INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO BENCHIMOL
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
CONVÊNIO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL
INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA COORDENAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA
ALEGRIA CELIA BENCHIMOL
INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO: PERCURSO INTERDISCIPLINAR NO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Niterói Rio de Janeiro
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Instituto de Artes e Comunicação Social Departamento de Ciência da Informação INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA Coordenação de Ensino e Pesquisa PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Coordenadora: Dra. Rosa Inês de Novais Cordeiro Subcoordenadora: Dra. Rosali Fernandez de Souza
Coordenação no Rio de Janeiro – IBICT Rua Lauro Muller, 455, 5º andar CEP: 22290-160, Bairro Botafogo Telefone e fax: (55-21) 2275-0792, 2275-0321, 2275-3990 Coordenação em Niterói – UFF Rua Tiradentes, 148 Bairro Ingá Telefone e fax: (55-21) 2629-9670, 2629-9671, 2629-9672
B457i Benchimol, Alegria Celia
Informação e objeto etnográfico: percurso interdisciplinar no Museu Paraense Emílio Goeldi / Alegria Celia Benchimol; Orientadora Lena Vania Ribeiro Pinheiro. – Rio de Janeiro, 2009.
124 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense / Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
1.Ciclo informacional 2. Objeto Etnográfico 3. Documento 4.
Informação 5. Interdisciplinaridade 6. Ciência da Informação 7. Museu Paraense Emílio Goeldi. I. Pinheiro, Lena Vania Ribeiro. II. Título.
CDD 020
ALEGRIA CELIA BENCHIMOL
INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO: PERCURSO INTERDISCIPLINAR NO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (PPGCI/UFF/IBICT).
Orientadora: Dra. LENA VANIA RIBEIRO PINHEIRO
Niterói
Rio de Janeiro 2009
ALEGRIA CELIA BENCHIMOL
INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO: PERCURSO INTERDISCIPLINAR NO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (PPGCI/UFF/IBICT).
Data da Defesa: 20 de março de 2009
Banca Examinadora:
___________________________________ Professora Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro (Orientadora) Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) ___________________________________ Professora Dra. Diana Farjalla Correia Lima (Examinadora externa) Doutora em Ciência da Informação pela UFRJ/IBICT Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) ___________________________________ Professor Dr. Geraldo Moreira Prado (Examinador interno) Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UFRRJ Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) ___________________________________ Professora Dra. Maria Nélida González de Gómez (Examinadora Suplente) Doutora em Comunicação pela UFRJ Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)
A Gimol Benchimol, Mãe, na verdadeira acepção da palavra. A Lena Vania Ribeiro Pinheiro, Mestra incansável, com sua presença amiga e olhos de lince, você conseguiu transformar em tranqüilidade meus momentos de obscurantismo e de desassossego. Obrigada por regar meu percurso (interdisciplinar ou não) com delícias paraenses e maravilhas cariocas. Obrigada pela orientação firme e ao mesmo tempo terna. Merci bien, many thanks, arigatô, dunke, gracias!
AGRADECIMENTOS
Em nome de sua diretora Ima Célia Vieira agradeço aos diretores, coordenadores e funcionários do Museu Paraense Emílio Goeldi pelo apoio dispensado. CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo apoio dado nos últimos seis meses do curso. Amarílis Tupiassú, responsável, em grande parte, pela minha entrada na vida acadêmica, e Maria Lúcia Medeiros (in memorian), cuja obra foi meu primeiro objeto de estudo. Lucia Hussak van Velthem, incentivadora primeira deste Mestrado, pelas indicações bibliográficas, preciosas intervenções e procedentes críticas ao trabalho. Creusa Ferreira, mãe carioca, por tudo e mais um pouco. Fábio Almeida dos Santos, my dear lord, por me mostrar que o desconhecido pode ser confiável e confirmar, mais uma vez, que gentileza gera gentileza. Obrigada por tudo mesmo. Valéria Gauz, pelos escritos, telefonemas, traduções, discussões de textos e toda cumplicidade tão fundamental para a saúde mental. Obrigada também por toda energia positiva que você sempre transmitiu e pelos momentos divertidos vividos em vários pontos desta maravilhosa cidade. Claudia Guerra e Patrícia Mallmann (Piti). De parágrafo em parágrafo se constrói uma dissertação. Obrigada pelas inúmeras tardes ou manhãs de estudo, pela troca intelectual, pela normalização, pelos papos intermináveis (lá, lá, lá, lá...) e principalmente pela busca incessante do que, de fato, é informação. Obrigada pelas “gargalhadas e lágrimas” solidárias. Ana Lúcia Ferreira Gonçalves. Com uma amiga como você, não há problema algum as Bibliotecas entrarem “de férias”. Obrigada pelas indicações acadêmicas ou não, pela normalização e, principalmente, por tornar minhas idas e vindas a Niterói mais aprazíveis. Rosely Rondinelly, obrigada pelas conversas na “Casa de Rui”, pelos trabalhos e textos emprestados e pela indicação de leituras. Abdallah Naim Zahalan Redwan, Izabel Arruda e Elis Miranda, pela paciente ajuda na elaboração do projeto e no processo de qualificação. Patrícia Mourão, atenta interlocutora, pelos preciosos comentários e críticas; pelo tempo dedicado (que não foi pouco) e, sobretudo, pela amizade. Deize Bélgamo, pelos diálogos profícuos sobre Curt Nimuendajú e pela fascinante aventura nos cemitérios de São Paulo.
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Diana Farjalla Correia Lima, pelas orientações bibliográficas e pela disponibilidade em discutir questões pertinentes ao trabalho. Candida Barros, Carlos Chaves e Susana Primo dos Santos, do Museu Goeldi, por todo o apoio e disponibilidade dispensados nesses dois anos. Eliana Toscano, Guilhermina Lima e Luciana Kamel, pelo cuidado amigo na formatação do texto e tratamento das fotos. Clã Benchimol (Moysés, Esther, Ruth, Merian e Messias), pela trajetória desde sempre. Paula Moraes e Carlos Eugênio Salgado dos Santos, pela força nos momentos difíceis, pela amizade, confiança e pelas inúmeras traduções. Cecília Rascovschi, pela generosidade, carinho e amizade. Vera e Leila Pinheiro, irmãs por escolha, por afinidade e por amor, pela calorosa acolhida na Maravilhosa, fazendo desta uma extensão da Mangueirosa. Especialmente a Leila, pelo impagável presente “mofento” de 1899. Maria Lúcia Ruffeil, prova de que a amizade resiste ao tempo e à distância, obrigadíssima por fazer de minha vida no Rio de Janeiro sinônimo de leveza. Alexandra Teixeira, Ana Claudia Pinho, Ana Cristina Pereira, Ana Paula Freire, Ana Petruccelli, Bethânia Correia, Cecília Lorenzo, Claudia Karam, Cristina Vilhena, Eliana Cavalcante, Elton Farage, Heloisa Guimarães, Isabela Ishak, Isilda Rocha, Ivana Sarmanho, Izabel Boulhosa, Laís Zumero, Lea Rocha, Letizia Madaluno, Lina Coiatelli, Monique Cimatti, Rute Nogueira, Sandra Duailibe, Silvia Maradei Pereira e Vera Andersen, pelo carinho e apoio dispensados em Belém, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília. Selma Santiago, pela doação do valioso mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú. Sonia Burnier de Souza, pela eficiência e gentileza em disponibilizar textos. Roger Keller Celeste e Ruth Benchimol, pelas “dicas” e traduções online. Aos funcionários do IBICT Vera, Janete, Tião e Rogério, pela dedicação aos serviços realizados.
Si yo fuera objeto seria objetivo, pero como soy sujeto soy subjetivo.
(Miguel Angel Rendón Rojas)
O confuso e o obscuro têm direito à cidadania, mesmo quando a ciência os
pretende rejeitar e ignorar, porque o homem não é apenas a ciência, mas sim uma
consciência que cria, sem dúvida, a ciência, mas também a poesia, as fábulas e as outras
formas de imaginação. (Vico)
RESUMO
Estudo teórico, cujo objetivo é elaborar o ciclo da informação do objeto etnográfico
da coleção do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), situado no Pará (Brasil), a
partir dos conceitos de documento e informação, numa abordagem interdisciplinar do
processo de transferência e disseminação da informação. Consiste, assim, na busca
de compreender a organização da coleção etnográfica do Museu Goeldi em três
momentos distintos de sua história, tendo como resultado o desenho de um quadro-
matriz, no qual estão identificadas, reunidas e sistematizadas as informações
registradas nos três períodos estudados (Nimuendajú, Galvão e Velthem). A análise
é finalizada pela construção de um modelo de ciclo de informação do Museu
Paraense Emílio Goeldi, que indica seis etapas para o processo informacional e
comunicacional do objeto etnográfico refletindo, nesse percurso, sua trajetória
interdisciplinar.
Palavras-chave: Ciclo informacional, Objeto etnográfico, Documento, Informação,
Disseminação da informação, Transferência da informação, Interdisciplinaridade,
Ciência da Informação, Museu Paraense Emílio Goeldi.
ABSTRACT
Theoretical approach aiming to analyze the informational cycle of the ethnographic
object in the Emílio Goeldi Museum (MPEG) collection, in Pará (Brazil), from an
interdisciplinary point of view of the process of transference and dissemination of
information. The study seeks to understand the attributes of the terms document and
information within a conceptual net, revealing the organization of the ethnographic
collection in three different periods of the Museum history (during the terms of
Nimuendajú, Galvão and Velthem), all identified by a chart in a systematic way. The
analysis is concluded with the construction of a model of information cycle for MPEG,
which indicates six stages for the informational and communicational process of the
ethnographic object reflecting, in its way, its interdisciplinary trajectory.
Key words: Informational cycle, Ethnographic object, Document, Information,
Information Science, Interdisciplinarity, Dissemination of information, Transference of
information, Emílio Goeldi Museum.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1: Inter e transdisciplinaridade: interação.............................................. 21
QUADRO 2: Inter e transdisciplinaridade: características básicas......................... 22
QUADRO 3: Distribuição da coleção etnográfica por área cultural indígena......... 62
QUADRO 4: Quadro-matriz da organização da coleção etnográfica do MPEG..... 94
FIGURA 1: Funções básicas de transferência [da informação] por documentos... 47
FIGURA 2: Ciclo de transferência da informação por documentos publicados... 49
FIGURA 3: Exposição de cerâmica indígena, em 1899....................................... 67
FIGURA 4: Reserva Técnica Curt Nimuendajú até 2003..................................... 68
FIGURA 5: Reserva Técnica Curt Nimuendajú a partir de 2003.......................... 69
FIGURA 6: Documento emitido pelo Cemitério do Redentor (São Paulo)........... 77
FIGURA 7: Os restos mortais de Curt Nimuendajú.............................................. 77
FIGURA 8: Primeiro registro do livro de tombo do MPEG................................... 86
FIGURA 9: Registros de 1 a 5 do livro de tombo do MPEG ............................... 87
FIGURA 10: Armazenamento dos objetos até 2003.............................................. 88
FIGURA 11: Ciclo informacional do objeto etnográfico do MPEG......................... 99
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique EREA – Equipe de Recherche en Ethnologie Améridienne
FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro FUNAI – Fundação Nacional do Índio
IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
ICOM – International Council of Museums
INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISA – Instituto Socioambiental
MAE – Museu de Arqueologia e Etnologia
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MinC – Ministério da Cultura
MPEG – Museu Paraense Emílio Goeldi
SPI – Serviço de Proteção aos Índios
TIC’s – Tecnologias de Informação e Comunicação
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB – Universidade de Brasília
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 12 2 BASES TEÓRICAS PARA VISÃO INTERDISCIPLINAR DE DOCUMENTO E INFORMAÇÃO.........................................................................................................
17
2.1 Abordagem interdisciplinar............................................................................. 17 2.2 Documento: conceitos e contextos................................................................ 28 2.3 Informação e informação museológica.......................................................... 33 2.4 Objeto etnográfico........................................................................................... 37 2.4.1 O ato de colecionar......................................................................................... 37 2.4.2 Objeto etnográfico........................................................................................... 40 2.5 Ciclos de comunicação e informação............................................................ 44 2.5.1 Ciclo de transferência da informação por documentos de King e Bryant................... 46 2.5.2 Ciclo de transferência da informação por documentos publicados de Lancaster. 48 3 OBJETIVOS.......................................................................................................... 51 3.1 Objetivo geral................................................................................................... 51 3.2 Objetivos específicos...................................................................................... 51 4 METODOLOGIA................................................................................................... 52 4.1 O Museu Paraense Emílio Goeldi................................................................... 54 4.1.1 A coleção etnográfica..................................................................................... 59 4.1.2 A Reserva Técnica Curt Nimuendajú.............................................................. 63 5 DE CURT NIMUENDAJÚ AO SÉCULO XXI: A ORGANIZAÇÃO DA COLEÇÃO ETNOGRÁFICA DO MPEG..................................................................
70
5.1 Curt Nimuendajú e a primeira organização da coleção etnográfica........... 70 5.2 Eduardo Galvão e a classificação por áreas culturais indígenas............... 80 5.3 Lucia Hussak van Velthem e a nova Reserva Técnica Curt Nimuendajú... 88 6 INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO: PERCURSO INTERDISCIPLINAR NO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI..........................
93
REFERÊNCIAS........................................................................................................ 104 APÊNDICES............................................................................................................ 111 A – Roteiro de entrevista 1....................................................................................... 112 B – Roteiro de entrevista 2....................................................................................... 113 C – Ciclo informacional do objeto etnográfico do MPEG......................................... 114 ANEXOS.................................................................................................................. 115 A – 1ª página do catálogo elaborado por Curt Nimuendajú em 1921...................... 116 B – Lista assinada por Evalda Xavier Falcão relacionando extravio de peças........ 117 C – Registro do objeto panela de barro e seus três números.................................. 118 D – Fotos da panela de barro, com seus três números grafados............................ 119 E – Observações de Curt Nimuendajú feitas na primeira página da cópia do catálogo de 1921............................................................................................... 120 F – Ficha utilizada na transferência da coleção etnográfica do Parque Zoobotânico para o Campus de Pesquisa do MPEG, em 2003........................ 121 G – Ficha datilografada, idealizada por Galvão....................................................... 122 H – Ficha atual, automatizada, idealizada por Velthem e equipe............................ 123
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, intitulada Informação e objeto etnográfico: percurso
interdisciplinar no Museu Paraense Emílio Goeldi, objetiva, dentro de um ambiente
museológico, traçar o ciclo informacional do objeto etnográfico, abrigado na Reserva
Técnica Curt Nimuendajú, vinculada à Coordenação de Ciências Humanas daquela
instituição paraense.
A discussão se inicia com o conceito etimológico do vocábulo objeto, que vem
do latim objectum significando atirar contra; é uma coisa existente fora de nós
mesmos; colocada com um caráter material: tudo que se oferece à vista e afeta os
sentidos (LAROUSSE apud MOLES, 1981). Na Filosofia, o objeto é pensado em
contraposição ao sujeito (homem), que é o ser pensante, e vai ao encontro da idéia
de coisa externa ao homem.
Paul Otlet, autor belga, trata os objetos como coisas materiais propriamente ditas que podem ser estendidas para documentos quando são erguidos como elementos sensíveis, direto de estudos ou como provas de uma demonstração (OTLET, 1934, p. 217).
Incluem-se, na classificação de Otlet, cinco tipos de objetos: os naturais; os
artificiais; aqueles que trazem traços humanos, servem às interpretações e têm
significados; os objetos demonstrativos; e os objetos de arte. Para o autor, os
objetos podem ser oriundos da natureza ou fabricados pelo homem e todos são
passíveis de pertencer a uma coleção (OTLET, 1934).
Na esteira dessa discussão, Moles (1981) faz distinção entre coisa e objeto,
considerando a primeira como sistemas naturais separáveis e enunciáveis, e o
segundo apenas aquilo que, efetivamente, for produto do homem. O objeto tornou-
se fundamental para a compreensão das relações entre o homem e a sociedade.
Moles considera o objeto como mediador da relação entre cada homem e a
sociedade, afirmação refutada por alguns autores que acreditam que os objetos,
assim como todos os outros documentos, só têm vida, informam e comunicam se
houver, por trás deles, a presença humana.
Nesse sentido, Guedes (2004) concorda com a idéia de que os homens agem
como mediadores entre os objetos e seu público, em ambiente de museu, na medida
em que são os
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profissionais de várias áreas, que atuam, interagem, demarcam campos, empreendem lutas simbólicas, selecionam objetos e informações, produzem discursos e contribuem para o processo de transmissão cultural, legando às futuras gerações o enfoque de uma época, o recorte de uma sociedade (GUEDES, 2004, p. 169).
Numa concepção mais ampla, Le Goff faz uma reflexão interessante sobre o
que guardamos daquilo que existiu no passado. O autor mostra que nem tudo o que
é da natureza ou produzido anteriormente pelo homem sobrevive, e sim apenas o
que é escolhido quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores (LE GOFF, 1992, p. 535).
Acreditamos que objetos, informações e discursos estão impregnados pelo
contexto daqueles que os produzem e que os homens são os mediadores entre os
objetos e a sociedade. Dessa forma, a língua, a história, a biografia e intenções do
homem interferem diretamente na produção da informação contida no objeto-
documento e de um mesmo documento é possível fazer vários tipos de leitura e de
interpretações (RENDÓN ROJAS, 1999).
Depreende-se dessa assertiva que o objeto é algo externo ao homem, que
possui materialidade e que afeta, de alguma forma, os sentidos. Mais do que isso, o
objeto pode revelar e comunicar. Mas, é necessário que o homem, mediador entre o
objeto e a sociedade, se faça presente, como também é presença marcante na
escolha de objetos que formam as coleções de museus.
No âmbito dessa questão, cabe ainda examinar, mesmo que superficialmente,
o conceito de artefato para finalmente investigar o objeto etnográfico, tema central
da pesquisa. Assim, o artefato é “uma forma individual de cultura material ou produto
deliberado da mão-de-obra humana” (HOUAISS, 2001); é considerado por Ferreira
(2004) como “qualquer objeto manufaturado”, isto é, produzido à mão.
Em debate mais especializado sobre o tema, o artefato é caracterizado como
um instrumento não acabado (LEROI-GOURHAN, 1985 apud CHIAROTTI, 2005) e
que é inscrito dentro dos usos e utilizações, tendo sentido, apenas, se for usado em
alguma atividade. É definido por uma ação ou uso, que lhe é destinado (CHIAROTTI,
2005).
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O objeto etnográfico, conceito que detalharemos na Subseção 2.4, num
sentido amplo e geral, é produzido também pelo homem, em um contexto específico,
e refere-se a uma sociedade humana particular (SAVARY, 1988/1989). Estudar esse
tipo de objeto é apontar para um caminho de inúmeras possibilidades metodológicas
e diferentes olhares.
É importante ressaltar que, embora o objeto etnográfico esteja, desde sua
origem, vinculado principalmente à Etnologia, à Antropologia e à Museologia, seu
estudo não se circunscreve a essas disciplinas. Assim, da mesma forma que é
possível adentrar pelas vias destas três disciplinas e, através de vestígios materiais,
pesquisar sociedades pretéritas ou mesmo presentes, revelando técnicas, costumes
e a própria visão de mundo dessas sociedades, é exeqüível também se embrenhar
nos pressupostos de ciências tais como a História e a Sociologia, entre outras, e
traçar um panorama das características, funções e diversos tipos de informação que
estes objetos detêm.
É ainda factível aprofundar a pesquisa sobre este tipo objeto buscando
fundamentos na História da Arte, uma vez que cabe a discussão se os objetos
etnográficos, elaborados inicialmente com uma função específica, em outro contexto
podem ser considerados como objetos de arte, embora eles continuem não sendo apreciados e considerados em sua justa medida pela grande maioria dos brasileiros, apesar das evidências ressaltarem que as primeiras obras de arte de nosso território originaram-se nas sociedades indígenas (VELTHEM, 2000, p. 59).
Discute-se ainda o caráter simbólico desse tipo de objeto e também podemos
desenvolver a questão de este objeto pertencer a uma coleção tombada, fazendo
parte, portanto, de um patrimônio cultural brasileiro. Dessa maneira, os artefatos de procedência indígena inserem-se no patrimônio histórico e artístico nacional e, mais precisamente, em um grupo de valor cultural específico que é o patrimônio arqueológico, etnográfico e paisagístico (VELTHEM, 2004, p. 72).
Na realidade, as possibilidades de pesquisa para o objeto etnográfico são
variadas e nos apontam para o campo interdisciplinar, em sua grande maioria, no
qual várias disciplinas interagem visando à melhor compreensão de um objeto de
natureza complexa.
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As disciplinas citadas, de uma forma ou de outra, levantam pontos
importantes para o melhor conhecimento do objeto etnográfico. Contudo, embora
reconheçamos a importância de cada um deles, necessário se faz deixar claro,
desde a introdução, o caminho que percorremos. O eixo condutor da presente
pesquisa foi a Ciência da Informação, na qual buscamos aporte teórico básico, o que
legitima sua inserção numa linha de pesquisa de Mestrado nessa área de
conhecimento, não esquecendo, entretanto, que, devido ao caráter interdisciplinar
do objeto a ser pesquisado, visões, conceitos ou pressupostos de outras disciplinas
incidiram sobre o tema abordado.
Nessa conjuntura, o objetivo desta pesquisa é conceber o ciclo informacional
a partir do objeto etnográfico, buscando seu percurso interdisciplinar no Museu
Paraense Emílio Goeldi, situado em Belém do Pará. No acervo do Museu, há objetos
produzidos por sociedades indígenas, por comunidades rurais, por pescadores da
Amazônia e objetos oriundos de sociedades da África Central e do Suriname.
Entretanto, o foco desta dissertação recai, apenas, sobre os objetos provenientes
dos povos indígenas.
A pesquisa encontra-se dividida em seis Seções, em que a inicial introduz o
tema. No segundo momento, as bases teóricas que fundamentam o estudo são
apresentadas, e os conceitos fundamentais relacionados à atividade de
documentação de acervos, tais como documento e informação, são discutidos, na
medida em que é de interesse para esta pesquisa a visão do objeto etnográfico
como documento e portador de informação. Aprofundamos ainda o conceito de
objeto etnográfico, como também apresentamos uma síntese histórica sobre o ato
de colecionar. Ainda nessa Seção, os pressupostos sugeridos por King e Bryant e
por Lancaster sobre ciclo de comunicação e informação são expostos. Nas duas
Seções seguintes, são apresentados os objetivos, a metodologia e o lócus da
pesquisa.
Para compreender a organização da coleção etnográfica do Museu Paraense
Emílio Goeldi, fizemos um recorte temporal e selecionamos três períodos
importantes para sua história, apresentados na quinta Seção: o primeiro, entre 1920
e 1921, quando a coleção etnográfica tem sua primeira sistematização elaborada
pelo etnólogo alemão Curt Nimuendajú; um outro momento, na década de 1950,
quando o etnólogo Eduardo Galvão separa os objetos etnográficos dos
arqueológicos e implanta, para a coleção, a classificação por áreas culturais
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indígenas. Em relação ao terceiro e atual período, pesquisamos a organização dada
à coleção etnográfica pela museóloga e etnóloga Lucia Hussak van Velthem, a partir
da década de 1980, quando assumiu a curadoria da coleção etnográfica.
Enfatizamos, nesse período, os procedimentos de organização da coleção no
momento da transferência da reserva técnica do Parque Zoobotânico para a nova
reserva do Campus de Pesquisa do Museu Paraense Emílio Goeldi, ocorrida em
2003.
As considerações finais estão na Seção intitulada Informação e objeto
etnográfico: percurso interdisciplinar no Museu Paraense Emílio Goeldi, na qual é
apresentado um quadro-matriz, utilizado como passo fundamental para a elaboração
do ciclo informacional do objeto etnográfico no Museu Goeldi, objetivo geral desta
pesquisa.
2 BASES TEÓRICAS PARA VISÃO INTERDISCIPLINAR DE DOCUMENTO E
INFORMAÇÃO
Nesta Seção, explicitamos alguns conceitos fundamentais para a pesquisa,
tais como interdisciplinaridade e termos correlatos, além das noções de documento e
informação. Discutimos, ainda, a concepção e a natureza dos objetos fabricados
pelo homem, mais especificamente aqueles ditos etnográficos. Abordamos também
o ciclo de transferência da informação por documentos e o ciclo de transferência da
informação por documentos publicados, elaborados por King e Bryant e por
Lancaster, respectivamente.
2.1 Abordagem interdisciplinar
Interdisciplinaridade é um conceito que vem sendo discutido há algum tempo
e ainda continua na ordem do dia. Num mundo globalizado – em que fragmentos de
informação aqui necessitam de outros fragmentos acolá para se completar e se
aproximar da totalidade – a idéia da interdisciplinaridade ganha cada vez mais
interesse.
Refletir sobre a origem e as necessidades geradoras desse fenômeno é de
fundamental importância para as Ciências Humanas, uma vez que outros caminhos,
a partir dessa discussão, abrem-se para a compreensão do homem, no processo
natural, a ele inerente, de dar significado ao mundo que o circunda.
Embora atual e “bastante na moda” (JAPIASSU, 2006, p. 25), o fenômeno da
interdisciplinaridade não se apresenta como exclusivo do mundo contemporâneo.
Para entendê-lo melhor, faz-se necessário retroceder historicamente, percorrer seus
bastidores e acompanhar a cadeia da cosmovisão humana desde os mais remotos
tempos até os nossos dias.
Nessa direção, na história do pensamento humano sempre existiu a idéia do
saber unitário, ou seja, do conhecimento total. Para o homem pré-histórico, existia o
mito; para os gregos, a noção de cosmo, bem como na Idade Média aceitava-se o
Deus criador e protetor do cosmo. Os mitos, ritos, cosmo e Deus representavam a
unidade do saber. Para essas sociedades, o conhecimento só fazia sentido se
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remetesse ao todo e assim era exercido no âmbito da totalidade (JAPIASSU, 1976).
O conceito de saber unitário prevaleceu até o Renascimento, quando o homem, o mundo e Deus se unem numa aliança íntima na unidade de um sistema de mitos e de ritos, de representações e de valores que garante o equilíbrio do espaço mental e promete que o curso da história individual e coletiva chegará a bom termo (GUSDORF, 1976, p. 18).
Entretanto, a formação do saber configurado como unitário é rompida com o
surgimento das especialidades, no século XIX, oriundas da produção acelerada do
conhecimento e do aparecimento de novas tecnologias, solidificadas na segunda
metade do século XX (JAPIASSU, 2006).
Esse período ficou marcado pela atenção que os chamados “especialistas”
começaram a dar, separadamente, aos diversos setores da ciência. Pela primeira
vez, uma pessoa seria consultada sobre determinada área do conhecimento
específico. Assim nasceram os primeiros experts da História, aqueles a quem
Gusdorf (1976, p. 8), chama de “homens do provisório”, aos quais é confiada a
responsabilidade de assegurar uma precária sobrevivência à humanidade.
Ainda sob essa perspectiva, Japiassu, fazendo um paralelo entre
especialistas e generalistas, afirma que o especialista se reduz ao indivíduo que, à custa de saber cada vez mais sobre cada vez menos, termina por saber tudo (ou quase tudo) sobre o nada, em reação ao generalista que sabe quase nada sobre tudo. [...] cada especialista ocupou, como proprietário privado, seu minifúndio de saber onde passou a exercer, ciumenta e autoritariamente, seu mini-poder (JAPIASSU, 2006, p. 28-29).
Dentro dessa idéia, Pombo citando Durand ressalta que grandes
acontecimentos e transformações científicas produzidas no final do século XIX não
se realizaram pelas mãos dos ditos especialistas, mas, opostamente, foi através
daqueles que possuíam uma formação generalista e universal do saber. Nas
palavras de Durand, os sábios criadores do fim do século XIX e dos dez primeiros anos do século XX, esse período áureo da criação científica em que se perfilam nomes como os de [...] Pasteur, Max Planck, Niels Bohr, Einstein, etc., tiveram todos uma larga formação pluridisciplinar, herdeira do velho trivium (as “humanidades”) e quadrivium (os conhecimentos quantificáveis e, portanto, também a matemática) medievais [...] (DURAND, 1991, p. 36 apud POMBO, 2003, p. 7)
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Nesse cenário, surge o fenômeno interdisciplinar – em protesto,
principalmente, contra um saber fragmentado e crescente em especialidades – e tem
dupla origem: “uma interna, tendo por característica essencial o remanejamento
geral do sistema das ciências, que acompanha o seu progresso e sua organização;
e a outra externa, caracterizando-se pela mobilização cada vez mais extensa dos
saberes convergindo em vista da ação” (JAPIASSU, 1976, p. 42-43).
Assim, esse fenômeno caracteriza uma reação à total fragmentação do saber
causado pelas especializações e, naturalmente, como na maioria dos movimentos
históricos, literários ou das artes, tenta um retorno ao passado na busca, específica
nesse caso, de um saber unificado.
De um ponto de vista mais amplo, teórico e epistemológico da questão,
podemos dizer que a interdisciplinaridade surgiu para responder a algumas questões
no âmbito das Ciências Humanas, como “descobrir as leis estruturais de sua
constituição e de seu funcionamento, isto é, seu denominador comum” (JAPIASSU,
1976, p. 54). Emergiu também “de uma demanda ligada ao desenvolvimento da
Ciência, referente à necessidade de criar um fundamento ao surgimento de novas
disciplinas” (JAPIASSU, 1976, p. 53).
Na realidade, há metodologia e pedagogia sustentando toda pesquisa
interdisciplinar. Em outras palavras, Japiassu reconhece como empreendimento
interdisciplinar aquele que conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados (JAPIASSU, 1976, p. 75).
No Brasil, o tema interdisciplinaridade começou a ser discutido a partir dos
estudos do já citado Japiassu, epistemólogo e filósofo, doutor em Filosofia pela
Universidade de Grenoble/França e seguido, posteriormente, por outros autores
como Ivani Fazenda, doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo.
Esses pesquisadores aprofundaram o tema e se tornaram respeitadas autoridades
sobre o assunto no país.
Fazenda, em seu livro Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa, dá
uma visão diacrônica sobre o processo evolutivo do tema e sistematiza-o da
seguinte forma:
20
na década de [19]70 se buscou sua explicação filosófica (um conceito); na de [19]80, uma diretriz sociológica (a construção de um método); e, na de [19]90, um projeto antropológico (uma teoria do interdisciplinar) (FAZENDA, 1994 apud JAPIASSU, 2006, p. 28).
Japiassu completa esse quadro mostrando que na atualidade, com o
desenvolvimento do pensamento complexo, valoriza-se mais a transdisciplinaridade
capaz de estabelecer um fecundo diálogo entre as Ciências Naturais, as Ciências
Humanas e a Filosofia.
Como vemos, a origem e as necessidades geradoras do fenômeno
interdisciplinar remontam à filosofia das Ciências Humanas e à sua epistemologia,
mais particularmente a “uma exigência interna dessas ciências, como uma
necessidade para uma melhor inteligência da realidade que elas nos fazem
conhecer” (JAPIASSU, 1976, p. 29).
Nessa reflexão, Pombo (2005), em seu texto Interdisciplinaridade e integração
dos saberes, contribui para a compreensão do tema, discorrendo sobre a morfologia
do que ela denominou “família de palavras” e conclui que, por trás desta
familiaridade, há alguma coisa de estranho no conjunto dos vocábulos
pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplina-
ridade:
as suas fronteiras não estão estabelecidas, nem para aqueles que as usam, nem para aqueles que as estudam, nem para aqueles que as procuram definir. Há qualquer coisa estranha nessa família de palavras. Umas vezes são usadas umas, outras vezes outras. Há pessoas que gostam mais de uma e a usam em todas as circunstâncias; outras, mais de outras. Como se fosse uma questão de gostar ou não gostar (POMBO, 2005, p. 5).
A autora afirma não ter um conceito preciso e exaustivo para essas palavras,
mas sugere uma proposta provisória de definição. Seu pensamento passa pelo
reconhecimento, tal como em Pinheiro (2006) e em Rendón Rojas (2008), que o
termo disciplina está por trás dessas quatro palavras e acredita que há qualquer
coisa que atravessa esses vocábulos e, em todos os casos, seria uma tentativa de
romper com o caráter estático das disciplinas.
Sua proposta apresenta essa tentativa em diferentes níveis: o da
justaposição, no qual as disciplinas estão lado a lado, porém não interagem; num
segundo nível, há comunicação, perspectivas são discutidas e se estabelece entre
21
as disciplinas uma relação mais ou menos forte; e, em um terceiro nível, ultrapassam
as barreiras, fundem-se em outra coisa que as transcende (Quadro 1). Entre a
justaposição, a ultrapassagem e a fusão, “a interdisciplinaridade designaria o espaço
do intermédio, a posição intercalar” entre o simples paralelismo e a ultrapassagem
(POMBO, 2005, p. 6, grifos da autora).
QUADRO 1: Inter e transdisciplinaridade: interação
Disciplinas Interação
Pluridisciplinar / Multidisciplinar
Disciplinas estão lado a lado Justaposição; paralelismo
Não interagem
Interdisciplinar
Disciplinas comunicam-se e discutem perspectivas Há convergência de pontos de vista Complementaridade; cruzamento
Forte interação
Transdisciplinar
Ultrapassam barreiras e fundem-se Passagem para um estágio qualitativamente superior
Fusão unificadora
Fonte: Pombo (2005)
No entender de Pombo, mais importante que a nomenclatura das palavras é
notar que significativa nessa diversidade de palavras é a resistência à
especialização, e, nesse sentido, a interdisciplinaridade se apresenta como “o lugar
onde se pensa hoje a condição fragmentada das ciências e onde, simultaneamente,
se exprime a nossa nostalgia de um saber unificado” (POMBO, 2005, p. 7).
A pesquisadora portuguesa, sem o propósito de exaurir o assunto ou fornecer
respostas precisas, mas com a pretensão de dar elementos que permitam
compreender alguma coisa daquilo que se pensa sobre a interdisciplinaridade,
afirma que só há interdisciplinaridade se somos capazes de partilhar o nosso pequeno domínio do saber, se temos a coragem necessária para abandonar o conforto da nossa linguagem técnica e para nos aventurarmos num domínio que é de todos e de que ninguém é proprietário exclusivo. [...] como? desocultando o saber que lhe corresponde, explicitando-o, tornando-o discursivo, discutindo-o (POMBO, 2005, p. 13).
22
Pombo (2005) conclui seu pensamento mostrando que, para tentar fazer
interdisciplinaridade, é necessária a percepção de que a nossa liberdade só começa
quando começa a liberdade do outro, ao contrário da afirmação do conhecido dito
popular. No Quadro 2, a sistematização de suas idéias.
QUADRO 2: Inter e transdisciplinaridade: características básicas
Nomenclaturas Interdisciplina Transdisciplina
Ciência de fronteira Ciência que nasce na fronteira de duas disciplinas Ex: Bioquímica
Pensa a condição fragmentada da Ciência Resiste à especialização e reivindica um saber unificado Estabelece entre as disciplinas uma ação recíproca
Ultrapassa aquilo que é próprio da disciplina
Interdisciplinas Cruzamento de ciências puras e aplicadas Ex: Engenharia e Genética
Alarga o conceito de Ciência e reorganiza as estruturas de aprendizagem das Ciências (Universidades)
Interciências Ciências que se ligam de forma assimétrica, descentrada, irregular, numa espécie de patchwork combinatório que visa à constituição de uma nova configuração disciplinar Ex: Ciências cognitivas
É qualquer coisa que estamos fazendo quer queiramos ou não. É involuntária.
Fonte: Pombo (2005)
Japiassu discute, desde 1976, acerca dos termos denominados por Pombo de
“família de palavras”, e intitulados pelo brasileiro de “conceitos vizinhos da
interdisciplinaridade”. O autor entende que, eliminando as ambigüidades
terminológicas, é mais simples lidar com as palavras-chave envolvidas nesse
processo. Japiassu pensa em disciplina como sinônimo de ciência, sendo mais
empregada, no entanto, para designar o “ensino de uma ciência”, ao passo que o
termo ciência designa mais uma atividade de pesquisa. Assim, uma disciplina deve,
antes de tudo, estabelecer e definir suas fronteiras constituintes, fronteiras essas
23
que vão determinar seus objetos materiais e formais, seus métodos e sistemas, seus
conceitos e teorias (JAPIASSU, 2006). A disciplinaridade é definida pelo autor como a
[...] exploração científica especializada de determinado domínio homogêneo de estudo, isto é, o conjunto sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias nos planos de ensino, da formação, dos métodos, e das matérias: esta exploração consiste em fazer surgir novos conhecimentos que se substituem aos antigos (JAPIASSU, 1976, p. 72).
Sobre o mesmo tema, Pinheiro (2006, p. 1) pontua que esse debate também
traz à cena outras implicações, no campo da ciência, como a introdução de
conceitos correlatos à interdisciplinaridade, “como transdisciplinaridade, numa
cadeia conceitual que parte da disciplinaridade e se desdobra em sucessivas,
crescentes e complexas relações entre disciplinas”.
Rendón Rojas (2008), em sintonia com o pensamento dos autores citados,
afirma que a interdisciplinaridade não representa uma invenção ou um modismo, e
que surge devido à natureza complexa de um fenômeno. Para o autor mexicano,
esse fenômeno é necessário para a construção da estrutura teórica (construtos,
enunciados e teorias) de uma disciplina. Nessa perspectiva, o autor constata que a
interdisciplinaridade não é simplesmente a transferência de um modelo científico de
uma disciplina para outra, nem o ocultamento da falta de identidade de uma
disciplina, mas ao contrário, se faz mister a identidade disciplinar para que haja o
fenômeno.
E é a clareza do “domínio homogêneo de estudo” e do “conjunto sistemático e
organizado de conhecimento com características próprias”, citados por Japiassu
(1976, p. 72), que Rendón Rojas (2008) chamou de identidade disciplinar que será
condição sine qua non para que haja interdisciplinaridade. O que é, então, o
interdisciplinar? Corresponde a uma nova etapa do desenvolvimento do
conhecimento científico e de sua divisão epistemológica:
[...] é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si, esta interação podendo ir da simples comunicação das idéias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa [...] (JAPIASSU; MARCONDES, 2006, p. 150).
24
Numa distinção entre os conceitos de inter e transdisciplinaridade, Japiassu
enfatiza que “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre
os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um
projeto específico de pesquisa” (JAPIASSU, 1976, p. 74), enquanto a transdisci-
plinaridade equivale a uma etapa superior que não se contentaria em atingir interações ou reciprocidade entre pesquisas especializadas, mas que situaria essas ligações no interior de um sistema total, sem fronteiras estabelecidas entre as disciplinas (PIAGET, 1970 apud JAPIASSU, 1976, p. 75).
É, na verdade, um sonho ainda não realizado. A transdisciplinaridade é um
“programa ou projeto apenas pensado” para definir não apenas estatutos das
disciplinas complementares ou convergentes, como também para comandar o
percurso metodológico capaz de dar conta da unidade das abordagens, das leis e
conclusões enunciadas, para que o paradigma da disjunção, da fragmentação, do
esquartejamento das disciplinas seja, enfim, ultrapassado pelo paradigma da
convergência e complementaridade (JAPIASSU, 2006, grifos do autor).
Seguindo essa linha conceitual, o autor brasileiro afirma que a transdis-
ciplinaridade é um paradigma mais atento à legitimação epistemológica dos conhecimentos permitindo produzir, ensinar e praticar. Define-se pela concepção de representações ricas dos contextos considerados sobre os quais podemos raciocinar de modo ao mesmo tempo engenhoso e comunicável com o objetivo de elaborar propostas para a ação, procurando lançar mão do principal instrumento de que dispõe o espírito para representar e raciocinar: a conjunção, a capacidade de religar, contextualizar e globalizar (JAPIASSU, 2006, p. 40).
Após 30 anos de estudos, Japiassu afirma que o grande entusiasmo que
havia com relação à interdisciplinaridade esmoreceu um pouco e aponta a transdisciplinaridade como forma de continuar tentando compreender o mundo
presente, buscando a unificação dos conhecimentos. Neste contexto, o Primeiro
Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em Portugal, em 1994, firmou
alguns princípios norteadores dessa filosofia e consolidou, em seu artigo 3º, a
transdisciplinaridade como
25
complementar à abordagem disciplinar; [fazendo] emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e nos fornece uma nova visão da natureza e da realidade. Não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas àquilo que as atravessa e ultrapassa (MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINA-RIDADE, 1994 apud JAPIASSU, 2006, p. 82).
Seria, conclui o autor brasileiro, “uma abordagem não apenas científica, mas
também cultural, espiritual e social e que se refere ao que está entre as disciplinas,
através das disciplinas e além de toda a disciplina” (JAPIASSU, 2006, p. 15).
Tomando-se o objeto etnográfico como foco de interesse das Ciências
Humanas ou Sociais, em que para a sua melhor compreensão dialogam várias
disciplinas, é possível justificar o seu estudo numa abordagem interdisciplinar, no
sentido de tentar que esses diferentes saberes, com seus instrumentos, métodos e
corpo teórico contribuam para o entendimento do ciclo de informação que esse
objeto pode gerar em ambiente de museu.
O diferencial que se pretende dar nesta dissertação é um olhar maior da
Ciência da Informação, enfoque perfeitamente possível, se considerarmos que, para
diversos autores, o objeto pode ser, em alguns casos, “vetor de comunicação”
(MOLES; BAUDRILLARD,1972 apud LIMA, 1997, p. 206) e, como tal, “exerce poder
de comunicação, atuando ao modo de um condutor, sendo definido como veículo de
mensagens que são trocadas entre o meio social e os indivíduos” (LIMA, 1997,
p. 206). Se esse objeto comunica e transmite informação, é de interesse para a
Ciência da Informação. Essa idéia é compartilhada por Belkin e Robertson (1976),
estudiosos da Ciência da Informação, contudo, esses autores limitam o estudo da
informação ao contexto específico da Comunicação Humana, ou seja, a
transferência da informação desejada se daria do humano para o humano
(transmissor humano e receptor humano).
O objeto etnográfico, entendido como pertencente a uma sociedade particular
e produzido em contexto próprio (SAVARY, 1988/1989), está fadado a ser estudado
principalmente pela Antropologia, cujos fins primeiros englobam, entre outros
assuntos, o desenvolvimento material e cultural do homem. No corpo teórico dessa
disciplina, o objeto etnográfico interessa de perto à Antropologia Social ou Cultural,
na medida em que esta procura uma
26
explicação histórica da forma e distribuição dos costumes humanos, artefactos, instituições actualmente existentes ou recentemente descritas [...] [e] explicações funcional e psicológica da inter-dependência dos conjuntos de costumes, artefactos e instituições directamente observados. Explicações teóricas dos processos de mudança e do desenvolvimento social actualmente observados. Estudo comparado dos sistemas econômicos e jurídicos contemporâneos. Estudo dos mitos, rituais e ideologias religiosas. (EINAUDI, 1985, p. 38).
Nessa direção, a Antropologia, ciência do homem, engloba um “conjunto de
disciplinas subsidiárias vagamente relacionadas, com interesses afins e ligações
entre si” (EINAUDI, 1985, p. 39), abrangendo tanto temas presentes quanto
pretéritos, “servindo-se assim de dados e conceitos próprios de diversas outras
ciências como a arqueologia, etnologia, etnografia, lingüística, sociologia, economia,
etc.” (HOUAISS, 2001), mostrando-se um fértil campo interdisciplinar.
O objeto etnográfico interessa também diretamente à História, visto que, a
essa, dois tipos de materiais de memória são aplicados: os documentos e os
monumentos. Esses são considerados herança do passado, enquanto aqueles, uma
escolha do historiador. O monumento caracteriza-se por ligar-se ao poder de
perpetuação das sociedades históricas, apresentando-se como um sinal do passado
(LE GOFF, 1992). Monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os atos escritos, enquanto os documentos afirmam-se essencialmente como um testemunho escrito (LE GOFF, 1992, p. 535-536).
Dessa forma, quando a acepção de documento referia-se apenas a texto
escrito, como base do fundamento histórico, Fustel de Coulanges, ciente do limite
dessa definição, pronuncia, em uma Lição na Universidade de Estrasburgo, o
seguinte discurso: onde faltam os monumentos escritos, deve a História demandar às línguas mortas os seus segredos [...] Deve escrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação [...] Onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a História (FUSTEL DE COULANGES, 1862 apud LE GOFF, 1992, p. 539).
Entretanto, vale alertar: “no estudo desse tipo de objeto [etnográfico] é
necessário ter cautela para que não haja uma hiperhistorização da coleta e do
coletor, em detrimento da própria história dos produtores” (VELTHEM, 2004, p. 73).
27
Essa valorização da história, do pensamento e da voz das sociedades produtoras
dos objetos etnográficos é uma discussão recorrente entre alguns antropólogos e
indica possibilidades diferentes na forma de documentar e de montar exposições em
museus que abrigam coleções etnográficas.
Por exemplo, a recente exposição (2008), denominada Basá Busá:
ornamentos de dança, realizada pelo IPHAN (MinC), conjuntamente com a
Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN) e com o Instituto
Socioambiental (ISA), dá voz à sociedade produtora dos ornamentos de dança em
exposição, por meio de um texto de Luis Aguiar, um representante dos povos
indígenas do Alto Rio Negro, no folder de apresentação, em que há também um
texto da etnóloga Lucia Hussak van Velthem, apresentando os mesmos objetos. Para os índios os adornos representam riqueza, vida, alegria [...] [...] sem eles é como se não existisse mais vida sobre a terra. Isso foi o que sentiram nossos antepassados quando tiveram que entregar seus adornos aos missionários [...] [...] os Tukano reunidos no Distrito de Iauareté construíram uma maloca com a finalidade de receber de volta os adornos e manter a cultura viva (AGUIAR, 2008).
Paralelamente, Velthem informa que “os ornamentos de dança estão no cerne
da vida indígena [...] e [...] seus contornos refletem uma maneira particular, própria e
mais ampla de estabelecer relações sociais e cosmológicas [...]” (VELTHEM, 2008).
São dois discursos complementares que só enriquecem o estudo dos povos
indígenas e de sua cultura material.
Em montagem conjunta com os índios produtores dos objetos, um exemplo
relatado por Velthem revelou uma nova e diferente visão sobre a forma de arrumar
os objetos ao se montar uma exposição. A etnóloga, na montagem da exposição
Basá Busá: ornamentos de dança, narrou que os índios acreditam que são
necessárias duas peças iguais juntas, pois, segundo eles, um objeto não pode ficar
sozinho na vitrine. É necessário um par de objetos para que dialoguem entre si.
Além disso, uma terceira peça igual deve ser produzida para ficar de reserva, caso
aconteça algo com uma das outras duas peças em exposição (VELTHEM, 2008.
Entrevista). É a cultura, a crença e o olhar da própria sociedade produtora abrindo
novos caminhos para o estudo do objeto etnográfico.
Considerando ainda que o objeto etnográfico, para ter tal status, precisa ser
conservado e guardado num museu etnográfico (SAVARY, 1988/1989), a
28
Museologia também foca seus estudos sobre esse objeto, já que, desde sua
gênese, os museus foram seu grande receptáculo.
Nessa perspectiva, o objeto etnográfico já nasceu no berço da
interdisciplinaridade, pois, para que não seja compreendido de uma forma
fragmentada, caracteriza-se pelo intercâmbio entre disciplinas afins e busca a
interação entre elas, esta interação podendo ir da simples comunicação das idéias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa (JAPIASSU; MARCONDES, 2006, p. 150).
Importa, então, apresentar as definições de documento e informação,
direcionadas, todavia, à Documentação e à Informação museológica, para que, a
partir desses conceitos, se possa compreender melhor o objeto etnográfico como
fonte de informação.
2.2 Documento: conceitos e contextos
Os dois dicionários mais conhecidos da Língua Portuguesa apontam o termo
documento, em acepções convergentes, para qualquer anotação que se possa
consultar, a fim de esclarecer, provar ou comprovar algum fato ou acontecimento.
Segundo Houaiss (2001), documento é “qualquer escrito usado para esclarecer
determinada coisa; atestado escrito que sirva de prova ou testemunho; qualquer
registro escrito”. Compartilhando do mesmo pensamento, Ferreira (2004) afirma que
o vocábulo significa “qualquer base de conhecimento, fixada materialmente e
disposta de maneira que se possa utilizar para consulta, estudo ou prova”.
Os autores supracitados preservam, em suas definições, a gênese
etimológica do termo documento, mas, principalmente, destacam como
característica a materialidade, ou seja, o registro escrito.
Num dicionário especializado, a etimologia do vocábulo documento significa
“título ou diploma que serve de prova; declaração escrita para servir de prova”
(CUNHA, 2007). O termo é oriundo do latim documentium, de docere, que remete a
ensinar, mostrar, informar. Segundo Le Goff (1992), o significado do termo evoluiu
de ‘ensinar’ para ‘provar’ e é usado freqüentemente no vocabulário judiciário,
29
todavia, apenas no século XIX, o sentido de ‘testemunho’ é utilizado. No final
daquele século e início do século XX, o termo documento afirma-se essencialmente
como ‘testemunho escrito’ e será o fundamento do fato histórico, numa visão
positivista da História.
Na contramão desse pensamento, Fustel de Coulanges demonstra visão mais
ampla do que se aceita como documento até então, quando afirma que a História
precisa buscar fundamentos não apenas no que está registrado, mas também em
fábulas, sonhos e em qualquer marca da vida e da inteligência humana (FUSTEL DE
COULANGES, 1862 apud LE GOFF, 1992). O autor revelou-se um homem além do
seu tempo, pois, à sua época, vigia a idéia positivista que os documentos válidos
como fundamentos para a História eram apenas os oficiais e escritos. “Não há
história sem documentos”, afirma Saraman, entretanto, “há que se tomar a palavra
documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo
som, a imagem, ou de qualquer outra maneira” (SARAMAN,1961 apud LE GOFF,
1992, p. 540).
Com o advento da História Nova, cujas bases se encontram no lançamento
da revista Annales d’ histoire économique et sociale, em 1929, houve uma
subversão de alguns princípios norteadores não só no domínio da História, como
também no âmbito das outras Ciências Humanas ou Sociais. Esse movimento
nasceu em reação à História Positivista e pregava uma História calcada “para além
de barreiras apenas disciplinares” (LE GOFF, 1990, p. 29). No que se refere à
Documentação, a História Nova ampliou o significado de documento histórico, na
medida em que
substituiu uma História fundada essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma História baseada numa multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc. (LE GOFF, 1990, p. 28).
Essa visão mais ampla sobre documento, consoante com a de Fustel de
Coulanges, é compartilhada por Paul Otlet, estudioso belga que definiu documento
em bases mais abrangentes e adotou o termo livro para englobar todas as espécies
de documento. Diz Otlet:
30
[Documento] compreende não somente o livro, manuscrito ou impresso, mas revistas, jornais e reproduções gráficas de todas as espécies, desenhos, gravuras, cartas, esquemas, diagramas, fotografias, etc. A documentação, no sentido amplo do termo compreende: livros, elementos que servem para indicar ou reproduzir um pensamento, considerado sob qualquer forma (OTLET, 1934, p. 9).
Em outro trecho de sua obra, o autor belga afirma que “[Documento] em seu
conjunto, constitui a memória materializada da humanidade. [...] e é o receptáculo e
o veículo de transmissão de idéia” (OTLET, 1934, p. 43). Para o autor,
paralelamente aos documentos impressos ou escritos “há uma montanha de
documentos de toda espécie que não foram publicados ou não são destinados a sê-
lo”. A partir da afirmação anterior, fica claro que para “o homem que queria
classificar o mundo” – expressão utilizada para designar Paul Otlet e que também
nomeou o filme sobre a vida dele – os objetos de uma maneira geral são
considerados documentos. O autor admite, de acordo com esse estudo, a
possibilidade de que haja documentos de outra ordem, que não sejam apenas os
escritos e também plantados sobre outro suporte que não o papel.
Seguindo essa mesma linha, Briet (1951, p. 7), estudiosa francesa, afirma que
documento é “todo indício (sinal) concreto ou simbólico, conservado ou registrado
com a finalidade de representar, de reconstituir ou provar um fenômeno físico ou
intelectual”. Embora a autora conserve o sentido primeiro de prova ou ensino do
vocábulo documento, cabe ressaltar que ela imputou ao termo uma abrangência
maior, na qual se incluem também os objetos de museu. Na realidade, Fustel de
Coulanges, Otlet e Briet ultrapassam a idéia, antiga e restrita, que sempre vinculou o
vocábulo documento a algo escrito, afirmando, implícita ou explicitamente, que os
objetos de museu podem ser entendidos como documentos. Em suas reflexões,
pergunta-se Briet: uma estrela é um documento? Um seixo levado pela correnteza? Um animal vivo é um documento? Não. Mas são documentos as fotografias e os catálogos de uma estrela, as pedras de um museu de mineralogia, os animais catalogados e expostos em um zoológico (BRIET, 1951, p. 7).
Nesse caminho, Rendón Rojas (1999, p. 34) considera o documento como a
objetivação do pensamento e sustenta que ele pode se apresentar impresso,
digitalizado ou em qualquer outro suporte. Segundo esse autor, “o documento é o
31
suporte que contém a informação” e, partindo do pressuposto que tudo pode se
tornar documento, como estrelas, plantas, átomos, cestos, entre outros, distingue
três níveis nos objetos: o primeiro diz respeito ao objeto por si mesmo; o segundo
refere-se aos especialistas responsáveis por informações específicas de suas áreas
de atuação; e o terceiro destina-se ao profissional que se ocupa das informações.
Se tomarmos como exemplo uma indumentária de penas oriunda do Alto Rio
Negro, pertencente ao Museu Goeldi, no primeiro estágio, diríamos que é um objeto
usado para enfeitar a cabeça; no segundo nível, seria objeto de estudo para
especialistas de uma área específica. Seguindo o exemplo, o índio que produz e
utiliza esse objeto assim se manifesta: “os adornos indígenas [...] foram criados pelo
Deus Trovão [...] [...] e representam riqueza, vida, alegria [...]” (AGUIAR, 2008); um
antropólogo, estudioso do tema, informa que “esse ornamento é confeccionado e
utilizado pelos homens casados e por jovens solteiros em cerimônias e danças
rituais” (VELTHEM, 2008) ou descreve uma cena em que os objetos são usados:
“[...] na cabeça amarrou-se uma larga faixa de penas amarelas e vermelhas de
araracanga, embainhadas de penugens brancas do urubutinga” [...] (KOCH-
GRÜNBERG, 19051 apud VELTHEM, 2008). São informações adquiridas pela
vivência, no caso do índio, e por meio de pesquisas e observações, no caso dos
especialistas no assunto.
O terceiro nível se dá quando esse objeto, depois de ter sido estudado e suas
informações fornecidas pelo profissional da área específica – no nosso exemplo,
dois etnologistas e um índio – é transmitido a um especialista da informação
documental, para que, apenas a partir de então, esse documento seja por ele
trabalhado.
Um documento só é considerado documento no campo informacional (da
Ciência da Informação) quando é manuseado, analisado e inserido em certas
estruturas pelo profissional dessa área. Em outras palavras, para Rendón Rojas, a
existência do documento deve-se não apenas ao autor que visa à informação ideal,
mas também ao profissional da informação que, numa etapa posterior, trabalha com
a informação objetiva para colocá-la num sistema de informação documental
(RENDÓN ROJAS, 1999).
1 Livro traduzido pelo Padre Casemiro em 1995.
32
Para o autor mexicano, um documento serve de instrumento de
autoconhecimento do homem e de seu desenvolvimento (RENDÓN ROJAS, 1999),
convergindo para o que é sustentado por outras ciências, cujos autores afirmam que
o objeto etnográfico constitui-se em “objeto documento” ou “objeto testemunho”,
quando inserido num ambiente de museu. Esses objetos constituem testemunhos de
uma vivência cultural (SAVARY, 1988/1989). O objeto é testemunho porque há uma
relação de continuidade com as culturas de origem, conseqüentemente, diz algo
dessas culturas e assim o objeto etnográfico é, por sua existência e natureza, ao
mesmo tempo detentor de um conhecimento e porta de entrada para o contexto de
origem (VELTHEM, 2005).
A evolução, na linha do tempo, do conceito de documento para um sentido
mais abrangente permite compreender, de maneira clara, que o objeto etnográfico,
espécie de objeto museológico, seja examinado como documento e portador de
informação. Consideramos objeto museológico como “um produto da cultura
material” (SOARES, 1998, p. 1) – nesta pesquisa, mais particularmente da cultura
material indígena – e “que foi separado de sua realidade e transferido para outra, em
que passa a exercer a função de documento de sua realidade original” (STRANSK
apud LOUREIRO, 2000, pág. 109). Os objetos museológicos também podem ser
caracterizados como
[...] portadores de informações intrínsecas e extrínsecas que nos falam de que são feitos, para que foram feitos, quem os fez, quando e onde, como foram usados, que significado tinham, quem os usou, a quem pertenceram (FERREZ, 2004, p. 229).
Considerando, portanto, o objeto museológico e, conseqüentemente, o objeto
etnográfico como documento e, assim sendo, portador de informações, entendemos
que essas informações precisam ser organizadas para que, de alguma forma,
possam contribuir para a necessidade maior do homem de dar à vida e ao universo
um sentido. Olhando para o objeto etnográfico por esse prisma, na Subseção
seguinte enfocamos informação, procurando na literatura especializada alguns
conceitos desse vocábulo, na tentativa de deixar claro, nesta pesquisa, em que
sentido é utilizado esse termo polissêmico.
33
2.3 Informação e informação museológica
Na literatura da Ciência da Informação, encontramos algumas acepções do
termo informação. Entretanto, nesta pesquisa, priorizamos aquelas voltadas para a
modificação de estruturas mentais e processos cognitivos, relacionadas ao universo
humano e que tragam, em sua essência, o sentido de ordem e organização,
considerando sua aplicação na área museológica.
O vocábulo informação, oriundo do latim informare, formatio ou forma, é um
termo que apresenta múltiplos sentidos e que por ser objeto de estudo da Ciência da Informação permeia os conceitos e definições da área. E, embora informação não possa ser definida nem medida, o fenômeno mais amplo que este campo do conhecimento pode tratar é a geração, transferência ou comunicação e uso da informação, aspectos contidos na definição de Ciência da Informação (PINHEIRO, 2004, p. 2).
Na área da Museologia, as idéias de Pinheiro, citadas acima, encontram eco
no pensamento de estudiosos dedicados a esse tema que vêem na geração,
transferência e uso da informação, características indispensáveis para um bom
sistema de documentação museológica. Um desses autores afirma que os museus
são instituições estreitamente ligadas à informação de que são portadores os
objetos de suas coleções. E que estes objetos, quando vistos como veículos de
informação, têm na conservação e na documentação as bases para transformar-se em fontes para a pesquisa científica e para a comunicação que, por sua vez, geram e disseminam novas informações (FERREZ, 1994, p. 65).
A Informação em museus é um elo possível entre a Ciência da Informação e a
Museologia (LIMA, 2003) que, através da documentação museológica e da
disseminação da informação de seus acervos, estabelecem interlocução entre si. Os
parâmetros dessa relação vêm sendo estudados desde 1975 e ainda não foram
esgotados, como bem aponta Lima (2003), em sua tese, na qual traça um panorama
do percurso do diálogo entre as duas disciplinas através do pensamento de autores
da área da Ciência da Informação e em espaços que não são aqueles específicos
de profissionais de museus.
34
Em suas conclusões, a grande maioria dos autores converge para o
reconhecimento da relação entre as duas disciplinas (LIMA, 2003). Na realidade, é a
informação em museus que marca o diálogo entre as duas disciplinas, sobretudo e
em especial na informação, referente tanto às coleções armazenadas, como
expostas, representadas e/ou citadas em edições (LIMA; COSTA, 2007). Para esses
autores, a informação em museus circula e é transmitida em variados espaços e canais tais como: exposições [...]; bibliotecas, arquivos, centros de documentação/informação (serviços de informação em museus), como também outros meios como bases de dados de coleções [...]; edições sobre diversos suportes apresentadas sob formas textuais, imagéticas e sonoras (LIMA; COSTA, 2007, p. 3).
Na presente dissertação, o interesse se voltou à informação do objeto
etnográfico, mais particularmente na trajetória que essa informação pode percorrer
nas dependências do Museu Paraense Emílio Goeldi e, sob esta ótica, procuramos
na literatura da Ciência da Informação algumas definições de informação que
legitimem sua utilização nesta pesquisa, e que também sustentem a abordagem
interdisciplinar como a adequada para o caso em questão.
Na década de 1970, Belkin e Robertson, autores norte-americanos,
afirmavam que a Ciência da Informação ocupava-se apenas da informação no
contexto da Comunicação Humana e que a transferência da informação desejada
dar-se-ia entre o transmissor humano e o receptor humano. Nessa perspectiva, os
autores propõem uma análise do que eles denominaram de espectro da informação,
fundamentada na categoria estrutura e, como num certo sentido tudo tem estrutura,
a premissa sugerida teria aplicabilidade universal. Os referidos autores procuraram a
noção básica do vocábulo informação e concluíram que a idéia comum para a
maioria dos usos da informação seria a transformação de estruturas.
Em síntese, Belkin e Robertson (1976, p. 198-200) entendem como estrutura
“uma imagem que o organismo tem dele próprio e do mundo” e como informação
“aquilo que é capaz de transformar essa estrutura”.
Duas décadas depois, seguindo premissas de Heidegger, o mexicano Rendón
Rojas (1999) sustenta que o ser humano caracteriza-se pela permanente realização
do seu ser. Dessa forma, necessita de um projeto existencial e, para executá-lo, um
dos instrumentos de que lança mão é a cultura, conservada e transmitida em
documentos.
35
Fundamentado nas idéias de Heidegger, Rendón Rojas pontua que a Ciência
da Informação, entre outros objetivos, visa a colocar à disposição dos usuários os
acervos documentais, contribuindo assim para o autoconhecimento do ser e para
que este não perca sua própria essência.
Dentre as diferentes necessidades peculiares à natureza humana, das mais
simples às mais complexas, há aquelas de caráter fisiológico, afetivo, emocional,
etc. Entretanto, para efeito desta pesquisa, vão interessar aquelas que dizem
respeito mais de perto à Ciência da Informação, isto é, as necessidades de
informação documental, justificadas pelo fato de o homem ser um ser social (Tomás
de Aquino); um ser histórico (Heidegger); um ser político (Aristóteles); um ser
econômico (Marx); um ser simbólico (Cassirer); e um ser que dialoga (Habermas)
(apud RENDÓN ROJAS, 1999). Tais características condicionam o homem para que
ele busque a informação documental.
A informação, afirma Rendón Rojas (1999), é a entidade real que resulta da
síntese que o sujeito realiza ao estruturar os dados que recebe, estruturação esta
que se realiza a partir de ferramentas bio-psicogenéticas e necessita do esforço do
sujeito para que a informação se construa. Sem a atividade mental, não existe
informação, pois ela é do sujeito e para o sujeito.
O que há em comum nos pressupostos de Belkin e Robertson (1976) e de
Rendón Rojas (1999) é o encontro, via comunicação humana, do fenômeno da
informação. Os três teóricos concordam que, sem diálogo (um transmissor e um
receptor), não há informação e esta, ao ser repassada, acontece entre humanos.
A convergência de pensamento entre os mencionados autores engloba ainda
outros aspectos relevantes para clarificar a Ciência da Informação e seu objeto de
estudo. A Ciência da Informação, em seus pressupostos, tem como propósito
facilitar a comunicação da informação entre os seres humanos, como já foi dito,
colocando à sua disposição os acervos documentais e contribuindo, assim, para que
o homem se conheça melhor e não fique alheio ao mundo que o circunda. A
informação pressupõe atividade mental e modifica estruturas (BELKIN;
ROBERTSON, 1976, p. 198; RENDÓN ROJAS, 1999, p. 34).
Dessa maneira, as proposições teóricas desses estudiosos levam a crer que
informação, para firmar-se como tal, caminha lado a lado com o princípio da ordem,
da organização. Esse conceito de informação convergindo para o princípio da ordem
e capaz de mudar estruturas, apresentada pelos autores norte-americanos e pelo
36
mexicano, coaduna-se perfeitamente com as idéias de um pensador do leste
europeu da década de 1970: Jiri Zeman.
Na visão filosófica de Zeman (1970, p. 156), informação, em geral, significa
ordenar alguma coisa. Em outras palavras, este vocábulo pode ser entendido como
“a colocação de alguns elementos ou partes – sejam materiais ou não materiais –
em alguma forma, em algum sistema classificado [...]”.
O autor trabalha, inicialmente, com a fórmula termodinâmica da entropia, que
exprime a idéia de que o estado natural de tudo tende ao caos. Num contraponto a
essa reflexão, o pensador europeu desenvolveu o conceito de entropia negativa que,
contrariamente ao anterior, busca uma ordem, uma organização, uma evolução.
A informação, para esse autor, exprime a organização de um sistema que
pode ser descrito não só matematicamente, mas também filosoficamente, posto que
a informação não é só uma medida de organização, é também a organização em si,
ligada ao princípio da ordem. Nesse sentido, um objeto material determina suas qualidades relativas ao espaço, ao tempo e ao movimento, mas igualmente as qualidades de sua organização, sua qualidade que se manifesta como entropia negativa, como informação (ZEMAN, 1970, p. 157).
A noção de informação de Zeman baseia-se na discussão filosófica sobre as
concepções materialista e idealista, cujos princípios privilegiam a matéria ou o
pensamento. O autor acredita que o materialismo dialético de Marx conseguiu unir o
princípio material ao princípio ideal através da prática social. A informação não pode
ser reduzida apenas à sua matéria, assim como também não pode ser abordada
como princípio particular dela independente. Qualquer raciocínio nesse sentido
representaria apenas um lado da questão. Segundo Zeman, a realidade é mais rica
e complexa do que a consideram as correntes materialista e idealista, e o conceito
de informação, por conseguinte, também ultrapassa a forma como essas correntes o
compreendem (ZEMAN, 1970).
A informação ainda tem a característica de se imprimir no organismo e levar a
mudanças na sua organização, na sua estrutura, o que Zeman definiu como
aspectos gnoseológico e ontológico da informação, ou seja, a informação leva à
reflexão sobre a origem, natureza e limites do ato cognitivo, bem como sobre as
propriedades mais gerais do ser.
37
Em síntese, pelo que foi exposto referente ao conceito de informação, é
possível inferir que o pensamento americano e o europeu convergem em alguns
pontos relevantes, entre os quais o que afirma que a informação é regida pelo
princípio da ordem, modifica estruturas, operacionaliza-se no contexto da
comunicação humana e sua transferência ocorre de um humano para outro humano.
Dito isto, podemos olhar em direção a um outro aspecto desta pesquisa,
diretamente relacionado ao anterior, e que se refere à maneira como se organizam
as informações de um objeto etnográfico em ambiente museológico. Exercendo essa
atividade, não podemos fugir do princípio da ordem e da classificação, e também
não podemos perder de vista que as informações são organizadas por humanos e
para outros humanos, além do que essas informações, ao serem transmitidas,
transferidas, repassadas, têm a capacidade de modificar estruturas, impedir a
alienação do homem em relação ao meio que o circunda, fazendo com que ele se
reconheça no meio e possa executar seu projeto existencial, como pregou
Heidegger, no início do século XX.
Esses conceitos encaixam-se perfeitamente nos objetivos desta dissertação.
Passamos, na Subseção seguinte, à conceituação e natureza do objeto etnográfico.
Antes, todavia, achamos pertinente narrar uma breve história sobre o ato de
colecionar.
2.4 Objeto etnográfico
O ato de colecionar e sua gênese são apresentados, a seguir, como
introdução ao conceito de objeto etnográfico.
2.4.1 O ato de colecionar
Colecionar é uma atividade que remete a tempos bem remotos. “Os tesouros
dos templos antigos e das igrejas medievais antecedem o colecionismo moderno”
(SCHAER, 1993, p. 14), mas tal prática desenvolveu-se, de fato, dos séculos XV ao
XVIII, na Europa. Nesse período, os humanistas pesquisavam vestígios de
antigüidades romanas e os eruditos colecionavam pequenas antigüidades como
38
“inscrições, objetos usuais e preciosos, fragmentos de esculturas e, sobretudo,
medalhas e pedras gravadas” (SCHAER, 1993, p. 16).
Enquanto os humanistas colecionavam medalhas com retratos dos
Imperadores, Paolo Giovio, historiador italiano, colecionava, desde 1520, retratos
pintados, alguns originais e outros, meras cópias, a partir de medalhas, bustos e
outros documentos. Sua coleção chegou a ter 400 peças, classificadas em quatro
categorias: “filósofos e homens letrados mortos; sábios e letrados vivos; artistas e
cardeais soberanos; e homens das armas” (SCHAER, 1993, p. 20).
Para abrigar sua coleção, Giovio constrói, em sua cidade natal, Borgo Vico,
uma casa destinada a guardar suas coleções de antigüidades e de medalhas com
salas dedicadas às musas e a Apolo. Ele denomina a casa de museu, expressão já
utilizada pelos humanistas, em alusão à Alexandria, para designar um lugar
consagrado ao estudo e às discussões dos sábios.
A partir de 1550, outra forma de colecionar se difunde pelo Continente
Europeu, quando surgem então os Gabinetes de Curiosidades. Nesses Gabinetes,
ao lado das antigüidades e peças de cunho histórico, novos tipos de objetos são
reunidos: curiosidades naturais ou artificiais, raridades exóticas. Fósseis, corais, ‘petrificações’, flores e frutas, vindas de mundos longínquos, animais monstruosos ou fabulosos, objetos virtuosos de metais ou de joalheria; peças etnográficas trazidas por viajantes [...] (SCHAER, 1993, p. 21).
Esses Gabinetes de Curiosidades visavam principalmente ao estudo de
plantas, de minerais e de animais com finalidade farmacêutica e medicinal, e sem
dúvida antecedem o desenvolvimento das Ciências Naturais, ocorrido no século
XVIII, quando museus e universidades já indicavam que os acervos de
colecionadores não eram apenas para ser conservados, mas também para ser
expostos e acessíveis ao público.
A difusão do saber já aparece, nessa época, como responsabilidade do
Estado. A frase “para que o povo veja e se instrua” (pour que le peuple voie et
s’instruise) ilustra bem o que pensavam os governantes sobre o papel dos museus,
das universidades e da forma como deveriam ser tratadas as coleções sob a
responsabilidade de Instituições Públicas (SCHAER, 1993).
39
Outra visão complementar sobre o ato de colecionar e o conseqüente
desenvolvimento dos museus de história natural indica que o museu nasceu como
um espaço eclético de conservação de curiosidades naturais aberto apenas aos
amigos ou a colecionadores, e desenvolveu-se no século XVII como um depósito de
material indispensável ao estudo de história natural, acessível unicamente aos
cientistas. Todavia, tornou-se, ao longo do século XVIII, devido a uma profunda
revolução na Europa, um lugar de pesquisa e de educação pública, aberto tanto aos
cientistas quanto à população.
Após a Revolução Francesa, no século seguinte, o museu de história natural
adquiriu as formas e as funções que lhe serão próprias por mais de um século e
meio. Essas formas e funções destinavam-se, de um lado, à pesquisa sobre a
natureza e suas leis e, por outro, à difusão da cultura científica e aos avanços
científicos (PINNA, 1999). Em meados do século XX, o museu de história natural
solidifica seus papéis social e científico (BINNI, 1980 apud PINNA, 1999) permitindo
dessa forma, a difusão das idéias científicas produzidas pelos profissionais da
instituição (PINNA, 1999).
É especialmente interessante o pensamento do autor francês Lévi-Strauss
(1973), com relação aos museus de Antropologia, ao considerá-los “prolongamento
do campo” (p. 418), afirmando que o contato e as tarefas realizadas com os objetos
pelos profissionais do museu “criam uma familiaridade com gêneros de vida e de
atividade longínquos” (p. 418). Por outro lado, há uma reflexão sobre a
transformação do papel dos referidos museus ao longo do tempo. Para o autor, durante muito tempo, os museus de antropologia foram concebidos como um conjunto de galerias em que se conservam objetos: coisas, documentos inertes e de algum modo fossilizados atrás de sua vitrinas, completamente destacados das sociedades que os produziram [...] (LÉVI-STRAUSS, 1973, p. 419).
No entanto, seguindo a idéia do autor, a evolução da Antropologia como
ciência e as transformações do mundo moderno levam à modificação dessa
concepção e “não se pode mais tratar exclusivamente de recolher objetos, mas
também, e sobretudo, de compreender homens” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p. 420).
Concluímos, assim, a breve introdução sobre o ato de colecionar e a gênese
dos museus de história natural, enfatizando o seu papel não como simples
40
receptáculos de objetos, mas principalmente, como mais uma forma de
entendimento do universo humano. Passamos ao conceito de objeto etnográfico.
2.4.2 Objeto etnográfico
A história nos indica que o objeto etnográfico se consolidou como tal e
assumiu a importância que tem hoje quando saiu de seu contexto particular e
passou a ser abrigado e conservado, na instituição museu, formando, assim, as
chamadas coleções etnográficas. Entende-se por coleção qualquer conjunto de objetos naturais ou artificiais, mantidos temporária ou definitivamente fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção especial num local fechado preparado para este fim e expostos ao olhar do público (POMIAN, 1984, p. 53).
“Essas coleções [etnográficas], impulsionadas com a descoberta do Novo
Mundo, se desenvolveram com a consolidação dos museus na Europa e nas
Américas” (DEGLI; MAUZÉ, 2000 apud VELTHEM, 2005, p. 71). No Brasil, não foi
diferente. Os objetos e as coleções etnográficas estão invariavelmente associados à
instituição museu e também à Antropologia, na medida em que “acompanhar as
interpretações antropológicas produzidas sobre os objetos materiais é até certo
ponto acompanhar as mudanças nos paradigmas teóricos ao longo da história dessa
disciplina [Antropologia].” (GONÇALVES, 2007, p. 16).
O objeto etnográfico tem algumas características peculiares, além do fato de
ser abrigado e conservado em museu etnográfico. Para entender melhor o que vem
a ser esse objeto, é preciso considerar que é produzido pelo homem em um contexto
específico e refere-se a uma sociedade humana particular, como já foi mencionado
na introdução desta dissertação (SAVARY, 1988/1989).
Tecendo considerações sobre as diferenças entre um objeto industrial e um
objeto etnográfico, Savary (1988/1989) afirma que este é resultado de um trabalho
artesanal, no qual o homem tem um papel primordial do início ao fim no processo de
fabricação; que a sua produção é modesta, mas mesmo quando fabricados em
série, eles não são idênticos uns aos outros; que os materiais utilizados na sua
confecção são de origem local e através de sua forma ou de sua decoração
41
particular, esses objetos revelam uma identidade étnica, geral ou particular, da
sociedade na qual estão inseridos.
Entre a Museologia e esses objetos há uma relação bem próxima, como já foi
citado, visto que, desde sua gênese, os museus foram seus grandes receptáculos,
tenha sido para abrigá-los, conservá-los ou também para estudá-los, classificá-los
ou colocá-los em exposição.
O artigo Tal Antropologia, qual museu? (ABREU, 2007, p. 138-178) faz um
amplo estudo sobre a relação entre Antropologia e museu, do qual pinçamos apenas
aspectos importantes para esta pesquisa, uma vez que o olhar dado ao objeto
etnográfico não tem caráter antropológico, embora reconheçamos toda a importância
da disciplina e seus métodos para o estudo desse objeto. Uma análise clássica do
objeto etnográfico, sob a luz da Antropologia, citada por Velthem (2005, p. 73)
considera a matéria-prima constitutiva dos objetos, as técnicas de confecção, o
aspecto formal e a função como aspectos principais para a sua compreensão. Os
dois primeiros elementos são tidos como o ponto de partida de um estudo do objeto
etnográfico, haja vista que esses são “os meios que o concretizam e assim
expressam o modo de vida de uma determinada sociedade” (VELTHEM, 2005,
p. 73).
No entanto, pela falta de domínio do fazer antropológico, não estudamos o
objeto etnográfico dessa forma. Nesta pesquisa, o objeto em questão é
compreendido como documento e é uma ilustração importante para que se
demonstre a informação, como um processo cíclico desde sua geração até o seu
uso por quem dela necessite.
Ainda sobre a relação entre Antropologia e museu, segundo Abreu (2007),
este antecede aquela como área de conhecimento e campo reflexivo, mas torna-se
campo fértil para a implantação, desenvolvimento e consolidação da disciplina na
qualidade de ciência no século XIX: para a antropologia em seus primórdios, estudar povos exóticos, pouco conhecidos, implicava em formar coleções de estudo. Os primeiros antropólogos dedicaram-se a colecionar as culturas que estudavam, como observou James Clifford, pois os objetos retirados de seus contextos de origem representavam as provas vivas e materiais da existência de culturas distantes e pouco conhecidas que passavam a constituir o objeto de estudo dos antropólogos (ABREU, 2007, p. 141).
42
No momento inicial, os museus foram os grandes interlocutores da
Antropologia, pois as universidades existentes no país ainda não haviam
incorporado esses novos campos do conhecimento. Nesse sentido, segue a autora,
“os museus de ciência abrigavam as coleções de objetos, mas por trás de cada
objeto havia um cientista que coletava, observava, classificava e por fim exibia suas
coleções” (ABREU, 2007, p. 142). Um fato importante a ressaltar é que nas
primeiras pesquisas antropológicas os povos estudados, as sociedades produtoras
dos objetos coletados, não tinham voz. Eram “configurados como ‘outros passivos’
de um discurso científico” (ABREU, 2007, p. 142).
Em meados do século XX, o diálogo entre Antropologia e museu fica distante.
Os laços fortes antes estabelecidos são enfraquecidos pela institucionalização das
Ciências Sociais nas universidades: a introdução de novos paradigmas na pesquisa antropológica conduziu os estudos da cultura e as construções de alteridade para aspectos imateriais e simbólicos, em que não era mais tão importante reunir objetos e documentos de cultura material (ABREU, 2007, p. 144).
No Brasil, um fato que estreita novamente os laços entre Antropologia e
museu é o surgimento do Museu do Índio, em 1953. Pouco antes (1948), na França,
Paul Rivet declara que o único mecanismo capaz de fazer frente ao obscurantismo
que havia levado à Segunda Guerra era a equação que unia a Antropologia e a
instituição museológica (ABREU, 2007). Nessa nova concepção, os ‘outros passivos’
ganham voz e os museus passam a ouvir, além de curadores, documentalistas e
pesquisadores, os próprios produtores dos objetos coletados, seja para montar
exposições com esses objetos, seja para restaurá-los ou mesmo para documentá-
los.
Algumas autoras apontam, atualmente, os museus etnográficos como
agentes fundamentais na implantação de uma política favorável ao diálogo
intercultural, rompendo antigos padrões estabelecidos pelos museus desde suas
origens. Na visão de Gallois (1989 apud VELTHEM, 2005), os museus não devem
limitar-se à preservação material e sim se abrir para considerar as dimensões
sociopolíticas dessa preservação, posição compatível com o que pensa Velthem
(2004) quando sustenta que as coleções etnográficas contribuiriam efetivamente
para as demandas indígenas de valorizar e preservar o patrimônio cultural se fossem
43
revestidas de um novo papel, no qual a “presença do outro”, por meio de seus bens
materiais, fosse uma prática rotineira.
As duas autoras insistem que os museus devem atentar para o seu papel
político e social com relação às sociedades produtoras, na medida em que os
objetos por eles produzidos possuem uma “relação de continuidade com as culturas
de origem” (VELTHEM, 2004, p. 75). Dessa forma, o estudo dos acervos museológicos não pode negligenciar o papel político das coleções etnográficas para os grupos indígenas que as produziram. Trata-se de uma “nova coleta” ou “recontextualização”, como sugere Nason, na qual os indivíduos confrontados com objetos provenientes de sua etnia, reunidos sob forma de coleção museológica, protagonizam um encontro específico em que se misturam a história familiar e a memória étnica (RIBEIRO; VELTHEM, 1992, p. 108).
Amadurecendo essa idéia, em artigo mais recente, uma das autoras afirma
que a documentação de coleções etnográficas chegou a uma encruzilhada em que não lhe é mais facultado repousar exclusivamente nos métodos e na metodologia até então adotada. [...] a documentação deve visar e se embasar nos propósitos dos produtores das coleções que estão em jogo, fazendo-o através de uma abordagem integrada, cruzando em um quadro coerente as dimensões históricas, políticas, estéticas e simbólicas.(VELTHEM, 2004, p. 75).
Para Velthem (2008. Entrevista) os museus precisam se preparar para
trabalhar para e com os povos indígenas. Na sua concepção, a palavra correta a ser
usada é acessibilidade e isso significa, em primeiro lugar, que os povos indígenas
precisam saber que existem museus e que alguns museus possuem objetos
originários das comunidades indígenas; além disso, é necessário permitir que os
índios tenham acesso físico a esses objetos; e, finalmente, faz-se mister elaborar
projetos específicos sobre os objetos com essa temática.
Em estudo sobre a relação entre Antropologia e museu na
contemporaneidade, Dias (2007, p. 128-129) enfoca um aspecto interessante no que
diz respeito às nomenclaturas dos museus. De acordo com a autora, “desde sua
fundação, nos finais do século XVIII, os museus estiveram estritamente ligados a
saberes disciplinares”. E assim aparecem os Museus de Arte, Museus de História,
Museus Etnográficos, entre outros. Esse modelo vinculado a um saber específico
vigora até meados do século XX, quando na Europa surgem os ecomuseus, que
44
representam um dos primeiros cortes dessa relação museu-disciplina estabelecendo
de um lado a pluridisciplinaridade e, de outro, a ampliação da noção de objeto de
museu (DIAS, 2007, p. 128-129).
Transparece nessa discussão o que já foi explorado nesta pesquisa relativo à
ampliação do sentido do vocábulo documento, à inclusão de objetos de museu como
documentos e portadores de informação. Nessa trajetória, o caminho escolhido para
estudar como pode circular a informação do objeto etnográfico no MPEG é abordá-la
nos parâmetros de um ciclo, entendido neste contexto como “uma série de
fenômenos que se sucedem numa ordem determinada” (FERREIRA, 2004), questão
que aprofundamos na Subseção 2.5.
2.5 Ciclos de comunicação e informação
Há vários ciclos de comunicação desenvolvidos na década de 1970, cuja
aplicação principal direciona-se à troca de idéias e informações entre pares e que
visam a demonstrar o processo de transferir informações, seja centrado em
documentos publicados (Lancaster), seja no tempo levado pelos pesquisadores para
realizar e comunicar resultados de suas investigações (Jordan) ou apenas
considerando documentos (King e Bryant). Há também um ciclo mais recente
(Vickery), elaborado na década de 1990, que já engloba em seus pressupostos a
transferência da informação por meio de canais eletrônicos.
Destacamos, como suporte teórico para este tópico, a análise do ciclo de
transferência da informação por documentos de King e Bryant e o de transferência
da informação por documentos publicados de Lancaster, que, mesmo elaborados na
década de 1970, mostram-se pertinentes ao que se desenvolve nesta pesquisa. O
passo seguinte foi a busca de elementos, nesses ciclos, que contribuíssem para a
elaboração de um ciclo informacional direcionado a uma nova aplicação: o objeto
etnográfico sob a guarda do Museu Paraense Emílio Goeldi. Não temos
conhecimento na literatura, até o momento, de nenhum estudo que aplique ao objeto
etnográfico os citados ciclos de comunicação.
É importante referir que esses ciclos foram elaborados tendo como foco a
comunicação científica que é parte fundamental do processo de investigação
científica, permitindo que a pesquisa seja comunicada e disseminada, visando a
45
efetivar a transferência da informação e assim contribuir para o desenvolvimento da
ciência. São considerados também um espectro completo das atividades de informação que ocorre entre os produtores de informação científica, desde o início de sua pesquisa até as publicações de seus resultados e a aceitação e incorporação dos mesmos como parte do corpo de conhecimento (GARVEY, 1979 apud PONTE, 2000).
Assim, estudar os meios de troca de idéias e transferência de informações
entre cientistas, isto é, abordar a comunicação científica, não é apenas enfocar os padrões de comunicação entre pares, mas também englobar tanto a informação à qual recorrem para suas pesquisas quanto àquela que produzem e transmitem por diferentes canais de comunicação e tipos de documentos (PINHEIRO, 2003, p. 62).
Para a autora, os estudos de comunicação científica estendem-se até a
informação por ser esta parte fundamental da estrutura de Ciência e Tecnologia
(PINHEIRO, 2003).
Sob essa ótica, a transferência da informação é um processo que remete aos
mais remotos tempos. A História nos relata que na Antigüidade Clássica e na Idade
Média “a transferência de informação entre os filósofos – os predecessores dos
cientistas atuais – era feita, principalmente, por via oral” (FIGUEIREDO, 1979, p. 115).
Posteriormente, com o advento da ciência e o conseqüente desenvolvimento do
método científico, a correspondência escrita entre cientistas foi acentuada, visando à
troca de idéias e à difusão de suas pesquisas. Outro meio para intercâmbio de idéias
entre pares foi o periódico científico, considerado legitimador da ciência, cujo
surgimento se deu em meados do século XVII, com o Journal de Sçavant e o
Philoshophical transactions of the Royal Society of London, momento em que
também brotaram as primeiras sociedades científicas, como a Royal Society of
London, em 1660 (PINHEIRO, 2006, p. 27).
De maneira sintética, o exposto anteriormente mostra os dois canais básicos
utilizados para a comunicação científica: os formais ou de literatura e os informais ou
pessoais, ambos relevantes em seus contextos próprios. Atualmente, conta-se
também com os canais eletrônicos, após o surgimento das novas tecnologias de
informação e comunicação (TIC’s). Entre os canais formais destacam-se livros e
periódicos, e a comunicação interpessoal é primordial entre os canais informais.
46
Desse modo, a informação utilizada no universo humano se processa, como
pregaram Belkin e Robertson (1976, p. 198) e Rendón Rojas (1999, p. 34), entre
outros meios, através de canais de comunicação, e esse sistema de transferência
caracteriza-se como cíclico se considerarmos que os “usuários podem ser as
mesmas pessoas que os produtores de informação” (FIGUEIREDO, 1979,
p. 130-131). Enfatizando o princípio de organizador da informação, desenvolvido por
Zeman (1970), o trecho seguinte enfoca que os ciclos de comunicação científica
compreendem a geração de conhecimento, a sua subseqüente representação em informação, por sua vez organizada, processada, recuperada, disseminada e utilizada num ininterrupto e autofágico processo moto- contínuo (PINHEIRO, 1997, p. 256).
Abordamos teoricamente, nos próximos tópicos, os ciclos de transferência da
informação por documentos de King e Bryant e o ciclo de transferência da
informação por documentos publicados de Lancaster.
2.5.1 Ciclo de transferência da informação por documentos de King e Bryant
O ciclo de transferência da informação por documentos de King e Bryant é
centrado, como o próprio nome refere, em documentos e na avaliação de sistemas
que registram e transmitem conhecimento técnico-científico por meio de
documentos. Esses sistemas são chamados de sistemas de transferência de
documentos porque englobam todas as funções e processos necessários para que a
transferência de documentos seja completa entre um transmissor e um receptor.
Utilizamos a terminologia criada por Shannon e Weaver (1949 apud PINHEIRO,
1997), oriunda da teoria matemática da comunicação ou teoria da informação, por
terem sido os citados autores os primeiros a elaborar um sistema de comunicação
que “é constituído de fonte de informação, mensagem, transmissor, sinal, sinal
recebido, receptor, mensagem e destino [...]” (PINHEIRO, 1997, p. 191).
No que se refere a documento, esclarecemos que o vocábulo é utilizado por
King e Bryant no mesmo sentido usado por Otlet, já citado algumas vezes nesta
pesquisa, e a sua transferência envolve o fluxo da informação por meio de uma
mensagem do seu transmissor a um receptor.
47
Para os autores, o processo só é considerado completo quando o documento/
mensagem chegar ao seu destino, partindo do pressuposto que o receptor fará
algum uso desta informação para fins de pesquisa, relatórios técnicos ou mesmo na
elaboração de um novo documento (KING e BRYANT, 1971).
No âmbito desta dissertação, enfocamos apenas o modelo básico de
transferência de documentos elaborado pelos autores e deixamos de lado o sistema
de avaliação proposto, uma vez que este foge aos nossos objetivos.
Seis funções são consideradas pelos autores no processo de transferência da
informação por meio de documentos, a saber: 1)composição; 2)reprodução;
3)aquisição e armazenamento; 4)identificação e localização; 5)apresentação; e 6)
assimilação. (Figura 1)
FIGURA 1: Funções básicas de transferência [da informação] por documentos Fonte: King e Bryant (1971)
A composição consiste nos processos de gravação, preparação e edição dos
documentos. Na reprodução, há a duplicação do documento original (datilografando,
imprimindo, digitando, gravando ou filmando), de modo a permitir ampla
disseminação. Na fase seguinte, aquisição e armazenamento, dá-se a forma como
esse documento é adquirido e também a conservação de suas cópias, identificando
Identificação e
Localização de
Documento
Aquisição e
Armazenamento de
Documento
Apresentação
de
Documento
Reprodução
de
Documento
Assimilação
de
Documento
Composição
de
Documento
48
o local de seu armazenamento (em prateleiras de bibliotecas; em arquivos verticais,
em fitas magnéticas ou discos). Identificar e localizar um documento consiste em
determinar a identidade e a localização do documento a ser transmitido, a partir de
buscas retrospectivas ou por disseminação seletiva. Na apresentação, há a
transmissão física de uma cópia do documento para o usuário, seja por correio ou
por qualquer outro veículo. Finalmente, na última fase, chamada de assimilação, o
usuário apreendeu a informação contida no documento lendo ou escutando.
Podemos, nessa fase, remeter ao conceito de informação elaborado por Belkin e
Robertson (1976), no qual só há informação quando as estruturas cognitivas do
indivíduo são modificadas. Os pressupostos ditados por King e Bryant no ciclo que
acabamos de analisar serviram de base para a elaboração, por Lancaster, do ciclo
desenvolvido na Subseção 2.5.2.
2.5.2 Ciclo de transferência da informação por documentos publicados de Lancaster
No ciclo de transferência da informação por documentos publicados,
Lancaster enfoca o papel das bibliotecas, sua importância na aquisição de material
bibliográfico relacionado aos interesses de uma população específica de usuários
(presentes na biblioteca e aqueles em potencial), sua organização e a avaliação de
usuários. O autor prioriza as bibliotecas, considerando-as parte fundamental no
processo de transferência da informação a partir de documentos publicados, e as
tem como intermediárias entre os recursos bibliográficos e uma população definida
de usuários (LANCASTER, 1977).
O ciclo traçado por Lancaster segue as seguintes etapas para a informação
no processo de transferência de documentos publicados: 1)uso (pesquisa e
aplicação); 2)autoria; 3)publicação e distribuição; 4)aquisição e armazenamento;
5)organização e controle; 6)disseminação e apresentação; e 7)assimilação.
(Figura 2)
49
FIGURA 2: Ciclo de transferência da informação por documentos publicados Fonte: Lancaster ,1977
Por comunidade de usuários, Lancaster entende o grupo de indivíduos que
trabalham numa área particular, seja em pesquisa ou desenvolvimento, seja em
áreas de aplicação. Esses indivíduos de alguma forma são usuários de informação,
isto é, de alguma maneira aqueles cujas atividades interessem a outros membros
escreverão seus trabalhos em algum tipo de informe. Esse é o papel do autor, no
ciclo de Lancaster. Entretanto, a autoria por si só não é uma forma de comunicação,
pois o trabalho autoral tem pouco ou nenhum impacto até o momento de sua
reprodução em várias cópias e distribuição formal, ou seja, publicação. Publicar é o
papel do editor (LANCASTER, 1978).
O terceiro passo desse processo envolve os centros de informação que, por
meio de suas políticas de aquisição e armazenamento, constituem um arquivo
permanente e uma fonte garantida de acesso a esses registros. Interligada aos
centros de informação encontra-se a próxima etapa de Lancaster: organização e
controle. Essa etapa é também papel desses centros que, por meio de
procedimentos técnicos, tais como catalogação, classificação, indexação e outros,
Organização e
Controle
Comunidade de usuários
(pesquisa e aplicação)
Publicação e
Distribuição
Assimilação
Aquisição e
Armazenamento
Disseminação e
Apresentação
Autoria
Papel do autor
Papel do editor
Papel das bibliotecas
Papel do autor
Papel do usuário
Papel das bibliotecas e centros de documentação
Papel das bibliotecas e bibliografias / serviços de resumo / indexação
50
podem criar bases de dados e oferecer resumos e índices das pesquisas em
desenvolvimento. Outras funções exercidas pelos centros de informação referem-se
à apresentação e disseminação, na qual serviços de alerta, de referência, busca de
literatura e análise de informação são oferecidos (LANCASTER, 1978).
A etapa final do ciclo, a menos tangível, é a da assimilação, na qual a
informação é absorvida pela comunidade de usuários. Para o autor, a transferência
da informação acontece quando o documento é estudado pelo usuário e seu
conteúdo assimilado, modificando o estado de conhecimento sobre o tema do
usuário. Na mesma década, Belkin e Robertson (1970), em conceito já discutido em
Seção anterior, concordam que só existe informação quando há mudança de
estruturas cognitivas.
Em resumo, considerando a informação cíclica e mesclando elementos dos
dois ciclos estudados, propomos, na Seção 6, um ciclo informacional para o objeto
etnográfico abrigado no Museu Paraense Emilio Goeldi, de acordo com os objetivos
deste trabalho. Nas próximas Seções, apresentamos os objetivos e a metodologia
desta pesquisa.
3 OBJETIVOS
O presente projeto de pesquisa tem como objetivos os descritos a seguir:
3.1 Objetivo geral
Analisar o ciclo da informação do objeto etnográfico da coleção do Museu
Paraense Emílio Goeldi, a partir dos conceitos de documento e informação, numa
visão interdisciplinar do processo de disseminação e de transferência da informação.
3.2 Objetivos específicos
a) Estudar a interdisciplinaridade, sua origem e conceitos afins, para
compreensão da natureza do objeto etnográfico e sua inserção em museu;
b) Detalhar a formação da coleção etnográfica do Museu Paraense Emílio
Goeldi, seus princípios e critérios de organização em três diferentes fases da
história do Museu; e
c) Traçar o ciclo da informação do objeto etnográfico, sob o enfoque
interdisciplinar, a fim de contribuir para o aperfeiçoamento do processo de
disseminação e transferência da informação de coleções etnográficas.
4 METODOLOGIA
Esta pesquisa, de caráter exploratório e documental, tem como ambiente de
estudo a Reserva Técnica Curt Nimuendajú, do Museu Paraense Emílio Goeldi, e
utiliza como material para análise o objeto etnográfico, abrigado na referida reserva,
vinculada à Coordenação de Ciências Humanas do Museu.
O olhar da Ciência da Informação norteia os caminhos da pesquisa, como
mencionado na Introdução, entretanto, considerando a importância dos fortes laços
do objeto estudado com a Antropologia e com a Museologia, enfocamos alguns
aspectos referentes a essas áreas, no que diz respeito à conceituação do objeto
etnográfico, à organização da coleção e ao ciclo informacional do objeto etnográfico
e seu percurso interdisciplinar.
A pesquisa encontra-se embasada, principalmente, nos seguintes eixos
teóricos: Ciência da Informação e objeto etnográfico, direcionados ao ciclo de
transferência da informação do citado objeto em ambiente de museu. A
interdisciplinaridade é introduzida como pano de fundo, na medida em que esta
característica é peculiar tanto à Ciência da Informação quanto ao estudo do objeto
etnográfico.
Para traçar o ciclo da informação do objeto etnográfico no contexto do Museu
Paraense Emílio Goeldi, levantamos na literatura alguns ciclos de Comunicação, tais
como: o ciclo de informação na pesquisa de Jordan, o ciclo da informação por
documentos publicados de Lancaster, o ciclo de transferência da informação por
documentos de King e Bryant, todos elaborados na década de 1970, e o Fluxo da
Informação de Vickery, desenvolvido na década de 1990. No entanto, foram
selecionados para análise somente dois ciclos: o de Lancaster e o de King e Bryant,
uma vez que encontramos nos citados ciclos mais subsídios para os objetivos aqui
propostos.
No que se refere à interdisciplinaridade, as idéias de Japiassu (1976, 2006),
Pombo (2003, 2005) e Rendón Rojas (1999, 2008) foram fundamentais. Lima (2003)
deu aporte teórico aos estudos sobre informação museológica e nas interfaces da
Museologia com a Ciência da Informação. Sobre procedimentos referentes à
documentação museológica, Ferrez (1994, 2004) foi de fundamental importância.
Sobre informação, levantamos na literatura os principais autores que
conceituaram o termo, mas encontramos eco para os nossos propósitos em Zeman
53
(1970), Belkin e Robertson (1976), Pinheiro (1997, 2002, 2003, 2004, 2006) e
Rendón Rojas (1999, 2008). Através desses autores foi possível traçar,
diacronicamente, a trajetória desse importante conceito para a pesquisa em
questão.
A fundamentação teórica da pesquisa, sob a ótica da Museologia e da
Antropologia, se realizou consultando os conceitos do ICOM, Lima (1997, 2003 e
2007), Soares (1998), Savary (1988/1989), Velthem (1992, 1998, 2002, 2004, 2005),
Ribeiro (1988, 1992), Abreu (2007) e outros autores ligados às duas áreas.
Além dos conceitos de informação e objeto etnográfico, o conceito de
documento foi importante para o desenvolvimento da pesquisa. Consultamos Otlet
(1934), Briet (1951), Le Goff (1992) e Rendón Rojas (1999) para conceituar e
demonstrar a ampliação do significado deste vocábulo ao longo do tempo.
As idéias de Otlet, discutidas em seu famoso Traité de Documentation (1934),
também conhecido como O livro dos livros, em muito contribuíram para os intentos
desta pesquisa, já que a noção de documentação é estendida além do livro, o que
de certa forma antecipa a questão dos novos suportes como portadores de
informação. O autor também discute o conceito de documento pertencente a uma
coleção museológica, discussão que interessa sobremaneira ao desenvolvimento
desta pesquisa. Nas palavras do estudioso belga, um documento museológico deve
ser organizado e classificado, pois
[A classificação] é algo capital num museu ou numa biblioteca [...] o primeiro princípio é o de organização: cada documento é constituído de um conjunto de fatos ou de idéias apresentadas sob a forma de texto ou de imagem e ordenada segundo uma classificação ou um plano que é determinado pelo objeto ou objetivo a que se propõem aqueles que o redigem [...] As coleções compreendem as amostras, espécies, modelos, peças diversas, tudo aquilo que é útil à documentação, mas que se apresenta como objeto de três dimensões (OTLET, 1934, p. 358).
Esta metodologia inclui ainda a leitura de fragmentos da correspondência de
Curt Nimuendajú e entrevistas com duas profissionais que trabalharam na Reserva
Técnica. Dessas entrevistas, cujos roteiros encontram-se nos apêndices (A e B),
extraímos as informações relevantes e as inserimos ao longo do texto. Inclui também
um breve histórico do Museu Paraense Emílio Goeldi, uma introdução sobre a
54
formação da sua coleção etnográfica e sobre a reserva técnica que a abriga. Estes
três últimos itens compõem as Subseções 4.1, 4.1.1 e 4.1.2.
4.1 O Museu Paraense Emílio Goeldi
O cenário que se testemunhava na Amazônia, mais especificamente em
Belém do Pará, no século XIX, era aquele em que os naturalistas estrangeiros,
depois de longas expedições pelo interior paraense ou regiões vizinhas, retornavam
à capital da Província, repletos de espécies dos três reinos da natureza e as
despachavam aos seus países de origem e também a outras instituições nacionais,
deixando para trás uma lacuna cultural talvez nunca mais preenchida.
O pilar primeiro da implantação, na Amazônia, de um Museu de História
Natural e de Etnografia, a fim de reparar esse prejuízo, surge no ano de 1860,
quando assume a Presidência da Província do Pará o pernambucano Antônio
Coelho de Sá e Albuquerque (1821-1868) e tem como Secretário da Província o
mineiro Domingos Soares Ferreira Penna (1818-1888), considerado o mentor e
maior incentivador da implantação de um museu científico na região amazônica. O
Presidente da Província Paraense nomeia, então, o naturalista francês Louis
Jacques Brunet para dedicar-se
especialmente ao estudo sobre os seguintes objetos: minerais de mais pronta e útil aplicação, como pedras para construções, calcárias de fácil uso, mármores, granito, etc. [...] observações acerca das aves e peixes que por seus préstimos e usos merecem maior cuidado na sua conservação e reprodução; enfim, acerca de quaisquer objetos que sendo hoje mal conhecidos forem de grande e pronta utilidade pública (JORNAL DO AMAZONAS e DIÁRIO DO GRAM-PARÁ, 1860 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 30).
Brunet veio ao Pará encarregado pela Presidência de Pernambuco de reunir
objetos de história natural para o Museu da capital pernambucana, mas foi
aproveitado por Sá e Albuquerque para fazer o mesmo pela Província do Pará, como
revela o trecho da Portaria assinada pelo governante paraense, em abril de 1860. Devendo seguir a bordo do vapor que tem de partir amanhã para Manaus o Sr. J. L. Brunet, naturalista francês, que se destina a percorrer uma parte do território do Amazonas e alguns dos seus
55
afluentes, com o fim de arranjar algumas coleções de objetos de história natural para o Museu de Pernambuco, assim como para o desta capital que vai ser fundado (JORNAL DO AMAZONAS, 1860 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 31).
Com esse ato, fica clara a intenção do governante de implantar um Museu de
História Natural, no qual pudesse armazenar e estudar as espécies trazidas pelo
francês à capital da Província. Surge, então, a necessidade de se ter um local
apropriado para a guarda, conservação e estudo desses materiais. O espaço seria
um precursor do que se chamou “depósito” e hoje se nomeia “reserva técnica”.
E assim, através de um aditivo ao projeto de lei, o então Presidente da
Província do Pará, Francisco Carlos de Araújo Brusque, destina para o ano de 1862,
“o montante de seiscentos mil réis (600$00) para a fundação de um Museu de
História Natural” (COLEÇÃO DAS LEIS DA PROVÍNCIA DO GRAM-PARÁ, TOMO
XXIII, 1861 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 32).
A tentativa de implantação de um museu de caráter científico na Amazônia,
entretanto, não se concretizou com a dotação orçamentária de 1862, e apenas em
1866 ressurge a idéia, com Domingos Ferreira Penna, mais uma vez Secretário da
Presidência da Província do Pará. Ele convida um grupo de intelectuais e políticos
paraenses para discutir “as bases de uma associação para a fundação de um museu
indígena e de história natural nesta capital [...]” (JORNAL DO AMAZONAS, 1866,
p. 2 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 326).
Trata-se da Associação Filomática2, cujo principal objetivo seria a criação de
um museu de história natural nos moldes europeus vigentes (CUNHA, 1986). Esse
Museu nasceu e vingou como fruto do trabalho de políticos, intelectuais e cientistas
que acreditaram na pesquisa de recursos naturais da Amazônia, no estudo sobre o
homem que nela habitava e, sobretudo, na organização de coleções científicas e
exposições públicas dos conhecimentos oriundos dessas pesquisas. O que se
objetivava era a constituição de um museu como “primeiro núcleo de um
estabelecimento superior; o centro a que se hão de acolher no Pará os estudos das
ciências da natureza” (GRAÇA, 1871 apud LOPES, 1977, p. 205). Nesse sentido, a
instituição era pensada com
atribuições de uma Academia, finalidade bem esclarecida para a comunidade de Belém de 120 anos atrás. Ferreira Penna acalentava
2 Que ama as ciências (FERREIRA, 2004); amigo das Ciências, do Conhecimento (HOUAISS, 2001).
56
a idéia brilhante de que o Museu com suas Seções Técnicas e sua Biblioteca especializada deveria cumprir ou suprir essas finalidades na ausência total, então, de entidades desse caráter (CUNHA, 1986, p. 8).
Em síntese, como não havia escolas superiores e nem academias científicas,
o Museu deveria exercer a função de suprir, naquele momento, a carência, na
região, desse tipo de estabelecimento. Abarcaria em suas metas “o estudo da
natureza amazônica com sua flora e fauna [...] e, mais que tudo isso, o estudo do
homem indígena amazônico, tanto eles fossem atuais ou pretéritos” (CUNHA, 1996,
p. 8). Além de suas funções como instituição de ensino, cabia também ao Museu
a missão da pesquisa, da contribuição às questões científicas que se colocavam na ordem do dia. A investigação não só dos produtos naturais, cuja riqueza os cientistas de todo o mundo descobriam ser maior a cada dia, mas também dos vestígios arqueológicos e das especulações antropológicas (LOPES,1977, p. 248-249).
Nessa perspectiva, o idealizado foi um museu “no qual pouco a pouco se
reunissem os numerosos productos antigos e modernos da indústria dos índios [...].
Era, por outras palavras, um Museu archeológico e ethnográfico que se tratava de
fundar [...]” (PENNA, 1894, p. 28, grifos do autor).
A concepção do museu se deu em 1866, com a criação da referida
Associação, mas apenas em 1871 o Museu Paraense, como inicialmente foi
denominado, incorporou-se ao Governo Provincial e teve suas portas abertas ao
público.
Entretanto, essa importante instituição atravessou dificuldades das mais
variadas ordens, inclusive a ameaça de extinção, nos últimos anos do Império,
quando vários estudiosos demitiram-se por falta de recursos financeiros, fato que o
transformou numa “rotineira repartição pública” (VELTHEM et al., 2004, p. 125).
Observemos o texto a seguir:
ao final do Império, o País vivia um momento político difícil. Os governantes das províncias mudavam continuamente, administrando-as por curtos períodos de tempo, sem poder, portanto, implementar medidas eficazes, ou ao menos garantir a estabilidade do sistema. Nestes anos, o Museu Paraense, quando acontecia de ser
57
mencionado nas falas e relatórios provinciais, o era de forma a evidenciar seu estado precário e de abandono, não raro acompanhado de sugestão de fechamento. A monarquia brasileira estava chegando ao seu fim e com ela parecia ir se extinguindo também o Museu Paraense (DIÁRIO DO GRAM-PARÁ, 1888 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 118).
De fato, parecia mesmo que o Museu Paraense se extinguiria com o fim do
Império e com a morte do seu principal idealizador, Domingos Soares Ferreira
Penna, em 1888. A conjuntura política do momento era desfavorável à cultura e os
deputados da Assembléia Legislativa achavam que o Museu era um peso morto, uma repartição inútil, e que para eles [deputados] melhor seria economizar o dinheiro miserável que o Governo nele despendia, por isso resolveram, por meio de um Aditivo ao Orçamento Provincial, extingui-lo. Em princípios de 1888, o Governo fechou o Museu, felizmente não o extinguindo de todo como ordenavam os deputados (CUNHA, 1986, p. 8).
O reerguimento e a consolidação do Museu Paraense vão coincidir com o
advento da República, quando o Governador Lauro Sodré convida para o cargo de
Diretor do Museu o zoólogo suíço Emil August Goeldi, que já havia prestado serviços
ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, ocupando, de 1885 a 1890, a subdireção da
1ª seção de Antropologia, Zoologia Geral e Aplicada e Paleontologia (LACERDA,
1905 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006).
A chegada desse naturalista ao Pará, em 1894, incrementou a atividade do
então desamparado Museu Paraense. O cientista suíço teve o apoio financeiro dos
governantes e o reverteu em benefício da Ciência, dotando a instituição de uma
nova estrutura, de acordo com os padrões científicos exigidos internacionalmente. O
Museu passou a ter um novo regulamento, no qual a Documentação das coleções
seria priorizada, juntamente com o incentivo à Comunicação Científica, através da
publicação dos previstos periódicos científicos, denominados Boletim do Museu
Paraense e Memórias do Museu Paraense.
No que se refere a essa questão, segundo Crispino, Bastos e Toledo (2006,
p. 162), ainda no primeiro semestre de 1895, portanto, no início da gestão Goeldi, “já
tinham sido publicados os dois primeiros números do Boletim do Museu de História
Natural e Etnografia”, fato que deu grande impulso à pesquisa científica naquele
momento. Paralelamente a isso, a divulgação dos resultados das pesquisas era
58
estimulada através de Conferências públicas pelo quadro científico do Museu. Nesse
sentido, a instituição conseguiu seu objetivo de mostrar a história natural e a etnologia da região através de coleções cientificamente coordenadas e classificadas, de conferências públicas e de publicações científicas como o Boletim do Museu Paraense. Além disso, o Museu também contava com seções de Zoologia, Botânica, Geologia, e Etnologia, Arqueologia e Antropologia, tendo como anexos o Horto Botânico e o Jardim Zoológico (FIOCRUZ, [200-]).
Foi também na administração de Goeldi (1894-1907) que todo o acervo do
Museu Paraense foi transferido para o prédio (Rocinha) onde, entre outros usos,
hoje se encontra a exposição permanente do Museu Paraense Emílio Goeldi, além
do alargamento do quadro funcional, contratando cientistas estrangeiros para
desempenhar atividades nas mais diversas seções (GOELDI, 1896).
Durante a administração de José Paes de Carvalho (1897-1901), é
determinado que, através do Decreto, datado de 31 de dezembro de 1900, o Museu
Paraense passe a se denominar de Museu Goeldi. A homenagem deveu-se aos
inestimáveis serviços prestados pelo naturalista suíço, seja na reorganização do Museu Paraense, seja na questão de limites com a Guiana Francesa, que foram associados à incorporação definitiva do Amapá ao território brasileiro (GOELDI, 1901 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 192).
Em 1931, o então interventor do Pará, Joaquim de Magalhães Barata, através
do Decreto 525, alterou novamente a denominação da instituição para Museu
Paraense Emílio Goeldi, nomenclatura que vigora ainda hoje.
Em 1950, o MPEG passa da esfera Estadual para o âmbito Federal e, em
1951, subordina-se ao recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), hoje
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. De 1954 a 1983,
através de um Termo de Acordo firmado entre o Governo do Pará e o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o Museu é vinculado a esse órgão,
que, a partir de então, coordena todas as atividades do Museu (CUNHA, 1986,
p. 14-16). Em 1983, a instituição paraense deixou de ser subordinada ao INPA e
adquiriu status de unidade autônoma no organograma do CNPq.
Esse órgão federal, centro de pesquisa e museu, é, desde 2000, vinculado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil (MCT) e entre seus objetivos, não
59
diferentes daqueles do século XIX, está o de produzir e difundir conhecimentos e
acervos sobre sistemas naturais e socioculturais relacionados à Amazônia. Inclui-se
ainda a catalogação e a análise da diversidade biológica e sociocultural dessa
região, tornando-a fonte de conhecimento público, contribuindo para a formação da
memória cultural e para o desenvolvimento regional, colocando-se, dessa forma, a
serviço da sociedade e de seu desenvolvimento (MUSEU, 2006).
4.1.1 A coleção etnográfica
A formação da coleção etnográfica do MPEG está diretamente ligada à
gênese da instituição (VELTHEM et al., 2004). Como foi citado anteriormente, em
1860, o naturalista francês Brunet foi encarregado de “arranjar algumas coleções de
objetos de história natural para o Museu de Pernambuco, assim como para o desta
capital que vai ser fundado” (JORNAL DO AMAZONAS, 1860 apud CRISPINO;
BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 31). Segundo a nota, os objetos de história natural
remetidos pelo francês para a Província Paraense foram armazenados na repartição
de obras públicas.
Os primeiros objetos dessa coleção chegaram ao Museu oriundos do interior,
atendendo à solicitação de uma Circular emitida, em 1867, pela Associação
Filomática, solicitando doações de espécies/objetos dos três reinos da natureza.
Entre os objetos recebidos estavam
os mais preciosos artefactos, taes como vestimentas de pennas e plumas, adufos ou tamborins, trombetas e tibicinas; armas de guerra; instrumentos de caça e pesca, machados de pedra, tembetás de quartzo branco; ídolos de argila, e vasos de barro, alguns muito ornamentados, e assim outros objetos (PENNA, 1894, p. 29).
Constava na circular, ainda, uma observação para que os objetos remetidos
fossem acompanhados de uma relação, na qual deveriam ser nomeados um a um
pelo nome do doador, para que se publicasse na imprensa e se registrasse no
Museu. Essa orientação revela preocupação de Ferreira Penna com a procedência
do objeto, sua forma de aquisição e outros dados necessários, no caso de o objeto
pertencer ao Museu para ser identificado e documentado, com fins de consulta e
60
pesquisas posteriores. Outras formas de recolhimento de objetos para o futuro
Museu se deram através de
cartas endereçadas pela diretoria da Sociedade Philomática aos intendentes de cidades e vilas do interior do Pará, os quais respondiam às mesmas com grande receptividade, enviando significativo número de objetos etnográficos [...] materiais e objetos também adentraram o acervo do Museu Paraense como fruto das viagens do próprio Ferreira Penna ao baixo rio Amazonas, à ilha de Marajó e ao Amapá (VELTHEM et al., 2004, p. 125).
Inicialmente, a sede oficial do Museu era também o local de armazenamento
dos objetos, na medida em que, às vezes, apenas uma ou duas salas eram cedidas
para o museu todo. Sobre os espaços onde foram abrigados os objetos etnográficos
e sua história, detalharemos no item seguinte intitulado A Reserva Técnica Curt
Nimuendajú.
Em 1871, quando o Museu de fato abriu suas portas, foram doados vários
objetos etnográficos acompanhados de notas explicativas, dentre os quais se podem
destacar uma zarabatana com flecha, uma cabeça de índio Arara embalsamada e
uma urna funerária contendo ossos (JORNAL DO PARÁ, 1871 apud CRISPINO;
BASTOS; TOLEDO, 2006).
A imprensa da época3 dava conta de que havia uma grande variedade de
artigos, entre os quais alguns muito curiosos, como: capacetes e outros ornatos de
pena, um ídolo, um busto de argila, um aparelho de tomar paricá, machadinhas de
pedra, todos pertencentes a tribos indígenas.
Com a reinauguração do Museu em 1894, a coleção etnográfica é descrita
por Emílio Goeldi, Diretor recém-empossado, da seguinte forma:
a colleção é pequena, mas desde muito orientado sobre os diversos fatores, que contribuíram para reduzi-la às dimensões modestíssimas de hoje, eu não teria me preoccupado com esse ponto. Mas encontrar tudo sem letreiro, nem indicação alguma de proveniência? Isto é mais funesto e quase desperta a suspeição que houve quem tivesse um interesse especial de produzir intencionalmente este estado chaótico, valendo-se do conhecimento da circunstância, que objectos ethnograficos de origem incerta pouco ou nenhum valor possuem (GOELDI, 1894, p. 15 ).
Goeldi reestrutura o Museu e dentre as seções incrementadas está a de
Ethnologia, Archeologia e Anthropologia, para a qual, apesar dos esforços 3 DIÁRIO DO GRAM-PARÁ, 1871, p. 1 (apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 73).
61
envidados pelo suíço, nenhum especialista nas áreas em questão foi atraído a
trabalhar na região, tendo o próprio assumido a referida Seção por toda a sua
gestão frente à Direção do Museu (VELTHEM et al., 2004).
Na qualidade de chefe da Seção de Ethnologia e Diretor do Museu, Goeldi
ampliou a coleção etnográfica, principalmente “por meio das excursões a campo,
das doações de particulares, inclusive políticos influentes, além de eventuais
aquisições”, como uma coleção de artefatos Cayapós, posteriormente tombada e
identificada como Coleção Frei Gil de Villanova (VELTHEM et al., 2004, p. 126). Esta
coleção custou aos cofres do Estado a quantia de Rs 2:500$000. Outra coleção
adquirida à época foi a de Napoleão da Rocha Pereira comprada por Rs 1:500$000
(GOELDI,1904, p. 18).
Outros objetos etnográficos foram adquiridos na gestão de Emílio Goeldi e a
prática de nomear a coleção com o nome de seu coletor tornou-se institucional,
vigorando até hoje na Reserva Técnica Curt Nimuendajú, onde atualmente está
armazenada a coleção etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Aos olhos de Goeldi, esses indivíduos [coletores] constituíam uma fonte 'tão digna de animação quão merecedora de gratidão' e, por conseguinte, seus nomes eram citados por ordem cronológica, nos seus relatórios e sob a rubrica 'donativos'. (GOELDI, 1895:1904 apud VELTHEM et al., 2004, p. 126).
Entre as coleções incorporadas na gestão de Goeldi estão as de Henri
Coudreau (1897), H. Bertha (1901), Frei Gil Villanova (1902), Theodor Koch-
Grünberg (1905) e Nelson Menezes (1906) (VELTHEM et al., 2004).
Em síntese, às 291 peças encontradas por Emílio Goeldi (GOELDI, 1894,
p. 20-21) somaram-se muitas outras, como as mencionadas anteriormente. Da
administração Goeldi (1894-1907) até 1921, não houve profissional especializado
para assumir a coleção etnográfica. Curt Nimuendajú, seu primeiro chefe, registra
2.632 objetos no Catálogo das coleções ethnográficas do Museu Goeldi, de 1921.
Na década de 1950, Eduardo Galvão, no livro Registro do material etnográfico
da Divisão de Antropologia, computa nove mil objetos entre peças etnográficas e
arqueológicas (GALVÃO, 1957 apud VELTHEM et al., 2004).
No último catálogo publicado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi
(RODRIGUES; FIGUEIREDO, 1982), no qual se encontram registradas as coleções
etnográficas do MPEG e também as da Universidade Federal do Pará (UFPA),
62
compõem a coleção etnográfica do MPEG quase 10 mil objetos distribuídos por
áreas culturais indígenas da seguinte forma:
QUADRO 3: Distribuição da coleção etnográfica por área cultural indígena – 1973
Área cultural indígena Quantidade de objetos etnográficos
Norte Amazônica 4.335
Juruá-Purus 163
Guaporé 77
Tapajós-Madeira 400
Alto-Xingu 859
Tocantins-Xingu 6.101
Pindaré-Gurupi 359
Paraguai 0
Paraná 8
Tietê-Uruguai 0
Nordeste 138
Outras procedências4 1.357
TOTAL 9.897
Fonte: RODRIGUES, Ivelise; FIGUEIREDO, Napoleão. Catálogo das Coleções Etnográficas do Museu Paraense Emílio Goeldi e Universidade Federal do Pará, Belém: CNPq/INPA/MPEG, 1982.
Atualmente (2009), a coleção etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi é
composta por 13.878 objetos registrados no livro de tombo5.
4 As coleções de outras procedências referem-se aos objetos etnográficos provenientes de população: cabocla, regional, africana, de pretos samaracás, Iawá, Jivaros, Kunibo, Nahua, Quichua, da região do rio Ucaialli, Shetibo e de procedência duvidosa [objetos de que não se sabe a procedência] (RODRIGUES; FIGUEIREDO, 1982, p. 30). 5 Informação extraída do livro de tombo da coleção etnográfica do MPEG, consultado em jan/2009.
63
4.1.2 A Reserva Técnica Curt Nimuendajú
Muito já se escreveu sobre a história do Museu Paraense Emílio Goeldi e a
formação de sua coleção etnográfica indígena6, entretanto, pouco se encontra
narrado sobre a história dessa coleção, a partir do momento em que é inserida na
reserva técnica, considerando as formas de organização e como foi documentada ao
longo do tempo. O que estamos propondo é relatar, em caráter investigativo, a
importante e pouco conhecida história desse acervo, em três momentos de sua
história, como já foi citado na Introdução.
O acervo é tombado desde 1938, quando o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) tomba a obra Coleção arqueológica e etnográfica do
Museu Paraense Emílio Goeldi. A partir desse fato, a coleção do MPEG passou a
pertencer a uma categoria do IPHAN conhecida como “Patrimônio arqueológico,
etnográfico e paisagístico”. Vale ressaltar que as coleções arqueológicas e
etnográficas, à época do tombamento, encontravam-se misturadas e foram
separadas apenas na década de 1960 por Eduardo Galvão.
Há questões recorrentes, na Antropologia e na Museologia, sobre o fato de os
objetos museológicos pertencerem à categoria "patrimônio" e serem considerados
objetos de memória. Há também discussões envolvendo os conceitos de arte erudita
e arte popular, arte e artesanato peculiares aos objetos etnográficos, entretanto,
acreditamos que neste contexto não cabe aprofundá-las, pois fogem ao principal
foco da pesquisa que é, como já foi mencionado, traçar o percurso do objeto
etnográfico numa visão interdisciplinar do processo de disseminação e de
transferência da informação no Museu Paraense Emílio Goeldi.
Retomando o tema deste tópico, o espaço de um museu em que os objetos
não expostos ficam armazenados, sob “rígido controle para sua conservação e
salvaguarda” (VELTHEM et al., 2004, p. 123) chama-se reserva técnica, da qual
pretendemos apenas citar algumas noções básicas, como introdução ao
entendimento da Reserva Técnica do Museu Paraense Emílio Goeldi, espaço onde
estão abrigados os objetos pertencentes à sua coleção etnográfica.
6 Para mais detalhes sobre o Museu Paraense Emílio Goeldi e a formação de sua coleção etnográfica consulte, entre outros, FIGUEIREDO; RODRIGUES (1973); CUNHA (1986); SCHWARCZ (1993); LOPES (1997); VELTHEM et al. (2004); CRISPINO; BASTOS ;TOLEDO (2006).
64
É difícil precisar quando surgiu a reserva técnica, como espaço
institucionalizado, inserido na hierarquia administrativa de um museu, entretanto, é
de amplo conhecimento que armazenar objetos remonta à gênese da instituição
museológica (HARREMAN apud SOARES, 1998). Sob essa ótica, “a reserva técnica
museológica é o local destinado às atividades de armazenagem, conservação e
gestão do acervo museológico” (SOARES, 1998, p. 49).
A base para uma boa conservação implica em objetos “metodicamente
armazenados e corretamente registrados” (DAIFUKU, 1959 apud SOARES, 1998,
p. 51), uma vez que o descontrole da umidade relativa do ar, da temperatura, do
excesso de luz, da presença de insetos e de mofo, entre outros fatores, podem
causar a deterioração dos objetos (GARDINER, 1994 apud SOARES, 1998).
A história da Reserva Técnica da Coordenação de Ciências Humanas, área
de Antropologia, do Museu Paraense Emílio Goeldi, denominada de Curt
Nimuendajú, desde o início da década de 1980, por iniciativa da antropóloga Lucia
Hussak van Velthem, confunde-se com a própria história do Museu Goeldi e, por
esta razão, muitos dados já citados podem ser novamente mencionados.
O Diário do Gram-Pará (1867, p. 2 apud CRISPINO, BASTOS; TOLEDO,
2006) relata que a Associação Filomática conseguiu uma espaçosa casa na Rua
Santo Antônio, centro de Belém, para o funcionamento do Museu. Esse foi o
primeiro espaço em que o Museu Paraense, antiga nomenclatura, funcionou e nele
foi abrigado e organizado o que se pode denominar de núcleo inicial do Museu
Paraense (ÁLBUM DO ESTADO DO PARÁ, 1908 apud CRISPINO, BASTOS;
TOLEDO, 2006, p. 56).
Em 1869, o acervo foi transferido por ordem do Presidente da Província do
Pará, José Bento da Cunha Figueiredo, para o pavimento inferior do prédio em que
funcionava a Diretoria da Instrução Pública (PENNA, 1894) e também o Liceu
Paraense, onde hoje fica o Colégio Estadual Paes de Carvalho, situado na Praça
Saldanha Marinho.
Não temos elementos para afirmar em que condições esse acervo era
armazenado, mas podemos inferir que objetos dos três reinos da natureza
ocupavam o mesmo espaço nesse primeiro momento, porque havia uma única sala
para abrigar todo o acervo do Museu. É certo também que os objetos não expostos
ficavam armazenados em caixas como os encontrou Nimuendajú, ao assumir a
chefia da reserva em 1920, conforme mostramos na quinta Seção.
65
Em 1873, o Museu passou a funcionar numa casa situada à Estrada de
Nazaré, num prédio particular arrendado pelo Governo do Estado. Não temos
registros de como os objetos da coleção eram armazenados ou conservados. No
mesmo ano, a coleção foi transferida dessa casa para os salões contíguos à
Biblioteca Pública, voltando assim ao Liceu Paraense (COLEÇÃO DAS LEIS DA
PROVÍNCIA DO GRAM-PARÁ: TOMO XXXV, 1873 apud CRISPINO, BASTOS;
TOLEDO, 2006, p. 87). De 1888 a 1891, o Museu Paraense foi fechado. A partir de 1891, a instituição entrou numa nova fase com suas coleções transferidas para o edifício da Escola Prática, onde foi solenemente instalado em 13 de maio de 1891 (FIOCRUZ, [200-]).
Em 1894, o Museu é reorganizado com a denominação de Museu Paraense
de História Natural e Etnografia. Emil August Goeldi, o seu novo Diretor, em relatório
apresentado ao Governador do Estado do Pará, assim se refere à coleção
etnográfica: pequena e caótica (GOELDI, 1894). Depois de constatado o péssimo
estado em que se encontravam os referidos objetos, Goeldi relata:
vejo-me obrigado em prol da probidade scientifica (que o Museu Paraense deverá observar como estricta norma de conduta não só em relação ás sciências naturaes, como mui particularmente também no terreno da ethnologia Amazônica) a encostar a maioria d'estes instrumentos de índios ou a degradal-os a um uso meramente ornamental e principiar de novo (GOELDI, 1894, p. 15).
Pelo exposto anteriormente, Goeldi abandonou todo o acervo existente até
então nessa área e recomeçou a coleção etnográfica, dentro de padrões que ele
achava corretos para uma coleção científica. Em relatório datado de 1894, o Diretor
lamenta a situação e afirma:
é duro, reconhecer, que teremos de crear colleções mesmo n'esta secção e que nem se encontram no Museu, por assim dizer, bases sólidas e fidedignas para um princípio! (GOELDI, 1894, p. 15)
No ano seguinte à sua posse, Goeldi transfere da Rua São João (atual
Academia Paraense de Letras) – onde o Museu funcionou até 1895 (CRISPINO,
BASTOS;TOLEDO, 2006) – todo acervo para a nova sede, adquirida pelo Governo
do Estado, situada à Av. Independência, 22 (atual Av. Governador Magalhães
Barata, 376). O acervo ocupou um casarão do século XIX, identificado como
Rocinha, “uma pequena chácara ou um sítio com pomar". (FERREIRA, 2004).
66
O termo Rocinha é citado desde os fins do século XVIII e início do século XIX
por viajantes e cientistas que visitaram Belém e seus arredores. Em 1919, Spix e
Martius narraram:
apenas alguns dias de permanência em Rocinha, a aprazível vivenda rural, onde se nos ofereceu tão benévola hospitalidade, já nos fizeram sentir rápida mudança no nosso estado de saúde. (SPIX; MARTIUS, 1919 apud SOARES, 1996 ,p. 19).
Tocantins, reconhecido historiador paraense, refere-se a essa construção da
seguinte forma:
rigorosamente falando, a rocinha era o todo que formava a pequena propriedade rural: campo, floresta, pomar e casa. Mas na linguagem usual significava a vivenda cercada de árvores silvestres, de fruteiras, de jardins rústicos [..] (TOCANTINS, 1963, p. 106).
Nesse casarão, cercado de árvores e de jardins, os espaços para abrigar o
acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi foram distribuídos da seguinte maneira:
os seis quartos da parte da frente serviram para salas de exposições. Na ala direita, o primeiro quarto foi dedicado à arqueologia amazônica (cerâmica do Marajó, etc.) e os dois outros foram dedicados à etnologia, o segundo contendo adornos, trabalhos de penas etc., e o terceiro com instrumentos bélicos e de caça, além de objetos de uso doméstico [...] (GOELDI, 1896, p. 45).
A foto de F. A. Fidanza, publicada no Álbum do Pará, datado de 1899 (Figura
3), que presta contas da administração do Governador José Paes de Carvalho,
mostra a exposição de cerâmicas indígenas, colocadas em estantes de vidro. Não
temos registro de como as peças não expostas ficavam armazenadas no porão da
Rocinha.
67
FIGURA 3: Exposição de cerâmica indígena, em 1899 Fonte: Álbum do Pará, 1899
Em 1896, num discurso proferido por ocasião da instalação da Sociedade
Zeladora do Museu Paraense, a situação em que se encontrava a coleção
etnográfica era bem diferente daquela encontrada por Goeldi, em 1894. O Barão de
Marajó, responsável pelo discurso, assim relata:
vedes hoje por toda parte um belo princípio de coleções: o ramo zoológico, o botânico, o geológico e mesmo o etnográfico, cada um tem suas coleções a mostrar e elas já são satisfatórias e agradáveis, em proporção ao curto espaço de tempo empregado (BOLETIM DO MUSEU PARAENSE DE HISTÓRIA NATURAL E ETNOGRAFIA, TOMO II, 1898, p. 114-120).
Na nova sede do Museu, local onde hoje funciona o Parque Zoobotânico, a
coleção etnográfica ocupou vários espaços. Em 1921, quando Curt Nimuendajú
assumiu a chefia da Seção de Ethnologia, Archeologia e Anthropologia
(nomenclatura da época), os objetos ficavam guardados no porão da Rocinha,
permanecendo nesse espaço até mais ou menos 1955, quando Eduardo Galvão
68
separou as coleções etnográfica e arqueológica e transferiu os objetos etnográficos
para uma sala que ele denominava "depósito", onde hoje funciona o almoxarifado do
Museu.
Em seguida, quando a coleção da Botânica transferiu-se para o herbário, a
coleção etnográfica passou a ser abrigada nesse espaço, no Parque Zoobotânico,
ao lado do Pavilhão de Exposição Eduardo Galvão, no qual permaneceu até
setembro de 2003 (VELTHEM, 2008. Entrevista). Nessa reserva, Galvão desenhou
armários de madeira para receber os objetos de acordo com a área cultural a que
pertenciam. (Figura 4)
FIGURA 4: Reserva Técnica Curt Nimuendajú até 2003 Fotos: Alegria Benchimol
O referido espaço, com o decorrer dos anos e com o incremento das coleções
etnográficas, ficou insuficiente para armazenar adequadamente todo seu acervo.
Conseqüentemente, pequenos danos começaram a surgir devido à grande
compactação, falta de mobiliário adequado e clima inadequado, umidade não
controlada, uso intermitente de aparelhos de ar condicionado, entre outros.
Envidando esforços para a conservação dos objetos, em 1995, o Museu
Paraense Emílio Goeldi construiu um edifício de 270 m2, no Campus de Pesquisa
destinado a abrigar a coleção etnográfica. Esse prédio situa-se à Av. Perimetral,
1901, longe do centro de Belém, num terreno plano e arborizado (CUNHA, 1986).
Mais informações sobre o novo espaço da Reserva Técnica Curt Nimuendajú
encontram-se na Subseção 5.3 desta dissertação.
De 2001 a 2003 foram executadas obras no Campus, a fim de implantar o
novo sistema de controle ambiental da reserva. A partir de setembro de 2003, a
69
coleção começou a ser transferida para a nova Reserva Técnica, já devidamente
climatizada e com mobiliário adequado para armazená-la conforme os ditames de
conservação de objetos referidos por Daifuku (apud SOARES, 1998) no início deste
tópico. (Figura 5)
FIGURA 5: Reserva Técnica Curt Nimuendajú a partir de 2003 Fotos: Luciana Kamel
5 DE CURT NIMUENDAJÚ AO SÉCULO XXI: A ORGANIZAÇÃO DA COLEÇÃO ETNOGRÁFICA DO MPEG
Não se tem a intenção, nesta Seção, de fazer uma biografia exaustiva, nem
de aprofundar análise sobre as atividades de colecionador, de pesquisador ou de
etnólogo de Curt Unkel ou Curt Nimuendajú, como é mais conhecido, nem tampouco
acerca das atividades de antropólogos de Eduardo Galvão e de Lucia Hussak van
Velthem, muito embora se reconheça que esses dados sejam relevantes para a
Etnologia brasileira e também para a Ciência de um modo geral no Brasil, porque no
legado desse imigrante alemão e dos pesquisadores brasileiros constam estudos
que interessam sobremaneira à Lingüística, à Geografia, à Antropologia, à Etnologia,
à Sociologia, entre outras disciplinas das Ciências Humanas e Sociais.
Indicamos, no entanto, dados sobre a vida de Nimuendajú que afetaram suas
atividades como primeiro organizador da coleção etnográfica do Museu Paraense
Emílio Goeldi, em 1920, e alguns outros, tendo em vista sua condição de um dos
fundadores da Etnologia brasileira e a dedicação de mais 40 anos a viagens pelas
mais diferentes comunidades indígenas do Brasil. Abordamos, ainda, as atividades
de Eduardo Galvão e Lucia Hussak van Velthem quando assumiram a coleção
etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi e tornaram-se responsáveis pela sua
organização, em 1955 e 1985, respectivamente.
5.1 Curt Nimuendajú e a primeira organização da coleção etnográfica
Considerado um dos pais fundadores da Etnologia brasileira, sua “obra
sozinha, é maior e mais importante do que a soma das de todos nós que fizemos
etnologia antes e depois dele, até hoje em dia” (RIBEIRO, 1979, p. 12). A citação
refere-se a Curt Nimuendajú, homem sem nenhuma formação acadêmica, que se
destacou como a maior autoridade no campo da Etnologia indígena durante toda a primeira metade do século XX, mantendo relações com praticamente todas as instituições e órgãos importantes do seu tempo. Sua vida e obra relacionam-se diretamente com a emergência da etnologia como disciplina no Brasil e a institucionalização do indigenismo nacional ocorridos no início do século (GRUPIONI, 1998, p. 161).
71
Filho de Julius e Maria Unkel, nascido numa cidade da Thuringia chamada
Jena, na Alemanha, em 1883, Curt Unkel chegou ao Brasil em 1903. Até o ano de
1905, não se tem conhecimento de registros das atividades dele no país (NUNES
PEREIRA, 1946).
De 1905 a 1908, o alemão entrou em contato pela primeira vez, na qualidade
de ajudante de cozinheiro, contratado pela comissão Geográfica e Geológica de São
Paulo, com os índios Guarani e os Kaingang no Oeste de São Paulo. Sobre o
convívio com os primeiros, relata Curt: “conheci os Guarani em 1905, no Oeste de
São Paulo e vivi em suas tabas, com poucas interrupções até 1907, na cidade de
Batalha, como um deles” (NIMUENDAJÚ, 1914 apud NUNES PEREIRA, 1946,
p. 17). Posteriormente, conviveu com os Apapokuva-Guarani, tribo que o adotou
espiritualmente e o batizou, em 1906, na cerimônia do Nimongaraí7 com o nome de
Nimuendajú (GRUPIONI, 1998, p. 173-174).
Há muitas explicações para o significado do nome dado pelos índios a Curt
Unkel, mas, segundo esclarecimento do próprio, Nimuendajú quer dizer “o sêr que
cria ou faz seu próprio lar” (NIMUENDAJÚ apud NUNES PEREIRA, 1946, p. 20).8
Para entendermos melhor a personalidade desse etnólogo, vejamos o que o
próprio relata sobre si em uma carta a Herbert Baldus, importante antropólogo
alemão naturalizado brasileiro em 1946, com quem Nimuendajú trocou
correspondência: quer que lhe mande uma história da minha vida? É muito simples: nasci em Jena, no ano de 1883, não tive instrução universitária de espécie alguma, vim ao Brasil em 1903, tinha como residência permanente até 1913, São Paulo, e depois Belém do Pará, e em todo o resto foi, até hoje, uma série quase ininterrupta de explorações, das quais enunciei na lista anexa aquelas de que me lembro. Fotografia minha não tenho (NIMUENDAJÚ, 1939 apud BALDUS, 1982, p. 26).
Nimuendajú realizou exaustivo trabalho de campo em aproximadamente
cinqüenta grupos indígenas diferentes em território brasileiro e “dedicou-se à
descrição minuciosa de sociedades indígenas específicas, consagrando-se como o
7 Cerimônia de batismo entre os Apapokuva-Guarani. 8 Para informações detalhadas sobre o significado da palavra Nimuendajú, consultar Os etnólogos no Conselho de Fiscalização das expedições artísticas e científicas no Brasil, de Luis Donisete Benzi Grupioni, 1998, p. 174.
72
etnógrafo de campo que mais conheceu grupos indígenas diferentes no Brasil”
(GRUPIONI, 1998, p. 166). “Ninguém, antes ou depois de Nimuendajú, conheceu e
escreveu sobre tantos grupos indígenas [...] fato que o torna, de longe, o mais
fecundo dos etnólogos brasileiros” (MOREIRA NETO, 1982, p. 11).
De acordo com Nunes Pereira (1946), são 30 as obras publicadas de
Nimuendajú; suas viagens para estudar as mais diferentes tribos indígenas, entre
1905 e 1945, por todo o Brasil, chegam a quase 40, além de um amplo estudo
lingüístico acerca de várias etnias brasileiras.9
É também de sua autoria a elaboração do mapa etno-histórico do Brasil,
minuciosamente desenhado, “à nanquim, num papel de desenho com dois por dois
metros, já repleto de símbolos, representando rios, litorais [...] [...] identificando e
localizando um milhar e meio de tribos indígenas, classificando suas línguas,
anotando seus hábitos e coligindo seus utensílios” (PINTO BARBOSA, 1981, p. 23).
Foi, sem dúvida, um trabalho grandioso, meticuloso e que exigiu de seu
construtor profundos conhecimentos de Etnologia, de História, de localização de
tribos e seus deslocamentos pelo Brasil da época.
Curt desenhou três versões não idênticas para o mapa-etnográfico. A primeira
versão foi elaborada para a Smithsonian Instituition, em 1942; a segunda, em 1943,
para o Museu Paraense Emílio Goeldi, a pedido de Carlos Estevão de Oliveira; e a
última versão, provavelmente a mais completa, foi traçada em 1944 para o Museu
Nacional (FARIA, 1981, p. 21). Segundo declarações de seu autor,
o mapa não se baseia em trabalho etno-geográfico de outro autor nenhum. Os dados bibliográficos, as informações particulares e os estudos e observações pessoaes á respeito foram acumulados durantes alguns dezenios de annos (NIMUENDAJÚ, 1944, p. 41).
Em sua grande maioria, as obras publicadas de Nimuendajú consistem em
vocabulários e lendas que recolheu entre muitas tribos do Norte do Brasil, além de
dados mitológicos, históricos e psicológicos das tribos por ele estudadas. Suas obras
inéditas estariam reunidas em uma
9 Para mais detalhes sobre este assunto, vide Nunes Pereira, Curt Nimuendajú: síntese de uma vida e de uma obra, 1946.
73
coletânea de 300 histórias, lendas, contos, etc., na sua maioria escabrosas e obscenas mesmo, que Curt Nimuendajú recolheu entre várias tribos e que pretendia publicar num grosso volume sob o título de TRESENTAS, com as quais documentaria uma das mais preciosas pesquisas, no gênero, da literatura oral dos índios que estudou (NUNES PEREIRA, 1946, p. 46).
O legado de Nimuendajú para a Etnologia brasileira é precioso, não apenas
pelo que escreveu, mas também pelas inúmeras coleções que formou, abastecendo
museus nacionais e instituições de fora do país. Constam hoje na Reserva Técnica
Curt Nimuendajú do Museu Paraense Emílio Goeldi aproximadamente 1.985 objetos
coletados por ele na primeira metade do século XX, referentes às etnias Aparaí,
Canelas Orientais, Maxacali, Xerente e Tukuna, entre outras. Por mais de uma vez,
assumiu a chefia da coleção etnográfica, sendo a primeira de junho de 1920 a maio
de 1921, analisada nesta pesquisa, e a segunda, na década de 1940 (GRUPIONI,
1998, p. 178).
Na ausência da Diretora Emilia Snethlage, Nimuendajú assumiu a direção
científica do Museu Goeldi, responsabilizando-se pela biblioteca e pela
correspondência do Museu (GRUPIONI, 1998, p. 178).
Suas relações com o MPEG não se limitaram às atividades administrativas ou
à formação de coleções etnográficas. Ministrou três cursos de Etnologia, entre 1941
e 1944, nos quais abordava aspectos materiais, econômicos e sociais de alguns
povos indígenas, cotejava as culturas estudadas, além de dedicar-se a ensinar a
família lingüística Tupi-Guarani.
Não fosse o anteriormente exposto suficiente para legitimar a presença de
Nimuendajú como extremamente importante para o Museu e sua coleção
etnográfica, o etnólogo manteve estreita relação com Carlos Estevão de Oliveira
(1880-1946), Diretor do Museu Goeldi de 1930 a 1945, com quem, por longo
período, trocou cartas. Foram cerca de 90 missivas10, entre 1923 e 1942, nas quais
etnografia e indigenismo foram temas recorrentes. Por meio da leitura de fragmentos
dessa correspondência é possível perceber a rotina da vida de Nimuendajú no
período, conforme o relato a seguir:
10 Consulte, para aprofundar esse tema, Cartas do Sertão: de Curt Nimuendajú para Carlos Estevão de Oliveira, 2000, apresentado por Thekla Hartmann.
74
viajar por meio ano, obedecendo em geral ao regime das chuvas, e ocupar o resto do tempo com a elaboração de relatórios, a catalogação das coleções arqueológicas e etnográficas que trazia do campo, a confecção de desenhos, croquis e mapas, leituras e pesquisa bibliográfica, preparo de artigos e livros, em suma, com o trabalho de gabinete propriamente dito (HARTMANN, 2000, p. 28).
Em suma, Nimuendajú foi um homem dinâmico, fecundo intelectualmente e
que dedicou cerca de 40 anos às atividades de coletar, ensinar, pesquisar e divulgar
as tribos indígenas brasileiras no país e no exterior. Morreu em dezembro de 1945,
numa aldeia Tukuna, perto de Santa Rita do Weil, no Alto Rio Solimões
(HARTMANN, 1981/1982).
Não encontramos nenhum documento indicando se há uma certidão de óbito
que revele a causa da morte de Nimuendajú, entretanto, há especulações e algumas
versões sobre a sua causa mortis. Laraia (1988) relata no artigo As mortes de
Nimuendajú, três histórias diferentes: na primeira, o alemão teria sido envenenado
com café por um "civilizado" da região onde os Tukuna habitavam, por estar
descontente com a atuação de Nimuendajú em prol dos índios referente à questão
da borracha, que no pós-guerra entrou em decadência. Essa notícia foi relatada,
segundo Laraia, pelo índio Tukuna Nino a um agente do Serviço de Proteção aos
Índios (SPI).
A segunda versão, corrente na comunidade científica da época, postula que o
imigrante alemão teria sido envenenado pelos próprios índios Tukuna, descontentes
com o seu envolvimento amoroso com as mulheres da tribo ou, então, para saquear
seus pertences. Existe ainda uma terceira hipótese, de Nimuendajú ter sido
assassinado pelos seringalistas, por entenderem seus interesses ameaçados depois
de sua atuação a favor dos índios na polêmica questão da borracha e que culminou
com a implantação do SPI, na região, em 1943.
Não temos elementos para afirmar se alguma dessas versões corresponde à
realidade ou se, de fato, a verdade está na proposição levantada por Laraia (1988),
na qual supõe que Nimuendajú morreu naturalmente, por encontrar-se com o
organismo debilitado devido à intoxicação provocada pela ingestão de quinino11 para
combater as inúmeras malárias que contraiu.
O fato é que, independentemente de conhecermos o verdadeiro motivo,
Nimuendajú morreu e foi sepultado entre os índios, no meio de uma floresta, no Alto
11 Substância usada contra a malária e também como relaxante muscular (HOUAISS, 2001)
75
Rio Solimões, local amado por ele desde os tempos remotos em que habitava a
Thuringia, região cercada “por extensas e imponentes associações vegetais [...] [...]
denominada poeticamente ‘coração verde’ da Alemanha” (NUNES PEREIRA, 1946,
p. 9). Sobre a possibilidade de não mais poder conviver com os índios, por motivo de
saúde, Nimuendajú desabafou:
parece-me incrível que eu nunca mais hei de ver os campos dos Canellas banhados em sol, nem os igapós sombrios dos Tukuna [...] [...] o sr. bem sabe como eu amava esta vida e estava identificado com os índios (NIMUENDAJÚ apud BALDUS, 1982, p. 26).
Ignorando a vontade do amigo, Herbert Baldus, em 1956, encarrega Harald
Schurtz, antigo aluno de Nimuendajú (MUSEU PAULISTA, 1959), de recolher os
ossos do mestre, no Cemitério Santa Maria situado na Vila de Santa Rita do Weil,
Município de São Paulo de Olivença, Estado do Amazonas, e levar para São Paulo,
a fim de dar a Nimuendajú um enterro digno.
A exumação foi realizada em 19 de fevereiro de 1956 e os restos mortais do
cientista foram transladados para o Museu Paulista, no qual ficaram guardados “em
uma caixa de papelão (segundo uns), em uma igaçaba (segundo outros)” (LARAIA,
1988, p. 71) por pelo menos dois anos. No documento expedido pelo cartório do
Judicial de Mais Ofícios Anexos de São Paulo de Olivença, no Amazonas, consta
que após a exumação encontraram: calota craniana, dois femor, massa encefálica apresentando sólida consistência, uma gravata e um par de botinas que foi reconhecido pelos pontos como sendo do mesmo falecido de que se trata, de nacionalidade alemã, naturalizado brasileiro, nascido em mil oitocentos e oitenta e três (1883), na Alemanha, então domiciliado em Belém do Pará [...] (HARTMANN, 1981/1982, p. 188).
Em 1958, em comemoração ao dia do índio, numa sessão solene da
Sociedade Brasileira de Sociologia, foi realizada a cerimônia de transladação dos
restos mortais de Curt Nimuendajú para uma urna funerária, tipo igaçaba, construída
a pedido da referida Sociedade e confiada aos auspícios do Museu Paulista até que
se construísse uma cripta para recolhimento da urna. A certidão de exumação dos
restos mortais do indigenista, expedida pelo Cartório do Juízo Municipal de São
Paulo de Olivença, Amazonas, em 25 de setembro de 1957, foi arquivada pela
Sociedade Brasileira de Sociologia (REVISTA DO MUSEU PAULISTA, 1959).
76
A urna e os despojos de Nimuendajú ficaram desde então no Museu Paulista, às portas do Setor de Etnologia. A igaçaba foi violada, um tapetinho vermelho esgueirou-se para seu interior, a cera de numerosas velas escorreu pelo granito polido, e durante 23 anos antropólogos, visitantes, nacionais e estrangeiros, fitaram-na compadecidos ou com revolta nos olhos (HARTMANN, 1981/1982, p. 190).
A prometida cripta nunca foi construída, indicando uma total falta de
consideração e respeito à memória de Curt Nimuendajú. Durante os 23 anos em que
seus restos mortais rolaram pelos corredores do Museu Paulista, nenhuma outra
instituição a quem Nimuendajú prestou serviços considerou a hipótese de tomar para
si a tarefa de enterrá-lo condignamente. Na realidade, se Nimuendajú tivesse sido
consultado sobre em que local gostaria de ser enterrado, certamente preferiria estar
deitado entre “os campos dos Canellas banhados em sol ou entre os igapós
sombrios dos Tukuna” (NIMUENDAJÚ, 1943 apud BALDUS, 1982, p. 26).
Somente em 1978, a pedido do Setor de Etnologia do Museu Paulista, inicia-
se um processo administrativo visando a dar um destino digno aos restos mortais de
Curt Nimuendajú, homem que coletando, pesquisando e divulgando as sociedades
indígenas brasileiras, dignificou o país, internamente e no exterior. Foi um longo
processo burocrático que teve fim em 1981. Depois de 3 anos de viagens pelos labirintos da burocracia, o processo de inumação definitiva engordou 49 folhas, mas Curt Nimuendajú, falecido em 1945, exumado em 1956, recolhido a uma igaçaba em 1958, foi sepultado em 1981. Sem cerimônias, sem discurso nem solenidade. Simplesmente (HARTMANN, 1981/1982, p. 190).
O processo contou com o empenho pessoal e generosidade da pesquisadora
Thekla Hartmann, antropóloga do Museu Paulista, e depois do Museu de Arquelogia
e Etnografia da Universidade de São Paulo. Graças ao seu esforço, em 24 de
setembro de 1981 deu-se a inumação definitiva dos restos mortais do etnólogo para
a sepultura 21 da Quadra IV do cemitério do Redentor, situado à Av. Dr. Arnaldo,
1105, esquina com a Rua Cardeal Arcoverde, zona Oeste de São Paulo
(HARTMANN, 1981/1982, p. 187).
Em artigo publicado sobre o enterro de Nimuendajú em São Paulo, a autora
informa que os despojos de Nimuendajú encontram-se agora ao lado do jazigo de
um amigo [Paul Alicke], a quem ofereceu, nos idos de 7 de agosto de 1920, um
exemplar do trabalho sobre os Apapokuva (HARTMANN, 1981/1982, p. 187),
77
entretanto, Hartmann não cita – e deve ter suas razões para tal – que sua família
cedeu, gentilmente, o próprio jazigo para abrigar os restos mortais do etnólogo
alemão naturalizado brasileiro. (Figuras 6 e 7)
FIGURA 6: Documento obtido pela pesquisadora junto ao Cemitério do Redentor / São Paulo, em outubro / 2008
FIGURA 7: Túmulo onde está colocada urna (igaçaba) com os restos mortais de Nimuendajú Foto: Alegria Benchimol
78
Depois de uma breve introdução sobre quem foi Curt Nimuendajú, sua
importância para a Etnologia no Brasil e suas relações com o Museu Emílio Goeldi,
enfocamos sua relevância como o primeiro a dar uma organização à coleção
etnográfica do Museu.
Só a partir de 1920, quando Curt Nimuendajú assumiu a chefia da Seção de
Etnologia, Arqueologia e Antropologia – nomenclatura daquela época para a atual
Coordenação de Ciências Humanas – a convite de Emília Snethlage, então Diretora
do Museu, a coleção etnográfica do MPEG teve sua primeira sistematização.
Antes, não havia existido para aquela seção um chefe especializado, pois
essa função era de responsabilidade dos diretores do Museu, como Emílio Goeldi,
por exemplo, que adquirindo novos objetos etnográficos promoveu o aumento das
coleções.
Nimuendajú era profundo conhecedor das culturas indígenas, pois conviveu
entre os mais diferentes povos desde que chegou ao Brasil no início do século XX,
como já foi mencionado nesta dissertação. Ao assumir a seção, tinha
essencialmente três tarefas a cumprir: realizar uma completa revisão da coleção;
organizar um inventário e confeccionar um catálogo que permitisse verificar
rapidamente a ausência de um objeto; e, por último, reorganizar etiquetas da
exposição (GRUPIONI, 1998).
No exercício de suas funções, esse autodidata fez uma revisão da coleção
etnográfica e, em 1921, elaborou o primeiro catálogo de objetos para a coleção.
Esse catálogo, com 24 páginas, contém a relação das peças do acervo, numeradas
de 1 a 2.619, datilografadas, e de 2.620 a 2.632, manuscritas. O catálogo é datado
de 3 de abril de 1921 e, na primeira página, há o seguinte título: Catálogo das
colleções etnográficas do Museu Goeldi. A assinatura de Curt Nimuendajú consta na
primeira página do documento, após as observações sobre o modo como se
organizava a coleção. (Anexo A)
Há, entretanto, uma cópia desse catálogo, elaborada em 1939, nos arquivos
da Reserva Técnica do MPEG, com uma página a mais, que dá conta do extravio de
13 peças relacionadas por Curt em 1921 (Anexo B). Nessa cópia, há 2.619 objetos
catalogados e não mais os 2.632 relacionados por Nimuendajú. A página está
assinada por Evalda Xavier Falcão, aluna de Nimuendajú num curso ministrado no
MPEG (NUNES PEREIRA, 1946) e sua provável auxiliar, entre 1939 e 1940.
Chegamos a essa conclusão, devido à assinatura de Falcão na página do extravio
79
das peças, além de o próprio Nimuendajú mencionar, em uma carta datada de 1940,
que Evalda Falcão trabalhava com bastante dedicação e consultava-se
freqüentemente com ele (HARTMANN, 2000 apud VELTHEM et al., 2004).
Pelo fato de o catálogo original, de 1921, encontrar-se deteriorado e frágil,
consultamos a cópia, de 1939, que está manchada de água12, não tem a assinatura
de Nimuendajú na primeira página e nem a lista manuscrita dos últimos objetos
registrados em 1921. Não encontramos diferença em relação aos outros dados.
Na organização dada por Nimuendajú à coleção, constam os seguintes
campos informacionais, divididos em cinco colunas: a primeira segue uma
numeração cardinal em ordem crescente de 1 a 2.619; a segunda é destinada às
etnias indígenas das quais os objetos são provenientes; a terceira pontua a
localização geográfica dos objetos (aldeias e rios que as cortam); na penúltima ou
quarta coluna são colocadas observações das mais diversas ordens, como por
exemplo, a forma como alguns objetos foram adquiridos, o nome do coletor dos
objetos, a data em que foram coletados ou observações sobre a procedência deles;
e, finalmente, na quinta e última coluna há uma descrição sucinta dos objetos.
É importante ressaltar que, na organização da coleção etnográfica de
1920/1921, já entram como indicadores de identificação dos objetos os seguintes
campos informacionais: número de registro, etnia, nome do coletor, localização
geográfica, data e uma breve descrição dos objetos. Nas duas últimas páginas do
catálogo, consta uma relação com as Tribus representadas nas coleções
etnográficas do Museu Paraense Emílio Goeldi, listadas em ordem alfabética.
Como já referimos, no final da década de 1930, até meados da década de
1940, Nimuendajú volta a atuar no Museu Goeldi. Data dessa época um outro
catálogo que relaciona os objetos etnográficos pertencentes à reserva. Nesse
catálogo, os objetos receberam um novo número de tombo. Dessa forma, cada
objeto da coleção etnográfica do MPEG passou a ter dois números de tombo
diferentes: um dado por Curt Nimuendajú, em 1921; e outro dado, provavelmente
também por ele, auxiliado por Evalda Xavier Falcão, como citamos anteriormente.
12 Em 1993, houve uma chuva forte em Belém e, como conseqüência, caiu uma árvore dentro do Parque Zoobotânico, nas dependências da antiga Reserva Técnica Curt Nimuendajú. Alguns documentos, entre os quais o catálogo de 1921 e a cópia datada de 1939, foram atingidos pelas águas, mas felizmente foram resgatados pelos funcionários.
80
Vale ressaltar que, no catálogo de 1939, há referência à numeração anterior
do objeto. Não aprofundamos esses procedimentos, por não ser esse período foco
desta pesquisa, todavia, mostramos (Anexo C) uma página desse catálogo, com as
duas numerações para o mesmo objeto. No mesmo anexo, mostramos também que
há um terceiro número, 103, registrado no livro de tombo, para o referido objeto.
Pode-se observar que, na linha amarela (grifo nosso), mais à esquerda do anexo, há
o número 1.494, dado ao objeto por Curt Nimuendajú, e, em seguida, o número 179
atribuído ao mesmo objeto na listagem de 1939.
Para completar o exemplo, mostramos a fotografia desse objeto (uma panela
de barro) coletada por Curt Nimuendajú (Anexo D), em 1915, entre os índios Aparaí.
Grafados no próprio objeto encontram-se os números 1.494, 179 e 103.
Pelas observações por Curt relatadas na primeira página do catálogo (Anexo
E), os objetos da coleção etnográfica, ou estavam em exposição permanente nas
duas salas da Seção Etnográfica, ou ficavam encaixotados no porão da Rocinha,
seguindo a procedência ou o nome do coletor. Vale a pena relembrar que a Rocinha
foi o local para onde, em 1895, Emílio Goeldi transferiu todo o acervo do Museu e
fica na parte central de uma área ampla, situada de frente para a antiga Estrada da Independência (atual Magalhães Barata [nº 376]), fundos para a rua da Constituição, conhecida hoje como Avenida Gentil Bittencourt, e tem em suas laterais a Travessa 9 de Janeiro e a atual Alcindo Cacela, antes conhecida como “22 de junho” ( SOARES, 1996, p. 61).
Atualmente, a Rocinha abriga exposições do Museu, além de outros usos que
não importam ao desenvolvimento desta pesquisa.
5.2 Eduardo Galvão e a classificação por áreas culturais indígenas
Nesta Subseção, abordamos alguns dados biográficos de Eduardo Galvão
que interferiram na organização da coleção etnográfica do MPEG, bem como
introduzimos a base teórica da organização por ele dada à coleção, intitulada Áreas
culturais indígenas.
81
Eduardo Enéas Gustavo Galvão nasceu no Rio de Janeiro, em 1921,
curiosamente, ano em que Curt Nimuendajú elabora para o Museu Paraense Emílio
Goeldi o primeiro catálogo da coleção etnográfica. Galvão foi um dos maiores antropólogos culturais brasileiros. Ao lado de Herbert Baldus, Darcy Ribeiro, Egon Schaden e Roberto Cardoso de Oliveira, foi um dos pais fundadores da antropologia científica no Brasil (SILVA, 2000).
Graduado em História e Geografia, Galvão obteve bolsa para cursar pós-
graduação na Universidade de Columbia, em 1946. Defendeu Tese de Doutorado
em 1953, intitulada Santos e visagens, um estudo da vida religiosa de Itá, Amazonas
(MAUÉS, 1999).
Segundo Silva (2008), um dos períodos fundamentais na vida de Galvão
engloba a década de 1950 e os primeiros anos da década de 1960, época que
coincide com as atividades desempenhadas pelo antropólogo no Museu Paraense
Emílio Goeldi e que interessa de perto aos objetivos desta pesquisa.
Na década anterior, de 1941 a 1947, Galvão exerceu a função de naturalista
no Museu Nacional. Em 1950, foi admitido como pesquisador nessa instituição, e, no
mesmo ano, foi contratado para trabalhar como chefe no SPI, na Seção de
Orientação e Assistência, função na qual permaneceu, ao lado de antropólogos de
renome como Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira, até 1955.
Em 1955, o pesquisador muda-se para Belém e assume a chefia da antiga
Seção de Ethnologia, Archeologia e Anthropologia, à época denominada Divisão de
Antropologia, na qual permaneceu por duas décadas (SILVA, 2008). De 1961 a
1962, Eduardo Galvão assume a Diretoria do Museu Paraense Emílio Goeldi e seu
legado é uma notável contribuição para a Antropologia Social, em particular, aos estudos de mudança cultural, religiosidade, áreas culturais indígenas e populações caboclas. Galvão foi o responsável pela formação de vários pesquisadores no Museu Goeldi bem como pela renovação dos estudos antropológicos na Amazônia (MUSEU, 2008).
O Museu Goeldi foi um campo privilegiado de atuação científica para Eduardo
Galvão. A vinculação do Museu com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA), naquele momento, e posteriormente sua subordinação ao CNPq, como
órgão autônomo, deram a Galvão todo o suporte institucional necessário à
implementação de pesquisas fundamentais ao seu ideal de antropólogo. Nessa fase,
82
Galvão publicou 34 trabalhos, sendo 24 de autoria exclusiva e 10 em co-autoria,
além de dois livros e artigos divulgados em boletins, periódicos e outras publicações
científicas. É um período caracterizado pela individualização de sua produção
científica e também quando assume cargos de alta responsabilidade profissional
como a Chefia da Divisão de Antropologia e, posteriormente, a Direção do Museu
Paraense Emílio Goeldi (SILVA, 2008). Um dos trabalhos de grande porte iniciados
por Galvão nessa época referiu-se à orientação e formação de antigos e novos
antropólogos, tanto no MPEG como na UFPA (MAUÉS, 1999). Foi importante
também seu trabalho voltado à pesquisa
no campo da etnologia indígena, de forma contínua e regular, assim como também se desenvolveu o interesse para com as populações regionais, em seus diversos segmentos, sobretudo rurais (pescadores, agricultores, criadores, posseiros, trabalhadores volantes, etc.) (MAUÉS, 1999, p. 35).
Sob a orientação de Galvão, a Divisão de Antropologia foi reorganizada e as
coleções foram conferidas, classificadas e descritas. Auxiliado pelos arqueólogos
Mário Simões e Peter Hilbert, Galvão organizou e separou a coleção etnográfica da
arqueológica, que se encontravam misturadas, procedendo a um novo tombamento
das peças. Para a Antropologia, foi elaborado o livro Registro do material etnográfico
da Divisão de Antropologia, contendo oito volumes e indicando, naquele momento,
nove mil objetos etnográficos (GALVÃO, 1957 apud VELTHEM et al., 2004).
As proposições de Eduardo Galvão não se circunscreveram aos limites do
Museu Goeldi e da coleção etnográfica. Seus estudos abrangeram uma classificação
ampla sobre as tribos indígenas brasileiras. Segundo o antropólogo, durante muito
tempo os grupos indígenas do Brasil eram classificados à luz da Etnologia em
grupos lingüísticos, enfatizando também o lado cultural desses grupos. É comum
contrapor, por exemplo, a cultura Tupi à cultura Caribe (GALVÃO, 1960). Essa
discussão não é aprofundada na presente pesquisa porque foge aos seus objetivos,
entretanto é importante que seja minimamente entendida, na medida em que esses
amplos estudos etnológicos de Galvão refletiram diretamente nos critérios de
armazenamento utilizados para a coleção etnográfica do Museu Paraense Emilio
Goeldi, desde 1955 até 2003.
83
Nessa perspectiva, Galvão, embora reconhecendo a procedência da
classificação, aponta algumas críticas e conclui que, como instrumental na
taxonomia etnológica brasileira, não funcionava (GALVÃO, 1960): seu uso, entretanto, persistiu porque os etnólogos brasileiros, mais preocupados com o estudo individualizado de tribos indígenas e um tanto avêssos a generalizações, não buscavam encontrar uma base comparativa (GALVÃO, 1960, p. 2).
O sistema de classificação proposto por Galvão sobre os grupos indígenas
brasileiros foi apresentado para a comunidade acadêmica em 1959, na IV Reunião
Brasileira de Antropologia, em Curitiba, numa comunicação intitulada Áreas culturais
indígenas do Brasil: 1900-1959, e é considerada “sua principal contribuição à
Etnologia brasileira” (RIBEIRO, 1979, p. 15). Trata-se de um sistema de
classificação baseado no conceito de área cultural, desenvolvido principalmente por
antropólogos norte-americanos e que apresentava certas dificuldades de aplicação,
no Brasil, no que diz respeito à falta de informação factual sobre um grande número de tribos e acrescia o fato de que os remanescentes indígenas, por força da expansão luso-brasileira tiveram seus territórios reduzidos, concentrando-se em uma mesma área, grupos de origem mais diversa (GALVÃO, 1960, p. 2).
Galvão procedeu a sua tentativa de classificação de áreas culturais indígenas,
no Brasil, como ele próprio admite, por etapas. Em primeiro lugar, de acordo com o
autor, foi necessário um levantamento das tribos remanescentes numa base
temporal definida; em segundo lugar, foi preciso definir a situação de contato das
tribos selecionadas como representativas da área. A partir desses critérios, o
pesquisador dividiu as áreas culturais, entre 1900 e 1959, e, na realidade, não seria
uma nova classificação e “sim uma adaptação das divisões elaboradas por Steward
e Murdock13“ (GALVÃO, 1960, p. 14).
Há, segundo Galvão (1960), diferenças de métodos e conceituação nos
esquemas adotados pelos norte-americanos. Cooper e Steward, por exemplo,
mencionavam explicitamente as áreas (áreas culturais, área cultural tipo) e
paralelamente a esse conceito, os autores sobrepunham uma noção diacrônica de
desenvolvimento cultural, além de acentuarem as relações ecológicas e o nível de
13 George Peter Murdock e Julian Steward são autores norte-americanos que desenvolveram classificações para tribos indígenas baseados em áreas culturais.
84
integração sociocultural dos grupos indígenas (GALVÃO, 1960). Por outro lado,
Murdock insiste na “distribuição de determinados elementos materiais (cerâmica,
trançado, tecelagem, técnicas de subsistência, etc.), e outros como a filiação
lingüística, classes sociais e parentesco” (GALVÃO, 1960, p. 4), como critérios para
sua classificação.14
Nesse sentido, baseado nos autores norte-americanos e levando em
consideração a “distribuição espacial contígua de elementos culturais, tanto os de
natureza ergológica, como os de caráter sócio-cultural” (GALVÃO, 1960, p. 15), e
sem esquecer os já citados aspectos referentes às relações inter e extratribais, o
pesquisador brasileiro classificou os grupos indígenas, destacando 11 áreas
culturais: Norte-Amazônica, Juruá-Purus, Guaporé, Tapajós-Madeira, Alto-Xingu,
Tocantins-Xingu, Pindaré-Gurupi, Paraguai, Paraná, Tietê-Uruguai e Nordeste.
Galvão caracteriza cada uma das áreas culturais detalhadamente, informando sobre
a localização geográfica, principais riquezas e modo de subsistência e indica ainda
quais tribos indígenas estão nelas situadas.
Quando assumiu a chefia da Divisão de Antropologia, Galvão utilizou o
mapeamento desenvolvido por áreas culturais indígenas para armazenar os objetos.
Dessa forma, nas dependências da Reserva Técnica, os armários e prateleiras
foram desenhados pelo próprio antropólogo, para guardar os objetos de acordo com
a área cultural de proveniência, e essa organização vigorou até 2003,
aproximadamente.
Eduardo Galvão encontrou as coleções encaixotadas, separadas por grupos
indígenas, conforme havia deixado Curt Nimuendajú, no porão da Rocinha. Sob a
chefia de Galvão, as coleções foram desencaixotadas, retiradas desse porão úmido
e transferidas para um espaço mais adequado. Foram classificadas segundo áreas
culturais e armazenadas em armários, gaveteiros e prateleiras de madeira. Sob a
orientação do antropólogo, Ivelise Rodrigues15 acompanhou parte da transferência
dos objetos da Rocinha para o que ele chamava à época de "depósito", onde hoje
funciona o almoxarifado do MPEG, informação já mencionada nesta pesquisa.
14 Para aprofundar esta questão vide Áreas culturais indígenas do Brasil: 1900-1959, de Eduardo Galvão, publicado no Boletim do MPEG/Antropologia, 1960. 15 Ivelise Rodrigues ingressou no MPEG como secretária da Diretoria, em junho de 1960. Dois meses depois, Galvão, no momento chefe da Divisão de Antropologia, convidou-a para trabalhar com ele na coleção etnográfica, na qual trabalhou por mais 20 anos. Os dados relativos à referida servidora foram fornecidos pela própria, em 2004, numa entrevista gravada para a autora desta pesquisa e para a antropóloga Priscila Falhauber.
85
Segundo Ivelise, o termo “depósito” só foi trocado pelo termo “reserva técnica”
quando foi implantado um setor de Museologia no Museu, início da década de 1980
(RODRIGUES, 2004. Entrevista).
Mais tarde, participou efetivamente da transferência da coleção para a
Reserva Técnica que abrigou a coleção até setembro de 2003, ainda situada no
Parque Zoobotânico, ao lado do atual Pavilhão Eduardo Galvão, destinado às
exposições até o início do século XXI. A funcionária armazenava os objetos de
acordo com a área cultural e, dependendo do tamanho deles, a guarda se dava em
gavetas ou prateleiras. Os arcos e flechas ficavam em armários vazados e as
máscaras penduradas no final desses armários.
Em 1962/1963, com a chegada de Mário Simões ao Museu Goeldi, os objetos
etnográficos foram separados dos arqueológicos. Foi Simões quem de fato ensinou
Ivelise a descrever as peças. Segundo a profissional, Galvão não detalhava os
objetos como fazia Simões. As informações mais minuciosas dependiam dos
pesquisadores que faziam trabalho de campo. Simões foi um verdadeiro professor e
seguia os pressupostos de Berta Ribeiro para a classificação das peças. Com
relação à Coleção Africana, quem a descreveu detalhadamente foi Peter Hilbert,
“nós só fizemos copiar as informações” (RODRIGUES, 2004. Entrevista).
Entre os avanços trazidos por Galvão está a confecção do primeiro livro de
tombo que a coleção teve, intitulado Registro do material etnográfico da Divisão de
Antropologia.
Sobre a primeira coleção registrada no livro de tombo pesa um fato que
merece ser mencionado pela dubiedade das informações registradas. São 206
objetos pertencentes aos índios Aparaí, grafados também como Apalaí. No registro
de número 1 (Figura 8) consta a seguinte expressão: “col. Curt Nimuendajú e
Schulz-Kampfhenkel”, informação que leva a crer que os dois alemães juntos
formaram essa coleção. Entretanto, as datas são diferentes (1915 e 1935-1937) e os
rios citados, Jary e Parú, situam-se em locais distintos.
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FIGURA 8: Primeiro registro no livro de tombo elaborado por Eduardo Galvão Fonte: Livro de tombo nº 1 da coleção etnográfica do MPEG
Não achamos documentos que abordem esse assunto, entretanto, podemos
inferir que se trata de um equívoco, visto que os dois pesquisadores em questão não
realizaram juntos nenhuma viagem à aldeia Aparaí. Segundo Nunes Pereira (1946),
Curt visitou os citados índios em 1915. Entre 1935 e 1937, segundo dois autores, o
etnólogo esteve com os índios “Canella, Apinayé e Serénte” (NUNES PEREIRA,
1946, p. 52, BALDUS, 1982, p. 32).
No que se refere a Otto Schulz-Kampfhenkel, não temos conhecimento de
que esteve no Brasil em 1915, entretanto, consta que, de 1935 a 1937, ele esteve na
Amazônia Brasileira, liderando uma expedição cujo objetivo seria implantar uma
colônia nazista amazônica (GLÜSING, 2008).
O que de fato importa para os fins desta pesquisa é que Otto Schulz-
Kampfhenkel esteve no Brasil, visitou os índios Aparaí, localizados à margem do Rio
Jarí, coletou objetos desses índios e os depositou no Museu Goeldi.
Será de competência dos profissionais responsáveis pela documentação da
coleção etnográfica esclarecer esse equívoco. A possibilidade de solucioná-lo não
parece difícil, pois há, entre parênteses, a indicação do nome de um único coletor, o
qual deduzimos ter sido quem recolheu o objeto entre os índios. Na Figura 9, por
exemplo, constam registros de cinco objetos. Mesmo que no registro 1 apareça,
equivocadamente, o nome de dois coletores, inferimos que os cinco objetos foram
coletados por Schulz-Kampfhenkel, pela presença do seu nome nos parênteses.
Estendemos essa conclusão aos outros objetos registrados nessa página, devido à
remissão das informações ao registro do primeiro objeto, por meio da expressão
“vide nº 1”. (Figura 9)
87
FIGURA 9: Registros de 1 a 5 do livro de tombo da coleção etnográfica do MPEG
A organização dada por Eduardo Galvão à coleção etnográfica do Museu
Paraense Emílio Goeldi permaneceu em vigor até 2003, enquanto ficou abrigada na
Reserva Técnica do Parque Zoobotânico. Dessa forma, os objetos ficavam
armazenados em armários ou prateleiras, classificados por área cultural indígena,
entretanto, os registros dos objetos, no livro de tombo, seguem em sua maioria os
campos informacionais da organização de Nimuendajú, acrescido de novos campos,
informações mostradas no Quadro 4, na sexta Seção.
Em setembro de 2003, a transferência da coleção para a nova Reserva
Técnica do Campus de Pesquisa foi iniciada, sob a coordenação da etnóloga Lucia
Hussak van Velthem, sobre a qual dissertamos na Subseção a seguir.
88
5.3 Lucia Hussak van Velthem e a nova Reserva Técnica Curt Nimuendajú
Em conformidade com as duas Subseções anteriores, indicamos alguns
dados biográficos de Lucia Hussak van Velthem importantes para suas atividades de
curadora da coleção etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi de 1985 a 2007.
Trazida pelas mãos de Eduardo Galvão ao Museu Paraense Emílio Goeldi
(VELTHEM, 2003), em 1975, Lucia Hussak van Velthem16 assume a curadoria da
coleção etnográfica 10 anos depois, em 1985. Sua principal área de atuação é a de
etnologia indígena, tendo como temas privilegiados o estudo de coleções
etnográficas, cultura material, etno-estética, cosmologia e os índios Wayana, entre
outros temas afins (VELTHEM, 2009).
Ao longo da década de 1970 até 2003, algumas ações importantes ocorreram
e transformaram radicalmente a infra-estrutura da reserva técnica e a maneira de
organização da coleção.
Quando Velthem assumiu a coleção, os objetos encontravam-se
compactados, na reserva do parque, uns em gavetas, outros em prateleiras, nos
armários desenhados, ainda na década de 1960, como se constata na Figura 10.
FIGURA 10: Armazenamento de objetos até 2003 Fotos: Alegria Benchimol
Além do pouco espaço, a reserva apresentava ainda problemas no sistema
de refrigeração, na época. Aparelhos de ar condicionado ligados durante o dia e
16 Graduada em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), mestre e doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) em 1983 e 1995. Concluiu o Pós-doutorado em Paris / França, em 2006, pela Equipe de Recherche en Ethnologie Améridienne/Centre National de la Recherche Scientifique EREA/CNRS.
89
desligados durante a noite causavam aos objetos pequenos danos físicos e
ressecamentos (VELTHEM, 2002).
A formação também em Museologia contribuiu para que Velthem percebesse,
em 1985, ano em que assumiu a curadoria, que a coleção tinha como principais
problemas: um espaço inadequado, um sistema de refrigeração incompatível com a
conservação dos objetos, a falta de segurança, entre outras dificuldades menores.
Nesse sentido, Velthem preocupou-se em solucionar, inicialmente, os contratempos
referentes à infra-estrutura espacial.
Ainda em 1985, a antropóloga escreve um documento à Diretora do Goeldi,
Dra. Adélia Engrácia de Oliveira Rodrigues, no qual expõe a real condição da
coleção etnográfica e solicita providências para melhor salvaguarda do acervo: presentemente venho unicamente propugnar por condições mínimas [grifo da autora] de infra-estrutura ambiental para a reserva técnica de Antropologia, visando à salvaguarda das coleções etnográficas e o prosseguimento de trabalhos de base (VELTHEM, 1985).
Segundo a antropóloga, o acervo encontrava-se comprometido sob vários
aspectos referentes à segurança, já que o acesso à reserva era realizado por
apenas uma única porta, com fechadura frágil e que, por normas administrativas,
tinha sua chave pendurada no quadro junto com as dos outros setores. Isso
dificultava o controle dos objetos, na medida em que qualquer pessoa, se quisesse,
teria acesso às dependências da reserva. A má condição do forro, a incidência de
sol sobre algumas peças e o sistema elétrico também foram abordados por Velthem
no referido documento. Esses problemas persistiram até a coleção ser transferida
para o novo espaço, mencionado anteriormente, em 2003.
De 1988 a 1992, Velthem afasta-se do MPEG para fazer doutorado em
Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Na volta, assume por
quatro anos a Direção do Museu de Arte de Belém, retornando ao Goeldi em 2000.
Ao reassumir a curadoria, Velthem submeteu à apreciação da Fundação
VITAE, em 2001, o projeto Controle ambiental na área da reserva técnica e
acondicionamento do acervo etnográfico, cujos objetivos foram o de implantar um
sistema de controle ambiental no novo espaço físico destinado a abrigar a reserva
técnica da coleção etnográfica.
A coleção etnográfica passou, então, a partir de setembro de 2003, com a
conclusão das obras nesse espaço, a ser abrigada no Campus de Pesquisa, onde já
90
estavam as outras coleções científicas do Museu, cada uma em edifício próprio.
Para melhor controlar e garantir a segurança dos objetos durante o processo de
transferência, foi realizado um levantamento objetivando verificar a situação real da
coleção, no que diz respeito ao seu estado de conservação e também ao seu
quantitativo. A curadora e sua equipe elaboraram e testaram uma ficha para esse
fim, cujo título dado foi Coleções etnográficas – CCH/MPEG Levantamento geral
(Anexo F) que seria preenchida na saída dos objetos do parque e na chegada ao
novo espaço do Campus de Pesquisa.
O avanço maior obtido na nova reserva técnica foi a implantação de um
sistema de controle ambiental adequado ao armazenamento e à salvaguarda da
coleção etnográfica. O projeto Controle ambiental na área da reserva técnica e
acondicionamento do acervo etnográfico, responsável pelas ações nesse sentido, é
oriundo da adaptação de um projeto do Dr. Shin Maekawa, do Getty Conservation,
consultor do projeto no Goeldi. A proposta apresentada consistiu em criar na reserva técnica, monitoramento ambiental contínuo e preventivo, com a instalação permanente de sensores e de um sistema de coleta de dados climáticos. O sistema garantiu condições climáticas internas mais estáveis e seguras pelo uso de ventilação mecânica, a qual é controlada por sensores de umidade relativa instalados dentro e fora do edifício, de modo a manter a umidade relativa interna estável e, assim, prevenir as atividades microbiológicas, fungos e bactérias na superfície dos objetos (VELTHEM et al., 2004, p. 132).
Os resultados alcançados foram, principalmente, a manutenção das
condições climáticas estáveis e adequadas ao controle e biodeterioração das peças
que formam a coleção etnográfica; a transferência das peças etnográficas para a
nova reserva técnica; e o estabelecimento, nesse espaço, de uma nova organização
em seu armazenamento. O novo espaço foi dotado de mobiliário adequado e esses
fatores reunidos garantem a integridade física e conservação dos objetos para seu
uso prolongado, tanto para fins de pesquisa como de difusão cultural.
Outras ações curatoriais referiram-se à documentação da coleção. O projeto
Conservação preventiva e documentação da coleção etnográfica do MPEG (1880-
1940), também aprovado pela Fundação VITAE, entre seus objetivos, priorizou a
documentação e a automação de parcela do acervo para, futuramente, estender tal
ação para a sua totalidade.
91
É imprescindível ressaltar que não há no Museu Paraense Emílio Goeldi um
sistema de informação único para todas as coleções que possui. Sendo assim, foi
inevitável, para a transferência da coleção, a criação de um mecanismo de controle
de localização desses objetos no novo ambiente. Para esse fim, inicialmente se
pensou em uma adaptação do Sistema de Informação do Museu de Belas Artes
(SIMBA) para as coleções etnográficas, entretanto o responsável pelo sistema
naquela instituição afirmou não ser possível tal adaptação, visto que as alterações
seriam tantas que resultaria na criação de um novo sistema. A solução encontrada
foi a implantação de um sistema provisório, com base no Access, para que não se
perdesse o controle dos objetos no novo espaço físico da reserva técnica.
A organização da coleção etnográfica utilizada por Velthem seguiu a
numeração adotada por Galvão no livro de tombo, mas deixou de lado o
armazenamento por áreas culturais indígenas. Segundo a etnóloga, os objetivos de
Galvão foram mais antropológicos que museológicos e os critérios por ele adotados foram de certa forma prejudiciais para o acondicionamento das peças, pois se desconsiderou, na época, a natureza de seus materiais constitutivos e a capacidade de armazenamento dos armários (VELTHEM et al., 2004, p. 129).
A base classificatória de organização para a coleção etnográfica dada por
Velthem sustenta-se na classificação dos objetos por categorias artesanais de Berta
Ribeiro, desenvolvida no Dicionário do artesanato indígena, de 1988. Ribeiro propõe-se a criar uma linguagem documental controlada capaz de indexar documentos museológicos e facilitar o acesso a informações, assim estruturadas, mediante catalogação com uso de computador (RIBEIRO, 1988, p. 11).
Obedecendo a esses pressupostos, os critérios principais adotados para o
armazenamento dos objetos, visando à melhor conservação na nova reserva, foram
matéria-prima constitutiva, seguida de etnia, e os coletores, priorizados desde a
época de Emílio Goeldi, foram relegados a terceiro plano. Nove são as categorias
artesanais desenvolvidas por Ribeiro, a saber: 1)cerâmica; 2)trançados; 3)cordões e
tecidos; 4)adornos plumários; 5)adornos de materiais ecléticos, indumentária e
toucador; 6)instrumentos musicais e de sinalização; 7)armas; 8)utensílios e
implementos de madeira e outros materiais; e 9)objetos rituais, mágicos e lúdicos
(RIBEIRO, 1988).
92
O acervo continuou a ser tombado no livro Registro do material etnográfico
da Divisão de Antropologia, elaborado por Galvão, entretanto, a nova curadora
providenciou uma cópia desse livro, para que o original ficasse preservado e a cópia
pudesse ser manuseada por funcionários e pesquisadores. Em 1955, eram oito
volumes e indicavam nove mil peças (GALVÃO, 1957 apud VELTHEM et al., 2004).
Atualmente, o acervo etnográfico do Museu é composto por 13.878 objetos
tombados, informação já citada na Seção anterior. Há ainda um livro de pré-tombo,
no qual os objetos estão numerados e descritos para serem inseridos,
posteriormente, no livro de tombo.
A partir de 2006, os testes para um sistema de informação automatizado
para a coleção etnográfica começaram a ser realizados. Tal sistema ainda não foi
totalmente implantado, todavia os campos informacionais que o compõem foram
discutidos pela curadora com a equipe que trabalhava na Reserva Técnica em 2006:
dois tecnologistas plenos, um técnico de nível médio e um bolsista. Atualmente,
atuam na reserva um tecnologista pleno, um técnico de nível médio e dois bolsistas.
Acumula o cargo de curadora da coleção a chefe da Coordenação de Ciências
Humanas. A ex-curadora foi transferida para o Ministério da Ciência e Tecnologia,
Brasília, em 2007, mas continua vinculada ao Museu como pesquisadora visitante.
A contribuição de Velthem à reserva técnica e à coleção etnográfica do
Museu Paraense Emílio Goeldi ultrapassa o fato de ela ter pesquisado, coletado e
depositado no Museu objetos dos índios Wayana. A implantação de um sistema de
controle ambiental, já citado anteriormente, e a documentação cuidadosa da
coleção, de cunho investigativo, buscando sempre as origens e a história,
demonstram sua preocupação com a preservação não apenas dos objetos, mas
também das informações a eles agregadas. Por meio de livros publicados17 e
artigos, que pontuaram várias páginas desta dissertação, Velthem assegura um
lugar privilegiado na história da Reserva Técnica Curt Nimuendajú.
Diante do exposto, passamos, na sexta Seção, à sistematização dos
campos informacionais utilizados na documentação da coleção etnográfica nos três
períodos estudados e finalmente ao desenho do ciclo informacional do objeto
etnográfico no Museu Paraense Emílio Goeldi.
17A pele de Tuluperê: uma etnografia dos trançados Wayana e O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana foram publicados, em 1998 e 2003, pelas editoras do MPEG e Assírio&Alvim, respectivamente.
6 INFORMAÇÃO E OBJETO ETNOGRÁFICO: PERCURSO INTERDISCIPLINAR NO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI
Entre as inúmeras funções que tem um museu, já citadas ao longo desta
dissertação, está a de comunicar. Na presente pesquisa, a preocupação voltou-se
para a comunicação da informação do objeto etnográfico armazenado na Reserva
Técnica Curt Nimuendajú, vinculada a um Centro de Pesquisa e Museu de História
Natural, o Museu Paraense Emílio Goeldi, cujas coleções têm prioritariamente um
caráter científico.
Considerando esse aspecto, retomamos o objetivo específico desta pesquisa,
que visa a traçar o percurso da informação do objeto etnográfico no Museu
Paraense Emílio Goeldi, utilizando como ponto de partida subsídios extraídos dos
ciclos de King e Bryant e de Lancaster, expostos na segunda Seção, e a síntese da
organização da coleção etnográfica, sistematizada num quadro-matriz (Quadro 4),
apresentado na página seguinte:
94
QUADRO 4: Quadro-matriz da organização da coleção etnográfica do MPEG em três períodos Curt Nimuendajú
(1921) Eduardo Galvão (década de 1950)
Lucia van Velthem (1985 em diante)
Bases classificatórias para armazenamento de
objetos etnográficos
Povos Indígenas
Áreas culturais
indígenas
Categoria artesanal/
Dicionário Berta Ribeiro
Campos informacionais
1 Registro X X X 2 Localização na reserva X X X 3 Controle interno -- -- X Objeto
4 Identificação X X X 4 Terminologia indígena -- -- X 4 Autor -- -- X 4 Fotografia -- X X Procedência
5 Nome X X X 5 País -- -- X 5 UF -- -- X 5 Área geográfica X X X Coletor
6 Nome X X X 6 Data da coleta X X X Descrição
7 Categoria
artesanal/funcional
--
--
X
7 Matéria-prima X X X 7 Técnica de manufatura -- -- X 7 Motivos decorativos -- X X 7 Uso do objeto X X X
7 Outras características/
inscrições
--
--
X
7 Dimensões -- X X Livro de Tombo
8 Identificação antiga -- -- X 8 Outras informações -- -- X Histórico da peça
9 Data da inclusão -- -- X 9 Aquisição X X X 9 Números anteriores -- X X 9 Procedência atribuída -- -- X 9 Estado de conservação -- -- X 9 Status da peça -- -- X
9 Conservação e
restauração
--
--
X
9 Proprietários anteriores -- -- X
9 Referências
bibliográficas
--
--
X
9 Participação em
exposição
X
9 Valor para seguro -- -- X
9 Informações adicionais
ou de pesquisas
--
--
X
10 Observações X X X Fichamento
11 Data -- -- X 11 Operação -- -- X 11 Detalhamento -- -- X
95
Para melhor entendimento deste quadro, colocamos todos os campos
informacionais que Nimuendajú, Galvão e Velthem utilizaram em sua documentação
dos objetos em três colunas distintas e assinalamos com um X os itens utilizados por
cada um deles em seus procedimentos de documentação, fazendo coincidir o campo
informacional utilizado com o nome dos três etnólogos.
Os campos em negrito mostram um campo informacional que contém
subcampos, os quais estão indicados com o mesmo número, na primeira coluna da
esquerda.
Observa-se, a partir do quadro, que a coleção etnográfica em questão
apresenta dois aspectos distintos relacionados à sua organização: o primeiro,
referente aos procedimentos técnicos de sua documentação propriamente dita; e o
segundo, englobando os critérios utilizados para o armazenamento desses objetos,
a fim de guardá-los nas dependências da Reserva Técnica.
Considerando o primeiro ponto levantado, Nimuendajú foi o pioneiro na
criação de campos informacionais, que são utilizados até hoje na documentação da
coleção etnográfica do MPEG e, a partir dessa base elaborada, outros campos de
informação foram acrescentados, tanto por Galvão como por Velthem, até chegar à
ficha documental que se tem atualmente. Nenhum campo instituído por Nimuendajú
foi eliminado ao longo dos anos, apenas outros novos campos foram incluídos
posteriormente. O que houve foi uma alteração no número de registro dos objetos,
como foi visto na quinta Seção, em que um segundo número foi destinado aos
objetos entre 1939 e 1940. Posteriormente, entre as décadas de 1950 e 1960, um
outro número foi atribuído para todos os objetos, e, assim, cada item da coleção
passou a ter três números diferentes. Em síntese, o primeiro número foi dado por
Nimuendajú, em 1921; o segundo atribuído por Evalda Falcão, auxiliar de
Nimuendajú; e o terceiro e atual número é o que consta no livro de tombo instituído
por Galvão. Velthem não alterou essa numeração e seguiu, no referido livro, a ordem
numérica adotada por Galvão, dando continuidade ao seu trabalho.
Com relação aos critérios ou às bases classificatórias para o armazenamento
dos objetos, segundo aspecto destacado, Nimuendajú os armazenava em caixas
numeradas identificando-as por etnia. Galvão utilizou seus estudos classificatórios
para os grupos indígenas do Brasil e armazenou os objetos por áreas culturais
indígenas, na reserva técnica situada no Parque Zoobotânico.
96
Atualmente, os objetos estão armazenados na Reserva Técnica do Campus
de Pesquisa do MPEG, em armários deslizantes idealizados por Velthem, a partir de
categorias artesanais preconizadas no Dicionário do artesanato indígena, de Berta
Ribeiro, datado de 1988, tendo como critérios primeiros de organização a matéria-
prima constitutiva e a etnia, respectivamente.
Dito isso, um passo fundamental para a elaboração do ciclo informacional do
objeto etnográfico do Museu Paraense Emílio Goeldi foi identificar quais campos
informacionais constavam do Catálogo das colleções ethnográficas do Museu
Goeldi, datado de 1921, elaborado por Nimuendajú, e cotejá-los com os campos das
fichas de registro dos objetos etnográficos da época de Galvão e com os dados da
ficha do sistema automatizado, ainda em fase de teste, coordenado por Velthem
(Anexos G e H).
Observamos que dos 38 campos informacionais que constam, atualmente, na
ficha de documentação da coleção etnográfica do MPEG, Nimuendajú utilizou 11
deles, em 1921; Galvão, por sua vez, usou 15 na sua gestão.
É preciso ressaltar, contudo, que alguns campos existentes atualmente são
oriundos de discussões e de abordagens teóricas e práticas que não se faziam
presentes quando Nimuendajú e Galvão estiveram à frente da coleção etnográfica,
refletindo a natural evolução das áreas de conhecimento envolvidas e também a
introdução de uma visão interdisciplinar que se fez presente mais recentemente.
A institucionalização das Ciências Sociais nas universidades introduziu novos
paradigmas na pesquisa antropológica e o foco de algumas questões foi alterado,
incidindo diretamente, por exemplo, na relação entre museus que guardam acervos
indígenas, as pesquisas antropológicas e os produtores desses objetos.
Nas primeiras pesquisas antropológicas notava-se a ausência da “voz do
outro” (sociedades indígenas), que era considerado um objeto de pesquisa. A
importância maior era destinada ao cientista que coletava, classificava, descrevia e
exibia suas coleções como resultados de suas pesquisas. “Os povos estudados, as
sociedades produtoras dos objetos coletados não tinham voz, eram considerados
‘outros passivos’ de um discurso científico” (ABREU, 2007, p. 142).
Atualmente, dar voz a esses ‘outros passivos’ é assunto recorrente nas
discussões e pesquisas dessa disciplina. Velthem, defensora da idéia da presença
do outro nos museus em que há acervos que representem a sociedade desse outro,
97
demonstra suas convicções em sua prática profissional, com reflexos na
documentação da coleção etnográfica do Goeldi.
Nessa direção, podemos observar que alguns campos informacionais, não
pensados por Nimuendajú e Galvão, provenientes da citada discussão, são incluídos
na atual ficha como, por exemplo, terminologia indígena e autor individual. Esses
dados podem ser obtidos através de interação com as sociedades produtoras seja
pelos pesquisadores, seja por meio de uma política adotada pelos museus de ouvir
a sociedade produtora. Todavia, isso requer recursos e vontade política das
instituições nesse sentido.
Não pesquisamos a documentação de alguns museus brasileiros que abrigam
objetos etnográficos, tais como o Museu Nacional/UFRJ e o Museu do Índio/FUNAI,
ambos no Rio de Janeiro; e o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE)/USP, em
São Paulo, a fim de verificar como se desenvolve a questão em pauta.
Com relação ao Museu Goeldi, a coleção de objetos Wayana, coletada,
pesquisada e documentada por Velthem, contém informações de autoria individual e
terminologia indígena, todavia, esse procedimento não é regra para os outros
objetos. De qualquer maneira, a entrada para essa informação se encontra
disponível na ficha automatizada e, a qualquer momento, dados fornecidos por
pesquisadores e pelos produtores podem ser incluídos no sistema.
O segundo passo foi analisar os componentes dos ciclos de King e Bryant e
de Lancaster, de modo a permitir a identificação e sistematização dos elementos que
ajudassem na elaboração de um ciclo próprio para o Museu Paraense Emílio
Goeldi/Reserva Técnica Curt Nimuendajú.
O estudo desses ciclos permitiu ratificar o Museu Goeldi como gerador e
disseminador de informação, na medida em que essa instituição, desde os seus
primórdios, antes de sua concepção como órgão público, já visava à transferência da
informação como mostra o parágrafo de seu estatuto, no ano de sua fundação: § 2º Instituir nesse estabelecimento para instrução popular, lições de geografia, hidrografia, etnografia e história do Brasil e especialmente da província do Pará, e preleções sobre a história natural (Estatuto da Associação Filomática,1866 apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 305).
98
Este objetivo foi mantido no regulamento provisório do Museu Paraense,
cabendo à cúpula do recém-criado estabelecimento promover, semanalmente,
encontros para repassar à população local informações sobre seu acervo: Art.7º Em cada semana um dos membros do conselho inclusive o diretor, dará uma lição sobre qualquer das matérias de que trata o art. 3.0 [mineralogia, geologia, botânica, zoologia e ciência físicas] e também sobre geografia e hidrografia do Brasil, e especialmente da província do Pará (1871, Regulamento Provisório do MP apud CRISPINO; BASTOS; TOLEDO, 2006, p. 314).
A reorganização do Museu Goeldi, por meio do Decreto nº 1.114, datado de
27/01/1902, em seu primeiro artigo confirma a transferência da informação como
finalidade da instituição: Art 1º O Museu Goeldi tem por fim o estudo, o desenvolvimento e a vulgarização da História Natural e Ethnologia do Estado do Pará e da Amazônia em particular e do Brazil, da América do Sul e do continente americano em geral; esforçando-se para consegui-lo 1º, por collecções scientificamente coordenadas e classificadas; 2º, por conferências publicas espontaneamente feitas pelo pessoal scientifico do Museu; 3º, por publicações (GOELDI, 1904, II, p. 31).
Os canais de transferência da informação podem ter se modernizado ao longo
de mais de um século, todavia o Museu Paraense Emílio Goeldi, de uma forma ou
de outra, nunca deixou de lado esse aspecto nos seus 142 anos de existência.
Atualmente (2008), solidificando seu papel de gerador e disseminador de
informação, é previsto nas metas do Museu produzir e difundir acervos sobre sistemas naturais e sócioculturais relacionados à Amazônia. Catalogar e analisar a diversidade biológica e sóciocultural da Amazônia, tornando-a de conhecimento público [...] (MUSEU, 2008).
Nessa linha, considerando o objeto etnográfico como um documento que
detém informações sobre determinada cultura, que foi deslocado de seu contexto
original para ser inserido no Museu, o qual, entre outros objetivos, visa a tornar
público o conhecimento gerado por meio de pesquisas, acreditamos que os ciclos de
comunicação podem ter uma nova aplicação, desta vez, direcionada ao processo de
transferência da informação do objeto etnográfico, fato que traz a esta dissertação
um caráter original, na medida em que os estudos existentes abordando ciclos de
comunicação não direcionam a investigação para o objeto etnográfico em ambiente
museológico.
99
Das seis etapas propostas por King e Bryant e das sete sugeridas por
Lancaster, entendemos que, no Museu Goeldi, o percurso seguido pela informação
gerada pelo objeto etnográfico reduz-se a cinco etapas, propostas na Figura 11, a
saber: autoria, aquisição; organização e controle; disseminação e usuários.
FIGURA 11: Ciclo informacional do objeto etnográfico do MPEG (ampliado no Apêndice C)
A primeira fase do ciclo é anterior à entrada do objeto no Museu, denominada
de autoria. Trata-se de uma etapa vital para o ciclo, pois é nela que o documento é
confeccionado pelas sociedades indígenas. No Museu Goeldi, são 119 povos
indígenas, extintos ou não, da Amazônia brasileira e peruana, representados na
Reserva Técnica Curt Nimuendajú por meio de sua cultura material.
O passo 2, aquisição, refere-se ao deslocamento do objeto de seu contexto
original (sociedades indígenas) ou das mãos de um proprietário particular para o
contexto museológico. O acervo inicial do Goeldi foi adquirido como resposta ao
envio de cartas que solicitavam ajuda para formar o acervo do Museu. A forma de
aquisição mais usual no MPEG é a coleta, seja pelos viajantes naturalistas no século
XIX, seja por pesquisadores do próprio Museu no século XX. Outras formas de
aquisição são a doação e a compra, todavia, de qualquer maneira faz-se necessária
Organização e
Controle
Aquisição
Autoria
Usuários
Comunicação e
Disseminação
Sociedades indígenas
Pesquisadores Estudantes
Artistas Curadores
Outros
Antropologia Etnologia História
Museologia Arte
Ciência da Informação
Sociedades indígenas
Pesquisadores Curador
Coleta Compra Doação
Site
Palestras
Publicações de Boletins e Catálogos
Comunicação Científica Divulgação Científica
Museologia Ciência da Informação
Design Arquitetura
Biblioteconomia Arquivologia
Ciência da Computação
Conservação
Povos indígenas Áreas culturais indígenas
Categoria artesanal
Curador e equipe Sociedades indígenas
Museologia Etnologia
Conservação Restauração
Documentação
Pesquisadores Sociedades indígenas
Profissional da informação
Antropologia Museologia Etnologia História
Ciência da informação
Catálogo Ficha em papel
Ficha automatizada Armazenamento
Ar condicionado Sistema de ventilação
e exaustão
Curador e equipe Sociedades indígenas
Museologia Etnologia
Conservação Restauração
Artigos Livros
Monografias Dissertações
Teses
Pesquisadores
100
a formalização da entrada dos objetos na instituição, que se concretizará na etapa
seguinte: organização e controle.
No processo de aquisição de objetos etnográficos indígenas para a Reserva
Técnica Curt Nimuendajú estão envolvidos o curador da coleção e os pesquisadores
que vão a campo e recolhem objetos das sociedades produtoras.
Na organização e controle todos os procedimentos técnicos realizados por um
museu após a aquisição de um novo objeto são executados, como os processos de
documentação, armazenamento e conservação do acervo.
Há o preenchimento da ficha documental, cujos dados são retirados
diretamente do objeto em questão, mas também de relatórios de viagem dos
coletores, cadernos de campo dos pesquisadores, relato dos produtores, dados
fornecidos oralmente ou escritos por antigos proprietários. Os procedimentos para a
obtenção de informação do objeto seguem os parâmetros de Ferrez (1994)
referentes às informações intrínsecas e extrínsecas dos objetos. A autora, apoiada
em Mensch (1987), ao tecer considerações sobre a estrutura informativa do objeto
afirma: “as informações intrínsecas são aquelas deduzidas do próprio objeto ao
analisar suas propriedades físicas”. Denominam-se extrínsecas “aquelas que são
obtidas de fontes extra-objeto. Essas últimas permitem conhecer os contextos
primeiros do objeto e podem ser adquiridas na entrada do objeto ao museu ou
através de fontes bibliográficas” (FERREZ, 1994, p. 66).
No Museu Goeldi, nos três períodos estudados, as informações sobre os
objetos etnográficos foram registradas, num primeiro momento, no catálogo
elaborado por Nimuendajú, posteriormente, na ficha elaborada por Galvão e no livro
de tombo e, atualmente, no pré-tombo, no livro de tombo e no sistema automatizado
por Velthem.
A questão interdisciplinar que foi enfatizada ao longo desta dissertação
também se mostra presente nessa etapa, uma vez que pressupostos da
Antropologia, Etnologia, História, Museologia, Arte e outros são relevantes para o
entendimento desses povos e de suas culturas, depois da inserção de seus objetos
no Museu. As bases teóricas dessas disciplinas também contribuem para que a
documentação do acervo tenha informações mais completas. Sobre esse aspecto,
recorremos mais uma vez ao autor mexicano Rendón Rojas no referente aos três
níveis de informação de um documento, já explicitado na Subseção 2.2, na qual o
autor ressalta que um documento, antes de passar para o profissional da
101
informação, deve ser examinado pelos especialistas responsáveis por informações
específicas de suas áreas de atuação.
As próximas fases do ciclo seguem a dinâmica da realimentação, entendida
aqui como um processo pelo qual se produzem modificações num sistema, por efeito
de respostas à ação do próprio sistema: (organização e controle ====
disseminação); (disseminação ==== usuários); (usuários ====autoria).
Isso significa que as informações fornecidas pelos pesquisadores
especialistas aos responsáveis pela documentação do acervo servem, por outro
lado, para outras pesquisas que, depois de organizadas e disponíveis para consulta,
podem retornar ao sistema e ter um uso diferente do que tiveram até então e, dessa
forma, re(alimentar) as formas de organizar e controlar o objeto. Do mesmo modo,
os autores podem ser usuários e estes podem interferir na confecção do documento.
Todos esses movimentos configuram-se no desenho de um ciclo.
Participam do processo de organizar o objeto nas dependências da Reserva
Técnica do MPEG o curador; um tecnologista pleno formado em Letras; dois
bolsistas, um formado em História e outro em Pedagogia; e um técnico de nível
médio com formação em Ciências Sociais. Referimo-nos a esses profissionais como
curador e equipe, no ciclo desenhado.
A dificuldade no tratamento desses objetos e a complexidade de seus
materiais constitutivos requerem profissionais capacitados nas áreas de Museologia
e Conservação para atuar na rotina da reserva. Houve cursos eventuais sobre
conservação preventiva, sobre armazenamento de acervo e outros de
procedimentos mais específicos, como congelamento de objetos, entretanto, não se
conta com esses profissionais permanentemente na reserva.
A disseminação, fase quatro, consiste em comunicar informações sobre o
objeto etnográfico através de exposição permanente, a partir da qual são gerados
catálogos com fotos desse objeto, ou em exposições de caráter didático, em eventos
como a Semana de Ciência e Tecnologia, visando a divulgar o objeto etnográfico e
as informações a ele agregadas ao público não especializado, de ensino médio e,
finalmente, à sociedade em geral.
Uma outra forma de disseminação de informações é por meio do empréstimo
desses objetos a fim de que participem de exposições ou eventos realizados por
outros museus. Alguns objetos pertencentes à coleção etnográfica do Museu Goeldi
já participaram de exposições internacionais na Espanha, em Portugal, na China e
102
na França, como também participaram de exposições itinerantes pelo Brasil. Entre
estas, a Mostra do redescobrimento - Brasil + 500, em 2000 (Rio de Janeiro e São
Paulo); Antes: histórias da pré-história, em 2004 (Rio de Janeiro, São Paulo e
Brasília); Amazônia: native traditions, em 2004 (China); e Les arts des améridiens du
Brésil, em 2005 (França). Em algumas dessas exposições, os autores, mola inicial
do ciclo, participaram também como visitantes, como consultores de montagem
(pesquisa e disseminação), enfim, conformando um desenho cíclico com fases,
aparentemente independentes, no entanto interdependentes e que se completam.
Vinculados a um centro de pesquisa e museu ao mesmo tempo, os objetos
etnográficos são foco privilegiado para a pesquisa por estudantes, pesquisadores,
artistas, curadores e também pela própria sociedade produtora. É um fértil campo
para produção de monografias, dissertações, teses, artigos para profissionais dos
mais diversos campos de conhecimento. Há trabalhos desenvolvidos a partir do
acervo, nas áreas de História, Antropologia, Arqueologia e também a presente
dissertação, primeira pesquisa na área de Ciência da Informação aplicada aos
objetos etnográficos do Museu Goeldi, com enfoque interdisciplinar. Esses objetos,
entretanto, podem tornar-se uma fonte inesgotável de pesquisa em diversas áreas
do conhecimento, ainda não descobertas pela maioria dos brasileiros.
A publicação do material produzido também é uma forma de disseminação
das informações do objeto etnográfico do MPEG, seja em forma de artigo, livro ou
em trabalhos acadêmicos como monografias, dissertações e teses. Por meio de
cursos, palestras, encontros, mesas-redondas e afins, as informações são
transferidas e disseminadas.
Finalmente, os usuários são grupos de indivíduos que trabalham em
determinada área de investigação ou em áreas de aplicação e podem também criar
a informação, demonstrando seus trabalhos aos outros membros da comunidade
(LANCASTER, 1978), como citado na Seção 2.5.2. Os usuários de informações do
objeto etnográfico são, geralmente, pesquisadores, estudantes, curadores, os
representantes das comunidades indígenas, entre outros.
O Museu Paraense Emílio Goeldi, ao longo de sua história, priorizou a
informação e sua comunicação e disseminação por meio dos mais diversos canais.
Em 1866, ano da fundação do Museu, por meio de lições e preleções disseminou as
informações sobre etnografia e outras disciplinas eram proferidas pelos estudiosos
da época. Em 1871, no regimento provisório, constava que cada membro do
103
conselho, inclusive seu Diretor, daria aula sobre uma das áreas de conhecimento
representadas no Museu. No início do século XX, conferências públicas foram
instituídas e a divulgação da história natural e da etnologia da Amazônia se davam
por meio da organização e da classificação de suas coleções.
Em síntese, já demonstramos, seja pelo quadro-matriz, seja pelo ciclo
informacional, que os caminhos a serem percorridos pela informação do objeto
etnográfico no Museu Goeldi, estendidos a qualquer outro museu etnográfico, são
variados e apontam para uma abordagem interdisciplinar. Entretanto, é preciso
definir os limites da relação da área estudada com as outras áreas de conhecimento
(RENDÓN ROJAS, 2008) para que não se perca o eixo condutor teórico e a
pesquisa se torne incoerente.
Finalmente, não tivemos a intenção de esgotar o assunto em pauta e nem
responder conclusivamente às questões levantadas, mas contribuir para a reflexão
sobre informação e documentação de objetos em museus. Objetivamos também, à
luz da Ciência da Informação, demonstrar como se organiza a coleção etnográfica
do MPEG e puxar a ponta do iceberg que envolve a complexa atividade de
documentar um objeto etnográfico e que percurso segue a informação desde a
inserção desse objeto nas dependências do Museu Goeldi até seu usuário final.
REFERÊNCIAS
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APÊNDICES
112
Apêndice A – Roteiro da entrevista realizada, em dezembro de 2008, com Lucia Hussak van Velthem, ex-curadora da coleção etnográfica do MPEG
1. Nome
2. Quando iniciou suas atividades no MPEG?
3. Que funções exerceu? Qual o período em que trabalhou na Reserva
Técnica Curt Nimuendajú?
4. Na época, onde funcionava a reserva técnica e em que locais ela
funcionou desde sua admissão no MPEG?
5. A partir de quando a reserva passou a se chamar Curt Nimuendajú? Há
algum documento, portaria oficializando?
6. Você poderia explicar o registro conjunto das coleções Curt Nimuendajú
(1915) e a de Otto Schulz- Kampfehenkel (1935-1937) no livro de tombo?
Como se deu esse processo?
7. Qual a diferença entre a organização estabelecida por Galvão à coleção
etnográfica e a organização que vigora na reserva atualmente? Quais as
bases dessa nova organização?
8. O que mudou na documentação no referente à coleção etnográfica desde
Galvão para a organização definida por Velthem?
9. Conhecendo a realidade (carência de recursos destinados à reserva
técnica) do MPEG, como você acha que seria possível tornar viável ou
prática rotineira no Museu, documentar a coleção etnográfica ouvindo-se
as sociedades produtoras dos objetos?
113
Apêndice B – Roteiro de entrevista realizada, em dezembro de 2004, com Ivelise Rodrigues, secretária de Eduardo Galvão, na década de 1960
1. Nome
2. Quando iniciou suas atividades no MPEG?
3. Que funções exerceu? Qual o período em que trabalhou na reserva
técnica?
4. Na época, onde funcionava a reserva técnica e em que locais ela
funcionou desde sua admissão no MPEG?
5. Como era feita a documentação da coleção nessa época?
6. Quem era responsável por documentar os objetos?
7. Que critérios eram utilizados para armazenar os objetos?
Apêndice C – Ciclo informacional do objeto etnográfico do MPEG
114
Organização e
Controle
Aquisição
Autoria
Usuários
Comunicação e
Disseminação
Sociedades indígenas
Pesquisadores Estudantes
Artistas Curadores
Outros
Antropologia Etnologia História
Museologia Arte
Ciência da Informação
Sociedades indígenas
Pesquisadores Curador
Coleta Compra Doação
Site
Palestras
Publicações de Boletins e Catálogos
Pesquisadores
Comunicação Científica Divulgação Científica
Museologia Ciência da Informação
Design Arquitetura
Biblioteconomia Arquivologia
Ciência da Computação
Conservação
Povos indígenas Áreas culturais indígenas
Categoria artesanal
Curador e equipe Sociedades indígenas
Museologia Etnologia
Conservação Restauração
Documentação
Pesquisadores Sociedades indígenas
Profissional da informação
Antropologia Museologia Etnologia História
Ciência da informação
Catálogo Ficha em papel
Ficha automatizada Armazenamento
Ar condicionado Sistema de ventilação
e exaustão
Curador e equipe Sociedades indígenas
Museologia Etnologia
Conservação Restauração
Artigos Livros
Monografias Dissertações
Teses
ANEXOS
116
Anexo A – 1ª página do catálogo elaborado por Curt Nimuendajú em 1921
117
Anexo B – Lista assinada por Evalda Xavier Falcão relacionando extravio de peças
118
Anexo C – Registro do objeto panela de barro e seus três números
1494 – numeração dada por Curt Nimuendajú em 1921 179 – numeração dada por Evalda Xavier Falcão em 1939
103 – numeração dada por Eduardo Galvão no livro de tombo
119
Anexo D – Fotos da panela de barro, com seus três números grafados
Detalhe do fundo do objeto, mostrando três números diferentes: 1494 (Curt), 179 (Falcão) e 103 (Galvão)
120
Anexo E – Observações de Curt Nimuendajú feitas na primeira página da cópia do catálogo de 1921
121
Anexo F – Ficha utilizada na transferência da coleção etnográfica do Parque Zoobotânico para o Campus de Pesquisa do MPEG, em 2003
Coleções Etnográficas – CCH/MPEG Formulário de Mudança
Acervo: Indígena Africano Cabloco Outros RG_____________ Tombado: Sim Não Identificação: _________________________Categoria____________________________
Material: ________________________________________________________________
Data da Coleta________ Estado de Conservação________________________
Coletor____________________________________ Etnia_________________________
Observações_________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
Saída – Parque Zoobotânico Chegada – Campus de Pesquisa
Transporte: Gaveta Nº ______
Caixa: Nº ________________
Individual
Observações:
Belém, de de 2003
______________________________ Responsável
Estado de Conservação: _______________
Armário Nº _________________________
Prateleira __________________________
Observações:
Belém, de de 2003
________________________________ Responsável
OO Anexo I – Ficha utilizada por Eduardo Galvão.
122
Anexo G – Ficha datilografada, idealizada por Galvão
123
Anexo H – Ficha atual, automatizada, idealizada por Velthem e equipe
124