Wetlands2.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS DA TERRA DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CELIA REGINA GAPSKI YAMAMOTO WETLANDS NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA PR: DIAGNÓSTICO, CONFLITOS SOCIOECONÔMICOS E DESAFIOS DE GESTÃO Tese de doutorado CURITIBA 2011

Transcript of Wetlands2.

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    SETOR DE CINCIAS DA TERRA

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    PROGRAMA DE PS GRADUAO EM GEOGRAFIA

    CELIA REGINA GAPSKI YAMAMOTO

    WETLANDS NA REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA PR: DIAGNSTICO,

    CONFLITOS SOCIOECONMICOS E DESAFIOS DE GESTO

    Tese de doutorado

    CURITIBA

    2011

  • CELIA REGINA GAPSKI YAMAMOTO

    WETLANDS NA REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA PR:

    DIAGNSTICO, CONFLITOS SOCIOECONOMICOS E DESAFIOS DE GESTO

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Doutorado, rea de Concentrao Espao, Sociedade e Ambiente, Linha de Pesquisa Paisagem e Anlise Ambiental, Setor de Cincias da Terra da Universidade Federal do Paran

    Orientador: Prof. Dr. Naldy Emerson Canali

    CURITIBA

    2011

  • iv

    DEDICATRIA

    Aos tomadores de deciso, que possam reconhecer os valores das wetlands

    e aportar esforos para uma gesto mais sustentvel das wetlands para o benefcio

    da sociedade.

  • v

    We cannot solve the problem with the same approach which cause the

    problem. Albert Einstein

  • vi

    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS .............................................................................................................................. ix

    LISTA DE TABELAS ........................................................................................................................... xiii

    LISTA DE QUADROS .......................................................................................................................... xiv

    LISTA DE SIGLAS ................................................................................................................................ xv

    RESUMO .............................................................................................................................................. xvi

    1 INTRODUO ...................................................................................................................................1

    1.1 JUSTIFICATIVA ..............................................................................................2

    1.2 OBJETIVOS ....................................................................................................4

    1.3 HIPTESES ...................................................................................................5

    1.4 ORGANIZAO DO TRABALHO ...................................................................6

    2 CARACTERIZAO GERAL DA REA DE ESTUDO ....................................................................7

    3 REVISO BIBLIOGRFICA .......................................................................................................... 15

    3.1 BACIAS HIDROGRFICAS .......................................................................... 15

    3.2 WETLANDS .................................................................................................. 19

    3.2.1 Importncia das Wetlands ....................................................................... 20

    3.2.2 Impactos e Medidas Recomendadas ....................................................... 23

    3.2.3 Classificao das Wetlands ..................................................................... 25

    3.2.4 Vrzeas.................................................................................................... 27

    3.2.5 Vrzeas Urbanas ..................................................................................... 33

    3.2.6 Wetlands Urbanas ................................................................................... 34

    3.2.7 Wetlands Construdas ............................................................................. 37

    3.3 INDICADORES DE ESTADO ....................................................................... 44

    3.4 CONSERVAO E RECUPERAO .......................................................... 46

    3.5 CONECTIVIDADE ........................................................................................ 48

    3.6 PULSOS HIDROLGICOS ........................................................................... 52

    3.6.1 Efeitos da Alterao dos Pulsos em Rios e Wetlands ............................. 53

  • vii

    3.6.2 Hidrologia e Hidrodinmica de Wetlands ................................................. 54

    3.7 MACRFITAS AQUTICAS ......................................................................... 56

    3.8 MERCADOS DE SERVIOS AMBIENTAIS ................................................. 61

    4 METODOLOGIA ............................................................................................................................. 66

    4.1 RECORTE DA REA DE ESTUDO .............................................................. 66

    4.2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ..................................................... 68

    4.2.1 Geossistema ............................................................................................ 69

    4.2.2 Territrio .................................................................................................. 78

    4.2.3 Paisagem ................................................................................................. 78

    5 RESULTADOS E DISCUSSES ................................................................................................... 80

    5.1 GEOSSISTEMA ............................................................................................ 80

    5.1.1 Conectividade pelas guas ..................................................................... 80

    5.1.2 Conectividades Antrpicas ...................................................................... 92

    5.1.3 Caracterizao da Vegetao .................................................................. 93

    5.1.4 Qualidade da gua ................................................................................ 102

    5.2 TERRITRIO .............................................................................................. 114

    5.2.1 Histrico da Ocupao Alteraes Antrpicas .................................... 114

    5.2.2 Fragmentao e Delimitao do Geossistema pela Rede Viria ........... 123

    5.2.3 Ocupaes e Usos das reas ............................................................... 125

    5.2.4 Projetos e Agentes Atuais de Apropriao do Espao .......................... 128

    5.2.5 Percepo dos Atores ........................................................................... 131

    5.2.6 Contornos Normativos ........................................................................... 134

    5.2.7 Servio Ambiental .................................................................................. 144

    5.3 PAISAGEM ................................................................................................. 146

    5.3.1 Funes ................................................................................................. 147

    5.3.2 Problemas Ambientais Observados na Regio ..................................... 153

    5.3.3 Destaques na Paisagem ........................................................................ 160

    6 CONCLUSO E RECOMENDAES......................................................................................... 171

    7 REFERNCIAS ............................................................................................................................ 179

    8 LEGISLAO CONSULTADA .................................................................................................... 193

  • viii

    9 SITES VISITADOS ....................................................................................................................... 195

    10 ANEXOS ....................................................................................................................................... 197

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Wetlands do rio Iguau ............................................................................... 7

    Figura 2 - Localizao das wetlands do Alto Iguau ................................................... 8

    Figura 3 - Perfil esquemtico dos tipos de vegetao ............................................... 11

    Figura 4 - Mapa geolgico da regio do Alto Iguau ................................................. 12

    Figura 5 - Perfil Marechal Floriano e Avenida das Torres ......................................... 14

    Figura 6 - Corte esquemtico do valley-flat ............................................................... 28

    Figura 7 - Paisagem onde predomina rea com turfa ............................................... 30

    Figura 8 - Sistemas Nogawa, Hirasegawa e Yajigawa .............................................. 38

    Figura 9 - Restauradores Living machines, canal de Baima, China .......................... 39

    Figura 10 - Sistema Krefeld ....................................................................................... 40

    Figura 11 - Wetland construida de Koh Phi Phi Don ................................................. 42

    Figura 12 - Hong Kong wetland park ......................................................................... 43

    Figura 13 - Zona de domnio de atrao ................................................................... 44

    Figura 14 - Larguras ideais para as funes da zona ripria. ................................... 51

    Figura 15 - rea varivel de fonte ............................................................................. 56

    Figura 16 - Variedades de heliconia, cana e iris possveis de utilizao no sistema

    wetland ............................................................................................................... 60

    Figura 17 - Patrimnio mundial da Unesco em Ifugao, nas Filipinas. ........................ 62

    Figura 18 - reas de aluvio na bacia do Alto Iguau ............................................... 66

    Figura 19 - Aluvies em reas urbanizadas da bacia do Alto Iguau ........................ 67

    Figura 20 - Sees dos niveis de cheias considerados para espacializao ............ 70

    Figura 21 - Localizao dos pontos e ambientes de amostragem ............................ 73

    Figura 22 - Localizao e visualizao dos pontos de amostragem ......................... 74

    Figura 23 - Cota do nvel de eventos de cheias do rio Iguau. Estaes: Olaria do

    Estado (0,36 km); Pinhais (7,63km); Ponte BR 277 (11,62 km); ETE Sanepar

    (16,07 km); Ponte Umbarazinho (31,04 km); ETA Araucria (52,83 km) e Balsa

    Nova (96,05 km). ................................................................................................ 81

    Figura 24 - Plancie inundvel para diferentes TRs ................................................... 82

    Figura 25 - Conectividade pelo meandro abandonado .............................................. 86

    Figura 26 - Conectividade entre cavas e cava e rio .................................................. 90

  • x

    Figura 27 - Lagoas reservatrios da ilha a montante da BR-277 ........................... 92

    Figura 28 - Conectividades antrpicas ...................................................................... 92

    Figura 29 - Macrfitas emergentes observadas na paisagem do Altssimo Iguau ... 94

    Figura 30 - Ambientes a montante da lagoa do Itaqui ............................................... 96

    Figura 31 - Vrzea do rio Itaqui ................................................................................. 96

    Figura 32 - Borda de cavas e vrzea do rio Pequeno ............................................... 97

    Figura 33 - Macrfitas flutuantes observadas na paisagem do Altssimo Iguau ...... 98

    Figura 34 - Retirada de Pistia stratiotes na lagoa e vrzea do Itaqui ........................ 99

    Figura 35 - Macrfitas submersas observadas em ambientes do Altssimo Iguau 100

    Figura 36 - Exemplos de macrfitas marcantes na paisagem ................................. 100

    Figura 37 - Erythrina crista-galli L. ........................................................................... 101

    Figura 38 - Precipitao acumulada ........................................................................ 103

    Figura 39 - Domnio de macrfitas e valores de E. coli encontrados no sistema de

    conteno de cheias no So Judas Tadeu ...................................................... 105

    Figura 40 - Lixo e quantidade de plantas aquticas existentes no sistema de

    conteno de cheias na Vila Zumbi dos Palmares ........................................... 107

    Figura 41 - Ambientes da lagoa da Cidade Jardim em 2010 .................................. 107

    Figura 42 - Cavas originadas aps extrao da areia entre a BR-277 e Avenida Ira

    ......................................................................................................................... 108

    Figura 43 - Localizao dos pontos de coleta na regio das cavas. P1 no rio Ira; P2

    no canal extravasor; P3, P4 e P5 nas cavas .................................................... 108

    Figura 44 - Variao da concentrao de P-total e de N-amoniacal nos pontos

    amostrados nas cavas, rio Ira e canal extravasor ........................................... 109

    Figura 45 - Variao da concentrao de oxignio dissolvido (mg L-1) nos pontos

    amostrados nas cavas ..................................................................................... 110

    Figura 46 - Variao da quantidade de E. coli (NMP/100 mL) e da concentrao de

    demanda bioqumica de oxignio, N-amoniacal, fsforo total, ortofosfato e

    oxignio dissolvido nos pontos amostrados no rio Palmital ............................. 113

    Figura 47 - Variao da concentrao de cafena no rio Palmital ........................... 114

    Figura 48 - Ocupao continuada nas vrzeas do Parque Metropolitano do Iguau

    ......................................................................................................................... 115

    Figura 49 - Aterro sanitrio de Curitiba ................................................................... 117

    Figura 50 - Banhado margem direita do Iguau, municpio de Curitiba ................ 118

  • xi

    Figura 51 - Macrfitas identificadas no banhado ..................................................... 119

    Figura 52 - Enchentes de 1995 trecho Av. das Torres Av. Marechal Floriano,

    Curitiba ............................................................................................................. 120

    Figura 53 - Retificao do rio Iguau e alterao das vrzeas ................................ 120

    Figura 54 - Canal extravasor, retificao e alargamento do rio iguau ................... 122

    Figura 55 - Guarituba, Piraquara ............................................................................. 124

    Figura 56 - Ocupao irregular nas vrzeas do rio Barigui ..................................... 127

    Figura 57 - Areal em operao e abandonado ........................................................ 127

    Figura 58 - Aluvies e reas prioritrias de conservao de biomas ...................... 129

    Figura 59 - rea de interesse especial regional do Iguau ..................................... 130

    Figura 60 - Areal em operao nas vrzeas do Altssimo Iguau ........................... 132

    Figura 61 - Lagoa da Corina.................................................................................... 148

    Figura 62 - Canal extravasor ................................................................................... 148

    Figura 63 - Lagoa do So Judas Tadeu .................................................................. 149

    Figura 64 - Localizao e entorno da lagoa da Cidade Jardim ............................... 150

    Figura 65 - Lagoa da Cidade Jardim ....................................................................... 150

    Figura 66 - Tratamento paisagstico das lagoas de reteno .................................. 151

    Figura 67 - Ambientes de jusante e montante da lagoa do Itaqui ........................... 152

    Figura 68 - Lagoa do Itaqui ..................................................................................... 152

    Figura 69 - Lanamentos com problemas de qualidade .......................................... 153

    Figura 70 - Ocupao irregular ................................................................................ 155

    Figura 71 - Descarte de resduo .............................................................................. 155

    Figura 72 - Estaes de tratamento de esgoto construdas nas vrzeas ................ 156

    Figura 73 - Desassoreamento de rios e canais ....................................................... 157

    Figura 74 - Areais em operao .............................................................................. 158

    Figura 75 - Vista de lavadores de areais fora de operao ..................................... 158

    Figura 76 - Vrzeas vistas de pontos elevados da paisagem ................................. 159

    Figura 77 - Cavas a montante da BR-277 ............................................................... 161

    Figura 78 - Vrzeas e cavas potenciais para implantao de sistemas wetlands ... 161

    Figura 79 - Vrzea do rio Iguau a jusante do canal extravasor ............................. 164

    Figura 80 - Floresta de influncia fluvial a jusante da estrada da Cachoeira .......... 165

    Figura 81 - Montante e jusante da estrada do Ganchinho em 07/05/2008 .............. 165

  • xii

    Figura 82 - Ponte Nicola Pelanda sobre o leito antigo do Iguau, leito atual do rio

    Despique/Cotia ................................................................................................. 166

    Figura 83 - Vrzeas urbanas a jusante da foz do rio Miringuava ............................ 166

    Figura 84 - Mata ribeirinha ...................................................................................... 168

    Figura 85 - Leito abandonado ao lado de dique marginal ao leito atual .................. 168

    Figura 86 - Vrzea e cavas em Balsa Nova ............................................................ 169

    Figura 87 - ltima vista da vrzea do Iguau .......................................................... 169

    Figura 88 - Testemunhos da histria econmica..................................................... 169

    Figura 89 - General Lcio ........................................................................................ 170

    Figura 90 - Usos de lazer ........................................................................................ 170

  • xiii

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Valores econmicos mdios por funo de wetland ................................ 23

    Tabela 2 - Eficincia dos sistemas com vegetao flutuante transversal ao rio ....... 39

    Tabela 3 - Eficincia do sistema zona de razes wetland de fluxo subsuperficial

    horizontal - Escola Municipal Padre Luigi Salvucci, Foz do Iguau/PR .............. 43

    Tabela 4 - Pontos de amostragem ............................................................................ 72

    Tabela 5 - Porcentagem de dados vlidos dos nveis do rio Iguau por estao por

    ano ..................................................................................................................... 80

    Tabela 6 - Valores mdios dos parmetros oxignio dissolvido (OD, mg L-1),

    demanda bioqumica de oxignio (DBO, mg L-1), carbono orgnico dissolvido

    (COD, mg L-1), N-nitrato (N-NO3, mg L-1), nitrognio amoniacal (N-NH3, mg L

    -1),

    fsforo total (P-total, mg L-1) e E. coli (NMP/100 mL). Resultado das quatro

    coletas realizadas em 2010 .............................................................................. 110

    Tabela 7 - Valores do ndice de Qualidade da gua (IQA) para os ambientes

    avaliados .......................................................................................................... 111

    Tabela 8 - Variao de alguns parmetros na entrada e sada da lagoa do Itaqui. 112

  • xiv

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Impactos que ocorrem em conseqncia das vrias atividades humanas

    ........................................................................................................................... 25

    Quadro 2 - Diagrama das relaes geomtricas ....................................................... 49

    Quadro 3 - Espcies de macrfitas aquticas por zona/profundidade ...................... 60

    Quadro 4 - Grupos e gneros dos estandes das lagoas ........................................... 61

    Quadro 5 - Relao de campanhas nas vrzeas ...................................................... 79

    Quadro 6 - Espcies de macrfitas aquticas identificadas no ambiente 3 .............. 91

    Quadro 7 - Uso do solo e parcelamento na zona de restrio a ocupao das UTPs

    ......................................................................................................................... 143

  • xv

    LISTA DE SIGLAS

    AIERI rea de Interesse Especial Regional do Iguau

    APA rea de Proteo Ambiental

    APPs reas de Preservao Ambiental

    COD Concentrao de Oxignio Dissolvido

    DBO Demanda Bioqumica de Oxignio

    GTP Geossistema, Territrio e Paisagem

    IDS ndice de Desenvolvimento Sustentvel

    MNT Modelo Numrico do Terreno

    RCC Resduo da Construo Civil

    RMC Regio Metropolitana de Curitiba

    SANEPAR Companhia de Saneamento do Paran

    SIG Sistema de Informao Geogrfica

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao

    UC Unidade de Conservao

    UTPs Unidades Territoriais de Planejamento

  • xvi

    RESUMO

    Diversas polticas pblicas aplicadas ao solo urbano atual visam a promoo

    sustentvel do uso dos espaos. Muitas vezes, porm, determinados instrumentos

    no so suficientes ou no so eficientes para o alcance dos resultados esperados,

    promovendo desvios nos objetivos projetados, cuja reconduo depende de um

    eficiente sistema de gesto. Saliente-se as gravssimas conseqncias da poluio

    das guas bem como a importncia da gesto das wetlands para as guas e a

    gesto das guas para as wetlands. A pesquisa considera que os desvios entre os

    modelos aplicados e projetados em reas urbanas e os ganhos em recursos hdricos

    podem ser detectados, permitindo o equilbrio entre a utilizao dos recursos

    disponveis e o desenvolvimento sustentvel das cidades. Assim, o objetivo geral

    desta tese foi proporcionar e contribuir com a avaliao e gesto das wetlands que

    se mostram potencial para a melhoria da qualidade das guas dos rios em geral.

    Aplica, de modo indito, um ensaio metodolgico baseado na metodologia GTP -

    Geossistema, Territrio e Paisagem - para uma avaliao qualitativa e quantitativa

    de wetlands urbanas e de utilizao potencial destas para a melhoria da

    disponibilidade de recursos hdricos. Adotando-se, como estudo de caso, parte da

    bacia do Alto Iguau na Regio Metropolitana de Curitiba, Paran, foram realizadas

    as anlises qualitativa e quantitativa das variveis envolvidas, obtendo-se a sntese

    necessria a priorizao de ambientes potenciais para os recursos hdricos e dessa

    forma, contribuir com diretrizes para a requalificao do espao (recomposio

    ambiental das reas), visando a melhoria das guas urbanas e a conservao das

    wetlands do Alto Iguau e, tambm, a aplicao em outras bacias.

    PALAVRAS-CHAVE: gesto urbana; gesto de recursos hdricos; wetlands; desenvolvimento sustentvel.

  • 1

    1 INTRODUO

    As reas midas, internacionalmente conhecidas por wetlands so

    paisagens com presena permanente ou peridica de gua e compreendem

    diferentes ecossistemas que cobrem uma considervel parte da superfcie terrestre.

    A definio mais amplamente difundida para reas midas ou wetlands a adotada

    pela Conveno de Ramsar, sobre - Zonas midas de Importncia Internacional -

    que as definem como reas de pntano, charco, turfa ou gua, natural ou artificial,

    permanente ou temporria, com gua estagnada ou corrente, doce, salobra ou

    salgada, incluindo reas de gua martima com menos de seis metros de

    profundidade na mar baixa. Essa definio abrangente na qual se pode incluir as

    vrzeas, como wetlands naturais.

    Para Tockner e Stanford (2002), atualmente, as wetlands so pontos focais

    para o desenvolvimento urbano e a explorao exaustiva de seus recursos, estando

    entre os ambientes mais ameaados pelas atividades humanas, principalmente pela

    regulao da gua, infra-estrutura e disposio de resduos. As wetlands so

    afetadas pela construo de barragens, suprimento de gua para abastecimento,

    retificaes e diques marginais que com isto modificam o regime de suas guas e,

    conseqentemente, o fluxo e o rompimento das ligaes ao longo dos rios, ou entre

    os rios e suas plancies de inundao. Os estressores das wetlands afetam vrios e

    importantes servios ecossistmicos, como armazenamento e purificao da gua,

    recarga de aqferos subterrneos, amortecimento de vazo, manuteno da

    heterogeneidade da paisagem e da biodiversidade, sumidouro de carbono, produo

    de recursos naturais renovveis e outros.

    Quanto aos benefcios econmicos de prticas alternativas de gesto, se

    comparados com os de sistemas submetidos a prticas insustentveis, percebe-se

    que os benefcios dos sistemas que tem uma gesto sustentvel so maiores que

    aqueles dos ecossistemas convertidos (ALMEIDA, 2007).

    No Estado do Paran, as wetlands regionais e locais apresentam um valor

    ecossistmico importante para estocagem e purificao da gua e recreao, mas

    esto tambm sob ameaa crescente, decorrente de aterros e poluio, associados

    a uma populao crescente concentrada nas reas urbanas.

  • 2

    O rio Iguau e alguns de seus afluentes apresentam em suas margens

    inmeras e extensas wetlands naturais, configurando plancies de inundao bem

    definidas. Portanto deve-se ter um especial interesse na preservao destas

    wetlands, visto que representam importante papel na gesto do meio ambiente e dos

    recursos hdricos para o desenvolvimento territorial.

    Assim, na Regio Metropolitana de Curitiba RMC - um dos maiores

    desafios regionais o gerenciamento e a gesto de suas wetlands, altamente

    urbanizadas e povoadas, com evidentes interferncias na qualidade das guas,

    degradadas pelas atividades antrpicas, gerando situaes potenciais de escassez

    de gua para o consumo humano em condies adequadas de qualidade.

    Este crescimento da demanda por gua para os mais variados usos faz

    crescer e tomar corpo o princpio dos usos mltiplos, gerando uma srie de conflitos

    de interesses (MMA, 2006b).

    As wetlands do Alto Iguau, durante o ltimo sculo, no foram levadas em

    considerao nas operaes de urbanizao, implantaes industriais e de infra-

    estrutura viria. A recente considerao do meio ambiente, polarizada na urgncia

    dos problemas de despoluio e de controle de cheias preocupou-se pouco com as

    wetlands e o que elas podem representar para a sociedade. Alm da extensiva

    explorao da minerao, obras foram freqentemente realizadas sobre elas, ou

    ento foram abandonadas, tornando-se alvos de assentamentos irregulares.

    1.1 JUSTIFICATIVA

    Segundo Almeida (2007) o valor dos ecossistemas deve ser melhor

    apropriado, tanto no que se refere incluso das externalidades quanto no que se

    refere a servios ambientais j internalizados, como o solo. Embora a comunidade

    acadmica e outros especialistas venham trabalhando sobre o assunto, a

    apropriao dos servios ambientais e formas de quantificao de seus valores so

    temas ainda em discusso.

    Em relao aos servios ambientais, as wetlands so, em sua aparente

    banalidade, uma verdadeira riqueza regional, necessitando serem administradas,

    valorizadas e apreciadas, pois em certas periferias urbanas so transformadas e

  • 3

    ameaadas ao desaparecimento devido a ocupaes, trazendo um custo a esta

    explorao ou uso.

    O rio Iguau e suas wetlands tiveram seu regime modificado pelas

    retificaes, barragens, poluio, usos e atividades nas margens e retiradas de

    gua, areia e argila. Trata-se de um recurso que foi diferentemente valorizado e

    artificializado pelos sistemas econmicos que se sucederam. A destruio continua

    em larga escala como conseqncia de polticas de desenvolvimento inadequadas,

    a falta de efetividade das leis existentes, bem como de planejamento do uso do solo

    de longo prazo, afetando negativamente o rio e as wetlands em propriedades

    pblicas e privadas.

    Decises nas polticas pblicas de carter social exigem anlises custo-

    benefcio que incorporem parmetros sociais e ambientais de modo a adaptar os

    projetos a padres econmica, ecolgica e socialmente aceitveis, uma vez que a

    mitigao de muitos de seus efeitos negativos nem sempre so possveis.

    Uma poltica moderna para as wetlands baseada em conhecimento cientfico

    e capaz de conciliar desenvolvimento econmico com a proteo ambiental e bem-

    estar social se faz necessria. Esta poltica deveria considerar o valor das wetlands

    e seus servios ambientais, alm de sua importncia para a biodiversidade. A

    Conveno de Ramsar, da qual o Brasil um dos 158 pases signatrios, requer o

    estabelecimento e implementao de uma poltica especfica para a gesto e

    proteo das wetlands, comeando com um inventrio das wetlands nacionais e a

    manuteno do seu carter ecolgico mediante um manejo racional. A Declarao

    de Cuiab (INTECOL, 2008) chama a ateno para a necessidade de estudos,

    gesto e proteo das wetlands com prioridade para a manuteno dos servios

    ambientais para o benefcio da espcie humana.

    Uma das maiores ameaas o crescimento populacional que impem

    crescentes presses sobre os recursos das mesmas. Visto que a urbanizao

    continuar crescendo, estas presses certamente tambm aumentaro. Assim, a

    proteo das wetlands torna-se uma questo central em relao ao meio ambiente,

    as transformaes do territrio, a identidade cultural e a qualidade da vida. Um

    conhecimento melhor das questes relativas a origem, funes, funcionamento,

  • 4

    utilizao e representao das vrzeas por parte da comunidade s poder melhorar

    a pertinncia de futuras intervenes.

    1.2 OBJETIVOS

    Partindo-se da premissa de que a sustentabilidade econmica, social e

    ambiental da Regio Metropolitana de Curitiba - RMC - passa pela considerao da

    urgncia em atenuar os impactos negativos das relaes entre desenvolvimento

    urbano e disponibilidade dos recursos hdricos, o objetivo geral desta tese foi

    proporcionar e contribuir com a avaliao e gesto das vrzeas wetlands - que se

    mostram potencial para a melhoria da qualidade das guas dos rios.

    So objetivos especficos:

    Determinar a extenso e variabilidade das vrzeas

    inventariando tipos de wetlands ocorrentes na bacia do Alto

    Iguau;

    Identificar um banco de wetlands atuais na bacia do Alto

    Iguau na R M C;

    Analisar os aspectos relevantes, disponveis no conjunto de

    normas de gesto territorial, ambiental e de recursos hdricos,

    aplicveis s wetlands urbanas da bacia do Alto Iguau;

    Identificar os principais causadores da degradao das

    wetlands metropolitanas da Bacia do Alto Iguau;

    Avaliar a qualidade da gua em determinadas wetlands;

    Identificar alternativas de integrao entre as polticas visando

    incorporar as wetlands e seus valores ambientais ao mosaico

    de reas protegidas;

    Propor ferramentas de proteo/manuteno e restaurao das

    funes de wetlands.

    Identificar e valorizar a paisagem das wetlands.

  • 5

    1.3 HIPTESES

    So hipteses consideradas nesta tese:

    Embora importantes para o equilbrio e o suprimento de vida do

    ambiente urbano, as wetlands so contrariamente e

    freqentemente objeto de degradao;

    O processo acelerado de degradao das funes das

    wetlands do Alto Iguau pode estar sendo causado:

    o pela baixa valorizao decorrente do desconhecimento

    das funes como ecossistema complexo;

    o pela falta de estudo do regime hidrolgico como um

    parmetro a ser considerado na recuperao.

    A incluso da gesto das wetlands nos planos diretores pode

    trazer melhora na qualidade das guas dos rios;

    A reestruturao das paisagens atravs de eco-tecnologias

    (wetlands construdas) pode ser de grande utilidade para a

    manuteno ou restaurao da qualidade dos corpos hdricos;

    Os geofcies de vertente se apresentam como potenciais

    paisagsticos e filtradores de guas da drenagem carregadas

    da poluio difusa das reas urbanas;

    Wetlands no tem preo de mercado determinado pelos

    servios ambientais prestados e como tal no so

    reconhecidas como tendo um valor econmico;

    A sociedade percebe ou atribui um valor as wetlands

    (econmico, cultural, ecolgico) que depende em grande

    medida dos objetivos da sociedade e tambm do grau de

    conhecimento que a mesma tem a respeito das funes

    essenciais das wetlands. Este conhecimento cresce a partir da

    pesquisa, mas chega lenta e deficientemente sociedade;

    O valor operacional deste sistema vrzeas-wetlands ainda

    precisa ser demonstrado, de modo a evidenciar outras

    alternativas que no seja o de apenas ocupar e degradar todo

    do territrio.

  • 6

    1.4 ORGANIZAO DO TRABALHO

    Aps a Introduo o Captulo 2 apresenta a caracterizao geral da rea de

    estudo, as wetlands do rio rio Iguau, na RMC.

    O Captulo 3 apresenta a reviso bibliogrfica sobre aspectos gerais dos

    ecossistemas de wetlands, onde so descritos: formas de classificao; estruturas,

    funes e valores de uma wetland; uso e conservao; indicadores de estado;

    hidrologia e hidrodinmica; e a relao entre hidroperodo e as comunidades

    biolgicas. Apresenta, por um lado, o resultado da busca por conceitos e diversas

    tcnicas, privilegiando claramente as medidas tendentes recuperao ambiental

    de wetlands, como modo de fomentar a melhoria da qualidade dos rios urbanos.

    O Captulo 4 apresenta a metodologia do Sistema GTP, adotada nesta

    pesquisa e d incio a apresentao das wetlands do Iguau, na bacia do Alto

    Iguau na Regio Metropolitana de Curitiba, local selecionado para o estudo de

    caso.

    No Captulo 5 so apresentados e discutidos os resultados relacionados com

    os ambientes, os servios e os instrumentos a serem considerados para a gesto,

    conservao ou restaurao das wetlands do Alto Iguau na RMC. Neste captulo

    so apresentados suas funes e valores, alm dos conflitos existentes pelo uso.

    Ainda neste Captulo, e atendendo necessidade da metodologia, o local do estudo

    de caso caracterizado em termos hidrolgicos e biolgicos. Tambm identifica e

    analisa aspectos relevantes, disponveis no conjunto de normas de gesto territorial,

    ambiental e de recursos hdricos, que potencializem a apropriao destas com usos

    adequados, alternativas de integrao entre as polticas para a incorporao das

    wetlands e seus valores ambientais ao mosaico de reas protegidas.

    Finalmente, no Captulo 6 encontram-se concluso e recomendaes do

    trabalho.

  • 7

    2 CARACTERIZAO GERAL DA REA DE ESTUDO

    A Regio Metropolitana de Curitiba (RMC) est localizada na parte leste do

    Estado do Paran, concentrando cerca de 25% da populao total e 30% da

    populao urbana do estado. Apresenta populao de 2.532.929 habitantes em uma

    rea de 366.180 ha (3.661,80 km2), resultando numa densidade mdia de 6,92

    hab/ha, distribuda em 18 municpios (SUDERHSA, 2007) e devendo ultrapassar 4

    milhes de habitantes no ano 2020 (SUDERHSA, 2008) afetando, assim, a rea de

    mananciais das nascentes do rio Iguau e necessitando da preservao das reas

    de wetlands, principalmente pelo fato de apresentarem importante papel na

    disponibilidade dos recursos hdricos para o desenvolvimento territorial.

    O rio Iguau possui uma extenso de cerca de 910 km, drenando com seus

    afluentes uma bacia de 70.800 km2. Ao longo do rio Iguau e de seus afluentes

    existem extensas wetlands naturais, configurando sua plancie de inundao (Figura

    1 e Figura 2), as quais vem sofrendo presses ambientais, principalmente, pela

    expanso da ocupao urbana.

    FIGURA 1 - WETLANDS DO RIO IGUAU

    Fonte: COHAPAR, 2007

  • 8

    FIGURA 2 - LOCALIZAO DAS WETLANDS DO ALTO IGUAU

    A qualidade das guas do rio Iguau, aps passar pela RMC, alterada por

    diferentes processos antropognicos, classificando este rio como segundo mais

    poludo do Brasil, apenas atrs do Tiet, em So Paulo, conforme o ndice de

    Desenvolvimento Sustentvel (IDS), divulgado pelo Instituto de Geografia e

    Estatstica (IBGE) em 2008. Dos 1,3 mil quilmetros do rio Iguau, apenas 70 km

  • 9

    apresentam em suas guas sinais de poluio, justamente no trecho das nascentes

    do Iguau. As informaes reunidas nos 68 pontos de monitoramento da Bacia do

    Alto Iguau tambm demonstram que a carga domstica corresponde a cerca de

    90% da poluio, enquanto o restante provocado por indstrias e carga difusa

    (resduos direcionados pelas galerias de guas pluviais) (SEMA, 2008). O rio Belm,

    um dos seus afluentes, o mais comprometido e a sua foz no Iguau apresenta mau

    cheiro e um cenrio desolador, com urubus explorando o lixo acumulado nas

    margens. Segundo SANEPAR, o esgoto no a nica fonte de poluio do rio,

    existindo outras, como drenagem, poltica inadequada de coleta de lixo, manejo da

    gua da chuva, e ligaes irregulares de esgotos. E, atravs do Programa Viva a

    natureza! Se ligue na rede tem como meta 80% das ligaes regularizadas

    (GAZETA DO POVO, 2008a).

    Diferentes estudos comprovaram a contaminao do rio Iguau, como o de

    Lange (2006) e Grando (GAZETA DO POVO, 2008a) que consideram o rio Iguau

    com caractersticas de rio natimorto na RMC, embora nas suas margens existam

    garas e outros que se adaptam s condies insalubres do rio. Ainda, segundo

    Furlan (2007), entre as espcies presentes na mata ciliar, apesar do nmero de

    indivduos ter reduzido, possvel encontrar veados, capivaras, pacas, cutias, soc-

    boi, bigus e, entre as espcies da flora, a espinheira-santa, o cambu, a guajuvira e,

    em especial, os branquilhos. Carrano (2006), pesquisando as aves, relata a

    presena de quero-quero nas vrzeas, de algumas espcies relacionadas com os

    ambientes formados pelas cavas, indicando a boa qualidade das suas guas e de

    maaricos no rio Iguau, com destino ao hemisfrio norte. Em termos de ictiofauna,

    Duboc (2006) identificou estoques naturais disponveis nas cavas, que cedem

    exemplares para recomposio do meio. Joilson Tadeu Scepanski, morador h 16

    anos margem da corredeira Caiacanga, um dos trechos mais bonitos do rio Iguau,

    em Porto Amazonas, coloca ainda d lambari e bagre por aqui, mas do jeito que

    est eu no sei at quando. Vai diminuindo a cada ano. Ele ainda comenta que o rio

    mudou muito em alguns anos (GAZETA DO POVO, 2008b). A contaminao da

    biota no rio Iguau tambm foi verificada por Lange e Assis (2006) que, trabalhando

    com biomarcadores, encontraram concentraes elevadas dos ons cdmio,

  • 10

    arsnico, mercrio, cobre e chumbo em plasma e msculo de cgados-pescoo-de-

    cobra (Hydomedusa tectifera) na bacia do Alto Iguau.

    O compartimento Planalto de Curitiba, segundo o Plano Diretor de Manejo

    Florestal (PARAN, 1989) est dividido em trs sub-zonas sendo uma delas as

    Plancies Aluvionares: superfcies de agradao horizontalizadas, que se estendem

    ao longo dos rios, incluindo as reas de vrzeas propriamente ditas, com ocorrncia

    de solos hidromrficos gleyzados e solos orgnicos. Trata-se de reas aplainadas

    formadas pela deposio de material carreado principalmente durante as grandes

    inundaes. As plancies aluviais apresentam geralmente grande fertilidade,

    encontrando-se peridica ou permanentemente encharcadas. As formaes vegetais

    podem apresentar-se sob duas fisionomias distintas: herbceo-arbustiva (vrzeas e

    taboais, entre outras) e arbrea (caxetais e maricazais), desenvolvendo-se sobre as

    plancies aluviais dos rios.

    Em vrzeas de florstica mais heterognea, restringidas necessariamente s

    condies de alagamento do solo, predominam espcies das famlias Cyperaceae e

    Poaceae, cujas touceiras formam extenso tapete ao longo da plancie. De maneira

    mais esparsa tambm ocorrem representantes das famlias Polygonaceae,

    Apiaceae, Xyridaceae, Lentibulariaceae e Alismataceae, entre outras. Dentre as

    formaes pioneiras com influncia fluvial arbreas, a Erythrina crista-galli

    (corticeira-do-banhado) ocorre em meio vegetao herbcea das vrzeas e taboais

    (SEMA, 2005; CURSIO et al., 2007).

    Esta regio tambm pode apresentar floresta ombrfila mista aluvial (Figura

    3), constituindo as florestas riprias que ocupam sempre terrenos aluviais situados

    junto aos cursos dgua e estando sujeitas a inundaes peridicas. Caracteriza-se

    estruturalmente por uma elevada densidade de indivduos de mdio e pequeno

    porte, podendo apresentar comunidades em diferentes graus de desenvolvimento

    (SEMA, 2005).

    No Primeiro Planalto, das nascentes at Balsa Nova/Engenheiro Bley, o solo

    argiloso contaminado pelo esgoto e pelo lixo. Segundo Cursio, o lixo responsvel

    por danificar a vegetao das margens e o esgoto interfere na fertilidade do solo em

    torno do rio. Na regio de Curitiba, o nmero de espcies que compem a mata ciliar

    bem reduzido, 11 a 15 espcies, enquanto no Segundo Planalto, a partir de

  • 11

    Engenheiro Bley e suas corredeiras ao longo de 15 km, o nmero aumenta, 25 a 30

    espcies. possvel recuperar a mata ciliar no Primeiro Planalto, mas seria preciso

    limpar o rio. Eu apostaria no branquilho, que atrai fauna e segura o solo, e o resto

    viria na sombra, diz Cursio (GAZETA DO POVO, 2008c).

    FIGURA 3 - PERFIL ESQUEMTICO DOS TIPOS DE VEGETAO

    Fonte: SEMA, 2005 adaptado

    Em termos de macrfitas, pode-se citar a vrzea do rio Barigi, prximo

    foz no rio Iguau, em rea anteriormente utilizada para extrao de areia onde a

    Superintendncia de Recursos Hdricos e Saneamento Ambiental, SUDERHSA,

    prev o uso de fitorremediao. A vrzea apresenta grande diversidade de

    macrfitas aquticas, o que pode ser evidenciado pelo grande nmero de txons (72

    distribudos em 27 famlias). A extrao de areia ocasionou a formao de 14 cavas,

    de tamanhos que variam de cinco at quinze metros de dimetro, onde o

    desenvolvimento de macrfitas aquticas se deu naturalmente e de forma bastante

    intensa. As macrfitas foram classificadas como anfbias, emergentes, flutuantes

    fixas, submersas livres e flutuantes livres (PEGORINI et al., 2007). O gnero que

    apresentou maior nmero de espcies foi Ludwigia, com sete espcies, seguido por

    Cyperus (seis) e Baccharis (quatro). As espcies Eichhornia crassipes (Mart.) Solms

  • 12

    e Heteranthera reniformis Ruiz & Pav., tidas como aquticas, foram encontradas

    somente em solo mido, prximo s margens das cavas.

    Na rea afloram trs unidades litolgicas: Complexo Gnissico-Migmattico,

    Formao Guabirotuba e Sedimentos Aluvionares. Em toda a rea ocorre o

    Complexo Gnissico-Migmattico e em alguns pontos est aflorante, representado

    por solos residuais, argilosos, de colorao avermelhada, no restante da rea est

    sotoposto aos sedimentos da Formao Guabirotuba ou aos Sedimentos

    Aluvionares (Figura 4).

    FIGURA 4 - MAPA GEOLGICO DA REGIO DO ALTO IGUAU

    Legenda

    ALUVIO Sedimentos quaternrios inconsolidados depositados ao longo das principais drenagens

    Perfis Geolgicos Traados

    FORMAO GUABIROTUBA Rochas sedimentares pleistocnicas, que preenchem a Bacia Sedimentar de Curitiba

    Ferrovia

    EMBASAMENTO CRISTALINO Rochas gnissicas-mimatiticas

    Rodovias

    Lineamento Estrutural

    Curso dgua

    Fonte: COMEC, 1996

  • 13

    Os sedimentos da Formao Guabirotuba, que preenchem a Bacia

    Sedimentar de Curitiba, apresentam predominncia de argilas, siltitos argilosos e

    lentes de arcsios. Os depsitos de sedimentos Aluvionares apresentam camadas

    siltica-argilosas, entremeadas por lentes de areias mdias a grosseiras, quartzosas,

    esbranquiadas, com espessuras variando entre 4,00 a 7,00 m. Os lineamentos

    estruturais traados referem-se ao canal do rio Iguau, o qual se desenvolveu, muito

    provavelmente, sobre expressiva falha geolgica, e aos canais dos rios Pequeno,

    Atuba, Palmital e Barigui (COMEC, 1996).

    As perfuraes realizadas ressaltaram um perfil tpico e constante ao longo

    de todo o aluvio do rio Iguau at Balsa Nova. A cobertura do terreno

    representada por um solo negro, argiloso, rico em matria orgnica, muito plstico,

    caracterizado como solo hidromrfico (Figura 5) (COMEC, 1996).

    Imediatamente abaixo, tem-se camada de argila esbranquiada com pores

    slticas, pouco consistente. Lateralmente, esta camada de argila interdigita-se com

    pores mais arenosas. Em meio ao horizonte sltico-argiloso surgem lentes e

    mesmo bolses de areias grosseiras de espessuras mtricas que apresentam

    mineralogia quartzo-feldsptica, colorao cinza-esbranquiada e baixa

    compactao. Entremeando as camadas de argila-siltosa e silte-argiloso, ocorrem

    lentes mtricas de areais mdias a grosseiras, mal selecionadas, formadas

    predominantemente por gros de quartzo esbranquiado (COMEC, 1996).

    Estas lentes possuem distribuio e espessura errtica e so o alvo

    preferencial dos mineradores (COMEC, 1996), os quais, aps a extrao da areia,

    deram origem s cavas do Rio Iguau com a abandono da rea, sem sua devida

    recuperao. De uma forma geral e independente da sazonalidade, o lenol fretico

    em toda a plancie aluvionar do rio Iguau encontra-se, quase sempre, aflorante, de

    tal forma que nas cavas de areia o nvel de gua encontra-se sempre muito prximo

    superfcie.

    Observa-se nas cavas, que as guas nelas contidas costumam ser limpas e

    despoludas, propiciando a existncia de vida aqutica, ao contrrio dos cursos

    dgua vizinhos (afluentes), totalmente comprometidos. Isto propiciado pela

    passagem das guas por entre os interstcios das camadas de areia, que funcionam

    como filtros naturais (COMEC, 1996; FURLAN, 2007).

  • 14

    FIGURA 5 - PERFIL MARECHAL FLORIANO E AVENIDA DAS TORRES

    Legenda

    Solo hidromrfico Argila cinza-escura, com matria orgnica, muito plstica

    Alterao de rocha cristalina Silte argiloso com areia fina, esverdeado, rgido

    Depsito aluvionar Argila siltosa com areia fina, de cor marrom escura a vermelha, consistncia mdia

    Alterao de rocha cristalina Areia fina, siltosa e argilosa, com colorao castanha clara, compacta

    Depsito aluvionar Areia grosseira, mal selecionada, de cor castanha, pouco compacta

    Posio do lenol fretico

    Depsito aluvionar Argila arenosa, cinza escura, rica em matria orgnica, muito plstica

    SP ST

    Ensaio de penetrao dinmica Perfurao a trado manual

    Fonte: COMEC, 1996.

  • 15

    3 REVISO BIBLIOGRFICA

    Aspectos de relevncia para a gesto de recursos hdricos e uso do solo,

    so abordados a seguir, tendo como ponto focal o potencial das Wetlands na Regio

    Metropolitana de Curitiba para a manuteno do equilbrio das regies em que se

    desenvolvem.

    Lima (2006) adverte:

    Pensamos deixa o rio, ele um artista, o maior artista porque consegue atravessar

    quilmetros de rea degradada, mas est morrendo porque as micro bacias que so as

    alimentadoras dos grandes sistemas pluviais no passam por polticas ambientais. Precisaria dar uma

    guinada...

    O progresso tcnico oferece ao homem a capacidade de modificar

    profundamente a paisagem e alterar o curso dos acontecimentos naturais. Nos

    ltimos anos, os problemas ambientais criados por uma desenfreada interferncia

    com os diferentes elementos da paisagem para satisfazer as necessidades

    socioeconmicas tm-se convertido em matria de preocupao.

    A extenso e acelerao da interveno antrpica na paisagem ocasiona

    uma exploso de diversas crises: ecolgica, de energia e hidrolgica, entre outras

    (VILAS, 1992). Um dos exemplos a citar a explorao da areia, alterando as

    vrzeas do Rio Iguau na Regio Metropolitana de Curitiba (RMC). Atualmente so

    observados resultados de um padro de desenvolvimento anacronicamente

    predador, em termos sociais e ambientais, e da ao de lideranas mal informadas

    no geral e mal-intencionadas no particular (ALMEIDA, 2007).

    3.1 BACIAS HIDROGRFICAS

    Os ambientes que compem uma bacia dependem de diferentes fatores

    para seu funcionamento e estabilidade relativa, como pelas taxas de afluxo e efluxo

    de gua, materiais e organismos de outras reas da bacia. Assim, a bacia

    hidrogrfica, entendida como um sistema aberto, influenciada e/ou influencia

    outros sistemas, portanto, qualquer deciso tomada por uma comunidade em uma

    determinada bacia influencia outras bacias ou sub-bacias (SOUZA, et al, 2008).

    Como exemplo pode-se citar a entrada de esgotos sanitrios ou efluentes industriais

  • 16

    nos ambientes aquticos de uma bacia. Se o material orgnico de esgotos ou de

    efluentes industriais no puder ser assimilado, o rpido acmulo de tais materiais

    poder destruir o sistema. Por outro lado, a eroso do solo e a perda de nutrientes

    de uma floresta perturbada ou de um campo cultivado inadequadamente no apenas

    empobrecem estes ecossistemas, como tambm tais efluxos apresentam,

    provavelmente, impactos eutrficos. A expresso "eutrofizao cultural" vem sendo

    utilizada largamente para denotar a poluio orgnica que resulta de atividades

    humanas. Por isso, a bacia hidrogrfica inteira e no somente a massa de gua ou

    trecho de vegetao, deve ser considerada a unidade mnima de ecossistema,

    quando se trata de interesses humanos. Assim, os campos, as florestas, as massas

    de gua e as cidades, interligadas por um sistema de riachos ou rios (ou canais ou

    por urna rede de drenagem subterrnea), interagem como uma unidade prtica tanto

    para o planejamento como para o gerenciamento. O conceito de bacia hidrogrfica

    ajuda a colocar em perspectiva muitos dos problemas e conflitos, podendo ser citado

    que as causas e as solues da poluio da gua no sero encontradas olhando-

    se apenas para o canal fluvial, sendo necessrio considerar a bacia de drenagem

    inteira como unidade de gerenciamento (ODUM, 1988).

    A rpida urbanizao e crescimento das cidades durante o ltimo meio-

    sculo mudou as bacias hidrogrficas mais do que, provavelmente, qualquer outro

    resultado da atividade humana em toda a histria. A cidade, como sistema, um

    campo de interaes de todo tipo entre os diferentes elementos que compe o

    espao urbano, resultando em significativas mudanas na paisagem, em curto

    espao de tempo e na necessidade de planejamento e gesto (PIA, 1992), com a

    finalidade de minimizar os impactos negativos. Uma cidade que considere em seu

    desenho os recursos dos elementos antrpicos, biticos e abiticos e que

    configuram a paisagem como relevo e gua apresentar caractersticas prprias que

    lhe propiciar personalidade urbanstica. Em termos de recursos, as cidades ou a

    reas metropolitanas so ecossistemas incompletos ou heterotrficos que

    dependem de grandes reas externas a elas, uma vez que apresentam: (1) uma

    grande necessidade de entrada de energia ou recursos, como gua; e (2) sua sada

    mais degradada, com gerao de resduos (ODUM, 1988). O uso da gua

    principalmente como um meio de transporte e como um recipiente de substncias

  • 17

    indesejveis inibe o mltiplo uso do recurso e no representa uma estratgia de

    gesto sustentvel (ARHEIMER, B.; TORSTENSSON, G.; WITTGREN, H. B, 2004).

    A disponibilidade de gua, tanto em quantidade como em qualidade, um

    dos principais fatores limitantes ao desenvolvimento das cidades (CURITIBA, 2008).

    O crescimento da demanda por gua, o elemento mais dinmico da paisagem

    (SANTOS, 2001), para os mais variados usos faz crescer e tomar corpo o princpio

    dos usos mltiplos, gerando uma srie de conflitos de interesses (MMA, 2006a). As

    regies metropolitanas impem um dos maiores desafios regionais, que o

    gerenciamento e a gesto de reas altamente urbanizadas e povoadas, com

    evidentes interferncias na qualidade das guas, degradadas pelas atividades

    antrpicas, bem como situaes potenciais de escassez (grandes demandas em

    relao s disponibilidades de gua existentes (MMA, 2006b).

    Com o crescente processo de urbanizao, diversas alteraes no meio

    ambiente podem ser percebidas relacionadas, ao aumento das reas impermeveis,

    que reduz a infiltrao, resultando no aumento do volume de escoamento superficial

    (CHOW, V. T.; MAIDMENT, D. R.; MAYS, L. W., 1988), e das redes de condutos e

    canais de escoamento. Este fato implica em aumento das vazes mdias de cheias;

    aumento da produo de sedimentos; reduo da alimentao dos aqferos, com

    rebaixamento do nvel do lenol fretico e, ainda, deteriorao da qualidade da gua

    superficial e subterrnea, devido lavagem das ruas, ao transporte de material

    slido, s ligaes clandestinas de esgotos, e contaminao direta dos aqferos

    (SUDERHSA, 2007). A concepo clssica dos sistemas de drenagem urbana

    recomenda evacuar rapidamente as guas pluviais do meio urbano, atravs de

    condutos subterrneos artificiais, levando ao aumento da velocidade de escoamento

    e, como conseqncia, da magnitude dos picos de cheia (SUDERHSA, 2002). A

    combinao destes efeitos da urbanizao aumento dos volumes escoados e

    acelerao do escoamento tem levado os sistemas clssicos de drenagem urbana

    a operarem impactos sociais, econmicos e ambientais. Se a fonte de

    abastecimento do fluxo dos rios depender principalmente do escoamento superficial,

    o rio apresentar fluxo muito varivel, com grandes cheias ou pequenos volumes

    mnimos (SUGUIO; BIGARELLA, 1979).

  • 18

    Quando chove, a gua carreia poluentes atmosfricos, escorre por telhados,

    ruas e caladas limpando a cidade, originando o que Kobiyama, Mota, e Corseuil

    (2008) chamam de esgoto pluvial, que possui alta carga poluente, sendo que muitas

    vezes, impossvel conter seu fluxo para trat-lo. Conseqentemente, esse fluxo

    acaba poluindo os corpos dgua.

    Na medida em que a adoo do modelo clssico de drenagem no

    apresenta caractersticas de sustentabilidade, uma vez que tambm so limitados os

    usos presentes e futuros da gua em meio urbano de forma quase sempre

    irreversvel, Baptista e Nascimento, (1996), Kobiyama, Mota e Corseuil, (2008)

    sugerem uma inverso desta lgica, cunhando o termo armazenamento urbano. A

    nova filosofia baseia-se no controle na fonte do escoamento pluvial atravs do uso

    de dispositivos que amorteam o escoamento das reas impermeabilizadas e/ou

    recuperem a capacidade de infiltrao: a) acumular, o mximo possvel, os

    excedentes hdricos a montante, possibilitando assim a retardamento do pico de

    enchentes para as chuvas de curta durao e maior intensidade; b) recuperar,

    gradativamente a situao existente anterior a urbanizao, ou seja, o coeficiente de

    escoamento superficial (runoff) natural (SUDERHSA, 2002).

    Segundo Baptista e Nascimento (1996), as novas tecnologias buscam

    neutralizar os efeitos da urbanizao sobre os processos hidrolgicos, permitem a

    reduo dos impactos da poluio de origem pluvial e a continuidade do

    desenvolvimento urbano, sem gerar custos excessivos, e propor o tratamento

    conjunto das questes de drenagem pluvial em meio urbano com outras questes

    urbansticas, permitindo usos diversos pela populao, como reas de

    estacionamento, reas para a prtica de esportes, reas de parques ou de lazer

    inundveis. Entretanto, mesmo parecendo indispensveis ou ricas em

    potencialidades, estas solues so freqentemente pouco ou mal utilizadas

    (BARRAUD; LE GAUFFRE; MIRAMOND, 2000 ).

    A fragmentao de reas naturais e destruio das conexes hidrolgicas

    tem resultado em bacias degradadas funcionalmente, nas quais os problemas de

    qualidade das guas ocorrem regularmente (VERHOEVEN et al., 2008).

    Uma vez que muito difcil e muito cara a recuperao ambiental de um rio

    poludo, a estratgia de manejo da zona ripria , sem dvida, a mais racional para

  • 19

    manter os recursos hdricos e a qualidade ambiental dos rios (NAIMAN; DCAMPS,

    1997). Por outro lado, como colocado por Gunderson (2000) e Lima (2003), a

    gradativa perda de resilincia dos ecossistemas riprios, tornando-os, assim, mais

    vulnerveis a perturbaes que de outro modo seriam normalmente absorvidos (e

    toda a degradao hidrolgica decorrente dela) , sem dvida, um dos impactos

    ambientais mais evidentes. No precisa ir longe, no precisa nem sair da cidade,

    s passar por qualquer riacho para ver, pois toda atividade humana produz algum

    grau de alterao no ambiente. O problema por resolver , se as paisagens

    influenciadas pelas obras de engenharia produziram ou produziro mudanas que

    comprometam a rea ocupada pelas mesmas, sua complexidade estrutural e os

    principais processos que condicionam a estabilidade dos mesmos (NEIFF,1999).

    3.2 WETLANDS

    A palavra inglesa wetland, termo de uso internacional, pode ser traduzida

    como rea mida ou zona mida que abrange o conjunto de diversos tipos de

    ecossistemas midos existentes que ocupam cerca de 6% da superfcie terrestre.

    So ecossistemas valiosos e compreendem tanto ecossistemas terrestres,

    fortemente influenciados pela gua, quanto sistemas aquticos com caractersticas

    especiais decorrentes de sua pouca profundidade e proximidade ao solo (SCHUYT ;

    BRANDER, 2004).

    As wetlands, de maneira geral so formadas por reas planas, cuja

    localizao ou condies de precipitao e drenagem fazem delas zonas alagadias,

    sujeitas a variaes sazonais de reas inundadas, com pequenas profundidades.

    Esta caracterizao bastante abrangente, e incluem-se dentro dela reas como

    plancies de inundao de rios, reas inundadas prximas s lagoas, manguezais e

    reas submetidas a inundaes devido s mars, pntanos e banhados, tanto

    aquelas reas que recebem o aporte de cursos dgua como aquelas que tm como

    nica entrada do sistema a precipitao (TASSI, 2007).

    IBAMA, SEMA e IAP (2007) definem wetland como o segmento de paisagem

    constitudo por solo hidromrfico, que em condies naturais encontra-se saturado

    de gua, permanentemente ou em determinado perodo do ano, independente de

  • 20

    sua drenagem atual. Em virtude do processo de sua formao, apresenta

    comumente, dentro de 50 (cinqenta) centmetros, a partir da superfcie, cores

    acinzentadas, azuladas ou esverdeadas e/ou cores pretas resultantes do acmulo

    de matria orgnica.

    Com fins operativos, neste trabalho adotou-se a definio de wetland

    proposta por Neiff (1999, p.102) como sendo:

    Sistema de cobertura onde a presena temporal de uma lmina de gua varivel (espacial e temporal) condiciona fluxos biogeoqumicos prprios, solos com acentuado hidromorfismo e uma biota peculiar por processos de seleo, que tem padres prprios em sua estrutura e dinmica. Podem ser considerados como macrossistemas cuja complexidade cresce com a variabilidade hidrosedimentolgica e a extenso geogrfica ocupada.

    Assim as vrzeas do rio Iguau enquadram-se na definio de wetland -

    reas midas - acima mencionada.

    3.2.1 Importncia das Wetlands

    Quando gestores ou tomadores de deciso no entendem as funes e

    valores do ecossistema, podem ser tomadas escolhas errneas durante prticas de

    gerenciamento, impossibilitando assim seu pleno funcionamento, podendo trazer

    mudanas irreversveis ao ecossistema. O conhecimento das funes e valores de

    um ecossistema de wetland pode melhorar as decises que so tomadas hoje, e

    assim proteger estes ecossistemas para geraes futuras (USEPA, 1994),

    principalmente pelo fato destas reas, alm de uma grande diversidade biolgica,

    exercerem funes ecolgicas essenciais (ADAMUS, 1983). Adamus (1983)

    identificou diferentes funes para as wetlands, sendo as principais, relacionadas

    capacidade de armazenar e descarregar gua, como no controle de inundaes,

    reduzindo a velocidade das enchentes e as catstrofes geradas com a subida das

    guas, como tambm desempenham importante papel na manuteno das

    condies climticas globais. Outra funo importante das wetlands o ciclo

    biogeoqumico de nutrientes, sua interao com os ambientes aquticos lticos

    (fluxo horizontal) e lnticos (fluxo vertical) que pode ser influenciada por fatores

    fsicos, como solar, ventos, mares (ODUM, 1988; NEIFF, 1999), tendo assim

  • 21

    possveis variaes temporais e espaciais, influenciando a cobertura do solo e a

    biota do meio (como tipo de vegetao) (USEPA, 2008).

    Schuyt e Brander (2004) resgatam uma lista das funes de wetlands:

    funes de regulao (nutrientes, reciclagem, recarga de gua, controle de

    inundao, controle de eroso, manuteno da estabilidade da biodiversidade e do

    ecossistema); funes de suporte (irrigao, pecuria, transporte, energia, turismo);

    funes de produo (gua, alimento, madeira, recursos medicinais) e funes de

    informao (pesquisa e educao).

    Wetlands, sob condies favorveis, tem-se mostrado eficiente em

    remover/degradar/reter nutrientes, compostos orgnicos e inorgnicos naturais ou

    sintticos, materiais txicos que fluem por estes ambientes aquticos (MITSCH;

    GOSSELINK, 2000). As wetlands tambm podem atuar como local para

    sedimentao de material particulado, atividade aerbica ou anaerbica, reteno de

    substncias pelas plantas (manejo) e em maiores reas midas ocorre tambm

    maiores trocas entre a interfase gua/sedimento.

    As wetlands podem ser fatores importantes nos ciclos globais de nitrognio,

    enxofre, metano e dixido de carbono (SAHAGIAN; MELACK, 1998; MITSCH;

    GOSSELINK, 2000; MMA, 2006a).

    Outro valor da wetland relacionado hidrologia a recarga de aqferos.

    Esta funo tem recebido muito pouca ateno, e a magnitude do fenmeno no

    tem sido bem documentada. Alguns hidrologistas acreditam que, apesar de algumas

    wetlands recarregarem os sistemas subterrneos, outras no o fazem (CARTER et

    al., 1979; NOVITZKI, 1979; CARTER, 1986; CARTER; NOVITZKI, 1988 apud

    MITSCH; GOSSELINK, 2000).

    O IBAMA (2010), usando o termo banhado, foca numa srie de razes para

    conservar as wetlands: esto entre os ecossistemas mais produtivos do planeta em

    termos de produo primria (de espcies vegetais) e secundria (de animais); a

    fauna abundante e diversificada, incluindo espcies ameaadas de extino;

    representam abrigos e reas de alimentao, reproduo e crescimento de muitas

    espcies de ambientes vizinhos (rios, lagoas, matas...) e de outras regies do

    planeta, como no caso das aves migratrias; filtram as impurezas carregadas pela

  • 22

    gua dos rios; regulam o volume de gua dos ambientes aquticos na ocasio de

    grandes chuvas e so grandes reservatrios de carbono.

    A preservao das wetlands condio indispensvel para a concretizao

    do desenvolvimento sustentvel, sendo o reconhecimento de sua importncia, por

    parte de rgos governamentais e instituies privadas, bem como da sociedade em

    geral, o primeiro passo para a sua conservao (IBAMA, 2010).

    Mesmo considerando sua importncia, existem grandes dificuldades na

    determinao do valor de uma wetland. Sua estimativa, em geral, tem uma avaliao

    muito subjetiva, particularmente a estimativa de uso indireto, uso futuro, ou valores

    de existncia. Hruby (1999), por exemplo, cita a grande dificuldade de valorar uma

    funo (uso indireto), porque os processos em wetlands so dinmicos e requerem

    intensos trabalhos de amostragem temporal e espacial. A dificuldade est em

    conciliar a qualidade da informao, que leva tempo a ser obtida com certo grau de

    confiana, e a necessidade urgente que os tomadores de deciso tm em obter

    estes valores.

    Economistas e ecologistas, de modo geral concordam que a teoria

    econmica, ligada a teoria energtica, corretamente compreendida, fornece o

    potencial para se incluir a obra da natureza como um valor econmico (ODUM,

    1988). A estimativa do valor econmico da rea total de wetlands, de 12,8 milhes

    de km2, da ordem de $70 bilhes por ano (SCHUYT; BRANDER, 2004). Ainda que

    muitas funes das wetlands no fossem avaliadas e que somente 63 milhes de

    hectares integrassem a avaliao, uma amostra de 89 estudos de caso, mostra o

    valor econmico mdio anual da funo da wetland por hectare de rea, conforme

    Tabela 1.

    Os valores ilustram quanto as wetlands so valiosas economicamente e

    representam estimativas iniciais dos custos para a sociedade caso estas wetlands

    sejam perdidas. Por ltimo, deve ser considerado que o valor econmico somente

    um componente do seu valor total, que inclui biodiversidade e valores scio-culturais

    e cientficos, funes que no podem ser expressas em valores monetrios

    (SCHUYT; BRANDER, 2004).

  • 23

    TABELA 1 - VALORES ECONMICOS MDIOS POR FUNO DE WETLAND

    Funes de wetlands Valor econmico mdio (US$/ha ano, ano referncia: 2000)

    Controle de cheias 464 Pesca amadora 374 Recreao 492 Filtragem de gua 288 Biodiversidade 214 Berrio 201 Caa amadora 123

    Fonte: SCHUYT; BRANDER, 2004

    Apesar do crescente reconhecimento do seu valor e importncia, as

    wetlands, so continuamente modificadas com grandes custos, as quais esto

    desaparecendo, em nvel mundial, enquanto outras esto sendo restauradas

    tambm com grandes custos.

    3.2.2 Impactos e Medidas Recomendadas

    Sarakinos et al. (2001) mostram que o atual sistema de gerenciamento das

    wetlands no Quebec/Canad, no consegue proteger as espcies deste

    ecossistema, sendo necessrio a adio de novas reas de proteo no entorno. No

    entanto, esse processo no economicamente nem socialmente vivel, visto que a

    maioria das wetlands est localizada em reas de grande concentrao urbana. J

    Long e Nestler (1996) fizeram uma anlise do histrico hidrolgico no rio Cach

    (Patterson, Arkansas/EUA) e perceberam que mudanas de longo prazo no

    hidroperodo indicaram um permanente declnio na magnitude dos nveis de gua

    durante perodos de seca, que estavam associadas com o aumento de

    bombeamento de gua e com mudanas do uso do solo nesta bacia. Assim, deve-se

    ressaltar que o fato de uma wetland possuir um sistema hidrolgico contnuo, usos

    que modifiquem esse componente impactaro as partes contguas.

    Alm disso, modificaes do sistema hidrolgico podem ser pensadas como

    uma autoperpetuao do processo, porque a soluo para um problema geralmente

    cria outro problema para reas adjacentes. Winter (1988) cita, por exemplo, que uma

    modificao na paisagem geralmente tem efeitos locais, mas mltiplas modificaes

    podem ter impactos extensivos. Portanto, a adoo de prticas conservacionistas

  • 24

    para uma wetland deve contemplar a bacia hidrogrfica como um todo, buscando

    avaliar os impactos em diferentes escalas.

    No Brasil no diferente a mentalidade sobre as wetlands. Existe uma

    variao geogrfica das principais causas desse desaparecimento, sendo que as

    principais atividades impactantes variam bastante de acordo com a regio em que

    ocorrem. Na regio Norte, o maior problema provocado pela falta de manejo

    adequado da pecuria bubalina, que degrada as reas, formando canais nas reas

    alagadas e mudando a hidrologia do sistema. Na regio Sul e Sudeste a expanso

    agrcola o principal problema desses ambientes, que so drenados para cultivo de

    arroz irrigado (IBAMA, 2010).

    Resumidamente podem ser citados alguns principais problemas observados

    nas diferentes regies brasileiras.

    a) A retirada de gua altera o padro natural de vazo, afetando o aporte de

    nutrientes, alterando a composio da flora e da fauna existente no ambiente. J a

    reteno exagerada de gua pode contribuir para a alterao da qualidade do solo e

    a sua drenagem pode promover a acidificao do solo local. Estas alteraes podem

    ser provocadas pela degradao dos cursos de gua que abastecem as wetlands;

    retirada de gua para uso agrcola, domstico e industrial; construo de diques,

    barragens e represas; e drenagem para implantao de atividades agrcolas.

    b) A atividade agrcola tambm afeta as wetlands. Alm da alterao do

    solo, o uso de grandes quantidades de herbicidas e fertilizantes contribui para

    distrbios na cadeia alimentar e para o desequilbrio dos ecossistemas. A criao de

    gado, atravs do pisoteio do solo, provoca sua compactao, alterando as condies

    abiticas e biticas do meio e, tambm, sua permeabilidade.

    c) A ocupao urbana em reas de wetlands realizada por meio de

    loteamentos, construo de moradias e implantao de indstrias, cujo processo se

    d com remoo da vegetao nativa, aterramento das reas, disposio

    inadequada de resduos slidos (lixo), lanamento de efluentes (esgotos) domsticos

    e industriais. A alterao das wetlands pela urbanizao agrava as enchentes nas

    cidades.

    d) A pavimentao de ruas ou outras construes reduzem a infiltrao das

    chuvas no solo, afetando o abastecimento do lenol fretico e aumentando o

  • 25

    escoamento da gua pela superfcie. Isto ocasiona enchentes, aumento da eroso

    do solo e arrastamento de poluentes urbanos para o interior dos corpos hdricos.

    e) A alterao da biota atravs da caa, da pesca, do desmatamento e a

    introduo de espcies exticas so outros problemas de degradao das wetlands.

    Nas ltimas dcadas, os seres humanos causaram alteraes sem

    precedentes nos sistemas para atender a crescentes demandas de alimentos, gua,

    fibras e energia, ajudando a melhorar a vida de bilhes de pessoas, mas, ao mesmo

    tempo, enfraquecendo a capacidade da natureza de prover outros servios

    fundamentais, como a purificao da gua e a proteo contra catstrofes naturais,

    uma vez que, por exemplo, rios e wetlands, sofreram alto impacto por mudanas no

    habitat e poluio por nitrognio e fsforo (ALMEIDA, 2007) conforme Quadro 1.

    QUADRO 1 - IMPACTOS QUE OCORREM EM CONSEQNCIA DAS VRIAS ATIVIDADES HUMANAS

    Atividade humana Impacto nos sistemas Valores/Servios em risco

    Construo de represas Altera o fluxo dos rios e o transporte de nutrientes e sedimentos

    Altera habitats

    Construo de diques e canais Destri a conexo do rio com as reas inundveis

    Afeta a fertilidade natural das wetlands e os controles das enchentes

    Alterao do canal natural dos rios

    Modifica os fluxos dos rios Afeta os habitats

    Drenagem de reas alagadas Elimina um componente-chave Perda de funes naturais de filtragem e de reciclagem de nutrientes e de habitats

    Desmatamento/uso do solo Altera os padres de drenagem Altera quantidade e qualidade das guas e o controle de enchentes

    Poluio no controlada Diminui a qualidade da gua Altera a disponibilidade hdrica

    Fonte: Modificado de TUNDISI; TUNDISI, 2008

    3.2.3 Classificao das Wetlands

    O primeiro passo para estudar uma wetland definir a que nvel hierrquico

    ela pertence. A Conveno de Ramsar divide as wetlands em trs categorias

    principais de ambientes: costeiras, interiores e construdas. As costeiras

    compreendem ambientes de esturios, lagoas, recifes de corais e manguezais. As

    interiores se referem a reas de lagoas, rios, cachoeiras, pntanos, turfeiras e

    campos de inundao. Por ltimo, as construdas incluem canais, tanques de

  • 26

    piscicultura, reas de armazenamento de gua e mesmo reas de estao de

    tratamento (SCHUYT; BRANDER, 2004).

    Na literatura so encontradas diversas formas de classificar as wetlands em

    nveis (COWARDIN et al., 1979; Environmental Laboratory, 1987; GIOVANNINI,

    2003; TASSI, 2007). Cowardin et al. (1979) classificam em nveis marinho, estuarino,

    fluvial, lacustre e palustre e sub-nveis que consideram o fluxo de gua, tipos de

    substrato, vegetao e espcies dominantes, regimes de inundao e nveis de

    salinidade para cada sistema. Outra forma de classificar hidrogeomrfica de

    Brinson (1993) que considera trs componentes: a geomorfologia que incluem as

    wetlands de depresso, fluviais, de orlas e turfeiras extensivas; a origem da gua

    que pode ser atravs da precipitao, escoamento superficial e recarga subterrnea;

    hidrodinmica que est relacionado com o movimento da gua.

    Neiff (1999) prope uma classificao de natureza fisiogrfica e dinmica,

    que contempla como parmetros principais o marco geomorfolgico e a relao de

    alagamento com os sistemas vinculados wetland. As principais wetlands so:

    aluvial, marginal, fluvial e lacustre. No sul do Brasil, outro termo bastante usado o

    banhado, empregado para caracterizar extenses de terras baixas inundadas pelos

    rios (GUERRA, 1997). Os banhados e as plancies de inundao so reconhecidos

    como mosaicos de ecossistemas altamente dinmicos, de bordas lbeis, onde a

    estabilidade e a diversidade esto condicionadas primeiramente pela hidrologia e

    pelos fluxos de matrias (NEIFF, 1999).

    A palavra banhado provm do termo espanhol bafado, sendo utilizada

    principalmente no Rio Grande do Sul. Na maior parte do pas, esses ambientes so

    conhecidos como "brejos", embora sejam chamados tambm de "pntanos",

    "pantanal", "charcos", "varjes" e "alagados", entre outros. Na classificao de

    vegetao do projeto RADAMBRASIL (IBGE, 1996) os banhados aparecem como

    reas Pioneiras de Influncia Fluvial.

    As plancies de inundao se constituem em superfcies de agradao

    horizontalizadas, que se estendem ao longo dos rios, incluindo as reas de wetlands

    propriamente ditas, com ocorrncia de solos hidromrficos gleyzados e solos

    orgnicos. As suas restries ao uso do solo dizem respeito a inundabilidade dos

    terrenos e estabilidade dos cursos dgua que as controlam (PARAN, 1989;

  • 27

    YAMAMOTO, 2005). As plancies constituem sistemas complexos que contm vrios

    subsistemas, e por este motivo, so considerados macrossistemas que

    compreendem sistemas aquticos permanentes, temporrios e setores de terra

    firme, dominando areal e funcionalmente os ambientes aquticos temporrios. Estes

    macrossistemas constituem uma unidade ecolgica de funcionamento, em razo dos

    fluxos de matria e energia, suas transformaes internas que surgem ao comparar

    entradas e sadas de elementos inorgnicos e orgnicos que normalmente esto

    relacionados com os pulsos (NEIFF, 1999).

    Essa classificao enfatiza a imensa diversidade das wetlands, no entanto

    percebe-se que, de forma geral, as wetlands tm ligaes estruturais e funcionais

    com sistemas terrestres e aquticos. Por outro lado, a estrutura, processos internos

    e funes das wetlands so suficientemente diferentes dos sistemas terrestres ou

    aquticos, portanto requerem uma base de conhecimento especfico para as

    mesmas (LEMLY, 1999 ).

    Assim as vrzeas do rio Iguau enquadram-se na classificao de wetland,

    acima mencionada, como interior, fluvial e aluvial.

    3.2.4 Vrzeas

    Convm, tambm, que se caracterize o processo sedimentar fluvial original

    atuante nas plancies quaternrias anteriormente urbanizao, entendendo

    conforme Jean Dresch (apud PELOGGIA, 1998) que o estudo da transformao das

    paisagens pelo homem s autorizado pelo estudo da paisagem natural, e somente

    a partir da se pode passar ao exame de uma explicao total.

    Entre os processos responsveis pela formao das vrzeas, Suguio e

    Bigarella (1979) citam: a) deposio lateral no canal nas partes convexas (barras de

    meandro); b) deposio nas enchentes sobre os diques naturais; c) coluviao. A

    proporo entre eles depende das caractersticas das enchentes, alm da

    disponibilidade e do dimetro dos detritos. Leopold, Wolman e Miller (1964 apud

    SUGUIO; BIGARELLA, 1979) assinalam que parte das vrzeas est sujeita

    deposio de colvio procedente das vertentes do vale, resultante do escoamento

    superficial e movimentos de massa locais.

  • 28

    Os valley flats, conforme Figura 6, representam o ltimo preenchimento dos

    vales com sedimentos. Neles, vrios nveis de terraos formados nas inundaes

    (overbank flow), documentam flutuaes climticas, traduzidas por mudanas das

    condies hidrolgicas e no regime do curso dgua (BIGARELLA; MOUSINHO,

    1965).

    FIGURA 6 - CORTE ESQUEMTICO DO VALLEY-FLAT

    NOTA: 1 Substrato rochoso; 2 depsitos de cascalho do assoalho da vrzea; 3 depsitos dos canais anastomosados, do canal meandrante e dos diques marginais; 4 colvio; 5 depsitos arenosos dos diques marginais; 6 depsitos de plancie de inundao; 7 depsitos de rompimentos dos diques marginais. Fonte: BIGARELLA; MOUSINHO, 1965

    Apesar da antiga vrzea representar em toda a sua extenso uma unidade

    estrutural definida, ela pode em parte ser recoberta por uma outra unidade, o manto

    coluvial. As vrzeas de inundao atuais dos rios tambm podem apresentar uma

    rampa de colvio, cuja continuidade em relao ao fundo horizontal resultante do

    preenchimento aluvial de tal forma marcante, que muitas vezes se torna difcil

    fazer a sua separao no campo, sem que seja em sub-superfcie. Trata-se,

    portanto, de formas de separao pouco ntidas e tende-se a considerar ambas as

    feies como um nico conjunto, ou seja, a vrzea dentro de um sentido mais amplo.

    Para Thornbury (1958 apud BIGARELLA; MOUSINHO, 1965), os depsitos

    da vrzea so geralmente mais grosseiros na base e os mais finos depositados

    durante as enchentes no leito maior do rio. Bigarella e Mousinho (1965) verificam

    uma espessura aprecivel dos depsitos de vrzea. Em Curitiba, atingem de 8,00 a

  • 29

    15,00 m, desconhecendo-se ainda a sua maior espessura. Os depsitos so

    caracterizados por duas seqncias sedimentares distintas: A mais antiga,

    constituda por depsitos de cascalho de natureza varivel (quartzo, gnaisses e

    outras metamrficas), ou de areia grosseira; A mais recente assenta sobre a

    anterior, sendo constituda por sedimento formado de rochas pr-existentes

    (clsticos) mais finos (sltico-argilosos). O resultado da ao meandrante dos rios no

    preenchimento das vrzeas origina camadas de areia dispostas irregularmente no

    espao. A seqncia mais recente assenta inconformemente sobre a anterior, sendo

    o conjunto recoberto por um manto coluvial.

    Para Leopold, Wolman e Miller (1964 apud SUGUIO; BIGARELLA, 1979) a

    vrzea constitui um espao deposicional do vale dos rios. Os sedimentos

    deslocando-se ao longo do vale so temporariamente retidos na vrzea. Em

    condies de equilbrio, a entrada e sada de sedimentos so equivalentes. Um

    rompimento das condies de equilbrio por mudanas no regime hidrolgico

    (incluindo mudanas no suprimento de gua e sedimentos) resulta na alterao da

    vrzea.

    O transbordamento dos rios constitui um importante processo sedimentar,

    especialmente importante em sistemas fluviais, onde as guas tm sua velocidade

    bruscamente diminuda, provocando a deposio da frao mais grosseira de sua

    carga suspensa imediatamente s margens do canal constituindo os depsitos de

    diques naturais. A frao mais fina da carga em suspenso espalhada pela

    plancie de inundao, originando os depsitos de plancie de inundao ou de

    vrzea (SUGUIO; BIGARELLA, 1979).

    A presena de solos hdricos ou hidromrficos fator de identificao das

    wetlands e pode ser definido como Giovannini (2003): solos formados sob condies

    de saturao, alagamento ou inundao por tempo suficientemente longo durante a

    estao de crescimento, para gerar condies de anaerobiose em sua parte

    superficial.

    Segundo Tassi (2007), o conhecimento do tipo de substrato da wetland

    permite construir um retrato de como a mesma pode ser gerenciada. E cita que, se o

    solo arenoso, durante o perodo seco haver pouca reteno de gua e, assim,

    poucas condies de desenvolvimento de vegetao. E, tambm, quando h uma

  • 30

    maior concentrao de argila, o substrato ser mais consolidado durante uma seca

    e, conseqentemente, no haver re-suspenso do solo quando perturbado por uma

    inundao.

    Os solos aluviais de textura fina ou de nvel hidrosttico muito raso possuem

    baixa permeabilidade vertical, apresentando camadas superficiais sempre midas,

    ricas em matria orgnica e subsolos pouco desenvolvidos. As reas onde

    naturalmente se encontra a turfa (solo que contm uma proporo elevada de

    matria orgnica, principalmente plantas na superfcie) podem ser definidas como

    peatlands ou turfeiras, wetlands importantes, para a manuteno de suprimento

    seguro de gua limpa para os rios e como reservatrio de carbono (IPCC, 2010). A

    Figura 7 ilustra uma rea com turfa que recebe gua e nutrientes do solo, subsolo e

    precipitao.

    FIGURA 7 - PAISAGEM ONDE PREDOMINA REA COM TURFA

    Fonte: Atkins Brook, Kejimkujik National Park, Nova Scotia, Environment Canada 1999. http://www.ipcc.ie/wpcanada.html

    Unidades Fisiogrficas das Vrzeas

    A paisagem de plancie aluvial apresenta-se complexa e com grande

    desenvolvimento de linhas de escoamento, bem como, numerosos canais

    abandonados, lagunas, banhados ou bacias de inundao, pntanos, diques

    marginais, barras de meandro, muitas ladeadas por um ou mais terraos fluviais.

  • 31

    Diques marginais

    Como elementos morfolgicos so notrios os diques marginais, que

    aparecem como elevaes paralelas aos cursos dgua (atuais ou abandonados)

    (SUGUIO; BIGARELLA 1979). Os diques marginais encontram-se prximos ao leito

    dos rios e apresentam-se topograficamente mais elevados que as demais unidades

    fisiogrficas da paisagem aluvial. Os solos ocorrentes sobre os diques apresentam

    uma maior contribuio da frao areia grossa comparados com os materiais

    constituintes dos solos ocorrentes na bacia de inundao (SOUZA, 1990). Por

    estarem localizados em posio topogrfica mais elevada, apresentam menor

    influncia do lenol fretico e, portanto, melhor condio de drenagem favorecendo

    o estabelecimento de vegetao arbrea (SUGUIO; BIGARELLA, 1979; SOUZA,

    1990).

    Bacias de inundao

    As bacias de inundao so alongadas e apresentam comprimento duas a

    oito vezes a largura (BIGARELLA; SUGUIO, 1979). Geralmente, dispem-se

    paralelamente aos cursos dgua, e tendem a aumentar para jusante. Constituem

    depresses na plancie de inundao e, freqentemente, possuem um conjunto de

    pequenos canais, em parte herana de sistemas mais velhos. Estes canais facilitam

    a entrada da gua nas bacias durante as enchentes, bem como auxiliam a

    drenagem das mesmas durante as vazantes.

    A bacia de inundao apresenta-se subdividida em dois compartimentos:

    bacia de inundao alta e bacia de inundao baixa. A bacia de inundao baixa,

    normalmente, encontra-se prximo ao centro da plancie de inundao, fato este

    observado por Souza (1990). O material sedimentado na bacia de inundao fino,

    normalmente argiloso e que se deposita lentamente por ocasio dos

    transbordamentos. Por estarem localizadas em posies mais baixas da paisagem,

    apresentam lenol fretico superficial ou at mesmo acima da superfcie do solo.

    Como a condio de drenagem deficiente, ocorre o favorecimento do

    desenvolvimento de uma vegetao adaptada ao excesso de gua: como exemplo,

    o campo subtropical hidrfilo de vrzea (SOUZA, 1990; CURSIO, 2006). A bacia de

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    inundao alta encontra-se cerca de 1,0 a 1,50 m elevada, em relao a de

    inundao baixa. Apresenta sedimentos argilosos e uma vegetao caracterstica de

    campo subtropical higrfilo de vrzea, podendo ocorrer espcies arbustivas

    (SOUZA, 1990; CURSIO, 2006).

    Canais abandonados

    Os canais abandonados ocorrem associados a rios meandrantes, pela

    tendncia que tm para cortar atalhos. Um lago formado por atalho em colo

    rapidamente bloqueado pela corrente devido a grande mudana de ngulo na

    direo do fluxo. O canal principal do lago preenchido pelos materiais finos

    decantados das fases de enchentes. Muitos dos canais abandonados tornam-se

    verdadeiros lagos com flora e fauna abundante, com baixa taxa de sedimentao.

    Inicialmente, a sedimentao nos canais abandonados rpida junto s reas dos

    atalhos, diminuindo, posteriormente, com o bloqueio progressivo do canal isolado

    (SUGUIO; BIGARELLA, 1979).

    Barra de meandro

    Enquanto o transbordamento acarreta uma acumulao por acreo vertical,

    a migrao lateral dos canais e o desenvolvimento de meandros so processos de

    sedimentao por acreo lateral. Os meandros e as barras de meandros

    constituem os aspectos mais notveis da paisagem aluvial. As barras ocorrem

    principalmente prximas margem convexa do canal fluvial sendo formadas por

    cordes de barras. Entre os cordes de barra encontram-se reas mais baixas com

    banhados, poas ou braos rasos da corrente (THORNBURY, 1966; SUGUIO;

    BIGARELLA, 1979; CHRISTOFOLLETTI, 1981; SOUZA, 1990). Por estarem

    localizadas prximas ao canal fluvial, normalmente, apresentam-se constitudos de

    sedimentos grosseiros, conferindo unidade, boas condies de drenagem

    (LEOPOLD; WOLMAN; MILLER., 1964; SOUZA, 1990; CURSIO et al, 2007), com a

    parte mais alta apresentando vegetao arbrea e a parte mais baixa uma

    vegetao de campo (SOUZA, 1990; CURSIO et al, 2007).

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    Terrao fluvial

    Os terraos, de uma maneira geral, so superfcies planas ou quase planas

    que se destacam na paisagem fluvial em posies mais elevadas que os demais

    compartimentos da vrzea (CHRITOFOLLETTI, 1981