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--------..< ~---- A Terapia como Construção Social -------- _ J 7 2 O CLIENTE É O ESPECIALISTA: A ABORDAGEM TERAPÊUTICA DO NÃO"SABER Harlene Anderson e Harold Goolishian Esta é uma questão interessante e complicada. Se uma pessoa como você tivesse achado uma forma de falar comigo quando eu estava começando a enlouquecer ... em todos aqueles meus mo· mentos de delírio nos quais eu era uma importante figura mili- tar ... Eu sabia que [o delírio] era uma forma de tentar dizer a mim mesmo que eu era capaz de superar o pânico e o :tmldo ...Ao invés de falarem comigo sobre isso, meus médicos sempre me faziam o que eu chamo de perguntas condicionais ... [Ao que o terapeuta indagou: "O que são perguntas condicionais?"] Vocês [os profissionais] estão sempre me testando ... me testando para ver se eu sabia o que vocês sabiam, em vez de tentar achar uma maneira de falar comigo. Vocês perguntavam: "Isso é um cinzeiro?" para ver se eu sabia ou não. Era como se vocês soubes- sem e quisessem ver se eu conseguia ... aquilo só me deixava mais apavorado, mais em pânico. Se você pudesse ter falado com o "eu" que sabia como eu estava apavorado. Se vocês tivessem sido ca· pazes de entender o quanto eu tinha que ser louco para ser forte o suficiente para lidar com este medo mortal ... talvez nós pudés~ semos ter controlado aquele general enlouquecido. Estas são as palavras de um paciente psiquiátrico com uma história de tratamentos fracassados, um homem de 30 anos, Bill,que havia sido hospitalizado em diversas ocasiões devido ao que foi diag. nosticado como esquizofrenia paranóide. Seus aLenclinwntos anterio- res não tinham tido êxito. Ele se mantinha bravo e d(lClCOnfiado, e tinha estado incapacitado de trabalhar durante algum tE~[ll [lO, DIJ rante a. maior parte de sua vida adulta, ele esporadicamente tomoll "rio: I' ':, rI" manutenção" de medicamentos psicoativos. Quando CCJll:c\llIl,ll1i p"h primeira vez um dos autores, ele havia sido mais uma vez clemiLld'l ri,' um emprego como professor. Mais recentemente, este homem 1,11111:1 melhorado muito, e estava conseguindo se manter empregado. Ele iu sistia que seu terapeuta atual era diferente dos outros, e de que agora ele se sentia mais capaz de administrar sua vida. Foi este contexto da conversaçãoque motivou a pergunta: "O que os seus terapeutas ante- riores poderiam ter feito que teria sido mais útil para você?" Nesta conversa, Bill estava se referindo à sua experiência de terapia da forma como tem sido desenvolvida e praticada pelos autores e seus colegas no Instituto da Família de Galveston nos últimos 25 anos. Neste período, o pensamento desses profissionais sofreu um im-. portante afastamento daquelas teorias da Ciência Social que tipica- mente fundamentam a psicoterapia. As idéias expostas neste capítulo representam o interesse atual do grupo em uma abordagem hermenêu- tica e interpretativa ao entendimento da terapia. Especificamente, será discutida a posição de "não saber" do terapeuta e sua relevância para as noções de conversação terapêutica e perguntas conversacionais. DA ESTRUTURA SOCIAL À CERAÇÃO DE SENTIDO HUMANO Nas últimas décadas, os progressos da terapia sistêmica esti- veram voltados para o desenvolvimento de um referendal conceitual que substituísse o antigo empirismo das teorias sobre a terapia, Estes progressos conduziram o pensamento em terapia familiar ao que é de- Inominado cibernética de segunda ordem e, mais recentemente, constru- [tivismo. Já desde algum tempo, temos concluído (Anderson e Goolishian, 1988, 1989, 1990a) que existem sérias limitações a este paradigma cibernético enquanto fundamento de práticas terapêuticas. Tais limi- tes se encontram principalmente :g.as metáforas mecânicas que embasam a teoria cibernética doQe;dbad;JObservamos que, dentro desta metáfora, há poucas oportunidades para lidar com a cxpcrii\lIríJl ,)

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--------..< ~---- A Terapia como Construção Social -------- _J 7

2O CLIENTE É O ESPECIALISTA:

A ABORDAGEM TERAPÊUTICA

DO NÃO"SABER

Harlene Anderson e Harold Goolishian

Esta é uma questão interessante e complicada. Se uma pessoacomovocê tivesse achado uma forma de falar comigo quando euestava começando a enlouquecer ... em todos aqueles meus mo·mentos de delírio nos quais eu era uma importante figura mili­tar ... Eu sabia que [o delírio] era uma forma de tentar dizer amim mesmo que eu era capaz de superar o pânico e o :tmldo...Aoinvés de falarem comigo sobre isso, meus médicos sempre mefaziam o que eu chamo de perguntas condicionais ... [Ao que oterapeuta indagou: "O que são perguntas condicionais?"]Vocês [osprofissionais] estão sempre me testando ... me testandopara ver se eu sabia o que vocês sabiam, em vez de tentar acharuma maneira de falar comigo. Vocês perguntavam: "Isso é umcinzeiro?" para ver se eu sabia ou não. Era comose vocês soubes­sem e quisessem ver se eu conseguia ... aquilo só me deixava maisapavorado, mais em pânico. Se vocêpudesse ter falado com o"eu"que sabia como eu estava apavorado. Se vocês tivessem sido ca·pazes de entender o quanto eu tinha que ser louco para ser forteo suficiente para lidar com este medo mortal ... talvez nós pudés~semos ter controlado aquele general enlouquecido.

Estas são as palavras de um paciente psiquiátrico com umahistória de tratamentos fracassados, um homem de 30 anos, Bill,quehavia sido hospitalizado em diversas ocasiões devido ao que foi diag.nosticado como esquizofrenia paranóide. Seus aLenclinwntos anterio­res não tinham tido êxito. Ele se mantinha bravo e d(lClCOnfiado, e tinhaestado incapacitado de trabalhar durante algum tE~[ll[lO, DIJ rante a.maior parte de sua vida adulta, ele esporadicamente tomoll "rio: I' ':, rI"

manutenção" de medicamentos psicoativos. Quando CCJll:c\llIl,ll1ip"hprimeira vez um dos autores, ele havia sido mais uma vez clemiLld'l ri,'

um emprego como professor. Mais recentemente, este homem 1,11111:1

melhorado muito, e estava conseguindo se manter empregado. Ele iu

sistia que seu terapeuta atual era diferente dos outros, e de que agoraele se sentia mais capaz de administrar sua vida. Foi este contexto daconversaçãoque motivou a pergunta: "O que os seus terapeutas ante­riores poderiam ter feito que teria sido mais útil para você?"

Nesta conversa, Bill estava se referindo à sua experiência deterapia da forma como tem sido desenvolvida e praticada pelos autorese seus colegas no Instituto da Família de Galveston nos últimos 25anos. Neste período, o pensamento desses profissionais sofreu um im-.portante afastamento daquelas teorias da Ciência Social que tipica­mente fundamentam a psicoterapia. As idéias expostas neste capítulorepresentam o interesse atual do grupo em uma abordagem hermenêu­tica e interpretativa ao entendimento da terapia. Especificamente, serádiscutida a posição de "não saber" do terapeuta e sua relevância paraas noções de conversação terapêutica e perguntas conversacionais.

DA ESTRUTURA SOCIAL À CERAÇÃO DE SENTIDO HUMANO

Nas últimas décadas, os progressos da terapia sistêmica esti­veram voltados para o desenvolvimento de um referendal conceitualque substituísse o antigo empirismo das teorias sobre a terapia, Estesprogressos conduziram o pensamento em terapia familiar ao que é de­Inominado cibernética de segunda ordem e, mais recentemente, constru­[tivismo. Já desde algum tempo, temos concluído (Anderson e Goolishian,1988, 1989, 1990a) que existem sérias limitações a este paradigmacibernético enquanto fundamento de práticas terapêuticas. Tais limi­tes se encontram principalmente :g.as metáforas mecânicas queembasam a teoria cibernética doQe;dbad;JObservamos que, dentrodesta metáfora, há poucas oportunidades para lidar com a cxpcrii\lIríJl

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7b Sheila MeNamee e Kenneth J. Gergen A Terapia como Construção Social ----------------------- ndo indivíduo. Também vemos uma utilidade limitada nos modeloscognitivos e construtivistas, cada vez mais populares, que, em última

fanálise, definem os humanos como simples máquinas de processamento, de infonnações, em oposição a seres geradores de sentido (Anderson e~Goolishian,1988, 1990a; Goolishian e Anderson, 1981).

Neste meio tempo, o desenvolvimento de nossas teorias da te~rapia tem caminhado rapidamente em direção a uma posição mais,hermenêutica e interpretativa. Esta posição enfatiza os "sentidos" àmedida que eles são criados e vivenciados pelos indivíduos nas conver­sações. Na busca desta nova base teórica, desenvolvemos um conjuntode idéias que conduzem nosso entendimento e nossas explicações paraa arena dos!sistemas em movimento'~ que existem somente nos capri-

!chos do discurso, dalinguãge:ii1"eda conversação. É uma posição finna­da nos domínios da semântica e da narrativa, e que se apóia principal­

mente no princípio de que a ~~!~~E1_:'J[t1aIealidade-ª§l~~!1di:rp.~~~~_~p~<:la pela construçã.o §~~&l:ldo -ªiálogo (Anderson eGoolishian, 1985;Anderson et al., 1986a;Anderson e Goolishian, 1988).Desde este ponto de vista, as pessoas vivem e compreendem seu viverpor meio de realidades narrativas construídas socialmente, que confe­rem sentido e organização à sua experiência. Este é um mundo de lin­guagem e discurso humanos. Anteriormente, falamos a respeito destasidéias, de sistemas de sentido, sob o título de sistemas detenninadospor problemas, sistemas de dissolução e organização de problemas esistemas de linguagem (Anderson e Goolishian, 1985; Anderson et al.,1986a, b; Anderson e Goolishian, 1988; Goolishian e Anderson, 1987).

Nossa posição narrativa atual se apóia em grande. parte nasseguintes premissas (Anderson e Goolishian, 1988; Goolishian eAnderson, 1990): .

I Primeira: os sistemas humanos são geradores de linguagem e,i simultaneamente, geradores de sentido. A comunicação e o discursodefinem a organização social. Um sistema sociocultural é o produto dacomunicação social, e não esta o produto da organização estrutural.Todos os sistemas humanos são sistemas lingüísticos melhor descritospor aqueles que participam deles, e não por observadores externos "ob­jetivos". O sistema terapêutico é um destes sistemas lingüísticos.

Segunda: o sentido e o entendimento são construídos social­mente. Nós não alcançamos ou possuímos um sentido ou um ent.endi­mento até realizarmos uma ação comunicativa, ou seja, envolvenno­nos em algum diálogo ou discurso gerador de sentido dentro do sistemapara o qual esta comunicação é relevante. Um sistema terapêutico é. ---- .._~. - .'

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um sistema para o qual a comunicação tem uma relevância específicapara seu intercâmbio dialógico.

Terceira: qualquer sistema em terapia é formado dialogica~mente em torno de algum "problema". Este sistema vai operar na evo­lução de uma linguagem e de um sentido específicos para si mesmo,para suas organizações e para sua dissolução em torno do "problema".Assim, o sistema terapêutico se distingue pelo sentido co-produzido emevolução, o "problema", ao invés de por uma estrutura social arbitrá-

r ria, como uma família. O sistema terapêutico é um sistema de organi-I

L zação e dissolução de problemas.Quarta: a terapia é um evento lingüístico que ocorre no que

rchamamos de conversação terapêutica. A conversação, terapêutica éuma busca e uma exploração mútuas pelo diálogo, uma troca de mão

--::; I dupla, um entrecruzamento de idéias no qual novos sentidos estão con­i tinuamente evoluindo em direção à dissolução de problemas e, portan­: to, à dissolução do sistema terapêutico de organização e dissolução de'-problemas. _

Quinta: o papel de um terapeuta é o de um artista da conver­sação - um arquiteto do processo dialógico - cuja especialidade está.em facilitar e criar o espaço para uma conversação dialógica. O

( terapeuta é um observador-participante e um facilitador-participante1 da conversação terapêutica.

Sexta: o terapeuta exercita esta arte pelo uso de perguntasterapêuticas ou conversacionais. A 2i!};gyll.~?-.j;~r:?tJ?~tltic:.::l.L~~instru­men!9_pri):n;i:rjopara f?-cilitar o desenvolyi!Il~P:t9_-ª-º_e.sp-ª-ç_o~Yênl-a­cTõUal ~-ªQ..PJ_ocessàdialógico. Para alcançar este objetivo, o terapeutaexercita sua especialidade de fazer perguntas a partir de uma posiçãode "não saber", ao invés de questões baseadas em um método e quedemandem respostas específicas.~~- Sétima: os problemas com os quais lidamos na terapia são açõesque expressam nossa narrativa humana de uma tal forma que dimi­nuem nossa sensação de liberdade pessoal e capacidade de ação. Os

. problemas são uma objeção preocupada ou assustada a um estado de"coisas para o qual somos incapazes de definir ações competéiJ.tes (capa­cidade de ação) para nós mesmos. Neste sentido, os problemas existemna linguagem e são próprios do contexto narrativo do qual extraem seusignificado.

Oitava: a~l.!..ª-ªJl.Ç.~.~!!"!.terapi~Jé a criação dialógica de umanova narrativa e, portanto, a abertura de oportunidades para novosmeios de ação. O poder transformador da narrativa reside em sua ca-

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?8 ---------------------Sheila MeNameee KennethJ. Gergen A Terapia como Construção Social --- _ ?9

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pacidade de re-relatar os eventos de nossa vida no contexto de novos ediferentes sentidos. Nós vivemos nas e através das identidades narra­tivas que desenvolvemos em conversações uns com os outros.Aespecia­lidade do terapeuta é a habilidade de participar deste processo. Nosso"seIf' está sempre mudando.

Estas premissas conferem grande ênfase ao papel da lingua­gem, da conversação, do seIf e da história, na medida em que elasinfluenciam nosso trabalho e nossa teoria clínica ... Hoje, existe um gran7de interesse entre os terapeutas em relação a estas questões, num es­forço contínuo para entender e descrever o trabalho clínico. Há, entre­tanto, visões muito diferentes. Alguns autores enfatizam a estabilida­de temporal das narrativas pessoais com que trabalhamos na terapia.Nós, por outro lado, enfatizamos a base dialógica, em constante mu-

,dança e evolução, da história do self. Ao tomarmos esta posição, vemo­nos enfatizando a posição de não saber do terapeuta em relação aoentendimento que se desenvolve pela conversação terapêutica. O con­ceito de não-saber contrasta com o entendimento baseado em narrati-

_vas teóricas preexistentes.Não saber requer que nosso entendimento e nossas explica­

ções e interpretações na terapia não sejam limitadas por experiênciasanteriores nem por conhecimentos ou verdades formadas teoricamen­te. Esta descrição da posição de não saber é influenciada pelas teoriashermenêuticas e interpretativas, assim como pelos conceitos a elas re­lacionados de construcionismo social, linguagem e narrativa. (Gergen,1982; Shapiro e Sica, 1984; Shotter e Gergen, 1989; Wachterhauser,1986). Esta posição hermenêutica representa a teoria e a prática da

.[Interpretação. Fundamentalmente, ela é uma postura filosófica que"sustenta que o entendimento é sempre fruto da interpretação c. .. ) que,não existe um ponto de vista privilegiado para o' entendimento"\Wachterhauser, 1986: 399) e que "a linguagem e a históriá sempre sãotanto as condições como os limites do entendimento" (Wachterhauser,1986: 6). O sentido e sua compreensão são construídos socialmentepelas pessoas na conversação, no uso da linguagem umas com as ou­tras. Assim sendo, as ações humanas têm lugar em uma realidade deentendimento cria~r meio dãêõnstrliCãosõCiãl e do diálogo. EStãS

imEdãaes narratlvãS cõiistruídas socialmentecõnferem senti~ e or­i, ganização à experiência individual (Gergen, 1982; ;3hotter e Gergen,1989; Anderson e Goolishian, 1988).

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II

A CONVERSAÇÃO TERAPÊUTICA: UM MODO DlAlÓCICO

O processo de terapia baseado nesta postura, nesta visãodialógica, é o que chamamos de conversação terapêutica. A conversa­ção terapêutica se refere a um esforço no qual há uma busca mútua deentendimento e exploração através do diálogo de "problemas". A tera­pia e, conseqüentemente, a conversação terapêutica engendram umprocesso conjunto. As pessoas falam umas "com" as outras, e não umas"para" as outras. É um mecanismo pelo qual o terapeuta e o clienteparticipam do co-desenvolvimento de novos sentidos, novas realidadese novas narrativas. O papel, a especialidade e a ênfase do terapeutasão desenvolver um espaço conversacionallivre e facilitar um processodialógico emergente no qual esta "novidade" possa ocorrer. A ênfasenão está em produzir mudanças, mas em abrir espaços para a conver­sação. Nesta visão hermenêutica, a mudança em terapia ~,!~..Q.-r.esenta­da pela criaç,ão dialó.~_~~ÃQy.~~ari~tfy_ãS:"'Ã me.qidi.queo.sli:ílc:>goevolui, a nova narrativ[i,-ª:s "histórias ainda não-contadas", sJ_O-cria­das mutuamente (Andersori-;;'GÕolishian, 1988)~ÃJnci.C:l~nçaêl.ªhi$tó­~e da autonarrativ-àd'é UII!~_ÇoD~~9.li.~g~i.~_~!!.e:r~~e_ª.Q._~iál~gg.

Alcançar este tipo especial de conversação terapêutica requerque o terapeuta' adote uma posição de não-saber. A posiç~o ,d~não­saber engendra uma atitude geral, ou postura, na quàl- as ações"a-o~euta comunicam uma curiosidade genuína e abundante. Ou seja,as ações e atitudes do terapeuta expressam a necessidade de saber

'\ mais a respeito do que está sendo dito, ao invés de transmitir opiniões, e expectativas pré-concebidas sobre o cliente, o problema ou o que devei ser mudado. O terapeuta, portanto, se coloca de modo a estar sempre

em um estado de "ser informado" pelo cliente (o termo cliente, nestecapítulo, se refere a uma ou mais pessoas). Esta posição de "ser infor­mado" é crítica para o princípio da teoria hermenêutica de que a cria­ção dialógica de sentido é sempre um processo contínuo. Não sabendo,o terapeuta adota uma postura interpretativa que se traduz na análi­se contínua. da experiência, à medida que esta ocorre no contexto.

i'-\' _O terapeuta não "sabe" a priori qual é a intenção de nenhumaL..ação,e deve confiar na explicação dada pelo cliente. Aprendendo movi­do pela curiosidade e levando a sério a his.tória..do..cliente, o terapeutase une a ele em uma expíoração mútua de seu entendimento e de suaexperiência. Desta forma, oprocesso de interpretação, o esforço de com­preender em terapia, torna~se colaborativo. Esta posição permite aoterapeuta manter sempre uma continuidade com a posição do cliente,

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40 Sheila McNamee e Kenneth J. Gergen A 'Ierapia como C~pstrução Social ------ _ 41

---- .•..

e atribuir uma importância primária à sua visão de mundo, SellSsenti­dos e entendimentos. Isto dá aos clientes espaço para o movimentoconversacional, uma vez que eles não têm mais que promover, proteger

. ou convencer o terapeuta de seus pontos de vista. Este relaxamento,este processo de libertação, é similar a uma noção atribuída a Bateson:especificamente, para que possam surgir novas idéias, deve haver es­paço para o conhecido. Isto não significa que o terapeuta desenvolva ou

- ofereça as novas idéias ou os novos sentidos. Eles emergem do diálogo,entre ele e o cliente e, portanto, são co-criados. O terapeuta simples­mente se torna parte do círculo de sentido, ou círculo hermenêutico(para uma discussão do círculo de sentido ou círculo hermenêutico, verWachterhauser, 1986, pp. 23-4, Warnke, 1987, pp. 83-7).

Em terapia, o termo círculo hermenêutico, ou círculo de senti­do, se refere ao processo dialógico pelo qual a interpretação inicia comas pré-concepções do terapeuta. Este sempre adentra a arena terapêu­tica com expectativas a respeito das questões a serem discutidas, quese baseiam em experiências prévias e em informações de referência. Aterapia sempre começa com uma questão baseada neste sentido já cria­do. O sentido que emerge na terapia é entendido a partir deste todo (aspré-concepções do terapeuta), mas este todo, por sua vez, é entendidodesde as partes emergentes (a história do cliente). O terapeuta e ocliente se movimentam dentro deste círculo de sentido. Eles se deslo­cam da parte para o todo, e de volta à parte, permanecendo dentro docírculo. Neste processo, um novo sentido emerge tanto para o clientecomo para o terapeuta.

r Não saber é não fazer um julgamento infundado ou inexperien­! te, mas se refere de maneira mais ampla ao conjunto de suposições, os'--sentidos que o terapeuta traz para a entrevista clí:q.ica.O estímulo

para o terapeuta está em aprender a singularidade da verdade narra­tiva de cada cliente, as verdades coerentes em suas vidas estoriadas.Isto significa que os terapeutas serão sempre prejudicados por sua ex­periência, mas que devem escutar os clientes de maneira que esta nãoos feche para atotalidad~ do sentido 'das descrições de suas vivências.Isso só poderá acontecer se o terapfmta abordar cada experiência clíni­ca desde a posição de não saber. Agir de outra forma é buscar regulari­dades e sentidos comuns, que podem validar a teoria do terapeuta,mas invalidam a singularidade das histórias dos clientes, e, logo, sua

_própria identidade.O desenvolvimento de novos sentidos precisa do frescor e da

novidade, do não saber a respeito do que se está prestes a ouvir. Isto

requer que o terapeuta tenha uma grande capacidade de estar atentosimultaneamente à conversação interna e a externa. Gadamer afir­mou:

Uma pessoa que tenta compreender um texto está preparadapara que ele lhe diga alguma coisa. Assim deve ser desde oinício a mente treinada hermeneuticamente, sensível à quali­dade de novidade do texto. Mas este tipo de sensibilidade nãoenvolve nem uma "neutralidade" em relação ao objeto nem aextinção do sel{, mas a assimilação consciente do viés indivi­dual, de modo que o texto possa apresentar-se em toda a suanovidade e, assim, possa afirmar sua própria verdade contraos sentidos pré-concebidos do leitor. (1975, p. 238)

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J Interpretar e compreender, logo, são sempre um diálogo entre)o terapeuta e o cliente, e não o resultado das narrativas teóricas pré­'determinadas que são essenciais para omundo de sentidos do terapeuta.

Entre as muitas narrativas derivadas socialmente que ope­ram na organização do comportamento, as mais importantes são aque- .Ias que contêm em si os elementos articulados como autodescrições, ou

onarrativas em primeira pessoa. O desenvolvimento destas narrativas.,de autodefinição acontece em um contexto social e local, envolveMo a

rO"jo'<;l?'W""nversaçãocom outros significativos, incluindo o próprio sujeito, ou,'I'" .~. \ seja, as pessoas vivem nas e através das identidades narrativas queO'C ,o::\-desenvolvem em conversações umas com as outras. Os indivíduos deri­

"/' \ vam sua percepção de que são capazes de agir socialmente destas nar-

'7\\ rativas dialógicas. As.narrativas permitem (ou inibem) uma percepção

pessoal de liberdade ou de competência para ser compreendido e paraagir (capacidade de ação). Os "problemas" tratados em terapia podemser entendidos como resultantes de autodefinições e narrativas sociaisque não produzem uma capacidade de ação efetiva para as tarefasimplícitas em suas autonarrativas.A terapia proporciona uma oportu­nidade para o desenvolvimento de novas e diferentes narrativas, quepermitem uma gama maior de meios alternativos de ação para a disso­lução dos "problemas". A construção desta nova capacidade de açãonarrativa é o que é vivenciado comolibertação por aqueles que atribuemêxito às suas terapias.

Ao mesmo tempo, esta libertação requer um afastamento doconceito tradicional da separação entr.e terapeuta e cliente. Entende­mos que amb9s estão juntos em um sistema que E'.V"oluino curso da

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42 ----------------------Sheila MeNameee KennethJ. Gergen A Terapia como Construção Social -------------- _ 47

conversação terapêutica, e que os sentidos passam a ser uma funçãoi'do relacionamento entre eles. Nesta perspectiva, entende-se que os" sentidos do cliente e do terapeuta se afetam mutuamente, e passam a

.ser um subproduto desta mutualidade. Cliente e terapeuta dependemCda criação constante de novos entendimentos. Como resultado, elesgeram um sentido compartilhado dialogicamente, que existe apenasmomentaneamente na conversação terapêutica, a qual continua amudar ao longo do tempo.

PERGUNTAS CONVERSACIONAIS: EM DIREÇÃO AO ENTENDIMENTO

Tradicionalmente, as perguntas em terapia são influenciadaspelo conhecimento do terapeuta, que reflete um entendimento teóricoe um conhecimento dos fenômenos psicológicos e do comportamentohumano. Ou seja, o terapeuta explica (diagnostica) e intervém (trata)no fenômeno ou comportamento a partir deste conhecimento prévio,desta teoria generalizada. Ao fazerem isso, os terapeutas enfatizam (eprotegem) sua própria coerência narrativa, ao invés da dos clientes.Esta posição de saber é similar ao que Bruner (1984) distingue comouma "postura paradigmática" em oposição a uma "postura narrativa".Na postura paradigmática, aquele que interpreta se concentra em ex­plicações que enfatizam um entendimento denotativo, categorias ge­rais e regras mais amplas. Por exemplo, o uso de conceitos como o de"id", "superego" ou "funcionalidade do sintoma" são o tipo de categoriaampla freqüentemente desenvolvida no processo do entendimento te­rapêutico. Formular perguntas desde uma posição de saber se encaixa napostura paradigmática de Bruner porque a resposta fica limitada à pers­pectiva teórica preexistente do terapeuta. Em contraste~ a posição de nãosaber - similar à "postura narrativa" - sugere um tipo diferente de co­nhecimento, limitado ao processo da terapia mais do que ao conteúdo (di­agnóstico) e à mudança (tratamento) de estruturas patológicas.i A L!.er[Unt~erapêutica ou conversacional é a ferramenta pri-

-",.\ mária usada pelo terapeutã para expressar este conhecimento. Ela é omeio pelo qual ele se mantém no caminho do entendimento. As pergun­tas terapêuticas sempre se originam de uma necessidade de saber maissobre o que foi dito. Desse modo, o terapeuta está s~mpre sendo infor­mado pelas histórias do cliente, e está sempre aprendendo nova.s lin­guagens e novas narrativas. Perguntas explicitamente guiadas por umametodologia põem em risco a possibilidade de o terapeuta ser conduzi-

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do pelos clientes para dentró de seus mundos.Abase do questionamentoterapêutico _~ª-º-é simplesmente interrogar o cliente"Ou:Spletar infor­mações para valiclar ou fundamentar hipóteses. Ao contrário,seu·obje­tivo é permitir que o cliente coloqueo próprio entendimento do terapeutaem questão.

Neste sentido hermenêutico, durante o processo de psicoterapia,o terapeuta não está aplicando um método de questionamento, massim ajustando continuamente seu entendimento ao de outra pessoa.Logo, ele está sempre em processo de entendimento, sempre indo emdireção ao entendimento e sempre mudando. As perguntas geradaspelo não-saber refletem esta posição do profissional e este processo te­rapêutico. Desta forma, o terapeuta não domina o cliente com conheci-

rmentos psicológicos especializados, mas é conduzido e aprende com o\ conhecimento do cliente. Sua tarefa, portanto, não é a de analisar, mas\ a de tentar entender, entender desde a perspectiva mutante da experiên­\u;ia de vida do cliente. O objetivo do entendimento hermenêutico é ser

conduzido pelo i;n6ínenn. As palavras de Bill no início deste capítulosoam como um pran.tõPor este tipo de entendimento.

SENTIDO LOCAL E DIÁLOCO LOCAL

O processo das perguntas geradas desde a posição de não sa­ber resulta no desenvolvimento de um entendimento construído local­mente (dialogicamente) e de um vocabulário local (dialógico). O termolocal se refere ao vocabulário, ao sentido e ao entendimento desenvol­vidos entre pessoas em diálogo, mais do que a considerações culturaisamplamente aceitas. É atr-ª.vés do~ten~i!!1eIltp loc.ªL.q),1~:Lconferimosum sentido íntimo a le~branças, ll,ªI.ç-ªllcõese histórias. Através desteprocesso, o espaço para a continuidade das novas narrativas e novashistórias - e, conseqüentemente, novos futuros - permanece aberto.

A questão do sentido e do vocabulário locais é importante por­que parece haver uma gama de experiências e uma forma de vivenciá­Ias suficientemente diferente de indivíduo para indivíduo, que vaiva­riar de terapia a terapia. Garfinkel (1967) e Shotter (1990) argumen­tam que, em qualquer conversação, os participantes vão se recusar acompreender o que for dito de outro modo que não aquele dentro dasregras de sentido que foram negociadas no contexto da própria trocadialógica imediata. O sentido e o entendimento são, segundo Garfinkel, "sempre uma questão de negociação entre os participantes. A lingua-

ç,

44 ----------------------Sheila MeNameeeKennethJ. Gergen!ij A Terapia como Construção Social ---------- _ 45

gem paradigmática tradicional das teorias psicológicas e familiaresgerais nunca poderá ser suficiente para explicar ou compreender o sen­tido derivado localmente. Tentar entender as experiências em primei­ra pessoa com as quais se lida em terapia através do uso de modelospsicológicos e familiares gerais, bem como dos vocabulários a eles associ­ados, leva a úma redução a conceitos teóricos estereotipados. Ao usaremestes conceitos, estes pré-conhecimentos, para compreender as narrativasdos clientes, os terapeutas comfreqüência perdem o contato com os senti~dos desenvolvidos localmente, e podem inibir suas narrativas. O terapeuta,portanto, passa a ser um especialista em fazer perguntas a respeito dashistórias contadas na terapia e relacionadas aos motivos da consulta (porexemplo, o problema relatado). Isto requer que ele se mantenha atento aodesenvolvimento das narrativas e metáforas específicas do problema, e ascompreenda dentro da linguagem do cliente.

o QUE NÃO SÃO AS PERCUNTAS TERAPÊUTICAS

As perguntas terapêuticas formuladas a partir de uma posi­ção de não-saber são, em muitos aspectos, similares às questões ditassocráticas. Elas não são perguntas retóricas ou pedagógicas. As per­guntas retóricas suprem sua própria resposta; as pedagógicas indicama direção da resposta. As perguntas da terapia tradicional são geral­mente desta natureza, ou seja, elas com freqüência indicam uma dire­ção (a realidade correta), e dão ao cliente uma deixa para que ele al­cance a resposta "correta".

Em contraste, as perguntas geradas pelo não-saber trazem àluz algo desconhecido e inédito no universo das possibilidades .•.:\s per­guntas terapêuticas são impulsionadas por diferenças de entendimen­to, e extraídas do futuro pela possibilidade ainda não realizada de umentendimento comum. Ao formular suas perguntas desde esta posição,o terapeuta é capaz de mexer com o "ainda não dito" (Anderson eGoolishian, 1988). As perguntas terapêuticas também implicam napossibilidade de muitas respostas. A conversação em terapia é o desdo­bramento destas possibilidades "ainda não ditas", destas narrativas

,"ainda não ditas". Este processo acelera a evolução de novas realida­des pessoais e de uma nova capacidade de ação, que, emergem do de­senvolvimento de novas narrativas. Os novos sentidos e, conseqüepte­mente, a nova possibilidade de ação, são vivenciados como uma mu-

\,,--ªança da organização pessoal e social.

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Exemplo de Caso: "Há quanto tempo você tem esta doença?"Um colega psiquiatra, muito frustrado, requisitou uma con­

sulta para um caso impenetrável- um homem de 40 anos que croni­camente achava que tinha uma doença contagiosa e estava perpetua­mente infeetando outras pessoas, e mesmo matando-as, com ela. Múl­tiplas consultas médicas e psicológicas não tinham conseguido aliviaro homem de sua convicção e de seu medo desta doença infecciosa. Em­bora ele relatasse dificuldades em seu casamento (sua esposa não ocompreendia) e sua incapacidade para trabalhar, sua preocupação pri­mária era com a doença e o alastramento da contaminação. Ele estavaapavorado e perturbado, e não conseguia ficar em paz em decorrênciados danos e da destruição que sabia estar espalhando. No início de suahistória, torcendo as mãos, ele mencionou estar com uma doença con­tagiosa. O terapeuta (Goolishian) .perguntou-Ihe: "Há quanto tempovocê tem esta doença?" Atônito, e após uma longa pausa, o homemcomeçou a contar a história. Tudo começou, disse ele, quando estavana Marinha Mercante e teve uma relação sexual com uma prostitutana Ásia. Após este contato, recordando as palestras sobre doenças se­xualmente transmissíveis dadas à tripulação de seu navio, ficou commedo de que sua luxúria o tivesse exposto a uma destas terríveis doen­ças sexuais, e que ele precisasse de tratamento. Em pânico, ele foi auma clínica local, onde explicou sua situação a uma enfermeira queera de uma ordem religiosa. Ela o mandou embora, dizendo que lá elesnão tratavam pervertidos sexuais, e que ele precisava de confissão e deDeus, não de remédios. Por um longo tempo após este episódio, enver­gonhado e culpado, guardou suas preocupações para si mesmo e não asconfidenciou a ninguém.

Quando voltou para casa, ele ainda estava com medo de havercontraído alguma doença, mas não conseguia conversar com ninguéma respeito disso. Ele ia a várias clínicas médicas, pedia um exame físicoe ouvia em todas elas que estava em excelente forma. Estes vereditosnegativos o convenceram de que sua doença era ainda pior, pois eradesconhecida da ciência médica. À medida que sua preocupação cres­cia, ele pâ§sou a crer que sua doença era contagiosa, e que estava con­taminando outraspessoas. Isso se tornou um tal problema que, final­mente, ele se deu conta de que estava infectando os outros indireta~mente, como, por exemplo, através da televisão ou do rádio. Ele conti­nuava a procurar médicos, mas os exames físicos e laboratoriais eramsempre negativos. Nesta época, ele começou a ouvir que ele não ape­nas não tinha uma doença física, como tinha um problema mental, e

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foi encaminhado em diversas ocasiões para consultas psiquiátricas. Como passar do tempo, ele se convenceu de que ninguém compreendia agravidade de sua contaminação, a extensão de sua doença, nem a des­truição que ele estava causando.

À medida que o terapeuta continuava a demonstrar interesseem seu dilema, o homem foi ficando mais relaxado. Com alguma ani­mação, ele elaborou sua história e embarcou na curiosidade doterapeuta. Este não recolheu simplesmente uma história ou eventosde um passado estático, mas manteve sua curiosidade a respeito darealidade do homem (sua doença e o problema da contaminação). Aintenção não era contestar sua realidade ou sua história, mas conhecê­Ia e permitir que ela fosse recontada de uma forma que facilitasse aemergência de novos sentidos e novas narrativas. Em outras palavras,a intenção do terapeuta não era manipular ou convencer o homem aabandonar suas idéias, e, sim, através do não-saber (não-negar e não­julgar), proporcionar um ponto de partida para o diálogo e a aberturado espaço conversacional.

Os colegas que assistiram ao processo de entrevista fizerammuitas criticas a esta posição colaborativa e a perguntas como: "Háquanto tempo você tem esta doença?" Eles temiam que elas poderiamter o efeito de reforçar o "delírio hipocondríaco" do paciente. Muitossugeriram que uma pergunta mais segura teria sido: "Há quanto tem­po você acha que tem esta doença?"

A posição de não saber, entretanto, exclui a idéia de que ahistória do cliente era delirante. Ele dizia que estava doente e, portan­/;0, era preciso ouvir mais, aprender mais sobre sua doença, e conver­:.;ardentro desta realidade de linguagem. Ser sensível e tentar compre­(mder sua realidade era um passo essencial em um processo contínuo('In direção ao estabelecimento e a manutenção de 'um diálogo. Eracritico que o terapeuta permanecesse dentro das regras de sentido de­:,envolvidas na conversação local, e que compreendesse e falasse a lin­,'~llageme o vocabulário do cliente. Isto não é o mesmo que justificar en~ificar a realidade de outra pessoa. É uma con"versação gue se movedpntro do sentido daquilo que foi ditó: Ela se move com a verdade nar­rativa da história do cliente, ao invés de contestá-Ia, e se mantém den­tro do sistema de sentido negociado e desenvolvido localmente.

Formular uma pergunta mais segura, como.:"Há quanto tem­po você acha que tem esta doença?" teria servido somente para i:mpor av it,ão pré-determinada ou "paradigmática" de que a doença era umproduto da imaginação do paciente, um delírio ou uma distorção que

'..~metodologia põem em risco a POSSlOl.lJ.uau,," ~~ ~ ----,

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precisava ser corrigida. Em resposta a uma tal pergunta, o homemteria sido levado a operar desde suas próprias idéias e expectativaspré-concebidas a respeito do terapeuta. Muito provavelmente, ele terianovamente se sentido incompreendido e alienado, e o terapeuta seriaapenas mais um no rol de profissionais que não acreditaram nele e lhefizeram perguntas "condicionais". A incompreensão e a alienação sãoingredientes que fecham o diálogo, ao invés de abri-Ia.

Ao sair desta entrevista, o paciente foi indagado pelo psiquia­tra que o havia encaminhado, e que estivera observando os trabalhos,sobre como havia sido a sessão. Sua resposta imediata foi: "Sabe, eleacreditou em mim!" Em um encontro de acompanhamento, o psiquia­tra descreveu o efeito duradouro que aquela entrevista tinha tido so­bre ele e sobre o cliente. Ele relatou que as sessões de terapia pareciammais fáceis, e que a situação de vida do homem estava muito melhor.De alguma forma, disse ele, o fato deste homem estar ou não infectadonão estava mais em questão. Ele estava agora lidando com os proble­mas de seu casamento e do desemprego, e tinha havido até mesmoalgumas sessões conjuntas com sua esposa. O não-saber do terapeutaabriu um ponto de partida, uma possibilidade de troca dialógica entreele e o cliente, entre o cliente e o psiquiatra e entre o psiquiatra e ele.

Isto não quer dizer que as perguntas do terapeuta produziramuma cura milagrosa, nem que qualquer outra pergunta teria aumen­

I'-tado o impasse terapêutico. Nenhuma pergunta ou intervenção mági­\ ca pode influenciar sozinha o desenvolvimento de uma vida, e nenhu­I ma pergunta única pode abrir um espaço dialógico. A pergunta em si! não causa uma mudança de sentido, osurgimento ou não de uma novai_idéia, mas sim cada pergunta é um elemento de um processo globaL

A tarefa central do terapeuta é encontrar a pergunta para aqual o relato imediato da experiência e da narrativa apresentem umaresposta. Tais perguntas não podem ser pré-planejadas ou pré-conhe­cidas. O que recém foi contado, o que recém foi recontado, é a respostapara a qual o terapeuta deve encontrar uma pergunta. O desenvolvi­mento da narrativa terapêutica está sempre apresentando a próximapergunta ao terapeuta. A partir desta perspectiva, as perggnt~s __emterapia são sempre @iada~2elo evento conversacio_JJ.~U~~ªªto-'-Nãos~ que a experiência e o entendimento acumulados de cadaterapeuta estão sempre sofrendo mudanças interpretati'vas. É nesteprocesso contínuo e local de perguntas e respostas que um entendi­mento ou uma narrativa em particular passam a ser um ponto de par­tida para o novo e o "ainda não dito".

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RESUMO

A conversação e as perguntas terapêuticas produzidas pelaposição de não-saber se tornam um esforço colaborativo para gerar no­vos sentidos baseados na história lingüística e explicativa do cliente, àmedida que sua história é continuamente recontada e elaborada atra­vés do diálogo terapêutica. Este tipo de troca dialógica facilita a mu­dança das narrativas em primeira pessoa, que é tão necessária para amudança em terapia. Novos futuros resultam do desenvolvimento denarrativas que conferem novos sentidos e entendimentos à vida de umapessoa, e lhe possibilitam novos meios de ação. Em terapia, isto é maisfacilmente alcançado através de perguntas nascidas de uma curiosida­de genuína em relação àquilo que é "não sabido" no que foi dito.

Contar a história de um indivíduo é uma reapresentação daexperiência; é a reconstrução da história no presente. Areapresentaçãoreflete a redescrição e a reexplicação da experiência daquele que contaem resposta ao que é não sabido pelo terapeuta. Eles evoluem juntos ese influenciam mutuamente, bem como à experiência e, conseqüente­mente, a reapresentação da experiência. Isto não significa que, no cur­so da terapia, os terapeutas simplesmente narrem o que já é sabido.Eles não recuperam uma história ou um quadro idêntico. Ao contrário,eles exploram os recursos do "ainda não dito". As pessoas têm umamemória imaginativa, e os relatos do passado são recuperados de umatal forma que o·poder de inúmeras novas possibilidades é evocado e,assim, novas ficções e novas histórias são criadas. Aimaginação é cons­tituída no poder criador da linguagem pelo processo ativo da conversa­ção, a busca pelo "ainda não dito".

Na terapia, a interpretação, a busca do entendimento, é sem­pre um diálogo entre o cliente e o terapeuta. Ela não e o resultado denarrativas teóricas pré-determinadas, essenciais para o mundo de sen­tidos do terapeuta. Na tentativa de entender o cliente, deve-se suporque ele tem algo a dizer, e que este algo tem um sentido narrativo,afirma sua própria verdade, dentro do contexto da história do cliente.A resposta do terapeuta ao sentido da história do cliente e seus ele­mentos está em contradição com a posição tradicional em terapia, queé responder ao que não faz sentido, à patolõgia presente no que foi dito.Neste processo, o novo entendimento narrativo, construído em co-au­toria, deve estar na linguagem comum do cliente. Uma convers,açãoterapêutica não é mais do que uma história de vida individual, concre­ta, detalhada e em lenta evolução, estimulada pela posição de não-

saber e pela curiosidade do terapeuta. São esta curiosidade e este não­saber que abrem o espaço conversacional e, assim, aumentamo poten­cial do desenvolvimento narrativo de novos meios de ação e liberdadepessoal.

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