UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS - CECEN
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA
ISMAEL SILVA VIANA
A ESTRATÉGIA DA RECUSA: Ideologia e Ação da Classe Trabalhadora
de São Luís (1920 - 1930)
São Luís
2007
ISMAEL SILVA VIANA
A ESTRATÉGIA DA RECUSA: Ideologia e Ação da Classe Trabalhadora em São Luís (1920 - 1930)
Monografia apresentada ao curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciado em História.
Orientador: Profº. Ms. Paulo Roberto Rios Ribeiro.
São Luís 2007
ISMAEL SILVA VIANA
A ESTRATÉGIA DA RECUSA: Ideologia e Ação da Classe Trabalhadora de São Luís (1920 - 1930)
Monografia apresentada ao curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciado em História.
Aprovada em: ______/______/______
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________ Profº. Ms. Paulo Roberto Rios Ribeiro (Orientador)
Mestre em História Faculdade São Luís
_________________________________________ 1º Examinador
_________________________________________ 2º Examinador
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me permitiu viver até a presente data e por todas as coisas
maravilhosas que tem me proporcionado.
Ao Professor Mestre Paulo Rios, pela orientação segura, competência e
dedicação.
A minha família, pelo apoio e ajuda nos momentos mais difíceis da minha vida.
A minha amada Christiana Pecegueiro, pelo carinho e incentivo.
A Antônio Fernando Júnior, Jesus Mendonça e Roberto, pela ajuda que me deram
corrigindo este trabalho.
A Alessandro Macquen, Elizângela Salazar, Marcelo Leite e Ester Queiroz,
grandes amigos que me incentivaram e ajudaram durante o curso.
A Gilliam Mellane e André Machado, cuja colaboração foi imprescindível para a
finalização desta monografia.
A todos os professores do curso de História da Universidade Estadual do
Maranhão, em especial, Júlia Constança, Carlos Ximendes, Henrique Borralho, Elizabeth
Abrantes, Marcelo Galves, Alan Kardec e Helidacy Muniz, pela contribuição que deram
durante o curso para a minha formação.
"A verdadeira força motriz e geradora da liberdade,
o verdadeiro meio de resistência às arbitrariedades
do poder, a única força criadora das revoluções está
na ação popular, na ação direta das massas, na
educação e organização dos indivíduos, no esforço e
iniciativa de cada um e de todos".
Neno Vasco
.
RESUMO
Neste presente trabalho, analisamos a formação e a mobilização da classe operária
maranhense durante a década de vinte, discutindo o processo de industrialização ao nível
nacional, a orientação ideológica do Estado brasileiro, passando para uma discussão sobre a
economia maranhense e das disputas políticas locais, analisando a relação entre classes
políticas e proletariado e a pratica política da classe trabalhadora ludovicense.
Palavras-chave: Industrialização. Proletariado. Política.
ABSTRACT
In this present homework, we analyse the formation and mobilization of the
maranhense working - class in twentieth decade, discussing the process of industrialization at
nacional level, passing for the debate of the maranhense economy, the local poilitics disputes,
the relation between politics classes and proletariat and the politics practice of the ludovicense
working - class.
Key-words: Industrialization. Proletariat. Politics
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................9
2 POLÍTICA E ECONOMIA
2.1 A dupla formação da indústria brasileira................................................................12
2.2 A indústria no contexto de era Vargas....................................................................18
3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E CONFLITO SOCIAL
3.1 A ideologia do Estado brasileiro na República Velha.............................................21
3.2 Mobilização e luta da classe operária brasileira......................................................24
4 FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA MARANHENSE
4.1 A economia maranhense até 1930...........................................................................35
4.2 Crise oligárquica e disputas políticas na década de 20...........................................45
4.3 Organização e luta da classe trabalhadora de São Luís (1920 – 1930)...................48
5 CONCLUSÃO.......................................................................................................63
REFERÊNCIAS....................................................................................................66
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1. INTRODUÇÃO
A temática sobre as classes sociais, em especial a classe operária, já suscitou uma
série de estudos e abordagens teóricas em vários campos de pesquisa, uma vez que abrange
toda uma contextualização que deslinda as estruturas subjacentes formadoras do conjunto da
sociedade.
Não obstante, a problemática que envolve a compreensão sobre o aparecimento do
trabalhador assalariado traz em si, uma perspectiva analítica do aprofundamento das
contradições e transformações verificadas no campo econômico, posto que o surgimento do
proletariado vincula-se a um novo modo de produção, o qual aniquila antigas estruturas de
reprodução de capital e relações sociais de produção.
Assim, o ponto de partida para qualquer discussão sobre classe trabalhadora acaba
por ser encontrado no processo de industrialização ou nas suas conseqüências, sendo este o
principal referencial histórico para as análises estruturais e conjunturais dos fenômenos
sociais relacionados à esfera da produção ou não de valor.
Não fugimos a esse preceito, pois buscamos nas transformações promovidas pelo
impulso das novas forças produtivas do capitalismo não apenas os aspectos mais visíveis da
reconfiguração social fomentada pelo aparecimento das fábricas, mas também as relações
nada harmônicas que estão no bojo desse processo.
Portanto, temos como objeto deste trabalho a classe operária de São Luís,
analisada dentro de um recorte temporal que vai de 1920 a 1930, período em que se verifica
uma grande movimentação social e política no Brasil.
Para a realização da pesquisa, lançamos mão de Diários Oficias do Estado do
Maranhão, caracterizados como documentos produzidos pelo Poder Público, e de três jornais
da época veiculados na capital e que tinham alguma expressão: Folha do Povo, Pacotilha e
Tribuna.
A escolha dos documentos em questão deveu-se ao enquadramento destes em
alguns critérios relevantes para a análise, como sua vinculação a determinados extratos
políticos, orientação ideológica, números disponíveis, periodicidade e público-alvo (no caso
dos jornais) e sua utilização como veículo de informação sobre as ações do Governo (no caso
dos Diários Oficiais).
A documentação verificada possibilitou uma maior compreensão da situação
econômica e política vivida pela sociedade ludovicense nos anos vinte, além de revelar fatos
10
concernentes à organização e atuação dos trabalhadores, assim como suas relações com as
estâncias políticas.
O enfoque dado ao trabalho, buscando analisar o conteúdo e a prática política do
operariado, tornou-se um tanto difícil em decorrência da pouca disponibilidade de fontes que
pudessem trazer informações úteis à pesquisa. Porém, percebe-se que esse fato se explica pela
situação política e ideológica que permeava os produtores dos documentos, os quais
percebiam o operariado apenas como massa de manobra e não como um agente social de
mudança, calando, assim, sua voz ou simplesmente falando por ele.
O trabalho encontra-se dividido em cinco tópicos, sendo que tem relevância para a
abordagem os tópicos dois, três e quatro. No segundo tópico apresentamos um breve histórico
do processo de industrialização brasileira, ressaltando sua importância para a modificação das
estruturas econômicas e sociais.
Foi preciso mostrar o contexto em que surgem as primeiras unidades fabris em
território brasileiro, em meio a disputas ocorridas entre a elite agrária e a elite urbana em
formação, sendo que o Estado teve um papel apagado nesse processo, ao contrário do que
ocorria com os países europeus.
Durante a Primeira República, um grande número de indústrias surge em diversas
regiões do país, por conta de condições objetivas que permitiam a sua proliferação. Porém,
com elas, se formava um contingente de trabalhadores, em sua maioria estrangeiros, saídos
dos campos de café, que ajudaram a compor o cenário urbano das cidades do centro-sul.
Porém é apenas durante o governo de Getúlio Vargas que podemos falar em
industrialismo, sendo que o Estado não só passava a interferir no mercado de trabalho, mas
também passa a incentivar a atividade industrial.
No terceiro tópico, procuramos contextualizar a formação de um movimento
operário combativo e revolucionário que surge em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo,
áreas de maior concentração fabril.
Buscamos também apresentar os mecanismos utilizados pelo governo para tentar
impedir as pressões realizadas pelos sindicatos sobre os patrões e sobre o próprio Poder
Público. Assim, analisamos o ideário que compõe a visão de sociedade que tem o Estado,
posto que, a partir dela, busca tutelar os sindicatos através de uma legislação reguladora e
repressora.
No quarto tópico analisamos a formação e organização da classe trabalhadora
ludovicense nos anos vinte, buscando compreender o período em que surgem as sociedades e
grêmios operários, além de avaliar o caráter de tais agremiações.
11
Discutiu-se a relação que os políticos mantinham com o proletariado, os favores
que aqueles concediam às uniões operárias, bem como as disputas verificadas em torno de sua
cooptação.
A pesquisa partiu da perspectiva de que as circunstâncias adversas que
permeavam a classe trabalhadora poderiam criar um movimento operário forte e combativo,
centrado na busca por uma autonomia operária frente aos atores políticos e na luta por direitos
sociais.
No entanto, as fontes nos revelaram uma situação em que a classe obreira estava
"presa" às facções políticas em disputa, o que contribuiu para o fracionamento e fragilidade
das organizações operárias.
Porém, isso não significa dizer de modo algum que o proletariado maranhense era
passivo. Na verdade, este fazia uso da situação de disputa política que o envolvia, buscando
obter benefícios perante as classes políticas. Além do mais, a sua adesão a organismos
operários e a participação em greves demonstra que estava disposto a reverter a sua difícil
situação econômica.
Procuramos montar o cenário em que começa a se formar a classe trabalhadora
ludovicense. Inseridos em um contexto econômico e político eivado de dificuldades, ainda
assim a o proletariado buscava formas de amenizar os problemas que lhes afetavam. Embora
não seja nova a temática em nossa historiografia, tentamos reconstituir as experiências de vida
e luta deste setor social marginalizado pela sociedade da época, resgatando dos escombros da
História, homens e mulheres que tiverem suas vozes suprimidas por seus exploradores.
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2. POLÍTICA E ECONOMIA
2.1 A dupla formação da indústria brasileira
O desencadeamento de um processo industrializante não pode ser encarado
como uma etapa natural do desenvolvimento de todos os países. Mais do que isso, implica
num conjunto de fatores econômicos e históricos, além de imperativos internos e externos que
possibilitem a sua germinação.
A industrialização, enquanto um processo, fomenta uma complexa gama de
transformações que, de maneira articulada, são orientadas para a superação e conseqüente
substituição de um modelo econômico de base agrária por um outro, manufaturado. Daí seu
caráter de irreversibilidade quando iniciado, nunca retornando ao estado anterior, mas apenas
avançando ou entrando em estagnação.
Tal fenômeno não se confunde com o simples aparecimento de fábricas, visto que
“pode ocorrer, num dado momento, em uma economia de base não industrial, um ‘surto industrial’ sem continuidade (...), por resumir-se no surgimento de unidades manufatureiras isoladas do contexto econômico-social global e condenadas, por isso mesmo, a serem reabsorvidas como se fossem mera ‘irritação’ superficial, ou a desempenharem um papel marginal, nas franjas do sistema” (COHN, 1985, pp. 283-284).
No caso brasileiro, o terceiro quartel do século XIX vislumbrou um pequeno
avanço no que diz respeito à manufatura doméstica. Ainda que estudiosos como Edgar de
Decca tenham encontrado o germe da industrialização do país dentro dos engenhos de açúcar,
considerando-o como uma variante do “modelo clássico manchesteriano”, a grande maioria
dos pesquisadores compreende que o aparecimento de relações de produção com mão- de-
obra não cativa enseja a implementação do sistema fabril propriamente dito.
Embora existissem alguns pequenos estabelecimentos têxteis no período
colonial, a primeira tentativa de industrializar o país ocorreu em 1808, quando da vinda da
família real. A assinatura do alvará de 1º de abril do mesmo ano autorizava a constituição de
indústrias no país, outrora bloqueada pelo alvará emitido em 1785, que “proibia o desvio de
braços da lavoura ou das minas, suprimindo as pequenas manufaturas primitivas existentes na
colônia” (VON der WEID, 1995, p. 47).
Em 29 de abril de 1809, um novo alvará garantiu a primeira medida
protecionista para o setor, isentando dos impostos as importações de matéria-prima, dando
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privilégios de 14 anos aos inventores e, ainda, possibilitando o seu financiamento com
empréstimos às manufaturas de algodão, lã, seda, ferro e aço.
Entretanto, o Tratado de 1810 entre Portugal e Inglaterra1, herdado pelo Brasil
quando da sua independência, trouxe grandes prejuízos para a incipiente indústria, posto que
privilegiasse os produtos importados ingleses com uma tarifa preferencial de 15%,
posteriormente estendida às demais nações amigas e que “fizeram morrer no ovo as primeiras
tentativas ‘industrializantes’”. (HARDMAN; LEONARDI, 1991, p.28).
Para Edson Trajano Vieira, a ausência de proteção por parte do Estado (visto
que o alvará de 1809 não fora respeitado) e a submissão da economia às influências externas-
submissão esta que se encontrava materializada em uma abertura comercial unilateral - não
viabilizavam a criação de uma base de sustentação mínima para a o empreendimento fabril.
Porém, é preciso enfatizar que a predominância de uma paisagem rural com
poucas cidades em estado de incipiente urbanização, mercado consumidor fragmentado com
poucos consumidores ativos, baixa monetarização da economia e a inexistência de um
mercado de trabalho livre expressivo não permitiam o pleno desenvolvimento das relações
capitalistas de produção. Em suma, faltavam ao país os fatores históricos que sinalizaram para
a industrialização nos países do Velho Mundo2.
Durante todo o período imperial, prevaleceram os interesses dos grandes
produtores rurais, os quais orientaram o governo brasileiro a adotar uma postura liberal em
relação à política externa. A discussão sobre a adoção de novas teorias econômicas se ampliou
no seio da classe agro-exportadora, quando se verificou a necessidade de aumentar a
arrecadação do Estado.
Em uma economia de exportação de produtos primários como a do Brasil, a
única forma de angariar fundos para os cofres públicos estava na tributação dos produtos
importados ou, em última medida, nos impostos sobre a exportação. Por conta disso, a elite
agrária se debatia sobre a decisão de ver os seus lucros reduzidos ou de aumentar as taxas
sobre o imposto de importação, causando aí o aparecimento de um grupo que defendia a
adoção de medidas protecionistas pelo Estado com o fito de manter seus rendimentos.
Entretanto, os defensores do liberalismo não viam essa medida com bons olhos,
1 O Tratado de 1810 garantia a entrada do vinho produzido em Portugal no mercado inglês, mediante vantagens conferidas aos produtos britânicos no mercado luso. 2 Resumidamente, a partir de Cohn, podemos definir esses fatores como sendo a existência de excedente monetário concentrado em poder de um grupo minoritário, de inovações na atividade econômica, mão-de-obra disponível, redes de transporte, mercado de consumo e aparato jurídico-ideológico, fornecido este último pelo Estado.
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principalmente aqueles ligados às grandes casas importadoras, em geral, as inglesas, que aqui
despejavam um sem-número de artigos manufaturados.
Contudo, significativas mudanças ocorreram com as medidas tarifárias
implantadas em 1844. As pressões inglesas sobre o Brasil em relação ao fim do tráfico de
escravos levaram este último à não renovação do tratado de 1810. A Inglaterra, ressentida,
elevou a taxa sobre o açúcar brasileiro despejado em seus portos. A resposta brasileira não
tardou. Durante a gestão do ministro da Fazenda Manuel Alves Branco, foi criada a taxa que
levou o seu nome, na qual os impostos sobre os importados elevaram-se entre 30% e 60%,
sendo o surgimento de indústrias o seu resultado direto, como forma de suprir o mercado por
conta do aumento dos produtos vindos do exterior.
Embora essa taxação tivesse caráter protecionista, tinha como objetivo também
atender aos interesses fiscais do Estado. Como conseqüência, os custos da produção interna
foram ampliados, uma vez que as tarifas alcançaram também os artigos de primeira
necessidade e as matérias-primas, de modo que tanto os pequenos industriais quanto os
liberais que se opunham ao aumento dos impostos estavam insatisfeitos.
As medidas protecionistas adotadas pelo governo brasileiro entre as décadas de
1850 e 1860 não foram suficientes para o deslanche da indústria. Isso porque, além das
dificuldades existentes ao nível técnico, a ausência de uma política econômica
desenvolvimentista aliada a uma política externa pautada em interesses setoriais, estiolava as
possibilidades de um investimento maior no ramo manufatureiro.
Além disso, as disputas travadas entre as elites oligárquicas rurais, defensoras
de uma política liberalizante e as elites urbanas em formação, acabaram definindo um padrão
de industrialização com uma apagada participação do Estado nesse processo, o que não
impediu que as bases da industrialização brasileira fossem firmadas.
A retração dos lucros auferidos pelas lavouras tradicionais de algodão e açúcar
cedeu espaço para a exportação de café, produto que se tornou a principal riqueza do país
entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
Concentrada na região fluminense do Vale do Paraíba e estendida pelo Oeste
Paulista, a região cafeeira vai sofrer importantes mudanças nas suas bases organizativas a
partir de 1870. A mecanização de parte de sua produção, viabilizando uma melhor
conservação do café, a criação de casas bancárias e a expansão do crédito conjugados com a
substituição da mão-de-obra escrava pela imigrante livre são algumas das características
encontradas principalmente em São Paulo. Daí a formação de um pólo econômico dinâmico
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em contraste com as outras regiões brasileiras suas contemporâneas, graças à conjuntura
verificada nas duas décadas anteriores.
A partir de 1850, a inadequada oferta de mão-de-obra vai se constituir no
problema central da economia brasileira. A situação se agravou com o fim do tráfico negreiro
e a expansão das lavouras de algodão do Nordeste, as quais receberam novo alento em razão
da Guerra Civil Americana, ocorrida na década de 1860. Esse fato contribuiu para restringir o
deslocamento de força de trabalho escrava para o complexo cafeeiro cada vez mais em
expansão, graças aos preços elevados alcançados no mercado internacional.
A introdução de mão-de-obra imigrante livre, oriunda da Europa na lavoura de
café como resposta à escassez de braços provocada pelo fim do tráfico negreiro, foi um
elemento de grande importância no contexto dessas transformações. Uma vez que “a
expansão da atividade cafeeira fez com que houvesse o aumento da massa de salários”
(ALCOFORADO, 2003, p.128), tal fato colaborou para a formação de um significativo
mercado consumidor de produtos nacionais na região.
O excedente oriundo das exportações de café cooperou para a modificação do
espaço natural paulista em uma zona de grande urbanização, propiciando aí a formação e o
desenvolvimento do capital industrial. Desse modo
“a economia brasileira, que começara um lento processo de transformações a partir da abolição de escravos em 1850, modifica-se ainda mais após o final da Guerra do Paraguai. As exportações de café haviam criado um superávit em nossa balança comercial, possibilitando uma acumulação de capital em mãos de fazendeiros paulistas. As ferrovias modernizavam os transportes, aproximando populações até então isoladas, favorecendo a ampliação do mercado interno. Por outro lado, o sistema ferroviário facilitou o escoamento da produção cafeeira das fazendas até os portos, tendo criado uma infra-estrutura básica para a acumulação de mercadorias” (HARDMAN; LEONARDI, 1991, p.40).
Os lucros auferidos com o café possibilitaram o surgimento de vários
estabelecimentos manufatureiros. Isso não significa dizer que os agricultores se tornaram
industriais; na verdade, grande parte dos empresários fabris vai ser fornecida pelas correntes
imigratórias, como nos mostra a pesquisa realizada por Bresser-Pereira, em artigo publicado
em 1964 e republicado em 1994.
16
Origens étnicas do empresariado paulista:
Origens Número % Brasileira (3 Gerações) 32 15,70 Estrangeira 172 84,30 · Netos de Imigrantes 23 11,3 · Filhos de Imigrantes 48 23,5 · Imigrantes 101 49,5 Total 172 204 84,3 100,0 (Extraído de BRESSER-PEREIRA, Luís Carlos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 9(25)
junho de 1994.p.5).
É importante atentar para outro dado fornecido por Bresser-Pereira em relação
às origens da indústria paulista. Além da predominância de estrangeiros à frente dos
empreendimentos industriais, assegura o autor que o capital utilizado para tal foi, em grande
medida, proveniente de fundos próprios ou da família. Isso demonstra que a indústria paulista
não tem suas origens ligadas às famílias ocupadas com o expediente cafeeiro, e sim aos
imigrantes que vieram para o país.
Se os industriais de São Paulo não têm suas origens nas famílias ligadas à
exportação de café, como este produto contribuiu para a formação de um núcleo fabril de
vulto em fins do século XIX e início do XX? Esta pergunta foi em parte respondida, uma vez
que não há dúvidas de que “a industrialização de São Paulo jamais teria ocorrido da forma
que ocorreu se não fosse a acumulação de riqueza provocada pelo café” (BRESSER-
PEREIRA,1994, p.6).
A incorporação de trabalhadores europeus nos quadros produtivos, em
substituição ao braço escravo, foi responsável pela modificação dos padrões de atividade
econômica
“de vez que se tratava de portadores de hábitos de consumo diversificados em relação aos dos estratos mais baixos da sociedade brasileira da época, mas ainda bem menos exigentes do que os grupos senhoriais, consumidores de produtos importados; vale dizer, constituíam uma conjugação ideal de capacidade produtiva e disposição para consumir manufaturados pouco requintados, ao alcance da produção local” (COHN, 1985, p.288).
.
Para se ter uma idéia desse mercado consumidor em formação, entre o período
de 1844 - 1903 “o Brasil recebeu mais de um milhão de italianos” (DULLES, 1977, p. 17),
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sem contar com os portugueses, franceses, espanhóis e alemães que aqui desembarcaram,
além da mão de obra recrutada internamente.
Somam-se a esse quadro, o surgimento de várias casas bancárias, unidades
comerciais, estabelecimentos ligados ao setor de importação e exportação, além de capital
estrangeiro investido em forma de infra-estrutura, todo um contexto econômico dinâmico,
possibilitando um grande nível de trocas monetárias essenciais à configuração do sistema
capitalista.
O próprio movimento do comércio monoagroexportador também foi de grande
importância para o surgimento de várias fábricas na região. A proteção dada ao café através
da manipulação do câmbio é um esquema já muito conhecido, feito através da desvalorização
da moeda nacional todas as vezes que ocorria uma diminuição nas exportações.
A contrapartida a esse mecanismo era o aumento do preço dos produtos
importados, fato que acabava por beneficiar indiretamente a indústria nacional e o surgimento
da várias unidades fabris como resposta a essa conjuntura, pois segundo algumas estatísticas,
entre 1880 e 1884, foram fundados, só em São Paulo, 150 estabelecimentos industriais,
subindo esse número para 248 no quadriênio seguinte (HARDMAN; LEONARDI, 1991,
p.41). Podemos, a partir daí, afirmar que a manipulação da taxa de câmbio foi a mola
propulsora da industrialização no contexto brasileiro.
O fim do escravismo terá impacto positivo para a nova conjuntura, através da
liberação de capitais para outras atividades e a total substituição das relações de produção por
outras, como a forma assalariada de recompensa pelo trabalho.
Tal fato coincidiu com o aparecimento de muitas fábricas em várias partes do
território nacional, que, em decorrência da demanda de empregos, acabou exigindo mais
trabalhadores para o setor. É nesse contexto de mudanças, ocasionadas pela introdução da
mão-de-obra de base livre no setor de produção, que ocorre uma reconfiguração social no
país, com o aparecimento do proletariado urbano industrial, produto por excelência do
capitalismo industrial.
Nascido no bojo de uma sociedade escravagista, esse novo ente social, no caso
brasileiro, não representa a evolução de outras formas de prestação do trabalho3, como
3 Hardman e Leonardi demonstram a contradição no processo produtivo brasileiro quando comparado ao europeu. Se na Europa havia, no período de surgimento das primeiras unidades fabris, a contínua criação de um mercado de trabalho (levando-se em conta que este mercado implica uma relação de contraprestação de serviços com base no pagamento de salários), no Brasil existiu um regime de produção em que escravos e trabalhadores livres ocupavam o mesmo espaço nas primeiras fábricas, impedindo a "evolução de outras formas de prestação do trabalho". Tal evolução poderia ser exemplificada no caso das corporações de ofício inglesas, onde seus
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aconteceu na Europa; antes, representa uma ruptura com o modelo anterior. Escudados nessa
compreensão, os trabalhadores das fábricas irão desenvolver sua práxis organizativa orientada
para o embate contra a cristalizada mentalidade escravista dos patrões, bem como dos
mecanismos exploratórios aplicados nas fábricas que visavam garantir os lucros dos
empresários.
O translado de várias teorias socialistas em voga na Europa, através também
dos imigrantes advindos daquele continente, encontraram terreno fértil para se propagarem
entre o operariado fabril brasileiro em formação, atribuindo-lhe, assim, um importante
conteúdo ideológico que, com o advento da República, contribuiu para despertar uma
consciência social urbana sobre questões de “direitos do povo”, consubstanciada nas revoltas
da Vacina e da Chibata.
Além disso, tais idéias serviram de condutores para o aparecimento de uma
consciência de classe, pois acabavam por definir as linhas de ação para a formação das frentes
de resistência contra o capital, organizadas a partir dos sindicatos.
2.2 A indústria no contexto da era Vargas
As mudanças ocorridas com a Revolução de 1930 vão redirecionar a política
econômica do país. A ascensão de Vargas ao poder marca o afastamento dos interesses das
oligarquias voltadas para o padrão de acumulação pautado no modelo primário exportador e a
ascensão dos interesses da burguesia, com a consolidação da ideologia nacional-
desenvolvimentista, que previa um modelo de desenvolvimento autônomo e de forte base
industrial como forma de superar os efeitos da crise de 29. (ALCOFORADO. Apud
ALCOFORADO, 2003, p. 130). Assim, o eixo econômico do país é deslocado do setor de
exportação para a atividade industrial, sendo verificado nos anos posteriores a consolidação e
expansão do capitalismo no Brasil.
O Estado varguista que se vai construindo ao longo de toda a década de 30
criará novos mecanismos de reestruturação dos canais de participação política quanto às
instâncias decisórias. Atuando como canalizador das disputas entre os setores tradicionais e
emergentes da economia, promoverá a justaposição e acomodação das forças em oposição
dentro do aparelho do próprio Estado.
integrantes, outrora autônomos, foram gradativamente absorvidos pelo sistema fabril e expropriados dos meios produtivos, ocasionando a sua proletarização.
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Embora algumas análises apontem a Revolução de 304 como o alijamento das
oligarquias dos quadros do poder central e a conseqüente ascensão dos grupos ligados aos
produtores internos, incluídos aí os industriais, outros estudos fazem o caminho inverso,
atribuindo ao Estado que se ergue no período uma identificação com os interesses
conservadores das antigas elites políticas, posto que as medidas adotadas no plano econômico
estivessem escoradas na defesa dos interesses cafeeiros e, por isso mesmo, se constituiriam
como um bloqueio ao desenvolvimento e modernização do setor de produção brasileiro.
(Pelaez, 1971, pp. 50 - 82).
Compreendemos, porém, o golpe deflagrado em 1930, como importante etapa
na evolução histórica do país no que diz respeito à mudança de rumo das perspectivas
ortodoxas de manutenção da economia, com o deslocamento do eixo econômico do pólo
agroexportador para o pólo urbano-indústrial, servindo-se o Estado de mecanismos de atuação
que lhe permitiram a recuperação dos efeitos gerados pela crise de 1929, não apenas como
mera resposta automática aos estímulos exógenos, mas como decorrente da própria dinâmica
das relações que surgem com a Revolução de 1930, tanto ao nível da reestruturação das
classes políticas e econômicas, quanto da impossibilidade mesma de ignorar um setor que já
demonstrava importância dentro do contexto da produção de riqueza no Brasil.
As interpretações que aludem à irrelevância dos fenômenos ocasionados a
partir de 30 vêem as novas medidas como uma continuação da orientação político-econômica
verificada no período anterior, em que a burguesia cafeeira e a burguesia industrial estariam
atuando no mesmo plano, sem divergência de interesses. Tais assertivas foram percebidas por
Bresser-Pereira como o que ele denominou de “interpretação funcional-capitalista”, uma
forma de análise perceptível dentro do pensamento das esquerdas brasileiras a partir da
década de 1960, onde se negava “o caráter pré-capitalista (ou mesmo capitalista-mercantil)
da sociedade brasileira anterior a 1930” e afirmava “a continuidade e perfeita unidade da
classe dominante brasileira”( BRESSER-PERREIRA,1982, p.279). Tal enfoque explicativo
estaria escudado no ressentimento gerado pelo colapso do pacto populista verificado com o
golpe de1964, fomentando a necessidade de negar qualquer aliança proletário-burguesa no
período anterior.
Entretanto, nos convém ressaltar que, malgrado a impossibilidade da elite
burguesa industrial de se manter dentro dos quadros de decisão enquanto grupo hegemônico
4 A utilização do termo "revolução" deve-se ao fato deste já estar consagrado pela historiografia brasileira. Entretanto, compartilhamos das idéias expressas em autores como Edgar De Decca, Anita Leocádia Prestes, Edgar Carone e do brasilianista Thomas Skidmore acerca de seu significado, enquanto um movimento golpista, ou , seguindo a interpretação dos dois últimos, uma conspiração da elite contra a própria elite.
20
nos primeiros anos do governo Vargas, os rearranjos políticos realizados pelo Estado
promoveram a abertura de novos canais de influência e pressão que esta classe conseguiu
capitalizar para si. O fato de não haver uma política industrializante no início da Era Vargas
não nos autoriza a concluir afirmativamente sobre a existência de um governo anti-
industrializante calcado na preponderância dos interesses das oligarquias agroexportadoras.
(DINIZ, 1986, p.90)
Fato é que durante toda a década de trinta e depois a década de quarenta
(excluído o período compreendido entre 1939 e 1945 por conta da guerra e da conseqüente
dificuldade de importar máquinas) verificou-se um surto industrial significativo, com o
aparecimento de um grande número de fábricas. Para se ter em mente a dimensão do
processo, o censo de 1940 contabilizava 49.418 estabelecimentos industriais dos quais 34.691
foram fundados depois de 1930. (DINIZ, 1986, p.90). Além disso, o ritmo de crescimento da
produção industrial percebido entre 1929 e 1939 foi de 8.4%, enquanto a produção agrícola
para o mesmo período foi de 2,2%, nos levando a inferir que a atividade industrial foi
substituindo a atividade agrícola enquanto setor mais importante de produção de capital.
(DINIZ, 1986, p.91).
Com base nesses dados, percebemos a relevância que a indústria passa a ter no
período. A própria burguesia industrial passa a ter grande importância nessa evolução, uma
vez que passou a ter algumas de suas reivindicações atendidas como a consecução de uma
política protecionista, integração do mercado interno, institucionalização do crédito para o
financiamento da industrialização através do mecanismo de confisco cambial, manutenção do
equilíbrio das relações entre o capital estrangeiro e a moeda nacional, para enumerar apenas
alguns pontos.
Assim, podemos falar em industrialismo no Brasil a partir de 30, visto que a
partir daí a indústria vai se configurar como o setor líder da economia, com uma expressiva
participação das elites urbano-industriais dentro deste contexto e a mudança das diretrizes de
ação do Estado, que abandona sua postura de afastamento em relação ao processo econômico,
excetuado quanto à política do café, para uma atuação de intervenção no conjunto da
economia, dado o centralismo do governo de Vargas, que acabou por servir de tampão para as
disputas existentes entre as classes sociais conflitantes.
Podemos dizer que a indústria nasceu nos poros da economia mercantil
cafeeira, como um reflexo das circunstâncias verificadas no setor exportador graças ao
contexto do mercado internacional, tanto em decorrência das crises ocorridas nos países
compradores como por ocasião das guerras deflagradas na Europa, especificamente a I e a II
21
Guerra Mundial, que acabavam por ocasionar uma interrupção no abastecimento de
mercadorias importadas, cabendo à produção doméstica suprir essa carestia. Assim, as
medidas adotadas como forma de manter estável o fluxo dos lucros do comércio de
exportação acabaram beneficiando o aparecimento de fábricas não só em São Paulo, como
também em várias regiões do país. Toma-se o sul como referência no processo de
industrialização brasileira por conta do aprofundamento das relações econômicas verificadas
nessa região em oposição aos outros estados, além do que, a partir de 30, os rumos político-
econômicos da nação serão definidos com base nas reivindicações dos industriais
concentrados no centro-sul.
3. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E CONFLITO SOCIAL
3.1 Ideologia do Estado Brasileiro na República Velha
O corte institucional promovido pela aglutinação de forças que deram origem
ao que ficou conhecido na História brasileira com o nome de Revolução de 30, acabou por
categorizar a República organizada antes dessa conjuntura como um modelo de estruturas
arcaicas (daí o nome de República “Velha”) escoradas no liberalismo e distante dos assuntos
que envolvessem a força de trabalho.
Tais afirmações acabam por relativizar a intromissão do Estado na vida
econômica do país nessa época, assim como em sua tentativa de administrar os conflitos que
começavam a se apresentar sob os auspícios organizativos da nova ordem burguesa que se
configurava a partir de então.
É provável que essa assertiva apenas leve em consideração a disposição
legislativa existente na Constituição de 1891, porém, a atuação do aparelho estatal junto a
assuntos de natureza econômica e trabalhista, nas primeiras décadas do século XX, nos leva a
repensar o caráter das medidas governamentais, que caminhavam no sentido de dar início a
um processo de gestão do mercado de trabalho, proposta esta a que Getúlio Vargas apenas
deu continuidade de uma forma mais acentuada. (SILVA, 1990, pp.45-50).
O que se pode perceber, a partir de uma rápida análise nas leis e decretos
surgidos durante o período do governo de Vargas, é a ocorrência de uma apropriação das
bases legislativas do período que o antecede, sendo que a montagem do aparelho estatal
intervencionista que surge em 30, encontra seus alicerces ainda nas décadas de 10 e 20.
22
Essa perspectiva de intervenção está embasada numa compreensão da
construção do Estado enquanto sujeito imanente e, ao mesmo tempo, transcendente ao social,
dotado de um sistema ideológico que procura conceituar e legitimar a sua autoridade como
princípio tutelar da sociedade.
Bolivar Lamounier procurou explicitar, em linhas gerais, a formulação de um
pensamento político autoritário na Primeira República, lançando mão, para a sua análise, dos
trabalhos de alguns intelectuais do período. Segundo ele, os princípios do liberalismo político
foram suprimidos por uma ótica contraproducente à sobrevalorização do Mercado enquanto
agente regulador e orientador das demandas políticas. Assim, “o fulcro da ideologia de Estado
é, ao contrário, o intento de domesticar o Mercado, e particularmente, o princípio de mercado
atuante nas relações políticas” (LAMOUNIER, 1986, p. 358).
Dentre os princípios que regem esse sistema ideológico, tem relevância para a
nossa linha argumentativa o que o referido autor chamou de “visão orgânico-corporativa da
sociedade”. Sob este prisma, os ideólogos do Estado atribuem a este o papel de catalisador das
estruturas sociais, garantindo a harmonia dos diferentes órgãos que compõem a sociedade,
salvando o país da “degenerescência” que os conflitos engendrados em seu interior poderiam
causar.
As influências do positivismo e do darwinismo social nos círculos intelectuais
devem ter contribuído para a criação de uma representação da sociedade enquanto um
organismo composto de partes funcionais e harmônicas entre si, que deveriam ser
coordenadas por um “cérebro”; função esta desempenhada pelo Estado, onde caberia aí a
intervenção do aparato governamental sempre que se fizesse necessário, a fim de garantir a
manutenção da “ordem”.
A própria década de 20 estava mergulhada em um contexto internacional
agitado por movimentos nacionalistas e autoritários, os quais irão engrossar o caldo
ideológico que levará a Europa a afundar-se na guerra de 1939.
Partindo dessa conjuntura, Lamounier percebe fragmentos dessas influências
externas na formação de um pensamento autoritário brasileiro na vigência da República
Velha; uma ideologia por ele denominada de “protofascista”.
Daí partiria a justificativa do uso de mecanismos de repressão às novas
demandas políticas que surgiram quase que imediatamente ao processo de industrialização.
Isso porque os novos atores sociais que surgem com o fenômeno (no caso, os proletários),
passam a se organizar em torna de causas tidas como justas, questionando as estruturas de
23
poder e a ordem econômica, fazendo com que o exercício da autoridade estatal passe a ser
efetivamente contestado.
A atuação dos sindicatos na orientação das ações operárias era, na percepção
do Estado, uma espécie de distúrbio na ordem natural das coisas, uma anomalia no organismo
social. Assim, a dissolução das associações trabalhistas, dos comícios operários, a expulsão de
estrangeiros do país que estivessem ligados aos movimentos grevistas e outras medidas
repressivas tomadas pelo governo, buscam refrear as tentativas de forçar a modificação na
realidade política e social do período, empreendida pelos produtores diretos. (LAMOUNIER,
1986, pp. 362-364).
É no bojo das manifestações das classes laborativas que surge uma nova forma
de atuação do Poder Público no sentido de garantir o efetivo controle sobre as massas,
dirimindo os conflitos entre patrões e empregados e esvaziando o movimento sindical,
interferindo diretamente no mercado de trabalho através da adoção de uma legislação
trabalhista, elaborada, segundo Jaqueline Ferreira (2006), com forte oposição do
empresariado.
O impedimento colocado pela Constituição de 1891, em seu artigo 72, sobre a
intervenção do Governo no mercado de trabalho, foi alterado em meados de 1926 com a
inclusão do inciso XXIX no artigo 34, o qual atribuía ao Congresso Nacional “poderes para
legislar sobre questões do trabalho” (SILVA, 1990, p.46).
Não obstante, é ainda em 1919 que o Brasil adquire sua primeira lei de
proteção ao trabalho (acidentes de trabalho), seguida da legislação que garantia estabilidade
no emprego, aposentadoria para funcionários e pensão (1923), da Lei de Férias (1925,
alterada em 1926) e a regulação do trabalho dos menores, com a proibição da atividade
laboral do menor de 14 anos.
Embora o texto final de algumas destas leis tenha sofrido modificações por
parte do patronato, elas demonstram que algumas reivindicações operárias foram
recepcionadas pelo Poder Central, evidenciando, dessa forma, que a questão social, ainda na
vigência da República Velha, passou a ser tratada não apenas como “caso de polícia”, mas
como um problema, o qual o Governo não podia mais ignorar.
É ainda dentro do quadro da Primeira República que se inicia o processo de
interferência do Estado na esfera do trabalho, numa tentativa de promover um controle sobre a
mão-de-obra assalariada, em um verdadeiro ensaio do que ocorreria com o governo varguista.
Os sindicatos passariam a sofrer o assédio da elite política e, conseqüentemente, a cisão
ideológica dentro do movimento, situação essa que vai ser comprovada com o declínio das
24
lideranças anarquistas durante os anos vinte e o aumento da influência de uma facção
“trabalhista” no meio operário, que vislumbra o governo como um aliado, sem contar com as
constantes investidas dos comunistas5.
A partir dessas considerações, podemos compreender a forma de atuação do
Estado junto às tentativas de organização da sociedade civil que não estivessem atreladas, ou
pelo menos tuteladas pelo Poder Público. As ações deste último não faziam parte de um
cronograma de reações espontâneas contra as massas trabalhadoras, orientadas pela pressão
das circunstâncias, mas se enquadravam dentro de um projeto político de organização de uma
sociedade de colaboração entre as classes, nos moldes do corporativismo, revelando que, se
por um lado os operários vinculados a correntes de esquerda pensavam em formas de
modificação do social, o Estado procurava impor a sua visão hegemônica não só pela força,
mas tentando criar a imagem de que era apenas através de sua benévola atuação e, dentro dos
seus limites, que poderiam ocorrer essas modificações. (LAMOUNIER, 1986, p. 363-373).
3.2 Mobilização e Luta da Classe Operária Brasileira
A industrialização trouxe uma nova realidade no plano das relações de
produção, uma vez que substituiu o antigo binômio senhor x escravo pela relação patrão x
trabalhador.
Com a implantação do grande número de fábricas verificada no centro-sul,
teremos aí a formação de um grande núcleo de trabalhadores assalariados de várias categorias
profissionais em áreas urbanas. A precariedade das condições de sobrevivência das camadas
operárias irá determinar a formação de associações de socorro mútuo6, dando início a um
processo de germinação da solidariedade operária.
A presença de um grande número de imigrantes nessas regiões contribuiu para
a construção de uma identidade de classe, modificando substancialmente o caráter político das
primeiras agremiações mutualistas, visto que parte significativa desses estrangeiros trouxe
consigo as experiências de luta contra o aviltamento do trabalhador provocado pela ordem
burguesa em seus países de origem.
5 Grupo político que surge no cenário nacional a partir da década de vinte. 6 As associações mutualistas eram organizadas com o fito de auxiliar os trabalhadores filiados às mesmas em caso de acidentes no trabalho, enfermidades irreversíveis ou no caso do falecimento do operário, financiando o seu funeral.
25
O quadro abaixo procura dimensionar em números, o contingente de
estrangeiros ocupados em atividades industriais, confrontando com os dados de brasileiros no
exercício das mesmas ocupações, no ano de 1893, em São Paulo:
Ocupação de nacionais e estrangeiros em São Paulo - 1893
Nacionais A
Estrangeiros B
Total Percentagens B/A
Manufatureiros 774 2.893 3.667 79% Artistas 1.481 8.760 10.241 86% Transportes 1.998 8.527 10.525 81% Total 4.253 20.180 24.433 82,5% Fonte: PINHEIRO: 1986.p.139
Entre os anos de 1888 e 1920, os dados estatísticos nos revelam a entrada
volumosa de imigrantes de várias nacionalidades ainda em São Paulo, destacando-se os de
nacionalidade italiana, portuguesa e espanhola, com o predomínio dos primeiros:
Entrada de imigrantes em São Paulo – 1888 a 1920
Período Total Italianos %
Portugueses %
Espanhóis %
Outros %
1888/1890 157.781 76,5 10,5 5,8 7,2 1891/1900 733.335 66,3 9,9 12,8 11,0 1901/1920 857.149 32,1 22,3 27,7 17,9
Fonte: Villela; Suzigan: 1973. P.268
O censo demográfico realizado em 1920 apontou uma população estrangeira no
Brasil de 1. 565. 961 pessoas com os seguintes números: italianos: 558.405; espanhóis:
219.142; franceses: 122.329; alemães: 52.870; turco-árabes: 50.251; japoneses: 27.976;
outros: 562.964. (DIÉGUES JÚNIOR, 1964, p.52).
Por conta da presença de um grande número de imigrantes nos principais
centros urbanos do país, houve um esforço por parte desses operários estrangeiros, portadores
de ideais de justiça social, em propagandear as doutrinas filosóficas que com eles
desembarcaram no Brasil.
Para isso, criaram publicações voltadas para o proletariado, com uma
quantidade enorme de periódicos. Havia muitos jornais operários principalmente no Rio de
Janeiro e em São Paulo, áreas de maior desenvolvimento industrial. Embora tivessem vida
26
curta, por conta da repressão policial e das dificuldades financeiras, esse material permiti-nos
hoje, avaliar as principais correntes ideológicas que aqui se difundiram entre os trabalhadores.
Dentre eles, citamos os jornais O Protesto, O Libertário e A Terra Livre, todos de
influência anarquista. Esta concepção ideológica tinha caráter revolucionário e seus líderes
“enfatizavam a importância e a exclusividade dos sindicatos no processo de emancipação da
sociedade” (GOETTERT, 2001, p.19), sendo que esta viria com a conflagração de uma greve
geral. Estendiam as suas críticas às associações mutualistas, por estas não desempenharem um
papel importante na modificação das estruturas políticas e econômicas. Além disso, os
anarquistas rejeitavam a criação de partidos políticos, situando a ação direta como única
forma de ação efetivamente revolucionária da classe operária.
Outra corrente que disputava a atenção dos trabalhadores para a causa das
esquerdas era o socialismo, que tinha como veículo de divulgação de suas idéias os jornais O
Socialista, O Grito do Povo e o jornal Avanti, dentre outros que circulavam em São Paulo.
Esta corrente tentou várias vezes organizar um partido político para os trabalhadores, mas
encontrava grande resistência por parte dos anarquistas. Assim como estes últimos, estavam
engajados na destruição do modo de produção capitalista, mas enfatizavam que a luta de
classes deveria ser realizada dentro do jogo político. Sua influência se estendeu sobre os
sindicatos já em fins da década de 20, quando a perseguição contra os movimentos grevistas
foi intensificada pelo governo, assim como às lideranças anarquistas. (FAUSTO, 2000, pp.
97-104).
Essa imprensa operária foi significativa para a divulgação de fatos respeitantes
ao proletariado do Brasil e do exterior, divulgando movimentos de trabalhadores, suas
reivindicações e resultados, contribuindo para criar uma visão de luta coletiva contra a
opressão burguesa.
Havia ainda outras concepções filosóficas circulantes no meio da classe dos
produtores diretos, como o reformismo e a concepção cristã. Estas duas propunham modificar
as circunstâncias miseráveis em que se encontrava grande parte dos trabalhadores urbanos,
sem transformações sociais mais profundas, colaborando com o capital.
Dessa forma, percebemos que múltiplas influências se apresentaram no meio
operário e estas acabaram por disputar a adesão dos trabalhadores às suas fileiras,
dificultando, em certa medida, a organização do movimento de um modo mais coeso e no seu
direcionamento para um objetivo comum. Não obstante, os proletários buscavam manter certa
coesão através da criação de sindicatos ou partidos operários.
27
A primeira tentativa de organização política da classe trabalhadora deu-se em
1890, com a fundação do primeiro Partido Operário, sob influência socialista. O pequeno
número de aderentes e a derrota nas eleições de 1892 foram algumas das razões geralmente
apontadas como causas de seu fracasso.
Entretanto, em 1906, os trabalhadores conseguem realizar o I Congresso
Operário no Brasil, organizado pelos anarquistas (visto que os mesmos desconsideravam os
congressos socialistas de 1892 e 1902, chamando-os pejorativamente de congressos
trabalhistas), com a participação de delegados de vários estados, onde várias resoluções
revolucionárias foram elaboradas, sendo que “uma delas expressava o conteúdo
revolucionário de forma clara, exigindo a apropriação dos meios de produção pelos
trabalhadores - um princípio revolucionário apontado nas teses discutidas e aplicadas em
alguns lugares da Europa do século XIX” (GOETTERT, 2001, p.25).
Nesse congresso surgem as definições do que seria o programa de ação do
operariado. Conforme Pinheiro (1986), a influência dos preceitos anarquistas fica evidente na
rejeição da criação de um partido operário, que era uma proposta de caráter socialista,
estabelecimento da ação direta como forma de pressão, organização de sindicatos como forma
de resistência (estes deveriam evitar a beneficência), com a manifestação expressa dos seus
delegados de que seus funcionários não deveriam receber remuneração, defesa da redução das
horas de trabalho, do fim do trabalho por peça, e outras reivindicações.
Tal movimentação dos trabalhadores não passou despercebida pelos agentes
econômicos e governamentais, de maneira que o aparato repressor do Estado foi acionado
quando da ocorrência de greve dos ferroviários paulistas em maio do mesmo ano, efetuando
prisões, espancamentos e expulsões de estrangeiros que estavam envolvidos em movimentos
“contrários à ordem”. (DULLES, 1977, p.28; FAUSTO, 2000, p. 135).
Sabendo das diferenças existentes entre anarquistas e socialistas, o Governo
Federal tratou de minar as bases das organizações proletárias promovendo um Congresso
Trabalhista em 1912, organizado por Mário Hermes, filho do Presidente Hermes da Fonseca,
e que visava à fundação de um partido político.
Contra esse congresso, os líderes anarquistas realizaram o que chamaram de II
Congresso Operário, em setembro de 1913, onde se reafirmou os princípios estipulados no
congresso de 1906. Desse modo, procuravam manter à distância a influência do governo sobre
os sindicatos.
Mesmo com a violência policial, as greves continuaram acontecendo durante
os anos seguintes. Em 1913, os protestos concentravam-se sobre a questão da carestia de vida.
28
Em 1914, protestavam contra o desemprego e contra a elevação dos preços dos gêneros
alimentícios, decorrentes da guerra na Europa; aumento que provocou uma onda de
descontentamento nas classes trabalhadoras. Em 1915, os choferes do Rio de Janeiro
iniciaram um movimento paredista, que contou com participação parcial dos padeiros e dos
empregados de hotéis.
Contudo, foi a greve de 1917 a mais emblemática do operariado dentro desse
contexto de luta. Iniciada pelos tecelões do Cotonifício Crespi, situado em São Paulo, contou
com a adesão de trabalhadores dos bairros vizinhos e até da solidariedade de operários do Rio
de Janeiro. Os trabalhadores reivindicavam um aumento salarial de 20% em troca do aumento
das horas de trabalho imposto pela empresa (GOETTERT, 2001, p.26). A morte do grevista
Antônio Ineguez Martinez em meio ao conflito com a polícia, provocou uma grande comoção
entre os operários, com uma grande concentração de pessoas acompanhando o féretro, a ponto
de Edgard Leuenroth, uma das grandes vozes do anarquismo paulista, qualificar o
acontecimento como “uma das mais impressionantes demonstrações populares até então
verificadas em São Paulo" (DULLES, 1977, p.51).
No entanto, a entrada do Brasil na Primeira Guerra contribuiu para arrefecer o
movimento operário. O clima de exaltação patriótica promovido pelo governo acabou por
amortecer os conflitos internos, conclamando as massas à solidariedade cívica, além de
continuar mantendo a repressão através da “restrição geral das liberdades públicas”, mediante
a decretação do estado de sítio.
O discurso da unidade nacional7 rendeu alguns bons resultados. Algumas
associações operárias como a Liga dos Sapateiros e a União dos Operários em Fábricas de
Tecidos (UOFT) mobilizaram alguns trabalhadores que percorreram algumas ruas da cidade
“coletando fundos para os aliados” (FAUSTO, 2000, p.160).
Segundo Jones D. Goettert, os trabalhadores, decorridos alguns dias, entraram
em acordo com os patrões, tendo o governo participado das negociações. Os grevistas tiveram
algumas reivindicações atendidas, como o aumento de 20% sobre o salário, a permanência
dos funcionários que participaram do movimento em seus postos de trabalho, o pagamento
7 O nacionalismo encontra espaço nos discursos parlamentares e literários da Primeira República, em decorrência de vários fatores, que vão da decadência dos valores civilizatórios da Europa, afundada na I Guerra, ao fulgor causado pelo desenvolvimento de São Paulo, que passa a ser tomado como sendo o desenvolvimento do Brasil. Assim, a busca pelo "moderno" encontra fundamento dentro de um projeto de busca pela "brasilidade verde-amarela", em que se prima pela construção da nação, consubstanciada no complexo emaranhado social ainda amorfo e sem uma identidade, segundo os intelectuais da época. O discurso de exaltação patriótica propalada pelo governo e pelos "tenentes" é apenas um dos aspectos da ideologia nacionalista. Por outro lado, os estudiosos do período republicano captaram traços variados do discurso, que vai do militarismo de Olavo Bilac à visão progressista e otimista da vanguarda modernista de 1922 (VELOSO: 1993. pp.1-8).
29
quinzenal e o respeito ao direito de associação dos operários. Foi ainda em 1917 que o
governo publicou o Decreto 1596, regulamentando pela primeira vez o trabalho feminino e
infantil, proibindo a sua execução no período noturno.
A partir de 1920, conforme Jorge E.Silva (1999), o movimento operário
começa a sofrer um descenso. A perseguição sistemática aos elementos grevistas e em maior
medida, aos anarquistas, impõe um ritmo mais lento nas manifestações paredistas, sendo a
paralisação das Docas de Santos o conflito de maior vulto no fim daquele ano.
Entretanto, as tentativas de manter o operariado ativo continuavam. Ainda em
1920, vários congressos operários são realizados em diferentes regiões do país, chegando a
Confederação Operária Brasileira a realizar o III Congresso Operário Brasileiro, “onde a
organização operária e a Internacional Comunista8 seriam discutidas” (DULLES, 1977,
p.113), demonstrando a percepção da vanguarda sindical em relação às deliberações tomadas
no exterior atinentes às ideologias de esquerda.
Mesmo diante da conjuntura de violência desencadeada pelo governo, outras
greves entraram em curso no Rio de Janeiro e em São Paulo, como a paralisação dos
ferroviários da Leopoldina e a dos operários em tecidos. Um outro movimento semelhante foi
verificado na Companhia de Estradas de Ferro de Mogiana, considerada uma das mais
violentas greves já realizadas por seus funcionários.
No ano de 1924, em São Paulo, militares anti-governistas deram início a uma
rebelião que culminou com a tomada da cidade pelos mesmos, o que levou ao movimento
sindical a tomar partido em seu favor, propondo ao General Isidoro Dias Lopes a organização
de batalhões civis operários, que deveriam receber armas para lutar contra o governo. A
recusa do general levou os militares ao isolamento, o que facilitou a sua capitulação. A
violenta repressão que se seguiu foi estendida ao movimento operário, em que “foram
destruídas sedes dos sindicatos, proibidas publicações, e presos muitos dos principais
militantes operários que foram deportados para a colônia penal da Clevelândia, no Oiapoque,
aí morrendo entre outros, o ativo militante cearense, Pedro Mota, diretor de A Plebe” (SILVA,
2000).
A violência governamental contra os operários surtiu efeito. As prisões,
expulsões de líderes estrangeiros, espancamentos de militantes e fechamento de sindicatos
8. A III Internacional, ou Internacional Comunista, também chamada de Komitern, foi criada em 1919, logo após a vitória dos bolcheviques na Rússia, e era controlada pelo Partido Comunista da União Soviética, o qual elaborava as diretrizes que deveriam ser seguidas pelos partidos comunistas de outros países, inclusive o brasileiro. Seu objetivo era fomentar a criação de núcleos comunistas em diversos países capazes de realizarem a revolução contra a burguesia e o capitalismo, sendo que suas ações deveriam estar debaixo do controle da União Soviética.
30
promoveram um arrefecimento das mobilizações empreendidas pelo proletariado, além de
deixar evidente a fragilidade das organizações anarquistas.
Contra a debilidade organizacional dos sindicatos anarquistas e o seu desprezo
pela luta parlamentar é que se voltam os comunistas. Os últimos acontecimentos verificados
na Rússia levaram os comunistas a tomarem posicionamento no sentido de efetivamente se
organizarem sob a bandeira de um partido político. Reunindo principalmente intelectuais e ex-
militantes anarquistas, em 1922 é fundado o Partido Comunista Brasileiro.
Poucos meses depois de sua criação, no mês de julho, o PCB foi perseguido e
fechado pelas autoridades que atribuíram uma suposta vinculação do Partido com os tumultos
provocados por jovens oficiais do Exército, no evento que ficou conhecido como a Revolta
dos 18 do Forte de Copacabana, atuando a partir daí na clandestinidade.
A formação do PCB trouxe uma definitiva divisão ideológica no seio da classe
operária, uma vez que este buscava organizar um partido nos moldes leninistas, e procurava
conquistar os sindicatos dirigidos pelos anarquistas através da infiltração dentro dos mesmos,
obedecendo ao programa da Internacional Comunista, que determinava a “formação de
núcleos comunistas dentro dos sindicatos e cooperativas, cujo trabalho, pertinaz e constante,
conquistasse os sindicatos para o comunismo” (MAGALHÃES, 2001, p.4) e criticando
fortemente a atuações dos anarquistas através de suas revistas Movimento Comunista e a
Classe Operária. Tal situação “levou ao fracionamento de velhas associações e à formação de
sindicatos rivais” (DULLES, 1977, p.152).
A penetração cada vez mais forte dos comunistas nos sindicatos levou a uma
agudização das relações entre eles e os anarquistas, principalmente depois da criação da CGT
(Confederação Geral do Trabalho), que embora tivesse grande penetração no Rio de Janeiro,
não contava com a recepção dos paulistas, fato evidenciado pelo posicionamento da União
dos Trabalhadores da Light, uma das mais expressivas organizações de São Paulo, “que
publicou um comunicado que afirmava não reconhecer a CGT, e afirmando sua afinidade com
a Federação Operária de São Paulo (anarco-sindicalista)” (Silva: 1999).
A década de vinte foi também marcada por uma situação conflituosa no campo
político, demonstrando grande agitação nesse meio, cujos acontecimentos traçarão novos
rumos para o movimento operário na década seguinte.
Além de ter que lidar com as constantes manifestações da classe trabalhadora,
o revezamento no Poder Central das oligarquias paulista e mineira passava a ser contestado
pelas oligarquias de outros estados, numa situação que já vinha se configurando desde a
31
década de dez, quando do apoio dado pelos mineiros à candidatura do Mal. Hermes da
Fonseca, representante dos interesses do Rio Grande do Sul, feita à revelia dos paulistas.
Essas divergências ficaram mais evidentes na campanha presidencial de 1921,
conhecida na historiografia como a Reação Republicana, quando as oligarquias gaúcha,
baiana, pernambucana e fluminense apoiaram a candidatura de Nilo Peçanha para disputar o
pleito com Arthur Bernardes, representante da política do café - com- leite, tendo a
“oposição” percorrido alguns estados brasileiros, denunciando o domínio de Minas e São
Paulo na Presidência da República e reivindicando uma maior proteção aos produtores
agrícolas de outras regiões.
Paralelamente, tem início um movimento de contestação ao Estado Oligárquico
dentro dos quartéis. Tendo à frente a baixa oficialidade do exército, uma série de levantes
armados foram realizados, buscando tomar o poder para efetuar uma moralização na política
brasileira, vista como tendo sido corrompida pelos governantes civis.
O mais expressivo desses movimentos foi a marcha empreendida pelos homens
liderados pelo capitão Luís Carlos Prestes, que se deslocou ao longo do território nacional
entre o Sul e o Nordeste, durante os anos de 1924 e 1926. Tentando arregimentar
simpatizantes à sua causa, não conseguiu atrair muitos correligionários para a coluna que
levou o seu nome, além de ter sido violentamente combatidos pelas tropas governistas por
onde passou.
Os militares rebeldes, dentro de uma visão centralizada e corporativa,
arrogavam a si o papel de salvadores da República. O seu desprezo pelos demais setores
sociais, inclusive o operário, levou-os a amargar um infrutífero isolacionismo, o que
contribuiu para que o movimento fosse facilmente reprimido.
Todo o contexto de rebeldia militar, movimentação operária e contestação
política empreendida pelas oligarquias não beneficiadas com as medidas governamentais
refletem o clima de insatisfação e disputa que começavam a permear a vida política e social
do país nos anos 20. Por um lado, as camadas trabalhadoras se organizavam contra a opressão
do sistema; por outro, os “tenentes” pressionavam o governo por reformas, além da existência
das disputas intra-oligárquicas que se configuravam no âmbito do Executivo Federal.
Em decorrência das disputas oligárquicas geradas em 1922, surge a Aliança
Liberal, frente política organizada em decorrência das insatisfações geradas pela escolha de
Júlio Prestes à Presidência da República para a disputa eleitoral de 1929. A Aliança nasce de
uma tentativa de amalgamar os anseios das diversas classes sociais com a perspectiva de
garantir uma base de apoio para a candidatura de Getúlio Vargas.
32
Pautada nas reivindicações das classes insatisfeitas com o regime republicano,
as propostas da Aliança não deixaram de fora nem mesmo as classes trabalhadoras, a quem os
aliancistas dirigiram um discurso demagógico e eleitoreiro, ao defender a aplicação da lei de
férias, do salário mínimo, menor repressão policial e outros pontos. Por outro lado, tal
situação demonstrou a impossibilidade de ignorar a existência de uma camada social que de,
uma maneira muito significativa, teve importante papel na modificação das relações jurídicas
respeitantes ao trabalho.
Realizadas as eleições, a derrota dos aliancistas e a vitória do candidato Júlio
Prestes vão dar lugar à preparação de uma “frente única” de oposição, que daria fim às
pretensões da oligarquia paulista em permanecer no poder. A morte de João Pessoa, vice de
Getúlio no pleito, possibilitou o desencadeamento do movimento armado que depôs o
Presidente Washington Luís.
É interessante notar a composição das forças que deram ensejo ao projeto
“revolucionário”. Além das classes econômicas não vinculadas aos interesses cafeeiros, a
participação do Exército, ou pelo menos a fração dele na figura dos “tenentes”, vai ser a
principal força responsável pela queda da Primeira República.
Pode-se dizer que o tenentismo, tendo fracassado em seu objetivo de tomar o
poder pelas armas durante a década anterior, não só obteve êxito na década seguinte como
incorreu em uma estranha contradição, ao fazer uma “revolução” apoiada pela elite
oligárquica contra a elite oligárquica.
Porém, a conspiração de 30 não pode ser explicada apenas sob o prisma da
derrota eleitoral do ano anterior. A crise de 29 tem o seu peso dentro dos acontecimentos
verificados no período porque “ela golpeia o governo, ao produzir o desencontro entre o
Estado, como representante político da burguesia cafeeira, e os interesses imediatos da classe”
(FAUSTO, 2000, p. 242), percebendo-se, assim, o estado de abandono a que foi submetido o
governo.
A partir daí, as políticas adotadas pelo governo ditarão novos rumos para o
combativo movimento operário. Alvo de cooptação e divisão, os sindicatos sofrerão as
investidas de Vargas, que irá se empenhar no sentido de “amordaçar” e “docilizar” os
trabalhadores. (SILVA, 1990, pp.45-50).
Para tal, uma legislação social voltada para a satisfação das reivindicações dos
operários vai ser elaborada não só para acalmar a exaltação das lideranças dos sindicatos mais
combativos, como também esvaziar o sentido de existência do movimento.
33
Desse modo, a “política do porrete” vai ser seguida de uma série de leis que
expressavam os anseios operários, entregues ao proletariado como se fosse uma concessão
feita por um governo que “zelava pelos pobres”, escamoteando a luta de classe e a pressão
que as massas trabalhadoras faziam sobre o governo, além da intenção de agradar a burguesia,
visto que a partir daí há uma aceleração no processo de industrialização.
Esse aspecto concessivo das leis fica evidenciado no discurso do próprio
Vargas, dirigido às classes trabalhadoras:
“Tendes uma legislação que vos foi concedida sem nenhuma exigência, imposição ou pressão de qualquer ordem, mas espontaneamente. E isso é exatamente o que constitui o traço predominante que nos coloca, em matéria de legislação social, acima de todos os países. O que se chama de reivindicações trabalhistas não foram jamais obtidas em qualquer país, como estão sendo aqui verificadas. No Brasil, não há reivindicações nesse assunto. Há concessões. Concessões do governo aos eficientes colaboradores, que são os trabalhadores, quer braçal, quer intelectual” (CARONE Apud BOITO Jr, 1991, pp.74 -75)
Entre os anos de 1930 e 1934, várias serão as medidas jurídicas de cunho
institucional e social, buscando promover a emergência política das massas de forma
condicionada, a saber: a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Lei de
sindicalização, estabilidade de empregos e pensões aos servidores públicos, jornada de
trabalho de oito horas, regulamentação do trabalho dos menores, criação das juntas de
conciliação e julgamento das questões trabalhistas, Lei de férias para trabalhadores do
comércio e da indústria e outras.
Porém, essa tentativa de trazer os operários para a tutela do Estado se efetiva
com a Lei de Sindicalização de 1931, que acabou por criar uma estrutura voltada para quebrar
a autonomia do movimento operário, bem como dirigir-lhe os passos. Sua proibição impedia a
ação grevista, as lideranças estrangeiras na direção dos sindicatos e, principalmente, a
propaganda de qualquer ideologia política que endossasse a luta de classes.
Houve reações por parte de alguns sindicatos quanto à tutela do governo, e os
atritos entre sindicatos oficiais e os independentes acabavam por engendrar batalhas campais,
com pancadaria e tiroteio, numa tentativa reacionária por parte dos trabalhadores de manter
sua autonomia.
Entretanto, o Estado atraía a simpatia dos operários com medidas legislativas
que acabavam por satisfazer as necessidades mais urgentes dos trabalhadores, além de
permitir a participação da classe obreira na Assembléia Nacional Constituinte de 1933, o que
lhes deu a impressão de participarem do processo político.
34
É preciso ressaltar que essa emergência política das massas se faz num
contexto de instabilidade no plano governamental. Era necessário, ao mesmo tempo, garantir
as bases da legitimidade do novo grupo que ascendia ao poder e dar alguma garantia à
burguesia, visto que esta apoiava o golpe de 30 contra a elite agrária.
Se Vargas deu início a um processo de subordinação dos sindicatos, é preciso
levar em conta que tal estratégia era de grande importância para dar uma possível margem de
movimento para a sobrevivência do próprio governo "revolucionário".
Assim, a "implantação" da classe trabalhadora na esfera política era uma
questão de garantir uma válvula de descompressão dentro da situação vigente, que de modo
nenhum se apresentava pacífica para o Estado.
Esse fato se evidencia quando da Revolução Constitucionalista de São Paulo
em 32, onde fica patente o descontentamento da elite paulista, alijada do poder, com o
governo. Além disso, o surgimento de uma frente política de esquerda progressista (Aliança
Nacional Libertadora - ANL) apoiado pelo PCB e liderada pela prestigiada figura de Luís
Carlos Prestes, e outra de direita reacionária (Ação Integralista Brasileira - AIB)
demonstravam o clima de disputa ideológica que ainda pairava no período.
Ambas as organizações começaram a contar com um grande número de
adesões, mas não havia uma real intenção do governo em permitir uma participação mais
efetiva na vida política do país por qualquer outro grupo externo ao dos “revolucionários”.
Assim, em 1935 foi criada a Lei de Segurança Nacional, que permitiu a
repressão aos aliancistas e a qualquer movimentação popular. A decretação do Estado de Sítio
legalizou a violência das ações policiais, realizadas com o fechamento de sindicatos, prisões
de líderes operários e a perseguição direcionada a ANL, ocasionando a sua posterior
dissolução.
A autonomia sindical estava com os dias contados. A conjuntura verificada
entre as décadas de vinte e trinta demonstravam como a situação do combativo movimento
dos trabalhadores passava a ter uma atenção gradativa por parte das autoridades. Vitimados
pelas constantes investidas policiais, tornaram-se objeto de cooptação e controle do Estado
varguista, não sem antes terem redirecionado as políticas governamentais dentro da
perspectiva jurídica, angariando algumas importantes conquistas, as quais não podem passar
despercebidas.
Por outro lado, tornou-se necessário à nova ordem que se instaurou a partir de
30, reorientar as forças sociais que lhe impuseram certo temor. Para isso, contou com a
criação e difusão de um discurso político que buscava mascarar as polarizações constantes na
35
percepção ideológica do operariado (burguesia x proletariado; proletariado x governo) e
redefinir signos de representação da ação do grupo no Poder: (re)definição do termo
“Revolução”, orientação dos objetivos do sindicato e do próprio conceito de autonomia
sindical, permissão para os trabalhadores participarem do jogo político (criando uma
perspectiva de “igualdade” e “cidadania” entre os mesmos), a criação de um Ministério do
Trabalho, ( inculcando a idéia de um Estado “preocupado” com as relações de produção) e a
legislação social, corolário da “emancipação” do trabalho da esfera policial para a social.
O que se pretendeu até aqui foi possibilitar um vislumbre da organização e
atuação da classe laborativa no período compreendido entre o fim do século XIX até 1935,
ressaltando não apenas seu aspecto combativo, mas as perspectivas políticas que deram
margem ao seu comportamento perante o capital e o governo. E é isso o que esperamos
encontrar na classe trabalhadora ludovicense e que se constitui como objeto deste trabalho.
Desse modo, nos propomos a verificar não apenas os indícios de organização dos setores
trabalhistas maranhenses, mas a sua relação com os extratos políticos do período citado,
procurando identificar as correntes ideológicas que permeavam a sua práxis política , assim
como perceber a sua luta pela busca de uma identidade profissional e a tentativa de garantir a
autonomia sindical, frente às tentativas de cooptação, tanto por parte de políticos
situacionistas quanto de oposicionistas.
4. A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA MARANHESE
4.1 A economia maranhense até 1930
Antes de iniciarmos o estudo da formação do operariado, convém ressaltar
aspectos das transformações econômicas vivenciadas pelo Maranhão, que lhe possibilitaram
construir um pequeno parque industrial, assim como iniciar a formação de um pequeno núcleo
urbano em São Luís.
A historiografia maranhense normalmente aponta para o final do século XVIII
como sendo o marco da inserção do Maranhão nos moldes clássicos da divisão internacional
do trabalho, através da especialização da sua economia dentro dos quadros da agroexportação.
A organização da lavoura de arroz, algodão e posteriormente, a de açúcar, vai
garantir a riqueza da Capitania durante o século XIX. Entretanto, com os índices de produção
e exportação dependentes da conjuntura externa, os três artigos vão apresentar períodos de
grande oscilação em sua demanda e rentabilidade.
36
A partir da segunda metade do século XIX, o modelo econômico
agroexportador começa a dar sinais de esgotamento. A concorrência de outros países, como os
Estados Unidos, derrubou o preço do algodão no mercado internacional, além de causar a
diminuição da exportação maranhense.
A guerra civil americana foi um novo e passageiro alento à agonizante lavoura
maranhense. Enquanto a Inglaterra dava continuidade à sua Revolução Industrial, coube ao
Maranhão suprir os teares ingleses com algodão, em decorrência da desorganização da
produção norte-americana. Findado o conflito e restabelecido o comércio entre Inglaterra e
Estados Unidos, os produtores maranhenses voltaram a amargar o decréscimo de seus lucros.
Porém, foi justamente nessa conjuntura econômica adversa que se abateu sobre
os homens de negócios que se deu a implementação das primeiras fábricas modernas no
Maranhão, diferentemente do que ocorria nas regiões paulista e fluminense, onde se
verificava uma estreita relação entre indústrias e pujança econômica da lavoura de café
(FEITOSA, 1994, p. 215).
Paralelamente à atividade agrícola, realizada mediante a utilização do braço
escravo, uma série de atividades artesanais em conjunto com outras de caráter assalariado
começavam a despontar em São Luís, entre 1857 e 1881, como os serviços de barbearia,
alfaiataria, ourivesaria, serraria, funilaria dentre outros, constantes em almanaques da época.
Algumas pequenas oficinas também surgiram no período citado, como as
fábricas de chapéus, de charutos, de chocolate, de licores, de descascar arroz, de fogos de
artifício, de carroças e carros, de gelo, de rapé, de sabão, de velas, de cal, e outros, criando
assim, novas relações de trabalho com a exigência de habilidade e especialização do
trabalhador para a consecução destas atividades.
O fim do regime escravocrata foi um grande golpe na lavoura maranhense,
trazendo inúmeros prejuízos para fazendeiros e para as finanças do Estado, visto que este
sofreu uma grande queda na arrecadação dos impostos concernentes à exportação, assim se
expressando Costa Fernandes sobre a situação: “para as primeiras administrações
republicanas, além dos embaraços trazidos pelos próprios acontecimentos, a perspectiva
financeira e econômica era de causar pavor” (FERNANDES, 2003, p.42).
Com a queda das grandes plantações, o sistema produtivo maranhense foi
reorganizado com base em uma estrutura fragmentada, graças à ocupação das terras devolutas
pelos homens libertos e pela desintegração da atividade produtiva da grande propriedade. Essa
nova estrutura agrícola assentava-se sobre pequenas unidades produtivas, as “roças” que
tinham no arroz, mandioca, feijão e no milho seus principais artigos. (FEITOSA, 1994,
37
p.227). Entretanto, o algodão ainda continuava a ser cultivado, sendo aproveitado
internamente pelas indústrias têxteis que foram surgindo.
Porém, foi com a desmobilização da mão-de-obra, ocasionada pela Abolição,
que se percebeu uma grande inversão de capitais na produção manufaturada. Ao fenômeno
verificado após a “catástrofe agrícola”, Jerônimo de Viveiros chamou de “loucura industrial”,
em decorrência das inúmeras fábricas surgidas no período imediatamente posterior à
libertação dos escravos, seguindo-se que “ a loucura de transformar o Maranhão agrícola num
estado industrial só terminou em 1895, quando se esgotaram todas as possibilidades
financeiras da nossa terra” ( VIVEIROS, 1952, p. 558).
Na verdade, essa “loucura” apenas evidenciava o caráter cíclico da economia
maranhense, sempre volátil às mudanças ocorridas na conjuntura internacional. Tais
mudanças estavam diretamente ligadas ao comportamento do mercado, posto que a economia
maranhense estava atrelada aos acontecimentos externos. Basta verificar os “ciclos”
econômicos maranhenses, elencados pelos estudiosos da nossa economia: arroz, algodão,
açúcar, babaçu e mais recentemente, a soja.
Viveiros, em sua História do Comércio do Maranhão, apresenta um total de
vinte e sete fábricas constituídas em território maranhense; dezessete pertencentes a
sociedades anônimas e as outras dez pertencendo a particulares, sobressaindo em números
aquelas relacionadas ao beneficiamento do algodão.
Será o setor têxtil a receber a preferência das inversões de capitais, como
ocorreu em outras regiões do país. Mas, o contexto em que apareceram essas fábricas já
encerrava dificuldades orçamentárias para o funcionamento das mesmas, embora outras
vantagens tornassem o negócio viável, como a presença de matéria-prima no Estado e
máquinas disponíveis para a venda no mercado internacional. A superação de parte dos
problemas financeiros foi resolvida mediante a constituição de sociedades anônimas, o que
possibilitou a reunião
“de capitais de diversos proprietários rurais, de comerciantes exportadores e importadores, de políticos estabelecidos na estrutura de poder local e de profissionais liberais da época, sendo que o grosso desses capitais são de propriedade dos grandes produtores rurais e comerciantes de algodão, cana-de-açúcar e arroz” ( FEITOSA: 1994, p. 214).
A primeira têxtil a ser implantada em terras maranhenses foi a Companhia
Industrial Caxiense, construída graças aos esforços do comerciante Francisco Dias Carneiro,
líder de um grupo de comerciantes caxienses que, em 1883, fundou a referida indústria. Esta
38
incentivou, em decorrência dos bons resultados alcançados, outros empresários a investirem
no mesmo ramo.
A segunda indústria têxtil a instalar-se no Maranhão foi a Companhia União
Caxiense, ainda em Caxias, entrando em funcionamento no ano de 1889, também contando
com capitais investidos pelo Dr. Francisco Dias Carneiro, associado a Manuel Correia Baíma
do Lago e Antônio Joaquim Ferreira Guimarães.
Em 1º de janeiro de 1890, foi inaugurada em São Luís, a Companhia de Fiação
e Tecidos Maranhenses, a primeira fábrica têxtil da capital, contando com o apoio do então
presidente da província, Bento de Araújo. Esta fábrica era mais conhecida pelo nome de
Camboa, nome do terreno situado à margem esquerda do Rio Anil, onde estava construída a
referida indústria.
A partir das experiências proporcionadas por estas fábricas, houve um
sentimento de otimismo por parte de outros empresários, os quais também aplicaram seus
capitais na construção de indústrias têxteis, fazendo com que o período compreendido entre
1889 e 1893 fosse permeado pelo aparecimento de mais empreendimentos fabris.
A Companhia Fabril do Maranhão surge no ano de 1889, erigida no Apicum,
contando com um capital de 5.000 contos. Inaugurada em 1893, possuía 420 teares e mais 149
outras máquinas, com capacidade de produção girando em torno de três milhões de metros de
pano. Contou com o capital de importantes comerciantes ludovicenses como Apolinário
Jansen Ferreira, Crispim Alves dos Santos, Joaquim Francisco dos Santos, Carlos Ferreira
Coelho e José João Alves dos Santos. Viveiros ainda nos informa sobre a construção de
dezenove casas para operários de propriedade desta companhia, demonstrando aí uma
preocupação com a fixação da mão-de-obra e sua assiduidade ao trabalho.
Em 21 de agosto de 1890, por iniciativa dos senhores Henry Airlie, Antônio
Cardoso Pereira, Francisco Xavier de Carvalho, Manoel José Francisco Jorge, José Francisco
de Viveiros e Jerônimo José Tavares Sobrinho, é constituída uma sociedade anônima
denominada de Companhia de Fiação e Tecidos do Rio Anil, em São Luís. Seus trabalhos se
iniciaram em 1893, sendo a sétima fábrica de tecidos a ser montada no Maranhão.
(ITAPARY, 1995, p. 23). Esta fábrica também construiu algumas casas operárias,
contabilizadas em número de trinta e oito.
Alguns empresários residentes em terras maranhenses recepcionaram também
outras áreas de investimento fabril além do têxtil, como se pôde verificar da construção da
Companhia de Fósforos do Norte, que se localizava na Jordoa, a Companhia Fábrica de
Chumbo, na Rua da Viração, a Companhia de Calçados Maranhenses, situada na Rua Nina
39
Rodrigues, mais conhecida pelo nome de Rua do Sol, e a Companhia Cerâmica São Luís,
sendo esta última organizada pela confluência de capitais oriundos de João Pereira Martins,
Apolinário Jansen Ferreira e Carlos Ferreira. Haja vista que todas estavam localizadas na
capital, o que contribuiu, assim, para uma maior diversificação de serviços, transformação da
paisagem e introdução de aspectos de urbanização na cidade.
É interessante notar que, não raro, empresários participantes da construção de
algumas indústrias acabavam por investir também em outras do mesmo ramo ou de setores
diferentes, o que demonstra não só a disposição de investir em um novo modelo de
acumulação de riqueza, mas também na disponibilidade de capitais em meio à conjuntura
economicamente adversa.
Juntamente com estas fábricas, surgiram empresas comprometidas em
introduzir melhoramentos urbanos em São Luís, os quais contribuíram também para o
aumento da oferta de empregos na capital, como a criação da Companhia Telefônica de São
Luís e a Companhia de Reboque e Alvarenga, inserindo aí, melhorias no serviço de
comunicação e transporte.
É dentro dessa perspectiva fabril que se foi procurando reorganizar a vida
econômica maranhense no período republicano, abalada pela queda dos preços dos produtos
agrícolas no mercado internacional e pela retração das exportações, somadas à desorganização
da grande lavoura em decorrência da Abolição.
A partir da década de dez, um novo produto vai constar na pauta de
exportações, valorizado principalmente, durante e após a conjuntura da I Guerra Mundial: o
babaçu, cujo coquilho era encontrado de forma abundante em vastas áreas do território
maranhense.
Para se ter uma idéia do interesse despertado sobre o babaçu, alguns dados nos
apontam que, entre 1915 e 1919, foram despachados pelo porto de São Luís 189.341 volumes
que transportaram 10.941 quilos, os quais possibilitaram uma arrecadação de 358:683$788
em impostos para os cofres do Estado. Entre os anos de 1918 e 1921, o volume das
exportações em quilos chegou a ser de 16.781.746 kg. (PAXECO, 1922, p. 27).
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Exportação de babaçu em quilos
Ano Kg
1912 588
1913 16.976
1914 19.462
1915 836.408
__ __
__ __
1918 4.010.100
1919 5.603.082
1920 3.277.862
1921 3.890.702
(Fonte: PAXECO: 1922 p.27).
A partir desse período, houve uma rápida e breve expansão do comércio
maranhense, que além do babaçu, passou a ter outros produtos como o algodão, tecidos, arroz,
farinha, milho e couros valorizados no mercado internacional, quadruplicando o valor das
exportações. “É que a Grande Guerra Mundial forçou a procura dos produtos da América, até
mesmo daqueles ainda de nenhuma notoriedade nos mercados estrangeiros, como a nossa
mandioca” (FERNANDES, 2003, p. 82).
A euforia comercial provocada pela conjuntura externa permitiu o fechamento
do exercício financeiro de 1918 com um saldo positivo para os cofres públicos, que, ainda
segundo Fernandes (2003), alcançou a cifra de 2.129:167$160 em contos de réis; valor
avultado quando em comparação com a receita verificada durante o exercício financeiro da
primeira década republicana, que foi de 1.500:000$000.
Porém, o comércio maranhense também supria o mercado interno com seus
produtos, principalmente a região do centro-sul, a qual também se utilizava do algodão em
pluma para o fabrico de panos. Assim, temos um aumento da integração do Maranhão ao
comércio nacional a partir desse período.
Entretanto, durante a década de 20, o Maranhão volta a viver um período de
retração dos lucros advindos do fluxo comercial, em decorrência da normalização do mercado
internacional. Ocorrem quedas sensíveis no volume das exportações e nos lucros.
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O início da década seguinte trouxe melhores resultados para a produção
agrícola maranhense, visto que a crise de 1929 não trouxe maiores conseqüências para o
campo. Na verdade, o que se percebeu foi um aumento no volume das exportações de arroz,
farinha e mandioca quando comparado ao período antecedente, com um aumento também da
exportação de algodão para os teares do centro-sul. (FERREIRA, 1994, p. 38).
O período compreendido entre 1889 e 1930 foi de reorganização da vida
econômica do Estado, com a crescente integração do Maranhão ao mercado nacional, sem,
contudo, que a estrutura produtiva fosse capaz de assegurar a prosperidade da região, posto
que ainda não possuía um mercado interno forte, capaz de manter altas as taxas de lucros com
o comércio de produtos agrícolas e manufaturados, dependendo ainda das relações inter -
estaduais para manter o equilíbrio financeiro.
Mesmo assim, a introdução de melhorias nos serviços públicos, a construção
da Estrada de Ferro São Luís - Teresina e o aparecimento de fábricas começaram a esboçar
um crescimento econômico considerável, além do crescimento urbano e populacional,
possível em decorrência da oferta de empregos, principalmente na capital maranhense.
Assim, no ano de 1921, o parque têxtil maranhense contava com um total de
onze fábricas, cujo valor de produção era de 11.776.640$515, empregando 3.537 operários e
contribuindo com 1.012.988$544 em impostos para os cofres públicos, além de produzir uma
massa de capitais da ordem de Rs 8.028.590$000.
Tabela de fábricas, teares, operários e capital
Fábricas Teares Operários Capital
(em mil réis)
Camboa 200 475 1.194.900
Fabril 574 650 1.200.000
Cânhamo 120 160 900.000
Anil 392 462 1.573.690
Santa Amélia 280 272 700.000
São Luís __ 248 1.260.000
Industrial 130 260 300.000
União 220 350 850.000
Manufatora 160 300 __
Manufatureira 200 300 __
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Sanharó 60 60 50.000
Total 2.336 3.535 8.028.590
(Fonte: PAXECO, 1922, p.136; ITAPARY, 1995, p. 22).
Ao contrário do que ocorreu no sul, onde a mão-de-obra era majoritariamente
estrangeira, predominava como força de trabalho utilizada na produção fabril maranhense, a
mão-de-obra nacional, “recrutada entre a população pobre urbana” (MELO, 1990, p.39),
composta, em sua grande maioria, até o final da década de dez, por mulheres e menores.
O que se verifica nos dados fornecidos por Paxeco (1922) sobre a mão-de-obra,
é que os menores não aparecem como força de trabalho nas fábricas maranhenses em 1921,
mas ainda assim, em algumas indústrias, temos a predominância do trabalho feminino, como
na Fabril, que contava com 442 mulheres e 208 homens e na Cânhamo, onde havia 120
mulheres e apenas 40 homens. Na Manufatora, os números indicam 185 mulheres e 115
homens. Já a Manufatureira apresentava em seus quadros 200 mulheres e 100 homens. Esse
contingente feminino nas fábricas acabava por empurrar para baixo o preço do trabalho pago
aos operários, visto que as mulheres recebiam menos em relação aos homens.
Entretanto, embora os empregados nas fábricas e de outros serviços fossem, em
sua maioria brasileiros, a presença de estrangeiros entre os trabalhadores maranhenses era
uma realidade, como se pode perceber no artigo do jornal Pacotilha:
“A vida Operária Alguns operários, ao que consta, irão, por êstes dias, conferenciar com o presidente do Estado, a respeito da situação em que se encontram, em face da entrada de numerosos concorrentes estrangeiros nesta capital. Os que se julgam prejudicados alegam que os melhores salários estão sendo distribuídos, em obras, aos estrangeiros. Ao passo que um obreiro dos nossos ganha 5, 6 ou 7 no máximo , o operário estrangeiro percebe 8$, no mínimo, deles havendo que tem salário até de 12$ diários. Assim, a situação para o trabalhador local é precaríssima, principalmente em face da actual carestia de subsistências.” (PACOTILHA, 1921, p.03).
Infelizmente, o jornal não nos dá maiores informações sobre o caráter do
trabalho realizado pelos estrangeiros (se era um trabalho especializado ou não). Porém,
podemos deduzir, pelo tom do reclame, que os brasileiros desenvolviam tarefas semelhantes,
embora recebessem menos por isso.
Para a década de 20, os números do censo indicavam uma população de
874.337 habitantes vivendo no território maranhense. Destes, 52.929 almas estavam residindo
no município de São Luís. Até 1919, a entrada de nacionais e estrangeiros obedecia a uma
43
lógica de equilíbrio em relação às entradas e saídas de pessoas, tanto nacionais quanto
estrangeiras, que chegavam ou deixavam o Maranhão pelo porto de São Luís.
Do total de habitantes do Estado, 261.582 estavam ocupados com algum tipo
de atividade econômica, sendo que a maior parte (79,8%) estava ligada às atividades de
exploração do solo. Só em São Luís, a população economicamente ativa que laborava em
indústrias perfazia um total de 7.034 operários. (CALDEIRA, 1981, p. 68). Estes dados
demonstram que o Maranhão apresentava uma estrutura produtiva ainda escorada na zona
rural.
Porém, a grande concentração social apresentada pela capital ludovicense
demonstra que esta se tornou um importante pólo de atração humana. Como já foi dito, o
aparecimento de várias firmas comerciais, companhias ligadas ao setor de serviços e a criação
de indústrias, garantiu um considerável aumento dos postos de ocupação remunerada.
As condições de vida e trabalho, segundo o que se verifica a partir da leitura de
jornais do período, não diferiam das do proletariado de outras regiões. Jornadas de trabalho
excessivas, disciplina rígida, baixos salários e condições insalubres do ambiente em que
realizavam suas atividades laborativas eram algumas das dificuldades enfrentadas pelos
operários em sua lide diária.
Embora explorados, esses trabalhadores não estavam completamente alheios às
agruras a que eram submetidos, como se pode perceber da paralisação que foi iniciada pelos
operários da fábrica de tecidos Camboa, situada em São Luís e em funcionamento desde
1890. A greve, ocorrida ainda no século XIX, deu-se quando a diretoria da mesma resolveu
reduzir o preço pago pelo metro de tecido produzido, o que acarretaria em decréscimo
salarial.
“Esse foi o 1º movimento de operários maranhenses do setor têxtil do qual se tem notícia e que, como se vê, foi eminentemente feminino; caracterizado pela reivindicação salarial, decorreu do propósito de defesa dos níveis deste.” (Caldeira apud Ferreira, 1996, p. 32).
Um dos grandes problemas enfrentados pela população de São Luís e, que
atingia principalmente as classes mais baixas era o da carestia de gêneros alimentícios, o que
ocasionava o aumento considerável dos preços destes artigos na praça da capital. Este fato é
evidenciado pelas constantes notícias publicadas nos jornais da época, o que nos leva a inferir
que a situação estendeu-se por toda a década de vinte:
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“Ainda a vida cara ...................................................................................................................................... A carestia de vida entre nós é um symptoma de decadencia. Os preços dos generos de primeira necessidade e os alugueres de casas, demasiadamente excessivos, não estão de accordo com os vencimentos do funccionalismo, os ordenados dos auxiliares do commercio, os salarios do operariado, etc. Atravessamos um período de misérias que a maior parte do tecto maranhense encobre. Ainda só é accesivel aos ricos, aos bafejados pela fortuna.” (FOLHA DO POVO, 1924, p. 1). “A miseria campeia É notoria a carestia de vida. Todos, sem excepção, se queixam de serem insufficientes os meios com que contam para a subsitência. Não há classe que não tenha sido attingida por esse flagello, para o qual os poderes competentes fecham os olhos, em quanto distrahem quantias para fins condemnaveis. ...................................................................................................................................... Fosse só o funccionalismo o prejudicado com o azar que nos invade, que, mesmo assim, nas outras classes algo de bem estar se notaria. É isto o que se não verifica. A população do Maranhão, prescindindo-se, está claro, dos que são bafejados pela sorte, sofre immensamente as agruras da fome, está prestes a verificar a sua nudez, adquire males, sem recursos que os evite. O operariado das fábricas, devido aos salários, pequeníssimos para os tempos que correm, é o exemplo mais frisante destas nossas asserções. ...................................................................................................................................... Os culpados, não haverá contestação, são os administradores que, vivendo na sumptuosidade, se esquecem das camadas sociaes, que são o sustentaculo do estado; atiram para um lado os interesses desses famintos, mal vestidos e doentes, ao passo que a sorte lhes vem em auxílio; não tomam providencias que evitam a subida constante dos generos de primeira necessidade, porque tudo e tudo lhes é fácil de acquisição” (FOLHA DO POVO, 1924, p. 1).
Como se pode perceber, as crônicas acima retratam a situação de precariedade
que assolava a população maranhense, com ênfase na segunda para as circunstâncias
deploráveis com que se deparava a classe operária. Porém, é notório o tom crítico dirigido ao
governo, sendo este culpabilizado pelo problema da carestia de vida.
Em uma rápida análise do trecho acima, fica evidente que o jornal procura
colocar-se como uma espécie de porta - voz das classes populares, reivindicando junto ao
governo e em nome delas, uma solução para a questão do aumento dos preços.
Partimos da hipótese de que a imprensa escrita maranhense se configurou
como importante veículo de difusão ideológica, principalmente no meio operário, uma vez
que contribuiu para disseminar valores entre a classe obreira, que os absorvia e os reproduzia
dentro da sua práxis política.
Isso porque os jornais se apresentavam como portadores ou defensores de
alguma corrente política no período em questão (década de 20) e, por seu turno, buscavam
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conquistar a simpatia e o apoio popular para os grupos com os quais mantinham alguma
relação.
Entretanto, para compreendermos o contexto em que se configura esse discurso
de cooptação popular e em especial dos trabalhadores, faz-se necessário uma breve discussão
sobre a situação política maranhense nos anos vinte.
4.2 Crise Oligárquica e Disputas Políticas na década de 20
Segundo Reis (1992, p.67), a crise política verificada no Maranhão durante a
década de vinte, deve-se ao processo de fragmentação e renovação interna da oligarquia,
situação ensejada pelo desaparecimento da geração nascida entre 1850 e 1860 e das pressões
por ascensão, exercidas por uma nova geração.
Assim, conforme Caldeira (1981, p. 25), o cenário político maranhense
imediatamente anterior à revolução de 30 era dominado pelos seguintes grupos políticos: os
magalhãesistas, os marcelinistas e os tarquinistas.
Os magalhãesistas integravam o Partido Republicano governista liderado pelo
oficial da Marinha José Maria Magalhães de Almeida, o qual esteve à frente da administração
do Estado durante o período de 1926 a 1930, como sucessor político de Urbano Santos.
A composição social desse grupo era formada, em sua grande maioria, por
grandes proprietários rurais, o que já lhe garantia uma base de sustentação eleitoral pela
formação dos “currais eleitorais” no interior do Estado, além da presença de comerciantes
ligados à industria de importação-exportação, de indivíduos pertencentes a classe média,
como advogados, farmacêuticos e médicos, assim como havia também a participação de
alguns intelectuais.
É interessante notar que este grupo também contava com o apoio eleitoral do
operariado fabril maranhense, o qual na legislatura de 1926/1930, “tivera os seus
‘representantes’, tanto no Congresso Estadual (no caso, o advogado Raimundo Valle
Sobrinho), quanto na Câmara Municipal de São Luís (o operário João Procópio Ramos)”
(CALDEIRA, 1981, p.27).
A suas articulações não se restringiam apenas ao nível estadual, mas também
mantinha relações com políticos do governo federal, assegurando, assim, uma base de
sustentação junto ao Poder Central.
Entretanto, a manutenção do controle político dos magalhãesistas se dava,
principalmente por conta das relações de dominação exercidas sobre o conjunto dos
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camponeses atrelados aos grandes proprietários fundiários, os “coronéis”, responsáveis por
angariar votos no campo. Além disso, o controle do aparelho do Estado lhes possibilitava a
prática, tão comum na Republica Velha, de manipulação dos resultados oficiais dos pleitos;
manipulação essa que ocorria tanto pela fraude na contagem dos votos quanto através do falso
alistamento eleitoral.
Quanto aos marcelinistas, apresentavam-se como o mais importante grupo de
oposição política maranhense. Grupo de características oligárquicas, os marcelinistas eram
assim chamados por estarem à chancela do líder político Marcelino Machado, principal
expoente do Partido Republicano oposicionista.
Assim como o grupo dos magalhãesitas, engrossavam as fileiras do
marcelinismo grandes latifundiários, indivíduos ligados ao setor agro-industrial, comerciantes
importadores-exportadores e agentes oriundos dos setores médios, como funcionários
públicos, jornalistas, farmacêuticos, médicos, advogados e agrônomos.
O Partido Republicano oposicionista gozava de certo prestígio entre as classes
populares da capital, contando os marcelinistas com o apoio eleitoral de alguns artesãos,
funcionários públicos da categoria “servente”, e indivíduos sem ocupação definida,
empregados domésticos, etc. (CALDEIRA,1981, p. 40).
Tal apoio era conquistado mediante a utilização de um discurso “radical”, que
expunha as mazelas a que a população estava submetida, sem esquecer de apontar o grupo
situacionista como sendo o principal responsável por elas.
Entretanto, o apoio ao PR oposicionista restringia-se à capital maranhense, uma
vez que o campesinato era eleitoralmente controlado pelo partido situacionista. Além disso,
ainda segundo Caldeira (1981), o discurso marcelinista não apresentava nenhuma proposta
para as camadas populares do setor rural, uma vez que buscava não contrariar os interesses
dos grandes latifundiários que integravam o partido.
O terceiro grupo a compor o cenário político maranhense, durante a década de
vinte, era o dos tarquinistas, chefiado pelo médico Tarquínio Lopes Filho, facção que
integrava o Partido Democrático Estadual.
O grupo dos tarquinistas identificava-se com a linha ideológica pregada pelo
movimento tenentista, que incluía em seus discursos a moralização administrativa, a lisura
eleitoral, oposição à dominação oligárquica, etc. Assim, colocavam-se os tarquinistas como
oposição tanto ao grupo magalhãesista quanto ao marcelinista.
Por serem um grupo numericamente pequeno em relação aos outros dois e sem
muita expressão política, filiaram-se de início ao grupo de Marcelino Machado, a quem
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prestaram apoio até 1927, quando então rompem com o PR oposicionista e fundam um
partido próprio, o Partido Democrático Estadual, liderado por Tarquínio Lopes Filho.
O PD tarquinista era formado por um grupo bastante heterogêneo, do qual
faziam parte uma pequena parcela da burguesia e das classes médias, assim como agentes da
pequena burguesia, comerciantes e oligarcas.
O discurso deste último grupo fica evidenciado nas linhas do jornal de
propriedade do médico Tarquínio Lopes Filho, que se utiliza de críticas ao sistema eleitoral e
de uma prédica que exige a moralidade administrativa, elementos tão presentes no cenário
político brasileiro da década de vinte, numa tentativa de relacionar os problemas sociais que
afligiam a população maranhense com a utilização patrimonialista do Estado pelo partido
situacionista:
“Nossa Orientação Todos vemos que o povo vive asphixiado pela carestia da vida, que fatores múltiplos anormalisaram, e que dia a dia se agrava com o aumento dos tributos, cuja aplicação sempre se justifica e é por vezes, criminosa. Pugnar pelo barateamento da vida; defender, contra os exploradores, as classes populares; combater a aggravação dos impostos, e trabalhar pela sua diminuição; luctar pela normalisação da justiça de modo a colocal-a no seu papel de garantidor de direitos de todos e de cada um; procurar orientar o povo de modo a conquistar elle o seu verdadeiro papel na organisação social, garantindo-lhe o bem-estar; não medir sacrificios para effectivar a liberdade eleitoral, e a soberania do povo, que só pelas urnas livres se manifesta; constituem artigos do programma, que nos propomos cumprir ”(FOLHA DO POVO, 1923, p. 1).
Na verdade, os jornais se tornaram o locus dos debates e de acusações políticas
de toda ordem. Enquanto o periódico Folha do Povo estava a serviço da oposição e buscando
a simpatia das classes populares, o jornal Pacotilha emprestava as suas páginas às
propagandas das “beneméritas” ações do grupo situacionista.
O que se pode perceber, a partir da exposição do cenário político maranhense
do período em questão, é que ocorria uma crise intra-oligárquica, originada por conta do
aparecimento de novos atores políticos que, em busca de ascensão dentro dos quadros do
poder, tentavam conquistar o apoio das classes populares através de uma política de
manipulação das massas.
Essa manipulação era realizada tanto pelo partido situacionista quanto pelos
partidos de oposição, sendo que o primeiro, por dispor dos aparatos do Estado, tinha maiores
possibilidades de efetuar políticas concretas em relação às classes baixas, ao contrário da
oposição, que se valia de um discurso voltado para o ataque ao governo, mas que também
refletia os anseios da população.
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É dentro desse contexto de disputas intra-oligárquicas e das investidas de
cooptação por parte dos partidos políticos que começa a ocorrer a organização das classes
trabalhadoras de São Luís, como veremos a seguir.
4.3 Organização e Luta da Classe Trabalhadora de São Luís (1920- 1930)
Malgrado o tamanho reduzido do parque fabril maranhense em comparação
com o de outras regiões, também aqui se pôde verificar indícios de formas organizacionais
empreendidas pelos trabalhadores, não só das indústrias, mas também de outras categorias
ocupacionais.
A disposição associativa dos operários maranhenses desenvolveu-se em um
período em que alguns aspectos da chamada “questão social” eram perceptíveis. A
insatisfação com as precárias condições de vida e com a má qualidade da prestação de alguns
serviços públicos levaram a classe obreira maranhense a se organizar em Uniões, Grêmios, e
Associações.
O objetivo principal dessas organizações operárias era “a arrecadação de
fundos para a assistência médica, auxílio à invalidez e ajuda familiar nos casos de morte”
(REIS, 1992, p. 73), não fugindo ao padrão organizacional que deu origem aos sindicatos já
existentes em outras regiões do país.
Entretanto, enquanto as organizações operárias em São Paulo e no Rio de
Janeiro se configuravam sob a perspectiva de organismos fortes e combativos, com a
utilização da chamada ação direta como forma de pressão sobre o patronato industrial, no
Maranhão, as organizações de trabalhadores nascem sob a tutela dos agentes políticos em
disputa.
Se a presença de estrangeiros, em especial a de italianos, foi de grande
importância para a montagem dos sindicatos qualificados como independentes no centro-sul,
a baixa porcentagem desses atores sociais no meio operário maranhense pode ter concorrido
para a inexpressiva influência de correntes ideológicas de cunho revolucionário que viessem
orientar a organização e mobilização da classe obreira.
Assim, no plano teórico, a questão da presença ou não de uma “classe
operária” em São Luís na década de vinte ganha relevo quando se depara com alguns matizes
metodológicos definidores do conceito de classe.
Tal problemática, como se pode perceber na maioria dos trabalhos que têm
como objeto de estudo os trabalhadores, enfatiza a sua práxis política como sendo a
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característica mais relevante na sua construção enquanto classe, numa abordagem quase que
exclusivamente culturalista. Afirmamos “quase”, por reconhecer que análises desse tipo
deixam entrever as relações inerentes ao sistema capitalista no âmbito produtivo, sem deixar
escapar que, objetivamente, o referido sistema enseja uma bipolaridade ao nível econômico, o
qual, em si, delimita as fronteiras entre as classes.
Em vista disso, a questão se aprofunda quando se busca equalizar situações
aparentemente díspares, partindo de uma perspectiva concreta do comportamento das classes
em sua relação com outras frações sociais, sem que se incorra em conclusões precipitadas.
Dessa forma, um operário que age como um burguês ainda assim não está estruturalmente
enquadrado na classe burguesa, posto que se encontra do outro lado das relações sociais de
produção típicas do capitalismo: na esfera dos expropriados dos meios técnicos.
O presente trabalho de modo algum pretende esgotar o debate travado em torno
das propostas metodológicas que buscam uma conceituação de classes sociais, visto que isto
demandaria a análise de uma série de questões fundamentais que exigiriam um tratamento
sistemático a nível epistemológico de cuja complexidade nos escusamos de antemão.
Por essa razão, utilizaremos a expressão “classe trabalhadora” para designar o
conjunto social formado pelos operários de São Luís dentro do recorte temporal que interessa
neste trabalho (década de vinte), buscando em sua prática política elementos que nos ajudem a
analisar os conteúdos ideológicos que orientavam suas ações, embasadas nas tentativas de se
protegerem do sistema que os aviltava.
Assim, é principalmente durante a referida década que percebemos uma maior
movimentação dos operários maranhenses no sentido de se organizarem em associações, a fim
de resolverem seus problemas mais urgentes, como nos mostra o quadro a seguir:
Associações Proletárias Maranhenses
Associação Elementos formadores
Fundação(data)
1.União Operária Maranhense (c) operários em geral 13.05.1918 2.Associação Benef. dos Empregados do Telegrapho Nacional
empregados do telegrapho
28.07.1914
3.Sociedade União Beneficente dos Talhadores
todos que exerçam a profissão de talhador
03.08.1919
4.Caixa do Pessoal Marítimo da Alfândega do Maranhão* (b)
patrões,remeiros e pessoal das lanchas
5.Associação das Enfermeiras do Maranhão*
profissionais de enfermagem
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6.União Marítima Maranhense (a) profissionais marítimos
28.07.1924
7.Sociedade Beneficente dos Estivadores profissionais da estiva 12.10.1923 8.Sociedade Centro Artístico Operário Maranhense
operários em geral 23.10.1900
9.União Artista Naval Maranhense (a) artistas navais (profissionais
marítimos)
15.08.1924
10.Associação dos Empregados no Comércio do Maranhão
empregados do comércio
09.11.1924
11.União dos Chauffeurs chauffeurs 08.04.1923 12.União dos Carregadores* carregadores 13.União dos Pedreiros de São Luís* pedreiros 14.União Fabril* (a) funcionários e
operários de fábricas
15.União dos Barbeiros barbeiros 1927 16.União dos Leiteiros* (a) entregadores de leite 17.União dos Remadores remadores 23.01.1927 18.União dos Vendedores de Leite (a) vendedores de leite 30.06.1927 19.União dos Carroceiros de São Luís carroceiros 10.02.1927 20.União dos Carpinteiros e Classes Correlativas
carpinteiros e classes correlativas
14.10.1926
21.União dos Auxiliares dos Panificadores de São Luís
auxiliares de panificadores
10.02.1928
22.Electro Associação Maranhense eletricistas profissionais e
auxiliares
08.04.1928
23.Agremiação Política Proletária Bateria Fraternal da Glória (e)
qualquer cidadão maior de 18 e menor
de 50
15.10.1928
24.Bloco Fraternal Obreiro de São Luís* (c)
trabalhadores em geral
25. Associação Tipográfica Maranhense* tipógrafos 26.União dos Sapateiros sapateiros 15.05.1927 27.União dos Foguistas foguistas e carvoeiros 15.08.1920 28.Associação dos Empregados no Comércio
comerciários 07.11.1924
29.União dos Operários da Companhia Cânhamo (a)
operários da Companhia Cânhamo
08.1926
30.Conselho Superior dos Proletários (d) associações trabalhistas diversas
1928
* Associações que não foi possível localizar data de fundação. (a) - mais de uma associação para uma só categoria trabalhista; (b) - associações que congregavam patrões e empregados; (c) - associações que congregavam operários de diversas categorias; (d)- Fundado em 1928, o ConselhoSuperior dos Proletários congregava associações operárias diversas; (e) - congregava operários e não operários. (FONTE: FERREIRA, 1996 pp.41-42).
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Percebemos, pelo quadro acima, que a organização dos trabalhadores em
associações é anterior aos anos vinte do século passado, mas é dentro do contexto em que se
verificam vários aspectos da chamada questão social que ocorre o surgimento de um grande
número de agremiações operárias.
As organizações trabalhistas de então se configuram sob uma perspectiva
filantrópica, onde sua preocupação está direcionada à ajuda em caso de falecimento do sócio
ou em caso de enfermidade que lhe impossibilite continuar exercendo suas funções.
Entretanto, conforme Ferreira (1994), a busca pela defesa de seus interesses também está
presente em alguns estatutos.
Além da pluralidade sindical, facilmente perceptível no fato de haver mais de
uma associação para uma só categoria de trabalhadores, a presença de patrões ao lado dos
operários, como no caso da Caixa do Pessoal Marítimo da Alfândega, nos leva a inferir que
tanto os empregadores como o governo não obstruíam a formação dos grêmios operários; pelo
contrário, acabavam por contribuir para as referidas organizações.
Tal fato fica evidenciado no caso do Centro Artístico Operário Maranhense, em
que o prédio desta associação havia sido cedido pelo governo. Além disso, a presença do
Governador ou de seus representantes nas solenidades promovidas pelo Centro era uma
constante.
“A Festa do Trabalho Com uma numerosa assistência, realisou-se, ontem, às 20 horas, na sede do Centro Artístico, uma sessão solene como preito e homenagem ao dia 1º de maio. Presidiu-a o dr. Cláudio Moreira, representante do sr. Presidente do Estado ... ” (PACOTILHA, 1921, p. 4).
Assim, para os trabalhadores maranhenses do período, o primeiro de maio era
uma “festa” em que as autoridades políticas estavam presentes, além de figuras importantes
da Igreja Católica, como o Bispo D. Helvécio Gomes de Oliveira, presidente de honra da
citada instituição.
A situação não mudou muito em 1929, quando comparado ao início da década,
embora o proletariado maranhense já possuísse alguma consciência reivindicativa e se
utilizasse também da greve para obter vantagens sobre os patrões:
“1º de Maio - Dia Consagrado ao Trabalho O Centro Artístico comemorará esta grande data com o seguinte programa: às 5 horas da manhã, alvorada; às 6 horas será hasteado o pavilhão do centro; às 9 horas
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uma grande comissão irá ao túmulo dos seus irmãos que lá descansam; às 12 horas, alvorada; às 20 horas, sessão solene na sede do Centro Artístico, sendo que, durante o dia, ficará franqueada a entrada na sede a todos que quiserem visita-la. Esperamos que o operariado em geral, as autoridades e as classes trabalhistas honrem com as suas presenças o templo do trabalho ”(TRIBUNA, 1929, p. 6).
A presença dessas autoridades no seio da classe operária acabava por gerar
uma perspectiva amistosa nas relações entre trabalhadores e Estado, em que a classe obreira
via nessa proximidade, a boa-fé com que o Governo lhes acenava.
Essa orientação acabou prevalecendo no contexto trabalhista maranhense, onde
o Estado se apresentava como o legítimo representante das massas, além de ser visto como
protetor dos trabalhadores, para quem estes últimos sempre poderiam apelar, no caso de se
sentirem injustiçados:
“Uma Injustiça Melchiades Fonseca era ajudante de electricista da nossa usina e, porque tinha uns vencimentos seus em atraso, dirigiu-se ao palácio onde se queixou ao dr. Godofredo Vianna. Sua Excia., atendendo àquella reclamação, providenciou, imediatamente, para que Fonseca fosse embolsado do seu dinheiro, o que de facto, aconteceu logo”(FOLHA DO POVO, 1923, p.4)
O que se percebe é que o governador havia aberto um canal de comunicação
direta com o povo, que, de alguma forma, tirava algum proveito disso. Assim, se por um lado
se buscava a cooptação da classe trabalhadora, esta não se fazia de rogada quando
reivindicava os discursos de proteção a ela dirigidos pela elite política.
A interferência de políticos nos organismos constituídos pelas classes
laborativas era freqüente. A busca de sua adesão às fileiras dos partidos situacionista e
oposicionista no cenário político maranhense era também realizada pelos jornais da época, os
quais estavam a serviço de algumas facções oligárquicas.
Dessa forma, o denuncismo jornalístico se tornou uma das formas mais visíveis
de ataque aos atores políticos. A ênfase também recaía sobre a popularidade e aceitação deste
ou daquele político frente às massas, recurso utilizado principalmente nos períodos de eleição.
O Partido Republicano situacionista encontrava no jornal Pacotilha o principal
aliado na imprensa maranhense. Este periódico procurava criar uma imagem positiva dos
políticos integrantes do partido, ressaltando suas "benévolas" intenções em melhorar as
agruras vividas pela população obreira:
“As Casas O sr. dr. Urbano Santos, ao partir do Rio, em setembro de 1919, facilitou a um redactor da <<Rua>> uma entrevista, reproduzida no <<Diário Oficial>>, onde
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expôz o seu programa de governo. Dirigindo-se-lhe uma pergunta acerca das condições do operário e sobre se era estranho à questão social, S. Exc. respondeu- <<nem o podia ser. Não o é, no momento, nenhum administrador. Estudo o problema com carinho e, praticamente, vou agir quanto a um ponto que aflige o proletário da minha terra. Refiro-me ás habitações. Em São Luís, ha uma chaga: a moradia debaixo dos sobrados. Pretendo extingui-la. Isso diz respeito, por um lado, com o problema da profilaxia urbana; de outro, com o problema da habitação.Penso em construir habitações baratas para operários, nos arredores da cidade, proibir terminantemente a moradia debaixo dos sobrados, sanear os <<cortiços – transformando-os em avenidas e vilas rigorosamente higiênicas” (PACOTILHA, 1920, p.1).
Além da carestia de vida, a questão da habitação na capital maranhense era
mais um problema grandemente alardeado nos jornais da época. Um outro jornal publicou
pouco tempo depois das declarações do governador Urbano Santos, a seguinte nota:
“Habitações Operárias Número elevado de agrupamentos urbanos no país tem procurado resolver o problema das habitações operárias. Em muitos dêsses núcleos mais importantes da população brasileira já as prefeituras foram ou estão aparelhadas das autorizações e meios para construir casas ou grupos de casas baratas e confortáveis, destinadas ao operariado. Entre nós, nenhum passo ainda se deu nesse sentido, apesar de evidente a crise das habitações em São Luís, o que torna em extremo dificultoso aos menos favorecidos pela fortuna, e mesmo aos próprios <<remediados>>, o achado de moradias a preço módico e com os necessários requisitos higiênicos. Para a grossa massa da nossa população, não é, está bem claro, o punhado de prédios menos maus que tem a cidade, onde, aliás os ricos não vivem lá para que não se diga bem acomodados, o que, porêm, não se verifica si não por culpa deles, que não constroem casas próprias para a sua moradia porque não querem, por puro amor do dinheiro aferrohado. Para a grossa massa da população sanluisense o que fica de reserva são ou os baixos de sobrado, os cortiços mais ou menos disfarçados que infestam a cidade, as possilgas e baiúcas de todo género ”(TRIBUNA, 1920, p.1).
O cronista acima não apenas apresenta um quadro da precária paisagem urbana
de São Luís, mas reforça as críticas ao Poder Público, indicando que em outras regiões do
país, o problema da habitação estaria sendo resolvido, mas que “entre nós, nenhum passo
ainda se deu nesse sentido”.
O que se pode perceber sobre a imprensa ludovicense da década de vinte é a
sua tentativa em chamar a atenção dos operários a partir das suas colunas, divulgando as
misérias que assolavam a classe e, ao mesmo tempo, exigindo providências do governo para a
resolução dos problemas.
Entretanto, é importante ressaltar o fato de que no período em questão, a
orientação econômica seguida pelo governo brasileiro era a doutrina liberal, que não interferia
diretamente nos assuntos econômicos, embora, na prática, os Estados do sul utilizassem o
aparelho estatal para manter os lucros auferidos com a exportação de café.
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Porém, procuravam sempre enfatizar através de suas colunas a obrigação do
governo em relação aos assuntos que envolvessem a sociedade e, em especial, os assuntos
relacionados com as questões econômicas, como era o caso da carestia de vida.
Não sabemos a porcentagem de pessoas que liam os jornais e nem do número
de operários analfabetos, entretanto, percebemos o direcionamento claro dos mesmos aos
trabalhadores, numa tentativa não só de formar opiniões, mas também divulgar ideologias,
além da preocupação em rechaçar qualquer forma "anormal" de reivindicação que não fosse
os meios legais de petição junto ao governo.
Essa questão fica evidente quando se trata de “instruir” a população contra as
“perniciosas” idéias comunistas, vistas com muito receio por parte dos editores jornalísticos.
As notícias sobre greves, principalmente as que ocorriam no Rio de Janeiro e
em São Paulo, eram fartamente divulgadas na primeira página de alguns periódicos
ludovicenses, sumindo posteriormente ao longo da década. Porém, a repulsa pelas idéias
socialistas que impulsionavam os trabalhadores à realização das paralisações no sul é
evidente, idéias estas apresentadas como algo que deveria ser evitado pelo proletariado
maranhense, deixando entrever as orientações políticas que acompanhavam os jornais,como
se pode observar abaixo, no jornal do Dr. Trquínio Lopes Filho, sobre o desenrolar dos
acontecimentos que se verificavam na Itália:
“Echos ...................................................................................................................................... De facto, os socialistas têm obedecido a um systema practico de viver, que é uma verdadeira aberração aos sabios principios que os regem. Teimosos, adoptam quasi sempre a maxima communista, que é, pouco mais ou menos isso: o que é teu é meu; mas, o que for meu não será teu ... e por ahi, resvalam por um caminho árido, empunhando a bandeira vermelha, symbolo da revolução e de sangue, para afrontar o capitalismo e ezpezinhar as proprias autoridades constituídas... Mas, a <<Bella Italia, deusa da arte, berço de civilisações e de grandes criminalistas, e, sobretudo, quartel general da sublime religião de Christo>>, para nos servir das palavras do ilustre chronista, recebeu a bênção providencial, por intermédio do fascismo, que continúa a empunhar a sua bandeira branca da paz”(FOLHA DO POVO, 1924, p.1).
Se os acontecimentos envolvendo os operários do centro-sul eram noticiados,
as greves envolvendo os trabalhadores maranhenses dificilmente ganhavam algum espaço nas
colunas jornalísticas, o que não significa dizer que elas não aconteciam.
O aparecimento das organizações de trabalhadores, embora ocorrida em um
contexto de disputas políticas e em que a questão da moralização administrativa servia de
55
discurso para a cooptação das massas, já demonstra a disposição da classe obreira em tentar
solucionar parte dos problemas com que se deparava.
Analisando o estatuto da Sociedade Centro Artístico Operário Maranhense,
anteriormente denominada de Centro Artístico Operário Eleitoral Maranhense, fica evidente
no texto do referido documento o caráter filantrópico da entidade, como no fato de a mesma
ocupar-se do enterro de seus filiados e “fomentar e criar Lyceus de Artes e Officios, escolas
ambulantes e profissionaes”, (DIÁRIO OFICIAL, 1924, p. 3) além de promover a criação de
caixas de construções, bibliotecas, jornais, revistas, gabinetes de leitura, demonstrando aí a
sua preocupação com a instrução do operariado.
Os sócios também recebiam benefícios quando estes se encontrassem
impossibilitados de continuar a efetivação de suas atividades laborais em caráter temporário,
ou quando apresentassem alguma moléstia grave, deformidade ou amputação.
Entretanto, o Centro também procurava defender os interesses de seus
associados, “attendendo com promptidão às sua reclamações” e se propondo a atuar como
mediador nos conflitos que envolvessem os centristas em causas trabalhistas, sem que
houvesse a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Porém, mais do que simplesmente um organismo de defesa do trabalhador, o
Centro Artístico também contribuiu para organizar e disciplinar a força de trabalho que
integrava seus quadros, posto que não admitia como sócios os que não tivessem uma
profissão considerada honesta, os que fossem destituídos “de bom senso ou de bons
costumes”, aqueles considerados ébrios habituais, os que tivessem sofrido condenação penal
por crimes reputados por infames e “os parasitas e refractarios ao trabalho”.
Além disso, propugnava a criação de escolas profissionais para os filhos dos
centristas, buscando assim, contribuir para a formação de mão-de-obra especializada para o
mercado de trabalho.
Ainda segundo o estatuto, a orientação política do Centro era inspirada “nos
sãos princípios do socialismo moderno”. O que se pode deduzir da expressão “socialismo
moderno”, é que esta corrente se enquadrava dentro de uma concepção reformista do
capitalismo, sem que houvesse um discurso voltado para a transformação das estruturas
econômicas e sociais, ou qualquer referência a ideais revolucionários, posto que, nas
comemorações do primeiro de maio de 1924 visto acima, o orador Ângelo Magalhães
dissertou sobre os princípios do dito socialismo para uma platéia em que o dr. Cláudio
Moreira, representante do Presidente do Estado, participava da solenidade.
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As penas para as faltas cometidas contra os regulamentos do Centro incluíam a
suspensão dos direitos sociais por um prazo de um mês a um ano, ficando os que nelas
incorressem impossibilitados de receber qualquer quantia dos cofres da entidade. Um dos
casos em que ocorria a penalização do centrista era quando com “o seu nome ou
indirectamente concorrer para que sejam insertos nos jornaes artigos em que sejam
censurados os actos com caracter social”(DIÁRIO OFICIAL, 1924, p.7) onde se percebe mais
uma vez, o caráter disciplinador da Sociedade, que procurava evitar que seus membros se
envolvessem em práticas consideradas por ela “perniciosas”.
Com efeito, é notória a preocupação em organizar e manter o controle dos
trabalhadores que ingressavam no Centro Artístico, inculcando nestes um forte código moral e
de valorização do trabalho, tentando, assim, afastar qualquer princípio que não se adequasse
aos seus preceitos reformistas e de colaboração com o capital.
Em relação ao do Centro Artístico, os estatutos da União dos Estivadores de
São Luís representa um avanço. Embora nele também encontremos características
essencialmente filantrópicas, a preocupação com a regulação de suas atividades laborativas
está bem presente no texto.
No documento, a entidade se propõe a lutar pela efetivação do regime de oito
horas diárias, além de conseguir dos patrões o direito de disporem de duas horas para as
refeições. Também consta no texto que a referida sociedade iria impedir que fossem
guindadas para os navios mais de dez sacas de 60 kg ou mais de quatro caixas de metro
cúbico de volume, de uma só vez.
Esses dispositivos contidos nos estatutos da União nos revelam as dificuldades
enfrentadas pelos estivadores, no seu exercício profissional. Entretanto, também não
encontramos nele qualquer vestígio que nos reporte a adoção uma doutrina diferente do
reformismo.
Embora não tenha sido encontrada nenhuma alusão a ideologias
revolucionárias no seio do operariado maranhense que tivesse como proposta uma mudança
estrutural nas bases econômicas, de modo algum este se encontrava alheio aos problemas que
o circundava.
Encontramos algumas referências nos jornais sobre movimentos
reivindicativos de trabalhadores, no intuito de conseguirem algumas melhorias em relação à
sua situação. Para efeito de análise, dividiremos a ações em duas categorias: ações indiretas,
quando se reportavam à classe política ou aos jornais para reivindicarem direitos; ação direta,
57
quando, por meio de manifestações grevistas atuavam os operários diretamente contra os
patrões.
Na primeira categoria, apresentamos o caso do ajudante de eletricista
Melchiades Fonseca. Este, por ter alguns vencimentos que não lhe foram repassados a título
de atraso, não teve dúvidas: recorreu ao governador Godofredo Vianna a fim de conseguir
receber seu dinheiro. E foi em decorrência da intervenção do dito governador que o caso foi
resolvido.
Dessa forma, o jornal propagandeava as virtudes do governador, além de
colocá-lo como alguém em defesa dos interesses dos “indefesos” trabalhadores. O que se
pôde verificar é que a classe obreira aproveitava-se do caráter “filantrópico” do Poder Público
para dirigir-lhe algumas petições, como se observa na seguinte nota jornalística:
“Pavilhão Para o Operário Temos, hontem, os offícios [de] diversas sociedades operárias dirigidos ao Presidente do Estado pelo interesse tomado pela construção de um pavilhão, à custa do Estado, no serviço de prophilaxia, para acudir aos colegas que tiverem a infelicidade de adoecer ”(FOLHA DO POVO, 1926, p. 4).
Assim, como já vimos alhures, o contato direto entre classe política e classe
obreira fez com que estes últimos mantivessem uma relação de troca, ainda que desigual, em
que os políticos, tentando manter suas bases eleitorais, procuravam cooptar os trabalhadores;
estes, em contrapartida, reclamavam do governo medidas que resultassem em melhorias para
a classe obreira ou na garantia de terem direitos assegurados.
“Os diaristas e jornaleiros da E.F.S.T. em número de 50 pessoas, visitam o deputado Marcelino Machado e procuram a Folha do Povo Hontem, às 19 ½ horas, 50 operários da Estrada F.S.LT. [Estrada de Ferro São Luís-Teresina] foram à residência do deputado Rodrigues Machado pedir protecção a fim de que lhes seja pago a vantagem da tabela LYRA, a que têm direito, nos seus vencimentos dos mezes de dezembro e janeiro do corrente ano. Hoje esteve nesta redacção a delegação daquelles funccionarios, que veio pedir tornasse público aquella visita e os seus agradecimentos, ao ilustre deputado pelo grande interesse que sempre tem tomado pelas classes trabalhadoras do Estado” (FOLHA DO POVO, 1924, p. 2).
Os operários também se dirigiam para a oposição a fim de fazer reclames,
como se percebe na nota acima. Assim, procuravam entrar no jogo das disputas políticas que
visavam o seu apoio como fica evidente no pedido que fazem à redação do jornal, para que a
visita a Marcelino Machado fosse tornada pública, para que ficasse patente o “grande
interesse que [o deputado] tem tomado pelas classes trabalhadoras do Estado”.
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Não estamos questionando neste trabalho o atendimento, por parte do Poder
Público, das reivindicações proletárias; porém, estamos apenas fazendo uma alusão ao
comportamento dos trabalhadores em relação à elite política, visto que os primeiros buscavam
tirar alguma vantagem da situação.
Porém, é fato que, durante o período de que trata este trabalho, começa a surgir
uma legislação voltada para atender algumas necessidades do operariado. Assim, a Lei 1.242,
de 11 de abril de 1925, criava no Estado a Assistência Proletária. Esta compreendia serviços
de assistência judiciária, médica, higiênica, terapêutica e educacional, além de auxílio às
caixas de socorro. (FERREIRA, 1994, p. 107)
Ainda em 1925, o Estado cria, através do Decreto nº 945, três escolas
proletárias noturnas de ensino primário, todas a serem construídas na Capital, sendo que a
preferência para o provimento das cadeiras de professoras seria dada às professoras filhas de
operários, conforme o constante na Lei nº 1.274, de 25 de março de 1927.
Conforme Ferreira (1994, p.107-109), foi adotado um aumento na arrecadação
do imposto sobre a produção das fábricas de tecidos para o custeio da assistência proletária e
também para a construção de escolas para os filhos dos operários, com a elaboração da Lei nº
1.259, de 7 de abril de 1926.
No jornal Pacotilha, encontramos um artigo escrito em 26 de janeiro de 1920,
onde o Centro Maranhense recusava uma proposta de subvenção do governo “sob o
fundamento de que a subvenção cercearia a independência do Centro, acerca da açção do
governo”. A busca por maiores informações acerca desse “Centro Maranhense” nos leva a
concluir que se tratava do Centro Artístico Maranhense, que, através de sua postura,
procurava manter alguma autonomia perante o Executivo estadual. Porém, o Decreto nº 369,
de 13 de novembro de 1920, nos informa que o governo abriu crédito para uma subvenção
anual à Faculdade de Direito, ao Centro Caixeral e ao Centro Artístico, o que demonstra que a
resistência ao apoio da classe política situacionista fora quebrado.
Essa legislação que começa a ser elaborada a partir dos anos vinte é um reflexo
das leis que surgem em outras regiões como Rio de Janeiro e São Paulo, áreas de maior
expressão econômica no contexto nacional, e com um grande contingente proletário, onde o
Estado buscava por fim à independência dos sindicatos, principalmente aqueles que
professavam o anarquismo como corrente ideológica.
O aumento do número de Uniões e Sociedades proletárias levou o governo a
buscar mecanismos que pudessem controlar o operariado. Com efeito, isso pode ser
comprovado pelo fato de que, para o usufruto dos benefícios dispostos na Lei nº 1.242, “os
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estatutos de todas as sociedades deveriam estar devidamente aprovadas pelo governo”
(FERREIRA, 1994, p. 59).
Dessa forma, percebemos que a classe política situacionista recepcionou
algumas questões referentes às reivindicações dos trabalhadores, mostrando, assim, o
atendimento de alguns de seus anseios através de mecanismos legais, ao mesmo tempo em
que estendia a sua tutela sobre os mesmos.
A utilização das páginas dos jornais pelos trabalhadores foi outra maneira
encontrada pela classe trabalhadora para reclamar direitos. Assim, dirigiam-se os
trabalhadores para as redações dos jornais quando sentiam que foram lesados de alguma
maneira:
“Na Fábrica Camboa O ferreiro Joaquim Mendes, adoece no trabalho e está abandonado. No dia 12 de outubro, próximo passado, ás 16 horas, estando o ferreiro Joaquim Mendes, assistindo a um jogo de foot-ball, foi interrompido por um chamado do maquinista da fábrica da Camboa, onde é operário o sr. José Experidião Vieira, para chegar até a dita fábrica, a fim de preparar uma peça de uma das machinas, o que o falado maquinista havia quebrado. Joaquim Mendes, dirigiu-se até a as officinas da fábrica e lá, trabalhou todo o resto do dia e da noite, para conseguir o preparo da peça, que era de grande necessidade. Na manhã seguinte, Mendes bastante cansado, repousou sobre uns pedaços de ferro, conciliando o sonno. Quando acordou, foi surpreendido com uma grande dor em uma das pernas. Continuou, porém a trabalhar, assim, mesmo, até o dia em que se viu obrigado a recolher-se ao leito. Experidião, que deixa de pagar os ordenados de Mendes, indo queixar-se, este por sua vez diz que isto é demais, pois toda dor de barriga, ou coisa que o valha, depois de inventarem a tal lei de accidentes no trabalho, é uma verdadeira praga porque muitos inventam doenças e eles vivem a sustentar vadios. Mendes que venha trabalhar que assim receberá os seus ordenados, e o pobre homem assim mesmo está no seu labor. A "Folha" vendo nisto um caso de acidente de trabalho, que precisa de providências, pede ao Sr. Director da Camboa, intercedam, a fim de que Mendes seja amparado como deve”(A FOLHA DO POVO Apude Ferreira, 1994, p. 55). “Os calceteiros que trabalham nos serviços ulenicos foram dispensados porque pugnaram pela bolsa. Domingos Ramos veio a esta redacção, em nome dos seus companheiros, reclamar contra a injustiça de que foram victimas. Estes operários ganhavam pelo que faziam, isto é, pela metragem da obra feita. No fim de algum tempo observaram, porem, que eram lesados com a metragem que os mestres e contra mestres faziam. No sabbado ultimo, por exemplo, chegaram a conclusão de que tinham sido lesados: Domingos Ramos em 11 mil réis; Bento em 7 mil e poucos réis; Antonio em 8 mil e tantos réis; Franklin em 22 mil réis. Deante desse prejuízo reclamaram ao mestre provando os motivos. João Ferreira disse aos operários que elles tinham toda a razão, mas ao dia seguinte foram dispensados e sem serem attendidos na justa reclamação. Deram como razão a falta de serviço. Mas porque lhes não pagaram o que tinham direito? Vimos uma trena com a qual estavam os águias habituados a medir o calçamento. Só com uma lente muito forte podem ser vistos os signaes de suppostos números. E, com ella, 15 metros podiam disfarçar 25, isto é sacrificar o ganho dos operários em tão importante somma.”( FOLHA DO POVO, 1924, p. 3).
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Na primeira nota, salta aos olhos o conflito existente entre dois empregados de
uma mesma fábrica. Porém, é notória a diferença hierárquica entre eles, posto que o
pagamento devido a Joaquim Mendes deveria ser efetuado pelo maquinista Experidião Vieira.
Este último, pela posição ocupada em relação ao primeiro, se comporta mesmo como um
patrão, reclamando da lei de acidentes no trabalho que, por extensão, também o ampara.
Inferimos a partir daí, que a introdução de alguns critérios de diferenciação
entre os operários, impostos pelo processo de produção (como as diferenças hierárquicas, de
salários), contribuía para minar a unidade entre eles, impedindo o estreitamento de laços de
solidariedade proletária.
Na segunda nota, mecanismos exploratórios são acionados a fim de garantir
vantagens sobre o trabalho dos operários. O roubo na metragem leva os calceteiros a
reclamarem com o mestre, que chega, inclusive, a considerar justa a reclamação. Porém, além
de não terem recebido nenhum ressarcimento, acabaram sendo dispensados do serviço.
Embora não tenhamos encontrado nenhuma informação que nos indique que o
caso de Joaquim Mendes, divulgado na primeira nota jornalística, tenha sido resolvido pela
diretoria da fábrica, um dos mestres da Ulen, empresa para quem os calceteiros da segunda
nota prestavam seus serviços, compareceu ao jornal poucos dias depois para “dizer que não é
verdade o que nos disse Domingos Moura sobre a sua dispensa do serviço. Diz que, apenas,
deve a Domingos, a importância de 5$400 de 6 metros de serviço” (FOLHA DO POVO,
1924).
Essa postura tomada pelo mestre da Ulen era comum, como se pode perceber
em outras notícias que envolviam alguma situação em que um trabalhador lesado levava sua
queixa ao jornal. Assim, as empresas procuravam desfazer o “equívoco” enviando algum
representante para a redação do mesmo jornal que divulgava as reclamações dos
trabalhadores.
Entretanto, o aumento do número de agremiações operárias vai contribuir para
uma maior organização e movimentação da classe obreira em torno de seus interesses. É nesse
ínterim que percebemos um aumento de mobilizações entre algumas categorias profissionais e
a utilização da ação direta como meio de pressão.
Como já dissemos alhures, são poucas as referências encontradas em jornais
sobre alguma movimentação paredista em São Luís. Porém, as greves que foram relatadas,
apresentam uma característica comum: a questão salarial.
61
Em decorrência mesmo da carestia de vida que castigava a população, a classe
trabalhadora acabava por se utilizar da paralisação de suas atividades laborais a fim de
conseguir obter vantagens econômicas sobre os patrões.
Embora estas greves não possam ser caracterizadas como greves “modernas"
(onde a pauta reivindicativa não se limitava a aspectos econômicos), acabavam por gerar uma
compreensão no meio operário de que o valor de sua força de trabalho era estabelecido pela
luta contra a opressão patronal.
Contudo, não se pode extrapolar o contexto em que se organizava a classe
operária maranhense, ausente de ideais revolucionários de esquerda. A maioria dos
movimentos era caracterizado pela atitude pacífica dos trabalhadores, que se limitavam a ficar
parados nas imediações dos locais de trabalho.
“Uma Greve Pacífica Esteve hoje nesta redação uma comissão de estivadores, que nos veio relatar um facto, pelo qual, a ser verdadeiro, não podemos deixar de apoiar a atitude daqueles trabalhadores, ao mesmo tempo que chamamos a atenção de quem de direito para solucionar o caso. A comissão contou-nos o seguinte: O sr. Alcebíades Seabra, encarregado do serviço de descarga do Loide, recebe por trabalhador 8$ de dia e 12$ à noite e só lhe paga 5$ e 6$000. Os estivadores, conhecedores disto e à vista da carestia de vida, coletivamente fizeram uma reclamação a respeito àquele cavalheiro. Este, depois de várias ponderações, estava inclinado a fazer umas modificações nas diárias, aumentando-lhes mais alguns vinténs, mas um sócio do sr. Seabra opoz-se terminantemente ao aumento, dizendo que não faltava quem quizesse trabalhar, e chegando mesmo a ameaçar os pobres estivadores de mete-los no xadrez, caso continuassem nas suas imposições. Os prejudicados, em virtude disso, resolveram, em greve pacífica, abandonar o serviço de descarga, que já tem causado reclamações dos comandantes imediatos dos paquetes”(TRIBUNA,1920, p. 1).
Percebe-se, pelo exposto, que a reivindicação dos trabalhadores foi recebida
com ameaças por um dos sócios responsáveis pelo serviço de descarga no porto. Mesmo
assim, os estivadores resolveram permanecer em greve, deixando o trabalho a serviço de
outros menos especializados. A falta de mão-de-obra para a consecução dos misteres de estiva
pode ter sido um incentivo à parte, na decisão de abandonar o trabalho. O final da notícia nos
revela a presença de uma força policial estacionada na rampa de desembarque “a fim de
manter a ordem”, algo que se verificará em outras greves.
Entre os trabalhadores das indústrias é que percebemos uma maior
movimentação grevista. As más condições de trabalho aliadas aos baixos salários que
percebiam agravavam mais ainda a situação provocada pela vida cara.
Os trabalhadores da Ulen entraram em greve no final do ano de 1923.
Percebendo a “miserável” quantia de 3$000 a diária, resolveram reclamar aumento salarial.
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Mister Albert, superintendente da companhia, ao chegar no local em que eram realizados os
trabalhos e encontrando os operários em greve, “botou o pessoal no olho da rua” (FOLHA
DO POVO, 1923)
Em 1924, os trabalhadores da fábrica Camboa abandonaram o trabalho por
conta do não atendimento do pedido de aumento salarial feito à diretoria da mesma. Após
terem recebido os seus salários, perceberam que o aumento prometido pelo Sr. Antônio Castro
não havia sido incorporado aos seus proventos. Por conta disso, foram reclamar o assunto ao
referido gerente, “que os não tratou bem dizendo-lhes que se não estivessem satisfeitos
fossem comer carangueijos”(FOLHA DO POVO, 1924, p.2) e que preferia parar as atividades
da fábrica a ter que conceder o aumento. Diante da situação, os operários se mantiveram
impassíveis ao soar do apito, que tocou quatro vezes, chamando os trabalhadores para
ocuparem os seus postos.
A notícia termina informando que o gerente fechou os portões da fábrica,
retirando-se do local posteriormente. Logos após o incidente, a polícia aparece para “rondar a
fábrica”, com vinte agentes espalhados em torno da Camboa.
Infelizmente, como na maioria das greves noticiadas pela imprensa
ludovicense, os resultados da paralisação não foram divulgados. Mas a atitude dos
trabalhadores demonstra uma organização e firmeza de propósito em retornar ao trabalho
apenas quando sua reivindicação fosse atendida. Por outro lado, a atitude do Poder Público
em acionar a polícia demonstra uma preocupação em evitar qualquer ação mais "radical" dos
operários, como acontecia no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Dois dias após os acontecimentos verificados na fábrica Camboa, uma nova
nota no jornal informava a resolução de trabalhadores de outras fábricas de organizar mais um
movimento grevista: “Informam-nos o pessoal de outras fábricas, que vae se revoltar também,
se declarando em greve. É o recurso do povo contra a carestia de vida” (FOLHA DO POVO,
1924).
Os operários da Companhia Fabril maranhense entraram em greve em 1928,
por conta do aumento do tempo de trabalho imposto aos operários. Algumas trabalhadoras se
dirigiram à redação da Folha e notificarem o ocorrido.
A partir do exposto, percebe-se que a classe trabalhadora maranhense passava a
tomar uma postura mais combativa na defesa e busca por condições mais dignas de vida e de
trabalho.
A movimentação dos trabalhadores continuava. O crescente número de
associações operárias levou a classe obreira a se organizar sob uma associação que
63
congregasse as diversas agremiações proletárias existentes, criando em 1928 o Conselho
Superior de Proletários.
Porém, a diretoria do conselho tinha sido ocupada pelo deputado Valle
Sobrinho (magalhãesista), revelando mais uma vez a interferência da classe política entre o
operariado maranhense que buscava organizar-se.
O referido deputado também foi motivo de divisões no seio da classe
trabalhadora, visto que o seu nome havia sido escolhido para representar os operários nas
eleições a se realizarem em outubro de 1930.
A questão girava em torno da aceitação dos nomes que deveriam representar o
proletariado no Congresso e na Câmara; de um lado, o presidente do Estado e o Conselho
Superior Proletário indicaram o deputado Valle Sobrinho; do outro, a União dos Talhadores
afirmava que os candidatos deveriam sair do meio da classe operária e serem por ela
escolhidos. (FERREIRA, 1994, p. 52).
O quadro apresentado até aqui sobre a classe trabalhadora ludovicense
demonstra a impossibilidade de se ter um movimento mais forte e combativo por parte da
mesma. A constante interferência dos políticos situacionistas e de oposição, a ausência de
uma ideologia revolucionária, a formação de associações filantrópicas são alguns dos fatores
que explicam esse fato.
Porém, a criação de um grande número de uniões e grêmios proletários é uma
prova de que esse operariado reconhecia a necessidade de conquistar respeito; através dessas
associações buscavam conseguir dignidade, segurança e solidariedade entre seus pares.
Portanto, mesmo sendo objeto de disputa e cooptação, procuravam manter a
unidade, criando organismos que aglutinassem as diferentes sociedades, reclamando direitos
perante os jornais e os políticos, fazendo greves; esforços empreendidos pelos trabalhadores
numa tentativa de construir uma identidade proletária.
5. CONCLUSÃO
Procuramos dentro dos limites desse trabalho, traçar um quadro em que se
explicita a formação, organização, ideologia e prática política do operariado maranhense nos
anos vinte.
Pelo tamanho reduzido da explanação, de modo algum pretendemos esgotar o
tema, mas apenas iniciar um linha de pesquisa que, por sua complexidade, ainda possui
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muitos pontos a serem abordados, deixando bem claro que a pouca profundidade do nosso
estudo carece de outros trabalhos que venham a complementar a compreensão do assunto.
Assim, verificamos que as transformações ocorridas no país afetaram o
Maranhão, visto como a crise do sistema escravista teve seus reflexos nestas plagas, e, assim
como no centro-sul, os homens de negócio investiram em formas de acumulação de capital
que utilizavam mão-de-obra de base livre.
Tal modificação nas estruturas econômicas levou a uma transformação nas
relações sociais de produção, o que trouxe uma reconfiguração da sociedade com base no
novo modelo produtivo, substituindo a antiga bipolarização “senhor x escravo”, por uma
nova, em que agora figuravam “patrão x empregado”.
No entanto, as dificuldades vividas pela população laborativa brasileira e que
foram gestadas nos primeiros anos do período republicano, levaram a mesma a se organizar
em sindicatos para a defesa de direitos e na tentativa de dar uma solução aos problemas com
os quais se deparavam.
A entrada de estrangeiros no país modificou sensivelmente o caráter das
primeiras associações de trabalhadores localizadas nas regiões do Rio de Janeiro e São Paulo,
os quais, imbuídos dos idéias revolucionários em voga na Europa, trouxeram na bagagem sua
experiência de luta contra o capital.
Portanto, a partir dos anos vinte, teremos as tentativas de docilizar o
operariado, empreendidas pelo governo, através da elaboração de uma legislação, que, por um
lado, garantia alguns benefícios à classe obreira, recepcionando algumas pautas da chamada
“questão social” e por outro, reprimia violentamente qualquer manifestação mais combativa
dos trabalhadores.
Essa situação teve reflexos no Maranhão, onde alguns aspectos da questão
social eram visíveis. Dessa forma, os trabalhadores de São Luís começaram a se organizar em
associações de caráter filantrópico, a fim de fazer frente às dificuldades por eles vividas.
Entretanto, a presença de representantes dos grupos oligárquicos maranhenses
junto às organizações operárias acabaram por relativizar a sua autonomia, incutindo uma
mentalidade de dependência da classe trabalhadora às instâncias políticas, contribuindo
também para a sua fragmentação, visto que uma parte apoiava os políticos da situação e a
outra vinculava-se aos políticos da oposição.
O que se pode perceber quanto a isso é que o proletariado não apenas
participava destas disputas passivamente. A proximidade da classe política junto ao
proletariado fez com que este dirigisse suas petições diretamente àqueles, buscando tirar
65
algum proveito da situação de disputa política que envolvia o Maranhão, através de sua
movimentação dentro dos espaços concedidos pelo sistema.
Embora não houvesse uma corrente doutrinária de esquerda revolucionária
entre os trabalhadores maranhenses, isso não significou que se comportassem com apatia
diante da opressão imposta pelo capital.
O aumento do número de associações operárias contribuiu para uma melhor
organização da classe trabalhadora, que passou a apresentar alguns indícios de combatividade,
ao colocar-se em greve para pressionar os patrões a aumentar seu salário, mesmo tendo bem
próximos de si o aparelho repressor do Estado.
Além disso, as constantes reclamações e denúncias feitas em jornais da capital
demonstram uma forma de reação contra os abusos cometidos por patrões e superiores,
tornando públicos os casos em que se sentiam lesados.
Ainda que cerceados politicamente, percebemos tentativas, por parte da classe
obreira ludovicense, em construir uma identidade de classe através da formação do Conselho
Superior Proletário, e também da recusa de alguns setores em acatar a candidatura do
deputado Valle Sobrinho para as eleições de 1930, propondo que a representação fosse feita
por membros do próprio operariado.
Portanto, podemos afirmar que a classe operária ludovicense não só estava a se
organizar, como também buscava dentro dos limites impostos pelas disputas políticas e pelo
seu grau de consciência, transformar a sua difícil realidade através de uma perspectiva política
reformista.
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DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO MARANHÃO. 1920 – 1930.
JORNAL FOLHA DO POVO. 1923 – 1930.
JORNAL PACOTILHA. 1920 – 1930.
JORNAL TRIBUNA. 1920 - 1930.
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