instruen-dos da importância de, durante a noite,se deslocarem acompanhados e nuncaabandonarem o serviço sem autorização.

Os directores de instrução informaramtambém os instruendos que, depois das22:00, não poderia estar qualquer ins-

truendo no exterior do navio, exceptuan-do os de serviço de quarto, e que o únicolocal para dormir era a cama atribuída.

NTM CREOULA - 31 de Agosto de 2003(3º dia de viagem)

Hoje, após as 08:30, foram dadas instru-ções para fazer baldeação ao convés donavio e foi divertido ver os instruendostodos alinhados de vassoura na mão, per-correndo todos os espaços visíveis.

Por ser Domingo, embora praticamentetodos tenham “perdido" a noção do dia dasemana, um elemento da guarnição tocouo sino, simulando o início da missa.Outro sinal do dia da semana ficou paten-te ao almoço, verificando-se rancho me-lhorado e sobremesa.

Cerca das 16:00 e a 300/400 m, surgiram2 a 3 baleias e, meia hora mais tarde, pas-sámos a “grande velocidade” por uma tar-taruga gigante.No decorrer da tarde, surgiu a informaçãode que naquela noite haveria uma festa abordo para comemorar a chegada àMadeira.

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O Comandante, na sequência do que ti-nha acontecido nos dias anteriores, con-vidou mais dois instruendos (um rapaz euma rapariga) para jantar na câmara deoficiais. Embora nervosos pela impor-tância do momento, foram falando e res-pondendo a algumas questões que os ofi-ciais lhes colocaram.

Após o jantar, pelas 21:00, deu-se início àfesta a bordo. Ameio navio, os elementosda guarnição colocaram o bolo e o vinhodo Porto. O Comandante disse algumaspalavras alusivas ao momento e brindoucom os directores de treino e restantesinstruendos. Ainda se saboreava o deli-cioso bolo quando, o Comandante man-dou buscar a viola, sentando-se de segui-da “no degrau” no convés onde cantou al-gumas canções. Os instruendos, sur-preendidos com a iniciativa, aplaudiramefusivamente o “artista”.Em seguida, um marinheiro da guarniçãodemonstrou também os seus dotes: deviola na mão cantou muitas canções co-nhecidas da generalidade dos instruen-dos, que não hesitavam em fazer coro deforma entusiasta.

A boa disposição reinava, pois, na manhãseguinte estaríamos a atracar no Funchal.

NTM CREOULA - 1 de Setembro de 2003(4º dia de viagem)

O amanhecer foi fantástico porque, numaimensidão de “azul” no alinhamento daproa, se via a Ilha da Madeira.

Todos os elementos vestiram o poloCreoula/City Desk e calça de ganga pre-parando-se para a faina. Uma das primei-ras “tarefas” foi verificar se os telemóveistinham rede e, confirmado isso, fazia-se aprimeira chamada para a família após trêsdias sem o inseparável amigo (telemó-vel). Os que viam a Ilha pela primeiravez, comentavam: – “....é muito linda...;.... há casas por toda a encosta...; ...ali éo aeroporto...”.

Chegados ao Funchal, era necessário en-galanar o Creoula, o que significava lim-par os amarelos, baldear, colocar a ilumi-nação e as bandeirinhas, etc.. O almoçofoi a bordo e, de seguida, todos tiveramlicença para conhecer a cidade ou sim-plesmente dar um mergulho na piscina ouna praia, sendo certo que o jantar não se-ria no navio.

Alguns aproveitaram a tarde para algunspasseios turísticos, como uma viagem noscestos, no teleférico ou a pé pelo centro.

Ao jantar, era chegado o momento de sa-borear as tradicionais espetadas mas, in-crivelmente, alguns jovens “correram”para o McDonalds ou Piza Hut.

A noite foi longa para os maiores de ida-de, pois os menores estavam todos a bor-do à meia noite.

NTM CREOULA - 2 de Setembro de 2003(5º dia de viagem)

Neste dia, através das diligências realiza-das pelo Comando de Zona Marítima, es-tava preparada uma volta à Ilha em auto-carros do Exército.

Cerca das 09:30, iniciou-se a viagem nosdois “mini bus” do Exército (os respecti-vos condutores eram naturais da Ilha e“funcionaram” também como guias).

A paisagem era espectacular; enquantouns tiravam fotos, outros dormiam na ten-tativa de recuperar da noite anterior. Opercurso compreendeu a subida aoMonte, com uma vista magnífica sobre oFunchal.

Seguiu-se o Pico do Areeiro, ponto maisalto da Ilha onde todos tiraram diversasfotografias, para mais tarde recordar.

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A viagem prosseguiu com passagem porSantana e uma visita às casas típicas, noentanto, com tantas curvas, algumas jo-vens ficaram enjoadas, tendo sido feitasalgumas paragens de “emergência”.

O dia terminou em Porto Moniz, comagradáveis mergulhos nas piscinas deágua salgada.Regressados ao Creoula, havia que pre-parar a “farda"”para mais uma saída nanoite do Funchal, sem esquecer de tirarmais umas fotografias: do navio para aCidade que parece um “anfiteatro” e doFunchal a apontar a máquina para oCreoula que, iluminado, fica ainda é es-plendoroso.

NTM CREOULA - 3 Setembro de 2003(6º dia de viagem)

Hoje, como habitualmente, limpou-se o na-vio e, de seguida, envergaram-se as t-shirtsdas Empresas que estiveram ligadas ao pri-meiro “projecto” da viagem, o polo daEmpresa City Desck que patrocinou apresente viagem e tiraram-se fotografiastendo o Creoula como “fundo”.

Na parte da tarde estava programado um“Tour”, patrocinado pela Câmara Muni-cipal do Funchal, conseguido pelos con-tactos de um sócio da AORN que residena Madeira. Este “Tour” compreendeuuma subida no teleférico, uma visita aoJardim Botânico e lanche nas piscinas doLido, com direito a banhos.O teleférico proporcionou uma vista fa-bulosa sobre o Funchal, pese embora ofacto de estar bom tempo quando iniciá-mos a subida e de estar a chover no cimodo monte. A visita ao Jardim Botânicotambém foi bastante apreciada, começan-do com um pequeno “briefing” à entrada,seguindo-se uma visita guiada e termi-nando com uma apresentação numa salado Museu.O autocarro cedido para estas visitastransportou os jovens para as piscinas doLido, onde foi servido um lanche, e todostiveram oportunidade de ir a banhos napiscina ou no mar.

À noite, última no Funchal, foi marcadoum jantar de grupo, num restaurante deamigos de um instruendo. A espetada foio prato preferido, regada com sangria e

um televisor ao fundo para ver o FCP vsSCP. Terminado o jantar e o futebol erachegado o momento de escolher o localpara “abanar o capacete”, tendo nestanoite os directores de treino concedidomais uma hora aos menores ( regresso aonavio à 01:00).

NTM CREOULA - 4 Setembro 2003(7º dia de viagem)

A alvorada foi às 06:00, altura em quechegaram os últimos “filhos da noite” aonavio.Às 07:00, conforme planeado, o naviolargou em direcção a Porto Santo. Na for-matura “em linha” a estibordo, muitosdormiam em pé enquanto o navio se afas-tava do porto Funchal.A bordo, os chefes de grupo eram “brifa-dos” sobre a forma como se procederia aodesembarque nas embarcações para apraia de Porto Santo.Cerca das 14:00, estávamos ao largo dePorto Santo, com uma vista magníficasobre a Ilha e um extenso areal a deixartodos ansiosos por desembarcar e ir a

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banhos. Em grupos de seis, às 14:30, co-meçaram a desembarcar no “Cais Velho”.

Chegados à Ilha, a sua beleza fascinou to-dos sem excepção e muitos optaram porfazer um pequeno passeio antes de ir pa-ra a praia.

Na praia, aproveitava-se para tirar maisumas fotos, incluindo do Creoula que es-tava mesmo em frente, a aguardar peloreembarque. A praia tinha uma areia finae limpa e a temperatura da água estimula-va a permanência neste local até ao últi-mo segundo em terra firme.

Na esplanada, bebeu-se uma imperial ena areia “trabalhava-se para o bronze” ouapreciava-se uma escultura feita por umadas raparigas embarcadas. A escultura es-tava de tal modo bem feita que atraiu aatenção dos banhistas na zona, que olha-vam e pediam para tirar fotografias.

Muito rapidamente passou a tarde e, re-gressados ao navio, pouco tempo depoislevantou ferro em direcção a Lisboa.Segundo as informações que circulavam,não nos esperava bom tempo, mas o mo-ral era elevado e todos já se sentiam ver-dadeiros “lobos do mar”.

Antes que os telemóveis ficassem de no-

vo “mudos” era tempo de mais uma cha-madas para a família ou namorado(a),que queria estar ao corrente dos aconteci-mentos a bordo.

O Creoula não era seguramente o “Barcodo Amor”, mas alguns jovens que aqui setinham conhecido, fizeram algumas ami-zades “mais íntimas” e procuravam os lu-gares mais românticos para namoriscar.

O balanço voltou em força e a sensaçãode enjoo regressou a alguns dos jovens,tornando a noite longa e agitada.

NTM CREOULA - 5 Setembro de 2003(8º dia de viagem)

Os horários do navio a navegar eram es-crupulosamente cumpridos e os grupos,novamente integrados no sistema dequartos, rendiam normalmente.

Passou-se o dia a navegar e a balançar,sendo de registar o aparecimento de duastartarugas gigantes a bombordo.

A jornalista do Expresso, que embarcoucom os instruendos para realizar uma re-portagem sobre a viagem, foi entrevistandoalguns jovens e acompanhou-os no de-sem-penho das diferentes tarefas a bordo e nos

programas realizados na Madeira.

Cerca das 22:00, ouviu-se o toque parafaina geral de mastros. Os instruendoscompareceram rapidamente nos mastrosatribuídos, de luvas calçadas, prontos pa-ra içar o pano. Terminada a tarefa “voltaà faina” e todos foram descansar, com ex-cepção do grupo de serviço.

Durante a madrugada, face às condiçõesmeteorológicas, foi necessário recolher opano, tendo o grupo de serviço efectuadoa operação sem qualquer dificuldade.

NTM CREOULA - 6 de Setembro de 2003(9º dia de viagem)

Mais um dia a navegar, onde o azul pre-dominava, as vagas e o vento não permi-tiam velocidade superior a cinco nós.Praticamente hora a hora instruendos pas-savam pela zona da Ponte para perguntarqual a previsão de chegada a Lisboa.

Face à distância e velocidade do momen-to, as previsões de chegada apontavampara as 14:00/15:00 de segunda feira.

Os instruendos rodavam pelos diferentesserviços, durante o quarto. Fazia-se de tu-do: rancheiro (descascar batata, lavar ta-

Page 9: VIAGEM “CREOULA 2003” · 43 EscoladeFuzileiros 28deAgostode2003 Odia“nasceu”muitocinzento,perspec-tivando-semautempoparaaviagem. Porvoltadas09.00,chegaramàEscolade Fuzileiros,emValedeZebro,osprimeiros

chos, etc.); serviço à casa das máquinas,serviço ao leme, serviço de ELA, adjuntodo contra-mestre e adjunto do oficial dequarto.

Todos os elementos da guarnição, explica-vam detalhadamente as tarefas a executar,nomeadamente, os oficiais de quarto que,com grande sentido pedagógico, procura-vam ensinar/esclarecer os instruendos so-bre todas as questões de navegação e res-pectivos instrumentos de ajuda.

NTM CREOULA - 7 de Setembro de 2003(10º dia de viagem)

Este dia viveu-se com mais alegria pois,apesar do cansaço, Lisboa estava apenas amais um dia de viagem e algumas horas.

A meio da tarde, os directores de treinoproporcionaram uma aula de ginásticaaos interessados a meio navio.

Por ser a última noite, houve festa a bor-do com momentos de grande diverti-mento e expressão artística no “karaoke”instalado no refeitório.

Cerca da meia noite, para que todos des-cansassem, terminou o “karaoke”, fican-do muitos inconformados com tal medi-da. Alguns dos mais jovens, (provavel-mente) por não estarem habituados a be-ber, procuravam desenfreadamente oWC, a fim de libertarem o estômago do“mix” que haviam bebido.

NTM CREOULA - 8 Setembro de 2003(11º dia de viagem)

Quando se ouviu a alvorada, muitos nãose tinham deitado, ficando toda a noite a“contar histórias” da viagem ou outrasda vivência académica ou simplesmentena “ressaca”. Ainda madrugada, já se

avistavam os primeiros sinais de terra,com alguns faróis a piscar na escuridão.

Ao nascer do dia, avistava-se a silhuetada serra de Sintra e todos vinham para oconvés “confirmar” que a viagem estavaa chegar ao fim.

Depois de muitas horas de navegação,todos estavam satisfeitos com a expe-riência por que tinham passado e com-pravam os artigos do navio para levarcomo recordação.

A tripulação com o uniforme de cerimó-nia (branco) e os instruendos com o po-lo Creoula/City Desk e calça de ganga,preparavam-se para chegar à BNL.

O Comando do navio estabeleceu oscontactos para que os rebocadores esti-vessem prontos para ajudar o Creoula aatracar.

Os instruendos trocavam os endereços(telefone, telemóvel, e-mail) e combina-vam novos encontros, ficando desde lo-go agendado um quando o Creoula sedeslocasse à Figueira da Foz, por alturado Encontro Nacional da ReservaNaval.

Pela última vez na viagem, formaramalinhados a estibordo e olhavam na di-recção do cais para verificar quem osaguardaria na chegada.

No cais, alguns familiares corriam demáquina fotográfica/vídeo na mão, paraconseguir o melhor plano, trocando-seadeus entre o navio e o cais.

Depois do navio atracado, o Dr.Marques Pinto entrou a bordo e assistiuà entrega dos “diplomas de embarque” atodos os elementos que embarcaram, in-cluindo a jornalista do Expresso.

O Comandante usou da palavra paraagradecer o empenho e a forma como

todos se enquadraram na tarefas da vidaa bordo durante a viagem, contribuindopara o sucesso da mesma.

Os instruendos, pela mão dos directoresde treino, entregaram um presente ao co-mandante em nome de todos eles(AORN).

Seguiram-se as despedidas, com algumaemoção, e todos pegaram na bagagemdeixando o Creoula com saudade.

O sentimento era comum a todos: o em-barque e as experiências a bordo tinham

sido extremamente positivas, neste velei-ro antigo bacalhoeiro e agora com a nobremissão de Navio de Treino de Mar.

José Carlos GuerreiroDirector de Treino

Nota de agradecimentoA AORN agradece reconhecida o apoio que lhe foi dado a propósito das viagens detreino de mar no NTM Creoula, pelas seguintes entidades e empresas:

Marinha de Guerra PortuguesaPortugal Telecom

City Desk – Computer SystemsMontepio Geral

Fundação Luso Americana para o DesenvolvimentoIDEPA – Indústria de Passamanarias

SoporcelFrindus

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