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A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL: OLHARES DA
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
Joe Graeff Filho* Arlinda Cantero Dorsa**
Leandro Henrique Araújo***
RESUMO: É motivo de controvérsia nacional no meio social, político e acadêmico a Redução da
Maioridade Penal no Brasil. O sistema adotado pelo Código de 1984, pela Constituição Federal do
Brasil de 1988 e por fim complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, passou a
ser questionado pela sociedade, impulsionada por alguns veículos de comunicação, quanto à necessidade
de redução da idade mínima para que o adolescente seja submetido a pena de prisão. Nesse contexto, a
ausência de consenso sobre o tema da maioridade penal no Brasil despertou o interesse em analisar
neste artigo, esse polêmico tema, a partir de três textos publicados na mídia eletrônica no uso de
ferramentas da Análise Crítica do Discurso com base na construção teórica de Van Dijk (2013). Conclui-
se que o domínio das estratégias discursivas permite ao leitor a possibilidade de não se sujeitar à mera
condição de ouvinte leitor e sim à de ouvinte leitor crítico e reflexivo. Com relação à temática abordada,
urge a reunião de esforços, a desburocratização do sistema, o reconhecimento de responsabilidades
solidárias para salvaguardar os direitos de crianças e adolescente, para garantir a paz da sociedade
como um todo.
ABSTRACT: The reduction of the penal majority in Brazil is a cause of national controversy in the social,
political and academic environment. The system adopted by the 1984 Code, by Brazil's 1988 Federal
Constitution and finally complemented by the 1990 Child and Adolescent Statute, began to be questioned
by the society, driven by some communication vehicles, regarding the need to reduce the minimum age
for the adolescent to be sentenced to prison. In this context, the lack of consensus on the issue of the
criminal majority in Brazil has risen, in this article, the interest in analyzing this controversial topic,
based on three articles published in the electronic media in the use of Critical Discourse Analysis tools
based on the theoretical construction by Van Dijk (2013). It is concluded that the domain of discursive
strategies allows the reader the possibility of not subjecting himself to the mere reader listener condition,
but to a critical and reflective reader listener position instead. With regard to the issue addressed, it is
urgent to gather efforts, to reduce the system bureaucracy, to recognize the responsibilities to safeguard
the children and aodlescents' rights, to ensure the peace of the society as a whole.
PALAVRAS CHAVE: Redução da maioridade penal. Analise critica do discurso. Estratégias discursivas
KEY WORDS: Reduction of the penal age. Critical speech analysis. Discursive strategies
INTRODUÇÃO
A maioridade penal aos 18 anos, mantida pela Lei 7.209/84 que modificou a Parte Geral
do Código Penal de 1940, é motivo de grande controvérsia no meio social, político e
acadêmico. Em 1984, o autor do anteprojeto de mudança da parte geral do Código
Penal, o professor Nélson Hungria nas justificativas da Lei aduziu tratar-se a fixação da
maioridade penal aos 18 anos uma questão de política criminal, considerando que o
adolescente deve ser acometido a escola e não a prisão.
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A idade foi o critério usado para definir a imputabilidade penal da pessoa, quando
ausente qualquer moléstia que acometa a capacidade cognitiva e volitiva do ser humano,
sem questionamentos, portanto, sobre ter o sujeito menor de 18 anos capacidade de
compreender ou se autodeterminar conforme a ilicitude de seus atos, ou seja, diante da
conduta que vai praticar.
Com o passar dos anos e o aumento da prática de atos de violência realizados por
adolescentes, o sistema adotado pelo Código de 1984, pela Constituição Federal do
Brasil de 1988 e por fim complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990, passou a ser questionado pela sociedade, impulsionada por alguns veículos de
comunicação, quanto à necessidade de redução da idade mínima para que o adolescente
seja submetido a pena de prisão.
Várias críticas sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e seu caráter protecionista
começaram a ser tecidas fazendo brotar no Congresso Nacional diversos projetos de lei
e de emenda constitucional visando reduzir a maioridade de penal.
Após tramitar na Comissão de Constituição e Justiça - CCJ da Câmara dos Deputados
por décadas, em 19 de agosto de 2015, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 que visa à redução da maioridade
penal para 16 anos em crimes hediondos, de homicídio doloso e lesão corporal seguida
de morte.
A matéria trata de modificação da Constituição Federal do Brasil e no caso foi
necessária sua aprovação em dois turnos na Câmara dos Deputados, pois, não foi
considerada como cláusula pétrea (imodificável) pela CCJ da Câmara. Para ser
efetivada ainda depende da aprovação em dois turnos no Senado Federal, casa
legislativa na qual se encontra atualmente.
A ausência de consenso sobre o tema da maioridade penal no Brasil despertou o
interesse em analisar neste artigo, esse polêmico tema a partir de três textos publicados
na mídia eletrônica no uso de ferramentas da Análise Crítica do Discurso com base na
construção teórica de Van Dijk (2013).
A questão foi e continua sendo alvo de calorosas discussões, políticas sociais e
acadêmicas, carregadas de conteúdo ideológico, o que indica como melhor categoria de
análise crítica do discurso a identificação das estratégias discursivas ideológicas.
Objetiva, portanto, analisar os referidos textos sob a ótica das estratégias discursivas
ideológicas a fim de se observar as controvérsias explícitas e implícitas nos discursos de
cada autor.
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A categoria analítica é composta de uma abordagem inicial de contexto, seguido pelo
destaque de macroestruturas, das intencionalidades presentes assim como das
microestruturas e finalizando com as inferências dos leitores/receptores buscando
evidenciar o que os textos possuem em comum, no que divergem e no que ampliam a
discussão temática. Para atingir o propósito ideado serão destacados de cada texto, cinco
macroestruturas, entendidas como as principais diante do enfoque ideológico
protagonizado no material sob análise e que constroem um sumário dos aspectos
defendidos pelos protagonistas.
1. DA SIGNIFICAÇÃO TEÓRICA DOS ELEMENTOS QUE INTEGRAM A
CATEGORIA.
Antes de ingressar na análise propriamente dita, é necessário traçar algumas
considerações teóricas sobre a Análise Crítica do Discurso - ACD.
A priori, é preciso ressaltar que a ACD não é um método aplicável ao estudo dos
problemas sociais, mas, de acordo com Van Dijk (2013) a ACD enfatiza que para cada
problema social, é necessário fazer uma análise, de tal modo que seja possível
selecionar das estruturas sociais e discursivas as que devem ser analisadas e
relacionadas.
Conforme as ideias postuladas pelo referido autor, os tópicos do discurso, definidos
como significados globais desempenham um papel fundamental na comunicação e
interação, e representam o que o discurso quer dizer. São, de acordo com Van Dijk,
definidos como macroestruturas semânticas que em conjunto com os significados locais
(microestruturas), descortinam as intencionalidades do texto. É por meio dos tópicos
que os falantes da língua instituem significados na produção e compreensão do discurso.
Ressalta-se a importância do estudo dos significados locais, que representam o tipo de
informação que influenciam mais diretamente os modelos mentais, as opiniões e
atitudes dos receptores. Os significados locais se referem, basicamente, ao léxico, à
coerência e às estruturas das proposições e outras relações existentes entre elas.
Em sua pesquisa, Van Dijk (2013) ainda destaca as diferenças existentes entre formas
discursivas globais e locais ou esquemas. As formas globais, ou superestruturas
consistem em categorias genéricas típicas. Já as locais são as que estão relacionadas à
sintaxe das sentenças e das relações formais entre orações ou sequências de orações.
Em uma análise de ACD é importante considerar que assim como existem diferenças
entre estruturas globais e locais, também existem diferenças entre as estruturas locais e
globais do contexto. As globais estão entrelaçadas com as estruturas históricas,
culturais, políticas e sociais presentes em um evento. A local é definida em termos de
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propriedade da situação interacional em que o evento ocorre. Igualmente, o contexto é
sobremaneira interessante e importante para a análise em ACD, tendo em vista que os
usuários da língua formam, além de modelos mentais da situação em que estão
interagindo, relações com os eventos ou as situações em que estão falando.
Dessa forma, a ACD, enquanto interessada na dimensão discursiva dos abusos de poder
praticados na sociedade, define em detalhes, as condições de violações dos direitos
humanos pelo discurso, sendo, ao mesmo tempo, cognitiva, social e política, mirando
seu foco no papel do discurso nos níveis local e global, na sociedade e nas suas
estruturas (VAN DIJK, 2013).
2. DO CONTEXTO DO TEMA: ANALISANDO OS TEXTOS
Para realizar a Análise crítica foram escolhidos três textos de sites da internet sendo o
primeiro de autoria de Fernando Capezi, retirado de sua própria página na internet,
intitulado “Redução da maioridade penal: uma necessidade indiscutível”.
O segundo texto, tem como autor Leonardo Sakamotoii e foi retirado de seu blog, tendo
como título “Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal?”
O terceiro e último texto trata-se de uma matéria Jornalística da Agência Brasiliii de
autoria de Karine Melo, com a seguinte manchete: “Aprovada na Câmara, redução da
maioridade deve ser engavetada no Senado”.
2.1 AS MACROESTRUTURAS DOS TEXTOS
A seleção das macroestruturas seguiu, além da indicação contida nos títulos (tópico de
destaque), o grau de importância das afirmações, como meio de sumarizar os textos com
o objetivo de melhor entender suas propostas, atrelado às considerações de Van Dijk
(2013).
2.1.1 TEXTO DE FERNANDO CAPEZ
O texto propõe de modo imperativo a urgência de reduzir a maioridade penal no Brasil.
O autor defende de forma polarizada um único aspecto, a redução. Apresentando apenas
o lado positivo da redução da maioridade penal, deixa evidente em seu discurso que
essa medida é indiscutível e não deve mais ser protelada. A partir dessa compreensão
são apresentadas cinco macroestruturas que dão inteligibilidade ao texto:
M1– A necessidade de redução da Maioridade Penal é indiscutível.
M2– O menor de dezoito anos entende perfeitamente o que faz.
M3– O histórico de atos bárbaros, repugnantes, praticados por indivíduos menores de
18 anos é exemplo disso.
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M4– Aspectos políticos, ideológicos, biológicos e psicológicos não podem ser óbice à
redução da maioridade.
M5– Só existem dois caminhos jurídicos: um plebiscito e uma nova Constituição.
2.1.2 TEXTO DE LEONARDO SAKAMOTO
A macroestrutura dessa reportagem refere-se à incerteza após a redução da maioridade
penal. Essa temática tem sido debatida e divide opiniões em pontos de vistas
polarizadores, ou seja, há os que a defendem veemente e os que são contra na mesma
intensidade. No título “Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal” nota-
se de modo explícito a expressão clara de dúvida do autor, considerando que essa
redução pode vir a trazer grandes mudanças no tocante às leis e políticas públicas para
os adolescentes.
Considerando o título como o primeiro das macroestruturas do texto, são a seguir
expostos os tópicos que em conjunto com o tópico central representam o pensamento do
autor:
M1– Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal?
M2– Problemas estruturais precisam de soluções estruturais e não medidas pontuais.
M3– Quem ganha com a redução da maioridade são os políticos, comunicadores e
falsos profetas que oferecem gratuitamente o discurso do medo.
M4– Há jovens que não têm nada a perder porque nada tiveram.
M5– É necessário garantir uma vida melhor para a juventude no Brasil de forma
racional e não transloucada.
2.1.3 TEXTO DA AGÊNCIA BRASIL
O título da matéria veiculada pela Agência Brasil demonstra de modo claro o
posicionamento do senado ao ser apresentada como “Aprovada na Câmara, redução da
maioridade deve ser engavetada no Senado” demonstrando que ainda que haja um
“sucesso” com a aprovação da legislação, esta provavelmente não será colocada em
prática. Anunciando uma vitória “fictícia”, a matéria ainda agrega o subtítulo “Após o
resultado da Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros, voltou a dizer que é
contrário a proposta”.
A macroestrutura citada demonstra claramente o poder que o Senado tem de decisão,
ainda que uma legislação já tenha sido votada. Afirmando essa posição com a fala no
subtítulo do Presidente da Câmara. São destacadas do texto as seguintes
macroestruturas:
M1– Aprovada na Câmara, redução da maioridade deve ser engavetada no Senado.
M2– Presidente do Senado, Renan Calheiros, voltou a dizer que é contrário a proposta.
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M3– Senado Federal, que já votou a atualização do ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente).
M4– A proposta dos deputados deve ficar estacionada no Senado.
M5– A PEC que veio da Câmara é um retrocesso.
2.2 DAS INTENCIONALIDADES A PARTIR DAS MICROESTRUTURAS
A microestrutura permite a análise mais profunda do texto, especialmente pela
organização das ideias e os sentidos empregados a partir de cada palavra e significado
empregado ao texto, sendo possível identificar com maior clareza a intencionalidade e
os argumentos ideológicos que sustentam o texto.
2.2.1 TEXTO DE FERNANDO CAPEZ
O autor constrói seu texto utilizando estruturas locais muito fortes. Busca dominar o
cognitivo do receptor apontando como cerne de sua proposta a palavra indiscutível.
Com o fim de influenciar explícita ou implicitamente o leitor quanto à necessidade de
redução da maioridade penal, por meio de modelos mentais, relaciona os menores de
dezoito anos quando infratores a termos como: caráter criminoso, atos bárbaros e
repugnantes, garantia do ato de praticar estupro, homicídio, de ser atroz. Por outro lado,
justifica a necessidade de redução da maioridade à reparação das injustiças, à punição
na proporção do crime praticado, à população indefesa e aterrorizada.
No entanto, refere-se ao sistema de internação como fábrica de criminosos. Aponta as
discussões contrárias ao seu ponto de vista como estéreis e de cunho meramente político
e ideológico, propiciando uma representação negativa dos que discordam de suas ideias.
Quando o autor utiliza da palavra “indiscutível” ele conota um sentido de que não há
mais espaços para discussão e, portanto essa ação de reduzir a maioridade penal é a
única saída. No decorrer do texto é perceptível que o autor tem um posicionamento
meritocrata e que não vê outra saída além da proposta no título.
Essa linha de discurso se torna enfática no trecho:
Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado
está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com
plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes,
bárbaros. Ora, no momento em que não se propicia a devida punição,
garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser
atroz.
Fernando Capez realiza um discurso no trecho acima categórico e apelativo, tendo como
objetivo convencer o leitor que os adolescentes entre 16 e 17 anos tem a plena
convicção nos atos praticados, sendo assim, merecem ser penalizados de forma mais
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veemente. No mesmo sentido, o autor ainda coloca a posição do Estado corresponsável
por esta situação ao “conceder carta branca” aos adolescentes. É notável no discurso de
Capez seu cunho sensacionalista e que utiliza de palavras impactantes para fomentar ao
leitor o apoio a ideia defendida.
2.2.2 TEXTO DE LEONARDO SAKAMOTO
O Autor assume no texto uma postura polarizadora, extremamente contrária à redução
da maioridade penal. É possível perceber na forma como o autor disserta, sua
indignação e apropriação à causa como uma defesa a ser realizada no texto.
Usa como meio de expor as consequências da redução da maioridade várias figuras de
linguagem, com retórica simbólica tais como: “vamos nos enrolar em nosso cobertor de
ignorância e hipocrisia e sair quentinho pelas ruas achando que estamos seguros”,
“Santíssima Trindade do Medo”, “rosna diante do desconhecido”, “ancestrais que
tacavam pedras no escuro porque temiam a noite”. Faz uso de metáforas como: “tapar o
buraco deixado pela perda individual ou coletiva” ou “sede de vingança”. Da mesma
forma que Capez, Sakumoto usa termos fortes para influenciar o leitor: ignorância,
hipocrisia, falsos profetas, medo, sociedade maníaca.
O autor é taxativo ao afirmar que a justiça está sendo hipócrita e cometendo um
equívoco sem precedentes, caso a redução da maioridade penal seja aprovada.
De modo imperioso e irônico, o autor ainda chama as pessoas que são a favor da
redução como ignorantes, utilizando em sua frase uma metáfora para provocar ainda
mais o leitor, contando o sentido de que na ignorância é mais confortável. No terceiro
parágrafo Sakamoto expõe: “Problemas estruturais precisam de soluções estruturais e
não medidas pontuais. Não é simplesmente punindo o jovem em desacordo com a lei,
mas também criando condições para que ele não caia nas graças da criminalidade”.
Sakamoto demonstra em sua fala que a redução da maioridade penal é apenas um
problema pontual e que não resolverá o problema. Em seu discurso é possível notar que
o autor utiliza da representação social da juventude e da criminalidade como algo que
será colocado no mesmo contexto, caso a lei seja aprovada.
2.2.3 TEXTO DA AGÊNCIA BRASIL
A matéria pressupõe microestruturas discursivas de poder, dominação, e claramente um
posicionamento hierarquizado, bem como ideológico muito forte, apresentando termos
como: “o Presidente do Senado”, “Eu não sou a favor”, “o Senado já antecipou sua
posição”, “Meu sentimento é de que a ampla maioria dos senadores se opõe a ela”,
“com toda oposição da bancada do PT”, “acredito que será derrotada”.
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A postura de oposição também é demonstrada quando o texto se refere à proposta da
Câmara como um “retrocesso”. O uso de termos jurídicos negativos, próprios da
retórica ideológica quanto à proposta são percebidos no texto para influenciar no
convencimento quanto na impossibilidade de redução da maioridade penal:
inconstitucional, inconvencional, ineficaz.
Ao enunciar no título a palavra “engavetada”, esta simples afirmação traz para a
consciência coletiva do brasileiro uma séries de questões negativas quando se pensa nas
legislações brasileiras. Embora seja uma expressão comum utilizada, abrem-se
diferentes relações e situações que ela é empregada, especialmente no âmbito jurídico, o
qual no Brasil dispõe de diferentes recursos e possibilidades.
O ato de “engavetar um processo” é o mesmo que o dar como encerrado, entretanto,
pressupõe uma ação de poder realizado sobre este pelo sujeito que domina e ou
responde em última instância. A palavra pressupõe ainda uma forma arbitrária ou
“enrolar” algo que merece uma decisão, mas quem pode fazê-la não a faz.
Ademais o termo é confirmado na fala do Senador José Pimental que aduz: “a proposta
dos deputados deve ficar estacionada no Senado”.
2.3 DAS INFERÊNCIAS ANALÍTICAS
Inferências são processos mentais advindos de uma análise, no caso textual, que
permitem ao receptor partir da verdade exposta pelo Autor para a sua verdade que
consiste na crítica do discurso objeto de análise.
Ao abordar os textos escolhidos, optou-se inicialmente por realizar uma análise
individualizada de cada um para em um segundo momento realizar uma comparação
entre eles objetivando identificar o que os textos têm em comum, no que divergem e o
que apresentam de propostas para solucionar o conflito.
2.3.1 DAS INFERÊNCIAS AO TEXTO DE FERNANDO CAPEZ
O autor, dada à sua formação jurídica, apresenta um texto com escrita formal, porém de
fácil entendimento. Utiliza de palavras impactantes, seu texto tem energia, as frases se
conectam entre si prendendo o leitor. Entretanto, no mesmo sentido, o autor apela
constantemente para o convencimento por meio da comoção e ação em prol da redução
da maioridade penal.
Capez se coloca em uma posição de jurista com uma causa ganha e indiscutível.
Notadamente utiliza das técnicas adquiridas na militância como promotor de Justiça e
Professor universitário e se apresenta em uma situação de dominação, contestando o
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papel do Estado e também de outros profissionais e pesquisadores. Esse patamar fica
claro na frase abaixo: Dessa forma, não podemos mais insistir em discurso estéril, isto é, de que
prisão ou Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo
ao Adolescente) não regeneram, ou de que o Estado deveria proporcionar
condições sociais e educacionais ao menor. É claro que essas medidas são a
pedra fundamental e estrutural de qualquer mudança social, mas não
justificam a resistência das autoridades em mudar a lei penal. Frise-se: os
indivíduos maiores de 16 e menores de 18 anos possuem, na atualidade, plena
capacidade de entendimento e de volição. Se não houver a redução da
maioridade penal ou o aumento do tempo de internação em unidades
Fundação Casa, o Estado, mais uma vez, será o maior responsável por
fomentar a “fábrica” de criminosos.
Na frase acima, o autor menciona novamente a omissão do Estado e apresenta como
solução para essa problemática a redução da maioridade penal. No mesmo sentido, ele
se contradiz, ainda que indiretamente, quando afirma que a prisão e a Fundação Casa é
“estéril”. Ora, se a fundação casa e a prisão é “estéril” porque ele defende essa ideia?
Demonstra então em sua fala, novamente, o discurso de dominação e autoritarismo ao
defender sua ideia apenas a partir de suas concepções.
O objetivo principal do autor é convencer o leitor sobre a necessidade e justiça na
redução da maioridade penal. O autor disserta de modo imperativo e seu discurso tem
como estratégia convencer o leitor de que os adolescentes que cometeram os crimes
devem ser punidos como adultos e não como adolescentes por compreenderem o que
faz.
O autor em distintos momentos do texto tenta convencer o leitor de que o Estado não
está do lado da sociedade, pelo contrário, está favorecendo as situações que os crimes
acontecem não punindo os adolescentes como eles “devem ser punidos”. Essa
abordagem demonstra que o autor tem como objetivo aproximar o leitor de um senso
comum, de que o Estado não representa de fato a população nos processos decisórios.
No texto ele não enfatiza nenhuma situação de exclusão que possa envolver o contexto
de criminalidade, pelo contrário, enfatiza somente o que é negativo ao que se refere à
inserção dos adolescentes nesse contexto.
Percebe-se que ele quer provocar o sentimento de punição e de meritocracia
independente do contexto desse adolescente. Induzindo o leitor de que o adolescente já
é um sujeito que está pronto, e não mais em construção quando diferentes fontes de
pesquisa dizem o contrário.
Nota-se que o texto de Capez é comum e com uma notada motivação para o leitor
“comprar sua ideia”, percebe-se essas características quando o autor apresenta palavras
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impactantes e logo as justifica responsabilizando os adolescentes e o Estado. O texto
não traz sequer um argumento científico que embase sua defesa, faz o oposto, menciona
a importância das inferências da sociologia, psicologia e outras áreas do conhecimento,
mas abdica de suas contribuições. Pauta-se apenas em suas convicções, deixando o seu
discurso arbitrário com entonação de persuasão e dominação.
A intencionalidade do discurso se pauta basicamente em convencer o leitor de que não
há outra saída, se não, a redução da maioridade penal, apresentando apenas culpados,
como os adolescentes e o Estado. O autor se coloca no papel de promotor de acusação,
julgando de forma generalista não apresentando outro discurso que não seja polarizador
e radical.
Nesta perspectiva o autor tenta minimizar todos os impactos negativos e da redução da
maioridade penal e maximiza somente o que lhe é conveniente utilizando a persuasão,
reiterando em cada parágrafo seu discurso de ideologia de exclusão, punição e de
domínio sobre a situação de forma prática.
Assim sendo, faz um destaque não discutido no texto sobre o método para redução da
maioridade ao citar como única forma de resolver juridicamente o problema ser um
plebiscito ou uma nova constituição. Tal apontamento não se harmoniza com o contexto
de suas intenções para constar da conclusão. Somente esta abordagem solta ao final, já
possibilitaria uma discussão profunda da questão jurídica sobre os aspectos
constitucionais da redução da maioridade penal que se contrapõe a PEC 171/93
aprovada na Câmara dos Deputados.
2.3.2 DAS INFERÊNCIAS AO TEXTO DE LEONARDO SAKAMOTO
Leonardo Sakamoto é o autor do blog “Sakamoto” o qual disserta sobre conteúdos em
sua maioria políticos e temas que geralmente são tabus para a sociedade, como a
transgressão de direitos humanos. O autor possui formação em jornalismo, doutorado
em Ciência Política e possui larga experiência em matérias vinculadas a direitos
humanos internacional, é professor do curso de Jornalismo da USP e diretor de uma
ONG.
No artigo em questão, o autor apresenta um discurso polarizador, assumindo a posição
de que todos que pensam a favor da maioridade penal são hipócritas e ignorantes,
deixando clara sua visão ideológica de esquerda.
No texto fica clara a energia que o autor coloca sobre o tema, proporcionando uma
discussão acalorada, com ironia e provocações, a ver-se:
Soluções vendidas, aliás, por esses mesmos atores sociais, ao custo de ''votem
em mim'', ''assistam ao meu programa'', ''venham à minha igreja”. [...]Desse
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ponto de vista, qual a diferença entre alguns dos membros dessa Santíssima
Trindade do Medo e aqueles que usam jovens para cometer crimes, uma vez
que ambos os grupos lucram horrores com a exploração da violência?
O texto apresenta por meio de diversas figuras de linguagem a revolta do autor e uma
necessidade de convencer o leitor de que a decisão que pode ser tomada no Congresso
Nacional não será a melhor para a sociedade. Que será uma decisão tomada pela
ignorância e para dar uma resposta punitiva a uma temática que merece ser tratada com
maior investimento nas políticas públicas.
Sakamoto ao introduzir em seu texto as expressões sensacionalistas vinculadas ao voto,
TV e igreja, está implicitamente, se referindo à bancada política que justifica suas
decisões no congresso a partir de suas características religiosas, como o caso de diversos
pastores que ocupam cargos em comissão de direitos humanos, que além de terem
cargos nas igrejas também possuem programas de TV.
Ao utilizar o termo “soluções vendidas” percebe-se que a conotação dessa frase remete
à ilusão, promessa de melhorias, ou algo que não foi estruturado a uma realidade
concreta, como um “modelo a ser utilizado”. Estes aspectos são comuns em certos
programas de rádio e televisão que espalham o medo, maximizando a ideia de terror
causado pelo adolescente infrator, sem ater-se as questões mais relevantes, capazes de
conduzir a reorganização da sociedade.
O autor se posiciona claramente, contra estes discursos religiosos que são utilizados
para manobrar uma massa da mesma forma que se é elaborado nas doutrinas da igreja,
pelo medo e repressão. Que por sua vez também realizam outras formas de violência e
exploração e “discípulos”.
Sakamoto convida o leitor a refletir que a aprovação dessa lei será para gerar certo
“status” aos proponentes e as mídias. Para o autor o problema é estrutural e não de
legislação. O autor evidencia que a decisão dessa lei está sendo tomada mais por um
sentimento de emoção do que pela razão.
O autor termina o texto, no último parágrafo com a frase: “o que escolheremos? o que
veremos no espelho no dia seguinte?”.
A frase traz uma última tentativa de reflexão do leitor para um comprometimento social.
Quando Sakamoto estrutura a frase no plural, ele infere a um pensamento de que todos
estão tomando uma decisão e que as consequências serão para toda sociedade.
2.3.3 DAS INFERÊNCIAS AO TEXTO DA AGÊNCIA BRASIL
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O texto da Agência Brasil apresenta de forma bem clara e simples que o Senado Federal
é contrário à redução da maioridade penal, já tendo se posicionado por outro caminho
mediano, representado pela modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com
a ampliação do tempo de internação e do limite etário para esta internação. Apresenta a
proposta de recrudescimento na reprovação das infrações praticadas pelos menores, sem
perder as características de medida socioeducativa constante da legislação aplicada a
Criança e ao Adolescente.
São perceptíveis os argumentos da matéria, quando apresenta a fala do Presidente do
Senado: “Eu não sou a favor, mas não significa que a matéria não vá tramitar no Senado
Federal, que já votou a atualização do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] que
eu acho que, do ponto de vista da sociedade, é uma resposta mais consequente”. A fala
do Senador, conhecido por seus posicionamentos irônicos, demonstra que ainda que a
proposta tramite no senado, outra decisão mais coerente já foi tomada. O senador se
coloca como porta voz da sociedade, afirmando que é contra e, de modo sutil, utiliza um
discurso político em prol da população, deixando evidente que a atualização do ECA é o
bastante para conter as infrações cometidas por adolescentes.
É preciso considerar nesse contexto também, as intencionalidades do Senador e o seu
papel de Presidente da Casa. Enquanto presidente espera-se que ele tenha uma decisão
menos punitiva e mais solidária ao outro, ainda que esta solidariedade se demonstre em
uma fala breve em “nome da sociedade”.
Na matéria, o líder do Partido dos Trabalhadores no Senado, Humberto Costa (PE),
infere de forma contundente que a proposta da Câmara é um “retrocesso” e que não
atingirá os votos necessários a sua aprovação. Impõe seu poder de dominação amparado
pela sua bancada petista.
Convergindo com os posicionamentos anteriores o discurso do Senador Pimentel,
mostra seu direcionamento ideológico de esquerda e sentimentalista, opondo-se
ferrenhamente contra o projeto de lei e trazendo em sua fala um breve diagnóstico da
situação. O Senador Pimentel em seu discurso realiza uma fala mais taxativa e
imperativa, ao afirmar que “o projeto ficará estacionado no Senado”. Essa fala apresenta
um discurso claro do partido o qual este é filiado, bem como o uso de expressões
religiosas que geram o sentimento de esperança e aproximação popular, características
que reafirmam o modo de diálogo dos partidos de esquerda, simples, com provocações
positivas baseadas na emoção. Ao contrário de Renan Calheiros, que demonstrou ter
ancorado seu discurso na legislação e na sociedade.
A Agência Brasil, sendo veículo de comunicação pública, quando constrói o texto que
rebate tema já aprovado pela Câmara dos Deputados, traz apenas vozes de Senadores
contrários à questão, mostra-se parcial a uma determinada representação. Isso fica mais
claro quando o suporte jurídico e humanístico ao posicionamento dos entrevistados é
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realizado pela OAB, pela Secretaria de Direitos Humanos e pela Secretaria Nacional de
Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ou seja, a perspectiva do texto de
engavetar a proposta da Câmara passa a ideia de respaldo, respectivamente, da
Sociedade e do Poder Executivo.
2.4 DAS INFERÊNCIAS COMPARATIVAS ENTRE OS TEXTOS
Como já destacado alhures, o propósito deste subitem é apresentar os pontos que os
textos possuem em comum, no que divergem e quais propostas apresentam. Neste
sentido é possível verificar que os três textos entendem que existem problemas
relacionados à violência perpetrada por crianças e adolescente e que precisam de
soluções.
Quanto ao tema redução da maioridade penal, o texto de Fernando Capez é
indiscutivelmente favorável à redução, enquanto os textos de Leonardo Sakamoto e da
Agência Brasil são contra a redução da maioridade.
Capez vê no adolescente de 16, 17 anos de idade um sujeito já completo, capaz de
compreender e de se autodeterminar, devendo ser tratado por questão de justiça, igual
ao de dezoito anos ou mais e, portanto, passível ao cárcere. Do Texto da Agência Brasil
percebe-se o contrário, compreende o adolescente entre 16 e 17 anos como pessoa em
desenvolvimento sendo necessária sua educação como forma a atingir seu
desenvolvimento integral. Já Sakamoto reflete sobre a necessidade de mudança
estrutural e não pontual como propõe os outros dois.
Fernando Capez parte de um ideário positivista que vê no legalismo, na criminalização,
no recrudescimento da legislação a saída para o problema, ou seja, levar o adolescente
menor de dezoito anos para a prisão é o caminho para se fazer justiça.
Por outro lado, o Texto da Agência Brasil possui também um aporte legalista, menos
radical, combate à ideia carcerária e de solução pela prisão com uma proposta de
modificação da legislação atual, o ECA, porém mantendo as garantias a proteção
integral da criança e do adolescente, combinando a ampliação do acesso à educação
quando em internação.
Já Sakomoto, propõe que as mudanças devem ir além da alteração legislativa, com
ações efetivas que impeçam o adolescente de ficar a mercê da criminalidade,
transparece uma proposta que valoriza a busca social e científica para os problemas, que
concilia políticas públicas estruturadas no conhecimento real do problema e na busca de
solução conjunta entre todos os entes envolvidos, família – sociedade – Estado.
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CONSIDERAÇOES FINAIS
A Análise crítica do discurso objetiva verificar, como aponta Van Dijk (2013), as
distorções ideológicas contidas nos discursos, que são ancoradas em falas que
representam dominação, discriminação, exclusão, etc. impondo muitas vezes meias
verdades, conduzindo os receptores a se apropriarem de posicionamentos que lhe
retiram a capacidade de decisão.
O uso de estratégias discursivas tem o poder de remeter os sujeitos à mera condição de
ouvintes, donos de um falso livre arbítrio, conduzindo as massas conforme suas
representações mentais incutidas nas entrelinhas das diversas orações que integram um
texto.
Realizar uma análise crítica completa, com o uso de todos os recursos disponíveis,
vergastando todas as questões envolvidas em um texto é tarefa que beira o impossível,
principalmente quando considerada a abordagem de três textos diferentes, com
propostas, intenções variadas. Mas a seleção de categorias de análise por mais que não
espelhe o todo de um discurso, possibilita compreender e depreender seus significados.
No presente trabalho, que encerra uma caminhada pelos trilhos da Análise Crítica do
Discurso, foi possível aplicar ferramentas apreendidas e verificar as interfaces dos
textos que pretendem conduzir ao convencimento do leitor.
A menoridade penal de fato é questão que está muito longe de encontrar um porto
seguro e infalível. A cada nova infração hedionda cometida por pessoa menor de
dezoito anos, vozes clamam por soluções enérgicas e pontuais, movimentando o meio
social, político e acadêmico, justamente porque a questão mexe com as representações
mentais da população que diante ao terror é conduzida a posição de vítima que anseia
por vingança, sem perceber o contraponto das motivações e desconstruções humanas
advindas dos mais diversos meios sociais, a mazela humana fica em segundo plano.
Soluções pontuais realmente como aponta Sakamoto não resolverão o problema, como
de fato não resolvem qualquer problema. Urge a reunião de esforços, a
desburocratização do sistema, o reconhecimento de responsabilidades solidárias para
salvaguardar os direitos de crianças e adolescente, para garantir a paz da sociedade
como um todo.
ANEXOS
Texto 1 - Redução da maioridade penal: uma necessidade indiscutível- Fernando Capez.
A redução da maioridade penal, na atualidade, constitui tema bastante polêmico, devido aos aspectos
políticos, biológicos, sociais, filosóficos etc., que a matéria envolve. Disso decorre a dificuldade prática,
entre juristas e integrantes da sociedade como um todo, de se chegar a um consenso, a uma solução
unânime sobre o tema.Sabemos que a maioridade penal ocorre aos 18 anos, conforme determinação
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constitucional (CF, art. 228). Abaixo desse limite de idade, presume-se a incapacidade de entendimento e
vontade do indivíduo (CP, art. 27). Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso
do homicídio, roubo, estupro, tráfico de drogas, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o
que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese.Nesses casos, os menores de 18 anos,
apesar de não sofrerem sanção penal pela prática de ilícito penal, em decorrência da ausência de
culpabilidade, estão sujeitos ao procedimento e às medidas socioeducativas previstas no ECA (Lei n.
8.069/90), em virtude de a conduta descrita como crime ou contravenção penal ser considerada ato
infracional (veja art. 103 do ECA). No caso de medida de internação, o adolescente é liberado
compulsoriamente aos 21 anos de idade.Na atualidade, porém, temos um histórico de atos bárbaros,
repugnantes, praticados por indivíduos menores de 18 anos, os quais, de acordo com a atual legislação,
não são considerados penalmente imputáveis, isto é, presume-se que não possuem capacidade plena de
entendimento e vontade quanto aos atos criminosos praticados.A grande questão é: como podemos, nos
dias de hoje, afirmar que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e
volição?Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo
uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição,
pratiquem atos atrozes, bárbaros.Ora, no momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o
direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.Mesmo considerando-se aspectos da
realidade educacional e a omissão do Estado em prover a orientação adequada para os jovens, ainda
assim, a redução da maioridade penal é medida justa. Até porque, se ponderarmos esses fatores, aquele
que praticou um crime com 18, 20, 21 anos, o fez porque não teve oportunidade, também, de emprego,
estudo etc. Por isso, tal argumento não pode ser levado em consideração para afastar a redução da
maioridade penal.Dessa forma, o que se pretende, na realidade, é o distanciamento desses discursos
ideológicos, políticos etc., a fim de proporcionar a retribuição penal na justa dimensão do crime cometido,
atendendo, inclusive, ao princípio da proporcionalidade insculpido na Constituição Federal, a qual exige
maior rigor penal para os casos de maior gravidade (art. 5.º, XLII, XLIII e XLIV).O intuito, portanto, da
redução da maioridade é o de reparar tão graves injustiças, de propiciar a punição na proporção do crime
praticado. Assim, um menor de idade que pratique um crime hediondo, como o que ocorreu no Rio de
Janeiro, deverá responder pelo crime tal como um indivíduo maior de 18 anos.É extremamente injusto
que, após cometer tão bárbaro crime, seja liberado compulsoriamente aos 21 anos, nos termos do ECA, ao
passo que um indivíduo de 18 anos que tenha coparticipado do crime possa ficar segregado por até 30
anos em estabelecimento carcerário.E o que é pior: aos 21 anos, quando for liberado, esse indivíduo estará
novamente no seio da sociedade, voltando-se, outra vez, contra a população indefesa e aterrorizada.Há, no
entanto, mais uma alternativa para a solução desse problema, caso haja resistência na sociedade no
tocante à redução da maioridade penal. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso
de medida de internação, o adolescente é liberado compulsoriamente aos 21 anos de idade. Pois bem.
Seria viável uma modificação legislativa no sentido da alteração desse limite de idade, o qual passaria a
ser de 30 anos. Com isso, seria possível evitar o problema da liberação rápida do infrator e a sensação de
impunidade. Dessa forma, não podemos mais insistir em discurso estéril, isto é, de que prisão ou
Fundação Casa (Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) não regeneram, ou de
que o Estado deveria proporcionar condições sociais e educacionais ao menor. É claro que essas medidas
são a pedra fundamental e estrutural de qualquer mudança social, mas não justificam a resistência das
autoridades em mudar a lei penal. Frise-se: os indivíduos maiores de 16 e menores de 18 anos possuem,
na atualidade, plena capacidade de entendimento e de volição. Se não houver a redução da maioridade
penal ou o aumento do tempo de internação em unidades Fundação Casa, o Estado, mais uma vez, será o
maior responsável por fomentar a “fábrica” de criminosos. A redução da maioridade penal, portanto, é
uma realidade, uma necessidade indiscutível. É assim nos países mais avançados da Europa, onde se fala
entre 14 e 16 anos. Embora haja projetos de lei para viabilizar a redução da maioridade penal, no entanto,
cremos que há ainda muita resistência no seio da sociedade, dados, como dissemos, os diversos aspectos
(políticos, ideológicos, biológicos, psicológicos etc.) que envolvem essa mudança. Ademais, para que
ocorra essa mudança, só existem dois caminhos jurídicos: um plebiscito, que é o caminho mais rápido, e
uma nova Constituição.
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Texto 2 - Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal? Leonardo Sakamoto
O que vai acontecer tão logo o Congresso Nacional aprove a redução da maioridade penal para 16 anos?
Vamos nos enrolar em nosso cobertor de ignorância e hipocrisia e sair quentinho pelas ruas achando que
estamos seguros.Problemas estruturais precisam de soluções estruturais e não medidas pontuais. Não é
simplesmente punindo o jovem em desacordo com a lei, mas também criando condições para que ele não
caia nas graças da criminalidade.Caso contrário, o problema se reorganiza após a mudança da lei. Por
exemplo, trazendo jovens de 15 anos para fazerem parte de roubos e serem culpados pelos crimes. E,
assim, sobrevive.Quem ganha com isso? Políticos, comunicadores e falsos profetas que oferecem
gratuitamente o discurso do medo, viciando a sociedade, que depois ficará ansiosa para comprar as
soluções simplistas que prometem paz e tranquilidade.Soluções vendidas, aliás, por esses mesmos atores
sociais, ao custo de ''votem em mim'', ''assistam ao meu programa'', ''venham à minha igreja''.Desse ponto
de vista, qual a diferença entre alguns dos membros dessa Santíssima Trindade do Medo e aqueles que
usam jovens para cometer crimes, uma vez que ambos os grupos lucram horrores com a exploração da
violência?Há jovens que não têm nada a perder porque nada tiveram. E os que podem perder muito mas,
sinceramente, não se importam, porque nós não nos importamos como eles quando deveríamos.E há, é
claro, os casos patológicos, cuja prevenção é difícil ou mesmo impossível. Ou alguém acha que um
maluco que abre fogo contra uma igreja em nome da supremacia branca, como aconteceu nos Estados
Unidos, ou alguém massacra crianças de uma escola, como ocorreu em Realengo, no Rio de Janeiro,
pensa na punição que vai sofrer?Tenho medo de indivíduos que assaltam, roubam e matam, mas também
tenho medo de uma sociedade maníaca que não fala, apenas rosna diante do desconhecido. Pois essa
sociedade cisma em não se diferenciar de seus ancestrais que tacavam pedras no escuro porque temiam a
noite.Em momentos de emoção extrema, buscamos soluções simples para diminuir a perplexidade, saídas
para preencher a falta de sentido e tapar o buraco deixado pela perda individual ou coletiva.O problema é
que elas não são úteis para resolver problemas estruturais, nem mesmo para contribuir com os processos
simbólicos de luto e cura. Ajudam, contudo, naquela sede de vingança que carregamos desde sempre.
Texto 3 - Aprovada na Câmara, redução da maioridade pode acabar engavetada no Senado -
Karine Melo – Repórter da Agência Brasil
Depois da aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados, na última semana, da Proposta de Emenda
à Constituição (PEC) 171/93 que reduz, em alguns casos, a maioridade penal de 18 para 16 anos, a
responsabilidade por levar a discussão adiante está com os senadores, que precisam submeter o texto a
dois turnos de votação. A tarefa, no entanto, não será fácil. Após o resultado da Câmara, o presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), voltou a dizer que pessoalmente é contrário a proposta."Eu não
sou a favor, mas não significa que a matéria não vá tramitar no Senado Federal, que já votou a atualização
do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] que eu acho que, do ponto de vista da sociedade, é uma
resposta mais consequente", disse.Renan se referia ao PLS 333/15, que altera o ECA, de autoria do
senador José Serra (PSDB-SP), que teve o substitutivo do senador José Pimentel (PT-CE) aprovado pela
Casa. O texto aumenta o tempo de internação de jovens infratores que tenham cometido crimes hediondos
dos atuais três para até dez anos. Aprovada em julho pela Casa, a matéria seguiu para análise da
Câmara.O mesmo texto prevê uma alteração no Código Penal para agravar a pena do adulto que praticar
crimes acompanhado de um menor de 18 anos ou que induzir o menor a praticá-lo. A pena do maior será
de dois a cinco anos, mas poderá dobrar para os casos de crimes hediondos.Outro ponto proposto por
Pimentel prevê que os adolescentes passarão por avaliação, a cada seis meses, feita pelo juiz responsável
pelo caso. Assim, o magistrado poderá analisar e optar por liberar antecipadamente, se for o caso, o jovem
da reclusão. Nos centros de internação, os jovens também terão que estudar até concluir o ensino médio
profissionalizante e não mais somente o ensino fundamental, como é previsto no ECA hoje.Já a PEC
aprovada pelos deputados, prevê redução da maioridade nos casos de crimes hediondos – como estupro e
latrocínio – e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Os jovens de 16 e 17
anos deverão cumprir a pena em estabelecimento separado dos adolescentes que cumprem medidas
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socioeducativas e dos maiores de 18 anos.José Pimentel criticou a proposta de mudar a Constituição e
ressaltou que com a alteração no ECA, o Senado já antecipou sua posição sobre o assunto, sinalizando
que a proposta dos deputados deve ficar estacionada no Senado. "O texto que a Câmara aprovou
simplesmente pega esse menor e leva direto para dentro de um presídio, não tem a obrigação nem de
educar e nem de dar uma profissão. Já com o adulto que utiliza a mão de obra desse menor na
consumação de um crime, continua tudo como está. São visões diferentes para enfrentar o mesmo
problema", defendeu. Para o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE) , o destino da PEC na
Casa é claro: "aqui engaveta!". Outro líder, o do PT, senador Humberto Costa (PE), tem uma avaliação
parecida. Ele acha difícil o texto de redução da maioridade aprovado na Câmara avançar no Senado. “Não
acredito que essa PEC prospere no Senado. Meu sentimento é de que a ampla maioria dos senadores se
opõe a ela. Então não creio que essa PEC que veio da Câmara, que é um retrocesso, com toda oposição da
bancada do PT, vá andar no Senado. E, se andar, e vier a plenário, acredito que será derrotada. Não
conseguirá 49 votos favoráveis", disse o líder.A proposta aprovada pelos deputados também enfrenta
resistência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "A redução da maioridade penal é
inconstitucional, viola princípios de Direito Internacional, portanto ela é inconvencional e além de tudo
isso, não vai reduzir a criminalidade. Portanto, ela é materialmente ineficaz. Por esses motivos todos a
OAB é contra a redução da maioridade penal", explicou o presidente da comissão de Direito Penal do
Conselho Federal da OAB, Pedro Paulo de Medeiros.Sobre o texto aprovado pelo Senado, o advogado
disse que a entidade ainda não tem uma opinião formada porque ainda não foi provocada sobre o assunto,
mas lembrou que nas discussões sobre o tema na entidade, foi dito que um aprimoramento do ECA sobre
o assunto talvez fosse mais aconselhável do que a redução da maioridade penal.Para a Secretaria de
Direitos Humanos, não há necessidade de uma nova legislação para jovens infratores. “A gente é pioneiro
no mundo em relação a ter uma legislação própria para crianças e adolescentes. Temos que reconhecer
isso. Obviamente que ajustes são necessários em alguns aspectos, mas os mais importante é preservar o
melhor interesse da criança e do adolescente. O que precisamos é dar condições aos entes federados para
que eles apliquem a Lei”, ponderou o secretário substituto da Secretaria Nacional de Promoção dos
Direitos da Criança e do Adolescente, Rodrigo Torres. De 1993 até hoje, o Congresso acumula mais de
60 propostas envolvendo jovens infratores. Algumas alteram o Estatuto da Criança e do Adolescente para
endurecer as medidas socioeducativas nesses casos, outras sugerem a redução da maioridade penal.
Edição: Denise Griesinger
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Capez, F. Redução da maioridade penal: uma necessidade indiscutível. São Paulo: 2014. Disponível em: <http://www.fernandocapez.com.br/o-promotor/atualidades-juridicas/reducao-da-maioridade-penal-uma-necessidade-indiscutivel/>. Acesso em: 31 de outubro de 2016.
MELO, K. Aprovada na Câmara, redução da maioridade pode acabar engavetada
no Senado. Brasília: Agência Brasil, 2015. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-08/aprovada-na-camara-reducao-
da-maioridade-deve-ser-engavetada-no-senado>. Acesso em: 31 de outubro de 2016.
CÂMARA, DOS DEPUTADOS. PEC 171/1993.
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14493>.
Acesso em: 31 de outubro de 2016.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 25, Abril/Setembro 2017 - p
18
Sakamoto, L. Como será o dia seguinte à redução da maioridade penal? Disponível em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/06/28/como-sera-o-dia-seguinte-a-reducao-da-maioridade-penal/>. Acesso em: 31 de outubro de 2016.
Van DIJK, T. A. Análise Crítica do Discurso multidisciplinar. Disponível em:
http://www.ucdb.br/docentes/main1.php?menu=arquivos2&pasta=39690. Acessado em:
01 de setembro de 2016.
i O autor é Deputado Estadual do Estado de São Paulo, professor de Direito Penal e Processo Penal e
Promotor de Justiça licenciado do Estado de São Paulo. ii O autor é Jornalista e Doutor em Ciência Política pela USP na qual também é professor do curso de
Jornalismo. iii São protagonistas da matéria, além da Repórter da Agência Brasil Karine Melo, o Presidente do Senado
Renan Calheiros (PMDB), o Senador José Pimentel (PT), o Senador Humberto Costa (PT), o Presidente
da Comissão de Direito Penal do Conselho Federal da OAB, Pedro Paulo de Medeiros, a Secretaria de
Direitos Humanos e o Secretário Substituto da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e
do Adolescente, Rodrigo Torres.
*Doutorando do PPGDL- Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local. UCDB- MS. Coordenador
e docente do curso de Direito – UNIGRAN-MS .
**Coordenadora e Docente do PPGDL- Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local – UCDB-MS.
Professora do curso de Direito. Doutora em Língua Portuguesa. (PUC-SP) .
***Doutorando do PPGDL- Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Local. UCDB- MS.
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