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A GEOPOLÍTICA E O ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO (2012 E 2016)
Emili Willrich1
RESUMO: Os Documentos de Defesa brasileiros publicados em 2012 e divulgados para
aprovação em 2016 – Política Nacional de Defesa (PND), Estratégia Nacional de Defesa (END)
e Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) - afirmam que manter a estabilidade no entorno
estratégico do país é fundamental tanto para o desenvolvimento doméstico e regional, quanto
para questões de segurança e defesa. O entorno estratégico brasileiro consiste em regiões onde
o país atua de forma imediata a fim de garantir a soberania do território e os interesses do
Estado. Nos documentos de 2012 o entorno foi constituído pela América do Sul, Atlântico Sul
e Costa Ocidental da África, com influência também sobre o mar do Caribe. Na Minuta
publicada em 2016, por sua vez, o entorno foi ampliado para o Continente Antártico, e como
áreas de interesse foram mencionadas a América do Norte e a Europa. A geopolítica,
caracterizada por Costa (1992) como a política territorial dos Estados, é um determinante da
política externa de um Estado, pois a partir de sua localização, seus recursos estratégicos o
Estado estabelece capacidades e necessidades. Logo, a pesquisa a ser desenvolvida busca
analisar como a geopolítica é relevante para a definição do entorno estratégico brasileiro a partir
da comparação dos documentos de defesa do Brasil (2012 e 2016).
Palavras-chave: Geopolítica; Entorno Estratégico Brasileiro; Documentos de Defesa.
ABSTRACT: The Brazilian Defense Documents published in 2012 and released for approval
in 2016 - National Defense Policy (PND), National Defense Strategy (NDT) and National
Defense White Paper (LBDN) - affirm that maintaining stability in the strategic environment
of the country is critical for both domestic and regional development as well as security and
defense issues. The Brazilian strategic environment consists of regions where the country acts
immediately to ensure the sovereignty of the territory and the interests of the State. In the
documents of 2012 the environment was constituted by South America, South Atlantic and
West Coast of Africa, with influence also on the Caribbean Sea. In the Minutes published in
2016, in turn, the environment was expanded to the Antarctic Continent, and areas of interest
were mentioned North America and Europe. Geopolitics, characterized by Costa (1992) as the
territorial policy of states, is a determinant of the foreign policy of a State, because from its
location, its strategic resources, the State establishes capacities and needs. Therefore, the
research to be developed seeks to analyze how geopolitics is relevant for the definition of the
Brazilian strategic environment by comparing the Brazilian defense documents (2012 and
2016).
Key words: Geopolitics; Brazilian Strategic Environment; Documents of Defense.
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina (PPGRI-UFSC), [email protected].
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1. INTRODUÇÃO
Desde a Paz de Westphalia e os acordos entre os recém-criados países europeus, a
geopolítica é fundamental para determinar as diferenças entre os Estados e o destaque de uma
potência regional ou uma grande potência2. A atuação estatal e o status de potência, com o
decorrer dos séculos e com o aumento da complexidade das relações interestatais, tornaram-se
cada vez mais dependente de questões geopolíticas.
O Brasil, a partir do século XXI passou a ser considerado uma potência regional, capaz
de influenciar e possuir capacidades3 para maior autonomia de ação em seu entorno imediato
(BUZAN, WAEVER, 2003; FUCCILLE, REZENDE, 2013; MARES, 2012). Isso ocorre
devido às ponderações geográficas, políticas e econômicas que o país fortaleceu do novo
milênio.
O status brasileiro reflete e também foi reflexo do comportamento estatal em sua política
externa, e, por conseguinte, nas suas políticas de segurança e defesa. O governo Lula (2003-
2010) e o governo Rousseff (2011-2016) apresentaram particularidades de política externa para
2 Cabe neste ponto diferenciar o que seria uma grande potência, potência média e uma pequena potência, além da
potência regional. Uma grande potência possui capacidades militares, econômicas e tecnológicas muito
discrepante dos demais, logo nenhum outro país sozinho consegue competir com a grande potência. A potência
média tem capacidades menores do que a grande potência, não conseguem competir com esta, mas as capacidades
são suficientes para deter qualquer outro Estado. E as pequenas potências são Estados que não possuem poder
suficiente para questionar demais potências (MONTEIRO, 2011). Uma potência regional é aquela que não possui
capacidades de atuação global, porém possuem autonomia de atuação em seu entorno regional (BUZAN,
WEAVER, 2003). 3 As capacidades aqui são determinadas em termos de poder. O conceito de poder, por sua vez, possui várias
vertentes, algumas podem ser destacadas para esta pesquisa. Wight (2002), por exemplo, caracteriza o poder por
elementos tangíveis e não tangíveis, os primeiros correspondem ao tamanho da população, posição estratégica,
extensão geográfica, recursos econômicos, e os últimos à eficiência administrativa e financeira, educação e
tecnologia, além da coesão moral. Nye (2008), por sua vez, afirma que o poder é a habilidade de afetar os outros
para alcançar os resultados desejáveis, e essa habilidade está associada a determinados recursos – como população,
território, economia, Forças Armadas - e líderes políticos. Para o autor, os recursos que rendem mais poder variam
de acordo com o contexto e local do globo, logo, um ator pode valer-se do hard e/ou soft power, e um não existe
sem o outro. Hard Power significa o poder forte, composto por características militares, econômicas, populacionais
e geoestratégicas. Soft Power corresponde ao poder das ideias, da mudança de agendas entre os atores, a cultura,
ideologia e instituições (NYE, 2008).
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o entorno regional. O primeiro Presidente possuía uma política externa mais assertiva, focada
na figura presidencial, na realização de acordos bilaterais para o fortalecimento de instituições
regionais (VILLA, VIANA, 2010). O governo Rousseff, por sua vez, foi uma administração
mais voltada para questões internas, uma política externa realizada mais por ministros e com
enfoque de atuação multilateral global, não regional (CERVO, LESSA 2014).
Simultaneamente, apresentaram diferenças relevantes que refletem questões da
geopolítica de cada período. Isso ocorre porque esta é determinante da política externa de um
Estado, pois a partir de sua localização, seus recursos estratégicos o Estado estabelece
capacidades e necessidades (COSTA, 2012). Essas conjunturas geopolíticas afetaram também
questões de segurança e defesa do Brasil.
A atuação da potência regional brasileira em matéria de defesa é expressada nos
Documentos de Defesa do Brasil, sendo estes a Estratégia Nacional de Defesa (END), a Política
Nacional de Defesa (PND), e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN). Os documentos
publicados em 2008 (END, PND) e aqueles publicados em 2012 (END, PND e LBDN) são
representações das políticas do governo Lula, já as Minutas colocadas em consulta à sociedade
e aguardam aprovação do Congresso Nacional em 2016 condizem com escolhas e ações em
defesa do governo Rousseff. Essas publicações apresentam os objetivos e as diretrizes da defesa
brasileira, projetos e setores estratégicos para as Forças Armadas, área de atuação imediata,
transparências orçamentárias, entre outras temáticas.
O objetivo desta pesquisa é, portanto, analisar como a geopolítica é relevante para a
definição do entorno estratégico brasileiro a partir da comparação dos documentos de defesa,
mais especificamente do LBDN do Brasil (2012 e 2016). A metodologia utilizada será dividida
em três partes. A primeira corresponde a um estudo teórico sobre a geopolítica, com a reflexão
dos autores Mackinder (1904), Spykman (1944), Marklund (2015). A segunda etapa consiste
na análise do entorno estratégico brasileiro a partir do LBDN do Brasil, com base na
comparação entre os documentos publicados em 2012 e 2016. Por fim, a última etapa busca
analisar como o entorno definido previamente pode ser influenciado segundo a geopolítica,
utilizando obras como a de Moniz Bandeira (2009), Cairo (2008) e Carvalho e Nunes (2013).
2. A IMPORTÂNCIA DA GEOPOLÍTICA
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Compreender o comportamento geopolítico brasileiro em matéria de defesa como
potência regional em sua área de influência imediata carece da compreensão teórica sobre o que
seria a geopolítica e como esta foi constituída ao longo dos anos. Logo, esta seção busca
fornecer o arcabouço teórico sobre a temática, a fim de esclarecer conceitos, modelos e tempos
da geopolítica. Esta seção também buscará analisar como o Brasil, e a região onde ele se
encontra, pode ser colocado geograficamente neste estudo teórico.
A geopolítica é conhecida como a ciência do Estado, a qual se manifesta no espaço
(COSTA, 1992; BRAGA, 2011), torna-se um instrumento da ação estatal como uma forma de
inteligência geográfica para o poder político (HAGE, FERNANDES, 2016). A geopolítica
concebe modos de representação do espaço capazes de influenciar e criar políticas estatais a
fim de que este maximize seus objetivos como, a conquista de poder, garantia de sobrevivência,
soberania e autonomia (CAIRO, 2008). Portanto, é uma ciência capaz de criar ordens com
relações de poder coercitivas ou consensuais, dependendo da capacidade de cada ator.
Ao longo dos anos a geopolítica foi se desenvolvendo e modificando, de acordo com as
tecnologias criadas, contextos em que está inserida e períodos históricos. Destarte, diferentes
modelos geopolíticos foram apontados em distintos momentos das relações interestatais.
O primeiro modelo é conhecido como modelo naturalista, pois considera apenas
condições ambientais e a localização geográfica como elementos poder na ordem mundial
(CAIRO, 2008). Desta maneira, possui capacidades de atuação de liderança regional, visto que
têm
[S]uas virtudes naturais cimentadas em fatores geopolíticos mensuráveis, como a
abundância de commodities, com destaque aos minérios; sua extensão litorânea
privilegiada de direto acesso à costa africana; e outros fatores, como número de
habitantes. (...), o país possuía condições de realizar barganhas em decorrência dos
elementos acima listados, em uma lógica de soberania nacional (HAGE,
FERNANDES, 2016, p.2-3).
Logo, os elementos naturais e energéticos e a posição geográfica, perante o modelo
naturalista, colocam o Brasil em posição de destaque no cenário internacional.
O segundo modelo geopolítico desenvolvido seria aquele proposto por Mackinder (1904),
marcado pelo determinismo geográfico. Segundo Mackinder (1904), a superioridade
geoestratégica encontra-se em um Estado ou região pivô, o qual apresentaria um grande poder
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terrestre. A área pivô seria o heartland mundial, e que quem controlasse a área, teria o poder
sobre as dinâmicas mundiais. Segundo a Figura I, a área pivô proposta por Mackinder (1904)
seria a região atualmente a Rússia.
Figura I: Mackinder e a Área Pivô
Fonte: Mackinder, 1904, p.17.
A localização geográfica do Brasil está fora do cinturão da área pivô, logo, para o autor
não teria importância estratégica global. Contudo, com papel subordinado aos Estados Unidos
(EUA) teria o papel de fortalecer a potência global (MACKINDER, 1904; COSTA 1992;
CAIRO, 2008).
O modelo político de Spykman (1944), por sua vez, afirma que o anel continental –
também conhecido como Rimland - ao redor da área pivô seria o espaço chave. O autor afirma
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que o poder central pertence a quem consegue cercar o Heartland (COSTA, 1992). Logo,
segundo Braga (2011), este foi um dos princípios para a criação da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), visto que esta teria o poder de agir no anel continental e assim conter
o poder da área pivô. A localização do Brasil, segundo esse modelo geopolítico, novamente não
seria estratégica para o controle global, portanto, apenas permeando as dinâmicas centrais das
relações internacionais.
O último modelo anterior à Guerra Fria, seria o modelo geopolítico proposto por
Haushofer (1924). Segundo o autor a ordem mundial ideal encontrar-se-ia dividida em quatro
pan-regiões: a alemã, norte-americana, russa e a japonesa. Essas pan-regiões seriam capazes de
criar políticas de esquemas de integração norte-sul e assim controlar as dinâmicas globais. Deste
modo, a América do Sul estaria incluída na região Pan-Americana, centralizada na costa leste
dos EUA, servindo como mercado consumidor e zona de influência da potência central
(COSTA, 1992; BRAGA, 2011; CAIRO, 2008).
Os modelos geopolíticos desenvolvidos durante a Guerra Fria partem da estratégia de
contenção entre as duas grandes potências, em que cada ator buscava limites da influência
oposta. Neste contexto, a região de localização brasileira, a América do Sul, seria um cenário
de enfrentamento entre as grandes potências, com maior ênfase dos EUA (CAIRO, 2008).
Além da geopolítica de contenção a Guerra Fria trouxe à pauta da agenda internacional a
geopolítica da superioridade geoestratégica da potência continental, e a geopolítica do poder
naval. A primeira consiste na superioridade de capacidade estatal perante a barganha
internacional de quem possui armas nucleares (CAIRO, 2008; COSTA, 1992). Neste ponto a
América do Sul, e o Brasil, por não possuírem armas de destruição em massa estariam a mercê
das vontades políticas dos detentores da tecnologia.
A geopolítica do poder naval, por sua vez, desenvolvida por Mahan (1980) corresponde
à análise do papel do mar, no controle marítimo como elementos estratégicos para superioridade
nas dinâmicas entre Estados (BRAGA, 2011). A localização brasileira, e a sua imensa costa
litorânea voltada para o Atlântico Sul permitiriam ao Estado o controle do mar do Sul. Contudo,
novamente por não estar no centro das dinâmicas entre as grandes potências, nas teorias
geopolíticas centrais, a importância do Atlântico Sul não é ressaltada.
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O pós-Guerra Fria ofertou à ciência geopolítica novas questões de análise, destacando-
se: o modelo das civilizações de Samuel Huntington (1993), o modelo da globalização proposto
por Barnett (2003), e modelo do Soft-Power desenvolvido por Marklund (2015). O primeiro
consiste na emergência de conflitos não mais entre Estados, mas sim entre diferentes
identidades culturais. Logo, a América Latina seria uma das civilizações, uma região
geopolítica da sub-civilização ocidental (HUNTINGTON, 1993). O modelo da globalização
deriva da análise que os problemas internacionais surgiriam de Estados que resistiram à
globalização, que estariam desconectados com as dinâmicas globais. A América do Sul, neste
ponto de vista, estaria na “brecha não integrada”, com problemas reais como as questões
internas da Colômbia e Venezuela, e a recusa brasileira e argentina de aceitar a Área Livre de
Comercio das Américas (ALCA) (CAIRO, 2008).
Por fim, o modelo do Soft-Power seria aquele emergido com a novas tecnologias, baixo
custo de transporte entre as regiões, conexão global, uso da baixa política, do papel das ideias,
da cultura, das instituições e do regionalismo na política internacional. Neste modelo o poder
da coerção seria gradualmente substituído pelo poder da atração (MARKLUND, 2015). O
Brasil, devido a sua localização geográfica e escolhas de política externa vem utilizando do
soft-power como ferramenta de inserção internacional, entretanto sem possuir tecnologias
suficientes, e nem uma conexão global, a atuação brasileira estaria insuficiente.
Foram demonstrados, nessa seção, portanto, questões conceituais da geopolítica e como
esta vem desenvolvendo modelos de análise de acordo com o contexto histórico, assim como o
Brasil e os seus elementos geográficos e políticos encaixam-se em cada um dos modelos
propostos.
3. DOCUMENTOS DE DEFESA DO BRASIL E SEU ENTORNO ESTRATÉGICO
Estabelecidos os estudos teóricos sobre a geopolítica é preciso analisar como os
documentos de defesa trabalham a questão do seu entorno estratégico, a fim de responder como
a geopolítica influencia na definição da região de atuação imediata do Brasil. O objetivo desta
seção é, portanto, realizar uma comparação entre os Livros Brancos de Defesa Nacional
(LBDN) de 2012 e a Minuta de 2016, no que tange ao seu ambiente regional.
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O entorno estratégico brasileiro é aquele em que o país possui ação imediata, e forte
influência política, econômica e militar perante os demais países da região. A estratégia da
política externa brasileira e da defesa nacional visa obter maior peso na própria região a fim de
aumentar a sua inserção na esfera global (TEIXEIRA JR, 2016).
Destarte, os documentos de defesa nacional – Estratégia Nacional de Defesa (END),
Política Nacional de Defesa (PND) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) – publicados
em 2012 e em 2016 enfatizam a importância da atuação brasileira neste contexto. Contudo, os
contextos variam, os documentos de 2012 refletem as políticas adotadas durante o Governo
Lula (2003-2010), já as minutas de 2016 refletem as políticas do governo Rousseff (2011-
2016), as quais serão analisadas mais adiante.
A forma de atuação convergente nas duas datas condiz com uma ação que deve trazer
benefícios de desenvolvimento, paz e estabilidade a fim de proporcionar um ambiente amistoso
e desenvolvido econômico e socialmente para que o Brasil atinja seus objetivos, como por
exemplo, ser uma potência regional. Além disso, o ambiente regional, segundo o LBDN, deve
proporcionar uma multipolaridade cooperativa, ou seja, uma ordem multipolar, em que todos
os atores possuem voz e importância internacional, assim como proporcionar a cooperação
entre estes mesmos atores (BRASIL, 2012, 2016).
Logo, o Brasil vem criando em torno de seu território zonas de influência, com um projeto
de criar zonas de coprosperidade regional. Essas zonas seriam pautadas pela paz e estabilidade,
crescente influência econômica brasileira – tanto marítima quanto terrestre – além da influência
política perante os Estados pertencentes ao entorno. (PADULA, FIORI, 2016).
Contudo, apesar dessa convergência, as datas de lançamento dos documentos refletem
momentos diferentes da política externa brasileira e da defesa nacional, gerando diferenças
consideráveis na definição do entorno estratégico, as quais precisam ser analisadas, conforme
a Tabela I.
Tabela I: Entorno Estratégico Brasileiro (2012 e 2016)
2012 2016
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Entorno estratégico
América do Sul, Atlântico
Sul e Costa Ocidental da
África
América do Sul, Atlântico
Sul, Costa Ocidental da
África e Continente
Antártico
Áreas de interesse Mar do Caribe América do Norte e Europa
Áreas que demandam
atenção -
América Central e Mar do
Caribe
Fonte: elaboração própria, com base em Brasil (2012, 2016).
A partir da observação da Tabela I, percebe-se que o entorno estratégico em 2012 era
considerado apenas áreas muito próximas ao Estado brasileiro, como pode ser verificado na
Figura II. A América do Sul, a Costa Ocidental e o Atlântico Sul pertencem ao entorno nas duas
publicações, pois são áreas limítrofes ao território brasileiro, no qual este possui interesse
imediato de paz e estabilidade regional para a promoção do seu próprio desenvolvimento.
Contudo, na Minuta de 2016 o entorno foi ampliado também para o continente antártico,
uma área mais longínqua e de difícil acesso às tropas brasileiras. Um reflexo dessa
transformação é a ênfase dada nos documentos de 2016 aos projetos desenvolvidos no
Continente Antártico, os quais não apareciam nos documentos de defesa de 2012. Como, por
exemplo, são mencionados: 1) O “Sistema do Tratado da Antártida”, criado em 1959, como
justificativa à importância adquirida pelo continente; e 2) Estação Antártica Comandante Ferraz
(EACF) e órgãos envolvidos no Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) coordenado pela
Marinha, Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação e Ministério das Relações Exteriores,
com apoio da Força Aérea Brasileira (BRASIL, 2016).
Com relação as áreas de interesse do Brasil, constata-se uma mudança significativa ao
trocar o Mar do Caribe pela América do Norte e a Europa na Minuta de 2016. Essa
transformação implica em um diferente foco da política de defesa e da política externa
brasileira. Ou seja, ao invés de dar preferência às questões caribenhas e latinas, o Brasil
trabalharia mais com os nórdicos. Além do mais, na publicação do ano de 2012 não existiam
áreas que demandavam maior atenção por parte do governo brasileiro, já no LBDN de 2016 a
América Central e o Mar do Caribe encontram-se classificados como áreas que o Brasil deve
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maior atenção devido às instabilidades e ameaças ali presentes. Isso demonstra, conforme
afirma Mares (2012), que a América Latina ainda se encontra sob disputas militarizadas, e que
há possibilidade de emprego de força militar caso a soberania e os interesses estatais sejam
afetados, sendo uma região que ainda vivencia uma “paz violenta” (MARES, 2001, 2012).
Figura II: Mapa do Entorno Estratégico Brasileiro
Fonte: Brasil (2012, p. 17)
A definição do entorno estratégico nos documentos de defesa implica em específicas
políticas de defesa para cada região ou contexto. Logo, se há mudança no entorno, há também
a transformação de políticas. A primeira mudança política expressa no LBDN seria o já
mencionado interesse no Continente Antártico e os projetos militares desenvolvidos na região.
Uma segunda mudança da política de defesa perceptíveis na comparação dos documentos
de 2012 e 2016 e que refletem a definição do entorno estratégico é a questão da União de Nações
Sul-Americana (UNASUL) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nos
documentos de defesa de 2012 o enfoque na UNASUL e no Conselho de Defesa Sul-Americano
(CDS) como órgão de resolução de controvérsias, de diálogo político, de cooperação em defesa
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era evidente, tanto que se pensava na criação de uma identidade sul-americana4. Já na Minuta
de 2016 há maior ênfase na OEA como fórum multilateral de resolução de disputas, de
cooperação em defesa (através da Junta Interamericana de Defesa), de diálogo político; e não
menciona a possibilidade criação de uma identidade sul-americana (BRASIL, 2012, 2016).
Essa transformação condiz com a abrangência da América do Norte como área de
interesse, conforme apresentado na Tabela I. Além disso são representações das práticas da
política externa brasileira durante o Governo Rousseff, as quais não se voltaram tanto para a
América do Sul como foi no governo Lula, visto que durante o primeiro governo o continente
sul-americano era uma prioridade da política externa (MEDEIROS FILHO, 2017).
Por fim, uma terceira mudança na política de defesa mencionada nas Minutas de 2016 e
que não contam nos documentos de 2012 é a importância da Zona e Paz e Cooperação do
Atlântico Sul (ZOPACAS)5. O Atlântico Sul nos dois documentos fez parte do entorno
estratégico, porém em 2016 obteve maior ênfase através da ZOPACAS como fórum para o
tratamento de temas relativos à segurança do Atlântico Sul, desenvolvimento em bases
sustentáveis, medidas contra pirataria marítima, assim como proteção ambiental (BRASIL,
2016).
Foi definido nesta seção, portanto, o entorno estratégico brasileiro a partir dos
documentos de defesa de 2012 e de 2016, suas mudanças e também as transformações políticas
que constam nos documentos que refletiram a definição deste entorno. A próxima seção buscará
analisar como a geopolítica influencia na determinação do entorno brasileiro para as questões
de defesa nacional.
4. ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO E A GEOPOLÍTICA
Delimitadas as semelhanças e diferenças dos Livros Brancos de Defesa Nacional de 2012
e de 2016 com relação à caracterização do entorno estratégico, a presente seção buscará
verificar como a geopolítica das regiões supracitadas condiciona a caracterização destas como
4 Uma identidade sul-americana consiste em um objetivo político dos governos sul-americanos, embasados por
valores comuns, histórias comuns, desejo de um futuro comum e forte contato político entre os doze países
membros. 5 A ZOPACAS é uma organização multilateral criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1986,
composta por 24 países banhados pelo Atlântico Sul.
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o entorno estratégico brasileiro. Para tanto serão trabalhadas questões geopolíticas
principalmente vinculadas a América do Sul, Atlântico Sul, Costa Ocidental da África, as
demais regiões mencionadas na seção anterior permearão as análises destas.
Samuel Pinheiro Guimarães, na sua obra Quinhentos Anos de Periferia (1999), declarou
que a América do Sul é uma “circunstância inevitável, histórica e geográfica do Estado e da
sociedade brasileira” (MONIZ BANDEIRA, 2009, p.80). Por possuir uma história de
colonização comum, fronteiras terrestres e fluviais comuns e constante intercâmbio econômico
e social, a continente sul-americano é um fator causal do poder brasileiro como potência
regional.
Contudo, a América do Sul brilhou aos olhos brasileiros apenas com o fim da Guerra Fria.
Anteriormente o país voltava suas políticas todas para o continente europeu e norte-americano
(LOPES DA CUNHA, NASSER APPEL, 2014). Esse pensamento também era dominante por
causa influência dos EUA no continente. Seguindo o pensamento de Mackinder (1904), a
América do Sul apresenta potencialidades para fortalecer o poder da grande potência. Por
exemplo, a Colômbia é considerada uma extensão do Panamá para obter maior controle dos
oceanos Atlântico e Pacífico, há um forte mercado consumidor para os produtos estadunidenses,
além do que o continente é fornecedor de recursos naturais e energéticos – petróleo, água e
biodiversidade (MONIZ BANDEIRA, 2009).
Sendo assim, os EUA buscaram agir imediatamente a todo tempo no continente.
Militarmente essa interferência pode ser vista através de bases militares (na Colômbia e no
Peru), atuação na Colômbia contra o narcotráfico (Plano Colômbia) e a Junta Interamericana
de Defesa (JID) no âmbito da OEA. Economicamente a interferência pode ser observada pelas
propostas de medidas de abertura de mercado a fim de promover interesses empresariais
estadunidenses – como a proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), acordos
bilaterais de livre comércio, e através da dependência constante dos países sul-americanos ao
sistema financeiro dolarizado (MONIZ BANDEIRA, 2009).
Na questão da biodiversidade, percebe-se um forte interesse dos EUA na questão da água,
porque a América do Sul possui a maior reserva potável do planeta (Aquífero Guarani), o qual
vem sendo cobiçado por empresas transnacionais e visado por militares da grande potência
(RAMIREZ, YEPE, 2011). Outrossim a grande quantidade de reserva de recursos energéticos,
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como petróleo e gás natural na Venezuela e Colômbia e na camada Pré-Sal do Brasil, fazem
com que a atenção aos países da esfera sob atuação dos EUA seja redobrada (MONTENEGRO,
2010).
O Brasil, a partir do governo Lula buscou transformar esta realidade por meio da
promoção da integração regional. O fortalecimento do MERCOSUL juntamente com a
Comunidade Andina de Nações (CAN), a criação da UNASUL e do CDS, a posição brasileira
de líder regional (TEIXEIRA JR, 2016), e o posicionamento da América do Sul como uma
Zona de Paz e Cooperação reafirmaram a identidade sul-americana e a busca por maior
autonomia regional, maior peso e inserção internacional dos países da região (MONIZ
BANDEIRA, 2009). Além disso, a proteção da Amazônia, tanto na esfera doméstica, com o
projeto de defesa nacional de monitoramento e vigilância da Amazônia Verde6, e a busca pela
defesa da Amazônia em nível multilateral na Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA), ganhou destaque na política externa brasileira para seu entorno
estratégico.
Porém, como mencionado na seção anterior, mesmo o continente ser mantido como
entorno estratégico no LBDN (2016), o governo Rousseff voltou-se mais para questões
domésticas. Logo, a América do Sul não obteve tanta relevância de sua política externa,
perdendo espaço para questões comerciais e de superação da crise financeira e política interna.
Isso abriu espaço novamente para a atuação da grande potência, tanto que se percebe a paralisia
das instituições regionais como a UNASUL e o MERCOSUL a partir do seu governo
(MEDEIROS FILHO, 2017). Essa estagnação das instituições regionais colocou em xeque a
liderança brasileira e o status de potência regional, fomentando uma maior abertura geopolítica
às potências extrarregionais (BRAGATTI, 2016).
O Atlântico Sul tradicionalmente não pertence ao ceio das disputas marítimas, sendo que
este papel cabe ao Atlântico Norte e ao Pacífico devido às transações marítimas e comércio
internacional. Porém no decorrer do século XXI o oceano vem ganhando relevância geopolítica
por dois motivos: 1) pela necessidade de alternativas às Linhas de Comunicação Marítimas, em
6 A Amazônia Verde foi um conceito utilizado pelas Forças Armadas brasileiras para designar toda a extensão
territorial da Amazônia e onde os militares atuam. Os projetos militares que visam o monitoramento e a vigilância
da Amazônia Verde são o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), Sistema de Proteção da Amazônia
(SIPAM), e o projeto Calha Norte, sendo que este último busca o desenvolvimento econômico e social da região.
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consequência do esgotamento do Canal de Suez e do Canal do Panamá; e 2) pela descoberta de
recursos vivos e não vivos, a qual gerou debates sobre a presença de potências externas ao
oceano e que podem ocasionar em falta de segurança e paz na região (RUKS, 2014).
O Atlântico Sul como entorno estratégico brasileiro, segundo Costa (2012) corresponde
a nova escalada de interesses, influência e oportunidades visadas pelo país, sendo este uma
ferramenta de projeção de poder e maior barganha internacional. Logo, por possuir uma posição
estratégica com relação ao oceano, o Brasil busca reforçar os mecanismos de vigilância e defesa
marítimos, além de reforçar a participação em fóruns regionais multilaterais, como a
ZOPACAS. Segundo Costa (2012, p.12),
Essa passagem da projeção continental para a marítima foi resultado da bem-sucedida
política externa do país, que nas últimas décadas perseguiu a todo custo objetivos que
visaram assegurar direitos e interesses no espaço marítimo do entorno regional
estratégico, isto é, o Atlântico Sul.
Os mecanismos de vigilância e defesa criados pelo Brasil correspondem ao conceito de
Amazônia Azul, considerada a área sob responsabilidade brasileira e de interesse do Estado,
incluindo as reservas de petróleo na camada Pré-Sal, conforme pode ser analisado na Figura III.
Reservas de petróleo também são encontradas nos corais da foz do Rio Amazonas, próximo ao
Mar do Caribe, logo, sua relevância como área de interesse pode ser explicada.
Para proteção desse território marítimo a defesa brasileira, durante o governo Lula,
desenvolveu projetos como Programa Nuclear da Marinha (responsável pela produção do
submarino a propulsão nuclear), o Núcleo de Poder Naval, e o Sistema de Gerenciamento da
Amazônia Azul (RUKS, 2014). O governo Rousseff, por sua vez, por falta de recursos,
paralisou a maioria dos projetos, abrindo margem de manobra para atuação geopolítica das
grandes potências (BRAGATTI, 2016).
É importante notar que as grandes potências já vinham atuando fortemente no oceano,
porém se intensificou com as descobertas de petróleo na região. Essa atuação pode ser vista,
por exemplo, com o controle das pequenas ilhas do Atlântico Sul pelo Reino Unido e pela
reativação da IV Frota Naval estadunidense em 2008, ativação esta ocasionada pela descoberta
das reservas de petróleo no litoral brasileiro (GUIMARÃES, 2015; CARVALHO, NUNES,
2013). Além disso, houve o aumento da presença chinesa no comércio marítimo, somada a sua
15
maior presença na América do Sul e África, faz com que a China adquira maior poder de
barganha perante as questões do oceano (CARVALHO, NUNES, 2013).
Figura III: Caracterização da Amazônia Azul
Fonte: Brasil (2012, p.47; 2016, p.40)
A ZOPACAS, organização criada em 1986 como proposta de contraponto a OTAN
durante a Guerra Fria, não possuía relevância estratégica no período, pois não fazia parte da
geopolítica de contenção do período e os países pertencentes7 à organização não faziam parte
nem do heartland e do rimland geopolítico. A organização adquiriu maior destaque
internacional com as descobertas de recursos energéticos e da biodiversidade no oceano a partir
da primeira década do século XXI, os quais são importantíssimos para os novos modelos
geopolíticos da era globalizada. Logo, a ZOPACAS passou a ser um fórum multilateral
responsável por evitar armas de destruição em massa no oceano, evitar a presença de potências
extrarregionais, cooperação econômica, combate à crimes transnacionais, operações de paz e
7 Os países membros da ZOPACAS correspondem a: África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil, Cabo Verde,
Cameroun, Congo, Côte d’Ivoire, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial,
Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e
Uruguai.
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pesquisa científica, assim como o fortalecimento de uma identidade sul-atlântica, as quais
enfatizam necessidades e preocupações comuns (GUIMARÃES, 2015).
Sendo assim, a ZOPACAS é utilizada pelo Brasil como forma de coordenar seus
interesses na região de forma multilateral, e coordenar políticas de segurança e defesa. A ênfase
na ZOPACAS, como mencionado na segunda seção, foi mais presente nos documentos de
defesa reflexos do governo Rousseff (2016). Isso ocorre pela maior busca da Presidenta pela
atuação multilateral, dividindo responsabilidades e custos de proteção e de desenvolvimento
sustentável com outros países.
A Costa Ocidental da África, por sua vez, também não pertence às regiões centrais da
geopolítica tradicional, porém faz parte do entorno estratégico nas duas publicações do LBDN.
Isso ocorre principalmente por três motivos: 1) os países compartilham do mesmo oceano,
possuindo interesses estratégicos e geopolíticos como mencionado a pouco; 2) partilharem de
um histórico colonizador e migratório no período de construção estatal; e 3) muitos fazem parte
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), organização na qual os países que
compartilham esse traço linguístico comum buscam cooperar para promoção cultural e para o
aprofundamento da amizade.
O Brasil busca, por meio da Cooperação Sul-Sul8 para o desenvolvimento, um maior
contato e uma maior presença nesses países, a fim de projetar-se internacionalmente como
8 Cooperação Sul-Sul (CSS) no âmbito da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento ganhou ênfase no
cenário internacional com a ascensão econômica dos países emergentes, os quais buscavam maior influência e
projeção de poder internacional, contudo não detinham hard power militar e econômico suficientes para arcar com
todos os custos políticos e econômicos que a cooperação para o desenvolvimento exige, assim passaram a utilizar
da CSS como uma forma de poder brando (BERGAMASCHI, MOORE, TICKNER, 2017). A CSS é enraizada,
para tanto, na cooperação técnica entre países semelhantes, os quais apresentam como denominador comum a
relação de subordinação para com países do Norte, mas ao mesmo tempo são Estados muito heterogêneos, com
necessidades, peculiaridades nacionais e objetivos diferenciados (BERGAMASCHI, MOORE, TICKNER, 2017).
A categoria, devido a diversidade, dispõe de uma agenda ampla de projetos técnicos em áreas como saúde pública,
educação, meio ambiente, agricultura, ciência e tecnologia, gestão pública, segurança pública, desenvolvimento
produtivo e industrial, infraestrutura e defesa (MILANI, 2012). Destarte, a cooperação entre países em
desenvolvimento preza por uma ação horizontal, em que ambos os lados aprendem com a cooperação técnica, e
que esta aviste as particularidades de cada Estado (BERGAMASCHI, MOORE, TICKNER, 2017). Pode-se
afirmar, portanto, que a CSS forma uma arquitetura de cooperação, na qual há ação mútua e um aprendizado
conjunto entre os países de renda média que realizam e ensinam as técnicas e países de renda baixa que recebem
a cooperação (MILANI, 2012). A CSS pode ocorrer por negociações bilaterais ou por via multilateral, o primeiro
trâmite permite que os atores envolvidos logrem por maior autonomia no controle da agenda de cooperação, e o
segundo, é realizado conjuntamente com bancos ou fundos de desenvolvimento criados para essa finalidade e no
âmbito do sistema das Nações Unidas (MILANI, 2012). Os princípios que regem a CSS defendidos dentro do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), são: a iniciativas comuns entre as partes,
solidariedade, independência econômica; agenda criada a partir do Sul para o Sul; não deve substituir a Cooperação
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potência regional e assim participar das dinâmicas globais. Além disso a política de defesa
nacional também se faz presente por meio da cooperação militar com os países da costa
africana. Devido à sua localização geográfica, o Brasil operacionaliza a cooperação militar
bilateral com certos países, como por exempli com a África do Sul, Namíbia, Gâmbia, São-
Tomé e Príncipe, sendo essa cooperação majoritariamente naval e de participação em operações
de paz da ONU (GUIMARÃES, 2015; CAIXETA, SUYAMA, MACEDO, 2016).
A partir destas explanações, portanto, foram analisadas como a geopolítica e os anseios
da política externa e da política de defesa brasileira influenciam na delimitação do entorno
estratégico brasileiro descrito no LBDN tanto de 2012 quanto de 2016. Percebe-se que nenhuma
das regiões mencionadas fazem parte das grandes dinâmicas geopolíticas tradicionais, porém
para os anseios externos do Brasil elas são de suma importância, a qual vem aumentando devido
a geopolítica ligada aos recursos energéticos e a presença das potências extrarregionais em
busca destes insumos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou compreender como a geopolítica – instrumento da ação, da inteligência
política estatal – tornou-se relevante para a delimitação do entorno regional estratégico para a
defesa brasileira a partir dos documentos da defesa publicados em 2012 e 2016. De acordo com
os modelos geopolíticos expostos na primeira seção, o Brasil destacar-se-ia no modelo
naturalista, e no modelo de Soft Power, assim como na sua relevância energética. Ademais,
considerando os outros modelos, o país possui apenas um papel secundário, porque não faz
parte do núcleo central de transações e políticas de poder e estar presente nas políticas das
grandes potências como mais uma forma de aumentar o seu próprio poder.
Porém, ao mesmo tempo, a partir do governo Lula, mas com moderações no governo
Rousseff, o Brasil buscou aumentar sua influência e projeção internacional, e para isto utilizou
de uma atuação imediata no seu entorno estratégico regional, incluindo em questões de
segurança e defesa. Percebeu-se, portanto, que a definição do entorno regional, tanto no Livro
Norte-Sul, mas ao mesmo tempo não atende os critérios da Agenda de Eficácia; e horizontalidade, consenso e
equidade (SANTOS, CERQUEIRA, 2015).
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Branco de 2012, quanto na sua Minuta de 2016, é marcada por ponderações geopolíticas, as
quais variaram com o passar dos anos, como mencionado na segunda seção.
A promoção de relações harmônicas, amistosas, com confiança mútua, na busca pelo
desenvolvimento sustentável e da multipolaridade cooperativa são os pilares constantes nos
Livros Brancos de Defesa Nacional para a atuação brasileira para com seu entorno regional
estratégico, sendo que este pode ser considerado a área de influência e atuação imediata do país
a fim de que este alcance seus objetivos, destacando-se o status de potência regional.
O Brasil, portanto, almeja uma atuação em defesa assertiva para seu entorno. Logo,
garantir a autonomia da América do Sul frente à influência estadunidense no hemisfério,
proteger a biodiversidade tanto da Amazônia Verde quanto da Amazônia Azul, proteger
reservas de petróleo do Atlântico Sul e o controle das rotas marítimas do mesmo, assim como
garantir que potências extrarregionais não influenciem na sua área de atuação, são pontos
geopolíticos importantes na delimitação do entorno brasileiro e que promovem esta defesa
assertiva.
Por fim, o alargamento do entorno para o Continente Antártico, uma maior preocupação
com os problemas no Mar do Caribe e áreas de interesse na América do Norte e Europa
condiciona também mudanças na política externa brasileira. A delimitação de projetos de
política externa, ação dos governantes e a ação das Forças Armadas nacionais acabam pautadas
por esses condicionantes geopolíticos.
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