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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO DÉBORA ADRIANO SAMPAIO VOZES DO SILÊNCIO: Memória, representações e identidades no Museu do Ceará João Pessoa – PB 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

DÉBORA ADRIANO SAMPAIO

VOZES DO SILÊNCIO:

Memória, representações e identidades no Museu do Ceará

João Pessoa – PB 2011

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DÉBORA ADRIANO SAMPAIO

VOZES DO SILÊNCIO: Memória, representações e identidades no Museu do Ceará

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Bernardina Maria Juvenal de Oliveira Freire

Linha de Pesquisa: Memória, Organização, Acesso e Uso da Informação

João Pessoa - PB

2011

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302 Sampaio, Débora Adriano. S192v Vozes do silêncio: memória, representações e identidade no Museu do Ceará. f.: il. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal da Paraíba, 2011. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Bernardina Maria Juvenal de Oliveira Freire.

1. Ciência da Informação. 2. Memória Social 3. Representação da Informação. 4. Identidade Cultural. I. Freire, Bernardina Maria Juvenal de Oliveira. II. Título.

CDD: 302

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DÉBORA ADRIANO SAMPAIO

VOZES DO SILÊNCIO: Memória, representações e identidades no Museu do Ceará

Aprovado em ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Bernardina Maria Juvenal de Oliveira Freire (Orientadora)

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

____________________________________________________

Profª Dr.ª Mirian de Albuquerque Aquino (Membro Interno) Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

____________________________________________________ Dr.ª Maria Lúcia de Niemeyer Matheus Loureiro (Membro Externo)

Museu de Astronomia e Ciências Afins – MAST

___________________________________________ Prof. Dr. Carlos Xavier de Azevedo Netto (Suplente)

Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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A Deus fonte de vida e inspiração. Razão de todas as coisas!

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AGRADECIMENTOS

A Deus que me ajudou incondicionalmente em toda minha vida; porque

se fez presente, tanto nos momentos alegres e de motivação, quanto

nos momentos em que me senti fraca. E, quando tudo parecia difícil, Ele

renovou as minhas forças, me ergueu e me fez acreditar na vitória. “Que darei

ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?” (Salmos 116:12).

Agradeço, principalmente, por ter conhecido pessoas e lugares interessantes,

mas também por ter vivido fases difíceis, que foram matérias-primas de

aprendizado.

À minha família, especialmente a minha mãe, Maria do Socorro

Adriano Sampaio, pelas orações, amizade e refúgio sempre que necessários.

O que seria de mim, se não fosse minha maravilhosa mãe? Por me ensinar

princípios de dignidade, honestidade e humanidade, tornando-se base para

toda minha formação pessoal e intelectual. Ao meu pai, José Viana Sampaio,

pelo encorajamento e base familiar que me foram oferecidos. Aos meus

irmãos, Marcos David Adriano Sampaio e Paulo Ezequiel Adriano Sampaio que

sempre estiveram na torcida, vibrando com as minhas conquistas. Em especial

à minha amiga e irmã, Priscila Adriano Sampaio, que me orientou na tradução

do resumo em língua inglesa.

À minha cunhada, irmã e amiga, Rosiane Brandão Linhares Sampaio,

pelas palavras de força. Às minhas sobrinhas Ana Beatriz Linhares Sampaio e

Ana Isabela Linhares Sampaio, por me fazerem acreditar, através de um

simples sorriso, de um gesto inocente, que a vida é bela!

Aos meus avós paternos, Maria Elizomar Sampaio e Francisco Vieira

Sampaio (in memorian), por sempre incentivarem os meus estudos e me

ajudarem financeiramente por todo o Ensino Básico.

Meu agradecimento especial à professora Dr.ª Bernardina Maria de

Oliveira Freire, pelas sugestões, críticas, paciência, flexibilidade e

disponibilidade, por ter me orientar para além das orientações acadêmicas; por

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ter ouvido meus desabafos em momentos de desespero e sempre me motivado

a continuar, fatores imprescindíveis para construção deste trabalho. Sou e serei

sempre e imensamente agradecida por seu empenho em me orientar na

realização deste. Um grande prazer e honra tê-la como minha orientadora!

Aos professores que ministraram as disciplinas obrigatórias e

opcionais, são eles: Prof. Dr. Edvaldo Carvalho Alves (pelo apoio e orientações

quanto aos procedimentos metodológicos); Prof. Dr. Gustavo Henrique de

Freire; Prof.ª Dr.ª Dulce Amélia Neves e Prof. Dr. Carlos Xavier de Azevedo

Netto, pelos “pitacos” que foram muito bem vindos, durante o processo de

qualificação do projeto de mestrado e por acreditar no meu trabalho.

Aos professores, pelo aceite em comporem a Banca Examinadora,

Profª. Drª. Miram de Albuquerque Aquino por todas as suas contribuições

durante o processo de qualificação; a Dr.ª Maria Lúcia de Niemeyer Matheus

Loureiro, por sua disponibilidade em contribuir, mesmo à distância, enviando-

me materiais e sugestões relevantes de e-mail e Correios. Certamente,

enriqueceram este trabalho.

Ao Antônio, secretário do PPGCI/UFPB, pela disponibilidade, simpatia

e prontidão com as quais atende a todos.

Ao amigo de longas datas, companheiro de trabalho, de diversas

batalhas e viagens (Juazeiro do Norte/João Pessoa), irmão e amigo, Jonathas

Luiz Carvalho Silva, por suas contribuições acadêmicas e encorajamento

sempre me incentivado na caminhada profissional e pessoal.

Aos meus colegas, professores do Curso de Biblioteconomia da

Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri, pela compreensão neste

período tão importante de qualificação profissional.

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Um agradecimento especial e carinhoso aos meus alunos do curso de

Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri que me

deram forças neste percurso. É para vocês que trabalho e que me motivo a

continuar nesta busca constante pelo conhecimento!

À aluna e minha bolsista Alla Moanna Cordeiro e aos demais bolsistas

voluntários do Projeto de Extensão, pela liderança e carinho com os

quais conduziram as atividades do Projeto de Extensão, Organização e

Tratamento da Memória Documental do Laboratório de Ciência da Informação

e Memória (LACIM), coordenado por mim, durante a minha ausência. À aluna e

bolsista de monitoria Naira Michelle Alves, pelo carinho e força constantes.

Aos meus amigos bibliotecários, Virginia Markelene Lopes, Vânia

Araújo, Vânia Bastos e Rui Yuri Martins, pessoas especiais que sempre

estiveram torcendo pela minha vitória e me encorajando. Pela sinceridade de

uma amizade, onde vimos que a distância não é suficiente para separar

os verdadeiros amigos. Amo vocês!

Aos meus amigos do coração: Adriana Batista e Elenice Costa e, meu

amigo que tanto amo, Francisco Miranda Filho, por sempre me colocarem em

suas orações e torcerem pelo meu sucesso.

Aos meus colegas de sala, pelas trocas de idéias, pela compreensão e

compartilhamento das incertezas.

Agradeço a todos que direta e indiretamente contribuíram para que eu

pudesse chegar a esta etapa. Que os versos do dia a dia formem os mais belos

poemas na poesia da vida. Muito obrigada a todos! .

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A história sempre faz falar não somente os mortos, mas todos os protagonistas silenciosos.

Paul Ricoeur (2007, p. 355).

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RESUMO

Analisa a construção e a relação dos conceitos de memória, representação da informação e identidade cultural e a interdisciplinaridade desta com a área de Ciência da Informação, a partir dos seus pressupostos e paradigmas epistemológicos. Objetivando contextualizar esta pesquisa, faz-se um percurso histórico e cultural pelo Museu do Ceará, desde a sua origem até os dias de hoje. Aponta os aspectos metodológicos, que nortearão a elaboração e a produção deste, no que se refere ao tipo e método de pesquisa, bem como, instrumentos utilizados para coleta de dados. Aborda dialogando com alguns teóricos, a partir dos aspectos conceituais sobre memória, tempo e história, as relações entre passado, presente e futuro. Desta forma, identificando a memória como um instrumento dinâmico de transformação social. Reflete sobre o objeto, verificando seu valor simbólico, o qual pode ser visualizado como documento – material de memória. Vislumbra-se a temática sobre cultura, sob perspectivas históricas, conceituais e antropológicas, tecendo-se reflexões acerca de sua influência nos modos de vida da sociedade e a compreensão sobre a construção de identidade cultural. Discute e analisa os dados e informações coletadas, dialogando com o referencial teórico explorado e discutido, a partir da técnica de análise de conteúdo. Por fim, considera a importância do trabalho em pauta, para as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, nas áreas de Antropologia, História, Sociologia, Biblioteconomia e Ciência da Informação. Pois, todo esse processo de construção da memória requer conhecimentos e informações, que só poderão ser executadas e discutidas a partir de leituras que transformarão indivíduos em seres humanos críticos e reflexivos, agentes capazes de ampliar os horizontes e modificar a realidade social.

Palavras-chaves: Ciência da Informação. Memória social. Representação da Informação. Identidade Cultural.

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ABSTRACT

Analyzes the construction and the relationship of the concepts

of memory, information representation and cultural identity and with this interdisciplinary area of information science, from its assumptions and epistemological paradigms. In order to contextualizethis research, it is a historical and cultural the Ceará Museum, from its origins to thepresent day. Points to the methodological aspects, which will guide the development and production of this, with regard to the type and method of research, as well asinstruments used for data collection. Covers talking to some theorists, from theconceptual aspects of memory, time and history, relations between past, present and future. Thus, identifying the memory as a dynamic instrument of social transformation. It reflects on the object, checking its symbolic value, which can be viewed as a document -memory material. Conjecture about the theme of culture, historical perspectives, conceptual and anthropological, weaving, brainstorming about ways to influence the life of society and understanding of the construction of cultural identity. Discusses andanalyzes the data and information collected, dialoguing with the theoretical frameworkexplored and discussed, from the content analysis technique. Finally, consider the importance of project work for the Applied Social Sciences and Humanities in the areas of Anthropology, History, Sociology, Library and Information Science. Well, this whole process of construction of memory requires knowledge and information that can only be performed and discussed from readings that turn individuals into critical and reflectivehuman beings, agents capable of expanding horizons and changing social reality.

Keywords: Information Science. Social memory. Representation of Information. Cultural Identity.

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RÉSUMÉ Analyser la relation et la construction des concepts de mémoire,

d'information et de la représentation de l'identité culturelle et à ce domaine interdisciplinaire des sciences de l'information, à partir de ses hypothèses et des paradigmes épistémologiques. Afin decontextualiser cette recherche, il s'agit d'un historique et culturel du Musée du Ceará, de ses origines à nos jours. Points à étudier les aspects méthodologiques, qui vont guiderle développement et la production de ce, à l'égard du type et méthode de recherche,ainsi que les instruments utilisés pour la collecte des données. Couvre de parler àcertains théoriciens, des aspects conceptuels de la mémoire, du temps et de l'histoire, les relations entre passé, présent et futur. Ainsi, l'identification de la mémoire comme un instrument dynamique de transformation sociale. Elle réfléchit sur l'objet, en vérifiant sa valeur symbolique, qui peut être considéré comme un document - matériau à mémoire.Conjecture sur le thème de la culture, les perspectives historiques, conceptuelles etanthropologiques, le tissage, de réflexion sur les moyens d'influencer la vie de la société et la compréhension correcte de la construction de l'identité culturelle. Discuteles données et analyser les informations recueillies et, dialoguant avec le cadre théorique Discuté explorées et, à partir de la technique d'analyse de contenu. Enfin,considérer l'importance des travaux du projet pour les sciences sociales appliquées et humaines dans les domaines de l'anthropologie, histoire, sociologie, sciences de l'information et des bibliothèques. Eh bien, tout ce processus de construction de la mémoire exige des connaissances et des informations qui ne peuvent être effectuéeset discutées Lectures d'individus, qui se transforment en critiques et réflexives des êtres humains, des agents capables d'élargir les horizons et de changer la réalité sociale.

Mots-clés: sciences de l'information. La mémoire sociale. Représentation de l'information. Identité culturelle.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 1.1 Percurso Metodológico

14 28

2 MEMÓRIA, MUSEU E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

33

2.1 A interação entre Ciência da Informação e Museu 36 2.2 Ciência da Informação: entre a memória e a história 42 2.3 A informação nos museus 48 3 MEMÓRIA, TEMPO E HISTÓRIA

52

3.1 Lesmosyne e Mnemosyne: dialética de forças... 56 3.2 Memória e Silêncio 62 3.3 Passado, Presente e Futuro – elementos relacionais de representação da memória

66

4 MEMÓRIA E IDENTIDADE 72 4.1 Artefatos museológicos como documentos: representações da Informação memorialística

75

4.2 Cultura, Identidade Cultural e Representação da Informação memorialística

79

5 CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL DO MUSEU DO CEARÁ

89

6 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES: MÚLTIPLAS VOZES NO ESPAÇO MUSEÍSTICO 6.1 Memória, Identidade Cultural e Representações: transitando por entre as páginas do Catálogo de Exposições Permanentes 6.2 Memória, Identidade Cultural e Representações: impressão dos visitantes 6.3 Lembrar e esquecer: vozes de quem planeja

95 96 122

126

7 Para não silenciar as vozes

135

REFERÊNCIAS 139

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Ciclo da Informação Documentária 47 Figura 2 – Fachada da atual sede do Museu do Ceará 92 Figura 3 – Categorias e subcategorias de análise 95 Figura 4 – Primeira sede (já extinta) do ‘Museu Histórico do Ceará 97 Figura 5 – Segunda sede (já extinta) do ‘Museu Histórico do Ceará’ 97 Figura 6 – Guia do visitante do ‘Museu Histórico e Antropológico do Ceará’ (1960) 98 Figura 7– Catálogo - Comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil em 1972

98

Figura 8 – Boletim do ‘Museu Histórico do Ceará’ 99 Figura 9 – Lâminas de machado de pedra polida 100 Figura 10 – Urna funerária elipsoidal 100 Figura 11 – Tigela esférica 100 Figura 12 – Maracá de cabaça 101 Figura 13 – Ponta projétil com pedúnculo 101 Figura 14 – Fuzis 102 Figura 15 – Sala 1- “Poder das armas e armas do poder” 103 Figura 16 - Sala 2 - “poder das armas e armas do poder” 103 Figura 17 – Cédulas 104 Figura 18 – Medalhas 104 Figura 19 – Pessoas do Morro do Moinho, subúrbio de Fortaleza 104 Figura 20 – Escrivaninha 105 Figura 21 – Gundka-5 – Máquina de escrever 105 Figura 22 – Cordel 106 Figura 23 – Óculos e Chapéu 107 Figura 24 – Algemas e Gargalheiras 108 Figura 25 – Livro com capa de prata 108 Figura 26 – Quadro Fortaleza Liberta 109 Figura 27 – Tronco 110 Figura 28 – Proa da barca Laura II 110 Figura 29 – Batina, chapéu e cajado 111 Figura 30 – Sala da Exposição “Padre Cícero: mito e rito” 111 Figura 31 – Ex-votos 112 Figura 32 – Sedição de Juazeiro 112 Figura 33 – Comunidade do Caldeirão 113 Figura 34 – Foice e machado 114 Figura 35 – Roupa do culto utilizada na comunidade Caldeirão 114 Figura 36 – Cadeira adquirida pelo beato José Lourenço 115 Figura 37 – Bode Ioiô. 116 Figura 38 – Candeeiros e lamparinas 117 Figura 39 – Canhão de ferro 118 Figura 40 – Ornamento de penas 118 Figura 41 – Peça do gasômetro 118 Figura 42 – Memorial Frei Tito 119 Figura 43 – Frei Tito 120 Figura 44 – Máquina de escrever 121 Figura 45 – Rosário de madeira 121

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Subcategorias e categorias de análise. 96

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1 INTRODUÇÃO

O atributo mais imediato da memória é garantir a continuidade do tempo e permitir resistir a alteridade, ao ‘tempo que muda’, as rupturas que são o destino de toda vida humana; em suma, ela constitui um elemento essencial da identidade, da percepção de si e dos outros.

Henry Rousso _____________________

É de corrente conhecimento que a palavra museu originou-se na

Grécia antiga. Mouseion denominava o templo das nove musas, ligadas a

diferentes ramos das artes e das ciências, como contam os escritos, filhas de

Zeus com Mnemosyne, divindade da memória. Suano (1986) reflete que

esses templos não se destinavam a reunir coleções para a contemplação dos

homens, mas eram locais reservados para a reflexão e aos estudos literários

e artísticos. A noção contemporânea de museu, embora esteja associada à

arte, ciência e memória como na antiguidade, adquiriu novos significados ao

longo da história.

O termo, pouco usado na Idade Média, reapareceu por volta do

século XV, “quando o colecionismo tornou-se moda em toda a Europa”

(SUANO, 1986). Nesse período, o homem vivia como resultado do espírito

cientista e humanista do Renascimento, uma verdadeira revolução do olhar,

revelando a Europa um “novo mundo”. Kury e Camenietzki (1997), ao

pesquisarem coleções e cultura científica na Europa Moderna, tecem

considerações sobre as mesmas, indo ao encontro da afirmativa de Suano

(1986, p. 13):

[...] as coleções principescas, surgidas a partir do século XIV, passaram a ser enriquecidas a partir do século XV e XVI, de objetos e obras de arte da antiguidade, de tesouros e curiosidades provenientes da América e da Ásia e da produção artística da época, financiados pelas famílias nobres.

Além destas coleções principescas, símbolos de poderio econômico e

político, também proliferaram neste período, Gabinetes de Curiosidades e as

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coleções científicas, muitas chamadas de museus, formadas por estudiosos

que buscavam similar a natureza em gabinetes, reuniram grande quantidade

de várias espécies, artefatos e seres exóticos, vindos de terras distantes.

[...] a exibição aparentemente heterogênea revela a existência de um desejo de classificar. O museu de Worm inclui caixas rotuladas “Metal”, “Pedra”, “Madeira, Conchas”, “Ervas”, “Raízes” etc. Os chifres de beber são exibidos com as galhadas de veados porque são feitos do mesmo material. A descrição da coleção publicada pelo filho de Worm se divide em quatro livros, que se ocupam, respectivamente, de pedras e metais; plantas; animais; e artefatos (artificiosa). Em outras palavras, as peças que formam o acervo do museu, sejam naturais ou artefatos, não são classificadas por procedência ou época, mas pela substância de que são feitas (BURKE, 2003, p. 100-101).

Com o passar do tempo, essas coleções foram se especializando,

passaram a ser organizadas a partir de critérios, que obedeciam a uma ordem

atribuída que acompanhava os progressos das concepções científicas, nos

séculos XVII e XVIII, abandonando, desta forma a função preliminar, que de

era saciar curiosidades, voltando-se para a pesquisa e a ciência pragmática e

utilitária.

Posteriormente, a grande maioria destas coleções que se formaram

entre os séculos XV e XVIII transformaram-se em museus, como atualmente

são concebidos. Todavia, na sua origem, o acesso público, era privilégio dos

proprietários. No final do século XVIII, finalmente foi franqueado o acesso ao

público às coleções, marcando, a partir daí, o surgimento dos grandes

museus nacionais.

Suano (1986) afirma que a atual acepção de museu surgiu

precisamente na conjuntura da Revolução Francesa. Segundo Choay (2001),

a proteção ao patrimônio francês, com a montagem de um aparato jurídico e

técnico, teve origem nas instâncias revolucionárias, que anteciparam através

de decretos e instruções, procedimentos de preservação, desenvolvidos

posteriormente no século XIX, fato que a autora reflete como resultado de

dois processos distintos:

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[...] o primeiro, cronologicamente, é a transferência dos bens do clero, da coroa e dos emigrados para a nação, o segundo é a destruição; o segundo é a destruição ideológica de que foi objeto uma parte desses bens, a partir de 1792, particularmente sob o Terror e o governo do Comitê da Salvação Pública, esse processo destruidor, suscita uma reação de defesa imediata [...] (CHOAY, 2001, p. 97).

Compreendemos, porém, que para preservar a totalidade de um

patrimônio nacionalizado no contexto da revolução, foram desenvolvidos

métodos para os procedimentos de inventário e gestão. Assim como, foram

também concebidas formas de compatibilizar esses bens recuperados, a

partir das demandas dos novos usuários. No caso de bens móveis, estes

deveriam ser transferidos para depósitos abertos ao público, denominado a

partir disto, de museus. A intenção “era orientar a nação, difundir o patriotismo

e a história, instalando museus em todo o território francês, pretensão que

não se efetivou, à exceção do Louvre que, aberto em 1973, reuniu importante

acervo artístico” (CHOAY, 2001, p. 95).

Se a conjuntura a Revolução Francesa, em fins do século XVIII,

traçou os contornos da acepção moderna de museu, esta se consolidaria no

século XIX, com a criação de importantes instituições museológicas na

Europa:

[...] em 1908, surgia o Museu Real dos Países Baixos, em Amsterdã; em 1819, o Museu do Prado em Madri; em 1810, o Museu Hermitage, em São Petersburgo, antecedidos pelo Museu Britânico; em 1753, em Londres, e o Belvedere, 1783, em Viena (SUANO, 1986, p. 29).

Julião (2000) afirma que esses museus nasciam imbuídos de uma

ambição pedagógica, espírito nacionalista, de formar cidadãos a partir do

conhecimento passado, participando de maneira decisiva do processo de

construção de nacionalidades, conferindo um sentido de antiguidade à nação,

legitimando simbolicamente os Estados nacionais emergentes.

Além das antiguidades nacionais, muitos destes museus reuniram

acervos, expressivos do domínio colonial, das nações européias do século

XIX. Expedições científicas percorriam os territórios colonizados, objetivando

estudar os recursos naturais e seu povo, formar coleções referentes à

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botânica, mineralogia, arqueologia e etnografia, que deveriam ser enviadas

para os principais museus europeus.

No Brasil diversas pesquisas de naturalistas estrangeiros, resultaram

em minuciosos relatos de viagem, “com descrição do meio físico, da fauna, da

flora e dos nativos, e na remessa de um importante acervo brasileiro para

instituições museológicas e científicas da Europa.” (SUANO, 1986, p. 40)

O surgimento de registros iconográficos promovidos pelos cientistas e

artistas trazidos por João Maurício de Nassau, no efêmero período da

dominação holandesa em Pernambuco, em meados do século XVII, o

exemplo brasileiro mais próximo de uma instituição museológica pode ser

reconhecido no Museu de História Natural de 1779-1790. Certamente, esta

iniciativa refletiu os sensíveis influxos do Iluminismo europeu que aqui

aportavam e que proporcionaram certo desenvolvimento científico e literário

alterando a estagnação religiosa que imperou durante todo o período colonial.

Logo após, o século XVIII, data o aparecimento de outras instituições

museológicas, entre as iniciativas culturais de D. João VI como a criação, em

1818, do Museu Real, atual Museu Nacional, cujo acervo inicial foi composto

de uma pequena coleção da história natural, doada pelo monarca. Por longo

período, o Museu teve uma tímida atuação, adquirindo, de fato, seu caráter

científico, do século XIX.

Além deste, são poucos os exemplos de museus criados no século

XIX, a maioria ainda à época do Império como o Museu Militar do Arsenal de

Guerra, na Casa do Trem (1865) e o Museu da Marinha (1868), ambos

extintos; o Museu Paraense Emílio Goeldi (1866), organizado em 1894, pelo

naturalista suíço Emílio Goeldi; o Museu Provincial do Paraná (1885),

transformado em Museu Júlio de Castilhos, em 1907; e, finalmente, o Museu

Paulista inaugurado em 1895, no Parque Ipiranga. Nas primeiras décadas do

século XX, persiste este quadro do final do século XIX, sendo criados poucos

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museus, dos quais podemos destacar: em 1906, a Pinacoteca do Estado de

São Paulo, reorganizada em 1911 e 1932.

Ao lado do Museu Nacional, o Museu Paraense Emílio Goeldi e

Museu Paulista, alinhavam-se ao modelo de museu etnográfico, que se

difundiu em todo o mundo, entre os anos 1870 e 1930, “caracterizados pelas

pretensões enciclopédicas, eram museus dedicados à pesquisa em ciências

naturais, voltados para a coleta, o estudo e exibição de coleções naturais, de

etnografia, paleontologia e arqueologia”. (SCHWARCZ, 1993, p. 67). Os três

museus exerceram o importante papel de preservar as riquezas locais e

nacionais, agregando a produção intelectual e à prática das ciências naturais,

no Brasil no final do século XIX.

Santos (1997) aborda que é possível dizer que no século XIX,

firmaram-se dois modelos de museus: aqueles alicerçados na história e

cultura nacional, de caráter celebrativo, como o Louvre, e os que surgiram

como resultado do movimento científico, voltados para a pré história, a

etnografia e a arqueologia, a exemplo do Museu Britânico.

No Brasil, os museus enciclopédicos, voltados para diversos aspectos

do saber e do país, predominaram até as décadas de vinte e trinta do século

XX, quando entraram em declínio com o resto do mundo. Embora a temática

nacional não tenha sido o cerne desses museus, tais instituições não

deixaram, de contribuir para construções simbólicas da nação brasileira,

através de suas coleções.

A partir das décadas de 1920 e 1930, com o desenvolvimento de uma

política e de ideologias de tendências nacionalistas, as instituições

museológicas passaram a ser encarados sob outra ótica, ou seja, como

instrumentos de status, poder e ufanismo da Primeira República. Dois fatos

interligados, apesar de uma distância de dez anos, materializam todo este

contexto. Primeiramente, a criação pelo jornalista, político e escritor Gustavo

Barroso, do Museu Histórico Nacional (MHN), em 1922, sugestivamente no

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mesmo ano em que se comemorava, num clima de euforia saudosista, o

Centenário da Independência. Num segundo momento, na gestão do

historiador Rodolfo Garcia como Diretor daquele Museu, é criado um Curso

Técnico de Museus com o objetivo fundamental de formar técnicos-

conservadores para trabalhar com o acervo deste mesmo Museu, àquela

época, já bastante heterogêneo e numeroso.

Mais recentemente, pesquisadores analisam as instituições

museológicas, através de trabalhos que problematizam e refletem sobre

vários questionamentos teóricos ligados à memória e identidade, a fim de

explicitar a sua aplicação em contextos os mais diferenciados, impregnados

pela relação do homem com o mundo, portanto num contexto marcado pelos

resultados da própria ação, imerso na realidade concreta, cultural, na qual

estão inseridos os sujeitos sociais, condicionada histórico-socialmente.

Assim, as instituições museológicas, diferente do que muitos

consideram, não são instituições estáticas. Dentre as suas importantes

funções, têm a responsabilidade de problematizar a história, de representar a

memória de um grupo ou comunidade, através de diversas expressões

culturais, visando sua preservação. Devendo, com certa urgência, cada vez

mais trilhar os caminhos da memória, expô-la, problematizá-la, a fim de

estabelecer um diálogo com a sociedade.

Entende-se por memória a capacidade que o ser humano apresenta

de reter os fatos e experiências vivenciadas no passado e transmiti-los às

novas gerações através de diferentes suportes como a voz, a música,

imagens, artefatos, livros, entre outros. “A memória, portanto, representa a

conservação de informações individuais ou coletivas de determinados fatos,

acontecimentos, situações, reelaborados constantemente.” (LE GOFF, 2003,

p. 423).

Ao falarmos em memória, nos referimos à capacidade de lembrar o

que foi de algum modo, vivido. De um modo geral, todos nós construímos

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memória ao longo do tempo, a partir, por exemplo, dos acontecimentos do

nosso cotidiano que podem ser evidenciados nas coisas em que realizamos

assim, nos referimos à memória individual, as quais muitas vezes são

representadas pelas histórias de vida de cada um, suas angústias, medos,

alegrias, sensibilidades, reflexões e até omissões que, quando lembradas,

narradas e/ou compartilhadas reconstituímos cenários, pessoas, eventos que

contribuíram para construção do eu, enquanto sujeito social daí parte o

processo da consciência coletiva.

Lembramos de fatos que, muitas vezes, nem sequer vivenciamos,

mas que foram importantes na construção da memória de uma região, de um

povo, como por exemplo, os acontecimentos históricos e políticos. “Não

estamos preocupados com uma cronologia das idéias sobre memória.

Procuramos entender as condições, os modos de produção e as práticas que

envolvem motivos e formas de lembrar e esquecer, maneiras de contar, de

fazer e registrar histórias” (SMOLKA, 2000, p. 68).

Somos atores sociais, ativos e indispensáveis na construção da

memória individual, capazes de entender as transformações no modo de

sentir e viver a vida ao longo da história, mas, sobretudo, da memória coletiva

que deve ser entendida em âmbito social e que está sujeita a alterações

constantes quando propõe um entrelaçamento com as memórias individuais.

Montenegro (1994) reflete que a questão da memória e suas

alterações, face aos novos modos de vida do presente, têm sido

intensamente discutidas: a concepção de memória, embora considerada em

uma perspectiva histórica, está marcada, também, pelo caráter livre, onde

lembrar não é reviver, mas refazer, repensar, com idéias de hoje as

experiências do passado, com o senso de preservação para garantir a sua

disseminação às próximas gerações, levando em consideração sua cultura e

identidade.

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Desta forma, refletindo sobre estas questões, destacamos os registros

e a documentação histórica, representativas da memória do Estado do Ceará,

no Museu do Ceará, antigo Museu Histórico do Ceará. Esta escolha se deu

pela própria importância deste equipamento cultural para o Estado e,

especificamente, para a cidade de Fortaleza, onde ele está localizado, como

depositário de documentos significativos para a construção de sua memória.

O Museu do Ceará recria não somente a história do Ceará, reunindo

fotos, documentos e artefatos históricos, mas da cidade de Fortaleza, sua

Capital e do Brasil, traçando e refletindo alguns importantes momentos da

história do nosso país.

A proposta é fazer uma análise da memória documental, como

representação da informação histórica, ressaltando a importância da

construção da identidade cultural coletiva a partir do Museu do Ceará. Ao

refletir sobre o tema identidade, sabe-se que este adquire um nível de

complexidade bem maior do que se pensa a princípio; pois, quando um

indivíduo se questiona a respeito de si mesmo e procura, intimamente, algo

que o faz singular diante do outro, ele está tentando encontrar características

próprias que lhe permitam reconhecer a sua identidade. Porém, ele faz parte

de uma coletividade e vive dentro de uma situação de inter-relação pessoal e

social.

Catroga (2001, p. 23) afirma:

[...] a formação do eu de cada indivíduo será, assim, inseparável da maneira como ele se relaciona com os valores da(s) sociedade(s) e grupo(s) em que se situa e do modo como, à luz do seu passado, organiza o seu percurso como projeto.

Daí surge à reflexão de que não existe apenas a identidade pessoal

que o homem busca a fim de se compreender melhor como ser, mas também

uma identidade coletiva que se forma, tanto no âmbito das relações pessoais

quanto numa relação de pertencimento de um povo dentro de uma região,

estado ou país. Todos esses aspectos se entrecruzam para formar o que se

denomina identidade. Conforme Ortiz (1994, p. 8), “não existe uma identidade

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autêntica, mas uma pluralidade de identidades construídas por diferentes

grupos sociais em diferentes momentos históricos”.

A memória é um recurso interno do ser individual ou coletivo, que vem

à tona para lhe mostrar a sua identidade. No “túnel do tempo”, revisitado pela

memória, encontra-se toda a herança cultural do ser humano. Para o

processo de construção de uma identidade, seja pessoal ou coletiva, a

memória torna-se um recurso primordial.

Parafraseando Nora (1993), podemos refletir que a acentuada

fragmentação da vida coletiva e a crescente valorização dos indivíduos na

sociedade contemporânea resultaram na desvalorização dos “laços de

continuidade” em várias sociedades, surgindo, desta forma, a necessidade de

se promover espaços para a preservação e construção de memórias, que

antes eram construídas pelos grupos sociais, sendo instaurada uma memória

coletiva, valorizando os vínculos grupais, transformados pela história, frutos

de vestígios que sobrevivem ao tempo.

Neste contexto a preservação tem um papel fundamental para a

representação da memória no Museu do Ceará, pois partindo da

caracterização dos documentos em determinado espaço e tempo, é possível

permitir o acesso às informações: historicidade, crenças e valores simbólicos.

Passando a ser visualizado como memória viva, em torno do qual temos os

seus elementos fundantes.

É importante destacar, ainda, as poucas pesquisas publicadas no

Ceará, relacionadas à representação da informação histórica, constituindo a

memória coletiva e possibilitando a construção de uma identidade cultural

coletiva, em especial, ao que tange a documentação de forte importância

histórica, política, social e cultural para a cidade de Fortaleza, para o Estado e

para o país.

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Pesquisadores, como Régis Lopes, Maria Amélia Rodrigues, Cristina

Holanda Rodrigues e Carolina Ruosso, tem desenvolvido e divulgado seus

trabalhos em torno destas temáticas no Estado do Ceará.

Museu, como o próprio nome evoca, é a própria representação de

memórias, caracterizada por uma expressão reflexiva, atrelada à dimensão

individual e coletiva. Diante do exposto, o presente trabalho dará subsídios

que proporcionará conhecimentos fundamentais acerca da representação da

informação documental/memorialística, levando-se em consideração as

questões identitárias no Museu do Ceará, bem como da sua importância para

a comunidade e demais pesquisadores.

Desde a graduação surgiu o interesse em estudar a temática

‘memória’, a partir de um trabalho realizado na disciplina História dos Livros e

das Bibliotecas, sobre a questão da memória nas bibliotecas públicas, dando

assim, início a um processo de leituras e reflexões sobre a temática e temas

relacionados.

Esta pesquisa, também, justifica sua razão, ao que se refere à

visibilidade do Museu do Ceará, pela função que exerce de dá voz aos

silenciados da história, não somente em nível local, mas, também, em esfera

nacional. Inicialmente, pelo aparato documental representados sob diferentes

expressões da informação que atende uma demanda expressiva de

interessados na cultura e nas representações regionais que se encontram nas

memórias sobre a cidade de Fortaleza, do Ceará e do Brasil. Esta razão

demanda menos iniciativas do que seriam necessárias para discuti-la,

problematizá-la.

Diante disto, consideramos relevante este estudo, por considerarmos

o papel importante do Museu como equipamento de difusão cultural em

sintonia com os outros setores da sociedade no desenvolvimento regional e

nacional, a partir de uma compreensão sobre memória, representação da

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informação, refletindo numa perspectiva identitária cultural e coletiva. Como

coloca Passeggui (2007, p. 35):

[...] ao reconstituir a história, o memorial tece, continuadamente, passado e futuro, observa-se em transformação e reinventa o presente, na tentativa de compreender o que está sendo e fazendo. O memorial dá acesso à historicidade, a crença e valores simbólicos, reguladores de sua ação e interação no mundo.

Em terceiro lugar, justificamos, sob o ponto de vista acadêmico,

partindo de trabalhos realizados com a temática “memória social/coletiva” que

a partir de investigações e, diante da necessidade de preservação dos

registros e da documentação histórica, relacionadas à cidade de Fortaleza e

ao Estado, no Museu do Ceará, propõe a compreensão da representação da

memória documental para, posteriormente, afirmar ações de dinamização do

acervo e das atividades deste como um equipamento de cultura,

sensibilizando a participação efetiva da comunidade, propondo que a mesma

reflita sobre o caráter social, constitutivo da identidade cultural.

Diante disto, Hall (2005, p. 11) destaca que a identidade numa

concepção sociológica, preenche o espaço entre o interior e o exterior, entre o

mundo pessoal e o mundo público:

[...] o fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. [...] Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pela quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente e não biologicamente. (HALL, 2005, p. 12-13)

Entendemos assim, que há um movimento de aproximação da

experiência, a partir das observações e estudos já realizados, com o

conhecimento científico produto das pesquisas e investigações. Essa

dinâmica parece apontar para uma relação dialética que constitui aspectos da

vida social, histórica e política da humanidade. Nesse contexto apresentado, o

Museu toma uma nova feição, atuando como órgão educativo e didático,

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mesmo como centro de investigação e não estando simplesmente, associado

à idéia de tarefa educativa.

A realidade simbólica é necessária ao homem, para a compreensão

do tempo e do espaço, sem essa abstração seria difícil perceber o mundo

como é percebido e então a sociedade em que ele “vive e se constitui como

ser humano não é mais do que um complexo sistema de sistemas de signos”

(ECO, 1973, p.11).

Diante desses aspectos entende-se a pertinência deste estudo para a

sociedade, pois a representação da memória também pode ser uma

construção realizada sobre inúmeras resistências, políticas sociais e

individuais. Estabelece-se um imaginário – vontade de mudar as próprias

condições – de escravo a sujeito pensante, autônomo e político, portanto o

passado (enquanto memória) registra a redenção, a luta, possibilidades de

formação identitária, coletiva e cultural. “Todo ser humano tem consciência do

passado (definido como o período imediatamente anterior aos eventos

registrados na memória de um indivíduo [...])” (HOBSBAWM, 1998, p. 22).

O passado é, portanto, um componente inevitável das pessoas,

instituições, valores e outros padrões da sociedade humana, formador da

memória, representações e identidade ao longo do tempo, através de

processos inconscientes no interior das relações sociais.

Em face das questões norteadoras desta pesquisa, destacamos sua

problematização como subsídio para o desenrolar e o desenvolvimento deste

processo.

Quando refletimos sobre memória, logo nos deparamos com outro

termo, que complementa os estudos e sentidos acerca do primeiro:

identidade.

Pollack (1992, p. 212) afirma que:

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[...] a memória é um elemento constituinte do sentido de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentido de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si.

Com base neste pensamento, pode-se inferir que a representação da

informação memorialística tem um papel fundamental na construção da

identidade de um grupo social.

Neste espaço, percebe-se a ampla e variada gama de informações

contidas nos artefatos, representações e expressões da memória coletiva e

diante da complexidade dos mesmos frente aos serviços prestados à

comunidade. Assim, propõe-se investigar, respondendo os seguintes

questionamentos: Como são construídos os elementos representativos da

memória, relativos à cidade de Fortaleza, do Estado do Ceará e do Brasil?

Estão sendo discutidas e vislumbradas, no espaço do Museu, atividades no

que tange à representação da memória coletiva e à identidade cultura e

coletiva? Como o Museu do Ceará tem permitido dá voz aos silenciados da

história?

Assim, ao destacarmos estas questões, temos como objetivo geral

desta pesquisa: analisar como se discute e efetiva a dialética das

representações da informação memorialística no Museu do Ceará; e, como

objetivos específicos: Mapear as fontes de informação que compõem o

Museu e analisar a representação memorialística do corpus documental;

investigar, a partir destas fontes, de que forma o Museu do Ceará tem dado

voz aos silenciados; verificar como são construídos os elementos

representativos da memória sobre a cidade de Fortaleza, do Estado do Ceará

e do Brasil; identificar as atividades realizadas pelo Museu no que se refere à

representação da memória coletiva e identidade cultural.

Esta pesquisa apoiou-se, inicialmente, em teóricos da área de

Ciência da Informação, como: Rafael Capurro, G. Wesing, T. Saracevic e

Jesse Shera.

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Em teóricos como Jacques Le Goff, historiador e pesquisador, da

área de história e memória social, onde reflete sobre o próprio conceito de

memória que, diante das transformações da sociedade, que vem sofrendo

alterações e tornando-se cada vez mais importante na busca e formação da

identidade dos indivíduos. Além desse autor, outros teóricos de grande

relevância para a elaboração do referencial teórico deste trabalho, foram Paul

Ricoeur e Maurice Halbwachs. O primeiro questiona, sob a ótica histórica,

sobre a memória e suas relações com o tempo passado, o tempo presente e

o tempo futuro fazendo uma abordagem esclarecedora do tema, dialogando

com Astor Antônio Diehl, sobre memória, representação e identidade. Desta

forma, foi possível tecermos esta abordagem consistente para a formulação

dos questionamentos e para uma maior proximidade com o objeto estudado.

Outras fontes importantes para nos contextualizarmos em relação ao

Museu do Ceará foram à professora e pesquisadora Cristina Rodrigues

Holanda, atual diretora do Museu do Ceará, que expõe importantes reflexões

sobre a constituição do mesmo, e o professor e ex-diretor diretor do Museu,

Régis Lopes, que tece reflexões sobre a problemática dos artefatos expostos

no Museu.

Para as reflexões sobre a cultura, seus aspectos conceituais e sobre

a identidade cultural, nos apoiamos em teóricos como Peter Burke, que

discorre sobre conceitos gerais e históricos da cultura; Antônio Augusto

Arantes, que explora, especificamente, e de forma introdutória, aspectos da

cultura popular e Stuart Hall que faz uma abordagem sobre identidade cultural

na pós-modernidade, permitindo-nos, desta forma, explorar os conceitos de

cultura e seus desafios nos dias atuais, diante das transformações sociais e

da busca pela construção de identidades culturais.

Buscando atingir os objetivos deste estudo, traçamos o percurso

metodológico posto no item que segue:

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1.1 Percurso metodológico

A presente pesquisa elegeu os passos a fim de atingir os objetivos e

responder os questionamentos inicialmente propostos. Tendo, portanto, um

caráter qualitativo do tipo documental. A pesquisa qualitativa assume diversas

funções nas Ciências Sociais, segundo Minayo e Sanches (1993), a

investigação qualitativa trabalha com valores, crenças, representações,

hábitos, atitudes e opiniões.

De acordo com Serapione (2000) os métodos qualitativos devem ser

utilizados quando o objeto de estudo não é bem conhecido. Por sua

capacidade de fazer emergir aspectos novos, de ir ao fundo do significado e

de estar na perspectiva do sujeito, são aptos para descobrir novos nexos e

explicar significados.

Quanto aos procedimentos técnicos, esta pesquisa pode ser

classificada como bibliográfica, para Marconi e Lakatos (2006), a bibliografia

pertinente “oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já

conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se

cristalizaram suficientemente” tendo como objetivo permitir ao pesquisador

um reforço na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas

informações.

Quanto aos meios (VERGARA, 1997), esta pesquisa classifica-se

como documental. Para Gil (2002), a pesquisa documental vale-se de

materiais que ainda não receberam tratamento analítico ou que ainda podem

ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa. Assim, adotou-se o

critério intencional como elemento seletivo, é identificado como uma

vantagem da pesquisa documental, que não exige contato com os sujeitos da

pesquisa, pois se sabe que, em muitos casos, o contato com os sujeitos é

difícil, tornando a informação, muitas vezes, prejudicada em função das

circunstancias que envolvem o contato. Informações importantes, também,

são encontradas nos folhetos explicativos editados pelo Museu e em

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atividades educativas para o público em geral promovidas pelo Museu, como

palestras e debates.

As fontes para o desenvolvimento da pesquisa documental são,

portanto, diversificadas e dispersas. Sob a análise de Gil (2002, p. 5) a

pesquisa documental tem diversas vantagens: “há que se considerar que os

documentos são fontes ricas e estáveis de dados. Como os documentos

subsistem ao longo do tempo, tornam-se a mais importante fonte de dados

em qualquer pesquisa de natureza histórica”. Elegemos como fontes para

este estudo:

a) O “Livro de impressões dos visitantes do Museu do Ceará”,

que contém depoimentos manuscritos dos visitantes, falas

importantes que contribuem para reiterar as memórias e

representações;

b) O catálogo das exposições permanentes: “Memórias do

Museu”, “Fortaleza: imagens da cidade”, “Poder das armas e

armas do poder”, “Povos indígenas: entre o passado e o futuro”,

“Artes da Escrita”, “Escravidão e abolicionismo”, “Padre Cícero:

mito e rito”, “Caldeirão: fé e trabalho” e o “Memorial Frei Tito”,

analisadas a partir da amostra fotográficas constante do Catálogo

de artefatos do Museu, publicado em parceria com a Secretaria

de Cultura do Estado do Ceará, no ano de 2010;

c) A entrevista semi-estruturada que “consta de perguntas

abertas, feitas verbalmente, em ordem prevista, mas na qual o

entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimento”

(LAVILLE & DIONE, 1999, p. 188). A entrevista objetivou interagir

verbal e não verbal com os dois entrevistados, Diretora e

Coordenador Pedagógico. Estes foram escolhidos, também, pelo

princípio intencional pó possuírem informações e conhecimentos

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que possibilitaram compreender o fenômeno em pauta. Entretanto,

buscando construir um diálogo aberto que os deixassem mais

espontâneos e naturais no ato da exposição dos seus pontos de

vistas e detalhes a serem acrescentados, segundo a temática de

cada pergunta. Podendo, dessa forma, ampliarem-se os

horizontes para construirmos uma análise reflexiva e crítica, tendo

eles autorizado a gravação e utilização, na íntegra ou em partes,

de suas falas;

d) A caderneta de campo, como instrumento das observações. A

técnica da observação, “revela certamente nosso privilegiado

modo de contato com o real: é observando que nos situamos,

orientamos nossos deslocamentos [...]” (LAVILLE & DIONE, 1999,

p. 176). A observação, porém, constitui um elemento fundamental

na investigação científica. Este instrumento permitiu uma maior

familiarização com o Museu, seu espaço, com o acervo, o público

e seus colaboradores.

Como procedimento analítico esta pesquisa adotou alguns elementos

da análise de conteúdo na perspectiva bardiniana (2000), contribuindo para

uma análise discursiva, em função do silenciamento histórico, para obtermos

respostas ao problema de pesquisa e, favorecendo um possível rompimento

com este silêncio. Segundo Bardin (2000), a análise de conteúdo baseia-se

em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir

os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação, e

posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias.

A abordagem da Análise de Conteúdo caracteriza-se pela produção

de sentido referente apenas a uma realidade dada a priori, ou seja, o objetivo

do tipo de análise preconizado pela Análise de Conteúdo é alcançar uma

pretensa significação profunda, um sentido estável, conferido pelo locutor no

próprio ato de produção do texto. (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005)

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Em termos de aplicação, a análise de conteúdo permite o acesso a

diversos conteúdos explícitos ou não, presentes em um texto, sejam eles

expressos no texto analisado; implicação do contexto político nos discursos;

exploração da moralidade de dada época; análise das representações sociais

sobre determinado objeto; inconsciente coletivo em determinado tema;

repertório semântico ou sintático de determinado grupo social ou profissional;

análise da comunicação cotidiana, verbal ou escrita, entre outros. (BARDIN,

2000).

Utilizando esses procedimentos metodológicos, obteremos dados

necessários e relevantes para respondermos satisfatoriamente as questões e

objetivos inicialmente propostos, analisando as informações obtidas e tecendo

as respectivas considerações.

A estrutura física deste trabalho está organizada da seguinte forma:

no primeiro capítulo, apresenta-se uma introdução geral sobre as temáticas

abordadas ao longo do trabalho, bem como a apresentação da problemática

de estudo, sua justificativa, objetivo e os principais teóricos que apoiaram o

estudo, bem como a estruturação de cada capítulo. Apresenta, também, os

procedimentos metodológicos da pesquisa, ou seja, o método, as técnicas,

instrumentos e os meios utilizados para realização desta.

No segundo capítulo expõe-se o referencial teórico da pesquisa, isto

é, as reflexões teóricas que fundamentarão este estudo. Analisando,

inicialmente, a relação interdisciplinar entre “Memória, Museologia e Ciência

da Informação, a partir de pressupostos da Ciência da Informação analisando,

assim, a relação com as principais temáticas da pesquisa em pauta e

dialogando com demais autores.

Analisamos no terceiro capítulo: aspectos, conceitos e relações de

‘Memória’, ‘Tempo’ e ‘História’, inter-relacionado ao passado, presente e

futuro; Considerações sobre os artefatos, enquanto documentos

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representativos da informação memorialística, interagindo com as questões

sobre cultura, identidade cultural e representação da informação.

No quarto capítulo refletimos sobre memória e identidade, da

construção de identidades em determinado tempo e espaço, analisando os

documentos representativos da informação memorialística no Museu, bem

como, uma discussão acerca da cultura.

No quinto capítulo fazemos uma breve abordagem sobre o contexto

histórico e cultural do Museu do Ceará, fundamental para nos

contextualizarmos em relação ao objeto físico em estudo.

O sexto capítulo desenvolveu uma análise e discussão dos dados,

verificando as unidades de registro: Memória, Representação da Informação e

Identidade Cultural, a partir das categorias: Exposições Permanentes, Livro

de Impressões dos Visitantes do Museu do Ceará (depoimentos) e Entrevista,

realizada com os dirigentes do Museu.

As considerações finais, oitavo capítulo, apresentam breves reflexões

e acerca da temática abordada, confirmando sua contribuição para as áreas

de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, assim como para a

sociedade e estudos posteriores.

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2 MEMÓRIA, MUSEU E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.

José Saramago1

______________________

Ao refletirmos sobre Ciência da informação, podemos considerar que

esta é uma disciplina científica ainda em fase de constituição, na tentativa de,

com outras disciplinas, estabelecer-se, “em um período de rupturas

paradigmáticas e epistemológicas, que toma características de nova, através

das transformações ocorridas no decorrer do século XX”. (WERSIG, 1993;

GALVÃO, 1998; PINHEIRO, 1995; LOUREIRO, 1995 apud FRANCELIN,

2003).

Mattelart (2002) analisa que a informação tomou novos rumos, indo

além de conservar um espírito concentrado na disponibilização e recuperação

da informação, a partir dos processos de tratamento técnico, sendo uma das

causas pelas quais a Ciência da Informação motiva-nos para uma reflexão

mais acurada sobre as questões que circundam seus paradigmas

(CAPURRO, 2003) e as discussões sobre interdisciplinaridade com outras

áreas e disciplinas do conhecimento.

Edgar Morin (2002) buscou em sua obra, situar parte da produção no

campo das novas concepções científicas ocorridas durante o século passado

e, sobre o que interessar a área da Ciência da Informação, é importante

considerar estas reflexões, análises epistemológicas e paradigmáticas como

uma proposta de interpretação dos fenômenos que ocorrem no mundo, o que

ele denomina de “pensamento complexo”.

1 José Saramago (1922-2010). Escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português. Fonte: <http://www.josesaramago.org>.

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Morin (2002), em síntese, propõe esta complexidade referindo-se a

“um conjunto de eventos, principalmente aqueles ligados à área científica, que

ocorreram no final do século XIX e que foram sendo debatidos, combatidos e

assimilados no decorrer do século XX” (FRANCELIN, 2003). Pode-se

considerar que, o que houve, na realidade, foi um tipo de Revolução

(JAPIASSU, 1985; KUHN, 2001; EPSTEIN, 1988), de quase três séculos de

determinismo, de racionalismo, de univocidade, de concepção mecânica de

mundo e, principalmente, da certeza que se transferia ao experimento

científico; porém, tudo isso é dissipado com as descobertas da própria ciência

(MORIN, 2002; 1999).

Considerando este momento, podemos citar as obras de Hilton

Japiassu, com A revolução científica moderna, de 1985, Abraham Antoine

Moles, com A criação científica, de 1971 e Gaston Bachelard, com A

formação do espírito científico, de 1938, compreendendo que pode ser a partir

de um “instintivo conservativo” que se manteve, por tanto tempo, a premissa

racionalista e determinista da ciência e, mesmo com a própria ciência

aceitando a imprevisibilidade do mundo, a discussão acerca dos novos

paradigmas e das possíveis rupturas epistemológicas ocorridas na ciência

que quase atravessou o século XX.

Existe a algum tempo, certo debate sobre as soluções que surgiram

das mais diversas fontes sobre os estoques extensos de informação, quase

todas propõem e realizam a facilidade de acesso a tais informações.

Diversos programas foram criados voltados para a socialização

informacional “fundamentada em um idealismo fortuito e, por vezes, ilusório”

(FRANCELIN, 2003). Observa-se ainda que, parte dos cientistas da

informação apoiou programas que propunham socializar a informação, isto

ocorre não em nível micro, mas em macro, ou seja, o ensejo da socialização

da informação embalada pela construção de grandes sociedades de

informação.

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Baudrillard (1994) percebe que a quantidade de informação

disponibilizada não significa necessariamente socializar, pois para socializar,

teria que haver reciprocidade. Desta forma, a informação, para ser

socializada, precisaria ser aceita e necessária pelo e para o indivíduo e,

assim, os responsáveis por este projeto de socialização, também, precisam

saber se o indivíduo possui a disposição de receber a informação

disponibilizada (BAUDRILLARD, 1994). Se isto não partir de maior

esclarecimento, a informação pode continuar sendo estoque, o que, de certa

maneira, mantém este instinto conservativo da ciência da informação.

Estudar a memória no homem, então, não é estudar uma “função

mnemônica” isolada, mas é estudar os meios, os modos, os recursos criados

coletivamente no processo de produção, apropriação e produção da

informação, cultura e construção de identidades.

Sob o ponto de vista do Paradigma Social, da forma como foi

descrito por Capurro (1991), a principal característica é o fato de os

processos informacionais serem uma construção social, portanto, acredita-

se que este trabalho, como vimos, pauta-se nas características identificadas

neste Paradigma e em seus principais enfoques.

O “[...] Paradigma Social, que tem suas origens na obra de Jesse

Shera, oriundas da década de 1970, atualmente é representado pelas

teorias de Bernd Frohmann, Birger Hjørland, Rafael Capurro e Søren Brier.”

(CAPURRO, 2003, p. 10). Capurro (1991) apresenta as diversas ferramentas

e práticas das ciências sociais e da filosofia que vêm sendo utilizadas pela

Ciência da Informação, dentre elas: hermenêutica; análise de discurso;

análise de domínio; redes sociais. Complementar ao paradigma social, como

uma vertente orientada para a filosofia, Capurro também cita a semiótica, de

Charles Sanders Peirce, e a hermenêutica, representada por Wittgenstein,

Wersig, Winograd e Flores, Aristóteles e Heidegger.

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Partindo dessas reflexões introdutórias, temos subsídios para

analisarmos a importância desta abordagem sobre as mudanças

paradigmáticas e epistemológicas, fazendo-nos refletir sobre a

interdisciplinaridade da Ciência da Informação, destacando as áreas

Memória e Museologia, numa busca constante de afirmação e confirmação

por esta perspectiva.

2.1 A interação entre Ciência da Informação e Museu

Partimos de uma perspectiva social para refletirmos sobre Ciência da

Informação, considerando sua determinação a partir das questões, demandas

e relações sociais que constituem suas temáticas de estudo abordadas.

Almeida, Bastos e Bittencourt (2007, p. 4) afirmam que os possíveis

objetos da Ciência da Informação são definidos, ultimamente, de acordo com

o grau de aproximação com os sujeitos instalados em grupos sociais:

[...] exemplos disso estão nos estudos dedicados à organização da informação, os quais deixaram de focar as técnicas de organização para concentrar-se nos sujeitos que definem os mecanismos de organização, sua linguagem e seu modo de ver o mundo e organizar o conhecimento (ALMEIDA; BASTOS E BITTENCOURT, 2007).

De algum modo, isto requer contribuições das diversas disciplinas das

ciências sociais e humanas. Almeida (2006, p. 170) corrobora, neste sentido,

refletindo que:

[...] a Ciência da Informação é um produto da atividade humana que está sendo construído pelos agentes sociais (pesquisadores, profissionais, instituições de ensino e fomento, associações profissionais e científicas, estados e instituições multilaterais) [...].

Sendo assim, as interações sociais contribuem para confirmar esta

realidade, possibilitando a troca entre os sujeitos que interagem neste

processo.

Berger e Luckmann (2002) analisam questões acerca da construção

desta realidade, afirmando ser indispensável este interacionismo para

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divulgação dos conhecimentos que conferem a noção de realidade à

sociedade.

Esta reflexão vai ao encontro do foco deste tópico, quando sugerimos

destacar a relação entre Ciência da Informação e a Museologia que é

possível identificá-la quando debatemos sobre os fundamentos históricos e

sociais da Ciência da Informação, especificamente, ao que tange a

‘Epistemologia Social de Shera’ (1973), a ‘Hermenêutica de Capurro’ (2003) e

a ‘Abordagem do Conhecimento de Wersig’ (1993).

A Epistemologia Social de Shera (1973) faz uma crítica à

epistemologia tradicional, estabelecendo uma nova contextualização a partir

do indivíduo. Ou seja, nesta abordagem Shera (1973) estuda o conhecimento

a partir do indivíduo, trazendo à tona, uma Epistemologia Social para a

Ciência da Informação, formando-se um elo entre sociedade e conhecimento,

dando ênfase no ser humano e na sociedade e “em todas as suas formas de

pensar, agir, comunicar” (SHERA, 1973, p. 90).

Capurro (2003) reflete sobre uma concepção Hermenêutica para a

Ciência da Informação, idéia, atualmente, bastante difundida entre estudiosos

e pesquisadores da área.

Nesta abordagem percebemos a concepção Hermenêutica construída

a partir da “compreensão de um ser no mundo em relação aos outros”,

contrapondo a virada cognitivista que “pressuponha uma relação entre os

seres, destituída de contexto, com a virada pragmática, na qual a informação

ser apreendida no nosso modo de interagir com o mundo” (RENAULT;

MARTINS, 2007, p. 138), apontando, assim, para uma perspectiva social,

para a compreensão das relações humanas com a informação, sugerindo

uma relação dialógica de interação social.

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Em seguida, a Abordagem do Conhecimento apontada por Wersig

(1993) pressupõe uma mudança no papel do conhecimento a partir da

compreensão do outro.

O discurso de Wersig (1993) considera que a Ciência da Informação

deve compreender a mudança do papel do conhecimento para os indivíduos,

as organizações e as culturas, que seria a grande transformação da

sociedade contemporânea.

Assim, Renault e Martins (2007, p. 144), sintetiza: “interessa-nos reter

que a perspectiva de compreensão de como o ser humano utiliza o

conhecimento consubstancia a idéia da Ciência da Informação como uma

ciência da ordem das questões sociais”. Esta perspectiva social da Ciência da

Informação subsidia questões acerca da relação existente com a Museologia.

Lima (2007, p. 2) afirma que a origem dos Museus

[...] remonta ao Mouseion, palavra grega que tem servido para designar espaço e, também, ‘templo’ das Musas. O registro histórico deixou marcada a indicação de um local na Grécia, colina de Hélicos (Atenas) e de outro no Egito, em Alexandria.

Estes espaços, de acordo com as reflexões de Lima (2007),

consistiam em espaços que reuniam sábios da filosofia e das artes para a

construção de saberes, inspirado pelas Musas, levando em consideração o

poder mítico, fazendo-se oferendas em santuários que eram inseridos nestes

locais.

Porém, destaca-se:

[...] o local no qual se reuniam os membros do grupo erudito na Grécia já assinalava o que seria considerado, séculos depois, nos estudos acerca da Museologia e sua configuração. Por exemplo, os setores técnicos administrativos e de estudos dos museus (biblioteca), territórios de exibições (galerias com obras de artes e alamedas naturais) e, ainda, tipologias museológicas de classificações diversificadas (jardim botânico) incluindo-se espaços abertos (museus ao ar livre) (LIMA, 2007, p. 3).

Percebemos, então, que a Museologia como campo do saber,

articula-se como geradora de conhecimento a partir dos pressupostos

históricos da constituição dos Museus, dotados de acervos estabelecidos

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sócio-culturalmente, ao longo dos anos. Dessa forma, visualiza-se o museu

como “um espaço destinado à disseminação do conhecimento, cuja função

socializa-se à medida que se aproxima daquilo a que chamamos de memória

social”. (YASSUDA, 2009 p. 22)

Lima (2007), a partir de Pomian (1984), trata das relações da

Museologia com outras disciplinas do conhecimento, inicialmente, tomaram

como elementos referenciais os artefatos culturais ligados aos cultos e aos

rituais, formadores das primeiras coleções de arte que se tem registro.

O campo da Museologia, no entanto é representado pelo Museu, o

que atualmente pode ser visto como heterogêneo, tendo em vista os artefatos

disseminadores da informação e dos elementos constitutivos da memória

coletiva, desta forma, reconhecendo e considerando a existência da

contribuição entre as disciplinas e seus mecanismos geradores de trocas,

[...] lembrando que as contribuições interdisciplinares ocorrem em áreas de aplicação de disciplinas, motivo pelo qual essa tipologia é acolhida nos estudos do cruzamento de fronteiras do conhecimento. (LIMA, 2007, p. 6).

Portanto, a Museologia, trabalhando subcampos como a

Documentação Museológica e questões relacionadas à catalogação,

indexação e recuperação da informação de acervos museológicos,

estabeleceu diálogo com a área da Ciência da Informação, interagindo, neste

contexto, com técnicas de outras disciplinas relacionadas, como a

Biblioteconomia e a Computação.

Crofts (1997) aborda que com esta interação a necessidade de

automação dos acervos foi percebida e intensificada, a partir da década de

oitenta, com a aplicação da informática, quando ocorreu também o advento

da internet, sendo possível a ampliação do processo informacional e de

representação dos conteúdos disponíveis, percebe-se que “as novas

tecnologias de informação e comunicação já estão presentes no campo

museológico” (LIMA, 2007, p. 10).

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Podemos ainda concatenar a estas idéias o fato de que as instituições

museológicas são instituições dinâmicas como refletimos. Observando esta

dinâmica interdisciplinar podemos desenvolver sentidos amplos e

diversificados que revelam o enfoque da noção de interdisciplinaridade

abordada, numa perspectiva social e cultural estabelecida e consolidada.

Apesar da multiplicidade de fatores envolvidos, a área da Ciência da

Informação encontra-se num importante processo de consolidação

interdisciplinar com as mais diversas áreas do conhecimento, especificamente

com a Museologia, a qual nos referimos. A ciência da Informação, portanto, é

uma área que se desdobra dos conceitos introdutórios e gerais de ‘ciência’ e

‘informação’, termos com muitas definições concorrentes.

Consideramos a importância desta reflexão para as Ciências

Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Pois, todo esse processo de

construção e perspectiva interdisciplinar requer conhecimentos, que só

poderão ser discutidas a partir de leituras que transformarão indivíduos em

seres humanos críticos e reflexivos, agentes capazes de percorrer caminhos

previstos e imprevistos modificando a realidade social.

Ao que se refere às dimensões do assunto, que não pretendeu uma

cobertura mais abrangente, pois é, antes, uma abordagem preliminar dos

temas centrais ligados entre si, que fundamentaram teoricamente esta

reflexão.

A sua importância consiste em analisar e identificar as informações

passadas no espaço do Museu que possam vir contribuir para o

enriquecimento e consolidação das concepções de memória, norteadas pelas

concepções de informação, agindo e interagindo dentro de um mesmo

universo, podendo ser debatidas da mesma maneira, mas por apresentar

suas especificidades, devem ser trabalhadas e refletidas levando-se em

consideração seus próprios pressupostos. Por isso tratamos de reunir

conceitos, conhecer abordagens e verificamos os paralelos existentes para

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traduzirmos o diálogo existente que, algumas vezes, tem provocado

interpretações superficiais.

Busca-se construir um novo olhar, de redescobrir o que possuía a

Ciência da Informação, enquanto arcabouço teórico, explorando abordagens

fundamentais para o estabelecimento desta construção interdisciplinar.

Nesta dinâmica está a interação dos fatos, que se integram e formam

unidades cada vez maiores, assim, conduzem-nos para mudanças e mostra-

nos a interdependência dos seres humanos e instituições que são capazes de

transformar as configurações da sociedade atual.

Objetivamos contribuir com as reflexões já existentes acerca da

interdisciplinaridade da Ciência da Informação e Museologia, construindo uma

interface entre informação e memória, haja vista o impulso e a importância do

assunto abordado para as instituições museológicas e para os pesquisadores.

Pensar o museu como espaço comunicacional e emissor de

informação, segundo Castro (1999, p. 15), “constitui-se em um fato científico

que o assenta como território a ser explorado para removerem-se camadas

cristalizadas de informação de contemplação estática e alienação conceitual”.

Com base nesta reflexão, torna-se indispensável visualizarmos as

instituições museológicas como um espaço dinâmico de construções e

reconstruções da memória, uma fonte de informação indispensável para a

sociedade em âmbitos culturais e educacionais, tendo por papel social a

construção de mentalidades críticas e conscientes dos seus valores e de seu

espaço de vivência, atuando como agentes de transformação social.

Considerando esta dinâmica interdisciplinar podemos desenvolver

sentidos amplos e diversificados que revelam o enfoque da noção de

interdisciplinaridade abordada, numa perspectiva social e cultural

estabelecida e consolidada.

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2.2 Ciência da Informação: entre a memória e a história

A Memória trata-se de um vasto campo de estudo, atravessando

diferentes áreas do conhecimento, variadas abordagens, sob diversas

perspectivas teóricas e disciplinares, por isso, sendo difícil uma delimitação

conceitual.

Olick e Robbins (1998) refletem que os estudos sobre Memória Social

é uma rubrica geral de investigação tendo por objeto a análise das diferentes

formas pelas quais somos moldados pelo o passado, consciente ou

inconscientemente, de forma material ou comunicativa, de modo consensual

ou conflitual.

Presente desde a antiguidade, na Grécia, o tema ‘memória’ ocupa um

lugar importante nas discussões nas mais variadas áreas e disciplinas. A

deusa Mnemosyne dirige a função poética, é a mãe das musas, responsáveis

pela inspiração dos poetas.

Jean-Pierre Vernant (1973, p. 71-97), no seu estudo sobre os

Aspectos míticos da memória, reflete sobre o papel da divindade nestes

tempos imemoriais:

[...] a memória relaciona-se, também com as intervenções sobrenaturais, a poesia é uma forma de possessão e de delírio divino: os aedos criam incorporados pelas musas. Comparado ao profeta, que se inspira em Apolo, o pesquisador confere aos dois, poeta e profeta, dons de vidência, diferenciando-os na questão temporal: o adivinho faz prospecção, projeta o futuro; baseia-se no passado, não o individual, mas o dos tempos primordiais. A memória transporta o poeta ao coração dos acontecimentos antigos da coletividade. (FARES, 2008, p. 4)

Analisaremos o binômio ‘Informação e Memória’ na tentativa de

instituir no campo da Ciência da Informação, o discurso, possibilitando a

prática das representações sociais da informação e do conhecimento,

articuladas através da memória coletiva.

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Os estudos sobre Memória Coletiva de Maurice Halbwachs (2006),

sob a influência da perspectiva durkheimiana, apresentam a abordagem que

se centra no caráter instrumental da recordação coletiva e da sua construção

no presente por poderes constituídos.

As lembranças, de acordo com Halbwachs (2006), são coletivas e nos

lembradas por outros, mesmo em se tratando de alguns eventos e artefatos

em que somente nós estivemos envolvidos e vimos. Ele enfoca a questão

coletiva e social em sua análise, quando enfatiza: “[...] isto acontece por que

jamais estamos sós. Não é preciso que outros estejam presentes,

materialmente distintos por nós, porque sempre levamos conosco e em nós

certa quantidade de pessoas que não se confundem”. (HALBWACHS, 2006,

p. 30)

A memória, para Maurice Halbwachs, reflete uma função de imagem

do passado que, ao ser compartilhada, promove um laço de filiação, entre os

membros de um grupo com base no passado coletivo, conferindo-lhe uma

visão de imutabilidade, ao mesmo tempo em que cristaliza os valores e as

acepções predominantes do grupo ao qual às memórias se referem.

(PERALTA, 2007). Desta forma, percebe-se a influência do pensamento

durkheimiano. Halbwachs considera, assim, a memória coletiva como o locus

de ancoragem da identidade de um grupo, assegurando sua continuidade e,

de certa forma, sua preservação no tempo e no espaço.

O sociólogo distinguiu, ainda, dois tipos de memória: a

“autobiográfica”, pessoal e vivida, que necessariamente sofre influência do

meio social. Segundo Petersen (2006), filtrada pelo presente e a “memória

histórica”, que é passada para o indivíduo pela coletividade e que se refere a

coisas e processos do passado que ele não vivenciou. Este processo pode

ser identificado como um processo de transmissão de informações,

produzindo memórias e, a partir desse processo, essas memórias passam a

fazer parte da sua história.

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Halbwachs (1925) instituiu o que ele denominou de “quadros sociais

da memória” ou das “representações coletivas”, temática desenvolvida em

seu trabalho escrito de 1925, intitulado Les cadres sociaux de la mémoire.

Nessa obra, o autor procurou estabelecer o que pode ser considerado como

os princípios fundamentais de uma teoria sobre memória.

A questão central trabalhada por Halbwachs (1925 apud PETERSEN,

2006, p. 211) é: quaisquer que sejam as lembranças do passado que

possamos ter - por mais que pareçam resultado de sentimentos,

pensamentos e experiências exclusivamente individuais –, só podem existir a

partir dos “quadros sociais da memória”.

Halbwachs (2006) analisou que nós construímos nossas memórias

enquanto membros de determinados grupos sociais e que para tal utilizamos

as convenções sociais presentes na sociedade em que vivemos. Como

salienta Santos (1998 apud PETERSEN, 2006), com base na teoria de

Halbwachs, indivíduos não se lembram por eles mesmos, isto é, para

lembrarem, necessitam da lembrança de outros indivíduos, confirmando ou

negando suas lembranças, as quais estão localizadas em algum lugar

específico, no tempo e no espaço.

Desta forma, para Halbwachs (2006), quando nos lembramos de um

evento passado, o fazemos por meio da reconstrução de uma série de

imagens fragmentadas e de um conhecimento acumulado a partir de

experiências já vivenciadas:

[...] no momento exato em que se expressa o passado sob a forma de imagem reconstruída, dá-se ao passado uma localização específica no tempo e no espaço. Logo, como a imagem lembrada é sempre uma criação do presente, há sempre uma distância entre a imagem construída sobre o passado – em gestos, pensamentos ou ações – e o passado, embora este último não esteja ausente da imagem do presente. (PETERSEN, 2006, p. 211)

Assim, a memória individual não é possível sem determinados

instrumentos, que se situam exterior ao indivíduo, como as palavras e ideias

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que não são invenções dos indivíduos, mas selecionados, de certa forma, do

meio social em que vivem.

Sobre esse aspecto Bosi (1994) afirma que estas relações não ficam

restritas ao mundo da pessoa, mas constroem-se na realidade interpessoal e

sofre influência das variadas instituições sociais de que participa o indivíduo,

tais como: classe social, a família, a escola, a igreja, a profissão.

As considerações de Halbwachs podem ser resumidas no que afirma

Bosi (1994, p. 55):

[...] a lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão agora à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. O fato de lembrar o passado no presente exclui a identidade entre as imagens de um e outro e propõe a sua diferença em termos de um ponto de vista.

Reforçando esta reflexão, é possível recorrer a Agnes Heller (1993, p.

53), que considera a recordação passada “uma interpretação ou uma

reconstrução do passado”. Segundo Heller (1993, p. 53), “as experiências que

tivemos, nossos interesses, sinceridade e insinceridade, tudo isso modifica

aquilo que reconstruímos o modo pelo qual o fazemos e o tipo de significação

que atribuímos ao passado reconstruído”.

A memória, portanto, se constitui, seja ela individual ou coletiva, a partir

do presente, dialogando sempre com os objetos que recortamos para analisar

a condição do conhecimento materializado na contemporaneidade. Nesta

perspectiva, a informação entra em contexto e vai ao encontro dos aspectos

materiais e imateriais dos objetos construídos pela sociedade.

Consideremos as questões tratadas até então, objetivando contribuir

para a construção das discussões sobre a relação interdisciplinar entre

Informação e Memória, tendo em vista o estabelecimento de um diálogo onde

seja possível a operacionalização desta interação.

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Dodebei (2010) afirma que a aproximação destes da inter-relação

destes conceitos não é recente, como orienta-nos a história das ciências, das

letras e das artes. Entretanto, somente, no século XX o mundo foi visto e

estudado como um espaço informacional e memorial, em que aspectos

materiais e imateriais criados pelo a sociedade entram em disputa.

Informação e Memória “são a face imaterial da economia representada

pelo o consumo de bens que transitam nas redes sociais ubíquas e, ao

mesmo tempo, a face material dos percursos da valorização de bens culturais

e da valorização de patrimônios”. (DODEBEI, 2010, p. 59)

Analisar as questões informacionais da contemporaneidade pode ser

considerado um desafio expresso, de forma fundamental, pelos mais

abrangentes usos, conceitos e definições que podem ser associados ao termo

‘informação’. Souza (2007, p. 2) afirma que “as complexas teias relacionais,

representações e implicações em termos práticos, dentro das quais se

desenvolvem fenômenos de informação, nos remete a uma gama também

bastante diversificada de possíveis perspectivas e abordagens”. Compreende-

se que, pela interação com os mais variados campos do conhecimento e

domínios epistemológicos, será no âmbito da Ciência da Informação, com

suas propriedades essencialmente interdisciplinares, que tais realidades

poderão ser analisadas considerando o vasto campo teórico que compõe o

universo de construção, conhecimento e usos da informação.

A memória social representada e o espaço no qual a informação é

considerada “insumo cultural” é ambiente propício para desenvolverem-se

estudos e diversas ações relacionadas à informação.

Os meios de produção, armazenamento e circulação de

memórias/informações, conforme Dodebei (2010, p. 60), “são números em

sua essência e imagens na sua aparência”.

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Dodebei (2010) utiliza o modelo de caráter sistêmico denominado

“Ciclo da Informação” para concentrar a realidade da representação do

conhecimento nas seguintes etapas: produção, registro, aquisição,

organização, disseminação e assimilação. Segundo a autora, essas etapas

tendem simplificar os processos criados pela produção, acumulação, uso do

conhecimento e produtos gerados em diversas formas de representação.

(DODEBEI, 2002)

Figura 1 – Ciclo da Informação Documentária.

Fonte: DODEBEI, V. L. D. Linguagem de representação da memória documentária. Niterói: Intertexto; Rio de Janeiro: Interciência, 2002.

Este modelo vai ao encontro dos estudos memorialísticos, a partir do

momento em que conseguimos estudar e demonstrar a ‘memória’, não

somente como o objeto de uma única disciplina, mas, como um campo de

produção de conhecimento de várias disciplinas que a tem como objeto, com

a riqueza de olhares e perspectivas de abordagens.

Sobretudo, se observamos a abordagem de Le Coadic (2004, p. 4)

podemos considerar a informação como um conhecimento humano, “com

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características cognitivas, resultantes do ato de conhecer e capaz de

transformar idéias e aspectos comunicacionais”.

Em termos etimológicos, vislumbramos em Capurro (2003, p. 2) que a

palavra informação – que vem do latim ‘informare’ – significa “dar forma”,

“colocar em forma”, o que remete aos sentidos de criação, apresentação e

representação. Capurro busca as origens epistemológicas do conceito de

informação: ‘informatio’, denotando aspectos ontológico, epistemológico,

pedagógico e lingüístico. Assim, ‘informação’, aponta para os aspectos de

mediação entre mente e objetos, uma vez que são percebidos pelos nossos

sentidos.

Sendo assim, os estudos e reflexões em torno (e relacionando) da

‘memória’ e ‘informação’ podem ser respaldados a partir do momento temos

um corpus teórico consistente que caminha em direção a estruturação sólida

desta relação. A ausência desta estrutura seria decisiva para desestruturar o

campo informacional memorialístico no âmbito dos museus, por exemplo.

Neste contexto, acredita-se, terem-se as bases teóricas necessárias

para o estabelecimento e a composição de um cenário onde as relações entre

informação e memória, essenciais a este estudo, possam ser visualizas e

refletidas, levando em consideração o campo informacional onde são

estabelecidas as interações sociais.

2.3 A informação nos museus

O artefato museológico é um documento portador de uma gama

complexa de informações. E a estrutura desta informação, segundo Castro

(1999), está exigindo normatização sistemática e análise metodológica,

voltada para as questões do universo museológico.

Para Mensch (1990), os artefatos adquirem uma posição de destaque

na museologia como condutor de informação. Assim, o artefato museal como

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produtor e agente de informação, constrói significados no espaço

museológico, enquanto referência simbólica, possibilitando a construção do

discurso próprio do museu.

Maroevic (apud MENSCH, 1994, p.11) afirma que o conceito de

informação associado a museu amplia a propriedade do objeto enquanto

documento ou valor documentário. O artefato como fonte de informação

museológica, configura-se a partir de sua construção, tanto de ordem

simbólica como material. Significa que “a informação não pode ser separada

de seu suporte físico e semântico” (CASTRO, 1999, p. 25).

Porém, vale ressaltar que no Brasil, apesar do caráter fundamental

das ações de documentação,

[...] a situação da documentação e informação em museus, tem características próprias de um país no qual a memória, patrimônio, identidade cultural e preservação se inserem de forma muito frágil nas políticas públicas culturais. (PINHEIRO, 1997, p. 157)

É fundamental que os agentes envolvidos com as atividades em

museus estejam conscientes do potencial informacional com o qual estão

lidando, pois é certo que, sem conhecer o potencial da informação que está

nas suas coleções e reservas técnicas, os museus acabam por minimizar sua

presença e atuação.

Mikhailov (1980 apud KLAUS, 1990, p. 75), reflete esta questão ao

indicar que a “informação é como um reflexo no espelho, de algum objeto, um

reflexo que só existe se houver espelho”, destacando uma propriedade da

informação.

Assim, refletindo acerca da informação museológica, é necessário

distinguir suas propriedades a fim de que sua mensagem seja compreendida.

O conteúdo informacional que compõe os artefatos no museu, decompõe-se,

segundo Castro (1999), em informação semântica, portanto científica, e em

informação estética, de teor cultural, pressupondo características e estruturas

diferenciadas para as características da informação museológica: “semântica

e estética” (CASTRO, 1999, p. 26).

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Moles (1978) constata que a vertente estética da informação vincula-

se diretamente à emissão proposta pelo objeto, no que concerne a sua

imprevisibilidade e originalidade. “Mensagem que atua sobre a emoção

estética, suscita estados interiores, age sobre a psicofisiologia do indivíduo.

Estados que se vinculam a sistemas simbólicos intraduzíveis, sem estrutura

de linguagem” (CASTRO, 1999, p. 25).

O Museu, portanto, como espaço estruturado, proporcionará tanto a

fruição estética quanto a aquisição de conhecimento, possibilita o contrato

efetivo com os dois níveis de informação.

Segundo Castro (1999) a partir das categorias estruturais da

informação museológica, decompõem-se os segmentos informacionais que

seriam determinantes para complementar a análise do processo museal,

através da qual, o artefato museológico teria uma estrutura documentária

consistente e de referência, que representaria um conjunto de informações,

visando à representação e preservação.

A representação da informação, identificada, neste caso, como a

representação do conhecimento de forma simbólica: “a representação da

informação significa o manejo conceitual do documento em alguma forma ou

estrutura, o que, no mínimo, implica uma linguagem – seja natural, artificial,

codificada – ou combinação de linguagens” (SARACEVIC, 1970, p. 22 apud

CASTRO, 1999, p. 26).

Considerando esta função simbólica dos artefatos, como evidencia e

testemunho de uma realidade que o museu deseja preservar e reproduzir

pode-se observar, a partir de um conjunto destes, os objetos que de possuem

relações entre si e que, baseado em um tema, é possível elaborar narrativas.

Podemos pensar o museu como espaço comunicacional e emissor de

informação e compreender a relação que acompanha o homem e sua

trajetória no campo material – sua vinculação com o objeto – e o campo

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simbólico em sua expressão museológica. Observando que a relação entre

linguagem, significado e realidade representa um desafio para a difusão de

conteúdos, assim como possibilita a interação simbólica. (ENNES, 2003)

Pinheiro e Benchimol (2004) caracteriza o Museu como um lugar de

representações da memória, em que pesem os atributos para emergência

atual de preservação, estabelecendo-se como instituição simbólica, tendo em

vista o conjunto de significados que revestem os artefatos museológicos,

numa dimensão de expressivo documento cultural, representando uma

estrutura de registros com possibilidade de dar conta de sua representação.

Os museus são parte de processos de construção e reconstrução do

passado, em que a memória aparece associada à definição de identidades

culturais. A construção dos museus faz parte da construção de identidades

coletivas e estas são compreendidas a partir de valores culturais herdados do

passado, lembrança e esquecimento, processos de interações sociais e

políticas estratégicas de atores e grupos sociais. (SILVA, 1998).

Desta forma, sendo viável identificarmos as instituições museológicas,

quanto instituições comunicativas, fontes de informação e pesquisa científica

e estética, produtora e disseminadora de informação e conhecimentos,

considerando o contexto cultural de pluralidade social.

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3 MEMÓRIA, TEMPO E HISTÓRIA

A memória, então, não é nem sensação nem julgamento, mas é um estado ou qualidade (afeição, afeto) de um deles, quando o tempo já passou [...]. Toda memória, então, implica a passagem do tempo. Portanto só as criaturas vivas que são conscientes do tempo podem lembrar, e elas fazem isso com aquela parte que é consciente do tempo.

Aristóteles.2

____________________

A sociedade contemporânea está, cada vez mais, caracterizada como

sociedade do esquecimento, “marcada pelo domínio homogeneizador da

informação midiática, (SILVA, 2001, 102)”.

Recuperar o passado seja ele individual ou coletivo, por meio da

memória, configura-se como um dos caminhos possíveis para a redescoberta

dos processos de representação social e cultural, e, por conseguinte, para a

redefinição de projetos que relacionam passado, presente e futuro. De acordo

com Diehl (2002) o tempo, espaço e movimento passam a compor

expectativas existenciais, essencialmente, no que tange os quadros de

[...] re-simbolização e revalorização dos sentidos e funções culturais [...]. Tempo como força de corrosão, espaço como o locus da experiência da rememorização e o movimento como a estrutura simbólica da cultura são os elementos constituidores da(s) memória(s) e da(s) identidade(s). (DIEHL, 2002, p. 111-112, 114).

A memória, como vimos, está ligada à cultura, podendo relacionar-se

com um momento particular (memória individual) ou coletivo (memória

coletiva) no espaço e no tempo. Concordando com o autor, o tempo tem ação

sobre o espaço da experiência destituindo a diferenciação e/ou a integração

resultando em movimentos culturais identitários. Sob a ação do tempo, o

espaço da experiência produz possibilidades de sistematizar as lembranças

2 ARISTÓTELES. Da memória e da reminiscência. Lisboa: Imprensa Nacional, 1986.

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em memórias, sendo possível somente, à medida da conscientização da

experiência do presente. Sobre isto Diehl (2002, p. 114) afirma:

Entretanto, o processo de conscientização da experiência presente, através da rememorização, configura-se como ponto chave da contemporaneidade daquilo que podemos chamar de identidade. O ato de rememorar produz sentido e significação através da ressubjetivação do sujeito e a repoetização do passado, produzindo uma nova estética do passado. A nova estética do passado é, nesse caso, a forma compensadora daqueles elementos culturais do passado impossíveis de reconstituição pela rememorização, pois a ação do tempo é forte demais. (DIEHL, 2002, p. 114)

A isto podemos chamar de ‘Rizomas da Memória3’, quando

percebemos este movimento, desenraizando neste espaço de experiências,

provocando certo alisamento que reage sobre o espaço estriado – amarrado

sob registros do real, do imaginário e do simbólico - como, semelhantemente,

ocorre nos processos memorialísticos.

Ricoeur (2007) dialoga com Koselleck4 sobre as noções de “horizonte

de expectativa” e de “espaço de experiência”, constitutivas da consciência

histórica, para demonstrar nesse estudo da memória a pertinência da noção

agostiniana dos "três presentes". O “horizonte de expectativa” e o “espaço de

experiência” se intercruzam na experiência do presente histórico, do mesmo

modo que a espera e a lembrança na experiência de vida de cada pessoa no

presente. A memória lembra Ricoeur, é sempre a memória de alguém que faz

projetos (presente) e que visa ao devir (futuro).

A ‘memória’, diferentemente da ‘lembrança’ se afirma sobre

“experiências consistentes”, ou seja, a memória está contextualmente

instituída por um indivíduo ou grupo social, atualizada ou reelabora em

determinados contextos históricos, podendo ser constituída como fonte

3 Entende-se por ‘Rizoma’, nas colocações de Deleuze; Guatarri (1997), enquanto movimentos de massa que, mesmo sem simetria, as seguimentam ou estriam em processos onde as massas e fluxos se conectam e desenraizam como nos processos de memorialísticos. 4 Reinhart Koselleck (Görlitz, 23 de abril de 1923 — Bad Oeynhausen, 3 de fevereiro de 2006) - foi um dos historiadores alemães do pós-guerra, destacando-se como um dos fundadores e o principal teórico da História dos Conceitos, sendo também, notável seu interesse pela Teoria da História.

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histórica, enquanto que, a lembrança, é uma representação produzida pela

experiência memorialística.

O teórico Paul Ricoeur (2007), nesse contexto, por um lado, faz uma

abordagem dos mecanismos das apropriações dos tempos históricos, e por

outro, dos processos de construção e de transmissão de uma memória social,

constituindo um desafio para as construções historiográficas.

A memória individual e coletiva, segundo Ricoeur (2007) vista como

objeto de manipulações freqüentes (de ordem política e ideológica), passa,

assim, a integrar o “território do historiador”. Inspirando-se em análises

psicanalíticas (sobre o “recalque”, o “luto”) e filosóficas (sobre o tempo, o

silêncio, etc.). Este passa a desempenhar, nesse trabalho de construção da

memória, uma função de mediador, adequando os relatos de memórias

individuais à veracidade histórica, elaborando uma reflexão sobre a própria

noção de tempo. Em outras palavras, “cabe-lhe a tarefa da apreensão da

relação do presente da memória (de um acontecimento) e do passado

histórico (desse acontecimento), em função da concepção de um futuro desse

passado” (SILVA, 2002, p. 427).

Partindo das análises de Ricoeur (2007) em torno das relações entre

história e memória, compreendemos o significado da relação entre a

lembrança e o esquecimento, dos mecanismos de apropriação dos tempos

históricos, bem como o processo de representação e transmissão da

memória.

Conforme as reflexões de Ricoeur (2007), a especificidade da

memória (fragilidades e abusos), pressupõe levarmos em conta a sua dupla

dimensão do privado e do público.

Corroborando com este pensamento, Silva (2002) atribui à memória a

noção de “experiência interior”, que conotou na tradição filosófica, desde os

tempos remotos, a mesma idéia de imaginação. A memória visaria, nesse

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sentido, o passado construído e transmitido por imagens e representações. A

partir desta percepção de uma memória influenciada pelo imaginário

resultaria, segundo Ricoeur (2007), a vulnerabilidade desse conceito, ou seja,

a memória, visando unicamente à interioridade, torna-se objeto de dúvidas e

de suspeitas.

Ricoeur (2007) no final da década de 90, novas reflexões sobre a

temática da memória e da história. Partindo da demonstração de uma

constituição simultânea. A memória privada e a memória pública se instauram

e se cruzam mutuamente.

Em Tempo e Narrativa, Ricoeur (2007, p. 168) explicita e interpreta a

relação memória individual e passado histórico através da noção do “mundo

dos predecessores”, correspondendo, desta forma, a um tempo “anônimo”,

situado “a meio caminho entre o tempo privado e o tempo público”. Esse

tempo se constitui através de narrativas dos acontecimentos históricos que

são transmitidas de gerações a gerações.

Para o autor, a fronteira que separa, então, a memória individual e o

passado é permeável, uma vez que nesta relação há relatos dos nossos

ancestrais. “Uma ponte é assim lançada entre passado histórico e memória,

pela narrativa ancestral, que opera como um intermediário da memória em

direção do passado histórico, concebido como tempo dos mortos e tempo

anterior a meu nascimento”. (RICOEUR, 2007, p. 170)

Os deslocamentos do tempo passado sobre o tempo presente e,

consequentemente, há um tempo futuro, explicam muitas vezes, os

problemas ligados à transmissão da memória. Visando um tempo futuro, a

memória se conserva no tempo contra o próprio tempo (o esquecimento e o

apagamento).

O tempo é concebido como evolução na direção de um fim pré-

figurado, tornando-se simples meio de realização de um percurso que já teria

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marca de chegada. Neste caso, a memória pode ser entendida como uma

construção social e a ênfase seria posta naquilo que, em um processo de

construção, aparece como construído. (GONDAR; DODEBEI, 2005).

À história, pois, cabe o papel, por sua dimensão crítica, guardar os

rastros da “dívida”, dívida essa que diz respeito às “vítimas” da História

(SILVA, 2002). “Se não se deve esquecer, é, também e, sobretudo, em razão

da necessidade de se honrar as vítimas da violência histórica. É nesse

sentido, que se pode falar de memória ameaçada”, lembra Paul Ricoeur

(2007, p. 178). Nessa perspectiva, a história tem por papel se opor, não só

aos “preconceitos da memória coletiva”, mas também aos “preconceitos da

história oficial”, cuja função consiste na própria transmissão dessa memória.

3.1 Lesmosyne e Mnemosyne: dialética de forças...

A partir da mitologia grega, podemos perceber a personificação da

memória. Rosário (2002) reflete, através da compreensão do mito como

revelação e, do papel da memória, como desveladora de ser e sentido

originários objetivando uma aproximação às formas contemporâneas de

abordagem deste tema. Temos em Teogonia5 de Hesíodo (1992, p. 31-32)

narra a origem dos deuses na tradição grega:

[...] no princípio surgiu Gaia (a Terra) de amplos seios, que antes de tudo gera para si própria um consorte, Urano (o Céu). Juntos produzem numerosa descendência. Entre outros seres fantásticos, a hierogamia primordial grega gera os Titãs, e entre eles Mnemósine.

A palavra grega vem do verbo mimnéskein, que significa ‘lembrar-se

de’. A Mnemosyne, assim, vem configurar no universo mitológico grego a

própria personificação da Memória. (ROSÁRIO, 2002)

As Musas cantam os fatos revelados por Memória, utilizando o seu

canto para alegrar e agradar o espírito de Zeus, o detentor da prudência

5 HESÍODO. Teogonia, A Origem dos Deuses. Estudo e tradução de J. Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1992.

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(métis) entre os deuses e os homens, assim como estabelecem a oposição

entre o mundo dos deuses do Olimpo e o mundo dos mortais. Esta habilidade

as torna passíveis de reterem, da parte de Zeus, o dom da prudência e da

sabedoria. Como resultado dessa mistura (migeîsa) entre reflexão e memória,

as Musas encontram-se aptas tanto a rememorar como a esquecer as coisas

sobres as quais falam. Ao dotar suas Musas dessa memória reflexionante,

Hesíodo concede-lhes a capacidade de decidir não apenas sobre os fatos a

serem lembrados ou esquecidos, mas acerca do conteúdo de seu discurso,

onde tanto podem proferir verdades como mentiras. (SOUZA, 2011)

Diferenciando-se das Musas homéricas, cujo canto promete ser

verdadeiro, Souza (2011) reflete que, embora nem sempre os discursos de

seus personagens representem verdades as Musas hesiódicas anunciam sua

dupla faculdade em pronunciar discursos verdadeiros ou mentirosos. Quando

Hesíodo dá as Musas o poder de decisão sobre o discurso mais conveniente

a ser utilizado, se aquele capaz de representar mentiras, semelhantes a

verdades, ou aquele apto a proclamar verdades, este realiza uma quebra com

a tradição poética anterior a ele, onde o canto das Musas era marcado pelo

critério de narrar mentiras semelhantes a fatos reais e não a verdade. O que

Hesíodo quer condenar, através das Musas, não é o fato de a verdade ser

adotada como juízo de valor, mas aqueles que, "em sua rudez, não

distinguem pseúdea de aléthea, tomando tudo por verdadeiro" (Brandão,

2007, p.20).

Souza (2011) ainda analisa, nessa correlação entre mentira (pseudés)

e verdade (alethés) que, se a verdade for tomada como a negação de

esquecimento (léthe), isto é, como "coisas que se rememoram ou que se

tiram do esquecimento" Brandão (2000, p.16 apud SOUZA, 2011) temos dois

níveis de antagonismos, compreendendo, por um lado, “dizer mentiras”

(pseúdea légein) opostas a “verdades proclamar” (alethéa gerýsasthai) e, por

outro, “mentiras” (pseúdea), contrapondo-se a “fatos semelhantes” (etýmoisin

homoía). Porém, as palavras utilizadas por Hesíodo e refletidas por Brandão

(2000, p.17), não é tão inocente assim e comporta uma estrutura maior, capaz

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de conter, em primeiro plano, a oposição entre “mentira” e “fatos

semelhantes” e, secundariamente, o conteúdo dos “fatos semelhantes”

contraposto ao de “verdades proclamar”. Não é uma mera oposição entre

verdade e mentira, mas a valorização da verdade como um atributo específico

das Musas.

Resultado da união entre Zeus e Memória, as Musas têm a

propriedade não apenas da memória (mnemosyne) como do esquecimento

(lesmosyne). O esquecimento das Musas, porém, é seletivo, assim, como a

lembrança. Pois foram geradas para esquecimento dos males e pausa dos

sofrimentos. Como filhas de divindades opostas, elas trazem em si o poder da

‘memória’ e da ‘não-memória’. Dotar as Musas de uma não-memória não

significa representá-las desprovidas de todas as memórias, mas dotá-las de

uma memória organizada, seletiva, influenciada por Zeus (responsável pela

distribuição das honras e dos castigos, na ética hesiódica). (SOUZA, 2011)

Ricoeur (1990) entende que esta dialética que constituem dois pólos

opostos, não excludentes, é complexa, significando que toda interpretação de

explicação deve completar-se pela compreensão. Desta forma,

compreendemos que

[...] o dom de Mnemósine: conduzindo o côro das Musas, confundindo-se mesmo com elas, preside uma função poética. A Grécia arcaica da mesma forma que diviniza a função psicológica da Memória, diviniza a possibilidade de suas funções: a poesia é uma espécie de possessão pelas Musas, de delírio divino que toma o poeta e o transforma no intérprete de Mnemoysine, daquela que tudo sabe, e como nos canta Hesíodo - inspiraram-me um canto divino para que eu glorie o futuro e o passado. (ROSÁRIO, 2002, p. 2)

Rosário (2002, p. 2) afirma que não é um passado qualquer que se

apresenta no canto do poeta e sim a própria possibilidade de ser do mundo, o

próprio momento gerador cujas conseqüências se vêem no mundo presente,

neste mundo visível em que vivemos. O canto das Musas evoca a Memória

que “presentifica níveis diferentes de ser: nos leva ao momento mesmo em

que se constituem Terra e Céu”.

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O sentido e a compreensão atual de Memória podem ser ditos a partir

do mito de Mnemosyne e das Musas, podendo ser explorado a partir da

significação da palavra "mito". My'thos é uma das palavras gregas que

designa o ato da fala e

[...] correspondente à espantosa exatidão com que o homem na grande época do mito do mundo percebe e se dá conta dos diversos matizes da concretitude e da pluralidade, descobre-se um senso de realidade cujo modo privilegiado de conhecimento é a intuição instantânea do sentido totalizante do ser em seres imediatamente dados em cada caso. (VERNANT, 1993, p. 73)

Percebemos, portanto, que o mito é a revelação da própria pluralidade

de sentido, ou excede o sentido que o conceito não pode conter. Por isto, a

fala do mito não conceitua, porém, revela e mostra:

O mito mostra como ser, como o "sendo" do tempo original, em que constituiu-se o ser do mundo, dos deuses e dos homens. E o mito, nas sociedades arcaicas, tem o papel essencial de reatualizar aquilo que se passou na origem dos tempos, o que torna fundamental seu conhecimento. (ROSÁRIO, 2002, p. 2)

Assim temos o temo ‘recordar’, corroborando com esta reflexão.

Nesta perspectiva mítica, ‘recordar’ significa reconstruir um momento

originário e torná-lo eterno em contraposição à nossa experiência do tempo,

como algo que passa, escoa e se perde. A recordação, como resgate do

tempo, confere desta forma imortalidade àquilo que ordinariamente estaria

perdido de modo irrecuperável sem esta re-atualização.

Como vimos, o papel da memória não é apenas o de simples

reconhecimento de conteúdos passados, mas um efetivo reviver que leva em

si todo ou parte deste passado. É o de fazer aparecer novamente às coisas

depois que desaparecem. É graças à faculdade de recordar que, de algum

modo, escapamos da morte que aqui, mais que uma realidade física, deve ser

entendida como a realidade simbólica que cria o antagonismo com relação ao

tema ‘esquecimento’. O esquecimento é a impermanência, a mortalidade. E

Platão afirma que "a natureza mortal procura, na medida do possível, ser

sempre e ficar imortal".6 (ROSÁRIO, 2002)

6 PLATÃO. O Banquete. Coleção Pensadores, São Paulo: Ed. Abril, 1972, p. 45.

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Memória é imortalidade. O passado contribui de modo efetivo para

sermos o que somos. Porém, é importante compreendermos que “a memória

não está apenas no passado, trazido à tona pela recordação, mas está

presente em nossos corpos, em nosso idioma, no que valorizamos, no que

tememos e no que esperamos” (ROSÁRIO, 2002, p. 2). Quando falamos em

‘passado’, tendenciamos a imaginá-lo como pertencente há um tempo

distante constituído por cronologias distantes. Ao refletirmos sobre o ‘ser’,

[...] tendemos a conjugá-lo no passado, no presente e no futuro. Pensamos no que foi, no que é e no que será. Esquecemos o gerúndio; o "sendo" que nos coloca diante da continuidade que relativiza estes lugares estanques de tempo, e faz com que sejamos, a rigor, forjados nesta sucessão incontável de instantes, minutos, horas, dias, anos, séculos e milênios nos quais se teceram a história coletiva da humanidade e mesmo nossos seres individuais. O que fomos está, pois, contido, conscientemente ou não, naquilo que somos agora. A memória nos identifica individualmente e coletivamente. A memória permite, mesmo que estas linhas sejam escritas em seqüência coerente. (ROSÁRIO, 2002, p. 3)

O mito busca ligar à Memória ao presente e ao passado, mostrando

ao ‘ser’ que existe, como se constituiu e no que se fundamenta para vir a ser:

Mostra-nos identidade e diferença, nos aponta a repetição, permite que nos admiremos diante do novo. Pois não se diz que é "novo" aquilo diante do qual procuramos referências na memória e não encontramos? E, no instante seguinte àquele em que é percebido, o novo pertence ao passado e ao domínio da Memória. (ROSÁRIO, 2002, p. 4)

Não é possível lembrarmos tudo, nem de forma pessoal e nem de

forma coletiva. Lembramos aquilo que significa algo, aquilo que importa.

Entretanto, Ricoeur (2007) analisa que há multiplicidade e graus variáveis de

distinção de lembranças. Enquanto a memória está no singular, as

lembranças estão no plural. Ricoeur (2007, p. 41, 111) evoca ainda, o

pensamento de Santo Agostinho, onde reflete que as lembranças

[...] se precipitam no limiar da memória. Mas, aquilo de que nos lembramos é pela memória que o retemos; ora, sem nos lembrarmos do esquecimento não poderíamos absolutamente, ao ouvir esse nome, reconhecer a realidade que significa; se é, é a memória que retém o esquecimento.

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Neste diálogo, Ricoeur (2007) afirma que o que acontece com o

‘verdadeiro esquecimento’ pode ser entendido como privação de memória:

“Como, então, está aqui para que eu me lembre, uma vez que, quando está

aqui, não consigo me lembrar?” (p. 111). Ele esclarece que, é preciso dizer

que é a memória, no momento do reconhecimento do objeto esquecido, que

testemunha a existência do esquecimento; porém, como poderíamos refletir

sobre o esquecimento se, realmente, esquecêssemos?

As forças da lembrança disputam com as forças que impelem o

esquecimento, cada uma delas buscando realizar sua potência, agindo ou

reagindo em função de valores e interesses. (GONDAR; DODEBEI, 2002).

O esquecimento, porém, implicar ao erro, a culpa etc. Enquanto a

lembrança permite recordar o que foi condenado ao esquecimento. Desta

foram, as recordações serão caracterizadas como libertadoras. O

esquecimento é intrínseco ao indivíduo e a memória em razão das pressões

sociais, diante das ameaças cotidianas no seio da sociedade que geram as

problemáticas sociais.

A memória é essencialmente social. Trata-se de um instrumento que prevê consequências negativas na comunidade que o homem está inserido. Se ele não lembra o que foi imposto pelos dirigentes, o castigo será uma consequência fatal [...]. A memória surge social e brutalmente [...], em contrapartida, o ato de memorizar valoriza o esquecimento que permite ruminar e digerir as experiências. (GONDAR; DODEBEI, 2005).

Neste sentido, Barrenechea (2005), reflete uma memória do futuro7

vinculada ao esquecimento, que dê lugar às novas avaliações, criações e

experiências.

Assim, vivemos entre a memória e o esquecimento, talvez porque

vivamos entre o ser e o não ser. Mas, certamente precisamos de ambos para

continuar vivos. E, a memória nos faz lembrar-se de quem somos e o que nos

faz querer ir a algum lugar.

7 Este conceito de memória de futuro está esboçado apenas na obra nietzschiana – NIETZSCHI, Frederich. Além do bem e do mal, prelúdio a uma filosofia do futuro. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras,1996.

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3.2 Memória e Silêncio

Nesta busca para compreendermos a memória e o esquecimento,

ressaltamos o ‘silêncio’, que podemos identificá-lo como sendo a “memória

impedida” sob a qual Ricoeur (2007, p. 452) reflete. Ele atribui o problema do

esquecimento (ou este silêncio), ao impedimento de se ter acesso aos

“tesouros enterrados da memória”.

No momento do “silêncio”, a memória, segundo Pollack (1989) entra

em disputa. Ao mesmo tempo, essas memórias subterrâneas que

prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e, de maneira quase

imperceptível, afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e

exacerbados.

Pollack (1989) explora ainda com as denominações “memória

"proibida”, "clandestina" que, afirma ocupar toda a cena cultural, o setor

editorial, os meios de comunicação e as artes, comprovando o fosso que

separa, de fato, a sociedade civil e a ideologia oficial de um partido e de um

Estado que pretende dominação hegemônica.

Uma vez rompido o tabu, uma vez em que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da memória, no caso, as reivindicações das diferentes nacionalidades [...]. O silêncio remete, igualmente, aos riscos inerentes a uma revisão, na medida em que os dominantes não podem jamais controlar perfeitamente até onde levarão as reivindicações que se formam ao mesmo tempo em que caem os tabus conservados pela memória oficial anterior. Este exemplo mostra, também, a "sobrevivência”, durante dezenas de anos, de lembranças traumatizantes, lembranças que esperam o momento propício para serem expressas. A despeito da importante doutrinação ideológica, essas lembranças durante tanto tempo confinadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não através de publicações, permanecem vivas. (POLLACK, 1989, p. 5)

Compreendemos, através destas reflexões que o longo silêncio sobre

o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma

sociedade civil opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela

transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e

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de amizades, esperando “a hora da verdade” e da redistribuição das cartas

políticas e ideológicas. (POLLACK, 1989)

O pensamento atual, além de sua fundamentação humanista

privilegiou o tempo futuro como lugar de nossas esperanças. “O novo adquiriu

um status quo que nunca havia alcançado em outras épocas, valorizando-se

à medida que se renovava, se reinventava; do início desta modernidade até

as primeiras décadas do século XX [...]” (PINHEIRO, 2004, p. 83), tendo o

esquecimento consequências naturais de um pensamento em evolução.

Pollack (1989) ao refletir sobre “Memória, Esquecimento e Silêncio”,

trás à tona alguns períodos que marcaram a história, como por exemplo, dos

campos de concentração do regime nazista. Diante das lembranças

traumatizantes de quem vivenciou este momento, o silêncio parece se impor a

todos aqueles que querem evitar culpar as vítimas. “E algumas vítimas, que

compartilham essa mesma lembrança "comprometedora", preferem, elas

também, guardar silêncio” (POLLACK, 1989, p. 6). Em vez de se arriscar a

um mal-entendido sobre uma questão tão grave, ou até mesmo de reforçar

uma consciência tranqüila e a propensão ao esquecimento dos antigos

carrascos, não seria melhor silenciar? “A essas razões políticas do silêncio

acrescentam-se aquelas, pessoais, que consistem em querer poupar os filhos

de crescer na lembrança das feridas dos pais”. (POLLACK, 1989, p. 7).

Depois de alguns anos deste acontecimento, algumas razões

convergem para romper o silêncio. É o momento em que as testemunhas

oculares concordam que, em breve, não vão mais existir, daí decidem

inscrever suas lembranças contra o esquecimento.

Sob esta perspectiva, Pollack (1989) analisa a função do “não-dito” (p.

8), “opondo-se a mais legítima das memórias coletivas, a memória nacional,

essas lembranças são transmitidas no quadro familiar, em associações, em

redes de sociabilidade afetiva e/ou política”. Estas lembranças que se refere,

são “lembranças proibidas”, “indizíveis”, “vergonhosas” que são transmitidas

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por estes canais de comunicação informais, passam, na maioria das vezes,

despercebidas da sociedade.

Desta forma, explora o “não-dito”, como um lócus de sombra e

silêncios. Porém, as fronteiras do silêncio e "não-ditos" com o esquecimento

definitivo e o ‘reprimido inconsciente’, não são claramente estanques e estão

em constante deslocamento.

Pollack (1989, p. 8) reflete que:

[...] a fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor.

Desta forma, afirmamos que estas memórias estão marginalizadas e,

é importante reconhecer a que ponto o presente “abriga” o passado. Parece-

nos que, de acordo com as circunstâncias, ocorre a emergência de certas

lembranças e a ênfase é dada a um outro aspecto.

Percebemos, em Pollack (1989), que há uma permanente interação

entre o vivido e o aprendido, o vivido e o transmitido. Se aplicando a toda

forma de memória, individual e coletiva, familiar, nacional e de grupos

específicos.

Ao encontro das reflexões de Pollack (1989) temos, dando ênfase a

esta análise, Pêcheux (1999, apud ORLANDI, 2010), afirmando que podemos

distinguir duas formas de esquecimento, uma delas é o esquecimento,

chamado ideológico, que é compreendido como o modo pelo o qual somos

atingidos pela ideologia, constituindo parte dos sujeitos, produzindo sentidos e

a segunda forma de esquecimento é o esquecimento enunciativo

Assim, “os sujeitos “esquecem” que já foi dito – e este não é um

esquecimento voluntário – para, ao se identificarem com o que dizem, se

constituírem sentido” (ORLANDI, 2010, p. 36). Desta forma, sentido e sujeito

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estão em constante movimento, promovendo rupturas, que são capazes de

desconstruir “memórias”, outrora “cristalizadas” pela ação ideológica,

rompendo o silêncio, fazendo falar os silenciados, dando lugar às múltiplas

vozes.

As múltiplas vozes ou, provavelmente, os “diálogos polifônicos”

(polêmicas vozes) 8, poderão superar os discursos ideológicos, além de uma

produção de discursos organizados em torno de acontecimentos e de grandes

personagens.

Desta maneira, a memória, a partir da perspectiva empreendida neste

trabalho, encontra seu “denominador comum”, também, nas tensões entre

elas, intervindo na definição do consenso social e dos conflitos num

determinado momento conjuntural.

Pollack (1989, p. 11) afirma que:

[...] nenhum grupo social, nenhuma instituição, por mais estáveis e sólidos que possam parecer, têm sua perenidade assegurada. Sua memória, contudo, pode sobreviver a seu desaparecimento, assumindo em geral a forma de um mito que, por não poder se ancorar na realidade política do momento alimenta-se de referências culturais, literárias ou religiosas. O passado longínquo pode então se tornar promessa de futuro e, às vezes, desafio lançado à ordem estabelecida.

Observamos, portanto, que à voz ao silêncio é dada, mesmo que de

forma silenciosa. Compreendemos que o modo de entender o passado é

construído, processado e integrado à vida das pessoas. Essa reconstrução do

passado, seja a nível individual ou coletivo, está impregnada de identificação,

num contexto de correlação e interação com o presente e o futuro.

(BAPTISTA, 2003).

8 BAKHTIN, M. Esthétique de la création verbale. Paris: Gallimard, 1984.

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3.3 Passado, Presente e Futuro – elementos relacionais de

representação da memória

Le Goff (1996) considera que os fenômenos da memória, tanto nos

seus aspectos biológicos como nos psicológicos, não são mais do que

resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem na

medida em que as organizações os mantêm ou os reconstitui.

Tanto em nosso convívio social quanto individual, somos atores

sociais, pois construímos memórias, a representamos, estando, desta forma

sujeita a transformações, por isso, é dinâmica:

[...] entre sujeito e memória há relações de desejo e vontade mediante os quais o sujeito busca chegar às entranhas daquela. Tal busca implica uma viagem mágico-mítica ao longo da qual se têm descobertas. Busca-se um arquétipo, a origem das sensações presentes. (FEITOSA, 1998, p. 99)

Na direção desse pensamento, Pollack (1992, p. 202), apresenta

alguns elementos constitutivos da memória que são os “acontecimentos,

personagens e lugares”. Ao nos referirmos aos acontecimentos podemos

entendê-los tanto na esfera individual quanto da coletividade. No aspecto da

coletividade, seriam aqueles, já citados, em que mesmo o indivíduo não

participando ativamente, mas em seu imaginário, tem determinada e relevante

importância política, social e histórica. É possível que ocorra nesse ínterim de

socialização histórica, uma forte identificação com o passado, que,

parafraseando Pollack (1992), nos referimos a uma memória herdada.

A memória também é constituída por personagens, que, não são

necessariamente do espaço ou do tempo, mas que foram importantes em

determinado momento de construção da memória individual ou coletiva. E,

além desses, podemos incluir os lugares, “a memória preservada nos sítios e

espaços de valor histórico e cultural, funcionam como uma espécie de

receptáculo, de poço [...]” (FEITOSA, 1998, p. 96). Existem lugares de

memória, ligados a uma lembrança pessoal, por servir de base a um

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momento marcante ou por ter importância na construção da memória de um

grupo, em determinada época.

Encontramos em Le Goff (1996, p. 424), a caracterização do que

consiste o ato mnemônico “antes de qualquer coisa pela a sua função social,

pois é a comunicação a outrem de uma informação, na ausência de um

acontecimento ou do objeto que se constitui a seu motivo”. Neste tópico

intervém a linguagem, ela própria, produto da sociedade.

De acordo com estes estudos dizemos que a utilização de uma

linguagem falada e escrita é a extensão das possibilidades de

armazenamento da nossa memória e podemos, assim, sair dos limites físicos

do corpo. Isso significa que, antes de ser falada ou escrita, existe certa

linguagem sob a forma de armazenamento de informação na nossa memória.

O estudo da memória social e a construção da mesma é um dos

meios fundamentais de abordarmos os problemas do tempo e da história, pois

a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,

individual ou coletiva, e sua busca é uma das atividades fundamentais dos

indivíduos e das sociedades.

A memória é um fenômeno construído, e para Pollack (1992), há uma

relação muito forte entre memória e o sentimento de identidade social;

identidade vista como a busca por uma imagem pessoal para si e para o

grupo.

Assim, podemos afirmar que a memória individual, de acordo com o

repertório cultural de cada um, complementa a memória coletiva, e, dessa

forma, construindo a identidade social.

As novas tecnologias representam a consciência de que vivemos em

uma época em que o tempo se verticalizou, isto é, “vive-se hoje mais em

tempo real que no presente real. A época da informatização contribuiu para

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que o tempo seja vivido como se fosse tão só um somatório de instantes, um

somatório do presente” (CATROGA, 2005, p. 6). Isso nos remete para a

necessidade de lutar contra o que, para alguns, é característica essencial das

sociedades contemporâneas e globalizadas, as sociedades amnésicas. E

conferirmos, à memória, o valor como componente fundamental, que dá

sentido à existência individual, familiar, grupal e social.

O mundo contemporâneo, diante disto, nos parece superficial. Nele, a

imagem tem um papel preponderante na vida das pessoas. Há, nas palavras

do filósofo Peixoto (1992), uma excessiva banalização dessas imagens. Ele

ressalta que vivemos no universo da ‘sobreexposição’ e da obscuridade,

saturado, onde a banalização e a descartabilidade das coisas e imagens, por

exemplo, é algo fácil de ser percebido. Paradoxalmente, ocorre uma

‘hiperrealização’ do real. A concretude das coisas e do mundo desaparece

cedendo lugar à artificialidade.

Essa modernização cada vez mais acentuada do capitalismo implica

destruição de valores concretos. Para se contrapor a isso é preciso uma

revalorização das tradições. Com efeito, ela seleciona, nomeia, transmite e

preserva e representa a memória, o passado. Na sua ausência não há uma

continuidade consciente do tempo, mas a mudança do mundo, do ciclo

biológico das pessoas que nele vivem. A sua perda, segundo Arendt, (1972,

p. 32) se dá pelo esquecimento, talvez por um lapso que acomete os seres

humanos. De acordo com essa autora, “[...] a memória é impotente fora de um

quadro de referências preestabelecido, e somente em raríssimas ocasiões a

mente humana é capaz de reter algo inteiramente desconexo [...]”.

É necessário, então, criar e manter esse quadro, isto é, recuperarmos,

preservarmos e construirmos representações destas informações passadas

que constituem nossas memórias, para que a perdas destas, não nos leve ao

esquecimento, ou seja, a perda das informações passadas. Sem estas, torna-

se impossível, para o indivíduo, a construção de sua identidade,

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caracterizando-se um ser perdido, à procura de um sentido para aquilo que

faz.

Em síntese, vira um autômato:

[...] é sempre triste recordar épocas caracterizadas pela arrogância, pela prepotência, pelo absoluto desprezo e desrespeito aos mais elementares direitos do homem. É sempre triste recordar tempos marcados pelo desrespeito à lei, pelo império da injustiça na Casa da Justiça. Mas é indispensável recordar para que tais tempos não se repitam. Foram tempos de ódio, suplício e torturas que macularam a essência, não só das pessoas odiadas e torturadas, como também, da família humana. (LOPES & KUNZ, 2002, p. 25-26)

Esse foi o pronunciamento do advogado Mário Simas, por ocasião da

missa de corpo presente de Alexandre e Frei Tito, a respeito da ditadura

militar. Tomando este depoimento como exemplo, pretende-se com assimilar

que, apesar do sofrimento de Frei Tito, um homem que lutou a favor dos

direitos humanos, foi possível contribuir com as futuras gerações, no sentido

de que pudessem ter a coragem de denunciar e combater a opressão.

Lopes e Kunz (2002) consideraram que a força da lembrança foi a

salvação do próprio Frei Tito. Na prisão ele enfocou um momento que vivera

de profunda agonia e desespero que desafiava a vida e a própria humanidade

e, mesmo depois de uma série de torturas, ele conseguiu obter forças para

testemunhar: “eu tive força para resistir, lembrei-me dos companheiros que

morreram. A lembrança deles me deu forças para aguentar” (TITO, 1973 apud

LOPES; KUNZ, 2002, p. 28).

Diante disto, podemos conscientizar-nos da importância da

construção e representação do nosso passado. Nossa identidade, por

exemplo, está calcada, pois, em uma interpretação duvidosa do que

aconteceu ao longo desses mais de quinhentos anos. Não se permitiu, ao

povo, que mostrasse sua versão sobre o processo de dominação a que fora

submetido. É sobre isto que debatemos: a reconstrução da nossa própria

história, construir a nossa memória e, consequentemente nossa identidade.

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Assim, concluímos que a representação da memória é fundamental.

Representar a memória de um povo é visualizarmos a possibilidade de

sentido e significado à sua existência anterior.

Porém, o passado não comporta um “antes” e o futuro não comporta

um “depois”, os momentos que constituem este processo são dimensões

entrelaçadas umas nas outras. (GONDAR; DODEBEI, 2005).

A memória faz com que a história cresça “alimentada” pela

informação, procurando “salvar” o passado para servir o presente e o futuro: a

distinção entre passado e presente é um elemento essencial da concepção do

tempo; a diferença que nos interessa é a que existe na consciência coletiva,

principalmente na consciência histórica social.

Complementa Le Goff (1996, p. 205): “nas sociedades, a distinção do

presente e do passado (e do futuro) implica essa escalada na memória e essa

libertação do presente que pressupõem a educação e, para, além disso, a

instituição de uma memória coletiva, a par da memória individual”.

O passado, portanto, aparece reconstituído em função do presente,

da mesma forma que o presente é explicado em função do passado; há uma

interação entre eles. Hobsbawm (1998, p. 22) corrobora com esse

pensamento: “em história, na maioria das vezes, há sociedades e

comunidades para as quais o passado é, essencialmente, o padrão para o

presente”.

Assim, a construção da memória está intimamente relacionada com

as transformações que o presente lhe confere na reelaboração do passado. A

memória é, portanto, a possibilidade de (re)elaboração, de (re)interpretação

do passado.

Memória é uma representação do que foi lembrado. Lembrar é,

resumidamente, construir uma imagem por materiais que estão, agora, à

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nossa disposição no conjunto de representações que povoam nossa

consciência. Bosi (1994) sublinha que sem lembrança não há memória, nem a

possibilidade de recuperá-la.

Por fim, convém ressaltar que a lembrança envolve aspectos

subjetivos do relacionamento de um indivíduo com a família, com a classe

social. Em síntese, com os vários grupos de convívio humano e as várias

referências peculiares e inerentes a eles.

Fazer parte de uma comunidade humana é situar-se em relação ao

seu passado. Daí a importância da memória. Porém, nossa perspectiva é que

a memória seja entendida enquanto objeto de conhecimento e que, no caso

de sua representação, uma de suas principais funções seja a de contribuir

para o entendimento de sua construção no momento presente e determinante

das ações futuras.

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4 MEMÓRIA E IDENTIDADE

Viver é seguir um fio de vida tramado com outros muitos fios simultâneos que se tornam ‘visíveis' nas ressonâncias e nos interstícios de cada trajetória.

Sônia Kramer

_____________________

Memória e identidade estão envolvidas, possibilitando continuidade e

coerência conceitual seja como um processamento de reconstrução individual

ou em grupo.

Para Pollack (1989, apud SANTOS, 2001) a identidade é como a

imagem que a pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, o que

ela se mostra aos outros e a si, o que ela acredita de si e que quer dos outros

a mesma crença. Na construção da identidade, para ele, há uma necessidade

de negociação e é um fenômeno que se produz em referência aos critérios de

aceitabilidade, de admissibilidade e credibilidade.

A construção da memória e identidade social se estabelece por

conflitos sociais e intergrupais e em conflitos que opõem grupos políticos

diversos.

A compreensão de como a crise da modernidade anunciada influencia a construção da memória e identidade social e, pode estar longe de ser entendida, se não compreendermos como a discussão sobre a consciência moderna de tempo se apresenta para nós. (SANTOS, 2001, p. 4).

Como analisa Diehl (2002, p. 112), o futuro torna-se cada vez mais

presente, diminuindo extraordinariamente o tempo, o espaço e o movimento

entre presente e futuro. Este aspecto ocorre com o passado, se tal estudo

propiciar que na história teríamos a ideia de futuro que tínhamos no passado.

Portanto, propõe-se reconstruir o passado pela perspectiva de futuro no

passado, implicando questões que envolvem processos identitários.

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Tem-se assim, “o espaço como locus da experiência de rememoração

e o movimento como a estrutura simbólica da cultura” (DIEHL, 2002, p. 114),

como constituintes de memórias e identidades.

O tempo agindo sobre este ‘espaço da experiência’ resultando em

movimentos culturais identitários e produzindo, sob a ação do tempo, as

possibilidades de sistematizar as lembranças, tidas como fragmentos do

passado, ocorrendo a partir da consciência da experiência do tempo presente.

O entendimento de que a apreensão da identidade social envolve

pessoas e acontecimentos fundados em fatos concretos apontam que a

consciência de tempo, se institui na mesma dimensão da tomada de

consciência que a pessoa tem de si e desses acontecimentos em relações

recíprocas e dialéticas, seja de forma individual ou coletiva.

Porém:

[...] o processo de conscientização da experiência presente, através da rememoração, configura-se como ponto chave da contemporaneidade daquilo que podemos chamar de identidade. O ato de rememorar produz sentido e significação através da ressubjetivação do sujeito e a repoetização do passado, produzindo uma nova estética.

Deste modo, a tomada de consciência do tempo presente, conforme

Santos (2001), traz a tona às reminiscências do passado e, mais ainda,

projeta as perspectivas futuras alicerçadas pelos seus conflitos e acertos. A

marca pessoal e coletiva na dinâmica publica e privada vão delineando seu

sentido de pertencimento e projeção.

Para Hall (2006) é importante destacar, sobre identidade, é que

espaço e tempo são coordenadas básicas, estando diretamente envolvida

com os sistemas de representação, que traduzem seu objeto em dimensões

espaciais e temporais. Podemos visualizar, então, esta relação espaço e

tempo, definidas em diferentes eventos no interior de diferentes sistemas de

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representação, tendo efeito sobre a forma como as identidades são

localizadas e representadas.

A memória é uma instância necessária, sem a qual não existe

realidade. Esta interferência da memória no diálogo cria novos valores e

propõe novas reflexões a respeito do mundo e do senso comum.

De acordo com Michael Pollack (1992), a memória é construída

socialmente e individualmente. Ao relacioná-la com a identidade podemos

dizer que uma é constitutiva da outra, a identidade só se constrói a partir de

referências exteriores, ou melhor, de um outro, e a memória só se constrói a

partir de alguma identificação.

Gondar e Dodebei (2005) refletiram sobre a memória pré-consciente e

consciente, discutida por Freud9, adaptada à imagem de um indivíduo, um

grupo ou uma sociedade pretende passar sobre si próprio, e uma memória

inconsciente que, ao por em xeque essa imagem pretendida – aquilo que

chamamos identidade e que indica a alteridade presente em todos.

A participação da memória na construção de identidades e vice-versa

deve ser um princípio levado em consideração nesta pesquisa, pois ela é a

protagonista principal da construção do presente e tem importância no retrato

do senso comum. As representações dos fatos atuais são feitas a partir da

construção de lembranças e esquecimentos, gerando muitas vezes

identidades cristalizadas.

O sentido de continuidade ou permanência ao longo do tempo passa

a ser fundamental na construção de identidades e de suas consequências

políticas. A reflexão sobre museus faz parte do processo social mais amplo,

que necessita, cada vez mais, associar-se a outros estudos que, a partir da

década de 70, relaciona-se tanto o indivíduo e a sociedade, como as eferas

públicas e privadas, no questionamento de como os indivíduos constroem

9 FREUD, Sigmund. Artigos sobre metapsicologia. São Paulo: Ed. Imago, 2004.

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suas identidades e qual a relação destes processos com questões mais

amplas por que passa a sociedade. (SILVA, 1998).

Assim, as identidades estão localizadas em determinados espaços e

tempos simbólicos e “tem o que Edward Said chama de suas ‘geografias

imaginárias’; suas ‘paisagens’ e características, seu senso de ‘lugar’, de

‘casa’, bem como as suas localizações no tempo” (HALL, 2006, p. 71-72),

ligando o passado e presente, sendo possível projetar o presente de volta ao

passado, construindo e favorecendo a dinâmica da memória.

A memória, então, pode ser pensada como um processo, permitindo

discutir alguns hábitos de pensamento que se disseminam no campo da

memória social.

É habitual conceber a memória social como esfera por meio da qual uma sociedade representa para si mesma a articulação de seu presente com o passado, configurando, em consequência, o modo pelo qual os indivíduos sociais representam a si próprio, as suas produções e as relações que estabelecem com os demais. (GONDAR; DODEBEI, 2005, p. 22).

Sobre esta afirmação podemos conceber o campo da memória como

um campo amplo de representações coletivas ou sociais, culturalmente

constituídas e, a partir daí, evidenciar uma relação de ideias entre memória e

identidade.

4.1 Artefatos museológicos como documentos: representações da

Informação memorialística

Le Goff (1996) afirma que os materiais da memória podem ser

apresentados sob as formas principais: “os monumentos (herança do

passado) e os documentos” (LE GOFF, 1996, p. 535). E, parafraseando o

autor, é importante fazermos uma abordagem etimológica: sobre a palavra

latina monumentum que remete para raiz indo-européia, exprimindo uma das

funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini). O verbo monere

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significa recordar, “o monumentum é um sinal do passado, é um legado a

memória coletiva”. (LE GOFF, 1996, p. 535).

Esses artefatos trazem informações sobre algum acontecimento,

algum personagem ou lugar de memória, que representam a memória da

coletividade, em especial. Dessa forma, os artefatos passam a ser

encarnados de significado, de memória.

Lévy (1993 apud LOPES; KUNZ, 2002, p. 99), evoca em suas

memórias o valor e o significado dos pertences de um homem:

[...] que cada um reflita sobre o significado que se encerra, mesmo em nossos pequenos hábitos de todos os dias, em todos esses objetos nossos, que até o mendigo mais humilde possui: um lenço, uma velha carta, a fotografia de um ser amado. Essas coisas fazem parte de nós, é algo como os órgãos de nosso corpo.

O termo ‘monumentos’ foi usado no século XIX para grandes coleções

de documentos. Assim, podemos afirmar que o significado de documento não

se limita apenas a tratados escritos, principalmente, depois do alargamento

do termo ‘documento’, com a explosão documental a partir dos anos 60. Essa

revolução documental promoveu uma nova unidade de informação, é aí que a

memória coletiva valoriza-se, instituindo-se em patrimônio cultural.

O documento não significa pretérito, é um produto em que a

sociedade fabrica continuamente, segundo as mais variadas relações.

Somente a análise do objeto, enquanto documento, permite o resgate da

memória coletiva. Assim, entendemos que memória e documento são

construídos socialmente.

De acordo com as leituras realizadas, afirma-se que com o ‘novo

documento’, transcendendo para além dos textos tradicionais e

transformados, os artefatos devem ser vistos como documentos que retratam

a história, resultado do esforço das sociedades históricas.

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Os artefatos, enquanto documentos são representações coletivas do

passado, elementos evocativos e constituintes da memória. Para dar base a

este pensamento, Jeudy (1990, p. 49) afirma ser “o objeto, a imagem, e o

relato, meios essenciais de investimentos e tratamentos da memória”.

É importante destacarmos a ideia do objeto gerador. As culturas

produzem e, ao mesmo tempo, consomem artefatos/objetos. Os artefatos

estão presentes na história e a história o constrói (LOPES e KUNZ, 2002).

A reflexão dos artefatos atualmente, segundo Lopes e Kunz (2002),

vai possibilitar a percepção de uma “carga de memória” diante dos artefatos

geradores de múltiplas representações que possibilitam leituras da história,

pois eles são investidos de uma dimensão simbólica, sendo considerados,

também, como objetos da cultura.

A poética dos objetos reside no tempo, nas marcas do uso, da falta de uso ou nas fendas do abuso. É por isso que sentimos o que é novo, assim como imaginamos o tanto de décadas ou séculos que possui determinado objeto [...]. Quantos segredos inconfessáveis [...], e tantas outras cargas de sentimentos e conflitos [...], tensões as mais íntimas e de caráter social (LOPES; KUNZ, 2002, p. 31).

Refletir sobre os artefatos não é um exercício de analisar o que

passou, mas um exercício de interpretação da representação do passado no

presente é ouvir palavras indizíveis, pois “as coisas nos falam sim, e por que

exigir palavras de uma união tão perfeita?” (BOSI, 1994, p. 442).

Lopes e Kunz (2002, p. 33) vão ao encontro deste pensamento e

afirmam que os artefatos não estão separados da pele, “é por isso que no

caixão do morto, vai somente uma parte do corpo. O enterro sempre deixa

pedaços”, como nos mostra a poesia de Affonso Romano de Sant’Anna

(1999, p. 80):

Os objetos sobrevivem ao morto,

os sapatos,

o relógio,

os óculos sobrevivem ao corpo

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e os solitários restam

sem confronto.

Alguns deles, como os livros,

ficam com o destino torto,

parecem filhos deserdados,

ou folhas secas no horto.

As jóias perdem o brilho

embora em outro rosto.

Não deveriam

Deixar pelo mundo espalhados

os objetos órfãos de um morto,

pois eles são fragmentos de um corpo.

Nesta perspectiva, entendemos que os materiais representativos das

informações memorialísticas, devem ser compreendidos como “evocação das

referências culturais que servem ao desenvolvimento do conhecimento”

(JEUDY, 1990, p. 19).

Os artefatos reunidos para sua exposição ao público incorporam

efeitos que, sutilmente, modificam os modos de sua ‘percepção estética’ ou

da sua ‘apreensão afetiva’, gerando um processo de comunicação social, um

ato coletivo de restituição das trocas perdidas no passado e, também, no

presente, dos fragmentos que constroem a memória e promovem uma ruptura

com a memória oficial.

As memórias ao serem deslocadas para o espaço mítico do museu

podem representar um dos caminhos de entendimento de um processo social

e político que, certamente, não o único, porém instigante para quem quer

lembrar e não esquecer. (CASTRO, 1999).

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O desenvolvimento de um museu em relação à reunião dos artefatos

e de documentos gera a comunicação social, é um ato coletivo de restituição

das trocas perdidas no passado e, também, no presente, dos fragmentos que

constroem a memória e promovem uma ruptura com a memória oficial.

A discussão aqui proposta foi construída no intento de reconhecer a

importância dos artefatos – registros das memórias e a forma como estas

atuam na determinação da compreensão do passado, do presente e do

futuro.

A partir destas reflexões consideramos a importância dos artefatos –

registros das memórias e a forma como estas atuam na determinação da

compreensão do passado, do presente e do futuro. As imagens do passado

mantêm-se instáveis, mas o que as recriam, e as reanimam é a

representação coletiva e individual de cada ator social, a partir de uma

materialização da memória através dos artefatos /documentos que a constitui.

É sob essa perspectiva teórica que pesquisamos sobre a construção

da memória no Museu do Ceará, no que se refere à abordagem dos materiais

de memória. As imagens do passado mantêm-se instáveis, mas o que recria o

que reanima é a interpretação coletiva e individual de cada ator social, e,

portanto, construindo e/ou reconstruindo a memória popular.

4.2 Cultura, Identidade Cultural e Representação da Informação

memorialística

As reflexões e discussões em torno da cultura, envolvendo

pensadores e antropólogos, só se tornaram mais abrangentes a partir o

século XIX. Cada um em seu contexto conceituou ‘cultura’. O

desenvolvimento desse conceito é uma das características da antropologia e

uma das suas maiores contribuições para as Ciências Humanas. A definição

mais clássica e descritiva de cultura podemos encontrar em Tylor (1981, apud

MILANESI, 2003): “é todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, lei,

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moral, costume e quaisquer aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como

membro da sociedade”.

As concepções de ‘cultura’, tem, historicamente, várias significações.

Cada época recupera e atribui à cultura um sentido que, em princípio, resulta

da disputa ou das relações no interior dos discursos. A idéia de “cultura

popular” ou “memória popular”, por exemplo, como dominada, ou como tendo

um quadro simbólico reduzido, constituindo-se numa cultura pobre, é

completamente equivocada quando se procura compreender e explicar a

produção material e simbólica da população e, por extensão, os modos de

vida e as formas de relação com a sociedade.

Todos os homens interagem socialmente, participam de atividades

que envolvem crenças, valores, diferentes visões, significados, definindo a

natureza humana. Por outro lado: “cultura é um conceito que só existe a partir

da constatação da diferença entre nós e os outros” (VELHO, 1993, p. 57).

Implica identificarmos diferentes modos de construção da realidade. Como

analisa o autor, a cultura tem caráter heterogêneo e plural, podendo ser

denominada como culturas (no plural).

‘Cultura’ é um termo impreciso, com muitas definições concorrentes;

Porém, podemos refletir sobre a definição de Burke (1989, p. 11):

[...] um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados. A cultura nesta acepção faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele.

Sobre ‘cultura’ Burke (1989) relata que na era da chamada

“descoberta” do povo, este termo tendia a referir-se a arte, literatura e música,

contudo, atualmente, seguindo o exemplo dos antropólogos, historiadores e

outros, usam o termo mais amplamente, para referir-se a quase tudo que

pode ser apreendido em uma dada sociedade,

[...] como comer, beber, falar, silenciar, e assim por diante. Em outras palavras, a história da cultura, inclui agora a história das ações ou noções subjacentes à vida cotidiana. O que se costumava

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considerar garantido, óbvio, normal ou “senso comum” agora é visto como algo que varia de sociedade a sociedade e muda de um século a outro que é “construído” socialmente (BURKE, 1989, p. 22-23).

Posteriormente encontramos em Lowie (1946, p. 34) uma síntese

desse pensamento. Ele afirma que a cultura é a soma de tudo que o homem

adquire da sociedade, como um legado do passado, transmitido informal ou

formalmente. Entende que a cultura é o conjunto de crenças e práticas,

herdadas pela sociedade; Malinowski (1978) conclui que ela é um sistema de

objetos (artefatos), atitudes e atividades, no qual cada parte existe como um

meio para o fim.

Os antecedentes históricos desse conceito defendiam que cultura

está separada da natureza humana. Dessa forma, não podemos considerá-la

pré-determinada geneticamente. Ela é o resultado das intervenções e

convívio social. É transmitida e apreendida através das comunicações e

relações sociais, como podemos encontrar na definição de Hoebel & Frost

(1976, p. 4): “cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento

aprendidos, os quais são característicos dos membros de uma sociedade e

não o resultado da herança biológica”. A cultura pode ser definida, portanto,

como um comportamento adquirido.

De acordo com estes estudiosos tudo pode ser considerado como

objeto de cultura. Na verdade, não nos lembramos de tudo que foi vivenciado

por nós, em cada época da nossa vida. Geralmente acontece naturalmente

descartarmos grande parte das experiências vivenciadas e retemos somente

aquelas que terão significados funcionais futuros.

Yuri Lotman (2002), um semiólogo do século XX, cujas obras foram

pouco conhecidas, dizia que cultura é memória, pois a cultura de uma

sociedade fornece caminhos pelos quais os indivíduos possam exercer os

seus poderes de selecionar, de escolher, determinando o que vai ser

descartado ou guardado pela memória, porque o que for retido poderá servir

como informação importante para futuros posicionamentos.

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Dizem que um povo sem cultura é um povo sem história, mas

podemos dizer que um povo sem cultura é um povo sem vida, sem memória,

pois em se tratando da vida em sociedade, a cultura está em toda parte, em

todas as nossas ações, sejam nas esferas particular ou pública: “tudo nas

sociedades humanas é constituído segundo os códigos e as convenções

simbólicas a que denominamos ‘cultura’” (ARANTES, 1981, p. 34).

A cultura não pode ser considerada algo perdido, ela está sempre

presente, pois gera uma produção material simbólica que manifesta

características distintas da cultura dita como oficial.

Analisar o termo ‘cultura’ nos parece controverso. Peter Burke (1989)

faz da cultura uma ocorrência universal, onde todos os povos possuem

cultura, e elas são únicas de acordo com as tradições, costumes, interações

sociais e simbólicas, de cada sociedade. Velho (1993) complementa

afirmando que a cultura não só a “matéria-prima” de fatos e informações, mas

modelos, juízos, valores são acionados a partir de significados, experiências e

vivências culturalmente construídos, elaborados e articulados.

Completando o percurso conceitual e introdutório de cultura,

passemos para as reflexões no âmbito da ‘cultura popular’, questões tão

debatidas no século XX, entre antropológicos e estudiosos da cultura, mas

que ainda é um termo complexo e difícil de ser definido de forma homogênea

pelas ciências humanas, pois nos remete a inúmeras concepções e pontos de

vistas. Parafraseando Arantes, é tempo de indagarmos sobre o sentido mais

aprofundado dessa expressão, de modo a não deixá-la demasiadamente

ampla ou vaga.

No passado a questão era mais complexa, principalmente quando se

referia à oposição entre a cultura das elites e cultura popular. Quando se

falava da cultura, remetia-se a uma ideia dos gostos, comunicação e

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educação; tanto que a cultura popular era vista como a cultura da maioria,

mas sem “valor real”.

A partir do século XIX, com as lutas de classes, a cultura popular

passa a ser valorizada, pois a cultura popular tem as suas raízes nas

tradições, nos princípios, nos costumes, no modo de ser do povo.

Assim, entendemos que cada sociedade produz, por exemplo, a arte,

reflexo de suas experiências, tradições e crenças. Quanto à cultura popular,

pode ser considerada como uma cultura não oficial, o que não significa dizer

que é uma cultura menor ou subalterna.

O filósofo Antônio Gramsci (1978), em suas teses, via a cultura como

um campo potencialmente rico para a luta social, dessa forma observamos

que a cultura popular não se esgota em si mesma. E Arantes (1981, p. 54)

complementa: “cultura popular é, portanto, antes de tudo, um tipo de ação

sobre a realidade social”.

De acordo com Velho (1993) podemos entender que a cultura popular

pôde servir de elemento constituinte básico para a formação de uma unidade

nacional oferecendo a esta uma memória a ser compartilhada. Bakhtin (2002)

mostra a necessidade de voltar ao passado para compreender a cultura

popular e para entender a vida e as lutas culturais: “cada época da história

mundial teve o seu reflexo na cultura popular. Em todas as épocas do

passado existiu a praça pública cheia de uma multidão a rir [...], repetimos,

cada um dos atos da história mundial foi acompanhado pelos risos de coro”

(BAKHTIN 2002, p. 419).

É preciso então, encontrar o popular nos modos de vida vivenciados

pelos grupos não homogêneos e assim a definirmos como um instrumento

tanto transformação, quanto de representação social.

Essa reflexão nos possibilita ampliar a nossa visão em torno do termo

‘cultura’, tão amplo, complexo e pertinente para os dias atuais, buscando

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denunciar ações oficiais através de manifestações populares como a arte,

artefatos, música, dança e muitas outras tradições, valorizando e expondo

dessa forma a importância da representação da memória do povo, através da

cultura.

Diante desta perspectiva de construção de representação da

memória entende-se a pertinência de uma abordagem cultural para este

estudo e para a sociedade, pois a representação da memória também pode

ser uma construção realizada sobre inúmeras resistências. Estabelece-se um

imaginário – vontade de mudar as próprias condições – de escravo a sujeito,

portanto o passado (enquanto memória), não apenas registra através dos

artefatos /documentos, como também representa a redenção, a luta. “Todo

ser humano tem consciência do passado (definido como o período

imediatamente anterior aos eventos registrados na memória de um indivíduo)

[...]” (HOBSBAWM, 1998, p. 22).

Apesar da multiplicidade de fatores envolvidos, a questão da cultura

configura-se, neste contexto, como importante elemento para a representação

da memória. A cultura popular é uma categoria que se desdobra dos

conceitos introdutórios e gerais de cultura, é um termo com muitas definições

concorrentes, um sistema de significados que engloba atitudes, valores

partilhados e formas simbólicas.

O sentido de cultura popular corresponde às manifestações

espontâneas que estejam ligadas a tradições orais, livres, coletivas,

cultivadas pelo povo.

Encontramos no pensamento de Martins (2004), que o principal

agente motivador dos elementos constituinte da cultura popular é o povo, ao

mesmo tempo em que se confunde também com o espaço físico, o meio

social, onde estes fenômenos se realizam como tradição. Ele diz que

podemos considerar a cultura como herança simbólica em si, um conjunto de

experiências socialmente acumuladas, é o produto do relacionamento do

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homem com a natureza; sendo a tradição o uso dessas experiências, se

referindo à memória do grupo.

Podemos considerar, portanto, cultura como uma materialização da

memória, uma memória dinâmica, capaz de produzir conhecimento, que

também, é uma das características da sociedade da informação.

A Memória representa a conservação de informações individuais ou

coletivas de determinados fatos, acontecimentos, situações, reelaborados

constantemente. “Remete-nos, em primeiro lugar, a um conjunto de funções

psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou

informações passadas” (LE GOFF, 1996, p. 423). A memória resgata as

reações ou o que está submerso no desejo e na vontade individual e coletiva.

A memória individual compreende àquela memória retida por um

indivíduo, íntima, refere-se à sua própria experiência, mas que pode conter

aspectos da memória do grupo social onde o indivíduo se formou, onde foi

socializado, isto é, a memória coletiva.

Destacamos neste contexto, aspectos da cultura, apontando sua

diversidade regional, religiosa, moral, étnica, entre outras, onde todas as

camadas são visadas nesse ângulo, em diferentes modos de expressão.

Desta forma, nos mais variados níveis, analisamos a complexidade da vida

cultural da sociedade atual, onde os fatos e informações são ativados a partir

dos significados que as experiências foram culturalmente construídas e logo

nos deparamos com um mapa dinâmico, de múltiplas possibilidades e em

constante mudança.

A cultura é refletida como um conjunto de ações na sociedade, onde os

diversos segmentos são comumente reconhecidos e autorizados para

fundarem a história da sociedade. Registram-se os conflitos, contradições que

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a própria realidade expressa. No entanto, os registros oficiais insistem em

“esquecer”.

A partir das leituras feitas em Hobsbawm (1998), entendermos que a

memória oficial está nos documentos e discursos oficiais das autoridades,

mas ao lado do que a escrita registra, existe uma outra visão dos

acontecimentos que pode ser recuperada através da memória. Inferi-se,

portanto que esta, pode ser a real função da memória - uma construção da

representação da informação memorialística, sendo que, esta representação

não se constrói a partir dos discursos oficiais, lutas de elites ou marcos de

“grandes heróis”, mas partir das falas dos sujeitos que apresentam

riquíssimas e variadas significações, bem como os artefatos / documentos

que estão carregados de valores simbólicos.

Na memória representada através dos artefatos, podemos reconhecer

a importância desses testemunhos vivos da história. Autoriza-nos a fazermos

leituras diversas diante das muitas informações que podem ser extraídas a

partir do olhar e contato sobre os artefatos, dando-lhes múltiplas

significações, “daí o consenso em torno de uma reprodução ativa de imagens

da cultura. Ao invés de serem inerentes, às mentalidades, as representações

das diferentes culturas apresentam-se como artefatos a serem percebidos,

lidos, estudados” (JEUDY, 1990, p. 2). Estas informações serão elementos

fundamentais na construção da memória e identidade do povo.

Seguindo o pensamento de Jeudy (1990), assim como todo indivíduo

viveria mal sem memória, também a coletividade precisa de uma

representação constante do seu passado.

Nessa dinâmica social está a interação dos fatos, que se integram e

formam unidades cada vez maiores, assim, nos conduzimos para as

mudanças sociais e percebemos a interdependência dos seres humanos e

instituições que podem transformar as configurações da sociedade atual e

desenvolver mentalidades críticas e conscientes dos seus valores e

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construtores do seu espaço de vivência, atuando como agentes de

transformação social.

As questões aqui propostas são para que tenhamos a oportunidade

de discutir sobre a memória como fundamental no processo de construção

e/ou reconstrução da representação de informações passadas – artefatos /

documentos que contam a história das famílias, das lutas e conquistas de um

povo, o passado reconstruído, e na formação da identidade cultural dos

indivíduos. Le Goff (1996, p. 535) corrobora: “atendendo às suas origens

filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar

recordações, trazer à tona novas significações, novos olhares [...]”.

Quando se fala em memória, não podemos deixar de falar da história

e representações e, concordando com Le Goff (1996, p. 21) “falar de história

não é fácil”: “a história só é história na medida em que não consente nem no

discurso absoluto, nem na singularidade absoluta, na medida em que seu

sentido se mantém confuso, misturado”. A história é, na verdade, o reino do

inexato, ela é submetida, naturalmente, a flutuações e mudanças constantes.

À questão da representação informação (em museus), a partir do que

Mikhailov (1980, p. 73) afirma ao construir a noção de “informação científica”,

corresponde ao “resultado de atividades sociais de produção de

conhecimento” e, fundamentalmente, como “aspecto transformador da

realidade e seu caráter social ligado a fenômenos e regularidades inerentes à

sociedade humana”. Concatenamos este pensamento às questões sobre

memória social e identidade cultural, fazendo uma conexão teórica, a fim de

apresentarmos este estudo, com base no Paradigma Social.

A construção da identidade cultural alude a relações de semelhanças

entre um eu e um outro, formulada particularmente como o modo de vida

pessoal e social de um indivíduo, com base na memória. Aproxima-se, desta

forma, dos processos de representação da informação, buscar uma

identidade reconhecendo no outro, semelhanças existentes entre os diversos

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grupos sociais de uma comunidade. A partir daí, percebe-se a importante

base deste Paradigma no âmbito desta pesquisa.

Ao analisar essas questões, entende-se que “a identidade é a

memória cristalizada no hoje, permitindo, dessa forma, a uma pessoa

(indivíduo) ou povo (sociedade) ter consciência de seu pertencimento em um

micro ou macrocosmo social”. (BRANDÃO, 2007, p. 83)

Nesta reflexão, é realizada uma abordagem cultural sobre a

construção da representação da memória. Para isto, é necessário fazermos

uma breve reflexão destas questões, contextualizando na sociedade de hoje e

levando em consideração as transformações ocorridas ao longo dos séculos.

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5 CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL DO MUSEU DO CEARÁ

Começo a olhar as coisas como quem, se despedindo, se surpreende com a singularidade que cada coisa tem de Ser e de Estar 10.

Affonso Romano de Sant'Anna

_________________________

No início do século XIX, no Ceará, mais especificamente em

Fortaleza, algumas entidades museológicas surgiram, mas com os incentivos

privados, no que se refere aos custos e à organização. Holanda (2005, p. 7)

discorre, conforme o boletim n.º 01 do Museu Rocha, que o primeiro museu

foi que pertencia ao médico cearense Joaquim Antônio Alves Ribeiro, já

apresentava em 1873 várias coleções de fragmentos da natureza.

Essas coleções foram transportadas para compor o Museu Provincial,

que funcionou como uma das dependências do Gabinete Cearense de

Leitura, entre os anos de 1875 e 1885. Por volta de 1894, outro cearense,

Francisco Dias da Rocha, formou o Museu Rocha, que funcionou até a

década de 1950.

Com o progresso material que ocorreu no Ceará, na virada do século

XIX para o século XX, a primeira repartição museológica oficial foi fundada

em 1922, mantida pelo governo estadual, sendo franqueada ao público em

1933 em Fortaleza. "O Museu Histórico do Ceará ocupava duas salas do,

também recém-criado, Arquivo Público do Estado, ambos sob a direção de

Eusébio Néri Alves de Sousa" (HOLANDA, 2005, p. 8)

O ano de 1922 é considerado o marco de consolidação dos museus

históricos brasileiros, a partir disto, cresceu o número de museus históricos no

país, a maioria com iniciativas do governo para celebrar os grandes eventos e 10 Trecho do Poema "Despedidas".

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personalidades oficiais da nação. A visão histórica do Museu, no início, estava

ligada muito mais às elites e às famílias tradicionais do Estado.

No início da década de trinta, o Museu Histórico foi se formando, e

sob a coordenação de Eusébio de Sousa, procurou adquirir e classificar o

acervo que expusesse artefatos que possibilitassem “o conhecimento da

história pátria, especialmente do Ceará, bem como o culto das nossas

tradições” (Decreto Estadual n. º 643, de 29 jan. 1932). Na direção de Eusébio

de Sousa entre os anos de 1932 a 1942, há o registro oficial de mais de mil

doações.

A campanha de arrecadação das peças gerou um acervo

diversificado que fugiu, algumas vezes, dos parâmetros estabelecidos por

Eusébio, pois alguns doadores tinham a visão de que o museu era um local

de expor curiosidades. Mas Eusébio procurava identificar as peças e fazia as

devidas associações com fatos e personagens históricos, para que os

visitantes apreendessem a importância do Museu e estabelecesse um diálogo

com o passado.

Eusébio tinha por missão cultivar a memória, mesmo num momento

de constantes transformações, como o século XX se apresentava:

“vasculhando o passado, sob a intenção de nele encontrar elementos que

contribuíssem para a (re)construção de uma identidade para o povo cearense

[...] – Eusébio acabou produzindo muitos “lugares de memória11” (HOLANDA,

2005, p. 9).

Eusébio deixava claro que o Museu Histórico não se destinava

prioritariamente aos pesquisadores eruditos, nem seria gerador de renda para

os cofres públicos. Ele defendia que o Museu deveria ser livre para a 11 Para Nora (1993) os ‘lugares de memória’ são concebidos numa tríplice acepção: lugares materiais, este responsável por ancorar a memória social podendo esta ser apreendida pelos sentidos; lugares funcionais são aqueles cuja função visa alicerçar as memórias coletivas; e, os lugares simbólicos, lugar em que a memória coletiva, construto identitário, se expressa e se revela. Todos independentes carregam consigo uma vontade e memória.

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população em geral, agregando mecanismos de divulgação do conhecimento

histórico, entre os quais a conservação e a mostra dos artefatos, eram

dotadas, em sua concepção, com um grande potencial educativo.

Com a saída de Eusébio de Sousa da sua direção, em 1942, o

Museu Histórico do Ceará continuou sua atuação, passou por várias direções,

mudou de endereço e de denominação; “dividiu atenções e verbas com outros

museus que foram surgindo no Ceará” (HOLANDA, 2005, p. 10). Desvinculou-

se do Arquivo Público, filiando-se ao Instituto Histórico em 1951 e finalmente

à Secretaria de Cultura do Estado do Ceará em 1967, onde se mantém até os

dias de hoje.

Ao passar pela administração do Instituto Histórico do Ceará, passou

a ser denominado como Museu Histórico e Antropológico do Ceará. Em 1973

foi tombado pelo Patrimônio Histórico e, somente em 1990, o nome atual,

Museu do Ceará, passou a vigorar. Ao longo de toda essa trajetória, o Museu

transformou-se num lugar de história.

O Museu guarda em seu acervo cerca de seis mil peças históricas e

antropológicas, entre elas: moedas, medalhas, cédulas, bandeiras, fardas,

armas, telas que retratam importantes momentos da história e que contam a

história da escravidão, da abolição, da literatura, do Ceará, do país; quadros

oficiais de celebridades políticas, confrontado com memórias populares.

A diversificação das peças no acervo é uma das características da

instituição, que recebe cerca de três mil visitantes por mês. Está localizado na

sede da antiga Assembléia Provincial, na Rua São Paulo, 51, no Centro de

Fortaleza (CE), ao lado da Praça dos Leões. O atual edifício do Museu do

Ceará abrigou ainda o Liceu, a Faculdade de Direito, o Tribunal Regional

Eleitoral, o Instituto do Ceará, a Biblioteca Pública, a Assembléia Legislativa e

a Academia Cearense de Letras. Tombado como Patrimônio Histórico desde

1973, foi restaurado em 1990 pelo Governo do Estado do Estado do Ceará. A

sua localização é privilegiada, pois evoca o passado, em um cenário histórico.

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Figura 2 – Fachada da atual sede do Museu do Ceará.

Fonte: Catálogo (2010, p. 5).

Todo o acervo exposto no Museu foi tombado pelo Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A maioria das peças do

Museu oferece uma oportunidade única, não só de se conhecer a natureza do

cearense, mas construir memórias e, através delas mergulharmos nas lutas,

crenças e cultura de um povo.

Segundo Holanda (2005), debater a seleção realizada por Eusébio de

Sousa, ao montar e publicar o acervo do Museu Histórico do Ceará, levando-

se em conta as inclusões e exclusões, é fundamental para percebermos como

os documentos são simultaneamente monumentos, “produtos de uma

sociedade que fabrica e dita as suas condições de conservação ou de

destruição segundo os interesses e a correlação de forças de um dado

momento” (LE GOFF, 1992, p. 537).

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É necessário percebermos e analisarmos como os espaços criados

com o objetivo de construir saberes e de preservar a memória são também

resultados da escolha e decisões de indivíduos, configurado a um

determinado tempo e lugar de práticas sociais e de produção do

conhecimento.

Na organização do museu oficial, Eusébio de Sousa nem sempre foi

reconhecido pelos seus contemporâneos. Isso pode ser explicado a partir do

fato de que não havia uma narrativa historiográfica concatenada aos artefatos

expostos, daí a importância da formulação de um texto temático que só foi

possível a partir de 1951, quando o Instituto do Ceará assumiu a condução do

Museu, organizando salas temáticas.

O Museu do Ceará consolidou-se como um espaço em que está

centrado nas várias versões da história, procurando os conflitos nos diversos

ângulos. Esta diversidade é mostrada pelas coleções de Thomas Pompeu

Sobrinho e Dias da Rocha, em salas temáticas: “Memórias do Museu”,

“Fortaleza: imagens da cidade”, “Poder das armas e armas do poder”, “Povos

indígenas: entre o passado e o futuro”, “Artes da Escrita”, “Escravidão e

Abolicionismo”, “Padre Cícero: mito e rito”, “Caldeirão: fé e trabalho”.

Além de concentrar um dos mais representativos acervos do Estado,

o Museu do Ceará promove cursos, oficinas, palestras e publicações na área

de museologia e História, visitas orientadas, capacitação para professores.

Destaca-se como um núcleo de ações educativas em parceria com a

Universidade Federal do Ceará. Sua política cultural, contemporânea,

aproxima-se da pedagogia freiriana, que possibilita dar voz aos silenciados.

Tal projeto de atuação objetiva atender ao público que vai ao Museu:

pesquisadores, estudantes da educação básica e superior, visitantes de

Fortaleza e turistas do Ceará, do Brasil e de outros países.

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Com base na atual Política Nacional de Museus12, a Secretaria de

Cultura do Estado do Ceará, por meio do Museu do Ceará, passou a

coordenar a criação e o funcionamento do Sistema Estadual de Museus,

ampliando as referidas atividades que, atualmente desenvolve, a fim de

contribuir também para a qualificação dos profissionais que atuam nos

espaços museológicos do Ceará.

Todas as atividades mencionadas vêm consolidando o Museu do

Ceará como um significativo espaço de educação, cultura e lazer, tal como se

entende nos fundamentos científicos e éticos da museologia contemporânea,

transformando-se numa referência regional.

Iniciativas do Museu valem ser destacadas, como a instalação do

“Memorial Frei Tito de Alencar”, que permite uma reflexão crítica da ditadura

militar. O Memorial traz à tona um cearense que lutou pelos direitos humanos.

Analisar a formação do acervo do Museu do Ceará, instituído na

década de 30 em Fortaleza, é adentrar num universo ilimitado: “o Museu do

Ceará, surgiu como expressão da modernidade que se volta incessantemente

para o futuro, mas que olha para trás em busca de origens perdidas”

(HOLANDA, 2005, p. 189).

Desta forma, o acervo do Museu constitui-se em uma diversidade de

fragmentos sobre variadas formas de gerar memória, símbolos e artefatos

que fazem ligações entre o passado, presente e futuro.

12 Instituída em 2003, pelo Ministério da Cultura, na gestão 2003-2006, propor linhas programáticas para uma política nacional voltada para o setor museológico brasileiro é promover a valorização, a preservação e a fruição do patrimônio cultural brasileiro, considerado como um dos dispositivos de inclusão social e cidadania, por meio do desenvolvimento e da revitalização das instituições museológicas existentes e pelo fomento à criação de novos processos de produção e institucionalização de memórias constitutivas da diversidade social, étnica e cultural do país. Disponível em:

<http://www.museus.gov.br/sbm/politica_apresentacao.htm>. Acesso em: 02 mai. 2011.

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6 MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES: MÚLTIPLAS VOZES NO ESPAÇO

MUSEÍSTICO

Apenas um momento passado? Muito mais, talvez: alguma coisa que, comum ao passado e ao presente é mais essencial do que ambos.

Marcel Proust.13 __________________

A presente análise foi elaborada a partir de uma sistematização da

técnica de análise de conteúdo. O objetivo principal da análise de conteúdo,

segundo Bardin (2000), pode ser sintetizado em manipulação das

mensagens, tanto do seu conteúdo quanto da expressão desse conteúdo,

para colocar em evidência indicadores que permitam inferir sobre uma outra

realidade que não a mesma da mensagem.

Tendo em vista os objetivos propostos convém destacarmos os

elementos que nortearam a análise e podem ser expressos da seguintes

formas:

Figura 3 – Categorias e subcategorias de análise.

Fonte: Elaborado pelo autor.

13 Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust, foi um escritor francês, mais conhecido pela sua obra À la recherche du temps perdu (Em Busca do Tempo Perdido), que foi publicada em sete partes entre 1913 e 1927. (Fonte: educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u129.jhtm). Acesso em 12 jun. 2011.

Categorias

Memória

Identidade Cultural

Representação

Subcategorias

Exposições permanentes

Impressões dos visitantes

Vozes de quem planeja

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Quadro 2 – Subcategorias e categorias de análise.

SUBCATEGORIAS CATEGORIAS

Exposições Permanentes:

Memórias do Museu

Povos Indígenas: entre passado e futuro

Poder das armas e armas do poder

Artes da escrita

Escravidão e Abolicionismo

Padre Cícero: mito e rito

Caldeirão: fé e trabalho

Fortaleza: imagens da cidade

Memoria Frei Tito

Memória

Identidade Cultural

Representação da Informação

Impressões dos Visitantes

Memória

Identidade Cultural

Representação da Informação

Vozes de quem Planeja

Memória

Identidade Cultural

Representação da Informação

Fonte: Elaborado pelo autor.

6.1 Memória, identidade cultural e representação: transitando por entre

as páginas do Catálogo de Exposições Permanentes

O catálogo das exposições permanentes traz impresso em suas

páginas às exposições permanentes constituindo-se enquanto artefato

memorialístico, sob outro prisma, pode-se considerar este catálogo, como um

lugar de memória, tal qual, Pierre Nora classifica compreendendo-o como

uma das tríplices funções do lugar de memória, a construção simbólica.

De excelente qualidade gráfica, impresso em papel couchê, semi

brilho, o catálogo retrata nove exposições, conforme mostra o Quadro 1,

descritas nos itens que seguem.

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Analisamos as exposições permanentes – artefatos (fotografias), Livro

de impressões dos visitantes do Museu (depoimentos coletados) e a

Entrevista (transcrição), enquanto Categorias de Análise, sendo que, como

unidades de Registro, temos os ‘temas’ – Memória, Representação da

Informação e Identidade Cultural, visando responder aos objetivos desta

pesquisa:

a) A exposição “Memórias do Ceará” apresenta alguns documentos que

mostram aspectos da trajetória do Museu, entre publicações, placas, e

fotografias do Museu.

Figura 4 – Primeira sede (já extinta) do ‘Museu Histórico do Ceará’14.

Figura 5 – Segunda sede (já extinta) do ‘Museu Histórico do Ceará’15.

Fonte: Catálogo (2010, p. 23). Fonte: Catálogo (2010, p. 24).

Como ressalta Le Goff (2003, apud LOPES, 2006), os fragmentos do

passado chegam ao presente por meio de trajetórias que não podem ser

despresadas. Sobrevive uma escolha efetuada quer pelas forças que operam

no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se

dedicam a ciência do passado e do tempo que passa.

14 Situava-se à Rua 24 de Maio, esquina com Liberato Barroso, no Centro da cidade de Fortaleza (CE). 15 Situava-se na Avenida Alberto Nepomuceno, em frente à Praça da Sé.

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Ao contrário do que se pensa, o que é histórico não é somente o que

se conservou, o valor do “histórico” está também, naquilo que se transformou,

ou até mesmo, naquilo que foi destruído, mas permanece enquanto memória.

Figura 6 – Guia do visitante do ‘Museu Histórico e Antropológico do Ceará’.

Figura 7 – Catálogo - Comemoração dos 150 anos da Independência do Brasil em 197216.

Fonte: Catálogo (2010, p. 25). Fonte: Catálogo (2010, p. 28).

Assim, “a memória não faz somente a pintura ou o reboco, mas

também, a parede e o alicerce”. Esta exposição tenta preserva a história do

Museu e sobre o seu acervo, que se apresenta sob vários recortes da história

do Ceará.

Nestes catálogos, o Museu do Ceará teve a tarefa de “juntar e exibir

memórias” (LOPES, 2006, p.4), com o objetivo de reunir e exibir fontes de

informação histórica, preservando a memória, não aceitando a ideia de “túnel

do tempo”, mas, na tentativa de estabelecer diálogos entre presente e o

futuro.

16 Material publicado durante a gestão, como diretor, de Osmírio Barreto (1972-1990).

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Figura 8 – Boletim do ‘Museu Histórico do Ceará’17.

Fonte: Catálogo (2010, p. 22).

Percebe-se o caráter do Museu enquanto instituição de pesquisa e de

difusão do conhecimento, interagindo com a sociedade através de

publicações bibliográficas, representativas da memória do Museu e do Ceará

e, portanto, constituintes da identidade cultural.

Temos, então, diferentes formas de interpretação da história do Ceará

por meio do acervo bibliográfico. Ao desenvolver uma política editorial, o

Museu do Ceará procura aprofundar o seu caráter de instituição atuante nos

debates da contemporaneidade. Com isso, o passado se expressa no acervo

que emerge em sua ligação com o presente e o futuro. O ontem começa a

fazer sentido porque se relaciona com as questões e desafios da atualidade.

As publicações são, portanto, possibilidades de atuação que geminam em

acasalamento com o projeto mais amplo: a Ação Educativa do Museu do

Ceará, que se desdobra no atendimento prestado às turmas escolares e ao

público geral. (LOPES, 2006).

17 Publicado por Eusébio de Sousa (1883 – 1947). Ao todo foram publicados três volumes, nos anos de 1935 e 1936. Os boletins apresentam textos e matérias de jornais relacionados ao acervo do Museu.

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b) Os objetos arqueológicos expostos sobre “Povos indígenas: entre

passado e futuro”, não são vestígios dos primeiros habitantes do Brasil e

nem testemunhos dos primeiros cearenses: “brasileiros e cearenses são

invenções recentes. Antes, havia poucos que viviam suas vidas das mais

variadas maneiras, com grande diversidade cultural. Foram os

colonizadores que inventaram o termo ‘índio’.” (LOPES; SILVA FILHO,

2007, p. 454).

Figura 9 – Lâminas de machado de pedra polida18.

Fonte: Catálogo (2010, p.33).

Figura 10 – Urna funerária elipsoidal19. Figura 11 – Tigela esférica20.

Fonte: Catálogo (2010, p. 34). Fonte: Catálogo (2010, p. 36).

18 Pertencentes à coleção arqueológica do Professor Dias da Rocha. Esta coleção de material lítico do Museu tem aproximadamente 1.400 peças, de tamanhos e formatos variados, grande parte proveniente do interior do Ceará. 19 Apresenta pintura de coloração vermelha em linhas paralelas, formando triângulos. Proveniente de Matões, distrito de São Gonçalo do Amarante (CE). Doada ao Museu do Ceará pela comunidade indígena Anacé, em 2002. Tem altura de 37 cm; largura de 56 cm e cumprimento de 77 cm. 20 Com características tupi guarani, revestida com engobo branco na área interna. Proveniente de Cascavel (CE).

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Nesta exposição, o Museu busca discutir no presente, sobre a luta em

torno da defesa das heranças e perspectivas dos povos indígenas, partindo

de um tempo pretérito. Não podendo negar que, a partir desta, outras

questões surgem, envolvendo interesses conflitantes como a posse de terras

e definições de cultura e memória.

Figura 12 – Maracá de cabaça21. Figura 13 – Ponta projétil com pedúnculo22.

Fonte: Catálogo (2010, p. 37). Fonte: Catálogo (2010, p. 39).

Estes objetos podem nos levar a uma reflexão sobre as necessidades

que motivaram a criação dos primeiros instrumentos. E permanecem as

perguntas sobre a primeira vez em que a cultura humana transformou uma

pedra em objeto.

Na tentativa de dar voz e vez aos silenciados da história, o Museu

recria a história dos povos indígenas, emudecidos pela história oficial,

tornando-se um espaço de escolha e de forças, promovendo o direito a

diversidade de memórias, como pressuposto para a construção de um

potencial crítico diante da nossa própria historicidade.

21 Apresenta ornamentos incisos sobre toda a superfície. Cabo coberto por fios de algodão e palha. Pertencente à coleção etnográfica de Thomaz Pompeu Sobrinho. Tem, aproximadamente, 30 cm. 22 Proveniente das doações advindas do Instituto de Educação. Mede 11 x 5,4 cm.

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c) A exposição “O poder das armas e as armas do poder” objetiva

discutir sobre a força da lei e a lei das forças: “as armas criaram,

prolongaram e encurtaram conflitos, por vários motivos: posses,

heranças, terras, moedas, famílias, casamentos, religiões, políticas,

traições, fidelidades, desejos e desafetos” (LOPES; SILVA FILHO,

2007, p. 455).

Rememora aspectos da violência física, cruzados e inseparáveis com

aspectos da violência simbólica que se apresenta em vários objetos, “com

força e delicadeza, pompa, desejo de eternidade: retratos, pinturas, molduras,

fardas, cadeiras, bandeiras, medalhas, confeccionados nos séculos XIX e XX”

(LOPES; SILVA FILHO, 2007, p. 455).

Esses objetos apresentam algumas pistas sobre as mudanças e

permanências entre o nosso passado e presente.

No furo das balas ou no corte das lâminas, vários foram os poderes das armas: matar ou intimidar, dar coragem ou medo, defender e atacar, prender e soltar. São artefatos que podem tirar dos pobres ou aumentar a fortuna dos ricos. De modo explícito ou não, são componentes de luta de classes. (LOPES; SILVA FILHO, 2007, p. 456).

Figura 14 – Fuzis23.

Fonte: Catálogo (2010, p. 44).

As armas são sempre enfeitadas, não se limitando à função prática,

mostrando que não é possível separar “o poder das armas e as armas do

23 Fuizis de fabricação italiana (modelo 1971, calibre 11mm), suíça (modelo 1889, calibre 7,65mm) e americana (utilizada no exército brasileiro até 1874, calibre 44mm), respectivamente.

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poder”. Serviram, no passado, para os cangaceiros, pistoleiros e coronéis do

sertão e continuam sendo utilizadas para muitas coisas, inclusive para

diversão e esporte. Porém, não podemos esquecer que carregam o poder de

aumentar a “legião dos mutilados e procissão dos ausentes” (LOPES; SILVA

FILHO, 2007, p. 456).

Figura 15 – Sala 1- “Poder das armas e armas do poder”.

Figura 16 - Sala 2 - “poder das armas e armas do poder”.

Fonte: Catálogo (2010, p. 43). Fonte: Catálogo (2010, p. 47).

Os artefatos são expostos como se estivessem em antiquários, sem

apresentar qualquer vestígio de um percurso histórico linear. Podendo ser

visualizados, também, como manifestações interligadas por um pelas formas

pelas quais o poder se constrói. Afinal, não sendo natural precisa ser

construído. E, nesta construção, nos artefatos ocupam significativo papel de

representação histórica.

Dinheiro e medalhas, também, simbolizavam e continuam sendo

símbolo de poder, representando um “Ceará de riquezas e vitórias”, porém,

trás a tona, discussões em torno da miséria e pobreza existentes.

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Figura 17 – Cédulas24. Figura 18 – Medalhas25.

Fonte: Catálogo (2010, p. 46). Fonte: (Catálogo 2010, p. 48).

d) “Artes da escrita” apresenta artefatos diversos doados ao Museu do

Ceará formando um conjunto de fragmentos do passado que

testemunham a determinação dos homens e mulheres para mostrar a

força da palavra escrita. Movimentando-se na arte e na ciência, alguns

“militantes da palavra” enfocaram problemas, fizeram denúncias e

apontaram soluções. Fizeram da escrita uma forma de anúncio e de

denúncia.

Figura 19 – Pessoas do Morro do Moinho, subúrbio de Fortaleza26.

Fonte: Catálogo (2010, 53).

24 Cédulas do Brasil Império, nos valores de um e de dois mil réis, respectivamente. 25 Medalha comemorativa do Sesquicentenário da Independência do Brasil; Medalha comemorativa do Centenário da Abolição; Medalha que pertenceu a João Cordeiro (1842-1931), alusiva à Exposição Universal de Paris, respectivamente. 26 Fotografia do escritor e médico Rodolfo Teófilo vacinando pessoas do Morro do Moinho, no subúrbio de Fortaleza em 1907.

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Figura 20 – Escrivaninha27. Figura 21 – Gundka-5 – Máquina de escrever28.

Fonte: Catálogo (2010, p. 54). Fonte: Catálogo (2010, p. 55).

Muitos, em suas inquietudes diante das problemáticas sociais,

escreveram sobre a ‘seca’, como o Senador Pompeu29, Rodolfo Teófilo30 e

Joaquim Alves31. Dias da Rocha32 fundou no final do Século XIX um Museu

27 Escrivaninha que pertenceu a Rodolfo Teófilo (1853-1932). Mede 104 x 119 cm. 28 Máquina de escrever de uma tecla só. De origem alemã, fabricada no início do século XX. 29 Tómas Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu, nasceu no município de Santa Quitéria (CE), em 6 de junho de 1818 mudou-se para a cidade de Fortaleza (CE), falecendo em 2 de setembro de 1877. (Fonte: <www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SnPompeu.html>. Acesso em: 15 jun. 2011). 30 Rodolfo Marcos Teófilo nasceu na cidade de Salvador (BA) e, em 6 de maio de 1853 mudou-se para a cidade de Fortaleza (CE), vindo a falecer em 2 de julho de 1932. Foi um escritor brasileiro de estética literária regional-naturalista, poeta, documentarista, contista e articulista. Foi também, médico sanitarista, industrial e divulgador científico. (Fonte: <http://www.netsaber.com.br/biografias>. Acesso em 15 jun. 2011). 31

Joaquim Alves de Oliveira nasceu no município de Pilar de Goiás em 18 de agosto de 1770 e faleceu em Pirenópolis, em 4 de outubro de 1851 Foi um grande produtor rural, agraciado com os títulos de Honra de Moço Fidalgo da Casa Imperial, Comenda do Cruzeiro, Comenda de Cavaleiro da Ordem de Rosa e a patente de tenente-coronel, sendo também o criador do jornal A Matutina Meiapontense. (Fonte: < www.revista.agulha.nom.br/1jalves.html>. Acesso em 15 jun. 2011). 32 Francisco Dias da Rocha nasceu na cidade de Fortaleza (CE), no dia 23 de agosto de 1869 e faleceu em 26 de julho de 1960, na mesma cidade. Fundador do Museu Rocha (de história natural), realizou trabalhos de cunhos arqueológicos, fitológicos e zoológicos. Descobriu o radium no Ceará, em 1906, inventou a fórmula da Rochaplasma, aplicada na cura da aftosa. (Fonte:<http://www.ceara.pro.br/Instituto-site/Rev-apresentacao/RevPorAno/1965/1965-NaturalistaFranciscoDiasdaRocha.pdf>. Acesso em 15 jun. 2011.

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de História Natural. O Barão de Studart33 ampliou e aprofundou a pesquisa

sobre a história do Ceará. Eusébio de Sousa, em 1932, organizou do Museu

Histórico do Ceará. Martins Filho34 criou a Universidade do Ceará no início

dos anos de 1950.

Além de objetos pessoais, há pinturas a óleo realizadas pelo poeta

Otacílio de Azevedo e folhetos de cordel. Essa Exposição é, portanto, um

“caleidoscópio de traços e pistas sobre a potência criadora da letra gravada

no papel.” (LOPES; SILVA FILHO, 2007, p. 456).

Figura 22 – Codel35.

Fonte: Catálogo (2010, p. 61).

As relações entre Patativa do Assaré36 e a política passam pela

compreensão da síntese que ele fez entre o trabalho manual e o intelectual,

33 Barão de Studart, Guilherme Chambly Studart nasceu na cidade de Fortaleza (CE), em 5 de janeiro de 1856 e faleceu em 25 de setembro de 1938, na mesma cidade. Foi um médico, historiador e vice-cônsul do Reino Unido no Ceará. Participou do movimento abolicionista no Ceará, como um dos membros da Sociedade Cearense Libertadora. Discordando dos meios defendidos por esta, desliga-se para fundar, o Centro Abolicionista 25 de Dezembro, em 1883. (Fonte: <www.institutodoceara.org.br/aspx/museu-barao-de-studart>;. Acesso em 15 jun. 2011. 34 Antônio Martins Filho nasceu na cidade do Crato (CE) em 22 de dezembro de 1904, faleceu em Fortaleza (CE), em 20 de dezembro de 2002, foi um dos mais eminentes fomentadores da fundação da primeira universidade do Ceará tornando-se "O Reitor" da Instituição quando da sua fundação em 1954, a atual Universidade Federal do Ceará. Fonte: < www.urca.br/portal/index.php/a.../martins-filho>. Acesso em 15 jun. 2011. 35 Cordel de autoria de Bernardo da Silva, João de Cristo Rei e João Martins de Athayde. 36 Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré (nasceu na cidade de Assaré, Estado do Ceará, no 5 de março de 1909 e faleceu em 8 de julho de 2002), foi um poeta popular, compositor, cantor e improvisador brasileiro.

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superando a velha dicotomia que tanto inquietou filósofos e cientistas sociais.

Patativa se refia ao campo como o local privilegiado para seu fazer poético.

Recolhido ao seu roçado, longe da conversa – que nos momentos de trabalho

ele evitava.

Figura 23 – Óculos e Chapéu37.

Fonte: Catálogo (2010, p. 63).

De acordo com Carvalho (2002), o Poeta, recolhido ao seu roçado,

longe da conversa que, nos momentos de trabalho ele evitava, se

concentrava na preparação do solo para o cultivo e na transformação em

versos das imagens que se formavam em sua mente e matéria-prima de uma

poética marcada pelo o social.

Os artefatos são, então, compreendidos enquanto documentos sejam

escritos ou audiovisuais, inseridos numa produção de diálogo. Ao

questionarmos estes documentos, deslocados para uma coleção, observamos

o entrecruzamento de diferentes fontes de informação que possibilitam a

construção de interpretação das experiências históricas.

Tanto historiadores, como artistas, entre outros intelectuais e

pesquisadores, de diversas áreas do conhecimento, pensaram e provocaram

o lugar dos objetos/artefatos no acervo dos museus, na composição de

exposições e na compreensão desse lugar de memória como um local de

legitimação, distinção, conflito e disputas no campo das artes e da história. O

ato consciente de deslocar objetos/artefatos com a intenção de produzir um

discurso, uma narrativa, uma explicação ou ainda, um questionamento de um

37 Pertenceram ao poeta Patativa do Assaré (1909-2002).

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lugar social, como este, ocupado pela arte, produziu reflexões naqueles que

trabalhavam com a linguagem das coisas. (RUOSO, 2009)

e) A exposição “Escravidão e Abolicionismo” explora a emancipação

pioneira do Estado do Ceará, temática bastante pertinente para o Estado,

pois desde o período colonial e, perpassando o período imperial, é notório

que a “província” do Ceará nunca foi o foco principal dos ciclos

econômicos que sustentaram o Brasil nestes referidos períodos, logo se

conclui que o fluxo de escravos recebidos pelo Ceará foi, de fato, irrisório

se comparado aos números das províncias onde giraram os eixos

econômicos da época.

Mas, dentro deste cenário escravocrata o Ceará ganha destaque no

contexto abolicionista ao ser a primeira província brasileira a abolir a

escravidão em 1884, quatro anos antes de o Império abolir oficialmente a

escravatura em todo país por meio da Lei Áurea promulgada no dia 13 de

maio de 1888, ficando conhecida como “Terra da Luz”. Por esta causa,

objetos de abolicionistas e instrumentos para torturas os escravos foram

doados ao Museu.

Figura 24 – Algemas e Gargalheiras38. Figura 25 – Livro com capa de prata39.

Fonte: Catálogo (2010, p. 67). Fonte: Catálogo (2010, p. 73).

38 Usadas para castigar escravos. 39 Oferecido pelos portugueses brasileiros que residiam em Fortaleza, para nele ser inscrita a ata da sessão da abolição dos escravos no Ceará. Mede 32 x 46 cm.

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Figura 26 – Quadro Fortaleza Liberta40.

Fonte: Catálogo (2010, p. 69).

Segundo Holanda (2005), o ápice da exaltação ao abolicionismo no

Ceará foi formalizado com o quadro “Fortaleza Liberta”, do artista plástico

cearense José Irineu de Sousa, encaminhado ao Museu do Ceará por

Raimundo Girão, quando o mesmo foi prefeito da cidade de Fortaleza em

1932. A obra mereceu um longo estudo de Eusébio de Sousa, que denominou

de “um quadro histórico”, cuja finalidade foi construir o sentido de relíquia.

Fragmentos do passado que, no presente, podem gerar reflexões

sobre os limites do humanismo abolicionista e a participação dos negros na

história do Ceará, em sua dimensão econômica, social e cultural. Por outro

lado, colocam-se em evidência as atuais formas de exploração do

trabalhador, inclusive no âmbito da escravidão que ainda existe nos dias

atuais.

40 Representa o ato oficial de libertação dos escravos na Capital do Ceará, em 24 de maio de 1883. Estima-se que existiam naquela data cerca de 16 mil escravos. Após os fogos de artifício, gritos, lágrimas e tiros de canhão, a multidão que compareceu à Praça castro Carrera (Praça da Estação), ouviu quando o presidente da província, Sátiro de Oliveira Dias, concluiu seu discurso anunciando que a província do Ceará não possuía mais escravos. O pioneirismo cearense teve imensa repercussão no Brasil, influenciando a campanha abolicionista do Amazonas e das fronteiras do Uruguai.

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Figura 27 – Tronco41.

Fonte: Catálogo (2010, p. 74).

É importante destacar que, entre outros objetos, a proa é aquela que

mais evidencia a insatisfação dos negros em relação à sua condição de

escravo, negando o caráter de passividade atribuído a eles.

O “boicote” dos jangadeiros interveio diretamente na transação

comercial de escravos do Ceará com São Paulo. No momento em questão,

esta parecia ser a única forma dos proprietários cearenses obterem lucro com

os seus escravos, uma vez que a província estava sob uma forte crise

econômica, dispensando seus excedentes de mão de obra. O movimento dos

jangadeiros foi incisivo para a província do Ceará abolir a escravatura em

1884.

Figura 28 – Proa da barca Laura II42.

Fonte: Catálogo (2010, p. 77).

41 Utilizado para castigar escravo. Mede 223 x 46 cm. 42 Cenário de um levante de escravos que culminou com a morte de toda a tripulação da embarcação, em 1839.

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f) Em “Padre Cícero: mito e rito” tem-se uma narrativa o “santo do

povo”, padre envolvido nas relações políticas das primeiras décadas do

século XX.

Figura 29 – Batina, chapéu e cajado43. Figura 30 – Sala da Exposição “Padre Cícero: mito e rito”.

Fonte: Catálogo (2010, p. 81). Fonte: Catálogo (2010, p. 83).

Os objetos do Padre Cícero que criaram a imagem do santo prtotetor.

A partir daí, uma proliferação de imagens em torno do padrinho que, segundo

a crença popular, tem o poder de aliviar as dores de cada dia. Em figuras de

madeira, gesso, papel ou plástico, ergue-se com destaque nos oratórios

domésticos, mostrando que o mito precisa do rito, afirmando que a fé precisa

dos objetos de devoção. (LOPES; SILVA FILHO, 2007, p. 457).

O Museu discute o “mito e rito” em torno das memórias sobre o Padre

Cícero e os acontecimentos religiosos que aconteciam na cidade de Juazeiro

do Norte, localizada na Região do Cariri, sul do Estado do Ceará. O “Milagre

de Juazeiro”, entre outros fatos que identificam esta Região (colóquios da

beata com Jesus; sangramento de crucifixos e êxtases), marcam o início das

43 Objetos que pertenciam ao Padre Cícero (1844 – 1934).

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romarias, um forte movimento religioso. A partir daí, os sertanejos começaram

a alimentar crenças sobre o poder do Padre Cícero, criando rituais e

narrativas em torno destas “forças espirituais”.

Figura 31 – Ex-votos44.

Fonte: Catálogo (2010, p. 82).

Figura 32 – Sedição de Juazeiro45.

Fonte: Catálogo (2010, p. 84).

44 Abreviação de ex-votos suscepto (o voto realizado). O termo designa pinturas, estatuetas e variados objetos doados às divindades representando um agradecimento por um pedido atendido. 45 Fotografia exposta no Museu do Ceará. Representa a Sedição de Juazeiro - confronto ocorrido em 1914 entre as oligarquias cearenses e o governo de Franco Rabelo, provocado pela interferência do poder central na política estadual nas primeiras décadas do século XX. Ocorreu no sertão do Cariri cearense e centralizou-se em torno da liderança de Floro Bartolomeu e Padre Cícero Romão Batista. Mede 40 x 56cm.

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De acordo com Rezende (2006), a morte é para a história uma

metáfora da vida, em qualquer lugar, quer multiplique lágrima, quer

multiplique rituais. “Morte e lágrimas. Medo do esquecimento.” (RUOSO,

2009). Um museu abriga escolhas de memórias. São disputas de partes ou

pedaços de lembranças em um mundo em que as experiências humanas

trazidas no saber dos narradores, a chamada memória espontânea, estaria

minguando.

Compreender a dimensão demasiadamente humana dos museus com

seus sinais de historicidade é entender uma casa de provocações de

memórias e despertar do esquecimento, como uma arena política; repleta e

vazia de conflitos, constituída de tradições e contradições.

g) Na Exposição “Caldeirão: fé e trabalho”, como fragmentos do passado

podem produzir reflexões sobre a vida no Caldeirão e o tratamento que as

elites dão aos movimentos populares.

Figura 33 – Comunidade do Caldeirão46.

Fonte: Catálogo (2010, p. 93).

46 Fotografia reproduzida no livro “A ordem dos penitentes”, e que registra a comunidade do Caldeirão no momento da invasão policial em 1936. Os membros da comunidade do Caldeirão passaram a usar roupas pretas após a morte do Padre Cícero, em 1934. Porém, o beato José Lourenço e seus seguidores foram para o caldeirão em 1926.

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Em setembro do ano de 1936, por ocasião da invasão policial na

comunidade Caldeirão47, foram recolhidos objetos que, fotografados, suas

imagens foram publicadas no livro “A ordem dos penitentes”, publicado em

1937 pelo Tenente Góes de Campos Barros. O objetivo era provar que esses

artefatos faziam parte de um perigoso núcleo de fanatismo.

Figura 34 – Foice e machado. Figura 35 – Roupa do culto utilizada na comunidade Caldeirão.

Fonte: Catálogo (2010, p. 89). Fonte: Catálogo (2010, p. 91).

No momento do massacre, uma coleção de objetos foi construída e,

junto a elas, muitas formas de produzir e representar as memórias do

Caldeirão. Estes objetos foram escolhidos dentre muitos outros que fazia

parte do cotidiano da comunidade. Assim, perderam a utilidade e foram

distanciados dos antigos donos, quase eliminando, com esta captura

agressiva, qualquer manutenção de memória afetiva. (RUOSO, 2009).

Após o dia do massacre os objetos da comunidade do Caldeirão

foram levados à chefia de polícia. Poucas destas foram recuperadas e

doadas, posteriormente ao Museu Histórico do Ceará.

47 Comunidade liderada pelo beato José Lourenço entre 1926-1936. Localizada no município do Crato (CE), Região do Cariri cearense.

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Figura 36 – Cadeira adquira pelo beato José Lourenço48.

Fonte: Catálogo (2010, p. 90).

Ao longo dos anos os artefatos continuaram, na expografia, como

objetos marginais, confirmando o pensamento da história oficial. Durante as

décadas de 1960, 1970 e 1980 foram classificados como “objetos de

interesse ao estudo do folclore”. Até a década de 1970 não foi possível

localizar, ao certo, onde estavam expostos os objetos do Caldeirão. As peças

do acervo foram catalogadas identificando, cada parte da coleção, ao beato

José Lourenço, ignorando a representação da memória coletiva. (RUOSO,

2009).

O Museu do Ceará, enquanto instituição cultural passou por diversas

transformações, tanto com relação ao seu espaço físico, quanto em relação a

sua abordagem administrativa, no decorrer dos anos. E, em parceria com a

Universidade Federal do Ceará, onde se constrói discursos em torno da

história crítica social, da história das minorias, opõem-se ao discurso da

história oficial, propondo uma retomada à história do Caldeirão. “Um jogo de

espelhos e identificações que funde passado e presente, em que a história se

torna estratégia de sobrevivência e reinvindicação”. (MARQUES, 2004, p. 124

apud RUOSO, 2009, p. 71).

48 Cadeira adquirida para a capela em construção no Caldeirão. Mede 107 x 4 cm.

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O Museu dialoga com a comunidade através desta exposição,

lembrando todos aqueles que acreditavam em um mundo mais justo, mias

igualitário e luta pela terra e na vida em liberdade.

h) Em “Fortaleza: imagens da cidade”, o Museu busca trabalhar as

imagens urbanas, apresentando a experiência da diversidade, jogo entre

o existente e o possível, imaginando a cidade que corresponde aos

nossos anseios, refletindo sobre a cidade de Fortaleza na tentativa de

observar trações da nossa identidade cultural, refletido em nós e sobre

nós.

Figura 37 – Bode Ioiô49.

Fonte: Catálogo (2010, p. 96). O bode empalhado rompe a visão da história oficial, uma vez que não

existe a necessidade de conhecimentos específicos para entendimentos dos

seus códigos estéticos. A maior intensidade da disseminação das lembranças

do bode Ioiô está no dia-a-dia, nas conversas das ruas e nos contos dos mais

velhos para os mais novos. (PASSOS, 2011)

49 Caprino que, segundo os memorialistas era uma figura bastante conhecida entre a boêmia em Fortaleza, nas décadas de 1910 e 1920, ao perambular solitário todos os dias, da Praia do Peixe (hoje, Praia de Iracema) ao centro da cidade. Daí presumida a origem do seu nome. Morreu em 1931, foi empalhado e doado ao acervo do Museu do Ceará em 1935.

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Desta feita, o Museu analisa a história em relação aos fragmentos da

cidade onde se situa, abandonando uma postura estática e inserindo-se em

uma dialética social.

A narrativa busca-se discutir as intervenções sobre a cidade de

Fortaleza, por parte do poder público: tentativa de racionalizar o espaço,

ambição de transformar a cidade em vitrine do processo e de beleza e, assim

tornando-se um lugar de medo e desigualdades. (LOPES; SILVA FILHO,

2007, p. 457).

A memória e o esquecimento não estão nas coisas, mas nas relações

entre os seres, entre os seres e as coisas, entre as palavras e os gestos etc.

É necessária uma postura reflexiva para que as ‘coisas’ sejam revestidas de

memória e representações que constituem a identidade coletiva.

Figura 38 – Candeeiros e lamparinas50.

Fonte: Catálogo (2010, p. 99).

Destaca-se na abordagem desta exposição, a narrativa de que o

Museu é, também, um lugar onde estão em jogo, cheios e vazios, luzes,

sombras, penumbras, mortos e vivos, vozes, murmúrios e silêncios, memórias

e esquecimentos.

50 Utilizados para a iluminação de residências, à base de óleo ou gás inflamável, em fins do século XIX e princípios do século XX.

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Figura 39 – Canhão de ferro51. Figura 40 – Ornamento de penas52.

Fonte: Catálogo (2010, p. 102). Fonte: Catálogo (2010, p. 103).

Preservação e destruição, além de complementares, estão sempre a

serviço dos sujeitos que se constroem e são construídos por práticas sociais,

rememorando e esquecendo, como resultado de um processo que envolve

outras forças. Uma delas é o poder, semeador e promotor de memórias e

esquecimentos.

Figura 41 – Peça do gasômetro53.

Fonte: Catálogo (2010, p. 108

51 Canhão de ferro do antigo reduto do Parazinho (Paracurú). 52 Ornamento de penas, utilizado ao redor da cabeça, possivelmente, originário dos Índios Mundukuru do Pará (Coleção Etnográfica Thomaz Pompeu Sobrinho). 53 Aparelho utilizado no sistema de iluminação a gás. Instalado em Fortaleza (CE), na segunda metade do século XIX. Ogás era conduzido através de finos canos de chumbo que levavam o combustível até o bibo dos lampiões.

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Os artefatos reunidos e expostos ao olhar adquirem novas

significações e funções, anteriormente não previstas, impregnado de

subjetividades, vinculados a uma intencionalidade representacional e a um

jogo de atribuições de valores socioculturais.

Conforme Chagas (2009, p. 22), o “imensurável universo museável” –

tudo aquilo que é passível de ser incorporado a um museu -, apenas algumas

coisas, a que se atribuem qualidades distintivas, serão repensadas e

musealizadas. Essas qualidades distintivas podem ser identificadas como

“documentalidade, testemunhalidade, autenticidade, raridade, beleza, riqueza,

curiosidade, antiguidade, exoticidade, excepcionalidade, banalidade,

falsidade, simplicidade” e outras não previstas, levando em consideração as

subjetividades.

i) O “Memorial Frei Tito” apresenta alguns objetos pessoais do cearense

Tito de Alencar Lima, o Frei Tito. Este espaço visa provocar reflexões sobre

a trajetória de vida deste que foi um dos mais importantes nomes da luta

pelos direitos humanos, que sofreu os ditames do regime militar implantado

no Brasil na década de 1960.

Figura 42 – Memorial Frei Tito.

Fonte: Catálogo (2011, p. 117).

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O Memorial Frei Tito reforça o sentido que se tem dado ao papel

educativo do Museu do Ceará. Dar continuidade ao projeto de discutir a

história como campo de reflexão crítica, que vai ao passado através do

presente, responsabilizando-se pela construção de um futuro em aberto. É

uma multiplicidade de relações entre memória e esquecimento na produção

de conhecimentos.

A ideia para a criação do Memorial Frei Tito, segundo Lopes e Kunz

(2002), teve início em maio de 2001, no decorrer da “Primeira Semana Paulo

Freire no Museu do Ceará”, quando foi possível estabelecer diálogo com

professores e estudantes sobre vias e entraves para a construção da

educação crítica e funcionamento de um museu histórico.

Lembro que, em certa ocasião, fiz um comentário que dizia mais ou menos o seguinte: “se temos objetos da história oficial seria preciso confrontá-los com outras histórias, se já possuímos em nosso acervo a batina do Padre Cícero seria necessários conseguir objetos do Frei Tito”. (LOPES; KUNZ, 2002, p. 9-10).

Lopez e Kunz (2002) contam que neste grupo estava presente uma

professora que, de modo tímido e emocionado, se manifestou: “meu nome é

Lúcia Alencar e eu sou sobrinha do Frei Tito” (p. 10). Alguns meses depois

surgiu a ideia da organização de uma sala no Museu do Ceará sobre a

trajetória de vida de Frei Tito.

Figura 43 – Frei Tito54.

Fonte: Catálogo (2010, p. 115).

54 Fotografia de Tito de Alencar Lima (1945-1974), exposta no Memorial Frei Tito no Museu do Ceará.

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O Museu do Ceará conseguiu mobilizar a família de Frei Tito para a

doação de documentos históricos que o pertenceram, sendo que, Lúcia de

Alencar, contribuiu decisivamente para o Projeto do Memorial Frei Tito. Ainda

no ano de 2001, em 10 de agosto, durante uma missa em memória dos seus

27 anos de morte, o documento que registrava o início do projeto de pesquisa

sobre o acervo doado foi assinado por quatro membros da família: Idelfonso

Rodrigues Lima Filho, João Rodrigues Alencar Lima, Lúcia Rodrigues Alencar

Lima e Nildes Alencar Lima.

Figura 44 – Máquina de escrever55. Figura 45 – Rosário de madeira56.

Fonte: (Catálogo, 2011, p. 118). Fonte: Catálogo (2010, p. 119).

O que dizer de uma máquina de escrever que pertenceu a Frei Tito?

A existência do Memorial é uma possível resposta na forma pela qual os

objetos foram expostos. Há propostas de interpretação diante da vida do frei

Tito, ou melhor, aberturas de visibilidade para o ato de conhecer o passado.

Essa “poética da memória” também pode ser produzida a partir de

outros pertences que foram doados: uma Bíblia em francês, livros, cartas,

fotografias, um rosário, um relógio, alguns documentos, como por exemplo,

título de eleitor e carteira de identificação.

55 56 Objetos que pertenceram a Frei Tito.

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Fragmentos que, de alguma forma, trazem a presença de Frei Tito. Os óculos que faziam parte de seu rosto; o rosário que é testemunha e veículo da oração; livros que alimentam leituras diante do mundo e do desejo de transformá-lo; a Bíblia grifada e sempre grávida de vitalidade [...]. (LOPES; KUNZ, 2002, p. 34-35).

O Memorial Frei Tito aborda uma luta individual e coletiva. O aspecto

dado à exposição pelo Museu do Ceará não confirma a existência de um

herói, mas, segue parâmetros e desafios de se construir uma história social,

comprometida com os rumos da sociedade na qual vivemos e atuamos, como

sujeitos participantes e responsáveis pela a construção da mesma.

O que importa, de acordo com o pensamento de Lopes e Kunz

(2002), é estudar a historicidade de Frei Tito e sua vida, num diálogo entre

passado e presente, esse lugar de interseção temporal onde construímos e

representamos memórias. É a história que vai além dos livros e transcende ao

museu, um oásis da cultura, que possibilita ao público construir a sua

identidade.

A seleção, salvaguarda e exposição dos artefatos no espaço do

museu, projetando-se de um tempo a outro, objetiva a evocação de

lembranças que, por sua vez, representam memória e constrói identidades.

Realiza estudos e desenvolvem narrativas construindo ações de práticas

sociais, considerando os conflitos e as lutas, tradições e contradições,

resistências e poder, perigo e valor, fala e silêncio.

6.2 Memória, Identidade cultural e representação: impressões dos

visitantes

O Livro de impressões dos visitantes do Museu foi analisado, a partir dos

depoimentos selecionados intencionalmente, registrando, enquanto

categorias analíticas: Memória, Representação da Informação e Identidade

Cultural.

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A partir dos depoimentos coletados no Livro de Impressões dos

Visitantes do Museu do Ceará, destaca-se os aspectos de sua

representatividade, na sociedade como identidade cultural, construção e

representação da memória, evidenciando a relação passado/presente, o

antigo como novidade, cultura e percepção de realidade social.

O Livro de impressões caracteriza-se como um livro de atas, exposto

para livres expressões, em que o público pode escrever livremente o seu

pensar, tecer críticas ou mesmo registrar suas representações sobre o projeto

expográfico e as exposições. É oportuno que, apesar da existência fecunda e

necessária deste instrumento de registro, observa-se o silenciamento a que é

submetido, passando desapercebido, enquanto um forte instrumento de

representação da memória do Museu do Ceará.

Este fato pode ser comprovado com a ausência de qualquer vestígio

sobre o Livro de impressões na exposição do Museu do Ceará, por outro lado,

ele se efetiva enquanto um instrumento de gestão que pode auxiliar nas

tomadas de decisões na administração superior da entidade. Apesar de sua

localização física dar-se no centro do espaço expositivo, sua presença,

parece silenciada pelo espaço que não lhe coloca como elemento atrativo.

Neste sentido a que considerar as impressões registradas voluntariamente

pelo público, o que nos faz compreender o Museu como um espaço de

reflexão, de aquisição de informações e conhecimentos. Produzindo

questionamentos sobre a humanidade, sobre nós mesmos, passos da luta

vivida cotidianamente. Como pode ser constatado nos fragmentos que

seguem, diferenciados das citações textuais, utilizou-se a fonte “Century”,

mantendo as características originais dos escritos:

“O Museu conta uma parte da história que eu não passei, mas que

meus pais passaram, meus avós passaram, e eu acredito que isso seja

importante pra que a gente não veja lá na frente tudo o que a gente já

passou e que a gente não veja que o mundo é só o que a gente vive hoje, ou

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a guerra que a gente vê amanhã. É sempre novo, o mundo sempre engloba

coisas novas, nunca vai ser antigo”. (Visitante do Museu)

“Este espaço retrata o sofrimento do povo, o sofrimento do povo da

antiguidade, se você olhar, coisa que acontecia cem, cento e poucos anos

atrás, e que hoje ainda acontece. O mundo cresce, mas a pobreza cresceu

junto com ele, dizem, que a escravidão acabou, mas só que, na verdade, a

escravidão até hoje existe... a escravidão do povo que trabalha, é explorado

por pouco dinheiro, aquele pessoal que termina sendo escravo, por questões

de sobrevivência”. (Visitante do Museu)

Esses depoimentos evidenciam a forma como as pessoas constroem

suas próprias sínteses a partir de suas diversas experiências cotidianas. No

contar das experiências e lições que a vida lhes ensinaram. Eles constituem

elementos de memória e guardam a relação com os acontecimentos da

história narradas e descritas por meios oficiais ou resultantes das próprias

condições de vida, trabalho e das diversas formas de atividades grupais.

O Museu motiva a reflexões sobre a realidade social, nos dá

informações acerca do passado que podem ser essenciais para

compreendermos e termos uma visão crítica, presente em constantes

transformações sociais, no interior dos relacionamentos individuais e

coletivos, e a função de cada um como agente social, como também ao

próprio futuro, tanto que os depoimentos o representam como testemunho

vivo da memória, contribuindo na construção da mesma:

“Nos livros nós apenas lemos, é aqui que a gente vê, temos o contato

direto, é ver para crer, é fazer uma viagem ao passado”. (Visitante do

Museu)

“O Museu faz a gente se sentir mais próximo da história e é muito

importante para a interiorização da história à vida”. (Visitante do Museu)

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Atualmente vivemos de uma forma acelerada a ponto de sermos

impedidos até mesmo de sentir o tempo passar. O museu, no entanto,

possibilita ao visitante, como podemos perceber, habitar esse tempo e vivê-lo,

possibilitando a interação, numa relação que pode ser transformadora, e

dessa forma, tornando definido o seu papel social.

“Do Museu podemos tirar muitas coisas para a nossa vida, nossa

história [...], os objetos contam um pouco de cada história, de cada período,

das nossas vidas e também do futuro”. (Visitante do Museu)

“O Museu reconstitui a história da cidade, da cultura do povo, é

como se a gente fosse revivendo aquelas memórias, aqueles dias passados.

Uma maneira importante para o futuro, porque a história se faz de

memórias, só se constrói o hoje a partir do passado”. (Visitante do Museu)

Assim podemos perceber que a memória não nos aprisiona no

passado, mas nos conduz com maior segurança para enfrentarmos os

problemas atuais e o futuro. Segundo Catroga (2005), a pior ideia que

podemos ter é uma visão petrificada da memória, pois a memória é algo da

vida. E como não pode haver vida sem expectativas, não é o passado que dá

sentido ao presente. São as expectativas de futuro que dão sentido ao

passado.

A construção da memória também possibilita uma transformação da

consciência das pessoas no que se refere à sua própria identidade cultural:

“É o povo representado aqui através da jangada, dos objetos

indígenas. E assim, os objetos falam, falam do povo, falam de tudo”.

(Visitante do Museu)

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“O Museu pode construir o futuro, dá para construir o futuro,

principalmente pelos erros que cometeram no passado, dá para ver o que

temos que fazer atualmente”. (Visitante do Museu)

“O contato vale, não vale só a prática, vale também a teoria, de você

ouvir falar que aquilo aconteceu, mas você não ter provas. Então, é mais

forte ver, do que ouvir falar”. (Visitante do Museu)

“Foi impressionante confrontar o que aprendi nos livros com os

objetos e tudo que está aqui”. (Visitante do Museu)

Constatamos que a história contada através dos artefatos nas

exposições, torna possível a construção e representação da memória coletiva,

a partir do testemunho que dão do passado, fazendo as pessoas reviverem e

refletirem o período passado e compreender o futuro.

Os fragmentos discursivos revelam ainda a percepção dos visitantes

em relação a inclusão da micro história, ou seja, possibilitou como relatou o

visitante a fala do povo, através “da jangada”, “dos objetos indígenas”,

“podendo construir o futuro”, sobretudo se observarmos os “erros do

passado”. Segundo o visitante, a prerrogativa nova adotada pelo o Museu

torna-se condição sine qua, pois “é impressionante confrontar a teoria com o

objeto real”.

6.3 Lembrar e esquecer: vozes de quem planeja

A terceira parte descritivo-analítico deste estudo, dirige-se a ouvir as

vozes dos dirigentes do Museu – Coordenador Didático e Diretora, sem

perder de vista a tríade Memória, Representação da Informação e Identidade

Cultural.

Nosso objetivo consiste em dar voz àqueles que desprendem seu

tempo em preparar o acesso às exposições permanentes e outras atividades

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propostas pela entidade, pois compreendemos que é preciso ouvir a voz

atenta e ler suas palavras.

O primeiro a ser entrevistado foi o Coordenador Pedagógico. Assim, a

temática dessas perguntas, respostas e análises são ilustradas a seguir,

utilizando o recurso da transcrição das falas, que para diferenciar das citações

taxtuais utilizou-se a fonte “Book Antiqua”, respeitando as características do

discurso oral.

A questão norteadora desta pesquisa levou-nos a indagar como se

efetiva o trabalho da coordenação pedagógica do Museu do Ceará em

relação à memória, identidade cultural e representação. Nesse sentido,

colocou o coordenador pedagógico:

“O Museu é um lugar de memória, mas aqui é um museu histórico e então você

tem duas problemáticas: uma proposta de museu e uma proposta de história e

é sob estes aspectos que mais trabalhamos no Museu. Então, como é que

vamos casar estas duas perspectivas? Bem, eu trabalho com o núcleo

educativo, assim eu tenho uma proposta de museu, de história e de educação.

São três vertentes: sobre museu, trabalho como um lugar de discussão e não

mais de sacralizar o passado. O museu não reflete passado, mas um lugar de

reflexão sobre o passado [...]” (PCS, 2011).

O posicionamento do coordenador pedagógico embora aponte

inicialmente para uma dicotomia na relação Museu-História, o discurso parece

intencionalmente conduzir à compreensão já adotada por autores como Le

Goff (2003); Ricoeur (2007); Ruoso (2009) e Nora (1993), cujas reflexões

teóricas levam a uma compreensão intrínseca entre memória e história, até

porque a memória alimenta a história.

Outra questão importante a ser destacada é a colocação feita por

Ricoeur (2007, p. 355) ao registrar que “a história sempre faz falar não

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somente os mortos mais todos os protagonistas silenciosos”. Neste sentido, o

autor ratifica que esse processo da nomeação é inquietante em se tratando

de narrativas fundadoras, pensamento que se reflete no fragmento que

segue:

“Não buscamos refletir da forma cartesiana e sim de uma forma mais aberta.

A história social por muito tempo pecou nisso: em mostrar a história de quem

dominava, da censura, e não como isso podia ser quebrado. Então é isso que a

gente discute no museu. Na sala da escravidão, por exemplo, a gente tenta

estabelecer esta interação do passado, presente e futuro e é interessante

porque não é mais aquela visão positivista da história linear. É o passado

orientando numa construção de futuro”. (PCS, 2011)

Isto significa considerar que a história preconizada e posta em prática

pela coordenação do Museu fundamenta-se num “prolongamento crítico da

memória”, tanto individual quanto coletiva. (RICOEUR, 2007)

Aspecto também reiterado ainda em sua fala:

“Então, a gente trabalha, nossa equipe, com a perspectiva de história social,

como uma história de conflitos, contradições, de dominação social; pensar a

história vista a partir da narrativa deste próprio espaço museológico, refletir a

partir do aspecto museológico.” (PCS, 2011)

Na fala do coordenador pedagógico podemos analisar que lembrar é,

resumidamente, construir uma imagem por materiais que estão agora, à

nossa disposição no conjunto de representações que povoam a nossa

consciência. Bosi (1994) sublinha que sem lembrança não há memória, nem a

possibilidade de recuperá-la:

“O papel da história é nos dá essa compreensão, porque para você agir, você

tem que ter compreensão dessa ação e é isso que a gente tenta em cada sala

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gera diálogos múltiplos. A escravidão hoje pode ser refletida a partir da

exposição sobre “Escravidão e Abolicionismo”, por exemplo. Tentamos

desconstruir a história apaziguadora sobre os escravos, de “ordem e

progresso” etc. Tudo isso é muito discutido com as narrativas. Lembramos a

história oficial para discuti-la, a partir da história social, trazendo à tona a

memória das minorias para a construção de identidades”. (CRH, 2011)

Encontramos em Pinheiro e Benchimol (2004) características do museu

como representação de memórias, considerando que os museus são parte do

processo de construção e reconstrução do passado como bem explicitou PCS

(2011). Dialogando com Ricoeur (2007) a história tem por papel guardar os

rastros da dívida que diz respeito as vítimas da história. O autor discorre

ainda que a história tem por papel de opor-se não só aos preconceitos da

memória coletiva, mas também aos preconceitos da história oficial. A

desarticulação desse princípio caracteriza o que ele denomina de memória

ameaçada.

Você sabe que o acervo do Museu do Ceará tem um acervo muito oficial. Isso

decorre da sua própria trajetória, da história de formação deste acervo, ano

que vem o Museu vai fazer 80 anos. Acho que você teve acesso ao meu

trabalho, da Ana Amélia, da Carolina Ruoso, os próprios trabalhos do Régis

Lopes. Então, você pode perceber que há um apelo, de certa forma, numa

perspectiva muito oficial, numa perspectiva ainda, digamos, dentro da área de

história, um acervo muito positivista, representando uma história muito

voltada para a glorificação das elites (políticos, intelectuais, a ordem

eclesiástica etc.) [...]. Assim, ele (o Museu do Ceará), começa a acompanhar

todo um movimento de renovação a partir do momento em que a

historiografia se renova, com a chegada das universidades, dos cursos de

história, dessa produção desses novos cursos de história no Ceará. “Bebe”

também, muito, dessa renovação dentro da própria museologia, nos anos 70,

com um movimento que ganha ares mais globais, internacionais. Então, ele vai

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mudando de concepção, embora grande parte desse acervo permaneça,

mesmo com essa renovação historiográfica e da museologia [...]. Não

montamos uma exposição para o turista, mas a gente monta o museu para os

estudantes, para a comunidade discutir, problematizar a história. (CRH, 2011)

A partir desta fala, percebemos que o Museu tenta unificar, no mesmo

espaço, as identidades, uma discussão entre as múltiplas vozes, quebrando o

silêncio a partir do diálogo com a comunidade. Por exemplo, em artefatos,

como a jangada, objetos do poeta popular Patativa do Assaré, objetos

indígenas, a representação no Memorial Frei Tito e até mesmo, a

religiosidade em torno da figura do Padre Cícero Romão Batista, situado

simultaneamente no mesmo espaço ocupado pelo movimento da Sedição de

Juazeiro, por exemplo. Mostrando que o lembrar e o esquecer estão,

dialeticamente, presentes.

Podemos analisar, a partir do ponto de vista do entrevistado, que um

dos objetivos do museu é despertar a consciência crítica das pessoas,

reflexões sobre a história que não pode ser vista como a ciência do passado,

e sim do presente, mas buscando no passado chaves para compreensão do

presente, sem uma pretensão de linearidade, mas que provoca uma reflexão

constante no seu agir, longe de ser “templos de morte” e sim espaço de

evocação de referências culturais que corroboram para o desenvolvimento do

conhecimento e como instrumento de comunicação (JEUDY, 1990), pois a

memória, embora numa perspectiva individual, está sempre inserida num

contexto de grupo social e é um elemento essencial da identidade, da

percepção de si e dos outros. Como colocou Pollack (1989, p. 13), “através do

trabalho de construção de si mesmo o indivíduo tende a definir seu lugar

social e suas relações com os outros”.

“A vertente pedagógica baseia-se em Paulo Freire. O objeto não pertence mais

a tal pessoa, pois o objeto perde a função de uso e passa a ter uma função

reflexiva. Como por exemplo, a escrivaninha, ela não é um objeto de

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contemplação, e sim nos faz refletir sobre quem tinha acesso a alfabetização,

quem tinha acesso à leitura [...]. Então, eu trabalho com esta perspectiva

epistemológica que deixa muito claro o que é um museu pra gente, o que é

para a história e o que é para a pedagogia. A gente começa a discutir estes

documentos, fazendo dele um objeto de reflexão no presente, levando em

consideração as problemáticas sociais. Gardemann diz que o museu é um

acervo que se tornou público. Todos tem acesso a esses documentos, mas o

que esses documentos nos permite pensar sobre a nossa própria identidade?”

(CRH, 2011)

Assim como o coordenador pedagógico, a diretoria do Museu, em

relação ao estabelecimento do diálogo com a comunidade e a possibilidade

de dar voz ao silenciados, a partir das aquisições e atividades, ressaltou:

“O Eusébio de Sousa que foi o fundador, membro do Instituto Histórico,

previa muito esta perspectiva; outros diretores que o sucederam, também.

Então, o Museu do Ceará, durante muito tempo, ficou muito afinado com a

historiografia produzida pelo Instituto do Ceará, direta ou indiretamente. Ele

“bebeu” muito desta “fonte”, da produção do Instituto que tem um recorte

mais positivista. Um pouco de fora para dentro mesmo; essa mudança que vai

se processando. Continua sendo um acervo muito oficial, embora hoje esteja

recebendo outras doações de outro perfil. Mas, a gente procura com esse

acervo oficial fazer uma leitura à contra peso. Ou seja, a partir de um acervo

oficial, de uma documentação oficial, tentando dar voz não ao “inquisidor”,

mas ao “inquirido”. A gente tenta fazer isso aqui, tenta problematizar e tenta

dar voz, digamos, a outros atores além desses atores que estão como

protagonistas dessa história positivista. A gente tem procurado também,

estabelecer contato com os movimentos sociais, seja por meio de eventos,

seminários que a gente promove, encontros, palestras e novas produções

também, na área de história, de museologia, antropologia”. (CRH, 2011)

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É possível observar um discurso caracterizado por uma preocupação

em construir uma identidade cultural efetiva, baseada no diálogo, no

rompimento com a história oficial e o despertar para novos fazeres, práticas e

reflexões. Isto revela o ponto de convergência que Habermas (2000) e Pollack

(1989) estabelecem em suas reflexões sobre o sentido histórico e dialético da

tomada de consciência frente à realidade contemporânea; sua natureza

coletiva e social submetida às constantes transformações, e ainda, o sentido

da construção das identidades sociais.

Este processo de construção ou de produção opera em uma

dimensão que, concordando com Montenegro (1994), parte do real, do

acontecido, a memória, como um elemento permanente do que foi vivido,

para atender a um processo de mudança ou de preservação.

Convém ressaltar, ainda, que a lembrança envolve aspectos

subjetivos do relacionamento de um indivíduo com a família, com a classe

social. Em síntese, com os vários grupos de convívio humano e as várias

referências peculiares e inerentes a eles. Sem lembranças, não há memória e

sem ela o indivíduo, não tem identidade (LE GOFF, 2003); (JEUDY, 1990);

(HALBWACHS, 2006). E, este entendimento de que a apreensão da

identidade social envolve pessoas e acontecimentos fundados em fatos

concretos apontam que a consciência de tempo moderno, se institui na

mesma dimensão da tomada de consciência que a pessoa tem de si e desses

acontecimentos em relações de reciprocidade e dialeticidade, seja de forma

individual ou coletiva, superando, como propõe Habermas (2000), o

paradigma da filosofia da consciência à instauração do paradigma da

compreensão; da emancipação humana no uso da razão.

Constatou-se, a partir dos discursos dos dirigentes do Museu, que se

busca tratar os fatos históricos de forma crítica e reflexiva, como um campo

aberto para desconstruções e construções.

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“A gente tenta ter um contato com o quem vem sendo produzido na

universidade e, ao mesmo tempo, com os movimentos sociais. Nos últimos

três anos, as semanas “Paulo Freire”, realizadas pelo Museu, trataram de

questões muito voltadas para as questões étnicas, por exemplo. Tem algumas

exposições que foram pensadas a partir dos contatos com os movimentos

sociais. Algumas outras exposições de curta duração que a gente trouxe, como

por exemplo, o Maracatu, dos índios Tapebas. É essa a tentativa de produzir

com os movimentos, com a academia, uma discussão que busca a inclusão

desses atores que, durante muito tempo, permaneceram calados ou, até

estavam no Museu, a partir de uma ótica que não era a deles”. (PCS, 2011)

A memória, a partir do ponto de vista da entrevistada, não é

representada a partir dos artefatos como um mero objeto, e sim, como um

objeto de reflexão e conhecimento, conforme esclarece Passos (2011, p. 74):

O estranhamento recái sobre as peças, com indagações sobre os seus antigos detentores, seus usos suas estéticas, os materiais componentes das suas estruturas físicas, as motivações das suas musealizações, atrelando ao contexto dos artefatos às realidades vivenciadas pelos visitantes.

Evidenciamos o “discurso do cotidiano”, no qual, “o passado”, na

medida em que é aproximado da contemporaneidade, da experiência, torna-

se um objeto passível de investigação, estimulando reflexões. (GONÇALVES,

2007 apud PASSOS, 2011).

A tomada de consciência do tempo presente traz à tona às

reminiscências do passado e, mais ainda, projeta as perspectivas futuras

alicerçadas pelos seus conflitos e acertos. A marca pessoal e coletiva, na

dinâmica publica e privada, vão delineando seu sentido de pertencimento e

projeção. (POLLACK, 1989)

Ao instigar memórias que, durante muito tempo, estiveram

submessas, o Museu do Ceará, busca em conjunto com outras esferas da

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sociedade, impedir a abertura do espaço para as forças políticas que

selecionam as vozes a serem remoradas e esquecidas.

Desta forma, a memória toma, também, como característica o

processo reativo que a realidade provoca no sujeito. Ela se forma e opera a

partir da reação, dos efeitos, do impacto sobre o grupo ou indivíduo, formando

todo um imaginário que se constitui em uma referência permanente de futuro.

Estas apropriações constituem-se como fundamentais para incursões

que anunciam a elucidação do que foi proposto, de forma dialética, neste

percurso investigativo, produzindo uma compreensão das vivências que

conduzem a uma melhor percepção da construção de identidades através das

representações da memória no espaço do Museu, ao mesmo tempo em que,

constrói em estreita ligação a construção de saberes que se constroem em

relações dialéticas ao fazerem rupturas entre as certezas e as verdades.

(POLLACK, 1989)

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7 PARA NÃO SILENCIAR AS VOZES

Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para libertação e não para a servidão dos homens.

Jacques Le Goff

_____________________

Apesar da multiplicidade de fatores envolvidos, a questão da cultura

configura-se como importante elemento na construção e representação da

memória. A cultura popular é uma categoria que se desdobra dos conceitos

introdutórios e gerais de cultura, é um termo com muitas definições

concorrentes, é um sistema de significados que engloba atitudes, valores

partilhados e as formas simbólicas, como por exemplo, apresentações ou

artefatos em que eles são expressos ou encarnados.

O sentido de cultura corresponde às manifestações espontâneas que

estejam ligadas a tradições orais, livres, coletivas, cultivadas pelo povo. Como

encontramos no pensamento de Martins (2004), que o principal agente

motivador dos elementos constituinte da cultura é a sociedade, ao mesmo

tempo em que se confunde também com o espaço físico, o meio social, onde

estes fenômenos se realizam como tradição. Ele diz que podemos considerar

a cultura como herança simbólica em si, um conjunto de experiências

socialmente acumuladas, é o produto do relacionamento do homem com a

natureza; sendo a tradição o uso dessas experiências, se referindo à memória

do grupo (memória coletiva).

Podemos considerar cultura como a materialização da memória, uma

memória dinâmica, capaz de produzir conhecimento, que também é uma das

características da sociedade contemporânea.

Na memória representada através dos artefatos, podemos reconhecer

a importância desses testemunhos vivos da história. Assim, nos autoriza a

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fazermos leituras diversas diante das muitas informações que podem ser

extraídas a partir do olhar sobre os artefatos e o contato, dando-lhes

significações e, já podendo considerá-lo documento, “daí o consenso em

torno de uma reprodução ativa de imagens da cultura. Ao invés de serem

inerentes, às mentalidades, as representações das diferentes culturas

apresentam-se como artefatos a serem percebidos, lidos, estudados”.

(JEUDY, 1990, p. 2) Informações que serão elementos fundamentais na

construção da memória e da identidade cultural. Seguindo o pensamento de

Jeudy (1990), todo indivíduo viveria mal sem memória, também a coletividade

precisa de uma representação constante do seu passado. Este aspecto vai ao

encontro do que foi traçado nos objetivos da pesquisa.

Compreendemos que os museus são espaços de memória, de

esquecimento, de poder e de resistência; são criações historicamente

condicionadas. São instituições datadas e podem, por meio de suas práticas

culturais, ser lidas e interpretadas como um objeto ou um documento.

Consideramos a importância desse trabalho para as Ciências Humanas

e Sociais Aplicadas, nas áreas de Antropologia, História, Sociologia,

Biblioteconomia e Ciência da Informação. Pois, todo esse processo de

construção da memória requer conhecimentos e informações, que só poderão

ser executadas e discutidas a partir de leituras que transformarão indivíduos

em seres humanos críticos e reflexivos, agentes capazes de ampliar os

horizontes e modificar a realidade social.

Este estudo foi realizado em âmbito regional, no que se refere às

dimensões do assunto, que não pretendeu uma cobertura mais abrangente,

pois é antes uma abordagem dos temas centrais ligados entre si, que nos

fundamentaram teoricamente sobre a pesquisa.

A sua importância consiste em analisar e identificar as informações

passadas no espaço do Museu que possam vir contribuir para o

enriquecimento no que concerne a construção e representação da memória e

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identidade cultural, norteada a partir do conceito de cultura que interage

dentro de um mesmo universo, podendo ser estudadas da mesma maneira,

entretanto, por apresentar suas especificidades, devem ser estudadas a partir

de seus próprios pressupostos. Por isso tratamos de reunir conceitos,

conhecer abordagens e verificamos os paralelos existentes que tem

provocado interpretações superficiais.

Essa pesquisa busca construir um novo olhar, de redescobrir o que

possuímos, mas que de alguma forma não estávamos reconhecendo nesse

contexto. É uma exploração de significados que podem ser apresentados por

essa instituição cultural e, nesse ínterim, Araripe (2003, p. 359) corrobora:

Percebemos que quando mergulhamos nos movimentos do passado e nos debruçamos sobre os fatos particulares, mais podemos desvendar e compreender a estrutura e regularidade desse passado e verificar que em um mesmo contexto estão reunidos diferentes fatos que, na verdade, formam a unidade social.

Nessa dinâmica social está a interação dos fatos, que se integram e

formam unidades cada vez maiores, assim, nos conduzimos para as

mudanças sociais e mostrarmos a interdependência dos seres humanos e

instituições, podendo transformar as configurações da sociedade atual.

Contatamos que a memória e o esquecimento não estão nas coisas,

mas nas relações entre os seres, entre os seres e as coisas, entre as

palavras e os gestos. Indicar que memórias e esquecimentos podem ser

trabalhados – cultivados e semeados – corrobora a importância de se

trabalhar pela desconstrução e entendimento desses conceitos que, também,

envolve forças. Uma delas é o poder, semeador e produtor de memórias e

esquecimentos. (CHAGAS, 2009)

Esperamos, com essa proposta, contribuir com as reflexões já

existentes acerca da memória, representação da informação, identidade

cultural no Museu, haja vista o impulso e a importância da pesquisa para as

instituições culturais e demais pesquisadores.

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Pretendeu-se visualizar no Museu do Ceará, a partir da pesquisa a ser

realizada, como um espaço dinâmico de construções, reconstruções e

representações de memórias, uma fonte de informação indispensável para a

sociedade em âmbitos culturais e educacionais, tendo por papel social,

construir mentalidades críticas e conscientes dos seus valores e construtores

do seu espaço de vivência, atuando como agentes de transformação social.

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