VÍDEO AUDIO São Paulo, SP, 22 de maio 2007 · ... ele me chamou e perguntou: “Meu filho, o que...

32
Roteiro de Edição 1 VÍDEO AUDIO Créditos iniciais Realização: FGV - CPDOC Projeto: Trajetória e Pensamento das Elites Empresariais de São Paulo Entrevistado: Olavo Setúbal São Paulo, SP, 22 de maio 2007 Entrevista concedida a Celso Castro e Robert Nicol 1º Bloco Legenda: Origens 00:01:00 – 00:07:43 (fita 1) Tempo total do bloco: 7’11” Celso Castro Bom, Dr. Olavo, queríamos começar a entrevista do início da sua vida um pouco e que você falasse das suas lembranças de infância, da sua família, do seu pai, da sua mãe. Como foi a sua vida na infância? Olavo Setúbal – Meu pai faleceu quando eu tinha 13 anos. Quando ele se viu bem doente, ele me chamou e perguntou: “Meu filho, o que é que você vai estudar?” Eu respondi: “Vou ser engenheiro.” Ele disse: “Não faça isso. É uma profissão de segunda.” [risos] Uma vez eu contei essa história em uma entrevista e um psiquiatra disse: “Nesse dia o senhor mostrou o que é logo. Um pai moribundo diz para o senhor ir para uma outra profissão e diz que a sua escolha é de segunda, e o senhor não dá bola e vai em frente, demonstrou que o senhor tinha opinião já desde aquela época.” E aí eu fui para a Poli. C. C. – Mas o senhor já tinha claro nesta época, para ele, que queria fazer engenharia? O. S. – Engenharia. E ele disse que era profissão de segunda. C. C. – Mas qual é a lembrança que você

Transcript of VÍDEO AUDIO São Paulo, SP, 22 de maio 2007 · ... ele me chamou e perguntou: “Meu filho, o que...

RoteirodeEdição

1

VÍDEO AUDIO Créditos iniciais Realização: FGV - CPDOC Projeto: Trajetória e Pensamento das Elites Empresariais de São Paulo Entrevistado: Olavo Setúbal São Paulo, SP, 22 de maio 2007 Entrevista concedida a Celso Castro e Robert Nicol

1º Bloco Legenda: Origens 00:01:00 – 00:07:43 (fita 1) Tempo total do bloco: 7’11”

Celso Castro – Bom, Dr. Olavo, queríamos começar a entrevista do início da sua vida um pouco e que você falasse das suas lembranças de infância, da sua família, do seu pai, da sua mãe. Como foi a sua vida na infância? Olavo Setúbal – Meu pai faleceu quando eu tinha 13 anos. Quando ele se viu bem doente, ele me chamou e perguntou: “Meu filho, o que é que você vai estudar?” Eu respondi: “Vou ser engenheiro.” Ele disse: “Não faça isso. É uma profissão de segunda.” [risos] Uma vez eu contei essa história em uma entrevista e um psiquiatra disse: “Nesse dia o senhor mostrou o que é logo. Um pai moribundo diz para o senhor ir para uma outra profissão e diz que a sua escolha é de segunda, e o senhor não dá bola e vai em frente, demonstrou que o senhor tinha opinião já desde aquela época.” E aí eu fui para a Poli. C. C. – Mas o senhor já tinha claro nesta época, para ele, que queria fazer engenharia? O. S. – Engenharia. E ele disse que era profissão de segunda. C. C. – Mas qual é a lembrança que você

RoteirodeEdição

2

tem? O seu pai foi poeta, teve também uma participação na política… O. S. – Eu tive pouca convivência com meu pai, porque ele estava doente e ficou muito tempo em São José dos Campos, porque ele estava tuberculoso. De modo que eu só passava lá as férias. Então, a grande figura da minha vida foi minha mãe, mulher enérgica, muito atuante, presente na vida, católica fundamentalista se diria hoje em dia. C. C. – D. Francisca. O. S. – E ela teve uma grande influência na minha formação, nos meus hábitos e no meu comportamento. C. C. – Influência? Qual é a imagem em que o senhor lembra mais dela? O. S. – Lendo todos os dias um livro que se chamava A preparação da morte, que tinha 365 páginas. Ela lia uma página todos os dias, ia todos os dias à missa. De modo que pode imaginar que era… Olha, já tem tanta entrevista minha sobre a minha vida, que… Secretária – Alguns discursos publicados interessa? Livros? C. C. – Não, obrigado. O. S. – O que é isso? Secretária – Esse aqui é Soberania versus globalização, publicado também pela Mackenzie. E essa é a aula inaugural da Poli de 2000. O. S. – Aula inaugural da Poli e uma aula de pós-graduação. Secretária – E esse? O. S. – Desse eu não gosto.

RoteirodeEdição

3

C. C. – Mas a sua mãe vinha de uma família tradicional, não? O. S. – Tradicional. Mas o dinheiro acabou antes de chegar nela, de modo que nós levamos uma vida modesta. Nem automóvel ela tinha. C. C. – O seu bisavô que era marquês, não? O. S. – Não, ele era irmão do meu bisavô. Esse era um homem riquíssimo, mas também a fortuna dele acabou. Esse negócio de fortuna de brasileiro, algumas acabaram antes, outras acabaram em 1929, na crise do café. C. C. – E o senhor decidiu seguir a carreira de engenheiro por alguma influência de alguém? O. S. – Não, de ninguém. Foi vocação real, pessoal. C. C. – Qual era a sua imagem na época da carreira de engenheiro? Porque não era a mais prestigiada socialmente, como seu pai lhe falou. O. S. – Não, era de segunda. Eu acho que fui para a engenharia porque sempre fui atraído pelas ciências exatas e não tinha atração pela cultura geral, embora eu tenha tido uma boa cultura geral na minha infância, porque, por influência de minha mãe e de meu pai, eu tive cultura razoavelmente ampla. C. C. – Você estudou aqui no Ginásio do Carmo? O. S. – Que era um ginásio modesto, de meninos, filhos de operários italianos, de origem basicamente de operários italianos. Se ensinava muito bem matemática, física e química. De ciências

RoteirodeEdição

4

exatas não se tomava conhecimento. C. C. – É? Ciências humanas? O. S. – Cultura geral, ciências humanas. Tanto que eu saí de lá e entrei na Poli direto, entrei em sexto lugar em um concurso com 600 candidatos. C. C. – Engraçado, era de se supor que, com um pai poeta e romancista, o senhor tivesse interesse também pela área de humanidades, literatura. O. S. – Nada. Desde cedo, portanto, eu tinha… Quando eu entrei na Poli, eu tinha 13 para 14 anos. Era um preparatório. Naquela época tinha um pré-engenharia, que era equivalente ao colegial de hoje. E a Poli teve uma enorme influência sobre mim, porque, ao contrário da minha casa, que era católica fundamentalista, o Pré era feito de professores livres pensadores. Então, eu me lembro ainda hoje de uma aula de filosofia, em que o professor começou o curso dizendo: “Augusto Comte e a sua obra ciclópica.” Augusto Comte na minha casa era um pecador. C. C. – Mas para o seu pai também? Ou para a sua mãe? O. S. – Não, o meu pai era muito distante. Estava em São José dos Campos, estava doente, tuberculoso, complicado. C. C. – Mas ele não era religioso como a sua mãe? O. S. – Ele ficou religioso. Ele descreve lá no livro dele, no Confíteor ele descreve a evolução dele. Mas o Confíteor só foi publicado postumamente. Ele escreveu e morreu.

RoteirodeEdição

5

2º Bloco Legenda: Formação 00:07:43 - 00:18:10 (fita 1) Tempo total do bloco: 10’34”

C. C. – Então o ambiente ainda tinha essa influência positivista na Poli nessa época? O. S. – Não sei se era positivista, mas era racionalista, profundamente racionalista. Robert Nicol – Em que ano foi que você entrou na Poli? O. S. – Eu entrei para o preparatório em 1938. C. C. – O senhor se formou em 1945? O. S. – Em 1945. Dois preparatórios em cinco anos de curso. R. N. – E o senhor se especializou em…? O. S. – Hein? R. N. - O senhor se especializou em engenharia eletrônica? O. S. – Não. Na entrada eu entrei para o curso de engenheiro civil, que era o mais comum, que era igual ao preparatório na Poli, não no Pré. Já tinha dois anos de física e química, que era igual para todos. Aí, no fim de dois anos, eu passei para mecânico eletricista, porque eu já queria me especializar em industrialização. Eu já tinha como objetivo ir para a indústria. Era o início da industrialização no Brasil e do IPT. Tudo isso influiu na minha formação. C. C. – Você lembra de alguns professores mais marcantes na sua formação, na época da Poli? O. S. – Na Poli tinha alguns professores magníficos. Dr. Cintra do Prado dava aulas ótimas de física. Já falava em física atômica em 1939, 1940. R. N. – A Poli tinha recebido professores

RoteirodeEdição

6

da Europa, fugidos? O. S. – Não, eu já não peguei mais. Só um dos professores que se radicou no Brasil, que ensinava matemática. Os outros a guerra já tinha eliminado. O [inaudível] e outros que vieram eu não peguei. Eu peguei o Albanese, que era um italiano, que dava geometria analítica no primeiro ano da Poli. C. C. – O senhor pegou a segunda guerra estudando na Poli, não é? O. S. – Inteirinha. Do primeiro ao último dia. Eu entrei no ano em que arrebentou a guerra e saí no ano em que acabou a segunda guerra mundial. C. C. – E isso com 20 anos, não é? 20 e poucos. O. S. – E eu, nessa época, já tinha uma formação bem ampla, porque mamãe, embora fundamentalista… Eu tinha aula de alemão, de francês e recebia revistas alemãs e francesas. C. C. – Mas de engenharia? O. S. – Não, de cultura geral. Então, eu acompanhei a guerra de uma forma muito mais evoluída que os meus amigos da mesma idade. Eles diziam que eu era germanófilo, porque eu acompanhava muitas revistas alemãs e tinha clara visão da guerra - na época, extraordinária para um menino de 16, 17 anos. C. C. – O senhor teve alguma atuação, ou simpatia política nessa época? O. S. – Nada. Eu fui apolítico até o dia em que o Paulo Egydio me convidou para ser prefeito. Não me interessei pelo assunto e aceitei o convite para ser prefeito, porque achava que o prefeito era um cargo de engenheiro. A engenharia

RoteirodeEdição

7

tem influência, mas, na verdade, o cargo de prefeito é um cargo profundamente político. Lá que eu aprendi a convivência política. C. C. – Mas já havia um movimento estudantil, uma discussão entre os pró-americanos e os a favor do eixo? O. S. – Não, na Poli havia mais um movimento estudantil contra o Getúlio. Era um movimento estudantil de caráter liberal. Mas não era demasiado intenso. Era muito mais intenso na Faculdade de Direito. Mas eu freqüentava bastante a Faculdade de Direito e tinha muitos amigos envolvidos nesses esquemas políticos. C. C. – Mas mais anti-getulistas ou getulistas? O. S. – Era tudo anti-Getúlio. C. C. – Quer dizer, a imagem que o senhor tinha do Getúlio era mais próxima… O. S. – Era a imagem de um ditador. C. C. – Mas e, por exemplo, Volta Redonda, que era um investimento na industrialização? O. S. – Eu fui visitar Volta Redonda, quando eu estava no último ano da Poli e, evidentemente, me causou um grande impacto. Foi toda a classe visitar Volta Redonda. Quando eu penso naquele tempo, em que se estava construindo Volta Redonda, que foi um grande evento na história econômica do Brasil, Volta Redonda estava construindo o primeiro auto-forno para mil toneladas por dia, que dava 300 mil toneladas por ano. Hoje em dia, como diz o Gerdau, isso era boutique. E, naquele tempo foi uma revolução no Brasil.

RoteirodeEdição

8

R. N. – Colegas do período? Colegas do período, que você se lembra, amigos, colegas de turma? O. S. – Foram os que se formaram comigo. Um deles foi meu sócio, Renato Refinetti, que faleceu agora há pouco tempo. Trabalhamos juntos uns 40 anos. Ele foi meu colega de turma desde esse tempo. Antes até. Foi meu colega no Ginásio do Carmo, entramos juntos no Pré, fizemos a Poli. Começamos a vida criando a Companhia Deca, que era em um fundo de quintal e ele tocou a Deca até morrer. R. N. – O senhor também participou da Deca vários anos, não? O. S. – Pois é, no começo. Eu fiquei como sócio até hoje. Até hoje eu ainda sou acionista. Eu acho que até sou presidente da Deca aí fora. Não tomo conhecimento, a não ser para assinar os livros de ata. C. C. – O senhor antes disso, terminando a Poli, ficou como assistente da cadeira de eletrotécnica, não? O. S. – Fiquei, durante uns dois ou três anos. C. C. – Assistente de quem? Qual era o professor? O. S. – O professor era o dr. Jordão. Ele era neto do homem que fez Campos de Jordão. Eu me esqueço o primeiro nome dele. Eu fui assistente dele durante dois anos. Um dia eu vi que eu não estava vocacionado. Eu não tinha preparado a aula, não sabia o que dizer. Desci, larguei a Poli e fui me dedicar inteiramente à Deca. C. C. – E o Instituto de Pesquisas

RoteirodeEdição

9

Tecnológicas, o IPT, foi nessa época também? O. S. – Eu fui para o IPT quando ainda estava no terceiro ano da Poli. Fiquei lá durante uns cinco, ou seis anos. Teve uma grande influência na minha visão tecnológica e industrial. Era um pessoal muito evoluído para a época. R. N. – O diretor do IPT durante muito tempo foi o Dr. Alberto… O. S. – Pereira. Mas ele estava licenciado. Eu sou amigo do Alberto até hoje e ele ainda está aí, com 90 anos, lúcido. Mas o diretor era o Dr. Adriano Marquine, que era um engenheiro correto, muito dedicado ao IPT. R. N. – E lá no IPT o senhor desenvolveu alguma atividade? O. S. – Lá no IPT eu trabalhei com fornos elétricos. Eu escrevi um artigo sobre o tratamento matemático dos fornos elétricos. Um dia eu fui ao IPT, porque me fizeram lá uma homenagem e me deram uma cópia desse trabalho. Já não entendo nada. [risos] Não entendi nada do que eu escrevi sobre tratamento matemático dos fornos elétricos de indução. Mas, estava absolutamente correto. Neste artigo eu já previa que ia ter fornos elétricos de indução de 65, coisa que na época ainda não havia e depois veio a ter. C. C. – Como se participava do IPT? O senhor era convidado ou o senhor…? O. S. – Não, eu fui funcionário, registrado no IPT como funcionário de tempo integral. C. C. – E o seu cargo, qual era? O. S. – Engenheiro do departamento de

RoteirodeEdição

10

metalurgia. R. N. – Com o Dr. Arantes o senhor tinha contato? O. S. – O Arantes foi meu colega de turma. Mas o Arantes era mais ligado à medição, à metrologia. Eu tinha contato de colega, não de trabalho. Nunca mais o vi. Ele fez um caminho completamente diferente. Acho que faleceu já.

3º Bloco Legenda: O crescimento empresarial 00:18:11 - 00:25:13 (fita 1) Tempo total do bloco: 7’09”

C. C. – E como é que surgiu a Deca? O. S. – A Deca surgiu do meu interesse sempre em fazer fundição. Aí nós vimos em uma revista inglesa uma maquininha, que era uma máquina de costura, que trabalhava com fundição sob pressão, die-casting. Por isso veio o nome Deca, veio de die-casting. Era fundição em molde – die é molde e casting é fundição. Eram pequenas máquinas operadas manualmente. Nós compramos duas e montamos lá na rua dos Amores, que é lá perto da Vila Maria. Alugamos um barracão de 10 por 20 e começamos com dois operários. Um deles ficou conosco até agora. Morreu há uns dois, ou três anos. C. C. – Quando você fala “nós”, é o senhor e quem mais? O. S. – O Renato Refinetti. Quando ele morreu, há dois anos, eu escrevi uma notícia. Curiosamente o diretor da Mackenzie, que estava dando uma assessoria, veio para mim e disse: “O senhor tem uma atitude extremamente construtiva. Essa carta marca a sua personalidade.”. C. C. – Por quê? O. S. – Ele morreu e 50 anos antes ele tinha sido operário n.º1 da Deca. Ficou sempre ligado ao Renato Refinetti.

RoteirodeEdição

11

Comigo ele trabalhou pouco. C. C. – Com dois operários, então, que o senhor começou? O. S. – Comecei com dos operários e hoje o grupo tem 61 mil. É um crescimento, não? C. C. – E como era o senhor se tornar empresário neste contexto pós Segunda Guerra, do governo Dutra? O. S. – Foi no pós Segunda Guerra, quando o Brasil inventou a palavra de industrialização, de criar indústria, Volta Redonda. Já se começava a falar de indústria automobilística, embora o Juscelino tenha vindo depois. Nós estávamos em pleno modelo Vargas de industrialização, que foi quem industrializou o Brasil. Foi o modelo Vargas, que perdurou até o Fernando Henrique. R. N. – Só que logo depois da guerra houve uma reversão, na medida em que o Brasil importou um monte de… O. S. – Houve um momento em que importaram demais. O câmbio estava como agora, excessivamente baixo. E brasileiro com câmbio baixo faz burrada que não tem tamanho. Já fazia naquele tempo. R. N. – Isso durou todo o governo Dutra, não durou? O. S. – Todo o governo Dutra. C. C. – E, na época, a que você atribui o sucesso da Deca? O. S. – A Deca não teve sucesso nenhum. Teve só suor e trabalho. Era modesto e não teve maior sucesso que sobreviver dois ou três anos. Aí aconteceu que havia

RoteirodeEdição

12

uma empresa, a Ferraresi, que produzia material de… A Ferraresi era do encanador do engenheiro… Qual era o nome dele? Já não me lembro bem. Era um engenheiro muito conhecido aqui no Brasil, que construiu tudo aqui. C. C. – Depois o senhor lembra. O. S. – Qual era o nome dele? No momento eu não lembro. Ele foi o encanador dele e ele fundou uma fábrica de torneiras e de material de construção. E nessa fábrica andou lá o filho dele e depois das burradas dele, morreu em um acidente, de burrada também. E aí foi vendida para um libanês do interior, que não entendia nada. Viu o anúncio “vende-se barato”, veio aqui e comprou. [risos] Naturalmente que, seis meses depois, estava quebrado. Aí o advogado dele, que era um outro libanês, amigo de amigos meus, me fez ver a fábrica. Compramos a Taiá - Taiá se chamava - e aí a Deca se expandiu fortemente. Eu assinei a escritura de compra da Taiá na véspera de fazer 22 anos, ou 23 anos. Nem lembro mais direito. Eu sei que era véspera do meu aniversário. C. C. – O senhor se aconselhava com alguém nessa época? Seu pai, poeta,… O. S. – Meu pai já tinha morrido. C. C. – E não era um empresário. O. S. – Mamãe não tinha… Quem era a grande figura, mas não era homem de dar conselho, foi o meu tio Alfredo Egydio que foi o fundador de todo o grupo. Era uma figura muito prepotente, muito atuante, com grande decisão, mas um mau empresário. Muito audacioso. Então, fundou o banco na cara e na coragem, mas não conseguiu desenvolver o banco, que não crescia bem na mão dele. Ele era um típico - não diria um executivo no

RoteirodeEdição

13

mundo de hoje, mas era um líder empresarial, com personalidade forte. C. C. – Apesar de ser seu tio, o senhor não tinha uma relação próxima com ele? O. S. – Não tinha. Minha mãe me disse uma coisa, que já me disseram que foi muito importante. Ela disse: “Olavo, você não pode trabalhar com o Alfredo, porque o Alfredo esmaga todo mundo que trabalha com ele. Você tem que esperar ser chamado por ele.” Então, o velho Alfredo, quando ficou velho e estava em grandes dificuldades, me chamou. Aí eu fui trabalhar com ele, mas já com plena autoridade. Aí começou o Itaú, que chegou a isto hoje.

4º Bloco Legenda: O Itaú e a família 00:25:13 - 00:36:26 (fita 1) Tempo total do bloco: 11’20”

R. N. – Mas o Itaú é de que data? O. S. – Como? R. N. – De que ano data o Itaú, a fundação? É dos anos 30? O. S. – O Itaú, a história é outra. O banco foi fundado em 1º de janeiro de 1945. Mas aí eu não estava. Era um banco federal de crédito. Depois de três ou quatro anos, o banco ia mal e aí o Dr. Alfredo me chamou e eu fui ser diretor do banco. O banco tinha 22 agências nessa época, lá por 1950. E aí continuou o desenvolvimento do banco federal de crédito, com grandes dificuldades, até que um dia eu propus a fusão com o banco Itaú, que era dirigido por uns fazendeiros. Todos muito velhos, tanto que morreu tudo nos primeiros três ou quatro anos. E daí ficou o Itaú e eu assumi a execução do Itaú. R. N. – Esses fazendeiros eram de São João da Boa Vista, algum lugar assim? O. S. – Hein?

RoteirodeEdição

14

C. C. – De Minas, não é? R. N. – Esses fazendeiros eram de São João da Boa Vista? O. S. – O velho Alfredo é que tinha fazenda em São João da Boa Vista. Eles eram de Itaú, lá em Minas Gerais. Tanto é assim, que eles tinham fundado o banco e depois um deles, que era engenheiro, fundou o Cimento Itaú. Itaú quer dizer pedra preta e era calcário. Ele fundou o Cimento Itaú, com o qual nunca cheguei a ter negócio. Compramos o banco dele e desenvolvemos o Itaú. C. C. – O conselho da sua mãe foi bom, de esperar ele chamar. O. S. – De esperar ele chamar. C. C. – Mas ele não tinha outras pessoas que ele pudesse chamar? O. S. – Tinha, os sobrinhos. Chamou, mas todos foram um fracasso horrível. [risos] C. C. – Filhos ele não tinha? O. S. – Não tinha. Ele adotou uma filha, que está viva até hoje, que é a mãe da Milú Vilela. Foi filha adotiva do Dr. Alfredo. São histórias de 60 anos atrás. C. C. – Mas são interessantes. E como foi que ele lhe convidou. Ele chamou um dia, ele disse: “Eu quero que…”? O. S. – Ele chamou e disse: “Sobe lá e toma conta.”. C. C. – Foi isso mesmo? O. S. – Foi. Isso foi na Duratex. C. C. – Ele tinha a Duratex também?

RoteirodeEdição

15

O. S. – Tinha fundado a Duratex. C. C. – Tinha o banco e a Duratex. O. S. – E estava péssima a Duratex. De tudo isso ele era sócio. Nada era de propriedade dele. Ele tinha até poucas ações, mas era de uma personalidade dominante. Ele dominava as empresas. Agora, o banco tem uma história também curiosa. Ele me convidou para ser diretor do banco e mandou embora um diretor muito incompetente, que anos depois escreveu as memórias dele, evidentemente metendo o pau no Alfredo: “Prepotente, me mandou embora para pôr o sobrinho dele no lugar.” Mas ele era totalmente incompetente, um fazendeiro lá de São João da Boa Vista. São histórias. Mas o velho Alfredo, na primeira reunião disse: “Essa é a segunda reunião de diretoria e a última que eu vou fazer, porque eu estou muito mal e vou morrer.” E a primeira, quando eu fiz na fundação, nunca teve a reunião até hoje. C. C. – Mas ele lhe chamou para o banco ou para a Duratex? O. S. – Começou pela Duratex, depois fui para o banco e aí fui para tudo. Quando ele viu que eu tinha a personalidade adequada, ele me entregou a Duratex, o banco e a seguradora. Em três a quatro anos acabei diretor. Quando ele faleceu, eu já era diretor de tudo. C. C. – Mas ele ainda viveu algum tempo, não? O. S. – Não muito. Uns quatro a cinco anos. Nem tanto. Uns três ou quatro anos. C. C. – E a convivência nesse período? Ele deixou o senhor à vontade, ou ele acompanhava?

RoteirodeEdição

16

O. S. – Muito à vontade. Não mexia em nada, fazia o que eu queria. Ele era daqueles que têm aquela máxima: “Ou eu comando, ou eu fico quieto.”. C. C. – Nessa época, só para não perder o fio da sua família, o senhor já havia casado, não foi? O. S. – Já. C. C. – Em 1946? O. S. – Em 1946. C. C. – Com D. Matilde, não é? D. Tide, como era conhecida. O. S. – Uma personalidade forte, muito importante na minha vida. Mãe dos sete filhos que eu tenho aí. C. C. – E ela veio de uma família de políticos, não? O. S. – O avô dela era um político. O pai dela tinha que ficar tomando conta da fábrica da família. Era uma ótima criatura, mas era o oposto do velho Alfredo, um homem tímido e absolutamente cordato, que eu gostava muito. C. C. – A D. Tide chegou a estudar filosofia na faculdade? O. S. – Ela formou-se em [inaudível] e fez o Sedes Sapientiae. Quando eu casei, ela tinha uma cultura geral muito melhor que a minha, de psicologia, de arte e tal. Eu melhorei minha cultura enormemente sobre esse aspecto com a convivência com a Tide. C. C. – E logo o senhor, que era filho de um da Academia Brasileira de Letras, de um imortal.

RoteirodeEdição

17

O. S. – Pois é, a vida é um negócio complicado, vai evoluindo. C. C. – Só por curiosidade: quando o seu pai foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, o senhor tinha 12 anos? O. S. – 14 anos. Ele morreu seis, oito meses depois. C. C. – Foi um acontecimento marcante? Como é que ele recebeu essa…? O. S. – Marcou a minha vida, mas eu não fui ao Rio de Janeiro. Foi marcante no sentido de que nós éramos notícia. Meu pai vestiu aquele fardão que é impressionante. Foi marcante, mas não teve maiores conseqüências no meu dia-a-dia. C. C. – Em 1932 ele apoiou a Revolução Constitucionalista, não? O. S. – É. Ele fez discursos e tal, embora o velho Alfredo tenha sido preso e era getulista, ligado ao Oswaldo Aranha. Você vê que a minha formação veio no tumulto da sociedade paulista. C. C. – Mas o senhor era criança, tinha nove anos, talvez. Qual a lembrança sua da Revolução Constitucionalista? O. S. – Pequena. Só me lembro de ouvir notícias de que o meu pai fazia discurso. Para ele foi um problema muito sério. Ele agravou a tuberculose e ele veio a morrer depois, em conseqüência de ter tomado parte no movimento da Revolução, aqui em São Paulo, movimento só de intelectuais. Me lembro de ouvir falar no ouro para São Paulo, principalmente depois, quando roubaram o ouro. Isso me deixou uma lembrança até hoje. Mais de 50 anos! C. C. – E a d. Francisca, ela…?

RoteirodeEdição

18

O. S. – Não, ela não tomava conhecimento político. Pelo contrário, ela dizia: “Meu filho, nunca vá para a política, porque eu acompanhei o seu avô na velhice. Era horrível, porque ele ficou em uma decadência política total, ninguém ia visitá-lo e ele ficou deprimidíssimo.”. C. C. – Caiu em desgraça, como se diz politicamente. O. S. – Estava no ostracismo, absolutamente abandonado. C. C. – E ela participava da vida empresarial, acompanhava, ou cuidava só da família? O. S. – Nada, nada. Ela queria salvar a alma para ir para o céu - dela, minha e da minha irmã. C. C. – E D. Tide acompanhava mais a sua vida empresarial? O. S. – Não. Até um dia eu disse: “Olha, a Tide não apoiou nada a minha vida empresarial.” Aí uma pessoa disse: “Você está enganado. Apoiou enormemente, porque vocês tiveram um casamento feliz e ela te deu um apoio familiar ótimo, tranqüilo, o que permitiu a você se dedicar às suas atividades sem ter preocupações domésticas.”. C. C. – Com sete filhos ela tinha bastante trabalho em casa. O. S. – Tinha o que fazer, não é? C. C. – Naquela época não era comum as mulheres acompanharem a vida profissional do marido. O. S. – Ela se formar no Sedes Sapientiae já era anormal naquele tempo. Era o

RoteirodeEdição

19

começo do Sedes Sapientiae. O começo do nível superior em São Paulo para mulheres foi o Sedes Sapientiae. Teve influência na elite paulista da época. R. N. – Isso ainda quando o Sedes Sapientiae estava na Marquês de Paranaguá? O. S. – É. Nem sei qual era o nome da rua. Tinha uma madre, a madre Cristina, que era uma figura forte. Provavelmente vocês já ouviram falar nela. R. N. – Sim. C. C. – E d. Tide era religiosa como a sua mãe? O. S. – Muito religiosa. C. C. – Também. O. S. – A família da Tide também era religiosa. De modo, que eu saí de uma família fundamentalista e casei em uma outra família também muito religiosa. C. C. – Os seus filhos também o senhor considera…? O. S. – Na juventude eu fui muito religioso e só passei a ficar agnóstico aos 50 anos. C. C. – É? Por quê? Algum episódio existencial? O. S. – Nada. A vida foi evoluindo, eu acabei levando uma vida profissional e um belo dia eu percebi que não era mais religioso.

5º Bloco Legenda: O Itaú e a política 00:36:31 - 00:37:52 (fita 1) Tempo total do bloco: 9’44”

R. N. – No período de expansão do banco Itaú – isso se deu no fim dos anos 60 e início dos anos 70. O. S. – O que?

RoteirodeEdição

20

R. N. – A expansão do banco Itaú… O. S. – A expansão? R. N. – A grande expansão. O. S. – A grande expansão do banco Itaú se deu nessa época. Em dez anos, a partir da fusão com o BUC, que era um banco que quebrou e que o governo nos levou a comprar, em dez anos foi construída a base do Itaú. Aí eu saí para ser prefeito. Foi em 1975. O Itaú começou em 1965 e até 1975 foi estruturado o tamanho do Itaú. R. N. – Mas o primeiro banco que o senhor mencionou foi o BUC, que o governo os induziu a comprar? O. S. – Não, acontece o seguinte: nessa época nós fomos comprando o banco Itaú, o banco Sul-americano… R. N. – O português. O. S. – E aí o banco do Roberto Campos, que era o BUC, que tinha comprado o Banco Comercial do Estado de São Paulo, tinha entrado em dificuldades e o Banco Central interveio.

00:38:06 - 00:41:20 (fita 1)

O. S. – Minha primeira reação foi que eu não queria, porque era grande demais. Mas no final, o diretor de lá, que era o Paulo Lyra, me disse que eu tinha condições. A grande tacada do banco Itaú foi a compra do BUC. O BUC era maior que o Itaú naquela época, apesar de ter comprado já vários bancos. Quando acabou a fusão do Itaú, eu vim ser prefeito. E aqui ficou no Itaú tomando conta, o Dr. Moraes Abrantes. C. C. – Nos anos 60 tem uma história de sucessivas fusões. O senhor vai comprando bancos, não é?

RoteirodeEdição

21

O. S. – O Banco Sul-americano, o Banco da América. Houve a compra do BUC e daí em diante foram várias compras: O BUC, o Aliança etc. E aí eu saí e fui ser prefeito de São Paulo. Fiquei quatro anos fora do banco e nem pus o pé aqui. R. N. – E essa passagem da vida empresarial para a vida política como é que se deu? O. S. – Da mesma maneira que um dia eu quis ser engenheiro, eu quis ser prefeito. E aí fui prefeito. Tive as minhas dificuldades, mas consegui executar a prefeitura de uma forma bastante razoável para a época. Outro dia veio aqui o Brasil Vita – vocês já devem ter ouvido falar – e disse: “O senhor foi prefeito honesto naquela época. O senhor foi quatro anos prefeito e nunca teve o menor sinal de dificuldade.” E realmente eu pus uma disciplina boa na Prefeitura. Mas o pessoal sonha com o Haussmann em Paris. A elite brasileira. O Haussmann fez Paris fantástica. Paris já era uma grande cidade com um fantástico orçamento federal, não cortaram da Prefeitura. O que fez Paris foi o orçamento do imperador Napoleão III, que queria ir para a história como o grande reformador de Paris. Realmente, foi a única coisa de bom que ele fez. Foi uma revolução urbanística extraordinária lá em Paris. C. C. – Serviu de modelo inclusive aqui no Brasil, quando se fez… O. S. – Ele teve influência no mundo inteiro, o Haussmann e a reforma de Paris, porque Paris ainda era uma cidade do tempo da Idade Média, ainda estava uma cidade toda fechada. Ele abriu os boulevards, as avenidas. Foi uma revolução extraordinária. Mas se nós formos falar de Haussmann, nós falamos

RoteirodeEdição

22

horas…

00:43:18 - 00:45:12 (fita 1)

C. C. – Como é que o senhor acompanhava a vida política? Vargas voltou, depois o Brasil passou alguns anos de crises políticas… O. S. – A prefeitura me jogou na política. C. C. – Mas e antes? Juscelino, por exemplo, quando assume… O. S. – Aí eu não muito tomei conhecimento. C. C. – O senhor ficava afastado? O. S. – Eu cuidava da empresa. Quando eu tomei conta do banco, eu fiquei dedicado… Outro dia um amigo meu me disse uma coisa que eu nem lembrava: “Telefonei para você para fazer…” Eu nem me lembro mais que atividade, mas eu disse: “Fulano, eu só trabalho. Não quero fazer nada nem de bem-estar, nem de benemerência.” Eu trabalhava 12 horas por dia. Entrava no banco às oito da manhã, tinha um acordo com a Tide e saía às oito da noite e ainda levava coisas para a casa. Se não, ficaria mais até. Comecei a ir mais tarde e aí ela começou a reclamar. Fizemos um acordo: oito à oito. C. C. – E os senhores costumavam sair? O. S. – Muito. C. C. – Teatro, música? O. S. - Obviamente que ela, criando os filhos, de noite estava desesperada para ir ao cinema, ao teatro. Saíamos muito, muito mais que hoje. Hoje eu tenho horror de sair. C. C. – E os senhores viajavam também pelo Brasil de férias?

RoteirodeEdição

23

O. S. – Pelo Brasil eu viajei depois com o Itaú, para todo o Brasil. Quando o Itaú ficou grande, na minha volta da prefeitura, eu visitei o Brasil inteirinho, para visitar todas as agências. C. C. – O senhor comprou bancos que tinham agências no Brasil inteiro, não é? O. S. – No Brasil inteiro.

00:47:16 - 00:50:21 (fita 1)

C. C. – E qual é a receita? Se o senhor fosse voltar no tempo escrever o manual da fusão que deu certo, o que ia precisar? O. S. – Na época eu escrevi um manual da fusão que deu certo. Ainda não foi provado, mas eram as providências burocráticas da fusão. Eu digo que a fusão, para dar certo, tinha que ter várias condições. Primeira condição: escolher o presidente, em primeiro lugar. Tinha um banqueiro aqui muito famoso na época dele, que era o Gastão Vidigal, que começava discutindo quem ia ser o chefe dos [inaudível] na fusão. Quando chegava depois de um ano, ele dizia que só ele chegava. Mas se o presidente é você e um outro diz que sou eu, não faziam nada. A primeira regra era acertar o presidente. Segunda regra é acertar o nome, para não dar confusão. Em terceiro lugar é acertar a diretoria executiva. O resto é irrelevante. E deram sempre certo as regras. C. C. – Então as suas regras são só essas? Simples. Agora, e nessas horas, quando se vai aumentar, incorporar, fundir, ou mudar a composição das diretorias, como é que fica a relação da família com a empresa? O senhor trazia pessoas da família para a empresa, ou não? Ou havia pessoas que queriam entrar e o senhor não chamava? O. S. – Não, família não. Os bancos que

RoteirodeEdição

24

nós fundimos ou compramos também não trouxeram. Teve um banco do Nordeste, que era o Banco Aliança, que tinha um grande financiamento da família. No dia seguinte da fusão, todo o crédito rural entrou em default, porque era tudo dos fazendeiros deles lá. Foi uma coisa curiosíssima. Mas saiu imediatamente. Foi uma boa compra. Esse banco tinha sido de alemães e ainda tinha um diretor alemão. Quando nós assumimos, encontramos uma série de buracos. Houve uma reunião, eu comecei a relatar como íamos resolver os buracos e o alemão que estava lá levantou e disse em um português com sotaque alemão: “Eu nunca [inaudível]. Não quero nem ouvir.” E foi embora. Ao longo de 80 anos de vida empresarial e de vida política a gente soma uma quantia enorme de história. Os meus filhos é que dizem: “A gente não pode contar nada para o papai, porque se não ele conta uma longa história a respeito.” Ele sempre tem histórias a respeito de tudo.

6º Bloco Legenda: Cargos de indicação e personagens marcantes 00:50:26 - 00:53:23 (fita 1) Tempo total do bloco: 8’55”

C. C. – Antes de o senhor virar prefeito, eu queria lhe perguntar sobre dois assuntos. O senhor foi integrante do Conselho Nacional dos Seguros Privados em 1965, se não me engano. Como foi essa experiência? O. S. – Isso foi o seguinte: quando veio a revolução de 1964 a situação dos seguros estava horrível, porque tinha inflação e ainda tinha uma legislação em moeda fixa. Então, era uma coisa inviável totalmente. Era tudo marcado por uma legislação de 1930 de moeda fixa. Imagina isso com a inflação que havia naquele tempo. Aí o Paulo Egydio Martins foi nomeado ministro e um dia ele me chamou e disse: “Olavo, precisa ver como é que resolve esse problema de seguro, porque está uma loucura.” Aí foi feita uma comissão que era o Fábio Comparato, eu e uma terceira pessoa, que

RoteirodeEdição

25

eu nem lembro mais quem era. Nós fizemos uma proposta de reformulação dos seguros, que foi adotada pelo governo e implantada nessa época. Criou a Susep. Isso foi a minha atuação. Aí o Conselho dos Seguros foi criada e ele me nomeou para o Conselho dos Seguros. C. C. – E a outra experiência que eu queria lhe perguntar é: o senhor foi vice-presidente da Fundação Padre Anchieta. O. S. – Nisso eu não tive a menor influência. O José Bonifácio Nogueira, meu fraternal amigo, era presidente e me convidou para ser vice-presidente para não fazer nada. Nunca fui lá, nunca tive qualquer atuação. Aliás, nunca fui lá não. Ia uma vez por ano quando havia a leitura do relatório. Eu só me lembro de uma vez em que nós fomos lá, que ele passou um filme sobre como seria o futuro da ciência no século XX. Isso era ainda no século XX. Curiosamente, eu lembro desse filme até hoje, porque o cientista dizia todo o tempo: “O futuro vai ser a biologia.” Para mim, era uma surpresa total. C. C. – Mas estava certo. O. S. – Estava certíssimo. Ele disse: “Olha, o mundo da biologia está… Não vai ser mais a física, a química. Vai ser a biologia que vai revolucionar o mundo daí para frente.” É a única lembrança que eu tenho da Fundação Padre Anchieta. C. C. – Quer dizer que essa idéia de rádio e TV educativa o senhor não…? O senhor não tinha nenhum interesse específico nisso? O. S. – Nada. Não tinha nenhuma interferência, não tinha nada.

00:45:12 - 00:47:13 (fita 1)

C. C. – Eu queria só conhecer a sua impressão sobre dois personagens muito

RoteirodeEdição

26

marcantes desse período. Um é o segundo Getúlio. O senhor já falou da sua época de estudante, que tinha a visão de um ditador. E o Getúlio que volta ao poder no início dos anos 50 pelo voto? O. S. – O Getúlio de hoje. Hoje eu acho que o Getúlio foi a grande figura do Brasil. Ele deu a unidade brasileira, quebrou, na verdade, com a política dos estados na primeira República e no Império. No Império é uma outra história, mas na primeira República era o governo dos governadores, a política dos governadores. O Getúlio foi o homem que deu a grande unidade nacional depois do Império, a unidade política da República. E fez reformas importantíssimas. A CLT que ele introduziu superou sete, oito constituições e ainda está aí. C. C. – A legislação trabalhista, que ele criou, isso o senhor, como empresário, como via? O. S. – Eu recebi bem. Para surpresa da maior parte dos empresários eu digo que a CLT foi ótima para o Itaú. Foi a CLT que permitiu montar o Itaú. Por quê? Pelo seguinte: se você compra um banco na Europa – nos Estados Unidos não –, você não pode mandar embora os empregados, porque os sindicatos são muito fortes. No Itaú nós fundimos tudo, mandamos embora grande parte dos empregados e contratamos outros. Mas o Itaú tem uma componente da CLT muito importante na sua formação.

00:00:20 - 00:00:28 (fita 2)

C. C. – Deixa eu só voltar aqui. Eu perguntei sobre alguns personagens, falei do Getúlio Vargas, sobre a sua imagem final dele.

00:00:49 - 00:01:54 (fita 2)

C. C. – Mas eu gostaria de ter também a sua opinião – na época, como empresário, o senhor já disse que não tinha uma

RoteirodeEdição

27

participação política partidária – sobre o Juscelino. O. S. – O Juscelino era o grande tocador de obra. Eu admirava a obra do Juscelino, mas nunca tive nenhum contato com ele. Nem o conheci pessoalmente. C. C. – Mas tem uma visão positiva dele? O. S. – Hoje? Hoje tenho uma visão bastante positiva do Juscelino. Ele abriu o Brasil. Bom, eu sou favorável a ele ter construído Brasília, que eu acho uma obra-prima maravilhosa de arquitetura, embora economicamente seja duvidosa, com esses problemas das cidades satélites e a burrada de querer construir um metrô lá, que é uma loucura total. Mas loucuras o Brasil faz muito.

00:02:12 - 00:04:47 (fita 2)

C. C. – só para terminar, outro personagem que eu ia lhe perguntar era o João Goulart. O. S. – Eu achei um bobo alegre, que caiu sozinho no famoso comício dos sargentos lá no Rio de Janeiro. Naquele momento eu tive clara visão de que ele ia cair. Falando do Juscelino e do João Goulart, quando eu estava com o Tancredo Neves, que eu gostava muito, um dia nós fomos para um encontro no palácio do governo no Rio de Janeiro, lá em cima, o palácio… Nem lembro o nome do palácio. É o palácio do governador do estado… C. C. – Rio Negro? Guanabara? O. S. – … que foi do Guinle. Lá no parque Guinle. C. C. – Ah sim, em Laranjeiras. O. S. – Aí nós sentamos lá na sala do governador e o secretário veio dizer: “Olha, o governador está um pouco

RoteirodeEdição

28

atrasado. Pede para os senhores desculparem, mas ele vai demorar uns 10 minutos.” Para mim foi uma maravilha, porque eu fiquei conversando com o Tancredo. Aí eu comecei a olhar os quadros, a sala, a decoração, e eu disse para o Tancredo: “Eu nunca vim aqui. É a primeira vez.” Aí o Tancredo disse: “Na última vez que vim aqui, antes dessa vez, eu estava sentado nessa escrivaninha com o João Goulart. Foi em janeiro de 1964 e o João Goulart mandou me chamar e me perguntou: ‘O que é que eu devo fazer Dr. Tancredo?”’ e eu disse a ele: ‘O senhor deve nomear o general…’” Como é o nome dele? Foi o primeiro da revolução… C. C. – Aqui de São Paulo? Castello Branco? O. S. – O Castello Branco. O general Castello Branco como ministro da Guerra. Aí o Jango disse: “Mas isso é partilhar o poder.” Aí o Tancredo disse para ele: “Ou o senhor partilha, ou o senhor cai.” E caiu. Nunca mais vi o João Goulart até o dia em que eu fiz o discurso no túmulo dele lá em São Borjas. Essa é a história do João Goulart e do Tancredo Neves. C. C. – Mas o senhor não tinha contato nessa época com o pessoal, nem com a política? O. S. – Nada. Nem conhecia o Tancredo, nem nada. Essa é uma longa história que fica para outra vez.

7º Bloco Legenda: Cotidiano e Arte 00:41:21 - 00:43:18 (fita 1) Tempo total do bloco: 7’30”

C. C. – Só para lhe perguntar um pouco sobre a sua rotina, além do trabalho no banco, o senhor nessa época, antes da prefeitura, costumava viajar de férias para aonde? O. S. – Turismo sempre foi o meu grande hobby. Eu viajei bastante depois da

RoteirodeEdição

29

Prefeitura. Antes eu trabalhava muito e comecei a viajar. Por causa da Duratex fui à Suécia várias vezes. Comecei a viajar bastante. Viajar é o meu hobby até hoje. C. C. – Da sua primeira viagem ao exterior o senhor lembra? O. S. – Foi para a Suécia. Eu me lembro até hoje. C. C. – Nos anos 40 ainda? O. S. – Foi um pouco depois. Em 50. Tive uma grande impressão na Suécia. O engenheiro que me recebeu ainda está vivo. Recebi uma carta ainda agora. Ele também está com os seus 90 anos. Sueco não morre. Realmente eles têm uma idade média muito maior que os brasileiros. Mas eu gostei muito da Suécia. Muito me impressionou a vida sueca, os hábitos suecos. Eles já naquele tempo tinham uma estrutura de uma total liberdade sexual, padrão Brasil de hoje. Isso em 1960. C. C. – Era vista como uma sociedade, vamos dizer, mais avançada. O. S. – Muito. Aberta, sem religião, uma sociedade totalmente aberta.

00:00:02 - 00:00:20 (fita 2)

O. S. – Eu viajei bastante e só me arrependo do que não viajei. C. C. – O senhor chegou a ir à Ásia? América Latina? O. S. – Ásia, Japão, Indonésia, tudo isso. Gostaria de ter ido muito mais ainda. Hoje em dia já não dá mais.

00:53:27 - 00:57:04 (fita 1)

C. C. – Mas acho que na década de 60, se não me engano, em 1969, foi quando o Itaú comprou um quadro do pintor holandês, Frans Post, que foi o início da

RoteirodeEdição

30

coleção. O. S. – Esta aí até hoje. Foi mero acidente. Eu era muito amigo do Fernando Milan, que era um marchand, e ele telefonou para mim e disse: “Olavo, você precisa comprar.” E eu disse: “Mas Fernando, é muito caro.” Custava cinco mil dólares. Para o Itaú daquele tempo era muito dinheiro. Eu comprei e hoje ele vale um milhão de dólares. Ele está aí na sala da diretoria. Daí começou uma coleção, que é a coleção do Itaú, que hoje é de boa qualidade, tem um acervo bastante bom. Um desses daqui está na sala dos diretores. C. C. – O senhor tinha interesse especial por arte nessa época? O. S. – Não. Foi a Tide que me desenvolveu. C. C. – Ela tinha? O. S. – Ela tinha muito interesse por arte. Ela que me levou a muitas exposições, conferências de arte e tal. Tem uma conferência que eu lembro até hoje… [abre-se a porta, entra D. Claudina] O. S. – D. Claudina, me dá o volume da Coleção do Itaú. Secretária - O novo, doutor Olavo? O. S. – Nem sei. Tem aí dois livros. Não sei se vocês preferem a coleção do Itaú muito recente, que é só de pinturas contemporâneas. O que é que vocês preferem? C. C. – O que o senhor achar. O. S. – Me dá os dois. C. C. – Obrigado, fica lá no acervo da

RoteirodeEdição

31

Fundação. A d. Tide tinha interesse por algum tipo de arte? Pintura, principalmente? O. S. – Arte clássica. Depois abandonou completamente e só queria arte primitiva e a arte… Como é que chama? Arte primitiva. C. C. – Naïf? O. S. – Naïf. Morreu na arte naïf. C. C. – Ela acompanhou esse início da coleção de arte do Itaú? O. S. – Não, ela já tinha morrido. Não teve influência nenhuma nisso. Mas, olha, esse quadro que eu comprei, por cinco mil dólares, tinha dois quadros do Frans Post. Eu disse: “Olha, eu vou ficar só com um, porque é muito dinheiro.” O Itaú era desse tamanho e para o Itaú eu não comprei. Hoje os dois quadros valeriam cada um milhão de dólares. Depois fui comprando coisas e vieram coisas dos bancos absorvidos. Curiosamente, quem trouxe uma coleção de primeiríssima ordem, foi o Bank Boston. Curiosamente, porque é um banco americano. Tem Portinaris fantásticos e tem duas coleções que já estão aí: uma de cocares de índio, que são uma beleza, e tem uma coleção de arte africana também magnífica. Nunca pensei que o Bank Boston tivesse essas coisas.

00:05:56 - 00:07:20 (fita 2)

C. C. – O senhor está nesta sala há 10 anos? O. S. – Há 10 anos. E esse móvel aqui tem uns 20 anos. E a mesa sempre limpa. C. C. – E quais são os seus objetos preferidos nessa sala? Tem uma escrivaninha…

RoteirodeEdição

32

O. S. – Acontece uma coisa: esses objetos, em geral, eu herdei. O que eu mais gosto é desse Pancetti. Não fui eu que comprei, é de um dos bancos que nós compramos. Eu acho um Pancetti magnífico. Aquele é um Almeida Júnior, mas é normal e esse é um Di Cavalcanti, também normal – o grande quadro é este. Agora, a grande peça dessa sala é aquela Nossa Senhora, que eu comprei em um leilão em Nova Iorque. É um Aleijadinho que foi vendido em Nova Iorque. É uma magnífica peça. C. C. – Mas e a sua de estimação? Se o senhor tivesse que levar para a ilha deserta, como os jornalistas perguntam, uma só? O. S. – Levaria a Nossa Senhora. C. C. – Aleijadinho. O. S. – Eu gosto muito de escultura e gosto muito de arte barroca. C. C. – E se fosse mais uma seria o Pancetti ou o Di Cavalcanti? O. S. – O segundo seria o Pancetti. Está bom? C. C. – Muito obrigado.