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T}.. RTK r»: ATH,\YDI·: PIV\Tt\' WITfGENSTEIN E O ANTIPSICOLOGISMO: LEITURA CRÍTICA DO TRACIAWS LOGICO-PHILOSOPHICUS RESUMO o artigo discute o antipsicologismo no assim chamado "primeiro" Wittgenstein, cuja principal obra foi o famoso Tractatus Logico-philosophicus (1921). Após uma caracterização histórica e conceitual do antipsicologismo (seção 2), é feita uma breve síntese da teoria lingüístico-ontológica do Tractatus e um exame do antipsicologismo centrado naquela obra (com o auxílio de algumas obras de apoio. como os Diários e uma carta de Wittgenstein) (seção 3). Ao final, conclui-se que, apesar de abrir margem para um certo subjetivismo filosófico no Tractatus (como indica a noção de "eu filosófico" ou "sujeito metafísico"), Wittgenstein pode ser considerado membro da tradição que impõe restri- ções à psicologia empírica frente às disciplinas normativas. Palavras-chave: Filosofia analítica da linguagem; filosofia da psicologia; antipsicologismo. WITTGENSTEIN AND THE ANTI-PSYCHOLOGISM: A CRITICAL APPROACH OF THE WORK "TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS" ABSTRACT The paper discusses the anti-psychologism of the "firsr" Wittgenstein, whose main work was the famous Tractatus Logico-philosophicus (1921). After a historical and conceptual explanation of anti- psychologism, rhis paper shows a synthesis of the ontological-linguistic theory of Tractatus and investigates anti-psychologism through some texts such as the Notebooks and a letrer by Wittgenstein. Ir concludes thar, despire creating the conditions of a philosophical subjectivism (which appears in rhe concept of "philosophical ego" and "metaphysical subject"), Wittgenstein's rhought can be situated among those whose tradiriori restricts empirical psychology as referred to normative disciplines. Key-words: Analitical philosophy of language; philosophy of psychology; anti-psychologism . • Graduado em Psicologia, mestre e F osofia Con emporânea pela UFC e Professor Substituto do Departamento de Filosofia da UFC. 42 REVISTA DE PSICOLOGIA, FORTALEZA,V.20(l), P. 42-53, JAN./JUN.2002

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WITfGENSTEIN E O ANTIPSICOLOGISMO:LEITURA CRÍTICA DO TRACIAWS

LOGICO-PHILOSOPHICUS

RESUMO

o artigo discute o antipsicologismo no assim chamado "primeiro" Wittgenstein, cuja principalobra foi o famoso Tractatus Logico-philosophicus (1921). Após uma caracterização histórica e conceitualdo antipsicologismo (seção 2), é feita uma breve síntese da teoria lingüístico-ontológica do Tractatuse um exame do antipsicologismo centrado naquela obra (com o auxílio de algumas obras de apoio.como os Diários e uma carta de Wittgenstein) (seção 3). Ao final, conclui-se que, apesar de abrirmargem para um certo subjetivismo filosófico no Tractatus (como indica a noção de "eu filosófico"ou "sujeito metafísico"), Wittgenstein pode ser considerado membro da tradição que impõe restri-ções à psicologia empírica frente às disciplinas normativas.

Palavras-chave: Filosofia analítica da linguagem; filosofia da psicologia; antipsicologismo.

WITTGENSTEIN AND THE ANTI-PSYCHOLOGISM: A CRITICAL APPROACH OF THEWORK "TRACTATUS LOGICO-PHILOSOPHICUS"

ABSTRACT

The paper discusses the anti-psychologism of the "firsr" Wittgenstein, whose main work was thefamous Tractatus Logico-philosophicus (1921). After a historical and conceptual explanation of anti-psychologism, rhis paper shows a synthesis of the ontological-linguistic theory of Tractatus and investigatesanti-psychologism through some texts such as the Notebooks and a letrer by Wittgenstein. Ir concludesthar, despire creating the conditions of a philosophical subjectivism (which appears in rhe concept of"philosophical ego" and "metaphysical subject"), Wittgenstein's rhought can be situated among thosewhose tradiriori restricts empirical psychology as referred to normative disciplines.

Key-words: Analitical philosophy of language; philosophy of psychology; anti-psychologism .

• Graduado em Psicologia, mestre e F osofia Con emporânea pela UFC e Professor Substituto do Departamento de Filosofiada UFC.

42REVISTA DE PSICOLOGIA, FORTALEZA,V.20(l), P. 42-53, JAN./JUN.2002

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1INTRODUÇÃO 1

o presente trabalho tem como objetivo escla-recer o modo pelo qual o filósofo austríaco LudwigWITTGENSTEIN (1889-1951), na primeira fase deua obra, articulou o antipsicologismo. Tal esclareci-

mento é extremamente importante, na medida emque o problema visado pelo anti-psicologismo estáentre os mais importantes da filosofia de um modo~eral, além de que é um dos mais relevantes no quediz respeito às relações do saber psicológico com a~-losofia (sendo esta um saber normativo). Em segun-o lugar, o esclarecimento é pertinente porque essa éma questão muito pouco trabalhada na obra de

Wittgenstein, filósofo que se encontra entre os maisinfluentes do século XX.

O psicologismo pode ser caracterizado como.1 postura que pretende legitimar ciências normativas,corno a lógica e a matemática, através da psicologia."Normativo" é usado aqui no sentido oposto a "des-critivo" ou "constatativo." Enquanto um saber des-..:-itivo trata apenas de fatos, apenas enuncia como éma determinada porção da realidade (sendo, ge-

ente, um saber empírico), um saber normativoncia como deve ser, ou como tem que ser umo campo da realidade, tratando, portanto, de

rmas, de legitimação. Fala-se de "dever ser" noso de normas que podem ou não ser seguidas

.:omo normas de comportamento social), e de "tere ser" no caso de normas que tem validade ne-

ze sária (como é o caso da matemática e da lógica,esmo que essa "validade necessária" seja condicio-

nada, relativa a sistemas lingüísricos determinados).Sendo assim, o problema básico com q e o

ripsicologisrno procura se defrontar é o e:ual a relação entre a ciência psicológica e as iê

orrnativas?" ou, mais precisamente, "que contrib "-zâo pode a psicologia oferecer para a solução do ro-

emas de validade?" Obviamente, a respo ta que o.tipsicologismo oferece à questão é negativa na me-

dida em que a psicologia é um saber empírico, descri-tivo, que trabalha com fatos, não com normas, de modoque suas (prerensas) contribuições norrnativas resul-tam em diversas formas de relativismo. Sendo assim,pode-se dizer que o antipsicologismo procura preser-var os limites entre os saberes norrnativos e um deter-minado saber descritivo: a psicologia (o que nãosignifica qualquer negação da importância do traba-lho da psicologia dentro do território que lhe cabe).Na seção seguinte, será feita uma breve caracterizaçãohistórica e conceitual do antipsicologismo nas princi-pais correntes da filosofia do século XX.

2 CARACTERIZAÇÃO DO ANTI-PSICOLOGISMO

O antipsicologismo foi uma das característicasmais marcantes dos principais movimentos filosóficosdo início do século xx. Tanto a tradição fenomenológica,fundada por Edmund HUSSERL (1859-1938), quan-to a filosofia analítica da linguagem, iniciada porGotdob FREGE (1848-1925), Bertrand RUSSELL(1872-1970) e Ludwig WITTGENSTEIN, tinham-no como uma de suas bandeiras principais. Na ver-dade, num sentido mais amplo, o antipsicologismo édebatido desde os primórdios da filosofia contempo-rânea, mas no final do século XIX ele adquiriu algu-mas características peculiares .

Como coloca HABE~ 1990b}, aurorescomo G. W. Friedrich HEGEL 17-0-1 31) eFriedrich IETZSCHE -rr-1900 ja e insurgi-

1 o e dominou a filoso-combati aro a hamada filosofia da_ bimvidade, que costuma ter sua

Ul'I.J •.•..•,Ud. ao grande matemático e filósofoRene DESCARTES (1596-1650)2, e teve

o o nome mais expressivo o filósofo alemãoanue! T (1724-1804).3 Não é difícil en-

render por que pensadores que pretendiam efetuar

-:roveito a oportunidade para agradecer ao Prol. Dr. Gu do Imaguire, a Aline de Pinho Dias e Cícero Antônio Cavalcante=:a'foso, membros de um grupo informal de estudos em losofia analítica, pela leitura dos originais deste artigo e por suas

_ rtantes observações e sugestões.=:-- algumas referências ao tema: "A autoconsciência, a relação do sujeito cognoscente consigo mesmo, oferece, desde Descartes, a

e para a esfera interna, absolutamente consciente, das representações que temos dos objetos. No idealismo alemão, o pensa-o metafísico assume a figura de teorias da subjetividade." Cf. HABERMAS, Jürgen (1990a, p.41). "Descartes inaugura, de facto,filosofia de tipo inteiramente novo. Esta, ao modificar todo o seu estilo, empreende uma viragem radical do objetivismo ingênuo

8 um subjectivismo transcendental." Cf. HUSSERL, Edmund (1992a, p.11).- mo coloca OLIVEIRA (1973): "O pensamento moderno veio pela primeira vez a um autodesdobramento [Selbstentfaltungl_ sciente na filosofia de Kant."(p.88)

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uma ruptura com a filosofia moderna tiveram na crí-tica à subjetividade um de seus grandes temas. Po-rém, esse tipo de antipsicologismo, por ser parte deuma reação à moderna filosofia da subjetividade, sig-nificava uma recusa às diversas noções de sujeito(cartesiana, kantiana, fichtiana etc.) que eram traba-lhadas num âmbito filosófico.

O antipsicologismo que é aqui enfocado,surgido no fim do século XIX, não tinha comoalvo imediato os conceitos filosóficos de sujeito.Esse antipsicologismo que se considera aqui, sur-giu com a preocupação de fundamentação da ma-temática, e endereçava claras restrições àpsicologiaemp irica, enquanto essa ciência pretendia ofere-cer fundamentação à lógica. Seu pioneiro foi o jámencionado Frege, matemático e filósofo alemão.

O grande projeto da vida de Frege era o defornecer fundamento à matemática que, no seumodo de entender, estava assentada em alicercesprecários. Para concretizar esse projeto, ele pre-tendia demonstrar a matemática o mais rigoro-samente possível, o que o levou a operar umaredução da matemática à lógica, disciplina que,pelo seu caráter normativo, seria capaz de forne-cer à matemática a devida exatidão. Essa estraté-gia já estava presente nos Fundamentos daaritmética, de 1884. Como escreve Frege (1980)na conclusão do livro: "a aritmética seria por-tanto apenas uma lógica mais desenvolvida, cadaproposição da aritmética uma lei lógica, emboraderivada. As aplicações da aritmética à explica-ção da natureza seriam elaborações lógicas dosfaros observados ... " (p.267). Sendo assim, umadas principais tarefas de Frege teria de ser a di -ti nçâo entre a lógica (à qual a matemática deve-ria ser reduzida) e a psicologia, ciência empíricaque jamai seria capaz de undamentar a mate-mática com o devido rigor. e através da qual,naq uela época, e reren ia .ezirimar a lógica.

a introdução ao FUTZ ~ :0,', Frege enunciaos três princípios que o no rteararn no livro, e oprimeiro é justamente: "deve-se separar precisa-mente o psicológico do lógico, o subjetivo doobjetivo" (FREGE, 1980, p. 204).

A fronteira entre matemática e psicologia é algomuito nítido do ponto de vista dos matemáticos, oque, inclusive, provocava na época de Frege uma aversãodos matemáticos pela lógica e pela filosofia, tidas como

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disciplinas contaminadas pelo psicologismo. Assim,pode-se perceber por que a delimitação entre lógica epsicologia era tão importante para os objetivos de Frege:se elas não fossem claramente diferenciadas, a reduçãoda matemática à lógica seria absurda, teoricamenteinsustentável, pois a psicologia jamais seria capaz deoferecer o tipo de exatidão que se encontra namatemática. Por isso, na teoria de Frege, a redução damatemática à lógica está intrinsecamente ligada à recusada psicologia como meio de fundamentação, comosugere a seguinte passagem: "Tanto mais deve, pois, amatemática recusar qualquer subsídio por parte dapsicologia, tanto menos pode renegar sua conexãoíntima com a lógica. Na verdade, partilho da opiniãodaqueles que consideram impraticável uma separaçãoprecisa entre ambas" (p. 203).

É importante ter em mente que o "an ti-psicologismo" de Frege não significa uma rejeição dapsicologia enquanto disciplina específica dotada deum território próprio, mas sim uma rejeição de suapretensa contribuição para a fundamentação da ma-temática. Como o próprio Frege (1980) escreveu:

Na verdade, pode ser útil examinar as re-presentações, e a alternância das represen-tações, que aparecem no pensamentomatemático; mas que a psicoLogia nãoimagine poder contribuir em aLgopara afundamentação da aritmética. Ao mate-mático enquanto tal são irreleuantes estasimagens internas, sua gênese e modifica-ções. (p.201/202).

Apesar de não enunciar explicitamente na in-rrodução aos Fundamentos, Frege tinha claro que apsicologia, enquanto uma ciência que descreve fa-tos, jamais seria capaz de legitimar a lógica (cujanormatividade poderia dar à matemática um fun-damento sólido). Se a lógica fosse redutível a umaciência empírica como a psicologia, a validade dasleis lógicas seria dependente de algo contingente(como as condições específicas do cérebro huma-no, ou o estado evolutivo de nossa espécie), por-tanto, não seriam necessárias, o que inviabilizaria asegurança do conhecimento:

o método histórico de reflexão, que pro-cura detectar a gênese das coisase a partirda gênese reconhecer ma natureza, tem

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certamente muitos direitos; mas tem tam-bém seus limites. Se nofluxo constante detodas coisas nada se mantivesse firme eeterno, o conhecimento do mundo deixa-ria de serpossível e tudo mergulharia emconfusão. Imagina-se, pelo que parece, queos conceitos nascem na alma individualcomo asfolhas nas árvores, epretende-seserpossível conhecer sua essênciapor meioda investigação de sua gênese, que sepro-cura explicar psicologicamente apartir danatureza da alma humana. Mas esta con-cepção lança tudo no subjetivo e, levadaàs últimas conseqüências, suprime a ver-dade. (FREGE, 1980 p. 202).

No caso de Husserl, a adesão ao antipsicologismozorreu por influência de Frege, que criticara a obra de

Husserl até então por incorrer no psicologismo (a redu--o da matemática e da lógica à psicologia). Segundo, ma PIAGET (1967, p.39):

11 convient, d'autre part, de signaler qu'ensa Philosophie derArithmetik (I 891) ainsiqu'en un article de 1894(PsychologischeStudien zur elementaren Logik), Husserlutilize Ia psychologie sans caindre lepsychologisme. Par contre, en 1894 leflndateur du logiscismecontemporain, G.Frege,publie une critique de l'ouvrage deHusserl et en dénonce lepsychologisme.C'estde là que date la conversion de Husserl àl'anti- psychologisme et son effort pourdépasser le donné expérimental dans ladirection des essencesetpour constituer unepsychologie 'intentionelle' apte à cedepassement.

As Investigações lógicasde Husserl, texto inau-_ ral da fenomenologia husserliana, já foram escri-- - nessa nova orientação e tinham como uma meta

porrante a refutação do psicologismo. Porém, des-ae aquela época, isso não foi bem compreendido, oque levou Husserl (1992b), numa reedição desse li-TO, a escrever:

A pouca profundidade com que ela foilida se revela na objeção jreqüentementeouvida, embora para mim grotesca, se-gundo a qual, depois de ter recusadoenergicamente opsicologismo no primei-ro volume dessa obra, teria eu recaídonele no segundo volume. (p.4/5).

Apesar de ter recebido a influência de Fre-ge, se dedicado ao estudo da lógica e abraçadoardorosamente o antipsicologismo, Husser! nãopassou a fazer parte da filosofia analítica da lin-guagem. Entre a publicação das Investigações lógi-cas, em 1900 e 1901, e das Idéias para umaftnomenologia pura, em 1913, o filósofo envere-dou pelo idealismo transcendental (máxima expres-são da moderna filosofia da subjetividade) eacabou fundando a outra corrente de maior des-taque na filosofia contemporânea: aftnomenologia.Mesmo assim, com sua adesão a uma filosofia decunho abertamente subjetivista ", Husser! conti-nuou defendendo o antipsicologismo. Em A filo-sofia como ciência de rigor, famoso artigo de 1911,escreveu Husser! (1965) (num tom que lembra cla-ramente os textos de Frege):

Se considerarmos a lógica formal comoo índice exemplar de toda a idealidade,o Naturalismo, como se sabe, interpre-ta osprincípios lógico-formais, as cha-madas leis do pensamento, no sentidode leis naturais do pensamento. Noutrolugar se provou por extenso que istoimplica um contra-senso daquele gêne-ro que caracteriza todas as teoriascépticas num sentido expressivo. (p.1 O).

No célebre artigo O pensamento, publicadoem 1918-19, Frege escreveu:

... se fala de leis do pensamento. Mascom isso está operigo de se misturar coi-sas diferentes. Entende-se talvez a ex-pressão 'lei do pensamento' como sefosse'lei da natureza: visando-se com isso

De acordo com o próprio HUSSERl (1992a): "Com efeito, nenhum filósofo do assado eve uma influência tão decisiva sobreo sentido da fenomenologia como o maior pensador de França, Rene Desca es. E a ele que ela deve venerar como seuverdadeiro patriarca." (p.9); "Realizamos aqui e agora, no pleno sequime e Descartes, a grande viragem que, feitacorrectamente, leva à subjetividade transcendental, a viragem para o ego como o solo apodicticamente certo e ultimo do JUIZO,

sobre o qual há que se fundar toda a filosofia radical." (p.14)

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traços gerais do pensar como ocorrênciaespiritual [seelischen T A. P}. Umalei do pensamento nesse sentido seriauma lei psicológica. E assim pode-se che-gar à opinião de que a lógica trata doprocesso espiritual do pensar e das leispsicológicas segundo as quais este ocor-re. Mas com isso seria mal conhecida atarefo da lógica, pois a noção de verda-de não obteria o lugar que lhe é devido.(FREGE, 1993, p. 30).

Na introdução ao segundo volume dasInvestigações, pode-se ler um esclarecimento arespeito da diferença entre a fenomenologia e apsicologia empírica: "a fenomenologia não fala demodo algum em estados dos seres animais (nemmesmo dos estados dos seres de uma naturezapossível qualquer)" (Husserl, 1992b, p. 5, nota 5),ou seja, ela não trata de nada empírico, nada queseja objeto da psicologia enquanto especialidadecientífica. Seu nível de investigação é outro: "elafala de percepções, juízos, sentimentos, etc. comotais, daquilo que Ihes convém a priori, numageneralidade incondicional, justamente enquantosingularidades puras de espécies puras" (ibid. p.5,nota 5). Sendo assim, pode-se perceber o quantoessa subjetividade transcendental estaria distantedo sujeito empírico.

Porém, assim como em Frege, o an t i-psicologismo de Husserl não negava a psicolo-gia enquanto tal. Na introdução das Idéias, eleesclarece que sua crítica do método psicológi-co "no negaba en absoluto el valor de Iapsicología moderna, ní desdefiaba en absolutoel trabajo experimentalllevado a cabo por tan-tos hombres importantes" (HUSSERL, 1962,p. 8). Essa crítica, na verdade objerivaria o pro-gresso da p icolozia a im como das demaisciências), fornecendo a ela a (pretensamente)inabalável fundamentação fenomenológica.Como escreve o filósofo na introdução ao egun-do volume das Investigações lógicas (H ERLapud STEIN, 1973):

A fenomenologia pura representa umdomínio de pesquisas neutras, no qual asdiferentes ciências têm suas raízes. De umlado, ela é útil à psicologia enquantociência empírica. Pelo seu método puro eintuitivo elaanalisa edescreveageneralidadede sua essência, (. . .}, as vivências darepresentação,cÚJjuízo, cÚJconhecimento,quea psicologia submete à sua investigação deciência empirica. .. (p. 34).

Como se pode deduzir dessa passagem, oque Husser! pretendia com sua re)elçaO aopsicologismo não era eliminar a ciência psicoló-gica, mas sim garantir a pureza do terreno pró-prio à filosofia fenomenológica. Se a psicologia,como qualquer ciência empírica, é uma ciênciade fatos, "En contraste con esto, aquí sefundarálafenomenología pura o transcendental no como unaciencia de hechos, sino como una ciencia de esencias(como una ciencia 'eidérica')" (HUSSERL, 1962,p.10, grifado no original).

3 OANTIPSICOLOGISMONO PRIMEIROWITTGENSTEIN

Como foi exposto acima, tanto Frege quamoHusserl, pensadores que estão na origem dos doisprincipais movimentos filosóficos de nosso tempo,defendiam o antipsicologismo. Se Frege pretendiarechaçã-lo por meio da objetividade da lógica, Husser!preferiu recorrer à subjetividade transcendental (a sub-jetividade enquamo constituidora da própria objeti-vidade), que seria muito mais fundamemal que asubjetividade empírica (trabalhada pela psicologia).

o caso de Wittgenstein, a avaliação de sua relaçãocom o anripsicologisrno envolve algumas dificulda-des, pois suas referências ao problema são raras epouco aprofundadas. Na verdade, em todo oTractatus Logico-philosophicus5 existem somente seisaforismos em que ele se refere explicitamente à psi-cologia, e que jamais detalham a posição do filósofoacerca dessa ciência. De todo modo, é possível, a

5 As referências do Tractatus serão feitas com a sigla TLP seguida do número do aforismo citado. Do mesmo modo, as referên-cias aos Diários serão feitas com a sigla T8 (de Tagebücher') seguida da data da anotação citada.

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ir de algumas indicações, elaborar uma inter-retação plausível sobre a articulação do anti-

p icologismo em Wittgenstein.É bem verdade que o Tractatus apresenta uma

teoria filosófica, em grande parte, extremamente ori-ginal. Porém, não se pode negar que o livro nãourgiu ex nihilo, estando inserido em toda uma tra-ição de questionamento filosófico.6 Sendo assim,

e impossível negar que Wittgenstein recebeu influ-ências do intenso antipsicologismo presente no iní-io do século XX, não apenas a partir do fundadora filosofia analítica na Alemanha, Frege, cujas obras

t: e conheceu e admirou, mas também a partir dos.: ndadores da filosofia analítica na Inglaterra,-eorge E. MOORE (1873-1958) e BerrrandUSSELL. O estreito contato de Wittgenstein comdois grandes filósofos ingleses não deixa margem

• ara dúvidas quanto ao seu contato com o anti-icologismo britânico. Segundo IMAGUlRE

2001), Moore e Russell fundaram a filosofia analí--a na Inglaterra de maneira independente de Fre-

_- (na forma de um realismo proposicionaf), emosição ao idealismo de cunho hegeliano que do-

rinava a filosofia inglesa, cujo grande expoente naoca era BRADLEY (1846-1924), sendo que essa

• osição envolvia a recusa do monismo e dosicoloyismo que esses autores enxergavam no idea-mo britânico: "Essa dissolução do sujeito holísticometafísico do idealismo (o espírito absoluto deegel, a realidade de Bradley) em favor de umauralidade de sujeitos (a tese do plurali mo e um

rimeiro princípio do novo realismo ... O ezun o~rincípio, (... ), consiste na recusa do psicologi moe Bradley." (p. 18).

A primeira indicação em favor do an .,icologismo de Wittgenstein é a própria teoria

ngüístico-ontológica do Tractatus, segun o aual o mundo é com posto por fatos - e a inzua-

_em é uma representação destes úlrimo . Dizen-

do de modo mais específico, de acordo com essateoria, a linguagem entra numa relação deafiguração (Abbildung) com os fatos, na medidaem que os signos materiais (escritos e sonoros) dalinguagem são usados como figurações (Bilden)desses fatos. O termo "Bild", que é classicamentetraduzido (no tocante ao Tractatus) como "figu-ração", é usado comumente em alemão como "re-trato", "quadro" ou "gravura", podendo tambémser traduzido como "figura" ou "imagem." A teo-ria da figuração (ou teoria pictórica) afirma que alinguagem representa os fatos do mundo por par-tilhar uma cerra semelhança com eles (assim comoum retrato partilha uma certa semelhança comaquilo que ele rerrara). Essa semelhança, obvia-mente, não é uma semelhança física, mas é ocornparrilhamento daquilo que Wittgenstein cha-ma "forma lógica". Do mesmo modo que um mapaé uma figuração espacial de uma certa região, queos sons de uma música são uma figuração sonorade uma cerra idéia musical (da qual uma partitu-ra é uma figuração gráfica), a proposição é umafiguração lógica dos fatos que ela descreve. Deve-se observar que, na verdade, rodo os tipo de fi-guração são, no fundo, lógicos. Como e creveWittgenstein: "toda figuração também e lógica .(No entanto nem toda ficura ção é. or exemplo,espacial.)" (TLP _.1 _. E o alavras, eucaráter lógico é a - riza e encial-mente a l;::E:ur'aca

er eber por que a- o-o o Tractatus é in-

O""" o p icologi mo, pois, apesar dea .~;:: acem, os homens utilizam certos

- o o ignos materiais, sonoros e gráficos)o .0 figurações dos outros fatos (os fatos do

mundo), tanto um como o outro domínio, tan-to o terreno das proposições (tema da teoria dalinguagem) quanto o terreno dos fatos (tema da

=ara um panorama do contexto de problemas que suscitou a redação do Tractatus cI. GIANNOTTI, José Arthur (1968) eSANTOS, Luis Henrique Lopes dos (1993).

O mundo é tudo o que é o caso: (TLP 1). "O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas," (TLP 1.1). Em A filosofia doatomismo lógico, texto nitidamente influenciado pelas idéias de Wittgenstein anteriores ao Tractatus, Bertrand Hussell, semretender oferecer uma definição exata, declara entender por fato "a espécie de coisa que torna verdadeira ou falsa uma

oroposição" (RUSSELL, 1978, p.57) e exemplifica: "Se digo 'está chovendo', o que digo é verdadeiro numa certa condição do.ernpo e é falso em outras condições do tempo. A condição do tempo que torna verdadeiro (ou falso, dependendo de qualossa ser o caso) meu enunciado, é o que chamarei de um fato." (Ibid., p.57). Pode-se perceber, assim, que o termo "proposi-

ção" se refere àquilo que pode ser também chamado "declaração" ou "sentença declarativa", que afirma (ou nega) algo acercade um ente e, assim, enuncia um fato.

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ontologia), são esrruturados por uma forma in-terna comum a ambos: a forma lógica. Essa es-trutura é pensada por Wirrgenstein comoabsolutamente auto-suficiente. Ainda que oshomens tenham algumas opções no que diz res-peito, por exemplo, às notações lógicas que po-dem utilizar (assim como no caso das linguagensnaturais, que variam imensamente nas diferen-tes regióes da terra), a estrutura básica, em simesma, é independente de qualquer condicio-namento, como, por exemplo, das condiçóespsicológicas da fala e da escrita humanas. Essaindependência fica explícita na célebre frase queWirrgenstein escreveu logo no início dos seusDiários (que aparece também em TLP 5.473):"Dze Logik mu/f für sich selb er sorgen" (TB22.08.1914), "a lógica tem que cuidar de si pró-pria" (grifo meu). Algumas semanas depois, eleescreveu uma formulação ainda mais radical:"Die Logik sorgt für sich selbst; wir müssen ihr nurzusehen, wiesiees macbt." (TB 13.10.1914), "alógica cuida de si própria, nós temos apenas queolhar como ela faz isso." (grifo meu). Isso deixaclaro o quanto a lógica, de acordo com oTractatus, é uma estrutura independente.

Discorrendo sobre a lógica, o filósofo escre-veu: ''A lógica não é uma teoria, mas uma imagemespecular do mundo. A lógica é transceridenral."(TLP: 6.13). Considerando que "verdade", na con-cepção tradicional (que está presente no Tractatus),é a correspondência entre proposições e fatos(TLP 2.223), considerando que o sentido de umaproposição é sua aptidão à verdade ou à falsidade(TLP 2.221 e 2.222), e considerando que umateoria pode ser verdadeira ou falsa, confirmadaou refutada pelo fato. pode- e con I ir or quea lógica não é teoria. loaica não re re enta fa-tos, ela é a condição para que -ato po am ser re-presentados. As proposições da lôai , tautologiascomo "Sócrates é Sócrares" ou cho 'e ou não cho-ve amanhã", são necessariamente ·erdadeira ,o quefaz delas proposições sem sentido innlos, que édiferente de "absurdo", Unsinn), pois elas não re-presentam nada (embora apresmtnll propriedadeslógicas essenciais ao mundo). Perante tal indepen-dência em relação aos fatos, pode-se perceber oquanro as condições empíricas do pensamento, es-tudadas pela psicologia, seriam irrelevantes para a

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lógica, o que inviabiliza qualquer contribuição dapsicologia para a fundamentação da lógica e damatemática.

Passando para as referências de Wittgensteinà psicologia, pode-se perceber que os aforismoque as contém ocorrem em passagens que tratamde alguns temas muito importantes: a) caracteri-zação da filosofia (TLP 4.1121); b) atitudesproposicionais (TLP 5.541 e 5.5421); c) sujeitometafísico (TLP 5.641); d) o problema da indução(TLP 6.3631) e e) a vontade ética (TLP 6.423).Observando esses aforismos e as passagens em queeles estão, pode-se montar o seguinte panorama:Wittgenstein, implicitamente, demarca limitespara a atuação da psicologia, tan to ao rechaçarsuas (pretensas) contribuiçóes para assuntosnormativos quanto ao relegar determinados as-suntos (ernp íricos) como objeto dessa ciência.Além de demarcar esses limites, o filósofo ende-reça uma crítica (na passagem sobre as atitudeproposicionais) à concepção de sujeito da psico-logia. Por outro lado, Wittgenstein parece reco-nhecer um conceito filosoficamente relevante desubjetividade (na passagem sobre o sujeitometafísico), o que parece aproximá-Io, nesse pon-to, dos grandes expoentes da moderna filosofiada subjetividade (como Descartes, Kant, Fichte eo contemporâneo Husserl).

o tocante à relação entre psicologia e fi-losofia, Wittgenstein é bem claro. Ele caracterizaa filosofia como uma disciplina crítica afirmandoque ela não tem um terreno particular de estudo,ma que tem como objetivo "o esclarecimentológico dos pensamentos" (TLP 4.112): "A filo-sofia não é uma teoria, mas uma atividade. Umao bra filosófica co ns is te esse n cial m en te emelucidaçóes. O resultado da filosofia não são 'pro-posições filosóficas' mas é tornar as proposiçõesclaras." (TLP 4.112) Nas Notas sobre lógica,Wittgenstein escreveu:

En philosophie, il n'y a pas de déductions; toutest purement descriptiJ.. La philosophie nefournit pas d'images de Ia realité, et ne peut niconfirmer ni rt1uter des recherchesscientifiques.ElIe comprend Ia logz·queet Ia métafisique, Iapremiere constituant son [ondement.: Seméfier de Ia grammaire est Ia premiêre

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condition requise pour philosopher. Iaphilosophie est Ia doctrine de Ia formeIogique des propositions scientifiques (etnon pas des seulespropositions primitives)(WITTGENSTEIN,1997, p.169-70).

A filosofia não é uma ciência naturalarurwissenschaír), "a palavra 'filosofia' tem que sig-

nificar algo que esteja acima ou abaixo, mas não aoado, das ciências naturais" (TLP 4.111). Posto isso, ofilósofo afirma: "a psicologia não é mais aparentada darilosofia do que qualquer outra ciência natural" (TLP-'1.1121),o que é simples de entender, pois uma ati-=idade de esclarecimento lógico das proposições dasiências (considerando a concepção de lógica do

Tractatus) obviamente não pode ter nenhuma rela-cão mais estreita com qualquer ciência particular, jáque todas elas são seus objetos de esclarecimento.

No tocante às referências do final do livro,relativas ao problema da indução e à vontade ética,:-ode-se perceber que elas ocorrem no sentido de

- ociar determinados temas da normatividade dasica e caracterizá-los como sendo da alçada da psi-

z logia. No caso do problema da indução,'ittgenstein toma partido pela negação de que estarima tenha um fundamento lógico. Ele diz que:

o processo de indução consiste em adotarmos a leimais simples que se possa pôr em consonância comnossas experiências." (TLP 6.363). mas conclui: "esseprocesso não tem, contudo, nenhum fundamentoógico, mas apenas psicológico. É claro que não hánenhuma razão para acreditar que realmente ocor-rerá O caso mais simples." (TLP 6.3631). Se o do-

, io da lógica é permeado de necessidade, pois- e nada poderia ser diferente do que é, o domínio

atos empíricos é contingente, donde se podeduir que a indução é incapaz de prover certezas:ue o sol se levantará amanhã é uma hipótese; e

- o quer dizer: não sabemos se ele e le -anrará.'TLP 6.36311). "Não há coerção em virtudeorque algo aconteceu, algo mais tenha que aco -

Tecer. Só há necessidade lógica." (TLP 6.3- . _-ocaso da vontade ética, a referência de Wingensteine bem mais rápida. Ele apenas distingue dois níveis

a vontade: enquanto portadora do ético e enquan-to fenômeno, declarando: "Da vontade enquantoportadora do que é ético, não se pode falar. E a von-tade enquanto fenômeno interessa apenas à psico-logia." (TLP 6.423).

Já as outras duas referências relativas às ati-tudes proposicionais e ao sujeito metafísico envol-vem maiores dificuldades de interpretação, poisocorrem no contexto de algumas das passagens maisobscuras do Tractatus. "Atitudes proposicionais" éo nome dado às proposições do tipo "A acreditaque r". ''A diz que p". ''A pensa que p" ete.

Antes de prosseguir, deve-se observar a dis-tinção, clássica na filosofia analítica, entre sentençae proposição. A "sentença" é um conjunto de signosmateriais (escritos ou sonoros), enquanto a "propo-sição" é aquilo que é declarado na sentença, o seuconteúdo declarado. A distinção fica mais clara quan-do se observa que diferentes sentenças de uma mes-ma língua (como "Pcdro ama Maria" e "Maria éamada por Pedro") ou de línguas diferentes (como"snow is white' e a neve é branca') enunciam omesmo conteúdo, a mesma proposição. A filosofiaanalítica anterior a Wingenstein (Frege, Moore e,num primeiro momento, Russell) considerava queas proposições habitam uma esfera platônica, nemfísica nem mental (que Frege chamava "dritter Reich"- "terceiro reino"). Wittgenstein assumiu uma po-sição diferente (influenciado por uma nova teoriade Russell- a teoria das descrições). Para ele, não háum terceiro reino, apenas a sentença coordenadalogicamente aos fatos. Nas palavras de Wittgenstein:"a proposição [Satz] é o signo proposicional[Satzzeichen - ou seja, a sentença] em sua relaçãoprojetiva com o mundo." (TLP 3.12, grifo meu).

Proposições do tipo "A diz que p" eram umgrande problema para Wittgenstein porque pare-cem ser uma exceção à regra que diz que toda pro-posição é função de verdade de proposiçõeselementares. Numa sentença como "o rei da Fran-ça é careca", não é difícil perceber que sua verda-de depende das proposições componentes: a)"exi te a França"; b) "a França tem um rei" e c)e i é e .Tanoéasimqueéafalsidade

que a emença inicialor an e ob ervar ue, na concep-

- .er e - e entenças compo-ne er i ropriamente elementaresSI - ;SI -eis, não analisáveis). Elas tarn-

bé er analisadas em muiros outrose e e omponentes, até que se che-

gas e a enten ,as elementares, compostas por no-me simples. Es e nomes representariam, por

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simples substituição, os objetos simples doTractatus, os componentes mínimos dos faros, asubstância fixa do mundo. Já no caso de uma sen-tença como "A acredita que r". a sua verdade nãoparece depender da verdade da proposição com-ponente "p", pois A pode acreditar nela, mesmoque não seja verdadeira. Tomando como exem-plo "Pedro acredita que Laura não o trai u", ficaclaro que a verdade dessa frase não depende daverdade de "Laura não traiu Pedra." Do mesmomodo, a verdade de "A diz que p" não dependeda verdade de "p", pois A pode dizê-Ia mesmoque ela não seja verdadeira. Tomando como exem-plo "o senador diz que não está envolvido no des-vio de verbas", fica claro que a verdade dessa frasenão depende da verdade de "o senador não estáenvolvido no desvio de verbas."

Ao tratar das atitudes proposicionais, tentan-do mostrar que elas não são uma exceção à regra dasfunções de verdade, Wittgenstein oferece uma solu-ção muito estranha, e de muito difícil compreensão.Ele escreve que tais proposições não têm, na verdade,a forma apareme "A pensa que p", "A diz que p" etc.,mas sim a forma "p diz p". Ele escreve também que"não se trata aqui de uma coordenação de um fato eum objeto, mas da coordenação de fatos por meio dacoordenação de seus objetos."(TLP 5.542). Ao queparece, essa explicação aponta para a coordenaçãoentre fatos psíquicos (os "pensamentos" no sentidodo Tractatus) e os fatos do mundo (o que não pareceexplicar por que as atitudes proposicionais não seri-am uma exceção à teoria verifuncional). Por que seafirma aqui que a explicação aponta para a coordena-ção entre pensamentos e fatos? Em famosa carta deWi ttgenstein a Russell, de 19 de agosto de 1919 (apudPEREIRA, 1993), está escrito:

... Mas um Gedanke é um Tatsache: quais sãoseus constituintes e componentes, e que relaçãomantém com os componentes do TaI5t1.Cheafi-gurado?' {pergunta de RusseU T. ,-1. P.J Eu nãosei quais são 0_ constiiuinus de um pmsamm-to mas sei pu rem q~ to taiscomponen-tes, 05 quais _~ ndem as palavras dalinguaunn.. Da TTU!5771J1 forma, o tipo de rela-ção dos amsti. i do pensamento e do fotoafigurado i irrela nu. Seria uma tarefo dapsicologia descobrir. (.../ 'Um Gedanke écons-

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tituído de palavras?' {pergunta de Russell TA. P.} Não! Mas de constituintes psíquicos quemantém o mesmo tipo de relação com a reali-dade que aspalavras. Quais são essesconstitu-intes, eu não sei. (p.146)

Na citação feita por PEREIRA (op. cit.) dacarta de Wittgenstein lê-se "constituintes físicos"onde se lê aqui "constituintes psíquicos". Provavel-mente isso é fruto de um lapso, pois em outras refe-rências à mesma carta o termo usado é "psíquicos" enão "físicos." Na tradução francesa dos Diários lê-se"consrituanrs psychiques" (WITTGENSTEIN,1997, p.234). Numa citação feita por KENNY(1989, p. 75) lê-se "psychischen Bestandteilen", ena citação de SPANIOL (1989, p. 43) está escrito"componentes psíquicos".

A primeira pergunta de Russell citada acima,que Wittgenstein reproduziu em sua carta, já indicaque os dois concebiam o pensamento como um fato(um fato psíquico), cujos constituintes Wittgensteinadmitia desconhecer. A resposta dada à segunda per-gunta de Russell mostra que Wittgenstein considera-va esses constituintes (o que quer que fossem eles)como algo análogo às palavras, o que faria do pensa-mento algo análogo ao signo proposicional (ou seja,o pensamento, assim como o signo proposicional,seria um fato que pode ser usado como figuração -Bild - de outros fatos). Sendo assim, " 'p' diz p" po-deria ser lido como: "o pensamento 'p' diz o fato deque r". ou, mais especificamente: "o pensamento 'aneve é branca' diz o fato de que a neve é branca."Evidentemente, essa interpretação entende a explica-ção de Wittgenstein para as atitudes proposicionaiscomo implicando algo semelhante à distinção entreuso e menção, celebrizada na lógica contemporâneapor RudolfCARNAP (1891-1970) e Alfred TARSKI(1902-1983). Um nome ou sentença são usados quan-do se referem a algo do mundo, e são mencionadosquando o que se tem em vista são os próprios signoslingüísticos (escritos ou sonoros).

O mais interessante naquela passagem do Tractatuspara os propósitos do presente trabalho, é que o filósofofaz a interessante afirmação de que sua teoria sobre as ati-tudes proposicionais "mostra também que a alma - o su-jeito etc. - tal como entendido na psicologia superficialde hoje em dia é uma quimera. Uma alma composta nãoseria mais uma alma" (TLP 5.5421), o que é uma crítica

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que seriaa concepção de sujeito da psicologiaernpírica,a respeito do "eu filosófico"Wittgenstein aíirmara que"não é o homem, não é o corpo humano, ou a alma

umana, de que trata a psicologia, ..." (TLP 5.641), aotratar das atitudes proposicionais ele afirma que essacon-cepção de eu, trabalhada pela psicologia, é errônea, pois"Uma alma composta não seria mais uma alma." (TLP- .- 421). Se algo, para ser considerado sujeito, não po-ier ia ser composto, e a explicação das atitudesroposicionais mostra que o objeto da psicologia é algo

composto, só resta para o filósofo dizer (como está escri-o na passagem sobre o sujeito metafísico) que "O sujei--o que pensa, representa, não existe" (TLP 5.631), ou

ja, que não existe um sujeito "tal como entendido na:- icologia superficial de hoje em dia" (TLP 5.5421).'"lorque a explicação das atitudes proposicionais mostraue o sujeito é composto? Isso só pode significar que ojeito de que trata a psicologia empírica, na compreen-

-o de Wittgenstein, é apenas um aglomerado de "pen-sarnentos", de fatos psíquicos que afiguram fatos darealidade, aglomerado ao qual falta a simplicidade quetradicionalmente se requer do sujeito ou alma.

Por ftm, a noção de sujeito metafísico traz ou--ro importantes elementos para se entender a postu-ra de Wittgenstein frente à psicologia, ao mesmo-empo em que levanta evidências de que, surpreen-enrernente, ele tinha algo em comum com os gran-

des expoentes da filosofia da subjetividade. Naverdade, a noção de sujeito metafísico traz sérios pro-

lemas para a interpretação do Tractatus, pois ao mes-o tempo em que, nesse livro, a linguagem é pensadamo sendo lastreada por uma estrutura objetiva in-

ependente de tudo o mais (a lógica), que é espelhadaIa estrutura ontológica da própria realidade (o queece incompatível com o subjecivismo encontram-afirmações explícitas de alguma e pecie de

bjerivismo:

o solipsismo é uma verdade. O que osolipsismo quer significar é inteiramentecorreto; apenas é algo que não sepode di-zer, mas que se mostra. Que o mundo sejameu mundo, é o que se mostra nisso: queosLimites da Linguagem (a linguagem quesóeu entendo) significam oslimites de meumundo. (TLP 5.62); "O mundo e a vidasão um só. " (TLP 5. 621); "Eu sou meumundo. (O microcosmos)" (TLP 5.63).

A passagem entre parênteses do aforismo5.62 traduzida por Luis Henrique Lopes dos San-tos como "a linguagem que, só ela, eu entendo)",o que sugere que apenas a linguagem é entendi-da. Porém, no original alemão lê-se" (der Sprache,die allein ich uerstehe)", que seria melhor rraduzidacomo está na citação acima, o que sugere que só euentendo a linguagem, constituindo justamente osolipsismo. a tradução de Giannorri lê-se: "(dalinguagem que ornenre eu compreendo)".

ma afirmação ainda mais explícita podeser encontrada nos Diários: "o sujeito não é umaparte do mundo, mas sim um pressuposto de suaexistência' (TB 02.08.1·916). o presente traba-lho não se pretende resolver essa enorme dificul-dade. Para os objetivos aqui assumidos, bastaenfatizar que o sujeito metafísico não se confun-de com o tema da psicologia, como deixa claro oúltimo aforismo de número 5:

há realmente um sentido em que sepode,na fiLosofia,falar não psicologicamente doeu. O eu entra na filosofia pela via de que'o mundo é meu mundo'. O eu filosóficonão é o homem, não é o corpo humano,ou a alma humana, de que trata apsicolo-gia, mas o sujeito metaflsico, o limite - nãouma parte - do mundo. (TLP 5. 641, gri-

fo meu).

O aforismo 5.641 ugere duas diferentes no-ções de Eu~_ rivilesian o uma em detrimento daoutra: o e - OSÓ co- não . objeto da psicologia,m r o mundo". É fácil lembrar nestemomento . cinção kantiana entre "eu empírico",

sujeito concreto factualmente existente, e "eurranscendenral", a unidade sintética que, segundoKant, articula as estruturas apriori que são condiçãode possibilidade para todo conhecimento. Ao queparece, Wirrgenstein também está distinguindo en-tre algo "de que trata a psicologia" (que não pode serpropriamente chamado de "sujeito"), e um sujeitofilosófico, transcendental não apenas por ser "condi-ção a priori de possibilidade" do mundo, mas tam-bém por estar além do mundo. Kant reserva o ermo"transcendental" para designar aq . o e é con oapriori de possibilidade do conhecimento. quilo queestá "para além de toda experiência possível" (comoDeus ou a liberdade da ação humana), ele chama de

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"transcendente". o Tractatus "transcendental" pare-ce incorporar esses dois sentidos, quando, por exem-plo, Wirrgenstein diz que a lógica e a ética sãorranscendentais. Interessante notar que, segundo apassagem citada dos Diários, Wirrgenstein considerao sujeira uma condição a priori de possibilidade daexistência do mundo, o que faria do sujeito algorranscendental num sentido ontológico, ainda maisforte do que o meramente epistêmico dado por Kant.Desse modo, fica sugerido que a subjetividade não éassunto para uma ciência de fatos, pois é algo queestá para além da "totalidade dos fatos" (TLP 1.1).

4 CONCLUSÃO

o fato de Wittgenstein articular uma teorialingüístico-ontológica radicalmente anri-psicologista e,ao mesmo tempo, assumir um conceito de "eu" filoso-ficamente relevante, levanta um enorme problema paraa interpretação do Tractatus. Mas tratar desse proble-ma não é o objetivo deste artigo. Aqui, basta reconhe-cer que, segundo o primeiro Wittgenstein, esse "sujeitometafísico" nada tem a ver com a psicologia, e queesta última é considerada por ele como incapaz delegitimar a lógica, a matemática e a filosofia. Isso éo suficiente para se concluir que Wirrgenstein podeser considerado parte da tradição antipsicologista dafilosofia contemporânea, que endereça severas res-trições a qualquer pretensão da psicologia em for-necer fundamento a di ciplina norrnativas.

a verdade e a ambi üidade não é aluo pri-vativo ao autor do Tractatus. Como -oi -is o nação 2, Husserl, ao mesmo tempo que pro ava urnafilosofia assumidamente subjerivisra, defendia oantipsicologismo. Interessante notar que mesmo omaior expoente da filosofia da consciência em toda ahistória defendeu o antipsicologismo. a introduçãoà Lógica transcendental, Immanuel KANT (1983) dis-tingue entre lógica do uso particular (relativa a cadaciência específica) e lógica do uso geral (conjunto dasregras necessárias do pensamento). Esta última podeainda ser dividida em lógica geral pura e aplicada.Enquanto a lógica geral abstrai "de todas as condi-ções empíricas sob as quais se exerce o nosso entendi-menro" (p.58), a lógica geral aplicada "está dirigidaàs regras do uso do entendimento sob as condiçõesempíricas subjetivas que a Psicologia nos ensina"

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(p.58). Ao azer a imple distinção, Kant assumeuma posição antipsicologista no que diz respeito à ló-gica, pois deixa clara a opinião de que misturar lógicapura e psicologia eria uma confusão de domínios."A tentativa de alguns moderno de a ampliarem [alógica], interpelando capítulo ejapsicológicossobre asdiversas capacidades de conhecimento ..., seja metafisicossobre a origem do conhecimento... eja antropológicossobre preconceitos ..., provém da ua ignorância pecu-liar desta ciência. Confundir entre si os limites dasciências não constitui um aumento e sim uma desfi-guração das mesmas."(KANT, 1983, p. 9).

É importante atentar para o fara de que, assimcomo Frege e Husserl, Wittgenstein reconhece que apsicologia tem um domínio próprio, ainda que con-siderasse esse domínio irrelevante para as investiga-ções de caráter norrnativo, como mostra a seguinteafirmação da carta a Bertrand Russell: "o tipo de rela-ção dos constituintes do pensamento e do fato afigu-rado é irrelevante. Seria uma tarefa da psicologiadescobrir." (apud PEREIRA, 1993, p.146).

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