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A VIOLÊNCIA COMO FACE PERVERSA DO AGRONEGÓCIO EM MATO GROSSO
José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense (UFF)
Resumo Um dos Estados do Brasil em que os movimentos sociais e a violência se apresentam de modo expressivo é o Mato Grosso. No bojo desse processo, a violência se confirma como a face perversa do agronegócio. A fim de revelar tal situação, este artigo tem como objetivo apresentar uma cartografia da violência no campo em Estado do Mato Grosso. A ideia básica é associar a violência com as diversas atividades produtivas, de modo a ter um quadro menos reducionista da violência. O que se verifica é que, a partir da ocupação de propriedades realizada pelos movimentos sociais, principalmente nas fazendas de cana, pecuária e soja, aparecem as mais diversas formas de violência no campo, como os despejos, prisões, expulsões e assassinatos. Todavia, há o trabalho escravo, pois de todas as violências no campo, este não decorre da ocupação, e sim do interesse dos latifundiários na exploração da mão de obra. Palavras-chave: Violência. Cartografia. Agronegócio. Mato Grosso. Introdução Os conflitos sociais no campo aparecem, hoje em dia, num contexto de crise rural, tendo
em vista a concentração fundiária e o desemprego. Todavia, tais questões remontam ao
passado colonial brasileiro. Já os movimentos sociais de reivindicação da Reforma
Agrária ganham mais expressão no século XX. Dentre os principais estão as Ligas
Camponesas e o Movimentos do Sem-Terra. A ação desses movimentos se dá no
embate com os atores do agronegócio ou oligarquias agrárias tradicionais. O resultado é
o conflito entre interesses assimétricos acerca do modo de produzir no campo e da
propriedade da terra. A partir do conflito, a violência no campo mostra a face dolorosa
do trato com os excluídos ou inseridos precariamente nos espaços agrários do país. A
violência é fruto da luta pela terra.
Vale aqui lembrar que conflito e violência são conceitos distintos. Girardi e Fernandes
(2008, pg. 339) afirmam que, o conflito no campo é uma reação às desigualdades
impostas pelo modo capitalista de produção. O conflito é resultado e expressão da
resistência ao poder dos atores do agronegócio. Por outro lado, as alianças políticas
entre o Estado e os atores capitalistas se utilizam da violência para controlar o conflito.
A violência emerge do conflito e caracteriza-se pelo ataque físico ou moral sobre as
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pessoas que resistem às forças dominantes do capital. Além da violência privada,
também existe a violência praticada pelo Estado contra camponeses através de ações
diretas e indiretas, passivas ou ativas.
A violência direta, como aborda Vigna (2001 apud GIRARDI, 2008, pg. 293), é a
violência que usa a força física contra o camponês, sendo utilizada pelo poder privado
ou pelo Estado. Destacam-se os assassinatos, os despejos e as expulsões da terra. Na
violência direta e ativa, o Estado se utiliza dos despejos judiciais, com o uso da força
policial no cumprimento das ordens de despejo e no controle dos manifestantes, o que
pode provocar mortes. Já a forma passiva da violência direta aparece na omissão do
Estado em relação à violência direta praticada pelo poder privado contra os camponeses.
Por fim, a violência indireta é uma prática concomitante do Estado, com fazendeiros e
empresários. A ação política é a principal forma de execução dessa violência.
Em termos geográficos, “a violência permite mostrar outra dimensão da criminalidade,
que é a da territorialização da mesma: a formação dos territórios da violência e como a
violência se realimenta pela inércia espacial” (FERREIRA e PENNA, 2005, pg. 167).
Sendo assim, é no território que “a pobreza, a exclusão social, a omissão do estado, a
violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e escapam das máscaras
que as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam” (Ibidem, pg. 157).
Segundo Martuccelli (1999, pg.158), “o raciocínio foi, durante muito tempo, sempre o
mesmo: a violência "vinda de baixo" e uma resposta à violência "vinda de cima" e esta,
por sua vez, uma maneira de controlar ou de prevenir a violência que vem de baixo”.
Há duas razões principais para a ocorrência da violência no campo: a concentração de
terra e a impunidade. Como aborda Caralo, A concentração de terra está diretamente relacionada como a concentração do poder. Os poucos donos das terras, que sempre receberam privilégios e exerceram influência sobre as instâncias do Estado brasileiro, além de se sentirem donos da natureza e com isso explorá-la até à exaustão, também se comportam como se fossem donos das pessoas, especialmente as mais pobres. Em nome de seus interesses pessoais, financeiros e políticos, os latifundiários exploram, escravizam, ameaçam, torturam e matam aqueles e aquelas que ousam lutar contra seus privilégios. [...] A impunidade [...] é uma importante cúmplice da violência e traz para a cena, além da não penalização dos responsáveis pelos crimes, uma situação de atemorização da população e de impotência das autoridades (CARALO, 2005, não pág.).
A resistência do poder é realizada pelos atores sociais que estão presentes em condições
desvalorizadas pela lógica da dominação, erguendo, assim, “trincheiras de resistência
com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou
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mesmo oposta a estes últimos” (CASTELLS, 1998, pg.24). O principal local onde
ocorre a resistência, neste caso, é o acampamento. Acampamentos e assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou ou de quem resolveu lutar pelo direito à terra livre e ao trabalho liberto. A terra que vai permitir aos trabalhadores – donos do tempo que o capital roubou e construtores do território comunitário e/ou coletivo que o espaço do capital não conseguiu reter à bala ou por pressão – reporem-se/reproduzirem-se no seio do território da reprodução geral capitalista. Nos acampamentos, camponeses, peões e boias-frias encontram na necessidade e na luta, a soldagem política de uma aliança histórica. Mais do que isso, a transformação da ação organizada das novas lideranças abre novas perspectivas para os trabalhadores. Greves rurais na cidade para buscar conquistas sociais no campo são componentes ainda localizados no campo brasileiro, sinal inequívoco de que estes trabalhadores, apesar de tudo, ainda lutam. (OLIVEIRA, 2001, pg. 194).
A articulação de interesses coletivos entre peões, camponeses, boias-frias, sem-teto nas
cidades, igreja (Comissão Pastoral da Terra), professores, partidos políticos, estudantes,
ONGs etc. anunciam formas de ação política com estratégias definidas para a realização
dos objetivos pretendidos.
Os acampamentos/assentamentos são os locais onde a resistência camponesa é
organizada na forma de rede política. Conforme Brenneisen, A história está repleta de acontecimentos que têm demonstrado que os camponeses, longe da passividade a eles atribuída, têm resistido a toda sorte de dominação que lhes tem sido imposta. Esta resistência tem se dado seja de maneira localizada, espontânea, em pequena escala, na vida cotidiana, ou através da resistência em larga escala. A própria organização dos sem-terra constitui-se numa resistência em larga escala, que tem imposto mudanças na configuração da propriedade da terra no Brasil e nas próprias relações sociais no campo (BRENNEISEN, 2002, pg. 244).
No geral, o conflito entre os jagunços/pistoleiros e os posseiros começa na tentativa
destes últimos de garantirem um pedaço de terra para trabalhar, o que grandes
proprietários não têm permitido. Conforme Oliveira (1994, pg. 69), “as lutas proliferam
e os movimentos sociais, em diferentes lugares, vão surgindo, unificando lutas
aparentemente específicas: luta por terra; luta por preços mais justos; e luta contra a
política agrícola discriminatória”.
Dilemas sociais do agronegócio no Mato Grosso O Estado do Mato Grosso possui como grande destaque de sua economia o agronegócio
(ou agrobusiness, em inglês), numa nítida constituição de um meio técnico-científico-
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informacional, conforme assinala Santos (1996). O espaço agrário e agrícola é marcado
por latifúndios pecuaristas ou de lavouras temporárias de grãos e cana. A monocultura
de alto conteúdo tecnológico incorpora pouca mão de obra. Grande parte da produção é
voltada para o mercado externo. Segundo a estatística de produção agrícola realizada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o Estado do Mato
Grosso é o segundo maior produtor de grãos do país. Destaca-se como o segundo maior
produtor de milho, o maior produtor de soja e algodão, além de ter mais 27 milhões
cabeças de gado, o maior rebanho e produção de carne do Brasil.
O agronegócio veicula princípios da modernidade, representações simbólicas da
modernização, da industrialização, da globalização, do desenvolvimento do campo e da
cidade. Se discurso é uma forma de poder, o discurso do agronegócio alterou padrões
identitários da vida, desterritorializando diversos grupos sociais. Logo, há uma
problemática a ser discutida. A grilagem de terras, por exemplo, é reconhecida como um
dos vilões da violência no campo em Mato Grosso, já que terras do Estado ficam em
mãos de um pequeno grupo em vez de ser destinada para a Reforma Agrária.
Além disso, a violência no campo vem obtendo números expressivos. Em uma rápida
análise dos últimos dados de cada tipo de violência no campo, percebe-se que o número
de trabalhadores escravos libertados em Mato Grosso foi de 308 em 2009, um pouco
mais de 7% do total no Brasil. No entanto, segundo a CPT, entre os anos de 1995-2002
e 2003-2009, o estado do Mato Grosso apareceu em segundo lugar entre os números de
trabalhadores escravos, perdendo apenas para o estado do Pará.
Nos assassinatos, 16% dos casos, no Brasil, aconteceram em MT em 2009. Em 2006, o
número de famílias despejadas no Brasil foi de 17.443, sendo que em Mato Grosso
foram 525 famílias, ou seja, 3% do total em todo o país. Nas expulsões, em 2005, foram
4.366 famílias expulsas pelo poder privado e, em Mato Grosso, foram 448 registrados,
ou seja, 10,26%. O único índice que apareceu com um valor bem abaixo do normal
foram as prisões no meio rural. No Brasil, havia um número de 917 presos em 2006,
porém em Mato Grosso ocorreu apenas uma prisão.
Tais números revelam que o atual celeiro agrícola brasileiro é também um dos
campeões da violência no campo. O avanço da fronteira agrícola em direção à faixa de
tensão ecológica tende a ampliar tais números. Isso comprova que o agronegócio tem
uma de suas bases de reprodução à violência aos que resistem aos atores dominantes da
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agricultura capitalizada. A estratégia da violência é uma forma de eliminar os
obstáculos sociais para a reprodução exclusiva do agronegócio no cerrado.
Uma visão da violência do campo em Mato Grosso A partir de dados coletados no site e em revistas da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
foram elaborados mapas, tabelas e gráficos com os índices de Assassinato, Prisão,
Despejo, Expulsão e Trabalho Escravo. Em alguns dados não estavam disponíveis as
atividades agropecuárias realizadas nas fazendas, glebas, assentamentos¹. Logo,
aproximadamente 4% das ocorrências da violência no campo não apareceram.
O estudo em tela analisa as diversas formas de violência praticadas contra os
trabalhadores rurais, tais como assassinatos e prisões, que possuem uma expressiva
ocorrência e números mais concretos dos que os de tentativas de assassinato e ameaças
de morte, também presentes nas pesquisas da CPT. Despejo e expulsões foram
escolhidos para perceber qual é o principal poder (público ou privado) que retira os
camponeses das terras por estes ocupadas. Por fim, a análise do trabalho escravo se dá
pelo fato de ser a forma de violência no campo com maior destaque em Mato Grosso,
perante o cenário nacional. Por mais que esses dados fornecidos pela CPT possam não
ser a totalidade², mostram o quanto a violência no campo é um problema sério no Brasil.
Mais do que números, são vidas, são informações sobre a situação dos trabalhadores do
campo e revelam a luta dos camponeses. As tabelas, os gráficos e os mapas
apresentados codificam os problemas e a violência a que estão submetidos diversos
grupos sociais no campo.
No levantamento dos dados, foi considerada a principal atividade de cada fazenda, já
que há fazendas que apresentam mais de uma atividade, seja na agricultura, na pecuária,
no extrativismo. Em todos os casos, com exceção do trabalho escravo, os conflitos que
ocorrem nas fazendas são entre os acampados/assentados e fazendeiros. Outro dado
importante a ser apresentado é a presença de pequenos produtores rurais, que, na
verdade, são os assentados com a emissão de posse da terra, constituindo-se em
cooperativa de produtores com produção diversificada de alimentos para subsistência do
grupo e venda dos excedentes. Vejamos, a seguir, a distribuição geográfica dos tipos de
violência em Mato Grosso, entre 1990 e 2009, por tipo de atividade produtiva.
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Assassinato Os homicídios no meio rural em Mato Grosso são frequentes todos os anos. Foram 35
assassinatos no período de 1994 – 2009, relacionados à pecuária, responsável por 14
mortes, à soja com uma morte e 20 mortes nas pequenas propriedades rurais. Os
municípios com maiores índices neste quesito foram Colniza, Rosário Oeste e Peixoto
de Azevedo, apresentando cada um cinco mortes.
As razões para os assassinatos estão relacionadas à reintegração de posse por parte do
MST. O conflito direto se dá entre o MST e os grileiros, que, normalmente, contratam
pistoleiros para matar os trabalhadores rurais. Outra razão do assassinato é o bloqueio
de estradas por parte de integrantes do MST e os conflitos com caminhoneiros. As
mesorregiões que apresentaram homicídio no campo são o Centro-Sul, Nordeste e Norte
mato-grossense (Mapa1).
Segundo o "Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros" realizado pela OEI
(Organização dos Estados Ibero-Americanos), 2004, a cidade mais violenta do Brasil, e
com apenas 12 anos de existência (pertencia ao município de Aripuanã) é Colniza,
localizada no noroeste do Estado. Durante muitos anos sem sede do Poder Judiciário e
com um policiamento ineficiente, o município sofreu e ainda sofre com a impunidade.
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Não faltam terras griladas por pessoas com poderes políticos e econômicos na cidade
que vendem “suas terras” para empresas madeireiras. O desmatamento ilegal faz com
que a cidade esteja entre os municípios que mais desmatam no Brasil, segundo o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Os pequenos produtores rurais, ou seja, os assentados são os que mais sofrem com esta
ação (Gráfico1), correspondendo a um pouco mais de 57% dos casos. Os camponeses
também são a maioria dos assassinados na pecuária e na soja, devido às ameaças e aos
homicídios provocados pelos pistoleiros.
O número é expressivo nas pequenas produções rurais, pois é a partir do
assentamento/acampamento que os camponeses podem conseguir a terra improdutiva da
qual eles invadiram. Porém, os fazendeiros não querem perder a terra que lhes
pertencem. O problema não são as pequenas propriedades rurais, e sim a intimidação
que os fazendeiros fazem perante os camponeses. As pequenas produções rurais são o
único jeito que os camponeses acharam para conseguir terras para sua subsistência.
Diversos casos não chegam às autoridades, e ocorrem no meio rural, distante da área
central do município. O mais assustador é que as pessoas encaram os assassinatos como
algo natural, até porque não há repressão e punição que condizem com a violência.
Como informa o relatório “Mapa da Falência”, realizado em 2010 pelo Sindicato dos
Investigadores da Polícia Civil de Mato Grosso, presente no site 24HorasNews³, não há,
em diversos municípios de Mato Grosso, policiais suficientes, ou há municípios sem
policiais, como é o caso de Planalto da Serra. Falta fiscalização principalmente para
combater a chegada dos grileiros.
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Embora os casos de assassinatos apareçam com certa frequência em Mato Grosso, há
uma vantagem maior em impor o medo do que matar, pois o terror psicológico sobre os
trabalhadores sem-terra faz com que haja uma saída deles da região, sem que exista a
necessidade das mortes e, consequentemente, aparecimento da mídia e da policia.
Prisão As prisões são efetuadas principalmente contra os acampados. Dentre as atividades que
apresentam este tipo de violência estão: algodão (oito presos), cana (cinco presos),
madeireira (um preso), mandioca (quatro presos), pecuária (26 presos), pequenos
produtores rurais (35 presos), quilombola (dois presos) soja (28 presos). Há um total de
109 prisões, entre os anos de 1990 - 2006.
As prisões ocorreram devido à posse ilegal de armas, confronto de manifestantes contra
a polícia, despejos efetuados em algumas fazendas, tentativas de assassinato, acusação
de roubo, desacato à autoridade e formação de quadrilha. As prisões ocorrem em todas
as mesorregiões de Mato Grosso (Mapa 2).
São raros os casos em que os fazendeiros e seus comparsas são presos. Isso só acontece
caso haja uma fiscalização da polícia para verificar a existência de posse ilegal de armas
e/ou formação de quadrilha, devido a esquemas relacionados à extração ilegal de
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madeira. De acordo com o gráfico 2, as atividades que apresentam um maior destaque
são os pequenos produtores rurais (32,1%), soja (25,7%) e pecuária (23,8%). Nas
pequenas produções rurais, as prisões ocorrem por ações de despejo provocado por
forças policiais. A partir do momento em que há a reintegração da posse de terra que
estava na mão dos camponeses e retorna ao fazendeiro, há conflitos de interesses. A
partir daí qualquer manifestação contrária ao despejo gera violência e prisões.
Mesmo em terras cedidas pelo INCRA há conflitos. O quilombo Mata Cavalo, em
Nossa Senhora do Livramento, foi criado em 1999, já que esta área foi reconhecida pelo
INCRA como território de remanescente de quilombos. O problema é que esta terra hoje
está em mãos de fazendeiros, que lutam para expulsá-los. Numa das ações de despejo,
feitas pela policia, ocorreu a prisão de três representantes do quilombo.
Expulsão A expulsão ocorre quando o poder privado impõe o medo e a expulsão (a partir dos
pistoleiros, jagunços) das famílias nos assentamentos/acampamentos. Foram 1679
pessoas expulsas, sendo 570 na pecuária, 553 nos pequenos produtores rurais e 556 na
soja. Infelizmente, muitas famílias expulsas não avisam aos órgãos competentes sobre
as ações irregulares que são cometidas pelos contratados dos fazendeiros. O medo de
retaliação desloca a família para outra área de acampamento.
A expulsão ocorre principalmente a partir do conflito direto entre fazendeiros e
posseiros. Os primeiros detêm armas e intimidam, e, caso necessário, assassinam quem
“invade” seu território. Localizam-se na mesorregião Centro-sul, Norte, Nordeste e
Sudeste do Estado do Mato Grosso (Mapa 3).
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A resistência à ação de expulsão provoca conflito e, consequentemente, pode provocar
mortes. Em 2005, ocorreu uma morte na fazenda Serra Verde, em Santo Antônio do
Leverger, uma morte na Gleba Conselvam, em Aripuanã e três mortes na Gleba do
Gama, em Peixoto de Azevedo. Alguns fazendeiros podem até não confirmar a presença
de pistoleiros, mas todo proprietário tem o direito de defender a sua propriedade e usam
ameaças e homens armados para fazer isso. Muitas das famílias expulsas já tinham
plantações, mas, mesmo assim, acabaram sendo expulsas.
As únicas atividades (pecuária, soja e pequenos produtores rurais) que apresentaram
expulsões no campo tiveram praticamente o mesmo número de famílias expulsas. No
geral, os pistoleiros intimidam os moradores, os agridem fisicamente ou assassinam. Os
pistoleiros também atiram próximo ao acampamento para amedrontar os acampados.
Despejo O despejo ocorre quando o poder público expulsa as famílias dos sem terra de uma
determinada fazenda com a ação policial. O número de despejo é expressivo, pois entre
o período de 1990 – 2006 ocorreu o despejo de 17366 famílias, uma média superior a
1000 famílias despejadas por ano. As atividades rurais que estão envolvidas com
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despejo são, a saber: algodão (1346), banana (75), cana (991), pecuária (6263),
pequenos produtores rurais (6801), piscicultura (500), quilombo (70) e soja (1340).
As ordens de despejo ocorrem principalmente na pecuária e nas pequenas produções
rurais (Gráfico 3). Essas duas atividades representam 75% das ordens de despejos. Os
produtores despejados buscam a terra improdutiva e grilada. O problema para os
camponeses é que a justiça, em vários casos, dá parecer favorável para os grandes
proprietários de terra.
Os conflitos entre fazendeiros/assentados são o principal motivo da ordem de despejo.
Por mais que o INCRA ceda terras consideradas do Estado para famílias em regime de
comodato, essas terras são usadas por fazendeiros há anos. A outra situação é quando
diversas fazendas com terras improdutivas chamam a atenção e o interesse das famílias
ligadas ao MST para o uso próprio. O problema é que os proprietários das fazendas
possuem dinheiro para contratar bons advogados, dificultando a posse definitiva dessas
terras aos sem-terra.
Em Mato Grosso, os despejos ocorreram em todo o Estado, como ilustrado no Mapa 4.
Em uma das fazendas, localizada entre os municípios de Várzea Grande e Jangada,
predomina a piscicultura, atividade que não utiliza toda a fazenda, deixando espaços
improdutivos. Sendo assim, 500 famílias sem-terra acamparam, mas acabaram sendo
despejadas.
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Os trabalhadores, quando sofrem as ações de despejo ou expulsão, acabam tendo os
seus pertences destruídos ou deixados para trás. Os animais criados, as plantações, os
barracos e, em alguns casos, a própria vida. Depois, acabam indo para outros
assentamentos ou acampam na beira da estrada, criando conflitos com os
caminhoneiros.
Nas terras griladas, o Estado, quando pressionado, move uma ação judicial para
recuperar esta terra. Os produtores rurais sem-terra chegam à propriedade e acampam,
pedindo a posse da terra ao INCRA. Só que o fazendeiro ou a empresa pede a
reintegração de posse por considerar os acampados invasores. Dá-se início a uma
“guerra” judicial, que pode durar anos.
Trabalho escravo: as formas de combate do Governo Brasileiro Segundo a Convenção nº 29 da OIT (Organização do Internacional do Trabalho), de
1930, a expressão "trabalho forçado ou obrigatório" compreende a “todo trabalho ou
serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha
oferecido espontaneamente” (art. 2°). A escravidão é uma forma de trabalho forçado,
que faz com que uma pessoa tenha total controle sobre uma ou um grupo de pessoas,
que estão vivendo em situação, em geral, degradante, somada à impossibilidade de
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deslocamento devido ao isolamento geográfico ou coerção física, até pagarem suas
“dívidas” com o patrão.
A forma mais comum, no Brasil, de trabalho forçado é a servidão por dívida, que vem
quase sempre associada com as outras três formas de cercear a liberdade já citadas. A
servidão por dívida é caracterizada quando o dono da fazenda ou de qualquer
empreendimento rural proporciona um empréstimo aos trabalhadores, contratados pelo
“gato” (contratador da mão de obra), sob a forma de adiantamento de dinheiro. Em
seguida os trabalhadores têm seus direitos confiscados.
A partir de 1995, quando o governo reconheceu a necessidade de combater o trabalho
escravo, foram criados o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o Grupo
Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). O Grupo de Fiscalização
Móvel tem como objetivo, como informa o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a
erradicação do trabalho escravo, por meio de ações fiscais nos focos mapeados.
Em 2003, o governo Lula prometeu a erradicação do trabalho escravo. O GERTRAF foi
substituído pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
(CONATRAE), que elaborou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,
hoje em sua segunda edição. Além do CONATRAE, também existe nos Estados o
COETRAE (Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo), que age nas
ações de combate ao trabalho ilegal e desenvolve ações preventivas, repressivas e de
políticas públicas, buscando alternativas para que estes trabalhadores não retornem ao
trabalho escravo através da qualificação via cursos profissionalizantes.
O Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, como salienta o MTE: ...apresenta medidas a serem cumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civil brasileira. Atualização de propostas que já vinham sendo articuladas em anos anteriores, o documento considera as ações e conquistas realizadas pelos diferentes atores que têm enfrentado esse desafio ao longo dos últimos anos4.
O MTE criou uma forma de tentar impedir o crescimento do trabalho escravo, a
chamada Lista Suja. Os fazendeiros que estão nesta lista ficam proibidos de receber
empréstimos de bancos estatais. A lista é disponibilizada para consulta pública no site
do MTE, sendo usada, principalmente, por empresas que querem evitar a compra de
produtos que advém do trabalho escravo, impondo o fim da comercialização desses
produtos, pelo menos até a saída do nome do fazendeiro da Lista Suja.
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A atualização da Lista Suja é semestral. O cadastro, conforme o assessor da Secretaria
de Inspeção do Trabalho (SIT) do MTE, Marcelo Campos, consiste: ...na inclusão de empregadores cujos autos de infração estejam com decisão definitiva e não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera administrativa, bem como, da exclusão daqueles que, ao longo de dois anos, contados da sua inclusão no Cadastro, lograram êxito em sanar irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho e atenderam aos requisitos previstos na Portaria retro mencionada5.
Ainda segundo Marcelo Campos, o MTE, ...como subsídio para proceder às exclusões, adotou o seguinte procedimento: análise das informações obtidas por monitoramento direto e indireto nas propriedades rurais incluídas, por intermédio de verificação “in loco” e por meio das informações dos órgãos e das instituições governamentais e não governamentais, além das informações obtidas junto à Coordenação Geral de Recursos da Secretaria de Inspeção do Trabalho. Outro aspecto a ser esclarecido é aquele relativo aos empregadores que recorreram ao Poder Judiciário visando sua exclusão do Cadastro. Em cumprimento à decisão judicial (liminar), o nome é imediatamente excluído e assim permanece até eventual suspensão da medida liminar ou decisão de mérito. Havendo decisão judicial pelo retorno do nome ao Cadastro, este passa novamente a figurar entre os infratores e a contagem do prazo se reinicia computado o tempo anterior de permanência no Cadastro, até que se completem dois anos. A propriedade volta, então, a ser monitorada durante esse tempo restante, para efeito de futura exclusão por decurso de prazo e por cumprir as demais exigências previstas na aludida portaria6.
Além disso, um fator de grande importância é a necessidade de reinserção dos
trabalhadores resgatados. O governo os insere no programa Bolsa Família e no
Programa Nacional Resgatando a Cidadania, projeto piloto em Mato Grosso, para fazer
intermediação de mão de obra. Portanto, se alguma empresa estatal precisar de um
trabalhador, procura os trabalhadores cadastrados neste programa.
Trabalho escravo no período 2000–2009 No período de 2000–2009, foram 76 municípios com 7405 casos de trabalhadores
resgatados. O Estado do Mato Grosso possui 141 municípios, metade deles tem registro
de escravidão. As principais atividades envolvidas com a escravidão são: algodão (879
trabalhadores), cana (2066 trabalhadores), pecuária (2524 trabalhadores) e soja (1543
trabalhadores). As duas principais atividades agropecuárias do estado (soja e a criação
de gado) correspondem a 62% dos trabalhadores encontrados, conforme Tabela I.
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Tabela I: Trabalhadores escravos no campo em Mato Grosso (2000-2009)
UF Municípios Período Libertados Atividade MT Alto Garças 2000 - 2009 124 Algodão MT Alto Taquari 2000 - 2009 200 Algodão MT Campo Verde 2000 - 2009 52 Algodão MT Diamantino 2000 - 2009 135 Algodão MT Jaciara 2000 - 2009 44 Algodão MT Primavera do Leste 2000 - 2009 2 Algodão MT Itiquira 2000 - 2009 129 Algodão MT Guiratinga 2000 - 2009 181 Algodão MT Porto Estrela 2000 - 2009 12 Algodão MT Porto Espiridião 2000 - 2009 11 Arroz MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 6 Avicultura MT Sorriso 2000 - 2009 9 Avicultura MT Campos de Júlio 2000 - 2009 249 Cana MT Confresa 2000 - 2009 1179 Cana MT Cuiabá 2000 - 2009 35 Cana MT Lambari d'Oeste 2000 - 2009 96 Cana MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 40 Cana MT Nova Olímpia 2000 - 2009 67 Cana MT Poconé 2000 - 2009 400 Cana MT Feliz Natal 2000 - 2009 15 Carvoaria MT Marcelândia 2000 - 2009 5 Carvoaria MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 12 Carvoaria MT Pontal do Araguaia 2000 - 2009 23 Extração de Látex MT Carlinda 2000 - 2009 13 Extrativismo Mineral MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 6 Extrativismo mineral (calcário) MT Nortelândia 2000 - 2009 58 Extrativismo mineral (pedra) MT Rosário Oeste 2000 - 2009 11 Extrativismo Vegetal(Pau-de-Balsa) MT Bom Jesus do Araguaia 2000 - 2009 26 Madeireira MT Campo Novo do Parecis 2000 - 2009 14 Madeireira MT Marcelândia 2000 - 2009 9 Madeireira MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 6 Madeireira MT Tapurah 2000 - 2009 69 Milho MT Alta Floresta 2000 - 2009 43 Pecuária bovina MT Alto Boa Vista 2000 - 2009 65 Pecuária bovina MT Araputanga 2000 - 2009 6 Pecuária bovina MT Barra do Garças 2000 - 2009 17 Pecuária bovina MT Brasnorte 2000 - 2009 61 Pecuária bovina MT Cáceres 2000 - 2009 5 Pecuária bovina MT Canabrava do Norte 2000 - 2009 11 Pecuária bovina MT Cláudia 2000 - 2009 18 Pecuária bovina MT Colniza 2000 - 2009 16 Pecuária bovina MT Comodoro 2000 - 2009 6 Pecuária bovina MT Confresa 2000 - 2009 98 Pecuária bovina MT Diamantino 2000 - 2009 1 Pecuária bovina MT Feliz Natal 2000 - 2009 20 Pecuária bovina MT Guarantã do Norte 2000 - 2009 95 Pecuária bovina MT Jauru 2000 - 2009 101 Pecuária bovina MT Juara 2000 - 2009 106 Pecuária bovina MT Nobres 2000 - 2009 100 Pecuária bovina MT Nova Bandeirantes 2000 - 2009 66 Pecuária bovina MT Nova Canaã do Norte 2000 - 2009 11 Pecuária bovina MT Nova Guarita 2000 - 2009 9 Pecuária bovina MT Nova Lacerda 2000 - 2009 3 Pecuária bovina MT Nova Maringá 2000 - 2009 10 Pecuária bovina
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Fonte: Comissão Pastoral da Terra (2000 – 2009), adaptado pelo autor.
As principais commodities em Mato Grosso são a carne, a soja, a cana, o milho e o
algodão. Consequentemente são influenciadas pelas cotações do mercado internacional.
Há produtores, como já sinalizado, que reduzem os custos trabalhistas e ignoram
MT Nova Monte Verde 2000 - 2009 49 Pecuária bovina MT Novo Mundo 2000 - 2009 126 Pecuária bovina MT Nova Mutum 2000 - 2009 33 Pecuária bovina MT Nova Xavantina 2000 - 2009 17 Pecuária bovina MT Paranaíta 2000 - 2009 19 Pecuária bovina MT Peixoto de Azevedo 2000 - 2009 223 Pecuária bovina MT Pontal do Araguaia 2000 - 2009 16 Pecuária bovina MT Pontes e Lacerda 2000 - 2009 10 Pecuária bovina MT Porto dos Gaúchos 2000 - 2009 14 Pecuária bovina MT Querência 2000 - 2009 58 Pecuária bovina MT Ribeirão Cascalheira 2000 - 2009 9 Pecuária bovina MT Rondolândia 2000 - 2009 33 Pecuária bovina MT Rosário Oeste 2000 - 2009 10 Pecuária bovina MT Santa Rita do Trivelato 2000 - 2009 75 Pecuária bovina MT Santa Terezinha 2000 - 2009 136 Pecuária bovina MT São Félix do Araguaia 2000 - 2009 165 Pecuária bovina MT São José do Xingu 2000 - 2009 94 Pecuária bovina MT Tabaporã 2000 - 2009 21 Pecuária bovina MT Tapurah 2000 - 2009 106 Pecuária bovina
MT Vila Bela da SantíssimaTrindade 2000 - 2009 6 Pecuária bovina
MT Vila Rica 2000 - 2009 436 Pecuária bovina MT Paranatinga 2000 - 2009 71 Produção de semente de capim MT União do Sul 2000 - 2009 29 Produção de semente de capim MT Alta Floresta 2000 - 2009 11 Soja MT Bom Jesus do Araguaia 2000 - 2009 7 Soja MT Brasnorte 2000 - 2009 24 Soja MT Campo Novo do Parecis 2000 - 2009 172 Soja MT Campo Verde 2000 - 2009 15 Soja MT Campos de Júlio 2000 - 2009 35 Soja MT Comodoro 2000 - 2009 100 Soja MT Gaúcha do Norte 2000 - 2009 9 Soja MT Ipiranga do Norte 2000 - 2009 6 Soja MT Lucas do Rio Verde 2000 - 2009 35 Soja MT Nova Canaã do Norte 2000 - 2009 11 Soja MT Nova Monte Verde 2000 - 2009 10 Soja MT Nova Ubiratã 2000 - 2009 377 Soja MT Novo São Joaquim 2000 - 2009 1 Soja MT Poxoréo 2000 - 2009 1 Soja MT Ribeirão Cascalheira 2000 - 2009 50 Soja MT Santo Antônio do Leste 2000 - 2009 71 Soja MT São José do Rio Claro 2000 - 2009 25 Soja MT Sapezal 2000 - 2009 245 Soja MT Sinop 2000 - 2009 118 Soja MT Sorriso 2000 - 2009 111 Soja MT Tangará da Serra 2000 - 2009 50 Soja MT Tapurah 2000 - 2009 59 Soja
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direitos humanos a fim de obter posições de destaque no cenário de competitividade.
Daí o destaque destas atividades nos registros de trabalho escravo (Gráfico 4).
Há um total de 217 casos registrados como análogos a trabalho forçado neste mesmo
período. A pecuária aparece em 113 casos, 52% das fiscalizações e diversas fazendas
reincidentes. Conforme o Mapa 5, todas as mesorregiões registram este problema. O
número de ocorrência aumentou nos últimos anos porque a fiscalização melhorou.
A produção do etanol virou um dos grandes destaques da política ambiental brasileira.
A fim de reduzir o custo de produção, há a ocorrência de escravidão por dívida nos
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canaviais. Um dos casos em Mato Grosso foi a Destilaria Araguaia (antiga Gameleira)
que fica em Confresa. Em 2001, apresentou trabalho escravo, e o resgate de 105
pessoas. Em 2003, foram 13 libertados trabalhadores. Em 2005, o número de
trabalhadores submetidos à escravidão na usina subiu para 1.003 pessoas. Por fim, em
2009, foram 55 trabalhadores libertos, ou seja, chegando a um total de 1176
trabalhadores em situações subumanas.
Umas das mais importantes ONGs brasileiras contra a violência no campo e,
principalmente, contra o trabalho escravo, a ONG Repórter Brasil, publicou, em 2009, o
relatório “O Brasil dos Agrocombustíveis - Impactos sobre a terra, o meio e a sociedade
- Cana 2009”. Consta no relatório que a Gameleira entrou para a lista suja do trabalho
escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em novembro de
2003 e saiu em maio de 2008. Durante esse período, ela chegou a ter seu nome retirado
da lista oficial de empregadores escravagistas por força de liminares, posteriormente
derrubadas pela própria Justiça.
O mesmo relatório aponta que, em 2006, A Gameleira passou a se chamar Destilaria Araguaia, uma tentativa de desvincular a imagem dos escândalos trabalhistas. [...] O MPT ofereceu à Destilaria Araguaia um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual a empresa se compromete a se adequar às normas de segurança e saúde no trabalho. Entre as medidas exigidas para que ela volte a funcionar está a construção de aterramentos para os geradores de energia elétrica, a instalação de dispositivos de abertura interna para câmaras frias e de sistemas de proteção contra incêndios e explosões em áreas consideradas de risco. [...] A Destilaria Araguaia processa de 300 a 350 mil toneladas de cana por ano, produzindo cerca de 25 milhões de litros de etanol. [...] No período em que constava da lista suja do trabalho escravo, a então Gameleira não conseguia vender sua produção a grandes distribuidoras, comprometidas com o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ao sair do cadastro oficial de escravagistas, porém, a agora Destilaria Araguaia voltou imediatamente a ser fornecedora da Petrobras. (REPÓRTER BRASIL, 2009, pg. 17-19)
Além da cana, a intensa mecanização no setor sojicultor promove algumas atividades
relacionadas à preparação do solo que envolve trabalho manual. O trabalho escravo na
soja ocorre porque os fazendeiros utilizam os trabalhadores tanto para limpar antigos
pastos quanto para derrubar mata nativa. São trabalhadores temporários, contratrados
para serviços que requerem baixa qualificação profissional e grande força física. Assim
como a soja, a colheita do algodão é praticamente toda mecanizada, mas existe a
necessidade do serviço braçal de limpar a terra, catando as raízes e preparando para um
novo plantio. Essa é a brecha para a introdução do trabalho escravo.
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Considerações finais A violência no campo de Mato Grosso não é visível na paisagem. Em áreas extensas de
soja, cana e gado, quem olha não percebe que, atrás do uso produtivo da terra, há uma
face perversa, marcada pela concentração fundiária, assassinatos, despejos e trabalho
escravo. É nesse cenário de contradições inerentes ao agronegócio que práticas de
resistências se afirmam e anunciam conflitos fundiários. A luta é por direito à terra de
trabalho em contraposição à terra de negócio. Sendo assim, o agronegócio já carrega
em si resistências a uma racionalidade que é nociva à socio-biodiversidade.
A cartografia da violência no campo em Mato Grosso apresenta resultados em
consentâneo com o avanço da fronteira agrícola. O Mapa 6, da distribuição do trabalho
escravo, entre 2000 e 2009, revela uma concentração de ocorrência na faixa de tensão
ecológica, onde os problemas de desmatamento são mais relevantes, para fins de
abertura da pecuária. É ai onde a fronteira avança por conta da nova logística de
transporte que se dirige para o Norte, sobretudo no trecho da rodovia BR-163, em
direção à Santarém (PA). O Nordeste de Mato Grosso é também uma área de abertura
de novos projetos do agronegócio. Querência é o município de destaque no
desmatamento para pecuária e lavoura de grãos. Já onde a fronteira já está consolidada,
é a agricultura capitalizada a principal responsável pelo trabalho escravo. As prisões e
expulsão de famílias se concentram também na faixa de tensão ecológica, em direção à
floresta equatorial, área de interesse do agronegócio brasileiro. Por fim, os assassinatos
repetem o mesmo padrão locacional devido as mesmas razões já assinaladas. Tal quadro
sinaliza para o fato de a violência do campo em Mato Grosso ser resultado das
contradições socioespaciais do capitalismo e da relação conflituosa entre as classes
sociais.
De acordo com Alentejano (2008), o conflito no campo é a manifestação dos
antagonismos de classes sociais e da construção de identidades coletivas, motivadas por
interesses coletivos compartilhados e contrários à ordem capitalista. Para tanto, a luta
exige formas de organização dos movimentos sociais. É nesse ponto que a constituição
de redes políticas de resistências ao agronegócio se afirma na defesa de ideologias
próprias e posição política de combate ao avanço da fronteira agrícola capitalista. A
violência no cerrado mato-grossense é fruto do recuo da socio-biodiversidade em favor
do agronegócio. De fato, os conflitos e a violência no campo são o meio pelo qual as
representações e discursos da modernidade avançam e constituem territórios
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corporativos sob a égide do agronegócio internacional. O uso da força e do medo tem
sido um dos imperativos das redes políticas das corporações para atingir os objetivos e
metas pretendidos. Daí a importância da Reforma Agrária e da luta dos sem-terra por
moradia, educação, alimentação, saúde, respeito à socio-biodiversidade e à função
social da terra. A luta por tais direitos se traduz em conflito e violência. Logo, a
violência no campo é um indicador de que os movimentos sociais organizados no
campo são uma realidade. Todavia, infelizmente, as questões fundiárias ainda não são
assumidas como um problema nacional, em face do peso da urbanização dominante do
país, cenário por excelência das ideias de modernidade e progresso. O rural ainda
carrega o estigma do atraso, do arcaico, do tradicional, do periférico e do vazio
demográfico. Talvez o debate em torno dessas representações simbólico-ideológicas nas
universidades, escolas e famílias contribuam para uma maior mobilização e militância
na defesa dos sem-terra e de outra racionalidade socio-produtiva.
Notas 1.Alguns dados da CPT não foram considerados por não haver informações suficientes do local onde
ocorreu a ação ou o número preciso de pessoas que sofreram a ação. 2.Os dados fornecidos pela CPT são dinâmicos, podendo ser atualizados. Algumas informações tendem a
ser corrigidas e/ou acrescentadas, mesmo após a publicação dos dados. Por isso, os dados trabalhados e publicados neste artigo podem ser diferentes dos apresentados em outras publicações.
3.Informações no site: http://www.24horasnews.com.br/index.php?tipo=ler&mat=353154, acessado em 20/02/2011.
4.Extraído do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_escravo/7337.pdf, acessado em 20/01/2011
5.Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Atualizada a Lista Suja de trabalho escravo. Acessado em 20/01/2011
6.Extraído do Site do Ministério do Trabalho e Emprego. Inspeção do Trabalho: Combate ao Trabalho Escravo. Acessado em 20/01/2011.
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