Waldeloir-rego Capoeira Angola Ensaio Etnográfico

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WALDELOIR REGO CAPOEIRA ANGOLA ensaio sócio-etnográfico Salvador Editora Itapoan 1968 Edição original © Waldeloir Rego – Editora Itapoan, 1968 – In-8º de 417 páginas. Direitos para a edição de 1968 concedidos a Editora Itapuã, Rua Padre Viera, 9, Salvador, Bahia, Brasil. Impresso no Brasil nas oficinas da Companhia Gráfica Lux, rua Frei Caneca, 224, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Edição digital Realizada devido a escassez de exemplares da edição original, para o uso privado do copista, também para poder aproveitar dos modos de pesquisa eletrónica. Escaneamento, digitação, codificação: Pol Briand [email protected] 1991-2005. Escolhemos produzir um documento só. Se o computador for lento, algumas operações podem demorar. Em caso de problemas, vejam a secção de problemas técnicos As diferências de quantidade de texto em cada página devem-se às notas de rodapé, às vezes numerosas no original. Em vez de reprodução exata temos implantado ligações hipertextuais para facilitar a consulta. Trechos em destaque tem breves comentários do editor numérico. Deixar o cursor em cima do bloco os fazem aparecer Teste aqui. Anexo: a proposto de Waldeloir Rego . Artigos de jornais publicados na ocasião da morte do autor Revisão html 7 dec 2005 I – A Vinda dos Escravos 1 II – O Termo Capoeira 17 Verbetes de dicionários 27 III – A Capoeira 30 IV – A Indumentária 43 V – O Jogo da Capoeira 47 VI – Toques e Golpes 58 VII – Os Instrumentos Musicais

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Livro Capoeira Angola de Waldeloir-Rego

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  • WALDELOIR REGO

    CAPOEIRA ANGOLAensaio scio-etnogrfico

    SalvadorEditora Itapoan

    1968

    Edio original Waldeloir Rego Editora Itapoan, 1968 In-8 de 417 pginas. Direitos para a edio de 1968 concedidos a Editora Itapu, Rua Padre Viera, 9, Salvador, Bahia, Brasil. Impresso no Brasil nas oficinas da Companhia Grfica Lux, rua Frei Caneca, 224, Rio de Janeiro, RJ,Brasil.

    Edio digital Realizada devido a escassez de exemplares da edio original, para o uso privado do copista, tambm parapoder aproveitar dos modos de pesquisa eletrnica. Escaneamento, digitao, codificao: Pol Briand [email protected] 1991-2005. Escolhemos produzir um documento s. Se o computador for lento, algumas operaes podem demorar.Em caso de problemas, vejam a seco de problemas tcnicos As diferncias de quantidade de texto em cada pgina devem-se s notas de rodap, s vezes numerosasno original. Em vez de reproduo exata temos implantado ligaes hipertextuais para facilitar a consulta. Trechos em destaque tem breves comentrios do editor numrico. Deixar o cursor em cima do bloco osfazem aparecer Teste aqui.

    Anexo: a proposto de Waldeloir Rego. Artigos de jornais publicados na ocasio da morte do autor

    Reviso html 7 dec 2005

    I A Vinda dos Escravos1

    II O Termo Capoeira17

    Verbetes de dicionrios27

    III A Capoeira30

    IV A Indumentria43

    V O Jogo da Capoeira47

    VI Toques e Golpes58

    VII Os Instrumentos Musicais

  • 70 VIII O Canto

    89 IX Comentrio s Cantigas

    126 Lxico141 Aspeto folclrico216 Aspeto etnogrfico256 Aspeto scio-histrico257

    X Capoeiras Famosos e seu Comportamento na Comunidade Social260

    XI As Academias de Capoeira282

    XII Ascenso Social e Cultural da Capoeira291

    XIII A Capoeira no Cinema e nos Palcos Teatrais313

    XIV A Capoeira nas Artes Plsticas324

    XV A Capoeira na Msica Popular Brasileira329

    XVI A Capoeira na Literatura353

    XVII Mudanas Scio-Etnogrficas na Capoeira359

    Bibliografia363

    ndice das Matrias393

    ndice Remissivo395

    Capa de Emanoel Arajo com fotografia de Fernando Goldgaber

    Ilustraes de Caryb

    Obra publicada com a colaborao da Secretaria de Educao e Cultura do Governo doEstado da Bahia Governador : Luiz Viana Filho Secretrio de Educao : Lus Navarrode Brito 1968

  • Para os infinitamente amigosZlia Amado

    Emanoel Arajo

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    IA Vinda dos Escravos

    E por demais sabido que durante a Idade Mdia os Portugueses, assim como outrospovos, traficaram escravos, sobretudo negros. H mesmo vagas notcias de uma paradaaqui, outra acol, porm a informao mais precisa, principalmente no que diz respeito aotrfico de escravos africanos para o territrio portugus, a fornecida por Azurara. O autorda Crnica do Descobrimento e Conquista da Guin relata a maneira de como AntoGonalves, em 1441, capturou e trouxe para o Infante D. Henrique os primeiros escravosafricanos. Relata tambm o cambalacho de Anto Gonalves com Afonso Goterres, paraimportar esses negros do Rio de Ouro, cuja essncia est neste trecho Oo que fremosoaquecimento serya ns que viemos a esta terra por levar carrego de tam fraca mercadorya,acertamos agora em nossa dita de levar os primeiros cativos ante a presena do nossoprincipe!1

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    Isso foi a brecha para que o esprito de conquista do portugus o fiz levantar ncoras, paraas terras de Africa, em busca de um novo comrcio, fcil e rendoso, porm humilhante edesumano. A coisa tomou um rumo tal, que dentro em pouco, Lisboa e outras cidades jtinham um cheiro de cidade mulata. Em nossos dias o assunto tem preocupado estudiososde todos os matizes e nacionalidades, como os lingistas alemes Wilhelm Giese2, CarolinaMichalis3 e nativos outros como Leite de Vasconcelos4 que, alm de se manifestar sobre otema, fornece uma bibliografia, em seu livro Etnografia Portuguesa , atualizada com notasde Orlando Ribeiro.

    Na poca, a presena de negros em Portugal mexeu com a imaginao potica dostrovadores do Cancioneiro Geral5 Gil Vicente6, Cames7, e mui especialmente Garcia deResende que nasceu por volta de 1470 e morreu em 3 de fevereiro de 1536 e escreveu a suacuriosa Miscellanea e trovas do mesmo auctor & huma variedade de historia, custumes,casos & cousas que em tempo acctescer, publicada postumamente em 1554, apensa Crnica d'el-Rei D. 3 Joo II. No decorrer de sua Miscelnea, satirizando sempre, forneceelementos sobre a faanha dos portugueses, nas bandas de frica, os cativos tirados de lpara Portugal, seus costumes e outros fatos.

  • Na estncia 48, mostra a fria das conquistas:

    Rey & principe se viode Castella, & laa andou,dij a pouco descobrioha India, & ha tomou,como todo ho mundo ouuio,tomando reynos, & terrasper muy guerreadas guerrasganhdo toda ha riquezado soldam & de Veneza,sobjugando mares, serras.8

    Nas estncias 53 e 54, comenta a antropofagia dos negros da Guin e Manicgo, que como grafavam antigamente o Congo, descoberto em 1485 por Diogo Co:

    E comeo em Guinee& Manicgo, por teercostuma de se comerhums a outros, como hemuy notorio se fazer.cpr homems como gaadoescolhidos, bem criados,& matam hos regateiras,& cozidos em caldeirashos comem tambem assados.

    Por muito mais saborosacarne das carnes ha temempor melhor e mais gostosa,

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    mais tenra, doce, cheirosa,que quantas na terra veemnos que trazem a matarnam ha chorar nem fallar,mas como msos cordeirosse deixam espedaar.9

    Nas estancias 56 e 57, fala de um costume fnebre havido no desenlace do rei de Benin:

    Em Beni; de antigamentetem por costume, por leymatarem da nobre gente& principal, que he presente,qndo quer q morre ho rey

  • para la ho acompanharemno outro mudo, & estaremcom elle sempre presentes& assi morrem contentessem has vida estimarem.

    Dixe el rey fecticeiro,que seu pay guerra faziano outro mudo, & queriagente, que fosse primeiro,& mais da q elle pedia:quinze mil homems juntou,degollar todos mandouem huo po~o por jutos yre,& a seu pay accodirem,& desta arte lhos mandou.10

    Na estncia 58, mostra como os prprios negros se caavam e se vendiam mutuamente:

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    Humos aos outros se vede,& haa muitos mercadores,que nisso soomente entedem,& hos enganm, & prendem,& trazem aos tratadores.muitos se vendem na terra,se tem humos com outros guerra,servemse de bstas dellespollas n aver entrelles,a mais terra he cha sem serra.11

    Nas estncias 59 e 60, refere se aos grandes lucros da traficagem e riqueza das terras:

    Ve gr somma a portugalcadno, tabe aas ilhas,he cousa que sempre val,& tres dobra ho cabedalem castella, & nas antilhas:por ha terra ser muy queenteanda nua toda ha gente,descalos todos a pee:muitos delles tem ja fee,tem marfim, ouro excellente.

    Tem elefantes pasmosos,coobras de grde grandura,

  • lagartos muy espantosos,gatos dal~alia cheirosos,aruores de grande altura,arroz inhames, palmeiras,gatos de muitas maneiras,& papagayos de fortes,q and fora das ribeiras.12

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    Na estncia 134, narra as vitorias de el-rei, sobretudo com os mouros de Africa:

    Guerra digna de louuor,de perpetua memoria,de honra, fama, de gloriatem el rey nosso senhorcom muito grande victoriacom mouros africanos,& gentios Asianos,Turcos, Rumes, & pagas,& muyta paaz c christasinimigo de tirannos.13

    Na estncia 141, fala da converso do maior Rei da Etipia e de Manicongo. Trata-se dorei do Congo, que Mendes dos Remdios,14, citando Cunha Rivara, se refere ao decreto emque o referido rei, alm do ttulo de rei do Congo, Senhor dos Ambundos, passou aintitular-se da Etipia, rei do antiqussimo reino do Congo, Angola, Matamba, Veanga,Cunchi, Lulha e Sonso, Senhor dos Ambundos e dos Mutambulos e de muitos outros reinose senhorios: Ho mayor rey de ethiopia,de manicgo chamado,vijmos christa ser tornado,& com elle grande copiade gente de seu reynado:mandou por religiosos,& por frades virtuososq lhe el rey de caa mdaua,& elle mesmo prgauanossa fee a hos duuidosos.15

    Finalmente, nas estncias 257, 258 e 259, narra a calamidade que atingiu Portugal e onorte da frica em 1521, assim como o fato desses 7 povos se venderem por comida aponto de Portugal pensar em tomar Fez:

    Vij que en Africa aqceoser morte, & fama muy forte:Cauallos, & gado morreo,muita gente peresceo,nunca foy tal fome & morte:

  • hos paes hos filhos vendi,duzentos reaes valiam,muitos se vinham fazerchristas caa, soo por comer,nos campos, praas morria.

    Ho reyno de Feez ficouc dous ou tres mil cauallos:de Tremecem se formou,laa, & mais longe mandoumuita gente a comprallos,que foi tanta perdiam,que nam ficou geeraam,para poderem geerar:has eguas mandou buscarpara fazer criaam.

    Se neste tempo teueraPortugal soo que comer,leumente se poderatomar fez, & se ouueracom pouca fora, & poder:mas caa mesmo ent dauatanta fame, que custauatrigo alqueire a cruzado,carne, vinho & pescadotudo com penna se achaua.16

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    Com o passar do tempo essa atividade, longe de se extinguir, tomou um impulsoespantoso. Por incrvel que parea, esse comrcio terrvel e desumano teve a mais fortecobertura da Santa Madre Eclsia, alegando para tanto o argumento idiota de que osportugueses tornariam os povos ditos brbaros, adeptos da f de Cristo. Imagine que o papaEugnio IV, pelas bulas Dudum cum de 31 de julho de 1436, a Rex Regnum de 8 desetembro de 1436 e a Preclaris tuis de 25 de maio de 1437, renovou a concesso ao rei D.Duarte de todas as terras que conquistasse na frica, desde que o territrio no pertencessea prncipe cristo.17 No ficou somente a o esdrxulo privilgio. Remexendo o bulrioportugus, nos arquivos da Torre do Tombo, Calgeras18; encontrou vrias outras, inclusivea mesma bula Rex Regnum, concedida pelo papa Eugnio IV a D. Duarte, porm agora comoutro destinatrio, que foi D. Afonso V, com data de 3 de janeiro de 1443. No pontificadode Nicolau V, D. Afonso V, o Infante D. Henrique e todos os reis de Portugal assim comoseus sucessores passariam a donos de todas as conquistas feitas na frica com as ilhas nosmares a ela adjacentes, comeando pelos cabos Bojador e No, fazendo pouso na Guin,com toda a sua costa meridional, incorporando a tudo isso as regalias que o crebro humanoimaginasse tirar dessas terras e desses povos. Essa pequena bagatela de oferendas foiconcedida pela bula Romanus Pontifex Regni Celestis Claviger de 8 de janeiro de 1454.

  • Esses favores eram confirmados por cada papa que ascendia ao pontificado. E nessamatria, o recorde foi batido pelo papa Calixto III com a clebre bula Inter cetera quenobis divina disponente clementia incumbunt peragenda de 13 de maro de 1456, a qual,alm de confirmar todas as ddivas anteriores, acrescentou a ndia e tudo mais que depoisse adquirisse. E o melhor de tudo foi o arremate, de que o descobrimento daquelas partes ono possam fazer seno os reis de Portugal.19 A mesma orientao seguiu Xisto VI, com asbulas Clara devotionis de 21 de agosto de 1471 e Aeterni regis clementia per quam reges 9regnant de 21 de junho de 1481. Inocncio VIII valeu-se das bulas Orthodoxae fidei de 18de fevereiro de 1486 e Dudum cupiens de 17 de agosto de 1491.

    Em meio a toda essa baratinao da Santa S, deve-se fazer justia a alguns papas, queprotestaram contra semelhante estado de coisas, como Pio II com a bula de 7 de outubro de1462, Paulo III em 1537, Urbano VIII com a bula de 22 de abril de 1639, Benedito XIV em1741, Pio VII em 1811 e finalmente Gregrio XVI, pela bula de 3 de dezembro de 1839,condena e probe a escravido de negros.20

    Esse casamento estranho da coroa portuguesa com a Mitra, permitiu que os portuguesesagissem livremente, em nome de Cristo, Nosso Senhor e da sua santa f, o que para tantono fizeram cerimnia. No assim que, pouco tempo depois dessas concesses,descobrem a grande colnia da Amrica do Sul. Era a princpio Terra de Santa Cruz, paradepois passar a ser colonizada com o nome de Brasil.

    Argumenta se que a sobrevivncia das primeiras engenhocas, o plantio da cana-de-acar,do algodo, do caf e do fumo foram os elementos decisivos, para que a metrpole enviassepara o Brasil os primeiros escravos africanos. Diante disso, vem a pergunta quandochegaram esses primeiros escravos ? Vieram de Angola ? Trouxeram de l a capoeira, ouinventaram-la no Brasil?

    Infelizmente, o conselheiro Rui Barbosa, por isso ou por aquilo, prestou um mau servio,mandando queimar toda documentao referente escravido negra no Brasil, quandoMinistro da Fazenda, no governo discricionrio do generalssimo Deodoro da Fonseca, poruma resoluo que tem o seguinte teor:

    Considerando que a nao brasileira, pelo mais sublime lance da sua evoluo histrica,eliminou do solo da ptria a escravido a instituio funestssima que por tantos anosparalisou o desenvolvimento da sociedade, inficionou-lhe a atmosfera moral;

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    considerando que a Repblica esta obrigada a destruir esses vestgios por honra da ptria,e em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grandemassa de cidados que pela abolio do elemento servil entraram na comunho brasileira;

    resolve:

    1. Sero requisitados de todas as tesourarias da Fazenda todos os papeis, livros edocumentos existentes nas reparties do Ministrio da Fazenda, relativo ao elementoservil, matrcula de escravos, dos ingnuos, filhos livres de mulher escrava e libertos

  • sexagenrios, que devero ser sem demora remetidos a esta capital e reunidos em lugarapropriado na recebedoria.

    2.Uma comisso composta dos Srs. Joo Fernandes Clapp, presidente da confederaoabolicionista, e do administrador da recebedoria desta capital, dirigir a arrecadao dosreferidos livros e papis e proceder queima e destruio imediata deles, o que se far nacasa de mquina da alfndega desta capital, pelo modo que mais conveniente parecer comisso.

    Capital Federal, 15 de dezembro de 1890. Ruy Barbosa.21De modo que, por enquanto, se torna impossvel precisar quando chegaram ao Brasil os

    primeiros escravos. O que existe muita conjectura em torno do problema. O Visconde dePorto Seguro, por exemplo, fala de que os escravos, vieram ao Brasil nos primrdios dacolonizao, indo mais longe, dizendo que na armada de Cabral vieram escravos,argumentando que cada senhor dispunha do seu. Contudo, no nos fornece nenhumadocumentao a respeito22. Fala-se que em 1538 Jorge Lopes Bixorda, arrendatrio depau-brasil, teria traficado para a Bahia os primeiros africanos23. Tem-se notcia 11 de que,em 1539, Duarte Coelho reclamava a D. Joo III o seu pedido de escravos e como no fosselogo atendido, insistia por carta de 27 de abril de 154224. Com a fundao da cidade deSalvador e instituio do governo-geral em 1549, o padre Manoel da Nbrega, que veio nacomitiva do primeiro governador-geral Tom de Sousa, depois de escrever ao Prepsito doColgio de Santo Anto em Lisboa, queixando-se da mistura de negros e negras na novapovoao, ressaltando que assim se inoculava no Brasil o fatal cancro da escravatura, fontede imoralidade e de runa,25 esse mesmo reverendo foi um dos primeiros a pedir escravosde Guin; a D. Joo III, por carta de 14 de setembro de 1551,

    para fazerem mantimentos, porque a terra h tam fertil, que facilmente se mantero evestiro muitos meninos, se tiverem alguns escravos que fao roas de mantimentos ealgodoais.26

    Ainda em carta de 10 de julho de 1552 reclama:

    J tenho escrito sobre s escravos que se tomaro, dos quais hum morreo logo, comomorrero outros muitos que vinho ja doentes do mar En toda maneira este anno tragoos Padres proviso de El-Rei assi dos escravos Se El-Rei favorecer este e lhe fizer igrejae casas, e mandar dar os escravos que digo (e me dizem que mando mais escravos a estaterra, de Guin; se assi for podia logo vir proviso para mais tres ou quatro alem dos que acasa tem)27

    Por carta de 2 de setembro de 1557 rejeita os ndios como escravos e insiste na remessade negros de Guin:

    Escravos da terra no nos parece bem t-los por alguns inconvenientes. Destes escravos de12 Guin manda ele trazer muytos terra. Podia-se aver proviso pera que dos primeirosque viessem nos desse os que Sua Alteza quisesse, porque huns tres ou quatro, que nosmandou dar certos annos todo so mortos, salvo huma negra que serve esta Casa de lavarroupa, que ainda no o faz muyto bem, excusa-nos muyto trabalhos.28

  • Finalmente, por carta de 8 de maio de 1558 lamenta:

    A melhor cousa que se podia dar a este Colgio seria duas duzias de escravos de Guin,machos e femeas, para fazerem mantimentos em abastana para casa, outros andariam emum barco pescando, e estes podiam vir de mistura com os que El-Rei mandasse para oEngenho, porque muita vezes manda aqui navios carregados deles.29

    Afinal, o documento mais antigo, legalizando a importao de escravos para o Brasil,inclusive indicando o local de procedncia o alvar de D. Joo III, de 29 de maro de1559, permitindo sejam importados escravos de So Tom, o qual transcrevo na ntegra:

    Eu El-Rei fao saber a vs Capito da Ilha de So Tom, e ao meu Feitor e officiaes dadita Ilha que ora sois e ao diante forem, que eu hei por bem e me praz por fazer merc aspessoas que tem feitos engenhos de Assucar nas terras do Brasil, e aos que ao diante sefizerem que elles poo mandar resgatar ao Rio e resgates de cong, e trazer de l para cadahum dos ditos engenhos ate cento e vinte pessoas de escravos que o dito meu Feitor bolaenviar para trazere escravos, dos quaes pagaro somente o tero posto que pelo regimento eProvizes que h na dita Ilha haviao de pagar a metade, esta merc fao as ditas pessoasque nas ditas partes tem ou tiverem feito ou fizerem engenhos para poderem mandarresgatar e trazerem as ditas cento e vinte pessoas por hua vez somente, e por tanto mandoao dito meu capito e Feitor Officiaes da dita Ilha, que mostrando-lhe as pessoas que osditos escravos mandarem resgatar ao dito rio de congo certido do Feitor e officiaes da cajada India de como elle asim tem engenho nas ditas partes lhos deixem mandar resgatar e virnos ditos navios, e lhe dem

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    para isso licena e lhos despachem qualquer Provizo ou regimento ouvessem de pagar ametade como dito h, e ao dito Feitor e officiaes da dita Caja da India mando que quandolhe for pedida a dita certido se emformem o mais certo que poderem de como a dita pessoaque lhe a tal certido pedir tem engenho feito moente e corrente nas ditas partes, e quantosparceiros so a elle, e se todos sao contentes de enviarem pellos ditos escravos, e achandoque os tem e que todos esto contentes fao disso asento ern hum Livro que para issohaver na dita casa, e lhe mandaro que de fiana dentro de dois annos do dia que lhe forpasada a tal certido traro certido do Governador das partes do Brazil de como levaro osditos escravos as ditas terras e ando nos ditos engenhos, ou do capito e feitor da dita Ilhade So Thom de como os no resgataro nem lhe viero ter a dita Ilha e dahy os mandaroas ditas partes. Que no trazendo a dita certido pozero o que monta do dito tero ametade,e primeiro que posem a tal certido vero o Livro e achando que no tem ainda tirado osditos escravos ou que est por tirar algua parte delles pasaro certido conforme ao queacharem que est por cumprir e por esta maneira lhe pasaro a dita certido, e por este e adita Ilha de So Thom que lhe deixem mandar resgatar e vir os ditos escravos pela maneirasobre dita, e lhos deixem levar para as ditas partes do Brazil sem mais pagarem outrosdireitos, e mando do dito Capito Feitor e Officiaes por virtude dellas darem para seresgatarem os ditos escravos, e quando vierem se por verba no asento da dita certido decomo viero os ditos escravos que se por tal licena mandaro resgatar e se pagou delles otero e foro levados, e alem dio enviaro o treslado da certido e venha ao Feitor e

  • Officiaes da dita casa da India para verem como j tem resgatados os Escravos contiudos nacertido que lhe pasaro, e elles poro verba no assento que ho de fazer quando pasarem atal certido de como j os ditos Escravos so resgatados no dito tempo os executaro pelomais que havido de pagar alem do dito tero, e sendo cazo que o trato de Guin e Ilha deSo

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    Thom se arrendem ou se fizer sobre elle contrato todavia cumprir este Alvar comonelle se contem, qual quero que valha e tenha fora e vigor como se foce em meu nome, epasada pela Chansellaria posto que este por ella no passe sem embargo da ordenao emcontrario. Alvaro Fernandes o fez em Lisboa a 29 de Maro de 1559. Andre Soares o fezescrever.30

    Outro problema ainda sem soluo a origem do local de onde vieram realmente osprimeiros negros escravos. O primeiros documentos so lacnicos, falam somente emgentio da Guin, sem mais outro esclarecimento. Sabe-se apenas que a uma vasta Area deterra da Africa, chamavam os portugueses de Guin, no se tendo notcia de sua divisogeogrfica e tnica. Essa confuso durou muito tempo. E para se ter uma ideia disso, bastalembrar que ainda em 1758, quando era vice-rei do Brasil o Conde dos Arcos, este ficoubastante confuso ao receber uma ordem da metrpole, no sentido de s permitir a sada denavios para as ilhas de Cabo Verde e portos da Guin, mediante licena especial de SuaMajestade. Ento, diante desse aperto, outra coisa no fez seno dirigir a Tom Joaquim daCosta Crte Real um ofcio emitido da Bahia com data de 2 de setembro de 1758,indagando o que significava a palavra Guin. Eis o ofcio, na sua essncia:

    Em carta de 10 de maro deste prezente anno, me aviza V. Ex., que S. M. atendendo aalguns justos motivos que lhe foro prezentes, h servido que nesta Cidade se no deemdespachos aos navios, que os pretendo para irem della em direitura aos Portos da Guin eIlhas de Cabo Verde, sem especial licena firmada pela real mo do mesmo Senhor.

    A execuo desta ordem me tem posto em grande duvida, no pelo que pertence s Ilhasde Cabo Verde mas porque me no acerto a rezolver quaes sao os porto da Guin, que ficosendo exclusivos do commercio do moradores desta Cidade, que no aprezentarem licenafirmada pela Real mo para o poderem frequentar, porque a palavra 15 Guin, no sentido emque tomo alguns authores, comprehende no s as Ilhas de S. Thom, mas tambem muitodos portos da Costa da Mina: exclue porem todos os portos do Reyno da Gun, e como mepersuado que esta nova determinao se no dirige a embaraar a franqueza, com que S. M.tem determinado se continue o commercio da Costa da Mina para que eu no haja decontravir a nenhuma das suas reaes ordens especialmente a de 30 de maro de 1756, quedetermina que a respectiva negociao a posso cultivar todas as pessoas que quizerem nos mesmos portos da Costa de Mina, em que d'antes se fazia, mas em todos os de Africa,que fico de dentro como de fra do Cabo da Boa Esperana, parece faz preciso, que commais alguma distino se me declare quaes so os portos da Guin, para que no hei deconceder as licenas31

    A respeito dessa confuso em torno do que seja Guin, Lus Viana Filho32 faz umatentativa de esclarecimento, aceita com elogios por Maurcio Goulart.33

  • Um ponto de vista quase uniforme entre os historiadores, no que concerne hiptese deterem vindo de Angola os primeiros escravos, assim como ser de l a maior safra de negrosimportados. Angola era o centro mais importante da poca e atrs dela, querendo tirar-lhe ahegemonia, estava Benguela. Angola foi para o Brasil o que o oxignio para os seresvivos e segundo Taunay,34 em uma consulta de 23 de janeiro de 1657, os conselheiros darainha regente, viva de D. Joo IV e tambm membros do Conselho da Fazenda diziamque Angola era o nervo das fbricas do Brasil.

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    O abastecimento em Angola era coisa natural. Alm das causas que enumeramos haviaainda outra: era um mercado novo, abundante, fcil. Para ele convergiu o comrcio baiano,que, em troca de aguardente, fazendas, miangas, facas, plvora, ia buscar negros, afirmaLus Viana Filho, em O Negro na Bahia.35 Toda essa carreira para os portos de Angola eradevido a boa qualidade dos escravos, principalmente no que tange a submisso, o que nopossuam os nags, que eram chegados rebeldia e arruaas. Talvez por essa facilidade queexistia no mercado de Angola, associada boa mercadoria, que os historiadores concluempelo pioneirismo de Angola na remessa de escravos para o Brasil. Na excelente introduoque d edio da Segunda Vistao do Santo Ofcio s Partes do Brasil pelo inquisidor evisitador o licenciado Marcos Texeira/Livro das Confisses e Retificaes da Bahia:16181620, de Eduardo D'Oliveira Frana e Snia A. Siqueira, refutando Lus Viana Filhoque, estudando o que chama de Ciclo de Angola, admite, do mesmo modo que JosHonrio Rodrigues,36 que a superioridade dos negros bantos na Bahia foi no sculo XVI,argumentando que j entre 1575 e 1591 teriam sado nada menos de 50.053 peas para oBrasil e ndias de Castela. A fonte de informao o cronista da poca Abreu e Brito, emUm inqurito vida administrativa e econmica de Angola e do Brasil.37 Tambm deopinio de que foi de Angola que nos veio a maior parte dos escravos Maurcio Goulart,porm com a ressalva de que isso s se verificou depois do alvar de D. Joo III, de 29 demaro de 1559.38

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    IIO Termo Capoeira

    O vocbulo capoeira foi registrado pela primeira vez em 1712, por Rafael Bluteau39,seguido por Moraes em 1813, na segunda e ltima edio que deu em vida de sua obra40.Aps, entrou no terreno da polmica e da investigao etimolgica. A primeira proposioque se tem notcia a de Jos de Alencar em 1865, na primeira edio de Iracema, repetida

  • em 1870, em O Gaucho41 e sacramentada em 1878, na terceira edio de Iracema. PropsAlencar para o vocbulo capoeira o tupi caa-apuam-era , traduzido por ilha de mato jcortado42. No demorou nada, para que em 1880, dois anos depois, Macedo Soares arefutasse com violncia, dizendo que o nosso exmio romancista sabia muito do idiomaportugus, pouco do dialeto brasileiro e menos da lngua dos brasis.43 O conselheiroHenrique de Beaurepaire Rohan, tambm Visconde de Beaurepaire Rohan, entre outras 18centenas de ttulos, que em 1879 havia proposto o tupi co-puera, significando roa velha,na Revista Brasileira,44 viu-se tambm criticado pela pena de Macedo Soares.Exteriorizando, assim, sua indignao, brada o velho mestre:

    Vimos ultimamente uma nova etimologia de capoeira, dada pelo Sr. conselheiro HenriqueBeaurepaire Rohan, nesta Revista, II, 426, a qual nos no parece aceitvel. Traz S.Ex.acopuera, roa velha; mas no explica como de copuera se fez capora. Nem se podia,seno por exceo fazer. Todas as palavras guaranis que comeam por c, mato, folha,planta, erva, pau, ao passarem para o portugus, guardavam a slaba c, sem corrupo. Eno podia deixar de guardar, por ser parte substancial dos compostos que assim ficaramconstitudos como palavras inteiras. E vice-versa, nas palavras portuguesas comeadas porc derivadas do guarani, significando coisa de mato, folha, pau, planta ou erva, o c e oguarani ca. No h exceo, e os exemplos formigam. 45

    Com isso ficou aberta a polmica entre Beaurepaire Rohan e Macedo Soares. Dessemodo, sem perda de tempo, no mesmo ano, porm no volume terceiro da RevistaBrasileira, Beaurepaire Rohan, com um artigo intitulado; Sobre a etimologia do vocbulobrasileiro capoeira, d a seguinte lio:

    Na Revista Brasileira de 15 de fevereiro ltimo sob o ttulo Estudos lexicogrficos dodialeto brasileiro, discute o Sr. Dr Macedo Soares a etimologia e a significao dosvocbulos capo, capoeira, restinga.

    Neste meu ligeiro escrito no me ocupei seno do vocbulo capoeira, atendendo a que aetimologia que dele apresentei no parece aceitvel ao ilustre fillogo. Entremos namatria.

    Diz o Sr. Dr. Macedo Soares que Capura, Capora pura e simplesmente o guaranica-pura, mato que foi, atualmente mato mido que nasceu no lugar do mato virgem quese derrubou.

    19

    E mais adiante: Capoeira ou ca-pura significa mato virgem que j no , que foibotado abaixo, e em seu lugar nasceu mato fino e raso.

    To defeituosa definio que prova que o Sr. Dr. Macedo Soares ainda no compreendeubem o sentido genuno do adjetivo pura.

    Pura no pode significar ao mesmo tempo o que foi e o que , o passado e o presente.Pura sempre a expresso do pretrito.

  • E se ca-puera significa mato que deixou de existir seria um verdadeiro contra-sensoestender semelhante significao a um acidente florestal que vive em plena atualidade, bempatente aos olhos e ao alcance de todos. Ca-puera no pode portanto ser a etimologia decapoeira. Outra devemos procurar, e a encontraremos, sem a menor dvida, no vocbuloc-puera.

    Se no sentido de roa que deixou de existir tem esse vocbulo uma significao diversadaquela que ligamos a capoeira, todavia fcil reconhecer o motivo da confuso.Atenda-me o Sr. Dr. Macedo Soares.

    Logo que uma roa abandonada, aparece nela uma vegetao expontnea que sedesenvolve a ponto de formar um mato. E esse o mato de co-puera, que mais tarde sechamou mato de capuera como ainda hoje o dizem muitos ncolas, e finalmente porabreviao, capoeira que e a expresso mais usual. Essa transformao de copura emcapoeira, que to estranha parece ao distinto literato, devida, pura e simplesmente, semelhana dos dois vocbulos, semelhana que facilitou a mudana do o e em a. Somuitos os casos em que tais substituies se tem operado sem quebra da primitivasignificao de um vocbulo. E assim que tobatinga se transformou em tabatinga; tabajaraem tobajara; caryboca em coriboca ou curiboca; e finalmente na prpria lngua portuguesadevao em devoo. J v o ilustre Sr. Macedo Soares que, por este lado, no pode haver amenor dificuldade em admitir que a antiga copra seja a capoeira de agora. E isto maissimples do que a metamorfose de ru em alu.

    20

    Nas relaes vulgares esto de h muito perdidas as tradies etimolgicas de capoeira.Por mato de capoeira ou simplesmente capoeira, entendemos, atualmente todo e qualquermato de medocre estatura, quer se desenvolva em roas abandonadas, quer substitua amata virgem que se derrubou, quer enfim cubra terrenos onde no haja vestgios quaisquernem de roas nem de matas primitivas. So sempre matos mais ou menos enfezados, quealis vo com o tempo adquirindo certas propores, passam ao estado de capoeires, e,dentro de algumas dezenas de anos, acabam por constituir florestas que se confundemperfeitamente com as matas antigas. E o que, por exemplo, se observa nas extintas missesjesuticas de Guayra. No sei se me exprimi de modo a convencer o Sr. Dr. Macedo Soares.Em todo caso felicito-me por ter tido a oportunidade de discutir com um literato toestimvel qual sempre o considerei. E para lhe dar mais uma prova do meu interesse pelotrabalho lexicogrfico que tem entre mos, acrescentarei que tigura no tem a significaode roa velha. Aquele vocbulo refere-se especialmente ao restolho de um milharal. No Riode Janeiro lhe chamam palhada, e em certos lugares de Minas Gerais palha. Soltar osanimais na palha, na palhada, no restolho ou na tigura uma e a mesma coisa.

    quanto me cumpria dizer.46Ao lado dessa polmica, as investigaes prosseguiram e proposies novas surgiram.

    Ainda no sculo passado se l na Poranduba Amazonense47 a forma capora, assim comose v o Visconde de Prto Seguro,48 depois de discorrer em torno das acepes dosvocbulos capo e capoeira, aconselhar se escreva capora.

  • 21

    Atualmente so quase unnimes os tupinlogos em aceitarem o timo ca, mato, florestavirgem, mais pura, pretrito nominal que quer dizer o que foi, o que no existe mais, timoeste proposto em 1880 por Macedo Soares.49 Portanto, pensando assim, esto RodolfoGarcia50, Stradelli51, Teodoro Sampaio52, Tastevin53 e Friederici que, alm de reconhecerum mesmo timo para tupi e para lngua geral, define como Stellen und Streken ehemaligenUrwaldes, die Wieder mit Jungholz-Neuwuchs besidelt sind.54 Afora Montoya que em 1640props, cocera, chacara vieja dexada ya55, Beaurepaire Rohan56 props, em 1879 a formaco-puera, roa velha. Em nossos dias, pensa assim Frederico Edelweiss que, em nota aolivro de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional, refutou o timo corrente, paradizer que

    essa opinio errnea muito espalhada. Capueira vem de kopuera roa abandonada daqual o mato j tomou conta. A troca do o para a 22 deve-se a influncia da palavra maiscorrente k, mato. Entretanto, o ndio nunca chamaria ao mato novo de antigo roadoka-pera mato extinto, quando a capoeira , na verdade, um mato renascido.57

    Existe no Brasil uma ave chamada capoeira (Odontophorus capueira, Spix), que alm deser encontrada no Paraguai se acha espalhada no sul da Bahia, Rio de Janeiro, MinasGerais, sul de Gois, sudoeste de Mato Grosso, So Paulo, Paran, Santa Catarina e RioGrande do Sul.58 E tambm chamada uru, Uma espcie de perdiz pequena, anda sempre embandos, e no cho59. E mencionada freqentemente nas obras dos viajantes, mui especial nado Prncipe de Wied-Neuwied60. Depois de dizer que o canto da capoeira s ouvido aoamanhecer e ao anoitecer, Macedo Soares, transcrevendo Wappoeus informa que a referidaave uma pequena perdiz de voo rasteiro, de ps curtos, de corpo cheio, listrado deamarelo escuro, cauda curta e que habita em todas as matas. Tem um canto singular, que antes um assobio trmulo e contnuo do que canto modulado. E tambm caa muitoprocurada e que se domestica com facilidade.61. No mesmo local, Macedo Soares informaque o canto da capoeira era utilizado atravs do assobio pelos caadores no mato 23 comochama, e os moleques pastores ou vigiadores de gado para chamarem uns aos outros etambm ao gado. Dessa forma o moleque ou o escravo que assim procedia era chamadocapoeira.

    Ainda com ligaes ave Nascentes que em 1955, na Revista Brasilera de Filologia,apresenta uma proposio diferente da que deu luz em 1932, em seu DicionrioEtimolgico da Lngua Portuguesa e em 1943, quando concluiu a redao da ltima fichado dicionrio que a Academia Brasileira de Letras lhe encomendara. Nascentes ao explicarcomo o jogo de capoeira se liga ave, informa que o macho da capoeira e muito ciumento epor isso trava lutas tremendas com o rival, que ousa entrar em seus domnios. Partindodessa premissa, explica que Naturalmente, os passos de destreza desta luta, as negaas,foram comparadas com os destes homens que na luta simulada para divertimento lanavammo apenas da agilidade62.

    Ao lado do vocbulo genuinamente brasileiro de origem tupi, h o portugus,significando entre outras coisas cesto para guardar capes, j com abonaes clssicos,como a que se segue de Ferno Mendes Pinto, onde o vocbulo aparece bem caracterizado:

  • E pondo recado & boa vigia no que conviha, nos deixamos estar esperando pela manham;& As duas horas depois da meya noite enxergamos ao Orizonte do mar tres cousas pretasrentes com a agoa, & chamamos logo o Capito q a este tempo estava no conves deitadoencima de huma capoeyra, & lhe mostramos o q viamos, o qual tanto q vio tambem, sedeterminou muyto depressa, & bradou por tres ou quatro vezes, armas, armas, o que logo sesatisfez em muyto breve espao63.

    Da Adolfo Coelho64 derivar o vocbulo de capo mais o sufixo eira, seguido por 24Corteso65. Nascentes, no Dicionrio Etimolgico da Lngua Portuguesa 66segue aspegadas de Adolfo Coelho, limitando-se a fazer a derivao do vocbulo sem maisnenhuma explicao. Entretanto j no Dicionrio da Lngua Portuguesa elaborado pelaAcademia Brasileira de Letras 67 inclui sob a mesma origem, capoeira (jogo) e capoeira ohomem que pratica o jogo da capoeira, sem contudo ainda explicar o que determinou otimo.

    Tendo como base capo, do qual Adolfo Coelho tirou o timo de capoeira para oportugus, Beaurepaire Rohan faz o mesmo para o vocbulo capoeira na acepo brasileira,apresentando em defesa de sua opinio a seguinte explicao:

    Como o exerccio da capoeira, entre dois indivduos que se batem por mero divertimento,se parece um tanto com a briga de galos, no duvido que este vocbulo tenha sua origemem Capo, do mesmo modo que damos em portugus o nome de capoeira a qualquerespcie de cesto em que se metem galinhas.68

    Brasil Gerson, o historiador das ruas do Rio de Janeiro69, fazendo a histria da rua daPraia de D. Manoel, mais tarde simplesmente rua de D. Manoel, informa que l ficava onosso grande mercado de aves e que nele nasceu o jogo de capoeira, em virtude dasbrincadeiras dos escravos que povoavam toda a rua, transportando nas cabeas as suascapoeiras cheias de galinhas. Partindo dessa informao que o pioneiro de nossos estudosetimolgicos, o ilustre mestre Antenor Nascentes 25 se escudou para propor novo timo parao vocbulo capoeira designando o jogo atltico, assim como o praticante do mesmo. Porcarta de 22 de fevereiro de 1966, que tive a honra de receber, Nascentes deixa bem claro oseu pensamento:

    A etimologia que eu hoje aceito para Capoeira a que vem no livro de Brasil Gersonsobre as ruas do Rio de Janeiro.

    Os escravos que traziam capoeiras de galinhas par vender no mercado, enquanto de ele seabria, divertiam-se jogando capoeira. Por uma metonmia res pro persona, o nome da coisapassou para a pessoa com ela relacionada. 70

    Como se v, as proposies divergem umas das outras, fazendo com que no se tenhauma doutrina firmada sobre este ou aquele timo. Creio que s se pode pensar em novaproposio com o desenvolvimento dos estudos sobre o negro no Brasil, o que,praticamente, est por se fazer. Caso contrrio, estaremos sempre construindo algo sem teralicerces para plantar, que no caso seria o conhecimento de novos documentos, relativos aonegro.

  • O vocbulo capoeira, em suas diversas acepes est espalhado em todo o territrionacional como no Amazonas71, Para72, Maranho73, Cear74, Paraba75, Pernambuco76, Riode Janeiro77, Gois78, Rio Grande 26 do Sul79. De um modo geral, est registrado emglossrios regionais e especializados, como no de Clado Ribeiro Lesa80, Teschauer81,Viotti82, Agenor Lopes de Oliveira83, Nascentes84, Bernardino Jos de Souza85, Cascudo86,Plnio Ayrosa87, Rodolfo Garcia88, e outros. E bom lembrar, aqui, que, dentre osbrasileirismos que Alberto Bessa incluiu na sua A Gria Portuguesa, est o vocbulocapoeira que ele define como jogo de mos, ps e cabea, praticado por vadios de baixaesfera (gatunos)89.

    27

    Semanticamente falando, o vocbulo existe nas mais variadas acepes, as quais voadiante:

    Capoeira s.f. espcie de cesto feito de varas, onde se guardam capes galinhas e outras aves.

    Capoeira s.f. Local onde fica a criao.

    Capoeira s.f. Carruagem velha.90

    Capoeira s.f. Tipia.91

    Capoeira Termo de fortificao, designando a escavao no fundo de um poo seco, guarnecida de um

    parapeito com seteiras e de um teto de franches, sobre que se deita uma grossacamada de terra.92

    Capoeira s.f. Espcie de cesto com que os defensores duma fortaleza resguardam a cabea.93

    Capoeira s.f. Designa uma pea de moinho.94

    Capoeira s.f. Mato que foi cortado.

    Capoeira s.f. Lenha que se retira da capoeira, lenha mida.95

    Capoeira s.f. Designa uma ave (Odontophorus capueira, Spix), tambm conhecida pelo nome de Uru.

    Capoeira s.f.Espcie de jogo atltico.

    Capoeira au s.f. Chamam-se, no Maranho, a capoeira que tem mais de 12 anos.

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    Capoeira mirim s.f. Chamam-se, no Maranho, a capoeira que tem menos de 12 anos.

    Capoeira grossa

  • s.f. Capoeira onde j existem Arvores grandes e grossas. Capoeira rala

    s.f. Capoeira que se corte constantemente. Capoeira de machado

    s.f. Capoeira de grandes arbustos que s pode ser cortada com machado. Em Pernambuco chamado capoeiro de machado.96

    Capoeira de foice s.f. Capoeira que pode ser cortada com a foice.97

    Capoeira s.m.. O que pertence ao jogo da capoeira.

    Capoeira s.m.- Indivduo desordeiro.

    Capoeira s.m. Ladro de galinha.

    Capoeira s.m. Espcie de veado existente no Nordeste.98

    Capoeira s.m. Matuto, indivduo na capoeira.99

    Capoeiro s.m. Capoeira bastante grossa.

    Capoeiro s.m. Termo usado no Recncavo da Bahia para designar o habitante em terras de capoeira.100

    Capoeirada s.f. Conjunto de capoeira.

    Capoeiragem adj. Ato de capoeira.

    Capoeiroso adj. Relativo capoeira.101

    Capoeirar v. Burlar intentos, ladinar, enganar.102

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    Capoeirar v. Prender aves em grandes cestos ou capoeiras.

    Encapoeirar v. O mesmo que capoeirar.

    Encapoeirado adj. Metido na capoeira, escondido na regio das capoeiras.

    Encapoeirado adj. Terreno j coberto de capoeira.

    30

  • IIIA Capoeira

    Antes de entrar no estudo da capoeira propriamente dita, necessrio responder apergunta anteriormente formulada, indagando se os africanos trouxeram a capoeira dafrica, especificamente de Angola, ou a inventaram no Brasil.

    Quando examinei o problema do trfico de escravos africanos para o Brasil, falei dadificuldade em se afirmar, com preciso, a data da chegada dos primeiros escravos e a suaprocedncia, em virtude de escassez, no momento, de documentos. Entretanto, falei datendncia dos historiadores e africanistas, tomando come base poucos e raros documentosconhecidos, em se fixarem como sendo de Angola os primeiros negros aqui chegados,assim como ser o grosso de nossos escravos escoados dos portos de So Paulo de Luanda eBenguela. Ao lado disso a gente do povo e sobretudo os capoeiras falam todo o tempo emcapoeira Angola, mui especialmente quando querem distingui-la da capoeira regional, deque falarei no lugar oportuno. Ora, tudo isso seria um pressuposto para se dizer que acapoeira veio de Angola, trazida pelos negros de Angola. Mas, mesmo que se tivessenotcia concreta de tal folguedo por aquelas bandas, ainda no era argumento suficiente.Est documentado, e sabido por todos, que os africanos uma vez livres e os que retornaramas suas 31 ptrias levaram muita coisa do Brasil, coisas no s inventadas por eles aqui,como assimiladas do ndio e do portugus. Portanto, no se pode ser dogmtico na gnesedas coisas em que constatada a presena africana; pelo contrrio, deve-se andar combastante cautela.

    No caso da capoeira, tudo leva a crer seja uma inveno dos africanos do Brasil,desenvolvida por seus descendentes afro-brasileiros, tendo em vista uma srie de fatorescolhidos em documentos escritos e sobretudo no convvio e dilogo constante com oscapoeiras atuais e antigos que ainda vivem na Bahia, embora em sua maioria, nopratiquem mais a capoeira, devido a idade avanada. Em livro recente, Lus da CmaraCascudo defende a estranha tese que Existe em Angola a nossa Capoeira nas razesformadoras e , como supunha, uma decorrncia de cerimonial de iniciao, aspeto queperdeu no Brasil.102a Lamentavelmente, o raciocnio e documentao que passa adesenvolver, para explicar sua proposio, no convencem, devendo-se, portanto, tomarconhecimento da referida tese, com bastante reserva, at que seu autor a elucide com maisdesenvoltura e rigorosa documentao, dando o carter cientfico que o problema est aexigir. No tenho documentao precisa para afirmar, com segurana, terem sido os negrosde Angola os que inventaram a capoeira ou mais especificamente capoeira Angola, noobstante terem sido eles os primeiros negros a aqui chegarem e em maior nmero dentre osescravos importados, e tambm as cantigas, golpes e toques falarem sempre em Angola,Luanda, Benguela, quando no intercalados com termos em lngua bunda. Por outro lado,h tambm a maneira de ser desses negros, muito propensa aos folguedos, sobretudo dessaespcie. Braz do Amaral103, dentre outros, afirma que os negros de Angola eram insolentes,loquazes, imaginosos, sem persistncia para o trabalho, porm frteis em recursos e

  • manhas. Tinham mania por festa, pelo reluzente e o ornamental. Seu pendor para festa,fertilidade de imaginao e agilidade eram o suficiente para 32 usarem e abusarem dosfolguedos conhecidos e inventarem muitos outros. Alm da sua capacidade de imaginao,buscaram os negros elementos de outros folguedos e de coisas outras do quotidiano parainventarem novos folguedos, como teria sido o caso da capoeira. Para princpio deargumentao, quero citar a capoeira de Mestre Bimba chamada capoeira regional e tidapor todos como uma outra capoeira, distinta da que geralmente se chama capoeira Angola.

    A capoeira uma s, com ginga e determinado nmero de toques e golpes, que servem depadro a todos os capoeiras, enriquecidos com criaes novas e variaes steis sobre oselementos matrizes, mas que no os descaracterizam e interferem na sua integridade.Apenas o que houve na capoeira dita regional, foi que o Mestre Bimba a desenvolveu,utilizando elementos j conhecidos dos seus antepassados e enriquecendo com outros a queno lhes foi possvel o acesso. Mesmo assim, os elementos novos introduzidos, sofacilmente reconhecidos e distintos dos tradicionais como o caso dos golpes ligados oucinturados, provenientes dos elementos de lutas estrangeiras. O que no se verifica nosgolpes tradicionais, onde os capoeiras no se ligam e mal se tocam. Portanto no tem omenor fundamento a afirmativa de Edison Carneiro, em Negros Bantos,104 repetida, vinteanos mais tarde, em A Sabedoria Popular,105 de que h nove modalidades de capoeira,passando em seguida a enumer-las. O que houve foi uma bruta confuso feita por EdisonCarneiro, misturando golpes de capoeira com toques de berimbau, chamando a issomodalidades de capoeira. Lastimvel que esse erro vem sendo repetido por quantos ocopiam e o mais recente foi Dias Gomes, no texto que escreveu para a gravao de capoeirada Editora Xau, muito embora no diga que copiou dos livro de Edison Carneiro.

    Num dos dilogos que mantive com o Mestre Bimba, perguntei-lhe por que inventou acapoeira regional, no que me respondeu que achava a capoeira Angola muito fraca, comodivertimento, educao fsica e ataque e 33 defesa pessoal. Ento indaguei o que utilizoupara fazer a que chamou de regional, que considerou forte e capaz de preencher osrequisitos que a capoeira angola no preenche. Respondeu-me que se valeu de golpes debatuque, como banda armada, banda fechada, encruzilhada, rapa, cruz de carreira e ba,assim como detalhes da coreografia de macull, de folguedos outros e muita coisa que nose lembrava, alm dos golpes de luta greco-romana, jiu-jitsu, jud e a savata, perfazendoum total de 52 golpes. Logo no est fora de propsito a etimologia de capoeira apresentadapor Nascentes,106 tomando como base nome de uma ave chamada capoeira, justificando asua proposio no fato do macho, ao menor indcio da presena do seu rival, ir de encontroao mesmo e travar lutas tremendas, lutas essas que foram comparadas com as quesimulavam o capoeiras para se divertirem. Eu vou mais adiante, dizendo mesmo que osnegros poderiam muito bem ter extrado golpes ou detalhes de golpes, para a inveno dofolguedo e que poderia perfeitamente chamar de capoeira a um jogo, em funo de uma avecom esse nome, da qual lhe extrara alguns elementos para a sua inveno.

    Outro fato importante o resultado da enqute que fiz com vrios capoeiras antigos emodernos, e verifiquei que quase todos eles possuem um ou mais golpes ou toquesdiferentes dos demais, inventados por eles prprios, ou ento herdados de seus mestres oude outros capoeiras da suas ligaes, isso sem falar na interpretao pessoal, embora stil,que do aos golpes e toques, de um modo geral, e o golpe pessoal que todo capoeira guardaconsigo, para ser usado no momento necessrio. O texto descritivo de capoeira mais antigoque se tem notcia o que est nas Festas e Tradies Populares do Brasil de Melo MoraisFilho. Pois bem, os golpes a referidos so, na sua quase totalidade, desconhecidos dos

  • capoeiras da Bahia, como o caso do tronco, raiz, fedegoso, p de panzina, caador, passoa dois e outros,107 golpes esses e muitos que Melo Morais Filho no teve 34 conhecimento,ou simplesmente no mencionou, mas que foram criaes de capoeiras ou maltas decapoeiras do Rio de Janeiro de seu tempo, extrados da imaginao e de elementos que lhesvinham frente. Segundo fui informado, existiu no Rio de Janeiro um velho mestre decapoeira baiano, conhecido por Sinhozinho (Agenor Sampaio), do qual ainda existemalunos, com academia de capoeira, utilizando-se de alguns dos golpes referidos por MeloMorais Filho. Em nossos dias, Lamartine Pereira da Costa, oficial da Marinha e tambmprofessor de Educao Fsica da referida corporao, e Inezil Penna Marinho, publicando oprimeiro Capoeiragem / A arte de defesa pessoal brasileira, reeditado em 1962 com o ttulode Capoeira sem Mestre e o segundo Subsdios para o Estudo da Metodologia doTreinamento da Capoeiragem e mais adiante, Subsdios para a Histria ca Capoeiragemno Brasil,108 por sinal, os primeiros trabalhos que se publicam no gnero. Para a confecodo trabalho que de carter puramente tcnico, isto , preocupando-se exclusivamente como aprendizado dos golpes, Lamartine Pereira da Costa encontrou dificuldade no que serefere bibliografia sobre o assunto. Ento, segundo declara no prefcio, resolveu basear-sena tradio oral e no que pde arrancar de velhos capoeiras do Rio de Janeiro e da Bahia eo resultado que catalogou golpes, exceo dos tradicionais, totalmente desconhecidosdos mestres capoeiras da Bahia. H ainda outra coisa importante no desenvolvimento dacapoeira que dentro das limitaes das regras de jogo, o capoeira tem liberdade de criar,na hora, golpes de ataque e de defesa conforme seja o caso, que nunca foram previstos esem nome especfico e que aps o jogo ele prprio no se lembra mais do tipo deexpediente que improvisou. No jogo da capoeira vai muito de pessoal.

    35

    Portanto, a minha tese a de que a capoeira foi inventada no Brasil, com uma srie degolpes e toques comuns todos os que a praticam e que os seus prprios inventores edescendentes, preocupados com o seu aperfeioamento, modificaram-na com a introduode novos toques e golpes, transformando uns, extinguindo outros, associando a isso o fatortempo que se incumbiu de arquivar no esquecimento muito deles e tambm odesenvolvimento social e econmico da comunidade onde se pratica a capoeira. Assim, dostoques e golpes primeiros, de uso de todos os capoeiras, uma boa parte foi esquecida,permanecendo uma pequenssima e uma outra desapareceu em funo, como j disse, dodesenvolvimento econmico e social. Como exemplo disso posso citar o toque de berimbauchamado aviso, ainda do conhecimento do capoeira Canjiquinha (Washington Bruno daSilva). Segundo corre na transmisso oral dos antigos capoeiras, era comum ficar umtocador de berimbau, num oiteiro, onde se divisava toda uma rea enorme, com a finalidadede vigiar a presena do senhor de engenho, capataz ou capito do mato, no encalo deles.Uma vez notada a aproximao desses inimigos, era dado um aviso, no berimbau, atravsde um toque especial. Como se v, esse toque ainda do conhecimento de alguns capoeiras,desapareceu, em funo da organizao social que se tem hoje. Outro exemplo o toquecavalaria, conhecido de todos os capoeiras da Bahia. Esse toque era usado para denunciar apresena do famigerado Esquadro de Cavalaria, que teve o auge de sua atuao contra oscandombls e os capoeiras, na administrao do temvel delegado de polcia Pedrito (Pedrode Azevedo Gordilho), no perodo de 1920 a 1927. Alcancei-o na minha fase de garoto emtotal decadncia e hoje desaparecido por completo, restando apenas o toque cavalaria e sua

  • funesta memria, e o delegado Pedrito que entrou para o folclore, nas cantigas de aviso dasua aproximao, em algumas cantigas de capoeira e candombl de caboclo.

    A capoeira foi inventada com a finalidade de divertimento, mas na realidade funcionavacomo faca de dois gumes. Ao lado do normal e do quotidiano, que era divertir, era lutatambm no momento oportuno. No havia Academias de Capoeira, nem ambiente fechado,premeditadamente preparado para se jogar capoeira. Antigamente havia capoeira, ondehavia uma quitanda ou uma venda de cachaa, com um largo bem em frente, propcio ao 36jogo. A, aos domingos, feriados e dias santos, ou aps o trabalho se reuniam os capoeirasmais famosos, a tagarelarem, beberem e jogarem capoeira. Contou-me Mestre Bimba, que acachaa era a animao e os capoeiras, em pleno jogo, pediam-na aos donos das vendas,atravs de toque especial de berimbau, que eles j conheciam. Afora isso, as maioresconcentraes eram na Estrada da Liberdade, Pau Mido, Cidade de Palha, rua dosCapites, rua do Passo Taboo, Cais Dourado e no Cais do Porto. O Cais Dourado, no fimdo sculo passado, se tornou famosssimo pelo excesso de desordens e crimes, que ali sepraticavam, sobretudo por ser zona de meretrcio e para l convergirem, alm doscapoeiras, marinheiros, soldados de polcia e delinquentes. Os jornais da poca do contade como a cidade vivia em sobressalto, pelos acontecimentos ali ocorridos. Assim que se lem 1880 que Por desordeiro foi preso ontem no Cais Dourado o africano liberto AntnioManoel de Souza.109 Ainda no Cais Dourado mas desta vez um conflito de maiorespropores, com a participao de marinheiros, foi assim descrito pelo Jornal de Notciasde 1880:

    Ontem s 9 horas da noite esteve a rua do Cais Dourado em alarme, originado de umgrande conflito em que tomaram parte mais de quarenta indivduos de ambos os sexos,armados de facas e garrafas.

    De certo tempo para c tem aquela rua se transformado em um campo de luta incessante,onde, noite e em dias santificados, rola o pau, voa a garrafa como projtil e maneja-se afaca como argumento, ante o qual cedem a razo e o direito.

    Por mais de uma vez temos registrado fatos dignos da mais sria punio, de que soprotagonistas marinheiros de m conduta e mulheres para quem a honra um mito, avirtude palavra sem significao; homens e mulheres que s procuram os prazeres sensuais,que tripudiam em torno da garrafa, com as mais desenfreadas bacantes. 37 Se de cada vezque fossem presos, quer os marinheiros, quer suas ninfas, assinassem termo de bem viver,estamos certos, se corrigiro; mas sofrem apenas uma priso correcional de poucas horas evoltam para o teatro de suas faanhas, convencidos de que a polcia impotente pararefre-los.

    Foi to srio o conflito de ontem que para ali correu quase todo o destacamento doComrcio, que prendeu trinta e duas pessoas, saindo feridas com facadas duas praas.

    A muito custo conseguiu a fora acalmar os nimos sendo necessrio que o comandantedela ameaasse mandar fazer fogo contra aquela desenfreada gente.

  • As duas praas feridas foram medicadas em uma farmcia prxima, procedendo-se aocorpo de delito, e o presos remetidos para a casa de correo.

    Esperamos que o sr. chefe de polcia, em vista da gravidade do caso, obrigue essesdesordeiros a assinar termo de bem viver para serem punidos quando o infringirem, paraver se assim consegue-se desassombrar a pessoas morigeradas que ali residem.110

    Em tudo era notada a presena do capoeira, mui especialmente nas festas populares, ondeat hoje comparecem, embora totalmente diferentes de outrora. Em toda festa de largoprofana, religiosa ou profano-religiosa, o capoeira estava sempre dando ar de sua graa.Suas festas mais preferidas eram a de Santa Brbara no mercado do mesmo nome, na Baixados Sapateiros, festa da Conceio, cujo local de preferncia era a Rampa do Mercado eadjacncias; festa da Boa Viagem, festa do Bonfim, festa da Ribeira, festa da Barra, tofamosa e hoje totalmente extinta; do Rio Vermelho, Carnaval e muitas outras. No haviaacademias turisticamente organizadas. Os capoeiras, com alguns outros companheiros ediscpulos rumavam para o local de festa, com seus instrumentos musicais, inclusive armaspara o momento oportuno e l, com amigos outros que encontravam, faziam a roda ebrincavam o tempo que queriam.

    38

    Um outro aspeto importante o que se refere a capoeira em si e suas ligaes com ocandombl. De incio, tenho a afirmar que entre a capoeira em si e o candombl existe umaindependncia. O jogo da capoeira para ser executado no depende em nada do candombl,como ocorre com o folguedo carnavalesco chamado Afox, que para ir ais ruas h uma sriede implicaes de ordem mstico-litrgicas. Apesar de nas cantigas de capoeira se falar emmandinga, mandingueiro, usar-se palavras e composies em lnguas bunda e nag etambm a capoeira se iniciar com o que os capoeiristas chamam de mandinga, nada existede religioso. O que existe vem por vias indiretas. E o capoeira que omorix (filho desanto), como o caso do capoeira Arnol (Arnol Conceio) que filho de santo do famosobabalorix (pai de santo) de Cachoeira, conhecido por Enock (Enock Cardoso dos Santos)o qual fez Oxossi (Od) em sua cabea, dando o oruk (nome) de Od Ajayi koleji (Ocaador de Ajayi no pode acordar). Roseno (Manoel Roseno de Santana) raspado epintado de Omolu pela finada iyalorix (me de santo) Ceclia do Bunuk (CecliaMoreira de Brito); Caiara (Antnio da Conceio Morais) feito de Logun Ed por suame de sangue, Adlia Maria da Conceio. Quando no isso, oloye (dono de ttulohonorfico) de uma casa de candombl, parente de me ou pai de santo, ou foi desdecriana criado em ambiente de casa de candombl.

    Diante disso, o capoeirista procede com referncia capoeira, como procederianormalmente com outra coisa, procurando sempre se proteger, por esse caminho, que oque foi introduzido na sua formao. Ento se verifica, constantemente, um comportamentoque tinha antigamente, conservando ainda at nossos dias. Assim, a todo instante umcapoeira est queimando outro, isto , fazendo eb (feitio) para o seu companheiro,tendo em vista sempre a concorrncia e desavenas resultantes disso. Sem querer exagerar,a populao da Bahia, na sua quase totalidade, quando no tem participao ativa nosambientes de candombl, de vez em quando espia o que est acontecendo ou esta por vir.

  • Portanto, no e de se admitir que os capoeiras sejam os nicos a estarem de fora. Conheouma srie de casos de eb, entre capoeiras, verificados nos dias presentes. O salo deexibies patrocinadas pelo rgo 39 oficial de turismo do municpio do Salvador de hmuito, vem sendo disputadssimo pelos capoeiras, em virtude de um nico fato que oscio-economico. O capoeira ou as academias de capoeira se sentem promovidos emexibirem diante de um presidente de repblica, embaixadores ministros de Estado, nobreza,clero e burguesia, que pela Bahia passam, juntando a isso as vantagens econmicas quetiram no s do contrato que fazem com o referido rgo, para a exibio e tambm dodinheiro que se coloca no cho, por ser apanhado com a boca, durante o jogo, em golpesespetaculares. Tambm a aludida entidade uma espcie de orculo, onde os que aquichegam e desejam um grupo de capoeiras para filmagens ou exibies e lhe solicita aindicao. Como se v, da a disputa. J desde administraes anteriores, quem primeiromontou exibio no referido local foi o capoeira Canjiquinha (Washington Bruno da Silva),que de Ians, sem contudo ser feito, mas descende de avs africanos, com tia e irmmes de santo e em plena atividade litrgica. Pois bem, uma vez montada a sua capoeira,com exibies com dias e horas marcados e tambm sendo o escolhido para as exibiesoficiais, comeou ento a queima do ponto, o envio de ebs e a presena de Exu em todasas exibies, de modo que a hora do jogo havia sempre um aborrecimento. Pressentindo oque estava acontecendo, Canjiquinha corre sua irm Lili (Carlinda da Silva S) que mede santo e pede para olhar, o que foi feito atravs do jogo, que descortinou tudo,indicando o caminho a seguir, por meio de um eb. Com isso se inicia a troca de eb, pois ocapoeira que deu comeo coisa, que eu me reservo declinar seu nome, queria derrub-lo atodo custo. Nesse nterim, estava no preo um outro capoeira, esse feito de santo e comum irmo pai de santo, que no interior era famoso em transportar em 24 horas. Houvetroca de folha e Canjiquinha se viu balanado, ate que, quando menos esperava, foi-lhemandado um Exu e fez com que tivesse um atrito srio com o ento diretor do rgo, quaseque ambos fazendo usando da fora fsica. Veio a inimizade e a conseqente extino dasexibies no local. O capoeira que iniciou a mandinga passou a ser o eleito, no ocupando osalo com as suas exibies porque tinha academia no centro da cidade, mas 40 os turistaslhe eram encaminhados e nas exibies oficiais a sua academia era a escolhida. Nesseespao, aquele que derrubou Canjiquinha veio pedir a preferncia do salo, o que foinegado. Com a mudana de administrao e os constantes ebs, Canjiquinha conseguederrubar o que lhe atravessou e volta a assumir o comando daquilo que plantara. Desta vez,contra seu gosto, mas por imposio do rgo, o qual seu inimigo usara para derrub-loanteriormente. Agora toda cautela pouca, o menor descuido seria engolido. Assim, nascatacumbas da antiga igreja da S, onde funciona o turismo municipal, com o seurespectivo salo para exibies, e em cujo cho jazem os restos mortais dos que andarampela Bahia nos idos de 1500 a nossos dias, prticas mstico-litrgicas de candombl foram eainda so executadas por um e outro capoeira para a derrubada um do outro e o vencedorocupar o trono sozinho. Cansei de observar, vrias vezes, as paredes do salo estarem, attulo de decorao, infestadas de ew peregun (folhas de peregun) cruzadas, espada deOgun num canto, corredeira no outro, pemba, mui discretamente pulverizada, em lugarestratgico, isso sem se falar de pequenos alguidares contendo aca, charuto, farofa deazeite de dend, pipoca e cachaa, habilmente escondidos no canteiros do jardim, na partede cima, logo na porta de entrada. Com isso comeou a perturbao. Exu era o senhor detudo, estava bem alimentado para cumprir uma tarefa portanto tinha que execut-la. A coisafoi tomando corpo at que chegou ao auge, dessa vez vencendo Canjiquinha, derrubando

  • seu companheiro. Sua irm, me de santo, descobriu tudo e disse o que deveria fazer paradesmanchar o eb que o outro havia feito, porm Canjiquinha recusou, pois vinha halgum tempo trabalhando com Manoel Fiscal (Manoel Anastcio da Silva) que axogun(o que sacrifica animais para os deuses) e tambm capoeira, iniciado pelo famoso e temvelBesouro Cordo de Ouro, concluindo com Mestre Bimba. Relatou-me Manoel Fiscal, empresena de Canjiquinha, o que fez para derrubar o seu adversrio, principalmente na sededo rgo de turismo, onde havia as exibies. Independente de lavar a escadaria da entrada,que d acesso ao salo, com Agua de eb, forneceu outra quantidade a Canjiquinha, parasalpicar no salo e 41 arredores antes de comear as exibies. Da em diante voltou a reinara santa paz do Senhor. Informou-me tambm que iria cuidar de Pastinha (Vicente FerreiraPastinha), pois haviam queimado o velho e ele estava passando uma dos diabos, inclusiveo proprietrio do local, onde funciona a sede de sua academia, queria despej-lo. Aacademia de Mestre Pastinha funciona no Largo do Pelourinho, 19. E uma casa antiga juntoa igreja de Nossa Senhora do Rosrio dos Pretos. Nesse velho casaro funcionou algumtempo uma escola de dana para ensinar a moas e rapazes, que no podiam ir s festinhasfamiliares, por no saberem danar. Chamava-se Escola de Danas Yara e se rivalizava commuitas outras que sempre proliferaram, desde os velhos tempos na Bahia, como a Escola deDanas Mululu dirigida pelo Professor Mululu, nome de lngua bunda que quer dizerbisneto, como o conheciam. Funcionava num andar rua Dr. Seabra, 70, prxima esquinada rua 28 de Setembro, antiga rua do Tijolo. Havia tambm o Ginsio de Danas Modernas,dirigido pelo Professor Vicente Marques sito A rua do Saldanha, 3. H quem afirme queessas escolas de danas so reproduo de trs outras que existiram na Bahia, que foram ado Professor Bento Ribeiro, que durou 52 anos; a do Professor Travessa, mais de 20 anos, ea do Professor Frederico Brito, 22 anos110a. Aps funcionar a referida escola de danas,passou a ser a sede de uma srie de entidades ligadas direta e indiretamente ao candombl,como o Afox Filhos de Gandhi, a prpria capoeira de Mestre Pastinha, uma poro deentidades ali ensaiavam e algumas ainda ensaiam, para se exibirem no perodo de festaspopulares. E a sede da Federao de Culto Afro-Brasileiro. Por mim, para ter uma idia doafluxo mstico-litrgico do local, basta dizer que a ex-proprietria, Didi (AdalinaPurificao Silva), no incio de 1961 foi raspada e pintada nesse local, por Ok (Maria deOlinda), atual me de santo do Il Iy Nass, ou como mais conhecido, Candombl doEngenho Velho e Casa Branca. Ali, com a presena de ebomins e de oloys do Ax OpAfonja, Ax Iy Mass, Il Oxumar e muitas outras casas de candombl, numa festa muitobela, Didi, ao som dos atabaques pertencentes ao Afox Filhos de Gandhi e no salo ondeinclusive Pastinha exibe capoeira, gritou, 42 solenemente, ao pipocar de foguetes, palmas,chuvas de flores e gros de arroz, o oruk de sua Oxun Oxun Demi! (Oxun me deu!). Oot (pedra em que se assenta misticamente o deus dono da pessoa) de seu santo veio para oCandombl do Engenho Velho, mas o Exu ficou assentado no quintal do prdio, sob oteto de uma casinhola de madeira. Pouco tempo depois de feita veio a falecer e h quemdiga a boca pequena, que seu egun (alma) ronda a casa. Portanto, Manoel Fiscal muito temque trabalhar para proteger a carcaa do velho Pastinha.

    De acontecimentos assim, conheo inmeros, mas que esses so o bastante para semostrar de que modo so as relaes da capoeira com o candombl.

    43

  • IVA Indumentria

    Falar em indumentria de capoeira em termos de core e trajes padronizados, identificandoum determinado grupo, e coisa recentssima, nascida do advento de um turismoculturalmente mal orientado, surgido na Bahia, h pouco, mas j bastante responsvel peladescaracterizao de muitas de nossas tradies.

    Sendo a capoeira, assim como o capoeira considerados coisas marginais, jamais poderiaexistir algo que facilmente fosse identificado pela polcia, que dormia e acordava nocalcanhar dos capoeiras. O que havia era um enquadramento do capoeira no trajar de umapoca e num determinado instante de sua atividade, dentro de um agrupamento social.Fala-se que o capoeira usava uniforme branco, sendo cala de pantalona, ou seja uma calafolgada com boca de sino cobrindo todo o calcanhar; camisa comprida, por cima das calas,quase que semelhana de abad; chagrin e leno de esguio de seda envolto no pescoo,cuja finalidade, segundo me falou Mestre Bimba, era evitar navalhada no pescoo, porque anavalha no corta seda pura, de que eram fabricados esses lenos importados. Essaindumentria no era privativa do capoeira, era um traje comum a todo negro que quisesseus-lo, fosse ou 44 no capoeira. A ttulo de ilustrao posso citar Tio Joaquim (JoaquimVieira), que foi um babalorix famoso na Bahia alm de Wessa Obur, ttulo honorfico noAx Op Afonj segundo informao de sua neta Cantulina de Ayr (Cantulina Pacheco),usava esse mesmo traje, acrescido de chapu bico de sino e no entanto no me falou e nome consta fosse ele capoeira. O leno de esguio de seda de que fala Mestre Bimba no erauso privativo do capoeira. Funcionava como enfeite para proteger o colarinho da camisacontra o suor e a poeira, o que ainda em nossos dias se v em festas de largo quando onegro brinca, coloca um simples leno de algodo ou uma pequena toalha de rosto entre opescoo e o colarinho da camisa. Como o capoeira foi um elemento marcante em nossasociedade, a sua maneira de ser, em seus hbitos e costumes, embora na sua quasetotalidade normal como de outro indivduo qualquer, ficou como caracterstica sua. Ao ladodesses detalhes, Manoel Querino fala do uso de um argolinha de ouro na orelha, comoinsgnia de fora e valentia.111 Isso tambm no era privativo do capoeira. Conheopessoas bem idosas que ainda alcanaram negros no mas usando argolas mas com a orelhaesquerda furada e que no eram capoeiras. Alm do mais, Braz do Amaral se refere ao usode uma argola minscula na orelha esquerda, como hbito dos negros de Angola, semcontudo especificar que eram capoeiras.112

    Havia grandes capoeiras entre os ganhadores, entretanto a maneira do traje desses negrosera diferente, como se v em uma fotografia antiga, reproduzida por Manoel Querino,113trajes esses que ainda vi em alguns que faziam ponto no incio da Ladeira da Montanha.No Cais do Porto sempre estiveram os mais famosos capoeiras, mas a roupa usual, na suaatividade de trabalho, era cala comum, com bainha arregaada, ps descalos e camisa tipoabad, feita de saco de acar ou farinha do reino, e nas horas de folga do 45 trabalho assim

  • se divertiam jogando sua capoeira. Mais tarde essas camisas foram, aos poucos,substitudas pelas camisas de meia.

    Aos domingos, feriados e dias santos, quando todos tinham folga, a aparncia do capoeiraera outra. O negro sempre teve preferncia pelo traje branco, da despertar a atenopopular e ser batizado de a mosca no leite, quando assim se vestia. No sei se houve nissoinfluencia do clima tropical, ou certas implicaes de ordem religiosa, como seja o caso depossuir um ttulo honorfico num candombl, como ogan, por exemplo, e estar obrigado acomparecer com vestes totalmente brancas, ou participar de certas cerimnias, como axx(ritual fnebre), ciclo de festas de Oxal e outras que exigem essa indumentria,rigorosamente branca. O fato que o negro sempre foi amante de um terno branco, assimcomo sapato e camisa, usando-os preferencialmente nos dias j mencionados, quando seentregava de corpo e alma ao jogo da capoeira. Colocava o leno no pescoo pararesguardar o colarinho e jogava com uma perfeio e habilidade tremendas que no sujava,de modo algum, a domingueira.

    Em nossos dias, a coisa tem outra feio. Mestres capoeiras mantm um grupo dediscpulos em torno de si reunidos formando agrupamentos chamados Academia,procurando distinguir uma das outras, por meio de camisas de meia coloridas, como sefossem verdadeiros times de futebol. Com um preocupao eminentemente turstica,escolhem camisas com cores variadas e berrantes, de um mau gosto terrvel, com afinalidade de atrair ateno para o grupo, que mais parece um bloco carnavalesco do queum conjunto de mestre e discpulos de capoeira. Esse afetamento, para efeito de exibiopara turistas vai desde a indumentria, comportamento pessoal e jogo. Para essadescaracterizao, tem concorrido ativamente a m orientao do orgo oficial de turismo,que alm de prestigiar toda uma espcie de aventura com o nome de Capoeira, auxilia dediversos modos, inclusive financiando essas camisas amacacadas. Lembro-me bem que decerta feita uma determinada Academia de capoeira, dessas improvisadas para se exibir emfestas populares mediante subveno oficial ou fornecimento de camisas e sapatos, com apreocupao de ser facilmente identificada pelos turistas, as suas vedetes queriam, a todocusto, colocar nmero atrs das camisas que lhes 46 iam ser concedidas. Como a coisaficasse demasiado chocante, as referidas camisas foram entregues mediante compromissode no se colocar os referidos nmeros, semelhana de camisa de jogador de futebol.

    No Rio de Janeiro, onde os capoeiras foram mais audazes e quase abalaram o ministriode Deodoro, a indumentria a mais diversa possvel. Apesar de Melo Morais Filho dizerque eles usavam calas largas a semelhana dos da Bahia, palet desbotado, camisa de cor,gravata de manta e anel corredio, colete sem gola, botinas de bico estreito e revirado echapu de feltro, apresenta fotografia de capoeira alfaiate e capanga eleitoral, comindumentria totalmente diversa da que descreve e diversa um do outro.114 Em nossos dias,no tenho dados precisos de como se vestem realmente os capoeiras nas academias do Riode Janeiro.

    47

  • VO Jogo da Capoeira

    Antigamente, o jogo da capoeira se fazia nos engenhos, nos locais de trabalho, nas horasvagas e nas ruas e praas pblicas, nos dias de festa, sempre em recinto aberto. Em nossosdias, no h mais engenho; no local de trabalho, como os Cais do Porto, no se joga mais enas ruas e praas pblicas do centro s em dias de festa. Joga-se capoeira em recintofechado em Palcio do Governo, nas academias, nos sales oficiais, nos clubes particularese nas ruas e praas pblicas, onde se realizam festas populares. Espontneamente,independente de qualquer circunstncia, joga-se capoeira em ambiente aberto, na Estradada Liberdade, Pernambus, Cosme de Farias, Itapu e outros bairros bem afastados docentro da cidade.

    Varia de academia para academia e de capoeirista para capoeirista, no s o incio do jogocomo o seu decorrer. Depois de vria e demoradas observaes, consegui captar umamaneira quase que geral entre os mais antigos e mais famosos capoeiras. Sentados ou de p,tocadores de berimbau, pandeiro e caxixi, formando um grupo; adiante capoeiras em outroagrupamento, seguido do coro e o pblico em volta, vm dois capoeiras, agacham-se emfrente dos tocadores e escutam atentamente o hino da capoeira 48 ou a ladainha comochamam outros, que a louvao dos feitos ou qualidades de capoeiristas famosos ou umheri qualquer, como o caso da cantiga que se segue, narrando as bravuras do repentistaManoel Riacho:1

    Riacho tava cantandoNa cidade de AuQuando apareceu um ngoComo a espece de rubTinha casaca de solaTinha cala de couro cruBeios grossos redrobadoDa grossura de um chineloTinha o lho incravadoOutro lho era amareloConvid RiachoPra cant o marteloRiacho arrespondeuNo canto cum ngo desconhecidoEle pode s um escravoAnde por aqui fugidoEu s livre como um ventoTenho minha linguagem nobreNaci dentro da pobreza

  • No naci na raa pobreQue idade tem vocQue conheceu meu avVoc t parecendoQue mais mo do que eu.

    Dando seqncia ao jogo da capoeira, vem o que chamam de cantos de entrada, sendo omais cantado o que vai adiante:

    2

    I, Agua de bebIe, Agua de bebCamarado

    AruandE, AruandCamarado

    49

    Quis me matI, quis me matCamarado

    Na falsidadeI, na falsidadeCamarado

    Faca de pontaI, faca de pontaCamarado

    Sabe furI, sabe furCamarado

    Ele cabecroI, le cabecroCamarado

    E mandinguroI, ele mandinguroCamarado

    No campo de batalhaI, no campo de batalhaCamarado

    Viva meu mestreI, viva meu mestreCamarado

  • Que me insinI, que me insinCamarado

    A madrugadaI, a madrugadaCamarado

    Da caporaI, da caporaCamarado

    50

    Vamos imboraI, vamos imboraCamarado

    Pro mundo aforaI, pro mundo aforaCamarado

    Rio de JanroI, Rio de JanroCamarado

    Da vorta do mundoI, da vorta do mundoCamarado.

    Terminado o canto de entrada os capoeiras se benzem e iniciam o jogo propriamente ditoou o comeo da luta, para os da capoeira regional, porm com outro toque e outro canto:

    3

    Minino quem foi teu meste?Minino quem foi teu meste?Meu meste foi SalomoEu s dicipo qui aprendoS meste qui d lioO meste qui me insinSt no Engenho da ConceioA le s devo dinhroSade e obrigaoO segrdo de So CosmeQuem sabe So DamiaoCamarado.

    51

    4

  • Eu naci no saboNo domingo caminheiNa segunda-fraA capora joguei.

    5

    A iuna mandinguraQuando cai no bebedFoi sabida, foi ligraCapoera que mat.

    A certa altura, quebram o ritmo em que vinham e introduzem um outro, chamadocorridos, que so cantos com toque acelerado:

    6

    Chora mininoNhem, nhem, nhem

    O minino e choroNhem, nhem, nhem

    Sua me foi pra fonteNhem, nhem, nhem

    Ela foi pro CabulaNhem, nhem, nhem

    Foi compr jaca duraNhem, nhem, nhem

    Da cabea maduraNhem, nhem, nhem

    O minino choroNhem, nhem, nhem

    Choro qu mamNhem, nhem, nhem

    52

    Chore mininoNhem, nhem, nhem

    Chore mininoNhem, nhem, nhem

    Chore mininoNhem, nhem, nhem.7

  • Dona Maria de l do MutMe diga meu bemDiga como st

    Dona Maria de l do MutQuando eu f imboraNo v te lev

    Dona Maria de l do MutE sexta de noiteNo quero samb

    Dona Maria de l do MutTira sse vestidoE vamo deitDona Maria de l do Mut8

    Esta cobra me mordeSinh So Bento

    Oi o bote da cobraSinh So Bento

    Oi a cobra mordeuSinh So Bento

    O veneno da cobraSinh So Bento

    53

    Oi a casca da cobraSinh Sao Bento

    O que cobra danadaSinh So Bento

    O que cobra malvadaSinh So Bento

    Buraco velhoSinh So Bento

    Oi o pulo da cobraSinh So BentoE cumpade.

    Quanto mais o tempo vai passando, o jogo vai se animando e os berimbaus falam maisalto. Nesse instante se trava um dilogo entre os capoeiras do coro e os tocadores, por meiode uma cantiga, onde se pede o berimbau e se nega em seguida:

    9

  • Panhe esse gungaMe venda ou me d

    Esse gunga no e meuEu no posso vend

    Panhe esse gungaMe venda ou me d

    Esse gunga no meuEu no posso vend

    Panhe esse gungaOu me venda ou me d

    Esse gunga no meuEu no posso vend.

    54

    Finalizando a contenda, segue-se uma outra cantiga, onde se nega, peremptoriamente, oreferido instrumento:

    10

    Esse gunga meuEu no dou a ninguem

    Esse gunga meuFoi meu pai qui me deu

    Esse gunga meuEu no d a ninguem.

    E hbito da assistncia atirar ao cho algumas cdulas para os capoeiristas, em saltosestratgicos, apanharem com a boca. Esse dinheiro, aps o jogo, o mestre divide com todosos discpulos, ficando, assim, garantido o transporte de cada um, para voltar para casa. Sepor acaso ningum resolve atirar nada, ento se canta uma cantiga pedindo dinheiro:

    11

    Quem pede, pede chorandoQuem d merece vontadeO triste de quem pedeCom a sua necessidadeE no cu vai quem mereceNa terra vale quem temDedo de munheca dedoDedo de munheca moO sangue corre na veiaNa palma de minha moE verdade meu amigo

  • Nossa vida um colossoMais vale nossa amizadeDo que dinheiro em nosso blso.

    Ainda no correr do jogo h as provocaes, onde se aproveita para denunciar a inveja dealgum que est presente como se v na cantiga que se segue, cantada pelo capoeiraCanjiquinha (Washington Bruno da Silva), ensinada por seu mestre Aberr:

    55

    12

    O meu Deus o qui eu faoPara viv neste mundoSe ando limpo s malandroSe ando sujo s imundoO qui mundo velho grandeO qui mundo inganadEu digo desta manraFoi mame qui me insinSe nao ligo s covardeSe mato s assassinoSe no falo s caladoSe falo s faladSe no como s misquinhoSe como s gulso.

    Tambm h outra maneira de provocar, que por meio das cantigas de sotaque, onde seabre os olhos de quem dirigido o sotaque, dizendo do que no tem medo, do que j fez edo que poder fazer, conforme as cantigas que vo adiante:

    13

    Oi quem esse ngoD, d, d no ngoO no ngo voc no dEste nego valenteEste ngo valenteEste ngo o co.14

    I

    Oia l siri de mangueTodo tempo no umTenho certeza qui voc no gentaCom a presa do gaiamumQuando eu entro voc saiQuando eu saio voce entra

  • Nunca vi mul danadaQui no fsse ciumenta.

    56

    15

    J comprei todos temproS falta farinha e banhaEu no caio in arapucaIn lao ninguem me panha.16

    Eu queria conhecEu queria conhecA semente da sambambaiaSe no houvesse marNo poderia ter praiaSe no houvesse mulHome vestia saiaE aquinderris.

    Saindo do sotaque que nada mais do que uma advertncia, passa para a praga, desejandoque todas as desgraas desabam sobre a cabea do infeliz vizado : -

    17

    Te d sarna te d tinhaTe d doena do Te d piolho de galinhaPra acab de mat

    Finalizando o jogo, h capoeiristas, como Canjiquinha que tm cantigas prprias para sedespedirem e agradecem a presena da assistncia : -

    18

    Adeus, adeusBoa viagemEu v mimboraBoa viagemEu v com DeusBoa viagemNossa SenhoraBoa viagem

    O jogo da capoeira algo difcil, complicado e requer uma ateno extraordinria, senopoder ser fatal para um dos jogadores. O capoeira tem 57 que ser o mais possvel leve, tergrande flexibilidade no corpo e gingar o tempo todo durante o jogo. A ginga elementofundamental. Da ginga que saem os golpes de defesa e de ataque, no s golpes comuns a

  • todos os capoeiras, como os pessoais e os improvisados na hora. Durante o jogo uma coisaimportante a ser observada o comportamento do capoeira, onde os mesmos no se ligamuns aos outros e nem se arreiam no cho. Apenas tocam o cho e a si mutuamente. Somentena capoeira regional que os jogadores se ligam, devido aos golpes ligados ou cinturados,provenientes do aproveitamento de lutas estrangeiras na capoeira.

    58

    VIToques e Golpes

    No conheo documentao fidedigna que afirme taxativamente que no princpio, no jogoda capoeira s havia golpes. Entretanto, uma observao dos fatos me leva a crer que oacompanhamento musical no existia, conseqentemente os toques teriam vindo depois e seadaptado aos golpes e a eles ficado intimamente ligados, a ponto de haver hoje golpes comnome de toques e vice-versa. Em princpio, at que nossos tenha conhecimento dedocumento em contrrio, o que me levou a pensar num jogo de capoeira sem toques foi, deum lado, o fato de ainda hoje, se bem que mui raro, se jogar capoeira sem acompanhamentomusical. Mestre Bimba, por exemplo, no admite o berimbau no comeo do aprendizado,isso s acontecendo na terceira fase, a que chama seqncia com berimbau, sem se falarnos discpulos j formados, que jogam durante um tempo enorme, usando todos os golpesnecessrios, sem que se oua uma nota musical qualquer, partida de um dos instrumentosmusicais da capoeira.

    Por outro lado, temos as escassas informaes deixadas pelos cronistas e viajantes quepor aqui passaram. Todos eles, quando se referem capoeira, so unnimes em falarisoladamente do jogo sem o toque; ou do berimbau, 59 hoje instrumento principal dacapoeira, mas sem a ela se referirem. Rugendas, por exemplo, embora traga uma ilustraodo jogo de capoeira, acompanhado por atabaque, no texto se restringe exclusivamente aojogo, que chama de Kriegsspiel (brinquedo guerreiro), como se v neste lance:Viel gewalltsamer ist ein anderes Kriegsspiel der Neger, jogar capoeira, das darin besteht,dass einer den andern durch Stsse mit dem Kopf auf die Brust, denen sie durch gewandteSeitensprunge und Pariren ausweichen, unzuwerfen sucht, indem sie fast wie Bckegegenaienander anspringen und zuweilen gewaltig mit den Kpfen geneinander rennen.115

    A mesma coisa aconteceu com Debret que descreve o berimbau sob o nome de urucungo,mas sem se referir ao jogo da capoeira.116

    H no acompanhamento musical toques que se poderia chamar de gerais, porque socomuns a todos os capoeiras, os quais so executados ao lado de outros que so particulares

  • de determinada academia ou mestre de capoeira. Tambm acontece, e no raro, um mesmotoque, apenas com denominao diferente entre os capoeiras. Para que se tenha uma ideia,recolhi o nome dos toques de alguns capoeiras, que ainda atuam com frequncia na Bahia,como:

    Mestre Bimba ( Manoel dos Reis Machado ) So Bento Grande Benguela Cavalaria Santa Maria Iuna Idalina

    Canjiquinha (Washington Bruno da Silva) Angola Angolinha So Bento Grande So Bento Pequeno Santa Maria Ave Maria

    60

    Samongo Cavalaria Amazonas Angola em geg So Bento Grande em geg Muzenza Jogo de Dentro Aviso

    Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) So Bento Grande So Bento Pequeno Angola Santa Maria Cavalaria Amazonas Iuna

    Gato (Jos Gabriel Goes) Angola So Bento Grande Jogo de Dentro So Bento Pequeno So Bento Grande de Compasso

  • So Bento de Dentro Angolinha Iuna Cavalaria Benguela Santa Maria Santa Maria Dobrada Samba de Angola Ijex Panhe a laranja no cho tico-tico Samongo Benguela Sustenida Assalva ou Hino

    61

    Waldemar (Waldemar da Paixo) So Bento Grande So Bento Pequeno Benguela Ave Maria Santa Maria Cavalaria Samongo Angolinha Geg Estandarte Iuna

    Bigodinho (Francisco de Assis) So Bento Grande Cinco Salomo So Bento Pequeno Cavalaria Jogo de Dentro Angola Angolinha Santa Maria Panhe a laranja no cho tico-tico

    Arnol (Arnol Conceio) So Bento Grande Angola Jogo de Dentro Angolinha Samba da Capoeira

  • Trara (Joo Ramos do Nascimento) Santa Maria So Bento Pequeno So Bento Grande

    62

    Angolinha Cavalaria Jogo de Dentro Angola Dobrada Angola Angola Pequena Santa Maria Regional Iuna Gge-Ketu

    Como se v, em todos eles h uma constncia nos toques So Bento Grande, So BentoPequeno, Cavalaria, Iuna e Benguela. Como j tive oportunidade de dizer, os toquesdivergentes dos comuns raramente constituem um toque totalmente diferente dos demais.Via de regra, um j existente, apenas com outro rtulo ou ento uma ligeira inovaointroduzida pelo tocador, fazendo com que se d um nome novo. A denominao de algunstoques da capoeira est ligada a determinados povos ou regies africanas pura esimplesmente pelo nome, ou so toques litrgicos ou profanos de que a capoeira se valeu,como Benguela, Angola, Ijex e Gge, isso sem se falar nas combinaes Angola em Ggee Gge-Ketu. Antigamente, segundo capoeiristas idosos, o toque chamado na capoeira deGge era o toque dos povos gges (Dahomey) chamado bravun, toque litrgico, especficodo deus Oxumar, o Arco ris e que na capoeira era tocado em atabaque, conforme ailustrao de capoeira existente em Rugendas117 No toque Ijex, na capoeira de Gato (JosGabriel Goes), o nome apenas um rtulo, pois o toque em si uma alterao dos jconhecidos. Entretanto, em Caiara (Antnio da Conceio Morais), quando em exibiopara turistas, o toque litrgico caracterstico dos povos ijexs, tocado para alguns deuses,que Caiara toca no 63 berimbau e aplica na capoeira. Quanto s combinaes nada tm aver seno nas denominaes. O toque chamado aviso, usado pelo capoeira Canjiquinha(Washington Bruno da Silva), segundo seu mestre Aberr era usado por um tocador queficava num oiteiro vistando a presena do senhor de engenho, capito do mato ou dapolcia. To logo era sentida a presena de um deles os capoeiras eram avisados atravsdesse toque. Em nossos dias, o comum a todos os capoeiras o chamado cavalaria usadopara denunciar a presena da polcia montada, do conhecido Esquadro de Cavalaria, cujagrande atuao na Bahia foi no tempo do chefe de polcia chamado Pedrito (Pedro deAzevedo Gordilho), que perseguia candombls e capoeiristas passando para o folclore,atravs da imaginao popular, em cantigas como:19

    Toca o pandeiroSacuda o caxixiAnda dipressa

  • Qui PedritoEvm a.

    Ou ento estoutras, colhidas por Camargo Guarnieri, da boca do povo de Salvador, cujaletra da primeira se refere a uma das perseguies sofridas pelo famoso babalorixProcpio de Ogun J (Procpio Xavier de Souza):

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    No gosto de candomblQue festa de feticroQuando a cabea me diSerei um dos primros

    Procpio tava na salaEsperando santo chegQuando chegou seu PedritoProcpio passa pra c

    Galinha tem fra n'asaO galo no esporoProcpio no candomblPedrito no faco

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    21Acabe coste SantoPedrito vem a L vem cantando ca o cabieciL vem cantando ca cabieci.118

    O capoeirista Canjiquinha tem um toque com a denominao de Muzenza, que no seno o toque jogo de dentro. Na Bahia, Muzenza o nome que se d novio noscandombls de nao Angola. Quando ela aparece em pblico para dar o nome de seuorix (deus), canta-se uma cantiga de sada de Muzenza, onde ela vem danando umacoreografia ligeiramente curvada. Com base nessa coreografia, a malcia popular resolveucaricaturar a dana, aumentando a curvatura do corpo, dando a impresso que se vai ficarde quatro ps. Com isso se v, constantemente, a brincadeira entre dois homens, quando umpede qualquer coisa ao outro, ento o que no quer dar responde: s danandomuzenza, isto s ficando em posio de quatro ps, para ser possudo sexualmente.Indaguei de Canjiquinha por que deu o nome de muzenza ao toque jogo de dentro,respondeu-me que apenas por deboche. Panhe a laranja no cho tico-tico um toque deberimbau, que tem o nome de uma roda infantil, espalhada em todo o territrio nacional,cuja msica tocada no berimbau e a letra cantada nos jogos de capoeira. A roda, alm depassar a ser cantiga de capoeira, deu nome a um toque. A letra tem o seguinte texto:

    Panhe a laranja no cho tico-ticoMeu