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ROSANA BARROSO MIRANDA DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO E SABERES COMUNAIS DOS MANGUEZAIS E DE SEUS RECURSOS BÊNTICOS DE INTERESSE ECONÔMICO NO COMPLEXO ESTUARINO DA BAÍA DE PARANAGUÁ, PARANÁ. Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento – Universidade Federal do Paraná – Université Paris 7 – Université Bordeaux 2, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor. Comitê de orientação: Prof. Dr. Paulo da Cunha Lana (UFPR), Prof. Dr. Dimas Floriani (UFPR) e Prof. Dr. Paulo Freire Vieira (UFSC). CURITIBA 2004

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ROSANA BARROSO MIRANDA

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO E SABERES COMUNAIS DOSMANGUEZAIS E DE SEUS RECURSOS BÊNTICOS DE INTERESSE

ECONÔMICO NO COMPLEXO ESTUARINO DA BAÍA DEPARANAGUÁ, PARANÁ.

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação emMeio Ambiente e Desenvolvimento – UniversidadeFederal do Paraná – Université Paris 7 – UniversitéBordeaux 2, como requisito parcial à obtenção do títulode Doutor.

Comitê de orientação: Prof. Dr. Paulo da Cunha Lana(UFPR), Prof. Dr. DimasFloriani (UFPR) e Prof. Dr.Paulo Freire Vieira (UFSC).

CURITIBA2004

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Aos extrativistas de manguezal

Nessa floresta de salEmbrenhando a vida sol a sol

Cavando na lamaTirando o sustento, o caranguejo, o sururu

Ostra a ostraFaço o diaFaço a criaE me recrio

Afinal, o que é o homem, a mulher, a criançaSenão aquele que vê brotando do chão, da lama, da fadiga

A esperança...

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Dedico este trabalho aos meus antepassados:

Ao meu avô paterno, Delamar da Silva Miranda, que viveu como pescador no litoral de Santa Catarina.

Aos meus tataravôs maternos, Vicente Montepoliciano do Nascimento e dona Maria Júlia do Nascimento, que passaram o final de suas vidas na

comunidade de Piaçaguera. Ao meu ancestral materno indígena, o Cacique Tibiriçá, bravo guerreiro.

E especialmente à minha tia-avó, dona Balbina Rodrigues do Nascimento, queguardava viva e orgulhosa em sua memória essa nobre ancestralidade.

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AGRADECIMENTOS

Cada pessoa aqui citada é mais do que apenas um sujeito que trilhou este

caminho comigo. Essas pessoas provocaram importantes transformações,

certamente maiores do que agora reconheço.

Aos meus orientadores, Professor Doutor Paulo da Cunha Lana, Doutor

Dimas Floriani e Doutor Paulo Freire Vieira, cuja dedicação e atenção foram de

grande valor.

Ao Professor Doutor José Milton Andriguetto Filho pela participação e leitura

cuidadosa na banca de qualificação deste trabalho e também pelas trocas e dicas

iniciais para as etapas empíricas desta pesquisa, bem como pela participação na

banca de avaliação deste trabalho.

Ao Professor Doutor Marco Fábio Maia Corrêa e ao Professor Doutor Antonio

Carlos Diegues pela participação na banca de avaliação desta tese.

À Professora MSc Lucia Helena Cunha, minha grande amiga, cuja presença

foi como a Estrela da Manhã, surgindo sempre no horizonte ao início de um novo dia

e cuja trajetória de vida, enquanto pessoa e antropóloga marinha, me inspira, como

a musa ao poeta. Dedicou-me a atenção e os cuidados de orientadora e o carinho

suave de uma cúmplice inspiradora.

Ao Professor Doutor Ademar Heemann, meu estimado professor e

maravilhoso interlocutor sobre as coisas da vida, por me estimular e conseguir

engrandecer minha alma nos momentos de exaustão, fazendo-me lembrar Goethe e

humanizar-me um pouco mais ao longo deste caminho... “Fiz minha casa em cima

do nada... Por isso o mundo inteiro me pertence...”.

Aos meus estimados estagiários Denis, Mauricio, Luiz Fernando, Jéssica,

Ione, Chayanne, Pedro, André, Adriane e Maria Carolina, pelo espírito de aventura

presente em cada pegada na lama adentro, pela paciência nas transcrições das

entrevistas e principalmente pela maravilhosa curiosidade juvenil.

A todos os meus colegas do Laboratório de Bentos, pelo companheirismo

diário e os bons momentos compartilhados.

Agradecimentos especialíssimos ao Doutor Paulo da Cunha Lana, pela

acolhida e companheirismo que permitiram minha estadia no Centro de Estudos do

Mar.

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A todos os pesquisadores, técnicos e alunos do Centro de Estudos do Mar, na

pessoa do Professor Doutor Eduardo Marone, pela acolhida e receptividade durante

a realização deste trabalho e pelo empréstimo de seu computador, que facilitou

muito a transcrição das entrevistas.

Ao Professor MSc Carlos Soares, por me conceder consultas à mapoteca,

bem como a assistência dos técnicos do laboratório de Geologia do CEM.

Aos meus companheiros de mar, os barqueiros Zezé, Josias e Abraão, cuja

simplicidade, integridade e principalmente intuição foram minhas lanternas,

iluminando nossos caminhos estuários adentro.

Aos extrativistas de manguezais de todo o complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, especialmente ao Enéas, da comunidade do Poruquara, e seu Zézo da

comunidade de Amparo, pela disposição em nos guiar mangues adentro durante

nossos estudos empíricos. Agradecimentos especialíssimos também à dona

Santina, à dona Carmen, à dona Lúcia e demais informantes das comunidades,

meus “professores de mangue”, cuja contribuição foi importantíssima para este

estudo.

À Secretaria de Educação do Município de Paranaguá, especialmente à

Professora Poliana da escola de Amparo, por terem me acolhido, disponibilizado o

alojamento da escola para minha imersão na comunidade e pelas refeições que me

ofereceram. À Poliana por toda receptividade e afeto com que acolheu meu trabalho

e o de minha equipe.

À Professora Zoraide e S. Jamil, que me acolheram em sua casa durante o

período de imersão na comunidade de Poruquara, pela companhia, amizade e

conversas de fim de tarde.

A todos os meus colegas do Doutorado em Meio Ambiente e

Desenvolvimento, especialmente aos meus estimados professores, por tantas

trocas, espaços de reflexão, de discussão e possibilidades de descortinar novas

maneiras de ler as realidades, mas principalmente por podermos compartilhar esse

grande desafio de construir um pensamento interdisciplinar.

À minha querida colega Doutora Naina Pierri, pelo companheirismo, pela

concessão de uma sala no CEM, por sua participação como suplente na banca de

avaliação e principalmente pelo exemplo de vida, em coragem e resistência.

Ao Professor Doutor Mauricio Camargo, pela força nos estudos estatísticos e

pela acolhida em sua sala no início de meus trabalhos empíricos.

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Às secretarias do Curso de Doutorado, Iolanda e Cássia, por todos os

préstimos e paciência a mim dedicados.

Ao Professor Doutor Antonio Carlos Diegues e toda sua equipe do NUPAUB,

pelo entusiasmo contagiante nos estudos sobre as populações tradicionais

brasileiras.

À querida amiga Eliane Castanha pelo apoio no abstract.

A toda a comunidade do Poruquara e de Amparo, por me permitir imergir em

seu mundo e conhecer um pouco mais sobre a vida dos pescadores artesanais e

extrativistas de manguezais.

Agradecimentos especiais ao escultor e amigo Renato Caiçara, da

comunidade de Ponta das Peças, por tantas conversas importantes.

Aos Doutores Arno Blankesteyn, Andrea Santarosa Freire e Marcelo Pinheiro,

pelas informações e diálogos que contribuíram para este trabalho.

Agradeço, especialmente, à Gerência Executiva do Ibama, no Estado do

Paraná, na pessoa do Sr. José Otávio Cardoso Consoni, por me conceder a devida

licença de pesquisa nos manguezais e também permitir gentilmente o uso dos

alojamentos da sede do Ibama em Guaraqueçaba.

Aos colegas da primeira turma de graduação em Ciências do Mar, que

fizeram de Pontal do Sul um lugar mais alegre e cheio de vida, com aulas de ioga na

praia, passeios de bicicleta e festas ao luar.

A toda a minha família, principalmente à minha mãe, Eliane, e minha avó

Elmira, pelo apoio constante.

Ao Tom, pelo companheirismo, paciência e cumplicidade em momentos

difíceis e também pelo empréstimo de sua impressora.

Aos meus fiéis escudeiros caninos, Phedra e Albis, pela mais constante

presença, silenciosa e plena.

À Nana Boroco, entidade da religião do candomblé que representa os

ecossistemas de manguezais.

A todos os pescadores artesanais, extrativistas dos manguezais, que de lá

tiram seu sustento e sustentam a fé na vida e que, apesar das dificuldades, vivem

com dignidade e sabedoria.

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS ixLISTA DE FIGURAS xRESUMO xiiiABSTRACT xivINTRODUÇÃO 1

OS CONFLITOS DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NASREGIÕES LITORÂNEAS 8

O caso do litoral brasileiro 8

O caso do litoral paranaense 13

O UNIVERSO DA PESQUISA 161. A Baía de Paranaguá 16

2. Os ecossistemas de manguezais 18

3. Os recursos bênticos dos manguezais 19

3.1 O caranguejo-uçá – Ucides cordatus (Linnaeus, 1763) 21

3.2 A ostra-do-mangue – Crassostrea rhizophorae (Guilging, 1828) 25

3.3 O sururu – Mytella guyanensis (Lamarck, 1819) 33

4. Configuração do sistema sociocultural 36

FUNDAMENTOS TEÓRICOS 43

1. Uma critica à visão hegemônica sobre as questões socioambientais 43

2. A idéia de ecodesenvolvimento e de desenvolvimento viável 45

3. O conceito de modos de apropriação dos recursos naturais 49

4. Processos adaptativos entre comunidades humanas e ecossistemas 52

5. A possibilidade de gestão patrimonial dos recursos naturais 55

ESTUDO DE CASO: Diagnóstico geral das dinâmicas de apropriação dosmanguezais e de seus recursos bênticos de interesse econômico no complexoestuarino da Baía de Paranaguá 58

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Metodologia 58

Resultados e discussão 62

Conclusões 117

ESTUDO DE CASO: Dinâmicas de apropriação em escala microrregional –comunidades e manguezais de Amparo e Poruquara 126

Metodologia 127

Resultados e discussão 133

Comunidade de Amparo 133

Comunidade do Poruquara 180

Conclusões 224

ESTUDO DE CASO: Fisiografias dos manguezais de Amparo e de Poruquara edisponibilidade da fauna bêntica 226

Metodologia 226

Resultados e discussão 233

Conclusões 311

CONCLUSÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES PARA ESTUDOS FUTUROS 314

ANEXOS 327

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 337

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LISTA DE TABELASTabela I – Modos de apropriação do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) em diferenteslocalidades do complexo estuarino da Baía de Paranaguá 119

Tabela II – Modos de apropriação da ostra-do-mangue (Crassostrea rhizophorae)em diferentes localidades do complexo estuarino da Baía de Paranaguá 122

Tabela III – Modos de apropriação do sururu (Mytella guyanensis) em diferenteslocalidades do complexo estuarino da Baía de Paranaguá 124

Tabela IV – Bosques de manguezais eleitos para estudo da fisiografia e abundânciada fauna bêntica na região de Amparo (Estuário da Baía de Paranaguá) 238

Tabela V – Bosques de manguezais eleitos para estudo da fisiografia e abundânciada fauna bêntica na região de Poruquara (Baía dos Pinheiros) 240

Tabela VI – Parâmetros sedimentológicos dos bosques de manguezais de Amparo,Baía de Paranaguá 243

Tabela VII – Parâmetros fisiográficos dos bosques de manguezais de Amparo, Baíade Paranaguá 245

Tabela VIII – Parâmetros fisiográficos dos bosques de manguezais de Amparo, Baíade Paranaguá 246

Tabela IX – Abundância do caranguejo-uçá nos manguezais de Amparo 250

Tabela X – Abundância do sururu nos manguezais de Amparo 251

Tabela XI – Abundância da ostra-do-mangue nos manguezais de Amparo 252

Tabela XII – Parâmetros sedimentológicos dos bosques de manguezais dePoruquara, Baía dos Pinheiros 261

Tabela XIII – Parâmetros fisiográficos dos bosques de manguezais de Poruquara,Baía dos Pinheiros 262

Tabela XIV – Parâmetros fisiográficos dos bosques de manguezais de Poruquara,Baía dos Pinheiros 263

Tabela XV – Abundância do caranguejo-uçá nos manguezais do Poruquara 266

Tabela XVI – Abundância do sururu nos manguezais de Poruquara 267

Tabela XVII – Abundância da ostra-do-mangue nos manguezais de Poruquara 268

TABELA XVIII – Referência da literatura sobre a abundância de Ucides cordatus emmanguezais brasileiros 302TABELA XIX – Abundância Total de Ucides cordatus, segundo BLANKENSTEYN etal (1997), para manguezais da Baía das Laranjeiras 303

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LISTA DE FIGURASFigura 01: Mapa do complexo estuarino da Baía de Paranaguá 59

Figura 02: Formações regionais dos bosques de manguezais do complexo estuarinoda Baía de Paranaguá 62

Figura 03: Usos do caranguejo-uçá no complexo estuarino da Baía de Paranaguá 68

Figura 04: Rotas de deslocamento de grupos extrativistas para a coleta de Ucidescordatus no complexo estuarino da Baía de Paranaguá 72

Figura 05: Comercialização do caranguejo-uçá no complexo estuarino da Baía deParanaguá 81

Figura 06: Usos da ostra-do-mangue no Complexo Estuarino da Baía deParanaguá 94

Figura 07: Rotas de deslocamento de extrativistas de Crassostrea rhizophorae nocomplexo estuarino da Baía de Paranaguá 101

Figura 08: Comercialização de Crassostrea rhizophorae no complexo estuarino deParanaguá 104

Figura 09: Usos praticados sobre o sururu (Mytella guyanensis) no complexoestuarino da Baía de Paranaguá 113

Figura 10: Esquema genérico das principais ascendências da comunidade deAmparo. 183

Figura 11: Ascendências de algumas famílias da comunidade de Amparo 137

Figura 12: Configuração espacial da comunidade de Amparo 141

Figura 13: Calendário das atividades pesqueiras da comunidade de Amparo 143

Figura 14: Mapa cognitivo síntese da região de Amparo 164

Figura 15: Mapa cognitivo síntese da região de Amparo 165

Figura 16: Esquema genérico das principais ascendências da comunidade dePoruquara 183

Figura 17: Configuração espacial da comunidade de Poruquara 186 Figura 18: Calendário das atividades pesqueiras da comunidade de Poruquara 189

Figura 19: Mapa cognitivo síntese da região de Poruquara 216

Figura 20: Mapa cognitivo síntese da região de Poruquara 217

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Figura 21: Representação esquemática dos tipos estruturais dos bosques demanguezais do complexo estuarino da Baía de Paranaguá 235

Figura 22: Mapa da região de Amparo, indicando os tipos fisiográficos dosmanguezais locais e os transects 239

Figura 23: Mapa da região de Poruquara, indicando os tipos fisiográficos dosmanguezais locais e os transects 241

Figuras 24, 25 e 26: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosquesde Amparo 247-249

Figuras 27 e 28: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques doPoruquara 264-265

Figura 29: Abundância total (Np total) e específica (Np específico) dos bosques 274

Figura 30: Área basal da árvore média e áreas basais específicas 274

Figura 31: Diâmetro à Altura do Peito da Árvore Média (DAP) dosmanguezais 275

Figura 32: Altura média do dossel (m) dos manguezais de Amparo e doPoruquara 275

Figura 33: Altura média da alga Bostrichia, indicadora indireta da altura média damaré 276

Figura 34: Valor de importância das espécies arbóreas 276

Figura 35: (A) Freqüência relativa e (B) Densidade relativa (%) das espéciesarbóreas dos manguezais de Amparo e do Poruquara 277

Figura 36: Dominância relativa (%) das espécies arbóreas 278

Figura 37: (A) Abundância (Np) dos recursos bênticos dos manguezais de Amparo edo Poruquara 278

Figura 38: Abundância total e por classe de tamanho de Ucides cordatus 279

Figura 39: Abundância de Mytella guyanensis. 279

Figura 40: Abundância de Crassostrea rhizophora 280

Figura 41: Análises de cluster e de MDS dos parâmetros fisiográficos dosmanguezais 281

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Figura 42: (A) Análises de cluster dos parâmetros sedimentológicos. (B) Análises decluster para a disponibilidade de recursos bênticos 282

Figura 43: Disponibilidade de ostra-do-mangue. (A) Análise de cluster. (B) Análise deMDS 292

Figura 44: Disponibilidade de sururu. (A) Análise de cluster. (B) Análise deMDS 298

Figura 45: Disponibilidade de caranguejo-uçá. (A) Análise de cluster. (B) Análise deMDS 304

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RESUMO

Este trabalho teve por objetivo analisar as interações entre sistemas naturaise sociais no que diz respeito às dinâmicas de apropriação da ostra-do-mangue, dosururu e do caranguejo-uçá, recursos bênticos dos manguezais. Procurou avaliarcomo as heterogeneidades ambientais dos recursos e dos ecossistemas sãopercebidas e incorporadas pelos saberes das comunidades pesqueiras artesanaisdo complexo estuarino da Baía de Paranaguá, como base para formas tradicionaisde manejo. O estudo se baseou em três abordagens empíricas: 1) diagnóstico dostipos de usos e formas de acesso aos recursos específicos das diversascomunidades pesqueiras da baía; 2) análise das heterogeneidades fisiográficasmicrorregionais dos manguezais locais e da disponibilidade espacial e abundânciade seus recursos; c) análise da dinâmica de apropriação dos recursos dosmanguezais pelas comunidades de Amparo e do Poruquara, com base nos saberestradicionais. As dinâmicas de apropriação dos recursos bênticos de manguezaisregionais apresentam-se profundamente articuladas com os saberes comunaissobre as fisiografias locais, a abundância, a distribuição e outros aspectos dabiologia dos recursos bênticos explorados comercialmente. A pesca artesanal e oextrativismo da fauna bêntica dos recursos animais dos manguezais funcionamcomo um sistema integrado. As relações simbólicas e materiais dessascomunidades com as heterogeneidades dos ecossistemas e dos seus recursos sãomarcadas por interdependências ecológicas, econômicas e socioculturais,embasadas em relações ora de solidariedade, ora de rivalidade, tanto dentro quantofora das comunidades. Apesar de os recursos e dos ecossistemas de manguezaispoderem ser considerados como de livre acesso, determinadas comunidadesexercem, ainda que de forma restrita, regulações de acesso a tais recursos. Apesarde a atual legislação brasileira e estadual de proteção aos manguezais estarembasada em uma concepção ecológica simplificadora, que trata essesecossistemas como unidades homogêneas, os pescadores artesanais reconhecemas distintas fisiografias locais e com elas interagem a ponto de condicionar os modosde apropriação dos recursos bênticos de maneira dinâmica e interdependente.Nesse contexto, é essencial que as lógicas comunais de apropriação sejamefetivamente incorporadas em planos ou políticas públicas de regulação e manejolegal de seus recursos, como forma de garantir sua eficácia. Para fins práticos demanejo, o presente estudo recomenda: 1) uma articulação entre cientistas e ascomunidades pesqueiras em fóruns permanentes de saberes, para cadamesorregião do complexo estuarino, a fim de configurar as inter-relações territoriaisdas comunidades; 2) o estabelecimento de acordos de pesca, construídos em fórunscomunitários e interinstitucionais, considerando as situações específicas de cadamesorregião, e abrangendo, simultaneamente, tanto os recursos de manguezaisquanto os pesqueiros em geral; 3) para fins estritos de preservação, a identificaçãode bosques com fisiografias específicas que possam estar servindo de nichosespeciais para a reprodução e recrutamento desses recursos bênticos de interesseeconômico.

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ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the interactions between the natural andsocial systems concerning the appropriation dynamics of the oyster-fen, the sururuand the uçá-crab, and bentic resources of fens. It also evaluated how theenvironmental heterogeneities of the resources and the ecosystems are perceivedand incorporated by the knowledge of the artisan fishing communities of the Estuarycomplex in Paranaguá Bay, as the basis for traditional ways of management. Thestudy was based in three empirical approaches: 1) Diagnosis of the types of use andaccess ways to specific resources of the several fishing communities of the bay; 2)analysis of micro-regional physiographic heterogeneities of the local fens and thespatial availability and the abundance of its resources; 3) analysis of theappropriation dynamics of the fen resources by the communities of Amparo andPoruquara based on the traditional knowledge. The appropriation dynamics of thebentic resources of regional fens are deeply articulated with the huge regionalknowledge about the local physiographies, the abundance, the distribution and otherbiological aspects of the bentic resources which are being commercially explored.The artisan fishing and the extractives of the bentic fauna and the animal resourcesof the fens work as an integrated system. The symbolic and material relations thesecommunities have with the heterogeneities of the ecosystems and its resources arestressed by ecological interdependences, economic and social cultural based onrelations sometimes of solidarity, sometimes of rivalry, in or out of the communities.Despite of the resources and the fen ecosystems could be typified , in practice, as infree access, some communities do, even in a restrictive way, regulations of access tosuch resources. Despite the present Brazilian and state legislation of the protectionof the fens is based into a simplified ecological conception, which treats theseecosystems as homogeneous units, the artisan fishermen recognize the distinct localphysiographies, and among them interact in a way they can condition the ways ofappropriation of the bentic resources into a dynamic and interdependent way. In thiscontext, it is essential that the logics of appropriation be effectively incorporated inplans or public politics of regulation and legal management of its resources as a wayto guarantee a minimum of effectiveness. For practical managing purposes thepresent study recommends: an articulation between the scientists and the fishingcommunities through permanent knowledge forums for each meso-region of theEstuary Complex with the purpose to configure the territorial inter-relations of thecommunities; 2) the setting of fishing agreements, built in communitarian and inter-institutional forums, considering the specific situations of each meso-region andtaking simultaneously , the fen resources as the fishingplaces in general; 3) for strictpurposes of preservation, the identification of woods with specific physiographieswhich can be used for the purpose of special niches for the reproduction andrecruiting of these benthic resources of economical interest.

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A CRISE DA GESTÃO DOS RECURSOS BÊNTICOS DE MANGUEZAIS NA BAÍADE PARANAGUÁ: HETEROGENEIDADES ESPACIAIS E MODOS DEAPROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS DE IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

I – INTRODUÇÃO

Os bosques de manguezais do complexo estuarino da Baía de Paranaguá são

compostos por variados arranjos das espécies Rhizophora mangle, Laguncularia

racemosa e Avicenia schaueriana (LANA, 1998). Esta marcada heterogeneidade

estrutural e espacial foi inicialmente evidenciada por MARTIN (1992), que

reconheceu pelo menos dez tipos fisiográficos de bosques de manguezal na região,

associados a distintos ambientes geomorfológicos, como bacias, deltas de rios, ilhas

de confluência, baías abertas, ilhas marítimas e gamboas. É freqüente, por exemplo,

a ocorrência de formações monoespecíficas de L. racemosa nas regiões eurihalinas

de alta energia da Baía de Paranaguá e a ocorrência de bosques pluriespecíficos,

com co-dominância das três espécies nas áreas mais internas da baía (LANA, 1998,

BROGIM, 2001).

Uma questão que surge naturalmente é saber se as heterogeneidades

estruturais dos bosques locais condicionam a própria ocorrência e disponibilidade

dos recursos bênticos, principalmente daqueles de interesse econômico. Esse

conhecimento é ponto de partida para a análise dos modos de apropriação desses

recursos pelas comunidades locais.

Atualmente, os recursos faunísticos de manguezais mais importantes na

região são o caranguejo-uçá – Ucides cordatus (BLANKENSTEYN et al, 1997), a

ostra-do-mangue – Crassostrea rhizophorae (ABSHER, 1989; SILVA, 1994;

HOSTIN, 1997; CHRISTO, 1999) e o sururu (Mytella guyanensis).

Diversos autores têm se dedicado ao estudo da ecologia e biologia dessas

espécies. No entanto, estudos sistemáticos que procuraram relacionar a

heterogeneidade dos bosques com a distribuição espacial desses recursos foram

realizados apenas por BLANKENSTEYN et al (1997), para U. cordatus, e por

BROGIM (2001) para M. guyanensis.

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No contexto atual, a atividade pesqueira artesanal localizada no interior do

complexo estuarino da Baía de Paranaguá utiliza, principalmente, mão-de-obra

familiar, canoas a motor e a remo e outros apetrechos simplificados (IPARDES,

2001).

A pesca artesanal local é um sistema onde as relações simbólicas e materiais

das comunidades com os ecossistemas e seus recursos estão marcadas por

interdependências ecológicas, econômicas e socioculturais e revelam relações ora

de solidariedade, ora de rivalidade, tanto intra como intergrupais. As dinâmicas

dessas relações sociais condicionam, por sua vez, tanto a apropriação dos territórios

quanto dos recursos e se refletem nos fluxos econômicos da atividade e nos

impasses de regulação territorial.

Há evidências da existência de estratégias adaptativas na exploração do

ambiente estuarino baseadas nos saberes comunais, que se organizam de acordo

com a abundância e a disponibilidade de recursos, na presença das necessidades

sociais de uma economia de pequena escala (CUNHA & ROUGELLE, 1989). Esses

possíveis mecanismos internos de controle ecológico das formas tradicionais de

exploração dos recursos podem, ainda hoje, ser constatados nos modos de vida

dessas comunidades, com a presença de muitos saberes tradicionais e técnicas

adaptativas de extrativismo dos recursos, como apontado por CUNHA & ROUGELLE

(1989); CORRÊA (1993); FERNANDES-PINTO (2001). Como exemplo, existem

indicativos de um conjunto de sinais oriundos tanto dos sistemas naturais quanto

dos sistemas culturais que funcionam como integradores dos saberes tradicionais

dos pescadores, como os sistemas de alerta1 (ALMEIDA, 1988 apud CUNHA &

ROUGELLE,1989); a identificação dos pontos específicos de pesca, de

determinados tabus alimentares (FERNANDES-PINTO, 2001) e a noção de segredo

de pontos de pescarias (MALDONADO, 2002 a; b), que conferem a exclusão de

determinados territórios de pesca, recursos ou exclusão de acesso podem

determinar um modo de controle ecológico na atividade (CUNHA & ROUGELLE,

1989). Esse potencial de mecanismos conservacionistas, caracterizados pelo alto

grau de integração das formas tradicionais de produção pesqueira com a Natureza,

1 Mecanismos (conscientes ou inconscientes) elaborados socialmente que indicam condições para apesca (como situações de perigo ou de acesso aos espaços marítimos) e estão vinculados a eventosambientais dados pela combinação dos tipos de ventos, da maré e da atividade lunar.

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tem dependido essencialmente das condições de reprodução social, da conservação

dos recursos naturais e de seus respectivos tensores.

Entretanto, essas comunidades têm enfrentado uma crise geral de

apropriação dos recursos naturais. O diagnóstico de ANDRIGUETTO FILHO (1999)

sobre as transformações dos processos de apropriação dos recursos pesqueiros

nesse litoral estão condicionadas, principalmente, por produções decrescentes nas

pescarias. Essa situação leva a algumas estratégias técnicas de adaptação dos

pescadores, que estão submetidos à soma dos efeitos da degradação ambiental,

aos processos de marginalização econômica e ao caráter preservacionista da

legislação ambiental. Isso acarreta uma diferenciação dos tipos de sistemas

pesqueiros, aumento da pressão global de exploração, e intensificação da

competição e dos conflitos entre os usuários dos recursos, tanto entre indivíduos

quanto entre grupos.

Essa crise nas atividades pesqueiras locais aprofunda sobremaneira a

exclusão social de algumas comunidades de pescadores artesanais e ocasiona um

aumento das práticas extrativistas nos manguezais na região, consideradas as

atividades antrópicas mais importantes nesses ecossistemas.

Nesse contexto, o caranguejo-uçá constitui localmente um recurso de grande

interesse econômico, já que muitas comunidades dele dependem estreitamente,

principalmente durante sua época de reprodução, no verão (BLANKENSTEYN et al,

1997).

Outros grupos, gradativamente, têm se voltado para essa atividade, o que,

muitas vezes, culmina em conflito potencial de uso devido a atividades clandestinas

de extrativismo durante os períodos de defeso legal.

Da mesma forma, as populações naturais de ostras no complexo estuarino da

Baía de Paranaguá têm recebido atenção crescente, por permitirem atividades tanto

de extrativismo quanto de cultivo. As atividades de cultivo têm sido implementadas

em diversas comunidades pesqueiras artesanais como alternativa econômica, pois

minimizam o impacto das atividades pesqueiras problemáticas sobre determinados

recursos, como o caranguejo e o camarão.

A extração do sururu Mytella guyanensis é realizada, na maioria das vezes,

como atividade de subsistência, servindo principalmente de alternativa protéica na

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alimentação das famílias dos pescadores artesanais. Apenas secundariamente, o

recurso é comercializado.

Apesar de estudos mostrarem a heterogeneidade dos bosques de

manguezais no estuário, legalmente estes ainda têm sido considerados unidades

homogêneas pela atual legislação de proteção, tanto federal (KJERVE & LACERDA,

1993) quanto estadual (IPARDES, 2001). Essa concepção ecológica simplificadora

das características estruturais e funcionais dos ecossistemas de manguezais não

percebe as dinâmicas tanto ecossistêmicas quanto sociais, importantes para o

estudo de viabilidade na interação socioambiental local. As medidas coercivas de

proteção total desses ecossistemas não se efetivam em sua conservação real,

possivelmente por ignorarem as relações de território que os extrativistas mantêm

com o ecossistema e também por considerarem que todos os bosques de

manguezais sustentam o mesmo grau de produtividade, de disponibilidade

homogênea de recursos ou mesmo de acesso uniforme dos grupos extrativistas aos

recursos. Dessa maneira, as atuais medidas legais de controle partem de uma visão

simplificadora que impossibilita avançar no diagnóstico e na definição de possíveis

soluções ao problema da gestão desses ecossistemas.

Mesmo as portarias específicas de regulação de uso de U. cordatus não têm

apresentado eficácia para racionalizar seu manejo. Isso ocorre tanto por lacunas de

conhecimento sobre a ecologia da espécie, como por uma impossibilidade física e

estrutural de fiscalização de áreas tão extensas e de difícil acesso dos manguezais

locais. Atividades clandestinas de extrativismo são crescentes na região em virtude

das inovações tecnológicas de determinados grupos extrativistas que, muitas vezes,

causam prejuízo tanto para a fauna quanto para grupos extrativistas tradicionais do

recurso. Para piorar a situação, as atuais dinâmicas de exploração apontam para um

deslocamento espacial de determinados grupos extrativistas justamente para áreas

com grande incidência de leis de proteção ambiental, a exemplo dos bosques de

manguezais que margeiam o Parque Nacional do Superagüi.

Não existem portarias federais ou estaduais específicas de regulação de uso

da ostra e do sururu na área da Baía de Paranaguá. Por outro lado, a regulação da

exploração da ostra no estado de São Paulo parece estar prejudicando os estoques

paranaenses, pois é freqüente o deslocamento de extrativistas desse estado para o

litoral paranaense em períodos de defeso implementados pela legislação paulista.

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Até mesmo as atividades de cultivo de ostras no Paraná e São Paulo, que visavam

minimizar pressões extrativistas dos recursos pesqueiros em geral, têm causado um

impacto adicional aos bancos naturais de ostras, por estimularem uma demanda de

coleta de juvenis. Como resultado, as práticas extrativistas do caranguejo-uçá

(Ucides cordatus) e da ostra-do-mangue (Crassostrea rhizophorae) parecem

apresentar sinais de fragilidade no litoral paranaense (BLANKENSTEYN et al, 1997;

ABSHER, 1989; SANTAROSA-FREIRE, 1998). Os sururus (Mytella guyanensis), por

sua vez, têm sido utilizados principalmente como recurso de subsistência na maioria

das comunidades e por isso têm ocupado espaço importante na economia

doméstica de famílias e comunidades que já realizam sua extração comercial.

A atual política pública de proteção aos manguezais lhes confere a condição

de res communes2 e aos recursos de sua fauna de res nullius3, o que tem causado

conflitos crescentes de uso. A falta de um ordenamento regulador de acesso aos

territórios e recursos nesses ecossistemas que provenha das próprias comunidades

pesqueiras agrava sobremaneira a situação geral de sua apropriação, problema

esse potencializado principalmente ao final da primavera e durante todo o verão.

Nesses períodos há um aumento significativo da demanda dos recursos da

fauna dos manguezais, tanto nos mercados locais de pescado quanto nas

encomendas de restaurantes de diferentes centros urbanos e de turistas que visitam

a região. Então começam a ocorrer extrações clandestinas do caranguejo-uçá, as

quais agravam ainda mais os conflitos entre os grupos extrativistas e os órgãos

fiscalizadores, cujas punições causam revolta nas comunidades.

Diversos autores têm relatado conflitos nos processos de apropriação dos

recursos de manguezais paranaenses (CUNHA & ROUGELLE, 1989; MARTIN,

1992; MARTIN & ZANONI, 1994; LANA, 1998; BLANKESTEYN et al, 1997;

CANEPARO, 1999). Além da complexidade legal que envolve essa apropriação,

2 São elementos naturais que não se prestam à apropriação em sua totalidade e, portanto, fazemparte do bem comum. Exemplos dessa classe são: o mar, a luz, o ar, a água corrente, os bosques demanguezais, etc.

3 Constituem “partes descartáveis” de res communes e, portanto, são elementos apenastemporariamente não apropriáveis, podendo sê-los perfeitamente ao primeiro que deles possa dispor,Assim, uma parte de res communes adquire instantaneamente o caráter de res nullius. Dessamaneira, o mundo material, em sua totalidade, pode ser dividido infinitamente, tornando suas partesalienáveis, compreensíveis e incorporadas ao humano e a ele disponíveis (OST, 1997).

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outros condicionantes exacerbam enormemente os conflitos socioambientais na

região. A criação, a partir da década de 80, de diferentes Unidades de Conservação,

como o PARNA de Superagüi, a ESEC de Guaraqueçaba e a APA de

Guaraqueçaba, restringiu ainda mais as possibilidades de uso e manejo comunitário

dessa região.

Apesar do quadro de crise das atividades pesqueiras e das transformações

impostas aos modos de vida dos pescadores artesanais da região, autores como

CUNHA & ROUGELLE (1989), CORRÊA (1993), SPVS, (1992), FERNANDES-

PINTO (2001) e KARAM & TOLEDO (In: IPARDES, 2001) observam relevantes

elementos de resistência sociocultural. Esses elementos, algumas vezes, podem

gerar comportamentos adaptativos e conservacionistas dos modos de vida atuais

dessas comunidades, apesar da situação geral de crise desse sistema

socioambiental.

Diante dessa problemática, surge o desafio de se conceber uma forma de

manejo dos recursos de manguezais que viabilize tanto a reprodução da sua base

ecológica quanto de seus vínculos sociais e culturais levando-se em consideração

suas complexidades sociais e ecossistêmicas. Entretanto, poucos trabalhos

relacionam sistematicamente a ocorrência e a disponibilidade dos recursos bênticos

de interesse econômico dos manguezais paranaenses com as características

fisiográficas e funcionais dos manguezais locais. Da mesma maneira, são

praticamente ausentes estudos que abordam os saberes tradicionais sobre os

manguezais na região, bem como seus modos de apropriação.

Desse conjunto de considerações que caracterizam uma crise real na gestão

dos recursos bênticos de manguezais da Baía de Paranaguá surge naturalmente

uma série de questões associadas: Como os saberes ecológicos tradicionais

incorporam as heterogeneidades ecossistêmicas dos manguezais locais e da

disponibilidade de seus recursos, a ponto de condicionar os modos de apropriação

dos seus recursos bênticos? É possível que essas dinâmicas de apropriação e

saberes gerem ajustamentos adaptativos das atividades de extrativismo? Como se

configura a dinâmica geral de uso e de acesso aos recursos de manguezais no

complexo estuarino da Baía de Paranaguá como um todo? As heterogeneidades

dos bosques de manguezais podem refletir heterogeneidades na disponibilidade

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dos distintos recursos explorados? As heterogeneidades dos bosques e da

disponibilidade de seus recursos são reconhecidas pelos saberes das comunidades

usuárias? Como isso ocorre? Esses saberes podem orientar práticas (saber-fazer)

que gerem modos adaptativos ou conservativos de apropriação?

II – OBJETIVOS

Esta tese tem como objetivo geral a análise das dinâmicas de apropriação

dos recursos bênticos dos manguezais do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá pelas comunidades pesqueiras locais, considerando a heterogeneidade

desses ecossistemas, a disponibilidade de seus recursos e sua incorporação pelos

saberes tradicionais.

Seus objetivos específicos são:

• Diagnosticar os tipos de usos e formas de acesso aos recursos específicos

das diversas comunidades pesqueiras do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, construindo uma visão geral dos processos de apropriação

nesse sistema e das relações entre as comunidades usuárias.

• Analisar, a partir de dois estudos de caso, nas comunidades pesqueiras de

Amparo e do Poruquara, as heterogeneidades fisiográficas microrregionais

de bosques de manguezais e a disponibilidade espacial e a abundância de

seus recursos.

• Identificar, nos estudos de caso, os saberes tradicionais e os modos de

apropriação das comunidades (Amparo e Poruquara) usuárias dos

bosques estudados.

• Analisar as possibilidades de articulação entre os saberes, os modos de

apropriação e as heterogeneidades ambientais que possam vir a gerar

ajustamentos adaptativos e viáveis aos condicionantes ecossistêmicos e

socioeconômicos.

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OS CONFLITOS DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAISNAS REGIÕES LITORÂNEAS

O caso do litoral brasileiro

O litoral brasileiro tem como característica marcante a diversidade e a

convivência de padrões díspares de apropriação, causas de conflitos

socioambientais reais ou potenciais no uso dos recursos naturais. Defrontam-se

nesse espaço desde tribos coletoras quase isoladas até plantas industriais de última

geração, desde comunidades com estilos de vida tradicionais até modernas

metrópoles. Além disso, a situação geográfica litorânea apresenta uma série de

processos singulares, como a valorização econômica fundiária, a diversidade

biológica (que qualifica esse espaço como importante fonte de recursos) e os

intensos fluxos econômicos com circulação pelos oceanos (MORAES, 1999).

Esses usos múltiplos são, por vezes, complementares, conflitantes ou até

mutuamente exclusivos e configuram dinâmicas complexas que demandam planos

de gestão integrados, levados a efeito pelo Programa de Gerenciamento Costeiro

(GERCO) da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM).

A CIRM define políticas globais de desenvolvimento, macrozoneamento e

elabora planos e leis de gerenciamento da costa brasileira (DIEGUES, 2001 a). A fim

de atenuar as disparidades entre os diferentes modos de uso dos recursos

litorâneos, esses planos de gerenciamento integrados pretendem definir unidades

ambientais que compreendam áreas com vocações distintas para uso intensivo,

extensivo, múltiplo ou de preservação.

Apesar da existência do GERCO, o Ministério do Meio Ambiente (MMA)

relata crescentes conflitos de apropriação no litoral brasileiro causados pelos

programas de proteção ambiental e/ou por atividades econômicas, como a pesca, a

aqüicultura, o crescimento urbano e a atividade portuária. Destacam-se como mais

freqüentes os conflitos entre pescadores artesanais e a pesca industrial;

especulação imobiliária e populações tradicionais; proprietários de monocultura e

pescadores artesanais; administradores de Unidades de Conservação (UCs) e

populações extrativistas (MORAES, 1999).

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O caso específico dos processos de apropriação dos manguezais brasileiros

está intimamente ligado a esses conflitos relatados pelo MMA. Nesse caso,

configura-se um cenário de disputa tanto na expansão das fronteiras urbanas quanto

no uso mercantil ou de subsistência de seus recursos. Essas áreas são,

naturalmente, difíceis de serem ocupadas. Entretanto, muitas vezes situam-se

adjacentes a outros ecossistemas intensamente povoados; são fontes importantes

de recursos e têm reconhecida sua importância ecológica. Esse reconhecimento as

coloca, legalmente, como áreas de proteção permanente (Lei 4.771 do Código

Florestal, Art. 2, de 15/09/1965).

Nesse cenário, observa-se distintas concepções da relação sociedade–

natureza, as quais refletem em suas dinâmicas de apropriação.

Esses ecossistemas têm sido apropriados, a partir de uma lógica extremamente

preservacionista, que se reflete diretamente em seu status legal. Juridicamente, os

manguezais pertencem à União, são inalienáveis, públicos e de uso comum

(Constituição Federal, 1988) e considerados terrenos de Marinha (Lei no 9.760, de

05/09/1946). No âmbito do Direito Florestal Brasileiro (Lei Federal no 4.771, de

15/09/1965), não podem ser desmatados ou danificados, atitudes passíveis de

penalização (LANA, no prelo). Na legislação federal, os manguezais, pertencendo à

categoria de terras e zonas úmidas, estão protegidos pelo Decreto-Lei no 33 (16 de

junho de 1992), que aprova a convenção de Ramsar sobre zonas úmidas de

importância internacional (PARANÁ, 1996, I-33, P. 1 apud CANEPARO, 1999).

Também são passíveis de apropriação a partir de uma lógica capitalista extrema,

principalmente quando a presença dos manguezais interfere nos processos de

expansão urbana e industrial. Nesse último caso, os ecossistemas de manguezais

são considerados, muitas vezes, como áreas “marginais”, de baixo valor de mercado

(DIEGUES, 2001 a). O Código Florestal prevê a remoção dos manguezais quando

“necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública

ou interesse social” (parágrafo único, Art, 3º)1. A restrição ao uso desses

ecossistemas acarreta uma situação generalizada de livre acesso aos recursos, bem

como de incitação à sua degradação (LANA, no prelo).

1 A legislação ambiental posterior ao Código Florestal tenta resolver esse paradoxo legal ao obrigar a realizaçãode estudos de avaliação de impactos ambientais sobre essas áreas (Resolução do Conama no 001, de23/01/1986.

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À margem desses processos hegemônicos de apropriação estão as

populações locais que dependem dos ecossistemas de manguezais. Aplicam a

esses, muitas vezes, outras lógicas de apropriação não consideradas nos processos

de tomada de decisão da gestão formal de seus recursos.

Ao dimensionar a importância dos conflitos relacionados à apropriação dos

manguezais brasileiros, é fundamental considerar que esse litoral apresenta uma

extensa área de manguezais (cerca de 25.000 km2) (UICN, 1983 apud DIEGUES,

2001 a). Distribuem-se ao longo de 6.800 km de costa, do rio Oiapoque, no Amapá

(latitude 4o30’N), à Praia do Sonho, em Santa Catarina (latitude 28o53’S) (VANUCCI,

1999), o que corresponde a 92% da extensão desse litoral (KJERVE & LACERDA,

1993 b). Ao mesmo tempo, esses ecossistemas têm importância social estratégica,

pois geram recursos para as populações de baixa renda, desde a coleta manual de

moluscos e crustáceos e a pesca do camarão até a utilização da madeira do

mangue (seja na construção civil, seja gerando subprodutos como o carvão vegetal

e o tanino do mangue vermelho) (CINTRÓN & SCHAEFFER-NOVELLI, 1983;

LACERDA, 1984; KJERVE & LACERDA, 1993; CANEPARO, 1999).

Um expressivo contingente dessas populações, com estreita dependência dos

recursos de manguezal, é composto por grupos humanos que ainda mantêm

estreitos vínculos históricos e tradicionais com esses ambientes ao longo do litoral

brasileiro, os quais são considerados por alguns autores como civilizações do

mangue (MOURÃO, 1971; CORDELL, 1983; DIEGUES, 1987; OLIVEIRA &

RIBEIRO NETO, 1989 apud DIEGUES, 2001 a). Em seu modo de vida original,

esses grupos tradicionais desenvolveram conhecimentos e práticas adaptativas com

os ecossistemas de manguezais profundamente vinculados às suas atividades

econômicas, sociais e culturais (DIEGUES, 2001 a). Essas práticas adaptativas,

muitas vezes, resultam em efeitos positivos na conservação desses ecossistemas.

Entretanto, muitas dessas comunidades humanas que a princípio se organizam a

partir de vínculos tradicionais e adaptativos com o ambiente têm sofrido processos

de desorganização em seu modo de vida original. Esses eventos de desorganização

de diversas populações tradicionais do litoral brasileiro têm ocorrido pelo contato

com os modelos hegemônicos de desenvolvimento impostos a esse litoral,

fundamentados em interesses capitalistas, os quais impõem um contato perverso

com o mercado (DIEGUES, 1998, DIEGUES & ARRUDA, 2001). Da mesma

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maneira, as ações restritivas da atual política ambiental brasileira têm agravado

problemas fundiários no manejo dos recursos e dos territórios dos manguezais e

estuários por essas comunidades litorâneas. O quadro de desigualdade social e de

desorganização sociocultural das comunidades tradicionais acaba por transformar

suas relações harmônicas e originalmente adaptativas com os ecossistemas de

manguezais em degradação ambiental, depleção dos recursos extraídos desses

ecossistemas e, conseqüentemente, pauperização progressiva dessas pessoas.

Nesse quadro, também é importante considerar que nem sempre as atividades

oriundas de comunidades tradicionais são menos impactantes que outras não-

tradicionais.

O alto grau dos impactos ambientais pela intensificação dos processos de

urbanização rápida das zonas litorâneas e pela implantação de indústrias nos

ecossistemas estuarinos, nesses últimos 50 anos (DIEGUES, 2001 a), aprofundou

sobremaneira a crise da gestão dos recursos de manguezais no panorama nacional.

Ainda, a política antagônica, ambígua e inconsistente de proteção extremada dos

manguezais, a qual tenta regular seu uso, além de gerar situações de livre acesso

aos recursos e de degradação desses ambientes (MARTIN & ZANONI, 1994; LANA,

no prelo), põe em risco a existência das comunidades humanas que fazem uso

tradicional e local de seus recursos, sobretudo as pequenas comunidades de

pescadores artesanais do litoral brasileiro (DIEGUES, 2001 a), como é o caso de

muitos dos habitantes dos estuários paranaenses. Então, o custo social da

ineficiência de sua gestão acaba por recair diretamente sobre essas populações de

baixa renda, seja por sua dependência direta dos recursos, seja pela co-existência

dessas populações e dos ecossistemas de manguezais nas fronteiras urbanas.

Ao reconsiderar esse quadro de crise, é necessário também reconhecer que a

atual legislação brasileira de proteção a esses ecossistemas está embasada na

concepção ecológica simplificadora que entende os ecossistemas de manguezais

como unidades homogêneas (KJERVE & LACERDA, 1993; IPARDES, 2001), tanto

estrutural quanto funcionalmente. Entretanto, diversas contribuições acadêmicas

apontam para importantes padrões de heterogeneidade desses ambientes, tanto ao

longo de sua distribuição espacial no litoral brasileiro (SCHAEFFER-NOVELI et al

1990) quanto em menores escalas regionais (MARTIN, 1992; BROGIM, 2001).

Desta maneira, generalizações sobre o modo de estruturação e de funcionamento

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dos manguezais em escala nacional não é adequada (LANA, no prelo). Segundo

esse autor, esses ecossistemas necessitam ser estudados como unidades

diferenciadas, e sua enorme heterogeneidade espacial e temporal deverá ser

reconhecida e incorporada nas discussões sobre a legislação ambiental e sobre a

gestão de seus recursos, considerando a complexidade de suas dinâmicas naturais

tanto quanto de suas dinâmicas sociais.

Estudos sobre impactos antrópicos e planos de manejo em manguezais têm

sido propostos por muitos estudiosos (ADEGBEHIN & NWAIGBO, 1990; LACERDA

& KJERFVE, 1995; FOUDA & AL-MUHARRAMI, 1995; MASTALLER, 1995;

RASOLOFO, 1997). A Unesco, há três décadas, tem se dedicado a fomentar e

organizar intercâmbios entre os conhecimentos produzidos sobre o assunto nos

diferentes continentes, por meio do Programa MAB (Programa Sobre o Homem e a

Biosfera), com participação importante da Rede Mundial de Reservas de Biosfera e

dos Programas Regionais sobre Manguezais (UNDP/UNESCO), e muitos trabalhos

cooperativos têm sido geridos a partir de iniciativas da Sociedade Internacional para

Ecossistemas de Manguezais (ISME). No Brasil, diversas pesquisas sobre uso e

manejo de manguezais têm sugerido planos de gestão (MARTIN, 1992; LANA, 1998;

CINTRÓN & SCHAEFFER-NOVELI, 1983; BARROS et al. 2000; MOREIRA, 2000).

Entretanto, existem variabilidades regionais e temporais, tanto no que diz respeito

aos manguezais propriamente ditos quanto às populações que deles fazem uso, que

justificam um tratamento mais descentralizado da questão.

Desde o final da década de 80, programas governamentais efetivados

principalmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) têm regulamentado áreas de usos distintos e ordenado seus

ecossistemas como unidades de conservação. Recentemente, essa instituição tem

buscado a viabilização operacional da gestão dos recursos naturais de maneira mais

descentralizada e compartilhada com os estados e municípios (BRITO & CÂMARA,

1999).

Todavia, é notória a necessidade de levar a essa discussão outras lógicas de

apropriação, oriundas das aptidões ecológicas e socioculturais locais, e expressas

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por meio dos saberes das populações locais e de seus modos de apropriação2.

Essas lógicas, até então marginais dos processos decisórios sobre a questão

ambiental, emergem como essenciais para a construção de projetos de

desenvolvimento local conciliados às demandas de conservação dos recursos

naturais.

O caso do litoral paranaense

A situação geral de crise da gestão dos recursos naturais no litoral brasileiro

também é característica do litoral paranaense, sendo evidentes os problemas de

gestão do desenvolvimento e da conservação, relatados, entre outros, por IPARDES

(1989 a), SPVS (1992) ANDRIGUETTO FILHO (1993); LIMA & NEGRELLE, (1998),

ANDRIGUETTO FILHO & MARCHIORO (2002) e RAYNAUT, ZANONI E LANA

(2002).

Para compreender como a crise de gestão dos recursos de manguezais está

inserida nessa problemática maior do litoral do Estado, é necessário, em primeiro

lugar, vislumbrar as heterogeneidades e interdependências tanto ambientais quanto

socioeconômicas dessa região, as quais conferem a essa problemática uma grande

complexidade espácio-temporal.

O litoral paranaense abrange uma superfície de cerca de 6.600 km2. É

constituído pelos municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos,

Morretes, Pontal do Paraná e Paranaguá e abriga uma população humana superior

a 210.000 habitantes (ANDRIGUETTO FILHO & MARCHIORO, 2002). Apresenta

grande variedade de ecossistemas, presentes nas quatro sub-regiões

geomorfológicas – Montanhosa Litorânea, Planícies Litorâneas, Baías e Plataforma

Continental (IPARDES, 1989 b), e no mínimo 11 tipos distintos de atividades

econômicas, sejam elas, agropecuárias, extrativistas, agroindustriais caseiras ou de

subsistência, com variados graus de tecnificação e inserção no mercado

(RODRIGUES et al 1993, apud: ANDRIGUETTO FILHO & MARCHIORO, 2002).

2 Esse conceito apresentado por VIEIRA & WEBER (1997) envolve as seguintes dimensões deanálise: (1) o sistema de representações cognitivas dos atores sociais implicados; (2) os usospossíveis dos recursos; (3) as modalidades de acesso e de controle do acesso aos recursos; (4) asmodalidades de transferência de direitos de acesso; e (5) as modalidades de repartição ou partilhados recursos ou dos frutos de sua exploração.

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Também é notória a diversidade de situações culturais, tanto quanto de acesso aos

recursos, condicionado pelas possibilidades de posse e de capital, pela legislação

ambiental bastante complexa e pelo grau de participação no mercado; e ainda a

presença de uma forte polarização urbana e industrial, conferida pelo complexo

portuário de Paranaguá e pelas áreas turísticas da orla sul (ANDRIGUETTO FILHO

& MARCHIORO, 2002).

Segundo esses autores, essa complexidade socioambiental abarca duas

contradições básicas das relações sociedade–natureza no litoral paranaense: o valor

de seu patrimônio natural e de sua biodiversidade, que origina um arcabouço de leis

de proteção ambiental, contrasta com o quadro de subdesenvolvimento regional que

não corresponde aos potenciais da região. Além disso, o fato de o litoral paranaense

ter se mantido à margem dos modelos de desenvolvimento adotados no Estado, ao

mesmo tempo em que manteve seus ecossistemas relativamente menos

impactados, se comparados àqueles do restante do Estado, também é produto da

ausência de iniciativas de desenvolvimento que considerem suas aptidões

socioambientais locais.

Num esforço para compreender as dinâmicas socioambientais dessa região,

diversos autores estudaram os principais aspectos que interligam o ambiente urbano

(CANEPARO, 1999; POLINARI, 1999; RAYNAUT, ZANONI E LANA, 2002) e o rural

(MARCHIORO, 1999; ANDRIGHETTO FILHO, 1999), bem como às distintas práticas

agrícolas e pesqueiras que predominam nesse litoral.

MARCHIORO (1999) apresenta uma visão panorâmica dessas dinâmicas no

ambiente rural, num quadro de intensas mudanças técnicas e sociais que incluem a

coexistência de distintos grupos sociais (desde agricultores familiares, agricultores

comerciais e empresários rurais) os quais disputam a terra e o acesso aos recursos

naturais e aos meios de produção e comercialização. As inter-relações da sociedade

litorânea e o meio urbano também estão marcadas por uma demanda crescente de

atividades turísticas e por um importante fluxo migratório de agricultores que

abandonam suas atividades e passam a habitar as cidades. Muitos agricultores têm

abandonado suas atividades, integral ou sazonalmente, passando a se dedicar às

atividades pesqueiras; o meio marítimo desse litoral sofre também influência dos

sistemas agrícolas no que se refere à poluição e ao assoreamento (ANDRIGUETTO

FILHO & MARCHIORO, 2002).

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No que diz respeito às dinâmicas de pesca e ao ambiente marítimo,

ANDRIGUETTO FILHO (1999) diagnostica transformações nos processos de

apropriação dos recursos pesqueiros no litoral paranaense que parecem resultar das

influências combinadas do avanço tecnológico, da expansão do turismo e das

mudanças associadas no uso do solo, das modificações do ambiente jurídico e

institucional e da evolução do mercado. Também os resultados decrescentes nas

pescarias, mudanças na composição das capturas e degradação ambiental originam

estratégias de adaptação dos pescadores, incluindo a invenção de novos apetrechos

de pesca. Essas dinâmicas sociais acarretam três conseqüências fundamentais:

diferenciação dos tipos de sistemas pesqueiros, aumento da pressão global de

exploração e intensificação da competição e dos conflitos entre os usuários dos

recursos, tanto entre indivíduos quanto entre grupos. Os conflitos sociais que se

destacam são entre a pesca e a proteção ambiental, entre a pesca artesanal e a

pesca empresarial, e as clivagens dentro da própria pesca artesanal que ocorre

entre os pescadores tradicionais e os oportunistas, bem como entre aqueles que

praticam o uso de artes predatórias e aqueles que as evitam.

Todo esse quadro configura uma crise das atividades pesqueiras locais, o

que, muitas vezes, leva os pescadores a abandonar suas atividades e se voltar ao

subemprego e à favelização nos centros urbanos de Paranaguá e Guaratuba, já que

suas atividades originais passam a não satisfazer adequadamente suas

necessidades materiais (MARTIN & ZANONI, 1994). Esse panorama de conflitos

socioambientais acarreta alguns dos piores indicadores de desenvolvimento

econômico e social do estado do Paraná (MARTIN & ZANONI, 1994; CANEPARO,

1999).

A crise geral da gestão dos recursos naturais do litoral paranaense,

especialmente da pesca artesanal, tem levado a uma mobilização crescente das

práticas extrativistas nos manguezais na região, consideradas as atividades

antrópicas mais importantes nesses ecossistemas. Elas relacionam-se às atividades

de extração de recursos pesqueiros, como ostras (Crassostrea rhizophorae), o

berbigão (Anomalocardia brasiliana), o caranguejo-uçá (Ucides cordatus), peixes

(principalmente bagres e manjubas), siris (Callinectes spp.), camarões (Penaeus

spp. e Xiphopenaeus spp.), o irico (juvenis de manjuba salgados e secos) (LANA,

1998), bacucus (Mytella falcata.) e sururus (Mytella guyanensis). Apesar de uma

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quase completa ausência de indicadores de produção pesqueira no Estado, PAIVA

(1997) relata, em percentuais médios anuais de produção pesqueira no período de

1990-1994, que, entre os principais recursos estuarinos do Estado, 6,0% do total de

produção da pesca artesanal refere-se à coleta de Ucides cordatus e 8,5% à pesca

artesanal do camarão branco (Penaeus schmitti).

O universo da pesquisa

O locus da presente pesquisa é o complexo estuarino da Baía de Paranaguá,

especificamente seus ecossistemas de manguezais e os recursos bênticos de

interesse econômico dele oriundos e os grupos sociais que fazem uso direto desses

recursos.

1. A Baía de Paranaguá

O complexo estuarino da Baía de Paranaguá, situado na costa paranaense

(48o25’W, 25o30’S), compõe, com a Baía de Iguape-Cananéia, o grande sistema

estuarino complexo Lagamar, o qual liga os estados do Paraná e de São Paulo.

Esse sistema apresenta características estruturais típicas de um ambiente de

ingressão marinha, cujas estruturas fisiográficas são geologicamente efêmeras e

dependem de interações entre o sistema de drenagem de água doce continental e

as condições das marés. A heterogeneidade espacial e temporal de seus

condicionantes abióticos confere uma notável diversidade de sistemas naturais,

como restingas, manguezais, marismas, pradarias marinhas, costões rochosos e

planícies de maré (LANA et al. 2001).

O complexo estuarino da Baía de Paranaguá, com 612 km2 de área (25o20’S

– 48o20’W a 25o35’S – 48o35’W), compreende dois principais corpos d’água, as

baías de Paranaguá e Antonina (260 km2) em sua porção sul e as baías de

Laranjeiras e Pinheiros (200 km2) em sua porção norte, e está conectado com o mar

aberto por três canais situados ao redor da Ilha do Mel (LANA et al, 2001).

O clima da região é classificado como Cfa (subtropical úmido mesotérmico),

com média pluviométrica anual de 2.500 mm e média de umidade atmosférica em

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torno de 85%. De acordo com KNOPPERS et al (1987), esse complexo estuarino é

classificado como um estuário misto (tipo B), com profundidade média de 5,4 m,

volume total de água de 1,4109 m3 e tempo de residência de 3,49 dias (FUNPAR,

1997). Suas marés são semidiurnas, e o padrão de circulação e de estratificação da

água varia entre as estações, com médias de salinidade e de temperatura da água

no verão e no inverno entre 12-29 PSU e 23-30oC e 20-34 PSU e 18-25oC,

respectivamente. Um evidente gradiente de salinidade e energia apresenta-se ao

longo dos eixos leste–oeste e norte–sul, dividindo a baía em um setor de alta

energia e eurihalino, um setor mediano com características polihalinas, e regiões

mais internas, oligihalinas e de baixa energia (LANA et al, 2001).

A média anual de entrada de água doce no sistema, oriunda tanto da Planície

Costeira adjacente quanto de pequenas bacias de drenagem da Serra do Mar, é de

200 m3 s-1. Seus mais importantes tributários são as bacias dos rios Cachoeira e

Nhundiaquara, com médias de descarga de 21,13 e 15,88 m3 s-1, respectivamente

(BIGARELLA et al., 1978). Além desses rios, o sistema hidrográfico desse sistema

estuarino é composto pelas bacias dos rios Guaraqueçaba, Serra Negra, Tagaçaba

e Guaraguaçu. Variações sazonais da entrada dessa água doce correspondem a

30% da média anual no período de seca (maio/outubro) e 170% durante o período

chuvoso (novembro/abril) (LANA et al, 2001).

A distribuição e a variação temporal das propriedades físico-químicas desse

sistema estuarino estão estreitamente ligadas aos gradientes de salinidade e de

energia, e seu estado trófico resulta de interações entre os processos

hidrodinâmicos e os diferentes mecanismos de entrada e saída de nutrientes do

sistema, como as interações biológicas, entradas de água doce, interações

sedimento–corpo d’água e descargas de esgotos dos centros urbanos. O estado

trófico do sistema, baseado em taxas anuais de suplemento de carbono orgânico e

clorofila, material particulado e concentração de nutrientes, varia de oligotrófico no

inverno, na seção mais externa, a eutrófico durante o verão, nas seções médias e

internas do sistema estuarino (KNOPPERS et al. 1987).

No que diz respeito aos processos sedimentológicos, existe uma marcada

heterogeneidade na distribuição dos sedimentos de fundo (BIGARELLA et al 1978),

permitindo distinguir dois grandes setores no complexo estuarino: o primeiro sob

forte influência marinha (eixo leste–oeste), e o segundo sob influência continental

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(eixo norte–sul) (MARTIN, 1992). LESSA et al. (1998) propõem também uma divisão

do setor leste–oeste desse complexo em três zonas distintas, segundo suas

características morfo-sedimentares: (1) zona de embocadura, composta por areia

fina bem selecionada, e correspondente à área de entrada do estuário até a cidade

de Paranaguá; (2) zona de afunilamento, com a presença de sedimentos lodosos

(<50% de areia); (3) zona de meandros, indicada por sedimentos compostos por silte

médio e fino, pobremente selecionados.

2. Os ecossistemas de manguezais do complexo estuarino daBaía de Paranaguá

A deposição e a retenção de um abundante material sedimentar de dupla

origem (continental e marinha) nas reentrâncias do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá favorece a presença de ecossistemas de manguezais, os quais

colonizam as regiões intertidais em cerca de 186 km2 (MARTIN, 1992).

Esses ecossistemas são sistemas abertos transicionais, característicos pela

interdependência com os ambientes terrestre e estuarino (CINTRÓN &

SCHAEFFER-NOVELLI, 1983). Essa interdependência traz perturbações de

diferentes naturezas aos manguezais e impõe limites à sua produtividade. Variações

de condições ambientais como fluxos de água de lençol freático e de circulação das

águas estuarinas, aporte de nutrientes, salinidade, oxigênio dissolvido, períodos de

seca e de inundação, demandam de sua biota uma capacidade de tolerância

especial, principalmente uma convergência adaptativa à halofilia facultativa e à

flutuação de marés. Pode se considerar que a notável capacidade de adaptação dos

manguezais em ambientes costeiros e estuarinos muito diversificados é

basicamente de natureza fisiológica (CINTRÓN & SCHAEFFER-NOVELLI, 1983;

SPALDING et al., 1997).

Os manguezais do complexo estuarino da Baía de Paranaguá, componentes da

Unidade VII na classificação de SCHAEFFER-NOVELLI (1989), apresentam

marcada heterogeneidade estrutural, constituindo tanto bosques mono como

pluriespecíficos, com estruturas fisiográficas que variam de mono a

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pluriestratificadas (MARTIN, 1992). Sua diferenciação estrutural e funcional os

enquadra em três tipos gerais de formações locais: povoamentos subfrutescentes;

povoamentos cerrados e povoamentos de franja. A tipologia de MARTIN (1992)

correlaciona a ocorrência desses distintos tipos fisiográficos com uma série de

componentes funcionais que configuram ambientes diferenciados no complexo

estuarino da Baía de Paranaguá, (bacias, deltas de rios, ilhas de confluência, baías

abertas, ilhas marítimas e gamboas) indicando dez tipos fisiográficos distintos para

os bosques de manguezais desse sistema.

Na presente região, segundo LANA (1998), as espécies arbóreas Rhizophora

mangle, Laguncularia racemosa e Avicennia schaueriana florescem de março a

outubro e seus arranjos espaciais variáveis raramente apresentam zonação

evidente. Quando há zonação bem definida, R. mangle pode ser encontrada

ocupando as áreas marginais próximo aos rios e gamboas. Estudos apontam para a

conformação de nichos distintos na distribuição dessas espécies, sendo freqüente a

ocorrência de formações monoespecíficas de L. racemosa nas regiões eurihalinas

de alta energia da Baía de Paranaguá, espécie esta considerada oportunista na

região, e a ocorrência de bosques pluriespecíficos, com co-dominância das três

espécies nas áreas mais internas da baía (MARTIN, 1992; LANA, 1998, BROGIM,

2001). Ainda, a produção de serrapilheira dos manguezais em áreas eurihalinas é de

aproximadamente 650 g m-2 ano-1, e a taxa de produção é de 4 a 6 vezes maior em

verões chuvosos do que no inverno (SESSEGOLO, 1997).

3. Os recursos bênticos dos manguezais do complexo estuarinoda Baía de Paranaguá

A constatação de que os bosques de manguezais no complexo estuarino da

Baía de Paranaguá são heterogêneos suscita questionamentos quanto a uma

possível correlação dessa heterogeneidade com a comunidade faunística.

A composição da fauna dos manguezais brasileiros é diversificada, com

animais terrestres, marinhos e límnicos, sendo poucas as espécies endêmicas

(LACERDA et al., 1990). Pode ser agrupada em quatro classes funcionais

(AVELINE, 1980): (1) espécies que estão diretamente associadas às estruturas

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aéreas das árvores dos manguezais, por exemplo a Crassostrea rhizophorae; (2)

espécies que vivem em habitats terrestres e migram periodicamente ao manguezal,

a exemplo de muitos répteis e aves; (3) espécies que habitam os sedimentos dos

manguezais ou superfícies lodosas adjacentes, como é o caso do Ucides cordatus e

do Mytella guyanensis; (4) espécies que vivem no ambiente marinho, mas passam

parte de seu ciclo vital nos manguezais, como, por exemplo, os camarões Penaeus

brasiliensis e P. schimittii e alguns peixes, como Mugil spp. e anchovas

(Engraulidae).

A fauna bêntica dos manguezais paranaenses abrange crustáceos

braquiúros, anelídeos poliquetas e moluscos teredinídeos, com a infauna pouco

diversificada e pouco abundante em comparação àquelas dos marismas e dos

fundos sublitorais rasos. Sua biomassa é proporcionalmente baixa, à exceção dos

braquiúros. Também não se verificam padrões evidentes de zonação, ainda que a

maioria das populações animais se apresente fortemente agregada (LANA, 1998).

Entretanto, segundo trabalhos de LANA (no prelo) e BROGIM (2001), há evidências

de que a maior ou menor disponibilidade de alguns recursos animais pode estar

relacionada com as distintas configurações dos bosques de manguezais.

BROGIM (2001) demonstra diferenças significativas na densidade de sete

espécies da macroinfauna bêntica desses ecossistemas, de acordo com as distintas

zonas sedimentares e/ou setores do complexo estuarino em seu eixo leste–oeste,

ressaltando nesse grupo faunístico a presença de uma espécie usada

comercialmente, o sururu (Mytella guyanensis), que na zona de embocadura dessa

região é mais abundante quanto maior a salinidade e o percentual de areia do

sedimento.

Também LANA (no prelo) descreve padrões de distribuição da fauna que

concorda com relatos de pescadores, os quais indicam maiores capturas de

crustáceos e moluscos em manguezais estruturalmente mais desenvolvidos,

particularmente nas áreas mais internas da baía.

Esses indicativos de uma possível heterogeneidade na distribuição e

abundância da fauna dos manguezais condicionada às heterogeneidades

fisiográficas dos bosques chamam atenção especial quando se pretende conhecer

as relações de apropriação dessa fauna enquanto recurso.

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3.1. O CARANGUEJO-UÇÁ – Ucides cordatus (Linnaeus, 1763)

As populações de Ucides cordatus têm recebido especial atenção pelo fato de

representarem uma espécie endêmica dos manguezais americanos em sua porção

atlântica3 (FAO, 1992) com importante papel ecológico no que diz respeito à

permanência de material orgânico particulado, ao balanço de nutrientes e aos fluxos

de energia no manguezal (KOCH, 1999). Também é um importante recurso

comercial, explorado principalmente por populações tradicionais litorâneas (KJERVE

& LACERDA, 1993 a). A coleta artesanal de caranguejos é considerada a atividade

econômica mais importante nos sistemas de manguezais, em escala comercial, ao

longo de toda a costa do Brasil (KJERVE & LACERDA, 1993 b; PAIVA, 1997).

U. cordatus é um caranguejo semiterrestre, pertencente à Infraordem

Brachyura, da Família Ocypodidae (PINHEIRO & FISCARELLI, 2001), que

apresenta mecanismos muito particulares no que diz respeito a atividades ligadas à

reprodução, alimentação e refúgio. Condicionado a um ambiente

ecofisiologicamente exigente, depende tanto de sua capacidade fisiológica quanto

comportamental para suportar oscilações de salinidade, temperatura, períodos de

dissecação, além de pressões de competição inter e intra-específicas.

Ao enfrentar variações sazonais e semidiurnas de salinidade, temperatura, e

de tempo de exposição ao ar, U. cordatus conta com uma excelente capacidade

ventilatória e de hiper/hipo-ionorregulação dos fluidos extracelulares, com seu ponto

isosmótico em 26 PSU, sendo tolerante a salinidades entre 6 e 33 PSU (SANTOS &

SALOMAO, 1985 a, b; MARTELO & ZANDERS, 1984). Esses mecanismos

fisiológicos de ionorregulação e de balanço hídrico envolvem custos energéticos

importantes para o animal (TRUCHOT, 1990).

Para amenizar condições ecofisiológicas estressantes, bem como para se

proteger de predadores ou competidores, principalmente em atividades de

alimentação e de muda, U. cordatus constrói galerias individuais profundas (entre

0,6 a 1,6 m) (NASCIMENTO, 1993) nos sedimentos dos manguezais.

3 Sua distribuição espacial abrange desde o litoral da Flórida (EUA) até Santa Catarina (BR) (FAO,1992).

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O número de aberturas dessas galerias varia; as dos adultos, por exemplo,

apresentam apenas um orifício externo, enquanto as dos juvenis podem apresentar

até 5 orifícios por galeria (COSTA, 1972). Essa é uma atividade bioturbadora

importante para o ecossistema, seja pelo transporte de sedimentos profundos à

superfície, pelo aumento das condições de aeração e de trocas de nutrientes entre o

sedimento e a água, seja por causar modificações sazonais na estrutura da

associação da macrofauna bêntica (BLANSKENSTEYN, 1994),

Segundo KOCH (1999), Ucides cordatus é um importante consumidor de

folhas das árvores de manguezal. Essa fonte alimentícia é bastante disponível,

porém pobre em nutrientes e de difícil digestão. Esse animal estoca essas folhas

no interior de suas tocas, e sua atividade de herbivoria pode diminuir

consideravelmente a exportação de folhas para o estuário. Em virtude de essas

folhas serem de difícil digestão, as fezes desse animal, bem como as partículas das

folhas não consumidas configuram uma rica fonte de alimentos para bactérias, as

quais, por sua vez, são consumidas por caranguejos detritívoros (por exemplo Uca

spp.). Essa dinâmica alimentar de U. cordatus condiciona a alta produtividade dos

caranguejos detritívoros, e KOCH (op. cit.) alerta que uma redução intensa da

biomassa do primeiro devido à exploração comercial poderá diminuir

consideravelmente a oferta de alimentos para os últimos.

A reprodução de U. cordatus ocorre durante a estação chuvosa (ALVES,

1975; ALCÂNTARA-FILHO, 1978; NASCIMENTO, 1993; SANTAROSA-FREIRE,

1998; DIELE, 2000) e suas atividades de acasalamento e desova seguem os ritmos

lunares (na lua nova, litoral paraense – DIELE, 2000) ou semilunares (na lua cheia,

litoral paranaense – SANTAROSA-FREIRE, 1998).

Suas atividades de acasalamento ocorrem quando os animais abandonam

suas tocas e caminham sobre o solo dos manguezais em busca de seus pares. Esse

fenômeno é denominado “corrida do caranguejo” na região do Paraná e “andança”

ou “carnaval do caranguejo” em outras regiões (DIELE, 2000, NASCIMENTO, 1993,

PINHEIRO & FISCARELLI 2001). A ocasião da corrida é muito esperada pelas

populações extrativistas paranaenses, pois nesse momento a coleta do animal não

necessita de armadilhas.

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Aproximadamente dois meses após o acasalamento, as fêmeas ovígeras,

condicionadas pelos ritmos lunares, buscam as proximidades da coluna d’água para

desovar os novos embriões. Inicia-se, então, a fase de vida pelágica desse animal,

quando toma as formas larvais de Zoea (6 fases), e posteriormente de Megalopa (1

fase) (SANTAROSA-FREIRE, 1998, RODRIGUES & HEBLING, 1989; DIELE, 2000;

PINHEIRO & FISCARELLI, 2001), período esse que dura, ao todo, em torno de 2

meses (em condições de salinidade e temperaturas experimentais de 25oC e 24

PSU – RODRIGUES & HEBLING, 1989). Essa é uma etapa de vida muito particular,

U. cordatus e de extrema importância na dinâmica das populações, posto que suas

larvas na coluna d’água são transportadas estuário afora, para depois, re-

introduzirem -se aos manguezais outra vez.

SANTAROSA-FREIRE (1998), estudando populações do complexo estuarino

da Baía de Paranaguá, diagnosticou mecanismos de dispersão das larvas, as quais

se afastam dos manguezais das populações parentais em direção à costa. O ritmo

de desova, semilunares e com emissão nas sizígias, estão associados à baixa

luminosidade do crepúsculo e do amanhecer, bem como do estofo de maré cheia à

vazante em gamboas e rios, e em torno de marés paradas em canais ligados a duas

baías (Paranaguá e Laranjeiras). Essa dispersão larval é maximizada pela

ocorrência do pico de desova no início do verão, em condições de correntes de

vazante mais fortes e temperatura da água mais alta e pela regulação da

profundidade em relação às marés.

Essa autora sugere haver uma metapopulação desse crustáceo no complexo

estuarino, sendo os animais que vivem nas baías de Paranaguá, Laranjeiras,

Guaraqueçaba e Antonina componentes de subpopulações que colaboram

desigualmente com o pool de larvas no complexo estuarino como um todo. Nessa

dinâmica, o fornecimento de larvas pela Baía de Guaraqueçaba e adjacências é

pequeno, devido à limitação que a salinidade impõe à desova, à sobrevivência e ao

desenvolvimento das larvas. Em contrapartida, os manguezais situados na entrada

do estuário fornecem larvas para todo o complexo estuarino da Baía de Paranaguá.

Portanto, essas subpopulações da região euhalina parecem ser as principais

fornecedoras de larvas para as populações residentes neste estuário.

Após o seu estágio larval, esses animais recrutam nos sedimentos dos

manguezais e origina-se seu primeiro estágio juvenil, cuja largura de carapaça é de

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1,5 mm (DIELE, 2000). O crescimento desse animal depende de mudas (ecdises)

periódicas, quando o animal troca seu exoesqueleto (“casca” ou exúvia). Nesses

momentos, os animais utilizam as tocas para armazenar folhas e outros materiais

das árvores dos manguezais, a fim de utilizá-los como alimento no período pós-

muda, para, então, se fecharem em suas tocas e realizarem a troca de carapaça

(PINHEIRO & FISCARELLI, 2001). A freqüência das mudas é maior durante a fase

de vida juvenil, decrescendo na fase adulta. Segundo DIELE (2000), o decréscimo

percentual médio de incremento de tamanho é de 22,6% (entre 0,1 a 1,2 cm de

largura de carapaça), 13,3% (entre 2 a 3,9 cm) e 3,7% (para maiores de 5 cm). Uma

característica biológica muito importante no que diz respeito à conservação dos

estoques pesqueiros dessas populações é seu lento crescimento. Segundo revisão

de PINHEIRO & FISCARELLI (2001), o tamanho máximo do animal (LCmacho = 9,6

cm e LCfêmea = 8,9 cm) é atingido com mais de 8 anos, tendo sido estimado uma

longevidade de até 12 anos de idade (DIELE, 2000) e de tempo de vida ao atingir o

tamanho comercial (LC = 6 cm) de 6 a 8 anos (NASCIMENTO, 1993).

U. cordatus continua seu crescimento após a muda de puberdade e segue um

padrão de crescimento indeterminado, atingindo a maturidade sexual relativamente

cedo, aproximadamente aos 2 ou 3 anos de idade, tendo, em média, 3 cm de largura

de carapaça (DIELE, 2000).

PINHEIRO & FISCARELLI (2001) estabelecem que o tamanho mínimo de

maturidade funcional para fêmeas é de 4,3 cm e, para machos, de 5,3 cm, sendo

esse o estágio em que os animais se encontram maduros tanto fisiológica quanto

morfologicamente para a reprodução. Esses estudos embasaram a portaria do

IBAMA (no 70/2000) para o ordenamento de captura desse animal, estabelecendo o

tamanho mínimo de captura em 6 cm de largura de carapaça.

Essas características de U. cordatus (crescimento lento, relativa precocidade

reprodutiva e expressiva longevidade), devem ser levadas em consideração quando

do estabelecimento de ações de manejo e captura e perspectiva de viabilidade dos

processos extrativistas.

Para o estado do Paraná, estudos sobre a espécie foram efetuados por

NAKAMURA (1979), OSTRENSKI et al (1995), SANTAROSA-FREIRE (1998),

BLANKLESTEYN et al (1997) e RODRIGUES et al (2000).

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OSTRENSKY et al (1995) refutaram a possibilidade de desenvolver o cultivo

comercial desse animal devido ao seu lento crescimento. Atualmente, sua equipe

trabalha junto ao CEPEPOM/PUC, desenvolvendo sua larvicultura para o

repovoamento da espécie nos manguezais paranaenses.

PINHEIRO tem realizado um expressivo trabalho sobre a reprodução, o

crescimento e a distribuição espacial do animal, no litoral sul de São Paulo e norte

de Santa Catarina, trabalho esse realizado em parceria com as universidades

paulistas e catarinenses e o CEPSUL/IBAMA. Esse órgão, por sua vez, tem

realizado esforço contínuo para ordenar a captura do animal, e para os estados do

Sudeste e Sul tem realizado nesses últimos anos (1997-2002) reuniões periódicas

com técnicos, setor produtivo e fiscalização, a fim de tornar o processo de

constituição de portarias federais mais participativo junto aos diferentes atores

implicados no processo.

No estado do Paraná, além das portarias ordenadoras federais, o IAP

estabelece anualmente portarias, sempre mais restritivas que as federais, para

regulamentar o período específico de defeso do recurso no Estado. No entanto,

apesar do reconhecido esforço desses órgãos, existe uma deficiência na fiscalização

sobre a apropriação desse recurso, devido a falta de regulação comunitária sobre as

formas de captura, bem como do ordenamento de territórios de extração e de refúgio

para o animal.

3.2. A OSTRA-DO-MANGUE – Crassostrea rhizophorae

(Guilging, 1828)

As populações naturais de ostras no complexo estuarino da Baía de

Paranaguá têm ganhado grande importância socioeconômica, tanto por sustentar

atividades de extrativismo quanto por serem objeto de pesquisas para o

desenvolvimento de tecnologias de cultivo na região, envolvendo diferentes

instituições (EMATER, CEM e PROEC/UFPR, IBAMA, SEMA, PUC/CEPEPOM) e

diversas comunidades pesqueiras artesanais.

Estudos de identificação bioquímica de ABSHER (1989) indicam que as

populações de Crassostrea no litoral paranaense são constituídas por duas espécies

do gênero: C. brasiliana, de maior porte (até 200 mm de altura da valva) e típica do

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ambiente infralitoral, e C. rhizophorae, de menor porte (até 100 mm de altura da

valva), típica da região entre-marés.

C. rhizophorae (Bivalvia: Pteroida: Ostreidae), popularmente chamada de

ostra-do-mangue, não é de fato um animal endêmico dos ecossistemas de

manguezais. Pode ser encontrada fixada por cimentação em rochas ou outros

substratos consolidados, sempre nas regiões entre-marés, nas imediações dos

estuários e manguezais (ABSHER, op. cit). Nos manguezais, C. rhizophorae fixa-se

nas raízes de Rhizophora mangle, formando bancos naturais, principalmente nas

margens dos bosques, próximas ao corpo d’água adjacente.

Quanto à sua distribuição geográfica, RIOS (1985) indica uma amplitude de

ocorrência da espécie na costa Atlântica, desde o litoral sul caribenho até a costa do

Uruguai, tendo considerado C. brasiliana como sinonímia. Entretanto, essa

distribuição precisa ser revisada, por ser difícil a identificação específica do gênero.

De qualquer maneira, a distribuição das diversas espécies da Família (Ostreidae) se

dá desde a latitude de 64oN a 44oS, condicionada a fatores como temperatura,

salinidade, turbidez, natureza do substrato, fluxo hídrico, disponibilidade de alimento,

poluentes, competição intra e interespecíficas, doenças e predação (JOHNSHER-

FORNASARO, 1981).

Em virtude de seu modo de vida, quando adulta, ser séssil, em ambiente

intertidal, C. rhizophorae está submetida a exposições periódicas ao ar e à

dessecação, necessitando de adaptações tanto comportamentais quanto fisiológicas

para suportar variações de temperatura, pH, salinidade, oferta de oxigênio e

alimento do meio circundante (NEWELL, 1970; TRUCHOT, 1990). Exposto ao ar,

esse animal permanece na maior parte do tempo com as valvas fechadas. Esse

comportamento evita a dessecação e o estresse térmico, mas altera principalmente

sua condição respiratória e de alimentação. Outro interessante comportamento de C.

rhizophorae e relatado por LITTLEWOOD (1989) é manter a concha entreaberta em

alguns momentos de exposição ao ar, a fim de promover uma dissipação de calor

por evaporação da água no interior da concha, como uma estratégia de

sobrevivência a altas temperaturas.

Estudos com Crassostrea gigas demonstram que esses animais só se

alimentam e consomem oxigênio quando imersos. Expostas ao ar, as espécies do

gênero que vivem em ambientes intertidais apresentam anaerobiose facultativa,

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altamente especializada, com múltiplos substratos mais eficientes que a glicose na

produção de ATP, o que significa uma vantagem energética para os períodos de

inação e restrição alimentar (HOCHACHKA & MUSTAFA, 1973; MUSTAFA &

HOCHACHKA, 1973; SARKISSIAN & GOMOLINSKI, 1976; ZUBKOFF & HO, 1982;

FOREMAN & ELLINGTON, 1983 apud TRUCHOT, 1990).

Essa capacidade de tolerar períodos de exposição ao ar é muito importante

do ponto de vista extrativista, posto que seu armazenamento, transporte e

comercialização ficam facilitados por não serem necessários processos especiais de

refrigeração e armazenamento.

Esses animais são osmoconformadores dos fluidos extracelulares, não

mantêm regulação iônica em relação ao ambiente aquático circundante, e

provavelmente o mecanismo compensatório de anaerobiose facultativa interfira

positivamente na capacidade osmorregulatória intracelular desses organismos, pela

produção de componentes orgânicos que venham a atuar como efetores osmóticos

intracelulares. Apesar de não haver gasto energético no balanço hídrico e iônico dos

fluidos extracelulares, esses animais, condicionados às águas estuarinas, sob

influência constante de salinidades extremas, tanto altas quanto reduzidas, podem

apresentar diminuição de atividades filtradoras e de oxigenação em face do estresse

salino. A esse respeito, DEAN & PAPARO (1983) e PAPARO (1989) relatam uma

redução na atividade ciliar das brânquias de C. virginica quando submetida a baixas

salinidades, justificada pelo decréscimo de concentração de cálcio, efetor de

atividades motoras ciliares e neurotransmissoras.

Animais filtradores adaptados ao ambiente estuarino, as espécies do gênero

contam com a presença de uma câmara promial que, em imersão, permite a

passagem de grande volume de água corrente exalante, sendo capaz de filtrar mais

de 400 litros de água por dia, o que pode levar a um rápido crescimento e maturação

sexual precoce. HAURE et al. (2003) demonstra para C. gigas e C. angulata que as

duas funções – filtração e consumo de oxigênio – são independentes; a filtração

pode cessar ou decrescer sem influenciar o consumo de oxigênio. As ostras são

capazes de consumir oxigênio sem retirar alimento do ambiente externo. Entretanto,

quando há ingestão de partículas, o consumo de oxigênio aumenta

proporcionalmente à atividade de filtração. Se o consumo de oxigênio e de filtração

são simultâneos, significa que o animal está em seu ótimo de atividade,

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apresentando, nessas condições, alta taxa de bombeamento da água. FIGUEROA &

ESQUIAQUI (2003) estabeleceram que a maior taxa de filtração e de retenção de

partículas para C. rhizophorae se dá em 25 PSU e 20oC (no litoral colombiano).

Ainda, REN et al. (2001), modelando a dinâmica energética de C. gigas, mostra que

seu crescimento é fortemente regulado pela concentração de fitoplâncton.

Todas essas dinâmicas de ajustamentos ecofisiológicos e comportamentais

expressam-se no orçamento energético do animal, condicionando seu crescimento,

seu processo reprodutivo e sua eficiência competitiva no ambiente e, por

conseguinte, nas dinâmicas da população e suas relações energéticas com o

ecossistema.

Como animais sésseis e osmoconformadores, C. rhizophorae, sem condições

de alterar seu espaço no ambiente e submetidas às alterações de fatores ambientais

importantes, valem-se de adaptações metabólicas bastante eficientes que lhes

conferem rápido crescimento e precoce capacidade reprodutiva, despertando grande

interesse comercial no extrativismo devido ao seu potencial de cultivo.

LITTLEWOOD (1988) e SANTOS (1978) atestam um crescimento acelerado para a

espécie, a qual atinge o tamanho comercial (50 mm de altura da concha, segundo

NASCIMENTO et al., 1980) em 5 a 6 meses. Para as populações do complexo

estuarino de Paranaguá, esse tamanho é atingido em 10 meses, cujo crescimento é

maior nos primeiros três meses de vida, declinando rapidamente nos meses

restantes (ABSHER, 1989). A taxa de crescimento desses animais tende a diminuir

a partir do surgimento das gônadas (WAKAMATSU, 1973; NASCIMENTO, 1978).

NASCIMENTO et al. (1980) constataram uma precoce atividade reprodutiva

para Crassostrea rhizophorae do litoral baiano, que antes de atingir 2 cm de

comprimento já apresentam gônadas funcionais, cerca de 120 dias após a fixação

da larva do plâncton no substrato onde a ostra irá crescer.

Essa espécie apresenta mudança funcional de sexualidade ao longo de sua

vida, visto que 90% dos indivíduos juvenis na primeira fase de maturação são

machos, fenômeno esse denominado protrandria (NASCIMENTO, 1978;

NASCIMENTO et al 1980). É característico dessa espécie o predomínio de machos

em estado juvenil e de fêmeas em estado adulto (NASCIMENTO & PEREIRA, 1980).

Seu padrão de reprodução é contínuo, típico das regiões tropicais (WAKAMATSU,

1973; NASCIMENTO, 1978). ABSHER (1989) demonstra períodos de pico de

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gametogênese das populações de C. rhizophorae do complexo estuarino de

Paranaguá, entre julho e agosto, indicados por seu índice de condição, o que

coincide com o pico máximo de recrutamento das larvas do plâncton, final de

outubro. Esses períodos de pico podem variar interanualmente, tanto que CHÁVEZ-

VILLALBA et al. (2002) demonstraram em C. gigas regulação de sua atividade de

gametogênese condicionada às alterações de fotoperiodismo e temperatura.

Esses animais são ovíparos, com fecundação externa e desenvolvimento

larval planctotrófico. Suas larvas apresentam-se primeiro na forma de trocófora

ciliada, e, após algumas horas, Véliger protostracum ou larva –D, e Véliger

prodisoconcha ou larva umbo (SILVA, 1994). A duração dessa fase da vida varia

conforme as condições ambientais. A esse respeito, ABSHER (1989) demonstra um

período de 30 a 41 dias, em condições controladas de temperatura (25oC) e

salinidade (28 PSU), enquanto que CHRISTO (1999) registra 28 dias (27oC e 26

PSU), condições essas típicas da estação da primavera no litoral paranaense.

SILVA (1994) e SILVA & ABSHER (1996; 1997) observaram a variação

temporal e espacial das larvas de Crassostrea no complexo estuarino da Baía de

Paranaguá. Na entrada do sistema, constataram um padrão de reprodução contínuo,

com picos ao longo do ano (novembro e abril) e maior número de larvas no plâncton,

coincidindo com o período quente do ano e com águas mais alcalinas e menos

salinas. Hipotetizaram que a dispersão larval na baía favorece o fluxo gênico entre

as populações do complexo estuarino, sendo que as maiores quantidades de larvas

no interior do sistema fazem supor mecanismos de retenção larval no estuário,

contribuindo para a manutenção das populações na região.

Após seu estágio de vida pelágica, as larvas de C. rhizophorae fixam-se por

cimentação às superfícies consolidadas das regiões entre-marés, passando por uma

metamorfose, e recrutam nas populações. Esse recrutamento no complexo estuarino

da Baía de Paranaguá se dá durante todo o ano, com intensificação entre os meses

de setembro e abril (ABSHER, 1989), evento que, segundo SANTOS (1978),

também ocorre no litoral baiano no período entre abril e agosto. O sucesso e a

periodicidade desse fenômeno de recrutamento está condicionado a condições

ambientais como variações interanuais de temperatura, amplitude de maré,

salinidade das correntes, bem como aos fenômenos de desova e de

desenvolvimento larval que antecedem essa fase (ABSHER, 1989).

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Segundo ABSHER (op.cit), a intensidade do recrutamento de C. rhizophorae

também está condicionada às alterações fisiológicas do indivíduo nessa fase de vida

e às pressões de predação e interações inter e intra-específicas. Esses eventos de

recrutamento são muito importantes para o estabelecimento das populações

naturais, haja vista que somente a fertilidade dos parentais e a abundância das

larvas no plâncton não conferem o sucesso no estabelecimento de novos indivíduos

nas populações. Esse sucesso está condicionado também aos substratos

disponíveis para a fixação e crescimento dos organismos; nos manguezais, a

competição por essa superfície consolidada, as raízes aéreas de Rhizophora mangle

das bordas dos bosques, é grande. Os cirripédios competem por espaço com as

ostras. A esse respeito, BUSHEK (1988) demonstra uma interação positiva do

recrutamento de larvas de ostras onde já existem ostras adultas, o que inibe a

fixação dos cirripédios. Assim, a interação adulto-larva tende a atenuar o

recrutamento diferencial dos cirripédios nas localidades onde a zonação ostra–

cirripédio é bem estabelecida (ABSHER, 1989).

Quanto ao seu papel no fluxo energético dos ecossistemas de manguezais e

dos estuários adjacentes, as ostras, enquanto filtradoras de materiais em

suspensão, exercem uma função importante na estrutura trófica desses sistemas,

com marcada interdependência desses animais (consumidores primários, compondo

o segundo nível trófico) tanto da produção fitoplanctônica, do pool de detritos em

suspensão quanto do balanço de herbivoria da comunidade zooplanctônica, a qual

compete pela mesma base de recursos no sistema (ROSADO-SOLÓRZANO &

PRÓO, 1998; LIN et al, 1999).

MANCERA & MENDO (1996), estudando a dinâmica da população dessa

espécie no litoral colombiano, determinaram parâmetros de crescimento, taxas de

mortalidade instantânea, rendimento por recruta e biomassa por recruta. Esses

autores demonstraram um Lmáximo = 149 mm e taxa de crescimento de 10 mm/ mês–1,

com forte oscilação do crescimento relacionado à disponibilidade de alimento do

ambiente. Seus estudos sobre mortalidade, considerando mortalidade por captura e

taxa de explotação, apontam para uma moderada sobreexplotação do recurso,

sendo a média de tamanho da primeira captura de Lc = 28 mm, contando com a

seletividade não imposta pelos pescadores, haja vista as ostras pequenas serem

extraídas por estarem fixas nas conchas dos adultos. O padrão de recrutamento

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para essa população colombiana consiste em um pulso sazonal, com uma coorte

por ano. Esse trabalho recomenda, então, que haja maior seletividade no tamanho

mínimo de captura, para 50 mm, o que poderia aumentar em 20% a produção sem

diminuir o esforço de pesca.

LIVINGSTON et al. (2000), analisando populações de C. virginica do estuário

de Apalachicola, Flórida, demonstraram que sua taxa de produção está fortemente

ligada às taxas de mortalidade, as quais, por sua vez, estão condicionadas pela

entrada de água doce no sistema, e dependente da combinação de variáveis que

são direta ou indiretamente associadas a essa entrada, como ventos, marés e a

fisiografia do estuário.

PEREIRA et al. (2000) avaliaram o estoque de C. brasiliana4 para todo o

Estuário de Cananéia – em torno de 11.268.954 dúzias –, das quais 17,6% a 25,4%

constituem-se por indivíduos da fase de semente (até 12 mm / 3 a 30 dias de idade),

24,4% a 30,0% da fase juvenil (12 a 24 mm / 30 a 150 dias) e 47,9 a 58,0% por

adultos (acima de 24 mm / 5 meses a 3 anos). Constataram que metade da

população encontra-se nas fases de semente e juvenil, predominando animais

abaixo do tamanho comercial (50 mm). Desses números, apenas 8,6% está acima

do tamanho comercial e viabiliza o extrativismo imediato, resultando num total de

estoque comercializável em torno de 969.130 dúzias ou 80.761 dúzias/mês.

Comparando esses dados com o estudo de CAMPOLIM & MACHADO (1997), que

demonstra uma produção mensal de extração para a região de Cananéia na década

de 90 em torno de 60.000 dúzias/mês, demonstra que o recurso pode estar próximo

de sua máxima capacidade de explotação (PEREIRA et al., 2000). Essas

informações são de grande importância para o complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, posto que as atividades extrativistas desses recursos têm sido

realizadas entre o litoral paranaense e o paulista, de acordo com CAMPOLIM &

MACHADO (op. cit.) e com relatos de extrativistas paranaenses que comercializam

sua produção no estado de São Paulo.

4 Devido às controvérsias de identificação para ambas espécies (BASTOS, 1997), considera-se aqui que achamada C. brasiliana do litoral paulista seja sinonímia de C. rhizophorae, com base nos estudos deidentificação por eletroforese de ABSHER (1989), que determinou ser C. rhizophorae a espécie ocorrente naregião entre-marés e nas raízes dos manguezais do complexo estuarino da Baía de Paranaguá, haja vista queesse sistema estuarino e o Estuário de Cananéia fazem parte do complexo estuarino Lagamar.

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Um notável trabalho sobre os processos de extrativismo e cultivo de ostras do

litoral sul paulista tem envolvido diferentes instituições no estado de São Paulo

(NUPAUB-USP; Instituto de Pesca/Base de Pesquisa Litoral Sul - SP; Ongs: Visão

Mundial e Gaia Ambiental; Fundação Florestal SMA, Instituto Adolfo Lutz;

CNPT/IBAMA, entre outras). Esse trabalho sobre o cultivo de ostras, iniciado já na

década de 70, tem se intensificado nos últimos anos pelo processo de efetivação de

formas de apropriação comunais de populações tradicionais extrativistas de

manguezais na região, culminando no estabelecimento da Reserva Extrativista dos

Quilombolas Mandira e na constituição da Cooperativa dos Produtores de Ostras de

Cananéia – COOPEROSTRA (BASTOS, 1997; MOREIRA, 2000).

Entretanto, esse recurso carece de processos de gestão local e de regulação

de captura e manejo no âmbito federal e regional. O estado de São Paulo conta com

regulamentação estadual da SUDEPE (Portaria no 046, 11/12/1987), a qual

estabelece que o período de defeso do recurso é de 18 de dezembro a 18 de

fevereiro, nas regiões do litoral de São Paulo e complexo estuarino da Baía de

Paranaguá/PR. Fora do referido período a coleta estaria restrita a exemplares

superiores a 5 cm e inferiores a 10 cm de altura da concha. No entanto, essa

portaria carece de atualização e parece estar sendo efetivada minimamente no litoral

do Paraná.

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3.3. O SURURU – Mytella guyanensis (Lamarck, 1819)

As populações de Mytella guyanensis5 (Bivalvia: Mytiloida: Mytilidae) são

animais endêmicos dos manguezais que habitam os substratos lodosos ou areno-

lodosos da sua porção mais marginal ou as proximidades de pequenos canais que

cortam os bosques. Sua distribuição espacial se dá na costa do Pacífico, desde o

Golfo da Califórnia até o litoral norte do Peru e, na costa do Atlântico, desde a

Venezuela até Santa Catarina, Brasil (KLAPPENBACH, 1965; RIOS, 1985). A

Família Mytilidae tem recebido atenção dos estudiosos tanto pelo potencial de

exploração comercial (de extrativismo e cultivo) de algumas de suas espécies como

o mexilhão (Perna perna); o bacucu (Mytella charruana)6; o sururu (Mytella

guyanensis) (NISHIDA, 1988; VIEIRA et al., 1990) quanto por servirem de

bioindicadores de poluentes, principalmente de metais pesados (CARVALHO et al.,

2000).

É notório o uso comercial e de subsistência das duas espécies de Mytella

por populações extrativistas ao longo do litoral brasileiro, tendo sido estimado seu

potencial na Região Norte do Brasil em 86.480 toneladas/ano de peso vivo7 (PAIVA,

1997).

No complexo estuarino da Baía de Paranaguá, Mytella guyanensis é

utilizada em pequena escala comercial e, na maioria das vezes, como recurso de

subsistência pelos pescadores artesanais, servindo de alternativa protéica na

alimentação familiar.

São escassos os estudos sobre a espécie no litoral paranaense. Nos

manguezais, esses animais estão sob as mesmas condições ambientais do meio

intertidal relatado para U. cordatus e C. rhizophorae, com a diferença de que M.

guyanensis vale-se de uma estrutura de fixação no substrato onde permanece

enterrada, chamada de bisso. Por meio dos emaranhados filamentosos dessa

estrutura, os animais fixam-se nos substratos lodosos ou areno-lodosos, numa

5 Popularmente chamada de sururu, sururu grande, bacucu, mexilhão e sururu de capote (NISHIDA, 1988). NoParaná, é chamado de sururu, enquanto Mytella charruana recebe o nome de bacucu. Essa última espécieocorre nos fundos de canais e gamboas que recortam os estuários e manguezais, porém não no manguezalpropriamente dito.6 Sinonímia de Mytella falcata (Orbigny, 1946) (RIOS, 1985).7 Essa estimativa cita o nome popular sururu, podendo ter sido considerados os potenciais tanto de M.guyanensis quanto de M. charruana, já que seus nomes populares estão, muitas vezes, trocados em diferentesregiões do litoral brasileiro.

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profundidade máxima de 1 cm, em distribuição agregada (NISHIDA, 1988). Forma

bancos identificáveis pelas marcas de movimentação de abertura e fechamento das

conchas, conferindo o aspecto de fenda elíptica no substrato (BACON, 1975;

NISHIDA, 1988).

Dispõem suas valvas de maneira a expor a parte posterior de maior abertura

da concha à superfície do solo para manter as condições de movimento das valvas,

facilitando a filtração e as trocas gasosas e de água com o ambiente circundante.

Assim como C. rhizophorae, M. guyanensis está freqüentemente exposta ao ar e às

variações de salinidade, temperatura, entre outros fatores ecologicamente

importantes. Entretanto, por estar enterrada no sedimento, M. guyanensis

permanece protegida dos fatores de dessecação dos momentos em que está

exposta ao ar, valendo-se da proteção conferida pelos sedimentos e por suas águas

intersticiais, bem como por apresentar um mecanismo de isolamento parcial das

conchas (LEONEL & SILVA, 1988).

São animais osmoconformadores, fazem regulação iônica apenas dos fluidos

intracelulares (GILLES, 1982; NISHIDA, 1988), sendo capazes de suportar uma

amplitude de salinidade entre 5 a 35 PSU (LEONEL & SILVA, 1988).

Possuem hábitos filtradores. Estudos sobre o conteúdo estomacal em M.

charruana demonstraram o fitoplâncton como seu alimento básico, sendo 86% do

conteúdo representado por diatomáceas (ESKINAZI-LEÇA, 1969). PIETER et al.

(1979 apud NISHIDA, 1988) observaram que variações sazonais de fitoplâncton

afetam o crescimento de Mytilus edulis, levando a crer que M. guyanensis vale-se da

biomassa fitoplanctônica como base de sua alimentação.

Apresentam um período reprodutivo contínuo, com a presença, em ambos os

sexos, de quatro sub-estágios reprodutivos, sejam eles de maturação e liberação de

gametas, de eliminação parcial e recuperação, de eliminação total e de recuperação,

com liberação de gametas o ano todo, sem período de repouso sexual (GROTTA &

NISHIDA, 1988).

NISHIDA (1988) demonstra que populações de M. guyanensis do litoral

nordestino apresentam baixo índice de condição, quando comparado com outras

espécies de bivalves, e seu aumento de índice de condição é inversamente

proporcional ao seu tamanho, com dois períodos de engorda: maio a junho e

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outubro a novembro, sendo maiores os valores nos meses de novembro,

coincidentes com o aumento da temperatura da água.

De acordo com a freqüência de indivíduos e com os índices de condição,

NISHIDA (1988) indica que o tamanho mínimo ideal de captura, para fins de

regulação, é de 4,5 a 5,0 cm de comprimento da concha, no período anual de

outubro a novembro; de dezembro a abril, sua coleta não é recomendada devido à

diminuição acentuada da condição de M. guyanensis.

ARROYO & MARIN (1998) descrevem um crescimento acelerado para essa

espécie nos seus primeiros seis meses, com uma taxa média de crescimento de 5,7 mm

e 0,57 g por mês, com uma produção líquida de carne de 32,7% para o quinto mês,

atingindo o tamanho comercial de 44,4 mm e 8,5 g em 12 meses de cultivo, no Golfo

de Nicoya, Costa Rica.

Desconhecem-se estudos sobre o desenvolvimento e a dispersão larval

dessa espécie; entretanto, para outros gêneros da Família (Mytilus platensis e

Mytillus edulis), são conhecidos os estágios de desenvolvimento larval (trocófora,

véliger e pedivéliger) e uma transição funcional de nutrição, de endotrófica (dois

primeiros dias de vida) a exotrófica (a partir do oitavo dia), o que representa uma

estratégia de sobrevivência nas primeiras etapas de vida pelágica (LUCAS et al.

1986).

ASBURY (1979 apud NISHIDA, 1988); PETRAGLIA-SASSI (1986 apud

NISHIDA, 1988); NISHIDA (1988) e LEONEL & SILVA (1989) relatam mortalidades

massivas de populações de Mytella guyanensis e M. charruana em função do aporte

de águas oligohalinas e sedimentos finos no ambiente, devido à sua intolerância às

baixas salinidades e à paralisação do processo de filtração nas brânquias causada

pela presença dos sedimentos. Além disso, NISHIDA (1988) relata também

mortalidade massiva em bancos cuja densidade é de 50 indivíduos/m2, com uma

distribuição de classes de tamanho para populações do Rio Paraíba aderindo à uma

curva normal. Essas mortalidades massivas demonstram a instabilidade de

produção dos bancos naturais.

Além disso, no ambiente, esses animais sofrem predação dos gastrópodos

Melogena melogena e Pugilina morio, dos caranguejos Goniopsis cruentata e

Eurytium limosum e de aves como garças e lavadeiras. Para tanto, esses

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predadores valem-se da abertura superficial da cova desses animais (BACON,

1975).

Assim, a densidade populacional de M. guyanensis parece estar condicionada

a fatores como salinidade, concentração de fitoplâncton, principalmente a presença

de substrato do tipo consistente (silico-argiloso) (BACON, 1975; NISHIDA, 1988;

LEONEL & SILVA, 1988), bem como pela presença de predadores naturais e da

ação extrativista.

Não existem portarias específicas de regulação de captura para a espécie; a

Portaria no 1.747/96 (22 de outubro de 1996) do IBAMA (genérica a todos os

bivalves), delega aos seus superintendentes estaduais a função de baixarem

portarias normativas referentes à coleta de sementes desses animais em ambientes

naturais, a fim de definir locais, épocas, espécies, quantidades, métodos e tamanhos

mínimo e máximo de espécimes, nada constando sobre os processos de

extrativismo de animais adultos.

4. CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA SOCIOCULTURAL

No complexo estuarino da Baía de Paranaguá, os recursos bênticos de

manguezais têm sido majoritariamente explorados por comunidades de pescadores

artesanais. Recentemente, grupos oriundos de outros setores produtivos têm

também explorado esses recursos, a exemplo dos desempregados da estiva e de

grupos contratados por empresários, vindos, muitas vezes, de outros estados

(principalmente SP, RJ e SC), realizam empreitadas na coleta principalmente de

caranguejos e ostras. Entretanto, em face de o maior contingente extrativista desses

recursos advir das comunidades de pescadores artesanais na região e do interesse

científico em suas relações históricas com o ambiente, os pescadores artesanais

estuarinos são os grupos sociais enfocados nesta pesquisa.

A atual atividade da pesca artesanal, para a maioria dessas comunidades, na

verdade, é produto de um movimento histórico da pesca combinada a outras

atividades. Ao longo dos anos, esses grupos humanos passaram da atividade de

subsistência para a pequena produção de pescadores-lavradores e, finalmente, para

a atual condição exclusiva de pescadores artesanais (DIEGUES, 1983; CUNHA &

ROUGELLE, 1989). No contexto atual, essa atividade artesanal, na maioria das

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comunidades, utiliza principalmente mão-de-obra familiar, canoas a motor e a remo,

pequenas redes, espinhéis, gerival. Seus produtos principais são o camarão e o

peixe, porém ostras, caranguejos e siris ajudam a complementar a dieta alimentar

dessas comunidades (IPARDES, 2001).

No passado, sua forma de organização econômica estava fundada na pesca

e/ou na lavoura, desenvolvidas em moldes domésticos, alternando-se conforme a

época e exploradas com base nas especificidades do ambiente (terra, mar e rio),

utilizando-se tecnologia rústica ou artesanal8. Para a lavoura de subsistência eram

utilizados espaços comuns específicos9, com parte da produção destinada ao

mercado, já a atividade pesqueira era desenvolvida em espaços próprios aos

movimentos das espécies, conforme a época e o ciclo interno da pesca. Também a

caça e a coleta de recursos florestais eram atividades complementares (CUNHA &

ROUGELLE, 1989; ZANONI & MIGUEL, 1995).

Nessa relação com o mundo natural, CUNHA & ROUGELLE (1989) relatam

que os povos desse litoral constituíam seu universo produtivo e sociocultural, sua

existência material e imaginária, desenvolvendo um vasto conhecimento da

biodiversidade e de seus processos ecológicos. Suas formas tradicionais de

utilização do espaço e dos recursos naturais10 continham um conjunto de

mecanismos internos, naturais e culturais, que permitiam um certo controle

ecológico. Essa inter-relação não se dava apenas com o entorno natural, mas

também entre as diferentes comunidades da região, mesmo que mediada por laços

mercantis, de acordo com as potencialidades dos recursos naturais e das

características culturais de cada comunidade. Ainda hoje é possível verificar essa

interdependência entre as comunidades, de acordo com as especialidades de cada

8 Muitas das tecnologias desses pescadores-lavradores foram oriundas dos índios Carijós e Tupiniquins, seusantecessores na ocupação do litoral paranaense (ALVAR & ALVAR; 1979; CUNHA & ROUGELLE, 1989;CORRÊA, 1993; FERNANDES-PINTO, 2001). 9 Desenvolvia-se para isso o “sistema de pousio”, que compreendia a alternância do espaço cultivável, a fim depermitir ao solo um tempo de recuperação até o próximo plantio, período esse que podia compreender de 5 a 20anos (CUNHA & ROUGELLE, 1989; ZANONI & MIGUEL, 1995; IPARDES, 2001). 10 Esses modos tradicionais de vida ainda hoje se fazem presentes na região, e estão marcados pela existênciade características como: (1) o conhecimento adquirido e experimentado, através de gerações, para o uso emanejo dos recursos naturais do território produtivo, bem como do espaço vivido e concebido social eculturalmente; (2) a forma específica de apropriação e relação entre grupos sociais e ambientes naturais; (3) oconhecimento estar baseado na transmissão oral, quer nas formas produtivas, quer nas formas organizativas eculturais, como garantia da manutenção dos grupos sociais distintos; (4) o uso de tecnologia simples, reduzidaacumulação de capital, relações de produção definidas no âmbito da unidade familiar nuclear ou extensa, comreduzida divisão de trabalho; (5) a importância de alguns elementos simbólicos ligados às atividades produtivas,organizacionais e culturais (IPARDES, 2001).

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uma delas na extração e utilização dos diferentes recursos naturais oferecidos pela

região, como apontado por SPVS (1995); CORRÊA (1993); IPARDES (2001), entre

outros.

No transcorrer do tempo, entretanto, essa relação original com o ambiente

natural sofreu um intenso processo de transformação devido às mudanças

significativas das técnicas produtivas, dos hábitos, valores e estilos de vida, bem

como da concepção de natureza e da forma de utilização do espaço e dos recursos

naturais. Esse processo, por sua vez, tem sido interdependente de transformações

maiores no que diz respeito à vida econômica, social e cultural dessas populações,

principalmente a partir da ampliação dos laços da economia litorânea com a

produção mercantil, tornando seus processos econômicos locais cada vez mais

dependentes dos “bens“ industriais (CUNHA & ROUGELLE, 1989; IPARDES, 2001).

Nesse processo, o desaparecimento das práticas agrícolas, entre as décadas

de 50 e 80, ocorre em função de fatores como a baixa fertilidade natural dos solos, a

falta de apoio à atividade, às restrições impostas pela legislação incidente no uso do

solo e à intensificação da pesca comercial. Já as atividades acessórias, como o

extrativismo vegetal e a caça (complementar da dieta alimentar), encontram-se

coibidas há menos de duas décadas, de acordo com regulamentações da legislação

ambiental vigente (CUNHA & ROUGELLE, 1989; ZANONI & MIGUEL, 1995).

Também a migração de agricultores do interior para as comunidades ribeirinhas, a

fim de se tornarem pescadores artesanais é um fato marcante na atual formação das

comunidades, fenômeno esse que começa no final do século XIX e se prolonga até

os anos 60 do século XX (ANDRIGUETTO FILHO, 1999). Assim, a atual população

de pescadores artesanais paranaenses tem uma origem histórica mista, sendo parte

dessa população originária de agricultores-pescadores ou pescadores com raízes

culturais no século XVII e outra de origem exclusivamente agrícola e mais recente

(ALVAR & ALVAR, 1979; IPARDES, 1989 a; SPVS, 1992; ROUGELLE, 1993;

ANDRIGUETTO, 1999).

Dessa maneira, de acordo com KRAEMER (1978); CUNHA & ROUGELLE

(1989); ROUGELLE (1993); e ANDRIGUETTO FILHO (1999) a atividade da pesca

artesanal foi historicamente afetada tanto pelo crescimento demográfico (seja ele

vegetativo ou por migração) quanto pela dependência crescente das comunidades

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nessa atividade, principalmente após o desaparecimento da agricultura e da caça, e

vem sofrendo mudanças tanto em relação às técnicas e ao ritmo produtivo, como

nas relações de trabalho, nas formas de tratamento e comercialização do pescado e

em termos da repartição do produto.

A comercialização dos recursos pesqueiros no interior das baías é

intermediada quase sempre por um pescador mais abonado, normalmente o

comerciante local, proprietário de embarcações a motor. Muitos pescadores

trabalham para esse indivíduo e mantêm uma relação de trabalho conhecida como

quinhão. Assim, o pescador utiliza os apetrechos de pesca do proprietário e a

produção é partilhada: uma parte é destinada ao proprietário como pagamento e

outra parte é paga em dinheiro, pela compra do produto da pesca, cujo preço é

definido pelo comerciante (IPARDES, 2001). O atual quadro de crise da atividade

tem, inclusive, apontado para uma maior desigualdade entre os membros da

empreitada, principalmente nas relações de partilha entre o dono dos instrumentos

de pesca e os demais pescadores (CUNHA & ROUGELLE, 1989).

Ainda, a inserção crescente da atividade pesqueira numa economia mercantil

tem provocado aumento no esforço de pesca, levando à utilização de métodos de

captura inapropriados, causando redução de estoques e alterações no ciclo

reprodutivo das espécies (CUNHA & ROUGELLE, 1989; ANDRIGUETTO FILHO,

1999; 2002). Observa-se que o aumento de esforço de pesca, nessas condições,

nem sempre corresponde ao crescimento da renda dos pescadores. Ao contrário, há

uma tendência à pauperização dessas populações litorâneas (KRAEMER, 1978;

CUNHA & ROUGELLE, 1989).

Atualmente, a pesca artesanal tem sido parte importante da economia

costeira paranaense. A sociedade de pescadores da região está distribuída em mais

de 60 vilas rurais ou bairros urbanos, no interior das baías e na frente oceânica,

apresentando-se diversificada e heterogênea, tanto no plano sociocultural e

econômico quanto no natural e técnico (ANDRIGUETTO FILHO, 1999).

Segundo esse autor, a heterogeneidade sociocultural parece condicionar-se

pela origem agrícola ou estritamente pesqueira, pela procedência migratória e pelas

influências culturais de origem externa, como é o caso da grande incidência de

culturas religiosas. Quanto às suas heterogeneidades econômicas, existem

diferentes graus de inserção no mercado e variadas estratégias econômicas, o que

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distingue grupos pesqueiros usando diferencialmente os recursos naturais (pesca,

caça, agricultura e recursos florestais), ou mesmo dedicando-se aos empregos

gerados pela urbanização. No que tange às heterogeneidades naturais e técnicas,

as primeiras condicionam-se pelas configurações dos habitats imediatos às vilas dos

pescadores, mais ou menos próximos aos centros urbanos, enquanto as

heterogeneidades técnicas de pesca parecem estar condicionadas à grande

complexidade social e ambiental dessa atividade na região, o que origina uma

notável multiplicidade de práticas e sistemas de pesca, com apetrechos e espécies-

alvo diferentes e de distribuição espacial heterogênea.

Em sua análise dos sistemas técnicos de pesca em 22 comunidades do litoral

paranaense, ANDRIGUETTO FILHO (1999) atesta que 13 delas (59,1% das vilas

estudadas, situadas, em sua maioria, no interior dos estuários) têm práticas

extrativistas em manguezais, na coleta de ostras, caranguejos e mariscos. Essa

análise indica que esse extrativismo em manguezais tem ocorrido principalmente em

áreas caracterizadas tecnicamente por ANDRIGUETTO FILHO & MARCHIORO

(2002) como sendo de: (a) Pesca Artesanal Rudimentar (com reduzida intensidade

tecnológica, reduzida produção e reduzida diversidade de práticas de pesca) –

presente no complexo estuarino da Baía de Paranaguá nas baías de Antonina, Baía

de Paranaguá e Enseada do Itaquí – áreas tipicamente estuarinas e com menor

potencial pesqueiro; e (b) Pesca Artesanal Diversificada de Média Tecnologia

(zonas de maior diversificação de práticas pesqueiras, média intensidade

tecnológica e reduzida a média produção) corresponde as áreas estuarinas da APA

de Guaraqueçaba, cujo espaço pesqueiro apresenta-se com identidade própria.

O complexo estuarino da Baía de Paranaguá propriamente dito compreende,

atualmente, mais de 40 vilas pesqueiras, a maioria rurais, e muitas delas com menos

de cinco domicílios ou em processo de extinção (ANDRIGUETTO FILHO, 1999); as

vilas pesqueiras urbanas, por sua vez, concentram-se nas cidades de Paranaguá

(Vila Guarani e Valadares) e de Antonina (Ponta da Pita, Portinho e Vila dos

Polacos). Dados demográficos dos setores censitários do IBGE (2000) apontam um

contingente humano das vilas pesqueiras desse complexo estuarino de mais de

8.000 habitantes. O número total de pescadores registrado pelo IBAMA entre 1989 e

1996 aponta um crescimento de contingente em mais de 39%, o que em números

significa um aumento de 4.702 para 6.548 pescadores profissionais. Em 1991, as

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colônias de pesca de Guaraqueçaba, Paranaguá e Antonina estimavam em torno de

5.000 pessoas em atividade na safra do camarão, apenas na Baía de Paranaguá

(SPVS, 1992 a apud ANDRIGUETTO FILHO, 1999); entretanto, ainda são

imprecisos os dados que indicam o contingente humano envolvido nessa atividade.

Além das heterogeneidades anteriormente relatadas, existem tensores

diferenciais que atuam hoje em dia nos modos de vida dessas comunidades, que

apontam para uma polarização dos eixos Norte–Sul do complexo estuarino da Baía

de Paranaguá. ANDRIGUETTO FILHO & MARCHIORO (2002) estabeleceram

Unidades Geográficas de Estudo (UGE) que sintetizam essa polarização, que ocorre

em função principalmente dos potenciais industrial, portuário e urbano da Região

sul, representado principalmente pela UGE de Paranaguá, e pela ocorrência de

diversas unidades de proteção ambiental da região norte do estuário.

Além desses instrumentos de proteção ambiental, outras restrições jurídicas

impõem proibições quanto à utilização de apetrechos predatórios, e estabelecem

tamanhos mínimos de malha e períodos de defeso, especialmente para o camarão

(ANDRIGUETTO FILHO, 1993; IPARDES, 2001). Apesar disso, são freqüentes as

transgressões a essas regulações, o que gera graves conflitos entre os pescadores

e os órgãos fiscalizadores locais.

Nesse panorama, existem contradições e conflitos entre as diferentes lógicas

de apropriação dos recursos. Contradições entre processos sociais, econômicos e

ecológicos geram conflitos internos nos sistemas de produção pesqueira

(decorrentes do acesso livre e da competição entre escalas e modalidades de

pesca); externos (pela presença reguladora de distintos órgãos ambientais, pressão

do mercado, etc.) e com as dinâmicas dos ecossistemas (decorrentes da

degradação ambiental) (ANDRIGUETTO FILHO, 1999).

Apesar de tudo isso, KARAM & TOLEDO (in: IPARDES, 2001) enumeram alguns

elementos de resistência11 de algumas comunidades: (a) a continuidade das formas

patrimoniais de exploração dos recursos naturais, mesmo que agora submetidas ao

rigor da legislação ambiental; (b) a procura por alternativas econômicas que

11 Esses traços da organização social estão fortemente embasados na vida familiar, em que o regime detrabalho, o fazer religioso, a manutenção dos filhos, os tratamentos de saúde, etc. são pensados em família,sendo a casa dos parentes uma instituição facilitadora. Essa realidade aponta para a importância da reproduçãodo “saber fazer”, da sobrevivência, embasada fortemente nas relações familiares (KARAM & TOLEDO in:IPARDES, 2001).

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permitam a essas famílias continuarem residindo em suas comunidades; (c) a

promoção de festas religiosas que parecem ainda ser meios de renovação dos laços

entre comunidades, vizinhanças, reforçando laços de solidariedade e identidade

grupal; (d) a resistência desempenhada por poucos moradores que dominam formas

específicas de produção artesanal; (e) as dificuldades de se adaptarem à vida

urbana; (f) a necessidade de se manterem laços da organização social, haja vista

muitos moradores oriundos de comunidades rurais manterem laços de solidariedade

com seus parentes residentes em vilas urbanas, apresentando formas de apoio e

coesão e também de atualização em suas relações sociais num novo espaço, o

espaço urbano.

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FUNDAMENTOS TEÓRICOS

1. UMA CRÍTICA À VISÃO HEGEMÔNICA SOBRE AS QUESTÕESSOCIOAMBIENTAIS

A concepção de desenvolvimento para o pensamento neoliberal é a meta da

sustentabilidade a partir da estabilidade econômica e pretende combinar a eficiência

econômica com a justiça social e a prudência ecológica. Sob essa égide, o atual

discurso hegemônico da sustentabilidade baseia-se na idéia de agregar as questões

socioambientais ao processo econômico e de valorar a natureza (WEBER, 1997;

BRÜSEKE, 1998; LEFF, 2001).

Nessa perspectiva, o discurso ético-normativo da sustentabilidade vem se

tornando ambivalente e vulgarizado ao ser incorporado por esse discurso. A idéia

hegemônica de sustentabilidade pretende um crescimento econômico “sustentável”

por meio de mecanismos de mercado, sem justificar sua capacidade de internalizar

as condições de sustentabilidade ecológica nem de resolver os diversos processos

que constituem o ambiente (tempos ecológicos de produtividade e regeneração dos

recursos, valores culturais e humanos, critérios qualitativos que definem qualidade

de vida) em valores de mercado. Dessa maneira, o mimetismo retórico do discurso

da sustentabilidade dissolve as contradições entre o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento que poderiam gerar uma nova racionalidade ambiental, nascida do

rompimento com a racionalidade da economia neoclássica (LEFF, 2001).

Essa visão hegemônica, presente na chamada economia ambiental, afinada

com a teoria econômica neoclássica (VIEIRA, 1998; SEKIGUCHI & PIRES, 1998),

concebe os recursos renováveis como bens livres e supõe que, se a propriedade

privada permitindo internalizar as externalidades, seria suficiente para garantir uma

gestão eficiente dos recursos (WEBER, 1997). A referência para essas idéias é o

estudo de HARDIN (1968), que preconizava o destino inevitável da sobreexploração

dos recursos manejados de forma comunal, concluindo que a liberdade em relação

ao uso e à apropriação de recursos comuns gera a ruína de todos (FEENY et al,

2001). É dessa forma que a obra A tragédia dos comuns, de HARDIN, incorporou-se

nos estudos convencionais sobre planejamento ambiental e uso de recursos,

influenciando as concepções de natureza contidas no direito ambiental.

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Por meio do direito ambiental, a natureza é transformada em objeto de

apropriação, porém é exclusiva e total tanto quanto possível. O Código Civil constrói

uma lógica de incorporação dos elementos naturais como mercadorias, patrimônio,

como res communes ou res nulius. Sobre o objeto apropriado ou alienado reina o

proprietário, o qual guarda para si seu uso, seu usufruto e o direito de dispor material

e juridicamente da “coisa”. Passa a existir, então, a coisa ou propriedade pública e a

coisa ou propriedade privada. E, assim, o mundo material, em sua totalidade, pode

ser dividido infinitamente, tornando suas partes alienáveis, compreensíveis e

incorporadas ao humano e a ele disponíveis (OST, 1997).

A apropriação privada de tudo aquilo que existe no planeta, por meio da

tentativa de regulação pelo mercado, diminui cada vez mais o espaço para o

exercício de formas coletivas de apropriação, reduzindo os processos de

apropriação entre a propriedade privada e a propriedade estatal (WEBER, 1997).

Esse pensamento sobre apropriação dos recursos naturais reflete-se

diretamente na condução das políticas públicas de conservação da natureza no

Brasil. Essas políticas apresentam também uma forte perspectiva preservacionista

de gestão dos ecossistemas, a partir da construção do neomito da Natureza

intocada1, (DIEGUES, 2001 b). Essas concepções, como explanam (RAYNOUT,

ZANONI & LANA, 2002), materializaram-se nas diretivas legais e constitucionais

sobre os ambientes, sobre as regulações de uso dos recursos e, conseqüentemente,

sobre as comunidades estreitamente a eles vinculadas.

Quanto ao manejo de recursos, a noção hegemônica de sustentabilidade, cuja

premissa é a sustentabilidade ecológica regulada pelas leis do mercado, utiliza a

formulação de modelos biológicos que buscam representar a evolução de um

determinado recurso em equilíbrio, cuja exploração é considerada em progressão

linear, baseada no rendimento máximo sustentado e fundada numa representação

da natureza a partir da noção de estoques ou mananciais2 a serem geridos

(WEBER, 1997). A sustentabilidade de determinado recurso pesqueiro, nessa

perspectiva, é dada pelo nível de esforço de captura que venha a realizar a longo

prazo as mais altas capturas estáveis (SPARRE & VENEMA, 1997). A exemplo

1 Mito moderno do mundo urbano-industrial baseado na idéia de “wilderness” (nascida do movimentopreservacionista norte-americano dos anos 50). Gera a noção da natureza intocada, do mundo selvagem, queexistiria em estado “puro”, anterior ao aparecimento do ser humano. Esse mito supõe a incompatibilidade entreas ações de quaisquer grupos humanos e a conservação da natureza. Assim, áreas naturais necessitam de uma“proteção total” desse destruidor do mundo natural: o ser humano (DIEGUES, 2001 b).2 Entende-se por manancial (no inglês stock) um subconjunto de uma espécie que possui os mesmosparâmetros de crescimento e mortalidade e que habita uma área geográfica particular (SPARRE & VENEMA,1997).

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disso, os estudos de Biologia Pesqueira têm sido a base única das diretrizes

convencionais de manejo de recursos pesqueiros, considerando as dinâmicas das

populações de espécies de interesse econômico e parâmetros como captura por

unidade de esforço, rendimento máximo sustentável, entre outros.

Em que pese a necessidade indiscutível dos conhecimentos da Biologia

Pesqueira para o manejo da base de recursos, no que diz respeito ao manejo da

pesca artesanal, esse instrumental analítico tem desconsiderado, muitas vezes, os

saberes comunais. Esses saberes têm sido construídos historicamente por

comunidades pesqueiras artesanais, as quais vivem num processo de

interdependência dos recursos, com estreitos vínculos com o ambiente e são, em

verdade, os sujeitos que efetivamente manejam esses recursos, realizando, muitas

vezes, ações conservativas dos recursos que exploram por meio de suas relações

socioculturais e econômicas.

Nesse contexto, em que os processos ecológicos e os valores culturais

mostram ser incomensuráveis com a racionalidade econômica, onde o mercado e a

ciência cartesiana são incapazes de atribuir valores reais aos serviços ecológicos e

às condições comunais para a sustentabilidade (LEFF, 2001), e onde a noção de

direito tem a marca da propriedade privada ou estatal (OST, 1997), aponta-se para a

emergência de novas reflexões sobre a sustentabilidade. Essas reflexões devem

considerar não só os aspectos materiais e econômicos, os saberes hegemônicos e

científicos, mas o conjunto multidimensional e multifacetado que compõe o

fenômeno do desenvolvimento e a perspectiva da sustentabilidade: a sinergia de

suas dimensões políticas, sociais, culturais e naturais.

2. A IDÉIA DE ECODESENVOLVIMENTO E DEDESENVOLVIMENTO VIÁVEL

Na década de 70, a concepção de Ecodesenvolvimento foi estimulada por

IGNACY SACHS. Propõe, pragmática e operacionalmente, desenvolver

ecotécnicas3. Ao mesmo tempo oferece uma reflexão teórica sobre o

desenvolvimento local, pois possibilita a aplicação do pensamento sistêmico de VON

BERTALANFFY, na biologia; do enfoque da Economia Ecológica, de GEORGESCU-

3 Refere-se à geração de tecnologias ajustadas às condições dos ecossistemas tropicais, a fim de proporcionaruma autodeterminação tecnológica para os países do Terceiro Mundo, a partir dos princípios produtivos danatureza como condição de sustentabilidade (LEFF, 1998).

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ROEGEN; bem como das concepções da Antropologia Ecológica, da Ecologia

Cultural e da Antropologia Neomarxista (LEFF, 1998).

Destaca-se aqui a contribuição da concepção de Ecodesenvolvimento ao

projetar a possibilidade de determinação de trajetórias plurais de desenvolvimento

pela interação da diversidade dos ecossistemas e das culturas como condição para

romper com o movimento homogeneizante de uma única via de desenvolvimento e

de conservação dos recursos naturais, bem como para proporcionar articulações da

democracia de base, dando voz e vez às comunidades locais e sociedade civil em

geral na participação de decisões sobre suas questões socioambientais específicas.

Avançando nessa discussão, WEBER (1997) e seus colaboradores (AUBIN,

1997; OLLAGNON, 1997; VIEIRA, 1998, entre outros) apontam para a perspectiva

do desenvolvimento viável. Essa perspectiva incorpora, por superação, a idéia

original de desenvolvimento durável ou sustentável ao rejeitar as formas de

raciocínio baseadas no conceito de “equilíbrio estável” e na noção de gestão de

estoques. Seus pressupostos partem para a identificação da variabilidade, da

incerteza e da irreversibilidade nas dinâmicas dos sistemas naturais e sociais, na

busca de uma co-viabilidade, em longo prazo, dos ecossistemas e dos modos de

vida das comunidades humanas às quais esses ecossistemas dão suporte. Trata-se

menos de preservar os recursos por medidas de restrição e mais de gerir as

incertezas, heterogeneidades e ajustamentos dos sistemas socioambientais, a fim

de possibilitar uma condição de viabilidade, tanto do sistema natural quanto do

sistema social.

A condição de viabilidade, por sua vez, é um conceito gerado a partir de um

instrumental analítico sistêmico e pode ser observada no estudo da inter-regulação

dos sistemas sociais e naturais, sob o enfoque da incerteza contingente e das

coações de viabilidade que configuram as tensões e os paradoxos das dinâmicas

adaptativas de sistemas complexos, e passam a alimentar um novo tipo de reflexão

sobre os limites da previsão no campo de gestão de problemas socioambientais.

Essa condição de viabilidade baseia-se na Teoria da Viabilidade4. O objetivo

principal dessa teoria consiste em explicar a evolução dos sistemas a partir de uma

dinâmica não-determinista e por coações de viabilidade, fazer emergir as retroações

4 Oferece uma metáfora matemática da co-evolução dos sistemas sob incerteza contingente que em sua análiseconfiguram variáveis em duas categorias: (a) de estado (que compõem o estado do sistema, sobre as quaisagem os atores do sistema; (b) de regulação (os componentes do régulon) (AUBIN, 1997).

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subjacentes que permitem a regulação do sistema e encontrar os mecanismos de

seleção capazes de fazê-las funcionar (AUBIN, 1997).

Entretanto, a aplicação de modelos matemáticos no estudo das inter-

regulações dos sistemas sociais e naturais necessita de conhecimentos avançados

sobre suas interações e seus mecanismos de co-evolução. Devido à ausência de

conhecimentos básicos descritivos e explicativos das interações socioambientais

específicas e também ao cuidado de não sobrepor os sistemas ecológicos aos

sistemas sociais, ou vice-versa, o presente estudo tem uma intenção bem mais

modesta no que diz respeito a questão da viabilidade das interações dos sistemas

socioambientais, representados aqui pelas comunidades pesqueiras e seus vínculos

com os ecossistemas de manguezais.

Como será proposto adiante, o presente ensaio não utiliza modelos

matemáticos e, sim, parte da análise da heterogeneidade espacial dos ecossistemas

de manguezais e da disponibilidade de seus recursos, buscando identificar uma

possível incorporação dessa heterogeneidade ecossistêmica pelos saberes

comunais, como meio de compreensão de possíveis processos de co-evolução5 dos

sistemas socioambientais, gerando uma análise de sua viabilidade, a partir do

enfoque dos modos de apropriação comunal.

Aqui, a idéia da viabilidade não parte da concepção de preservação de

equilíbrios e, sim, da compreensão da necessidade de evitar reduzir a problemática

socioambiental a apenas um de seus múltiplos componentes. É nessa perspectiva

que o desenvolvimento viável tem como ponto de partida o princípio de

endogeneidade6, com o objetivo de elaborar novos projetos de sociedade e de

desenvolvimento. Esse princípio, por sua vez, não pretende isolar as questões locais

de questões maiores oriundas das macrodimensões econômicas, políticas,

históricas ou sociais. Ao contrário, pretende, enquanto estratégia sociopolítica,

possibilitar o surgimento de respostas adaptativas7, geradas no cerne das

comunidades e ecossistemas locais às pressões globais.

Nesse sentido, a presença de uma certa identidade sociocultural pode permitir

a visualização de padrões regulares nas interações entre comunidades e seu 5 Interpretada como um processo de “tentativa-e-erro”, resultando em auto-organização dos sistemas por meiode mútuos ajustamentos entre a dimensão social e a ecológica (BERKES, 1999). 6 Relaciona-se à idéia de Ecodesenvolvimento de MAURICE STRONG que IGNACY SACHS sintetiza e definecomo desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, submetido à lógica das necessidadesdo conjunto da população local (WEBER, 1997).7 Conceituadas por GUNDERSON (2001) como “adaptative management” e envolve processos detransformações, aprendizados e ajustamentos no manejo adaptativo de recursos naturais, acessados a partir derespostas negativas de resiliência ecológica.

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ambiente, ou seja, formas específicas pelas quais essas interações marcam a

paisagem e as atividades tradicionais na região considerada. Assim, o espaço

microrregional representa uma opção fértil para fins experimentais (VIEIRA, 1998).

Segundo LEFF (2000), a emergência da referência do espaço provém da

necessidade de enraizar a sustentabilidade em condições locais. Essa referência,

por sua vez, provém da significação que imprime a cultura à natureza, em que o

espaço e o lugar são ressignificados a partir das identidades culturais, especificando

as condições de sustentabilidade, já que as lógicas acadêmicas e logocêntricas

presentes nas atuais formas de gestão dos recursos naturais têm diluído os

referentes geográficos e os sentidos culturais locais.

Assim, não se trata de dar suporte empírico e referências locais a uma

racionalidade globalizadora, presente no discurso normativo do desenvolvimento

sustentável, mas de abordar a sustentabilidade em seu caráter tanto “material-

objetivo” quanto “simbólico-subjetivo”.

Destaca-se, então, que a sociodiversidade constitui uma dimensão tão

importante quanto a biodiversidade (CORDELL, 1989; BERKES, 1999; DIEGUES &

ARRUDA, 2001). A viabilidade das populações humanas e os ecossistemas dos

quais elas extraem seus meios de subsistência são mutuamente determinantes.

Portanto, as decisões econômicas e sociais devem ser tomadas na busca de

manutenção da viabilidade dos ecossistemas, e as decisões relativas à gestão dos

meios naturais devem estar relacionadas à manutenção da viabilidade dos modos

de vida correspondentes. Segundo WALTERS (1986), HENRY (1987), WEBER et al

(1990) (apud WEBER, 1997), não existem soluções “ótimas” e sim a elaboração de

estratégias adaptativas, tanto em relação às variabilidades naturais quanto às

variabilidades econômicas e socioculturais.

Nesse sentido, as sociedades tradicionais e as economias locais não

produzem somente valores de uso e de troca; também produzem “significados de

uso” que refletem a complexa relação de ordem simbólico-natural nas relações de

produção econômico-políticas. A natureza, por sua vez, não está somente codificada

por meio de uma linguagem e racionalidade econômica dominante. Ela está também

gravada na memória coletiva dos povos e é ressignificada na atualização da

identidade dos povos (LEFF, 2000).

Nessa perspectiva, novas alternativas para a sustentabilidade socioambiental

e para o manejo viável de recursos naturais incluem sistemas de manejo tradicional

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(e/ou local) e suas instituições sociais de propriedade comum (BERKES & FOLKE,

1998 apud: BERKES, 1999).

3. O CONCEITO DE MODOS DE APROPRIAÇÃO DOSRECURSOS NATURAIS

A maneira como o Direito Ambiental tem determinado a noção de propriedade

muitas vezes não abrange as dinâmicas reais de apropriação dos diversos grupos

humanos envolvidos, principalmente quando essa apropriação diz respeito aos

recursos de uso comunal (OSTROM, 1987; WEBER, 1997).

Para o Direito Ambiental, o conceito de propriedade geralmente se refere

apenas à dimensão do acesso material aos bens possuídos e às suas modalidades

de transferência. Esse conceito concebe o objeto a ser apropriado e a maneira como

essa apropriação é realizada, seja como res communes, seja como res nulius.

Entretanto, considera o sujeito que se apropria do recurso como um indivíduo

hipoteticamente homogêneo, desconsiderando que este, na realidade, é, muitas

vezes, um sujeito coletivo, com relações simbólicas distintas e importantes em suas

formas de apropriação. Esse conceito hegemônico de propriedade tampouco

considera o objeto de apropriação em suas dinâmicas naturais, as quais, a exemplo

dos recursos biológicos, podem estar relacionadas aos fenômenos de ajustamento

ecológico de suas populações, como eventos de migração, ciclos de vida, dispersão

espacial, etc., eventos esses que apresentam, muitas vezes, flutuações interanuais

ou sazonais.

Entretanto, há inúmeros casos relatados em trabalhos como os de

MCCLOSKEY (1976), DAHLMAN (1980), COX (1985), CAMPBELL & GODOY

(1986), MCCAY & ACHESON (1987), FENOALTEA (1988), BERKES (1989),

CORDELL (1989), McCAY & ACHESON (1996), HANNA et al (1996) (apud: FEENY

et al, 2001) que indicam que a apropriação dos territórios e dos recursos naturais em

diferentes sociedades rurais com estrutura comunal apresenta dinâmicas complexas

condicionadas tanto por eventos ecossistêmicos e abióticos quanto por fenômenos

socioculturais e econômicos, sejam eles preditivos ou não. Essas dinâmicas

complexas fogem, muitas vezes, da abrangência da maneira que o atual Direito

Ambiental trata o problema.

Não se pode reduzir a maneira pela qual os indivíduos ou os grupos se

apropriam de “sua” natureza àquilo que é denotado por esse conceito convencional

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de propriedade (WEBER, 1997) e nem mesmo subtrair as dinâmicas bióticas e

abióticas que condicionam a disponibilidade desses recursos à visão estanque de

objeto de apropriação delegado por essa noção convencional do direito de

propriedade.

A natureza constitui o produto de representações oriundas de sistemas de

valores e saberes presentes nos sistemas sociais e no interior dos grupos que os

integram (WEBER, 1997), o que torna a questão das representações simbólicas

imprescindível no estudo dos processos relacionais entre ser humano e natureza

(GODELIER, 1984). Assim, os diferentes grupos humanos não se apropriam dos

recursos naturais de uma maneira uniforme, e a análise dessa diversidade de

apropriação pode ser instrumental na construção do conceito de sustentabilidade

socioambiental e na sua instrumentalização local.

Diferente do conceito de propriedade postulado pelo Direito Ambiental,

WEBER & REVÉRET (1993 apud WEBER, 1997) elaboram o conceito de modos de

apropriação. Esse conceito, por sua vez, apresenta dimensões inovadoras de

análise por abranger tanto as dimensões materiais quanto as dimensões simbólicas

dos processos dinâmicos de apropriação dos recursos naturais.

Sua análise envolve o estudo de: (a) sistemas de representações cognitivas

dos atores sociais implicados; (b) usos possíveis dos recursos; (c) modalidades de

acesso e de controle do acesso aos recursos; (d) modalidades de transferência de

direitos de acesso e (e) modalidades de repartição ou partilha dos recursos ou dos

frutos de sua exploração (VIEIRA & WEBER, 1997).

Na dinâmica interativa dos modos de apropriação da natureza das diferentes

sociedades, o potencial adaptativo do comportamento humano ocupa um papel

determinante. Esse potencial, por sua vez, tem sido relatado tanto pelo pensamento

de MOSCOVICI8 quanto por estudiosos como STEWART, na Ecologia Cultural, e

por neomarxistas como GODELIER (DIEGUES, 1998).

Esse potencial adaptativo está condicionado, segundo VIEIRA & WEBER

(1997), à capacidade cognitiva dos grupos humanos aferirem de forma cada vez

mais criteriosa suas chances de sobrevivência por meio de aprendizados e

ajustamentos historicamente construídos e intercambiados entre indivíduos e grupos

nas relações com os ambientes e suas práticas cotidianas.

8 O ser humano é condicionado e condicionante de seu meio natural e social (Novo Naturalismo em Moscovici)(DIEGUES, 1998).

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Essas práticas historicamente construídas são compostas de significações

compartilhadas e corporificadas em símbolos e instituições, como crenças, mitos,

valores, normas e também em formas mais elaboradas de conhecimento. Esse

conjunto de significados constitui conhecimentos e estratégias de comportamento

comunal, em reciprocidade às condições ecossistêmicas impostas aos seus modos

de vida. Essas dinâmicas de ajustamentos culturais aos ecossistemas têm sido

amplamente relatadas para as comunidades pesqueiras no Brasil por estudiosos

como DIEGUES (1998), MALDONADO (2002 a; b), CUNHA & ROUGELLE (1989),

CORDELL (1983), BEGOSSI (2001), SEIXAS (2002), entre outros.

Para uma melhor compreensão das articulações dos saberes tradicionais aos

modos de apropriação, aponta-se aqui a organização de BERKES (1999), que

concebe o conhecimento ecológico tradicional (JOHANNES, 1978; BERKES, 1989

b; DEI, 1992 apud BERKES, 1999) em quatro dimensões, conceituando-o como um

complexo integrado de conhecimentos práticas e crenças que envolve processos

adaptativos e é perpetuado entre gerações por transmissão cultural sobre as

relações dos seres viventes (incluindo os humanos) entre si e com o ambiente

(BERKES, 1993; GADGIL et al, 1995 apud: BERKES, 1999).

Dessa maneira, o conhecimento tradicional é tanto cumulativo quanto

dinâmico, construído pela experiência e adaptado às mudanças, e é um atributo de

sociedades com continuidade histórica no uso de recursos de um ambiente

particular (BERKES, 1999: 08). Assim, na análise dos modos de apropriação dos

recursos comunais, esse saber local não deve ser encarado apenas de uma maneira

pontual, descritiva e, sim, de forma articulada e funcional, compreendendo suas

inter-relações com as dinâmicas de usos, suas modalidades de acesso e de controle

e transferência de direitos de acesso, bem como de repartição ou partilha dos

recursos.

Essas dinâmicas interligadas dos saberes locais está explicitada pela

organização das quatro dimensões dos saberes locais, exposta no quadro a seguir:

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4. PROCESSOS ADAPTATIVOS ENTRE COMUNIDADESHUMANAS E ECOSSISTEMAS

Existem fortes indícios de processos adaptativos entre ecossistemas e

culturas, presentes, principalmente, em sociedades com estreitos vínculos históricos

com o ambiente. Essas sociedades são denominadas por DASSMANN (1988 apud:

DIEGUES & ARRUDA, 2001) como povos dos ecossistemas e são identificadas por

suas culturas tradicionais, mantendo interdependência estreita com o ambiente,

cujas estruturas sociais estão profundamente vinculadas às dinâmicas naturais,

associadas à pequena produção mercantil (DIEGUES, 1993 apud: DIEGUES &

ARRUDA, 2001) e ao uso de tecnologias de baixo impacto.

Diversas dessas comunidades que dependem diretamente dos recursos

mantêm determinadas ações conservativas dos recursos explorados, ações essas

modeladas por relações socioculturais e econômicas, vinculadas, inclusive, aos

saberes ecológicos comunais, indicando que as biodiversidades e as

sociodiversidades co-evoluem e co-adaptam-se. Há inúmeros casos relatados em

Conhecimento Local(manguezal/

Fauna/comportamento,

biologia, etc.)

Práticas, técnicas, ferramentas>Espaço- temporais

Instituições sociais, Regras de uso, códigos de relações sociais

As quatro dimensões dos saberes locais, segundo Berkes, 1999

(Complexo: Conhecimento/ Práticas/ Crenças)

Visão de mundo/ conhecimento paradmático/Percepção ambiental/

Religião,ética, sistemas de crenças

1o.

2o.

3o.

4o.

dinâmicas interlig

adas

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trabalhos como os de MCCAY & ACHESON (1987), BERKES (1989), (1999),

DIEGUES (1998), CUNHA & ROUGELLE (1989), BEGOSSI (2001), SEIXAS (2002),

entre outros, que indicam que a apropriação dos territórios e dos recursos naturais,

em diferentes sociedades rurais com estrutura comunal, apresenta dinâmicas

complexas, condicionadas tanto por eventos ecossistêmicos e abióticos quanto por

fenômenos socioculturais e econômicos.

Além disso, PECK & FELDMAN (1986 apud BERKES, 1989) e BERKES

(1989) alegam que os mecanismos de cooperação são de vital importância para

processos de ajustamentos na perspectiva da ecologia humana, os quais, até então,

passaram subestimados nas lógicas de Darwin e Adam Smith. Essas relações de

cooperação já foram amplamente reconhecidas em diversos estudos de Ecologia

Animal, sob o foco da predação prudente e dão base aos fundamentos da Teoria

da Cooperação.

Esses processos de cooperação apresentam-se em três possíveis

mecanismos: seleção por família ou parentesco, seleção de grupo e reciprocidade.

Esses três mecanismos, por sua vez, atuam em sincronia quando as populações

humanas vivem em um determinado território, com laços de parentesco, e são

identificáveis por meio de uma análise temporal, de historicidade, espacial e de

territorialidade.

Um exemplo dessa dinâmica é evidenciada em estudos desses autores sobre

as relações territoriais de grupos caçadores do Canadá, em James Bay, que se

ajustam aos ciclos de padrões de uso e abundância de recursos. Nesse caso,

quando os recursos são oferecidos com uma abundância tal que venha a suprir as

necessidades do grupo, as relações territoriais são mínimas, e os recursos são

apropriados em sistema de livre acesso. Em outro período histórico, em situação de

determinada escassez, algumas relações de território passam a determinar

regulação de acesso por determinados grupos e a porções de território, fenômeno

esse que se apresenta como uma relativa diminuição do sistema de propriedade

comunal sem, entretanto, recair no extremo oposto da relação de privatização

estrita. Quando os caçadores passam por uma escassez ainda maior, a regulação

de território se intensifica, passando para a regulação de acesso, diretamente aos

grupos familiares.

Essa dinâmica está expressa no diagrama apresentado na seqüência:

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Como mostra este estudo de BERKES (1989), a territorialidade pode ser um

mecanismo de auto-regulação comportamental e é evidenciada não só entre grupos

humanos, mas também em diversas populações de mamíferos caçadores.

Assim como esses grupos humanos modificam suas regras de acesso ao

longo do tempo, em resposta à escassez dos recursos, também seus mananciais

podem responder positivamente às diferentes regulações das práticas de

exploração9. Portanto, o estabelecimento de regras de conduta, ajustado às

maneiras de uso e aos territórios de acesso, necessita de conhecimentos sobre as

dinâmicas espácio-temporais dos ecossistemas. Então, o conhecimento ecológico

tradicional é a chave-mestra de articulação dos mecanismos de ajustes nas

apropriações comunais.

Nesse contexto, a organização cultural pode regular o uso de recursos para

satisfazer as necessidades de seus membros, cujos mecanismos culturais podem

normatizar o acesso social à natureza, determinando o desenvolvimento tecnológico

9 Entretanto, nem sempre essa relação é direta e linear. As dinâmicas de resposta dos ecossistemas aosdiferentes tipos de perturbação é assunto complexo, envolve uma análise pormenorizada das respostasdiferenciais de cada nível do sistema (desde organismo, população, comunidade e o ecossistema como umtodo), considerando a intensidade dessa resposta – fenotípica ou genética –, sua qualidade ou tipo (sereguladora, conformadora ou deformadora do sistema) e as escalas temporais e espaciais desses fenômenos.

Recursos de uso comum com controle familiar

de território

Recursos de uso comum com

controle comunal de

território

Livre acesso

Intensificação de uso dos recursos/aumento populacional, etc.

Destruição das instituições de propriedade comunal, competição, etc.

Decréscimo da população,diminuição de uso intensivo, etc. Eliminação de competição,

restauração de controle de acesso

Adaptado de BERKES, 1989

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e regulando ritmos de extração e transformação dos recursos. Da mesma forma, as

relações de parentesco, as formas de reciprocidade, as organizações da

propriedade comunal e os direitos territoriais podem também favorecer a regulação

do uso dos recursos naturais. Nessas condições, a natureza é, ao mesmo tempo,

um recurso econômico e um patrimônio cultural.

5. A POSSIBILIDADE DE GESTÃO PATRIMONIAL DOSRECURSOS NATURAIS

Segundo FEENY et al. (2001), podem-se identificar quatro categorias de

direito de propriedade: (a) de livre acesso, na qual há ausência de direitos de

propriedade bem definidos; (b) de propriedade privada, quando há direitos de

exclusão de terceiros, exploração e regulação de exploração, delegados a

indivíduos; (c) de propriedade comunal, quando existem recursos manejados por

uma comunidade identificável de usuários interdependentes; e (d) de propriedade

estatal, quando os direitos aos recursos estão alocados exclusivamente no governo,

com poderes coercivos.

Entretanto, as formas hegemônicas de apropriação dos recursos naturais

brasileiros têm considerado, de maneira geral, apenas dois tipos de propriedade: a

propriedade privada e a estatal. No caso específico dos ecossistemas de

manguezais, estes se encontram na categoria de propriedade estatal. Esses

ambientes, originariamente manejados de forma comunal, têm se tornado

efetivamente em propriedade de livre acesso, porque a restrição de seu uso para as

comunidades pesqueiras tradicionais os coloca à mercê de quaisquer usuários que

deles pretenda dispor.

Nesse contexto, emerge a importância do resgate da categoria de

propriedade comunal. Para BERKES (1989), esses recursos de propriedade comum

têm como características básicas a exclusividade ou controle de acesso, bem como

a capacidade de subtração ou rivalidade entre grupos onde existem divergências

potenciais entre as racionalidades individuais e coletivas. Dessa maneira, os

recursos de propriedade comum são uma classe de recursos para a qual a exclusão

é difícil e o uso conjunto envolve subtração.

O termo “propriedade comum” tem sido confusamente compreendido como a

ausência de propriedade ou o livre acesso a recursos naturais – sem que direitos e

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responsabilidades tenham sido definidos – e não como uma determinada forma de

propriedade (GORDON, 1954; SCOTT, 1955; DEMSETZ, 1967; ALCHIAN &

DEMSETZ, 1973 apud MCKEAN & OSTROM, 2001). Entretanto, em regimes de

propriedade comum, um grupo particular de indivíduos divide os direitos de acesso

aos recursos, o que caracteriza explicitamente uma forma de propriedade. Nessa

perspectiva, existem direitos e estes são comuns a um determinado grupo específico

de usuários que têm direitos comuns (RUNGE, 1981; 1984; 1992; BROMLEY &

CERNEA, 1989; BROMLEY et al., 1992 apud McKEAN & OSTROM, 2001; BERKES

& FAVAR, 1989).

Nas últimas décadas, diversos autores têm retratado evidências da habilidade

de grupos sociais em elaborar, utilizar e adaptar mecanismos de alocação de

direitos de uso entre seus membros, evidências essas relevantes sobre o manejo de

recursos de propriedade comum (MCCLOSKEY, 1976; DAHLMAN, 1980; COX,

1985; CAMPBELL & GODOY, 1986; NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1986;

MARCHAK ET AL, 1987; MCCAY & ACHESON, 1987; WADE, 1987; FORTMANN &

BRUCE, 1988; FENOALTEA, 1988; MCEVOY, 1986; 1988; PINKERTON, 1989;

BERKES, 1989; CORDELL, 1989; McCAY & ACHESO, 1996; HANNA et al, 1996

apud: FEENY et al, 2001).

Nesse contexto, os sistemas de representação e de valores compartilhados

pelos membros da sociedade podem definir acordos para a regulação do uso dos

recursos. Esse uso decorreria não somente das pressões induzidas pela busca de

satisfação de necessidades imediatas de sobrevivência, mas fundamentalmente

daquelas oriundas do universo simbólico que permeia todo o tecido da vida social

(VIEIRA & WEBER, 1997).

Essa perspectiva pode ser uma alternativa de regulação em um cenário que

prevê a possibilidade de representação dos recursos transapropriativos mediante a

categoria de patrimônio comum, a ser gerido em bases contratuais (OLLAGNON,

1990 apud: VIEIRA & WEBER, 1997), admitindo-se que os conflitos de interesse de

um grande número de atores sociais, portadores de representações e interesses

diferenciados, poderiam ser negociados de forma eficiente, ao reconhecer que a

perspectiva de uma gestão comunal pode ser condição da sobrevivência da

comunidade em sentido amplo (VIEIRA & WEBER, 1997).

A esse sistema de idéias, VIEIRA & WEBER (1997) propõem a concepção de

gestão patrimonial. A idéia de patrimônio prevê uma interação política eficaz entre a

esfera científica e a esfera da ação planejadora. Assim, as noções de viabilidade e

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de patrimonialidade são funcionais, abrindo, por sua vez, perspectivas instrumentais

e possibilidades legais de ações protagonistas das comunidades humanas com

estreitos vínculos com os ambientes específicos. A noção de patrimonialidade

destaca a dimensão da base transmissível dos processos de desenvolvimento em

longo prazo, prevendo uma regulação alternativa dos recursos transapropriativos

mediante a categoria de patrimônio comum (WEBER, 1997).

No contexto brasileiro, a discussão sobre regimes de propriedade comum

ganha força a partir da luta dos povos extrativistas amazônicos, que, ao se

organizarem institucionalmente, adquirem direitos comunais de manejo de seus

recursos, por meio da criação de reservas extrativistas (CUNHA et al, 1992;

MOREIRA, 2000). A partir desse marco político, as produções acadêmicas sobre as

formas de regime comunal de manejo de recursos voltam-se para o estudo de outras

populações tradicionais, particularmente para as comunidades pesqueiras (CUNHA

& ROUGELLE, 1989; BEGOSSI, 2001; DIEGUES, 2001 b; MOREIRA, 2000).

Entretanto, a abordagem da gestão patrimonial no presente estudo se dará

como uma análise de sua possibilidade e será tratada apenas como pano de fundo,

tendo em vista o panorama dos modos de apropriação das comunidades pesqueiras

do complexo estuarino da Baía de Paranaguá e suas relações simbólicas e materiais

com os manguezais e seus recursos. A complexidade das relações sociais entre

essas comunidades, como se verá adiante, demanda um cuidado especial devido às

suas interdependências com territórios e recursos, relações de compadrio, bem

como solidariedades e rivalidades potenciais, intra e intergrupais.

Esse quadro de interdependências ecológicas, econômicas e socioculturais

demanda uma atenção às formas de organização comunal, e não é interesse

primeiro deste estudo construir uma normatividade sobre a gestão dos manguezais

locais, mas, sim, indicar possibilidades viáveis para o manejo desses recursos, com

conseqüências sobre a melhoria da qualidade de vida e das relações

socioeconômicas dessas comunidades.

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ESTUDO DE CASO:

DIAGNÓSTICO GERAL DAS DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DOSMANGUEZAIS E DE SEUS RECURSOS BÊNTICOS DE INTERESSEECONÔMICO NO COMPLEXO ESTUARINO DA BAÍA DEPARANAGUÁ

Foi objetivo central desta etapa empírica realizar uma diagnose geral das

dinâmicas de apropriação das comunidades pesqueiras no complexo estuarino da

Baía de Paranaguá, a fim de identificar os usos, saberes, partilhas e possíveis

conflitos de usos sobre os ecossistemas de manguezais e de seus recursos

bênticos.

METODOLOGIA

Para a realização desse diagnóstico geral, foram realizadas visitas a 31

localidades, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002 (Figura 01). As entrevistas

foram realizadas nas seguintes datas:Ilha das Peças (20/12/2001); Maciel (20/12/2001);

Vila Mariana/Ilha Rasa (07/01/2002); Almeida/Ilha Rasa (07/01/2002); Guapicum (07/01 e

10//01/02); Piaçaguera (08/01/2002); Amparo (09/01/2002); Eufrasina (09/01/2002); Vila

Guarani (09/01/2002); Praia do Pasto (10/01/2002); Medeiros de Baixo (10/01/2002);

Medeirinhos (10/01/2002); Vila São Miguel (10/01/2002); Maçarapuã (10/01/2002);

Enseada do Itaquí (10/01/2002); Almeida (10/01/2002); Europinha (14/01/2002);

Pinheirinho /Antonina (14/01/2002); Ponta da Pita (14/01/2002); Teixeira (14/01/2002);

Cotinga (14/01/2002); Superaguí (30/01/2002); Bertioga (30/01/2002); Barbados

(30/01/2002); Vila Fátima (30/01/2002); Canudal (30/01/2002); Poruquara (30/01/2002);

Tibicanga (30/01/2002); Ponta da Pita (31/01/2002); Vila dos Polacos (31/01/2002);

Ponta da Graciosa de Baixo (31/01/2002). Foram também realizadas visitas em

entrepostos comerciais, para validar algumas informações, em Pontal do Sul

(12/01/02); e no Mercadinho das Ostras- Paranaguá (07/12/02 e 16/03/2003), e na

comunidade da Ponta das Peças/ Ilha das Peças (maio de 2003)

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Figura 01: Mapa do complexo estuarino da Baía de Paranaguá (1 a 4) Ponta daGraciosa de Baixo, Vila dos Polacos, Ponta da Pita e Pinheirinho; (5) Teixeira; (6) Europinha; (7) Eufrasina; (8)Amparo; (9) Piaçaguera; (10) Vila Guarani; (11) Valadares; (12) Cotinga; (13) Maciel; (14) Ilha das Peças; (15)Guapicum; (16) Praia do Pasto; (17) Enseada do Itaquí (18) Medeiros de Baixo; (19) Medeirinhos; (20) SãoMiguel; (21) Maçarapuã; (22) Ponta da Mariana; (23) Almeida; (24) Tibicanga; (25) Poruquara; (26) Vila Fátima;(27) Canudal; (28) Barbados; (29) Bertioga; (30) Superagüi; (31) Pontal do Sul.

Ao todo, foram realizadas 39 entrevistas semi-estruturadas (BERKES et al.,

2000) com os pescadores artesanais e extrativistas de recursos bênticos de

interesse econômico dos manguezais locais (coletores de caranguejos – Ucides

cordatus –, sururu – Mytella guyanensis – e de ostras – Crassostrea rhizophorae),

bem como com ostreicultores e comerciantes de pescado. Escolheu-se a técnica de

entrevistas semi-estruturadas porque esta proporciona um diálogo mais flexível com

os entrevistados, além do que, permite aprofundar a interlocução, para que novos

tópicos e questões importantes sobre o assunto possam ser trazidos pelos próprios

entrevistados. Os roteiros dessas entrevistas encontram-se nos anexos.

As entrevistas foram, em sua maioria, individuais, e ocorreram tanto em terra,

por causa das residências e outros estabelecimentos das vilas, quanto nas

embarcações, durante atividades pesqueiras. A duração dessas entrevistas foi

N1

234

5

6 7

8 9

1011 12

13

14

15

16

18

19

20

212223 24

2526

27

29

30Baíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Enseada do

Itaquí

Enseada do

Benito

Baía de Guaraqueçaba

Baía dos Pinheiros

28

17

31

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60

variada. As entrevistas realizadas com informantes privilegiados, indicados pelas

comunidades, duraram cerca de uma a duas horas. Já as entrevistas realizadas nas

embarcações, nas rápidas turnês, duraram em média 30 a 40 minutos.

Essas rápidas incursões, realizadas durante as entrevistas nas embarcações,

são um instrumento excelente quando se pretende realizar um diagnóstico geral em

uma grande área e a estratégia recomendada por PIDO et al. (1996 apud BERKES

et al., 2001) e BERKES et al. (2001).

Sempre ao início das entrevistas, eram apresentados os objetivos gerais

deste estudo e suas questões centrais. As entrevistas foram registradas por um

gravador, com a autorização dos entrevistados, e transcritas em sua totalidade,

respeitando-se a estrutura lingüística do discurso dos entrevistados. Posteriormente,

as informações específicas foram tratadas por tema de interesse da pesquisa, a fim

de obter uma análise mais estruturada das informações.

Além das entrevistas registradas, houve muitos outros contatos, e conversas

informais com comunitários, que serviram para validar as informações obtidas.

Como esse diagnóstico geral se propõe a caracterizar os tipos gerais de uso e

acesso para as baías e enseadas, as diversas vilas visitadas compõem uma única

unidade amostral e identificam os tipos de apropriação dos recursos de manguezais

para cada mesorregião nesse complexo estuarino. Foram realizados cruzamentos

de informações, para validações das informações entre as localidades, bem como

entre mesorregiões a fim de compor um cenário geral das dinâmicas de apropriação

dessa região.

Também foram realizadas consultas complementares em mapas e ao Censo

do IBGE (2000) para estimar, respectivamente, aspectos geográficos e

demográficos das regiões em questão.

Para o diagnóstico das dinâmicas de apropriação, foram analisadas as

seguintes informações, como recomendam VIEIRA e WEBER (1997): usos dos

recursos; modalidades de acesso, de controle do acesso; modalidades de repartição

ou partilha dos recursos; e os saberes específicos dos pescadores artesanais.

Nas análises das informações, utilizou-se duas figuras metodológicas

indicadas por LEFÈVRE et al. (2000): (1) Expressões-chave (transcrições literais de

parte dos depoimentos, que permitem o resgate do essencial do conteúdo

discursivo) e (2) Idéia central (que identifica as afirmações que permitem traduzir o

essencial do conteúdo discursivo explicitado).

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Esses conteúdos foram organizados em sub-temas, quais sejam: técnicas de

extrativismo e rendimento de captura, fluxos econômicos e partilhas, acessos e

regulações de acessos, conhecimentos sobre a distribuição dos recursos no

manguezal e sobre a biologia dos animais.

Ressalta-se que o desenvolvimento metodológico para a pesquisa se valeu da

análise da complexidade espacial atribuída pela heterogeneidade ambiental e

também pela visão dos sujeitos de pesquisa. Assim, esta primeira etapa de

incursões ao campo gerou instrumental para a concretização da etapa empírica

seguinte. Nesse sentido, os saberes, hipóteses e premissas dos sujeitos da

pesquisa foram tomados em consideração para a determinação das áreas

abordadas na investigação em escala microrregional.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para analisar as dinâmicas de uso e de acesso aos recursos bênticos de

manguezais é necessário identificar algumas heterogeneidades ambientais desse

sistema que influenciam a vida dos pescadores artesanais1.

MARTIN (1992) e NAIZOT (1992) em seus extensos estudos sobre os

manguezais desse complexo estuarino, organizaram uma tipologia para as

formações regionais dos bosques, considerando tanto a composição específica das

árvores, quanto as condições físicas de seus substratos, sua origem sedimentar e

localização geográfica. Estabelecem, assim, cinco unidades morfológicas regionais:

bacias, deltas de rios, ilhas de confluência, baías abertas, gamboas e ilhas

marítimas (Figura 02).

Figura 02: Formações regionais dos bosques de manguezais do complexo estuarinoda Baía de Paranaguá, segundo MARTIN (1992) e NAIZOT (1992).

1 Segundo ROUGELLE (1993) e ANDRIGUETTO FILHO (1999) as atuais comunidades desse sistema abrangemcerca de 40 vilas principais, considerando aquelas compostas por mais de 26 domicílios e também algumaspequenas vilas, compostas de 6 a 26 domicílios, mas que aparecem em pontos estratégicos de apropriação dosmanguezais. Entretanto, é necessário considerar que há tendências à extinção de pequenos vilarejos nessaregião.

Ilhas maritimas

Gambôas

Deltas de Rio

Baías Abertas

Bacias

Ilhas de Confluência

Escala: 1:250.000Adaptado de MARTIN (1992)

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Enseada do

Itaquí

Enseada do

Benito

Baía de Guaraqueçaba

Baía dos Pinheiros

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Primeiro apresentar-se-á uma análise geral da situação, passando às

especificidades das relações de apropriação para cada recurso, considerando as

zonas ecológicas desse complexo estuarino.

De maneira geral, as atividades extrativistas dos recursos bênticos de

manguezais nesse sistema não são homogêneas para todas as comunidades

pesqueiras e parecem estar condicionadas primeiramente às estratégias

econômicas de cada comunidade, tanto quanto às suas aptidões em relação às

atividades pesqueiras.

Também influem diretamente nesse comportamento a diversidade na

disponibilidade dos recursos bênticos de manguezais em relação às configurações

mesorregionais dos bosques.

“A época de vender (o caranguejo) é até janeiro, fevereiro. Paramo até de pescar peixe bom, evendemo só caranguejo, o caranguejo mata o preço do peixe, e a gente dá uma descansadado mar, pára de pescar. Quase 80% de venda de pescado nessa época é caranguejo.”

(pescador da comunidade do Maciel)

“Nessa época (verão) a gente pára com a pesca e estamos só com o caranguejo. Depois quepára o caranguejo vem o camarão, e depois a tainha.” (pescador da comunidade do Almeida –Ilha Rasa)

“O peixe ta fraco, e o que segura é a ostra. A gente cultiva o ano inteiro, mas no inverno é difícilvir turista comprar ostra, mas se tivesse tinha ostra o ano inteiro. No verão vende bem, osturistas vêm, compra. Agora a gente tem que inventar de tudo né. (...) É, tá apertado o cinto.A pesca está ficando difícil em tudo quanto é parte. É proibição, o pescador está aumentandodemais devido ao desemprego na cidade grande né, Paranaguá mesmo, acho que 30% épescador, não tem emprego, o cara tem que se livrar no mar, no mar é fácil né. Vem pro maraí, pra comer e pra comprar farinha e o açúcar. Arruma rapidinho três a quatro quilos de peixepra passar o dia.” (pescador da comunidade do Guapicum – Ilha das Peças)

Algumas comunidades têm o extrativismo de caranguejos como sua principal

atividade econômica, ao longo de todo o período anual (como é o caso das

comunidades da Ilha Rasa). Outras se sustentam em grande parte pela extração e

cultivo da ostra do mangue (a exemplo de Guapicum e Poruquara). Há ainda

aquelas que fazem uso desses dois recursos em períodos anuais mais restritos,

intercalando-os com atividades pesqueiras em geral.

Também o comércio de sururus, apesar de bem localizado, faz parte dessa

estratégia que integra as apropriações de recursos de manguezais com as

dinâmicas gerais de pesca artesanal.

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“Na Piaçaguera, quando chega a ser vendável o caranguejo, muitos vai, as rapaziada e os paide família vão, e se encomendar vai pegar bacucu, sururu...”. (pescadora de Piaçaguera –Estuário da Baía de Paranaguá)

“(A coleta do caranguejo) Dá prá manter a família nessa época que não dá camarão. Ésofrido mas vale a pena. É a salvação. Aqui a gente varia... Quando não dá o caranguejo, dápesca, espinhel.Tem serviço mais fácil para mim, de espinhel e de rede... É melhor que estarnaquele mangue com mosquito, butuca, lama... Se tem gente comprando a gente vai para omangue... Se dá dinheiro a gente vai... Nós paramo agora com o caranguejo (final do verão).Mas o pessoal do Valadares é o ano inteiro, direto. Eles (fiscalização) proibiram de fevereiroem diante. Mas o caranguejo agora vai direto. O pessoal do Valadares vai direto.” (pescadorda comunidade de Amparo –Estuário da Baía de Paranaguá).

“(O caranguejo) é a pesca que pra nós dá mais, porque o peixe pra nós não tem valor, custa40, 50 centavos um quilo de peixe, 40 centavos são duas caixas de fósforo. Agora dia 15 vailiberar o camarão.” (pescador da comunidade do Canudal – Baía dos Pinheiros)

Para compreender como os recursos de manguezais se integram às

apropriações gerais da pesca, é necessário levar em conta também as adaptações

dessas atividades às restrições impostas pelas legislações ambientais, bem como a

outros tensores, a exemplo das reduções na disponibilidade de recursos pesqueiros

nesse sistema e do desemprego nos núcleos urbanos. Esses últimos tensores têm

causado a migração de pessoas oriundas de outras atividades econômicas para a

pesca e, conseqüentemente, para o extrativismo em manguezais.

Esse quadro se evidencia nas expressões dos pescadores ao se referirem a

estas atividades extrativistas:

“É eu pegava o caranguejo, ostra, catava bacucu tudo isso, onde faltava o ganho tinha queapelar. (O caranguejo) diminuiu bastante porque a senhora vê, antigamente não se tiravacaranguejo, hoje em dia eles vão com machado, com enxada, com foice só tirado, passa otempo eles vão tirando ... Eles tiram quando é proibido depois não tem mais nada, quandochega a andar um pouquinho é só os filhotinhos, nem caranguejo que preste, grande, não temgraúdo. O caranguejo era graúdo antigamente aqui, mas acabô tudo, e lá tem fiscar, nãodeixam tirar o caranguejo de jeito nenhum. A gente pegava só macho graúdo, hoje é tudoparelho. Hoje esses mangues tá tudo mexido, eles esculhambam com o mangue...Antigamente ninguém se metia no mangue pra tirar caranguejo.” (pescador da comunidade dePiaçaguera – Estuário da Baía de Paranaguá)

“(...) E tem o siri, tem época que tem mais, e quando parô, parô... Assim é o camarão, quandoo camarão sumiu do rio, acabou o camarão... Cada 3 meses vai mudando a vida do pescador.A tainha também, e se tem material, vai pescar, se não tem, vai com o (cara) que tem.(...) Opessoal tá procurando serviço. Se não tem, vem pra pesca, nas folgas. Vem porque não tememprego.” (pescador da comunidade da Vila Guarani – Estuário da Baía de Paranaguá)

“A maioria das pessoas que moram na beira-mar vivem disso (do caranguejo e da ostra) , eunão sou pescador eu tô aqui porque não tem outra coisa pra eu fazer...O siri também é muitoconcorrido.” (pescador da comunidade da Ponta da Pita – Baía de Antonina)

A crise geral da pesca artesanal, relatada por diversos autores, como

ROUGELLE (1993) e ANDRIGUETTO FILHO (1999), tem levado à exploração dos

ambientes de manguezais, com intensidade crescente.

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Entretanto, indica-se um padrão heterogêneo de apropriação dos recursos

bênticos de manguezais entre as comunidades, que parecem estar condicionadas,

em uma primeira análise, às possibilidades tecnológicas de deslocamento dos

diferentes grupos extrativistas, principalmente para a coleta do caranguejo e de

ostras.

“Com canoa pequena não dá pra ir para o Guapicum, lá tem caranguejo grande, mas a gentenão vai, porque não tem canoa grande.” (pescador de Amparo – Estuário da Baía deParanaguá)

“Então o manguezal é muito grande e então a gente vai onde os caranguejos são maisgraúdos, lugar que é antigo, que nunca ninguém mexeu no manguezal. E eles (os pescadoreslocais) não se importa. O pessoal não acha ruim. Porque eles também vêm pra cá quando éépoca de outras pescaria, tem uma pescaria que é proibida, e tem uma época que é liberado,e então eles vêm. Eles aparecem aqui pela região. A gente conhece os pescador, fazamizade, e a gente não se importa com ninguém, pelo contrário, a gente ajuda, né?(pescador da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

“E por incrível que pareça, quem tira o caranguejo, lá pra aqueles lado (Guapicum), não énativo de lá, é o pessoal que mora na cidade e querem manter um padrão de vida. Precisamganhar porque o gasto deles é maior que o nosso. Então eles pegam um barco grande, vai 10lá pro lado de Guaraqueçaba, chega lá tira 50 dúzias cada um, vêm para cá e vendeescondido. Eles começam a fazer isso em setembro. Setembro, outubro, novembro edezembro, quando chega para andar cadê o caranguejo?” (pescador da comunidade dePiaçaguera – Estuário da Baía de Paranaguá)

“O pessoal do Almeida é que vive do caranguejo. Quando sai pra pegar, vai mulher, criança.70, 100 dúzias, em 3, 5 pessoas. Mas agora, numa lua inteira eu peguei 15 dúzias só, não dámais. Eles vêm aqui no nosso mangue lá do Medeiros/Maçarapuã. Pra eles sai baratinho,porque enquanto eles vêm pegar o caranguejo, eles trazem a mulher e ela pega a ostra, cortaa raiz e leva, aí compensa, né? Sai baratinho.” (pescador da comunidade do Guapicum – Ilhadas Peças)

Também, constata-se a necessidade de conhecimento específico sobre as

fisiografias dos bosques e as disponibilidades dos recursos. Como se verá adiante,

alguns condicionantes físicos e biológicos do ambiente explorado determinam

capacidades específicas de tecnologias de exploração. Além disso, as atividades

extrativistas desses recursos são organizadas a partir das relações familiares e de

compadrio e, algumas vezes, passam por controles de acesso em determinadas

regiões.

Algumas portarias, tanto estaduais quanto federais, tentam impor

periodicidades e ordenamentos para essas atividades. Entretanto, o grande impulso

para o extrativismo, obviamente, está relacionado às demandas do mercado

consumidor e se reflete nas estratégias temporais da pesca artesanal como um todo.

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Observou-se, então, que existem diferentes modos de usos e de acessos aos

recursos bênticos de manguezais (Ucides cordatus, Crassostrea rhizophora e

Mytella guyanensis) no complexo estuarino da Baía de Paranaguá, com impactos

diversificados sobre essas populações animais e seus bosques.

Para uma melhor compreensão dessas dinâmicas, apresentar-se-á as

relações de apropriação para cada recurso bêntico estudado.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DE Ucides cordatusEu gosto tanto de pegá o caranguejo!

Eu adoro quando chega a lua, no fim do ano! É uma festa pra mim, eu adoro!

Não preciso nem vender! Corre 3 ou 4 dias seguido.

(pescadora da comunidade de Piaçaguera)

O extrativismo de Ucides cordatus no complexo estuarino da Baía de

Paranaguá tem sido realizado por dois tipos de extrativismo:

(a) Extrativistas com práticas mais tradicionais, que coletam os caranguejos em

seus manguezais locais, principalmente de forma manual. Essa prática está

vinculada aos fenômenos da andada ou corrida, na lua do caranguejo, cuja

produção é nomeada como o caranguejo pegado. Esses mesmos grupos

extrativistas podem também utilizar instrumentos para a coleta na toca, entre

luas, o chamado caranguejo tirado. Os instrumentos utilizados para tanto são

de corte, como foice ou facão. Ao cortar as raízes das árvores do manguezal

os extrativistas desobstruem a passagem do braço para a coleta manual dentro

das tocas.

“Aqui, vira ano, todo ano. A gente vive do caranguejo na corrida, mas já faz 2 anos que nãodá nada. A gente vende agora, no verão. Vende para o comerciante local, pra Paranaguá,mas vendemos a R$ 2,00 a dúzia, na corrida. Não pegamos na toca.” (pescador dacomunidade do Guapicum – Ilha das Peças)

“Lá pra aqueles lados lá, Sebuí, Bertioga, Canudal, Tibicanga, Barbados, eles quase nãotrabalham com o caranguejo. No Tromomó eles trabalham. E no Guapicum e no Poruquaratambém, mas só quando corre. Naquela entre luas eles não vão, em toca eles não vão, sónas luas que andam”.(pescador da comunidade da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

(b) Extrativistas mais apetrechados, com embarcações motorizadas maiores, que se

deslocam para executar a atividade em manguezais distantes das suas vilas de

origem. Algumas vezes realizam essas atividades de extração durante as luas

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(de sizígia), na andada do caranguejo, fazendo coleta manual. Entretanto, na

maioria das vezes, realizam suas empreitadas entre luas, utilizando apetrechos

para a tirada ou arrancada. Os apetrechos mais utilizados por esses grupos

extrativistas que se deslocam são a foice ou cavadeira e, principalmente, os

lacinhos ou laços2 (chamados em outros Estados de chumacinho ou redinha).

Esse instrumento de captura é, segundo relatos dos pescadores, uma inovação

tecnológica relativamente recente nesta região (seu uso tem sido efetuado há

pouco mais de 5 anos) e consiste na utilização de um emaranhado de ráfia,

retirado de sacos de acondicionamento de grãos. Esses emaranhados

funcionam como armadilhas para os caranguejos, pois, ao serem colocados nas

saídas das tocas dos animais, prendem seus aparelhos locomotores.

“O sistema de laço tem alguns que trabalham, é um aparelho que não judia do mangue. Euainda trabalho com a foice. Faço um quadrado na raiz, na lama. O lacinho judia menos domangue. A gente coloca só na boca da toca os fiapinhos de fio, não estraga o buraco, e naoutra lua de andada vem outro caranguejo ali no buraco. É habitado por outro caranguejo.Tem que tira todos os laços, os que tem caranguejo e os que não tem. Outro caranguejoaproveita o buraco. Aproveita o laço, lava e usa de novo. Aqui por perto não tem laço. É só natoca, na época que não dá corrida. Os que tem caranguejo, a gente corta o caranguejo nomeio. Catando na toca tiramos (3 homens/dia, antes de ontem para ontem) 19 dúzias, é maisdemorado é mais difícil, só que agora o preço é melhor, já estamos vendendo a 5,00.”(pescador da comunidade da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

“Pra pegar na toca, o caranguejo vale a pena! Aqui, é forte. Dia 20/12 começou a safra docaranguejo pra nós, e até agora ninguém parou. A gente sai cedo pra pegar porque ficalonge, pra arrancar do buraco entre as luas, a gente vai pro lado do Canudal, pra lá, baía dosPinheiros, Guapicum pra frente. São mangue grande, ali o pessoal quase não trabalha. Émangue alto, firme, desembaraçado, a gente pega preço bom lá.” (pescador da Ilha Rasa)

As extrações usando foice ou lacinho geram alguns conflitos entre os diversos

grupos extrativistas da região, entre os pegadores e os tiradores. E também

provocam distintos impactos tanto para as populações de caranguejos quanto para o

ambiente em si.

A Figura 03 indica os usos praticados na extração do caranguejo, para o

complexo estuarino da Baía de Paranaguá.

2 O lacinho ou laço, originalmente era uma pequena armadilha confeccionada a partir de duas pequenas hastesde madeira, ligadas por um fio de algodão amarrado às suas extremidades. Esse instrumento de captura eracolocado às saídas das tocas dos animais, servindo de armadilha que prendia os aparelhos locomotores docaranguejo. Essa prática está quase extinta nesse complexo estuarino, e neste estudo houve referência ao seuuso apenas por alguns extrativistas da Baía de Antonina. Atualmente, o mesmo nome (lacinho) é dado a esse

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Figura 03: Usos do caranguejo-uçá, no complexo estuarino da Baía de Paranaguá.

É importante ressaltar que as atividades de extrativismo de caranguejos

contam com o ordenamento formal de captura, a partir de portarias federais

instituídas anualmente pelo Ibama – Cepsul3. Também para o estado do Paraná são

constituídas portarias mais restritivas, sob a responsabilidade do Instituto Ambiental

do Paraná (IAP). O período de captura no Paraná inicia-se em dezembro e estende-

se a fevereiro ou março de cada ano. Essa restrição de período de captura pretende

resguardar os animais no início de sua fase reprodutiva, em fins de novembro, e na

época de sua desova, que ocorre entre final de fevereiro e início de março.

O período da coleta na corrida, que é a atividade mais tradicional na região,

está condicionado à reprodução do caranguejo e ordenado pelas portarias

estaduais.

novo instrumento de captura, denominado redinha, em outros Estados, composto por ráfia sintética, comodescrito acima.3 Portaria nº 124, de 25/09/2002, que regula o extrativismo e a comercialização de Ucides cordatus, nos estadosdo Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. (Vide anexo).

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Baía dos Pinheiros

Baía de Guaraqueçaba

Enseada do

Benito

Enseada do

Itaquí

Com foiceNa corrida

Com “lacinho” Embraçamento

Uso do “cerco”

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“Ah, eu, já desde pequeno eu pego (caranguejo), mas eu só pego ele só andando, é só nacorrida. Tirar pra mim eu não gosto desse tipo de serviço. “– É muito pesado é? “– Não, não.Acostuma né. A turma do Almeida diz que é fácil, pra nós aqui é muito difícil demais tirar ocaranguejo, e outra, que prejudica o mangue. Se tudo nós se mete no mangue aí nãodeixamo nada né, aí derruba o manguezal, derruba tudo.” (pescador da comunidade doGuapicum – Ilha das Peças)

“Como o pessoal diz, pra mim que estou acostumada, muitos anos de caranguejo, semprefaço um lucrinho, um dinheirinho a mais, porque eu vou lá e pego. Por exemplo, esse ano,mesmo com essa safra, que andou muito em cima... (do Natal)No ano passado judiou muitode nós porque tava proibido, não vendemo nada, não entrou esse dinheiro.” (pescadora dacomunidade de Piaçaguera – Estuário da Baía de Paranaguá)

Entretanto, apesar desse tipo de extrativismo não utilizar qualquer

instrumento de captura, pode conferir um impacto importante nesse momento

especial, de reprodução da espécie.

Ainda existem incertezas a respeito do período correto de reprodução dos

animais, que pode oscilar interanualmente, e também variar entre populações

distribuídas ao longo do litoral brasileiro.

Ainda, o extrativismo que tem como foco os machos da espécie, maiores que

6 a 7 cm de largura de carapaça, pode estar afetando a proporção de machos e

fêmeas da população, provocando, possivelmente, um desequilíbrio na distribuição

por classe de tamanho.

Devido à importância que esse recurso apresenta na época de final de ano,

existe uma solicitação das comunidades para que a extração seja liberada cada ano

mais cedo. Em 2002, por exemplo, a liberação antecipou-se para a 2a semana de

dezembro, a fim de atender a demanda gerada na época de Natal, haja vista que a

produção extrativista que realiza a coleta na corrida depende das luas de sizígia.

Esse atendimento às solicitações dos extrativistas é lícito, mas esbarra em

incertezas científicas sobre os períodos reais de início de fase reprodutiva do animal.

As portarias que ordenam o extrativismo de U. cordatus para a região sul e

sudeste do país proíbem o uso de quaisquer instrumentos de captura, com exceção

a dois instrumentos, típicos de outros estados do Brasil (vide anexos). Entretanto,

apesar das proibições, a foice, e o lacinho são usados corriqueiramente no Paraná.

“Agora pra cá pro nosso lado, nesse manguezal aí, Deus do céu. Umas buraqueira muitogrande. A turma tira muito. Estraga muito o mangue. De um ano para o outro a gente vêdiferença de um para o outro, quando o mangue está bem estragado, vem menos caranguejo.

Ano passado na corrida dele aí, correu bastante caranguejo. A turma pegava aí caranguejo àvontade. Esse ano não. Esse ano numa lua só e pronto e já parou, e não vai ter maiscaranguejo, de andar não, né... Agora a turma, que eles costumam tirar o caranguejo, pega

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com aquele lacinho, que eles inventaram aí, pra eles o caranguejo é o ano inteiro, pra elesnão falta; e é uma coisa que prejudica muito o mangue. Estraga muito o mangue. ...Nós jáfalamo, a gente fala, fala pra essa turma aí (pessoal do Ibama e da florestal) mas não adiantané.” (pescador da comunidade do Guapicum – Ilha das Peças)

Quanto aos impactos relacionados à captura por foice, sua prática altera de

maneira importante a estrutura do solo dos manguezais. Os grandes buracos

deixados na base das raízes dos manguezais são de difícil recuperação natural. Isso

tem afetado tanto as populações de caranguejos quanto os bosques propriamente

ditos, podendo causar a morte das árvores.

“Tirar o caranguejo depreda, e as armadilhas que estão fazendo agora depredam mais ainda,entende. Eu só não tiro caranguejo porque não posso, fui tirar uma vez e quase me matei. Émuito difícil, muito trabalhoso. Quando você vai tirar o caranguejo, você faz um buraco de 20por 20 com uma cortadeira, para você enfiar o braço, e o braço vai até aqui... Só que quandocorta, corta a raiz do mangue e se o mangue secar, secou o mangue acabou o caranguejo.Então isso é uma coisa predatória, segundo a palavra que vocês usam. Chega a secar omanguezal, acaba porque veja bem, o habitat, o meio ambiente, como vocês chamam, aíaquilo vira um campo minado né, cheio de buraco.” (pescador da comunidade de Piaçaguera– Estuário da Baía de Paranaguá)

Essa prática tem conferido uma periculosidade adicional ao extrativismo,

sendo muito freqüente a ocorrência de fraturas, principalmente naqueles que

praticam a coleta na corrida.

“O pessoal do Almeida chega a ir lá pro Ariri. E se a gente falar alguma coisa eles vão acharruim então o pessoal não fala nada... Mas pro mangue voltar ao normal (depois deesburacado), é de um ano pra frente . Ali tem um rio que chama Rio Fundo , eu fui ali nãodava pra andar, tudo surucado, era só buraco.” (pescador da comunidade do Barbados)

“E eles tão de laço aqui dentro. Cavadeira também! ...Eu quase quebrei minha perna duasvezes . O laço até que é ruim e não é, porque o laço você não destrói o mangue, você armouo lacinho na boca, o caranguejo saiu, pegou. Agora de cavar eles abrem um puta buraco...Tem mangue com 5 anos e não volta mais. É aquele buraco que é destruído não temmais,(caranguejo)... no laço não, miúdo e fêmea engatou no laço, passa faca, soltou (...) Deburaco faz mais de cinco anos que a gente dos Valadares (vem fazendo).” (pescador dacomunidade do Canudal)

Já, a prática extrativista por laço, apesar de não ocasionar o impacto sobre o

substrato dos bosques, tem apresentado um rendimento de captura superior às

outras práticas descritas, o que indica uma maior pressão sobre o recurso.

“E desse jeito que a turma fazem aí... Com o laço é um troço que tira mesmo. O pessoal tiratudo. É mais rápido é mais fácil, quanto mais colocar mais pega, né? Tira bastante, chega umtempo que ele é pouco, chega um tempo que ele vai diminuindo, diminuindo. Só que anatureza que Deus deixou não tem como se acabe, né? Acaba, não se acaba, né? Mas sóque ele fica todo destronado, né? Fica os grosso, não tem como fica os miúdos. A populaçãotá cada vez mais crescendo, né? Quando chegar a época dessa criançada, acho que elesnão vão nem vê o caranguejo.” (pescador da comunidade do Almeida – Ilha Rasa)

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Também o desleixo de muitos extrativistas que abandonam as armadilhas nos

manguezais tem estendido seu impacto para as fêmeas e juvenis, que, até então,

têm sido, aparentemente, poupados pelas práticas da coleta na corrida e por foice.

É importante relatar que muitos extrativistas alegam reconhecer as tocas de

machos e fêmeas, pelas marcas típicas dos “pêlos” dos aparelhos locomotores dos

machos, deixadas pela atividade de cavação. Esse saber, por sua vez, é empregado

na escolha das tocas dos machos na extração do caranguejo tirado.“Você só põe o laço no buraco grande. Mas às vezes engata umas fêmeas aí, né? Como aliengatou aquela fêmea. Ali engatô, mas só que a gente tira a fêmea pra não... morrê.Ensacados esses caranguejos agüenta uma semana. Tá R$ 5,00 a dúzia...” (pescador dacomunidade do Medeiros de Baixo – Enseada do Medeiros)

Relatos indiretos denunciam coletas e vendas clandestinas, em períodos de

defeso do caranguejo na prática do caranguejo tirado. E, ainda, a comercialização

de carne processada, com venda só das garras, ou da carne congelada, direto para

restaurantes de grandes centros urbanos.

OS ACESSOS E OS CONTROLES DE ACESSOS NA EXTRAÇÃO DEUcides cordatus

Os grupos extrativistas que se deslocam a grandes distâncias para coletar o

caranguejo provêm principalmente das comunidades da Ilha do Valadares, da Vila

Guarani e do Maciel, sul do complexo estuarino, e da região norte, das comunidades

do Medeiros de Baixo e da Ilha Rasa (comunidades do Almeida e da Ponta da

Mariana). “Nesses mangues tudo tem, mas compensa ir até Guaraqueçaba, porque aí vai mais gente,leva 10 pegador. O ano passado foram aí umas 5 pessoas e pegaram umas 100 dúzias.(pescador da comunidade do Maciel)

“Tem outras atividades aqui, mas nós agüentamos esperar o caranguejo andar. Podemospegar camarão, pescadinha, parati, pegar pescada, o que tiver né, nós temos muitasalternativas aqui, mas o pessoal lá (prá lá do Guapicum) não tem. E por incrível que pareça,quem tira o caranguejo, lá prá aqueles lado, não é nativo de lá, é o pessoal que mora nacidade e querem manter um padrão de vida. Precisam ganhar porque o gasto deles é maiorque o nosso. Então eles pegam um barco grande, vai 10 lá pro lado de Guaraqueçaba, chegalá tira 50 dúzias cada um, vem para cá e vende escondido. Eles começam a fazer isso emsetembro. Setembro, outubro, novembro e dezembro, quando chega para andar cadê ocaranguejo?” (pescador da comunidade de Piaçaguera – Estuário da Baía de Paranaguá)

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Também foram apontados grupos coletores oriundos de outros Estados4

explorando principalmente os manguezais na região norte da Baía dos Pinheiros.

“... Vem o pessoal do Rio, da Bahia que mexem com caranguejo, foram eles que trouxeram olaço pra cá. E eles tão batendo há um ano e meio...” (pescador da comunidade do Barbados– Ilha dos Pinheiros)

As rotas de deslocamento na extração dos caranguejos pelos grupos

extrativistas que vão a grandes distâncias têm ocorrido principalmente na direção da

Baía das Laranjeiras e da Baía dos Pinheiros, região citada como mangues pra lá do

Guapicum (Figura 04).

Figura 04: Rotas de deslocamento de grupos extrativistas para a coleta de Ucidescordatus, no complexo estuarino da Baía de Paranaguá. As regiões demarcadas comcírculos verdes indicam as grandes áreas de apropriação. Aquelas marcadas com círculo vermelho,indicam áreas com determinadas regulações de acesso.

“Na vila aqui é só pescador, mora tudo na beira. Tem bastante catador aqui (de caranguejo).O pessoal, na época do caranguejo, vão lá pro Guapicum... Na Ilha da Cotinga, eles nãovão. É Guapicum, eles vão buscar o caranguejo, contratados. Ficam três dias acampados láprá cima pra tirar o caranguejo.” (pescador da comunidade de Vila Guarani – Estuário daBaía de Paranaguá)

4 principalmente de São Paulo, havendo relatos de grupos oriundos do Rio de Janeiro e até da Bahia(?).

Ilhas maritimas

Gambôas

Deltas de Rio

Baí as Abertas

Bacias

Ilhas de Confluência

Escala: 1:250.000Adaptado de MARTIN (1992)

N

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A chegada de grupos extrativistas de outras vilas aos mangues do Guapicum

ocorreu após a regulação de acesso que os comunitários da Ponta das Peças

passaram a exercer em seus manguezais. Isso demonstra um deslocamento

gradativo dos grupos tiradores à região norte da Baía das Laranjeiras e Baía dos

Pinheiros, o que tem ocorrido há, pelo menos, 7 a 8 anos, segundo o relatado de

diversos pescadores. “Antes, o pessoal vinha para os mangues do rio da Ilha das Peças, mas depois que o pessoal(da vila) reclamou, eles passaram a entrar nos bosques (às imediações) do Guapicum etambém Baía dos Pinheiros adentro. O pessoal do Almeida coleta até no Ariri.” (pescador doGuapicum)

“A gente vive do caranguejo na corrida, mas já faz 2 anos que não dá nada. A gente vendeagora, no verão. Vende para o comerciante local, pra Paranaguá, mas vendemos a R$ 2,00 adúzia, na corrida. Não pegamos na toca. E esse outro pessoal (da Ilha Rasa) pega no laço ena foice/cortadeira, “tirado”. Aqui tem maior (tamanho de caranguejo) porque ninguém batia,era sossegado para pegar na andada o caranguejo. Agora tá todo mundo (vindo) no laço e táacabando (aqui).” (pescador do Guapicum)

O extrativismo dos grupos que se deslocam para além de seus manguezais

locais, usando lacinho ou foice, tem sido foco de desagrado geral das comunidades

que extraem o recurso em seus manguezais locais, utilizando principalmente a

prática da coleta na corrida. Entretanto, são raros e localizados os controles de

acesso aos manguezais realizados pelas comunidades.

“O lugar melhor de pegar caranguejo era aqui. Agora é o pior lugar que tem. Tá ficando difícilpor causa desse lacinho. Se não tomá providência daqui a 2 anos ninguém vai ter mais, nemmiúdo vai ter mais. O laço pega fêmea, é macho, pega do miudinho, pega 3, 4 caranguejosem um laço. Ele passa ali e arrasta. Tem um monte desse fiozinho. É fiozinho de saco, edeixa no mangue. A gente vai no mangue catá o caranguejo e encontra laço com 3, 4 fêmea,tudo, morto aí. O mangue que dava mais caranguejo era esse aqui, agora eu fui, peguei 15dúzias de caranguejo, no máximo. O mangue que dava mais caranguejo era esse aqui. Podechegar nesse mangue aqui. Tem todo dia esse pessoal catando caranguejo aqui, tudo nolaço. É o pessoal do Almeida que tá todo o dia aqui, Vila Guarani, Valadares, vão ali nomangue seco, ali, vão direto. “– E desde quando vem (acontecendo) isso?” Aqui, vira ano,todo ano.” (pescador da comunidade do Guapicum – Ilha das Peças)

No controle efetuado pela comunidade da Vila das Peças aos seus

manguezais locais, parece haver uma concessão de uso apenas para determinadas

comunidades, a exemplo da comunidade do Poruquara, que tem recebido permissão

para extrair ostras juvenis e adultas dos bosques do rio das Peças. Já o acesso de

comunidades como a do Valadares e do Almeida tem recebido restrições de uso,

tanto para a coleta de ostras e caranguejo quanto de outros recursos pesqueiros.

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Ao se questionar os critérios de concessão de uso para esses grupos

coletores, os entrevistados justificaram que as práticas de extrativismo dos grupos

aos quais são concedidos os acessos eram menos predatórias (extração por

faquinha, para a ostra, por exemplo) que daqueles outros grupos, como Valadares,

Medeiros de Baixo e Almeida. Esses últimos costumam usar a foice ou o laço para a

extração do caranguejo e arrancar a raiz da Canapuva (Rhizophora mangle) para a

extração de ostras.

Também outro controle de acesso ocorre na Enseada do Medeiros. Os

manguezais dessa região têm sido utilizados apenas pelas comunidades do interior

da Enseada, ou seja, Medeiros de Baixo, Medeiros de Cima e Vila São Miguel.

Todavia, existem relatos de deslocamento do grupo de Medeiros de Baixo para a

extração de ostras e caranguejos em outros manguezais distantes de sua vila de

origem.“O pessoal do Medeiros cuida... Não deixa entrar no mangue... Não deixa entrar não. A turmatenta, mas o pessoal vai lá conversar e não deixa. Senão acaba com tudo. Ali dá, dá pra verquem entra de fora.” (pescador do Medeiros de Baixo)

Os manguezais que têm tido controle de acesso (Enseada do Medeiros e

Rios das Peças) são justamente aqueles posicionados geograficamente próximos às

comunidades pesqueiras, as quais têm visibilidade para a entrada dos barcos em

sua região. Tanto para o rio das Peças quanto para a Enseada do Medeiros existe

uma entrada relativamente estreita e a comunidade situa-se próximo a esta.

Também, nessas comunidades parece haver alguma organização social e

identidade de grupo que tem conferido processos decisórios quanto às

determinações de acesso.

Fora dessas duas regiões que demonstram controle de acesso, as demais

são apropriadas sem que haja qualquer tipo de restrição evidente.

Na Baía de Antonina, o extrativismo de manguezais é predominantemente

local. Entretanto, são conhecidas as excursões de extrativistas que vão, contratados

por um empresário local, para coletar caranguejos em manguezais distantes daquela

região. Esses extrativistas aparecem com alguma freqüência nos manguezais de

Amparo, Guapicum, Baía dos Pinheiros, indo também para manguezais no estado

de Santa Catarina.

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Entretanto, a maioria dos pescadores artesanais de Antonina não se desloca

para fora de sua baía, nem mesmo nas imediações do Estuário da Baía de

Paranaguá.

Não foi relatada a presença de outros pescadores de fora utilizando os

bosques da Baía de Antonina. Nessa região, os locais mais utilizados são aqueles

às margens dos rios Faisqueira e Quatinga (formação do tipo de deltas de rios,

segundo MARTIN, 1992). Também os bosques próximos à Ilha do Teixeira são

freqüentados, tanto para a coleta de ostras quanto de caranguejos. As práticas de

extração relatadas foram a coleta na corrida, na foice e no lacinho. Nessa região, o

lacinho ainda é aquele instrumento mais tradicional, com as duas varetas amarradas

por um fio de algodão.

A produção de caranguejos nessa região tem ligação direta com o mercado

consumidor de Curitiba e também de Santa Catarina, com demandas dos

restaurantes desses centros urbanos.

As atividades extrativistas nos manguezais que estão restritas à Baía de

Antonina parecem estar condicionadas tanto pelos poucos recursos de navegação

quanto por fenômenos climáticos típicos do verão, como os ventos da tarde,

relatados principalmente como ocorrentes nas proximidades da Ilha do Teixeira.

“Lá no Faisqueira vai o pessoal do Portinho e Batel. E o mangue melhor é o Faisqueira.Também é que pra cá não é muito perigoso, no Teixeira é por causa do vento.” (pescador dacomunidade da Ponta da Pita)

Pode-se distinguir, então, duas grandes áreas de acesso sem restrição

comunal à exploração no complexo estuarino como um todo:

A primeira é a Baía de Antonina, explorada pelas próprias comunidades

locais, principalmente nos manguezais de formação de deltas de rio (Faisqueira,

Quatinga e Nhundiaquara), a maioria das comunidades pratica deslocamentos

eqüidistantes no extrativismo dos bosques, haja vista que muitas delas se

encontram próximas do centro urbano de Antonina.

A outra grande área de exploração do recurso diz respeito a toda a área

restante do complexo estuarino da Baía de Paranaguá, com focos específicos de

uso, quais sejam: (a) às imediações de Amparo, Eufrasina e Europinha, cujo uso

ocorre tanto pelas comunidades locais e também das vilas urbanas de Valadares e

de Vila Guarani, em bosques de formação regional em baías abertas; e (b) às

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imediações do Guapicum, cujas formações dos bosques são do tipo de ilhas de

confluência e baías abertas, assim como toda a área ao norte da Baía dos Pinheiros,

com formações regionais de bosques de manguezais do tipo baías abertas, com

pequenas áreas de formação em bacias (regiões de Poruquara e Sebuí).

Os grandes deslocamentos de grupos extrativistas para a região norte (Baía

dos Pinheiros e Laranjeiras) estão relacionados à possibilidade de coletar animais

maiores, devido à sua redução de tamanho em regiões próximas ao centro urbano

de Paranaguá e possivelmente também pela facilidade de acesso das fisiografias

dos mangues pra lá do Guapicum.

Ao recorrer aos estudos de MARTIN (1992), identifica-se uma similaridade

entre as regiões de Amparo e da Baía dos Pinheiros (proximidades do Guapicum),

com manguezais com formação em baías abertas. Esses bosques são denominados

de Forêt (Florestas) e Haut fourrés (bosques altos), com mais de 5 m de altura de

dossel, e são identificados pelos pescadores como bosques altos, desembaraçados,

bons de correr.

Essa condição de acesso possivelmente favorece a maior intensidade de

extrativismo nas baías ao norte do complexo estuarino. Contudo, mesmo em baías

abertas, as condições do ambiente deposicional na formação de baixios impõem a

necessidade de conhecimentos sobre o acesso aos manguezais, que apenas

moradores locais possuem. A navegação em baixios demanda conhecer as

marcações dos pescadores para identificar os canais de acesso. Nos deltas de rios,

ou enseadas estreitas, além dessas marcações, há que se reconhecer a localização

de afloramentos rochosos, e as condições específicas de acesso para cada trecho

do rio, de acordo com o ritmo das marés e as fases lunares específicas. Em

determinadas porções dos rios, não é possível passar com embarcações que não

sejam a remo. Essas condições ambientais podem impor alguns limites na entrada

de extrativistas que vão aos bosques distantes de suas vilas.

As explicações sobre as diferenças de tamanho do animal, comparando as

duas grandes regiões, Estuário da Baía de Paranaguá e adjacências e Baía dos

Pinheiros, relacionam-se, principalmente, com a intensidade extrativista.

“(O caranguejo) diminuiu bastante porque a senhora vê, antigamente não se tiravacaranguejo, hoje em dia eles vão com machado, com enxada, com foice, só tirado, passa otempo eles vão tirando... Eles tiram quando é proibido depois não tem mais nada, quandochega a andar um pouquinho é só os filhotinhos, nem caranguejo que preste, grande, nãotem graúdo. O caranguejo era graúdo antigamente aqui, mas acabô tudo, e lá tem fiscar, nãodeixam tirar o caranguejo de jeito nenhum. A gente pegava só macho graúdo, hoje é tudo

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parelho. Hoje esses mangues tá tudo mexido, eles esculhambam com o mangue...Antigamente ninguém se metia no mangue pra tirar caranguejo. O caranguejo lá (Guapicum)é maior porque eles cuidam mais um pouco.”

Entretanto, alguns comunitários levantam outras hipóteses a esse respeito.

“Caranguejo ali na região de Guaraqueçaba é maior que o nosso. Pois é. Sempre foi assim,porque lá para cima é mais fechado, eu acho que é isso, né. É mais fechado, é mais rio. Aquinão. É mais poluição, sempre foi assim. Lá é maior.” (pescador da comunidade dePiaçaguera – Estuário da Baía de Paranaguá)

Não existem estudos sistemáticos sobre o decréscimo do tamanho de captura

do animal na região. Entretanto, segundo os comerciantes do Mercadinho das

Ostras, em Paranaguá, o mercado exige caranguejos maiores que 7 cm.

“Caranguejo pequeno não tem nem preço. Caranguejo pequeno vai pra família, mesmo.”

É fácil perceber que o lento crescimento da espécie não é compatível com a

intensidade da atividade extrativista. Isso já se evidencia nas regiões mais próximas

dos núcleos urbanos e naquelas onde a atividade é mais intensa (haja vista relatos

semelhantes para os manguezais nas proximidades da Ilha Rasa).

O comportamento compensatório para essa redução de tamanho do animal é

o aumento do esforço de captura, seja ele vinculado ao deslocamento dos grupos

humanos às maiores distâncias, seja no tempo gasto na coleta propriamente dita.

Entretanto, esse esforço está, ao mesmo tempo, minimizado pelas inovações

tecnológicas de captura, como no caso do lacinho ou redinha.

OS FLUXOS ECONÔMICOS DO RECURSO – Ucides cordatus

A principal época de extrativismo de Ucides cordatus no complexo estuarino

da Baía de Paranaguá é o verão, com maior intensidade no período do Natal e Ano

Novo. Entretanto, há relatos indiretos de extração clandestina, meses antes da

liberação do defeso no estado do Paraná.

Seu fluxo econômico está internamente ligado às técnicas empregadas na

coleta, nas formas de armazenamento e transporte da produção, bem como no

comportamento reprodutivo do animal. O valor dessa produção varia com as fases

lunares.

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“Um mês antes o pessoal já está tirando, tá vendendo a R$ 10,00 a dúzia; quando o Ibamachega a liberar, tá R$ 1,00 a dúzia, então, quer dizer, o pessoal quer ganhar um pouquinho amais, né. O preço cai muito rápido, né? Cai muito rápido, porque quando corre, corre demaise tirado não é qualquer um que tire.” (pescador da comunidade de Piaçaguera)

“A corrida acontece três dias da lua, mais ou menos. Um dia antes, o dia da lua, e um diadepois e o preço regula mais ou menos com isso.No dia da lua, começa cair o preço. (...) Depois que passa a lua, compensa tirar da toca. Eumesmo já comi caranguejo duas vezes. A gente apela mais para o peixe. O caranguejo émais pra vender.” (pescador da comunidade da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

Apesar de não haver estimativas de produção para a região, nem mesmo

sobre o contingente total dos extrativistas que se dedicam à atividade, a grande

oferta de caranguejos nos mercados na época de lua demonstra um expressivo

número de pessoas se sustentam da produção do caranguejo pegado.

“A corrida acontece três dias da lua, mais ou menos. Um dia antes, o dia da lua, e um diadepois, e o preço regula mais ou menos com isso. No dia da lua começa cair o preço (...)Depois que passa a lua, compensa tirar da toca.”

“Um dia de trabalho/na corrida por homem, se corre bem, bastante, mesmo que escolha,pega quase 100 dúzias por dia, o dia inteiro das 8h00 até as 4h00, não é um trabalho duro, émeio cansativo, mas compensa, quando ele corre que o cara pega também né. Nós aqui nãousamos pegar na toca. Só compensa, quando o cara sabe tirar bem, né? E compensa porqueno mercado o preço ta melhor quando o caranguejo não corre.” (pescador da comunidade doMaciel)

“Quando sai pra pegar caranguejo, na corrida, as pessoas vão pegar e o preço cai paraR$ 2,00 e a gente tem pena das pessoas e a gente segura, só compra deles, põe nocerco. Eles são da família também e se a gente pode, por um ou dois reais, a gente segura. Agente vende para Paranaguá, e de lá vai para Curitiba também, ou a gente de Curitiba ou deoutra cidade que desce e pergunta: “Quem tem caranguejo? E a gente vende aqui emPontal.” (pescador da comunidade do Maciel)

Assim, existem diferentes cotações para o caranguejo pegado (preço na lua)

e para o caranguejo tirado (preço entre luas). Como alternativa de regulação do

preço do produto, alguns extrativistas usam o cerco, um cativeiro que mantém os

animais vivos até o final da lua de sizígia. Esses caranguejos de cativeiro são

vendidos nas entre luas, quando o preço aumenta outra vez. “Sete a oito anos que a gente faz o cerco, um foi falando pro outro, e o comércio se ajeita e agente arruma um troco melhor. O bambu é bom pra esse serviço, porque ele escorrega, nãosobe.” (pescador da comunidade do Maciel)

“(Aqui) caranguejo só na corrida. Nem no laço. No Medeiros de Cima não faz laço. Só nacorrida... Pegamo a R$ 5,00 lá. Vendemo em Paranaguá. Pegamo na corrida e guardamo nocerco. O cerco (já) fazemo há cinco anos. E guenta tempo, um mês. É, aprendemo que temque ser de bambu, pra caranguejo não subir.” (pescador de comunidade de Medeirinhos(Medeiros de Cima – Baía das Laranjeiras, Enseada do Medeiros)

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Entretanto, o uso do cerco não é para todas as regiões desse complexo

estuarino. Identificou-se seu uso restrito principalmente à Zona Nerítica da Baía de

Paranaguá e na Enseada do Medeiros.

Segundo relatos, o uso do cerco está condicionado à proximidade da casa do

proprietário, já que são comuns os furtos dos animais. Também está condicionado à

sobrevivência dos animais, sendo relatadas mortalidades de caranguejos nas

regiões mais oligohalinas do estuário. Extrativistas da comunidade do Medeiros de

Baixo relataram que animais coletados em lugares distantes da Enseada eram

ensacados, por não apresentar boa resistência ao cerco. Já os animais coletados na

própria Enseada do Medeiros apresentavam boa resistência ao cerco.

Possivelmente, apesar de o U. cordatus ser excelente osmorregulador dos

fluidos extracelulares, o cerco o expõe não só ao estresse osmótico, mas também

ao térmico, já que os animais nessas condições não se valem de suas tocas para

refúgio à exposição das altas temperaturas no verão. Também o estresse de

competição por espaço pode agravar sua condição de sobrevivência.

Os extrativistas reconhecem essas condições ambientais do cerco e utilizam

alguns saberes sobre as condições proporcionadas pelo cativeiro e pelo transporte

de acordo com o ambiente de origem do animal.“Ainda que tenha caranguejo em cerco, o tirado da toca é mais esperto e dura mais, ocaranguejo do cerco é mais avermelhado. O outro é só abrir o saco para ver, ele é maissaudável.” (pescador da comunidade da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

“O caranguejo, pega e leva direto. Não coloca no cerco, porque ele emagrece, mata muito porcausa do calor.... (pescador da comunidade da Ponta da Mariana – Ilha Rasa)

“E o caranguejo no cerco de 300 a 400 caranguejos. Pode morrer 10 dúzias, 15 dúzias,quando a maré ta baixando morre menos.” (pescador e comerciante de pescado dacomunidade do Maciel)

A maneira mais comum de acondicionar os animais para transporte e

comercialização é ensacá-los. A reclusão nos sacos evita o comportamento de

ventilação dos animais e possivelmente a excessiva dessecação, retardando sua

morte. Também outra forma, mais tradicional, é a venda em cachos ou amarrado,

com os animais presos pelas patas a uma corda central. Essa prática é, atualmente,

menos comum, mas ainda pode ser observada ao longo das estradas e vias de

acesso público durante o verão.

O extrativismo mais tradicional é realizado principalmente entre familiares ou

com parceiros de pesca. Em muitas ocasiões, é feito apenas por encomenda, o que

confere maior segurança na vazão da produção.

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“Um dia de trabalho até as 6:00, tiro 20 dúzias lá no Riozinho e Buqüera. A gente mesmo ficavendendo ali no Rocio, eu vou vender e o pequeno (o filho), pra vender, na andada. Às vezeseu saio com os caras (outros companheiros), cada um tira para si na arrancada, porque ésofrido... E quando corre, pega tudo junto, e vende em quantidade (tudo junto)... Agora é opreço de arrancada... Agora é a última lua que ele vai andar. Acho que hoje é o último dia nomangue. O Caranguejo vende mais é no mercado.” (pescador da comunidade de Amparo)

Já as atividades extrativistas que são realizadas a grandes distâncias ocorrem

em caravanas maiores, e os extrativistas, muitas vezes, ficam acampados nos

manguezais. A partilha dessa produção pode ocorrer de acordo com a produtividade

individual ou então de acordo com valor estipulado antecipadamente,

independentemente de sua produção individual.

“A maioria das vezes eu compro de quem coletou. Aqui no Maciel, a gente dá barco, e vai saircoletar, pega, leva, e depois cada um pega o seu, “aquele que pega mais chora menos”. Vaipegando e vai catando. Se o cara duvidar, aí a gente vê, vai ficar zerado. A gasolina fica porconta, a despesa é mínima. Compensa ir com um grupo grande, porque 10 pessoas cada umpegando 10 dúzias são 100 dúzias e a gente vende junto em Paranaguá, e negocia o preço.”(pescador e comerciante de pescado da comunidade do Maciel)

Da mesma maneira que ocorre com a comercialização do pescado, a venda

do caranguejo é realizada freqüentemente para o comerciante local, que envia o

produto para os mercados urbanos, como os de Paranaguá, Antonina, Pontal do

Paraná, Guaratuba e Curitiba.

“E a gente vende tudo junto e aí divide o dinheiro tudo igual entre 2, 3, de igual pra igual.Vende tudo junto porque daí no vendê a pessoa que compra da gente já compra dequantidade. E vendemos pro negociante aí e ele leva pra lá. Tem bastante negociante (aqui).”(pescador da comunidade do Almeida/Ilha Rasa)

“O caranguejo eu vendo lá na Vila Guarani. Pego a 5,00 e eles entregam a 8,00. Pego comcortadeira, arrancado é mais difícil. O preço antes da corrida tá melhor na Vila Guarani do queno mercado. O pessoal ganha 3,00 só pra repassar. A gente sofre, e o mercador vive melhor.O melhor mesmo é a gente ficar vendendo, né? Vai meu filho, às vezes com a mulher (prapegar). Um dia de trabalho até as 6h00, tiro 20 dúzias lá no Riozinho e Buqüera.” (pescadorda comunidade de Amparo – Estuário da Baía de Paranaguá)

O Mercadinho de Ostras de Paranaguá centraliza a comercialização e é

chamado de “morredor do caranguejo”, ou seja, o local de vazão para a mercadoria

encalhada de outros comerciantes das comunidades.

“Se o preço tá ruim a gente segura, se nós segura o preço melhora. Não compremo sem ir nomercado primeiro, às vezes eu compro até lá. Lá é o morredor, como diz a turma, o mercado.A mercadoria empacada negocia lá. Se o camarada tá com a corda no pescoço, vende lá.”(pescador e comerciante de pescado da comunidade do Maciel)

Para uma visão geral da comercialização dessa produção, vide Figura 05.

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Figura 05: Comercialização do caranguejo-uçá no complexo estuarino da Baía deParanaguá.

Alguns grupos extrativistas, no entanto, podem comercializar a produção para

locais mais distantes, desde Guaratuba e Curitiba, até São Paulo, Santa Catarina e

Rio de Janeiro.“Porque uma coisa que tem errada! Que devia ser proibido! É gente vim de lá do Rio, vamossupor. Porque cada pessoa tem seu lugar pra sobreviver! Que nem aqui é da gente, né? Vemo pessoal que é do Rio, né . Do Rio de Janeiro! Eles levam o caranguejo pra lá, aqui elespagam a 4, lá eles vendem a 15, 18... ( e aí eles) compram. Mas a gente já vende porque senão vender pra ele, não vende pra outro. Mas é errado eles estarem prejudicando aqui... Oque os nossos filhos vão comer daqui 5 anos?...” (pescador da comunidade de Canudal)

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Baía dos PinheirosBaía de

GuaraqueçabaEnseada

do Benito

Enseada do

Itaquí

Curitiba - Restaurantes e Comérc ios de pescado

Paranaguá -Mercado Municipal e Vii la Guaraní

Guaratuba

Santa Catarina

São Paulo

P

C

Sc

RJSP

S

Rio de Janeir oI Ilha das Peças, Ilha do Mel, I de Superaguí

T Venda local – para turistasPontal do Sul

G

A Antonina

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P, SP,I, TP,C,G T,I

P,S,I,T

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P,C

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SABERES COMUNAIS SOBRE OS MANGUEZAIS DO COMPLEXOESTUARINO E SOBRE Ucides cordatus

Nas dinâmicas de apropriação de vários grupos extrativistas do complexo

estuarino da Baía de Paranaguá, observaram-se alguns saberes relacionados aos

processos de extrativismo.

Aplicando-se a abordagem de BERKES (1999) sobre as quatro dimensões dos

saberes locais, observou-se que os diferentes níveis desses saberes apresentam-se

interligados em suas dinâmicas. Entretanto, no presente estudo, essas interligações

se evidenciam mais claramente nos primeiros dois níveis de saberes comunais.

Observaram-se alguns conhecimentos sobre fenômenos ambientais e

biológicos que envolvem os processos de apropriação comunal, aos quais BERKES

(op. cit.) denomina de 1o nível de saber local.

Alguns conhecimentos sobre práticas, técnicas e ferramentas espácio-

temporais empregadas no extrativismo do caranguejo também se apresentam

profundamente articuladas ao conhecimento comunal. Essas dinâmicas de

apropriação incorporam as heterogeneidades das fisiografias locais e os fenômenos

biológicos do caranguejo e dizem respeito àquilo que BERKES (1999) denomina de

2o nível de saber local.

Das diversas articulações entre conhecimentos e dinâmicas de apropriação,

identificou-se:

Primeiro que há a necessidade direta de um saber sobre a distribuição do

caranguejo nos distintos bosques de manguezais, conforme as condições de

substrato e dos aspectos da fisiografia local dos bosques.

“Tem mangue que é só caranguejo graúdo. Tem mangue que é “criame”, ele choca ali, tem sófilhotes. Regula com a altura e com a dureza do mangue. Mangue que tem só filhotes a gentenem vai. O caranguejo miúdo ninguém nem qué nem pra comer. No mangue mais mole tem dogrosso. No mangue mais areado tem os filhotes.” (pescador da comunidade da Ponta daMariana/Ilha Rasa)

Nesse sentido, os pescadores artesanais desse complexo estuarino

reconhecem as três espécies de árvores que compõem bosques de manguezais da

região (Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa e Avicenia schaueriana), além

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do que, atribuem denominações locais que identificam a marcante heterogeneidade

estrutural espacial desses ecossistemas.

Assim, Rhizophora mangle é conhecida no local como Canapuva, ou

Canapuba, cujo bosque em que ocorre com dominância é denominado Canapuval,

ou “Bolas de Canapuva”. Possui um pigmento vermelho (tanino) que é empregado

na impermeabilização de redes de pesca na região.

Laguncularia racemosa é conhecida localmente como Mangue Manso, e a

mesma denominação é dada para o bosque em que esta ocorre com dominância.

Os extrativistas se referem aos determinados tipos de bosque com predomínio de L.

racemosa de duas maneiras. Existem aqueles “mangues mansos, mas altos”, e

também os bosques conhecidos como “mangues baixos, embaraçados, difíceis de

andar”.

“Eu fazia que o caranguejo grosso era do mangue espaçoso, mas tem mangue baixo, manso,que tem caranguejo grosso.” (pescador do Maciel)

A denominação bosques baixos ou mansos faz referência, muitas vezes, a

bosques denominados de anões, por LANA (1998), e indicam, freqüentemente,

formações monoestratificadas, que compõem nichos identificados por MARTIN

(1992); LANA (1998) e BROGIM (2001), e ocorrem principalmente nas regiões

eurihalinas de alta energia da Baía de Paranaguá.

Avicenia schaueriana, por sua vez, é conhecida localmente como Mangue

Preto ou Siriúva, e os bosques com predominância dessa espécie são denominados

pelos extrativistas locais como Siriuvais.

Assim como os bosques com dominâncias específicas recebem suas

denominações locais, os bosques pluriespecíficos, com co-dominância das três

espécies nas áreas mais internas da baía (MARTIN, 1992; LANA, 1998, BROGIM,

2001) e com variadas estruturas fisiográficas, também são reconhecidos pelos

pescadores artesanais, que os denominam, genericamente, como “bosques

misturados”. Esses bosques, quando apresentam dosséis altos, e, muitas vezes,

substratos mais consistentes, são denominados de:“Mangues fáceis, espaçosos...” A turma gosta de mangue alto, espaçoso, alto, firme,

desembaraçado!”... “bons de correr e de tirar”.

Também a associação dos manguezais com distintos ambientes

geomorfológicos nesse complexo estuarino (bacias, deltas de rios, ilhas de

confluência, baías abertas, ilhas marítimas e gamboas) estão incorporados no

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conhecimento dos pescadores artesanais e parecem condicionar os processos de

apropriação dos recursos de manguezais.

Apesar de haver necessidade de um estudo posterior mais pormenorizado para

cada região desse complexo estuarino, pôde-se perceber o seguinte:

Os bosques em deltas de rios demonstram ter uso mais localizado, e seu

acesso parece estar condicionado às pequenas embarcações, presentes na Baía de

Antonina, enseadas do Itaquí e Benito.

Os bosques de ilhas marítimas foram apontados como de produtividade

variada. A exemplo disso, os bosques da Ilha da Cotinga são considerados,

atualmente, como de média ou baixa produtividade devido à exploração continuada

de ostras-do-mangue e caranguejo e à baixa ocorrência de sururus. Já nos bosques

em ilhas marítimas da Ilha das Peças e da Baía dos Pinheiros é relatada alta

produção dos recursos. E nos bosques próximos à comunidade da Vila das Peças

existem formas de regulação comunal.

Os bosques de bacia demonstram ser explorados principalmente pelas

comunidades mais próximas (comunidades da Enseada do Medeiros e comunidades

do Poruquara e Sebuí) e, no caso da Enseada do Medeiros, recebem regulação de

acesso.

Os bosques de Gamboas também parecem ter um uso mais local, com

produtividade razoável.

“Aqui no Rio do Maciel, ali pra dentro, o caranguejo é grosso, bonito também, mas o mangue ébaixo e é difícil de pegar, é difícil entrar no mangue. Lá no norte é mais fácil, porque o mangueé mais espaçoso.” (pescador da pescador da comunidade do Maciel)

“Em Emboguaçú é miúdo, em Paranaguá o povo conhece, rapaz. A diferença é grande, mas éde tamanho. Mas o caranguejo tem sempre em quantidade. Mas não sei por que aqui ocaranguejo sempre foi miúdo. Nem todos assim, só que lá (pra lá do Guapicum) dá tudobonito.” (pescador da comunidade do Maciel)

Já os bosques de ilhas de confluência parecem ter alta a média produtividade,

a exceção daqueles sito à Ilha Rasa, cujos relatos demonstram um decréscimo de

disponibilidade de recursos (principalmente de caranguejos graúdos) devido à

exploração local. “O mangue aqui o caranguejo é miúdo, aqui por perto a gente só pega na corrida. Nessesparques por aqui ninguém nem vai pegar caranguejo, aqui a gente só pega quando corre,escolhe os mais graúdos. Mas a gente vai mesmo é para Canudal.” (pescador da Ponta daMariana – Ilha Rasa)

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Por fim, os bosques de baías abertas têm sido o tipo regional mais procurado

por grupos extrativistas que se deslocam a grandes distâncias na extração de

caranguejos e ostras (principalmente nos bosques na Baía dos Pinheiros).

“No Guapicum o mangue é bonito, é só mangue alto, de raiz (escora) que parece uns dedos. Aturma gosta, rapaz! De mangue alto, espaçoso...”. (pescador do Maciel)

“Lá pra cima é mais graúdo porque lá tem pouca gente, os mangues são mais distantes eporque lá tem pouca gente lidando no mangue. Lá pra aqueles lados lá, Sebuí, Bertioga,Canudal, Tibicanga, Barbados, eles quase não trabalham com o caranguejo. No Tromomó elestrabalham. E no Guapicum e no Poruquara também, mas só quando corre. Naquela entre luaseles não vão. E em toca eles não vão, só nas luas que andam. Então o manguezal é muitogrande e então a gente vai, onde os caranguejos são mais graúdos, lugar que é antigo, quenunca ninguém mexeu no manguezal.” (pescador da comunidade da Ponta da Mariana/IlhaRasa)

Apesar de não ter sido objetivo específico pormenorizar os conhecimentos

sobre a biologia do caranguejo, observaram-se alguns conhecimentos comunais

sobre a abundância relativa desses animais por tipo de bosque, bem como sobre

alguns aspectos biológicos da espécie, principalmente aqueles relacionados aos

fenômenos reprodutivos. “Eu fazia que o caranguejo grosso era do mangue espaçoso, mas tem mangue baixo, manso,que tem caranguejo grosso. Por aqui também tem, no lado do Emboguassú tem mangue baixoe caranguejo grosso. Agora aqui (Cotinga) o mangue é grande, é bem maior, mas mais pra lá,o mangue é baixo, mas o caranguejo é bonito. Aqui na frente é o melhor mangue. (morador daCotinga)

“Esses mangue tudo por aí dá! E tem mangue que dá mais grosso, né.“Mangue mais alto dá caranguejo mais grosso, né. Mais graúdo. E a gente conhece os buraco.Os buraco maior assim é caranguejo macho. Eles ficam tudo misturado. Só que na hora decolocar os laço a gente escolhe os buraco. Você só põe o laço no buraco grande. Mas àsvezes engata umas fêmeas aí, né? Como ali engatou aquela fêmea. Ali engatô, mas só que agente tira a fêmea pra não... morrê.” (pescador da comunidade de Medeiros de Baixo)

“Caranguejo ali na região de Guaraqueçaba é maior que o nosso. Pois é. Sempre foi assim,porque lá para cima é mais fechado, eu acho que é isso, né. É mais fechado, é mais rio. Aquinão. É mais poluição, sempre foi assim. Lá é maior.” (pescador da comunidade de Piaçaguera)

“A lua mexe com ele (o caranguejo), faz sair da toca, pra ele cruzar. Já tem fêmea enxertadacom a toca tampada. É fácil reconhecer. E quando ele faz a toca, que tampa, ele não ficaparalelo. A maioria já tá enxertada, com a toca tampada, e a gente não vai mexer. E não ficaparalelo, faz uma bolinha de mangue e a gente sabe que é toca tampada.” (pescador dacomunidade da Ponta da Mariana/Ilha Rasa)

Alguns pescadores relacionam a ocorrência dos caranguejos com as

composições específicas dos bosques e suas preferências alimentares,

principalmente quando condicionados ao cativeiro.

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“No mangue de raiz que não é de dedo não dá tanto caranguejo, mas sempre dá. No manguede raiz dá melhor o caranguejo. Não sei por que, mas do mangue não é. Tem mangue alto quetem caranguejo bonito, mas tem mangue alto que o caranguejo é miúdo, não dá pra entender.Eu posso e a senhora pode pensar que lá (Guapicum) o povo pega menos, e é por isso que ocaranguejo é graúdo, mas não é... De atolamento é igual. Não sei por que é assim... A vidainteira foi assim. Veja só, não correu ainda, mas na corrida, o meu genro quer ir lá (Guapicum)porque lá é bonito, rapaz. Um caranguejo que a pessoa pega já vê a diferença.” (pescador dacomunidade do Maciel)

“Interessante que ele come melhor a folha daquele mangue ali (Canapuva – Rhizophora). Nãocome de outra folha, a gente joga os galhos ali e ele come. Que nem banana pra gente, a folhatem que ficar amarela, é interessante...” (pescador da comunidade do Maciel)

Possivelmente, esses conhecimentos, somados aos saberes sobre os ciclos

lunares e às condições de marés e ventos, condicionam as diversas técnicas de

coleta e as formas de organização da atividade extrativista no que diz respeito ao

deslocamento para captura, número de pessoas envolvidas, etc., quanto ao

acondicionamento, transporte e armazenamento dos animas e as formas de partilha

e comercialização.

Essa dinâmica de interligação entre os saberes locais específicos sobre o

ambiente e seus recursos e as práticas e técnicas empregadas corroboram com a

proposta de análise de BERKES (1999), que indica uma estreita ligação entre os

níveis de saberes locais.

É curioso observar que houve relatos freqüentes sobre migrações das

populações de caranguejos entre bosques de manguezais. Ressalta-se que esses

fenômenos ainda não foram evidenciados por pesquisas científicas. Diversos

autores descrevem o deslocamento, principalmente de fêmeas, na época da desova,

para os corpos d’água que margeiam os manguezais. Entretanto, são muito

recorrentes os relatos dos pescadores sobre um fenômeno de migração maciça da

população, que atravessa os rios e, literalmente, muda de manguezais.“Mas era agora, Dia de Reis. Mas Dia de Reis ele atravessa o mar. Primeiro tinha muito(disso). Quando andava o caranguejo, esses baixios tavam cheio de caranguejos. Vocêlargava uma rede de plástico aí você não guentava. É a ultima lua, que era Dia de Reis,atravessa o mar e pronto, acabam. Alguns volta pro mesmo mangue, outros muda pra outromangue. Faz dois anos que eu não tenho visto caranguejo no baixio, não tenho visto mais.Primeiro tinha, uma vez larguei a rede no rio, começô a bater, bater, bater, achei que erapeixe, e deixei, depois vi era só caranguejo, de cima em baixo, era macho, fêmea não tinhamuito.” (pescador do Guapicum)

“Os antigos diziam que o caranguejo não se recolhia nas últimas corridas, antes de se lavar.Diz que o caranguejo também corre e “muda” de mangue, no rio. Ele diz que o caranguejoestá mudando de um mangue pra outro, pra outra margem do rio. E nas últimas corridasdeles, eles enchem os riozinhos, os antigos diziam que eles vão se lavar, mas eu não sei,acho que é por causa de dar cria.” (pescador do Maciel)

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“O caranguejo muda de mangue pra mangue, nada pelo fundo. Antigamente, eu e meu irmãouma época, porque antigamente, faz uns 25 anos, naquela época, quando chegava Dia dereis, 6 de janeiro, o caranguejo atravessava a água, fosse lua não fosse lua, fosse macho,fêmea. Miúdo! Tanto faz! Graúdo! Tudo atravessava o mar, a gente pegava, três tarrafadas epegava tudo, só caranguejo, ali no meio do mar. E não teve como pescar, na época era muitobaratinho, ninguém se importava, né? Mas só que agora mudou! Agora tem época em que osrios são mais pequenos, né, então eles atravessam a água ainda, seja noite ou de dia, mastem umas duas horas de duração que ele cai na lama e atravessa mesmo. Ano passado, omeu sobrinho ali no mangue viu eles tudo no baixio e era verão.” (pescador da Ponta daMariana)

“Eu to sabendo dessa história do caranguejo que anda em Dia de reis (rs). É história antiga.Eu não sei se muda de manguezal, mas que desce na lama eu já vi, desses anos todos queeu lido com o caranguejo. Mas esse ano de dia de reis ele não saiu. E aqui só andou luacheia.” (pescadora da comunidade de Piaçaguera)

Seriam interessantes estudos mais aprofundados para comprovar esse

possível fenômeno de migração entre os bosques locais. Caso isso seja verdadeiro,

poderá estar indicando uma estratégia de trocas gênicas entre subpopulações para

o acasalamento. Também essa possível redistribuição nos bosques de manguezais

podem estar proporcionando recolonização de locais cuja fisiografia e substrato

estejam permitindo maior acesso ao extrativismo, com a diminuição, por

conseqüência, da competição intra-específica por espaço.

Estudos que especifiquem melhor os comportamentos de distribuição espacial

desses animais nos bosques locais são de fundamental importância para ações de

manejo. Se as subpopulações de caranguejos desse complexo estuarino estiverem

se valendo de ajustamentos comportamentais que permitam recolonização dos

bosques, isso pode afetar as variações temporais de sua abundância entre os

distintos bosques locais.

Essas conjecturas desafiam estudos futuros que possam responder às

diversas questões relacionadas aos ajustamentos adaptativos dessa fauna às

heterogeneidades dos manguezais e, também, às praticas extrativistas nesse

complexo estuarino.

Não foi objetivo central deste estudo aprofundar aspectos da bioecologia do

caranguejo-uçá. Entretanto, no discurso dos pescadores artesanais, diversos

questionamentos e tentativas de explicações sobre a distribuição, a abundância e o

crescimento desses animas foram identificados. Alguns desses questionamentos

estão aqui elencados para instigar estudos futuros sobre essa espécie na região,

que possam contribuir para um manejo local atento às heterogeneidades

ecossistêmicas e às dinâmicas de apropriação e os saberes locais:1. Existe diferença na distribuição, abundância e tamanho dos caranguejos nos diferentes

setores desse complexo estuarino.

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2. Os mangues da região norte apresentam caranguejos com maior tamanho de captura.3. Os mangues baixos (onde predominam Laguncularia) têm caranguejo grande porque é

difícil coletar.4. No sul o caranguejo sempre teve em quantidade, mas sempre foi mais miúdo do que no

norte.5. Existe distribuição espacial por classe de tamanho e por condição fisiológica (mangue

que é criame).6. O substrato do bosque tem relação com a distribuição por classe de tamanho: em

substrato com mais areia e de consistência mais firme (mais duro) há maior ocorrênciade filhotes de caranguejos (lugar que é “criame”); o extrativista respeita (não vai) omangue que é criame.

7. Está ocorrendo uma rápida queda (nos últimos dois anos) no tamanho máximo decaptura dos caranguejos nos bosques do Guapicum por causa do uso do lacinho.

8. Nas regiões oligohalinas o caranguejo é maior onde há mais rios e é mais fechado.9. Na região mesohalina ele sempre foi menor em tamanho;10. A poluição causada pela proximidade com o porto e com os centros urbanos

(Paranaguá) pode estar afetando (retardando) o crescimento do animal.11. A atividade extrativista na região mesohalina está provocando a diminuição do seu

tamanho de captura.12. Os extrativistas reconhecem as tocas de machos e fêmeas e as selecionam ao colocar

as armadilhas (lacinho), fazendo extração seletiva.13. O caranguejo no Bertioga é maior do que em Guaraqueçaba. No Canudal ainda é maior do que

no Bertioga; essa diferença ocorre por causa do rio, quanto mais rio, mais o caranguejo cresce.14. Em Barbados, a extração já afetou o tamanho disponível de captura.

Conhecimentos relacionados ao 2o nível5 de saber local (BERKES, 1999)

foram constatados durante estes estudos. Identificou-se um importante fluxo de

informações nas épocas de corrida que condiciona a direção e a intensidade da

prática extrativista, por meio de informações a respeito de onde e quando o

caranguejo está correndo, a flutuação de preço no mercado, a sincronia entre os

períodos de luas de sizígia e o final do período de defeso.

“Na 1a lua andou, mas acho que não vai andar mais. Era pra ter andado nessa lua, né. Masninguém falou nada.” (pescador da comunidade da Ponta da Pita)

“A lua foi antes (da liberação da pesca), andô na cheia, na nova não andô. Ninguém deunotícia (que andou), por isso nós não fomos no mangue. Nós vamo pro mangue quando temnotícia que andô. Vendemo em Paranaguá. Na cheia andô um pouco, né, mas nessa (nova)não andou. Este ano andô na cheia. Quando dá lua é três dias. Era boa a andada docaranguejo. Antigamente andava mais, tinha mais. E com toda essa proibição que fazem, sótrês meses (pode coletar)...” (pescador da comunidade da Europinha)

Percebe-se no discurso de alguns extrativistas a idéia de lugar antigo: lugar

que nunca ninguém mexeu. Essa idéia de transformação do ambiente a partir de

seu uso traduz o grau diferenciado de pressão extrativista nos diferentes locais do

complexo estuarino. “Lá pra cima é mais graúdo porque lá tem pouca gente, os mangues são mais distantes eporque lá tem pouca gente lidando no mangue. ...Então o manguezal é muito grande e então

5 Conhecimentos sobre práticas, técnicas e ferramentas espácio-temporais (BERKES, 1999).

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a gente vai onde os caranguejos são mais graúdos, lugar que é antigo, que nunca ninguémmexeu no manguezal.” (pescador da comunidade da Ponta da Mariana/Ilha Rasa)

Essa idéia fomenta algumas indagações: Afinal, o que é um lugar que não é

antigo? Um lugar novo? Transformado?

“Tem mangue (machucado por foice) com cinco anos e não volta mais. É aquele buraco queé destruído não tem mais (caranguejo),... no laço não, miúdo e fêmea engatou no laço, passafaca, soltou (...) De buraco faz mais de cinco anos, (que a gente dos Valadares vem fazendoburaco por tudo), nós aqui não trabalhamos (com foice)...” (pescador da comunidade doCanudal)

A que ponto as práticas extrativistas, que se diferenciam de bosque para

bosque, podem estar modificando as condições de resiliência de cada fisiografia

local? Essa é outra questão que desafia estudos futuros.

Percebeu-se também que os grupos coletores se identificam a partir de suas

técnicas de coleta e reconhecem diferentes papéis nos fluxos econômicos gerados

a partir dessas técnicas. Assim, existem aqueles que vivem do caranguejo na

corrida, o caranguejo pegado, os pegadores de caranguejos, distintos daqueles

tiradores de caranguejos. Essa distinção entre o modo de extração (2o nível de

saber local), por sua vez, tem condicionado alguns controles de acesso (3o nível de

saber local6) a algumas áreas nesse complexo estuarino.

“Olha, aqui (o pessoal) não prejudica não, mas pro lado do Canudal ali prejudica (...) Opessoal ali do Valadares eles tiraram muito caranguejo que é de corta (da foice). Já há unstrês anos pra cá... Tem parte que a turma não deixa, né. Aqui, o pessoal reclama (se for) decavadeira...Vem pessoal do Valadares, Vila Guarani. E (de um ano pro outro) sente adiferença.” (pescador do Bertioga)

Ainda que os raros controles de acesso estejam restritos a áreas como a

Enseada do Medeiros e a Ponta das Peças, a articulação entre tipos de ferramentas,

práticas e técnicas identificam grupos e promovem critérios de exclusão. Essa

articulação corrobora com as inter-relações entre os níveis de saberes locais

sugerido por BERKES (1999).

Entretanto, apesar do desagrado geral das comunidades que observam seus

manguezais locais atingidos pela intensidade das atividades extrativistas, ainda

parece existir uma determinada condescendência geral dos pescadores artesanais

desse complexo estuarino com os tiradores de caranguejos. Ou seja, ao mesmo

tempo que esse profissional é tido como um depredador, tanto pelo efeito do uso da

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foice nos substratos dos manguezais quanto pelo alto índice de mortalidade das

populações de caranguejos ocasionada pelo abandono dos lacinhos nos

manguezais, parece haver um certo respeito pela vida do tirador. Isso relaciona-se

tanto com o fato de que esse sujeito apresenta determinada especialidade e um

saber específico para a atividade quanto por ser essa atividade reconhecida como

um fazer de sacrifício, de vida dura. O tirador é aquele que “caiu no mangue, porque

não tinha mais pra onde correr”.

E, ainda, sempre que questionados sobre quem trabalha com o caranguejo, a

resposta aponta o tirador: isso remete à idéia de trabalho, de labuta. Quem trabalha

com o recurso é aquele que se dedica exclusiva ou intensamente à atividade de

tirada e tem um saber-fazer específico.

Esse reconhecimento da vida de sacrifício do tirador reflete a falta de

perspectiva para viver com outra atividade pesqueira, e o futuro incerto dos modos

de vida atuais dos pescadores artesanais desse complexo estuarino. Nesses

discursos, há sempre a impressão de que ser tirador poderá ser o futuro próximo

inevitável para qualquer um.

Em relação às perspectivas futuras para a atividade, os próprios pescadores

artesanais relatam a diminuição do tamanho de captura do caranguejo-uçá em

determinados setores da baía, o desaparecimento de bancos naturais de ostras

adultas e também de seus juvenis, bem como um fenômeno de intensidade

crescente nas práticas de extrativismo desse recurso, diretamente relacionado com

um aumento da densidade demográfica e falta de perspectiva para as populações,

tanto rurais como urbanas. “Era! Era mais graúdo. Agora tá miúdo. E porque tá muito pegado, né!”

(pescador da comunidade de Medeirinhos)

“Tá diminuindo a ostra, o caranguejo, tudo, né? É muita tirada, né. A população tácrescendo...” (pescador da comunidade da Vila São Miguel)

“O caranguejo era graúdo antigamente aqui, mas acabô tudo (...). A gente pegava só machograúdo, hoje é tudo parelho” (pescador de Piaçaguera)

“Aqui tem maior (tamanho de caranguejo) porque ninguém batia, era sossegado para pegarna andada o caranguejo. Agora tá todo mundo no laço e tá acabando. O lugar que tinha maiscaranguejo era aqui, o pessoal gostava de vir. Mas agora faz dois anos que não dá mais.”(pescador da comunidade do Guapicum)

6 Estabelecimento de regras de uso, códigos de conduta e de relações sociais.

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Apesar de haver diversas articulações entre saberes comunais e também o

exercício (mesmo que restrito) de determinadas regulações de extrativismo7, a idéia

de insustentabilidade do extrativismo de caranguejo está presente na maneira como

o pescador artesanal se refere ao atual estado das coisas. A percepção de

insustentabilidade entre os extrativistas está embasada na constatação da

diminuição dos tamanhos de captura em bosques já muito explorados, como

aqueles do estuário da Baía de Paranaguá. Também está ancorada na precariedade

do modo de vida atual dos pescadores artesanais, os quais encontram-se acuados

tanto pelos processos de regulação de suas práticas tradicionais de vida e de

exploração do ambiente quanto pela competição entre os grupos, inseridos em um

mercado capitalista e, ainda, pela diminuição de abundância dos recursos

pesqueiros estuarinos em geral e também daqueles de manguezais.

Essa insustentabilidade do extrativismo dos manguezais é justificada por não

haver regulação efetiva sobre as distintas maneiras de uso e também pela falta de

regulação de acesso aos territórios de extração em mesoescala.

O extrativismo de manguezais é tido, então, como uma das últimas

alternativas de vida para os pescadores artesanais, haja vista uma determinada

condescendência daqueles que não são tiradores de caranguejo para com os

mesmos:“Mas a gente não pode proibir, né? Afinal, tudo tem que sobreviver. O pescador cai nomangue porque não tem mais pra onde correr”.

Ou seja, ser extrativista de manguezal não é escolha pessoal, projeto de vida

para ninguém, a atividade é desgastante, perigosa, não é rentável, envolve riscos de

mercado, de flutuação de preço e retrata uma alternativa extrema de necessidade.

Tradicionalmente, o caranguejo era coletado na corrida, como um evento

ocasional de verão, sem que isso tivesse obrigatoriedade ou fosse uma necessidade

extrema. Atualmente, tanto o tirador quanto o pegador realizam suas práticas por

extrema necessidade de obtenção de recursos financeiros, como estratégia de

sobrevivência, em resposta tanto às coibições de suas antigas atividades agrícolas

quanto pesqueiras, principalmente em se tratando da pesca do camarão, cuja

proibição é exercida durante a liberação da coleta de caranguejos nesse ambiente.

7 Condicionadas pelas alternativas tecnológicas dos extrativistas, por limitações das condições físicas dosbosques, por exclusão de grupos em determinadas regiões do complexo estuarino e pela legislação ambientalimposta à atividade.

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A competição pelo recurso também ficou claramente representada, e as

práticas de regulação comunitária de alguns territórios são contestadas por muitos

pescadores, que analisam as atitudes de regulação exercida pelas comunidades de

Ilha das Peças e da Enseada do Medeiros como injustas:

“Porque o pescador tem carteirinha de pesca pra poder pescar em qualquer lugar que ele quiser! Nãopode proibir”.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DE Crassostrea rhizophorae

“A ostra, ela começa naquela craquinha, como diz assim, né? Dali vai indo, vai indo, até se tornar uma ostra...

E aquilo passa tempo... E antigamente ela ficava ali!Tinha raiz de canapuva que ficava florescida assim de ostra.

Aquela coisa linda... É!... Agora não!...” (pescadora da comunidade de Amparo)

O extrativismo da ostra-do-mangue no complexo estuarino da Baía de

Paranaguá ocorre tanto pela coleta direta de ostras adultas nos manguezais, para

alimentação familiar e principalmente para a comercialização, quanto pela coleta de

juvenis dos bancos naturais, especialmente nos manguezais situados ao norte

desse complexo estuarino, para cultivo.

Os juvenis coletados são levados aos bancos de cultivo dos próprios

extrativistas ou comercializados para outros criadores dessa região e do estado de

São Paulo, na região de Cananéia.

“E a ostra, o pessoal de Cananéia vem direto aí pegar a ostra nesse mangue aqui, direto aí.Compra da gente, se tiver quem tire, os pequenininhos, e tira também, pra plantar lá asmudas. Vem aí pro Poruquara, Ilha das Peças, Rio Grande, Laranjeiras.” (pescador dacomunidade do Guapicum)

A disponibilidade de C. rhizophorae nesse complexo estuarino está

condicionada à presença de substratos passíveis de fixação. Isto quer dizer que

existe disponibilidade do recurso em locais com afloramentos rochosos nas áreas

intertidais do complexo estuarino, além daqueles bancos naturais de ostras

formados sobre as raízes de manguezais. Entretanto, o interesse do presente

estudo, considerou apenas a disponibilidade do recurso condicionada aos bosques

de manguezais, de acordo com as heterogeneidades fisiográficas.

Como as próximas etapas empíricas deste estudo demonstram, apesar da

exuberante presença dos manguezais nesse complexo estuarino, a disponibilidade

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de C. rhizophorae se dá essencialmente em bosques com ocorrência significativa de

Rhizophora mangle, principalmente em formações de bosques marginais aos corpos

d’água, aquilo que MARTIN (op. cit.) denomina como bosques de borda, ou de

bordadura. Esses sítios preferenciais para ostras podem ser distintos em relação à

estrutura e altura de dossel, mas apresentam dominância ou co-dominância de

Rhizophora em terrenos rebaixados, sob forte influência das marés. Essas

condições ambientais para a disponibilidade de ostras nos manguezais evidenciam-

se na terceira etapa empírica deste estudo.

Nos estudos de MARTIN, R. mangle domina os bosques de bordadura nesse

complexo estuarino, em 24% dos casos analisados. O parâmetro utilizado por

MARTIN (op. cit.) para determinar a dominância da espécie na composição

específica dos bosques é sua freqüência relativa acima de 70%.

Nesses bosques, as formas de extração do recurso compreendem duas

maneiras distintas:

(a) Extração por faquinha, com o descolamento da base da concha cimentada ao

substrato (raiz de Canapuva).

“Nós tirávamos do mangue. Está muito pequena as do mangue... A gente tem um negocinhoque enfia e ela solta. E não é obrigatório cortar a raiz. Não precisa cortar a raiz. Ë só pegarum facão, uma chave de fenda e cutucar ela que ela cai. Dá na canapuva mesmo, lá nomangue. E quando não tem a canapuva, ela dá do mesmo jeito. No lodo dá. E dá nas pedrastambém.” (pescador da comunidade de Piaçaguera)

(b) Extração por arrancamento, quando o banco de ostras é retirado praticamente

inteiro, a partir do corte da raiz da árvore. “A ostra do mangue... Ainda tem grande pra lá... (entrada do Rio Nhundiaquara). Pra tirá aostra do mangue, bate, corta com facão a raiz. Dá pra tirar um dinheirinho com a ostra, o anointeiro.” (pescadoras da comunidade da Ilha do Teixeira)

“Esse pessoal que vem aí... Cortam a raiz do mangue pra arrancar.” (pescador dacomunidade do Guapicum)

Essa última forma de extração gera um produto com maior cotação de

mercado, tem sido utilizada principalmente por grupos extrativistas que operam

distantes de suas vilas e recebem críticas constantes pela comunidade de

pescadores artesanais. É considerada uma extração altamente predatória tanto

para o bosque quanto para a população animal.

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Figura 06: Usos da ostra-do-mangue no complexo estuarino da Baía de Paranaguá. Oscírculos coloridos demarcam áreas com apropriações distintas para o recurso.

Pode-se perceber na Figura 06 que os usos da ostra-do-mangue apresentam

três grandes áreas do complexo estuarino, com distintas formas de extração e de

classes de tamanho dos indivíduos explorados nos bancos naturais.

A primeira área corresponde à Baía de Antonina e ao Estuário da Baía de

Paranaguá. Nessa região, é realizado, essencialmente, o extrativismo de ostras

adultas, para a comercialização local, nos mercados de Antonina e de Paranaguá. “E a ostra, nesse mangue aí não tem mais ostra. Tem, mais é tudo miudinho, não tem maisda ostra grossa,O pessoal acabou com ela! E já faz (tempo) que a ostra acabou aqui, uns trêsanos. E por aqui cultivando ostra não tem ninguém, só lá pro Almeida, Medeiros, Tromomó.Porque aqui a qualidade de ostra é miúda, a ostra mais grossa é a da pedra, por aqui nãotem.” (pescador da Ilha da Cotinga)

“Tinha bastante ostra no mangue, mas agora não tem. A poluição, além de matar, não deixacrescer, viu o último caso do nafta aí? Essa aí é só de “largume”, ou criando, né.Ultimamente o pessoal está com a mentalidade de criar. Todo mundo pensa nisso comoalternativa, mas um criadouro de ostra é no mínimo R$ 2.000,00. Dá para fazer uma coisabásica. Um criador para dar dinheiro R$ 10.000,00. E daí? Como é que nós vamos arranjar

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Baía dos Pinheiros

Baía de Guaraqueçaba

Enseada do

Benito

Enseada do

Itaquí

Extração de adultas

Extração de juvenis

Ostreicultura ativa

Extinção de adultas

Ostreicultura desativada

Recurso não explor ado

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esse dinheiro? Se pelo menos alguém lá em cima resolvesse, dissesse: vamos ajudarfinanciar.” (pescador da comunidade de Piaçaguera)

Há relatos de cultivo insipiente nessas regiões, como em Amparo, Eufrasina,

e Baía de Antonina. O cultivo nessas regiões é muito artesanal, sem tecnologia

especializada, como ocorre nas regiões da Baía de Laranjeiras e dos Pinheiros.

“Aqui no Maciel não tem quem viva da ostra e do bacucu. Se a pessoa pudesse criar...Tão criando lá no Amparo, mas lá é próprio por natureza, esse vento ele entra uma sujeira eimpede a criação, aqui esse vento impede a criação...” (pescador da comunidade do Maciel)

“Ostra aqui é só miudinha, dava antes, mas a turma de tanto tirarem de caixa não tem mais.Ninguém qué tirá da miudinha. No Amparo tem quem crie ostra, se eles vêm é lá no Rio (dasOstras), mas a gente não vê, a divisa é lá no Amparo. No Amparo eles usam mais o manguedo que nós. Eles é que usam os mangues mais que nós.” (pescadora da comunidade dePiaçaguera)

Já na Baía de Antonina, são poucos os criadores de ostras:“Lá pegam ostra no mangue, acho que não tem ninguém que cultiva em Antonina. Acho que ésó o Zé (Barba). Ostra ainda tem bastante grande pra pegar (no mangue).” (pescador dacomunidade de Pinheirinho/Antonina)

“Tem um que cultiva ostra aqui na Ponta Grossa, é o Jeovásio. E em Antonina também, prabaixo da Ponta Grossa. Tem um japonês aqui que tá fazendo também. Na Ponta da Pita nãotem. Acho que é muito poluído lá. Ostra teve, mas sempre muito pouco lá (na Pita).”(pescador da comunidade de Ponta da Pita)

A segunda área que se distingue pelo tipo de uso praticado na extração da

ostra do mangue é a Zona Nerítica da Baía de Paranaguá. Com exceção feita à vila

da Ilha das Peças, essa região atualmente não apresenta exploração significativa do

recurso.

Na vila da Ilha das Peças, entretanto, existe tanto o cultivo de ostras quanto a

coleta direta de juvenis e de adultas nos manguezais locais. Da mesma maneira, é

expressivo o controle de acesso praticado pela comunidade local aos seus bosques

de manguezais, com regras de uso tanto para o caranguejo quanto para a ostra, fato

que já foi relatado anteriormente. “Só vendo ostra aqui, mas to arrumando esse barco pra levar até Paranaguá, pra vendermais. Veio o povo do IPE falar de cultivo, mas o povo não acredita mais... Vem o pessoal deCananéia que embarca um pessoal até no Poruquara pra pegar ostra pequena aqui. Ta difícilagora de tirar, eu compro de outros às vezes. Eu compro do Tibicanga, Poruquara, SãoMiguel” (criador de ostras da Ilha das Peças)

Já a terceira região compreende as baías de Laranjeiras e dos Pinheiros. Esta

última, principalmente em sua porção mais interna, apresenta a exploração de

juvenis de ostras nos bosques locais, para utilização em cultivos mais tecnificados,

com uso do tipo “travesseiro” e “lanterna”. Um comércio importante de juvenis para o

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estado de São Paulo e para alguns criadores locais, gera deslocamentos dos

extrativistas nos bosques, tanto da Baía de Laranjeiras quanto dos Pinheiros. “O pessoal aí por cima da Mariana vive da ostra, vende em Paranaguá.” (pescador dacomunidade da Ponta da Mariana/Ilha Rasa)

“A ostra tem plantio aqui, a maioria do povo, eles plantam por essas beiradas aqui. Nós tinhaum pouco, mas depois nós tiramo tudo.” (pescador da comunidade do Almeida/Ilha Rasa)

“A ostra é de cultivo, a turma tira do manguezal pequenininha, esse aqui tem seis meses e játá boa para o comércio... Aqui não tem problema com o caramujo. Aqui o nosso problema é atemperatura, o calor, quando sobe muito, e a água doce, que chega morrer 10/15 dúzias.”(pescador da comunidade do Guapicum)

“Ali pra trás ali, eu tenho mesa de concreto, tenho uma mesa que vai daqui a aquela canoalá, deve dar 20 e poucos metros de comprido por um de largo, esse é tudo com travesseiro,aquela tela verde, aquelas tela de seda (...) A minha mesa lá tem 68 travesseiros desses, leva10 dúzia em cada travesseiro.(...) A dúzia tá dois reais. Aonde tem ostra sempre tem gentepra comer.” (pescador da comunidade do Guapicum)

“A ostra, tem um pessoal vivendo dela aqui. Eles ganham dinheiro também, mas a ostra queeles tão vendendo é de cultivo ,tiram do mangue pequeno depois põe lá, e seis meses depoisjá tá grande a ostra. Tem um rapaz ali que esse ano vendeu muita ostra. Ele tem cultivo deostra ali. Desde a época da Baía Limpa, ele tem vendido muita ostra... Isso anima... NoPoruquara... Eles vive da ostra lá.Vive da ostra, tem “criame” de ostra lá. E teve sucesso. ABaía Limpa deu um recurso muito bom pro pessoal aqui... Pena que acabou, né? Ela davaum salário, uma cesta básica pro pescador, é um recurso bom, né. E qualquer coisa elestraziam material pra turma fazer a criação da ostra, mas é uma pena que acabou né (...)”(pescador da comunidade do Barbados)

OS ACESSOS E REGULAÇÕES DE ACESSOS À Crassostrea

rhizophorae

A Portaria do IBAMA, nº 1.747/96, de 22/10/1996, estabelece, como

competência dos superintendentes estaduais do IBAMA, baixar portarias normativas

referentes à coleta de sementes de moluscos bivalves em ambientes naturais e

definir locais de coleta, espécies e quantidades coletadas por empreendimento de

aqüicultura/ano, métodos de coleta, tamanhos mínimos e máximos a serem

coletados. Entretanto, para o estado do Paraná existe apenas uma portaria, da

antiga SUDEPE, nº 46, de 11/12/87, que estabelece regulação de captura para

ostras, em todo o litoral de São Paulo, e região estuarina de Paranaguá (vide

anexos).

Essa última portaria estabelece que o período de defeso anual para a ostra é

de 18 de dezembro a 18 de fevereiro. Fora do período de defeso, sua extração ficará

restrita a exemplares que apresentem tamanhos entre 5 a 10 cm de comprimento da

concha.

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PEREIRA et al. (2000) definem fases de vida desses animais: (1) entre 3 a 30

dias de idade (máximo de 12 mm de comprimento de concha) estão na fase de

“semente”; (2) de 12 a 24 mm (30 a 50 dias), fase juvenil; e (3) acima de 24 mm (5

meses a 3 anos de idade), fase adulta. Entretanto, desconhecem-se estudos sobre a

primeira fase de amadurecimento fisiológico dessa espécie para a região do Paraná.

Sobre o primeiro estágio de maturação, há apenas dados de NASCIMENTO et al.

(1980) para populações do litoral baiano.

Por sua vez, os cultivos realizados principalmente ao norte do complexo

estuarino da Baía de Paranaguá têm usado, em sua maioria, tecnologias de engorda

da ostra em cativeiro. Essas tecnologias têm conferido uma demanda de mercado

pela extração de ostras entre 3 e 5 cm de comprimento de concha (as quais serão

aqui denominadas de juvenis) e gerando a coleta intensiva desses indivíduos nas

raízes dos manguezais, principalmente dos bancos naturais da espécie ao norte do

complexo estuarino.

“Eu vendo a caixa... tá 15, 20, é barato, tamanho grande já. Cria na lama daí põe na tela praela ficar limpinha. A ostra é aquela do mangue... E tem muita semente pra cá, tem bastante.Costuma pegar lá em cima (Norte da Baía dos Pinheiros), lá semente é melhor porque elanão amontua, daí não consegue ficar grande.” (pescador da comunidade do Bertioga)

Apesar de haver alguns relatos de uma incipiente fiscalização no extrativismo

desses animais, principalmente às imediações da Baía de Laranjeiras e dos

Pinheiros, são ausentes os estudos sobre estimativas dessa atividade no que se

refere a quantidade e tamanho de captura e de comercialização. Também são

desconhecidas as condições atuais dos bancos naturais nesse complexo estuarino,

principalmente daqueles que ainda possam apresentar parentais.

São freqüentes os relatos dos pescadores artesanais sobre a escassez de

ostras grandes nos manguezais e o crescimento intensivo de atividades de

extrativismo da ostra de menor tamanho, para comercialização nos cultivos.

“No mangue tem ostra mas ela é miúda. Não tá dando mais. Tinha muita (antes) demais,ostra, peixe Ostra você passava em porto tirava caixas, depois começaram a comprar ostradesmariscada, tiravam aquela miudeza, então vai acabando. E vende lá pra Paranaguá, pratoda parte comprá. É pega um preço melhor, é mais aí acaba mais rápido porque daíqualquer ostrinha você desmarisca põe no saco e vende...” (pescador da comunidade deCanudal)

Apesar da diminuição da disponibilidade de ostras adultas nos manguezais da

região, os pescadores relatam que as práticas de extração de adultas ocorrem ao

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longo de todo o ano, sendo mais intensivas nos períodos de verão, condicionadas à

maior procura de mercado, pela presença de turistas na região.

“E a ostra não tem época de safra, a ostra é o tempo todo, o ano inteiro. Vende (o ano inteirobem) não vende mais, mas dá pra quebrar o galho. Ela cresce mais no inverno, agora é adesova.” (pescador da comunidade do Bertioga)

“Ainda acha ostra no mangue, mas não tem muito mais como de primeiro, agora vem essaturma de lá e tiram tudo, e gente fica sem nada (a turma é do Valadares e da Vila Guarani).”(pescadora da comunidade de Piaçaguera)

Entretanto, relatam que a coleta das ostras juvenis tem apresentado

periodicidades e é condicionada ao tempo de crescimento dos animais nos bancos

de cultivo e às melhores condições sazonais desse crescimento, relacionadas

diretamente com o fator temperatura do ambiente. Assim, sua coleta mais intensa se

dá em períodos mais frios do ano, entre o outono e o inverno. Essa periodicidade de

extrativismo parece acompanhar os períodos estabelecidos pela antiga portaria da

SUDEPE.“Liberou o caranguejo, fechô a ostra pra eles lá pra Cananéia, aí eles pararam. Agora é aqui.Agora não está vindo, vão vir só em fevereiro.” (pescador da Comunidade do Guapicum)

“Aqui o pessoal cultiva ostra também. Eu não, eu sou contra o cultivo da ostra,... vai nomangue mete o facão na raiz, tira tudo aquilo pequenininho traz e planta no porto, no caso sóele vai comer.” (pescador da comunidade de Canudal)

“Tira ela miúda (do mangue), daí a gente põe numa tela... E no mangue tem perto da vila, temsemente, não precisa ir longe. Antigamente tinha mais, antigamente tinha bem mais. Naépoca dos pais da gente, eles vinham com a canoa carregada de ostra. Depois foiaumentando o povo por aí...”(pescadores da comunidade de Vila Fátima)

“Lá pra Cananéia tem homem que trabalha só com ostra, chama Jack, ele é espanhol. Masolhe, ele tem um “criame” de ostra como daqui há Pinheiros assim. Ele não é pescador, ele éempresário. Mas é bonito de ver lá onde ele tem a criação de ostra. Até tinha um rapaz que iapra lá, mas o Ibama diz que não pode, né.” (pescador da comunidade do Barbados)

“Na minha infância, era pra chutar com o pé... a ostra caía do mangue, de tanto que tinha, e amãe vendia em Paranaguá. Hoje, quem tá bem aqui é porque vive do cultivo da ostra.Lá em Cananéia tem uma proibição do Ibama: proibiram o pessoal de Cananéia descer prapegar ostra pequena até fevereiro.” (pescador da comunidade de Guapicum)

Entretanto, estudos sobre gametogênese e desova dessa espécie para o

complexo estuarino de Paranaguá não coincidem com o período de defeso

estipulado pela portaria. Segundo ABSHER (1989), os períodos de pico de

gametogênese das populações de C. rhizophorae desse complexo estuarino

ocorrem entre julho e agosto e são determinados por seu índice de condição, o que

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coincide com o pico máximo de recrutamento das larvas do plâncton, em final de

outubro.

Ainda, SILVA (1994) e SILVA & ABSHER (1996; 1997) observaram a variação

temporal e espacial das larvas de Crassostrea no complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, em dois pontos na entrada do sistema, constatando um padrão de

reprodução contínuo e com picos de abundância de larvas no plâncton em

novembro e abril. Assim, o maior número de larvas no plâncton coincide com o

período quente do ano e com águas mais alcalinas e menos salinas. Essas autoras

hipotetizam que as larvas dispersas na baía favorecem o fluxo gênico entre as

populações do complexo estuarino e que maiores quantidades de larvas no interior

do sistema fazem supor mecanismos de retenção larval no estuário, contribuindo

para a manutenção das subpopulações na região.

Ainda, é necessário considerar que podem haver variações interanuais

nesses padrões reprodutivos, o que está amplamente relatado na literatura, tanto

que CHÁVEZ-VILLALBA et al. (2002) demonstraram em C. gigas uma regulação de

sua atividade de gametogênese condicionada às alterações de fotoperiodismo e de

temperatura.

Essas referências demonstram que, mesmo havendo uma restrita aplicação

dessa antiga portaria da SUDEPE para o complexo estuarino de Paranaguá, o

período de defeso sugerido pode estar protegendo as populações de ostras dessa

região somente durante sua gametogênese de verão. Assim, esses animais ficam

expostos, durante seu período invernal de gametogênese, ao extrativismo massivo

nos manguezais ao norte desse complexo estuarino.

Essa espécie apresenta protrandria (NASCIMENTO, 1978; NASCIMENTO et

al 1980); assim, são os indivíduos machos aqueles mais afetados pelo extrativismo

de “juvenis” nesse complexo estuarino. Já a parcela da população que se apresenta

em estágio reprodutivo feminino diz respeito às ostras em estado adulto

(NASCIMENTO e PEREIRA, 1980).

Mesmo que esses “juvenis” de ostras intensamente extraídos dos manguezais

da região possam contribuir com gametas para o processo reprodutivo de

outono/inverno, quando dispostos nas gaiolas de cultivo, serão poucos os que

permanecerão na região para contribuir para o pool de gametas, já que, segundo os

relatos dos extrativistas, esses juvenis estão sendo enviados intensamente para o

estado de São Paulo.

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Todo esse quadro aponta várias incertezas sobre as condições de

conservação dos bancos naturais desses animais na região, bem como sobre a

efetividade da regulação formal sobre os processos extrativistas. As incertezas

sobre a bioecologia das ostras-do-mangue nessa região desafiam estudos urgentes,

que possam configurar o estado de conservação das populações naturais para todo

o complexo estuarino Lagamar, a fim de perceber: (a) interdependências entre as

subpopulações desses sistemas (complexo estuarino da Baía de Paranaguá e

estuário de Cananéia); (b) suas relações com as microfisiografias locais e seus

condicionantes ecofisiológicos (a exemplo de variações espácio-temporais de

salinidade, temperatura, fitoplâncton, entre outros) e, ainda, (c) o potencial real de

troca gênica e de resiliência dessa população no sistema estuarino Lagamar, em

face das dinâmicas de apropriação extrativista na região.

Quanto aos acessos aos recursos, parece haver uma similaridade de grupos

extrativistas e uso de territórios nesse complexo estuarino da Baía de Paranaguá

com aqueles praticados na extração do caranguejo. Assim, a extração da ostra-do-

mangue é realizada por distintos grupos: aqueles que as coletam em bosques locais,

próximos às comunidades, utilizando basicamente a extração por faquinha; e

aqueles que se deslocam a grandes distâncias, tanto para a coleta de adultas

quanto de juvenis, usando faquinha ou arrancamento (Figura 07).

Não houve relatos de grandes deslocamentos de extrativistas nas regiões da

Baía de Antonina e suas áreas preferenciais são as mesmas relatadas para o

caranguejo. Assim, essa região apresenta-se como uma área de uso local. “Ainda dá ostra grande. Vendemos aí em Antonina. Vendemos a quilo, a R$ 5,00, R$ 6,00reais. Vão os home, as mulher. Cultivando não, aquí não. Ninguém faz.” (pescadoras dacomunidade da Ilha do Teixeira)

No estuário da Baía de Paranaguá, os grupos que se deslocam para a coleta

de ostras têm a mesma origem daqueles apontados na extração do caranguejo. São

originários do Valadares e da Vila Guarani e utilizam bosques e afloramentos

rochosos nas proximidades de Amparo e imediações. Também podem se deslocar

para as regiões “prá lá do Guapicum”, principalmente nas imediações da Baía dos

Pinheiros, para a coleta de ostras adultas. A atividade de extração de ostras adultas

dos grupos de Valadares e Vila Guarani ocorre basicamente para venda direta nos

mercados, especialmente para o Mercado de Paranaguá, e também para atender

demandas de restaurantes e entrepostos de pescado dos grandes centros urbanos.

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Figura 07: Rotas de deslocamento de extrativistas de Crassostrea rhizophorae nocomplexo estuarino da Baía de Paranaguá. As regiões demarcadas com círculos verdesindicam as grandes áreas de apropriação. Aquelas marcadas com círculo vermelho indicam áreascom determinadas regulações de acesso.

Já a Zona Nerítica parece não ser mais uma área de grande foco extrativista

como foi no passado. Há relatos de diminuição de tamanho de ostras e mesmo

extinção de bancos naturais na região. Exceção são os bancos naturais dos

manguezais do Rio das Peças, região essa que recebe regulações comunais tanto

para o uso do caranguejo quanto para a ostra. No caso das ostras, é permitida a

coleta apenas para alguns grupos de fora, a exemplo dos extrativistas do Poruquara,

usando a prática de extração por faquinha, sem a extração das raízes de Canapuva.

Assim, a regulação de acesso no extrativismo de caranguejos, descrita para a

região da vila da Ilha das Peças e da Enseada do Medeiros, também se efetiva na

extração de ostras, com a regulação da entrada para os que são de fora,

principalmente aqueles que fazem a extração da ostra arrancando a raiz da

Canapuva.

Ilhas maritimas

Gambôas

Deltas de Rio

Baías Abertas

Bacias

Ilhas de Confluência

Escala: 1:250.000Adaptado de MARTIN (1992)

N

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Na regulação de acesso da Enseada do Medeiros, é permitida a coleta de

ostras nos bosques locais somente para os grupos extrativistas oriundos das vilas

do Medeiros de Baixo, Medeiros de Cima e Vila São Miguel.

“Tiramo a ostra no mangue. Lá na vila não tem gente cultivando (a ostra). Pegamo a ostragrande no mangue mesmo. Essa ostra aqui é pra comer. Peguemo com a faquinha mesmo. Evem gente de fora pegar a ostra aqui? – Não. Quem mais vem aqui pegar? – Só o pessoal davila e do Medeirinhos.” (pescador da Vila São Miguel)

Entretanto, são freqüentes os relatos de que grupos do Medeiros de Baixo se

deslocam para bosques da Baía dos Pinheiros, “prá lá do Guapicum”, na busca de

ostras tanto juvenis quanto adultas, coletando os animais, muitas vezes, por

arrancamento.

Percebe-se também que a localização específica dos bancos de ostras

adultas ainda existentes parece indicar a noção de segredo. As respostas são

sempre reticentes quando se pergunta onde ainda existem bancos naturais de

ostras em manguezais. “Ah... por aí tudo tem... Tem que procurar... Mas tem... Agora é mais enterrada, né...”

Esse comportamento de segredar informações sobre a localização dos

bancos remanescentes é esperado, haja vista a intensidade das atividades

extrativistas na região, a competição entre grupos extrativistas, e a provável redução

da disponibilidade do recurso nas regiões de manguezais.

FLUXOS ECONÔMICOS DO RECURSO Crassostrea rhizophorae

O comércio de ostras adultas ocorre o ano inteiro, e a extração do recurso se

dá principalmente em bases familiares. Muitas vezes, grupos maiores são formados

para a extração de ostras em bosques distantes das vilas de origem e,

freqüentemente, o fazem porque são contratados para isso.

Os principais mercados são Paranaguá, Curitiba, Antonina, Guaratuba e

Cananéia (São Paulo). O comércio de juvenis ocorre para essa última localidade.

Quanto à cotação das ostras “adultas”, verificou-se nos mercados locais,

como no Mercadinho de ostras de Paranaguá, e nos entrepostos comerciais de

Pontal do Paraná, que existem valorações distintas para a ostra de cultivo e para a

ostra extraída diretamente dos manguezais. As ostras de cultivo, em dezembro de

2002, eram vendidas a R$ 3,00 ou R$ 4,00 a dúzia, e as de mangue, a R$ 2,00.

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Existem, também, relatos de comercialização de ostras desmariscadas,

vendidas a quilo. As ostras em cacho recebem a maior cotação, mas seu comércio é

velado, o que parece indicar uma determinada regulação formal. Sua

comercialização não se dá abertamente, e suscita críticas e revolta de muitos

extrativistas de manguezais, sendo considerada entre os pescadores como atividade

altamente predatória e impactante tanto para as populações animais quanto para os

bosques.

Nas comunidades do norte desse complexo estuarino, o comércio de ostras

pequenas, “juvenis”, ocorre direto para os criadores locais e de Cananéia a R$ 10,00

a caixa, enquanto as ostras maiores são, na maioria das vezes, vendidas

diretamente ao consumidor, ou seja, turistas que visitam a região, além do comércio

para Paranaguá.“A gente vende em Paranaguá, algum turista que chega, a gente vende. Pra nós não vale apena, nós manda tirar a R$ 10,00 a caixa de ostra, e a gente cultiva, e a nossa faixa é de R$25,00, dá 17 dúzias a caixa. O peixe tá fraco, e o que segura é a ostra. A gente cultiva o anointeiro, mas no inverno é difícil vir turista comprar ostra, mas se tivesse tinha ostra o anointeiro. No verão vende bem, os turistas vêm, compra. Tem um cara na Ilha das Peças quevem comprar aqui e vende em dúzias pra lá. Tem também da Ilha Rasa que leva para Pontal(do Sul). A gente nem leva.” (pescador da comunidade do Guapicum)

“E o pessoal do Poruquara tão vendendo. Pra turista, só pra turista. Eles vendem a 15 reais acaixa. Uma caixa tem 40 dúzias, 50 dúzias, se for menor a ostra, tem mais dúzia, se for maisgraúda, tem ostra que com 20 dúzias faz uma caixa. Essa ostra graúda eles vendem a 20reais a caixa...” (pescador da comunidade do Barbados)

“A minha esposa quando pega ostra ela vende pra turista. Pega de encomenda. É o pessoalque tem lanchonete aqui na ilha, pousada aí, vem buscar pra turma comer, eles vêm pescar ejá param aí, né. Vem de toda parte aí. É lá da Ilha. Tem comércio aqui da Ilha de Bertioga.”(pescador da comunidade do Barbados)

Nas visitas ao mercado de ostras de Paranaguá notou-se uma “noção de

risco” dos comerciantes, possivelmente relacionada ao fator poluição, que fica

implícito na divulgação (ou ocultação) da área de origem da ostra comercializada.

No primeiro contato, é muito raro obter informação da origem real do produto,

principalmente quando esta diz respeito às regiões nas imediações da cidade de

Paranaguá. Os comerciantes costumam dizer que as ostras vieram lá dos Pinheiros

(Baía dos Pinheiros). Ao serem novamente questionados sobre isso, durante o

diálogo, quando já estão mais à vontade, revelam que algumas das ostras são

extraídas nas imediações da cidade, no Valadares mesmo, ou nos bosques de

Amparo.

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Figura 08: Comercialização de Crassostrea rhizophorae no complexo estuarino deParanaguá.

É importante ressaltar que os criadores de ostras reclamam da queda de

preços das ostras de cultivo. Essa flutuação de preços se deu após a implantação

dos cultivos em diversas comunidades, principalmente ao norte do complexo

estuarino. “O preço da ostra tá bom, muito bom não tá, né? De primeiro, antes, tava bom, mas de umtempo pra cá, quando começou a dar aquele problema no mar, começou a morrer peixe,prejudicou a compra da ostra, do peixe, caiu tudo o preço. Uma caixa de ostra antes dava pravender a 25, 30, 40 reais! Agora nada! Agora com 15,00 a senhora compra, né? E ainda levadaqui pra Paranaguá, o pessoal lá compra.” (pescador da comunidade do Almeida/Ilha Rasa)

“Faz 10 anos que eu cultivo, sou um dos primeiros. Agora têm muitos cultivando, diminuiubastante (o preço), quando começou em Santa Catarina, e tal, caiu muito o preço, uns 40%caiu. Tem bastante concorrência de preço. A turma do Medeiros, Maçarapuã, vende a 15,00 acaixa. Pra nós que compramo pra pôr no viveiro não compensa.” (pescador da comunidadedo Guapicum)

Ao mesmo tempo em que o cultivo de ostras nessa região tem grande

potencial para o desenvolvimento local e para a melhoria de vida dessas populações

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Baía dos PinheirosBaía de

GuaraqueçabaEnseada

do Benito

Enseada do

Itaquí

Curitiba - Restaurantes e Comérc ios de pescado

Paranaguá -Mercado Municipal e Vii la Guaraní

Guaratuba

Santa Catarina

São Paulo

P

C

Sc

RJSP

S

Rio de Janeir oI Ilha das Peças, Ilha do Mel, I de Superaguí

T Venda local – para turistasPontal do Sul

G

A Antonina

I

P

P

P, SP,I, TP,C,G T

T

PP

P,C

P

P,T

P

P

P

P,SP

PP

A,C

P, SP

P,C

A,P

P

AA,C

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(podendo, inclusive, minimizar a pressão extrativista sobre pescados e caranguejos),

mas a atividade esbarra em duas questões centrais. A primeira delas é a falta de

tecnologias de captação de larvas de ostras para que os criadores não dependam

mais do extrativismo dos juvenis dos manguezais locais. Esse é o problema central

relacionado à atividade, cuja solução poderá efetivamente minimizar a pressão

extrativista sobre os bancos naturais do recurso.

A segunda grande questão está relacionada à vazão da produção local de

cultivo. Existem excelentes condições ambientais para a produção de cultivo de

ostras na região norte desse complexo estuarino. Os pescadores artesanais, em

diversas comunidades, aceitaram e aderiram a essa atividade econômica e em

alguns lugares já realizam cultivos há mais de 10 anos. Existe empenho de diversos

estudiosos, especialistas, técnicos, tanto das universidades paranaenses quanto de

institutos tecnológicos como o Emater e de Ongs como a IPE, que vêm trabalhando

constantemente com essas populações, oferecendo-lhes incentivo, conhecimento e

apoio técnico para o sucesso dessa atividade. Entretanto, todo esse esforço que

gera aumento na produção esbarra na dificuldade de escoar a produção e na falta

de estratégias que proporcionem uma abertura de mercado consumidor. Por causa

disso, os criadores sofrem com a desvalorização da ostra de cultivo e necessitam

complementar o orçamento doméstico com a venda de pescados, caranguejos e

ostras juvenis.

Contraditoriamente, o resultado final das atividades de cultivo é a intensa

pressão extrativista de juvenis nos bancos naturais, pressão essa que não existia

antes da implantação dos cultivos na região e no litoral de São Paulo. “O bom aqui é se tivesse o cultivo da sementinha aqui, um laboratório, assim, não pra tirar domangue, que é sacrifício, e também tá acabando. Antes a gente ia no mangue e sempre tinhados pequenininhos, agora já tá acabando. O IPE tá trabalhando aqui, vai trazer o técnico praensinar a cultivar. Ilha da Peças, aqui, Bertioga, Superagüi.” (pescador da comunidade doGuapicum)

“Sugeri pra esse home que vem de Curitiba... vem gente estudada!... Aí, eu falei: – Por quevocês não fazem um laboratório lá em Guaraqueçaba pra tirar essa semente da ostra nossaaqui, pra não judiar do mangue? Vendiam pra nós a semente baratinha, que não fosse muitocara, aí a gente comprava, né? Aí deixava o manguezal. Mas diz que é muito caro fazer isso!”(pescador da comunidade do Guapicum)

“Sempre chega gente aqui com projeto de criação de ostra, criação de camarão. Vocês estãovendo que tá ficando difícil, né? O governo prende a gente de tudo quanto é jeito, né? Aí veioessa proibição, veio a Florestal, o Ibama por causa da pesca aí, que a pesca tá se acabando,só que essa proibição não aumenta nada (da produção). Já que o governo quer que o marfique completo de peixe, de camarão... Ele podia fazer isso em laboratório. Tem tanta genteaí.” (pescador da comunidade do Guapicum)

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OS SABERES COMUNAIS SOBRE Crassostrea rhizophorae

Observaram-se alguns saberes comunais que se articulam com as dinâmicas

de apropriação das ostras-do-mangue nesse complexo estuarino. Entre eles, os

mais evidentes dizem respeito aos dois primeiros níveis de saberes comunais

propostos por BERKES (1999).

Alguns conhecimentos sobre fenômenos ambientais e biológicos que envolvem

os processos de apropriação comunal refere-se àquilo que BERKES (op. cit.)

denomina de 1o nível de saber local.

Assim, para a realização do extrativismo da ostra-do-mangue, há a

necessidade direta de um saber sobre a distribuição e localização das fisiografias de

borda que contenham árvores de Rhizophora mangle (Canapuvas), de preferência

bem desenvolvidas, com um considerável sistema radicular, e também mais velhas.

Em relação a esses condicionantes fisiográficos, há relatos de que nas raízes

das árvores onde já se estabeleceram ostras existem condições mais favoráveis ao

recrutamento de ostras juvenis. “Quanto mais você tira, mais dá. Você tira (a grande) e a miudinha cresce no lugar. Tem pessoa que

corta. (Mas) dá pra tirar a ostra e deixar só a canapuva. Se você tira a canapuva, acaba comtudo.” (pescador da comunidade de Amparo)

Esse é um indicativo interessante sobre condições diferencias de

recrutamento de acordo com o tipo de substrato, que corrobora com BUSHEK

(1988). Esse autor demonstra uma interação positiva no recrutamento de larvas de

ostras onde já existem ostras adultas, inibindo a fixação dos cirripédios. Também

ABSHER (1989) sugere que a interação adulto–larva tende a atenuar o

recrutamento diferencial dos cirripédios nas localidades onde a zonação ostra–

cirripédio é bem estabelecida.

Também se observaram conhecimentos comunais sobre os ciclos biológicos da

espécie, principalmente aqueles relacionados ao crescimento. Nesse sentido, relatos

dos extrativistas, freqüentemente, indicam ambientes preferenciais sob algumas

condições ecofisiológicas que potencializam o crescimento e o sucesso dos cultivos

locais.

O fator mais freqüentemente relacionado ao sucesso e melhor crescimento

desses animais na região é a existência de rios próximos aos manguezais ou aos

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cultivos, indicando um melhor crescimento desses animais quando submetidos à

águas oligohalinas.“Tem lugar que faz crescer bem a ostra, tem lugar que quase não cresce. A ostra é um troçobom de trabalhar porque a senhora tira uma ostra do mangue pequenininha, da canapuva, eseis meses já tá grande, e daí vai procriando... No Poruquara é um lugar que, meu Deus docéu! Um lugar bom de criar ostra lá porque em pouco tempo ela fica só daquela grandona. Láela cresce melhor do que aqui. Porque eu acho que a água é muito misturada. Porque lá temcachoeira, a água desce do rio, então. Aqui é pura, a água salgada aqui é pura então é porcausa disso que aqui quase não cresce a ostra, e lá cresce, ela gosta mais da água misturada.”(pescador da comunidade do Barbados)

“Em Guaratuba, a boca do rio é bem pertinho do mar aberto, agora prá nós aqui fica maislonge. Que nem aqui em Poruquara, eles pegam bastante criação, mas fica bem pertinho daágua doce, tem cachoeira bem perto. Tromomó também tem cachoeira pertinho, Medeirostambém tem cachoeira pertinho. A única ostra que é mais salgada, um pouco, é essa nossaaqui. Aqui nós não temos cachoeira nenhuma perto. Fica mais gostosa.” (pescador dacomunidade do Guapicum)

“Na Ilha Rasa, tão criando pra lá, o mar bate menos... Mas aqui to ideando que não dá pra nósaqui, por causa do vento. Tem muito banco de mar...”. (pescador da comunidade do Maciel)

“E a ostra, não penso em cultivar ostra porque tem que ter saída de rio, é o que dá mais eaqui ainda ninguém tentou. Lá no Amparo tem o rio das Ostras e o Riozinho, e lá dá, tempessoa que tem...” (pescadora da comunidade de Piaçaguera)

Também o fator temperatura tem sido relacionado como um condicionante da

mortalidade desses animais, no verão, tanto em cultivos, quanto nos manguezais. E

seu crescimento acelerado, apontado como otimizado no inverno.“A ostra (no mangue mesmo) agora tá meio devagar, agora com o calor ela morre...”(pescador da comunidade de Ponta da Pita)

“No inverno ela cresce mais rápido, que nem se a gente plantar a ostra agora, pra colher noinverno, ela demora muito pra crescer, muito calor demais. Agora no inverno se planta umaostra; dá 4 meses, já tá tudo comprida por causa da temperatura, né. É, colhe no verão(Planta no começo do inverno pra colher no verão), isso que a gente está fazendo aqui. Essaeu plantei no inverno, estamos colhendo agora.” (pescador da comunidade do Guapicum)

Alguns pescadores também relacionam as condições climáticas locais como

fatores limitantes para o cultivo em frente às comunidades.“A ostra, eu tava querendo criar mas não dá por causa do vento. No mangue é que é bom,mas os caras roubam. Mas a ostra é legal de criar. Sempre tiro do mangue,umas caixas.”(pescador da comunidade de Amparo)

Quanto às condições de crescimento das ostras nos bosques de manguezais,

alguns relatos apontam que a proximidade do substrato, quando as ostras ficam

enterradas na lama, é condição ideal para crescerem rapidamente. Alguns

extrativistas sugerem que esses animais gostam de “comer o limo da lama”. “Porque quando a ostra cresce assim, ela cresce na areia do mangue, né, então a areia domangue apodrece e ela cai na lama, na lama ela cresce pra caramba, mas olhe fica cada

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ostrão grande que barbaridade. A raiz cai na lama, se enterra na lama e cresce bastantemesmo.” (pescador da comunidade do Barbados)

É possível, no entanto, que esse crescimento acelerado próximo ao solo

esteja relacionado com a ausência do fator limitante da região intertidal, a exposição

ao ar. Assim, as ostras mais próximas ao solo e com menor tempo de exposição ao

ar filtram maior quantidade de fitoplâncton e podem crescer mais rapidamente, em

comparação com aquelas expostas ao ar.

Como se pode observar, diversos fatores relacionados à qualidade da água,

salinidade, temperatura, hidrodinâmicas e fenômenos climáticos (a exemplo dos

ventos locais) são levado em conta pelos pescadores para avaliar a eficácia de seus

cultivos locais e também para localizar os bancos naturais de ostras nos

manguezais.

Também algumas relações de predação ou de competição intra-específica por

espaço são relatadas, principalmente por pescadores que têm contato freqüente

com atividades de cultivo e têm oportunidade de observação mais sistemática.

“Olha, a ostra dá trabalho pra pessoa. Por ali, tem lugar que ele põe ostra na água ali pracrescer, então dá aquelas craquinha em cima, então quando eles tiram pra limpar elesgastam um dia, dois dias pra tirar aquela craquinha ...Aqui dá daquele caramujinho, dabastante... E dá trabalho porque esse caramujinho entra na ostra e mata tudo a ostra. Porquequando a maré tá cheia ou enchendo ela fica aberta, né, então o caramujo entra lá daí a ostranão pode fechar mais e ele vai matando a ostra.” (pescador da comunidade do Barbados)

“Aqui no mangue ela não cresce muito, porque ela fica muito junto. Não tem espaço. É quenem no travesseiro. Se a gente colocar muita ostra, uma imprensa a outra, então ela custamais em crescer né. Agora na lama a gente põe certinho, uma do lado da outra, então ela temespaço de crescer rápido, né. Ah, com seis meses já está bastante grande.” (pescador dacomunidade do Guapicum)

Alguns extrativistas também diferenciam as duas espécies de ostra

ocorrentes nesse complexo estuarino, ou seja, C. rhizophorae, de regiões intertidais

e C. brasiliana de infralitoral.“Essa ostra do mangue é um. No fundo é (outra) que existem minérios de ostras mas eununca mergulhei pra tirar, veio só casca na rede.” (pescador da comunidade do Maciel)

“É, essa aqui é aquela que vive no fundo? – Não, não. – Não, essa aqui é só na canapuvamesmo, o que dá no mangue! É. A que dá no fundo ...só se tira (com) algum pedregulho. Nofundo, (deve ter) alguma coisa para ela se agarrar, porque ela não dá direto na lama.Ela solta os filhote dela então a maré carrega né. Onde encosta ela produz. Chega o tempode desova ela solta né e a maré se encarrega. É que nem o camarão, né. O camarão eledesova lá fora, e a maré que carrega ele né, ele vai embora, entra pro rio, entra pro mangueentão ali ele se cria, né.” (pescador da comunidade do Guapicum)

Muitos desses conhecimentos, somados aos saberes sobre os ciclos lunares

e às condições de marés e ventos, condicionam as periodicidades dos extrativismos

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e dos cultivos e orientam as organizações internas dos grupos, tanto no que diz

respeito ao deslocamento para captura quanto ao acondicionamento e

comercialização dos animais.

Assim, alguns conhecimentos sobre práticas, técnicas e ferramentas espácio-

temporais empregadas no extrativismo da ostra apresentam-se articulados às

dinâmicas de apropriação e demonstram a integração de conhecimentos de primeiro

nível com aquilo que BERKES (1999) denomina de 2o nível de saber local.

Para exemplificar, a coleta de ostras nos manguezais está condicionada à

temperatura do ambiente e ocorre, preferencialmente, em momentos de menor

temperatura. O aumento de temperatura é sinal de condições inapropriadas para o

extrativismo, tanto de adultas, quanto de juvenis.

Também as condições de transporte e armazenamento relacionam-se com

conhecimentos sobre a capacidade de resistência à dessecação e à exposição ao

ar. Os comerciantes e extrativistas relatam que as ostras de cultivo são menos

resistentes à dessecação e, quando expostas ao comércio local, duram, em média,

2 dias, enquanto aquelas de manguezal duram de 3 a 4 dias.

Essa diferença na tolerância à dessecação pode estar relacionada às

diferentes condições de aclimatização. As ostras de cultivo possivelmente não estão

submetidas às mesmas condições e periodicidades de exposição ao ar, como

aquelas que permanecem em seu ambiente natural, intertidal. Possivelmente,

ajustamentos gradativos aos diferentes fatores ambientais, especialmente aqueles

vinculados aos processos metabólicos ligados à condição de dessecação, ocorrem

com os animais em condições naturais e podem capacitá-los para maior resistência

à dessecação.

Quanto à percepção de “sustentabilidade” das atividades de cultivo e de

extrativismo da ostra nesse complexo estuarino, os próprios pescadores artesanais

relatam a diminuição do recurso em determinadas áreas.

Da mesma maneira, alegam que algumas técnicas empregadas na coleta

alteram sobremaneira as condições de recuperação dos manguezais, principalmente

no “arracamento” das raízes de Canapuva. Por isso, extrativistas que realizam essa

prática começam a receber restrição de acesso a algumas áreas de manguezais, a

exemplo dos manguezais às imediações da Ponta das Peças. Como se verá na

próxima etapa empírica deste trabalho, a região do Poruquara também tem realizado

uma seleção por grupo nessa mesma perspectiva.

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No caso dos extrativistas da comunidade de Medeiros de Baixo, esses são

grupos identificados muitas vezes por arrancarem as raízes de canapuva, na coleta

de ostras, e tem sofrido limitação de acesso nessas áreas acima mencionadas.

Entretanto, também fazem restrição a qualquer grupo, que não seja das vilas que

compartilham sua Enseada, ou seja Vila São Miguel e Medeirinhos. Ressalta-se que

apenas os comunitários de Medeiros de Baixo realizam cultivo de ostras, e extração

de juvenis. Sendo que não foram relatados conflitos de uso entre essas três

comunidades.

A identificação dos grupos e o estabelecimento de acessos ou regras de uso

a partir dos saberes sobre técnicas de coleta, e ferramentas espácio-temporais são

exemplos de interligação entre os segundo e terceiro nível dos saberes comunais,

propostos por BERKES (1999).

Apesar de haver uma capacidade potencial de reposição dos bancos naturais

de ostras, como sugere diversos estudos, tanto pela abundância de larvas no

sistema, quanto pelo rápido crescimento da espécie, principalmente quando

comparado àquele de U. cordatus, está claramente colocada a atual inadequação

das atividades de cultivo quanto à sua premissa de reduzir os impactos diretos sobre

os bancos naturais de ostras desse complexo estuarino.

Entretanto, mesmo não havendo a eficácia esperada na regulação formal

sobre as apropriações de ostra do mangue, algumas comunidades começaram a

estabelecer alguns códigos de conduta, a exemplo daquelas situações de seleção

por grupo, segundo ferramentas e técnicas de extração.

Também muitos comunitários percebem claramente o impacto das práticas de

cultivo sobre os bancos naturais, e reconhecem a necessidade de uma tecnologia de

captação de recrutas incrementando as atuais formas de cultivo da região. E

também a necessidade de expansão de mercado para sustentar as atuais práticas

produtivas na região.

Assim, observa-se um esforço desta coletividade em pensar a viabilidade de

suas práticas materiais em ajuste aos condicionantes ambientais e socioeconômicos

impostos. Ressalta-se ainda que, o cultivo de ostras é tido como uma boa alternativa

de vida para os pescadores artesanais, entretanto, tem gerado competições de

grupos e algumas demarcações de território. Neste sentido, a competição pelo

recurso ficou claramente representada, tanto nas práticas de regulação de acesso

entre comunidades, quanto dentro das comunidades, na marcação de áreas eleitas

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como de uso individual, de determinada família ou de grupo comunitário, como se

verá mais adiante, na próxima etapa empírica apresentada. Essas demarcações

tendem a ficar cada vez mais freqüentes.

AS DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DE Mytella guyanensis

Os usos praticados no extrativismo sobre o sururu (Mytella guyanensis) nesse

complexo estuarino ocorre principalmente para a alimentação familiar. E sua

comercialização está restrita a determinadas regiões. “O sururu é as mulhé que tira. Não (é) pra vendê, (é) pra comê. Tem costume de comê osururu, sim, come.” (pescador da comunidade da Vila São Miguel)

“O sururu o pessoal tira só assim, só pra comer, para a filharada, mas é bom também, né?”(pescador da comunidade da Praia do Pasto)

“O sururu tem bastante por aqui, só que a turma não tira, pra vender não tira, só pra comer. Pra tirar é tudo a mesma coisa, mesmo trabalho. O bacucu é mais difícil.” (pescador dacomunidade do Almeida/Ilha Rasa)

“Tem sempre o costume de comer o sururu, sempre. Tiramos o sururu do mangue ecomemos, não vende... Mais costume é comer com arroz. Não chega a ser uma vez porsemanaDe vez de ter o peixe tem o sururu... Vai as mulheres, os homens, as crianças (coletar).”(pescador da comunidade de Bertioga)

É importante ressaltar que os pescadores artesanais desse complexo

estuarino utilizam na alimentação e comercializam outra espécie do gênero, Mytella

charruana, denominada de bacucu. Essa última espécie ocorre nos fundos de canais

e gamboas que recortam os estuários e manguezais, mas não no manguezal

propriamente dito, e apresenta um importante comércio local, principalmente às

imediações da cidade de Paranaguá. “Na lama, mesmo do mangue tira o caranguejo, o sururu e a ostra. O bacucu tem muito nobaixio que vai pra Vila São Miguel... Tiramo muito sururu pra vendê, uma época. O gostinho éque é diferente... O bacucu é mais gostoso que o do mangue (sururu)... Cada um tem seutempero... Quando bate a vontade a gente vai no mangue pegar.” (pescadora da comunidadede Piaçaguera)

Assim como o bacucu, o sururu tem se apresentado como importante recurso

de subsistência para a maioria das famílias de pescadores artesanais na região,

como alternativa protéica facilmente disponível. Apesar de pouco explorado

comercialmente na região, para aquelas famílias que o fazem, esse recurso compõe

uma estratégia econômica importante.

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“Na época da (minha) juventude era tirado, era levado, eu fiz uma casinha um ano aí, comminha primeira mulher que eu tive aí, agora eu tenho a segunda, a primeira morreu. Nosvivíamos colhendo marisco, quando faltava peixe nós ia tirar prá vender. Vendia na cascamesmo. Não é difícil tirar, só que tem uns bichinho que incomoda, os mosquitos incomodammuito.” (pescador da comunidade de Piaçaguera)

“A gente precisa é ter encomenda, né? A gente não pega sem encomenda, às vezes ele temmuito lá... Se for pra viver dele, você vive. Um tempo no Amparo muita gente vivia só dobacucu e do sururu, muitas famílias.” (pescadora da comunidade de Piaçaguera)

“Minha irmã e a sobrinha catam o bacucu e o sururu e vendem no mercado. Sururu nãodesmarisca, só o bacucu. Só que dá muito mão de obra.” (pescador da comunidade deAmparo)

“A vida tá difícil, o camarão tá proibido, tem que pescar de linha, (tem que) ir no mangue tirarsururu, o bacucu... Agora é que é época de tirá o sururu e o bacucu.” (pescadora dacomunidade de Amparo)

“O sururu é R$ 0,50 a lata e tem por todo esse mangue. Tira com o dedo de um em um. Emum dia de trabalho, duas pessoas tiram 140 latas... Sempre encontra preço no mercado, porencomenda. Eu tiro e levo. As encomendas têm mais no verão, até o carnaval... A famíliacostuma comê com batata, chuchu. É gostoso.” (pescadora da comunidade de Amparo)

“O sururu ele tá magro agora. Minha mãe pega! Ela pega pra comer e pra vender. Conseguea 3,00 4,00 o quilo, desmariscado... Desmariscamo lá em casa, lava e vende... Aqui o avôdele vende o sururu... Nós somos aqui do Pinheirinho, e tem aqui perto, é Itapema.”(pescadores da comunidade de Pinheirinho/Antonina

Sua extração é sempre manual, e apesar de apresentarem distribuição

agregada no substrato dos manguezais, são coletados um a um, extraídos com o

dedo, ou por algum tipo de alavanca que desloque os indivíduos do substrato

lodoso, sem prejuízo para o banco natural.

A Figura 09 indica os usos praticados na extração do sururu nas diferentes

regiões desse complexo estuarino.

Percebe-se que a exploração comercial do recurso ocorre de maneira bem

localizada, principalmente próximo ao centro urbano de Paranaguá e em um ponto

da Baía dos Pinheiros, onde há atividade turística mais intensa, a região de

Superagüi.

O comércio de sururus no mercado de ostras de Paranaguá é basicamente

sustentado pelas famílias coletoras da comunidade de Amparo, além de algumas

outras, oriundas, principalmente, do Valadares. Nesse mercado, compram-se os

animais medidos por lata (latas de óleo, de 900 ml). O preço para o consumidor (em

07 de dezembro de 2002) era: duas latas por R$ 3,00 e 4 latas a R$ 5,00. Já os

extrativistas declaravam, nessa época, vender sua produção aos comerciantes da

região por R$ 0,50 a lata, contendo, em média, 20 a 25 animais.

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Figura 09: Usos do sururu (Mytella guyanensis) no complexo estuarino da Baía deParanaguá.

“O bacucu dá no meio do rio. A gente aqui pega o sururu lá no Riozinho. O bacucu é porquilo, tira, lava, cozinha e desmarisca. Dá trabalho. Aprendi com meu pai. Minha mãe éfalecida uns 15 anos. O bacucu é mais difícil, tem que lavar, tirar as lama, e dá R$ 2,00 oquilo do bacucu. O sururu não, vai lá tira, lava e vai pro mercado vender. Se tivessecomprador a gente ia o ano inteiro. No inverno fica pouco no mercado. É R$ 0,50 a lata, e R$0,40 no inverno.” (pescadora da comunidade de Amparo)

O comércio realizado na região de Barbados ocorre para turistas e

comerciantes da comunidade de Superagüi.“O sururu o pessoal vai no mangue buscar. Quando a turma tá com vontade de comer vai nomangue. Quando o peixe tá fraco. Vai mais as criançada... Que é um trabalho que é gostosode fazer... É gostoso de fazer porque não dá muito trabalho, tirou, arrancou é só botar naágua quente... E pra vender o rapaz aí compra desmariscado, ele tá cobrando 5 conto o quilo.Compra esse sururu aqui de Barbados e vende lá em Superagüi... Na cidade é difícil, é maispra turma de turista... Aí anima vim buscar o sururu, aí anima, porque um tempo atrás nãotinha como pegar caranguejo, só tinha sururu tiraram 2 quilo de sururu e comemo ele... Etiraram só pra comer, mas se for tirar pra vender tira, tira porque tem bastante.” (pescador deBarbados)

NBaíade

Antonina Estuário da Baía de Paranaguá

Zona N erítica da Baía

de Paranaguá

Estuário da Baía

de Laranj eiras

Baía dos Pinheiros

Baía de Guaraqueçaba

Enseada do

Benito

Enseada do

Itaquí

Comercialização

Consumo familiar

Recurso não explor ado

Recurso inexistente

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Já nas proximidades da Baía de Antonina, os pescadores artesanais não

exploram o recurso, alegando a presença de poluentes na região.

“O sururu tem, mas o povo não tira lá. É muito poluído lá.” (pescador da comunidade dePonta da Pita)

Com exceção das comunidades da Baía de Antonina e das comunidades

muito próximas à desembocadura do complexo estuarino (Maciel e Vila de

Superagüi), esse recurso parece ter uso freqüente como estratégia de

complementação protéica das famílias.

Não se constatou, nesta etapa de pesquisa, nenhum tipo de regulação de

acesso nas dinâmicas de apropriação desse recurso. E são raros os deslocamentos

de extrativistas para além dos manguezais próximos de sua comunidade para sua

coleta. Exceção ao fato são os extrativistas da comunidade de Valadares, que

costumam coletar “pra cima do rio, onde tem água mais doce, que é onde dá mais

sururu”. Também relatam coletar os animais nas imediações de Amparo, alegando

que “o sururu cresce mais lá em Amparo, porque lá tem o rio Itimirim! E no Rio

Itimirim o sururu sempre foi maior do que no Rio das Ostras!”

Quanto aos saberes implicados nas dinâmicas de apropriação, pôde-se

constatar, nas três etapas empíricas da pesquisa, relações com os condicionantes

ambientais de sua ocorrência e distribuição. A disponibilidade de sururus não ocorre

homogeneamente nos bosques de manguezais. Está condicionada principalmente

aos ambientes intertidais que margeiam os bosques, nas áreas próximas aos canais

e corpos d’água, como os pequenos córregos que penetram os manguezais, e em

substratos que os comunitários identificam como “barrancos”.

“E aqui tem demais sururu aqui. Junto do manguezal, na beira. Onde mais a água bate, nasentradas dos mangues, é onde tem sururu. Lá pro centro não tem porque a água não entra.Teve uma época que ele teve muito pouco. Sempre quando se derrama alguma coisa dessesnavios, mata os mangues, os sururu, mata até esses capinzal aí... Teve época que eles ficôzero, você ia vê (o sururu) tava tudo aberto, matô tudo... Agora que faz tempo que nãoderrama esses óleo aí tá bonito de vê lá agora.” (pescadora da comunidade de Piaçaguera)

Alguns pescadores relatam uma determinada inconstância na disponibilidade

do recurso. Ao mesmo tempo que seus bancos naturais se desenvolvem e crescem

rapidamente, podem morrer massivamente, demonstrando instabilidade em

determinadas áreas.“Sururu aqui não tem, só dá muito ali na Coroa Grande, do lado do Ibocuí, toda a vida teve, látem... E na Vila São Miguel, que não tinha, mas diz o povo que já apareceu bastante, que tá

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até incomodando porque machuca o pé... Mas diz que não tinha, mas de repente apareceuuma criação e que de repente tá desaparecendo, tá acabando de volta, mas que táacabando... Na Coroa Grande e no Ibocuí toda a vida teve desde a minha infância, muitosanos que as criação vai continuando e toda a vida teve. Não vendo esses mariscos, não seiporque não costumemo.” (pescador da comunidade do Maciel)

No transcorrer desta pesquisa, os saberes relacionados às dinâmicas de

apropriação de sururu puderam ser melhor pormenorizados a partir de estudos

microrregionais na comunidade de Amparo. Nessa comunidade, em função da

exploração comercial por determinadas famílias, observou-se uma interessante

articulação dos saberes comunais com suas práticas de exploração do recurso (vide

próxima etapa empírica).

Apesar de esse recurso ainda não ter grande expressão na economia familiar

da maioria das famílias de pescadores artesanais do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, consideram-se importantes os avanços nos estudos que articulam a

viabilização de sua exploração de maneira harmônica e viável. Objetivando,

principalmente, proporcionar a essas famílias maior diversidade na exploração dos

recursos de manguezais, a fim de minimizar a pressão extrativista sobre aqueles

recursos que já demonstram possíveis processos de sobreexploração, como é o

caso do caranguejo-uçá e da ostra.

A Família Mytilidae tem recebido atenção de vários estudiosos em virtude do

potencial de exploração comercial (de extrativismo e cultivo) tanto de Perna perna

quanto de bacucu (Mytella charruana) e sururu (Mytella guyanensis) (NISHIDA,

1988; VIEIRA et al., 1990). Além disso, essas espécies podem ser bons

bioindicadores de poluentes, principalmente de metais pesados (CARVALHO et al.,

2000).

É notório, também, o uso comercial e de subsistência das duas espécies de

Mytella por muitas populações extrativistas ao longo o litoral brasileiro, tendo sido

estimado seu potencial na região norte do Brasil em 86.480 toneladas/ano de peso

vivo (PAIVA, 1997). Entretanto, não existem portarias específicas de regulação de

captura para a espécie, há apenas aquela portaria genérica, nº 1.747/96

(22/11/1996).

Percebe-se, então, que o quanto antes avançarem os estudos sobre Mytella

guyanensis nesse complexo estuarino (no que diz respeito à sua bioecologia,

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potencial de disponibilidade, distribuição e abundância, em relação às

heterogeneidades ambientais) mais próxima estará a possibilidade de construir

estratégias de manejo local que viabilizem dinâmicas de apropriação que

harmonizem a exploração e a conservação dos recursos de manguezais.

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CONCLUSÕES

As dinâmicas de apropriação dos recursos bênticos de manguezais apresentam-

se envolvidas com a apropriação dos recursos pesqueiros em geral, nesse complexo

estuarino. A utilização dos recursos bênticos dos manguezais locais parece estar

condicionada às estratégias econômicas internas da atividade pesqueira praticada

pelas diversas comunidades, à capacidade tecnológica para exploração do ambiente

aquático e à disponibilidade dos recursos bênticos de manguezais em função da

fisiografia dos bosques, além das restrições impostas pela legislação ambiental.

Observaram-se conhecimentos comunais sobre a abundância relativa de

caranguejos e de ostras por tipo de bosque e de formação regional. Também se

observaram conhecimentos sobre os ciclos biológicos das espécies. Essa dinâmica

de interligação entre os saberes locais específicos dos ambientes e do recurso

explorado às práticas e técnicas empregadas corroboram com a proposta de análise

de BERKES (1999) que indica uma estreita ligação entre os níveis de saberes

locais.

Os grupos coletores se identificam por suas técnicas de coleta e reconhecem

diferentes papéis nos fluxos econômicos gerados a partir dessas técnicas. Quando

há restrição de acesso, os grupos são selecionados com base nas técnicas que

empregam para a extração dos recursos.

Quanto à ostra e ao caranguejo, seus usos variam em distintos setores da

baía. Destacam-se algumas regiões onde há um expressivo controle de acesso

praticado pelas comunidades locais aos seus bosques de manguezais, regulação

esta que confere regras quanto às técnicas de extração, tanto para o caranguejo

quanto para a ostra. Já para a região das baías de Laranjeiras e dos Pinheiros,

constatou-se a exploração principalmente de juvenis de ostras nos bosques locais,

para cultivos e um comércio importante de juvenis de ostras e de coleta de

caranguejos em entre luas, que gera deslocamentos dos extrativistas para bosques

da Baía de Laranjeiras e dos Pinheiros. O emprego de esforço de captura de

caranguejos e ostras parece estar aumentando significativamente.

O extrativismo do sururu (Mytella guyanensis) ocorre principalmente para

alimentação familiar, e são restritas as áreas em que ocorre sua comercialização. A

exploração comercial desse recurso se dá principalmente próximo ao centro urbano

de Paranaguá e na comunidade de Barbados, na Baía dos Pinheiros.

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Na região de Amparo, na Baía de Paranaguá, o recurso é explorado comercialmente

de maneira mais sistemática, ao longo do ano, no Mercadinho de Ostras de

Paranaguá. Outro comércio ocorre na comunidade de Barbados, que vende os

moluscos para comerciantes de Superagüi.

São raros os deslocamentos de extrativistas para além dos manguezais

próximos de sua comunidade para a coleta de sururu. Exceção são os extrativistas

da comunidade de Valadares, que coletam sururus nas imediações de Amparo.

Apesar de o recurso ainda não ter grande expressão na economia familiar da

maioria das famílias de pescadores artesanais desse complexo estuarino,

consideram-se importantes os avanços nos estudos que articulem a viabilização de

sua exploração de maneira harmônica e viável, valorizando as formas tradicionais de

manejo. Isso proporcionaria às comunidades locais maior diversidade nas formas de

exploração dos recursos de manguezais, reduzindo a pressão extrativista sobre

aqueles recursos que já demonstram possíveis processos de sobreexploração, como

é o caso do caranguejo-uçá e da ostra.

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Tabela I – Modos de apropriação do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) em diferentes localidades do complexo estuarino da Baíade Paranaguá.Localidade Técnica de coleta Mercado consumidor Preço de

mercadoTempo dededicação

Local decoleta/rendimento Grupos coletores Mobilidade

na extraçãoIlha dasPeças

Manualna corrida/

andada.Ilha das Peças Durante o verão. Ilha das Peças Familiar Mangues

locais.

MacielManual

na corrida/andada, com cerco,

há 7,8 anos.

Paranaguá,Curitiba,

Pontal do Sul.

R$ 2,00 para ocoletor,

R$ 5,00 a R$ 6,00para o

atravessador.Em Paranaguá,para consumo:

R$ 7,00 a R$ 8,00.

Durante o verão,dedicação exclusiva.

*Guapicum, Maciel

(*20 dúzias/homem/dia)

Partilha em gruposde coletorescontratados.

Guapicum,Cotinga.

MarianaNa corrida (em

Mariana) na toca comfoice e laço (em

outras localidades).

Paranaguá, poratravessador.

R$ 3,00 a R$4,00 na corrida,R$ 5,00 na toca.

Dedicação exclusivadurante o verão.

Na toca, com foice:6,333 homem/dia

Na corrida:20dúzias/homem/dia

Família (pai e filhos).

Canudal,Pinheiros,

Guapicum, natoca.

Almeida Na toca, laço efoice/cavadeira.

Paranaguá, poratravessador.

No laço:2400 caranguejosem 6 barcos/dia

(informaçãoindireta).

Dedicação exclusivadurante o ano todo.Congelam garras noinverno (informação

indireta).

15,71dúzias/homem/dia Partilha em grupos.

Bertioga,Guarituba,Ariri (SP)Cananéia.

Guapicum Manual, na corrida.Paranaguá, por

atravessador (Sr.Rubens).

R$ 2,00 para ocoletor.

Não se dedicarameste ano à atividade.

Antes: 20 dúzias porpessoaHoje: 15

dúzias/homem/dia

Familiar Mangueslocais.

Piaçaguera Manual, na corrida.

Paranaguá (VilaGuarani), Pontal doSul, direto para o

consumidor ou poratravessador (Amparo),

via fone.

R$ 2,00 para ocoletor na corrida;

R$ 4,50 a R$5,00 vendido

direto em Pontalano passado;

R$ 4,00 para oatravessador nacorrida este ano.R$ 6,00 tirado na

toca.

Verão, na corrida.

Piaçaguera5 dúzias/dia – Célia

para carregar;29 dúzias/Célia/dia

Familiar

Mangueslocais.

Amparo Manual, na corrida,com cavadeira natoca. E com cerco.

Paranaguá (VilaGuarani), para

atravessador, e noRocio direto para o

consumidor..

R$ 5,00 para ocoletor (preço de

arrancada);R$ 8,00 para o

consumidor.

Verão, na corrida etirado por foice.

Riozinho, Buqüera,20 dúzias homem/dia. Familiar

Mangueslocais.

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Localidade Técnica de coleta Mercado consumidor Preço demercado

Tempo dededicação

Local decoleta/rendimento Grupos coletores Mobilidade

na extração

Vila Guarani Laço, cavadeira. Paranaguá, Curitiba(confirmar).

O ano todo(informação

indireta).

Guapicum, Ibucuí,Tibuçú.

Tercerizados,contratados. Intensa

Praia doPasto Manual, na corrida. Paranaguá

R$ 4,00 sobencomenda na

corrida.Na tirada, R$ 5,00.

Verão, na corrida. Rio do Retiro Familiar Mangueslocais.

Medeiros debaixo

Manual, na corrida ena toca no laço.Usam o cerco.

Paranaguá, Curitiba,Guaratuba.

R$ 4,00 aR$ 5,00 na tirada

com laço.

O ano todo(informação

indireta).Medeiros Familiar e partilha

em grupos. Guapicum

Maçarapuã Manual, na corrida. Paranaguá e no localpara turistas. R$ 5,00 Verão, na corrida. Maçarapuã Familiar e partilha

em grupos.Mangues

locais.

EuropinhaManual, na corrida.

Usam cerco.Não fizeram a safraeste ano porque não

correu.

Paranaguá(Vila Guarani). R$ 2,00 a dúzia. Verão, na corrida.

Rio do Nacar, PontaComprida, Faisqueira,

Rio de Alexandra.Familiar

Localidadespróximas àEuropinha.

Medeiros deCima

Manual, na corrida.Usam cerco há 5

anos.Paranaguá R$ 5,00 a dúzia. Verão, na corrida. Medeiros Familiar Mangues

locais.

Valadares Manual, na corrida ena toca no laço.

Paranaguá eentrepostos de outros

centros urbanos(Curitiba, etc.).

Verão, ou ano todo,tirado. Guapicum, Bertioga

Partilha em gruposde coletorescontratados.

Guapicum,Bertioga.

Vila SãoMiguel

Manual, na corrida ena toca. Usam o

cerco.Paranaguá R$ 4,00 a dúzia. Verão Medeiros Familiar Mangues

locais.

Pinheirinho Manual, na corrida ena toca.

Antonina e entrepostosde outros centros

urbanos (Curitiba, etc.).Verão Quatinga, Faisqueira e

Teixeira.Familiar e partilha

em grupos.Baía de

Antonina.

Ponta daPita

Manual, na corrida ena toca.

Antonina e entrepostosde outros centros

urbanos (Curitiba, etc.).Verão Quatinga, Faisqueira, e

TeixeiraFamiliar e Partilha

em gruposBaía deAntonina

Teixeira Manual, na corrida e toca.

Antonina, Paranaguá eentrepostos de outros

centros urbanos(Curitiba, etc.).

Verão Mangue do Rio dasPedras

Familiar e Partilhaem grupos

Baía deAntonina

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Localidade Técnica de coleta Mercado consumidor Preço demercado

Tempo dededicação

Local decoleta/rendimento Grupos coletores Mobilidade

na extração

Cotinga Manual, na corrida ena toca. Usam o

cerco.

Paranaguá, Pontal doSul. Não coletam mais. Cotinga, Maciel. Familiar

Mangueslocais.

SuperagüiManual, na corrida,só para consumo

próprio.Superagüi Verão Superagüi Familiar

Mangueslocais.

Bertioga Na corrida(20 famílias). Paranaguá, Pontal, Ilha

do Mel. Por atravessador. Verão. Dedicaçãoexclusiva. Mangues de Bertioga Grupos coletores.

Mangueslocais.

Barbados Na corrida (semlaço).

Paranaguá, Pontal, Ilhado Mel. R$ 2,00 dúzia. Verão Rio Fundo (impactado). Familiar e partilha

em grupos.

Mangueslocais.

Canudal Na corrida, no laço.Guarda no saco.

Paranaguá, poratravessador (Sr.

Albertino).

R$ 4,00 adúzia(tirado).

R$ 2,50 naandada.

Verão Rio do Segredo, Rio doMeio. Familiar

Mangueslocais.

Vila Fátima Na corrida(tem crabgrande). Paranaguá Verão Baía dos Pinheiros Familiar

Mangueslocais.

Poruquara Na corrida. Paranaguá Verão Poruquara Familiar Mangueslocais.

Tibicanga Na corrida. Paranaguá Verão Entrada dos rios daBaía dos Pinheiros. Familiar Mangues

locais.

Ponta daPita

Na corrida,cavadeira, foice, laço,

embraçamento.Restaurantes. Curitiba,

Antonina.

R$ 7,80 a dúziapara o

consumidor;R$ 2,50 a R$3,00 para opescador.

Verão(dedicaçãoexclusiva);

mobilização dedesempregados.

Faisqueira. 7/8 sacos,30 dúzias/homem/dia

na corrida.

Três a quatrocolegas. Um deles

fica na canoagritando e batendo

para chamar osoutros.

Partilha.

Faisqueira

Vila dosPolacos

Na corrida,cavadeira, foice, laço,

embraçamento.

Por encomenda,Antonina e Curitiba.

5,00 tirado;3,50 andado Verão

Quatinga,Mamanguava (Rio doQuatinga), Faisqueira.

Familiar e partilhaem grupos.

Quatinga,Faisqueira.

Ponta daGraciosa de

BaixoManual, na corrida e

na toca.Antonina e Curitiba. Verão Quatinga Familiar e partilha

em grupos. Quatinga

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Tabela II – Modos de apropriação da ostra-do-mangue (Crassostrea rhizophorae) em diferentes localidades do complexoestuarino da Baía de Paranaguá.

Localidade Técnica de coleta/cultivo Mercado consumidor Preço de mercado Tempo de dedicação Local de coleta Gruposcoletores

Ilha das Peças Cultivo de adultas, coletade juvenis.

Ilha das Peças e futuramenteParanaguá. Integral, ano todo. Ilha das Peças Terceirizado

para juvenis.Maciel Não tem atividade.

Mariana Adultas extraídas. Paranaguá Ano todo Baía dos Pinheiros Familiar

Almeida Cultivo Paranaguá

R$ 25,00 a R$40,00 (antes).

R$ 15,00atualmente.

Ano todo Baía dos Pinheiros Familiar

Guapicum Cultivo de adultas emtravesseiros, coleta de

juvenis.

Juvenis para Cananéia, adultospara Paranaguá e Guapicum

(turistas) e Ilha das Peças(comerciante local).

R$ 10,00 a caixade juvenis,

R$ 25,00 a caixade adultas (17

dúzias).

Parcial, ano todo. Guapicum Tercerizadopara juvenis.

Piaçaguera Extração de adultas. Paranaguá Bosques locais Familiar

AmparoAdultas extraídas do

manguezal na faquinha,com corte de raiz e

juvenis.

Paranaguá Ano todo Riozinho, Itinga Familiar

Vila Guarani Adultas extraídas do lodo Paranaguá e outros centrosurbanos.

R$ 10,00 a R$20,00 a caixa.

Sob encomenda, anotodo, preferencialmente

no verão.Ibocuí Familiar

Praia do Pasto coleta de adultas (?) Paranaguá Ano todo Bosques locais Familiar

Medeiros deBaixo Cultivo e coleta de

adultas, coleta de juvenisCuritiba, Guaratuba.

pouco em Paranaguá.R$ 2,00 a R$ 3,00

a dúzia. Ano todo Juvenis noMedeiros. Familiar

Maçarapuã Irão começar o cultivo,não existe ostra adulta pra

coletarParanaguá R$ 10,00 a caixa. Ano todo Bosques locais Familiar

Europinha Cultivo não deu certo(caramujos) apenas 2

pessoas cultivam na vilaParanaguá Ano todo Bosques locais Familiar

Medeiros deCima Adultas extraídas Paranaguá Ano todo Bosques locais Familiar

Valadares Adultas extraídas Paranaguá e outros centrosurbanos. Ano todo

Estuário da Baía deParanaguá e Baía

dos Pinheiros.Familiar

Vila SãoMiguel

Adultas extraídas domanguezal na faquinha Paranaguá Ano todo Medeiros Familiar

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Pinheirinho Adultas extraídas. Antonina Ano todo Baía de Antonina Familiar

Ponta da Pita Adultas extraídas. Antonina Ano todo Baía de Antonina Familiar

Teixeira Adultas extraídas. Antonina e Paranaguá. Ano todo Bosques locais, Familiar

Cotinga Não existem mais adultashá três anos no mangue. Bosques locais, Familiar

Superagüi não usa o recurso Compra de Barbados para comer. Bosques locais, Familiar

Bertioga Cultivo e coleta deadultas, coleta de juvenis. Turistas, no próprio local. R$ 15,00 a

R$ 20,00 a caixa. Parcial, ano todo. Prá lá do Tibicanga,Baía dos Pinheiros, Familiar

Barbados Cultivo e coleta deadultas, coleta de juvenis. Turistas, no próprio local.

R$ 15,00 a caixa(40 a 50 dúzias

por caixa); R$ 20,00 a caixade ostra grande.

Ano todo Baía dos Pinheiros Familiar

Vila Fátima Cultivo Paranaguá Ano todo Local; Familiar

Canudal Cultivo e coleta deadultas, coleta de juvenis. Paranaguá e São Paulo. Ano todo Baía dos Pinheiros; Familiar

Poruquara Tiram juvenis paracriação.

Paranaguá e São Paulo. Ano todo Baía dos Pinheiros Familiar

Tibicanga Tiram juvenis paracriação.

Não deu certo o cultivo.

Paranaguá Ano todo Baía dos Pinheiros Familiar

Vila dosPolacos Extração de adultas, não

há criação.Antonina R$ 3,00 a R$ 2,00

a dúzia. Ano todoBaía de Antonina;

Mangues maisalagados

Familiar

Ponta da Pita Extração de adultas, há criação na Ilha do

Ramos.

Antonina e outros centrosurbanos. Ano todo Baía de Antonina Familiar

Ponta daGraciosa de

BaixoExtração de adultas. Antonina e outros centros

urbanos. Ano todo Baía de Antonina Familiar

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Tabela III – Modos de apropriação do sururu (Mytella guyanensis) em diferentes localidades do complexo estuarino da Baía deParanaguá.

Localidade Técnica de coleta Mercadoconsumidor Preço de mercado Tempo de dedicação Local de coleta Grupos

coletoresIlha das Peças

Maciel Não tem o recurso nem aatividade.

Não tem noMaciel.

Mariana Tem o recurso e não tem aatividade.

Almeida Tem recurso, extração só paraconsumo familiar. Esporádico Bosques

locais. Familiar

Guapicum Tem recurso, extração só paraconsumo familiar. Esporádico Guapicum Familiar

PiaçagueraTem recurso, extração só para

consumo familiar e Venda.

Coleta manual.

Vila Guarani (?) R$ 1,00 o quilo desmariscado (?). Sob encomenda, ano todo,preferência verão.

Rio doCanalzinho;

bosques locais.

Familiar

AmparoTem recurso, extração só para

consumo familiar e Venda.

Coleta manual.

Paranaguá R$ 0,50 a lata no verão; R$ 0,40 noinverno.

Sob encomenda, ano todo,preferência verão.

Riozinho.70 atas/pessoa/

dia.

Familiar

Vila Guarani Coleta manual, venda. Vila Guarani R$ 20,00 a caixa. Sob encomenda, ano todo,preferência verão.

Bosqueslocais. Familiar

Praia do Pasto Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Medeiros debaixo

Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Maçarapuã Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Europinha Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Medeiros deCima Tem o recurso e não tem a

atividade.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

ValadaresTem recurso, extração só para

consumo familiar e Venda.

Coleta manual (?).

Paranaguá Sob encomenda, ano todo,preferência verão.

Bosqueslocais. Familiar

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Localidade Técnica de coleta Mercadoconsumidor Preço de mercado Tempo de dedicação Local de coleta Grupos

coletoresVila SãoMiguel

Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Pinheirinho

Ponta da Pita

Teixeira

Cotinga Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Cotinga Familiar

SuperagüiNão usa o recurso.

Bertioga Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bertioga Familiar

BarbadosTem recurso, extração só para

consumo familiar e venda.Coleta manual.

Barbados,Superagüi.

R$ 5,00 o quilo desmariscado(preço para o consumidor).

Sob encomenda, ano todo,preferência verão.

Bosqueslocais.

Familiar

Vila FátimaTem recurso, extração só para

consumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais.

Familiar

Canudal Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.

Esporádico Bosqueslocais.

Familiar

Poruquara Tem recurso, extração só paraconsumo familiar.

Esporádico Bosqueslocais.

Familiar

TibicangaTem recurso, extração só para

consumo familiar.Coleta manual.

Esporádico Bosqueslocais. Familiar

Ponta da Pita Tem recurso, mas não é explorado.

Vila dosPolacos

Tem recurso, mas não é explorado.

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ESTUDOS DE CASO EM ESCALAMICRORREGIONAL

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO EM ESCALA MICRORREGIONAL– COMUNIDADES E MANGUEZAIS DE AMPARO E PORUQUARA

Após a realização do diagnóstico geral sobre as dinâmicas de apropriação

dos recursos bênticos dos manguezais do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, esta pesquisa voltou-se para estudos de caso que pudessem

pormenorizar algumas relações microrregionais das apropriações extrativistas em

manguezais locais.

Isso ocorreu para evidenciar saberes e dinâmicas específicas de apropriação

que possam incorporar as heterogeneidades microrregionais. Para tanto, em um

primeiro momento, realizou-se uma análise geral das heterogeneidades tanto

ecossistêmicas quanto sociais, que pudessem indicar áreas prioritárias para os

estudos em escala microrregional. Em seguida, foram realizados estudos sobre

as dinâmicas de apropriação de duas comunidades selecionadas, seguidos de

análises ecológicas de seus bosques locais. As análises ecológicas desses

bosques compõem a última etapa empírica deste estudo.

Nesta etapa empírica, apresentam-se os seguintes objetivos:

1. Eleger comunidades pesqueiras e bosques manguezais em

escala microrregional que possibilitem pormenorizar relações

de apropriação e heterogeneidades naturais.

2. Realizar levantamentos da história da comunidade, por meio de histórias de

vida dos idosos, para diagnosticar processos de ajustamentos econômicos e

ecológicos da comunidade relacionados aos ecossistemas de manguezal.

3. Diagnosticar os saberes comunais sobre os ecossistemas de manguezais e

de seus recursos bênticos, em escala microrregional.

4. Caracterizar os modos de uso e de acesso dos recursos bênticos nos

manguezais locais.

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METODOLOGIA

1. ESCOLHA DOS BOSQUES MANGUEZAIS E DASCOMUNIDADES PESQUEIRAS PARA ESTUDO DE CASOEM ESCALA MICRORREGIONAL

Para a escolha das áreas nos estudos em escala microrregional, foram

analisadas heterogeneidades meso e microgeográficas nas diferentes regiões do

complexo estuarino. As áreas de estudo foram eleitas a partir de indicativos de

diversidade ambiental e de importância econômica dos recursos de manguezais

para as comunidades.

Foram consideradosos bosques de manguezais que representassem os

distintos setores do complexo estuarino (poli/mesohalino e oligohalino) e os tipos

de bosques indicados por MARTIN (1992) e LANA (1998). Para isso, foram

levadas em conta as heterogeneidades fitofisionômicas, como domínio continental,

marinho ou misto; fácies fisiográficas1 presentes na formação microrregional dos

bosques, tipos de formação geográfica específica (deltas de rio; baías abertas,

gamboas, bacias) e condição de conservação ambiental.

Na escolha das regiões para os estudos de caso em escala

microrregional, foi gerada uma matriz de critérios que abrangeu também

circunstâncias distintas das comunidades em termos de tamanho das vilas,

proximidade de tensores urbanos, de áreas de proteção ambiental e posição

geográfica específica em relação aos manguezais. Foi dada atenção especial à

presença de: (a) mapeamento prévio de MARTIN (1992) para os bosques; (b)

condição de uso por uma ou mais de uma comunidade nos bosques; (c) possíveis

conflitos de uso; (d) heterogeneidade fisiográfica microrregional; (e) 1 A: Margens frutescentes e subfrutescentes (monoespecíficas e monoestratificadas).B: Florestas de margens mescladas em dois a três estratos.C: Margens-Altas e Margens de Bosques de Laguncularia ou de Rhizophora.D: Populações de Borda em Águas mesohalinas.

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heterogeneidade mesorregional; (f) possíveis formas de regulação da comunidade

aos recursos.

Essa escolha foi realizada a partir do elenco das características apontadas

para os bosques e as comunidades, como apresentado na matriz de critérios, das

tabelas a seguir:

Diversidades fitofisionômicas (Segundo MARTIN, 1992)Local Domínio Fácies

fisiográficasFormaçãofisiográfica

regional

Condição deconservação

A B C D

Faisqueira Continental X X X Delta de Rio Favorável

Amparo Misto X X Baía Aberta Favorável

Maciel Marinho X X X X Gamboa Favorável/Excepcional

Poruquara Continental X X Bacia Excepcional

A: Margens frutescentes e subfrutescentes (monoespecíficas e monoestratificadas).B: Florestas de borda mescladas em dois a três estratos.C: Haut Fourrés (bosques altos) e Bois Fourrés (bosques cerrados) de Laguncularia ou deRhizophora.D: Populações de borda em águas mesohalinas.

Matriz de critérios para a eleição dos bosquesCaracterísticas Faisqueira Amparo Maciel Poruquara

Mapeamento prévio deMARTIN 1992)

P P P P

Uso por mais de umacomunidade

P P A P

Conflitos de uso A P A P

Uma ou mais comunidadescontíguas

A P P P

Heterogeneidadefisiográfica interna

P P P P

Heterogeneidadefisiográfica externa

P P P P

Presente (P); Ausente (A).

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Com base nessas análises, escolheu-se Amparo como uma das regiões

para estudo de caso em escala microrregional. Essa região apresenta extrativismo

comercial dos três recursos da fauna de manguezal; tem ampla área de

manguezais com mapeamento prévio de MARTIN (op. cit). Seus bosques são

explorados pela comunidade local e também por outras comunidades nas suas

imediações (como Valadares e Vila Guarani, Eufrasina) e representam uma

formação regional do tipo baía aberta. Essacomunidade abrange um contingente

populacional em torno de 100 residências e convive com tensores de suas

práticas pesqueiras e extrativistas relacionados à proximidade das atividades

portuárias e do centro urbano de Paranaguá.

Outra região eleita foi a do Poruquara. Isso ocorreu porque Poruquara tem

situação praticamente oposta à de Amparo, com um contingente de 16 famílias, na

região de Guaraqueçaba. Possui mapeamento prévio de MARTIN (op. cit) para

suas fisiografias microrregionais; sua comunidade tem uma história de apropriação

dos manguezais mais voltada à exploração das ostras-do-mangue e apresenta

tensores distintos em relação às suas práticas pesqueiras e extrativistas, haja

vista que fazem parte da Estação Ecológica do Poruquara, e sua proximidade

maior em relação a centros urbanos é com Guaraqueçaba.

Os estudos dessas duas comunidades e de seus bosques locais compõem

as duas etapas empíricas seguintes desta tese.

2. ESTUDO DAS COMUNIDADES PESQUEIRAS: SABERES,TERRITÓRIOS, HISTÓRIAS DE CO-EVOLUÇÃO E MODOSDE APROPRIAÇÃO

Nesta etapa da pesquisa, foram utilizadas diferentes técnicas de coleta de

informações: o resgate de históricos de vida e da história da comunidade; a

análise da genealogia e da formação das comunidades estudadas; mapas

cognitivos que expressam o conhecimento comunitário sobre as heterogeneidades

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ambientais e as disponibilidades dos recursos bênticos nos manguezais e a

confecção de calendários pesqueiros para melhor compreensão da importância

relativa dos recursos de manguezais para cada comunidade pesqueira em

questão. Todas essas estratégias são recomendadas por BERKES et al. (2001).

Foram também realizadas análises das dinâmicas de apropriação dos recursos

bênticos pelas comunidades locais, como recomendam VIEIRA e WEBER (1997).

A aproximação com as comunidades de Amparo e de Poruquara se deu em

diversas etapas. O primeiro contato ocorreu a partir de diálogos com pessoas

influentes na comunidade (professoras, presidentes de associação, comerciantes

locais, líderes religiosos, matriarcas e patriarcas da comunidade); em seguida,

foram realizadas reuniões, abertas a toda a comunidade, ambas no espaço das

escolas das vilas estudadas.

Depois disso, foram realizadas diversas visitas às referidas comunidades.

Houve também um período de imersão de aproximadamente uma semana em

cada comunidade, em junho de 2002, com pernoite no alojamento da escola em

Amparo; e, em agosto de 2003, as pernoites foram na residência da professora

do Poruquara.

As diversas visitas à comunidade de Amparo foram realizadas,

respectivamente, em janeiro de 2002 (primeira aproximação e realização de

entrevistas para o diagnóstico geral de apropriação dos recursos bênticos); em

maio de 2002 (aproximação de pessoas influentes na comunidade, primeira

reunião com os comunitários; preparação para a imersão na comunidade); em

junho de 2002 (imersão na comunidade durante uma semana para a realização

dos históricos de vida, genealogia e história da comunidade, e mapas cognitivos

sobre os manguezais); em julho de 2002 (realização dos estudos nos bosques de

manguezais com o acompanhamento de extrativistas locais).

No Poruquara, foram realizadas visitas, respectivamente, em janeiro de 2002

(primeira aproximação e realização de entrevistas para o diagnóstico geral de

apropriação dos recursos bênticos); em junho de 2002 (aproximação de pessoas

influentes na comunidade; primeira reunião com os comunitários e preparação

para a imersão na comunidade); em agosto de 2002 (imersão na comunidade

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durante uma semana, para a realização dos históricos de vida, genealogia e

história da comunidade e mapas cognitivos sobre os manguezais); em setembro

de 2002 (realização dos estudos nos bosques de manguezais com o

acompanhamento de extrativistas).

Os procedimentos se deram por etapas, como descritas a seguir:

Na primeira aproximação com as comunidades, foram realizadas reuniões

nos espaços das escolas, na comunidade de Amparo e de Poruquara. Essas

reuniões foram abertas a toda a comunidade, para apresentar os objetivos do

trabalho, bem como a necessidade de cooperação e interação entre a

pesquisadora e os sujeitos da pesquisa. Também, ao longo do trabalho, a

pesquisadora informou a comunidade sobre diversos aspectos relacionados à

pesquisa que estava realizando.Esses momentos ocorreram, informalmente, pelo

contato com agentes sociais significativos para a comunidade (professoras,

presidentes de associação, agentes de saúde, líderes religiosos, matriarcas e

patriarcas).

Para caracterizar os processos de apropriação, foram levantadas,

primeiramente, a história da comunidade e a história do ambiente, por meio de

entrevistas abertas sobre a história de vida dos indivíduos mais velhos da

comunidade, apontados pela própria comunidade como informantes privilegiados.

Para a reconstituição das histórias das comunidades, foram entrevistados treze

informantes privilegiados de Amparo e onze no Poruquara.

Com base nos dados obtidos, foram confeccionados os mapas genealógicos

e as histórias da formação dessas comunidades estudadas, enfatizando-se os

processos de ajustamentos com o ambiente e as dinâmicas de apropriação dos

recursos naturais em geral, especialmente daqueles relacionados aos manguezais

locais.

Na seqüência, foram realizadas entrevistas individuais e coletivas, com os

mesmos grupos de informantes privilegiados, para coletar seus conhecimentos

sobre as heterogeneidades dos manguezais locais, seus territórios preferenciais

de extrativismo, suas técnicas específicas para cada bosque e também para cada

recurso explorado (vide roteiro de entrevistas em anexo). Também foram

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coletados alguns saberes específicos sobre a fauna, principalmente quanto à sua

distribuição e abundância na região. Durante essas entrevistas, foram

confeccionados mapas cognitivos para identificar pontos referenciais importantes

nas áreas de extrativismo; caracterizar os territórios de manguezais e reconhecer

saberes comunitários específicos sobre os recursos, as técnicas e as

periodicidades das atividades extrativistas. A partir da organização das

informações, foram confeccionados calendários pesqueiros para cada comunidade

estudada.

Todas as entrevistas foram abertas, gravadas com a autorização dos

entrevistados e transcritas em sua totalidade, respeitando-se a estrutura lingüística

dos entrevistados. Além das entrevistas, houve muitas conversas informais com

diversos comunitários, os quais contribuíram para validar e direcionar os focos de

estudo.

Foram também realizadas algumas excursões aos manguezais locais com

informantes privilegiados para validar informações contidas nos mapas cognitivos

e nas entrevistas anteriormente realizadas. As identificações sobre as

características fisionômicas dos bancos de sururus foram feitas a partir das

orientações das extrativistas da comunidade de Amparo.

Na análise das dinâmicas de apropriação das comunidades de Amparo e do

Poruquara, objetivou-se, segundo os indicativos de VIEIRA & WEBER (1997),

descrever e analisar: (a) os usos possíveis dos recursos; (b) possíveis

modalidades de acesso, controle e transferência do acesso aos recursos;

(c) as modalidades de partilha dos recursos; (d) saberes comunais

implicados nas dinâmicas de apropriação dos recursos.

Para determinar os locais abundância dos recursos e da fisiografia dos

bosques (apresentados na última parte desta tese), foram essenciais as

referências históricas e espaciais das dinâmicas de apropriação dessas

comunidades, indicadas principalmente pelos dos mapas cognitivos dos saberes

sobre os manguezais locais e seus recursos bênticos de interesse econômico.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

COMUNIDADE DE AMPARO

UM BREVE RELATO DE SUA HISTÓRIA E GENEALOGIA “Sofri pra criá seis filho... Mas batalhei também, né. Ia pescar com o frio que tava...

Tinha fogo em baixo, né. Não tinha fogão não tinha nada. Não existia fogão, né, era fogo em baixo... Ia com a mão dura, fazia o fogo e esquentava a mão, meia hora pra esquentá a mão dura...

Pescava mais de linha... Era vida dura mesmo. E quando nós não tinha nada... E os filho gritava: "– Papai, quero comê alguma coisa".

" – Não tem dinheiro, meu filho, não tem..."E, assim, voltava novamente, esquentava a mão ali e se mandava outra vez.

Ia pegar lá o peixe, já pegava dinheiro e já entregava pros filho... “ – Ó, brinca mais (pra enganar) a hora da fome... ”

A gente que é assim pobre, a gente sofre. Aí chegava, trazia peixe, os filho já tava dormindo, dez da noite, onze hora..

Dizia: “ – Mulher, vamo lá, vamo fritá um peixe pra comê. Vamo chamar as criança pra comer!”Aquele peixe, fazia fogo, assava qualquer coisa, comia.

Chamava as crianças, eles já se levantavam com fome, tadinhos. Acordava até oito horas, nove horas... Qualquer hora que chegava comida (era) pra comer...

É, pobre sofre. Sofre muito o pobre mesmo... ”.(relato de um pescador de Amparo)

Amparo é uma vila de pescadores que está situada frontalmente à cidade de

Paranaguá, na direção do Porto da Nossa Senhora do Rocio. Em informações orais, consta

que possui cerca de 100 residências, com uma média de seis pessoas em cada uma delas,

o que totaliza cerca de 600 moradores da vila. KRAMER (1978) indica um número de 60

famílias residentes na comunidade, o que leva a crer que sua população praticamente

duplicou nesses últimos 25 anos. Será importante fazer um censo detalhado da atual

população para estimar melhor essa questão.

Possui uma associação de moradores, cinco entrepostos comerciais (mercearias),

uma Igreja Católica e uma Igreja Evangélica, um Posto de Saúde, uma Escola Municipal,

cujo prédio foi recentemente construído (inaugurado em 2002), que atende crianças dos dois

primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Também conta com fornecimento de energia

elétrica pela Copel, água encanada, telefone público e correio. Existe também transporte

coletivo dois dias na semana, que é uma embarcação que faz o trajeto Paranaguá –

Amparo, custeado pela Prefeitura de Paranaguá.

KRAEMER (1978), estudando a atividade pesqueira da comunidade de Amparo, faz

uma breve menção sobre sua origem, que corrobora com os resultados do presente

trabalho. Segundo essa autora e conforme relato das pessoas aqui entrevistadas, a atual

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comunidade de Amparo tem cerca de 60 anos de existência e se formou a partir do

estabelecimento gradativo de famílias que anteriormente viviam em uma fazenda na

proximidade do Rio Buqüera, no início da década de 40. Logo a seguir, outro grupo de

famílias que se estabeleceu na comunidade, vindo de Serra Negra.

“Os primeiro que chegaram foram aqui do Buqüera. E depois foram o povo do Serra Negra. E antes detudo, antes desse povo todo, havia duas famílias. (... ) Mas tinha muita gente que morava aí que jáforam embora pra lá pra cidade e morreram tudo. Morreram tudo essa gente.”

Diz-se que o nome Amparo é mais antigo que a atual comunidade, pois existe desde

o tempo dos escravos. Alguns moradores relatam que na época do Brasil Colonial havia um

senhor de escravos que habitava Amparo e que existiam na vila alguns palanques

(pelourinhos?), muros de pedras e cercos de peixe que foram feitos por eles.

“– E quem que deu o nome pra vila? – Quanto eu conheci já era Amparo né. Isso aí é do tempo lá... dotempo do... do tempo desses negro escravo né. -É os escravos moraram aqui. Essa aí, essa tapera aítinha cada pilar... Essa carreira de pedra que tinha ali tudo aquilo era feito... foi os escravo quefizeram... tinha uns que era cerco... – Cerco do que era? – Cerco sabe me lá do que era... não tem umaponta de pedra aqui né? E não tem outra lá em baixo? Eram cerco... cerco de peixe... Aqui moravaumas veia que já morreram. Contavam que tinha o dono... era muito ruim demais né... que ele nãodeixava nem pegá água pra bebe. Ele tinha escravo de certo né... o pessoal veio dali quecontavam,que eu quando me entendi por gente que já vinha de lá pra cá vim pra cidade, conhecia...esse aqui é o Amparo. – É antigo esse nome então? É antigo mesmo.”

“Os dono dos escravo (... ) Eles vinham de lá dum lugar que tem pra lá, pra esse lado que chamam Ilhada Banana. Diz que vinha com o barco carregado de ouro, veja só, e vinha diz que rodeava aqui esselugar aí, diz que ia esconde esses ouro pra lá, não sei pra onde aí. E tinha um que era esse AntônioMiranda e tinha mais outro que disse que era o dono desse território todo aí... A família desse homem,que tinha os documento desses território tudinho. Mais pra não deixar pra ninguém, diz que pegou equeimou tudo... É isso muito antes dos Apolinário chegar aqui, muito antes desses turma aí forammorar aí... E uma casinha velha que tinha, mais era ali, mas eu conheço o nome, chamavam pra eleManeco Marinheiro, que morou ali...”

A comunidade do Buqüera, que deu origem à atual comunidade de Amparo, iniciou-se

com a chegada da família de Sebastião Lopes e Joaquina Lúcia da Costa. Esse casal era de

Serra Negra e, ao comprar a fazenda às margens do rio Buqüera, trouxe sua numerosa

família (S. Antonio, João Paulo, João Rufino Paulo, Maria, Antonia e Georgina). No Buqüera,

viviam todos que trabalhavam na agricultura e plantavam arroz, banana, milho, mandioca,

café. Alguns desses produtos eram comercializados em Paranaguá. Com a vinda de outros

grupos familiares, passaram a existir nove casas, e S. Sebastião Lopes, proprietário da terra,

tinha uma relação de liderança com esses agricultores.

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Aos poucos, as famílias começaram a se mudar para Amparo, em busca de melhores

condições de vida. O solo no Buqüera nessa época ainda era agricultável, mas a

possibilidade de estar mais próximo à cidade de Paranaguá, de viver da pesca e também de

extrair madeira para vender como combustível no Porto de Paranaguá, na época dos navios

a vapor, tornou-se um forte atrativo para essas famílias. Relata-se que, atualmente, no

antigo terreno do Buqüera, existe uma fazenda com gado.

“Meu pai, quando morava lá no Buqüera, ele vendia muita farinha. Nós fazia na semana duas vezesfarinha, fazia 3, 4 saco de farinha e ele vendia a remo pra Paranaguá. A remo, porque naquele temponinguém tinha com motor, era mais difícil. Meu pai vinha vendê farinha na Costeira lá de Paranaguá.Dava 4 hora mais ou menos remando. De lá já é longe pra vim aqui, lá do Buqüera dava uma 4 hora.”

Segundo relatos dos entrevistados, as primeiras residências de Amparo eram da

família Apolinário – de S. Antonio Apolinário, de S. Pedro e de S. Maneco.

“Eles é que mandavam em Amparo. Os três irmãos só tinham filhas (Mercedes, Isabel e Cristina), seuAntonio Apolinário trabalhava na pesca, e as meninas o ajudavam.”

Por volta dos anos 40, outras famílias foram chegando aos poucos em Amparo e

recebiam autorização verbal da família Apolinário para se estabelecer. Começaram a plantar

arroz e banana e a retirar madeira da mata para vender como lenha no Porto de Paranaguá.

“Aqui era só peixe, camarão e lenha e arroz, no tempo do arroz. Plantava o arroz aí... ó... 40, 50 saco...tudo isso aí tudo esses morro por aí foram cultivado de lavora no tempo que nós cheguemo aquiquando viemo lá do Buqüera... depois veio mais gente da praia... vieram vindo pra cá. Aqui era o lugarmais falado que tinha.”

Apresenta-se a seguir uma breve genealogia da comunidade de Amparo (Figura 10).

Ela é identificada a partir dos primeiros moradores das vilas, dos ancestrais mais velhos e

suas descendências mais próximas. Essa identificação da genealogia foi importante para

compreender melhor as relações da comunidade na apropriação do espaço e do ambiente

natural; entretanto, não foi intuito da presente pesquisa aprofundar seu estudo, mas, sim,

tomá-la um instrumento adicional para a compreensão da história das relações com o

ambiente.

Quando os primeiros moradores da atual comunidade de Amparo se estabeleceram

no lugar, era a época da Segunda Guerra Mundial e havia dificuldades no abastecimento de

produtos básicos, que estavam em racionamento, como o açúcar, o querosene e o trigo.

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“Foi no tempo da guerra que nos viemo pra cá e num tinha querosene,num tinha açúcar,num tinha trigonum tinha nada. Pra pegá um quilo de açúcar era um sacrifício, né. Pra consegui tinha que vê quantasfamília tinha na casa pra daí eles liberá um quilo ou dois, de quinze em quinze dia... ”

Figura 10: Esquema das principais ascendências da comunidade de Amparo. O quadro àesquerda indica os primeiros moradores de Amparo, desde a época colonial, até a formação recentenos anos 40. O quadro à direita mostra a filiação da formação atual da comunidade, que deu origema algumas das atuais famílias.

Ao longo do tempo, passaram também a plantar milho, café e mandioca. Faziam

farinha da mandioca e o biju. Também realizavam festas religiosas com a presença do

fandango, típico na região.

“E aqui na ilha do Amparo também tem dançador... um baleado, um baleadinho esse eu sei dançá. Élindo memo, aquele bailado assim... Seu Pedro Pereira era o fandanguero. Não tinha briga, nada...Faziam festa do fandango: – Ah, em dia de São Sebastião, São Pedro, Santo Antônio, São João... nosdia dos santo... São apóstolos de Jesus. Têm a Nossa Senhora, Nossa Senhora do Rocio, do Rosário,lá em Antonina tinha a do Pilar, Nossa Senhora Aparecida do Paraná, a Nossa Senhora do Rocio quefoi achada numa rede em Paranaguá.”

Com o tempo e pela conversão de muitos à Igreja Evangélica, deixou-se de fazer o

fandango. Relata-se que a última festa de fandango foi há mais de 30 anos. Entretanto,

festas católicas ainda são realizadas na comunidade.

S. Cermiro do Rosárioe D. Nair Mendes do Rosário

S. Antonio Lima

Os irmãos Apolinário

Genealogia da Comunidade de Amparo

S. Antonio Apolinário

S. João Paulo

S. Alcidino

S. José BadejoE D. Antoninha

D. Santina e S. Jair

S. Antônio Paulo Lopes/Alves

S. Pedro Apolinário

S. .Manoel Apolinário (Maneco)Mercedes, Isabel e Cristina

S. Osmair (Maíco)

S. José Fernandes

S. Manéco Pereira

S. Pedro Pereira

S. Sebastião Lopese D. Joaquina Lúcia da Costa

S. Miguel Gonçalves do Rosárioe D. Joanita Gonçalves do Rosário

S. Antonio Lima

S. Antônio Miranda

Os irmãos Apolinário

Genealogia da Comunidade de Amparo

S. ?? (S. Roberto /Pguá)

Dono de Engenho c/ escravos

S. Manoel Apolinário

João Paulo Lopes e Dna. Clarice Antonio Correia S. Alcidino

Um alemão ?

S. Miguel Gonçalves do Rosárioe D. Joanita Gonçalves do Rosário

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Conforme essas famílias foram se estabelecendo em Amparo, passaram

gradativamente a viver da pesca. Assim, novos saberes foram incorporados a respeito das

artes da pesca artesanal.

“Sempre (trabalhei) na roça depois comecei a pescá. (Aprendi a pesca aqui na vila)... Foi aqui é. Euaprendi assim vendo os outro a trabaiá nesses negócio de pesca.”

Os quadros a seguir apresentam algumas ascendências das atuais famílias que

residem em Amparo.

Figura 11: Ascendências de algumas famílias da comunidade de Amparo. Nos quadros comdois nomes, indica-se a formação dos casais.

Desde o início das atividades pesqueiras na comunidade se pescava individualmente,

com os parceiros de pesca ou entre casais. “Pescava muito de linha, matava pescada. Quando ele, nós casêmo de novo, nós fizemo nossa casasó com dinheiro da pescada.”

“Há poucos ano atrás, 20, 30 anos atrás o rio do Buqüera aí era rio rico pra peixe... tinha até pescadana bera do rio... robalo, pescada, pescadinha... ”

O camarão sempre foi uma atividade importante e era pescado com engodo e,

depois, com currico. Relata-se muita fartura desse recurso no passado.

D. Isonee S. Beto

D. Carmen Rodrigues da Silva

Genealogia da Comunidade

S. Osvaldo (Neno)S. Genésioe Daniela

D. Marilzae S. Cezário

D. Tomásia Vidal MartinsE José Vidal Siqueira

(falecido).

S. RobertoS. Genésio

S. UriasD. Rute

S. Zézo e D. Júlia

Dna. Maria Aparecida)D. Simone

S. Domingos

Genealogia da Comunidade

S. Usiele D. Wilma

S. Domingos (Minguinho)e D. Adriana

S. MasicoD. Marae S. Edson

D. Linda

19 netos

Dna. Júlia e S. Zézo

Dna Santina e S. Jair15 filhos

S. Antonio Joacir-Kiko

S. Edson e Dna Mara

D. Marae S. Edson

S. Claudinei

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“E daí deixo de vende a farinha, plantava pra comê, daí começô a pesca. Pesca assim: arrasta,engoda. Primeiro o camarão não era de arrasta assim, era de engodo, depois virô currico, tudo isso,depois, depois que virô esse arrastão aí.”

“De engodo, pegava aquele barro, aquele peixe cozido, sardinha, misturava aquele barro bem alipertinho do porto tem um, um pedaço de uma bóia que já cabou-se ali, que apossou de fora e chegouali... E acabou... Ali o menino afoitava as hora ali e ia de tardezinha assim... era rapidinho que caçavacinco quilos de camarão. E agora cadê? Da onde? Da onde esse camarão? Não tem. Eles não deixamcriar, aí vai, vai comendo, vai tirando da onde a gente não põe, como diz a história todo dia, todo dia. Enão é dois, três é um, um mundo inteiro.”

“O currico saía curricando, embarcava uma tarrafa assim que tem aquele pauzinho de hoje em dia quepõe. Saía aí e ia dando tarrafada assim, a jorra na maré, pela costa. Esse é o currico. E caçavacamarão também, e agora do engodo já fincava. Saía uns cinco metro pra fora da praia, finca umavarinha lá e aquela canoa... ”

Os pescadores de Amparo se deslocavam a longas distâncias para a pesca do

camarão, indo em caravanas para as imediações do Guapicum e da Ilha Rasa.

“Antigamente o pessoal costumava sair para pescar longe daqui... Saiam... lam pro Guapicum, IlhaRasa... Iam pescar camarão. Iam os companheiro de pesca e depois vinham de lá pra cá... Praia dopasto aí. E não vendia pro mercado, vendia pra empresa.”

Havia encomenda de grandes empresas de exportação de pescado de Paranaguá, os

pescadores vendiam para o comerciante local, que repassava o produto para diversas

empresas de pescado, principalmente o camarão.“Vendia direto pras empresa naquele tempo aí em Paranaguá tinha o empresário que era Almir,também tinha o japonês ali... era um coisa de japonês ali uma empresa, a Margarida... Tinha o Toméaqui em cima tudo aquilo era coisa de camarão, né, empresa de peixe... agora não tem nada... setivesse camarão aí pra leva mais ou menos uns 500 quilo por dia no mercado apodrecia tudo, né.

“É (agora) não tem quem compre... Eu conheci Paranaguá com muitas coisas... que agora não tem emParanaguá... Aí tinha fábrica de prego, fábrica de foguete, fábrica de fósforo fábrica de sabão... tinhatudo ali... empresa quatro moinho de socá arroz... Era rica de fartura... agora só tem é buniteza...”.

Os comerciantes locais antigamente eram o Guilherme e o Chico Gato, que

atualmente residem em Paranaguá. Essa informação corrobora com KRAEMER (1978).

É unânime a referência da abundância e fartura dos recursos pesqueiros no passado. “No tempo da pescada que nós punha assim a cabeça na praia e escutava a fala da pescada aí fora...É encostava a cabeça na praia e escutava tudo: pou pou! Oi a pescada tá aí fora!”

Assim, no primeiro período da história da atual comunidade de Amparo, seu comércio

se sustentava principalmente com a venda do camarão, do peixe, da lenha e do arroz.“Meu pai trabalhava na lavora, e às vez ele ia pescá de manhã, já ele vinha e ia pra roça. E se ele iapra roça o dia intero, e o negócio de pegá o camarão com o engodo só era bom durante a noite.Tardinha da noite, vinha da roça e ainda dava tempo de ir pescá.”

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“No mangue, não! Meu pai nunca tirô sururu.O caranguejo também ele não vivia disso. Esse daqui meumarido também nunca viveu do caranguejo. E nem de ostra, esse daqui é só a pesca. Depois que eleterminô de plantá, que não plantamo mais, ele só pescava. Pescá de linha, pescava com o espinhel, derede, só de pesca.”

Com o fim da exploração de madeira para carvão e da prática da agricultura, a

comunidade passou a viver essencialmente da pesca artesanal. Com o passar dos anos,

outras atividades passaram a ser exercidas pela comunidade em geral, e a participação das

mulheres da comunidade na economia sempre foi evidente e importante.

“As mulheres daqui, elas arrastavam rede pra matá pescada, outras pra matá outro peixe...pescadinha, outro peixe pra vendê, outras já vai lá ajudá o marido a largá as rede pra matá bagre, tudopra vendê. Mas na pesca da sardinha elas não vão! Não, mulher não. E da tainha, também não. Datainha é só home porque quando eles vão pra cima matá, vai só um home, dois numa canoa, não vaimulhé, né.”

As mulheres da comunidade, além de participarem de algumas atividades pesqueiras,

passaram também a se dedicar por determinado tempo à coleta de samambaias, devido às

encomendas de Curitiba. Após esse período, passaram a praticar a extração de berbigão,

também respondendo às demandas de mercado.

Quando essas encomendas cessaram, muitos extrativistas, homens e mulheres,

passaram a comercializar ostras, coletando-as tanto dos afloramentos rochosos nas

imediações de Amparo quanto dos manguezais. Também o caranguejo passou a ser

importante para essa comunidade, extraído principalmente na época da corrida. Nos últimos

anos, algumas famílias se dedicam à extração comercial do sururu e recebem encomendas

constantes do mercado de Paranaguá e também de alguns restaurantes de Curitiba. “De primeiro aqui, nós andava atrás da ostra que saia, uma compra de samambaia, daquela quevendia. Nós cortava samambaia, mulherada, todo mundo cortava samambaia, pra vendê, fazia fardo evendia. E depois de 3 ou 4 anos cortaram a samambaia, porque ninguém ia pro mangue. É difícil,depois não compraram mais samambaia um pouco de um ano, dois ano nós também tiramo berbigão evendia, já era em lata, aquela lata de querosene de banho grande assim, uma lata daquele que nemme lembro mais o preço quanto que era. E nós que tirava muito berbigão pra vendê, depois nãocompraram mais berbigão, depois o pessoal que foram indo, foram começando a vendê ostra, depois osururu que surgiu essa compra de sururu no mercado que gente tirava, não era só eu, tinha mais genteque tirava, tinha muita saída, agora de uns 3 anos pra cá não tem quase saída lá, por isso que é sóeles aí que tiram. Se eles tirá, eu tirá, otros tirá, chega lá não vende, um empata o outro, então nãoadianta a gente tirá pra vendê barato, pra dá lá não adianta. Não vale a pena.”

Na década de 70, a Acarpa instalou tanques próximos às áreas de manguezais, com

o intuito de desenvolver cultivo de camarões na comunidade, o que, entretanto, foi uma

tentativa fracassada.

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“O cultivo de camarão não deu certo. Que vem água da chuva. Ah. Ali entra água e sai... e a garça vaie começa a comê todos os peixinhos. Tudo. Ah, tadinha. Claro que ela vai se servir, né. Ela come opeixe, come camarão, se tem ela não deixa um camarão. Se tem sardinha, ela vem ali e começa acomer. Danada.”

A ATUAL ATIVIDADE PESQUEIRA DE AMPARO

Hoje em dia a comunidade de Amparo é formada por famílias com diversas origens.

Muiitas delas vêm da antiga Fazenda do Buqüera e outras das comunidades do Medeiros,

de Serra Negra, de Piaçaguera, de Eufrasina, da cidade de Paranaguá, entre outros locais.

Os primeiros moradores relatam que muitos de seus filhos residem em outras cidades ou

estados do Brasil, como Curitiba, Paranaguá, Minas Gerais, etc.

Apresenta-se na Figura 12 uma configuração espacial da comunidade, indicando os

principais informantes desta pesquisa.

Nessa comunidade, vive-se essencialmente da pesca artesanal; entretanto, cada

grupo familiar apresenta uma especialidade de pesca. A atividade mais comum entre as

famílias é a pesca do camarão. Todavia, na entressafra do camarão, muitos coletam

caranguejos, tirados por foice ou pegados na corrida. Outras famílias vão para a coleta de

sururus, outras pescam bagre com espinhel, outras pescam sardinhas, pescada, linguado.

Há também algumas famílias que coletam e cultivam ostras de maneira bem caseira, sem o

uso de tecnologias de engorda em travesseiros ou lanternas, mas apenas reservando

territórios em afloramentos rochosos próximos de suas casas, onde depositam as ostras em

caixas para a engorda.

Também é relatada a venda de camarões vivos para servir de isca na pesca

desportiva realizada por turistas.

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Figura 12: Configuração espacial da comunidade de Amparo, indicando a localizaçãoaproximada dos principais pontos de referência e informantes da pesquisa.

As atividades da pesca artesanal têm determinadas periodicidades ao longo do ano.

Os comunitários descrevem assim essa dinâmica:“Janeiro é difícil aqui, não tem nada, começo do camarão é de fevereiro em diante. Janeiro é seca, masse agora aqueles que tira caranguejo pode tirá até janeiro, que o Ibama agora fez isso, aí não é secapra eles, porque eles tiram caranguejo, outro que tira sururu, outro que tira ostra, já defende até chegáo camarão outra vez. Daí a safra do camarão começa em fevereiro, daí todo mundo vai pro camarão,daí a gente vai matá peixe, pega a rede, os moleque não tão arrastando pega peixe pra cumê, se sobravende. E daí o camarão tem o ano inteiro, e peixe qualquer hora, com a rede mata, pra comê.”

A pesca do camarão:

“A safra do camarão começa em janeiro, fevereiro, vai até, até assim junho, depois fica mais pouco,fracassa mais, mais vai sempre até o fim do ano aqui. Um pouquinho assim, mais vai. Só um ano queacabo cedo, nos outro não, vai até dezembro. Dezembro já pula outro camarão, o camarão tatu, aí ficade férias, uns tira caranguejo, uns vai pra uma cois,a outro vai pra outra. Lá embaixo tem um home quefaz canoinha de madeira pra vendê. Cada um vive de um jeito.”

A pesca da tainha:

“A tainha é o tempo agora, agora é o tempo de mata, no mês passado mataram bastante tainha, saemcom rede de nylon, matam bastante tainha com tarrafa de peixe também. Aquela pesca que tinhapessoas vendo ela entrar não tem mais, era de antigamente, agora acabô. Eles tinham uma rede,embarcavam a rede e ficavam ali na cara do camarada, na praia, a canoa bem assim, aí, tinha um péde Araçá bem bonito, ele ficava parado, aí ficava ali espiando, quando o lote vinha ele apitava e eles

Comunidade de Amparo

D. Carmen

D. Santina

D. Mara

S. João do Rosário

D. Júlia

S. Antônio Alves

Assembléia de Deus

Igreja Católica

S Urias Escola

S. José Badejo

D. Dorlí e S. Beto

S. Cermiro e D. Nair

S. Rosalina

S. Domingos

Antiga EscolaPosto de Saúde

S Osmair

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vinham com a rede eles cercavam, daí todo mundo caía na água pra envarar a rede pra cima, assim.Todo mundo segurando a rede por cima, pra tainha não pulá, mais é bonito de vê quando pulava, comomatam. Iam até mulher. Vendiam e repartiam o dinheiro. Na Ilha do Mel, assim, na Ilha do Mel aindafazem assim, lote pra 1000 e poco, 500.”

A pesca da pescada:“O tempo de pescada é novembro, no calor, né, dezembro. Começa em setembro, outubro, vai indo,né. Até, quando eu pescava com o meu marido era, nós matava pescada até em maio. E parava, né. Aícomeçava de novo, pois época de miraguaia, se tem tudo tem. Época da miraguaia é o mesmo tempoda pescada. Com verão, né. Começa em outubro e vai até mais ou menos novembro, que daí jácomeça a vir a pescada, né. É porque cada época com um tipo de peixe, né assim, né.”

A pesca da sardinha:

“Agora é o tempo da turma de matarem sardinha. Abril, maio, esses mês assim já começa a caçásardinha, dois homens que têm bastante rede, trabalha mais ou menos, mais de 15 pessoas, porque arede é grande, vai 5 ou 6 em cada rede, cada embarcação. Tem vários tipos de sardinhas.Tem, acascuda, a chata, parati, tem a xingó e tem a outra que chama-se garguelo, esse sempre eles matampra vendê. O que mais matam pra vendê é a chata, a parati, a comprida e a xingó. Agora tem a época,de abril em diante parece, abril, maio e junho que tão matando agora, depois eles param, sai aquelelote grande daí vai prefilha, daí não vão matá porque tem tempo que ela tão tudo miudinha,pequinininha assim, tem que deixar crescer primero pra daí matá outra vez.”

Percebeu-se um desacordo em relação à pesca da sardinha. Muitos pescadores

identificam a sardinha como alimento para os peixes grandes e seu extrativismo parece

estar afetado à presença desses grandes peixes, antes coletados em abundância nos

pesqueiros às imediações de Amparo.“A pesca da sardinha atrapalha outro peixe, acaba com outro peixe, porque se tira a sardinha, asardinha é comida dos peixes, porque onde tem sardinha ela ajunta peixe, se eles matam a sardinha ospeixes se afugenta. No mês passado tinha bastante pescadinha assim, eles iam arrastá e caçavampescadinha, no arrastão tudo, agora quase não pegam, porque eles começaram a matá sardinha.Quando o Ibama vê eles prende essa rede, porque não é pra matá sardinha, acaba os peixes. Nãolargam, quantas redes aqui em Amparo o Ibama pegou uma rede, parece que pagô 600 reais demulta.”

“Sardinha é comida de peixe. Esse que cria o peixe. Se vem um monte de sardinha, vem assim depeixe junto comendo. Ah, eles vêm atrás pra comer. É, eles vêm atrás comendo. Aí vêm pescadinha,bagre, depois vem, vai pescá de linha aí, né (...) já vem com sardinha no bucho. Abre o peixe e tira asardinha de dentro.”

Não foi objetivo desta pesquisa o estudo da dinâmica da pesca artesanal em si. No

entanto, ao se observar que as dinâmicas de apropriação dos recursos bênticos de

manguezais integram as atividades gerais da pesca artesanal, mesmo sem um estudo mais

aprofundado, organizou-se um calendário com as informações obtidas nesta pesquisa, para

demonstrar as alternâncias de recursos ao longo do ano (Figura 13).

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Figura 13: Calendário das atividades pesqueiras da comunidade de Amparo. Em verde, estãodestacados os recursos bênticos de manguezais. Em preto, os demais recursos da pesca. Osrecursos mais importantes em cada época do ano estão destacados em vermelho.

É importante ressaltar que nem todas as famílias exercem as mesmas atividades ao

longo do tempo. Apenas a pesca de camarão, a coleta de caranguejos e a pesca de

espinhel têm sido as práticas mais comuns entre as famílias. Além disso, cada grupo familiar

apresenta sua especialidade, seja na extração e cultivo caseiro de ostras, extração de

sururus, seja na pesca da sardinha, bagre, pescada, etc.

Ao mesmo tempo em que a proximidade da comunidade com o espaço urbano de

Paranaguá confere alguma mobilidade para o escoamento e diversidade da produção

pesqueira, também existem tensores da atividade relacionados principalmente com as

atividades portuárias. Entre esses tensores, a atividade de dragas para a manutenção do

canal de tráfego de navios no Porto de Paranaguá tem alterado a dinâmica de sedimentação

da praia, encobrindo muitos pesqueiros e afloramentos rochosos próximos à praia de onde

se extraíam ostras.

Comunidade de

Amparo

JaneiroFevereiro

Março

Abril

Maio

JunhoAgosto Julho

Setembro

Outubro

Novembro

Dezembro

CaranguejoOstraSururu

CaranguejoOstraSururu

CaranguejoOstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

OstraSururu

Pescada, pescadinhaBagre, Pescada

Camarão eCaranguejo

Bagre, Pescada

Caranguejo,Ostra, Sururu

Camarão

Tainha,Sardinha

Pescada

Pescadinha,Camarão

Camarão,Sardinha

Tainha,Sardinha

Camarão

Camarão

Tainha,Sardinha

Camarão

Tainha

Camarão,Robalo

Pescada

Camarão,MiraguaiaPescada

Camarão,Miraguaia

Pescada

Pescada,Miraguaia

Caranguejo,Ostra, Sururu

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“A ostra era lá fora! É que agora isso aqui foi se gastando... foram cobrindo tudo isso aí... (a areia)cobriu tudo a pedra, a draga cobriu tudo. Pois a praia tá aumentando agora. É essa draga aí... não tirôareia de lá de fora. Tirô de cá... não viu que baixô esse coisa ali? Tá feito um barranco, ali num tinhapedra em cima... mas é que a draga chupô... (...) a draga chupô de fora de terra pra fora aí foiabaixando a terra, né, então apareceu a pedra aqui e (na) pedra da ostra (a) areia tá por tudo... ”

“Já lidei com a ostra no ano retrasado e passado. Na festa da tainha venderam bastante ostra daqui.Mas daí inventaram uma draga pra fazer aí uma praia e estragou o serviço. A lama do cavado vinhacom a cheia e estragou tudo meus galhos de ostra. Eu cultivava de pedra e tinha viveiro. Dai deucaramujo e acabou com a ostra. E a draga acabou com as ostras. Um grande estrago. Um navio comum derramamento de um produto acabou com o resto. Agora não dá mais nada. O navio acabou comtudo. Morreu tudo.”

Também outros impactos importantes sobre a atividade pesqueira são causados por

agentes poluentes, a exemplo do derramamento de nafta, no final de 2001, que causou

morte massiva de ostras e sururus e paralisou as demais atividades de pesca da

comunidade por um tempo prolongado. “E teve que atrapalhar a pesca, ficar parada a ilha, ninguém ia pescar, não dava pra comer o peixe,daqui há uns quatro meses diz que ia ofertá... Muita gente aí que se queixa da pele, tá tudo do nafta,de coceira... ninguém tinha isso... E até o peixe não tinha gosto prá comer... Alguns eu via morto por aímas não era muito, mas pra comer não era bom. Tinha gosto o peixe pra comer e anos que a gentevivia comendo peixe, tinha um gosto bom, cozinhava qualquer peixinho e dava prazer em comer. Masdepois dessa coisa que derramou, saiu desse navio aí, já ficou meio ruim pro peixe, ruim mesmo...”.

“O óleo matô capim, também o lugar que corre mata, o marisco também, o sururu... Pra lá também queandou matando aquele capim tudo, aí não ficou nem um, nem um marisco que a ostra também morreu!Lá no Valo Grande. Matou muito. A embarcação que derramou o óleo acostou ali que dava até praponhá latinha dessas de plástico. Meus filho apanharam uma porção de galão... Aí depois dessa, osmaiores peixe ficaram bem mais difícil... Não de agora... Agora, aí, depois voltou aumentar de novo,aí...”.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS BÊNTICOS DEMANGUEZAIS NA COMUNIDADE DE AMPARO

Desde os primeiros tempos na comunidade em Amparo, os recursos bênticos de

manguezais foram complementos protéicos importantes na alimentação familiar. “Na época do meu pai, dos antigos... Quase ninguém ligava pro mangue. Não. Dava muito pouco, sópra comê, né. Quase ninguém tirava, nesse tempo ninguém vendia ostra. Nem o caranguejo. Pegavano tempo que corre o caranguejo, porque o tempo do caranguejo andá é o mês de dezembro, e aí queeles iam pegá, né? Pegava pra comê. Porque antigamente quase não tinha também venda decaranguejo. Era pra comê, ninguém ligava pra isso. Caranguejo era demais me lembro, aqui pra baixo,aqui, tinha mangue.”

“Eu só ia assim no mangue quando era época de caranguejo, começava a andada, vai tirando... Eutinha um vizinho, morava junto comigo assim. E nós era compadre, né, batizamos duas criancinhas. Eaí amanhecia o dia assim chuvoso, de sueste. Dizia: “Compadre, você tem o que almoçar?’’ “– Nada”.“– Então vamo tirá caranguejo”. Opa, já fiquei alegre! Aí só pegava uma foice, ele pegou uma foice.Fomo por aqui.”

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Tanto caranguejos como ostras, sururus, almejas (Lucina pectinata) e saranambis

(Tagelus sp.) sempre foram complementos alimentares importantes para a maioria da

comunidade. “O caranguejo é importante para família. Comemo caranguejo. Aqui em casa nós não vendemocaranguejo. Só o filho mais novo, que às vezes tira e que vende, que pega, no tempo que anda só.Comemo, damo pra filharada.”

“A almeja tem... – Peguei muito (... ) Ela dá no mangue assim, na veia do mangue, na veia do costãodo rio, perto do rio. Esse aqui é a veia do rio, né. Aqui nasce almeja. O sururu é mais pra cima... Ealmeja é aqui assim na descida d’água, né, pra cá... Ela se vende (também)... É que ninguém emCuritiba vendia só pra comer, né? Mais às vezes tinha, encomendavam, né? Amigo tinha aí umas trêsdúzia de almeja, né... Você tira com a cortadeira... Senão com um facão comprido, começa a cutucar,batia nele (... ) metia a mão lá... dá pra ver na lama, tem os olhinho, né... Almeja tem um olhinho,dois... tem dois olhinhos. Mete o facão aqui, aí cutuca ali (... ) os olhinho dela tá aqui (... ) soltam água.Bate nela solta água aqui ó, ela solta água. Faz o chuveirinho”.

“Só sei que aqui nós comemo o mexilhão, bacucu, sururu, ostra, guaiá. Guaiá é o siri, mas é muito masgostoso que o siri. Aqueles se não saber tirar ele pega no teu dedo e tora de uma vez. (Não pega compuçá), pega assim, vira as pedra né, tem. Tem cada um grandão assim ó, se você pega no dedo eletem tanta força que ele consegue virar o teu dedo pra cá.”

“É Saranambi também, mesma coisa(...) Fica na areia, já em cima, na lama, na areia... É que misturacom a lama já também, né (...) areia encosta lá (...) aqui e ali (... ) você vai e um pouco de lama támisturado com o saranambi, também a mesma coisa. E tem bastante saranambi. Daqui, aqui ninguémtira pra vendê, mas tinha visto o pessoal que passa que tira pra vender. Esse vende, mais por aqui não.Por aqui ninguém tira isso pra comer. Só de outro lugar pra cá, né, tira.”

“Tem berbigão... (...) Berbigão é bom. Aqui a dois anos pra três, né, tiraram muito ali, naquele baxil dailha das cobra ali... Ali tem um pouco, lá na borda... pra vender já (foi) também. Que daí pra comertambém é gostoso, ensopado, com arroz, assado, né. (Mas) tem um gostinho sarro de pito, né, quedizem né... Sarro de pito... É, tem um gostinho assim mais ou menos... ”

Antigamente, o caranguejo era coletado apenas na corrida, ou andada, e era

comercializado em Paranaguá, amarrado pelo dedão. Naquele tempo só os homens

pegavam o caranguejo. “Naquele tempo era só na andada (...) Era pra a família comer, mas vendia também aí.(...) vendia nacidade, lá no mercado. Porque aqui ninguém comprava. Naquele tempo era amarrado sabe... E levavana corda ia daqui... essa vira,... o linho da vira pra fazê aqueles amarrado. E amarrava pelo dedão. Asmulheres não iam pro mangue buscar caranguejo! Ah não... que muié... Só os home... caranguejoninguém ligava aquele tempo .”Também a ostra, tanto do mangue quanto das pedras, existia em abundância, mas

seu comércio era mínimo. Seu uso era mais na alimentação da família.“Ostra também vendia lá em Paranaguá,... mas quase ninguém queria. Ninguém se preocupava emtirar ostra pra vendê. A ostra aí era barbaridade... ”

“A ostra... tirava da pedra, do mangue... Por tudo aí. No riozinho... pertinho ali da ponte... E tinhamuita... agora não tem nada... só craca.”

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A participação das mulheres na divisão do trabalho foi relatada como um fator

crescente, quanto maior se tornava a dependência da pesca comercial, incluindo as

atividades de extrativismo comercial dos recursos de manguezais.“Aí pro mangue, muié não ia não. Naquele tempo muié num trabaiava, né... trabaiava na roça... as muiédaquele tempo trabaiavam na roça ou em casa mesmo... E aí pegava a ostra pra come, ninguémvendia ostra.”

Com o passar dos anos, os recursos bênticos de manguezais começaram a se tornar

economicamente importantes para muitas famílias da comunidade de Amparo. “É foi depois também, muito depois (que a venda da samambaia parou), uns 15 ou 20 anos atrásninguém vendia caranguejo tirado, era só quando andava, mais (foi) depois que começou a tirácaranguejo fora da época que ele anda, pra vendê. Que aí o caranguejo tá mais gordo, por isso quecomeçaram a tirá, e daí começaram a comprá.”

“Eu com minha filha que está agora lá em Paranaguá, na Vila Guarani, trabalhava no mangue. Era notempo do caranguejo, era o tempo mais gostoso que a gente andava no mangue. Aí pegava ocaranguejo e fazia assim ó. Pra comprar açúcar, café e outras coisas que a gente não tinha assim, eraarroz, farinha, o feijão… O peixe nós pescava quase todo dia.”

“Naquele tempo ninguém vendia sururu, agora que o pessoal tá tirando pra vendê. Naquele temponinguém vendia nada por aí. Era só pra comê, né. Mas pra vendê assim ninguém ia se preocupá... Masagora... iii... tem gente aí que tira 100, 150 litro pra vendê.”

A extração comercial dos recursos bênticos de manguezais por essa comunidade tem

sido realizada com maior intensidade já há cerca de 20 anos. Contudo, relata-se que o

comércio de ostras se iniciou muito antes em outras comunidades desse complexo

estuarino, a exemplo da comunidade do Medeiros, já há 50 anos. “Barcada quando levava era aí do Medeiros. Uma barcada carregada de ostra. Levava pra Paranaguápra vende aí. Faz uns 50 ano mais ou menos. O pessoal do Medeiros vendia ostra,... aqui (nessaépoca) nunca ninguém ligô.”

PARTILHAS NO EXTRATIVISMO DOS RECURSOS BÊNTICOS DEMANGUEZAIS

A comercialização dos recursos bênticos ocorre basicamente da mesma maneira que

a maioria das demais partilhas da pesca artesanal na comunidade. Geralmente seu

extrativismo realiza-se em grupos familiares e a venda é feita para algum parente, dono de

entreposto comercial na vila, que tem contatos com o mercado consumidor em Paranaguá e

Curitiba. Exceção feita à época de liberação do caranguejo. Nesse período, pode ocorrer

venda direta para os consumidores, em vias públicas, a exemplo das imediações do Rocio,

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em Paranaguá, ou por encomenda feitas por telefone, seja de comerciantes da Vila Guarani,

do Valadares, ou mesmo de turistas e moradores de Paranaguá.

É importante ressaltar que existe uma relação de reciprocidade entre os comerciantes

locais e os extrativistas/pescadores artesanais da comunidade de Amparo. Ou seja, muitas

vezes os comunitários compram “fiado” os alimentos e demais produtos de primeira

necessidade nas vendas dos parentes, ao longo do ano, quando as pescarias estão fracas.

Essa dívida é paga, geralmente, nas grandes safras, principalmente do camarão, do

caranguejo e possivelmente da sardinha.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ

Atualmente, o caranguejo-uçá é um importante recurso comercial para a maioria das

famílias de Amparo, principalmente na época do verão. Essa é a época de liberação do seu

defeso e há um grande aumento de demanda, tanto pelo mercado de Paranaguá, por

restaurantes e comércio de pescados de Curitiba, quanto por moradores e turistas.

A maioria das pessoas que pratica a extração, principalmente as mulheres, realiza

sua coleta na corrida, nas luas de sizígia. É o chamado caranguejo pegado.“Algumas pessoas (é) que vão pro mangue, não é tudo... Eu pegava também caranguejo, depois quecomeçaram a vendê, ia pegá caranguejo, a mulherada também ia pegá. Vão pegá, mulher também. Natoca não, quando tá andando, em dezembro. Tem bastante mulherada aí que vai pegá aí quandoanda... ”

Existem também muitos tiradores de caranguejo na comunidade, que realizam sua

coleta por foice. É o chamado caranguejo tirado. A prática de coleta do caranguejo tirado

por lacinho não foi relatada entre os extrativistas de Amparo.“O tirador de caranguejo, ele vai pegar (na) maré de quarta. Só maré de quarta. Maré que cresce ele jánão vai pegar. E quando a gente já vai tirar ele num lugar mole, a gente é mais rápido, às vezes nemcorta o braço mesmo, já tira. Então é difícil, ele pode ser mais ruim porque ele pode ser mais mole,sabe, mas na maré de quarta ele não fica, não tem como. Maré de quarta o mangue fica mais seco, enão tem como o caranguejo sair daquela extensão, daqui do manguezal. Tava aqui, ele não vai fugirdesse mangue pra ir pro outro. Então na época que ele corre que, atravessa né, mas na tirada ele ficaali mesmo...”.

Muitos tiradores vão sozinhos extrair caranguejos entre luas. Também há relatos de

extrativismo em grupo:“O cara vai pegar caranguejo, né, vai na canoa e já chega. Um sai aqui, pra ir pra cima. Uma ou duaspessoas, outra vai na canoa costeando, né. Enquanto uns tão no mangue, outros estão na canoacosteando. Quando tão já com um pouco de caranguejo no saco, né, daí bota na canoa. Aí chega aqui,descarrega aqui e vai em diante. Vai lá no fim do rio, depois volta novamente. Quando um tá entrandopor dentro do mangue, outro tá indo pela canoa batendo... Batendo na canoa, pro pessoal não se

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perder. Fazemo assim mesmo. Que algum vai ao centro do mangue, não se cuida. Não escuta barulhode nada, não escuta nada. Então o outro pela canoa, bate o remo na canoa, escuta lá e diz: ó vamospra lá, caminha por aqui e já sai lá. Senão se perde, já sai por outro rio para lá. Saco daqueles nascostas, cansado? Deus o livre.”

Possivelmente existam também atividades de coleta clandestinas, na época de

defeso, entre março e novembro. Entretanto, informações diretas a esse respeito são de

difícil acesso.

SABERES SOBRE O CARANGUEJO-UÇÁ

Os saberes mais importantes para as práticas extrativistas dizem respeito em primeiro

lugar à ocorrência, distribuição e abundância dos animais nos distintos manguezais da

região. “Melhor caranguejo tem nessa Costeira Grande, e aqui no Buqüera também no lado de cá, do lado quevem pra cá assim. Que vem pro Riozinho, não. Que vai acompanhando o Rio do Buqüera. (... ) NaCosteira Grande, na época de pegar caranguejo, também é bom pra pegá caranguejo. Na beira elesnão fica. Só no final da andada deles que eles ficam na beira pra tomar banho na maré. Mais ( é) tudolá pro fundo.”

“O caranguejo gosta mais do mangue da canapuva. É se alguém chega no mangue, às vezes acanapuva é só buraco(... ) no mangue manso não tem buraco perto dele. (...) Mais é canapuva que é araiz, né, ele só, ele fica por baixo que é pra ninguém tirá lá de cima, corta o mangue ali, corta tudo,arrancam a raiz da canapuva pra tirá caranguejo, né. E a canapuva seca, né, cai tudo (...) Eles cortamtudo pra tirá o caranguejo maior que tem, o caranguejo maior. Eles cortam, cortam já. Cortam. Notempo de tirá eles cortam mesmo. É o pessoal daqui, do Valadares, já pode vim tirar, eles cortam. Jáleva um facãozinho pra cortá. Só querem daqueles caranguejo grande. E é no Buqüera... A turma doValadares, (... ) da vila, tudo ali o mangue maior, o mangue mais alto que tem o caranguejo maior... ”.

Alguns desses conhecimentos estão articulados com o extrativismo do caranguejo

tirado. Muitos extrativistas alegam reconhecer quais são as tocas onde habitam os machos e

as fêmeas. Com esse saber, os tiradores dizem poupar o trabalho de cavar nas tocas das

fêmeas, preservando-as. Diz-se que as bordas das tocas dos machos têm a superfície da

lama com as marcas dos pêlos de suas patas. Já as tocas das fêmeas são “mais lisinhas” e

não têm marcas de linhas paralelas que os pêlos dos machos deixam no substrato.“As fêmea fica separado, né. Ela tem outro canto dela né, outro buraco. E ali o cara vai tira aí, a genteconhece pela pegada né. É regadinha. Ó esse aqui. Esse buraquinho é da fêmea. E tem o buraco domacho aqui que a gente já conhece: "Esse é um macho, vamo metê a cortadeira que a gente já tira ele""E aquela lá esse é fêmea esse não adianta tirar caranguejo" Tudo conhecido assim. Sabe com aperninha dele.”

“O macho ele solta uma fezesinha. Então uma fezesinha compridinha e redonda, é, assim e a unhadela, da fêmea, é chata e do macho é comprida, sabe? Ele dá aquela arranhada na boca do buracodele, é comprida. Então, quando a gente vê que é uma unha pequena e chatinha, a gente já não vaicortar porque é uma fêmea. E a fezes dele também é graúda, sabe, é compridinha é... É, fica do

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ladinho assim. Quando que o mangue tá seco a gente já vê pelas fezes dele também. No começo doquente é bom porque se você vier um dia aí, cai com um caranguejeiro e tira ele já te mostra "isso aquié um buraco de macho, isso aqui é um buraco de fêmea". Então a gente que conviveu com isso, eucom o tio de Antônia, aí nunca nunca nós tirava uma carangueja... Nunca.”

O comportamento reprodutivo dos animais é observado pelos extrativistas, que

condicionam suas práticas de extração, orientados pelas fases lunares. Assim, o caranguejo

pegado é uma prática realizada nas luas de sizígia, e o caranguejo tirado é realizado no

período entre luas. “O caranguejo ele começa (andar) em dezembro, né? Novembro, dezembro, né. Ele vai, aí depois vem,vem isso, aí dizem que vem o carnaval e ele atravessa um rio pra outro...”.

“Pegava caranguejo meio de outubro. Naquela época dava caranguejo… agora nem da mais… No mêsde outubro já tava andando, a primeira andada.”

Os extrativistas identificam preferências alimentares do caranguejo, mas não são

unânimes em apontar qual vegetação é a principal. “Agora tá tapado o buraco. Agora não tem nada de ele andá mais. Agora tá tampadinho. Aí não seconhece (se é macho ou fêmea). Tão entocado. Só sai pra pegá folha. Folha pra colocá no buraco. É,também, pronto! Não sai mais. E folha que eles gostam é de mangue, né. Da canapuva não, domangue manso. Só mangue manso eles pegam um pouquinho. Canapuva não quer. Pode perguntarpra qualquer que canapuva eles não comem.”

“Pra mim, ele gosta mais dessa folha, daquela outra, mangue manso que nós chamamo. Pra comer.Porque ela cai mais folha e é mais folhuda também. O mangue manso é mais folhudo. Tem uma folhamais redonda... Canapuva também o caranguejo come muito (...)”.

“O caranguejo gosta de comer o mangue manso mas ele gosta mais de morar na canapuva. (...)Sempre, ele sempre é mais graúdo, sabe, na canapuva... Porque a lama é mais mole também, entãoele vai até o fim. Só que o tirador de caranguejo também vai atrás dele até o fim.”

Também identificam sua distribuição espacial nos bosques de acordo com o tamanho

e o sexo do indivíduo, descrevendo uma segregação espacial nas populações quanto ao

sexo e classe de tamanho, relacionando a isso a estrutura dos substratos dos manguezais

da região. “No manguezal, nuns lugar têm mais areia ou já é mais lama. E tem lugar que dá melhor, né. Ocaranguejo quanto mais na lama melhor, né. Ele gosta mais é da lama... na areia dá, mais é só unscaranguejinho miudinho...”.

“Ali, ele ali, o caranguejo pra mim ele faz a criação naquele mangue baixo, mangue de areia. Ali elestêm os filhote (...). Depois que ele sai distribuir, depois que ele vai, porque o mangue baixo ocaranguejo é mais miúdo, não é caranguejo graúdo. É, mangue baixo é só caranguejo médio, não temcaranguejo graúdo. E (as pessoas) não entram muito no mangue baixo.”

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“Olha, tem uma corrida de caranguejo, tem uma época na Costeira Grande, ali onde tem o canapuvalque tem uma lua que dá mais fêmea do que macho... Não sei se eles vão correr procurar o macho, né,mais tem lua que dá mais fêmea do que macho... (...) É uma lua mais no final da corrida (...) E elasainda não tão ovada... E, olha, as fêmea sempre (...) gostam de ficar mais no mangue mais baixo,sabe? Na parte mais dura, porque no lodo aí, o que a gente conviveu com esse caranguejo, é difícil.”

“O filhotinho do caranguejo ele não fica do lodo, ele fica toda vida no duro. Toda vida no lugar maisenxuto, mas agora no lodo assim, no lugar mole é difícil você achar um filhotinho. Agora se você sobeum barranco quando é duro assim você vê aquele monte de caranguejo miúdo. Que o mangue sejaduro, vai na Costeira Grande, ali é o mangue mole, ali é muito difícil, só na beira do rio, no começo dorio você vê filhotinho de caranguejo, depois sai pro fundo e já não vê mais... No começo, bem nabeirada, você encontra lá o sururu, e a ostra também se tiver canapuva... aí você entra vai ver osmacho daí. E depois as fêmea e os filhotinho maior, já começa... ”

Reconhecem o processo de muda para o crescimento dos animais. Entretanto o

comportamento de muda do inverno, muitas vezes, é identificado como mais uma etapa do

processo reprodutivo, e muitos extrativistas consideram que as fêmeas tampam as tocas

para chocar seus ovos.“(O caranguejo fica mole) em novembro. (...) A fêmea não sei se ela fica mole não, é ele o macho quese descasca, né, que troca o casco. Porque dia quinze de novembro assim não tem venda decaranguejo porque tá tudo mole. Aí não dá pra tirar. Agora as fêmea eles não tão junto com os macho, tão fora deles. Acho que ela já vai na corrida porque alguma quando tá na andada já mês de outubroque eles já tão bom de vender. Aí pega delas aí elas não tão mole, elas tão com a ova guardados aindadentro delas.”

“E pra criar, o caranguejo, acho que ele começa a carregar folhinha assim pra casinha dele. Acho quelá que ele choca, ele carrega folha pra dentro de casa. Deixa tudo tapadinho a casinha dele (...). Sabiaque ele um tempo ele morre por causa de frio úmido?”

“Caranguejo, agora já não tem. Agora já tá tempo frio, né (...) agora não dá pra tirar... e com caranguejomole é proibido... Agora é proibido tirá. Ele fica mole (porque) muda casco, né, troca de roupa, né?”

Também alguns extrativistas imaginam que o caranguejo faz apenas uma muda

durante a vida. Ou seja, é pequenininho, faz a muda durante o inverno, e na primavera

realiza a corrida para reproduzir e se recolhe outra vez às tocas para chocar seus filhotes. “Em um ano tá bom de comer o caranguejo. De um ano. Porque pro ano que vem já tem caranguejobom, né. Agora tão tudo no buraco, agora tão com o casco mole. É pro ano que vem. É, agora tá com ocasco mole (...) Muda o casco, de capinha, né. Muda o casco ainda pro ano é pro ano que vem, né.Esse ano, o ano que vem, que esse ano já deu caranguejo. Já peguemo, já comemo, né. Agora proano que vem, daqui um ano.”

A fase mais conhecida do ciclo reprodutivo do animal entre os extrativistas é o

fenômeno da andada. Já o período de desova é explicado, freqüentemente, como a hora

que o caranguejo vai se lavar, ou quando ele vai mudar de mangue, ir de um mangue a

outro. Para a maioria dos extrativistas, a desova do caranguejo acontece na areia dos

manguezais mais altos, próximos da restinga.

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“E as fêmea têm os filhote acho que lá no buraco mesmo será. Porque é o jeito, né? Onde é que elavai ter os filhinhos deles? Ali o macho vai montá a fêmea e depois cai no buraco dele (...), o filhinho alijá separa da mãe e já pode sobreviver já, né, já vai procurar já pra arranhá pra fica no buraco deles.Não ficam com a mãe ali não (...) Tem um lugar dos filhotinho, tem. Já tirei bem pequenininho pra verse é (...) bem pequenininho assim. Já tem o buraco dele (...) Igual tartaruga né, tartaruga é a mesmacoisa. Agora (...) quantos ovo tartaruga não bota, né (...) o pijá tão pequenininho já tão indo, mãe indo(...) vem correndo pra água, né, tem água. Na areia eles chocam, né, com a areia ali. Dali então elespequenininho já vão se engatinhando, vão pra água tudo... Igual caranguejo, é a mesma coisa, sai damãe e vai procurá os recursos dele.”

Mais uma vez, chama-se a atenção para o fenômeno descrito com freqüência entre

os extrativistas, que sugerem que os caranguejos “trocam de mangue”, que atravessam os

pequenos córregos que separam os manguezais para as outras margens, a fim de habitar

outros bosques.

Não há relatos de estudos científicos que refutem ou comprovem esse

comportamento. Entretanto, considerando constituírem populações vágeis, com clara

competição intra-específica por território, e sendo os manguezais heterogêneos não só em

relação à fisiografia, mas também em relação aos condicionantes ecofisiológicos, seria muito

importante esclarecer esses possíveis comportamentos migratórios nesses mosaicos

fisiográficos. Isso acresceria significativamente o entendimento das estratégias de

ajustamentos das subpopulações desse complexo estuarino.

Muitos extrativistas também sugerem que existem algumas formações de manguezais

que possivelmente estejam atuando como refúgio para os caranguejos de interesse

comercial (machos com largura da carapaça maior que seis centímetros). Também são

indicados alguns locais que servem de refúgio para fêmeas e filhotes.“Esse mangue manso ele dá bem caranguejo, mais é meio difícil de nós entrá lá pra pegá ele. Émangue baixo, né. Aí nego tem que andá arcadinho, igual um véio. Mas ele tem caranguejo assim no(...) dele.”

“Tem um capinzal também lá por a cabeceira no mato, desse mangue. E pra chegar no mato tem umbom trecho de capim, né. Também é esconderijo dos caranguejo. É das fêmea criá. Aqui, descendo orio do Mirto. Nesse mangue aí, naquele lado desse manguinho baixo, que tem na cabeceira dele pra lá,que tem o capinzal. Pra pegar caranguejo, ia passava daquele mangue baixo, ia beirando aquele capime o manguezinho baixo, mais o caranguejo “chuminava” naquela parte, no capinzero. O capinzal érefúgio pro caranguejo.” “Na Costeira Grande tem o esconderijo deles que é uma ilha de mato. É uma ilha de mato que temdentro da ilha do mangue entre os dois rio, Buqüera e o Itingussú. Dali de cima dá pra ver a ilha domato. Lá dentro do mangue. Eles se esconde. As fêmea pra criá elas gostam de se escondê maisnesses lugar assim. Que não penetra a maré, não chega lá.”

“As fêmea gosta do mais seco, pra em termos de criá. Os filhote gostam assim daonde tá mais enxutotambém, né. Eles são miudinho, mas é uma formiguinha. Aí já vi tudo aqueles bichinho lá assim. Euando no mangue mais presto atenção a tudo as coisa assim. Então eu digo, ói que elas gostam decriarem lá nas beirada daquela ilhota ali, que nós dizemo ilhota. Que lá naquele lugar é Ilha da Cotia onome. É, é a ilha da cotia. É essa ilha de mato que fica entre esses dois rios.”

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“Pois é, ilha da cotia. E é aqui que a bicharada gosta de... Gosta de se guardar lá pra criarem. No finalda andada do caranguejo até os caranguejo também vão pra lá (...) Aí é lugar quentinho, ali tem muitaaquela raizera, e faz moradia por ali pra criar, né. Pra passarem o resto da corrida.”

Ainda hoje em dia, entre os mais velhos da comunidade, algumas datas católicas

estão presentes na memória para marcar o início e o final da época de andada dos

caranguejos. Diz-se que o caranguejo antigamente iniciava seu período de andada no dia de

Nossa Senhora da Conceição, 8 de dezembro, e que o caranguejo andava até o Dia de

Reis, 6 de janeiro, momento esse em que o caranguejo ia se “lavar”.

É importante ressaltar que possivelmente a dimensão do impacto do intenso

extrativismo do animal esteja sendo subestimada pelos comunitários, já que, em seu

entendimento, “o caranguejo demora muito para crescer”, mas a dimensão desse “muito”,

temporalmente, não ultrapassa o período de um ano, desde a fase que os pescadores

consideram como primeira fase de vida, na qual eles têm contato visual com o animal,

recém-recrutado no manguezal, até a fase em que os animais atingem um tamanho

adequado para a captura. “Pra crescer... Desde filhotinho até ficar bom de por na panela... Acho que é quase um ano, de seismeses a oito meses, não é?”

“O caranguejo demora pra ficar grande. Acho que uns seis meses, né. Até crescer. Porque a genteencontra caranguejinho bem pequeno (...). Até assim que com seis meses tá criado em um caranguejodaqueles. Que tá grandão, com a cor dele.”

“Caranguejo graúdo mesmo?É um ano certo, mais ou menos (que) o caranguejo tá bom.

Sempre que foram divulgados para os extrativistas os dados científicos sobre o

crescimento do animal, que estima cerca de 8 a 11 anos para que atinjam o tamanho

máximo, o comportamento dos extrativistas sempre foi de espanto e susto... “jamais

imaginei!... nossa! quanto tempo”.

“Que dizer que dá muito tempo é? Eu pensava que logo ele crescia. Porque ele vira-se, a comida dele,no mangue, é a folha do mangue...”.

É fundamental informar os extrativistas sobre o lento crescimento do caranguejo, para

que possam dimensionar a gravidade dos efeitos de intensas práticas de extração em seus

manguezais.

Entretanto, considera-se a necessidade também de que estudos mais aprofundados

venham a ser desenvolvidos para esclarecer os ajustamentos desses animais nos diversos

ambientes de manguezais e suas distintas condições ecofisiológicas. Possivelmente, essas

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condições diferenciadas podem estar influenciando seu metabolismo e crescimento de

distintas maneiras. Essa hipótese é também sugerida por muitos extrativistas, que alegam

que em determinados manguezais o caranguejo sempre é maior, independente do processo

de extração, ou que o animal cresce mais e mais rápido em determinados tipos de bosque.“Tem lugar que ele gosta mais. Tem lugar que o caranguejo produz mais, né. Aqui onde o pessoal vai,sempre encontra mais. Que tem lugar de mangue que a lama ali é areia. Areia é uma parte mais durade ele cavar, pra ele sobreviver ali. E esses mangue mais mole, né, é favorável pra ele fazer buraco pramorá ali. Ele gosta mais do mangue mole. Gosta mais. E produz caranguejo graúdo também. Manguealto. Aqui tem ali a Costeira Grande, ali o caranguejo fica ali.”

No entanto, os extrativistas de Amparo têm clareza de que muitas práticas de

extrativismo dos caranguejos têm destruído seus bosques e fragilizado o recurso,

principalmente pelo efeito da diminuição do tamanho disponível para captura e pela

necessidade de aumento do esforço de captura.“Mesmo na Costeira Grande não tem aqueles caranguejo bonito que a gente tirava antigamente,aqueles caranguejo dos grande já não ali na costeira grande modificou muito. E acaba, sabe. Eu fui umdestruidor de mangue. A gente que vive aqui na pesca, falta uma coisa, a gente tem que cair pra,porque a gente não tem ajuda. Agora na época (...) de tirá o caranguejo teu governo não dá umaassistência ao pescador, ele é obrigado a, não tem onde correr, obrigado ir. Agora, teu governo dáuma assistência ao pescador ele, ele tem que corrigir aquilo que, ele tá, ele tá parado por objetivo dobichinho crescer e aumentar. Agora não tem como ele, ele é obrigado. Até eu, fosse eu ia tirar porquesenão, vê que ali todo dia ele vai ganhar pouquinho sim mas ganha. Fui destruidor porque cortava omangue. Todo mangue é cortado. É difícil mangue não ser cortado, porque você corta faz um talhoassim, tira aquilo, então ali um filhote de mangue já vai. É, na foice, na cortadeira. Ninguém aqui é,ninguém tira braçal, como a gente vê lá pro, lá pra aquelas, pro Ceará, os cara vão lá só é só no lodo,né. E aqui não. Não. Nunca aconteceu isso. Não aconteceu porque é mais duro lá é lodo, é molemesmo. E aqui mesmo que seja o mangue mole aí, mas é duro, então o cara tem que cortar.”

Alguns alegam anda que, havendo o pagamento do seguro-desemprego para as

famílias que têm no caranguejo um recurso econômico essencial, até mesmo a fiscalização

entre os comunitários se exerceria de uma melhor maneira.“Porque existe uma defesa do caranguejo e o cara vai ficar parado aí, sem, sem ganhar nada. Ele nãotem como ficar (...) Então porque (se) aí tem (seguro-desemprego), tem aqui tem quarenta, cinqüentapessoa que tira caranguejo, tem gente tá pegando, tá fazendo defesa que não é pra tirar, a gentememo pode chegar lá e denunciar quem tá tirando, então liga, mais que do contrário ninguém pode.”

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DA OSTRA-DO-MANGUE

Comparado ao extrativismo de caranguejos, atualmente é bem menor o número de

famílias que realizam atividade comercial com ostras em Amparo. Pelo menos duas famílias

a realizam sistematicamente, tanto nos afloramentos rochosos próximos à praia de Amparo

quanto nos manguezais próximos à vila. Também praticam um cultivo caseiro dos animais,

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depositando-os em caixas improvisadas. Reservam, para isso, pequenas áreas em

afloramentos rochosos, ou na própria praia, utilizando tanto a região subtidal como intertidal,

às imediações das residências. Diz-se que foi a partir de algumas orientações de técnicos da

Emater que algumas poucas famílias começaram a fazer esses cultivos na região. “Eu catava ali na pedra do Buqüera, mais depois que eu, que esse menino (da Emater) andou fazendoesses viveiro, indicando pra nós fazer esse viveiro de ostra, já deixaram de tirar mais ostra ali.”A partir dessas práticas, algumas famílias passaram a demarcar territórios nos

manguezais e afloramentos rochosos às imediações das residências, o que provocou alguns

conflitos de uso. “O lá ó, meu tirado de ostra é ali.”

“Também a pedrinha aí que tem, tinha, só que agora já fizeram criação de ostra, que ali tem uma casaque ela lida muito com ostra... Elas plantaram ostra lá no porto deles.”

“O (tirado) deles... Agora eles tão plantando assim... pegam o fio da ostra e põe tudo assim né que daívai crescê meio ali na lama... como assim ó... eles põe na beirada assim...”.

“Mas sempre tiram naquela beirada de lá, porque fosse pra mim proibir, é tudo que nós que manda dafonte pra cá é nosso! No Valinho. Mas é que, um dia essa mulher veio lá por trás, vieram tirar sururu alie tava batendo o martelo lá na ponta, pro canto, eu mais quem tá tirando ostra ali... Aí vim cá em cimae falei “Quem que tá tirando ostra aí?" e ela disse "Sou eu". E eu digo "E por acaso isso aí a senhoranão sabe que tem dono agora!? Agora não, já há muito, muito tempinho que já tem dono" "Ah, masaqui nunca foi proibido" digo "Não foi mais agora é, porque se não fosse tá proibido não tinha ostra aípra senhora tirá". Aí saiu. Já tinha tirado de certo um bom tanto (...) Ali no Valinho... Também nuncamais ela foi tirar lá. Era da minha plantação, eu falei, eu plantei, é um meinho, juntei as muda que játava com a ostra agarrada naquelas pedrinha e ponhei no meio assim...”.

Muitas das ostras que vão para os cultivos caseiros na comunidade são retiradas dos

afloramentos rochosos às proximidades da praia.“Olha a gente viu tirá ostra lá naquela ilha olha lá. Aquela ilha lá é o Guará. É, lá pra cima do Guará temuma ilha que é o Bregelhéu que é só pedra num tem, num tem... ali naquela laje tem ostra? Naquelalajinha tinha porque agora num tem mais nada. Tiraram tudo. Quando a maré seca no mês de agosto,assim que a maré seca muito, né, daí eles aproveitam que a maré seca muito e tiram.”

As ostras retiradas desses afloramentos são possivelmente a mesma espécie da

ostra-do-mangue Crassostrea rhizophorae. ABSHER (1989) comprovou que essa espécie é

típica de zona intertidal, podendo se fixar tanto em raízes de manguezal quanto em

substrato consolidado, e a espécie de zona subtidal é Crassostrea brasiliana.

Muitos dos animais que vão para o cultivo ou são diretamente comercializados após

coleta vêm dos manguezais locais. A coleta das ostras das raízes de manguezais é feita

comumente por deslocamento com faquinha, evitando a retirada das raízes da canapuva. “Ostra (pra tirar) cutuca ali com o facãozinho. Se corta com a raiz aí seca tudo. Então a gente pegavacom o facão, cutucava, caía e a gente pegava.”

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É importante ressaltar que muitas outras famílias passam a realizar coleta de ostras,

dos manguezais e rochas, na época do verão, quando aumentam as demandas do mercado,

principalmente no Mercadinho de Ostras de Paranaguá, e mercados e restaurantes de

Curitiba.“Se falha o camarão, aí a turma vai mexer com a ostra, porque não tem outro ganho com o camarão.Fica sem camarão. Tem a ostra, encomenda pro cara, o cara chega lá, tira uma caixa, duas, três. Jáinvade a turma, fica só aquele miudinho aquilo ali vai crescendo né. Vai produzido, produzindo pra nooutro ano vai ficar a ostra boa.”

SABERES SOBRE A OSTRA-DO-MANGUE

Observou-se que os extrativistas necessitam articular suas práticas de extração de

acordo com conhecimentos sobre a distribuição dos animais nas diferentes fisiografias dos

manguezais e também reconhecer sua abundância relativa. “(Onde tem mais canapuva) é aqui... Virou, essa panca pra lá. Esse costão é só canapuva. Tem o riodo Valo aqui embaixo ali. O rio do Valo é um rio esquisito, e só tem canapuva na barra ali, na entrada.Agora o que tem mais é o Riozinho, o Buqüera... a ostra. Ah, você vem com uma maré seca, na parteda tarde, porque eu to aqui. Já você vê a ostra na canapuva.”

“Antigamente, o mais rico de ostra era o Riozinho. Ali iam corta ostra. Ali tem mais... pedra ainda, e temmais mangue para ostra. Ostra de mangue e de fundo, da pedra. (...). A ostra se cria mais na pedra doque no mangue. No mangue também, tendo mais canapuva é melhor ainda. No riozinho tem maispedra, tem mais poço, né. Tem pedra bastante, a ostra fica criando ali e vai aumentando. Vaiaumentando. Muita ostra.”

Tem-se em conta que a disponibilidade desses animais relaciona-se atualmente não

só com os condicionantes naturais, mas também diretamente com a intensidade de

extração. “Pra caça de ostra, mudou. Até as parte que têm pedra que criava ostra também... Tinha muita ostra.Quanto mais a maré seca bem, mais eles avançam, né, tirá ostra. Que tem valor né. Tá saindo umacaixa de ostra 25, 30 reais, ostra graúda, boa. Antigamente não tinha tanta concorrência assim, né. Éporque multiplicou a geração, o povo é muito também, né? Tem que procurá, tirá vender pra podersobreviver.”

Dessa maneira, existe uma determinada competição pelas áreas em que o animal

ocorre com maior abundância. E, quando possível, alguns extrativistas passam a demarcar

territórios. Observou-se regulação de acesso em afloramentos rochosos próximos às casas

das famílias que fazem cultivo, e na região de manguezal mais próxima da vila, o Valinho.

Também existe um determinado comportamento de sigilo quanto às regiões onde ainda se

podem encontrar ostras nas canapuvas.

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Outro conhecimento importante está relacionado à localização das fisiografias, locais

onde se encontram as canapuvas mais velhas, Rhizophora mangle. A identificação do

conhecimento desses bosques de borda é fundamental para reconhecer áreas onde ainda é

possível encontrar os bancos naturais do recurso.“(A ostra vai achar) onde tiver canapuva... É... E sempre na beirada (dos bosques)... Pra dentro nãotem.”

“A ostra só dá na canapuva. No mangue manso (...) não dá ostra. A siriúva também não dá ostra. Nomangue grande dá tudo. Aquele que dá aquela raizada assim, ali que se cria ostra. E a ostra da pedratambém, aonde que tem aqueles pedrão se cria.”

Uma interessante prática de manejo dos bancos naturais é a eliminação de cracas,

que competem por espaço com as ostras, tanto nas raízes de Rhizophora quanto nos

substratos rochosos. Alguns extrativistas retiram essas cracas, para facilitar o

desenvolvimento dos bancos de ostra. “Se a gente tira a craca, (aí) nascia ostra ali... Nasce, daí nasce... Eu quando eu vou tirar a ostraassim, eu maceto tudo essa craca que tem. Já mato já, rapo ela, tiro... porque quando pegar uma,uma muda de ostra, aí já, não ele não vai estragar.”

O conhecimento sobre a resistência à dessecação e à exposição ao ar desses

animais é também fundamental para seu transporte, armazenamento e manutenção em

cativeiro. “Mais tempo quente sabe, ele morre tudo com o sol. Aqui dentro dá pra deixar ele ficar no chão. E daí amaré fica pequena, assim, não sobe um pouquinho e já desce.” Quanto ao metabolismo do animal, os extrativistas acompanham os períodos de

crescimento da espécie, principalmente porque a eles condicionam suas atividades de

cultivo caseiro. “A ostra... sei que a gente deixa assim (a) casquinha né, (...) e fica ali, se deixar nove meses na água jácomeça a criar.”.

Também descrevem que a ostra do fundo (Crassostrea brasiliana) apresenta maior

crescimento porque “fica no fundo”, na região de infralitoral. Chamam de ostra branca a

espécie C. rhizophorae, do supralitoral, encontrada nas raízes de canapuva, e nos

afloramentos rochosos. E a distinguem da “ostra de fundo”, C. brasiliana, do infralitoral. “Aí é ostra branca. Ostra branca porque ela cria-se mais ela pega mais com o ar livre, né. Ela crescemais branquinha. E aquela de baixo cria-se mais... grande, cresce mais, porque pega mais o sabor dalama... Pega a sujeira que vem da maré, e tudo, né. Ostra grande.”

Os extrativistas de Amparo têm clareza de que suas práticas de extrativismo têm

diminuído o estoque desses animais nos manguezais locais e reconhecem a escassez

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crescente do recurso nos bosques de bordadura e a necessidade de aumento do esforço de

captura.“A ostra do mangue existia com abundância no mangue, porque ninguém tirava né. Não tinha aconcorrência que tem agora. Agora é muito procurado, vem até comprador por aqui. Nesses manguede lá pra cá tá raspado, tiram muito.”

“Ostra do mangue, é (...) dá mais é o Itingussú, aí Itingussú, o Riozinho também, mas só que tambémtá em extinção. (Não é como era antes) Até a ostra do fundo, né. E ostra da pedra também tá emextinção, não tem...".

“Eu e a minha filha (...) nós tirava ostra (...) que nem hoje, tirava pouca ostra, mais aquela assim quetava amarela de velha já... É, (no Buqüera) num lado ou no outro assim nas raízes né. Nós tiravarapidinho nós tirava duas caixas de ostra assim... Andando e catando, onde via chegava canoa ali etirava... Agora não tem mais, não tem mais nada...”.

“Mais não tem mais nenhum lugar que você veja uma, uma ostra madura, mais daquela do mangue...Sumiu, e eu já vi gente que também sabe mergulhar na água azul e já dizendo que nem no fundo nãotem ostra... (Mas) se cuidá cresce de volta. Porque no nosso lugar lá nós tinha, e tá crescendo sim, játive andando por lá, tinha uma lá começando a crescer já. Aí eu digo: "não demora, vou colher umpouco ainda... (...) pro verão... ”.

Além da pressão extrativista, alguns eventos de poluição ambiental têm afetado

diretamente os estoques de ostras da região de Amparo.“Fizeram a barraca dá tainha agora, esses dia já começaram... (...) já tavam perguntando se já nãotinha ostra. Aí não tem. Esse ano trasado nós vendemo uma porção, mas esse ano passado já nãoteve, teve nenhuma, porque morreu tudo...”.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO SURURU

Antigamente, muitas famílias realizavam o extrativismo comercial de sururu na

comunidade de Amparo. “Quando a gente tirava ostra, eu e minha filha tirava ostra e sururu junto e tinha os dois produto pravender. Naquela época tinha saída, não era caro, era barato, mais tinha saída. Antes todo mundocomprava os produtos, agora não tem saída.”

O extrativismo comercial de sururu, hoje em dia, tem sido realizado principalmente por

um grupo familiar na comunidade de Amparo, que se dedica à atividade há pelo menos 20

anos. “Faz tempo, muito tempo, muito mais de 20 anos que comecei a vendê ostra, acho que já faz mais de20 anos. Vendia ostra. O sururu e a ostra.”

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Essa prática tem se realizado sistematicamente e foi passada de mãe para filha, nora

e neta e está restrita a encomendas do mercado de Paranaguá, feitas diretamente a esse

grupo familiar. “O sururu eu não tô mais tirando. Nunca mais fui tirá, porque minha nora tira. Ali quando eles numpodem ir lá chamam a filha ali que é mais nova, aí vão lá. Eu já deixei do mangue lá muito tempo.Minhas filhas num querem mais que eu vá. Eu tirava sururu, mandava vender pela minha filha, assim,né. Ela ia vender...”

“As mulheres que sempre vão prô mangue catá sururu, tiram terça-feira e quinta.”

“O sururu não tem a venda, é por encomenda, e tira ali 4, 5 litro em cima. Mais assim, não tira muito. Agente se esquece, chega de lá. Agora eu trabalho, né, mas no começo assim (...). É gente de outracidade, um queria o outro já não queria. Quem tinha comprado, agora quem (...) tira mesmo. Tirava...Pra manter as encomendas deles. Acho que é mais pouco no mercado. Agora tá mais pouco nomercado.”

Existe uma região preferencial para sua extração, às margens do Rio do Mirto.

Eventualmente, acessam também manguezais do Riozinho em busca do recurso. A coleta é

manual e o dedo indicador é usado como alavanca para deslocar o animal da lama.

Os extrativistas vão aos manguezais do Rio do Mirto, em canoa a remo. Para evitar

os mosquitos, levam consigo uma panelinha onde queimam galhos para fazer fumaça. Ao

extrair os animais, colocam-nos em baldes de plástico (feitos com embalagens de óleo para

motor) para depois lavarem suas conchas e ensacá-las para o transporte até o Mercadinho

de Ostras de Paranaguá (KOEHLER, com. pessoal).

Observou-se um interessante manejo de extrativismo nos manguezais do Rio do

Mirto, onde a coleta de sururu é realizada em forma de rodízio das áreas de extração. A

periodicidade dessa atividade se dá uma ou duas vezes por semana em épocas de inverno

e intensifica-se em época de verão.

Esse rodízio é assim realizado: os extrativistas extraem animais em um determinado

trecho, avançando, aos poucos, para outro e deixando a primeira área repousar. Tendo

passado algumas semanas, o rodízio se completa e volta-se a extrair os animais outra vez

do mesmo trecho. Assim, os trechos permanecem de dois a três meses sem uso, até “criar

marisco de novo”, momento esse em que os coletores voltam às atividades no mesmo local.

Essa prática peculiar assemelha-se ao antigo pousio, exercido na agricultura de subsistência

de muitas comunidades ribeirinhas.

Os extrativistas enfatizam que as margens desses bosques do Rio do Mirto,

constantemente manejadas, apresentam grande abundância de sururus e que os bancos

naturais são mais perenes do que aqueles de outros bosques.

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“O Mirto é onde dá mais o sururu... Lá no Buqüera também tem, lá no Rio do Itinga também tem...Mas no riozinho do Mirto não acaba nunca. Lá no outro rio acabou... Não sei por que que acabou lá.(no Mirto) você deixa sempre os pequeninhos, daí... é difícil acabar. Eles tiram mais que por aí e nuncaacaba.”

“O sururu dá muito. Não morre, não acaba, quanto mais tira mais aumenta parece.”

“Ah, sururu se pega na beira do barranco, a gente olha... tudo aparecendo ali. Ele aparece, quando eletá forrado assim. Ali começou a tirar aqui, e vai indo. Aí (...) vai tirando de um em um. Um certo dia eufui tirar ali com o vizinho, tirá sururu. Cheguei lá, tirei 40 litro ... perdi a unha.”

Durante o "tempo frio", a média de extração de sururu é de 50 a 60 latas1 por semana,

tiradas do Rio do Mirto. Essa atividade é matutina. E sua venda ocorre no Mercadinho de

Ostras de Paranaguá. Nesse período, a demanda é exclusiva de um comprador de Curitiba

que trabalha com restaurantes KOEHLER (com. pessoal).

Já a partir do final do mês de novembro, início de dezembro, a extração aumenta.

Nessa época, relata-se uma produção de 120 a 200 latas por semana, e a atividade passa a

ocorrer tanto pela manhã quanto pela tarde. Também, dentro do grupo familiar, há um

rodízio de extrativistas. Quando um determinado grupo exerce a atividade em uma semana,

na outra, a atividade é realizada por outra parte da família.

De acordo com esses relatos, estima-se, grosso modo, uma produção mensal média

desse grupo familiar, em “tempo frio” (outono–inverno), de 5.508,75 indivíduos/mês,

enquanto que em “tempo quente” (primavera–verão), a produção atinge em torno de 16.200

indivíduos/mês. Esses dados são depreendidos apenas dos relatos dos extrativistas, são

necessários, portanto, estudos de campo que estimem essa produção.

Existe também a coleta esporádica de sururu em substrato mais duro, arenoso, como

aqueles às margens dos bosques do Valo Grande. Para essa coleta, os extrativistas

adaptaram um instrumento, feito da haste de alumínio de tampa de panela de pressão. Sua

forma achatada permite que o instrumento sirva de alavanca para a extração dos animais. “Nós tirava... tirava do amarelo, na costa do rio... (...) Eu e a filha usamos até um tirador... um cabo depanela de pressão é bom. O tirador pra entrar no mangue não pode ser muito largo...”.

O sururu encontrado na areia é chamado de sururu branco ou sururu amarelo. Já o

sururu encontrado na lama, com coloração da concha mais escura, recebe o nome de sururu

preto. Ambas as denominações se referem à mesma espécie, Mytella guyanensis.

1 As latas que servem de medida são as de óleo de 900 ml. Cada lata contém 20 a 25 animais. A atividade deextrativismo desse grupo familiar no Rio do Mirto existe há cerca de sete anos, e o recurso tem se mantido estávelnas áreas manejadas (KOEHLER, com. pessoal).

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Entretanto, a preferência do comércio tem sido o sururu preto. Alega-se que o sururu preto

tem sabor mais agradável e não possui areia ao ser preparado como alimento. “Na Costeira Grande que vai se embora ... tudo aquela costa na beira do capim tem sururu. Mas só queo sururu é diferente, porque o sururu do mangue de dentro do riacho é preto o sururu. E é mais graúdoo sururu. O sururu branco é que eles não querem encontrá... ele é meio amarelado assim. O preto édo mangue, agora esse do ... é tipo uma cor amarelo, branco, assim, meio amarelado... (...) É nacosta o sururu é amarelo... Nós tirava... tirava do amarelo, na costa do rio... mas de um tempo pra cáeles não querem mais o do amarelo, porque eles gostam mais do sururu preto... Porque o sururu pretoé mais grande... Eu e a filha usamos até um tirador... um cabo de panela de pressão é bom. O tiradorpra entrar no mangue não pode ser muito largo. A gente tirava uns duzentos. Enquanto a encomenda agente tirava. (Vendia) antes era 40 centavos, agora é 50. E o comerciante vende a um real, um ecinqüenta, lá. ... Eles vendem pra turista. Que vêm comprá, levam pra praia, que compram. É turistamesmo...”.

Os extrativistas também enfatizam que o sururu preto tem maior resistência ao

transporte e armazenamento em mercados públicos, quando o animal fica por vários dias

exposto ao ar e à dessecação.

SABERES SOBRE O SURURU

As dinâmicas de apropriação do recurso estão articuladas primeiramente aos

conhecimentos sobre as condições de substrato dos manguezais e à localização de relevo

em locais próximos aos corpos d’água que margeiam os bosques, denominados “barrancos”.

“No Buqüera também tem. Por tudo aquele riacho também tem sururu. (Mas se fosse pensar onde dámais) dá no rio do Mirto, ali. No rio do Mirto que entra ali pra dentro. Dos dois lados têm. Dá. Vai dumlado e do outro também tem sururu. (No Riozinho) também tem, nessa entrada que vai tambem tmsururu. Aqui no riozinho, já é mais pro começo. Mais pro começo, de um lado e do outro assim...Porque num rio que vai assim, aí tem aquele riacho que entra assim no rio de vez em quando... Entranos riachinhos têm sururu. É. O sururu do mangue é mais no riacho, assim na beira de mangue, assimna beirada. Mais pra dentro é duro, que vai aqui do rio, que vai por essa beirada do rio, aqui é bom, daíum pouco lá pra dentro daí não presta é duro. É mais pela beirada. Se têm sururu naquela beirada debarranco, a gente vai se embora. Não depende do mangue (alto oi baixo) ... Não, só depende da beirado rio. Só da beirada do riacho... É que o mangue (da beira) aqui é mole, a beirada do mangue aqui émole... pra dentro é duro. Mais com a lama do que com o duro.”

Esses conhecimentos estão diretamente vinculados à localização de sua distribuição

específica em relação às diversas condições de solo e à escolha das técnicas específicas de

extração.“Mais primeiro, antigamente, eu com minha família ali, nós tirava com ferro. Um ferrinho assim, fino aponta pra nós tirá. E agora eles ali, vão às vezes é só com o dedo, só com o dedo, só no mole elestiram. Na parte dura eles não tiram.”

“Que tem um tipo de sururu, que também fica com areia né? Esse, o sururu amarelo. E por exemplo, eutrouxe ali, e eu trouxe o sururu preto e o sururu amarelo. A gente tirou um do lodo, da lama, que é o

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sururu da lama. Que é o preto. E o outro que é o amarelo, que é o sururu, o que dá mais na parte quetem mais areia.”Os locais preferenciais para o sururu são as margens dos bosques de manguezais,

cujo substrato tem alguma firmeza e mantém um relevo elevado, o barranco. “O sururu gosta é das beirada é só nesse, no Mirto que fala. Vai sururu até o finalzinho do rio, daentrada lá pra dentro. Do Rio do Mirto. (E no Riozinho ) até lá em cima, onde a gente tem, trabalha láno terreno, tem a ponte que é Daniel Freitas, ali até aquela ponte, dá bastante. (Mas) pra cima não tem.“

“Pra pegá é só nas beirada, mas têm umas entrada de riozinho que têm umas corrinha que entra pradentro do mangue. Na beirada daquele corrinha tem também... Dá, na beira do Buqüera, na frente doCosteira Grande, tem um lugar que é mole, aí cria bastante sururu.”

“O sururu não depende do (tipo do) mangue, depende da lama mole... ”

“O sururu, ele regula sempre, ele dá mais em beira de barranco. É, beira de barranco. Bem na beira dorio se você vai, você olha que tem bastante assim. Já tem outra parte que você chega e que não tem, eassim vai. È barranco de mangue, no mato não dá.”

O conhecimento sobre algumas características fisiológicas do animal, em relação à

resistência à dessecação é também fundamental para seu transporte, armazenamento e

manutenção em cativeiro.

Quanto aos saberes sobre seu crescimento e metabolismo, muitos extrativistas

realizam observações constantes em relação às produtividades interanuais, fenômenos de

mortalidades massivas e formas de distribuição espacial dos bancos naturais.“Teve uma monção que acabou tudo, não sei o que deu, teve uma caloria de sal, mas morreu tudo osururu., daí pronto, não temos mais sururu na água, tudo morto. Mas depois teve um conjunto quefico... que acho que não acaba da terra, não sei... Sabe que eu não sei mesmo é pesquisá isso aí,como é que tem... é igual bacucú, fica tudo emendado naquela bascuiada, fica uma raizera, mas não éraiz de pau é raiz de produção... É engraçado de vê. Eu pesquiso essas coisa assim daí eu digo, meuDeus! (Eu) devia ser uma gente que tivesse estudo, mas não tive naquela época... Eu estudei assimas coisas, mas não sei como que pode... E (então cria de novo), tem de novo, não vai um ano, menosde um ano pra voltar. E é a produção, é boa. Então sei que é bonito de ver, aquele negócio assim né.”

“(O sururu) Tá gordo ainda, (...), em tempo quente. Ah é, tempo quente que tá gordo. É, depois

emagrece.”

Problemas com poluição ambiental têm afetado diretamente os estoques de sururus.

Entretanto, não foram relatados conflitos de uso em relação ao extrativismo desses animais

nem entre famílias da comunidade de Amparo, tampouco em relação a grupos extrativistas

vindos de outras comunidades às imediações.“Os de fora vem buscar o sururu, mas nada que prejudique. O problema mais é a ostra e o caranguejoque vem gente de fora...”

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“... agora tá difícil de vender esse negócio. Não é todo mundo que compra na cidade. Antes tinhabastante encomenda. Agora não.”

MAPAS COGNITIVOS DOS MANGUEZAIS DE AMPARO

“Engraçado... Quando passa na televisão... Eles andando com uma voadeira e conversando... Vendo aqueles bichos que tem, capivara, não sei o que lá... É igual aqui, que eu tava vendo nos papel!

Como que pode, né? E agora que você mexe com isso aí que eu to vendo como é que fazem as coisas, né?”

“Com a maré cheia que é bom de andá assim. É bom de andá com folga, que vai vendo as coisas assim... Porque depois aí quem mais sabe fazê o mapa já marca tudo direitinho.”

(Fala de uma pescadora, ao realizar um mapa cognitivo)

Com base em mapas cognitivos de sete informantes privilegiados da comunidade,

localizaram-se importantes pontos de referência da região. Recolheram-se informações

quanto às abundâncias relativas dos três recursos bênticos de interesse econômico em

relação aos distintos bosques e sobre os acessos preferenciais da comunidade nas distintas

fisiografias locais. Os mapas cognitivos foram realizados comparando o conhecimento dos

comunitários com o mapeamento prévio de MARTIN (1992) para as fisiografias locais.

Com a realização desses mapas e excursão a campo com uma informante

privilegiada nos diferentes rios que margeiam a maioria dos bosques de manguezais da

região, chegou-se a um mapa-síntese desses saberes, apresentado a seguir (Figura 14).

Assim, obtiveram-se indicações de áreas consideradas mais produtivas na região.

Essas áreas foram tomadas em consideração na eleição dos bosques estudados na etapa

empírica seguinte, sobre composição fisiográfica e abundância de recursos. Essas áreas

indicadas pelos comunitários estão representadas na Figura 15.

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Figura 14: Mapa cognitivo síntese da região de Amparo. Estão indicadas as localizações antiga eatual da comunidade, os rios que margeiam os manguezais e demais pontos de referência. As fisiografias dosmanguezais estão representadas por: áreas pontilhadas – formações Hauts Fourrés de Rhizophora e BoisFourrés de Laguncularia ou de Rhizophora; áreas com linhas paralelas mais estreitas – Florestas de Borda de2 a 3 estratos; áreas cobertas com linhas paralelas mais espaçadas – Haut Fourrés de Laguncularia (MARTIN,1992):

N

O,5 Km

BreguelhéuPesqueiro

Costeira GrandeBuqüera

Ilha da CotiaRestinga

R. do Mirto/Jóquinha

Rio do Atalho

Encruzilhada

Casa do S. Daniel

Mangue Manso

Rio do Itinga

Poço da PedraCamarão

Canapuval

Canapuval

Criamede jacaré

Rio do Cerco

BreguelhéuPesqueiro

Sambaquí

assombradoSambaquís

Sambaquí

assombrado

Vila demoradores

atual

Antiga fazenda demoradores de Amparo

Riozinho

Acampamento

Sumidor

Ilha de ForaOstreiro e Pesqueiro

Criamede jacaré

arurá

Valo

Gra

nde

Valin

ho

Ilha Guará

Pau Rolado

Canapuval

Antigo tanque de criação de camarão (Acarpa)

R. Das Ostras

Antigo tanque de criação de camarão (Acarpa)

Comunidade De Am

paro

Sambaquís

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Figura 15: Mapa cognitivo síntese da região de Amparo. Estão indicadas aslocalizações preferenciais dos recursos bênticos de manguezais e de algunsoutros recursos pesqueiros.

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ACESSOS AOS MANGUEZAIS LOCAIS

Os extrativistas de manguezais de Amparo não se deslocam a grandes distâncias

para realizar suas atividades. Utilizam, sim, os bosques próximos à comunidade para a

coleta de ostras, sururus e caranguejos.

São abundantes os manguezais às imediações de Amparo. Nos estudos de MARTIN

(1992), suas fisiografias são identificadas como formações em Haut Fourrés de

Laguncularia, ou seja, bosques altos de Laguncularia, com um estrato, dossel apresentando

em média cinco metros de altura.

Também há bosques em Florestas de Borda, compostas de três espécies arbóreas,

Laguncularia racemosa, Avicenia shaueriana e Rhizophora mangle, organizadas em três

estratos, com dossel variando entre 4 e 8 metros de altura. Outras formações identificadas

genericamente por MARTIN (op. cit.) são dos tipos Haut Fourrés (bosques altos) de

Rhizophora e Bois Fourrés (bosques cerrados) de Rhizophora ou de Laguncularia. As

formações em Bois Fourrés têm composição pluriespecífica, com L. racemosa e R. mangle,

e dossel em dois estratos, medindo entre 3 e 5 metros de altura.

MANGUEZAIS DO RIO DAS OSTRAS

Com ponto de referência na frente da praia de Amparo, ao lado esquerdo da

comunidade, existem bosques que margeiam o Rio das Ostras. Esses bosques são

indicados por MARTIN como do tipo Haut Fourrés (bosques altos) de Laguncularia, com

pequenas formações de “Canapuvais” (Haut Fourrés de Rhizophora), além de uma formação

em Floresta de Borda.

Esses manguezais marcam o limite entre as comunidades de Amparo e de

Piaçaguera. Há relatos de que poucas pessoas de Amparo atualmente fazem uso dos

manguezais do Rio das Ostras, tanto para o extrativismo nos manguezais como para a

pesca. A comunidade de Piaçaguera também é usuária desses ambientes.

Os comunitários relatam haver “criame de jacarés” as margens desse rio. Descrevem

também um local chamado de “Pau-rolado”, que parece ser uma região com uma

hidrodinâmica particularmente intensa e perigosa para nadar ou andar nos manguezais

dessas imediações.

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“E esse rolado, ele vai cada vez mais caindo no barranco. Os mangue que tão na beira vai rolando praágua. É por isso que se chama rolado”. O rio tá comendo e tá aumentando o barranco.E a maré vai destruindo. Aí o rio vai ficando mais raso, né, vai se entulhando, né. E ali que é o rolado.”Existem muitos manguezais que são “atoleiros”, de difícil acesso no Rio das Ostras, e,

portanto, mais perigosos para transitar. “Tem lugar muito mole aqui... Tem mangue que some... Se você vai lá, é capaz de não sair... Pra lá émuito ruim de ir... (...) Só que lá no final desta vortinha, é tudo baixinho.”

“No mangue alto dá (caranguejo) graúdo né, ali. Mas tem parte que o pessoal não vai tirá caranguejoque é muito mole né. É, só se vê o bicho ali... Naquela parte, aqui pertinho. Aí o pessoal vai um pouco,pra lá não dá. Aí passa aquele pedaço... tem mangue sabe, que engana a gente, Deus o livre. Vocêolha pensa que dá pra pisar, mas Deus o livre.”

“O Rio das Ostra, aqui, é caranguejo, que além de ser pouco, é médio, sabe? Miúdo! toda vida foiassim!”

É possível que essas diversas características do local justifiquem o pouco uso que se

faz de seus recursos bênticos pela comunidade. Ao serem questionados sobre a vinda de

extrativistas de fora da comunidade que também façam uso desses manguezais – da Vila

Guarani e de Valadares – relataram que esses raramente entravam no Rio das Ostras. “Ali nesse bosque do Rio das Ostras dá caranguejo bom. Esse aqui tem muito caranguejo, na época.Tem época que ele anda bastante. Mas tem época que não dá pra você entrar no mangue, demais,demais.De tanto caranguejo. (Mas) o pessoal do Valadares e da Vila Guarani, pra cá não vem. Amaioria é daqui, né. Vive no Amparo. Do Piaçaguera.De fora não tenho visto passar mais, antigamenteeles vinham. Agora parece que tão achando que é muito miúdo também né. É mais miúdo que nosoutros rios... Lá no Itinga, o caranguejo é grandão, maior do que aqui. Aqui é miudinho os caranguejo.Lá eles falam que é bom de pegar porque o mangue dá pra andar de sapato. É bom de trabalhar,porque a gente vai carregando a tralha. “

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIOZINHO

Com ponto de referência à frente da praia de Amparo, à direita da comunidade

existem manguezais amplos e abundantes, permeados por vários rios. Do mais próximo ao

mais distante encontra-se um rio denominado Riozinho.

Entre a praia da vila e o Riozinho, existe uma área de manguezais, chamada de

Valinho e Valo Grande. Esses manguezais apresentam formações de Floresta de Borda ao

longo de toda a extensão de suas margens. Mais internamente apresentam formação do tipo

Haut Fourrés de Laguncularia. Nessa área, as Florestas de Borda são indicadas como

áreas preferenciais para a coleta de ostras das raízes de canapuva (Rhizophora mangle) e

de sururus brancos, pois é típico nesses bosques o substrato mais arenoso, principalmente

na região do Valinho.

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É importante ressaltar que o Valo Grande e o Valinho já disponibilizaram ostras em

abundância no passado. Hoje em dia esse recurso tornou-se bem escasso nessa região.“Canapuva com ostra é cheio no Riozinho aí, Aqui do Valo , do Valo pra lá vai embora... ”

“No Valo Grande ali dá sururu e ostra, também dá canapuva e ostra, mas o pessoal não deixa criar.Aqueles lá pra baixo, mais pra baixo sempre tão tirando... Tiram só as (ostras) grandes, e... Mas nãocortam a raiz... Mas se tivé prensado uma ostra grande na outra, corta aquela (raiz) lá, pra tirar a ostra.Antigamente tinha mais ostra no Valo Grande... Tinha bastante, bastante mesmo. Mas é que com otempo aquelas canapuvas da beirada vai morrendo, que dá aqueles bichos na beira né, às vezesmatam,aí elas morrem, também fica doente, o produto (do Porto) que ta ali grudado e é difícil sobraalgum, se tivesse tempo de nós andá, pelo mangue aí você ia pesquisá melhor, e tava vendo com seusolhos.”

Já os bosques de manguezais localizados às margens do Riozinho são mais

abundantes à sua margem esquerda para quem entra em seu leito pelo estuário. Em sua

maioria, são do tipo Haut Fourrés de Laguncularia. Há, ainda, pequenas regiões de floresta

de borda, distribuídas até o final do trecho deste rio. Também se encontra uma única

formação, à margem esquerda, logo na entrada do rio, que MARTIN identifica

genericamente como Haut Fourrés de R. mangle ou Bois Fourrés de L. racemosa, ou de R.

mangle.

Logo à entrada, localiza-se também um pequeno meandro à margem esquerda de

quem penetra em suas águas, chamado Rio do Mirto, local de intensa coleta de sururus, e

considerado pelos comunitários como a área de maior abundância desse recurso na região. “– E se fosse olhar pros três rios, o Riozinho, o Buqüera e o Itingussú, tem um que a senhora diga:Esse produz mais? Pra alguns desses bichos?– Mais o Buqüera é um riozinho bem aqui pra frente que tem aqui na frente do Buqüera aqui pra cá.Tem um barra aqui no riozinho pequeno, ali tem muito mais sururu. O Rio do Mirto, é esse aqui mesmo.Bem na entradinha do rio ali, tem sururu. Tanto faz um lado como o outro. Aqui nesse riozinho, no ladodireito também tem bastante.”

“Pra ostra, o melhor mangue é esse aqui o do Buqüera. Agora, pra tirar sururu é no riozinho. Riozinho ébom.”Os manguezais que se localizam às margens mais internas do Riozinho são locais

indicados como fornecedores de ostras-do-mangue e de sururus. Também há alguns

lugares indicados como criadouros de jacarés, além de diversos sambaquis dispostos ao

longo de suas margens. Existe também disponibilidade de ostras em afloramentos rochosos

no leito desse rio.“Pois (o jacaré) ele se cria (assim)... A mãe, as criadera vão lá pros arrebardo lá (...) e ficam escondidolá pra criar eles assim, miudinho, quando são miudinho, né. Porque se eles ficam dentro d’água não,não vai pra cima, eles fica, fica assim pedra por baixo de pedra, a maré não chega e assim na beira domangue, onde tem um capim, que a maré também não alcança lá, assim que eles cria. E é bonito de vêa criação. Acho que cria bastante, agora se eles vão crescer tudo igual agora não sei bem, mais eu

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quero que eles se crie, né? Ta vendo daquela pedra ali, ó? Aquela ali é um bom, um bom lugar delesse criarem, porque fica encostado na beira do mato. Aí sim é lugar delas criarem.”

O Riozinho é utilizado constantemente pelos comunitários de Amparo, tanto para a

pesca, coleta de ostras (principalmente em rochas) quanto para o extrativismo de

caranguejos e sururus. Entretanto, em comparação com os rios Buqüera e Itinga, é menor a

presença de extrativistas no Riozinho, principalmente aqueles que vêm de fora. Justifica-se

esse fato pela existência de muitas rochas em seu leito, o que dificulta a navegação em

períodos de maré seca, e também porque em seus manguezais o caranguejo apresenta

menor tamanho de captura.“O Riozinho é um rio de caranguejo miúdo também. Você quer ver caranguejo miúdo você sai noRiozinho. No rio do Itimirim é caranguejo miúdo também. Já nesses dois rios aí é o foco do caranguejomais graúdo, o Buqüera e o Itinga. Com certeza é aonde vai mais gente pegar também, é aonde vaimais gente. Ah, nesse rio (Riozinho) aqui vai menos gente. Tem oitenta por cento no Buqüera e noItinga e vinte por cento em Riozinho e Ostra.”

“No Riozinho, com a maré seca, já não vai. Maré bem seca que seca mesmo, que fica só um riozinho...Aí não vai a canoa, né. Mais agosto, sabe, agosto que seca a maré... E no Buqüera não, pode secar amaré, mas lá nunca seca. Qualquer embarcação entra. Barco a motor, lancha, mesmo grande...”

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO BUQÜERA

Outro rio que margeia uma vasta extensão de manguezais na região de Amparo é o

Rio Buqüera. Esse rio meandrante é muito utilizado para pesca e também para coleta de

bacucus, caranguejos, ostras e camarões. O Rio Buqüera é mais facilmente navegável do

que o Riozinho, pela menor presença de afloramentos rochosos em seu leito. Entretanto,

para a sua navegação, é importante conhecer os lugares específicos de baixios e

reconhecer as marcações dos comunitários que orientam a navegação.

Os manguezais que margeiam esse rio são do tipo Haut Fourrés de Laguncularia,

Floresta de Borda e também Hauts Fourrés de Rhizophora e Bois Fourrés de Rhizophora e

de Laguncularia.

Essa região é indicada sempre como o melhor lugar para coletar caranguejo, tanto ao

longo de suas margens, rio adentro, como em um local especifico chamado de CosteiraGrande. Nesse rio também há intensa atividade pesqueira.

“Aí (no Buqüera) tem sardinha, tem robalo,parati, (...) camarão também tem lá.”

“No Buqüera é caranguejo graúdo; outra parte tem caranguejo mas, eu já disse pra você, no Buqüerase chega mais rápido, aí a gente pega aqueles graúdos, né, chega ao Buqüera, ai , a gente já pega oscaranguejo maior né. Maior, o mais grande é lá no Buqüera. É no Buqüera, mais que no Itinga, todavida, toda vida . É, não adianta, pode ser Itinga, Itingussú, tudo... Mais é no Buqüera.”

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“Esse é o pessoal lá da Piaçaguera. Piaçaguera entra aqui também. Entra, vem pescar de lá pra cá.Tão achando tainha. (Eles) tão olhando pela beirada assim, por causa que no lugar que elas tão, elastão, tão fazendo a água tremer assim... Élas batem, bate sempre na beirada (...) e quando elas vêqualquer remorsozinho, aquele barulho já faz aquele redemoinho e sai pro fundo... Aí, jogam a rede,cerca a (tenda) assim e aí pegam... ”

Tanto a pesca de robalo, tainha e camarão quanto o extrativismo de caranguejos

nessa região são realizados pela comunidade de Amparo e também por grupos das vilas

urbanas, de Valadares, Vila Guarani e, até mesmo, de Antonina.“Então esse pessoal de fora que vem entrar, tão entrando mesmo é no Buqüera, mil vezes ali noBuqüera. Até ali tem um sambaquizinho ali. Ali no Buqüera, bem perto da banda de direita. Ali tem umsambaquizinho que tinha. Aí eles faz um barraco pra fica ali, parado ali, né (...) pra tirar caranguejo.Uns3,4 dias pra tirar caranguejo. Ficam ali parado e vão entrando e pegando. E vão entrando e vãopegando. É levam uns 3,4 dias, tiram ali e vão embora. A época desse pessoal, é agora em tempoquente, de verão, né tipo quente.”

“Aí vem muita gente de fora que vem buscar esse caranguejo aí... Demais. Muita gente de mais aquinão cessa, vem gente até de Antonina pega caranguejo aí. Na época que eu tirava caranguejo ... Aívinha gente de barco, vinha com dez, doze pessoas de Antonina pega caranguejo aqui... Todo mundoaqui, mas a maioria tá tudo no rio do Buqüera... que eles fazem o rio do Buqüera, depois na volta elesjá saem bonitinho porque tem o atalho... Vão aqui costeiam e voltam... A comunidade do Amparotambém usa esse rio, ah, muito. Com certeza. É o melhor rio que tem, tem o rio da ostra aí... mais émangue, mangue pequeno, né. Agora o rio do Buqüera é o mangue melhor pra pegar caranguejo,mais graúdo, mais graúdo (...) O rio das ostras e o riozinho é tudo caranguejo médio, não é aquelecaranguejo graúdo. Mas do Buqüera é, é mais graúdo... Então, o mais falado é o Buqüera, né a costado Buqüera.”O local chamado de Costeira Grande situa-se entre o Rio Buqüera e o Rio Itinga, ou

Itingussú. É um vasto bosque de manguezal que faz margem com o estuário da Baía de

Paranaguá e é indicado como o melhor local para a coleta de caranguejos e, também, de

ostras.“O caranguejo em toda parte dá, mas tem mangue que ele é mais graúdo, né. O graúdo, assim, crescemais aqui assim pro lado do Itingussú. Entra a direita, à esquerda, sai ali, encontra, na CosteiraGrande. Do Buqüera pra aquela costa é a Costeira Grande. É uma costa de mangue que vai ali.Mangue alto e mangue mole ali, ele produz mais caranguejo graúdo. E na entrada do Itingussú pra látambém dá caranguejo uai! ... lá tem, mais não é sempre que tem superior que na entrada. Na entradaé melhor.É, na Costeira. Graúdo.”

Quanto à distribuição de ostras nos manguezais, indica-se sua ocorrência apenas nas

formações do tipo Floresta de Borda, ao longo da Costeira Grande, margeando o estuário.

Entretanto, devido à sua intensa extração, sua abundância é bem menor do que no passado.“Têm que entrar nesse azul aqui (do mapa) E aqui dá muita canapuva, lá pro meio têm um canapuvalbem grande. Mas só que lá pra dentro assim, não dá ostra. Só nas beirada que cria canapuva e dáostra. Canapuva boa de ostra mesmo é aquela perto da água. E aqui na Costeira Grande têm umcanapuval bem grande. Da ponta do rio do Buqüera até o itingussú dá pra ver, é tudo mangue alto.”Na região central dessa ampla área de manguezais da Costeira Grande, entre o

Buqüera e o Itinga, existe uma formação de restinga, denominada pelos comunitários como

“Ilha da Cotia”, “Ilhota” ou “ilha de mato”. Relata-se que a denominação de Ilha da Cotia se

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deu porque antigamente havia muita cotia nessa porção de restinga e acredita-se que as

cotias ali se refugiavam das onças e dos caçadores.“Ó, tá vendo o matagal lá da ilha da cotia, da cotia? É a ilha da cotia é porque, quem vinha caçar caça,aí o cachorro dava na caça, na cotia assim e aí o cachorro dava nela ela vinha, corria, caía na água edali saía do outro lado de lá e varava aquela ilha lá. Mais diz que tinha cotia antigamente, cotia demais,demais ali naquele pedaço, que lá dentro do mangue ninguém ia caçar. Então naquele pedaço sei queantes tinha mato grande, é (Guarambi) mas teve homem que cerrou tudo o madeiral ali... E caixetatambém, tiraram caixeta... do Amparo que tiravam. Aí tiraram tudo que agora tem só madeira mais de,mais é um cerradinho feio! É, eu rodei tudo aquela ilha lá pegando caranguejo... ah agora não tem nãoexiste mais, pois eles ponharam armadilha pegam tudo, caçam tudo... ”Há relatos de que nas margens da Ilha da Cotia existam locais de “Mangues Mansos”,

que servem de refúgio para os caranguejos.“Na Costeira Grande tem o esconderijo deles que é uma ilha de mato. É uma ilha de mato que temdentro, dentro da ilha do mangue entre os dois rio, Buqüera e o Itingussú. Dali de cima dá pra ver a ilhado mato. Lá dentro do mangue. Eles se esconde. As fêmea pra criá elas gostam de se escondê maisnesses lugar assim. Que não penetra a maré, não chega lá.”

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO DO ATALHO

O Rio do Atalho é um pequeno trecho que liga as águas do Rio Buqüera com o Rio

Itinga, na região mais interna da grande área de manguezais de Amparo. Esse trecho só é

navegável durante as marés mais cheias.“É no Rio do Atalho... Quando vem por lá, pro rio do Buqüera que, a maré ta bem cheia (...) aí entra láno rio de lá , mas agora não passa no Atalho. Ta seco tudo isso. Pra ir lá pro Itinga então, pra pegar lápelo Atalho tinha que ser com a maré cheia, bem cheia. Pra passar aí nesse rio que entra aí... ”

“Esse é o mato do Atalho... Esse é o riozinho do Atalho. Ah, ele é bem fininho. Não alarga, só se alargaquando a maré ta alta assim, quando ta cheia a maré da água entra, entra e sai lá do outro lado de ládo Itingussú. (Aí tem caranguejinho , mas esses caranguejinho, não é de comer.”Para quem navega do Buqüera para o Itinga, na margem direita do Atalho, não há

manguezais. “Lá pra dentro aí (é) tudo mato, ninguém que mora aqui pra dento, não tem. Dentro desse mato aí(vive) caça, pato, cotia, tatu... É, raposa (...) Tamanduá, é meio grandinho, né (...) Veado, capivara...porco do mato, porco do mato que dizem... -Já viu um bicho lá, que será que foi? Um mangueiro decerto... Aqui dá jacaré. Sempre tinha um jacaré aqui quando as crianças vinham pra cá, sempre tavaolhando aí... Ele se enterra na lama.”Apenas na outra margem é que se pode localizar tanto formações do tipo Haut

Fourrés de Laguncularia quanto Floresta de Borda, ao final do trecho. Uma pequena porção,

genericamente denominada por MARTIN (op. cit.) como Bois Fourrés ou Haut Fourrés de L.

racemosa ou R. mangle, também é identificada no primeiro trecho que liga o Buqüera com o

Atalho. Entretanto, não se faz muita referência do uso desses bosques pela comunidade de

Amparo para a extração de recursos bênticos de manguezais.

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“No Poço da Pedra... pra cá do atalho... De lá do atalho dá uma volta, dá uma volta, dois, dá três voltaque chega no poço... Mais bem no meio do rio sim... é onde é fundo. Ali que o camarão gosta deficar... De chocar... ”

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO ITINGA

O Rio Itinga é um local utilizado pelos pescadores e extrativistas de manguezais de

Amparo. Os manguezais podem ser encontrados em toda a extensão de sua margem

direita, para quem entra no estuário em direção ao seu leito. Já à margem esquerda, os

manguezais ocorrem da metade do Rio Itinga até a porção em que este se encontra com o

Rio do Atalho. Em sua maioria, os bosques que margeiam esse rio são do tipo Floresta de

Borda ou formações com a denominação genérica de MARTIN (op. cit.) como Haut Fourrés

de R. mangle ou Bois Fourrés de L. racemosa ou R. mangle. Apenas em uma porção à

direita de suas margens há uma formação considerável de Haut Fourrés de L. racemosa,

que se encontra com a Ilha da Cotia.

Em alguns bosques na região mais interna do Rio Itinga há referência de

disponibilidade de ostras e caranguejos. Entretanto, devido ao difícil acesso, principalmente

pela presença de bosques mais alagados e também de trechos de manguezais que são

considerados como “sumidouros de gente”, as atividades extrativistas são menos intensas

do que aquelas que ocorrem nos bosques do Buqüera e da Costeira Grande.“No Itinga também tem (caranguejo grande), porque essa parte aqui é canapuva e bem pra cá tambémé canapuva... Então essa parte também do Itinga, do lado, do lado direito e do lado esquerdo aqui,também tem bastante canapuva... ”.

“O Itinga também tem sururu, caranguejo, mais é menos coisa. Ostra também, ostra lá em cimatambém tem. Fim do rio lá... Tem umas pedrinha lá que também tem ostra.Nas pedras, no manguetambém... Tem canapuva dentro do mangue mas é pouco né. Não vou dizer que é bastante canapuva,é pouca.”Mesmo que as atividades de extrativismo nas margens dos manguezais do Rio Itinga

sejam relativamente menores do que aquelas ocorrentes nos bosques do Buqüera e da

Costeira Grande, ainda é considerável o impacto do extrativismo realizado por diferentes

grupos em seus bosques de manguezais.“Antigamente nós, era de um lugar que não era muito batido era lá no fim do Rio Itingussú. Daí nóscomeçava a tirar. Era mais fácil. Aí (agora) todo mundo vai... Ah, (agora) cabou-se daí. Agora tá maisdifícil tirar o caranguejo. Tá mais difícil porque tá mais escasso (...) se acaba... ele tá diminuindo detamanho também, tá diminuindo, porque chega uma época que, que demora a crescer, não sei agoraquanto tempo ele leva pra crescer né.”

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“Se vê na corrida do caranguejo aqui é um imenso de gente. Vem gente de barco aí, nesse rio doItingussú, do Buqüera aí, sei lá, tem trinta, quarenta barco pegando caranguejo. (Vem gente) de tudoque é lado... Até gente que tem condição tá pegando caranguejo... nem é pescador e tá pegando...”.

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ELEMENTOS DE CONCLUSÃO

Apesar de os manguezais de Amparo serem denominados por MARTIN (1992) como

formações em baías abertas, é importante ressaltar que o acesso aos bosques e aos rios

depende do reconhecimento das marcações feitas pelos pescadores artesanais. Essas

marcações indicam os pequenos canais trafegáveis por meio dos grandes bancos de

sedimento à frente dos bosques, principalmente da Costeira Grande, bem como as rochas

localizadas logo à entrada e ao longo dos rios, tanto do Buqüera quanto do Riozinho e do

Itinga.

Ao serem questionados sobre as fisiografias dos manguezais, os informantes

reconhecem e corroboram com as informações de MARTIN (op. cit.), tanto em relação à

estrutura dos bosques quanto à sua composição específica.

Os bosques denominados por MARTIN (op. cit.), como Haut Fourrés de Laguncularia,

são denominados pelos comunitários como Mangues Mansos ou Mangues Baixos. “Pois tem mangue manso, na frente também tem mangue manso. Na entrada do Buqüera têm, todo orio têm mangue manso. Assim por dentro do rio é, assim... do lado do Buqüera tem mangue, temcanapuva, (...) tem tudo misturado...”.Quanto à denominação genérica de MARTIN (op. cit.) para bosques em Haut Fourrés

e Bois Fourrés de Laguncularia ou Rhizophora, os entrevistados apresentaram

conhecimentos mais pormenorizados. Descrevem mais detalhadamente certas regiões

desse mapeamento de MARTIN (op. cit.), como “Bolas de Canapuva” ou “Canapuval”, e

também “Bolas de Mangue Manso”, ou “mangues misturados”. Essas formações são, na

realidade, pequenas formações fitofisiográficas onde predominam ou se estabelecem em co-

dominância árvores de Rhizophora e/ou de Laguncularia. Essas identificações foram

confirmadas na etapa seguinte desta pesquisa, nas análises ecológicas de algumas

fisiografias locais, acompanhadas em campo por um experiente extrativista da própria

comunidade.

Quanto às Florestas de Borda, notou-se que aquelas mais utilizadas pelos

comunitários de Amparo são as que margeiam o estuário da Baía de Paranaguá,

principalmente na região do Valinho e Valo Grande e na Costeira Grande. Estudos da

próxima etapa do trabalho, realizados nesse tipo de formação, nas margens mais internas

do Rio Itinga, demonstraram que esses bosques nas regiões mais internas dos rios são de

difícil acesso, verdadeiros “atoleiros”. Nessas áreas, observou-se reduzida disponibilidade

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de recursos bênticos e maior periculosidade, seja para a atividade extrativista, seja para

trabalhos de pesquisa científica.

O Rio Buqüera apresentou-se como a região mais utilizada para a pesca e extração

de caranguejos, atividades essas exercidas tanto pelos comunitários de Amparo como de

outras vilas pesqueiras próximas, principalmente daquelas urbanas, Vila Guarani e

Valadares, como as rurais, Piaçaguera e Eufrasina.

Em uma região ainda mais distante da comunidade de Amparo, em direção à

Eufrasina, ainda há mais um rio, o Itimirim. Essa área é amplamente cercada por

exuberantes manguezais. Entretanto, esses bosques não fizeram parte da presente

pesquisa porque a comunidade de Amparo faz pouca menção de seu uso. Esses bosques

são importantes para a comunidade de Eufrasina e para extrativistas de Valadares e da Vila

Guarani. Essa região de manguezais do Itimirim faz parte do grande sistema de manguezais

dessa configuração microrregional e merece ser foco de estudos futuros.

Quanto às relações de acesso, a comunidade de Amparo não é usuária exclusiva dos

manguezais às imediações dos rios Buqüera, Itinga e Riozinho. Nesses bosques há

presença constante de outros grupos extrativistas. Pescadores e extrativistas vindos

principalmente do Valadares e da Vila Guarani utilizam essa região tanto para a pesca

quanto para a coleta de bacucus nos seus leitos. Também coletam caranguejos, pegados na

corrida ou tirados entre luas, com foice, principalmente, e extraem ostras das raízes de

Canapuva. Essas informações coincidem com aquelas anteriormente obtidas nas entrevistas

realizadas para o diagnóstico geral de apropriação dos manguezais do complexo estuarino.“Antigamente, não vinha o pessoal de Valadares e da Vila Guarani buscar os bichos aqui. Só vinhagente na época do engodo (do camarão).No engordo vinha gente... Mais tirá ostra, matá peixe, pegásururu, pegá caranguejo ninguém vinha. Depois que o pessoal da cidade vieram... há poucos anosatrás, 20-30 anos atrás... Antes o rio do Buqüera aí era rio rico pra peixe... tinha até pescada na beirado rio... robalo, pescada, pescadinha... agora o pessoal tá aí... ”

“Tem muita gente de fora que vem buscar essa ostra aqui também... Porque se não fosse, se fosse sódo lugar, teria mais, mas só que vem do Valadares, Vila Guarani, lá da Eufrasina, vem e param alinaquele rio, tira ostra... Do Valadares mesmo não falta gente. Esse rio, outro... É quando vão tarrafearno rio, que eles gostam de tarrafear no rio pra matá tainha sabe, não falta gente. Tem uma ilha ali,onde tem ostra ali, mas ele tem porto ali, eles para alí, gente que vem lá do outro lado... pegam umafolga, umas férias e vem pra cá, gente que ás vez tá sem serviço, sai do serviço, não tem serviço,venham pra cá mata peixe, tira ostra, tira caranguejo tudo, eles vem, do outro lado vem muito demais.Vem da Vila Guarani, da Eufrasina, até da Antonina, muitos anos, vem pega siri aqui, na beirada dacosta aqui.”Apesar de a comunidade de Amparo não fazer nenhuma regulação de acesso aos

manguezais, a fim de controlar a entrada de outros grupos coletores, existem

descontentamento pela maneira e intensidade com que os extrativistas, tanto de sua quanto

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das outras comunidades vêm realizando suas atividades. A disponibilidade de peixes, ostras

e caranguejos vêm diminuindo consideravelmente. Muitos comunitários atribuem esse fato à

intensidade da atividade pesqueira e de extrativismo dos manguezais locais.“Prejudica pro pessoal daqui né. Porque se fosse só pro pessoal daqui da ilha era mais fácil, tinhamais, eles matam muito peixe nesse rio, porque daqui vão de vez em quando, de lá quase todo dia queo pessoal daqui vão no rio, tem gente de fora lá. Écom rede, com tarrafa tudo pra matá peixe. E asostras, eles tiram muito, tiram o grande, tiram o pequeno tiram tudo. Estragam tudo. Eles querem sópra uma vez.”

“Tem muita gente de fora... Valadares, da Vila, não sei da onde. Vem muita gente de fora por aí, né.Invadem por aí né. Estragam o mangue. Tem um tempo que fica tudo mole de tanto que vão pegarcaranguejo. E a comunidade sofre. Porque em vez de retirar, outro vem e tira. Vão pro mangue e vortaembora com o saco seco.”

“O pessoal do Valadares não vem agora. Vem pro mês de agosto em diante. Setembro eles vem.Agosto, setembro.Vem escondido, até que chegue a época de andar. Mas antes já tiram bastante,tiram assim escondido, pra pessoa que encomenda. De volta aqui eles tiram também. E é por isso queeu negociei com a pessoa daqui, tem que cuidar. Já que não vão tirar nessa época, não deixarninguém entendeu? Tem que orientar. Fazer um acordo, é. Avisar que não pode. É que esse povonovo muitas coisas não compreende. Não compreende.”

Quando questionados sobre a possibilidade de controlar o acesso ao território,

apontam para a grande dificuldade de cuidar de tão vasta área de rios e de bosques de

manguezais. “É, podia ser uma boa solução (controlar o acesso), mas pra gente ter uma área dessa... Como aqui nafrente... na ilha não temo lugar, mas pra gente cuidá do manguezal daqui lá, é difícil. Por causa dadistância. Porque tem 4 ou 5, vamos supor, que tem 10 pessoa que tira caranguejo, tem 5 que (tira)sururu, então ele não tem como cuida de uma área lá longe, não tem. No meu modo de pensar não temcomo cuidar, igual uma criação de ostra. A gente cuida uma criação de ostra... Como eu falei pra você,só se o cara teja em cima, do lado, se não for pra cria daqui lá no riozinho, se não lá no rio da ostra nãotem como sabê, de faze esse trabalho.”Existe também uma questão ética relacionada a esse acesso. É freqüente

considerarem que há “gente que também precisa do recurso”, o que demonstra, muitas

vezes, um comportamento de solidariedade com os pescadores das vilas urbanas, que

também dependem desses ecossistemas para sobreviver na cidade, e também o

reconhecimento da condição legal do pescador profissional, que permite livre acesso à

pesca no território nacional.“A gente não tem como cuida porque a gente... a gente vai lá dizer para eles não tira, ele vai perguntase a gente é um pessoal do Ibama..., igual como aconteceu na época de camarão aqui, que a gentenão queria um troço dessa maneira, então só vivemo no prejuízo porque... Andemo até se envolvendocom a polícia porque nós não queria aquele modo de pescar, então pescador, ele tem a sua carteiraele pode pescar aqui no Paraná em qualquer parte, então não tem como impedir”

“Não tem como dizer não venha, porque se eu to com a minha carteira em dia, então eu vou daqui láem Guaraqueçaba, se o cara vai querer me segurar eu mostro minha carteira, minha carteira tá em dia,então eu sou um pescador profissional, não, eu pesco no Paraná em qualquer parte do Paraná. É umtrabalho complicado.”

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“O mangue é aberto pra todo mundo pegar... todo mundo quer pegar né, todo mundo quer comer. Éisso aí (...) Quer comer, tem tudo. Vai no mangue pega caranguejo, né? Todo mundo quer chegar lá,ninguém vai proibir, né?" Ah, você não pode pegar caranguejo... "No mangue ninguém vai fazer isso.Ninguém pode proibir... Vai proibir o mangue e outro vai proibir o mangue: "– Ah, você não pode tirarsururu, você não pode tirar ostra" "– Mas porque que nós não podemo? “– Também temo filho pra darte comer, né?" Nós semo pescador (...) olha aí a baía é de todo mundo... É difícil... Proibir a pesca...não tem (como)... sai de noite do mangue, (pega) quinze saco, vinte saco de caranguejo... Quem podepegar pega E colocar uma regra pra, o quê que pode fazer e o que não pode... A gente tem que dizerassim, mas eles não vão respeitar nós... Mesmo na própria comunidade, mesmo.Ó, se a gente aquichega... já outro lá na frente lá diz " não, você não pode proibir, né, eu tenho filho pra comer, quatro,cinco filho como é, vão morre de fome?" e começa aí. Então não tem jeito, então libera pra tudo. Salve-se quem puder. Ninguém vai proibir, né. Então faço eu o meu, e cabou-se. Se pegar peguei, se nãopeguei (...)”.

Esses relatos exemplificam a condição de acesso aos bosques locais. Não há sobre

isso nenhuma regulação, seja sobre a maneira de uso, seja em relação aos direitos de

acesso dos diversos grupos coletores. A exceção é uma pequena área de manguezal do

Valinho. Nessa região, um grupo familiar demarcou um pequeno território para a extração de

ostras, como já relatado.

A fiscalização formal não consegue dar conta de tão vasta região e da intensa

atividade extrativista.

Apesar disso, percebe-se que as condições naturais de acesso aos bosques são os

fatores que efetivamente impõem alguns limites nas formas de uso. Relata-se que, até

mesmo nos bosques da Costeira Grande, referidos como os melhores em condições de

acesso (por sua localização e condição fisiográfica dos bosques – altos, amplos e mais

abundantes em caranguejos), também existem regiões que limitam formas de captura,

principalmente do caranguejo. Assim, em determinado local, mais próximo à barra do Rio

Buqüera, é possível a coleta dos caranguejos, tanto na andada quanto tirado por foice. Já na

outra porção da mesma fisiografia da Costeira Grande, mais próxima do Rio Itinga, o

substrato extremamente lodoso dificulta a extração do caranguejo, tanto na corrida quanto

na toca. Nesses locais, as tocas são muito mais profundas e impossibilitam o uso da foice.“Nesses lugar assim pra tirar é mais ruim. É porque ele vai mais dentro da lama. Que o próprio mangueé uma dificuldade pro pescador.Dificuldade pra ele entrar, dificuldade pra quem vai tirar também, né.”Além disso, muitos bosques, denominados bosques baixos, ou mangues mansos,

apresentam tamanha densidade de árvores e substrato mais arenoso que impossibilita a

coleta de caranguejos, tanto a manual quanto a da toca.“(O caranguejo no mangue) ele precisa de mais criador né. Aonde ele fica mais em sossego né. Deveser né. Que tem lugar que a turma não vai... Tem lugar que é mangue baixo ele tá mais “aquatrelado”.Que eles escapam da comunidade, não avançam muito. E nesses mangue assim na beira a turmaataca mais. Ali é mais favorável e o caranguejo maior. Já eles sempre procuram encontrar mais. Esseslugar assim, mais no centro, mangue baixinho, ali ninguém vai. Ali ele fica quieto. Ele fica sossegado.Como aqui no rio das Ostras tem lá em cima, em todo mangue tem, sempre no centro ele é mais

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sossegado. É como quem mora bem distante de povoado. Mais sossegado... Mais sossegado, tá maislonge do movimento.”

“Tem lugar, no meio desse mangue que é difícil de tirar o caranguejo. Tem... No Buqüera mesmo. Maistem lá pro centro do mangue, do mangue assim, tem pedacinho de areia, ali tem buraco de caranguejo,ninguém tira. É duro quem vai tirar o caranguejo da areia lá, pedacinho de areia que tem é mais duro.(... ) Aí mais lá pro centro têm mangue baixinho, como é que eles vão ? Nem eu não vou. Mais temcaranguejo lá, lá ninguém tira, morre caranguejo fica tudo lá mais ninguém tira. (Pode ser lugar) de se criar... Dali ninguém tira. Nem eu não vou tirar. Porque eu vou inté no mangue que é baixinho, voucortar num lugar muito duro de mais? E os mosquitos atrapalham a gente, né. Deus o livre. Não podeandá com caco de fumaça, né só pra tirá, pra tirá o cara leva um caco de fumacinha pra perto da gente,né. Se não quer levar fumaça leva um pouco de óleo...”.

CRENÇAS E TABUS

A título de curiosidade e de estímulo para estudos futuros, destacam-se aqui alguns

tabus sobre os manguezais locais.

A comunidade de Amparo cultiva muitas histórias de sambaquis assombrados e de

jesuítas e alemães fantasmas que perambulam pelos afloramentos rochosos que cercam a

vila, nos sambaquis das margens dos manguezais, no meio do mato ou em morros da

região, sempre em busca de tesouros escondidos. “No Morro da Janelinha, chamamo (...) morro do falecido Manuelão (...) Diz o povo (...) que tem muitoouro naquele lugar lá... chama Janelinha por causa da igreja dos padres, do tempo dos jesuítas, seilá... Que tinha uma pedra, feita a igreja naquela pedra, eles tinham um aparelho de serra pedra pra verouro (...) ... Ele contava uma história que (...) o padre morreu e deu essa fortuna prum homem aí daCosteira na Cidade aí que tinha um baiano (...) aí diz que não tinha como ir lá, aí pegou e foi emborapra Bahia... Pois o padre foi lá na Bahia onde ele morava, em alma, pra dizer pra ele que ele tinha quevim tirar a fortuna que ele deu pra ele que ele precisava... Sei que levaram não sei quantos dia (...) quequando levaram esse homem lá em cima nesse morro, porque só ele que podia entrar lá. Aí foramlevar ele lá, aí chega lá a porta se abriu pra ele, né, pra outra gente que não tinha direito não... É, aigrejinha se abre pra ele... ainda essa igrejinha... Daí ele ainda encomendou pra ele aquele ,tinhaparece uns três canto assim que tava cheio de toco de ouro... cheio daqueles toco de ouro assim,tamanho assim, bastante já. Aquele ali podia pegar tudinho, saca e carrega. Mas só uma tal que tava lácom umas coisa diferente, cacho de banana, banana de ouro (...) carneirinho de ouro, tudo assim. Aimagem deles se faziam que eles não punhesse a mão. Se punhesse a mão dali eles não ia sair... Dizque quem tira a fortuna assim diz que não vive muito...”

Existe a crença de que os sambaquis escondem alguns desses tesouros.

Comunitários contam que receberam tesouros dos jesuítas ou de alemães que lhes

apareceram em sonho, revelando o local onde estão enterradas as relíquias. Essa crença já

levou alguns comunitários a cavar nessas áreas para encontrar os tesouros. Existe,

inclusive, um sambaqui, às margens do Buqüera, onde foi feito um buraco de mais de 10

metros. “Meu esposo ganhou parece que umas três fortuna, mas não teve coragem de tirar nenhuma,nenhuma. Uma aqui no Riozinho outra lá no rio do Mirto, e outra lá perto do terreno que nós trabalhava.

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Ah, ele disse que era uma moça bem loura que deu essa fortuna pra ele. (...) Porque sabia que sedesse eu ia tirar... Fumo lá ainda, passamo lá tinha uma enxada, uma enxada num lugar, tudo isso foivisto, casqueiro de ostra que eles usavam guardar... Guardava aquilo ali e punhava uma, uma coisapra , que aquilo a ostra vai o tempo todo, né, não se acaba, né, deixava marcado ali... Esse (...) ficapro lado do mato pra cá.. Mas nós andava pro lado daqueles mato tudo (...)”

“Ali tem uma pedra que era onde lavava o ouro... (...) Onde fica o rio do Joquinha, aí vai andando atéchegar no morro que aí entra no mato pra ir pra essas pedras que, onde lavavam o ouro tem umterreiro de pedra assim bem, bem liso (...) Aí não eram os jesuítas... Eram os alemão, né assim... Danação Alemanha, né, eles moraram aí nesses trechos de antigamente que eram os morador queexistia, diz que era só alemão... Eles trabalhavam com ouro só. (...) Aí aquele (...) diz que foi um diasonhou com a fortuna nesse morro aí nessa pedra que tinha um lugar de um postinho que lavava osouro assim... (...) dali estendia pra seca naquela, naquela pedra assim (...). Aí ele chegou lá em casaonde nós morava e perguntou se o meu esposo tinha marreta e ele disse “Tenho”, daí diz que pediu sedava pra emprestar pra ele, daí ele , emprestou pra ele, não sabia pra que ia fazer. Depois que eledisse que veio pra quebrar uma pedra que tinham dado pra ele ouro naquela pedra ali e ele vinhaquebrar a pedra pra tirar ouro. Lá no rio do Mirto. Aí deram essa fortuna pra eles. Aí ele foi tirar, não seise tirou , não sei se não, não posso dizer o que eu não vi, né. Eu sei que no fim ele morou um pouco detempo no Amparo e do Amparo passou lá pra Vila Guarani e ficou rico né, rico assim de aliviado, umaboa casa (...)”É possível que alguns desses tabus possam estar ocasionando alguma limitação de

acesso a algumas regiões de manguezal, a exemplo da existência dos sambaquis

assombrados às suas margens. “Entrando aqui pro Riozinho tem mais um ostreiro ali... (...) Ali perto eles fizeram uma moradia maisnão puderam ficar que era muito mal assombrado (...) nesse ostreiro lá (...) aí saíram dali foram morarno Amparo, daí depois mudaram pra lá... Fizeram uma casa bem em cima desse lugar, mas nãopuderam parar, quando foi um dia o que era mais esperto de idéia aí saiu pescar e ficou o outro maismenor, era mais novo, aí quando foi de noite olhou pra porta diz que tava aquele homão bem grande,mas que era tudinho de ouro dizia ele, não quis mais ficar lá, saiu de lá... E não era cavoucar, bastassesó que tocasse naquilo lá, que tivesse a coragem aí já desencantava ali, né. Mais ele não tevecoragem, acabou foi escapando e foi na casa da vizinha dele, dali (...) e não quiseram mais ficar ali, nooutro dia ele me contando pro irmão aí saiu dali, arrancaram, arrancaram a casinha dali e já tiraram prafora... Então, tiraram pra fora a casinha. Depois disso aí veio bastante gente que limpava ali, agora setiraram alguma coisa dali não sei...”

Conta-se também que existem manguezais que são “sumidouros de gente” devido ao

substrato muito lodoso, e onde extrativistas já morreram. E, ainda, que há regiões de

manguezal de “desova” de cadáveres, dos “bandidos da cidade”. Essas áreas geralmente

são evitadas pelos extrativistas de Amparo.“E pro lado de lá , tem um mangue que atravessa assim pra lá aí emenda (...) pra lá e (...) fica no meiodaquele lugar ali. Naquela boca, lá é a boca do Itingussú (...) umas três mulher que tava pegandocaranguejo, mas correram essas muié nesses mangue que chegaram aí na boca do rio do Buqüera aícom a canoa que deixaram aí, teve uma delas que até caiu dentro dessa canoa, ficou lá (...) condiçãopra nada mais, aí nunca mais elas quiseram anda no mato, no mangue, e nunca mais iam pro pegandocaranguejo no tempo de caranguejo se não tivesse algum homem junto... Eu desse tempo em dianteeu não vou... dá uns bandido aí dentro.”

“E aqui nesse trecho aqui, no atalho, esses fundo de mangue aí pra dentro, diz que o pessoal do antigofalam, que já morreu (gente), tem sumidor de gente, é pisar e o corpo vai embora tudo de uma vez...Ah, deus o livre! Eu num lugar desse não vou nem...”

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Relata-se a presença de onças em algumas regiões próximas aos manguezais mais

internos, no Rio Buqüera. Da mesma forma, a existência de cobras e bagres que se

escondem nas tocas dos caranguejos e de jacarés que “dão corrida na gente”, e assim por

diante. “É Anurá, esse jacaré que é brabo, que corre atrás da gente. Tem uma mulher aí que disse que correude um. Foi pegar caranguejo né... Correu.”

"Aquilo lá, no Buqüera, lá em cima tem onça, lá eu não entro de jeito nenhum. .A onça vai no mangue.”

“É, cobra tem sim, mesmo.No buraco do caranguejo tem... É, dessas d'água mais.”

“Quando vi uma cobra saindo do buraco de um nunca mais enfiei a mão, só pegava com ele andando.Minha filha que trabalhava comigo tirava do buraco, o marido dela também tirava. Eu tinha medo. Etinha uns tal de bicho que mordia e não tinha cura.”

Esses tabus e receios em relação a algumas áreas de manguezais e suas

proximidades compõem um imaginário interessante dessa comunidade. São questões que

ainda necessitam ser averiguadas com maior cuidado, para se determinar a que ponto

algumas dessas crenças conferem efetivamente restrições de acesso ou de práticas de

extrativismo em determinadas áreas de manguezais.

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COMUNIDADE DE PORUQUARA

UM BREVE RELATO DE SUA HISTÓRIA E GENEALOGIA

“Se eu soubesse fazer meu nome eu já era uma grande mulher... Mulher forte daqui do Poruquara... Eu fui uma filha muito educada pelo meu pai... Uma filha só que ele teve, mas quando me pinchou no mundo,

me pinchou com uma boa bênção... Até hoje tô vivendo, isso aí que a senhora vê. Fico doente, aí começo a orar, me levanto.

Quando é escuro me alevanto pra fazer o café, tão tudo dormindo por aí... (Relato da matriarca da comunidade do Poruquara)

A região do Poruquara é uma reentrância das águas da Baía dos Pinheiros, nas

imediações da vila do Tibicanga. É cercada por morros, rios e cachoeiras que atraem

atividades turísticas ainda não muito intensas na região. Pertence ao município de

Guaraqueçaba.

Relatam alguns comunitários que o nome Guaraqueçaba significa “pouso de pássaros

vermelhos”.“Queçaba é um pouso de pássaros, e Guará é o pássaro né, pássaro assim grande, vermelho. “

“... Tem passarinho chamado Guará né? Então que antigamente eles se acampava todo ali,prá dormi...Chegava à tarde assim né (...) nas pedra. Depois que começaram... o povo a morá, eles foram seafastando... daí ficô Guará. Daí depois que ficô povoado, ... aí foi que (...) inventaram Guará-queçaba...Eu vi Guaraqueçaba só com umas cinco casa só... E ali onde os guará ficava... E a luz que existia ali...faziam .. assim na ponta da pedra, (para o) povo sabê que era ali (a vila)... Acendia uma luzinha... ummaçarico... (e o resto era) só matagar, mato bruto memo... Existia o campo de aviação mais só que nãotinha ninguém... Meu tempo que eu conheci Guaraqueçaba... existia aquela igreja lá, a igreja do Jesusque chamam né. (...). E ali onde é hospital..., ali era o cemitério... ”

Já o nome “Poruquara”, também de origem indígena, significa: “quara” = buraco e

“poru” ou do “cangulu”, uma espécie de ave que era abundante na região, ou seja, buraco do

poru (comunicação pessoal do escultor Renato Caiçara – Ilha das Peças).

A vila de pescadores artesanais do Poruquara é composta por 16 residências, com

uma média de quatro moradores em cada uma delas, o que compõe uma comunidade de

cerca de 64 pessoas. Essas famílias estão todas unidas por laços consangüíneos.

Apesar de comumente conhecida como vila do Poruquara, muitos comunitários

ressaltam que o nome verdadeiro do lugar onde a vila está situada é Ponta da Araponga. Ele

alegam que o local denominado Poruquara é um terreno que se situa às margens do Rio

Poruquara, também chamado de Rio Grande.

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“Aqui era a... Ponta do Araponga, né... Mais só que as pessoas chama Poruquara né... O nome maistradicional aqui... o Poruquara mesmo é lá pra cima do rio...”

“No tempo do finado meu padrinho dizia que era por causa que era uma ponta de mato que tinha muitaaraponga... demais ali... Então pegaram e colocaram a Ponta da Araponga, né. Então ficou né... FicouPonta da Araponga e ficou esse nome mesmo...”

Nas proximidades da vila de pescadores, existem também outras casas isoladas, com

seus trapiches particulares; algumas delas parecem ser casas de veraneio.

Na vila não existe rede elétrica. Algumas das casas possuem um sistema de captação

de energia solar para fornecimento de eletricidade. Entretanto, devido à falta de manutenção

desses sistemas, a iluminação das casas tem sido feita por lampiões, e alguns aparelhos

elétricos, principalmente televisores, funcionam com geradores a bateria. Também a água,

que está encanada nas residências, é instalação relativamente recente e vem direto das

cachoeiras que abundam na região. “Tá fazendo mais de um cinco ano já que tem água encanada... (Antes) daí a gente ia pegá, por quetem cachoerinha por tudo isso aqui... e bem aqui assim... (tem) a fonte branca, (que) é bem dizê (é)outra cachoerinha que desce, deságua passa ali na ponte... Onde eu moro, ali também tem olho deágua assim, vem pôr baixo da terra assim, sai daquelas coisa de pedra assim. (...)é cercado de águaaqui.”

“Então a gente pegava assim né, na vasilha, balde, ia buscá na fonte. Daí... (...) limpava bem o poçoda onde vem o olho d’água, encanava as mangueirinha lá e a mangueira saia assim... Na beira o rio...daí tinha tábua assim, nós ia lavá roupa lá, (...), daí trazia, estendia, ia buscá água lá também, nobalde, em lata prá usá, prá tomá banho, prá tudo. E faz cinco anos que encanaram... foi a prefeitura,foi eles que puseram.”

Existe uma Igreja Católica, que há muito tempo está inativa, e uma Igreja Evangélica

que recebe visitas semanais ou quinzenais do pastor que vive na cidade de Guaraqueçaba.

A escola que deveria funcionar para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental se

encontra em péssimo estado de conservação e não tem atendido seus alunos devido à

convalescença da professora. Não existe posto de saúde na vila, nem telefone público,

tampouco algum comércio. Os produtos de necessidade básica para seus moradores são

comprados na cidade de Guaraqueçaba ou na comunidade do Tibicanga. E a única forma de

comunicação com os comunitários se dá por meio de recados deixados para algum parente

morador da comunidade do Tibicanga ou para comunitários que transitam na cidade de

Guaraqueçaba.

O transporte coletivo existe apenas para o traslado diário das crianças que

freqüentam a escola na comunidade de Tibicanga. Assim, o acesso à vila do Poruquara

ocorre por meio de embarcações particulares, pela Baía das Laranjeiras ou a dos Pinheiros.

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Existe também um acesso por terra, no Porto do Bronze, cuja estrada de chão leva até a

cidade de Guaraqueçaba, cerca de seis quilômetros de distância. Não há transporte coletivo

que faça esse trajeto. Entretanto, há ônibus urbano que passa na metade desse caminho. A

maioria das pessoas que necessitam ir até Guaraqueçaba vai a pé.

Com base nas histórias de vida de onze comunitários, organizou-se uma breve

história e genealogia da comunidade. Nessa genealogia, constam os ancestrais mais velhos

que foram possíveis identificar, bem como suas descendências mais próximas. A

identificação dessa genealogia serviu para melhor compreender as relações de apropriação

do espaço e do ambiente natural. Entretanto, não foi intuito do presente trabalho uma

abordagem aprofundada das relações genealógicas.

Segundo relatos do morador mais antigo, sua família estabeleceu-se no Poruquara há

mais de 60 anos, vinda da região do Sebuí. Fixaram-se no Poruquara em busca de melhores

condições para comercializar seus produtos agrícolas. Ali viveram da lavoura, plantando

arroz, banana, mandioca e milho. Realizavam o comércio de alguns desses produtos na

comunidade do Tibicanga, também realizavam a pesca de subsistência.“Eu nasci no Sebuí. (...) De filho era só eu... Não tinha mais ninguém. (...) era filho de criação (...) Vimcom a idade de oito anos para cá... Já tô com sessenta e sete anos... (...) Meus pais eram do Sebuí...(...) (e lá) trabalhavam na lavoura, no tempo deles, na lavoura. Só a lavoura. Ah depois eles mudarampra cá. Também trabalhavam só na lavoura, que nesse tempo não tinha pesca aqui. Tinha pesca, masnão tinha as condição de vender... Não vendiam. Não tinham comprador né... Iam (pescar). Mas lá devez em quando... Pra se manter com ele. O mais era na roça... Arroz, mandioca, vendiam milho. Agoraninguém faz porque ninguém pode trabalhar.” “Ele mudou porque achou que pra cá era mais fácil. Mais perto do comércio, né ? Lá era longe... Essepessoal mais antigo... Eles já foram saindo pra parte mais fácil, foram procurando a vida mais perto domar né... Mas perto do mar. Tinha terra pra plantar né... Aí ficava mais fácil para sair as coisa, asmercadoria... E agora não... agora tem estrada por tudo quanto é parte. Aqui nesse tempo que nóstava aqui. Aqui não tinha estrada, tinha um trilhazinha só que a gente andava, por baixo do mato, voute dizer... A pé, tinha que ir a pé.”

“Produto da lavoura, vendia... Vendia arroz, vendia o milho, vendia a farinha. A banana... Vendia aquimesmo, ali na... tem o Tibicanga ali. Tinha um homem que era de Paranaguá, que mudou, que fez ali.Ali eles vendiam as coisas, e ele conseguia levar para Paranaguá.”Antigamente no Poruquara havia outra comunidade às margens do Rio Poruquara.

Essa comunidade praticava a agricultura de subsistência e o extrativismo vegetal, a exemplo

da extração do palmito. Comercializavam seus produtos agrícolas e extrativistas nos

comércios de Guaraqueçaba e Tibicanga. Essa comunidade já está extinta, e em seu lugar

atualmente existe uma fazenda.“O que eu não sei falar (é que)... aquela turma do Andrade foram os primeiros aí que eles foram morarali né... Eles foram saindo porque depois entrou fazendeiro forte, com o dinheiro. Então à poucocompram tudo que foi de terra... então eles foram saindo devagarinho, e aquele que não queria sair,

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diz que o fazendeiro (...) , aí se arrancaram tudo. Agora tá lá só uma tapera. Terreno abrigado né, jáviu, se não sai... ou sai ou morre. ... É uma fazenda só de banana lá... até lá nós trabalhêmo...Trabalhemo lá e tudo as criançada (...) trabalhemo um ano lá não é? Tinha uma casa coisa mais lindotinha lá.Do dono... era a turma dos Andrade. Os Moreira trabalhavam para os Andrade... Lá não tinhanegócio... aí eles tinham que trazer as coisas pra vender, né? Eles traziam de bastante. Vinham fazercompra aqui em Guraqueçaba. Traziam de cavalo, de barco. Lá era bem bonito... era uma fazenda deplantação de banana... e tinha fábrica de palmito aqui em Guaraqueçaba né, daí eles tiravam palmito láaí o barco ia buscar lá pra eles vender aqui. Sairam de lá a mais de quarenta anos... ”

Aos poucos, algumas famílias vindas dessa fazenda às margens do Rio Poruquara,

outras, oriundas de diversas comunidades da região, principalmente da Baía dos Pinheiros,

como Sebuí, Rio dos Patos, Tibicanga, Barbados e também do Varadouro foram se

estabelecendo na Ponta da Araponga, constituindo a atual comunidade do Poruquara.

Figura 16: Esquema genérico das principais ascendências da comunidade de Poruquara. Osquadros mostram a filiação da atual comunidade, que originaram as algumas das atuais famílias.

“Aqui (nós fomos) a primeira família que veio... Depois veio, veio mais gente. Já saíram, já morreram.Já veio e já foi. Esse veio do rio dos Patos, veio do Tibicanga. Veio do Poruquara, de lá de cima desceuaqui. Todo canto. Daí vinham (...) o que morreu, morreu. O que não morreu foi se retirando. Ah, é...vinham para pescar. Aí já virou trabalhar em pesca. No tempo que eles tavam aqui... pescava...Pescava um peixe, aqui só dá peixe... Parati, tainha, robalo. ... Dá nessa pedrinha aí. Tem muitoostreiro por aqui... Tem. Tem ali, tem aqui, tem ali la embaixo.”

Genealogia da Comunidade de Poruquara

e Dna Izabel

S. Leopoldino (Potinga)e Dona Maria

(Guaraqueçaba)

Dna. Rosa e Dna. Celina

João Evangelista Dias e Joventina Cardoso Dias (Sebuí)

Dona Nena e FábioS. Nildo (de Cananéia)

S. Afonso Dias(morador mais antigo )

S. José e Dna. Ilza

Dona Pedrina França e S. Faustino Dias Miranda (falecido)

Genealogia da Comunidade de Poruquara

D. Maria (Sebuí)e S. Pedro(Tibicanga)

Sandro

Dna. Niva Miranda e S.Oscar França

(Guapicum)

S. Vicente (fandangueiro)

S. Jamil e Dna. Zoraide

João Adriano França.E Ana Gardina França

Do Sebuí e BatuvaGerônimo Dias de Miranda

e Maria Alves do Santos de Miranda

Do Varadouro/SP

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Nas comunidades de origem dos novos moradores da Ponta da Araponga praticava-

se a agricultura de subsistência, no cultivo do arroz, mandioca, milho, banana, cana-de-

açúcar, bem como o extrativismo vegetal, na coleta de cipó para cestaria e palmito. A caça e

a pesca de subsistência já faziam parte do cotidiano da maioria dessas pessoas. E foram

essas as atividades desenvolvidas nos primeiros tempos em que as famílias se

estabeleceram na região.“Lá nós matava cada camaraozão, ai que gostoso aquele camarão.(...), (lá no Sebuí) não vivia (dapesca) era da lavoura assim, do mato. Fazer farinha, quebrar milho, colher arroz. (...) Vendia arroz emilho... tinha porco... (...) Eu toda vida assim vivi da minha lavoura.”

“Antes tirava (palmito) Tirava, porque aqui tinha muito palmito, pra lá , quando eu morava pra lá. Nãotinha a proibição né? Eu tenho até aqui ó, eu tenho um valete (na cabeça) de carregar palmito. (decolocar) a toucera de palmito na cabeça... pra criar o filho... Carregava... E vendia lá no Canudal,vendia no Tibicanga, vendia lá no costão de cá que tinha negociante lá que comprava. No costãodaqui, de cá de Sebuí... Daí como foi proibindo, foi acabando, o pessoal já não querendo tirar mais, nãocontinuando, nós não tiremo mais.”

“A gente tirava almoço do pescado mas era só pra gente se manter com ele né, só pra comer mesmo,não era pra venda... Depois de muitos tempo... tinha venda era de palmito né... O pessoal compravamo palmito, a gente tirava aqueles cipó pra fazer... As ripa... cabo pra puxar rede né, e daí descamava ocipó deste tamanhinho pra vender em quilo né. Era um sacrifício. Peixe, ostra, essas coisa não...Trabalhava tirando coisa do mato, plantava roça pra arroz, plantava milho. Nada era proibido que nemhoje né. E caçavam... meu pai matava onça, matava porco-do-mato, capivara, tudo quanto era de caçanão era nada proibido. Hoje em dia Deus o livre falar nessas coisas... Aí Deus o livre...”.

No início da vida no Poruquara, a pesca artesanal já era uma prática cotidiana, tanto

para a subsistência quanto para pequenos comércios, para comprar produtos de

necessidade básica. Foi no final da década de 80, quando a agricultura de subsistência, o

extrativismo vegetal e a caça passaram a ser proibidos por órgãos federais, com a instituição

da APA de Guaraqueçaba (Decreto federal nº 90.883, 31/01/1985) e da Estação Ecológica

de Guaraqueçaba (Decreto federal nº 87.222, 31/05/1982) que a pesca passou a ganhar

importância crescente para esses comunitários. “Aí foi acontecendo que eles não podiam plantar mais né. Aí o IBAMA não deixava trabalhar, aíviraram pra pesca. Aí viraram na pesca, não podiam trabalhar mais no mato né... (...) Isso ... De unsvinte anos pra cá... Todo mundo mudou, se não é numa parte (...) é em toda parte. Em toda parte éisso aí.”

“O cipó, não tiremo mais. Daí foi que vieram rede pra lancear, Essa rede de náilon... Daí trabalhavacom rede. (Aí) Mudou o serviço, porque já foi proibindo o pessoal... o florestal já foram proibindo tirarpalmito, não podia roçar mais roça.(...) ... (O palmito aqui) tinha muito... Dava, só que nos não tirava.Meus filho ia pro mangue. Tem menino aí que nem sabe como é que corta. Tem até medo de entrar nomato pra tirar palmito. Tem medo de cobra... Ah, tem muita cobra no meio do palmito.”

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A ATUAL ATIVIDADE PESQUEIRA NA COMUNIDADE DE PORUQUARA

De todas as famílias que já viveram na região, as que ainda residem ali são, em sua

maioria, vindas do Sebuí. Dedicam-se exclusivamente à pesca artesanal, e, desde o início

dessa atividade, os recursos de manguezais têm importância na economia familiar.“Daí pra cá, daí começou... comecemo a crescer comecemo a trabalhar em negócio de pesca. Saipesca, e fomo comprando rede. Já fomo tendo contato com outras pessoas de fora, daí já veio buscarnossos pescados. E fomo indo, daí cada um fez a sua casinha, daí já começamos a crescer, namorar ecasar. Por aqui mesmo. Aí agora esse pouco esses tempo, há três anos atrás, apareceu o projeto dabaía limpa. Com um negócio de compra, e um salário. Daí acabou aquilo lá, a gente ficou o cultivo daostra.”

Ainda hoje, alguns moradores da vila fazem farinha de mandioca artesanalmente. Há

também um morador que constrói canoas de um pau só. O fandango ainda é tocado,

especialmente por um dos moradores, que, inclusive, teve a oportunidade de gravar um CD

e excursionar com a família Pereira (os fandangueiros do Rio dos Patos) para Curitiba,

Paranaguá, etc., a fim de divulgar sua arte. Entretanto, a comunidade não realiza mais as

festas do fandango.

As atividades pesqueiras apresentam períodos distintos ao longo do ano. Os

pescadores descrevem que durante o “tempo quente” ocorrem as pescarias de recursos em

geral, realizadas com espinhel, cerco e rede de diferentes tipos de malha. Já durante o

“tempo frio”, dedicam-se mais ao cultivo de ostras e ao extrativismo de juvenis de ostras nos

manguezais.“Aqui é só com a pesca e a ostra só. E pesca boa, agora só no quente né. No verão, dá pra pescarcamarão, manjuba (...) Camarão... tem pescadinha, tem parati, tem tainha. Tem tudo. No inverno, dátainha, dá mas não é muito peixe... usa cerca... aquele de malha dez... E vende esses peixes aí noTibicanga, do Tibicanga vai pra Paranaguá... É, daí leva lá pra Paranaguá... Tem quatro comprador...compram daqui também... A gente leva daqui lá. Aqui tinha embarcação, mas não compensa a gente...às vezes pega pouco, não dá viagem. Daí é melhor levar ali pra eles do que levar até lá... EmGuaraqueçaba não... Não tem mercado ali... Tinha peixaria ali primeiro, mas acabou. Vendem algum alina rua, com o carrinho. O comerciante que compra ali, vende em Paranaguá mesmo.”

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A seguir, apresenta-se a configuração espacial genérica da comunidade, indicando os

principais informantes desta pesquisa:

Figura 17: Configuração espacial da comunidade de Poruquara, localização aproximada dosprincipais pontos de referência e informantes da pesquisa.

Não há especialidades diferenciadas entre as famílias, quase todas elas se dedicam

aos mesmos recursos, seja na pesca, seja no extrativismo de manguezais. “E todos trabalham na pesca, todos... Na ostra também.. Todos, não escapa um.”

Entre os recursos pesqueiros mais importantes para a economia dessa comunidade

está, em primeiro lugar, a ostra, principalmente nos meses de outono e inverno. Esse

recurso movimenta a economia de duas maneiras: por meio do seu cultivo, produção essa

vendida essencialmente para turistas, e pela extração de ostras juvenis, que são

comercializadas diretamente para um grande produtor de Cananéia (SP). Relata-se que

também alguns extrativistas do Tibicanga têm vendido sua produção de juvenis para o

Porto da Araponga

Rio Poruquara

Dna Mariae S. Pedro

D. Lucye S. Admir

D. Pedrina,Dna Ilza e S. José

Escola

IgrejaCatólica

Cultivo de ostras

N

S. Afonso

Dona Nena

Dna Izabel

S. Jamil e

Dna. Zoraide

Igreja Evangélica

Campo de futebol

Dna. Niva e

S.Oscar

S. Vicente

Comunidade do Poruquara

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Poruquara, que, por sua vez, realiza essa transação comercial com o produtor de Cananéia.

Nos meses de primavera e verão, os comunitários passam a se dedicar à pesca em

geral. A pesca da manjuba, atualmente proibida na região, ainda tem sido praticada. Além

dessa, a pesca do camarão, de robalo, parati, baiacu, linguado, pescada, pescadinha e

demais peixes ocorrentes na região também fazem parte das atividades nos períodos mais

quentes do ano. “De primeiro não, de primeiro eles tinham que dá duro memo, às vezes era na ostra, às vezes era nopalmito. Ah, eu tirei muito palmito já .tirava palmito, já fiz lenha, era de lenha, fazia lenha... Fazia lenhainda tirava ostra.O que vinha pela frente nós ia fazendo. É igual (...) a gente ás vezes pesca né peixe,às vezes vai pro Baiacú. Aí agora qué vê... agora no mes de novembro em diante já vem a manjubané... Já pesca... Novembro... e depois da Manjuba... Daí vem o camarão... e o caranguejo, novembro támeio caranguejo né, daí que quando (...) Tem venda então do caranguejo... Tão quando carece ocomprador, a gente vai pro mangue também. Mais só que a gente não tira, a gente só pega na andadané...”.

As pescarias são realizadas na região do Poruquara, mas também nas proximidades

do Tibicanga, Sebuí, Vila Fátima e Canudal.“Agora, saiu o frio. Quando acontece isso, pára (a coleta da ostra) Porque aí ninguém tira (a ostra),(quando) chega a pesca. É, vem o peixe. Aí que vai chegar o frio, que não tem peixe, aí entra na ostrade novo. (Nem liga pro caranguejo)... não adianta, que aí tem a pesca já. É Vale mais a pena do que ocaranguejo. A gente já tem a pesca, aí não adianta. Não pesca de espinhel, pesca de rede... De rede.Temos rede bastante aí, nós tudo temos rede. pesca aqui mesmo... Aqui dentro. E saímo... Lá proSebuí, Canudal, é só pra lá que a gente vai... aqui dentro... Porque o parati, tainha dá mais lá pracima. Pro Sebuí, Vila Fátima lá... Vamos só nós mesmo daqui. Só da turma daqui... E nessa época oplantio da ostra fica a mesma coisa, mas só que a gente pára porque o plantio morre muito demais.Esquenta muito né... esvazia o plantio... não deixa nada no plantio... Aí tira tudo quando começaoutubro, ou mês em diante. Aí começa a tirar.”

“E na época do camarão, dá pra tirar um dinheirinho... Aqui (ele) ganhou dinheiro agora. Eu não matocamarão... Só pego pra comer... Mas camarão aqui na comunidade (...) tudo pesca... A turma aquitudo pesca. Aqui (dentro) dá pouca coisa. É lá fora, do Tibicanga pra baixo.Mas ali pro lado doGuapicum pra ali não vão... Não, vai lá pro Pinheiros.”

Entre maio e agosto, realizam-se as pescarias de tainha, com o uso de cerco de

taquara. “Tainha é no mês de maio, junho... Agora matam uma tainha boa de cerco. Assim de cerco detaquara.Ali que ele mata a tainha melhor, porque entra só aquela tainha escolhida.É ... as miúda poucoentra ali... E tem também rede disso daí. Tem rede de malha de matar tainha assim, eles tem aí. É.Dá o lance depois vem puxando, ela vai pulando. (é no inverno isso)... que acontece.”

“Outro (problema) é cercado prá peixe né... (...) fazê cercado prá peixe (...) Eu mesmo não fiz... Eumesmo não fiz de medo. Sabe por que de medo? Da multa... (…) Se colocá o cerco, o Ibama vai lá ese picá lá, ele vai trancá teu documento, sê não vai recebê mais seguro desemprego, mais nada.Documento de pescá vão cancelá, aí eu não quis, deixei de ganhá dinheiro. Assim mesmo umrapaizinho que mora aqui, “Ah vô fazê mesmo escondido, vô colocá meio escondido, de tarde, seis

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hora.(...) Porque tando fincado não ranco mais”. Então ele coloco a cerquinha dele sem nem um tipo decorda, outro rapaz que mora ali né... não recebeu multa, porque eles colocaram... O Ibama só quandoviu tava, tava colocado já. Eu acho que... cerco deveria não sê proibido. Porque na época certa, porexemplo, assim, ... quando as tainha tão grossa né? Os cara faz um cerco de taquara lá, pega o peixe.... Aí... veio uma lei aí que não desmanchava mais... Pula época do que passa, eles não cai né, ocerco. É bom pro peixe, até... acomoda o peixe... Robalo (...) engrossa. Que quando cê for colocá denovo... o peixe tá ali que tá bom. É só colocá o cerco que o peixe já cai no cerco, então isso daí... Fazcom uma malha meio clara né, que os pequeno corre, só fica os grande.”

Os recursos pesqueiros em geral, com exceção da ostra, são comercializados

diretamente para quatro comerciantes residentes na comunidade do Tibicanga. “No verão... (...) ficam matando peixinho, parati, parati gerê, parati pema. Tem o parati guaçu, e tem atainha, tem a tainhota que tá crescendo pra ser tainha né... Que primeiro separa a tainhota, que nóischamamo né, depois ela vai crescendo e fica tainha. Tem o robalo, robalinho, robalo grande. Temaquele peixe redondão grande que chamamo Parú.Tem pescada... aqui Eles matam (pescada) aí napedra, aquela linha que pescam assim... Essa filha minha que tem lá, ela vive mais de pescar de linhaassim... Ela mata peixinho, limpa, pra fazer comida no domingo lá pra vender... Restaurante dela, mastudo com peixinho que ela mata assim. É, ela chega e tira tudo. No que ela ganha um dinheirinho...”

Este estudo não teve como objetivo analisar as dinâmicas de pesca da comunidade

do Poruquara. Entretanto, faz-se necessária uma visão geral da atividade para se

compreender como as apropriações dos recursos bênticos de manguezais são estratégias

das dinâmicas da pesca artesanal neste grupo.

Foram raras as informações mais pormenorizadas em relação aos meses específicos

de ocorrência dos recursos pesqueiros de verão. Dessa maneira, o calendário pesqueiro da

comunidade é apresentado de acordo com as referências temporais por ela utilizada (Figura

18).

Apesar de o ambiente do Poruquara contar com considerável diversidade e riqueza

de recursos pesqueiros, a questão limitadora da pesca da região está relacionada à

dificuldade de escoamento da produção. Então, a diversidade da produção pesqueira se

encontra limitada, não pelo sistema natural, mas pelas poucas opções de comercialização.

Ainda, a dependência da comunidade aos poucos comerciantes tanto de pescado como de

ostras faz com que os comunitários não consigam estabelecer um valor mais justo para sua

produção. Nessa situação, os pescadores de Poruquara necessitam aumentar seu esforço

de pesca e de extrativismo para compensar o baixo preço conseguido em suas mercadorias.

Principalmente no verão, a região do Poruquara é freqüentada por turistas que vêm

com suas próprias embarcações para realizar pescarias esportivas e visitar as cachoeiras da

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região. Sua presença tem gerado um pequeno comércio tanto de ostras cultivadas quanto

de pescados, servidos, muitas vezes, nas refeições caseiras que alguns comunitários

oferecem. No entanto, a prática de pesca submarina realizada por alguns grupos turísticos

tem sido motivo de reclamações dos comunitários, que, freqüentemente, delatam essas

atividades à Polícia Florestal.

Figura 18: Calendário das atividades pesqueiras da comunidade de Poruquara. Em verdeestão destacados os recursos bênticos de manguezais. Em preto, os demais recursos da pesca. Osrecursos mais importantes em cada época do ano estão em vermelho.

“O problema... é gente de fora que vem, entende?... Por exemplo, de Paranaguá que vem, vem turistade fora de Curitiba, vem... (...) Vem, mata peixe no fundo. Mata o grande, mata o pequeno, mata ospeixe que tão ovado... Né. Daí como que vai procriá? ... Porque eles vêm, joga, mata no fundo né. Sãouma bomba, que eles jogam no fundo... Agora... (...) Eles tiram os grande, e os pequeno apodrecetudo no mar. O pescador... Eles pagam a colônia. Tem direito em qualquer parte do mar né? ... Ospescador... Em qualquer parte do mar têm direito. Só que vêem os de fora, vem o de voadera, vemmergulhá prá matá peixe no fundo...”

Comunidade de

Poruquara

JaneiroFevereiro

Março

Abril

Maio

JunhoAgosto Julho

Setembro

Outubro

N ovembro

Dezembro

CaranguejoCaranguejo

Ostra Ostra

Ostra

Ostra

Ostra

Ostra

Cultivo de ostras

Camarão

Tainha

Tainha

Tainha

Tainha

Manjuba

Parati Robalo Paru

Baiacu

Pescadinha

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“(o pescador) não tem apoio por ninguém, porque a turma que trabalha na baía limpa, vão lá, limpa omar né. Vem os turista de fora, vem ali. Ah toma cerveja, joga latinha é... Come salgadinho, jogapacote. E eles só limpam, eles cuidam. ... E não desfruta né. (Limpam até lá na barra). E não desfruta...E vem os outros de fora, vem suja, mata, estraga, acaba com tudo. Então eles não têm futuro assim(...) ... (Tem que) fazê reunião aqui, fazê reunião em Tibicanga, de pesca. É o que eles tem que... É seunirem né. Fazê reunião aqui e se combiná de, fazê reunião nas otras ilhas, né? E falá, oh, vocês quesão pescador vão te que cuida. Vocês mesmo, se vêem alguém de fora, aqui que é um turista que tadestruindo, o mar né. Acabando com peixe pequeno, grande, tudo, eles querem levarem tudo, ecamarão... Não é época de camarão eles querem... Vão acabando com tudo, é menor, é grande, é tudoné...

Também são relatados alguns tensores na vida desses comunitários. Esses, em sua

maioria, relacionam-se com as regulações do uso do solo, a exemplo da limitação do

número de moradias e proibições das práticas de agricultura familiar, extrativismo vegetal e

regulações oficiais das práticas pesqueiras. “Batata,(... ) não dá pra roçar, pra plantar nada.(... ) você vai roçar aí e o policial vem de lá, já vem umafumaça, já vai lá e apreende..Já tá fazendo uns anos atrás né... (... ) agora faz uns dez anos que elestão dando em cima mesmo... “

“Um dia eles vieram um povo aqui (...) falar pra não plantar nada na terra. Aí... eu tinha uma roça alinos fundo (...) Eu fui na roça e tirei dois balaio de mandioca, aí pus pra relar, pus pra enxugar. Digo,vou fazer bijú e dar pra esses cara (...) Mas eu fiz mesmo. E aí perguntaram pra mim: “– A senhora fazcafé ou vende café?” Digo: “– Vender não vendo, só faço pra alimento da minha casa. Quer tomarcafé?”. “– Quero”. Eram dois. “– Quero.” “– Então você entre pra dentro”. Pus pra sentar, cadeira pralá, cadeira pra cá. Fui lá dentro, enchi um bule, cheio de café, e botei o bijú por cima da mesa. Bijú,tomando café com bijú. Aí ele disse: “– A senhora que faz?”. Eu disse: “– Sou eu que faço”. “– Mas égostoso mesmo”. “– Só que agora não tamo por aí fazendo mais porque vocês não deixam nós plantar.Não deixa nós cortar o mato pra plantar, porque lá na lama não dá mandioca, pra fazer a farinha. Entãonós temo que ocupar a terra pra plantar, pra dar a mandioca e fazer o alimento pra gente comer defarinha”... E precisava ... um alqueire de terra já dá pra fazer uma rocinha boa né... Um alqueire deterra já dá pra plantar uma boa mandioquinha. Aí (ele) disse: “– Muito gostosa a sua farinha!” Eu digo:“– Pois é. E o senhor que ir lá na minha roça?” Ele disse: “– Não, não precisa”. Daí comeu a farinha,tomou café, pediu peixe assado, que tinha um pouco de (...) vermelho, gordo em cima do fogo, asseiuma pratada, comeram e foram se embora. (... )”

“Se eles pegam saindo do mato, prendem... prendem palmito, prende tudo. Palmito agora Deus o livre.(...) o facão, prendem tudo. Aí fica aí um dia, dois, mandam embora, mas sem nada... Algum vai atéchorando de sentimento, e cê vê que (...) aí é pior. Pegaram o meu cunhado, mas acho que ficou unsquatro dia no Tibicanga. Ele vinha aí trazendo palmito. Pegaram ele num rio aí, Tiraram o palmito aí,sei lá o que eles fazem com o palmito. É um coitado que tão aí... bem dizer não tem nem a roupa pravestir, tenta se manter com isso aí né, e fazem esse serviço... É judiaria a pessoa que é pobre, puxa.Sofre mais sofre mesmo.”

Assim, nas entrevistas realizadas com os comunitários, estão sempre presentes os

conflitos de suas atividades com a fiscalização dos órgãos públicos. “Porque (…) não fosse as policia florestal, ... daí o povo cabava memo né? Mas só que eles fazem oque não deve também... Eles não fazem a lei... (...) A maioria do povo, dos pescador... fala assim: “–Ah esses miseráveis dessas polícia florestal que chego ali, pego minha rede, pego minha malha 100,outra levo minha rede”. Mas os coitado tão ali só, tão mandado pô. Não... tamo com a lei aqui oh...Agora veja bem, se eles não tão com essa lei na mão, eles num fazem.Os cara pega uma moto-serra,

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chega numa árvore daquela ali, derrubo... Põem em baixo... Passando por ali... Vem e cata, vem multaamarga... Quem não reconhece, as pessoas do sítio... a maioria ... eles começam a jogá praga noshome. Esses miseráve pego minha rede, esses desgraçados. Eu falo assim “Olha veja bem que elestão fazendo o que a ordem vem pra eles, eles tão,tão ganhando dinhero deles...” ... Se eles nãofizerem, não ganham dinheiro deles, então eles vão passar por cima de você, que ta com árvorederrubada aí (...) Claro que vão pegá você rapaz (...) é a lei. Então... eu, contra os home eu não sô, eusô contra a lei!... ”

Também temem as atividades imobiliárias que vêm ocorrendo na região, como a

venda de grandes extensões de terras “aos estrangeiros” nas proximidades da vila. Relatam

a presença de novos proprietários nos vastos territórios da região. Dizem que existem

japoneses que compraram um grande terreno bem em frente à vila.“As ilhas já foram vendidas pros estrangeiros!”

“E aqui os terrenos tem dono esses terrenos... Isso aí é da japoneizada de Curitiba, não sei daondevêm... eles têm esse terreno aí... ”

No convívio com a comunidade, percebe–se claramente uma tensão nas relações

com pessoas “de fora”. Os comunitários ficam temerosos com a aproximação tanto de

policiais florestais, fiscais do Ibama quanto de pesquisadores de maneira geral.

Outro foco de tensão é gerado por regulações legais da pesca. É importante

mencionar que, apesar de existirem algumas práticas proibidas, a exemplo da pesca da

manjuba e do camarão, há desacordos entre os comunitários do Poruquara. “Aí tem a malha 5 e a malha 4, malha assim de arrasto... que tinha de primeiro né... Que agoraacabaro ... também... Porque aonde dava o laço... vinha tudo os pexinho... Tudo com os filhotinho...Matava tudo... Acabaram com (...) a malha 5 também... Mais dum ponto eles tem razão: Muito daí vaiaí no mar, aí ... vem aquela grande pescada né, daquela grande criação de Baiacu... Aí ele pega umarede de mala 5, malha 4 e mete lá... e mata tudo... O quê que vai crescê pra ele pegá depois?...Depois não tem!... ”

“Tava conversando assim: ... “É, num ponto eles tem razão!”... digo: “– Claro! É igual no camarão... nocamarão, a manjuba é proibido... Deus o livre que eles sabem que tá matando manjuba... (Quemmata) é escondido por causo que ... é proibido por causo da criação do camarão né... Começa emnovembro... que a manjuba dá junto com o camarão né... Aí vai pegá o camarão... Mais só que aqui,a manjuba quase não atrapalha o camarão, por que a gente pesca mais na pedra ali né, no fundo, e ocamarãozinho, ele começa a sê ... assim na costa, e no porto... Aí no porto na costa dá muito!Demais,... Dá muito demais o camarãozinho... Então..., quando ele começa aí, já caí pro fundo,começa grandinho, começa a caí assim pro fundo, E eles já tão matando né... Eu falei assim olha, àsvez, o florestal dão em cima e tenham razão, pois se eles tão matando o camarão que tá criando nofundo prá matá depois, então tenham Manjuba... pesca Manjuba, deixa o camarão,né. A hora queacabá a manjuba tem... o camarão, mais só que eles mata tudo, e quando chega na época de matá...não tem nenhum. Igual esse ano eles mataro tudo... daí tava proibido ...”

“Tem defeso de dentro e defeso de fora (pro camarão). E... por isso então o governo já decretô né...então a pessoa recebe o defeso né, do camarão e do caranguejo , parece que junto... mas só que (...)tá proibido, e (eles) vão pegá e recebê o defeso daqui, eles tão matando... Aí quando libera aqui que épra matá. Que antes daí é proibido lá fora né, que é o defeso de fora. Aí eles vão querê matá, já nãotem... Por que até esse ano, um de lá de fora veio arrastá aí dentro, na baía dos Pinheiro... Quando

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chegô, abriu, liberô a pesca aqui , proibiu pra fora... Andavam se batendo atrás do amarãozinho...Mataro tudo os filhote do camarão né, agora não tem como matá... Tocaram... Porque quando elecomeça a metê a tarrafa, essas coisa.. ele sai, ele sai pra fora né, ele sai tudo pra fora... Digo assim:Não adiantô de nada ... eles fazerem isso... Agora ficaram sem... Por que eles pegam o dinheiro,recebem o defeso... Como mataro o camarão, depois come dinheiro do defeso, vão procurá o camarão,não tem! Eu falo sempre... A fome vem de qualquer jeito! Digo assim: eles são umas pessoa que nãosabem entenderem as coisa, não compreende as coisa ... é pessoa que tá pescando daí memo (daoutra comunidade)... Eles vêm, eles começam desde o porto vai... Eles vivem bastante do camarãoali... Direto do camarão, baiacu... algum lida com ostra, mais deles é baiacu agora...”

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS BÊNTICOS DEMANGUEZAIS

Desde os primeiros tempos, os recursos bênticos de manguezais foram importantes

para o consumo familiar no Poruquara e, ainda hoje, caranguejos, ostras, sururus, almejas e

saranambis são complementos alimentares.“Era a farinha de mandioca e a banana madura com que eu criei meus filho. Não criei com leite, nemcom maisena, nem com nada disso, só com essas coisas que eu criei meus filhos, dez filhos... Com opeixe, a ostra que eles comiam, essas coisas assim... O caranguejo, siri, tudo isso eles comiam... Oque era negócio do mar ia pra casa limpava e eles comiam mesmo... criaram tudo, graças a Deus... ”

“Na (minha) juventude pegava o caranguejo na andada... Não podia vender porque, não tinha quemcomprasse né... Naquele tempo não tinha valor. Era só pra comer em casa... A família comia. Siri, siritinha tanto lá. Aí eu dizia: tô com uma vontade de comer siri com arroz. Vamo pegar, pegava o siri,trazia, limpava lá e ia com arroz. As crianças comiam tudo... (E o sururu) Também, tirava sururu pracomer, aquele tempo né, que tudo... que agora tudo é diferente. Naquele tempo não né, naqueletempo tinha muito marisco no mangue. Saranambi... É, saranambi. Já viu o saranambi? ... Aqui no riotem né. Almeja... tirava, pra comer.”

O comércio de ostras e caranguejos já fazia parte da economia da comunidade no

passado, mesmo que em pequena escala. Todavia, entre os recursos de manguezais, a

comunidade do Poruquara sempre se dedicou comercialmente mais à extração de ostras

dos manguezais.“A mãe lutava só no mangue prá sustentá nós. Assim de ostra de mariscada. Ela plantava arroz e... nocaranguejo ela não ia, ela não sabia pegá caranguejo, ela tirava mais ostra... Ela vendia proTibicanga... ”Quando a pesca artesanal passou a ser a base da atividade econômica da

comunidade, também os recursos de manguezais se tornaram cada vez mais importantes

comercialmente. Segundo os relatos dos pescadores, a extração comercial desses recursos

de manguezais tem sido realizada com maior intensidade nos últimos dez anos.

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“Foi mudando né, começou a chegar gente pra comprar peixe, comprador de peixe, comprador deostra né. Aí a gente ia tirar ostra, aí apareceu gente assim, comprador de caranguejo. E a gente iatirando ostra, vendia ostra, vendia caranguejo. É, pegava... no tempo... de ele andar né. Tinhabastante, na época de pegar tem muito.”

“Antes... Nós tirava assim, pouquinho. Às vezes tirava pra comer, às vezes tirava pra vender mais eracoisinha à toa... Agora não, agora tem que comprar reto. Bastante já... é só a ostra...”.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO SURURU

Na comunidade do Poruquara, o sururu é coletado apenas para consumo familiar. “Aquele é sururu, aquele tem bastante... Aquele tem... Às vezes e tiro pra comer... às vezes me dávontade de comer assim, eu vou atrás do mangue ali tiro um pouco e traz... e tem lugar que você vai etem bastante, tem outros que não tem.”No entanto, há duas extrativistas que realizam esporadicamente seu comércio,

atendendo pequenas encomendas de um restaurante de Guaraqueçaba. Sua coleta é

sempre manual, preferencialmente em manguezais com substratos mais lodosos. Essa

comunidade não fez referência à ocorrência de sururus pretos ou amarelos, como acontece

na comunidade de Amparo.“Nós nunca conseguimos vender o negócio do sururu. Vender às vezes vende pro negócio de ...restaurante... de Guaraqueçaba. Às vezes ele encomenda mesmo o sururu, se a gente não conseguearranjar marisco pra ele. Aí a gente pergunta que tipo de marisco. Ele fala sururu, bacucu, ostra... Agente vai, tira e leva dois quilo, três quilo (...) só por encomenda... Já não é que nem a ostra quesempre tem comércio, de ficar vendendo.”

“Onde tem mais sururu que nós falamo é Rio Grande ali... No Rio Grande. É o que dá mais sururu... Eo mais fácil de você tirar também. Porque mangue duro é muito difícil, você tem que procurar umlugarzinho mais mole, daí você consegue enfiar o dedo lá e tirar rapidinho... Consegue tirar.”

Quanto aos saberes sobre esse recurso, também se referem às áreas preferenciais

de ocorrência nos manguezais, indicando as condições dos substratos dos bosques. Dos

diversos manguezais locais, a área apontada como a de maior disponibilidade foram as

imediações do Rio do Bronze.“Ele dá também, igual sururu, ele dá aquelas bola assim, fica só de boquinha, aí ele pega ali, mete ogogo, tira prá tirá de lá... Ele, tira prá comê, dá bastante no mangue aí pra cima, tem bastante também...tem mangue muito mole,ele já... no mangue mole ele já não dá né... No mole, tem que tê aquele duroassim que ele fique mais no firme né, no mole assim muito mole ele já não dá, e no capim também...Nos capim assim ele dá bastante... o sururu não tem venda prá cá né?... ”

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“Lá nesse Bronze, que nós tamo dizendo, tem barbaridade, só que... come, mas tiram só de vez emquando... (...) pra baixo ali do mangue, da pedra do meio pra baixo, ali tem muito... Só que é ruim detirar. Dizem que na pica do mangue, no mangue manso é ruim de tirar... (mas) no capim que é bom detirar... na lama do capim é mole... Ah, tira coma mão assim, vai lá e tira... tira com a mão. Daí saiaquela pasta grande... . (mas) no mangue manso só com a enxada.”

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ

Desde o início da comunidade do Poruquara, o caranguejo tem sido coletado apenas

na época da “corrida”, nas luas de sizígia, durante o verão, e utilizado majoritariamente para

consumo caseiro. “Eu vou pegar caranguejo, eu pego caranguejo.É, agora não me enfio bem porque não posso andar nomangue né. Mas vou pegar caranguejo... Eu pegava aí nesse mangue aí... E lá no Sebuí eu tambémvarava o mangue lá e ia embora, com um saco. (...) É porque caranguejo tem uma coisa, se tivercomprador no porto, tudo bem. Pegou caranguejo ali, contou já vendeu, mas pra pegar ele deixar dentrodo saco dois três dias, não dá porque morre, se perde. Perde o trabalho, mata o bichinho.”Entretanto, são relatados comércios esporádicos, seja para turistas, seja para algum

comerciante do Tibicanga. As coletas são feitas em grupos familiares, e as poucas famílias

que realizam sua venda o fazem isoladamente.“Às vezes a gente tira aqui e vende ali no Tibicanga né. Tira pouquinho, porque quase ninguém comprané, não aparece comprador... aí já chega uma época ali, já é proibido também... Tem que tirar no mêscerto, se você passar da... uma semana, duas semana, você já perde. Então tem que trabalhar namedida certinha... mais no verão ... os caranguejo dá demais... eu vou.. buscar na corrida... eu saioaí e rapidinho já trago um pouco de caranguejo.”

Os comunitários não têm um fluxo contínuo de comercialização para a venda do

caranguejo, tampouco fazem cerco para cativeiro.“Aqui nesses mangue pra cá sempre eles tem (tão andando em época de lua) porque a gente quasenão deixa o pessoal de fora cavoucar... Então na época do caranguejo andar você sempre encontra.Aí você vai pegar mesmo, você tira dois saco, três saco de caranguejo. Agora fazer buraco, pra cánão... Cheguei a vender... Muito barato eles pagaram. A primeira andada, primeira lua, elesconseguiram, eles pagaram a... A dois e cinqüenta... a dúzia. Agora na outra vez já pagaram um real.Daí caiu. a primeira lua foi em cima do natal ... A gente conseguia fazer sessenta, oitenta. Que a gentepegava pouquinho também né. Só assim, vendia pra fora. Tinha medo de pegar, o caranguejo seestragar e ninguém aparecer comprar... A gente tirava saco de pouquinho... você tira e já põe nosaco, não guarda em cerco... Nós ia tentar construir um tipo um cerco pra colocar o caranguejo sabe?..Mas diz que é proibido... É proibido mas tem gente que faz... eu já vi muita gente fazendo... Mas aquinão tem como a gente fazer escondido, eles passam por ali.”

Eles relatam que os caranguejos nos manguezais do Poruquara são abundantes e

que raramente coletam esses animais longe das imediações de sua vila.

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“Caranguejo dá. Ali na época de ele andar, você vê aquele amarelão no mangue inteiro. Aqui dá muito.Dá ... em todo mangue que você vai você olha que ele dá bonitinho (...) e grosso... Caranguejogrande. ..E gente de fora buscar, ás vezes vêm, às vezes não.”

“Ah, no tempo de ele andar tem muito. Se a gente põe uma rede no mar, não tem nem jeito de... é sópegar e cortar pela rede, porque ele se embola tudinho na rede e não tem como tirar (da rede). “

Relatam também que em seus bosques, comparativamente aos outros bosques, “de

fora” (de baías abertas nas imediações das baías das Laranjeiras e dos Pinheiros), os

caranguejos têm corrido bastante, porque dentro do Poruquara a comunidade não deixa

acontecer o que tem ocorrido muitos nos bosques “de fora”. “ Tem muitos que já vem de lá assim, igual do Ilha Rasa, do Almeida... de lá do Valadares mesmoeles vem prá tirá, antes do novembro... Eles já vêm e já começam a tirá do mangue né. Então este anoquase que não deu caranguejo, que não andô por causo disso, que eles tiraro muito, e é perigoso, porque eles fazem aquele enorme daquele buraco no mangue... E na levada que vai corrê inda prá pegá ocaranguejo de suruca que vai embora, vai prá lá na coxa da gente ... É eu já me enterrei assimtambém... Assim por que é prejuízo prá nós mesmo.”

“Pessoal lá de Ilha Rasa eles entram (na Baía) pra tirar... com foice, foice, enxada... Com laçotambém... (...) A turma vem invadir e tira, fazem aquele lacinho. Eu não queria deixar (...) ... é que éproibido... Proibido tirar, e pôr lacinho... Aí prendeu, essa turma da Ilha Rasa, prendeu... E eles tiramtambém no inverno, caranguejo... Tiram. Pra eles não tem tempo. Tiram sempre, tudo. e prejudica omangue ..Prejudica, prejudica que quando a gente vai pegar pra comer, fica aqueles buraco, aqueles(...) de quebrar pedra. ... E o caranguejo, ele diminui... Eles tiram muito. Tem negócio de tirar, que veme tira vinte, trinta dúzia. Cada pessoa... Com a rede, daí tiram do buraco... Porque, tanto entende detirar, como mata essa redinha.(...).”

Esse grupo demonstra exercer algumas regulações de acesso aos seus bosques de

manguezais, tanto em relação ao extrativismo de caranguejos como ao de ostras.

Quanto ao extrativismo do caranguejo, relatam que extrativistas de outras

comunidades que freqüentam os bosques internos da região do Poruquara são da

comunidade do Tibicanga. Já os “tiradores” vindos da Ilha Rasa e do Valadares têm seu

acesso regulado nos bosques do Poruquara.“A gente também quase não deixa as pessoas de fora fazer isso no lugar. Porque é perigoso até vocêquebrar a perna né. Você vai triar ostra, às vezes você... fica ... naqueles buraco na lama. E asvezes... sem querer, você suga prum buraco perto e é perigoso quebrar a perna. Já me aconteceu,me enfiei num buraco desses. Então a gente quase não deixa a pessoa de fora fazer isso aqui né.Agora, por aí pra fora eles fazem, mas aqui não deixamo... se vier um pessoal de fora, a gente diz: “-Ah até fazer a barraca de vocês se quisé pode fazer, mas tirando da barra do rio pra fora. Da barra dorio pra dentro (não)... a barra do rio pra fora é dali daonde você passa, não tem uma ilha ali?... Dalipra lá já não pertence ao rio do Poruquara. Ah, então de barra do rio pra dentro... Aí já a comunidadecuida... É... Pede pra não usar a foice aqui. E do lacinho, aqui também não... Eles judiam muito né,fazem muito lacinho, a gente vai no mangue e encontra muito caranguejo morto... Aí a gente járeclama né... Não dão conta de pegar os seus lacinhos de volta né... (...) “-Vocês querem comer sóuma vez?” Né, porque, se você consegue pegar na corrida o caranguejo, você pega tanto que vocêconsegue carregar. Se você fica fazendo um monte de laço, você pega a metade, a outra metade vocênão vê, e ali que os caranguejo morrem... Tanto fêmea como macho, igual chega uma época que vocênão vai encontrar mais. Aí eles sempre falam . Às vezes a gente vai pegar caranguejo no mangue, a

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gente vê aquela filera de laço tudo arrumado... Aqui pra dentro, não! Pra fora... aqui pra dentro opessoal não tem usado muito... não... Porque a própria comunidade cuida... eles já sabem que agente quase não trabalha, negócio de fazer buraco no mangue, fazer lacinho essas coisa, e quase nãoentra... na época de corrida a gente pega... É, só nós daqui mesmo que pegamo... Então oscaranguejo aqui é só nosso... Gente de fora não vem pegar caranguejo aqui.”

Conta-se, também, que grupos da comunidade do Almeida já estiveram nos

manguezais do Poruquara para tirar caranguejo, utilizando principalmente o lacinho. No

entanto, em uma dessas ocasiões, por meio da Associação de Moradores do Poruquara, os

comunitários acharam por bem conversar com o grupo do Almeida, para explicar que não

gostariam da presença do grupo em seus bosques. Relatam que não se sentiram muito à

vontade ao expressar essa intenção, porque sentem pena de quem tem que sobreviver de

caranguejo tirado, porém o grupo do Almeida nunca mais voltou à região para explorar o

caranguejo. “... Olha entravam muito... é aqui a gente era pra tê conversado com eles que faz isto, mais só quemuitas pessoas tenham pena... Pessoas tenham pena por que (eles) vivem disso né. E até aí na casado (pescador), tiveram parado ali, parado tirando caranguejo... As vez a gente qué fazê justiça, as veza gente tem pena, por que tamém tão sofrendo né... Tão sofrendo prá sobrevivê. As criança né, prálevá o pão pros filho. A gente ainda tem pena... eu falo assim, mas é, as vez, a gente... é por que agente não sabe né, eu não sei tirá caranguejo, muitas pessoa... aqui, quase ninguém sabe tirá. Entãoinda assim, mas tem que chegá e falá pra eles né. Que eles então deixe prá pegá na andada. Né?Porque anda muito, né? Agora assim prá tirá, ele estraga muito o mangue e acaba com o caranguejo.”

“Agora, veja bem: o caranguejo tem época certa de andá, né? Quando é época certa de andá, todomundo pega os caranguejo e vende bem. Agora esse negócio... essas coisas de metê o braço ládentro... cortá a terra... trazê o bicho forçado de lá, prá vendê muito mais caro do que pegado, né?Isso daí era pra sê proibido. A polícia florestal ... (tinha que fazer assim:) Tá tirando caranguejo? (...)Tó, aqui a multa!... Entendeu? Recolhe o documento, a caderneta do cara lá, oh, cadê? Trezentosquatrocentos reais de multa aí.”... Porque tiram caranguejo fora de época né, no buraco... É porquepode deixar que ande prá todo mundo pegá, né? ... Porque quem não sabe fazê isso padece... Eagora... quando é na época certa de o cara ir pegá caranguejo no mangue, vai levá no mercado nãotem preço, tá cheio de caranguejo tirado. Então é só perda de tempo!”

“Aquele povo lá, da Ilha Rasa, eles... Eles pouco pesca, é só no caranguejo.. Porque é onde dá mais...Entendeu?... É onde dá mais. E é laço... e tira do buraco... (...) Aí toda pesca, a comunidade delesnão tem mais... Lá não tem mais, porque não dá prá pisá mais, entendeu? Então eles atacam asoutras comunidades... Claro! Entra aqui, lá pro lado do Ariri... Lá pro Ariri prá lá já foi predado já... ”

Percebe-se com esses relatos que os comunitários do Poruquara sentem a

necessidade de alguma regulação de acesso aos seus manguezais, para o extrativismo de

caranguejo, apesar de explorarem esse recurso basicamente para subsistência.

Apesar de esporádica e ainda “tímida”, essa regulação de acesso aos manguezais da

região é exercida na imposição de um limite geográfico que é a Barra do Rio Poruquara, nas

imediações entre a Barra do Cerquinho e a Ilha do Sambaqui. Assim, muitas vezes, o que é

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permitido aos extrativistas “de fora” é que coletem caranguejo apenas na andada, ou corrida,

evitando o uso do lacinho ou foice. Entretanto, possivelmente, os comunitários do Poruquara

fazem exceções a essas regras, principalmente para os extrativistas oriundos do Tibicanga,

comunidade com a qual os pescadores do Poruquara têm evidentes relações de

solidariedade, reforçadas tanto por laços de parentesco e de compadrio, como, também, por

interdependência comercial.

SABERES SOBRE O CARANGUEJO-UÇÁ

Observaram-se conhecimentos sobre o comportamento reprodutivo do caranguejo-

uçá e também as facilidades de acesso aos bosques internos da região. Os acessos às

diferentes fisiografias locais estão condicionados às variações de maré, principalmente em

regiões bem alagadas, como as fisiografias do tipo Populações de Bordas de Águas

Mesohalinas, Florestas de Borda, nas imediações do Rio do Bronze. Nesses bosques, os

comunitários chegam por meio de canoas de um pau só, que deslizam na lama fluida.

Nesses lugares não é possível coletar caranguejos, apenas ostras, com o auxílio de

bóias do mesmo tipo das que são utilizadas nos cultivos. Nesses casos, as marés de lua,

amplas, condicionam maior facilidade de acesso com bóias e canoas, pela facilidade de

deslizamento. Já as marés “de quarto”, de quadratura, facilitam o caminhar em bosques

menos alagados, mas igualmente lodosos.“Agora no rio do Bronze você não consegue trabalha de negócio de caranguejo e ostra que daí vocêvai atola. Se você é pesada, ai você suruca, tem alguém que te puxa, um homem, até a gente que émagrinha já sofre. Mas tem vários lugar ai pra cima que é bem fácil de trabalhar também, mais duro né,beira de água assim,(... ),você tem que escolher um tipo de maré que não fique aquela maré muitoseca, que dê pra você chegar na beira do mangue... É pro se chegar mais perto, porque tem umaépoca que você chega e... , agora no mês de agosto a maré vai secar muito, ela seca seca (... ). Vocêtem que escolher maré de quarto.”Já naquelas fisiografias indicadas por MARTIN, como do tipo Haut Fourrés de

Laguncularia ou de Rhizophora, a coleta de caranguejos está condicionada à facilidade de

acesso pela menor densidade das árvores. Relata-se que existem bosques muito densos e

com dossel reduzido que impossibilitam a entrada dos extrativistas. Também há indícios de

que esses bosques estejam servindo de refúgio para os caranguejos da região.”Talvez no mangue de canapuva você encontre mais. Porque ele é o mangue mais alto ali.”

“Tem mangue também ... desse outro mangue manso... que já é mais baixinho também, ali ele fica tipoque uma reserva, porque é muito cheio de buraco e ninguém consegue pegar, que não tem como

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entrar naqueles buraquinhos, então você olha e tá tudo amarelado de caranguejo... Tem lugar aqui,que seu eu for te levar lá, você fica até, não tem como enfiar a cabeça no mangue, é baixinho osmanguinhos aqui... bem baixinho.. talvez um metro assim, ou talvez mais baixinho... Aqui na entrada,do que se fala assim o rio do Cerquinho... é no final daquelas pedras ali, você entra lá dentro... É, masé bem lá dentro do rio... Enfiando a canoa por aqui, você indo com a maré seca quase consegue ver orio dos Guarabe, pelo pique né que tem. Aqui pra cima... você trabalha de caranguejeira de algummangue você consegue fazer que é duro, consegue trabalhar duro... ”Em relação aos saberes relacionados ao comportamento reprodutivo do animal, os

comunitários do Poruquara condicionam suas atividades ao fenômeno da corrida ou andada,

observando sua periodicidade conforme as luas. Também qualificam a “safra” do caranguejo

de acordo com o número de luas nas quais o caranguejo correu.“O caranguejo sempre andou no mesmo tempo... acho que é na lua cheia, parece que... é na lua cheiaque ele anda, o caranguejo.”

“Na última safra... foram duas, duas luas que correu... ”O período de desova dos animais tem sido descrito pelos comunitários como o tempo

em que o caranguejo vai se lavar ou quando vai dançar o carnaval.“Dizem que na época do carnaval... diz que o caranguejo sai dançando, então ele travessa a água... Éele atravessa a água... Atravessa, diz ali no porto ... tem caranguejo por aqui tudo... Eu sei, eu saialouca do mangue. E troca de mangue, com certeza, porque às vezes, ... chegando perto do carnaval alua do carnaval ai, eles vive tudo na beira da água ai, no fundo, algum se agarrando em algum galhinhode mangue, com certeza que atravessa a água, se você coloca uma rede você perde a rede, que daíele tece tudo. Com certeza que atravessa a água... A minha mãe fala que ele vai dançando né... Elevai dançar com pernilongo... ”.Esse momento de desova, algumas vezes, é relacionado como a época em que o

caranguejo “troca de mangue”.

Também descrevem outros comportamentos do animal, como seus hábitos

alimentares e períodos de muda. A muda é a época em que o caranguejo está “em leite”.“A senhora pode perceber que, encheu a maré, vlupt ele entra lá (no buraco). Então quando a marédesce, aí que ele sai do buraco comer. O caranguejinho... E quando ele tá se entocando ele pega acarregá coisa pro buraco... Folha de mangue... (e vai se) entocar lá. E assim ele passa num buracode caranguejo... fica bem tapadinho... É agora tá mole, em leite. O caranguejo fica que nem leite, né?Mole... A perna do caranguejo (fica) igual um leite... Na época de ele andar, daí o casco dele ficasão!.”

Apesar de este estudo não ter como objetivo central aprofundar análises dos saberes

a respeito da bioecologia do caranguejo percebe-se que os conhecimentos mais

compartilhados entre os extrativistas do Poruquara são aqueles de aplicação imediata, de

acordo com suas dinâmicas de exploração, ou seja, as práticas relacionadas ao caranguejo

pegado.

Entre as observações dos pescadores, destacam-se a possível migração dos

caranguejos entre os bosques de manguezais e a presença de determinadas fisiografias que

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estejam atuando como refúgio dessa fauna, observações que se assemelham aos relatos já

descritos nas etapas empíricas anteriores deste estudo.

DINÂMICAS DE APROPRIAÇÃO DA OSTRA-DO-MANGUE

O extrativismo da ostra nos manguezais sempre foi uma prática tradicional entre os

comunitários do Poruquara. “E o negócio da ostra também a gente... eu gosto muito, desde já oito anos eu gosto muito de trabalharcom ostra. Sempre tirei ostra. Desde pequena tirando ostra... Quem que me ensinou foi ela. Foi ela(minha colega) que me ensinou a tirar ostra... Nem sabia como que era a ostra, ela me ensinou. Ela jámorava aqui.”Mesmo antes de se estabelecerem na região, as famílias realizavam essa extração

em seus locais de origem, seja na região do Sebuí, Barbados ou demais comunidades às

margens do estuário, há mais de 80 anos. “Quando era moça lá no Sebuí ia no mangue com a mãe..Foi com ela (que aprendí)... a tira ostra, (...) Agente ia, pega um tiradorzinho, um toco de (...) alguma coisa né? Daí a gente ia tirando ali, pondo umbalaio na caixa, ai lava bem limpinho e leva pra casa. Vendia logo também, quando tinha compradorvendia, aí quando não tinha comia né? Comia com arroz, socava arroz de (...), nós tinha um canterogrande assim de arroz, nós socava aquele arroz, daí a gente criava a criança com aquilo ali... Comostra, panela de arroz com ostra, que... caranguejo um poço tirava, não trabalhava com caranguejosabe? Não tinha como vende. Então nois pegava pra come né? No tempo de, ela andava, nois pegavapra come, só pra come né? Só.”O aprendizado sobre as práticas de coleta de ostras nas raízes de canapuva foram

passadas pelos ancestrais, que realizavam o extrativismo como subsistência e para

pequenos comércios. Relata-se que, em determinada época, a ostra era vendida

“desmariscada” (retirada da concha, cozida e ensacada) para a venda no comércio local.

Também era um complemento protéico importante na alimentação da família.“A ostra ... aprendi com a minha mãe, só que a minha mãe não tirava pra vendê assim né. Ela tiravamais pra demariscá. Naquele tempo não tinha assim venda de ostra assim em casca, nem em dúzia.Era mais tirado, daí punha pra cozinhá, daí tirava o marisquinho prá pesá... vendia só o marisco...então ela cozinhava e demariscava, tudo trabalho de demariscá, tirá tudo o marisco. Limpava tudolimpinho, daí eu ensacava o saquinho prá vendê. ... não é como agora. Agora já é mais fácil né. Que agente tira de lá do mangue, chega , chega ali e vende, já mede na caixa e vende né... em dúzia. E deprimeira já era mais sacrifício pra eles. Porque eles tinham que tirá, é... demariscá, prá vendêdemariscado só o marisco. “

“A minha mãe... criô tudo (os filhos) ali... eles viviam mais assim... da roça , do mangue assim... (...) Daíela lutava só no mangue prá sustentá nós. Assim de ostra desmariscada. Ela plantava arroz e... nocaranguejo ela não ia, ela não sabia pegá caranguejo, ela tirava mais ostra... Ela vendia proTibicanga... (...) Ela contava prá nós que ela tinha que... (...) comprava esse saco de algodãozinho (...)e costurava, fazia roupa (pra família) Aí comprava umas anilina e punha... (...) É do que eles

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compravam pra se vestí .Talvez eu fico pensando né, converso com meus filho e digo assim “Olha,agora... agora bem dizê nós samo rico”.A comunidade do Poruquara continuamente praticava a extração de ostras dos

manguezais, todavia, nos últimos 10 anos, os pescadores do Poruquara intensificaram tanto

seu extrativismo quanto seu comércio local e para a região de Cananéia, estado de São

Paulo.“Antes tirava direto do mangue e vendia aí... Antes, bem antes, no tempo do pai, era quarenta centavosa dúzia. E hoje em dia você não compra nada com quarenta centavos... Quarenta centavos. A gentetirava muito, muito... a ostra... Em todo lugar que você ia, você enchia... Você chegava com a canoa, sevocê fosse para tirar das oito horas às onze horas, você enchia uma canoa de ostra. Porque em todo omangue tinha. Agora é um pouco difícil, porque todo mundo tira. Plantar, em negócio de roça, ninguémplanta. Se a gente colocar uma roça no morro pra sobreviver, da farinha... (...) Aí vem o negócio daflorestal, essas coisas, vai lá e embarga, você é obrigado a pagar dois mil reais, três mil reais por aquelamatação do mato. Então você paga na cadeia, porque você não tem condição de pagar dinheiro. Entãoé por causa disso, que nós... as pessoas do sítio, eles padecem mais por causa disso. Que primeiro,tinha do que sobreviver do mato né. Ia na roça, e pescava o pescado pra gente comer, não mexia comas ostras, vendia... não ficava todo o dia indo pro mangue. Agora a gente é obrigado a todo dia ir promanguezal. Porque não tem como a gente trabalhar em outra coisa. Por que se for pra gente plantar, aflorestal vem e multa. Uma multa de quatro cinco mil, a gente não tem como pagar. Paga na cadeia. Aí agente é obrigado a ir pro mangue.”

“Aí depois meu pai começou a comprar ostra, por Cananéia. Nós tirava, vendia pro meu pai, e o cara deCananéia vinha buscar. Até hoje o cara tá comprando ostra... O mesmo cara, eles moram ali... Elecompra a ostra e leva pra Cananéia. É o que socorre nós, porque se não fosse ele, a gente não tinhaonde cair morto. Ele que leva a ostra pra Cananéia... tem um comprador... E a gente tira o que... se agente vai no mangue, a gente tira, por exemplo, cinco caixas. A gente vende três, duas a gente põe nocultivo. Sempre para não faltar. Aí o que ele paga, a gente já corre lá em Guaraqueçaba, já faz compra,traz e guarda, e vai de volta tirar ostra. Sempre assim a vida da gente. Até quando eu não sei... Quandotiver ostra e comprador, e quanto vida tiver... (Tem) a ostra e a pesca também. Só que mais a ostra, quea pesca, o tempo frio é mais difícil. Aí vem o verão, vem o tempo quente, e a gente trabalha mais com apesca. Daí, já deixa a ostra reservar um pouco no mangue. Aí descansa o mangue, e vai para a pesca.Aí chega o frio, a pesca fica fraca, a gente corre pro mangue. Que daí no quente a gente descansa omangue.”

Com o advento do Programa Baía Limpa, do Governo Estadual, no final da década de

90 do século XX, alguns implementos de cultivo de ostras foram disponibilizados para a

comunidade. “No começo era: Você colaborava com a Baía Limpa, e recebia um salário e uma cesta básica... Depoiscortaram o salário, depois cortaram a cesta básica também. Aí agora, esse fim de ano agora, começoude volta... a trabalhar, mas é só uma cesta básica, não tem o salário. E trabalha dois dias na semana.Segunda e Terça. Aí da outra semana, Segunda e Terça... O ano inteiro. O governo prometeu quenunca ia terminar, mas as pessoas sempre terminam... Não sei se agora o governo é que manda, oueles ficam com a compra e o dinheiro. A gente por aqui não sabe disso tudo. A gente engole se dizer,como diz o povo a gente engole o que vem de fora...”

“Eu acho que depois que veio a Baía limpa, pro Poruquara, pra outros lugar né, com o cultivo da ostra...Eu acho que melhorou mais. Por que veio com a Baía Limpa, que veio os técnicos, para ensinar ocultivo, né? Há três anos atrás veio... A comunidade aprendeu... e começou a fazer... ”

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Também houve orientações continuadas de técnicos da Emater, quando a comunidade

passou a realizar o cultivo de ostras, com muito sucesso. “Eles trouxeram um pano assim ó. (...) É um tipo um pano de matar camarão... Aí eles trouxe tipo umacama de ferro, como se fosse esse sofá, só que tem as perninha de ferro, tem uns varalzinho de arame.A gente colocava a tela, colocava a ostra. Daí cobria com outro por cima pro baiacu não comer. Daídeixava lá, na beira do mangue. Deixei lá, não liguei. Daí vou ver o que vai dar, se vai morrer ou se vaiviver. Aí a época que eu fui lá, tava enorme, tava até grudado uma ostra com outra. Aí as pessoas,morador daqui falou: “– Ah, mas não é possível acontecer isso!”. Eu falei: “– É, então, não é impossível!– Então eu vou vender!” Peguei e vendi tudo minha ostra. Eu que plantei pouquinho né. Cheguei aplantar uma caixa de ostra, cheguei a vender a quatro, que era bem grande a ostra... Quatro caixa...Vendi pra minha colega aqui mesmo... Ela tava precisando né. Aí eu vendi pra ela a quinze reais acaixa... E aí ela vendeu pra frente... Só pela necessidade ela passou pra frente. Aí esse pessoalcomeçaram a plantar. Aí o cara veio aqui né, o (...) veio aqui, daí encomendemo tela pra ele. Que deucerto o projeto, que nós gostaria de plantar, fazer cultivo. O governo começou a mandar... muito domaterial que tá aqui ganhamo do governo...”

“A produção antes dos últimos 3 anos... Era menos porque eles tinham muito... tinham cisma assim decultivar e morrer, perder tudo. Então começava de pouquinho...”

Hoje em dia, essa comunidade tem o cultivo de ostras como uma de suas principais

atividades. Seus implementos tecnológicos contam com o uso de “travesseiros” (grandes

telas onde se depositam as ostras em proximidade com o substrato) e gaiolas flutuantes.

Esses apetrechos ficam, em sua maioria, na frente das residências. “E antes da Emater... Não tinha nada (de ostra). Ninguém plantava, ninguém punha engorda. ... Docaranguejo conhecia... (...) da andada pra pegar... .A ostra tirava assim de vez em quando, mais... umsaco, dois sacos. Não tinha saída, e tinha muito. Nessa época que a gente tirava, a ostra estava à toa...“

“Todas as famílias cultivam, e todas as famílias ganharam o material do governo (...) agora eles pra lá,eles pra lá, que o governo deu. Agora, o nosso, é por nossa conta... É, o nosso é por nossa conta. Omeu e da filha aí, é da nossa conta... E aqui... todo mundo trabalha (homem, mulher)... e esse cultivoda ostra... Esse vai até novembro... No final de novembro. Aí a gente deixa um pouquinho, mas... sóporque de o tempo quente os turista querem ostra... Mas aí as remessa como tem agora não... ”Os comunitários apreciam o trabalho de cultivo que realizam, porém evidenciam a

necessidade de escoar a mercadoria por meios mais eficientes. Isso porque vendem sua

produção apenas esporadicamente, na época de verão, para alguns turistas que passam

pela região.“Se for pra gente pensar bem, a gente não tem como se diz, um, assim um... um troço que a gentepegue a ostra, cultive e venda mais caro. Sabe, que leve outra parte. A gente pega dali e é obrigado avender por quinze reais a caixa. Por que a gente não tem condições de ir pra frente vender, a gentenão tem um barco, a gente não tem uma pessoa que se interesse pelo lugar. Que venha comprar ostrado cultivo. Então a gente tá na necessidade, a gente vai lá e tira e vende por quinze reais por muito.Mesmo assim eu acho que seje bom né, porque se a gente tá ali com 3 mil dúzia, 2 mil dúzia de ostra ,a gente vende em caixa. A gente tira cinco caixa do plantio e vende, você já tá com a grana pra fazeruma compra. Daí com aquele dinheiro você já traz o alimento, er vai de novo pegar no mangue, ecolocar no cultivo de novo. E quando tem turista também, a gente vende bem. “

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Cada família tem seu próprio cultivo de ostras. Reservam para isso trechos tanto em

frente à praia da Ponta da Araponga, como na margem oposta entre a Pedra do Adão e o

Rio da Constança. Há também relatos de que existem áreas reservadas em afloramentos

rochosos entre a região habitada pela comunidade e a encosta do morro do Poruquara

(início dos manguezais do Rio Cachoeira).“Aquela parte ali da bóia. Aquela bóia ali que parece (...) são mesas... É nosso, deles lá de cima...Cada família trata pra si mesmo... as bóias aí já é lanterna... na lanterna se cria mais. Mas cria muitobacucu de mangue... Eu não gostei. É bacucu, mas é daquele miudinho... É bacucu. É bacucu daqueleque dá na pedra... (...). Na lanterna cria, fica ruim de tira ostra aquilo... É porque é fechada a lanternané. É, ali é só ela. Às vezes cola por baixo com a tela, depois cobre de novo. Com outra lanterna, comoutra tela... ”A produtividade dos cultivos é constante, sendo mais acentuada nos meses de inverno.“Uma família produz na base de 40, 50 caixa por mês, no cultivo.De ostra grande, no inverno... Que noverão diminui o cultivo... E consegue vender ... Se chega um comprador aí, ele pergunta se tem ostra.A gente fala: eu tenho tantas caixas no cultivo. Aí ele vai ver, se a ostra tiver bonita. Quarenta caixa, eleleva tudo... Estar grande né. Quando tá muito pequena assim, eles já não querem.”

Entretanto, apesar de uma eficiente produção de ostras em cultivo, a prática que

realmente tem assegurado um fluxo econômico para essa comunidade, essencialmente nos

meses de outono e de inverno, é a coleta de ostras juvenis1 dos manguezais. Esse

extrativismo ocorre tanto da região do Poruquara quanto nas imediações da Baía de

Laranjeiras (Guapicum e Rio das Peças, principalmente) e da Baía dos Pinheiros

(preferencialmente entre o Sebuí e Vila Fátima). “Depois que a ostra... É eles dizem que melhorô... (a vida)... Dá pra tirá um lucrinho, não muito, maisdá né, pra pegá. ... O meu menino aí, ta tirando outra pra, ali pra, pra vende pro cara que mandô. Eletava pegando ali pra vende... Ele (quer) terminá a casa dele, mais não tem dinhero, então ele tem quevendê ostrinha dele pra, pra tirá o dinhero pra comprá.”“(Depois da ostra) a comunidade melhorou... É porque no tempo frio não tem ganho de peixe... E aostra é que vale... Quando não tinha ostra no tempo frio, trabalhava na lavoura... Vendia o arroz,vendia a farinha, vendia o milho. Agora se quiser comer aí uma galinha, tem que ir no comerciante pradá o que comer pra galinha. Tem que ver o sofrimento do pobre né? (...) ele pensa que nós vivemo bem,mas vivemo atolado aqui.”O extrativismo desses juvenis destina-se tanto para seus cultivos locais quanto para ser

comercializado em Cananéia, diretamente para um grande produtor daquela região. Aí quando tá uma ostra desse tamanho assim, eles levam tudo. A gente (...) não vai tirar pequenininhade uma vez, a gente tira mais ou menos assim... que elas já consiga sobreviver. Tá, que dá uns seiscentímetros... É, que consiga sobreviver... Para o sol não matar... Aí, leva três a quatro mês, aí vocêvai ver já tá bem maior. Aí você vai lá dá uma limpada, tira tudo aquela craquinha que fica, aquelesbichinho que dá nele. Dá uma limpadinha nele, e coloca tudo de volta. Aí espera mais um mês dois mês,até algum comprador vier. Aí você consegue vender tudo... Tudo isso. Ele ensina a gente como é quese limpa, que se trata da ostra...

1 Ostras com comprimento da concha entre 3 a 6 centímetros. O comprimento do animal é uma medida tomada doumbo à margem posterior da concha.

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“A ostra é o mesmo comprador, mas esse aí vai lá pra São Paulo... Não, o comprador é de lá deCananéia... Descarrega em Cananéia, de lá tem quem tem firma. É firma que tem lá... .Agora o nomeda firma eu não sei. Dizem que o dono, é um tal de Jaques... o sobrenome dele eu não sei... elecompra a ostra grande... Ou ostra média, ostra boa... É, leva pra Cananéia, leva pra São Paulo, espalhapra tudo quanto é município... Aqui é só um (comprador)..aqui é só um... (...) Ele leva de semana emsemana... (...) agora no frio é só de ostra (que todo mundo tá vivendo)... Tá dez real a caixa...Conforme o tamanho, tem de 25, leva às vezes até 30 dúzias numa caixa... É. E aí do plantio é 15, 20dúzias cada, que daí é grossa né, criada. Tudo essas coisa aí tem ostra. Pra lá tem as mesas que tãotudo no fundo. Aqui também é... Lá pra cima tem deles.”Alguns extrativistas do Tibicanga vendem ostras juvenis para a família do Poruquara,

que repassa essa produção para o comerciante de Cananéia. “Então tem vezes que as pessoas compram a ostra média, do pessoal do Tibicanca, E tem vezes que aprópria comunidade vai buscar a semente para plantar? É, pra plantar.E costuma ir buscar a ostragrande para vender direto também, sem passar pro cultivo... sim. Esses aí tá tudo... Esse aí, foi o quetrazem. Esse aí é pra encher o saco pra levar já. Amanhã já vai esse aí.”A maior intensidade dessa atividade extrativista ocorre nos meses de outono e inverno,

condicionada pelo período anual de intervalo do defeso da ostra do mangue, estabelecido

por portaria estadual para o estado de São Paulo. “Aí quando começa a colocar de novo no cultivo a ostra... começa no... começa em maio... Maio começaa crescer... Tudo de novo.”

“E aí o comprador fica sem, sem... como é que faz lá. O seu Jaques fica sem ostra? Não, lá tem plantiobarbaridade. Ah, daí ele compra de outras pessoas então? Mas o senhor não perde o comprador, porparar esses meses ?Ah, não. Não, não perde.Ele já sabe que a comunidade pára de produzir.Sabe,sabe. Agora ele vai pegando, pega, pega, pega e planta. Porque lá ele tem viveiro próprio mesmo. Ah,ele leva e planta lá daí.É. Leva de vocês, para plantar lá ? É. O que é grosso mesmo, ele manda praSão Paulo, e de São Paulo ele espalha para tudo município. E o miúdo, o mais miúdo, ele põe nacriação, pra crescer, pra... Certo.Só que esse é mais (...) né. É firma, tem empregado tudo. Aí ele ganhamais.E ele compra de outras comunidades também ?Ah, compra. Compra, pra lá tem tirador, pralá.Aqui no Tibicanga tem gente produzindo também, não?Ai, não sei. Veio preparo pra eles, mas não seise tão produzindo.Faz tempo que eu não tenho ido lá.”Essa periodicidade é justificada pelo fato de que, na época do verão, a mortalidade das

ostras juvenis extraídas do manguezal e transportadas para os cultivos é maior do que no

inverno, o que inviabiliza o extrativismo na época de maior calor.“E tem aqui que conseguem... aumentar o cultivo. E no mês quente, a gente consegue vender a ostra, ea gente compra o material né? Conforme o dinheiro que a gente faz da ostra, consegue comprar algunsmaterial. Daí no mês frio a gente planta ostra, porque no mês quente ele morre muito né. Tem queplantar agora pra no mês quente você conseguir vender. Se plantar muito ali no mês de fevereiro,janeiro... ele não consegue sobreviver... Não vai pra frente... Não, aí ele morre. Tem que plantar agorano frio. No frio não tem turista... No quente tem. Aí se enche de voadeira aí... Aí a gente coloca nabóia. A gente tira, (...) e coloca naquelas bóia ali... pra ela não morrer... Se ficar na cama, ela...(morre)... Se quiser comprar, tem. Se aparecer o turista aí, eles chegam de voadeira ali, bradam lá forase tem ostra. A gente fala que tem, vai lá e pega. Sempre vem turista comer ostra na minha casa...Doze... até doze homens, já consegui fazer comida de ostra pra eles.Os extrativistas de Poruquara, ao coletar as “sementes” das ostras nos manguezais,

realizam uma espécie de rodízio nos bosques de manguezal, alternando as áreas de

extração e permitindo um repouso para as áreas recém-utilizadas.

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“A comunidade vai num canto, tira a ostra. Aí deixa descansando, e vai num outro lugar tirar depois... agente já tem prática isso aí... já tá combinado assim... Já combina, é.Começa, comparação. Tira umasemana, aí quando termina aquela parte de mangue, que no mangue manso não tem. Ele tem nacanapuva que nois dizemos... No mangue manso não adianta mexer, não tem.. Tem algum, mais nãocompensa... Então a gente tira aquela parcela, deixa o miúdo, tira só o grosso... Aí leva três meses emdiante, aí pode ir lá que já tem de novo... depois volta no mesmo lugar. No mesmo lugar... Quando umtira de uma parte, outro já avisa outro que tinha tirado naquela parte. A gente já não,vai.”Descrevem a disponibilidade das ostras estritamente relacionada à presença de

Canapuva – Rhizophora mangle, em fisiografias de borda, ao longo das formações

microrregionais. “E tem que sair daqui pra ir buscar ostra pra outro lugar... Sempre nós fizemos isso... A vida inteira.Porque aqui é pouco mangue. Que tem muito mangue mas não é mangue que dê ostra... Mais émangue manso que falam né... Então o mangue manso não dá ostra, ele dá só em negócio decanapuva... Mas pra canapuva que ele dá, que é cheio de raiz... No outro tipo de mangue... Não temmuito, é muito pouquinho... Tem algumas... o mangue de canapuva aqui pra região É Aí nessa costa aliembaixo. Ali você já vê... É, saindo daqui.Do outro lado ali (...) Desse lado aqui, na bera... Ali do lado docultivo da ostra você também você encontra. Da canapuva. E pro lado ali do do Rio do Bronze também...Lá também você encontra. É longe, longe, sem os pés não se encontra... Tem que ir nos pés mesmo...É... Na berada... Na berada... Na maré cheia você fica vendo (...)”. Nos manguezais mais internos do Poruquara não há grande disponibilidade de ostras.

Os bosques preferenciais para o extrativismo na região são aqueles do tipo Pequenas

Bordas de Águas Mesohalinas/Florestas de Borda (MARTIN, 1992) e demais fisiografias

marginais onde Rhizophora mangle esteja presente em abundância.

Devido à pequena disponibilidade de ostras em seus bosques locais, os extrativistas do

Poruquara se deslocam para áreas que apresentam as condições acima relacionadas. Vão

principalmente para a região de Baía das Laranjeiras (Guapicum e Ilha das Peças), da Baía

dos Pinheiros (Sebuí, Vila Fátima, etc.) e da Baía de Guaraqueçaba (imediações do

Tromomó). Suas empreitadas são mais intensas na época de outono–inverno. Realizam

caravanas e ficam acampados em torno de 4 a 5 dias nos manguezais dessas regiões, com

uma periodicidade quinzenal.

Os extrativistas quantificam suas produções por “caixas de ostras”. Cada caixa pode

conter de 25 a 30 dúzias de juvenis cujo comprimento de concha varia de quatro a seis

centímetros.

Segundo informação dos pescadores, a produção mensal desse extrativismo

comercializada com Cananéia varia entre 200 e 480 caixas por mês. Considerando o valor

médio, com base nessa informação, 340 caixas, estima-se para cada família uma média de

produção em torno de 21,25 caixas por mês, a R$ 10,00 a caixa, o que garante uma renda

mensal de R$ 212,50 para cada família envolvida na atividade.

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“– E dá pra gente ter uma idéia de quanto que a comunidade produz por mês, de ostra ? Quanto que saide ostra da comunidade ?”“– Acho que não dá pra se saber, porque às vezes sai bastante, às vezes sai pouco. Aí sai a base até deumas quatrocentas caixas por mês... Essas dezessete famílias produzindo... É... a dez reais, quandoproduz bastante... Aí, tem vezes que vai duzentos, as vezes duzentas e cinquenta, por mês... ”

“Cada família ... Se trabalhar direto dá pra ganhar 250, 300 reais... Num mês... A família inteira. ...(então são umas trinta caixas por mês)... É. Quando tem... Tá barato.”“Na época de grande produção ... chega a produzir 80 a 90 caixas por semana pra esse comprador ...de Cananéia.”

“Essas ostras ensacadas... (...) vai ser levada... essa vai amanhã... Vai, tudo aquilo ali é ostra. Desde láó, aquele que tá espalhada ali... É, cada saco é uma caixa. Amanhã vai ser juntado aquilo ali... dá umasvinte caixas... ”Analisando essa produção em número de ostras extraídas mensalmente pela

comunidade do Poruquara e comercializadas para Cananéia, estima-se, grosso modo, perto

de 9.350 dúzias, ou 112.200 juvenis, de ostras por mês nos períodos de maior produção, ou

seja, nos meses de outono e inverno. É importante esclarecer que essa estimativa de

produção tem por base apenas os diversos relatos dos extrativistas. Certamente, para

validar essas informações será necessário um estudo de campo específico com essa

finalidade.“Agora inda custa também, por que agora vê... (...)... faz mais de semana que nós fomo no grande riodas Peças, tiremo as ostra, já levemo pra ali pra ela, e até agora nem chegô, não veio dinhero. Daí nãosei se ele foi levá já a ostra né, não veio dinhero. Então tem que tirá e esperá. Aí tem que fazê otrascoisa que pra fora prá recebê na hora prá se mantê, até pegá chegá esse dinheiro... Mas só que agoraas coisa (ainda) é mais fácil (que antigamente) né... ”.

“Muitas vezes quando o cara vem, ele não tem o dinheiro, ou ele paga em cheque.”

Muitos comunitários demonstram que o esforço de captura tem se tornado cada vez

maior, e o tipo preferencial de bosque utilizado, extremamente alagado, obriga-os a

permanecer agarrados a bóias, para que seus corpos flutuem na lama fluida que banha as

raízes de Rhizophora contendo as ostras juvenis, cada vez mais raras.“Com a maré seca você atola até o pescoço... Com a maré meio cheinha dá pra chegar na berinha domangue, dá pra... Tem que ir com a maré cheia né... É que ali embaixo já é bem dura. Se for pra vocêtrabalhar, se você for entrar na lama, você já prefere... Se alguém for levar você, você já pede pra levarvocê num lugar que não seje muito mole... Levam naquela parte lá embaixo, que é mas dura, que nãodá pra... Atóla até aqui assim, mas dá pra andar... Dali pra lá você já não consegue atolar mais. Vocêtem parte ali em cima que cê vai até aqui (o pescoço).Não tente pisar que você... A gente atola econsegue sair, se apóia no galão que leva pra tirar ostra. Ou se corta um galho do mangue e conseguepuxar, não é fácil. A lida da ostra não é fácil... E aí tem que tirar de faca uma por uma, e jogar no galão.”

Apesar de não haver portarias federais ou estaduais que regulem a extração de

ostras, muitos comunitários relatam algumas regulações de uso pelos órgãos fiscalizadores

da região. Assim, mesmo sem uma portaria específica para o Paraná, as atividades

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extrativistas da comunidade acompanham, ao que parece, algumas normas impostas para

São Paulo.“A ostra também, vão dá uma olhada na bitola da ostra, só tirando. A rede se tiver quinhentas rede nomar, só lanceando. Vão investigar, rede por rede. Quarenta, cinqüenta rede no dia eles trazem de lá,preso. Levam e queimam lá no IBAMA, já viu? Isso que é prejuízo pra gente... O que não é da malhade pegar peixe, pegam e queimam, tarrafa...

“Eles já tentaram uma vez proibir a ostra... Pra não mexer. A gente não mexia. ..Não existe a lei ... nãoexiste, pra cá pro Paraná não. Pro estado de São Paulo existe... Pra onde ele leva essa ostra aí, existe.Tem uma época do ano que ele não pode vender lá a ostra. Aí pára... Parece que é no mês deJaneiro, por aí... Aí é proibido, é três mês. Sem poder levar ostra... a lei é do estado. Aí a gente párade tirar, a gente tira escondido só pra por no cultivo. Mas como eles encontram com a gente no mar,eles perguntam: Pra que é aquela ostra aí? Daí fala que é pro cultivo, eles mandam embora. Toca prafrente, aí eles não pegam. Mas se for pra revender eles já pegam... Tem que parar a venda então, emjaneiro.”Os extrativistas de Poruquara não utilizam apenas os bosques nas imediações de sua

vila. E relatam um determinado controle de acesso para a extração de ostras em seus

territórios. Nesses territórios, só os próprios comunitários e alguns extrativistas vindos do

Tibicanga extraem ostras. Nessa área, toleram a extração de ostras apenas com o uso da

faquinha, nunca arrancando a raiz da Canapuva. Também elegem um tamanho mínimo para

a captura, que é de 4 a 5 cm de tamanho da concha. “E ostra, ... gente de fora não busca aqui... Só a comunidade. É só a comunidade daqui mesmo.Agorade lá do Tibicanga já vem para cá... vem vender aqui. A ostra e a (...) aqui... vendem só ostra média.Ostra que passe. Que tem o centímetro da ostra... Tem o número três, número 4, e número cinco... Ea ostra que a gente compra é número cinco... Número cinco, número 4 e número 3... Que é da médiané... E do Tibicanga... eles tiram essa ostra,..Ah, tiram do mangue pra lá.”

“No mangue daqui o pessoal de outras vilas não vem de fora pegar As ostras aqui de dentro. Só acomunidade mesmo... e se a comunidade fosse viver só do que dá aqui dentro não dava pra bancar ocultivo... Ah, não... É muito pouco mangue, por causa que não dá ostra.Tem que pegar uma área...Porque não é todo o mangue né. Não é o mangue inteiro pra ostra né?... Não é todo mangue que vocêvai que você consegue tirar ostra. Muito difícil. Mas ainda consegue encontrar banco de ostra grande...Consegue... Tem mangue que você vai, daí você consegue achar. É muito difícil, mas cê consegue...Tá cada vez mais difícil... Hoje em dia é muito difícil... O que você vê assim é uns banquinho pequenoassim, umas raizinha que tem um pouquinho de ostra ali. E mais nada assim... É daí não... Nãoconsegue achar... Aqui você só vai conseguir achar a ostra só nas pedras. Em algumas pedras. Ou nocultivo ... Ali não é cultivo, ele reservou né... Ali se você tivesse com uma filmadora, filmava tudo aspedras. Mas ostra de mangue é muito difícil... ”Pela escassez de bancos de ostras em seus manguezais, justificam a necessidade de

explorar outras áreas, às imediações: Baía dos Pinheiros, Laranjeiras e Guaraqueçaba.

Entretanto, em algumas dessas áreas, relatam também sofrer regulações de acesso, ou

seja, em áreas demarcadas pelas comunidades locais que proíbem sua entrada nos

manguezais.“E esses mangues bons que tem canapuva, que é bom de tirar, (a gente) vai buscar ... Às vezes éembaixo pra Laranjeiras, é lá pro lado do Sebuí... Entrando mesmo no Sebuí... Lá pro lado do

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Guapicum, até perto da Ilha das Peças a gente vai. Um lugar que a gente vê que não tem reserva né, agente pega e vai. Agora lugar que tem reserva a gente não vai porque daí é perigoso... ”

“Reserva é como se fosse assim você... Igual ao seu trabalho... Se você pede pra nós, assim do teutrabalho, pra nós não deixar ninguém tirar ostra da barra do rio pra cá, então é colocado pra cá. Daícom ordem do IBAMA, com ordem da Florestal... e tem umas placas... Eles têm... Daí você trazaquelas placas, conforme os morador aceitarem. Aí você põe aquelas placas e os moradores do lugarnão vão deixar ninguém mexer no mangue... É, em Guaraqueçaba tem isso... . Aí quando a gentetoca esse lugar que é reservado, a gente não vai lá. Tem que respeitar . Só vai tirar ostra num lugarque não é reservado. Igual lá no Rio das Peças eles não queriam que ninguém tirasse ostra. Erareservado, era a reserva deles. Mas eles não podiam com o povo, os povo entravam à noite, catavam aostra de manhã cedo e se arrancavam... .Abandonaram (...) Agora aqui no Poruquara nós não... Só areserva que nós temo é a do plantio, do cultivo né, ainda isso ainda roubam... Roubam... Gente defora. Eles passam aí né, tem muita ostra plantada... Eles... Essa gente dorme cedo né, cansado doserviço. Às vezes eles chegam com a lanterna... Acontece, já roubaram muita ostra minha já.”Como mencionado na primeira etapa empírica desta pesquisa, as regulações de

acesso praticadas pela comunidade da vila das Peças conferem aos extrativistas do

Poruquara acesso aos seus manguezais. Esse acesso é justificado pela técnica de coleta

que esse grupo costuma utilizar. Já outros grupos extrativistas, que costumam arrancar as

raízes de Canapuva, sofrem restrições de acesso aos bosques, tanto nas imediações do Rio

das Peças quanto nas do Poruquara.

“Então aquelas pequenininhas que tá criando ali a gente já não tira, ela fica lá... E muitos chegam játiram tudo ... Tira tudo a raiz junto, e aí... Que nem aconteceu na Ilha das Peças, eles cortaram tudo omangue. Ah, mais eu fiquei com muita pena do mangue, eu disse meu Deus... (o mangue é vermelho)e fica... igual sangue... Então, pois é... eu fiquei com tanta dó por que eles chegaram e cortaram omangue (...) a perna e eles chegaram bem no meio aqui e atoraram. Matavam o mangue intero, eu fuiaté uma ponte no meio do mangue (...) eu falei assim (...) não dá coragem. Daí de mole, mole, daí eusai no rio, daí ele veio me pegô, falô assim aí vamo embora mãe, vamo bora, não tem ostra, acabaramcom o mangue inteirinho nessa região. Eu digo olha um danado desse vai lá no lugar da gente, faz amesma coisa né. Digo olha a turma da ilha das Peça eles não vivem da ostra, eles não tiram, aíproibiram naquela época, por causo do dano que tavam fazendo, e agora eles deram liberdade, tãocontinuando a fazê, e se a gente vem aqui, a gente passa pela mesma coisa deles,falando pra eles né.A gente falando assim, e o pior que é certo... ”

“Tira com toco de foice... Foice inteira.É, com facão... Tira lá e... a gente sabia tirar já... Não corta araiz... não corta. Não precisa cortar. E antes já não cortava.Tirava com a foice mesmo... assim com aponta da foice.

“Aqui não entra pessoal de fora buscá ostra,aqui só do Tibicanga... Vem mais eles são, eles são quenem a gente né.Eles sabem tirá, eles, mais ,mais próximo que tira ali é eles. Mais só que eles são quenem a gente né.Eles sabem tirá a ostra também, eles tiram sem machucá o mangue, sem derrubá né,sem cortá o mangue. Agora se entra um desses, que já teve aqui, ele já teve aí, ele na levada que teveaí parece que cortô o mangue reclamaram com ele, por isso que não veio mais e ficô prá lá... Elevem com facão, ele vem com facão então é por cima não tem, então ele vê as graúda lá dentro né,então ele decepa... (ele tira prá podê desenterrá)... Por que as graúda tão embaixo, eu tinha quecavouca na lama prá tirá... Então ele fica lá no tronquinho. Ela algum que ele nasce de lá de dentro dara... ela dá lá dento daí vem vindo, então ele fica só aquele fiozinho, então a gente vai lá com (quanto)mete o facão por cá e levanta ela, ela pula.E ele não, e ele certo, pá, pá! Não metê um braço lá que elenão se cortá... ele derruba o mangue prá pegá o que tá lá dentro. ... que tá enterrado na lama,então

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eles, eles fazem isso, digo assim, mais não pode fazê né, estraga o mangue. Quando a pessoa precisade, de novo não tem... É, que parece que vai comê só uma vez só, um dia só... Mata tudo... É matatudo, como que vai crescê né?”Percebe-se que os acessos permitidos a esses locais também ocorrem quando não

há sobreposição de atividades entre os grupos. Ou seja, não é da aptidão da comunidade de

Ilha das Peças a extração de ostras em manguezais. Caso contrário, imagina-se que a

regulação de acesso, provavelmente, seria mais restritiva.

A mesma situação é descrita em relação à comunidade do Tibicanga. Ou seja, é da

aptidão do Tibicanga a pesca do camarão, do linguado, do baiacu, mas raramente do

extrativismo ou cultivo de ostras. Assim, a eles é permitido o acesso aos bosques interiores

do Poruquara, porque suas atividades não são intensas.“Agora parece que fico mais fraco (pro Tibicanga) . Aí tavam indo, acho parece que tavam indo lá prolado do Cananéia... Iam pescá prá lá, prá lá também dá muito linguado né... e aqui igual no Poruquaraali (...) de gente né,é... é o camarão,é o linguado,é o baiacu, ai quando entra esses tempo aí, baiacu,aqui nós ... mais a ostra. Sempre aqui nós, sempre aqui lidamo mais com... aqui nós matamo assim depeixe, essas coisa assim, só na época né. E eles... e eles não,eles são direto... É mais no peixe queeles vão... agora nós aqui é mais só na ostra...”.No Poruquara, percebe-se regulações de acesso entre as famílias da própria

comunidade, nas imediações da vila. Assim, algumas famílias passaram a demarcar

territórios em alguns afloramentos rochosos às imediações das residências ou mesmo em

trechos às margens da Ponta da Araponga ou da Pedra da Constança e da Pedra do Adão,

onde se localizam alguns cultivos de ostras. Entretanto, as áreas de manguezais,

propriamente ditas, são de acesso comum para todos os moradores do Poruquara.“E ali é um cultivo de ostra né. Já pra pára na pedra, grudada mesmo na pedra... É da natureza, ali nãofoi ninguém que..Dá, ali é do meu cunhado... ,o cultivo ali tem dono... Ele que cuida ali. É do Pedro ...Ali ele cercou com umas vara né, e reservou ali pra ver se dava ostra. Aí dava ostra assim dessetamanho, nas pedra assim, dava bonito ali. Você olha tá tudo enfeitado. É muito bonito. E ele quasenão tira né, ele deixa ali mais é pra... Já digo mais pra boniteza. Ele quase não mexe ali. De tãogrande que ela cai, ela se solta da pedra. E algumas morrem porque é velha né. Aí ele vai lá e tira. Tirae vende, às vezes põe aí no cultivo deles pra mexer com turista, assim pedir ostra bem grandona né, aíele já vende.”Fazem seleção do tamanho das ostras extraídas dos manguezais. São coletadas

somente ostras com tamanho mínimo de 3 cm de comprimento de valva. Para a

comercialização com Cananéia, selecionam tamanhos em torno de 4 a 5 cm. “A ostra pequena que tira do mangue, pra vender tem que ser é maior... É, por aí assim, que daí agente tira... Se for pra gente tirar só pro cultivo, daí a gente vai lá no mangue e um tanto assim agente já consegue tirar pra cultivo... Tá, uns cinco ou seis centímetros. Mas pequena a gente já deixa.Se for mais pequena a gente já deixa, vai deixar pra crescer... Não compensa tirar, que vai perder odinheiro mesmo. E se for pra vender pro Estado de São Paulo, a gente escolhe só aquela maior. Vaideixando as pequena pra reproduzir mais. E aquela ostra muito grande assim a gente já não faz... Daíaquelas muito grande que bota pra chocar os ovo, as ostrinha. Assim, então aquelas muito grandona agente já... Deixa ela... É,deixa ela pra chocar, voltar pra chocar... A ostra bem grande do mangue

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mesmo... Não é a da pedra... Então, a bem grande você deixa também. (Ele) que ensinou... Dapedra ali se você for na pedra ali em cima também, dá pra você fazer o seu trabalho ali sem atolarmuito...”Afirmam que não extraem ostras grandes, “deixam pra botar os ovos”, o que,

aparentemente, demonstra preservação dos parentais nesses manguezais. Dizem que esse

conhecimento lhes foi repassado pelos técnicos da Emater, que, constantemente, visitam a

vila.

Essas ostras grandes, que ficam enterradas “na lama”, são chamadas pelos

extrativistas de Arapuama. “Que as grandonas que tá na lama ali é que ela desovo... É a da canapuva, e daí ela cai e cresce,então é, é, chama-se Arapuama... a ostra... Arapuama da lama... Dá na lama bem grandona, guentamuito assim... Ela tá sempre dentro, ela tá na lama, só que quando a maré baixa ela fica em cima dalama, só que a, sempre a boquinha dela fica pra cima... Ela fica bem assim, pra cima... Esperandoné? Daí ela fecha a boca, aí quando a maré enche ela vai, já abre a boca pra come e toma água... Daíela fica, daí ela vai crescendo, então acho quando ela abre a boca ela solta o ovo né?”

Em relação aos condicionantes naturais de acesso aos bancos de ostras, em função

da atual escassez dos bancos naturais nos bosques de manguezais, percebe-se que o

extrativismo está ocorrendo cada vez mais em bosques muito alagados, com alta

periculosidade e extrema dificuldade.“Aí no Sebuí tem um alagado, que chama alagado do Massapê que a gente diz, também é mole, mole,mole, mole... Fica na curva de beira... é um alagado né? Tem um rio assim, pra dentro tem um alagadode manguezal mole, daí a gente entrava lá, uma vez eu ia morrendo lá nesse alagado, aí eu e eles...(...) nós tava lá, quando (...) aí fiquemo longe um do outro, ai quando eu peguei dum mangue passei nooutro, quando eu cheguei no outro mangue eu passei a mão, escapô minha mão, eu, eu logo suruqueinum sumidoro acho... mole, fui-me embora guria... Fui-me embora, daí como não tive como, como eupega no mangue... começo a escapa da minha mão e se eu me mexesse surucava... Aí fui indo, fuiindo, quando vi que a lama já tava pra cima do meu umbigo... Eu só disse assim: “Meu Deus, Tú aquiagora é minha mão, Tú estende a mão sobre mim porque eu não, daqui dessa eu não escapo.” Aí oque eu fiz, se tive ali, se eu me mexesse eu ia surucando, porque daí era mole, porque se eu mexessecom o pé e o resto todo do corpo ia suruca. Aí como Deus me ajudo eu garrei, olhei, virei assim pratrás, vi que o mangue assim tava perto, garrei e joguei des costa, mas joguei de costas, quando passeia mão lá no mangue segurei no mangue, fui fazendo força, fazendo força... Aí fui me vairando, mevairando até sair dessa lama. Depois que eu saí daquilo mais eu chorei , chorei tanto de vê, de vê queeu ia morre ali se eu não tentasse me joga de costas eu morria, porque ... eu ia até embora né?Porque meu cunhado e minha cunhada tava longe... Aí quando eles chegaram assim: “O que foi?”, “Aieu ia morre agora, suruquei intera, daí eu peguei pus, peguei derrubando, puxando aqueles pau podreque tava assim, pondo na lama e passando.”Possivelmente, esses locais de difícil acesso (bosques de borda extremamente

alagados, com substratos fluidos) possam estar funcionando como refúgios naturais para os

bancos de ostras adultas, cada vez mais raros na região.“Mas então tinha ostra mulher, tinha ostra né? (nesse bosque alagado)... Então é por isso que eu digoque a parte mais mole é a parte que tem mais ostra, segura mais ostra, porque as pessoas não vão...É o refúgio das ostras... porque a parte mais, que é mais firme, a lama é onde que as pessoas maischegam pra tirar né?... Então a parte que é mais mole a lama é a parte que tem mais ostra e é sódaquelas grandonas, na lama (...) a guria! Acho! Tá naquela coisa que eu trouxe ali, (...) por que é

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proibida né? Tira essas grandes da lama... Os florestal pega a gente com essas ostras grandonas elesprende... se tem lei eu não sei... (...)

“Porque, aqui no Sebuí... No alagado lá que eu entrei no mangue mole, nos seguimo em tudo mangueassim, mangue firme assim, não tinha ostra nenhuma, eu disse assim: “Meu Deus, meu Deus como éque eu vou embora e não levo nem uma caixa de ostra?”... Daí eu fiquei em cima do mangue assimolhando, olhando, daí olhei assim numa parte de mangue, da lama assim né? E disse assim: “Mas oque será que tá tudo ali né? Pra cima, com(...) prantada ali pra cima. “... Aí fiquei olhando assim: “Masacho que aquilo lá é ostra. “ Aí eu trouxe (... ): “Meu Pai é mole, por isso que elas tão ali eu acho né?”...Ostra grande na beira da estrada põe o pé pro ce vê, afunda. Olha, vê o que eu fiz né?... Eu disse:“Acho que é isso aí que Deus meu deu né? Eu vo te que i lá.” Aí eu fui... Aí eu fui. Fui , pus a primeiraperna, ela foi até pra cima do joelho, ai fui indo, ai pus o galão, ai fui indo. Ai quando eu cheguei assim,tudo assim cortadinho, daí fui puxando, puxando, ai fui indo, fui me virando, e fui indo e cada vez maisque ei ia indo ela ia ficando mais mole, ai eu disse:” Ah Senhor não deixa muito mole essa lama, deixaeu tira essas ostra, já que o senhor me mostrou eu quero tira né?” Ai fui tirando, eu tirei um galão, bemcheio, um galão desse grande assim... mais bem cheio só daqueles grandão, que daí eu puxei pracima, daí o (...) veio: “Que tu ta fazendo, nesse mole aí mulher? Tu ta quase na cintura ai.” Eu disseassim: “ “ To achando ostra nesse mole.” Ai ele disse:” Cadê, tem ostra ai? Que eu to quase morto detanto anda que eu não achei ostra.”. “Lá em cima porque aqui no mole tem.”... Ai ele chego assim:”Émemo? E se cai ai no mole?” Acha ostra com medo! Ai ele disse: “E se eu cai no mole?” Ai desceu porlá e começo, eu tirei, ajuntei um galom e ele ajunto outro, só nesse mole... Lá no Sebuí, no mole.Eufalei assim: “Viu, nos temo, quando nos for tirar nos temo que cair no mole, porque nesse, lá aonde (...)não tem ostra, porque é onde que mais o povo tira.” Ai ele disse assim: “Será ?” “É você não ta vendo?”

SABERES SOBRE A OSTRA-DO-MANGUE

Percebeu-se que muitos conhecimentos técnicos foram incorporados aos saberes

tradicionais pelo contato com os técnicos que implantaram o cultivo na região.

As práticas de extrativismo de ostras, cuja finalidade é a reposição de seus estoques

nos cultivos, estão articuladas com condições de sobrevivência e de adaptação dos juvenis

às novas condições de cultivo. Da mesma maneira, reconhecem que as condições de

tolerância dos juvenis relacionam-se com condições de aclimatização e do fator temperatura,

ao longo do ano.

Também, relacionam os períodos anuais com a dinâmica de crescimento das ostras,

ou seja, observando um crescimento mais rápido no inverno que no verão. De acordo com

esse conhecimento, organizam suas dinâmicas de extrativismo, que ocorre mais

intensamente nos períodos invernais.

“Quando esquenta muito a água, e morre..Morre muito demais... aí não compensa... Deixa elas nomangue mesmo, descansando pro inverno... Quando chega o frio a gente tira tudo... E ele cresce, nofrio é o momento pra crescer, e no quente não cresce nada e morre muito... não vale a pena... Essaela descobriu, que vieram ensinar aqui. ... Tudo ensinado... essa mesa que fracassou, que trouxeramaí nós mesmos fizemos. Trouxeram um pouco, não deu... Que era aqueles palanque, que tem, que

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nós chamamo palanque. Aquilo ali é de cimento tudo... Nós mesmo fazemos... Eles trouxeram aamostra aí..Trouxeram um pouco feito, aí não deu. Aí continuamos... Mas eles trouxeram o cimento,trouxeram o arame pra nós fazer.”Observam alguns comportamentos dos animais, como sua movimentação nas gaiolas

de cultivo, ou abertura e fechamento das valvas que acompanha os movimentos das marés,

e reconhecem suas dinâmicas reprodutivas, condições de desova e ciclo de vida. Esses

conhecimentos foram construídos a partir de mediações dos técnicos de aqüicultura. “Como é que pode essa ostra né, ela se virá, se grudá aqui ? (...) Ela se vira, se gruda prá, prá podêcrescê eu acho né? Porque se ela fica rolando prá lá, prá cá, não cresce. E aí por baixo, assim nospalanque que nós finquemo, eu assoalhemo assim prá por a tela. Nós tiremo caixa e meia mais sóassim mulher, daquele grandão memo. Eu, eu quando vi, fiquei bobo. Que ela fica no mar ali fora né.”

“Já viu ovo da osta? Eles põem na... Eles fazem um, coisinho assim do tamanho esse prato aí, talvezmaior. Aí eles põem uns lá, lá no mar né. Aí eles guardam aqueles, aqueles miudinho, bempequenininho assim, aí eles põem uns lá, num dia de eles vão lá tirá, já tá tamanho dessa boca decaneco... Como é que pode, né?... Eu fiquei olhando assim, viu como é que pode isso... – Pois émamãe se põem lá, e aí o alimento da maré vai fazendo crescê. Eu achei tão bonitinho, redondinhoassim... É, e depois fica daquele grandão... Como é que pode, como é Deus é aí... ”Em seus cultivos, os comunitários enfrentam também predadores naturais, como

caramujos, todavia ainda não desenvolveram técnicas efetivas para o seu combate.“E as pragas... Ah, dá caramujo, caramujo dá muito... Agora no quente... No frio não tem... Verão...não é uma boa época para ostra.. Pra ostra não. (tem) que matar o caramujo... Ah ele solta quando tirapra limpar... Vai, mas não morre, porque nós mesmo quando vai tirando espalhado assim. Que nemesse que tá ali ó... Daquele tipo ali. A gente vai tirando e ela vai caindo... vai jogando ele para foraassim. E depois ele volta... Não tem jeito de matar ele... Ah, não tem. (...)”Os comunitários reconhecem as duas espécies de ostras da região, distinguindo a

espécie da região infralitoral (C. brasiliana), denominada ostra de fundo, daquela da região

intertidal (C. rhizophorae) e relatam resistências distintas entre essas duas espécies em

relação às práticas de extrativismo e de cultivo, identificando a ostra-do-mangue como a

mais resistente, tanto para extração quanto para cultivo.

“Ostra de fundo, de pedra tem aqui... Tem, nesse fundo aí tem. O... uma vez o meu cunhado ... Eletirava muito, na pedra aí no Adão ali... Mergulhava com fôlego dele memo.Tirava, tirava, depois subiapra cima, descansava mergulhava, ensacava tudo num saco e deixava na corda pra cima. Mais sódaqui assim... ”

“(... ) A que dá no fundo, eu acho que... ela desova, né? vai pelo fundo e gruda lá no fundo... Que aostra da pedra é diferente da lama, da do mangue né? Do fundo..não dá (pra tirá) porque não temcomo nós tira, só se for com aparelho... (Nós) cultiva é a do mangue... E da pedra se a gente tirar, elamorre... Precisa tirar e já (...) ... porque bate, né... Não agüenta. A do mangue agüenta muito... Agora,a da pedra não agüenta muito o tranco.E a da pedra é diferente da do mangue... é diferente. E esseaqui é fácil de tirar, esse do mangue. Aquela é custoso... É, custoso. Quebra muito né?”

Reconhecem locais nos manguezais da região onde ainda existem bancos de ostras

adultas, possivelmente os estoques de parentais, cujas ostras são denominadas de

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Arapuama. Aparentemente, esses parentais não são extraídos pela comunidade local e

encontram-se nos bosques de bordadura, com árvores de R. mangle bem desenvolvidas,

chamadas de Canapuvas Velhas.“Então é por isso que eu tive que cair no mole (...), aonde tem mais ostra, porque é o lugar mais mole...No mais mole, que tem lugar pra chegá pra tirá,e é manguezal velho né? É onde (...) que é manguezalvelho e aonde tem mais ostra de arapuama na lama.Porque igual esses dias a minha cunhada diz quetiro treze caixa de ostra né, só na mão, na lama ajuntada. Quando eu falei... Que é a ostra deCanapuva que caiu na lama. ... Ela cai né, então chega um, às vez a gente mesmo tira né.Vai lá titirando ela do mangue, ela cai então aquelas pequenininha que cai e fica, e a lama a maré vai, vailevando pro mole,e ali mesmo ela se pinca. Por ela se virá na ... ela mesmo se ajeita na lama... Queaté da na mesa que a gente põe ali né tudo os direitinho, se põe um assi... Assim direitinho debarriguinha pra baxo, elas, ela fica, mas se a gente põe ela de barriguinha pra cima (...) ela temvirado... Ela vira pra colá aquela parte ali que a gente tira do mangue, ela cola na tela... Prá crescê.” Há também um interessante conhecimento em relação às dinâmicas de recrutamento

das ostras nas raízes de manguezais. Alguns comunitários observam um comportamento

diferenciado no recrutamento desses animais em relação à idade das árvores de

Rhizophora. Assim, as raízes das canapuvas mais velhas apresentam um ambiente mais

propício ao recrutamento e ao desenvolvimento das ostras. Os comunitários alegam que

isso se dá provavelmente porque “ali gruda muita craca”, essa denominação de craca não se

refere ao cirripédio, mas às cascas de ostras que anteriormente já estavam fixadas nas

raízes de Canapuva Velha. “Então é por isso que eu digo que no mole o mangue mais velho dá mais ostra que no mangue donovo. No mangue velho tem a craquinha, tem o limo... Então ele tem aquela craquinha, ele dá aquelacraca e tem o limo. E sempre ele tem mais aquela... Aquela coisa assim de mangue tirado, ostra játirado. Então naquela parte que já é descolado, ... aquela uma, ó! ... vem e gruda!... .É mais fácil práela colá onde já tinha uma colada... É mais fácil, daquelas craquinha que ela chega na craquinha esegura né? E o mangue novo então é liso e não tem nada. Então a “lula” vem não tem como grudá, elapassa. Porque nos já... já... já tivemo experiência disso. Porque a ostra no manguezal mais novoquase que não tem ostra, e no mangue mais velho é que tem ostra, porque aquele que dá (...). Eudesde treze ano acho que eu tiro ostra... ” Descrevem, assim, uma otimização no recrutamento de ostras em raízes de

Canapuva Velhas, locais onde já ocorreu extrativismo. Seria muito interessante realizar

estudos científicos que possam verificar essas circunstâncias. Como foi visto anteriormente,

alguns autores relataram recrutamentos de ostras em substratos preferenciais. Então, será

que o substrato anteriormente ocupado por ostras nas raízes das Canapuvas Velhas confere

uma situação de antibiose no recrutamento de cirripédios, favorecendo a recolonização dos

bancos naturais de ostras? Poderá existir uma marcação bioquímica ou fisiológica que

favoreça o recrutamento de ostras? Caso assim ocorra, poderão ser localizados pontos

especiais nos manguezais onde essa recolonização esteja ocorrendo com maior velocidade.

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Assim, esses locais poderiam receber proteção especial em determinadas épocas, para

garantir a conservação das populações do sistema estuarino.

Ao analisar as dinâmicas de apropriação no extrativismo de ostras pela comunidade

do Poruquara, percebe-se algumas práticas de manejo. Exemplo dessas práticas são a

seleção do tamanho das ostras e, muitas vezes, a preservação das ostras adultas nos

bancos naturais; os períodos de “descanso” ou pousio dos manguezais, no verão, quando o

extrativismo diminui ou cessa; e o rodízio de extrativismo nas diversas áreas dos bosques.“Porque tem costa que tem bastante ostra, e tem costa de mangue que não tem, num dá... Come quepode né, é que nem terra. A gente tem um pedaço de terra aí, pranta uma mandioca, dá a mandiocacuma beleza. Pranta um pedacinho, já não dá nada, já morre ali, a rama já não dá nada, assim mesmoé o tratamento da água né.”

‘Aqui tem, ainda tem (no Poruquara) ... é que a gente tira um pouco de uma parte, enquanto a caixa naoutra parte... A gente escolhe, né, tira algumas. Aí quando chega, que a gente vê que tem ostra naoutra parte. Então a gente vai e encontra com a caixa na outra parte.. Aqui ainda tem banco com ostraadulta, ostra grande, Tem... Tem muita aqui, pra esses aqui. Ostra grande, lá pra cima, pro outro ladotambém tem. Agora esse do plantio, nós vendemos aqui a quinze. E é mais caro... A caixa... É maiscara porque é do plantio ali. Fica mais grande... Ela fica uma ostra bonita.”

POSSIBILIDADES FUTURAS

Os comunitários percebem a necessidade de se organizarem em cooperativas para

dar melhor vazão à produção de ostras cultivadas. Também relatam ter apoio continuado no

que tange a essa questão, pelos contatos com os técnicos que visitam a região.“Ele sempre tá mexendo com negócio de fazer cooperativa, mas até agora não. Até teve hoje analistaque veio até aqui sabe? Que entrevisto nós, fez nós pega bolsa de ostra, levantar, fala como se tratava,como é que plantava. Daí foi lá no governo e falo que pediu um tanto de dinheiro no governo praimprantá aqui no Poruquara. Eu sei que esse é otimista, eu sei que esse otimista conseguiu a descobriesse total do dinheiro, porque essas pessoas que vieram aqui conseguiram pegar do governo praimprantá aqui no Poruquara, e esse dinheiro não apareceu aqui no Poruquara.”

“Tinha gente que queria fazer lá em Curitiba, como é (...) cooperativa... O ... (técnico ) da Emater)... Elefala tanta coisa pra gente, e a gente escreve, escreve, escreve... Ele fala tanta, tanta coisa pra gente.Escreve escreve, mas não aparece... Fazer lá, pra turma daqui levar pra vender lá. Cooperativa..Daíficou de trazer um pouco de material pra por aí... É que tem pouco material pra posto.”

Entretanto, alguns se sentem coibidos de muitas práticas tradicionais, como a antiga

agricultura de subsistência, e incomodados pela presença de muitos turistas, já que as

práticas de pesca submarina destroem os pesqueiros da comunidade.

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Também demonstram, algumas vezes, uma relação de competição com outras

comunidades, pela extração intensa de ostras dos manguezais, e justificam algumas ações

pouco conservacionistas em relação aos manguezais. “É isso que eles não tem apoio de lá de fora, prá isso daí.Então não adianta eles cuidarem,preservarem; pessoal que não tem apoio.Por isso que muito tão desistindo, já que os outro tão vindo,acabando com tudo, então nós vamo tirá tudo do mangue e vamo por no plantio.Vamo deixa o manguelimpo e deixa no plantio, é isso que eles tão fazendo... Então é o que eles tão fazendo, prá eles terempro futuro, eles tão tirando do mangue, é o grande, o pequenininho, só que eles não tão vendendo, tãocolocando tudo no plantio. Igual eu falei pro... Meu marido... Porque tira o pequeno? Daí ele disse “Não,se a gente não tirá, vem o de fora tira, estraga tudo”. “-Então eu tiro, e vou colocá no plantio né, prámim vendê.”Tô tirando de lá o pequenininho, eu coloco no plantio”. É o que ele tá fazendo.Tira ospequenininho e coloca tudo no plantio, tá tudo no plantio, ali naquelas bóia azul. Então tá tudo noplantio... Se eles deixarem desde pequeno vem os de fora e limpa tudo.”

Alguns extrativistas também reclamam não haver lei estadual específica para

regulação do extrativismo da ostra e entendem a necessidade de portarias estaduais que

ordenem o extrativismo na região, a fim de equilibrar os estoques desses animais para todo

o complexo estuarino Lagamar.“Escuta porque que lá pro lado do Estado de São Paulo tem... (uma lei estadual lá)?... Era pra teraqui!..Eu tava achando que... Eu mesmo tava achando que devia ter, até porque saiu (...) mais só quenão sei o que aconteceu lá que não aprovou né?... Devia de ter, montar essa lei no Paraná. Pra pelomenos deixá três mês o mangue aqui preservado né? Prá pode criá as ostra, senão não tem comoprevalece as ostra... Mais só que pode ter defesa da ostra aqui, mais só que vem gente de fora e limpatudo... Eles não têm apoio!

“Mas a partir do momento que tiver o defeso da ostra, entende? A policia florestal tá em cima, nãodeixa saí (...)! O Estado de São Paulo (fornece) do defeso da ostra... Policia florestal tá em cima, nãodeixa tirá... .o defeso da ostra lá ... Lá é... Novembro, dezembro, janeiro... .E essa lei... que era pra(ter) aqui também!... Será que... não daria assim... para o Paraná? (...) Se não tivé no Paraná, mais éclaro que daqui vai saí e com o perdão da palavra, vai enchê o ... de quem? ... De lá!... Entãodestranca aqui... Destranca aqui, porque aqui não tem defeso!”

“Porque aqui do Paraná, só sai do Paraná pra aí pro Estado de São Paulo, né. Porque do Estado deSão Paulo não vem nada pro Paraná... Só está sendo tirado, só do... Do Paraná pro Estado de SãoPaulo. Tipo assim. ... Mas daqui só sai ostra pro Cananéia, mas do Cananéia pra cá não vem, nadapro povo do Paraná, né.”

Quanto às perspectivas de regulação do extrativismo da ostra na região, alguns já

pensam em uma proposta de regulação, a partir das comunidades locais, de modo a

valorizar seus cultivos e, ao mesmo tempo, estabelecer épocas de defeso. Também

dialogam sobre possibilidades de ordenamento dos extrativismos de manguezais,

conjugados com outras práticas pesqueiras.“No tempo de defeso pra quem cultiva... O cultivo de ostra pode vendê normalmente. Porque é bemdiferente o cultivo, a ostra... da ostra tirada... A ostra do cultivo só é graúda né. E é diferente, porque éostra branca e tem aquelas craquinha e ostra do mangue não tem... Aí melhora o preço pra nós.Porque daí ... Os três meses que não sai ostra do mangue, não tem lucro, e do cultivo tem preço...

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Valoriza... No Mercado não chega ostra do mangue, porque a polícia florestal não deixa né, então sópode vendê ostra do cultivo, é quando a gente, a gente vende bem... Aí nesse ponto aí a (policia) tem(...) que (ser firme). Mas mesmo assim (o pessoal) tira toda a ostra, porque quando os três meses queparasse com as pessoas no mangue, tinha ostra demais, né. A vez de ganhá dez por dia, ganhavavinte, trinta... Né, então o pescador, o pescador dividou-se... O peixe... Os três meis que a ostra táparada o pescador (tira) o peixe, não tira ostra... Vai trabalhá no peixe né?... Mas tem o cultivo né.Enquanto entra no defeso que tá no mangue, tem o do cultivo pra vendê... ”

“Se se unirem... Ajudá otras ilhas, né... (Visitam) o mar em volta prá não deixá outros estranho vimexplorá o peixe. ... que tá explorando, né? e maltratando... O que eles tão cuidando... Daí é hora dechegá e conversá com eles... Porque a senhora vê, quando não dá o peixe aqui, já eles têm que pescálá fora. Não dá camarão aqui, pesca lá fora... Os próprios pescadores têm que cuidar dos territóriosdeles, não deixá os estranhos vim de fora ... Se unirem tudo eles, não só aqui, mas, Ilhas das Peças,Ilha Rasa, Tibicanga, se unirem todos... ”

MAPAS COGNITIVOS DOS MANGUEZAIS DO PORUQUARA

Os mapas cognitivos foram feitos para localizar os pontos de referência dos

comunitários e seu conhecimento sobre a heterogeneidade fisiográfica dos bosques.

Também mostraram alguns saberes a respeito da disponibilidade dos recursos bênticos e os

acessos preferenciais dessa comunidade nos distintos bosques locais. Esses mapas foram

realizados comparando o estudo prévio de MARTIN (op. cit.) para as fisiografias locais com

o conhecimento dos comunitários.

A partir de um mapa-síntese desses saberes (Figuras 19 e 20), foram considerados

os indicativos de disponibilidade de recursos e diversidade de acessos aos bosques, o que

auxiliou na escolha das áreas de estudo da etapa seguinte.

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Figura 19: Mapa cognitivo síntese da região de Poruquara. Estão indicados os locais da antiga e daatual comunidade e demais pontos de referência. As distintas fisiografias dos bosques estão assimrepresentadas: linhas verticais espaçadas – formações do tipo Hauts Fourrés de Rhizophora; linhas paralelasmais estreitas – Populações de Borda; linhas paralelas mais espaçadas – Haut Fourrés de Laguncularia,segundo MARTIN (1992).

Rio

do

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Rio

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Rio

Por

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irim

Rio Cachoeira

Atual Co mun idade do Poruq uara

Porto da Araponga

Rio da Constança

Porto do BronzeEstrada do Bronze

Pesque iro da Capivara

Salto da Cachoeira

Pedra do Adão

Barra do Cerquinh o Mangue

Coroa Duro

Pedra Do Me io

Rio

Poru

quar

a

Antiga Co mun idade do Poruq uara

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Figura 20: Mapa cognitivo síntese da região de Poruquara. Estão indicadas aslocalizações preferenciais dos recursos bênticos de manguezais e de alguns outrosrecursos pesqueiros.

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A região do Poruquara faz parte da Baía dos Pinheiros. É uma pequena enseada

banhada pelas águas do Rio Poruquara. Nas suas águas oligohalinas deságuam outros rios:

o Rio Poruquara (propriamente dito) também denominado de Rio Grande, o Rio Poruquara

Mirim, os rios do Bronze e Cachoeira, e o Rio da Constança.

As águas do Rio Poruquara encontram-se com a região do Furo do Tibicanga, na

altura da Ilha do Sambaqui. Entre essa ilha e a Barra do Cerquinho existem mais dois rios, o

Rio das Varas e o Rio do Estaleiro. “ ali ... pra lá... É estaleiro... É o rio... É Rio Estaleiro.. perto.. ali daquela casa que tem da pedra domeio ali... perto da casa da pedra do meio...

“E pra baixo, pra baixo daquela pedra de baixo, é manguinho que nós dizêmo... pra cima da pedra domorro... (Entre a pedra do morro e a pedra do meio.)..É isso mesmo... Ali é manguinho.É uma pedra.Éum pesqueiro também... todos esses pesqueiros a comunidade usa... É tudo. Tudo eles.”Nessa região do Estaleiro também ocorrem vastos manguezais. Entretanto,

considerou-se neste estudo apenas os bosques da região do Poruquara propriamente dita,

os que se encontram ao fundo da enseada. Isso por ser essa a área que os comunitários

reconhecem como região de uso da comunidade, que compreende desde o fundo da

enseada até a altura da Barra do Cerquinho.“O Poruquara de verdade é lá em cima... da barra do rio lá pra cima. Lá em cima. Lá que é oPoruquara mesmo. Aqui é o rio... Aqui é o rio, e lá que é o Poruquara... Rio Poruquara. Pegounaquele sambaqui que tem lá em baixo... Lá embaixo. Bem na entrada... Pra cá do Tibicanga, quetem aquele sambaqui de (...) ... E ali começa. O Rio Poruquara. Agora, lá em cima que é o Poruquaramesmo... É, tem dois rio aqui pra cima da cachoeira... Tem o Rio Grande, e o Poruquara-mirim... RioGrande fica aqui em frente lá. Fica no noroeste... É o rio grande... E o Poruquara-mirim fica no norte.E pra cá esse é o bronze, o rio do bronze... É, esse é o mais pra cá, (...) aquele que vai e pega aestrada que vai pra Guaraqueçaba.”A região apresenta diversos pesqueiros, que recebem as seguintes denominações:

Pesqueiro da Capivara, Pesqueiro, Pedra do Adão, Pedra do Meio, Ponta do Morro, entre

outros.“É, é ali, aquela parte ali. E aquele ali que é lá do outro lado, que é Capivara, ali tinha muita capivara nocapim... E puseram a Ponta da Capivara, por causa disso”

“O nome desses pesqueiros... Ali é a capivara... O pesqueiro da capivara... Aqui é o Adão... Opesqueiro do Adão... Lá em baixo é a pedra do meio... E lá em baixo é a ponta do morro... Essesnome são tudo antigo.”

“Tem a Pedra da capivara... Aqui é outro... Esse pesqueiro é o mais melhor que tem... É, esse aí é oAdão que dizem... É pedra do Adão... Ë que um morador que tinha aí, chamava Cermiro Adão... .Aliembaixo é a pedra do meio... E outro lá embaixo é a ponta do morro... aqui é bom de pescar de rede,de espinhéu... de tudo..É, robalão, o que dá de pescar robalão aqui... E dá linguado... Aí é o pesqueiromais melhor que tem, ali é fundo. Ali é so raiz do mangue. Não pense que é só aquela pedra em terranão... Ali no fundo é só ostra na pedra, ali no fundo... tem ostra ali também ... o pessoal Vinham deprimeira tirar também a ostra... mais comecêmo a reclamar, agora não tem vindo mais... Tem lá do (...

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..É, porque é lá do fundo que sai a desova né?... Agora não tem nenhuma lá... do fundo que sai adesova... Esses pesqueiros sustentam algumas de suas práticas de pesca e têm sido foco de

tensão, pela pesca submarina realizada por turistas que freqüentam a região.“Tem gente de fora que usa também... Tem. Tem de Curitiba, de São Paulo..mas não prejudica apesca... Dá, não tem problema. Aqui só o que prejudicava (... )Prejudicava que tirava um peixe (... )..Edessa espingarda de pressão que dizem. (pesca submarina)... Isso, é... É. Mas matam peixe... Matampeixe. Peixe grande com quarenta, cinquenta quilos. Robalão. Pescada... (... ) que matei um robalãoaqui com dezenove quilo e meio... Parú com quarenta, cinquenta quilos, vem matar aqui... Não, agoranão tem vindo... Eles cuida. Eles não deixam também. Caso se avisar eles lá , que eles já vem. Nãopode... ”

Quanto aos manguezais, MARTIN (1992) organizou um mapeamento das fisiografias

microrregionais dos bosques que localizam-se ao fundo da enseada do Poruquara. Nesse

estudo, constam três tipos fisiográficos: Haut Fourrés (bosques altos) de Laguncularia ou de

Rhizophora e Populações de Borda de Águas Mesohalinas/ Florestas de Borda.

Os comunitários distinguem diversos tipos de bosques de manguezais na região e os

denominam como mangues alagados, mangues mansos, canapuvais, mangues misturados

e mangues baixos.

Entretanto, é importante ressaltar que se constatou um desencontro entre as

informações dos extrativistas e as descrições de MARTIN para as áreas designadas de Haut

Fourrés de Laguncularia ou de Rhizophora. Nos relatos dos comunitários e nos estudos de

campo desses bosques constataram-se algumas características fisiográficas diferentes

daquelas descritas por MARTIN. Essas situações estão descritas na próxima etapa empírica

desta pesquisa, nos estudos ecológicos desses manguezais.

Com o ponto de referência na praia da Ponta da Araponga, os manguezais do

Poruquara distribuem-se desde a margem oposta até o fundo da enseada e estão

entremeados pelos rios do Bronze, Poruquara, Poruquara Mirim e Cachoeira.

Apesar de essa área não ser muito extensa, a disponibilidade dos recursos e as

condições de acesso variam para cada um dos bosques.

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO DA CONSTANZA

Logo em frente à vila de pescadores, nas imediações da Pedra do Adão, encontram-

se bosques em uma pequena área, denominados por MARTIN como Haut Fourrés de

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Rhizophora, e Populações de Borda de Águas Mesohalinas. Segundo os comunitários,

esses bosques disponibilizam modestamente caranguejos e ostras.

Ao longo dessa margem, desde a ponta da Capivara até a região do rio do Bronze,

em direção ao norte, localiza-se uma pequena faixa de bosques do tipo Populações de

Borda de Águas Mesohalinas. Esses bosques disponibilizam caranguejos e ostras, e em sua

região mais próxima do Rio do Bronze apresentam sururus, que não são extraídos devido à

dificuldade imposta pelo substrato arenoso.

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO DO BRONZENa desembocadura do Rio do Bronze, encontra-se o Porto e a Estrada do Bronze.

Essa estrada de chão liga o Poruquara à cidade de Guaraqueçaba e tem cerca de 6 km de

extensão. Dizem os comunitários que o Rio do Bronze recebe esse nome porque

antigamente existia bronze em quantidade no local.“Lá pra cima... é Ponta do Bronze... que tinha muito bronze ali antigamente né, as pessoas falavam.

Entre o Rio do Bronze e o Rio Grande encontram-se manguezais em Populações de

Borda de águas mesohalinas, chamados pelos comunitários como bosques extremante

alagados, onde se encontram as Canapuvas que disponibilizam as maiores abundâncias de

ostras da região do Poruquara. “Tem mangue que dá menos... ou é melhor de ostra... Ah, tem... Ah, a gente que tira, já sabe qual é...É só o que dá canapuva. O mangue manso dá, mais dá pouco..É a canapuva que dá a ostra... Temdentro do mangue também, não é só na beira. Pra dentro tem aqueles alagado (do Bronze) que nósdizêmo. Que tem a canapuva, dá bastante ostra... é ruim de andar... É ruim mais a gente vira-se né...Cansa um pouco, mas... ”Esse local é o ponto preferencial desse extrativismo na região. Entretanto, é difícil o

acesso a essas áreas por causa da lama muito fluida. Para se deslocar nessas áreas, é

necessário a flutuação em bóias ou em canoa de um pau só, o que atribui ao extrativismo no

local um grande sacrifício.“Aquele (mangue) que alaga muito é só na parte do bronze... alí alaga... É mole pra danado... E temmuita canapuva aqui no Rio do Bronze... tem, lá tem... Que lá a maré sobe aqui pela cintura... ”

“O pessoal tira... Tira, só quem tira mais lá é aquela canoa deles lá que moram na estrada... elatrabalha com as ostras de lá... ela tira lá e traz pra cá... Lá no Bronze... Tem, ali tem. Agora diz quefracassou, que tem tirado muito... lá é que dá as ostra grossa... ”

“Com a canoa... Vai pelo riacho. Vai tirando e vai levando pra perto do riachozinho que tem... Prapegar com a canoa no riachozinho. Não dá dinheiro também, só aqueles trocadinhos.

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Na porção mais interna da região, denominada por MARTIN como bosques do tipo

Haut Fourrés de Rhizophora, são locais referidos pelos comunitários como de substrato mais

duro, com melhores condições para o trânsito e também para a coleta de caranguejos.“Esses rios aqui... é a mesma coisa..Só uma coisa só. Tanto tem numa parte quanto na outra iniciou,caranguejo, e sururu. Até no Bronze tem caranguejo... No Bronze tem caranguejo... Naqueles pontoalto.”

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO GRANDE

Os manguezais às margens do Rio Poruquara, ou Rio Grande, são, segundo

MARTIN, do tipo Populações de Borda de Águas Mesohalinas, e, para quem entra nessas

águas, os bosques mais extensos encontram-se do lado direito. Na porção mais interna,

existem mosaicos fisiográficos, indicados por essa autora como Haut Fourrés de

Laguncularia e de Rhizophora. Em algumas regiões dessas áreas, as informações dos

pescadores contradizem as informações de MARTIN.“Aqui só canapuval... Ele tem canapuva, mais tem muito mangue manso. Tem aquelas bola decanapuva, daí começa o mangue manso... Igual ali ó. Ali é canapuva, dali pra cá é mangue manso. Alisó tem uns quatro, cinco pé de mangue. Aqui pra cima também é assim. Tem pouca canapuva. Agoralá pra fora já tem muito.. Pra esse lado aqui do Rio Cachoeira, tem.. Tem mangue mais é poucotambém... ”

Quanto à disponibilidade de recursos bênticos, essa área apresenta ostras em menor

quantidade do que no Rio do Bronze, todavia disponibilizam abundâncias consideráveis

tanto de caranguejos quanto de sururus.“Aqui, ostra boa... Tem. ... no Rio Grande ... Tem um mangue..Tem , aquele lá tem canapuva lá dentrotambém... Tem, mas é pouco... É, mais ostra é o Rio do bronze... (mas) sururu tem barbaridade...Tem por tudo... tudo quanto é canto tem sururu... ”

MANGUEZAIS ÀS IMEDIAÇÕES DO RIO PORUQUARA MIRIM

A maior extensão de bosques do tipo Haut Fourrés de Laguncularia na região,

segundo MARTIN, localiza-se entre os rios Grande e Poruquara Mirim. Esses bosques

situam-se na porção mais externa dos rios. Essas áreas são indicadas pelos pescadores

como bosques de canapuva baixinha, de árvores retorcidas. Nessa região, são relatadas

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abundâncias significativas de caranguejos, que são coletados apenas na corrida. A extração

com foice é impraticável, devido ao substrato duro e arenoso. “Caranguejo tem. E é caranguejo grosso. E é bom de andar no mangue... é areia duro... Ah, dá pracorrer. Na corrida dá pra pegar... ”Os bosques que margeiam o Rio Poruquara Mirim são, segundo MARTIN, tanto do

tipo Haut Fourrés de Laguncularia quanto de Rhizophora. Nesses locais, os comunitários

também se referem à presença moderada dos três recursos bênticos.

MANGUEZAIS DO RIO CACHOEIRA

Os bosques que margeiam a porção mais externa do Rio Cachoeira são, segundo

MARTIN, do tipo Populações de Borda de Águas Mesohalinas, e na porção mais interna

desse rio, há, conforme essa autora, bosques em Haut Fourrés de Rhizophora em sua

margem direita. Esses bosques também são indicados pela comunidade como áreas com

disponibilidade mediana de caranguejos, ostras e sururus.São áreas muito trafegadas

durante o verão, porque dão acesso a uma cachoeira muito visitada por turistas; esse

acesso foi construído em meio aos bosques e é chamado de furado. “É, depois passou do Rio Grande, costeando também por lá, é O Rio Mirim... É. Tem a cachoeira, masa cachoeira... . A cachoeira é pra cá também... É, na primeira entradinha, isso mesmo... É isso aí, aípega o mirim. Aí sai na cachoeira, isso mesmo... Pois é cachoeira, Rio Cachoeira... é perto. Acachoeira deságua na margem (...)... É, mais o salto que nós dizêmo. Que sai água de cima embaixo,tem que subir lá em cima... Mas é perto, não é longe... O salto da cachoeira... É. E agora no quentevem gente de toda a parte tomar banho lá... ”

ELEMENTOS DE CONCLUSÃO

Como se pode constatar, os bosques preferenciais na região de Poruquara onde os

comunitários extraem ostras são do tipo Populações de Borda de Águas Mesohalinas e

ocorrem mais extensamente às imediações do Rio do Bronze, e também ao longo das

margens do Rio Grande, na entrada do Rio Cachoeira, e nas margens opostas da vila, entre

a região da Constança e Porto do Bronze.

Quanto à extração do caranguejo, esta se dá preferencialmente em bosques menos

alagados. E seu acesso está condicionado pela densidade das árvores, já que o extrativismo

nessa região é, principalmente, com coleta manual do “caranguejo pegado”.

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Para o extrativismo do sururu, os bancos mais explorados são aqueles às imediações

do Rio do Bronze e demais bosques que apresentem as seguintes condições: substratos

marginais dos bosques, do tipo lodoso, e ao mesmo tempo firmes para caminhar e retirar os

animais manualmente.

Devido às contradições e desencontros entre as informações dos comunitários e os

estudos de MARTIN em relação à ocorrência de Haut Fourrés (bosques altos) de

Laguncularia e de Rhizophora, será necessário rever o mapeamento dos bosques dessa

região.

A comunidade de Poruquara é praticamente usuária exclusiva dos manguezais às

imediações de sua vila. Entretanto, há presença esporádica de outros grupos extrativistas.

Os grupos que ali freqüentam são oriundos principalmente da comunidade do Tibicanga.

São poucos os tiradores da Ilha Rasa que entram nessa região, já que esse grupo recebeu

restrição de acesso pelos pescadores locais.

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CONCLUSÕES

Esses dois estudos de caso demonstram uma pequena parcela da variedade de

condições de vida das vilas de pescadores desse complexo estuarino. Ambas as

comunidades estudadas têm como atividade econômica a pesca artesanal, mas mantêm

com os ecossistemas de manguezal relações um pouco distintas. Amparo apresenta maior

diversidade de exploração do ambiente e seus três recursos bênticos são apropriados

comercialmente. Entretanto, entre as famílias de Amparo há diversidade na especialidade de

pesca e extrativismo de manguezal. O oposto ocorre no Poruquara, onde todas as famílias

se dedicam às mesmas atividades ao longo do ano. Essa diferença entre Amparo e

Poruquara é esperada devido ao tamanho de cada comunidade, número de famílias que

nelas habitam e pela situação diversa em relação à proximidade com o ambiente urbano.

Porém, existe uma situação semelhante entre as vilas no que diz respeito às práticas

de extrativismo em manguezais. Esse extrativismo está sempre articulado às apropriações

gerais da pesca artesanal. Essa última, por sua vez, apresenta dinâmicas e especificidades

ao longo do ano, como demonstram os calendários de pesca das duas comunidades.

Na análise dos saberes em relação às fisiografias dos bosques locais, ambas as

comunidades demonstraram conhecimentos específicos em relação às diversas condições

de acesso nos mosaicos dos manguezais. Também reconheceram os distintos tipos

fisiográficos determinados por MARTIN. Além disso, os pescadores das duas comunidades

reconhecem a diversidade ambiental em termos de disponibilidade de cada um dos recursos

bênticos e não compreendem nem se apropriam dos manguezais como unidades

homogêneas.

Nesse processo de apropriação, ficou claro o anseio de estabelecimento de regras de

acesso e de uso dos recursos. Na situação do Poruquara essa regulação já é feita, mesmo

que discretamente, e as condições de reciprocidade entre as comunidades demonstraram

ser complexas, com laços históricos, comerciais e familiares.

Os conhecimentos específicos sobre os recursos bênticos apresentaram-se sempre

articulados às formas de apropriação e corroboram com o modelo proposto por BERKES

(1999), que identifica as inter-relações entre seus distintos níveis de saberes. Esses

conhecimentos, na maioria das vezes, têm aplicação direta às formas de extrativismo.

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Entretanto, muitas vezes, os pescadores mostram desconhecer alguns aspectos da biologia

dos animais, especialmente em relação ao caranguejo. Isso se evidenciou em Amparo,

quando os pescadores demonstraram desconhecer o tempo de crescimento dos animais e

suas formas de reprodução e desova. No entanto, em outros momentos, levantam questões

ainda inéditas para a ciência no que diz respeito a possíveis migrações desses animais entre

manguezais, locais de refúgio e segregação espacial da população, preferências

alimentares, entre outras questões.

Já no Poruquara, em relação à ostra, os pescadores demonstraram muitos

conhecimentos especializados, indicando a riqueza oriunda do contato com técnicos de

aqüicultura que prestam assistência a esses comunitários.

Tanto a situação de Amparo quanto a do Poruquara demonstram o dinamismo dos

saberes comunitários. Esses saberes não estão parados no tempo. Renovam-se e não

estão completos, prontos e acabados. São, sim, permeados de incertezas e indagações,

assim como acontece também com o conhecimento científico.

A experiência e a riqueza em se reconhecer os conhecimentos e desconhecimentos dos

comunitários está exatamente em localizar saberes que possam incrementar e impulsionar

novas descobertas para os estudos científicos e, ao mesmo tempo, localizar pontos de

incertezas, indagações e desconhecimentos dos pescadores que podem e devem ser

mediados por pesquisadores, educadores e gestores do meio ambiente. Essas inter-

relações de saberes, esse processo dinâmico de construção e de desconstrução dialógica

entre o conhecimento comunal e o científico pode ser um caminho rico e vasto de

experiências e descobertas capazes de proporcionar aos gestores, pesquisadores e

comunitários uma proximidade maior e real do desejável manejo, viável e harmônico, para

os recursos de manguezais desse complexo estuarino.

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226

ESTUDOS DE CASO EM ESCALAMICRORREGIONAL

FISIOGRAFIAS DOS MANGUEZAIS DE AMPARO E DE PORUQUARAE DISPONIBILIDADE DA FAUNA BÊNTICA

Após os estudos sobre as dinâmicas de apropriação em Amparo e Poruquara,

foi possível reconhecer as áreas preferenciais de extrativismo e as condições gerais

de acesso aos bosques. Para isso, elegeram-se áreas nos manguezais locais que

representassem os distintos tipos fisiográficos mapeados por MARTIN (1992) e que

amostrassem tanto áreas preferenciais de extrativismo quanto outras que

indicassem maior dificuldade de acesso. O total de bosques estudados foram nove

na região de Amparo e cinco na região do Poruquara.

Essa etapa empírica teve como objetivos específicos:

• Localizar heterogeneidades das fisiografias dos bosques nas regiões de

Amparo e do Poruquara.

Identificar relações entre os padrões de distribuição da fauna estudada e as

fisiografias locais.

Caracterizar a abundância relativa das três espécies em questão.

• Correlacionar as disponibilidades dos recursos e o acesso aos bosques com

os saberes locais.

METODOLOGIA

Após a análise dos saberes locais sobre a disponibilidade dos recursos e das

áreas preferenciais de uso dos manguezais, estabeleceram-se áreas para a

realização dos estudos ecológicos. Essas investigações ecológicas ocorreram com a

presença constante de extrativistas das duas comunidades. Os extrativistas que

acompanharam a pesquisa nos manguezais não atuaram apenas como orientadores

espaciais para o trabalho, mas também como sujeitos que interagiram nos estudos

de campo. Isso gerou trocas constantes entre os conhecimentos dos extrativistas e

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227

da pesquisadora, para cada um dos bosques estudados. Muitas especificidades em

relação à apropriação das fisiografias estudadas foram melhor delimitadas nessa

interação. Também a convivência entre esses sujeitos (pesquisadora e extrativistas)

otimizou a comunicação e a interação direta com o objeto de estudo, permitindo a

experiência concreta com o ecossistema estudado.

Os estudos ecológicos ocorreram nos bosques de Amparo entre 10 e

24/07/2002, e nos bosques de Poruquara entre os dias 06 e 08/09/2002. Os locais

onde foram estabelecidos os transects foram escolhidos de maneira a evitar que um

transect passasse por duas fisiografias contíguas.

Em cada bosque foram realizados levantamentos de abundância das árvores

e da fauna bêntica, pelo Método do Quadrante Centrado (POOL et al. 1977 apud

SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON, 1986; KREBS, 1998; MITCHELL, 2001). Para

tanto, estabeleceu-se um transect de 200 m (monitorados por GPS Compass) com

disposição oblíqua à penetração da maré, com auxílio de bússola e de aparelho de

medição de ângulo (visada). Foram estabelecidos 26 pontos amostrais, sorteados

aleatoriamente (FISHER & YATES, 1971, p. 138).

Para o estudo da flora local, foram estimados: a composição específica, a

diversidade, a abundância total e relativa, bem como o diâmetro médio à altura do

peito (DAP). Este último parâmetro gerou outros dois parâmetros importantes: área

basal (G) total e relativa e DAP médio. Também foram calculados, segundo

SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON (1986): os valores de importância (V.I.),

freqüências absoluta e relativa e dominância relativa das espécies vegetais. A altura

das árvores foi feita por estimativa visual. Posteriormente foram calculadas as

médias de altura dos dosséis. Ressalta-se também que as árvores mensuradas

nessa estimativa foram aquelas com DAP mínimo de 5 cm e/ou altura mínima de 1

metro, a fim de levar em conta apenas árvores que aparentassem estar bem

estabelecidas nos bosques. Nessa perspectiva não foram consideradas as plântulas.

As amostras de substrato foram tomadas sempre ao início (nos primeiros 5

metros) e ao final (entre 190 a 200 metros) dos transects realizados, compondo

sempre duas amostras de sedimento para cada bosque estudado.

Nas análises de substrato, realizadas por técnicos do laboratório de geologia

do Centro de Estudos do Mar (UFPR), foram mensurados: a granulometria, o teor de

carbonato de cálcio e a matéria orgânica.

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Para a areia, foi determinado o teor de carbonato (em 10 g de amostra), com

HCL (10%), seu teor de umidade (diferença entre o peso úmido e o peso seco), e

proporção de grânulos finos por meio de elutriação. Para a granulometria, o material

foi secado em estufa a 60o a 70o, realizada elutriação, posterior secagem em estufa

com papel filtro (60o a 70o ) e peneiramento em Rotap (5’), de 50 g da amostra. Na

determinação do material de fundo, procedeu-se o descongelamento da amostra,

secagem em estufa (60o a 70o), determinação de carbonatos (10 g) com HCL e de

matéria orgânica em 5 g de amostra, por meio de incineração em mufla (550o) por 60

minutos. Em seguida, a amostra foi preparada para pipetagem, por meio de queima

de M.O. com água oxigenada 30 v., secagem em estufa (60o a 70o), lavagem em

peneira de malha 0,062 mm, em 50 g de amostra, com proveta de 1 000 ml,

acrescentando 950 ml de água destilada e 50 ml de pirofosfato de sódio (5%).

Realizou-se pipetagem dos grânulos finos, secagem e peneiramento da areia retida

na peneira.

Os dados de sedimento foram analisados pelo programa estatístico SISGRAN

desenvolvido pelo Centro de Estudos do Mar (UFPR), sob a responsabilidade do

Prof. Dr. Maurício Camargo.

Para a estimativa da topografia dos terrenos, mensurou-se a altura média da

maré, a partir da presença da alga Bostrichia, espécie comumente utilizada como

indicadora ambiental do perfil topográfico do terreno.

Para o estudo da fauna – Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Crassostrea

rhizophorae (ostra-do-mangue) e Mytella guyanensis (sururu) –, foram estimadas as

abundâncias total e específica, a partir da contagem de número de tocas do

caranguejo e de tamanhos de bancos de sururu e ostra, sem coleta de material

biológico.

Para a averiguação da presença de tocas dos caranguejos, valeu-se também

do reconhecimento de tocas tampadas, devido ao período do ano em que as

pesquisas foram realizadas. Para esse reconhecimento, valeu-se do saber dos

extrativistas locais que acompanharam o trabalho de campo. Também foram

consideradas na estimativa apenas tocas com diâmetro de abertura acima de 4 cm

(tamanho mínimo de toca que indica o tamanho mínimo dos caranguejos em

maturidade fisiológica). PINHEIRO & FISCARELLI (2001) determinam o primeiro

estágio de maturidade fisiológica em machos com LC50% = 51,3 mm e fêmeas com

LC50% = 43,0 mm de largura de carapaça.

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A mensuração do diâmetro das tocas realizou-se com o auxílio de trena, e as

tocas tampadas consideradas foram aquelas que aparentavam um volume de

sedimento típico de tocas com abertura maior que 4 cm de diâmetro. Sempre que

volumes reduzidos de sedimentos tampavam as tocas, levando à incerteza sobre o

seu tamanho mínimo de abertura, esses sedimentos eram removidos e se efetuava

a mensuração dos seus diâmetros.

Para a estimativa de abundância de sururus e ostras, levou-se em conta o

número de bancos naturais dos animais por metro quadrado, visto que sua

distribuição espacial ocorre de forma agregada. A mensuração dos bancos foi

realizada de maneira a padronizar seus tamanhos de acordo com o número de

indivíduos que os compõem.

Esses estudos foram realizados com a devida concessão de licença do

IBAMA1.

PROCESSAMENTO DOS DADOS

1.DETERMINAÇÃO DOS PARÂMETROS ECOLÓGICOS1.1.ABUNDÂNCIA TOTAL:

A densidade total é dada pelo número total de indivíduos de uma comunidade

estudada por unidade de área. Para sua determinação, utilizou-se a seguinte

fórmula, segundo POLLARD (1971 apud KREBS, 1998):^Np total = 4 ( 4n-1 ) .

π ∑ r2ij

Onde, n = nº de pontos centrados no transect.

r = distância do especimen mensurado ao ponto central do transect.

A variância desta estimativa de densidade é dada por:Variância de (Np total) = Np total 2 / 4n-2

E seu erro-padrão é:

Erro-padrão de Np total = √ (Variância de Np total / 4n)

O intervalo de confiança com limite de 95% de limite de confiança é obtido

quando 4n>30, segundo SEBER (1982 apud KREBS, 1998) como:

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Limite mínimo de confiança = √ Np total = (√ (16n-1) – 1,96) / √ (π ∑ r2ij)

Limite máximo de confiança =√ Np total = (√ (16n-1) + 1,96) / √ (π ∑ r2ij)

1.2. DENSIDADE ESPECÍFICA:A densidade específica é dada pela densidade de indivíduos da mesma

espécie em determinada área e está expressa na seguinte fórmula:Np específico = Np total x (fesp / 4n)

Onde, fesp = número de ocorrências de uma determinada espécie nos quadrantes

mensurados.

n = nº de pontos centrados no transect.

1.3. ÁREA BASAL:A área basal (g) é a área ocupada por um tronco com um dado diâmetro e

calculada a partir da seguinte fórmula, segundo SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON

(1986, p. 27):

g (m2) = (DAP cm)2 x 0,00007854

1.4. ÁREA BASAL DA ÁRVORE MÉDIA (G):A área basal da árvore média é um parâmetro de área basal do bosque

analisado. Segundo SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON (1986, p. 27), é dada pela

fórmula:

( g ) = ∑g / n

onde n = número de árvores que tiveram seus diâmetros mensurados.

1.5. ÁREA BASAL MÉDIA POR ESPÉCIE: g específico = ∑g especÍfico / n

1 Processo nº 02017.003151/02-92; Licença nº 002/2002-APAGÇBA.

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231

onde o n = número total de indivíduos da espécie

g especÍfico = área basal de cada indivíduo da espécie

1.6. DIÂMETRO À ALTURA DO PEITO (DAP) MÉDIO:O Diâmetro Médio de um bosque é definido como o diâmetro da árvore basal

média. Para obtê-lo, aplica-se a seguinte fórmula, segundo SCHAEFFER-NOVELLI

& CINTRON (1986, p. 42):

___DAP = √ ( g / 0,00007854)

1.7. FREQÜÊNCIA ABSOLUTA DAS ESPÉCIESA freqüência absoluta de uma espécie é o percentual de pontos amostrados

nos quais uma espécie ocorre e é dada, segundo SCHAEFFER-NOVELLI &

CINTRON (1986, P.42) e MITCHELL (2001), como: F.A. = Nº de pontos amostrados com a espécie x 100 Nº total de pontos amostrados

1.8. VALOR DE IMPORTÂNCIAPara poder estabelecer o Valor de Importância para cada espécie em uma

comunidade estudada, três parâmetros necessitam ser determinados: DensidadeRelativa, Dominância Relativa e Freqüência Relativa.

A. FREQÜÊNCIA RELATIVA DAS ESPÉCIESPara a expressão das freqüências absolutas, acima de 100%, transformam-se

as medidas em freqüências relativas usando-se a seguinte fórmula:

F.R. = F. A. de determinada espécie x 100 Total de freqüências de todas as espécies

B. DENSIDADE RELATIVASegundo SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON (1986, P. 42) e MITCHELL

(2001), a densidade relativa de uma determinada espécie é dada por:

D.R. = no de indivíduos de uma espécie x 100no total de indivíduos

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C. DOMINÂNCIA RELATIVASegundo SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRON (1986, P.42) e MITCHELL

(2001), a dominância relativa é uma medida da área basal relativa ocupada por uma

espécie e é determinada por:Dom relativa = Dom específica / Dom total x 100

Onde:

Dom específica = g específico x Np especÍfico,

Dom total = ∑ Dom específicas

O valor de importância para cada espécie arbórea no bosque é dado pela

seguinte expressão:V.I. = D.R. + Dom relativa + F.R.

2. ANÁLISE ESTATÍSTICA DOS DADOS

Os dados de sedimentos foram analisados pelo programa SISGRAN (CEM/ Dr.

Mauricio Camargo).

Para averiguar os principais padrões de variação dos parâmetros biológicos,

foram aplicadas: análises de similaridade, com o teste de Bray Curtis;

escalonamento multidimensional não métrico (MDS) por similaridade; e análise

hierárquica de agrupamento (Cluster), por similaridade (em group average), para

identificar coeficientes de similaridade entre agrupamentos amostrais e detectar

distintos padrões ao longo dos gradientes ambientais. Para essas análises, utilizou-

se o software Primer 5.0.

Os gráficos gerados pelos programas estatísticos foram organizados em Paint

e Power Point.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

FISIOGRAFIAS DOS MANGUEZAIS LOCAIS

São amplamente relatados na literatura os padrões de heterogeneidade de

manguezais, em diferentes escalas espaciais. Para os manguezais brasileiros,

SCHAEFFER-NOVELLI et al.(1990) propuseram uma tipologia geral de suas

heterogeneidades, levando em conta condições ambientais, geomorfológicas,

perturbações ambientais e paisagens. Segundo esses autores, os manguezais

paranaenses enquadram-se no segmento VII da costa brasileira e compõem o

grande sistema de manguezais de Cananéia.

A tipologia de SCHAEFFER-NOVELLI et al. (op.cit), nessa escala espacial,

identifica apenas dois tipos estruturais de bosques: os bosques de franja – às

margens dos estuários, lagoas, gamboas e rios – e os bosques de bacia – mais

internos, distantes das margens dos corpos d’água. Descrevem também outros

três subtipos estruturais – bosques alagados, arbustivos e bosques anões. Seus

critérios básicos para essa identificação consideram algumas características da

hidrodinâmica local, como o movimento da água na região e seu tempo de

residência nos sistemas de manguezais.

Entretanto, ao observar as heterogeneidades meso e microrregionais, como

aquelas apresentadas pelos manguezais do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, outras características fisiográficas e geomorfológicas são trazidas à

evidência. Para isso, MARTIN (1992) estabelece uma tipologia mesorregional, com

o reconhecimento de geomorfologias locais (deltas de rios, bacias, baías abertas,

ilhas de confluência, ilhas marítimas e gamboas). Ainda, em escala microrregional,

como aquelas áreas específicas nas regiões de Amparo e do Poruquara, algumas

características fitofisiográficas passam a determinar critérios na identificação dos

tipos de bosques locais. Essas características são, por exemplo, a altura dos

dosséis, a composição específica dos bosques e sua estrutura (número de

estratos).

Essa tipologia de MARTIN (op. cit.) organiza e agrupa os tipos fisiográficos

locais em ordem de crescente complexidade, tanto no que diz respeito às suas

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composições florísticas (mono a pluriespecíficas) quanto à estratificação dos

dosséis.

Essa tipologia pretende simplificar e agrupar as heterogeneidades

fisiográficas para um melhor entendimento dos padrões ocorrentes na região. Em

seus estudos, MARTIN realizou tanto amostragens localizadas, quanto leituras de

fotografias aéreas na escala de 1:25.000. A partir de levantamentos amostrais em

parcelas, MARTIN considerou as seguintes características fisiográficas:

estratificação e altura dos dosséis, freqüência relativa das espécies arbóreas e

uma estimativa de nicho ecológico2 para cada espécie arbórea.

Define assim as seguintes unidades fisiográficas para esse complexo

estuarino (MARTIN,1992:123-125):

Bosques Subfrutescentes, com altura de dossel inferior a 2 metros,

monoespecíficos e monoestratificados e baixos teores de MO no setor polihalino.

Bosques Frutescentes, com porte idêntico àqueles bosques

subfrutescentes, mas com dosséis mais altos, entre 2 a 4 metros, medianamente

ricos em M.O. (17%) e geralmente situados no setor mesohalino (17 PSU).

Bosques Altos (Haut Fourrés) formados por dosséis com 4 a 6 metros de

altura, podendo apresentar-se mono ou pluriespecíficos, ricos em M.O. (21%), no

setor polihalino (22 PSU);

Bosques “Cerrados” (Bois Fourrés) e Bosques Cerrados Frutescentes,

populações biestratificadas, com um estrato bem alto, geralmente formado por

árvores de Avicenia schaueriana, dispersas entre bosques frutescentes de R.

mangle ou L. racemosa. Situados no setor polihalino, com substrato rico em M.O.

(23 e 20%).

Florestas, com dosséis altos, a partir de 7 metros de altura, compostas por

árvores com uma cobertura relativamente densa. Essas florestas podem ser

constituídas por um único estrato, com composição monoespecífica e densidade

variável, com a presença de Avicenia ou Rhizophora, com teor de M.O. reduzido

(9%), como também apresentar composição pluriespecífica, com dois a três

estratos.

2 Essa estimativa considera a amplitude de ocorrência de cada espécie (amplitude ecológica), que considera arelação entre uma determinada variável ambiental, e a probabilidade de ocorrência da espécie. O produto dasamplitudes ecológicas da espécie gera seu coeficiente de competição (MARTIN 1992).

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235

A Figura 21 apresenta um esquema genérico para os tipos estruturais de

bosques de manguezais identificados por MARTIN para o complexo estuarino da

Baía de Paranaguá.

Figura 21: Representação esquemática dos tipos estruturais dos bosques demanguezais do complexo estuarino da Baía de Paranaguá. Adaptado de MARTIN(1992).

No presente estudo, além das características fitofisiográficas como altura e

estrutura de dossel, composição específica e freqüência relativa das árvores,

outros parâmetros são levados em consideração. Esses parâmetros, descritos

anteriormente na metodologia, são indicados por SCHAEFFER-NOVELLI e

CINTRÓN (1986). Dentre eles, ressalta-se o Valor de Importância (V.I.), como uma

maneira de determinar a dominância de uma espécie arbórea no bosque. O V.I. é

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uma medida que considera tanto a freqüência relativa quanto a densidade relativa

e a dominância relativa de cada espécie em questão. Essa estimativa leva em

consideração não somente a ocorrência das árvores de cada espécie na área

amostrada, mas também sua área basal e sua densidade. Mostra-se um

parâmetro interessante para representar a ocorrência de cada espécie arbórea nos

bosques.

Em relação à estratificação, define-se um estrato, segundo OLDEMAN (apud

MARTIN, 1992), como uma região situada entre o nível superior de cada bloco

estrutural e a superfície do solo. Assim, cada estrato representa uma classe

máxima de densidade do dossel. MARTIN mensura os estratos pela altura máxima

de sua copa, em metros.

Também SCHAEFFER-NOVELLI e CINTRÓN (1986) indicam que a

determinação da altura máxima de um bosque é dada como a média da altura das

três árvores mais altas dentro da parcela amostrada, sendo a avaliação de quão

homogênea é a altura do dossel ainda uma medida subjetiva. Sendo os valores

unitários muito variáveis, esses autores recomendam a utilização da média das

alturas de todas as árvores mensuradas.

No presente estudo, a identificação aproximada do número de estratos se

deu pelo reconhecimento das modas entre as medidas de altura das árvores,

facilmente visualizáveis nos gráficos que representam os dosséis dos bosques

estudados (Figuras 25, 26, 27, 29 e 30).

Para os aspectos sedimentológicos dos bosques, as duas amostras de solo

de cada transect foram tratadas como parâmetros médios, apesar de, diversas

vezes, averiguarem-se amplas variações dos parâmetros sedimentológicos entre

início e final dos transects. Entretanto, como o presente estudo objetiva uma

análise comparativa entre os bosques estudados, essas médias proporcionam

uma estimativa instrumental básica para esse fim. Contudo, recomenda-se para

estudos futuros, análises mais sistemáticas de cada fisiografia local, em relação às

suas características e dinâmicas edáficas.

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237

Foram utilizados os seguintes

critérios para qualificar o teor de

matéria orgânica do substrato dos

bosques estudados, segundo

MARTIN (1992):

Esses mesmos critérios foram

utilizados para qualificar os teores de carbonato de cálcio dos substratos.

Em relação às topografias

dos terrenos, também foram

estabelecidos critérios qualitativos,

como demonstra o quadro ao lado:

Para qualificar a

disponibilidade dos recursos bênticos, também foram estabelecidos alguns

critérios, que levaram em conta a amplitude dos valores de abundância total

obtidos no presente estudo. Para o caranguejo em especial, levou-se em conta

também os valores de abundância referidos na literatura.

Np de caranguejo3

(indivíduos/m2)Np de sururu e ostra

(bancos/m2)

Reduzida 0,1 a 0,5 0,1 a 0,5

Mediana 0,51 a 1,0 0,51 a 1,0

Elevada 1,1 a 2,0 Acima de 1,1

Muito elevada Acima de 2,0 ___

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS BOSQUES

Segundo o mapeamento de MARTIN (1992) dos manguezais das áreas de

Amparo e Poruquara, não existem os tipos fisiográficos subfrutescente e

frutescente. Já os demais tipos ocorrem compondo mosaicos diversos em cada

uma das áreas estudadas. 3 BLANKENSTEYN et al. (1997) indicam para o caranguejo um valor máximo de abundância nos manguezais docomplexo estuarino da Baía de Paranaguá de 2,45 indivíduos/m2.

Percentual Matéria orgânica

0 a 5% Ausente a muito reduzido

5 a 10% Reduzido

10 a 17% Mediano

17 a 37% Elevado

37 a 45% Muito elevado

Altura média daBostrichia (cm)

Topografia

Abaixo de 30 Elevada

Entre 30 e 45 Mediana

Acima de 45 Rebaixada

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238

As áreas analisadas no presente estudo estão indicadas nas tabelas IV e V,

e nas figuras 22 e 23. Nas tabelas, cada bosque recebe as denominações de

MARTIN (1992) e dos comunitários, segundo sua localização e seu tipo fisiográfico.

Também são especificados os pontos iniciais dos transects, datados por GPS, e as

suas direções, considerando o Norte Magnético, marcado pela bússola.

Tabela IV – Bosques de manguezais eleitos para estudo da fisiografia e abundânciada fauna bêntica na região de Amparo (Estuário da Baía de Paranaguá). Estãoindicados os nomes tradicionais da localidade, nominação científica e tradicional do bosque estudado,bem como as siglas que identificam os transects do estudo de campo.

AmparoLocalidade Tipo fisiográfico

(nominação científica etradicional)

Transecte siglas

Orientação dotransect

Localizaçãoespecífica4

(início do transect)Rio do Mirto Haut-fourrès de

Laguncularia

Mangue manso

2(AT 02) 10o O *

Rio do Mirto Floresta de bordaMangue alto

3(AT 03)

20o L 25o 27’ 315’’48o 30’590’’

CosteiraGrande

Floresta de bordaMangue alto

5(AT 05)

80o O 25o 27’ 137’’48o 31’011’’

CosteiraGrande

Hauts-fourrés et Boisfourrés de Laguncularia ou

de RhizophoraCanapuval

6(AT 06) 48o O

25o 27’ 150’’48o 30’834’’

CosteiraGrande

Haut-fourrès de

Laguncularia

Mangue manso

7(AT 07) 30o O

25o 26’ 891’’48o 30’946’’

Rio do Itinga Hauts-fourrés et Boisfourrés de Laguncularia ou

de RhizophoraCanapuval

8(AT 08) 45o L

25o 26’ 603’’48o 31’223’’

Rio do Atalho Haut-fourrès de

Laguncularia

Mangue manso

9(AT 09) 25O L

25o 26’ 525’’48o 31’122’’

Rio do Atalho Floresta de bordaMangue alto

11(AT 11)

75o O 25o 26’ 364’’48o 31’253’’

Rio do Itinga Hauts-fourrés et Boisfourrés de Laguncularia ou

de RhizophoraCanapuval

12(AT 12)

50o O25o 26’ 629’’48o 31’439’’

4 Os asteriscos (*) indicam dados de GPS perdidos, por ausência de recepção de sinal.

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239

Figura 22: Mapa da região de Amparo indicando os tipos fisiográficos dosmanguezais locais e os transects. Adaptado de MARTIN (1992).

Ilha daCotia

Rio do Mirto

AT 02

AT 03

AT 05Costeira Grande

AT 06

AT 07

Rio do Atalho

AT 08AT 09

AT 11

AT 12

Rio ItingaN

Comunidade de Amparo

Floresta de Borda

Haut Fourrés e Bois Fourrés de Laguncularia ou Rhizophora

Haut Fourrés de Laguncularia

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Tabela V – Bosques de manguezais eleitos para o estudo da fisiografia e daabundância da fauna bêntica na região de Poruquara (Baía dos Pinheiros). Estãoexpressos os nomes tradicionais da localidade, nominação científica e tradicional do bosque estudado,bem como as siglas que identificam os transects do estudo de campo.

PoruquaraLocalidade Tipo fisiográfico

(nominação científica etradicional)

Transect(e sigla)

Orientação dotransect

Localizaçãoespecífica5

(início dotransect)

Rio do Poruquara-Mirim

Haut-fourrès de LagunculariaCanapuval (?!)

1(PT 01)

50o O 25o 17’426”48o 16’467”

Rio Cachoeira Haut-fourrès deLaguncularia

Mangue manso (?)

2

(PT 02)

100o L 25o 17’457”48o 16’409”

Rio Poruquara-Mirim Haut-fourrès de Rhizophora

Mangue manso (?)

3(PT 03)

50o L *

Pedra da Constança Bosque de Borda

Mangue alto

4(PT 04)

15o O *

Rio do Poruquara –Grande

Haut-fourrès de Rhizophora

Siriuval e mangue manso

5

(PT 05)

90o Le

10o L*

5 Os asteriscos (*) indicam dados de GPS perdidos por ausência de recepção de sinal.

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241

Figura 23: Mapa da região de Poruquara indicando os tipos fisiográficos dosmanguezais locais e as áreas específicas dos transects. Adaptado de MARTIN(1992).

Floresta de Borda

Haut Fourrés de Rhizophora

Haut Fourrés de Laguncularia

N

PT 01

PT 02

PT 03

PT 04

PT 05

Comunidade Do Poruquara

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242

Num primeiro momento, far-se-á uma análise específica das características

dos bosques para cada região, considerando cada situação regional no que diz

respeito às suas dinâmicas de apropriação e condicionantes fisiográficos e de

disponibilidade de recursos. Em seguida, serão analisadas comparativamente as

características dos distintos bosques para Amparo e Poruquara.

OS MANGUEZAIS DE AMPARO

MARTIN (1992) identificou basicamente três padrões de fisiografia dos

manguezais de Amparo. Formações em Haut Fourrés de Laguncularia, ou seja,

bosques altos, com dominância de Laguncularia, compostas em um estrato, com

dossel apresentando de 4 a 6 metros de altura; formações em Florestas de Borda,

com a presença das três espécies arbóreas, Laguncularia racemosa, Avicenia

shaueriana e Rhizophora mangle, organizadas em três estratos, com dossel

variando entre 5 e 8 metros de altura.

Há em Amparo outras formações identificadas genericamente como Haut

Fourrés e Bois Fourrés de Rhizophora ou de Laguncularia. As formações em Bois

Fourrés são bosques cerrados com composição pluriespecífica, geralmente

biestratificados, principalmente com L. racemosa e R. mangle, e com dossel

medindo entre 3 e 5 metros de altura. Algumas árvores de Avicenia shaueriana se

estabelecem nos pontos mais altos do dossel desse tipo fisiográfico.

De maneira geral, as características fisiográficas dos bosques de Amparo,

determinadas no presente estudo corroboraram com os mapeamentos de

MARTIN. Além do que, para aquelas áreas inicialmente identificadas

genericamente como Haut Fourrés, ou Bois Fourrés de Rhizophora ou de

Laguncularia, chegou-se a um maior detalhamento de sua estrutura e composição.

Apresentam-se a seguir as características sedimentológicas (tabela VI),

fisiográficas (Figuras 25 e 26 – tabela VII) e de abundância de recursos bênticos

(tabela IX) em cada um dos bosques estudados na região de Amparo.

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243

Tabela VI – Parâmetros Sedimentológicos dos Bosques de Manguezais de Amparo, Baía de Paranaguá. A linha inferior de cada dado contémo valor médio dos parâmetros para cada transect. As abreviações correspondem à: Silte médio (SM); silte grosso (SG); areia muito fina (AMF); areia fina (AF);areia grossa (AG).

Carbonato decálcio(%)

Matériaorgânica

(%)

Cascalho

(%)

Areia

(%)

Silte

(%)

Argila(%)

Classificação

Bosque/Transect

#1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2

6,25 3,26 13,14 5,74 --- --- 48,4 79,41 46,09 18,09 5,5 2,5Transect 02

Haut-fourrés de LagunculariaMangue manso – Rio do Mirto

4,76 9,44 ___

63,9 32,1 4,0

SG AMF

8,84 15,48 16,11 24,44 --- --- 48,41 19,15 47,08 75,33 4,508 5,521Transect 03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirto 12,16 20,28 ___ 33,78 61,2 5,02SG SM

4,13 9,51 6,29 18,7 --- --- 66,3 66,37 30,18 29,11 3,521 4,517Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – Costeira Grande

6,82 12,50 ___ 66,3 29,6 4,1

SG AMF

11,53 8,75 23,14 21,29 --- --- 15,35 22,14 77,14 72,34 7,51 5,52Transect06

Hauts-fourrés et Bois fourrés de Laguncularia ou deRhizophora

Canapuval Costeira Grande10,14 22,22 ___ 18,75 74,74 6,51

SM SG

4,13 3,17 10,92 11,11 --- --- 56,37 75,38 38,11 21,1 5,516 3,,175Transect 07Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso Costeira Grande

3,65 11,02 ___ 65,88 29,60 4,52

AMF AMF

6,92 4,23 18,33 12,22 --- 2,2 10,3 65,19 84,19 27,1 5,512 5,52Transect 08

Hauts-fourrés et Bois fourrés de Laguncularia ou de Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho 5,58 15,28 1,1 37,74 55,64 5,52

SM AF

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244

4,13 8,36 7,22 14,07 --- --- 79,41 59,21 18,08 32,22 2,511 8,561Transect 09Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso – Rio do Atalho

6,25 10,65 ___ 69,31 25,15 5,54

AMF SG

8,55 2,4 20,0 6,85 --- --- 14,19 87,18 77,26 7,073 8,531 5,747Transect 11

Floresta de bordaMangue altoRio do Itinga

5,48 13,43 --- 50,69 42,17 7,14

SM AF

14,03 11,82 23,33 47,59 --- --- 24,14 19,33 67,21 65,14 8,655 15,53Transect 12Hauts-fourrés et Bois fourrés de Laguncularia ou de

RhizophoraCanapuval

Rio do Itinga 12,93 35,46 --- 21,74 66,18 12,08

SG SM

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Tabela VII – Parâmetros Fisiográficos dos Bosques de Manguezais de Amparo, Baía de Paranaguá. Os dados de topografia e dosselexpressam médias ± desvio-padrão, as abundâncias, seus coeficientes ± erro-padrão. Os demais parâmetros expressam seus coeficientes.

Abundância específicaNpespecífico

(m2)Área basal média

específica g específico (m2)

Bosque/Transect

Topografia6

(cm)Dossel7

(m)Abundância total

Nptotal (m2)

L R A

Áreabasal daárvoremédia

g (m2)L R A

Diâmetro àaltura dopeito da

árvore média

DAPTransect 02

Haut-fourrés de LagunculariaMangue Manso Rio do Mirto

19,08±9,12 2,24±0,84 1,03±0,01 0,91±0,01 0,08±0,001 0,04±0,0004 0,043 0,039 0,040 0,130 23,38

Transect 03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirto57,33±7,12

3,99±1,29 0,36±0,004 0,31±0,003 0,04±0,004 0,01±0,0001 0,054 0,056 0,027 0,077 26,12

Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – Costeira Grande55,08±16,5

5,10±1,89 0,26±0,003 0,08±0,001 0,16±0,002 0,02±0,0002 0,062 0,060 0,046 0,170 28,18

Transect 06Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

Canapuval Costeira Grande

37,19±7,37 2,33±0,48 0,37±0,004 0,21±0,002 0,13±0,001 0,03±0,0003 0,048 0,04 0,051 0,087 24,62

Transect 07Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso CosteiraGrande

36,12±12,87 3,68±1,23 0,45±0,004 0,43±0,004 0,01±0,0001 0,01±0,0001 0,059 0,060 0,008 0,054 27,33

Transect 08Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho

42,77±8,59 4,05±1,36 0,25±0,002 0,22±0,002 0,01±0,0001 0,02±0,0002 0,059 0,052 0,059 0,150 27,29

Transect 09Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso – Rio do Atalho23,08±5,16 2,67±0,56 0,70±0,007 0,65±0,006 0,05±0,0005 --- 0,044 0,045 0,025 ---- 23,67

Transect 11Floresta de borda

Mangue altoRio do Itinga

43,16±18,92 3,25±1,57 0,19±0,002 0,15±0,002 0,04±0,0004 --- 0,042 0,040 0,050 ---- 23,16

Transect 12Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

CanapuvalRio do Itinga

30,62±7,91 4,75±1,41 0,33±0,003 0,08±0,001 0,20±0,002 0,05±0,0005 0,048 0,048 0,034 0,103 24,77

6 Expressa pela altura média da alga Bostrichia.7 Expresso pela altura média das árvores mensuradas.

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246

Tabela VIII – Parâmetros Fisiográficos dos Bosques de Manguezais de Amparo, Baía de Paranaguá. Estão expressas estimativas que compõem oValor de Importância de cada espécie arbórea para os bosques estudados.

Freqüência absoluta(%)

Freqüência relativa (%) Densidade relativa(%)

Dominância Específica Dominância relativa(%)

Valor de importânciaBosque/Transect

L R A L R A L R A L R A L R A L R A

Transect 02Haut-fourrés de LagunculariaMangue manso Rio do Mirto

100 26,92 11,54 72,22 19,44 8,34 88,46 7,69 3,85 0,036 0,003 0,005 81,81 7,27 11,81 242,5 34,4 24

Transect03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirto100 30,77 15,38 68,42 21,05 10,52 85,58 10,58 3,85 0,017 0,001 0,001 88,54 6,25 5,21 242,5 37,9 19,6

Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – Costeira Grande69,23 92,31 23,08 37,5 50,0 12,5 31,73 60,58 7,69 0,005 0,007 0,003 31,65 46,84 21,51 100,9 157,4 41,7

Transect 06Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

Canapuval Costeira Grande

84,62 57,69 23,08 51,16 34,88 13,95 57,69 33,65 8,65 0,008 0,007 0,003 45,65 38,04 16,30 154,5 106,6 38,9

Transect 07Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso CosteiraGrande

100 7,69 7,69 86,67 6,66 6,66 95,19 2,88 1,92 0,026 0,0001 0,0005 97,67 0,3 2,03 279,5 9,84 10,61

Transect 08Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho

100 15,38 23,08 72,22 11,11 16,67 88,46 4,81 6,73 0,011 0,0006 0,003 76 4 20 236,7 19,9 43,4

Transect 09Haut-fourrès de Laguncularia

Mangue manso – Rio do Atalho100 15,38 --- 86,67 13,33 --- 93,27 6,73 --- 0,029 0,0013

---95,75 4,25 --- 275,7 24,3 ---

Transect 11Floresta de borda

Mangue altoRio do Itinga

100 44 --- 69,44 30,56 --- 81,0 19,0 --- 0,006 0,002---

75 25 --- 225,4 74,6 ---

Transect 12Hauts-fourrés et Bois fourrés deLaguncularia ou de Rhizophora

CanapuvalRio do Itinga

73,08 92,31 42,31 35,19 44,44 20,37 25,0 59,62 15,38 0,004 0,0068 0,005 24,13 43,18 32,7 84,3 147,2 68,45

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247

Figura 24: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques deAmparo. Os bosques estão identificados conforme suas siglas. O eixo do x representa adistância dos pontos do transect (5 a 200 m). A escala de y está padronizada em 12metros para o dossel e em 90 cm para a topografia.

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

)

5 1 0 0 2 0 0

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 100 200

AT 06

05

1 01 52 02 53 03 54 04 55 05 56 06 57 07 58 08 59 0

5 1 5 2 5 3 0 3 5 4 0 4 5 5 0 6 0 6 5 7 5 8 0 8 5 9 5 1 0 0 1 0 5 1 1 0 1 2 5 1 3 5 1 4 5 1 5 5 1 6 0 1 7 0 1 7 5 1 8 5 2 0 0

AT02

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 85 2000

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

AT03

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 50 90 135 160 200

Altu

rada

sár

vore

s(m

)

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

10 110 1950

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 01 0 6 0 8 5 1 2 5 1 7 0 1 9 5

AT05

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248

Figura 25: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques deAmparo. Os bosques estão identificados conforme suas siglas. O eixo do x representa adistância dos pontos do transect (5 a 200 m). A escala de y está padronizada em 12metros para o dossel e em 90 cm para a topografia.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 100 2000

0

0

0

0

0

0

0

0

05 1 0 0 2 0 0

D i s t â n c i a ( m )

AT 07

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 01 0 1 0 5 1 9 5

0

2

4

6

8

10

12

10 105 195

AT 08

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

)

5 1 1 0 2 0 0

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 110 200

AT 09

0

2

4

6

8

10

12

5 25 50 70 90 115 130 145 180 1900

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 05 2 5 5 0 7 0 9 0 1 1 5 1 3 0 1 4 5 1 8 0 1 9 0

AT 11

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249

Figura 26: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques deAmparo. Os bosques estão identificados conforme suas siglas. O eixo do x representa adistância dos pontos do transect (5 a 200 m). A escala de y está padronizada em 12metros para o dossel e em 90 cm para a topografia.

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

)

5 1 0 0 2 0 0

0

2

4

6

8

10

12

5 40 75 125 170 200

Altu

rada

sár

vore

s(m

)

AT12

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250

Tabela IX – Abundância do caranguejo-uçá nos manguezais de Amparo. Estãoexpressas: abundância total e abundância por classe de tamanho:

Bosque/Transect

Abundância totalNptotal

(m2)

Classes de tamanho

(cm)

Densidade relativapor classe de

tamanho(%)

Abundância porclasse de tamanho

(m2)Transect 02

Haut-fourrés deLaguncularia

Mangue manso – Rio doMirto

2,32Toca tampada=< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

73,088,6511,545,770,96

1,700,200,270,130,02

Transect 03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirto 0,87Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

85,587,694,810,960,96

0,750,070,040,010,01

Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – CosteiraGrande

0,24Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

91,185,881,471,47-----

0,220,010,0040,004-----

Transect 06Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

Canapuval CosteiraGrande

0,78Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

39,67,9234,6514,852,97

0,310,060,270,120,02

Transect 07Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso Costeira

Grande

0,79Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

51,9218,2725,04,81-----

0,410,140,200,04----

Transect 08Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho

0,67Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

81,558,748,740,97----

0,550,060,060,01----

Transect 09Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso – Rio do

Atalho

2,53Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

86,546,734,810,960,96

2,190,170,120,020,02

Transect 11Floresta de borda

Mangue altoRio do Itinga

0,51Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

84,627,006,002,001,00

0,430,040,030,010,01

Transect 12Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Itinga

1,17Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

91,353,854,81------

1,060,050,06------

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251

Tabela X – Abundância do sururu nos manguezais de Amparo. Estão expressas:abundância total, área de ocorrência e densidade por classe de tamanho.

Bosque/Transect

Abundânciatotal

Nptotal(m2)

Área deocorrência8

(m)

Classes detamanho dos

bancos9

Densidaderelativa porclasse detamanho

(%)

Abundânciapor classe de

tamanho

(m2)

Transect 02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio do

Mirto

1,42 5 PMG

100--

1,42--

Transect 03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirto 0,68 200 PMG

84,478,746,8

0,580,060,05

Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – CosteiraGrande

0,32 10 a 120 PMG

20,7620,7658,49

0,070,070,19

Transect 06Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

Canapuval CosteiraGrande

1,61 5 a 50PMG

36,3636,3627,27

0,570,590,44

Transect 07Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso Costeira

Grande0,23 115 a 135

PMG

18,1845,4536,36

0,040,100,10

Transect 08Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho

0,3120 a 25

e115 a 120

PMG

402040

0,130,060,12

Transect 09Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso – Rio do

Atalho

ausente Ausente PMG

ausente ausente

Transect 11Floresta de borda

Mangue altoRio do Itinga

ausente AusentePMG

ausente ausente

Transect 12Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Itinga

ausente AusentePMG

ausente ausente

8 Distância do transect (m).9 (P) = < 10 indivíduos; (M) > 10, <30 indivíduos; (G) = >30 indivíduos.

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252

Tabela XI – Parâmetros de abundância da ostra-do-mangue nos manguezais deAmparo. Estão expressas: abundância total, área de ocorrência e abundância porclasse de tamanho.

Bosque/Transect

AbundânciaTotal

Nptotal (m2)

Área deocorrência10

(m)

Classes detamanho dos

bancos11

Densidaderelativa porclasse detamanho

(%)

Abundânciapor classe de

tamanho

(m2)

Transect 02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio do

Mirto

ausente ausente PMG

ausente ausente

Transect 03Floresta de borda

Mangue alto – Rio do Mirtoausente ausente P

MG

ausente ausente

Transect 05Floresta de borda

Mangue alto – CosteiraGrande

0,08 10 a 85 PMG

45,4527,2727,27

0,040,020,02

Transect 06Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

Canapuval CosteiraGrande

ausente ausente PMG

ausente ausente

Transect 07Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso – Costeira

Grande

ausente ausente PMG

ausente ausente

Transect 08Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Atalho

ausente ausente PMG

ausente ausente

Transect 09Haut-fourrès de

LagunculariaMangue manso – Rio do

Atalho

ausente ausente PMG

ausente ausente

Transect 11Floresta de borda

Mangue altoRio do Itinga

ausente ausentePMG

ausente ausente

Transect 12Hauts-fourrés et Bois

fourrés de Laguncularia oude Rhizophora

CanapuvalRio do Itinga

ausente ausente PMG

ausente ausente

10 Distância do transect (m).11 (P) = < 10 indivíduos; (M) > 10, < 30 indivíduos; (G) = > 30 indivíduos.

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253

BOSQUE AT 02 – RIO DO MIRTO

O Bosque AT02, designado por MARTIN como Haut Fourrés (bosque alto)

de Laguncularia e pelos extrativistas como o “Mangue manso” do Rio do Mirto,

apresenta um dossel basicamente monoestratificado, com média de altura de 2,24

metros (∀ 0,84), e as seguintes densidades relativas: 88,46% para Laguncularia;

7,89% para Rhizophora e 3,85% para Avicenia. Nessa área, o V.I. de Laguncularia

atinge 242,5 pontos, com dominância relativa de 81,81%. A abundância total de

árvores no bosque é de 1,03 (∀ 0,01)/m2. O presente estudo identifica esse

bosque como Bosque Frutescente de Laguncularia.

Sua topografia é relativamente elevada (19,08 ∀ 9,1212), com proporção

muito reduzida de carbonato de cálcio (4,76%) e reduzida matéria orgânica

(9,44%). O sedimento tem uma proporção média de areia, com 63,9%. Seus

grânulos são classificados como silte grosso (SG) à areia muito fina (AMF). O solo

recebe a classificação de areia/areia síltica.

Em relação aos recursos bênticos, esse local apresentou abundância

elevada de caranguejos (2,32 tocas/m2) e de sururus (1,42 bancos/m2). Entretanto,

não disponibiliza ostras.

Segundo relatos dos extrativistas da região, nesse bosque os caranguejos

são coletados apenas na andada, devido à dificuldade de utilizar a foice no

substrato arenoso.

Também nas áreas marginais ao bosque, à beira da coluna d’água, os

bancos de sururus são sistematicamente coletados por grupos familiares de

Amparo. É interessante ressaltar que esta é uma das áreas com elevada

abundância de bancos de sururus, comparando com os demais bosques

estudados. Observou-se, ainda, que seus bancos estavam mais homogeneamente

distribuídos ao longo da área, com fendas dos animais, apresentando tamanhos

homogêneos, com não mais que 1 cm de largura. Esse fato chamou a atenção por

indicar um manejo dessa área.

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254

BOSQUE AT 03 – RIO DO MIRTO

Outro bosque localizado no Rio do Mirto (AT 03) é designado por MARTIN

como Floresta de Borda, e pelos extrativistas locais como Mangue Alto.

Apresenta dossel com altura média de 3,99 metros (∀ 1,29), composto de três

estratos, sendo suas árvores as mais altas, chegam a atingir 7 a 8 metros de

altura. Abundância total de árvores é de 0,36 (∀ 0,004) indivíduos/m2. A densidade

relativa das três árvores (85,58% de Laguncularia, 10,58% de Rhizophora e 3,85%

de Avicenia) demonstra uma maior preponderância de Laguncularia, indicado

também por seu V.I. (242,5). Essas características fisiográficas corroboram com a

denominação anterior de MARTIN. O presente estudo denomina esse bosque

como Floresta de borda com predomínio de Laguncularia.

Em relação ao substrato, essa área tem topografia rebaixada (57,33 ∀7.12

cm), com proporção mediana de carbonato de cálcio (12,16%) e elevada de

matéria orgânica (20,28%). Quanto à sua granulometria, apresenta silte em maior

proporção (61,2%). Seu substrato é classificado por silte grosso/silte médio,

denominado como areia síltica/silte arenoso.

Quanto à disponibilidade de recursos bênticos, essa área apresenta-se

mediana em caranguejos (0,87 tocas/m2) e sururus (0,68 bancos /m2) e não

disponibiliza ostras.

Segundo relatos dos extrativistas locais, esse bosque é constantemente

utilizado para a coleta de sururus e de caranguejos pela comunidade de Amparo.

BOSQUE AT 05 – COSTEIRA GRANDE

O bosque de manguezais mais externos da região da Costeira Grande (AT05) recebe a denominação de MARTIN como Floresta de Borda e pelos

extrativistas locais como Mangue alto, espaçoso. Apresenta altura média de

dossel de 5,10 metros (∀ 1,89). É composto por três estratos, com as árvores mais

altas, atingindo 8 a 10 metros de altura. A abundância total de árvores é de 0,26

(∀ 0,003) indivíduos/m2. A densidade relativa das três árvores (31,73% de 12 Altura da Bostrichia, em centímetros.

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255

Laguncularia, 60,58% de Rhizophora e 7,69% de Avicenia) demonstra uma maior

preponderância de Rhizophora nesse local, cujo V.I. é de 157,4. Essas

características fisiográficas corroboram com a denominação de MARTIN. O

presente estudo denomina esse bosque como Floresta de borda compredomínio de Rhizophora.

Essa área apresenta topografia rebaixada (55,08∀16,5). Seu substrato

contém carbonatos de cálcio em proporção reduzida (6,82%) e matéria orgânica

em proporção mediana (12,5%). Em relação à sua composição granulométrica,

predomina o silte grosso e a areia muito fina, com areia em maior proporção

(66,4%). É classificado como areia síltica.

Em relação aos recursos bênticos, esse bosque apresenta abundância

reduzida tanto de caranguejos (0,24 tocas/m2) quanto de ostras (0,08 bancos/m2) e

de sururus (0,32 bancos/m2).

Essa região é mencionada pelos extrativistas locais como uma área muito

utilizada para a extração de ostras, tanto por grupos oriundos de Amparo quanto

das demais comunidades das imediações (Vila Guarani, Valadares e Eufrasina).

BOSQUE AT 06 – COSTEIRA GRANDE

O bosque da região da Costeira Grande (AT 06) é denominado

genericamente por MARTIN como Bois Fourrés (bosques cerrados) de

Laguncularia ou de Rhizophora ou Haut Fourrés (bosques altos) de

Laguncularia. Os extrativistas locais o denominam como “mangue misturado”.

Apresenta altura média de dossel de 2,33 metros (∀0,48), é composto por dois

estratos, com suas árvores mais altas atingindo 3 a 4 metros de altura. A

abundância total de árvores é de 0,37 (∀ 0,004) indivíduos/m2. A densidade

relativa das três árvores (57,69% de Laguncularia, 33,65% de Rhizophora e 8,65%

de Avicenia) demonstra uma maior preponderância de Laguncularia nesse local,

com seu V.I em 154,5 pontos. Ressalta-se que o V.I. para Rhizophora é de 106,6

pontos. Essas características fisiográficas corroboram com a denominação

genérica de MARTIN, sendo o presente estudo especifica esse bosque como BoisFourrés (bosque cerrado) de Laguncularia.

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256

Sua topografia é mediana (37,19∀7,37). O substrato contém proporção

mediana de carbonatos de cálcio (10,14%) e elevada de matéria orgânica

(22,22%). Quanto à sua composição granulométrica, há predomínio de silte médio

a grosso, com as partículas de silte compondo 74,7%. Seu o solo é denominado

como silte arenoso/siltito.

Os recursos bênticos nesse bosque apresentam as seguintes abundâncias:

mediana para caranguejos (0,78 tocas/m2) e elevada para sururus (1,61

bancos/m2). Ostras estão ausentes nesta região.

Essa área é muito mencionada pela comunidade de Amparo como um dos

lugares preferenciais para a coleta de caranguejos, tanto na corrida como entre

luas.

BOSQUE AT 07 – COSTEIRA GRANDE

Esse bosque da Costeira Grande (AT 07) é denominado genericamente por

MARTIN como Haut Fourrés de Laguncularia. Os extrativistas locais o

denominam mangue manso. Nessa área, a altura média do dossel é de 3,68

metros (∀ 1,23), composto por dois a três estratos, com suas árvores mais altas

atingindo 4 a 7 metros de altura. A abundância total de árvores é de 0,45 (∀ 0,004)

indivíduos/m2. A densidade relativa das três árvores (95,19% de Laguncularia,

2,88% de Rhizophora e 1,92% de Avicenia) demonstra uma dominância de

Laguncularia nesse local, cujo V.I. é de 279,5 pontos. Essas características

fisiográficas corroboram com a denominação de MARTIN.

Sua topografia é mediana (36,12∀12,87), e o substrato é composto por uma

proporção muito reduzida de carbonatos de cálcio (3,65%) e mediana de matéria

orgânica (11,02%). Em sua composição granulométrica, há predomínio de areia

muito fina, com 65,9% de areia. O solo denominado areia/areia síltica.

Quanto aos recursos bênticos, esse bosque apresenta abundância mediana

de caranguejos (0,79 tocas/m2) e reduzida abundância de sururus (0,23

bancos/m2), e as ostras estão ausentes na região.

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BOSQUE AT 08 – RIO DO ITINGA

O bosque de manguezais situado às margens do Rio Itinga (AT 08) recebe a

denominação genérica de MARTIN como Bois Fourrés de Laguncularia ou de

Rhizophora ou Haut Fourrés de Laguncularia. Os extrativistas locais o

denominam como “mangue manso, mas mangue alto”. A altura média do dossel

desse bosque é de 4,05 metros (∀ 1,36), e apresenta dois a três estratos. Suas

maiores árvores atingem 6 a 8 metros de altura. A abundância total de árvores

nesse bosque é de 0,25 (∀0,002) indivíduos/m2. A densidade relativa das três

árvores é de 88,46% de Laguncularia; 4,81% de Rhizophora; e 6,73% de

Avicenia), o que demonstra uma dominância de Laguncularia nesse local, com

valor de V.I = 236,7. Essas características fisiográficas corroboram com a

denominação genérica de MARTIN, e o presente estudo o especifica como HautFourrés (Bosque alto) de Laguncularia.

A topografia do local é mediana à rebaixada (42,77∀8,59), com o substrato

composto por uma proporção reduzida à mediana de carbonatos de cálcio

(5,58%). Sua proporção de matéria orgânica é mediana (15,28%) e na composição

granulométrica predomina silte médio e areia fina, com a proporção de 55,65% de

silte e de 37,75% de areia. O solo recebe a denominação de siltito/areia síltica.

Quanto aos recursos bênticos nesse bosque, os caranguejos apresentam-se

com uma abundância mediana (0,67 tocas/m2). As ostras estão ausentes nesta

região. Os sururus apresentam abundância reduzida (0,31 bancos/m2).

Segundo relatos dos extrativistas locais, esses bosques são menos utilizados

para o extrativismo do caranguejo, em comparação com aqueles às imediações da

Costeira Grande, da entrada do Buqüera, e no Rio do Mirto. Devido à grande

profundidade das tocas dos caranguejos nos substratos desse bosque, a técnica

de coleta mais utilizada na região é o caranguejo pegado, na corrida. Também

nessa região não há relatos de extrativismo de sururus.

BOSQUE AT 09 – RIO DO ATALHO

O bosque de manguezais, situado às margens do Rio do Atalho (AT 09), édenominado por MARTIN como Haut Fourrés de Laguncularia. Os extrativistas

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258

locais o denominam mangue manso. Seu dossel apresenta altura média de 2,67

metros (∀ 0,56), mono a biestratificado. Suas maiores árvores atingem cerca de 4

metros de altura. A abundância total de suas árvores é de 0,70 (∀ 0,007)

indivíduos/m2, com densidade relativa para Laguncularia em 93,27%, e para

Rhizophora em 6,73%, com Laguncularia atingindo um V.I. de 225,4. Não foram

encontradas árvores de Avicenia na região. O presente estudo enquadra esse

bosque como Bosque frutescente de Laguncularia.

A topografia do local é elevada (23,08∀5,09) e seu substrato é composto por

uma proporção reduzida de carbonatos de cálcio (6,25%) e mediana de matéria

orgânica (10,65%). Em sua composição granulométrica predomina areia (69,45%),

classificada como areia muito fina/silte grosso. O solo é denominado areia/areia

síltica.

Para seus recursos bênticos, constatou-se uma abundância elevada de

caranguejos (2,53 tocas/m2). Ostras e sururus estão ausentes nesta área.

Esse bosque apresenta difíceis condições de acessibilidade. A coleta do

caranguejo pegado é dificultada pela densidade dos bosques. Já a coleta do

caranguejo tirado por foice é impossibilitada pelo substrato arenoso,

extremamente duro. Essa área é conhecida pelos extrativistas locais por ter

caranguejo “grosso” e ser um “lugar que ninguém tira”.

BOSQUE AT 11 – RIO DO ATALHO

O bosque de manguezais situado às margens do Rio do Atalho (AT 11) édenominado por MARTIN como Floresta de Borda. Os extrativistas locais o

denominam como “mangue alagado”. A altura média do dossel é de 3,25 metros

(∀ 1,57), sendo composto por três estratos. As árvores mais altas encontradas

nessa região atingem 6 a 8 metros de altura, e a abundância total de suas árvores

é de 0,19 (∀ 0,002) indivíduos/m2. A densidade relativa das árvores é de 81% para

Laguncularia e de 19% para Rhizophora. Espécimes de Avicenia não foram

observados na região. As características fisiográficas gerais desse bosque

corroboram com a denominação realizada por MARTIN; o presente estudo o

especifica como Floresta de borda com dominância de Laguncularia.

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259

A topografia local é mediana à rebaixada (43,16∀18,92), com substrato

composto por uma proporção reduzida de carbonatos de cálcio (5,48%) e mediana

de matéria orgânica (13,43%). Em sua composição granulométrica há predomínio

de silte (77,3%) na porção mais externa da fisiografia. Em sua porção mais interna,

a maior proporção é de areia (87,2%). É classificada como silte médio/areia fina, e

o solo denominado como areia/silte arenoso.

Quanto aos recursos bênticos, constatou-se uma abundância mediana de

caranguejos (0,51 tocas/m2) e a ausência de ostras e sururus.

É importante ressaltar o difícil acesso a esse bosque, pelas condições de seu

substrato, pouco consolidado. Os extrativistas de Amparo relatam que essa área

não é utilizada para coleta da faina de manguezais.

BOSQUE AT 12 – RIO DO ITINGA

O bosque às imediações do Rio Itinga (AT 12), é denominado por MARTIN

como Bois Fourrés de Laguncularia ou de Rhizophora ou Haut Fourrés de

Laguncularia. Os extrativistas locais o chama de Canapuval. No presente estudo,

esse bosque apresentou altura média do dossel em 4,75 metros (∀ 1,41),

composto por três estratos. Suas árvores mais altas atingem 7 a 8 metros de

altura, e a abundância total de suas árvores é de 0,33 (∀ 0,003) indivíduos/m2. A

densidade relativa das árvores é de 25% para Laguncularia; 59,62% para

Rhizophora e 15,38% para Avicenia. O V.I. de Rhizophora atinge 147,2, em

contraposição à Laguncularia (84,3) e Avicenia (68,5). Essas características

fisiográficas corroboram com MARTIN. Aqui, especifica-se essa região como Haut

Fourrés de Rhizophora.

Sua topografia é mediana (30,62∀7,91) e seu substrato contém uma

proporção mediana de carbonatos de cálcio (12,92%) e elevada de matéria

orgânica (35,46%). Sua granulometria apresenta-se com predomínio de silte

(63,71%), sendo classificada como silte grosso/a médio. Seu solo é denominado

silte arenoso.

Em relação aos recursos bênticos, constatou-se uma abundância mediana à

elevada de caranguejos (1,17 tocas/m2) e ausência de ostras e sururus nessa

área.Localizou-se nessa área, com o auxílio do extrativista que orientava o estudo

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260

de campo, um pequeno córrego próximo ao ponto inicial do transect, chamado de

Rio do Moreira. Esse manguezal parece não ser muito utilizado pela comunidade

de Amparo, entretanto não se tem informações de atividades extrativistas de

outros grupos que freqüentam a região.

OS MANGUEZAIS DO PORUQUARA

Para esta região, MARTIN (1992) realizou um mapeamento das fisiografias

micromicrorregionais dos manguezais que se localizam ao fundo dessa enseada e

identificou três tipos fisiográficos: Haut Fourrés (bosques altos) de Laguncularia,

Haut Fourrés (bosques altos) de Rhizophora e Populações de Bordas de Águas

Mesoalinas/Florestas de Borda.

Entretanto, no presente estudo, constatou-se diversas vezes que algumas

áreas estudadas não apresentavam a mesma estrutura fisiográfica descrita por

MARTIN.

O mapeamento de MARTIN na região do Poruquara baseou-se tanto em

leituras aerofotogramétricas quanto em estudos de campo. Porém, as

localizações específicas de suas análises de campo não estão claramente

apontadas em seus mapas. Assim, é possível que as diferenças entre os

resultados possam ser atribuídos possivelmente ou a uma troca de legendas na

confecção dos mapas da região ou às condições de interpretação

aerofotogramétrica das zonas de igual aparência na região do Poruquara,

executados por essa autora. Contudo, não se afasta a hipótese de uma

modificação estrutural nos bosques locais, posto que o intervalo de tempo entre

os estudos de MARTIN e o presente compreende mais de 10 anos. Recomenda-

se uma análise posterior, mais pormenorizada de fotografias aéreas disponíveis,

em escala adequada, a fim de analisar séries temporais e averiguar possíveis

modificações fisiográficas nas dinâmicas dos bosques locais.

A seguir, serão apresentados os resultados das análises ecológicas em cada

um dos bosques estudados. Suas características sedimentológicas estão descritas

na tabela XII. Seus parâmetros fisiográficos são apresentados nas tabelas XIII e

XIV e figuras 27 e 28, e os parâmetros de abundância de recursos bênticos, nas

tabelas XV, XVI e XVII.

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261

Tabela XII – Parâmetros Sedimentológicos dos Bosques de Manguezais de Poruquara, Baía dos Pinheiros. A linha inferior de cada dadocontém o valor médio dos parâmetros para cada transect.

Carbonato decálcio(%)

Matériaorgânica

(%)

Cascalho

(%)

Areia

(%)

Silte

(%)

Argila(%)

Classificação

Bosque/Transect

#1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2 #1 #2

7,73 2,47 18,06 7,26 --- 14,61 33,61 79,88 62,84 4,009 3,548 1,503Transect 01Haut-fourrés de

LagunculariaCanapuval Rrio

Poruquara-Mirim5,1 12,66 7,3 56,75 33,43 2,53

SG AG

10,12 18,18 31,72 5,00 --- --- 33,19 65,49 63,39 31,01 3,521 3,501Transect 02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio

Cachoeira14,15 18,36 ---- 49,3 47,2 3,5

SG AMF

7,57 5,06 18,18 7,8 1,466 25,96 39,03 60,69 56 8,902 3,5 4,451Transect 03Haut-fourrés de

RhizophoraMangue manso – Rio

Poruquara-Mirim 6,32 12,99 13,71 49,86 32,45 3,98

AMF AG

7,02 3,17 15,78 4,56 0,6 10,2 43,4 84,2 51,5 3,0 4,5 2,5Transect 04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedrada Constança 5,1 10,17 5,39 63,8 27,27 3,54

AMF AM

12,39 14,21 24,19 35,38 --- --- 20,5 9,617 75 82,89 4,5 7,49Transect05Haut-fourrès de

RhizophoraSiriuval e mangue

manso 13,3 29,79 --- 15,05 78,95 6,0

SG SM

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262

Tabela XIII – Parâmetros Fisiográficos dos Bosques de Manguezais de Poruquara, Baía dos Pinheiros. Os dados de topografia e de dosselexpressam médias ± desvio-padrão. Os dados de abundância expressam seus coeficientes ± erro-padrão.

Abundância EspecíficaNpespecífico

(m2)Área basal média

Específica g específico (m2)

Bosque/Transect

Topografia13

(cm)Dossel14

(m)Abundância

TotalNptotal (m2)

L R A

Áreabasal daárvoremédia

g (m2)L R A

Diâmetro àaltura do peito

da árvore média

DAP

Transetc 01Haut-fourrés de Laguncularia

Canapuval Rio Poruquara-Mirim

35,23 ±11,02 3,19±1,47

0,80±0,008 0,25±0,003

0,52±0,005

0,02±0,0002

0,03 0,02 0,02 0,42 20,20

Transect02Haut-fourrés de Laguncularia

Mangue manso – RioCachoeira

45,10±7,11 3,00±0,89

0,72±0,007 0,37±0,004

0,34±0,003

0,01±0,0001

0,04 0,019 0,034 0,28 21,45

Transect03Haut-fourrés de Rhizophora

Mangue manso – RioPoruquara-Mirim

43,80±12,18 2,62±0,95

0,77±0,008 0,45±0,004

0,31±0,003

0,01±0,00007

0,03 0,035 0,021 0,020 19,59

Transect04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedra daConstança

50,20±14,8 4,29±1,53

0,43±0,004 0,29±0,002

0,10±0,0009

0,05±0,0004

0,05 0,032 0,052 0,127 24,35

Transect05Haut-fourrès de RhizophoraSiriuval e Mangue manso

57,84±14,42 3,94±2,19

0,27±0,003 0,22±0,002

0,02±0,0002

0,03±0,0003

0,14 0,047 0,083 0,793 41,61

13 Expressa pela altura média da alga Bostrichia.14 Expresso pela altura média das árvores mensuradas.

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263

Tabela XIV – Parâmetros Fisiográficos dos Bosques de Manguezais de Poruquara, Baía dos Pinheiros. Estão expressas estimativas quecompõem o Valor de Importância de cada espécie arbórea para os bosques estudados.

Freqüência Absoluta(%)

Freqüência Relativa(%)

Densidade Relativa(%)

Dominância Específica Dominância Relativa(%)

Valor de ImportânciaBosque/Transect

L R A L R A L R A L R A L R A L R A

Transect01Haut-fourrés de Laguncularia

Canapuval Rio Poruquara-Mirim

73,08 92,31 11,54 41,3 52,17 6,52 31,73 65,39 2,89 0,005 0,010 0,008 21,01 43,70 35,29 94,04 161,3 44,7

Transect02Haut-fourrés de Laguncularia

Mangue manso –RioCachoeira

88,46 84,62 7,69 48,94 46,81 4,25 50,96 47,12 1,92 0,007 0,012 0,003 32,77 54,12 13,11 132,7 148,1 19,3

Transect03Haut-fourrés de Rhizophora

Mangue manso – RioPoruquara-Mirim

92,31 84,62 3,85 51,06 46,81 2,13 58,65 40,39 0,96 0,016 0,007 0,0002 68,97 30,17 0,86 178,7 117,4 4,0

Transect04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedra daConstança

100 53,85 34,62 53,06 28,57 18,37 67,31 22,12 10,58 0,009 0,005 0,006 45 25 30 165,4 75,7 59,0

Transect05Haut-fourrès de RhizophoraSiriuval e Mangue manso

100 19,23 30,77 66,67 12,82 20,51 80,77 7,69 11,54 0,010 0,002 0,024 28,01 4,76 67,23 175,5 25,3 99,3

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264

Figura 27: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques doPoruquara. Os bosques estão identificados conforme suas siglas. O eixo do x representa adistância dos pontos do transect (5 a 200 m). A escala de y está padronizada em 12 metrospara o dossel e em 90 cm para a topografia.

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 05 5 0 1 0 0 1 4 0 1 6 5 1 9 0

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 50 100 140 165 190

PT 01

0

0

0

0

0

0

0

0

0

00 5 0 7 5 1 2 5 1 6 5 1 9 5

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

0 50 75 125 165 195

PT 02

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 05 4 0 9 5 1 2 0 1 6 5 2 0 0

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 40 95 120 165 200

PT 03

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

)

1 0 3 5 8 0 1 3 5 1 6 5 1 9 5

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

10 35 80 135 165 195

PT 04

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Figura 28: Altura do dossel (m) e topografia do terreno (cm) dos bosques doPoruquara. Os bosques estão identificados conforme suas siglas. O eixo do xrepresenta a distância dos pontos do transect (5 a 200 m). A escala de y estápadronizada em 12 metros para o dossel e em 90 cm para a topografia.

PT 05

0

1 0

2 0

3 0

4 0

5 0

6 0

7 0

8 0

9 0

)

5 3 5 7 0 1 2 0 1 6 0 1 9 5

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

5 35 70 120 160 195

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Tabela XV – Abundância do caranguejo-uçá nos manguezais do Poruquara.Estão expressos: abundância total e abundância por classe de tamanho.

Bosque/Transect Abundância total

Nptotal

(m2)

Classes de tamanho

(cm)

Densidade relativapor classe de

tamanho(%)

Abundância porclasse de tamanho

(m2)

Transect01Haut-fourrés de

LagunculariaCanapuval R.Poruquara-

Mirim

1,29Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

89,222,946,860,98---

1,150,040,090,01---

Transect02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio

Cachoeira

1,14Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

94,232,881,920,96---

1,080,030,020,01---

Transect03Haut-fourrés de

RhizophoraMangue manso – Rio

Poruquara-Mirim

0,69Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

77,896,737,692,884,81

0,540,050,050,020,03

Transect04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedra daConstança

0,69Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

73,088,65

11,544,810,96

0,500,060,080,030,01

Transect05Haut-fourrès de

RhizophoraSiriuval e mangue manso

0,42Toca tampada =< 4,0 > 6,0=< 6,0 > 8,0=< 8,0 >10,0=<10,0

88,466,734,81------

0,370,030,02------

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267

Tabela XVI – Abundância do sururu nos manguezais do Poruquara. Estãoexpressos: abundância total, área de ocorrência e abundância por classe detamanho.

Bosque/Transect Abundância

TotalNptotal(m2)

Área deocorrência 15

(m)

Classes detamanho dos

bancos16

Densidaderelativa porclasse detamanho

(%)

Abundânciapor classe de

tamanho(m2)

Transect01Haut-fourrés de

LagunculariaCanapuval

R.Poruquara-Mirim

1,18 5 a 15PMG

25,041,733,3

0,300,490,39

Transect02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio

Cachoeira

1,98 5PMG

--

100

--

1,98

Transect03Haut-fourrés de

RhizophoraMangue manso –Rio

Poruquara-Mirim

0,92 5PMG

14,328,657,0

0,130,260,53

Transect04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedra daConstança

0,59 10 a 110PMG

8848

0,520,020,05

Transect05Haut-fourrès de

RhizophoraSiriuval e Mangue manso

ausente ausentePMG

ausente ausente

15 Distância do transect (m).16 (P) = < 10 indivíduos ; (M) > 10, < 30 indivíduos; (G) = > 30 indivíduos.

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268

Tabela XVII – Abundância da ostra-do-mangue nos manguezais do Poruquara.Estão expressos: abundância total, área de ocorrência e abundância por classe detamanho.

Bosque/Transect

AbundânciaTtotalNptotal(m2)

Área deocorrência 17

(m)

Classes detamanho dos

bancos18

Densidaderelativa porclasse detamanho

(%)

Abundânciapor classe de

tamanho(m2)

Transect01Haut-fourrés de

LagunculariaCanapuval Rio

Poruquara-Mirim

0,05 5 a 10PMG

5050-

0,0240,024

-

Transect02Haut-fourrés de

LagunculariaMangue manso – Rio

Cachoeira

ausente ausente

PMG ausente ausente

Transect03Haut-fourrés de

RhizophoraMangue manso – Rio

Poruquara-Mirim

0,14 30PMG

100--

0,14--

Transect04Bosque de Borda

Mangue alto – Pedra daConstança

0,06 10 e 40PMG

100--

0,06--

Transect05Haut-fourrès de

RhizophoraSiriuval e mangue

manso

0,17 130 e 145PMG

50-

50

0,084-

0,084

17 Distância do transect (m)18 (P) =< 10 indivíduos; (M) > 10, < 30 indivíduos; (G) = > 30 indivíduos

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269

BOSQUE PT 01 – IMEDIAÇÕES DE RIO GRANDE E RIOPORUQUARA-MIRIM

O bosque de manguezais situado entre o Rio Grande e o Rio Poruquara-Mirim compreende uma grande área que se estende desde as margens da enseada

do Poruquara até a região mais interna da extensão do Rio Poruquara Mirim,

denominada de PT 01 no presente estudo. Pelo mapeamento de MARTIN, essa

área apresentaria uma fisiografia do tipo Haut Fourrés (bosque alto) de

Laguncularia. Os extrativistas locais relatam que essa grande área é um

Canapuval “diferente”, de árvores baixinhas.

No presente estudo, constatou-se a altura média de seu dossel em 3,19

metros (∀1,47), composto por três estratos. Suas árvores mais altas atingem 7 a 8

metros de altura, e a abundância total de árvores é de 0,80 (∀ 0,008) indivíduos/m2.

A densidade relativa das árvores é de 31,73% para Laguncularia, de 65,39% para

Rhizophora e de 2,89% para Avicenia. E o V.I. para Rhizophora atinge 161,3 pontos,

enquanto para Laguncularia, 94,04. Essas características fisiográficas gerais não

corroboram com a denominação realizada por MARTIN.

O presente estudo identifica essa região como pertencendo ao tipo fisiográfico

Bois Fourrés (bosque cerrado) de Rhizophora.

A topografia dessa região é mediana à rebaixada (35,15∀11,02), e seu

substrato apresenta uma proporção reduzida de carbonatos de cálcio (5,1%) e

mediana de matéria orgânica (12,66%). Em sua composição granulométrica,

predomina o silte (62,8%) na porção mais externa da fisiografia e, mais

internamente, a areia (79,9%). Seu solo é classificado como contendo silte grosso

nas regiões mais marginais e areia grossa em suas porções internas, recebendo,

por isso, a denominação de silte arenoso/areia.

Quanto aos recursos bênticos, constatou-se uma abundância elevada de

caranguejos (1,29 tocas/m2), bem como de sururus (1,18 bancos/m2), e abundância

reduzida de ostras (0,05 bancos/m2).

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270

BOSQUE PT 02 – IMEDIAÇÕES DO RIO CACHOEIRA

Esse bosque localiza-se às imediações do Rio Cachoeira (PT 02) e foi

apontado no mapeamento de MARTIN como uma fisiografia do tipo Haut

Fourrés (bosque alto) de Laguncularia. Contudo, os extrativistas locais

relatam que essa é uma região de mangue misturado.

Este estudo constatou uma altura média de dossel de 3,00 metros (∀ 0,89)

e a presença de dois estratos nos quais algumas poucas árvores mais altas

dessa região atingem 5 a 6 metros de altura. A abundância total de árvores é de

0,72 (∀ 0,007) indivíduos/ m2. A densidade relativa das árvores é de 50,96%

para Laguncularia, de 47,12% para Rhizophora e de 1,92% para Avicenia. Em

termos de Valor de Importância, constata-se 132,7 pontos para Laguncularia e

148,1 pontos para Rhizophora.

As características fisiográficas gerais desse bosque também não

corroboraram com MARTIN. No presente estudo, considera-se que essa região é

do tipo fisiográfico Bois Fourrés (bosque cerrado) com co-dominância de

Rhizophora e Laguncularia.

Sua topografia é mediana à rebaixada (45,12∀7,11), seu substrato

apresenta uma proporção mediana de carbonatos de cálcio (14,15%) e é

elevada em matéria orgânica (18,36%). Em sua composição granulométrica,

predomina tanto o silte (47,2%) quanto a areia (49,3%) e seu solo contém silte

grosso nas regiões mais marginais e areia muito fina em suas porções internas,

recebendo, portanto, a denominação de silte arenoso/areia síltica.

No que diz respeito aos recursos bênticos, constatou-se uma abundância

elevada de caranguejos (1,14 tocas/m2); bem como de sururus (1,98 bancos/m2).

Já as ostras estavam ausentes na região.

BOSQUE PT 03 – RIO PORUQUARA-MIRIM

Esse bosque, situado na região mediana do Rio Poruquara-Mirim (PT 03)é denominado por MARTIN como do tipo Haut Fourrés de Rhizophora. Os

extrativistas locais relatam que esses bosques são mangues misturados.

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271

No presente estudo, constatou-se a altura média de dossel em 2,62 metros

(∀0,95), basicamente com dois estratos. As árvores mais altas da região atingem

cerca de 5 a 6 metros de altura. A abundância total de árvores é de 0,77

(∀0,008) indivíduos/m2 e sua densidade relativa é de 58,65% para Laguncularia,

de 40,39% para Rhizophora e de 0,96% para Avicenia. Em relação aos V.I.,

constata-se para Laguncularia 178,7 e 117,4 para Rhizophora.

Essas características fisiográficas gerais do bosque também não

corroboram com MARTIN. O presente estudo considera essa região como Bois

Fourrés (bosque cerrado) co-dominante de Rhizophora e Laguncularia,

com discreto predomínio de Laguncularia.

A topografia dessa região é mediana à rebaixada (43,81∀12,18) e seu

substrato apresenta uma proporção reduzida de carbonatos de cálcio (6,32%) e

mediana de matéria orgânica (13,99%). Sua composição granulométrica tem

predomínio de silte (56%) na região mais marginal e de areia (60,7%) nas áreas

mais internas. Seu solo contém areia muito fina nas regiões mais marginais e

areia grossa em suas porções internas, sendo por esse motivo denominado silte

arenoso/areia síltica.

Quanto aos recursos bênticos, constatou-se uma abundância mediana de

caranguejos (0,69 tocas/m2); bem como para sururus (0,92 bancos/m2), e

abundância reduzida para ostras (0,14 bancos/m2).

BOSQUE PT 04 – PEDRA DA CONSTANÇA

O bosque de borda, situado nas imediações da Pedra da Constança (PT04), é denominado por MARTIN de Pequenas populações de Borda. Os

extrativistas locais o chamam de bosques altos, alagados.Neste estudo, observou-se que a altura média de seu dossel é de 4,29

metros (∀ 1,53) e apresenta 3 estratos. Suas árvores mais altas atingem 7 a 8

metros de altura, sendo que a abundância total de árvores é de 0,43 (∀0,004)

indivíduos/m2. A densidade relativa das árvores é de 67,31% para Laguncularia,

22,12% para Rhizophora e 10,58% para Avicenia. Em relação ao V.I., verifica-se

165,4 pontos para Laguncularia, 75,7 para Rhizophora e 59,0 para Avicenia.

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272

Essas características fisiográficas do bosque corroboram com MARTIN,

podendo por isso ser classificado como do tipo Floresta de Borda compredomínio de Laguncularia.

Sua topografia é rebaixada (50,15∀14,8), o substrato apresenta reduzida

proporção de carbonatos de cálcio (5,10%) e mediana de matéria orgânica

(10,17%). Em sua composição granulométrica, predomina o silte (51,5%) na

região mais marginal do bosque e a areia (84,2%) nas áreas mais internas. Seu

solo contém areia muito fina nas regiões mais marginais e areia média em suas

porções internas, razão pela qual é denominado silte arenoso/areia.

Em relação aos recursos bênticos, constatou-se abundância mediana de

caranguejos (0,69 tocas/m2) e mediana de sururus (0,59 bancos/m2). Para

ostras, constatou-se abundância reduzida (0,06 bancos/m2).

BOSQUE PT 05 – RIO GRANDE OU PORUQUARA

O bosque situado na região interna do Rio Poruquara/Rio Grande (PT 05)foi indicado por MARTIN como uma fisiografia do tipo Haut Fourrés de

Rhizophora. Entretanto, os extrativistas locais relatam que em uma pequena

porção mais externa desses bosques existe um Siriuval (uma formação com

dominância de Avicenia), seguida de um Mangue manso.

No presente estudo relata-se que a altura média do dossel nesta área é de

3,94 metros (∀ 2,19), e a extensão dos primeiros 70 metros do transect é

composta por uma formação típica de Floresta de Avicenia, também chamada

de “Siriuval” pelos extrativistas locais. As outras áreas desse manguezal é do

tipo Bois fourrés (bosque cerrado) de Laguncularia.

Na primeira extensão do transect, que correspondente à formação de

Avicenia, apresentam-se três estratos com árvores mais altas medindo cerca de

10 metros de altura. Já no restante da área, observou-se, basicamente, 2 a 3

estratos, com árvores mais altas, medindo 5 a 7 metros de altura.

A abundância total de árvores ao longo de todo o transect é de 0,27

(∀0,003) indivíduos/m2, e a densidade relativa das árvores é de 80,77% para

Laguncularia, 7,69% para Rhizophora e 11,54% para Avicenia. Os valores de

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273

importância para Laguncularia, Rhizophora e Avicenia são, respectivamente,

175,5; 25,3; e 99,3.

As características fisiográficas gerais dos bosques dessa área não

corroboram com MARTIN. Assim, o presente estudo considera que no início do

transect realizado, nos 70 primeiros metros, uma formação típica de Floresta de

Avicenia, sendo que, na área contígua, entre os 70 e 200 metros de área

amostrada, uma formação do tipo fisiográfico Bois Fourrés de Laguncularia.

A topografia dessa região é rebaixada (57,77∀14,42) e seu substrato

apresenta uma proporção mediana de carbonatos de cálcio (13,33%) e elevada

de matéria orgânica (29,79%). Em sua composição granulométrica predomina o

silte (78,95%), seu solo contem silte grosso nas regiões iniciais do transect e silte

médio em suas porções internas. Seu solo é denominado de silte ou siltito.

Em relação aos recursos bênticos, essa área apresentou abundância

reduzida de caranguejos (0,42 tocas/m2) e de ostras (0,17 bancos/m2). Os

sururus estavam ausentes na área.

Os extrativistas informaram que a primeira área identificada como Floresta

de Avicenia é conhecido na região como o manguezal de Siriúva e de Canapuva

velha e é utilizado pelos extrativistas apenas na época da corrida do caranguejo.

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274

ANÁLISES COMPARATIVAS ENTRE OS BOSQUES ESTUDADOS

Para a identificação dos padrões de similaridade dos bosques e de seus

recursos bênticos, foram aplicadas análises de similaridade (com Bray Curtis), de

escalonamento multidimensional (MDS) e de agrupamentos (Cluster), como

descritos anteriormente. Para uma melhor visualização dos parâmetros

fisiográficos e da fauna, os parâmetros foram demonstrados graficamente

(Figuras 29 a 40).

Figura 29: Abundância total (Np total) e específica (Np específico). Os bosques estãoidentificados no eixo de X, conforme suas siglas. A escala de y representa o número deindivíduos por m2.Figura 30: Área basal da árvore média (g) e áreas basais específicas(g específico). Os diferentes bosques estão identificados no eixo de X, conforme suassiglas. A escala de y representa a área basal ocupada por m2.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

AT 02 AT 03 AT 05 AT 06 AT 07 AT 08 AT 09 AT 11 AT 12 PT 01 PT 02 PT 03 PT 04 PT 05

Área basal (m2)

Laguncularia Rhizophora Arvore Média Avicenia

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1,2

AT 02 AT 03 AT 05 AT 06 AT 07 AT 08 AT 09 AT 11 AT 12 PT 01 PT 02 PT 03 PT 04 PT 05 Nptotal Np de Laguncularia Np de Rhizophora Np de Avicenia

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275

Figura 31: DAP médio (cm) dos manguezais de Amparo e do Poruquara. Os bosquesestão identificados conforme suas siglas.

Figura 32: Altura média do dossel (m) dos manguezais de Amparo e do Poruquara. Osdiferentes bosques estão identificados conforme suas siglas.

DAP m édio

23,38

26,12

28,18

24,62

27,33

27,29

23,67

23,16

24,77

20,2

21,45

19,58

24,35

41,61

AT 02

AT 03

AT 05

AT 06

AT 07

AT 08

AT 09

AT 11

AT 12

PT 01

PT 02

PT 03

PT 04

PT 05

Altura do Dossel

2,24

3,99

5,1

2,33

3,68

4,05

2,67

3,25

4,75

3,19

3

2,62

4,29

3,94

AT 02

AT 03

AT 05

AT 06

AT 07

AT 08

AT 09

AT 11

AT 12

PT 01

PT 02

PT 03

PT 04

PT 05

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276

Figura 33: Altura média (cm) da alga Bostrichia, indicadora indireta da altura média da maré.Os diferentes bosques estão identificados conforme suas siglas.

Figura 34: Valor de Importância das espécies arbóreas. Os diferentes bosques estãoidentificados conforme suas siglas.

Valor de Importância

0 50 100 150 200 250 300

AT 02

AT 03

AT 05

AT 06

AT 07

AT 08

AT 09

AT 11

AT 12

PT 01

PT 02

PT 03

PT 04

PT 05

Laguncularia Rhizophora Avicenia

T o p o g ra f ia d o te rre n o

1 9 ,0 8

5 7 ,3 3

5 5 ,0 8

3 7 ,1 9

3 6 ,1 2

4 2 ,7 7

2 3 ,0 8

4 3 ,1 6

3 0 ,6 2

3 5 ,1 5

4 5 ,1 2

4 3 ,8 1

5 0 ,1 5

5 7 ,7 7

A T 0 2

A T 0 3

A T 0 5

A T 0 6

A T 0 7

A T 0 8

A T 0 9

A T 1 1

A T 1 2

P T 0 1

P T 0 2

P T 0 3

P T 0 4

P T 0 5

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277

Figura 35: (A) Freqüência relativa e (B) Densidade relativa (%) das espécies arbóreasdos manguezais de Amparo e do Poruquara. Os bosques estão identificados conformesuas siglas.

0%

20%

40%

60%

80%

100%

AT 02 AT 03 AT 05 AT 06 AT 07 AT 08 AT 09 AT 11 AT 12 PT 01 PT 02 PT 03 PT 04 PT 05

Freqüência Relativa

Laguncularia Rhizophora Avicenia

0%

20%

40%

60%

80%

100%

AT 02 AT 03 AT 05 AT 06 AT 07 AT 08 AT 09 AT 11 AT 12 PT 01 PT 02 PT 03 PT 04 PT 05

Densidade relativa (%)

Laguncularia Rhizophora Avicenia

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Figura 36: Dominância relativa (%) das espécies arbóreas. Os diferentes bosques estãoidentificados conforme suas siglas.

Figura 37: (A) Abundância (Np) dos recursos bênticos dos manguezais deAmparo e do Poruquara. Os diferentes bosques estão identificados no eixo de X,conforme suas siglas. A escala de y representa o número de indivíduos por m2, para ocaranguejo, e de número de bancos de indivíduos por m2 para os bivalves.

0

0 ,2

0 ,4

0 ,6

0 ,8

1

1 ,2

1 ,4

1 ,6

1 ,8

2

2 ,2

2 ,4

2 ,6

A T 0 2 A T 0 3 A T 0 5 A T 0 6 A T 0 7 A T 0 8 A T 0 9 A T 1 1 A T 1 2 P T 0 1 P T 0 2 P T 0 3 P T 0 4 P T 0 5

A b u n d â n c ia d o s r e c u r s o s b ê n t ic o s

N p d e C a r a n g u e jo N p d e S u r u r ú N p d e O s t r a

0%

20%

40%

60%

80%

100%

AT 02 AT 03 AT 05 AT 06 AT 07 AT 08 AT 09 AT 11 AT 12 PT 01 PT 02 PT 03 PT 04 PT 05

Dominância relativa

Laguncularia Rhizophora Avicenia

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Figura 38: Abundância total e por classe de tamanho de Ucides cordatus. Osbosques estão identificados no eixo de X, conforme suas siglas. A escala de yrepresenta o número de indivíduos por m2.

Figura 39: Abundância de Mytella guyanensis. Os diferentes bosques estãoidentificados no eixo de X, conforme suas siglas. A escala de y representa o número debancos de indivíduos por m2.

A T0 2

A T0 3

A T0 5

A T0 6

A T0 7

A T0 8

A T0 9

A T1 1

A T1 2

P T0 1

P T0 2

P T0 3

P T0 4

P T0 5

0

0 , 5

1

1 , 5

2

2 , 5

3

A b u n d â n c i a d e c a r a n g u e j o - u ç á

N p 1 0 N p 8 N p 6 N p 4 N p t o c a t a m p a d a N p t o t a l

AT 02 AT

03 AT 05 AT

06 AT07

AT08

AT09

AT11

AT12

PT01 PT

02PT03

PT04 PT

05

0 0,2 0,4 0,6 0,8

1 1,2 1,4 1,6 1,8

2

Abundância de sururu

Np P Np M Np G Np total

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Figura 40: Abundância de Crassostrea rhizophora. Os diferentes bosques estãoidentificados no eixo de X, conforme suas siglas. A escala de y representa o número debancos de indivíduos por m2.

Para analisar os padrões de similaridade entre os bosques e seus recursos

bênticos, foram tratados, em uma primeira etapa, os parâmetros fisiográficos,

sedimentológicos, faunísticos separadamente. Em seguida, foram realizadas

comparações utilizando parâmetros selecionados pela representatividade e não-

redundância. Por fim, foram feitas análises utilizando todos os parâmetros obtidos.

Dentre todas as análises realizadas, serão apresentadas aqui apenas aquelas

que demonstraram padrões significativos em relação às heterogeneidades

estudadas.

Em um primeiro momento, averiguaram-se padrões de similaridade,

escalonamento e agrupamento com todos os parâmetros obtidos (fisiográficos,

sedimentológicos e faunísticos), exceção foi o Valor de Importância, para se evitar

redundância de parâmetros.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4

0

0 ,0 2

0 ,0 4

0 ,0 6

0 ,0 8

0 ,1

0 ,1 2

0 ,1 4

0 ,1 6

0 ,1 8

A b u n d â n c ia d a O s tra d o M a n g u e

N p P N p M N p G N p to ta l

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Figura 41: Análises de Cluster (A) e de MDS (B) dos parâmetros fisiográficos dosmanguezais de Amparo e do Poruquara.

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Figura 42: (A) Análises de Cluster dos parâmetros sedimentológicos (médias). (B)Análises de cluster para disponibilidade de recursos bênticos nos manguezais deAmparo e do Poruquara.

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283

Dos parâmetros estudados, aqueles que indicaram similaridades entre os

bosques foram: a condição da topografia do terreno, o DAP médio das árvores e a

densidade relativa de Laguncularia, como mostram as figuras a seguir (Figuras 41 e

42).

Na análise de cluster, observou-se que os distintos tipos estruturais

anteriormente descritos foram agrupados perfeitamente. Esses quatro grupos

distintos dos bosques estudados foram agrupados com 85% de similaridade (Figura

41).

Em geral, os bosques de Poruquara apresentaram-se com topografia mais

rebaixada à mediana, com maiores áreas basais específicas de Avicenia. E todos os

bosques do Poruquara apresentam de 2 a 3 estratos de dossel, o que os classifica

como Bois fourrés (bosques cerrados) ou Forêt (Florestas).

Pode-se afirmar que os bosques com dominância de Laguncularia, cujo valor de

importância é maior que 200 pontos são ocorrentes na região de Amparo, (AT02,

AT03, AT07, AT08, AT 11), corroborando com MARTIN (op. cit.), que indica para

essa espécie um nicho ecológico preferencial em áreas polihalinas nesse complexo

estuarino. MARTIN (1992), LANA (1998) e BROGIM (2001) indicam que L. racemosa

é a espécie oportunista dos manguezais desse complexo estuarino a qual se adapta

perfeitamente a condições particulares desse litoral, principalmente nas áreas

eurihalinas.

MARTIN (op. cit.) também descreve que a exclusão interespecífica define as

populações dentro de cada bosque, situação essa que depende das condições

edáficas e topográficas bem localizadas. Segundo SNEDAKER (1971 apud

MARTIN), a proporção de populações pluriespecíficas ou a exclusão interespecífica

ocupa um papel preponderante e é, logicamente, mais importante no ambiente

sujeito às submersões cotidianas, caracterizadas pela ausência de condições

limitantes (zonas de bordadura).

Assim, em escala mesorregional, os comportamentos específicos e suas

repartições estão ligados aos gradientes topográficos. Já em escala microrregional,

a distribuição e a disparidade das populações são regidas pela morfologia local.

Dessa maneira, as florestas com três estratos se distribuem, na grande maioria

dos casos, nas bordaduras e no meio estuarino. Já os bosques frutescentes e

subfrutescentes são encontrados principalmente nas porções mais altas intertidais e

nas regiões supratidais (MARTIN, 1992).

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284

Os padrões encontrados corroboram com os descritos na literatura. E

especialmente nas análises de MDS, evidencia-se a presença dos tipos fisiográficos

Bois Fourrés, Haut Fourrés e Frutescentes, como ocorrentes em topografias

medianas a elevadas. Percebe-se claramente a divisão entre os grupos à esquerda

do quadrante, com menores DAP médios, pertencendo aos tipos Frutescente e Bois

Fourrés, enquanto os demais, à direita, com DAP médios maiores, pertencendo aos

tipos Haut Fourrés e Florestas de Borda.

Ao se analisar os parâmetros sedimentares (considerando suas médias) em

relação aos tipos fisiográficos, observa-se que os grupos similares foram indicados

pela média do percentual de areia dos substratos (Figura 42).

A relação entre as fisiografias e o percentual de areia torna-se um parâmetro

interessante ao se considerar os condicionantes de acesso aos manguezais,

principalmente em se tratando do extrativismo de caranguejos. Essa condição de

solo arenoso, segundo os relatos dos extrativistas, tem limitado determinadas

técnicas de coleta, a exemplo do uso da foice. Também tem restringido a escolha de

bosques para a extração de sururus, cuja preferência são os substratos mais

lodosos, com topografia descrita como “barranco”.

FLORESTAS DE BORDA E BOIS FOURRÉS (BOSQUESCERRADOS) COM PREDOMÍNIO Rhizophora

OS “CANAPUVAIS”

Nas análises de similaridade, esse grupo está identificado pela cor vermelha.

Esses bosques são denominados pelas populações locais de Canapuvais.

Seus representantes são os bosques AT 12, situado no interior do Rio Itinga; o

bosque AT 05, situado nas margens da Costeira Grande; e o bosque PT 01, na

grande área frontal à enseada do Poruquara, entre os rios Poruquara Grande e

Poruquara-Mirim.

Os três bosques apresentam estrutura de dossel em três estratos, com média

de altura do dossel de 5,10 m (+-1,89) em AT05; 4,75 m (+- 1,41) em AT12 e 3,19 m

(+-1,4) em PT1. Apresentam topografia rebaixada à mediana, densidade relativa de

Laguncularia abaixo de 60%, densidade relativa de Rhizophora acima de 40%, valor

de importância de Rhizophora acima de 140, abundância de Rhizophora acima de

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285

0,14 indivíduos/m2. Em relação à condição do substrato, AT12 é o menos arenoso,

enquanto AT05 e PT01 são mais arenosos.

Para o bosque AT5, na Costeira Grande, há relatos de uso intenso não só por

extrativistas de ostras e caranguejos da comunidade de Amparo, mas também por

extrativistas do Valadares e da Vila Guarani. As análises mostraram que esse

bosque apresenta-se muito pobre em caranguejo, ostra e sururu.

No bosque AT12, situado na região do Rio Itinga, há informações de que a

área não está entre as mais freqüentadas pelos extrativistas da grande região de

Amparo. O presente estudo mostrou que, quanto à disponibilidade de recursos,

AT12 é rico em caranguejo e não disponibiliza ostras e sururus.

Para o bosque PT01, situado na grande área entre o Rio Poruquara e o Rio

Poruquara-Mirim, no Poruquara, têm-se informações de que a área é utilizada para a

coleta de ostras. Os caranguejos são ali coletados em época de corrida, e essa

prática extrativista é relativamente limitada pela densidade do bosque, que dificulta o

deslocamento dos extrativistas. Já os sururus nessa região são pouco extraídos pela

comunidade local. O presente estudo mostrou que essa área (PT01) apresenta-se

rica em caranguejo e sururu e pobre em ostra.

BOIS FOURRÉS (BOSQUES CERRADOS) COM CO-DOMINÂNCIA DE Rhizophora e Laguncularia

OS MANGUES “MISTURADOS”

Nas análises de similaridade, esse grupo está identificado pela cor azul. Os

bosques que fazem parte desse grupo são denominados pelas populações locais de

Mangues misturados.

Fazem parte desse grupo, no presente estudo, o bosque AT06, situado na

região de Costeira Grande, Amparo; o bosque PT02, às imediações do Rio

Cachoeira, no Poruquara, e o bosque PT3, às imediações do Rio Poruquara-Mirim.

Esse grupo apresenta dossel em dois estratos e altura média das árvores entre

2,33 e 3,00 metros. São bosques com topografia mediana à rebaixada, cujos valores

de importância de Laguncularia e Rhizophora não apresentam grande diferença

entre si, e demonstram dominância relativa de Laguncularia menor que 70% e

menor que 40% para Rhizophora.

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286

Também são característicos por médias proporcionais de areia, de reduzidas a

medianas. Assim, o bosque AT06 é o menos arenoso dos 3 bosques e o bosque

PT03 o mais arenoso.

AT06 é um bosque muito mencionado para a captura de caranguejos na região

de Amparo, tanto para coleta nas luas de sizígia, pegado na corrida, quanto entre

luas, tirado com foice. Já os bosques PT02 e PT03, aparentemente não são usados

intensamente para o extrativismo do caranguejo-uçá, já que os extrativistas locais

informam realizar um controle de acesso dos tiradores que freqüentam as

imediações da Baía dos Pinheiros. Nesses bosques do Poruquara, os caranguejos

são coletados apenas na corrida, os sururus são extraídos, raramente, para

consumo familiar. Já a coleta de ostras é constante, mas realizada apenas pela

comunidade local

Quanto à disponibilidade de recursos bênticos, AT06 e PT02 apresentam-se

ricos em sururu e não apresentam ostras. O bosque PT02 é particularmente rico em

caranguejos. Já os bosques AT06 e PT03 apresentam-se medianos para esse

recurso. E PT03 disponibiliza os três recursos medianamente.

FLORESTAS DE BORDA COM PREDOMINÂNCIA DE LagunculariaOS MANGUES “MANSOS, MAS ALTOS”

Nas análises de similaridade, esse grupo está identificado pela cor rosa. Seus

bosques são mencionados pelos extrativistas locais como mangues altos ou

alagados, sendo AT03 situado às margens do Rio do Mirto de Amparo; AT11, às

margens do Atalho de Amparo; PT 04 e PT05, no Poruquara, às imediações da

Pedra da Constança, e do Rio Grande, respectivamente.

Todos esses bosques são bem desenvolvidos, com média de dossel acima de

3 metros, apresentando de 2 a 3 estratos, e topografia rebaixada. São considerados

Florestas de Borda, com valores de importância para Laguncularia acima de 160

pontos, o que indica dominância ou predominância dessa espécie.

Em relação às médias percentuais de areia, PT04 é o bosque mais arenoso do

grupo, AT11, o intermediário e AT03 e PT05 são os menos arenosos e mais

alagados.

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287

No que diz respeito às suas dinâmicas de apropriação, AT03 é muito

mencionado para a coleta sistemática de sururus da região de Amparo, bem como

para extração de caranguejos, tanto entre luas, como na corrida. Já AT11 é um

bosque de extrema dificuldade de acesso, muito alagado, considerado perigoso e

inviável para o extrativismo na comunidade de Amparo.

No Poruquara, o bosque PT04 é de boa acessibilidade, inclusive local de

trânsito dos comunitários, com a presença do Porto do Bronze, que dá acesso à

estrada que leva à cidade de Guaraqueçaba. Nessa área, a extração de ostras é

constante, e os caranguejos são pegados na corrida. Já a coleta de sururus é pouco

freqüente. O bosque PT05, por sua vez, é classificado como mangue, onde só se

pega caranguejo na corrida.

Quanto à disponibilidade de recursos bentônicos, AT03 e PT04 mostram-se

medianos a pobres nos três recursos, e AT11 e PT05 pobres nos três recursos

estudados.

HAUT FOURRÉS (BOSQUES ALTOS) E FRUTESCENTESCOM DOMINÂNCIA DE Laguncularia

OS “MANGUES MANSOS”

Nas análises de similaridade esse grupo está identificado pela cor laranja.

São todos bosques situados na região de Amparo, caracterizam-se pela dominância

de Laguncularia e são reconhecidos pelos extrativistas locais como mangues

mansos.

Os bosques em Haut Fourrés, AT07, situados às imediações da Costeira

Grande, e AT08, às margens do Rio Itinga, são considerados mangues mansos,

mas mangues altos. Já os bosques frutescentes, AT02, às margens do Rio do

Mirto, e AT09, às margens do Rio do Atalho, como mangues baixos.

São bosques com mais de 70% de dominância de Laguncularia, V.I. acima de

240 pontos e apresentam reduzida abundância de Rhizophora e Avicenia.

Com topografia elevada à mediana, são bosques arenosos, à exceção de

AT08, que apresenta menor percentual de areia.

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288

Em relação às dinâmicas de apropriação nos bosques frutescentes, os

comunitários de Amparo relatam que AT02 e AT09 apresentam restrições para o

extrativismo de caranguejos, tanto por seu solo duro para a utilização da foice

quanto pela dificuldade de correr em suas áreas para coletar caranguejo na corrida.

O bosque AT02 é constantemente utilizado para a coleta de sururus por extrativistas

de Amparo. Já AT09 é pouco freqüentado devido à sua distância da vila e à

dificuldade de acesso pelo Rio do Atalho, onde só se navega em maré de sizígia.

Já nos bosques altos, Haut Fourrés, os comunitários relatam a constante

presença de extrativistas no bosque AT07, na Costeira Grande, para a coleta de

caranguejos. Já para o bosque AT08, relata-se uma reduzida extração de

caranguejo se comparado à situação do bosque anterior. Nesse bosque, devido à

grande profundidade das tocas desses animais, a técnica mais utilizada é a coleta

na corrida. Também não há relatos de extrativismo de sururus.

Quanto à disponibilidade dos recursos, AT09 é um bosque rico em caranguejo

e não disponibiliza os outros dois recursos. AT02 é um bosque rico em caranguejo e

sururu, porém não apresenta ostras. E AT07 e AT08 são bosques que

disponibilizam os três recursos medianamente.

DISPONIBILIDADE DE RECURSOS BÊNTICOS

Ao analisar a disponibilidade dos recursos bênticos nos distintos manguezais,

percebe-se algumas relações entre padrões fisiográficos e sedimentológicos, como

apresentado no diagrama da figura 42. Com um percentual de similaridade de 60%,

pode-se agrupar os bosques em três grupos, considerando a disponibilidade dos

três recursos bênticos estudados, como demonstrado na análise de Cluster (Figura

42).

(1) BOSQUES POBRES NOS TRÊS RECURSOS

De maneira geral, as florestas de borda mais alagadas (AT05, AT11 e PT05)

são aquelas que apresentam as menores disponibilidades dos três recursos

estudados. O três bosques têm hidrodinâmicas um pouco diferenciadas entre si, AT

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289

05 é o mais arenoso e o mais exposto à força da maré (região frontal da Costeira

Grande). Os demais são bosques mais abrigados. O bosque AT11 tem percentuais

intermediários de areia, situado às margens do Rio do Atalho, e PT05, o menos

arenoso do grupo, apresenta disponibilidade reduzida de caranguejos e sururus, fato

que pode estar vinculado às instabilidades dos sedimentos, em constante exposição.

No caso especial do bosque AT05, era de se esperar uma disponibilidade

significativa de ostras, visto que essa floresta de borda com predomínio de

Rhizophora apresenta ambiente ideal para o estabelecimento de seus bancos

naturais. No entanto, diversos pescadores indicam uma grande pressão extrativista

sobre esse recurso nesse local. Assim, supõe-se que a ausência do recurso seja

efeito da pressão antrópica na região.

(02) BOSQUES RICOS APENAS EM CARANGUEJOS

O grupo de bosques identificados como ricos em caranguejos (AT09, AT02,

AT12) são de difícil acesso para os extrativistas devido a diversos motivos.

AT09 é bosque frutescente, com densidade elevada de árvores e substrato

duro para a extração por foice. Não há presença de córregos que possibilitem o

estabelecimento de sururus em seu substrato. Sua topografia é mais plana, sem a

presença dos referidos “barrancos”, ideais para o estabelecimento dos sururus. A

ausência de ostras também está obviamente relacionada com a reduzida ocorrência

de Rhizophora e com a localização do bosque, em topografia elevada.

Para o bosque AT12, a dificuldade de acesso está relacionada à distância

dessa fisiografia em relação às margens do Rio Itinga e devido à sua topografia

acidentada, com presença de córregos que atravessam os bosques mais externos

que dão acesso a essa área. Na área específica do transect, não foram observados

córregos com barrancos que pudessem favorecer a presença de sururus. A

ausência de ostras nessa área pode estar relacionada à preferência dos animais em

se estabelecer em canapuvas de borda, condição essa muito relatada pelos

extrativistas.

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(03) BOSQUES COM DISPONIBILIDADES DIVERSIFICADAS DOS RECURSOS

Os bosques que fazem parte desse grande grupo estão reunidos por uma

similaridade de 50%. São eles: os bosques de Amparo AT02, AT03, AT06, AT07 eAT08, e os de Poruquara, PT01, PT02, PT03 e PT4. A maior similaridade entre eles

é a disponibilidade mediana à elevada de caranguejos, os quais se mostraram

abundantes apenas nos bosques AT02, e PT01 e PT02.

As ostras, de maneira geral, estão ausentes, ou sua disponibilidade é reduzida.

Já os sururus têm disponibilidades variadas: reduzidas para AT07 e AT08 e

medianas para PT4, PT03 e AT03. No caso dos bosques AT02, AT06, PT01 e PT02

sua disponibilidade é elevada.

A distribuição dos recursos bênticos nos manguezais se dá de maneira

particular para cada espécie aqui estudada. Assim, para cada um desses recursos

far-se-á comparações entre os bosques a fim de especificar melhor essas relações.

DISPONIBILIDADE DE OSTRAS-DO-MANGUE

As disponibilidades desse recurso nos distintos bosques estão apresentadas

nas análises de Cluster e MDS (Figura 43).

É notória a reduzida abundância do recurso, relatada neste estudo. Esse fato

pode ser explicado por dois motivos principais. O primeiro deles relaciona-se à

extrema pressão extrativista sobre o recurso, ocorrente em todo o complexo

estuarino de Paranaguá. É bem possível que os bancos naturais de ostras adultas

estejam cada vez mais raros nesse ambiente e se encontrem atualmente localizados

em lugares de extrema dificuldade de acesso, em canapuvas de borda, com

substratos muito lodosos, praticamente fluidos. Essa possível ocorrência já foi

relatada pelos extrativistas na etapa empírica anterior.

Outro fator que pode ter influenciado esse resultado foi a realização de

transects oblíquos para o estudo das diferentes fisiografias locais. É possível que as

áreas amostradas pelos transects, para efetivamente representar o ambiente

específico desse animal, não foram suficientes para apontar a abundância total do

recurso nos bosques de borda, haja vista que, com ocorrência já reduzida dos

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bancos pela ação extrativista, essas áreas amostrais necessitariam ser mais

extensas. Essa situação pode, então, ter subestimado sua presença.

Assim, sugere-se que estudos posteriores sejam feitos exatamente em seus

locais de potencial ocorrência para se averiguar as condições dos bancos naturais

de ostras adultas no complexo estuarino da Baía de Paranaguá e qualificar seu

estado de conservação nos manguezais desse sistema.

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Figura 43: Disponibilidade de ostras-do-mangue (bancos naturais/m2). (A) Análisede Cluster. (B) Análise de MDS.

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Apesar da reduzida abundância, a ocorrência de ostras nos manguezais

demonstra estar condicionada à presença de Rhizophora mangle, com co-domínio

ou domínio dessa espécie arbórea em bosques do tipo Florestas de Borda, ou Bois

Fourrés, localizadas às margens dos corpos d’água adjacentes.

Além disso, outros fatores certamente condicionam sua distribuição, como

aqueles já relatados para diversas espécies da Família Ostreidae, como

temperatura, salinidade, turbidez, natureza do substrato, fluxo hídrico,

disponibilidade de alimento, poluentes, competição intra e interespecíficas, doenças

e predação (JOHNSHER-FORNASARO, 1981).

Sua ocorrência em manguezais marginais aos corpos d’água, sob forte

influência de marés, relaciona-se com condições ecofisiológicas ligadas aos

períodos de exposição ao ar. É notório que nesses períodos C. rhizophorae

necessita de adaptações tanto comportamentais quanto fisiológicas para suportar

variações de temperatura, pH, salinidade, oferta de oxigênio e alimento do meio

circundante (TRUCHOT, 1990).

Expostas ao ar, as espécies de Crassostrea de ambientes intertidais

apresentam anaerobiose facultativa, altamente especializada, com múltiplos

substratos mais eficientes que a glicose na produção de ATP, o que significa uma

vantagem de segurança energética durante esses períodos de inação e restrição

alimentar (HOCHACHKA & MUSTAFA, 1973; MUSTAFA & HOCHACHKA, 1973 a;

SARKISSIAN & GOMOLINSKI, 1976; ZUBKOFF & HO, 1982; FOREMAN &

ELLINGTON, 1983 apud TRUCHOT, 1990). Entretanto, como ocorre com diversas

espécies do gênero, C. rhizophorae pode estar se alimentando e consumindo

oxigênio apenas quando imersa.

Todas essas dinâmicas de ajustamentos ecofisiológicos e comportamentais

expressam-se no orçamento energético do animal, condicionando seu crescimento,

seu processo reprodutivo e sua eficiência competitiva ao ambiente e, por

conseguinte, às dinâmicas da população e suas relações energéticas com o

ecossistema.

Assim, apesar das estratégias fisiológicas para suportar os períodos de

exposição ao ar, essa espécie tem ocorrência preferencial em manguezais

marginais aos corpos d’água, justamente nos ambientes em que se submete aos

mais longos períodos de inundação, nas Florestas de Borda, e demais fisiografias

marginais com a presença de R. mangle.

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Em relação à condição de conservação de suas populações nos manguezais

desse complexo estuarino, possivelmente seus bancos naturais encontram-se bem

explorados, com indícios de sobreexploração. Entretanto, estudos sobre a espécie

demonstram que, devido às diversas estratégias fisiológicas e metabólicas eficientes

no balanço energético, esses animais conseguem um rápido crescimento e uma

precoce capacidade reprodutiva.

LITTLEWOOD (1988) e SANTOS (1978) atestam seu crescimento acelerado,

atingindo o tamanho comercial – 50 mm de altura da concha (NASCIMENTO et al.,

1980) de 5 a 6 meses. Para as populações do complexo estuarino da Baía de

Paranaguá, esse tamanho comercial é atingido em 10 meses, e seu crescimento é

maior nos primeiros 3 meses de vida, declinando rapidamente nos meses restantes

(ABSHER, 1989). A taxa de crescimento desses animais tende a diminuir a partir do

surgimento das gônadas (WAKAMATSU, 1973; NASCIMENTO, 1978).

Também, NASCIMENTO et al. (1980) demonstraram uma precoce atividade

reprodutiva para Crassostrea rhizophorae do litoral baiano. Esses animais antes de

atingirem 2 cm de comprimento já apresentavam gônadas funcionais, cerca de 120

dias após a fixação da larva no substrato.

Além disso, C. rhizophorae apresenta mudança funcional de sexualidade ao

longo de sua vida: 90% dos indivíduos juvenis em primeira fase de maturação são

machos, fenômeno esse denominado protrandria (NASCIMENTO, 1978;

NASCIMENTO et al., 1980). É característico dessa espécie o predomínio de machos

em estado juvenil e de fêmeas em estado adulto (NASCIMENTO & PEREIRA, 1980).

Seu padrão de reprodução é contínuo, típico das regiões tropicais (WAKAMATSU,

1973; NASCIMENTO, 1978; SANTOS, 1987). ABSHER (1989) demonstra períodos

de pico de gametogênese das populações de C. rhizophorae do complexo estuarino

de Paranaguá, entre julho e agosto, indicados por seu índice de condição, o que

coincide com o pico máximo de recrutamento das larvas do plâncton, em final de

outubro.

Todas essas características adaptativas indicam que as populações naturais

de ostras nos manguezais paranaenses têm grande potencialidade de

restabelecimento, apesar da intensa exploração que vêm sofrendo continuamente,

agravada nesses últimos dez anos.

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Mesmo assim, são urgentes estudos que avaliem efetivamente os estoques

naturais que ainda restam nos manguezais paranaenses, principalmente para

localizar seus bancos parentais.

Também seriam importantes análises sobre suas dinâmicas de recrutamento.

ABSHER (1989) esclarece que, apesar de seu recrutamento neste complexo

estuarino ocorrer durante todo o ano, com intensificação entre os meses de

setembro e abril, o sucesso e a periodicidade desse fenômeno estão condicionados

a fatores ambientais, como variações interanuais de temperatura, amplitude de

maré, salinidade das correntes, e também ao sucesso dos fenômenos de desova e

de desenvolvimento larval que antecedem essa fase. Segundo essa autora, a

intensidade do recrutamento de C. rhizophorae está relacionada às alterações

fisiológicas do indivíduo nessa fase de vida, bem como às pressões de predação e

interações inter e intraespecíficas. Esses eventos de recrutamento são muito

importantes para o estabelecimento das populações naturais, haja vista que

somente a fertilidade dos parentais e a abundância das larvas no plâncton não

conferem o sucesso no estabelecimento de novos indivíduos nas populações.

O sucesso do recrutamento também está condicionado aos substratos

disponíveis para a fixação e crescimento dos organismos. Ressalta-se que, nos

manguezais, é grande a competição pela superfície consolidada, as raízes de

Rhizophora mangle dos bosques de borda.

Os cirripédios são grandes competidores por espaço com as ostras.

Entretanto, BUSHEK (1988) demonstra uma interação positiva no recrutamento de

larvas de ostras onde já existem ostras adultas, pois inibem a fixação dos cirripédios.

Assim, a interação adulto–larva tende a atenuar o recrutamento diferencial dos

cirripédios nas localidades onde a zonação ostra–cirripédio é bem estabelecida

(ABSHER, 1989).

Esses estudos científicos corroboram com as informações fornecidas pelos

extrativistas de Poruquara, que relatam a existência de recrutamento diferencial de

ostras nas raízes das canapuvas mais velhas, de onde já foram extraídas ostras.

Se a hipótese da interação adulto–larva nas raízes de canapuvas mais velhas

dos manguezais paranaenses se confirmar, é possível identificar dinâmicas

específicas de renovação de seus estoques, considerando as diferentes condições

fisiográficas dos manguezais desse complexo estuarino.

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Sendo essa hipótese verdadeira e estando esse recrutamento diferencial

condicionado à idade dessas árvores e às condições das fisiografias locais

específicas, poderão ser propostos planos de manejo e de conservação especiais

para os bosques de manguezais com maior potencial de renovação dos estoques de

ostras, ou seja, bosques de borda, com a presença de Rhizophora bem

desenvolvidas e mais idosas.

Esses questionamentos e hipóteses são desafios necessários para estudos

futuros, e um convite para o aprofundamento do conhecimento sobre as dinâmicas

naturais e de apropriação do recurso nesse ambiente. O entendimento integrado das

dinâmicas naturais e sociais pode, efetivamente, gerar novas estratégias de

conservação e de apropriação das ostras-do-mangue nesse complexo estuarino.

DISPONIBILIDADE DE SURURUS

As disponibilidades desse recurso nos distintos bosques estão apresentadas

nas análises de Cluster e de MDS (Figura 44).

De maneira geral, esse recurso apresenta-se abundante nos distintos bosques

estudados. Na maioria desses bosques, não há relatos de extrativismo sistemático

ou intenso (à exceção de AT02 e AT03, em Amparo). Então, a distribuição e as

abundâncias retratadas podem estar refletindo suas condições de variabilidade

natural.

A ocorrência de sururus nos bosques estudados não parece estar

condicionada aos tipos fisiográficos locais. Os parâmetros sedimentológicos

considerados nas amostras de solo tampouco apresentaram relação evidente com a

presença ou abundância desse recurso. Entretanto, constatou-se que sua presença

está condicionada à proximidade de corpos d’água adjacentes, sejam aqueles

próximos aos bosques marginais ao corpo d’água do estuário, sejam os pequenos

córregos que cortam o interior dos bosques. Assim como os extrativistas de Amparo

relataram anteriormente, evidenciou-se a ocorrência dos animais em locais bem

determinados nos manguezais, justamente nos “barrancos” marginais aos córregos

ou às margens dos bosques de borda.

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297

A presente pesquisa preocupou-se em relacionar alguns parâmetros

ecológicos com as dinâmicas de apropriação e, por isso, restringiu-se a analisar

parâmetros gerais que pudessem condicionar os modos de acesso ao extrativismo

para os distintos recursos. Entretanto, serão importantes estudos posteriores que

pormenorizem outros fatores condicionantes da ocorrência e abundância de sururus,

como: pH do solo, estabilidade do substrato, salinidade, hidrodinâmica local,

presença de predadores, agentes poluentes, entre outros.

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Figura 44: Disponibilidade de sururus (bancos naturais/m2). (A) Análise de Cluster.(B) Análise de MDS.

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Esses animais apresentam distribuição agregada, e a literatura relata que sua

densidade populacional parece estar condicionada a fatores como: salinidade,

concentração de fitoplâncton, presença de substrato do tipo consistente (BACON,

1975; NISHIDA, 1988; LEONEL & SILVA, 1989) e de predadores naturais, como

gastrópodes, caranguejos e aves (BACON, 1975).

Nos manguezais, esses animais estão sob as mesmas condições ambientais

do meio intertidal relatado para U. cordatus e C. rhizophorae. Contudo, M.

guyanensis vale-se de uma estrutura de fixação no substrato onde permanece

enterrada, chamada de bisso. Por meio dos emaranhados filamentosos dessa

estrutura, esses animais fixam-se nos substratos lodosos ou areno-lodosos, numa

profundidade máxima de 1 cm (NISHIDA, 1988), formando bancos identificáveis

pelas marcas de movimentação de abertura e fechamento das conchas, modelando

no substrato uma fenda elíptica (BACON, 1975; NISHIDA, 1988). Essa disposição

de suas valvas é fundamental para que o animal possa expor a parte posterior da

concha à superfície do solo, facilitando a filtração e as trocas gasosas e de água

com o ambiente circundante.

Mytella guyanensis está freqüentemente exposta ao ar e às variações de

salinidade, temperatura, entre outros fatores, ecologicamente importantes (LEONEL

& SILVA, 1988). Como animal osmoconformador, faz regulação iônica apenas dos

fluidos intracelulares (GILLES, 1982; NISHIDA, 1988) e é capaz de suportar uma

amplitude de salinidade, entre 5 a 35 PSU (LEONEL & SILVA, 1988).

Apesar dessas habilidades adaptativas em ambientes tão estressantes,

existem relatos tanto da literatura quanto dos extrativistas locais sobre sua

mortalidade. Esses eventos demonstram instabilidade de produção dos estoques.

ASBURY (1979 apud NISHIDA, 1988); PETRAGLIA-SASSI (1986 apud

NISHIDA, 1988); NISHIDA (1988) e LEONEL & SILVA (1989) relatam que essas

mortalidades massivas podem ocorrer em função do aporte de águas oligohalinas e

sedimentos finos no ambiente. NISHIDA (1988) relaciona a mortalidade nos bancos

a três fatores: a dessecação em períodos de exposição (baixa-mar), sua tolerância a

baixa salinidade e o colapso das brânquias que é causado pela alta concentração de

material particulado em suspensão, carreado durante a época de chuvas.

Também a predação, as doenças e a competição por espaço são fatores que

podem regular a densidade de uma população (VERNBERG, 1970, apud NISHIDA).

NISHIDA (1988) relata que são notórias as mortalidades massivas em bancos cuja

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densidade é de 50 indivíduos/m2, o que indica uma possível relação da mortalidade

com a competição intraespecífica por espaço nos bancos naturais muito densos,

composto por animais de maior tamanho.

No presente estudo, foi comum observar em meio aos bancos naturais dos

bosques não explorados conchas abandonadas de adultos, indicando uma

constante mortalidade nas maiores classes de tamanho.

Os relatos da literatura, somados às observações dos extrativistas e às

observações de campo no presente estudo, tornam-se muito intrigantes, quando se

observam as condições dos bancos naturais de M. guyanensis nos bosques do Rio

do Mirto (AT02 e AT03), em Amparo. Esses bancos são sistematicamente

explorados por extrativistas locais, cujas dinâmicas de manejo foram descritas

anteriormente. Sua exploração sistemática nas margens do Rio do Mirto tem

conseguido sua produção continuada e estável.

Mesmo com a evidência de exploração continuada do recurso nos referidos

bosques, o presente estudo demonstra que esses bancos apresentam abundância

de elevada a mediana. E, ainda, aparentam uma distribuição menos agregada em

comparação com as outras áreas estudadas.

Com a ressalva de que esse grupo extrativista é pequeno e que a pressão de

predação nessas áreas específicas, mesmo que constante, não chega a ser

extremada, é possível estar havendo um ajustamento adaptativo dos extrativistas

locais em relação aos bancos naturais do recurso nas áreas do Rio do Mirto. Relata-

se que essa atividade extrativista ocorre há mais de 7 anos, com a manutenção de

produtividade constante dos bancos explorados.

Os extrativistas realizam um sistema de rodízio para o extrativismo dessas

áreas do Rio do Mirto, obedecendo a um esquema predeterminado entre os

coletores. Relatou-se que as áreas onde o recurso já foi retirado “descansam”,

enquanto outras, localizadas mais internamente, às margens do rio ou na sua

margem oposta, continuam sendo utilizadas para o processo de extração. Esses

lugares em “pousio” permanecem intocados por um período de dois a três meses até

“criar marisco de novo”, momento esse em que os coletores voltam às atividades no

mesmo local.

Assim, é possível que o saber-fazer local desses grupos extrativistas esteja

proporcionando uma maior estabilidade temporal ao recurso e manutenção de

elevada abundância nesses locais. É possivel que, ao se extrair animais adultos,

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301

haja diminuição de competição por espaço, permitindo, quem sabe, um

recrutamento continuado e, conseqüentemente, perpetuando o banco natural.

É interessante ressaltar que NISHIDA (1988) relata que há redução da entrada

de animais jovens nos bancos naturais e que nas populações naturais dominadas

pela presença de indivíduos de maior tamanho ocorre recrutamento lento e contínuo

de jovens.

Apesar de o presente estudo não ter mensurado as classes de tamanho nos

bancos, ficou evidente a diferença de tamanho dos bancos observados do Rio do

Mirto, em comparação com os demais. Os bancos de AT02 e AT03 apresentavam

populações de tamanho homogêneo. Além disso, em AT02, todos os indivíduos

eram pequenos, e as fendas apresentavam tamanhos em torno de 1 cm.

ARROYO & MARIN (1998) descrevem no Golfo de Nicoya, Costa Rica, um

crescimento acelerado para a espécie. Nos primeiros seis meses, a taxa média de

crescimento era de 5,7 mm e 0,57 g/mês e a produção líquida de carne de 32,7% no

quinto mês, atingindo o tamanho comercial de 44,4 mm e 8,5 g em 12 meses de

cultivo.

Apesar de os bancos de sururus no complexo estuarino da Baía de Paranaguá

estarem condicionados a um regime climático subtropical, distinto daquele da Costa

Rica, é possível que seu extrativismo no Rio do Mirto esteja otimizando o

recrutamento e o rápido restabelecimento dos bancos naturais. Sugere-se que a

retirada de adultos dos bancos diminui a competição intraespecífica por espaço e

proporciona aos animais a possibilidade de abrir suas valvas para realizar atividades

de respiração e alimentação, acarretando um crescimento rápido dos juvenis

restantes e por conseqüência a estabilidade dos bancos naturais nesses locais.

Essa hipótese estimulou a continuidade desses estudos, por KOEHLER (em

preparação), com a finalidade de averiguar até que ponto as práticas extrativistas

desses coletores de Amparo estão modificando abundância, distribuição e dinâmica

da população de sururus nos manguezais do Rio do Mirto.

Ainda, recomendam-se outros estudos para averiguar as condições de

mortalidade nos bancos naturais não explorados, em comparação com os bancos

manejados, a fim de comprovar a hipótese dos extrativistas de que os manejos

locais estão perpetuando a vida dos bancos naturais nos “barrancos”. Também são

importantes estudos que estimem essas populações levando em conta suas classes

de tamanho.

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DISPONIBILIDADE DE CARANGUEJO-UÇÁ

A estimativa de abundância de caranguejos com base na contagem de tocas é

comum e considerada uma prática confiável por diversos autores (JONES, 1984;

WARREN e UNDERWOOD, 1986 apud BLANKESNTEYN et. al., 1997). COSTA

(1979), ALCÂNTARA-FILHO (1978), NASCIMENTO et al. (1982) afirmam para U.

cordatus que apenas um indivíduo se estabelece em cada uma das tocas

construídas nos substratos dos manguezais. Esses mesmos autores demonstram

também uma correlação positiva entre o diâmetro da abertura das tocas com o

tamanho dos caranguejos nela habitantes.

Estimativas de diversos autores (Tabela XVIII) mostram diferenças nas

abundâncias dessa espécie, de acordo com sua distribuição geográfica. Em

manguezais tropicais, sua abundância atinge mais de 4 indivíduos/m2, enquanto em

manguezais subtropicais, como aqueles do estado de Santa Catarina e do Paraná,

sua abundância média é de 1,1 a 1,65 indivíduos/m2.

TABELA XVIII – Referência da literatura sobre a abundância de Ucides cordatus emmanguezais brasileiros. Os asteriscos indicam estimativas com base em contagem detocas.

LocalAbundância total de

caranguejo do mangue(indivíduos/m2) Observações Autores

Rio CearáCaucaia-Ceará

5,174,454,75

Terrenos baixosTerrenos intermediários

MédiaALCÂNTARA-FILHO

(1978)Rio Ceará

Caucaia-Ceará4* --- COSTA

(1979)Mangues do Sergipe 4,6* ---- NASCIMENTO, et al.

(1982)

Pará4-8*4-6*6*

Zona entre maréTerrenos intermediários

Média

ALMEIDA & MELLO(1996)

Manguezal deItacorugi

(Santa Catarina)

1,1* MédiaEstimativa: 1.3 x 106

indivíduos

BRANCO(1993)

Baía das Laranjeiras(Paraná)

1,62* Média entre os distintossetores da Baía

BLANKENSTEYNet al.

(1997)Também são relatadas variações na abundância de U. cordatus, em escala

mesorregional, como demonstram os estudos de BLANKENSTEYN et al. (1997).

Esses autores relatam valores distintos entre os diversos setores da Baía das

Laranjeiras e os relacionam com as topografias locais e com alguns aspectos das

fisionomias dos bosques (Tabela XIX). Entretanto, apesar de seus estudos levarem

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303

em conta algumas heterogeneidades mesorregionais dos manguezais, não indicam

claramente os tipos fisiográficos em que foram estimadas as abundâncias totais da

espécie.

TABELA XIX – Abundância total de Ucides cordatus, segundo BLANKENSTEYN etal. (1997), para manguezais da Baía das Laranjeiras. Os valores originais estavamexpressos em indivíduos por 4 m2. Foram transformados em indivíduos/m2 para facilitarcomparações com esta pesquisa.

Tipo fisiográfico regional Local específico Abundância total(indivíduos/m2)

Ilhas marítimas Ilha das Peças 1,23

Deltas ribeirinhos PirassunungaSambaqui

Benito

1,480,780,60

BaíasItingaItaquiSebuí

2,032,452,25

Ilhas de confluênciaFuradoPavoçá

1,382,08

Bacias Medeiros 1,95

Gamboas Maciel 1,58

Para qualificar a disponibilidade de caranguejos nos diversos bosques

estudados, foram estabelecidas denominações qualitativas arbitrárias (muito pobre,

pobre, mediano, rico, muito rico) (Figura 45). Essas denominações tiveram como

base referências da literatura sobre as médias gerais de abundância do caranguejo-

uçá para a região subtropical e também a amplitude dos resultados apresentados.

Contudo, considerar apenas as médias dos valores de abundância

encontrados nas distintas fisiografias locais seria incorrer em uma simplificação que

poderia encobrir a complexidade das relações entre as heterogeneidades

fisiográficas locais, populações de caranguejos e dinâmicas extrativistas da região.

Assim, para cada situação serão comparadas as informações dos extrativistas em

relação às suas práticas e às condições naturais observadas em cada um dos

bosques.

A disponibilidade desse recurso nos distintos bosques está representada nas

análises de Cluster e MDS (Figura 45). Esses valores se referem a abundância total

de indivíduos a partir do tamanho de primeiro estágio de maturidade fisiológica

(estimativa de tocas acima de 4 cm de diâmetro).

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Figura 45: Disponibilidade de caranguejo-uçá (indivíduos /m2). (A) Análise deCluster. (B) Análise de MDS.

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305

De acordo com as dinâmicas de apropriações descritas anteriormente, os

bosques de Amparo e do Poruquara passam por processos extrativistas variados.

Os bosques de Amparo são apropriados tanto por extrativistas da própria vila

quanto de outras vilas próximas, urbanas ou rurais. O extrativismo de caranguejos

que ocorre na região é tanto da coleta manual, da corrida, quanto por foice ou

lacinho. Entretanto, nem todos os bosques dessa região oferecem as mesmas

condições para todas as práticas extrativistas.

Assim, a pressão extrativista na região é tão heterogênea, em termos

espaciais, quanto o são as distintas fisiografias locais e suas condições topográficas.

Para o exercício da coleta na corrida, os manguezais necessitam oferecer condições

mínimas para o rápido deslocamento dos extrativistas por entre as árvores. São

condições para a escolha dos bosques nesse tipo de extração a menor densidade

de árvores e um substrato minimamente consolidado.

Da mesma maneira, o extrativismo com foice não se aplica em bosques com

substratos muito duros, com grande percentual de areia, já que o esforço de captura

nessas condições torna-se inviável. Da mesma maneira, grandes densidades de

árvores também dificultam essas práticas. Bosques em que os caranguejos

constroem tocas muito profundas também são áreas que não têm sido utilizadas

para a coleta por foice.

No caso da extração por lacinho, não existem tantas restrições em relação às

características gerais dos bosques. No entanto, essa prática parece ser evitada em

bosques com grande densidade de árvores (típicas dos bosques subfrutescentes e

frutescentes) e substratos extremamente alagados, de difícil locomoção.

Essas condições de acesso também ocorrem com os bosques da região do

Poruquara. Nessa região há indícios de uma pequena regulação de acesso dos

comunitários em relação à entrada de extrativistas que usam foice ou lacinho.

Nesses bosques, a forma de extração mais relatada é a coleta manual, na corrida. A

escolha dos melhores bosques para essa atividade está condicionada às menores

densidades das árvores.

Todas essas condições de acesso são levadas em consideração ao se

analisar a abundância dos animais nos distintos bosques estudados.

Também é importante observar que U. cordatus é uma espécie vágil dos

manguezais e provavelmente passe por diferentes condições ecofisiológicas nos

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variados ambientes fisiográficos. Essas condições podem estar relacionadas com a

oferta de alimentos19, conforme o tipo fisiográfico, e também com salinidade,

temperatura, condição de inundação, estrutura do substrato, entre outras.

Ucides cordatus é um osmorregulador, hipo- e hiperosmótico, e nos distintos

bosques poderá passar por estresses diferenciados, condicionados pela

hidrodinâmica local e pelo tempo de residência da água nos manguezais. A

influência dos períodos lunares que regulam as marés e as situações de elevação

ou rebaixamento da topografia, potencial redox dos substratos, entre outros, podem

também alterar as condições das águas de suas tocas.

Para enfrentar variações sazonais e semidiurnas de salinidade, temperatura e

de tempo de exposição ao ar, U. cordatus conta com uma excelente capacidade

ventilatória e de hiper/hipoionorregulação dos fluidos extracelulares, com seu ponto

isosmótico em 26 PSU, e tolera salinidades entre 6 e 33 PSU (SANTOS &

SALOMAO, 1985 a, b; MARTELO & ZANDERS, 1984). Esses mecanismos

fisiológicos de ionorregulação e de balanço hídrico envolvem custos energéticos

importantes para o animal (TRUCHOT, 1990).

Devido às amplitudes e heterogeneidades de parâmetros abióticos de

ambientes intertidais enfrentadas por caranguejos terrestres e semiterrestres, esses

animais são capazes de determinadas regulações fisiológicas e comportamentais, a

exemplo da exposição voluntária ao ar, para dissipar calor ou aumentar a

concentração osmótica da água de suas cavidades branquiais, auxiliando-os na

hiporegulação.

Assim, U. cordatus apresenta mecanismos muito particulares no que diz

respeito a atividades de reprodução, alimentação e refúgio. Para amenizar

condições ecofisiológicas estressantes, bem como para manter-se ao abrigo de

predadores ou competidores, principalmente em atividades de alimentação e de

muda, U. cordatus constrói galerias individuais profundas (entre 0,6 e 1,6 m)

(NASCIMENTO, 1993) nos sedimentos dos manguezais.

19 Ucides cordatus é um importante consumidor de folhas das árvores de manguezal e estoca-as no interior dastocas. Por ser fonte alimentícia bem disponível, porém pobre em nutrientes e de digestão difícil, a dinâmicaalimentar desse caranguejo produz detritos que condicionam a alta produtividade dos caranguejos detritívoros,como as espécies de Uca. Essa interdependência aponta que uma redução intensa da biomassa de U. cordatus,devido à exploração comercial, poderá diminuir consideravelmente a oferta de alimentos para os caranguejosdetritívoros (KOCH, 1999).

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Então, em relação à variação na disponibilidade desses animais nos

manguezais, as estimativas de abundância podem refletir tanto o efeito do

extrativismo local quanto as condições naturais dos bosques.

Os bosques de Amparo, AT05 (Floresta de Borda – Costeira Grande), e AT11(Floresta de Borda-Rio do Atalho) são considerados, respectivamente, muito pobre e

pobre em caranguejos. Essa reduzida abundância pode estar relacionada às

condições difíceis de substrato para o estabelecimento de suas galerias devido às

condições de instabilidade de sedimentos e forte influência das marés.

Já o bosque AT12 (Haut Fourrés – Rio Itinga), apresenta-se rico para o

recurso. Apesar de apresentar topografia rebaixada a mediana, tem maior

estabilidade de sedimentos, além de apresentar dificuldade de acesso, pela

distância em relação à comunidade de Amparo e das margens do rio Itinga. Supõe-

se que mesmo os extrativistas oriundos de outras regiões não utilizem muito esse

bosque e que isso se reflita na abundância elevada dos animais na área.

Para os bosques AT03 (Floresta de Borda – Rio do Mirto), AT06 (Bois Fourrés-

Costeira Grande), AT07 (Haut Fourrés – Costeira Grande) e AT08 (Haut Fourrés –

Rio Itinga), as abundâncias medianas relatadas podem estar expressando tanto os

condicionantes naturais para o estabelecimento do animal, como as pressões

extrativistas, tanto de por grupos da comunidade de Amparo quanto de outras vilas.

Isso leva a crer que os bosques mais explorados na região apresentam abundâncias

de caranguejos em maturidade fisiológica, entre 0,67 a 0,87 indivíduo/m2. O que, na

média, compreende 0,78 indivíduos/m2.

Já, as maiores abundâncias de caranguejo encontradas neste estudo (2,32 e

2,53 ind./m2) estão condicionadas às topografias elevadas, nos bosques do tipo

Frutescente de Laguncularia, ou seja, os mangues mansos, com dosséis baixos e

topografia elevada. Esse tipo fisiográfico é representado no presente estudo pelos

bosques AT02 (Bosque Frutescente – Rio do Mirto) e AT09 (Bosque Frutescente –

Rio do Atalho).

Esses resultados corroboram com as descrições dos extrativistas, que

informam não praticar extrativismo em “mangues difíceis de entrar, emaranhados” e

com substrato duro.

Assim, por impor limitações naturais de acesso aos bosques e de uso das

técnicas de coleta, esses tipos fisiográficos podem estar proporcionando refúgios

para U. cordatus, principalmente na região mesohalina desse complexo estuarino.

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Essa suposta condição de refúgio em bosques frutescentes, densos, de

substrato mais arenoso, já foi sugerida por BLANKENSTEYN et al. (1997).

A reprodução de U. cordatus ocorre durante a estação chuvosa (ALCÂNTARA-

FILHO, 1978; NASCIMENTO, 1993; SANTAROSA-FREIRE, 1998; DIELE, 2000), e

suas atividades de acasalamento e desova seguem os ritmos lunares (na lua nova,

litoral paraense – DIELE, 2000) ou semilunares (na lua cheia, litoral paranaense –

SANTAROSA-FREIRE, 1998).

Para SANTAROSA-FREIRE (1998), subpopulações de U. cordatus nesse

complexo estuarino contribuem diferencialmente com larvas no plâncton. Assim, os

animais que vivem nas baías de Paranaguá, Laranjeiras, Guaraqueçaba e Antonina

são componentes de subpopulações que colaboram desigualmente com o pool de

larvas no complexo estuarino como um todo. Nessa dinâmica, o fornecimento de

larvas pela Baía de Guaraqueçaba e adjacências é pequeno, devido à limitação que

a salinidade impõe à desova, à sobrevivência e ao desenvolvimento das larvas. Já

os manguezais situados na entrada do estuário fornecem larvas para todo o

complexo estuarino da Baía de Paranaguá, atuando como as principais

fornecedoras de larvas para as populações residentes nesse estuário.

Segundo essa autora, subpopulações localizadas em regiões mais oligohalinas

não teriam tanto sucesso na contribuição de larvas, já que necessitam enfrentar

condições muito adversas em relação à salinidade, e apresentariam elevada

mortalidade, enquanto as larvas das subpopulações de regiões poli e mesohalinas

teriam melhor condição de sobrevivência.

Esse fato leva a crer que, além de um refúgio natural, os bosques frutescentes

de manguezais das regiões poli e mesohalinas estão assegurando um determinado

sucesso reprodutivo para suas subpopulações e, por conseqüência, para sua

metapopulação.

São necessários estudos mais extensos e pormenorizados que visem a

observar melhor as dinâmicas populacionais de U. cordatus, nas heterogeneidades

fisiográficas em escala microrregional. Ao se confirmar a hipótese de refúgio natural

nos bosques frutescentes e sua contribuição efetiva no processo de reprodução da

metapopulação, poderão ser identificadas áreas específicas nos manguezais, em

escala microrregional, onde se possa propor conservação e manejo diferenciados.

Essa maneira de realizar uma gestão local, capaz de incorporar as

heterogeneidades ecossistêmicas e de apropriação de Ucides cordatus na região,

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poderá viabilizar a conservação e a possível restauração desse recurso, já tão

explorado nos manguezais paranaenses.

É importante ressaltar ainda que a otimização de ações de gestão, manejo e

conservação dessa fauna atingem diretamente os estoques do estado de São Paulo.

Assim, propostas de gestão da fauna dos manguezais deverão levar em conta não

apenas escalas microrregionais, mas também meso-regionais, envolvendo ações

interestaduais.

O presente estudo considera, na estimativa de abundância desses animais,

tanto machos quanto fêmeas, acima do tamanho mínimo de maturação fisiológica.

Entretanto, evidencia-se a necessidade de estudos posteriores que possam

determinar a relação entre os sexos para as diferentes subpopulações desse

complexo estuarino e, também, que avaliem a parcela específica da população que

sofre pressão extrativista, ou seja, machos com largura de carapaça maior que 6 cm.

Estudos posteriores também necessitam comprovar a hipótese de que há

preferência desses animais por topografias específicas, já indicado tanto pela

literatura quanto por relatos dos extrativistas locais, o que sugere a existência de

uma segregação espacial por idade e sexo nas distintas áreas dentro de

manguezais.

Neste estudo também não foi possível comprovar a hipótese dos extrativistas

locais sobre os tamanhos máximos diferenciados entre as subpopulações dos

distintos setores desse complexo estuarino. Também, há que se considerar que

maiores caranguejos apresentam maior índice de condição em comparação com os

de menor tamanho. Esse fato é bem relatado na literatura, tanto para caranguejos,

como para siris, camarões e outros crustáceos marinhos.

Ora, essa é outra suposição interessante, ao tentar compor uma forma mais

sistêmica para compreender como as subpopulações desse sistema estão se

relacionando. Se realmente existem animais com maior tamanho em manguezais

“pra lá do Guapicum”, nas regiões oligohalinas, isto estará relacionado a algum fator

ecofisiológico?

E, ainda, é possível que a entrada das larvas no plâncton esteja ocorrendo em

maior quantidade nas áreas oligohalinas, proporcionado pelo maior índice de

condição dos animais maiores, pra lá do Guapicum? Esse fato poderia estar

compensando a perda por mortalidade dessas larvas em condições oligohalinas?

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Todos esses questionamentos são desafios para estudos futuros e

demonstram a necessidade de uma visão integrada entre as heterogeneidades dos

manguezais e as dinâmicas de fatores abióticos ecologicamente importantes para a

conservação das espécies.

É fundamental um esforço continuado que aproxime a capacidade

compreensiva do conhecimento acadêmico para o entendimento das dinâmicas do

ambiente natural e de apropriação da natureza. Isso poderá possibilitar um

planejamento de gestão e de manejo que incorpore as incertezas, mas também os

conhecimentos tradicionais, e as heterogeneidades conjugadas de fauna, flora e

condicionantes abióticos, assim como as dinâmicas de apropriação dos recursos.

Também, os prováveis ajustamentos compensatórios das populações animais

e dos extrativistas às heterogeneidades ambientais poderão indicar maneiras viáveis

de conservação e de exploração. Isso será importante principalmente no caso do

restabelecimento das populações de U. cordatus. As características dessa espécie

(crescimento lento, relativa precocidade reprodutiva e expressiva longevidade)

devem ser levadas em consideração para o estabelecimento de ações de gestão,

manejo e conservação, sob condições de viabilidade, tanto para a conservação do

recurso quanto para a manutenção dos processos extrativistas, tão importantes para

os pescadores artesanais desse complexo estuarino.

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CONCLUSÕES

As características fisiográficas da maioria dos bosques estudados

corroboraram com os mapeamentos de MARTIN, chegando a maior detalhamento

em algumas das áreas. Entretanto, para áreas da região do Poruquara, houve

discordância entre os resultados do presente estudo e o referido mapeamento.

Recomenda-se uma análise mais pormenorizada de fotografias aéreas disponíveis,

em escala adequada, a fim de analisar séries temporais e averiguar possíveis

modificações fisiográficas dos bosques locais.

Os bosques com dominância de Laguncularia e valor de importância maior

que 200 são ocorrentes na região de Amparo, corroborando com MARTIN (1992);

LANA (1998) e BROGIM (2001), que indicam um nicho ecológico preferencial dessa

espécie em áreas polihalinas nesse complexo estuarino.

A ocorrência de tipos fisiográficos Bois Fourrés, Haut Fourrés e Frutescentes,

em topografias medianas a elevadas também estão de acordo com descrições da

literatura. Segundo SNEDAKER (1971 apud MARTIN, 1992), a proporção de

populações pluriespecíficas ou a exclusão interespecífica ocupa um papel

preponderante e é logicamente mais importante no ambiente sujeito às submersões

cotidianas, caracterizadas pela ausência de condições limitantes (zonas de

bordadura).

Apesar de a relação entre as fisiografias e o percentual de areia não serem

aparentes, esse parâmetro torna-se interessante ao se considerar as condições de

acesso aos manguezais, principalmente em se tratando do extrativismo de

caranguejos. Essa condição de solo arenoso, segundo os relatos dos extrativistas,

tem limitado determinadas técnicas de coleta, a exemplo do uso da foice. Tem

também restringido a escolha de bosques para a extração de sururus, cuja

preferência é por substratos mais lodosos, com topografia descrita como “barranco”.

De maneira geral, as florestas de borda mais alagadas apresentam as

menores disponibilidades dos três recursos estudados. Esse fato pode estar

vinculado às instabilidades dos sedimentos para caranguejos e sururus.

Já a reduzida abundância de ostras pode estar relacionada à extrema

pressão extrativista sobre o recurso, descrita para todo o complexo estuarino, mas

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também à realização de transects oblíquos, que no presente estudo pode ter

subestimado sua presença. Sugerem-se, assim, estudos posteriores, realizados

exatamente em seus locais de potencial ocorrência, Florestas de Borda com

dominância de Rhizophora, para se averiguar as condições dos bancos naturais de

ostras adultas e qualificar seu estado de conservação nesse complexo estuarino.

As diversas características adaptativas de C. rhizophorae indicam que suas

populações naturais nos manguezais paranaenses têm grande potencialidade de

restabelecimento, apesar da intensa exploração que vêm sofrendo continuamente.

Todavia, urgem estudos que avaliem efetivamente os estoques naturais que ainda

restam nos manguezais paranaenses, principalmente a fim de localizar seus bancos

parentais.

Também seria importante analisar suas dinâmicas de recrutamento para o

restabelecimento das populações naturais. Ressalta-se que estudos científicos

corroboram com as informações fornecidas pelos extrativistas de Poruquara sobre o

recrutamento diferencial de ostras nas raízes das canapuvas mais velhas. Se isso se

comprovar, poderão se planejadas ações de manejo e conservação do recurso

levando em conta esses nichos especiais dos manguezais, para a renovação dos

estoques.

A ocorrência de sururus nos bosques estudados não demonstra estar

relacionada com tipos fisiográficos locais, tampouco aqueles parâmetros

sedimentológicos tomados nas amostras de solo, apresentaram relação clara com a

presença ou abundância desse recurso nos bosques estudados. Contudo,

constatou-se sua presença condicionada à proximidade de corpos d’água

adjacentes, sejam aqueles próximos aos bosques marginais à água do estuário,

sejam os pequenos corpos d’água, ou os córregos que cortam o interior dos

bosques. De maneira geral, esse recurso apresenta-se abundante nos distintos

bosques estudados. Na maioria desses bosques, não há relatos de extrativismo

sistemático ou intenso (à exceção de AT02 e AT03, em Amparo). Então, a

distribuição e as abundâncias retratadas podem estar refletindo as condições de

variabilidade natural nesse complexo estuarino.

Existem relatos tanto da literatura quanto dos extrativistas locais sobre a

mortalidade massiva do sururu, interferindo nas safras extrativistas de um ano para

o outro e demonstrando a instabilidade de produção desses estoques.

Especialmente no caso dos bosques do Rio do Mirto, em Amparo, onde M.

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guyanensis é sistematicamente explorada, evidencia-se um manejo sistemático que

parece conseguir uma produção continuada e estável dos seus bancos. É possivel

que o saber-fazer local desses grupos extrativistas esteja proporcionando uma maior

estabilidade temporal do recurso. Recomendam-se estudos posteriores para

averiguar as dinâmicas populacionais desse recurso nos distintos bosques da

região, bem como sua relação com o manejo, a fim de verificar os efeitos deste

sobre os estoques.

Em relação à disponibilidade de caranguejos, na maioria dos bosques

estudados foram encontradas abundâncias medianas, que podem estar

expressando tanto as condições ambientais quanto as pressões extrativistas.

As maiores abundâncias de caranguejo encontradas (2,32 e 2,53 ind./m2)

parecem estar condicionadas às topografias elevadas dos bosques do tipo

Frutescente de Laguncularia, ou seja, os mangues mansos, com dosséis baixos e

topografia elevada, em Amparo. Esses resultados estão de acordo com as

descrições dos extrativistas, que alegam não praticar extrativismo em “mangues

difíceis de entrar, emaranhados” , com substrato seja duro.

As limitações naturais de acesso aos bosques parecem condicionar as

técnicas de coleta, e no caso dos bosques frutescentes, proporcionar refúgios para

os caranguejos. Essa suposta condição de refúgio em bosques frutescentes,

densos, de substrato mais arenoso, já foi sugerida por BLANKENSTEYN et al.

(1997). Esses refúgios nos bosques frutescentes, justamente em regiões poli ou

eurihalinas, podem estar conferindo para a metapopulação de caranguejos do

complexo estuarino uma vantagem reprodutiva.

Serão importantes estudos mais extensos e pormenorizados que visem a

observar melhor as dinâmicas populacionais de U. cordatus, nas heterogeneidades

fisiográficas em escala microrregional. Ao se confirmar a hipótese de refúgio natural

e contribuição efetiva na reprodução da população animal, condicionada aos

bosques frutescentes, haverá possibilidades de ações de manejo, específicos para

esses tipos fisiográficos, em escala microrregional, para a conservação do recurso.

Essa possibilidade de gestão local que incorpore as heterogeneidades

ecossistêmicas e de apropriação de Ucides cordatus na região poderá otimizar a

conservação e restauração desse recurso, já tão explorado nos manguezais

paranaenses.

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CONCLUSÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES PARAESTUDOS FUTUROS

“O mangue agora na vida do pescador tem muita importância.Mas se tivesse a produção que tinha antes, né.

Porque antes tinha e ninguém mexia nele, bem poucas pessoa. E, agora, querem mas não têm .

Porque donde se tira e não se põe, é claro que faz falta. E aquilo não se cria de repente não. Isso custa a se criar ali.”

(pescador artesanal de Amparo)

A presente pesquisa tinha, desde sua concepção, o objetivo de reconhecer as

heterogeneidades dos bosques de manguezais como um primeiro indicativo para

entender os modos de apropriação de seus recursos. Sabia-se que as

heterogeneidades na distribuição dos recursos bênticos podem gerar uma

complexidade maior, quando se pretende construir ações de manejo, adequadas

para cada tipo fisiográfico e para cada recurso animal. Entretanto, no contato com os

sujeitos da pesquisa, percebeu-se que essas premissas iniciais não esgotavam a

complexidade da realidade. Foi necessário conceber a apropriação dos recursos

bênticos de manguezais como mais uma entre as diversas estratégias econômicas

das populações locais. Percebeu-se que os recursos bênticos dos manguezais

locais fazem parte de um conjunto de estratégias econômicas ligadas às

apropriações dos recursos pesqueiros como um todo, que variam também ao longo

do tempo e do espaço.

A pesca artesanal e o extrativismo nos manguezais da região funcionam, de

fato, como um sistema integrado e suas dinâmicas espaciais e temporais. As

relações simbólicas e materiais dessas comunidades com as heterogeneidades dos

ecossistemas e seus recursos condicionam uma dinâmica de relações

socioambientais marcada por interdependências ecológicas, econômicas e

socioculturais. Essas relações podem ser, ora de solidariedade, ora de rivalidade,

tanto dentro das comunidades como entre as comunidades envolvidas. Tais

dinâmicas de relações sociais possivelmente condicionam tanto a apropriação dos

territórios quanto dos recursos e se refletem nos fluxos econômicos da atividade e

nos impasses de regulação territorial.

Além disso, as dinâmicas de apropriação dos recursos bênticos de manguezais

nesse complexo estuarino apresentam-se profundamente articuladas com os

saberes comunais sobre as fisiografias dos bosques e sobre a abundância,

distribuição e bioecologia dos recursos bênticos explorados comercialmente. E pelo

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que se depreende, uma certa especialização no extrativismo dessa fauna é um

processo relativamente recente e decorre mais da desestruturação de outras

atividades tradicionais, como a agricultura e a pesca.

As formas de apropriação também apresentam heterogeneidades, ao se

considerar as distintas comunidades da região, ou mesmo ao se comparar

comunidades de tamanhos diferentes, como Amparo e Poruquara. Percebe-se que,

em comunidades maiores, há uma maior diversificação entre as famílias nas

atividades pesqueiras e de manguezais. Também são claras as relações entre a

intensidade de pressão extrativista e o crescimento populacional, principalmente no

caso dos grupos extrativistas das vilas urbanas da Baía de Paranaguá.

Apesar das restrições impostas pela legislação ambiental, os ecossistemas de

manguezais podem ser, na prática, categorizados como de livre acesso. Isso porque

a atual forma de regulação legal sobre os recursos não se reflete, segundo os

pescadores artesanais da baía, em práticas eficazes de sua gestão. A falta de uma

regulação efetiva das dinâmicas de apropriação impossibilita o manejo adequado

dos recursos, bem como o estabelecimento de regras e códigos de ética no

comportamento dos grupos extrativistas.

Contudo, determinadas comunidades exercem, mesmo que restritamente,

algumas regulações de acesso aos seus recursos. Isto tem ocorrido principalmente

devido à escassez de ostras e diminuição do tamanho disponível de captura de

caranguejos em determinados bosques de manguezais. Esse fato tem ocasionado

deslocamentos de extrativistas (sobretudo daqueles oriundos de vilas urbanas) para

outros bosques, afetando, conseqüentemente, a atividade extrativista de outras

comunidades pesqueiras. Assim, a apropriação comunal e a regulação de uso,

mesmo que ainda incipientes na região, são respostas às práticas extrativistas que

causam prejuízo ao ambiente, como a coleta de caranguejos com foice (que perfura

o solo dos manguezais), o uso de lacinho (que abandonado no ambiente pode matar

muitos animais), e a coleta de ostras arrancadas (que destrói árvores de canapuva –

R. mangle).

O comportamento de restrição de território observado nessas comunidades é

pontual no estuário, mas parece similar ao padrão apontado por BERKES (1989) e

PECK & FELDMAN (1986). Estudos posteriores serão importantes para elucidar

situações de território compartilhado e relações de parentesco e compadrio, para

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melhor compreensão dos comportamentos de regulação e de tolerância de acesso

aos recursos.

Mesmo que a atual legislação brasileira e estadual de proteção aos

manguezais seja embasada em uma concepção ecológica simplificadora, que

entende esses ecossistemas como unidades homogêneas, os pescadores

artesanais reconhecem as distintas fisiografias dos bosques locais e com elas

interagem a ponto de condicionar seus modos de apropriação dos recursos bênticos.

As atividades extrativistas em manguezais da região parecem estar

condicionadas pela maior ou menor disponibilidade dos recursos bênticos nos

manguezais. Essa disponibilidade depende das fisiografias distintas dos bosques,

em escalas meso e microrregionais, e da capacidade específica das tecnologias de

exploração desses recursos. Também dependem dos condicionantes físicos e

biológicos do ambiente. É possível, ainda, que alguns acessos estejam sendo

restringidos por determinados tabus, como no caso observado de Amparo, onde se

relata, por exemplo, a existência de manguezais que são “sumidouros de gente”

devido ao substrato muito lodoso.

Essa complexidade nas dinâmicas de apropriação dos manguezais da região

merece estudos mais extensos e aprofundados, com detalhamentos a respeito dos

ajustes nos sistemas social e natural. E é imprescindível incorporar ao manejo legal

as lógicas comunais de apropriação desses recursos.

Em relação aos saberes que essas comunidades locais detêm sobre cada

recurso explorado, percebeu-se que alguns deles podem funcionar como modos

adaptativos de apropriação, gerando ajustamentos positivos, como no caso da

exploração de sururu em Amparo, com suas técnicas de coleta, rodízio de áreas e

restrição por família, e no caso do extrativismo de ostras, no Poruquara, no que diz

respeito às formas de rodízio no extrativismo em manguezais, conservação dos

parentais, entre outras práticas relatadas anteriormente. No entanto, fica claro que

esses conhecimentos por si só não garantem a viabilidade/sustentabilidade da

exploração continuada desses recursos. Também no caso do caranguejo-uçá, os

pescadores reconhecem diversas condições ambientais e de distribuição e

abundância do animal, porém, muitas vezes, demonstram desconhecimentos sobre

sua biologia, a exemplo do seu tempo de crescimento. Esses desconhecimentos,

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por sua vez, podem gerar uma falsa idéia do verdadeiro impacto que o intenso

extrativismo causa sobre essa população animal.

Ao observar os conhecimentos e “desconhecimentos” dos pescadores

artesanais sobre os recursos, ressalta-se que esse “saber” local não deve ser

encarado apenas de uma maneira pontual, descritiva e, sim, de forma articulada e

funcional. Então, seria ingênuo esperar que os pescadores detivessem “saberes

prontos e acabados”, passíveis de serem automaticamente aplicáveis, e que por si

só viessem a garantir um manejo adequado dos recursos.

Esse conhecimento local é tanto cumulativo quanto dinâmico, construído pela

experiência e adaptado às mudanças, como afirma BERKES (1999). Assim,

conforme pressupõe a perspectiva de viabilidade de VIEIRA & WEBER (1997),

diagnosticar os conhecimentos (o “saber-fazer”) e também os desconhecimentos

das comunidades locais faz parte da identificação das condições de variabilidade e

de incerteza, presentes nas dinâmicas dos sistemas naturais e sociais.

Resta aos gestores e pesquisadores observar a que ponto esses

conhecimentos podem orientar práticas viáveis de manejo. Por exemplo, absorvendo

o conhecimento dos pescadores locais, poderia ser realizado, como ação legal, um

sistema de rodízio entre áreas de manguezais, para a conservação de bancos

parentais de ostras. Da mesma maneira, é possível mediar os pontos de

desconhecimento dos pescadores, para elucidar características sobre a biologia dos

animais, importantes para avaliar corretamente os impactos do extrativismo. Essa

mediação pode proporcionar reflexões coletivas sobre possibilidades de

redirecionamento de práticas extrativistas que tornem mais viável a exploração dos

recursos.

Como sugerem VIEIRA & WEBER (1997), a busca por uma co-viabilidade, em

longo prazo, dos ecossistemas e dos modos de vida das comunidades humanas às

quais esses ecossistemas dão suporte necessita de procedimentos que venham

gerir as incertezas, heterogeneidades e ajustamentos dos sistemas socioambientais.

Assim, a condição de viabilidade pretende fazer emergir as retroações subjacentes

de cada sistema, social e natural, de maneira a permitir a regulação do sistema

social-natural e encontrar os mecanismos de seleção capazes de fazê-las funcionar

(AUBIN, 1997).

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Sob esse ponto de vista, planos de manejo adequados e viáveis necessitam

abranger os recursos pesqueiros como um todo, neles incluídos os recursos dos

manguezais. Há, portanto, a necessidade de se levar em conta a importância

relativa dos recursos bênticos de manguezais para as diferentes comunidades e

também para as famílias dentro de cada uma dessas comunidades.

A princípio, ao se pensar em formas de controle de acesso para as distintas

regiões de manguezais, percebeu-se a grande dificuldade geográfica para a

fiscalização da entrada de grupos de extrativistas nos bosques. Todavia, a questão é

muito mais complexa. Pelo que configura a realidade desse complexo estuarino, as

relações de solidariedade e de reciprocidade no que diz respeito aos territórios

compartilhados tanto para a pesca quanto para a extração dos recursos bênticos

nos manguezais passam pelo parentesco e pelo compadrio. Da mesma forma, os

usos dos territórios mostram que existem ajustes para a troca de permissões de

acesso entre diferentes grupos, para os recursos pesqueiros e de manguezais.

Assim, a restrição do acesso a esses recursos, não construída ou discutida

pelas próprias comunidades, causaria conflitos importantes e provavelmente não

seria eficaz. Para analisar a complexidade das relações de uso comum de territórios,

é necessária uma articulação entre pesquisadores e as comunidades pesqueiras,

num primeiro momento, para configurar as inter-relações territoriais, mapear a

localização do acesso aos recursos no tempo e no espaço e identificar os territórios

compartilhados entre as diferentes comunidades.

Recomenda-se, então, o mapeamento desses territórios compartilhados e a

articulação de fóruns permanentes de discussão sobre as incertezas e os riscos, em

relação aos recursos explorados, para cada mesorregião da baía. Da mesma forma,

devem ser estabelecidas parcerias efetivas na interlocução entre os saberes, para

que os questionamentos e hipóteses dos comunitários possam, cada vez mais,

permear os desenhos dos estudos acadêmicos.

Também serão essenciais para o sucesso de uma gestão comunal o

reconhecimento e o mapeamento dos possíveis refúgios da fauna, no caso do

caranguejo, e de bancos de ostras-do-mangue, quando se pretender conhecer a

resiliência dessas populações neste ecossistema.

Assim, antes de se estabelecer algum ordenamento legal que restrinja mais

ainda o modo de vida das populações locais, é essencial aprofundar conhecimentos

sobre as inter-relações das comunidades pesqueiras com estudos de mapas de

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território, levantamento das relações de cada comunidade com as demais e registro

das características particulares de cada mesorregião. Devem ser igualmente

especificadas as aptidões socioambientais e culturais de cada comunidade, para se

compreender o grau de importância econômica dos recursos de manguezais e

demais recursos pesqueiros.

De acordo com esse quadro de complexidades, percebe-se que não será

praticável a implantação de reservas extrativistas na região, nos moldes em que

estas categorias têm sido concebidas pelos órgãos ambientais. A simples exclusão

de territórios acabará gerando conflitos e impasses adicionais na região. Será muito

delicado para as comunidades o estabelecimento de áreas de exclusão, pensando-

se apenas nas demarcações de território. Então, será fundamental também

considerar as complexas relações mercantis, o uso comum de territórios e as

estratégias particulares de cada comunidade em relação à extração de recursos de

manguezais e pesqueiros.

Uma alternativa mais racional poderá ser o estabelecimento de acordos de

pesca, construídos em fóruns comunitários e interinstitucionais, considerando as

situações específicas de cada mesorregião desse ecossistema e abrangendo tanto

os recursos de manguezais quanto os pesqueiros. Da mesma maneira, nesses

fóruns, será essencial a correta definição das atuais incertezas científicas e de

saberes locais em relação a cada recurso apropriado.

Com esse esforço coletivo, dialógico e interinstitucional, será possível

encontrar melhores bases materiais para as decisões de manejo e conservação da

fauna e do ecossistema local.

O CARANGUEJO-UÇÁ

Observou-se que diferentes condições ambientais oferecem possibilidades

distintas para as diversas práticas extrativistas na região. Assim, determinadas

características das fisiografias locais poderão dar subsídios para gerir o extrativismo

das populações de caranguejos nesse estuário.

Para fins de manejo, será essencial levar em consideração as restrições de

uso que os próprios condicionantes ambientais impõem. Também, serão

necessários estudos mais específicos que possam complementar os conhecimentos

sobre as dinâmicas populacionais desta espécie, a fim de localizar subpopulações

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importantes na manutenção genética dessa fauna na região, de acordo com seu

potencial reprodutivo. Serão igualmente importantes estudos que possam localizar

regiões onde o sucesso reprodutivo esteja vinculado às condições ambientas de

sobrevivência de suas larvas, como já tinha demonstrado SANTAROSA-FREIRE

(1999).

Do mesmo modo, será interessante esclarecer os supostos comportamentos

migratórios desses animais entre as fisiografias dos manguezais, o que aumentaria

a compreensão das estratégias de ajustamento comportamental das subpopulações

da baía.

Ao se confirmarem as hipóteses de que os bosques frutescentes

proporcionam refúgio natural e que contribuem efetivamente para o sucesso da

reprodução da metapopulação do caranguejo-uçá, será possível planejar ações

específicas de conservação, em escala microrregional. Essa possibilidade de gestão

local que incorpore as heterogeneidades ecossistêmicas e de apropriação de Ucides

cordatus na Baía de Paranaguá poderá otimizar a conservação e restauração dessa

fauna, proporcionando, inclusive, a viabilidade de seu extrativismo.

O avanço desses conhecimentos, indagações e descobertas científicas

deverá ser compartilhado, passo a passo, com as comunidades locais, com o intuito

de construir regras de uso e de acesso na exploração do recurso. A partir daí, essa

coletividade poderá estabelecer, a cada momento, determinadas áreas e fisiografias

locais como reservas (temporárias ou não), de acordo com a situação das

subpopulações de caranguejos.

Esse esforço para aproximar o conhecimento acadêmico das dinâmicas do

ambiente natural e de apropriação dos recursos poderá possibilitar o

reconhecimento das verdadeiras funções e serviços ecológicos de cada tipo de

bosque regional, no que se refere às dinâmicas populacionais dos caranguejos, e

dará subsídios consistentes para manejos locais que integrem as heterogeneidades

dos bosques e as dinâmicas de apropriação extrativistas.

A OSTRA-DO-MANGUE

Apesar de haver uma elevada capacidade de reposição dos bancos naturais

de ostras, já demonstrada na literatura, tanto pela disponibilidade de larvas no

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sistema como pelo rápido crescimento e reprodução da espécie, ficam mais do que

claros os atuais desajustes das atividades de extrativismo e de cultivo.

Esta última atividade teria como primeiro objetivo reduzir os impactos diretos

sobre os bancos naturais de ostras da baía. Entretanto, ela tem trazido impactos

adicionais sobre esses bancos. Tanto os resultados deste estudo quanto os relatos

dos extrativistas locais apontam para uma importante redução na abundância de

bancos naturais de ostras na região.

A queda da cotação das ostras, provocada pelo aumento de oferta dos

animais de cultivo, leva a uma maior exploração dos bancos naturais e ao comércio

dos juvenis, “para vender e produzir mais”. Isso acaba gerando uma queda real de

rendimentos e exaustão dos bancos naturais. Além disso, o estado atual de

sobreexploração dos bancos naturais de ostras nos manguezais do estuário de

Cananéia tem mobilizado os grandes criadores de ostras para explorar (mesmo que

indiretamente) os bosques paranaenses, principalmente na Baía dos Pinheiros e nas

imediações do Parque Nacional do Superagüi, passando a movimentar um comércio

local de juvenis.

Um exemplo dos impasses quanto às dinâmicas de apropriação desse

recurso é a controvertida situação da comunidade do Poruquara. Essa comunidade

tem apresentado excelentes condições de produção de ostras, contando também

com um estado adiantado de incorporação de insumos tecnológicos para produzi-

las. Entretanto, estes produtores ainda se encontram obrigados a deixar suas

comunidades, com seus cultivos repletos de ostras bem desenvolvidas e excelentes

para a venda, pela necessidade financeira, que os leva a extrair ostras juvenis dos

manguezais. Assim, passam 3 a 4 dias acampados a cada quinzena, a fim de

comercializá-las para os grandes produtores do estado de São Paulo.

Essa situação mostra que, além dos implementos tecnológicos para aumento

da produção em cultivo, necessitam ser concebidas estratégias econômicas para a

vazão da produção. Uma prática importante para os criadores de ostras dessa

região seria a troca de experiências com produtores de ostras da Reserva

Extrativista dos Mandira, em Cananéia, que montaram cooperativas para vender

suas ostras nos grandes mercados consumidores de São Paulo, agregando um

valor adicional ao seu produto, que é o S.I.F. (Selo de Inspeção Federal) do

Ministério da Agricultura. Essas, entre outras, são medidas que deveriam ser

rapidamente adotadas pelos produtores paranaenses.

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A solução desses impasses demanda a articulação entre criadores e

extrativistas, encurtando as intermediações entre o produtor e o consumidor, e a

parceria com grupos empresariais que possam apoiar iniciativas de cooperação

social. A falta de uma abordagem estratégica na estruturação de processos

econômicos alternativos, vinculados ao manejo desses recursos, sugere que a

viabilidade da exploração das ostras da região é ainda um objetivo distante.

A escassez do recurso pode ser percebida nas condições de coleta

enfrentadas pelos comunitários do Poruquara em bosques cada vez mais distantes

de suas vilas e de difícil acesso. Muitos desses bosques são efetivamente perigosos

devido ao substrato inconsolidado, o que exige o uso de bóias para flutuação dos

extrativistas, como acontece nos bosques de borda de canapuva. Isso demonstra as

condições extremas a que estão submetidos alguns grupos extrativistas

paranaenses.

Mesmo não havendo uma regulação legal efetiva sobre a apropriação de

ostra-do-mangue na baía, muitos comunitários estabelecem códigos de conduta.

Percebem claramente o impacto das práticas de cultivo sobre os bancos naturais e

reconhecem a necessidade de uma tecnologia de captação de recrutas que

racionalize as atuais formas de cultivo da região. Muitos dentre eles reconhecem a

necessidade de discutir comunitariamente formas de regulação de uso e de acesso

ao recurso e a necessidade de expansão do mercado consumidor para sustentar as

atuais práticas produtivas na região. Isso demonstra um esforço dessa coletividade

em pensar a viabilidade de suas práticas materiais a partir de seu ajustamento aos

condicionantes ambientais e socioeconômicos a eles impostos.

Como a extração da ostra-do-mangue ocorre essencialmente nos bosques

de borda com dominância de Rhizophora mangle, para fins práticos de manejo serão

necessários esforços urgentes para qualificar o estado dos bancos naturais e

comprovar a capacidade de restabelecimento desses bancos, de acordo com a

condição dos bosques de borda. Para isso, serão imprescindíveis os conhecimentos

dos pescadores, para localizar as áreas de Canapuvas velhas, supostamente mais

favoráveis ao recrutamento dos animais. Será também importante testar a que ponto

existe interação positiva no recrutamento de larvas de ostras em locais em que já

existem adultos, inibindo a fixação das cracas.

Uma gestão integrada das atividades de cultivo com o extrativismo de

manguezais poderá aumentar a qualidade de vida dos produtores de

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ostras/pescadores e possibilitar o restabelecimento das populações naturais nos

bosques. Com a adoção de tecnologias de captação de sementes junto nos cultivos

locais e a abertura de novos mercados consumidores para a vazão da produção, por

meio de cooperativas, a intensidade extrativista possivelmente será bastante

minimizada. Confirmando-se a existência de fisiografias locais com maior potencial

de recrutamento larval para a recomposição dos bancos naturais, poderão ser

instituídas áreas específicas para a conservação das subpopulações e rápido

processo de restauração dos estoques. Planos de manejo em escala mesorregional

deverão incluir tais áreas de conservação, alternadas no tempo e no espaço,

adotando o sistema de rodízio que os extrativistas de Poruquara alegam realizar.

Outra questão importante e urgente diz respeito aos períodos sazonais de

coleta de juvenis, que parecem seguir os períodos de defeso determinados pela

antiga portaria da SUDEPE. O extrativismo mais intenso sobre os indivíduos juvenis

(3 a 5 cm de comprimento de concha) se dá em períodos mais frios do ano, entre o

outono e o inverno. Entretanto, estudos sobre gametogênese e desova da espécie

no complexo estuarino de Paranaguá não coincidem com o período de defeso

estipulado pela portaria.

Assim, mesmo que essa antiga esteja restringindo fracamente o extrativismo

da ostra na região, seu período de defeso protege os animais somente durante a

gametogênese de verão, ficando os animais expostos ao extrativismo massivo nos

manguezais do norte do estuário, durante toda a gametogênese de inverno.

Devido às várias incertezas sobre as condições de conservação dos bancos

naturais de ostras-do-mangue na região e à fraca regulação legal sobre os

processos extrativistas, percebe-se a urgência do avanço de conhecimento sobre

sua bioecologia. São importantes estudos que possam caracterizar o atual estado de

conservação das populações naturais para todo o complexo estuarino Lagamar.

Com isso, poderão ser conhecidas as interdependências entre as subpopulações do

complexo estuarino da Baía de Paranaguá e do estuário de Cananéia, suas relações

com as microfisiografias locais, seus condicionantes ecofisiológicos e o real

potencial de troca gênica e de resiliência dessa possível metapopulação, em face

das atividades de extrativismo e cultivo da região.

Esses serão subsídios essenciais para que nichos específicos de

conservação da fauna sejam identificados nos bosques locais. Com isso, áreas de

manguezais poderão funcionar como reservas, as quais poderão se alternar

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temporalmente, utilizando a idéia dos sistemas de rodízio que já posta em prática

pelos pescadores de Amparo, na extração do sururu, e do Poruquara, na coleta da

ostra.

É também urgente o ordenamento legal da coleta de ostras no estado do

Paraná. Uma nova portaria que organize essa atividade extrativista necessita ser

construída a partir de uma profunda análise de técnicos, pesquisadores, gestores e

comunidades usuárias. Eventuais acordos devem levar em conta tanto a

periodicidade de extrativismo, o impacto da atividade sobre cada classe de tamanho

das populações naturais, a adequação das técnicas de extração e a possibilidade de

reservar determinadas áreas dos manguezais para recomposição de bancos

naturais. Deve ser igualmente considerada a alteração da época de defeso desses

animais, caso seja comprovado o impacto sobre os machos da espécie, muito

explorados no inverno. Esses ordenamentos legais necessitam ser acompanhados

pela concessão de seguro-desemprego àqueles comunitários que vivem

essencialmente das ostras durante o inverno, como é o caso da comunidade do

Poruquara.

Essas novas normas de regulação devem estar também associadas aos

estudos sobre tecnologias de captação de sementes e à articulação dos produtores

em cooperativas, de forma a facilitar a vazão da produção para o mercado

consumidor, resolvendo os impasses das práticas de cultivo e, conseqüentemente,

minimizando a exploração dos bancos naturais em manguezais.

O SURURU

Apesar de esse recurso ainda não ter grande expressão na economia familiar

da maioria das famílias de pescadores artesanais da região, consideram-se

importantes os avanços nos estudos que possibilitem sua exploração de maneira

harmônica e viável. Isso proporcionará a essas famílias maior diversidade nas

formas de exploração dos recursos de manguezais, reduzindo a pressão extrativista

sobre aqueles recursos que já apresentam evidências de sobreexploração, como é o

caso do caranguejo-uçá e da ostra.

Mytella guyanensis apresenta, de acordo com a literatura, um potencial

reprodutivo capaz de rápido restabelecimento populacional. Além disso, o presente

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estudo constatou que os substratos mais arenosos são menos explorados, o que

constitui áreas potenciais para refúgio da espécie caso se intensifiquem as práticas

extrativistas no futuro.

As práticas atuais de extração de Mytella guyanensis em Amparo ilustram

formas muito interessantes de manejo. As estratégias de uso indicam alguns

ajustamentos conservativos, como a adoção de uma forma de rodízio das áreas de

extração. Apesar da evidência de exploração continuada desses bancos nos

referidos bosques, observou-se que esses estoques apresentam abundância

elevada a moderada, com uma distribuição menos agregada do que aquela

observada em áreas pouco ou não exploradas. É possível, nesse caso, estar

havendo um ajustamento adaptativo dos extrativistas locais em relação aos bancos

naturais de Mytella no Rio do Mirto.

Recomenda-se a realização de estudos posteriores que verifiquem as

condições de mortalidade nos bancos naturais não explorados, em comparação com

os bancos manejados de Amparo. Com isso, poderá ser validada a hipótese de que

os referidos manejos locais estejam viabilizando a persistência dos bancos naturais

nos “barrancos” às margens dos manguezais e também que estimem essas

populações levando em conta suas classes de tamanho.

Do mesmo modo, deverão ser cogitadas possibilidades de abertura de

mercado consumidor, por meio das mesmas cooperativas que se formarem para a

venda de ostras, o que poderá ser mais uma estratégia econômica e ambiental para

essas populações pesqueiras.

Ressalta-se que não existem portarias específicas de regulação de captura

do sururu. Somente a Portaria 1.747/96 (22 de outubro de 1996) do IBAMA

(genérica a todos os bivalves), delega aos superintendentes estaduais a função de

baixarem portarias normativas referentes à coleta de sementes desses animais em

ambientes naturais. Essas portarias regionais deveriam definir locais, épocas,

espécies, quantidades, métodos e tamanhos mínimo e máximo de especimens,

nada constando sobre os processos de extrativismo de animais adultos.

Assim, é importante o ordenamento da captura de Mytella no estado do

Paraná, de acordo com os subsídios que a continuidade dos estudos de bioecologia

e de dinâmicas de apropriação dessa espécie possam apontar.

O quanto antes avançarem tais estudos, mais próxima estará a possibilidade

de construir estratégias de manejo local que viabilizem dinâmicas de apropriação

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compatíveis com a conservação dos recursos de manguezais. O sururu, em

especial, tem a potencialidade de atenuar a extração dos outros recursos animais

dos manguezais locais, como o caranguejo, a ostra e o camarão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo mostra, a partir de uma base empírica, que o

conhecimento tradicional é tão dinâmico e sujeito a mudanças quanto o próprio

conhecimento científico, como demonstrado pelas práticas extrativistas adotadas

pelas comunidades de Poruquara e de Amparo.

No entanto, para a utilização desses saberes na gestão dos recursos, são

necessários esforços coletivos, muito além daqueles advindos apenas dessas

comunidades tradicionais.

O que urge é o esforço de estudiosos e gestores em associar tais

conhecimentos comunais às dinâmicas de apropriação, não para descobrir soluções

prontas e acabadas para os problemas ambientais, mas para construir instrumentos

de interação entre conhecimentos e incertezas, presentes tanto no saber-fazer local

quanto no conhecimento científico. Também é importante realizar ordenamentos

adequados às heterogeneidades socioambientais, as quais possuem dinamismos

espácio-temporais.

Além disso, as ações de gestão, manejo e conservação da fauna bêntica

desses manguezais atingem diretamente os estoques do estado de São Paulo e,

portanto, deverão integrar propostas levando em conta tanto escalas micro quanto

mesorregionais, envolvendo ações interestaduais.

Os desafios e incertezas que se apresentam diante de uma perspectiva de

gestão comunal, integrada aos condicionantes e heterogeneidades naturais e

sociais, convidam a ações audaciosas. Essas ações, capazes de agregar tanto os

conhecimentos tradicionais quanto os acadêmicos, podem, de fato, criar uma

dinâmica local de gestão e de conservação dos recursos, de maneira viável e

sustentável, que favoreça tanto a reprodução e viabilidade dos manguezais e seus

recursos quanto as comunidades que deles fazem uso tradicional.

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ANEXOS

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Tópicos das entrevistas da primeira etapa empíricaDiagnóstico geral

Tem gente vivendo do(a) caranguejo/ostra/sururu aqui?

E quem é que vem buscar esse recurso nos manguezais aqui? É o pessoal

da própria comunidade? Vem gente de fora também? De onde?

E como é que coletam?

E pra onde o pessoal da comunidade costuma vender a produção?

E os manguezais daqui produzem bem? E onde é melhor pra catar o recurso?

Por que será que é assim? E onde mais tem mangue produzindo bem? E por

que será que isso acontece?

E o mangue é tudo igual para o(a) caranguejo/ostra/sururu? E por onde é que

isso acontece? Em que região o(a) senhor(a) verificou isso?

Ainda tem ostra/caranguejo/sururu bom (graúdo) nos mangues por aí para

vender?

Onde costuma ir coletar? Esse lugar sempre foi mangue bom de coletar?

Desde quando? E onde mais tem mangue bom pra isso?

Como o(a) senhor(a) faz pra coletar o recurso? Onde costuma vender e para

quem? E pega preço bom?

O(A) senhor(a) trabalha com mais pessoas? Quantos e quem são os que lhe

acompanham na lida?

Se cultiva ostra, como o(a) senhor(a) faz (pra cultivar)?

Quanto tempo no ano costuma levar essa lida? O(A) senhor(a) trabalha com

o recurso o ano inteiro? Como costuma vender? Para quem? Para aonde?

Em que época do ano? Qual é a melhor época de vender? Qual a pior época

de vender? Sob encomenda ou “no risco”?

O(A) senhor(a) tem sentido dificuldades/tem tido problemas com o cultivo/ou

com a extração? Que dificuldades são essas? E por que isso acontece?

O(A) senhor(a) sabe se esse(a) caranguejo/ostra/ sururu que dá aqui na baía

é tudo a mesma coisa? Tem diferença? Qual? Por quê? E onde que é isso?

E tem diferença de mangue pra mangue? Por que será?

O que é diferente? Onde (lugar/manguezal) é que acontece essa diferença? E

por que isso acontece?

Como é um ambiente bom (ideal) para o(a) ostra/caranguejo/sururu?

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Tem alguém que cuida do mangue por aqui? Onde, como e quem anda

cuidando do mangue ou do recurso por aí?

Quais os principais problemas que atrapalham a vida de quem vive da ostra,

do sururu e do caranguejo aqui?

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Tópicos das entrevistas da segunda etapa empíricaDinâmicas de apropriação de Amparo e Poruquara

Quando se originou a comunidade? Como? Quem fundou? E como se vivia no

passado?

Como sua família veio para cá? E por quê?

Como era a vida aqui quando chegaram? Já trabalhavam com o mangue naquela

época? E viviam do quê?

Quantas famílias vivem aqui? Desde quando se vive do(a)

caranguejo/ostra/sururu aqui?

Tem muita gente trabalhando com o(a) caranguejo/ostra/sururu aqui? Desde

quando? Sempre foi assim? Por quê?

O(A) senhor(a) vai ao mangue desde criança? O seu pai era pescador? Com

quem aprendeu a lida no mangue?

Desde sempre pegou caranguejos, ostras e sururu? Só pra comer ou pra vender

também?

E o mangue? É tudo uma coisa só para o caranguejo? E pra ostra e o sururu?

Se não, qual a diferença que o(a) senhor(a) vê? E por que será essa diferença?

Sempre foi assim?

O que mais o(a) senhor(a) observou desde a sua infância que mudou no uso que

o pessoal anda fazendo do manguezal aqui?

Como o pessoal lida com o mangue hoje em dia? E como lidava antigamente?

Como era o acesso ao manguezal antigamente? O que se usava e quem usava

do manguezal? Como isso foi mudando ao longo do tempo?

Antigamente dava pra ganhar dinheiro com alguns produtos do manguezal? É

diferente agora? Em quê? O que mudou? O que se vendia?

O que de comida se tirava do mangue? Onde e para quem se vendia?

Como faziam para levar o produto? O que compensava mais? E agora, o que se

tira de comer?

O(A) senhor(a) vive de pegar ou de tirar caranguejo? E a ostra e o sururu? Desde

quando em sua vida? Com quem aprendeu a lida? Os seus pais faziam isso? E

seus filhos lhe acompanham na lida?

E o mangue é igual para o(a) caranguejo/ostra/sururu? O que e por que é

diferente?

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335

E por onde é que isso acontece? Em que região o(a) senhor(a) verificou isso?

Com que idade o(a) senhor(a) acha que o bicho tem quando está bom de pegar?

Quando ele está bonito, grosso mesmo, que idade ele deve ter?

Onde o(a) senhor(a) catava o(a) caranguejo/ostra/sururu antigamente? E agora

onde cata? Se vai longe da vila, não acha ruim ter que ir até lá? E o pessoal de lá

não acha ruim? Por quê?

Quando o(a) senhor(a) vai ao mangue, chega lá, o(a) senhor(a) ainda escolhe o

bosque onde entrar para coletar o caranguejo ou não? Se escolhe, qual escolhe?

Como é o mangue bom de coletar? E por quê? Dá caranguejo/ostra/sururu

graúdo ou miúdo lá?

Tem bosque que o(a) senhor(a) nunca entra? Que tipo é? E por que não entra?

Dá caranguejo/ostra/sururu bom lá?

E o mangue é tudo igual para o(a) caranguejo/ostra/sururu? O que e por que é

diferente? E por onde é que isso acontece? Em que região o(a) senhor(a)

verificou isso? Ainda tem mangue bom para o recurso por aí? Esse lugar sempre

foi mangue bom de pegar? Desde quando? E onde mais tem mangue bom com o

recurso?

O(A) senhor(a) trabalha com mais pessoas? Quantos e quem são os que lhe

acompanham na lida?

Como o(a) senhor(a) faz pra cultivar a ostra? Se sim, quanto tempo no ano

costuma levar essa lida? O(A) senhor(a) trabalha com a ostra o ano inteiro?

Como costuma vender? Para quem? Para onde? Em que época do ano? Qual é a

melhor época de vender? Qual a pior época de vender? Sob encomenda ou “no

risco”?

O(A) senhor(a) tem sentido dificuldades/tem tido problemas com o cultivo/ou com

a coleta de ostras/caranguejo/sururu? Que dificuldades são essas? E por que isso

acontece?

A(O) ostra/caranguejo/sururu tem safra? E tem dado bem? Nesses últimos 5 a 10

anos, como tem sido a lida de quem vive do(a) caranguejo/ostra/sururu?

Como é um ambiente bom (ideal) para a ostra? Tem lugar que é melhor para o

bicho? Qual? Por que será que isso acontece?

Onde, como e quem anda cuidando do mangue ou do recurso por aí?

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Como o(a) senhor(a) faz pra coletar o sururu? Pode descrever? Tem alguma

outra forma para fazer isso que o(a) senhor(a) conheça? Como é? E quem tem

feito assim?

Quanto tempo no ano costuma levar essa lida?

E tem diferença de mangue pra mangue? Por que será? O que é diferente?

Onde (lugar/manguezal) é que acontece essa diferença? E por que isso

acontece?

E isso regula ou muda de ano pra ano?

Como é um ambiente bom (ideal) para o sururu? O(A) senhor(a) pode descrever

Quando o(a) senhor(a) vai ao mangue, chega lá, o(a) senhor(a) ainda escolhe o

bosque onde entrar para coletar o sururu? E qual escolhe? Como é o mangue

bom de coletar? E por quê?

Quais os principais problemas que atrapalham a vida de quem vive da ostra, do

sururu e do caranguejo aqui?

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