Vol. 17 história de uma neurose infantil e outros trabalhos

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História de uma neurose infantil e outros trabalhos VOLUME XVII (1917-1919)

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  • 1. Histria de uma neurose infantil e outros trabalhos VOLUME XVII (1917-1919)

2. Dr. Sigmund FreudHISTRIA DE UMA NEUROSE INFANTIL (1918 [1914])NOTA DO EDITOR INGLS - AUS DER GESCHICHTE EINER INFANTILEN NEUROSE(a) EDIES ALEMES:1918 S.K.S.N., 4, 578-717.1922 S.K.S.N., 5, 1-140.1924 Leipzig, Viena e Zurique: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 132 pgs.1924 G.S., 8, 439-567.1931 Neurosenlehre und Technik, 37-1711947 G.W., 12, 29-157.(b) TRADUO INGLESA:From the History of an Infantile Neurosis1925 C.P., 3, 473-605. (Trad. de A. e J. Strachey).Foram introduzidas algumas modificaes na edio alem de 1924, principalmente no tocante adatas; e acrescentou-se uma longa nota de rodap no final. A presente traduo inglesa reviso dapublicada em 1925.Este o mais elaborado e sem dvida o mais importante de todos os casos clnicos de Freud.Foi em fevereiro de 1910 que o jovem e rico russo, de quem o relato trata, dirigiu-se a Freud para seranalisado. Sua primeira etapa de tratamento, que abordada neste artigo, durou daquela data at julhode 1914, quando Freud considerou o caso encerrado. Comeou a escrever o caso clnico em outubro domesmo ano e concluiu-o em princpios de novembro. No entanto, retardou sua publicao por quatroanos. Na ocasio, nenhuma modificao foi feita, conta-nos ele (ver em [1]), mas dois longos trechosforam inseridos. O desenvolvimento posterior do caso, aps concluda a primeira etapa de tratamento,est descrito por Freud na nota de rodap que acrescentou edio de 1924, no final do artigo (ver em[1] e [2]). 3. Informaes ainda mais recentes tambm sero encontradas, em parte, fornecidas por materialpublicado posteriormente pelo prprio Freud, em parte, por dados que surgiram depois de sua morte.Freud fez uma srie de referncias ao caso do Homem dos Lobos em trabalhos publicadosantes e depois do prprio caso clnico, e talvez valha a pena enumer-las. A primeira evidncia dointeresse de Freud pelo caso foi um pargrafo que apareceu, com a sua assinatura, no incio do outonode 1912 (Zbl. Psychoanal., 2, 680), obviamente estimulado pelo sonho do lobo, que motivo central docaso clnico. Apareceu sob a rubrica Offener Sprechsaal (Frum Aberto) e consta do seguinte:Ficaria satisfeito se todos os meus colegas que se preparam para ser analistas coligissem eanalisassem cuidadosamente quaisquer sonhos de seus pacientes cuja interpretao justifique aconcluso de que aqueles que os tiveram tenham sido testemunhas de um ato sexual nos primeirosanos de vida. Uma sugesto sem dvida suficiente para tornar evidente que tais sonhos so de umvalor muito especial, em mais de um aspecto. Apenas esses sonhos podem, claro, ser consideradoscomo indicativos de que ocorreram na infncia, e so lembrados a partir desse perodo.Freud.Um outro pargrafo sobre o assunto apareceu no comeo de 1913 (Int Z. Psychoanal., 1, 79):Sonhos de Crianas com um Significado EspecialNo Frum Aberto do Zbl. Psychoanal., 2, 680, pedi a meus colegas que publicassem quaisquersonhos ocorridos na infncia cuja interpretao justifique a concluso de que aqueles que os tiveramtenham sido testemunhas de um ato sexual nos primeiros anos de vida. Devo agradecer agora Dra.Mira Gineburg (de Breitenau-Schaffhausen) por uma primeira contribuio que parece adequar-se scondies estabelecidas. Prefiro adiar uma considerao crtica desse sonho at que se tenha coligidomais material comparativo.Freud.Essa nota era seguida pelo relato do sonho em questo, pela Dra. Gincburg. Um sonhosemelhante foi depois relatado por Hitschmann, no mesmo ano (Int. X. Psychoanal., 1, 476), mas nohouve mais comunicaes sobre o assunto por parte de Freud. Durante esse vero, contudo, elepublicou o seu artigo sobre A Ocorrncia, em Sonhos, de Material Oriundo de Contos de Fadas(1913d), que na verdade relatava o sonho do lobo e que foi em parte reproduzido no caso clnico (ver em[1] e segs.); e no incio do ano seguinte surgiu o artigo sobre Fausse Reconnaissance no TratamentoPsicanaltico (1914a), descrevendo outro episdio no caso. Tambm este foi parcialmente reproduzidoaqui (ver em [1]). H, tambm, uma referncia indireta ao Homem dos Lobos em um debate sobreprimeiras lembranas da infncia, em Recordar, Repetir e Elaborar (1914g), Edio Standard Brasileira,Vol. XII, pg. 195, IMAGO Editora, 1976. O artigo metapsicolgico sobre Represso (1915d), que foipublicado antes do presente trabalho, embora escrito depois deste, contm um pargrafo referente fobia de lobos do paciente. Muitos anos depois da publicao do caso clnico, Freud voltou ao caso nodecorrer de uma argumentao sobre as fobias de animais das crianas em Inibies, Sintomas eAnsiedade (1926d). Nos captulos IV e VII desse trabalho, a fobia de lobos do paciente comparada 4. com a fobia de cavalos analisada no caso do Little Hans (1909b). Finalmente, em um de seus ltimosartigos, Anlise Terminvel e Interminvel (1937c), Freud fez alguns comentrios crticos sobre ainovao tcnica de estabelecer um tempo-limite para o tratamento, o qual ele introduziu neste caso,descrevendo-o ver em [1].Aos olhos de Freud, o significado primrio deste caso clnico na poca da sua publicao eraclaramente o apoio que proporcionava para as suas crticas a Adler e, mais especificamente, a Jung.Havia ali evidncia conclusiva para refutar qualquer negao da sexualidade infantil. Todavia, muitosmais proveitos de alto valor surgiram do tratamento, embora uma parte deles j tivesse sido dada apblico no intervalo de quatro anos entre a elaborao do caso clnico e sua publicao. Havia, porexemplo, a relao entre as cenas primrias e as fantasias primitivas, que conduziu diretamente aoobscuro problema da possibilidade de que o contedo mental da fantasias primitivas pudesse serherdado. Isso foi examinado na Conferncia XXIII das Conferncias Introdutrias (1916-17), mas depoisfoi elaborado nos trechos adicionais das pgs. 67 e 103 e segs. Outra vez, o notvel material da SeoVII, que trata do erotismo anal do paciente, foi utilizado por Freud em seu artigo As Transformaes doInstinto (1917c), pg. 131, adiante.Ainda mais importante foi o esclarecimento dado pela presente anlise sobre a primitivaorganizao oral da libido, que em certa medida discutida adiante, em [1] e [4]. A primeira refernciapublicada de Freud a essa organizao era a de um pargrafo acrescentado em 1915 terceira ediodos seus Trs Ensaios (1905d), Edio Standard Brasileira, Vol. VII, pg. 204, IMAGO Editora, 1972. Oprefcio a essa terceira edio traz a data Outubro de 1914 - exatamente o ms durante o qual escreviao artigo sobre o Homem dos Lobos. Parece provvel que o material canibalstico revelado nessaanlise tenha desempenhado um papel importante na preparao do caminho para algumas das maissignificativas das teorias de que Freud se ocupava nesse perodo: as interconexes entre incorporao,identificao, a formao de um ideal do ego, o sentimento de culpa e os estados patolgicos dedepresso. Algumas dessas teorias j haviam sido expressas no ltimo ensaio de Totem e Tabu (aredao deste caso clnico (Jones, 1955, 367).Talvez a principal descoberta clnica seja a de revelar a evidncia do papel determinantedesempenhado na neurose do paciente pelos seus impulsos femininos primrios. Seu marcado grau debissexualidade era apenas a confirmao de pontos de vista h muito defendidos por Freud, quedatavam da poca de sua amizade com Fliess. Nos seus escritos subseqentes, porm, Freud deuainda mais nfase ao fato da ocorrncia universal da bissexualidade e da existncia de um complexo dedipo invertido ou negativo. Essa tese recebeu sua expresso mais clara no trecho sobre o complexode dipo completo, no captulo III de O Ego e o Id (1923b). Por outro lado, resiste com veemncia auma tentativa de inferncia terica no sentido de que os escrito em meados de 1913) e no artigo sobrenarcisismo (concludo em princpios de 1914). Outras iriam aparecer em Luto e Melancolia. Este ltimos foi publicado em 1917. Mas foi-lhe dada forma final no comeo de maio de 1915; e muitas das idiasque contm haviam sido colocadas diante da Sociedade Psicanaltica de Viena, a 30 de dezembro de 5. 1914, apenas algumas semanas aps motivos relacionados com a bissexualidade so os determinantesinvariveis da represso (ver em [1] e seg.) - problema a que Freud se referiu extensamente poucodepois, em Uma Criana Espancada (1919e), ver em [1] e segs., adiante.Finalmente, talvez seja legtimo chamar a ateno para a extraordinria habilidade literria comque Freud exps o caso. Estava diante da tarefa pioneira de fornecer um relato cientfico de eventospsicolgicos de novidade e complexidade jamais sonhadas. O resultado um trabalho que no apenasevita os perigos de confuso e obscuridade, mas tambm prende a fascinada ateno do leitor doprincpio ao fim.HISTRIA DE UMA NEUROSE INFANTILI - OBSERVAES INTRODUTRIASO caso que me proponho relatar nas pginas que se seguem (uma vez mais apenas de maneirafragmentria) caracteriza-se por uma srie de peculiaridades que outras pessoas quando iniciou o seutratamento psicanaltico, vrios anos depois. Tivera uma vida mais ou menos normal durante os dezanos que precederam a data de sua doena e cumpriu os estudos da escola secundria sem muitosproblemas. Seus primeiros anos de vida haviam, contudo, sido dominados por um grave distrbioneurtico, que comeou imediatamente antes do seu quarto aniversrio, uma histeria de angstia (naforma de uma fobia animal), que se transformou ento numa neurose exigem ser enfatizadas antes queproceda a uma descrio dos prprios fatos. Diz respeito a um jovem cuja sade se abalara aos dezoitoanos, depois de uma gonorria infecciosa, e que se encontrava inteiramente incapacitado e dependentedeobsessiva de contedo religioso e perdurou, com as suas manifestaes, at os dez anos.Apenas essa neurose infantil seria o objeto da minha comunicao. Apesar do pedido direto dopaciente, abstive-me de escrever um histrico completo da sua enfermidade, do tratamento e darecuperao, porque reconheci que tal tarefa era tecnicamente impraticvel e socialmente impermissvel.Ao mesmo tempo, isso afasta a possibilidade de demonstrar a relao entre a sua doena na infncia ea sua doena posterior e permanente. No que diz respeito a esta, s posso dizer que, por causa dela, opaciente passou um longo perodo em sanatrios alemes, e foi, na poca, classificada pelos maisautorizados especialistas, como um caso de insanidade manaco-depressiva. Esse diagnstico eracertamente aplicvel ao pai do paciente, cuja vida, de muitas atividades e interesses, foi perturbada porrepetidos ataques de grave depresso. No filho, porm, jamais consegui, durante uma observao que 6. durou vrios anos, detectar quaisquer mudanas de nimo que fossem desproporcionais situaopsicolgica manifesta, tanto na intensidade quanto nas circunstncias do seu aparecimento. Formei aopinio de que este caso, como muitos outros que a psiquiatria clnica rotulou com os mais multifrios evariveis diagnsticos, deve ser considerado como uma condio que se segue a uma neuroseobsessiva que acabou espontaneamente, mas deixou por trs um defeito, aps a recuperao.Minha descrio tratar, portanto, de uma neurose infantil que foi analisada no enquantorealmente existia, mas somente quinze anos depois de haver terminado. Esse estado de coisas temsuas vantagens, bem como desvantagens, em comparao com a alternativa. Uma anlise conduzidasobre a prpria criana neurtica deve normalmente parecer mais digna de confiana, mas no pode sermuito rica em material; demasiadas palavras e pensamentos tm que ser emprestados criana, eainda assim os estratos mais profundos podem tornar-se impenetrveis para a conscincia. Uma anlisede um distrbio da infncia por meio da recordao de um adulto intelectualmente maduro est livredessas limitaes; mas preciso que levemos em conta a distoro e a reelaborao s quais opassado de uma pessoa est sujeito, quando visto na perspectiva de um perodo posterior. A primeiraalternativa d, talvez, resultados mais convincentes; a segunda , com sobras, a mais instrutiva.Em qualquer caso, pode-se dizer que a anlise de neuroses infantis possui um interesse tericoparticularmente alto. Proporciona-nos, por assim dizer, tanta ajuda no sentido de uma compreensoadequada das neuroses dos adultos, quanto os sonhos infantis em relao aos sonhos dos adultos. No que sejam, na verdade, mais perspcuos ou mais pobres de elementos; de fato, a dificuldade deperceber o acesso vida mental de uma criana, torna-a uma tarefa particularmente difcil para omdico. No obstante, por no haver ainda tantos dos depsitos posteriores, a essncia da neurosesalta aos olhos com uma nitidez inequvoca. Na fase atual da batalha que se desenrola volta dapsicanlise, a resistncia s suas descobertas tomou, como sabemos, uma nova forma. Antigamente aspessoas contentavam-se em discutir a realidade dos fatos estabelecidos pela anlise; e, para essepropsito, a melhor tcnica parecia ser a de evitar examin-los. Esse procedimento parece estar-seexaurindo lentamente; e as pessoas adotam agora outro plano - reconhecer os fatos, mas eliminar, pormeio de interpretaes torcidas, as conseqncias que a eles se seguem, de modo que os crticospodem ainda resguardar-se das novidades objetveis to eficientemente como antes. O estudo dasneuroses infantis expe a completa inadequao dessas tentativas superficiais e arbitrrias dereinterpretao. Mostra o papel predominante que desempenhado na formao das neuroses poraquelas foras libidinais to impulsivamente rejeitadas, e revela a ausncia de quaisquer aspiraes nosentido de objetivos culturais remotos, dos quais a criana nada sabe ainda e que no podem, portanto,ter qualquer significado para ela.Outra caracterstica que torna a presente anlise digna de nota est ligada gravidade dadoena e durao do tratamento. As anlises que conduzem a uma concluso favorvel em poucotempo, so de valor para a auto-estima do terapeuta e para substanciar a importncia mdica dapsicanlise; mas permanecem em grande parte insignificantes no que diz respeito ao progresso do 7. conhecimento cientfico. Nada de novo se aprende com elas. Na verdade, apenas so bem-sucedidasto rapidamente, porque tudo o que era necessrio para a sua realizao j era conhecido. A novidades pode ser obtida de anlises que apresentam especiais dificuldades, e para que isso acontea necessrio que a elas se dedique bastante tempo. Apenas em tais casos conseguimos descer aosestratos mais profundos e mais primitivos do desenvolvimento mental, e destes obter solues para osproblemas das formaes posteriores. E depois disso, sentimos que, estritamente falando, s umaanlise que penetrou to fundo merece esse nome. Naturalmente, um nico caso no nos d toda ainformao que gostaramos de ter. Ou, melhor dizendo, poderia ensinar-nos tudo, se estivssemosnuma posio de tudo compreender e se no fssemos compelidos pela inexperincia da nossa prpriapercepo a contentarmo-nos com pouco.No que diz respeito a essas frteis dificuldades, o caso que vou expor nada deixa a desejar. Osprimeiros anos do tratamento produziram escassas mudanas. Devido a uma concatenao afortunada,todas as circunstncias externas conjugaram-se, todavia, para tornar possvel proceder experinciateraputica. Acredito que em circunstncias menos favorveis o tratamento teria sido abandonadodepois de pouco tempo. Do ponto de vista mdico, posso apenas declarar que, num caso dessanatureza, devemos comportar-nos to atemporalmente quanto o prprio inconsciente, se desejamosaprender ou conseguir alguma coisa. E, ao final, o mdico ser bem-sucedido, se tiver fora pararenunciar a qualquer ambio teraputica de pouca viso. No se deve esperar que a soma depacincia, adaptabilidade, compreenso interna (insight) e confiana exigida do paciente e de seusparentes se apresente em muitos outros casos. O analista, contudo, tem o direito de achar que osresultados que obteve de to extenso trabalho, num caso, ajudem substancialmente a reduzir a duraodo tratamento em um caso subseqente, de igual gravidade, e que, ao submeter-se numa ocasio nica atemporalidade do inconsciente, ele estar perto de domin-lo no final.O paciente a que me refiro aqui permaneceu muito tempo inexpugnavelmente entrincheirado portrs de uma atitude de amvel apatia. Escutava, compreendia e permanecia inabordvel. Suaindiscutvel inteligncia estava, assim, separada das foras instintuais que governam seu comportamentonas poucas relaes vitais que lhe restavam. Exigiu uma longa educao induzi-lo a assumir umaparcela independente no trabalho; e quando, como resultado desse esforo, comeou pela primeira veza sentir alvio, desistiu imediatamente de trabalhar, com o objetivo de evitar quaisquer outras mudanase de permanecer confortavelmente na situao que fora assim estabelecida. Sua retrao diante de umaexistncia auto-suficiente era to grande que excedia todas as aflies da sua doena. S haveria ummeio de superar isso. Fui obrigado a esperar at que o seu afeioamento a mim se tornasse forte, osuficiente para contrabalanar essa retrao, e ento jogar um fator contra o outro. Determinei - mas noantes que houvesse indcios dignos de confiana que me levassem a julgar que chegara o momentocerto - que o tratamento seria concludo numa determinada data fixa, no importando o quanto houvesseprogredido. Eu estava resolvido a manter a data; e finalmente o paciente chegou concluso de que euestava falando srio. Sob a presso inexorvel desse limite fixado, sua resistncia e sua fixao na 8. doena cederam e ento, num perodo desproporcionalmente curto, a anlise produziu todo o materialque tornou possvel esclarecer as suas inibies e eliminar os seus sintomas. E tambm toda ainformao que me possibilitou compreender a sua neurose infantil nasceu dessa ltima etapa dotrabalho, durante a qual a resistncia desapareceu temporariamente e o paciente dava a impresso deuma lucidez que habitualmente s obtida atravs da hipnose. Desse modo, o curso deste tratamento ilustra uma mxima cuja verdade era h muito apreciadana tcnica da anlise. A extenso da estrada pela qual a anlise deve viajar com o paciente e aquantidade de material que deve ser dominado pelo caminho no tm importncia em comparao coma resistncia encontrada no decorrer do trabalho. S tm importncia na medida em que sonecessariamente proporcionais resistncia. A situao a mesma de um exrcito inimigo que precisa,hoje, de semanas e meses para abrir caminho atravs de uma regio que, em tempos de paz, seriaatravessada em poucas horas por um expresso e que, pouco tempo antes, fora transposta pelo exrcitodefensor em alguns dias. Uma terceira peculiaridade da anlise, que ser descrita nestas pginas, apenas aumentou aminha dificuldade em decidir fazer dela um relato. No todo, os seus resultados coincidiram, da maneiramais satisfatria, com o nosso conhecimento prvio, ou foram facilmente incorporados por ele. Muitosdetalhes, no entanto, pareceram-me to extraordinrios e incrveis, que senti alguma hesitao em pedira outras pessoas que acreditassem neles. Solicitei ao paciente que fizesse a mais rigorosa crtica dassuas recordaes, mas ele nada achou de improvvel em suas afirmaes e confirmou-as inteiramente.Em todo caso, os leitores podem ficar certos de que s estou relatando o que surgiu como experinciaindependente, no influenciada pela minha expectativa. De forma que nada mais me restou senorecordar a sbia sentena de que h mais coisas no cu e na terra do que sonha a nossa filosofia.Qualquer um que pudesse conseguir eliminar ainda mais completamente as suas convicespreexistentes, descobriria, sem dvida, ainda mais coisas como estas. II - AVALIAO GERAL DO AMBIENTE DO PACIENTE E DO HISTRICO DO CASO Sou incapaz de fornecer um relato puramente histrico ou puramente temtico da histria domeu paciente; no posso escrever um histrico nem do tratamento nem da doena, mas sinto-meobrigado a combinar os dois mtodos de apresentao. sabido que no se encontraram meios deintroduzir, de qualquer modo, na reproduo de uma anlise o sentimento de convico que resulta daprpria anlise. Exaustivos relatrios textuais dos procedimentos adotados durante as sesses noteriam certamente qualquer valia; e, de qualquer maneira, a tcnica do tratamento torna impossvelelabor-los. Assim, anlises como esta no so publicadas com a finalidade de produzir convico nasmentes daqueles cuja atitude tenha sido, at ento, de recusa e ceticismo. A inteno apenas a deapresentar alguns novos fatos a pesquisadores que j estejam convencidos por suas prprias 9. experincias clnicas.Comearei, ento, por fornecer um quadro do mundo da criana e por dizer tanto da histria dasua infncia quanto poderia ser sabido sem qualquer esforo; na verdade, no foi seno depois de vriosanos que a histria se tornou menos incompleta e obscura.Os pais haviam casado jovens e mantinham ainda uma feliz vida em comum, sobre a qual adoena em breve lanaria as primeiras sombras. A me comeou a sofrer de distrbios abdominais e opai teve seus primeiros ataques de depresso, que o levaram a ausentar-se de casa. Naturalmente, opaciente s chegou a perceber a enfermidade do pai muito mais tarde, mas tinha conscincia da fracasade da me desde a mais tenra infncia. Por conseguinte, ela tinha relativamente pouco a ver com ascrianas. Um dia, certamente antes de completar quatro anos, enquanto a me saa para ver o mdico eele caminhava ao seu lado, segurando sua mo, ouviu-a lamentar a sua condio. As palavras da mecausaram nele profunda impresso, e ele mais tarde aplicou-as a si mesmo (cf. pg. 85). No era filhonico; tinha uma irm, aproximadamente dois anos mais velha, vivaz, dotada, precocemente maliciosa,que iria desempenhar um importante papel em sua vida.Pelo que se podia lembrar, cuidava dele uma bab, uma velha sem instruo, de origemcamponesa, com uma incansvel afeio por ele. O menino era uma espcie de substituto de seuprprio filho, que morrera jovem. A famlia vivia numa granja e costumava passar o vero em outra.Ambas as propriedades eram mais ou menos prximas de uma cidade grande. Houve uma ruptura nasua infncia quando os pais venderam as granjas e mudaram-se para a cidade. Os parentes prximoscostumavam visit-los com freqncia, numa ou na outra granja - os irmos do pai, as irms da me comseus filhos, os avs maternos. Durante o vero os pais costumavam estar fora por algumas semanas.Numa lembrana encobridora ele viu-se a si prprio com a bab olhando a carruagem que se afastavacom o pai, a me e a irm, e depois voltando serenamente para dentro de casa. Devia ser muitopequeno na ocasio. No vero seguinte, sua irm tambm ficou em casa e foi contratada umagovernanta inglesa, que ficou responsvel pelas crianas.Anos mais tarde ele ouviu muitas histrias sobre a sua infncia. Ele prprio sabia uma poro,mas eram naturalmente desconexas no que respeita a data e assunto. Uma delas, que foi repetidamuitas e muitas vezes em sua presena, por ocasio da sua posterior enfermidade, apresenta-nos oproblema de cuja soluo nos ocuparemos. Nos primeiros anos, parece ter sido uma criana de muitoboa ndole, tratvel, at mesmo tranqila, de tal modo que costumavam dizer que ele que devia tersido a menina, e sua irm mais velha, o rapaz. Certa vez, porm, ao regressarem das frias de vero, ospais encontraram-no transformado. Tornara-se inquieto, irritvel e violento. Ofendia-se por qualquercoisa e depois tomava-se de raiva e berrava como um selvagem; de modo que, ao persistir esse estadode coisas, os pais expressaram as suas apreenses quanto possibilidade de envi-lo mais tarde parauma escola. Isso aconteceu durante o vero em que a governanta inglesa ficou com eles. Ocorria queesta era uma pessoa excntrica e irascvel e, alm do mais, viciada em bebida. A me do meninoinclinou-se, portanto, a atribuir a alterao no seu carter influncia dessa inglesa, presumindo que ela 10. o havia irritado profundamente com o tratamento que lhe dispensava. A perspicaz av, que passara overo com as crianas, era de opinio que a irritabilidade do menino fora provocada pelas discussesentre a inglesa e a bab. A inglesa havia chamado a bab de bruxa, repetidas vezes, obrigando-a a sairda sala; o menino tomara abertamente o partido da sua amada Nanya e demonstrara governanta oseu rancor. O que quer que tenha acontecido, a inglesa foi mandada embora pouco depois do regressodos pais, sem que tenha havido qualquer modificao conseqente no insuportvel comportamento domenino.O paciente preservara a sua lembrana desse perodo de desobedincia. Conforme recordava,fez a primeira das suas cenas num Natal, quando no lhe deram uma quantidade dupla de presentes - oque lhe era devido, porque seu aniversrio era no dia de Natal. No poupou nem mesmo a sua queridaNanya das suas malcriaes e irritabilidade; atormentou-a, talvez, ainda mais sem remorsos do que aqualquer outro. Mas a fase que trouxe consigo a sua mudana de carter estava inextrincavelmenteligada, na sua lembrana, com muitos outros fenmenos estranhos e patolgicos que ele no conseguiadispor em seqncia cronolgica. Ele misturava todos os incidentes que vou agora relatar (que nopoderiam ter sido contemporneos e que esto cheios de contradies internas), num nico e mesmoperodo de tempo, ao qual deu o nome de ainda na primeira granja. Achava que deviam ter sado dessagranja na poca em que tinha cinco anos de idade. Assim, recordava ele que havia sofrido um medo,que sua irm explorava com o propsito de atorment-lo. Havia um determinado livro de figuras no qualestava representado um lobo, de p, dando largas passadas. Sempre que punha os olhos nessa figuracomeava a gritar, como um louco, que tinha medo de que o lobo viesse e o comesse. A irm, noentanto, sempre dava um jeito de obrig-lo a ver a imagem, e deleitava-se com o seu terror. Entretanto,ele se amedrontava tambm com outros animais, grandes e pequenos. Certa vez estava correndo atrsde uma grande e bonita borboleta, com asas listradas de amarelo e acabando em ponta, na esperanade apanh-la. (Era sem dvida uma rabo-de-andorinha.) De repente, foi tomado de um terrvel medo dacriatura e, aos gritos, desistiu da caada. Tambm sentia medo e repugnncia dos besouros e daslagartas. Ainda assim, conseguia lembrar-se de que, nessa mesma poca, costumava atormentar osbesouros e cortar as lagartas em pedaos. Tambm os cavalos despertavam nele um estranhosentimento. Se algum batia num cavalo, ele comeava a gritar, e certa vez foi obrigado a sair de umcirco por causa disso. Em outras ocasies, ele prprio gostava de bater em cavalos. Se esses tiposcontraditrios de atitude em relao aos animais operaram, na verdade, simultaneamente ou no, seuma atitude substituiu a outra, mas se assim foi, quando e em que ordem - a todas essas perguntas suamemria no oferecia uma resposta decisiva. Tambm no sabia dizer se o seu perodo de rebeldia foisubstitudo por uma fase de doena ou se persistiu atravs desta. Mas, em todo caso, sua afirmaesque se seguem justificam a suposio de que, durante esses anos da sua infncia, passou por umataque de neurose obsessiva, facilmente reconhecvel. Relatou como, durante um longo perodo, ele foimuito devoto. Antes de dormir era obrigado a rezar muito tempo e a fazer, em uma srie interminvel, osinal-da-cruz. Tambm tarde costumava fazer uma ronda por todas as imagens sagradas penduradas 11. na sala, levando consigo uma cadeira sobre a qual subia para beijar piamente cada uma delas. O queera totalmente destoante desse cerimonial devoto - ou, por outro lado, talvez fosse bastante coerente - que se recordasse de certos pensamentos, determinadas blasfmias que lhe vinha cabea como umainspirao do diabo. Era obrigado a pensar Deus-suno ou Deus-merda. Certa vez, em viagem parauma estncia de repouso na Alemanha, foi atormentado pela obsesso de ter que pensar na SantssimaTrindade sempre que via trs montes de esterco de cavalo ou qualquer outro excremento na estrada.Nessa poca costumava executar outra cerimnia peculiar quando via pessoas das quais sentia pena,como mendigos, aleijados ou gente muito velha. Respirava soltando o ar ruidosamente, para que noficasse como eles; e, em determinadas circunstncias, tinha que inspirar vigorosamente. Presuminaturalmente que esses sintomas bvios de uma neurose obsessiva pertenciam a um perodo e estdiode desenvolvimento algo posterior aos sinais de ansiedade e fase de maltratar os animais.Os anos mais maduros do paciente foram marcados por uma relao bastante insatisfatria como pai, que, depois de repetidos ataques de depresso, no conseguia mais ocultar os aspectospatolgicos do seu carter. Nos primeiros anos da infncia do paciente essa relao havia sido muitoafetiva, e a recordao dela conservou-se em sua memria. O pai gostava muito do menino, gostava debrincar com ele. Este se sentia orgulhoso do pai, dizia sempre que gostaria de ser um cavalheiro comoele. A bab disse-lhe que a irm era a criana da sua me, mas ele era a do pai - e isso agradou-lhebastante. Nos ltimos anos da infncia, no entanto, houve um estranhamento entre ele e o pai. Estemostrava uma inequvoca preferncia pela irm, e por isso sentiu-se muito desprezado. Mais tarde, omedo ao pai tornou-se o fator dominante.Todos os fenmenos que o paciente associava com a fase da vida que comeou com a suadesobedincia, desapareceram por volta dos oito anos. No desapareceram de uma vez, eocasionalmente reapareciam; mas finalmente cederam, na opinio do paciente, diante da influncia dosmestres e tutores que tomaram o lugar das mulheres, que at ento haviam cuidado dele. Aqui, pois, emseu mais breve esboo, esto os enigmas para os quais a psicanlise teria de achar uma soluo. Qualfoi a origem da sbita mudana no carter do menino? Qual era o significado da sua fobia e das suasperversidades? Como chegou a uma devoo obsessiva? E como se inter-relacionavam todos essefenmenos? Lembrarei uma vez mais o fato de que o nosso trabalho teraputico dizia respeito a umadoena neurtica subseqente e recente, e s se poderiam esclarecer esses problemas anterioresquando o curso da anlise deixasse o presente por algum tempo e nos forasse a fazer um dtour peloperodo pr-histrico da infncia.III - A SEDUO E SUAS CONSEQNCIAS IMEDIATAS fcil compreender que a primeira suspeita recaiu sobre a governanta inglesa, pois a mudanano menino surgiu quando ela l estava. Duas lembranas encobridoras persistiram, ambasincompreensveis em si e relacionadas com a governanta. Em certa ocasio em que caminhava adiante 12. das crianas, disse: Olhem o meu rabinho! Outra vez, em que haviam sado para dar uma volta decarro, o chapu dela voou, para grande satisfao das duas crianas. Isso apontou para o complexo decastrao e permitiria uma construo segundo a qual uma ameaa proferida por ela contra o meninofora amplamente responsvel por originar a sua conduta anormal. No h qualquer perigo em comunicarconstrues dessa natureza pessoa que est sendo analisada; elas no prejudicam a anlise, mesmose so equivocadas; mas ao mesmo tempo, no so colocadas a no ser que haja alguma perspectivade alcanar uma aproximao da verdade por meio delas. O primeiro efeito dessa suposio foi oaparecimento de alguns sonhos, os quais no foi possvel interpretar completamente, mas que pareciamtodos concentrar-se ao redor do mesmo material. Pelo que se podia compreender deles, diziam respeitoa aes agressivas por parte do menino contra a sua irm ou contra a governanta, com enrgicasreprovaes e castigos por causa dessas aes. Era como se aps o banho dela ele tivessetentado despir a sua irm arrancar-lhe as roupas ou vus - e assim por diante. Mas no foipossvel obter um contedo firme da interpretao; e de vez que esses sonhos davam a impresso deoperar sempre sobre o mesmo material em diferentes formas, a leitura correta dessas reminiscnciasostensivas tornou-se segura: s podia ser uma questo de fantasias que o paciente havia elaboradosobre a sua infncia numa ou noutra poca, provavelmente na puberdade, e que agora vinham outra vez superfcie sobre forma irreconhecvel.A explicao veio de uma s vez, quando o paciente se lembrou, de repente, de que, quando eraainda muito pequeno, a irm o induzira a prticas sexuais. Primeiro veio a lembrana de que, nobanheiro, que as crianas freqentavam muitas vezes juntas, ela fez a seguinte proposta: Vamosmostrar os nossos traseiros, e passou das palavras ao. Subseqentemente veio luz a parte maisessencial da seduo, com todos os detalhes de tempo e lugar. Foi na primavera, numa poca em que opai estava fora de casa; as crianas estavam brincando num quarto do andar trreo, enquanto a metrabalhava numa sala ao lado. A irm havia-lhe pegado no pnis e brincava com ele, ao mesmo tempoem que lhe contava histrias incompreensveis sobre a bab, guisa de explicao. A bab, dizia ela,costumava fazer o mesmo com toda a espcie de gente - por exemplo, com o jardineiro: elamantinha-lhe a cabea em p e ento pegava-lhe nos genitais.A, ento, estava a explicao das fantasias cuja existncia j havamos adivinhado.Destinavam-se a apagar a lembrana de um evento que mais tarde pareceu ofensivo auto-estimamasculina do paciente, e atingiram o objetivo colocando uma inverso imaginria e desejvel em lugarda verdade histrica. De acordo com essas fantasias, no era ele que havia desempenhado um papelpassivo em relao irm, mas, pelo contrrio, fora agressivo, tentara v-la despida, fora rejeitado epunido, e iniciara, por essa razo, o comportamento colrico do qual a tradio familiar tanto falava. Eratambm apropriado incluir a governanta nessa composio imaginativa, j que a principalresponsabilidade pelos seus acessos de ira foi a ela atribuda pela me e pela av. Essas fantasias,portanto, correspondiam exatamente s lendas por meio das quais uma nao que se tornou grande eorgulhosa tenta esconder a insignificncia e o fracasso dos seus primrdios. 13. A governanta pode, com efeito, ter sido apenas uma participao muito remota na seduo e emsuas conseqncias. As cenas com a irm tiveram lugar no incio do mesmo ano em que, no auge dovero, a inglesa chegou para tomar o lugar dos pais ausentes. A hostilidade do menino para com agovernanta veio tona, entretanto, por outra via. Ao abusar da bab e maldiz-la como bruxa, ela estavaseguindo, aos seus olhos, os passos da irm, que lhe contara primeiro histrias to monstruosas sobre abab; e, desse modo, ela deu-lhe oportunidade de expressar abertamente contra ela prpria a aversoque, como ouviremos, ele havia desenvolvido contra a irm, como resultado da sua seduo.Mas essa seduo pela irm no foi certamente uma fantasia. Sua credibilidade aumentou comcerta informao que jamais foi esquecida e que datava de um perodo posterior da sua vida, quando jestava crescido. Um primo, que tinha pelo menos dez anos mais do que ele, contou-lhe, numa conversasobre a irm, que se lembrava muito bem o quo precoce e sensual a menininha fora: uma vez, quandoela tinha apenas quatro ou cinco anos, sentara-se no colo do primo e abrira-lhe as calas para pegar-lheno pnis.Neste ponto eu gostaria de interromper a histria da infncia do meu paciente e dizer algo sobreessa irm, sobre o seu crescimento e os fatos posteriores de sua vida, e sobre a influncia que tinhasobre ele. Ela era dois anos mais velha e esteve sempre sua frente em tudo. Quando criana eraintratvel e comportava-se como um menino, mas depois ingressou numa brilhante fase intelectual edistinguiu-se por suas agudas e realistas faculdades mentais; nos estudos inclinou-se para as cinciasnaturais, mas produziu tambm textos criativos tidos em alta conta pelo pai. Era mentalmente muitosuperior aos seus numerosos admiradores prematuros e costumava fazer piada s suas custas. Poucodepois dos vinte anos, no entanto, comeou a ficar deprimida, queixando-se de que no era bonita obastante, e afastou-se do convvio social. Realizou uma viagem na companhia de uma conhecida, umasenhora mais velha, e, ao regressar, contou uma srie de histrias bastante improvveis de como foramaltratada pela companheira, permanecendo, porm, com uma afeio obviamente fixada em suasuposta atormentadora. Pouco depois, ao fazer uma segunda viagem, envenenou-se e morreu bemlonge de casa. Seu distrbio deve provavelmente ser considerado como o incio de uma demnciaprecoce. Ela foi uma das provas da hereditariedade visivelmente neuroptica na famlia, mas de formaalguma a nica. Um tio, irmo de seu pai, morreu depois de longos anos de vida excntrica, com indciosque apontavam a presena de uma grave neurose obsessiva; alm disso, um bom nmero de parentescolaterais eram, e so, afligidos por distrbios nervosos menos srios.Independente do problema da seduo, o nosso paciente, quando criana, encontrou na irm umcompetidor inconveniente no bom conceito dos pais e sentiu-se bastante oprimido pela sua impiedosaostentao de superioridade. Mais tarde, invejava especialmente o respeito que o pai demonstrava pelacapacidade mental e realizaes intelectuais da irm, ao passo que ele, intelectualmente inibido comoestava desde a sua neurose obsessiva, tinha que contentar-se com uma estima em menor grau. A partirdos seus quatorze anos, as relaes entre irmo e irm comearam a melhorar; uma disposio mentalsemelhante e uma oposio comum aos pais aproximaram-nos tanto, que se tornaram os melhores 14. amigos. Durante a tempestuosa excitao sexual da sua puberdade, ele se arriscou a uma tentativa deaproximao fsica mais ntima. Ela repudiou-o com tanta deciso quanto sagacidade, e ele se voltouimediatamente para uma camponesinha que servia na casa e tinha o mesmo nome da irm. Ao faz-lo,estava dando um passo que teve uma influncia determinante na sua escolha de objeto heterossexual,pois todas as garotas pelas quais se apaixonou em seguida - muitas vezes com os mais claros indciosde compulso - eram tambm criadas, cuja educao e inteligncia estavam necessariamente muitoabaixo da sua. Se todos esses objetos de amor eram substitutos para a figura da irm a quem tinha querenunciar, ento no pode ser negado que uma inteno de rebaixar a irm e de pr fim suasuperioridade intelectual, que se mostrara para ele to opressiva, havia obtido o controle decisivo sobrea sua escolha de objeto.A conduta sexual humana, assim como tudo o mais, foi subordinada por Alfred Adler a foras demotivo dessa natureza, que se originam da vontade de poder, do instinto auto-afirmativo do indivduo.Sem negar a importncia desses motivos de poder e prerrogativa, jamais me convenci de quedesempenham o papel dominante e exclusivo que lhes foi atribudo. Se eu no tivesse seguido a anlisedo meu paciente at o fim, teria sido obrigado, por conta da minha observao desse caso, a corrigir aminha opinio preconcebida numa direo favorvel a Adler . A concluso da anlise trouxeinesperadamente novo material que, pelo contrrio, demonstrou que esses motivos de poder (nessecaso, a inteno de rebaixar) haviam determinado a escolha de objeto apenas no sentido de servir comouma causa contribuinte e como uma racionalizao, ao passo que a verdadeira determinao subjacentepossibilitou-me manter as minhas antigas convices.Quando chegou a notcia da morte da irm, conforme relatou o paciente, ele mal sentiu qualquersinal de dor. Teve que se esforar para mostrar sinais de tristeza, e pde rejubilar-se um tanto friamentepor haver-se tornado ento o nico herdeiro da propriedade. Quando isso ocorreu, j sofria h vriosanos da sua doena mais recente. Mas devo confessar que esse dado da informao introduziu, durantealgum tempo, alguma incerteza ao meu diagnstico do caso. Presumir-se-ia, sem dvida, que a sua dorquanto perda do mais amado membro da sua famlia encontraria uma inibio em sua expresso,como resultado da operao contnua do seu cime em relao a ela, somada presena do seu amorincestuoso, que ento se tornara inconsciente. Eu no podia, contudo, compreender que no tivessehavido algum substituto para as manifestaes de pesar que faltaram. O que foi, afinal, encontrado numaoutra expresso de sentimento que permanecera inexplicvel para o paciente. Alguns meses aps amorte da irm, ele prprio fez uma viagem s imediaes do lugar em que ela havia morrido. Aliprocurou o tmulo de um grande poeta, que na poca era o seu ideal, e derramou lgrimas amargassobre a sua tumba. Essa reao pareceu estranha a si mesmo, pois sabia que mais de duas geraesse haviam passado desde a morte do poeta que admirava. S entendeu quando se lembrou que o paitinha o hbito de comparar os trabalhos da irm morta com os do grande poeta. Deu-me outra indicaoda forma correta de interpretar a homenagem que prestara ostensivamente ao poeta, por um erro na suahistria, que consegui detectar nesse ponto. Antes, ele especificara repetidamente que a irm havia-se 15. matado com um tiro; mas foi ento obrigado a fazer uma correo e dizer que ela tomara veneno. Opoeta, no entanto, fora morto a tiros num duelo.Volto agora histria do irmo, mas deste ponto em diante devo prosseguir um pouco sobre aslinhas temticas. A idade do menino na poca em que a sua irm iniciou a seduo era de trs anos etrs meses. Aconteceu, como j foi mencionado, na primavera do mesmo ano em cujo vero chegou agovernanta inglesa, e em cujo outono os pais, ao regressarem, encontraram-no to fundamentalmentealterado. muito natural, ento, relacionar essa transformao com o despertar da sua atividade sexualque havia entrementes ocorrido.Como reagiu o menino s tentaes de sua irm mais velha? Por uma recusa, a resposta, maspor uma recusa que se aplicava pessoa, e no coisa em si. A irm no lhe agradava como objetosexual, provavelmente porque seu relacionamento com ela j fora determinado numa direo hostil,devido rivalidade no amor dos pais. Ele manteve-se distante da irm e, alm disso, as solicitaesdesta logo cessaram. Contudo, ele tentou ganhar, em vez dela, outra pessoa de quem gostava; e ainformao que sua prpria irm lhe dera, na qual proclamara a sua Nanya como modelo, dirigiu suaescolha nessa direo. Comeou, portanto, a brincar com o pnis na presena da bab, e isso, comomuitos outros exemplos nos quais as crianas no escondem a sua masturbao, deve ser consideradocomo uma tentativa de seduo. A bab desiludiu-o; fez uma cara sria e explicou que aquilo no erabom; as crianas que o faziam, acrescentou, ficavam com uma ferida no lugar.O efeito dessa informao, que equivalia a uma ameaa, pode ser reconhecido em vriasdirees. Em conseqncia dela, diminuiu a sua dependncia da bab. Pode muito bem ter-se zangadocom ela; e mais tarde, quando se manifestaram os seus acessos de ira, tornou-se claro que realmenteestava amargurado com ela. Mas era caracterstico dele que cada posio da libido, que era obrigado aabandonar, era, a princpio, obstinadamente defendida por ele contra o novo desenvolvimento. Quando agovernanta entrou em cena e abusou da sua Nanya, expulsando-a da sala e tentando destruir umaautoridade, ele, pelo contrrio, exagerou o seu amor pela vtima desses ataques e assumiu uma atitudebrusca e desafiadora em relao agressiva governanta. No obstante, comeou em segredo a procuraroutro objeto sexual. Sua seduo dera-lhe o desgnio sexual passivo de ser tocado nos genitais;saberemos agora em relao a quem foi que ele tentou satisfazer esse desgnio e que caminhos olevaram a essa escolha.Concorda inteiramente com as nossas previses o fato de sabermos que, aps as suasprimeiras excitaes genitais, iniciou-se a sua busca sexual, e que logo chegou ao problema dacastrao. Nessa poca conseguiu observar duas meninas - a irm e uma amiga dela - enquantourinavam. Sua sagacidade pode muito bem ter-lhe permitido deduzir os verdadeiros fatos desseespetculo, mas comportou-se como sabemos que se comportam outras crianas do sexo masculinonessas circunstncias. Rejeitou a idia de que via diante dele uma confirmao da ferida com a qual abab o ameaara e explicou a si mesmo que aquilo era o traseiro frontal das meninas. O tema dacastrao no se estabeleceu por essa deciso; encontrou novas aluses a ele em tudo o que ouvia. 16. Certa vez em que as crianas ganharam uns confeitos coloridos em forma de basto, a governanta, queera propensa a fantasias desordenadas, disse que eram pedaos de cobra cortada. Ele lembrou-se,depois, de que o pai encontrara uma vez uma cobra, ao caminhar por uma picada, e a fizera em pedaoscom uma vara. Ouviu a histria (tirada de Reynard the Fox), lida em voz alta, de como o lobo queriapescar no inverno e usou a cauda como isca, e como, dessa maneira, o rabo do lobo se congelou epartiu. Aprendeu os diferentes nomes pelos quais se distinguem os cavalos, conforme estejam ou nointactos os seus rgos sexuais. Assim, ocupava-se com pensamentos sobre a castrao, mas aindano acreditava nela, nem a temia. Outros problemas sexuais surgiram para ele nos contos de fadas comque se havia familiarizado nessa poca. No Chapeuzinho Vermelho e em Os Sete Cabritinhos, ascrianas eram tiradas do corpo do lobo. Seria o lobo uma criatura feminina, ento, ou poderiam oshomens ter tambm crianas dentro do corpo? Nessa poca, a questo no se colocara ainda. Mais queisso, na poca dessas perguntas ele no tinha ainda medo de lobos. Uma das informaes do paciente tornar mais fcil para ns compreender a alterao do seucarter, a qual apareceu durante a ausncia dos pais como uma conseqncia um tanto indireta da suaseduo. Ele disse que abandonou a masturbao pouco depois da recusa e ameaa da sua Nanya.Sua vida sexual, portanto, que estava comeando a surgir sob a influncia da zona genital, cedeu anteum obstculo externo e foi, por influncia deste, lanada de volta a uma fase anterior de organizaopr-genital. Como resultado da supresso da masturbao, a vida sexual do menino assumiu um carteranal-sdico. Tornou-se um menino irritvel, um atormentador, e gratificava-se dessa forma s custas deanimais e seres humanos. O principal objeto era a sua amada Nanya, e ele sabia como atorment-la atque ela rompesse em lgrimas. Desse modo vingava-se nela pela recusa que encontrara e, ao mesmotempo, gratificava a sua lascvia sexual na forma que correspondia sua presente fase regressiva.Comeou a mostrar-se cruel com os pequenos animais, apanhando moscas e arrancando-lhes as asas,esmagando besouros com os ps; em sua imaginao, gostava tambm de bater em animais maiores(cavalos). Todos esses, ento, eram procedimentos ativos e sdicos; discutiremos os seus impulsosanais desse perodo numa ligao posterior. fato da maior importncia que algumas fantasias contemporneas de natureza bem diferentetenham brotado tambm da memria do paciente. O contedo dessas fantasias era o de meninos sendocastigados e surrados e, especialmente, levando pancadas no pnis. E, de outras fantasias, querepresentavam o herdeiro do trono sendo encerrado num quarto estreito e surrado, era fcil adivinharpara quem era que as figuras annimas serviam de bode expiatrio. O herdeiro do trono eraevidentemente ele prprio; seu sadismo havia-se convertido, portanto, em fantasia contra si mesmo etransformara-se em masoquismo. O detalhe do prprio rgo sexual recebendo as pancadas justificavaa concluso de que um sentimento de culpa, que se relacionava com a sua masturbao, estava jenvolvido nessa transformao. A anlise no deixou dvidas de que essas tendncias passivas haviam aparecido ao mesmotempo em que surgiam as sdico-ativas, ou muito pouco tempo aps estas. Isso estava de acordo com a 17. extremamente clara, intensa e constante ambivalncia do paciente, que era mostrada aqui, pela primeiravez, no desenvolvimento uniforme de ambos os membros dos pares de instintos componentescontrrios. Tal comportamento era tambm caracterstico da sua vida posterior, como tambm o era esteoutro trao: nenhuma posio da libido que fora antes estabelecida, era, jamais, completamentesubstituda por uma posterior. Era antes deixada em coexistncia com todas as outras e isso permitia-lhemanter uma vacilao incessante, que se mostrou incompatvel com a aquisio de um carter estvel.As tendncias masoquistas do menino conduzem a outro problema, que at agora eviteimencionar, porque s pode ser confirmado mediante a anlise da fase subseqente do seudesenvolvimento. J mencionei que, aps haver sido rejeitado pela bab, a sua expectativa libidinalafastou-se dela e comeou a contemplar outra pessoa como objeto sexual. Essa pessoa era o pai, nessapoca longe de casa. Foi sem dvida levado a essa escolha por uma srie de fatores convergentes,inclusive alguns to fortuitos como a recordao da cobra sendo cortada em pedaos; ademais de tudo,porm, permitia-se, desse modo, renovar a sua primeira e mais primitiva escolha objetal, que, emconformidade com o narcisismo de uma criana, havia ocorrido ao longo do caminho da identificao. Jsabemos que o pai fora o seu modelo admirado, e que, quando lhe perguntavam o que queria ser,costumava responder: um cavalheiro como o papai. Esse objeto de identificao da sua corrente ativatornou-se o objeto sexual de uma corrente passiva na sua fase sdico-anal. Era como se a sua seduopela irm o houvesse forado a um papel passivo, dando-lhe um objetivo sexual passivo. Sob apersistente influncia dessa experincia, seguiu um caminho da irm, via bab, para o pai - de umaatitude passiva em relao s mulheres para a mesma atitude em relao aos homens -, e encontrou,todavia, por esse meio, uma ligao com uma fase mais prematura e espontnea do seudesenvolvimento. O pai era agora uma vez mais o seu objeto; em conformidade com o seu estdio maisalto de desenvolvimento, a identificao foi substituda pela escolha objetal; ao passo que atransformao da atitude ativa em passiva era a conseqncia e o registro da seduo que entretantoocorrera. Naturalmente no teria sido to fcil alcanar, na fase sdica, uma atitude ativa em relao aoseu todo-poderoso pai. Quando este voltou para casa no fim do vero ou no outono, os acessos de raivae as cenas de fria do paciente encontraram um novo uso. Haviam servido para fins sdico-ativos emrelao bab; em relao ao pai, o propsito era masoquista. Levando avante a sua rebeldia, estavatentando forar castigos e espancamentos por parte do pai, e dessa forma obter dele a satisfao sexualmasoquista que desejava. Os seus ataques e gritos eram, portanto, simples tentativas de seduo.Ademais, de acordo com os motivos subjacentes ao masoquismo, esse espancamento satisfaria tambmo seu sentimento de culpa. Havia preservado a lembrana de como, durante uma dessas cenas de raiva,redobrara os gritos no momento em que o pai foi em sua direo. O pai no lhe bateu, no entanto, mastentou pacific-lo brincando na frente dele com os travesseiros da sua cama.No sei com que freqncia os pais e educadores, defrontando-se com mau comportamentoinexplicvel por parte de uma criana, possam no ter ocasio de conservar na lembrana esse tpicoestado de coisas. Uma criana que se comporta de forma indcil est fazendo uma confisso e tentando 18. provocar um castigo. Espera por uma surra como um meio de simultaneamente pacificar seu sentimentode culpa e de satisfazer sua tendncia sexual masoquista.Devemos a explicao adicional do caso a uma recordao que emergiu distintamente. Os sinaisde uma alterao no carter do paciente no foram acompanhados por quaisquer sintomas deansiedade at depois da ocorrncia de um determinado evento. Anteriormente, parece, no haviaansiedade, ao passo que, imediatamente aps o evento, a ansiedade expressou-se da forma maisatormentadora. A data dessa transformao pode ser fixada com preciso; foi imediatamente antes doseu quarto aniversrio. Tomando o fato como um ponto fixo, podemos dividir o perodo da sua infncia,com o qual estamos lidando, em duas fases: uma primeira fase de mau comportamento e perversidade,desde a sua seduo, aos trs anos e trs meses, at o seu quarto aniversrio; e uma fasesubseqente, mais longa, na qual predominaram os sinais de neurose. O evento que torna possvel essadiviso no foi, contudo, um trauma externo, e sim um sonho, do qual acordou em estado de ansiedade.IV - O SONHO E A CENA PRIMRIAJ publiquei alhures este sonho, por causa da quantidade de material que nele ocorre derivadode contos de fadas; e comearei repetindo o que escrevi naquela ocasio:Sonhei que era noite e que eu estava deitado na cama. (Meu leito tem o p da cama voltadopara a janela: em frente da janela havia uma fileira de velhas nogueiras. Sei que era inverno quando tiveo sonho, e de noite.) De repente, a janela abriu-se sozinha e fiquei aterrorizado ao ver que alguns lobosbrancos estavam sentados na grande nogueira em frente da janela. Havia seis ou sete deles. Os loboseram muito brancos e pareciam-se mais com raposas ou ces pastores, pois tinham caudas grandes,como as raposas, e orelhas empinadas, como ces quando prestam ateno a algo. Com grande terror,evidentemente de ser comido pelos lobos, gritei e acordei. Minha bab correu at minha cama, para vero que me havia acontecido. Levou muito tempo at que me convencesse de que fora apenas um sonho;tivera uma imagem to clara e vvida da janela a abrir-se e dos lobos sentados na rvore. Por fimacalmei-me, senti-me como se houvesse escapado de algum perigo e voltei a dormir.A nica ao no sonho foi a abertura da janela, pois os lobos estavam sentados muito quietos esem fazer nenhum movimento sobre os ramos da rvore, direta e esquerda do tronco, e olhavampara mim. Era como se tivessem fixado toda a ateno sobre mim. - Acho que foi meu primeiro sonho deansiedade. Tinha trs, quatro, ou, no mximo, cinco anos de idade na ocasio. Desde ento, at contaronze ou doze anos, sempre tive medo de ver algo terrvel em meus sonhos.Ele acrescentou um desenho da rvore com os lobos, que confirmava sua descrio (Fig. 1). Aanlise do sonho trouxe luz o seguinte material.Sempre vinculara este sonho recordao de que, durante esses anos de infncia, tinha ummedo tremendo da figura de um lobo num livro de contos de fadas. Sua irm mais velha, que lhe erasuperior, costumava apoquent-lo segurando esta figura especfica na sua frente, sob qualquer pretexto, 19. para que ele ficasse aterrorizado e comeasse a gritar. Na figura, olobo achava-se ereto, dando um passo com uma das patas, com as garras estendidas e asorelhas empinadas. Achava que a figura deveria ter sido uma ilustrao da histria do ChapeuzinhoVermelho.Por que os lobos eram brancos? Isto f-lo pensar nas ovelhas, grandes rebanhos das quaiseram mantidos nas vizinhanas da propriedade. O pai ocasionalmente o levava a visitar esses rebanhose, todas as vezes que isso acontecia, ele se sentia muito orgulhoso e feliz. Posteriormente - segundoindagaes feitas, pode facilmente ter sido pouco antes da poca do sonho - irrompeu uma epidemiaentre as ovelhas. O pai mandou buscar um seguidor de Pasteur, que vacinou os animais, mas aps ainoculao morreram ainda mais delas que antes.Como os lobos apareceram na rvore? Isto f-lo lembrar-se de uma histria que ouvira o avcontar. No podia recordar-se se fora antes ou depois do sonho, mas seu assunto constitui argumentodecisivo em favor da primeira opinio. A histria dizia assim: um alfaiate estava sentado trabalhando emseu quarto, quando a janela se abriu e um lobo pulou para dentro. O alfaiate perseguiu-o com seu basto- no (corrigiu-se), apanhou-o pela cauda e arrancou-a fora, de modo que o lobo fugiu correndo,aterrorizado. Algum tempo mais tarde, o alfaiate foi at a floresta e subitamente viu uma alcatia delobos vindo em sua direo; ento trepou numa rvore para fugir-lhes. A princpio, os lobos ficaramperplexos; mas o aleijado, que se achava entre eles e queria vingar-se do alfaiate, props que trepassemuns sobre os outros, at que o ltimo pudesse apanh-lo. Ele prprio - tratava-se de um animal velho evigoroso - ficaria na base da pirmide. Os lobos fizeram como ele sugerira, mas o alfaiate reconhecera ovisitante a que havia castigado e de repente gritou, como fizera antes: Apanhem o cinzento pela cauda!O lobo sem rabo, aterrorizado pela recordao, correu, e todos os outros desmoronaram.Nesta histria aparece a rvore sobre a qual os lobos se achavam sentados no sonho; mas elacontm tambm uma aluso inequvoca ao complexo de castrao. O lobo velho tivera a caudaarrancada pelo alfaiate. As caudas de raposa dos lobos do sonho eram provavelmente compensaespor esta falta de cauda.Por que havia seis ou sete lobos? No parecia haver resposta para esta pergunta, at eulevantar uma dvida sobre saber se a figura que o assustava estava vinculada histria deChapeuzinho Vermelho. Este conto de fadas s oferece oportunidade para duas ilustraes -Chapeuzinho Vermelho encontrando-se com o lobo na floresta e a cena em que o lobo se deita na cama,com o barrete de dormir da av. Teria de haver, portanto, algum outro conto de fadas por trs de sua 20. recordao da figura. Ele logo descobriu que s podia ser a histria de O Lobo e os Sete Cabritinhos.Nesta, ocorre o nmero sete, e tambm o nmero seis, pois o lobo s comeu seis dos cabritinhos,enquanto que o stimo se escondeu na caixa do relgio. O branco tambm nela aparece, pois o lobofizera branquear sua pata no padeiro, aps os cabritinhos haverem-no reconhecido, em sua primeiravisita, pela pata cinzenta. Alm disso, os dois contos de fadas possuem muito em comum. Em ambosexiste o comer, a abertura da barriga, a retirada das pessoas que haviam sido comidas e suasubstituio por pesadas pedras, e, finalmente, em ambas o lobo mau perece. Alm disso tudo, nahistria dos cabritinhos aparece a rvore. O lobo deitou-se sob uma rvore, aps a refeio, e roncou.Por uma razo especial, terei de tratar deste sonho novamente alhures, interpret-lo e julgar suasignificao com maiores pormenores; pois ele o mais antigo sonho de ansiedade que o jovem quesonhou recordou de sua infncia, e seu contedo, tomado juntamente com outros sonhos que oseguiram pouco aps e com certos acontecimentos de seus primeiros anos de vida, de interesse muitoespecial. Temos de limitar-nos aqui relao do sonho com os dois contos de fadas que tm tanto emcomum um com o outro. Chapeuzinho Vermelho e O Lobo e os Sete Cabritinhos. O efeito produzidopor estas histrias foi demonstrado no pequeno que as sonhou mediante uma fobia animal comum. Estafobia s se distinguia de outros casos semelhantes pelo fato de o animal causador da ansiedade no serum objeto facilmente acessvel observao (tal como um cavalo ou um co), mas conhecido delesomente de histrias e livros de figuras.Examinarei em outra ocasio a explicao destas fobias animais e a significao que se lhesatribui. Observarei apenas, por antecipao, que essa explicao acha-se em completa harmonia com acaracterstica principal apresentada pela neurose de que o atual sonhador padeceu mais tarde na vida.Seu medo do pai era o motivo mais forte para ele cair doente e sua atitude ambivalente em relao atodo representante paterno foi o aspecto dominante de sua vida, assim como de seu comportamentodurante o tratamento.Se, no caso de meu paciente, o lobo foi simplesmente um primeiro representante paterno, surgea questo de saber se o contedo oculto nos contos de fadas do lobo que comeu os cabritinhos e deChapeuzinho Vermelho no pode ser simplesmente um medo infantil do pai. Alm disso, o pai de meupaciente tinha a caracterstica, apresentada por tantas pessoas em relao aos filhos, de permitir-seameaas afetuosas; e possvel que, durante os primeiros anos do paciente, o pai (embora setornasse severo mais tarde) pudesse, mais de uma vez enquanto acariciava o menininho ou com elebrincava, t-lo ameaando por brincadeira de engoli-lo. Uma de minhas pacientes contou-me que seusdois filhos nunca puderam chegar a gostar do av, porque, no decurso de seus ruidosos e afetuososbrinquedos, com eles, costumava assust-los dizendo que lhes cortaria as barrigas.Deixando de lado, nessa citao, tudo o que antecipa as implicaes mais remotas do sonho,voltemos sua interpretao imediata. Poderia dizer que essa interpretao foi uma tarefa que searrastou por vrios anos. O paciente relatou o sonho numa etapa muito prematura da anlise e em brevecompartilhava a minha convico de que as causas da sua neurose infantil ocultavam-se por trs dele. 21. No decorrer do tratamento voltamos com freqncia ao sonho, mas foi somente durante os ltimosmeses da anlise que se tornou possvel compreend-lo completamente, e mesmo assim graas a umtrabalho espontneo por parte do paciente. Ele enfatizara sempre o fato de que dois fatores no sonhohaviam-lhe causado a maior impresso: primeiro, a perfeita quietude e imobilidade dos lobos e, segundo,a ateno com que todos olhavam para ele. A sensao duradoura de realidade que o sonho deixouaps o despertar, parecia-lhe tambm um fator digno de nota.Tomemos essa ltima observao como ponto de partida. Sabemos por nossa experincia nainterpretao de sonhos que essa sensao de realidade traz consigo um significado particular. Issocertifica-nos que determinada parte do material latente do sonho reivindica, na memria do sonhador,possuir a qualidade de realidade, isto , que o sonho relaciona-se com uma ocorrncia que realmenteteve lugar e no foi simplesmente imaginada. Pode naturalmente ser apenas uma questo da realidadede algo desconhecido; por exemplo, a convico de que o av realmente lhe contou a histria do alfaiatee do lobo, ou de que as histrias do Chapeuzinho Vermelho e dos Sete Cabritinhos foram realmentelidas em voz alta para ele, no seria de uma natureza a ser substituda por essa sensao de realidadeque sobreviveu ao sonho. O sonho parece apontar para uma ocorrncia cuja realidade foi intensamenteenfatizada como estando em marcado contraste com a irrealidade dos contos de fadas.Se se devia presumir que por trs do contedo do sonho havia alguma cena desconhecida - ouseja, uma cena que j fora esquecida na poca do sonho -, esta ento deveria ter ocorrido muitoprematuramente. Lembremo-nos de que o paciente disse: Tinha trs, quatro, ou, no mximo, cinco anosde idade na ocasio em que tive o sonho. E podemos acrescentar: E o sonho fez-me lembrar de algoque deve ter pertencido a um perodo ainda mais remoto.As partes do contedo manifesto do sonho que foram destacadas pelo paciente, os fatores doolhar atento dos lobos e da sua imobilidade, devem conduzir ao contedo dessa cena. Devemosnaturalmente esperar descobrir que esse material reproduz o material desconhecido da cena de algummodo deformado, talvez mesmo deformado para o seu oposto.Havia tambm diversas concluses a serem extradas da matria-prima que fora produzida pelaprimeira anlise do sonho, feita pelo paciente, e estas teriam que se ajustar colocao que estvamosbuscando. Por trs da meno criao de ovelhas, seria de esperar uma evidncia da sua buscasexual, o interesse que ele estava apto a gratificar durante as visitas ao rebanho com o pai; mas deve terhavido tambm aluses a um medo da morte, de vez que a maioria das ovelhas morrera da epidemia. Ofator mais importuno no sonho, os lobos em cima da rvore, levou diretamente histria do av; e o queera mais fascinante nessa histria e capaz de provocar o sonho no podia ter sido outra coisa seno suarelao com o tema da castrao.Conclumos tambm, da primeira anlise incompleta do sonho, que o lobo pode ter sido umsubstituto do pai; de tal modo que, nesse caso, esse primeiro sonho de ansiedade teria trazido tona otemor ao pai, que a partir dessa poca iria dominar a sua vida. Essa concluso, na verdade, no era, emsi, ainda consistente. Mas se lhe juntamos, como resultado da anlise provisria, o que pode ser 22. deduzido do material produzido pelo sonhador, encontramos ento diante de ns, para reconstruo,fragmentos como estes:Uma ocorrncia real - datando de um perodo muito prematuro - olhar - imobilidade - problemassexuais - castrao - o pai - algo terrvel.Certo dia o paciente prosseguiu na interpretao do sonho. Achava que a parte do sonho ondede repente, a janela abriu-se sozinha no estava completamente explicada pela sua relao com ajanela em frente qual o alfaiate estava sentado e atravs da qual o lobo penetrou na sala. Devesignificar: Meus olhos abriram-se de repente. Eu estava dormindo, portanto, e subitamente acordei, eno momento em que o fiz, vi algo: a rvore com os lobos. Nenhuma objeo poderia ser feita a isso;mas o problema poderia ser ainda mais desenvolvido. Ele acordara e vira alguma coisa. O olhar atento,que no sonho fora atribudo aos lobos, deveria, antes, ser atribudo a ele. Num ponto decisivo, portanto,havia ocorrido uma transposio; e, ademais, isso indicado por uma outra transposio no contedomanifesto do sonho. Pois o fato de que os lobos estavam sentados na rvore era tambm umatransposio, por quanto na histria contada pelo av eles estavam embaixo e no conseguiram subir narvore.O que seria, ento, se o outro fator enfatizado pelo paciente era tambm distorcido por meio deuma transposio ou inverso? Nesse caso, em vez de imobilidade (os lobos no tinham movimento;olhavam para ele, mas no se mexiam) o significado teria de ser: o mais violento movimento. Ou seja,ele acordou de repente e viu sua frente uma cena de movimento violento, para a qual olhou tensa eatentamente. No primeiro caso a distoro consistiria num intercmbio de sujeito e objeto, de atividade epassividade: ser olhado em vez de olhar. No outro caso consistiria em transformao no oposto;imobilidade em lugar de movimento.Numa outra ocasio, uma associao que lhe ocorreu subitamente levou-nos um passo adianteem nossa compreenso do sonho: A rvore era uma rvore de Natal. Sabia agora que tivera o sonhopouco antes do Natal e na expectativa desse acontecimento. Uma vez que o dia de Natal era tambm odo seu aniversrio, tornou-se ento possvel estabelecer com certeza a data do sonho e da mudananele, que procedia do sonho. Foi imediatamente antes do seu quarto aniversrio. Fora para a cama,ento, numa expectativa tensa do dia que lhe deveria trazer uma dupla quantidade de presentes.Sabemos que, em tais circunstncias, uma criana pode facilmente antecipar a realizao dos seusdesejos. Assim, j era Natal em seu sonho; o contedo do sonho mostrava-lhe o seu presente de Natal,os presentes que seriam seus pendurados na rvore. Mas em vez de presentes, estes haviam-setransformado em lobos, e o sonho finalizava com ele sendo dominado pelo medo de ser comido pelolobo (provavelmente seu pai) e fugindo para refugiar-se nos braos da bab. O que sabemos do seudesenvolvimento sexual antes do sonho torna possvel preencher as lacunas no mesmo e explicar atransformao da sua satisfao em ansiedade. Dos desejos envolvidos na formao do sonho, o maispoderoso deve ter sido o desejo de satisfao sexual, que ele, naquela poca, aspirava obter do pai. Afora desse desejo tornou possvel reviver um vestgio, h muito esquecido na sua memria, de uma 23. cena capaz de mostrar-lhe como era a satisfao sexual obtida do pai; e o resultado foi o terror, o horrorda realizao do desejo, a represso do impulso que se havia manifestado mediante o desejo e,conseqentemente, uma fuga do pai para a bab, menos perigosa.A importncia dessa data, do dia do Natal, havia sido preservada em sua suposta recordao dehaver tido seu primeiro acesso de raiva por estar descontente com os presentes de Natal [ver em [1]]. Alembrana combinava elementos de verdade e de falsidade. No podia ser inteiramente correta, j que,de acordo com repetidas declaraes dos seus pais, o mau comportamento do menino havia comeadoquando eles voltaram, no outono, e no era verdade que s tivessem chegado no Natal. Ele, no entanto,preservara a ligao essencial entre o seu amor insatisfeito, a sua raiva e o Natal.Mas, que quadro as aes noturnas do seu desejo sexual podem ter conjurado paraamedront-lo to violentamente quanto realizao a que aspirava? O material da anlise mostra haveruma condio que esse quadro deve satisfazer. Deve ter sido calculado para criar uma convico darealidade da existncia da castrao. O medo da castrao podia ento tornar-se a fora motivadorapara a transformao do afeto.Atingi agora o ponto em que devo abandonar o apoio que tive at aqui a partir do curso daanlise. Receio que seja tambm o ponto no qual a credulidade do leitor ir me abandonar.O que entrou em atividade naquela noite, vindo do caos dos traos de memria inconscientes dosonhador, foi o quadro de uma cpula entre os pais, cpula em circunstncias que no eraminteiramente habituais e que favoreciam particularmente a observao. Aos poucos, tornou-se possvelencontrar respostas satisfatrias para todas as questes levantadas em relao a essa cena; pois nodecorrer do tratamento o primeiro sonho retornou em inmeras variaes e novas edies, em relaocom as quais a anlise produziu a informao que era exigida. Assim, em primeiro lugar, a idade dacriana data da observao foi estabelecida aproximadamente em um ano e meio. Na poca estavasofrendo de malria e tinha um ataque todos os dias a uma determinada hora. A partir dos dez anos deidade esteve sujeito, de vez em quando, a crises de depresso, que costumavam sobrevir tarde eatingiram o seu ponto culminante por volta das cinco horas. Esse sintoma ainda existia na poca dotratamento psicanaltico. As freqentes crises de depresso tomaram o lugar dos anteriores ataques defebre ou abatimento; cinco horas ou era a hora da febre mais alta, ou da observao do coito, a no serque as duas horas tivessem coincidido. provvel que justamente por causa dessa doena eleestivesse no quarto dos pais. A doena, cuja ocorrncia tambm corroborada pela tradio direta,torna razovel referir o evento ao vero e, de vez que o menino nascera no dia de Natal, presumir quesua idade fosse n + 1 anos. Ele estava ento dormindo no seu bero, no quarto dos pais, e acordou,talvez por causa da febre que subia, tarde, possivelmente s cinco horas, a hora que depois seriamarcada pela depresso. Isso est de acordo com nossa suposio de que era um dia quente de vero,se presumimos que os pais se haviam recolhido, meio despidos, para uma sesta. Quando o meninoacordou, presenciou um coito a tergo [por trs], repetido trs vezes, podia ver os genitais da me, bemcomo o rgo do pai; e compreendeu o processo, assim como o seu significado. Por fim interrompeu a 24. relao sexual dos pais de uma maneira que ser exposta adiante [ver em [1]].No fundo, no h nada extraordinrio, nada que d a impresso de ser o produto de umaimaginao extravagante, no fato de um jovem casal, casado h poucos anos, terminar uma sesta deuma tarde quente de vero com uma cena de amor, sem considerar a presena do filhinho de um ano emeio, dormindo no seu bero. Pelo contrrio, acho que tal fato seria uma coisa inteiramente comum ebanal; e mesmo a posio na qual deduzimos que o coito ocorreu, em nada altera este julgamento -particularmente porque no h evidncia de que a relao tenha sido efetuada por trs todas as vezes.Uma nica vez seria suficiente para dar ao espectador oportunidade para fazer observaes que teriamsido difceis ou impossveis por meio de qualquer outra atitude dos parceiros. Portanto, o contedo dacena no pode ser, por si, um argumento contra a sua credibilidade. As dvidas quanto suaprobabilidade podero girar em torno de trs pontos: se uma criana na tenra idade de um ano e meiopoderia estar numa posio de absorver a percepo de um processo to complicado e preserv-la toacuradamente em seu inconsciente; em segundo lugar, se possvel, aos quatro anos de idade, queuma reviso transferida das impresses assim recebidas penetre no entendimento; e, finalmente, sequalquer procedimento poderia trazer para a conscincia, coerente e convincentemente, os detalhes deuma cena dessa natureza, experimentada e compreendida em tais circunstncias.Examinarei, depois, cuidadosamente, essas e outras dvidas; mas posso assegurar ao leitorque, criticamente, no estou menos inclinado do que ele no sentido de aceitar essa observao domenino, e pedirei apenas ao leitor que, junto comigo, adote uma convico provisria da realidade dacena. Procederemos, em primeiro lugar, a um estudo das relaes entre essa cena primria e o sonhodo paciente, seus sintomas e a histria da sua vida; e investigaremos separadamente os efeitos que seseguiram, do contedo essencial da cena e de uma das suas impresses visuais.Por estas ltimas quero dizer as posturas que ele viu os pais adotarem - o homem ereto e amulher curvada, como um animal. J sabemos que durante seu perodo de ansiedade, a irm costumavaaterroriz-lo com uma figura de um livro de contos infantis, na qual o lobo era mostrado em posiovertical, com os ps em posio de movimento, as garras a descoberto e as orelhas em p. Durante otratamento, ele se dedicou com perseverana incansvel tarefa de vasculhar os sebos at encontrar olivro ilustrado da sua infncia, reconhecendo o seu mau esprito numa ilustrao da histria de O Lobo eos Sete Cabritinhos. Achou que a postura do lobo nessa gravura poderia ter-lhe recordado a do paidurante a cena primria. Em todo caso, a ilustrao tornou-se o ponto de partida para manifestaesposteriores da ansiedade. Certa vez, quando tinha sete ou oito anos, foi informado de que no diaseguinte chegaria um novo tutor para ele. Nessa noite, sonhou com o tutor na forma de um leo quevinha em direo sua cama, rugindo ruidosamente e com a postura do lobo na gravura; e o outra vezacordou em estado de ansiedade. A fobia ao lobo fora superada nessa poca, de modo que estava livrepara escolher um novo animal que causasse ansiedade e, nesse ltimo sonho, estava reconhecendo otutor como um substituto do pai. Nos ltimos anos de sua infncia, todos os seus tutores e mestresdesempenharam o papel do pai, dotados com a influncia do pai tanto para o bem como para o mal. 25. Quando estava na escola secundria, o destino proporcionou-lhe uma oportunidade notvel dereviver a sua fobia ao lobo e de usar a relao que estava por trs dessa fobia como ocasio paragraves inibies. O professor que ensinava latim chama-se Wolf. Desde o comeo sentiu-se intimidadopelo professor, e este certa vez repreendeu-o severamente por haver cometido um erro estpido numtexto traduzido do latim. A partir de ento no conseguiu livrar-se de um medo paralisante em relao aesse professor, o que em breve se estendeu a outros mestres. Contudo, a asneira que fez na traduoera tambm significativa. Tinha que traduzir o vocbulo latino filius e f-lo com a palavra fils, em vez deusar o termo correspondente na sua prpria lngua. O lobo, na verdade, ainda era seu pai.O primeiro sintoma transitrio que o paciente produziu durante o tratamento retornou uma vezmais fobia ao lobo e ao conto de fadas dos Sete Cabritinhos. Na sala em que as primeiras sessesforam realizadas havia um grande relgio de p, defronte ao paciente, que ficava no sof sem voltar orosto para mim. Impressionava-me o fato de que, de vez em quando, ele se virava na minha direo,olhava-me de uma maneira bastante amistosa, como que para me aplacar, e ento afastava de mim oolhar e fixava-o no relgio. Na ocasio eu achava que, dessa forma, ele procurava mostrar-me queestava ansioso pelo fim da sesso. Muito tempo depois o paciente recordou-me essa cena de espetculomudo e deu-me uma explicao a respeito dela. Lembrava-se de que o mais novo dos sete cabritinhosescondeu-se na caixa do relgio de parede, enquanto os seis irmos eram comidos pelo lobo. Assim, oque ele queria dizer era: Seja bom para mim! Devo ficar com medo do senhor? O senhor vaidevorar-me? Terei que me esconder do senhor na caixa do relgio, como o cabritinho mais novo?O lobo do qual tinha medo era, sem dvida, seu pai; mas o medo do lobo era condicionado pelofato de a criatura estar numa posio ereta. Sua lembrana afirmou da forma mais definitiva que no foraaterrorizado por figuras de lobos caminhando sobre as quatro patas ou, como na histria doChapeuzinho Vermelho, deitados na cama. A postura que, de acordo com a nossa construo da cenaprimria, ele vira a mulher assumir, era de no menos significao; embora, nesse caso, o significadoestivesse limitado esfera sexual. o fenmeno mais espantoso da sua vida ertica aps a maturidadeera a sua tendncia a ataques compulsivos de paixo fsica, que surgiam e de novo desapareciam, namais desconcertante sucesso. Esses ataques liberavam nele uma tremenda energia, mesmo nas vezesem que se encontrava por outros modos inibido, estando muito alm do seu controle. Devo, por ummotivo particularmente importante, protelar uma considerao mais completa desse amor compulsivo[ver em [1] e segs.]; posso, contudo, mencionar, agora, que esse amor era sujeito a uma condiodefinida, que se ocultava do seu consciente e s foi descoberta durante o tratamento. Era necessrioque a mulher assumisse a postura que atribumos sua me na cena primria. Desde a puberdade,considerava as ndegas grandes e proeminentes como a mais poderosa atrao numa mulher; excetona postura traseira, copular dificilmente lhe dava algum prazer. Neste ponto, pode-se justificadamentelevantar uma crtica: a objeo seria de que uma preferncia sexual dessa natureza pelas partesposteriores do corpo uma caracterstica geral de pessoas que se inclinam para uma neuroseobsessiva, e que a sua presena no justifica referi-la a uma impresso particular da infncia. Faz parte 26. da estrutura da disposio anal-ertica e uma das caractersticas arcaicas que distinguem essaconstituio. Na verdade, o coito efetuado por trs - more ferarum [ maneira dos animais] - pode, afinalde contas, ser considerado como a forma mais antiga, filogeneticamente. Voltaremos tambm a essaquesto posteriormente, quando tivermos apresentado o material suplementar que mostrou a base dacondio inconsciente da qual dependia o seu apaixonar-se. [Cf. ver em [1] e [2].]Prossigamos agora a nossa exposio das relaes entre o sonho e a cena primria. At queseria de esperar que o sonho apresentasse o menino (que se rejubilava, no Natal, na perspectiva darealizao de seus desejos) com esse quadro de satisfao sexual propiciado atravs da ao de seupai, tal como o vira na cena primria, como um modelo da satisfao que ele prprio aspirava obter dopai. Em vez desse quadro, no entanto, surgiu o material da histria que lhe fora contada pelo av poucoantes: a rvore, os lobos e a mutilao do rabo (na forma supercompensada das caudas espessas dossupostos lobos). Neste ponto falta alguma conexo, alguma ponte associativa que conduza do contedoda cena primria ao da histria do lobo. Essa conexo proporcionada uma vez mais pelas posturas, es por elas. Na histria do av, o lobo sem rabo pediu aos outros que subissem em cima dele. Foi essedetalhe que evocou a lembrana do quadro da cena primria, e foi dessa forma que se tornou possvelque o material da cena primria fosse representado pelo da histria do lobo e, ao mesmo tempo, que osdois pais fossem substitudos, como era desejvel, por diversos lobos. O contedo do sonho sofreu umaoutra transformao e o material da histria do lobo foi ajustado ao contedo do conto de fadas de OsSete Cabritinhos, tomando emprestado a este o nmero sete.As etapas na transformao do material; cena primria - histria do lobo - conto dos SeteCabritinhos, refletem o progresso dos pensamentos do sonhador durante a construo do sonho:desejo de obter do pai satisfao sexual - a compreeenso de que a castrao era uma condionecessria para isso - medo do pai. Somente neste ponto, acho eu, podemos considerar o sonho deansiedade desse menino de quatro anos como estando exaustivamente explicado.Depois do que j foi dito, preciso apenas tratar, em poucas palavras, do efeito patognico dacena primria e da alterao que a sua revivescncia produziu no desenvolvimento sexual do paciente.Investigaremos apenas um dos seus efeitos, ao qual o sonho deu expresso. Teremos que esclarecer,depois, que no foi apenas uma nica corrente sexual que se iniciou a partir da cena primria, mas todauma srie delas, e que sua vida sexual foi positivamente fragmentada por ela. Devemos tambm ter emmente que a ativao dessa cena (evitei intencionalmente a palavra recordao) teve o mesmo efeitoque teria uma experincia recente. Os efeitos da cena foram protelados, mas esta no perdera,entrementes, nada da sua novidade, no intervalo entre a idade de um ano e meio e a de quatro anos.Descobriremos talvez em que se apia a razo para supor que produziu determinados efeitos mesmo napoca da sua percepo, isto , a partir de um ano e meio de idade.Quando o paciente penetrou mais fundo na situao da cena primria, trouxe tona osseguintes fragmentos de auto-observao. Para comear, presumiu, conforme disse, que o evento doqual fora testemunha era um ato de violncia. [Neste consenso, ver o artigo de Freud sobre The Sexual 27. Theories of Children (1908c), Standard Ed., 9, 220-21.], mas a expresso de prazer que viu no rosto dame no se ajustava a esse dado; foi obrigado a reconhecer que era uma experincia satisfatria. O queera essencialmente novo para ele, em sua observao da relao sexual entre os pais, era a convicoda realidade da castrao - uma possibilidade com a qual seus pensamentos j se haviam ocupadoanteriormente. (A viso das duas meninas urinando, a ameaa da sua Nanya, a interpretao que agovernanta deu aos confeitos em forma de basto, a lembrana do pai despedaando a cobra com umavara.) Porque agora via com os prprios olhos a ferida da qual a bab havia falado e compreendia que aexistncia dessa ferida era uma condio necessria para a relao com o pai. No podia maisconfundi-la com o traseiro, como fizera quando observara as duas meninas.O sonho acabou em um estado de ansiedade, do qual no se recuperou at que teve a babjunto a si. Fugiu, portanto, do pai para ela. Sua ansiedade era um repdio do desejo de obter do paisatisfao sexual - tendncia qual se deve a formao do sonho na sua cabea. A forma assumidapela ansiedade, o medo de ser devorado pelo lobo, era apenas a transposio (como saberemos,regressiva) do desejo de copular com o pai, isto , de obter satisfao sexual do mesmo modo que suame. Seu ltimo objetivo sexual, a atitude passiva em relao ao pai, sucumbiu represso, e em seulugar apareceu o medo ao pai, sob a forma de uma fobia ao lobo.E a fora impulsionadora dessa represso? As circunstncias do caso demonstram que s podeter sido a sua libido genital narcsica, a qual, sob a forma de interesse pelo seu rgo masculino, estavalutando contra uma satisfao que, para ser conseguida, parecia exigir uma renncia quele rgo. Eera desse narcisismo ameaado que derivava a masculinidade com a qual se defendia contra a atitudepassiva em relao ao pai.Observamos agora que, neste ponto da narrativa, temos que fazer uma alterao na nossaterminologia. Durante o sonho ele atingira uma nova fase da sua organizao sexual. At ento osopostos sexuais, para ele, haviam sido o ativo e o passivo. Desde a seduo, seu objeto sexual haviasido passivo, de ser tocado nos genitais; mas transformou-se, ento, por regresso ao estdio maisprimitivo da organizao anal-sdica, no propsito masoquista de ser espancado ou castigado. Para eleera indiferente a questo de atingir esse objetivo com um homem ou com uma mulher. Sem considerar adiferena de sexos, passara da bab para o pai; desejara que seu pnis fosse tocado pela bab, etentara provocar o pai at que este batesse nele. A, seu rgo genital era deixado de lado, embora aconexo com esse rgo, que fora oculta com a regresso, ainda se expressasse na fantasia de levarpancada no pnis. A ativao da cena primria no sonho levou-o, ento, de volta organizao genital.Descobriu a vagina e o significado biolgico de masculino e feminino. Compreendia agora que ativo erao mesmo que masculino, ao passo que passivo era o mesmo que feminino. Seu objetivo sexual passivodeve ter sido, ento, transformado em feminino, expressando-se como ser copulado pelo pai, em vez deser por ele espancado nos genitais ou no traseiro. Esse objetivo feminino, no entanto, sujeitou-se represso e foi obrigado a deixar-se substituir pelo medo do lobo.Devemos interromper aqui a exposio do seu desenvolvimento sexual at que nova luz seja 28. lanada, dos estdios posteriores da sua histria, sobre estes mais primitivos. Para apreciaoadequada da fobia aos lobos, acrescentaremos apenas que tanto o pai como a me transformaram-seem lobos. Sua me assumiu o papel do lobo castrado, que deixava os outros subirem sobre ele; o paiassumiu o papel do lobo que subia. Entretanto, seu medo, conforme o ouvimos assegurar-nos,relacionava-se apenas com o lobo ereto, isto , com seu pai. Ademais, deve-nos surpreender o fato deque o medo com o qual o sonho terminava tivesse um modelo na histria do av. Porque nesta, o lobocastrado, que deixara os outros treparem em cima, dele, tomava-se de medo to logo era lembrado dofato da sua falta de cauda. Portanto, parece que ele se identificou com a me castrada durante o sonho,e agora lutava contra esse fato. Se voc quer ser sexualmente satisfeito pelo Pai, podemos talvezimagin-lo dizendo para si mesmo, voc deve deixar-se castrar como a Me; mas eu no quero isso.Resumindo, um claro protesto da parte da sua masculinidade! No entanto, entenda-se naturalmente queo desenvolvimento sexual do caso que estamos agora examinando, tem uma grande desvantagem doponto de vista da busca, porque no deixou de modo algum, de ser perturbado. Em primeiro lugar, foidecisivamente influenciado pela seduo e, depois, foi desviado pela cena da observao do coito, aqual, na sua ao preterida, operou como uma segunda seduo.V - ALGUMAS QUESTESA baleia e o urso polar, j foi dito, no podem travar luta um com o outro porque, confinados aoseu prprio elemento, no podem encontrar-se. Para mim impossvel argumentar com quem trabalhano campo da psicologia ou das neuroses e no reconhece os postulados da psicanlise, considerandoos resultados desta como artefatos. Nos ltimos anos, porm, cresceu tambm uma outra espcie deoposio entre aqueles que, pelo menos em sua prpria opinio, tomam posio no terreno dapsicanlise, no discutem a sua tcnica ou resultados, mas simplesmente acham-se justificados ao tiraroutras concluses do mesmo material e ao submet-lo a outras interpretaes.Via de regra, contudo, a controvrsia terica infrutfera. To logo o analista comea adesviar-se do material com o qual deveria contar, corre o risco de intoxicar-se com as prpriasafirmaes e, no final, de apoiar opinies que qualquer observao poderia contradizer. Por esse motivo,parece-me ser incomparavelmente mais til, para combater interpretaes dissidentes, test-las emcasos e problemas particulares.J antes observei que ser certamente considerado improvvel, em primeiro lugar, que umacriana na tenra idade de um ano e meio pudesse estar numa posio de absorver a percepo de umprocesso to complicado e preserv-la to acuradamente em seu inconsciente; em segundo lugar, se possvel, aos quatro anos de idade, que uma reviso preterida das impresses assim recebidas penetreno entendimento; e, finalmente, se qualquer procedimento poderia trazer para a conscincia, de modocoerente e convincente, os detalhes de uma cena dessa natureza, experimentada e compreendida emtais circunstncias. 29. Esta ltima simplesmente uma questo de fato. Qualquer um que se d ao trabalho deacompanhar uma anlise em tal profundidade, por meio da tcnica prescrita, convencer-se- de que decididamente possvel. Quem quer que omita isso e interrompa a anlise em algum estrato maiselevado, ter renunciado ao seu direito de formar um juzo sobre o assunto. Mas a interpretao daquiloa que se chegou numa anlise profunda no se decide por esse dado.As outras dvidas baseiam-se numa baixa estimativa da importncia das primitivas impressesinfantis e na recusa a atribuir-lhes efeitos to duradouros. Os que apiam esse ponto de vista procuramas causas das neuroses quase exclusivamente nos graves conflitos da vida posterior; presumem que aimportncia da infncia s se mostra diante dos nossos olhos, durante a anlise, por causa da tendnciados neurticos para expressarem os seus interesses presentes em reminiscncias e smbolos dopassado remoto. Tal estimativa da importncia do fator infantil implicaria no desaparecimento de muitodaquilo que fez parte das caractersticas mais ntimas da anlise, embora tambm, sem dvida, de muitodaquilo que lhe oferece resistncia e aliena a confiana do intruso.A concepo, portanto, que estamos colocando em discusso a que se segue. Sustenta quecenas da primitiva infncia, tais como as que so construdas por uma anlise exaustiva das neuroses(como, por exemplo, no presente caso), no so reprodues de ocorrncias reais, s quais sejapossvel atribuir uma influncia sobre o curso da vida posterior do paciente e sobre a formao dos seussintomas. Considera-as, antes, como produtos da imaginao, que encontram estmulo na vida dura, quepretendem servir como uma espcie de representao simblica dos verdadeiros desejos e interesses eque devem sua origem a uma tendncia regressiva, a uma fuga das incumbncias do presente. Seassim , podemos certamente poupar-nos a necessidade de atribuir uma substncia to surpreendente vida mental e capacidade intelectual de crianas da mais tenra idade.Alm do desejo, que todos compartilhamos, de racionalizar e simplificar o nosso difcil problema,h toda uma gama de fatos que falam em favor dessa concepo. Tambm possvel eliminar, deantemo, uma objeo que se lhe pode levantar, principalmente na mente de um analista em atividade.Deve-se admitir que, sendo correta essa concepo das cenas da infncia, o processo da anlise noseria, em primeiro lugar, alterado em nenhum aspecto. Se os neurticos so dotados da caractersticaprejudicial de desviar o seu interesse do presente e de vincul-lo a esses substitutos regressivos, osprodutos da sua imaginao, ento o que h a fazer seguir a sua trilha e trazer para a conscinciaesses produtos inconscientes; pois, deixando de lado a sua ausncia de valor, do ponto de vista darealidade, so da mxima significao, do nosso ponto de vista, de vez que, no momento, so osportadores e possuidores do interesse que queremos libertar, de modo a conseguir dirigi-lo para astarefas do presente. A anlise teria que seguir precisamente o mesmo curso, como se se tivesse uma fingnua na verdade das fantasias. A diferena s apareceria no final da anlise, depois que as fantasiastivessem sido esvaziadas. Deveramos, ento, dizer ao paciente: Muito bem, a sua neurose ocorreu voc tivesse recebido essas impresses e as tivesse prolongado detalhadamente na sua 30. infncia. Voc v, claro, que isso est fora de questo. Elas eram produtos da sua imaginao,destinadas a desvi-lo das verdadeiras tarefas que se apresentam diante de voc. Procuremos saberagora que tarefas eram essas e que linhas de comunicao existem entre elas e as suas fantasias.Depois de utilizar as fantasias infantis dessa maneira, seria possvel iniciar uma segunda etapa dotratamento, que seria voltada para a vida real do paciente.Qualquer abreviamento desse processo, isto , qualquer alterao no tratamento psicanaltico,como tem sido praticado at agora, seria tecnicamente inadm