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  • A Imprensa como Fonte para a Pesquisa em Historia:Teoria e Mtodo

    Lucas Schuab Vieira

    PARTICULARMENTE em relao im-prensa podemos constatar que, seu uso,faz algum tempo, encontra-se disseminadonos ambientes de trabalho das cincias so-ciais e humanas. Nas diversos campos depesquisa, da comunicao semitica, dacrtica literria educao, a imprensa apa-rece como fonte e tambm como objeto depesquisa. Nos diversos nveis de ensino eem diversas reas, a imprensa se configura,de forma crescente, em suporte didtico-pedaggico na sala de aula. Professores deportugus e literatura buscam em textos daimprensa um espao para aprendizagem deuma norma escrita mais viva e atual do quea dos clssicos; na geografia busca-se umacompreenso do espao mundial globalizadomais atualizado, nas cincias sociais os te-mas do tempo presente. (Cruz & Peixoto,2007, p. 254).

    Tendo em vista, portanto, a pertinncia dotema, como demonstrado acima, que nospropomos aqui a tecer uma reflexo sobre odebate terico e a utilizao da imprensa naproduo de conhecimento histrico. Mos-traremos propostas de trabalho de um pontode vista da nova historia politica, da historiasocial e com maior nfase trabalharemos osaspectos terico/metodolgicos para a utili-

    Faculdade de Cincias e Letras UNESP-Assis.

    zao da imprensa de um ponto de vista dahistoria cultural.

    E no que concerne a disciplina de Histria,no ensino e na investigao sobre os mais va-riados temas e problemticas, a utilizao demateriais da Imprensa atualmente est cadavez mais generalizada. E, tais usos nos dis-tanciam de um tempo em que a imprensaera considerada como fonte suspeita, a serusada com cautela, pois apresentava proble-mas de credibilidade. Nestas ltimas dca-das incorporamos a perspectiva de que tododocumento, e no s a imprensa, tambmmonumento, remetendo ao campo de subje-tividade e da intencionalidade com o qual de-vemos lidar. Nesse momento, a imprensa pe-ridica, seja nas suas variedades histricas ede veculos, jornais regionais e locais, gran-des jornais dirios, revistas nacionais, revis-tas de variedades, culturais, especializadasou militantes, gibis, jornais alternativos oude humor; seja em suas diferentes partes esees, como editoriais, noticirio corrente,carta de leitores, seo comercial, artigos as-sinados; ou ainda, nos diversos gneros e lin-guagens que se articulam nos veculos, comoartigo de fundo ou editorial, a notcia e areportagem, as crnicas, crticas e ensaios,as cartas e pequenos comentrios, a fotogra-fia, o desenho e a charge, o classificado e o

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    anncio comercial tem sido, segundo He-loisa de Faria Cruz e Ana Maria do Rosrioda Cunha Peixoto, amplamente utilizada napesquisa acadmica e no ensino de histria.(Cruz & Peixoto, 2007, p. 255).

    Nos dizeres de Robert Darnton e DanielRoche, a imprensa tanto constitui memriasde um tempo, as quais apresentando visesdistintas de um mesmo fato servem comofundamentos para pensar e repensar a His-tria, quanto desponta como agente histricoque intervm nos processos e episdios e nomais como um simples elemento do aconte-cimento. (Darnton & Roche, [apud] Neves,Morel & Ferreira, 2006, p. 10).

    Em um texto pioneiro Ana Maria de Al-meida Camargo aps reiterar as armadilhasreservadas pela imprensa alertava para orisco do historiador ir buscar no peridicoprecisamente aquilo do qual queria confir-mar, o que em geral acontecia quando sedesvinculava uma palavra, uma linha ou umtexto inteiro de uma realidade. (Camargo,apud De Luca, 2006).

    Segundo Tania Regina De Luca, essa ex-ploso do mundo dos impressos peridicostem sido objeto de reflexes especificas. Nocaso das revistas a autora chama a atenopara o trabalho de Ana Luiza Martins, quede um ponto de vista da historia cultural, en-frentou o desafio de conceituar esse gnerode impresso, esclarecer suas condies deproduo, mapear o seu processo de difusoe inquirir acerca da natureza da amplssimagama de semanrios e mensrios que circu-laram pela cidade de So Paulo entre 1890-1922. (De Luca, 2006, p. 122).

    A importncia da imprensa como fontepara a compreenso da paisagem urbana edas representaes e idealizaes sociais atestada por pesquisas historiogrficas como

    a de Mrcia Padilha, que por meio da publi-cidade presente na imprensa discute o car-ter multifacetado da cidade de So Paulo, osdiferentes estilos e padres de vida que com-portava a diversidade de expectativas, postu-ras e nuances dos vrios grupos sociais di-ante da modernidade que se anunciava. (Pa-dilha, [apud] De Luca, 2006, p. 123).

    No campo da historia politica a imprensaadquire importncia como objeto historio-grfico quando, segundo Wlamir Silva, con-sideramos a especificidade do poltico, emsua dinmica prpria, e as relaes de me-diao entre a sociedade e o Estado. (Silva,2006, p. 37).

    Heloisa de Faria Cruz e Maria do Ros-rio da Cunha Peixoto ambas, partindo de umponto de vista da historia social, e, enten-dendo a imprensa como fora social ativa,assim como Robert Darnton a entendeu, pro-pe a reflexo sobre sua historicidade a cadaconjuntura estudada. As autoras sugerem umprocedimento metodolgico que busque arti-cular a imprensa como fonte e objeto de es-tudo ao campo de lutas sociais no interiordos quais se constituem e atuam. (Cruz &Peixoto, 2007, p. 253).

    Tais autoras propem como questo cen-tral o enfrentamento e a reflexo sobre ahistoricidade da Imprensa, problematizandosuas articulaes ao movimento geral, mastambm a cada uma das conjunturas espe-cficas do longo processo de constituio,de construo, consolidao e reinveno dopoder burgus nas sociedades modernas, edas lutas por hegemonia nos muitos e dife-rentes momentos histricos do capitalismo.Pensar a imprensa com esta perspectiva im-plica, segundo as autoras, em primeiro lu-gar, tom-la como uma fora ativa da histriado capitalismo e no como mero depositrio

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    de acontecimentos nos diversos processos econjunturas. Na esteira de Robert Darnton,Cruz e Peixoto reafirmam a necessidade dainsero histrica da imprensa como foraativa da vida moderna, muito mais ingredi-ente do processo do que registro dos acon-tecimentos, atuando na constituio de nos-sos modos de vida, perspectivas e conscin-cia histrica. Cruz e Peixoto Prope que nointerior de um processo histrico, que a cadadesafio reinventou o mercado como centroda vida social e, que sob a gide do capitalcostura a hegemonia burguesa sobre os mo-dos de vida, que se pode indagar sobre a es-pecificidade histrica de suas diversas tem-poralidades: desde os impactos da prensa deGutemberg e dos primeiros jornais modernosna formao de uma esfera civil pblica nassociedades burguesas emergentes at o pro-cesso de concentrao dos meios de comu-nicao que vm formando poderosos con-glomerados miditicos, com enorme podereconmico e poltico, decisivos para o atro-fiamento do espao pblico e democrtico nacontemporaneidade. (Cruz & Peixoto, 2007,p. 257).

    Segundo Laura Maciel, em nossas prti-cas de pesquisa no devemos utilizar a im-prensa como um espelho ou expresso derealidades passadas e presentes, mas comouma prtica constituinte da realidade social,que modela formas de pensar e agir, definepapis sociais, generaliza posies e inter-pretaes que se pretendem compartilhadase universais. (Maciel, apud, Cruz & Pei-xoto, 2007). Convm lembrar que no adi-anta simplesmente apontar que a imprensa eas mdias tm uma opinio, mas que emsua atuao delimitam espaos demarcam te-mas, mobilizam opinies, constituem ade-ses e consensos. Mais ainda, segundo Cruz

    e Peixoto, trata-se tambm de entender queem diferentes conjunturas a imprensa no sassimila interesses e projetos de diferentesforas sociais, mas muito frequentemente ela mesma, espao privilegiado da articula-o desses projetos. E que, como fora socialque atua na produo de hegemonia, a todo otempo, articula uma compreenso da tempo-ralidade, prope diagnsticos do presente eafirma memrias de sujeitos, de eventos e deprojetos, com as quais pretende articular asrelaes presente/passado e perspectivas defuturo. (Cruz & Peixoto, 2007, p. 258-259).

    Na configurao histrica assumida pelaimprensa desde o sculo XIX os jornais erevistas atuam segundo Cruz e Peixoto: (1)no fomento a adeso ou ao dissenso, mobili-zando para a ao; (2) na articulao, divul-gao e disseminao de projetos, ideias, va-lores e comportamentos; (3) na produo dereferencias homogenias e cristalizadas paraa memria social; (4) pela repetio e natu-ralizao do inusitado no cotidiano, produ-zindo o esquecimento; (5) no alinhamento daexperincia vivida globalmente num mesmotempo histrico na sua atividade de produ-o de informao de atualidade; (6) na for-mao de nossa viso imediata de realidadee de mundo; (7) na formao do consumi-dor, funcionando como vitrine do mundo dasmercadorias e produo das marcas. (Cruz &Peixoto, 2007, p. 259).

    A Imprensa linguagem caracterstica dosocial, detm uma historicidade e especi-ficidades prprias, e requer ser trabalhadae compreendida como tal, desvendando, acada momento, as relaes imprensa/socie-dade, e os movimentos de constituio e ins-tituio do social que esta relao prope.Faz-se necessrio refletirmos sobre como de-terminada publicao se constitui com fora

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    histrica ativa num determinado momento,isto , como se constitui como sujeito, comose coloca e atua em relao correlao deforas naquela conjuntura, quem so seusaliados, amigos ou grupos mais prximos?Que grupos ou foras sociais so identifica-dos como inimigos adversrios ou foras deoposio? (Cruz & Peixoto, 2007).

    Para o trabalho com a imprensa de umponto de vista da historia politica neces-srio, segundo Wlamir Silva, pensar o poli-tico em sua dinmica prpria, e as relaesde mediao entre a sociedade e o Estado.Trata-se de romper com as determinaesabsolutas de estruturas, materiais ou men-tais, do economicismo s formas mais en-rijecidas das mentalidades, sobre o poltico.Devemos destacar, assim, a relativa autono-mia do poltico e o papel dos agentes soci-ais, sejam indivduos ou grupos, na constru-o do Estado. (Remond, 1996, p. 444-445;M. de M. Ferreira, 1992 apud Silva, 2006,p. 37). Em especfico na forma da cons-truo de conceitos polticos que orientam oprocesso, fazendo, pois, com que o polticoseja, a um s tempo, uma dimenso especi-fica, justificando-se como objeto de anlise,e em espao de relao entre outras dimen-ses do social. (Rosanvallon, 1995. ApudSilva).

    Na medida em que valorizamos as medi-aes entre sociedade e Estado e entender-mos os conceitos, como formas de consci-ncia, que compem a vida poltica, esti-maremos tambm a imprensa. Nesse con-texto, a imprensa, sobretudo a peridica, um importante meio de construo de cul-turas polticas especificas, ou seja, empiri-camente verificveis e de interesse histori-ogrfico. (Ibid.). A imprensa peridica ,segundo Silva, meio de criao de uma cul-

    tura poltica, da difuso de um sistema dereferencias que alcana estratos mais am-plos da sociedade, transformando a filosofiapoltica num conjunto de conceitos compre-ensveis por um contingente mais significa-tivo da sociedade. Dessa forma, a culturapoltica aparece, em suas diversas manifes-taes, como a linguagem comum simplifi-cada. (Bernstein, 1996, p. 88. Apud Silva,2006, p. 38) A imprensa, assim, meio pri-vilegiado da pedagogia poltica em busca dahegemonia. (Gramsci, 1999-2002, v. 1, p.399. Apud Silva, 2006).

    Pensando agora no trabalho com os peri-dicos de um ponto de vista da historia cultu-ral ressaltaremos de inicio o trabalho da his-toriadora Ana Luiza Martins que no artigoDa fantasia Histria: folheando pgi-nas revisteiras buscou acentuar a importn-cia do gnero revista quando trabalhado em-piricamente, luz da histria cultural, pro-curando evidenciar suas inmeras possibili-dades. Segundo Martins, o fascnio susci-tado pela revista como documento tornou-a irresistvel, conjunto ldico que numa spublicao rene texto, imagem, tcnica, vi-ses de mundo e imaginrios coletivos. To-dos os seus elementos, aparentemente corri-queiros; formato, papel, letra, ilustrao, ti-ragem, sugerem indagaes que prenunciama carga de historicidade presente nos peri-dicos. Tem-se ali registro mltiplo, do tex-tual ao iconogrfico, do extratexto, reclameou propaganda, segmentao, do perfil deseus proprietrios quele dos consumidores.O que exige anlise mais substanciada, e, se-gundo Martins, razo pela qual a fonte re-quer cuidados, em face dos apelos que trans-porta e induzem o pesquisador a configura-es quase pictricas do passado. (Martins,2003, p. 60, grifos do original).

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    Frases e imagens de peridicos necessi-tam estar diretamente relacionados com oseu tempo, vale dizer, no imaginrio cons-trudo ao seu tempo. A pertinncia da revistacomo testemunho do perodo s vlida, se-gundo Martins, se levarmos em consideraoas condies de sua produo, de sua nego-ciao, de seu mecenato propiciador, das re-volues tcnicas a que se assistia, e, em es-pecial, da natureza dos capitais nele envolvi-dos. (Ibid., p. 60-61).

    Martins aponta duas peculiaridades quedemandam anlise circunstanciada e no de-vem ser perdidas de vista pelo pesquisadorque se debrua sobre os peridicos: a seg-mentao que o preside e a ilustrao queo completa. Com relao segmentao darevista faz se necessrio definir o seu norte,procurando inferir o publico para o qual sedirige, identificando interesses, valores e tc-nicas de cooptao de mercado. Esse tipode impresso preside uma dinmica prpria,pois, est inserido no sistema de produo,circulao e consumo, com vistas ampladivulgao no mercado. Portanto, tal pe-ridico possui um pr-requisito que cor-responder s expectativas dos consumidoresque pretende atingir, assim como expandirseu pblico, viabilizando-se como mercado-ria. (Ibid., p. 62-63).

    Toda a rica gama de temticas diversifica-das, pblicos e contedos, merecem estudoscircunstanciados no quadro da revista comofonte histrica. Razo pela qual no ade-quado limitar-se somente a anlise do dis-curso destas publicaes. Sendo, portanto,indispensvel o confronto com suas partes,bem como imprescindveis suas contextuali-zaes e decodificaes, seja na instncia desua emergncia como naquela da desconstru-

    o do discurso e na anlise das ilustraesque a compe. (Ibid., p. 69).

    No tocante imagem inerente s revistasilustradas, seja aquela da composio deco-rativa da pgina, ou aquela da propaganda,e ainda aquela outra da caricatura, constitui,segundo Martins, representao com fortecarga documental, merecendo estudo maisdetalhado. Em um pas de fraca populaoleitora, como o Brasil, a imagem, ou ilus-trao, garantem rpida absoro das mensa-gens, potencializando a comunicao perio-dstica. (Ibid).

    Portanto, tendo em vista a relevncia daiconografia nos peridicos, propomos umaanlise das ilustraes no sentido de queesta seja caracterizada com a ateno vol-tada para as representaes sociais e funescumpridas por ela na publicao. (Mene-ses, 1996, p. 152). Sugerimos que o en-foque no caia sobre a qualidade pictricadas iconografias, ou sobre a relevncia ar-tstica das ilustraes. Portanto, ao invsde se ter qualquer pretenso crtica, ou deavaliao da maior ou menor qualidade dasobras, prope que se opte por restringir-sea abordagem mensagem das obras de arteem contraposio sua forma.1 (Schwarcz,1998). A imagem um indicio do passadoque traz em suas estruturas elementos vali-osos para a compreenso do perodo hist-rico que apresenta. Pois a apreenso da ima-gem nos possibilita entender as diversas re-presentaes da realidade e a construo deimaginrios acerca de um determinado pe-rodo. Interessa-nos, portanto, recuperar oque este tipo de documento tem a nos di-

    1Esta abordagem no trabalho com imagens tam-bm foi feita pela autora Lilia Moritz Schwarcz nolivro As barbas do Imperador.

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    zer enquanto representao de uma poca.(Schwarcz, 1998). Trabalhar as ilustraesenquanto representao significa, segundoChartier, [...] identificar o modo como emdiferentes lugares e momentos uma determi-nada realidade social construda, pensada,dada a ler. (Chartier, 1990, p. 16).

    Segundo Peter Burke, [...] as imagensno so nem um reflexo da realidade socialnem um sistema de signos sem relao coma realidade social, mas ocupam uma varie-dade de posies entre estes extremos. Elasse constituem como testemunhas dos este-retipos, mas tambm das mudanas gradu-ais, pelas quais indivduos ou grupos vm omundo social incluindo o mundo de sua ima-ginao. As imagens so testemunhas dosarranjos sociais passados e das maneiras dever e pensar do passado. Elas do acesso avises contemporneas daquele mundo e noao mundo social diretamente. O testemunhodas imagens necessita ser colocado em umasrie de contextos (cultural, politico, mate-rial e assim por diante), incluindo as conven-es artsticas, bem como os interesses doartista e do patrocinador original ou do cli-ente, e a pretendida funo da imagem. Notrabalho com imagens faz se necessrio lernas entrelinhas, observando os detalhes pe-quenos, mas significativos, incluindo ausn-cias significativas. (Burke, 2004).

    As imagens so uma forma de suporte derepresentaes. No sendo, portanto, poss-vel pens-las como mero registro do real ex-terno e objetivo, buscando avaliar seu graude fidelidade, pois a imagem uma constru-o discursiva, que depende de formas hist-ricas de percepo e leitura, das linguagens etcnicas disponveis, dos conceitos e valoresvigentes. (Meneses, 1996). As imagens, in-dependentemente de suas qualidades estti-

    cas, se constituem numa forma importante deevidencia histrica. Elas registram atos detestemunho ocular. Mas o uso de imagensno pode ser limitado evidncia no sen-tido estrito do termo, deve se tambm levarem conta o impacto da imagem na imagi-nao histrica. (Haskell, 1993. In: Burke,2004). Ou seja, segundo Peter Burke, ima-gens nos permitem imaginar o passado deforma mais vvida. (Burke, 2004).

    Para a construo da narrativa histrica preciso alm do contedo e da forma levarem conta os diferentes propsitos dos reali-zadores das imagens. E analisar tambm ocontexto poltico, social e cultural imersos naimagem e do perodo em que foram criadas.Assim como no se pode ignorar a possibi-lidade de propaganda, ou das vises estereo-tipadas do outro, ou esquecer a importn-cia das convenes visuais aceitas como na-turais em uma determinada cultura ou numdeterminado gnero. (Ibid.).

    Segundo Ana Luiza Martins, o conheci-mento sobre a formao do artista e suarede de influencias, patrocnios e mercadosevidencia-se como demanda premente para aanlise dessa nova produo artstica, inse-rida em um contexto diverso daquele tradi-cional e seleto dos raros admiradores da arte.Em lugar da tela o papel impresso deflagravaa ampla divulgao da ilustrao, dando namesma proporo visibilidade inusitada aoartista. (Martins, 2003, p. 73).

    Assiste-se, pois, segundo Martins, atra-vs do periodismo, veiculao exaus-tiva de smbolos, configuradores de grupos,classes sociais, partidos, governos, projetosvalendo-se da pluralidade de imagens e tra-tamentos grficos. (Martins, op. cit., 2003,p. 74).

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    Trs aspectos se apresentam como funda-mentais e devem ser incorporados no traba-lho com imagens. (1) Abandonar a falsa po-laridade entre real e imaginrio, pois a ima-gem pertence ao real, uma vez que prticase representaes so indissociveis. (2) Anecessidade de a imagem ter valor probat-rio, outra falsa questo, pois o valor do-cumental das imagens, se refere problem-tica das representaes sociais, possibili-dade de compreenso do imaginrio, e no acapacidade de as imagens confirmarem tra-os empricos. (3) A capacidade de o olhardo ilustrador/desenhista de instituir um co-nhecimento sobre a realidade no qual se in-sere. (Meneses, 1996). Segundo Meneses;

    O olhar, portanto, institui seu pr-prio objeto. A imagem no s instituda historicamente, como ,tambm, instituinte. Da, para umverdadeiro dimensionamento his-trico, a necessidade de estudar ocircuito da imagem: sua produo,circulao, apropriao, em todassuas variveis. (Meneses, 1996,p.154; grifo do original).

    E com relao ao movimento de constru-o do projeto editorial do peridico, cabeafinal indagar de que modo o peridico cons-tri sua perspectiva histrica, prope umdiagnstico da realidade social em um dadoprocesso e conjuntura, como se posicionano campo da memria social, isto , deque forma e com que referncias articulampassado/presente/futuro. Como concebe otempo e o periodiza? A partir de que lu-gar social prope marcos, datao e calen-drio social? Que expectativas coloca para otempo que vir? Indica o que deve ser preser-vado do passado, e o que deve ser relegado

    modificado ou esquecido? (Cruz & Peixoto,2007, p. 265).

    Marco Morel ao escrever sobre a imprensana primeira metade do sculo XIX inter-preta os redatores de peridicos como no-vos agentes culturais e polticos, os quais ti-nham nome e rosto na sociedade que buscavase efetivar como nao brasileira. Eram, se-gundo Morel, com frequncia, construtoresdo Estado Nacional. (Morel, In: Martins,2008, p. 39).

    Segundo Marco Morel, no trabalho comimprensa deve se levar em considerao eavaliar as nuances e a complexidade da pro-duo, circulao, consumo e papel socialdo fazer jornalstico no Brasil. Assim comoas vrias redes de sociabilidade que se cons-tituram entre diversos peridicos entrelaa-dos ao contexto do qual se encontravam in-seridos. No se deve negligenciar dentrodesses vnculos que se articulavam (criavam,mantinham ou refaziam), com densidadesdesiguais, uma forma de associao bastanteespecifica em suas caractersticas, emboraarticulada com as demais: as redes de so-ciabilidade pela imprensa peridica. A qualpode ser considerada um palpvel agente his-trico, com sua materialidade no papel im-presso e efetiva fora simblica das palavrasque fazia circular, assim como dos agentesque a produziam e dos leitores, ou ouvin-tes, que de alguma forma eram receptores etambm retransmissores de seus contedos.(Ibid., p. 41-43).

    Como metodologia de anlise da fontepropomos como um primeiro ponto referen-cial, que se anlise a materialidade do peri-dico e os seus suportes. Nesse sentido parahistoricizar a fonte prope-se que se leve emconta as condies tcnicas de produo vi-gentes e a averiguao, dentre tudo que se

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    dispunha, do que foi escolhido e por que.Assim como as funes sociais desse im-presso. Em sntese, forma como tal im-presso chegou s mos dos leitores, sua apa-rncia fsica (formato, tipo de papel, quali-dade da impresso, capa, ilustraes), a es-trutura e diviso do contedo, as relaes quemanteve (ou no) com o mercado, a publici-dade, o pblico que visava atingir, os objeti-vos propostos. As condies materiais e tc-nicas em si dotadas de historicidade, mas quese prendem a contextos socioculturais espe-cficos, que devem permitir localizar o peri-dico em uma srie, uma vez que este no seconstitui em um objeto nico e isolado. Por-tanto, o contedo em si no pode ser disso-ciado do lugar ocupado pela publicao nahistria da imprensa. , portanto, pensandonisso que indicamos como base, para um pri-meiro eixo de anlise do peridico, estas pro-postas para o trabalho com a fonte em ques-to. (De Luca, 2006).

    Segundo Cruz e Peixoto no que se refere produo e distribuio faz-se necessrioa indagao sobre algumas outras dimen-ses da publicao relativas s suas formasde produo e distribuio, pensadas comoprocesso social e no meramente tcnico eque nos remetem aos grupos produtores, aospblicos leitores e s redes de comunicaoque a se constituem. Os grupos produto-res remetem s foras sociais que conduzema publicao e suas condies de produo.A anlise das referncias sobre circulao edistribuio prope a reflexo sobre pblicosleitores e redes de comunicao. (Cruz &Peixoto, 2007, p. 266).

    O segundo eixo de anlise refere-se aocontedo em si. No que propomos ao pesqui-sador aventureiro que se leve em considera-o a subjetividade de quem escreve, pois, a

    imprensa peridica escolhe, ordena estruturae narra, de uma determinada forma, aquiloque se elegeu como digno de chegar at opublico. (De Luca, 2006). Os discursos con-traem significados de muitas formas, inclu-sive pelos processos tipogrficos e de ilustra-o que os cercam. A nfase em determina-dos temas, a linguagem e a natureza do con-tedo associam-se ao pblico que a revistapretende atingir. Trabalharemos com o quese tornou noticia o que por si s j abarcaum espectro de questes, pois ser precisodar conta das motivaes que levaram de-ciso de dar publicidade a alguma coisa. E,ter sido publicado implica atentar para o lo-cal em que se deu a publicao, o que con-fere determinado significado a notcia, assimcomo as hierarquias que as atravessam. preciso atentar tambm para o destaque con-ferido ao acontecimento. (De Luca, 2006).

    Outra caracterstica que se prope a ser le-vada em considerao a revista enquantoespao de discusses intelectuais, relaesafetivas e sociabilidades. O que torna operidico um projeto coletivo, por agregarpessoas em torno de ideias, crenas e valo-res que se pretende difundir a partir da pa-lavra escrita ou ilustrao. Nesse sentidofaz-se necessrio a identificao cuidadosado grupo responsvel pela linha editorial,estabelecer os colaboradores mais assduos,atentar para a escolha do ttulo e para os tex-tos programticos, que do conta de inten-es e expectativas, assim como fornece pis-tas da leitura de passado e futuro comparti-lhada por seus propugnadores. Apresenta-setambm como relevante, inquirir sobre suasligaes cotidianas com diferentes poderes einteresses financeiros. (Ibid.).

    As redaes podem ser encaradas comoespaos que aglutinam diferentes linhagens

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    polticas e estticas, compondo redes queatribuem estrutura ao campo intelectual epermitem refletir acerca da formao, estru-turao e dinmica destes. O sumrio quese expe ao leitor resulta, portanto, de in-tensa atividade de bastidores. Sendo nessaperspectiva, necessrio recorrer a outras fon-tes para dar conta do processo que envolveua organizao, o lanamento e a manutenodo peridico. O peridico prescreve, por-tanto, a anlise circunstanciada do seu lu-gar de insero, e delineia uma abordagemque faz dos impressos, de forma sincrnica,fonte e objeto de pesquisa historiogrfica, ri-gorosamente inseridos em uma crtica com-petente. (Ibid.).

    Em termos de um procedimento de pes-quisa, como um primeiro ponto faz-se neces-srio a identificao do peridico que quere-mos estudar, desenvolver uma sensibilidadede leitura frente materialidade histrica porela assumida, assim como, preciso organi-zar minimamente o trabalho e identificar operidico, o que implica em anotar seu ttulo,subttulo, datas limites de publicao, perio-dicidade e a classificao de acesso na insti-tuio ou acervo em que se desenvolve a pes-quisa. Ao iniciar a anlise, em alguns nme-ros estratgicos do jornal ou revista, impor-tante atentar para a composio do projetogrfico/editorial daquela publicao. A an-lise do projeto grfico volta-se para a organi-zao e distribuio de contedos nas diver-sas partes e sees no interior do peridicocomo, por exemplo, a localizao e extensoque ocupam as funes editoriais a elas atri-budas e por elas desempenhadas, seus mo-dos de articulao e expresso. (Cruz & Pei-xoto, 2007, p. 261-262).

    As capas e primeiras pginas funcionamcomo vitrine da publicao que, por meio de

    chamadas de matrias, fotos, manchetes eslogans, indicam nfase em determinados te-mas e questes. Partes e cadernos propemuma diferenciao, hierarquizao e ngulosde abordagem dos contedos. Cadernos es-peciais e suplementos indicam a emergnciade ou novos campos temticos, a secundari-zao de contedos ou ainda a abertura deespao para interesses de grupos especficos.Edies comemorativas indicam movimen-tos explcitos de produo e atualizao dememrias. Sees diversas, editoriais, partenoticiosa e reportagens, artigos da redao,carta de leitores, anncios denotam uma ar-ticulao especfica dos contedos ao pro-jeto grfico/editorial. Colunas fixas assina-das: geralmente identificam a recorrncia deuma tica e abordagem e/ou privilegiamentode temas e de vozes autorizadas. Manche-tes, colunagem, frisos, legendas organizame destacam contedos e propem uma ma-neira de ler. Iconografia, ilustraes, fotos,caricaturas, charges, desenhos, grficos que,buscando traduzir a posio editorial em ou-tra linguagem, podem reforar, complemen-tar, extrapolar e, por vezes, entrar em tensocom a abordagem da parte textual. Princi-pais anunciantes, publicidade e seus espaosindicam a articulao da publicao com de-terminados preocupaes empresariais e co-merciais naquela conjuntura. (Cruz & Pei-xoto, 2007, p. 262).

    Se formos pensar em termos de recepoou pblicos leitores, seu estudo remete aossujeitos e ao campo de sentidos, no qualatuam: leitores so mobilizados e se mobi-lizam pela leitura do peridico enquanto umcampo de foras. Aconselha-se que a an-lise dos pblicos leitores, assim concebida,no se confunda com o estudo individual doleitor ou da leitura. Indcios e pistas forne-

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  • 10 Lucas Schuab Vieira

    cidas pelas tiragens e formas de distribui-o do jornal, se articuladas s indagaessobre as marcas da presena dos interesses,valores e perspectivas desses grupos na con-figurao do projeto editorial, remetem aodilogo constante com o universo social eao campo de foras constitudo pelo pblicoleitor. Este dilogo ocorre num campo depresses recprocas: no mesmo movimento,a imprensa busca conformar e, em aparentecontradio, perscrutar interesses e perspec-tivas do pblico leitor. Este, por sua vez,constitui em uma das presses constantes aque est sujeita qualquer publicao e que,portanto, incide sobre seu projeto editorial.Espaos de distribuio e circulao do jor-nal ou revista, e, bancas, cidades, bairros, Es-tados, clubes de leitura, lista de assinantes,sindicatos, escolas, permitem problematizaros ambientes e usos sociais destes peridi-cos e as redes de comunicao que prope eajudam a conduzir. (Cruz & Peixoto, 2007,p. 263-264).

    E como uma ultima recomendao aopesquisador que se propor a realizao deuma historia da imprensa recomenda-se queo mesmo devesse munir-se de pacincia etempo; saber que vai enfrentar problemasde localizaes de colees acessibilidadee condies de consulta, qualidade do ma-terial disponibilizado eventualmente aindaexistente; necessidade de montar espaos eestratgias para a documentao a guarda ea reproduo do material encontrado, com-promisso tico e profissional em se preo-cupar em dar acessibilidade mxima poss-vel ao material encontrado; continuidade daspesquisas porque, a todo o momento, estosendo publicados novos materiais ou dados arespeito de uma publicao ou de uma pocaque nos ajudam a entender ou ler melhor de-

    terminado peridico ou perodo. (Hohlfeldt,In: Losnak & Vicente, 2001).

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