X CNF - CADERNO NACIONAL DE FORMAÇÃO
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Moema, sabemos que você é da OFS,
antropóloga e diretora do IBASE (Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).
Fale-nos um pouquinho mais sobre você.
Nasci quando o Brasil vivia sob a ditadura
militar. Tive uma infância tranquila, filha de uma
família de 6 irmãos, de classe média, na zona sul do
Rio de Janeiro. No entanto, como meu pai era ateu e de
esquerda, tive desde muito nova uma espécie de
“convivência” (que não chegava, claro, a ser
consciência) com a responsabilidade que todos nós
temos – quer exercitemos ou não - com a construção de
um mundo de justiça e igualdade. Minha mãe era
católica e fomos criados na Igreja. Aos 14 anos, me
tornei ateia. Estudei ciências sociais na UFRJ, em uma época de grande agitação
política, de redemocratização do país. Comecei a militar em uma organização de
esquerda aos 18 anos e, por isto, formada professora primária, dando aula em um
bairro de periferia do Rio, saí de casa e fui morar em um conjunto habitacional,
no subúrbio. Foi um período muito intenso o do final da ditadura: muitas coisas
acontecendo, movimentos sociais se formando em todas as partes. Eu atuava no
movimento de bairros e de professores. Participei, com a minha organização, da
constituição do PT que, naquele momento, foi uma experiência muito radical e
importante de criar um instrumento político capaz de articular e dar sentido às
lutas locais e setoriais que aconteciam em todo o país. Militei ativamente nos
movimentos por radicalização da democracia. Casei-me aos 23 anos e tive 3
filhos. Comecei a trabalhar no Ibase após o mestrado em antropologia, quando
tinha nascido a minha terceira filha. Trabalhar com o Betinho, Herbert de Souza,
foi uma experiência muito importante! Ele era uma pessoa de grande expressão
pública e, ao mesmo tempo, era muito aberto, próximo, divertido. Tinha um
compromisso com a vida impressionante. No Ibase trabalhei com diferentes
iniciativas, entre as quais, especialmente a partir de 2003, atuei no processo
Fórum Social Mundial.
Durante um bom tempo da sua vida, você não era católica. Como foi essa
mudança na sua vida e como conheceu o Franciscanismo? E como o
Franciscanismo mudou a sua vida?
A conversão é uma experiência estonteante! É um abrir-se a uma dimensão
desconhecida. Um salto no escuro, vertiginoso. Responder a uma força
irresistível. De repente, alguém muito maior que você se apresenta como Senhor,
onde antes reinava o nada. É mesmo como um cego que de repente vê! A imagem
de São Paulo me vem à mente porque acho que ele expressa de maneira
maravilhosa, isto que é mais do que podemos dizer.
A fé é extremamente exigente! Desafiante! Minha primeira “sensação” da
existência de Deus aconteceu quando tive minha primeira filha. A maternidade, o
parto, a presença de outra vida a partir da minha: tudo mágico, divino! Tudo
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simples, como a procriação de mais um serzinho vivo! Mas naquele momento, eu não dei o passo
decisivo de entrar em contato com a transcendência. Parei na sensação. Achei que era emoção da
maternidade.
Aos 32 anos, ainda ateia, comecei a
participar de um grupo de Familiares de Alcoólicos
(Alanon). Foi uma época muito difícil, eu estava
muito perdida. Neste grupo, tive a imensa
felicidade de conviver com mulheres que em meio
a situações de grande dor e desespero em suas
vidas, tinham uma força interior impressionante!
Serenidade e firmeza, onde para mim reinava o
caos. A convivência e o escutar. Ver de perto a fé.
Assim, começou. E aí, um dia... Deus chegou.
Como a força que move a vida. Como o sopro de
felicidade. Como o hálito quente, que tira da
escuridão e da morte. No começo, a gente só sabe
que Deus É! Que está ali: em tudo. Ao mesmo
tempo, surgem questões que angustiam: “se Deus é
Amor, porque há o sofrimento do inocente?”
Questões que os ateus podem atribuir ao acaso, ao
nada ou ao absurdo.
Aos poucos, comecei a procurar entender, aprender, me abrir mais a esta força. Foi um longo
percurso: primeiro de volta para a Igreja Católica.
Em seguida, comecei a estudar teologia na PUC,
porque sentia necessidade de “entender”, pelo
menos um pouco, aquela força vital e absoluta, a
qual eu queria para sempre dedicar tudo que sou e
faço!
Encontrei os franciscanos há pouco tempo,
em 2011... Muito depois desta história que acabei
de contar! Conheci o Sinfrajupe, durante o
processo de preparação para a Rio+20. Eu
integrava a secretaria da Cúpula dos Povos, que
tinha uma coordenação formada por muitas
entidades e organizações da sociedade civil, entre
as quais o Sinfrajupe. Meu encontro com os
franciscanos deve muito a uma reunião em Porto
Alegre, durante o Fórum Social Temático, onde eu
conheci a Zélia, da OFS de Belo Horizonte. Ela
teve uma experiência semelhante a minha: foi
militante por um longo período. Quando me falou
da OFS abriu para mim um mundo novo. Encontrar
São Francisco e Santa Clara foi uma bênção que
deu sentido e um porto seguro, de onde partir e
para onde voltar. São Francisco tem uma
atualidade impressionante! Tem respostas a muitas
das questões que, como militante, eu me colocava!
Parece louco, né? Um santo do século XIII!! Mas
esta é a força única deste santo que é referência
para a humanidade, ou pelo menos para os que buscam paz, justiça e bem! Tenho tentado estudar
tudo o que posso, fazer cursos, ler muito, conversar
com irmãos e irmãs e refletir sobre a mensagem
para hoje que vem do “Sol de Assis”. Isto é ainda
mais relevante neste período em que todos nós,
militantes da justiça socioambiental, enfrentamos
momentos de muitas desilusões, dúvidas e
incertezas na tentativa de avançar! As mensagens
de fraternidade universal, da pobreza como
liberdade, da não apropriação como base para a paz
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e da minoridade estão
entre os elementos que
mais me atraem. Hoje
pretendo me dedicar a
estudar, refletir e
contribuir com
elementos franciscanos
para a Ecoteologia, que
começa a se desenvolver
na América Latina e em
outras partes do mundo,
como uma
resposta/proposta cristã
frente à crise que vivemos.
Estamos inseridos numa sociedade
extremamente capitalista, onde o "consumo"
ilimitado engole a todos. Como trabalhar a
consciência do cuidado com o nosso planeta?
Esta é uma questão muito importante. Vocês
tem toda razão: a lógica do consumo parece nos
engolir, envolver todos os nossos sonhos, nossos
projetos, nossos valores. A medida de nosso
sucesso, de nossa aceitação, de nosso êxito. Pior
ainda, este super estímulo ao consumo nos vem de
todas as partes: da família, dos colegas, da
escola/universidade e dos meios de comunicação
de massa, com os quais convivemos intensamente!!
Na nossa sociedade, em geral, convivemos mais
com a televisão do que com qualquer membro da
família! E a televisão apresenta entre os comerciais
– seu principal programa – atrações que ajudam a
“distrair”, ou seja, a tirar nossa atenção das coisas
que realmente importam. Dany-Robert Dufour,
filósofo francês, fala sobre este processo em um
livro que tem um título bem sugestivo: “A arte de
reduzir as cabeças: sobre a nova servidão na
sociedade ultraliberal” (Cia de Freud Editora, Rio
de Janeiro, 2003).
No entanto, apesar do apelo e da sedução do
consumo, este projeto gera uma eterna insatisfação,
insaciedade crônica. Como seres humanos, somos
chamados à transcendência, a dar sentido à existência. Por mais que a gente se “distraia”, o
chamado vem e vem. E gera angústia. E, muitas
vezes, sentimento de solidão.
Acho que temos que partir exatamente daí,
desta angústia existencial, se quisermos aumentar a
consciência de nossa responsabilidade com a
transformação, e restabelecer vínculos mais
profundos com o todo da Criação: o capitalismo
não tem uma proposta de felicidade. O consumo é
insaciável! Cada vez que você compra um
computador ou
um carro de
última geração,
tem outro mais
atual entrando
em fabricação!
Não tem fim: não
tem limite.
Portanto, não tem
saciedade nem
felicidade. Acho
que precisamos
partir do
sentimento de frustração e de falta de sentido que o
consumo gera. Juntando isto com a reflexão sobre
o custo social e ambiental do modelo: geração
sistemática de uma massa crescente de pobres e
miseráveis, que estão excluídos, porque o mercado
não é para todos! Ao lado disto, a produção
ilimitada de bens em um mundo de recursos
limitados, leva inevitavelmente ao esgotamento do
planeta.
Desenvolver a “consciência política” -
necessária para assumir a responsabilidade que
temos em construir um mundo de justiça e paz - é
um processo complexo! Integra a reflexão política,
mas também os sentimentos, o senso, a percepção,
a intuição. Se queremos salvar a criação, dom de
Deus, precisamos reacender o vínculo profundo
que nos irmana com todo o criado. Mas, como em
geral estamos muito “engolidos” pelo sistema, um
discurso que não dialogue com o sentido e os
sentimentos mais profundos que temos, não entrará
em contato com nossa consciência “distraída”.
A partir daí, existem diferentes
possibilidades de atuação: alguns atuarão na
política, nos movimentos sociais; outros
encontrarão melhor forma de expressão através da
arte ou da cultura. Não importa tanto o meio. Ao
contrário, diferentes linguagens, práticas e
iniciativas podem dialogar e se complementar. O
importante é o envolvimento efetivo na busca de
respostas!
Tem-se falado muito de uma crise
"civilizatória" múltipla. Você pode nos falar
sobre isso?
Em 2009, durante o Fórum Social Mundial
que aconteceu em Belém, logo depois da explosão
da “crise financeira mundial” de 2008,
especialmente os movimentos indígenas da
América Latina compreenderam antes de muitos de
nós, a dimensão mais profunda da crise. Nossa
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civilização é tecida e construída sob a égide do
mercado. O sistema capitalista se tornou
hegemônico em todo o planeta, destruindo muitas
outras formas de vida, economias e culturas que
tinham valores distintos e vínculos diferenciados
com o mundo, com a Natureza, com a Criação.
Como vimos acima, no capitalismo o consumo
ilimitado é necessário para que o sistema siga em
funcionamento, para que o progresso aconteça,
para que a economia se desenvolva. O processo de
consolidação desta civilização passou pela
afirmação da ciência como saber hegemônico e
critério absoluto de verdade, pela ênfase no
produtivismo, por uma separação e relação cada
vez mais distante entre “cultura” e natureza, pela
dessacralização do mundo. Estou falando de uma
forma muito telegráfica sobre um processo
complexo, disputado, de idas e vindas, com
resistências múltiplas. É quase uma
irresponsabilidade um resumo assim bruto, mas o
que desejo deixar registrado é que vivemos sob a
hegemonia de uma civilização que é incompatível
com o planeta: com seus limites, com suas
necessidades e direitos próprios, com o ritmo de
regeneração a vida e da preservação da Natureza.
Civilização que também é incapaz de lidar com as
diferenças, com a diversidade. Ou seja, temos mais
do que um simples somatório de crises: ambiental
(da qual o aquecimento global é apenas um dos
indícios); financeira (com as bolhas especulativas
crescendo e estourando); social (com o crescimento
do número absoluto de pobres e miseráveis e das
desigualdades entre pobres e ricos), etc, etc. Temos
problemas no cerne, nos princípios e valores que
moldam a civilização do capital. Para nós, cristãos,
talvez seja mais fácil compreender isto se
lembrarmos do Evangelho de Mateus, quando
Jesus diz: “Ninguém pode servir a dois senhores:
ou vai odiar o primeiro e amar o outro, ou aderir ao
primeiro e desprezar o outro. Não podeis servir a
Deus e ao Dinheiro!”(6,24) . Ao optar por servir ao
Dinheiro, esta civilização necessariamente entrará
em ruptura com o projeto e com o Reino de Deus. Assim, reconceber nossa forma de ser e estar no
mundo, como humanidade, como espécie Homo
Sapiens, é vital se quisermos seguir habitando este
planeta – o único de que dispomos. Para isto,
precisamos aprender a conviver de forma
respeitosa, integrada e harmoniosa com o todo
Criado!
A Jufra do Brasil tem buscado fortalecer a
formação de seus jovens para um engajamento
pastoral, político e social através das Secretarias
de AE e DHJUPIC. Para você, qual a
importância de fortalecermos essa consciência
de engajamento nos nossos jovens?
A esta pergunta, acabamos tentados a
responder com o clichê de que os jovens não são
apenas o futuro, mas também o presente do
mundo! Vocês sabem bem que a geração que hoje
é jovem vive e viverá em um mundo de grandes
desafios: riscos efetivos de uma crise ambiental de
proporções desconhecidas; possibilidades de que o
fosso entre os que têm demais e os que têm muito
menos do que o necessário para viver se amplie,
fragmentando a humanidade em hordas em disputa
acirrada por recursos; risco de que o
individualismo nos leve ao auto-isolamento
crescente, à busca do efêmero, do superficial, do
descartável nas relações humanas e amorosas,
diminuindo nossa capacidade de compaixão, de
solidariedade, de misericórdia.
Nada disso deve nos assustar ou paralisar! O
mundo não está hoje condenado a um destino
cruel, como nunca esteve. A humanidade tem a
possibilidade maravilhosa de escolher a vida... ou
não! Já no Deuteronômio lemos este chamado
eterno do Senhor: “Cito hoje o céu e a terra como
testemunhas contra vós, de que vos propus a vida e
a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a
vida, para que vivas, tu e teus descendentes
amando o Senhor teu Deus(...)”(Dt 30,20). Somos
desde sempre e para sempre chamados pelo Senhor
a escolher a Vida. Mas, ao mesmo tempo, somos
livres para não aceitar o convite. Para não seguir
seu caminho. No entanto, há uma responsabilidade
da qual nenhuma geração pode abrir mão: a de
responder ao chamado do seu tempo! Podemos
hoje, como puderam sempre as gerações anteriores,
escolher seguir o projeto do Reino. Ou não! O
engajamento, a atuação comprometida no mundo,
na política, nas disputas reais de nosso tempo é a
forma de dizer sim ao projeto de Deus. O Papa
Francisco tem repetido isto de muitas formas. Cada
um de nossos jovens e cada um de nós está convidado ao banquete da Vida! O engajamento na
construção de um mundo de justiça e paz é nossa
resposta positiva a este chamado. Nunca é cedo
demais para começar: os desafios estão aqui e
agora para todos e cada um de nós!
Qual deve ser o nosso papel enquanto
franciscanos na construção de uma sociedade
mais justa e fraterna, onde inclusive a Criação
precisa ser mais respeitada?
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Temos um papel muito relevante. A
mensagem de São Francisco é muito atual. Temos
como “traduzir” e refletir a partir do que foram não
apenas as intuições mas as orientações,
admoestações, a Regra de vida e o Testamento de
São Francisco, formulando propostas e formas de
atuação que podem ser respostas aos desafios de
nosso tempo. Acho que devemos partir da
mensagem de São Francisco entendida em sua
profundidade, evitando todo o folclore, os
estereótipos e a superficialidade. Isto exige de nós
bastante dedicação e estudo: compreensão do
tempo, das condições e da radicalidade das
propostas e perspectivas francisclarianas. A partir
daí, em fraternidade, em diálogo, buscar identificar
em nossas áreas de atuação as melhores propostas.
Acredito que como franciscanos/as estamos todos
desafiados a este exercício. Muito já foi feito nos
últimos anos, mas podemos e devemos fazer mais
em encontrar e propor um jeito francisclariano de
lidar com os desafios políticos, ecológicos e sociais
de nossos tempos!
Que mensagem você deixaria para a JUFRA,
para todos os nossos jovens que querem se
engajar na luta por um mundo melhor, por um
outro ‘mundo possível’?
Não desistam! Nunca!! Se fosse fácil juro
que a gente já tinha feito! Não é fácil, mas é
“possível e necessário”.
Há pouco tempo li um livro bastante
conhecido de Viktor Frankl, psiquiatra criador da
linha terapêutica conhecida como “logoterapia”,
que me impressionou muito. Ele foi prisioneiro em
vários campos de concentração durante a Segunda
Guerra. Situação das mais extremas e
desesperadoras pelas quais passou a humanidade.
Em um trecho impressionante ele escreve assim:
“Minha convicção pessoal é a de que a fé em Deus
é incondicional ou não se trata realmente de fé em
Deus. Sendo incondicional, a fé continuará viva
mesmo diante do fato de seis milhões de pessoas
terem sido vítimas do holocausto, mas se não for
incondicional, ela sucumbirá diante de uma única
criança inocente no leito de morte. Não podemos
negociar com Deus, não podemos, por exemplo,
dizer: ”Até seis mil ou mesmo um milhão de
vítimas do holocausto mantenho minha fé em ti,
mas de um milhão para cima nada mais pode ser
feito; sinto muito, mas tenho que renunciar à minha
fé.” (“A presença ignorada de Deus”, Ed Vozes,
Petrópolis, RJ, 2013).
Acho que da mesma forma que não podemos
“negociar” a fé verdadeira, também não podemos
desanimar diante das dificuldades de construir um
mundo de justiça e paz!! Acredito que este seja o
sentido profundo do mandamento: amai ao
próximo! Assim, sendo cristãos e franciscanos/as,
com humildade, confiança e fé, vamos lá, construir
um “outro mundo possível”!
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proposta de vida
apresentada por
São Francisco de
Assis na Idade
Média abriu caminho para todos
aqueles que vivem neste mundo e
que desejam lutar por Paz e Bem.
Embora tenham se passado 800
anos, há muita atualidade nessa
proposta, especialmente quando
analisamos o contexto em que
estamos inseridos.
A figura de São Francisco
de Assis surge de forma
significativa como aquele santo
bondoso com os pobres,
carinhoso com os animais e
extremamente contemplativo,
mas a espiritualidade franciscana
não se resume a um Francisco
distante da realidade em que
vivia. São Francisco influenciou a
política do seu tempo, a cultura, a sociedade e a religião. Quando o feudalismo
entrava em decadência, as cidades começavam se formar, as atividades mercantis
de troca e venda estavam se desenvolvendo, surgiam as universidades, Francisco
pregava o Evangelho, questionando os modelos da sociedade burguesa.
Falando de dignidade humana, assistência aos pobres, de paz, de
fraternidade, Francisco denuncia pelo seu exemplo toda forma de desigualdade.
Frei Marcelo, diretor do Instituto São Boaventura, vem em sua homilia do dia
04/10/2009 confirmar que São Francisco foi um homem encarnado em seu tempo,
não isolado, mas um homem que foi capaz de encontrar-se com o outro, de olhar
o próximo, de perceber o caminho que lhe conduzia a Deus. São Francisco que parece sempre debruçado sobre a rocha, contemplando a cruz, profundamente
místico, não está muito distante de nós. Mas é importante desmistificar isso, para
“encarnar” a realidade e aprender de forma catequética o modelo que foi e é
Francisco, modelo de transformação de vidas e da sociedade.
Fazendo uma reflexão acerca dos problemas sociais e políticos que
Francisco enfrentou em sua época e o modo como agia diante deles, podemos
dizer que ele foi um cidadão do seu tempo. Não foi egoísta a ponto de pensar
apenas em si, mas foi atuante diante dos problemas sociais.
A Cidadão Franciscano
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Cidadão é o habitante da cidade no cumprimento
dos seus deveres é um sujeito da ação, em
contraposição ao sujeito de contemplação, omisso e
absorvido por si e para si mesmo, ou seja, não basta
estar na cidade, mas agir na cidade. São Francisco foi
exemplo de cidadão no seu tempo, respeitou as leis e as
autoridades, preocupou-se com a fome e as mazelas do
seu povo, e tratava a criação com respeito. Francisco
manteve uma relação direta de convivência e não de
posse com cada ser da criação, tratava-se de um modo
de ser e estar no mundo, não sobre as criaturas como
quem as domina, mas de ser e estar junto com elas,
usufruindo daquilo que era apenas para seu sustento.
O franciscano deve desenvolver todo tipo de
manifestação em defesa à vida, em todas as suas
formas, seja por meio de debates, conferências,
campanhas, e de gestos concretos, preocupando-se com
todos os cidadãos que compõem a sociedade. Um dos
maiores desafios do jufrista na atualidade é ser cidadão
em um mundo tão cheio de desigualdades.
Então, qual deve ser a nossa postura para que
sejamos Cidadãos Franciscanos, comprometidos com
nossa cidade, nossa nação, nosso planeta? De forma
clara e objetiva, podemos listar algumas atitudes
fundamentais em um cidadão franciscano:
• Preocupar-se com a comunidade de forma
solidária: buscar educação de qualidade para si e para
toda a comunidade; exercer com dedicação o seu
trabalho, oferecendo serviço de qualidade; manter-se
informado com notícias sobre problemas da sociedade
(saúde, educação, moradia, desemprego e destruição
ambiental) e propagar de forma reflexiva estas
informações, promovendo reuniões, debates,
conferências, etc; e ajudar pessoas necessitadas,
doentes, desabrigados, famintos e marginalizados.
• Ser civicamente ativo, votar com consciência,
escolhendo representantes que se preocupam com os
interesses públicos, que cumpram as Leis e que sejam
honestos;
• Proteger o futuro da comunidade, reciclando o
lixo e o eliminando de forma correta, economizando
água e energia, entre outros.
Tais atitudes parecem simples, mas ao longo do nosso dia a dia tornam-se complexas diante das várias realidades e contextos em que nos encontramos. Por isso, devemos ser audaciosos, corajosos e
otimistas, a fim de assumir o nosso compromisso franciscano de vida enquanto cidadãos.
Que possamos ser “sal da terra e luz do mundo”, sendo exemplo de cidadão assim como Francisco
foi.
Referências: http://www.isb.org.br/imprensa/artigos/item/768-francisco-de-assis-um-homem-santo
http://www.refeduc.com.br/institucionalunidades.vm?unidade=ref_saobernardino&id=75925894promove http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidadania
https://leonardoboff.wordpress.com/2013/06/02/a-atualidade-do-espirito-de-sao-francisco/
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vida em conjunto,
que também
podemos
denominar de:
agrupamentos sociais, sociedade,
comunidade, fraternidade, é
precondição para a existência
humana, como também para a
vivência da fé cristã. Não
podemos viver isolados, a fé
cristã não pode ser vivida fora da
sociedade. O mundo é o palco de
nossa existência e de nossas
experiências, e pela nossa fé
somos chamados a ser “sal da
terra e luz do mundo” (Mt 5).
O que isso significa? Isso
significa que devemos ser
atuantes no meio onde vivemos.
Ser agentes de transformação,
onde a transformação seja necessária, ser aqueles que, a partir de um grande ideal
de vida, a luz de nossa fé, fazem deste palco um lugar de amor, solidariedade,
justiça, paz e verdadeira fraternidade.
Porém, sabemos bem que essa vivência por si mesma é permeada de
desafios, sofrimentos, angústias, contradições. Vivemos também num mundo
diverso, com diferenças culturais, sociais, políticas, teológicas, onde cada
segmento muitas vezes defende pontos de vista distintos. E como harmonizar
essas diferentes relações? Como distinguir, avaliar e decidir sobre o que
defender? Um olhar crítico para essa realidade, o que implica voltar o olhar não
só para os outros, como também para nós mesmos e para os lugares que
ocupamos, é fundamental, e o primeiro passo, para que possamos encontrar uma
resposta.
Nesse contexto, a Igreja nos convida a uma reflexão, que também não deixa de ser uma autorreflexão: pensar, e fazer conhecer, sua relação com a sociedade.
Essa reflexão se dá no seio da Campanha da Fraternidade com o tema:
Fraternidade: Igreja e Sociedade; e o lema: Eu vim para servir (Mc 10,45).
Nós, enquanto Jufra, dispomos a nos incluir nessa reflexão, pensando a
relação da juventude, igreja e sociedade. É o que faremos aqui nesta sessão do
Caderno de Formação. Não trazemos respostas, nem de todo esgotamos a
reflexão, mas destacamos alguns pontos que consideramos importantes embasar
as reflexões e iniciar esse grande período de diálogo, construção e sensibilização
que é a Campanha da Fraternidade.
A Juventude Franciscana, Igreja e Sociedade
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CF
istoricamente a Campanha da
Fraternidade propõe temas que nos
levam a refletir sobre dimensões
importantes da vida a fim de nos
posicionarmos critica e ativamente no que se
referir a elas em nosso dia a dia. Vendo dessa
forma, por si só ela já faz parte de uma proposta de
relação da Igreja com a Sociedade. Assim, o tema
da Campanha da fraternidade deste ano é muito
mais que sugestivo, quando fala em “Igreja”, pois
ela se coloca de forma mais enfática e expressiva à
reflexão.
É necessário, então, fazermos uma pequena
observação de que Igreja é essa que estamos
falando e buscando. Falamos da construção da
Igreja, que com o Papa Francisco está tomando um
rosto cada vez maior de “povo de Deus”, que
caminha lado a lado com esse povo e não está
alheia a sua realidade. Esta direção é resultado das
propostas do Concílio Vaticano II, que muito
bebeu da experiência latino-americana, tendo a
potencial influência brasileira, de ser Igreja
levando-as para toda a comunidade cristã.
No Brasil, essas propostas foram bem
acolhidas e privilegiadas nos seus diversos
documentos, mas a prática ainda não é homogênea
em todo território nacional, o que dá sentido à
necessidade de campanhas para sempre nos
lembrar de nossa direção e de nosso ponto de
partida.
Com a Campanha da Fraternidade deste ano
vem a oportunidade de avaliarmos o que nós
pensamos sobre a sociedade em que vivemos,
pensarmos nossa participação nela como cristãos e
como devemos dar um novo rosto para ela. E aos
poucos nós vamos dando nossa contribuição na
busca pela resolução dos problemas e questões que
envolvem a sociedade e as relações da Igreja com
ela.
Uma importante direção de como deve se
basear essa relação está no lema da campanha. O
lema traz a mensagem do Evangelho que nos fala
do serviço, da dedicação e da doação gratuita e sem
restrição em favor do outro. Na Quinta-feira Santa
quando recordamos que Jesus faz o gesto do lava
pés temos o exemplo concreto que nos indica que a
única coisa importante para nós é seguir o exemplo
Dele: servir e não ser servido. É uma nova
sociedade que Jesus projeta. A autoridade não é o
exercício de poder, mas a qualificação para o
serviço que se exprime na entrega de si mesmo
para o bem comum.
JUFRA
ós como Jovens Franciscanos inseridos nessa Igreja que aqui falamos, que aceitamos a
mística do serviço como expressão do amor contido no Evangelho, e nos inserimos com
maior paixão na vida do povo de Deus temos diversos exemplos e direcionamentos que nos
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ajudam a seguir o caminho proposto pela CF. Uma deles é a exortação de Francisco que nos diz e reforça
o lema da CF: “Não vim para ser servido, mas para servir ( cf. Mt 20,28), diz o Senhor. Aqueles que
foram constituídos acima dos outros se gloriem tanto deste ofício de prelado como se tivessem sido
destinados ao ofício de lavar os pés dos irmãos. E se mais se perturbam por causa do ofício de prelado
que lhes foi tirado do que por causa do ofício de lavar os pés, tanto mais ajuntam bolsas para perigo da
alma” (Exortação de São Francisco, IV).
Temos ainda nossas aspirações contidas na Carta de Guaratinguetá – “A Jufra que queremos ser”
(2011) que, referindo-se à nossa relação com a sociedade, descreve: “reafirmamos ser presença
desafiadora na sociedade, inserindo-nos no meio popular e assumindo-o, através da relação entre fé e
vida, celebração e compromisso, humanidade e tecnologia. Queremos debater, articular e desenvolver
trabalhos onde se faça ecoar nossa voz para denunciar todas as formas de opressão e injustiça, e participar
das lutas para a construção de uma nova sociedade, a Civilização do Amor, baseada na prática da Justiça
Social e da promoção da Paz”.
CONCLUSÃO
a sociedade atual as mudanças são
tão profundas e constantes a ponto
de se vislumbrar uma verdadeira
mudança de época. É uma situação geradora de
crises e angústias na vida pessoal, nas instituições e
nas várias dimensões sociais. Vemos diversos
problemas que afetam diretamente a vida da
população brasileira: a demografia, a urbanização,
a participação política, a economia, a pobreza, a
exclusão, a violência, a degradação ambiental entre
outros.
Neste contexto de sociedade, nós como
Corpo de Cristo, Igreja e jovens franciscanos
estamos inseridos como agentes transformadores
de realidades? Essas realidades que exploram e
marginalizam o povo brasileiro. Nossa vida está
sendo uma vida doada para a causa do Reino de
Deus? Como, em nossa fraternidade, contribuímos
para ampliar e fazer acontecer a relação da Igreja
com a sociedade? Como avaliamos o desempenho
de nossas paróquias e dioceses? Já observou
quantas e quais são as pastorais que estão em
atividade nelas? O que fazemos para mudar essa
realidade e contribuir com a construção de uma
Igreja “povo de Deus”?
Nós - Jufra, parte dessa Igreja e Eu -
indivíduo, somos chamados a ser essa conexão de
Igreja e Sociedade. A Jufra quando está inserida
em atividades com a Jornada Franciscana pelos
Direitos Humanos e o Grito dos excluídos, e
indivíduos quando assumimos nossa postura crítica
diante das injustiças e nos lançamos nos universos:
política, trabalho e educação, saúde, lazer, meio
ambiente, etc. já fazemos algo. Mas recomecemos
sempre! Precisamos fazer mais!
É neste modelo que nós como franciscanos e,
acima de tudo, como cristãos, somos chamados a
adotar. A exemplo de Cristo, vivermos o amor
libertador. Trata-se de viver de forma sempre
atualizada, a missão de Jesus: “O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou
com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos
pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos
presos e aos cegos a recuperação da vista; para
libertar os oprimidos, e para proclamar o ano da
graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
N
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18
“O diálogo religioso para os franciscanos não é mais
um simples dado histórico, cultural, eclesial, mas é
definitivamente Forma de Vida!”
(Frei Vitório Mazzuco)
termo “religião”
origina-se do
Latim “re-ligare”,
o qual se
relaciona à expressão “Re-ligar”
Deus aos seres humanos.
Leonardo Boff expõe no seu
livro Nova Evangelização:
Perspectivas dos Oprimidos
(1991), da seguinte forma: “As
religiões são re-ações à ação
primeira de Deus. Elas são
modos segundo os quais se
recolhe a auto comunicação de
Deus a suas criaturas. Elas são
conduto da revelação de Deus para a humanidade, nas suas diferenças de tempo,
de espaço, de modulação cultural...”
Nesse contexto, temos as religiões como instrumentos de buscar a paz e a
justiça, bem como outros valores morais que se destinam a dar sentido à vida.
Francisco de Assis por excelência divulgou e promoveu a construção da paz e
justiça no âmbito da Igreja Católica, como também em terras mulçumanas.
Entretanto, no nosso cotidiano muitas vezes não é bem assim. Há muitos
que propagam o preconceito e a discriminação contra outros grupos sociais e/ou
religiosos, seja através da violência, da discórdia ou da intolerância, inclusive por
meio de um discurso religioso que afirma que está fazendo isso em nome de
Deus. A intolerância religiosa é um fato atual no Brasil e no mundo como
podemos perceber nos noticiários, apesar da grande diversidade de crenças reunidas num só local.
O
O Diálogo Inter-Religioso
Constituição Brasileira diz que a liberdade de consciência e de crença é
inviolável e que é garantida por lei a proteção aos locais de cultos e suas
liturgias (art. 5º, VI).
A Declaração Universal dos Direitos humanos diz que toda pessoa tem
direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância,
isolada ou coletivamente, em público ou em particular (art. 18).
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19
Não dá mais para ver
essa situação como algo
natural ou esconder-se dentro
do nosso “mundinho” de
conforto, fingindo que a
intolerância religiosa não é
uma realidade presente e
bem próxima de todos nós.
Boff coloca ainda: “Hoje
todas as culturas devem ser
culturas civilizadas, quer
dizer, culturas que renunciem
a dominar as outras e que
respeitem e acolham os
valores das outras. O
Evangelho se apresenta como
alto fator de civilização na
medida em que propicia a prática do amor, da
fraternidade e a crença na filiação divina de todas
as criaturas”.
Hoje, não podemos continuar acreditando
que só existe uma única forma de pensar ou de
crer. Existem várias crenças e cada uma merece o
respeito em prol de algo muito maior, que vai além
do individualismo e por se tratar de tema de
interesse coletivo. Daí a necessidade do diálogo
inter-religioso e do respeito à diversidade religiosa
na perspectiva da construção da paz.
Não podemos aqui deixar de mencionar o
histórico encontro de São Francisco de Assis e o
sultão árabe Malik AL-Kâmil, parente de Saladino.
Ocorreu em meados de setembro de 1219 quando a
Ordem tinha adquirido estabilidade, Francisco
seguiu para o Oriente. Este fato continua sendo um
exemplo válido de um diálogo respeitoso entre os
fiéis das mais variadas procedências. Assim,
Francisco trilha um caminho que ultrapassa os
limites não só territoriais como também os da
intolerância e do ódio, já que ele, o pobrezinho de
Assis, foi com a missão de pregar o Amor de Deus
para com a humanidade através de seu Dileto Filho
Jesus. O Santo de Assis rompeu com os esquemas
culturais e religiosos de seu tempo, indo ao encontro daqueles que eram considerados não
apenas dissidentes e diferentes, e de certo modo,
como inimigos do seu credo. Soube ser irmão,
dialogar, aprender deles e oferecer-lhes a proposta
de Jesus Cristo, como
uma dádiva que poderiam
acolher.
Na Exortação
Evangelii Gaudium, o
Papa Francisco escreve “o
diálogo inter-religioso é
uma condição necessária
para a paz no mundo e,
por conseguinte, é um
dever para os cristãos”. O
Papa destaca que esse
diálogo torna-se ainda
mais importante nos dias
atuais, seja porque o
mundo tornou-se “menor”
seja porque as migrações
aumentam os contatos entre pessoas e comunidades
de tradição, cultura e religião diferentes.
Uma grande dificuldade para o diálogo entre
as religiões é quando há fundamentalismo. Dom
Francisco Biasin, membro da Comissão Episcopal
para o Ecumenismo da CNBB, explica que quando
a religião se torna motivo de guerra ou briga, se
trai aquilo que é essencial da fé: o amor. Ainda na
Evangelii Gaudium, o Papa Francisco exorta que,
apesar dos obstáculos e fundamentalismos de
ambos os lados, uma atitude de abertura, na
verdade e no amor, deve caracterizar o diálogo
entre as pessoas de diferentes religiões.
Uma passagem do Evangelho que demonstra
um sinal desse amor e filiação divina é o encontro
de Jesus com a samaritana no poço de Jacó (João
4). “O simples pedido de Jesus é o início de um
diálogo sincero, mediante o qual Ele, com grande
delicadeza, entra no mundo interior de uma pessoa
à qual, segundo os esquemas sociais, não deveria
nem mesmo dirigir uma palavra.”, assim refletiu o
Papa Francisco no ano passado por ocasião do
Ângelus, na praça São Pedro.
Que a exemplo de Francisco de Assis,
possamos adentrar em territórios diferentes para
propagar o Reino de Deus e acolher os marginalizados e excluídos, seja lá qual for a sua
crença ou religião, para acima de tudo, buscar a
paz e a justiça que a humanidade precisa.
Ecumenismo x Diálogo Inter-religioso
O ecumenismo se dá com o respeito, o diálogo e a valorização das diversas pessoas de
comunidades religiosas de denominação cristã. Seu valor se baseia na própria vontade de Jesus.
O diálogo inter-religioso é o diálogo e a manifestação de fraternidade com pessoas e
instituições de outras religiões não-cristãs. (Dom José Alberto Moura, CSS).
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20
Da vida de São Francisco, podemos tirar pistas do
que seria o decálogo franciscano.
1 - TOMAR A INICIATIVA: “Nós, como primeiros,
devemos pedir aos homens um colóquio, e não esperar que
eles nos convidem a uma conversa.” (Paulo VI, ES, AAS
1964, 642)
2 - SER VOCÊ MESMO – Francisco exige dos
irmãos que entrem em contato com outras religiões, que
sejam simples e sinceros e confessem que são cristãos.
(1Rg 16)
3 - CONFIAR NO OUTRO – Sem confiança e
respeito diante dos homens e de suas convicções religiosas
não há diálogo.
4 - COLABORAÇÃO MÚTUA – O espírito de
colaboração e o sentimento de pertencer a mesma família
humana apoiam a nossa missão franciscana em qualquer
terreno.
5 - COMO INSTRUMENTO DA PAZ – Francisco
foi ao sultão, não para combatê-lo, mas como instrumento
da paz e o sultão, por sua vez, mostrou-se muito
hospitaleiro, atencioso e respeitoso.
6 - AGIR PELA PALAVRA – Francisco distingue
duas formas de diálogo: diálogo na vida e diálogo pela
palavra (1Rg 16). No entanto prefere a primeira forma.
7 - NO MEIO DELES – Os irmãos e irmãs que
participam do diálogo com heterodoxos, devem viver no
meio deles, “estar com eles”, compartilhando suas
condições de vida. Esta partilha é uma condição essencial
para o diálogo franciscano.
8 - COMO IRMÃOS MENORES – Como menores,
abster-se de ” rixas e disputas, submetendo-se a todos os
homens por causa do Senhor” (1Rg 16,17).
9 - ANTES COMPREENDER DO QUE SER COMPREENDIDO – Em sua humildade e na
disposição de escutar, Francisco aprendeu muito. O diálogo franciscano não é unilateral. Há de levar à
conversão recíproca.
10 - O DIÁLOGO FRANCISCANO EXTRAI A SUA DINÂMICA DA ORAÇÃO – O diálogo
com membros de outras religiões não é puro encontro em nível humano. É um presente de Deus, por isso
deve estar enraizado na oração.
Referências: www.infojovem.org.br/infopedia/descubra-e.../dialogo-inter-religioso/. www.franciscanos.org.br/?livros=francisco-de-assis-o-ecumenismo-e-o-dialogo-inter-religioso.
http://papa.cancaonova.com/primeiro-ano-de-francisco-o-dialogo-com-as-religioes/.
http://www.cnbb.org.br/imprensa-1/internacional/13867-a-misericordia-e-maior-que-os-preconceitos-disse-
papa-francisco. http://www.cnbb.org.br/comissoes-episcopais/ecumenismo/2774-ecumenismo-e-dialogo-interreligioso.
BOFF, Leonardo. Nova evangelização: Perspectiva dos oprimidos. Petrópolis: Vozes, 1990.
CURSO SOBRE O CARISMA FRANCISCANO- Movimentos Franciscanos, 1998.
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omo nos ensina a Tradição da
Igreja e é ponto essencial da
vida franciscana, todo homem e
mulher tem a necessidade de
uma vida social. Essa premissa é uma
exigência fundamental de todo ser humano,
sendo ele cristão ou não. Dessa forma a família
humana vive um processo de mútua
dependência no que se refere ao
desenvolvimento de cada pessoa junto ao bem
de sua comunidade, tendo claro que a pessoa é
e deve ser o “princípio, sujeito e fim de todas
as instituições sociais”. Partindo dessas
afirmações, se todo ser humano deve buscar o
bem comum, por consequência existe uma
necessidade de viver em comunidade. Logo,
surge então a seguinte pergunta: qual o
compromisso com o bem comum que nós
franciscanos e franciscanas devemos assumir
junto à sociedade?
O movimento
franciscano não pode ser
compreendido fora do
itinerário que percorreu
Jesus Cristo, pois em tudo
Francisco e Clara buscaram
imitá-lo. O caminho
revelado por Jesus parte da
realidade humana da ajuda
aos mais necessitados, aos que tiveram fome, sede.
Ele mesmo comeu com
publicanos e pecadores e
revelou o Amor de Deus a
todos os homens e
mulheres de seu tempo.
Cristo nos exorta com sua
vida a buscar o bem e a
salvação de todo homem,
principalmente daqueles
que são excluídos das mínimas condições de vida:
os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos,
aqueles que não têm como retribuir. É desse
ensinamento essencial de Nosso Senhor que nos
vem a opção preferencial pelos pobres, implícita na
fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por
nós, para enriquecer-nos com sua pobreza. E essa
opção deve ser vivida por todos nós cristãos e
cristãs que nos comprometemos em testemunhar
nossa fé no mundo e no seio da sociedade contemporânea, tão necessitada de amor e justiça.
Todo cristão é então convidado a seguir o
exemplo de Jesus. E para nós, irmãos e irmãs
franciscanos, ecoa a seguinte pergunta: qual deve
ser o nosso compromisso com o bem comum e a
justiça social? Nosso Pai Francisco, desde o início
do seu processo de conversão, seguindo o exemplo
de Jesus foi ao encontro dos pobres e leprosos
prometendo nunca negar a nenhum deles o que
pedissem por Amor de Deus. Sempre que se
C
O Franciscanismo e a Causa Social
“O Filho de Deus se fez semelhante a nós em tudo, menos no pecado”.
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23
encontrava com os pobres e necessitados,
Francisco tinha a certeza de estar com o próprio
Cristo, Pobre e Sofredor, por isso ele segue com
todas as forças o testemunho de Jesus, tornando a
Vida franciscana um testemunho radical do
Evangelho.
Seguindo o exemplo de Nosso Senhor, o Pai
Francisco e tantos outros franciscanos, no decorrer
dos séculos, saíram de seu egoísmo e foram ao
encontro dos mais necessitados, lutaram por um
mundo melhor e até morreram combatendo as
injustiças de seu tempo. E nós, pelo que lutamos na
realidade atual onde estamos? Será que o mundo
onde vivemos é um mundo perfeito onde todos
vivem com Justiça e Paz, como num Paraíso?
Infelizmente, não. No Brasil sofremos com uma
desigualdade de renda gritante onde poucos têm
muito, e muitos têm pouco. Apenas quinze famílias
detêm o controle de cinco por cento de toda a
riqueza produzida pelo País enquanto outros mais
de dez milhões de pessoas vivem em uma situação
de extrema miséria. Não é apenas a desigualdade
que é o problema do país onde vivemos; ainda
temos a violência, a falta de condições básicas de
saúde e tantas outras problemáticas diante das
quais não podemos fechar os olhos, deixando o
nosso coração se perder em meio à chamada
globalização da indiferença.
Mais do que procurar culpados, devemos
sim ser uma alternativa, lutarmos contra essas
desigualdades, protestando e mostrando nossa
indignação. Ao adotarmos essas práticas seremos
uma alternativa diante de tais problemas. Podemos
e devemos, assim como Francisco, mudar o
mundo com nosso testemunho de vida, buscando
igualar-nos com alegria a todos os homens,
especialmente aos mais pequeninos, para os quais
e com os quais procuraremos criar condições de
vida dignas de criaturas remidas por Cristo,
irmãos e irmãs amados por Deus.
O conteúdo da prática da justiça e da paz
passa pela opção pelos excluídos e excluídas, mas
implica ainda que tenhamos uma postura de não
violência frente aos temas que envolvem a
agressão, a exclusão e as injustiças. A vida de
Jesus Cristo é o que Francisco de Assis tomou
como sua Regra e Vida, o “cânon” da vida,
segundo o qual nosso viver se defronta e confronta
e que se traduz em práticas sociais de justiça e
paz. Assim, Francisco ensina-nos então a nos
comprometermos de forma radical à vida de Jesus,
principalmente no compromisso com os mais
necessitados, fazendo-se pobre com os pobres,
num processo de ressurreição social e moral dos
preferidos de Deus.
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24
Juventude Franciscana do Brasil vive um momento privilegiado
em razão da reformulação de suas Diretrizes de Formação, dando
firme resposta à necessidade de compatibilização entre a
espiritualidade e vida prática ao inserir mais concretamente no processo formativo
do jovem franciscano temas relacionados aos Direitos Humanos, Justiça, Paz e
Integridade com a Criação e à Ação Evangelizadora, assim como compor a
Equipe de Formação com os Secretários desses serviços.
Importante recordar, ainda, que no Congresso Extraordinário de
reformulação do Estatuto e das Diretrizes de Formação, realizado em Mogi-
Mirim/SP, a JUFRA do Brasil reafirmou sua secularidade, conceito fundamental
na vida de um jovem que opta por uma intensa vida fraterna, pastoral e
sacramental, sem deixar de lado seus compromissos familiares, acadêmicos,
profissionais e civis.
A conjugação destas duas escolhas aponta para a seguinte perspectiva: a
maturidade presente nos jovens franciscanos quanto ao desejo de testemunharem
no mundo o projeto de vida franciscano e a consciência de que tal objetivo deve passar por uma formação sólida e adequada.
A Ordem Franciscana Secular, por sua vez, dentre as diversas secretarias de
serviço que possui em sua composição, designa um irmão para a denominada
“Presença no Mundo”, que justamente corresponde ao anseio e ao compromisso
dos franciscanos seculares em desempenharem “o serviço para a edificação do
Reino de Deus nas realidades terrestres” (art. 17.1. CGOFS).
Este irmão torna-se responsável por coordenar as atividades nas mais
diversas áreas que esta Secretaria pode abranger: diálogo inter-religioso, fé e
política, ecologia, paz e todas as demais questões sociais, nas quais os
franciscanos são convocados a optarem por “um relacionamento preferencial com
A
A Presença no Mundo
como sinal da Secularidade
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25
os pobres e os marginalizados”, de modo a
promoverem “a superação da marginalização e
daquelas formas de pobreza que são fruto de
ineficiência e de injustiça” (art. 19.2. CGOFS)
A existência da Secretaria de “Presença no
Mundo” na OFS, combinada com consolidação das
Secretarias de “Ação Evangelizadora” e “Direitos
Humanos, Justiça, Paz e Integridade com a Criação”
na JUFRA, apontam para um caminho em comum
traçado por estas duas instituições que, apesar de
garantidas suas autonomias, cada vez mais dão passos
de aproximação a partir da consciência de que a
caminhada em conjunto com irmãos do mesmo
carisma se torna mais leve e agradável.
Portanto, com o firme propósito de se propor
aos homens e mulheres de hoje um projeto no qual se
alcance “um mundo mais fraterno e evangélico para a
realização do Reino de Deus” (Regra, 14), JUFRA e
OFS se comprometem, por meio de seus irmãos, a
terem sempre em mente que “o serviço apostolado
preferencial é o testemunho pessoal” (2 Cel 198),
passando necessariamente pela formação de uma
consciência madura acerca da secularidade, atributo
inerente à nossa condição de vida. - Paz e Bem!
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26
Campanha da
Fraternidade de 2015 nos
convida a refletir a
presença da Igreja na
sociedade na perspectiva do serviço,
como indica o lema “eu vim para servir”
(Mc 10,45). No texto de Marcos (Mc
1,40-45) vemos uma forma especial de
se viver a dimensão servidora da fé.
Jesus se encontra com um homem
leproso e o cura. A lepra des-
humanizava a pessoa humana, tirava da
sociedade, do contato, do afeto, da
convivência, condições fundamentais
para vida saudável. Jesus devolveu a
humanidade aquele ser pois, sentiu
compaixão, ou seja, assumiu a dor do
outro. Fez desta dor, a sua dor, desta
exclusão a sua exclusão. A compaixão
manifestou-se no toque, no afeto e,
posteriormente, na cura, sem que Jesus
se preocupasse com a norma da pureza.
Olhado, acolhido, acariciado o leproso
sentiu-se humanizado. Venceu a doença
física, e, em consequência, a exclusão
social e religiosa.
Os textos anteriores de Marcos já
relatavam a comoção que Jesus causava por onde passava. “O ensinamento com
autoridade”, aliado a cura, geravam uma grata surpresa nas pessoas (Mc 2,12).
Isto porque Jesus as ajudava a entender o sentido das suas vidas e o seu lugar no Plano de Deus. Ensinava para libertar e não para fortalecer a opressão.
As curas, sinais da presença do Reino, visavam devolver a dignidade às
pessoas pela superação de um mal físico, mas com conotações religiosas e sociais.
Muitos doentes eram vítimas de preconceito e suas doenças e limitações físicas
tidas como consequência do pecado. Com estas duas atitudes Jesus interagia com
a vida das pessoas e suas dificuldades e apontava para elas outras possibilidades
para além de uma vida de exclusão e opressão. A admiração por Jesus era fruto do
reconhecimento do bem praticado. No entanto, a opção de Jesus provocou a ira
dos adversários. A ousadia em mexer na estrutura religiosa e social gerou
perseguição (Mc 7, 1ss). Mas Ele foi fiel até o fim.
A
Fazer o bem aos excluídos,
um serviço necessário!
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O texto de Marcos traz para nós a pergunta
pelos “outros” leprosos do nosso tempo e como a
sociedade age diante deles. São muito bem
descritos, com o termo “rostos sofredores”, no
parágrafo 65 do Documento de Aparecida. O Para
Francisco também menciona na Exortação
Evangelli Gaudium ao falar das novas formas de
pobreza (EG 210) e dos excluídos do nosso tempo
(EG 53), fenômeno presente na sociedade e até
mesmo nossas famílias.
Estas atitudes decretam a morte das pessoas
em três dimensões. Uma primeira é a morte social.
As pessoas excluídas, que a sociedade rotula como
derrotados, são considerados mortos socialmente,
pois não produzem, não se relacionam, não trazem
nem um bônus para a sociedade. Quando muito ela
os tolera, e, se derem algum problema, lançam mão
de políticas de higienização. São mortos sociais
pois a eles é vedada a participação/interação na
sociedade.
A morte social conduz a uma segunda morte,
a física. As pessoas vão morrendo aos poucos. O
corpo não dá conta das moléstias, até mesmo
porque dificilmente recebem um tratamento
adequado. E o espírito não dá conta do desprezo,
da falta de afeto e carinho. Aos poucos o fio da
vida que segura se fragiliza e a morte vem antes do
tempo.
A morte social e física leva a uma terceira
morte, a morte na memória ou histórica.
Normalmente, na tradição cristã, rezamos por
nossos mortos, nossos entes queridos. A oração
evoca a memória, a saudade. Personagens da
história são lembrados com nomes de ruas,
avenidas, praças e cidades. Contudo, alguns, que
matamos socialmente e precipitamos a morte
física, não tem nem direito a memória. Depois de
morrerem são esquecidos. É a terceira morte. A
morte na memória.
No encontro com o leproso, na ousadia de
tocar seu ser doente e impuro, segundo a tradição
religiosa, Jesus está dizendo que a doença não é
castigo e nem vontade de Deus. Com este gesto
Jesus diz ainda que todo o excluído tem dignidade.
Merece viver bem. Sugere que vá até o sacerdote
para que seja declarado curado/puro
“oficialmente”. Se a religião do tempo não cuidava
e integrava os doentes ao menos tinha a
prerrogativa de declarar uma cura.
Jesus, com este gesto, nos provoca no sentido
de lembrarmos que a pessoa humana tem primazia
sobre toda a ação social. A sociedade está para a
pessoa humana (DSI 106)). Uma sociedade que
mata socialmente, fisicamente e na memória,
também está morrendo. Cuidar dos excluídos é
cuidar da sanidade da sociedade. Para os cristãos,
acolher este princípio não é modismo ou atitude
cosmética. É condição intrínseca à fé cristã (DAp
392). No serviço aos excluídos cumprimos o
mandato de Jesus: “Eu vim para servir” (Mc
10,45).
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Juventude
Franciscana
desenvolve
uma missão
valiosa, enquanto contribuição
à ação evangelizadora da
Igreja. O testemunho de
muitos jovens permite este
serviço evangelizador com
criatividade e alegria. Seguem
o princípio de que “jovem
evangeliza jovem”, iluminados
pela espiritualidade
franciscana. Neste pequeno
texto, buscamos aprofundar
mais a compreensão da Ação Evangelizadora em um dos seus aspectos, a
dimensão transformadora.
A ação evangelizadora implica em anunciar Jesus e o Reino por ele
proposto àquelas pessoas que ainda não o conhecem, ou então recuperar a
proposta do Reino naqueles que perderam o sentido da fé (CNBB, 1995). É o ato
de fé que impulsiona o jovem a sair de si. A fé em Deus, que se revelou
plenamente em Jesus Cristo, motiva a anunciá-lo às outras pessoas, em outras
realidades, para que essa experiência de graça seja ampliada.
A ação evangelizadora tem sua centralidade no verbo “evangelizar”, o ato
de levar a boa notícia do Reino (Mc 1,14) às pessoas. A missão de Jesus
significou, em palavras e atos, esta boa notícia chegando às pessoas. E elas
ficavam admiradas com a grata novidade (Mc 2,12). Foi o primeiro passo, de um
longo processo, pois a admiração gerava a adesão e o compromisso com o Reino
proposto, o discipulado (Mc 3,13).
Existe outra dimensão da evangelização: ela chega às pessoas na
perspectiva da transformação das suas vidas. Segue-se o princípio de “evangelizar
para transformar”. A pessoa que conhece Jesus e sua proposta não permanece na passividade. Faz-se uma pessoa transformada, comprometida com o Reino
anunciado pelo Mestre de Nazaré. Assim ocorreu com Francisco de Assis! A Boa
Notícia ganhou transparência em sua vida e, ao conhecer “o Amor que não é
Amado”, fez-se pleno de mudanças. Cabe lembrar que a transformação não fica
na esfera pessoal. Ela se volta também para a realidade que carece de
transformação, quando não é um espaço de vida justa e digna para todos. O Papa
Francisco lembra que o anúncio do Reino deve provocar consequências sociais
(EG 180).
Pessoas transformadas compreendem a realidade transformada, segundo os
critérios do Reino de Deus. Aí a evangelização assume também uma dimensão
A
Ação evangelizadora enquanto ação social!
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29
social: enquanto diálogo com as pessoas e intervenção na realidade. Diante disso, podemos lembrar o
contexto social que Francisco de Assis vivia. A percepção da vida a sua volta o incomodou. As relações e
valores edificados pela sociedade fez Francisco perceber o que destoava da Boa Notícia. Aquilo que para
ele era revelado, agora “cantava e refletia” em suas novas palavras e ações.
O diálogo evangelizador dá-se com aqueles
que estão com a vida fragilizada ou ameaçada, os
rostos sofredores lembrados na Conferência de
Aparecida (DAp 65). Evangelizar é estar presente
junto a essas pessoas na perspectiva do serviço,
pois muitas vezes o gesto de apoio, de carinho
supera o discurso. É a caridade que transforma e
liberta, por isso, evangeliza, torna o Reino de Deus
presente no mundo (EG 176).
A ação junto às pessoas compreende também
a intervenção na realidade, quando esta não é
favorecedora da vida, pois existe uma conexão
íntima entre a evangelização e a promoção
humana, que se deve exprimir e desenvolver em
toda a ação evangelizadora (EG 178). É a
dimensão profética da ação evangelizadora. Cabe
cuidar das pessoas, das suas vidas. Mas é também
responsabilidade do cristão estar atento para os
ambientes e situações de ameaça à vida (EG 191).
Ultimamente tem surgido um clamor
referente ao espaço, onde a vida se desenvolve.
Somos convidados a escutar os clamores da mãe
terra. A terra como casa (oikos) do ser humano está
ameaçada. É necessário cuidar dessa casa, zelar
pela sua integridade para que o tempo (cronos) em
que estamos nela seja um tempo bom, mas com o
compromisso de a deixarmos intacta para que as
gerações futuras possam ali viver com dignidade.
A Juventude Franciscana tem muitas
contribuições a dar na ação evangelizadora da
Igreja e não hesitar em fazer isto a partir do
carisma franciscano. Francisco de Assis, fiel à sua
regra de vida, o evangelho, ensinou a cuidar dos
pobres e a zelar pela mãe terra; dimensões
fundantes da evangelização. Foi fecundo nos seus
ensinamentos. Confirmou aquilo que tomou como
Regra de Vida: o Evangelho.
Hoje, necessita-se fazer ressoar pelo mundo,
com mais profundidade e significado, a seguinte
frase de Francisco: "Tome cuidado com a sua vida,
talvez ela seja o único evangelho que as pessoas
leiam".
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30
s franciscanos
seculares considerem a
família como o âmbito
prioritário para viver o próprio
compromisso cristão e a vocação
franciscana e nela deem espaço à oração,
à Palavra de Deus e à catequese,
empenhando-se no respeito à vida, desde
a concepção, e em qualquer situação, até
à morte. (Const. Gerais da OFS, art 24,
n.1).
“Ventre de alegrias e de
provações, de afetos profundos e de
relacionamentos por vezes feridos, a
família é verdadeiramente «escola de
humanidade” (cf. Gaudium et Spes, 52). É nessa “escola de humanidade” que se
insere a missão dos Secretário(s) de Infância, Micro e Mini-franciscanos. Quando
se trabalha com crianças e jovens, cabe a nós resgatar o valor da família e
legitimá-la perante nossos irmãos mais novos, o que não é das tarefas mais fáceis.
De partida temos que ter por base as proposições feitas no documento final
do Sínodo sobre as Famílias no tocante aos aspectos socioculturais e desafios
perante a nova realidade. Vale a pena dar uma olhada e começar a ruminar sobre
o tema (http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20141209_lineamenta-xiv-
assembly_po.html).
Para nós, católicos, franciscanos, a família é uma instituição sagrada. Se não
fosse, nosso Pai Seráfico teria aceitado que Luquésio e Buona largassem os votos
que fizeram diante de Deus para ingressarem na
vida religiosa. Temos que ter esta certeza e
balizar nossos atos nos itens 7 e 18 do Manifesto
da Jufra.
Enquanto Secretários, talvez não sejamos
dotados de preparo técnico, psicopedagógico para tal. Porém, devido ao serviço que
assumimos e a “fragilidade” das famílias, não
serão raras as vezes em que nos atribuirão o
rótulo de segundo pai/mãe.
Devemos ter o cuidado para, de fato, não
roubarmos o lugar que não nos compete, ao
passo em que devemos estar prontos para os
conselhos a todo e qualquer instante e isso exige
maturidade.
O A família e a Secretaria de IMMF
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1 – Demonstrar e dar
carinho não é problema algum.
Melhor seria se o ambiente
(toda a fraternidade) fosse
acolhedor. É bom que os
adolescentes vivam e digam
que se sentem família conosco.
2 – Nada de paternalismo/maternalismo. Há
Secretários que chegam a assumir que determinada
fraternidade não vive sem ele(a). Dê a vez a
outros(as) irmãos e irmãs. Faça-os perceber o
quanto nossa família é grande.
3 – Seja líder. É desafiadora essa missão,
mas sem a presença de alguém que coordene gera-
se tumulto. A sempre doce e meiga Nossa Senhora
também falou duramente com Jesus (Ex.: Quando
ele se perdeu no templo / Bodas de Caná).
Devemos admoestar os menores sempre que eles se
distanciarem daquilo que estabelece a nossa
proposta cristã e franciscana.
4 – Demonstre interesse por eles. Pergunte
sobre a rotina escolar, seus resultados, assim como
suas famílias e situações que já tenham partilhado.
5 – Seja parceiro da família deles. Ajude-os
no processo de formação de seus filhos. Converse
sempre que possível com eles. Promova encontros
para conversarem em conjunto ou individualmente,
mas cuidado para não
constranger / expor o(a)
adolescente.
6 – Cuidado para não
tocar em “feridas abertas”.
Muitos deles passaram por
situações delicadas na família
e algumas foram tão traumáticas que nossos
irmãozinhos têm receio de tocar em determinados
assuntos.
7 – Ao abordarmos a nossa doutrina, é
preciso ter cuidado na exposição dos temas, assim
como ter sempre abertura ao diálogo. Temos que
ser coerentes com o que acreditamos, mas é preciso
primeiro ouvir a partilha das crianças e jovens,
assim como suas opiniões, para depois orientá-los.
Situações desafiadoras estão presentes em todas as
famílias e eles, com certeza, também carregam
essas inquietações e é preciso ajudá-los nessa
compreensão.
Não há uma fórmula e pode ser que alguém
tenha alguma outra sugestão. Enquanto formadores
de opinião, devemos ter em mente que nossa
missão é formar cidadãos CRISTÃOS que tenham
plena consciência de sua importância para a
sociedade. Esperamos que entendam o real valor da
família como se estabelece nas constituições da
OFS. - Paz e Bem!
O que fazer então?
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uando falamos em
comunicação no
âmbito da nossa fé e de
nossa Igreja, devemos ir além do
simples conceito da palavra em si ou
dos diversos meios que a promovem.
Comunicação é antes de tudo a
principal missão da Igreja, em
obediência ao mandato deixado por
Jesus Cristo antes de voltar aos céus:
"Vão pelo mundo inteiro e anunciem
a Boa Nova a toda criatura" (Mc
16,15); "vocês são as testemunhas..."
(Lc 24,48)
Evangelizar é comunicar o
próprio Deus, a sua mensagem, o seu
amor. Na realidade, comunicar é o
jeito de Deus ser e agir, como nos diz
João, no prólogo do seu evangelho: "Ninguém jamais viu Deus", mas “Ele se
comunica em tudo que Jesus, na sua humanidade, diz e faz" (cf. nota de rodapé Jo
1,18). E Jesus tornou-se o modelo perfeito de comunicador para todo o gênero
humano: expressava-se por meio de uma linguagem simples, valia-se das
parábolas, aproximava-se afetuosamente de todas as pessoas e as acolhia (cf. Doc.
99 CNBB, n.44). Jesus comunicava o amor divino e a presença do Reino de Deus
por palavras e atitudes.
Francisco de Assis, no seu processo de conversão, foi descobrindo este
modo especial de Deus se revelar: a partir de um sonho, deixa o seu plano de
fama para servir o seu único Senhor; em oração, diante do crucifixo, assume a
missão de reconstruir a Igreja, mesmo sem compreender inicialmente o
verdadeiro sentido. Mas foi no encontro com o leproso que o rosto, o coração e a
mensagem do Pai foram plenamente "comunicados" ao jovem Francisco, quando
este compreende que assim deveria viver a partir daquele momento: "o leproso foi 'mediador de luz' para São Francisco de Assis, porque em cada irmão ou irmã em
dificuldade, nós abraçamos a carne sofredora de Cristo" (Papa Francisco,
Discurso no hospital São Francisco, JMJ Rio 2013).
Francisco, após aquele dia, busca fazer do Evangelho a sua própria vida, na
imitação e seguimentos dos passos e das atitudes de Jesus Cristo, comunicador do
amor do Pai: ir ao encontro do outro, porque todos são filhos de Deus e, portanto,
irmãos.
Os franciscanos e franciscanas, de hoje e de todos os tempos, devem ser
conscientes desta descoberta de Francisco: que a melhor forma de evangelizar, e
ser evangelizado, é por meio do testemunho de vida e comunhão fraterna; deixar-
Q
Comunicação e Evangelização
em Fraternidade
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se abraçar por Deus à medida que se abraça o irmão. A verdadeira comunicação brota do amor e gera
fraternidade. Torna-se próximo quem se comunica, quem se doa, quem se aproxima do outro e o ajuda a
se levantar... (cf. Papa Francisco citado em doc. 99 CNBB, n. 119).
A vivência da espiritualidade franciscana
encontra na fraternidade o seu espaço privilegiado;
os irmãos e irmãs são um presente de Deus, como
afirmou São Francisco em seu Testamento: "o
Senhor me deu irmãos". Por isso, todos os que
admiram e seguem o carisma "francisclariano" são
chamados a comunicar o amor de Deus como
irmãos (fraternidade) e para os irmãos, priorizando
o testemunho de vida como meio eficaz de
comunicação.
Quando palavra e vida, fé e testemunho,
oração e ação não se encontram a própria Igreja
perde credibilidade, como nos alertou Papa
Francisco citando uma frase do "Poverello"
(Francisco de Assis): "preguem sempre, e quando
for preciso usem as palavras". (cf. Congresso
Missionário Franciscano, Canindé 2013, n. 9).
Hoje, quando se fala de comunicação,
certamente pensamos em tantas e novas
tecnologias que com rapidez e eficácia levam e
trazem notícias e imagens, compartilham opiniões, promovem diversão e cultura entre as pessoas dos
mais variados espaços geográficos. Vivemos no
mundo dominado pelo "touch screen", onde "tudo"
o que se deseja está a apenas um toque numa tela
sensível. Porém, percebemos também que estes
novos avanços trazem algo preocupante, e já bem
visível: contatos e comunidades virtuais ameaçam
tomar o lugar das relações humanas e comunitárias
reais; e muitas vezes utiliza-se destes meios
rápidos de comunicação para disseminar o ódio, o
preconceito e outros males.
Afinal, o que pretendemos com este texto é
trazer, neste espaço reservado ao serviço de
comunicação da Juventude Franciscana, uma
reflexão sobre esta realidade do ponto de vista da
evangelização.
Primeiramente, destacando que a fraternidade
franciscana não vive para si mesma, mas, a
exemplo de Francisco e Clara, é chamada a ser
instrumento da paz e do amor do Sumo Bem. Usar
como meio privilegiado e eficaz de anúncio o
próprio testemunho de vida fraterna. Dizer que
somos uma fraternidade é fácil; o desafio é ser de
fato. É neste sentido que Santo Antônio exortava:
"cessem as palavras, falem as ações". Que as
pessoas de nosso tempo admirem-se e convertam-
se diante da nossa coerência, assim como no tempo
das primeiras comunidades cristãs: "vejam como
eles se amam...".
O serviço da comunicação dentro e
fora da fraternidade,
na divulgação das
atividades e no
cuidado de preservar
a história, é
oportunidade para
fortalecer as relações
fraternas e assumir,
pessoal e
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34
comunitariamente, a proposta cristã de "alegrar
com os que se alegram, chorar com os que
choram..." (Rm 12,15).
Não pode haver fraternidade verdadeira
quando não há comunicação, quando não mais se
dialoga e, principalmente quando não mais se
escuta o que o outro pensa ou sente. A
insensibilidade é umas das maiores tentações em
nossos dias e as nossas fraternidades, infelizmente,
não estão livres deste mal: "passar horas trocando
mensagens com pessoas distantes e não brindar
com uma palavra sequer as pessoas do convívio
próximo".
Se, como cristãos e franciscanos, adotarmos
em nosso agir as atitudes de Cristo, certamente
perceberemos, no seio de nossas fraternidades,
tantos irmãos e irmãs "que querem e precisam ser
tocados... Que anseiam em nos tocar para serem
vistos, percebidos, amados". A exemplo de São
Francisco, "deixemo-nos tocar e sermos tocados", a
fim de que a nossa vida fraterna seja meio eficaz de
comunicação perfeita entre o céu e a terra... (cf.
Suellen Silva Simões - no site das Irmãs
Franciscanas Alcantarinas). O amor de Deus nos dá
a alegria de sermos irmãos, do próximo e de todas
as criaturas; que esta alegria não fique aprisionada
em nossas reuniões, mas seja comunicada ao
mundo inteiro. (cf. EG 8)
Frei Erivelton Pereira de Passos, ofm (Assistente local da Fraternidade JUFRA Nossa Senhora
das Graças, Floriano PI) - Coordenador da Assistência espiritual das fraternidades JUFRA no
território da então Fundação Missionária Franciscana Nossa Senhora das Graças - Piauí, de 2004
a 2013; atualmente, assistente espiritual local da JUFRA de Floriano/PI.
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a oração
atribuída a São
Francisco
chama-me a atenção a frase “É
dando que se recebe”. Desperta
certa curiosidade para a
compreensão dela. Dar o quê?
Receber o quê? Isso seria uma
troca? A nossa fé cristã não se
concretiza na troca de favores com
Deus. Deus é o sumo bem, só ele é
bom, é benevolente, é
misericordioso, é amável... Deus
não pode ser “comprado”. Ele nos
amou primeiro (1Jo, 4,10), e isso
já resume tudo. É por amor que enviou seu filho Jesus, que morreu na cruz para
nos salvar.
No entanto, refletindo um pouco mais veremos que dar, pode significar
doar, servir gratuitamente, entregar, destinar, permitir... Para nós, jovens
franciscanos, essa frase faz relembrar a vida do próprio Francisco de Assis,
sempre disponível ao serviço e admoestava aos irmãos com relação a isso, não
sejam irmãos moscas, aqueles que só se aproveitam das oportunidades, mas não
realizam algo para/pelo outro. Por isso, somos chamados a “dar” o que estiver ao
nosso alcance. E cada um de nós sabe o que pode dar, “ninguém é tão pobre que
não tenha o que dar”. Do mais simples ao mais complexo, sim podemos dar o
melhor de nós. Também pode ser um bom exercício de desapego, humildade e
simplicidade.
Mas o que ganhamos com isso? Na oração diz que é dando que se recebe,
ou seja, primeiro precisamos fazer a nossa parte: ter a iniciativa de doar. O
receber é consequência, quase um resultado daquilo que foi feito. E cada caso é
único, quando, por exemplo, damos nossa atenção e carinho para alguém que
necessita, alguém que talvez não vá fazer o mesmo por nós. Isso é amor, é dar gratuitamente sem esperar a troca. Porém, todos algum dia vamos precisar de um
outro alguém na nossa vida, sem dúvida nenhuma esse momento irá chegar. Pois
não somos autossuficientes. Mesmo aqueles que querem ser não conseguem. Não
vivemos sozinhos.
Sendo assim, gera-se na sociedade um bem: faço para você, que fará para
outro, e esse outro para algum outro e assim sucessivamente... Acontece assim a
“corrente do bem”. Ao compreendermos que é preciso primeiro realizar a ação de
dar (doar); o receber será um resultado. Parece um pouco mais complexo, mas
não é, quando fazemos isso por amor, uma vez que o maior mandamento que
N “É dando que se recebe!”
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Jesus nos deixou foi “Amar, uns aos outros”, e todo aquele que ama vem de Deus e conhece a Deus (1Jo
4,7). Então o que precisamos doar é o nosso amor.
Relacionando essa frase aos serviços
prestados à fraternidade, são constantes as doações.
Essas acontecem de várias maneiras: doação de
tempo, de paciência, de dedicação, de
companheirismo, de alegria, de força, de dinheiro,
de disponibilidade, de motivação. É preciso
alimentar cada vez mais em cada um de nós essa
vontade de doar primeiro. Quando vemos algo se
concretizando na fraternidade, alguém está doando
um pouco de si para aquela realização, e numa
fraternidade não pode ser apenas um, são todos
juntos que se doam mutuamente. Assim,
consecutivamente, todos irão receber.
Nas finanças da JUFRA, a compreensão da
contribuição fraterna passa por esse crivo da
compreensão de dar/doar, de fazer a nossa parte
por amor. Por amor ao irmão/ã, por amor à
fraternidade, ao carisma, pois tudo que se realiza,
vem da doação que cada um faz. Por menor que
seja, toda “doação” de coração fraterno faz crescer
a “corrente do bem”. Por isso, TODOS NÓS
DEVEMOS DOAR/ CONTRIBUIR/ SERVIR.
Quando vemos a necessidade e o esforço
daqueles irmãos/ãs que viajam muitas vezes de
longe, passando mais de 12 horas para irem visitar
aquela fraternidade ou regional. Aqueles irmãos/ãs
que passam a noite dedicando-se aos serviços da
Jufra. Aqueles que ficam “quase loucos”, buscando
organizar e deixar agradável os encontros distritais,
regionais ou nacionais. Todos estão doando e
colaborando para que o carisma franciscano, o
“servir” seja em prol da paz e do bem, de uma
sociedade mais justa e fraterna.
Finalizo com pequenas perguntas para
reflexão: Compreendemos o sentido dessa frase: “é
dando que se recebe”? O que estamos “doando”?
Em que podemos servir?