Yves Chevallard PT_2006

19
A teoria antropológica dos fatos didáticos diante do ensino da alteridade cultural e lingüística O ponto de vista de um outsider Yves Chevallard IUFM d’Aix-Marseille & UMR ADEF A teoria antropológica da didática (TAD) nasceu por volta de 1980 com a teoria da transposição didática. Um congresso internacional se reuniu em outubro de 2005 em Baeza (Espanha) para verificar os avanços realizados após um quarto de século naquele domínio. Se o estudo da difusão escolar dos conhecimentos matemáticos ali permanece central, a TAD foi construída imediatamente como uma teorização de pretensão calorosa, capaz de abarcar os problemas da difusão dos conhecimentos e dos saberes quaisquer que fossem, abordados em sua especificidade. O que segue se esforça em ilustrar esta ambição, apresentando o conceito chave de praxeologia e sua aplicação em relação a uma questão central, a da iniciação à alteridade praxeológica e em especial a alteridade cultural e lingüística. 1. A noção de praxeologia Aceitei de bom grado o convite que me foi feito de lhes falar hoje. Eis o porquê. Didático, como todo didático, tenho um domínio de predileção – as matemáticas. Mas creio firmemente que a fragmentação do continente didático em uma multiplicidade de didáticas “disciplinares” traduz um estado histórico do campo, que tomamos ingenuamente como efeito de uma exigência epistemológica, que não se pode deixar de lado dado que ele é primeiramente, conforme penso, um tributo pago à “alma Mater”, cujo detalhamento disciplinar os didáticos se julgam capazes de reproduzir fielmente¸ como se exprimisse uma necessidade intrínseca, transcendente, eterna. Já estou, como vocês vêem, no meu

description

artigo

Transcript of Yves Chevallard PT_2006

A teoria antropolgica dos fatos didticos diante

A teoria antropolgica dos fatos didticos diante

do ensino da alteridade cultural e lingstica

O ponto de vista de um outsiderYves Chevallard

IUFM dAix-Marseille & UMR ADEF

A teoria antropolgica da didtica (TAD) nasceu por volta de 1980 com a teoria da transposio didtica. Um congresso internacional se reuniu em outubro de 2005 em Baeza (Espanha) para verificar os avanos realizados aps um quarto de sculo naquele domnio. Se o estudo da difuso escolar dos conhecimentos matemticos ali permanece central, a TAD foi construda imediatamente como uma teorizao de pretenso calorosa, capaz de abarcar os problemas da difuso dos conhecimentos e dos saberes quaisquer que fossem, abordados em sua especificidade. O que segue se esfora em ilustrar esta ambio, apresentando o conceito chave de praxeologia e sua aplicao em relao a uma questo central, a da iniciao alteridade praxeolgica e em especial a alteridade cultural e lingstica.

1. A noo de praxeologia

Aceitei de bom grado o convite que me foi feito de lhes falar hoje. Eis o porqu. Didtico, como todo didtico, tenho um domnio de predileo as matemticas. Mas creio firmemente que a fragmentao do continente didtico em uma multiplicidade de didticas disciplinares traduz um estado histrico do campo, que tomamos ingenuamente como efeito de uma exigncia epistemolgica, que no se pode deixar de lado dado que ele primeiramente, conforme penso, um tributo pago alma Mater, cujo detalhamento disciplinar os didticos se julgam capazes de reproduzir fielmente como se exprimisse uma necessidade intrnseca, transcendente, eterna. J estou, como vocs vem, no meu tema, o da alteridade, ou, mais precisamente, o dos conflitos da alteridade, das maneiras de ser idntico a si e de se colocar face ao outro lhe reclamando s vezes provas de uma identidade cuja nica evocao lhe significa ipso facto a alteridade na qual ele tomado.

A teoria antropolgica dos fatos didticos permite, em medida que no se deve subestimar, deixar de lado, sem negar, as separaes disciplinares sobre as quais a didtica, mais ou menos bem, foi fundada. Quem ousaria dizer que o ingls por exemplo e as matemticas, so a mesma coisa? Ningum, sem dvida; e isso se d especialmente porque acreditamos que nossa disciplina, igual a nenhuma outra, absolutamente singular, nica. Para depreender aquilo que, para alm da diferena especfica, desenha o gnero prximo e coloca-nos, desse modo, sobre o caminho dos comparveis, devo introduzir um conceito essencial, o da praxeologia.

A teoria antropolgica da didtica repousa sobre um primeiro postulado segundo o qual toda atividade humana se deixar analisar em estruturas de ao as quais chamo de tipos de tarefas. A palavra tipo essencial aqui: o que permite nos entendermos, mesmo que grosseiramente, sobre o contedo de uma atividade humana, individual ou coletiva, no seio de uma dada sociedade, ou, ao menos, no seio de uma dada instituio dessa sociedade, que partilhamos um certo repertrio de tipos de tarefas. O que ela est fazendo? Pergunta-se. Ela est calculando o preo sem a TVA (taxa de valor agregado - imposto). O que ele faz? Pergunta-se novamente. Ele pergunta senhora onde fica o cinema. O primeiro exemplo talvez impressione alguns de vocs: conhecemos um preo com TVA incluso, digamos um preo de 45, e queremos conhecer o preo antes do acrscimo da TVA. Pesquisar este preo consiste em efetuar uma certa tarefa, uma tarefa de um certo tipo que , em espcie, essencialmente matemtica. Perguntar senhora que paramos na rua onde fica o cinema uma tarefa essencialmente lingstica. Notem que responder a algum que nos pea direo uma tarefa de um outro tipo e de um tipo visto, aparentemente, como sensivelmente mais difcil de dominar. Mais difcil ainda, certamente, geralmente a tarefa que consiste em compreender a resposta da pessoa interrogada.

Estas pequenas variaes tm tambm por objetivo fazer entender um princpio crucial: no h nada na atividade humana que no se deixe descrever em termos de tipo de tarefas. Coar a orelha, assoar o nariz, cantar a plenos pulmes Capri, cest fini (msica famosa nos anos 60), correr para redigir a concluso de uma pergunta de francs porque s restam 2 minutos antes do fim da prova, apertar as mos de um conhecido com quem cruzamos em uma reunio mas com quem no temos o mnimo desejo de passar muito tempo, tirar o casaco, coloc-lo sobre uma cadeira, descer de um nibus, procurar como poderamos dizer em ingls Longtemps, je me suis couch de bonne heure (frase famosa de Marcel Proust presente em seu livro Du ct de chez Swann e significa Por muito tempo fui pra cama bem cedo), verificar nos dicionrios se a palavra mismidad existe mesmo em espanhol, so tantas tarefas, integradas sob tantos tipos de tarefas.

Um segundo princpio subentende os exemplos que evoquei: realizar uma tarefa de um certo tipo supe uma certa maneira de fazer, uma tcnica tal a palavra utilizada. Insisto neste ponto porque esse princpio, que aceitamos facilmente em certos casos, ferem o sentimento de naturalidade que se une falsamente a inmeras atividades a partir do momento em que elas se tornaram para ns rotineiras, de fato automticas, at o ponto em que no nos apercebemos da realizao de tarefas de determinados tipos. A criana aprende a andar: andar um tipo de tarefas, e que supe uma tcnica. As tcnicas de marcha so diversas, segundo as sociedades, os gneros, a idade, a posio social o que Marcel Mauss (1872-1950) outrora ps em evidncia em seus trabalhos sobre as tcnicas do corpo. O mesmo se d com qualquer outra coisa. Eis novamente, inquietante, a alteridade, a diferena, l onde esperaramos mesmo, um pouco de repetio.

Como matemtico, para designar tipos de tarefas e tcnicas, me utilizo daquilo que Lacan chama de minsculas (letras pequenas literalmente). Eu diria, portanto: a todo tipo de tarefas T associada uma tcnica que permite realizar as tarefas de tipo T. Permitam-me dar um exemplo que para mim o mais fcil e para alguns entre vocs, talvez, o mais extico. Estamos calculando um preo sem TVA; eis aqui uma maneira de faz-lo uma tcnica destinada a um leigo quase completo na matria:

Se o TVA , por exemplo, de 21% (como na Irlanda), para obter o preo sem TVA, divida o preo com TVA por 1,21 (o que voc pode fazer com a ajuda de seu celular). Voc obter assim 37,19008...: o preo sem TVA seria portanto de 37,19.

Se a taxa for de 19,6% (como na Frana), divida por 1,196. Se for de 17,5% (como no Reino Unido), divida por 1,175.

Em se tratando de uma taxa reduzida, como por exemplo 7% (na Alemanha) ou 5,5% (na Frana), divida respectivamente por 1,07 ou 1,055.

Porque fazer assim? Essa tcnica est correta? Pode-se justific-la? Tal questionamento sobre a tcnica conduz em princpio a formular um pequeno discurso justificativo que a teoria antropolgica designa por meio da letra grega e nomeia uma tecnologia um discurso racional (logos) sobre a tcnica (techn). Para o matemtico, sem dvida possvel: classicamente, a tcnica aqui proposta se justifica pelo que chamamos de demonstrao, a qual pode, por exemplo, tomar a seguinte forma (que todos vocs deveriam entender, no fosse a volatilidade dos conhecimentos escolares, pois trata-se apenas de uma questo de equaes de primeiro grau, cuja necessidade vos foi suprida no colegial e para alm deste:Se p o preo sem TVA, ento o preo com TVA igual a p + 21 % p, sendo p + 0,21 p ou 1,21 p. Como o preo com TVA de 45, temos e portanto Esse discurso tecnolgico, no entanto, no se sustenta por si mesmo: ele se apia sobre um nvel superior de justificao, que o da teoria aqui, da teoria (matemtica) dos nmeros, que justifica por exemplo que passemos da equao 1,21 p = 45 ao resultado

. Mas eu no gostaria de vos perturbar com essas questes sobre matemtica: para resumir, digamos que a anlise da atividade humana conduza ao desapego dos conceitos minimalistas, as praxeologias, que podemos designar por meio da frmula [T / / / ], porque elas so feitas de um tipo de tarefas T, de uma tcnica para realizar as tarefas do tipo T, de uma tecnologia que justifica e torna inteligvel a tcnia e finalmente de uma teoria, cuja notao comumente que justifica e esclarece a tecnologia e permite mesmo, em inmeros casos, cri-la.

2. A alteridade benfica, mas incerta

Estendamo-nos um instante ao lado deste viajante que quer calcular um preo sem TVA quando ele est, digamos, em Dublim. Para isso, ele consulta um certo vade-mecum para viajantes que ele tem consigo cujas instrues ele aplica diligentemente: Para obter o preo sem TVA, divida o preo com TVA por 1,21 (o que voc pode fazer com a ajuda de um celular). Eis portanto sua tcnica: consultar uma obra ad hoc e seguir as indicaes que ali se encontram. Mas qual a tecnologia desta tcnica? O que garante que essa tcnica funcionar, ou seja, que nosso viajante encontrar, l onde procurar, o mtodo de clculo apropriado que fornecer a resposta correta? O enunciado chave de sua tecnologia que o mtodo de clculo necessrio conhecido por outros e que ele deve ser colocado disposio de quem precisar em um guia de viagens por exemplo. a alteridade benfica: existem os que sabem, e que devem dar a conhecer o que sabem quando h necessidade. Este tranqilo preceito tecnolgico apia-se em um princpio terico que fcil de desvendar: qualquer que seja o problema encontrado, existem pessoas na sociedade que lhe detm a soluo. Viso esttica, eternizada do conhecimento, que j estaria sempre l.

Mas vale a pena que ns avancemos nesta alteridade til, acolhedora? Para quase todas as pessoas em quase todo domnio da atividade humana, a resposta a essa questo negativa, eu sugeriria. A alteridade praxeolgica, quase sempre pensamos, e permanece assunto do outro. Para mostrar isso um pouco melhor, mudo de exemplo. Sigamos o viajante, supostamente francs e monolngue, at Londres, onde ele pretende ir ao cinema. Sem dvida vocs sero mais reticentes em admitir que o plano de ir ao cinema em Londres pode fazer referncia, da parte de um francs monolngue, a proezas lingsticas to originais quanto as proezas aritmticas que ele havia realizado na Irlanda para calcular os preos sem TVA! Penso at que alguns de vocs ficaro indignados quando imagino que nosso viajante est munido de um guia de conversao onde ele l o seguinte: Oueiz e e frntch spiikign film chouign? Quer dizer e vocs devem ter entendido o que muitos ainda escrevem: Where is there a French speaking film showing (Onde encontro um filme em francs em cartaz?) Saibam ainda que um professor de matemtica tomado de ortodoxia experimentaria, diante da receita do clculo do preo sem TVA que tive a fraqueza ou a ousadia de propor, uma indignao semelhante quela que eu ofereci a este anglicista virtuoso que imagino sem o conhecer de verdade. Isso so modos! Forma primeira do choque das ortodoxias.

Porque aprender o que outros sabem se a existncia desses outros basta para tornar disponveis os conhecimentos teis? Bem entendido, somos, sobre este assunto incoerentes: quando somos o outro, quando somos o matemtico ou o anglicista, adoraramos que nossa alteridade controlasse cada um daqueles que enxergamos como deficientes praxeolgicos. Suponho assim que, nos dois exemplos evocados, primeiramente matemtico e depois lingstico, muitos, que sabem, levantaro um mesmo protesto. Ao invs de utilizar essas receitas prontas, as quais voc no compreende, dir este primeiro, aprenda pois matemtica! Ao invs desse papaguear confuso, este far eco ao primeiro, aprenda pois o ingls! Toda vez, ignorando um certo bloco tecnolgico-terico [/ ] cujo contedo essencial notei com o propsito de calcular o preo sem TVA, a crtica culta se vale desta idia forte e justa de que o bloco prtico-tcnico til [T / ], no saberia viver bem de forma isolada, fora de um conjunto praxeolgico mais vasto, designado aqui convencionalmente como a matemtica ou o ingls. A coisa, admitamo-lo um s instante, no duvidosa. Mas, para quem est fora deste vasto maquinrio praxeolgico, querer ali entrar, um tanto racional? Vale a pena arriscar?

Se sabemos matemtica ou ingls, algum poder dizer, naturalmente que efetuaremos o clculo do preo sem TVA ou que produziremos um enunciado que permita obter a informao desejada existe em Londres, hoje, um cinema onde passe um filme que fale francs? Mas outras dificuldades surgem diante desses bons sentimentos. Primeira dificuldade: aprender o ingls ou a matemtica para encontrar em Londres um filme em francs, ou calcular sozinho um preo sem TVA pode parecer de um custo exorbitante. A estratgia preguiosa que ofereci ao viajante francs tem certamente uma probabilidade de fracasso elevada. Mas dois argumentos podem ser retidos em seu favor. O primeiro o de que, completada, por meio de um faa voc mesmo informativo e social obstinado, ela levar quase sempre a solues bastante aproximadas, aos olhos do matemtico ou do anglicista puritano, mas razoalmente eficazes do ponto de vista do praticante livre, porm, oportunista no plano praxeolgico. O segundo, que a ela falta que, pontualmente (seno em grande parte), a estratgia nobre aprender a matemtica ou o ingls obtivesse sucesso subitamente melhor do que a estratgia movida a lenha.Mesmo se aprendi matemtica de maneira razoavelmente sistemtica e aprofundada, posso, com certeza, me deparar com uma dificuldade inesperada, que me desconcerte. Em um texto entitulado Douze France, a escritora Nancy Huston, cuja lngua materna o ingls e se criou em Calgary, Canad -, lembra-se de que quando chegou a Paris, ficou profundamente abalada devido a um problema lingstico que, na hora, no lhe veio mente como resolver:

Cest de la part? ( da parte? [de quem]) diz a voz ao telefone e eu entro em pnico. Estamos no dia 3 de setembro de 1973, acabei de colocar os ps pela primeira vez em solo francs, consegui colocar as fichas certas nos buraquinhos certos do telefone e de pedir para falar com meu nico contato no continente, Sra. Baratin, no estou inventando, ela coordena o brao parisiense de minha universidade nova-iorquina, e eis que ao invs de passar a ligao para ela, me respondem com essa frase desesperadoramente opaca: Cest de la part? O que isso pode querer dizer? Muitas e muitas vezes, no decorrer deste primeio ano, serei confrontada com o abismo que separa o francs escolar, literrio, fantasmagrico que o meu e o francs vivo tal qual os franceses o falam.

Essas brechas inesperadas no se abrem apenas em matria de lngua. A cena passa-se em Londres, 1917. Doente desde a primavera, o genial matemtico autodidata indiano Srinivasa Ramanujan (1887-1920), que, desde 1914, permanece na Inglaterra a convite do matemtico de Cambridge Godfrey Harold Hardy (1877-1947), recebe regularmente a visita deste ltimo. Hardy contar mais tarde o episdio seguinte:

Eu me lembro de uma vez que fui v-lo quando ele estava enfermo em Putney. Eu tinha andado no txi de nmero 1729 e notei que o nmero me parecia bobo, e eu esperava que isso no fosse um mau pressgio. No, ele respondeu, um nmero muito interessante, o menor nmero expressvel sob a soma de dois cubos em dois modos diferentes.

Renomado especialista da teoria dos nmeros, Hardy no percebe o que uma evidncia para Ramanujan: ele v bem, confidencia ele, que 1729 = 7 x 13 x 19, mas no que 1729: 13 + 123 = 93 + 103. Fragilidade do conhecimento sistemtico e aprofundado!

Pode-se saber o francs, a matemtica ou o ingls e deparar-se com um problema banal de francs, de matemtica ou de ingls. H para isso uma razo sobre a qual eu gostaria de insistir e que abordo aqui sob o ngulo lingstico. Ouvimos dizer s vezes que os alunos bombam em matemtica porque no compreendem claramente os enunciados dos problemas que lhe so propostos; e isso, acrescentamos sem piscar, porque eles no compreendiam suficientemente o francs diagnstico que tem por conseqncia o reenviar sobre o outro, o professor de francs, que em princpio conhece o francs, mas no conhece o francs da matemtica, e isso tanto verdade que no existe um francs da matemtica, mas franceses da matemtica, indefinidamente transpostos, arrumados, arranjados, criados quem quer que tenha tentado escrever esta lngua para produzir um texto escolar no pode ignor-la. Eis pois, por exemplo, o gnero do francs, muito clssico, que tive de dominar enquanto aluno do colegial, como o fizeram os de minha gerao e os das geraes anteriores:

Em todo tringulo retngulo, a altura a mdia proporcional entre os segmentos que ela determina sobre a hipotenusa.

Vocs compreendem o francs? Talvez no aquele, embora todo recheado de tradicionalismo, eu repito. O francs um conjunto fluido que perpetuamente se desconstri e se reconstri, e isso porque h constantemente novos problemas ou problemas renovados de francs que se impem, e para os quais necessrio que alguns tragam resposta, se devem continuar a viver, a pensar, a trabalhar em francs. O francs, o ingls, so nesse aspecto como a matemtica que os leigos acreditam ser, erroneamente, fixa, e como tendo resposta para tudo. No se pode mais conhecer o francs ou o ingls se no podemos conhecer a matemtica! Mas esforando-nos para aprender matemtica, aprendemos francs (ou ingls), quando no a criamos, porque fazer matemtica, ou alta costura, ou qualquer outra coisa que seja, supe formas de linguagem especficas, que nunca antes havamos encontrado. Assim, aprendemos a dizer que 1729 o menor nmero exprimvel como a soma de dois cubos sob duas formas diferentes, e ainda que 4104 o menor nmero estritamente superior a 1729 que se exprime como a soma de dois cubos sob duas formas diferentes, e tambm que para todo inteiro natural N, existe um inteiro A tal que a equao X3+ Y3= A admite ao menos N solues em nmeros inteiros. Na enciclopdia online Wikipedia, encontramos hoje o seguinte, por exemplo:

Em matemtica, o txi de nmero n, tipicamente notado Ta(n) ou Taxicab(n), definido como o menor nmero que pode ser expresso como a soma de dois cubos positivos sob n formas distintas, de acordo com a ordem das operaes. G. H. Hardy e E. M. Wright provou em 1954 que tais nmeros existem para todos os inteiros positivos n; no entanto, a prova deles no ajuda a constru-los, e at agora, apenas os cinco nmeros de txi seguintes so conhecidos:

...O leitor perceber que Hardy, que em 1917 ignorava que 1729 fosse o menor nmero inteiro passvel de ser escrito sob duas formas diferentes como a soma de dois cubos, devia estabelecer quase 40 anos mais tarde um teorema generalizando o que outrora lhe havia escapado.

Resumindo. A alteridade praxeolgica est ao redor de mim, pronta para me ajudar assim que eu mostrar necessidade. Domin-la a priori no me traria nada. Pois, contra o princpio praxeolgico tido como mais elevado as praxeologias vivem em associaes e no em estado isolado -, creio no apenas que o conhecimento do qual necessito existe, mas creio tambm que posso fazer uso dele sem que nenhum outro o saiba. Cada conhecimento assim colocado potencialmente minha disposio basta-se a si mesmo. Ele pode ser ativado independentemente de outros conhecimentos, mesmo que seu chamado vida tenha at mesmo suposto por em jogo outros conhecimentos! Ele , como dizemos no ingls cientfico, self-cointained (autosuficiente). Eis o que funda, no plano tecnolgico-terico, nossa tcnica movida a lenha: a soluo para o problema que encontro conhecida; ela est em algum lugar depositada nas cabeas conhecedoras e em pelo menos uma obra adequada, da qual tomarei o cuidado de me munir ou de obter; uma vez descoberta, ela se permite utilizar sem que, para isso, eu deva saber mais sobre ela. E ento, repitamo-lo, esse domnio que abandono em poder de outros portanto muito frequentemente, no plano individual, impotente paradoxo que me autorizo fazer tambm para refutar a alteridade a qual pretendo. Voc acredita conhecer o francs, ou o ingls ou a matemtica. Mas descobrir logo que seu conhecimento no slido, que ele est s ordens da primeira dificuldade que aparea! Eis a experincia que fazemos incessantemente ao longo do segundo grau e, ainda, mais tarde na vida. Ouvi outrora Andr Maurois (1885-1967), cuja obra Les Silences du colonel Bramble (1918) (Os silncios do coronel Bramble) teve seu momento de glria, contar como, ainda estudante, quando se via como mais germanista do que anglicista, havia sido imediatamente derrotado, quando da prova do concurso geral de alemo, pela traduo nesta lngua da expresso esttua eqestre, que ele desconhecia. Aquilo determinou que ele abandonasse a prova. Sabemos por outras fontes que ele obteve um prmio de honra no concurso geral de ingls. Este duplo evento influenciou claramente sua carreira de homem das letras.

3. A alteridade perigosa

A passagem ao outro no apenas intil e incerta. A frmula de quatro compostos [T / / / ] designa a pedra angular da atividade humana. O nome praxeologia que lhe damos tem o mrito de enfatizar nela o carter misto, a unio mais ou menos slida (os tijolos praxeolgicos so s vezes muito frgeis) de uma prxis [T / ], e de um logos, [/ ], que forma a cincia (pessoal, mas, veremos, no somente) desta prtica que se analisa no tipo de tarefas T e a tcnica Toda alteridade, portanto, alteridade praxeolgica. O outro se revela a mim como tal porque ele faz de outra forma (sua prxis diferente da minha), e/ou porque ele pensa o que faz de outra forma (seu logos difere do meu, mesmo se nossas praxis coincidem). Tal um dos grandes problemas antropolgicos: o da profuso do babelismo praxeolgico.

Eis aqui uma dificuldade ainda mais essencial. Desta proliferao cada um busca se proteger, limitando sua participao na outra praxeologia, negando-a, ou rejeitando-a quando no pode neg-la. Quando temos precisamente a noo da tcnica, at mesmo surpreendente constatar, em matemtica pelo menos, quanto frequentemente ouvimos que uma maneira de fazer parecida, at idntica a tal outra igual! -, pelo motivo, notavelmente, de que elas derivariam de uma tecnologia matemtica, em parte, comum. Assim funciona a negao da alteridade praxeolgica, primeira defesa contra a ameaa que vemos naquilo que no nossa maneira de ser, de pensar, de agir.cial. Detrque ele ua carreira de homem das letras.talvez que ele obteve de outras lugares um

Por que este sentimento de estar sendo ameaado? O equipamento praxeolgico de uma pessoa, se que posso dizer isso, no uma criao dessa pessoa. A matemtica que fao, o francs que eu falo no so minha criao: so criaes coletivas, formadas tanto por sedimentaes e reorganizaes histricas como pelas invenes contemporneas. Nosso equipamento praxeolgico provm de instituies das quais fomos ou somos os sujeitos: fala-se, em teoria antropolgica da didtica, de praxeologias institucionais, que herdamos porque somos sujeitados a algumas instituies que so delas portadoras, e que cremos marcar com nossas digitais, mesmo no momento em que elas tomam posse de ns e fazem com que nos identifiquemos a elas. Somos o que nossas sujeies nos foram a ser. Tambm, para cada um de ns, passada a primeira infncia, a maioria das maneiras de fazer e em especial de dizer que no so as nossas suscitam uma rejeio silenciosa pelo medo de que no seja alcanado e posto em risco o que vemos surdamente como nossa identidade. A alteridade ameaa de alienao, risco de um perder-se aceitando o outro, deixando o outro tomar posse de ns e nos transformar nele.

O fenmeno devastador. Sobretudo aprender apenas aquilo que me transformar em um outro que no quero ser porque, na verdade, no posso mais s-lo, um outro que at mesmo detesto, um bobo da corte. No posso me tornar algum que fala ingls (no falo do que canta em ingls) com um sotaque que soa (quase) ingls (ou americano etc). E outra, no quero me tornar um cabea brilhante da matemtica. E assim por diante. Questionado por um entrevistador que lhe perguntou o que o obrigavam a fazer em aula, um aluno britnico de origem humilde respondeu em tom definitivo: Poofy things!, Coisas de boiola. Um aluno, questionado desta vez sobre sua professora, exclama ... ela tenta nos obrigar a ser como ela. Mas algo que eu jamais poderia fazer, porque desde, que eu tinha 5 anos, subo em rvores e no telhado das garagens eu no acredito que poderia algum dia me comportar como a Srta. Sparkes... ah, no!

Vocs crem que esto protegidos da coisa? A maior parte das pessoas pronuncia stindal o pseudnimo de Henri Beyle, o autor de O Charterhouse de Parma. Os especialistas, a princpio, dizem Standal, como fazia o prprio autor: Stendhal, ironisaria ele, na verdade, rima com scandale (escndalo). Se no sabiam, agora sabem. Vocs mudaro a forma com que falam? Teriam essa coragem? A coragem que necessria para, de bandido pois esto em meio aos bandidos se transformarem em uma pessoa policiada? Eis a questo. Vocs seriam vistos, e vocs temem isso, como neandertais! Como seria considerado caipira aquele aluno que pronuncia sweatshirt o que os seus chamam de sweet shirt ou ainda sweet, de forma abreviada. Cada um de ns, na maior parte dos domnios da atividade humana, um caipira ou neandertal e quer, apaixonadamente, continuar assim.

4. Negociar a mudana praxeolgica

Existe uma soluo para esse imenso problema? A sociedade se divide em instituies, em etnias que definem cada uma sua prpria pureza praxeolgica, que elas recusam ver contaminada pelo forasteiro, portador de uma alteridade praxeolgica vivida como perigosa. Citei, de maneira sria ou pardica, algumas dessas instituies: os bandidos, os anglicistas, os matemticos, os viajantes monolnges. Cada uma zela por seu imprio, ali faz sua lei, ali a aplica. Sugeri, neste aspecto, o neologismo de idionomia, forjado a partir de nomos, a lei (humana), e idio, particular, que prprio de. A idionmia, por exemplo, atinge duramente as profisses educacionais mas eis um ponto sobre o qual no me deterei. Ignorar o outro, viver em autarquia, em autossuficincia praxeolgica: eis o ponto chave, a dureza que fixa os humanos ao solo no qual nasceram. Como tornar possvel uma certa circulao praxeolgica entre as pessoas e as instituies? Eis a questo essencial sobre a qual farei alguns breves comentrios.

Eu gostaria de testemunhar aqui um fato que h muito tempo me tocou. Quando, no sculo XIX e na primeira metade do XX, o Estado Francs se esfora para ensinar o francs a todos as crianas francesas, acaba por exercer uma pesada violncia, destruidora de identidades que resistem, melhor ou pior, a essa transio. O que me marca, no entanto, o seguinte: pedindo aos no-francfonos de Provence (para falar apenas deste canto da Hexgona (Frana)), para que se ponham a falar francs, a escola da Repblica lhes impe uma sintaxe pouco a pouco alterada, um lxico sempre a ser corrigido as crianas de minha gerao, que diziam ainda, na roa, o lebre, entre outras coisas, eram incessantemente corrigidas pela razo de que isso no francs. Mas a escola impe muito pouco em matria de sotaque. Ainda hoje, em Marselha, h uma autonomia de dico cuja forma de falar do atual prefeito da cidade, alvo freqente de zombaria, oferece apenas uma imagem muito suavizada, e que se impe informalmente em quase todos os nveis das pequenas elites locais. Em outros termos, a alteridade lingstica francesa no foi de forma alguma imposta em sua totalidade s massas que aprendiam o francs. Ainda que o assunto seja doloroso para muitos, instigante para outros, e os dois ao mesmo tempo para a maioria, como em toda transio se vai ao outro, ela d uma idia do que eu chamaria transao praxeolgica, a criao de praxeologias transacionais, que me parece ser a nica via de sabedoria. A partir de tais praxeologias, na verdade, cria-se espontaneamente, sem regulamentao suficiente quase sempre, como se pode observar nos congressos cientficos cheios de no-anglfonos falantes de ingls. O que espontneo, neste caso, pode ser aceito, cultivado, gerenciado?

Creio fortemente que um obstculo essencial difuso das praxeologias no esteja em torno de quem deva se alterar, mas na dificuldade de renunciar ao mesmo da parte de quem se v como o primeiro ocupante do conjunto praxeolgico a difundir. Esse primeiro ocupante criou sua lei, e a aplica, e gostaria de v-la utilizada sem deformao por quem quer que no seja da tribo. Assim acontece, creio eu, aos anglicistas franceses, com, por exemplo, sua noo de sotaque autntico, por meio do qual certamente se reconhece a pertena comunidade, mas que sem dvida uma construo ntegra demais para ser integrante, na tarefa de facilitar a negociao da passagem lngua inglesa, exceto por alguns, que sero atrados a ela, e que se tornaro talvez professores de ingls. (Bem entendido, creio que, mesmo anglfono nativo, pode-se ser professor de ingls na Frana e no fazer mau uso do conceito de sotaque autntico que aqui evoco rapidamente.) Mas o fenmeno na verdade muito mais geral: ele diz respeito a tudo em torno da matemtica, da histria, da filosofia, da literatura etc. O fantasma que nos move em direo a essa exigncia de rigor construda, que em pouco tempo no nos parece mais como a nica boa maneira de fazer e de pensar, , se posso dizer, um fantasma de autoctonia, de enraizamento, como se tivssemos sado desta terra praxeolgica, como se s pudssemos ser autnticos sendo aquilo, exatamente. Mas o enraizamento sempre asfixiante, para si e muito seguramente para os outros. Mais do que suas razes, olhe para seus ramos; mais do que para baixo, olhe para o alto. Assim , parece-me, o esforo de sabedoria a provocar.Alguns a foram projetados a contragosto, e vivem mal, porque ainda muito pouca coisa em nossas culturas purificadas, unidimensionais, que tem horror a jargo praxeolgico, vem sustentar esta entrada no colorido praxeolgico. Nancy Huston, que j citei, testemunha de forma excelente um desses sofrimentos.

Estou cheia do ingls agora, do mesmo modo que estou cheia do francs.

O ingls de Calgary, na regio de Boston onde moram trs quartos da minha famlia, soa bizarro e quase britnico. Bem, sou capaz de imitar o sotaque de Boston, se necessrio... se voc preferir... se for deix-lo mais vontade... ou o do Bronx... voc prefere o de Nova Orlans?

Diga-me o que for mais conveniente, eu tentarei agrad-lo.

Disponho de um amplo ingls pedaggico, simplificado e articulado, lngua que ensinei durante anos para o ministrio das Finanas em Paris. Ningum fala esse ingls na vida real, mas fui obrigada a aprend-lo e sou capaz de fazer uso dele quando, por exemplo, estrangeiros me perguntam como chegar a Manhattan.

Adaptamo-nos. Fazemos o que d. Ficamos loucos.

Um matemtico plural, um anglfono diverso, e quem se sentisse bem em sua multiplicidade praxeolgica. Eis o que devemos opor ao mito da autoctonia, que marca, nesta passagem, a referncia vida real, verdadeira maneira de falar, finalmente inencontrvel, e a essas imitaes cuja pluralidade marcaria o carter ilusrio, o puro ocasionalismo, o comodismo do bobo da corte, a complacncia, a adaptao praxeolgica ao outro, que enlouquece. E depois o inconsciente que joga seu jogo, como sempre, e que nos diz que eu um outro. No h limites para o emprisionamento. Francs (ou Americano), posso caluniar esse malditos quebequenses (ou essas grias britnicas), que me custa entender. Quando a lngua occitana (lngua romnica falada no sul da frana) ainda era viva, um provenal podia dizer que no compreendia um ocitanno, e ainda menos um Limusino. No h fim na rejeio pelo outro: o provenal ancorado em seu vilarejo podia, h menos de um sculo, dizer que ali no se falava a mesma lngua que no vilarejo ao lado, que abrigava uma etnia bizarra em tudo, nos limites do que humano. Matemtico, eu diria no entender e no querer entender s matemticas fixas do fsico. E assim por diante. Essa babelizao essencialista do mundo social uma tentao que separa, dispersa, que desfaz. , portanto, no sentido inverso que se deve ir: no sentido inverso daqueles que no querem se tornar bobos da corte, dos que crem no serem bobos da corte e querem que os outros se lhe assemelhem, como se isso no fosse uma forma de fazer matemtica, de falar ingls, de ser homem ou mulher.

Ao invs da parcelizao praxeolgica atual, devemos lutar por uma reformulao praxeolgica negociada, que passa por uma co-educao praxeolgica daqueles que sabem, daqueles que gostariam muito de saber, e daqueles que no querem (mais) saber de nada. Para ilustrar isso, mais um exemplo. H bem alguns anos, enquanto lia em francs Segunda considerao intempestiva de Nietzsche, me pergunto como o autor diz, em alemo, doena histrica, conceito chave de seu texto. Sei muito pouco de alemo at pouco demais, infelizmente! para ler o original. Telefono a um colega, grande germanista. Ele prope que eu d uma passada em sua casa, o que fao. Imediatamente, em sua biblioteca, tendo nas mos uma edio recente da obra, ele me diz: Nietzsche no diz exatamente historische Krankheit... Ele busca, no encontra; muda de idia, pega uma edio antiga que ele utilizava nos tempos de faculdade. Percebo que quase todas as palavras ali esto sublinhadas a lpis. Muito rpido, ele chega desta vez resposta: doena histrica se diz, na lngua de Nietzsche, historische Krankheit! Eis nosso distinto germanista pego de cala curta. O pecado , certamente, venial; mas ele indicador da fragilidade de nossos conhecimentos no consigo me conformar.

Dito isso, outra coisa merece ser destacada: quando chego em sua casa, ele est trabalhando; sua mesa est abarrotada de jornais alemes. Ele me diz: Estou procurando como se diz em alemo informao privilegiada. Informao privilegiada era ento uma novidade em francs que, como acontece a todos os franceses, esse colega havia descoberto de antemo. Como toda novidade, ela lhe parecia como o fruto delicioso, para ele de uma alteridade lingstica sobre a qual ele parecia ter uma curiosidade insacivel, e no apenas por obrigao profissional.

Reencontramos nesse episdio o faa voc mesmo, o trabalho coletivo ou pessoal da lngua que a presso das necessidades impe aos seres falantes. Ora, a est um problema que, mesmo que essencial, geralmente abominado pelos grupos educacionais. Matemticos e anglicistas, cada um em seu jardim particular, ali decidem por excluir a bela palavra utilidade: ns no saberamos, proclamam ele, aceitar um ensino utilitarista! Isso manifestar uma grande amnsia e muita desenvoltura. Em um livro clebre, onde abro na entrada Utilitarian, o autor escreve o seguinte (onde a anotao C18 designa sculo XVIII.)

O isolamento de Utilidade, como teste primeiro do valor de alguma coisa, pertence principalmente ao pensamento francs e ingls do C18. Ele foi uma ferramenta afiada contra definies de propsito social que excluam os interesses da maioria das pessoas, ou em algum sentido de todas as pessoas...

Recusar, portanto e com que topete, s vezes! toda utilidade como degradante (Eu, aprendendo a dizer informao privilegiada e coisas do tipo? Voc est falando srio?), seria at possvel se nosso conceito e nossa prtica da misso de difuso praxeolgica dadas na Escola viessem a substituir essas definitions of social purpose which exclude the interests of a majority of people (definies de cunho social que excluem os interesses da maioria das pessoas)! No nos surpreendamos, depois disso, que aqueles, a princpio, nos devessem instruir, virem as costas para esses saberes dos quais ns fazemos uma tal grande idia e nos a abandonem com tanto prazer, pois que no vem nelas a utilidade e isso porque, imediatamente, ns lhes negamos a utilidade. Faamos juntos um ltimo exerccio. Eis um breve excerto de um grande e sbio livro de matemtica escrito por dois matemticos de renome, que, sob um ttulo sem pretenso (The Pay-off (O acerto de contas), comenta a construo qual eles acabam de proceder de um modelo algbrico da geometria:

Uma pessoa pode contestar todo esse procedimento valendo-se de que as definies dadas so artificiais sem um prvio conhecimento da geometria Euclideana; a que podemos apenas responder que uma vez que elas so dadas, um sistema de geometria logicamente a toda prova pode ser desenvolvido, e no importa nem um pingo como as definies foram sugeridas. Esse bem o modo como uma grande parte da matemtica cresceu. Primeiro uma terminologia e corpo de resultados so obtidos por meio de mtodos logicamente insatisfatrios (embora quase sempre estticamente agradveis). Em seguida, verifica-se que a teoria tem falhas que podem impedir futuros progressos. Finalmente a teoria redefinida em uma linguagem possivelmente diferente, e calculada de uma maneira logicamente correta, geralmente ganhando mais poder.

Seria verdadeiramente indigno que o anglicista desconhecido, ao qual vrias vezes me referi, se interessasse por esse gnero de preocupao e lngua que lhe d forma concreta ao ponto de ali empenhar seu ensino e isso, no por gosto pessoal talvez, mas simplesmente porque muitos, de fora de sua tribo, em todo o vasto mundo com quem ele se compromete, se interessassem por isso? Pode-se querer aprender alemo para ler Freud, ou por que se se interessa pelo mercado de aes, ou por qualquer outra razo. um mesmo oceano matemtico que banha todas as encostas. E d-se o mesmo com o ingls. racional, ento, que o barco que pilotamos classe de matemtica ou classe de ingls permanea indefinidamente no ancoradouro?