VISENTINI & OLIVEIRA. Relações Sino-Africanas - (Muitos) Mitos e (Algumas) Realidades

16
- 25 - AS RELAÇÕES SINO-AFRICANAS: (MUITOS) MITOS E (ALGUMAS) REALIDADES SINO-AFRICAN RELATIONS: (MANY) MYTHS AND (SOME) REALITIES. Paulo G. Fagundes Visentini 1 Guilherme Ziebell de Oliveira 2 RESUMO: O grande desenvolvimento chinês das últimas décadas gerou mudanças radicais nas conexões internacionais entre a Ásia e o resto do mundo. A aproximação com a África, até então marginalizada na economia mundial, se mostra fundamental para essa mudança. A grande demanda chinesa por matérias primas, fontes de alimentos e de energia, e por mercados consumidores, impacta positivamente as economias africanas. Essa aproximação, entretanto, tem gerado uma série de críticas, sobretudo das potências Ocidentais, que veem suas estruturas de dominação sendo corroídas e seu espaço no continente sendo diminuído, sendo Pequim acusada de promover um “neocolonialismo à chinesa”. O envolvimento da China, contudo, é bem visto pelos africanos, que percebem nesses investimentos a intenção chinesa de estabelecer uma ligação duradoura com o continente. Estaria a China se tornando efetivamente um polo imperialista ou um parceiro do desenvolvimento africano? É uma questão a que este artigo busca responder. PALAVRAS-CHAVE: China; África; Mitos; Realidades. ABSTRACT: e great Chinese development in the past decades has generated radical changes in the international connections between Asia and the world. e fact that china has been drawing closer to Africa, hitherto marginalized in the global economy, proves critical to this change. e great Chinese demand for raw materials, energy and food sources and markets has positive impacts on African economies. is approach, however, has generated a lot of criticism, especially from Western powers, who see their domination structures being eroded and their space in the continent reduced, and accuse Beijing of promoting a “Chinese neo-colonialism”. China’s involvement, however, is well seen by Africans, who perceive in these Chinese investments the will of establishing a lasting connection with the continent. Is China really becoming an imperialist pole or is it a partner in African development? is is a question this paper seeks to answer. 1 Professor Titular de Relações Internacionais, Faculdade de Ciências Econômicas, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA/UFRGS) e Pesquisador do CNPq com o projeto “O Brasil e a China na África”. ([email protected]) 2 Graduando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (guilherme. [email protected])

description

Artigo Século XXI

Transcript of VISENTINI & OLIVEIRA. Relações Sino-Africanas - (Muitos) Mitos e (Algumas) Realidades

  • - 25 -

    AS RELAES SINO-AFRICANAS: (MUITOS) MITOS E (ALGUMAS) REALIDADES

    SINO-AFRICAN RELATIONS: (MANY) MYTHS AND (SOME) REALITIES.

    Paulo G. Fagundes Visentini1

    Guilherme Ziebell de Oliveira2

    RESUMO:

    O grande desenvolvimento chins das ltimas dcadas gerou mudanas radicais nas conexes internacionais entre a sia e o resto do mundo. A aproximao com a frica, at ento marginalizada na economia mundial, se mostra fundamental para essa mudana. A grande demanda chinesa por matrias primas, fontes de alimentos e de energia, e por mercados consumidores, impacta positivamente as economias africanas. Essa aproximao, entretanto, tem gerado uma srie de crticas, sobretudo das potncias Ocidentais, que veem suas estruturas de dominao sendo corrodas e seu espao no continente sendo diminudo, sendo Pequim acusada de promover um neocolonialismo chinesa. O envolvimento da China, contudo, bem visto pelos africanos, que percebem nesses investimentos a inteno chinesa de estabelecer uma ligao duradoura com o continente. Estaria a China se tornando efetivamente um polo imperialista ou um parceiro do desenvolvimento africano? uma questo a que este artigo busca responder.

    PALAVRAS-CHAVE:

    China; frica; Mitos; Realidades.

    ABSTRACT:

    +e great Chinese development in the past decades has generated radical changes in the international connections between Asia and the world. +e fact that china has been drawing closer to Africa, hitherto marginalized in the global economy, proves critical to this change. +e great Chinese demand for raw materials, energy and food sources and markets has positive impacts on African economies. +is approach, however, has generated a lot of criticism, especially from Western powers, who see their domination structures being eroded and their space in the continent reduced, and accuse Beijing of promoting a Chinese neo-colonialism. Chinas involvement, however, is well seen by Africans, who perceive in these Chinese investments the will of establishing a lasting connection with the continent. Is China really becoming an imperialist pole or is it a partner in African development? +is is a question this paper seeks to answer.

    1 Professor Titular de Relaes Internacionais, Faculdade de Cincias Econmicas, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA/UFRGS) e Pesquisador do CNPq com o projeto O Brasil e a China na frica. ([email protected])2 Graduando em Relaes Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ([email protected])

  • - 26 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    KEYWORDS:

    China; Africa; Myths; Realities.

    IntroduoO rpido desenvolvimento chins produziu mudanas radicais nas

    conexes internacionais entre a sia e outras regies do mundo. Nesse sentido, o continente asitico tem se transformado em um polo dinmico, ocupando uma posio cada vez mais importante no cenrio internacional. A aproximao chinesa da frica, at ento considerada marginal na economia mundial, marcada por um salto qualitativo nas relaes sino-africanas, tem um papel fundamental nessa mudana. A grande demanda chinesa por matrias primas, fontes de alimentos e de energia, e por mercados consumidores, tem tido impactos positivos relevantes nas economias africanas. Alm disso, o continente africano tem recebido investimentos, ajuda e obras de infraestrutura, alm do apoio poltico chins.

    Essa aproximao, entretanto, tem gerado uma srie de crticas, caracterizadas principalmente pela classi:cao, geralmente por membros da academia e ONGs da Europa e dos EUA, da atuao chinesa como neocolonialista. Para tais crticos, o envolvimento da China com o continente africano estaria vinculado exclusivamente ao interesse chins no petrleo e em outros recursos naturais dos pases africanos e garantia, atravs da One China Policy, de que Taiwan no seja reconhecido como pas independente. Ainda, segundo grande parte desses crticos, a atitude chinesa de manter relaes com pases com regimes alegadamente autoritrios seria extremamente prejudicial para o continente.

    inegvel, contudo, que a grande maioria dos Estados africanos tm sido rpidos em suas respostas China, e tm conseguido concluir acordos nas mais diversas reas, que vo desde a formao de pro:ssionais at a construo de ampla infraestrutura, passando, obviamente, pelo setor de petrleo e de recursos naturais. Os investimentos feitos por Pequim em educao, infraestrutura e capacitao, por exemplo, so interpretados como uma prova da inteno chinesa de estabelecer uma ligao duradoura com o continente africano, e no de manter uma relao apenas de explorao de seus recursos naturais.

    Cabe, portanto, o questionamento: a China estaria se tornando uma potncia imperialista, por meio da realizao de atividades predatrias na frica, como a:rmam as potncias Ocidentais, ou ela representaria um novo parceiro estratgico, capaz de contribuir para o desenvolvimento do continente africano?

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 27 -

    Breve Histrico das relaesNo incio do sculo XV, antes dos europeus, a China j mantinha relaes

    com a frica Oriental. Desde sua formao, em 1949, a Repblica Popular da China se viu inserida no contexto da Guerra Fria, no qual se mostrava extremamente necessrio arregimentar aliados e reconhecimento diplomtico. At 1955, entretanto, a China ainda no lograra estabelecer relaes diretas efetivas com nenhum pas africano, visto que, ao longo da primeira metade da dcada, estivera voltada para os seus problemas internos e [que] poucos eram os pases da frica que j haviam conquistado a independncia.

    A partir de 1954, com a adoo dos Cinco Princpios para a Coexistncia Pac:ca, de Zhou Enlai, a China passou a tomar uma srie de medidas, pautadas por esses princpios, que visavam aumentar suas relaes com pases recm-independentes de todo o mundo, alm das relaes com os pases do Bloco Socialista. A Conferncia de Bandung, de 1955, proporcionou o contato de Zhou Enlai com diversos lderes africanos, possibilitando um incremento nas relaes entre a China e esses pases. Como fruto do contato em Bandung, China e Egito estabeleceram relaes diplomticas em 1956, inaugurando as relaes o:ciais sino-africanas. A partir desse momento, e antes do :nal da dcada, outros pases (Arglia, Marrocos, Sudo e Guin), recm-independentes, estabeleceram relaes diplomticas com Pequim. A China, nesse cenrio, apoiava ativamente o processo de descolonizao do continente africano, como forma de aumentar sua inKuncia poltica e de conquistar novos parceiros.

    Ao longo da dcada de 1960, a estratgia diplomtica adotada por Pequim foi a da luta contra a hegemonia das duas superpotncias. O rompimento das relaes sino-soviticas, que provocou uma ciso no campo socialista, associado ao desmoronamento do sistema colonial e s primeiras vitrias dos movimentos de libertao nacional, desencadeou um movimento de no-alinhamento, que logo se mostrou de grande importncia nas relaes internacionais do perodo. Nesse contexto, Mao Zedong elaborou a estratgia das duas zonas intermedirias (sendo a primeira os pases subdesenvolvidos e a segunda os pases da Europa ocidental), que defendia que a China deveria lutar contra as duas superpotncias mundiais, atravs do apoio primeira zona intermediria e da conquista diplomtica da segunda. Assim, ao longo de toda a dcada de 1960 a preocupao chinesa na frica voltou-se muito mais s questes ideolgicas, e sua luta contra as foras do imperialismo, colonialismo e revisionismo, relegando as questes econmicas a um segundo plano.

    Foi em meio a essa conjuntura, e apoiada na estratgia das duas zonas intermedirias que, em 1964, a China reatou as relaes polticas com a Frana, o que teve grande implicao nas suas relaes diplomticas com os

  • - 28 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    pases africanos, principalmente os francfonos. Alm disso, durante a sua visita a 10 pases do continente, entre 1963 e 1964, Zhou Enlai anunciou os cinco princpios-guia do desenvolvimento das relaes com Pases rabes e Africanos. Estes incluam o apoio aos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais, bem como aos movimentos de libertao e poltica de no-alinhamento dos pases africanos, o respeito soberania desses pases e a oposio a qualquer forma de invaso e interferncia estrangeiras nas questes africanas. Assim, no perodo compreendido entre 1960 e 1969, a China logrou ampliar para 19 o nmero de pases africanos com os quais mantinha relaes diplomticas (14 pases a mais do que na dcada de 1950).

    Dado o contexto internacional da dcada de 1970 - de expanso da inKuncia sovitica, de di:culdades polticas e econmicas enfrentadas pelos estadunidenses, de emergncia de Japo e Europa ocidental como potenciais rivais dos EUA no plano econmico e de conquistas sucessivas de independncia nos pases africanos - os pases subdesenvolvidos, que respondiam por 75% da populao mundial, adquiriam grande importncia no cenrio mundial. Nesse contexto, Mao Zedong elaborou a teoria dos trs mundos e a estratgia de uma linha, que buscava reunir a maior fora possvel para enfrentar a URSS, j que a China passara a considerar os soviticos como a nica ameaa e os maiores inimigos chineses, estabelecendo tambm uma aliana com os EUA. Durante a dcada de 1970 a China renunciou ao seu isolamento poltico, o que fomentou grandemente as relaes sino-africanas.

    O pas realizou uma inKexo em sua poltica estrangeira, alterando a prioridade dos interesses nacionais e adotando uma estratgia pragmtica. Procurou a reconciliao com os pases ocidentais e, atravs da poltica dos trs mundos, buscou o apoio dos pases terceiro-mundistas na luta contra a hegemonia sovitica. Ao longo da dcada, diversos movimentos de libertao nacional no continente africano receberam o apoio chins, bem como algumas aes dos EUA e da Frana, que tendessem a barrar ou neutralizar a atuao sovitica no continente. Em 1971, contando com signi:cativo apoio dos pases africanos (responsveis por 1/3 dos votos favorveis Pequim), a China voltou a ocupar um assento permanente no Conselho de Segurana da ONU, em detrimento de Taiwan. O status de membro permanente, aliado conjuntura que se apresentava, permitiu que a China ampliasse a sua presena diplomtica no continente. Dessa forma, at o :nal da dcada de 1970 o pas j havia estabelecido relaes diplomticas com 44 pases africanos, 25 a mais do que na dcada anterior.

    O incio da dcada de 1980 marcou um novo ponto de inKexo na poltica externa chinesa, como reKexo das reformas de Deng Xiaoping no pas. Houve, assim, uma rede:nio da estratgia diplomtica e poltica para a frica, por meio

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 29 -

    da despolitizao da diplomacia e da aproximao chinesa dos pases outrora negligenciados por serem aliados URSS. Em 1982, o ento primeiro-ministro chins, Zhao Ziyang, realizou uma visita a onze pases africanos, e anunciou que as relaes chinesas com o continente passariam a ser pautadas por quatro princpios bsicos, o que visava demonstrar, aos pases africanos, que o relacionamento entre China e frica se daria em bases de reciprocidade, e no mais atravs da assistncia econmica chinesa. Graas situao interna chinesa, e [da] a sua busca pelo desenvolvimento econmico do pas, veri:cou-se uma diminuio da assistncia econmica, do comrcio bilateral e da ajuda humanitria chinesa ao continente africano nesse perodo. Ainda, com a proximidade do :m da Guerra-Fria e consequente aproximao sino-sovitica, a frica acabou perdendo importncia estratgica na disputa entre China, EUA e URSS por zonas de inKuncia. Os pases africanos, dessa forma, acabaram voltando-se para a assistncia econmica e para parceria comercial estadunidense e europeia, cedendo s presses ocidentais e iniciando uma srie de ajustes estruturais baseados no Consenso de Washington.

    No :nal da dcada de 1980, contudo, a postura chinesa em relao frica sofreu nova inKexo. Em termos econmicos, o pas vivenciava um perodo de forte crescimento e extroverso econmica, e necessitava da frica como fonte de recursos naturais e de mercado consumidor, para dar continuidade sua expanso. Em termos polticos, a China se viu isolada com o episdio da represso poltica na Praa da Paz Celestial, muito criticado pelo ocidente. A repercusso desse episdio nos pases africanos, entretanto, foi bastante diferente. Alm de receber o apoio de Angola e Nambia, houve um entendimento, tanto dos africanos, quanto dos chineses, de que as crticas ocidentais eram uma tentativa de desestabilizar o crescimento chins. Alm disso, os lderes chineses perceberam, nos pases africanos, uma preciosa possibilidade de aliana poltica que poderia servir de sustentao, especialmente no mbito das Naes Unidas. Assim, a partir de 1989, os primeiros ministros chineses passaram a visitar o continente africano no incio de cada ano, sublinhando a importncia do papel que a poltica para a frica passou a desempenhar na poltica externa chinesa.

    Com o :m da autossu:cincia petrolfera chinesa e, consequentemente, da sua independncia frente s Kutuaes do preo da commodity no mercado externo, por volta de 1993, a China passou a buscar petrleo em mercados onde os EUA tivessem di:culdades de se inserir. Veri:cou-se tambm um aumento signi:cativo da ajuda chinesa destinada ao continente africano, bem como um aumento do nmero de joint ventures, de investimentos chineses e da interao econmica. A dcada de 1990, assim, mostrou um novo impulso nas relaes sino-africanas, com um aumento da complexidade e abrangncia das relaes e da cooperao.

  • - 30 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    Ao :nal do decnio, cerca de trinta viagens haviam sido efetuadas por mais de dez dirigentes chineses da alta cpula, espelhando, na arena poltico-diplomtica, o incremento do comrcio e dos investimentos chineses no continente. Seguindo a lgica de institucionalizao de medidas de fomento s economias africanas, apoiando o empresariado e as empresas estatais chinesas, assim como as iniciativas governamentais, foi criado o Frum de Cooperao China-frica (FOCAC), em 2000, com o objetivo de aumentar e coordenar a cooperao sino-africana, com a garantia de benefcios mtuos.

    O Frum de Cooperao China-fricaEm 1996, o ento presidente chins, Jiang Zemin, realizou uma visita a seis

    pases africanos. Nessa visita, Zemin delineou uma proposta, composta por cinco pontos, com o objetivo de desenvolver relaes sino-africanas estveis e de longo prazo, baseadas em princpios de cooperao e interao. A proposta inclua, entre outros, interao baseada na igualdade, respeito pela soberania e no-interferncia em assuntos internos, desenvolvimento comum e com benefcios mtuos e aumento das consultas e da cooperao em assuntos internacionais. Foi essa nova poltica chinesa para a frica que criou as bases para o fortalecimento e consolidao das relaes sino-africanas e que, posteriormente, evoluiu at a criao do Frum de Cooperao China-frica (FOCAC).

    O funcionamento do FOCAC se d atravs de conferncias ministeriais, de frequncia trienal, que ocorrem alternadamente em Pequim e em um pas africano. Nessas conferncias so anunciadas, na forma de Planos de Ao, as orientaes programticas da cooperao entre China e pases africanos nos trs anos posteriores realizao do Frum. O FOCAC foi lanado o:cialmente no ano 2000, em uma conferncia ministerial realizada em Pequim, que reuniu 44 pases africanos, representantes do setor privado e de organizaes regionais e internacionais, bem como chefes de Estado de Togo, Arglia, Zmbia e Tanznia e o Secretrio-Geral da Organizao da Unidade Africana (OUA)(GAZIBO, MBABIA, 2012, p.54).

    A segunda Conferncia de Ministros ocorreu em 2003, na Etipia, e contou com a participao dos primeiros ministros chins e etope, de seis chefes de Estado, trs vice-presidentes, dois primeiros-ministros, um presidente de senado, do presidente da Comisso da Unio Africana e do representante do Secretrio-Geral das Naes Unidas. Apesar da participao de atores de maior peso poltico, as decises tomadas no segundo FOCAC no foram de grande expressividade. Entre as principais estavam o reforo da cooperao em matria de explorao de recursos humanos e a oferta de treinamentos multissetoriais a 10.000 africanos, e o acordo de uma tarifa zero para a importao de alguns produtos provenientes de pases africanos menos avanados.

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 31 -

    a partir da terceira cpula que podemos perceber uma verdadeira institucionalizao do Frum. Alm de contar com a participao de 41 chefes de Estado e representantes do alto escalo de 48 pases africanos, o FOCAC III reuniu cerca de 1700 delegados chineses e africanos. Nesta cpula foram tomadas decises que expressaram claramente o aprofundamento das relaes sino-africanas, que passaram a ter o status de Parceria Estratgica para Pequim. Entre essas, podemos citar a duplicao, entre 2006 e 2009, da ajuda chinesa frica, a remoo das tarifas de 440 produtos de pases africanos menos desenvolvidos, a criao de at cinco zonas de livre-comrcio no continente e tambm o estabelecimento de um fundo de desenvolvimento no valor de US$ 5 bilhes, como forma de encorajar os investimentos chineses na frica, alm do envio de pro:ssionais e de voluntrios chineses aos pases africanos, bem como o treinamento e formao de pro:ssionais e o aumento de bolsas de estudos para estudantes africanos.

    Foi tambm no contexto do FOCAC III que o governo chins lanou o China White Paper, um documento semelhante a outros policy papers (como a Declarao de Pequim, ou o Plano de Ao de Adis-Abeba), que de:ne as bases para o desenvolvimento de uma relao duradoura com o continente africano. O documento refora a histria compartilhada pela China e pelos pases africanos e reitera que as relaes entre eles devem ser sempre baseadas nos princpios de sinceridade, igualdade, benefcio mtuo, solidariedade e desenvolvimento comum, foras condutoras desse relacionamento.

    A quarta cpula, realizada em Sharm-El-Sheikh, Egito, em 2009, contou com a participao do premi chins, Wen Jiabao, e dos chefes de Estado e de governo de 50 pases africanos, alm do presidente da Comisso da Unio Africana. O plano de ao elaborado nesta cpula foi ainda mais ambicioso que os anteriores. Entre as principais decises tomadas estavam iseno de tratamento tarifrio a 95% dos produtos provenientes dos pases menos desenvolvidos, o fornecimento de US$ 10 bilhes em emprstimos preferenciais, com a incluso de US$ 1 bilho destinados a pequenas e mdias empresas africanas, construo de 50 escolas, ampliao, para 5500, do nmero de bolsas de estudo do governo chins e formao e capacitao de mais de 6000 pro:ssionais africanos.

    O FOCAC tem cumprido a sua funo de coordenar melhor a atuao dos principais atores chineses no continente africano (os governos central e provincial, as empresas multinacionais e os atores individuais), bem como conciliar seus interesses e organizar os seus investimentos na frica, crescentes especialmente a partir da metade da dcada de 1990. O Frum tem demonstrado, dessa forma, capacidade de aproximar os lderes chineses e africanos, proporcionando maior interao comercial e coordenao poltica atravs do desenvolvimento de uma

  • - 32 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    agenda poltica e econmica comum. Nesse sentido, ele se con:gura como um espao de atuao diplomtica construtiva, e se apresenta como o eixo central para o avano das relaes sino-africanas. Atravs dele estruturam-se as bases para que haja a construo de uma relao de ganhos mtuos, de longo prazo, entre a China e os pases do continente africano.

    Alm disso, ao favorecer a elaborao de agendas polticas e econmicas comuns, ele promove o benefcio mtuo dos participantes e uma cooperao Sul-Sul construtiva. Mesmo que no se possa atribuir exclusivamente s decises tomadas no FOCAC a expanso do intercmbio econmico, comercial e diplomtico, bem como a maior aproximao que se veri:ca entre chineses e africanos, inegvel que o Frum possui um papel fundamental nessas realizaes. Assim, pode-se dizer que o FOCAC tem uma dupla funo, ao mesmo tempo fomentando as relaes sino-africanas e sendo uma consequncia destas.

    Interao poltica e econmicaA China tem desenvolvido, desde o estabelecimento das suas relaes

    com os pases africanos, e especialmente a partir da dcada de 1990, projetos e investimentos nas mais diversas reas. O petrleo e outros recursos representam uma parte importante do investimento de Pequim no continente (ainda que estejam longe de ser o nico objetivo), sobretudo a partir dos anos 2000. A estratgia das grandes potncias Ocidentais, frente ao crescimento apresentado por Pequim, de privar, progressivamente, a China do acesso aos recursos naturais a interveno anglo-americana na sia Central, a Guerra ao Terror, tinha como sentido estratgico implcito, entre outros, obter meios para interferir na segurana energtica chinesa, focada nas reservas de petrleo e gs da regio fez com que o governo chins se voltasse para os pases em desenvolvimento, especialmente na frica que, em 2007, possua aproximadamente 10% das reservas de petrleo mundiais.

    Nesse sentido, Sudo e Angola que, nos anos 2000, ultrapassaram a Arbia Saudita como os maiores fornecedores de petrleo para Pequim estariam entre os parceiros africanos mais importantes, em termos energticos, para a China. importante ressaltar, entretanto, que outros pases produtores de petrleo como Nigria e Gabo , apesar de contarem com investimentos e participao chinesa no setor, ainda tm as potncias Ocidentais como principais parceiros, o que ocorre, em todos os pases africanos, em diversos outros setores. Isso se deve, em grande parte, ao fato de os investimentos chineses serem muito mais diversi:cados que os do Ocidente, sendo estes focados especialmente no setor petrolfero.

    Pequim tambm tem desenvolvido projetos para a construo e estabelecimento de Zonas Econmicas Especiais e Zonas de Livre Comrcio em

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 33 -

    diversos pases africanos. As Zonas Econmicas Especiais, onde so implantadas indstrias em regime de joint ventures, passaram a ser desenvolvidas a partir da Cpula de 2006 do FOCAC e, a partir da, cinco zonas foram aprovadas para serem estabelecidas na frica subsaariana, sendo duas delas na Nigria. O investimento em Zonas Econmicas e de Livre Comrcio se apresenta como uma tentativa de reproduzir o modelo chins de desenvolvimento, uma vez que na China a implantao de zonas como essas teria sido responsvel pelo aumento do investimento direto estrangeiro e pelo consequente desenvolvimento do pas.

    Vale lembrar, ainda, que h, entre os pases africanos, vrios que passaram recentemente por conKitos e/ou tenses internas, que acabaram deteriorando enormemente a sua infraestrutura. Entre eles, podemos citar a Guin Bissau, a Guin, Serra Leoa, Libria e a Costa do Mar:m. Dessa forma, uma parte signi:cativa dos investimentos chineses no continente focada na construo ou reconstruo da infraestrutura dos pases, gerando milhares de empregos, embora a China empregue, muitas vezes, a sua prpria mo de obra, gerando tenses localizadas (mas reduzindo custos e permitindo operar a uma taxa de lucro mnima de 3%, ao contrrio dos 15% europeus) (BRAUTIGAM, 2009, p. 247). Ao longo das relaes chinesas com os pases da regio, diversos prdios pblicos foram construdos, bem como estdios de futebol, usinas de produo de energia, estradas, escolas e centros de desenvolvimento agrcola. Alm disso, diversos hospitais foram construdos pelos chineses, que tambm tm fornecido capacitao e formao para mdicos e diversos outros pro:ssionais locais. A construo de infraestrutura e a capacitao de pro:ssionais africanos so questes fundamentais nas relaes sino-africanas, uma vez que vo ao encontro dos anseios africanos de modernidade e dignidade, pouco enfatizados pelas potncias ocidentais.

    Outro ponto importante nas relaes o auxlio :nanceiro dado pela China aos pases africanos. Diferentemente do Ocidente, os chineses no impem aos pases receptores de seu auxlio demandas e condicionalidades polticas. Ainda, grande parte da ajuda chinesa feita atravs de construo de infraestrutura, e no por meio de pagamentos realizados diretamente aos governos, evitando signi:cativamente desvio de verbas e corrupo (SAUTMAN, HAIRONG, 2006, p.58). Alm disso, ao contrrio dos rgos :nanceiros internacionais, o auxlio :nanceiro chins bastante dinmico, sendo disponibilizado em um prazo de tempo muito menor, o que agrada as lideranas africanas. A interao entre China e frica mudou o panorama econmico do continente. Para alm dos investimentos, dos projetos de auxlio e da construo de infraestrutura, a grande demanda chinesa por commodities favoreceu enormemente as economias africanas, transformando as possibilidades de crescimento em um crescimento

  • - 34 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    real e contribuindo para o desenvolvimento econmico expressivo do continente nos ltimos anos. A captao de divisas, via exportao de commodities, por exemplo, permite aos Estados africanos a emancipao do FMI.

    Por :m, vale lembrar que a populao africana de aproximadamente um bilho de pessoas. Considerando-se que grande parte dessas populaes vive da produo de commodities que, entre outros, graas expanso chinesa, sofreu uma elevao nos preos, aumentando o seu poder aquisitivo, podemos perceber que o padro de consumo africano se incrementado, tornando-se o continente assim uma nova fronteira de mercado para a China. Afora isso, os produtos chineses vendidos para a frica, alm de possurem preos acessveis, tm a capacidade de elevar o padro de vida dos consumidores africanos. H, assim, um equilbrio comercial entre frica e China.

    Em termos polticos, a interao sino-africana traz benefcios signi:cativos, tanto para a frica, quanto para a China. Para a os pases africanos, o apoio chins agrega um parceiro de peso na busca por uma maior participao do mundo em desenvolvimento e por uma democratizao nos fruns internacionais. Alm disso, sendo a China um membro permanente do Conselho de Segurana das Naes Unidas, os pases africanos no se sentem mais abandonados, pois tm um protetor contra as iniciativas Ocidentais desfavorveis aos Estados africanos. Para os africanos, as relaes com Pequim proporcionam uma espcie de descolonizao econmica e uma nova projeo internacional. Para a frica, tanto poltica quanto economicamente, a participao chinesa no continente se mostra positiva na medida em que cria novas oportunidades e possibilidades, com o aumento do nmero de possveis parceiros e da competio engendrada entre eles.

    O estabelecimento de projetos de cooperao entre a China e as organizaes regionais e sub-regionais africanas, como a Unio Africana (UA), a NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano) e a CEDEAO (Comunidade Econmica dos Estados da frica Ocidental), tambm um aspecto positivo das relaes, em termos polticos e econmicos, tanto para a China, quanto para os pases africanos. Ao mesmo tempo, Pequim d especial ateno para o reforo da cooperao e da consulta aos pases africanos nos fruns multilaterais, como a OMC, como forma de aumentar o poder de negociao dos pases em desenvolvimento.

    Para a China, o continente africano, que representa aproximadamente 25% dos pases do planeta, tem um peso poltico bastante importante. Dos 54 pases do continente, apenas Burkina Faso, Gmbia, So Tom e Prncipe e Suazilndia no possuem relaes com a China, preferindo manter relaes com Taiwan. A One China Policy sempre foi uma parte importante da poltica

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 35 -

    externa chinesa, e desde cedo encontrou nos pases africanos bons aliados. Nesse contexto, a entrada de Pequim no Conselho de Segurana da ONU, na dcada de 1970, substituindo Taipei, teve participao fundamental dos parceiros africanos. Em seguida, em :ns da dcada de 1980, o apoio africano se mostrou, novamente, fundamental como contraponto s crticas das potncias Ocidentais. A frica representa, para Pequim, uma oportunidade nica de aumentar a sua credibilidade em organizaes internacionais e de ampliar e fortalecer as suas parcerias diplomticas, promovendo, assim, a ideia do pas como um polo alternativo na poltica mundial, viabilizando dessa forma uma alterao na ordem mundial, rumo multipolaridade. Para alm da interao poltica e econmica, a China tem investido na fundao de Centros Confucianos em diversos pases africanos, como forma de expandir e difundir a sua cultura.

    Imperialismo chins ou enfraquecimento do neocolonialismo?O Oceano Atlntico Sul e o Oceano ndico transformaram-se, desde

    a abertura do Canal de Suez, em espaos sem uma importncia estratgica signi:cativa. A partir do incio do sculo XXI, entretanto, veri:ca-se um incremento das relaes comerciais e de todo o tipo de Kuxos entre frica, sia e Amrica do Sul. A projeo chinesa para a frica foi acompanhada de um movimento de intensi:cao dos Kuxos dos pases africanos em direo China, representando um declnio relativo das conexes Norte-Sul.

    Diversas crticas so feitas, principalmente em meios de comunicao e por acadmicos Ocidentais, atuao chinesa no continente africano. Se por um lado a China e os pases africanos defendem que essa aproximao ben:ca para o continente africano, por outro, foras polticas e mdias Ocidentais (especialmente EUA, Reino Unido, Frana) a:rmam que o envolvimento de Pequim com o continente africano no passa de uma espcie de neoimperialismo chinesa. De acordo com os crticos insero chinesa, os nicos interesses do pas seriam a garantia do aporte de petrleo e outros recursos naturais, essenciais manuteno do crescimento chins, e do sucesso da One China Policy, no havendo uma real preocupao com o desenvolvimento dos pases africanos.

    A participao chinesa na frica, todavia, vem possibilitando um crescimento indito dos pases africanos, tendo, nos ltimos anos, o continente crescido a taxas prximas aos 5% ao ano. Esse maior desenvolvimento gera demandas crescentes por parte das lideranas africanas, que tm sido atendidas com muito mais rapidez e e:cincia pela China. Nesse sentido, diversas crticas so feitas ao modelo de investimento e de auxlio dos chineses, uma vez que eles concedem ajuda sem questionamentos, e com poucas exigncias. Os princpios bsicos da poltica chinesa para a frica o respeito soberania, a no-

  • - 36 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    interveno em assuntos internos, presentes em todos os mbitos das relaes sino-africanas, entretanto, so muito bem vistos pelo continente africano (YU, 2010, p.137).

    Algumas das crticas Ocidentais a:rmam que a China tem pagado valores insigni:cantes em troca dos recursos naturais dos pases africanos. H exemplos, entretanto, que provam o contrrio. O caso do Senegal, que no possui recursos naturais, um exemplo bastante signi:cativo: todos os contratos assinados com companhias estrangeiras exigem a participao de ao menos um parceiro senegals alm da transferncia de conhecimento e tecnologia para o pas. Como resultado, h um expressivo incremento da economia local, gerando uma relao comercial mutuamente ben:ca.

    importante, portanto, questionar quais so os reais motivos das crticas das potncias Ocidentais. Obviamente, tanto a China, quanto o Ocidente perseguem, nas relaes com o continente africano, seus prprios interesses. Contudo, importante ressaltar, entretanto, que Pequim, alm de no possuir meios de impor sua vontade aos africanos, corri (ou ao menos prejudica), atravs da sua atuao, as bases sociais de diversas ferramentas de dominao que as potncias Ocidentais possuem no continente africano. A poltica franco-africana, chamada de Franafrique3 por Franois-Xavier Vershave, uma boa amostra desta situao (VERSCHAVE, 2004, p.8).

    A poltica chinesa de no-interveno e respeito soberania, por exemplo, difere sensivelmente da poltica praticada pela Frana (e tambm pelas outras potncias Ocidentais), j que no tenta, de forma direta ou indireta, determinar quem sero os governantes dos pases africanos. Alm disso, os auxlios e emprstimos muitas vezes sem cobrana de juros , concedidos por Pequim aos pases da frica, e que permitem que estes se desenvolvam e tenham um aumento do seu peso poltico e econmico, desgastam outra estrutura de dominao das potncias ocidentais, uma vez que os africanos j no mais recorrem ao FMI, vendo-se livres das condicionalidades e das polticas de ajuste Ocidentais. Vale lembrar que grande parte dos investimentos chineses, criticados pelo Ocidente por supostamente serem responsveis pela manuteno dos Estados africanos como clientes, possuem condicionalidades impostas pelos lderes africanos e no pelos chineses, o que aumenta o poder de barganha africano.

    O desenvolvimento econmico pelo qual os pases africanos tm passado aponta para o :m de outro elemento da Franafrique. A maior autonomia alcanada por esses pases a partir de seu crescimento recente, bem como a participao da China como um parceiro alternativo, possibilita que os Estados africanos sejam os

    3 O termo, Franafrique, cunhado por Franois-Xavier Vershave, refere-se [...] poltica franco-africana [...], que uma caricatura de neocolonialismo, uma poltica extraordinariamente nociva.

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 37 -

    protagonistas de suas decises. Nesse mesmo contexto, o grande investimento chins no setor petrolfero africano tambm afeta diretamente os interesses Ocidentais. medida que a China aumenta sua participao no setor, trocando petrleo pela construo de infraestrutura, as potncias Ocidentais vo perdendo espao e no conseguem mais manter os pases africanos endividados e dependentes. Nesse sentido, o caso do Sudo se mostra bastante expressivo. O pas, atualmente um dos grandes produtores e exportadores de petrleo africano, era, at antes de comear a receber investimentos chineses, um importador de petrleo. O desenvolvimento gerado pela transferncia de tecnologia resultante das relaes com a China foi fundamental para possibilitar a mudana da sua condio. Ainda importante ressaltar que os direitos de explorao e prospeco de petrleo conquistados pela China no continente foram garantidos atravs de mecanismos de mercado internacionais, ou a partir da venda de outras companhias, no representando uma imposio, ou ameaa, a qualquer pas. medida em que as sociedades africanas aumentam seu poder aquisitivo e tm acesso a meios modernos (motocicletas, celulares, etc.), elas se tornam mais complexas, permitindo formas novas de comunicao, organizao e busca de meios de sobrevivncia. Tais sociedades j no so suscetveis aos mecanismos de dominao clientelista da Franafrique.

    A participao, cada vez maior, das empresas chinesas em diversos setores do continente africano telefonia, petrleo, transportes, etc. tem di:cultado e diminudo a participao de diversas empresas Ocidentais, que historicamente serviram como instrumento de dominao neocolonial na frica. Mais uma vez, as potncias Ocidentais se veem prejudicadas pela presena chinesa no continente africano. H que se lembrar, ainda, que apesar do aprofundamento do envolvimento chins no continente africano, Pequim apenas o terceiro maior parceiro da frica, atrs de EUA e Frana. A crescente participao chinesa no continente, entretanto, acaba por criar, ou mesmo ocupar, espaos que anteriormente eram de atuao das potncias Ocidentais, quali:cando diplomaticamente essas reas e, consequentemente, diminuindo a participao (e tambm os lucros) do Ocidente.

    Muitas crticas so feitas China por conceder auxlios sem questionamentos e com poucas exigncias a pases com histrico de desrespeito aos direitos humanos, os chamados Estados delinquentes. importante lembrar que grande parte desses Estados conta ou contou, ao longo de sua histria, com o apoio das potncias Ocidentais. Alm disso, importante perceber que, no sistema internacional, as relaes entre os Estados so feitas atravs de contatos entre os seus respectivos governos, sejam eles quais forem. Dessa forma, as crticas do Ocidente costumam ser vistas com ceticismo por parte de africanos e chineses, que as percebem como uma tentativa de impedir o desenvolvimento

  • - 38 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    socioeconmico de ambos, o que di:cultaria sua subservincia s potncias industriais tradicionais.

    Vale ressaltar, tambm, que o Sul do continente africano tem se tornado uma importante base logstica mundial. Alm disso, o Oceano ndico e tambm o Atlntico Sul tm se revelado, cada vez mais, como zonas de grandes recursos energticos, com jazidas de petrleo e de gs. O hemisfrio sul possui mais guas do que terra, e tem se tornado um espao cada vez mais importante em termos de desenvolvimento e de geopoltica. O Cabo da Boa Esperana, embora seja uma rota muito mais longa do que o Canal de Suez, tem sido cada vez mais utilizado, em decorrncia do tamanho e do peso cada vez maiores das embarcaes. Prova disso que, h uma dcada o nmero de petroleiros que passavam mensalmente pelo Cabo variava entre 30 e 50, e atualmente esse nmero encontra-se entre 90 e 100 navios. Atualmente cerca de 30% do petrleo do Golfo Prsico destinado Europa e Amrica passam pelo Cabo da Boa Esperana. As aes dos piratas somalis, transformando a rota de Suez em um problema bastante grave, tambm tm papel importante na maior utilizao da rota do Cabo.

    Frente a todo esse histrico, no surpreendente que em 2008, o ento presidente dos EUA, George W. Bush, tenha anunciado a criao de um novo Comando Combatente Uni:cado para a frica, o AFRICOM, supostamente como forma de reforar a Guerra ao Terror e de coordenar os interesses do governo no continente africano. Ainda que os EUA neguem que a criao do AFRICOM esteja ligada ao aumento da presena chinesa no continente, evidente que a atuao de Pequim e o crescente envolvimento dos pases africanos, diminuindo a participao dos EUA, so um incmodo para o governo norte-americano, especialmente em um contexto de aumento da importncia estratgica da frica e do Sul como um todo. Ao mesmo tempo foi recriada a IV frota, que atua no Atlntico Sul, regio petroleira da frica e Amrica do Sul.

    ConclusoInegavelmente, a China precisa do continente africano como fornecedor

    de recursos naturais para viabilizar a manuteno do seu crescimento. Entretanto, h uma diferena bastante sensvel, entre a China e as potncias Ocidentais, no que diz respeito ao envolvimento com os pases da frica. Pequim tem se mostrado um ator ativo nas relaes com o continente africano. Em termos econmicos, os chineses tm respondido aos anseios dos Estados africanos com muito mais rapidez e e:cincia do que os parceiros Ocidentais costumeiramente lentos, e burocrticos. Os pases africanos, assim, tm podido construir estradas, hospitais e todo o tipo de infraestrutura necessria, em tempo recorde, estimulando o crescimento econmico e seu prprio desenvolvimento.

  • SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    - 39 -

    interessante observar que nos anos 1970-1980, em funo dos impactos da crise do petrleo, o Japo e a China desenvolveram cooperao de per:l semelhante ao da China-frica, com posies invertidas. A China exportava commodities, especialmente carvo e petrleo, para o Japo, proporcionando divisas, acesso a mercadorias baratas e investimento em infraestrutura. A melhoria de portos, rodovias, ferrovias, minas e prospeco de petrleo foi paga com produtos primrios, sem gerar endividamento. Assim, a China tem uma experincia prpria com esse novo tipo de cooperao internacional.

    O Ocidente, por sua vez, tem mantido o seu padro de interao, que traz um retorno cada vez menos satisfatrio aos pases africanos. Os baixos investimentos em infraestrutura e as condicionalidades, impostas pelo Ocidente, no agradam s lideranas africanas, especialmente se comparadas alternativa chinesa. Para os africanos, essa disputa entre o Ocidente e a China pelo continente se mostra positiva, pois cria novas oportunidades e possibilidades, com o aumento do nmero de possveis parceiros e da competio entre eles.

    A China conseguiu, sem ajuda estrangeira, e atravs de seus prprios experimentos, retirar uma camada signi:cativa de sua populao da pobreza. Investimento, tecnologia e comrcio, vistos como promotores do desenvolvimento, tm sido :os condutores das relaes com o continente africano, no por altrusmo, mas porque os chineses buscam, nos pases africanos, aliados polticos e econmicos. E o status dos aliados conta mais do que seu nmero. Estados-clientes sem importncia econmica ou poltica pouco contribuem para a estratgia de realinhamento da balana de poder. Desta forma, no s por razes conjunturais, mas tambm estruturais, os pases africanos representam uma parceira estratgica para Pequim.

    Quanto s crticas Ocidentais, essas se do sobretudo porque, atravs de seu envolvimento, a China acaba, direta ou indiretamente, pondo :m a uma srie de mecanismos de dominao das potncias Ocidentais, aplicados h muito tempo nos pases africanos. As novas relaes da China (e da sia) com a frica, com menor participao dos centros :nanceiros do Atlntico Norte, marcam o declnio do ciclo histrico de longa durao de Ocidentalizao do mundo.

  • - 40 -

    SCULO XXI, Porto Alegre, V. 3, N1, Jan-Jun 2012

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALDEN, Chris. China in Africa. London: Zed Books, 2007.

    ANSHAN, Li. Chinas New Policy toward Africa. In: ROTBERG, Robert I. China into Africa: Trade, Aid, and In0uence. USA: World Peace Foundation, 2008. Cap. 2, p. 21-49.

    BRAUTIGAM, Deborah. 1e Dragons Gi3: the real story of China in Africa. Oxford: Oxford University Press, 2009, 397 p.

    GAZIBO, Mamoudou; MBABIA, Olivier. Reordering International Aairs: +e Forum on China-Africa Cooperation. Austral: Brazilian Journal of Strategy & International Relations. Porto Alegre, v.1, n.1, p.51-74, 2012.

    OLIVEIRA, Amaury P. A Poltica Africana da China. Disponvel em: http://www.casadasafricas.org.br/img/upload/674760.pdf

    RNNBCK, Ann-So:. ECOWAS and West Africas Future Problems or Possibilities? Ume Working Papers in Political Science, Ume, n. 3, p. 1-33, 2008.

    SAMY, Yiagadeesen. Chinas Aid Policies in Africa: Opportunities and Challenges. 1e Round Table. Ottawa, V. 99, N. 406, p.7590, 2010.

    SAUTMAN, Barry; HAIRONG, Yan. Honour and Shame? Chinas Africa ties in comparative context. In: WILD, Leni; MEPH, David (Ed.). 1e New Sinosphere: China in Africa. London: Institute for Public Policy Research, 2006, cap. 8, p.54-61.

    SHELTON Garth; PARUK Farhana, 1e Forum on China-Africa Cooperation: A Strategic Opportunity, Johannesburg, Institute for Security Studies, 2008.

    TAYLOR, Ian. Chinas foreign policy towards Africa in the 1990s. 1e Journal of Modern African Studies, Cambridge, v.36, n.3, p. 443-460, 1998.

    VERSCHAVE, Franois-Xavier. De la Franafrique la Ma7afrique. Bruxelles: dition Tribord, 2004, 69 p.

    YU, George T. Chinas Africa Policy: South-South Unity and Cooperation. In: YU, George T.; DITTMER, Lowell (Ed.). China, the Developing World, and the New Global Dynamic. USA: Lynne Rienner Publishers, 2010, cap.7, p.129-156.

    Recebido em Maio de 2012Aprovado em Junho de 2012