Vulnerabilidade e Classificação das Dunas da Praia de Capão da ...

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 71-84 Porto Alegre Vulnerabilidade e Classificação das Dunas da Praia de Capão da Canoa, Litoral Norte do Rio Grande do Sul L. L. Tabajara 1 ; N. L. S. Gruber 2 ; S. R. Dillenburg 2 & R. Aquino 3 1 RDJr-CNPq/CECO/IG/UFRGS ([email protected]); 2 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS; 3 Departamento de Geodésia – IG/UFRGS. RESUMO O processo de ocupação do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS) foi sempre caracterizado pela falta de planejamento e destruição de áreas de preservação permanente. Este trabalho sugere uma metodologia para o estudo de vulnerabilidade de dunas, tendo como estudo de caso, uma área intensamente urbanizada, localizada no município de Capão da Canoa. Empregam-se técnicas de geoprocessamento e de fotointerpretação para a medição dos parâmetros (47) utilizados no cálculo dos índices de vulnerabilidade de dunas. O risco de erosão e degradação das dunas frontais está diretamente ligado à pressão de uso do espaço costeiro para o lazer e o veraneio, e a substituição do perfil praial através da construção de estruturas rígidas na área de maior mobilidade de areia. A matriz das variáveis foi processada usando análise fatorial e de agrupamento, resultando na classificação de quatro regiões costeiras com características similares. O desenvolvimento de uma metodologia associada a SIG dá uma maior visibilidade às informações e facilita a tomada de decisão para a gestão sustentável de praia e dunas. ABSTRACT The process of human occupation of the northern littoral of Rio Grande do Sul was characterized by a lack of planning and by a massive destruction of very fragile ecosystems. This work suggest a method of study of coastal dunes vulnerability, using as a case study an urbanized stretch of coast located in the city of Capão da Canoa (southern Brazil). Techniques of Geoprocessing and aerial photo interpretation were used to measure forty- seven (47) parameters that were used to calculate Vulnerability Indexes (VI) for the dunes. The results indicate that the risk of dune erosion and degradation is directly related to the pressure of use of the coastal area. The matrix of the variables was processed using factor analysis and cluster analysis. The results of this investigation enabled us to classify the coastal zones according similar coastal tracts. This method of study, associated with Geographical Information Systems (GIS), give more visibility to coastal dunes conditions, and by this facilitate the necessary decisions in the context of a sustainable management of coastal dunes. Palavras chave: vulnerabilidade, dunas frontais, morfodinâmica.

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 71-84 Porto Alegre

Vulnerabilidade e Classificação das Dunas da Praia de Capão da Canoa, Litoral Norte do Rio Grande do Sul L. L. Tabajara1; N. L. S. Gruber2; S. R. Dillenburg2 & R. Aquino3 1 RDJr-CNPq/CECO/IG/UFRGS ([email protected]); 2 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS; 3 Departamento de Geodésia – IG/UFRGS.

RESUMO O processo de ocupação do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS)

foi sempre caracterizado pela falta de planejamento e destruição de áreas de preservação permanente. Este trabalho sugere uma metodologia para o estudo de vulnerabilidade de dunas, tendo como estudo de caso, uma área intensamente urbanizada, localizada no município de Capão da Canoa. Empregam-se técnicas de geoprocessamento e de fotointerpretação para a medição dos parâmetros (47) utilizados no cálculo dos índices de vulnerabilidade de dunas. O risco de erosão e degradação das dunas frontais está diretamente ligado à pressão de uso do espaço costeiro para o lazer e o veraneio, e a substituição do perfil praial através da construção de estruturas rígidas na área de maior mobilidade de areia. A matriz das variáveis foi processada usando análise fatorial e de agrupamento, resultando na classificação de quatro regiões costeiras com características similares. O desenvolvimento de uma metodologia associada a SIG dá uma maior visibilidade às informações e facilita a tomada de decisão para a gestão sustentável de praia e dunas.

ABSTRACT The process of human occupation of the northern littoral of Rio

Grande do Sul was characterized by a lack of planning and by a massive destruction of very fragile ecosystems. This work suggest a method of study of coastal dunes vulnerability, using as a case study an urbanized stretch of coast located in the city of Capão da Canoa (southern Brazil). Techniques of Geoprocessing and aerial photo interpretation were used to measure forty-seven (47) parameters that were used to calculate Vulnerability Indexes (VI) for the dunes. The results indicate that the risk of dune erosion and degradation is directly related to the pressure of use of the coastal area. The matrix of the variables was processed using factor analysis and cluster analysis. The results of this investigation enabled us to classify the coastal zones according similar coastal tracts. This method of study, associated with Geographical Information Systems (GIS), give more visibility to coastal dunes conditions, and by this facilitate the necessary decisions in the context of a sustainable management of coastal dunes.

Palavras chave: vulnerabilidade, dunas frontais, morfodinâmica.

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INTRODUÇÃO O Litoral Norte do Rio Grande do Sul

concentra ao longo de 123 km, quase toda a população costeira do estado. A sua urbanização foi sempre caracterizada pela falta de planejamento, ocupação de áreas de risco e destruição ou alteração de áreas protegidas por lei (ESTEVES et al., 2003).

O município de Capão de Canoa é um tradicional balneário do Litoral Norte do Estado, muito procurado na estação de veraneio para o lazer (Fig. 1). Apesar da importância das dunas, como elemento formador da paisagem e de atenuação do impacto das ondas e marés altas durante as tempestades, pouco se sabe sobre qual a sua capacidade suporte a pressões físicas, exercidas tanto por processos naturais como antrópicos.

Por este fato, o objetivo principal deste trabalho é o de propor uma metodologia para o estudo de vulnerabilidade de dunas, tendo como estudo de caso uma área intensamente urbanizada localizada no município de Capão da Canoa.

Na área de Geociências, o termo vulnerabilidade costeira representa um arranjo de atributos que caracterizam a fragilidade de trechos costeiros a desastres e incidência de fenômenos naturais. Neste trabalho, vulnerabilidade é definida como um conjunto de condições que induzem a duna à erosão e a degradação do ecossistema (DAVIES et al., 1995). Uma combinação de fatores pode produzir esta situação, por exemplo; subida do nível do mar, aumento da freqüência e magnitude das tempestades, balanço negativo de sedimentos e atividades humanas.

A abordagem metodológica proposta permite identificar rapidamente quais são as zonas mais vulneráveis do sistema de dunas frontais que, conseqüentemente, exigem medidas urgentes de proteção (MATIAS et al., 1996). O uso de SIG tem grande aplicação no gerenciamento costeiro integrado facilitando a tomada de decisão política para o desenvolvimento sustentável litorâneo.

Figura 1. Localização e contexto geológico da costa do Rio Grande do Sul (modificado de TOMAZELLI et

al., 2000).

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MÉTODOS E TÉCNICAS

O fluxograma da Figura 2 sugere a metodologia geral do estudo das formas e processos costeiros, cujos resultados poderão subsidiar futuros planos de gestão para as praias do litoral norte do Rio Grande do Sul.

As fotografias aéreas de pequeno formato (FAPEFs) de março de 1998 (Escala 1:1.800), do trecho litorâneo entre Tramandaí e Capão da Canoa, vem sendo tratadas por meio da construção de mosaicos fotográficos, georeferenciamento dos mosaicos por intermédio de GPS e manipulação dos dados geográficos com o uso do software Trackmaker® Pro 3.8.

Figura 2. Fluxograma geral de trabalho.

Para o estudo de vulnerabilidade da

duna, a sua condição foi sumarizada a cada 250 m (distância horizontal aproximada entre cada estereopar) usando técnicas de geoprocessamento e fotointerpretação, complementadas por investigações de campo. O checklist proposto por WILLIAMS et al. (1993) e DAVIES et al. (1995) (Apêndice 1) é um procedimento para o “delineamento do problema”, no qual as principais características são listadas, taxadas e avaliadas com respeito à vulnerabilidade e a proteção das dunas. Este método foi estruturado de modo a permitir considerações sistemáticas dos principais parâmetros que resumem as condições da duna. O método consiste em atribuir pontuação (de 0 a 4) aos vários parâmetros de cada uma das seguintes categorias:

A. Morfologia das dunas (11

parâmetros);

B. Condição da praia (13 parâmetros);

C. Característica dos 200 m adjacentes ao mar (12 parâmetros);

D. Pressão de uso (11 parâmetros).

As quatro categorias listadas acima (ver

os parâmetros selecionados no Apêndice 1) são usadas para o cálculo do índice de vulnerabilidade (IV), que varia na proporção direta da fragilidade do sistema. Os dados são apresentados como índices numéricos e através de diagramas.

A maioria dos parâmetros envolvidos na taxação dos índices de vulnerabilidade da praia de Capão da Canoa é original do checklist, proposto por DAVIES et al. (1995). No entanto, muito dos valores quantitativos aplicados as variáveis foram adaptados às condições existentes nas praias do litoral Norte do Rio Grande do Sul (exemplo: área e largura de duna). Outros parâmetros foram introduzidos a partir da tentativa de estudos anteriores de classificar a costa, segundo critérios morfológico e impacto humano no pós-praia e campo de dunas (ZOMER, 1997; ESTEVES et al, 2003), geoindicadores de erosão costeira (SOUZA & SUGUIO, 2003) e intensidade dos processos costeiros, tais como: correntes longitudinais (LIMA et al., 2001), taxas de erosão/deposição (TOLDO Jr. et al., 1999) e energia de onda e efetividade de transporte eólico (WILLIANS et al, 1994; ARENS & WIERSMA, 1994).

A Tabela 1 visualiza uma régua de cálculo aplicada ao segmento CS 1 de Capão da Canoa para a obtenção do índice de vulnerabilidade (IV= 48,4%), sendo expresso como a percentagem do escore total encontrado no checklist para as seções A até D (91) em relação ao máximo escore possível (188).

Após a construção de uma matriz definida pelo escore dos parâmetros em função das unidades de análises, as variáveis foram normalizados entre 0 a 4 e sujeitas à análise fatorial e análise de cluster. Para a análise fatorial se aplicou a matriz de Spearman em razão das variáveis serem ordinais (0, 1, 2, 3 e 4). A análise fatorial é uma tentativa de se determinar qual o coeficiente de similaridade entre as informações contidas na tabela (DAVIS, 1973). A análise fatorial modo-Q realiza a

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Tabela 1. Detalhe do desdobramento da lista de parâmetros, modificado de DAVIES et al. (1995), aplicado

ao segmento Capão Sul (CS 1). (PC = Parâmetro do checklist; E= Escore; IV = Índice de Vulnerabilidade).

PC E PC E PC E PC E A1 0 B1 2 C1 3 D1 1 A2 1 B2 2 C2 2 D2 2 A3 2 B3 2 C3 2 D3 2 A4 0 B4 1 C4 2 D4 2 A5 2 B5 1 C5 2 D5 3 A6 2 B6 2 C6 2 D6 2 A7 3 B7 4 C7 2 D7 2 A8 3 B8 2 C8 2 D8 4 A9 2 B9 2 C9 2 D9 2 A10 2 B10 2 C10 2 D10 2 A11 0 B11 1 C11 2 D11 2 B12 2 C12 2 B13 2 Σ 17 Σ 25 Σ 25 Σ 24 % 38,6 48,1 52,1 54,6

Σ A até D = 91 IV = 48,4%

correlação entre os caso e não entre as variáveis, sendo uma forma de agrupamento bastante utilizado nas ciências naturais (DAL CIN & SIMIONE, 1994).

Finalmente, depois do tratamento estatístico e identificação dos segmentos costeiros, segundo os seus níveis de similaridade, chega-se ao diagnóstico da orla. A metodologia de diagnóstico da paisagem do Projeto Orla (MMA, 2002) utiliza perfis como ferramentas de apoio à elaboração de suas atividades de diagnóstico e classificação da orla, facilitando o delineamento das estratégias de gestão da costa (Fig. 3).

Duas tipologias são estabelecidas para a caracterização da orla: uma que utiliza as características fisiográficas (geografia física) e outra que verifica os índices de ocupação humana instalada. A primeira tipologia indica o nível de vulnerabilidade da orla em face de processos naturais e antrópicos e a segunda, referência os níveis de povoamento e a intensidade dos usos praticados em cada localidade.

Figura 3. Tipologias da costa segundo critérios

fisiográficos e estágio de ocupação urbana utilizadas pelo Projeto Orla (MMA, 2002) para o diagnóstico e classificação da costa.

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RESULTADOS

Vulnerabilidade de dunas As figuras 4 e 5 mostram,

respectivamente, o mosaico fotográfico georeferenciado do segmento costeiro Capão da Canoa Sul e o mosaico Capão da Canoa Norte, juntamente com as unidades de análise geoespaciais eqüidistantes entre si. Foram identificados 9 trechos no mosaico CS e 8 no

mosaico CN. A Tabela 2 sumariza os índices de vulnerabilidade das dunas para cada trecho de 250 m.

Os mosaicos CS e CN (Figs 4 e 5) mostram uma série crescente de susceptibilidade do sistema de dunas com o aumento da pressão de uso (coluna D da Tabela 2), dos extremos para o centro da área de estudo, em razão da proximidade do centro mais urbanizado do balneário de Capão da Canoa.

Tabela 2. Regra de cálculo dos índices de vulnerabilidade das dunas dos mosaicos fotográficos Capão da Canoa Sul (CS) e Capão da Canoa Norte (CN), segundo as seções: A- morfologia das dunas, B- condições da praia, C- característica dos 200 m adjacentes ao mar, D- pressão de uso.

Segmento A B C D TOTAL VI (A-D)

CS 1 17 25 25 24 91 48,4

CS 2 15 24 23 30 92 48,9

CS 3 15 28 29 28 100 53,2

CS 4 11 19 23 29 82 43,6

CS 5 13 22 33 34 102 54,3

CS 6 19 29 31 35 114 60,6

CS 7 33 39 38 35 145 77,1

CS 8 33 34 37 33 137 72,9

CS 9 33 32 39 35 139 73,9

CN 1 25 23 30 36 114 60,6

CN 2 25 28 33 34 120 63,8

CN 3 27 29 33 33 122 64,9

CN 4 29 35 35 24 123 65,4

CN 5 24 25 35 23 107 56,9

CN 6 19 28 36 18 101 53,7

CN 7 15 21 22 17 75 39,9

CN 8 23 22 30 21 96 51,1

No litoral Norte do Rio Grande do Sul,

a morfologia das praias e dunas é freqüentemente alterada em razão da posição da urbanização (parâmetro D9 do Apêndice 1). Ao analisarmos as condições das dunas do sul para o norte, a função destas dunas encontra-se comprometida com o avanço da urbanização sobre a praia. A extinção total da duna ocorre entre os segmentos CS 6 e CS 9, quando esta é

substituída por calçadões ou praças com muros no limite com a praia. Por outro lado, considera-se um ótimo nível de preservação do campo de duna quando este ultrapassa os 50 m de largura ou 1 ha/ 250 m. Este é o caso do segmento (CS 1-CS 5), onde a posição da urbanização situa-se no terço final dos 200 m adjacentes ao mar (Apêndice 1; Fig. 4).

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Figura 4. Mosaico fotográfico georeferenciado do segmento costeiro Capão da Canoa Sul com as unidade de

análise (CS) dos índices de vulnerabilidade de duna eqüidistantes 250 m entre si.

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Figura 5. Mosaico fotográfico georeferenciado do segmento costeiro Capão da Canoa Norte com as unidade

de análise (CN) em amarelo. A trilha verde mostra o andamento do GPS em veículo automotor com a finalidade do georeferenciamento do mosaico. Observar a forte influência do sangradouro no trecho CN 4 quanto a disponibilidade de areia a barlavento (CN1, 2 e 3).

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Neste último segmento, o acesso de veículos é muito mais intenso (até um máximo de 4 em 250 m), mas a pressão de usuários é moderada em decorrência do estágio de ocupação humana do tipo horizontal padrão. A medida em que a urbanização passa a ser mista à vertical (parâmetro D6, segmentos CS 5 e CS 6) aumenta o número de quiosques na praia e a densidade de trilhas de pedestre sobre as dunas (Apêndice 1; Fig. 4). Em virtude do pisoteio, a vegetação morre e libera a areia para o transporte dos ventos predominantes de NE, incorrendo em problemas cíclicos de manutenção dos passeios públicos.

A maior degradação da paisagem da praia e vulnerabilidade da duna ocorre na área central e de influência do calçadão de Capão da Canoa (segmento CS7-CS9). Os parâmetros de pressão de uso, assim como todos os parâmetros das demais seções (Tab. 2), pressionam o aumento dos índices de vulnerabilidade, não somente pelo excesso de construções nos 200 m adjacentes a praia, mas também pela posição destas no interior do pós-praia (CS 7).

No segmento (CN1-CN3), além de termos uma duna frontal estreita (< 20m), seccionada pela estrada à beira mar e sob forte pressão de uso, observa-se uma drástica interrupção no transporte eólico a barlavento do mais importante canal de drenagem pluvial da cidade de Capão da Canoa (Fig. 5). Pela sua condição crítica (IV > 60%), consideramos este setor como sendo prioritário ao manejo de dunas.

Zoneamento da costa

O agrupamento dos 17 trechos costeiros

(9 trechos no mosaico CS e 8 no mosaico CN) descritos pelas 47 variáveis foi possível por meio da análise fatorial modo-Q e por análise de agrupamento. Os quatro fatores explicam 80% da variância total (Tab. 3). O Fator I agrupa os segmentos praiais CN 4, CN 5 e CN 6. O Fator II agrega a seção da costa com menor vulnerabilidade representada pelos segmentos CS 1, CS 2, CS 3, CS 4, CS 5 e CN 7; enquanto que o Fator III agrupa os segmentos mais impactados e urbanizados das dunas: CS 6, CS 7, CS 8 e CS 9. Por último, (Fator IV) agrupa os segmentos costeiros CN 1, CN 2, CN 3 e CN 8, contendo dunas remanescentes consideradas prioritárias ao manejo.

Tabela 3. Análise de componentes principais. Método de rotação: varimax com normalização Kaiser.

Componentes Principais 1 2 3 4

CN5 .910 .159 .119 .086 CN4 .834 .067 .283 -.247 CN6 .796 .177 .095 -.013 CN8 .674 .179 -.152 .471 CN2 .663 .062 .337 .464 CN3 .605 .225 .424 .176 CS2 .103 .864 .075 .200 CS3 .088 .836 .324 .069 CS1 .298 .775 .178 .089 CN7 .492 .685 -.062 .131 CS7 .164 .137 .941 .090 CS8 .150 .132 .914 .166 CS9 .186 .188 .861 .143 CS5 .056 .630 .136 .674 CS4 -.102 .605 .210 .636 CS6 .050 .316 .471 .600 CN1 .521 -.003 .428 .578

O dendrograma da Figura 6 foi obtido

através da análise de cluster, e nos permite interpretar a classificação e a hierarquização relativa dos segmentos costeiros. Um total de 5 grupos é reconhecido. Os agrupamentos com graus de similaridade mais altos, ou seja, com mais elevado coeficiente de correlação (acima de 0,7) são: CN 4, 5 e 6; CS 1, 2 e 3; CS 7, 8 e 9.

As associações tendem a se formar entre trechos adjacentes, no entanto existem características da linha de costa que podem apresentar fortes variações também dentro de pequenas distâncias, como por exemplo, CN 1, 2, 3 e 8.

Considerando a correlação existente entre as variáveis, o resultado da análise fatorial e de cluster indica que os 17 trechos costeiros podem ser agrupados em 4 grupos homogêneos (Fig. 7), distintos segundo alguns parâmetros, por exemplo: área e largura das dunas frontais, posição e intensidade da urbanização, nível de cobertura impermeável, etc.

DISCUSSÕES

O desenvolvimento de uma listagem de

parâmetros que afetam o nível de sensibilidade das dunas à erosão, tem que levar em consideração as suas causas naturais e antrópicas. Para melhor delimitar a abordagem

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Figura 6. Dendrograma usando método Ward para à análise de agrupamento das unidades amostrais segundo o

nível de similaridade.

no estudo das causas naturais, separam-se os processos e formas ocorrentes na antepraia (interações onda-praia) dos ocorrentes na praia subaérea (interações praia-duna).

Existe um controle morfodinâmico na formação das dunas frontais e transgressivas do litoral norte (TABAJARA et al., 2005). As diferenças regionais no estoque de areia produzem diferenças nas interações onda – praia, induzindo maior erosão por ondas de tempestade, mais ao sul da área de estudo. As dunas frontais lateralmente contínuas e vegetadas em Curumim (20 km ao norte de Capão da Canoa) transicionam para morfologias mais erosivas e hummocky em Cidreira (60 km ao sul de Capão da Canoa)- (Fig. 8).

O ecossistema de dunas frontais pode apresentar vários estágios de preservação e

morfologia do tipo erosiva e/ou deposicional, segundo o modelo de HESP (1988). Na área de estudo, as causas antrópicas da vulnerabilidade estão diretamente relacionadas à pressão de uso e ausência de implantação de planos de manejo nas dunas.

No primeiro estudo de vulnerabilidade de dunas do litoral Norte do Rio Grande do Sul, ZOMER (1997) considerou a pressão de uso humana como o fator condicionador das características morfológicas da faixa de dunas. Num cenário de curto escala, os fatores antrópicos aliados às diferenças regionais na intensidade da erosão da linha de costa (TOLDO Jr. et al., 1999) podem acentuar um panorama geológico de maior risco à erosão, ao sul de Tramandaí.

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Figura 7. Mapa de classificação das regiões costeiras segundo critério de similaridade. O trecho costeiro em

vermelho representa área de mais alta vulnerabilidade (calçadão), o trecho em verde o de menor, enquanto que o trecho em laranja é o de prioridade máxima à intervenção.

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Figura 8. Morfologia das dunas frontais, em maio

de 2001: morfologia erosiva em Cidreira (a) e deposicional em Curumim (b). Fotos: Sérgio Dillenburg.

Em praias com erosão induzida pelo

homem, a vulnerabilidade pode ser medida pela configuração do perfil praial (MARCOMINI & LÓPEZ, 1997). Com o incremento na urbanização e atividades antrópicas, os perfis de praia tornam-se mais retilíneos a côncavos e sem bermas na face da praia. A reflexão das ondas de tempestade sobre os muros de contenção do calçadão (Perfil RBS-Capão da Figura 4) produz maior erosão e rebaixamento da praia subaérea, aumentando os índices de concavidade (medida equivalente a largura do pós-praia úmido em relação à largura da praia subaérea).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O checklist permite um rápido sistema

de avaliação tanto na dimensão temporal como espacial (WILLIANS & BENNETT, 1996). O método pode ser alimentado por novos parâmetros ou eliminar parâmetros redundantes e introduzir novas avaliações quantitativas, buscando sempre a melhor aproximação da condição da duna. Somente os sucessivos trabalhos e a discussão permanente da acuracidade do método, como retrato da

realidade do sistema de dunas, poderão melhor configurar as estratégias de manejo de dunas.

O conhecimento geológico e oceanográfico pode contribuir na solução de conflitos decorrentes do uso e apropriação do espaço de praias e dunas (Projeto RECOS, 2002). Para controlar os problemas de erosão, as práticas de manejo recomendadas são as que empregam, de preferência, soluções não estruturais, tais como; o manejo de dunas frontais e o controle do uso da terra (MARRA, 1993).

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Tabajara et al.

GRAVEL

83

APÊNDICE 1

Seção A morfologia da duna 0 1 2 3 4

1. Pista ortogonal 2. Área superficial (m2) 3. largura da duna (m) 4. altura máxima da duna (m) 5. altura média das dunas (m) 6. processo de escarpamento 7. Estágios Evolutivos (Hesp, 1988) 8. Tamanho das partículas na duna frontal 9. Declividade na face frontal marinha 10. Clima de onda (energia) 11. Direção do vento prevalecente ESCORE TOTAL/ Percentagem

curta ≥ 10.000

> 50 > 4,5 > 4

baixo 1 ≤-1

suave baixa

onshore

>

7.500 > 40 > 3,5 > 3

2 0

média >5.000

> 30 < 2,5 > 2

moderado 3

+1 moderada

média alongshore

>2.500

> 20 > 1,5 > 1

4

+2

longa < 2.500

> 10 < 1,5 < 1 alto 5

+3 acentuada

alta offshore

Seção B – condições da praia

1. largura do pós praia seco (m) 2. suprimento de areia 3. % de dunas escarpadas pelo mar 4. % superfície coberta de fragmentos 5. no. de cúspides 6. brechas na face da praia 7. largura das brechas na face da praia8. fragmentos de vegetação no póspraia superior 9. dunas embrionárias 10. pista oblíqua 11. orientação da linha de costa/ deriva 12. índice de concavidade (%)) 13. Circulação na zona de surfe e face praial ESCORE TOTAL/ Percentagem

> 100 alto 0 0 ≥ 8

nenhuma <2

muitos muitas > 250 > 030 ≤ 10

run up pequeno,

forte dissipação

> 80

< 25 < 5 > 6

> 200 > 025 < 30

> 60 moderado

> 25 > 5 > 4

algumas 2-10

alguns algumas

> 150 > 020 < 50

transição

> 40

> 50 > 25 > 2

> 100 > 015 < 70

≤ 40 baixo > 75 > 50 > 0

muitas > 10

nenhum pouca <100 < 015 < 90

run up elevado,

Rips

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Vulnerabilidade e Classificação das Dunas da Praia de Capão da Canoa, Litoral Norte do Rio Grande do Sul

GRAVEL

84

Seção C- características dos 200m

adjacentes ao mar 0 1 2 3 4

1.% superfície desvegetada 2.% de área de blowouts dentro do sistema 3. fuga de areia do sistema p/ continente 4. invasão de água salgada nas dunas 5. % de brechas no sistema de dunas 6. % da face marinha da duna vegetada 7. Se as recentes areias depositadas foram colonizadas por Blutaparon 8. cobertura impermeável 9. existência de vegetação exótica 10. marcas de extração de areia 11. Oscilações da linha de costa desde 1976 12. Sangradouros ESCORE TOTAL/ Percentagem

< 10 < 5

pouca nenhuma

> 0 > 90

muitas

nenhumanehuma nehuma prograda

0

> 10 > 5

> 5 > 60

> 20 > 10

alguma alguma

> 25 > 30

algumas alguma alguma pouca

estabiliza 1

> 40 > 20

> 50 > 10

> 75 > 40 muita muita > 70 < 10

nenhuma

muita muita

bastante retrograda

2 ou +

Seção D – Pressão de uso

1. pressão de usuários 2. n° de acessos de veículos 3. marcas de veículos sobre as dunas4. densidade de caminhos de pedestre 5. trilhas incisas 6. estágio de urbanização 7. presença de lixo 8. nível de urbanização (%) 9. posição da urbanização 10. nº de quiosque na praia 11. nº de proprietários

ESCORE TOTAL/ Percentagem

0 0

nenhuma baixa

1 nenhum nenhum

<10 sem

0 um

> 5 1

2 orla

rústica

>10 terço final

1-2

> 25 2

alguma média

3 horiz. Padrão algum

30 a <50 pós-duna

3-5 alguns

> 50 3

4 mista

≥50 duna

frontal 6-8

> 75 +4

muita alta +5

vertical muito >70 pós-praia +8

muitos