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A OCUPAÇÃO DO DISTRITO DO CAMPECHE: PLANO DIRETOR
VERSUS CARACTERÍTICAS DO SOLO
Edlaine dos Santos Dias1
Fernanda Simoni Schuch2
Resumo - O presente artigo tem como objetivo, levantar os dados da ocupação de solo de uma área piloto e
confrontar o mapa de zoneamento do plano diretor municipal e seus índices urbanísticos (taxa de ocupação e
taxa de impermeabilização), a fim de verificar a consonância deste com as características do solo local. Para esse
estudo, delimitou-se uma área no Distrito do Campeche, em Florianópolis – SC, com aproximadamente 1,07
km², realizou-se pesquisa histórica sobre a ocupação do solo no referido distrito e, posteriormente correlacionou-
se essa região com o mapa de solos. Observou-se que a área apresenta um solo pertencente à classe dos
Neossolos (Areia quartzosa marinha) e, a formação vegetacional predominante nesta região é a restinga. Na área
de estudos, de acordo com o mapa de zoneamento que compõe o Plano Diretor de Florianópolis, ocorrem áreas
com as seguintes denominações: APP (área de preservação permanente); AVL (área verde de lazer); ARP2.5
(área residencial predominante). Após as análises verificou-se que não deve ter sido levado em consideração, na
determinação da taxa de ocupação do solo e da taxa de impermeabilização o tipo de solo e suas características
físicas.
Palavras-chave: Plano diretor, Mapa de solos, Campeche.
1 INTRODUÇÃO
Desde o século XVI, momento no qual se iniciou a colonização do território brasileiro,
o rápido crescimento do país não acompanhou o planejamento dos governos federais e locais
gerando diversos problemas nos sistemas públicos. O acelerado e mal planejado
desenvolvimento socioeconômico brasileiro teve como conseqüência a ocupação irregular em
áreas cujo solo não é adequado para diversos imóveis. Para tentar ordenar a ocupação do
território criou-se um mecanismo legal (lei ou conjunto de leis) o qual deve ser elaborado para
cada município brasileiro, chamado de Plano Diretor.
O plano diretor é um mecanismo primordial, elaborado a fim de planejar uma Política
de Desenvolvimento das cidades, visando estabelecer normas e locais de ocupação que sejam
seguras à população, assim como traçar propostas de mobilidade facilitando a locomoção
entre diferentes pontos, mantendo ainda o compromisso com a preservação ambiental e as
heranças culturais.
As condições de ocupação do solo estabelecidas pelo Plano Diretor devem considerar o
tipo de solo sobre o qual a edificação vai estar localizada.
1 Graduanda do Curso Superior de Tecnologia em Construção de Edifícios do IFSC,
[email protected] 2 Prof
a. Dr
a. do Departamento Acadêmico da Construção Civil do IFSC – Campus Florianópolis,
2
A partir do século XIX, o acelerado desenvolvimento de Florianópolis trouxe consigo
uma explosão demográfica, na qual o crescimento dos sistemas públicos não acompanhou e,
consequentemente, diversos problemas surgiram, tornando necessário um planejamento mais
profundo por parte do governo municipal.
Na capital de Santa Catarina ocorrem diversos tipos de solos, sendo necessário um
estudo aprofundado sobre cada sub-região na elaboração do plano diretor, considerando suas
características geológicas. Sendo assim tem-se como objetivo, buscar dados da ocupação do
solo para confrontar o uso permitido pelo atual plano diretor com o mapa de solos, a fim de se
averiguar se foram observadas as características e propriedades do solo. Para tanto, se
escolheu uma área piloto, localizada no bairro do Campeche, no sul da ilha de Santa Catarina,
bairro cuja atividade econômica predominante é turística, porém onde se intensificou a
ocupação residencial nas últimas décadas.
O método utilizado nesta pesquisa está explicitado sob a forma de um organograma na
figura abaixo:
Figura 1 – Organograma da metodologia
Na primeira etapa da pesquisa, encontra-se a revisão de literatura, onde foram
consultados artigos e livros referentes ao tema. Após essa etapa, foi realizada a delimitação da
área de estudo, onde foi analisado o tipo de solo encontrado, baseando-se no mapa de solos
disponibilizado na rede www (World Wide Web) pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária), o qual foi comparado com o Plano Diretor de Florianópolis (PD)
gerando assim, as considerações finais.
Revisão de Literatura Determinação da área
de estudo
Estudo do Plano
Diretor Estudo do solo na área
Sobreposição dos dados e
análises
Resultado
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Vale ainda salientar que, este trabalho foi desenvolvido por graduandos do curso de
Tecnólogo em Construção de Edifícios do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), dentro
da unidade curricular de Mecânica dos Solos, com a finalidade de integrar os conhecimentos
técnicos sobre os solos obtidos em sala de aula, com a realidade dos espaços em que se vive,
trazendo assim, a teoria para uma aplicação prática.
2 PLANO DIRETOR
“Plano diretor é o Instrumento básico de um processo de planejamento municipal para a
implantação da política de desenvolvimento urbano, norteando a ação dos agentes públicos e
privados.” (ABNT, 1991)
Segundo Silva (2000), o plano diretor é denominado plano, porque estabelece os
objetivos a serem atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados […], as atividades a
serem executadas e quem deve executá-las. É diretor, porque fixa as diretrizes do
desenvolvimento urbano do Município.
Desde 2001 no Brasil existe a Lei 10257 conhecida popularmente como o Estatuto das
Cidades, onde se estabelece as diretrizes gerais para a política urbana. Diretrizes essas que
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana nos municípios brasileiros.
Entretanto, não se iniciou com o Estatuto da Cidade a busca pelo ordenamento do
território brasileiro, e, em Florianópolis não foi diferente. Na década de 1970, Florianópolis
entrou em um momento decisivo para direcionar seu crescimento urbano rumo à criação de
uma "metrópole" nos moldes de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Com
grandes projetos em execução, os aterros da Baía Sul e Norte e a construção da Ponte
Governador Colombo Machado Salles, e suas “vocações econômicas” determinadas no
turismo e na indústria de alta tecnologia, a cidade inicia um novo ciclo de crescimento que
perdura no ano de 2013 (CONCEIÇÃO, 2013).
Acompanhando este novo ciclo, o Escritório Catarinense de Planejamento (ESPLAN)
apresenta o Plano de Desenvolvimento Integrado da Região da Grande Florianópolis, no qual
o arquiteto Luiz Felipe da Gama D’Eça elaborou um “planejamento metropolitano e
grandioso da Capital, visando contrapor-se à polarização exercida por Porto Alegre e
Curitiba”. (AFONSO, 2006. P.15) Dentre as propostas aparece a criação de um Setor
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Turístico Oceânico na costa leste da Ilha, com urbanização de alta densidade baseada em
prédios altos; a criação de rodovias com três pistas em cada sentido e de alta velocidade,
denominadas Via Parque, e um canal de ligação entre a Lagoa da Conceição e a Baía Sul, que
segundo Amora (1996. P.103) criaria condições para a criação de bairros semelhantes aos
encontrados na Flórida (EUA), onde barcos poderiam atracar nos fundos das casas. É neste
Plano Metropolitano, ainda, que encontramos a proposta de integração do sistema viário da
BR 101 até a costa Atlântica da Ilha, através de uma via expressa. Esta proposta acabou sendo
implantada a partir de 1996, com a construção do Túnel do Penhasco e o Aterro da Via
Expressa Sul. (AMORA, 1996. P.103)
Através destes planos, a região do Campeche (leste da ilha) pela primeira vez começa a
chamar a atenção das autoridades responsáveis pelo planejamento, com suas belezas naturais,
visando ao turismo e com suas terras planas adequadas para expansão metropolitana. Mas por
vários motivos este plano jamais saiu do papel, seja pela indisponibilidade de recursos por
parte do Estado, ou pela falta de interesse da iniciativa privada em dar continuidade ao
projeto, e até a falta de perspectiva de que a cidade pudesse um dia se tornar uma grande
metrópole, visto que até a década de 70, Florianópolis vivia um período decadente provocado
pelo fechamento do porto, que anteriormente havia sido sua principal fonte de renda e geração
de empregos, e ainda lutava para se firmar como capital do Estado de Santa Catarina.
Somente em 1985 os balneários de Florianópolis ganham uma normativa municipal
visando o planejamento sobre a ocupação do solo destas regiões. (MOREIRA, 2009) Porém,
como o eixo de crescimento da cidade estava voltado para o norte da Ilha de Santa Catarina,
já que muitos investimentos públicos foram destinados para esta região desde os anos 60
como forma de viabilizar empreendimentos turísticos projetados pela elite no norte da ilha
(LOHN, 2002), estes balneários acabaram recebendo um projeto mais elaborado e detalhado,
enquanto o sul e o leste da ilha ficaram praticamente esquecidos, sendo considerados apenas
alguns pontos de interesse turístico e o restante como área rural.
O Plano Diretor dos Balneários antes mesmo de ser aprovado, já se mostrava atrasado
no que diz a respeito ao zoneamento do Campeche, pois, no inicio da década de 80 o processo
de urbanização iniciava-se com maior proporção. O Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis (IPUF), em 1989, observando a instabilidade do Plano Diretor que regia o
desenvolvimento do Campeche começa a elaborar um novo plano diretor, desta vez para toda
região da Planície Entremares. Este novo projeto retomava alguns pontos do antigo Plano de
Desenvolvimento Integrado da Região da Grande Florianópolis, especialmente no que se
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refere à criação do Setor Turístico Oceânico e inclui alguns novos parâmetros de
planejamento urbano.
“Nos fundamentos ideológicos deste plano se encontra o incentivo a vocação
turística e ao desenvolvimento da indústria de alta tecnologia, na perspectiva de
fazer de Florianópolis uma metrópole. Para isso o Poder Executivo pensou a
construção de um extenso e caro sistema viário seguindo o modelo da cidade
inglesa de Milton Keynes. Os elementos geradores de emprego seriam o pólo
tecnológico segundo o paradigma das tecnópolis japonesas, a exploração
turística e imobiliária (hotéis, pousadas, conjuntos residenciais de alto padrão,
incluindo um autódromo internacional e um campo de golfe) e uma população de
aproximadamente 450.000 habitantes ocupando 70% do solo da planície.”
(TIRELLI et al. 2007. P.18)
Desde a primeira apresentação do IPUF em 1989, das idéias originais do plano para a
comunidade, a população ficou indignada, pois a concepção apresentada era incompatível
com os interesses locais de uma forma geral, e não propunha soluções para os problemas que
eram apontados pela população. Negavam, ainda, os referenciais históricos e ambientais da
área, propondo para o bairro uma escala que não tinha sintonia com a proposta de qualidade
de vida da maioria, que havia optado pelo Campeche para fixar moradia. (AMORA, 1996. P.
120 e 122)
Após a reeleição de Ângela Amim para prefeita, no ano de 2001, recomeçam as
incessantes tentativas de aprovação do plano diretor oficial para o Campeche na Câmara de
Vereadores. Porém, a existência de um projeto comunitário impossibilitava sua apresentação.
Além disso, a comunidade passa a pressionar a aprovação do plano diretor comunitário
através de duas ações inteligentes. A primeira ação foi a colocação de um grande outdoor na
Avenida Pequeno Príncipe com os nomes e a posição de cada vereador sobre o plano diretor
comunitário; e a segunda foi "[...] a publicação de uma história em quadrinhos sobre as lutas
da comunidade pelo plano diretor[...] que foram distribuídas nas escolas e nos principais
pontos de venda do Campeche". (TIRELLI et al., 2007. P. 35)
Tal situação leva o movimento comunitário para o início de novo, rejeitando ao projeto
“Frankenstein” e solicitando agora que a lei federal 10.257/01 e o Estatuto da Cidade fossem
efetivamente cumpridos e se iniciassem as audiências públicas para a elaboração de um novo
plano diretor.
Enfim, em 2014 foi aprovado o atual Plano Diretor do município de Florianópolis.
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O novo Plano Diretor instituído no município em 20 de janeiro de 2014 prevê que a
população de Florianópolis chegue a 750 mil habitantes até 2030. O mesmo propõe diretrizes,
metas e ações mais justas e equilibradas, voltadas a inovações que contemplem os anseios do
presente e do futuro, em termos de desenvolvimento urbano planejado, substituindo o PD
anterior de 1997, no qual ocupações sem parâmetros a serem seguidos eram permitidas por
todo o município. Cada bairro terá um projeto especifico de acordo com suas características
ambientais e geográficas.
Como esta é a Lei que regulamenta o uso do solo no município, é necessária sua análise,
para que se identifiquem as permissões de uso e ocupação e, assim, poder confrontar suas
informações com as características físicas do ambiente. No caso deste artigo, será analisada
uma área em franca expansão urbana, localizada no Distrito do Campeche onde se localizam
também os ecossistemas conhecidos como restingas.
3 OCUPAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDOS (Distrito do Campeche)
A área de estudos desta pesquisa está localizada ao sul da Ilha de Santa Catarina, no
Distrito do Campeche (Figura 2).
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Figura 2: Localização da área de estudos
Fonte: Pelkelman & Schuch, 2014
O crescimento do Distrito do Campeche foi percebido, pelos nativos, em dois
momentos distintos: primeiro, com a vinda do transporte público no final da década de 60 e
com a instalação da rede elétrica nos primeiros anos da década de 70; segundo, com a
pavimentação da Avenida Pequeno Príncipe, em meados da década de 80. Assim, ficaram
para trás as longas caminhadas do século XX que eram empreendidas para vender o peixe ou
a farinha no mercado central, agora lembradas como coisas de um passado de sacrifícios e
dificuldades. Em contrapartida, essas benfeitorias teriam proporcionado maior comodidade e
facilidade de acesso ao lugar, de forma que o Campeche então começava a atrair uma
população de fora, o que desencadeou a venda de terras cada vez em lotes menores
(DIAS,1995).
Segundo Amora (1996) o que ocorreu no Campeche foi o crescimento populacional da
comunidade, resultando na proletarização de alguns integrantes das famílias, e também uma
ampliação do domínio urbano sobre as antigas estruturas do campo. As modificações das
antigas estruturas acabaram por ocasionar uma mudança no gênero de vida, e tal forma de
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viver comporta determinados sistemas de objetos e de valores, os quais irão definir um gênero
de vida urbano, diferente do gênero de vida rural.
Para Dias (1995) e Amora (1996), o processo de urbanização está intrinsecamente
ligado ao processo de transformação da vida social dos nativos do Campeche. Isso acaba
ocorrendo no sentido da cidade que chega ao bairro via infra-estruturas, urbanização sobre o
meio ambiente, valorização do solo e a chegada de uma população de origem urbana.
A tabela abaixo ratifica o crescimento urbano do bairro a partir de números. Em trinta
anos (de 1970 a 2000), houve um incremento de aproximadamente 800% na população local.
TABELA 1 – Evolução da população dos Distritos Balneários de Florianópolis/SC
Tabela 1: IBGE – Censos Demográficos de SC.
Fonte: <www.planodiretorfloripa.sc.gov.br/final-leitura-integrada-da-cidade.pdf> Acessado em 24/06/2015.
Tal ocupação da área, segundo Monteiro (2005), deu-se, devido às características
topográficas e a relativa proximidade do centro, que atraíam para aquela praia com expansão
da área residencial notadamente como superior à pretensão balneária.
O Mapa a seguir é retirado do trabalho desenvolvido por Conceição (2013) e relata a
expansão ocorrida na porção Sul do Bairro Campeche através de setores denominados áreas 1,
2, 3, 4 e 5 (A1, A2, A3, A4 e A5 respectivamente).
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Figura 3: Foto aérea do sul do Campeche in: Google Earth.
Fonte: CONCEIÇÃO, 2013
A explicação para a expansão da área segundo Conceição (2013) é a que segue nos
próximos parágrafos:
Na parte mais ao sul do Campeche temos áreas de invasão, loteamentos clandestinos e
loteamentos fechados de alto padrão. Em vermelho temos uma região conhecida como Areias
do Campeche (A3), um assentamento precário em área de dunas semi-fixas, ocupado durante
os anos 80 por pessoas de menor poder aquisitivo que adquiriram estas terras de grileiros ou
simplesmente cercando um terreno. (MOREIRA, 2009. P. 34-35)
As Areias do Campeche durante muito tempo foram tomadas por barracos, sem
infraestrutura básica. Muitas casas ocupavam pequenos terrenos, restando apenas espaços
para pequenas passagens. Apesar disso, devido à criação de um loteamento de alto padrão no
entorno da comunidade e por estar localizada próximo ao mar, a partir dos anos 2000 (área
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A2) a infraestrutura e o padrão de construção das casas da localidade foram gradativamente
alterados. No momento presente, esta área apresenta uma ocupação de classe média, com
pequenas servidões para acesso de carros às residências e infraestrutura instalada alterando
então, o perfil urbanístico da localidade.
Na área A1, são encontrados loteamentos de alto padrão que foram construídos sob as
áreas de dunas e restingas, deixando as áreas próximas à praia com suas coberturas
praticamente originais. Porém, o acesso de pessoas que não fazem parte desses condomínios à
praia, foi praticamente esquecido, ficando limitada a pequenas passagens entre estes. Esses
loteamentos foram construídos nos anos 90, porém ocupados somente no início dos anos
2000, salvas algumas exceções.
A ocupação do sul do Campeche (área A4 da Figura 3) teve inicio nos anos 90, mas
foram maciçamente ocupadas em meados dos anos 2000. Seus loteamentos possuem ruas
longas e estreitas. Essas áreas tiveram loteamentos ilegais e vendas com valores abaixo do
mercado. Com isso impedindo o crescimento de uma malha urbana interligada, tendo como
objetivo a obtenção do máximo de parcelamento do solo por parte do proprietário, visando ao
lucro.
Em meados dos anos 2000 essas ruas foram calçadas, sendo suprimida, em praticamente
todas elas, as calçadas e a drenagem da água da chuva. Nesse mesmo momento esta região
ganhava também o acesso à água encanada, pois até então só havia água através de poços
artesianos.
Os loteamentos da área A4 apesar de serem irregulares, são mais organizados que a área
A5 encontrada na Figura 3, onde grileiros invadiram terrenos considerados sem valor para as
atividades tradicionais, como áreas de afloramento natural do lençol freático e zona de
alagadiço sazonal, parcelando estas áreas sem qualquer preocupação com a formação de uma
malha urbana. Ocasionando então a uma ocupação gradativa, desde o final dos anos 80 até os
anos 2000. Diferentemente dos outros modelos de ocupação, neste local o acesso à praia foi
garantido através de ruas e servidões.
Diferentemente da área A4, as ruas da área A5 estão na maioria sem calçamento e com
um sistema de drenagem rudimentar, esse sistema foi construído pelos moradores para evitar
alagamentos e enchentes com uma tubulação que desemboca no mar.
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4 A RESTINGA E A ÁREA DE ESTUDOS
O município florianopolitano se divide na parte insular e continental totalizando assim
uma área de 433km² nos quais estão distribuídos 421.240 habitantes conforme os dados
divulgados pelo último censo realizado, em 2010. Em uma área correspondente a 35,32 km²
do município se localiza o Distrito do Campeche, criado pela Lei 4805/95, o qual abrange as
localidades Morro das Pedras, Praia do Campeche, Campeche e Rio Tavares.
Figura 4: Distrito do Campeche
Fonte: http://geo.pmf.sc.gov.br/
A maior parte da região caracteriza-se pela feição plana do relevo, formado pela
deposição de sedimentos arenosos durante os sucessivos avanços e recuos do mar. Sob a
cobertura arenosa encontra-se o Aquífero Campeche, formando a Bacia Hidrogeológica do
Campeche, a qual aflora formando as lagoas Pequena e da Chica, e pequenos córregos que em
tempos passados desembocavam na praia em períodos de cheia, e atualmente estão em
contínuo processo de assoreamento causado por construções ao longo de seus leitos originais
(Barbosa 2007).
A formação vegetacional predominante na área é a restinga e estas áreas são definidas
como sendo Áreas de Preservação Permanente de acordo com a Lei 12651 de 2012.
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Popularmente conhecido como ‘Novo Código Florestal Brasileiro’, tal lei, em seu parágrafo
primeiro define restinga como sendo:
“...XVI - restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma
geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se
encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, com
cobertura vegetal em mosaico, encontrada em praias, cordões arenosos,
dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional,
estrato herbáceo, arbustivo e arbóreo, este último mais interiorizado;
...”
Na resolução nº 303 do CONAMA, de 2002 que estabelece os parâmetros, definições e
limites referentes às Áreas de Preservação Permanente dá a seguinte definição para o termo
restinga:
“...Restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma
geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se
encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha,
também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da
natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas
ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e
depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato
herbáceo, arbustivos e abóreo, este último mais interiorizado;...”
A definição da resolução do CONAMA é mais abrangente e mais explicativa. Cita o
tipo de cobertura vegetal, porém caracteriza melhor o substrato desta vegetação.
Falkemberg (1999) dissertou de modo muito abrangente sobre a nomenclatura utilizada
para designar o solo e a vegetação que caracterizam esta área de restinga. Em seu trabalho cita
ter havido, durante muito tempo, divergência entre profissionais da área da geomorfologia,
geologia e os profissionais da área da botânica onde, os primeiros reivindicavam ser esta
terminologia empregada numa concepção geológica destes terrenos arenosos formados
basicamente por dunas e suaves depressões. A posteriori, no entanto, na década de 80 os
autores começam a utilizar o termo restinga para tratar do ecossistema como um todo
englobando comunidades vegetacionais e animais do litoral arenoso e seus ambientes físicos,
inclusive em outros países como México, Colômbia e Venezuela.
Alguns autores classificam a vegetação de restinga em herbácea/subarbustiva, arbustiva
e arbórea. O trabalho de Silva (2015) mostra uma classificação de vegetação de restinga em:
herbácea, arbustiva e florestal, nomenclatura esta onde a distinção ocorre claramente pelo
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porte. Segundo as pesquisas do autor, as formações herbáceas ocorrem principalmente nas
faixas de praia e ante-dunas, em locais que eventualmente podem ser atingidos pelas marés
mais altas, ou então em depressões alagáveis, situação em que comumente são denominadas
de “brejos” ou “banhados”. Nas zonas de praia, antedunas e dunas mais próximas ao mar
predominam espécies herbáceas (rizomatosas, cespitosas e reptantes), em alguns casos com
pequenos arbustos e árvores, que ocorrem tanto de forma isolada e pouco expressiva, como
formando agrupamentos mais densos, com variações nas suas respectivas fisionomias,
composições e graus de cobertura. Já as formações arbustivas das planícies litorâneas, que
para muitos autores constituem a restinga propriamente dita, são seguramente os tipos
vegetacionais que mais chamam a atenção no litoral brasileiro, tanto pelo seu aspecto
peculiar, com fisionomia variando desde densos emaranhados de arbustos misturados a
trepadeiras, bromélias terrícolas e cactáceas, até moitas com extensão e altura variáveis,
intercaladas por áreas abertas que, em muitos locais, expõem diretamente a areia, principal
constituinte do substrato nestas formações.
Segundo o mesmo autor, um aspecto muito peculiar e interessante relativo às formações
arbustivas da restinga é a ocorrência de áreas onde, o aspecto predominante da vegetação, é
um conjunto de “moitas” de extensão e forma variadas, em meio às quais ocorrem áreas
abertas, onde podem ocorrer espécies herbáceas rizomatosas, eretas e cespitosas. Por último,
tem-se as formações florestais ocorrentes na planície litorânea do Brasil as quais são bastante
variáveis ao longo de toda a costa, tanto nos seus aspectos florísticos como estruturais,
possuindo variações geralmente atribuídas às influências florísticas das formações
vegetacionais adjacentes e às características do substrato, principalmente sua origem,
composição e condições de drenagem. Estas florestas variam desde formações com altura do
estrato superior a partir de 5m, em geral livres de inundações periódicas decorrentes da
ascenção do lençol freático durante os períodos mais chuvosos, até formações mais
desenvolvidas, com alturas em torno de 15-20m, muitas vezes associadas a solos
hidromórficos e/ou orgânicos. Estes dois tipos de florestas em geral acompanham as variações
topográficas decorrentes da justaposição dos cordões litorâneos, ao menos onde tais feições
são bem definidas. Utiliza-se muitas vezes o termo ‘floresta de restinga’.
No caso da área de estudos a paisagem típica da restinga é a mostrada na figura abaixo:
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Figura 5: Padrão da vegetação sobre solo arenoso no Campeche
Fonte: das autoras
Em visita realizada em campo observou-se um substrato arenoso com vegetação
arbustiva com altura variando de poucos centímetros a aproximadamente três metros.
Essa região quando confrontada com mapas de solo, possui o tipo de solo chamado
Neossolos - AMa1 (Areia quartzosa marinha), o que corrobora com as observações de campo.
Figura 6: Mapa de solos.
Fonte: http://www.dpi.inpe.br/Ambdata/mapa_solos.php
Em geral, são solos originados de depósitos arenosos, apresentando textura areia ou
areia franca ao longo de pelo menos 2 m de profundidade. Esses solos são constituídos
essencialmente de grãos de quartzo, sendo, por conseguinte, praticamente destituídos de
minerais primários pouco resistentes ao intemperismo. Essa classe de solos abrange as Areias
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Quartzosas não-hidromórficas descoloridas, apresentando também coloração amarela ou
vermelha. A granulometria da fração areia é variável e, em algumas situações, predominam
diâmetros maiores e, em outras, menores. O teor máximo de argila chega a 15%, quando o
silte está ausente (EMBRAPA, 2015).
5 O PLANO DIRETOR NA ÁREA DE ESTUDOS – Análise
Como mostra na figura abaixo, delimitamos uma área no Distrito do Campeche, onde
iremos aprofundar nossos estudos:
FIGURA 7: Mapa microzoneamento Campeche – Correlação com área de estudo.
Fonte: Adaptado de PMF (2014)
A área localizada na Figura 7 abrange, no mapa de zoneamento que compõe o Plano
Diretor de Florianópolis (Lei Complementar 482 de janeiro de 2014, PMF 2014) as áreas
assim denominadas: APP (área de preservação permanente); AVL (área verde de lazer);
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ARP2.5 (área residencial predominante). Segue a descrição de ambas constante no artigo 51
da referida Lei:
1) Áreas de Preservação Permanente (APP) - no município de Florianópolis são as
zonas naturais sob a proteção do Poder Público, cobertas ou não por vegetação
nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e
flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas – as quais
se encontram delimitadas nos mapas de zoneamento constantes da presente Lei
Complementar.
2) Área Residencial Predominante (ARP) - áreas destinadas ao uso preferencial de
moradias, onde se admitem pequenos serviços e comércios vicinais;
3) Área Verde de Lazer (AVL) - são os espaços urbanos ao ar livre de uso e
domínio público que se destinam à prática de atividades de lazer e recreação,
privilegiando quando seja possível a criação ou a preservação da cobertura
vegetal.
A área de APP delimitada no mapa de Microzoneamento do Distrito do Campeche
refere-se a uma área remanescente de restinga. Como apresentado por Pekelman & Schuch
(2014) a paisagem desta faixa litorânea muito se alterou desde o início do século XX quando
foram realizados os primeiros vôos fotogramétricos no Estado de Santa Catarina. Inicialmente
a faixa de restinga era mais larga e, portanto, abrangia uma porção maior da superfície hoje
habitada.
A formação geológica do substrato desta área de estudos como um todo é a mesma
constituindo-se num substrato arenoso incluindo aí as Áreas Residenciais Predominantes
(ARP2.5) as quais possuem autorização para moradias.
A tabela a seguir mostra o número máximo de pavimentos, a taxa de ocupação máxima
e a taxa de impermeabilização, respectivamente, da área ARP2.5 de Florianópolis.
Tabela 1: Tabela de limites de Ocupação.
Fonte: PMF, 2014
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O novo PD define a taxa de ocupação (TO) como sendo a relação percentual entre a
projeção horizontal da edificação e a superfície total do terreno e a taxa de impermeabilização
do solo (TI) a relação percentual entre a área impermeável do terreno e a superfície total do
terreno.
Isto significa, por exemplo, que num terreno padrão de 12 m x 30 m (área de 360 m2)
teríamos 180 m² de projeção de área construída sendo possível ainda impermeabilizar além
dos 180 m², mais 72 m² ou seja, ficando um total de 252 m² de área impermeabilizada.
6 ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as análises considera-se que não parece ter sido levado em consideração, na
determinação da taxa de ocupação do solo, no caso do Distrito do Campeche, o tipo de solo e
suas características físicas.
As Areias Quartzosas, em relevo suave-ondulado (entre 3% e 8%), são muitos
suscetíveis à erosão e apresentam elevada perda de água por infiltração rápida (EMBRAPA,
2015). A rápida infiltração da água em área próxima ao mar, ou seja, próximo ao nível do
lençol freático, irá propiciar também um rápido alagamento da superfície em caso de elevada
precipitação, pois o solo não irá reter água.
A taxa de impermeabilização máxima estabelecida na Tabela 1 diz respeito ao que
ocorre dentro dos limites da propriedade privada. Vale lembrar então que a
impermeabilização do solo na superfície de um bairro é maior, pois é incrementada pela
necessidade de infraestrutura urbana (arruamentos, calçadas, praças, entre outros) que irão
aumentar os valores de áreas impermeáveis.
Assim sendo, seria recomendável que se pense em alterar, por exemplo, os padrões de
tamanho mínimo de terrenos no caso de novos loteamentos e as taxas de impermeabilização.
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Deste modo teríamos numa maior área da superfície uma maior área permeável o que ajudaria
a manter as características naturais. Ou ainda, criar mecanismos como lagoas ou bacias de
retenção para, num período de chuvas intensas, armazenar água que possa ser utilizada nos
períodos de escassez.
Triste constatação é a de que, a recuperação da vegetação destas áreas de restinga hoje
ocupadas pelo homem, parece ser algo muito difícil de ocorrer já que, segundo alguns autores
incluindo Falkenberg (1999), são vegetações submetidas a grande estresse, devido às
condições do ambiente salino das restingas e sua proximidade com o mar. O crescimento
desta vegetação também propicia o aparecimento da fauna, bem peculiar nos ambientes de
restinga algo que também deve ser levado em consideração quando do planejamento da
ocupação de áreas contíguas às de restinga.
O ‘Novo Plano Diretor’ em seu artigo 5º. diz que: “o crescimento previsto para os
diversos distritos do Município se baseia em uma oferta crescente de infraestrutura e como
forma de garantir essa correspondência, se estabelece em 20% o índice de aumento
populacional ou de área construída”. O texto, no entanto, não menciona em quanto tempo
ocorrerá este aumento populacional, e nem explicita qual seria a ‘oferta crescente de
infraestrutura’ que deverá ocorrer. Fato preocupante já que como mostrado pelos dados do
IBGE, em 30 anos houve um incremento de 800% na população no distrito estudado.
De todo modo, um estudo comparativo mais aprofundado sobre as características dos
tipos de solo da Ilha de Santa Catarina versus ocupação do solo permitida pelo PD, devem ser
realizadas e assim, espera-se que a criação de regras de edificações mais apropriadas
poderiam ser avaliadas pela comunidade científica e sociedade para posteriormente serem
ratificadas pelo poder público.
Salienta-se ainda que a análise das características do solo e sua aptidão quanto à
implantação de áreas urbanas é algo que deve ser profundamente observado pelos
planejadores e posto em prática sob a forma de leis regulamentadoras. Esta ação pode
economizar grande monta de investimentos por parte do poder público, por exemplo, quando
da implantação de obras de infraestrutura urbana (drenagem, construção de vias públicas,
entre outras). Isto significa que, a partir do momento em que se diminui o impacto causado
pela impermeabilização do solo e ocorre a drenagem natural da água percolando pelo solo,
diminui-se o volume de água a ser direcionado para a tubulação de drenagem fluvial e,
consequentemente, diminui-se a dimensão de todo um sistema de drenagem artificial e isto,
em termos de projeto de engenharia civil, significa diminuição de custos de implantação da
obra.
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