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    Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, N 8 - Junho de 2006

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    VIOLNCIA URBANA: UMA REFLEXO SOB ATICA DO DIREITO PENAL

    Nara Borgo Cypriano Machado *

    RESUMO: Este trabalho enfrenta a questo daviolncia e do direito penal, destacando a importncia dedois movimentos ideologicamente opostos em suaspropostas Lei e Ordem vs. Abolicionismo Penal paratentar entender como cada um visa contribuir para a melhoraplicao do Direito Penal e, com isso, controlar os ndicesde violncia.

    ABSTRACT: This paper faces the question ofviolence and criminal law, highlighting the importance oftwo ideologically opposed movements Law and Ordervs. Criminal Abolitionism to try to understand how eachaims at contributing to a better application of criminal lawand, therefore, control the violent acts.

    SUMRIO:1. Conceito de violncia. 2. Conceito decrime. 3. Causas do crime. 3.1. Escolas penais. 3.1.1.Escola Clssica. 3.1.2. Escola Positiva. 3.1.3. EscolaModerna Alem. 3.2. Possveis causas da violnciaurbana. 4. Polticas criminais. 4.1. Movimento lei eordem. 4.2. Abolicionismo penal. 5. Concluso.

    * Professora da FDV Faculdades de Vitria. Mestranda em Direito pelaFaculdade de Direito de Campos.

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    O estudo da violncia urbana no mbito do DireitoPenal de extrema importncia para os estudiosos doDireito, principalmente porque hoje vivemos um perodo

    de crise do sistema penal, que se caracteriza pela falncia,em geral, das medidas penais. certo que atualmente presenciamos discusses

    sobre violncia urbana nas salas de aula, nos telejornais,nas ruas, nas revistas e podemos verificar que o temasuscita debates calorosos.

    Primeiro porque difcil conceituar violncia. Emvirtude disso o trabalho contm um captulo destinado ao

    conceito de violncia. Aps entender o significado dessapalavra, aparentemente to simples, importante destacaro conceito de crime para identificar a relao existenteentre a prtica de aes violentas e Direito Penal.

    Segundo, por no ser fcil estabelecer as possveiscausas da criminalidade. Vrios estudos foram feitos aolongo dos anos, e ainda so feitos, com intuito de sedescobrirem as causas da violncia. No poderamosdeixar de abordar ponto to importante, por isso foi feitaanlise de trs importantes Escolas Penais e pesquisadosposicionamentos de socilogos, antroplogos, cientistaspolticos, entre outros, sobre o tema.

    Por fim, destaca-se a importncia de doismovimentos ideolgicos totalmente opostos em suaspropostas Lei e Ordem e Abolicionismo Penal - paratentar entender como cada um visa contribuir para a melhoraplicao do Direito Penal e, com isso, controlar os ndicesde violncia.

    1. Conceito de violncia

    Hoje em dia a palavra violncia possui grandedestaque no cenrio nacional e internacional. A violnciaest nas ruas, nos jornais, nos debates acadmicos, nasconversas informais etc.

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    Do latim, o termo violncia vem devis. Vis absoluta significa violncia fsica. Violncia moral vem da expressovis compulsiva e vis impulsiva. 1

    No dicionrio Aurlio2

    violncia significa qualidade deviolento, ato violento e ato de violentar.Segundo Luiz Eduardo Soares (2005, p.245), a

    palavra violncia possui mltiplos sentidos:

    Pode designar uma agresso fsica, uminsulto, um gesto que humilha, um olharque desrespeita, um assassinatocometido com as prprias mos, umaforma hostil de contar uma histriadespretensiosa, a indiferena ante osofrimento alheio, a negligncia comos idosos, a deciso poltica queproduz conseqncias sociais nefastas(...) e a prpria natureza, quandotransborda seus limites normais eprovoca catstrofes.

    Seguramente a palavra violncia tem diferentessentidos para cada membro da sociedade, mas dificilmenteesse termo est desvinculado da idia crime, tendo emvista que os assaltos, os homicdios, os estupros etc,condutas criminosas descritas no Cdigo Penal Brasileiro,so aes violentas e que causam grande repulsa social.

    Por isso existe hoje, para a sociedade em geral, essa

    relao violnciacrime ou crime-violncia, eis que ascondutas criminosas presentes no Cdigo Penal e leispenais extravagantes brasileiras so condutas que, nagrande maioria dos casos, so praticadas com violncia.

    1DIAS, Chizue Koyama. Dicionrio Jurdica de Bolso. 1 ed. So Paulo:Julez, 1997, p.103-1042 FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda.Minidicionrio da Lngua Portuguesa .3 ed. rev. e atual.8 imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 568

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    Entretanto, modernamente sustenta-se que acriminalidade um fenmeno social normal. Durkheim,citado por Bitencourt (2003, p.01), afirma que odelito no

    s um fenmeno social normal, como tambm cumpreoutra funo importante, qual seja, a de manter aberto ocanal de transformaes de que a sociedade precisa.Bitencourt (2203, p. 02) concorda em parte com Durkheime conclui que as relaes humanas so contaminadaspela violncia, necessitando de normas que a regulem.

    As normas capazes de regular a criminalidadeviolenta esto previstas no Cdigo Penal e leis penais

    extravagantes. Quando tratamos de Direito Penal estamos,de alguma maneira, tratando de violncia, assim, apesarde ser estudada tambm por socilogos, antroplogos etce possuir vrios conceitos, no presente trabalho serestudada a violncia criminalizada que, ao ser praticada,viola regras do ordenamento jurdico penal.

    2. Conceito de crime

    Importante estudar, ainda que de maneira breve, oconceito de crime, visto que no presente trabalho tratamosda violncia urbana quando praticada atravs de condutascriminosas.

    O Cdigo Criminal de 1830, no artigo 2, 1, previaque: Julgar-se- crime ou delito toda ao ou omisso contrrias leis penais. O Cdigo Penal de 1890, no artigo 7, dispunha

    que: Crime a violao imputvel e culposa da lei penal.3A Lei de Introduo ao Cdigo Penal Brasileiro(Decreto lei n 3.914/41) dispe que:

    Considera-se crime a infrao penal aque a lei comina pena de recluso ou

    3 FRAGOSO, Heleno Cludio.Lies de Direito Penal: Parte Geral. 16 ed. Riode Janeiro: Forense, 2004, p. 174.

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    deteno, quer isoladamente, queralternativa ou cumulativamente com apena de multa; contraveno, a infraoa que a lei comina, isoladamente, penade priso simples ou de multa, ouambas, alternativa ou cumulativamente.

    Atualmente coube a doutrina elaborar o conceito, poisno h no Cdigo Penal vigente definio de crime.

    Nas lies de Fragoso (2004, p.172), crime a ao(ou omisso) tpica, antijurdica e culpvel. E continua oautor explicando que:

    Isso significa dizer que no h crimesem que o fato constitua ao ouomisso: sem que tal ao ou omissocorrespondam descrio legal (tipo)e sejam contrrias ao direito, por noocorrer causas de justificao ouexcluso de antijuridicidade. E,

    finalmente, sem que a ao ouomisso tpica e antijurdica constituacomportamento juridicamentereprovvel (culpvel).

    A doutrina hoje prev, no mbito estritamenteconceitual, os conceitos formal, material e analtico de crime.

    O conceito formal estabelece uma relao decontrariedade entre o fato e a lei penal. Segundo Luiz RegisPrado (2002, p. 206) o delito definido sob o ponto devista do Direito positivo, isto , o que a lei penal vigenteincrimina (sub specie juris ), fixando seu campo deabrangncia funo de garantia (art.1, CP).

    Sob o aspecto material, mais uma vez citamosFragoso (2004, 175), que ensina que:

    o crime um desvalor da vida social,ou seja, uma ao ou omisso que se

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    probe e se procura evitar, ameaando-a com pena, porque constitui ofensa(dano ou perigo) a um valor da vidasocial.

    Alm dos conceitos formal e material, que como vistopelas definies acima transcritas no so suficientes parapermitir uma anlise dos elementos estruturais do conceitode crime, foi elaborado o conceito analtico.

    Foi com Carmignani (1833) que se iniciou aelaborao do conceito analtico de crime, mas esseconceito est implcito na obra de outros autores que oantecederam, tais como Deciano (1551) e Bohemero(1732).

    Para Carmignani para ocorrer o fato delituoso necessrio o concurso de uma fora fsica (aoexecutora do dano material do delito e do desgnio malvadodo agente) e uma fora moral (culpabilidade e dano moraldo delito). Essa concepo clssica levou ao sistemabipartido, que divide o conceito de crime em um elementoobjetivo (ao ou omisso tpica) e um subjetivo(culpabilidade). Entretanto, a doutrina alem fez umaanlise mais rigorosa das caractersticas do delito,introduzindo o requisito da tipicidade (Ernest Beling,em1906) e da antijuridicidade (Karl Binding).4

    Assim, crime toda ao ou omisso tpica,antijurdica e culpvel. Esse conceito adotado por parte

    dos doutrinadores brasileiros, entre eles Cezar RobertoBitencourt (2003, p. 145).A doutrina dominante no Brasil, entretanto, no

    admite que culpabilidade faa parte do conceito de crime,afirmando ser apenas pressuposto de aplicao de pena;conceituando crime como ao tpica e antijurdica5.

    4 Ibid, p .1775 Esse o entendimento de Damsio de Jesus, Fernando Capez, Julio FabriniMairabete e outros.

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    Temos ainda no pas doutrinadores que incluem apunibilidade no conceito analtico de crime. Entretanto,acertadas so as lies de Assis Toledo que, citado por

    Bitencourt (2003, p.146), ensina que a punibilidade nopode ser elemento constitutivo do crime. Bitencourt (2003,p. 146) concorda com Assis Toledo e afirma quepunibilidade no pode ser includa no conceito analtico decrime porque no faz parte do crime, sendo apenas suaconseqncia. Desta forma, a excluso da punibilidadeno exclui o crime.

    Assim, todo aquele que praticar uma conduta (ao

    ou omisso) e ela for tpica, antijurdica e culpvel, estarviolando alguma regra do Cdigo Penal ou norma penalextravagante, estando, portanto, sujeito penalidadeprevista para tal conduta.

    3. Causas do crime

    Tendo em vista que a violncia urbana est sendoaqui tratada como conduta criminosa, importante destacaras principais Escolas Penais (correntes de pensamento,que surgiram no sculo XIX, estruturadas de formasistemtica, segundo determinados princpios), quetentam explicar, entre outras contribuies, as possveiscausas do crime. Tambm ser feito no fim do captuloum breve estudo sobre as causas sociais da violncia noBrasil.

    3.1 Escolas penais

    3.1.1 Escola Clssica

    No existiu, realmente, uma Escola Clssica,entendida como um corpo de doutrina comum,relativamente ao direito de punir e aos problemasfundamentais apresentados pelo crime e pela sano

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    penal6. Tal denominao foi dada pelos positivistas comconotao pejorativa atividade dos juristas que osantecederam.

    Essa doutrina foi influenciada pelo Iluminismo, cujasidias fundamentais foram escritas na obra Dos Delitos edas Penas, de Cesare Beccaria, no ano de 1764.

    O movimento fez severas crticas legislao penalda poca e defendia a humanizao das Cincias Penais.Dele resultaram duas teorias, o jusnaturalismo (Grcio) eo contratualismo (Rousseau, sintetizado por Fichte). Sodoutrinas opostas, vez que o jusnaturalismo acredita em

    um Direito natural, resultante da vontade humana, que eterno; e o contratualismo tem por fundamento o acordode vontades. Mas ambos pregavam a dignidade do homeme seus direitos perante o Estado7.

    Mas, na verdade, a Escola Clssica simbolizadapor Francesco Carrara, discpulo de Carmignani. Mortoem 1888, escreveu Programa do Curso de Direito Criminal,em 1859. Os postulados da Escola Clssica de Carrara,

    em sntese, so: 1) o crime um ente jurdico, pois nasua essncia violao de um direito, como exignciaracional; 2) o fundamento da punibilidade o livre arbtrio;3) a pena a retribuio jurdica e restabelecimento daordem externa violada pelo crime; 4) utilizao do mtodolgico-abstrato no estudo do direito penal8.

    Para essa Escola, portanto, o crime :

    O produto da vontade livre do indivduo;no determinado por outra causaque no seja esse poder ilusrioque tem o homem, na posse do seu

    6 BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 8 ed.So Paulo: Saraiva. vol. 1, 2003, p.46.7 Ibid, p. 478 FRAGOSO, Heleno Cludio. op.cit, p. 53.

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    Ao citar Ferri, Luiz Rgis Prado escreve que:

    O homem, afirma Ferri, age como

    sente e no como pensa. Adotandouma postura realista, entende ele queas aes humanas so sempre oproduto de seu organismo fisiolgico epsquico e da atmosfera fsica e socialonde nasceu e na qual vive fatoresantropolgicos (constituio orgnicado criminoso), psquicos (anomalias dainteligncia), fsicos (ambiente natural,

    clima, solo) e sociais (meio social densidade diferente da populao,estado da opinio pblica e da religio,constituio familiar etc.).13

    A Escola Positiva defende que o meio social podeser determinante fator de criminalidade e, alm disso,podem ser destacados como seus princpios bsicos,

    segundo Fragoso (2004, p. 57):(a) O crime fenmeno natural esocial, estando sujeito s influnciasdo meio e aos mltiplos fatores queatuam sobre o comportamento. Exige,portanto, omtodo experimental ou omtodo positivo para explicao desuas causas; (b) a responsabilidadepenal responsabilidade social(resultado do simples fato de viver ohomem em sociedade); tendo por basea periculosidade do agente; (c) a pena exclusivamente medida de defesasocial, visando a recuperao docriminoso ou a sua neutralizao, nos

    13 Ibid, p.63

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    casos irrecuperveis; (d) o criminoso sempre psicologicamente anormal,de forma temporria ou permanente,apresentando tambm muitas vezesdefeitos fsicos; e (e) os criminosospodem ser classificados em tipos(ocasionais, habituais, natos,passionais e enfermos de mente).

    3.1.3. Escola Moderna Alem

    A Escola Moderna Alem, seguindo a mesmainfluncia da Escola Positiva Italiana14, tem tambmcontedo ecltico. Seu principal mentor foi Franz von Liszt,mas se destacaram tambm Adolphe Prins, Gerard vanHamel e Karl Stoos.

    As principais caractersticas dessa Escola, citadaspor Bitencourt (2003, p. 60) so:

    A utilizao do mtodo lgico-abstratopara o Direito Penal e o indutivo-experimental para as cinciascriminais, distinguindo o Direito Penaldas demais cincias criminais;diferenciou a imputabilidade dainimputabilidade, fundamentando essadistino no no livre-arbtrio, mas nanormalidade de determinao doindivduo, com a conseqente aplicaode pena para o imputvel e medida desegurana para o inimputvel;o crime concebido como fenmeno humano-social e fato jurdico, desta

    14 Corrente ecltica. Conhecida tambm como Escola Crtica, acredita que,segundo Bitencourt (2003, p. 58) o homem determinado pelo motivo maisforte, sendo imputvel quem tiver capacidade de se deixar levar pelos motivos.

    Seus representantes mais importantes foram: Manuel Carnevale, BernadinoAlimena e Joo Impallomeni.

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    maneira, considera o crime um fatojurdico e, ao mesmo tempo, umfenmeno social; a pena possuifuno finalstica e buscam alternativass penas privativas de liberdade de curtadurao. (grifo nosso)

    3.2. Outras possveis causas da violncia urbana

    Vimos como as Escolas Penais compreendiamcomo o crime concebido, agora, sem a pretenso defazer um estudo sociolgico ou antropolgico das causasda criminalidade no Brasil, importante fazer umaabordagem a respeito do tema para tentar compreendermelhor o que vem gerando o grande aumento da violnciaurbana no pas.

    No fcil compreender as causas do crime, porisso existem muitas teorias que visam explicar o que temgerado a criminalidade.

    Rodrigo Vergara, em artigo publicado na RevistaSuper Interessante, citando o antroplogo e cientistapoltico Luiz Eduardo Soares diz que:

    No h uma teoria geral sobre acriminalidade porque no h umacriminalidade em geral. Quandofalamos em crime, estamos nosreferindo transgresso de uma lei, e

    isso engloba uma infinidade desituaes diferentes, cada umafavorecida por determinadascondies, diz ele. Em outraspalavras: crimes diferentes tm causasdiferentes.15

    15VERGARA, Rodrigo. A Origem da Criminalidade.Super Interessante: EspecialSegurana. So Paulo: Abril, p. 09 15, abr. de 2002.

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    Ester Kosovski (2003, p.172-176), em artigopublicado na obra A Violncia Multifacetada, fazendo umareflexo sobre o tema, detecta alguns fatores que poderiam

    estar contribuindo para causar a violncia, entre eles: arevoluo tecnolgica, a exploso demogrfica, asmudanas geopolticas, a permissividade social, os meiosde comunicao em massa, a impunidade, a distribuiodas drogas em grande escala.

    Segundo a autora, (2003, p.173-174) esses fatoresproduzem um estado de anomia (ausncia de normas)ou adoo do desvio como norma, decorrente da mudana

    de valores, que, segundo MERTON, seria motivo deincremento da criminalidade. E continua afirmando queuma das anlises sobre a violncia urbana diz que essefenmeno surge da afinidade da pobreza com o crime,eis que a intensificao das desigualdades sociais estoassociadas ao aumento das taxas de criminalidade.

    Vergara16, tambm fazendo um estudo sobre aspossveis causas da violncia urbana, cita doutrinadores

    que buscam a causa do crime no prprio indivduo, comoa frenologia, a gentica, a psique do criminoso, etc. Citaos sociolgos, que vem o crime como a resposta dohomem ao meio em que vive e, transcrevendo pensamentode Durkheim, afirma que os laos sociais so as normasque todos aprendem a respeitar, que mantm a sociedadeunida. Menciona a chamada Teoria do Controle, que aduzque existem trs mecanismos que mantm o

    comportamento do indivduo sob controle, a saber: oautocontrole; o medo da punio e o controle socialinformal17.

    16 Ibid, p. 1517 Autocontrole um processo interno que indica o comportamento que cadaum deve ter em sociedade, segundo as regras sociais. O controle socialinformal est relacionado com a vergonha, a moral e outras normas sociais,

    no previstas em leis, que foram ensinadas por pessoas importantes na vidado indivduo e que o desvia do caminho da criminalidade.

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    Sobre esse assunto, Robert J. Sampson, explicandoporque as pessoas cometem crimes, afirma que quemtem menor controle social acaba cometendo crimes.

    Segundo ele o controle social informal est relacionadocom a preocupao que as pessoas sentem em relaoao pensamento da sociedade sobre elas, assim, nocometem crimes por causa das conseqncias sociais.Outro fator o controle social formal ou legal. A o controle feito pelo medo de ser pego, tendo importncia aeficincia do sistema penal, e pela legitimidade do sistemalegal, ou seja, as pessoas devem acreditar que o sistema

    justo e no corrupto, caso contrrio haver desrespeitos leis, mesmo que sejam severas18.O socilogo Incio Cano, doutor em Sociologia pela

    Universidad Complutense de Madrid e professor daUniversidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), eminteressante artigo tambm publicado na Revista SuperInteressante, afirma que entre as causas de criminalidadeexisteM pelo menos duas que independem de outras e,

    sozinhas, em qualquer tipo de sociedade, geram criminalidade,que so o sexo e a idade. So essas as palavras do socilogo:

    simples assim: quanto maior for opercentual de homens jovens napopulao, maior ser a taxa decriminalidade. Sexo e idade so os doisnicos fatores inequivocadamenterelacionados criminalidade. O censomais recente mostra que houve umcrescimento da populao de 15 a 24anos. Se esse grupo diminuir, o crimediminui naturalmente. Na Califrnia issoocorreu, diz Cludio Beato, da UFMG.19

    18 SAMPSON, Robert J. O Poder tambm abre portas para o delito.Super Interessante: Especial Segurana, So Paulo: Abril, p. 16 17, abr.de 2002.19 CANO, Incio. As Origens da Criminalidade. op. cit, 14.

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    4. Polticas criminais

    O Direito Penal atravessa uma poca de crise que

    se caracteriza pela falncia, em geral, das medidas penais.Em virtude disso esto sendo feitas propostas de reformaslegislativas com a inteno de se conseguir solueseficazes no combate criminalidade. Entretanto, dianteda dificuldade de se conhecer e combater as causas daviolncia urbana, estamos vivendo uma poca em que osndices de crescimento da criminalidade esto cada vezmais alarmantes.

    O problema da violncia urbana envolve a sociedade,polcia, legislao, aplicao de penas, polticas preventivasetc.

    Muito se tem discutido sobre como enfrentar aviolncia e vrias medidas vm sendo tomadas nessesentido: implantao de polcias comunitrias, reformalegislativa, criao das Apacs (Associao de Proteo eAssistncia Carcerria), entre outros. Mas, apesar de todas

    as medidas que existem no sentido de prevenir e reprovara criminalidade, os resultados ainda so pequenos e aimpunidade continua sendo um grave problema no pas.

    Uma pesquisa feita no Estado de So Paulo pelaSecretaria de Segurana Pblica do Estado e Pesquisade Vitimizao Ilaunud, mostra que, no ano de 1999 apopulao era de 37 milhes de pessoas e o nmero devtimas de crimes estimado foi de 1,3 milho (100%).

    Dessas vtimas, apenas 443.000 (quatrocentos e quarentae trs mil) casos foram notificados Polcia (33 % donmero de vtimas). Foram instaurados 86.000 (oitenta eseis mil) inquritos policiais (6,4%) e efetuadas 29.000(vinte e nove mil) prises, ou seja 2,2%.20.

    20 VERGARA, Rodrigo. A Origem da Criminalidade.Super Interessante: EspecialSegurana. So Paulo: Abril, p. 09 15, abril de 2002.

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    O exemplo de So Paulo pode ser estendido paratodo o pas. Mesmo nos municpios pequenos do interiordo Brasil o nmero de crimes praticados infinitamente

    maior do que os que so apurados pelo Judicirio, semfalar que grande parte dos condenados no cumprem suaspenas.

    Por tudo isso o tema violncia urbana suscita tantasdiscusses em todas as reas da sociedade.

    Neste cenrio conturbado surge o Direito Penalcomo instrumento hbil para proteger os bens jurdicosmais importantes, como a vida, patrimnio, honra,

    integridade fsica etc. certo que hoje vivemos um momento de expansodo Direito Penal, pois com o crescimento populacional, arevoluo industrial, dos transportes, da comunicao etc.esto nascendo novos bens que precisam ser tuteladospelo Direito Penal, bem como essa modernizao fazsurgir novas modalidades delitivas.

    Schez (2002, p.29), em estudo sobre a expanso

    do Direito Penal afirma que:O progresso tcnico d lugar, nombito da delinqncia dolosatradicional (a cometida com dolo diretoou de primeiro grau), a adoo de novastcnicas como instrumento que lhespermite produzir resultadosespecialmente lesivos; assim mesmo,surgem modalidades delitivas dolosasde novo cunho que se projetam sobreos espaos abertos pela tecnologia. Acriminalidade, associada aos meios deinformtica e internet (a chamadaciber delinqncia), , seguramente, omaior exemplo de tal evoluo.

    O surgimento de novos crimes, o aumento daviolncia, a impunidade, geram uma grande sensao de

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    insegurana. Isso faz com que a sociedade em geralrequeira uma resposta do Estado para tais fenmenos,principalmente um resposta que venha do Direito Penal.

    A utilizao do Direito Penal para solucionar taisproblemas faz com que seja transferida a eleresponsabilidade de cuidar de questes que no so desua competncia. Nesse sentido so as lies de Snchez(2002, p. 61):

    O resultado desalentador. Por umlado, porque a viso do Direito Penal

    como nico instrumento eficaz depedagogia poltico-social, comomecanismo de socializao, decivilizao, supe uma expansoad absurdum da outroraultima ratio. Mas,principalmente, porque tal expanso em boa parte intil, na medida em quetransfere ao Direito Penal um fardo queele no pode carregar.

    Hoje, parece que nossa sociedade est disposta aaceitar a expanso do Direito Penal como mecanismo paraconter a violncia, mas, em contrapartida h quem defendaa utilizao mnima e at mesmo a abolio do Direito Penal.

    Assim, passamos agora ao estudo de doismovimentos ideolgicos totalmente opostos em suaspropostas Lei e Ordem e Abolicionismo Penal - para

    entendermos como cada um visa contribuir para a melhoraplicao do Direito Penal.

    4.1. Movimento Lei e Ordem

    Esse movimento,Law and Order, surgiu nos EstadosUnidos a partir dos anos 70 como reao ao crescimentoda violncia. Prega o Direito Penal Mximo, fazendo com

    que a sociedade acredite que o Direito penal a soluopara acabar com a criminalidade.

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    Utilizando a ideologia desse movimento, em 1976alguns Estados Norte-Americanos restabeleceram a penade morte; foram criadas leis severas de combate ao crime

    e, como conseqncia, os Estados Unidos passaram ater a quarta parte da populao carcerria do mundo, semcontar aqueles beneficiados com o livramento condicionale liberdade vigiada21.

    Um dos mais significativos exemplos daLaw and Order a poltica Tolerncia Zero, desenvolvida em Nova Iorque apartir do ano de 1993. Essa doutrina confere aos agentespoliciais competncia para, entre outras, perseguir sem

    limites os pequenos delinqentes, pichadores, prostitutas,ou seja, permite um controle direto sobre aqueles quefreqentam o espao pblico. O prefeito, Rudolph Giuliani,tornou-se o smbolo dessa poltica, que serve como modelode exportao do chamado eficientismo penal.

    Esse movimento se expandiu e conquistou adeptosem vrias partes do mundo. Na Europa Ocidental essemodelo chegou atravs da Gr-Bretanha que, por exemplo,

    ao longo dos anos 90, tambm com intuito de reprimircondutas criminosas, passou a adotar uma polticaextremamente punitiva. O Ministro do interior, MichaelHoward, mostrou claramente sua inteno de adotar umregime carcerrio mais rgido, adotar prises de choquee votar leis mais severas quanto ao sistema prisional etc.Desenvolveu-se tambm uma nova maneira de administrara criminalidade. Criou-se a estratgia de

    responsabilizao, que visa delegar sociedade aresponsabilidade pela represso ao crime, levando-a apraticar condutas e mudar a rotina de vida dos indivduospara reduzir a violncia22.

    21 ALMEIDA, Gevan.Modernos Movimentos de Poltica Criminal e seus reflexos na Legislao Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2003, p. 9722 GARLAND, David. As contradies da sociedade punitiva: o caso britnico.Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 7, n. 11, jan.-jun. 2002.

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    Citando pronunciamentos de polticos ingleses,David Garland transcreve a seguinte passagem:

    A lei e ordem no podem serabandonadas polcia,aos tribunais eao governo: cada um tem o dever deajudar na preveno do crime. Apreveno do crime pode tomar formasdiferentes,desde ensinar s crianasa diferena entre o bem e o mal at apresena de guardas de bairro. Issomelhora a vida da comunidade,diminuio medo do crime e reduz a carga dapolcia (...).23

    Outro pronunciamento que mostra os ideais dapoltica punitiva inglesa est nas palavras do citado Ministrodo Interior:

    O governo acredita firmemente que a

    priso funciona. Primeiro, ao colocaros delinqentes fora de circulao,impede-os de cometer novos delitos.Alm disso, a priso afasta dapopulao os criminosos violentos. Porltimo, a priso - e a ameaa de priso atua como elemento de dissuasopara eventuais criminosos.24

    A Amrica Latina tambm est sendo influenciadapelo movimento Lei e Ordem. No Brasil podemos citarvrios dispositivos presentes no Cdigo de ProcessoPenal, Cdigo Penal e leis penais extravagantes quemostram como essa poltica est inserida no nossoordenamento jurdico.

    23 Ibid, p.24 Ibid, p.

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    Apesar de vrias estatsticas terem demonstradoque leis mais severas, no caso brasileiro, no esto sendocapazes de reduzir os ndices de criminalidade, muitos

    operadores do direito defendem que somente leis maisrgidas sero capazes de reduzir a violncia urbana.O Promotor de Justia Carlos Eduardo Fonseca da

    Matta, do Estado de So Paulo, autor de uma propostacom medidas de combate criminalidade que foi aprovadapor unanimidade pelo rgo Especial do Colgio dosProcuradores do Ministrio Pblico de So Paulo. Segundoentrevista feita pela Revista Super interessante:

    (...) da Matta tem idias polmicas, quevo da reduo da idade deresponsabilidade penal adoo depenas longas de at 40 anos. Opromotor paulista tambm defende umendurecimento das penas parareincidentes, a exemplo do que existenos Estados Unidos. L, aps trscondenaes, o sentenciado por umcrime grave colocado definitivamentefora do jogo, conta. (...) ele explica queo crime s vai ter fim com penasrigorosas.26

    O tambm Promotor de Justia Gevan Almeida(2003, p. 98), do Estado do Rio de Janeiro, vai de encontro

    ao seu colega paulista e afirma que:Trata-se de um direito penal simblico,que no resolve o problema dacriminalidade e que serve apenas paradar uma satisfao opinio pblica e imprensa.

    26 MATTA, Carlos Eduardo Fonseca. preciso endurecer as punies.Super Interessante: Especial Segurana. So Paulo:Abril, p. 48-49, abr. de 2002

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    Importante esclarecer que a expanso do direitopenal, tratada anteriormente, no se confunde com omovimento Lei e Ordem. Nas precisas lies de Snchez

    (2002, p. 24 25) conseguimos claramente verificar adiferena:

    (...) a profundidade e a extenso dasbases sociais da atual tendnciaexpansiva do Direito Penal no temnada a ver comas que na dcada de 7-- e posteriores respaldavam omovimento, inicialmente norte-americano, de law and order (...).Efetivamente, as propostas domovimento lei e ordem se dirigiambasicamente a reclamar uma reaolegal, judicial e policial maiscontundente contra os fenmenos dedelinqncia de massas, dacriminalidade das ruas (patrimonial e

    violenta) (...). fundamental sublinharque a representao social do DireitoPenal que dimana da discusso sobreo movimento de lei e ordem no eraem absoluto unvoca, seno, pelocontrrio, basicamente dividida.A representao social do Direito Penalque comporta a atual tendnciaexpansiva mostra, pelo contrrio, ecomo se ver, uma rara unanimidade.A diviso social caracterstica dosdebates clssicos sobre Direito Penalfoi substituda por um consenso geral,ou quase geral, sobre as virtudes doDireito Penal como instrumento deproteo dos cidados.

    Por fim, cabe mencionar uma das vertentes maisrgidas do Direito Penal Mximo: o Direito Penal do Inimigo.

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    inimigos seriam ento a amplaantecipao da proteo penal, isto ,a mudana de perspectiva do fatopassado a um porvir; a ausncia deuma reduo de pena correspondentea tal antecipao; a transposio dalegislao jurdico-penal legislaode combate; e o solapamento degarantias processuais.

    Ainda segundo as lies de Snchez (2002, p. 148 149), o direito Penal do Inimigo pode ser entendido comoa terceira velocidade do Direito Penal,27 na qual o Direito Penal da pena de priso concorra com uma ampla relativizao de garantias poltico-criminais, regras de imputao e critrios processuais.

    No resta dvida que o Direito Penal do Inimigo vemsofrendo severas crticas da doutrina brasileira. Primeiropela dificuldade de se estabelecer quem o inimigo e,principalmente, por ferir o princpio da dignidade humana

    e tantos outros princpios consagrados na Constituioda Repblica, quando se determina que estamos diantede inimigos do Estado e no diante de um cidado.

    4.2. Abolicionismo penal

    Esse movimento prega o desaparecimento dosistema penal e visa sua substituio por modelos

    alternativos de soluo de conflitos. O Abolicionismo Penal

    27 Snchez (2002, p. 148 149) caracteriza, na obra citada, o que seriam asduas velocidades do Direito Penal. A primeira velocidade representa o direitopenal da priso, onde se devem manter os princpios poltico-criminaisclssicos, as regras de imputao e os princpios processuais. Como direitopenal de segunda velocidade entende ser aquele em que no se aplica penade priso, mas medidas alternativas, como penas restritivas de direitos ou

    pecunirias, logo, poderia haver flexibilizao proporcional a menorintensidade da sano de alguns princpios e regras.

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    tem como expoentes Thomas Mathiesen, Louk Hulsmane Nils Christie.

    Louk Hulsman, um dos maiores destaques do

    movimento, citado por Zaffaroni (2004, p.339-340), paraexplicar o abolicionismo:

    Parte de uma srie de fatosinquestionveis, tais como a de ser aresposta punitiva somente uma formade resolver conflitos sociais, que osistema penal opera criminalizando aoacaso (compara-o com os flipers), quetrabalha compartimentalizadamenteetc, para chegar a concluso de que ajustia penal, em sua forma atual,poderia ser suprimida com grandevantagem, sendo substituda pelasrestantes alternativas que permitem asoluo de conflitos: a reparao, aconciliao etc.

    De maneira simplificada, importante destacar outrosmotivos pelos quais se justifica, para os Abolicionistas, aeliminao do sistema penal: a) a pena de priso nocumpre com suas finalidades (reprovao e preveno);b) grande parte das condutas tidas como criminosaspodem ser solucionadas por outros ramos do direito; c) acifra negra que corresponde s infraes penais que no

    foram objeto de persecuo penal pelo Estado; d) anatureza seletiva do Direito Penal, etc.28Ao fazer uma anlise do pensamento de Hulsman,

    Zaffaroni (2004, p. 340) concorda que existe possibilidadede reduzir a repressividade do sistema penal, e, quantoao mais, cremos que carece de fundamento imaginar a

    28 GRECO, Rogrio.Direito Penal do Equilbrio: uma viso minimalista doDireito Penal. Niteri: Impetus, 2005, p.11.

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    viabilidade abstrata de resoluo dos conflitos sociais poruma via no punitiva. Critica o movimento por no situaro problema na histria e afirma:

    O sistema penal s uma forma docontrole social institucionalizado e,como lgico, o controle social nodesaparecer, porque nodesaparecer a estrutura de poderdentro da sociedade.

    Antnio de Padova Marchi Junior, citado por Prado(2005, p. 15), afirma que:

    O abolicionismo surgiu a partir dapercepo de que o sistema penal, quehavia significado um enorme avano dahumanidade contra a ignomnia dastorturas e contra a pena de morte,cujos rituais macabros encontram-se

    retratados na insupervel obra deMichel Foucault, perdeu sualegitimidade como instrumento decontrole social.

    Todavia, o movimento abolicionista, ao denunciaressa perda de legitimidade, no conseguiu propor ummtodo seguro para possibilitar a abolio imediata dosistema penal.

    Sem dvida o abolicionismo possui um grande valorhumanitrio, mas diante de determinados fatos impossvel no aplicar o Direito Penal. A violncia urbanaque ataca a sociedade atual, gerando ndices decriminalidade altssimos, com crimes praticados comcrueldade indescritveis, no pode ser solucionada, nessescasos, por outros ramos do direito.

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    Conclumos com Hassemer (2005, p. 431) que, aofazer uma abordagem sobre o abolicionismo, diz queaqueles que querem abolir o Direito Penal se tornam

    perigosamente ingnuos. Segundo ele:Com seus elementos estruturais, anorma, a sano e o processo, osistema jurdico-penal reflete processose experincias que esto profundamenteenraizadas na nossa vida cotidiana eem nossa cultura. No se pode abolir ocontrole social; em todo caso pode-seir pessoalmente ao encontro dele, o qual retirado dos grupos ou da sociedade.Se no se quiser ou puder fazeristo, ento se estar agindo com asexpectativas dos outros, as quaispodem ser frustradas e os quais podemtambm faticamente ficar desapontadoscom as convices sobre a boa ou mconduta em relao a si mesmos ouaos outros ,com as leses causadas eimaginadas, com o medo diante daameaa, com os mecanismos deacusao e punio, de justificao ede exculpantes, de responsabilidade ecausalidade, de inteno e frivolidade.Mas no se pode querer ao mesmotempo a socializao e a abolio do

    controle social.5. Concluso

    A violncia urbana, sem dvida, um dos temasmais discutidos na sociedade atual, pois atinge todas asclasses sociais e faz centenas de vtimas diariamente.

    No fcil conceituar violncia, pois o termo possui

    inmeros significados, mas no h como desvincular suaidia de ato criminoso.

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    O Direito Penal tem uma forte ligao com aviolncia, eis que a conduta criminosa um ato violento.Mesmo com os diversos conceitos de crime aqui trazidos,

    formal, material e analtico, e ainda a divergncia existenteem torno da culpabilidade e da punibilidade comoelementos do conceito analtico de crime, no se discuteque quando tratamos de crime estamos, de algumamaneira, tratando de violncia.

    Buscando as causas do crime, ou da violnciacriminalizada, foi feito um estudo das Escolas Penais etambm elencados posicionamentos de socilogos,

    antroplogos, juristas, sobre o que pode gerar a violnciaurbana.Para a Escola Clssica o crime determinado pelo

    livre-arbtrio, que permite ao homem agir independente dequalquer motivo. A Escola Positiva defende que o meiosocial pode ser determinante fator de criminalidade,acreditando que a responsabilidade penal responsabilidade social, resultante do fato de viver o

    homem em sociedade e tem por base a periculosidadedo agente. Por fim, a Escola Moderna Alem, que concebeo crime como fenmeno humano-social e fato jurdico.

    As causas da violncia, como vimos, so mltiplas,sendo impossvel destacar a existncia de uma causacomo a determinante da criminalidade. De todas asopinies trazidas sobre o assunto, importante destacar atese do socilogo Incio Cano29. Ele afirma, no artigo As

    origens da criminalidade, que entre as causas da violnciaexiste pelo menos duas que independem de outras e,sozinhas, em qualquer tipo de sociedade, geramcriminalidade, que so o sexo e a idade.

    Diante da dificuldade de se conhecer e combater ascausas da violncia urbana, estamos vivendo uma pocaem que os ndices de crescimento da criminalidade esto

    29 CANO, Incio. As Origens da Criminalidade. op. cit, 14.

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    cada vez mais alarmantes e, alm disso, o Direito Penalatravessa uma crise que se caracteriza pela falncia, emgeral, das medidas penais.

    Como mecanismos para conter a violncia asociedade clama por leis mais rgidas e por penas maiorespara os delinqentes mas, em contrapartida, h quemdefenda a utilizao mnima e at mesmo a abolio doDireito Penal.

    O Direito Penal Mximo, representado pelomovimento Lei e Ordem, prega leis mais severas, penade morte, encarceramento em massa etc. Esse

    movimento,Law and Order, surgiu nos Estados Unidos apartir dos anos 70 e se espalhou pelo mundo. O Brasiladota algumas prticas dessa ideologia, entretanto temosverificado que o tal modelo tem se mostrado ineficienteno combate criminalidade brasileira.

    Quanto ao Direito Penal do Inimigo ainda cedo paraelaborar concluses, principalmente porque no se temconseguido delimitar o conceito de inimigo. Mas, trago as

    palavras de Snchez (2002, p.151): vista de taltendncia, no creio que seja temerrio prognosticar queo crculo do Direito Penal dos inimigos tender,ilegitimamente, a estabilizar-se e acrescer.

    Ao contrrio dessa ideologia temos o AbolicionismoPenal, que prega o desaparecimento do sistema penal esua substituio por modelos alternativos de soluo deconflitos. Sem dvida o abolicionismo possui um grande

    valor humanitrio e tico, mas diante da realidade brasileirano que tange violncia urbana, impossvel abrir mo doDireito Penal como forma de controle social.

    O que deve ser feito, ento, para conter a violnciaurbana?

    Impossvel responder a tal questionamento.No h como banir a violncia da sociedade, mas

    possvel diminu-la se aliarmos ao Direito Penal polticas

    pblicas srias, assim teremos possibilidade de aplicar alei penal com eficincia e ainda garantir uma vida mais

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    digna para os cidados. Isso parece utopia, masterminamos com os ensinamentos de Eduardo Galeano,na obra As Palavras Andantes, que diz que a utopia serve

    para nos fazer caminhar.Referncias:

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