inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web...

26

Click here to load reader

Transcript of inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web...

Page 1: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

A INCULTURAÇÃO DO CARISMA SALESIANOP. Tarcísio Scaramussa

Introdução: INCULTURAÇÃO - caminho de mão dupla

"Com os judeus, comportei-me como judeu, a fim de ganhar os judeus... Com os fracos, tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo. Tudo isso eu o faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dele". (1 Cor 9, 20s)

Todo mundo está vendo a aproximação do "novo milênio" e dos "500 anos" como unia grande oportunidade, segundo seus próprios interesses. Ao lado da publicidade em vista do consumo, acontece também um rico debate de significados profundos desse momento histórico. Eles revelam mudanças culturais que estão gestando nova sociedade, e que repercutem no campo da educação e da evangelização.

Vejamos um exemplo: até há pouco tempo o 13 de maio era uma data histórica que lembrava a lei áurea da princesa Isabel, que decretava o fim da escravidão negra no Brasil. lima comemoração típica dos brancos que escravizavam e que querem continuar sendo heróis quando consciência social repudia a escravidão. Para os negros, porém, este dia passou a ser de protesto pelo racismo, A nova consciência negra escolheu o 20 de novembro, que lembra a morte de Zumbi, herói líder da resistência nos quilombos. A nova data revela o outro lado da medalha, e reconhece o direito do negro de ser sujeito e de escrever sua versão da história.

A carta de Pero Vaz de Caminha descreve a chegada dos portugueses ao Brasil e os primeiros contatos com os indígenas. Impressiona a acolhida alegre e festiva por parte dos nativos, e a arrogância dos estrangeiros. A língua diferente, e mais do que a língua, as linguagens culturais diversas, impediram comunicação mais profunda. Antes de conhecê-los em suas diferenças, os portugueses já haviam concluído a respeito de sua "ignorância" e "barbárie" a ser amansada. Não conseguiam vê-los como sujeitos, mas apenas como objeto e propriedade sua, da qual poderiam dispor de acordo com suas decisões. Afinal, já haviam determinado que esta terra e tudo o que nela havia era propriedade de sua majestade.

Não é de se estranhar neste contexto que a primeira evangelização, vinda na mesma expedição, se fizesse dentro de compreensão, métodos e expressões correspondentes. Necessariamente encarnada e histórica, a evangelização se veste com o tecido da época.

O que se deve estranhar é a persistência dessa compreensão em plena virada de milênio. Seus reflexos se manifestam no campo da educação e da evangelização com posturas e práticas de mão única. Monopólio do saber e do processo de conhecimento e das decisões, resistindo ao protagonismo do educando. Redução globalizadora das culturas, pela imposição do mimetismo consumista. No processo de evangelização da Igreja se repete na resistência à participação, especialmente dos leigos, na homogeneização da liturgia, nos métodos catequéticos de pura repetição, no desprezo pela religiosidade do outro, do diferente.

Page 2: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

A mudança de tempo se manifesta em nova compreensão, nova evangelização, das quais um dos princípios é o da inculturação. E um termo novo para indicar "o processo de penetração do Evangelho no quotidiano de um povo, de tal forma que ele possa expressar sua experiência de fé em sua própria cultura" (CNBB, doc. 61, n. 88). Coerente com este princípio cumpre reconhecer os novos sujeitos da evangelização, e os novos protagonistas. O paradigma agora é a da estrada de mão dupla, e o monólogo dá lugar ao diálogo. E uma coisa bonita, uni novo nascimento. Mas exige desprendimento, despojamento, partilha do poder.

A missão e o espírito salesiano de Dom Bosco, seu carisma, fazem parte da evangelização da igreja. Por isso se fala hoje da inculturação do carisma salesiano. Presente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes e cores variadas, moldando-se através do diálogo intercultural. Esse processo é favorecido pelo próprio espírito de simplicidade, acolhida e aproximação característico de Dom Bosco: "o professor visto apenas na cátedra é professor e nada mais, mas se está no recreio cone os jovens, torna-se irmão". Principio que faz os salesianos serem "intimamente solidários com o mundo e com sua história. Abertos às culturas dos países cm que trabalham, procuram compreendê-las e acolher seus valores para encarnar nelas a mensagem evangélica. As necessidades dos jovens e dos ambientes populares, a vontade de agir com a Igreja e em seu nome movem e orientam sua ação pastoral para o advento de um mundo mais justo e mais fraterno em Cristo" (Constituições 7).

Nova consciência, novas formas, novas expressões. Nascer e renascer. Não é um desafio que vale a pena? Já saturado desses "500 anos", porque não descobrir esta nova terra?

Ao aprofundarmos o estudo do tema inculturação, temos consciência de que vamos refletir sobre um processo que já está acontecendo. Está acontecendo no voltar-se para os jovens pobres, no protagonismo juvenil, na comunhão e partilha do carisma com os leigos, no projeto educativo-pastoral, na vivência da comunidade educativo-pastoral, na integração das dimensões pedagógico e pastoral, no diálogo inter-religioso, na acolhida e valorização da cultura afro-americana, na melhoria da comunicação...

Seguiremos os seguintes passos no estudo:- Aprofundar os significados do termo e cio processo de inculturação - Delimitar o campo específico da ação salesiana: juventude, educação-cultura, comunicação social- Fundamentar a escolha de conteúdo e método no processo de inculturação- Indicar alguns elementos da inculturação do carisma salesiano

1 - Significados do termo e do processo de inculturação

O termo INCULTURAÇÃO é mais usado pela Igreja que pelas Ciências Sociais (Antropologia e Sociologia usam mais os termos enculturação e aculturação). E um termo de uso recente e que adquire novo significado. Este novo está ligado à mudança no conceito de cultura: passagem de um significado estético ou humanístico, para uni antropológico, que abarca o conjunto da vida de um povo.

Por baixo de tudo estão os conceitos e teorias de cultura, que são inúmeros. A. Kroeber e C. Kluckhohn chegam a enumerar trezentos sentidos do termo, utilizados comumente por antropólogos, sociólogos, filósofos e outros (Culture, a Critical Review of Concepts and

Page 3: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

Definitions. Cambridge, 1952). As definições não são contraditórias, mas complementares, e sua variedade se deve aos interesses de cada abordagem que se faz de cultura: visão funcionalista, estruturalista, semiótica, relacionista, fenomonológica, ecológica e materislista. Quando alguma dessas abordagens se arvora como a única completa e verdadeira, começam a surgir os problemas.

Entre tantas definições, ficaremos coin Marcelo Azevedo que define a cultura como o conjunto de significados, valores e esquemas que subjazem aos fenômenos perceptíveis de uma sociedade concreta, quer sejam reconhecíveis em nível de práticas sociais (atos, modos de proceder, instrumentos, técnicas, costumes e hábitos, formas e tradições) quer sejam portadores de signos, símbolos, significados e representações, concepções e sentimentos que consciente ou inconscientemente passam de geração em geração e são conservados como estio ou transformados pelo povo como expressão de sua realidade humana". A cultura vai sendo entendida assim, cada vez mais profundamente, como o código mais profundo que revela um grupo humano e social e que o torna compreensível.

A Igreja, seguindo o caminho percorrido pelas ciências sociais, realizou um movimento decisivo da noção clássica de cultura (com seus tons ocidentais de valores estáticos e elitistas e com seus acentos etnocentristas) para concepções mais pluralistas e étnicas, mais interessadas com valores humanos universais dentro da variedade das culturas no mundo de hoje, em que as diferenças culturais são respeitadas e valorizadas.

Os conceitos de cultura colocaram em evidência a relação estreita entre originalidade e comunicabilidade de toda cultura. As culturas permanecem abertas assim, por sua mesma natureza, ao encontro com outras culturas, e, potencialmente, ao encontro com esse elemento dinamizador e plenificador das culturas que c o Evangelho.

Dentro desta compreensão é que amadurece na Igreja um conceito de inculturação corno o processo pelo qual o Evangelho e/ou a Igreja se encarnam em uma determinada cultura. A definição do P. Arrupe é a mais conhecida nos meios eclesiais: inculturação é a encarnação da vida e mensagem cristãs numa área cultural concreta, de tal maneira que essa experiência não somente chegue a expressar-se com os elementos próprios da cultura em questão (o que não seria mais que ulna adaptação superficial), mas que se converta em principio aspirador, normativo e unificador que transforme e recrie essa cultura, originando assim unta nova criação.

O processo de inculturação, portanto, é amplo, constante, e deve atingir a todas as culturas. Não diz respeito apenas aos indígenas, afro-americanos, africanos, indianos, mas também à cultura urbana ocidental. Paulo VI na Evangelii Nuntiandi ressalta muito hem: "Para a igreja não se trata somente de pregar o Evangelho em áreas geográficas cada vez mais vastas ou a populações cada vez mais numerosas, mas de alcançar e transformar com a força do Evangelho os critérios de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesses, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que estão em contraste com Palavra de Deus e com o desígnio de salvação" (EN 19). E logo a seguir: "O que importa é evangelizar - não de uma maneira decorativa, como com um verniz superficial, mas de maneira vital, cor profundidade, até às raízes - a cultura e as culturas do homem no sentido rico e amplo que têm seus termos na Gaudium et Spes (50), tomando sempre como ponto de partida a pessoa e tendo sempre presentes as relações das pessoas entre si e com Deus" (EN 20).

Page 4: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

O sentido de inculturação pode ser melhor entendido em sua especificidade, distinguindo-o também de outros termos afins, que colocamos a seguir:

- Adaptação: ajuste fenomenológico tanto do evangelizador (modos de ser e de agir) como da mensagem (tradução e expressão) à cultura destinatária.- Aculturação: fenômeno da aproximação e contato entre duas culturas, dando lugar a influências e transformações mútuas.- Enculturação: processo pelo qual o indivíduo assimila sua própria cultura (socialização)- Transculturação: a transferência etnocêntrica e unidirecional de elementos culturais de urna cultura dominante a outra cultura.

2 - lnculturação nos novos Areópagos da missão salesiana (P. Juan E. Vecchi)

Nós temos a tarefa de "inculturar" no nosso contexto, mas também no contexto transversal que é a juventude. Somos como o "front" privilegiado e experimental de diálogo entre o evangelho e as novas mentalidades juvenis, do encontro entre a Igreja e os jovens, que pedem de nós capacidade de leitura, presença inserida, identidade segura.

É conhecida a afirmação da Evangelii Nuntiandi sobre a participação dos consagrados na missão da Igreja: "Eles são empreendedores e seu apostolado é frequentemente marcado pela originalidade, por uma genialidade que obrigam à admiração. São generosos: ai se encontram frequentemente os baluartes da missão que assumem os maiores riscos para a sua saúde e para a sua própria vida" (EN 69).

À constatação de que sempre estiveram em postos de fronteira corresponde o convite hoje, em tempo de cultura secular, fazer-se presentes nos areópagos. A imagem é conhecida. Mas vale a pena debruçar-se sobre ela. Dizem os Atos:

"Enquanto Paulo os esperava em Atenas, inflama- va-se-lhe o espírito de indignação com o espetáculo desta cidade cheia de ídolos. Disputava por isso,na sinagoga, com judeus e com os adoradores de Deus, e na agora, todos os dias, com os que a frequentavam. Até mesmo alguns filósofos epicureus e estoicos o abordavam. Uns diziam: ‘Que quer dizer este palrador?’ Outros: ‘Dir-se-ia um pregador de divindades exóticas’. Porque ele anunciava Jesus e a Ressurreição.

Tomaram-no então consigo e levaram-no ao Areópago dizendo: 'Poderíamos saber que espécie de doutrina é esta que ensinas? Pois são opiniões estranhas que nos trazes aos ouvidos. Queríamos, portanto, saber o que isto quer dizer.' Todos os atenienses, com efeito, e os estrangeiros ali residentes, não passavam o tempo senão a dizer eouvir as últimas novidades.

Page 5: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

De pé, no meio do Areópago, Paulo então disse: 'Atenienses, sob todos os aspectos sois, eu o vejo, os mais religiosos dos homens. Pois percorrendo avossa cidade e observando os vossos monumentos sagrados, encontrei até um altar com a inscrição: 'Ao Deus desconhecido'. Aquele que adorais sem conhecer, eu venho vos anunciar.O Deus que fez o mundo e tudo que nele se encontra, o Senhor do céu de da terra, não habita em templo feitos por mãos humanas. Também não é servido por mãos de homens, como se tivesse necessidade de alguma coisa, ele que a todos dá vida, respiração e tudo o mais. Se de um princípio único fez todo o gênero humano para habitar sobre a superfície da terra, se fixou tempos determinados e os limites do habitat dos homens, foi a fim de procurarem a divindade e, se possível, atingi-la às apalpadelas e encontrá-la; também ela não está longe de nós. É nela, com efeito, que temos a vida, o movimento e o ser. Assim, aliás, disseram alguns dos vossos:'Pois nós somos também de sua raça.'Se somos de raça de Deus, não devemos pensar que a divindade seja semelhante ao ouro, á prata,ou á pedra, esculpida pela arte e pelo engenho do homem. Ora, eis que Deus, fechando os olhos relativamente aos tempos de ignorância, fez agora saber aos homens que tem todos e por toda a parte de se arrependerem, porque ele fixou um dia para julgar o universo com justiça, por um homem que ele destinou, oferecendo a todos uma garantia ao ressuscitá-lo dentre os mortos'.Ao ouvirem falar de ressurreição dos mortos, uns zombavam, outros diziam: 'Ouvir-te-emos a respeito disto outra vez.' Foi assim que Paulo se retirou do meio deles. Alguns homens, contudo, aderiram a ele e abraçaram a fé. De seu número foi Dionísio, o Areopagita. Também certa mulher, chamada Damaris, e outros com eles".(At 17, 16-33).

O areópago é uni lugar secular e público, distinto da sinagoga, que é lugar religioso, e da "praça" que é lugar aberto de encontro e diálogo individual de todo tipo. Nele não existem referências mínimas comuns para a compreensão do que Paulo quer exprimir. Há apenas os desejos pessoais dos ouvintes o sentimento religioso natural e uma determinada cultura. Há liberdade de escuta, discurso e resposta. As pessoas se encontram nas

Page 6: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

atividades ordinárias com as atitudes que são mais geniais: escutar e comentar as últimas notícias.

É um símbolo da missão inclinada a procurar o homem nos espaços seculares, mais significativos, mesmo se mais expostos ao insucesso, onde ainda não chegou nada da mensagem, mas existem os sinais da busca humana; onde se prevê uma resposta limitada e até uma resistência consciente e racional. Aí ninguém será condenado ao cárcere pelo que diz, mas corre o risco da insignificância, da marginalização e do ridículo, a liquidação veloz porque o que se escuta parece carecer de fundamento racional ou pela suspeita de que os que falam procuram vantagens pessoais ou corporativas.

Há, ainda, no que se expõe, uma leitura das aspirações humanas, uma confiança na palavra de Deus e uma vontade de encontro. Colhe-se, portanto, a possibilidade de comunicação, quer valorizando o positivo cio costume quer desestabilizando o pensamento corrente para levar ao crescimento cm humanidade que é o caminho ordinário da Igreja.

Aproximando ao nosso tempo, a imagem diz que apresenta em relação ao evangelho, os sinais que caracterizam a época apostólica: unia cultura sem referências cristãs, dominada pela racionalidade e pela técnica, uma sociedade, onde se goza liberdade de acolher ou discutir, com critérios éticos discutíveis, com muitos ídolos não tanto materiais, mas simbólicos e virtuais, com múltiplas expressões de vaga espiritualidade onde se deve superar quase uma barreira para comunicar o evangelho.

Os areópagos modernos são espaços ou fenômenos culturais mais que apenas lugares físicos. Assim aparecem os três tornados como exemplo que, entre outras coisas, nos dizem respeito de forma direta: a educação, a cultura, a comunicação social. Não ó necessário explicitar porque são tomados como paradigmas. Estão ligados entre si embora neles se possa estar presentes corn modalidades que correspondem especificamente a cada um deles.

O primeiro dos areópagos na enumeração é a educação (cfr. VC 96-97). É tomada na sua acepção mais ampla e compreensiva: como crescimento da pessoa e como conjunto de auxílios para torná-la consciente do seu ser e do seu destino, dar-lhe num conhecimento adequado da realidade desenvolver a sua capacidade dc avaliação e de opção, abri-la ao sentido e ao mistério, anunciar-lhe a palavra de Deus.

Com tal amplidão é entendida a função educativa da Igreja no mundo. A educação das pessoas e dos povos não é para a Igreja uma manifestação opcional da caridade ou um aspecto setorial da missão: é o próprio coração e o caminho indispensável.

A Igreja exercita o seu ministério iluminando, propondo, interpelando a liberdade. Ela se torna mediadora da ação educadora de Deus, a atualização do magistério que Cristo exerceu com os discípulos e as multidões, o sinal da ação cio Espírito que transforma os corações.

Por isso, nela tudo tem caráter educativo: presença, anúncio, celebração, serviços diversos. Educam a pregação, a liturgia, a direção espiritual, a vida de comunidade. Tudo tende a dar ao homem consciência do seu ser, a ajudá-lo a descobrir e abraçar quanto de

Page 7: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

bom, de nobre, de eterno existe posto pelo Criador nele, a abri-lo ao relacionamento com o Pai, o Pilho, com o Espírito Santo que o constitui na sua dignidade.

Neste contexto se insere o empenho educativo dos Consagrados, mais e primeiro em força da sua escolha de vida que das instituições específicas que criam ou da profissionalidade que assumem. Neste sentido, todas as formas de vida consagrada são fortemente educadoras do homem e cm primeiro lugar dos cristãos. O sinal que oferecem, os valores que assumem como próprios, o serviço que prestam, impulsionam e ajudam a crescer em humanidade e fé.

Alguns entre os consagrados assumem profissionalmente o trabalho educativo. A missão leva estes religiosos a agir em três espaços. O primeiro compreende tudo o que diz respeito à promoção integral da pessoa, segundo as urgências que aparecem nas situações concretas. A sua obra neste campo, inspirada pelo amor de Cristo e sob o signo da sua sequela, e verdadeira evangelização.

O segundo espaço compreende a iniciação crista, a educação dos que têm feito a escolha da fé ou se mostram disponíveis a considerá-la. Trata-se dc acompanhar as pessoas a viver na história como filhos de incorporados à existência de Cristo, membros do seu povo. A catequese e a formação de uma mentalidade evangélica são partes principais.

O terceiro e a humanização e a evangelização da cultura como forma coletiva de educação segundo o processo que descreve a Evangelii Nuntiandi para "atingir e quase revirar mediante a força do Evangelho os critérios de juízo, os valores determinantes, os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade" (EN 19).

Este quadro de referência é indispensável para captar, de forma realista, quais são os desafios dirigidos à missão dos religiosos educadores e quais as respostas que eles podem dar. A educação assim entendida não se limita ao setor escolar nem apenas ás instituições específicas conhecidas, mesmo se estas representam o calçado duro do esforço social para oferecer a todos oportunidades de prevenção, recuperação e crescimento.

O tipo de sociedade em que vivemos multiplicou os problemas de jovens e adultos. Ao itinerário educativo, que se desenvolvia segundo modelo para a maioria, entrou uma necessidade de adequação a multíplices situações que se vão diferenciando á medida que a sociedade se complexifica.

Chama-se "areópago', lugar de dialogo aberto e não apenas sistema de instituições, justamente porque é preciso instaurar um diálogo sobre o sentido da vida ao aberto, com interlocutores diversamente orientados e motivados, porque com iniciativas novas é preciso ir ao encontro de novas demandas de cultura e de vida.

A Exortação reconhece que os consagrados, “pela sua especial consagração, pela peculiar experiência dos dons do Espírito, pela assídua escuta da Palavra e o exercício do discernimento, pelo rico patrimônio de tradições educativas acumuladas no tempo pelo próprio Instituto, pela profundidade do conhecimento da verdade espiritual... estão em grau de desenvolver uma ação educativa particularmente eficaz oferecendo urna contribuição específica ás iniciativas dos outros educadores e educadora” (VC 96).

Page 8: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

A citação de Dom Bosco: "os jovens não apenas sejam amados, mas eles mesmos saibam que são amados" (MB 17, 110) está inserida na memória dos "admiráveis exemplos de pessoas consagradas que viveram e vivem a tensão à santidade mediante o compromisso pedagógico, propondo ao mesmo tempo a santidade como meta educativa" (VC 96).

Ela nos recorda que a educação, para nós, não é apenas consequência do propósito de santificação, mas lugar humano onde adquire a sua fisionomia típica porque contém, segundo a índole da nossa vocação, também o momento de graça. O primado que damos a Deus na nossa vida e o seguimento de Cristo se traduz num desejo de fazê-los viver no coração dos jovens que crescem, a fim de que encontrem o sentido e a felicidade.

A unidade com a qual vivemos os dois aspectos plasma a fisionomia da nossa espiritualidade que se identifica com o Sistema Preventivo e cria o estilo da nossa comunhão como "espírito de família" (C. 16).

3 - Processo educativo no processo de inculturação: conteúdo e metodologia

O que vimos anteriormente nos leva naturalmente a outra tarefa fundamental: definir "o que", o porquê" "o para que" da educação no processo de inculturação. Mas não só! Ter clareza também, sobre "o como" chegar aos resultados desejados.

Acontece que essa definição depende de outras escolhas, pois conteúdo e método são partes de um todo mais amplo, o processo educativo. E este, por sua vez, como criação e recriação de conhecimentos, fundamenta-se também em uma teoria do conhecimento. A compreensão do que é conhecer determinará, portanto, a escolha metodológica.

Se o conhecimento. supõe a capacidade de agir conscientemente através da reflexão crítica sobre a ação, a sua base está na prática social concreta. Nós aprendemos, nosso conhecimento vai se modificando e ampliando através das experiências de pensar em como responder na prática às situações e problemas que a vida cotidiana nos coloca. É um processo constante, dinâmico, porque dinâmica é a prática social que o origina, e dinâmico é o sujeito que atua sobre ela, transformando-a.

Num processo educativo, procura-se desenvolver de modo sistemático, essa lógica do conhecimento comum. É a partir disso que teceremos algumas considerações sobre metodologia.

a) Pequena retrospectiva histórica

Tomando como critério dc classificação a posição que adotam em relação à prática social, identificamos duas tendências pedagógicas de fundo nas últimas décadas: a liberal e a transformadora.

- A tendência liberal agrupa pedagogias preocupadas coin a adaptação dos indivíduos aos valores e normas vigentes na sociedade capitalista, e com o desenvolvimento das aptidões individuais necessárias para desempenhar papéis nesta sociedade.

A ramificação mais tradicional desta tendência caracteriza-se por acentuar a transmissão de conteúdos - conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas, a

Page 9: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

preparação intelectual e moral, a apresentação dc "modelos". O "saber" é separado da prática material e histórica das pessoas. Privilegiam-se os métodos expositivos, onde predomina a autoridade do professor. Não raro cai no "tecnicismo', para obter eficácia na transmissão dos conteúdos. A disciplina é imposta. Nesta tendência incluem-se as teorias dc aprendizagem fundadas no condicionamento, especialmente a behaviorista, cujo representante mais conhecido é Skinner.

Uma ramificação renovada desta tendência procura integrar as necessidades individuais ao meio social, através de experiências que satisfaçam os interesses do educando e às exigências sociais. Dá mais valor à auto aprendizagem, à pesquisa e experiências pessoais, aos processo mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente: "aprender a aprender" e "aprender fazendo" são slogans desta corrente que tem entre seus gurus Dewey. Montessori, Decroly, Cousinet, Piaget, Lauro de Oliveira Lima, e tantos outros alinhados no movimento da "escola nova". Tem encontrado bastante ressonância ultimamente a corrente construtivista. Com base na teoria psicogenética de Piaget e seus seguidores, são desenvolvidos processos educativos que possibilitam a "construção do conhecimento" pelos próprios indivíduos. O conhecimento é uma atividade mental complexa, realizado por uni sujeito criador, inventivo e pensante. O que importa não é só o novo conteúdo adquirido, mas também a descoberta do modo de como chegar a ele.

Outra ramificação, representada por Rogers, preocupa-se mais cor os problemas psicológicos que com os pedagógicos e sociais. Busca a mudança dentro do indivíduo e a adequação das pessoas ao ambiente. A transmissão do conteúdo é secundária. A ênfase é colocada nos processos de desenvolvimento das relações e da comunicação. O método privilegiado é o não-diretivo, centrado no educando. O educador é apenas "facilitador" do auto-desenvolvimento.

- A tendência transformadora agrupa pedagogias que, partindo de unia análise crítica das realidades sociais, sustentam as finalidades sócio-políticas da educação. Também nesta tendência podemos distinguir algumas ramificações.

A corrente "libertadora" desenvolveu-se na prática da educação popular não-formal (Paulo Freire). A educação é um processo através do qual as pessoas (ao mesmo tempo educadores e educandos) apreendem juntos a realidade na qual estão inseridos, e tomam consciência de como devem atuar nela num sentido de transformação social. Os conteúdos são extraídos dessa mesma experiência ("ternas geradores"), e problematizados numa metodologia dialógica com vistas a um novo conhecimento (ação transformadora). Esta corrente opõe-se à pedagogia liberal, considerada domesticadora por não contribuir para desvelar a realidade social da opressão: em sua versão tradicional é "bancária", pois visa apenas depositar informações sobre o educando; em sua versão renovada é alienante, pois pretende uma libertação puramente psicológica individual.

Numa linha libertária agrupam-se algumas correntes pedagógicas modernas, caracterizadas basicamente pelo anti-autoritarismo e por postular a autogestão dos indivíduos ou grupos (Freinet, Miguel Gonzalez Arroyo, Lobrot, Vasquez e Oury). Procura desenvolver experiências de mudanças institucionais em pequenos grupos (assembléias, conselhos, eleições, reuniões, associações). Essas experiências são transformadoras, porque aos poucos "contaminarão" todo o sistema. As pessoas levarão depois essa experiência para sua prática social mais ampla. Os conteúdos não são

Page 10: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

necessariamente as matérias de estudo, mas os que resultam das necessidades e interesses manifestos pelo grupo. O método é a autogestão grupal. A modalidade mais conhecida entre nós é a "pedagogia institucional". Esta se propõe a apoiar e deflagrar nas comunidades, nos grupos, processos de autoanálise, de auto-compreensão e de autogestão.

Ultimamente desponta também urna corrente chamada "dos conteúdos" (B. Charlot, Suchodolski, Manacorda, G. Snyders, Demerval Saviani). Apresenta-se como alternativa ás outras tendências por dar importância à transmissão de conteúdos, mas de conteúdos concretos, vivos, indissociáveis das realidades sociais, ao mesmo tempo que resguarda a atividade e a participação do aluno. Propõe a interação entre prática vivida pelos alunos com conteúdos e modelos propostos pelo professor. O papel deste é obter o acesso do aluno aos conteúdos ligando-os com sua experiência concreta (continuidade), mas também de proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência espontânea, os estereótipos, as pressões difusas da ideologia dominante (ruptura). O aluno fará o confronto com esses modelos, organizando os dados disponíveis, passando de urna experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincrética) a urna visão sintética, mais organizada e unificada. Busca assim articulação entre o político e o pedagógico, na prática do princípio da interação conteúdos-realidades sociais, colocando a educação a serviço da transformação social. Nesta linha, a escola é valorizada corno instrumento de apropriação do saber, a serviço dos interesses populares.

b) Metodologia corno proposta sistemática e unitária do processo educativo.

Podemos identificar a metodologia em educação com o processo organizado, sistemático da aprendizagem. E o projeto educativo em ação, é a visão global que orienta o processo educativo, que dá unidade e coerência a todos os elementos que intervêm nele, a todos os momentos e a todos os passos desse processo. A metodologia não pode reduzir-se, portanto, a uma técnica, nem a um conjunto de técnicas ou dinâmicas (expositivas, grupais, audiovisuais, sociodramas...). Escolher a metodologia não é simplesmente definir COMO fazer unia atividade, que dinâmica usar. E planejar e por cm prática processos educativos ordenados, que levem ao conhecimento, ou seja, à transformação da realidade.

A metodologia é o caminho escolhido para se chegar ao conhecimento. Podem existir muitos caminhos para se chegar a algum lugar. E alguns caminhos não chegam a lugar algum, ou chegam a lugar não desejado! Qual é o caminho que leva à educação?

Vimos que o conhecimento é resposta ás perguntas e problemas que a vida apresenta. A primeira vista, pode parecer que a tarefa da educação seria, portanto, facilitar o acesso às respostas, abreviando o caminho. Quem pensa assim está mais preocupado com o produto da educação, com a transmissão de conhecimentos e a adaptação funcional dos indivíduos às estruturas atuais da sociedade. Ao organizar o processo educativo, parte de conceitos já elaborados, de temas que pouco ou nada dizem à vida do grupo, pois são escolhidos de forma alheia à sua realidade. O papel do educador será o de transmitir o conhecimento da maneira mais objetiva possível. Sua relação com o educando será o de alguém que sabe, e que, por isso, detém o poder - não raro autoritariamente -, para alguém que não sabe e

Page 11: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

que é dependente. Mas o máximo a que esse caminho pode chegar é a repetição de alguns conhecimentos e manter a dependência, pois as pessoas não terão acesso à fonte do conhecimento.

Uma escolha metodológica diferente fará quem entende que a tarefa da educação é a de facilitar o acesso às perguntas, pois é na procura de resposta às perguntas que faz sobre sua realidade que uma pessoa ou grupo pode chegar a qualquer conhecimento. Quem pensa assim preocupa-se mais com o processo da educação, com o próprio caminho através do qual se "aprende a aprender". A organização do processo educativo não será uma tarefa unilateral com vistas a armazenar conhecimentos, mas um diálogo participativo através do qual os sujeitos constroem o próprio saber, e criam as condições de liberdade para chegar a qualquer conhecimento, e à transformação da sociedade. As vezes se trata de provocar o surgimento de perguntas corno, por exemplo, no caso da passividade, indiferença ou apatia das pessoas de uma comunidade que "desconhece" a miséria ao seu redor, ou no caso do sentimento dc impotência que paralisa as pessoas diante dos problemas...

b) Metodologia que é também conteúdo

Embora a gente possa distinguir um do outro, conteúdo e método se exigem mutuamente, se complementam de tal forma que se pode até falar de um método que é também conteúdo. São partes de um mesmo processo educativo dentro do qual se intenrrelacionam.

Esclarecendo através de alguns exemplos:

Costuma-se catalogar alguns conteúdos corno sendo próprios de uma educação libertadora, tais como "política", "organização sindical", "mundo do trabalho"; e outros como alienados, tais como "droga", "sexo", "conflito de gerações"... Diz-se de algumas ações que são "libertadoras" por si mesmas, como a greve, a atuação na associação, no sindicato; e de outras que são alienantes, como a visita a um asilo, uma campanha de solidariedade... O que faz cor que um tema, um conteúdo seja libertador ou alienante, não é o conteúdo em si, mas a ótica sob a qual ele é abordado e a maneira como ele é trabalhado! Urn conteúdo imposto de cima para baixo, verticalmente, decidido por outros, alheio à realidade do grupo, nunca será libertador, mesmo que comumente seja característico de uma "linguagem" dita de libertação, como os conteúdos que falam de política, questões sociais. Com efeito, o método pode transformar o valor do conteúdo. A imposição de determinados "conteúdos" para um grupo, sejam eles quais forem, é prática metodológica dominadora que nega, pela prática que adota, sua pretensão libertadora. E manipulação. Por outro lado, ações comumente ditas "alienantes" podem se' revelar como libertadoras, se obedeceram à metodologia da reflexão critica!

Assim como uma formação política não se resolve com a simples inclusão dessa matéria no currículo ou num curso, ou o simples estudo de conteúdos políticos, assim um processo educativo não pode ser avaliado apenas pelos conteúdos teóricos transmitidos, mas pela nova consciência política e pelo consequente engajamento que gerou; e isso depende da metodologia de conhecimento adotada.

Muitos programas educativos não permitem urna verdadeira compreensão da realidade porque não seguem a sequencia do processo de conhecimento: partir da prática social,

Page 12: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

refletir sobre esta prática através de um processo de abstração e teorização, e voltar à prática para transformá-la. Ora, se a educação supõe o acesso à fonte do conhecimento, um conteúdo básico para isso está justamente na metodologia que o possibilita. E como a prática c também fonte de conhecimento, uma nova prática se constituirá em conteúdo de uma nova educação.

Bem feliz é a expressão de que "a educação libertadora é aquela na qual o educando se torna sujeito de seu próprio desenvolvimento". Esta concepção muda a relação entre mestre e discípulo, muda toda a postura do processo educativo, a relação conteúdo e método. Leva até, quem sabe, à consciência de que na atitude de aprender se ensina mais que na atitude de mestre!

4 - Inculturação do carisma salesiano (P. Pascual Chávez)

a) A inculturação e a Congregação Salesiana

Desde o momento em que a Igreja, rios Atos dos Apóstolos 15 - que com razão é considerado como o paradigma da inculturação -, resolveu o conflito fé-cultura abrindo as portas cia Igreja a todos os povos e culturas do mundo e a converteu em casa habitável e acolhedora na qual "todo crente pode viver comodamente sem perder sua identidade, costumes e tradições", ficou sublinhada a natureza transcultural (no sentido de universal) da vida cristã e, portanto, da vida religiosa.

Efetivamente, a fé cristã como o Evangelho - e como o carisma - não existem senão inculturados, porém não estão presos a nenhuma cultura, mas são supraculturais e transculturais, isto é, devem lançar raízes na cultura e na vida dos quê amam e temem a Deus, à margem de sua nacionalidade, cultura ou status social. Foi isto que levou alguns a falar de "interculturação" para indicar o diálogo existencial entre o evangelho ou o carisma vivido numa cultura e o povo que vive sua própria cultura.

Em forme muito programática, o Projeto de Vida dos Salesianos de Dom Bosco afirma que, em virtude dc nosso ser Igreja .e estar a serviço do mundo, somos chamados à pluriculturalidade, entendida esta não somente como contextos dc ação, mas como verdadeiros mundos de vida e de ação, que obrigam a tomar em consideração os lugares e as línguas, a diversidade de mentalidades e as circunstâncias.

"Nossa vocação exige que sejamos intimamente solidários com o mundo com sua história (GS 1). Abertos às culturas dos países em que trabalhamos, procuramos compreende-las e acolhemos seus valores para encarnar nelas a mensagem evangélica. As necessidades dos jovens e dos ambientes populares, a vontade de agir com a Igreja e em seu nome movem e orientam nossa ação pastoral para o advento de um inundo mais justo e mais fraterno em Cristo" (C 7).

De modo particular, sendo educadores por vocação, os salesianos deveríamos sentir-nos plenamente identificados com a inculturação, porque a "cultura" - entendida como cultivo e expressão de todo o humano - é nosso campo de ação.

Page 13: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

Com razão, falando da relação entre Evangelização e Educação, escreveu P. Viganò um texto que foi assumido posteriormente no Documento de Santo Domingo (271), no qual lemos: "Nossos compromissos no campo educativo se resumem sem dúvida na linha pastoral da inculturação: a educação é a mediação metodológica para a evangelização da cultura".

Esta expressão tão densa e tão carregada de sentido equivale a um dos binômios tão tipicamente salesianos: evangelizar educando e educar evangelizando. Isto significa que mesmo sendo duas realidades diversas, a educação e a evangelização, com seus próprios fins, conteúdos e metodologia, se unem a serviço da construção da única pessoa humana. A educação busca ajudar na difícil tarefa da formação da pessoa humana. A evangelização, por sua vez, a formação dc discípulo de Cristo. A educação pretende comunicar uma série de valores humanos que encontram seu horizonte melhor no Evangelho. A evangelização, por sua parte, não pode prescindir da pedagogia que caracteriza a educação.

Pois bem, para que esta educação seja verdadeiramente evangelizadora deve expressar e encarnar, no conjunto de processos, a valorização da cultura, a formação dos valores, a personalização e a humanização, a formação para a democracia, a educação para o trabalho, a formação da consciência ecológica, a formação sobre a vida, a sexualidade e o amor, enfim, a construção de crentes capazes de transformar a sociedade. Em síntese, o objetivo de Dom Bosco: "honestos cidadãos porque bons cristãos".

b) Inculturação e Espírito Salesiano

A vida salesiana, como toda vida cristã e religiosa, tem sua própria "cultura"; seu próprio modo de ver e ler a realidade, de iluminá-la à luz do mistério de Cristo, de sentir, de relacionar-se, de trabalhar. É o "espírito salesiano" transmitido por Dom Bosco.

Como é óbvio Dom Bosco não utilizou a palavra "inculturação", porém o conteúdo deste termo está presente naquilo que nos legou como "estilo de vida e de ação". As Constituições atuais o recolhem numa série de afirmações como estas:

• O centro e a síntese do espírito salesiano são "a caridade pastoral, caracterizada por aquele dinamismo apostólico que nos move a buscar as almas e servir unicamente a Deus" (10). Põe o acento na busca do hem da pessoa humana, de toda pessoa humana, de toda a pessoa humana.

• “Na leitura do Evangelho, somos mais sensíveis a certos traços da figura do Senhor: a gratidão ao Pai pelo Dom da vocação divina a todos os homens; a predileção pelos pequenos e pelos pobres; a solicitude no pregar, curar, salvar por causa da urgência do Reino quê vem; a atitude do bom Pastor que conquista com a mansidão e o Dom de si; o desejo de reunir os discípulos na unidade da comunhão fraterna” (1I). Reconhece-se a dignidade suprema de todo homem e mulher, começando pelos últimos, os marginalizados, a quem se oferece tudo o que possa humanizá-los, por meio da pedagogia da bondade e da entrega pessoal, buscando a unidade de toda a humanidade.

• “Do nosso amor a Cristo nasce inseparavelmente o amor á sua Igreja, povo de Deus, centro de unidade e comunhão de todas as forças que trabalham pelo Reino” (13). Nossa ação é vista expressamente dentro da atividade universal da Igreja.

Page 14: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

• “Pelo bem dos jovens oferecemos generosamente tempo, dotes pessoais e saúde: 'Por vós estudo, por vós trabalho, por vós eu vivo, por vós estou disposto até a dar a vida' (14). Trata-se do convite empenhativo a fazer-nos tudo para todos.

• “Enviado aos jovens por Deus que é "todo caridade", o salesiano é aberto e cordial, pronto a dar o primeiro passo e a acolher sempre com bondade, respeito e paciência” (15). Sublinha o estilo que melhor ajuda a tomar visível o amor de Deus.

• “Dom Bosco queria que em seus ambientes cada qual se sentisse em casa" (16). Este artigo, de modo especial, faz ver o caráter cultural, humanizante, do carisma salesiano que, sabedor do papel que tem a família no processo de socialização (enculturação), coloca o êxito da educação na capacidade de recriar o ambiente de família para a transmissão de valores.

• “Inspirando-se no humanismo de S. Francisco de Sales, acredita nos recursos naturais e sobrenaturais do homem, embora não lhe ignore a fraqueza. Acolhe os valores do mundo e evita lamentar-se do tempo em que vive; conserva tudo o que é bom, especialmente quando agrada aos jovens” (17). Dificilmente poderíamos encontrar como elemento inspirador uma valorização tão positiva da natureza humana e da cultura, inclusive a moderna, dos jovens.

• “O salesiano entrega-se á sua missão com operosidade incansável, procurando fazer hem todas as coisas com simplicidade e medida. Sabe que com seu trabalho participa na ação criadora de Deus e coopera com Cristo na construção do Reino” (18). A definição do trabalho corno participação na ação criadora de Deus faz do salesiano um agente construtor de cultura, pois esta nasce com o homem, segundo afirma o Gênesis no texto inicial (1,26-28), desde o momento em que recebe a tarefa de “crescer e multiplicar-se, encher a terra e subjugá-la” isto é, fazê-la mais humana, colocando-a mais a serviço do homem.

• “O salesiano é chamado a Ter o sentido da realidade e está atento aos sinais dos tempos, convencido de que o Senhor se manifesta também nas urgências do momento e dos lugares” (19). Novamente se encontra aqui a alusão a unia plena inserção do salesiano na realidade e na história, atento às realidades culturais e às situações históricas, preocupado sempre com o bem dos jovens.

• “Este sistema (sistema preventivo) impregna o nosso relacionamento cor Deus, as relações pessoais e a vida de comunidade no exercício de urna caridade que sabe fazer-se amar” (20). O final deste artigo, onde se define a pedagogia de Dom Bosco, põe em relevo sua natureza cultural, tal como a definia o Concílio Vaticano n quando dizia que por cultura se indicava o modo particular corno, em determinado povo, os homens cultivam sua relação como a natureza, entre si mesmos e com Deus dc modo que possam chegar a um "nível verdadeira e plenamente humano" (OS 53b. c).

c) Inculturação e Missão Salesiana

A missão salesiana, em particular, é colocada sob o signo da evangelização da cultura através da inculturação, como se deduz da análise dos elementos que a caracterizam:

• A definição do campo: os jovens, "que vivem uma idade em que fazem opções fundamentais de vida que preparam o futuro da sociedade e da Igreja (26).

Page 15: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

• A opção preferencial: os jovens pobres, abandonados e em perigo. Quer dizer, aqueles que, pelas dificuldades o pela injustiça, se vêm mais expostos a não alcançar a plenitude humana (cf. 26.27).

• A abertura à missão "ad gentes": em cuja tarefa "o missionário salesiano faz seus os valores desses povos e partilha suas angústias e esperanças" (30).

• O projeto educativo pastoral: "Educamos e evangelizamos segundo um projeto de promoção integral do homem, orientado para Cristo, homem perfeito. Fiéis às intenções do nosso Fundador, visamos formar honestos. cidadãos e bons cristãos" (31).

• O compromisso dc mudança cultural como meio eficaz para superar os problemas sociais: "Conservando-nos independentes dc qualquer ideologia e política partidária, recusamos tudo o que favorece a miséria, a injustiça e a violência, e colaboramos com quantos constroem uma sociedade vais digna do homem" (33).

• A abertura à transcendência através da educação da fé, de modo que "descobrindo em Jesus e no seu Evangelho o sentido supremo de sua própria existência, cresçam como homens novos" (34).

• A priorização das necessidades dos jovens: "Nossa ação apostólica realiza-se em pluralidade de formas, determinadas em primeiro lugar pelas exigências daqueles a quem nos dedicamos" aproximando-nos de seus ambientes e acompanhando-os cm seus estilos de vida (41).

• A presença no campo da comunicação social: "que cria cultura e difunde modelos de vida" (42).

Como se pode deduzir destes elementos que caracterizam a missão salesiana, uma evangelização inculturada é, em primeiro lugar, uma opção pelo homem enquanto tal, por sua plena humanização, e, em segundo lugar, uma opção pelo pobre. Neste sentido, inculturação e libertação não são termos excludentes, como se a valorização da cultura levasse a subestimar o compromisso cm favor da justiça... Com efeito, à luz da revalorização que fizemos da cultura, temos que reconhecer que os problemas sociais, econômicos e políticos, refletem modelos culturais. F sobre estes que temos que agir para que, modificados, se possam resolver aqueles. Dizendo com outras palavras, não é possível enfrentar eficazmente os problemas socioeconômicos se não se produz uma mudança cultural, uma mudança sobre os ideais humanos e sociais que temos e os possíveis esquemas de vida.

A genialidade de Santo Domingo consistiu justamente em unir de maneira inseparável a Nova Evangelização com a Promoção Humana e a Cultura Cristã.

Nós salesianos, portanto, temos que afirmar com toda clareza a opção preferencial pelos jovens pobres, abandonados e em perigo, porém também a opção pala mudança cultural através da educação e da formação de comunidades educativo-pastorais (CEP) nas quais a gente tenta viver modelos sociais alternativos.

Page 16: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes

Bibliografia:

1 - VILLANUEVA, Pascual Chávez. La inculturación del carisma salesiano: intento de sistematización del terma. In Seminário de Pastoral em Contexto afro-americano. Roma, Dicastero e Ambito Missioni - Salesiani e fïglie di Maria Ausiliatrice. pp. 139-205.

2 - VECCHI, Juan Edmindo. A nossa Missão. Apostila. Campos do Jordão, 22 a 28/03/1998; pp. 46-48.

3 - CEDAP. Teoria do conhecimento e educação. Cadernos de Formação, I. Campinas: CEDAP, 1985. 17p..

GILBF.RT, Roger. As idéas atuais cm pedagogia. Santos: Livraria Martins Fontes Editora, 1974. 272p.

JARA, Oscar. Concepção dialética da educação Popular. São Paulo, CUPIS, 1985. 34p.

JARA, OSCAR. Colho conhecer a realidade para transformá-la? São Paulo: CEPIS, 1986.

LANE, SILVIA T. M. Redefinição da Psicologia Social, in Educação e Sociedade, São Paulo, n. 6.

LIBANDO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. Revista da ANDE, São Paulo, ANDE, n. 6, p. 11-19, 1983

PINTO, João Bosco. Educacion Liberadora. Dimension Metodologica. Bogotá: Asociacion de Publicaciones Educativas, 1973. 71p.

REZENDE, Antônio Muniz de. Iniciação Teórica e Prática às Ciências da educação. Petrópolis: Vozes, 1979. 218p.

VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. RJ: Paz. e Terra, 1968

WREN, Brian. Educação para a Justiça. S. P.: Loyola, 1979. 151p.

Page 17: inculturacao.salesianos.brinculturacao.salesianos.br/wp-content/uploads/2012/05/... · Web viewPresente em diferentes nações e culturas, o mesmo carisma vai tomando formas, vestes