1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR
DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Processo 1045396-33.20148.26.0053
2ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Agravados: DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica
do Estado de São Paulo e SABESP - Companhia de Saneamento
Ambiental do Estado de São Paulo
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, por seu representante ao final assinado, não se
conformando com a respeitável decisão que indeferiu pedido de tutela
antecipada, determinou a realização de perícia antes da citação das
requeridas e apresentação de contestações, nomeou perito suspeito,
nomeou peritos sem habilitação técnica para o objeto da lide e
determinou o pagamento de honorários periciais com recursos do
Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Lesados em
ação civil pública ambiental, da qual se dá por cientificado nesta
data, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com
fundamento no art. 522 do Código de Processo Civil, interpor
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO, ao qual requer
sejam dados efeitos ativo e suspensivo, nos termos do art. 527, III do
Código de Processo Civil e ao final provido, pelas razões de fato e de
direito constantes da minuta anexa, acompanhada da documentação
exigida por lei.
2
Informa que os requeridos não foram ainda
citados, razão pela qual deixa de juntar cópia das procurações
outorgadas aos defensores dos agravados.
Informa, outrossim, que o presente recurso é
instruído com cópia integral dos autos, a fim de possibilitar a análise
da extensão, gravidade e urgência do assunto tratado.
Requer, em face da matéria discutida, seja o
recurso distribuído à Câmara Reservada ao Meio ambiente .
São Paulo, 30 de outubro de 2014.
RICARDO MANUEL CASTRO
Promotor de Justiça
3
Processo 1045396-33.20148.26.0053
2ª Vara da Fazenda Pública da Capital
Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Agravados: DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica
do Estado de São Paulo e SABESP - Companhia de Saneamento
Ambiental do Estado de São Paulo
Egrégio Tribunal!
Colenda Câmara!
Exmo. Sr. Desembargador Relator!
Douta Procuradoria de Justiça!
O presente recurso tem por objetivo a reforma da r.
decisão que indeferiu pedido de tutela antecipada, determinou a
realização de perícia antes da citação das requeridas e apresentação
de contestações, nomeou perito suspeito, nomeou peritos sem
habilitação técnica para o objeto da lide e determinou o pagamento
de honorários periciais com recursos do Fundo Estadual de
Reparação dos Interesses Difusos Lesados em ação civil pública
ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO com vistas a, em apertada síntese, garantir a operação com
segurança do Sistema Produtor Alto Tietê – SPAT, que, em virtude de
condutas temerárias das ora agravadas, corre o iminente risco de se
esvaziar.
4
Pede-se que sejam desde logo concedidos os
efeitos ativo e suspensivo ao presente recurso, nos termos do art.
527, III do Código de Processo Civil, deferindo-se a antecipação
da tutela requerida e suspendendo-se a realização da perícia
determinada, quer por terem sido nomeados profissionais sem
habilitação técnica para a sua realização, quer porque um dos
peritos é funcionário de uma das agravadas, quer porque a perícia
determinada não pode ser realizada neste momento processual
nem ser custeada pelos recursos do Fundo Estadual de Reparação
de Interesses Difusos Lesados. Tal pedido se justifica para evitar
maiores gravames ao sistema de abastecimento público da Região
Metropolitana de São Paulo.
A presente ação civil pública ambiental foi
proposta a partir de procedimento instaurado perante o Núcleo
Cabeceiras do GAEMA, em virtude da crise de abastecimento da
população atendida pelo Sistema Produtor Alto Tietê, cuja capacidade
de reservação vem diuturnamente diminuindo, em virtude de diversas
distorções constatadas no gerenciamento e exploração do referido
sistema de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo.
O juiz indeferiu o pedido de antecipação da tutela,
argumentando, em síntese, que a questão está afeta à
discricionariedade administrativa, que o Ministério Público pretende
assumir o controle da gestão da crise hídrica por que passa o Estado
de São Paulo, que parte dos pedidos tangenciam a falta de interesse
processual, por decorrerem de comandos legais, concluindo pela
realização de perícia pelos profissionais Jamil Habib Saad, José
Adrian Patiño Zorz, José Pereira Guimarães Júnior, José Zarif Neto e
Miguel Tadeu Campos Morata, determinando, ainda, que o custeio
dessa perícia se faça com recursos do Fundo Estadual de Reparação de
Interesses Difusos Lesados, com o que não pode este órgão do
5
Ministério Público do Estado de São Paulo, pelos argumentos a seguir
apresentados.
I - DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA:
Segundo descrito na petição inicial, a outorga
concedida pelo DAEE à SABESP para exploração do Sistema
Produtor Alto Tietê por um prazo de dez anos foi veiculada pela
Portaria DAEE nº 2006, de 05 de novembro de 2007, por meio da qual
foram autorizadas as retiradas das seguintes vazões máximas para fins
de abastecimento público:
USO RECURSO
HÍDRICO
Reservatório
do SPAT
Município Vazão
Máxima
Média
Mensal
(m3/s)
CA Rio Tietê –
canal de
adução 1A
Biritiba-
Mirim
4,93
CA Rio
Biritiba-
Mirim –
canal de
adução 1B
Biritiba-
Mirim
0,05
LA
(reversão)
Afluente do
rio Biritiba-
Mirim
Biritiba Mogi das
Cruzes
4,98
6
CA Afluente do
rio Biritiba-
Mirim
Biritiba Mogi das
Cruzes
6,65
LA
(reversão)
Afluente do
rio Jundiaí
Jundiaí Mogi das
Cruzes
6,65
CA Afluente do
ribeirão
Vargem
Grande
Jundiaí Mogi das
Cruzes
8,60
LA
(reversão)
Rio Doce Taiaçupeba Mogi das
Cruzes
8,60
CA Rio
Taiaçupeba-
Açu
Taiaçupeba Suzano 10,00
Segundo estabelecido nesta mesma portaria, em
seu art. 7º, “a não observância ao estabelecido neste ato poderá
caracterizar o usuário como infrator com a consequente aplicação
das penalidades previstas nas Seções I e II do capítulo 2º, artigos 9º
a 13 da Lei Estadual 7663/91, regulamentados pelo Decreto
Estadual nº 41258, de 01/11/1996, disciplinado pela Portaria DAEE
nº 1/98, de 0201/1998”.
Os limites de vazões máximas médias de retirada
autorizados pelo DAEE por meio da já mencionada portaria à
SABESP representavam, até fevereiro de 2014, um volume máximo
de 26.800.000 metros cúbicos do Sistema Alto Tietê, vazões estas que
a própria SABESP, respondendo a requisição deste órgão do
7
Ministério Público do Estado de São Paulo reconheceu não observar,
tendo, nesta oportunidade, esclarecido ter retirado as seguintes vazões
totais do Sistema Produtor Alto Tietê (fls. 660 dos autos do Inquérito
Civil que instruíram a inicial):
Mês/ano Volume Máximo
Permitido para
retirada (m3)
Volume
Efetivamente
Retirado (m3)
Jan/2014 26.800.000 39.024.288
Dez/2013 26.800.000 36.935.136
Nov/2013 26.800.000 31.674.240
Out/2013 26.800.000 31.444.416
Set/2013 26.800.000 30.248.640
Ago/2013 26.800.000 31.765.824
Questionado acerca da inobservância dos
limites da outorga conferida à SABESP para a exploração do Sistema
Produtor Alto Tietê, o DAEE, por meio da Diretora de Bacia do Alto
Tietê e Baixada Santista, Seica Ono, esclareceu não ter fiscalizado os
limites da outorga conferida por meio da Portaria 2006/07, bem como
não aplicou qualquer penalidade à SABESP, não obstante fosse esse o
seu dever, tal como previsto no art. 7º, da já mencionada portaria.
Não bastassem tais ilegalidades, que, aliadas
à grave estiagem por que passa a Região Metropolitana da Grande São
Paulo, contribuíram para a drástica diminuição do volume útil
8
armazenado, nos cinco reservatórios que compõem o Sistema
Produtor Alto Tietê, a outorga de sua exploração foi renovada em
fevereiro de 2014, em meio à crise hídrica por que passa o Estado
de São Paulo, outorga esta que se consubstanciou na Portaria DAEE
Nº 350, de 11 de fevereiro de 2014, por meio da qual foram
autorizadas as retiradas das seguintes vazões máximas médias para
fins de abastecimento público:
“Art. 2º - A SABESP fica autorizada a captar as
seguintes vazões máximas médias mensais:
I- Até 9m3/s dos rios Tietê e Biritiba-
Mirim, através da Estação Elevatória de Biritiba, em reversão para o
reservatório do aproveitamento de Biritiba;
II- Até 15 m3/s no reservatório do
aproveitamento de Taiaçupeba, para fornecimento de água bruta
para a ETA de Taiaçupeba”.
Com este aumento das vazões máximas
médias autorizadas pelo DAEE, a SABESP passou a poder fazer uma
retirada máxima de 40.200.000 m3 do Sistema Produtor Alto Tietê,
aumento este de vazões autorizado em plena estiagem e crise de
abastecimento que assola a Região Metropolitana de São Paulo e sem
que tivessem sido adotadas as medidas de punição à SABESP por ter,
ao longo do tempo, retirado volume superior ao autorizado pela
autarquia estadual, conforme já demonstrado acima.
Questionado acerca dos estudos técnicos que
embasaram o incremento das vazões máximas permitidas para retirada
do Sistema Produtor Alto Tietê em plena estiagem e crise de
abastecimento público, asseverou o DAEE que o assunto já era objeto
de discussões com a SABESP, tendo ficado a decisão vinculada à
apresentação de estudos técnicos, os quais foram realizados e
9
apresentados unilateralmente pela SABESP, sem qualquer
contraprova realizada pelo DAEE, em evidente omissão no seu mister,
que é o de zelar pela segurança na exploração dos recursos hídricos.
Em virtude desse quadro, este órgão do
Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou do DAEE o
envio de cópia integral dos pareceres técnicos apresentados pela
SABESP e que teriam embasado a renovação da outorga para
exploração do Sistema Produtor Alto Tietê, com aumento substancial
dos volumes máximos médios autorizados para retirada.
Recebidos os referidos documentos,
constatou-se que, para o aumento da captação pretendida do Sistema
Produtor Alto Tietê, apresentou a SABESP um conjunto de pareceres
técnicos consubstanciados na Nota Técnica denominada Simulação
Hidrológica da Operação Integrada das Represas do Sistema Produtor
Alto Tietê, cuja metodologia consistiu, em apertada síntese, na
utilização de um programa computacional denominado Aquanet
desenvolvido pelo Laboratório de Suporte a Decisões da Escola
Politécnica da USP (LabSid).
Segundo se apurou, o principal fundamento
utilizado pela SABESP e acatado pelo DAEE para justificar o
aumento das vazões mínimas mensais a serem retiradas do SPAT foi
o de que a Represa de Taiaçupeba tivesse um volume máximo
operacional de 78,5 hm3, mas o fato é que este volume máximo
operacional jamais foi atingido.
Aliás, este volume somente virá a ser
atingido quando as obras para a ampliação da Represa de
Taiaçupeba forem concluídas, devendo-se observar que estas obras
10
ainda não foram concluídas por evidente desídia da SABESP e do
DAEE.
Atualmente a Represa de Taiaçupeba tem
um volume útil operacional na ordem dos 21,5 hm3, muito aquém
dos 78,5hm3 apresentados pela SABESP e acatados pelo DAEE para
autorizar uma captação de 15 m3/s neste ponto do Sistema Produtor
Alto Tietê.
De acordo com os elementos de prova
coligidos nos autos do Inquérito Civil 03/2012, que tramitaram
perante a Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Suzano e que
foram redistribuídos a este Núcleo Cabeceiras do GAEMA, há mais
de uma década vem se tratando da ampliação da ETA Taiaçupeba,
empreendimento para o qual já foram expedidas licenças de
instalação e autorizações de supressão de vegetação para a ampliação
da área inundável, com vistas à ampliação da capacidade de
reservação e de produção de água.
Todavia, essas autorizações jamais foram
utilizadas, deixando o DAEE e a SABESP de executar obras e adotar
as medidas necessárias para a ampliação da ETA de Taiaçupeba.
Neste particular, é interessante ressaltar que
parcela da área que seria inundada e utilizada para a ampliação desta
Estação de Tratamento de Água, mais especificamente, uma parcela
correspondente a 2.959 hectares, era ocupada pela empresa
Manikraft, cuja desapropriação somente veio a ser resolvida
judicialmente em 2008, sem que até o presente momento a área tenha
sido efetivamente disponibilizada para a inundação, tendo em vista
11
que sequer foi dado início aos estudos confirmatórios de possível
contaminação do solo e subsolo deixada pela referida empresa na
área.
Além deste fato, o DAEE obteve junto à
Secretaria Estadual de Meio Ambiente a Autorização de Supressão de
Vegetação n. 68134/2001, para a supressão de 545,487771 hectares
de vegetação, visando ao aumento da área inundável da ETA
Taiaçupeba, mas o fato é que esta autorização, já com prazo de
validade vencido, jamais foi utilizada, o que ensejou a invasão, por
duas vezes, da área que seria inundada, provocando imensos prejuízos
aos cofres públicos com a desocupação da área e realocação das
respectivas famílias em outras unidades habitacionais edificadas ou
patrocinadas pelo Estado.
Também merece destaque o fato de que
parcela da área desapropriada para a ampliação do reservatório
Taiaçupeba foi concedido a uso para a empresa Minerbase Mineração
Ltda. em setembro de 1990 para a exploração de argila, tendo o
DAEE notificado extrajudicialmente a referida empresa para a
desocupação amigável da área em 10 de janeiro de 2011.
Todavia, a notificação extrajudicial não foi
atendida, e o DAEE, mais uma vez omisso, deixou de adotar
providências eficazes para a desocupação da área visando ao aumento
da capacidade de reservação da ETA Taiaçupeba, somente vindo a
ajuizar ação de reintegração de posse quando estabelecido prazo para
tanto por este órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo.
12
Insta, ainda, relatar que, tendo o DAEE
demorado quase cinco anos da data em que notificou
extrajudicialmente a empresa Minerbase Mineração Ltda. para a
desocupação da área e o efetivo ajuizamento da ação de reintegração
de posse (Processo 1004141-85.2014.8.26. 0606, da 1ª Vara Cível da
Comarca de Suzano), houve por bem o juízo de direito competente
indeferir o pedido de liminar, o que, mais uma vez, demonstra, que a
desídia com que os requeridos tratam o assunto somente vem a
retardar a ampliação da área inundável para a ampliação da ETA
Taiaçupeba, comprometendo, assim, a sua capacidade de produção e
armazenamento de água para distribuição aos usuários do SPAT.
Assim é que, diante deste cenário, em que
não foram adotadas as medidas necessárias para a ampliação da ETA
Taiaçupeba, que a SABESP não poderia afirmar, nem o DAEE
poderia aceitar que referida Estação de Tratamento de Água tivesse
um volume máximo operacional de 78,5 hm3, capacidade esta que, se
o caso, somente virá a ser atingida quando de sua efetiva ampliação,
que, convenhamos, está longe de ocorrer.
Ademais, os estudos apresentados pela
SABESP sugerem que, para a retirada de 15m3 da ETA Taiaçupeba,
há a necessidade de aumento da capacidade de bombeamento de água
na Estação Elevatória de Biritiba de 9,0 para 14,0 m3/s, o que,
convenhamos, contraria a portaria de outorga, em seu art. 2º, I,
da Portaria DAEE 350/14, em que se estabelece a vazão máxima
permitida no ponto da Estação Elevatório de Biritiba em 9 m3/s.
Registre-se, por oportuno, que o aumento
da capacidade de bombeamento da Estação Elevatória de Biritiba
de 9,0 para 14 m3/s requereria a execução de obras de grande
13
porte, tais como a duplicação do canal de tomada d’água do rio
Tietê, nova casa de bombas e adutora, não se tratando de mera
ampliação de capacidade produtiva com a utilização das
instalações ali já existentes.
Desta forma, o que se verifica é que a
renovação da outorga do SPAT, com o aumento da captação de água
na ETA Taiaçupeba para 15m3/s está fundada em dado
ideologicamente falso, falsidade esta de perfeito conhecimento de
ambos os requeridos, tendo em vista que são eles os responsáveis
pelo licenciamento e execução das obras de ampliação da ETA
Taiaçupeba.
É de se registrar, ainda, que não obstante
não seja tecnicamente sustentável a retirada de 15m3/s de água bruta
na ETA Taiaçupeba, a SABESP, mais uma vez desrespeitando os
limites da outorga e contando sempre com a omissão da fiscalização
do DAEE, vem extrapolando esses limites, fazendo uma captação a
maior de água no ponto acima aludido, tal como foi constatado pela
ARSESP – Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado
de São Paulo, em fiscalização periódica realizada em 02 de julho de
2014, oportunidade em que constatou a vazão de entrada de água
bruta para tratamento na ETA Taiaçupeba na ordem de 18,7 m3/s.
Tais captações a maior (maior que a
capacidade de reservação e maior que a autorizada no ato de outorga),
aliadas à estiagem por que passa o Estado de São Paulo e outros
fatores adiante analisados, com certeza, repercutiram negativamente
na capacidade de armazenamento do SPAT, que, quando da data da
instauração do Inquérito civil cujos autos instruem a presente ação,
era de 28% e atualmente não ultrapassa os 7,0%, prejudicando, de
14
forma absolutamente irresponsável, o abastecimento de água da
Região Metropolitana da Grande São Paulo.
Ainda que a renovação da outorga do SPAT não
estivesse eivada de nulidade, pelos argumentos acima mencionados, A
OUTORGA NÃO CONFERE À SABESP O DIREITO
ADQUIRIDO DE CONTINUAR RETIRANDO AS VAZÕES
ANTERIORMENTE deferidas pelo órgão outorgante, sobretudo
diante das condições climáticas adversas que se apresentam.
A outorga confere, na dicção do art. 18 da Lei nº
9.433/97, mero DIREITO DE USO, à medida que, nem mesmo a
cobrança implica em alienação das águas que são inalienáveis1.
Vale ressaltar, outrossim, que a natureza jurídica
da outorga do direito de uso dos recursos hídricos, traduzida na Lei
9.984/00, que criou a Agência Nacional de Águas - ANA, por meio
de AUTORIZAÇÃO, mediante a qual o Poder Público outorgante
faculta ao outorgado o uso da água por prazo determinado, nos
termos e condições, que podem ser alterados de acordo com a
disponibilidade hídrica e com a necessidade do controle
quantitativo e qualitativo dos recursos hídricos.
Neste mesmo diapasão, merece ser invocada a
lição do grande doutrinador e referência internacional em recursos
hídricos, PAULO AFFONSO LEME MACHADO:
1Art. 18 da Lei 9433/97: A outorga não implica a alienação parcial das águas, que são inalienáveis,
mas o simples direito de seu uso;
15
“Diante da inconstância da disponibilidade
hídrica, constata-se que os outorgados não têm direito
adquirido a que o Poder Público lhes forneça o quantum
de água indicado na outorga. O Poder Público não pode
arbitrariamente alterar a outorga, mas pode modificá-la
motivadamente de acordo com o interesse
público”2.(negritei)
Nem seria razoável ser diferente!
Reforçando a precariedade da autorização, há
previsão expressa no ordenamento jurídico de que a outorga de direito
de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou
totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, por motivo de
descumprimento das condições ou por interesse público, nas
circunstâncias previstas no artigo 15 da Lei nº 9.433/97.
Atendo-nos, neste passo, apenas às razões de
interesse público, merecem ser reproduzidas as hipóteses que se
amoldam ao caso concreto:
(...)
"III- necessidade premente de água para atender
a situações de calamidade, inclusive decorrentes de
condições climáticas adversas;
IV - necessidade de prevenir ou reverter grave
degradação ambiental;
2 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª edição, revista, ampliada e
atualizada de acordo com as Leis 12.651/2012 e 12727/2012 e com o Decreto 7.830/2012, Malheiros, São Paulo, 2013, p. 528.
16
V - necessidade de atender a usos prioritários de
interesse coletivo para os quais não se disponha de fontes
alternativas"3; (negritamos)
Esses motivos, tal como já apontado na petição
inicial, afastam completamente a tese perfilhada pelo juízo de
primeiro grau no sentido de que a questão trazida à análise do Poder
Judiciário estaria abrangida pela discricionariedade administrativa,
conforme ensinamentos de Paulo Affonso Leme Machado, que
enfatiza:
“Ainda que esteja escrito no caput do art. 15 que
a ‘outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser
suspensa ...’, parece-nos que, nos dois casos mencionados,
afasta-se qualquer discricionariedade do órgão público,
devendo o mesmo agir vinculadamente ao princípio
apontado no referido art. 1º, III. Não agindo a
Administração Pública, incumbirá ao Poder Judiciário
agir, através de ação judicial”4.
Na mesma linha, os artigos 6º e 13 da Portaria
DAEE 350/14 também preceituam que as regras de operação do SPAT
3 Art. 15. A outorga de direito de uso de recursos hídricos poderá ser suspensa parcial ou
totalmente, em definitivo ou por prazo determinado, nas seguintes circunstâncias: I - não cumprimento pelo outorgado dos termos da outorga; II - ausência de uso por três anos consecutivos; III - necessidade premente de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas; IV - necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental; V - necessidade de se atender a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas; VI - necessidade de serem mantidas as características de navegabilidade do corpo de água. 4 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 22ª Ed. Revista, ampliada e atualizada, São Paulo, Malheiros Editores, p. 510.
17
poderão ser desconsideradas em situações emergenciais. Acrescenta
que serão consideradas como “situações emergenciais” aquelas em
que fique caracterizado risco iminente para a saúde da população, para
o meio ambiente e estruturas hidráulicas que compõem o Sistema
Produtor Alto Tietê devido a acidentes ou cheias. Não se trata, pois,
de discricionariedade, mas sim de ilegalidade, cuja análise pode e
deve ser feita pelo Poder Judiciário, sob pena de se ferir de morte a
garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Também a escassez hídrica, por óbvio, mesmo
não mencionada expressamente na Portaria, deve ser considerada
como situação emergencial. Melhor seria, portanto, que a Portaria
350/14 tivesse adotado a mesma terminologia legal da PNRH, ou seja,
“condição climática adversa”.
De qualquer forma, o que importa sempre frisar é
o ato de autorização (Portaria) jamais poderá se sobrepor ou
prevalecer no caso de colidência com as normas legais e
constitucionais, às quais deve fiel obediência hierárquica, sempre
tendo como fim precípuo o atendimento do interesse coletivo.
A desconsideração da capacidade efetiva de
produção e reservação de água pelo SPAT, como acima demonstrado,
justifica o receio do esgotamento (ou deplecionamento) de todo o
sistema produtor, tal como consta da preocupação externada pelo
Engenheiro José Roberto Kachel dos Santos, da Universidade de Mogi
das Cruzes, que, ao realizar um diagnóstico do SPAT em 30 de
setembro de 2014, pontuou que, mantidas as atuais retiradas de água,
“pode-se esperar que o SPAT esteja completamente vazio em meados
de Novembro próximo. A não ocorrência desta catástrofe depende de
dois eventos futuros:
18
1. A ocorrência de chuvas com intensidade suficiente para gerar
vazões afluentes que garantam o abastecimento e recuperem o
manancial;
2. A redução da vazão retirada em valores que garantam um
volume mínimo armazenado no prazo de um ano à frente.
A alternativa 1 não depende da ação
humana, sendo inclusive de previsão incerta. A alternativa 2 é
possível, utilizando-se a metodologia da Curva de Aversão a Risco,
que consiste em se retirar uma vazão tal que permita que ao final de
um ano o manancial tenha armazenado volumes de 5 a 10% do
total. Para isto deve-se adotar um Cenário Hidrológico considerado
o pior ocorrido na série histórica disponível”.
O que se conclui é que a SABESP, contando com
a anuência do DAEE, está fazendo a exploração do SPAT de forma a
buscar o seu integral esgotamento ou deplecionamento, aumentando
as retiradas de água, sem se preocupar com a recarga do sistema e em
assegurar a manutenção do abastecimento em caso de provável
extensão do período de seca. Não há uma adequada gestão do Sistema
Alto Tietê, postergando os agravados a adoção de medidas que visem
a sua recuperação e que prolonguem a sua vida útil para o
enfrentamento de um período seco que deve perdurar. Preferem os
requeridos caminhar para o esgotamento definitivo do SPAT, pouco
importando os prejuízos que disso serão acarretados ao patrimônio
público, ao meio ambiente e a saúde pública, não podendo o Poder
Judiciário se eximir de apreciar a matéria, como equivocadamente
entendeu o juízo de primeiro grau.
Diante da estrutura de composição do SPAT, há
necessidade de manutenção de um mínimo de água reservada para
possibilitar o perfeito funcionamento das bombas ali existentes, e,
19
mantidas as retiradas atuais, há justo receio de que o sistema esteja
COMPLETAMENTE ESVAZIADO EM MEADOS DE
NOVEMBRO DE 2014, o que é perfeitamente factível, tendo em
vista que, a cada dia, o mesmo diminui cerca de 0,2% do total de sua
capacidade de reservação.
A situação é extremante preocupante porque, no
Sistema Alto Tietê, diferentemente do que ocorre com o Sistema
Cantareira, não há reserva técnica ou “volume morto” a ser explorado,
de modo a existir justo receio de que a SABESP, agindo sempre com a
omissão do DAEE, vem caminhando no sentido do completo
esvaziamento de todas as represas que compõem o SPAT, que está
prestes a acontecer, caso não atendidos os requerimentos formulados
pelo Ministério Público em sede de antecipação da tutela.
Não é verdadeira a observação do juízo de
primeiro grau no sentido de que o Ministério Público pretenda assumir
a gestão da crise hídrica, pois, com a presente demanda apenas
pretende que se atendam aos objetivos da Legislação Federal e
Estadual de Proteção dos Recursos Hídricos, adotando-se um
PLANEJAMENTO PREVENTIVO, a fim de não acarretar colapso
dos sistemas que garantem o abastecimento público da Região
Metropolitana de São Paulo e outros tantos Municípios do Estado de
São Paulo. Tanto isto é verdade que, nos pedidos formulados, a gestão
dos recursos hídricos continuará sendo exercida pelo DAEE, desde
que retomados os critérios legais.
Também não é verdade que parte dos pedidos
tangenciam a falta de interesse processual, pois, ainda que alguns
deles decorram de lei, o fato é que está sobejamente demonstrado nos
autos que essas posturas não foram adotadas, exsurgindo daí o
20
interesse processual. Acrescente-se que, pela leitura atenta do último
despacho do inquérito civil cujos autos instruíram a petição inicial, já
estão sendo adotadas medidas para coibir eventuais crimes ambientais
e atos de improbidade administrativa verificados, o que, em absoluto,
não inviabiliza a presente demanda, que está fundada exclusivamente
em preceitos de responsabilidade civil.
Apesar das evidências mencionadas no tocante
aos baixos níveis de precipitações, da diminuição dos volumes
acumulados nos reservatórios, a SABESP, com a autorização do
DAEE, órgão gestor, no lugar de diminuir a captação de água, a fim
de que operasse com níveis de segurança, aumentou as retiradas do
SPAT.
Isso acarretou o irrefreável, alarmante e histórico
rebaixamento dos níveis de água acumulados nos reservatórios,
havendo, pois, justo receio de se esvaziar por completo, tal como
advertido no já citado parecer técnico do Professor José Roberto
Kachel dos Santos, situação esta mais grave que a do Sistema
Cantareira, tendo em vista a inexistência de volume morto a ser
explorado no SPAT.
Na gestão da crise de abastecimento por que passa
o Estado de São Paulo, os requeridos pautaram as suas decisões em
cenários inexistentes, considerando vazões de afluência5 muito
superiores àquelas efetivamente verificadas, resultando, por
conseguinte, em cenários futuros bastante otimistas em relação ao
esgotamento do volume útil dos reservatórios, distantes da
situação fática.
5 Responsáveis por abastecer os reservatórios.
21
A utilização de tais cenários irreais foi
deliberadamente adotada com o propósito de evitar ou pelo menos,
adiar a imposição à SABESP de redução de suas vazões de
retirada e a imposição de medidas de restrição necessárias e
compatíveis com a gravidade da situação dos reservatórios que
abastecem a Região Metropolitana de São Paulo.
Isto fica muito claro quando se consulta o Plano
de Contingência III do Sistema Alto Tietê, elaborado pela SABESP
em setembro de 2014, em que, afastando quaisquer medidas de
racionamento de água, sugere a adoção das seguintes medidas com o
objetivo de reduzir o aporte de água deste Sistema para os demais:
transferência de vazões adicionais do Sistema Rio Claro, implantação
de programa comercial de bônus para consumidores que reduzirem o
consumo, ampliação de ações de combate a perdas físicas,
aproveitamento do volume do reservatório de Biritiba através do
dique, ampliação do bombeamento na elevatória de Biritiba Mirim de
9 para 11 m3/s em nítida afronta aos limites estabelecidos na
outorga, como acima visto; e ampliação do bombeamento na
elevatória do Guaratuba e bombeamento no reservatório de Jundiaí.
Todas essas medidas, em verdade, visam a
aumentar cada vez mais a retirada de água do SPAT e não garantem a
recuperação dos reservatórios para o enfrentamento da estiagem que
perdurará, sendo, portanto, perfeitamente possível concluir que, assim
agindo, os réus assumiram riscos sérios e inaceitáveis a toda
população atendida pelo SPAT, que está sendo levado ao
esgotamento dos volumes disponíveis, comprometendo, ainda, os
demais sistemas produtores da RMSP, que necessariamente estão
sendo ou serão sobrecarregados para atendimento da demanda.
22
Para tanto, se regras básicas tivessem sido
adotadas e se fossem realizados os ajustes necessários, levando-se em
conta “o estado de armazenamento dos reservatórios, as vazões
afluentes dos meses anteriores e as demandas hídricas dos usuários
localizados a jusante dos reservatórios”, certamente não teríamos
atingido tão dramática situação, beirando um colapso.
Daí a necessidade de se recorrer ao Poder
Judiciário, a fim de que se imponham aos RÉUS medidas técnicas que
visem a coibir o agravamento crescente dos impactos ao
abastecimento público, à saúde pública e ao meio ambiente,
respeitando-se sempre as regras basilares de transparência, eficiência e
participação. São evidentes os riscos que atingirão toda população
atendida por este sistema produtor, que está sendo levado ao
esgotamento dos volumes disponíveis, podendo comprometer,
ainda, se nada for feito, os demais sistemas produtores da RMSP,
com o deplecionamento em cadeia, uma vez que estes também
estão sendo sobrecarregados para atendimento da demanda.
Os documentos, pareceres e relatórios técnicos
que instruem a inicial são conclusivos quanto aos equívocos
deliberados praticados na gestão do SPAT e no fundado receio de
ineficácia do provimento final.
Se as curvas de aversão ao risco tivessem sido
aplicadas nos momentos adequados, se regras básicas tivessem sido
adotadas e se fossem realizados os ajustes necessários ao longo deste
ano, levando-se em conta “o estado de armazenamento dos
reservatórios, as vazões afluentes dos meses anteriores e as demandas
hídricas dos usuários localizados a jusante dos reservatórios”, bem
23
como tivesse havido a preocupação na recuperação ambiental das
áreas de preservação permanente dos reservatórios que compõem o
SPAT, certamente não teríamos atingido tão dramática situação,
beirando um colapso.
Há que se observar, ainda, que NÃO FORAM
OFICIALMENTE ADOTADAS ATÉ O MOMENTO MEDIDAS
RESTRITIVAS DE REDUÇÃO DE CAPTAÇÃO NA RMSP, DE
FORMA A ATENDER TAIS PREMISSAS TÉCNICAS, insistindo
a SABESP, com a anuência do DAEE, em subestimar a dimensão,
a gravidade e as consequências desta crise hídrica a curto, médio e
longo prazo.
Limitou-se a SABESP apenas a adotar, como
visto, “Programa de Bônus” para acelerar a redução do consumo,
sem prejuízo da realização de outras obras emergenciais, mas todas
iniciativas que ficam aquém da necessidade de redução das vazões de
retirada provenientes do SPAT.
Há que se levar em conta que, com as medidas
pleiteadas, não se pretende o desabastecimento generalizado da
RMSP.
Diante da necessária redução ou mesmo enquanto
não restabelecida a normalidade da situação, a SABESP poderá contar
com as obras que vêm realizando, com a eficiência de seus serviços
para a redução de perdas e outras estratégias de uso racional, com a
adoção de medidas de contingência para evitar o desperdício pelos
usuários, pela revisão das outorgas concedidas, bem como com outros
sistemas auxiliares de abastecimento disponíveis na RMSP, dentre
24
eles, as represas Billings e Guarapiranga, além dos demais, que, como
visto, se encontram com níveis bem mais favoráveis do que o Sistema
Cantareira e o SPAT.
Assim, embasados pelos fundamentos que
norteiam o sistema de gerenciamento dos recursos hídricos, há
necessidade de que se imponha um LIMITE FINAL MÁXIMO de
utilização das águas disponíveis no SPAT, já que resta perfeitamente
evidenciado que a intenção da SABESP é explorar ao máximo a
capacidade dos reservatórios, até seu possível esgotamento, sem
qualquer preocupação com a sua recuperação e manutenção do
abastecimento em período de escassez.
Desde logo, há que ser concedida a medida
pleiteada, nos termos abaixo mencionados, para impor restrições e
limites ao direito de uso pela SABESP deste manancial, concedida
por meio da Portaria 350/14.
Mesmo diante das incertezas em relação à
possibilidade ou não de chuvas, as previsões dos órgãos
competentes alertam para uma lenta variação sazonal, indicando,
com isso, a probabilidade de manutenção de poucas chuvas,
abaixo das mínimas históricas.
Reitere-se que não se pretende com a
intervenção do Poder Judiciário, seja realizada a gestão dos
recursos hídricos. O intuito é o de impor aos RÉUS pelo menos,
sejam observadas e cumpridas as premissas técnicas, sem prejuízo
de outras que se fizerem necessárias, bem como a execução do
planejamento necessário, de forma a coibir o agravamento
crescente dos impactos atuais e futuros ao abastecimento público,
25
à saúde pública e ao meio ambiente respeitando-se sempre as
regras basilares de transparência, eficiência e participação.
O provimento jurisdicional de urgência se faz
premente, ademais, para que sejam prevenidos os irreversíveis e
graves danos ambientais, de maneira a se efetivar uma gestão
integrada entre recursos hídricos e meio ambiente, nos moldes
preconizados na Lei 9.433/97 (em especial no art. 31), na Lei 6938/81
e no artigo 3º, incisos I e VII, da Lei Estadual 7.663/91.
Assim, presentes os requisitos autorizadores,
liminarmente, requer-se o provimento do presente recurso para que
se determine a concessão de antecipação da tutela,
independentemente de justificação prévia e de oitiva da parte
contrária, a fim de que se imponham:
1. ao DAEE, na qualidade de órgão outorgante:
A.1. A suspensão dos efeitos da Portaria DAEE
350/14, por conter limites máximos de vazões acima da capacidade de
produção do SPAT, impondo-se a revisão imediata das vazões de
retirada da SABESP, com vistas a que, até 30 de abril de 2015 (início
da estiagem de 2015), atinja o SPAT, no mínimo, 10% do seu
Volume Útil total de armazenamento. Tal providência se afigura
possível e necessária, uma vez que, nesses patamares, já foram
enfrentadas sérias dificuldades de abastecimento no ano de 2014,
supondo que este deve ser, no mínimo, o patamar a ser alcançado em
2015, sem prejuízo de ser buscada, concomitantemente, a recuperação
dos reservatórios;
26
A.2. Que sejam adotadas, imediatamente, medidas
de fiscalização acerca do cumprimento pela SABESP dos limites de
retirada de água do SPAT, com aplicação das penalidades previstas
em legislação para o descumprimento dos limites da outorga do
SPAT;
A.3. Que sejam adotadas as medidas
necessárias para assegurar, no menor tempo possível, não
ultrapassando o prazo máximo de 05 (cinco) anos, A
RECUPERAÇÃO DO SPAT, EM SEU VOLUME ÚTIL
INTEGRAL,6 a fim de alcançar o restabelecimento da regularidade
do abastecimento, em níveis aceitáveis de segurança, que não devem
ser inferiores a 95% de garantia de abastecimento público. Para
tanto, deverão ser estabelecidas metas de recuperação do sistema a
serem atingidas visando à recuperação da capacidade de reservação do
sistema, considerando os níveis a serem alcançados até ABRIL (início
do período de estiagem), e OUTUBRO (início do período das
chuvas) de cada ano, até a integral recuperação, naquele prazo
máximo estabelecido (5 anos);
A.4. Que, em função das incertezas envolvidas no
regime hidrológico futuro e de eventuais imprevistos, seja definido um
VOLUME ESTRATÉGICO A SER PRESERVADO AO FINAL
DE CADA PERÍODO DE PLANEJAMENTO7;
A.5. Que, a fim de garantir a otimização da gestão
do SPAT e a administração diferenciada de seu armazenamento,
enquanto perdurar este período de ocorrências climáticas
6 Disponível em: HYPERLINK "http://www.agua.org.br/noticias/668/sistema-cantareira-suporta-
mais-100-dias-de-estiagem-a-persistir-os-atuais-niveis-de-chuva.aspx"
http://www.agua.org.br/noticias/668/sistema-cantareira-suporta-mais-100-dias-de-estia
27
extraordinárias, que se adote definição SEMANAL DAS VAZÕES
MÉDIAS A SEREM PRATICADAS NOS PRÓXIMOS SETE
DIAS no SPAT, bem como definindo medidas de restrição ou
suspensão de usos da água aos usuários8;
A.6. Que, na definição das vazões a serem
praticadas, sejam OBRIGATORIAMENTE considerados, além do
estado de armazenamento dos reservatórios, as VAZÕES
AFLUENTES REAIS, considerando, ainda, nas decisões no tocante
à alocação de vazões e às medidas de restrições, os CENÁRIOS
MAIS CONSERVADORES (previsões de menores vazões de
afluências já registradas);
A.7. Que sejam devidamente MOTIVADAS - por
meio próprio e não por mera entrega de pareceres entregues pela
concessionária - as decisões relativas às vazões de retirada,
demonstrando claramente: as PREMISSAS ADOTADAS nas
simulações; que as VAZÕES AUTORIZADAS SÃO APTAS A
VIABILIZAR O ATENDIMENTO DOS HORIZONTES DE
PLANEJAMENTO (30 de novembro de 2014, 30 de abril de 2015 e
01 de outubro de 2015 e assim, sucessivamente), AS METAS PARA
A RECUPERAÇÃO DA CAPACIDADE DE RESERVAÇÃO DO
SPAT e a NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DE UM
VOLUME ESTRATÉGICO ao final do período de planejamento.
A.8. Que a metodologia da Curva de Aversão a
Risco seja empregada para a outorga do SPAT após o
reestabelecimento de, pelo menos, 30% do volume útil original do
reservatório;
28
A.9. Enquanto perdurar a situação emergencial
ora retratada, INFORMAR, DIVULGAR e DISPONIBILIZAR, de
forma constante, ampla e integral aos demais órgãos de
gerenciamento de recursos hídricos, aos municípios da região, aos
serviços de água e à população em geral sobre a situação da estiagem
e os seus reflexos para o SPAT, sobretudo no tocante aos eventuais
riscos de desabastecimento, indicando e/ou determinando as medidas
necessárias visando ao adequado gerenciamento dos recursos hídricos.
2. À SABESP:
Além da suspensão dos efeitos da Portaria
DAEE 350/14, requer-se que sejam determinadas as seguintes
providências, em caráter de antecipação de tutela:
2.1. Para a garantia da fiscalização e do
monitoramento das vazões de retirada pela SABESP, nas condições
determinadas pela outorga, que seja, de imediato, disponibilizado o
acesso público, contínuo e integral de toda a série histórica
relativa às seguintes informações, a saber, a.1) das estações de
monitoramento dos níveis de água dos reservatórios, a.2) das vazões
de transferência através das estruturas hidráulicas; a.3) das estações
fluviométricas de responsabilidade da SABESP a montante dos
reservatórios, bem como a.4) todas as estações de medição
fluviométricas e pluviométricas da SABESP.
2.2. Que se abstenha de restringir, dificultar ou
impedir as eventuais vistorias ou inspeções que se fizerem
necessárias, sem prévio aviso, pelos órgãos outorgantes, inclusive
representantes do Comitê das Bacias Hidrográficas do Alto Tietê, no
exercício da gestão compartilhada, descentralizada e
participativa;
29
2.3. O integral cumprimento das determinações do
órgão outorgante.
2.4. Que, no período máximo de um ano,
promova a integral recuperação ambiental, com o emprego exclusivo
de espécies nativas em caráter heterogêneo, das áreas de preservação
permanente de 100 metros contados de seu nível máximo, de todos os
reservatórios que compõem o SPAT.
Em relação a todos os réus, para a eventualidade
de não cumprimento das OBRIGAÇÕES DE FAZER postuladas,
requer-se, nos termos do artigo 273, parágrafo 3° e do artigo 461,
parágrafo 4°, ambos do Código de Processo Civil, que seja fixada
multa diária, para cada uma delas, separada e cumulativamente,
no valor equivalente a 5.000 Unidades Fiscais do Estado de São
Paulo (UFESP) por ato de descumprimento, que deverão ser
devidamente atualizadas, com correção monetária e juros legais, até o
efetivo pagamento sem prejuízo da adoção das medidas judiciais
cabíveis relativas à responsabilidade civil, administrativa e penal.
Para a hipótese de descumprimento da
OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER contida, requer-se que seja fixada
multa no mesmo valor de 10.000 Unidades Fiscais do Estado de São
Paulo (UFESP) por ato, nos mesmos termos acima mencionados.
A multa diária cominatória estabelecida incidirá
da data da vulneração e enquanto perdurar a ilegalidade, sem
desonerar o cumprimento da obrigação principal, incluindo execução
específica, na forma estatuída no artigo 461 c.c. artigo 475-I do
Código de Processo Civil.
30
II – DA ANTECIPAÇÃO DA PERÍCIA:
Além do equívoco em não antecipar a tutela,
determinou o juízo a antecipação de perícia, o que, s.m.j., parece-nos
incabido, uma vez que os agravados ainda não foram citados e não
apresentaram contestações.
A realização de perícia somente se justifica
processualmente depois de saneado o feito, com a determinação dos
pontos controvertidos. Sem a apresentação das contestações, a
indicação de quesitos pelo Ministério Público é prematura, pois pode
redundar na realização de prova pericial incompleta, que não
contemple pontos técnicos que precisem ser esclarecidos em face da
resistência a ser apresentada pelas ora agravadas em suas
contestações.
Não é demais lembrar que, sendo os
requeridos entidades públicas, têm prazo diferenciado para
apresentação de contestação, de modo que participarem de perícia
antes do decurso do prazo para contestação implica reconhecer ofensa
à garantia constitucional do devido processo legal.
Ainda que assim não fosse, chama a atenção
o fato de que o juízo fixou, inicialmente, um prazo de 45 dias para a
entrega do laudo pelos peritos nomeados. Ocorre que, conforme
demonstrado na petição inicial, caso mantidas as vazões de retirada do
SPAT, esse sistema de abastecimento estará completamente esvaziado
dentro desse lapso temporal, de modo que a perícia cuja elaboração foi
31
determinada em nada prestará para salvaguardar a higidez do sistema
ou garantir o abastecimento de água à população dele dependente.
II – DA NOMEAÇÃO DE PERITO SUSPEITO:
Para a realização da perícia acima
mencionada, o juízo houve por bem, entre outros profissionais,
nomear o Engenheiro Químico Jalil Habib Saad, o qual, com a devida
vênia, não está apto a atuar no presente feito.
Com efeito, de acordo com o currículo
profissional por ele mesmo inserido na rede mundial de computadores,
em especial no sítio “Linkedin”, o aludido profissional se qualifica
como “FUNCIONÁRIO DA SABESP: ENGENHEIRO
ENCARREGADO DO SETOR DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO DE REDES DE ÁGUA E ESGOTOS DA
CAPITAL”.
Ora, em se tratando de funcionário de uma
das rés na ação civil pública, por expressa previsão constante do art.
135 c.c. o art. 138, ambos do Código de Processo Civil, por manter
relação hierárquica com uma das requeridas, não pode ele exercer
o papel de perito no processo, sob pena de se macular de parcialidade
a prova a ser produzida, comprometendo, sobremaneira, a tutela dos
interesses difusos de absoluta indisponibilidade que se pretende fazer
com a presente ação civil pública.
III – DA NOMEAÇÃO DOS DEMAIS PERITOS:
32
Com relação aos demais profissionais
nomeados pelo juízo para a perícia precocemente determinada,
verifica-se, também pelos currículos profissionais por eles inseridos
na rede mundial de computadores, que todos são engenheiros civis ou
químicos, que, inobstante sua evidente competência profissional, não
têm habilitação técnica para o trabalho pericial reclamado no presente
feito.
Com efeito, a peculiaridade da prova pericial
da ação civil pública de cunho ambiental tem sido objeto de estudos
das maiores escolas doutrinadoras do assunto. A respeito, confira-se
em Perícia Multidisciplinar no Direito Ambiental, de Fillippe Augusto
Vieira de Andrade e Maria Aparecida Alves Villar Gulin, em Direito
Ambiental em Evolução, de Vladimir Passos de Freitas, Ed. Juruá, p.
92/102.
No presente feito, discute-se também a
degradação ambiental decorrente da ausência de recuperação das áreas
de preservação permanente dos cinco reservatórios que compõem o
SPAT, de modo a ser lícito concluir que a perícia a ser realizada nos
autos deverá conter análise de todo o ecossistema envolvido na
questão em concreto, oportunidade em que deverá ser observado e
diagnosticado em toda a sua complexidade, envolvendo,
principalmente:
- o subsistema abiótico (atmosfera, clima, tempo, ciclo hidrológico,
solo e subsolo, ciclo geoquímico e fluxo de energia);
- o subsistema biótico (florestas, culturas e sua bioquímica,
microrganismos, vida animal em geral) e
33
- o sistema humano (formas de uso e ocupação do meio, tipos de
atividade de produção, tecnologias utilizadas, aspectos sócio-
econômicos e culturais).
Consoante a melhor doutrina específica
(Rebouças, Aldo da Cunha –Estudos de Impactos Ambientais, Uma
Nova Perspectiva de Trabalho Multiprofissional; Anais do XIII
Simpósio Anual da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, ed.
ACIESP, vol. 67, 1989, p. 58, citado na obra acima referida), “os três
subsistemas encontram-se interconectados e se influenciam
mutuamente, sendo que cada um dos subitens corresponde a um
campo profissional ou especialidade, cuja abordagem mecanicista,
reducionista não resolve nossos problemas ambientais”.
Ocorre, porém, que a decisão recorrida atenta
contra o disposto no art. 5º, incisos XII, in fine e LIV, da Constituição
da República e no art. 431-B c.c. o § 2º, do art. 145, do Código de
Processo Civil, além de negar vigência às normas que regulam as
atribuições dos biólogos, geógrafos, geólogos e das diferentes
modalidades da engenharia, as quais serão enfocadas
sequencialmente.
Vejamos.
Os peritos nomeados são profissionais de
nível superior graduados em engenharia civil e devidamente inscritos
no órgão de classe competente, no caso, o CREA - Conselho Regional
de Engenharia e Arquitetura (CPC, art. 145, § 1º).
Contudo, no que tange especificamente ao
requisito da especialidade na matéria (CPC, § 2º, do art. 145), insta
salientar que, sendo os peritos engenheiros, sua profissão está
basicamente regulada pelos seguintes diplomas normativos:
34
a) Decreto Federal n. 23.569, de 11.12.33;
b) Decreto-Lei n. 8.620, de 10.01.46;
c) Lei Federal n. 5.194, de 24.12.66;
d) Resolução CONFEA N. 218, DE 29.06.73;
e) Resolução CONFEA n. 345, de 27.07.90;
f) Resolução CONFEA n. 1.010, de 22.08.05; e
g) Resolução CONFEA n. 1.016, de 25.08.06.
Nesse sentido, veja-se o que dispõem mencionadas
normas aplicáveis ao exercício da profissão de engenheiro civil:
Segundo dispõe o Decreto Federal n. Federal n.
23.569, de 11.12.33, que regula o exercício das profissões de
engenheiro, de arquiteto e de agrimensor:
“CAPÍTULO IV
Das especializações profissionais
Art. 28 - São da competência do engenheiro civil:
a) trabalhos topográficos e geodésicos;
b) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de
edifícios, com todas as suas obras complementares;
c) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das
estradas de rodagem e de ferro;
d) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das
obras de captação e abastecimento de água;
e) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção de
obras de drenagem e irrigação;
f) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das
35
obras destinadas ao aproveitamento de energia e dos
trabalhos relativos às máquinas e fábricas;
g) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das
obras relativas a portos, rios e canais e das concernentes aos
aeroportos;
h) o estudo, projeto, direção, fiscalização e construção das
obras peculiares ao saneamento urbano e rural;
i) projeto, direção e fiscalização dos serviços de urbanismo;
j) a engenharia legal, nos assuntos correlacionados com as
especificações das alíneas "a" a "i";
k) perícias e arbitramento referentes à matéria das
alíneas anteriores.”
Em consonância com a Lei Federal n. 5.194, de
24.12.66, que regula o exercício das profissões de engenheiro,
arquiteto e engenheiro agrônomo e dá outras providências, é conferido
o respectivo direito, dentre outros, ao desempenho de estudos,
projetos, análises, avaliações, vistorias, perícias, pareceres e
divulgação técnica (art. 7º, ‘c’), obedecidos os limites das respectivas
licenças (§ único, do art. 2º), ainda que possam exercer qualquer
outra atividade que, por sua natureza, se inclua no âmbito de suas
profissões (§ único, do art. 7º).
Conforme prescreve referida norma, o Conselho
Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA) constitui
a instância superior de fiscalização do exercício profissional de
referidas carreiras (art. 26), competindo-lhe, dentre outras atribuições,
“baixar e fazer publicar as resoluções previstas para
regulamentação e execução da presente Lei, e, ouvidos os Conselhos
Regionais, resolver os casos omissos.” (art. 27, ‘f’).
36
Assim é que o CONFEA, autarquia dotada de
personalidade jurídica de direito público e que constitui serviço
público federal (LF n. 5.194/66, art. 80) editou a Resolução n. 218,
de 29.06.73, que discrimina as atividades das diferentes modalidades
profissionais da engenharia, arquitetura e agronomia.
Nesse passo, insta verificar atentamente o que
proclama referida Resolução CONFEA n. 218/73:
“Art. 7º - Compete ao ENGENHEIRO CIVIL ou ao
ENGENHEIRO DE FORTIFICAÇÃO e CONSTRUÇÃO:
I - o desempenho das atividades 01 a 18 do artigo 1º desta
Resolução9, referentes a edificações, estradas, pistas de
rolamentos e aeroportos; sistema de transportes, de
9 Assim dispõe o art. 1º, da Resolução CONFEA n. 218/73:
“Art. 1º - Para efeito de fiscalização do exercício profissional correspondente às diferentes
modalidades da Engenharia, Arquitetura e Agronomia em nível superior e em nível médio, ficam
designadas as seguintes atividades:
Atividade 01 - Supervisão, coordenação e orientação técnica;
Atividade 02 - Estudo, planejamento, projeto e especificação;
Atividade 03 - Estudo de viabilidade técnico-econômica;
Atividade 04 - Assistência, assessoria e consultoria;
Atividade 05 - Direção de obra e serviço técnico;
Atividade 06 - Vistoria, perícia, avaliação, arbitramento, laudo e parecer técnico;
Atividade 07 - Desempenho de cargo e função técnica;
Atividade 08 - Ensino, pesquisa, análise, experimentação, ensaio e divulgação
técnica; extensão;
Atividade 09 - Elaboração de orçamento;
Atividade 10 - Padronização, mensuração e controle de qualidade;
Atividade 11 - Execução de obra e serviço técnico;
Atividade 12 - Fiscalização de obra e serviço técnico;
Atividade 13 - Produção técnica e especializada;
Atividade 14 - Condução de trabalho técnico;
Atividade 15 - Condução de equipe de instalação, montagem, operação, reparo
ou manutenção;
Atividade 16 - Execução de instalação, montagem e reparo;
Atividade 17 - Operação e manutenção de equipamento e instalação;
Atividade 18 - Execução de desenho técnico.”
37
abastecimento de água e de saneamento; portos, rios,
canais, barragens e diques; drenagem e irrigação; pontes
e grandes estruturas; seus serviços afins e correlatos.”
(grifamos).
Sequencialmente, em conformidade com a Resolução
CONFEA n. 345, de 27.07.90, que dispõe quanto ao exercício por
profissional de nível superior das atividades de engenharia de
avaliações e perícias de engenharia, está estabelecido que:
“Art. 2º - Compreende-se como a atribuição privativa dos
Engenheiros em suas diversas especialidades, dos
Arquitetos, dos Engenheiros Agrônomos, dos Geólogos, dos
Geógrafos e dos Meteorologistas, as vistorias, perícias,
avaliações e arbitramentos relativos a bens móveis e
imóveis, suas partes integrantes e pertences, máquinas e
instalações industriais, obras e serviços de utilidade pública,
recursos naturais e bens e direitos que, de qualquer forma,
para a sua existência ou utilização, sejam atribuições
destas profissões.” (grifamos).
Em arremate quanto ao tema, vale ainda destacar o
disposto na Resolução CONFEA n. 1.010, de 22.08.05, que prescreve
sobre a regulamentação da atribuição de títulos profissionais,
atividades, competências e caracterização do âmbito de atuação dos
profissionais inseridos no Sistema CONFEA/CREA, para efeito de
fiscalização do exercício profissional.
38
“Art. 6º Aos profissionais dos vários níveis de formação das
profissões inseridas no Sistema CONFEA/CREA é dada
atribuição para o desempenho integral ou parcial das
atividades estabelecidas no artigo anterior, circunscritas ao
âmbito do(s) respectivo(s) campo(s) profissional(ais),
observadas as disposições gerais estabelecidas nos arts. 7º,
8°, 9°, 10 e 11 e seus parágrafos, desta Resolução, a
sistematização dos campos de atuação profissional
estabelecida no Anexo II, e as seguintes disposições:
I - ao técnico, ao tecnólogo, ao engenheiro, ao arquiteto e
urbanista, ao engenheiro agrônomo, ao geólogo, ao
geógrafo, e ao meteorologista compete o desempenho de
atividades no(s) seu(s) respectivo(s) campo(s)
profissional(ais), circunscritos ao âmbito da sua
respectiva formação e especialização profissional; e
II - ao engenheiro, ao arquiteto e urbanista, ao engenheiro
agrônomo, ao geólogo, ao geógrafo, ao meteorologista e ao
tecnólogo, com diploma de mestre ou doutor compete o
desempenho de atividades estendidas ao âmbito das
respectivas áreas de concentração do seu mestrado ou
doutorado.” (grifamos).
A propósito, o Anexo II, da Resolução CONFEA n.
1.010/05 estatui a denominada “Sistematização dos Campos de
Atuação Profissional”, por categorias, e, no caso específico da
modalidade engenharia civil consta que os profissionais com formação
nessa área do conhecimento humano atuam nos seguintes campos:
“SISTEMATIZAÇÃO DOS CAMPOS DE ATUACÃO
PROFISSIONAL
39
1. CATEGORlA ENGENHARIA
1.1.MODALIDADE CIVL
1.1.1. CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO
ÂMBITO DA ENGENHARIA CIVL
1.1.1.1. Construção Civil
Topografia, Batimetria e Geolrreferenciamento.
Infra-estrutura Territorial e Atividades multidisciplinares
referentes a Planejamento Urbano e Regional no âmbito da
Engenharia Civil.
Sistemas, Métodos e Processos da Construção Civil.
Tecnologia da Construção Civil.
Industrialização da Construção Civil. Edificações.
Impermeabilização e Isotermia.
Terraplenagem, Compactação e Pavimentação.
Estradas, Rodovias, Pistas e Pátios. Terminais
Aeroportuários e Heliportos.
Tecnologia dos Materiais de Construção Civil. Resistência
dos Materiais.
Patologia e Recuperação das Construções.
Instalações, Equipamentos, Componentes e Dispositivos
Hidro-Sanitários, de Gás, de Prevenção e Combate a
Incêndio. Instalações Elétricas em Baixa Tensão e
Tubulações Telefônicas e Lógicas para fins residenciais e
comerciais de pequeno porte.
1.1.1.2. Sistemas Estruturais
40
Estabilidade das Estruturas. Estruturas de Concreto,
Metálicas, de Madeira e Outros Materiais.
Pontes e Grandes Estruturas. Barragens. Estruturas
Especiais. Pré-moldados.
1.1.1.3. Geotecnia
Sistemas, Métodos e Processos da Geotecnia e da Mecânica
dos Solos e das Rochas. Sondagem, Fundações, Obras de
Terra e Contenções, Túneis, Poços e Taludes.
1.1.1.4. Transportes
Infra-estrutura Viária. Rodovias, Ferrovias, Metrovias,
Aerovias, Hidrovias. Terminais Modais e
Multimodais.
Sistemas e Métodos Viários. Operação, Tráfego e Serviços
de Transporte Rodoviário, Ferroviário,
Metroviário, Aeroviário, Fluvial, Lacustre, Marítimo e
Multimodal.
Técnica e Economia dos Transportes.
Trânsito, Sinalização e Logística.
1.1.1.5. Hidrotecnia
Hidráulica e Hidrologia Aplicadas. Sistemas, Métodos e
Processos de Aproveitamento Múltiplo de Recursos
Hídricos. Regularização de Vazões e Controle de Enchentes.
Obras Hidráulicas Fluviais e Marítimas. Captação e Adução
de Água para Abastecimento
Doméstico e Industrial. Barragens e Diques. Sistemas de
Drenagem e Irrigação. Vias Navegáveis, Portos, Rios e
Canais.” (grifado no original).
41
Enfim, constata-se, sem maiores dificuldades, que
embora o munus tenha sido conferido a ilustrados engenheiros,
referida modalidade profissional não possui, em princípio, capacidade
e atribuição para, por si só, e sem o concurso de outros ramos das
ciências, vistoriar, periciar e avaliar com a especialidade, abrangência
e precisão necessárias temas relacionados com danos ambientais
decorrentes da ausência de recuperação de áreas de preservação
permanente, que também é objeto da presente ação.
E nem há falar-se, no caso, que o quesito experiência
profissional poderia suprir a necessidade de concurso de outros
profissionais de distintos ramos afins das ciências.
E nem mesmo se diga que os peritos poderão nomear
outros profissionais dos demais ramos de conhecimento, pois tal
solução fere toda a sistemática do Código de Processo Civil para a
realização da prova pericial, uma vez que o(s) perito(s) é(são)
pessoa(s) de confiança do juízo, e confiança é atributo personalíssimo,
que não pode ser delegado ao perito, conforme ilustra a seguinte
ementa, ora transcrita, in verbis:
“Engenheiro que, alegando problemas de
saúde, sem comprovação, indicou profissional com possível
parentesco em razão de igual nome, para representá-lo na
elaboração de laudo pericial. Profissional nomeado com
atualização em área diversa da reclamada pela prova
técnica dos autos. Ato personalíssimo do Juiz e não do
nomeado.Impossibilidade jurídica. Nulidade dos atos
praticados” (2º TACiv SP, 10ª Cam., Ag. 706630-0/2, rel.
Juiz Irineu Pedrotti, v.u., j. 22.08.2001, grifamos).
42
Em face das peculiaridades do evento poluidor,
conclui-se que a alteração negativa dos atributos ambientais afetou,
como antecipado, o meio ambiente em seus aspectos físico (v.g.: solo,
subsolo, águas superficiais, águas subterrâneas, a paisagem, o ar
atmosférico), biótico (v.g.: flora, fauna e os correspondentes
ecossistemas), antrópico (na medida em que afetou as atividades
normais da comunidade) e cultural (os bens ou valores materiais e
imateriais portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira).
Outra, portanto, não pode ser a conclusão salvo a qual,
cuida o caso de perícia complexa, posto exigir a atuação de mais de
uma área do conhecimento humano especializado (CPC, art. 431-B).
Não se pretende com isso afirmar ser totalmente
inviável a participação de engenheiros civis no desempenho da tarefa
cometida aos peritos, mas, à vista das especiais características do caso,
não há como legitimar e dar guarida à avaliação oriunda de enfoque
único e solitário, fundado não em perícia multi e interdisciplinar,
porém em apenas uma área do conhecimento científico, sob a ótica
profissional e formação curricular específicas da engenharia civil.
Na espécie, sequer há notícias se os ilustres peritos,
afora a formação curricular normal, tenham qualquer experiência ou
cursos específicos na área relacionada ao meio ambiente.
Assim, tem-se que a nobre e valorosa categoria dos
engenheiros civis pode exercer, por seus profissionais, o desempenho
das atribuições que lhes foram outorgadas pelo direito, porém, em
eventos como os relatados nos autos, não há como chancelar a visão
pericial calcada em apenas um ramo das ciências, sob pena de
convalidar um resultado compartimentado, fragmentado e parcial,
43
portanto, inadequado e distorcido, posto que não abrangente e preciso
como devido.
Mais que isso, pois significa negar vigência ao disposto
no art. 5º, inc. XIII, in fine, da Magna Carta, que, a par de garantir o
livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, estabelece a
inafastável condicionante no sentido de que devem se “atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
Desta forma, em homenagem aos princípios da
proteção e precaução, além da necessidade prática imposta pelo caso
em concreto, e diante das normas de regência trazidas à colação,
conclui-se que a r. decisão a quo padece de insanável nulidade,
devendo haver a nomeação de peritos especializados em outras áreas
afins do conhecimento científico (v.g.: biólogos, hidrólogos,
geógrafos, geólogos, engenheiros ambientais, engenheiros hídricos,
engenheiros químicos, engenheiros sanitários etc.), sob pena de
prejuízo insanável à instrução do feito, prejudicando-se a integral
satisfação dos interesses difusos tutelados, como, aliás, já decidiu esta
Corte nos autos da Apelação com Revisão n. 669.322.5/7-00, da
Comarca de Jacareí, Relatora Desembargadora Regina Zaquia
Capistrano da Silva.
IV – DO CUSTEIO DA PERÍCIA:
É completamente descabido chamar o Fundo
Estadual de Defesa dos Interesses Difusos – FID (atual denominação,
de acordo com a Lei nº 13.555/2009) a arcar com despesas
processuais, nos quais se incluem o pagamento da prova pericial.
44
A utilização dos valores depositados em tais
fundos, criados pelo artigo 13, da Lei 7.347/85, deve obedecer
estritamente à finalidade legal para a qual foram instituídos
(“reconstituição dos bens lesados”), dentre as quais não se inclui o
custeio de perícias em ações coletivas. 10
A decisão que carreia aos fundos o custeio de
honorários periciais viola diretamente, assim, o teor do art. 13, da Lei
nº 7.347/85, posto que lhes impõe finalidade não prevista no citado
dispositivo legal.
As despesas de todos os fundos especiais,
como é o caso dos fundos de direitos difusos, vinculam-se aos
objetivos determinados na própria lei que o criou, sendo
evidentemente vedada a utilização dos recursos fora das hipóteses
taxativamente previstas.11
O fundo estadual aqui tratado (Fundo
Estadual de Defesa dos Interesses Difusos – FID) é destinatário dos
valores vinculados às ações civis públicas processadas e julgadas
perante a Justiça Estadual e é disciplinado pela Lei Estadual 6.536/89,
alterada pela Lei Estadual nº 13.555/2009. Em seu texto não se acha
nenhuma norma autorizadora da utilização dos recursos no
pagamento de despesas processuais, sejam honorários periciais ou
quaisquer outras.
10 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido
por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério
Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. 11 Lei nº 4.320/64, Art. 71 - Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se
vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de
aplicação."
45
Além disso, os recursos depositados nesse
fundo, decorrentes de condenações judiciais em ações coletivas,
pertencem à coletividade de pessoas titulares do direito difuso lesado.
Não pertencem ao Estado-administração, ao juiz, ao Ministério
Público ou qualquer outro legitimado ativo. Esses recursos não
devem, assim, suprir deficiências institucionais para satisfação de
despesas com honorários periciais.
Portanto, impossível pretender que tal fundo
custeie as perícias judiciais se a lei que o previu (art. 13, Lei nº
7.347/85) e que o criou (Lei Estadual nº 6.536/89) 12
não o autoriza.
MIRRA, com muita propriedade afirma que
“o uso do dinheiro oriundo de condenações proferidas nas ações civis
públicas ambientais em atividades outras que não a recomposição da
qualidade ambiental degradada – como, por exemplo, para o custeio
de perícias judiciais ou extrajudiciais ou para a modernização
administrativa dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas
relativas à proteção do meio ambiente – não está autorizado pela
disciplina legal e normativa da matéria. Para tais finalidades, existem
dotações outras, do próprio fundo, como doações de pessoas físicas
ou jurídicas, nacionais e estrangeiras (art. 2º, VII e VIII, do Decreto
nº 1.306/94 e art. 1º, §2º, VII e VIII, da Lei nº 9008/95), e do Fundo
Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797/89.” 13
É importante ressaltar alguns aspectos
lembrados pelo autor: um deles é a existência do Fundo Nacional do
Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797/89, cuja finalidade é
12 No Estado de São Paulo, as alterações introduzidas na Lei nº 6.536/89 pela Lei nº 13.555/2009
abandonaram a hipótese do Fundo Estadual (atualmente denominado “Fundo Estadual de Defesa dos
Interesses Difusos – FID”) custearem “exames periciais, estudos e trabalhos técnicos necessários à instrução
de ação civil pública”, tal como previa o item 3, do §1º, do art. 2º, do PL 205/2001, ficando, portanto,
rejeitada essa possibilidade. 13 Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2002, p. 335.
46
“desenvolver os projetos que visem ao uso racional e sustentável de
recursos naturais, incluindo a manutenção, melhoria ou recuperação
da qualidade ambiental no sentido de elevar a qualidade de vida da
população brasileira” 14
. Tal finalidade pode, sem dúvida, ser
considerada compatível com o pagamento de perícias judiciais, já que
estas são destinadas à “melhoria ou recuperação da qualidade
ambiental” objeto das respectivas ações civis públicas. Além disso,
suas receitas são provenientes “dotações orçamentárias da União e
doações, contribuições em dinheiro, valores, bens móveis e imóveis,
que venha a receber de pessoas físicas e jurídicas”.15
A aplicação de recursos do Fundo Nacional
de Meio Ambiente pode se dar nos níveis federal ou estadual (além do
municipal), estando, pois, à disposição das autoridades judiciárias
dessas esferas de poder.
Fica entendido, então, a partir das lições de
MIRRA que o Fundo Nacional de Meio Ambiente tem melhor
vocação para atender às necessidades de custeamento das perícias
judiciais e despesas processuais correlatas.
DANTAS também é enfático quanto à
inadequação da destinação de recursos dos fundos de direitos difusos
para custeamento de perícias: “Isso sem falar em alguns casos de
desvio de finalidade, com o direcionamento das verbas do Fundo para
custear perícias realizadas em ações civis públicas propostas pelo
Ministério Público, por exemplo. Com efeito, não parece ser esse o
objetivo do art. 13 da LACP, quando se refere, de modo expresso, à
“reconstituição dos bens lesados”.16
14 Art. 1º. 15 Art. 2º, I e II. 16 Ação Civil Pública e meio ambiente. 2009, p. 266.
47
Diante das lições doutrinárias citadas, não
pode o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
concordar com os argumentos expostos na decisão recorrida. Seja pela
ilegalidade que representa, seja pela simples razão de que há
alternativas possíveis para solução do impasse, perfeitamente
embasadas na legislação, doutrina jurídica e jurisprudência.
Referimo-nos, para o caso dos autos, à
inversão do ônus da prova cuja aplicação foi expressamente requerida
na petição inicial.
A facilitação da defesa do direito ao meio
ambiente equilibrado é medida que se impõe e, assim como ocorre no
âmbito da legislação consumerista, justifica-se a inversão do ônus da
prova em matéria ambiental, como forma de viabilizar a sua defesa em
juízo (Lei nº 6.938/81, art. 14, §1º, primeira parte).
A tese é consagrada pelo Superior
Tribunal de Justiça, tendo decidido pela imposição do ônus da prova
ao poluidor, como medida que atende ao interesse da sociedade como
um todo, bem como das vítimas do dano ambiental:
AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE
PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E
CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE
ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E
ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE
CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO
ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998.
DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO
CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI
6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO
48
AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE
NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE
EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO
FACULTATIVO.
(...)
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador,
público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade
civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e
ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador,
da reparação in integrum, da prioridade da reparação in
natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de
técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se
inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima
ambiental. Precedentes do STJ.
[...]
18. Recurso Especial provido.”(REsp n° 1071741, Segunda
Turma do Superior Tribunal de Justiça, ministro relator
Herman Benjamin, julgado em 24/03/2009 - grifamos)
Aliás, o posicionamento do STJ tem
sido favorável à inversão do ônus da prova em casos como o que ora
se analisa, consoante se depreende dos diversos acórdãos cujas
ementas abaixo colacionamos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO
DE INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO
ÔNUS. ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO.
DESCABIMENTO. PRECEDENTES.
I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público Estadual visando apurar dano ambiental, foram
deferidos, a perícia e o pedido de inversão do ônus e das
49
custas respectivas, tendo a parte interposto agravo de
instrumento contra tal decisão.
II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais
tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto,
transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta
não foi lesiva.
III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que,
em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito
de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao
meio ambiente - artigo 6º, VIII, do CDC c/c o artigo 18, da
lei nº 7.347/85.
IV - Recurso improvido. (REsp n° 1049822. Primeira Turma
do Superior Tribunal de Justiça, ministro relator Francisco
Falcão, julgado em 23/04/2009 - grifamos)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
VIOLAÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC. NÃO
OCORRÊNCIA.
(...)
2. Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais
tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto,
transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta
não foi lesiva. (REsp 1.049.822/RS, Rel. Min. Francisco
Falcão, Primeira Turma, julgado em 23.4.2009, DJe
18.5.2009.)
Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1192569,
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ministro
relator Humberto Martins, julgado em 19.10.2010 - grifamos)
PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA PARA
JULGAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA POR
DANO AMBIENTAL – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE
50
DA UNIÃO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL -
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – OMISSÃO – NÃO
OCORRÊNCIA - PERÍCIA - DANO AMBIENTAL -
DIREITO DO SUPOSTO POLUIDOR - PRINCÍPIO DA
PRECAUÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
1. A competência para o julgamento de execução fiscal por
dano ambiental movida por entidade autárquica estadual é de
competência
da Justiça Estadual.
2. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de
origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao
julgamento da lide.
3. O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus
probatório, competindo a quem supostamente promoveu o
dano ambiental comprovar que não o causou ou que a
substância lançada ao meio ambiente não lhe é
potencialmente lesiva.
4. Nesse sentido e coerente com esse posicionamento, é direito
subjetivo do suposto infrator a realização de perícia para
comprovar a ineficácia poluente de sua conduta, não sendo
suficiente para torná-la prescindível informações obtidas de
sítio da internet.
5. A prova pericial é necessária sempre que a prova do fato
depender de conhecimento técnico, o que se revela aplicável
na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da
eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho
humano.
6. Recurso especial provido para determinar a devolução dos
autos à origem com a anulação de todos os atos decisórios a
partir do indeferimento da prova pericial. (REsp 1060753,
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ministra
relatora Eliana Calmon, julgado em 01/12/2009 - grifamos)
51
Pelas decisões da C. Corte Superior de
Justiça acima citadas está demonstrada a concreta possibilidade de
inversão do ônus da prova, com aplicação direta do inciso VIII, do art.
6º, da Lei nº 8.078/90 (CDC) c.c. art. 21, da Lei nº 7.347/85, como
forma de solucionar o impasse causado pelo teor do art. 18, dessa
última lei.
Fica patente pela orientação
jurisprudencial que a inversão do ônus da prova é perfeitamente
possível e aplicável em matéria ambiental para impor ao degradador o
dever de provar que não contribuiu para a ocorrência do dano.
Assim sendo, caso possível o
adiantamento dos honorários periciais, este ônus caberia aos
requeridos, a quem o juízo deveria ter determinado o adiantamento do
valor precocemente estimado, e jamais ao Fundo Estadual de
Reparação de Direitos Difusos Lesados.
A decisão recorrida afronta, pois, o
disposto na legislação especial (Lei nº 7.347/85 – arts. 13 e 18), e
legislação consumerista aplicável ao caso (art. 6º, inciso VIII), posto
que contraria à interpretação sistêmica e teleológica do ordenamento
jurídico pátrio. Este estabelece a inversão do ônus da prova como
medida excepcional de facilitação da defesa, em juízo, de direitos de
ordem pública tutelados constitucionalmente. Natureza jurídica, tanto
do direito do consumidor, quanto do direito ambiental.
O adiantamento dos honorários
periciais não deve ser exigido, em consonância com o art. 18, da Lei
nº 7.347/85, posto que a isenção sobre o prévio pagamento das
despesas processuais visa, conforme já assinalado, facilitar a defesa
dos interesses transindividuais em juízo.
52
Nesse sentido, a jurisprudência desse
C. Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS.
DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DO ART. 18 DA LEI
7.347/1985. "TERCEIRA TESE". PARCIAL PROVIMENTO
AO PLEITO DO MP.
1. Hipótese em que se configurou dissídio entre os arestos
confrontados, uma vez que a Primeira Turma, no acórdão
recorrido, consignou que "o Ministério Público, nas demandas
em que figura como autor, incluídas as ações civis públicas que
ajuizar, fica sujeito à exigência do depósito prévio referente aos
honorários do perito". Já a Segunda Turma orientou-se em
sentido diverso, entendendo que "nas ações civis públicas não
há adiantamento de honorários periciais pelo Ministério
Público autor.
2. Por expressa determinação legal, nas Ações Civis Públicas
inexiste adiantamento de honorários periciais pelo Ministério
Público autor (art. 18 da Lei 7.347/1985).
(...)
5. Embargos de Divergência parcialmente providos.” (EREsp
981.949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 15/08/2011 - grifamos)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PERÍCIA.
HONORÁRIOS DO PERITO. DESPESA PROCESSUAL.
ADIANTAMENTO PELO AUTOR DA AÇÃO (MINISTÉRIO
PÚBLICO). IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA PLENA DO
ART. 18 DA LEI N.7.347/85.
1. O art. 18 da Lei n. 7.347/85 constitui regramento próprio,
que impede que o autor da ação civil pública arque com os
53
ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto,
as regras específicas do Código de Processo Civil.
2. Considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta
Corte Superior, a determinar que a Fazenda Pública à qual se
acha vinculada o Parquet arque com tais despesas.
3. Essa linha de orientação vem encontrando eco no Supremo
Tribunal Federal: RE 233.585/SP, Rel. Min. Celso de Mello,
DJe 28.9.2009 (noticiada no Inf. STF n. 560/09).
4. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 864.314/SP,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 10/09/2010 - grifamos)
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DESNECESSIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE CUSTAS E
DESPESAS PROCESSUAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/1985.
BENEFÍCIO EXCLUSIVO DA PARTE AUTORA.
APELAÇÃO DOS RÉUS DESERTA.
1. Hipótese em que se alega que os elementos colacionados nos
autos "obrigatoriamente levam ao entendimento de ser afastada
a deserção imposta pelo MM. Juízo monocrático, por ser ela
desprovida de embasamento legal, quer seja pelo fato de existir
previsão legal para o recolhimento das custas e despesas
processuais ao final ou, quer seja em razão dos intransponíveis
defeitos da publicação de r. sentença prolatada, conforme
sobejadamente demonstrado nas contra razões do recurso
especial interposto neste feito" (fls. 290).
2. Esta Corte já assentou que o benefício legal contido na
primeira parte do artigo 18 da Lei 7.347/85 ("Nas ações de
que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e qualquer outras
despesas") alcança apenas a parte autora da ação civil
54
pública, não dispensando do preparo do recurso a parte ré.
Precedentes: AgRg no Ag 1.100.404/SP, Rel. Ministra Eliana
Calmon, DJe 4/8/2009; AgRg nos EDcl no REsp 1113729/SP,
Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJe 29/9/2009; AgRg
na MC 14.116/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 19/6/2008;
REsp 885.071/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, DJ
22/03/2007.
3. A questão relativa à irregularidade na publicação da sentença
não foi objeto do recurso especial interposto pela parte
recorrente, ora agravada. Desse modo, considerando que o
efeito devolutivo dos recursos submetidos à instância especial
está limitado às razões recursais neles deduzidas (recurso de
fundamentação vinculada), nesta sede, falece competência ao
STJ para conhecer de tal questão.
4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp
1151208/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 09/08/2010
- grifamos)
Desse modo, verifica-se, assim, que a
matéria em comento é tratada sob diversos aspectos jurídicos, seja
legal, seja jurisprudencial, coincidindo todos no reconhecimento da
inexistência de suporte para adiantamento de verbas periciais, nas
ações civis públicas.
V- CONCLUSÃO:
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO, por seu representante ao final assinado,
requer o conhecimento e provimento do presente recurso, para o fim
55
de: a) ser deferido o pedido de antecipação da tutela, nos termos
expostos na petição inicial da ação civil pública; b) ser afastada a
determinação de realização de perícia antes da apresentação de
contestação das requeridas e saneamento do feito; c) em caso de
manutenção da perícia, que se determine a sua realização por equipe
multidisciplinar, nos moldes acima expostos, determinando-se, ainda,
o afastamento do perito Jalil Habib Saad, por se tratar de profissional
com vínculo empregatício com uma das requeridas; d) mantida a
perícia, seja afastada a determinação no sentido de que ela seja
custeada por recursos do Fundo Estadual de Interesses Difusos
Lesados; e e) mantida a perícia e o adiantamento dos respectivos
honorários, seja determinado aos requeridos que façam o respectivo
depósito, como corolário da inversão do ônus da prova e do princípio
do poluidor pagador.
São Paulo, 30 de outubro de 2014.
RICARDO MANUEL CASTRO
Promotor de Justiça
Top Related