ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

24
1 ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA Paulo Cesar Pinto de Alcantara¹ Este artigo tem como objetivo trazer ao conhecimento, a vida e obra de Zaíra de Oliveira, uma cantora lírica, soprano, que atuou num dos cenários mais importantes da década de 1920, na cidade do Rio de Janeiro. Zaíra de Oliveira, cantora de música popular brasileira, venceu o primeiro concurso de canto na Escola de Música que era o principal órgão oficial no ensino de música na então capital federal. Com uma grande versatilidade para o canto, ganhou o concurso porém recebeu apenas uma medalha de ouro, não lhe sendo entregue o prêmio maior que era uma bolsa de estudo na Europa. A viagem era almejada por todos os participantes do concurso, mas, na época, por ser mulher, pobre e negra, ela não foi contemplada. Sua trajetória será descrita a partir de um contexto de uma cidade capital que naquele momento eferve de cultura e onde rótulos e tabus ainda estão muito presentes, principalmente no que se refere ao papel da mulher. em que era vista mulher na década de 1920; logo em seguida, o surgimento de Zaíra de Oliveira: como ela vivia na cidade do Rio de Janeiro, com sua trajetória antes e depois de ganhar o concurso e, por fim, sua vida acadêmica, na Orsina da Fonseca. Palavra chave: cantora lírica, Rio de Janeiro e sociedade. 1 - INTRODUÇÃO O presente artigo tem como tema Zaira de Oliveira, cantora lírica, nascida no Rio de Janeiro e reconhecida como expoente da Musica Popular Brasileira. Participou de um concurso em 1921, no Instituto Nacional de Música, atualmente Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do qual foi vencedora e não pôde recebê-lo. O objetivo desse trabalho traz, em si, a importância de se falar sobre as questões que envolveram a mulher negra na década de 1920, o seu papel na sociedade, e como as questões de pele, na época, ditavam regras que até hoje não foram postas de lado.

Transcript of ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

Page 1: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

1

ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

Paulo Cesar Pinto de Alcantara¹

Este artigo tem como objetivo trazer ao conhecimento, a vida e obra de Zaíra de Oliveira, uma cantora lírica, soprano, que atuou num dos cenários mais importantes da década de 1920, na cidade do Rio de Janeiro. Zaíra de Oliveira, cantora de música popular brasileira, venceu o primeiro concurso de canto na Escola de Música que era o principal órgão oficial no ensino de música na então capital federal. Com uma grande versatilidade para o canto, ganhou o concurso porém recebeu apenas uma medalha de ouro, não lhe sendo entregue o prêmio maior que era uma bolsa de estudo na Europa. A viagem era almejada por todos os participantes do concurso, mas, na época, por ser mulher, pobre e negra, ela não foi contemplada. Sua trajetória será descrita a partir de um contexto de uma cidade capital que naquele momento eferve de cultura e onde rótulos e tabus ainda estão muito presentes, principalmente no que se refere ao papel da mulher. em que era vista mulher na década de 1920; logo em seguida, o surgimento de Zaíra de Oliveira: como ela vivia na cidade do Rio de Janeiro, com sua trajetória antes e depois de ganhar o concurso e, por fim, sua vida acadêmica, na Orsina da Fonseca.

Palavra chave: cantora lírica, Rio de Janeiro e sociedade.

1 - INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como tema Zaira de Oliveira, cantora lírica, nascida no

Rio de Janeiro e reconhecida como expoente da Musica Popular Brasileira.

Participou de um concurso em 1921, no Instituto Nacional de Música, atualmente

Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do qual foi vencedora

e não pôde recebê-lo.

O objetivo desse trabalho traz, em si, a importância de se falar sobre as

questões que envolveram a mulher negra na década de 1920, o seu papel na

sociedade, e como as questões de pele, na época, ditavam regras que até hoje não

foram postas de lado.

Page 2: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

2

_________________

¹ Aluno Pós Graduado em História do Brasil, na Unisuam; Graduado em Comunicação Social e

Especialização em Publicidade e Propaganda, na Universidade Veiga de Almeida em 2006; Graduação Tecnológica em Gestão de Carnaval, na Estácio de Sá, em 2015.

Pretende-se então apresentar a vida e a trajetória de Zaíra de Oliveira,

buscando o esclarecimento do motivo por ela não receber o prêmio do concurso de

música, realizado pela Escola de Música, principal órgão oficial no ensino de música

na então capital Federal na qual foi vencedora, e mesmo preenchendo os requisitos

necessários para tal.

Quando fui apresentado pela primeira vez à história de Zaíra de Oliveira,

confesso que tive medo por não se tratar de uma personagem com a história

parecida com a dos outros nomes que aprecio. Zaíra não foi vendida, torturada,

coagida, ameaçada, foragida e nem tão pouco uma guerreira braçal, mas fôra

constrangida.

Depois de iniciar as pesquisas e descobri o quanto eu me pareço com ela, em

quase todas as esferas, nos gostos pessoais, amigos próximos e nos núcleos

sociais de que somos oriundos. Como ela, não tenho o hábito de rezar a mesma

prece ou frequentar os mesmos endereços da grande maioria dos amigos de

infância e parentes, principalmente.

Esse interesse pela vida desta cantora soprano brasileira, aparecem em

forma de registros na internet, notas de periódicos da época e por não haver

registros em livros, mesmo com sua importância, ela esteve envolvida num grande

escândalo de racismo no início do século XX. Logo, a necessidade de resgatar essa

história se faz imperiosa e, com isso, colocar em reflexão o que mudou de lá para

cá.

Esta pesquisa será baseada em artigos e periódicos que falem de Zaíra de

Oliveira, que deve ser reconhecida, mesmo tardiamente, como de grande

importância para futuros estudos acadêmicos, e que não teve o reconhecimento

merecido em sua época.

Page 3: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

3

2 - Onde tudo começou?

Os primeiros anos do século XX no Brasil são recheados de acontecimentos

importantes na cultura, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, então, capital

dos Estados Unidos do Brasil. Inúmeros artistas em diversas áreas mantinham, em

suas veias os ânimos culturais inflados, suas ideias e inspirações abasteciam seus

trabalhos.

No intuito de ampliar as conquistas para a arte brasileira, um movimento que

teve início, na gestão do Prefeito Pereira Passos com a “Belle époque” ¹ francesa,

começou o processo de reurbanizar as principais ruas do centro da cidade,

buscando torná-la mais atrativa para a elite e para os comerciantes locais e

internacionais (1902-1906).- Teve inicio a Belle Époque.

A cidade, mais precisamente a zona portuária, era a principal porta de entrada

de produtos, importações e exportações, além do embarque e desembarque de

turistas nacionais e estrangeiros. Ali viviam forros morando em cortiços insalubres,

trabalhando de forma autônoma, espalhados com seus produtos perecíveis nos

tabuleiros e bancadas improvisados pelas ruas, becos e vielas. Todos cercados por

problemas de saúde pública, em consequência do descaso das autoridades, e em

espaços totalmente abandonados e infectados por transmissores de doenças como

a febre amarela e a varíola.

Essa ambiência de insalubridade desagradava a elite, impedindo-a de

frequentar tais logradouros. Com a demolição dos cortiços, os antigos moradores,

só restou os morros e bairros afastados, tendo como ponto de partida o centro do

Rio em direção à zona norte e também aos bairros da área conhecida como

“Pequena Africa” ², que tinha como contexto outros territórios de predominância

afro-brasileira, se configurando de forma diferente da estabelecida pela tradição

Page 4: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

4

centro-europeia, então absorvida pela alta sociedade brasileira, especificamente no

exercício de uma influência significativa na produção musical .

_________________

¹ fase de euforia e despreocupação vivida na Europa, entre 1871, final da guerra franco-prussiana, e 1914, ano do início da Primeira Guerra Mundial, caracterizada por grande produção artística, literária e bom desenvolvimento tecnológico. ² Nome dado por Heitor dos Prazeres a uma região do Rio de Janeiro compreendida pela Gamboa, Saúde, onde se encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, Santo Cristo, e outros locais habitados por escravizados alforriados e que de 1850 até 1920 foram conhecidos por Pequena África.( MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995 (Coleção Biblioteca Carioca), p. 13

Com isso teremos como referência alguns estudos que se aprofundaram nos

fundamentos religiosos e culturais das tradições afro-brasileiras como: Theodoro

(1996 e 2008); Landes (2002); Santos (2006); Amaral (2007); Silva (2015) e Matos

(2007), que apresentaram em suas pesquisas, a possibilidade de espaços

geograficos por uma espécie de matriarcado.

Ao longo do processo de construção da configuração espacial da cidade do Rio de Janeiro muitos espaços foram construídos e destruídos. Apagados da materialidade ou presentes, alguns espaços só podem ser entendidos se articulados às práticas dos grupos sociais naqueles lugares; dito de outra forma, os territórios só ganham inteligibilidade por meio da prática da população que ali vive (...) Esta freguesia estendia-se por grande parte da região do porto, pelas cercanias dos Morros da Providência e da Praça Onze. Ocupando uma área central da cidade, é hoje uma região degradada, mas guarda todos os sinais de uma batalha ocorrida há muito tempo entre uma população com um determinado modo de vida e um Estado omisso e, talvez por conta disto, ao mesmo tempo, opressor (SILVA, 2015, p. 263-264).

Segundo Silva (2015), as transformações dos espaços da cidade são

caracterizadas pelas articulações entre a cultura, a etnia e o território, que foram

analisadas as experiências e as representatividades da população negra na

Pequena África, diante dos processos de mudanças urbanísticas e de invisibilidade

da alteridade. No entanto, tal região, situada no coração da cidade, permitiu que

Page 5: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

5

vários grupos diferentes construíssem planos de sobrevivência e convivessem na

cidade, em constante construção social.

Para muitos pesquisadores a mudança da música popular brasileira sugeriu

uma invenção do samba como produto de uma identidade nacional/brasileira, ao

invés do samba como expressão cultural afro-brasileira. A Pequena África se tornou

um dos locais de encontro dos artistas de origem pobre. Os supostos excluídos se

concentraram com mais liberdade para cultuar seus ancestrais, através dos rituais

de matrizes africanas e seus batuques nos morros, local de difícil acesso até para a

polícia que os perseguiam. A maioria das pesquisas acerca de temas culturais

sobre o Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX apontavam esta região

como uma das principais matrizes na formação da cultura popular urbana no Rio de

Janeiro, entre o fim do século XIX e início XX. Além de trata-se de um território que,

no período em questão, era ocupado, majoritariamente, por afro-brasileiros e

migrantes de diversas partes do Brasil. Essas populações enraizaram-se

principalmente nas regiões da Pedra do Sal e Saúde, localizada perto do cais do

porto.

Histórias e parcerias, A pequena África como patrimônio histórico.

Page 6: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

6

Histórias e parcerias, A pequena África como patrimônio histórico

Em seguida, o território estendeu-se para as ruas da Cidade Nova, Campo de

Santana, Visconde de Itaúna, Senador Eusébio, Santana e Marquês do Pombal,

posteriormente indo para a Praça Onze de Junho, que mais tarde iria desemborcar

nos morros em torno do Centro.

Foi nessa região "reterritorializada" do Rio de Janeiro, área periférica habitada por excluídos, ex-escravos, judeus de várias partes do mundo, enfim toda sorte de pessoas que não participava da vida social da nossa capital, que o samba emergiu. [...] Nesta periferia se reuniam os futuros bambas: Ciata, Hilário Jovino [...], João da Baiana, Sinhô, Heitor dos Prazeres e Donga, nomes que ecoam até hoje nos redutos do samba. Foram eles que fizeram de uma atividade quase marginal uma expressão de arte (MOURA, 2004, p. 58).

Neste contexto de território agregador, certos grupos de migrantes baianos se

tornaram um dos principais protagonistas desta narrativa.

Seguindo esta tendência, os pesquisadores que contribuíram para a

construção histórica da música popular brasileira Sodré(1998); Sandroni (2001);

Pereira (2003); Moura (2004); Cunha (2004); Diniz (2006); Caldeira (2006); e Vianna

(2007), passaram também a interligar a este contexto o samba, que teria encontrado

um terreno propício para seu desenvolvimento como gênero musical e prática

sociocultural.

[...] fase pioneira da criação do gênero no Rio de Janeiro, no início do século XX, com o grupo de imigrados baianos cuja representante mais ilustre foi a famosa Tia Ciata. Essa fase pioneira se consolida no ano de 1917, que foi o ano do lançamento de Pelo telefone, considerado por todos como o marco inicial do gênero. É a partir de então que a palavra "samba" entra no vocabulário da música popular (SANDRONI, 2001, p. 15).

Page 7: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

7

Dentre as figuras, o símbolo que contribuíram para a construção dessa

identidade nacional era Donga, que foi o compositor do primeiro samba gravado e

registrado chamado “Pelo telefone”.

O cenário dessa epopeia foi a cidade do Rio de Janeiro, e os atores principais deixaram seus nomes gravados: Donga, Sinhô, Pixinguinha, Ismael Silva [baianos ou filhos das Tias Baianas]. Foram eles os responsáveis pela construção do samba (CALDEIRA, 2007).

Voltando para década de 1920, o comportamento das mulheres era diferente

dos dias atuais. A elite carioca tinha um diferencial em cores e formas, pois se

baseavam na moda europeia.

Para se sobressair nesse ambiente, Zaíra de Oliveira buscou uma formação

clássica pelo Instituto Nacional de Música, atual Escola Nacional de Música. Tornou-

se docente nesta mesma escola, atuou em concertos de Ópera, importante cenário

da época, ficando marcada por ser mulher e negra.

Além de receber o convite da professora Lucília Villa-Lobos para compor o

corpo docente do Instituto Profissional Feminino Orsina da Fonseca, como sua

auxiliar na formação das meninas pobres e órfãs que lá eram matriculadas. Além de

ter sido uma das principais incentivadoras da baluarte do Grêmio Recreativo Escola

de Samba Império Serrano, Dona Yvone Lara, tornou-se professora da Escola

Municipal Orsina da Fonseca e foi uma das principais incentivadoras de baluarte do

Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, Dona Yvone Lara, a compor

e a cantar suas históricas melodias e canções.

Page 8: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

8

Acervo da Escola Municipal Orsina da Fonseca

Para falar dessa mulher, Zaíra de Oliveira, precisamos entender o que

acontecia no Brasil nos primeiros anos do século XX, onde inúmeros movimentos

artísticos eclodiam nas grandes cidades, principalmente em São Paulo e no Rio de

Janeiro, então, Distrito Federal.

Nesse modo inúmeros artistas (pintores, músicos, escritores e escultores) se

unem com o objetivo de se desprender das técnicas e tendências europeias no

campo das artes e em detrimento da brasilidade, expondo ao valorizarem as etnias,

formas e hábitos e paisagens ruralistas. Esses homens e mulheres lutam para

mostrarem ao povo brasileiro e também aos estrangeiros a diversidade cultural

existente no Brasil.

O quadro “Abaporu”³ , de Tarsila do Amaral, uma da precursoras do

Movimento Antropofágico, movimento esse que marcou a era de uma corrente

vanguarda da primeira fase do Modernismo e exposta de uma forma nua e crua.

Esse Movimento modernista, também é conhecido como “A semana de 1922”, trata-

se da semana de arte moderna, que aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo de

11 a 18 do mesmo ano, liderado por Oswald de Andrade e pela própria Tarsila, teve

a finalidade principal de estruturar uma cultura de caráter nacional.

Page 9: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

9

Abaporu, Tarsila do Amaral

Esse momento da história externava uma verdadeira “via de mão dupla”. Ao

se desligar das regras artísticas europeias, os modernistas todavia consumiam muito

a moda e hábitos europeus, principalmente na cidade do Rio de Janeiro.

Os principais veículos de comunicação da época, eram os periódicos 4 onde

publicavam maciçamente as novidades e modernidades do então velho mundo.

Dentre esses, a revista “Fon Fon” 5, mostrava em suas páginas os figurinos que

seguiam a tendência francesa, ao retratar o estilo das madames, mademoiselle e

melindrosas.

___________

³ Abaporu é uma das principais obras do período antropofágico do movimento modernista no

Brasil. 4 jornais e revistas 5 Ela foi criada para ser uma revista mais veloz e lucrativa que a Kosmos,

publicação requintada e de alto custo. Cujo título trata-se de uma onomatopeia dos sons reproduzidos

pelas buzinas dos automóveis, ligando o nome do veículo ao moderno e foi criada para ser lida

semanalmente e concebida por Jorge Schidt, no Rio de Janeiro.

Page 10: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

10

Publicação feita entre abril de 1907 e agosto de 1958.

No Brasil, a Semana de Arte Moderna foi marcada por movimentos artísticos,

entre eles, a literatura, pintura, escultura, maquete e música. Fizeram parte desse

movimento alguns artistas como. (Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Manuel Bandeira,

Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia, Mario e Oswald de Andrade, Plínio Salgado,

Villa-Lobos e Di Cavalcanti), e fez, da cidade de São Paulo, em local de

demonstração do que melhor havia e informava que não foi só a arte que trouxe a

“Modernidade”.

Acervo da Escola Municipal Orsina da Fonseca

Page 11: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

11

Em paralelo a inúmeras mudanças urbanísticas transformaram-se em ponto

de partida para os novos tempos e a consequente mudança da imagem possuída,

até então, perante o mundo.

Monumentos Históricos

Wikipédia, Praça XV , Rio de Janeiro.

Segundo o jornalista brasileiro da época, Brito Broca 4, a elite da cidade do

Rio de Janeiro no início do século XX costumava-se vestir, portar e comer como os

franceses; A moda parisiense ditava regras para o ocidente. Com a modernidade

dos anos 1920, a representação da mulher, à época, compreendia em evidenciar

ambiguidades que as representavam, para poderem compreender as mulheres

daquela década.

A França sempre despertou grande fascínio no Brasil. A mulher da década

tem novos hábitos, comportamentos e são influenciadas por grandes mudanças na

Page 12: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

12

época. A reestruturação dos papéis femininos foram atribuídos às mudanças sociais

e culturais.

3 - Quem é a dama da nossa música, que canta e encanta?

Zaira de Oliveira, primeira cantora negra em destaque no país.

No dia 1º de Fevereiro de 1900, nascia uma mulher que marcou nossa música

popular brasileira, Zaíra de Oliveira, como uma das grandes cantoras soprano que

tivemos. Iniciou seus estudos no final da década de 1910 e em 1920, apresentava-

se no Theatro Municipal do Rio de Janeiro num concerto sinfônico, pelo qual cantava

trechos de óperas de Carlos Gomes, acompanhada pelo maestro Francisco Braga.

Page 13: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

13

Correio da Manhã 21 de maio de 1920

Sua atuação foi um sucesso de críticas, a estreia de Zaíra de Oliveira, com

apenas 20 anos de idade, foi iniciada por vários jornais, dentre eles o jornal Correio

da Manhã que apontava o interesse do público nas apresentações artísticas da

cantora novata e cheia de talento que iniciava sua carreira lírica. Todos a chamavam

de senhorita “Zai de Oliveira”.

Mesmo se destacando como cantora lírica, Zaíra de Oliveira continuava com

suas aulas de canto sob a égide da professora Angela Vargas Barbosa Vianna. Esta

última abriu o salão de arte para apresentação de grupos formados pelas suas

melhores alunas e dentre elas estava Zaíra. O jornal da época afirmava que o que

aconteceu na festa da arte, fez nascer no maestro Eduardo Souto, o desejo em

realizar um concurso de operetas com o intuito de beneficiar a vencedora.

O Fluminense, 6 de setembro de 1921

Page 14: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

14

Em 15 de novembro de 1921, a jovem Zaíra de Oliveira participou de um

show beneficente em assistência à infância, realizado no salão do Jornal do

Commércio.

Quando terminou seus estudos no Instituto Nacional de Música, no final de

1921, recebeu uma medalha de ouro por ter concluído as etapas do curso, o que lhe

renderia uma oportunidade de participar de um concurso que tinha como prêmio

uma viagem à Europa e uma bolsa de estudos complementar.

Correio da Manhã, 21 de novembro 1922 p.03.

Zaíra de Oliveira concorreu e ganhou o prêmio. Este foi realizado em 30 de

dezembro de 1921, no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro. Ela obteve o

primeiro prêmio por unanimidade de votos dos jurados. Contudo, o jornal Correio da

Manhã, no dia 31 de dezembro de 1921, informava que a senhorita Emery de

Carvalho e Souza também obtivera o primeiro prêmio e seria contemplada com uma

bolsa de estudos para a Europa.

Correio da Manhã, 31 de dezembro de 1921.

Page 15: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

15

De acordo com as provas, ficou atestado que Zaira não recebeu o prêmio

mesmo tendo obtido as melhores notas. Então, qual teria sido o motivo para isso ter

acontecido? Será que por ela ser negra, isso teria sido o motivo para perder o

concurso? Pairou uma dúvida no ar e todos chegaram a essa conclusão. Paira no

ar,

O cronista da época, Jota Efegê, num artigo publicado em O Globo, em 28 de

agosto de 1977, intitulou Soprano Zaíra de Oliveira, a Marian Anderson do Brasil. O

crime racial persiste até os dias de hoje, impedindo as pessoas de serem

parabenizadas por seus méritos em virtude de sua cor de pele.

Essa era a lamentável realidade em plena década de 1920, no início do

século XX, especificamente na cidade do Rio de Janeiro, um motivo de escândalo.

Uma pessoa simples, sem vaidade, com uma voz e um talento incomparável,

Zaíra de Oliveira, que cantava óperas com distinção e reforçava que fazia parte do

grupo seleto de música popular brasileira. Gravava marchas, sambas e destacava-

se em qualquer ritmo apresentado.

Suas obras se destacaram muito. Em 1925, lançou alguns discos na Casa

Edison, que era um dos famosos cantores de Fox Trot. Cabeleira á la Garçonne que

foi um marco e Margarida Max, vedete e atriz de revistas lança a moda dos cabelos

à la Garçonne, ou seja ao estilo masculino, um escândalo para a época.

Em 1926, com J. Gomes Jr., lançava a marcha Dondoca, que então seria um

dos maiores sucessos de carnaval de 1927.

Cabelerira à la Garçonne Fox Trot de Américo F. Guimarães e Pedro de Sá Pereira Gravado por Zaíra de Oliveira Disco Odeon, Record 122. 768 Lançado em 1925

CABELEIRA À LA GARÇONNE

Cabeças à la Garçonne Com toda graça repetis

Page 16: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

16

As cabeleiras encantadoras Da moda chique de Paris A cabeleira é só perfume A cabeleira, só assim,

É um borrão de negrume Com um borrão de carmim.

Cabeleiras à la Garçonne

Usá-la assim Eis que é preciso

Cabeças que só tem cabelo É mais cabelo que juízo

Com tão curto os cabelos A face fica até mais linda

Nossa cabeça que é tão leve Ah, fica, assim, melhor ainda.

E não se pode mais dizer Que a mulher, oh que atrevidos

Tem as ideias muito curtas E tem os cabelos compridos

No auge de sua carreira, Zaíra de Oliveira gravou vários discos pela Odeon,

destacando-se nessa fase a Canção dos Infelizes, da autoria de Ernesto dos Santos,

(Donga) e Luis Peixoto, lançada por ela em 1931, embora fora gravada em 1930 por

Zaìra Cavalcanti e Elizeth Cardoso.

Futuramente integrou o trio vocal As Marquesas, ao lado de Alda Verona e

Maria Branca Ortega.

Em 1930, casou-se com o compositor Ernesto dos Santos, o famoso Donga, o

compositor do primeiro samba, Pelo telefone. Alguns anos depois nasce sua filha,

hoje professora e historiadora Lygia dos Santos.

Page 17: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

17

Diário de Noticias, 12 de maio de 1934, p. 08

Zaíra de Oliveira fez parte do conjunto Tupy, ao lado de Yolanda Osório, J.B.

de Carvalho, Francisco Sena e Herivelto Martins.

Radiocultura, 15 de Julho de 1928, p. 15.

Foi descoberto por um pesquisador e chefe da Sala de Pesquisas da Música

Popular Brasileira, Luiz Antônio de Almeida que há poucos anos, descobriu um disco

6 raro de Zaíra de Oliveira que não foi lançado e nem trazia seu nome.

A gravação se chamava Meu Pretinho, de autoria de Heitor dos Prazeres, e,

após a profunda pesquisa, descobriu-se que era de Zaira de Oliveira.

Page 18: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

18

Samba perdido de Heitor dos Prazeres, encontrado no arquivo do museu da imagem e do som.

O interessante é que a trajetória de “Meu Pretinho”, certamente era uma homenagem

ao glorioso Donga, Ernesto dos Santos, esposo de Zaíra de Oliveira e pai de Lygia Santos,

mas esse samba inédito, que estava esquecido, chega a todos nós, 86 anos depois, após

ao compromisso do nosso MIS em preservar e divulgar a memória da Música Popular

Brasileira.

O maestro e compositor Heitor Villa-Lobos convidou Zaíra para ser sua

coordenadora de orfeões escolares que ele dirigia. Ao lado dela também participava

Nascimento Silva e Bidu Sayão, que participaram do coral brasileiro.

Entre suas alunas que se destacaram e tornou-se uma grande cantora, foi

Jesy Barbosa, que fora eleita a Rainha da Canção Brasileira e Zaíra de Oliveira

ganhou o segundo lugar.

Zaira de Oliveira era bem requisitada para cantar em casamentos e atuava na

rádio desde 20 anos. Sempre recebeu atenção dos fãs e mesmo quando se afastou

do meio artístico, era lembrada com saudade.

____________

Page 19: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

19

6 Disco Parlophon Matriz 131 149, lançado em 1931.

O Malho, 11 de janeiro de 1934, p. 11.

Chegou a gravar com a pequena notável Carmem Miranda, mas, infelizmente

sua voz quase não sobressaia na gravação de Sonhei que era Feliz, samba de Ary

Barroso. Durante a gravação, para não abafar a voz de Carmem Miranda, ela ficou

longe do microfone fazendo com que sua voz ficasse distante.

Jornal das Moças, 2 de outubro de 1924.

Page 20: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

20

Radiocultura, 15 de janeiro de 1929, p.21 http://memoria.bn.br

Fon-Fon, 17 de maio de 1941, p.61.

No dia 15 de agosto de 1951, ela faleceu, vítima de ataque cardíaco. No dia

17 de agosto de 2018, Zaíra de Oliveira foi homenageada em canções, textos e

danças no Memorial Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.

Page 21: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

21

Considerações Finais

Esta pesquisa propôs conhecer o soprano brasileiro que cantou e encantou a

década de 20, do século passado, Zaíra de Oliveira, esposa do compositor Donga

que gravou o primeiro samba no Brasil.

Para elaborar esta pesquisa foi necessário fazer um intercâmbio de

informações, já que não dispunha de bibliografias desta cantora de música popular

brasileira. Foram utilizadas desde pesquisas em internet, artigos, blogs entre outros,

bem como e também junto a profissionais atuantes e parentes diretos, além de

especialistas da área musical.

De toda está trajetória, conclui-se que:

Soprano brasileira com formação clássica no Instituto Nacional de Música,

atual Escola Nacional de Música e que também cantou música popular.

Em concurso (1921) na escola de música, venceu o primeiro prêmio,

porém a despeito de sua grande versatilidade, não recebeu o prêmio de

viagem por ser negra, fato ocorrido 30 anos antes da promulgação da Lei

nº 1.390, de 3/7/951, também conhecida como lei Afonso Arinos.

Conta-se que isso não a entristeceu, pois naquelas circunstâncias, a alta

distinção conquistada no mais importante órgão oficial de ensino artístico

da capital do Brasil lhe daria motivo justo de orgulho.

Acompanhada pelo regional de Canhoto, a cantora apresentava-se na

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Gravou seu primeiro disco (1924), e no ano seguinte participou de

festivais artísticos, dos quais o do Teatro Municipal de Niterói, onde

Page 22: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

22

cantou Tosca, de Puccini, Berceuse, de Alberto Nepomuceno e Schiavo,

de Carlos Gomes, além de A despedida e Cantiga praiana de Eduardo

Souto, com letras de Bastos Tigre e Vicente Carvalho, respectivamente.

Apresentou-se também no Casino Copacabana Palace ladeada de Catulo

da Paixão Cearense e Gastão Formenti.

Casou-se (1932) com o violonista e compositor Ernesto Joaquim Maria

dos Santos, o Donga, e tiveram uma filha, Lígia.

Cantou ainda em vários coros de igrejas.

Gravou sucessos populares como Cabeleira à la garçonne (1925),

Dondoca (1927), Canção dos infelizes (1931), Pode bater (1931), Solange

(1931) e Já mandei (1932).

Preocupo-me com o caminho a percorrer no meu objetivo acadêmico que

consiste em trazer a tona, inúmeros importantes personagens que não foram e não

são lembrados e com suas histórias “varridas para debaixo do tapete”. Uma mulher

como Zaíra Oliveira merece muito mais do que isso, e, se possível, pretendo

continuar a busca por mais informações nos lugares em que trabalhou, cantou,

estudou e com isso, dar continuidade a um projeto de mestrado com um apanhado

maior e mais robusto de informações que ajudem a conhecer não somente ela, mas

outras personagens ainda ocultas.

Referências Bibliográficas

CALDEIRA, Jorge. A construção do samba / Noel Rosa, de costas para o mar. São Paulo: Mameluco, 2007.

CUNHA, Fabiana Lopes.Da Marginalidade ao Estrelato: O samba na construção da nacionalidade (1917-1945). São Paulo: Annablume, 2004.

Page 23: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

23

DINIZ, André. Almanaque do Samba: a história do samba, o que ouvir, o que ler, onde curtir. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2ª Ed. Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995.

SILVA, LUCIA. FREGUESIA DE SANTANA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: Territórios e etnia no último quartel do século XIX. REVISTA ELETRÔNICA DO CENTRO INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS SOBRE A CIDADE . ISSN 1982-0569 v. 7, n. 10, jan /ago (2015). Dossiê História Urbana: a configuração de um campo conceitual.

SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações no samba do Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

SILVA, LUCIA. FREGUESIA DE SANTANA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: Territórios e etnia no último quartel do século XIX. REVISTA ELETRÔNICA DO CENTRO INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS SOBRE A CIDADE. ISSN 1982-0569 v. 7, n. 10, jan /ago (2015). Dossiê História Urbana: a configuração de um campo conceitual.

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: 2ª. Ed. Mauad, 1998.

VIANNA, Hermano. O mistério do samba .Rio de Janeiro: 6 ed. Jorge Zahar, 2007.

MIS, Museu de Imagem e Som. Disponível em: <https://www.mis.rj.gov.br/blog/meupretinho/>. Acesso em: 27 de mar. de 2019.

Monumentos Históricos, Disponível em:< http://ashistoriasdosmonumentosdorio.blogspot.com/2010/05/chafariz-da-praca-xv-parte-da-historia.html> Acessado em: 12 de abr de 2019.

Page 24: ZAÍRA DE OLIVEIRA, A COR QUE CANTA E ENCANTA

24

Bonavides, Zaira de Oliveira grande dama da canção. Disponível em:

<http://bonavides75.blogspot.com/2019/02/zaira-de-oliveira-grande-dama-da-cancao.html>. Acesso em: 16 de mar. de 2019.

Histórias e parcerias. Disponível em:

<https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529373196_ARQUIVO_

APequenaAfricacomopatrimoniohistoricoculturalumareflexaosobreahistoriadoCaisdo

Valongo.pdf> Acessado em, 11 de abril de 2019.

NETSABER, Biografias. Disponível em:<http://biografias.netsaber.com.br/biografia-1623/biografia-de-zaira-de-oliveira>. Acessado em: 21 de mar. de 2019.

Rawpixel Ltd. Disponível em:<

https://www.google.com/search?q=mulher+negra+l%C3%ADder+do+lar.&source=ln

ms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi1_Ojjh8jhAhWBK7kGHXjWAs4Q_AUIDigB&biw

=1137&bih=694> Acesso em: 11 de Abril de 2019.

Wikipedia. Disponível em <

https://pt.wikipedia.org/wiki/Pra%C3%A7a_XV_(Rio_de_Janeiro)> Acessado em: 12

de Abril 2019.