A TUTELA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA SEGUNDO O SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL: análise dos casos referentes à antecipação terapêutica de feto
anencéfalo e das pesquisas com células-tronco embrionárias.
THE FUNDAMENTAL RIGHT TO PROTECTION OF LIFE ACCORDING TO THE FEDERAL SUPREME
COURT: analysis of cases related to therapeutic anticipation of anencephalic fetus and of embryonic stem cells.
Márcia Lívio da Costa Velloso
Aluna do 10º período do curso de direito da faculdade Promove – ICESP de Brasília
Resumo: A Vida é o bem mais importante que um ser humano possui, dela tendo que cuidar
para preservar-se e, num plano mais amplo, unindo-se todos neste cuidado, garantir a
humanidade perene. A soberania de um Estado trás consigo a obrigação de proteção aos seus
nacionais. Por mais minimizada que seja a tutela diferida a cada Estado, a tutela da vida há de
estar albergada, como normalmente tem acontecido nas positivações das Constituições dos
Estados soberanos. São os direitos fundamentais, nos quais a vida e tê-la com dignidade se
incluem, e se apresentam com tal dimensão de proteção quanto maior é o nível de cultural de
uma sociedade. Para a proteção da vida pelo Estado soberano, há de se ter definido a
dimensão desta proteção e, se possível, seus marcos inicial e final. A presente pesquisa se
debruça pontualmente na definição do início da vida na legislação brasileira, uma vez que a
Constituição Federal de 1988 ficou silente a este conceito diante das diversas teorias
científicas, filosóficas e religiosas. E ainda, na provocação ao tema que se fez ao Supremo
Tribunal Federal com a Ação Direta de Inconstitucionalidade do artigo 5º da lei de
biossegurança, e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a fim de se
afastar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de
feto anencéfalo seria conduta tipificada no Código Penal.
Palavras chaves: início da vida, embrião, células-tronco embrionárias, fertilização in vitro,
aborto e anencefalia.
Abstract: Life is the most important asset that a human being has, it has to take care to
preserve itself and, in a broader plane, joining all in this care, ensure the perennial humanity.
The sovereignty of a State brings with it the obligation to protect its nationals. For more
minimized to be deferred custody every State, the protection of life is to be housed, as has
often happened in affirmations constitutions of sovereign States. They are fundamental rights,
on which life and have it with dignity are included, and present with such dimension of
protection as the greater is the culture level of a society. For the protection of life by the
sovereign State, one has to have set the scale of this protection and, if possible, their start and
end frames. This research focuses on time in early life setting under Brazilian law, since the
1988 Federal Constitution was silent on this concept before the various scientific,
philosophical and religious theories. And yet, in the provocation to the theme that made to the
Supreme Court on the Unconstitutionality Lawsuit of Article 5 of biosafety law, and the
Accusation of Breach of Fundamental Precept in order to move away from the
unconstitutionality of the interpretation that the termination of anencephalic fetus pregnancy
would conduct typified in the Penal Code.
Key words: early life, embryo, embryonic stem cells, in vitro fertilization, abortion and
anencephaly.
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Sumário: Introdução. 1. Histórico da Positivação do Direito à Vida. 2. Direito à Vida. 3.
Reprodução Assistida. 4. Constitucionalidade da Lei de Biossegurança. 5. Direito à Vida do
Feto Anencéfalo. 6. Antecipação Terapêutica ou Aborto. 7. Cenário Internacional. Conclusão.
Referências Bibliográficas
Introdução
A presente pesquisa possui o escopo de fazer uma análise acerca de quando se dá o início
da vida no arcabouço jurídico brasileiro tendo como lente de observação a dignidade da
pessoa humana e o direito fundamental à vida abarcados pela Constituição Federal de 1988, e
tendo como lâmina de pesquisa o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.
510 (ADI 3.510) e da Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais nº 54 (ADPF
54).
A ADI 3.510 foi provocada pela Procuradoria Geral da União ao entender que o artigo 5º
da lei de biogenética e seus comandos feriam a dignidade da pessoa humana e o direito à vida
ao permitir pesquisas com células-tronco embrionárias.
A ADPF 54 foi provocada pela Associação Nacional dos Trabalhadores da Saúde ao
entender que a interrupção de gestação de feto anencéfalo não deve ser interpretada como
crime de aborto, com base no fundamento e no direito fundamental em tela.
O estudo se desenvolverá por meio de uma pesquisa bibliográfico-doutrinária e
jurisprudencial, onde será feito uma análise histórica da juridicidade do direito à vida,
passando pelas teorias que definem o momento do início da vida humana; principalmente na
análise da repercussão de decisões judiciais sobre a autorização de pesquisas com células-
tronco embrionárias e pelo entendimento do poder Judiciário sobre a ilicitude da interrupção
terapêutica de parto de feto anencéfalo, com foco nas considerações dos votos dos ministros
da Suprema Corte nos dois julgados, ADI 3.510 e ADPF 54.
Tal análise enseja precipuamente verificar se os julgados da ADI 3.510 e da ADPF 54
viriam a descortinar o silêncio constitucional sobre o exato momento do início da vida
humana. Momento singular em que o Estado brasileiro passa a dar as proteções jurídicas
decorrentes.
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1. Histórico da Positivação do Direito à Vida
Desde o mais remoto tempo da existência do homem, tem-se a vida humana como um dos
bens mais preciosos a serem resguardados. Primariamente pelo seu próprio possuidor, de que
dependia prontamente se proteger e agir para permanecer com vida.
Com o passar das eras, com a necessidade de agrupamento do homem em sociedade, com
a evolução do conhecimento humano de si próprio e do mundo em sua volta a proteção da
vida individual coube também a terceiros, tais como aos familiares, ao grupo como um todo,
protegendo-se mutuamente, aos chefes ou lideres tribais e hoje, precipuamente, ao Estado.
Porém a mesma capacidade ou tradição de proteção da vida de um indivíduo por um
grupo, ou chefe era a mesma que estes tinham para dela dar cabo, seja como punição, como
sacrifício em oferecimento a entes religiosos, ou para se fazer “justiça” pelas próprias mãos; e
até mesmo como capricho, deleite, ou diversão para um monarca ou líder supremo.
O direito de estar e continuar com vida, de forma individualizada, foi protelado por
séculos como meio essencial para a manutenção do bem-estar coletivo, em que pese ser este
direito parte primária dos direitos individuais da pessoa humana desde a História Antiga,
conforme verificado por Sidney Guerra (2014, p. 23), in verbis:
[...] Mas é no período chamado de Direito Cuneiforme que começam a surgir
os “códigos”, a exemplo do Código de Hamurábi (1690 a.C.), que talvez
seja a primeira codificação a consagrar um rol dos direitos comuns a todos
os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família,
prevendo a supremacia das leis em relação aos seus governantes.
Corrobora com esta assertiva, Alexandre de Moraes (2013, p. 6) ao afirmar que a origem
dos direitos individuais do homem pode ser apontada no Antigo Egito e Mesopotâmia, no
terceiro milênio a.C., onde já eram previstos alguns mecanismos para proteção individual em
relação ao Estado.
Na idade Média, há também traços jurídicos do reconhecimento dos direitos humanos, em
que se inclui o direito à vida, em detrimento ao poder dominante ( 2013, p. 7) in verbis:
[...] Durante a Idade Média, apesar da organização feudal e da rígida
separação de classes, com a consequente relação de subordinação entre o
suserano e os vassalos, diversos documentos jurídicos reconheciam a
existência de direitos humanos, sempre com o mesmo traço básico: limitação
do poder estatal.
A Magna Carta (Inglaterra, 1215) é também marco jurídico da limitação do poder dos
governantes, vinculando, na Inglaterra, os atos do Soberano à lei e, por conseguinte, trazendo
algum reconhecimento destes direitos.
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A Lei maior Inglesa é tida como o embrião de um processo histórico de positivação do
direito que culmina com o surgimento do constitucionalismo, um movimento político, jurídico
e social de limitação e de organização do poder do Estado que, com a formação dos Estados e
com as revoluções liberais, trouxe as consequentes positivações das constituições formais do
mundo moderno.
Com o advento das constituições nacionais, houve a positivação dos direitos ditos como
fundamentais para o indivíduo, primeiramente daqueles alocados como negativos ao Estado,
ou seja, dos quais o Estado não poderia mais dispor a seu bel prazer, muito pelo contrário,
teria é que garanti-los.
É licito, neste ponto, conceituar, mesmo que en passant, direitos fundamentais e direitos
humanos, haja vista que estes conceitos se entrelaçam, por vezes são usados como sinônimos,
por vezes têm conotação própria, a depender da matéria em que se inserem.
Direitos fundamentais – os direitos inerentes à própria natureza do ser humano que já
tenham sidos reconhecidos e positivados na constituição nacional de um determinado Estado
soberano.
Direitos humanos – os direitos inerentes à própria natureza do ser humano que figuram
nos tratados, acordos e convenções internacionais, independentes de sua internalização na
ordem constitucional de um determinado Estado soberano.
Impende ainda comentar que, para este artigo, não há necessidade de diferenciá-los, posto
que o cerne concentra-se no direito à vida, ponto de inserção comum aos dois conceitos.
Os direitos fundamentais foram sendo conquistados e inseridos no arcabouço jurídico à
medida que a sociedade amadurecia politicamente, sendo os primeiros direitos os
relacionados aos ideais de liberdade, seguidos pelo relacionados aos valores de igualdade, e
dos relacionados aos ideais de fraternidade. Dividiu-se, dessa forma, os direitos fundamentais
em primeira, segunda e terceira geração.
Como direitos fundamentais de primeira geração, temos os direitos das liberdades civis e
políticas (liberdades negativas, pois contra elas o Estado não pode agir); como segunda
geração, os direitos sociais (igualdades ou liberdades positivas, pois a favor delas o Estado
deve agir); e como terceira geração, os direitos difusos e coletivos (fraternidade ou
coletividade).
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O direito à vida é um direito inequívoco de primeira geração, apesar de não ter sido
expresso nos comandos das Constituições brasileiras anteriores. É inegável o reconhecimento
deste direito no arcabouço jurídico nacional desde os tempo de império. Porém, somente os
constituintes da Constituição Federal de 1988 entenderam explicitar precisamente o direito à
vida, entre outros direitos, citando-o no artigo 5º, in verbis (grifo nosso):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]
O conceito do direito à vida tem sofrido alterações, conforme a progressão do
conhecimento humano e da grandeza da introspecção deste conhecimento na cultura de um
Estado, no entendimento do simples direito de estar vivo (primórdios), procurando cada um
preservar a si próprio, com pouca ou quase nenhuma proteção Estatal, para o de estar e
permanecer vivo com dignidade (dias atuais), com gradativas inovações legais para a proteção
integral da vida digna de cada ser humano com todos os recursos que o aparelho Estatal venha
a poder se utilizar.
2. Direito à Vida
O conceito do direito à vida tem sofrido alterações, conforme a progressão do
conhecimento humano e da grandeza da introspecção deste conhecimento na cultura de um
Estado, no entendimento do simples direito de estar vivo (primórdios), para o de estar e
permanecer vivo com dignidade (dias atuais).
O Estado não deve intervir para mudar o status quo da situação de estar vivo de um
indivíduo, em linha geral, mas deve intervir para tutelar a este indivíduo o direito de estar
vivo e permanecer vivo com dignidade humana. Devendo ter parâmetros legais do início e do
término da garantia desta tutela pelo Estado.
Conforme o aculturamento, o amadurecimento político, o conhecimento, o
desenvolvimento tecnológico, a bioética e a religiosidade de um grupo social, firmam-se
idéias e doutrinas do que define o início da vida, bem como o que marca o seu término, e até
mesmo as condições que possibilitam provocar este término de vida com a anuência do
Estado, considerando que este direito fundamental não é absoluto.
A religião, a biologia, a biogenética e a biotecnologia possuem correntes doutrinárias
diferentes quanto à definição do início da vida. Como, por exemplo, destas correntes temos a
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teoria da fecundação, a teoria da nidação, a teoria encefálica e a teoria do nascimento, abaixo
conceituadas:
Teoria da fecundação - Esta corrente é adotada, por exemplo, pelas religiões cristãs e
defende que o início da vida começa com a concepção. Para os defensores desta teoria, uma
vez que houve a penetração do gameta masculino, o espermatozóide, no gameta feminino, o
óvulo, resultando a inseminação de forma natural, dá-se a formação do zigoto, carregado de
fatores genéticos dos pais, ocorrendo o início da vida que irá culminar com o nascimento.
Teoria da nidação - Os defensores desta teoria entendem que o início da vida só passa a
acontecer quando o zigoto, após se movimentar nas trompas de falópio até o endométrio, se
fixa na parede do útero materno, dando início à formação das estruturas embrionárias, Esta
ação ocorre entre o quarto e o décimo quarto dia e é denominado nidação.
Teoria encefálica - Seus defensores partem do pressuposto de que, como a medicina
declara que a morte ocorre com o término da atividade cerebral, então, e por analogia, o início
da vida começa com o início da atividade cerebral no embrião. Afirmam que a vida humana
só começa com o início da formação das primeiras terminações nervosas, que ocorrem a partir
da segunda semana de gestação.
Teoria do nascimento - Seus defensores entendem que o início da vida começa com o
nascimento.
A definição do início da vida torna-se relevante para proteção da vida humana em toda a
sua plenitude, da fecundação à sua sucumbência com a morte, principalmente com as novas
ferramentas do conhecimento humano, como no que tange sobre os Organismos
Geneticamente Modificados (OGM) e seus derivados quanto à construção, o cultivo, à
produção, à manipulação, o transporte, à transferência, à pesquisa, e o descarte destes,
estimulados pelo avanço científico na área de biossegurança e de biotecnologia, conforme
regulamentado pela lei 11.105, de 24 de março de 2005.
Soma-se ainda a todo este contexto a tecnologia da reprodução assistida, que geram
embriões in vitro para a fertilização, ocasionando embriões excedentes, com possibilidades de
serem descartados ou armazenados para fertilizações futuras, ou para pesquisas com células-
tronco embrionárias, possibilitando o uso destes embriões para a garantia de outras vidas, no
auxílio da cura de enfermidades, e ainda a possibilidade de uso para possíveis clonagens, com
o mesmo princípio, salvar vidas.
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Quanto ao desenvolvimento de uma gestação, independente do método de seu início, se
iniciada por fertilização in vitro ou de forma natural, a legislação brasileira permite a
interrupção desta quando houver risco de vida para a gestante, prevista no Código Penal
Brasileiro, no inciso I do artigo 128. Porém, quando a gravidez ocorrer por consequência de
estupro, o inciso II deste mesmo artigo também permite a interrupção da gestação. Mas
recentemente, uma outra opção de interrupção de gestação foi tida como lícita na legislação
brasileira, apesar de não constar na literalidade deste artigo 28 e de seus incisos, é o caso de
feto com anencefalia.
Nestes dois contextos, embriões in vitro quando inviáveis para o desenvolvimento de uma
gestação; e a interrupção de uma gestação em desenvolvimento por conta de inviabilidade de
vida extra-uterina em decorrência de anencefalia, o STF foi provocado a decidir sobre o
direito à vida.
O primeiro caso com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 3.510, de 2005 (ADI
3.510), ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), em desfavor da lei nº 11.105,
de 2005 (lei da biogenética); e a segunda pela Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental de nº 54 (ADPF 54), ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde (CNTS), em favor da constitucionalidade da interrupção de gestação de feto
anencéfalo.
Há de se debruçar sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias com embriões
excedentes da reprodução assistida, e sobre a licitude da interrupção de gestação de feto
anencéfalo para se entender e se tentar descrever a carga jurídico que o julgamento da ADI
3.510, quanto à decisão quanto à constitucionalidade da Lei de biossegurança, e que o
julgamento da ADPF 54, em se tratando da antijuridicidade da antecipação do parto de feto
anencéfalo, trouxeram para o arcabouço jurídico brasileiro quanto ao marco de início da vida
humana.
A partir destas decisões, o direito brasileiro foi marcado, de uma forma irremediável, por
importantes entendimentos, tornando-se um marco jurisdicional do Supremo Tribunal
Federal, no que tange ao dilema quanto ao início da vida.
Porém, ainda não podemos determinar se estes entendimentos poderão proteger à vida em
todas as situações e nuances que a evolução humana poderá nos trazer.
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3. Reprodução Assistida
A reprodução natural humana ocorre com a relação sexual, tendo início quando há a
penetração do espermatozóide (célula sexual masculina) no óvulo (célula sexual feminina),
originando o zigoto, por conseguinte, o embrião, o feto, e, com o nascimento, o bebê.
Por haver casais que apresentam problemas biológicos para a ocorrência da concepção, a
ciência buscou meios de solucioná-los. Dentre estes meios há a reprodução assistida, meio
não convencional que se utiliza de técnicas de laboratório, fertilização in vitro, que superam
as deficiências existentes no processo reprodutivo de um casal, com o objetivo de obter uma
gestação.
O primeiro caso de uma gestação bem sucedida, obtida por meio da reprodução assistida,
utilizando a modalidade de fertilização in vitro, possibilitou o nascimento da britânica Louise
Brown, em 1978, primeiro bebe gerado por esta modalidade, tornando-se um feito científico
no campo da fertilidade humana, sem precedentes.
A fertilização in vitro, conforme conceito da Professora Mariangela Badalotti em seu
artigo - Bioética e a Reprodução Assistida - é a técnica de reprodução assistida em que a
fertilização e o desenvolvimento inicial dos embriões ocorrem fora do corpo e os embriões
resultantes são transferidos habitualmente para o útero.
Esta técnica tem sido indicada quando há a infertilidade grave no homem ou na mulher, e
o uso de técnicas convencionais já não apresentam resultado profícuo.
]Na fertilização in vitro há, normalmente, a produção de vários embriões, em laboratório,
tornando aqueles que não são utilizados na reprodução assistida em embriões excedentes,
sejam por apresentarem inviabilidades à gestação, sejam por sobras, tendo como destino o
congelamento.
De acordo com a Lei de biogenética, respeitando os requisitos da lei, caso não ocorra a
desejada gravidez, os embriões excedentes podem ser utilizados em uma nova tentativa de
fertilização ou, caso não se tenha mais interesse em nova gravidez, poderão ser descartados ou
utilizados em pesquisas científicas de células tronco, sempre com a autorização dos genitores
e com a fiscalização de um comitê de ética em pesquisa.
Este é um dos pontos em que vamos nos ater – os embriões excedentes são desprovidos de
direito à vida, uma vez que para às pesquisas com células-tronco embrionárias, há a
necessidade de destruí-los. Após três anos, um percentual destes embriões torna-se inviável,
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ou ainda, seus genitores não têm mais o interesse de guardá-los. Fica a dúvida do fim a que se
deve dar a este material biológico. Pode-se descartá-los ou usá-los na busca da cura de
doenças, na busca de conhecimentos sobre o gene humano e outros infinitos propósitos com a
finalidade precípua do bem da humanidade.
Esta assertiva tornou-se com a decisão da Suprema Corte no julgamento da ADI nº 3.510,
de 2005, que por placar apertado, 6 a 5, declarou que a lei nº 11.105, de 2005 (lei da
biogenética) estava de acordo com a Constituição Federal.
A Suprema Corte foi provocada para um julgamento sem precedentes, pois que se
encontrava o STF diante de uma monumental polêmica que persegue a humanidade desde os
idos tempos, em que a solução necessariamente enfrentaria teorias científica, tecnológica,
religiosa, filosófica, moral e ética.
Os constituintes originários não se deram a primazia de definir, nos comandos
constitucionais, o exato limite que marca o início da vida humana para que fique definido,
com toda a clareza que o direito persegue, o ponto de partida do direito a vida individualizada
e da conseguinte exigência da dignidade humana neste particular.
Cabe esclarecer que há outras questões também em pauta, de notória complexidade,
surgida com o advento desta técnica de fertilização, mas que não será escopo desta pesquisa,
tais como: questões referentes a doações de embriões, utilização do diagnóstico genético pré-
implantacional, seleção de sexo embrionário, útero de substituição, reprodução póstuma e
redução embrionária, por exemplo, que surgiram com a utilização desta tecnologia.
Detivemo-nos apenas na questão da possibilidade de haver vida, juridicamente
reconhecida, ao embrião gerado por fertilização in vitro que se tornam excedentes por não
serem aproveitados para geração de gravidez, sendo-os congelados (criopreservação),
podendo ter outra destinação que não a implantação em um útero para a continuidade de seu
desenvolvimento em um ser completo.
Foi entendendo que já há vida sim no conjunto de células humanas resultantes da
fecundação, convencional ou laboratoriais, que o então Procurador Geral da República, Carlos
Fonteles, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510 junto ao Supremo Tribunal
Federal, com a argumentação de que o artigo 5º da Lei 11.105/05 feria a Constituição Federal
de 1988, não tendo que ser lícito que embriões excedentes fossem usados para pesquisas com
células-troncos.
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Estavam, deste modo, os onze ministros da Suprema Corte diante de uma celeuma que os
impunham a uma possível determinação da teoria de início da vida humana, diante da silente
postura constitucional sobre o tema.
Silêncio compreendido talvez até por ser a ciência muito mais célere que qualquer sistema
legiferante, ficando este à retaguarda daquele para acomodar as novidades científicas em
direitos e obrigação individuais, coletivos e difusos, tentando a dinâmica da inovação jurídica
na esteira do que a ciência inova em conhecimento.
Sobre o julgamento da ADI 3.510, contribui Pedro Lenza (2012, p. 971), in verbis:
Nesse contexto, o STF teve que enfrentar a definição do conceito de vida, no
julgamento da ADI 3.510 que tratava da análise do art. 5.º da Lei n.
11.105/2005 (Lei de Biossegurança).
Em 20.04.2007 foi realizada a primeira audiência pública à luz da Lei n.
9.868/99, objetivando pluralizar o debate e dar maior legitimidade à decisão.
Os argumentos do PGR eram no sentido de que a Lei de Biossegurança
violava o direito à vida e a dignidade da pessoa humana, sendo que a vida
humana começa a partir da fecundação.
Desde o ajuizamento da ADI (03.05.2005) até a solução final (29.05.2008)
foram mais de 3 anos e o STF entendeu, por votação bastante apertada, 6X5,
que as pesquisas com célula-tronco embrionária, nos termos da lei, não
violam o direito à vida[...]. Segundo o Relator, o zigoto seria o embrião em
estágio inicial, pois ainda destituído de cérebro. A vida humana começaria
com o surgimento do cérebro que, por sua vez, só apareceria depois de
introduzido o embrião no útero da mulher. Assim, antes da introdução no
útero não se teria cérebro e, portanto, sem cérebro, não haveria vida.
A Lei nº 11.105/2005 veio regulamentar, dentre outros, o incisos II, do parágrafo 1º, do
art. 225 da Constituição Federal. Neste artigo, A Constituição Federal dispõe que ao poder
público é dada a incumbência de preservar a diversidade e integridade do patrimônio genético
do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético, para
assegurar a efetividade ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Estando assim, in verbis, o polêmico artigo 5º da Lei de biossegurança:
É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in
vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes
condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da
publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei,
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depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de
congelamento.
§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou
terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus
projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em
pesquisa.
§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este
artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4
de fevereiro de 1997.
O Ministro Carlos Ayres Brito, relator desta ADI, votou pela improcedência da ação,
estando acompanhado dos Ministros Joaquin Barbosa, Ellen Gracie, Carmem Lúcia, Marcos
Aurélio e Celso de Mello; restando vencidos, em diferentes extensões, parcialmente ou na
integralidade dos votos, os Senhores Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros
Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.
Com o resultado do julgamento, o direito brasileiro passou a ter mais clareza sobre a
teoria adotada para a definição de quando se inicia a vida humana, a teoria da nidação, apesar
de que, para Luiz Barroso a determinação do momento em que tem início a vida não envolve
uma questão científica, mas filosófica. Segundo Barroso, a vida não se situa no plano da
biologia, mas no da moral e da fé, ao esclarecer seu parecer quando convidado a fazer parte
do MOVITAE – Movimento em Prol da Vida, atuando em desfavor da ADI 3510, em
audiência pública.
Segundo ele, a vida não se situa no plano da biologia, mas no da moral e da fé, ao
esclarecer seu parecer quando convidado a fazer parte do MOVITAE – Movimento em Prol
da Vida, atuando em desfavor da ADI 3510, em audiência pública.
Conforme visto inicialmente, na teoria da nidação, a vida começa a ter inicio a partir do
momento em que o embrião se fixa na parede uterina, ou seja, uma vez que o óvulo foi
fecundado, este penetra e fixa-se no endométrio até estar totalmente envolvido por tecido
uterino.
A teoria da nidação foi uma das bases de sustentação dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal para rejeitar a arguição de inconstitucionalidade da pesquisas com células-tronco
derivadas de inseminação in-vitro, uma vez que com este entendimento, o embrião, apenas
fecundado, não estaria provido de vida, apenas teria vida no caso se ser colado no útero da
gestante e para isso teria a exigência da interseção da ação humana.
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Observa-se que, em tese, poderia se dizer que a teoria da nidação já era aceita no Brasil,
quando da permissão de venda da pílula do dia seguinte como método contraceptivo, bem
como a utilização de dispositivo intra-uterino (DIU), ou pelo menos poderíamos admitir que a
teoria da fecundação, que determina que a vida tem início com a justa penetração do
espermatozóide no óvulo não era aceita, pois que se assim fosse, o uso da pílula do dia
seguinte e o dispositivo intra-uterino deixariam de ser métodos apenas contraceptivos e
passariam a ser métodos abortivos, de comercialização e uso ilícito.
Nesta linha, assim descreve Stella Maris Martínez, in verbis (1998, p. 84):
Recordemos que esta temática adquiriu particular relevância no tocante à
avaliação de certos métodos de controle da natalidade, já que, adotada esta
teoria, todos os sistemas que impedem a fixação do óvulo fecundado (seja
por meios mecânicos, ou pela ingestão de hormônios, ou outro tipo de
drogas) serão considerados anticonceptivos, mas não abortivos; ao contrário,
para os defensores da tese da fecundação, vedar, por qualquer meio, a
fixação do embrião, configura-se uma manobra abortiva”.
O Professor Julio Fabbrini Mirabete também se associa a esta linha de pensamento ao
asseverar, in verbis (2007, p. 62):
O objeto material do delito é o produto da fecundação (ovo, embrião ou
feto). Segundo a doutrina, a vida intra-uterina se inicia com a fecundação ou
constituição do ovo, ou seja, a concepção. Já se tem apontado, porém, como
inicio da gravidez, a implantação do óvulo no útero materno
(nidação). Considerando que é permitida a venda do DIU e pílulas
anticoncepcionais cujo efeito é acelerar a passagem do ovo pela trompa, de
modo que atinja ele o útero sem condições de implantar-se, ou transformar o
endométrio para criar nele condições adversas para a implantação do óvulo,
forçoso é concluir-se que se deve aceitar a segunda posição, tendo em vista a
lei penal. Caso contrário, dever-se-á incriminar como aborto o resultado da
ação de pílulas e dos dispositivos intra-uterinos que atuam após a
fecundação”.
O fato do arcabouço jurídico no Brasil vir a ter a pílula do dia seguinte, bem como o
dispositivo intra-uterino como de uso lícito, somado à aprovação e promulgação da lei de
biossegurança pelo Legislativo e Executivo, respectivamente, no que tange à permissão de
pesquisa com células tronco-embrionárias, descarta a possibilidade de considerar que há vida
no imediato processo de fecundação, pelo menos no entendimento destes dois Poderes.
4. Constitucionalidade da Lei de Biossegurança
Observe-se os dizeres da Senhora Ministra Ellen Gracie, na abertura de seu voto no
julgamento da referida ADI (p. 214):
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Conforme visto, ficou sobejamente demonstrada a existência, nas diferentes
áreas do saber, de numerosos entendimentos, tão respeitáveis quanto
antagônicos, no que se refere à especificação do momento exato do
surgimento da pessoa humana.
Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os
constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo,
uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é
papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita
ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma
Academia de Ciências. A introdução no ordenamento jurídico pátrio de
qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo
exercício de opção legislativa, passível, obviamente, de controle quanto a
sua conformidade com a Carta de 1988.
O ponto de partida é o embrião fecundado em vidro, ou seja, extra corpo humano, onde
óvulos, retirado da mulher, são fecundados por espermatozoides, extraídos do homem, tudo
por meio de técnicas de laboratório, para posterior introdução destes óvulos (agora) fecundado
na cavidade uterina feminina, para que haja a continuidade do desenvolvimento de, pelo
menos, um embrião, culminando com o nascimento.
Neste processo, por razões científicas, são fecundados vários óvulos, e destes são
aproveitados para a inseminação, dois ou três, conforme dispositivos legais e melhor garantia
de que haja prosseguimento do desenvolvimento de, pelo menos, um embrião no sistema
reprodutivo feminino.
Ratifica-se que, por serem vários os óvulos fecundados, aqueles não aproveitados para a
tentativa de reprodução, são congelados (criogenia) para a sua conservação, seja para uma
nova tentativa desta gravidez, seja para uso futuro em outra tentativa de gravidez, seja para
outra destinação que venha a ser legalmente permitida.
A esta outra destinação dada aos óvulos fecundados e preservados em laboratório e não
utilizados, por algum motivo, para a inseminação artificial, é que incide a questão polêmica
que ora nos debruçamos, e que foi a tese central de fundamentação de inconstitucionalidade
material da ADI 3510 ao afirmar, na petição, que a vida começa na, e a partir da fecundação.
Para embasar o que peticionava na ADI, o então Procurador Geral da República, Cláudio
Fonteles, utilizou-se de doutrinas e de lições de renomadas autoridades sobre o assunto, das
quais, partes são apresentadas (P. 2 a 8), in verbis (todos os negritos constam da petição da
ADI 3.510):
[...] a lição do Dr. Dernival da Silva Brandão, especialista em Ginecologia e
Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina, verbis:
"O embrião é o ser humano na fase inicial de sua vida. [...] Compreende
a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação
do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida.
14
[...] É o agente do seu próprio desenvolvimento, coordenado de acordo com
o seu próprio código genético[...]
[...]O cientista Jérôme Lejeune, professor da universidade de René
Descartes, em Paris, [...] nos diz: "Não quero repetir o óbvio, mas, na
verdade, a vida começa na fecundação. [...] A fecundação é o marco do
início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é
um assassinato"[...]
[...]O Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, [...] acentua que, verbis:
"Os biólogos empregam diferentes termos – como por exemplo zigoto,
embrião, feto, etc-, para caracterizar diferentes etapas da evolução do óvulo
fecundo. Todavia esses diferentes nomes não conferem diferentes
dignidades a essas diversas etapas.
[...] nessa nova vida se encontram todas as informações, que se chama
"código genético", suficientes para que o embrião saiba como fazer
para se desenvolver. [...] Não se trata, então, de um simples amontoado
de células. O embrião é vida humana.
[...]Importa, agora, abordar o tema das células-tronco.
Diz a Dra. Alice Teixeira Ferreira, verbis:
As células tronco embrionárias são aquelas provenientes da massa
celular interna do embrião (blastocisto). São chamadas de células-tronco
embrionárias humanas porque provêm do embrião e porque são células-
mães do ser humano. [...].
As células tronco adultas são aquelas encontradas em todos os órgãos e
em maior quantidade na medula óssea (tutano do osso) e no cordão
umbilical-placenta".
[...]O Dr. Herbert Praxedes também considera que, verbis:
"As células de um embrião humano de poucos dias são todas células-tronco
(CTE), são pluripotenciais, tendo capacidade de se auto-renovarem e de
se diferenciarem em qualquer dos tecidos do corpo. As células-tronco
adultas (CTA) são multipotenciais e têm também capacidade de ser auto-
renovarem e se diferenciarem em vários, mas, aparente não em todos, os
tecidos do organismo.
Para o enfrentamento deste embate, houve o STF de fazer consulta pública, aceitar a
participação da figura jurídica do amice curiae (amigos da corte) e de se delongar por três
anos na análise das diversas faces, estudos e teorias que o porte desta decisão necessariamente
exigia.
A realização de consulta pública foi, inclusive, uma solicitação da própria ADI 3510, e a
primeira realizada na história da Suprema Corte, justificada pelo Ministro Relator Ayres Brito
com os dizeres de que a matéria veiculada na ação se ornava de saliente importância por
suscitar numerosos questionamentos e múltiplos entendimentos a respeito da tutela do direito
à vida.
15
O julgamento da ação teve início em cinco de março de 2008, tendo o Ministro Relator, na
peça inicial, trazido duas referências para, conforme suas palavras, “ilustrar melhor essa
dicotomia de visão dos temas que nos cabe examinar â luz do direito”.
Contrapondo a ADI, o Ministro Relator reproduziu os dizeres da Drª Mayana Zatz, professora
de genética da Universidade de São Paulo, in verbis (p. 150):
Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto.
É muito importante que isso fique bem claro. No aborto, temos uma vida no
útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no
embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana. É
preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque
aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também
para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no útero. É
muito importante que se entenda a diferença.
Em harmonia com a ação, o Ministro Relator reproduziu os dizeres da Drª Lenise
Aparecida Martins Garcia, professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade
de Brasília, in verbis (p. 151):
Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida
humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da
Procuradoria. (...) Já estão definidas, aí, as características genéticas desse
indivíduo; já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento
(...). Tudo já está definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão
definidas eventuais doenças genéticas (...). Também já estarão aí as
tendências herdadas: o dom para a música, pintura, poesia. Tudo já está ali
na primeira célula formada. O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e
Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É um ser humano irrepetível.
Já, por sua parte, julgou o Relator improcedente a ação baseando sua decisão em três
sínteses, por ele apresentada, e em dois fundamentos constitucionais, quais sejam – o direito à
saúde e o direito à livre expressão da atividade científica.
Na síntese primeira, o Ministro Ayres Brito argumentou que, sendo a Constituição silente
quanto ao início da vida, a questão passou a ser em que aspecto, momento e medida a vida
passa a ter proteção constitucional. Argumentou que embrião, feto e ser humano são três
realidades que não se confundem, mas que é de continuidade um do outro, sendo o ser
humano o resultado final desta metamorfose. Não existindo pessoa humana embrionária, mas
embrião de pessoa humana, estando o embrião a merecer tutela constitucional por derivação
da tutela dada ao ser humano pessoa. Para existir o ser humano, há de existir o feto, e, para
este último existir, há de existir o embrião, resultado do processo da fecundação, do encontro
do gameta masculino com o gameta feminino.
16
Continuando os argumentos de sua primeira síntese, Ayres Brito trás o conceito do
verbete células-tronco, nos seus dois tipos, embrionária e adulta, reproduzindo-o da obra da
editora Atheneu “ Células-Tronco, A Nova Fronteira de Medicina" (2006), in verbis (p. 175):
Célula-tronco embrionária: Tipo de célula-tronco pluripotente (capaz de
originar todos os tecidos de um indivíduo adulto) que cresce in vitro na
forma de linhagens celulares derivadas de embriões humanos;
Célula-tronco adulta: Tipo de célula-tronco obtida de tecidos após a fase
embrionária (feto, recém-nascido, adulto). As células-tronco adultas até
agora isoladas em humanos são tecido-específicas, ou seja, têm capacidade
de diferenciação limitada a um único tipo de tecido ou a alguns poucos
tecidos relacionados;
E ainda, da mesma obra, reproduz o conceito de embrião e feto, in verbis (p. 176):
Embrião: O ser humano nas primeiras fases de desenvolvimento, isto é, do
fim da segunda até o final da oitava semana, quando termina a morfogênese
geral;
Feto: Organismo humano em desenvolvimento, no período que vai da nona
semana de gestação ao nascimento.
Seguidamente, o Relator destaca a diferença entre a gestação que se desenvolve de uma
relação natural, resultado da relação sexual entre um homem e uma mulher, e da gestação que,
para existir, há de se realizar procedimento para implantar o embrião in vitro no sistema
reprodutivo feminino. Aquela tem seu curso de desenvolvimento se nada a interromper, esta
só tem seu curso de desenvolvimento se houver a implantação do embrião fecundado in vitro
no corpo feminino, pois que no estágio de in vitro do embrião, não há que se falar em
gestação. Foram suas palavra, in verbis (p. 178):
Simplesmente porque esse modo de irromper em laboratório e permanecer
confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva.
Impossível de um reprodutivo desenvolvimento contínuo[...] à falta do
húmus ou da constitutiva ambiência orgânica do corpo feminino, o óvulo já
fecundado, mas em estado de congelamento, estaca na sua própria linha de
partida genética. Não tem como alcançar a fase que, na mulher grávida,
corresponde àquela "nidação" que já é a ante-sala do f e t o.
Do embrião in vitro, destaca o Relator (p. 181), que uma vez confinado, ainda que
congelado, tende a perder sua capacidade com o tempo, tanto a reprodutiva, quanto a de sua
potipontencialidade. Que a lei da biogenética tem seu foco neste embrião, congelado por pelo
menos três anos, inviável para a reprodução, e não em um embrião que venha a ser extirpado
do corpo feminino.
17
Na sequência de sua primeira sintese, trás à tona dois questionamentos centrais: a) se há
base constitucional que ampare o uso da técnica de fertilização in vitro (p. 182); e b) se, uma
vez recorrido a este tipo de técnica de fecundação, está o casal obrigado a utilizar todos os
embriões gerados in vitro em tentativas de gravidez, mesmo sendo estes 5, 6 ou 10 (p. 185).
À primeira indagação, Ayres Brito conclui que sim, com base na figura jurídico-
constitucional do planejamento familiar, advindo do conceito de família, albergada pela
própria Constituição Federal. À segunda, ele conclui com uma veemente negação, baseando-
se no princípio da legalidade, contido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, onde
reza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei, não havendo lei, não há a obrigação de se tentar a nidação de todos os óvulos fertilizados
pela técnica in vitro. E ainda que tal obrigatoriedade, se houvesse, esbarraria na figura do já
mencionado planejamento familiar.
Conclui assim sua primeira síntese, in verbis (P.194):
[...] se todo casal tem o direito de procriar; se esse direito pode passar por
sucessivos testes de fecundação in vitro; se é da contingência do cultivo ou
testes in vitro a produção de embriões em número superior à disposição do
casal para aproveitá-los procriativamente; se não existe, enfim, o dever legal
do casal quanto a esse cabal aproveitamento genético, então as alternativas
que restavam à Lei de Biossegurança eram somente estas: a primeira,
condenar os embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos
de ensaio; a segunda, deixar que os estabelecimentos médicos de procriação
assistida prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quanto fosse
embrião não-requestado para o fim de procriação humana; a terceira opção
estaria, exatamente, na autorização que fez o art. 5º da Lei [...] (grifo
nosso).
Formula sua segunda síntese argumentando que a Lei nº 9.434 dita que a morte encefálica
é o marco da cessação da vida de qualquer pessoa física ou natural (p. 195), que no seu dizer
“Ele, o cérebro humano, comparecendo como divisor de águas; isto é, aquela pessoa que
preserva as suas funções neurais, permanece viva para o Direito. Quem já não o
consegue, transpõe de vez as fronteiras "desta vida de aquém-túmulo" (negrito do autor).
E continua (p. 197), in verbis:
[...] o embrião ali referido não é jamais uma vida a caminho de outra vida
virginalmente nova. Faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as
primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um
cérebro humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro. Nem
concluído nem em formação. Pessoa humana, por conseqüência, não existe
nem mesmo como potencialidade” (negrito do autor).
18
Conclui o autor, nesta segunda síntese, que se o embrião in vitro não tem a capacidade de
desenvolver em si um cérebro, porquanto acondicionado em vidro, não há que se falar em
vida humana, visto ser ele completamente incapaz de vida encefálica no estado em que se
encontra.
Na terceira síntese, explana o autor da autorização legal de se utilizar partes do corpo
humano, que teve sua morte cerebral declarada, para transplante, pesquisa e tratamento.
Está o embrião in vitro, congelado por mais de três anos, inviável para desenvolver-se em
uma gestação, e por não ter capacidade, por si próprio, de iniciar estágio cerebral, em
condição idêntica de ser utilizado para estes mesmos fins, de pesquisa e de tratamento, por
similaridade a um corpo sem vida por ter se encerrado as atividades cerebrais.
O Relator conclui seu voto rechaçando a tese da ADI 3510, de que o art. 5º da lei de
biossegurança tem desacordo com o diploma constitucional, nas bases que expôs.
A constitucionalidade do artigo 5º da lei de biossegurança e de seus demais comandos, se
não trouxe a demarcação do início da vida em algum estágio a partir, inclusive, da nidação,
pelo menos trouxe a garantia jurídica que não se inicia com a fecundação.
Esta teoria, da fecundação, ficou ainda mais afastada de aceitação no Brasil com a
permissão de interrupção de gestação de feto anencéfalo, trazendo à cena a teoria encefálica
como possível determinante do início da vida.
5. Direito à Vida do Feto Anencéfalo
A anencefalia é consequência de distúrbio no fechamento do tubo neural que ocorre
durante a quarta semana de gestação, ocasionando a exposição do cérebro, e a destruição da
massa encefálica pelo liquido amniótico, sem qualquer possibilidade de tratamento, restando
certo a morte do ser, se não intra-uterino, ou imediatamente após o parto, em pouco espaço de
tempo de vida extra-uterina.
A Professora Diniz, em sua obra intitulada “O Estado Atual do Biodireito” define assim a
anencefalia, in verbis (2007, p. 281):
[...] um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita,
não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os
hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo
raquidiano, ponte e pendúculos cerebrais). Como os centros de respiração e
circulação sanguínea situam-se no bulbo raquidiano, mantém suas funções
vitais, logo o anencéfalo poderá nascer com vida, vindo a falecer horas, dias
ou semanas depois.
19
No artigo “Anencefalia e Morte Cerebral (Neurológica)”, Maria Lúcia Fernandes Penna
defende a tese de que o feto anencefálico é um feto morto, segundo o conceito de morte
neurológica, e prossegue. In verbis (p. 101):
Esse feto, mesmo que levado a termo, não terá nem um segundo de
consciência, não poderá sentir dor, ver, ouvir – em resumo, não poderá
experimentar sensações. É, portanto, um feto morto porque não há
potencialidade de se tornar uma pessoa, não há possibilidade de consciência
devido à ausência de córtex cerebral.
Antes do julgamento da ADPF 54, a interrupção da gestação em caso de anencefalia era
tipificada como crime de aborto, com base nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código
Penal Brasileiro.
O Professor Luiz Regis Prado define assim o aborto, in verbis (2011, p. 11):
[...] a interrupção voluntária da gravidez, com a destruição do produto da
concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três
semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando
necessariamente sua expulsão. O delito pressupõe gravidez em curso, sendo
que a morte do feto deve ser consequência direta das manobras abortivas
realizadas ou da própria imaturidade do feto para sobreviver, quando sua
expulsão for praticada prematuramente por aquelas manobras. O estágio da
evolução do ser humano em formação não importa para a caracterização do
delito de aborto.
O aborto é um crime contra vida, disposto nos artigos 124 a 128 código penal brasileiro.
Está interrupção da gestação poderá ocorrer de forma natural, a exemplo, por problemas
no aparelho reprodutor ou ação metabólica que provoque o abortamento; ou por conseqüência
de um acidente, como uma queda; e ainda pode ser provocado de forma lícita, como quando a
gestação é advinda de estupro, ou ilícita, por terceiro ou pela própria genitora, ação esta que
recebe a tutela do direito Penal.
No entendimento jurídico-legal, para conceituar aborto, podemos citar Julio Fabrini
Mirabete, in verbis (2007, p. 272):
Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da
concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três
semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando
necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido,
reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a
gestante morrer antes da sua expulsão.
Porém, emerge-se na doutrina, uma grande dúvida sobre o momento em que há o produto
da concepção, e quando morte deste produto será considerada aborto. Até então era praxe,
como única saída para evitar penalização de crime de aborto, recorrer à justiça para que fosse
20
possível a interrupção da gestação nos casos de fetos anencéfalos, ficando na dependência da
interpretação do juiz o julgamento de cada caso em concreto.
Com a ADPF 54 a CNTS buscou demonstrar que a interrupção da gestação por meio de
intervenção médica com fins de antecipar, de forma terapêutica, o parto de feto anencéfalo
não está tipificado como aborto, pois, segundo a arguição, para se ter esta tipificação há de se
ter potencialidade de vida. A palavra aborto é derivada de “ab-ortus”, que significa privação
do nascimento e não há potencialidade de vida nos casos de anencefalia.
6. Antecipação Terapêutica ou Aborto
Em favor da gestante, o CNTS reclamava que os artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do
Código Penal Brasileiro colidiam com o conjunto interpretativo do inciso IV do artigo 1º –
fundamento da dignidade da pessoa humana; do inciso II do artigo 5º - princípios da
legalidade, liberdade e autonomia da vontade; do caput do artigo 6º e do artigo 196 – direito
fundamental à saúde, tudo da Constituição Federal, ao caso específico de gestação de feto
anencéfalo, por entender que, este rol de direitos ao caso em comento, há de afastar a
tipificação de crime na interrupção da gestação.
Atuou com Relator desta arguição o Ministro Marco Aurélio. No início de seu relatório
argumenta que, diferente do que se veicula a Suprema Corte não trata na arguição de
descriminalização do aborto, visto haver distinção entre este a antecipação terapêutica do
parto (p. 33).
Segue, em seu relatório, in verbis (p. 33):
[...] a questão posta sob julgamento é única: saber se a tipificação penal da
interrupção da gravidez de feto anencéfalo coaduna-se com a Constituição,
notadamente com os preceitos que garantem o Estado laico, a dignidade da
pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da
privacidade e da saúde. Para mim, Senhor Presidente, a resposta é
desenganadamente negativa.
Após brilhantes enunciados, onde fez até mesmo um paralelo com o julgamento da ADI
3.510, ao relatar que ficou assentado no julgamento da inconstitucionalidade da lei de
biossegurança que a vida protegida pelo Direito pressupõe a possibilidade de
desenvolvimento de um indivíduo com capacidades humanas, não apenas possíveis condições
biológicas (p. 110).
Conclui seu relatório votando a favor ao que arguiu a ADPF 54, qual seja (p. 136), pela
interpretação conforme aos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, excluindo, por
21
incompatível com a Lei Maior, a interpretação que enquadra a interrupção da gravidez, ou
antecipação terapêutica do parto, em caso de comprovada anencefalia, como crime de aborto.
E por maioria dos votos dos Ministros, declarou a inconstitucionalidade da interpretação
segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos
124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal Brasileiro.
Com a decisão do julgamento da ADI 3.510, o Brasil, ao permitir pesquisas com células-
tronco embrionárias, se alinha com a maioria dos países que já trataram do tema.
7. Cenário Internacional
No Direito, as leis evoluem na esteira da evolução da sociedade onde estão inseridas, sob
o risco de se tornarem letra morta. Com o mundo globalizado, a evolução do Direito posto
tornou-se dinâmico e frenético, se não na literalidade, pelo menos na conformidade da
interpretação ao que é atual.
Nesta linha, é mister fazer o direito comparado, verificando, mesmo que de forma
superficial, o comportamento do cenário internacional relacionado à pesquisa com células-
tronco embrionárias, visto que os avanços nesta área afeta a toda a comunidade internacional
pela relação direta com a cura de enfermidades.
Não é objeto o estudo detalhado da matéria, mas tão somente se ater a um quadro
comparativo dos países que permitem, com alguma restrição ou não, e os que não permitem
tais pesquisas.
A Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, realizou um estudo
comparativo, no ano de 2008, quanto ao comportamento dos países possuidores de
normatizações em relação à pesquisa com células-troco embrionária.
Artigo publicado na Revista Saúde Pública, de autoria de Débora Dinis e de Daniel
Avelino, intitulado Cenário Internacional da Pesquisa em Células-Tronco Embrionárias,
utiliza-se desta pesquisa e apresenta a seguinte classificação dos países estudados quanto à
regulação da pesquisa em células-tronco embrionárias (2009 p. 544):
1. País que permite a pesquisa embrionária apenas com linhagens
importadas – República Federal da Alemanha;
2. Países que permitem a pesquisa com linhagens nacionais e
importadas – Canadá, Comunidade da Austrália, Confederação Suíça,
Coréia, Estado de Israel, Estados Unidos da América, Estados Unidos
Mexicanos, Federação Russa, Japão, Reino da Dinamarca, Reino da
Espanha, Reino da Noruega, Reino da Suécia, Reino dos Países
Baixos, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República
22
da África do Sul, República da Finlândia, República da França,
República da Índia, República de Cingapura, República de Portugal,
República Islâmica do Irã, e República Popular da China; e
3. País que não permite a pesquisa embrionária – República Italiana.
Segundo os autores do artigo, há uma particularidade na legislação brasileira - o conceito
de embrião inviável - que nos parece bastante salutar no contexto científico, visto que sendo a
permissão das pesquisas no Brasil somente para com os embriões assim classificados, e por
serem inviáveis, significando inviáveis para o desenvolvimento de uma gestação, por já não
possuírem as condições para tanto, mesmo se inseridos no aparelho reprodutor feminino, não
há que se falar em violação aos princípios fundamentais do direito à vida e da dignidade da
pessoa humana, conforme restou pacificado na constitucionalidade da lei de biossegurança.
Segundo ainda os autores do artigo, somente Portugal trás esta conotação, embora com
outra denominação, conforme se observa do fragmento do texto, in verbis (p. 545):
Uma particularidade da Lei brasileira n.º 11.105/2005 foi determinar que a
pesquisa devesse ser preferencialmente conduzida com embriões inviáveis.
Nenhum dos 25 países analisados estabelece a diferenciação legal entre
embriões congelados viáveis e inviáveis para a pesquisa científica, exceto,
com outros termos, o art. 9º da Lei 32/2006 de Portugal. A tendência
internacional é demarcar a distinção entre embriões congelados
remanescentes de projetos reprodutivos e embriões produzidos para fins
exclusivos de pesquisa científica, havendo uma maior harmonia em
reconhecer como legítima a investigação com embriões congelados, não
autorizando sua produção exclusivamente para pesquisa.
Pelas pesquisas desenvolvidas pela Anis Instituto de Bioética, Direitos Humanos e
Gênero, retratada no artigo em tela, deduz-se que a tendência internacional é a permissão de
pesquisas científicas com células-troco embrionárias em prol da própria humanidade, desde
que sejam as pesquisas cercadas de restrições bioéticas para não desaguarem em violações ao
direito à vida e à dignidade da pessoa humana, mesmo pessoa humana no seu conceito mais
amplo, como é o embrião, in vitro ou intrauterino, com potencialidades plenas de nascituro.
O cenário internacional referente à permissão de antecipação terapêutica do feto
anencéfalo foi analisado, em 2008, pela professora da Universidade de Brasília (UNB)
Débora Diniz, conforme veiculada pela Agência UNB, aceso em < http://www.unb.
br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=1596>. Em sua pesquisa, a Professora Diniz
conclui que aproximadamente metade dos países membros da Organização das Nações
Unidas (ONU) permitem a interrupção terapêutica da gestação de feto anencéfalo,
correspondendo a exatos 94 países, entre eles, Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Bélgica,
23
Canadá, África do Sul, França, e ainda nações com forte tradição católica, tais como Itália,
México e Portugal.
A pesquisa revela que o Brasil hoje está em harmonia com a tendência mundial quanto à
permissão da antecipação terapêutica de parto de feto anencéfalo.
Embora seja a tendência mundial, o Brasil, ao adotar esta posição, tornou-se um dos
poucos países latinoamericano neste entendimento, acompanhado apenas da Colômbia e da
Guiana.
Conclusão
Apesar de não ter sido objeto de comando explicito constitucional no Brasil, a necessidade
da definição do início da vida humano tem aparecido no contexto jurídico, dos quais, em
destaques neste trabalho, por provocar discussões relevantes na Alta Corte, a permissão de
pesquisas com células-troco embrionárias e a permissão de interrupção terapêutica de feto
anencéfalo.
A primeira permissão foi dada com o julgamento de constitucionalidade do artigo 5º da lei
de biossegurança e de seus complementos; a segunda com o julgamento de
inconstitucionalidade quanto da interpretação de ser a interrupção terapêutica fato tipificado
como crime de aborto.
Nos dois posicionamentos, a Suprema Corte, para decidir, se cercou de renomados
doutrinadores, de instituições relacionadas com a matéria na qualidade de Amice Curiae, bem
como fez uso do instituto da audiência pública, pela complexidade e pelas consequências
jurídicas e sociais advindas com as decisões.
Observa-se tal grandeza jurídica e social das matérias pelo simples fato que a decisão
envolveria consequências para o conceito do direito fundamental à vida e do direito
fundamental da dignidade da pessoa humana, mas não tão somente, incluem-se ainda
consequências para o direito à saúde e para as pesquisas no campo da biogenética.
Permitir pesquisa com células-tronco embrionárias significava aludir que utilizar embriões
tido com inviáveis para a fertilização, seja pela inviabilidade já adquirida no processo inicial
de fecundação, seja devido à permanência em conservação criogênica por mais de três anos,
não fere o direito à vida e a dignidade da pessoa humana em todas as suas potencialidades.
Com a permissão de pesquisa com células-tronco embrionárias restou certo que o início da
vida, em se tratando de embriões extra-uterinos, não começa com e na fecundação.
24
Corrobora com esta assertiva, embora se tratando de fecundação intra-uterina, a permissão
do uso da pílula do dia seguinte e do dispositivo intra-uterino como contraceptivos.
Para o caso em comento, caso a decisão fosse em sentido contrário, estes métodos
contraceptivos passariam também a ser abortivos e tipificados pelo Código Penal.
Após a fecundação, o estágio seguinte do desenvolvimento embrionário é a nidação. Não
há como afirmar que este é, de fato e categoricamente, o marco inicial da vida no
ordenamento jurídico brasileiro, mas que pelo menos este estágio se mostra como mais
apropriado de sê-lo diante do julgamento da constitucionalidade da Lei de biossegurança, pois
é o estágio que cabe ao embrião fecundado in vitro imediatamente após a sua introdução no
aparelho reprodutor feminino, em caso de sucesso na gestação assistida.
Ora, se há permissão de pesquisa em células-tronco embrionárias, tendo como matéria-
prima embriões fecundados in vitro e tidos como inviáveis pelo tempo de crioconservação,
mas não totalmente descartadas das possibilidades minimalíssimas de seguir seu curso e
provocar a nidação, caso estes venham a ser introduzidos no corpo feminino, conclui-se que a
vida começa juridicamente, pelo menos, com a nidação.
Por sua vez, se há permissão legal da interrupção de gestação de feto anencéfalo por este
não desenvolver os hemisférios cerebrais, apesar de ter desenvolvido a capacidade do
aparelho respiratório e do aparelho circulatório, que o mantêm em condições de seguir
precariamente seu desenvolvimento e vir a ser um natimorto, ou, com alguma sorte, nascer
com vida para, em breve espaço de tempo, vir a falecer, leva-nos à possibilidade de aludir que
a vida, juridicamente falando, tem início com o surgimento primário das funções neurais,
conforme defende os seguidores da teria encefálica, visto que a este feto desprovido de
capacidade cerebral não lhe cabe reclamar o direito à vida.
Estando o surgimento das funções neurais posterior ao processo da nidação, não é
despropósito jurídico perquirir, por esta ótica, que para o arcabouço jurídico brasileiro a vida
começa com o surgimento das funções neurais, pois, do contrário, a antecipação terapêutica
do parto seria tipificação como prática de aborto, que para ser permitido, o tema deveria ser
tratado como descriminalização.
Ratifica-se que o tema foi tratado como afastamento de tipificação criminal.
Resta certo que, com o silêncio constitucional, com a falta de definição infraconstitucional
e com a desnecessidade, até o presente momento, do Poder Jurídico em pacificar o
entendimento quanto ao exato momento do início do direito à vida, em que pese as decisões
25
que cominaram nas permissões elencadas, não há como categórica e legalmente definir o
crucial momento que se inicia a vida no Estado brasileiro. Talvez por não ser o Direito a
ciência que deva defini-lo, mas, talvez, esta incumbência seja do conjunto complexo e
dinâmico da evolução da ética, da moral, da ciência, da religião, da cultura e dos costume de
toda uma sociedade organizada.
26
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