Viagem Pela Utopia

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VIAGEM À UTOPIA CIDADE E UTOPIA PDA dARQ 2013 Miguel Roque

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Utopias urbanas de Macau a Damão

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  • VIAGEM UTOPIACIDADE E UTOPIAPDA dARQ 2013

    Miguel Roque

  • Para os arquitectos, a viagem vem sendo um meio fundamental de experimentao da histria da arquitectura com os seus prprios sentidos, escala real, sem os filtros dos caracteres e das objectivas dos livros da disciplina.Esta forma de viagem, entendida como um perodo de tempo onde o arquitecto mergulha numa experincia cultural, tcnica e artstica exteriores sua realidade quotidiana, caracteriza-se pela sucesso de trs experincias distintas: o desejo de um destino, a execuo da viagem e o regresso ao ponto de partida.(Onfray, 2009) O desejo de um destino surge da necessidade de uma experincia externa ao quotidiano dos arquitectos em busca do confronto com o genius loci; a execuo da viagem permite a reflexo perante a histria disciplinar num contexto de permanente proxmia; no regresso os arquitectos transformam as fontes primrias a que acederam em ferramenta de projecto tendo por base a memria da experincia - que transformam em memria disciplinar e os seus desenhos, pinturas, textos e fotografias. Portanto, se por um lado a viagem contm a fonte primria da histria disciplinar, por outro concede a ferramenta de projecto.Na actualidade, viajar traar rotas entre cidades, mais que entre pases ou regies. Este o tempo da inevitabilidade urbana, em que uma em cada duas pessoas do mundo passou a viver em cidades, quando em 1900 eram uma em dez; no ano 2050 estima-se que sero oito em cada dez pessoas. Catalisadas pela revoluo tecnolgica do final do sculo XX e pela globalizao do tardo-capitalismo, as cidades deste tempo fragmentaram-se, por um lado pelo aparecimento do espao dos fluxos que alterou o seu propsito e por outro lado pela individualizao da sociedade e das suas aspiraes, que alterou o seu espao fsico. Desde Filarete a Le Corbusier a cidade foi sempre um objecto mensurvel, com uma forma definida, no entanto as imagens de satlite actuais mostram essas cidades apagadas e rescritas, envoltas por uma profuso urbana em que cada lugar nos remete para outros lugares desse espao dos fluxos. Apesar destes fenmenos colocarem em causa a viagem como encontro do desconocido revestido de intemidad (Mansilla, 2002), uma vez que o desconhecido remete, como vimos, para realidades conhecidas de outros lugares, a conjugao dessas realidades em sequncias novas asseguram continuamente a existncia do desconhecido para o viajante.Este trabalho reflecte sobre fragmentos dessa intimidade que estabeleci com trs cidades: Chandigarh, Damo e Macau. O que as une no meu mapa mental que em alguma altura das suas histrias o tempo longo que caracteriza o crescimento urbano foi acelerado por uma utopia humana que as marcou indelevelmetne.

    1.INTRODUO

    Prdios no Porto Interior - Macau

    Edifcio do Secretariado - Chandigarh

  • Chandigarh a cidade-capital do estado indiano do Punjab. A sua histria remonta ao ano 1947 e separao ndo-paquistanesa aps o fim da colonizao britnica, em que se formaram os dois pases: a ndia, de maioria hindu e o Paquisto, de maioria muulmana e cuja capital, Lahore, era capital do antigo estado do Punjab que foi dividido entre os dois novos pases. O estado indiano encomenda uma nova capital para o Punjab, Chandigarh, a pensar na afirmao de uma sociedade nova, moderna, progressista, que pudesse contribuir para a afirmao do estado indiano junto de uma fronteira problemtica, onde ainda actualmente existe muita tenso poltica e militar. Para desenhar a nova cidade Nehru, o primeiro-ministro indiano, chama Albert Mayer, arquitecto e urbanista Americano com quem j tinha trabalhado no projecto de desenvolvimento rural de Etawah e Maciej Nowicki, arquitecto Polaco que participara na reconstruo de Cracvia depois da segunda guerra mundial. Numa das deslocaes ndia, Nowiki morre num acidente areo o que leva Mayer a abandonar o projecto. Nehru lembra-se ento de Le Corbusier, o grande arquitecto moderno, para planear a nova Capital.LC recupera algumas premissas do projecto de Mayer e Nowicki, que propunham uma cidade-jardim, densificando-a e regularizando a sua malha. O resultado uma cidade encravada no sop dos himalaias, dividida em sectores auto-suficientes numa malha de estradas hierarquizadas segundo 7 perfis distintos em funo dos tipos de trfego. No topo Nordeste da malha esto instalados os edifcios administrativos da capital e um lago artificial que os articula com a cidade civil. Cada sector, de 800x1200m, tem capacidade para albergar 3000 a 20000 pessoas e dotado de servios pblicos e comrcio de proximidade no contacto com o espao pblico. Um dos sectores centrais da malha, o sector 17, o centro cvico da cidade e contm o comrcio e os servios centrais, como a estao central rodoviria, o cinema ou o maior hotel. O plano pressupe uma grande flexibilidade em relao materializao dos sectores, o que permitiu aos arquitectos sucedneos melhor adaptar a cidade aos seus tempos. No entanto, durante a primeira fase de implementao do plano, LC confia a execuo do plano a Pierre Jeanneret, Jane Drew e Maxwell Fry. Para si reserva o desenho dos edifcios da cidade administrativa: o capitlio.

    O programa definido para albergar o poder poltico do Punjab previa um secretariado, um parlamento, um palcio da justia e a residncia oficial do governador. A isto LC acrescenta uma escultura de uma mo aberta que

    2.CHANDIGARH - PROTTOPO E MODELO

    Fotografia area de Chandigarh

    Plano de Mayer e Nowicki

  • pretende consagrar a cidade ao homem novo, fraterno e de espirito aberto, a utopia de uma sociedade para quem LC sempre desenhou os seus edifcios. A Oeste deste complexo, o secretariado desenhado como uma mquina de trabalhar, prosseguindo a reflexo sobre a cidade-mquina que por esta altura estava a testar na Unidade de Habitao de Marselha. (1947-1953) No centro do capitlio, o parlamento e a residncia do governador (no construda) recuperam o tema da planta livre e levam o beto armado ao limite das suas possibilidades plsticas. O palcio da justia, a Eeste, encerra uma enorme praa que articula o lago artificial com as diversas cotas dos restantes edifcios.Com este projecto LC demonstra o domnio das vrias escalas da cidade, reconhecendo o tempo longo dos edifcios administrativos e o tempo mais curto da cidade do quotidiano, que necessita de maior flexibilidade perante a imponderabilidade do seu ciclo de vida. No entanto a utopia de um homem moderno nunca chegou a existir plenamente e esta cidade demonstra algumas incongruncias entre essa utopia social - para quem LC sempre desenhou os seus edifcios - e a realidade indiana. Chandigarh apresenta-se como um prottipo irreplicvel, uma hiptese concreta de utopia plena de contradies. A sua materializao implica o fim da utopia, mas ao mesmo tempo, esta cidade pretende ser um modelo capaz de converter o homem ideologia moderna e portanto convert-lo utopia que a existncia desta cidade destri.

    Plano de Le Corbusier

    Planta do Capitlio Edifcio do Secretariado

  • Planta do Sector 17

    Planta do Sector 34

    Planta do Sector 10

    Planta do Sector 10

  • Planta e Cortes do ParlamentoParlamento de Chandigarh

  • medida que o sec. XVII se aproxima, as cidades de expanso portuguesas vo ganhando maior definio na forma dos seus traados e os edifcios singulares passam a implantar-se em funo da lgica do prprio plano, afastando o urbanismo portugus da sua gnese orgnica e naturalista, dando ao homem-urbanista a primazia da definio das centralidades que outrora eram ditadas pelas condies naturais do lugar. Na ndia surgem manifestaes de uma busca pela cidade ideal, primeiro na muralha de Baaim onde trabalhou o autor da planta da cidade de Damo, o italiano Baptista Cairato. Este pde ento realizar o que os anteriores desenvolvimentos urbanos no lhe permitiram: desenhar e construir uma cidade rigorosamente regular.Genericamente pode-se falar de uma especificidade morfolgica do urbanismo de expanso portugus, que o distingue do urbanismo feito por outras culturas suas contemporneas. Primeiramente, as cidades portuguesas da dispora eram eminentemente litorais, preferindo as baias de guas profundas, protegidas dos ventos do mar e dos principais inimigos, ou os acidentes geogrficos situados nas extremidades das baias, cabos ou promontrios, ou ainda instalando as cidades em ilhas perto da costa de modo a responder principal funo da presena portuguesa no mundo: possibilitar e apoiar o comrcio martimo. (Rossa, 1997)Nas primeiras cidades, o ncleo urbano primitivo era localizado num planalto sobranceiro baia, ou na encosta adjacente baia. Geralmente estes ncleos dividiam-se em duas cotas principais, sendo instalado cota alta o ncleo defensivo, as representaes religiosas e administrativas e a estrutura habitacional e na cota baixa dominavam as funes comerciais e porturias bem como alguma da estrutura habitacional da cidade. (Teixeira, 1999)Em grande parte destas cidades o desenvolvimento urbano portugus fazia-se estritamente associado ao lugar, adaptando a forma urbana predefinida topografia do terreno, seja na definio do permetro da muralha, no traado da primeira rua paralela curvatura da baa, ou na preferncia pelas linhas de cumeada ou de vale no traado das vias estruturantes.Uma outra importante caracterstica destas cidades era a escolha de locais topograficamente dominantes para a implantao dos edifcios com funes mais importantes, que j de si se destacavam formalmente pela sua volumetria e pela sua complexidade arquitectnica, fruto da necessidade da mitificao das instituies administrativas e religiosas: o espao pblico transformado num espao de representao, onde a sociedade se faz visvel.

    3.DAMO - MQUINA DA UTOPIA IMPERIAL

    Planta de Damo Grande (sc. XVIII)

  • O poder poltico e religioso faz-se assim representar de forma monumental e inquestionvel. Em suma, para compreendermos o urbanismo portugus no mundo deveremos atentar realidade demogrfica do pas naquela poca, especificidade do comrcio martimo ou s caractersticas dos povos vizinhos das implantaes, mas podemos encontrar recorrentemente uma cenografia da pertena, fruto da necessidade de um pas longnquo e pequeno se fazer sentir presente e aglutinador de diversos povos e interesses.

    A cidade de Damo, situada na costa ocidental da ndia a meio caminho entre Baaim e Diu - nas margens do rio Daman Ganga, a norte de Bombaim, divide-se em duas cidades: na margem esquerda do rio, Damo Grande, uma cidade meticulosamente regular e muralhada e do lado direito Damo Pequeno, uma cidade indiana pr-existente que se espraia entre o rio e o mar, marcada a Sul pelo Forte de S. Jernimo erguido entre 1614 e 1627 pelo engenheiro militar portugus Jlio Simo. Para o presente estudo, interessa-nos atentar cidade muralhada de Damo Grande. Foi estabelecida em torno de um forte muulmano pr-existente de base quadrada que serviu de mdulo quadrcula viria que a ordena, a cidade definiu-se na dcada de 1660.Seguindo uma lgica de espaos de cenografia urbana, o centro da malha organiza uma praa ladeada pelos edifcios nobres da Casa da Alfndega, a Casa de Cmara, a Cadeia, o Palcio do Governador, a Igreja Matriz e o Colgio dos Jesutas; apenas o eixo entre as duas portas apresenta alguma densidade urbana e ainda hoje muitos dos quarteires de Damo Grande so pequenos quintais ou espaos sem qualquer construo, o que potencia a percepo de alguma monumentalidade no percurso principal da cidade, dando alguma iluso quanto s verdadeiras dimenses da cidade e nmero dos seus habitantes. Apesar de ter sido erguida em grande parte durante o perodo Filipino, apenas uma anlise superficial de Damo poderia indiciar uma predisposio poltica para um modo hispnico de fazer cidade, por tradio mais regular e impositivo que o portugus. A exaustiva regularidade de Damo no deixa de ser uma forma de adaptao ao lugar, mas desta feita, ao lugar antropolgico: ao contrrio da realidade da implantao noutros territrios, onde no havia urbanidade pr-existente, na ndia havia a necessidade poltica, militar e religiosa da imposio da causa portuguesa e ao usarem

    Planta de Damo Pequeno, a Norte e Damo Grande, a sul. (sc. XIX)

  • um traado deste tipo os portugueses pretenderam demonstrar a sua superioridade cultural servindo-se dos ideais renascentistas: a definio de ruas num traado rectilneo, com fachadas e crceas alinhadas, a estruturao de praas regulares e a definio de modelos arquitectnicos uniformes foram elevados aqui ao exponente mximo da rigidez e da pureza humana pelos mesmos motivos que noutras cidades de expanso a geometria cedeu inteligente e subtilmente perante o territrio. Perante a necessidade de se criarem lugares de pertena em territrios to longnquos e distintos quanto a ndia, Macau ou o Brasil, respondendo a problemas e solicitaes muito diversos, o denominador comum a todas estas formas urbanas ter de ser necessariamente lato e desligado de questes formais ou estilsticas, quer pela perenidade destas, quer pela dificuldade de se responder com a mesma linguagem a to distintos problemas. Visto por este prisma, Damo permite uma leitura de continuidade do modo de fazer cidades de expanso portuguesa, que mais tarde vai ser utilizado na metrpole, como o caso de Vila Real de Santo Antnio e at a reconstruo de Lisboa aps o sismo de 1755. Esta continuidade, desligada de questes formais, baseia-se na ideia de cidade como uma mquina capaz de responder s especificidades do imprio e s contingencias de cada lugar fsico e antropolgico. Damo porventura o caso portugus onde esta cidade-mquina foi materializada de forma mais regular, o que nos permite compreender com particular clareza trs vectores fundamentais que caracterizaram esta abordagem:1.Damo foi concebido como parte de uma mquina infra-estrutural de apoio ao comrcio mercante que era o imprio portugus, tendo cumprido essa funo na rota que ligava Goa ao estreito de Ormuz, particularmente importante durante os sculos XVII e XVIII.2.Damo foi projectado como uma mquina de guerra, concebida com 10 baluartes para cobrir 360 de terra e mar.3.Damo foi composto como uma mquina cenogrfica, impondo a causa portuguesa atravs da simbologia e da hierarquizao dos componentes urbanos.

    A malha urbana de Damo Grande

    LEGENDA1-Forte de S. Jernimo2-Mosteiro Dominicano3-S de Damo4-Igreja da N.S. Rosrio5-Mosteiro Jesuta6-Senado Pblico7-Porta do Porto

    Forte de S.Jernimo e cidade de Damo Pequeno

  • Porta Sul de Damo

    Muralha de Damo Grande

    Rua de DamoS de Damo

  • Reza a historia que durante uma invaso holandesa em 1622 que tudo tinha para ser bem sucedida, um frade Jesuta acertou com um s tiro de canho nos barris de plvora holandeses, matando destes em tal nmero que logo bateram em retirada. Um tiro de sorte portanto. Quatro sculos depois, inspirados ou no por esta historia, acorrem a Macau milhares de jogadores transformando-a na capital mundial do jogo. Ao tentar ser Las Vegas, Macau encontra o global e acena-lhe com um referencial histrico que no foi destrudo pela revoluo cultural de Mao: a herana portuguesa. O outdoor i am a monument cai (Venturi, 1977) e emerge um robocop de lata (Figueira, 2011) que vende pato franchisado nas arcadas da arquitectura colonial; na impossibilidade de se alargar para l das portas do cerco, a fronteira com a China, Macau vira-se para o mar: os aterros dirigem-se s ilhas da Taipa e de Coloane, o novo Cotai Strip. Cada aterro novo descontextualiza o velho territrio e traz novos refernciais cidade. Entre 1650 e 1997 a superfcie da cidade cresceu de 10.57 Km2 para 27.65 Km2, tendo este crescimento acontecido maioritariamente no sculo XX. Actualmente continuam os planos de novos aterros para satisfazer a demanda de terra para construo de novos casino-resorts.A indstria do jogo em Macau remonta ao sculo XVIII, onde casas de jogo, prostituio e venda de pio ocupavam a zona da Rua da Felicidade. Neste perodo, com o desenvolvimento do porto de Hong Kong e a consequente quebra da economia macaense, o governo da cidade decide criar as primeiras concesses reguladas de jogo. At ao sculo XX a cidade vai ganhando a fama de cidade do jogo, de corrupo e prostituio, abordada pela indstria de cinema de Hong Kong em Macao (1952) e mais tarde nos filmes The Longest Nite (1998) e Where a Good Man Goes (1999). A partir da dcada de 1960, com o surgimento da Sociedade de Turismo e Diverses de Macau (STDM) de Stanley Ho, a cidade comea a promover uma nova imagem associada ao turismo de diverso, ao mesmo tempo que a sua subsidiria Fundao Oriente lana projectos de reabilitao e preservao do patrimnio de Macau procura da imagem de uma Cidade da Cultura. Depois da assinatura da declarao sino-portuguesa em 1987, onde os dois pases acordarm a passagem da administrao do territrio para a Repblica Popular da China (RPC) para 1999, a administrao portuguesa aliou-se estratgia de Ho, procurando dotar o territorio de estruturas que garantissem a permanncia da cultura nacional no territrio, construindo o Centro Cultural de Macau, o Museu da Arte Sacra e o Museu de Macau. Ao mesmo tempo a STDM inicia a construo dos seus ltimos projectos em regime de monoplio

    4.MACAU: A IMAGEM NEO-NEON

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    LEGENDA1-BAA DA PRAIA GRANDE2-ATERRO NAPE3-PORTAS DO CERCO

    4-ILHA DA TAIPA5-ILHA DE COLOANE PENINSULA DE MACAU EM 1650

    Fotografia de satlite da Regio Especial de Macau

  • da indstria do jogo, como os casino-resorts Grand Lisboa e Ponte 19, onde se lanam as bases de uma alterao da ideia de Cidade da Cultura para uma imagem mais pujante e luminosa de uma Las Vegas do Oriente. A partir daqui, em Macau nem o cu o limite.Esta nova imagem est sediada em dois aterros distintos da cidade: o NAPE district cujo plano de ubanizao inicial foi feito por Siza Vieira, e o Cotai Strip que suporta ocupaes de maior envergadura devido disponibilidade de territrio desurbanizado. NAPE districtDe um lado a belssima arquitectura de iniciativa portuguesa, rodeada pela cidade que em 2007 tinha a mais alta densidade populacional do mundo e que denota - mais mal que bem - as cicatrizes dos perodos dourados e de misria extrema de Macau. Do outro, os territrios conquistados ao mar, recheados de casinos e hotis, preferencialmente neo-qualquer-coisa, e sempre em non. A separ-los, a Avenida da Praia Grande: a memria da forma da baa de que outrora foi marginal.A pontuar este (des)encontro, a homenagem ao primeiro navegador e ao primeiro escritor. A esttua de Jorge lvares parece que pergunta se foi para isto que pela primeira vez um europeu atracou na China, o memorial a Cames assegura que se mais mundo houvera, l chegara.Esta baia da Praia Grande foi at ao sculo XX a porta de entrada da cidade: al se instalaram os poderes politico e militar como sempre aconteceu no imprio portugus, na busca de uma cenografia da pertena que aglutinasse um imprio de fragmentos. Com os aterros, esta ex-marginal banhada pelas aguas de um lago com esguicho que articula o grande aterro NAPE com as pontes que ligam Macau ilha da Taipa.Em 1984 lvaro Siza chega a Macau para fazer o plano de desenvolvimento urbano do aterro NAPE. As suas propostas reflectem uma opo por uma malha ortogonal espanhola, que mais tarde justificar com a necessidade de enfatizar a diferena entre a cidade antiga e a nova expanso e com a inexistncia de referncias topogrficas que um aterro supe. (Siza, 1998) Esta opo leva-o a quarteires de 144x144m inspirados provavelmente nos quarteires de Buenos Aires com uma grande alameda ao centro onde se instalaria um jardim chins. Ao longo da visita Siza faz desenhos exploratrios sobre a cidade onde denota preocupaes com a parafernlia de alturas dos edifcios existentes que tenta controlar com os 33 metros de crcea nica

    A Fortaleza do Monte com o Grand Lisboa em fundo

    Esttua de Jorge lvares na avenida da Praia Grande

  • da sua proposta. Nos anos seguintes. ao anunciar-se o fim da presena portuguesa em Macau, Standley Ho sente o seu monoplio na indstria dos Casinos ameaada. Como ltimo esforo de o perpetuar, Ho constroi o casino Grand Lisboa no arranque do plano de Siza, inviabilizando a necessria conteno que o arquitecto prope. A partir daqui torna-se impossvel fazer vingar o plano e Siza retira-se de cena, reconhecendo a obsolescencia do seu plano. De ento para c os grandes casinos internacionais vm ocupando este aterro com necessidades cada vez mais megalmanas quer ao nvel da crcea, quer ao nvel da implantao, o que tem alterado decisivamente a imagem da cidade.

    Cotai Strip

    Maquete da proposta de lvaro Siza para o aterro NAPE

    Desenho preliminar de lvaro Siza Desenho de Macau de varo Siza

  • Cotai StripMacau vive dias de luxo, que se sobrepuseram a tempos difceis, gerados principalmente pela indefinio e incapacidade poltica durante o sc.XX. Houve at um tempo em que Portugal propunha deixar o territrio e a China se recusava a aceit-lo. D ideia que Portugal abandonou Macau sua sorte, que muito raramente ultrapassou as paredes de um casino. Este abandono poltico foi apenas o topo de uma cadeia que deixou Macau de rastos, no s por omisso, mas tambm pela aco demasiadas vezes sem sentido da administrao portuguesa condicionada pela corrupo e pelas organizaes mafiosas que se formaram volta da indstria do jogo. No sentido de satisfazer a necessidade de territrio para construo de casino-resorts, para alm dos aterros da pennsula de Macau, decidiu-se unir por aterro as lhas da Taipa e Coloane que em conjunto com a pennsula de Macau compem a Regio Especial de Macau. Sem os constrangimentos das pr-existncias da pennsula, aqui as escalas das pequenas vilas piscatrias foram rebentadas por gigantes neo-qualquer-coisa que simulam realidades que remetem para outras paragens: no Venetian as gndolas navegam em canais por entre lojas sofisticadas, no Galaxy simula-se uma praia havaiana. Em pouco tempo estar consolidado o plano de desenvolvimento urbano Cotai Strip, um jogo de palavras que articula o nome das ilhas de Coloane e Taipa com uma referncia Las Vegas Strip.Este novo monofuncionalismo urbano que demasiadas vezes construdo lado-a-lado com o patrimnio nico de Macau, como so os casos do aterro NAPE e da Cotai Strip, pode ser contraproducente no dia em que por alguma razo o jogo deixar de ser a galinha-dos-ovos-de-ouro deste povo: que jamais se poder recuperar a escala do bairro da S enquanto o Grand Lisboa o alumiar l do alto nem a serenidade do mercado da vila da Taipa pode sobreviver a uma City of Dreams.

    Maquete da Cotai Strip

    Fotografia do mercado da Taipa com o casino-resort City of Dreams em fundo Cotai Strip visto da pennsula

  • Bibliografia ConsultadaFigueira, J. (2011) Macau. Circo de Ideias, PortoMansilla, L. (2002) Apuntes de viaje al interior del tiempo. Fundacin Caja Arquitectos, BarcelonaOnfray, M. (2009) Teoria da Viagem Uma Potica da Geografia. Questzal Editores, LisboaPrakash, V. (2002) Chandigarhs Le Corbusier: The Struggle for Modernity in Postcolonial India. University of Washington Press, SeattleRossa, W. (1997) Cidades Indo-Portuguesas. Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, LisboaSiza, . (1998) Immaginare levidenza. Edies 70 (2006) LisboaTeixeira, M. e Valla, M. (1999) O Urbanismo Portugus, Sculos XIII XVIII. Livros Horizonte, LisboaVenturi, R. (1977) Learning From Las Vegas. MIT Press, Cambridge

    Crditos das ImagensTodas as fotografias e desenhos foram feitas pelo autor com excepo de:Os desenhos de lvaro Siza foram retirados de:Siza, . (1998) Immaginare levidenza. Edies 70 (2006) LisboaOs desenhos de Chandigarh foram retirados de:http://chandigarh.gov.in/Os desenhos de Mayer e Nowicki foram retirados de:http://www.studyblue.com/notes/note/n/review-images/deck/2718827Os desenhos de Damo foram retirados de:http://fortalezas.org