Videogames e novos produtos de mídia baseados em dados: um projeto de pesquisa

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    Videogames e novos produtos de mdia baseados em dados: um projeto de pesquisa1

    Matias Peruyera2

    Jheison Holthausen3

    Resumo

    O artigo busca estabelecer uma base para analisar a questo da narrativa em objetos demdia baseados em dados, como o caso de bases de dados disponibilizadas por meiosjornalsticos e visualizaes de dados, entre outros. Os videogames, a rigor, tambm soprodutos baseados em dados, e que passaram por um processo de narrativizao. Esseprocesso pode ser analisado para comprender a funo narrativa desses novos produtos, econsiderar o que necessrio para que produtos baseados em dados se estabeleam comonarrativa. Para isso, foi feita uma breve anlise dos diferentes recursos narrativos usadospelos games e que podem ser transpostos para outros produtos.

    Palavras-chave

    Narrativas; bases de dados; videogames, visualizaes.

    Introduo

    Entre a abstrao grfica dos games pioneiros, como as raquetes e bolas

    quadradas de Pong, e o detalhamento dos jogos mais recentes, os games passaram por um

    processo de narrativizao no qual as histrias neles contadas ficaram cada vez mais ricas

    em narrativas e significados.

    Enquanto isso, a abundncia de dados das mais diversas fontes est criando

    novas possibilidades no campo da comunicao. So quantidades enormes de dados

    gerados por localizao de aparelhos celulares, dados divulgados por determinao de

    leis da transparncia poltica, informao criada em redes sociais na internet, entre outras.

    Dados que, por si s, no tm narrativa.

    Seria possvel, a partir da anlise do processo de narrativizao dos games,pensar em um possvel processo de narrativizao dos dados? Quais das tcnicas j

    1 Artigo apresentado no Eixo 5 Entretenimento Digital do VI Simpsio Nacional da Associao Brasileira dePesquisadores em Cibercultura realizado de 06 a 08 de novembro de 2012.2 Aluno do curso de Jornalismo da Faculdade Internacional de CuritibaFacinter. Email: [email protected] Publicitrio, mestre em Comunicao e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paran, professor do curso deComunicao Social do Centro Universitrio Uninter. Email: [email protected].

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    usadas pelos games podem ser adaptadas aos dados? Quais as possibilidades narrativas da

    visualizao de dados, dos infogrficos (interativos ou no) e dos dados estatsticos como

    linguagem?

    No livro Multimedia:from Wagner to virtual reality (PACKER E JORDAN,2001), os autores conceituam a narratividade como estratgias estticas e formais que

    resultam em formas no-lineares de histrias e apresentao de mdias.4 Neste sentido, ao

    apresentarem o artigo de Bill Viola, Will be there condominiums in Data Space? (1982)

    os autores ressalvam a ideia de Viola sobre o data space: um territrio de informao no

    qual todos os dados existem em um presente contnuo, alm das tradicionais definies

    de espao-tempo, disponveis para o uso em infinitas justaposies.5 Os autores frisam

    ainda que a pesquisa de Bill Viola traz em seu contexto uma ideia de navegar por bases

    de dados: esta capacidade de entrar em uma matriz de informao no-linear em

    qualquer ponto, para navegar seu contedo livremente em qualquer direo e

    velocidade.6 (2001, p. 288) Para Viola, os dados no ciberespao possibilitam a formao

    de narrativas diversas que, tal como os diagramas seguidos pelos artistas do

    renascimento, extrapolaram as telas para forjarem-se na arquitetura, onde os diagramas

    (sagrados) da arte se reconfiguraram (VIOLA, In: PACKER E JORDAN, 2001, p. 293):

    O aspecto original de arte e a ideia de espao de dados forampreservados atravs do Renascimento, no entanto, preservando a relaoentre imagem e arquitetura. A pintura tornou-se arquitetura, uma formaespacial, na qual o expectador a experimenta fisicamente andando porela.7 ( ibidem,2001, p. 293)

    4No original: aesthetic and formal strategies [] which result in nonlinear story forms and media presentation(2001, xxxi) (traduo do autor)5No original: a territory of information I which al data exists in a continual present, outside the traditional definitionsof time and space, available for use in endless juxtapositions (traduo do autor)6No original: This ability to enter a nonlinear information matrix at any point, to navigate its contents freely in anydirection and any speed. (traduo do autor)7 No original: The original structural aspect of art, and the idea of data space was preserved through theRenaissance, however, in the continued relation between image and architecture. Painting became an architectural,spatial form, which the viewer experienced by physically walking through it. (traduo do autor)

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    Objetos de mdia digitais e narrativas

    Para pensar a relao entre objetos de mdia8 digitais e narrativas, comearemos

    com uma questo apresentada por Lev Manovich:

    Em programao de computadores, estruturas de dados e algoritmosnecessitam uns dos outros; eles so igualmente importantes para que umprograma funcione. O que acontece em uma esfera cultural? As basesde dados e as narrativas tm o mesmo status na cultura digital?9(MANOVICH, 2001).

    Aqui devemos ampliar os conceitos de estrutura de dados e algoritmo.

    Podemos entender por estrutura de dados a estrutura dos dados de um objeto de mdia,

    como uma base de dados hipertextual ou um jogo de videogame. Notemos que esse

    objeto de mdia no necessariamente digital: pode ser um livro ou um relatrio

    contendo dados estatsticos, por exemplo. Por algoritmo, podemos pensar no conjunto de

    atitudes que o leitor/interator toma durante a leitura ou navegao pelos dados. Essa

    ampliao de conceitos amparada pelo prprio Manovich: Assim como um jogador de

    games, o leitor de uma novela reconstri gradualmente um algoritmo (aqui eu uso o

    termo metafricamente) que o autor usou para criar os cenrios, os personagens e os

    eventos10 (2001).

    O algoritmo pode ser executado pelo leitor/interator de vrias maneiras, de

    acordo com as possibilidades que o objeto miditico suporta. O algoritmo de um livro

    a leitura linear, do comeo ao fim; mas o leitor de O jogo da Amarelinha, de Julio

    Cortzar (2006), pode ler o livro de maneira linear ou seguindo uma ordem alternativa

    dos captulos proposta pelo autor. O jogador de Half Life 2 (2004) pode escolher a

    estratgia e as armas para exterminar uma horda de inimigos, mas no tem muita escolha

    de quais caminhos seguir, pois o jogo limita seus movimentos com portas fechadas e

    passagens bloqueadas. Algum consultando a Wikipdia pode clicar nos links no meio do

    8Traduo livre de media object, termo usado por Manovich (2001). Foi mantido esse termo pela sua abrangncia.9No original: In computer programming, data structures and algorithms need each other; they are equally important

    for a program to work. What happens in a cultural sphere? Do databases and narratives have the same status in

    computer culture? (traduo do autor)10No original: Just like a game player, a reader of a novel gradually reconstructs an algorithm (here I use itmetaphorically) which the writer used to create the settings, the characters, and the events. (traduo do autor).

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    texto do artigo e que o levaro a outros artigos. Porm, a execuo desses algoritmos

    implica na existncia de uma narrativa?

    Mieke Bal cita os elementos necessrios para que exista uma narrativa: um ator

    e um narrador (que podem ser a mesma pessoa, mas considerados dois papis diferentes),trs nveis diferentes (texto, histria e fbula) e o contedo, que consiste en una serie de

    acontecimientos conectados que causan o experimentan los actores (BAL, 1990). O jogo

    da Amarelinha e Half Life 2 cumprem esses requisitos. Uma base de dados, como pode

    ser considerada a Wikipdia, nem sempre.

    Segundo Manovich, uma base de dados, em si, carece dos elementos necessrios

    para ser considerada uma narrativa. Com essa ausncia, ele responde sua prpria questo,

    citada acima: as bases de dados e as narrativas no tm o mesmo status na culturadigital

    11 (2001).

    Processos de narrativizao

    Para que uma base de dados adquira carter narrativo seriam necessrios outros

    elementos, como a semntica dos elementos e a lgica de sua conexo (MANOVICH,

    2001). Em objetos miditicos mais tradicionais, como um livro ou um filme, o autor

    que sugere os significados dos elementos e como eles se conectam entre si. Bill Viola, noentanto, em 1982 alertava para o fato de que toda a indstria cinematogrfica estava

    prestes a se transformar mediante os computadores:

    nada precisa ser fisicamente cortado ou regravado. A velocidade dereproduo, os cardeais 30 quadros por segundo, vo se tornarinteligentemente variveis e, portanto, maleveis, tornando-se, na prtica,como a msica eletrnica, mas apenas uma frequncia fundamental entre asmuitas que podem ser moduladas, deslocadas para cima ou para baixo,sobrepostas ou interrompidas de acordo com os parmetros da teoria da ondaeletrnica.12 (VIOLA , In: PACKER E JORDAN, 2001, p. 294)

    J os produtos miditicos digitais podem depender mais de fatores externos.Tomemos como exemplo os games da era 8 bits, como Legend of Zelda, que, por

    11No original: database and narrative do not have the same status in computer culture (traduo do autor)12 No original: nothing needs to be physically cut or re-recorded at all. Playback speed, the cardinal 30 frames asecond, will become intelligently variable and thus malleable, becoming, as in electronic music practice, merely onefundamental frequency among many which can be modulated, shifted up or down, superimposed, or interruptedaccording to the parameters of electronic wave theory. (traduo do autor)

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    limitao tcnica dos consoles, se apoiavam em manuais e encartes inclusos com os jogos

    para ajudar o jogador a entender como jogar e tambm a entender a histria (PERANI,

    2012)13. A evoluo da tecnologia permitiu o uso de recursos audiovisuais mais

    avanados, e, por consequncia, a incluso de elementos narrativos, como aponta Renata

    Gomes:

    Um outro lado da histria dos jogos eletrnicos est em seu movimento rumo narrativizao, que no est dissociado do aumento na qualidade das imagenssinteticamente geradas, sobretudo quando esse novo formato cruza a fronteirados grficos em 3 dimenses (GOMES, 2003).

    Essa evoluo tecnolgica ampliou, como veremos a seguir, as maneiras de

    pensar as narrativas nos games, ajudando-os a construir uma linguagem cada vez mais

    prpria. A seguir, temos uma tentativa inicial de enumerar as diferentes possibilidades de

    pensar a narrativa nos games. Alguns destes elementos no so exclusivos dos jogos; osmais prprios dos jogos so aqueles que consideram a interao do jogador e as

    possibilidades dos games como linguagem.

    Fazer que a mecnica do jogo se transforme em metfora da histria.

    Seguindo a ideia de Manovich (2001), podemos considerar que h uma camada narrativa

    em jogos que seguem, basicamente, o mesmo algoritmo; inclusive nos que do pouca ou

    nenhuma liberdade para que o jogador crie sua prpria narrativa, como nos jogos da srie

    Super Mario. Em alguns casos, como em alguns puzzles, a histria completamenteseparada do jogo, como no jogo Catherine (2011), onde uma complexa histria sobre

    sonhos e relacionamentos afetivos contada entre fases de resoluo de quebra-cabeas.

    Uma maneira de integrar melhor o algoritmo e a histria fazer com que a

    histria aproveite a mecnica do jogo, atingindo o jogador no atravs da histria e sim

    atravs das aes por ele executadas. Esse impacto trascende a camada da histria e

    chega ao jogador de maneira mais direta.

    13 A cultura dos games da era 8 bits explorada na fico Jogador n1. Nela, Ernest Cline explora o universo da culturapop dos anos 1980 fazendo aluso a um grupo de jovens do futuro que colecionam games considerados vintage. Nolivro, um jovem que vive imerso numa rede parecida com o Second Life, mas onipresente na vida de todos, chamadaOASIS, participa de uma caa ao tesouro perpetrada pelo fundador da prpria rede, falecido. Na busca, o jogador quetivera um maior conhecimento dos manuais, encartes e imagens dos jogos da era 8 bits sai em vantagem em relao aosoutros competidores. (CLINE, 2012)

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    Exemplo disso o que acontece no RPG(Role-Playing Game) Blue Dragon, no

    qual o inimigo d aos personagens um poder para que estes o faam evoluir; para depois

    tom-lo de volta. A evoluo de um poder um elemento chave da mecnica dos RPGs,

    que exige esforo do jogador; quando o fruto desse esforo o poder que tanto custou

    para evoluirlhes tirado, o efeito muito maior.

    Isso tambm acontece em Bioshock (2007). No principal clmax do jogo, o

    jogador descobre que o personagem estava respondendo s ordens porque estava

    programado para faz-lo, exatamente como acontece nesses tipos de jogos, nos quais

    necessrio dar ao jogador uma pista do que ele deve fazer ou para onde deve ir,

    geralmente em forma de ordens ou pedidos. Integrar essa mecnica narrativa d ao

    jogador a sensao de ter sido manipulado, apesar de que essa manipulao acontece em

    jogos similares.

    Combinao deaffordances14. A evoluo dos grficos dos videogames deu

    espao para que jogos mais realistas fossem realizados. Com isso, certos elementos

    necessrios ao jogo precisaram se camuflar em um entorno realista, mas ainda

    precisam ser identificados. Por exemplo, o life de um personagem era reposto com

    coraes ou frutas gigantescas; em jogos mais realistas, a reposio do life se d

    atravs de elementos mais coerentes com o entorno, como kits de primeiros-socorros.

    H ainda a questo de como indicar ao jogador o que ele deve fazer e manter a

    verossimilitude da cena. Em muitos jogos h portas que existem para conseguir uma

    ambientao realstica, mas esto trancadas ou bloqueadas com objetos que impedem que

    sejam abertas. Pela sua verossimilitude, muitas vezes esses elementos implicam em

    questes narrativas: algum teve que passar antes por esse lugar e coloc-los ali. Em

    Left4Dead (2008), as safehouses15 (lugares seguros onde os personagens no so

    alcanados pelos inimigos) so indicadas com smbolos grafitados com tinta spray, o que

    implica que algum havia passado por esse lugar antes dos personagens e deixou uma

    marca para ajudar quem passasse por ali depois. Em outros casos, essas indicaes

    14 Aqui, affordance se refere propriedade dos elementos do jogo serem auto-explicativos quanto ao seufuncionamento. O termo usado por vrias reas, e admite significados mais amplos.15 Termo que se refere aos ambientes dentro de alguns jogos, onde o jogador no est exposto a inimigos e geralmentetem acesso a itens como life e munio.

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    podem se dar com um cdigo preestabelecido, como em Mirrors Edge (2008), onde os

    elementos que indicam o caminho a seguir so vermelhos, mas de uma maneira que

    possvel pensar que so simplesmente pintados dessa cor.

    Personificao de inimigos. necessrio indicar ao jogador no que ele deveatirar. Um meio comum para isso a imagem do inimigo; esse meio usado desde Space

    Invaders. Em jogos mais realistas, a imagem do inimigo est ligada histria: nazistas,

    zumbis, policiais e um longo etctera. Alm de identificar quem inimigo e quem no,

    temos que identificar diferentes nveis de dificuldade deles, e isso tambm se d pela

    aparncia. Por exemplo, em Max Payne 3 (2012) temos os membros das gangues, mais

    fceis de matar porque no levam coletes, como os membros da UFE (uma diviso

    fictcia da polcia de So Paulo).

    Textos paralelos. Ao longo de certos jogos, temos elementos narrativos que

    contam a histria e nos do pistas do que aconteceu ali. Coletar esses textos geralmente

    no estrictamente necessrio, mas uma maneira de dar ao jogador informaes que

    complementem a histria. Max Payne 3 tem pistas, Bioshock tem aparelhos com udios

    gravados por personagens da trama, RPGs tm dilogos com habitantes dos diferentes

    lugares, e um longo etctera.

    Uso (ou no) decutscenes. Cutscenes so cenas nas quais o jogador no podeinteragir somente ver, como em um filme. Temos exemplos de uso pesado de

    cutscenes, como em Metal Gear Solid 4 (2008), conhecido por ter uma cutscene com

    durao de 40 minutos.

    Narrativas por visualizao. A narrativa de certos jogos passa pela

    transformao do ambiente. Okami (2006) eDe Blob (2008) so exemplos desses jogos.

    Em Okami o jogador tem que libertar reas da presena de maus espritos, e essa

    libertao se torna evidente com a mudana do ambiente. EmDe Blob, o objetivo do jogo colorir o cenrio, e o sucesso da fase se torna evidente por essa mudana.

    Outra possibilidade de visualizao atravs de interfaces do jogo. Em jogos

    que usam mapas, por exemplo, possvel notar o avano da histria pelo nmero de

    lugares j visitados e fases j abertas. O aumento de elementos tambm serve em

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    interfaces onde vemos um nmero maior de armas adquiridas, como em Zelda: Wind

    Waker(2002).

    Interao com hardware. As tecnologias de controle por movimento, como o

    Wiimote16

    ou o Kinect17

    , tm possibilidades que podem ser usadas na narrativa ecolaborar com a imerso do jogador, como o uso do Wiimote como lanterna em Ju-On

    (2009) e Silent Hill: Shattered Memories (2009). Porm o uso narrativo do hardware no

    exclusivo dessas tecnologias. Em um momento deMetal Gear Solid(1998) necessrio

    trocar o lugar onde o controle do console est plugado; esse ato usado como metfora

    do que acontece no jogo.

    Embedded narratives

    Retornando ao conceito de base de dados, temos que ele o suficientemente

    amplo para incluir objetos to diversos como uma coleo de fotografias digitalizadas,

    uma srie de dados estatsticos, ou os arquivos de imagens, sons e objetos necessrios a

    um game. Produtos miditicos to distintos como a Wikipdia, o site da Biblioteca do

    Congresso dos EUA ou o jogo Super Mario World podem ser considerados bases de

    dados. De qualquer maneira, podemos pensar nos diferentes elementos que compem

    essas bases de dados como records, que carecem de narrativa caso usados sozinhos ou

    em uma ordem aleatria:

    Outra premissa errada e frequentemente feita que por criar seu prpriocaminho (por exemplo, escolhendo os dados de uma base de dados em umadeterminada ordem) o usurio constri sua prpria e nica narrative. Dequalquer maneira, se o usurio simplesmente acessa diferentes elementos, umaps o outro, em uma ordem comumente aleatria, no h razo para assumirque esses elementos formaro uma narrativa18 (MANOVICH, 2001).

    Porm, necessrio pensar quo aleatria pode ser essa ordem. Um game est

    programado para acessar os elementos da sua base de dados de maneira lgica. Mas

    16 Controle principal do console Nintendo Wii, dotado de sensores de movimento.17 Dispositivo para ser usado com o console Xbox 360, da Microsoft, dotado de cmeras e sensores infravermelhos, quepermite o controle dos jogos pelo movimento corporal.18No original: Another erroneous assumption frequently made is that by creating her own path (i.e., choosing therecords from a database in a particular order) the user constructs her own unique narrative. However, if the user simplyaccesses different elements, one after another, in a usually random order, there is no reason to assume that theseelements will form a narrative at all. (traduo do autor)

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    outras bases de dados no contam com esses mecanismos e precisam de elementos

    externos para serem organizadas.

    Exemplo disso o site openpaths.cc, que surgiu aps a descoberta de que o

    iPhone 4 armazenava, sem consentimento do usurio, os dados de localizao doaparelho. O site mapeia esses dados. Jer Thorp, um dos idealizadores do projeto, fala em

    sua TED Talk sobre a surpresa que foi encontrar histrias e significados no conjunto de

    dados de localizao do seu iPhone.

    [] construmos esta interface que permite que as pessoas vejam suas

    vidas se desdobrarem a partir destes dados que foram deixados em seusaparelhos. [] quando enviei meus dados, pensei: grande coisa, eu seionde moro, eu sei onde trabalho, o qu vou ver aqui? Acontece que euvi o momento que entrei num avio para comear minha nova vida em

    Nova Iorque. [] O lugar onde conheci minha namorada. O que

    fazemos com a ferramenta, sem perceber, pr estes pedaos de dadosem um context humano. E colocando os dados em um context humano,ele ganha um significado.19 (THORP, 2012)

    A base de dados que contm o histrico da localizao do aparelho e

    consequentemente do seu portador no tem narrativa nenhuma, como vimos acima.

    Mas bastou uma interpretao mnima dos dados para encontrar uma narrativa (a

    mudana de lugar). Thorp chama isso de embedded narratives, que aparecem quando se

    pem os dados em um contexto humano. Para essa contextualizao, so necessrios

    recursos para a leitura dessa base de dados, que podem ser conhecimentos (como o de

    conseguir associar nmeros de latitude e longitude a locais reais) ou ferramentas (como o

    site openpaths.cc) Essa transposio a outra linguagem como a que acontece ao

    transformar os dados de localizao do iPhone em um mapa, por exemplo evidencia

    ainda mais as transformaes.

    Tambm possvel considerar que as escolhas do usurio no sejam to

    "aleatrias" como diz Manovich (2001). possvel que essas escolhas sejam feitas

    considerando o significado de cada dado para cada leitor, dentro da ideia de Thorp de

    19No original: [] we built this interface which allows people to actually see their lives unfolding from these tracesthat are left behind on your devices. [] when I uploaded my data, I thought: big deal, I know where I live, I knowwhere I work, what Im gonna see here? It turns out what I saw was the moment I got on a plane to start my new life in

    New York. [] The place where I met my girlfriend. What we do in the tool, inadvertently, is put these pieces of datainto a human context. And by placing data into a human context, it gets meaning. (traduo do autor).

    http://openpaths.cc/http://openpaths.cc/http://openpaths.cc/
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    embedded narratives. Cada leitor segue seu prprio algoritmo ao lidar com uma base

    de dados com essas caractersticas, e ele atribui sua prpria semntica dos elementos e a

    lgica de sua conexo aos elementos que escolheu ver dentro de um produto de mdia

    hipertextual, seja a Wikipedia ou um jogo de cenrio aberto como GTA.

    Essa questo da ausncia ou no de narrativas surge tambm dentro do

    jornalismo, que onde tm surgido bases de dados estatsticos disponveis para que os

    leitores as consultem. Tomando um exemplo de sequncia de dados, uma sequncia de

    dados do PIB brasileiro, tambm representa uma transformao para quem possa

    comprender os dados. A transformao a transformao dos nmeros, e h uma

    narrativa implcita, que pode ser o crescimento do pas, ou os fatos que levaram a esse

    aumento. E se visualizarmos essa sequncia de nmeros atravs de um grfico de linhas,

    teremos um grfico que contmou uma narrativa.

    Concluso

    Novos objetos de mdia representam novos paradigmas no que se refere

    narrativa, especialmente os que permitem a interao. Os games so um produto de mdia

    j estabelecido ou quase cuja evoluo como linguagem pode servir para analisar

    novos objetos de mdia, como as bases de dados divulgadas por meios jornalsticos,

    infogrficos interativos ou no, e visualizaes de dados. Tambm possvel incluir

    produtos jornalsticos ou no hipertextuais e/ou multimiditicos disponibilizados na

    internet; alm dos prprios jogos, que continuam evoluindo como linguagem. A questo

    o quanto as bases de dados, de maneira mais geral, podem evoluir como linguagem,

    como esttica, e como narrativa; mais ainda em um contexto onde a interao uma

    camada a mais que, por estar cada vez mais presente, pode e deveser explorada por

    quem produza objetos miditicos, como jornalistas, publicitrios ou artistas. Assim como

    os games tm seus recursos, alguns dos quais analisados no artigo, os dados tm os seus,suas possibilidades narrativas e poticas, cujo estudo pode ajudar na descoberta de novas

    formas de expresso.

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    Referncias

    BAL, Mieke. Teora de la Narrativa. Madrid, Espanha: Ctedra, 1990.

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    CATHERINE. Desenvolvido por Atlus Persona Team. Produzido por Atlus. Tokyo:Japao, 2011. 1 DVD-DL.

    Cline, Ernest. Jogador nmero 1. So Paulo: Leya, 2012.

    CORTZAR, Jlio. O jogo da amarelinha. Rio de Janeiro: Editora Perspectiva, 2006.

    DE BLOB. Desenvolvido por Blue Tongue. Produzido por THQ. Melbourne: Australia,2008.1 DVD.

    GOMES, Renata. Imerso e Participao: mecanismos narrativos nos jogos ele-trnicos. Dissertao (Mestrado em Comunicao e Semitica)Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, So Paulo, 2003.

    HALF Life 2. Desenvolvido por Valve Corporation. Produzido por Valve Corporation.Bellevue, Washington: Estados Unidos, 2004. 1 DVD.

    JU-ON. Desenvolvido por FeelPlus. Produzido por xSeed. Tokyo: Japao, 2009. 1 DVD.

    LEFT4Dead. Desenvolvido por Turtle Rock Studios/Valve South. Produzido por ValveCorporation. Lake Forest, California: Estados Unidos, 2008. 1 DVD-DL.

    MANOVICH, Lev. The Language of New Media. [Massachussets]: [MIT Press],[2001?]

    MAX Payne 3. Desenvolvido por Rockstar Vancouver. Produzido por Rockstar Games.Vancouver: Canad, 2012. 2 DVD-DL.

    METAL Gear Solid. Desenvolvido por Konami. Produzido por Konami. Tokyo: Japao,1998.2 CDs.

    MIRRORs Edge. Desenvolvido por Dice. Produzido por Electronic Arts. Estocolmo:Sucia, 2008. 1 DVD-DL.

    OKAMI. Desenvolvido por Clover. Produzido por Capcom. Osaka: Japao, 2006. 1 DVD.

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  • 7/30/2019 Videogames e novos produtos de mdia baseados em dados: um projeto de pesquisa

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    http://www.ted.com/talks/jer_thorp_make_data_more_human.htmlhttp://www.ted.com/talks/jer_thorp_make_data_more_human.htmlhttp://www.ted.com/talks/jer_thorp_make_data_more_human.htmlhttp://www.ted.com/talks/jer_thorp_make_data_more_human.html