VOA, CORAÇÃO - Reciclick · 10 11 Bem, pelo menos foi assim que a minha avó me contou. Mas eu...

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VOA, CORAÇÃO Patrícia Engel Secco Ilustrações Edu A. Engel

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VOA, CORAÇÃOPatrícia Engel Secco

Ilustrações

Edu A. Engel

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Projeto Brasil Bonito por NaturezaRegião Norte

Projeto GráficoLili Tedde

RevisãoFrank de Oliveira

Coordenação Gráfica e EditorialSecco Assessoria Empresarial

Concepção e RealizaçãoPatrícia Engel Secco

Editora Boa Companhia www.projetofeliz.com.br

ImpressãoJulho de 2006

Patrícia Engel Secco

Ilustrações

Edu A. Engel

VOA,CORAÇÃO

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É incrível como o tempo passa rápido quando estamos nos divertindo, mas se arrasta sem dó nem piedade quando esta-mos ansiosos esperando por alguém ou por alguma coisa. No meu caso, o que está acontecendo é que, apesar de já estar quase na hora de todos da minha casa acordarem, o Sol ainda não nasceu. Será que aconteceu alguma coisa? Será que, justo hoje, meu primeiro dia de aula, a Lua está querendo mostrar mais uma vez para o Sol que ela é a mais vaidosa entre todos os índios e índias?

Ai, ai, ai...O tempo não passa, o Sol não aparece e eu não consigo pa-

rar de pensar na história que a minha avó me contou. A história do Sol e da Lua. A história de dois índios muito bonitos que não paravam de se enfeitar. E já que não tem ninguém acordado por aqui, vou contar a história para mim mesma e ver se, assim, o tempo resolve passar mais rápido.

Então, um, dois, três e... lá vai!

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O Sol era um índio bonito e um excelente caçador, um jo-vem educado e apaixonado por sua noiva, a Lua. Ele a amava muito e nem achou ruim quando a Lua disse que ele deveria se arrumar mais, ser mais vaidoso. Bem pelo contrário, até gostou da idéia e começou a se arrumar tanto, a cuidar tanto de sua aparência que sua vaidade passou a incomodar a todos, inclu-sive a Lua. Mas ela, em vez de conversar com ele e mostrar seu exagero, decidiu exagerar também.

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E a vaidade dos dois era tamanha que um dia o próprio Tupã, poderoso deus dos deuses, de-cidiu visitá-los em forma de um pássaro bem colorido, o mais bonito jamais visto por ali. O deus queria mesmo era avi-sá-los do exagero e dar a eles um pequeno conselho: deveriam ser mais humildes e menos preocupados com a aparência. Mas como o pássaro possuía as mais belas penas do mundo, acabou recebendo uma fl echada no peito, coitado!

E pensar que tudo aconteceu porque tanto o Sol quanto a Lua queriam fazer das penas enfeites para uma grande festa: colares, brincos, pulseiras e até cocares! Que coisa!

Bem, mas a história não pára por aí! As penas do tal pássaro eram tão lindas, as cores tão brilhantes que os noivos acabaram se desentendendo porque nenhum dos dois queria aparecer na festa com penas parecidas com as do outro. O resultado foi que

perderam tanto tempo brigando por esse motivo bobo que se atrasaram para a festa. Quando perceberam o atraso, se

arrumaram com tamanha pressa que esqueceram do pássaro. E ele fi cou abandonado no fundo da oca,

sem que nem o Sol nem a Lua usassem suas pe-nas para nada.

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Depois da festa, tudo voltou ao normal. Os dias se passaram e somente após muitas semanas os noivos se lembraram do pássaro. Quando por fi m encontraram o pequeno corpo jogado lá no fundo da oca, os dois tiveram uma grande surpresa: assim que o Sol o segurou pelas pernas, o pássaro ganhou vida e se transformou em Tupã.

O deus, que estava bastante chateado com o comportamen-to dos dois, decidiu então dar-lhes uma lição, e disse:

– Já que vocês gostam tanto de se mostrar, que se preocu-pam tanto com as aparências, de hoje em diante vão passear

eternamente pelo céu. Você, Sol, vai se vestir de ouro e apare-cer durante o dia, e você, Lua, vestirá prata e aparecerá duran-te a noite.

E foi exatamente isso o que aconteceu, bem no começo dos tempos. Tupã estava tão chateado que, para completar, disse que os dois quase nunca se encontrariam, que quando o Sol estivesse radiante passeando pelo céu, a Lua deveria fi car bem quieta, contemplando o brilho do amado e esperando paciente-mente pela sua vez... e vice-versa.

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Bem, pelo menos foi assim que a minha avó me contou. Mas eu acho que hoje a Lua resolveu querer se mostrar mais do que o Sol, ou, então, ele decidiu passear por outros lugares.

É nessas horas que eu queria ser valente como aqueles dois meninos índios que, cansados de viver sem luz e sem suportar mais a escuridão que tomava conta do mundo, decidiram subir na árvore mais alta da região para ver o que havia lá em cima

e, para sua surpresa, descobriram que era justamente aquela árvore que tapava o Sol.

Pois é, essa é uma outra história que a minha avó contou, a história do rio Amazonas. Ela é tão linda que eu não me canso de repetir. E hoje é exatamente o que eu posso chamar de um bom dia (ou boa noite) para me lembrar dela, pois essa escuri-dão lá fora está começando a me incomodar. Ah! Como eu que-ria ter a coragem daqueles indiozinhos!

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O que eles não sabiam, en-tretanto, é que a árvore só es-

tava ali para proteger os índios e, com toda a sua grandeza, mesmo

depois de ser derrubada, decidiu con-tinuar a protegê-los: assim que tocou

o chão, seu tronco virou o rio Amazo-nas e seus galhos passaram a ser seus afl uentes, que continuam até hoje a fornecer água e alimento aos índios.

Desde então, nunca mais os índios vi-veram na escuridão. Quer dizer, agora

existe dia e noite. Antes, só existia noi-te, sem Lua e sem estrelas.

Olha só o que eles fi zeram: depois de descobrir que era a árvore que causava a escuridão e que por cima de sua copa havia muita luz e calor, os meninos decidiram fazer alguns buracos entre as folhagens e, assim, deixar passar a cla-ridade. Para isso colheram muitos frutos, de todos os tipos e tamanhos, e os jogaram para cima. Os frutos furaram a folhagem, deixaram passar um pouco de luz e, nesse dia, os índios conheceram as estrelas.

Os meninos então espalharam a des-coberta para o seu povo. E, trabalhando juntos e sem descansar, todos der-rubaram a frondosa árvore.

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Mas hoje a noite está demorando muito. Será que aquela árvore gigante, que era uma samaumeira, decidiu encobrir de novo o Sol?

Acho que não, pois eu moro ao lado do rio e, caso ele tives-se virado árvore de novo, eu acho que já saberia.

A minha casa fica tão perto das águas que foi construída com pernas de pau bem compridas. Assim, quando o rio sobe, suas águas passam embaixo da minha casa e as pernas de pau (que meu pai diz que se chamam palafitas) não deixam que a água entre aqui dentro! Se bem que eu não ia achar nada ruim se só houvesse água por todos os lados, pois eu nado muito bem, como um boto!

Ah! O Boto! Eu sempre sonho com ele, e, quando eu crescer, quero ser sua namorada!

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Eu sei que a lenda do Boto é mais uma das histórias que a minha avó conta, mas dizem por aí que, nas noites de Lua cheia, quando o céu está mais iluminado do que nunca, aparece na aldeia um moço bonito, de cabelos negros, roupa distinta e ar galanteador. Dizem também que ele sempre usa um chapéu bastante estranho, meio mole, de pano, igualzinho na lenda. Então, como eu não sou boba nem nada, bem sei que esse tal moço é o Boto, e que o chapéu estranho só serve mesmo para esconder o furo que ele tem na cabeça (aquele que os botos, os golfi nhos e as baleias usam para respirar). E tem mais. Pelo que eu sei, o Boto vem até a aldeia, escolhe uma moça bonita e dança com ela a noite toda. No fi nal da festa, quando o dia já está raiando, ele leva a namorada até a beira do rio e a convida para morar no reino das águas.

Acontece que, até hoje, nenhuma moça aqui da vila foi mo-rar por lá, mas bem que eu gostaria de ser a primeira. Ainda não sei como eu faria para respirar debaixo da água, mas tenho cer-teza de que, se um dia eu casar com o Boto, ele vai me ensinar.

Por enquanto, o que eu sei mesmo é que o Boto só se inte-ressa por moças feitas, e eu, que estou só com 11 anos, ainda tenho muito que aprender, aqui mesmo pelo reino dos huma-nos, antes de querer ser a princesa do rio. Por isso é que me sinto assim tão ansiosa esperando o Sol nascer. Eu quero mui-to, muito, muito conhecer a minha escola!

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Quero tanto ir para a escola que nem ligo a mínima em ser a única aluna nova com 11 anos de idade! Afinal de contas, já sei até ler e escrever! E olha que eu aprendi sozinha.

A minha mãe sempre achou que eu não precisaria estudar, pois sou um pouco diferente dos meus irmãos. Desde que nas-ci, minhas pernas não funcionam direito, e por isso não con-sigo andar muito bem. Para mim, isso é um detalhe, pois eu nado rápido, ando de canoa melhor do que ninguém e tenho até uma cadeira de rodas! Tá certo que não consigo subir em árvo-res, nem jogar futebol, nem brincar de esconde-esconde, mas nunca tive dificuldades para me divertir. O meu único problema sempre foi convencer a minha mãe de que eu ia me dar bem na escola.

Acho que ela tinha medo por mim...Tinha, mas não tem mais.

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É que há alguns meses apareceram por aqui umas moças bem bacanas. Elas vieram de canoa e trouxeram muitos livros. Disseram que tinham vindo iluminar, como vaga-lumes, todos os cantinhos da Amazônia, com livros e mais livros, histórias e mais histórias.

Elas montaram uma biblioteca na vila e... adivinha só! Gos-taram muito de me conhecer. Eu também! Fiquei tão animada em conhecê-las que contei para elas todas as histórias que eu sabia. E foram tantas histórias, tantas lendas que nós fi camos a tarde inteirinha conversando. Naquele dia o tempo passou bem rápido e, sem a gente perceber, as crianças saíram da escola e se sentaram ao meu redor. Queriam ouvir histórias.

E eu contei! Mais e mais histórias!Mas foi só no fi nal da tarde, quando o Sol já estava queren-

do sumir no rio, que as moças vaga-lumes se deram conta de que eu tinha passado a tarde inteira com elas e que não tinha saído da escola, como as outras crianças. Elas viram que eu não estudava.

É claro que elas perguntaram o porquê, mas eu não soube ex-plicar direito. Só sabia dizer que eu não estava na escola e pronto.

As moças resolveram, então, ir até a minha casa conversar com a minha mãe. Queriam dizer para ela que a escola era impor-tante e que o fato de eu não andar direito não atrapalhava nada.

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Minha mãe não quis acreditar muito nessa conversa, mas, quando as moças disseram que eu era uma das melhores con-tadoras de histórias que elas conheciam, minha avó, que esta-va num cantinho ouvindo tudo, fi cou orgulhosa e disse que, se era assim, eu precisava mesmo estudar. Ela contou que nun-ca tinha tido oportunidade de ir à escola e que achava que ela mesma poderia me ensinar tudo o que eu precisava saber.

Bem, só que a minha avó já tinha me ensinado tudo o que ela sabia. Ainda bem que, conversando com as moças vaga-lu-mes, ela percebeu que eu ainda tinha muito a aprender. Como aprender a escrever textos. Quem sabe eu não me transforma-va em uma escritora?

Minha avó fi cou encantada com a possibilidade de eu poder passar para o papel todas as histórias que ela conta para mim. Gostou tanto da idéia que queria me levar, ela mesma, para a escola no dia seguinte. Aliás, ela ainda quer. Tudo isso aconte-ceu ontem e, assim que o Sol raiar, a minha avó, a minha mãe, o meu pai, todos os meus irmãos e até as moças vaga-lumes vão comigo para a escola!

Mas por que será que o Sol não quer nascer? Por que será que a Lua não vai logo descansar?

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No fundo, eu acho é que todos aqui em casa estão preocu-pados com a minha cadeira de rodas, quer dizer, com o fato de eu não conseguir andar direito. Mas será que eles não perce-bem que todos nós somos mesmo diferentes?

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Até o Curupira, que é o Curupira, o grande guardião da fl o-resta, nasceu com os pés virados para trás e mesmo assim de-fende as matas melhor do que ninguém!

Ele é o meu herói!Vários amigos meus têm medo do Curupira, fi cam ouvindo

barulho nas matas e acham que ele está sempre por perto. Já eu vivo torcendo para ele aparecer para uma conversinha.

Só que, como o Boto, o Curupira nunca aparece por aqui. Bem, talvez seja porque ele precise bater no tronco de cada uma das árvores da fl oresta, todas as noites, só para ver se elas estão bem. Ou talvez seja porque ele está ocupado demais correndo atrás dos caçadores.

É, o Curupira adora fazer com que os caçadores se percam nas matas. E você sabe como ele faz isso? Ele anda com os seus pezinhos virados para trás por todo lado, e, quando o caçador segue as pegadas, acaba se confundindo todinho e... pronto, se perde! Também, pudera, quem mandou querer caçar os animais da fl oresta, não é?

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E por falar em animaizinhos... Onde será que o Tainá foi parar?O Tainá é o meu sagüi, e ele adora passear por aí! E olha

que ele passeia, e muito! Depois vem correndo contar para mim aonde ele foi. Até parece que ele quer sempre ir a um lugar diferente, só para me contar depois! Ele é uma graça, meu me-lhor amigo, e, quando todas as outras crianças estão na escola, é ele quem me faz companhia.

Eu coloquei o nome de Tainá nele por conta da lenda da Es-trela D’Alva. A história de uma indiazinha sonhadora que adora-va ficar horas e horas às margens do rio contemplando Tainá-Can, a primeira estrela a aparecer no céu. Seu maior sonho era que Tainá-Can tomasse a forma humana e descesse do firma-mento para com ela se casar.

Em uma noite de luar, a pequena índia viu a praia ser ilumi-nada por um raio tão forte e tão brilhante que só poderia sig-nificar que sua estrela havia descido à Terra. A alegria invadiu a alma da moça, mas desapareceu de seu coração quando ela se deparou com um velho totalmente enrugado, curvado pelo tempo, cansado de tanto doar seu brilho às noites.

A jovem índia não conteve sua decepção e, olhando bem fundo nos olhos do velho senhor, gritou que ele fosse embo-ra. Tainá-Can, velho, enrugado, cansado, agora estava também triste e desapontado. Olhando para a jovem índia que durante tantas noites lhe jurara amor, chorou, silenciosamente.

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Chorou, mas não foi embora. Mesmo cansado, mos-trou aos índios como plantar sua própria comida, pois até então só comiam peixe e caça. E todos passaram a admirar aquele bom velhinho, que logo encontrou o amor de outra índia, Denaquê, e com ela se casou.

Um belo dia, a jovem esposa, preocupada com a de-mora de Tainá-Can, decidiu procurá-lo na roça e, quan-do lá chegou, encontrou apenas um jovem guerreiro, com o corpo coberto por belos desenhos e a alma mui-to iluminada.

Assim, depois que eles viveram uma vida inteira de felicidade, Tainá-Can fi nalmente decidiu voltar para o céu. E levou consigo sua querida esposa, que até hoje é sua inseparável companheira.

Portanto, quando você olhar para o céu e contem-plar a Estrela D’Alva, a primeira a aparecer no fi rma-mento, observe que, junto a ela, brilha outra estrela, singela, a estrela Denaquê.

Linda essa história, não é?Mas por onde anda o Tainá?Será que se eu chamá-lo vou acordar meus irmãos?– Tainá! Tainá!

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Upa! O que está acontecendo! Quem está mexendo nos meus olhos?

Ah! Era você, seu sagüizinho levado! Dormindo quietinho, bem no meu rosto!

E olha só... O Sol já está acordando e a Lua já foi se deitar! E eu, eu vou para a escola. Tenho muito que aprender!Quem sabe, como a avó disse, eu não aprendo a fazer

textos e me transformo em uma escritora? Eu adorei essa idéia e vou me esforçar muito. Assim, minhas histórias se-rão lidas por muitas crianças, de todos os lugares do país. E essas crianças, que talvez nunca tenham andado de canoa ou nem conheçam o Curupira, poderão saber um pouquinho mais sobre essa vida tão maravilhosa que eu levo aqui, mo-rando bem ao lado do rio.