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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA JUDICIAL DA COMARCA DE PERUÍBE/SP
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas
atribuições legais, com fundamento no artigo 129, incisos II e III, da
Constituição Federal, na Lei Federal nº 7.347/85, e no artigo 295, inciso X, da
Lei Estadual nº 734/93, vem perante Vossa Excelência ajuizar AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, com pedido de provimento liminar, contra:
MUNICÍPIO DE PERUÍBE, cujo imóvel da Prefeitura está
sediado na Rua Nilo Soares Ferreira, nº 50, Centro, nesta cidade e comarca;
PARQUE SANTANA EMPREENDIMENTOS S/C LTDA,
inscrita no CNPJ nº 51.608.529/0001-23, com sede na Praça Jácomo Zanella,
nº 359, Lapa de Baixo, São Paulo, CEP 05038-010;
ASSOCIAÇÃO BOUGAINVILLEE RESIDENCIAL I, associação civil, inscrita no CNPJ nº 54.351.952/0001-89, com sede na Av.
Mario Covas Júnior, s/nº, Jardim Casablanca, nesta cidade e comarca;
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ASSOCIAÇÃO BOUNGAINVILLÉE RESIDENCIAL II, associação civil, inscrita no CNPJ nº 54.352.042/0001-10, com sede na Av.
Padre Anchieta, nº 7007, nesta cidade e comarca;
ASSOCIAÇÃO BOUGAINVILLÉE RESIDENCIAL III, associação civil, inscrita no CNPJ nº 54.352.315/0001-27, com sede na Rua
Sibipirunas, s/nº, Balneário Josedy, nesta cidade e comarca;
ASSOCIAÇÃO BOUGAINVILLÉE RESIDENCIAL V,
associação civil, inscrita no CNPJ nº 54.352.935/0001-66, com sede na
Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, Km 127 + 900m, nesta cidade e comarca,
pelos motivos de fato e de direito expostos a seguir:
PRELIMINARMENTE:
DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Nos termos do que dispõe o artigo 5º, inciso I, c.c artigo
1º, inciso VI, ambos da Lei nº 7.347/85, o Ministério Público tem legitimidade
para propositura de Ação Civil Pública visando à responsabilidade e reparação
de danos causados à ordem urbanística.
Ademais, a própria Constituição Federal, no artigo 129,
inciso III, dispõe: São funções institucionais do Ministério Público, promover o
inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos.
I- DOS FATOS:
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Instaurou-se nesta Promotoria de Justiça inquérito civil
autuado sob nº 59/07 visando a apurar notícia de que o loteamento
“Residencial Bougainvillée” havia sido “fechado”, com a colocação de muros,
guaritas e cancelas em via pública, causando transtornos à população local.
Em 06 de outubro de 1980 foi aprovado pelo Município e
registrado em cartório o loteamento “Jardim Alvorada”, encerrando uma área
de 1.317.273,21m², atravessada pela Av. Padre Anchieta, pela faixa da Estrada
de Ferro Fepasa e pela Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, cujas áreas são de
7.759,80m², 11.694,60m², e 11. 925,00m², com área útil de 1.285,893m²,
ocupando áreas de terras situadas em zona urbana do Município de Peruíbe. O
loteamento foi aprovado nos termos da Lei Federal nº 6766/79 (conforme
matrícula nº 69.546 acostada a fls. 38/40 e 416/423).
No ano de 1985 foi averbada junto à matrícula do imóvel
nº 69.546 a escritura de compra e venda do loteamento “Jardim Alvorada”,
constando como adquirente Parque Santana Empreendimentos S/C LTDA. Já
em 1986 o loteamento “Jardim Alvorada” teve sua denominação alterada para
“Bougainvillée Residencial”, nos termos dos alvarás nº 9099 e 5196 (fls. 37).
Contudo, após aprovação do loteamento e a
comercialização dos lotes, foi dada pela ré Prefeitura Municipal de Peruíbe à ré
Parque Santana Empreendimentos S/C LTDA a concessão provisória de
terrenos públicos por tempo indeterminado, nos termos do Decreto nº 973/86
(fls. 41/44) e do Alvará nº 9.120 de 1985 (fls. 100). Ainda, a ré Prefeitura
Municipal de Peruíbe, nos termos do Decreto nº 974/86, outorgou à Associação
Bougainvillée Residencial a concessão real de uso dos terrenos (fls. 120/121).
Nesses termos, foi separado em quatro áreas para fechamento, em
atendimento ao estabelecido no inciso I e parágrafo único do artigo 2º da Lei
Municipal nº 1011/85, vigente na data da aprovação. Essas áreas foram
denominadas:
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1- Bougainvillée Residencial I: área compreendida entre
a Av. Mario Covas Júnior (antiga Av. Beira Mar) e a
Av. Padre Anchieta (Parte A);
2- Bougainvillée Residencial II: área compreendida entre
a Av. Padre Anchieta e a Rua das Sibipirunas (Parte
A);
3- Bougainvillée Residencial III: área compreendida entre
a Rua das Sibipirunas e a Av. Marginal à Estrada de
Ferro (Parte A);
4- Bougainvillée Residencial V: área compreendida entre
a Rod. Padre Manoel da Nóbrega (SP 55) e a Rua 51
(Parte C).
Em seguida, foram criadas as respectivas Associações:
Bougainvillée Residencial I em 1986 (fls. 344), Bougainvillée Residencial II em
1987 (fls. 192), Bougainvillée Residencial III em 1987 (fls. 363) e Bougainvillée
Residencial V em 1988 (fls. 405), cujos quadros associativos são compostos
por todos os titulares de direitos sobre os lotes, para administrar e prover
serviços e melhorias (documentos fls. 345/361, 175/190, 364/374 e 385/404).
Após a implantação dos loteamentos, a ré Prefeitura
Municipal de Peruíbe concedeu à ré Associação Residencial Bougainvillée I o
alvará nº 10.672 em 08 de setembro de 1987, autorizando-a a conservar a
portaria e zeladoria (fls. 93); à ré Parque Santana Empreendimentos S/C LTDA
o alvará nº 10.673 em 08 de setembro de 1987, para construção de zeladoria e
portaria no loteamento Bougainvillée Residencial (fls. 52); à ré Parque Santa
Empreendimentos o alvará nº 10.674 de 08 de setembro de 1987, para
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conservação de portaria e zeladoria do loteamento Bougainvillée Residencial
(fls. 95); e à ré Associação Bougainvillée Residencial I o alvará nº 15.979 de 23
de setembro de 1993, para construção de ampliação da Portaria e Zeladoria
(fls. 51).
Posteriormente, a ré Prefeitura Municipal de Peruíbe
outorgou em caráter definitivo a concessão real de uso às Associações
Bougainvillée Residencial I, II e III, nos termos dos documentos de fls. 101/102,
84/86 e 79/83, respectivamente, tudo com base na Lei Municipal n° 1011/85,
regulamentada pelos Decreto nº 971/86 e 973/86.
Em 08 de novembro de 2005, a ré Parque Santana
Empreendimentos Imobiliários Ltda. cedeu os direitos de concessão real de
uso, em caráter provisório, à ré Associação Bougainvillée Residencial V,
conforme documento de fls. 443/444.
Por fim, em 18 de maio de 2011, a Prefeitura informou
que o loteamento Bougainville Residencial, anteriormente denominado Jardim
Alvorada, realizado por Parque Santana Empreendimentos Ltda., foi
devidamente aprovado, encontrando-se concluído com suas obrigações (fls.
451).
Em razão disso, os referidos loteamentos encontram-se
“fechados”, sendo que o acesso ao seu interior ocorre através de portaria,
havendo necessidade de identificação (documentos de fls. 240).
A conduta das rés isolou, por completo, o acesso ao
público aos lotes localizados nos loteamentos. Pode-se observar que,
concretamente, o único acesso ao local se dá por meio das portarias com
cancela. Neste local, a entrada de pessoas e veículos é franqueada apenas a
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moradores e a pessoas autorizadas, sendo que a entrada de terceiros só
ocorre mediante identificação.
Diante da narrativa acima exposta, conclui-se que
loteamento regularmente criado com fulcro na Lei n° 6.766/79 passou a ser,
pelas ações da loteadora Parque Santana Empreendimentos e das
Associações requeridas, com a conivência do Município de Peruíbe, figura
vulgarmente conhecida como "loteamento fechado", inovação totalmente
irregular, sem previsão no ordenamento jurídico pátrio.
Em decorrência do fechamento das ruas, os bens que, na
origem, eram de uso comum do povo passaram a ser usufruídos em caráter
exclusivo pelos moradores do loteamento e visitantes autorizados, sob as
normas do regimento interno das Associações. O acesso a um patrimônio da
coletividade, que deveria ser irrestrito, foi limitado por muros e portarias,
construídos nos cursos de vias públicas. Tudo contando com a aprovação do
Município, com respaldo em Lei Municipal e Decretos, nitidamente
inconstitucionais.
II- DO DIREITO:
Atualmente a sociedade vem crescendo de forma
desordenada, causando problemas de ordem social e estrutural. Nesses
termos, o crescimento da população sem planejamento vem causando graves
problemas, principalmente na ordem social, com ênfase na área de segurança
pública. Com isso, a população vem buscando residir em condomínios ou em
“loteamentos fechados”.
Contudo, os “loteamentos fechados” são uma distorção da
Lei nº 6766/79. Tanto loteadores, quanto a Municipalidade, estão justificando o
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“fechamento” dos loteamentos com base no artigo 8º da Lei nº 4591/64, de
forma equivocada.
Veja, o artigo 8º da Lei nº 4591/64 trata de uma forma
especial de uso e aproveitamento do solo denominado de condomínio especial.
Esse tipo de empreendimento é formado por unidades autônomas que se
constituem de casas térreas ou assobradadas, sendo discriminada a parte do
terreno ocupada pela edificação e também àquela reservada como de utilidade
exclusiva, bem como são discriminadas as partes comuns.
Logo, essa modalidade de condomínio é uma modalidade
especial de aproveitamento do solo, no qual não existem ruas e espaços
públicos. Tudo integra o condomínio, sendo de propriedade exclusiva dos
condôminos e por eles mantidos, não havendo obrigação legal de transferir ao
domínio público áreas internas quando da aprovação e do registro do
empreendimento.
O presente caso trata de um loteamento convencional,
aprovado nos termos da Lei nº 6766/79, que foi posteriormente “fechado”, pela
Parque Santana Empreendimentos Imobiliários Ltda. e demais Associações
requeridas, com respaldo da Municipalidade, em total infringência à
Constituição Federal e à lei infraconstitucional federal.
Logo, os “loteamentos fechados” não existem
juridicamente, não havendo qualquer amparo legal para sua constituição.
Nesses termos, o Município não pode autoriza-los, sendo consideradas
inconstitucionais leis municipais que tratam sobre a matéria.
Tratando de loteamento aprovado nos termos da Lei nº
6766/79, o artigo 9º, parágrafo 2º, incisos III e IV, determina que: “O memorial
descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos – a indicação de áreas
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públicas que passarão ao domínio do Município no ato do registro do
loteamento; e a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos
serviços públicos ou de utilidade pública, já existentes no loteamento e
adjacências”.
Desse modo, aprovado o loteamento pela Municipalidade,
os espaços livres, as vias e praças, assim como outras áreas destinadas a
equipamentos urbanos tornam-se inalienáveis; e, com o registro do loteamento,
transmitem-se, automaticamente, ao domínio público, com a afetação ao
interesse público especificado no Plano do Loteamento. Tal transferência dos
bens ao domínio público e sua afetação aos fins públicos indicados no Plano
de Loteamento independem de qualquer ato jurídico de natureza civil ou
administrativa, bem como de qualquer ato declaratório de afetação.
Esses bens, incorporados ao patrimônio público, são
considerados de uso comum do povo, dada sua destinação e afetação a fins
públicos. Dessa maneira, esses bens não podem ser cedidos para atender a
interesses particulares.
Há também de se considerar que o artigo 17 da Lei nº
6766/79 impede o loteador de dar destinação diversa aos espaços públicos
constantes do memorial descritivo desde a aprovação do loteamento:
“Art. 17: Os espaços livres de uso comum, as vias e
praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros
equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo, não poderão ter sua destinação
alterada pelo loteador, desde aprovação do loteamento,
salvo as hipóteses de caducidade da licença ou
desistência do loteador, sendo neste caso, observadas as
exigências do artigo 23 desta Lei”.
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Completa, ainda, o artigo 22 do mesmo diploma legal:
“Desde a data do registro do loteamento, passam a
integrar o domínio do Município as vias e praças, os
espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e
outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo.”
Logo, a Lei nº 6.766/79 trata de loteamentos “abertos”, e
havendo afetação de bens ao interesse público, essas áreas tem que ter seu
acesso franqueado a todos. Assim, “a aprovação pelo Município dos
"loteamentos fechados" não é lícita, pois não lhe preside o princípio da
legalidade, nem a legislação municipal editada para tratar do assunto lhe dá
foros de legitimidade, porque a matéria, por sua natureza condominial, é da
competência da União”. (Da Legalidade dos Loteamentos Fechados – artigo
publicado pelo Promotor de Justiça José Carlos de Freitas, disponível em
http://www.ebooksbrasil.org/sitioslagos/documentos/ilegalidade.html)
Ensina Maria di Prieto que: “consideram-se bens de uso
comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria
natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, sem
necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração”1.
Por esse conceito são considerados bens de uso comum do povo ruas, praças,
rios, mares, áreas verdes, dentre outros.
O próprio Código Civil afirma:
1 (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª edição. Editora Atlas. Pág. 583)
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“Art. 100: Os bens públicos de uso comum do povo e os
de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a
sua qualificação, na forma que a lei determinar”.
Verifica-se, portanto, que os bens de uso comum do povo
pertencem ao domínio do Estado, que é o gestor desses bens, mas o titular é o
povo, e assim, não poderá o Estado dispor desses bens, nos termos da
legislação civilista.
Diante do conceito de “bem de uso comum do povo”, é
certo dizer que sua fruição é coletiva, são bens uti universi e seus usuários são
indeterminados, e qualquer tentativa de restringir o livre acesso dos cidadãos é
considerada ilegal.
A própria Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XV,
dispõe que é livre a locomoção em território nacional, sendo livre a circulação
de pessoas, com seus bens.
Quanto ao tema, a fruição de bens públicos só pode ser
conferida aos bens denominados dominicais (art. 99, inciso III, c.c art.101,
ambos do Código Civil), não podendo essa fruição particular ser estendida aos
bens de uso comum e de uso especial. Entretanto, para que esses bens (uso
comum e especial) sejam concedidos ao uso exclusivo é necessária sua prévia
desafetação.
É sabido, porém, que para a desafetação de vias públicas
é necessária que a via tenha perdido sua utilização pública, haja vista que a
utilização de vias públicas é um direito erga omnes, exercitável por todos, não
podendo a Administração impedir o trânsito de pessoas, afetando de maneira
direta o direito fundamental do cidadão de ir e vir.
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Em suma, são necessários: 1) desafetação; 2)
autorização legislativa; 3) ter a via perdido sua utilidade pública, tornando-se
desabitada.
No entanto, a Prefeitura Municipal de Peruíbe apenas
autorizou o fechamento das vias, sem qualquer fundamentação, informando
apenas que o fechamento não traz prejuízo ao sistema viário (fls. 258),
concedendo a outorga de direito real de uso pelos Decretos nº 973/86 e
974/86, e pelos termos definitivos de concessão real de uso, não cumprindo
com os requisitos necessários para desafetação das ruas impedidas de
circulação ao povo.
O ato de fechamento do loteamento visou ao interesse
dos proprietários dos lotes, em total prejuízo ao interesse público e à livre
circulação da população local.
No mais, a forma como os Municípios autorizam o
fechamento desses loteamentos também está revestida de ilegalidade, qual
seja, a concessão de direito real de uso.
Na lição do Promotor de Justiça José Carlos de Freitas
(Da Legalidade dos Loteamentos Fechados – artigo disponível em
http://www.ebooksbrasil.org/sitioslagos/documentos/ilegalidade.html): “já a
utilização dos bens de uso comum do povo ou de uso especial deve ser feita
por títulos jurídicos de direito público, como a autorização, a permissão e a
concessão de uso, pois estando eles afetados à finalidade pública, a sua
vinculação a título jurídico de direito privado, que coloca o particular em
igualdade de condições com a Administração, viria em prejuízo do interesse
geral, pois retiraria à Administração a possibilidade de apreciar a todo momento
a conveniência da utilização privativa consentida e de extingui-la quando
prejudicial à finalidade precípua a que o bem se destina. Todas as relações
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jurídicas que têm por objeto os bens de uso comum e os de uso especial
sujeitam-se a regime jurídico de direito público; daí as razões de afirmar-se que
os bens dessa natureza estão fora do comércio jurídico de direito privado".
Continua o autor: “A concessão de uso é contrato de
direito público, sinalagmático, gratuito ou oneroso, comutativo e realizado
intuitu personae, utilizado preferentemente à permissão, nas hipóteses em que
a utilização do bem público visa ao exercício de atividades de maior vulto e
mais onerosas, firmado geralmente com prazos longos que garantam certa
estabilidade ao concessionário. Quando implicar na utilização de bem de uso comum do povo, sua outorga só será possível para fins de interesse público e se for compatível com a destinação principal do bem . Ela investe
o concessionário na posse da parcela do bem objeto do contrato e sua rescisão
pela Administração, antes do termo, exige justa indenização. São exemplos a
concessão para a exploração de minas e águas (hidrelétricas), ou para o uso
de dependências aeroportuárias (para abrigo, reparação e abastecimento de
aeronaves), de cemitérios para sepulturas (inumação de cadáveres)”. (grifo
nosso).
Portanto, o fechamento dos loteamentos convencionais,
nos termos da Lei nº 6766/79, impede que o público em geral tenha acesso às
vias internas, porquanto terceiras pessoas só adentram ao empreendimento
quando previamente identificadas e autorizadas. Não há dúvidas que tal
obstrução é arbitrária.
Apesar disso, sustentam alguns autores, de forma
equivocada, que a construção de muros, bem como a colocação de cancelas e
guaritas, é lícita, sob o argumento de que o Município pode autorizar através do
instituto de direito real de uso, previsto no artigo 7º do Decreto Lei nº 271/67.
Ora, tais autores confundem o instituto previsto no artigo 8º da Lei nº 4. 591/64
com as figuras previstas na Lei nº 6766/79.
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Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo:
“APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE ESBULHO
OBSTÁCULO EM VIA PÚBLICA LOTEAMENTO
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO "LOTEAMENTO
FECHADO" CONDOMÍNIO HORIZONTAL BEM PÚBLICO
DE USO COMUM DO POVO. - Esbulho caracterizado
pela colocação de cerca e portão com cadeados na via
pública, obstando o acesso à propriedade do autor -
irrelevância da existência de outras vias "cômodas",
questão possessória que não se confunde com as
hipóteses de servidão ou passagem forçada; -
"Loteamento aberto" instituído de acordo com a Lei Federal n. 6.777, de 1979 parcelamento do solo urbano, mediante interesse regional ou local, mantida a natureza PÚBLICA das vias de trânsito; - Condomínio horizontal não verificado origem pública que não permite o reconhecimento da copropriedade das áreas comuns - Lei n. 4.591, de 1964 não aplicável; - Rua que constitui bem público de uso comum do povo, por excelência (inteligência do artigo 99, inciso I, do Código Civil), inviável a alienação enquanto não houver a desafetação de sua qualidade (art. 101, do Código de 2002); - Lei Complementar
Municipal que, embora tenha autorizado a "mutação" dos
loteamentos em "loteamentos fechados", não eximiu o
Município do cumprimento de seus próprios requisitos e
da Lei de Parcelamento do Solo Urbano - Decreto
Municipal que deixou de instituir a cessão de uso da via
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pública, rua não desafetada, que impede qualquer
obstáculo pelo particular - procedência da demanda; -
Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados
fundamentos - artigo 252 do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça de São Paulo - RECURSO NÃO
PROVIDO”. (TJ-SP - APL: SP 0010273-
56.2008.8.26.0358, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de
Julgamento: 17/03/2014, 20ª Câmara de Direito Privado,
Data de Publicação: 21/03/2014)
Vale dizer que a Prefeitura Municipal de Peruíbe ainda
fundamenta o ato na Lei Municipal n° 1.010/85, alterada pelas Leis nº 1.263/89,
nº 2.522/04 e nº 2.738/06, e regulamentada pelo Decreto Municipal nº 971/86.
Dispõe o artigo 2º da legislação municipal:
“Considera-se loteamento fechado, aquele realizado nos moldes do loteamento comum, em locais do território
municipal que não interfira com o sistema viário e que não
venha causar impedimentos ou dificuldades ao tráfego
normal, caracterizando-se pela outorga de concessão de direito real de uso para as vias de circulação e para
as áreas verdes e espaços destinados a equipamentos
urbanos e comunitários, observadas as seguintes
condições:
I- Atendimento de todas as exigências determinadas
para o loteamento comum;
II- Na hipótese de a gleba total possuir área de
considerável grandeza, o interessado deverá anuir em
separa-la em tantas áreas fechadas quantas forem
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necessárias para permitir o tráfego normal nas vias de
interligação do sistema viário do Município;
III- Execução, nos prazos fixados em Decreto do
Executivo, de todas as obras de infraestrutura do
loteamento.”
Contudo, em sede constitucional derivada,
especificamente quanto às ruas e às demais áreas institucionais de
loteamentos devidamente registrados – como é o caso dos autos – paira
expressa vedação da alteração de suas finalidades originais pelos Municípios,
a teor do artigo 180, VII, da Constituição Estadual de São Paulo.
Assim, se é certo que os entes federados locais detêm
competência para organizar seus núcleos urbanos, também é fato que em São
Paulo, os municípios devem se atentar à impossibilidade de modificação
finalística das áreas institucionais – o que abrange as vias de circulação – dos
loteamentos.
Nestes termos, impossível considerar juridicamente válida
a concessão de direito real de uso das ruas e espaços públicos de um
loteamento a particulares, para permitir a instituição de controles privados de
entrada e saída do bairro, pois se haveria por desnaturada a função precípua
destes bens públicos, que é precisamente a livre circulação de pessoas pelas
cidades.
Assim, ao menos neste tocante, a Lei Municipal nº
1.010/85 é flagrantemente inconstitucional, ferindo frontalmente o sobredito
preceito constitucional derivado decorrente.
E sendo nula a lei, nulo será o contrato de concessão
celebrado com base nela, de maneira que as ruas e demais áreas públicas do
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loteamento sempre foram e ainda são bens da Municipalidade, passíveis de
fruição por qualquer pessoa.
Demais disso, não bastassem a vedação constitucional
estadual – que alguns, com o devido respeito, equivocadamente entendem ser
inconstitucional, por supostamente ferir a autonomia municipal – e a violação
ao já mencionado direito fundamental à liberdade de locomoção, presente na
Constituição Federal, há aqui afrontas à legislação infraconstitucional.
Isto porque, mesmo que se tenha por vencida a vedação
imposta pela Constituição Estadual, o Município, no caso o de Peruíbe, ainda
deve incontestável respeito às leis federais de regência das ruas e avenidas
existentes no país.
Neste sentido, repita-se, o Código Civil enfatiza serem tais
bens de uso comum do povo (artigo 99, I).
Logo, ainda que queira o Município regulamentar, por lei
local, a disciplina de suas ruas, não pode perder de vista os preceitos
normativos do Código Civil – lei de caráter nacional, a que qualquer ente
federado está vinculado.
E não apenas o Código Civil, mas também a lei que
regulamenta as vias de circulação em loteamentos urbanos – a Lei nº 6.766/79
–, outorgou aos Municípios a propriedade das ruas e avenidas dos
parcelamentos justamente com a clara intenção de evitar abusos que
certamente seriam cometidos se ficassem tais espaços nas mãos de
particulares.
Optando por lotear uma gleba e criar vias de circulação –
cujo traçado é necessário e previamente aprovado pela Municipalidade – o
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loteador já sabe que perderá a disponibilidade daquelas áreas em prol e para o
uso de todos, munícipes ou não, de maneira que é ilegal qualquer ato que se
desvie deste postulado, por negar vigência ao artigo 22 da Lei do
Parcelamento.
Se cabe ao Município regular seus espaços internos, deve
fazê-lo dentro dos moldes previstos na Lei como permitidos. E, atualmente, as
leis nacionais de regulamentação espacial preveem ou os loteamentos ou
desmembramentos urbanos (Lei nº 6.766/79), ou então os condomínios (Lei nº
4.591/64).
O loteamento Bougainvillée Residencial está inserido no
primeiro dos tipos e não há, até aqui, sustentáculo legal que autorize ao
Município réu, mesmo por meio de instrumentos legais seus, a criação de um
terceiro gênero.
Ademais, não é permitido aos Municípios legislar sobre
Direito Civil, de modo que lhes falta competência para, por si, criar esta terceira
e inexistente figura – a dos “loteamentos fechados”.
Aliás, a Lei Municipal nº 1.010/85 é evidente tentativa de
regularizar o “irregularizável” – o “fechamento” de loteamentos –, figura, repita-
se, inexistente nos dias atuais em nosso ordenamento jurídico, pois
incompatível com as espécies legalmente previstas.
Por fim, as áreas públicas de um loteamento têm por
objetivo atender às necessidades coletivas urbanas, como a circulação de
veículos e pedestres, bem como a atender à função ambiental da propriedade.
“Assim, o fechamento das vias de circulação, por ato do loteador ou associação
de moradores, com ou sem aprovação do Município, vulnera o art. 17 e 22 da
Lei 6766/79 e o art. 180, VII, da Carta Paulista, na medida em que, subtraindo-
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as da fruição geral, altera a destinação, os objetivos e a finalidade congênitos
dessas áreas, predispostas que estão para atender ao público indistintamente”.
(Da Legalidade dos Loteamentos Fechados – artigo publicado pelo Promotor
de Justiça José Carlos de Freitas, disponível em
http://www.ebooksbrasil.org/sitioslagos/documentos/ilegalidade.html)
III – DA LIMINAR:
Os Requeridos restringiram o direito de ir e vir da
população local, impossibilitando o livre acesso de transeuntes pelas vias
públicas, violando direito constitucionalmente garantido.
Igualmente, condicionaram o ingresso dos cidadãos à
parada obrigatória na portaria e à identificação a quem não está legalmente
investido do poder de polícia, em gritante violação aos direitos constitucionais
de locomoção e da liberdade de fazer ou deixar de fazer senão em virtude de
lei.
A situação constrangedora provocada pelos Requeridos
não pode persistir, sob pena de se castigar ainda mais os cidadãos a se
submeterem às condutas ilegais por parte dos Requeridas.
Deste modo, outra solução não há senão obstar
imediatamente as arbitrárias ações dos Requeridos, pois não é suficiente
aguardar-se a futura retirada das cancelas e portarias por ocasião do
provimento jurisdicional final, eis que os Requeridos continuarão cerceando o
direito de ir e vir dos cidadãos.
A propósito, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, ao julgar o Agravo de Instrumento n° 12.348.4/5, da Comarca de
Itanhaém, em caso semelhante, decidiu enunciando a seguinte ementa:
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"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Loteamento - Transformação em
condomínio fechado com construção de muros e
instalação de cancelas - Livre trânsito do cidadão
obstado e condicionado à identificação perante autoridade
ilegítima - Inadmissibilidade - Verossimilhança das
alegações oferecidas com a petição inicial - Recurso
provido para concessão da liminar pretendida. "Desse
modo, requer a retirada imediata de toda e qualquer
cancela das vias públicas, de cones de sinalização, de
tachões, das lombadas, das barreiras de vigilantes, de
guaritas instaladas sobre vias públicas e/ou calçadas,
bem como de muros que tenham obstruído as vias
públicas de acesso àquele loteamento, em especial, mas
não exclusivamente, os situados nas ruas Inácio Garcia e
Marcos Prado de Almeida.
IV – DOS PEDIDOS:
Diante do exposto, requer-se:
1) nos termos do artigo 12, "caput", da Lei da Ação Civil
Pública, a concessão de medida liminar, sem ouvir a outra parte, para:
a) obrigar o Município de Peruíbe, a Parque Santana
Empreendimentos S/C LTDA e as Associações Residenciais Bougainvillée I, II,
III e V a, imediatamente, removerem, isolada ou conjuntamente, todos os
obstáculos (cancelas, guaritas. correntes, mureta, portões, muros, etc,) das
portarias do loteamento, sob pena de pagamento de multa diária de R$
5.000,00 (cinco mil reais);
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b) obrigar o Município de Peruíbe e as Associações
Residenciais Bougainvillée I, II, III e V a não interromperem o livre trânsito pelo
local, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais);
2) a procedência definitiva do pedido para:
a) condenar os Requeridos à obrigação de não fazer
consistente na abstenção de qualquer ato ou atividade que possa, de qualquer
forma, impedir, restringir, condicionar ou limitar a circulação, o acesso e o uso
comum das pessoas e veículos às suas áreas públicas no Loteamento
Bougainvillée Residencial, inclusive com a retirada de toda e qualquer cancela
das vias públicas, de cones de sinalização, de tachões, das lombadas, das
barreiras de vigilantes, de guaritas instaladas sobre vias públicas e/ou
calçadas, bem como de muros que tenham obstruído as vias públicas de
acesso àquele loteamento;
b) condenar o Município de Peruíbe à obrigação de fazer
consistente na retomada da posse e do uso comum do povo das vias públicas
incorporadas ao Loteamento Bougainvillée Residencial, assim como na retirada
de todo e qualquer obstáculo colocado no leito carroçável das vias e dos
passeios públicos;
c) condenar o Município de Peruíbe na obrigação de fazer
consistente em assumir todos os serviços públicos no interior do Loteamento
Boungainvillée Residencial, notadamente os de manutenção, conservação e
limpeza das vias de uso comum do povo, na forma do art. 30, inciso V. c.c. art.
37, inciso XXI, da Constituição da República, sem intermediação da
Associação, de seus prepostos e contratados, dos sucessores desta e de
qualquer associação do gênero, fixando prazo para tal não superior a 60 dias;
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d) declarar a nulidade dos atos administrativos municipais
que tenham autorizado ou concedido o uso privado das vias públicas que
compõe o Loteamento Bougainvillée Residencial, inclusive com pedido de
inconstitucionalidade incidenter tantum, bem como de eventuais termos de
cooperação firmados entre as rés.
3) a citação dos Requeridos;
4) a condenação dos Requeridos ao pagamento de custas
e demais despesas processuais;
5) a produção de todas as provas admitidas na lei
processual;
6) a publicação de edital em órgão da imprensa para que
eventuais interessados possam intervir no processo como litisconsortes, nos
termos do artigo 94 da Lei de Ação Civil Pública.
Atribui-se à causa o valor de R$ 10.000.00 (dez mil reais).
Peruíbe, 08 de abril de 2015.
THIAGO ALCOCER MARINPromotor de Justiça
Mariângela Tirloni Cação
Assistente Jurídico do Ministério Público
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